Tes Eduardo Rouston Junior Completo

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

EDUARDO ROUSTON JUNIOR

O PARTIDO FEDERALISTA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA:


IMPRENSA E DISCURSOS PARLAMENTARES

Porto Alegre
2016
EDUARDO ROUSTON JUNIOR

O PARTIDO FEDERALISTA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA:


IMPRENSA E DISCURSOS PARLAMENTARES

Tese apresentada como requisito para a


obtenção do grau de Doutor pelo Programa de
Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador Prof. Dr. Charles Monteiro

Porto Alegre
2016
EDUARDO ROUSTON JUNIOR

O PARTIDO FEDERALISTA NA PRIMEIRA REPÚBLICA BRASILEIRA:


IMPRENSA E DISCURSOS PARLAMENTARES

Tese apresentada como requisito para a


obtenção do grau de Doutor pelo Programa de
Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em: ____ de __________________ de 2016.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________
Charles Monteiro – Orientador

____________________________________________________
Ana Luiza Setti Reckziegel – UPF (videoconferência)

____________________________________________________
Vitor Otávio Fernandes Biasoli – UFSM

____________________________________________________
Cássio Alan Abreu Albernaz – PUCRS

____________________________________________________
Helder V. Gordim da Silveira – PUCRS

Porto Alegre
2016
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Charles Monteiro, queria que essas palavras tivessem o
poder de transmitir meu reconhecimento por ter recebido, num momento tão delicado e
decisivo da minha vida pessoal e acadêmica, uma orientação no sentido mais claro que essa
palavra possa significar: estímulo, críticas e ao mesmo tempo total liberdade. E mais do que
isto: tive a sensação de estar “pensando junto”, o que é um privilégio. Além disso, gostaria de
destacar a sua orientação sempre segura e plena em liberdade de escolhas e pelo constante
encorajamento na elaboração e na revisão deste trabalho e nos planos futuros da minha
carreira.
Aos funcionários da Secretaria da Escola de Humanidades da PUCRS, em especial à
competentíssima e amiga, Carla Carvalho, pela sua generosidade, pela sua atuação sempre
eficiente e cuidadosa, pelo seu atendimento sempre solícito e prazeroso. Saiba que a admiro
muito.
À Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que, através do Curso de
Pós-Graduação em História, ofereceu sempre excelente estrutura de ensino e bons professores
para a realização do Mestrado e do Doutorado.
Aos meus pais pela presença, amor e carinho que sempre me deram e que me enchem
de felicidade, pelo exemplo de integridade e educação que me ensinaram ao longo da minha
existência.
“Hoje, o apelo seria dirigido a todas as unidades da federação
brasileira, não para que seus lidadores subissem à tribuna democrática,
a fim de confraternizar ante o advento de uma ideia liberal, mas para
que tivessem a dignidade de combater o monstro da anarquia, que o
gênio de Cotegipe vaticinara, preponderando nos trágicos destinos da
República. [...] A pátria ainda teve a desgraça de perder o homem,
único estadista legado pela Monarquia à República, conhecido na
História sob o nome de Gaspar Silveira Martins. Humilde discípulo do
Tribuno Máximo, eu venero a sua memória como a de um Santo e
aceito os princípios da sua obra política como a criação de um profeta.
[...]. Silveira Martins, agitou a flâmula gloriosa do parlamentarismo
contra as esquisitices anglo-saxônicas, transplantadas pelos ideólogos
para as ardentes regiões do clima tropical” (Arthur Caetano da Silva.
A Reforma, 29 set. 1911, n. 1319).
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar, sob o prisma da imprensa e parlamentar, a atuação
política do Partido Federalista no contexto da Primeira República Brasileira. Dessa análise
dois pontos saltam à vista: em primeiro lugar, a defesa do fortalecimento do governo
representativo, definido dentro dos marcos de uma República parlamentarista e, em segundo
lugar, o fortalecimento da União federal sobre as unidades estaduais, delineando um regime
de centralização política para o estado brasileiro. Estes dois aspectos principais, que se
colocam no discurso federalista no âmbito nacional, estavam fortemente influenciados por
uma problemática de caráter regional, vivida pelo Rio Grande do Sul durante o regime
castilhista-borgista, de feição autoritária e conservadora: com relação ao estado sulino, a
negação que o situacionismo castilhista fazia em torno do governo representativo e a sua
substituição por uma "ditadura"; com relação à União, a pretendida sujeição desta aos
interesses autoritários do Chefe do Estado rio-grandense. Nesse sentido, analisamos, através
da imprensa política e dos discursos parlamentares da oposição federalista, a relação que
possuíam as principais temáticas políticas levantadas pelo partido maragato no plano nacional
com a situação sul-rio-grandense, ensejada pelo autoritarismo castilhista-borgista, do qual o
Partido Federalista, ao longo de sua história, foi sempre enérgico opositor.

Palavras-chave: Partido Federalista. Parlamentarismo. Primeira República. História do


Brasil. Imprensa.
ABSTRACT

This paper aims to examine, through the prism of the press and parliament, the political role
of the Federalist Party in the context of the First Brazilian Republic. From this analysis two
points jump in sight: first, to defend the strengthening of representative government, set
within the framework of a parliamentary Republic and, secondly, the strengthening of the
federal Union on the state units by delivering a political centralization regime for the
Brazilian state. These two main aspects that stand in the federalist speech at the national level,
were strongly influenced by a regional character problems, experienced by Rio Grande do Sul
during the castilhista-borgista regime of authoritarian and conservative feature: with respect to
the southern state, denial that the castilhista situationism was around the representative
government and its replacement by a "dictatorship"; with regard to the Union, the desired
subject of this authoritarian interests of Chief Rio Grande State. In this sense, we analyze,
through political press and parliamentary speeches of federalist opposition, the relationship
had major thematic policies raised by maragato party at the national level with the situation
south of Rio Grande, occasioned by castilhista-borgista authoritarianism, which the Federalist
Party, throughout its history, has always been energetic opponent.

Keywords: Federalist Party. Parliamentarism. First Republic. History of Brazil. Press.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Membros do Partido Federalista ............................................................................. 74


Figura 2 – Charge sobre Pinheiro Machado ........................................................................... 124
Figura 3 – Francisco Antunes Maciel ..................................................................................... 144
Figura 4 – Pedro Moacyr ........................................................................................................ 145
Figura 5 – Rafael Cabeda ....................................................................................................... 148
Quadro 1 – Bancada federalista nas comissões da Câmara .................................................... 150
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
2 O PARTIDO FEDERALISTA SOB O PRISMA DA HISTORIOGRAFIA
ACADÊMICA ......................................................................................................................... 17
2.1 O PARTIDO FEDERALISTA SOB O ÂNGULO DA HISTORIOGRAFIA
REGIONAL: A VERTENTE “REPUBLICANA” ............................................................... 19
2.2 O FEDERALISMO SEGUNDO O ÂNGULO DA VERTENTE HISTORIOGRÁFICA
REVOLUCIONÁRIA ........................................................................................................... 48
2.3 O PARTIDO FEDERALISTA NA PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA NACIONAL
.............................................................................................................................................. 62
3 DO REGIONAL AO NACIONAL: O PARTIDO FEDERALISTA NA E ATRAVÉS
DA IMPRENSA SUL-RIO-GRANDENSE .......................................................................... 71
3.1 ALGUMAS QUESTÕES DE CONTEXTO HISTÓRICO REGIONAL E NACIONAL
.............................................................................................................................................. 71
3.1.1 As vozes federalistas na imprensa partidária sul-rio-grandense: A Reforma, O
Maragato, Echo do Sul e Correio do Sul ........................................................................ 82
3.2 A CRÍTICA FEDERALISTA AO POSITIVISMO CASTILHISTA ............................. 89
3.3 O MAL NÃO VEM DA REPÚBLICA, VEM DO PRESIDENCIALISMO À
AMERICANA ...................................................................................................................... 98
3.4 “A POLÍTICA É A MAIOR INIMIGA DA JUSTIÇA”: A QUESTÃO DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ................................................................................. 118
3.5 PINHEIRO MACHADO NA MIRA DA OPOSIÇÃO ................................................ 123
3.6 A REVISÃO CONSTITUCIONAL NA IMPRENSA FEDERALISTA ..................... 129
4 A AÇÃO DA BANCADA FEDERALISTA NO CONGRESSO NACIONAL ............ 136
4.1 QUE BANCADA É ESSA? ......................................................................................... 143
4.2 O BRASIL SEGUNDO OS FEDERALISTAS: O DESENCANTO PELA REPÚBLICA
............................................................................................................................................ 150
4.3 UM NOVO RUMO À REPÚBLICA: O FEDERALISMO UNIONISTA E A OPÇÃO
PELA INTERVENÇÃO FEDERAL .................................................................................. 184
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 211
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 214
9

1 INTRODUÇÃO

No campo da produção historiográfica, a Primeira República é uma das fases mais


estudadas da história do Brasil.1 As contribuições, que continuam a crescer, abrangem
diversas áreas, focalizando desde aspectos econômicos e sociais e até questões culturais do
período. É no âmbito do político, contudo, que grande parte desse interesse tem se
concentrado. Boa parte desse esforço, voltado para a análise do comportamento das
oligarquias, do coronelismo, da política do café com leite, bem como da participação de
determinados estados entre 1889-1930, se deve ao pontapé inicial dado por Victor Nunes Leal
em seu clássico Coronelismo, enxada e voto2. Não se pode deixar de mencionar também os
brasilianistas Love, Levine e Wirth, cujos estudos de história comparativa do ponto de vista
regional muito contribuíram para a compreensão do funcionamento do federalismo brasileiro
na Primeira República.3 Desde a publicação, essas obras, que compõem um painel dinâmico
da economia, do povo, da sociedade e da cultura brasileira entre 1889-1937, têm estimulado
estudiosos nacionais e estrangeiros a produzirem análises da mesma natureza privilegiando
outras unidades da Federação brasileira no período.
Nos novos trabalhos produzidos, ideias arraigadas, como a de que o Estado brasileiro
teria funcionado no período como uma espécie de comitê executivo da classe dominante ou a
de que o arranjo da política do café com leite foi fiador da estabilidade do poder das
oligarquias, vêm sendo retificadas por interpretações alternativas.4

1
Ver: FERREIRA, Marieta de Moraes; GOMES, Ângela de Castro. Primeira República: um balanço
historiográfico. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro: Vértice, v. 1, n. 4, p. 244-280, 1989.
2
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Para uma discussão sobre a produção relativa ao coronelismo ver:
CARVALHO, José Murilo de. Coronelismo. In: BREU, Alzira; BELOCH, Israel (Orgs.). Dicionário Histórico-
Biográfico Brasileiro: 1930-1983. Rio de Janeiro: Cpdoc/FGV; Forense Universitária, 1984. p. 932-934; e, do
mesmo autor: Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Dados – Revista de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 229-250, 1997.
3
Os brasilianistas adotaram o enfoque regional para estudar a participação do Rio Grande do Sul, de Minas
Gerais, de São Paulo e de Pernambuco durante a Primeira República. Destacamos aqui o trabalho de Joseph
Love: O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. O autor chama atenção para a necessidade de
análises de alcance intermediário entre os estudos de poder local e da política nacional.
4
REIS, Elisa Pereira. Interesses agroexportadores e construção do Estado: Brasil de 1890 a 1930. In: SORJ,
Bernardo; CARDOSO, Fernando Henrique (Org.). Economia e movimentos sociais na América Latina. São
Paulo: Brasiliense, 1985; FAUSTO, Boris. Estado e burguesia agroexportadora na Primeira República: uma
revisão historiográfica. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 27, jul. 1990; FERREIRA, Marieta de Moraes.
Em busca da idade do ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1994; ENDERS, Amelle. Pouvoirs et fédéralisme au Brésil (1889-1930). Tese (Doutorado em História)
– Université de Paris-Sorbonne. Paris, 1993; HOLLANDA, Cristina Buarque de. Modos de representação
política: o experimento da República Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2009;
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. 2.
ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
10

Por outro lado, apesar destes novos estudos chamarem a atenção para a complexidade
do federalismo brasileiro na conjuntura da Primeira República, contribuindo sobremaneira
para os debates sobre o papel do Estado, algumas temáticas permanecem pouco estudadas. É
o caso do estudo das minorias político-partidárias, dentre elas os federalistas gaúchos, que
atuaram politicamente no período da história republicana do país. Nos trabalhos acerca da
Primeira República, produzidos a partir do seu término, ou seja, no pós-30, pode-se perceber
que as pesquisas históricas que se debruçaram, direta ou indiretamente, sobre o papel das
oposições, de cunho político-partidário, no âmbito da política nacional, em geral, atribuíram a
elas um papel de coadjuvantes da história no processo histórico republicano, abordando o
tema de maneira oblíqua e/ou secundária. Essa postura historiográfica, por um lado, pode ser
explicada pelo fato de tais grupos minoritários, em sua maioria, não terem atingido seus
objetivos políticos expressos ou obtido vitórias políticas que consolidassem mudanças e/ou
transformações políticas, sociais ou econômicas a seu favor, levando a crer que seriam de
pouca relevância para a compreensão histórica da Primeira República brasileira. A esse
respeito, Janotti esclarece que:

[...] Os contemporâneos oposicionistas, durante os inúmeros conflitos que


pontilharam os princípios da República, aventaram diferentes formas de solução
política e de organização da Nação que não a instituída. Por não terem triunfado,
passaram como fantasias irrelevantes. Sob este ponto de vista, os depoimentos que
atestavam a pluralidade de opções abertas para os rumos da sociedade foram
submetidos às versões hegemônicas, em proveito da construção ideológica de um
discurso interessado em afirmar que a paz e o consenso presidiram o advento da
República. [...] Enredados pelos argumentos bem articulados dos senhores da
situação, muitos historiadores desconsideraram as tentativas de desestabilizar o
regime perpetrada por monarquistas e republicanos desiludidos.5

Por outro lado, pode-se destacar que a memória construída pelo grupo dos
“vencedores” influenciou, de certo modo, a produção historiográfica posterior,
negligenciando a importância dos “vencidos” na história política do país. Nesse sentido, a
necessidade de se atribuir um sentido único, ou mesmo uma universalidade da história da
Primeira República no Brasil, fez com que “os derrotados” fossem interpretados apenas como
um entrave efêmero a uma fatalidade histórica, um apêndice, sem grandes possibilidades de
interferência ou intervenção no percurso dessa história. Esse é o caso do grupo político em
foco, objeto de análise deste trabalho: os federalistas gaúchos.

5
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. O Diálogo Convergente: Políticos e Historiadores no Início da
República. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 7ª ed. – São Paulo:
Contexto, 2012, p. 125-6.
11

Retirar das sombras da historiografia a ação e a influência exercida por aqueles, como
os federalistas, que, nos tempos de República Velha, se destacaram pela sua atuação política
no cenário nacional e criticaram, em diferentes instâncias e graus, o regime político vigente
pós-1889 é nossa intenção nesse trabalho.
Deve-se destacar que no Brasil, os partidos políticos passaram a se constituir como
grupos institucionalmente organizados sob a égide da monarquia parlamentarista do Segundo
Reinado. Na época, o ponto central da dinâmica política estava menos na relação entre os
partidos e o eleitorado do que nas relações dos partidos com o Poder Moderador, que, fazendo
e desfazendo gabinetes, promovia a rotatividade no poder central e nos governos provinciais.
Esse mecanismo de funcionamento não impedia, porém, que a racionalidade do jogo político
fosse dada pela disputa entre partidos, tendo como eixo de equilíbrio a figura do imperador.6
Com a implantação da República, houve uma sensível alteração dessas regras. O Poder
Moderador foi eliminado e foram extintos os dois partidos principais – o Liberal e o
Conservador. O único partido que permaneceu foi o Republicano, que, embora fundado em
1870, nunca chegou a constituir-se como uma organização unificada nacionalmente,
caracterizando-se como uma federação de núcleos provinciais com matizes ideológicos
diversos. A instituição do federalismo pela Carta Federal de 1891 agravou essa situação,
consolidando uma estrutura partidária estadual e “antipartidária” no plano nacional.7
Assim, na nova lógica política erigida na República, a antiga competição entre os
partidos nacionais cedeu espaço definitivamente às relações entre as várias situações políticas
estaduais e o poder central. Desse modo, formaram-se nos estados brasileiros, ao fim da
primeira década republicana, partidos dominantes, quando não únicos, possuindo maior ou
menor complexidade interna, conforme a diversificação da estrutura social e política de cada
estado, como foram os casos do Partido Republicano Paulista (PRP)8 e Partido Republicano
Mineiro (PRM).9

6
Para uma análise sobre a composição e ideologia dos partidos imperiais ver: CARVALHO, José Murilo de. Os
partidos políticos imperiais: composição e ideologia. In: CARVALHO, José Murilo de. A construção da
ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: campus, 1980. p. 155-176.
7
Apesar das tentativas de organização de agremiações como o Partido Republicano Federal (PRF) e o Partido
Republicano Conservador (PRC). Para essa discussão ver: Veneu, 1987, Witter, José S. Partido Republicano
Federal (1893-1897). São Paulo: Brasiliense, 1987.
8
Os fazendeiros paulistas compunham a base do PRP, partido formado ainda por banqueiros e comerciantes.
Sobre essa discussão ver: LOVE, Joseph. A locomotiva: São Paulo na federação brasileira (1889-1937). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 195. Ver também: CASSALECHI, José Ênio. O Partido Republicano Paulista.
São Paulo: Brasiliense, 1987.
9
Diferentemente do PRP, o PRM era dominado por advogados e profissionais liberais. Para uma análise do
PRM, ver: RESENDE, Maria Efigênia. Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais: o novo PRM
(1889-1906). Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1982.
12

No entanto, deve-se salientar que esse padrão não foi seguido de forma uniforme por
todas as unidades da federação. Embora a República, viabilizada em novembro de 1889, por
um golpe militar, inaugurará máquinas políticas montadas em cada estado, sendo dominadas
por partidos únicos (estaduais), o estado do Rio Grande do Sul, na Primeira República, por
exemplo, se apresentará, em relação a esse quadro político-partidário nacional, como uma
exceção, onde haverá, além do tradicional Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), uma
oposição forte e organizada, representada principalmente pelo Partido Federalista (PF), que
permanecerá atuante, do ponto de vista jornalístico e/ou parlamentar, ao longo de quase todo
o período republicano.
Nascido no Congresso de Bagé-RS em 31 de março de 1892, o Partido Federalista
(PF), incialmente, definia-se como de caráter regional e coerentemente preocupava-se em
primeiro lugar com questões relativas à situação política e constitucional do Rio Grande do
Sul, estado controlado, na época, pelo regime castilhista-borgista, de feição autoritária e
conservadora. A partir de 1896, o partido amplia seu foco programático e passa a definir-se
como um partido de âmbito nacional, que se pretende impor nacionalmente, a partir de uma
plataforma que previa a remodelação nacional do Brasil republicano. Sua proposta política
principal para o país consistiria no fortalecimento do governo representativo, definido dentro
dos marcos de uma República parlamentar e unionista, que, por sua vez, previa o
fortalecimento da União federal sobre os Estados, delineando, desse modo, um regime
nacional de centralização política e descentralização administrativa. É importante registrar
que este aspecto, presente na plataforma política federalista, e este é o ponto central deste
trabalho, estava fortemente influenciado pela problemática autoritária vivida pelo Rio Grande
do Sul, naquele contexto, o regime castilhista-borgista, do qual o Partido Federalista foi
enérgico opositor, durante os governos estaduais de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros.
Nesse sentido, sugerimos uma hipótese central que norteia o presente trabalho.
Pretendemos destacar nesta tese que o Partido Federalista, não só por uma questão
programática e ideológica, mas também, como veremos ao longo dos capítulos, por sua
própria atuação jornalística e, especialmente, parlamentar, de fato, se insere num debate
político de cunho nacional, ou seja, congregando temas e ideias aplicáveis ao Estado
brasileiro. Contudo, pôde-se perceber que, por dentro desse debate político nacional, o
componente regional, em especial, a situação sul-rio-grandense, que, sob a vigência do
partido dominante, o PRR, correspondia a uma visão radical e autoritária da República,
aparecerá como elemento inspirador, motivacional, na construção do seu próprio discurso
político de cunho opositor.
13

Absorvidos pelo debate político nacional, mas sempre com um olho voltado para o
regional, isto é, para o contexto político autoritário sul-rio-grandense, os federalistas, através
das suas atuações no meio jornalístico e das atividades parlamentares, protagonizadas por suas
principais lideranças políticas nacionais, explanaram e tornaram conhecidas suas ideias e
postulados políticos tanto a respeito de temas colocados na agenda política nacional do
momento, quanto para rebater acusações e responder a adversários.
Deve-se salientar que, naquele momento histórico, a imprensa era um importante canal
de ligação entre o político e a sociedade. Pode-se afirmar que os jornais nessa época
republicana, sem dúvida, exerceram a função de registrar, comentar e participar da batalha
pela conquista de corações e mentes das pessoas.10 Do ponto de vista do jornalismo partidário,
vinculado ao federalismo gaúcho, vale lembrar que muitos dos jornais que expressaram as
suas ideias e causas para fazer a sua oposição ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR),
tiveram também como núcleo de discussão jornalística um contexto político mais amplo. Os
periódicos oposicionistas, embora de circulação regional, não se limitaram a publicar casos
locais ou regionais, mas enfocaram também questões vinculadas à situação política e social do
país. A busca pela “verdadeira república”, por exemplo, implicava por parte dos federalistas
numa aberta e ferrenha oposição aos governos estadual e federal.
Ao atuar como meio de comunicação, informação e/ou divulgação de opinião, os
jornais agiram como propagadores de princípios que, de alguma forma, nortearam as
transformações ou a manutenção do status quo de determinadas sociedades. Ao levar ao
público leitor, mesmo que restrito, a discussão desses princípios, divulgando, defendendo e/ou
criticando determinadas ideias, os periódicos geraram suas construções discursivas, numa
manifestação do poder através da palavra.11
No âmbito das discussões parlamentares, vale destacar que desde 1906 o Partido
Federalista já integrava o quadro político nacional, quando conseguiu eleger os seus primeiros
representantes na Câmara dos Deputados: Pedro Moacyr, Antunes Maciel e Wenceslau
Escobar. Graças à lei federal nº 1.269, de 15/11/1904, mais conhecida como “Lei Rosa e

10
A esse respeito, ver: CAPELATO, Maria Helena. A imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto,
1994. Para uma análise metodológica da imprensa, observar: ROMANCINI, Richard. História e jornalismo:
reflexões sobre campos de pesquisa. In: LAGO, Cláudia; BENETTI, Marcia (orgs.). Metodologia de pesquisa
em jornalismo. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. (Coleção Fazer Jornalismo), p.23-47. Ver também: MOREL,
Marco; BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
11
A respeito das ideias nas sociedades, Jouvenel afirma que “nós nos comunicamos por meio das palavras [...]
vemos as coisas através das ideias” e influenciamos os outros (e somos influenciados) por meio do discurso, que
encerra várias espécies de ideias”. JOUVENEL, Bertrand de. As origens do Estado Moderno: uma história das
ideias políticas no século XIX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 3
14

Silva” (nome de um senador pernambucano que a concebera), que regulamentou o direito de


representação política das minorias, o grupo federalista passaria a atuar no âmbito da política
federal, fazendo do Congresso Nacional palco de intensos debates ao longo do período
republicano. Assim, do ponto de vista dos sistemas políticos representativos, os parlamentos,
por exemplo, a atuação política federalista se deu, primeiramente, na conjuntura nacional para
depois se fazer presente no âmbito regional, através da Assembleia dos Representantes. Isso
porque o então governador do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, sucessor de Castilhos,
recusara aplicação, no estado, às regras da referida lei eleitoral federal, de 1904, continuando
a imperar na legislação estadual gaúcha o sistema eleitoral de lista completa, que negava
representação às minorias, dificultando, desse modo, a inserção da oposição federalista no
quadro político regional.12 Deve-se esclarecer que, desde o princípio da República, até 1913,
quando o mesmo Borges propôs uma nova lei eleitoral para o estado sulino, a oposição
federalista não elegeu um único representante à Assembleia estadual, sendo esta maciçamente
integrada por deputados situacionistas, ligados ao PRR.
Assim, valemo-nos também da consulta aos Anais do Congresso Nacional, da
Câmara dos Deputados, como forma de compreendermos os reflexos das discussões
jornalísticas na e a partir da atuação da oposição parlamentar federalista. A esse respeito, cabe
destacar aqui que o discurso pode ser definido como uma prática “resultante de um conjunto
de determinações reguladas em um momento dado por um feixe complexo de relações com
outras práticas, discursivas e não-discursivas”,13 orientadas por um processo histórico. Deste
modo, o discurso é considerado histórico à medida que “se produz em condições
determinadas e projeta-se no ‘futuro’, mas também [...] porque cria tradição, passado e
influencia novos acontecimentos”.14
Neste sentido, o discurso tende a constituir-se num elemento que reflete as diversas
características de uma dada sociedade, pois, mesmo que não se pretenda que todo discurso
seja “como um aerólito miraculoso, independente das redes de memórias e dos trajetos sociais
que ele irrompe”, é necessário “sublinhar que, só por sua existência, todo discurso marca a
possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos”, ou seja, “todo
discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação,

12
Sobre a atuação federalista no parlamentar estadual, ver: ROUSTON JUNIOR, Eduardo. O Rio Grande do
Sul republicano sob a ótica parlamentar da oposição federalista: 1913-1924. – Porto Alegre: EDIPUCRS,
2014.
13
ROBINM Régine et al. Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa. In: ORLANDI, Eni P. (Org.). Gestos
de leitura da história no discurso. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994, p. 82.
14
ORLANDI, Eni P. Terra à vista – discurso do confronto: Velho e Novo Mundo. São Paulo: Cortez, 1990, p. 35.
15

na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho [...]
de deslocamento no seu espaço”.15
No que toca ao discurso de cunho político, é bom lembrar que este está intimamente
ligado à luta pelo poder, uma vez que a política consiste-se num dos lugares onde o discurso
exerce, “de modo privilegiado, alguns de seus mais temíveis poderes”, pois “o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que e
pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.16 Desta forma, o discurso político
tem como objetivo “vencer a luta através do jogo da desconstrução e reconstrução de
significados, interpelando através da construção articulada de uma visão de mundo”,
refletindo-se assim, por meio de palavras, ideias e atitudes.17
No caso do Rio Grande do Sul, esta questão, em que se coloca a luta como um jogo
do significado e também da construção do antagonismo, adquire uma relevância efetiva, já
que a formação histórica sul-rio-grandense foi profundamente marcada pelas disputas
político-ideológicas, muitas vezes resultando em conflitos bélicos, numa constante
“bipolarização partidária e dicotomia política quanto às ações e ideias dos grupos
divergentes”.18 Este sistema “bi-partidário”, que caracterizou, durante muitos anos, a vida
política gaúcha, traduziu-se também na formação de um “conflito discursivo”, que, por sua
vez, se refletiu em muitas das sessões parlamentares produzidas no Plenário federal.
Para atingirmos tais objetivos destacados acima, entendemos que seria adequado, do
ponto de vista metodológico, que fizéssemos uma interpretação dos textos de forma que
pudéssemos realizar inferências, ou seja, deveríamos utilizar um método que nos
oportunizasse sistematizar esse material para realizarmos uma leitura mais profunda, a fim de
analisarmos a mensagem contida nele. Por isso, escolhemos o método da análise de conteúdo
de acordo com a proposta definida por Ciro Flamarion Cardoso. Segundo tal autor, as técnicas
da análise de conteúdo são “instrumentos aplicáveis à pesquisa empírica de tipo
documental”19 que possibilitam ao pesquisador realizar inferências através de procedimentos
sistemáticos de descrição do conteúdo pesquisado.

15
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. História e análise de textos. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997,
p. 378.
16
FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. 23ª ed. – São Paulo: Edições Loyola, 2013, p. 9-10.
17
PINTO, Céli Regina. Com a palavra o senhor Presidente José Sarney (“A Sociedade e seus discursos”). São
Paulo: Hicet, 1989, p. 51-2.
18
ALVES, Francisco das Neves. O discurso político-partidário sul-rio-grandense sob o prisma da imprensa
rio-grandina (1868-1895). – Rio Grande: Editora da FURG, 2002, p. 19.
19
CARDOSO, Ciro Flamarion. “Análise de conteúdo: método básico”. (notas de aula). Sobre o referido método
ver também MORAES, Roque. Análise de conteúdo. In: Educação, Porto Alegre, nº 37, p. 7-32, mar./1999.
16

Nesse sentido, este trabalho está divido em quatro capítulos. No primeiro fazemos uma
discussão historiográfica relativa ao nosso objeto de estudo, os federalistas gaúchos. O
segundo deles focaliza, por meio dos periódicos partidários, os discursos jornalísticos que se
voltaram para a conjuntura regional, tais como a crítica ao arcabouço constitucional amparado
na “ditadura republicana” da doutrina positivista de Augusto Comte, e às fraudes eleitorais,
que, por sua vez, comprometiam a autonomia na vida política dos municípios gaúchos.20 No
terceiro capítulo, também através dos jornais federalistas, analisamos o comportamento
federalista no âmbito das discussões políticas mais amplas, isto é, congregando temas que
repercutiram de forma direta no espectro político nacional, como: presidencialismo, o
pinheirismo e as contradições entre a Carta estadual de 14 de Julho e a Constituição Federal,
de 1891. Por fim, o quarto capítulo é dedicado à análise da atuação política federalista na
Câmara dos Deputados por meio da recuperação das principais questões e ideias que
movimentaram a deputação maragata no e para o debate político nacional. Nesse sentido,
foram examinados alguns eixos orientadores da ação dos deputados da bancada federalista
que, embora focados na análise de temáticas nacionais, não deixaram de imprimir a sua crítica
ao castilhismo-borgismo.

20
A inspiração comteana da Constituição de 14 de julho de 1891 não excluiu a presença de outros mecanismos
autoritários locais e toda uma estratégia política de implantação e consolidação do poder republicano regional.
17

2 O PARTIDO FEDERALISTA SOB O PRISMA DA HISTORIOGRAFIA


ACADÊMICA

Este capítulo tem por objetivo discutir de que maneira a historiografia brasileira
analisou a atuação da oposição federalista na conjuntura da Primeira República brasileira. A
partir da análise das contribuições de vários autores que trataram do tema, direta ou
indiretamente, e da pesquisa empírica realizada, procuramos mostrar que a historiografia
regional e/ou nacional, de um modo geral, contribuiu para um certo hiato no que diz respeito
ao debate sobre a Primeira República e sua relação com o Partido Federalista.
Quando falamos de uma historiografia acadêmica referimo-nos àquela elaborada por
pesquisadores profissionais, marcada pela produção de abordagens mais distanciadas, em
relação ao seu objeto de análise. Tal historiografia se propunha a uma revisão crítica da visão
sugerida pelos autores anteriores, identificados a uma historiografia mais tradicional, onde o
distanciamento crítico em relação ao objeto de estudo dificilmente se fazia presente, haja vista
a dificuldade em se estabelecer uma relativa autonomia entre o trabalho destes historiadores e
sua atuação na arena política. Estas tendências já perceptíveis na década de 70, se cristalizam
nos anos 80. Tanto é que, nesta época, surge no Rio Grande do Sul a primeira geração de
historiadores e de cientistas sociais com formação profissional específica e que atuava
prioritariamente no ensino e na pesquisa da História e das distintas Ciências Sociais. Segundo
Letícia Nedel, “iniciava-se então uma nova forma de escrever a história no e do estado, [...]
atribuída pela maioria dos historiadores ao surgimento dos programas de pós-graduação no
Brasil e nas universidades locais”.21
Feitas estas considerações, a questão central que queremos colocar aqui é: como esta
historiografia, elaborada a partir dos anos 70 tematizou, em suas produções, a oposição
política federalista? Como em termos de produção do conhecimento histórico, foi e é vista
esta temática? Eis a pergunta central a que nos propomos neste momento.
Em primeiro lugar, no que se refere à produção historiográfica, de âmbito regional,
ou seja, que tomou o estado do Rio Grande do Sul como foco principal de análise, pode-se
dizer que a grande maioria dos trabalhos historiográficos que se debruçaram sobre a história
política gaúcha na e da Primeira República, se concentrou na atuação do Partido Republicano
Rio-Grandense (PRR) e nos desdobramentos de sua influência política, econômica e social
e/ou na história de seus principais representantes estaduais, tais como: Júlio de Castilhos e

21
NEDEL, Letícia Borges; RODRIGUES, Mara Cristina de Mattos. Historiografia, crítica e autocrítica: itinerários da
História no Rio Grande do Sul. Ágora. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC, v. 11, n. 3, p. 165, 1997.
18

Borges de Medeiros. É bem verdade que esta historiografia, embora centrada no discurso
político republicano, reconhece em suas análises a existência e o funcionamento de oposições
políticas ao autoritarismo da República castilhista, e dentre elas, encontra-se aquela produzida
pelo Partido Federalista. Porém, quando citado, este é destacado brevemente, de maneira
tímida, sem merecer grandes considerações, e visto apenas como contraponto (e não como
objeto de análise) ao modelo republicano castilhista-borgista. Neste sentido, queremos deixar
claro que na maior parte dos trabalhos que tematizaram a Primeira República no Rio Grande
do Sul, a oposição federalista, embora mencionada, não era um fator central de análise. A
questão do debate político parlamentar, por sua vez, também mereceu, na grande maioria
destas abordagens, tratamento genérico, isto é, não se desenvolveu maiores estudos sobre a
atuação parlamentar da oposição federalista. Neste caso, as exceções ficam por conta das
narrativas desenvolvidas por Hélgio Trindade e Pedro Fonseca, autores que detiveram-se mais
amiúde na órbita da oposição parlamentar.
Em segundo lugar, ainda no que tange à historiografia regional, deve-se salientar que
quando essa historiografia se deteve de maneira mais sistemática nos federalistas, a ênfase se
deu nos dois eventos bélicos importantes do período, a Revolução Federalista (1893-1895) e a
Revolução Assisista de 1923. Nesse sentido, pode-se dizer que, para boa parte dos analistas, o
questionamento ao projeto castilhista-borgista, de inspiração positivista, teria ocorrido apenas
nestes interregnos revolucionários de 1893 e 1923, negligenciando o curso da história do
Partido Federalista no Rio Grande do Sul durante o período entre guerras.
No que se refere à produção historiográfica de caráter nacional, aqui entendida como
aquela que se dirigiu para a formação social e política brasileira, é importante registrar que
também há uma lacuna, quanto à temática do Partido Federalista, em relação aos trabalhos
que analisaram a Primeira República, e que, de alguma forma, abordaram, direta ou
indiretamente, o papel político exercido pelo Rio Grande do Sul no âmbito da política
nacional. De um modo geral, a historiografia brasileira, especialmente quando se debruçou
sobre o tema do federalismo no contexto republicano, ao destacar o Rio Grande do Sul como
“foco desestabilizador” na aliança São Paulo-Minas, assim como a historiografia regional,
também se voltou apenas para a história do partido dominante, o PRR, e/ou para a ação da
figura do senador gaúcho Pinheiro Machado, não trazendo nenhuma uma reflexão mais
apurada ou atenta acerca da oposição exercida pelos federalistas na conjuntura histórica em
questão. São exemplos nesse sentido: Carone (1971), Bello (1976), Godoy (1978), Witter
(1984), Oliva de Souza (1985), Borges (2004) e Viscardi (2012).
19

A partir disto, este capítulo está dividido em três partes. Num primeiro momento,
dentro da produção historiográfica regional, analisamos as obras categorizadas dentro de uma
vertente a qual denominamos de republicana, ou seja, composta pelos analistas que
privilegiaram em seus escritos o estudo do partido dominante, o PRR, com sua base
doutrinária positivista, e/ou da história de suas lideranças políticas mais significativas, como
Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Nossa intenção consistiu em destacar que tais
estudos tomaram o tema da oposição federalista de maneira superficial, ou seja, apenas como
contraponto ao projeto republicano castilhista, que se constituiu, de fato, no seu objeto de
análise. Em seguida, nos debruçamos sobre uma outra vertente historiográfica no âmbito da
produção regional, que chamamos aqui de revolucionária, associada exclusivamente aos
autores que detiveram-se de maneira mais sistemática na questão da oposição federalista,
porém permaneceram tributários da ideia de uma oposição embalada e atuante essencialmente
sob o influxo da missão revolucionária. Por fim, traçamos um breve painel sobre a produção
historiográfica, de cunho nacional, que tematizou o cenário político nacional durante a
Primeira República. Nesse último item, nosso objetivo consistiu em mostrar que, ao se
debruçar sobre o papel político do Rio Grande do Sul no âmbito da Primeira República, essa
historiografia nacional restringiu sua análise teórica e/ou empírica apenas na ação política do
PRR, ou na atuação do senador gaúcho Pinheiro Machado na política brasileira, ignorando ou
ocultando, nesse sentido, a atuação do Partido Federalista na conjuntura da política nacional
durante a República Velha.

2.1 O PARTIDO FEDERALISTA SOB O ÂNGULO DA HISTORIOGRAFIA REGIONAL:


A VERTENTE “REPUBLICANA”22

Um primeiro grande exemplo historiográfico expoente do grupo republicano que


podemos citar é a obra “O Regionalismo gaúcho e as origens da revolução de 1930”, do
brasilianista Joseph Love. Trabalho publicado em 1975, ele é considerado um marco no
estudo da história política do Rio Grande do Sul no período da República Velha. Da mesma
forma, reconhecemos que este estudo apresenta um alto grau de historicidade e ainda hoje é

22
Gostaríamos de salientar que a análise da produção historiográfica regional a respeito da oposição federalista
gaúcha, apresentada neste tópico, também recebeu destaque em nossa Dissertação de Mestrado, defendida no
PPGH da PUCRS. Cabe destacar que, embora a estruturação argumentativa e empírica seja muito semelhante a
do trabalho anterior, foram feitas revisões bibliográficas consideradas necessárias e indispensáveis para o bom
entendimento dessa tese.
20

consulta obrigatória para qualquer um que se debruce sobre a história sul-rio-grandense23. O


foco central da obra consiste em analisar o papel do Rio Grande do Sul na arena da política
nacional durante a Primeira República. Segundo o próprio autor, trata-se de um estudo da
dinâmica interna e externa do Rio Grande do Sul na federação brasileira. Nele, Love procura
mostrar a complexidade das maneiras pelas quais a modernização se relacionava com a
centralização e a descentralização, apontando, nesse sentido, algumas iniciativas
governamentais tomadas tanto na esfera federal quanto na estadual. Conquanto o referido
autor dê alguma atenção para as questões de ordem econômica, sua preocupação principal
neste livro é com o estudo da política, e especialmente com a questão da sucessão
presidencial, já que, em sua visão, a “presidência era a chave da legislação e do patronato
econômicos”.24 Esta ênfase nos presidentes fica mais evidente na segunda parte da obra,
quando é examinada detalhadamente a política nacional, desde a campanha de 1909-10 até a
Revolução de 30. O que cumpre analisar aqui é de que maneira tal autor abordou em sua obra
a temática da oposição federalista no contexto político da Primeira República.
Num primeiro momento, vale dizer que, ao analisar a questão da intensa vida
político-partidária no Rio Grande do Sul da República Velha, elemento que, inclusive, já o
diferenciava dos demais Estados naquela conjuntura histórica, Love conduz sua reflexão
pondo especialmente em relevo o exame da experiência positivista republicana castilhista.
Menos atenção recebeu da sua parte o tema da oposição federalista, constituindo-se num
objeto menor ou secundário, em comparação com o estudo do castilhismo-borgismo. Com
relação, especificamente, à representação parlamentar federalista na arena nacional,
lembramos que ela é mencionada, de forma breve e passageira.
Love confere uma atenção maior, por exemplo, às questões relacionadas ao partido
dominante, o PRR, especialmente, quando mapeia as origens sociais das principais lideranças
republicanas, assinalando a convergência entre os seus interesses de classe e o projeto político
conservador concebido por Comte. O autor estabelece uma sintonia fina na interpretação do
fenômeno do impacto do positivismo sobre a sociedade gaúcha. Para ele, aliás, era
plenamente justificável tomar a questão do positivismo castilhista como referência central em
sua abordagem. Diz o autor: “a personalidade e a ideologia de Castilhos pesaram tanto nos
23
De acordo com Helga Piccolo, Joseph Love foi o primeiro pesquisador a ter acesso ao Arquivo Borges de
Medeiros, cujo fiel depositário é o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. E, por isso, a obra que
resultou da pesquisa transformou-se num marco, sendo a matriz de outros estudos feitos posteriormente sobre a
política sul-rio-grandense na fase republicana. (PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. A Revolução Federalista no
Rio Grande do Sul: considerações historiográficas. In: ALVES, F. N.; TORRES, L. H. Pensar a Revolução
Federalista. Rio Grande: FURG, 1993, p. 73).
24
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.
116.
21

acontecimentos subsequentes da história do Rio Grande do Sul que merecem ser aqui
comentados extensamente”.25
Segundo Love, a maioria esmagadora dos intelectuais brasileiros daquela época,
entretanto, era composta de não-positivistas, e nesse ínterim, a ditadura castilhista-borgista
despertava menos a admiração do que a crítica. A esse respeito, o autor recupera as duras
críticas produzidas por personalidades como José Veríssimo e Sílvio Romero, membros
fundadores da Academia Brasileira de Letras quanto ao autoritarismo do regime castilhista:

A Constituição do Rio Grande é que inspirou Veríssimo a denominar este Estado de


um ‘corpo estranho na Federação Brasileira’. Em sua opinião, o tempo haveria de
abolir a ‘monstruosa obra’ de Júlio de Castilhos. Sílvio Romero [...] foi até mais
rigoroso do que Veríssimo, em relação ao Rio Grande. Romero admitiu que a
Constituição de 14 de Julho violava a Constituição Federal e condenou o que
chamava ‘castilhista positivóide’. O Rio Grande do Sul tinha o pior governo do
Brasil, declarou. [...] nas suas fulminações contra Pinheiro Machado, Romero
contribuiu para o mito de que o Estado era o lugar onde somente podia vicejar um
caudilho do estilo hispano-americano – num ambiente de nômades ‘semibárbaros’.26

Quanto aos federalistas, destacamos que a apresentação inicial do partido gasparista


é feita de forma discreta pelo autor. Nela, Love aponta algumas diferenças existentes entre o
novo partido (PF), com seu ideário de inspiração parlamentarista e o Partido Republicano
Federal (PRF), organização política fundada em 1891, sob a inspiração do dissidente
Demétrio Ribeiro, e favorável ao sistema presidencial. O PRF, que teve curta existência, em
verdade, só funcionaria para a disputa das eleições de maio para a Assembleia Constituinte do
Estado. Como assinala o próprio Love, com razão, “diferentemente do Partido Republicano
Federal, o Partido Federalista não significou um agrupamento efêmero; permaneceria em cena
durante três décadas [...]”. O retorno do chefe liberal Silveira Martins, em fevereiro de 1892,
para o Rio Grande do Sul, isolaria, na visão do autor, os dissidentes no Governo, garantindo
maior homogeneidade ao novo grêmio político:

A principal meta consistia em introduzir um regime parlamentar (em contraste com


o regime presidencial em vigor), sendo o chefe do Estado eleito pelo Parlamento. O
regresso de Silveira Martins impôs nova disciplina às forças anticastilhistas, tanto
em termos ideológicos, como de liderança: se o novo partido perdia muitos adeptos
potenciais que se recusavam a aceitar a supremacia de Silveira Martins, em
compensação ganhava mais coesão e unidade de propósito.27 (Grifos nossos).

25
Ibidem, p. 35.
26
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.
111.
27
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.
53-4.
22

É importante destacar que o elemento da oposição maragata aparece com mais


centralidade apenas no capítulo 3, intitulado “O Terror e a Guerra”, capítulo dedicado à
Revolução Federalista, corroborando a ideia de que quando a historiografia se deteve na
oposição federalista, a ênfase seu deu, de maneira exclusiva, sob o prisma das duas Guerras
Civis (1893-95 e/ou 1923) que marcaram o período. Articulando informações obtidas de
fontes (principalmente obras) conhecidas, o autor recupera o processo histórico que
desencadeia em fevereiro de 1893 a Revolução, e logo em seguida, privilegia a “nova ordem
republicana”, isto é, o castilhismo que se consolida no Rio Grande do Sul após a derrota do
movimento revolucionário. Justifica o tratamento “com certa extensão” dado à Revolução, por
suas consequências para a política sul-rio-grandense. Entre os resultados, são destacadas: a
polarização política mais extrema no Rio Grande do Sul; a consolidação do sistema político
centralizado; e as sólidas ligações entre o exército nacional e o Partido Republicano Rio-
Grandense. Chamou-nos a atenção aqui que ao identificar e caracterizar as diferentes facções
que compunham a base do partido maragato, Love revela a presença de políticos defensores
do regime deposto. De acordo com o autor: “alguns dos rebeldes queriam ir mais além [...] e
ousadamente professavam o monarquismo.”28 Aproveitando-se disso, os castilhistas, segundo
Love, constantemente retratavam os maragatos como “inveterados monarquistas, diante do
público brasileiro, em geral, e do Exército, em particular”.29
Nesse bojo, com a derrota e o quase extermínio da oposição após a luta sangrenta de
1893, o governo castilhista, de acordo com Love, “não enfrentou nenhuma oposição séria,
após as defecções de 1889-92”.30 A oposição, diz ele, só voltaria a ter alguma perspectiva de
sucesso quando da crise de hegemonia do regime, onde altas lideranças perrepistas passaram a
questionar a pretensão de Borges de Medeiros de afirmar-se como o herdeiro político do
carisma de Júlio de Castilhos, substituindo-o no comando pessoal do governo e do partido.
Esse embate teve por consequência a cisão republicana de 1906/7 e a tensa campanha eleitoral
de Fernando Abbott, que lança-se candidato à sucessão estadual, em 1907, pela dissidência.
Neste sentido, Love destaca que quando do lançamento da candidatura de Abbott, ex-chefe do
PRR de São Gabriel, aquele contou com o apoio de alguns setores do Partido Federalista. E,
de fato, a candidatura de Abbott não recebeu apoio total por parte dos federalistas, mas apenas
de alguns dos dirigentes do partido, influenciados, sobretudo, pelas “novas alianças

28
Ibidem, p. 65.
29
Ibidem, p. 67.
30
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.
82.
23

internacionais”, decorrentes da situação interna vivida pelo Uruguai.31 Dentre as lideranças


oposicionistas que prestaram apoio a Abbott, podemos citar: Rafael Cabeda, um dos mais
destacados chefes do federalismo, sendo por duas vezes deputado federal por esta agremiação,
Nicanor Peña, chefe do Diretório federalista de Bagé, Cândido Tavares Bastos, Faustino
Corrêa e Pedro Moacyr, que pertencera ao PRR, saindo do partido em 1896. Adiantamos,
aqui, que a fusão completa entre os dois grupos políticos, no entanto, não foi consumada.
Ocorre que, de acordo com Love, “não era fácil unificar dois grupos distintos que haviam se
oposto tão amargamente no início dos anos 1890.” O único ponto que os dissidentes
republicanos e os federalistas tinham em comum, explica o autor, era sua “rejeição à Carta
Estadual baseada em Comte, que consideravam como inconstitucional”.32
Outro dado interessante destacado na obra diz respeito à postura revisionista adotada
pelos federalistas, no âmbito nacional, com relação à Constituição Federal de 1891. Não é
demais lembrar que um dos temas sustentados pela política castilhista, no que respeitava, à
Federação, tratava-se da defesa da Constituição Brasileira contra revisões que enfraquecessem a
autoridade estadual, “posição que se encaixava com a rejeição a qualquer tentativa federal de
entregar à minoria uma porção do poder, no governo estadual do Rio Grande”.33 Naturalmente,
o anti-revisionismo também interessava a outras máquinas em gozo do poder e tornou-se “a
figura central dos escassos atavios ideológicos que mantinham coesos os principais partidos de
situação”.34 Da mesma forma, Love percebe que para os federalistas gaúchos, e mais tarde para
outros críticos do regime federal, “o revisionismo tornou-se objetivo central”.35
Em sua análise sobre a presença do Rio Grande na política nacional, através da
atuação do situacionismo castilhista, seu objeto de estudo, constatamos que Love apresenta
um estudo minucioso e rico em informações dando um grande destaque à participação do
PRR neste processo e uma ênfase maior a questões como a força policial-militar do Rio
Grande e as ligações estreitas entre o PRR e o Exército Federal, o controle dos coronéis nas
áreas rurais e a relação entre os Estados e o governo federal. Tanto que há um capítulo

31
A situação interna do Rio Grande do Sul assemelhava-se e muito com a polarização política também existente
no Uruguai. Lá, o país achava-se cindido em blancos e colorados. Desde 1896, os castilhistas haviam feito
aliança com Aparício Saraiva e o Partido Blanco, enquanto os federalistas cultivavam a amizade dos colorados,
que detinham o poder em Montevidéu. Sobre este tema envolvendo federalistas e colorados, ver: RECKZIGEL,
Ana Luiza Setti. A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai (1893-
1904). Passo Fundo: UPF Editora, 1999.
32
LOVE, op. cit., p. 91.
33
Ibidem, p. 94.
34
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.
94.
35
Ibidem, p. 95.
24

exclusivo36 dedicado à influência e ao poder exercido por aquele que foi considerado o
“principal representante estadual gaúcho no Rio de Janeiro”:37 o senador Pinheiro Machado;
que nas palavras de Love, era “o homem mais poderoso do Senado nos anos 1905-15”.38 De
acordo com o autor, a “preeminência de Pinheiro na política nacional fundamentava-se na
autoridade a ele concedida por Borges de Medeiros”.39 Mesmo assim, neste capítulo, Love
não deixa de fazer referência ao tema da oposição federalista, especialmente, quando da
discussão do embate político nacional de 1909-1910, que se deu entre as campanhas, civilista
de Ruy Barbosa, apoiado pelos federalistas, e a militar de Hermes da Fonseca, apoiado pelos
perrepistas. Love não entra tanto em detalhes sobre o assunto, apenas esclarece que o
programa do candidato civilista, presumivelmente, exercia atração maior sobre os membros
de partidos minoritários e os eleitores urbanos em geral, ou seja, sobre os grupos que viam no
aumento do poder federal (como é o caso dos federalistas) e no voto secreto um meio de
enfraquecer as oligarquias estaduais de base coronelista. Enquanto isso, Hermes apresentava
uma plataforma de natureza mais conservadora, reivindicando o orçamento equilibrado e a
rejeição a qualquer revisão na Constituição Federal.40 Love não aborda, entretanto, o fato dos
federalistas terem garantido, apesar de toda compressão do sistema eleitoral, a vitória do
candidato civilista à Presidência da República em três municípios gaúchos – Bagé, São
Gabriel e Soledade.
Ainda neste capítulo, o autor faz rápida observação à representação federalista na
Câmara dos Deputados, limitando-se a dizer que, devido a Lei (federal) Rosa e Silva, que
estabelecia a representação minoritária, “três cadeiras eram ainda reservadas à oposição, cujos
representantes continuavam pretendendo a reforma constitucional e a negar a legitimidade do
domínio do PRR”.41
A temática da oposição federalista aparece com mais força, em seu livro, também
quando do confronto Borges de Medeiros versus Assis Brasil na sucessão estadual, com a sua
consequente resposta revolucionária de 1923. Love adverte que na oposição ao provável
quinto mandato de Borges no governo do Estado, não estavam presentes somente as hostes
federalistas, que continuavam sua luta contra os republicanos desde a guerra de 1893-95, mas

36
Trata-se do capítulo 6, “O Pinheiro e seu Partido”, Parte II.
37
LOVE, op. cit., p. 146.
38
Ibidem, p. 147.
39
Ibidem, p. 162.
40
Ibidem, p. 156.
41
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.
163.
25

também os democratas de Assis Brasil.42 Referindo-se aos dois maiores grupos oposicionistas
da época, federalistas e democratas, Love afirma que “posto que ainda não formassem um
partido unificado, os dois grupos fundiram-se numa Aliança Libertadora, com o propósito de
extinguir o domínio de Borges. Intitularam-se libertadores e escolheram Assis Brasil para
concorrer com Borges em novembro”.43 No atinente a esta questão, há um silêncio por parte
do autor no que se refere à ocorrência de resistências expressivas oriundas do próprio partido
maragato, fieis às diretrizes ideológicas originais, que não concordavam com a unificação das
oposições rio-grandenses. Temos conhecimento que, no contexto das eleições estaduais de
1922, o partido estava cindido, no mínimo, em três correntes. Essas eram, basicamente,
formadas pelos partidários de Rafael Cabeda, de Raul Pilla e de Francisco Antunes Maciel
Júnior. Historiadores como Günter Axt44 salientam que as resistências mais significativas
partiram de cabedistas, partidários de Rafael Cabeda, e macielistas, defensores da facção
liderada por Francisco Antunes Maciel. Este, por exemplo, manteve-se à margem da disputa
eleitoral ocorrida naquele ano, repetindo seu desempenho em 1907, quando se absteve. Por
seu turno, Rafael Cabeda temia que o presidencialismo, ainda que moderado, de Assis Brasil
liquidasse a tradição parlamentarista do federalismo. Mas, tendo falecido antes do pleito,
influiu pouco na posição dos partidários, cada vez mais ligados à liderança de Pilla, este sim,
defensor ferrenho da campanha assisista.45 Vale salientar que esta carência na análise do autor
contribuirá para o silêncio da historiografia no referente a este ponto, dada a grande
repercussão e influência de Love às demais produções historiográficas e a importância
significativa que esta obra ocupa na comunidade acadêmica.
Um outro autor importante que apenas tangencia a questão da oposição federalista,
analisando-a como contraponto ao modelo castilhista-borgista é o historiador colombiano
Ricardo Vélez Rodríguez, que, em 1980, publicou a primeira versão da obra “Castilhismo –
uma filosofia da República”. Sua preocupação central, neste livro, foi reconstituir a

42
Assis Brasil integrou a Junta Governativa que passou a governar o Estado em substituição a Castilhos em
1891. Além disso, participou da fundação do Partido Republicano Democrático (PRD), em 1908, agremiação
que fez oposição ao governo estadual. Sérgio da Costa Franco (2007, p.154) esclarece que tal partido nunca
decolou e terminou morrendo sem deixar traços de sua passagem, a não ser a brilhante dissertação de Assis
Brasil quando da sua fundação.
43
LOVE, op. cit., p. 217.
44
AXT, Günter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. Porto Alegre: Paiol, 2011, p. 371.
45
É preciso destacar aqui que, na realidade, a coalizão de federalistas com outros grupos da oposição rio-
grandense historicamente sempre sofreu resistências fortes de certos setores do federalismo. Como afirmou
Antonacci (1981, p. 79), na obra “RS: As Oposições e a Revolução de 1923”, esta questão não era nova, que
houvesse sido colocada pela primeira vez em 1922, podendo ser evidenciada, pelo menos, em duas ocasiões:
1897/98, no período da campanha presidencial de Campos Salles, quando se apresentam litígios entre Campos
Salles e Júlio de Castilhos; e, mais tarde, em 1907, quando do lançamento da candidatura de Fernando Abbott
para a presidência do Estado. Em ambos os momentos, a fusão entre federalistas e dissidentes e/ou democratas
não foi consumada, em virtude, do veto de setores ligados à ala mais conservadora do partido.
26

experiência da estruturação de uma república positivista no Rio Grande do Sul, ao longo da


República Velha. Como nos mostra em sua análise, o fenômeno político vivenciado pelo Rio
Grande do Sul em sua fase republicana, mais conhecido como castilhismo, não correspondeu
a uma transposição mecânica da doutrina política de Comte. Segundo Vélez Rodríguez, da
doutrina positivista, Castilhos retirou a ideia básica de que o governo passava a ser uma
questão de competência política.46
Como filosofia política atuante, a concepção de Castilhos criou um modelo político
que se perpetuou no Rio Grande do Sul por mais de três décadas e que exerceu forte influxo
no contexto da República Velha e posteriormente. No entanto, conforme frisa Vélez
Rodríguez, o castilhismo esteve revestido de algumas características peculiares que o
diferenciavam do comtismo, provenientes, sem dúvida, das condições históricas do estado
sulino e do próprio autoritarismo do governo castilhista. Em síntese, segundo o autor, o
castilhismo se diferenciava do comtismo em virtude daquele destacar mais decisivamente a
intervenção do Estado nos diferentes setores da vida social.47
No que se refere ao nosso objeto de estudo, Vélez Rodríguez caracteriza a questão da
oposição federalista a partir das críticas produzidas por Gaspar Silveira Martins, fundador do
partido maragato e Joaquim Francisco de Assis Brasil, considerado por ele como dois dos maiores
representantes gaúchos da filosofia política de inspiração liberal, ao sistema concebido por
Castilhos, isto é, ao castilhismo.48 Tal conceito é definido pelo autor como o modelo político
inspirado em Comte, mas reelaborado pessoalmente por Júlio de Castilhos, principalmente na
defesa que este fazia da importância do papel do Estado na sociedade. Além de ser a versão
gaúcha do positivismo comtiano, tal matriz ideológica teve certa longevidade ao influenciar
inclusive o projeto político de Getúlio Vargas.49
Para a compreensão da crítica liberal ao regime castilhista, o autor centra sua análise
em três aspectos essenciais: a ideia de representação, o papel do poder legislativo e a
finalidade do governo. Para Vélez Rodríguez, tanto Silveira Martins quanto Assis Brasil
limitaram-se a uma crítica do ponto de vista do direito constitucional, sem abranger o

46
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2010, p. 14.
47
Ibidem, p. 152-153.
48
Vélez Rodríguez o percebeu como uma filosofia política que, inspirando-se no positivismo, substituiu a ideia
liberal do equilíbrio entre as diferentes ordens de interesses, como elemento fundamental na organização da
sociedade, pela ideia de moralização dos indivíduos através da tutela do Estado. Júlio de Castilhos pôs como
condição fundamental do governante a absoluta pureza de intenções, que se traduzia no desinteresse material.
(VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2010, p. 23-4).
49
Sobre este tema ver BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992,
especificamente o capítulo 9, “A arqueologia do Estado-providência”.
27

castilhismo como uma filosofia política contraposta às melhores manifestações da cultura


brasileira, ao longo do século XIX. Contudo, diz Rodríguez, os liberais gaúchos não deixaram
de se abeberar nas fontes do liberalismo anglo-americano, e de professar uma filosofia
política liberal claramente reconhecível. Para fazê-lo sobressair, a análise do seu pensamento
é precedida da síntese dos conceitos fundamentais do liberalismo de Locke e dos teóricos
americanos.
Rodríguez assinala que uma autêntica representação para Gaspar Silveira Martins,
por exemplo, exigia três condições. Em primeiro lugar, o voto direto, através do qual o povo
manifestaria sua vontade. De acordo com o autor, estava diretamente ligado a esta condição a
dura crítica que o liberal fazia ao poder moderador do Império, por “tergiversar a expressão
da vontade popular, interpondo seus designados”.50 A segunda condição consistia em que os
cidadãos tivessem a possibilidade de votar por ideias e não simplesmente por pessoas, ou seja,
confiar-se-ia o mandato a autênticos representantes do povo e não a agentes de vontades
pessoais. A terceira condição residia na autonomia do poder legislativo, que deveria ser
absolutamente independente do executivo e estar somente subordinado à lei. Isto implicava na
adoção de uma República organizada constitucionalmente sob um governo de caráter
parlamentar.
Para Assis Brasil, assinala o autor, o caráter representativo das instituições
republicanas dependia basicamente da existência de um Congresso de representantes do povo,
isto é, de uma instituição representativa, incumbida de traduzir fielmente a opinião pública
nacional. Apenas desta forma, as leis dele emanadas expressariam a média do sentimento
nacional, garantindo, consequentemente, a legitimidade do governo. Segundo Rodríguez,
Assis Brasil defendia a ideia de que a representação verdadeira da opinião nacional no
Congresso era uma questão de justiça. E ao fazer justiça, o governo se fortalecia,
neutralizando as tentativas de conquista do poder por meio violentos, afirmando seu caráter de
maioria, e evitando, desta forma, as dissensões internas no seio dos partidos majoritários.
Estes, por sua vez, muitas vezes, optavam por permanecer solitários no poder. No entender do
autor, Assis Brasil, certamente, refletia aqui muitas das preocupações nele suscitadas pelas
divisões que o Partido Republicano Histórico gaúcho vinha sofrendo continuamente, causadas
pelo monolitismo dado por Castilhos à organização partidária.
No que tange à finalidade do governo, Rodríguez afirma que Silveira Martins e Assis
Brasil situavam-se na mesma linha de pensamento, ao salientar, como condições essenciais

50
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2010, p. 177.
28

para um bom governo: a liberdade de indústria e comércio, fundamentando a riqueza da


nação, e a liberdade de ensino, que poderia assegurar o esclarecimento da nova geração,
garantindo a evolução da sociedade. Quanto ao primeiro ponto, esclarece o autor que Gaspar
Martins combateu fortemente todas as formas de protecionismo e de monopólio estatal da
economia, vistas pelo tribuno como medidas atentatórias à liberdade dos cidadãos. Quanto à
liberdade de ensino, Silveira Martins considerava que o regime do Império era adverso ao
desenvolvimento da mesma, porquanto as escolas dependiam do poder direto do Imperador. A
liberdade de ensino deveria basear-se na desvinculação da instrução pública da Igreja
Católica, com evidente ameaça para a estabilidade do regime monárquico, pois contestaria o
papel das oligarquias dependentes da monarquia.
No referente às críticas produzidas por Silveira Martins ao sistema castilhista, o autor
se detém na analise do “testamento político”51 do ilustre tribuno, apresentado ao país em
03/09/1901, e visto por Rodríguez como uma evidente reação do liberal gaúcho à ditadura
castilhista. Para ele, “mais que uma crítica em sentido estrito, trata-se de uma resposta, no
campo do direito constitucional, à Carta de 14 de Julho. Mas não por isso o citado documento
carece de valor contestatório, sendo, como veremos, uma crítica indireta ao regime gaúcho”.52
O testamento propunha, basicamente, um modelo de governo representativo em nível
nacional. Da análise do referido documento, Rodríguez coloca em visibilidade dois pontos: o
fortalecimento do governo representativo, que o tribuno define claramente dentro dos marcos
da República presidencialista e, em segundo lugar, o fortalecimento da União sobre os
Estados, delineando um regime de centralização política. Para Rodríguez, estes dois aspectos
estavam fortemente influenciados pela problemática vivida pelo Rio Grande durante a
ditadura castilhista, da qual Silveira Martins foi enérgico opositor53, tanto que se opunham
diametralmente aos dois “vícios fundamentais da Carta gaúcha, ou seja: com relação ao
Estado do Rio Grande, a negação do governo representativo e sua substituição por uma

51
Esclarecemos que este testamento nasceu de uma entrevista feita por Pedro Moacyr, do diretório central do
Partido Federalista, com o tribuno, quando este achava-se em Montevidéu. Segundo declarou Pedro Moacyr em
discurso nas exéquias do líder, estivera com ele na véspera de sua morte e conversara longamente sobre “a
remodelação nacional do Brasil Republicano” e “sobre suas ideias de revisão constitucional”. Apesar do respaldo
dado por quatro figuras eminentes do partido, Pedro Moacyr, Rafael Cabeda, Barros Cassal e Alcides Mendonça
Lima, de acordo com Sérgio da Costa Franco, o “testamento político” de Silveira Martins nunca foi oficialmente
adotado como programa partidário. A respeito disso, ver maiores informações em: Sérgio da Costa Franco, 2007.
52
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2010, p. 198.
53
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2010, p. 200.
29

ditadura; com relação à União, a pretendida sujeição desta aos interesses autoritários do Chefe
do Estado sulino”.54
É interessante registrar aqui a constante relação estabelecida pelo autor entre os
diferentes itens do testamento e a situação política sul-rio-grandense. Vélez Rodriguez, neste
sentido, destaca que:

Contrapondo-se à acumulação de poderes em mãos do Presidente, à consequente


perda de funções da Assembleia dos Representantes e aos vícios do sistema eleitoral
gaúcho, anomalias que configuram o atentado contra o governo representativo na
Carta de 14 de julho, Silveira Martins fortalece o papel do Congresso Nacional
adotando o regime parlamentar, atribuindo-lhe, além da função de legislar, a de
vigiar a vida política dos Estados, especialmente no relativo às Constituições, a de
fiscalizar a política econômica dos mesmos e a de regular a marcha do Executivo,
mediante a eleição do Presidente da República, a fiscalização das funções
ministeriais e a escolha dos governadores. [...].55

Respondendo ao debilitamento da União, que pretendia a Constituição gaúcha para


favorecer a ditadura castilhista, Silveira Martins, na visão de Rodríguez, também propugnava
pelo fortalecimento da Federação, mediante a ampliação dos casos de intervenção federal nos
Estados, a fiscalização das Constituições dos Estados pelo Senado Federal, a adoção da
unidade do direito e do processo, a instauração da Justiça Federal como tribunal de última
instância para as decisões das magistraturas locais, a atribuição ao Supremo Tribunal Federal
do processo e julgamento nos crimes políticos dos altos funcionários da União e dos Estados,
a ampliação dos recursos econômicos federais, a proibição para os Estados de contrair
empréstimos externos sem prévia aprovação do Senado Federal e de organizar polícias com
caráter militar – alusão de Silveira Martins à brigada Militar organizada por Castilhos.
Em síntese, Vélez Rodríguez afirma que Silveira Martins lutava pela implantação, no
Brasil, de uma República Federativa de caráter presidencial, representativo e parlamentar,
que, ajustando-se à concepção liberal de governo, fornecia a primazia do poder público ao
legislativo, submetendo a este o Executivo e assegurando o livre funcionamento do Judiciário,
a fim de promover o bem-estar dos cidadãos e superar, definitivamente, a crise do governo
representativo, encarnada no regime castilhista.
Este tangenciamento no estudo da oposição federalista rio-grandense também está
presente em outros autores importantes, como, por exemplo, no caso do cientista político
Hélgio Trindade, autor do ensaio “Aspectos Políticos do Sistema Partidário Republicano Rio-

54
Ibidem, p. 200.
55
Ibidem, p. 201.
30

Grandense (1882-1937)”,56 publicado em 1979, e reeditado em 1993. Cabe dizer,


inicialmente, que, embora não tenha o discurso oposicionista parlamentar como objeto
específico de pesquisa, sua principal contribuição para o debate acadêmico está na forma
como é trabalhada a clivagem ideológica entre duas famílias políticas que se confrontaram, ao
longo o período republicano, inserindo-se em diferentes movimentos e estruturas partidárias.
Emergia dessa divisão política o seguinte embate: “conservadores liberais” (aí se enquadram
os federalistas) e os “conservadores autoritários” (republicanos castilhistas).57 A inclusão de
dois grupos políticos num mesmo universo ideológico, implicava, segundo o autor, considerar
como traço básico:

[...] uma classe política originária de um setor rural, apoiado na grande propriedade e
numa economia de tipo agropecuário, seja no governo, seja na oposição, a irrupção
de uma fissura consistente que, no plano político-ideológico, atravessa o setor
dominante.58 (Grifo nosso).

Mesmo possuindo uma base conservadora comum, de acordo com Trindade, esses
dois grupos desenvolverão no “microcosmo político estadual um padrão de enfrentamento não
comum ao restante da nação”.59 Isto se explicaria, segundo o autor, por dois motivos. Em
primeiro lugar, porque somente no Rio Grande do Sul construiu-se um sistema bipartidário,
com republicanos castilhistas no comando do governo, e republicanos federalistas, na chefia
da oposição, enquanto que, nos outros Estados da federação, reinava a “monótona dominação
dos Partidos Republicanos únicos”. Em segundo lugar, porque em decorrência da
“competição político-eleitoral interpartidária”, inicialmente sob hegemonia do Partido
Republicano, e, mais tarde, tendendo a um maior equilíbrio entre “as forças políticas em luta”,
desenvolvem-se no âmbito gaúcho “partidos estruturados, com projetos políticos alternativos
(e bem definidos), responsáveis, em grande parte, pela politização da opinião pública”.60
É interessante destacar que ao explicar a história política do Rio Grande do Sul, em
sua fase republicana, a partir da clivagem ideológica, Trindade traça um retrato da oposição
ao castilhismo, distanciando-se, em alguns aspectos, da leitura feita por Love sobre a mesma.

56
Este ensaio integra a obra “RS: Economia e Política”, da coleção Documenta, publicado pela editora Mercado
Aberto. Não obstante, as obras e artigos lançados nesta coleção constituem-se ainda hoje em estudos clássicos da
história e da historiografia do Rio Grande do Sul na Primeira República.
57
A mesma lógica tipológica foi ratificada por Fonseca (1983, p. 106), que caracterizou maragatos enquanto
liberais conservadores e chimangos enquanto progressistas conservadores.
58
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do Sistema Partidário Republicano Rio-Grandense (1882-1937). In:
GONZAGA, S.; DACANAL, J. H. (Orgs.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 119.
59
TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Estatísticas eleitorais do Rio Grande da América do Sul –
1823/2002. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 54.
60
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do Sistema Partidário Republicano Rio-Grandense (1882-1937). In:
GONZAGA, S.; DACANAL, J. H. (Orgs.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 121.
31

Diferentemente deste último, Trindade identifica, por exemplo, a existência de alguns pontos
de conexão entre o Partido Federalista, de inclinação parlamentarista, e o Partido Republicano
Federal61, de tendência presidencialista. Do ponto de vista da clivagem, o programa do PRF,
embora presidencialista, se identificava com o ideário liberal dos primeiros na medida em que
adotava “uma estratégia revisionista em termos constitucionais ao nível regional”. No ato
constitutivo do PRF, fica explicitado no documento que o partido deveria lutar para “rever e
reformar a Constituição da República (Rio-Grandense) expurgando-a de todas as disposições
contrárias ao sistema republicano federal”.62 Não é demais lembrar que do sumário exame do
primeiro programa federalista, aprovado em 1892, já podia se verificar a preocupação da
oposição maragata também em combater a Constituição Estadual de 14 de Julho.
Outro aspecto relevante a destacar neste trabalho diz respeito à sua insistência em
querer marcar as diversas tentativas de unificação das oposições rio-grandenses no decorrer
do período republicano. O autor sustenta que as aproximações, em nível partidário,
envolvendo os federalistas, ocorrerão, ao menos, em dois momentos significativos. Primeiro,
na tentativa de fusão do Partido Republicano Liberal com o Partido Federalista, em 1897,
tentativa que se tornou frustrada, fosse pela adesão de alguns republicanos liberais ao grupo
dos maragatos (caso de Pedro Moacyr), fosse pela reincorporação dos dissidentes ao Partido
Republicano Histórico (caso dos Baptistas). E, depois, na sucessão de Borges em 1907, logo
após a derrota de Fernando Abbott, quando os líderes da nova dissidência buscaram
aproximar-se dos federalistas, em inícios de 1908, na tentativa de uma nova fusão que, por
sua vez, não foi viabilizada em decorrência do veto da facção do Conselheiro Francisco
Antunes Maciel, por entender que tal fusão seria o sacrifício da doutrina parlamentarista e o
desaparecimento do partido.63 Esta questão a respeito das tentativas de unificação entre os
dissidentes e os liberais gasparistas é melhor explorada na obra “RS: As Oposições e a
Revolução de 1923”, escrita por Maria Antonieta Antonacci.
Mas, a grande novidade trazida pela obra, principalmente para quem analisa as
oposições rio-grandenses no contexto da República Velha brasileira, está em reconhecer na

61
A gestação desse partido, segundo Sérgio da Costa Franco (2007, p. 132), foi difícil pois envolvia a fusão da
União nacional com os dissidentes republicanos da corrente de Demétrio Ribeiro e Barros Cassal. Na União
nacional predominavam os quadros oriundos do antigo Partido Liberal, defensor do parlamentarismo, enquanto
os dissidentes demetristas e cassalistas eram declaradamente favoráveis ao sistema presidencialista.
62
OSÓRIO, Joaquim Luís. Partidos políticos no Rio Grande do Sul (Período Republicano). Pelotas: Livraria do
Globo, 1930, p. 76. In: TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do Sistema Partidário Republicano Rio-
Grandense (1882-1937). In: GONZAGA, S.; DACANAL, J.H. (Orgs.). RS: economia e política. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1979.
63
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições e a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 21-7.
32

atuação marcadamente oposicionista do Partido Federalista no âmbito regional, mais


precisamente através da Assembleia dos Representantes, o impulso para o processo de
reunificação das oligarquias conservadoras-liberais (federalistas, dissidentes do PRR e
democratas) no início da década de 1920. Para Trindade, com a participação da oposição
parlamentar na Assembleia Estadual, esta se transformaria, inclusive, numa verdadeira “arena
política”, excedendo em muito seu papel exclusivamente orçamentário.
Partindo de um enfoque situado no campo da análise política, Trindade procura buscar
a lógica política interna do processo de unificação das oposições, se afastando das proposições
defendidas por outros autores, como, por exemplo, Sandra Pesavento (1979) e Maria Antonieta
Antonacci (1979) que, como veremos adiante, tendem a centrar a formação da coalizão
oposicionista em função de um processo eminentemente econômico.64 O autor contesta a tese
defendida por estes historiadores, pois, segundo ele, estes deixariam transparecer em seus
escritos que, sem a crise econômica das demandas oriundas, sobretudo, da pecuária no após-
guerra, não teria provavelmente ocorrido o fenômeno do desafio eleitoral das oposições unidas
a Assis Brasil e a Revolução de 23. Para ele, parecia mais plausível a explicação que, mesmo
não deixando de reconhecer a crise da economia rio-grandense em 1921, considerasse,
entretanto, que o papel desta, sem dúvida relevante, foi no sentido de “acelerar e viabilizar um
processo de estruturação das oposições muito anterior à mencionada conjuntura do após-
guerra”. Este processo, segundo Trindade, foi amadurecendo ao longo de três décadas:

De um lado, seja pelas peripécias, através de uma variada gama de estruturas


partidárias, dos defensores da ideologia conservadora-liberal e que,
progressivamente, ampliavam suas bases político-eleitorais; seja pela expansão da
oposição parlamentar na Assembleia de Representantes que também, pouco a
pouco, transforma-se numa arena política mais expressiva do que no seu papel
orçamentário inscrito na Constituição Castilhista.65 (Grifo nosso).

Esta referência à oposição parlamentar não chega, entretanto, a ser trabalhada pelo
autor, ou seja, ele não acrescenta novos elementos acerca desta. Apenas a descreve como um
dos indicativos geradores do processo de endurecimento da unificação das oligarquias
regionais na conjuntura de 1921/1923.
As duas próximas obras que apresentaremos a seguir constituem a exceção da regra,
no que se refere à vertente republicana-castilhista. Mesmo tomando a questão dos federalistas
como contraponto ao projeto castilhista, elemento característico no esquema analítico da

64
Cláudia Wasserman (2004) sustenta tese semelhante àquela defendida por Pesavento (1979) e Antonacci (1979).
65
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do Sistema Partidário Republicano Rio-Grandense (1882-1937). In:
DACANAL, J. H; GONZAGA, S. (Org.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 159.
33

historiografia republicana, no entanto, em comparação com a grande maioria dos estudos


abordados aqui, estas duas obras detiveram-se mais amiúde na órbita da oposição
parlamentar, em sua esfera estadual. Hélgio Trindade e Pedro Fonseca foram os autores que
trouxeram à tona a atuação federalista no debate político regional, não recuperando, porém, as
discussões levantadas pela oposição federalista no plano parlamentar nacional. Exemplo disso
são as obras: “Poder Legislativo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul: 1891-1937”
(Trindade, 1980) e “RS: Economia e Conflitos Políticos na República Velha” (Fonseca,
1983).
No que diz respeito ao trabalho “Poder Legislativo e Autoritarismo no Rio Grande do
Sul (1891-1937)”66, publicado em 1980, ou seja, num contexto em que a “transição
democrática em curso, revalorizava o papel do legislativo na reconstrução da democracia
brasileira”67, Hélgio Trindade apresenta uma coletânea de mensagens enviadas pelos
presidentes do Estado à Assembleia dos Representantes e de discursos pronunciados na
mesma Assembleia tanto pela situação quanto pela oposição. A destacar as análises feitas pelo
autor nos capítulos intitulados “Do retorno de Borges de Medeiros ao poder à emergência da
oposição parlamentar”, referente ao período de 1913 a 1920 e “Da expansão da oposição
parlamentar e revolucionária ao Pacto de Pedras Altas”, sobre o contexto de 1921 a 1924.
Ao apresentar a crítica federalista ao regime castilhista – borgista produzida no seio
da Câmara Estadual do Rio Grande do Sul no contexto político da República Velha, Trindade
mapeia a história da trajetória da oposição federalista na Assembleia dos Representantes
vigente entre os anos de 1913 e 1928. Temas como a ortodoxia castilhista, o parlamentarismo
gasparista e o liberalismo assisista, então correntes na República Velha, ganham novos
contornos e adquirem maior concretude histórica ao adentrar nas tribunas do parlamento
estadual. Com isso, o referido autor oferece uma grande contribuição para um melhor
entendimento da dinâmica da política regional polarizada, em que o Rio Grande do Sul era
uma exceção diante dos Estados brasileiros dominados por partidos republicanos únicos.
As primeiras manifestações do ressurgimento organizado da oposição, segundo
Trindade, são visualizadas pela leitura dos Anais da 7ª legislatura da Assembleia dos
Representantes. Esta legislatura, embora considerada pelo autor politicamente bastante
tranquila, contará com a presença do primeiro representante eleito pela oposição, expressa
neste momento pelo Partido Federalista: o médico alegretense, Jorge Pinto. De acordo com

66
TRINDADE, Hélgio. Poder legislativo e autoritarismo no Rio Grande do Sul (1891-1937). Porto Alegre:
Sulina, 1980.
67
TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Isabel. Subsídios para a história do Parlamento Gaúcho (1890-1937).
Porto Alegre: CORAG, 2005, p. 9.
34

Trindade, Pinto defendeu, ao longo de seu mandato, a posição do seu partido, ao mesmo
tempo em que dirigiu longas críticas ao PRR, particularmente no que dizia respeito à fraude
eleitoral. Rompendo com a monotonia ratificadora das primeiras décadas de seu
funcionamento, uma nova atmosfera passa a caracterizar a Assembleia a partir de 1917, já na
ocorrência da 8ª legislatura, quando novos integrantes do federalismo passam a ocupar a
bancada oposicionista: Gaspar Saldanha, advogado de Alegrete, e José Alves Valença,
médico do município de Júlio de Castilhos. Como líder da bancada oposicionista, Gaspar
Saldanha denunciou o limitado papel político da Assembleia dos Representantes e o caráter
autoritário do governo.
Outra produção historiográfica que merece ser destacada aqui, neste momento, e que
enfocou a questão do debate político no parlamento gaúcho, é “RS: Economia & Conflitos
Políticos na República Velha” (1983), de Pedro Fonseca. O estudo refere-se à política
econômica levada a efeito pelo governo gaúcho durante a República Velha e sua influência
sobre a economia e a política estaduais – esta compreendendo o conflito entre governo e
oposições, com destaque para os federalistas. Ao indagar sobre as peculiaridades do Rio
Grande do Sul no período, Fonseca procura compreender os motivos que levaram os
maragatos, às vezes com ajuda das dissidências do PRR, a se oporem com tanta
combatividade ao governo estadual.
Um deles, segundo o autor, provinha do choque entre dois programas econômicos
distintos. Partindo deste diagnóstico, e tomando por base a estagnação da economia pecuário-
charqueadora da Campanha, discute-se como esses planos se materializam na política
econômica do Governo e nas críticas produzidas pela oposição. Neste sentido, o autor procura
entender como os agentes vinculados aos dois blocos em luta na República Velha percebiam a
crise da economia da Campanha naquele momento histórico.
Assinala Fonseca que para os perrepistas a origem da crise econômica estadual
encontrava-se na estagnação das exportações da campanha e como solução propunham
incentivar a produção interna de diferentes produtos agrícolas, capazes de levar a uma
economia auto-sustentada, proposta que ia ao encontro do desenvolvimento das atividades
econômicas que ganhavam impulso na serra e no planalto. Ou seja, em termos gerais, o plano
econômico republicano apoiava-se na tentativa de diversificar a produção gaúcha, no intuito
de resolver ou amenizar a crise porque passavam as atividades econômicas tradicionais do
Estado.68

68
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. RS: economia & conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1983, p. 72.
35

Para os federalistas, que tinham ampla penetração ao sul do Estado, a solução, no


entanto, achava-se no desenvolvimento e especialização da economia pecuária. Era preciso
continuar mantendo a expansão estadual via demanda de exportações, especializando o Rio
Grande “naquilo que lhe parecia trazer vantagens comparativas no comércio externo”.
Interpretavam a crise atravessada nesta atividade como decorrente da própria política
econômica governamental, que a colocara em segundo plano. Sintetizando o posicionamento
da oposição, os maragatos, na visão do autor, percebiam a crise como fruto da ação de
Castilhos e Borges no campo econômico, isto é, como fruto de uma política consciente e
deliberada do Governo.69
A característica inovadora do autor está não apenas em reconhecer e enfocar a
existência de duas visões, duas interpretações, a respeito da crise econômica, mas também em
analisar estas diferentes percepções por meio do debate político parlamentar produzido nas
sessões da Assembleia dos Representantes. Nesse sentido, valendo-se dos pronunciamentos
proferidos no recinto parlamentar tanto pela situação quanto pela oposição, ele procura
entender como republicanos e federalistas perceberam a crise da economia da Campanha
naquele momento histórico; como a entenderam, e, que soluções propunham.
É conveniente lembrar que, segundo Fonseca, um dos problemas dos pecuaristas em
relação à política do PRR era a perspectiva de que eles teriam que arcar com os custos da
crise. O referido autor explica que a perspectiva positivista do grupo no poder (PRR), no
sentido de conciliar a concentração de riquezas com os interesses coletivos, levara-os, de fato,
a taxarem mais fortemente os proprietários de terra (pecuaristas), o que gerou, segundo
Fonseca, protestos da oposição no âmbito parlamentar.
Tal autor também recupera o debate político entre republicanos e federalistas na
cidadela parlamentar apoiando-se na discussão em torno da questão dos transportes. Destaca-
se que dentro da concepção do PRR, de inspiração positivista, uma das tarefas do governo
consistia no incremento de todas as regiões do Estado, sem beneficiar uma em particular.
Mesmo assim, salienta Fonseca, o governo deu certa prioridade à área colonial e ao Planalto,
tendo em vista que, “a precariedade de transportes da Campanha, apesar de significativa, não
se comparava à da região serrana – mais acidentada e de recente colonização”.70 Isto teria
gerado, aponta o autor, profundo descontentamento nos meios oposicionistas, que exigiam

69
Ibidem, p. 114.
70
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. RS: economia & conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1983, p. 82.
36

mais benefícios à zona pecuária e uma política estadual mais presente no que se referia à
construção de estradas naquela região do Estado, dotando-a de melhores vias.
Outro motivo apontado por Fonseca que, segundo ele, impulsionou os federalistas a
se oporem com veemência ao governo castilhista ao longo do período da Primeira República
seria de ordem ideológica. PF e PRR, diz o autor, possuíam ideologias diferentes e
conscientemente filiavam-se, respectivamente, à doutrina liberal e ao positivismo.
Novamente, mesmo quando se detém na questão ideológica expressa no embate
presidencialismo versus parlamentarismo, é possível detectar a iniciativa do autor em querer
mostrar que o setor oposicionista pensava diferente, e, pra isto, se vale, novamente, dos
discursos políticos oposicionistas confeccionados na Assembleia. Seguindo esta trilha, ele
resgata boas discussões travadas entre republicanos e federalistas no plano parlamentar,
principalmente entre os representantes Getúlio Vargas (PRR) e Gaspar Saldanha (PF),
enfatizando as diferentes leituras que cada um dos grupos faziam, especialmente, em torno de
questões econômicas como o intervencionismo estatal na economia, equilíbrio orçamentário,
política tributária, entre outros assuntos.
É interessante salientar que, diferentemente do trabalho elaborado por Hélgio
Trindade, apresentado acima, Fonseca, ao explicar o elemento da complexidade presente na
formação política da oposição gaúcha, destaca alguns aspectos presentes no discurso
federalista que, por sua vez, tiveram maior circulação e repercussão no plano nacional do que
no espectro regional. Um deles, por exemplo, é o da defesa que os deputados maragatos
faziam em torno do modelo federalista unionista, que previa uma maior intervenção do poder
federal nos estados brasileiros, delineando para o país um regime de centralização política e
descentralização administrativa. Nesse sentido, ao federalismo exagerado defendido pelo
PRR, no que diz respeito à União federal, a oposição federalista, enquanto lema nacional,
respondia com maior necessidade de ampliação do poder federal sobre as franquias estaduais.
Federalistas e dissidentes republicanos, dizia Fonseca, viam na excessiva autonomia e/ou
independência dos estados um mal instituído com a introdução da República, e muito
alimentado pelo castilhismo-borgismo. Este ponto estava, inclusive, presente em “todas as
manifestações e programas oposicionistas”.71 Cabe sublinhar que as oposições, de um modo
geral, entendiam que os próprios municípios não possuíam autonomia, tal era a centralização
do poder nas mãos do executivo estadual. Sobre isto, esclarece o autor: “É possível que a
proposta de limitar a interferência estadual nos municípios seja percebida por seus defensores

71
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. RS: economia & conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1983, p. 89.
37

como forma de limitar os poderes de Castilhos e Borges de Medeiros”. 72 Da mesma forma, à


frente de um executivo ditatorial, preconizado pelo partido dominante, como afirma o autor,
os maragatos encontravam na centralização de certos poderes na esfera federal uma
possibilidade de maior participação política na esfera nacional: “Assim, a centralização era
condição necessária, mas só seria eficaz se o executivo federal deixasse de representar os
interesses parciais dos estados cafeicultores para ouvir as frações regionais”.73 Estabelece-se
aqui, dessa forma, um ponto de contato entre esta obra e a de Vélez Rodríguez em torno desta
questão. Rodríguez, por exemplo, salientou em sua reflexão este mesmo aspecto da
centralização política, especialmente quando da análise do “testamento” político (1901)
deixado por Silveira Martins. Este elemento foi observado também por Joseph Love (1975),
ainda que brevemente, quando aquele destaca a existência de grupos políticos (como, por
exemplo, os federalistas) que viam no aumento do poder federal e no voto secreto um meio de
enfraquecer as oligarquias estaduais de base coronelista.74
Entretanto, em certas ocasiões, Fonseca não observa o caráter heterogêneo presente
no grupo oposicionista ao castilhismo, desconsiderando a tradição de luta diversa dos
diferentes grupos que integravam a oposição rio-grandense, bem como as divergências quanto
a princípios de governo e programas partidários. Segundo ele:

admitindo a República como fato consumado [...] a oposição propunha o


parlamentarismo não só a nível federal, mas também nos estados-membros e nos
municípios. Defendiam ainda maiores poderes à União, considerando excessivas as
atribuições dos estados desde a Proclamação.75

Entendemos que esta caracterização pode ser muito bem aplicada para o grupo
federalista, cujo programa político tinha inegável sentido centralizante, em detrimento dos
governos estaduais. Como já destacamos, este aspecto político pautou de maneira expressiva
o discurso federalista no plano nacional, através da atuação dos seus principais representantes
na Câmara Federal, como veremos no último capítulo deste trabalho. O parlamentarismo com
mais centralização, para os partidários do federalismo, era, sem dúvida, uma forma de melhor
controlar os mercados consumidores das exportações garantindo protecionismo e abolindo
impostos interestaduais, fatores essenciais para a exportação do charque. Mas nem todos
compartilhavam deste mesmo propósito, uma vez que os democratas de Assis Brasil, assim

72
Ibidem, p. 92.
73
Ibidem, p. 93.
74
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.
156.
75
Ibidem, p. 115.
38

como os dissidentes do PRR, grupos que também fizeram oposição ao castilhismo-borgismo,


eram presidencialistas e jamais defenderam a bandeira do parlamentarismo, como fizeram os
federalistas partidários de Silveira Martins.
As próximas obras que a seguir iremos analisar, e que também se constituem como
exemplos de abordagens ligadas à vertente republicana-castilhista, seguem, com poucas
variações, uma mesma linha de argumentação. Comungam a convicção de que o castilhismo
traduziu-se em um projeto político acabado e constante ao longo de quase toda a República
Velha, sendo tributárias de um pensamento baseado na desconsideração não da existência,
mas do alcance político de outros projetos políticos para o Estado do Rio Grande do Sul, em
proveito da reprodução da versão hegemônica e do projeto vitorioso. Em geral, estas obras
minimizam a ação das oposições ao regime, desconhecem suas lutas internas e sacralizam
uma abordagem que privilegia, antes de tudo, a disposição do disciplinado e ideologizado
PRR em instalar uma “nova ordem”, baseada num “projeto progressista e modernizador”,
marcado pela “inspiração positivista, sob a liderança de Júlio de Castilhos”.76 Seguindo
praticamente uma mesma linha de interpretação, defendem que o PRR fez tudo o que era
necessário e possível para garantir o progresso econômico no Rio Grande do Sul. E de quebra,
ainda professou o princípio de incorporação social do proletariado. Diante desta eficácia
administrativa, “não havia condições objetivas para que os grupos de oposição se
organizassem efetiva e continuamente, de modo a viabilizar suas alternativas políticas ao
projeto de organização estabelecido pelo PRR no RS”.77 As condições se objetivariam um
pouco mais quando, em 1922, o PRR não conseguiu fazer frente à crise econômica que se
abateu sobre o Rio Grande do Sul, desapontando segmentos expressivos da elite econômica
como, por exemplo, a classe dos pecuaristas. Além disso, cabe destacar que as oposições são
abordadas aqui de maneira rápida, reduzindo sua escala de participação na história política
rio-grandense a um plano secundário. Nada ou quase nada sobre a atuação da oposição
federalista parlamentar. Diante disso, relacionamos Sandra Pesavento, Céli Regina Pinto e
Cláudia Wasserman.
Em “República Velha Gaúcha: estado autoritário e economia” (1979), Sandra
Pesavento,78 por exemplo, adverte que “a partir da vitória republicana, tem-se a implantação,

76
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições e a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 18.
77
Ibidem, p. 23.
78
Segundo Günter Axt (2011, p. 26), Sandra Pesavento, a partir de um exaustivo levantamento de fontes e de
uma produção historiográfica extensa e diversificada, tornou-se referência para todos os estudiosos sobre
economia e política na República Velha gaúcha. Posteriormente, dedicou-se ao campo da chamada nova história
cultura, tendo-se afastado dos referenciais teóricos marxistas que então suportava.
39

no Rio Grande do Sul, de um esquema de dominação apoiado num partido altamente


burocratizado, rigidamente disciplinado e com um embasamento filosófico definido”.79 Este
embasamento filosófico pressupunha uma sociedade hierarquizada, rígida e marcada pelo
autoritarismo. Para a autora, as possibilidades de atuação política da oposição eram quase
nulas, tendo em vista que o autoritarismo castilhista implicou num “fechamento político, mas
não total, permitindo a manifestação discreta dos grupos de oposição, pelo que não conta
com a totalidade dos representantes políticos a seu favor”.80 Fora esta menção, a autora, num
primeiro momento, não traz maiores detalhes a respeito das forças oposicionistas que se
contrapunham ao regime castilhista.
A oposição é enfatizada, novamente, somente quando relacionada com a crise da
economia pecuária dos anos 1920. Na medida em que, no plano local, o governo borgista não
cedia aos pecuaristas, nem no plano nacional a representação gaúcha e Borges conseguiam
fazer prevalecer os interesses econômicos de uma região periférica, esta crise, segundo
Pesavento, assumiria uma conotação política, abrindo as portas para a atuação das oposições.
De acordo com a autora, com a crise econômica do após-guerra, associada ao problema da
não circulação do poder político no interior da classe dominante rio-grandense, “facilmente as
oposições arregimentaram-se sob a liderança de Assis Brasil e foram às armas contra o
governo na revolução de 1923”. Por outro lado, esclarece Pesavento que enquanto “o governo
satisfez os interesses econômicos da classe dos pecuaristas, atenuou-se, no Estado, a
divergência política entre situação e oposição”.81 Fica claro aqui o peso maior dado pela
autora aos assuntos de natureza econômica. Tanto que ela entendia que em termos de PRR ou
Aliança Libertadora,82 o que os fazia divergir, era a forma de dar solução à problemática
existente na época, ou seja, às contínuas crises de pecuária que se avolumavam no Estado. Ou
seja, a divergência entre os dois grupos políticos se dava, em primeiro lugar, ao nível
econômico. Nesse bojo, lembra a autora que enquanto o PRR dotava um programa de
desenvolvimento multilateral – pecuária, agricultura, indústria, transportes – a Aliança

79
PESAVENTO, Sandra J. República Velha Gaúcha: estado autoritário e economia. In: DACANAL, J. H.;
GONZAGA, Sergius (Org.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 209.
80
Ibidem, p. 196.
81
PESAVENTO, Sandra J. República Velha Gaúcha: estado autoritário e economia. In: DACANAL, J. H.;
GONZAGA, Sergius (Org.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 220.
82
Liga política das oposições gaúchas, constituída em São Gabriel-RS, em 15 de janeiro de 1924, logo após o
término da revolução de 1923, reunindo federalistas e republicanos dissidentes, sob a liderança de Joaquim
Francisco de Assis Brasil. Tinha o fim declarado de “propugnar os princípios de liberdade política, baseados no
sistema representativo e especialmente para combater, nas eleições federais, estaduais e municipais, a situação
imperante no Estado”. Mais informações a respeito em KLIEMANN, Luiza H.S. A articulação da oposição gaúcha
(1924-1930). Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUC, v. VII, n. 1-2, p. 89-100, jul.-dez. 1981.
40

Libertadora reivindicava a “solução do problema pecuário como prioritário, junto com a


abertura política do sistema mediante a adoção do voto secreto”.83
Referindo-se uma única vez à bancada federalista na Assembleia dos Representantes, de
maneira bem sucinta, por sinal, a autora relata que nas difíceis circunstâncias de uma Câmara
tomada majoritariamente por perrepistas, fácil não era a missão da minoria oposicionista:

Quanto à perspectiva de circulação do poder para toda a classe dominante, o


fechamento político era notório, seja pela maioria absoluta dos representantes do
PRR na Assembleia dos Representantes, o que lhe tolhia as chances da minoria
participar efetivamente, seja na monopolização dos cargos de direção ou de fraude
eleitoral, que reconduzia Borges sucessivamente à renovação do mandato
presidencial.84 (Grifo nosso).

Fora esta menção, ela não traz mais nenhum detalhe ou contribuição a respeito dos
federalistas na Assembleia.
Merece destaque aqui também a obra “Positivismo. Um Projeto Político Alternativo
(RS: 1889-1930)”. Nela, a historiadora Céli Pinto destaca o importante papel exercido pelo
jornal “A Federação” como instrumento de doutrinação do PRR, demonstrando o ritmo
oscilante com que o fervor positivista se manifestava nos artigos veiculados, de acordo com as
variações na conjuntura política. O PRR é apresentado como o promotor do progresso, da
modernidade e do bem comum, servindo-se de opções administrativas objetivas, que, se
traziam prejuízo temporário ou circunscrito a um segmento produtivo, compensavam-no logo
adiante, graças à capacidade de sustentação de um projeto coletivo e funcional. No limite da
categorização valorativa, o PRR é divisado com assento junto às classes médias, burguesas e
até operárias, enquanto se opunha aos interesses tradicionais da agropecuária, do alto
comércio importador e das charqueadas da Campanha. Neste quadro, o positivismo aparece
como peça chave de explicação para tudo isto:

O positivismo foi fundamental na construção do discurso do PRR. Em primeiro


lugar, foi através dele que o PRR encontrou uma fórmula capaz de garantir sua
reprodução no poder [...] foi fundamental na forma como o PRR apresentou suas
instituições ao povo rio-grandense, colocado antagonicamente ao liberalismo,
atribuindo-se a este último a responsabilidade pelo caos político e paralisação
administrativa. [...] O positivismo, por outro lado, era uma doutrina científica que
possibilitava a organização da política e da administração do estado de uma forma
verdadeiramente democrática, onde o bem geral, a incorporação do proletariado à

83
Ibidem, p. 220.
84
PESAVENTO, Sandra J. República Velha Gaúcha: estado autoritário e economia. In: DACANAL, J. H.;
GONZAGA, Sergius (Org.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 223.
41

sociedade e a administração pública voltada para os interesses das classes produtoras


se realizava completamente.85

A oposição parlamentar federalista é destacada rapidamente pela autora e somente


quando esta se detém na questão envolvendo a promulgação da lei eleitoral de 14 de julho de
1913.86 Pinto não se preocupa em analisar o papel político desta oposição parlamentar, isto é,
não traz outras informações acerca da oposição.87 Apenas salienta que:

A lei eleitoral de 1913, decretada pelo presidente Borges de Medeiros, possibilitou,


pela primeira vez no estado, a representação da minoria na Assembleia dos
Representantes e na Câmara dos Deputados.88 No ano de sua promulgação já foi
eleito para a Assembleia dos Representantes um membro do Partido Federalista. 89
(Grifo nosso).

Seu principal interesse, diz ela, consiste em discutir a forma como a lei foi
apresentada à população rio-grandense e como o PRR tratou de envolver os grupos
oposicionistas do estado no seu cumprimento. Para isto, a autora se vale unicamente dos
editorais de “A Federação”, cujo primeiro artigo publicado na ocasião destacava o caráter
liberal e democrático presente na nova lei: ‘[...] O preclaro Dr. Borges de Medeiros implantou
no estado o sistema eleitoral considerado o mais perfeito e mais consentâneo com o regime
democrático [...]’.90
Entretanto, amparando-se exclusivamente no discurso doutrinário dos republicanos
castilhistas, a autora, em alguns momentos, se esquece de processar a devida crítica ao
mesmo. A discussão em torno do sistema de representação proporcional para as minorias
presente na lei eleitoral estadual de 1913 é um bom exemplo disso. A tese de que esta lei se
constituiu como uma prova da natureza “democrática”91 do regime instaurado no Rio Grande
do Sul após 1889 é originária e defendida pelo grupo republicano, perpetuada por várias
obras, algumas delas foram e continuam a ser quase que paradigmas, uma vez que sua

85
PINTO, Céli Regina Jardim. Positivismo – um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre:
L&PM, 1986, p. 106.
86
Referência a lei 153, de 14/07/1913. Tal lei foi desenvolvida em três artigos e dez parágrafos, cujo princípio
básico era enunciado no artigo 81, que assim rezava: “Todas as opiniões políticas terão direito à representação
proporcional de suas forças eleitorais”.
87
Lembramos que naquele ano fora eleito pelo PF o deputado Jorge Pinto, oriundo do município de Alegrete,
tradicional reduto oposicionista.
88
Observamos, no entanto, que já em 1906, graças à aprovação da Lei Rosa e Silva, de 1904, arejando-se as
normas de alistamento, o exercício do voto consagrou três candidatos da oposição na órbita federal: Wenceslau
Escobar, Francisco Antunes Maciel e Pedro Moacyr.
89
PINTO, Céli Regina Jardim. Positivismo – um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre:
L&PM, 1986, p. 62.
90
“Lei Eleitoral”, A Federação, 21 de julho de 1913. In: PINTO, Céli Regina Jardim. Positivismo – um projeto
político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre: L&PM, 1986, p. 62.
91
PINTO, op. cit., p. 62.
42

influência foi e continua a ser muito grande como referencial, mas, certamente, não
compartilhada por todos os grupos políticos daquela época.
Céli Pinto identifica ainda um duplo sentido presente na lei eleitoral em questão.
Esta, diz a autora, representou a legitimação por parte do PRR da existência da oposição e, ao
fazê-lo, o partido retirava desta oposição a base de sua luta, ou seja, o caráter ditatorial do
governo republicano. E, acrescenta: “a lei, portanto, ao legitimar a existência de grupos
oposicionistas, foi, ao mesmo tempo, um instrumento de desarticulação do próprio discurso
destes grupos”.92 Acrescentamos que sem a divisão do estado em distritos, como determinava
a referida lei, Borges também atenuava a expressão eleitoral que a oposição federalista
apresentava na Fronteira e no Planalto. A nova lei eleitoral induziria os municípios a também
reformarem suas leis eleitorais e a adotarem a representação proporcional nos conselhos
municipais.
Nesse ínterim, segundo a autora, com a inserção do primeiro representante federalista
na Assembleia dos Representantes, eleito em 1913, o alegretense Jorge Pinto, tem-se o
“renascimento da oposição no estado”. Nesse ponto, a obra de Céli Pinto, embora não avance
na análise a respeito dos parlamentares federalistas, distancia-se das demais até agora
analisadas, visto que nos outros trabalhos, em geral, a temática da alteração da legislação
eleitoral de 1913 é sistematizada isoladamente, ou seja, não aparece articulada a questão do
ressurgimento da oposição estadual.
Pinto ainda faz referência à oposição, quando do estudo das eleições estaduais de
1922, que, posteriormente, levaria à eclosão da Revolução de 1923. Afirma a autora que, ao
contrário das reeleições anteriores de Borges, o PRR teve de enfrentar “uma candidatura de
Assis Brasil, apoiado pelos dois grupos tradicionais de oposição no estado.” Estes, por sua
vez, identificavam a reeleição de Borges como a “prova da natureza ditatorial do PRR”. O
ataque ao governo republicano estadual concentrava-se no caráter autoritário e
antidemocrático das instituições rio-grandenses, o que provocava, em contrapartida, uma
reação do partido situacionista, ressaltando a superioridade das instituições políticas do
estado, que garantiam a ordem e o progresso, se comparadas com as instituições liberais.
Ao traçar um quadro de como o PRR articulou discursivamente este período
histórico, Pinto mostra que no confronto do partido dominante com a oposição, no contexto
de 1922/23, os republicanos procuravam a todo instante quebrar a ideia de unidade das forças
oposicionistas, apontando a contradição da união de parlamentaristas e presidencialistas.

PINTO, Céli Regina Jardim. Positivismo – um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre:
92

L&PM, 1986, p. 65.


43

Neste sentido, afirma: “a ênfase na falta de princípios doutrinários do grupo liderado por
Assis Brasil é uma constante nas manifestações do PRR neste período.” 93
De fato, o
movimento oposicionista de 1922/23, arregimentado em torno da Aliança Libertadora, reunia
grupos heterogêneos, pois agregava, ao mesmo tempo, republicanos dissidentes, que eram
adeptos do presidencialismo, e federalistas, defensores do regime parlamentar. Este detalhe
dificultou, inclusive, a apresentação de uma plataforma ou um programa mais definido de
governo por parte das oposições.
A oposição aparece como um tema menor, ou secundário, também no artigo “O Rio
Grande do Sul e as elites gaúchas na Primeira República: guerra civil e crise no bloco do
poder” (2004), de autoria de Cláudia Wasserman. O ponto central do trabalho consiste na
discussão a respeito da luta intra-elites nas duas guerras civis que assolaram o Rio Grande do
Sul da Primeira República: a Revolução Federalista (1893-95) e a Revolução Assisista de
1923. No referente à “Federalista”, por exemplo, tal autora esclarece que o fim da Guerra
dividiu o Rio Grande do Sul em 2 partidos ideologizados, embora sob o domínio dos
republicanos, configurando uma polarização entre presidencialistas autoritários versus
parlamentaristas libertadores. Porém, o enfrentamento entre esses dois grupos, de fato, de
acordo com a autora, ocorreu exclusivamente nos interregnos revolucionários. Entre a
Revolução Federalista e a Revolução de 1923, Wasserman sugere que houve uma relativa
estabilidade da classe dominante gaúcha porque havia prosperidade, sobretudo, ao nível
econômico, amortecendo, destarte, qualquer ação contestatória das oposições.
As oligarquias pecuaristas estariam satisfeitas com a ideia positivista de que o Estado
era como um administrador do bem público e que orientava e regulava o desenvolvimento
conforme as necessidades coletivas, enquanto sentiam-se protegidas pela boa demanda e bons
preços dos produtos gaúchos no período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial.
Com o fim da guerra, a demanda começa a cair e os estancieiros, num mercado cada vez mais
competitivo, se vêm incomodados novamente com os produtos platinos. Diante de um cenário
sintomático, os pecuaristas começam a se contrapor à hegemonia perrepista, abrindo as portas
para a atuação das oposições, que até então, ou pelo menos desde 1895, segundo a autora,
achavam-se acomodadas. Destacamos que nesse quesito, o trabalho de Wasserman se
aproxima bastante do estudo desenvolvido por Sandra Pesavento (1979). Continua-se dizendo
aqui as mesmas coisas já registradas anteriormente. Ou seja, tanto Wasserman quanto

PINTO, Céli Regina Jardim. Positivismo – um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre:
93

L&PM, 1986, p. 87-8.


44

Pesavento esvaziam a ação das oposições ao regime nos momentos em que o Estado contou
com relativa prosperidade econômica.
Wasserman ainda reitera que a hegemonia republicana, mantendo-se no governo
Borges de Medeiros por mais de 20 anos, foi obtida graças às fraudes eleitorais, à eficiência
da máquina partidária, mas também à “ausência de projetos alternativos e de uma aceitação
por parte das oposições daquela dominação”.94 É bom deixar claro que a autora não faz
nenhuma menção à atuação política da oposição federalista, propriamente dita. Também
desconsidera a atuação da oposição federalista no âmbito dos jornais partidários da época,
que, mesmo no período entre guerras, como sabemos, não cessaram suas publicações e
continuaram explicitando as ideias e programas das principais facções que estavam na
oposição.95
Os grupos oposicionistas, na leitura feita por Wasserman, não tinham um projeto
político definido e “tão consistente para se contrapor ao projeto republicano”.96 Desta forma,
Júlio de Castilhos transformaria o Rio Grande do Sul em um “reduto do PRR e das ideias
positivistas, afastando do poder qualquer liderança da oposição”.97 Tal visão defendida pela
autora se choca com a posição defendida pelo sociólogo Hélgio Trindade, tanto que para este
último, como vimos, um dos resultados mais importantes da Guerra de 1893 foi uma
polarização política mais agressiva no Rio Grande, que continuou a girar em torno de “dois
partidos bem organizados”, e bem estruturados, e que tinham, ao mesmo tempo, “mais nítida
orientação ideológica (presidencialismo ditatorial versus parlamentarismo) do que os partidos
em outros pontos do Brasil”.98
Wasserman argumenta ainda que apenas com a crise econômica de 1921/1922 que as
oposições se reestruturam no Rio Grande do Sul e passam a exigir o fim da continuidade
administrativa do PRR. A crise econômica assume uma conotação política, “transformando-se
numa luta pelo poder e desembocando na Revolução de 1923, liderada por Assis Brasil contra
Borges de Medeiros”.99 A Revolução Assisista, por sua vez, é vista por ela como uma

94
WASSERMAN, Claudia. O Rio Grande do Sul e as elites gaúchas na Primeira República: guerra civil e crise
no bloco do poder. In: GRIJÓ, Luiz Alberto; KUHN, Fábio, GUAZZELLI; César Augusto Barcellos;
NEUMANN, Eduardo Santos (Orgs.). Capítulos de História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2004, p. 289.
95
Este assunto será melhor abordado no capítulo seguinte desta tese.
96
Ibidem, p. 273.
97
Ibidem, p. 278.
98
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do Sistema Partidário Republicano Rio-Grandense (1882-1937). In:
GONZAGA, S.; DACANAL, J. H. (Orgs.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 143.
99
WASSERMAN, Claudia. O Rio Grande do Sul e as elites gaúchas na Primeira República: guerra civil e crise
no bloco do poder. In: GRIJÓ, Luiz Alberto; KUHN, Fábio; GUAZZELLI; César Augusto Barcellos;
45

“espécie de reedição da Revolução Federalista, sem a presença dos políticos monarquistas”.100


Outro dado trazido pela autora aqui é a de que a união entre as oposições em torno de Assis
Brasil foi apenas circunstancial. A aliança, diz ela, era devido muito mais à conjuntura de
crise econômica do pós-guerra do que a uma “articulação bem definida de grupos tão
díspares”.101
Outro exemplo de abordagem historiográfica que apenas tangenciou a questão das
oposições é Loiva Félix no livro “Coronelismo, Borgismo e Cooptação Política” (1987). O
texto bem poucos elementos nos forneceu para a compreensão do quadro oposicionista. Na
realidade, a preocupação da autora consistiu em esmiuçar as relações existentes entre a cúpula
do PRR e as lideranças regionais do norte do Rio Grande do Sul, demonstrando a distância
existente entre o ideário comtiano e as necessidades de barganha impostas pelo pragmatismo
político. A autora conclui, a partir de um estudo de caso, a existência recorrente também no
Estado de uma rede de compromissos coronelista que dava apoio e sustentação à situação
política, ao mesmo tempo, que dela se alimentava. E entende que a autonomia do poder local
em relação ao regional variava de região para região, tanto em intensidade quanto em caráter,
conforme a trajetória sócio, político e econômica experimentada por cada uma. Da mesma
forma, o grau de acolhida da pregação oposicionista. E a necessidade de abordar o elemento
da oposição federalista decorre da própria Revolução Federalista, que, por sua vez, é vista por
ela como uma “luta eminentemente coronelista”, que permitiu a consolidação dos
republicanos no poder local.
Também merece ser situada aqui a obra intitulada “Positivismo: Teoria e Prática”
organizada por Hélgio Trindade, cuja edição mais recente é de 2007. O aspecto definidor de
tal estudo é o olhar retrospectivo sobre a obra teórica e as influências políticas do positivismo.
A abrangência do livro é ampla: desde a reconstituição da obra teórica comtiana, passando
pelo estudo de temas específicos, até a análise de suas aplicações políticas, frustradas na
Europa, mas efetivas na América Latina. A destacar o artigo “O jacobinismo castilhista e a
ditadura positivista no Rio Grande do Sul”, publicado pelo mesmo autor. Sua análise procura
contextualizar a influência que o positivismo deixou na América Latina, especialmente no
México, na Argentina, no Uruguai e no Brasil. Mesmo assim, destaca que o Rio Grande do
Sul foi um caso excepcional, em função da duração e da profundidade dos traços deixados
pelo pensamento de Auguste Comte na organização social do Estado. Em especial, procura

NEUMANN, Eduardo Santos (Orgs.). Capítulos de História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2004, p. 283.
100
Ibidem, p. 281.
101
Ibidem, p. 284.
46

caracterizar a interpretação e a adaptação do positivismo comtiano feita por Júlio de


Castilhos, tomando a análise da Constituição sul-rio-grandense de 14 de julho de 1891 como
documento chave para entender a estratégia política adotada pelo PRR. A respeito da
oposição, o autor apenas informa que com o advento do novo regime, o grupo castilhista no
poder viu-se obrigado a assumir funções governamentais imediatas e a “enfrentar a oposição
do poderoso Partido Federalista, que tem suas bases políticas na região do grande latifúndio
pampeano”.102
Em “Gênese do Estado Moderno no Rio Grande do Sul: 1889-1930” (2011), Gunter
Axt analisa o alcance das ações do estado do Rio Grande do Sul e do Governo Federal no
campo da economia a partir do cotejamento das políticas públicas e dos discursos em torno
das mesmas com o sistema de relações de poder da época republicana e com uma análise da
conformação das instituições política. A tensão entre poderes locais e poder central estadual é
analisada tomando-se em conta a época castilhista-borgista. O autor analisa a importância das
políticas públicas de tributação para a estruturação dos setores de transporte e de energia,
essenciais à modernização do Estado.
O discurso oposicionista dos federalistas na política nacional é destacado e analisado
pelo autor em seu estudo sobre a República Velha gaúcha. Porém, o tema do oposicionismo é
visto de forma superficial, como contraponto ao regime castilhista, sendo levado em conta
pelo autor somente quando ganha destaque em sua análise a questão da Constituição
castilhista, de 1891. Nesse sentido, Axt recupera alguns bons momentos vivenciados pela
oposição federalista em sua atuação no Plenário federal. Um deles consistiu na discussão do
Parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, mandando arquivar
a indicação do deputado federalista, Francisco Antunes Maciel, em que destacava o caráter
ilegítimo e ditatorial da Carta estadual. Aprovado na sessão de 13 de junho de 1907, o
Parecer, explica Axt, refutou a indicação, alegando que a Constituição gaúcha fora
promulgada por uma Assembleia Constituinte soberana. A esse respeito, o referido autor
ainda registra que o Parecer da Comissão entendia estar ainda assegurada a harmonia entre os
poderes no Rio Grande do Sul, em função da garantia de independência da Assembleia dos
Representantes, cujas deliberações não poderiam ser alvo de veto presidencial (Artigo 49).103

102
TRINDADE, Hélgio. O jacobinismo castilhista e a ditadura positivista no Rio Grande do Sul. In: TRINDADE,
Hélgio (Org.). O Positivismo: teoria e prática: sesquicentenário da morte de Augusto Comte. 3. ed. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2007, p. 493.
103
AXT, Gunter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. – Porto Alegre: Paiol, 2011, p.
99.
47

Nesse sentido, a oposição federalista aparece com certa “força” em sua obra quando
da discussão em torno da reforma da Carta estadual, de 14 de Julho. De acordo com Axt, os
deputados oposicionistas encabeçados por Pedro Moacyr e Wenceslau Escobar, no plano
nacional, almejavam demonstrar a desarmonia que imperava entre a Constituição sul-rio-
grandense e a Carta federal, aspecto que segundo eles próprios, feriam veementemente os
princípios basilares do sistema republicano federativo.104 A esse respeito, o referido autor
esclarece que o argumento apresentado pelos parlamentares da oposição visava sensibilizar os
poderes da República de forma a promover, com base no Artigo 6º da Constituição federal, a
intervenção no estado do Rio Grande do Sul. Considerado por Campos Salles “o coração da
República brasileira”, esse artigo permitia a intervenção nos estados a fim de “repelir uma
invasão estrangeira ou de um estado em outro” (parágrafo 1º), “manter a forma republicana
federativa” (parágrafo 2º), “restabelecer a ordem e a tranquilidade nos estados, à requisição
dos respectivos governos” (parágrafo 3º) e “assegurar a execução das leis e sentenças
federais” (parágrafo 4º).
O tema da oposição federalista também ganha espaço nessa obra quando do contexto
da campanha assisista durante as eleições estaduais de 1922. Axt recupera o fato de que o
Partido Federalista naquele momento encontrava-se profundamente cindido entre várias
correntes antagônicas, basicamente, formadas pelos partidários de Rafael Cabeda (deputado
federal), de Raul Pilla, e de Francisco Antunes Maciel Júnior (deputado federal).105
A esse respeito, convém lembrar que as dissenções internas sempre foram uma marca
registrada na vida política do Partido Federalista, o que comprometia a capacidade
operacional do partido. Não é demais lembrar que desde as eleições parlamentares de 1906,
quando os federalistas ocuparam, pela primeira vez, as cadeiras no e do Congresso Nacional,
houve sérios problemas internos. Naquela época, as discussões giravam em torno do 3º
distrito eleitoral, onde o advogado Carlos Ferreira Ramos, que atuava na cidade gaúcha de
Pelotas, contestou perante a Câmara dos Deputados os resultados proclamados pela comissão
competente, a qual, aliás, reconhecia como o mais votado do distrito, o também advogado,
Pedro Moacyr.
Por fim, é imperativo salientar aqui que, mesmo tomando a questão do federalismo
gaúcho como contraponto ao modelo republicano castilhista, Axt procurou traçar um retrato
da oposição ao castilhismo-borgismo, apontando questões importantes a respeito do papel

104
AXT, Gunter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. – Porto Alegre: Paiol, 2011, p.
100.
105
AXT, Gunter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. – Porto Alegre: Paiol, 2011, p.
371.
48

exercido por esta no processo político rio-grandense e brasileiro ao destacar a sua crítica aos
aspectos autoritários da Constituição gaúcha, as brigas internas, bem como a defesa insistente
que os federalistas faziam em torno da intervenção do governo federal no estado sulino.
A partir dos exemplos historiográficos citados, podemos afirmar que a historiografia
acadêmica em sua vertente republicana-castilhista percebeu a oposição simplesmente como
um contraponto (e não como objeto específico de analise) ao modelo republicano castilhista.
A oposição, mesmo sendo citada, foi tratada de maneira genérica, sem merecer grandes
considerações, sendo vista, pela maioria dos autores, como um objeto menor, ou secundário,
em comparação com o estudo do castilhismo e das suas lideranças políticas. A seguir,
analisaremos o enfoque dado ao tema da oposição federalista a partir da historiografia dos
eventos.

2.2 O FEDERALISMO SEGUNDO O ÂNGULO DA VERTENTE HISTORIOGRÁFICA


REVOLUCIONÁRIA

De um modo geral, pode-se afirmar que os estudos que detiveram-se mais amiúde
nos federalistas gaúchos, no âmbito da produção historiográfica regional, permaneceram
tributários da ideia de uma oposição embalada e atuante, do ponto de vista histórico, apenas
sob o influxo da missão revolucionária. Inobstante terem sido alcançados diversos resultados
positivos, cujas contribuições para a delimitação dos contornos do processo histórico sul-rio-
grandense são altamente enriquecedoras, estes trabalhos acham-se comprometidos por um
vício constante, qual seja, o esforço de contextualizar o papel da oposição maragata apenas
nos contextos das revoluções. Prova disso é que pouco se sabe sobre a trajetória do Partido
Federalista no período entre guerras, tampouco sobre a participação da oposição federalista no
âmbito do parlamento nacional, iniciada na década de 1900. Nesse sentido, quando a
historiografia se deteve nos federalistas, a ênfase, se deu, portanto, nos dois eventos bélicos
importantes do período: Revolução Federalista (1893-1895) e Revolução Assisista (1923).
É significativo, neste sentido, recuperarmos uma passagem situada na introdução do
livro “Rio Grande do Sul: aspectos da Revolução de 1893”, de Moacyr Flores. Nela, o
referido autor afirma que “ao findar a Revolução em 1895, a oposição política estava
esmagada, restava apenas o autoritarismo triunfante do governo que buscava a consolidação
do poder republicano”.106 A paz conquistada em 1895, segundo ele, reinaria no território

106
FLORES, Moacyr; FLORES, Hilda Agnes Hübner. Rio Grande do Sul: aspectos da Revolução de 1893.
Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999, p. 8.
49

gaúcho, porém, de forma provisória, pois aquela seria quebrada em 1923, quando novamente
estoura um movimento armado contra o governo republicano. Uma das leituras possíveis de
se fazer a partir do fragmento acima é a de que a ação contestadora da oposição ao Estado
castilhista-borgista no Rio Grande do Sul da República Velha existiu somente durante a
ocorrência destes dois momentos, 1893-95 e 1923, esvaziando ou até mesmo desprezando sua
atuação no período entre guerras. E sabemos que dos primórdios de 1895 até 1923 muita água
correu sob a ponte do federalismo.
É de se ressaltar aqui que os conflitos políticos ocorridos no Rio Grande do Sul
durante o período da República Velha (1893-95 e 1923) já foram estudados e interpretados
por vários especialistas à luz de diferentes referenciais teóricos, explicando-os de forma
detalhada e contextualizada, contribuindo para as explicações sobre as suas causas, razões,
motivações e fundações. São exemplos representativos desta abordagem que priorizou os
eventos, a qual estamos denominando de vertente federalista-revolucionária, as seguintes
obras: “A Revolução Federalista” (Pesavento, 1983); “A Guerra Civil de 1893” (Franco,
1993); “Pensar a Revolução Federalista” (Alves e Torres, 1993); “A diplomacia marginal:
vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai” (1893-1904) (Reckziegel,
1999); “RS: as oposições e a Revolução de 1923” (Antonacci, 1981) e “Revolução
Federalista: história e historiografia” (Alves, 2002). Neste sentido, abordaremos, ao longo
deste tópico, estes cinco trabalhos, priorizando, primeiramente, aquelas obras que enfocaram a
Guerra Civil de 1893, e, destacando, por fim, os estudos que se voltaram para a Revolução de
1923.
Dentro da vertente federalista-revolucionária, recuperaremos também alguns estudos
que laboraram apropriações mais pontuais sobre o tema. Não enfocaram de maneira tão direta,
como fizeram os autores citados acima, a oposição sob o ponto de vista revolucionário, porém
não deixaram de esquadrinhar outras possibilidades de interpretação acerca do discurso
federalista na Primeira República, e por isso os enquadramos neste esquema classificatório.
Destarte, faremos menção aos trabalhos de Ieda Gutfreind (1979), Sílvio Rogério Duncan
Baretta (1985) e Luciana Rossato.
A Revolução Federalista foi tema do livro de Sandra Pesavento, intitulado “A
Revolução Federalista”, publicado em 1983. Nele, a descrição dos combates com o nome dos
autores envolvidos é substituída pela análise – com embasamento teórico marxista – a partir
da colocação de algumas questões/problemas. A eclosão da Revolução Federalista e os seus
significados são vistos dentro do processo de transformações sociais e econômicas, isto é,
mudanças ao nível da infra-estrutura porque passavam o Brasil e o Rio Grande do Sul nas
50

últimas décadas do século XIX. No trabalho, bem ao gosto do instrumentalismo marxista, é


articulada a superestrutura com a infra-estrutura.
No que toca às oposições, a autora sustenta que o único Estado brasileiro, na
conjuntura da República Velha, onde os partidos políticos se dividiam em programas
ideológicos diferenciados, com diferentes propostas de ordenação da sociedade, era o Rio
Grande do Sul. Tratava-se de uma peculiaridade gaúcha que inexistia nas demais regiões do
país. Nas outras unidades da federação, registrava-se a presença de grupos rivais, mas dentro
do mesmo partido: “ao Partido Republicano (PR) da situação contrapunha-se o PR de
oposição, que se alternavam no poder”.107 Da mesma forma, Pesavento sugere que o governo
central podia intervir nos Estados (valendo-se do artigo 6° da Constituição) para inverter a
situação política local, tornando a “oposição” em “situação”. Além disso, a autora faz questão
de frisar que o Rio Grande do Sul foi o único estado no Brasil onde o partido da situação
(PRR) “manteve-se no governo até o final da Primeira República, sem permitir a alternância
do poder para a outra parcela da classe dominante na oposição”. 108 Mesmo em nível de
Legislativo, a representatividade da oposição era mínima, esclarece Pesavento. A autora faz
questão de salientar que apenas com a promulgação da Lei eleitoral federal, conhecida como
Rosa e Silva, que regulamentava a representação das minorias políticas, a oposição maragata
passou a ser representada no Legislativo Federal. No plano estadual, somente a partir de 1913,
com a reforma da lei eleitoral estadual, que o PF elege seus primeiros representantes.
O Partido Federalista, em comparação com os dissidentes castilhistas,109 é
apresentado como um grupo portador de um “significado social e econômico muito maior do
que o dos republicanos dissidentes. Trazia no seu passado, também, uma experiência de
mando político nos quadros do Império”.110 Não é demais lembrar que o esteio da maior parte
do contingente político que viria a formar o Partido Federalista era representado pelo Partido
Liberal, que, durante a monarquia, configurou-se como o mais influente do estado sulino.
As diferentes posturas entre PF e PRR, que, nos anos iniciais do novo regime, se
traduziam na questão imediata do controle do poder político estadual, colocariam frente a
frente aqueles que haviam sido derrubados do poder em 1889 e os que haviam ascendido com
a República. Nesse ínterim, ressalta a autora que:

107
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Federalista. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 35.
108
Ibidem, p. 97.
109
De seu lado, conforme esclarece a autora (p. 79), os dissidentes careciam de bases sociais e políticas fortes
para manterem-se no poder.
110
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Federalista. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 81.
51

O PRR defendia a realização de um governo autoritário de cunho positivista,


enquanto que o PFB acentuava o conteúdo liberal da república parlamentar que
propunha. Enquanto o PRR batia-se pelo federalismo radical e pela manutenção das
ligações com o exército como meio de preservar a autonomia do estado, o PFB
buscava reconstituir o pacto entre a região e o centro como forma de mediatizar o
atendimento para os problemas locais. O PRR propunha uma nova forma de
articulação entre o Estado e a sociedade, o PFB tinha uma proposta mais nitidamente
pró-pecuária e se baseava na apropriação do poder público pelos interesses privados
da classe.111

Ela ainda lembra que durante a monarquia vigorava um esquema de bipartidarismo,


no qual liberais e conservadores se alternavam no poder. Com a República, subiram no Rio
Grande os republicanos, que passaram a perseguir o objetivo de manter afastada do poder
político aquela parcela da classe dominante que fora derrubada. Disso resultaria uma
perseguição sistemática dos castilhistas aos federalistas, “obrigando-os a uma emigração
maciça para além da fronteira”.112 Estes, por sua vez, “viam na guerra civil a única forma de
inverter a situação política do estado”. A Revolução em si é analisada pela autora apenas ao
fim de sua narrativa, quando esta traça um esboço de seu plano operacional e aponta os lances
culminantes que decidiram seus destinos.
Com o término da Guerra em 1895, encerravam-se no Rio Grande do Sul a
instabilidade política e a violência que haviam caracterizado o período de 1889 a 1895.
Iniciava-se, de acordo com a autora, o “longo domínio do PRR no Rio Grande, que se
estenderia até 1930”, domínio que se fez presente, porém com a contestação de uma
“oposição aguerrida” quer perduraria até o final da década de 1920.113
Outro autor que enfocou a oposição federalista sob a ótica da Revolução Federalista
é Sérgio da Costa Franco, no trabalho “A Guerra Civil de 1893”. O autor enfatiza que ao
analisarmos a evolução política sul-rio-grandense, a partir da Proclamação da República,
podemos sentir que, desde muito cedo, se criaram condições para a instalação de um conflito
sangrento no estado sulino. Ao longo da Guerra Civil, desde muito cedo prevista em
manifestações da imprensa partidária e no discurso dos políticos gaúchos, as personagens em
confronto, com raras exceções, se distribuíram no mesmo esquema de forças que se
colocaram a partir de 1893, entre maragatos de um lado e pica-paus do outro.114
Franco destaca que desde a derrota nas eleições de 5 de maio para a Assembleia
Constituinte do Estado, os principais chefes federalistas estavam convencidos de que não

111
Ibidem, p. 85.
112
Ibidem, p. 85.
113
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Federalista. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 97.
114
FRANCO, Sérgio da Costa. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1993,
p. 8.
52

poderiam reverter a dominação despótica de Júlio de Castilhos e seus adeptos, “sem o apelo à
revolta armada”.115 Da insurreição, saíram os federalistas com a alcunha de “maragatos”,
alusão depreciativa aos comandados de Gumercindo Saraiva, um dos chefes rebeldes, que
procediam, em parte, do Departamento de San José, no Uruguai, com forte presença de
originários da região espanhola da Maragatería.
Uma das questões propostas pelo autor girava em torno da discussão envolvendo as
denúncias proferidas pelos castilhistas de que o Partido Federalista almejava a restauração da
monarquia. Cumpre salientar que, para Franco, jamais partiu dos rebeldes federalistas
qualquer “manifestação expressa e clara de monarquismo. Ao contrário, desde que acusados
de restauradores do trono, timbraram os federalistas em dizer-se fieis à República e a
Constituição Federal”.116 Ou seja, a restauração do trono, segundo ele, não era um objetivo,
pelo menos declarado, dos federalistas. Conforme enfatiza Sérgio da Costa Franco: “O ideal
restaurador, segundo nos parece, embora recalcado por impraticável e mesmo por impolítico,
desde que a sublevação reunia numerosos republicanos autênticos, vivia no subconsciente de
muitos dos chefes rebeldes e servia de alimento aos impulsos insurrecionais [...]”.117 Em
seguida, defende a hipótese de que caso os insurretos vencessem a Guerra, tal vitória traria
provavelmente, não a volta do regime imperial, mas “a restauração de Silveira Martins na
liderança do Rio Grande e nas altas esferas da política nacional”.118
A ideia central do pensamento federalista visava, na realidade, a liquidação do
castilhismo, representado sempre como a encarnação de uma tirania opressiva, cruel e
desligada da opinião pública, explanou o autor. Da mesma forma, esse ódio ao partido de
Castilhos estendeu-se depois ao Marechal Floriano, “desde que o presidente ofereceu mão
forte ao governo do Rio Grande e desde que a revolução se associou à Armada”.119
Entretanto, por mais que não fosse lícito afirmar que os chefes insurgentes
pretendessem a restauração da monarquia e que a eventual vitória federalista pudesse
acarretar o retorno dos príncipes, mesmo assim sobrevivia, conforme propõe o referido autor,
um certo “saudosismo pelo passado monárquico”, na mente de alguns descontentes e
ressentidos, que haviam perdido com o advento da República. Este elemento pode ser
visualizado quando da análise do caráter heterogêneo presente na ideologia dos insurgentes.

115
FRANCO, Sérgio da Costa. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1993,
p. 28.
116
Ibidem, p. 48.
117
Ibidem, p. 49-50.
118
FRANCO, Sérgio da Costa. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1993,
p. 50.
119
Ibidem, p. 50.
53

Neste sentido, Franco adverte que os objetivos de cada uma das facções que compunham a
frente-única oposicionista, apenas em parte, eram coincidentes:

Custódio de Melo tinha apenas problemas pessoais com Floriano Peixoto e com o
Exército, e era rival de Saldanha da Gama na Marinha, ao mesmo passo que
suspeitava de Silveira Martins. Saldanha trazia para a insurreição ideias
antimilitaristas e restauradoras, e não mais que um grupo de subordinados que o
veneravam, dispostos a segui-lo, fosse qual fosse seu rumo. Os demetristas,
brilhantes, mas sem força e com escassos adeptos, desafinados das facções a que se
uniram, pugnavam por uma república rigorosamente talhada pelo figurino comtista.
[...] Enquanto os homens da Armada se preocupavam especialmente com o governo
central, aos federalistas era o problema rio-grandense que interessava.120

Não é demais lembrar que este saudosismo pelo passado monárquico também se fará
sentir na esfera parlamentar da arena federal. Nos capítulos seguintes, especialmente no
quarto, veremos que os representantes federalistas, em seus pronunciamentos, repetidas vezes,
se reportarão aos tempos de Brasil imperial de maneira elogiosa, não que almejassem o
restabelecimento do regime político deposto, mas sim da sua forma de governo, isto é, do
sistema parlamentarista, visto pela deputação maragata, como superior ao presidencialismo e
garantidor da unidade política nacional.
Outra obra que podemos destacar como representativa dessa vertente historiográfica
é “Pensar a Revolução Federalista”, organizada pelos historiadores Francisco das Neves
Alves e Luiz Henrique Torres. Tal publicação compreende uma série de artigos apresentados
no Seminário Internacional “Pensar a Revolução Federalista”, organizado pelo Departamento
de Biblioteconomia e História da Universidade do Rio Grande, em 1993.
De um modo geral, os artigos se remetem ao evento em foco como fazendo parte de
um processo histórico complexo, situado na transição da Monarquia para a República no
Brasil, decorrendo daí redefinições dos diferentes níveis da vida nacional/regional nos
primórdios da República Velha. Nesse sentido, a referida obra destaca que os acontecimentos
ocorridos no período de 1893-1895 não se reduziram a uma inteligibilidade limitada ao
contexto regional, exigindo articulações políticas e intelectuais com a conjuntura nacional.
A Revolução de 1893 foi analisada também pela ótica das relações internacionais.
No livro “A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o
Uruguai (1893-1904)”, Ana Reckzigel tematiza o inter-relacionamento rio-grandense-
uruguaio abarcando a Revolução Federalista de 1893, no Rio Grande do Sul, e as revoluções
de 1897 e de 1904, no Uruguai. O período em que se situa a investigação das conexões entre

120
Ibidem, p. 50-1.
54

rio-grandenses e uruguaios, afirma ela, caracterizava-se por um “contexto de instabilidade


política decorrente das situações de guerra, no qual mereceram destaque as imbricações
internacionais”.121 A grande contribuição do seu texto reside em revelar a complexidade das
relações do processo revolucionário com os grupos políticos do país vizinho Uruguai,
indicando que os gaúchos, em ambos os polos da luta, promoviam uma espécie de diplomacia
paralela à do governo brasileiro. O governo estadual gaúcho simplesmente fez-se “surdo às
suas orientações, colocando em prática estratégias próprias no que se referia ao
relacionamento com o Uruguai”.122 De acordo com Reckziegel, o Rio Grande do Sul, nesse
período, praticou, portanto, uma política, neste caso em nível internacional, muitas vezes
desconectada da orientação do governo federal. Verificar-se-á, neste sentido, uma
interconexão político-militar entre blancos e federalistas em 1893 e entre castilhistas e
blancos em 1897 e 1904. O fato de os blancos estarem apoiando partidos antagônicos em
1893 e 1897 não aparecia como uma incongruência naquele contexto, mas, sim, como uma
necessidade do momento. “Os castilhistas, por sua vez, não tiveram pejo algum em aliar-se a
seus antigos desafetos orientais, por isso somaria a seu favor na balança do instável equilíbrio
político estadual”.123
A Revolução Federalista é tema de destaque do capítulo II “A conexão federalista-
blanco: o preâmbulo do ciclo de instabilidade bilateral”. Nele, a autora inicia uma abordagem
sobre a conexão entre federalistas e blancos durante a revolução de 1893, situando as
circunstâncias históricas que geraram o conflito entre castilhistas e federalistas e que
determinaram a fuga em massa dos partidários de Silveira Martins rumo ao Uruguai. Para
melhor situar tal conjuntura, a autora faz um bom apanhado do processo de instalação da
República no Rio Grande do Sul e do consequente afastamento dos liberais, então donos da
situação política sul-rio-grandense. Reckziegel aborda, nesse sentido, o contexto em que
acontecem a saída em massa dos opositores de Júlio de Castilhos, que então se dirigiam ao
Uruguai para dali travar suas estratégias de ação revolucionária, bem como as alianças
firmadas no território nacional e sua repercussão no Rio Grande do Sul.
A compreensão das transformações políticas que advieram da implantação da
República no Rio Grande do Sul tornou-se fundamental para a análise da formação do Partido
Federalista em 1892 e da implacável perseguição imposta pelo Partido Republicano Rio-

121
RECKZIGEL, Ana Luiza Setti. A diplomacia marginal: vinculações políticas entre o Rio Grande do Sul e o
Uruguai (1893-1904). Passo Fundo: UPF Editora, 1999, p. 14.
122
Ibidem, p. 24.
123
Ibidem, p. 23.
55

Grandense que se sucedeu a seguir. Sob essas condições, os federalistas articulariam a aliança
com os blancos da fronteira uruguaia.
A historiografia rio-grandense também abordou a oposição federalista a partir da
ótica da Revolução de 1923. É o caso do trabalho desenvolvido por Maria Antonieta
Antonacci. A autora estuda historicamente as oposições rio-grandenses na conjuntura de 1921
a 1923, procurando compreender a peculiaridade do Rio Grande do Sul (RS) frente aos
demais estados. No estado sulino, afirma a autora, a divisão dos grupos dominantes levou ao
surgimento de partidos com projetos divergentes no que tange à própria organização política
do estado. No trabalho, estabelece-se que o momento de 1921-1923 é fundamental para a
compreensão da articulação das oposições, frente ao governo do Partido Republicano Rio-
Grandense (PRR), então sob a liderança de Borges de Medeiros. Talvez, como afirma a
autora, seja o momento privilegiado124 para o estudo da recomposição das classes dominantes
gaúchas, na medida em que a crise econômica que se instaurou nesse período criou condições
políticas concretas para a luta das oposições contra o controle rígido de poder exercido pelo
PRR. Na crise de 1921 concorreram, entre outros, fatores como: a falta de créditos, a falta de
mercados externos para a produção gaúcha, além da própria concorrência internacional.
Uma das peculiaridades do grupo republicano no poder, apontada pela autora, era a de
que, influenciado pelas ideias positivistas, eles acreditavam na revigoração da economia através
de uma política de diversificação, numa sociedade em que o Estado — sem caráter classista,
anti-intervencionista e anti-protecionista — deveria apenas administrar o bem público. A visão
positivista de Estado, de acordo com Antonacci, impediu que o PRR interviesse a favor de um
dos setores mais atingidos pela crise econômica de 1921 – o da pecuária – criando uma situação
favorável à arregimentação dos grupos desalojados do poder.125 A crise evidencia, dessa forma,
que os grupos de oposição e o grupo no poder possuíam “formas distintas de entender e
conceber o Estado, em suas funções e relações com os grupos sociais”.126
Chama a atenção outro aspecto levantado pela autora: enquanto houve um
desenvolvimento contínuo das forças de produção no Rio Grande do Sul os mecanismos de

124
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 11.
125
Esta tese defendida por Antonacci que “o governo Borges não concedeu créditos especiais aos criadores, por
motivos que se inscreveram no âmbito da ideologia ‘positivista’, que inspirava a ação do grupo no poder no RS”
(ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 53), foi duramente criticada por outros autores. Para Günter Axt, por exemplo, esta questão da
concessão ou não de créditos não se encontrava desenvolvida por Comte. E mesmo que estivesse, diz ele, “essa
ideologia é um instrumento de justificativa discursiva das práticas políticas, e não o contrário”. (AXT, Günter.
Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. Porto Alegre: Paiol, 2011, p. 369).
126
Ibidem, p. 40.
56

poder e o projeto político do PRR para a área rio-grandense não sofreram maiores
questionamentos.127 No entanto, a década de 1920 revelava que a estratégia política adotada
pelo PRR não mais satisfazia os interesses dos pecuaristas e, a partir da arregimentação destes
últimos, abriu-se terreno para a atuação dos grupos de oposição.128 Dessa forma, o
movimento, inicialmente de caráter econômico, transformou-se numa luta político-partidária
que visava a alteração das regras do jogo do poder. É no momento em que se dá a sucessão
presidencial, em 1922, que as oposições se aglutinam em torno do nome de Assis Brasil. É,
também, neste momento em que a autora dá um destaque maior aos federalistas, isto é, no
contexto das articulações políticas para as eleições de 1922. Antonacci salienta que
“invocando pontos em comum com o programa político de Assis Brasil e uma ação política
idêntica (orientada para a revisão da Constituição Estadual), os federalistas lançaram-se na
campanha eleitoral de 1922”. Em seguida, ela lembra que:

Para os federalistas, o movimento em torno de Assis Brasil surgiu como uma


possibilidade de combate ao poder exclusivo do PRR no RS. Ao entrarem na
campanha assisista, não levaram em conta nenhuma questão em torno das
doutrinas parlamentaristas, que não estavam em discussão. O que fora resolvido
referia-se à posição dos federalistas diante do procedimento do PRR, que se
preparava para fazer renovar o mandato de Borges de Medeiros. 129 (Grifos nossos).

A autora não observa, no entanto, que nem todos os setores do federalismo aderiram
ao movimento assisista. Sabemos que os federalistas de Santana de Livramento, fiéis
discípulos de Rafael Cabeda e cultores de sua memória, não se engajaram na campanha
eleitoral de 1922. Da mesma forma, não aderiram ao Partido Libertador em 1928. Os
federalistas de Livramento, na realidade, nunca admitiram a dissolução do partido e, sem
dúvida, levaram sim em consideração a questão em torno da doutrina parlamentarista,
tornando-se, pelo menos simbolicamente, o último bastião do federalismo gaúcho.
Antonacci ainda revela que Assis Brasil deixaria de lado algumas de suas propostas
prévias, convocando as oposições a se unirem numa “cruzada redentora”, destituída de caráter
partidário. O movimento, assim caracterizado, não revelava um programa definido de
governo, apresentando-se como uma “Frente Liberal”. A união das distintas oposições

127
AXT, Günter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. Porto Alegre: Paiol, 2011, p. 53.
128
Como já apontamos em outro momento deste trabalho, Hélgio Trindade (1979, p. 153) afirma que esta
variável não explica definitivamente este momento favorável ao reagrupamento das oposições gaúchas, pois, na
visão deste autor, tal momento resultou “[...] de um processo, ao nível político, de reestruturação das oposições
conservadoras-liberais”. Estas teriam origens nas primeiras organizações políticas, tanto dos dissidentes
republicanos como dos remanescentes dos partidos liberais monárquicos; e no aumento de fraude e da violência
política observada entre 1913 e 1917 no Estado.
129
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 80-1.
57

(federalistas, dissidentes republicanos e democratas) se dá, segundo ela, como objetivo de


remover o PRR do exercício do poder, sendo que o projeto do partido governista não mais
atendia aos interesses sociais do RS. A extensão do movimento mostra que era preciso
estabelecer um novo equilíbrio entre as classes sociais, “onde camadas da classe dominada
foram atraídas para compor alianças com setores dominantes”.130 A "questão social" passa a
ser assunto para debate e medidas reformistas são propostas por alguns grupos para solucionar
problemas relativos ao trabalho.131
Como é conhecido, não vingou a ideia de um Tribunal de Honra, pedido pela
oposição para julgar a eleição que garantiu a vitória à Borges de Medeiros, o que levou o
grupo liberal a partir para a luta armada em janeiro de 1923. O desfecho se deu com o Pacto
das Pedras Altas em dezembro de 1923 que proibia, entre outras coisas, a reeleição do
presidente. Mais adiante ela afirma que com o Pacto aumentaram as possibilidades de
participação nos cargos de decisão daqueles setores da classe dominante gaúcha até então não
vinculados ao aparelho do estado rio-grandense.132 Na medida em que faz uma análise
minuciosa dos anos de 1921 a 1923, a autora contribui sobremaneira para o entendimento do
papel das oposições, incluindo-se, o Partido Federalista, no período.
Outro aspecto interessante a ser observado, que encontramos nesta obra, diz respeito
às várias tentativas de unificação das oposições gaúchas no decorrer do período republicano.
A autora explicita as divergências históricas entre os grupos oposicionistas, especialmente,
entre federalistas e democratas, assim como dentro do próprio grupo maragato. Nesse sentido,
ela esclarece que para determinados setores do federalismo gaúcho a coalização com outras
frentes oposicionistas não era uma questão totalmente fechada.133 Segundo Antonacci:

Tudo dependência do momento político, das circunstâncias favoráveis a uma


convergência de forças tendo em vista o objetivo comum das oposições gaúchas: o
combate ao poder exclusivo do PRR. Era uma questão de ‘conveniência política’,
que surgia como prioritária em certas conjunturas.134

Neste aspecto, pode-se identificar, claramente, um ponto de contato entre a obra


elaborada por Antonacci e a reflexão desenvolvida por Hélgio Trindade, já apresentada neste
capítulo, uma vez que ambos os estudos enfocaram o fato de que os diferentes elementos

130
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 96.
131
Ibidem, p. 94.
132
Ibidem, p. 111.
133
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 79.
134
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 79.
58

oposicionistas tentaram, ao longo da República Velha, articular, juntos ou separados, em


diversos momentos, frentes políticas visando a opor-se ao PRR. Tais autores destacam, nesse
sentido, que essas frentes reuniam grupos políticos com conceitos, ideias e objetivos
diferenciados, e até mesmo antagônicos; o único fator em comum que os unia era o
anticastilhismo.
Em 2002, Francisco das Neves Alves publica “Revolução Federalista: história e
historiografia”, fruto de uma pesquisa desenvolvida junto à Fundação Universidade Federal
do Rio Grande (FURG). Alves sublinha que a Guerra Civil de 1893-1895 constituiu-se no
“mais grave movimento rebelde que sacudiu a jovem república brasileira”, e que, no entanto,
por motivações das conjunturas históricas e historiográficas, ao longo do tempo, “ela foi
colocada em segundo plano, quando não excluída, dos trabalhos de cunho histórico”.135
No referido livro, estão incluídos cinco dos escritos do autor a respeito da Revolução
de 1893, com o objetivo de concentrar explicações acerca da contextualização que envolveu a
Revolução Federalista, bem como a construção historiográfica sobre o tema, destacando-se
desde abordagens que dão uma visão mais geral, até estudos de caso, direcionados a “certos
microcosmos do universo que demarcou a história e a historiografia da Federalista”.136
No caso das análises mais gerais estão os trabalhos “A Revolução Federalista na
conjuntura da transição Monarquia-República”, onde busca-se apresentar o contexto histórico
brasileiro, com predominância à abordagem do conteúdo político, no período que demarca o
processo de derrocada da forma de governo monárquica, u seja, desde o final da década de
sessenta do século XIX até a metade dos anos 1890, exatamente com o término da Guerra
Civil de 1893 e os primórdios da consolidação republicana. Ao abordar esta conjuntura,
reserva-se especial lugar ao cenário político sul-rio-grandense e suas especificidades que
demarcaram o contexto regional nesta época. Em “Uma introdução ao estudo da historiografia
acerca da Revolução Federalista” apresenta-se um estudo introdutório dos vários enfoques
historiográficos entabulados acerca do processo revolucionário, desde o conteúdo partidarista
das primeiras versões sobre o tema, passando pela construção dos preconceitos acerca da
Federalista, até as renovações e revisões promovidas nas interpretações históricas mais
recentes.
Já dentre os mais específicos, estão outros ensaios. A “Revolução Federalista na
cidade do Rio Grande: história e historiografia”, por exemplo, trata-se da frustrada tentativa

135
ALVES, Francisco das Neves. Revolução Federalista: história & historiografia. – Rio Grande: Editora da
FURG, 2002, p. 5.
136
Ibidem, p. 5.
59

dos rebeldes de invadirem a comuna portuária, em abril de 1894 e da explicação dada a estes
fatos a partir de fatos narrados por Antônio Augusto de Azeredo.
Privilegiando uma abordagem no campo intelectual, destacamos, também, a
dissertação de mestrado em História defendida por Ieda Gutfreind, na PUCRS, em 1979,
intitulada “Rio Grande do Sul, 1889-1896: a proclamação da República e a reação liberal
através de sua imprensa”. Embora se situe cronologicamente em um período anterior ao
nosso, esta produção merece ser situada aqui em função da discussão trazida pela autora a
respeito da produção do discurso liberal-federalista. No trabalho, amparado em ampla
pesquisa hemerográfica, Gutfreind destaca a disputa ideológica travada no Rio Grande do Sul
do princípio da República entre os liberais liderados por Gaspar Silveira Martins e os
republicanos liderados por Júlio de Castilhos, respectivamente através das páginas dos jornais
“A Reforma” e “A Federação”. Em suma, segundo a autora, os liberais pregavam um regime
com representatividade, restringindo, tanto quanto possível, a ação do poder executivo, e,
limitando, desta forma, a influência pessoal do chefe de Estado. Não aceitavam o
presidencialismo e defendiam um governo representativo em moldes parlamentares.
Valendo-se dos editorais de “A Reforma”, órgão do Partido Federalista até 1910 137
,
a autora constata um continuísmo do pensamento ideológico liberal ao longo dos anos iniciais
da República. A ratificação do Programa Político de Bagé (1892), após o período
revolucionário, em agosto de 1896, quando se reuniu em Porto Alegre um novo congresso do
Partido Federalista, presidido por Gaspar Silveira Martins, indicava a confirmação do
continuísmo de suas ideias políticas. Mesmo a ampliação deste Partido, com um programa de
âmbito nacional, adotado também em 1896, e que “tanta celeuma causou pelas inclinações
unitaristas”,138 significou, na perspectiva da autora, a ratificação dos dispositivos liberais que
sempre buscaram e defenderam tais como: o equilíbrio e a distribuição de poderes. Nesse
bojo, a autora verifica a “coerência de uma mesma ideia, a escolha do regime parlamentar
como a forma de governo ideal, a defesa de separação dos poderes, [...] o equilíbrio e a
fragmentação dos poderes, todos preceitos liberais presentes e sempre reafirmados”.139
Gutfreind revela ainda que não apenas a política estadual sofria críticas, mas também a
federal, chamada, de maneira pejorativa, pelos liberais gasparistas de “Bizâncio”, pois era de lá

137
O jornal “A Reforma” (1868), representante dos liberais durante o império, continuou a ser o órgão de
divulgação dos federalistas. Fundado por Silveira Martins, cessou sua publicação em 1910, devido à cisão
ocorrida no Partido Federalista.
138
GUTFREIND, Ieda. RS: 1889-1896. A Proclamação da República e a reação liberal através da imprensa.
Dissertação (Mestrado em História) – PUCRS, Porto Alegre, 1979, p. 125.
139
Ibidem, p. 111.
60

que partiam todas as ordens. Da mesma forma, a Constituição Federal também era alvo de
críticas. Segundo ela:

Seguidamente, criticavam a Constituição brasileira, que imitara a norte-americana e,


com isso, desrespeitara tradições e costumes de seu país. Suas palavras repetiam
Montesquieu e Burke: a necessidade das tradições, da herança do passado, a
continuidade dos usos e costumes, etc. 140

Em contrapartida, é válido dizer que já começavam a tornar-se explícitas as


divergências dentro do partido maragato. E, 1896 é, sem dúvida, um ano que exemplifica tais
discordâncias existentes dentro do federalismo rio-grandense. Segundo a autora, o Congresso
Federalista de 1896 apresentou, internamente, algumas opiniões antagônicas dentro do partido
maragato. Entre essas ideias, salientou-se, por exemplo, a sugestão de criar um grande
exército de paz e não um partido político. Outro ponto de vista destacou que se deveria adiar a
campanha contra a Constituição Federal, restringindo a oposição apenas ao Estado. 141 De
acordo com Gutfreind, prevaleceram, no entanto, “as opiniões dos que defendiam a
continuidade do partido, a ratificação do Programa de Bagé e a extensão da oposição à
Constituição Federal. Os partidários dessa última orientação eram liderados por Gaspar
Silveira Martins”.142 Apesar disso, ela silencia a respeito da discordância havida, neste mesmo
congresso, entre Wenceslau Escobar e Silveira Martins, sendo que o primeiro defendia a tese
de que o partido aceitasse transitoriamente o presidencialismo da Carta federal de 1891, para
depois empreender a defesa do sistema parlamentar.143
No atinente à questão do unitarismo pregado pelos congressistas de 1896, a autora
defende que tal aspecto deveria ser entendido necessariamente dentro da perspectiva do
Estado Federal, contrário ao ultrafederalismo tão apregoado pelos republicanos de Júlio de
Castilhos. Diz Gutfreind que o programa federalista aprovado naquele ano, de fato,
apresentava um inegável sentido centralizante. Porém, esta centralização política deveria ser
apreendida, segundo ela, como uma tentativa de garantir a Federação. Ao defenderem a
autoridade da União, os federalistas procuravam compensar, naquele momento histórico, a
perda de força do governo central que parecia se concentrar mais nos Estados. A origem do
nome “Partido Federalista”, advinha justamente daí, ou seja, do peso maior conferido pelos
liberais ao poder federal. Portanto, a palavra “unitarismo, observa ela, teria que ser utilizada

140
Ibidem, p. 110.
141
GUTFREIND, Ieda. RS: 1889-1896. A Proclamação da República e a reação liberal através da imprensa.
Dissertação (Mestrado em História) – PUCRS, Porto Alegre, 1979, p. 112.
142
Idem.
143
Sobre esta questão ver: MARTINS, José Júlio Silveira. Silveira Martins. Rio de Janeiro: São Benedito, 1929.
61

“com reservas, dentro de um critério de relatividade, indicando exatamente o sentido que se


deu a ela nesta exposição”.144
É relevante ressaltar que boa parte das críticas, das acusações e dos pontos de vista
levantados pelos liberais-federalistas neste momento (1889-1896) pautará o discurso
oposicionista federalista na Câmara Estadual, anos mais tarde. Não é à toa que encontraremos
no âmbito da cidadela parlamentar longas discussões em torno do presidencialismo e
parlamentarismo, da desconformidade com a Carta de 14 de julho e do descontentamento com
a intromissão militar na política.
No rol dos trabalhos que trouxeram à tona a questão do discurso liberal-federalista,
cabe lembrar a tese de doutorado de Sílvio Rogério Duncan Baretta, defendida em 1985 na
Universidade de Pittsburgh – USA, intitulada: Political Violence and Regime Change: a
Study of the 1893 Civil War in Southern Brazil. Entendemos ser ela a pesquisa mais
abrangente e mais profunda até agora feita tendo a Revolução Federalista como objeto de
análise. Passando ao largo dos enfrentamentos armados, o autor estuda as causas do conflito
em nível local (regional) examinando também a extração classista das lideranças dos partidos
conflitantes. Trabalhando com uma hipótese central em que: a) o conflito, embora radicado
em causas locais (regionais), nunca foi independente da crise política nacional; b) os líderes
dos dois partidos – Republicano e Federalista – vinham do mesmo extrato social; o autor
mostra que o conflito só assumiu formas violentas quando a elite política local estava dividida
e sua divisão somente ocorreu onde o sistema bipartidário estabelecido pela monarquia havia
criado raízes. Para Baretta, em termos de suas origens sociais, a guerra civil foi uma luta
interna dos estancieiros que dominavam o Rio Grande do Sul. O autor analisa uma série de
processos largamente independentes entre si e cuja convergência teve como o resultado a
Revolução Federalista. É, pois, preciso dizer que no trabalho de Baretta, a própria Revolução
Federalista ganha outras dimensões além do seu efetivo significado político. O autor dá
espaço também ao social e ao econômico em sua reflexão.
Devemos mencionar ainda a dissertação de mestrado de Luciana Rossato, “Imagens
Construídas: imaginário político e discurso federalista no Rio Grande do Sul (1889-1896)”,
onde a análise central recai sob o discurso federalista no Rio Grande do Sul dos anos iniciais
da República. Rossato procura mostrar que o projeto liberal dos federalistas recorreu ao
imaginário como forma de legitimar sua oposição ao projeto político positivista. O apelo a
mitos e alegorias locais e universais, como o mito do gaúcho, e o retorno a um passado de

144
GUTFREIND, op. cit., p. 119.
62

glórias, como a Revolução Farroupilha, estiveram na base da construção discursiva dos


federalistas. Além disso, é discutido também o processo de heroificação de Gaspar Silveira
Martins, que, de monarquista foi transformado no representante da democracia sulina e
defensor da liberdade. No último capítulo é discutida a produção historiográfica sobre a
Revolução Federalista nos últimos 100 anos. Percebe-se como o discurso posterior sobre a
mesma foi mudando conforme o contexto político no qual esteve envolvido o estado do Rio
Grande do Sul.
Percorrendo os fios que teceram as nossas considerações neste capítulo acerca dos
federalistas rio-grandenses, podemos concluir que em termos de conhecimento histórico
pouco se sabe sobre a atuação federalista parlamentar, seja ela a nível estadual, através da
Assembleia dos Representantes, seja ela na esfera federal, através da Câmara dos Deputados.
Da mesma forma, verificamos uma carência de estudos mais sistemáticos e aprofundados
sobre a participação do partido maragato no processo político rio-grandense da Primeira
República. A grande maioria dos trabalhos historiográficos, seja pela perspectiva acadêmica,
seja pela abordagem não-acadêmica, tomou como eixo central de análise o Partido
Republicano Rio-Grande (PRR), conferindo, na maioria das vezes, um destaque mais tímido à
oposição federalista, tratando-a como um tema menor ou secundário. E quando a
historiografia se deteve de maneira mais incisiva nos federalistas, a ênfase se deu
essencialmente nos dois eventos bélicos importantes do período, a Revolução Federalista e a
Revolução de 1923.

2.3 O PARTIDO FEDERALISTA NA PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA NACIONAL

De acordo com Grijó, em um país das dimensões territoriais do Brasil, uma das
questões que sempre envolve a escrita da história é a relação que se estabelece entre a
produção de história considerada nacional e aquela tida como regional, esta já apresentada e
discutida por nós nos dois tópicos anteriores. As próprias agências que financiam pesquisas
acadêmicas incorporam em suas classificações oficiais tais categorias, ficando muitas vezes a
avaliação do que possa vir a ser considerado “nacional” ou “regional” a critério de
pareceristas, em sua maioria, oriundos do próprio centro econômico, político, social e cultural
da região Sudeste, na qual se localizam as principais capitais do país: São Paulo e Rio de
Janeiro. Como parte desse centro, esclarece o autor, consideram o seu próprio lugar como
“nacional”, “por mais específica que possa ser alguma temática eventualmente abordada em
63

suas produções”, enquanto que o que se vai dele afastando vai se tornando cada vez mais
“regional”.145
Embora esse não seja o nosso foco nesse momento, acreditamos que fosse cabível
fazer esse destaque relativo às tensões que marcam as definições do que possa ser considerado
regional ou não, no âmbito historiográfico. Conforme frisa o referido autor, trata-se, enfim, de
uma questão que, antes de tudo, é política.146
De qualquer modo, a historiografia dita “nacional” é aqui entendida como aquela que
se dirige para toda a formação social e política brasileira, não privilegiando em suas análises
históricas apenas um único estado ou região.
Na reflexão sobre a Primeira República, consideramos importante traçar breve painel
sobre a produção historiográfica brasileira do período, para termos um panorama das
principais questões levantadas pelos especialistas, tendo como fio condutor as produções que,
de algum modo, enfocaram as atuações das oposições partidárias no e do período republicano.
Nesse ínterim, procuraremos destacar de que maneira o nosso objeto de análise, o Partido
Federalista, foi tratado e enfocado por tal. Como já salientamos anteriormente, no que se
refere à historiografia nacional, também pode-se identificar, nos trabalhos que analisaram a
Primeira República, e que abordaram, direta ou indiretamente, o papel político exercido pelo
Rio Grande do Sul nesse contexto, uma lacuna quanto ao estudo da atuação do Partido
Federalista. De um modo geral, a historiografia brasileira, especialmente quando se debruçou
sobre a questão do federalismo no contexto republicano, ao destacar o Rio Grande do Sul
como agente histórico daquele processo político, assim como uma parte da produção
historiográfica regional também fez, se voltou apenas para a história do partido dominante, o
PRR, e/ou para a ação da figura do senador gaúcho Pinheiro Machado, vista por aquela como
central na articulação entre o cenário gaúcho e o centro do país, mas não trazendo, nessas
análises, nenhuma reflexão mais apurada acerca da oposição exercida pelos federalistas na
conjuntura histórica em foco. São exemplos nesse sentido: Carone (1971), Godoy (1978),
Witter (1984), Oliva de Souza (1985), Janotti (1986) e Viscardi (2012).
Em 1971, Edgard Carone publicou A República Velha II – Evolução Política. O
volume encerra suas reflexões sobre a Primeira República, em que foram separados, por um
critério didático, os aspectos econômicos e sociais relativos ao Governo Federal. Nesse

145
GRIJÓ, Luiz Alberto. Um “Conteúdo Inferior”: a Luta pela História Regional do e no Rio Grande do Sul. In:
NOVALES, Ana Frega (Org.). História, regiões e fronteiras. – Santas Maria: FACOS-UFSM, 2012, p. 63.
146
BOURDIEU, Pierre. A identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a ideia de
região. In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa/Rio de Janeiro, Difel/Bertrand Brasil, 1989, p. 105-
132.
64

sentido, sua preocupação foi descrever e analisar as diversas medidas provenientes da


Presidência da República e suas repercussões, enfocando as relações entre Governo
Federal e os estados. É dentro dessa dinâmica geral que o autor expõe, a partir de uma história
factual e cronológica, parte dos problemas básicos da política da Primeira República
brasileira: a interação entre a política federal e estadual, a liderança dos grandes Estados, a
luta entre militares e civis, a supremacia do exército sobre a marinha, as contestações da
pequena burguesia, as dissidências oligárquicas.
É, portanto, dentro de um contexto descritivo, em que “a história não existe sem o
conhecimento dos fatos”147, conforme destaca o próprio autor, que pode-se compreender a
divisão da obra em quatro partes: “Os Governos Militares”, “O Fastígio do Regime”, “Os
Abalos Intermitentes do Regime” e “O Período das Contestações”.
O compromisso inicial entre forças antagônicas – civis e militares – para a
proclamação da República é o traço principal do regime que se inicia, no pós-1889.
Concomitantemente, Carone narra a tomada de poder, nos Estados, de forças republicanas, de
ex-monarquistas e de militares; a luta na Assembleia Nacional Constituinte e a sua estrutura
política oscilante, travada entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e Deodoro da Fonseca,
do exército versus marinha, grupos estaduais, entre outros. A guerra, por sua vez, é vista pelo
autor, como o último resultado de todos os antagonismos restringindo-se, segundo ele, ao sul
do país, por “razões circunstanciais”. É somente neste momento que o Partido Federalista,
através da ação da figura de Silveira Martins e da sua articulação política que levaria à
eclosão da Revolução de 1893, contra os castilhistas, aparece em sua obra. Nesse sentido,
Carone recupera as diferentes fases que fizeram do movimento revolucionário, concentrando
sua atenção no aspecto bélico da oposição.
Rosa Maria Godoy, discutiu a reivindicação central dos republicanos, o federalismo,
ao compreendê-lo como instrumento no jogo de poder desde os primórdios republicanos.
Assim, a causa federalista estava presente na implantação do regime republicano que foi
marcado por tensões ao longo dos anos. Dessa forma se expressava a autora a esse respeito:

O federalismo constituiu-se [...] na tentativa de freio às peias excessivas que a


monarquia impusera às províncias na condução de seus respectivos interesses.
Portanto, significou uma força de canalização política abrangente, de forças díspares
de um organismo social em vias de pluralização.148

147
CARONE, Edgard. A República Velha: evolução política. 4ª ed. São Paulo: Difel, 1983.
148
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e federalismo: um estudo da implantação da República
Brasileira (1889-1902). Brasília: Senado Federal, 1978, p. 1.
65

Assim, o federalismo aparecia intimamente ligado à ideia de República e à de


descentralização, em contraste com o unitarismo, identificado como característica dos regimes
monárquicos centralizados. A incidência dessa colocação, de acordo com Godoy, era uma
resposta clara às instituições monárquicas, alvo das críticas não só dos republicanos, mas
também dos próprios políticos monarquistas. A célebre frase que abriria as considerações do
Manifesto de 1870 sobre a Federação – “No Brasil, antes ainda da ideia democrática,
encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo” – tornar-se-ia ligar comum.
Assim, por exemplo, o raciocínio seria da seguinte ordem: instituía-se a federação republicana
porque a centralização monárquica asfixiava as províncias e elas precisavam expandir-se para
atender aos seus interesses próprios.149
A autora chama a atenção, no entanto, para a existência de outras interpretações
acerca do federalismo, que não a do binômio “Federação – Descentralização”, tendo em vista
que, segundo ela, havia historiadores cuja conceituação de federalismo propendia para a
defesa da concentração de poder, cujo pensamento proposto aproximava-se do autoritarismo,
na defesa de um Estado unitário.
Ao trabalhar a historiografia política republicana, a autora alertou para o desconforto
dos historiadores que produziram os primeiros estudos sobre a Primeira República a partir da
década de 1920, uma vez que discutiram à época assuntos recentes da história do Brasil.
Naqueles anos, a República demonstrou as contradições do regime e esses autores procuraram
compreender as origens dos problemas que viviam.
Sem merecer grandes considerações, o Partido Federalista aparece em sua reflexão
no capítulo III, “As crises da consolidação do Regime Republicano”, quando a autora destaca
que no Rio Grande do Sul, ao contrário das demais unidades federadas, que encontraram, no
novo regime, os quadros administrativos já nas mãos dos liberais e conservadores, os
republicanos eram minoria, em contraste com “o influente Partido Liberal, de Silveira
Martins”. Ao enfocar o espírito bélico presente na realidade do estado sulino, espírito que
desembocaria na deflagração da Guerra Civil, de 1893, ela salienta que:

Silveira Martins, chefe do ex-partido Liberal, procurava rearticular as forças dos ex-
liberais, fundando o Partido Federalista ou Partido Republicano Federal. Diante da
ameaça de volta ao poder do grupo liberal, Floriano Peixoto articulou a volta de
Castilhos ao governo para que depois este transmitisse a um elemento florianista.
[...] Os castilhistas, com a retaguarda de Floriano, replicaram, empossando Castilhos
no governo em Porto Alegre e este, por sua vez, transmitiu o poder ao florianista
Vitorino Monteiro. A dualidade de governos desencadearia a Revolução Federalista,
que não passava de uma luta pelo poder entre o grupo castilhista de republicanos

149
Ibidem, p. 64.
66

históricos e o grupo de Silveira Martins, que conciliava ex-liberais e ex-


conservadores. [...] Ideologicamente, a luta é de caráter anticastilhista apenas.
Apesar de Floriano e outros denunciarem o monarquismo dos oposicionistas, na
verdade a revolução federalista procurava impor princípios expostos no programa
federalista, defendidos durante as diversas tentativas de acordo e, posteriormente,
impostos pelas armas, quando desaparecerem as probabilidades de coexistência
entre as partes.150

Como pode-se perceber a autora, ao destacar a luta política entre castilhistas e


federalistas, tratou o Partido Federalista e o Partido Republicano Federal (PRF), como
sinônimos, quando, na realidade, sabemos que se tratava de agremiações políticas distintas,
com ideias políticas distintas. Não é demais lembrar que a fundação do PRF ocorre em 23 de
abril de 1891, ou seja, um ano antes do surgimento do Partido Federalista. Além disso, o PRF,
que envolvia a fusão de elementos da União Nacional (onde predominava os quadros do
antigo Partido Liberal, favorável ao parlamentarismo, com os dissidentes republicanos da
corrente de Demétrio Ribeiro e Barros Cassal, defensora do regime presidencial, teve duração
bastante efêmera na cena política estadual.
Outra importante reflexão foi inaugurada por José Sebastião Witter que, em 1984,
publicou o livro “Partido Político, Federalismo e República”. Seu objetivo central envolve a
reconstituição histórica do Partido Republicano Federal (PRF), que existiu apenas entre os
anos de 1893 e 1897. O PRF nada mais foi do que uma tentativa de se juntar em uma única as
diferentes propostas republicanas. A motivação principal para sua organização concentrou-se
na sucessão de Floriano Peixoto, ou seja, a chegada de um candidato civil à Presidência da
República, Prudente de Morais. Dessa forma, esclarece o autor, a oligarquia rural e seus
aliados impuseram-se aos militares e demais setores com a vitória do primeiro presidente civil
no Brasil. Além disso, para José Sebastião Witter, muitos políticos da época tinham interesse
em reformular as bases do Partido Republicano e permitir que o PRF atuasse em escala
nacional. Neste momento, destacou-se a liderança de Francisco Glicério, que procurou
conciliar as diferentes tendências existentes em seus quadros. Aliás, talvez aí esteja parte da
explicação para a curta duração desta agremiação marcada por sua indefinição de princípios
uma vez que foi “uma catedral aberta a todos os credo”. 151 Entretanto, Witter acredita que o
caráter efêmero do PRF esteja na sua incapacidade de superar o regionalismo e a luta dos
grupos locais do país, objetivo alcançado por parte dos adeptos do Partido Federalista, que

150
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e federalismo: um estudo da implantação da República
Brasileira (1889-1902). Brasília: Senado Federal, 1978, p. 112.
151
WITTER, José Sebastião. Partido Republicano Federal (1893-1897). São Paulo: Brasiliense, p. 136.
67

exerceu sua oposição, no plano nacional, do ponto de vista parlamentar, ao longo de quase
três décadas.
Ainda na década de 1970, deve-se destacar o trabalho produzido por Emília Viotti da
Costa, que faz um reparo às versões tradicionais a respeito da Primeira República brasileira,
ao salientar que 1889 não significou uma ruptura total do processo histórico brasileiro e sim
uma conjugação momentânea de três forças políticas: uma parcela do Exército, fazendeiros do
Oeste paulista e representantes das camadas médias urbanas.152 Em primeiro lugar, a Abolição
da escravatura e a Proclamação da República precisavam ser compreendidas como
repercussões de mudanças ocorridas na estrutura econômica do país que provocaram a
destruição dos esquemas tradicionais. Por sua vez, a questão religiosa deveria, no máximo, ser
entendida como uma indisposição momentânea entre o trono e a Igreja, sem contribuição
preponderante para a queda da monarquia, já que Viotti menciona a existência de padres tanto
monarquistas quanto republicanos. Em terceiro lugar, o partido republicano, apesar de
difundido em todo o país, não contava com grandes fileiras de militantes, com exceção dos
núcleos do sudeste acompanhado pelo Rio Grande do Sul. Em quarto lugar, a infiltração do
pensamento positivista nos meios militares explicaria provavelmente a sua adesão à república,
mas alerta-nos Viotti que isto se referia aos oficiais de patentes inferiores e aos alunos da
Escola Militar, uma vez que a Monarquia tinha o apoio dos escalões superiores. Por fim, o
mito do poder pessoal devido ao mecanismo do Poder Moderador que, ao invés de preservar a
Coria e lhe dar força, colocava o imperador no centro da disputa política, em outras, os erros
e as medidas impopulares dos ministros recaíam sobre d. Pedro II. Pouco a pouco as
prerrogativas imperiais foram restringidas pelo controle exercido pelas oligarquias.
A historiadora Terezinha Oliva de Souza, por sua vez, destacou a importância dos
“pequenos estados”, a partir da própria dinâmica interna desses estados, no âmbito da
problemática que envolvia, dentre outros aspectos, as relações estabelecidas entre a União
federal e os estados no quadro da República oligárquica brasileira. É partindo dessa linha
argumentativa, que ela justifica e apresenta o seu trabalho, que abarca um estudo de uma
revolta contra o governo sergipano ocorrida no início do século XX. Nesse estudo, Souza
procura verificar em que medida as soluções ditadas pelos interesses da política nacional
foram em Sergipe absorvidas, descartadas ou aplicadas. A revolta do deputado e jornalista,
Fausto Cardoso, em 1906, é recuperada e enfocada pela autora como um evento significativo

152
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 9ª ed. São Paulo: UNESP,
2010. A primeira edição é de 1977.
68

de um momento de cisão na fração hegemônica da burguesia sergipana, momento crítico em


que as camadas médias urbanas encontram condições de se pronunciar.
A figura de Cardoso, por sua importância no contexto, aparece, assim, bem
destacada. O enfoque dado às suas ideias, assim como às ideias dos revoltosos, ajuda a
compreender como os homens que comandaram a insurreição percebiam a realidade da época.
Outras duas importantes discussões acerca da Primeira República brasileira que
merecem nossa observação são: “Os Subversivos da República”, de Maria de Lourdes Janotti
e “O Teatro das Oligarquias”, de Cláudia Viscardi.
Para explicar como se organizaram, como se manifestaram, como foram reprimidos,
e como, afinal, se acomodaram harmoniosamente os saudosistas do Império, em tempos de
Brasil republicano, Janotti estrutura sua argumentação destacando, inicialmente, que os
“subversivos da República”, pretendiam desprestigiar, em seu nascedouro, o que chamavam
de “ditadura militar”. Das palavras passaram às reações concretas e agressivas, atuando em
diferentes pontos do território brasileiro, por meio de agremiações, meetings e levantes.
A autora discute largamente todas as ações judiciárias, a opinião pública e os
movimentos políticos em torno da questão. A agitação de ideias, argumentação, acusações e
defesas apaixonadas pela imprensa são de forma minuciosa retratadas por Janotti.
Evidenciando a fragilidade doutrinária e a pouca expansão do movimento monarquista, o
estudo empreendido por Janotti evidencia, de maneira clara, através do discurso discordante
da voz monarquista, que os primeiros tempos da república foram bastante tumultuados e
periclitantes, e foi por isso que incluímos essa obra no painel da produção historiográfica
nacional.
Na obra, “O Teatro das Oligarquias: uma revisão da ‘política do café com leite’,
Cláudia Viscardi contesta a existência de uma abordagem que, para quase totalidade dos
historiadores, serviu de fundamento à estabilidade do regime político da Primeira República,
qual seja, o da aliança mineiro-paulista. Nesse sentido, ao apresentar um novo arranjo
alternativo, em que confere ao sistema um grau mínimo de funcionalidade, Viscardi defende a
tese de que a estabilidade do modelo político em vigor no período se deu pela instabilidade
das alianças entre os estados politicamente mais importantes da Federação, impedindo-se que
a hegemonia de uns fosse perpetuada e que a exclusão de outros fosse definitiva. Tal
instabilidade, diz Viscardi, pôde conter rupturas internas, sem que o modelo político fosse
69

ameaçado, até o limite em que as principais bases de sustentação desse modelo deixaram de
existir, ocasionando a sua capitulação.153
No primeiro capítulo da obra, quando se realiza uma discussão historiográfica
relativa à aliança política do café com leite e de seus fundamentos econômicos, a autora
identifica, a esse respeito, três grandes tendências teórico-metodológicas.
A primeira seria composta por trabalhos que privilegiam em suas análises o papel do
Estado republicano na relação Estado-sociedade, subestimando seu caráter classista, no
encaminhamento e na defesa de suas aspirações. Os trabalhos historiográficos relacionados a
esta tendência, em geral, desprezam a hegemonia política da aliança Minas-São Paulo,
contestando, neste sentido, a tese de que o Estado brasileiro era refém dos interesses das
oligarquias cafeicultoras.
Na segunda vertente torna-se visível a apropriação do Estado republicano pelas
unidades cafeicultoras, que conseguiram valer seus interesses sobre os demais estados do país.
Os trabalhos que englobam esta segunda tendência conferem à aliança São Paulo-Minas
incontestável hegemonia política. De base marxista, esta vertente tem destacado e reiterado
que as elites políticas atuavam principalmente como representantes dos interesses econômicos
dominantes no âmbito social da época. Os trabalhos que a ela se relacionam procuram
destacar a hegemonia política e econômica da aliança Café com Leite, levando para um plano
secundário as divergências internas, em suas reivindicações. Relacionam, desta forma, a
atuação das classes dominantes, vistas em sua maioria como harmônicas, aos interesses agro-
exportadores, deixando de lado outros setores políticos a exemplo das oligarquias não
cafeeiras, militares e do próprio Estado nacional.
Por fim, a terceira tendência, mais recente, tenta se colocar entre a primeira e a
segunda citadas, ou seja, procura resgatar a autonomia relativa do Estado brasileiro em
relação aos interesses econômicos em curso. A atuação das oligarquias estaduais não estaria
nem totalmente desconectada dos interesses econômicos hegemônicos, e nem condicionada
pelos mesmos. Sem negar a importância expressiva das oligarquias paulista e mineira no
quadro político nacional, reconhece que tal relevância foi construída com bastante dificuldade
e que nem sempre os grupos políticos dominantes atuavam segundo interesses exclusivamente
corporativos. Dentro desta vertente , podem ser encontradas pesquisas voltadas para o estudo
das chamadas oligarquias de segunda grandeza, destacando, por exemplo, o papel

VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. 2ª ed. – Belo
153

Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 25.


70

desestabilizador do Rio Grande do Sul e a atuação das oligarquias fluminenses na tentativa da


construção de um eixo alternativo de poder.
É interessante salientar que, ao longo do livro, Viscardi confere ao Rio Grande do
Sul um poder de destaque no e sobre o período republicano. Através do exame de sua atuação,
nos processos sucessórios, por exemplo, a autora afirma que o estado sulino muitas vezes
desempenhou um papel desagregador da ordem estável do regime.154 Todas as vezes em que a
aliança São Paulo-Minas vivenciava uma crise, o Rio Grande do Sul era apresentado como
um agente desestabilizador. Porém, conforme assegura a autora, nem sempre a sua ação se
colocou de forma desagregadora, como alternativa à crise de hegemonia mineiro-paulista.
De qualquer modo, o que queremos ressaltar aqui é que na busca de elementos que
levariam os gaúchos a terem uma posição relativamente autônoma no quadro nacional, a
pesquisa concentra toda a sua atenção na atuação do senador perrepista Pinheiro Machado e a
sua participação ativa na formação do “bloco”155 e/ou nos processos sucessórios bem como na
ação de outras figuras representativas do situacionismo castilhista-borgista. Assim, ao falar do
desempenho político do Rio Grande do Sul na esfera federal, Viscardi silencia quanto à
atuação da oposição federalista nesse mesmo cenário nacional e as críticas produzidas por ela
às ações de Machado no cenário nacional. Logo, em sua revisão da chamada “política do café
com leite” não há qualquer menção ou o mínimo destaque à atuação dos deputados e/ou
jornais federalistas nesse processo de contestação ao situacionismo oligárquico da Primeira
República, homogeneizando o caráter e o pensamento dos diferentes grupos políticos gaúchos
atuantes nesse momento da história política do Brasil..
Da mesma forma, ao referendar o caráter “oposicionista” assumido pelo estado
sulino no contexto da política nacional, em seu capítulo 2, a face “oposicionista” ou
“contestadora” dos políticos gaúchos era apresentada apenas a partir da atuação do “Bloco”,
coligação articulada por Pinheiro Machado, cujo objetivo consistia em enfraquecer o poderio
de São Paulo, reclamando maior participação política na Federação. Entretanto, não há
nenhuma referência por parte da referida autora ao papel desempenhado, nesse processo
histórico, pela forte e arregimentada oposição parlamentar federalista, grupo político que,
como veremos a seguir, também fez duras críticas à política dos governadores, ao próprio
“Bloco” e ao status quo da República oligárquica.

154
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. 2ª ed. – Belo
Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 33.
155
O bloco consistiu numa coligação liderada por Pinheiro Machado, cujo objetivo principal era impedir a
monopolização do poder por parte de São Paulo, desejo de maior participação política na Federação.
71

3 DO REGIONAL AO NACIONAL: O PARTIDO FEDERALISTA NA E ATRAVÉS


DA IMPRENSA SUL-RIO-GRANDENSE

O respeito à liberdade alheia desapareceu, sumiu-se na voragem das ambições


irrefreáveis; a mentira campeia com desassombro, a fraude não conhece obstáculos e
a moral, que Augusto Comte colocou ao alto da sua classificação científica e que os
positivistas tanto apregoam, foi por estes mesmos ou pelos seus admiradores
heterodoxos, sacrificada barbaramente para que o Brasil regressasse
vergonhosamente à era do obscurantismo, das violências, da tirania em que, para
salvar a liberdade, eram necessárias as associações secretas, a confabulação nos
subterrâneos e o juramento sagrado sobre a cruz dos punhais e das espadas. 156

3.1 ALGUMAS QUESTÕES DE CONTEXTO HISTÓRICO REGIONAL E NACIONAL

Os desacertos e cisões no seio dos partidos imperiais, o recrudescer da ação dos


republicanos e a manifesta e crescente insatisfação dos militares levaram a um clima de
profunda tensão que, associado à crise política, redundaria na queda da Monarquia, cujos
alicerces vinham sofrendo profundas fissuras, ao longo das três últimas décadas, preparando-
se o caminho para a mudança institucional de 15 de Novembro de 1889.
Deve-se sublinhar que, a partir da Proclamação da República, as especificidades
político-partidárias sul-rio-grandenses tornaram-se cada vez mais acentuadas, uma vez que, ao
contrário de boa parte do país, que contou com uma republicanização relativamente menos
conturbada157, o Rio Grande do Sul, durante as primeiras décadas republicanas, passou por
uma de suas fases de maior agitação partidária, da qual adviria séria crise política e
revolucionária.158
Mais uma vez a unidade mais meridional da Federação constituía-se num fator de
instabilidade no contexto político brasileiro. Com a instauração da República e uma nova fase
de reordenamento institucional, o Rio Grande do Sul novamente representaria um foco de
agitação e crise, tendo em vista a fermentação, preparação e eclosão da Revolução
Federalista, ou revolta da degola, como ficou popularmente conhecida, cujos efeitos se
fizeram presentes na vida política sul-rio-grandense durante toda a República Velha. Como à
época da formação do Estado Nacional, agitada pelas rebeliões provinciais, dentre elas, a

156
ROCHA, Arthur Pinto da. A liberdade e Tiradentes. O Maragato, 12 maio 1910, p. 1.
157
Sabe-se, porém, que em todo país a instalação do novo regime não se deu forma muito tranquila, como
atestam os conflitos desencadeados pelo jacobinismo carioca: Canudos, Revolta da Armada e a Revolução
Federalista. Maiores informações em: QUEIROZ, Suely Robles Reis. Os radicais da República. Jacobinismo:
ideologia e ação, 1893-1897. São Paulo: Brasiliense, 1986.
158
Observa-se que da queda do Império à segunda posse de Júlio de Castilhos, em 1893, o governo estadual
mudou de mão dezoito vezes. A esse respeito ver: LOVE, Joseph. O Rio Grande do Sul como fator de
instabilidade na República Velha. In: CARDOSO, Fernando Henrique et al. O Brasil republicano: estrutura de
poder e economia (1889-1930). 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 111-139.
72

Farroupilha, a mais grave delas. É importante salientar que a própria formação histórica do
Rio Grande do Sul já apresentava traços peculiares se comparada ao restante do Brasil:

Região tardiamente ocupada, teve o Rio Grande do Sul o seu desenvolvimento


condicionado pelas lutas entre Portugal e Espanha, ambas nações desejosas de
estabelecer o domínio sobre o Rio da Prata. O constante estado de beligerância, a
militarização resultante das disputas pela delimitação das fronteiras, marcaram o Rio
Grande do Sul social e politicamente. A ocupação territorial, promovida para
garantir a posse, não teve base econômica dentro de preceitos mercantilistas. 159

A pecuária da campanha, juntamente com as charqueadas do litoral, eram as atividades


econômicas predominantes da província, e os estancieiros, dedicados à pecuária, juntamente
com os charqueadores, dedicados à fabricação e exportação das carnes salgadas, constituíam o
grupo social dominante a nível regional. Seu universo ideológico era inspirado no
liberalismo160 do século XIX, sendo que por liberalismo entendiam a autonomia provincial
em oposição à centralização política. Deve-se ressaltar, no entanto, que este liberalismo era
limitado em outros aspectos. Embora liberais ao defenderem maior autonomia provincial, os
estancieiros não hesitavam em solicitar protecionismo econômico em decorrência da
concorrência com a produção platina. No âmbito político, durante toda a fase imperial, aliás, o
Rio Grande do Sul apresentou especificidades em relação ao centro: Presidente da Província
conservador e Assembleia Legislativa liberal.
Mesmo no início da República, o Partido Liberal161 do Rio Grande do Sul, sob a
liderança autocrática de Gaspar Silveira Martins, ainda constituía-se numa entidade bem
arregimentada e forte, enquanto que os republicanos, recém-alçados ao poder, ainda
representavam uma agremiação pouco significativa em termos eleitorais. Tendo em vista
destruir a máquina eleitoral dos liberais e consolidarem-se como os novos detentores do

159
PICCOLO, Helga I. L. A política Rio-Grandense o Império. In: DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA,
Sergius. RS: Economia e política. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p. 93-117. p. 93.
160
Conceituar uma posição liberal, ou até mesmo definir o liberalismo que “contemporaneamente tem sido
utilizado [...] para descrever as orientações dos movimentos e dos partidos políticos que se definem liberais” [...]
embora “nem sempre grupos e partidos que se inspiravam nas ideias liberais tomaram o nome de liberais e
também nem sempre os partidos liberais desenvolveram uma política coerente com os princípios proclamados”,
constitui uma ampla dificuldade (BOBBIO, N. Dicionário de política. Brasília: Ed. da UnB, 1992. p. 687-688).
161
A partir de 1870, o Partido Liberal deteve a hegemonia política no Rio Grande do Sul, sendo o seu principal
líder, o Conselheiro Gaspar Silveira Martins. Neste período, o estado sulino passou por significativas mudanças
econômicas e sociais, tais como: a introdução de novas raças de gado, das cercas de arame e o melhoramento das
redes de transportes, o que possibilitou a modernização nas relações produtivas. A partir de 1885, uma nova
geração de políticos começa a entrar na vida política gaúcha, muitos deles imbuídos do republicanismo, não
aceitando a acomodação do partido e muito menos a postura autocrática de Silveira Martins. Começam os
questionamentos à estrutura hierarquizada de poder dentro do Partido Liberal do Rio Grande do Sul, no qual
Silveira Martins era considerado o chefe máximo, não aceitando posturas distintas das suas. Ver: PICCOLO,
Helga I. L. A política Rio-Grandense o Império. In: DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius. RS:
Economia e política. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p. 93-117.
73

poder, os republicanos castilhistas nortearam sua atuação com base em práticas exclusivistas,
de modo a alijar todos os possíveis adversários.
Esse exclusivismo castilhista reforçou as hostes oposicionistas, com a oposição natural
dos liberais de Gaspar Silveira Martins, principal força política do estado, afastada do poder
com a nova forma de governo, e dos conservadores, como os Silva Tavares, que, como
“republicanos de última hora”, logo passariam de aliados a alijados do controle do Estado,
além da dissidência republicana.
O fim da Revolução de 1893 trouxe a vitória de Júlio de Castilhos, principal líder e
articulador intelectual do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), consolidando assim um
“sistema castilhista”162, caracterizado por uma forma de governo conservadora e autoritária,
inspirado na república ditatorial de Augusto Comte. Apelidado de “Comtelândia”163, o Rio
Grande do Sul castilhista, no âmbito político, baseava-se na grande centralização do poder
político nas mãos do Presidente do Estado, cuja autoridade constitucional lhe dava poderes
ditatoriais na férrea disciplina partidária e na eficiência da Brigada Militar, que poderia ser
utilizada para fins políticos. Esse sistema foi herdado por seu sucessor, Borges de Medeiros,
levando à perpetuação do PRR no poder estadual, de forma ininterrupta, até o final da década
de 1920.
Mesmo assim, as oposições continuaram existindo e pressionando por um espaço de
participação no poder. Dos grupos oposicionistas, o Partido Federalista (PF) significou o
principal veículo de oposição ao sistema castilhista. O partido é fundado em 31 de março de
1892, no Congresso de Bagé-RS, por iniciativa de Gaspar Silveira Martins e do general Silva
Tavares, oriundo do Partido Conservador, e, que, durante muito tempo, foi adversário de
Silveira Martins. Aliás, foi do velho político conservador que partiu o convite para a reunião
dos oposicionistas em Bagé. Conforme relata Sérgio da Costa Franco 164, apesar do velho
antagonismo que separava Silveira Martins e os Silva Tavares, o líder liberal não deixou de
atender ao apelo do chefe conservador, o qual, aliás, no fim do período monárquico, havia
aderido, com seus familiares, ao Partido Republicano, conforme já foi destacado

162
Para Vélez Rodríguez, com o qual concordamos, o castilhismo caracterizou-se como uma ideologia política
inspiradora de um governo autoritário, não representativo, que propunha a liberdade e as garantias dos
indivíduos ante o supremo interesse da segurança do estado, identificando-se com a agremiação política
governante, no caso, o PRR, assumindo forte caráter moralista e conservador. VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo.
O castilhismo e as outras ideologias. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha (1889-1930). Passo
Fundo: Méritos, 2007.
163
PINTO, Céli Regina J. Positivismo. Um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre:
L&PM, 1986. p. 27-29.
164
FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha
(1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 129-170.
74

anteriormente. Deve-se salientar que a base de sustentação do partido maragato 165 mostrava-
se forte, com predominância de elementos liberais da Fronteira, especialmente de Bagé e
Santana do Livramento. A esse respeito, Reckziegel 166 esclarece que o Partido Liberal
significou o esteio da maior parte do contingente político que viria a formar o Partido
Federalista, de Gaspar Martins. Dessa forma, no Rio Grande do Sul da República Velha,
“liberalismo e gasparismo tornaram-se praticamente sinônimos”.167

Figura 1 – Membros do Partido Federalista

Fonte: Moritz (2005).168

Desde logo, os federalistas adotaram um programa voltado para a conjuntura do estado


do Rio Grande do Sul, sem contemplar qualquer proposta de sentido nacional. Segundo
Sérgio da Costa Franco169, pode-se compreender essa postura programática voltada para o
regional a partir do próprio contexto político da época, uma vez que o partido se formava
mediante a aglutinação de um pleito eleitoral do estado.

165
Segundo Sérgio da Costa Franco (2007: 137), da Revolução de 1893, saíram os federalistas com a alcunha de
“maragatos”, alusão depreciativa aos comandados de Gumercindo Saraiva, que procediam, em parte, do
Departamento de San José, no Uruguai, com forte presença de originários da região espanhola da Maragatería.
166
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. 1893: a revolução além da fronteira. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson.
República velha (1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 23.
167
ALVES, Francisco das Neves. O Bisturi: Imprensa oposicionista na cidade do Rio Grande (1888-1893). In:
ALVES, Francisco das Neves; TORRES, Luiz Henrique. Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Editora
da Fundação Universidade de Rio Grande, 1993. p. 58.
168
MORITZ, Gustavo. Acontecimentos políticos do Rio Grande do Sul: partes I e II. Porto Alegre:
Procuradoria-Geral da Justiça, Projeto Memória, 2005.
169
FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha
(1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 129-170.
75

Do sumário exame desse primeiro programa, aprovado entre os dias 31 de março e 1º


de abril de 1892, verifica-se que nele levantava-se a bandeira do parlamentarismo, com a
simultânea derrogação da Constituição Estadual de 14 de Julho; propunha-se a diminuição do
mandato do presidente do estado, de cinco para quatro anos, com proibição de reeleição;
projetava-se a eleição de deputados à Câmara (Assembleia Estadual) por distritos, com
sistema de voto incompleto para garantir representação da minoria; dava-se à Assembleia dos
Representantes atribuições de se propor projetos de lei, o que aberrava da constituição
castilhista.
Deve-se lembrar, no entanto, que do ponto de vista programático, apenas a partir de
1896, os federalistas passaram a contemplar em sua plataforma política uma proposta com
ambições nacionais. Ainda sangravam, em agosto daquele ano, as feridas da guerra civil,
quando se reuniu em Porto Alegre, em 23 de agosto, um novo congresso do Partido
Federalista, presidido por Gaspar Silveira Martins. Aliás, fazia exatamente um ano desde que
a pacificação fora acordada na conferência de Pelotas, entre João Nunes da Silva Tavares (o
Joca Tavares) e o general Galvão de Queiroz.
O pronunciamento de Silveira Martins, conhecido através de um extenso resumo,
proferido na ocasião, explicitava que o seu programa de lutas, além de trazer um inegável
sentido centralizante, não se restringia ao estado do Rio Grande do Sul:

Não somos governo, precisamos, pois, ter um programa para quando o formos. O
programa de um partido é uma coisa vasta; o programa de um governo é limitado. O
primeiro pode levar vinte anos para ser realizado; o segundo pode ser esgotado em
pouco tempo. Quanto ao estado, não temos uma Constituição a reformar, temos uma
Constituição a substituir. Tal pensamento já foi acentuado no Congresso de Bagé; já
está firmado como programa do partido e já foi consagrado pela revolução e pela
maioria do povo rio-grandense. Temos hoje a traçar o nosso programa quanto à
Constituição federal, que é um maquinismo mal organizado.170

Em relação a esse discurso, cabe aqui uma ressalva. De acordo com José Júlio
Martins, possivelmente estivesse em discussão a inclusão da tese apresentada por Wenceslau
Escobar, não acolhida pelo líder liberal, que defendia que o partido maragato aceitasse
transitoriamente o presidencialismo da Carta federal de 1891, para depois empreender a
defesa do sistema parlamentarista.
Do programa aprovado em 1896, os pontos principais eram: a defesa da República
parlamentar; eleição do presidente pelo Congresso Nacional; reforma da bandeira nacional
com a absoluta supressão do lema positivista de Augusto Comte; a proibição dos militares na

170
MARTINS, José Júlio Silveira. Silveira Martins. Rio de Janeiro: São Benedito, 1929. p. 414.
76

política; nomeação, pelo primeiro magistrado da República, de um delegado político em cada


estado, encarregado de fiscalizar o cumprimento de todos os serviços da União, de modo que,
a par da descentralização administrativa, haja a centralização política, tornando forte e
respeitado o governo federal; e a intervenção voluntária do governo federal, independente de
reclamações dos governadores dos estados, no caso de guerra civil. Em relação à política do
estado, o congresso manteve e confirmou o programa proposto em 31 de março pelo
congresso de Bagé.
Esse caráter nacional previsto no novo programa federalista, de 1896, seria reiterado,
com poucas alterações, no chamado “Testamento Político”171, de Gaspar Martins, apresentado
ao país em três de setembro de 1901 como um projeto que visava difundir suas ideias de
revisão da Carta Federal, de 1891, e de “remodelação nacional do Brasil Republicano”. O
próprio nome do partido, “Federalista”, termo já utilizado pelos liberais catarinenses que
haviam derrubado em dezembro de 1891 o presidente do seu estado, Lauro Müller, em
circunstâncias similares à derrubada de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, dava-lhe
certa conotação nacional. É bom que se diga que o termo “federalista” aqui não significava
“federativista”, mas partidário do predomínio do poder federal sobre os estados.
Nesse sentido, acentuava-se no quadro político regional uma polarização político-
ideológica, à exceção do resto do país. A esse respeito, Hélgio Trindade destaca que o
processo político-partidário rio-grandense na República Velha, em contraste com o sistema
amorfo do partido único dominado pelos governadores, de quase todos os estados brasileiros,
traduziu-se numa clivagem político-ideológica, dentro do setor dominante da sociedade, entre
“conservadores-autoritários” e “conservadores-liberais”. No primeiro grupo podemos
encaixar o PRR e sua ideologia positivista, ou “castilhista”, e no segundo, os federalistas, de
Gaspar Silveira Martins, antigos liberais do Império. Entretanto, essa clivagem é anterior ao
período republicano, podendo muito bem ser observada no período imperial.
No que concerne ao debate político nacional, cabe lembrar aqui as inúmeras críticas
emitidas pelos federalistas ao regime federativo brasileiro, especialmente no que dizia
respeito aos seus excessos, provocadores do chamado “estadualismo”. Esse tema foi
constantemente relacionado, pelo federalismo gasparista, a um quadro geral de instabilidade

171
O chamado “Testamento Político”, de Silveira Martins, foi apresentado para ser um novo projeto do Partido
Federalista, firmado por quatro lideranças: Pedro Moacyr, Rafael Cabeda, Barros Cassal e Alcides de Mendonça
Lima. Foi ele, inicialmente, divulgado pelo Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro. Esse programa, que de
imediato não recebeu o aval de alguns setores do partido, especialmente por parte do Conselheiro Francisco
Antunes Maciel, de Pelotas-RS, só muitos anos mais tarde, mais precisamente no Congresso Federalista de 1917,
seria adotado. Informações extraídas de: FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau;
BOEIRA, Nelson. República velha (1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007.
77

política, de marchas e contramarchas, marcado, em nível nacional, pela irrupção contínua de


movimentos armados, revoltas, rebeliões e motins, episódios pontuais ou de menor duração.
Na prática política, de acordo com o grupo opositor, o federalismo brasileiro da Constituição
Federal de 1891 traduzia-se em “estadualização”, pelo inconteste domínio das oligarquias
regionais, bem como pela dispersão dos interesses do país, aflorando, assim, o debate político
nacional em torno do grande indicativo das dificuldades de relações entre o poder federal e os
centros de poder estaduais na República.
Nesse sentido, a “regeneração” da República brasileira, que, segundo o Partido
Federalista, deveria se dar nos moldes de um sistema parlamentar e unionista, tendentes a
reforçar a competência e os poderes da União em detrimento dos Estados, bem como a
formação de uma “opinião nacional”, ou seja, de uma forma de consenso dos descontentes
com a situação política nacional, nos mostram a preocupação da oposição em intervir num
debate político que ultrapassava as fronteiras da atmosfera regionalista gaúcha.
É importante também observar que a atuação política federalista, no que se refere ao
sistema político representativo (Parlamentos), se deu primeiramente na órbita da política
nacional e muito tempo depois se fez presente e atuante no espectro regional. Isso porque,
Borges de Medeiros, então no governo do Rio Grande do Sul, recusara aplicação, no estado,
às regras da lei federal de 1904, conhecida como “Lei Rosa e Silva”, que regulamentou o
direito de representação política das minorias. Naquela ocasião, Borges invocou sua
inconstitucionalidade, por ofensa à autonomia dos estados, no que foi respaldado por decisão
do Judiciário. Logo, o Partido Federalista só conseguiu eleger o seu primeiro representante,
no âmbito estadual, no ano de 1913, com o ingresso do deputado estadual, Jorge da Silveira
Pinto. Neste ano, o mesmo Borges de Medeiros, muito sob influência das repetidas críticas
que o sistema eleitoral rio-grandense recebia por parte da oposição federalista, já atuante no
plano nacional, desde 1906, propôs para o estado gaúcho uma nova lei eleitoral, que
assegurava um sistema de representação proporcional para as minorias.
Desse modo, vale salientar aqui que, até 1913, não havia condições para exercer
oposição através do voto, uma vez que continuava a imperar na legislação estadual do Rio
Grande do Sul o sistema eleitoral de lista completa, que negava representação às minorias.172
Nesse sentido, no caso rio-grandense, durante as cinco primeiras legislaturas estaduais, foi por

172
Sobre esse tema ver: NOLL, Maria Izabel; TRINDADE, Hélgio. Estatísticas eleitorais do Rio Grande da
América do Sul – 1823/2002. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul, 2004.
78

meio da imprensa que o partido maragato não apenas divulgou a sua propaganda política
como também exerceu a sua oposição ao PRR.
Neste quadro, durante o período republicano, deve-se acrescentar que a imprensa
exerceu fundamental papel na vida política brasileira, consistindo-se num espaço privilegiado
de comunicação social na esfera pública. No Rio Grande do Sul esta importância foi notória,
constituindo os jornais173 como fontes primárias para o estudo das diferentes vertentes
políticas desse intrincado momento histórico. Também no interior do estado, proliferaram
inúmeras publicações que, direta ou indiretamente, adotaram posição de “castilhistas” e
“maragatos”.
Do ponto de vista federalista, que é o que nos interessa, vale lembrar que muitos dos
jornais que expressaram as suas ideias e causas para fazer a sua oposição ao partido
dominante, o PRR, tiveram também como núcleo de discussão jornalística um contexto
político mais amplo. Os periódicos, embora de circulação regional, não se limitaram a
publicar casos locais ou regionais, mas enfocaram também questões vinculadas à situação
política e social do país. A busca pela “verdadeira república” implicava numa aberta oposição
aos governos estadual e federal. As próprias ideias contidas no programa do Partido
Federalista surgiam justamente numa conjuntura em que o sistema político brasileiro de base
federativa estava sendo questionado, não só pelos federalistas, mas também por outros grupos
de oposição, seja em escala regional ou nacional, e diversos setores da sociedade percebiam
que um sistema político mais centralizado na União era condição importante para a defesa de
seus interesses e/ou atendimento de suas reivindicações.
Nesse sentido, queremos destacar que a crítica federalista, através das folhas
periódicas, ao sistema castilhista gaúcho não apareceu de forma isolada e desconectada de
uma conjuntura política maior. Essa referência ao plano nacional iria, inclusive, implicar num
retorno à própria conjuntura regional, o da ditadura castilhista-borgista, que os mesmos

173
O intrincado momento político vivido pelo Rio Grande do Sul da Primeira República, gerou um significativo
interesse pelas manifestações políticas expressas nos jornais, como descreve Gustavo Moritz: “E à hora da saída
dos jornais [...], a gurizada não sabia a quem atender em primeiro lugar: ao mesmo tempo todos disputavam o
seu órgão predileto. Das sacadas dos sobrados, eram senhoras que chamavam os vendedores; das casas
comerciais, eram os negociantes e os empregados; eram os militares, os funcionários, eram os industriais, os
operários, enfim, não havia mãos a pedir; os jornais ‘voavam’”. MORITZ, Gustavo. Acontecimentos políticos
do Rio Grande do Sul 89-90-91. Porto Alegre: Tipografia Thurmann, 1939. p. 251. Na mesma linha, Francisco
Rodrigues afirma: “os ideais políticos de cada grupo eram difundidos e defendidos na imprensa, na praça
pública, nas bodegas, nos lares, em toda parte, de ouvido a ouvido, com tanto ardor, tão arraigadamente que
negá-los, depois de aceitos, seria uma traição abominável cobrada pelo desprezo público”. RODRIGUES,
Francisco Pereira. O Governicho e a Revolução Federalista. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1990. p. 49. A
esse respeito ver: CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo:
Contexto/EDUSP, 1988. Outro trabalho interessante a respeito é: BARBOSA, Marialva. História cultural da
imprensa: Brasil, 1800-1900. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010.
79

federalistas, amparados na defesa do parlamentarismo e do federalismo unionista, tanto


criticavam.
Dessa forma, ao discutir questões mais gerais, que se colocavam na agenda da política
brasileira do momento, o Partido Federalista, mesmo inserido num espaço regional de atuação
jornalística, soube utilizar-se deste espaço para desenvolver uma atuação que também se
voltou para a problemática política nacional. Esse uso do espaço político regional vinculando-
o a uma dimensão nacional de construção da republicanidade, associando-a em relação ao
país, se refletiu amplamente nos jornais federalistas da época, conforme veremos neste
capítulo.
Com base na pesquisa empreendida através dos jornais oposicionistas gaúchos, pode-
se destacar que o Partido Federalista, no âmbito jornalístico, também soube utilizar-se
largamente de um debate político nacional, ou seja, de um conjunto de discussões mais
amplas, que, então, movimentava o país, não apenas empunhado por sua bandeira ideológica e
programática, mas, fundamentalmente, também, para fazer a sua contestação política em
relação à problemática autoritária, de ordem regional, ensejada pelo regime castilhista-
borgista, do qual o federalismo gasparista174 foi sempre enérgico opositor.
Não é demais destacar que o PRR, de Castilhos e Borges de Medeiros, defendeu, ao
longo da sua história, institutos que se contrapunham às prerrogativas levantadas pela
oposição federalista, no plano nacional, tais como: o culto da vontade política presidencial,
que pregava a precedência do Poder Executivo sobre os demais poderes, em nome da
necessidade do progresso do país, e cujas origens intelectuais mais imediatas se encontravam
no pensamento de Campos Salles, para quem o Poder Executivo representava o “poder por
excelência”. Da mesma forma, o partido dominante gaúcho, no decorrer de sua trajetória
política, também rejeitou qualquer proposta de revisão da Carta Federal, de 1891, que pudesse
ferir o status quo oligárquico.
Todas essas questões apresentadas acima podem ser melhor compreendidas a partir de
alguns aspectos característicos das regras do jogo político federal do momento e das
especificidades do sistema político-partidário rio-grandense. Em relação à conjuntura
regional, sabe-se que o Partido Federalista representava, principalmente, a classe dominante
liberal oligárquica gaúcha175, que tinha sua base de sustentação na economia pastoril do

174
Partidários de Gaspar Silveira Martins.
175
Definição utilizada por TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Subsídios para a história do
Parlamento Gaúcho (1890-1937). Porto Alegre: CORAG, 2005. p. 15.
80

grande latifúndio da região pampeana176. Deve-se lembrar que, até a proclamação da


República, o Partido Liberal (PL), com nomes de expressão política como Gaspar Silveira
Martins, e tendo como principal sustentáculo os fazendeiros e charqueadores da Campanha,
liderava a política gaúcha. Após o advento do novo regime, com o seu afastamento do poder
estadual, o PL, dominante no final do Império, passou a representar o esteio da maior parte do
contingente político que viria a formar o Partido Federalista, em 31 de março de 1892, no
congresso de Bagé-RS.177 Nesse sentido, pode-se afirmar que ao fundarem o Partido
Federalista, os liberais gasparistas, já em minoria, devido à política exclusivista promovida
pelo grupo castilhista em relação aos que não fossem considerados “republicanos históricos”,
retomavam, de certo modo, o prestígio que haviam tido no fim do período monárquico.
No que toca ao cenário político brasileiro, cabe destacar que o partido maragato
obtinha pouca ou nenhuma vantagem do “pacto oligárquico” que dominava a República,
tendo em vista que aquele favorecia essencialmente os grupos políticos que estavam no poder,
como por exemplo, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), no caso do Rio Grande do
Sul. Ideologicamente, entretanto, este último, ao identificar-se com o positivismo178, servindo
o partido como elemento de afirmação do sistema castilhista (e posteriormente borgista) no
poder, iria constituir-se numa “anomalia”179 da Primeira República, se comparado aos demais
partidos republicanos estaduais, que se organizaram a partir dos pressupostos liberais. Outro
ponto importante a ser destacado aqui diz respeito à posição de parceiro do PRR na política

176
Segundo Trindade (2005, p. 15), o Estado do Rio Grande do Sul é dividido em três grandes regiões: o litoral,
a serra e a campanha. O litoral, de ocupação mais antiga, abriga as grandes cidades, como Porto Alegre, Pelotas,
Rio Grande e possui uma economia de base industrial e comercial. A serra, a última região a ser ocupada
(segunda metade do século XIX) foi colonizada predominantemente pelos imigrantes alemães e italianos, que
fundaram uma economia de base agrícola, diversificada e de pequena propriedade. Nesta zona, o comércio e o
artesanato geraram capitais importantes para a futura base industrial da região. A campanha, a região próxima da
fronteira com o Uruguai e Argentina, é também mais próxima desses países. Domina aí a grande propriedade de
criação de gado numa zona plana (la pampa) de campos ricos em pastagens. Durante o século XIX, foi a região
economicamente dominante, devido à produção do charque e demais variados. A pujança da região serrana, a
partir do final do século, começa a mudar o quadro econômico regional e a campanha vai reduzindo o seu peso
econômico e político, ao que se agregam as alterações geradas pelo novo regime republicano.
177
A base de sustentação do partido contava, por exemplo, com a presença dos nomes de Joaquim Pedro
Salgado, ex-deputado liberal, do advogado, Antônio Prestes Guimarães, ex-deputado liberal, entre outras figuras
de destaque do liberalismo gaúcho.
178
Nelson Boeira distingue, no Rio Grande do Sul, três tipos de positivismo: positivismo político, positivismo
religioso e positivismo difuso, dizendo que: “O impacto do comtismo no Rio Grande do Sul não se restringiu às
esferas da política e da religião. Seu impacto foi igualmente significativo em várias áreas da vida intelectual,
embora aí sua ‘influência’ seja mais dificilmente caracterizável”. BOEIRA, Nelson. O Rio Grande de Augusto
Comte. In: DACANAL, J. H.; GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1980. p. 39.
179
Expressão usada por LOVE, Joseph. O Rio Grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha.
In: CARDOSO, Fernando Henrique et al. O Brasil republicano: estrutura de poder e economia (1889-1930). 8.
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 111-139. p. 111.
81

dos governadores180, instaurada por Campos Salles181, em 1898, onde o fortalecimento


anterior não deixou espaço para que o referido pacto fosse articulado no Rio Grande do Sul
com outras forças políticas, dentre elas, a do Partido Federalista, mesmo que estas estivessem
até mais afinadas ideologicamente com os demais partidos republicanos no país. Cabe
assinalar que a política dos governadores, modelo oligárquico de funcionamento da
constituição, era uma espécie de “conciliação” extraparlamentar promovida pelo presidente da
República com os governadores, destinada a preservar os situacionismos estaduais e a
despartidarizar a política do Congresso em proveito da administração federal. De acordo com
Boris Fausto182, o propósito da política dos governadores de eliminar as disputas faccionais
nos Estados e ao mesmo reforçar as prerrogativas do executivo sobre os demais poderes
constitucionais só em parte foi alcançado.
Robert Rowland define bem as relações estabelecidas entre as diversas oligarquias
regionais:

[...] a Constituição de 1891 garantia uma relativa autonomia a cada Estado e a não
interferência dos Estados predominantes nos assuntos internos dos demais; já que
situação e oposição em cada Estado eram facções pertencentes a uma mesma classe,
aos Estados predominantes interessava não a identidade da situação e da oposição,
mas a capacidade da situação de manter a autoridade dentro do Estado; o governo
federal intervinha a pedido da situação (art. 6º da Constituição) para garantir essa
autoridade; em troca do apoio dado desta forma, a facção predominante da
oligarquia em cada estado (‘Política dos Governadores’), estes aceitavam as regras
do jogo político a nível nacional (sucessões presidenciais, etc.); o recrutamento para
os cargos de maior prestígio no aparelho do Estado fazia-se (através da rede de
parentesco e amizades políticas) entre as famílias oligárquicas.183

Torna-se necessário aqui uma breve referência ao papel e à força dos estados de São
Paulo184 e Minas Gerais, exercidos por eles nesse contexto histórico. Esses dois estados
constituíam o centro dominante da política nacional, através de seus partidos republicanos,
PRP e PRM. Os demais estados, com exceção do Rio Grande do Sul, ocupavam um papel
secundário. O estado sulino constituía-se, nesse sentido, como uma exceção, uma vez que

180
Em linhas gerais, pode-se dizer que a política dos governadores consistia num arranjo que envolvia o apoio
do Executivo federal às oligarquias estaduais que estivessem no poder, em troco do apoio daquelas aos
candidatos que apoiassem o governo da União. Um bom exemplo de livro que reviu a política oligárquica da
Primeira República dando-lhe mais complexidade é VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das
oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. 2. ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
181
GUANABARA, Alcindo. A presidência Campos Sales. Brasília: Senado Federal; Conselho Editorial, 2002.
182
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.
p. 147.
183
ROWLAND, Robert. Classe operária e estado de compromisso. Estudos CEBRAP, Ed. Cebrap e Ed.
Brasiliense, São Paulo, 1975, p. 9-10.
184
Os três primeiros presidentes civis da República eram naturais de São Paulo: Prudente de Moraes (1894-
1898), Campos Sales (1898-1902) e Rodrigues Alves (1902-1906).
82

ocupava um papel intermediário, uma terceira força política, que em determinadas


conjunturas, como por exemplo, nos momentos de crise oligárquica (1910, 1922 e 1930)185,
assumia um papel decisivo no jogo político federal.186
Nesse sentido, a pesquisa que empreendemos através da imprensa oposicionista no Rio
Grande do Sul, no período de 1906 a 1917, nos levou a percepção de alguns eixos temáticos
que orientaram de maneira significativa a atuação dos nossos atores políticos no âmbito
jornalístico. Desse modo, neste capítulo, enfocaremos cinco grandes eixos temáticos que
pautaram, de forma expressiva, o discurso federalista nos jornais: a oposição federalista ao
positivismo (castilhista); a crítica ao sistema presidencialista brasileiro, tido pela oposição
como “tirânico” e “ditatorial” e a sua interlocução com o positivismo castilhista; a jurisdição
constitucional (controle da constitucionalidade); a resistência federalista ao pinheirismo
(Bloco) e a revisão da Carta federal, de 1891.
A partir da análise desses vetores temáticos, como se pretende evidenciar ao longo
deste capítulo, será possível perceber que a inserção federalista no debate político jornalístico
da Primeira República, congregando temas de relevância nacional, isto é, que pautaram a
agenda política brasileira da época, como a polarização presidencialismo/parlamentarismo, o
papel da justiça federal na política nacional, o pinheirismo e a reforma da 1ª Constituição
brasileira, na República, de alguma forma, irá retomar uma problemática regional, vivida pelo
estado do Rio Grande do Sul, em sua fase republicana.
Antes disso, apresentaremos a seguir um panorama geral contendo uma breve
retrospectiva da história do jornalismo político-partidário e alguns dados informativos acerca
das fontes jornalísticas utilizadas para o desenvolvimento empírico deste capítulo.

3.1.1 As vozes federalistas na imprensa partidária sul-rio-grandense: A Reforma, O


Maragato, Echo do Sul e Correio do Sul

Maria de Lourdes Eleutério187 considera que, ao longo do século XIX e início do


século XX, escrever nessa imprensa, que trazia no seu âmago o discurso político como

185
Nem todas as eleições para presidente da República foram uma simples ratificação de um nome. Houve
bastante disputa nas eleições de 1910, 1922 e 1930, quando se elegeram, respectivamente, Hermes da Fonseca,
Artur Bernardes e Júlio Prestes.
186
“As organizações políticas dos três estados mais poderosos, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande, deram
quase metade (48%) do número total de anos que membros das máquinas estaduais ocuparam pastas ministeriais
entre 1910 e 1930: e membros dos partidos políticos dos três grandes Estados chefiavam os principais
ministérios civis (Viação, Fazenda e Justiça) durante 63% do tempo”. LOVE, Joseph. O Rio Grande do Sul
como fator de instabilidade na República Velha. In: FAUSTO, Boris (Dir.). História Geral da Civilização
Brasileira. São Paulo: Difel, 1985. p. 118.
83

destaque principal, tornou-se instrumento de legitimação, distinção e mesmo poder político.


Aliás, Oswald de Andrade já havia dito que o papel impresso era mais forte que as
metralhadoras. De acordo com Philippe Breton e Serge Proulx188, o casamento entre política
e comunicação ocorreu a partir de dois fatores em especial. O primeiro foi marcado pela
descoberta da argumentação pelos homens políticos e seu impacto nos leitores. Já o segundo,
foi o reconhecimento de que cada cidadão era senhor de uma parcela da decisão política,
tornando-o, assim, alvo vivo da argumentação política que visava levá-lo a aderir a uma causa
ou outra. É importante percebermos que a argumentação política não estava restrita apenas
aos políticos, mas ao se sistematizar e se tecnizar foi assumida também por outros corpos
profissionais, como foi o caso dos jornalistas.
No Brasil, o discurso político-partidário emitido através da imprensa exerceu um papel
essencial ao longo dos diversos momentos que caracterizaram o seu cenário político, seja em
âmbito nacional, regional ou local, servindo os jornais como veículos de propagação dos mais
diferentes ideais. No caso gaúcho, esta característica adquiriu uma significância efetiva, já que
a formação histórica sul-rio-grandense, conforme salientamos anteriormente, foi
profundamente marcada pelas disputas político-ideológicas que, várias vezes, redundaram em
confrontos bélicos, numa constante bipolarização partidária e verdadeira dicotomia política
quanto às ações e ideias dos grupos divergentes. Estes enfrentamentos traduziram-se também
na formação de um “conflito discursivo” expresso em grande parte através das folhas
periódicas, ou seja, na existência de “dois contextos discursivos antagônicos”, em que “os
interlocutores se constituem como dois lugares sociais com igual poder de palavra, mas
adversários”, de maneira que esses dois contextos se “remetem a discursos em algum sentido
em conflito e, nessas circunstâncias, a relação enunciativa se desenvolve como uma luta pela
hegemonia de um deles”.189 Para Antoine Prost, o estudo dos textos deve levar em conta que
eles “revelam estruturas mentais, maneiras de perceber e de organizar a realidade dominando-
a” e um dos mais típicos exemplos “desse tipo de análise é o estudo da autodesignação dos
parceiros e dos adversários nos textos políticos. Como um partido designa a si mesmo? Como
designa seus aliados e seus inimigos?”.190

187
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Imprensa a serviço do progresso. In: MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tânia
Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 94.
188
BRETON, Phillipe; PROULX, Serge. L’explosion de la communication. Paris: L Décourverte / Poche,
1996, p. 231-249.
189
PINTO, Céli. Com a palavra o senhor presidente José Sarney: o discurso do Plano Cruzado. São Paulo:
Hucitec, 1989, p. 55.
190
PROST, Antoine. As palavras. In: RÉMOND, rené (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. da
UFRJ: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 312-313. Sobre a importância da imprensa para os partidos
políticos, ver também BERSTEIN, p. 61 e 69.
84

No Rio Grande do Sul, o discurso político-partidário caracterizou-se pela formulação


de duas visões distintas e divergentes, uma, a do aliado/partidário, e outra, a do
inimigo/adversário, numa constante luta entre o “nosso” e o “do outro”. A imprensa rio-
grandense, uma das mais destacadas no quadro nacional, ao longo dos séculos XIX e XX,
traduziu através das páginas de seus jornais este conflito discursivo, quando, desde
farroupilhas X legalistas, passando por liberais X conservadores e chegando a
castilhistas/borgistas X federalistas/assisistas, entre outros grupos, se digladiaram, utilizando
o poder da palavra expressa por meio do jornalismo.191
A esse respeito, Rüdiger192, no livro “Tendências do jornalismo”, destaca que a “classe
política transformou a imprensa em agente orgânico da vida partidária”. Assim, praticava-se
um jornalismo predominantemente opinativo, expressando os jornais seus “interesses e
vínculos com grupos políticos”, atividade essa “decorrente da militância política como
elemento fundamental da estrutura argumentativa de seu discurso de convencimento
ideológico e mobilização política”.193
Nessa linha, ao tratar do jornalismo político-partidário sul-rio-grandense desenvolvido
durante a República, Rüdiger ainda acrescenta que os jornalistas vinculados a essa imprensa
política eram responsáveis diretos pela tarefa de transmitir de forma criteriosa a doutrina dos
partidos e dirigir a opinião pública. Desse modo, o referido autor frisa que: “O lançamento
dos jornais não visava ao lucro mercantil, mas à doutrinação da opinião pública. As páginas
dos jornais não somente constituíam um prolongamento da tribuna parlamentar, mas meios de
articulação partidária do movimento da sociedade civil”.194
A importância da imprensa político-partidária deve-se também à análise de suas
representações simbólicas, enquanto percepção de que o social e seus discursos jamais se dão
de forma neutra. A esse respeito, Chartier afirma que:

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à


universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento
dos discursos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de

191
MARTINS, Eleni J. Enunciação & diálogo. Campinas: Ed. da Unicamp, 1990.p. 190-191.
192
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. 3. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. p.
24. Sobre o caráter marcadamente político da imprensa dessa época, observar também: SODRÉ, Nelson
Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo: INTERCOM; Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011. p. 473.
193
FÉLIX, Loiva Otero. Pica-paus e maragatos no discurso da imprensa castilhista. In: POSSAMAI, Zita (Org.).
Revolução Federalista de 1893. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, 1993; FÉLIX, Loiva Otero.
Mito e alegoria: o universal e o nacional na luta federalista: In: ALVES, Francisco das Neves; TORRES, Luiz
Henrique (Orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Ed. da FURG, 1993. p. 153-160. p. 157.
194
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. 3. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. p.
38.
85

forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas [...] que tendem a
impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezadas, a legitimar um
projeto reformador ou justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando
sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se
enunciam em termos de poder e dominação.195

Dessa maneira, deve-se assinalar que o Partido Federalista, principal veículo de


oposição ao castilhismo, não fugiu à regra ao utilizar-se fortemente da imprensa partidária
para expressar suas ideias e práticas. Cabe registrar também que esse jornalismo de bandeiras,
manipulado como instrumento de luta, cristalizou-se como recurso próprio de grupos políticos
que dele se valiam como meio de ascensão na esfera política e na defesa de princípios que
buscavam firmar na sociedade da época. Representantes do Partido Federalista, que atuaram
no Parlamento nacional, como Pedro Moacyr, Francisco Antunes Maciel Junior e Rafael
Cabeda, são exemplos expressivos de políticos que fizeram do jornalismo brasileiro
instrumento de luta política, dando vazão aos seus ideais federalistas, de inclinação
parlamentar.
Fundado por Gaspar Silveira Martins, em 16 de junho de 1869, o jornal A Reforma,
durante a monarquia, era porta-voz do Partido Liberal, passando, após a introdução do regime
republicano, a expressar o pensamento do Partido Federalista. Contou, incialmente, ainda na
fase imperial, com a colaboração de Antônio Eleutério de Camargo, Carlos Thompson Flores,
Felisbelo Pereira da Silva, Florêncio Carlos Abreu e Silva, Timóteo Pereira da Rosa, entre
outros próceres liberais. Já durante a República, enquanto exerceu oposição ao castilhismo-
borgismo, sofreu algumas interrupções em sua publicação. Segundo, Inocêncio Romero196,
que foi um dos seus principais colaboradores, no período republicano, a Reforma foi editada,
durante algum tempo, em Rio Grande-RS, e depois em Pelotas-RS, até o ano de 1911, quando
se transferiu para a capital gaúcha. Vale lembrar que a partir de 1906, a folha passou a ser
dirigida pelo pelotense, Francisco Antunes Maciel Junior, que foi deputado federal (1915-
1917/1921-1923) e filho do então presidente do diretório central do partido, Francisco
Antunes Maciel.197

195
CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas e representações. São Paulo: DIFEL, 1990. p. 17.
196
ROMERO, Inocêncio. A imprensa rio-grandense (breve resumo histórico). In: COSTA, Alfredo R. da. O Rio
Grande do Sul: completo estudo sobre o Estado. Porto Alegre: Globo, 1922. p. 135-148. Inocêncio Romero era
natural de Santa Vitória do Palmar. Foi advogado, jornalista, teatrólogo, sendo também o secretário da
publicação da obra na qual estava seu trabalho sobre a imprensa. Dados obtidos a partir de MARTINS, Ari.
Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da UFRGS; Instituto Estadual do Livro, 1978. p. 500-501;
VILLAS-BÔAS, Pedro. Notas de bibliografia sul-rio-grandense. Autores. Porto Alegre: “A Nação”: Instituto
Estadual do Livro, 1974. p. 439.
197
FRANCO, Sérgio da Costa. Dicionário político do Rio Grande do Sul (1821-1937). Porto Alegre: Suliani
Letra & Vida, 2010. p. 171-172.
86

Deve-se destacar que A Reforma significou durante o período da Primeira República o


principal instrumento jornalístico de divulgação das teses parlamentaristas e unionistas
defendidas pelo grupo maragato. Um bom exemplo que corrobora tal afirmativa vem do ano
de 1907, por ocasião do lançamento da candidatura oposicionista de Fernando Abbott, que
havia rompido com o partido dominante gaúcho, o PRR. Naquele ano, a divisão dentro do
federalismo, que se desenrolava desde 1905, por conta das eleições parlamentares do ano
seguinte, se intensificou. O jornal, por sua vez, fiel às suas diretrizes ideológicas originais,
controlado pela facção federalista dirigida pelo conselheiro Antunes Maciel, se colocou de
forma contrária à intervenção maragata naquele processo eleitoral, defendendo com
veemência a abstenção. A possível fusão das oposições gaúchas, muito incentivada por outras
lideranças do partido, entre os quais Pedro Moacyr e Rafael Cabeda, em torno da candidatura
Abbott, de 1907, contra o candidato da situação perrepista, Carlos Barbosa, na visão
sustentada pela Reforma, representaria o sacrifício da mais tradicional bandeira defendida
pelo partido: o parlamentarismo. Nesse sentido, caso aquela união das oposições viesse a se
concretizar, levaria, no seu entendimento, ao desaparecimento do próprio partido gasparista.
Além disso, Abbott era constantemente lembrado nas páginas de A Reforma como o
sanguinário oponente durante a Revolução Federalista de 1893. Sua circulação cessou em 15
de junho de 1912, por determinação do diretório central federalista.
Já O Maragato, periódico federalista que se publicou em Rivera, Uruguai, desde 17 de
março de 1897, sob a direção de Rafael Cabeda e Rodolfo Costa, teve vida longa dentro do
jornalismo político-partidário rio-grandense, compreendendo um período superior a 30 anos.
Segundo Sérgio da Costa Franco198, esse jornal ainda circulava em 1928. Nascido num
período em que o castilhismo gaúcho colaborava com o Partido Blanco, do Uruguai, o jornal
combatia simultaneamente aqueles dois partidos (Blanco e PRR), o que lhe valeu ser atacado
à mão armada e empastelado, em 1897, por integrantes do partido castilhista. Até 1904, a
redação de O Maragato precisou transferir-se para Tacuarembó, por falta de segurança em
Rivera. Impresso em oficinas próprias, o jornal aparecia duas vezes por semana. Redigido em
português, O Maragato tinha larga penetração dos dois lados da fronteira, circulando não só
nos municípios de Rivera e de Santana do Livramento-RS, mas no interior da República do
Uruguai, onde residiam grandes contingentes de exilados políticos ligados aos oposicionistas,
e, claro, principalmente, no Rio Grande do Sul.

198
FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha
(1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 129-170.
87

Diferentemente da postura adotada pela Reforma, no episódio das eleições estaduais


de 1907, o Maragato capitaneou o apoio dado por alguns membros da comissão diretora do
federalismo, entre os quais Pedro Moacyr e Rafael Cabeda, aos dissidentes republicanos, em
prol da candidatura de Fernando Abbott à presidência do estado sulino. Um dos seus
principais colaboradores foi Antônio de Moraes Fernandes, cujos artigos, bem argumentados
no ponto de vista em que se colocaram, arrancaram muitos votos de Carlos Barbosa.
Outro título de destaque na imprensa oposicionista daqueles anos era o Echo do Sul,
jornal fundado pelo jornalista Pedro Bernardino de Moura, que se transferiu de Jaguarão-RS
para Rio Grande-RS, em 1858. Segundo Inocêncio Romero199, começara a ser publicado em
Jaguarão em 17 de fevereiro de 1857, suspendera a publicação em setembro do ano seguinte,
para reaparecer em Rio Grande em 10 de outubro de 1858. Durante o Império, defendia as
posições do Partido Conservador. Com a República, o jornal manteve sua conduta embasada
no partidarismo, inicialmente apoiando os novos governantes, mas, logo em seguida, partindo
para uma postura de aberta oposição aos mesmos, consistindo-se num porta-voz oficioso do
Partido Federalista. Contrário ao sistema castilhista-borgista, o periódico manteve este
espírito oposicionista até 1910, quando promoveu uma mudança em sua conduta editorial, no
intento de adaptar-se à nova fase em que se adentrara o jornalismo gaúcho e brasileiro, através
da proposta de manter-se como uma publicação “independente” de vínculos partidários,
buscando garantir assim, a sua sobrevivência, a qual se estenderia até a década de 1930.200
Já o Correio do Sul, jornal diário fundado em setembro de 1914, no município de
Bagé-RS, berço do federalismo e cidade natal de Gaspar Silveira Martins, nasceu por
iniciativa de um grupo de federalistas, sendo confiado à direção do jornalista, João Fanfas
Ribas201, que se revelou grande polemista e articulista na defesa do pensamento federalista.
Entre os seus principais colaboradores, contaram-se também dois outros nomes de peso do
oposicionismo gaúcho: Félix Contreiras Rodrigues e Assis Brasil. Depois de 1932, com a
adesão de Fanfa Ribas ao Partido Republicano Liberal, liderado por Flores da Cunha, o jornal

199
ROMERO, Inocêncio. A imprensa rio-grandense. In: COSTA, Alfredo R. da. O Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Globo, 1922.
200
Dados extraídos de FRANCO, Sérgio da Costa. Dicionário político do Rio Grande do Sul (1821-1937).
Porto Alegre: Suliani Letra & Vida, 2010. p. 130-131.
201
Nasceu em Bagé-RS em 1869. Começou sua vida profissional em Santa Maria-RS, onde foi repórter de “O
Combatente”. Dirigiu, por longo tempo, o “Correio do Sul”, como porta-voz do Partido Federalista, e, depois, da
Aliança Libertadora, destacando-se pela combatividade e a aptidão para polemizar. Na década de 1930, aderiu ao
Partido Republicano Liberal, tendo sido eleito deputado por esse partido na Constituinte Federal de 1933/34 e na
seguinte legislatura da Câmara dos Deputados (1935/37). FRANCO, Sérgio da Costa. Dicionário político do
Rio Grande do Sul (1821-1937). Porto Alegre: Suliani Letra & Vida, 2010. p. 179.
88

mudou de orientação, que daí em diante, ocorreria mais de uma vez, em função da linha
partidária de seus sucessivos diretores.
Por último, cabe salientar que o nosso universo documental teve como cenário de
investigação histórica uma região que notoriamente foi designada como foco de resistência e
atuação política dos federalistas: a campanha sul-rio-grandense. Como já foi mencionado
anteriormente, Gaspar Silveira Martins representava, com seu partido, a classe dominante
liberal oligárquica, que tinha sua base de sustentação na economia pastoril do grande
latifúndio da região pampeana. Tendo em vista que a região fronteiriça do estado sulino,
especialmente os municípios de Bagé-RS e Santana do Livramento-RS, foi base forte de
sustentação política e econômica do Partido Federalista, selecionamos quatro folhas oriundas
desta região, que expressaram, no decorrer do período republicano, direta e/ou indiretamente,
as ideias e causas políticas deste grupo: A Reforma (Rio Grande/Pelotas/Porto Alegre), O
Maragato (Rivera/Santana do Livramento), o Echo do Sul (Rio Grande) e Correio do Sul
(Bagé).202
É importante registrar aqui que todos esses jornais citados acima, sem exceção,
reproduziam, constantemente, em suas colunas, artigos publicados originalmente em outros
periódicos, com destaque para os da capital federal. Nesse sentido, vale salientar a
centralidade exercida pelo jornal Correio da Manhã, no âmbito dos periódicos rio-grandenses.
De acordo com Carlos Eduardo Leal203, o Correio da Manhã, folha carioca fundada por
Edmundo Bittencourt no princípio do século XX, em junho de 1901, ao admitir colaboradores
das mais diversas tendências, passou a ser uma espécie de frente organizada para opor-se ao
situacionismo oligárquico. Um dos seus maiores colaboradores foi o baiano Gil Vidal, cujo
nome verdadeiro era Pedro Leão Vellozo Filho, figura de prestígio na redação do jornal, e que
seria eleito deputado federal a partir da 6ª legislatura (1906-1909).
Passamos, agora, a enfocar os eixos temáticos que orientaram a atuação dos nossos
atores políticos no âmbito jornalístico. O primeiro deles diz respeito à crítica maragata ao
positivismo e a sua associação pejorativa à República castilhista.

202
Em geral, esses jornais se apresentavam no formato standard, com aproximadamente 60 x 42 cm, possuíam
quatro páginas, sendo os textos e as pequenas notas dispostos na página, de uma maneira corrida, dando a
impressão de um grande mosaico, separado por fios e linhas. As duas últimas páginas, na maioria das vezes,
eram reservadas para a publicidade.
203
LEAL, Carlos Eduardo. Verbete Correio da Manhã. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário
histórico-biográfico brasileiro pós 1930. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p. 1625-1632.
89

3.2 A CRÍTICA FEDERALISTA AO POSITIVISMO CASTILHISTA

A Constituição Federal Republicana foi promulgada em fevereiro de 1891 e o projeto


de Júlio de Castilhos para o estado do Rio Grande do Sul será aprovado pelo congresso
Constituinte Regional em menos de seis meses, mais precisamente, em 14 de julho do mesmo
ano. Apesar de uma comissão tríplice ter sido nomeada para redigir o projeto constitucional,
na realidade o documento foi obra exclusiva de Castilhos. Os outros dois membros – Assis
Brasil e Ramiro Barcellos – se eximem da responsabilidade pelo texto com o qual não
concordam.
A nova Constituição, dividida em cinco partes (1 – do estado e de seu território; 2 – do
Governo do Estado; 3 – da organização municipal; 4 – das garantias gerais da ordem e do
progresso do Estado; 5 – da revisão da constituição), começava por esta proclamação: “Nós,
representantes da sociedade rio-grandense, reunidos em Assembleia Constituinte para
organizar o Estado do Rio Grande do Sul, decretamos e promulgamos, em nome da Família,
da Pátria e da Humanidade, a seguinte Constituição Política”.
O essencial do poder executivo e legislativo se encontra nas mãos do Presidente do
Estado, que substituiu a expressão “ditador” do projeto do Apostolado positivista. Essa
“ditadura” se organizava justamente a partir da fusão do poder legislativo com o executivo, da
perpetuação da função executiva e da escolha do sucessor pelo “ditador”, sob o controle da
“opinião pública”. Apesar das diferenças entre o regime castilhista e o modelo político
proposto por Comte, que, segundo Trindade, emanavam muito mais da prática política que do
regime e do texto constitucional, é válido observar aqui o conceito de “ditadura republicana”
empregado pelos positivistas. Conforme a definição de Emile Antoine204, Augusto Comte e os
positivistas:

[...] denominavam ditadura a ação que um homem político superior exercer na


evolução da sociedade na qual ele vive, ação necessária para modificar os homens e
as instituições, de acordo com o interesse público, e para executar em circunstâncias
difíceis, medidas extraordinárias ordenadas para a salvação do Estado e da Nação.205

Nesse sentido, é importante salientar que a natureza da ditadura republicana


preconizada pelos positivistas não deve ser confundida com uma ditadura qualquer, de caráter
tirânico, como interpretavam os seus adversários do Partido Federalista, mas compreendida
num sentido particular, conforme a definição mencionada acima.

204
Citado por NICOLET, Claude. Lidée republicaine, en France. Paris: Gallimard, 1982. p. 241.
205
ANTOINE, Émile. La theorie positive de la Revolution Française. Paris: R. O., 1983. p. 98.
90

No entanto, a “ditadura republicana” castilhista se de um lado, concentrou todos os


poderes na presidência, mesmo criando um mecanismo próprio para ratificação das leis com a
participação das autoridades municipais; de outro, limitou o papel da Assembleia dos
Representantes a uma função exclusivamente orçamentária.206 A respeito desse mecanismo de
consulta e retificação das leis fora do circuito parlamentar sabe-se que esse recurso, na
realidade, foi muito pouco utilizado devido à prática autoritária do regime e o controle
político exercido pelo PRR. Em outras palavras, pode-se ressaltar que, durante o longo
período positivista, no Rio Grande do Sul, todas as leis foram aprovadas pelas intendências
municipais, porque qualquer manifestação contrária ao governo era considerada como
desordem, que, por sua vez, iria atrasar a evolução natural do progresso social e econômico.
Daí a célebre frase de que a questão social era caso de polícia.
Essa constituição, que garantia através de mecanismos eleitorais a perpetuidade do
grupo situacionista no poder, sofreu forte oposição do grupo federalista através dos seus
jornais. Nos quadros da imprensa política rio-grandense, uma das folhas que melhor abordou
essa crítica foi o Maragato. Com uma postura política bem demarcada, o periódico disparava
que a Constituição castilhista era: “[...] um estatuto político inteiramente falho, coberto dos
maiores defeitos; um aleijão constitucional que não merecia e não comportava uma reforma,
e, sim uma substituição integral, porque [...] qualquer reforma nesta constituição será como
um remendo inestético, desajeitado, inútil, que, em vez de melhorar, arruinará”.207
É interessante ressaltar que a crítica maragata de ordem constitucional não se limitou à
esfera sul-rio-grandense. Para a folha oposicionista, a Constituição brasileira também
precisava ser modificada. Embora fosse de caráter liberal, a Carta federal, de fevereiro de
1891, fortemente influenciada pela constituição americana, carecia de sérias transformações:

A Constituição Brasileira, filha legítima e daguerreotipo da Constituição Norte-


Americana, é um exemplo incontroverso do que dissemos. Uma lei orgânica
baseada, em parte, em altos princípios e que encerra, também em parte, disposições
liberalíssimas, mas tudo em desacordo com o nosso estado social, ainda de atraso, e
até com a nossa índole, tornando-se [...] uma lei improfícua, servindo simplesmente
de ornamento, sendo de instante a instante espezinhada e jogada, ao bel-prazer das
intolerâncias partidárias, dos que nos governam, para flagrantes e constantíssimas
contradições, absurdas e tirânicas. É égua de Roldão, citada por Faguet, da qual
alhures já falamos, e que tinha todas as melhores qualidades do mundo e apenas o
pequenino defeito de morrer às nascenças. 208

206
O jacobinismo castilhista e a ditadura positivista no Rio Grande do Sul. In: TRINDADE, Hélgio (Org.). O
positivismo: teoria e prática: sesquicentenário da morte de Augusto Comte. 3. ed. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2007. p. 485-500. p. 491.
207
O MARAGATO, 19 jun. 1914.
208
O MARAGATO, 19 jun. 1914.
91

Para o periódico, a Constituição brasileira, com seus laivos de liberalismo federalista


norte-americano, era de uma permissividade total. Textos constitucionais e leis não poderiam
ser indiferentes às condições culturais, econômicas e políticas do país, sob pena de se
tornarem letra morta, ou um estorvo, ou ambos. Desse modo, mesmo a apropriação ideológica
de uma teoria estrangeira qualquer e a sua consequente ou não transposição para o
ordenamento jurídico brasileiro poderia ser feita desde que se respeitasse a realidade nacional,
desde que se levasse em conta o seu passado histórico. Caso contrário, essa transposição se
tornava inteiramente estranha à “verdadeira substância” do país.
Nesse sentido, não causa surpresa, portanto, que o grande debate regional e mesmo
nacional tenha sido travado em torno da problemática constitucional. Durante quase quatro
décadas, a oposição federalista se bateu pela reforma das duas constituições. No caso gaúcho,
por exemplo, os federalistas tiveram que passar por duas guerras civis (em 1893 e 1923) até
conseguir uma revisão parcial. Entre as várias mudanças, obteve a proibição da reeleição do
presidente com o Pacto de Pedras Altas209, em 1923.
A oposição feita pelos jornais federalistas à Carta de 14 de Julho trazia consigo outro
aspecto central: o ataque frontal ao positivismo, muitas vezes, chamado de “seita maldita”,
como podemos identificar no trecho abaixo:

É incontestavelmente sabido que à exótica doutrina filosófica de Augusto Comte se


deve, ao Rio Grande do Sul, o moral e público abatimento que na quase totalidade
dos dias da República, envergonha a história de um povo heroico e generoso.
Doutrina mundialmente combatida, desprezada nos centros civilizados após a
análise esmagadora de adversários transcendentais, nem mesmo na pátria de sua
origem pôde o positivismo desenvolver-se e alastrar-se, quais raízes em terras
fecundantes.210

De acordo com o Maragato, o positivismo não passava de uma letra morta, uma vez
que no mundo todo, com exceção do Brasil, o positivismo já havia sido superado por outras
correntes ideológicas. Enquanto isso, no Brasil e mais pontualmente no contexto republicano
sulino “amoldaram ao sistema positivista todas as nossas leis básicas, com a política do
império absoluto da minoria inteligente, da vontade única e pessoal dos ditadores, da isenção

209
O Pacto de Pedras Altas foi assinado em dezembro de 1923 no castelo de Pedras Altas, propriedade de Assis
Brasil, que havia sido candidato nas eleições para presidente do Estado, pelas oposições, enfrentando Borges de
Medeiros, o candidato oficial do Partido Republicano. Este pacto, mediatizado pelo governo federal para por fim
à guerra civil no Rio Grande do Sul, proibia a reeleição do Presidente do Estado, estipulava a obrigatoriedade da
eleição de vice-presidente que antes era acolhido pelo presidente e garantia um número de cadeiras para a
oposição na Assembleia. TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Subsídios para a história do Parlamento
Gaúcho (1890-1937). Porto Alegre: CORAG, 2005. p. 22.
210
O MARAGATO, 28 fev. 1907.
92

infinita do povo, nos públicos negócios nacionais”.211 Da perspectiva arguida pelo jornal, foi
da pura influência do positivismo que resultou, no Rio Grande do Sul, um governo “sem uma
esperança genuinamente patriótica, debaixo da força assassina e inviolável dos déspotas
armados”.212 A referência aos governos estaduais de Castilhos e Borges de Medeiros é
explícita, uma vez que o periódico considerava tirânicas as suas atitudes, que, sob a égide do
positivismo, estariam levando o Rio Grande do Sul à destruição.
Desse modo, o Maragato não poupava duras críticas aos governantes gaúchos,
declarando que, na capital do Estado, o chefe supremo, qual marinheiro inábil, navegando em
um batel apodrecido, nos mares de um oceano encapelado, tendo por piloto um estúpido,
ignorante e mau, e por velas às folhas da “gloriosa Constituição”, andava desorientadamente,
entregue aos caprichos bestiais do homem do governo, que parecia desejoso em reduzir a
mísera “nau do estado” a fragmentos imprestáveis.
A eliminação dos “governos ditatoriais” e “tirânicos” no Rio Grande do Sul só seria
obtida desde que se extinguisse o positivismo. Este, segundo o periódico, “amordaçou a
consciência popular, como no tempo da inquisição atearam-se fogueiras”. E, nesse sentido,
concluía dizendo que:

Religiosidade egoística e falsa, cheia de intuitos de mando, aspirando sempre o


governo e a prepotência, fez ele do nosso meio político um meio verdadeiramente
apático, de sombrias realidades esmagadoras, destruindo os homens na nudez
orgiática dos vermes. [...] O positivismo [...] tinha de inevitavelmente, entre nós,
sucumbir: morreria asfixiado na própria atmosfera que havia criado. Não o quiseram
as nações de mais rápido progresso, as sociedades de mais alto entendimento, os
povos de mais cultas ideias, os centros políticos de mais leal patriotismo, nós
havíamos de combatê-lo e repeli-lo com todas as forças de um povo amordaçado.213

Já o jornal A Reforma, em artigo intitulado “Política Estadual”, destacou que o


comtismo encontrava-se desclassificado, totalmente sem prestígio, no mundo intelectual e
político, pois representava tão somente uma aberração para o país, uma experiência “infeliz e
frustrada”. Nesse sentido, entendia a folha federalista que a organização política rio-
grandense, inspirada no positivismo de Comte, jamais conseguiu e nem conseguirá a sanção
popular, muito menos a “adesão dos espíritos seriamente cultos”.

Ela tolerou todas as violências e arbitrariedades contra tudo e contra todos; permitiu
e justificou todos os crimes, abusos, atentados e licenças, que afrontaram o senso
moral e o decoro públicos; criou um ambiente político em que a lei não é lei, a

211
O MARAGATO, 28 fev. 1907.
212
O MARAGATO, 28 fev. 1907.
213
O MARAGATO, 28 fev. 1907.
93

justiça não é justiça, o direito não é direito, a liberdade não é liberdade, a ordem não
é ordem, o progresso não é progresso; um sistema artificial de governo que
comporta sob mal cerzidas aparências republicanas o czarismo russo, a intolerância
muçulmana e o simulacro constitucional de Rosas e Francia, duas eminências do
calendário positivista, o segundo pelo menos. 214

A Reforma insistia na tese de que o positivismo era artificial à realidade brasileira e


por apresentar esse componente do artificialismo tornava-se impróprio face à realidade do
país. Dessa forma, o jornal, com olho na experiência republicana vivenciada no Rio Grande
do Sul, não titubeava em dizer que: “essa organização é exótica, essa administração que
apregoa tudo e nada faz, esse inveterado sistema de simulação e hipocrisia têm de ser
substituídos, por uma organização mais real e mais de acordo com o caráter e o sentimento do
Rio Grande”.215
Essa dissociação a que alude a folha maragata entre um “sistema exótico” e um
“sistema constitucional verdadeiro”, bem guardadas as devidas proporções, e os respectivos
contextos históricos, era, de alguma forma, similar à que fará Oliveira Vianna em sua
metodologia do direito público, ao distinguir o direito-lei, criado por nossas elites
“esclarecidas”, do direito costumeiro efetivamente praticado pelo que chama “povo-
massa”.216
De volta ao artigo publicado pela Reforma, o periódico concluía seu argumento
destacando que o próprio passado histórico gaúcho, ao tempo da Monarquia, contrastava
frontalmente com a dura e crítica conjuntura republicana, calcada no autoritarismo positivista,
uma vez que: “em cada rio-grandense palpita o ideal democrata, a alma libérrima da geração
de 35, que não conheceu Comte, não estudou o sistema de Rosas e Francia, para oprimir os
seus patrícios, não o suporta – repele-o, clamando, em ímpetos ardentes pela reivindicação de
seus ideais profanados”.217 Nessa linha argumentativa, ainda acrescentava em tom agressivo:

Ninguém ama semelhante organização; sofrem-na uns para não servir de chair a
canon; outros exploram-na em público, e ridicularizam-na em família. Conhece-se
bem que ela repugna ao caráter e às tradições deste povo, educado na austera altivez
e na altiva independência da geração dos legendários heróis de 35, não derrancado
da espinha e mutilado na dignidade pelos moldes enfezados da obediência passiva,
que faz da vileza a base do aperfeiçoamento, do cidadão – um átomo gregal, do

214
A REFORMA, 8 jul. 1906.
215
A REFORMA, 8 jul. 1906.
216
“Essa discordância entre o direito-lei e a realidade social (direito costume) é, com efeito, um traço dominante
da história política dos povos latino-americanos. É um fato geral, que decorre do tradicional marginalismo de
suas elites políticas”. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Rio de Janeiro:
Record, 1975. p. 20.
217
A REFORMA, 8 jul. 1906.
94

republico – um autômato, de um ser inteligente, o mecânico contribuinte do erário,


explorado e espoliado.218

É interessante registrar aqui a insistência por parte do jornal federalista em querer


demarcar algumas diferenças entre dois momentos históricos no que se referia ao cenário
político gaúcho. O primeiro deles, ao tempo da Revolução farroupilha, dos “legionários de
1835”, tratava-se de uma época em que eram amplas as possibilidades do exercício dos
direitos individuais, época em que vigorava uma inconteste liberdade de expressão,
característica essa que não perdurou na República positivista, eivada de violências e conflitos
fratricidas, de governos autoritários e sem representatividade. Depreende-se, a partir daí, que
o discurso jornalístico federalista ao se voltar para o passado, sem dúvida, tinha como
objetivo negar qualquer ligação, histórica ou política, entre o partido situacionista gaúcho, o
PRR, e a Revolução farroupilha.
Esta referência ao passado farroupilha era justificada como um direito dos povos
oprimidos, principalmente dos rio-grandenses, que possuíam um passado a honrar. É este
passado revolucionário que será utilizado para legitimar e convencer a população gaúcha da
necessidade de outra revolução, que acarretará posteriormente na eclosão da guerra civil de
1923. É válido sublinhar que essa menção ao passado farroupilha não foi obra exclusiva dos
jornais maragatos. Os republicanos castilhistas, através dos editoriais de A Federação,
também se apropriaram de uma “herança farroupilha”, claro que nos aspectos que melhor
expressavam seus interesses políticos e ideológicos.
O passado histórico, para os jornais maragatos, além de possuir a função de explicar o
presente, tinham como objetivo ajudar a difundir o pensamento político do grupo contestador
em foco, de oposição ao castilhismo-borgismo gaúcho. Karl Marx em “O Dezoito Brumário
de Louis Bonaparte”, ao analisar as revoluções, especialmente a de 1848, na França, pondera
que os homens não agem por vontade própria, mas influenciados pelos legados transmitidos
pelo passado. Segundo ele, os homens, principalmente em períodos de crise política ou
institucional, buscam nas tradições, nos espíritos do passado, os “nomes, os gritos de guerra,
as roupagens, a fim de representar nesta linguagem emprestada a nova cena da nova história
universal”.219
Para Hobsbawm, o passado é utilizado como base de onde são inventadas as tradições.
Essas tradições podem ser reforçadas através da repetição ou de um processo de formalização
e de ritualização, e tem como função dar “a qualquer mudança desejada (ou resistência à

218
A REFORMA, 8 jul. 1906.
219
MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: editora Moraes, 1987. p. 15-16.
95

inovação) a sanção do precedente, continuidade histórica e direitos naturais conforme o


expresso na história”.220
No entanto, ao contrário do que dizia o grupo federalista, por intermédio de suas
folhas periódicas, a importância do positivismo não se restringiu ao Rio Grande do Sul, de
Castilhos e Borges de Medeiros, e nem ao restante do país. A sua influência também se deu
em outros países como México, Argentina, Uruguai, entre outros, onde a ação educacional
dos discípulos de Comte já se iniciara a partir dos anos 1860.221 A especificidade, porém, do
caso brasileiro é que, embora tardio, sua influência foi menos no campo da reforma
educacional do que da reforma política inserida na luta pela implementação e legitimação da
república e sua organização. Para o Rio Grande do Sul “Castilhos extraiu de Comte a crença
na forma republicana e ditatorial; abraçou a fé de Comte das classes conservadoras e defendeu
fervorosamente a ordem como base do progresso social”.
Neste sentido, de acordo com Love, o positivismo foi um “modelo de
desenvolvimento sem mobilização social”.222 Foi essa dimensão de um positivismo político,
inserido na prática republicana nacional e, sobretudo, regional, com a nova ordem política
castilhista, que levou o pensador sergipano, Sílvio Romero, a fazer suas críticas à presença
das ideias comteanas. Na edição de 20 de outubro de 1911, o Maragato estampou em suas
páginas uma matéria denominada “Sylvio Romero e as duras verdades sobre o Rio Grande
positivoide”. Ao se reportar ao novo lançamento do escritor, intitulado “Estudos Sociais”, em
que o autor dedica especial atenção ao castilhismo, o jornal assim se pronunciava:

Os rio-grandenses em geral, e especialmente aqueles que, por um mal entendido


espírito de solidariedade partidária, ainda comungam no altar do positivismo
autoritário e absolutista, devem procurar, no magnífico livro do grande sociólogo
brasileiro, haurir nova orientação e beber novas inspirações, a fim de serem úteis à
terra rio-grandense, alistando-se nas fileiras dos que pugnam pela remodelação do
Rio Grande do Sul, a fim de emancipá-lo do czarismo que os escraviza e rebaixa no
conceito dos povos amigos da democracia e da liberdade. Leiam essas páginas [...] e
ouçam os brados de uma consciência esclarecida [...]; leiam e convençam-se de que
a verdade e a razão estão com os legionários do federalismo e que só as ideias por
nós difundidas podem fazer a felicidade e a grandeza da terra desafortunada que se
estorce, de há longos anos, arroxada pelo mais funesto e inviável dos regimes de
governo – o regime positivista.223

220
HOBSBAWM, Eric. Introdução: HOBSBWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das Tradições. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1984. p. 10.
221
A esse respeito ver: ZEA, Leopoldo. El positivismo en Mexico: nacimiento, apogeo y decadência. Mexico:
Fondo de Cultura Economica, 1977.
222
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 38-39.
223
O MARAGATO, 20 out. 1911.
96

Nessa crítica ao positivismo castilhista percebe-se que ao mesmo tempo em que se


procura criar uma representação de si, ocorre ao mesmo tempo uma tentativa de se construir a
imagem do outro, ou seja, do seu adversário.
Outro exemplo interessante a ser destacado aqui provém do artigo assinado por
Amaral Machado, pseudônimo de Ramiro Barcellos, que, no ano de 1906, escrevia para o
jornal O Maragato. Machado afirma, logo de imediato, que o positivismo era “a árvore que
não dá frutos”. Ao positivismo o autor atribuía todas as crises pelas quais o país vinha
atravessando nos últimos tempos. Como era de se imaginar, a referência ao castilhismo se faz
presente, especialmente quando o autor dispara que os “castilhistas nada mais são do que uns
cegos apaixonados de sua doutrina, que tanto tem infelicitado a nossa Pátria”.224 A esse
respeito faz o seguinte questionamento: “Qual o povo culto da Europa que dominou o
comtismo? Nenhum. Ele é repelido por todos, absolutamente por todos, sem exceção de
nenhum. Só foi aceito no Brasil como célebre, como digno de fazer a sua felicidade e
grandeza”.225
Frediano Trebbi, em artigo de 31 de março de 1911, teceu sérias críticas ao aparelho
constitucional rio-grandense da Primeira República. Para o autor, desde a formulação do
projeto constitucional rio-grandense, ele “não se tinha inspirado nos princípios democráticos,
na verdade do regime republicano e federativo”, mas nas ditaduras dos governos de Francia,
Oribe e Rosas. A esse respeito, destacava com veemência:

Daí esse trambolho que se ergue nas trevas do infortúnio de um povo mártir e que
está a cavar a ruína do Rio Grande do Sul, entronizado num arsenal bélico e rodeado
de elementos de morte. E já lá se vão vinte e tantos anos que o povo [...] a via crucis
do martírio pedindo ao Acaso, deus onipotente dos oprimidos, um raio de luz
inspiradora que o liberte de tão feroz inimigo. 226
Nesse sentido, o colaborador dizia que todo o sistema castilhista estaria impregnado
do artificialismo, do alheamento da realidade nacional, o que favorecia a formação de uma
comunidade política desagregada, e manipulada em seus menores atos por oligarquias
violentas e obscurantistas, como aquelas que controlavam seu estado natal, o Rio Grande do
Sul. Nesse ponto, Trebbi sustentava que:

Esse todo canceroso, chaga viva de quem a sociedade limpa se desvia com asco e
cautela, está em véspera de total aniquilamento, pela consumpção a que o votaram
os seus próprios médicos assistentes! Esse fenômeno trazido precisamente pelo
enxurro das paixões e ódios mal contidos, quando o novo regime prometia paz e

224
O MARAGATO, 10 jun. 1906.
225
O MARAGATO, 10 jun. 1906.
226
O MARAGATO, 31 mar. 1911.
97

trabalho, ordem e progresso, liberdade e garantias, apodrece aos poucos, vai a


caminho da vala comum. O seu Resquiescat in pace se anuncia para breve. Sim, o
castilhismo vive artificialmente; mas a gangrena o domina lentamente. Os seus
próprios membros encaminham-no da cova rasa, entoando o cantochão das eternas
desinteligências. Ei-los, como cães daquele Vasco espanhol que, por bravios,
quando não achavam carnes humanas para cravar os dentes, enterravam-nos entre si,
reduzindo-se mutuamente a tiras...227

Nas críticas produzidas pelos jornais federalistas ao positivismo pode-se perceber a


presença de outro detalhe interessante: o caráter “tirânico” atribuído pela oposição ao regime
castilhista-borgista. Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros eram constantemente alvo de
críticas ainda mais ferrenhas. Os jornais denunciavam que o Estado do Rio Grande do Sul era
vítima de tirania escandalosa amparada por um governo central, muitas vezes omisso ou mais
tirano ainda, e, portanto, solidário de todos os atropelos, de todos os desmandos, de todas as
infâmias, de todos os abusos inqualificáveis que, segundo a imprensa, eram cometidos em
território gaúcho. O jornal rio-grandino, Echo do Sul, por exemplo, em sua edição de 13 de
novembro de 1907, no artigo “De ditador à tirano”, incorpora bem essa crítica. O jornal
afirmava, nesse sentido, em tom irônico, que vinha acompanhando de perto, nos últimos
tempos, os “progressos” do Rio Grande, só que pela “tortuosa estrada que vai da ditadura à
tirania”. Acusado pela Federação, órgão oficial do partido situacionista, de propagar uma
suposta “conjuração de democratas contra a vida de alguns oligarcas”, a folha oposicionista se
defendia em tom de protesto:

Dizemos sem medo de errar: a soldo dos sociocratas estão infelizes de toda a ordem;
esses podem ser peitados pelo dinheiro com que lhes suprir as necessidades
materiais: serão, por certo, os denunciadores do plano fantástico. E assim, se abrirá a
porta das represálias, através da qual se aglomeravam, impacientes, como feras
enjauladas, os sanhudos próceres da tirania. Não se evidenciará jamais o caso deste
crime tornado público por um órgão suspeito. [...] Na linguagem da tirania,
comparada à dos funestos tempos argentinos, o nosso ditador em nada difere, porque
ela é exatamente a mesma. Francia, Oribe e Rosas, traçando uma órbita despótica
em determinada zona da América, precisava deste outro tirano mais civilizado e
mais requintado, como se limítrofes entre si, o Brasil tivesse forçosamente de assim
encarar com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. 228

A crítica ao positivismo na imprensa federalista também se fez presente quando


Coelho Cavalcanti se revoltou diante da atitude de Teixeira Mendes e Miguel Lemos,
poderosas lideranças positivistas, que haviam reprovado as homenagens prestadas pelo
governo federal, em 1908, aos despojos sagrados do almirante Saldanha da Gama:

227
O MARAGATO, 31 mar. 1911.
228
ECO DO SUL, 13 nov. 1907.
98

Seita maldita, de ditames sanguinários, o país lhe deve todos os seus infortúnios e
todas as suas desgraças, todo o acosso deleterismo na sua vida política, toda a áurea
sombria de vingança que se lhe seguira ao segundo reinado. A sua doutrina, que
empolgara o governo do Rio Grande, despertou a última revolução, cobrira os
pampas de ossos de vítimas. [...] É Herostrato queimando o templo da Efésia. É
Herodes degolando os meninos da Judeia. É o juiz de Samaria condenando a
heroicidade de Naboth. É Cosroes, o déspota nefário, profanando o sepulcro de
Jesus.229

De um modo geral, pode-se perceber, portanto, que a imprensa maragata, através dos
jornais O Maragato, A Reforma e Echo do Sul, procurou sustentar que a Constituição de 14
Julho era uma fachada republicana e democrática para uma ditadura tirânica, oligárquica e
excludente, que ao invés de ser orientada para o bem comum, privilegiava interesses
específicos da sociedade, em detrimento de outros. Esse posicionamento crítico, de ordem
regional, teve seu espectro de atuação ampliado quando da conexão com a crítica ao
positivismo, à seita maldita, que embora tenha se colocado no âmbito nacional, foi no Rio
Grande do Sul, que ele se colocou como prática política.
Se a nível regional, os federalistas, através da imprensa, enfatizaram a sua ferrenha
crítica ao castilhismo-borgismo, nem por isso deixaram de vincular a experiência política
vivenciada pelo Rio Grande do Sul a um contexto mais amplo. A necessidade de regenerar a
República é prova disso. Associado ao tema do positivismo o presidencialismo também
apareceu com muita ênfase nos discursos jornalísticos federalistas. Este assunto será
enfatizado a seguir.

3.3 O MAL NÃO VEM DA REPÚBLICA, VEM DO PRESIDENCIALISMO À


AMERICANA

Pode-se afirmar que a publicação do Manifesto Republicano, em 1870 230, na cidade do


Rio de Janeiro, significou um importante passo no processo de implantação da República. Tal
documento trazia exemplarmente a força crescente das ideias federalistas, inspiradas no
modelo dos Estados Unidos da América e resumidas em alguns lemas: “Somos da América e
queremos ser americanos”; “Centralização = desmembramento, descentralização = unidade”.
De acordo com Américo Freire e Celso Castro231, no primeiro lema estava contida a ideia de
que a história da América sempre foi bem diferente da europeia, enquanto no continente
229
O MARAGATO, 10 maio 1908.
230
Sobre a história das ideias política republicanas na fase imperial, ver: ALONSO, Ângela. Ideias em
movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
231
FREIRE, Américo; CASTRO, Celso. As bases republicanas dos Estados Unidos do Brasil. In: GOMES,
Ângela de Castro et al. (Org.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Editora FGV, 2003. p.
35.
99

americano foi criado o regime republicano e federalista. Com a implantação da República232,


o Brasil deveria reencontrar o seu destino de nação americana. Quanto ao segundo lema,
talvez o mais difundido pela historiografia, os defensores do Manifesto Republicano
alertavam para o perigo de se manter uma estrutura centralizada no país. Alegavam que a
recusa em alterar essa situação poderia criar, a curto prazo, condições para a emergência de
movimentos separatistas, e que apenas o estabelecimento de um Estado federativo poderia
assegurar a unidade nacional.
Na realidade, o caráter do sistema político vigente durante a Primeira República torna-
se mais claro se observarmos este período como uma reação à fase imperial. Cabe lembrar
que o sistema político monárquico, parlamentarista, centralizado, pouco representativo e com
as implicações de um quarto poder, o moderador, foi alvo de ferrenhas críticas dos
republicanos, especialmente, nos anos finais do Império. É justamente como crítica a esse
centralismo político, à falta de representação política por parte da emergente classe
cafeicultura paulista e de áreas em processo de crescimento econômico, à falta de autonomia
político-administrativa das províncias, entre outros aspectos, que devemos entender esse
sistema político republicano brasileiro.233
Nesse sentido, pode-se afirmar que as principais bandeiras da luta republicana
passavam pelo federalismo, pelo liberalismo234 e apontavam a necessidade de reforma nas
eleições e no acesso ao voto. No entanto, segundo Rosa Godoy Silveira235, o princípio
republicano do federalismo só teve consumação definitiva na primeira Constituição
republicana, em 1891. Para tanto, o Governo Provisório adotou algumas medidas como a
definição das atribuições dos governadores dos Estados e das regras eleitorais relativas ao
primeiro Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas estaduais. Desta forma, a
República deveria, em tese, pôr em prática a divisão de poderes e o princípio da
representatividade com a maior participação dos cidadãos. No quadro dos primórdios da

232
Da mesma forma, pode-se salientar também que os desacertos e cisões no seio dos partidos imperiais
brasileiros, o recrudescer da ação dos republicanos e a manifesta e crescente insatisfação dos militares levariam a
um clima de profunda tensão que, associado à crise política, redundaria na queda da Monarquia, cujos alicerces
vinham sofrendo profundas fissuras, ao longo das três últimas décadas, preparando-se o caminho para a mudança
instituição de 15 de novembro de 1889.
233
VIZENTINI, Paulo Fagundes. O Rio Grande do Sul e a política nacional: da frente oposicionista gaúcha de
1922 à Revolução de 1930. Porto Alegre: BRDE, 1982. p. 19.
234
Embora de feições liberais, a Primeira República brasileira apresentará uma estrutura de dominação e um
sistema político oligárquico, incorrendo na repetição de inúmeros vícios condenados pelos primeiros críticos
republicanos ao sistema político imperial. Segundo Souza (1978, p. 166-167): “O panorama geral da Primeira
República [...] encontra correspondência num sistema político cujo foco de poder se localiza nos estados, sob a
hegemonia dos economicamente mais fortes, liberal na sua forma, e oligárquico quanto ao seu funcionamento
efetivo”.
235
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e federalismo: um estudo da implantação da República
Brasileira (1889-1902). Brasília: Senado Federal; João Pessoa: UFPB, 1978.
100

República no Brasil, a autora alertou para a incorporação quase que imediata da ideia de
federalismo, e a consequente descentralização nas antigas províncias. Ou seja, a República
viria concretizar o aspecto da autonomia estadual, dando plena expressão aos interesses de
cada região. Além disso, a mudança do regime para a república introduziu um novo elemento
na organização política brasileira: o presidencialismo.236
A existência do presidente da república como figura máxima do Poder Executivo,
eleito pelo voto direto para um mandato pré-fixado e auxiliado por ministros por ele
livremente nomeados fez com que aquele cargo acumulasse a condução da administração
federal e as atribuições de chefe de estado – entre as quais a manutenção das relações com
outros países. Segundo Freire e Castro237, na lógica do modelo aplicado, inspirado
diretamente na experiência norte-americana, não fazia sentido uma República em moldes
parlamentaristas. O parlamentarismo “contrariava” o princípio da divisão de poderes, entre o
Executivo e o Legislativo, e era visto pela maioria da elite política republicana como
associado à monarquia.
Nesse sentido, para os grupos conservadores, dentre eles os castilhistas gaúchos, a
substituição da monarquia parlamentarista pela república presidencial estava, portanto, na
conjugação de um governo forte e pessoal, de um lado, com sua responsabilidade direta frente
aos representantes do latifúndio reunidos no Congresso, de outro. Ou seja, para o
situacionismo republicano, a república presidencial era a garantia de governo forte a serviço
do establishment oligárquico.
Nesta perspectiva, pode-se acrescentar que: “[...] A doutrina dos ‘chefes naturais’, da
predominância do Executivo e nele do Presidente, bem como esse peculiar arranjo entre
localismo, máquina estatal e clube de notáveis em vez de partidos, caracterizarão a República
que, mais do que dos ‘coronéis’, foi dos oligarcas que controlavam, além das fazendas, a

236
Limongi (1996, p. 27-28) resume bem a definição do sistema: Presidencialismo é uma forma de governo em
que há uma clara separação entre os poderes Executivo e Legislativo, expressa na independência da origem e da
sobrevivência destes dois poderes. Por contraste, sob o parlamentarismo, a origem e a sobrevivência dos dois
poderes encontra-se associada. Desta distinção, segue que a cooperação entre o Executivo e o Legislativo está na
origem e na sobrevivência do próprio governo no parlamentarismo, enquanto sob o presidencialismo não há
qualquer garantia de que esta cooperação venha a ocorrer. Contudo, se é verdade que sob o presidencialismo a
cooperação não é necessária para a existência dos dois poderes, a cooperação é necessária para que o governo
governe. Governar significa aprovar leis, e, a não ser em condições muito especiais, estas não serão aprovadas
sem o concurso dos dois poderes.
237
FREIRE, Américo; CASTRO, Celso. As bases republicanas dos Estados Unidos do Brasil. In: GOMES,
Ângela de Castro et al. (Org.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Editora FGV, 2003. p.
41.
101

máquina estatal”.238 Nessa ótica, defender o presidencialismo significava, para os grupos


situacionistas, apreciar um chefe de Estado forte, enérgico, capaz de manter a ordem social
contra as reivindicações dos setores alijados.
No entanto, esta não era a visão defendida pela oposição federalista nas páginas dos
seus periódicos mais representativos. Na ótica do Partido Federalista, dado o histórico latino-
americano, o sistema presidencial em vigência no Brasil convertia-se num veículo de arbítrio
do Chefe do Estado, de derivas autoritárias. A crítica federalista em relação ao
presidencialismo fundamentava-se no fato de que a transplantação de princípios, dentre eles o
presidencialismo, da Constituição dos Estados Unidos para a Constituição brasileira de 1891
havia sido feita sem que se levasse em conta a realidade política, social e econômica do país.
Dessa maneira, explicitava A Reforma, de março de 1906:

É fraca a resistência que já lhe opõem os sustentadores do regime americano,


levianamente transplantado para o governo político do Brasil, ao instituir-se a
República. Cada ano que decorre torna mais saliente o erro de adotarem-se
instituições que representam a negação absoluta das tradições nacionais, da história
brasileira. É consequência desse erro o mal estar que acabrunha o país, a anarquia na
política e na administração, o abaixamento do nível moral, a decadência intelectual,
o desiquilíbrio financeiro. É consequência desse erro essa atmosfera pesada, que traz
intranquilos os espíritos, pela falta de confiança, pelas incertezas do dia de
amanhã.239

Nessa orientação, o jornal destacava que a Carta Federal, de 1891, havia sido
elaborada em desprezo às nossas peculiaridades, gerando um descompasso entre a ordem
constitucional e a ordem real. O Brasil, assim, em decorrência da adoção do presidencialismo,
via-se afligido por uma Constituição exótica à realidade nacional. As impropriedades face à
realidade do país decorrentes do artificialismo constitucional, segundo A Reforma, só
reforçavam o predomínio de oligarquias regionais e a dispersão dos interesses públicos do
país:

[...] Sob a República, à sombra do presidencialismo americano, qual o progresso


realizado, onde as estradas de ferro de importância, a que estado está reduzida a
instrução pública, qual a moralidade administrativa? O roubo organizado, os
desfalques nas repartições do serviço público sucedendo-se escandalosamente,
impunes os criminosos que contam sempre com a proteção do alto, o caráter
abastardado, a nação vilipendiada, coberta de opróbrios e ignorantes, desprezada,

238
CARDOSO, Fernando Henrique. Dos governos militares a Prudente – Campos Sales. In: FAUSTO, Boris
(Dir.). História geral da civilização brasileira. O Brasil republicano: estrutura de poder e economia (1889-
1930). 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 57.
239
A REFORMA, 8 mar. 1906.
102

ridicularizada no estrangeiro! Eis o que tem dado, sustentado e desenvolvido o


regime americano levianamente estabelecido no país. 240

Por sobre essa situação, de fato, de acordo com os jornais oposicionistas, desenvolvia-
se no Brasil republicano um sistema político baseado num regime (o presidencial) totalmente
desconectado da realidade nacional, ou seja, uma República presidencialista, à imitação da
existente nos Estados Unidos da América. Nesse sentido, os jornais afirmavam que não seria
nenhum esforço intelectual para se dar conta de que a realidade política e social brasileira,
marcada pela ausência de classe média numa sociedade, ainda, agrária, sustentada por uma
monocultura cafeeira praticada em latifúndios movidos à mão-de-obra escrava, era, como se
via, em tudo ou quase tudo, distinta de uma outra realidade, isto é, de um país, cada vez mais
industrializado e menos aristocrático, onde os partidos já podiam ser classificados como sendo
“de quadros” e onde o alargamento do sufrágio preparava o advento da moderna democracia
liberal que conhecemos.
A crítica federalista à temática do presidencialismo, embora recorrente ao longo do
período republicano, se apresentou de forma mais intensa durante a administração do gaúcho,
o marechal Hermes da Fonseca (1910-1914). Foi sob seu governo que surgiu a “política das
salvações”, caracterizada pela tentativa de alguns militares de derrubar oligarquias estaduais
com o apoio do Exército. Sem condições de interferir em estados fortes como São Paulo,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o bloco militar atuava principalmente no nordeste,
propondo libertar o povo do jugo opressor das elites, na retórica típica dos adeptos de Hermes.
Em alguns estados, como o Ceará, houve confrontos violentos. Revelando-se incompetente na
presidência da República, o marechal realizou um governo sofrível.241. Foi dentro deste
panorama político que o jornal A Reforma, de 24 de março de 1911, dardejou contra o
governo hermista, ao destacar que a sua gestão era, até então, o melhor e mais bem acabado
exemplo de uma administração impulsionada por um regime “contrário às nossas tradições”, à
“educação política do nosso povo”. Nesse sentido, trovejava a folha federalista:

Em cada Estado se instalou uma satrapia, mais ou menos desonesta. Elas todas
reunidas indicam e impõem ao país o oligarquismo-mor. E surge a ditadura central,
apoiada numa porção de pequenas ditaduras regionais, amparando-se umas nas
outras, aquela fortalecendo a estas, unindo suas fraquezas para constituírem uma
força e opor-se à vontade do povo, que já vai dando significativas mostras de
impaciência e de nojo por todas estas misérias que aí estão. O sentimento superior
da Pátria quase desaparece, da grandeza do Brasil ninguém cuida. Atendendo-se

240
A REFORMA, 8 mar. 1906.
241
CARVALHO, José Murilo de. As Forças Armadas na Primeira República: o Poder desestabilizador. In:
FAUSTO, Boris (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1985. p. 218-219.
103

apenas a mesquinhos interesses regionais, de ocasião; domina apenas a vontade dos


régulos caricatos que afogam em sangue e nas masmorras os ideais de liberdade. Já
vimos Estados empenhados numa luta de tarifas aduaneiras [...], já vimos dois
Estados da Federação [...] ameaçarem-se mutuamente, com uma possível declaração
de guerra, como consequência duma controvérsia por uma questão de territórios
litigiosos. Frutos do presidencialismo. Mas nunca como atualmente tanto se
sucederam os desastres do malfadado regime. 242

Debruçando-se sobre este tema, explanou o jornalista, Gil Vidal, em artigo intitulado
“O erro dos constituintes republicanos”:

O erro que cometeram os constituintes de 1891, copiando as instituições norte-


americanas, deu em resultado a disparatada discordância da República com o nosso
meio e as nossas tradições. Daí a convicção de que nada lucramos com a mudança
de governo. Isto é o que está na consciência nacional. Pelo fato de terem aquelas
instituições tido bom êxito nos Estados Unidos, não era razão para cegamente as
adotarmos. Floresceram ali e deram bom fruto, não por suas virtudes intrínsecas,
mas porque se apropriavam do passado daquele país, consultavam as tradições de
governo e administração das colônias emancipadas, e atendiam à índole do povo que
se tornara independente. Os constituintes americanos não improvisaram. A
organização política, que deram à pátria libertada do jugo inglês, não surgiu, como
que por canto, ao toque de vara mágica, nem nasceu, como tantas outras
constituições, ao simples fiat de legisladores doutrinários. As instituições adotadas
não eram nenhuma novidade. Já existiam nas colônias que se converteram em
Estados Unidos. A revolução triunfante limitou-se a confirmá-las e ampliá-las.243

Nesse sentido, o autor ainda argumentava que os constituintes brasileiros de 1891 se


esqueceram que a Constituição norte-americana havia surgido para regular uma sociedade
bem mais igualitária que a nossa, ou menos desigual que a brasileira, sociedade aquela
formada por colonos em um país, cuja opinião pública apresentava-se de forma consistente, e
numa realidade social que desconhecia a difícil situação da miséria popular.244

Entre os inúmeros perigos a que uma nação, simplesmente porque vive, está exposta
todos os dias, um existe, que sobreleva a todos em importância – e é o perigo das
inovações institucionais. Neste caso, o que está em jogo é a maneira íntima de ser de
um povo. Contrafazê-la, deformá-la, no intuito, muitas vezes, patriótico, de
aumentar-lhes os meios de eficiência social e política, é atingi-lo, vulnerá-lo nas
suas obras vivas, arrancar-lhe os meios naturais, a faculdade normal de agir, de
respirar. Foi, entanto, o que fizeram os patriarcas do Brasil federativo-presidencial
de 24 de Fevereiro.245

Vale a pena também destacar um pequeno trecho do artigo publicado no jornal O


Maragato, de 29 de abril de 1906, de autoria do federalista Antônio Moraes Fernandes:

242
A REFORMA, 24 mar. 1911.
243
O MARAGATO, 04 mar. 1914, n. 139.
244
A esse respeito ver: ARENDT, Hannah. Da revolução. São Paulo: Ática, 1990. p. 125; MORSE, Richard. O
espelho de próspero: cultura e ideias na América. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
245
O MARAGATO, 21 mar. 1913, n. 3. (Alarico Silveira, São Paulo, março de 1913).
104

A engrenagem norte-americana aplaudida em abstrato pelos fundadores da


república, não se adaptou de forma alguma ao nosso meio político-social. [...] A
Nação inteira desagregou-se. A vida normal de outrora foi substituída por uma
existência aventureira, imensamente comprometedora dos nossos créditos. Os
Estados, na bazófia de uma autonomia exagerada, soberanizaram-se, contraindo
empréstimos, desrespeitando a própria obra mágica de 89. Arruinados, combalidos,
sem força vital, aconchegando-se, logo, ao centro nas épocas calamitosas.
Verdadeiros filhos pródigos da República, batem de novo ao teto paterno,
mendigando socorros, implorando auxílios. [...] É esta ainda a atual fase da
república brasileira. O regime presidencial está por de mais exercitado. O país
inteiro sente-lhe os maus efeitos.246

Deve-se salientar que a crítica à adoção do presidencialismo americano viria a ocupar


sobremaneira as páginas de A Reforma, ao longo do período republicano. O periódico
federalista argumentava, nesse sentido, que entre a formação histórica do Estado americano e
a do Estado brasileiro as diferenças eram gritantes. Afinal, nos Estados Unidos, o governo
federal não teria sido senão o sucessor do governo metropolitano, ou seja, um ente de direito
público interno e externo em superposição aos governos dos estados preexistentes, distintos e
soberanos, que se uniram num pacto no ato fundador daquela nacionalidade. Ou seja, o
federalismo americano surgira de fatores e necessidades intrínsecas, como produto intelectual
de uma aristocracia de estadistas de visão longa. No Brasil, teria ocorrido justamente o
oposto, o que fazia do elemento presidencialista um agravante no processo de fragmentação
dos interesses políticos e sociais brasileiros.
A esse respeito, o colaborador Medeiros e Albuquerque publicava um interessante
artigo na edição de 13 de setembro de 1906, de O Maragato. No intuito de esgrimir a sua
crítica à aplicação do regime presidencial no contexto republicano brasileiro, o autor faz uma
comparação no mínimo curiosa, como veremos no trecho a seguir:

Embalde nos alegam o exemplo dos Estados Unidos. Nós não somos os Estados
Unidos. Somos piores ou melhores: – mas somos principalmente outra coisa. O que
vai lá admiravelmente [...] pode ir aqui abominavelmente. O Barão do Rio Branco é
um homem bastante alto. Alto e gordo. Quanto à sua cintura não é de mais acreditar
que tenha um diâmetro de bons dois metros. Em compensação, o Sr. Félix Gaspar é
baixinho e magrinho. Figurem se ele se lembrasse de vestir as calças do Sr. Rio
Branco; cabia todo inteiro, da cabeça aos pés, dentro de uma só das pernas! – É o
caso do Brasil, pequena nação, que começa atrapalhado com as calças dos Estados
Unidos, um colosso admirável... 247

A crítica à adoção do regime presidencial norte-americano viria a ocupar sobremaneira


as reflexões do referido autor em matéria publicada na edição de 11 de março de 1909, de O

246
O MARAGATO, 29 abr. 1906, n. 12.
247
O MARAGATO, 13 set. 1906, n. 48.
105

Maragato. Neste artigo, ele sobe o tom de sua crítica ao atacar o poder irrestrito das
oligarquias estaduais, visto por ele como o principal desdobramento do presidencialismo que
imperava no país.

O que se chama oligarquia nos Estados é a concentração do poder na mão de um


pequeno grupo de políticos, geralmente da mesma família. Ora, dentro dos Estados,
a política federal pouco pode intervir. E quanto à concentração de poderes nas mãos
dos presidentes e governadores, ela é a simples e natural consequência do regime
presidencial. Não há quem não veja o que sucede aqui, na União: só há um poder,
que é o Presidente da República. Todos os outros estão anulados. O que se passa
aqui na União, não pode deixar de passar-se nos Estados.248

Assim, para o autor, o grande eixo sobre o qual se apoiavam as oligarquias regionais
durante a República era o presidencialismo, que, consubstanciado na Constituição brasileira
de 1891, e adotado em toda a sua extensão, destinava uma enorme soma de poder aos
governadores, abrindo assim caminho fácil a perigosas aventuras de violência, fonte e matriz
do “czarismo e da tirania”. Desse modo, ele entendia que para combater na sua origem as
oligarquias o primeiro passa a ser dado seria o combate ao regime presidencial.
Segundo Medeiros e Albuquerque, uma das consequências nefastas que o regime
presidencial trouxe ao Brasil também consistiu no enfraquecimento e/ou na anulação dos
poderes legislativo e judiciário em detrimento do Executivo, ou seja, na desarmonia entre os
poderes da República. Por sua vez, essa questão a respeito do desiquilíbrio entre as forças dos
poderes governamentais, afirmava ele, não se restringia ao âmbito da União federal, podendo
ser identificada também na vida política dos estados brasileiros. Nesse sentido, o autor, adepto
do parlamentarismo, desfechava:

Os espíritos mais prevenidos contra o sistema parlamentar podem imaginar todos os


horrores possíveis se a União estivesse submetida a ele e se os Estados fossem
também parlamentares. Só, porém, uma coisa não poderão negar: é que com ele não
haveria oligarquias. Não haveria, porque não poderia haver: a que se formasse um
dia desapareceria no imediato.249

Nesta perspectiva de conferir ao presidencialismo todos os problemas políticos que


assolavam o país, ou todos os males da República, o autor destaca os dois pontos mais
negativos, que, no seu entender, mais contribuíam para o fortalecimento do domínio das
oligarquias situacionistas no Brasil: um seria o instituto da reeleição dos governadores (alusão

248
O MARAGATO, 11 mar. 1909, n. 96.
249
O MARAGATO, 11 mar. 1909, n. 96.
106

ao governo borgista gaúcho, que se perpetuou no poder por três décadas); o outro dizia
respeito às fraudes eleitorais e a sua ligação com a questão do nepotismo:

O que nunca se poderia ver em país realmente livre, realmente regido por
instituições representativas, seria um caso como o do Ceará. A sua representação no
Senado não é uma bancada política; é um conselho de família, da família do
governador. Um dos senadores é parente afastado, o outro é genro, o outro é filho. E
sobram ainda parentes para a outra Câmara! É demais... Figurem [...] um caso como
o do Espírito Santo: um irmão é bispo, o outro surge como governador; no ano
seguinte, o terceiro grela senador! E até para que haja na família uma representação
completa do clero, nobreza e povo, o governador parece que é conde do Papa, título
com que, segundo constou, foi agraciado, já depois de governador – o que teve o
cuidado de não recusar. [...] No caso do Espírito Santo, as coisas se passam com
uma encenação de mágica: há um irmão que conseguiu encarapitar-se no alto; assim
que lá se apanhou, deu a mão ao outro para subir; e assim que os dois se viram
trepadinhos lá no alto, içaram o terceiro. Três anos bastaram. Cada ano subia um!
[...] Que remédio há para isso? Remédio não há, enquanto estivermos sob o regime
presidencial.250

Para o colaborador, a campanha contra as oligarquias no Brasil não passava de um


“excelente assunto para discursos e artigos”. Ninguém, segundo ele, atacava o mal na raiz dos
nossos problemas nacionais, que era o “regime presidencial”.251
Dessa forma, não tinham razão os que acusavam a República de ser a causa de nossos
males e deficiências, diziam, de um modo geral, os periódicos maragatos. O que
verdadeiramente estaria levando o país ao abuso nepotista e patrimonialista irrefreável dos
poderes locais era o regime presidencial, ou seja, a incapacidade de criarmos ou retomarmos
formas políticas, como o parlamentarismo, de acordo com a nossa realidade:

O presidencialismo americano está condenado no Brasil. A experiência já


demonstrou a sua completa imprestabilidade no meio brasileiro. A inépcia dos
constituintes de 1901, copiando servilmente instituições políticas que não eram um
produto dos usos e costumes populares, deu este resultado: o sistema representativo
sem partidos políticos! [...] Não foi o advento da República, simples forma, mas as
instituições do governo, referentes aos poderes legislativo e executivo, que vieram
trazer a perturbação ainda existente, o desiquilíbrio das forças sociais do país
produzindo esta situação intolerável de incertezas, de dúvidas de que a nação precisa
sair o quanto antes.252

Outro exemplo interessante que se coloca neste mesmo sentido vem de Bagé, do jornal
Correio do Sul, em sua edição de 18 de dezembro de 1915. Em artigo assinado por Félix
Contreiras Rodrigues, o periódico apontava sobre os insucessos do regime presidencial e a sua
inaplicabilidade no contexto brasileiro. Na sua concepção, o Brasil havia avançado, de

250
O MARAGATO, 11 mar. 1909, n. 96.
251
O MARAGATO, 11 mar. 1909, n. 96.
252
A REFORMA, 12 abr. 1906.
107

maneira positiva, com a transição Monarquia-República, mas muito retrocedeu ao abandonar


o parlamentarismo em prol do presidencialismo. Dizia, a esse respeito, ser o presidencialismo,
em vigor, nada mais do que um “parafuso torcido até a cabeça pela consciência nacional
adentro”.

Entretanto, não é a República que não presta, posto que em consciência é um


aperfeiçoamento da Monarquia, sem o viciado privilégio da governação hereditária.
É o presidencialismo que adultera a República e que, não obstante, acha em cabeças
brasileiras defesa e justificação para a sua existência entre nós. Sobre os
presidencialistas, pois, recai toda a aversão que desperta a República. Eles fazem
lembrar os carpinteiro imperitos que julgam firmar parafusos torcendo-os para
qualquer lado, contanto que os apertem contra a madeira. Mas, se torcem para a
esquerda, quanto mais os apertam mais fogem do pau. 253

Já o artigo Porque sou parlamentarista?, assinado por Raul Apocalypse, traz à tona,
entretanto, um dado novo em nossa reflexão a respeito da crítica federalista ao
presidencialismo. Diferentemente das matérias anteriores, esta faria uma crítica não apenas de
ordem político-institucional, mas também de ordem teórica no que tange ao regime
presidencial. Até então, a grande maioria dos artigos, que trataram dessa temática, se
posicionavam, em geral, da seguinte maneira: o presidencialismo foi benéfico nos Estados
Unidos e não no Brasil, porque, diferentemente da realidade americana, aqui, os homens
políticos deturparam o presidencialismo em sua execução. Como veremos no trecho abaixo,
um novo elemento aparecerá no discurso jornalístico da oposição em relação ao tema em
foco: os malefícios do presidencialismo não se aplicam apenas à realidade nacional, se
inserindo também no contexto político americano, porque em sua origem ele já trazia
elementos do absolutismo e de um poder executivo irresponsável:

Sempre ouvimos dizer que se o presidencialismo não tem dado bons frutos entre
nós, a culpa não é do regime, mas dos homens que, aqui no Brasil, o executam [...]
mas na América do Norte, de onde transpusemos o regime, o presidencialismo
frutifica plenamente. É o que negamos; nos Estados Unidos o presidencialismo sofre
dos mesmos achaques, aliás próprios e inerentes a ele, que entre nós. Nos Estados
Unidos organizou-se um poder executivo irresponsável, e como tal, absoluto. É a
característica, também, de nossa república de fancaria – irresponsabilidade e
absolutismo.254

Nesse sentido, o autor, no desenvolvimento de sua explanação, citaria teóricos como


Alexander Hamilton (O Federalista, capítulo 70 – Unidade do Poder Executivo/Exame do
projeto de um conselho executivo), Bryce, Boutny, Gigot, entre outros, para, no fim, chegar à

253
CORREIO DO SUL, 18 dez. 1915.
254
O MARAGATO, 15 abr. 1914, n. 12.
108

conclusão de que na sua raiz epistemológica, o presidencialismo trazia consigo, desde o seu
surgimento, “o poder absoluto de um homem”.
Entrevistado pelo jornal A RUA, o eminente tribuno parlamentar, Pedro Moacyr,
reconduzido na Câmara Federal, em 1915, pela bancada do estado do Rio de Janeiro, ao
acentuar as vantagens do sistema parlamentarista perante o presidencialista, estabelece uma
interessante conexão entre o contexto político nacional e o regional. Moacyr considerava que,
dentre todas as unidades da federação brasileira, a que melhor expressava o caráter
“despótico” do presidencialismo, ou seja, o da suprema autoridade do Poder Executivo, era o
Rio Grande do Sul, que, por sua vez, vivia uma “ditatura castilhista-borgista”.

A luta tem que tornar-se entre as duas correntes radicais e lógicas, a do


presidencialismo, que sempre teve a sua mais autêntica expressão no castilhismo e a
do parlamentarismo, cuja bandeira, Silveira Martins desfraldou e que nós temos
defendido. [...] Repito: só há dois pontos de vista lógicos em face do problema
político no Brasil: o do castilhismo, que tem durante tanto tempo a sua mais lidima
expressão na intransigência presidencial do General Pinheiro Machado, e o
parlamentarismo, pelo qual nós temos batido sem tréguas e sem receios, dentro de
um partido que o inscreveu como um dos grandes objetivos políticos do seu
programa.255

Deve-se salientar a esse respeito que o partido adversário, o PRR, tinha como lema de
governo: “Centralização – Desmembramento; Descentralização – Unidade”. A autonomia
quase absoluta das franquias estaduais, numa orientação ultrafederalista, acompanhada da
defesa de um poder executivo estadual forte, aspecto que os republicanos castilhistas,
apoiados em Comte, tinham como bandeira, nos permite compreender a comparação feita
pelo deputado federalista entre o presidencialismo brasileiro e o regime autoritário castilhista
gaúcho. Não é à toa que a concentração de poderes nas mãos do Presidente do Estado
oficialmente abraçou aquele estado, especialmente, quando da promulgação da Constituição
Rio-Grandense de 14 de Julho, de feição autoritária e conservadora.
Se do ponto de vista castilhista a justificativa para a centralização política estadual se
dava sob um viés teórico, assinalando assim o seu compromisso com a ideologia de
inspiração positivista, ou seja, o centro do poder deveria se concentrar no Presidente do
Estado, pois este simbolizava o ditador republicano proposto por Comte, no âmbito do
discurso da oposição, dizia-se que, emersa do caldeirão de irritação política, a Constituição de
14 de Julho havia sido concebida para dar ao presidente poderes de um general em campanha
militar. Nesse sentido, de acordo com a imprensa oposicionista, ficava claro que o Rio

255
O MARAGATO, 2 fev. 1916, n. 95.
109

Grande, empolgado pelo guante de um partido único, submisso à liderança unipessoal de


Castilhos, serviu como o exemplo mais agudo de um Brasil retalhado por conta da vigência
do sistema presidencialista:

O Rio Grande do Sul, mais do que qualquer outro dos Estados do Brasil, tem todos
os serviços subordinados à vontade unitária e pessoal de um só homem, em
ininterrupto labor para harmonizar o sistema da administração com o sistema
político sociocrata positivoide, que é seu norte, na conformidade da perversamente
espoliadora lei de 14 de Julho.256

Outro exemplo interessante a ser ressaltado encontra-se no artigo “Autocracia e


Parlamentarismo”, publicado no jornal O Maragato, em sua edição de 4 de julho de 1917. O
texto faz uma análise sobre a obra“ Primeiras Consequenciais da Guerra”, escrita pelo
sociólogo francês Gustavo Le Bom, onde se tece duras críticas ao regime autocrático que se
estabelece na França daquela época, regime esse caracterizado pelo excessivo poder do
executivo, sublinhando a “apoteose do regime parlamentar” como o único remédio salvador
para o país europeu. Porém, essa situação política, em que o Poder Executivo era aclamado
com unhas e dentes como o “poder por excelência”, segundo a folha federalista, era muito
semelhante ao que ocorria no Brasil, e em especial no estado do Rio Grande do Sul, que vivia
a sua experiência política e institucional da ditadura republicana castilho-borgista.

Essa é como que a fotografia política do que se passa no Brasil, com o


presidencialismo, e sobretudo do que se passa no Rio Grande do Sul sob a ditadura
comtista. [...] A autocracia lá (França) durou pouco e fez muitos males. Imaginem-se
os males que terá feito ao Brasil com um reinado de quase 28 anos. A lição da
guerra é esta: o momento é fatal para as autocracias. A russa tombou. Outras cairão.
O parlamentarismo esplende em toda parte. Quando cairá a autocracia brasileira para
dar lugar ao parlamentarismo, que é o progresso, que é a liberdade, que é a luz?
Cuidemos em que o remédio salvador não venha demasiado tarde! 257

Da análise dessas publicações extraídas dos jornais federalistas pode-se identificar


claramente um elemento motivador, de cunho regional, em relação à postura crítica feita pela
oposição maragata ao regime presidencial brasileiro: o autoritarismo castilhista-borgista,
representado pelo PRR, de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Em primeiro lugar,
conforme já foi destacado neste trabalho, inserido na lógica da política dos governadores, ou
seja, no compromisso recíproco estabelecido entre o presidente da República e os
governadores, o castilhismo, bem como outros grupos detentores dos poderes estaduais, não

256
O MARAGATO, 3 out. 1914, n. 76.
257
O MARAGATO, 4 jul. 1917, n. 31.
110

via outro regime a não ser o presidencial como a peça-chave positiva na viabilização e
garantia daquele acordo.
Especificamente no que concerne à República castilhista, há que se considerar também
outra questão, nesse caso de ordem teórica. De acordo com Vélez Rodríguez258, havia na
concepção castilhista a crença de que através da ciência se chegaria à verdade dos fatos
políticos, sociais ou econômicos. O ente realizador dessa vontade seria o próprio Estado, daí a
sua imagem tutelar sobre a sociedade, em sua função moralizadora e racionalizadora. Da
mesma forma, para o regime castilhista, assim como para o positivismo, em geral, a crise do
governo representativo provinha da seguinte lógica: se a única alternativa para a estruturação
racional da sociedade é a imposição do governante esclarecido, qualquer outro tipo de
organização social que não for o seu será necessariamente caótico. Daí pode-se compreender
a feroz crítica que o castilhismo desatou contra o sistema parlamentar ou sistema “para
lamentar”, segundo um deputado castilhista, como expoente número um do governo
representativo, tido como essencialmente anárquico.
No artigo intitulado O Presidencialismo, a Reforma, em sua edição de 12 de abril de
1906, não apenas apresenta o seu ponto de vista crítico acerca da adoção do regime
presidencial no país, como faz questão de associar esse mesmo regime, fomentador do sistema
oligárquico, à ditatura castilhista-borgista rio-grandense, também defensora do
presidencialismo. Cabe salientar aqui que o autoritarismo castilhista faria surgir, porém,
constantes cisões dentro do próprio partido governista, o PRR. Segundo Antonacci, isso
deveu-se a uma das contradições do referido partido, que consista em fazer de um sistema
oligárquico, que, nacionalmente, era plasmado em moldes liberais, enquanto que, no nível
regional, o grupo liberal, arregimentado em torno do Partido Federalista, representava
oposição ao PRR. Isso levava a divisões internas no partido, pois havia uma tensão entre
correntes que preconizavam duas formas de regime republicano: o regime ditatorial
positivista, afinada com o “desastroso” presidencialismo americano e o regime liberal,
também presidencialista, mas considerado mais democrático:259

Aqui, no Rio Grande do Sul, além do partido federalista, que pretende o


restabelecimento do regime parlamentar, que é o regime historicamente brasileiro,
há o partido governista. Mas como é constituído esse partido, quais os elementos
que o formam? Há homogeneidade entre eles? Não, absolutamente. Há sociocratas e
democratas no oficialismo. Tanto um como o outro desses grupos sustentam, é certo,

258
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal;
Conselho Editorial, 2010. p. 132.
259
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981. p. 24.
111

o presidencialismo americano; mas um dá-lhe a interpretação positivista, o outro a


democrática; um afirma a superioridade do governo de um só, o outro pretende que
no governo da República o povo exerça a soberania. Portadores de ideias
antagônicas unidos para a exploração do poder tão somente! 260

Essa regionalização, por parte dos jornais federalistas, a partir de um debate político
de cunho nacional, tinha por objetivo também atingir, numa escala regional, o seu principal
adversário político, o partido governista gaúcho, que, nacionalmente, estava atrelado ao
sistema político oligárquico.261
Como também se pode notar, ao contrário do que veremos no capítulo seguinte,
quando será analisado a atuação federalista no plano parlamentar nacional, que, por sua vez,
atribuía ao modelo ultrafederalista, que previa a participação mínima do poder central nas
unidades federativas, todos os males que assolavam o Brasil republicano, percebe-se, na
esfera do discurso jornalístico, uma diferença no que diz respeito ao elemento gerador e/ou
propagador dessa desestabilidade política nacional. Atribui-se ao regime presidencial,
considerado pelos jornais, como “incompatível com a índole e os costumes brasileiros”, tal
responsabilidade. Na ótica do jornalismo federalista, o poder presidencial era visto como
instrumento partidário da manutenção de um condomínio oligárquico no poder, e não como
agente neutro de sua alternância. Como o regime não se permitia oxigenar, eram cada vez
mais frequentes os reclamos da oposição, produzindo, desse modo, o maior estardalhaço
possível, a ponto de conferir ao sistema presidencialista a culpa pela consagração da
preponderância dos interesses privados sobre o interesse coletivo.

Pois bem; até que nos eduquemos, deixem-nos com uma qualquer coisa, menos
sublime, mas, em compensação, mais prática. Se sós só sabemos guiar um tílburi,
puxado por uma pileca magra, porque razão nos querem, a fina força, tornar
chauffeurs de automóveis ultra aperfeiçoadíssimos? O resultado são explosões e
mortes e desastres constantes. Porque – é bom não esquecerem – quando se fala mal
do presidencialismo na União, fala-se também mal desse detestável regime nos
Estados. Esqueçam as discussões sobre a União e vão pensando em cada Estado por
si. Haverá alguém, que depois dessa revista, declare que o governo deles é o ideal?
Parece que não.262

É importante ressaltar também que, durante a Primeira República, os temas políticos


abordados pelos periódicos, de maneira geral, explicitaram a dualidade do novo regime. Ao
mesmo tempo em que se tinha, em tese, a marca liberal da Constituição Federal de 1891, a
República, em função, da adoção do regime presidencial, era identificada no seu cotidiano por
260
A REFORMA, 12 abr. 1906.
261
LESSA, Renato. Campos Sales e o paradigma brasileiro (Introdução). In: SALES, Campos. Da propaganda
à Presidência. Brasília: Senado Federal, 1998 p. 16; 38-39.
262
O MARAGATO, 13 set. 1906, n. 48.
112

práticas autoritárias e centralizadoras. É nesse ínterim que aparece com intensidade o tema do
presidencialismo nos jornais da oposição maragata. A imprensa veementemente insistia no
argumento de que, embora, em tese, o presidente da República erigisse em torno de si e de seu
governo uma redoma impermeável aos interesses privados na salvaguarda do interesse
público, os meios empregados acarretavam o predomínio incontrastável de determinados
interesses particulares nos estados. A esse respeito, destacava O Maragato, na edição de 19 de
agosto de 1906, em seu artigo intitulado “O Presidencialismo”:

A política nacional marcha aos trambolhões, sem orientação definida, dando por
paus e por pedras, produzindo a desordem pela invasão desordenada dos poderes na
esfera um dos outros, criando uma verdadeira balburdia, cujo resultado é o
descrédito da República, e o que é mais, a desmoralização da Pátria. [...] Tudo isto,
todo esse mal estar que acabrunha, que martiriza a nação inteira, tudo isso é
consequência inevitável do regime adotado pelos constituintes de 1891, cujo
objetivo não foi outro se não criar um estado de cousas que permitisse às
mediocridades terem exercício na suprema direção dos destinos nacionais. [...] O
presidencialismo expira; já entrou em período de agonia. 263

Assim, opinativa e doutrinária por excelência, esta imprensa político-partidária


“interpretava os fatos, criando uma nova noção factualidade, tirava conclusões e fazia
julgamentos com o objetivo de provocar ação por parte daqueles aos quais se dirigia”.264
Afinal, o tema do presidencialismo brasileiro foi tônica dos jornais consultados ao longo de
todo o nosso recorte temporal.
Nesse sentido, vale assinalar aqui o registro feito pelo colaborador Francisco W.
Pereira, em uma das edições de O Maragato, de 1907: “Os 17 anos de presidencialismo têm
sido um caos! Experiências negativas; desmandos em todos os ramos administrativos; povo
descontente. [...] Portanto, julgo um crime de leso-patriotismo ser presidencialista e aguardar
que o povo regenere-se para então felicitar a pátria”.265
Em entrevista concedida ao jornalista Braga Junior, relator do jornal A Rua, do Rio de
Janeiro, reproduzida pelo Maragato, de 31 de março de 1915, intitulada “Uma ‘enquete’
sensacional – a falência do presidencialismo”, Rafael Cabeda, então deputado federal pela
sigla do Partido Federalista, explicitou a sua opinião sobre as vantagens do regime
parlamentar perante o presidencial:

263
O MARAGATO, 19 ago. 1906.
264
CARDOSO, Alcina Maria de Lara; ARAUJO, Silvia Maria Pereira de. Jornalismo e ideologia. Ciência e
cultura. Revista do SBPC, v. 42, out.-dez., 1990, p. 1083.
265
O MARAGATO, 01 jan. 1907, n. 78.
113

Acredita V. Ex. que quando a Constituição estabeleceu no Brasil o regime


presidencial a maioria dos membros daquela assembleia conhecia bem o
funcionamento do nosso regime?
Acredito que não.
A propaganda republicana se fizera mais no sentido de derrubar o trono do que de
edificar a República, em sólidos alicerces legais.
Não se estabeleceu, para nortear as aspirações da opinião pública, uma larga
diferenciação doutrinária entre os dois matizes clássicos do sistema representativo
democrático: o parlamentar e o presidencial.
Proclamou-se a República, diante do “povo bestializado”, por um golpe de força
bruta, de surpresa, e não por uma pressão moral da consciência coletiva. [...]
Um forte grupo positivista, cujo ideal de governo era a ditadura científica de Comte
– formidável inimigo do parlamentarismo – apoiou a corrente presidencialista, pois
o presidencialismo nada mais é do que a máscara do despotismo. [...]
E assim se implantou entre nós esse regime exótico, macaqueado aos yankees,
inconciliável com as tradições da nação brasileira, incompatível com a índole,
esclarecedora e nervosa da raça latina.
Foi um lance de audácia e foi um grande desastre. Pena é que a nação fosse
escolhida para anima vili de experiências sectárias.
A atual geração é que está colhendo os frutos malignos da sementeira
presidencialista.266

Ao observarmos a resposta conferida por Cabeda, pode-se perceber a preocupação do


federalista não só em problematizar o tema da República, do ponto de vista histórico e
conceitual, mas também em destacar o fenômeno político vivido pelo Rio Grande do Sul na
sua experiência republicana, isto é, o castilhismo, representado como a encarnação de uma
tirania opressiva, cruel e desligada da opinião pública, reflexo de uma situação mais ampla,
que assolava o Brasil daquele período.
Quanto à questão de ordem conceitual relacionada ao tema da República, levantada
por Cabeda, vale uma observação. Uma análise do conceito de república, por sua vez,
demonstra que ele, de fato, carecia notadamente de densidade durante a propaganda
republicana, absolutamente dependente de outra questão política, que assumia importância
central: a da forma do Estado Brasileiro.267 De acordo com Christian Lynch, não havia, da
parte das elites que pretendiam a mudança de regime, qualquer projeto político
substancialmente republicano, isto é, que se alicerçasse numa concepção igualitária, legalista
e cívica da Nação: “O conceito de republica era, pois, bastante débil. Ele quase não tinha
conteúdo próprio. Essa debilidade do projeto republicano em perspectiva cívica fica patente
pela leitura do Manifesto Republicano, que, da autoria de Quintino Bocaiúva, condensou em
1870 as ‘ideias democráticas’ do partido então fundado”.268 Nesse sentido, pode-se dizer que
os republicanos, durante a propaganda republicana, jamais veicularam um projeto político

266
O MARAGATO, 31 mar. 1915.
267
FERES, João. Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2014.
268
LYNCH, Christian Cyril. O momento oligárquico: a construção institucional da República brasileira (1870-
1891). História Constitucional (Oviedo), v. 12, 2011, p. 297-325. p. 303-304.
114

substancialmente republicano, isto é, de uma comunidade política que deveria se orientar


pelos valores de igualitarismo, legalismo e civismo.
Associado ao tema do presidencialismo encontra-se o dos partidos políticos no
discurso do jornalismo político oposicionista. Ao criticar as oligarquias, a imprensa
federalista afirmava que a o presidencialismo implantara uma espécie de satrapismo
irresponsável e onipotente, em benefício de um grupo, de uma família ou de um homem, o
que contribuía para a formação de partidos despidos de princípios e totalmente entregues às
ambições pessoais.
No Brasil, pode-se afirmar que a formação das primeiras tendências político-
partidárias269 deu-se pouco antes da Independência, ligadas em geral pela oposição ou apoio à
emancipação. Nessa época, “partido, tanto quanto facção, eram palavras malvistas.
Empregava-se o vocábulo partidarista, em vez de partidário, bem como faccionário, depois
substituído por faccioso”.270 Essas tendências perpassariam o I Reinado, e já durante o
Período Regencial ainda eram grupos difusos e pouco definidos, conhecidos genericamente
como exaltados, moderados e restauradores, que disputariam o poder daquele Estado Nacional
em formação. Afastamentos e aproximações entre os elementos daquelas frentes resultaram
na origem dos partidos políticos do II Império – o Liberal e o Conservador -, que dentro de
um sistema parlamentarista, alternar-se-iam no poder até 1889.
Com a República, transformou-se a organização político-partidária brasileira, que
passou a caracterizar-se pelo regionalismo. Os partidos passaram a articular-se como forças
regionais, sendo inclusive designados nominalmente pelo estado que representavam; eram os

269
A conceituação da palavra “partido” vem apresentando transformações através do tempo e do espaço,
servindo para designar os mais variados matizes de grupos, frentes ou agremiações, políticos ou não. Jean
Dubois afirma: “A palavra ‘partido’ é mais antiga no vocabulário político que o termo ‘classe’ no vocabulário
social, uma vez que remonta aos séculos XVI XVII. Durante a Revolução de 1789, em 1848 e em 1869-1872,
não corresponde ele à mesma realidade que hoje em dia. Vago e pejorativo em 1790 e 1793, dele se faz muitas
vezes um paralelo com ‘facção’. Para A. Blanqui, em 1848, tem ele algo de fluído e abstrato. O termo não
designa uma organização política tal como conhecemos hoje, com sua hierarquia, seu escritório diretor, seu
comitê central e seus militantes ou membros permanentes; o ‘partido’ representa, em toda a primeira parte do
século XIX, e ainda em 1869, uma ‘tendência’. Uma ‘opinião’, que cristaliza as ideias de uma classe ou de um
grupo social, mais ou menos distintos dos outros. [...] J. Amingues, em 1869, define ‘partido’ como ‘um grupo
de homens mais ou menos numerosos, uma associação mais ou menos vasta de pessoas reunidas por uma estreita
comunidade de tradições, pontos de vista ou interesses, em uma tarefa comum’. Tradição, interesses, fim comum
– são palavras que permitem explicar que os contemporâneos, como em 1789, fragmentam indefinidamente os
‘partidos políticos’”. In: CHARLOT, Jean. Os partidos políticos. Brasília: Ed. da UnB, 1982. p. 10. Em linhas
gerais, para definir-se um partido como político, é necessário: “uma organização durável [...] cuja esperança de
vida política seja superior à de seus dirigentes no poder”; uma razoável organização local, “mantendo relações
regulares e variadas com o escalão nacional”; a intenção de “dirigentes nacionais e locais [...] de chegar ao poder
e exercê-lo, sozinhos ou com os outros, e não simplesmente influenciar o poder”; e “a preocupação [...] de
procurar suporte popular através das eleições ou de qualquer outra maneira”. LAPALOMBARA, Joseph;
WEINER, Myron. In: CHARLOT, Jean. Os partidos políticos. Brasília: Ed. da UnB, 1982. p. 19.
270
CHACON, Vamireh. História dos partidos brasileiros. 2. ed. Brasília: Ed. da Unb, 1985. p. 23.
115

“PRs” (paulista, mineiro, rio-grandense, etc.). A regionalização partidária refletia, por sua
vez, a forte tendência federalista, que permitia ampla autonomia estadual, e que norteava a
Primeira República. Essa tendência atingiu seu ponto alto com o estabelecimento da política
dos governadores, que, por seu turno, eternizava as oligarquias no poder regional e impedia,
assim, o surgimento de novos atores no cenário político estadual e nacional.
A esse respeito, disparava o Maragato, em sua edição de agosto de 1913:

[...] É a falta de partidos [...] o ponto mais vulnerável da nossa existência


republicana. [...] Tolíssima ingenuidade seria a de quem supusesse, querendo
enganar-se a si próprio, que numa nação de 25 milhões de almas, todas pensam por
uma só cabeça, quando vemos, em nações de quatro e cinco milhões de habitantes, a
opinião dividida em grupos, em facções, em partidos com aspirações e programas
diversos. A existência dos partidos concorre para manter o equilíbrio político, tão
necessário à ordem indispensável à vida nacional. 271

Apoiando-se nesse diagnóstico de contestação a uma situação de congelamento das


oligarquias nos poderes estaduais, isto é, de apaziguamento político e domínio das oligarquias
regionais, da fragmentação da vida política brasileira e principalmente da vacuidade
ideológica dos partidos, que se resumiam em facções numa luta inflamada por interesses
privados, o então deputado federal, Wenceslau Escobar, nas páginas de O Maragato,
destacava:

O resultado desse lamentável estado de coisas é a completa desmoralização dos


comícios. O povo já não crê, absolutamente na possibilidade de abater uma situação
pela vitória das urnas. A prática tem demonstrado que, atualmente, só pela
deslealdade e pela perfídia se consegue esse fim. A traição substituição a eleição. É
o meio pelo qual se tem modificado, em mais de um Estado, as situações políticas,
isto é, pela revolta da criatura contra o criador. Ora, assim sendo, como hão de se
constituir partidos? Se o que os mantêm é a esperança de um dia ser governo, e se a
esperança, à vista da dura realidade dos fatos, não pode medrar, é impossível a
existência de partidos.272

Pode-se perceber aqui uma dura crítica à própria política dos governadores uma vez
que esta pretendia neutralizar a competição partidária, embora não pretendesse eliminá-la,
alijando aquilo que o nosso autor considerava de extrema relevância para o bom
funcionamento das instituições republicanas: a alternância de partidos no poder:

Clama-se, e com justa razão, que não há partidos na República. É uma das causas,
segundo a opinião geral, dos males que afetam as novas instituições. Mas [...] essa
causa não pode, facilmente desaparecer. O que mantém essas agremiações

271
O MARAGATO, 15 ago. 1913, n. 64.
272
O MARAGATO, 19 ago. 1908, n. 42.
116

organizadas é a esperança de um dia subirem ao poder e realizarem o seu programa


político, no todo ou em parte. Ora, para isso, é preciso que haja alternância dos
partidos no poder. Nos países, porém, regidos pelo sistema republicano presidencial,
onde forem fracas a densidade e a cultura moral da população, muito dificilmente
pode haver essa alternação, porque o partido que, por qualquer circunstancia, galgar
o poder, só o coice de armas o abandonará. [...] Não precisamos ir longe para
confirmar nosso juízo; é o que [...] se tem dado em nosso próprio Estado, é o que se
tem dado em toda a República.273

Nesse sentido, como podemos constatar, Escobar, ao fazer amplas críticas à questão da
organização partidária no Brasil, não se esquece de mencionar o contexto rio-grandense da
época, como o reflexo “perverso” de uma política nacional que se erigia no congelamento sine
die das situações estaduais. De acordo com o federalista, a República colocara termo à
alternância dos partidos políticos no poder, típica do período monárquico e que, segundo ele,
bem representava a natureza das instituições políticas brasileiras. Já com a nova forma de
governo, nas palavras de Escobar, “a facção que escalara o poder se eternizava no governo, e
só alcançavam posições aqueles que se lançassem em seus braços, sincera ou fingidamente”,
situação que se manifestava ainda mais gravemente no Rio Grande do Sul. Logo, pode-se
depreender daí a motivação exercida pelo castilhismo-borgismo na crítica empenhada por
Escobar à ausência de partidos políticos no país.274
Nessa mesma linha argumentativa, assinalava o Senador paraense, Lauro Sodré, em
artigo, intitulado “Partidos políticos”: “A história dos partidos políticos, sob o atual regime,
[...] não é senão a história das várias e múltiplas tentativas estéreis, feitas para fundá-los. Tudo
se desmancha e desfaz ao sopro dos interesses de ocasião e ao influxo das conveniências do
momento”. 275
A questão da inexistência de partidos políticos em função da vigência do regime
presidencial no país pautou o discurso da imprensa federalista de maneira recorrente ao longo
da Primeira República. Na edição de julho de 1917, o Maragato destacava que a democracia
brasileira desde a proclamação da República, em 1889, era uma verdadeira “aberração”, pois
nela não havia partidos políticos, uma vez que “não se compreende a liberdade social sem
divergências de opinião”, ou seja, sem o confronto político de ideias e programas. Desse
modo, a folha ainda esgrimia o seguinte:

273
O MARAGATO, 19 ago. 1908, n. 42.
274
No entanto, vale a pena ressaltar as duas experiências ligadas à sucessão eleitoral no ano de 1909: Partido
Republicano Liberal (PRL) e o Partido Republicano Conservador. O PRL foi criado para viabilizar a candidatura
civilista em 1910 e com desdobramentos em 1913. Já o segundo, foi resultado direto das eleições de 1909, uma
vez que a formação do PRC tinha como objetivo principal a sustentação política do governo Hermes da Fonseca
(1910-1914).
275
O MARAGATO, 30 set. 1906, n. 53.
117

E nós não temos partidos políticos, não possuímos correntes que se orientem numa
determinada coleção diretiva. Exceção feita do federalismo, ankylostado (sic) numa
extremidade do País, não há no Brasil outro partido político propriamente dito,
definido. Existem sempre, é certo, dois partidos; esses, porém, podem definir-se: um
que está com o Governo e o outro que o ‘Governo não quer estar com ele’. É devido
a essa falta de partidos, a essa falta de incentivos para lutas que não sejam
meramente pessoais, mesquinhamente individuais, é que devemos o falseamento da
democracia instituída com o regime inaugurado a 15 de novembro de 1889. 276

O jornal ainda apontava, a esse respeito, que o Império, por causa do sistema
parlamentarista, havia sido muito mais democrático e liberal que a República presidencialista,
tendo em vista que:

No regime parlamentar tínhamos dois grandes partidos definidos, nos quais se


arrolavam todas as individualidades políticas que, por isso mesmo, se obrigavam a
princípios de decoro, de dignidade individual e de coerência. [...] Em 28 anos o
presidencialismo não nos deu a democracia verdadeira e uma administração honesta
e popular. Está, pois, condenado.277

Nesse sentido, Rosa Godoy Silveira278 esclarece que o partidarismo republicano nas
esferas estadual e local integrava as pessoas numa estrutura familiar de parentesco no qual o
relacionamento se fazia em termos pessoais. As combinações políticas normalmente
começavam com os chefes locais e estendiam-se até o governo estadual. Esses grupos eram
responsáveis pela formação das chapas eleitorais e, portanto, gozavam de espaço destacado na
lógica da Primeira República.
É preciso relativizar, no entanto, a afirmação tradicional, incorporada pela
historiografia, de modo geral, de que a Primeira República não possuía partidos políticos de
alcance nacional. Embora o modelo federativo oligárquico viesse a inviabilizar durante a
maior parte do regime uma existência formal de partidos nacionais, à exceção do Partido
Federalista, o fato é que persistiu durante todo o período uma forte oposição entre duas
grandes interpretações quanto ao modelo político vigente nacionalmente: uma conservadora e
outra liberal. Os liberais, fora da situação desde o governo Floriano Peixoto, tendiam ao
unionismo, ao judiciarismo, à defesa da liberdade contra a autoridade da verdade eleitoral,
entre outros aspectos. Desse grupo fizeram parte: Ruy Barbosa, Pedro Moacyr, Francisco
Antunes Maciel, Wenceslau Escobar, Assis Brasil, Júlio de Mesquita, Raul Pilla, João
Mangabeira, entre outros. Já os conservadores, ao contrário, estavam identificados à situação,
e tendiam ao ultrafederalismo, ao presidencialismo, à defesa do princípio da autoridade contra
276
O MARAGATO, 27 jun. 1917, n. 29.
277
O MARAGATO, 27 jun. 1917, n. 29.
278
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e federalismo: um estudo da implantação da República
Brasileira (1889-1902). Brasília: Senado Federal; João Pessoa: UFPB, 1978.
118

a “licença”, negando ou justificando a fraude eleitoral. Sua figura principal, sem dúvida, era
Pinheiro Machado, tendo por outros próceres como Campos Sales, Carlos Peixoto, Francisco
Glicério, João Luiz Alves, Júlio de Castilhos, entre outros.
Desse modo, a falta de partidos formais na Primeira República, porém, não nos deve
enganar no sentido de que não houve luta política nacional. Aqui ainda vale uma observação.
Posteriormente à Proclamação República, houve uma tentativa de se juntar as diferentes
propostas republicanas em única frente, no caso, o Partido Republicano Federal (PRF) que
existiu apenas entre os anos de 1893 e 1897.279 Para José Sebastião Witter, muitos políticos da
época tinham interesse em reformular as bases do Partido Republicano e permitir que o PRF
atuasse em escala nacional. Entretanto, Witter acredita que o caráter efêmero do PRF esteja na
sua incapacidade de superar o regionalismo e a luta dos grupos locais do país.
Por fim, queremos salientar que, na ótica da imprensa oposicionista, se o poder
presidencial era visto como instrumento partidário da manutenção de um condomínio
oligárquico no poder, com a justiça a situação era praticamente a mesma. Esse assunto será
desenvolvido a seguir:

3.4 “A POLÍTICA É A MAIOR INIMIGA DA JUSTIÇA”: A QUESTÃO DA JURISDIÇÃO


CONSTITUCIONAL

Segundo Lynch280, o sistema oligárquico da Primeira República funcionava à


semelhança de uma confederação de estados soberanos, compreendido como uma liga de
defesa recíproca, ou seja, qualquer ataque ao domínio de um deles pressupunha o auxílio dos
demais, que no futuro poderiam ter também a sua hegemonia ameaçada. Por outro lado, diz o
autor, sempre que o seu domínio sobre o estado fosse ameaçado pelo governo federal, a
oligarquia recalcitrante tendia a burlar as regras jurídicas, para lançar mão da violência,
intimidar as oposições e tentar sobreviver. Obedecia-se assim à regra de ouro do sistema
oligárquico:

O princípio decisório se rege pelo princípio do mínimo divisor comum, aquele que
reduz as divergências ao máximo que elas podem assumir para que o sistema
continue a funcionar. O mínimo é também, com frequência, o máximo divisor
produtivo, isto é, corresponde àquelas circunstâncias em que qualquer outra

279
WITTER, José Sebastião. Partido Republicano Federal (1893-1897). São Paulo: Brasiliense, 1987;
WITTER, José Sebastião. República, política e partido: o PRF e a política dos governadores. Bauru: EDUSC,
1999..
280
LYNCH, Christian Edward Cyril. Da Monarquia à Oligarquia: uma história institucional e pensamento
político brasileiro (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2014. p. 126.
119

divergência acima do tolerável vira razão suficiente para que a decisão seja sabotada
pelos descontentes.281

Dessa forma, conforme a mesma regra, toda e qual nota dissonante do jogo político
que produzisse efeitos para todos só poderia ser introduzido com a concordância do conjunto
do colégio oligárquico.
Feitas tais observações, deve-se registrar que com o advento da República, a
competência para a legislação eleitoral no âmbito estadual foi transferida às próprias unidades
federativas. Além disso, o Supremo Tribunal Federal tinha a sua atuação jurídica limitada.
Cabe lembrar que o Judiciário no contexto da Primeira República não podia decidir em
matéria eleitoral, assunto que, na esfera federal, cabia ao Congresso Nacional. Assim, se no
Império, o Brasil abrigava um sistema representativo nacional coordenado por uma única
mão, o Poder Moderador, na conjuntura republicana havia vinte sistemas representativos
estaduais ao lado do federal, sem qualquer mecanismo que pudesse coordená-los.
É nesse sentido que vale a pena destacar uma matéria publicada no periódico Echo do
Sul, na edição de 22 de novembro de 1906, cujo título era: “Opinião Clarividente – A Justiça
no Brasil”. O clarividente administrador vinha de Minas Gerais, João Pinheiro, governador do
estado, que havia vetado o ato do senado mineiro, que votava um projeto de lei que mandava
aumentar as custas judiciárias. Nesse sentido, ao se reportar de forma elogiosa à atitude do
governador mineiro, afirmava:

Nada mais racional e mais justo, porquanto a própria natureza da justiça indica que
ela deve tornar-se um elemento acessível a todos, capaz de abrigar grandes e
pequenos, ricos e pobres, brancos e pretos, sem deles exigir sacrifícios que
constituem solene desmentido à existência da mesma justiça. É por esse motivo, que
o clarividente administrador mineiro, ao fundamentar o seu veto: ‘Com semelhante
orientação conseguir-se-á torná-la (a justiça) amada e desejada, como guarda da
nossa honra, garantia das liberdades e paládio de todos os nossos direitos. Encarecê-
la, pela elevação das custas, é agravar a situação oposta, na qual o cidadão em vez de
amar, teme, longe de procurar, evita a ação da justiça, como uma calamidade que
não protege o pobre, arruinando muitas vezes a própria fortuna dos dela mais
favorecidos’.282
Para a folha, a conduta tomada pelo governador de Minas Gerais contrastava
diametralmente com a realidade jurídica gaúcha, como podemos perceber no trecho abaixo:

São de perfeita atualidade para o Rio Grande do Sul, cuja administração político-
administrativa os fetichistas do regime vigente endeusam com tonalidades mágicas,
os motivos do luminoso veto que o ilustre presidente do Estado de Minas Gerais, Dr.
João Pinheiro, opôs ao ato do senado mineiro, que votava um projeto de lei,

281
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O sistema oligárquico representativo da Primeira República. Dados, v.
56, n. 1, 2013, p. 9-37.
282
ECHO DO SUL, 22 nov. 1906.
120

aumentando as custas judiciárias e criando outras, sendo favorecidos os funcionários


já pagos pelo tesouro do estado e os advogados. [...] É desta forma que se revelam as
boas intenções e o critério de um administrador. Nunca, porém, criando códigos de
arrocho, como o Irapuá, nem onerando as partes com custas extraordinariamente
fabulosas e dificuldades que tornam impossível todo e qualquer litígio, máxime
sendo ele intentado por pessoa desafeta aos deuses do olympo que habitamos. O
contraste entre o procedimento do Dr. João Pinheiro e o que aqui as pratica, é
tamanho, que foge a qualquer confronto. 283

Assim como em todo o país, no Rio Grande do Sul o uso político em torno das funções
exercidas pela Justiça, também era fundamental para a manutenção do status quo oligárquico.
Muito embora o Poder Judiciário gozasse de autonomia aparente, na prática sofria direta
pressão do presidente do Estado. Gunter Axt284 sublinha, nesse sentido, que a estrutura da
organização judiciária convertera o então presidente do Estado sulino, Borges de Medeiros,
em “autêntica instância revisória, submetidos que estavam os processos judiciais à filtragem
sub-reptícia o dirigente palaciano”. O próprio Código de Processo Criminal, elaborado pelo
chefe sulino e convertido na Lei nº 24, de 15 de agosto de 1898 vulgarmente conhecida como
“Código de Irapuá”, alusão à região onde se localizava a estância do presidente gaúcho, onde
o projeto do mesmo teria sido escrito, que permitia ensejo à faculdade de apelações
indefinidas, não se processou sem resistências, como vimos no trecho do artigo do jornal
gaúcho.
Nesse sentido, compreendemos o tema da Justiça Federal no discurso jornalístico
federalista não somente como um expediente para o qual as minorias poderiam apelar contra o
arrocho sofrido nas mãos das situações estaduais, mas também em destacar as constantes
interferências do Executivo estadual em toda a ação judicial, ou seja, desde o inquérito,
passando pela denúncia e preparação do processo, até a sentença final. Em suma, política,
administração e justiça, segundo a folha oposicionista rio-grandina, Echo do Sul, andavam de
mãos no Rio Grande do Sul, o que feria o princípio da divisão harmônica entre os poderes
governamentais.
Em fevereiro de 1907, o Echo do Sul acusava o juiz da comarca, Dr. Costa Barradas,
pelo atraso no julgamento de autos e despacho de autos que lhe foram conclusos. A esse
respeito, desfechava:

Somos, fora de qualquer dúvida, um povo infeliz, pois a tanto equivale um povo sem
o amparo das leis e dos tribunais, donde emanam todas as garantias lícitas e
desejáveis, no comércio da vida. Um povo sem justiça ou com esta deficiente, é um
povo sem liberdade, sem direitos e sem prestígio, vogando à mercê do acaso no

283
ECHO DO SUL, 22 nov. 1906.
284
AXT, Gunter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. Porto Alegre: Paiol, 2011. p.
114.
121

oceano tumultuoso das paixões humanas e ameaçado, a cada instante, pelos vaivéns
da vaga demolidora que bate incessante sobre o rochedo da consciência coletiva,
procurando abatê-la pelo furor da tempestade quotidiana. [...] Da justiça, quando
verdadeira e moralizada, decorrem brilhantemente todas as demais virtudes que
redimem os povos, dando-lhes o direito sacratíssimo da vida, com as regalias
comuns a que todos aspiram e disputam. É isso concludente. Justiça, a nosso ver, é
um figurado sinônimo de liberdade, é a irmã gêmea do direito de cada um, é a urna
sagrada onde se depositam as mais preciosas dedicações e ensinamentos. [...]
Orfanados da caridade por excelência, em matéria de direito, o que nos resta, no
meio dos nossos infortúnios, assediados como estamos pela politicagem, subjugados
pelo mandarinato, dos chefes partidários [...]? Somos um povo infeliz. Faltando-nos,
como nos falta a justiça, que é o oxigênio salutar que todos os povos respiram, falta-
nos tudo quanto podíamos aspirar da organização política da nossa terra. Onde um
juiz consome 3 anos (!!!) para despachar autos que sobem à sua conclusão, como
sucede com os processos de Rosauro Zambrano, Campos Moraes e outros, poderá
existir tudo, menos a moralidade, o respeito e as garantias. A lei é letra morta: os
códigos, simples joguetes de juízes preguiçosos. Por conseguinte nulos de pleno
direito. É essa, desgraçadamente, a situação do Rio Grande. Para quem apelar?!285

Cabe lembrar aqui que aos juízes da comarca competiam julgar, em primeira instância,
todas as causas cíveis de valor superior a quinhentos mil réis e em segunda instância todas
aquelas cujo valor não ultrapasse esse limite, pronunciar e julgar crimes comuns, políticos ou
de responsabilidade de funcionários e autoridades públicas e judiciárias, além de presidir o
tribunal do júri.286 Conforme o artigo 54 da Constituição Rio-Grandense, os juízes da comarca
eram nomeados pelo Presidente do Estado, mediante concurso, sem exigência do diploma,
realizado pelo Superior Tribunal e coordenado pelo presidente da magistratura. Conforme o
artigo 42 da mesma constituição, em concurso seriam preferidos aqueles candidatos que
houvessem prestado “assinalados serviços ao Estado”, na condição de juiz distrital ou
promotor público. Cabe lembrar também que os juízes da comarca eram vitalícios e podiam
ser removidos a pedido próprio ou “por conveniência pública”.287
O jornal O Maragato, de 10 de janeiro de 1907, realçava a importância da separação
entre os poderes para o bom funcionamento das instituições políticas: “O Poder Judiciário,
que é o eixo do regime, passou destarte a ser um instrumento nas mãos dos presidentes
desabusados das oligarquias triunfantes, perdendo a sua primitiva importância e
independência”.288
Outro exemplo interessante a ser enfatizado a respeito do tema da jurisprudência
provém do periódico Echo do Sul, em sua edição de abril de 1906. O jornal rio-grandinho
centrava sua atenção no conflito existente entre a justiça federal e a estadual, mais

285
ECHO DO SUL, 3 fev. 1907.
286
Maiores detalhes em: RUSSOMANO, Victor. História constitucional do Rio Grande. 2. ed. Porto Alegre:
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 1976.
287
AXT, Gunter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. Porto Alegre: Paiol, 2011. p.
114.
288
O MARAGATO, 10 jan. 1907, n. 80.
122

precisamente, a gaúcha, no tocante à arrecadação de espólio. De acordo com o periódico, era


de competência exclusiva dos representantes do governo federal o cumprimento de tal tarefa.
Entretanto, a justiça gaúcha não vinha respeitando tal cumprimento federal, conforme
podemos constatar no trecho abaixo:

Sobre a competência na arrecadação de espólios muito se tem escrito e muito se tem


clamado, mas o governo do Estado, na pessoa de seus executores, continua a
espezinhar audaciosamente a lei, com essa arrogância que caracteriza os seus atos
ditatoriais e absurdos. [...] A soberania dos códigos da União precisa e deve derrubar
esse castelo de desobediência que os infalíveis doutrinadores da moral política
levantaram sobre os destroços da justiça federal. Não se pode continuar semelhante
estado de coisas, pois a admitir o prolongamento do regime da inobservância às
determinações do Centro, este deixará de ser a autoridade suprema, em torno da qual
giram todos os problemas de relevância nacional.289

Para tanto, era necessário ganhar a partida contra as oligarquias que faziam do cenário
político nacional “uma vegetação de caudilhagem e destruição”, “sepultando nas dobras da
verdade esses falsos pontificadores do direito, elevados à quintessência dos interesses
mesquinhos e depravados”.290 Urgia, nesse sentido, liquidar com o “regime das autonomias”
excessivas que trazia para o país as mais “descabeladas” anarquias, em matéria de direito
legislativo. Sendo assim, ainda frisava que: “Os Estados e os municípios tem procurado tirar
todo o partido desse sistema de pequenas Pátrias, dentro da Pátria comum, para decretarem
códigos antagônicos aos da União, ferindo de frente os princípios de harmonia e soberania
que deviam reinar”.291
Em vista do que já foi exposto, pode-se afirmar que os jornais federalistas não eram
somente as vozes da oposição na crítica que esta fazia seguidamente ao tema da Justiça, mas
percebemos também que tais folhas assumiam, a partir dessas críticas, explicitamente ou não,
uma estratégia de diálogo com o elemento regional, isto é, com o Rio Grande do Sul.
Por fim, além do espaço destinado aos temas do presidencialismo e da Justiça, a
imprensa maragata se concentrou em outro grande vetor temático: a crítica à atuação do
senador gaúcho Pinheiro Machado. A forma como as matérias foram apresentadas em relação
à atuação de Pinheiro Machado são importantes para a melhor compreensão do discurso
jornalístico da oposição federalista. Este é o nosso próximo tópico.

289
ECHO DO SUL, 5 abr. 1906.
290
ECHO DO SUL, 5 abr. 1906.
291
ECHO DO SUL, 5 abr. 1906.
123

3.5 PINHEIRO MACHADO NA MIRA DA OPOSIÇÃO

De um modo geral, pode-se dizer que o Rio Grande do Sul, nos primeiros anos do
século XX, destacou-se muito devido à atuação de uma figura de grande força no Senado
Federal, Pinheiro Machado (1851-1915)292, que, através de seu partido, o PRR, dominaria a
política brasileira até pouco depois da Primeira Guerra Mundial. Pinheiro Machado atuou
intensamente na cena da política nacional. Nos anos de 1905 a 1906, o senador assumiu a
liderança da facção majoritária do Congresso Nacional, o chamado Bloco ou Coligação.
Fundou e foi presidente do Partido Republicano Conservador (PRC), além de vice-presidente
do Senado em dois períodos distintos – o primeiro entre 1902-1905 e o segundo entre 1913-
1915.293
A projeção do positivismo político gaúcho na instância federal deu-se, especialmente,
através de Machado.294 Na prática, ele forjava as influências locais sem contudo permitir a
radicalização do processo. Para nós, a ação, o verbo, síntese da atuação política de Pinheiro
Machado era querer, no sentido de dominar, de ter poder, e, portanto, de vencer.295
No Brasil, nas primeiras décadas republicanas, a partir do predomínio das oligarquias
locais formava-se o alicerce que Pinheiro Machado buscava para ampliar o seu espaço na
política, algo concretizado com a fundação oficial do PRC, em 1910, que englobava a maioria
das máquinas estaduais. Segundo Joseph Love, o PRC institucionalizou a autoridade e
legitimou o poder do senador em relação às forças oligárquicas dos estados satélites sob a
rubrica da disciplina partidária.296
Principal articulador político do PRR no cenário nacional, Pinheiro Machado foi alvo
de duras críticas por parte dos seus adversários e no âmbito da imprensa despertou a ira do
jornalismo vinculado ou simpático ao Partido Federalista, feroz opositor do partido dominante
gaúcho, pautando muitos dos seus editoriais. Essas críticas dirigiam-se especialmente às

292
Sobre o papel de Pinheiro Machado na política nacional na Primeira República, ver: ENDERS, Amelle.
Pouvoirs et fédéralisme au Brésil (1889-1930). Tese (Doutorado em História) – Université de Paris-Sorbonne.
Paris, 1993.
293
NETO, Leonardo leite (Org.). Catálogo biográfico dos senadores brasileiros de 1826 a 1986. Brasília:
Centro Gráfico do Senado Federal, 1986. p. 1605-1606.
294
O historiador Luiz Antônio Farias Duarte em sua dissertação de mestrado analisa como o político foi
protagonista na mídia durante os primeiros 15 anos do século passado (DUARTE, Luiz Antônio Farias.
Imprensa e Poder no Brasil – 1901-1915 – Estudo da construção da personagem Pinheiro Machado pelos
jornais Correio da Manhã (RJ) e A Federação (RS). Dissertação (mestrado em Comunicação e Informação) ‒
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007).
295
BORGES, Vera Lúcia Bogéa. A batalha eleitoral de 1910: imprensa e cultura política na primeira república.
Rio de Janeiro: Apicuri, 2011. p. 110.
296
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 161.
124

manobras políticas do general gaúcho e da sua influência na condução dos negócios


republicanos.297

Figura 2 – Charge sobre Pinheiro Machado

Fonte: O Gato.298

O que está em questão aqui é mostrar que a produção jornalística opositora, ao se


debruçar sobre a participação de Pinheiro Machado no cenário da política nacional da época,
não impediu que o debate regional travado explicitamente com regime castilhista-borguista
desaparecesse no âmbito de seu discurso jornalístico.
297
Um exemplo emblemático da sua força política conecta o senador ao Cariri de Padre Cícero Romão Batista.
Líder inconteste da sua região, prefeito de Juazeiro e suspenso das ordens sacerdotais, Cícero foi aclamado pela
convenção do PRC como candidato à terceira vice-presidência do Ceará, cargo que aceitou de bom grado. As
eleições aconteceriam em abril de 1912. No meio do caminho, o presidente do Ceará, seu padrinho político,
Nogueira Accioly foi obrigado a renunciar por causa de um massacre de sua polícia contra uma passeata de
mulher e crianças. Parecia o fim, mas não foi. Por uma dessas circunstâncias que somente a política é capaz de
explicar, um acordo de bastidores terminou por garantir a manutenção do nome de Cícero na terceira vice-
presidência estadual. Tratava-se, na realidade, de um acerto de cúpula, firmado no Rio de janeiro, com a benção
do chefe nacional do PRC, o senador Pinheiro Machado, considerado à época o homem mais poderoso da
República e candidato declarado à sucessão de Hermes da Fonseca. Machado, que mantinha sua influência
nacional à custa do apoio das oligarquias estaduais, providenciou em seu laboratório político o antídoto contra a
derrocada de Accioly. A esse respeito ver: ALVIM, Newton. Pinheiro Machado. Porto Alegre: IEL, 1996;
PORTO, João da Costa. Pinheiro Machado e seu tempo. Porto Alegre: L± Brasília: INL, 1985.
298
O GATO. Aventuras na História, ed. 150, jan. 2016, p. 36.
125

Com certeza neste tópico de discussão será também possível visualizar um elemento
interessante do jornalismo político: o combate a pessoas e não necessariamente as suas ideias
e/ou propostas políticas. Sobre esta questão, advertiu-nos com mais precisão Nelson Werneck
Sodré:

A preocupação fundamental dos jornais, nessa época, é o fato político. Note-se não é
a política, mas o fato político. Ora, o fato político ocorre, então, em área restrita, a
área ocupada pelos políticos, por aqueles que estão ligados aos problemas de poder.
Assim, nessa dimensão reduzida, as questões são pessoais, giram em torno de atos,
pensamentos ou decisões de indivíduos, os indivíduos que protagonizam o fato
político. Daí o caráter pessoal que assumem as campanhas; a necessidade de
endeusar ou de destruir o indivíduo. Tudo se personaliza e se individualiza. Daí a
virulência da linguagem da imprensa política, ou o seu servilismo, como antípoda.
Não se trata de condenar a orientação, ou a decisão, ou os princípios – a política, em
suma – desta ou daquela personalidade; trata-se de destruir a pessoa, o indivíduo. É
virulência semelhante, na forma, à do pasquim da primeira meta do século XIX, mas
diferente no conteúdo. Essa distinção é que não tem sido percebida pelos
historiadores, enganados pela semelhança formal que resulta da simples
observação.299

Dentro do sistema oligárquico, Pinheiro Machado representou uma variante ao


organizar as pequenas lideranças estaduais. Em certos momentos, incomodou o poder
Executivo, às vezes chegou mesmo a exceder-se, como quando desejou tornar-se candidato à
presidência, alguns anos mais tarde. Provavelmente, Pinheiro Machado não compreendeu os
limites de suas ações ou então faltou-lhe habilidade para disfarçar a sua força política.
Tornou-se assim um alvo fácil da imprensa.
Na edição de 5 de janeiro de 1908, o jornal O Maragato repercutia o pronunciamento
proferido pelo deputado federalista, Pedro Moacyr, na Câmara Federal, que teria acusado o
senador Pinheiro Machado de pressionar o governo federal para a demissão do Ministro da
Indústria e Viação:

No terreno propriamente político, coube ao aureolado tribuno do federalismo a


glória de fechar com chave de ouro a sua ação parlamentar [...] arrancando, com
pulso firme, a máscara do Tartufo, que o famoso chefe do ‘bloco’, o célebre Pacheco
da atualidade, trazia afivelada ao rosto, apresentando, em sua nudez, tal qual é o Sr.
Pinheiro Machado, - um simples discípulo de Maquiavel, um político de embrulhos,
armador de ciladas, inspirador de traições, sem escrúpulos na escolha dos meios para
chegar aos fins que tem em vista e se resumem na sua preponderância, na sua
supremacia, na sua onipotência. [...] Fica o poder executivo livre de todo e qualquer
embaraço que pudesse opor o parlamento [...] a fim de enterrar definitivamente o
cadáver, já agora ambulante, do Sr. Pinheiro Machado, [...] que é um vencido e um
vencido na pior das condições, porque a sua queda vem de uma altura a que ele
próprio nunca pensou atingir.300

299
SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad 1999. p. 277.
300
O MARAGATO, 5 jan. 1908, n. 77.
126

Predisposição mórbida a doenças, adultério e subversão da seriedade foram algumas


das classificações mais recorrentes empregados pelos jornais maragatos para descrever a ação
de Pinheiro Machado na arena política nacional.
Conforme já foi mencionado anteriormente, o senador liderou o chamado Bloco ou
Coligação, que consistia numa facção majoritária na arena do Senado Federal. O Bloco não
era uma composição ideologicamente vinculada. Seus integrantes uniram-se para garantir a
eleição e sustentação do governo Afonso Pena sob a liderança de Pinheiro Machado que
pretendia, no futuro, formar um partido político. Tal fato só aconteceria mais tarde, na
administração Hermes da Fonseca (1910-1914), com a fundação do Partido Republicano
Conservador. Aproveitando-se do caráter heterogêneo do Bloco, a mesma folha destacava:

Nenhum partido político produziu tão grande cópia de malefícios ao nosso país,
como esse grande, informe, agrupamento de individualidades. [...] O célebre partido
republicano federal, chefiado pelo Sr. Glicério, não exerceu sobre este país ação tão
nociva a da agremiação ‘bloquista’. O ‘bloco’ nascido de um falso, hipócrita
movimento reacionário tendente a reivindicar o direito do povo a escolher os
presidentes da república, tornou-se, em verdade, uma imoralíssima coligação de
elementos, politicamente antagônicos, cujo único tito foi a satisfação dos desejos
pessoais de seus próceres. Do acervo de maldades dessa funesta coligação, ressalta o
apoio a todas as oligarquias do Brasil, fortificadas pela aliança bloquista. 301

Detentor de uma força sem igual, mesmo no momento em que foi vítima de uma
punhalada nas costas, Pinheiro Machado, segundo Vera Lúcia Borges302, tinha plena
consciência do seu papel na vida pública. A imprensa soube se aproveitar deste detalhe seja
para enaltecer seu papel no jogo, seja para criticá-lo como fez a imprensa maragata.
No artigo “Degradação da República”, o jornal A Reforma, em sua edição de março de
1911, atacava de forma veemente o chefe do Bloco abrindo fogo contra o que denominou de a
“ditadura de Pinheiro Machado”. O periódico acusava-o de controlar a máquina político-
partidária nacional e, através desta, do Congresso e do próprio Executivo, na época, nas mãos
do presidente Hermes da Fonseca. As violências constantes assim como as violações de leis
eram entendidas como responsabilidade direta de Pinheiro Machado.
Nessa época, reafirmava-se a convicção imprópria de que a verdadeira chefia da
política nacional estava nas mãos do senador pelo Rio Grande do Sul, o que anulava a própria
figura do presidente da República, Hermes da Fonseca. O episódio em questão, trazido pelas

301
O MARAGATO, 30 abr. 1908.
302
BORGES, Vera Lúcia Bogéa. Morte na República: os últimos anos de Pinheiro Machado e a política
oligárquica (1909-1915). Rio de Janeiro: IHGB; Livre Expressão, 2004.
127

páginas de A Reforma, tratava da autonomia dos conselhos municipais do Rio de Janeiro no


reconhecimento dos poderes de seus membros, quer individual, quer coletivamente. O jornal
não entendia o fato de que, mesmo após o Supremo Tribunal de Justiça ter assegurado a
legitimidade de tal corporação legislativa municipal, a União federal pudesse intervir no caso
anulando a decisão da justiça. Desse modo, alertava:

Não vale a pessoa, nem a vontade do presidente da república que é supremo


magistrado da nação: acima dele há o super árbitro da política nacional, em cujas
mãos se acham presas as duas outras entidades supremas – o presidente da república
e a mais alta expressão do poder judiciário. Como degradação, essa não é suprema,
porque em matéria de degradação, o caráter desce ao ínfimo: a pátria depende da
vontade de um homem que não é o presidente da república, que não é o presidente
do Supremo Tribunal, que não é o presidente do Senado, que não é presidente da
Câmara, que não é presidente de nenhum Estado, que é como qualquer outro um
vulgaríssimo senador, intelectualmente apagado e medíocre.303

Sem dúvida nenhuma, os dois políticos podiam ser responsabilizados pelas


dificuldades que o país atravessava ou pelos erros cometidos pelo próprio governo. É preciso
atentar, no entanto, para o conjunto do sistema político partidário e não apenas para alguns de
seus protagonistas. Porque, afinal, Pinheiro Machado, em larga medida, punha em prática,
conforme seu poder no Legislativo, uma política de intervenção nos negócios políticos
estaduais e municipais, cuja responsabilidade máxima, em tese, cabia antes ao presidente da
República. Nesse sentido, insistia a folha maragata em ponderar que:

Se o Sr. marechal não tem energia para abater de um só golpe a supremacia do Sr.
Pinheiro Machado, se não tem envergadura para se libertar da influência dominadora
desse caudilho, que o está arrastando às mais perigosas aventuras, renuncie à cadeira
do Catete e entregue o poder nas mãos do seu dominador, para que ele exerça,
pessoalmente e com responsabilidade própria, as atribuições que está exercendo
efetivamente, às escancaras, sem o mais leve rebuço [...]. Esmague a vontade do
povo, destrua a soberania nacional, liquide a justiça, enterre de vez o direito, mas
faça-o com energia, com franqueza, assumindo a responsabilidade plena do crime,
[...] mas não como mandatário, como instrumento nas mãos do Sr. Pinheiro
Machado, porque essa posição, além de humilhante para a sua pessoa, é deprimente
para a sua espada e desonrosa para a tradição dos Fonsecas. 304

Pinheiro Machado, frequentemente, era caracterizado como caudilho típico, acusado


de ser representante das elites.305 Entretanto, apesar de afastado das manifestações populares,
sucessivamente conseguia reeleger-se desde o estabelecimento da República no país. O
controle político exercido pelo chefe do Bloco sobre o Legislativo permitia que Pinheiro

303
A REFORMA, 08 mar. 1911.
304
A REFORMA, 08 mar. 1911.
305
Os periódicos Fon-Fon! e Careta apresentam inúmeros exemplos principalmente através de suas charges de
cunho político.
128

Machado reforçasse a ideia – também presente entre certos grupos de oposição – de que, por
falta de partido nacionais, o Legislativo era a representação das vontades estaduais. Daí pode-
se compreender a formação do Bloco, em 1905, agrupamento parlamentar, manobrado por
Machado, que, sob sua permanente liderança, passou a ser crucial nas votações ocorridas
tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.
Fiel à tradição castilhista, Pinheiro Machado trazia consigo a marca do espirito
conservador. Segundo Vélez Rodríguez (2010: 145), Pinheiro pretendeu realizar a nível
nacional o que Júlio de Castilhos conseguira no Rio Grande do Sul com o PRR: o ideal do
partido único, cuja direção absoluta devia caber-lhe, sem discussões e sem opositores. Assim
como Castilhos procurou acabar com as diferentes tentativas oposicionistas ou de crítica com
relação ao PRR, atitude repetida em termos idênticos por Borges de Medeiros, Pinheiro agiu
de forma muito semelhante, visando garantir o seu domínio absoluto na política nacional
através do PRC. É dentro desse contexto, assegura o referido autor, que devemos interpretar a
política das “degolas” que o senador gaúcho dirigiu com “perfeição insuperável”. A única
diferença existente entre Castilhos e Pinheiro dizia respeito ao campo de ação partidário:
provincial, no primeiro; nacional, no segundo. Não obstante, ainda aqui, afirma Vélez
Rodríguez, pode-se perceber uma linha de continuidade, como se observa nos entendimentos
de Pinheiro Machado com Castilhos e Borges de Medeiros, a fim de manipular a política
nacional de forma favorável aos interesses do Rio Grande. A esse respeito, trovejava a
imprensa maragata:

Nunca, o Sr. general Pinheiro Machado teve intenção sincera de derrubar as


oligarquias, porque teria de insurgir-se contra a primeira e mais perigosa de todas
elas: a do seu próprio Estado natal, que S. Ex. ampara e que a seu turno apoia a
personalidade e o predomínio do senador na política nacional. [...] No dia em que ele
pretender por em prática qualquer intuito por ventura nobre para derrubar as
oligarquias [...] sentirá esboroar-se o castelinho do seu poderio regional, no próprio
baluarte do seu partido no Rio Grande do Sul. S. Ex. compreende que será vítima da
sua própria ousadia e por isso resolveu acastelar-se na proteção aos oligarcas do
Norte para que estes num justificadíssimo movimento de reação não esboroem em
três tempos a oligarquia positivista do Rio Grande do Sul [...].306

Dentro dessa perspectiva, é válido destacar aqui a síntese produzida por Costa Porto a
respeito da concepção política de Pinheiro Machado: “Mesmo quando mais parecia desviado
das diretrizes primitivas, conservava-se fiel ao princípio fundamental: o presidencialismo

306
O MARAGATO, 14 jun. 1911, n. 35.
129

escudado no partido e sob o controle do Senado e, ambos, em derradeira análise, agindo em


função do espírito partidário”.307
À luz dos argumentos anteriores, a imprensa federalista insistia em destacar a repulsa
de Pinheiro Machado ao sistema representativo de governo e à formação de uma opinião
pública no Brasil. Na matéria intitulada “A fraqueza da opinião”, o colaborador Oliveira
Gomes fazia a seguinte indagação: “é oportuno perguntar se foi mais o Sr. Pinheiro Machado
que afeiçoou aos seus interesses de mando a nossa política ou se antes foi o nosso lamentável
descuido de tudo que criou o Sr. Pinheiro”.308

Assim como as questões de ordem internacional [...] as de ordem social, que são as
de organização do país, necessitam, reclama, exigem a colaboração da opinião
pública, que é quem cria e fiscaliza os órgãos da sua soberania e quem traça os
programas dos seus governos. Sem isso não se pratica regime algum; sem isso os
órgãos do poder não passam de meras delegações da indiferença e da inanidade da
opinião pública. Este é o nosso mal mais profundo, o nosso mal máximo, contra o
qual todas as terapêuticas parecem improfícuas [...]. É por termos chegado a esta
tristíssima situação de amorfismo moral, a este estado de absoluta indiferença da
opinião que assistimos a este espetáculo por certo único na política de qualquer país,
a não ser na dos que já se degradaram: a opinião é absolutamente inimiga do St.
Pinheiro; ele mesmo o confessa sem o mínimo embaraço. 309

Efetivamente, Pinheiro não se interessava de forma alguma pela opinião pública,


desafiando-a continuamente, sendo esta uma das causas principais da crescente
impopularidade que terminou por dar-lhe o golpe fatal em 1915.310
A consumação do processo de oligarquização da política brasileira, pela política dos
governadores, originou as primeiras contestações, em nível nacional, à prática do regime
vigente, por parte das oligarquias excluídas do processo e da classe média emergente. Surgia
assim, a Campanha Civilista, que abordaremos agora.

3.6 A REVISÃO CONSTITUCIONAL NA IMPRENSA FEDERALISTA

De acordo com Joseph Love311, um dos temas sustentados pela política situacionista,
no que respeitava à temática da Federação, referia-se à defesa da Constituição Brasileira
contra revisões que enfraquecessem as autoridades estaduais. Esta posição se encaixava

307
COSTA PORTO, João da. Pinheiro Machado e seu tempo – Tentativa de interpretação. Rio de Janeiro: José
Olímpio, 1951. p. 242-243.
308
CORREIO DO SUL, 6 mar. 1915.
309
CORREIO DO SUL, 6 mar. 1915.
310
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal;
Conselho Editorial, 2010. p. 148.
311
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 94-95.
130

perfeitamente com a rejeição a qualquer tentativa federal de entregar às minorias uma porção
do poder nas unidades estaduais. Naturalmente, o antirrevisionismo também interessava a
outras máquinas em gozo do poder, tornando-se “a figura central dos escassos atavios
ideológicos que mantinham coesos os principais partidos de situação”. Da mesma forma, para
os grupos de oposição, dentre eles os federalistas rio-grandenses, e mais tarde para outros
críticos do regime federal, “o revisionismo tornou-se objetivo central”.312 Através dos jornais,
os políticos federalistas explicitam abertamente o fato de que a República havia sido traída,
desviada e sofismada pelos políticos ou pela “politicagem”.
Pode-se destacar que o primeiro projeto nacional de alguma expressão, no sentido de
revisão da Carta Federal de 1891, foi o programa civilista313 alardeado pelo baiano Ruy
Barbosa314, em 1909-1910, que contou com o apoio expressivo dos seguidores da oposição
federalista. Além dos maragatos, a campanha civilista contou com a participação do Partido
Republicano Paulista (PRP). Sua concepção de República estava nos moldes federalistas a
partir da reunião de estados, unidos pela nacionalidade, assim como a solidariedade dos
grandes interesses de representação e de defesa exterior. Segundo Love, o programa civilista,
o qual previa o unionismo, ou seja, a preservação dos interesses do poder central,
presumivelmente, exercia atração maior sobre os membros de partidos minoritários e os
eleitores urbanos em geral, ou seja, sobre os grupos que viam no aumento do poder federal, e
no voto secreto, um meio de enfraquecer as situações estaduais. E o tema do revisionismo
ocupou com relevância as páginas dos periódicos pesquisados para este trabalho.
Em linhas gerais, a plataforma Civilista tem sido interpretada como um movimento
liberal, comprometido com a causa democrática, que advogava, além da reforma da
Constituição de 1891, o combate às oligarquias e a transformação da Justiça, e a defesa de

312
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 94-95.
313
Maiores detalhes em: RESENDE, Maria Efigênia Lage. O processo político na Primeira República e o
liberalismo oligárquico. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo do
liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006. p. 175.
314
Ruy Barbosa de Oliveira nasceu em Salvador em 1849. Tornou-se bacharel em Direito no Largo de São
Francisco, em São Paulo, mas foram suas intervenções como jornalista e orador que notabilizaram sua
participação no debate público. Republicano e abolicionista atuante, elegeu-se deputado para a Assembleia da
Bahia ainda em 1877. Participou ativamente da escrita da Constituição Federal de 1891. Foi primeiro ministro da
Fazenda no novo regime. Renunciou ao ministério ainda em 1891 e esteve exilado devido ao seu envolvimento
na Revolta da Armada de 1893. Retornou ao Brasil em 1895. Atuou como senador da República, de 1895 até
1923, quando faleceu em Petrópolis. Dados extraídos do texto “Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923) –
Abolicionismo”, de Ana Lúcia Lana Nemi.
131

medidas em benefício da educação, a reforma eleitoral, o voto secreto, a estabilidade cambial


e o incentivo à imigração.315
Em outras palavras, o movimento capitaneado por Ruy Barbosa exigia a regeneração
da república brasileira pelo estabelecimento da verdade eleitoral e pela reforma judiciária, no
sentido de centralizá-la na justiça federal. Também aqui se tratava de duas faces da mesma
moeda. Entendia-se que as justiças estaduais, como demonstramos no tópico anterior, sempre
parciais e dependentes dos ocupantes dos poderes locais, que as nomeavam, desempenhavam
um papel central na perpetuação das oligarquias, visto serem quem sancionava as fraudes
eleitorais.
A unidade da Justiça facilitaria a defesa dos direitos civis e políticos da oposição, dada
a maior visibilidade da esfera federal e a suposição de que tal reforma conferiria ao Supremo
Tribunal Federal, no seu papel último de garantidor do Estado de direito, a importância que
lhe era devida. Por outro lado, praticamente todo o establishment recusava, em nome da
intangibilidade da “obra republicana”, e, dentro dela, do federalismo, qualquer possibilidade
de semelhante revisão, a começar pelo já mencionado Pinheiro Machado, condestável
castilhista do regime.
A primeira conferência da campanha civilista ocorreu em São Paulo. Identificados
com a causa liberal, os civilistas acreditavam que o trunfo da candidatura de Ruy ocorreria
especialmente nos locais onde houvesse um pouco de civilização e cultura, uma noção de
liberdade e uma compreensão mais clara do dever e do civismo.316
Deve-se lembrar também que a Campanha Civilista incluía muitas das pautas que os
federalistas já vinham propondo, pelo menos desde o ano de 1896, quando o partido foi
reorganizado, no Congresso, realizado em Porto Alegre. Aliás, dessa reunião, presidida por
Gaspar Silveira Martins, uma nova plataforma seria aprovada, não mais significando um
programa de ação regional, como o de 1892, mas um plano de ação com ambições nacionais.
Entres as principais pautas, referidas, podemos destacar: a eleição indireta para presidentes,
fixando uma duração mais longa para o mandato presidencial; fortalecimento da União317,

315
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República de 1889 a 1930. 2. ed. São Paulo: Edições LB, 1962;
SILVA, Hélio. O poder civil (1895-1910). São Paulo: Editora Três, 1975 (Coleção História da República
Brasileira).
316
COSTA, João Cruz. Pequena história da República. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 76.
317
Colhe-se dessa postura política que a escolha do próprio nome do partido – Partido Federalista –, decorria do
espírito que o teórico norte-americano, Alexander Hamilton, já citado anteriormente, imprimiu ao seu Federalist
Party, ou seja, o de reforçar a competência e os poderes da União em detrimento dos estados. O gasparista, Félix
C. Rodrigues, confirma essa identificação entre o partido brasileiro e o de Hamilton. Referindo-se, inicialmente,
à Silveira Martins, assim, dizia ele: “Tal é a tradução da última vontade do grande brasileiro [...], tal o
patrimônio legado por ele ao seu partido, cujo nome – federalista – reproduz o do partido de Hamilton e lembra o
mesmo antagonismo com os fins políticos colimados. Se apertar o nó entre os Estados, aumentando os direitos
132

concedendo-lhe o poder de emitir moeda, a propriedade das terras devolutas e a competência


para legislar sobre direito civil, penal e processual, aumento dos dispositivos referentes à
intervenção federal nas unidades regionais, como mecanismo de combate aos excessos do
federalismo, e, por fim, a fiscalização dos atos do Executivo a partir do Congresso Nacional.
Na edição de 14 de julho de 1910, o jornal O Maragato alertava ao seu público leitor
que o federalismo gasparista, desde 1896, já trazia em seu programa político várias das causas
defendidas pela plataforma civilista, tais como: a eleição do presidente da República pelo
Congresso Nacional e a extinção do cargo de vice-presidente. Nesse sentido, desfechava:
Mas constatemos desde logo que é não coisa nova o que ele propõe. Há muitos anos
essas duas medidas foram inscritas no programa do partido federalista. Há quase dois
decênios, na imprensa, na tribuna, no Congresso, o federalismo propaga essas ideias, luta por
elas, defende-as, demonstra por mil formas a necessidade da sua adoção. (O Maragato, 14 de
julho de 1910).
Essa conexão entre o programa civilista de Ruy Barbosa e as ideias políticas
defendidas pelo Partido Federalista foi também destacada por Arthur Caetano da Silva, futuro
deputado estadual por aquela sigla, e que na época colaborava para a imprensa maragata. A
esse respeito, ele esgrimia:

O manifesto parlamentarista de 3 de setembro de 1901, num dos seus tópicos


principais, trata dos empréstimos externos contraídos pelos Estados e municípios,
opinando pela limitação dessa faculdade. Aí, também, o vitorioso Ruy Barbosa faz
causa comum com os pregoeiros da liberdade rio-grandense.318

Nessa mesma perspectiva, Silveira Martins Leão, neto de Gaspar Silveira Martins, na
edição de 25 de abril de 1909, de O Maragato, apresentava o seu avô como o grande
precursor de muitos dos postulados políticos arguidos pelos adeptos do civilismo. Desse
modo, ele esclarecia que :

A República não quis aceitar Silveira Martins porque ele coma sua clarividência de
estadista experimentado previa tudo o que nos está acontecendo; desde que só em
vez da forma republicana compatível com a índole e tradição do nosso povo,
adotamos por um mal entendido espírito de imitação, o regime presidencial. Silveira
Martins, portanto, foi o primeiro combatente da revisão. [...] À César o que é de
Cesar...Ao grande patriota, ao príncipe da eloquência brasileira, tribuno inexcedível,
estadista abnegado, agora que as suas ideias se avolumam e formam forte corrente
na opinião nacional, conquistando adesões dos que mais inacessíveis pareciam a

da União, era o que visava o partido federalista americano, não é outro o empenho dos federalistas rio-
grandenses, que se batem pela volta ao governo federal de certas atribuições nefastamente conferidas aos
estaduais”. RODRIGUES, Félix Contreiras. Velhos rumos políticos. Tours (França): E. Arrault, 1921. p. 278.
318
O MARAGATO, 3 fev. 1911.
133

elas, fique ao menos a glória de as haver sustentado antes com mais calor do que
ninguém, com o desassombro e o sacrifício dos apóstolos de um evangelho.319

Assim, não podemos afirmar que o tema do revisionismo constitucional surgiu com ou
durante a Campanha Civilista, uma vez que outras correntes partidárias, como por exemplo o
federalismo gaúcho, muito antes das eleições de 1910, já vinham apregoando praticamente as
mesmas bandeiras. Em sua edição de 8 de abril de 1906, A Reforma destacava com
veemência:

A aspiração de revisionismo constitucional, para adaptar o Estatuto básico da


República às condições da nacionalidade brasileira, ganha terreno dia a dia no
espírito público. É fraca a resistência que já lhe opõem os sustentadores do regime
americano, levianamente transplantado para o governo político do Brasil, ao
instituir-se a República. [...] É consequência desse erro o mal estar que acabrunha o
país, a anarquia na política e na administração, o abaixamento do nível moral, a
decadência intelectual, o desiquilíbrio financeiro. É consequência desse erro essa
atmosfera pesada, que traz intranquilos os espíritos, pela falta de confiança, pelas
incertezas do dia de amanhã.320

Durante a Campanha Civilista (1909/1910), os jornais da oposição federalista


passaram a reproduzir com mais frequência artigos originalmente publicados na chamada
“grande imprensa”. Destacamos aqui o Correio da Manhã, jornal carioca, fundado por
Edmundo Bittencourt, em junho de 1901. Durante a campanha presidencial, esse periódico
trouxe de volta um de seus maiores nomes da equipe, Gil Vidal, afinado com a campanha pró-
Ruy.
A dualidade da magistratura e do procedimento judiciário, por sua vez, deveria ser
suprimida, voltando-se à unidade verificada no Império. Pode-se destacar que a oposição
considerava essa dualidade como caricatural, consequência do modelo equivocado de
federação que havia sido adotado, calcado num mimetismo institucional estrangeiro,
indiferente às nossas condições culturais, econômicas e políticas. Na mesma linha
argumentativa, aparece o desejo pela unificação do direito substantivo e processual, como
podemos constatar no trecho abaixo:

Aqui, o direito vive no processo, como a função é inseparável do órgão, vivendo a


mesma vida e nutrindo-se da mesma seiva, cada qual subordinado às relações do
outro. Deixar, pois, tão árdua a interessante matéria ao arbítrio das legislaturas
regionais, sem ao menos tentar regulamentá-la criteriosamente, é obra da requintada
estolidez e caturrice que de nenhum modo consulta as necessidades vitais do nosso
organismo social e jurídico.321

319
O MARAGATO, 25 abr. 1909, n. 11.
320
A REFORMA, 8 abr. 1906.
321
O MARAGATO, 10 jul. 1907, n. 80.
134

Vale a pena destacar também um outro aspecto central presente na reforma


constitucional: o da unidade nacional. A postura unionista dos federalistas colocava-se
diametralmente oposta à que sustentara os castilhistas e demais conservadores, calcada no
ultrafederalismo. Tanto que Júlio de Castilhos, perante o Congresso Constituinte de 1891,
dissera que o importante era proteger os estados contra a absorção central e insistiu em
reforçar e consolidar as franquias estaduais. Castilhos chegava a defender, inclusive, que a
União vivesse das transferências tributárias dos estados. No Congresso, não era incomum a
ala perrepista, da bancada rio-grandense, recorrer às concepções descentralizadoras de
Augusto Comte, para quem todas as nações estavam destinadas a se desagregar para
formarem pequenas pátrias. O artigo assinado por Oliveira Gomes é exemplar nesse sentido.
Assim, diz ele: “Essa campanha é a que deve ser feita e é a que deve ser feita e é a que parece
que se vai fazer felizmente para abolir de vez dominações regionais que desonram a Pátria e a
República. É preciso manter a unidade nacional”. Outro exemplo interessante a ser destacado
é o artigo, publicado em O Maragato, intitulado “Pelo Brasil Unido”, de autoria do gasparista
Contreiras Rodrigues:

[...] Nós precisamos de unidade, coesão, resistência; e não desmembramento,


federação, descentralização, desagregamento; precisamos do Brasil como nação, não
como simples expressão geográfica. A federação é uma forma transitória e
reacionária, contra o abuso de pequenos Estados da mesma nacionalidade; não é
solução definitiva de um problema. [...] O empenho de fazer Estados livres cedeu
lugar ao empenho de organizar Nações ou Estados homogêneos. 322

É preciso, entretanto, atentarmos para o fato de que quando a Constituição Federal de


1891 foi de fato reformulada e num sentido centralizador como queriam os federalistas
gaúchos e demais excluídos do poder, foram fulminadas as veleidades tão apregoadas pelas
oposições, como por exemplo, o de fazer do Supremo um instrumento de liberalização do
regime.323
Para finalizar, deve-se destacar que o próprio movimento apoiador da causa
revisionista trazia consigo uma marca forte de conservadorismo. Os elementos básicos de um
discurso conservador encontram-se ali também. A luta contra o mal – de fundo religioso – a
denúncia de corrupção dos valores morais, a exigência de saneamento, limpeza e higienização
da prática política, o chamamento à unidade, como acabamos de elucidar acima, a valorização

322
O MARAGATO, 26 jan. 1916, n. 93.
323
RODRIGUES, Leda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. V. 3: doutrina brasileira do habeas
corpus. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991; O Supremo Tribunal Federal e a construção da
cidadania. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2006.
135

do espírito patriótico, tudo articulado num discurso que se dizia antioligárquico e revisionista.
Numa palavra: o ajuste fino para a reiteração do mesmo.
Nesse sentido, cabe questionar se o movimento pró-Ruy, de 1909, incluindo dos
nossos personagens políticos, estava efetivamente comprometido com um real processo de
democratização da sociedade brasileira e se o discurso em torno dessas questões de retórica,
na melhor tradição da cultura nacional.
Neste capítulo, procuramos destacar que a inserção federalista no debate político
jornalístico, congregando temas de repercussão nacional, como o presidencialismo, a
jurisdição constitucional e organização partidária republicana, retomava uma problemática
regional, vivida pelo estado do Rio Grande do Sul, em sua fase republicana. Ou seja o
discurso antioligárquico da oposição não encerrava em si mesmo, uma vez que havia um
componente regional motivando a formulação de suas críticas ao regime. Ao defenderem
ainda maiores poderes à União, considerando excessivas as atribuições dos estados desde o
advento da República, os federalistas manifestavam a sua crítica ao autoritarismo
governamental do aparelho castilhista-borgista.
Alijados do jogo político oligárquico, os federalistas obtinham nenhuma vantagem da
política dos governadores que dominava a República, tendo em vista que esta favorecia
essencialmente os grupos políticos que estavam no poder, como por exemplo o PRR.
Procuramos destacar também a posição de parceiro do situacionismo gaúcho na política dos
governadores, instaurada por Campos Salles, em 1898, onde o fortalecimento anterior não
deixou espaço para que o referido pacto fosse articulado no Rio Grande do Sul com outras
forças políticas, dentre elas, a do Partido Federalista, mesmo que estas estivessem
teoricamente até mais afinadas ideologicamente com os demais partidos republicanos no país.
Cabe assinalar que a política dos governadores, modelo oligárquico de funcionamento
da constituição, era uma espécie de “conciliação” extraparlamentar promovida pelo presidente
da República com os governadores, destinada a preservar os situacionismos estaduais e a
despartidarizar a política do Congresso em proveito da administração federal. Nesse sentido,
segundo o prisma dos situacionistas da Primeira República brasileira, o presidencialismo
aparecia como o regime mais adequado para a manutenção do establishment oligárquico.
136

4 A AÇÃO DA BANCADA FEDERALISTA NO CONGRESSO NACIONAL

As tiranias, as espoliações, as supressões do direito de voto, as mil e uma fraudes


dos alistamentos eleitorais, as denegações escandalosas de justiça, as transformações
das magistraturas locais [...] em verdadeiras gendarmarias de polícia ao serviço de
cada governador, as leis votadas atropeladamente, inconscientemente, sem discussão
alguma ad hoc, ad usum delphini, para satisfazer apetites vorazes muitas vezes, [...]
os sufocamentos de toda e qualquer oposição prestante, na generalidade da
federação; os abusos cometidos pela prepotência impune dos mandarinatos locais,
tudo isto [...] não tem, na federação brasileira [...] um poder para o qual possam os
oprimidos, os infelizes, os desgraçados, os espoliados no seu voto, recorrer com tal
ou qual probabilidade de êxito e reparação, com vislumbres de esperança! 324

O 15 de Novembro de 1889 acabaria por transformar-se num momento de inflexão da


formação histórica brasileira. Este episódio foi encarado sob diversos prismas, desde como
uma revolução, um golpe de Estado, uma parada militar325, entre tantas outras, diante de uma
população quase estupefata, na tão repetida asserção lapidar de Aristides Lobo, ao referir-se
aos bestializados da República.326 A mudança na forma de governo, entretanto, não teria a
harmonia como marca de sua consolidação, uma vez que vários foram os embates travados no
sentido de definir-se que modelo deveria ser empregado para implementar a República.
Dentre as tendências que buscavam moldar à sua aparência e modo de pensar o novo
“regime” estiveram os liberais, os jacobinos e os positivistas, opondo-se a estes, alguns
monarquistas327, que ficaram conhecidos pela pecha de sebastianistas.
Essas correntes políticas disputariam entre si a primazia de moldar de acordo com seus
ideais a incipiente República, além do que, militarismo x civilismo; federalismo x unitarismo;
centralização x descentralização; ditadura/autoritarismo x democracia foram temas debatidos
à extenuação, durante as primeiras décadas do processo de implementação da forma
republicana de governo.328

324
DISCURSO de Pedro Moacyr. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), sessão de 28 de maio de 1908, p.
434.
325
A hipótese de que a República brasileira foi, em sua origem, obra dos militares, resultado do
descontentamento de setores do Exército e fruto das questões militares que se arrastavam desde o fim da Guerra
do Paraguai, encontra respaldo nas versões contemporâneas ao fato e na historiografia. Entre as análises
recentes, os trabalhos de Celso Castro (1995, 2000) sustentam o argumento do protagonismo do Exército no
advento da República.
326
Entretanto, pode-se destacar que havia mais coisas no alvorecer da República do que simplesmente um povo
bestializado. José Murilo de Carvalho (1997, p. 140-160), ao contrário, sugere atitudes políticas que, longe de
serem passivas e indiferentes, estariam mais para estratégias bilontras, isto é, esperteza, velhacaria e gozação
como armas de resistência ante o poder instituído.
327
O tema do monarquismo na República tem sido pouco pesquisado pelos historiadores. Porém, as ações
políticas e as atividades jornalísticas dos monarquistas foram amplas e constantes, até pelo menos 1913. Uma
síntese sobre o problema consta em Carone (1972, p. 373-386). Pode-se dizer, no entanto, que o único estudo de
fôlego sobre a questão monárquica na República permanece sendo a pesquisa de Janotti (1986).
328
Ver: PAIM, Antônio. Liberalismo, autoritarismo e conservadorismo na República Velha. In: BARRETO,
Vicente; PAIM, Antônio (Orgs.). Evolução do pensamento político brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia; São
137

Pode-se dizer que na conjuntura brasileira prevaleceria o modelo liberal, com o


deslocamento regional do poder em direção à oligarquia cafeeira paulista, embora a
consolidação republicana se desse sob o regime de força dos primeiros governantes militares.
Desde os instantes iniciais da República, sob a ditadura do Governo Provisório do Marechal
Deodoro da Fonseca, e seguindo-se na administração de Floriano Peixoto, que governou sob
Estado de exceção, no embate para com os focos revolucionários, prevaleceram as práticas
autoritárias em nome da “salvação” das instituições estabelecidas a 15 de Novembro. Ou seja,
embora de feições liberais, a Primeira República brasileira apresentará uma estrutura de
dominação e um sistema político oligárquicos, incorrendo na repetição de inúmeros vícios
condenados pelos primeiros críticos republicanos ao sistema político imperial.
A respeito dessa coexistência de uma Constituição liberal com práticas políticas
oligárquicas, sublinhou Antônio Paim:

A Constituição de 1891 deu aos liberais um instrumento aglutinador, permitindo-


lhes elaborar o que Nelson Saldanha denominou de pensamento político oficial.
Assim, pelo menos ao longo das três primeiras décadas republicanas, o liberalismo
corresponde à doutrina política oficial. Mas a prática do regime era francamente
autoritária.329

No Rio Grande do Sul, o modelo que viria a tornar-se predominante seria embasado
nas ideias de Augusto Comte, levadas em frente por aquele que se tornaria a principal
liderança republicana gaúcha – Júlio de Castilhos. Esse chefe político adaptaria as ideias
positivistas ao contexto sul-rio-grandense, constituindo um verdadeiro novo “regime” – o
“castilhista”330 – cujo principal intento era garantir a permanência dos seus partidários no
poder, de modo a alijar todos os possíveis adversários. Desse modo, no caso sul-rio-
grandense, o autoritarismo foi ainda mais acirrado, se comparado com o restante do país, pois
se somaria a um exclusivismo partidário e personalista, uma vez que para participar do poder
estadual havia a necessidade de alinhamento incondicional às ideias e à figura do líder
máximo do republicanismo gaúcho.331

Paulo: EDUSP, 1989. p. 203-205; CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da
República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 24-27.
329
PAIM, Antônio. Liberalismo, autoritarismo e conservadorismo na República Velha. In: BARRETO, Vicente;
PAIM, Antônio (Orgs.). Evolução do pensamento político brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
EDUSP, 1989. p. 203.
330
Sobre o modelo castilhista ver: VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República.
Brasília: Senado Federal; Conselho Editorial, 2010.
331
Céli Pinto, em seu estudo sobre o republicanismo no Rio Grande do Sul, enfatiza esta ótica, ao afirmar que
Castilhos tratou logo de caracterizar a sua versão republicana como a única legítima e aceitável. Para isso
remetia toda e qualquer outra visão no rol dos “saudosistas do Império ou monarquistas”. Mesmo os dissidentes
138

Desse exclusivismo castilhista, no âmbito gaúcho, conforme já destacamos nos


capítulos anteriores, não escapariam os antigos liberais gasparistas332, grupo predominante no
estado sulino, afastado do poder com a nova forma de governo, nem os conservadores, alguns
dos quais, como os “Silva Tavares”, haviam se tornado “republicanos de última hora”, e nem
mesmo alguns dos republicanos históricos, como Antão de Farias, Barros Cassal e Demétrio
Ribeiro, que formariam, desde cedo, uma dissidência do partido dominante gaúcho, o Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR), uma vez que Júlio de Castilhos não pretendia deixar
espaço para que nenhuma outra personalidade pudesse vir a ofuscar a sua figura política.
Estas exclusões levariam à formação de várias organizações partidárias oponentes ao
castilhismo, representadas por aqueles diversos grupos alijados do processo político, que, por
sua vez, se manifestariam por meio da imprensa, do parlamento e, no caso extremo, por meio
das armas. Nesse sentido, na esfera regional, surgiriam, assim, a União Nacional (1890), o
Partido Republicano Federal (1891), o Partido Federalista (1892), o Partido Republicano
Liberal (1896) e o Partido Republicano Democrático (1908). Esses elementos oposicionistas
“reuniam grupos políticos com conceitos, ideias e objetivos diferenciados e, às vezes, até
mesmo antagônicos. O único fator em comum que os unia era o anticastilhismo”.333
A esse respeito, pode-se destacar que, de todas as agremiações mencionadas 334, o
Partido Federalista (PF), agremiação fundada por Gaspar Silveira Martins335, no congresso de

republicanos eram tratados pelos castilhistas como traidores. PINTO, Céli Regina Jardim. O positivismo. Porto
Alegre: L&PM, 1986. p. 35.
332
Cabe lembrar que o Partido Liberal gaúcho, liderado por Gaspar Martins, significou a base política que
constituiria o Partido Federalista, em 1892. Nos anos anteriores à proclamação da República, configurou-se o
mais influente no estado, dominando a Guarda Nacional, o Legislativo provincial e a maioria dos governos
municipais. Outras informações em: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. 1893: a revolução além da fronteira. In:
GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha (1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 23.
333
ALVES, Francisco das Neves. Oposições e dissidências no Rio Grande do Sul (1896-1908): tentativas de
rearticulação. Biblos, Rio Grande, v. 7, 1995. p. 190.
334
Com exceção do Partido Federalista, todas as outras oposições destacadas tiveram duração tênue e efêmera,
constituindo-se em alianças, e não em partidos políticos propriamente ditos. Sobre esta temática, ver:
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
335
Nascido em Bagé-RS, em agosto de 1834, Gaspar Silveira Martins formado em Direito na Faculdade de
São Paulo, atuou como advogado e juiz, dedicando boa parte de sua vida às lides políticas. Grande orador,
filiado ao Partido Liberal (PL), foi eleito deputado provincial em 1862 e geral, em 1872. Com seu partido,
cresceu na oposição aos Presidentes da Província, nomeados pelo Governo Central, até 1878, quando os liberais
ascendem ao poder e dominam tanto a Presidência quanto a Assembleia no Rio Grande do Sul. Neste ano,
ocupou a pasta da Fazenda no gabinete liberal, com o qual logo romperia, discordando de suas atitudes, e, mais
tarde, em 1880, ascendeu ao Senado. Após novo período de oposição aos ministérios conservadores, entre 1885
e 1889, Silveira Martins acompanhou a nova ascensão dos liberais na formação do último gabinete imperial,
quando foi nomeado Presidente da Província do Rio Grande do Sul. Com a República, sofreria com o exílio,
podendo retornar apenas em 1892, quando atuou decisivamente na congregação de parte das forças de oposição
ao castilhismo, formando o Partido Federalista. Um dos líderes dos revoltosos durante a Revolução Rio-
Grandense de 1893, com a derrota desta vai para a Europa e depois fixa residência no Uruguai. Ainda em 1896
participou do Congresso Federalista de Porto Alegre, onde apresentou um modelo de Constituição parlamentar,
aproveitado na Carta de 1934. No exterior, permaneceu até 1901, quando faleceu na República Oriental.
Conselheiro do Império, e dono de uma poderosa e torrencial eloquência, Silveira Martins deixou fama nos
139

Bagé-RS, em março de 1892, significou o principal veículo de oposição ao castilhismo,


permanecendo na cena política regional e nacional durante quase quatro décadas. Formado
com remanescentes do Partido Liberal, suas bases programáticas definiam-se “por um
governo de estilo parlamentar, pelo fortalecimento das influências locais, através do voto
distrital e da autonomia municipal, [...] e, afinal, por um sentido mais liberal que o
castilhismo, ao defender a representação das minorias no Legislativo, com a adoção do
sistema de ‘voto incompleto”.336
No tocante ao período da Primeira República, cabe ressaltar que, juntamente com o
PRR (situação), o Partido Federalista (oposição) criou no Rio Grande do Sul um sistema
“bipartidário”.337 Hélgio Trindade desenvolve essa ideia ao chamar a atenção para a existência
de dois modelos opostos – conservadores autoritários (castilhistas) versus conservadores
liberais (federalistas). Nesta perspectiva, o referido autor esclarece que:

[...] A característica básica da classe dirigente gaúcha, originária de uma economia


regional de tipo agropecuário baseada na grande propriedade, é a eclosão de uma
clivagem política consistente, cuja fissura profunda atravessa todo o tecido social
exprimindo-se no radicalismo ideológico, e às vezes, insurrecional de grupos em
conflito permanente: no governo os conservadores-autoritários; na oposição, os
conservadores-liberais. Este contexto político regional que corresponde a diferenças,
nos planos ideológico, econômico e social, tornar-se-á um dos fatores básicos da
politização típica do Rio Grande do Sul.338

Criava-se, assim, um padrão de enfrentamento regional não comum ao restante da


nação. Enquanto naquela conjuntura histórica outros estados caminharam em direção à
formação dos Partidos Republicanos únicos, sendo inclusive designados nominalmente pelo
estado que representavam, os “PRs” (paulista, mineiro, rio-grandense, etc.), no Rio Grande do
Sul constrói-se uma “polarização” político-partidária traduzida na configuração de dois
modelos políticos conservadores, ambos assentados na mesma estrutura de dominação
tradicional: a República liberal x a República autoritária. De acordo com Trindade, a tradição

parlamentos que atuou, ficando conhecido como “o Tribuno”. Dados extraídos da obra: ALVES, Francisco das
Neves. O tribuno do Império: Gaspar da Silveira Martins sob o prisma da imprensa. Rio Grande: Fundação
Universidade Federal do Rio Grande, 2001.
336
FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e sua época. 5. ed. Porto Alegre: Renascença, Edigal, 2013.
p. 147-148.
337
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937). In:
DACANAL, José H; GONZAGA, Sergius. RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
Entretanto, a análise do sistema político-partidário do Rio Grande do Sul não pode ser explicada apenas por esta
bipolarização. Do ponto de vista situacionista, vale lembrar que houve, por exemplo, republicanos que não
aceitaram a orientação positivista do partido dominante gaúcho, o PRR, e eram contra o exclusivismo na direção
do mesmo, nas mãos de Júlio de Castilhos. Havia também dissidentes perrepistas que, por sua vez, ainda
guardavam resquícios do positivismo e eram presidencialistas.
338
TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Subsídios para a história do Parlamento Gaúcho (1890-1937).
Porto Alegre: CORAG, 2005. p. 30.
140

política rio-grandense, desde a Revolução Farroupilha (1835-1845), configurou-se, na prática


política, através de uma “polarização”, que começaria no Império com os “legalistas” ou
“caramurus”, de um lado, e os “farrapos” ou “farroupilhas”, de outro, e que na República se
dividiria em Republicanos e Federalistas.339 Maria Izabel Noll, por sua vez, identificou que
esta clivagem político-partidária, que se estruturou no Rio Grande do Sul, era tributária,
inclusive, de uma cultura política platina, onde se digladiavam, desde o século XIX,
“federales” e “unitários” na Argentina e “blancos” e “colorados” no Uruguai.340
Ainda a esse respeito, Paulo Vizentini341 afirma, com precisão, que “o Rio Grande do
Sul foi o único estado brasileiro a apresentar partidos de oposição durante toda a República
Velha”.342 Segundo ele, tratava-se de um movimento com sentido mais profundo, tanto no
nível regional como no plano nacional. Sobre o papel protagonista exercido pelo Partido
Federalista no período republicano, é significativo recuperarmos aqui o destaque dado à tal
agremiação pelo historiador Joseph Love em seu livro “O Regionalismo Gaúcho”:

[...] Os federalistas [...] formaram o setor mais amplo da oposição (e) mantiveram-se
firmes na sua dedicação pela organização parlamentarista em nível federal. [...] O
outro componente da oposição – os que haviam rompido com a chefia do Partido
Republicano – tinha menos coesão; seus membros eram geralmente cuidadosos em
relação a uma aliança com os federalistas. 343

Nesse sentido, deve-se salientar que o PF não se fez presente apenas no microcosmo
político estadual, como vimos através do discurso jornalístico regional, conforme foi
destacado nos capítulos anteriores, mas, também, na órbita da política nacional, através da sua
atuação parlamentar na Câmara dos Deputados. Graças à lei federal nº 1.269, de 15/11/1904,
mais conhecida como “Lei Rosa e Silva” (nome de um senador pernambucano que a
concebera), que teria regulamentado o direito de representação política das minorias, o grupo
federalista passaria a atuar no âmbito da política federal, fazendo do Congresso Nacional

339
TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Subsídios para a história do Parlamento Gaúcho (1890-1937).
Porto Alegre: CORAG, 2005. p. 14.
340
NOLL, Maria Izabel. O Rio Grande Político de 1961: a tradição político-partidária e a Legalidade. In: NOLL,
Maria Izabel et al. O movimento da legalidade: Assembleia Legislativa e mobilização política. Porto Alegre:
Webprint, 2011. p. 15.
341
Segundo Vizentini, entretanto, a análise do sistema político-partidário do Rio Grande do Sul não pode ser
explicada apenas por esta bipolarização. Houve republicanos que não aceitavam a orientação positivista do
partido e eram contra o exclusivismo na direção do mesmo, nas mãos de Júlio de Castilhos. Em fins de 1890, por
exemplo, já surge uma primeira cisão do PRR, com a saída de alguns vultos expressivos, tais como Barros
Cassal, Demétrio Ribeiro e Antão de Faria. Maiores detalhes em: VIZENTINI, Paulo Fagundes. O Rio Grande
do Sul e a política nacional: da frente oposicionista gaúcha de 1922 à Revolução de 1930. Porto Alegre: BRDE,
1982. p. 30.
342
VIZENTINI, Paulo Fagundes. O Rio Grande do Sul e a política nacional: da frente oposicionista gaúcha de
1922 à Revolução de 1930. Porto Alegre: BRDE, 1982. p. 38.
343
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 91.
141

palco de intensos debates ao longo do período republicano.344 É bom frisar que tal agremiação
se declarava possuidora de uma vocação nacional pelo menos desde 1896, ano em que o
partido foi reorganizado em Congresso realizado na cidade de Porto Alegre, presidido pelo
velho tribuno liberal, Gaspar Silveira Martins. Cabe sublinhar que esta proposta de sentido
nacional presente no programa adotado pelo congresso de 1896, que, em linhas gerais, visava
a implantação do regime parlamentar no país, foi enfatizada pelo deputado, Pedro Moacyr, em
uma das sessões do Congresso Nacional, no ano de 1906:

A oposição do Rio Grande do Sul tem mais do que um papel regional: visa um
objetivo eminentemente nacional, pelo seu programa, pelas suas ideias de reforma,
[...] visto como se propõe, além da remodelação completa do Estado, pela reforma
de sua Constituição e das leis complementares, à reconstrução geral do país, ou do
organismo político, que se agita nos textos da Constituição de 24 de Fevereiro. 345

Respaldada por uma forte e combativa ação parlamentar, a elite política federalista, a
partir das eleições parlamentares federais de 1906, ano em que foram eleitos os primeiros
representantes do oposicionismo federalista no plano parlamentar federal, rompe as fronteiras
do regionalismo gaúcho, passando a integrar a política nacional e fazendo do Plenário federal
um canal importante de expressão política, manifestando, em meio a embates calorosos
travados com a Maioria republicana, suas ideias e postulados políticos.
Dois pontos saltam à vista da análise do comportamento parlamentar da oposição em
nível federal. Em primeiro lugar, a defesa que os parlamentares federalistas faziam da
implantação de uma República Federativa, de caráter presidencial, representativo e
parlamentar, que, ajustando-se a uma concepção liberal de governo, forneceria a primazia do
poder público ao Legislativo; e, em segundo lugar, o fortalecimento da União sobre os
estados, delineando um regime de centralização política e de descentralização
administrativa.
Compreendemos que esses dois aspectos centrais presentes na atuação parlamentar
nacional do Partido Federalista estavam fortemente influenciados pela problemática
autoritária vivida pelo Rio Grande do Sul durante o regime castilhista, do qual o Partido

344
Sobre este aspecto é importante registrar que há uma lacuna nos trabalhos, sobre a Primeira República, no
enfoque dado ao papel do Rio Grande do Sul no âmbito do Legislativo federal. De um modo geral, a
historiografia brasileira, especialmente quando se debruçou sobre o tema do federalismo no contexto
republicano, ao destacar o Rio Grande do Sul como “foco desestabilizador” na aliança São Paulo-Minas,
concentrou sua atenção apenas na atuação do PRR e/ou na ação da figura do senador Pinheiro Machado, não
trazendo uma reflexão mais apurada acerca da oposição exercida pelos parlamentares federalistas na conjuntura
histórica em questão. São exemplos nesse sentido: Carone (1971), Love (1975), Godoy (1978), Witter (1984),
Oliva de Souza (1985), Borges (2004) e Viscardi (2012).
345
Pedro Moacyr. Discurso na Câmara dos Deputados, sessão em 1° de novembro de 1906, p. 56-7.
142

Federalista, no decorrer de sua história, foi enérgico opositor. Pode-se destacar que tais
aspectos, que caracterizaram a ação parlamentar da oposição federal, como um todo, se
opunham diametralmente aos dois vícios fundamentais da Carta gaúcha de 14 de Julho 1891,
de feição autoritária, elaborada por Júlio de Castilhos: com relação ao estado do Rio Grande
do Sul, a negação do governo representativo e sua substituição por uma “ditadura”; com
relação à União, a pretendida sujeição desta aos interesses autoritários de Castilhos.
Desse modo, pretende-se destacar neste capítulo que o Partido Federalista, não só por
uma questão programática e ideológica, mas também, como veremos, por sua própria atuação
política e parlamentar, de fato, se insere num debate político de cunho nacional, ou seja,
congregando temas aplicáveis ao Estado brasileiro, e que, por dentro desse debate, o
componente regional, em especial, a situação sul-rio-grandense, que correspondia a uma visão
radical e autoritária da República, aparecerá como elemento inspirador na construção do seu
próprio discurso político opositor.
Nesse sentido, e considerando a pouca atenção dada pela historiografia em relação à
nossa temática de estudo, o foco deste capítulo está voltado para a atuação, no Legislativo
federal, dos deputados que fizeram parte da representação parlamentar federalista. A escolha
da Câmara dos Deputados não foi fortuita. Trabalhar com os Anais dessa Casa nos facultou
acesso a um painel rico e diversificado de pronunciamentos oficiais proferidos pelos
parlamentares da oposição. Assim, foi examinado o comportamento político da bancada
federalista no Congresso Nacional. A partir do mapeamento da ação parlamentar do referido
grupo, foram analisados os eixos orientadores que caracterizaram a atuação dos deputados da
representação federalista, enfatizando-se as principais questões e ideias que ajudaram a
mobilizá-los para os debates produzidos durante a Primeira República.
Para realizar esta análise, selecionamos o período compreendido entre os anos de 1906
e 1917. O motivo de nossa delimitação é o seguinte. 1906 marcou o início da atuação do
Partido Federalista nas sessões da Câmara Federal. Já o ano de 1917 está associado à
legislatura que contou, pela última vez, com representantes do partido, eleitos de forma
consecutiva.346 Nosso recorte cronológico final se encerra em 1917, uma vez que, depois da
derrota federalista nas eleições parlamentares de 1918 para a Câmara dos Deputados,
começam a tornar-se explícitas as divergências internas, lavrando intensa desunião dentro do

346
Depois da derrota nas eleições parlamentares de 1918, os federalistas só conquistaram novas cadeiras na
legislatura 1921-23, quando foram reeleitos os candidatos Antunes Maciel Júnior e Rafael Cabeda. Entretanto,
Antunes Maciel, enquanto representante da oposição federalista, atuou praticamente sozinho, uma vez que
Cabeda faleceu, logo em seguida, no exercício do mandato. Outras informações em: FRANCO, Sérgio da Costa.
O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha (1889-1930). Passo Fundo: Méritos,
2007. p. 129-170.
143

partido maragato.347 Além disso, conforme ressaltou Sérgio da Costa Franco, a partir de
meados de 1918, e principalmente, já no contexto da década de 1920, o Partido Federalista se
desintegrou, desde que a Aliança Libertadora348, conduzida pelo dissidente, Assis Brasil,
assumiu a liderança das oposições rio-grandenses, sucedida em 1928 pelo Partido
Libertador.349
Antes de analisarmos as principais temáticas que mobilizaram a deputação maragata
em sua atuação parlamentar no Plenário federal, apresentaremos a seguir um breve painel, que
oferece dados gerais a respeito do perfil e da trajetória política dos deputados federalistas,
atuantes durante o período de 1906 a 1917. Da mesma forma, veremos algumas caraterísticas
importantes que identificamos na ação parlamentar deste grupo.

4.1 QUE BANCADA É ESSA?

Em 30 de janeiro de 1906, pela primeira vez, o Partido Federalista disputou as eleições


parlamentares federais com alguma perspectiva de sucesso, em função da “Lei Rosa e Silva”,
de 1904, que, reformando a legislação eleitoral da União, inovou na matéria, introduzindo a
participação do Poder Judiciário no alistamento e o direito de representação das minorias. E,
de fato, tal partido conseguiu eleger um deputado em cada um dos distritos em que se dividia
o estado do Rio Grande do Sul. Wenceslau Escobar no 1º; Francisco Antunes Maciel no 2º; e
Pedro Gonçalves Moacyr no 3º. Eram, os três, figuras de destaque na sociedade rio-
grandense.350

347
O nome de maragatos veio da presença, entre os revolucionários federalistas de 1893, de argentinos migrados
de uma região da Espanha – a Maragataria. Esta qualificação procurava mostrar o quanto o movimento era
“estrangeiro” e, portanto, contrários aos interesses nacionais.
348
Coligação formada pelos opositores ao governo de Borges de Medeiros, para disputar os pleitos eleitorais
federais, estaduais e municipais. Foi fundada em São Gabriel-RS, em 1924, sob a liderança de Assis Brasil.
Dissolveu-se expressamente com a fundação do Partido Libertador, em 1928. Dados extraídos da obra:
FRANCO, Sérgio da Costa. Dicionário político do Rio Grande do Sul (1821-1937). Porto Alegre: Suliani
Letra & Vida, 2010. p. 20-21.
349
FRANCO, Sérgio da Costa. Dicionário político do Rio Grande do Sul (1821-1937). Porto Alegre: Suliani
Letra & Vida, 2010. p. 87.
350
A respeito da análise da história partidário-eleitoral do Rio Grande do Sul na Primeira República ver: NOLL,
Maria Izabel; TRINDADE, Hélgio. Estatísticas eleitorais do Rio Grande da América do Sul – 1823/2002.
Porto Alegre: Editora da UFRGS; Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2004.
144

Figura 3 – Francisco Antunes Maciel

Fonte: Axt (2007).351

Wenceslau Escobar (1857-1938), bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo na


turma de 1880, já fora deputado provincial pelo Partido Liberal (PL), ao tempo da Monarquia.
Ainda antes da proclamação da República tinha aderido aos republicanos. Porém, cedo
dissentiu de Júlio de Castilhos, alinhou-se com a dissidência de Barros Cassal e participou da
fundação do Partido Federalista, em 1892. Depois da legislatura de 1906 a 1908, só voltou à
Câmara Federal na legislatura de 1924 a 1926. Mas sempre esteve na linha de frente da
oposição ao castilhismo, escrevendo livros de forte repercussão, como: “Apontamentos para a
história da Revolução Rio-Grandense de 1893”, e “Trinta anos de Ditadura rio-
grandense.”352
Francisco Antunes Maciel (1836-1917), pelotense, com larga experiência política no
período da Monarquia, foi deputado provincial e geral em sucessivas legislaturas e ministro
do Império (1883/1884) no gabinete do Conselheiro Lafayete. Após o advento da República,
foi redator do jornal “O Nacional”, em Pelotas-RS, até 1891. Fora também um dos
fundadores do Partido Federalista, criado por Silveira Martins em março de 1892. Com a
morte de Silveira Martins, em 1901, assumiu a direção do partido maragato, e, por esta
legenda, foi eleito deputado federal pelo 2º distrito do Rio Grande do Sul em duas sucessivas
legislaturas, desde 1906 até 1911. Durante esses anos, por duas vezes, foi convidado a ocupar
351
AXT, Gunter. Coronelismo indomável: o sistema de relações de poder. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson.
República velha (1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 94.
352
ABRANCHES, Dunshee. Governos e governantes. Rio de Janeiro: s.n., 1918.
145

pastas ministeriais (Viação e Interior). Além disso, durante a campanha civilista (1910), foi
líder da minoria na Câmara Federal.353
Pedro Gonçalves Moacyr (1871-1919), porto-alegrense, bacharel pela Faculdade de
Direito de São Paulo, em 1891, teve uma singular trajetória política. Ligado desde muito
jovem ao Partido Republicano Rio-Grandense, ocupou a direção do jornal partidário “A
Federação”, com escassos 23 anos, e foi deputado federal pelo PRR na legislatura de
1894/1895, até dissentir de Júlio de Castilhos e aderir ao Partido Republicano Liberal (PRL),
passando a redator do jornal oposicionista “A República.” Integrou-se depois ao Partido
Federalista e assumiu sua postura revisionista da Constituição Federal, tendo sido um dos
defensores do “testamento político” de Silveira Martins (1901).354 Voltou à Câmara Federal
em 1906, como deputado federalista pelo 3º distrito, e, ainda, foi reeleito em 1909 e 1912.

Figura 4 – Pedro Moacyr

Fonte: Moacyr (1925).355

Em março de 1908, com o objetivo de reunir todos os grupos descontentes com o


controle do PRR sobre a política rio-grandense, alguns membros da comissão diretora do
Partido Federalista, entre os quais Pedro Moacyr e Rafael Cabeda, encontraram-se com o

353
ABRANCHES, Dunshee. Governos e governantes. Rio de Janeiro: s.n., 1918; AITA, Carmen; AXT,
Gunter. Parlamentares gaúchos das Cortes de Lisboa aos nossos dias (1821-1896). 2. ed. Porto Alegre:
ALRS/Corag, 1996.
354
Sobre o “testamento político” deixado pelo tribuno ver: MARTINS, Gaspar da Silveira. Testamento Político.
Diário de Pernambuco, Recife, 21 ago. 1902.
355
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925.
146

dissidente, Assis Brasil, na cidade de Bagé-RS. Durante a reunião, chegou-se a redigir uma
proposta unificadora das oposições gaúchas. O documento, contudo, não conseguiu promover
a fusão das oposições, pois a facção federalista de Francisco Antunes Maciel, então deputado
federal (1906-1911) e presidente do referido partido, se recusou a aceitar a incorporação de
outros grupos de oposição por entender que isso significaria o sacrifício da doutrina
parlamentar e o desaparecimento do próprio partido.356 Respeitado pelos seus pares, Moacyr
foi chamado por João Maria Colares como o “São Paulo do Federalismo”.357 Além de
eminente tribuno parlamentar, destacou-se no campo jornalístico, também durante o período
republicano, como redator dos periódicos “O País” e “Diário de Notícias”, ambos publicados
no Rio de Janeiro.358
No pleito de 1909, o Partido Federalista, que tivera três deputados na legislatura
anterior, só conseguiria reeleger Francisco Antunes Maciel pelo 2º distrito e Pedro Moacyr
pelo 3º. O candidato do partido pelo 1º distrito, nas eleições de 1909, era o santanense Rafael
Cabeda. Segundo Costa Franco359, a escolha deste candidato, completamente estranho à
região, provavelmente tenha decorrido das divisões que já então ocorriam dentro do partido.
De qualquer modo, o Partido Republicano começara já a cultivar a prática do rodízio, ou do
candidato chamado “carancho”, estratagema pelo qual era burlada a regra eleitoral da chapa
incompleta, que visava assegurar pelo menos um representante à minoria. Segundo
Caggiani360, autor da biografia de Rafael Cabeda, o PRR elegeu todos os deputados do 1º
distrito, em número de seis, desqualificando o candidato da oposição federalista.
Nas eleições de 1912, o resultado ainda foi mais desfavorável aos federalistas: apenas
Pedro Moacyr se reelegeu, pelo 3º distrito, sendo que mais uma vez foi burlada a regra
eleitoral da chapa incompleta, que visava assegurar pelo menos um representante à minoria.
O pleito parlamentar federal de 1915 registraria a recuperação de uma cadeira para a
bancada federalista. Elegeu-se Francisco Antunes Maciel Junior (filho do Conselheiro
Maciel), deputado pelo 2º distrito e Rafael Cabeda, candidato derrotado em 1909, pelo 3º. O
1º distrito ficaria sem representante federalista, sendo Pedro Moacyr conservado na Câmara
dos Deputados, na legislatura de 1915 a 1917, por gentileza de correligionários do estado do
Rio de Janeiro, que lhe deram apoio.
356
A esse respeito, verificar: ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a revolução de 1923. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1981.
357
Expressão usada por João Maria Colares nas notas biográficas da obra “Discursos Parlamentares” (1925), de
Pedro Moacyr.
358
ABRANCHES, Dunshee. Governos e governantes. Rio de Janeiro: s.n., 1918. p. 605-606.
359
FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha
(1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 129-170. p. 155.
360
CAGGIANI, Ivo. Rafael Cabeda. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1996.
147

Maciel Junior (nascido em Pelotas em 1879, tendo falecido no Rio de Janeiro em


1966), foi bacharel formado pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, em 1902, e
participou desde cedo das lutas da oposição federalista, colaborando com seu pai. Em 1906,
por exemplo, assumiu a direção do jornal “A Reforma”, órgão do Partido Federalista, e
instrumento de divulgação das teses parlamentaristas e unionistas do partido. Em 1912,
deixou o jornal e publicou o livro “O Rio Grande: anotações esparsas”, obra de combate e
crítica à situação política rio-grandense. Teve longa participação na política brasileira. No
pleito de janeiro de 1915, elegeu-se deputado federal pelo Rio Grande do Sul na legenda do
Partido Federalista com 18.510 votos, concorrendo, com acirrada disputa, contra uma chapa
completa do partido da situação, o PRR. Sua intensa participação na Câmara surpreendeu a
grande maioria dos parlamentares, que esperavam apenas uma atuação discreta de um
iniciante na carreira política. Mesmo assim, não conseguiu ter seu mandato renovado no pleito
seguinte. Deixou a Câmara em dezembro de 1917, dedicando-se, novamente, ao jornalismo,
sustentando na imprensa gaúcha sua posição contrária à situação castilhista-borgista. Em
1921, tornou a se candidatar a deputado federal pelo PF sendo eleito em tal legislatura.
Porém, aderiu, logo em seguida, à Aliança Libertadora (1924), liderada por Assis Brasil. Após
a revolução de 1930 colaborou com Getúlio Vargas como chefe da Casa Civil.361
Rafael Cabeda, o outro eleito de 1915, era natural de Santana do Livramento-RS, onde
nasceu em 1857, tendo falecido no Rio de Janeiro em 1922, no exercício de seu mandato de
deputado. De família abastada de comerciantes, estudou na Alemanha, numa Escola de
Comércio de Hamburgo. Devotado amigo de Silveira Martins, militou no Partido Liberal,
lutou na Revolução Federalista de 1893 e desde o princípio participou das fileiras do partido
maragato. Em 1910, Cabeda participou ativamente da campanha presidencial de Ruy Barbosa,
candidato derrotado pelo marechal Hermes da Fonseca. Em 1915, como já foi destacado,
assume o mandato de deputado federal pelo Rio Grande do Sul, representando o terceiro
distrito eleitoral daquele estado. Ao final da legislatura, em 1917, não foi reeleito. Voltou à
Câmara dos Deputados na legislatura de 1921 a 1923, falecendo em 1922, no exercício do
mandato. No campo jornalístico dirigiu, ao lado de Rodolfo Costa, o jornal “O Maragato”,
folha republicano-parlamentarista que teve voz importante como oposição ao castilhismo rio-
grandense e ao blanquismo uruguaio.362

361
FUNDAÇÃO Getúlio Vargas, CPDOC, Arquivo Antunes Maciel, Rio de Janeiro; FRANCO, Sérgio da
Costa. Dicionário político do Rio Grande do Sul (1821-1937). Porto Alegre: Suliani Letra & Vida, 2010. p.
129.
362
FRANCO, Sérgio da Costa. Dicionário político do Rio Grande do Sul (1821-1937). Porto Alegre: Suliani
Letra & Vida, 2010. p. 47.
148

Figura 5 – Rafael Cabeda

Fonte: Moritz (2005).363

Deve-se destacar também que a bancada rio-grandense era uma das poucas com a
presença da minoria, representada, neste caso, pela deputação federalista. Pode-se considerar
que esse grupo serviu de abrigo para tribunos de grande capital político. Exemplo disso é que
os representantes federalistas estavam entre os que mais discursavam. As atuações de Pedro
Moacyr, Wenceslau Escobar e Antunes Maciel Junior podem ser tomadas como exemplo. Em
alguns casos, beirava-se a verborragia, dada a loquacidade exagerada dos discursos, recheados
de citações e expressões de efeito, muitas vezes tomadas de empréstimo de outros idiomas. Lá
também estavam grandes críticos do sistema oligárquico, as vozes ressonantes contra o
pinheirismo e à política de valorização do café.
Vários expedientes eram utilizados por esse grupo, especialmente nos embates com a
ala governista da bancada rio-grandense. Um deles era a chamada retirada estratégica, uma
tática clássica na qual a minoria se aproveitava do fato de que o comparecimento da maioria
era sempre insuficiente. Funcionava da seguinte forma: na votação de matérias importantes,
todos os oposicionistas respondiam à chamada. Uma vez iniciados os trabalhos, iam saindo à

363
MORITZ, Gustavo. Acontecimentos políticos do Rio Grande do Sul: partes I e II. Porto Alegre:
Procuradoria-Geral da Justiça, Projeto Memória, 2005.
149

francesa, até que estivesse comprometido o quórum mínimo. Então, um dos presentes pedia
uma segunda chamada, para o desânimo da maioria dos governistas, que enervados,
começavam a deixar o recinto. Ficava assim impedida a votação.
A respeito da frequência dos deputados nas sessões parlamentares, cabe mencionar
que, num universo de 212 deputados, de acordo com a estimativa apresentada por José Vieira,
no mês de dezembro, por exemplo, período em que eram fechadas as votações do Orçamento
do ano seguinte, a presença de deputados não ultrapassava 60% do total de parlamentares a
cada legislatura. Nesse sentido, José Vieira chegou a afirmar: “A falta de número era o grande
mal endêmico daquela assembleia política”.364
Outro expediente recorrente, sobretudo na discussão e/ou votação de projetos de lei
importantes, era o da obstrução. Pedia-se a palavra e tomava-se toda a sessão, evitando-se a
votação. A prática era conhecida na época como cacetear os colegas.365
Por último, cabe destacar a presença e a atuação da oposição federalista nas comissões
da Câmara. As comissões permanentes eram responsáveis pelo estudo prévio das questões que
cabiam ao Plenário resolver. Por isso mesmo, Sertório de Castro as chamava de “a roda mais
importante da máquina parlamentar”.366 Escolhidas anualmente por votação nos primeiros
dias que se seguiam à instalação dos trabalhos legislativos, funcionavam durante oito meses.
Participar de uma comissão, mesmo daquela que não fosse de grande importância, aumentava
a autoridade e a influência política de um deputado. Dentre todas as comissões367, duas
contaram com a participação da oposição federalista: a de Constituição e Justiça, e a de Obras
Públicas e Viação.368 Em relação à Comissão de Constituição e Justiça, responsável pelo
estudo minucioso de projetos de lei das mais variadas naturezas, bem como a elaboração de
pareceres sobre litígios políticos, é de se destacar a atuação do deputado Pedro Moacyr. Na
qualidade de membro desta comissão, por cinco vezes, o político, natural de Porto Alegre, foi

364
VIEIRA, José. A cadeia velha: memória da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Fundação da Casa Ruy
Barbosa, 1980.
365
A esse respeito, vale a pena conferir: PINTO, Surama Conde Sá. Só para iniciados... o jogo político na
antiga capital federal. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2011.
366
CASTRO, Sertório de. A República que a revolução destruiu. Rio de Janeiro: s/ed., 1932. p. 124.
367
De acordo com a tipologia elaborada por Sertório de Castro, além das comissões mais poderosas (a de
Finanças, a de Polícia e a de Constituição e Justiça), havia ainda comissões de importância não pequena, outras
de importância relativa e aquelas que funcionavam mais como acessórias do aparelho legislativo. Na primeira
categoria figuravam a de Marinha e Guerra, responsável pela fixação dos efetivos das forças de terra e mar e do
exercício financeiro; a de Instrução Pública, cuja significação se elevava por ocasião de reformas do ensino; a de
Saúde Pública, a de Poderes, que resolvia em plenário os litígios eleitorais travados para o provimento de vagas
e, além disso, deferia pedidos de licença; a de Diplomacia; a de Agricultura; a de Obras Públicas. Na terceira
categoria estavam a de Tomada de Contas e a de Redação. Ver CASTRO, Sertório de. A República que a
revolução destruiu. Rio de Janeiro: s/ed., 1932. p. 136-138.
368
Cabe lembrar que o deputado Antunes Maciel Júnior, no início de seu mandato, participou de diversas
comissões de inquérito para o reconhecimento de novos deputados.
150

uma verdadeira pedra no sapato dos demais integrantes, sobretudo nas discussões relativas às
insurreições armadas contra o establishment oligárquico.

Quadro 1 – Bancada federalista nas comissões da Câmara


Ano-base Comissões permanentes da Representantes do Partido federalista
Câmara dos Deputados

1909 Constituição e Justiça Pedro Moacyr

1909 Obras Públicas e Viação Antunes Maciel

1910 Constituição e Justiça Pedro Moacyr

1910 Obras Públicas e Viação Antunes Maciel

1911 Constituição e Justiça Pedro Moacyr

1914 Constituição e Justiça Pedro Moacyr

1917 Constituição e Justiça Pedro Moacyr

Fonte: O autor (2016).

Tomando como referencial a atuação política federalista no Congresso no que diz


respeito à defesa de projetos de lei, apresentação de emendas à União e ao debate de questões
que se colocaram na agenda política do momento, pode-se afirmar que 3 foram os eixos
temáticos principais que nortearam a ação deste grupo: a crítica ao excesso da
descentralização política (“estadualização”), o combate ao modelo castilhista-borgista, e a
defesa da revisão constitucional. Vejamos de perto como cada temática mobilizou a oposição
para o debate político.

4.2 O BRASIL SEGUNDO OS FEDERALISTAS: O DESENCANTO PELA REPÚBLICA

A definição contemporânea de federalismo, de acordo com Ivo Coser, apresenta-o


como um sistema de governo no qual o poder é dividido entre o governo central (a União) e
os governos regionais. O federalismo é definido, na sua acepção positiva, como um meio-
termo entre um governo unitário, com os poderes exclusivamente concentrados na União, e
151

uma confederação, caracterizada como uma aliança entre Estados independentes, em que o
poder central seria nulo ou fraco.369
No debate político brasileiro estabelecido a partir da introdução do regime
republicano, em relação ao pacto federativo brasileiro, um dos temas básicos relativos àquela
organização republicana residia no tipo de federalismo370 a ser implantado no país. De acordo
com Américo Freire e Celso Castro371 existiram três correntes referentes ao tema sobre a
relação entre o poder central e os estados. A primeira denominada unionista, representada
pelos opositores das bancadas paulista e gaúcha (federalistas), e pelos liberais pernambucanos
e baianos, encabeçados por Ruy Barbosa, procurou preservar os interesses do poder central,
ou seja, da União. É exemplar, nesse sentido, recuperarmos o discurso proferido por Ruy
Barbosa no debate sobre a Constituinte nacional, em 1890, em que enfatizava o papel de
centralização política da União e a distinguia claramente da administração, que deveria ser
descentralizada:

Não somos uma federação de povos até ontem separados e reunidos de ontem para
hoje. Pelo contrário, é da União que partimos. Na União nascemos. Na União se
geraram e fecharam os olhos os nossos pais. Na União ainda não cessamos de estar.
Para que a União seja a herança de nossa decência, todos os sacrifícios serão poucos.
A União é, talvez, o único benefício sem mescla que a monarquia nos assegurou. E
um dos mais terríveis argumentos que a monarquia ameaçada viu surgir contra si, foi
o de que o espírito centralizador tendi a dissolver a União pela reação crescente dos
descontentamentos locais. Para não descer abaixo do Império, a República, a
Federação necessita de começar mostrando-se capaz de preservar a União, pelo
menos tão bem quanto ele. O federalismo não abala, reforça a centralização política,
assentando-a na administração descentralizada das localidades que estabelece entre
os membros da União vínculos morais, aderências sociais, afinidades sociais mais
fortes do que as que o mecanismo do regime unitário cria pela ação absorvente do
centro sobre as extremidades.372

369
COSER, Ivo. Federal/Federalismo. In: JÚNIOR, João Feres (Org.). Léxico da história dos conceitos
políticos do Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: editora UFMG, 2014. p. 79-101.
370
Compreendemos o federalismo, de acordo com William Anderson, como o sistema político que tem os
seguintes princípios fundamentais: a) defende ou estabelece um governo central para todo o país e determinados
governos regionais autônomos (estados, províncias, lander, cantões) para as demais unidades territoriais; b)
distribui os poderes e funções do governo entre os governos central e regionais; c) atribui às unidades regionais
um conjunto de direitos e deveres; d) autoriza os governos de ambos os níveis a legislar, tributar e agir
diretamente sobre o povo; e) fornece vários mecanismos e procedimentos para a resolução dos conflitos e
disputas entre os governos central e regionais, bem como entre duas ou mais unidades regionais. ANDERSON,
William. Verbete Federalismo. In: SILVA, Benedicto (Coord.). Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 1986. p. 471-472.
371
FREIRE, Américo; CASTRO, Celso. As bases republicanas dos Estados Unidos do Brasil. In: GOMES,
Ângela de Castro et al. (Org.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Editora FGV, 2003. p.
35-40.
372
Anais da Câmara dos Deputados (Sessões Preparatórias de 4 a 14 de novembro e de 18 de dezembro de
1890). Constituinte de 15 de novembro a 31 de dezembro de 1890. Volume I. Imprensa Nacional, 1891.
Apêndice, p. 22.
152

Já a segunda corrente foi na direção oposta ao defender o ultrafederalismo, ou seja, a


participação mínima do poder central, sendo defendida pelos positivistas e conservadores
agrários, chefiados respectivamente por Júlio de Castilhos e Campos Salles, que antecipavam
o bloco de sustentação oligárquica da República, ao desfraldarem, juntos, a bandeira da
soberania dos estados. Por fim, a última corrente, uma espécie de federalismo temperado,
representou a mediação entre as proposições unionistas e ultrafederalistas. Formada por
diferentes lideranças regionais de peso político na Constituinte, esse grupo procurou
estabelecer certos limites às teses unionistas, sustentando que os estados deviam ficar com a
maior parte das rendas, além de uma considerável autonomia política. Segundo Freire e
Castro, este último grupo acabou por dar o tom da Constituinte.
O resultado desse embate gerou um texto constitucional, promulgado em fevereiro de
1891, situado na intersecção entre as proposições unionistas e as defendidas pelos federalistas
mais moderados. Porém, ampliando-se o foco de análise e levando-se em consideração a
experiência política monárquica, deve-se reconhecer que o trabalho dos constituintes produziu
um “profundo remanejamento do poder pela via da descentralização, talvez o mais importante
de nossa história como nação independente”.373 Assim, embora derrotados em alguns pontos,
o fato é que os ultrafederalistas tiveram vitórias significativas ao conseguirem estabelecer a
eleição direta para presidente e senadores; a redução do mandato presidencial para quatro
anos; a ampliação da competência tributária e processual dos estados, entre outros aspectos.
Em vista disso, pode-se afirmar que o poder central ganhou em 1891 uma feição bem
mais modesta do que a do poderoso Estado imperial que, entre outras prerrogativas, detinha a
de nomear e destituir todos os presidentes de província.374 Com a República, sabe-se que a
União passou a dividir um conjunto considerável de atribuições político-administrativas com
os governos estaduais. Segundo dados de Steven Topik, a participação do governo central no
total de impostos recolhidos, por exemplo, caiu de 80%, no ano de 1868, para 60 %, entre
1907 e 1910.375
Dessa forma, ao invés de um federalismo baseado num sistema político plural, pode-se
observar na Primeira República um federalismo deslocado, um estadualismo, porque baseado
no poder das oligarquias estaduais. Nessa fase, o presidencialismo tinha como base os estados
e estes, por sua vez, eram sinônimos dos governadores. Ademais, a “ausência de partidos

373
FREIRE, Américo; CASTRO, Celso. As bases republicanas dos Estados Unidos do Brasil. In: GOMES,
Ângela de Castro et al. (Org.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Editora FGV, 2003. p.
36.
374
Ver: GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
375
TOPICK, Steven. A presença do estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro:
Record, 1987.
153

nacionais”376 consagraria a fórmula estabelecida com a política dos governadores. 377 Segundo
Maria Luíza T. de Cruz:

A federação brasileira, inspirada a exemplo de muitas outras no modelo implantado


pela Constituição norte-americana de 1787, tem passado por diferentes fases,
coincidentes com as reformas constitucionais. Assim, de 1889 a 1930, verifica-se a
permanência de um federalismo dual, em que a autonomia estadual é resguardada,
procurando-se obedecer ao protótipo norte-americano. Entretanto, as deficiências de
um sistema político em que os presidentes são eleitos pelos governadores, no
período inaugurado por Campos Sales e que foi chamado de política dos
governadores, impedem que aquele aparente equilíbrio subsista.378

Da forma saída da Constituição de 1891, de acordo com os defensores do federalismo


unionista, entre eles, os federalistas rio-grandenses, a união política no Brasil encontrava-se
ameaçada, era quase uma “ficção”, em função da enorme soma de poder conferida às
franquias estaduais. Sobre esse edifício, edificava-se com força a política dos coronéis no
nível municipal e das oligarquias nos níveis estadual e federal. A centralidade que o novo
regime havia conferido aos estados, deixando de lado a preocupação com o bem público e
com os interesses da União, funcionava como barreira no processo de construção da cidadania
brasileira. Maria Efigênia Lage de Resende, nesse sentido, esclarece que:

Uma síntese do quadro de relações entre municípios e estados [...] aponta para uma
série infindável de conflitos e confrontos, muitos deles violentos, nos estados, desde
os primeiros momentos da vida republicana. Nos municípios travam-se lutas entre
facções rivais, visando a obter o controle da política local e, via de regra, posicionar-
se na condição de aliado da oligarquia que detém o poder no estado, seja ela uma
pessoa, uma família ou um grupo de famílias, entrelaçadas por casamentos, alianças
políticas, interesses econômicos ou controle de funções públicas. No nível do estado,
a disputa entre facções oligárquicas é quase uma constante.379

Como contraponto a esta situação em que se encontrava a República brasileira


verifica-se, contudo, o levantamento de inúmeras vozes políticas, como é o caso dos
deputados federalistas, criticando os “excessos” do regime federativo em vigência,

376
Vale observar que, posteriormente à Proclamação da República, houve uma tentativa de se juntar as diferentes
propostas republicanas em uma única frente, no caso, o Partido Republicano Conservador (PRF) que existiu
apenas entre os anos de 1893 e 1897. A esse respeito ver: WITTER, José Sebastião. Partido Republicano
Federal (1893-1897). São Paulo: Braziliense, 1984.
377
Em linhas gerais, pode-se dizer que a política dos governadores consistia num arranjo que envolvia o apoio
do Executivo federal às oligarquias estaduais que estivessem no poder, em troco do apoio daquelas aos
candidatos que apoiassem o governo da União. Um bom exemplo de livro que reviu a política oligárquica da
Primeira República dando-lhe mais complexidade é VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O teatro das
oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. 2. ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
378
CRUZ, Maria Luíza T. de C. Federalismo. In: SILVA, Benedicto. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1986. p. 469-471.
379
RESENDE, Maria Efigênia Lage. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo do liberalismo excludente: da
Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 113.
154

especialmente no atinente à preponderância dos interesses oligárquicos, tomando os estados, e


não a nação, como lócus por excelência.
Cabe lembrar, nesse sentido, as críticas de republicanos como Quintino Bocaíuva.380
Embora possa ser considerado um dos artífices da República brasileira, em entrevista
concedida ao jornal “A Imprensa”, em 1911, o velho chefe republicano destilou sua decepção
com o regime que ajudou a construir e acusou o excesso de descentralização como fator
determinante para que a República se tornasse expressão das oligarquias estaduais. O próprio
edifício federativo havia ruído, e o que se tinha no país, naquele momento, era uma
confederação, com o presidente da República sendo apenas um refém de interesses
particularistas.
Em A bancarrota do regime federativo no Brasil (1912), Sylvio Romero, analisado
por Maria Aparecida Resende Mota381, evidencia seu desencanto com a classe política e sua
desesperança em presenciar qualquer mobilização popular que abalasse o poderio crescente
das oligarquias. De modo paradoxal, Romero, que dissera em 1894, em Doutrina contra
Doutrina, que os militares deveriam afastar-se da política ativa, clamava em 1912 para que o
exército encontrasse um “general absoluto” para aglutinar as oposições oprimidas pelas 21
oligarquias do país.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a atuação política federalista surge dentro de uma
conjuntura em que o sistema político brasileiro de base federativa já estava sendo questionado
por outros atores políticos, e diversos setores da sociedade percebiam que um sistema político
mais centralizado era condição importante para a defesa de seus interesses políticos e/ou
atendimento de suas reivindicações.
No que tange à atuação nacional do Partido Federalista, vale destacar, inicialmente, a
intervenção do representante oposicionista, Pedro Moacyr, na sessão de julho de 1906. O
assunto em discussão no Plenário tratava da deposição do governador do estado do Mato
Grosso, Antônio Paes de Barros, e o seu consequente assassinato. Segundo o federalista, a
gravidade da situação política mato-grossense havia se dado em função do vice-governador,
Generoso Ponce, adversário de Barros, ter assumido o controle do poder estadual de forma
“ilegal”, uma vez que Barros não teria apresentado oficialmente sua renúncia ao cargo. A esse
respeito, embora se declarasse “apologista da Revolução”, Moacyr esgrimia:

380
BOCAIÚVA, Quintino. Ideias políticas de Quintino Bocaiúva. Brasília-Rio de Janeiro: Senado Federal,
Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986.
381
MOTA, Maria Aparecida Resende. Silvio Romero: dilemas e combates no Brasil da virada do século XIX.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 104-105.
155

O vice-presidente de Mato Grosso [...] assumiu o governo, levado pelas armas da


revolução, por um processo revolucionário, por um ato de ilegalidade, antes de o
governador constitucional ter lhe passado o governo, conforme manda a
Constituição do Estado.382

Cabe lembrar que, para o orador, a “ordem” e as “garantias constitucionais”, até


aquele momento, não estavam restabelecidas, o que equivaleria ao desaparecimento da “forma
republicana” naquela localidade. Contrariando a postura assumida pelo próprio parecer da
Comissão de Constituição e Justiça, que havia atribuído à Justiça Federal a responsabilidade
de buscar alguma solução para o caso, em debate, o representante maragato entendia que a
decretação imediata do “estado de sítio” seria a medida mais acertada a ser tomada naquele
instante: “Tornadas excepcionais as circunstancias da política e do governo de Mato Grosso,
[...] é, portanto, lógico, preciso, imprescindível, o sítio naquele Estado, com a medida
complementar e essencial da intervenção diretamente empregada.”383
A decretação do estado de exceção e da intervenção federal, segundo o deputado, se
justificavam na medida em que o “sítio” vinha sendo adotado quase como uma “utilidade
diária” pelas sucessivas administrações federais. Para o orador, o “sítio” já havia se
transformado num fenômeno “normal”. Nesse sentido, destacava:

O estado de sítio foi concedido e foi prorrogado, não uma, porém muitas vezes.
Durou meses a fio essa situação excepcional para se apurarem responsabilidades
perante o Poder Judiciário. Por outras palavras, o estado de sítio foi concedido, foi
prorrogado, para o aparelho judiciário poder funcionar durante ele e colher
criminosos supostos ou verdadeiros.384

Nesse ponto, Moacyr ainda acrescentava que “falar em nacionalismo e patriotismo


num país que mais se assemelhava a uma comunidade política desagregada, e subordinado
aos interesses oligárquicos, seria a mais infame das chacotas”. O deputado procurava mostrar
que a fragmentação dos interesses nacionais tinha como agente condicionante a “maléfica
idolatria das autonomias locais”.385
Podemos dizer também que por detrás do posicionamento arguido por Moacyr há
outro componente político relevante a ser considerado. Generoso Ponce, personagem
proeminente no cenário político mato-grossense, um verdadeiro “mandatário” local, e seus
seguidores, como Antônio Azeredo e Joaquim Murtinho, faziam parte do chamado “Bloco”

382
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. III. p. 249.
383
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. III. p. 250.
384
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. III. p. 251.
385
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. III. p. 250.
156

ou “Coligação”, agrupamento parlamentar manobrado pelo senador Pinheiro Machado 386, do


qual o federalista era ferrenho opositor.387 Referindo-se, em tom crítico, à oposição mato-
grossense, organizadora do movimento, disparava:

[...] Podemos nós invocar o direito de revolução até contra os fundamentos da


Constituição e dos poderes públicos; não o podem, porém, aqueles que sustentaram
que acima de tudo está e deve estar o princípio de autoridade. [...] Bastou que fosse,
não um governo, mas uma oposição local, que se houvesse incorporado a essa vasta
agremiação, [...] foi bastante isso para que o passado inteiro se eliminasse de um
traço, desaparecessem todos os compromissos doutrinários e partidários, e se
proclamasse o direito às revoluções com todas as suas consequências, ampliada tal
extrema faculdade social não à simples subversão do poder legalmente constituído e
exercido, mas até a eliminação do seu detentor!388

Deve-se salientar aqui que, na visão do orador, a gênese deste conflito advinha da
própria estrutura sociopolítica instalada com o novo “regime”. Essa estrutura ajudava a
ampliar, de forma expressiva, o predomínio das oligarquias regionais e a dispersão dos
interesses do país, conforme assinala:

A história do regime tem sido para desventura nossa a história das deposições
macabras dos governadores, dos motins, das sedições e até das revoluções em mais
larga escala; a história das traições despejadas e aviltantes, ou então de intervenções
muitas vezes grosseiras e indébitas, ora sacrificando-se o princípio da autonomia dos
Estados à compressão central, ora sacrificando-se completamente os interesses
fundamentais da Nação, o futuro da União, a evolução normal da sociedade
brasileira, tomada em conjunto – às questiúnculas e interesses de campanário.389

Como se pode perceber, há neste pronunciamento a percepção de que o país


encontrava-se cada vez menos organizado. Essa crescente desorganização, por sua vez, vinha
se intensificando, favorecendo somente a uma fragmentação dos interesses políticos e sociais.
Dessa forma, com a República, abriu-se uma espécie de vácuo de poder, que logo se
transformaria numa luta imensa pelo mando local. O resultado seria um Estado transformado
numa inoperante colcha de retalhos de interesses locais. E como veremos, mais adiante, na
ótica da oposição, o Rio Grande do Sul surgirá como um desdobramento desse Brasil
“esfacelado” e totalmente entregue às oligarquias estaduais.
A referência ao estado de sítio merece uma análise mais circunstanciada, em função
dos diferentes usos que tal instrumento recebeu pelo governo federal, ao longo do período

386
BORGES, Vera Lúcia Bogéa. Morte na República: os últimos anos de Pinheiro Machado e a política
oligárquica (1909-1915). Rio de Janeiro: IHGB: Livre Expressão, 2004.
387
Dados extraídos da obra: CARONE, Edgar. A República Velha: evolução política. São Paulo: Difel, 1971, p.
218.
388
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. III.p. 248-251.
389
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. III.p. 248.
157

republicano brasileiro, como podemos constatar a seguir.390 Afinal, em uma das sessões de
1914, ao desenvolver seu argumento sobre a excessiva força militar que Hermes da Fonseca,
então presidente da República, dispunha para intimidar seus opositores, o “sítio” aparecerá, no
discurso maragato, como verdadeiro sinônimo de “veículo repressor”, a ser repudiado com
veemência pelas autoridades políticas. Se, de um lado, em 1906, conforme vimos, Pedro
Moacyr clamava que o “sítio” fazia parte da rotina institucional, sendo plenamente justificado
pela situação de momento, por outro, num contexto marcado pelo êxito da política das
salvações ou do salvacionismo391, durante a administração Hermes, dizia ser o “sítio” mais
uma das “arbitrariedades”, dos “abusos” cometidos pela “ditadura marechalícia”. Sobre isto,
disparava: “O sítio é sempre uma medida de repressão. [...]. Reajamos dentro dos limites
constitucionais e dentro dos limites constitucionais cumpre-nos repelir o sítio, porque o sítio é
a humilhação, é a vergonha, é a desonra. O sítio em hipótese alguma!”392
Nesse sentido, em nosso entender, é possível identificar duas percepções produzidas
pelo orador em função dos diferentes usos que o estado de exceção recebeu conforme o
momento histórico em questão. Num primeiro momento, pode-se perceber uma leitura mais
“positiva” do uso deste instrumento, na medida em que o “sítio” é destacado no discurso
federalista como um recurso importante a ser empregado para a garantia da estabilidade e do
bom funcionamento das instituições políticas, que haviam sido violadas, como no caso da
“insurreição” de Mato Grosso. No segundo momento, compreendemos que há uma
interpretação, na qual se apresenta uma dimensão mais “negativa” acerca do uso do estado de
sítio, como se tratasse de um recurso extremo, de uma medida de guerra para garantir a
permissão de atitudes arbitrárias pelo Executivo federal, atentatória à própria ordem
institucional legal.
Outro incidente regional, relacionado a este contexto político, que mereceu atenção
dos federalistas no Congresso Nacional foi a revolta liderada pelo deputado federal, Fausto
Cardoso. O escopo da revolta destinava-se a derrubar as oligarquias, que controlavam o
estado sergipano, nas mãos dos coronéis Oliveira Valadão e Monsenhor Olímpio de Souza
Campos. Embora contasse com o apoio de civis e da força policial, Fausto Cardoso morreria
num tiroteio travado com as tropas federais, que sairiam em defesa dos grupos oligárquicos.393

390
Durante a Primeira República, o estado de sítio seria decretado onze vezes, vigorando na capital do país, por
exemplo, durante 17% de todo o período.
391
Nome dado às sucessivas intervenções nos estados, patrocinadas pelo Governo federal, que ofereciam apoio
armado às dissidências locais e à oposição popular.
392
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1914, v. I. p. 200.
393
Maiores detalhes desse episódio em: OLIVA DE SOUZA, Terezinha. Impasses do federalismo brasileiro:
Sergipe e a Revolta de Fausto Cardoso. Rio de Janeiro: Paz e Terra: Universidade Federal do Sergipe, 1985.
158

Sobre este episódio, merece novamente destaque a atuação de Pedro Moacyr. O tom
antioligárquico em seu discurso é muito similar ao anterior. Para o deputado da oposição, a
realidade do exercício do poder político na República era francamente contrária ao propalado
liberalismo de suas instituições. O resultado disso era a explosão de contínuas conspirações,
golpes ou tentativas de golpes de Estado, rebeliões, renúncias de presidentes, uma verdadeira
“entropia institucional”. Nesse sentido, enfatizava: “[...] Todos esses fenômenos, todos esses
desastres, todas essas calamidades da anarquia alternando com o despotismo, se solicitam uns
dos outros, estabelecendo, no seu aspecto geral, essa angustiosa situação da República, à que
é preciso por cobro definitivo...”394
O discurso de Moacyr ainda procurava ressaltar que embora Fausto Cardoso fosse
declaradamente seu obstinado adversário no campo político, aquele nunca teria sido seu
inimigo pessoal. A esse respeito, o representante do Partido Federalista, ao término do seu
discurso, apresentava as condolências em nome do seu partido como forma de homenagem ao
deputado Cardoso e comparava a figura do parlamentar com a do almirante Saldanha da
Gama, personagem defensor do monarquismo e que fez parte da quinta e última fase da
Revolução Federalista, no sentido de destacar que ambos foram exemplos profícuos de
“bravura” e “coragem” na história do Brasil:

Sr. Presidente, não me é lícito lembrar dissenções de épocas passadas, mas creio que
a Câmara terá o espírito suficiente superior e elevado, como tem, para enxergar
naquele outro sacrifício de um egrégio almirante de nossa armada, uma prova de
rara coragem pessoal e cívica. Refiro-me ao almirante Saldanha da Gama que, numa
tentativa de restauração, segundo o seu manifesto (trocam-se muitos apartes; soam
os tímpanos) ao serviço de uma causa que fui o primeiro a combater, entrou no Rio
Grande do Sul, tendo antes escrito uma carta a seus amigos declarando que não
voltaria e que lá – obteria a vitória ou deixaria a vida. E morreu em Campo Osório.
Senhores; são exemplos como este, sejam quais forem os erros que ditem a
convicção política, que devem ficar para a construção do nosso patrimônio moral. 395

De qualquer modo, de acordo com o parlamentar oposicionista, as perspectivas de


futuro, por sua vez, seriam negras na medida em que entre os brasileiros, o modelo
republicano vigente, que deveria velar pelos interesses da nação, não passava de uma
“enfermidade geral que nos corrói”. Seu argumento, dizia ele, visava somente um único fim:
“a liberdade da Pátria e a própria dignidade da República”. Essa liberdade, no entanto, cada
vez mais se via destruída por essas “comédias e tragédias que estão assoberbando o espírito

394
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. IV. p. 652.
395
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 51-52.
159

público e fazem a opinião esclarecida recuar àquele estado de desolamento e ceticismo que
caracterizou a época tormentosa de 1892”.396
É importante deixar claro que as críticas produzidas pela deputação federalista ao
regime federativo se davam muito mais em relação aos seus excessos, provocadores do
chamado “estadualismo”, do que em relação ao princípio federal em si. Com efeito, o fato de
se insurgir contra a ordem federativa da Primeira República, não implicava, na ótica da
oposição, numa atitude “autoritária” no sentido de suprimir por completo as autonomias
estaduais. Pelo contrário, a autonomia regional deveria existir, mas não, de maneira excessiva,
a ponto de transformá-la em soberania, como queriam os ultrafederalistas. Como veremos
mais adiante, de acordo com ótica federalista, essa autonomia estadual deveria se dar apenas
no plano administrativo, e não político, como desejavam os republicanos castilhistas. A esse
respeito, o deputado Pedro Moacyr destacava:

Não aspiro de modo algum a que as funções indiretas de controle, fiscalização,


superintendência, exercível pelo órgão federal, e, na espécie, pelo Poder Legislativo
Federal, degenerem, em atribuição [...] privativa do Congresso Nacional, com
sacrifício ou mutilação completa da autonomia local.397

Nesse sentido, pode ser inserida também na categoria temática em foco a pungente
defesa feita pelo federalista, em sessão de julho de 1914, da necessidade da intervenção
federal no estado do Ceará, em nome da autonomia estadual, que, em sua visão, traduzia-se na
imediata reposição do governador Franco Rabelo. O discurso do representante oposicionista,
Pedro Moacyr, partiria de um diagnóstico semelhante aos já apresentados nos episódios
anteriores, ou seja, de que a desordem, a fragmentação da vida política brasileira e a
vacuidade ideológica dos partidos se resumiam numa luta acirrada por interesses privados, ao
passo que a intervenção federal, quando empregada, variava ao sabor das simpatias ou não do
governo pelas oligarquias insurretas.
Eleito e empossado para o governo cearense, em 15 de julho de 1912, o coronel
Franco Rabelo, embora, num primeiro momento, contasse com o apoio popular e do partido
que o elegeu, estava, de forma expressiva, isolado no plano federal. Nem Hermes da Fonseca,
Presidente da República, nem o Senador gaúcho Pinheiro Machado, liderança de grande
influência na condução dos negócios republicanos, eram simpáticos à sua administração. No
plano interior, Rabelo tinha contra si as oposições oriundas dos Accioly398 e do Padre

396
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. IV. p. 654.
397
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 436.
398
Referência ao chefe oligárquico cearense, Antônio Pinto Nogueira Accioly.
160

Cícero.399 Essa falta de bases, coronelística e federal, mais amplas, segundo Carone, seria
determinante para a explosão de uma revolta, naquela localidade, que culminaria na deposição
do governador cearense, e, posteriormente, na vitória da contraofensiva pinheirista.400
Ocupando a tribuna da Câmara, em uma das sessões de julho de 1914, o representante,
Pedro Moacyr, entendia que, para a manutenção da autonomia regional, era imprescindível
que o Congresso Nacional ordenasse ao Poder Executivo a “imediata reposição do
Governador Franco Rabelo, deposto pelas armas federais em conúbio com uma revolução que
dentro do Estado foi forjada pelo próprio Governo da União...”.401 Moacyr contestaria de
forma veemente a conclusão do parecer da Comissão de Constituição e Justiça, da qual fazia
parte, favorável ao arquivamento do caso. Em vista disso, o orador declarava querer a
Constituição como lei viva, e não como lei morta:

A honrada Comissão de Justiça [...] entendeu melhor mandar arquivar a Constituição


de 24 de fevereiro, e [...] eliminar também o regime federativo entre nós. Estas
coisas não valem nada mais. A Câmara está perfeitamente convencida de que a
Constituição é um papel inútil, o regime federativo uma ficção, e até 15 de
novembro não temos esperança alguma de qualquer manobra deste incomparável
estado de coisas.402

Nesta ótica de crítica ao parecer, Moacyr também destacaria em seu pronunciamento a


existência de um Legislativo empobrecido pela ausência de debates, e pela sua sempre
“obsequiosa obediência” às ordens do Poder Executivo Federal. Da mesma forma, naquela
conjuntura, a intervenção federal nos estados já havia se tornado um expediente ordinário
empregado pelo Presidente da República com a anuência do Congresso Nacional para superar
a resistência dos opositores do establishment oligárquico e preservar o situacionismo. Ao
justificar seu voto contrário ao arquivamento da mensagem presidencial, que na sua visão
constituía um verdadeiro atentado à pureza do regime republicano, pois colocava em risco o
princípio federativo da autonomia estadual, Moacyr ainda acrescentava:

[...] Nós estamos em um tempo de tristes, de vergonhosas, de indecorosas realidades.


A realidade prática é esta: o Congresso, que a todo o momento se despe das suas
atribuições essenciais, das suas evidentes prerrogativas, tem pressa em testemunhar
ao Poder Executivo, por via do arquivamento ou por qualquer outra via mais suave,
mais flexível, mais expedita, mais complacente, se deixam passar o termo médico, a

399
Figura decisiva no quadro político do Ceará da Primeira República. Maiores detalhes em: HERMANN,
Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, canudos e Contestado. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo do liberalismo excludente: da
Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 121-160.
400
CARONE, Edgar. A República Velha: evolução política. São Paulo: Difel, 1971. p. 286.
401
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1914, v. III. p. 306.
402
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1914, v. III. p. 307.
161

sua solidariedade. Não perturbemos mais este hino ou esta ação de graças ou esta
prova ruidosa de solidariedade que o Congresso da República, no ano da graça de
1914, quer dar ao Marechal Hermes...403

Dessa forma, de acordo com o deputado federalista, a Constituição Brasileira ficava


prisioneira de uma interpretação que propositadamente deixava fluídos os limites de seus
comandos fundamentais para que fossem aplicados conforme conveniência do situacionismo
oligárquico.404 Num quadro de baixíssima competição e de escassa alternância no poder,
causado pelo monopólio oligárquico e pela fraude eleitoral, e de um Legislativo “frouxo”, de
“obedientes clientes”, a oposição federalista se via sufocada pelo conservadorismo
oligárquico.
Por outro lado, a defesa excessiva das autonomias regionais, arguida pelos
ultrafederalistas, traduzia-se numa competição egoística de vaidades e ambições, que estaria
levando o país ao abuso nepotista e patrimonialista. Postulando os mesmos argumentos
utilizados por Moacyr, o deputado federalista, Wenceslau Escobar, em sessão de outubro de
1906, não titubeava:

Tais são as deploráveis consequências desse fervor fanático pelas autonomias


estaduais, que, afastando as autoridades da estrada real, fazem-nas seguir por
atalhos, que as levam, muitas vezes, por precipícios, fazendo ressaltar com mais
esplendor a verdade do provérbio latino abyssus, abyssus, invocat.405

Escobar registraria crítica semelhante na discussão sobre o orçamento do Interior,


travada na sessão de 29 de outubro de 1907: “A autonomia estadual precisa ser entendida de
modo que não prejudique o verdadeiro regime republicano federativo, não podendo, no caso
das oligarquias ou de assaltos aos cofres públicos pelas primeiras autoridades do Estado, ficar
a intervenção do Governo Federal dependente do arbítrio dos oligarcas, governadores ou
presidentes peculatórios”.406
Nesse sentido, podemos observar que, sendo oposição no jogo político nacional,
encontrando-se impossibilitados de participar do poder estadual e mesmo municipal, os
federalistas viam na “excessiva independência dos estados” um mal instituído com a
República. É um ponto, inclusive, que está presente em todas as suas manifestações

403
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1914, v. III. p. 309.
404
Entre 1889 e 1930, por sua vez, o Governo Federal interveria oficial ou oficiosamente pelo menos quinze
vezes nos estados da federação. Maiores informações em: O momento oligárquico: a construção institucional da
República brasileira (1870-1891). História Constitucional (Oviedo), v. 12, 2011, p. 297-325.
405
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. VI. p. 830.
406
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. VI. p. 950.
162

oposicionistas. Diziam-se federalistas, mas não confederacionistas – dizendo ser esta a


situação da República no Brasil:

Os republicanos fundadores do regime tiveram, pois, verdadeiro terror de enfrentar


este problema, apesar das deplorabilíssimas cenas, dos miseráveis escândalos que se
foram produzindo de ano para ano, de mês para mês e de dia para dia, em cada um
dos Estados da federação brasileira e que comprometeram gravemente a própria
sorte da federação (apoiados), transformando a autonomia em soberania e acabando
por mistificar o próprio regime, hoje reduzido não mais a uma federação de Estados,
mas a uma híbrida confederação grotesca, rapidamente dissolvente das energias da
nossa nacionalidade.407

Postulando os mesmos argumentos, Wenceslau Escobar, por seu turno, também se


manifestaria a esse respeito. Na 22ª sessão, de junho de 1906, ao retomar o discurso de
sustentação do seu requerimento, que pleiteava uma comissão especial para reformar a
Constituição sul-rio-grandense, que, segundo ele, estava em completa desarmonia com os
princípios constitucionais da União, trovejava:

Continuarei por isso me batendo sempre pela verdade da Federação, hoje único elo
da comunhão legal da unidade nacional. Quebrada essa antepara pela sempre
crescente aspiração autonômica dos Estados, estará extinta a República Federativa,
e as pequenas pátrias que a ela se sucederem, ficarão expostas à gratuita e generosa
proteção do monroismo ou a serem salvas pela obra civilizadora de qualquer
grande potência europeia. E tanto mais se me arraiga esse afã pela defesa da
Federação Brasileira quando vejo que desta Casa, dentre os próprios Deputados [...]
que colaboraram na obra grandiosa do nosso edifício constitucional, partem os mais
tremendos golpes contra esse ante mural que ainda é a defesa da bandeira que
simboliza a integridade nacional.408

Esta crítica ao excesso de federalismo também esteve presente no seio de outras


oposições gaúchas. O dissidente, Assis Brasil, por exemplo, confessava que a prática da
excessiva “independência dos estados” (de 1889 a 1908), “tem me convencido, porém, a min,
como a muitos outros federalistas que levaram o princípio ao mesmo ponto que eu, tem-nos
convencido que esta bela teoria não é ainda aplicável ao Brasil”.409 Silveira Martins, por sua
vez, logo após chegar do exílio, onde fora com a Proclamação, afirmaria: “Só pode salvar o
país o unitarismo parlamentar”.410
Convém salientar que para manter a autonomia estadual, garantindo a não-intervenção
do Governo Central e o controle das nomeações federais, conforme ressaltou Maria do Carmo

407
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 419.
408
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 13-4.
409
ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco de. Ditadura, parlamentarismo, democracia. Porto Alegre: Globo,
1908. p. 75.
410
RUSSOMANO, Victor. História constitucional do Rio Grande. 2. ed. Porto Alegre: Assembleia Legislativa
do Rio Grande do Sul, 1976. p. 263.
163

Campello de Souza411, “os estados davam apoio ao presidente da República, sem o qual este
não subsistiria no poder”. Nesse sentido, o Rio Grande do Sul foi um dos exemplos mais
clássicos dessa regionalização político-partidária, não somente em razão do PR local ter se
moldado de forma extremamente peculiar412, se relacionado com os de outros estados, mas,
também, pelo amparo e funcionamento de um arcabouço constitucional, de inspiração
comteana, que, por sua vez, apresentava evidentes contradições com a Constituição Federal.
Deve-se sublinhar, no entanto, que todas essas questões foram duramente criticadas, em nível
nacional, pela deputação federalista, em sua oposição ao PRR.
De acordo com Hélgio Trindade, as ideias positivistas que tiveram grande influência
na América Latina, especialmente no México, Chile, Uruguai, Argentina e, no Brasil,
gestaram um único exemplo de regime político que poderia ser denominado de “ditadura
republicana”413, com o significado atribuído por Augusto Comte. Tratava-se da experiência
autoritária e original vivida pelo Rio Grande do Sul, entre 1891 e 1930, mais conhecida como
“castilhismo”, referência ao nome de seu principal líder e também articulador intelectual,
Júlio de Castilhos.414
Pelas características singulares de que se revestiu o modelo constitucional adotado
regionalmente, consagrado na Carta Estadual de 14 de Julho de 1891, diferente em vários
aspectos da versão republicana adotada na Constituição Federal, ou nas demais Constituições
Estaduais, o Rio Grande do Sul castilhista, da Primeira República, receberia de seus
opositores a alcunha de ser um “corpo estranho dentro do país”.

411
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na Primeira República. In: MOTA,
Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 13. ed. São Paulo: DIFEL, 1982. p. 185.
412
Deve-se lembrar que, enquanto nos outros estados do país, os partidos republicanos organizaram-se a partir
dos pressupostos liberais, o PRR utilizou-se de um modelo positivista, servindo o partido como elemento de
afirmação do sistema castilhista (e posteriormente do borgista) no poder.
413
Para a melhor compreensão da ditadura positivista, uma boa fonte de referência é o testemunho histórico,
publicado por Pierre Laffitte, em 1890, na Revue Occidentale, na qual confere destaque ao “Relatório
apresentado à Sociedade positivista pela comissão encarregada de examinar a natureza e o plano do novo
governo da República Francesa”. Sobre o tema em questão ver: TRINDADE, Hélgio. A República positivista:
teoria e prática. In: TRINDADE, Hélgio (Org.). O positivismo: teoria e prática: sesquicentenário da morte de
Augusto Comte. 3. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 103-143. Deve-se destacar aqui também que o
poder na ditadura republicana deve ser assim centralizado porque as funções tradicionalmente executivas não são
suficientes para realizar a missão que lhe é conferida, isto é a preservação do bem público. É por esta razão
basicamente que, na lógica comteana, o ditador deve ter a capacidade de legislar e intervir nas atividades
políticas, sociais e econômicas quando o interesse coletivo requerer, reduzindo, nesse sentido, a assembleia
legislativa à mera função orçamentária.
413
Embora fosse constituída uma comissão integrada por três membros, Assis Brasil, Ramiro Barcellos e Júlio
de Castilhos, com o encargo de elaborar o projeto de Constituição estadual, o único autor do projeto
constitucional foi, de fato, Júlio de Castilhos. Ver: TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Subsídios para a
história do Parlamento Gaúcho (1890-1937). Porto Alegre: CORAG, 2005.
414
TRINDADE, Hélgio. O jacobinismo castilhista e a ditadura positivista no Rio Grande do Sul. In:
TRINDADE, Hélgio (Org.). O positivismo: teoria e prática: sesquicentenário da morte de Augusto Comte. 3. ed.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 485-500.
164

Os principais traços da Carta Rio-Grandense colocaram-se numa órbita distinta da


temática adotada nacionalmente, inspirada no presidencialismo americano. Entre eles,
podemos citar alguns:

Legislativo unicameral restrito a questões orçamentárias (Assembleia dos


Representantes); Executivo (Presidente do estado) com mandato de cinco anos e
poderes para legislar, a menos que a maioria das Câmaras Municipais rejeitasse uma
lei determinada; reeleição consecutiva do governador, contanto que obtivesse três
quartos da votação total; ampla e estrita separação dos poderes espirituais e
temporais.415

Nesse sentido, pode-se perceber que, do ponto de vista castilhista, o essencial do poder
executivo e legislativo encontrava-se nas mãos do Presidente do Estado, que simbolizava o
ditador republicano proposto por Comte. Se, de um lado, a ditadura republicana castilhista
concentrou todos os poderes na presidência, embora criando um mecanismo próprio para
ratificação das leis com a participação das autoridades municipais416, de outro, limitou o papel
da Assembleia dos Representantes a uma função exclusivamente orçamentária.
No que diz respeito à natureza e aos limites do Estado federativo brasileiro, como já
foi destacado anteriormente, os castilhistas defendiam o ultrafederalismo, que expandia a
competência político-administrativa dos estados, para além dos limites estabelecidos pelo
anteprojeto, de cunho mais centralizante, elaborado por Ruy Barbosa, durante o Governo
Provisório (1889-1891). Invocavam, assim, a doutrina da soberania dual, que consagrava a
igual soberania dos estados e da União em seus respectivos âmbitos de competência –
doutrina que, segundo eles, ainda norteava o federalismo estadunidense.
Convém observar que todos esses princípios, citados acima, que garantiriam, através
de mecanismos político-eleitorais, a perpetuidade do grupo castilhista no poder estadual,
sofreriam forte oposição de vários atores políticos, tanto no âmbito regional quanto no federal.
Na esfera nacional, o castilhismo seria profundamente criticado, particularmente, pelos
representantes liberais das elites políticas brasileiras. Um dos seus críticos mais contundentes
foi Sylvio Romero na década de 1910/1920, não só por chamar o Rio Grande do Sul de
“Comtelândia”, mas por caracterizar o regime castilhista como “um absolutismo ditatorial
positivista, instituído por Júlio de Castilhos e deturpado ridiculamente pela simplicidade

415
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971.p. 49.
416
Dentre as originalidades da nova carta constitucional estava previsto “um mecanismo de consulta e retificação
das leis fora do circuito parlamentar: antes da promulgação presidencial dos projetos de lei, esses deveriam ser
submetidos à apreciação dos cidadãos por intermédio das intendências municipais” e também estava prevista a
possibilidade de revogação de uma lei promulgada, se a maioria das Câmaras Municipais se manifestasse contra
a sua promulgação.
165

sorridente e loiloesca do seu mumificado sucessor”.417 No panfleto Doutrina contra Doutrina,


Romero também questionou a filosofia política de inspiração positivista, ao atacar
frontalmente os positivistas gaúchos, que ele reputava tão indesejáveis quanto os jacobinos e
os socialistas, ao mesmo tempo em que louvava a industriosa “democracia paulista” em nome
dos princípios do evolucionismo. Em relação à ordem política castilhista, dizia:

O positivismo é uma coisa perigosa e deve ser combatido com seriedade. Desde que
uma doutrina qualquer que ela seja, tornou-se o pão espiritual de algumas centenas
de homens, essa doutrina constitui um fator social e um estímulo de ação. [...] O
Positivismo tem uma grande força no presente e é preciso repeli-lo enquanto não
cresce mais, enquanto não se torna verdadeiramente formidável e quase impossível
de rechaçar.418

O castilhismo também sofreu críticas, ainda que esporádicas, da parte de Ruy Barbosa,
que se opôs principalmente à política de Pinheiro Machado e aos abusos de Castilhos em
matéria de perseguição política. Devemos lembrar também que, em 1923, intensificaram-se as
críticas ao regime gaúcho, por ocasião da quinta reeleição de Borges de Medeiros, sucessor de
Castilhos na direção do Estado, e deram lugar a uma polêmica defesa do castilhismo por parte
de Monte Arrais na obra “O Rio Grande do Sul e as suas Instituições Governamentais”.
No plano regional, o castilhismo foi alvo de duras críticas produzidas pelas oposições,
representadas pelos federalistas e pelas dissidências republicanas, existentes ao longo do
período republicano. Na Assembleia dos Representantes, observamos que a principal voz
destoante à ordem política castilhista foi representada pelos deputados do Partido Federalista,
especialmente, a partir de 1913, quando, no cenário parlamentar, o partido elege o seu
primeiro representante: o alegretense Jorge da Silveira Pinto.419 Embora houvesse, na época,
em alguns setores do partido maragato a tendência à abstenção, como protesto às restrições e
às truculências do situacionismo castilhista, o Partido Federalista, através das atuações
oposicionistas de Jorge Pinto, Gaspar Saldanha, José Alves Valença e Arthur Caetano da
Silva, se fez presente no Parlamento gaúcho, de forma combativa e desassombrada, que, por
vezes, perturbou a tradicional modorra da “duminha” provincial.420 Apesar de serem apenas
quatro contra uma esmagadora maioria de republicanos ligados aos PRR. De um modo geral,
pode-se afirmar que a atuação parlamentar federalista no âmbito estadual se caracterizou por

417
ROMERO, Sylvio. O castilhismo no Rio Grande do Sul. Porto: Comércio do Porto, 1912. p. 13.
418
ROMERO, Sylvio. Doutrina contra Doutrina. In: ROMERO, Sylvio. Obra Filosófica. São Paulo: José
Olympio/Edusp, 1969. p. 13.
419
O representante da oposição, Jorge Pinto, foi eleito por Alegrete-RS, tradicional reduto oposicionista.
420
“Duminha” era o apelido da Assembleia dos Representantes, em alusão à Duma, o castrado parlamento russo
do tempo dos czares.
166

três características básicas: a centralidade da figura simbólica de Gaspar Silveira Martins; a


defesa intransigente do sistema parlamentarista e a constante crítica ao caráter autoritário do
governo Borges de Medeiros.421
A respeito da centralidade da figura de Silveira Martins, vale lembrar, a título de
ilustração, o primeiro pronunciamento produzido pelo deputado federalista, Jorge Pinto, na
sessão de instalação dos trabalhos da Assembleia: “Srs., sou modesto pioneiro de aspirações
políticas diferentes das vossas; venho dos arraiais federalistas empunhando bandeira do meu
partido; sou modesto discípulo das ideias de Silveira Martins, com quem aprendi a amar a
minha pátria, cultuando a liberdade.”422
Entretanto, no que concerne à deputação federalista nacional pode-se perceber uma
sensível mudança de ênfase nos discursos de oposição ao PRR. Na Câmara federal, os
federalistas, por exemplo, não acentuarão, com tanta veemência, suas características
particulares, como por exemplo, o culto à memória de Silveira Martins. Ao contrário disso,
tratarão de incorporar as questões fundamentais dos demais grupos que também se
encontravam na oposição, ao destacar, nesse sentido, a necessidade de uma reforma
constitucional no Brasil. Esta, por sua vez, visava melhorar os dispositivos referentes à
intervenção federal nas unidades estaduais, exigindo, a partir disso, a “regeneração da
república” pelo estabelecimento da “verdade eleitoral” e pela reforma judiciária, no sentido de
centralizá-la na justiça federal. Desse modo, os federalistas, no plano nacional, se
apresentarão como o grupo de oposição do Estado rio-grandense, e não como uma facção
oposicionista, como aconteceria na esfera estadual, procurando, com isso, dar um caráter
unitário à sua luta contra o partido dominante, o PRR.
Da mesma forma, como já foi apontado anteriormente, cabe destacar a grande
influência exercida pelo regime castilhista na produção dos principais vetores que pautaram a
ação da bancada federalista gaúcha no plano parlamentar nacional. Mais que uma crítica em
sentido estrito, tal atuação pode ser percebida como uma resposta direta, no campo do direito
constitucional, ao regime autoritário de Castilhos. Ao federalismo “exacerbado”
acompanhado da suprema autoridade do Poder Executivo estadual, aspectos que os
republicanos castilhistas tinham como bandeira, a oposição federalista, sendo minoria
numérica no jogo político nacional, responderia com o fortalecimento do governo

421
Sobre o debate parlamentar regional ver: ROUSTON JUNIOR, Eduardo. Não só do pão do corpo precisa e
vive o homem, mas também do pão do espírito: a atuação federalista na Assembleia dos Representantes
(1913-1924). Dissertação (Mestrado em História) ‒ Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2012.
422
ANAIS da Assembleia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul, Jorge Pinto, Sessão de
Instalação, 26 de setembro de 1913, p. 60.
167

representativo, definido dentro dos marcos da República parlamentarista, e com a ampliação


dos casos de intervenção federal nos estados, delineando um regime de centralização política
no âmbito brasileiro. Nesse sentido, apesar dos federalistas proporem um modelo de governo
representativo em nível nacional, pode-se perceber, em sua ação parlamentar, a motivação que
exerceu sobre eles o regime castilhista.
Outro elemento importante a ser enfatizado diz respeito à influência político-
institucional norte-americana na atuação parlamentar deste grupo. De um modo geral, os
federalistas se reportavam às interpretações estadunidenses posteriores à guerra civil,
marcadas pelo crescente fortalecimento dos poderes da União em face dos estados. Com
efeito, o oposicionismo maragato buscará desempenhar na Câmara federal o papel de defensor
político e econômico da União, que o teórico norte-americano, Alexander Hamilton, exercera
nos primórdios da república norte-americana, quando insistiu em reforçar as prerrogativas da
União em detrimento das unidades regionais. Por isso, os federalistas apoiaram projetos que
visavam regulamentar o instituto da intervenção federal, a fim de que a União pudesse arbitrar
sobre as querelas oligárquicas intraestaduais, buscando, com isso, enfraquecer o poderio dos
partidos situacionistas, como por exemplo, o do Partido Republicano Rio-Grandense, de Júlio
de Castilhos e Borges de Medeiros. As instituições políticas estadunidenses também serviriam
de inspiração para a bancada oposicionista quando esta manifestou o desejo de ver
efetivamente praticado o sistema representativo estabelecido pela Constituição Federal de
1891, sistema este corrompido, segundo os federalistas, pela fraude e pela compressão dos
governos conservadores.
Em relação ao comportamento da deputação federalista em sua crítica ao castilhismo,
vale destacar, inicialmente, a atuação do representante oposicionista, Wenceslau Escobar.
Especialista em Direito Constitucional, Escobar utilizaria seus conhecimentos para combater
no Congresso o arcabouço constitucional rio-grandense. Na sessão de 26 de maio de 1906,
por exemplo, apresentou um requerimento, objetivando a nomeação de uma comissão especial
para rever a Constituição do Rio Grande do Sul e pô-la em harmonia com os princípios
constitucionais da União. Para ele, aquela Carta gravitava numa órbita completamente
deslocada do modelo republicano federativo, alegando a necessidade de uma revisão de
princípios e reforma constitucional. Nesse sentido, desabafava: “A Constituição do Rio
Grande do Sul pode ser tudo; declaro, porém, que não é absolutamente republicana. É uma
168

ditadura mascarada de democracia; é uma verdadeira excrescência no mecanismo


constitucional da República!”423
Nesse contexto, Escobar acusava que desde a formulação do projeto constitucional rio-
grandense, ele “não tinha se inspirado nos princípios democráticos, na verdade do regime
federativo, mas na doutrina daqueles que (preconizavam) a ditadura como a melhor forma de
governo”, enfim, dos que faziam “a apoteose dos governos dos Francias e dos Rosas”. A
Carta Rio-Grandense não garantia sequer as liberdades públicas, princípio estabelecido em
artigo da Constituição Federal. A esse respeito, disparava: “Essa garantia, por excelência, das
liberdades públicas não existe na Constituição Rio-Grandense, que está assim em inteiro
desacordo com o dispositivo do artigo 15 do Pacto Fundamental da República”.424
Antunes Maciel Junior, que entraria para a Câmara em 1915, também ergueu sua voz
contra a constitucionalidade da Carta gaúcha. Em discurso pronunciado na 72ª sessão, de
agosto de 1916, o representante do oposicionismo, em tom agressivo, disparava: “O Estado
que represento vive há mais de 30 anos sob a mais clara ilegalidade, declarada pelo Supremo
Tribunal Federal, ilegalidade que se deriva da sua Constituição, aberrando dos princípios da
Constituição Federal”.425
Outro aspecto combatido pela oposição na Constituição estadual tratava do limitado
papel político atribuído à Assembleia dos Representantes, cuja função restringia-se
exclusivamente ao voto orçamentário. Como bem lembrou Vélez Rodríguez, o projeto de lei
nem sequer ela (Assembleia) elaborava, pois lhe era apresentado pelo Presidente. Este, por
sua vez, lhe devia indicar as providências.426 A isto se juntavam outras limitações, como por
exemplo, o mandato imperativo, em virtude do qual podia ser anulado a qualquer momento o
mandato dos representantes “pela maioria dos eleitores”. Nesse sentido, Wenceslau Escobar,
em tom crítico, desabafava:

A assembleia do Rio Grande do Sul, senhores, não passa de uma chancelaria para
votar os meios destinados à manutenção dos serviços decretados pelo Poder
Executivo; não pode discutir, não pode entrar no exame de conveniências dos
serviços; seu papel é votar sem discussão. 427

423
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. I. p. 648.
424
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. I. p. 648.
425
MACIEL JUNIOR, Antunes. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1916, v. VI. p. 926.
426
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal;
Conselho Editorial, 2010. p. 155.
427
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. I. p. 649.
169

A partir da afirmativa de Escobar, pode-se identificar em seu pronunciamento a busca


pela valorização do Parlamento no equilíbrio entre os poderes, e na tentativa de atenuar os
aspectos centralizadores da Constituição que atribuíam ao Presidente do Estado o essencial do
poder legislativo.
Hélgio Trindade ressalta que a base institucional no texto constitucional sul-rio-
grandense não se tornou letra morta, uma vez que o Presidente do Estado ocuparia o centro do
poder executivo e legislativo com um amplo campo de ação coercitiva. 428 A prova de sua
eficácia – apesar da força da oposição – transparece no fato de que, já em 1892, “sua
autoridade política era completa: a máquina castilhista controlava o Executivo, Legislativo, os
governos municipais e a organização policial do Estado”.429
Segundo Escobar, o funcionamento da República, de acordo com o sistema pelo qual
esta se estruturou no Brasil, estava prejudicado pelo desiquilíbrio de forças entre os três
poderes, com o predomínio do Executivo sobre o Judiciário e o Legislativo. Para ele, essa
distorção era, ainda, mais evidente no Rio Grande do Sul, devido à extrema concentração de
poderes do Executivo, que podia governar por decretos e, dessa forma, também exercia as
funções do Legislativo e dominava o Judiciário, concluindo que, no estado sulino, não havia
se efetivado o regime constitucional propriamente dito:

[...] É esta divisão perfeita, escrupulosa, que nego haver na Constituição Rio-
Grandense, porque ali o Poder Executivo é competente para legislar sobre justiça,
instrução, força pública, terras devolutas, telégrafos e correios estaduais, matéria
eleitoral, enfim, senhores, até sobre a própria lei pela qual, em dada eventualidade,
terá de ser responsabilizado.430

Escobar caracterizava o regime gaúcho como despótico, uma verdadeira tirania,


porque os três poderes eram exercidos exclusivamente por um órgão único e pessoal. Nesse
sentido, merece destaque também o pronunciamento proferido na 28ª sessão, de junho de
1907. Ao erguer a sua voz contrária à hipertrofia do executivo431, o deputado oposicionista,
invocando, em defesa de sua tese, autores americanos, como Thomaz Jefferson, ressaltava:

Há funções que, por natureza, não podem deixar de pertencer ao Poder Legislativo e
que, no entanto, pela Constituição do Rio Grande pertencem ao Executivo. Não; não

428
TRINDADE, Hélgio. O jacobinismo castilhista e a ditadura positivista no Rio Grande do Sul. In:
TRINDADE, Hélgio (Org.). O positivismo: teoria e prática: sesquicentenário da morte de Augusto Comte. 3. ed.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 485-500. p. 495.
429
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 60.
430
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. II. p. 193-4.
431
Expressão usada por Vélez Rodríguez (2010) para designar a concentração de poderes nas mãos do poder
executivo.
170

foi este o pensamento dos patriarcas da independência americana, desses vultos que
enchem a história com seus nomes; desses homens que, no dizer do grande
Gladstone, fizeram a obra mais portentosa que jamais, de um só esforço, saiu do
cérebro humano; desses homens que melhor compreenderam e praticaram o ideal
republicano. [...] Ainda sobre o mesmo assunto, Thomaz Jefferson, [...] dizia: ‘O
despotismo eletivo não foi o governo pelo qual lutamos, mas por um governo que se
fundasse em princípios livres; por um governo em cujas instituições a discriminação
dos poderes fosse perfeita, atribuindo-se a cada um dos seus ramos as funções que
por natureza lhes devem pertencer.432

Conhecedor dos pressupostos políticos e cívicos da vida republicana norte-americana,


Pedro Moacyr, por sua vez, citaria, em seus pronunciamentos, várias autoridades
governamentais estadunidenses para sustentar sua opinião contrária aos aspectos autoritários
mais destacados da Carta Castilhista. Em relação à prática da reeleição consecutiva do
Presidente do Estado, prevista na Carta Rio-Grandense, e, que, na ótica do situacionismo
castilhista era justificada a partir da exigência imposta pelo “bem público”433, dizia:

Convém notar que, em 1880, quando uma facção notável do Partido Republicano
quis colocar, pela terceira vez, Grant, na presidência dos Estados Unidos, a repulsa
popular foi tão solene, foi de tal ordem, que aquela facção notável do Partido
Republicano recuou. [...] Desde então, nos Estados Unidos, o exemplo do Partido
Republicano [...] firmou definitivamente a prática constitucional. Quer dizer: não se
pode mais [...] pleitear uma segunda reeleição.434

A esse respeito, é valido lembrar que a Constituição gaúcha, em nome da


“continuidade administrativa”, admitia a reeleição – indefinida – no seu artigo 9º,
condicionada ao pronunciamento favorável de mais de ¾ partes do eleitorado. Sobre este
aspecto, chama atenção também o discurso proferido, pelo próprio Moacyr, na 80ª sessão, de
14 de agosto de 1907. Numa demonstração do vigor da linguagem oposicionista, ao
apresentar da tribuna uma indicação, que propunha a intervenção do Poder Legislativo nos
estados para a harmonização das Constituições estaduais com a Federal, o federalista voltaria
a atacar o texto constitucional rio-grandense, visto por ele, como expressão da “perversão do
republicanismo”. Nesse sentido, o deputado maragato desfechava:

Consentir que os estados possam instituir a indefinida reeleição, de modo a tornar o


governador vitalício de fato no exercício de seu cargo, ou que possam estabelecer
entre eles o regime patriarcal, é evidentemente ferir no cerne o regime republicano;

432
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. II. p. 193.
433
De acordo com Vélez Rodríguez (2010, p. 120), o “bem público”, entendido à maneira castilhista, era
definido como a instauração e fortificação de um governo forte que implantasse no Rio Grande o regime da
virtude, através de um processo moralizador dos cidadãos, constituído o valor supremo na ação política.
434
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 48.
171

é para eu empregar também a frase do Sr. Campos Sales, muito corrente por aí,
tocar o coração da República.435

Pode-se dizer que os parlamentares maragatos apontavam, ainda, como elementos


inconcebíveis e inconstitucionais da Carta gaúcha, a organização das eleições por parte do
Executivo, a nomeação do vice-presidente pelo presidente e a inelegibilidade de não rio-
grandenses para o governo do estado, pregando constantemente a revisão desses dispositivos
constitucionais.
Nessa linha, o deputado Wenceslau Escobar ao demonstrar o desrespeito da Carta
Castilhista perante a Constituição Federal de 1891, no âmbito da prática governista borgista,
não resistia em dizer que a Constituição de 14 de Julho era uma “felonia aos verdadeiros
princípios republicanos”, uma fachada republicana em prol de uma ditadura oligárquica e
excludente, que ao invés de ser orientada para o bem comum, privilegiava interesses
específicos da sociedade, em detrimento de outros.

Não pode haver disposição mais estreita e acanhada, mais antipatriótica e até odiosa.
A Constituição da República, em seu artigo 71, garante os direitos políticos, em toda
a sua amplitude, ao cidadão brasileiro. [...] Ora, estatuindo a Constituição rio-
grandense que não pode ser presidente do Estado do Rio Grande do Sul um
brasileiro paulista, mineiro, fluminense ou oriundo de qualquer outro estado,
visivelmente restringe a amplitude desse importante direito político afirmado pela
Constituição Federal. De modo que [...] qualquer brasileiro que se ache nas
condições legais, pode ser presidente da República; entretanto não pode ser
presidente do Estado do Rio Grande do Sul! Como se o Estado do Rio Grande do
Sul não fosse um pedaço da federação brasileira.436

Para Escobar, a estrutura constitucional rio-grandense estava a serviço do partido


dominante, que com ela, “via-se investido de um aparelho que lhe facultava governar à
vontade”, de modo que, “amparado por esta organização constitucional draconiana”,
completava seus planos de manutenção no poder ao cercar-se “de um pessoal de absoluta
confiança, de criaturas incondicionais, sem vontade, que só pensavam pela sua cabeça”.
Apoiando-se em Hamilton, questionava ainda sobre o destino do país, se outras unidades da
Federação brasileira adotassem o modelo político rio-grandense:

Se os outros Estados, a exemplo do Rio Grande, se constituem tomando por base os


princípios de uma monarquia eletiva, de uma teocracia, oligarquia, ou república
aristocrática, a que ficaria reduzida a república federativa do Brasil? A uma reunião

435
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. IV. p. 451.
436
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. I. p. 650.
172

híbrida de estados sem nexo que os ligasse entre si, deixaria de ser, como diz
Hamilton, uma associação de muitos estados debaixo do mesmo governo .437

Vale a pena anotar que a postura oposicionista de Escobar diante da Constituição Rio-
Grandense assumiria um tom mais crítico e acusatório, ainda, quando do ataque a uma das
originalidades da Carta Castilhista, a qual previa que antes da promulgação presidencial dos
projetos de lei, esses deveriam ser submetidos à apreciação dos cidadãos por intermédio das
intendências municipais. Nessa linha, estava prevista a possibilidade de revogação de uma lei
promulgada, se a maioria das Câmaras Municipais se manifestasse contra a sua promulgação.
A esse respeito, Escobar considerava que a espera da reação por parte dos municípios para a
alteração das propostas do executivo não constituía numa participação real e ativa no processo
legislativo. Nesse sentido, e tendo por base as Constituições de países como os Estados
Unidos, Argentina e França, desfechava:

[...] Não há país do mundo onde esta iniciativa de reformar a lei orgânica da nação
seja confiada à conselhos municipais; de ordinário é confiada aos membros do
Poder Legislativo. Nas Constituições dos Estados Unidos, da República Argentina,
da França e de quase todas as monarquias constitucionais, essa iniciativa cabe aos
membros do Poder Legislativo, assim como entre nós, onde também é extensiva à
maioria dos congressos estaduais.438

Posteriormente, diante de um aparte do deputado governista João Luiz Alves, que


considerava o artigo referente à “autonomia municipal” o mais “belo” da Constituição
Castilhista, Escobar rebatia dizendo: “Acho que confiar essa iniciativa a uma das classes mais
incultas da sociedade é um verdadeiro absurdo”.439 É possível notar nessa perspectiva um
componente elitista no pensamento de Escobar, na medida em que vê o povo como errante,
ignorante e manipulado em seus menores atos por oligarquias violentas e obscuras. Nestas
condições, desabafava: “O grau de cultura de um povo é um poderoso elemento que não pode
ser desprezado [...]. Vinte ou, quando muito, trinta por cento da população brasileira é que
sabe ler e escrever, mas não basta saber ler e escrever para tomar parte na confecção das
leis”.440 Logo, para ele, a função exercida pelos Conselhos Municipais, pela sua
“incompetência”, era puramente nominal.
No tocante a este tema, Raymundo Faoro comenta que, embora fosse permitido que as
leis presidenciais fossem vetadas pela maioria dos votos dos Conselhos Municipais, isto

437
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. I. p. 651.
438
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. I. p. 198
439
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. I. p. 198.
440
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. I. p. 194.
173

nunca aconteceu no Rio Grande do Sul, uma vez que no poder estavam homens de confiança
do Presidente: “No Rio Grande do Sul, onde o princípio eletivo tornou-se a regra legal, o
governador, sempre que a oposição vencia o pleito, designava, para o município, um
intendente provisório que alcançava todo o período do prefeito sagrado pelas urnas”.441
Nesta ótica de crítica à Carta Rio-Grandense, merece destaque também o debate
acerca do parecer nº 8 da Comissão de Constituição e Justiça, mandando arquivar a
indicação442 apresentada pelo deputado federal e presidente do Partido Federalista, Antunes
Maciel, na 28ª sessão, de 7 junho de 1907. A indicação tinha como intuito destacar a
desarmonia existente entre a Constituição do Rio Grande do Sul e a Carta Federal.
Como era de se imaginar, o parecer, aprovado em sessão de 13 de junho de 1907,
refutaria a ilegitimidade arguida por Maciel em relação à Constituição Castilhista.
Encabeçada pelos deputados da maioria governista, João Luiz Alves e Germano Hasslocher,
ambos do PRR, a Comissão entendia que a legitimidade da Constituição Estadual estava
garantida, pois fora a mesma promulgada por uma Assembleia Constituinte soberana. Relator
da Comissão, Alves se dizia “desnorteado” por não lhe ser possível compatibilizar a ideia de
ditadura com uma organização constitucional na qual estavam previstos “representantes
eleitos, com mandato que termina dentro do prefixado tempo e com funções determinadas
dentro do prazo constitucional”443 Outro deputado que sairia em defesa do parecer foi Simões
Lopes, que citou a convivência harmônica durante 15 anos das instituições brasileiras com a
Constituição estadual, na medida em que o Congresso havia reconhecido os parlamentares
sul-rio-grandenses e o presidente do país jamais fizera qualquer referência à
inconstitucionalidade da Carta de 14 de Julho em suas anuas.444
De volta aos ataques oposicionistas à Constituição Rio-Grandense, vale lembrar que o
ponto central da indicação, formulada por Antunes Maciel, tratava da crítica à nomeação do
vice-presidente pelo presidente. Segundo o representante oposicionista, especialmente em
razão desse aspecto, a Constituição do Rio Grande do Sul desrespeitava o princípio
constitucional da eletividade, ferindo, inclusive, a Carta Federal, o que, segundo ele,
constituía flagrante contradição.

441
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 4. ed. Porto Alegre:
Globo, 1977. p. 627.
442
“Indico que a Comissão de Constituição e Justiça interponha parecer no sentido de decidir se os princípios
constitucionais da União, especialmente os da forma republicana federativa sob o regime representativo, são
respeitados na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul”. In: ANAIS da Câmara dos Deputados, sessão de 7
de junho de 1907.
443
ANAIS da Câmara dos Deputados, sessão de 7 de junho de 1907.
444
ANAIS da Câmara dos Deputados, sessão de 16 de julho de 1906.
174

Governos de nomeação pessoal e livre escolha de quem estão governando, não se


encontram em parte alguma; ninguém mais ousa considerá-los republicanos. [...] Isto
é incompatível com as teorias e os sentimentos de liberdade e dignidade social
modernos; é incompatível com a nossa constituição política e a nossa cultura cívica.
Portanto, quanto à forma republicana, quanto à nomeação ou escolha de vice-
presidente do Estado, a constituição do Rio Grande do Sul é expressamente oposta à
Constituição Federal.445

Deve-se assinalar que o parecer da Comissão de Justiça, por sua vez, não considerava
contraditório o fato de o vice-presidente ser nomeado pelo presidente, já que a Constituição
Federal apenas exigia a elegibilidade expressa do primeiro mandatário, e não dos seus
sucessores eventuais. Além disso, os governistas sustentavam seu posicionamento dizendo
que a Constituição Federal não havia prescrito o processo de reforma das Cartas estaduais,
pouco importando, portanto, se ele seria afeto aos chefes dos poderes executivos, como
determinava a lei rio-grandense, ou assinado aos parlamentos. Cabe lembrar que dos 115
deputados que participaram daquela sessão, apenas os três representantes federalistas –
Wenceslau Escobar, Pedro Moacyr e Antunes Maciel, votaram contra o Parecer.
Em face ao exposto, pode-se dizer que a grande maioria dos projetos e indicações dos
deputados da oposição de fato recebia parecer contrário das comissões permanentes e,
consequentemente, era derrubada na votação final em plenário, como no caso da indicação
apresentada por Antunes Maciel. Embora esse desfecho ilustrasse uma derrota, de certo modo
prevista pelos parlamentares, o simples fato de elaborar projetos ou emendas e tê-los na pauta
da ordem dos debates, já criava alguma expectativa no grupo oposicionista da bancada rio-
grandense.
É possível perceber, ademais, que, na representação construída pelos federalistas
acerca daquele momento histórico, o Rio Grande do Sul aparecia não apenas como um
desdobramento de um país, cujo poder encontrava-se fragmentado pelas oligarquias locais,
mas, também, exemplo de uma interpretação “distorcida” da Constituição Federal. Na sessão
de 28 de maio de 1908, por exemplo, Pedro Moacyr ponderava:

[...] São tão frequentes, tão constantes estes abusos, estes escândalos, estes crimes,
que a nossa própria sensibilidade moral está relativamente embotada, e não surgem,
aqui e acolá, nas páginas de alguma folha diária, protestos e clamores que
imediatamente não morram na mais torpe indiferença. Os régulos não ouvem, e
riem-se até, do alto da onipotência de suas funções monstruosamente hipertrofiadas,
pela interpretação criminosa que está tendo a Constituição da República.446

445
MACIEL JUNIOR, Antunes. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. II. p. 167.
446
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 434.
175

O orador concluía seu discurso atacando o “apetite desordenado e doentio pela


autonomia” das bancadas governistas, advertindo ser o estado do Rio Grande do Sul reflexo
puro desta política do “domínio fechado da autonomia ou da pretendida soberania de cada
Estado”.447
Apresentando-se como representante da verdadeira República, que deveria ser
regenerada, o deputado federalista, Antunes Maciel Junior, chamaria a atenção para o fato de
que o que existia no Brasil, ao invés da unidade, era uma comunidade política desagregada,
apontando o Rio Grande do Sul como o exemplo mais extremo desse Brasil transformado em
migalhas oligárquicas. O discurso, produzido na sessão de 8 de dezembro de 1915, revelava
as pretensões do oposicionista, ao acusar, com veemência, a Carta rio-grandense de ser a
“aberração” da República brasileira:

A União apresenta-se [...] desarmada, apassivada, reduzida a testemunhar em


silêncio o conflito que poderá ameaçar a própria estabilidade dela, reduzido a sentir
os agravos que a firam, sem ter licença de curá-los, como acontece no caso do Rio
Grande do Sul, consolidado dentro dos quatro cantos, de uma organização tirânica,
legitimada pela legalidade aparente de uma constituição sociocrática, sem par em
nação alguma do mundo culto e francamente aberrante dos princípios mais
culminantes do pacto fundamental da República brasileira [...].448

O discurso oposicionista do Partido Federalista, no âmbito nacional, em sua crítica ao


autoritarismo castilhista-borgista, reclamaria também das intervenções do poder estadual na
vida política dos municípios gaúchos, constrangendo a autonomia das localidades. De acordo
com Love, a justificativa de fraudes eleitorais ou de incompatibilidade da lei orgânica
municipal face à Carta de 14 de Julho instrumentalizou mais de duzentas intervenções nos
municípios gaúchos entre 1896 e 1923.449 Os intendentes descontentes com os processos de
intervenção do Poder Executivo, por sua vez, eram substituídos por provisórios, que muitas
vezes se perpetuavam no cargo. A esse respeito, o deputado da oposição federalista, Rafael
Cabeda, frisava que a nomeação dos intendentes provisórios, que logo costumavam ser
sufragados em uma eleição municipal, constituía-se numa situação total de anormalidade, um
atentado contra a própria Constituição estadual, como podemos constatar no trecho abaixo:

447
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 434.
448
MACIEL JUNIOR, Antunes. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1915, v. XVIII. p. 483.
449
LOVE, Joseph L. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva,
1975. p. 83; PEREIRA, Antônio Batista. Pela redenção do Rio Grande. Conferências feitas no Rio de Janeiro,
em Ouro Preto, Belo Horizonte, Santos e São Paulo, de 27 de abril a 10 de julho de 1923. São Paulo: Acadêmica
Saraiva, 1923.
176

A Constituição do Estado diz: no primeiro período, o intendente será nomeado pelo


Presidente do Estado, ou ainda quando se criam novos municípios, o primeiro
intendente desses municípios. Ninguém encontra na lei do Estado coisa alguma que
autorize a nomeação de intendentes provisórios. O intendente provisório no Rio
Grande do Sul é uma verdadeira violência ao direito de todos os rio-grandenses.
Desse modo se institui uma verdadeira ditadura em 22 municípios. [...]450

Nesse sentido, podemos destacar que para compreender o federalismo proposto pelos
representantes do Partido Federalista na arena parlamentar do Congresso Nacional há que se ir
além da simples clivagem liberal versus conservador. É preciso verificar, inclusive, se o
referido partido não partilhava genericamente das duas correntes, conforme destacou Hélgio
Trindade, quando definiu os federalistas como conservadores-liberais, apontando, desse
modo, para o real vetor que eminentemente os conduziam em sua oposição ao establishment
oligárquico.
A partir do exposto, pode-se destacar que, de um modo geral, os parlamentares
oposicionistas almejavam, em sua crítica à Constituição gaúcha, não apenas abalroar a sua
constitucionalidade, como também demonstrar o desacerto da Constituição sul-rio-grandense
com a Carta federal, o que, segundo eles, feria os princípios basilares do sistema republicano
federativo. Entendemos que esse argumento oposicionista visava, dessa forma, sensibilizar os
poderes da Nação de forma a promover, com base no Artigo 6º da Constituição Federal, a
intervenção federal no estado do Rio Grande do Sul. Este Artigo 6º, considerado por Campos
Salles “o coração da República brasileira”, permitia a intervenção federal nos estados a fim de
“repelir uma invasão estrangeira ou de um estado em outro” (parágrafo 1º), “manter a forma
republicana federativa” (parágrafo 2º), “restabelecer a ordem e a tranquilidade nos estados, à
requisição dos respectivos governos” (parágrafo 3º) e “assegurar a execução das leis e
sentenças federais” (parágrafo 4º). Não obstante as diversas intervenções ocorridas durante a
Primeira República, o Artigo 6º não chegou a ser regulamentado, sempre pairando sobre ele
uma margem de interpretação.
Para finalizar, consideramos importante destacar também que os argumentos
oposicionistas contra a Constituição de 14 de Julho seriam novamente condensados por
ocasião da campanha armada liderada por Assis Brasil, em 1923.451 Naquele contexto também
se insistiu na tese de que os princípios republicanos estavam desrespeitados na medida em que

450
CABEDA, Rafael. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1916, v. XV. p. 540.
451
A esse respeito ver: ESCOBAR, Wenceslau. 30 anos de ditadura rio-grandense. Rio de Janeiro: s.n., 1922;
PEREIRA, Antônio Batista. Pela redenção do Rio Grande. Conferências feitas no Rio de Janeiro, em Ouro
Preto, Belo Horizonte, Santos e São Paulo, de 27 de abril a 10 de julho de 1923. São Paulo: Acadêmica Saraiva,
1923; VELHO, Patrício. Defesa do Dr. Borges de Medeiros. Presidente do Rio Grande do Sul. O juízo da
história começa, às vezes, mesmo em vida dos grandes homens. Rio de Janeiro: Canton & Beyer, 1923.
177

não havia divisão de poderes, o presidente podia eleger-se indefinidamente e ainda enfeixava
a prerrogativa da indicação do vice-presidente. Os resquícios de democracia direta em função
da possibilidade do veto dos Conselhos Municipais eram desmistificados pelos oposicionistas
sob a alegação das contínuas intervenções do Poder executivo nos municípios.
Além disso, deve-se mencionar que, em nome da preservação e do respeito à
“autonomia regional”, o governo rio-grandense, nas mãos de Borges de Medeiros, assestou
baterias contra a Lei Federal Rosa e Silva, de 1904, negando a sua aplicação no estado sulino.
Esta lei reformulou a legislação eleitoral para a União, e pretendeu padronizar os
procedimentos para os estados e municípios. No entanto, deve-se aqui dizer que essa atitude
de Borges estimulou uma furiosa resistência parlamentar, junto à minoria oposicionista.
De acordo com Sérgio da Costa Franco452, pode-se dizer que, desde a eleição de 1891,
não houve luta eleitoral da oposição no Rio Grande do Sul. As leis eleitorais, desde a edição
do Regulamento Alvim453, de 23 de junho de 1890, que, a partir das regras da chapa completa
e da circunscrição única, afastaria a possibilidade de representação das minorias454, passando
pelos decretos e regulamentos subsequentes, não garantiam qualquer segurança à disputa de
votos pelos oposicionistas. Posto que todo o processo de alistamento, organização das seções
de votação e apuração dos sufrágios competiam aos governos municipais, e estes, no Rio
Grande do Sul, eram invariavelmente exercidos por membros do situacionismo perrepista.
Nesse sentido, deve-se salientar que não havia condições para exercer oposição através do
voto. Só os jornais político-partidários, como por exemplo, “A Reforma”, de Porto Alegre, e
“O Maragato”, de S. Livramento, ambos vinculados ao Partido Federalista, a praticavam.
A chamada “Lei Rosa e Silva” (nome de um senador pernambucano que a concebera),
promulgada em 15 de novembro de 1904, ao reformular a legislação eleitoral da União,
inovou na matéria eleitoral, introduzindo a participação do Poder Judiciário no alistamento,
aumentando para cinco o número de deputados de cada distrito eleitoral, estabelecendo a lista
incompleta e o voto cumulativo, e, por fim, implantando o direito de representação das
minorias. Na realidade, segundo Noll e Trindade455, era o voto cumulativo que abria espaço

452
FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha
(1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 129-170. p. 130.
453
Referência ao decreto nº 511, de 23 de junho de 1890, que regia o processo eleitoral. Do ministro
referendário, Cesário Alvim, veio-lhe o nome: Regulamento Alvim.
454
O artigo 30 determinava que “as cédulas para deputados conterão tantos nomes quantos forem os deputados
que o Distrito Federal ou o estado tenha de enviar ao Congresso”. A esse respeito ver: LEAL, Victor Nunes.
Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2012.
455
NOLL, Maria Izabel; TRINDADE, Hélgio. Estatísticas eleitorais do Rio Grande da América do Sul –
1823/2002. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2004. p.
57.
178

para a participação da oposição, pois que o eleitorado de um distrito de três deputados poderia
votar em três nomes ou em um só cumulativamente, aumentando as chances deste candidato.
Teoricamente, se a minoria votasse unida elegeria representantes. Para Leal, entretanto,
embora essa lei tenha favorecido os grupos minoritários, aquela não tardou a ser fraudada nos
seus objetivos.456
Nesse sentido, Costa Franco457 relata que as leis federais, desde a de 1892458, em
verdade, já estabeleciam que nenhum partido ofereceria chapa completa de candidatos às
vagas do Legislativo, “ficando um terço reservado ao grupo minoritário”. Entretanto, esse
preceito jamais foi respeitado até o advento da Lei Rosa e Silva, que, por sua vez, garantiu a
eleição dos primeiros representantes do Partido Federalista na órbita federal.
Borges de Medeiros, então no governo do Rio Grande do Sul, negaria a aplicação dos
dispositivos da Lei Federal, que estabeleciam sua extensão aos pleitos estaduais e municipais.
Invocou, no caso, sua inconstitucionalidade, por ofensa à autonomia dos estados, no que foi
respaldado por decisão do Judiciário, contestando a competência do Congresso Nacional para
legislar sobre as eleições para os cargos municipais e estaduais. A esse respeito, Gunter Axt
esclarece que o ponto central de discórdia residia, sobretudo, nas regras de qualificação dos
eleitores:

Às vésperas de cada eleição, editavam-se leis estaduais e municipais que revisavam


as listas de eleitores qualificados para o exercício do voto, existindo, portanto,
relações de eleitores estaduais, federais e municipais. A qualificação de eleitores, a
cargo das autonomias administrativas e jurídicas alinhadas à situação dominante nos
estados e municípios, era sempre uma chance para a exclusão da oposição e inclusão
dos partidários. Além disso, podiam-se conceder títulos a falecidos ou menores de
idade, ou cancelá-los, conforme a conveniência do momento.459

A atitude de Borges, recusando a aplicação, no estado, das regras da Lei Federal


(1904), sofreria, no Plenário, repetidas críticas por parte da oposição federalista. Essas críticas
trariam consigo duas inegáveis medidas centralizantes: a defesa da instauração da Justiça
Federal como tribunal de última instância para as decisões das magistraturas locais, e a
atribuição ao Supremo Tribunal Federal do processo e julgamento nos crimes políticos dos

456
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 213.
457
FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson. República velha
(1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 129-170. p. 149.
458
Referência à primeira lei eleitoral federal que se seguiu à Constituição da República. Maiores informações
em: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
459
AXT, Gunter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929. Porto Alegre: Paiol, 2011. p.
143.
179

altos funcionários da União e dos Estados. Compreendemos que ambos os itens traduziam a
resposta federalista ao debilitamento da União, que pretendia a Constituição gaúcha para
favorecer a ditadura castilhista-borgista.
Entretanto, deve-se lembrar que não era nova e nem privativa do grupo federalista a
ideia, corrente na época, de que cabia a uma Suprema Corte, dotada de poderes, declarar a
nulidade dos atos e de leis incompatíveis com a Constituição Republicana ou julgar os
conflitos entre os estados, e entre estes e a União Federal. Já em 1841, por exemplo, o liberal
histórico Teófilo Otoni aludira a um “supremo Poder Moderador” que, detido pela Suprema
Corte, teria o poder de declarar a inconstitucionalidade das normas nos Estados Unidos; vinte
anos depois, ele voltou a defender a tese de que o Judiciário brasileiro tinha ou deveria ter a
mesma função.460 Em 1870, foi a vez de Tavares Bastos definir o Judiciário norte-americano
como “o grande Poder Moderador da sociedade, preservando a arca da aliança de agressões,
ou venham do governo federal ou dos governos particulares”.461 Ao apresentar seu ministério
em 1882, também o liberal Marques de Paranaguá frisara a necessidade de emancipar o
Judiciário da dependência do Executivo, de molde a inspirar a confiança dos partidos em sua
neutralidade em matéria política.462 O mesmo faria o primeiro-ministro liberal, Lafaiete
Rodrigues Pereira, no ano seguinte, ao lembrar aos deputados que o Judiciário deveria ser
fortalecido por conta da “idoneidade intelectual e moral do magistrado e sua perfeita
independência pessoal”.463 Em 1886, já estava no ar a possibilidade de se atribuir ao Supremo
Tribunal de Justiça a verificação dos poderes dos parlamentares eleitos.464 Portanto, pode-se
destacar que quando veio a República já estava mais do que pavimentado o pensamento que
atribuía ao Poder Judiciário o papel de controle normativo da constitucionalidade.
Deve-se registrar aqui também que mesmo no ambiente de contestação à “infração”
borgista, a referência às instituições políticas americanas também pautou o discurso
federalista em nível nacional. De um modo geral, pode-se afirmar que esse fundamento
teórico era utilizado por todos os tribunos da oposição. Nesse debate, acerca do conflito entre
poderes local e federal, a alusão a autores como James Bryce, Walker e Thomas Cooley era
justificada pela bancada a partir da percepção de uma tendência política centrípeta nas
interpretações que tais autores faziam acerca das relações entre União e estados.

460
OTONI, Teófilo. Discursos parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1979. p. 140.
461
TAVARES BASTOS, Aureliano. A província. Brasília: Senado Federal, 1997. p. 151.
462
ANAIS da Câmara dos Deputados, sessão de 3 de julho de 1882.
463
ANAIS da Câmara dos Deputados, sessão de 24 de maio de 1883.
464
NABUCO, Joaquim. Campanhas de Imprensa (1884-1887). São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949.
p. 164.
180

Diante do exposto, pode-se dizer que o deputado Pedro Moacyr foi a principal voz
oposicionista, no âmbito do Parlamento, a condenar a atitude de Borges. Na sessão de 1º de
novembro de 1906, por exemplo, apresentaria, juntamente com seu colega de bancada,
Wenceslau Escobar, um requerimento, com o objetivo principal de “chamar a atenção do
governo e da opinião pública sobre a atitude de Borges de Medeiros, negando aplicação à lei
eleitoral federal de 15 de novembro de 1904”.
Para ele, embora, num primeiro momento, reconhecesse a possibilidade da lei federal
ser considerada, em artigo 1º, “inconstitucional”, a questão que mereceria maior atenção no
debate era saber a quem caberia fazer a reclamação, caso se sentisse lesado do ponto de vista
eleitoral, e, nesse sentido, definir qual o verdadeiro poder competente para decretar a
inconstitucionalidade de uma lei nacional. A esse respeito, argumentava que:

A lei eleitoral federal veio anular o alistamento estadual do Rio Grande do Sul; a
verdade é esta: é que perante a lei eleitoral federal não existem atualmente no estado
do Rio Grande do Sul eleitores estaduais. Portanto, a pretensa autonomia do estado
acha-se formalmente violada pela lei federal. Existem centenas, talvez milhares de
cidadãos do Rio Grande do Sul que estão sofrendo uma verdadeira lesão nos seus
direitos políticos [...]. Mas, não é o presidente Borges de Medeiros, órgão das
reclamações que porventura estes cidadãos tenham de formular. [...] Não competia
ao presidente do estado semelhante iniciativa. Se a lei federal violou direitos pelo
eleitorado estadual, cabia a estes eleitores [...] promover então o recurso contra a lei
federal. [...] e o Supremo Tribunal terá de resolver sobre esta questão.465

Desse modo, segundo Moacyr, caberia a cada cidadão, cujos direitos eleitorais fossem
violados, e se realmente desejasse “justiça”, levar a sua própria reclamação a um juízo comum
e aguardar, pacientemente, que, depois da passagem por todas as instâncias inferiores, o
processo chegasse ao Supremo Tribunal Federal, ainda que este já houvesse examinado a
matéria diversas vezes no mesmo sentido.
Nesse sentido, pode-se afirmar, sem dúvida, que, tal qual a Constituinte republicana de
1890, Moacyr aprovava a ideia de conferir ao Supremo Tribunal Federal o papel de instância
decisória máxima no controle difuso e concreto de constitucionalidade. Assim, na ótica
federalista, caberia a uma autoridade superior, no caso o Supremo, e não ao Presidente do
Estado do Rio Grande do Sul, resolver, incidentalmente, e, em última instância, sobre a
inconstitucionalidade dos atos do poder público, seja em relação aos administrados, seja em
relação aos conflitos entre os estados, ou, como no caso em foco, entre estes e a União
Federal. A esse respeito, desfechava:

465
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 15.
181

Estou convencido [...] de que o governo do Rio Grande do Sul não podia e não
devia negar execução à lei federal, que ia se aplicar no estado, restrita e
determinadamente no caso do alistamento, isto é, no caso que envolve as condições
de capacidade eleitoral, [...] matéria, [...] que é de direito substantivo e não de direito
processual, e, portanto, da exclusiva competência das autoridades da União.466

No quadro de um Estado de direito marcado pelo federalismo caberia, portanto, ao


Judiciário o papel de arbitragem na resolução de conflitos institucionais. Desse modo, o
orador insistia na defesa do fortalecimento do Poder Judiciário como o mais adequado árbitro
neutro das contendas eleitorais:

Julgamos constitucional a lei federal e não reconhecemos competência em nenhum


poder da República, que não seja o Poder Judiciário, para decidir da
constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis. Pregar o contrário será desejar
que se reproduzam no país os espetáculos dolorosos da desordem e da anarquia,
erigidas em nome de governo.467

Na discussão acerca da valorização do Supremo como lugar privilegiado da resolução


dos conflitos constitucionais, o deputado federalista manifestava sua admiração pela
experiência política centrípeta vivenciada pelos Estados Unidos, posteriormente à guerra civil:

[...] A guerra civil de 1861-1865 pôs termo a esses conflitos e desde essa data pode-
se considerar como definitivamente estabelecidas as doutrinas seguintes: Estado
algum tem o direito de declarar nulo ato do Governo Federal, etc. Isto, Sr.
Presidente, foi uma grande, solidíssima e brilhante conquista conseguida pelos
espíritos defensores da unidade nacional americana contra a tendência centrífuga ou
separatista, que queria transformar a belíssima obra da autonomia dos Estados em
uma obra má...estéril e dissolvente da soberania nacional, que em breve degeneraria
em uma verdadeira confederação, para desta confederação, a seu turno, ir decompor-
se pelo desmembramento, com o retrocesso dos Estados Unidos à fase embrionária
de que tinha saído, graças ao gênio e aos esforços daquela soberba falange dos
Washington, Lincoln, Hamilton e outros patriotas.468

Apoiando-se na autoridade de James Bryce, Moacyr, ainda, frisava: “[...] Como a


nação é superior ou prefere aos estados [...], a Constituição Federal, que é a lei suprema em
todo o território, as leis feitas pelo Congresso, [...], são preferidas às Constituições e às leis
estaduais, e em caso de conflito estas últimas devem ceder”.469 Nesse sentido, concluía o
orador dizendo que: “a lição americana, de Bryce, é que deveria prevalecer a lei federal”.
Nessa linha argumentativa, a exemplo de Pedro Moacyr, discursou Wenceslau
Escobar, condenando, de forma veemente, a atitude de Borges, sendo que a postura borgista

466
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 16-7.
467
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 18.
468
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 14-5.
469
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 14.
182

seria comparada, por ele, a um “pernicioso e anárquico exemplo de desobediência às leis


federais”.

Dado qualquer conflito, no domínio constitucional, entre a União e um ou mais


estados, o único poder competente para solvê-lo é o Poder Judiciário. [...] Nenhum
funcionário, presidente ou governador de estado pode, por autoridade própria, dizer
– não cumpro esta lei, porque é inconstitucional. Seria colocar-se fora da órbita
legal; seria converter-se em uma autoridade revolucionária, situação em que se
colocou o presidente do Rio Grande do Sul.470

Segundo Escobar, a atitude Borges, ao não acatar a Lei do Congresso Nacional, que
visava fornecer segurança às forças minoritárias, através do voto cumulativo, sem dúvida,
tinha como finalidade estorvar a representação das oposições, facilitando em muito a
perpetuidade do situacionismo castilhista no poder. De acordo com o representante da
oposição, essa postura do governador gaúcho poderia justificar, inclusive, atitudes bélicas do
Poder Federal, uma vez que a este assistiria o direito de pegar em armas para destituir um
governo considerado como ilegítimo ou discordante das aspirações gerais. Nesse sentido, ao
fazer menção ao Artigo 6º da Constituição Federal, citado anteriormente, declarava: “O
remédio está no § 4º do art. 6º da Constituição. A União pode intervir com força armada para
assegurar a execução da lei. Bem sei que isto não se fará, e nem é o meu desejo que as coisas
cheguem a este extremo”.471
Quanto ao Judiciário, é importante ainda destacar as dificuldades, próprias do contexto
da época, sofridas pelos tribunais, como a resistência dos demais poderes a semelhante
controle, por tradição ou por uma interpretação mais rígida da teoria da separação de poderes.
Dessa observação, Koerner472 afirma que a própria nomeação dos ministros do tribunal era
submetida aos critérios da política dos governadores. Os ministros votavam de acordo com os
interesses das facções a que eram ligados, mantendo-se incertos os limites de aplicação
constitucional.473 A título de exemplo, deve-se destacar a explanação de Pedro Moacyr, que

470
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. VI. p. 829.
471
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II.
472
KOERNER, Andrei. O poder judiciário federal no sistema político da Primeira República. Revista USP,
dossiê judiciário, n. 21, p. 58-69, mar.-maio, 1994.
473
Não é demais lembrar que diante da decretação da Lei nº 58, de 12 de março de 1907, que estabelecia normas
para o próximo alistamento estadual, os cidadãos Florampelio de Castro Loureiro, Joaquim Tibúrcio de
Azevedo, Plínio de Castro Casado e Artur Pinto da Rocha recorreram ao Supremo Tribunal Federal alegando
contrariedade à Lei Rosa e Silva. Mas, pelo Acordão de 11 de junho de 1908, o Supremo confirmou sentença do
Superior Tribunal de Justiça do Estado favorável à constitucionalidade da legislação estadual, baseando-se para
tanto no artigo 70 da Constituição Federal. Segundo o ministro do Supremo, Amaro Cavalcanti, então, o “Estado
tem e deve ter o direito de construir o seu eleitor”, porque o “eleitor é a base do poder estadual”, não podendo,
assim, receber essa base constituída de antemão por outro poder. A esse respeito, ver: OSÓRIO, Joaquim Luís
Osório. Constituição Política do Estado do Rio Grande do Sul: comentários. 3. ed. Brasília: Editora da UnB,
1981. p. 46-48.
183

agora chamava a atenção para o aspecto “pernicioso” da submissão dos tribunais aos critérios
da política oligárquica, decorrendo de retribuição de favores ou de alianças entre frações
regionais:

[...] Os juízes federais são, em regra, pela perversão que tem sofrido o nosso regime,
indicados pelos governadores dos estados; de modo que uma das raras e únicas
garantias que o regime oferece à liberdade individual, [...] tem sido completamente
mistificada por esta revoltante subordinação do Governo Federal às conveniências e
à politicagem dos governos locais.474

Pode-se perceber, diante do trecho citado, que a existência do Supremo Tribunal


Federal, já não consolava mais o deputado, que via de forma profética o problema que a
federação traria e que pelos 40 anos seguintes seria apontado por Ruy Barbosa, Alberto
Torres, Oliveira Viana e tantos outros.475 Nesse sentido, ao admitir com clareza que o preço
da preservação das condições de reprodução da ordem dominante na República também se
dava à custa dos tribunais, o Judiciário, segundo Moacyr, via-se impedido de exercer o seu
“pretendido efeito moderador”.
Para concluir, pode-se afirmar que, comprimidas pelas situações políticas instaladas
nos governos estaduais, as minorias recorriam ao Supremo Tribunal Federal como uma forma
de furar o bloqueio oligárquico imposto pelo conúbio entre a Presidência da República e as
oligarquias estaduais. Este foi o caso do grupo federalista, que advogava a conversão do
Supremo Tribunal em instância idônea para questões político-eleitorais. Na prática, o
Supremo Tribunal ficaria longe de assegurar ao primeiro regime republicano o papel político
arbitral que dele poderiam esperar as minorias. É verdade que durante a turbulenta presidência
de Hermes da Fonseca (1910-1914), liberais, como Ruy Barbosa, conseguiriam o apoio de
ministros, como Enéas Galvão, Sebastião de Lacerda, Guimarães Natal e Pedro Lessa, para
liberalizar a jurisprudência do sítio, tornando o habeas corpus uma garantia mais efetiva de
liberdades públicas e decidindo de uma vez contra os interesses do establishment. No entanto,
o alarme rapidamente soou nos arraiais conservadores, cujos próceres – Pinheiro Machado,
em primeiro lugar – já começavam a vociferar contra a ameaça de uma “República
judiciária”.

474
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 452.
475
Sobre tais autores ver: ABREU, Luciano Aronne de. Centralismo, federalismo e autoritarismo no Brasil
(1937-45). In: SILVEIRA, Helder Gordim; ABREU, Luciano Aronne de; LOSSO, Tiago (Orgs.). Estado e
desenvolvimento: política e relações internacionais no Brasil contemporâneo. Porto Alegre: Asterico, 2010. p.
61-80.
184

De qualquer maneira, pode-se afirmar que para os federalistas o modelo político


brasileiro, em vigor, ocultado sob uma roupagem convencional, e calcado numa excessiva
descentralização regional, gerava uma sucessão de situações de desiquilíbrio na correlação de
forças entre as elites regionais e o poder central, sendo o Rio Grande do Sul apontado por eles
como a prova cabal desse cenário “esfacelado” e desiquilibrado. A exegese majoritária,
porém, que se fazia em torno do Artigo 6º, que previa a intervenção federal nos estados, seria
responsável, no ângulo da oposição, pela falta de coesão e de organização política, já que a
transformava num agregado incongruente e efêmero de tendências estaduais reunidas em
partidos por politicagem pessoal em torno de governos locais.
Nesse sentido, veremos, no subcapítulo seguinte, que os federalistas, ao criticarem a
ordem republicana nos moldes em que se encontrava, isto é, ao diagnosticarem a doença, que
vinha corroendo o país, apontariam também algumas medidas buscando corrigir essa questão
da fragmentação do poder pelas oligarquias, que por sua vez, estava levando o Brasil à
anarquia e ao despotismo. A Federação deveria ser revista completamente, fortalecendo os
poderes da União a ponto de termos um país constitucionalmente organizado e moralmente
unido.

4.3 UM NOVO RUMO À REPÚBLICA: O FEDERALISMO UNIONISTA E A OPÇÃO


PELA INTERVENÇÃO FEDERAL

Neste subcapítulo nossa atenção estará voltada para os elementos norteadores que
caracterizaram o modelo de federalismo proposto pelo grupo político em foco. De um modo
geral, esse modelo calcava-se na defesa do fortalecimento da União em detrimento das
franquias estaduais, no aprimoramento dos dispositivos referentes à intervenção federal nos
estados, e, por fim, na necessidade de o Congresso Nacional fiscalizar os atos do Poder
Executivo, delineando um regime de centralização política, mas não eliminando por completo
a autonomia dos estados.
Para os deputados federalistas, os estados brasileiros, com olho especial no Rio
Grande do Sul, eram mais que autônomos, eram independentes, o que ensejava o domínio
irrestrito das oligarquias e a destruição do país. Nesse sentido, era necessário redimensionar o
federalismo brasileiro e toda a organização política do país, a par de uma centralização
política, com descentralização administrativa. No entanto, deve-se relembrar aqui que a
noção de desencanto republicano, a defesa da centralização e de um Poder federal forte,
185

questões centrais no discurso federalista, eram a tônica do período republicano, não sendo
bandeiras específicas deste grupo.
A crítica ao regime presidencialista também se fará presente, uma vez que, para os
federalistas, o presidencialismo puro era a garantia de um governo forte à serviço do
establishment oligárquico. Nesse sentido, defendiam um republicanismo híbrido, dentro dos
marcos de uma República federativa, de caráter presidencial, representativo e parlamentar,
que, ajustando-se a uma concepção liberal de governo, forneceria a primazia do poder público
ao Legislativo federal. Assim, a oposição parlamentar do Partido Federalista propunha o
fortalecimento do papel do Congresso Nacional, atribuindo-lhe, além da função de legislar, a
de vigiar a vida política dos estados, especialmente no relativo às Constituições, a de
fiscalizar a política econômica dos mesmos e a de regular a marcha do Executivo, mediante a
eleição do Presidente da República, a fiscalização das funções ministeriais e a escolha dos
governadores estaduais. Além disso, a defesa da unidade do direito e do processo, de uma lei
eleitoral única para todo o Brasil, da organização das policiais estaduais sem caráter militar e
da reforma da bandeira nacional, também constituirão numa pauta importante de mobilização
parlamentar para a deputação federalista.
Todas essas questões apresentadas acima envolviam, em última análise, uma sintonia
forte com o pensamento defendido por Gaspar Silveira Martins, velho chefe liberal gaúcho,
fundador do Partido Federalista, em 1892. Antigo senador do Império, Silveira Martins
bradava pela revisão da Constituição da República para adotar o parlamentarismo e o
unionismo.476 Principalmente por este motivo, Gaspar e seus discípulos eram acusados, pelos
conservadores e positivistas, de “reacionários”, ao pretender, segundo eles, a “restauração da
monarquia”. A esse respeito, pode-se destacar que, embora os elogios ao sistema
parlamentarista e à centralização política dos tempos imperiais, e não ao regime político em
si, se façam presentem em seus pronunciamentos, os parlamentares federalistas nunca
defenderam abertamente a restauração da Monarquia. Mesmo decepcionados com a realidade
política, em vigor, diziam-se, apesar disso, fervorosos republicanos, que lutavam pela
reconstitucionalização do país nas bases mais democráticas.
Pode-se salientar que o revisionismo constitucional, de fato, tornou-se para o Partido
Federalista um objetivo indispensável para que as medidas, citadas acima, fossem alcançadas.
Essa postura revisionista, em relação à Carta Federal, estimulou os maragatos a se unirem, no

476
LYNCH, Christian Edward Cyril. O caminho para Washington passa por Buenos Aires: a recepção do
conceito argentino do estado de sítio e seu papel na construção da República Brasileira (1890-1898). Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, 2012, p. 149-169.
186

plano nacional, a outros grupos oposicionistas, também defensores do revisionismo, como,


por exemplo, os civilistas, liderados pelo Senador baiano, Ruy Barbosa.477 A figura de Ruy,
por sua vez, seria constantemente acionada e reiterada pelos deputados federalistas no
Plenário na defesa que ambos faziam da revisão das leis constitucionais.
Diante do exposto, organizamos este eixo temático em três blocos. Primeiramente,
enfocaremos a defesa do caráter centralista, no tocante ao modelo ideal de federalismo
arguido pela bancada federalista. Tomaremos como exemplo os discursos que enfatizaram e
justificaram a defesa de um federalismo unionista, de caráter centralizante, defensor da
preponderância da União federal, em especial do Poder Legislativo, sobre os estados. No
segundo bloco, destacaremos os discursos que enfatizaram, numa chave positiva, o
parlamentarismo e a centralização política, enquanto recurso usado na legitimação para a
construção ou reconstrução de um Brasil forte e unido. Por último, enfocaremos as principais
questões que marcaram a atuação dos deputados federalistas no âmbito do movimento
revisionista, de caráter nacional, liderado por Ruy Barbosa.
Pode-se dizer que os representantes do federalismo rio-grandense na arena congressual
estiveram em consonância com o modelo de federalismo unionista, que buscava reforçar as
prerrogativas da União federal sobre os estados. Essa defesa do fortalecimento da União em
detrimento dos estados, delineando um regime de centralização política, pode ser
compreendida, segundo Love478, como um meio de enfraquecer as oligarquias estaduais de
base coronelista, que no Rio Grande do Sul era representada pelo partido adversário, o PRR.
É importante ressaltar que a defesa do federalismo, numa perspectiva mais
centralizada no poder federal, ou seja, menos desastroso para a sobrevivência da União, em
contraposição ao ultrafederalismo dos castilhistas, não implicaria numa defesa, pelo menos
explícita, de uma República unitária à francesa. Compreendemos que esse federalismo
unionista, arguido pela deputação oposicionista gaúcha, colocava-se num lugar intermediário
e de transição entre a confederação e o Estado unitário.
Cabe destacar, nesse sentido, que a oposição federalista, na defesa que esta fazia da
centralização política, não atuava de maneira isolada. Unindo forças, opositores das bancadas,
pernambucana e baiana, também usariam o Legislativo federal para apoiar projetos que
previam o fortalecimento da União. E era natural que assim fosse: os representantes dos
menores estados, como Pernambuco e Bahia, sabiam que o objetivo dos grupos majoritários
era enfraquecer a União para favorecer os estados maiores, que eram os grandes exportadores;

477
Embora tais grupos não compartilhassem, integralmente, das mesmas ideias políticas.
478
LOVE, Joseph L. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 124.
187

eles reteriam suas receitas e ainda dominariam o cenário nacional. Uma vez que os estados
menores viviam das transferências de receita da União, estava claro que eles perderiam caso
ficassem calados. Ubaldino do Amaral, por exemplo, queixava-se: “Ninguém aqui fala na
União, todos falam nos interesses de seus estados, ameaçando-nos com a separação”. Segundo
ele, não passávamos “de um bando de viajantes que se albergam a um tempo debaixo do
mesmo rancho”.479 Outro grande defensor da União foi Ruy Barbosa, ministro da Fazenda e
senador pela Bahia. Para ele, criara-se uma “superexcitação mórbida” em torno do
federalismo: “Federação tornou-se moda, acusou, entusiasmo, cegueira, palavra mágica, a
cuja simples evocação tudo há de ceder, ainda que a invoquem mal, fora de propósito e em
prejuízo da federação mesma”.480
No que concerne à atuação da bancada maragata, vale anotar o discurso proferido por
Pedro Moacyr na sessão de novembro de 1906. Dirigindo-se à ala governista da bancada rio-
grandense, acusada por ele de querer restringir ao máximo a intervenção federal nos estados,
Moacyr lamentava:

Não compreendo a unidade nacional que não seja pela manutenção da unidade sob
os vários aspectos do problema fundamental que deve preocupar a nossa Pátria. [...].
VV. EExs, se batem pela autonomia dos estados, que confundem com a própria
soberania fazendo entre ambas pura distinção metafísica. VV. EExs mantém neste
país, só porque não podem destruí-las, a unidade de língua, a unidade de raça, a
unidade de religião, porque estas unidades sociais estão acima da própria
legislação.481

Os deputados governistas, encabeçados pelo perrepista Germano Hasslocher, não


deixariam o oposicionista sem resposta, tratando-o como um “desgarrado”, “reacionário”, que
não punha, com seu “purismo liberal”, a República acima de todas as considerações, e que por
isso estava “politicamente no caminho errado”. Na defesa do situacionismo oligárquico, os
representantes da ala governista desenvolviam, por seu turno, argumentos que se opunham às
tentativas oposicionistas de promoção de reformas, que tornassem a prática política
verdadeiramente democrática, como o voto secreto, ou que dessem poder efetivo ao
Congresso ou ao Supremo Tribunal Federal, como era o caso dos federalistas gaúchos. Os
argumentos da situação, calcados na necessidade de reforço da autoridade do Executivo, do
sistema presidencialista de governo e na defesa da “energia” como condição da ordem e do

479
ANAIS do Congresso Constituinte da República, 1924, v. I, p. 765.
480
Citação extraída do artigo: CARVALHO, José Murilo de. República, democracia e federalismo: Brasil (1870-
1891). In: CARVALHO, José Murilo de et al. Linguagens e fronteiras do poder. Rio de Janeiro: FGV, 2011.
p. 15-35. p. 25.
481
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 55.
188

progresso nacional, surgiriam também contra as veleidades oposicionistas em prol do


revisionismo constitucional.
De volta à atuação parlamentar da oposição, lançando mão de toda a sua erudição e
veemência, citando lições de James Madison, John Marshall e Joseph Story, o deputado
federalista Pedro Moacyr não hesitava ao proclamar que a preservação da nacionalidade
brasileira era incompatível com a doutrina da soberania dual, invocada pela maioria
parlamentar, que consagrava a igual soberania dos estados e da União em seus respectivos
âmbitos de competência. Nesse sentido, frisava a necessária precedência da União no quadro
federativo:

A defesa ardente da unidade nacional está conosco, os que queremos, acima de


tudo, enquanto não for reformada como desejamos, o império da Constituição
emanada do Congresso Nacional, isto é, do poder que representa a Pátria em suas
altas funções legislativas.482

De um modo geral, os federalistas se diziam defensores de um federalismo mais


centrípeta, em prol da sobrevivência da União federal. Em outras palavras, era imprescindível
a centralização política, com o consequente fortalecimento da União. Colhe-se dessa postura
política que a escolha do próprio nome do partido – Partido Federalista –, decorria do espírito
que o teórico norte-americano, Alexander Hamilton, já citado anteriormente, imprimiu ao seu
Federalist Party, ou seja, o de reforçar a competência e os poderes da União em detrimento
dos estados. O gasparista, Félix C. Rodrigues, confirma essa identificação entre o partido
brasileiro e o de Hamilton. Referindo-se, inicialmente, à Silveira Martins, assim, dizia ele:

Tal é a tradução da última vontade do grande brasileiro [...], tal o patrimônio legado
por ele ao seu partido, cujo nome – federalista – reproduz o do partido de Hamilton
e lembra o mesmo antagonismo com os fins políticos colimados. Se apertar o nó
entre os Estados, aumentando os direitos da União, era o que visava o partido
federalista americano, não é outro o empenho dos federalistas rio-grandenses, que
se batem pela volta ao governo federal de certas atribuições nefastamente conferidas
aos estaduais.483

Inspirado na conjuntura norte-americana, de cunho centralista, e, calcado em autores


como Jellinek e Laband, Moacyr destacava, ao contrário do que afirmavam os conservadores
paulistas, que havia nos Estados Unidos, sobretudo depois da Guerra civil, um nítido
movimento unionista, marcado pelo fortalecimento do poder central. Desse movimento, de
tendência centralista, Moacyr retiraria aquilo que gostaria de ver aplicado na realidade política

482
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 56.
483
RODRIGUES, Félix Contreiras. Velhos Rumos Políticos. Tours (França): E. Arrault, 1921, p. 278.
189

brasileira: a descentralização administrativa com a centralização política. Em suas palavras,


dizia:

[...] A segunda fase política dos Estados Unidos está plenamente caracterizada por
este princípio: a União superior aos estados, interventora nos estados, exercendo
controle sobre os estados, reconhecendo-lhes apenas a autonomia, a
descentralização administrativa, mas reservando para si o que eu quero que o poder
federal reserve para si no Brasil: a unidade política.484

A exemplo do discurso proferido em 1908, Pedro Moacyr, na sessão de novembro de


1916, já representando o 1º distrito do estado do Rio de Janeiro, que o reconduziu à Câmara,
reiterava, com solidez, a importância da centralização política para a garantia da unidade
nacional, enfatizando, inclusive, a necessidade de frear a concentração de poderes nas mãos
do presidente da República, ou pelo menos, os excessos do Executivo federal:

[...] A Marinha e o Exército desejam, como todos os brasileiros, apenas (este apenas
é vastíssimo) a mudança urgente e radical das nossas instituições, no sentido de uma
forte centralização política, sem sacrifício da descentralização administrativa, para
a manutenção da unidade da Pátria, em todos os sentidos; de uma diminuição das
funções e atribuições do Poder Executivo, para que ele não seja o que tem sido
durante 27 anos, [...] uma ditadura desenfreada sob a qual temos vivido em todos os
Governos...para que finalmente o Parlamento possa ser, mediante uma eleição
honesta, como honestas foram as eleições da lei Saraiva, no Império...uma
representação autentica, dos sentimentos e da vontade da maioria ou da generalidade
dos brasileiros. [...]485

A despeito do tema em questão, também chama atenção o seu pronunciamento


proferido em uma das sessões de junho de 1907. Ao ocupar a tribuna, o representante
maragato apresentaria uma indicação, cujo objetivo era cotejar as Constituições estaduais
com a Carta Federal. Reproduzimos abaixo, na íntegra, tal indicação, assinada por ele:

Indico que o Congresso Nacional se manifeste sobre a necessidade de uma comissão


mista de cinco deputados e cinco senadores, a qual, conjuntamente com as
Comissões de Constituição e de Justiça da Câmara e do Senado, proceda ao estudo
das Constituições dos Estados e verifique se estão ou não de acordo com os
princípios constitucionais da União. (Art. 63 da Constituição Federal).
Que, verificada qualquer infração da Constituição Federal, o Congresso Nacional
imediatamente se pronuncie sobre ela, pela forma que os Regimentos da Câmara e
do Senado os determinarem, ou por um processo especial.
Que, em seguida, o Poder Executivo nomeie um interventor incumbido de
administrar o Estado, cuja Constituição for em parte ou no todo declarada
inconstitucional e de mandar proceder à urgente eleição de uma assembleia
constituinte, à qual competirá emendar ou substituir os artigos considerados
inconstitucionais.

484
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 434.
485
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 396-397.
190

Que, terminado o trabalho dessa constituinte, cessem as funções do interventor e o


governo do Estado volte aos seus órgãos reguladores.
Que o Poder Executivo faça respeitar as decisões do Congresso Nacional com
fundamentos nos arts. 63, 35, n I, 34 ns. 33 a 34 e 6º, § § 2º e 5º, combinados, da
Constituição Federal.
Sala das Sessões, 19 de junho de 1907. – Pedro Moacyr.

Como se pode perceber, ao exprimir seu desejo pela “causa unionista”, centralizando o
poder na esfera federal, Pedro Moacyr deixava claro de que forma deveria se efetivar a tão
pretendida intervenção nos estados: por meio da nomeação de um interventor. Seu papel
corresponderia a de um delegado político, encarregado de fiscalizar, nos estados, o
cumprimento de todos os serviços a cargo da União, medida que trazia consigo, portanto, um
inegável sentido centralizante. O orador fundamentava sua indicação destacando também, em
seu pronunciamento, a importância da regulamentação do artigo 6º da Carta Federal, tema
nuclear, mas pouco debatido, que tratava do poder da intervenção federal nos estados
brasileiros.
De acordo com a Constituição da República, esse poder só poderia ser requisitado
pelos governos estaduais, e quando fossem aceitas quatro possibilidades: a ordem republicana
em xeque, a garantia das leis federais, a restauração da ordem ou, ainda, diante de alguma
invasão externa. Além disso, sua indicação, dizia o deputado, justificava-se, tendo em vista o
que estava previsto no artigo 63 da Carta Federal, que dizia respeito à manutenção da forma
republicana federativa. Nesse sentido, o deputado afirmava que:

[...] A regulamentação, tão apregoada, tão desejada, tão reclamada há longos anos,
do art. 6º da Constituição da República, devia ser logicamente precedida pela
interpretação do art. 63, porquanto o art. 6º se refere à forma republicana federativa
e no § 2º diz que o Governo federal é obrigado a mantê-la até pela intervenção na
vida política dos Estados. Ora, isto se liga essencialmente à compreensão ou
interpretação do que sejam os ‘princípios constitucionais da União’.486

Pode-se observar também que os federalistas, ao longo de sua atuação parlamentar,


passariam vergastando contra “o prurido lamentável, desastroso” da soberania estadual, que
desfigurava o modelo federalista que almejavam. Com efeito, é preciso ressaltar também que,
na defesa da ampliação dos casos de intervenção federal nos estados, os oposicionistas
federalistas não escondiam sua preferência pelo Legislativo, enquanto poder competente para
realizar tais intervenções. A esse respeito, Pedro Moacyr não titubeava: “O Poder Legislativo

486
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 435.
191

tem o direito e o dever de ir de encontro ao problema, ou melhor, de quanto antes examinar


as Constituições dos Estados para pô-las de acordo com a da União [...]”487
Se ampliarmos esta discussão, de maneira mais incisiva, para o debate sobre o
republicanismo, ou seja, sobre a concepção de República a ser adotada no Brasil 488, fica mais
evidente, ainda, o apoio federalista ao fortalecimento do Legislativo. Não podemos esquecer
que uma das principais pautas do programa federalista era a defesa da eleição indireta do
Presidente da República. Herdeiros dos princípios gasparistas no que concerne à organização
do Estado, para os deputados da representação federalista, caberia ao Congresso Nacional a
função de eleger o Presidente da República, bem como a de regular a marcha do Executivo
federal, fiscalizar as funções ministeriais e intervir na escolha dos governadores.489
É importante atentarmos que no contexto das eleições presidenciais de 1909-1910,
Pedro Moacyr, adepto da campanha civilista, liderada por Ruy Barbosa, criticou com
veemência o sistema presidencialista e as práticas autoritárias dos presidentes civis. Na sessão
de 10 de julho de 1910, por exemplo, disparava:

[...] Depois do Governo de Prudente de Morais, se seguiram...três ditaduras civis, e


peço licença para empregar a palavra – ditadura civil – porque na minha doutrina,
segundo os princípios que sustento, favoráveis ao advento do regime parlamentar
no Brasil, o presidencialismo, com todas as roupagens de representativismo, não
passa de uma ditadura disfarçada; os Presidentes da República [...] não são mais do
que ditadores disfarçados, anulando praticamente os demais poderes do Estado. E se
é verdade que muitas vezes esses ditadores não se exercem no sentido do franco
despotismo, [...] isto é exclusivamente devido, não às imperfeições do aparelho
político que adotamos em má hora, a 24 de fevereiro de 91, mas às qualidades
pessoais, ao maior ou menor grau de educação cívica e de cultura política e
intelectual dos Presidentes que tem desempenhado a suprema magistratura.490

O poder presidencial era visto, nesse sentido, como instrumento partidário da


manutenção da República oligárquica. Um presidente da República não apresentaria qualquer
garantia de força, de legitimidade ou imparcialidade nacionais. A Constituição, por sua vez,
ficava assim prisioneira de uma interpretação conservadora que deixava fluídos os limites de
seus comandos fundamentais para que fossem aplicados conforme a conveniência do

487
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. II. p. 364.
488
De acordo com Maria de Lourdes Janotti (1999: 17-8), no final do século XIX era possível identificar três
concepções de república no Brasil. A primeira defendida pelos republicanos civis que, a partir de princípios do
liberalismo, eram favoráveis à república federativa e presidencialista com autonomia para os estados. Na
segunda concepção estavam os novos militares defensores da ditadura republicana como forma de regeneração
dos organismos sociais corrompidos. Por fim, havia os defensores da república parlamentar que destacavam a
atuação do primeiro-ministro e do Congresso.
489
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal;
Conselho Editorial, 2010. p. 201.
490
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 245-246.
192

situacionismo oligárquico. Moacyr dá a entender, inclusive, que a mudança de regime havia


sido um equívoco.
Outro exemplo que corrobora a crítica federalista ao presidencialismo é o discurso de
Pedro Moacyr proferido na sessão de 28 de outubro de 1914. Na ocasião, o federalista usaria a
tribuna da Câmara para denunciar atos ilícitos praticados por representantes e agências do
governo em relação à aplicação dos recursos da União. Naquela sessão, por exemplo,
despesas não autorizadas pelo Congresso para a duplicação da linha da serra do Mar, feitas
pelo diretor da estrada de ferro Central do Brasil, Paulo Frontin, foram duramente
denunciadas pelo deputado.

Porque durante quatro anos de regime presidencial, o Presidente da República é, de


fato, completamente irresponsável...Há duas espécies de responsabilidade: a
responsabilidade política, que não existe no regime, e que caracteriza o regime
parlamentar, onde os gabinetes, verdadeiras delegações do Parlamento, podem subir
ou cair, por moções de confiança ou desconfiança votadas pela Câmara, que se
presume representar a flutuação, o ritmo da vontade popular; a responsabilidade
criminal, a famosa responsabilidade criminal, chave, beleza do regime presidencial
que nós todos sabemos a que se reduz. Aqui está um exemplo. A Câmara dos
Deputados apurou que foram feitas enormes despesas, que foram realizados imensos
gastos, sem nenhuma autorização sua explícita ou implícita. 491

De acordo com o representante do federalismo gaúcho, os gastos e as despesas no


regime constitucional vigente deveriam ser necessariamente autorizados pelo Poder
Legislativo. Prosseguiria seu discurso explicando o porquê era “irredutivelmente” favorável à
adoção do parlamentarismo no Brasil:

A responsabilidade criminal [...] é uma ficção ridícula deste regime, que há 20 anos,
compromete, já não mais a política, mas a própria moralidade brasileira. Eis porque,
Sr. Presidente, sou irredutivelmente parlamentarista. Sejam quais forem os defeitos
do regime parlamentar, [...] são sempre menores do que os do regime do despotismo
mascarado, em que vivemos. O regime parlamentar é sempre preferível, é sempre
melhor, porque nele, ao menos, restava este recurso: se não concordássemos, nós da
Câmara, do Congresso [...] tínhamos uma válvula pela qual se podia soltar todo o
vapor da grande oposição popular; [...] demitiríamos o ministério e estaríamos
livres, se não do Presidente, que no regime parlamentar não governa, pelo menos do
gabinete, por via do qual ele tem fatalmente de governar. No regime presidencial,
em que vivemos, porém, tudo isto é impossível. 492

Vale ressaltar também que neste debate sobre a natureza e os limites do Estado
federativo brasileiro, a postura unionista dos federalistas, como já referido, se colocava
diametralmente oposta à que sustentara os castilhistas e demais conservadores, calcada no

491
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1914, v. VIII. p. 313.
492
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1914, v. VIII. p. 315.
193

ultrafederalismo. Tanto que Júlio de Castilhos, perante o Congresso Constituinte de 1891,


dissera que o importante era proteger os estados contra a absorção central e insistiu em
reforçar e consolidar as franquias estaduais. Castilhos chegava a defender, inclusive, que a
União vivesse das transferências tributárias dos estados. No Congresso, não era incomum a
ala perrepista, da bancada rio-grandense, recorrer às concepções descentralizadoras de
Augusto Comte, para quem todas as nações estavam destinadas a se desagregar para
formarem pequenas pátrias.
É bom lembrar também que a ideia da intervenção do governo federal no Rio Grande
do Sul foi sempre violentamente rejeitada por Castilhos e seus seguidores, como lesiva aos
interesses e à autonomia do estado sulino. Contudo, como bem salientou Ricardo Vélez
Rodríguez493, quando a intervenção federal se encaminhou para o fortalecimento do regime
castilhista, como na Revolução Federalista (1893-1895), aquela não só foi permitida, como
solicitada pelo chefe do estado ao então Presidente da República Floriano Peixoto. Esta
situação seria muito bem narrada pelo deputado Pedro Moacyr, em sessão de 1908:

Quando tais intervenções vêm ao encontro de seus desejos e de suas conveniências


regionais, quando satisfazem caprichos e ambições de momento, elas são
freneticamente aplicadas; quando, porém, podem contrariar e de fato contrariam os
interesses dos dominadores nessas várias épocas, não há maldições, baldões,
anátemas, suspeitas de republicanismo falsificado que não caiam imediatamente,
numa chuva torrencial, sobre a cabeça daqueles que ousam assumir nos debates
parlamentares e fora deles, como políticos, a responsabilidade de defensores da
doutrina intervencionista.494

Nessa mesma linha argumentativa, acrescentou Wenceslau Escobar, referindo-se à


regulamentação do artigo 6º da Constituição:

Em nosso regime republicano, a intervenção de que fala o art. 6º da Constituição


Federal, até hoje, só se tem praticado por uma forma: é o Governo da União pondo a
força federal à disposição dos governos estaduais, afim de que se façam respeitar,
contenham, esmaguem a oposição, matem, se tanto preciso for [...] os cidadãos que
formam em suas fileiras. (p. 323)

Christian Lynch495 esclarece a esse respeito que oposição e situação jamais chegaram a
um consenso mínimo acerca do modo como deveriam funcionar institutos como o estado de

493
VÉLEZ RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal;
Conselho Editorial, 2010. p. 201.
494
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 433.
495
LYNCH, Christian Edward Cyril. O momento oligárquico: a construção institucional da República brasileira
(1870-1891). História Constitucional (Oviedo), v. 12, 2011, p. 297-325. p. 297-325.
194

sítio, a intervenção federal, a jurisdição constitucional, o habeas corpus e as normas centrais


da organização federativa.
Por último, deve-se acrescentar que, embora fossem declaradamente favoráveis ao
regime republicano, os federalistas, na defesa que faziam do federalismo unionista, faziam
inúmeras referências ao Brasil Imperial, especialmente em função deste ter assegurado, por
meio da centralização, a unidade política e “moral” no Brasil.
A referência à centralização política imperial constituiu-se em outro vetor de destaque
na mobilização dos deputados maragatos para o debate político, sendo o antigo regime, em
função da sua centralização política, enaltecido e reiterado com crescente veemência no
decorrer das sessões parlamentares. Em uma das sessões de maio de 1908, por exemplo,
Pedro Moacyr lançava um manifesto, defendendo uma reforma federativa em sentido
centralizador, no qual destacava o momento imperial da história brasileira como um exemplo
de unidade nacional a ser seguido pelos defensores, como ele, do modelo republicano.
Inspirado na figura de Hamilton, o orador entendia que o maior legado pela Monarquia havia
sido justamente a unidade da pátria, ou seja, a União:

E a maior glória do Império, aquela que a posteridade remota jamais poderá recusar
aos seus dignos e honrados estadistas, é ter assegurado através de todos os
sacrifícios, inexperiências e tormentas que naquela ocasião convulsionavam não só o
Brasil mas toda a América – a unidade étnica, moral e política da nossa raça e da
nossa nacionalidade. Setenta anos de Império construíram este vasto, colossal,
admirável e querido Brasil. Entretanto é, para mim republicano, dolorosíssimo
confessar que 18 anos do novo regime republicano conturbaram a consciência
nacional, convertendo a bela unidade conquistada pelo trabalho acumulado de
várias gerações de estadistas, em um trabalho de solapamento perverso de todos os
fundamentos de nossa nacionalidade, arrastando-nos, porventura, a um ridículo
desmembramento, se uma mão de ferro oportunamente e com máxima energia,
ressalvado o patrimônio da nossa cultura moral e da nossa unidade étnica, não se
opuser a tantos desmandos, abusos e imprevidências.496

Moacyr dava a entender que a história da Monarquia teria sido uma expansão
continuada dos valores de justiça e de liberdade, a expressão pura de um Brasil forte e unido.
Desse modo, o deputado fazia menção à “presença de um sentimento de que houve um tempo
em que o Brasil era mais respeitável, mais honesto, mais poderoso que atualmente”497, que os
influenciava poderosamente ao criticarem a federação, a degradação dos costumes políticos e
a dispersão social.

496
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 433.
497
SALLES, Ricardo. Nostalgia imperial: a formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
195

Num balanço geral do novo regime, Moacyr denunciava o recuo nacional de todas as
forças do progresso moral, desde o seu advento. Nesse sentido, denunciava as oligarquias
regionais como perniciosas à unidade nacional. Não havia solidariedade social, e o povo
brasileiro, por sua vez, não se via mais enquanto povo uno e compartilhando dos mesmos
interesses. A esse respeito, dizia: “O brasileiro que está no centro, no oeste da sua pátria, em
regra, não se preocupa hoje mais com aquilo que se passa no extremo norte”.498 Na ótica do
deputado da oposição, o Brasil vivia, assim, a sua experiência “confederacionista”, totalmente
entregue às “republiquetas estaduais”. Em sua opinião o Quinze de Novembro não teria
passado de um levante militar, alheio à vontade do povo: “A República nasceu de um golpe
militar; foi montada pelo canhão, e só desejo, como republicano, que o canhão não a
desmonte. Mas não varre do terreno das possibilidades ou das hipóteses essa que acabo de
formular”.499
Em contrapartida, houve um período de unidade na história do Brasil, e esse período
foi a Monarquia. Marcado, na regência, por reclamos por federalismos e autogoverno, que na
realidade serviam de fachada para as rivalidades oligárquicas de campanário, esse regime
capitaneado por “estadistas experientes e extraordinários”, como Paraná, Iaboraí, Caxias,
Vasconcelos, Eusébio de Queirós e Uruguai, presididos por Dom Pedro II, teria sido capaz de,
compreendendo a tendência centrífuga da vida nacional e a relatividade dos argumentos
importados liberais, nadar contra a correnteza e reivindicar a centralização do poder no centro,
a despeito de toda a “modernidade liberal” em voga nos países centrais:

O Império dominou as revoltas, sufocou as revoluções das províncias, uma por uma;
e a última que ele sufocou foi exatamente a de nosso estado, a do Rio Grande do
Sul, depois da memorável campanha dos ‘Farrapos’, pela intervenção
profundamente humana, altamente tolerante do Duque de Caxias, que, em nome do
Império, não soube, como hoje, fazer distinções entre legalistas e rebeldes, mas
estendeu, generosamente, patrioticamente, um largo manto de concórdia sobre os
brasileiros na extrema região meridional do país.500

A existência de uma centralização política bem estruturada nos tempos imperiais,


cercada de uma elite de grandes estadistas, com assento no Conselho de Estado, resistentes
aos interesses facciosos regionais, teria sido responsável pela consolidação da então frágil
unidade nacional e, através dela, de um projeto de nacionalidade brasileira. A esse respeito,
destacava: “O Império teve gigantes, teve homens, a República não os tem”.501

498
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 434.
499
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1915, v. XIX. p. 386.
500
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. I. p. 435.
501
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 402.
196

Nesse momento, é possível identificar também um culto à memória de Gaspar Silveira


Martins, “o príncipe da vida parlamentar brasileira”, conforme definia seu discípulo, Pedro
Moacyr, em sessão de junho de 1908. Embora esta não seja a tônica central da atuação
parlamentar da oposição, a imagem política de Gaspar Martins, quando lembrada no Plenário,
era alvo desde o elogio mais singelo até uma quase idolatria quanto à sua pessoa política. Ao
justificar um projeto de lei, de sua autoria, em sessão de 1908, que autorizava o governo a
trasladar de Montevidéu para a capital da República os restos mortais de Gaspar Martins,
desfechava:

Não foi apenas um bairrista, [...]; ele foi [...] um coração eminentemente patriota, um
homem compenetrado das necessidades da pátria grande e unida. Não procurou
exclusivamente o bem estar, o progresso e a liberdade do Rio Grande do Sul;
procurou [...] servir ao Brasil inteiro. Silveira Martins, disse Júlio de Castilhos,
examinando os propagandistas da República: ‘Este não é um homem, é uma legião’.
[...] É para um homem desta estatura, deste quilate moral e cívico, é para este
estadista de escol, que exerceu durante longos anos o principado do nosso
parlamento, que vimos reclamar nesta hora, do alto desta tribuna, desta tribuna que
ele tanto honrou como primus inter pares, uma homenagem de toda a Pátria, de toda
a democracia, de toda a sabedoria brasileira, da qual o Congresso Nacional é direto
órgão representante.502

O chamado “poder pessoal” do Imperador, por seu turno, ao invés de condenável,


havia sido o que mantivera a tradição e o prestígio da unidade política nacional. Segundo a
oposição, a história da Monarquia teria sido uma contínua ascensão do liberalismo rumo à
democracia, que se interrompera bruscamente na República. O Império serviria de modelo
para a República, inclusive, no que tange à questão partidária.
Wenceslau Escobar, por exemplo, afirmava ter sido o Império uma época de apogeu,
marcada pela honradez e lisura política. Para ele, o fato de, no regime passado, se alternarem
os partidos políticos no poder, era um fator de “considerável importância na formação do
caráter nacional, um incentivo à firmeza de ideias e princípios”. Essa “escola cívica de
caráter”, no entanto, havia sido desfigurada e, posteriormente, interrompida com o advento da
República, que, por seu turno, “fechou esta escola, matando as liberdades políticas, a gênese
dos partidos”:

Incontestavelmente uma das grandes falhas do regime presidencial [...] é a


impossibilidade dos partidos se alternarem no poder pela vitória das urnas. A
facção ou partido que, de qualquer modo, toma as rédeas do governo de um estado,
perpetua-se indefinidamente no poder, porque quando se sinta tão fraco que, pelos
variados meios de corrupção e fraude eleitoral, não possa conseguir esse fim,
perturba [...] a ordem social, pela prática de atos violentos contra a oposição, afim

502
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. II. p. 502.
197

de, sob o pretexto de manter a ordem pública, requisitar a força federal e esmagar os
adversários.503

A comparação feita por Maria Efigênia Lage de Resende entre os presidentes de


província no Império e os governantes dos estados na República pode nos ajudar a entender o
elogio processado por Escobar à alternância partidária ocorrida durante a Monarquia. De
acordo com tal autora:

Os presidentes das províncias eram políticos de confiança dos ministérios do


Império, passíveis de remoção a qualquer tempo. Eles deviam trabalhar para manter
bem articulados os interesses do Império com os interesses dos grupos locais de
poder privado, cuidando ao mesmo tempo para evitar que nenhum deles se sentisse
preterido em função do outro.504

No papel de representantes do imperador, esses presidentes ocupavam o cargo por


muito pouco tempo. Eram mudados rotineiramente de uma província para outra – seja porque
cumpriam logo sua principal missão, seja porque demonstravam parcialidade em favor de
alguma facção de poder local. Eram, também, muitas vezes removidos para o Rio de Janeiro
para ocuparem posições-chave na administração central ou para se ocuparem de funções
menores por serem considerados incompetentes.505 Além disso, os presidentes de província
nunca permaneciam, em uma província, o tempo necessário para enraizarem-se politicamente.
Na República, no entanto, governadores ou presidentes, conforme denominado na respectiva
constituição de cada estado, passam a ser eleitos, detendo uma enorme soma de poder advinda
do próprio texto constitucional. Eles dirigem e controlam a política de cada estado a partir de
poderosas máquinas partidárias estaduais. Ademais, deve-se sublinhar que a política dos
governadores, por seu turno, se erige no congelamento sine die das situações estaduais,
retirando a esperança de que as elites apartadas pudessem atingir o poder legalmente. Se ele
ordena o cenário político em curto prazo, a médio empurra as oligarquias oposicionistas a
fazê-lo extra constitucionalmente, por meio de sublevações e motins, desestabilizando as
instituições.
Em face ao exposto, entendemos que o elogio feito pela oposição federalista à
alternância partidária, durante o Império, tinha como intuito mostrar a possibilidade de
competitividade política, que a República era, até então, incapaz de fornecer.

503
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. II. p. 352.
504
RESENDE, Maria Efigênia Lage. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo do liberalismo excludente: da
Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 94.
505
GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. p. 87.
198

Aparteado pelo deputado Bento de Miranda, que lembrou que durante a Monarquia os
partidos imperiais não eram regidos por princípios definidos, uma vez que “conservadores
realizavam ideias liberais e liberais ideias do programa conservador”, o deputado Pedro
Moacyr, rebatia: “Ora, isto o que mostra é que o partido que se achava no ostracismo
preparava a opinião pública, amadurecia as ideias no espírito público para receber a reforma,
e o outro partido a realizava de acordo com a aspiração nacional”. 506 Além disso, o
representante federalista frisava que no Império havia, sim, partidos, havia “grandes correntes
nacionais, definidas e estabelecidas e que se revezavam no Parlamento e no poder”. 507 À certa
altura da sua oração, indagava:

Quais os partidos, nas Câmaras republicanas? Quais as questões superiores, quais os


litígios de princípios, quais as barreiras de grandes interesses nacionais em conflito,
quais as elevadas ideias de organização social e econômica, que tem divido os
Congressos da República? Nada, nada, absolutamente nada. Corrilhagem é o que se
vê, questiúnculas de partidos efêmeros, organizados à última hora, só para
sustentação de Presidentes da República que sobem!508

Como se pode perceber, a sua enorme decepção com a prática do regime republicano
lhe permitia mobilizar o passado político monárquico buscando o cotejamento entre os dois
regimes, mesmo que à luz da doutrina federalista. Da mesma forma, os parlamentares
oposicionistas, ainda, apontavam a tolerância do regime monárquico à propaganda
republicana, a extensa liberdade de imprensa, o respeito aos direitos das minorias políticas –
enfim, tudo aquilo que fazia o apanágio do verdadeiro liberalismo em contraposição ao
conservadorismo republicano.
Não é demais lembrar que partiu da bancada federalista o projeto que visava a
revogação do banimento da família imperial, autorizando o governo federal a repatriar os
restos mortais dos extintos imperiais. Na qualidade de membro da Comissão de Constituição e
Justiça, o representante Pedro Moacyr, em sessão de outubro de 1912, propunha, inclusive, a
construção de um Pantheon, para onde seriam recolhidos os restos mortais “dos homens
notáveis do primeiro e do segundo reinado, [...] isto é, dos homens notáveis definitivamente
consagrados pela crítica histórica, no ponto de vista apenas sensitivo de veneração do povo
brasileiro”.509

506
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 398.
507
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 401-2.
508
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 398.
509
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1912, v. XII. p. 392.
199

Moacyr não hesitaria em reconhecer a superioridade da centralização política imperial


garantidora da unidade brasileira, sobre a República “esfacelada” em oligarquias, também
quando da discussão do projeto nº 185, de 1915, formulado pelo deputado situacionista
Barbosa Lima, que autorizava a abertura de crédito, pelo Ministério da Fazenda, para o fim de
socorrer aos brasileiros flagelados pela fome nos estados do nordeste do país. Seu discurso,
proferido em novembro daquele ano, editaria muitas das ideias veiculadas nos
pronunciamentos anteriores, acrescentando desta vez a grandeza de D. Pedro II, que teria
exercido seu inevitável poder pessoal num sentido patriótico e generoso, inclusive, no que se
referia ao combate à seca e à fome no Brasil:

Sr. Presidente, é realmente de lastimar e de revoltar o contraste que o discurso


inflamado, [...] do nobre Deputado pelo Distrito Federal...levantou em um quadro
lúgubre e eloquentíssimo, diante dos olhos da Câmara, contraste entre a sábia,
calma, benéfica, fraternalíssima conduta do Império e a conduta fria, egoística,
desumana e inclemente dos altos poderes da República. Ainda hoje eu lia, em uma
das folhas desta cidade, reproduzida aquela admirável frase pronunciada por quem
foi chamado o Marco Aurélio brasileiro, santo varão que, durante decênios,
iluminou com o sereno clarão da sua moral individual e cívica, o vasto horizonte da
Pátria. Refiro-me à Pedro de Alcântara: ‘Vendam-se as joias da Coroa, não se
deixe nem um brasileiro do norte morrer a fome’.510

Aparteado pelo deputado Bento de Miranda, que teria acusado o Império de cobrar dos
impostos de exportação, nessa época, o representante da deputação federalista contra-atacava
ao afirmar que:

Podia cobrar mil impostos! Bendita cobrança, benditos impostos, que ao menos
davam naquele tempo para acudir imediatamente com a sacola cheia aos
necessitados de qualquer província do Império. Malditos impostos, maldita cobrança
da República, que tudo dissipa, que tudo esbanja, que quase tudo, pelo menos,
criminosamente gasta, no meio da mais afrontosa irresponsabilidade de todos os
órgãos da administração, sem cumprir o mais elementar de todos os deveres da
justiça, o de humanidade.511

Entretanto, é importante deixar bem claro que, embora haja nos discursos da oposição
essa forte exaltação em relação à centralização política vigente durante a Monarquia, os
federalistas viam-se prensados em dar o passo seguinte, ou seja, em reconhecer, pelo menos
abertamente, que a mudança de regime havia sido um equívoco. Acusado constantemente
pelos deputados governistas, dentre eles Joaquim Osório512, de pregar publicamente a volta ao
monarquismo, Pedro Moacyr discordava ao salientar: “Sou republicano intransigente. O que

510
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1915, v. XVII. p. 222.
511
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1915, v. XVII. p. 222.
512
No seu argumento, defender a União era um modo disfarçado de ser unitário e monarquista.
200

eu pleiteio é que se recomece a República, é que se refunda a República, que se recoloque a


República em outras bases, porque todas as bases – administrativa, judiciária, financeira e
política [...] estão erradas e comprometem, [...] de hora em hora, a própria honra do país”.513
Nesse sentido, podemos inferir à questão do lugar da unidade política, vigente durante
o regime deposto, dentro da história republicana do Brasil, sob o prisma da oposição, como
paradigma a ser restabelecido sem, porém, acarretar na defesa de uma restauração
monárquica. Compreendemos, assim, que o Partido Federalista, ao fazer uma crítica profunda
do regime republicano existente, centrou sua oposição nos seus pontos mais combativos, isto
é, no que ele continha de democraticamente falso, de federativamente exagerado e de
intelectualmente artificial. Esses três tópicos – discurso nacional calcado na especificidade
nacional, a referência, numa chave positiva, ao modelo de centralização política desenvolvido
durante o Império como experiência institucional positiva e a crítica do regime existente
constituíram-se, portanto, num eixo norteador e crucial do pensamento e da ação política
parlamentar deste grupo.
Por fim, é importante, ainda, salientar que a referência aos tempos imperiais no
contexto republicano era tão difuso514 que foi identificado por Sérgio Buarque de Holanda na
década de trinta, ao afirmar que:

O Estado, entre nós, não precisa e não deve ser despótico [...] mas necessita de
pujança e compostura, de grandeza e solicitude, ao mesmo tempo, se quiser adquirir
alguma força e também essa respeitabilidade [...]. Mas é indispensável que as peças
e seu mecanismo funcionem com certa harmonia e garbo. O Império brasileiro
realizou isso em grande parte. A auréola que ainda hoje o cinge, apesar de tudo, para
os nossos contemporâneos, resulta quase exclusivamente do fato de ter encarnado
um pouco esse ideal.515

Deve-se acrescentar que nos discursos que faziam referência ao Império brasileiro, os
federalistas rio-grandenses reiteravam suas críticas ao excesso de localismo e autonomia aos
estados e que isso deveria ser corrigido no Brasil. Era necessário redimensionar o federalismo
brasileiro e toda a organização política do país, o que deveria ser feito mediante um processo
de revisão constitucional.
De acordo com Joseph Love, um dos temas sustentados pela política situacionista, no
que respeitava à temática da Federação, referia-se à defesa da Constituição Brasileira contra

513
MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p. 395.
514
Para informações mais detalhadas sobre a historiografia da República, ver: COSTA, Emília Viotti da. Da
Monarquia à República: momentos decisivos. 9. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010; SANTLEY, J. Stein: A
historiografia do Brasil 1808-1889. Revista de História (São Paulo), v. XXIX, n. 50, p. 81-133, jul.-set. 1964.
515
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1956. p. 259.
201

revisões que enfraquecessem as autoridades estaduais. Esta posição se encaixava


perfeitamente com a rejeição a qualquer tentativa federal de entregar às minorias uma porção
do poder nas unidades estaduais. Naturalmente, o antirrevisionismo também interessava a
outras máquinas em gozo do poder, tornando-se “a figura central dos escassos atavios
ideológicos que mantinham coesos os principais partidos de situação”. Da mesma forma, para
os grupos de oposição, dentre eles os federalistas rio-grandenses, e mais tarde para outros
críticos do regime federal, “o revisionismo tornou-se objetivo central”.516
Nesse sentido, pode-se destacar que o primeiro projeto nacional de alguma expressão,
no sentido de revisão da Carta Federal de 1891, foi o programa civilista alardeado pelo baiano
Ruy Barbosa517, em 1909-1910, que contou com o apoio expressivo dos seguidores da
oposição federalista.518 Segundo Love519, o programa civilista, o qual previa o unionismo, ou
seja, a preservação dos interesses do poder central, presumivelmente, exercia atração maior
sobre os membros de partidos minoritários e os eleitores urbanos em geral, ou seja, sobre os
grupos que viam no aumento do poder federal, e na defesa do voto secreto, um meio de
enfraquecer as oligarquias estaduais de base coronelista.
Em linhas gerais, a plataforma Civilista tem sido interpretada como um movimento
liberal, comprometido com a causa democrática, que advogava, além da reforma da
Constituição de 1891, o combate às oligarquias e a transformação da Justiça, e a defesa de
medidas em benefício da educação, a reforma eleitoral, o voto secreto, a estabilidade cambial
e o incentivo à imigração.520
Deve-se lembrar que a Campanha Civilista incluía algumas das pautas que os
federalistas já vinham propondo, pelo menos desde o ano de 1896, quando o partido foi

516
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 94-95.
517
Ruy Barbosa de Oliveira nasceu em Salvador em 1849. Tornou-se bacharel em Direito no Largo de São
Francisco, em São Paulo, mas foram suas intervenções como jornalista e orador que notabilizaram sua
participação no debate público. Republicano e abolicionista atuante, elegeu-se deputado para a Assembleia da
Bahia ainda em 1877. Participou ativamente da escrita da Constituição Federal de 1891. Foi primeiro ministro da
Fazenda no novo regime. Renunciou ao ministério ainda em 1891 e esteve exilado devido ao seu envolvimento
na Revolta da Armada de 1893. Retornou ao Brasil em 1895. Atuou como senador da República, de 1895 até
1923, quando faleceu em Petrópolis. Dados extraídos do texto “Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923) –
Abolicionismo”, de Ana Lúcia Lana Nemi.
518
Além dos federalistas, a campanha civilista contou com a participação do Partido Republicano Paulista
(PRP). Sua concepção de República estava nos moldes federalistas a partir da reunião de estados, unidos pela
nacionalidade, assim como a solidariedade dos grandes interesses de representação e de defesa exterior. Maiores
detalhes em: RESENDE, Maria Efigênia Lage. O processo político na Primeira República e o liberalismo
oligárquico. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo do liberalismo
excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006. p. 105.
519
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 95.
520
Ver: BASBAUM, Leôncio. História sincera da República de 1889 a 1930. 2. ed. São Paulo: Edições LB,
1962; SILVA, Hélio. O poder civil (1895-1910). São Paulo: Editora Três, 1975 (Coleção História da República
Brasileira).
202

reorganizado, no Congresso, realizado em Porto Alegre.521 Aliás, dessa reunião, presidida por
Gaspar Silveira Martins, uma nova plataforma seria aprovada, não mais significando um
programa de ação regional, como o de 1892, mas um plano de ação com ambições nacionais.
Entres as principais pautas, referidas, podemos destacar: a eleição indireta para presidentes,
fixando uma duração mais longa para o mandato presidencial; fortalecimento da União,
concedendo-lhe o poder de emitir moeda, a propriedade das terras devolutas e a competência
para legislar sobre direito civil, penal e processual, aumento dos dispositivos referentes à
intervenção federal nas unidades regionais, como mecanismo de combate aos excessos do
federalismo, e, por fim, a fiscalização dos atos do Executivo a partir do Congresso Nacional.
Vejamos como essas questões se colocaram do ponto de vista do discurso parlamentar
federalista, e de que maneira tais questões foram justificadas pelos tribunos maragatos. Em
primeiro lugar, vale ressaltar o destaque dado pelos deputados do oposicionismo rio-
grandense às ambições nacionais do Partido Federalista. A esse respeito, Pedro Moacyr
lembrava que:

A oposição do Rio Grande do Sul tem mais do que um papel regional: visa um
objetivo eminentemente nacional, pelo seu programa, pelas suas ideias de reforma,
[...] visto como se propõe, além da remodelação completa do Estado, pela reforma
de sua Constituição e das leis complementares, à reconstrução geral do país ou do
organismo político, que se agita nos textos da Constituição de 24 de Fevereiro.522

É pertinente registrarmos essa postura de Pedro Moacyr em relação ao caráter nacional


do partido maragato, uma vez que a historiografia republicana brasileira523, de maneira geral,
ao se reportar à Primeira República, destaca a inexistência de partidos nacionais. Existiriam,
nesse sentido, apenas partidos regionais – os vários partidos republicanos, ou PRs, que
baseavam suas práticas na troca de favores, monopolizando as posições do governo. A título
de exemplo, José Murilo de Carvalho enfatiza que com o advento do novo regime, os partidos
nacionais não só desapareceram como também passaram a ser estigmatizados, sendo vistos
como uma ameaça à boa condução do governo.524
Sem dúvida, a antiga competição entre partidos nacionais cedeu espaço, após a
proclamação da República, às relações entre as várias situações políticas estaduais e o poder

521
A respeito do Congresso de 1896 e do novo programa federalista ver: MARTINS, José Júlio Silveira. Silveira
Martins. Rio de Janeiro: São Benedito, 1929.
522
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 10.
523
São exemplos nesse sentido: Bello (1969), Carone (1971), Love (1971), Fausto (1972), Silveira (1978), Souza
(1982), Carvalho (1990), Ferreira e Sarmento (2002).
524
Sistema eleitorais e partidos do Império. In: LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil de (Org.). O balanço do poder:
formas de dominação e representação. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora/Iuperj, 1990. p. 34.
203

central. No entanto, não concordamos que esse padrão tenha sido seguido de maneira
uniforme por todas as unidades da Federação. Acreditamos que o caso do Rio Grande do Sul,
por exemplo, como estamos demonstrando, deve ser pensado à parte.
Feitas tais observações, uma primeira questão que gostaríamos de apresentar no
âmbito do discurso parlamentar em torno do movimento de revisão constitucional diz respeito
ao ampliamento do mandato presidencial. A esse respeito, ponderava Pedro Moacyr:

[...] Apesar de terem restringido o mandato de cinco e sete anos, como acontece em
outras repúblicas representativas, para quatro anos – prazo evidentemente
insuficiente para o desempenho das melindrosas funções de presidente, prazo no
qual ele não pode aparelhar-se para a exceção completa dos problemas, dos quais
toma conhecimento no primeiro e no segundo ano de sua administração, para iniciar
a administração propriamente dita nos últimos dois anos, que são evidentemente
insuficientes para uma obra administrativa de largo fôlego. E, [...] devo ponderar
que é uma das teses do programa federalista do Rio Grande do Sul consignar a
maior extensão do mandato presidencial.525

Como se pode perceber, o orador justificava seu argumento ressaltando que o mandato
presidencial de apenas quatro anos era tão curto, que impossibilitava o Presidente da
República de desenvolver uma ação em longo prazo. O sufrágio, por sua vez, deveria ser
indireto, por meio do Congresso Nacional (sistema francês). Para o deputado federalista
Wenceslau Escobar, por exemplo, a “eleição presidencial por sufrágio direto do povo (era)
uma burla, visto que “em povo de escassa cultura a excelência desse princípio democrático
não (poderia) dar resultado”, e, assim, só o Congresso seria a “corporação ilustrada e a mais
competente para conhecer os cidadãos na altura de ocuparem o posto de primeiro magistrado
da nação”.526 Com isso, Escobar dá a entender que o Poder Legislativo Federal erigia em
torno de si uma redoma impermeável aos interesses privados na salvaguarda do interesse
público. De qualquer modo, pode-se identificar, claramente, a presença de um componente
elitista na defesa que os federalistas faziam da eleição indireta para presidente.
Segundo a bancada oposicionista, a federação havia sido malfeita, afrouxando, ao
invés de congregar, a solidariedade política e social do país, necessária à homogeneidade
nacional. O governo federal, por seu turno, era fraco para fazer o bem, e forte, para fazer o
mal, querendo referir-se à maneira como promovia os estados de sítio e as intervenções nos
estados. Além disso, criticavam a ineficiência da máquina burocrática central. Tudo isso
legitimava uma reforma profunda e imediata das nossas leis constitucionais. A esse respeito,
Pedro Moacyr desabafava:

525
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. II. p. 48.
526
ESCOBAR, Wenceslau. Unidade pátria. Porto Alegre: Globo, 1914. p. 190-196.
204

Pois bem, nós, os oposicionistas do Rio Grande do Sul, somos, a todo transe, pela
reforma radical da Constituição. Ficai certos, Srs. Deputados, de que se esta
Constituição não tem remédio, se os terapeutas oficiais não descobrem na sua
farmacopeia um medicamento eficaz para combater os males que vão corroendo o
nosso organismo político, até a sua ossatura – o grito que, mais dia ou menos dia,
será dado por todos os patriotas brasileiros, há de ser aquele que o orador não quer
dar, porque se manterá sempre dentro das raias que traçou; há de ser o grito de –
revisão ou revolução, porque o Brasil não pode suportar mais isto. 527

A dualidade da magistratura e do procedimento judiciário, por sua vez, também


deveria ser suprimida, voltando-se à unidade verificada no Império. Pode-se destacar que a
oposição considerava essa dualidade como caricatural, consequência do modelo equivocado
de federação que havia sido adotado, calcado num mimetismo institucional estrangeiro,
indiferente às nossas condições culturais, econômicas e políticas. Dirigindo-se à maioria
parlamentar, em uma das sessões de novembro de 1907, Pedro Moacyr trovejava da Câmara:
“As magistraturas locais, em regra, são apaixonadas e partidárias, e contra elas, tem havido
reclamos em todo o país. Acresce que é do ponto de vista, até dos revisionistas conservadores,
a unidade da magistratura”.528
Na mesma linha argumentativa, aparece o desejo pela unificação do direito substantivo
e processual, como podemos constatar no trecho abaixo:

[...] Neste ponto, a Constituição de 24 de Fevereiro, querendo seguir Deus e o


Diabo, desprezando as exigências do nosso meio e a lição decisiva das nossas
tradições, bipartiu a legislação, atribuiu a competência do direito substantivo
exclusivamente à União e do direito processual ou adjetivo aos estados, o que
produziu este charivari medonho, este caos profundo em que se debatem, como nos
círculos do inferno dantesco, partes, juízes, advogados, o povo brasileiro e, mais
especialmente, o estrangeiro, que não sabe como defender seus direitos, quando, por
exemplo, atravessa, em uma barca, da Capital da República para a cidade de
Niterói!!529

Outra questão importante a ser destacada, em relação ao revisionismo pregado pela


oposição, diz respeito à reforma da bandeira nacional, com a supressão absoluta do lema
positivista: Ordem e Progresso. A oposição acusaria o governo de adotar um símbolo que se
prestava ao ridículo e que refletia a posição de uma seita religiosa, não convindo, portanto,
como símbolo nacional. A esse respeito, vale registrar aqui o pronunciamento proferido pelo
deputado Wenceslau Escobar na 40ª sessão, de junho de 1908:

527
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. I. p. 422.
528
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1907, v. II. p. 1210.
529
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. I. p. 434.
205

Então, porque uma fração insignificantíssima, pelo menos quanto ao número, de


compatriotas professa essa doutrina, hão de os seus princípios prevalecer em
contraposição aos sentimentos gerais da Nação? Atualmente que a nossa
Constituição política proclama a mais inteira e completa liberdade de cultos, não se
explica que continue a figurar, na bandeira, parte da fórmula sagrada de uma
doutrina, maximé de uma doutrina anticristã, professada apenas por meia dúzia de
brasileiros. O direito era não figurar dístico, inscrição de religião, seita ou doutrina
alguma; mas, a figurar qualquer lema, na bandeira nacional, esse jamais deveria ser
a expressão de uma doutrina, porque a nacionalidade brasileira é quase que
exclusivamente composta de cristãos, acrescendo ainda para isso que a religião é um
dos mais poderosos fatores na formação do espírito nacional. 530

Escobar dizia que até mesmo como divisa de orientação da comunhão brasileira
tratava-se de uma “sentença banal”, uma vez que ele não conhecia nenhuma sociedade
organizada que não tivesse por escopo a ordem, o progresso e a “perfectibilidade em sua mais
elevada expressão”. O lema “Ordem e Progresso” era associado por Escobar não a um
sentimento de nacionalidade, mas a uma seita, o positivismo, idealizada por aqueles que
exprimiam o ódio e o terror, em suma, que representavam a tirania e a ditadura. Segundo ele:
“Urge, pois, acabarmos com essa divisa que nenhuma relação tem com o nosso passado, com
o nosso presente, enfim, com a história da nossa nacionalidade”. O lema positivista, longe de
representar a defesa dos brios e da honra nacional, até então, só teria levado “os irmãos ao
campo da luta para se trucidarem”.
Compreendemos, nesse sentido, que a crítica produzida por Escobar a respeito da
bandeira nacional opunha-se a um dos elementos centrais da ordem política autoritária
castilhista, essa inspirada no positivismo de Comte. A associação feita por Escobar do lema
Ordem e Progresso a uma situação de ditadura tirânica é exemplar uma vez que o regime
castilhista foi a prova mais evidente no cenário brasileiro de um governo encarnado no
autoritarismo republicano de base positivista.
Esse pronunciamento proferido por Escobar sobre a reforma da bandeira nacional, de
algum modo, retoma as bases que caracterizaram o discurso feito por Silveira Martins, quando
do Congresso Federalista de 1896:

A Pátria precisa de um símbolo, que é a sua bandeira. Entretanto, os fundadores da


república foram escolher para símbolo da pátria um lema que não representa as
nossas tradições, que é apenas o lema de uma reduzida seita. Quiseram lisonjear
uma religião e foram procurar uma que é professada apenas por insignificante
minoria do país. Então mais justo fora sagrar a religião católica, porque esta é a
religião do povo brasileiro. O comtismo é uma religião civil, sem Deus e sem moral.
Em política, o ideal de Augusto Comte é o czar da Rússia, o sultão da Turquia, o

530
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1908, v. II. p. 503.
206

despotismo do absolutismo. E é estranho que se fosse procurar essa religião sem


Deus e sem moral, quando todos os povos a repelem. 531

Segundo José Murilo de Carvalho532, apesar da resistência federalista e de outros


atores políticos à divisa positivista, dentre eles Ruy Barbosa, resistência essa que talvez
persista até hoje, a bandeira republicana teria maior aceitação do que a mitificação dos heróis
do 15 de novembro, despertando, nesse sentido, maior respeito do que a figuração feminina da
República.
Outro item que pautou com veemência os discursos parlamentares, quanto à revisão
constitucional, diz respeito à crítica ao “militarismo”, mais especificamente à participação dos
militares na política nacional. De um modo geral, os maragatos desejavam limitar essa
participação. No caso de serem eleitos, por exemplo, os militares só poderiam exercer a
função política mediante prévia reforma ou demissão do serviço do exército. O
pronunciamento proferido por Wenceslau Escobar, sobre a reorganização do exército, em uma
das sessões de setembro de 1906, é expressivo nesse sentido. Para Escobar, um dos principais
obstáculos à organização do exército brasileiro vinculava-se à falta de disciplina dentro da
instituição, especialmente, dizia ele, em virtude da inserção militar na política:

Senhores, no exército em que o militar pode votar e ser votado, é difícil, para não
dizer, é impossível a disciplina. A política tem atrativos sedutores; é o caminho do
poder, de posições que, pelo brilho, embora falaz, mais fascinam e encantam,
sobretudo, a mocidade.533

O orador procurava enfatizar, neste sentido, o quão prejudicial a política poderia ser,
não apenas para a disciplina e prestígio do militar, mas, substancialmente, para o
desenvolvimento do próprio país:

É um fato de observação comum que os médicos, os advogados, os engenheiros, os


comerciantes, que se envolvem em política, o fazem com prejuízo de suas
respectivas profissões. O mesmo não pode deixar de acontecer aos militares. A
diferença da consequência desta ordem de coisas é que é grande, porque aqueles
prejudicam a si próprios, a seus próprios interesses, enquanto que os militares não:
prejudicam a Nação, já auferindo duplas vantagens, já se desviando do fim especial
e glorioso para que são pagos.534

531
MARTINS, José Júlio Silveira. Silveira Martins. Rio de Janeiro: São Benedito, 1929. p. 414.
532
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. p. 116.
533
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. V. p. 474.
534
ESCOBAR, Wenceslau. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1906, v. V. p. 499.
207

O apoio federalista à Campanha Civilista535, de Ruy Barbosa, nas eleições


presidenciais de 1909-1910, daria à crítica ao aspecto do militarismo proporções maiores.
Parece razoável afirmar a singularidade exercida por essa campanha536, nas fileiras do
oposicionismo rio-grandense, tendo em vista o aprofundamento das críticas federalistas, não
apenas à temática militar, mas, de um modo geral, ao modelo de República vitorioso,
desenhado na Constituição de 1891.
Neste sentido, Pedro Moacyr apresentou, em 1909, um projeto de reorganização da
polícia no Distrito Federal como forma de não expor mais a população capital da República a
outros atentados e tragédias como ocorrera com a “Primavera de Sangue”. Em linhas gerais, a
ideia deste parlamentar era extinguir a força policial do Distrito Federal e incorporá-la à
Guarda Civil que ganhava, ainda, seguindo literalmente a organização policial francesa, outra
vigilância, a guarda republicana que, no caso da França, era tão educada que não precisava
recorrer a armas, a carabinas, lanças ou outro instrumento para dispersar a população nas
insurreições, nas greves ou qualquer perturbação da ordem. Segundo o parlamentar, a sintonia
e habilidade do cavaleiro faziam com que um simples impulso dado ao cavalo, de maneira
precisa, produzisse o efeito de abrir claros na multidão a ponto de dissolvê-la ou mesmo
mantê-la à distância. Compreendemos, nesse sentido, que o discurso parlamentar de Pedro
Moacyr, no fundo, tinha como intuito criticar a possibilidade de transferência do poder de
reorganização estrutural do novo serviço policial do Congresso para o Poder Executivo. O
impasse estava em dar à polícia um caráter profissional e técnico, tal qual ele queria, ou
mantê-la com o mesmo caráter de força militarizada, uma espécie de reserva do exército.537 É
fácil descobrir neste pronunciamento, inclusive, a motivação exercita pela ditadura castilhista
sobre Moacyr, uma vez que o seu intuito incide diretamente, de maneira crítica, à Brigada
Militar organizada por Castilhos no sul do Brasil.
Cabe frisar que durante o período em que Castilhos se manteve na Presidência do
Estado (1893-1898), o governo gaúcho preocupou-se em montar um aparato militar com a
justificativa da necessidade de criar condições concretas para manter e consolidar o regime
republicano. Nesse sentido, afirma Mauch, a “Brigada Militar foi, então, investida como
símbolo da República pelo discurso do PRR”.538 O Rio Grande do Sul possuía um dos

535
Um bom exemplo de livro que tratou da campanha civilista é: BORGES, Vera Lúcia Bogéa. A batalha
eleitoral de 1910: imprensa e cultura política na primeira república. Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.
536
Durante a campanha civilista, o deputado federalista Francisco Antunes Maciel foi o líder da minoria na
Câmara.
537
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1909, v. XII. p. 274-277.
538
MAUCH, Cláudia. Ordem pública e moralidade: imprensa e policiamento urbano em Porto Alegre na
década de 1980. Santa Cruz do Sul: EDUNISC/ANPUH-RS, 2004. p. 43.
208

maiores contingentes armados na corporação militar estadual, que chegou a reunir 3.200
homens, constituindo-se, sem dúvida, numa garantia especial contra a “ameaça de insurreição
da oposição, contra intervenções federais e mesmo contra a insubordinação de coronéis. 539 A
Brigada Militar gaúcha, nesse sentido, registrava alto grau de fidelidade ao Poder Executivo
central. Enfim, o autoritarismo da Constituição de 14 de Julho de 1891 investiu o Poder
Executivo estadual de grandes instrumentos de controle do aparato estatal, dentre eles, a ação
repressiva da Brigada Militar, e é a partir deste contexto que devemos entender a crítica
maragata ao aspecto do militarismo, ou seja, tomando como elemento motivador de seu
discurso de oposição a conjuntura político regional.
Temos uma demonstração bastante expressiva, a esse respeito, em novembro de 1912,
quando a oposição denunciou o atentado de que foi vítima, o federalista Nicanor Peña, na
cidade de Bagé-RS. Naquela sessão, Pedro Moacyr acusaria de forma veemente as práticas
arbitrárias da Brigada Militar gaúcha: “A polícia do Rio Grande do Sul confessa perante à
Câmara que o único meio que tem uma alta autoridade, que representa e deve representar o
elemento da ordem e a segurança do Estado, é o de responder ao insulto de qualquer cidadão
matando-o a bala”.540 O orador ainda lembraria da interferência de Borges de Medeiros junto
ao juiz e a proteção dispensada pela Justiça ao assassino, de Peña, Cel. Lucas Martins.
Moacyr faria menção também a outros atentados cometidos pela Brigada Militar gaúcha
contra jornalistas e órgãos de imprensa, do período, vinculados ao Partido Federalista.
Na perspectiva de Vera Lúcia Bogéa Borges541 havia, no contexto da Primeira
República, de fato, uma falta de harmonia entre os dois corpos, civil e militar, que ficava cada
vez mais explícita a partir da esfera de ação de seus dirigentes, uma vez que apenas o general
comandante da força policial podia mobilizar a força militar. Além disso, de acordo com a
autora, o Exército, ao longo do período republicano, cada vez mais tomava conta da Força
Policial, nos estados, que progressivamente ganhava feições militares, o que representava
dispendiosos gastos aos cofres públicos.
Na Câmara dos Deputados, Pedro Moacyr aprofundaria sua crítica ao militarismo, na
sessão de 4 de dezembro de 1913, quando votou contra o projeto que ampliava as leis do
Código Penal da Armada às policiais estaduais. Em linhas gerais, o cerne da questão estava na
garantia de liberdade assegurada pela Constituição Federal, pois a situação de normalidade,

539
AXT, Gunter. O judiciário e a dinâmica do sistema coronelista de poder no Rio Grande do Sul. Justiça &
História, Porto Alegre, v. 4, n. 8, p. 55-118, 2004.
540
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1912, v. XIV. p. 22.
541
BORGES, Vera Lúcia Bogéa. A batalha eleitoral de 1910: imprensa e cultura política na primeira república.
Rio de Janeiro: Apicuri, 2011. p. 243.
209

segundo ele, vinha se desgastando mediante o uso recorrente da força utilizado pelo elemento
policial. Moacyr destacava que as polícias estaduais militarizadas eram um “verdadeiro perigo
para a Federação brasileira”:

Os Estados da Federação Brasileira manifestando um exagerado espírito de


autonomia, que tem raiado pela soberania, que compete exclusivamente aos poderes
federais e à União [...] trataram de organizar verdadeiros exércitos, transformaram
em forças militares, abusiva e inconstitucionalmente, as suas respectivas
gendarmerias. [...] É inadmissível, é absurdo que os Estados componentes da
Federação Brasileira organizem verdadeiros exércitos porque a missão de defesa
interna e de segurança, ou desagravo externo do país, está exclusivamente cometida,
pela Constituição, às forças federais de mar e terra. Não há, pois, lugar para as
brigadas estaduais militarizadas; elas existem por um abuso inveterado.542

Adepto da causa civilista, Pedro Moacyr, em sessão de julho de 1910, dizia não ser
inimigo das classes armadas, mas sim do militarismo implantado no Brasil por um movimento
que impôs a candidatura Hermes e que não passava de uma figura de retórica. O orador
prosseguiria sua exposição afirmando que o militarismo não era criação daqueles anos e que
já estava presente no país desde os primórdios republicanos:

Figura de retórica é confundir Exército com militarismo, figura de retórica, é que


vós quereis implantar, outra vez, na República: o militarismo, o cancro, a
enfermidade que ameaçou tantas vezes devorar o país e que só conseguimos afastar,
em três quatriênios de governo civil, com toda a argúcia, com todo o savoir faire,
com toda a diplomacia, em que porfiaram vários chefes civis, determinados a
eliminar o tremendo mal de origem e a confirmar à Nação na posse de si mesma. [...]
Srs. Membros do Congresso Nacional, a Nação Brasileira elegeu seu Presidente o
egrégio Senador Ruy Barbosa. O Congresso Nacional, por sua maioria,
homologando ordens recebidas, vai nomear o marechal Hermes da Fonseca. Nós
ficamos com a Nação para a defesa da liberdade e para organizar o partido que há de
fazer, mais dia menos dia, quer queiram quer não, a reforma radical das instituições
constitucionais; porque, senhores, o dilema fatal que o futuro vai por diante do país é
este: ou a ditadura militar, última expressão lógica das ditaduras presidenciais, ou a
liberdade garantida pela discussão, pela fiscalização, pela crítica do regime
parlamentar do Brasil.543

O orador não só faria um breve retrospecto do militarismo nas diferentes Presidências


do Brasil, como também voltaria a criticar o sistema presidencialista e as práticas dos
presidentes civis. O fato é que a tentativa, sem sucesso, de Afonso Pena de impor seu sucessor
acabou por permitir que mais uma vez um militar ocupasse o Palácio do Catete. Este discurso
encerraria a etapa de críticas veementes à temática do militarismo.

542
MOACYR, Pedro. Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 1913, v. XI. p. 224-225.
543
MOACYR, Pedro. MOACYR, Pedro. Discursos parlamentares. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925. p.
234-5.
210

Conforme foi visto até aqui, pode-se destacar que, no federalismo frouxo e desigual
que caracterizava o sistema político brasileiro no período, a barganha no Congresso poderia
ser vista facilmente como uma importante forma de os estados ajustarem seus interesses
conflitantes, e, assim, fazer com que todos os atores políticos se acomodassem diante das
regras do jogo político. No entanto, isso não significou que as oposições tivessem sido
neutralizadas. Muito pelo contrário, vimos que as vozes dissonantes, arregimentadas em torno
de um federalismo centrípeto, existiram e tiveram, sem dúvida, uma atuação política
importante. Em vários momentos, constatamos que a bancada federalista, apesar de ser
constantemente fustigada pelas forças governistas no Congresso, mostrou capacidade de ação
própria, procedendo independentemente do aval ou não da maioria governista. Atuando dessa
forma, os representantes federalistas, mesmo se constituindo numa minoria parlamentar,
exerceram, com certo grau de autonomia, a sua oposição, seja ela de âmbito regional, como na
crítica ao castilhismo-borgismo, seja de cunho nacional, quando, a partir de uma plataforma
mais centralista, defendeu a União em detrimento dos estados. Se é verdade que na política
dos acordos de cúpula vigente na Primeira República, essa oposição não desempenhou um
papel tão central, nem por isso aquela deixou de se destacar, com todas as suas singularidades,
no jogo político nacional.
211

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As primeiras décadas da República brasileira caracterizaram-se por intensos conflitos


políticos entre diferentes grupos da sociedade: militares versus políticos civis, militares entre
si e políticos civis entre si. Todos queriam controlar o poder, tinham interesses diversos e
discordavam em suas concepções sobre como organizar a República. A política dos
governadores, por sua vez, montada por Campos Salles, caracterizou a vida política da
Primeira República. A ideia central que presidiu sua organização foi o compromisso,
destinado a administrar os conflitos no interior das elites governantes. Todavia, embora tenha
permitido um razoável equilíbrio ao sistema político republicano, aquela não neutralizou por
completo seus conflitos e nem apagou a atuação das oposições diante das forças situacionistas
no contexto político em foco.
Embora a política dos governadores tenha sido eficaz ao produzir um certo tipo de
estabilidade para a República brasileira, resultando em um enorme fortalecimento dos grupos
leais ao governo – a situação -, não se pode descartar a ação política dos grupos de oposição
nesse cenário político republicano, como por exemplo, o federalismo gasparista, que, por seu
turno, integrou de forma ativa a política brasileira, a através da imprensa política e da sua
atuação dentro do sistema político representativo (Parlamento).
A atuação da oposição federalista no plano parlamentar nacional, ao defender a
regeneração dos princípios republicanos, ao criticar a forma pela qual se desenvolvia o
federalismo no Brasil, acusando-o de beneficiar apenas os grupos situacionistas, dentre eles, o
castilhista-borgista, nos mostrou a existência de uma voz oposicionista atuante, combativa e
muito insatisfeita com o quadro político nacional vigente. No que concerne ao debate político
nacional, cabe lembrar, nesse sentido, as inúmeras críticas da bancada federalista destinadas
ao modelo de federalismo brasileiro implantado pela Constituição Federal de 1891, que
segundo ela, traduzia-se em “estadualização”, pelo inconteste domínio das oligarquias
regionais, bem como pela dispersão dos interesses do país. Nesse sentido, aflorava-se o debate
político nacional em torno do grande indicativo das dificuldades de relações entre o poder
federal e os centros de poder estaduais na República, da crítica ao superpresidencialismo e à
crise do governo representativo, encarnada no autoritarismo republicano, do qual o regime
castilhista, segundo a oposição federalista, era a prova mais evidente.
Nesse sentido, a “regeneração” da República brasileira, que, segundo o Partido
Federalista, deveria se dar nos moldes de um modelo de república parlamentar e unionista, e o
esforço em prol da formação de uma “opinião nacional”, ou seja, de uma forma de consenso
212

dos grupos descontentes com a situação política nacional, nos mostram a preocupação da
oposição em intervir num debate político que ultrapassava as fronteiras da atmosfera
regionalista gaúcha.
Deve-se destacar também que, ao nacionalizar as suas atividades políticas, por meio da
sua atuação política na arena da Câmara Federal, mostrando que a sua performance
parlamentar articulava-se ao debate de questões mais amplas, que se colocaram na agenda da
política nacional do momento, o Partido Federalista, mesmo inserido nessa perspectiva mais
ampla de discussão, entretanto, também desenvolveu uma atuação que se voltou para a
problemática política regional, ensejada pelo autoritarismo castilhista gaúcho. Ou seja, as
discussões políticas levantadas no plano parlamentar nacional pela deputação maragata, de
alguma forma, se vinculavam a uma situação política de cunho regional, mais precisamente, o
castilhismo-borgismo, fenômeno político autoritário vivido pelo Rio Grande do Sul na sua
experiência republicana, do qual o Partido Federalista foi sempre opositor.
Esse uso do espaço político nacional como estratégia para atingir o quadro político
regional, em especial o rio-grandense, controlado pelo partido dominante, o PRR, se refletiu
não apenas na órbita dos discursos parlamentares, mas também no âmbito dos jornais
partidários da época, conforme foi destacado neste trabalho.
A esse respeito, pode-se dizer que, durante o período republicano, era inseparável a
qualidade e importância da atuação política parlamentar daquela promovida pela imprensa
político-partidária, dado que, de forma crescente, os integrantes da esfera da discursividade
pública passavam a exercer, simultaneamente, as duas atividades. Como precisamente
observou Lavina Madeira Ribeiro, “esse procedimento tornou-se uma das características
mais marcantes das práticas políticas e jornalísticas do período”.544
Os periódicos federalistas, por sua vez, embora de circulação regional, mostraram uma
preocupação do partido maragato em trazer para o debate regional não apenas questões
ligadas ao situacionismo castilhista-borguista, mas sobretudo, em conectar tais discussões
com uma conjuntura que se impunha nacionalmente. O sentido autoritário da Constituição
Rio-Grandense em contraste com a versão adotada pela República, através da Constituição
Federal, de 1891, foi por diversas vezes reiterada pelos jornais oposicionistas. Estes
almejavam comprovar que a Constituição de 14 de Julho era uma fachada republicana e
democrática para uma ditadura oligárquica e excludente, que ao invés, de ser orientada para o
bem comum, privilegiava interesses específicos da sociedade, em detrimento de outros. Nesse

544
RIBEIRO, Lavina Madeira. Imprensa e espaço público: a institucionalização do jornalismo no Brasil (1808-
1964). Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2004. p. 81.
213

sentido, almejavam os oposicionistas demonstrar o desacerto da Constituição rio-grandense


com a Carta federal, desarmonia esta, que, segundo eles, feriam os princípios capitais do
sistema republicano federativo brasileiro. Esse argumento visava, sobretudo, sensibilizar o
poder federal de forma a promover, com base no artigo 6º da Constituição Federal, a
intervenção no Estado do Rio Grande do Sul. Mas o debate em torno da constitucionalidade
das leis passava necessariamente pelo Congresso. Não obstante as diversas intervenções
ocorridas durante a República Velha, o artigo 6º não chegou a ser regulamentado, sempre
pairando sobre ele uma margem de interpretação. Campos Salles condenou a questão ao
admitir que no Rio Grande do Sul o Poder Executivo teve suas funções ampliadas em
detrimento do parlamento. Mas, ainda assim, as funções legislativas estariam caracterizadas
pela prerrogativa de votação dos impostos, o que constituiria o cerne do regime
representativo, não sendo, portanto, atribuição dos poderes da Nação intervir em tal questão.
Todavia, como registrou Assis Brasil, a aparência institucional republicana não era
garantia contra a insinuação do “despotismo”. Com efeito, segundo ele, para se medir o grau
de democracia e liberdade no Rio Grande do Sul da Primeira República, “não basta se deter
no exame da lei orgânica estadual, seja em suas linhas gerais, seja em questão de detalhes,
mas mister se torna analisar toda a organização estadual e o modo porque o governo há
praticado o regime: o exame compreende, assim, a Constituição, as leis e os atos do
governo”.545

545
ASSIS BRASIL, 1923 Apud AXT, Gunter. Gênese do estado moderno no Rio Grande do Sul 1889-1929.
Porto Alegre: Paiol, 2011. p. 101.
214

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