Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
RESUMO
O uso de cisternas para abastecimento de água das famílias que moram em regiões de escassez de recursos hídricos
constitui uma importante forma alternativa para os moradores dessas localidades, uma vez que se trata de um sistema de
captação e armazenamento que emprega dispositivos simples. Não havendo limitação de abastecimento em relação ao regime
pluviométrico e capacidade de armazenamento da água de chuva, pode-se considerar que os problemas observados no uso de
cisternas referem-se principalmente à qualidade da água, sendo o manejo e o desvio das primeiras águas os principais com-
ponentes de sua deterioração. Visando contribuir para a redução desse cenário, no presente trabalho foi avaliada a aplicabi-
lidade de dispositivos de descarte automático das primeiras águas de chuva como barreiras sanitárias, por meio da investiga-
ção da qualidade da água encaminhada às cisternas. Os resultados obtidos indicaram que os dispositivos de descarte utili-
zados tiveram influência positiva em reduzir substancialmente a concentração de importantes parâmetros indicadores da
qualidade da água, como turbidez, coliformes totais e bactérias heterotróficas totais, configurando-se como eficientes barreiras
sanitárias para melhoria da qualidade da água encaminhada às cisternas. Além disso, verificou-se a influência do tempo de
construção das cisternas e da época do ano, período chuvoso ou período de estiagem, na qualidade da água armazenada.
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Avaliação da Qualidade da Água e da Eficácia de Barreiras Sanitárias em Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
suficiente para suprir as necessidades básicas da água por tubulação. Alguns pesquisadores têm se
comunidade na época da estiagem, essa água nor- dedicado ao estudo da quantidade de água que é
malmente está fora dos padrões de potabilidade necessária ser desviada até a obtenção de valores
(Brito et al., 2005b, Al-Salaymeh et al, 2011). Estu- aceitáveis de parâmetros físico-químicos, como An-
dos realizados por Diniz et al. (1995, 2005), Ceballos necchini (2005) e Melo (2007). De acordo com
et al. (1998) e Tavares (2009), na região rural da Melo (2007), existe grande variação percentual da
periferia da cidade de Campina Grande, estado da qualidade da água de chuva durante os primeiros 5
Paraíba, evidenciaram elevada contaminação fecal milímetros de precipitação, principalmente após o
das águas de pequenos barreiros, olhos d’água e 1º milímetro. O autor ratifica que as primeiras águas
açudes, usados para abastecimento humano sem da chuva realmente promovem a limpeza da atmos-
tratamento prévio e usos domésticos em geral. Além fera, e que a partir de certa quantidade da precipi-
disso, ao investigar hábitos de higiene de pessoas tação, a água se torna de excelente qualidade e com
residentes no Nordeste brasileiro, Gomes et al. valores estáveis. Annecchini (2005) mostrou redu-
(2002) concluíram que a população estudada apre- ções significativas dos parâmetros analisados (con-
sentou condições sanitárias muito pobres, bem co- dutividade elétrica, acidez, cloretos, sulfatos, nitro-
mo hábitos de higiene inadequados. De acordo com gênio amoniacal, nitrato e nitrito) do primeiro para
os autores, apenas 18% das casas têm água encanada o terceiro milímetro inicial de chuva. A autora anali-
e 46% têm banheiros; além disso, em 77% das resi- sou ainda outros parâmetros e concluiu que, para as
dências criam-se porcos que estão frequentemente análises realizadas nas caixas de descarte de primei-
em contato com humanos. Estudos similares foram ras águas e nas cisternas, o aumento do volume de
realizados por Al-Salaymeh et al. (2011), que moni- descarte da primeira chuva, melhorou a qualidade
toraram durante o período de dezembro de 2007 a da água que vai para a cisterna.
abril de 2008 um total de 100 amostras de água cole- Assim sendo, este trabalho teve como objeti-
tadas de cisternas semanalmente, variando de 4 a 12 vo investigar a eficácia de barreiras sanitárias em
amostras por semana, na cidade de Hebron, na Pa- cisternas, tomando como base unidades piloto insta-
lestina. Segundo os autores, os índices de contami- ladas no semi-árido do nordeste brasileiro.
nação fecal detectados na maioria das amostras cole-
tadas indicam que o ambiente ao redor da cisterna,
as práticas de manuseio da cisterna e a falta de cons- MATERIAL E MÉTODOS
cientização dos proprietários sobre a necessidade de
ações preventivas, para evitar a contaminação da
água de chuva, são os principais fatores que contri- A presente pesquisa foi desenvolvida em du-
buem para a contaminação da água de chuva arma- as etapas distintas: avaliação qualitativa da água ar-
zenada nas cisternas. mazenada em 6 (seis) cisternas localizadas no semi-
Neste contexto de práticas inadequadas, ca- árido pernambucano; e avaliação da eficácia de
rência de infra-estrutura e baixo nível de conheci- dispositivos de desvio das primeiras águas de chuva.
mento, faz-se necessário investimento em desenvol- A qualidade da água das cisternas existentes
vimento de barreiras sanitárias apropriadas à região foi monitorada com base em parâmetros físico-
e consciência ambiental por parte dos usuários. químicos e microbiológicos utilizando metodologias
Dispositivos de descarte das primeiras águas das recomendadas pela APHA (1998). Para isso, foram
primeiras precipitações e a tomada de água por selecionadas seis cisternas localizadas nos municí-
tubulação costumam ser muito eficientes na melho- pios de Caruaru e Pesqueira (localizados respecti-
ria da qualidade da água armazenada (Andrade vamente a 135 e 209 km da cidade de Reci-
Neto, 2003). A importância desses desvios está no fe).Segundo Hargreaves (1974 apud Rodrigues et
fato que, no início da estação das chuvas, quando há al., 2010), de acordo com a classificação de Köppen,
muita sujeira acumulada na superfície de captação, o clima na região é do tipo BSsh (extremamente
as águas da primeira chuva carreiam a sujeira da quente, semiárido), quando a precipitação total
superfície de captação e partículas em suspensão na anual média é de 730 mm. A precipitação média
atmosfera, e, por isso, nessas condições, não deve ser anual em Caruaru é de 694 mm, estando a estação
armazenada na cisterna. De acordo com Andrade chuvosa de março a agosto e a estação seca de se-
Neto (2004), um dispositivo automático para desvio tembro a fevereiro (Silva et al., 2010).
das primeiras águas de cada chuva é uma barreira As cisternas de que trata esta pesquisa foram
física de proteção sanitária de cisternas de impor- escolhidas mediante o uso de um dendograma (que
tância comparável à cobertura, tampa e tomada de é um meio de sumarizar um padrão de agrupamen-
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to, começando com todos os indivíduos separados famílias retiram água das cisternas por meio de bal-
que são fundidos progressivamente em pares até de (PS1, LC1, LC2, CE1 e CE2) e apenas uma famí-
chegar a uma única raiz). Para cada uma das análi- lia retira água por meio de bomba manual (GB1).
ses de agrupamento realizadas foi construído o den- Essas amostras foram acondicionadas em caixas
dograma, que agrupou as cisternas em quatro sub- térmicas, e remetidas ao Laboratório de Engenharia
grupos e foi elaborada uma tabela relacionando Ambiental do Centro Acadêmico do Agreste da
detalhadamente o número do questionário e o UFPE para análise.
comportamento das variáveis consideradas: recebi- Para avaliação da eficácia de dispositivos de
mento de água proveniente de carro-pipa, tempo de desvio automático das primeiras águas de chuva,
construção das cisternas, estado de conservação da foram definidos dois locais para instalação dos sis-
cisterna e do telhado, realização de desvio (pela temas de captação e armazenamento de águas de
família) das primeiras águas de chuva, forma de chuva aqui avaliados. Um sistema foi instalado em
retirada da água da cisterna, condições de higiene uma escola rural e o outro em uma vila de casas
da família, localização da fossa séptica em relação à conjugadas, ambos na localidade de Sítio Canela de
cisterna. Neste contexto, foram excluídas as cister- Ema, município de Pesqueira, estado de Pernambu-
nas que recebiam água de caminhão-pipa, e foram co.
selecionados pares de cisternas com diferentes tem- Os locais fazem parte da região agreste (Fi-
pos de construção (antigas e novas), em famílias gura 1), no semi-árido pernambucano. Pesqueira
com boas e ruins condições de higiene da família e (Figura 2) possui uma área de 1.000 km², dista a-
com a localização da fossa séptica ao lado da cisterna proximadamente 215 km da capital do estado, Reci-
ou mais afastada. fe, e tem população de 64.454 habitantes (IBGE,
As cisternas que tiveram a qualidade da água 2009), enquanto Caruaru (Figura 2) possui uma
monitorada estavam localizadas nas comunidades de área de 921 km², dista cerca de 135 km de Recife, e
Pé de Serra (PS1) e Lajedo do Cedro (LC1 e LC2), tem população de 298.501 habitantes (IBGE, 2009).
em Caruaru-PE, e Guaribas (GB1) e Sítio de Canela
de Ema (CE1 e CE2), em Pesqueira-PE.
No período de 1 ano (1 ciclo — chuva + esti-
agem) foram realizadas doze coletas (freqüência
mensal) em cada cisterna, sendo que em seis delas
foram realizadas análises de série curta (pH, condu-
tividade, oxigênio dissolvido - OD, temperatura,
turbidez, cor aparente, cor verdadeira, salinidade,
alcalinidade, cloretos, coliformes totais, escherichia
coli e bactérias heterotróficas totais) e nas outras seis
coletas análises de série completa (série curta acres- Figura 1 — Mapa do estado de Pernambuco com destaque
cida das análises de salmonella, metais - Al, Pb, Fe, para região agreste. Fonte: adaptado de Wikipédia (2008).
Zn, Mg, Mn - Demanda Química de Oxigênio -
DQO, Demanda Bioquímica de Oxigênio - DBO e
nitrogênio, nas formas de N-NO3-, N-NO2-).
A contagem de bactérias heterotróficas to-
tais foi realizada pelo método pour plate. O meio
utilizado foi o ágar nutriente para contagem em
placas, incubadas em estufa bacteriológica com
temperatura de 35oC, por 48 horas. Após o tempo
de incubação foi utilizado um contador manual de
colônias para a contagem das Unidades Formadoras
de Colônias (UFC). Coliformes totais e Escherichia Figura 2 — Mapa do estado de Pernambuco com destaque
coli foram quantificados com o uso da técnica de para os municípios de Caruaru, Pesqueira e Recife.
colilert®.
Para coleta, foram utilizados recipientes es- Cada sistema possuía duas cisternas, sendo
terilizados em autoclave a 120oC e 1 atm por 15 mi- uma dotada de dispositivo de descarte das primeiras
nutos. A coleta foi realizada utilizando-se o mesmo águas de cada precipitação e a outra não. Desta
procedimento que os moradores da comunidade forma foi possível analisar a influência do dispositivo
utilizam para retirar a água das cisternas. Cinco em manter ou melhorar a qualidade da água no
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Avaliação da Qualidade da Água e da Eficácia de Barreiras Sanitárias em Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
A. B. C.
Figura 3 — Esquema do dispositivo de descarte das primeiras águas de chuva: princípio do fecho hídrico:
A. início da chuva; B. enchimento da cisterna; C. cessada a chuva.
A. B. C.
Figura 4 — Esquema do dispositivo de descarte das primeiras águas de chuva: princípio dos vasos comunicantes:
A. início da chuva; B. enchimento da cisterna; C. cessada a chuva.
A. B.
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interior da cisterna por meio da comparação das tação e armazenamento, de construção dos disposi-
cisternas com dispositivos de descarte das primeiras tivos, de realização de visitas e de participação em
águas e das cisternas sem o dispositivo. De acordo encontros com a equipe de realização da pesquisa.
com Andrade Neto (2004), o desvio de descarte é Nos dois casos, da agrovila e da escola rural,
apenas um pequeno tanque para o qual são desvia- foi necessária a instalação de sistemas de captação
das automaticamente as primeiras águas de cada com calhas, tubulações e conexões em PVC, em
chuva, simplesmente através de um desvio intercala- substituição aos sistemas já instalados, mas em con-
do na tubulação de entrada da cisterna, que deriva dições precárias de conservação. Os dispositivos de
para esse pequeno tanque as águas de lavagem da descarte das primeiras águas de cada precipitação
superfície de captação. foram dimensionados visando descartar de 1 a 2 mm
Foram analisados dois tipos de dispositivos de cada precipitação, com base em resultados obti-
de desvio de descarte das primeiras águas, que dife- dos de pesquisas anteriores (Andrade Neto, 2004;
rem entre si pelo princípio físico de funcionamento Annecchini, 2005; Melo, 2007). Por facilidade de
a partir do qual a água captada no telhado segue construção optou-se por dispositivos cúbicos com
para a cisterna, sendo que um deles tem seu funcio- dimensões de 0,50 m de largura por 0,50 m de com-
namento fundamentado no princípio do fecho hí- primento, 0,45 m de altura e capacidade para arma-
drico (Figura 3) e o outro no princípio dos vasos zenar 0,11 m³ de água de chuvas, que corresponde
comunicantes (Figura 4). Em ambos os desvios, à ao primeiro milímetro de precipitação.
medida que o telhado é lavado, processa-se o acú- Para investigação dos dispositivos de desvio,
mulo de água no tanque (Figuras 3A e 4A) e só após simulou-se uma precipitação superior a 5 mm
este estar completamente cheio, é que a água vai (quantidade suficiente para circular em todo o sis-
para a cisterna (Figuras 3B e 4B). É fundamental tema captação-descarte-armazenamento), visando
que depois de cada evento de chuva, o tanque de coletar a água no sistema em pontos específicos de
desvio seja esvaziado, através de uma tubulação de investigação, passíveis de contaminação, e analisar a
descarga (Figura 3C e 4C), a qual deve ser novamen- água coletada. Foram utilizados cerca de 493 L de
te fechada permitindo o funcionamento do disposi- água na escola rural e cerca de 450 L na vila de casas
tivo para o desvio automático das primeiras águas do conjugadas, transportados por meio de caminhões-
próximo evento de chuva. pipa. Essa água foi bombeada aos telhados da escola
Para avaliar o funcionamento dos dispositi- rural e da vila de casa conjugadas por meio de uma
vos de desvio sem influências externas (condições mangueira de ½ polegada de diâmetro com furos de
ideais) foi realizada uma simulação de chuvas. Antes 2 mm, espaçados em 5 cm. A mangueira foi coloca-
do início do experimento de simulação de chuvas, o da sobre o telhado, ao longo do comprimento, com
sistema de transporte de água (calhas e sistemas de vistas a garantir a uniformidade do escoamento e
desvio) foram lavados com água de abastecimento assim simular a precipitação. Esta mangueira foi
público e sabão neutro. Estudos realizados por Ro- conectada a uma bomba elétrica, que, por sua vez
drigues et al. (2010) com uma série de totais men- estava ligada ao caminhão pipa. O experimento foi
sais de precipitação que abrange os anos de 1961 a de simulação foi realizado primeiro na escola rural e
2009, indicam que os meses menos chuvosos em três dias depois na vila de casas.
Pesqueira são setembro, outubro e novembro, com Enquanto a água passava por todo o sistema
valores acumulados mensais máximos da ordem de foram retiradas amostras de água dos locais de inves-
40 mm e médios em torno de 20 mm. O experimen- tigação: água do caminhão pipa (A), do interior dos
to para avaliação do funcionamento dos dispositivos dispositivos de descarte das primeiras águas (B) e
foi realizado em dezembro de 2008, em que a preci- logo após o dispositivo (C) (Figura 6). A eficácia do
pitação acumulada de outubro a dezembro desse sistema é avaliada por meio da verificação da influ-
ano foi de 12,23 mm (dados do INPE), ou seja, cor- ência do descarte das primeiras águas, as quais re-
respondeu a um período de aproximadamente 3 têm impurezas, evitando que estas alcancem o inte-
meses sem ocorrência de chuva na região. rior das cisternas durante o primeiro milímetro de
Visando identificar, principalmente, as ca- cada precipitação, situação em que a água se encon-
racterísticas de manejo, foram selecionados dois tra com grande quantidade de sujeira (Andrade
tipos de usuários com tipologias de telhado distintas: Neto, 2003).
uma agrovila e uma escola rural. Em ambos os casos Foram analisados os seguintes parâmetros
os usuários dos sistemas foram consultados sobre as de qualidade de água para as amostras coletadas:
intervenções previstas, tendo concordado com as coliformes totais e termotolerantes, bactérias hetero-
ações planejadas de adaptação dos sistemas de cap- tróficas totais, cloro residual, turbidez, alcalinidade,
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Avaliação da Qualidade da Água e da Eficácia de Barreiras Sanitárias em Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
sólidos dissolvidos totais, cor aparente, ferro, pH e Este monitoramento da análise da qualidade
alumínio. As análises foram realizadas, em triplicata, da água armazenada nas cisternas foi realizado de
de acordo com APHA (2005). janeiro de 2008 a dezembro de 2009, com períodos
de chuva e períodos de estiagem (Figuras 7a e 7b).
Apesar do valor máximo de precipitação acumulada
mensal, neste período, ter sido da ordem de 370
mm, no mês de maio de 2009, os demais valores
mensais acumulados não superaram o limite de 175
mm, sendo que nos meses de setembro a dezembro
esses valores ficaram abaixo de 30 mm.
A.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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A. B.
A. B.
Figura 9 — Bactérias do grupo coliformes totais (NMP/100mL): A. no período chuvoso; B. no período de estiagem.
A. B.
Figura 10 — Escherichia coli (E. coli) (NMP/100mL): A. no período chuvoso; B. no período de estiagem.
va, proveniente de efeito de diluição, apenas nos do tempo. No entanto, a cisterna LC1 apresentou
parâmetros pH e alcalinidade. Não foram observa- teor de OD entre 4,8 e 5,95 mg/L durante o perío-
das influências sobre parâmetros como OD, cor, do avaliado. Nesse período o valor médio de coli-
turbidez e, principalmente, microrganismos patogê- formes totais foi igual a 12.061 NMP/100 mL para
nicos. essa cisterna, com exceção de uma única coleta em
Os teores de cloretos estiveram bem abaixo período chuvoso, quando foi atingida a concentra-
do estabelecido pelo padrão de potabilidade (de ção de 111.990 NMP/100 mL. A presença mais mar-
250 mg/L, conforme Portaria nº 518/05 do MS), cante desses microrganismos nessa cisterna pode ter
com valores inferiores a 18,98 mg/L em todas as influenciando o teor de OD.
cisternas avaliadas. Todas as cisternas apresentaram A cor aparente, cor verdadeira e turbidez es-
teores de OD superiores a 6 mg/L na maior parte tiveram sempre abaixo dos valores máximos permi-
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Avaliação da Qualidade da Água e da Eficácia de Barreiras Sanitárias em Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
tidos pela legislação na maior parte do tempo em Avaliação da eficácia dos sistemas de desvio
todas as cisternas. Os maiores valores de turbidez
observados estiveram em torno de 1,6 UT. Os teores de ferro e alumínio encontrados
Os resultados dos exames bacteriológicos na água que passou por ambos os sistemas de capta-
indicaram a presença de bactérias heterótrofas totais ção (escola e vila) foram iguais a 2 mg/L e 0,5
(Figura 8), bactérias do grupo coliformes totais (Fi- mg/L, respectivamente, e não sofreram alterações
gura 9) e Escherichia coli (E. coli) (Figura 10) em ao longo do percurso da água, não tendo sido ob-
todas as amostras de todas as cisternas, com exceção servada contaminação da água por esses compostos,
de uma única (GB1) que não apresentou E.coli. como relatado por alguns autores (Jaques et al.,
Foram detectadas concentrações de coliformes de 2005).
até 120.330 NMP/100 mL na cisterna PS1. A água utilizada nos experimentos possuía
De forma geral, os resultados relativos à cis- um teor de oxigênio dissolvido de 6,6 mg/L (escola)
terna GB1, única cuja água é retirada por meio de e 6,1 mg/L (vila) (situação em A, Figura 11). Estes
bomba, apresentaram menor variabilidade que os teores diminuíram após o contato com o telhado,
demais, não tendo sido verificada influência aparen- caindo para 5,75 mg/L (escola) e 5,65 mg/L (vila)
te em relação à época do ano. Essa cisterna apresen- (situação em B, Figura 11).
tou água com qualidade compatível com o padrão Provavelmente, tais mudanças na quantida-
de potabilidade para todos os parâmetros, exceto de de oxigênio dissolvido podem ter sido resultantes
coliformes, em 100% das amostras analisadas. Res- da própria movimentação da água ao circular pelo
salta-se que, apesar de ter sido detectada a presença sistema de captação, bem como estar relacionadas
de coliformes nessa cisterna, os valores foram inferi- aos aumentos de turbidez e bactérias heterotróficas
ores aos observados nas demais cisternas (Figura 9). totais, observados após a lavagem do telhado (Figu-
A ausência de E. coli nessa cisterna caracteriza que ras 12 e 15).
não houve contaminação por animais de sangue Ambos os tipos de dispositivos de desvio ava-
quente. Isso indica que o uso de bomba como ins- liados tiveram influência positiva sobre a remoção
trumento auxiliar de retirada de água da cisterna de turbidez (Figura 12).
pode se configurar como efetiva barreira sanitária à O material em suspensão que foi lavado da
contaminação da água e, consequentemente, à pro- atmosfera e de ambos os telhados elevou a turbidez
teção da saúde dos seus consumidores. Contudo, há (Figura 12) de 17,64 UT para 58,69 UT na escola e
que se considerar que o universo amostral foi limi- de 21,53 UT para 65,79 UT na vila de casas conju-
tado e que tal constatação deve ser considerada, mas gadas, em função do material que ficou retido no
não generalizada. interior dos desvios (situação em B — Figura 12). Isso
Os resultados de qualidade das águas arma- indica que, na ausência de desvio, água com essa
zenadas nas cisternas indicaram haver contaminação qualidade seria encaminhada às cisternas.
significativa da água e, portanto, a necessidade de
avaliação de dispositivos automáticos de desvios que
possam melhorar a qualidade da água que é enca-
minhada às cisternas.
Em relação ao experimento realizado para
investigação dos dispositivos de desvio ensaiados, a
primeira observação que merece destaque se refere
ao fato de que a água utilizada no experimento de
simulação de chuvas, apesar de ter sido adquirida
dentro do padrão de potabilidade Portaria nº
518/05 do MS), foi transportada por meio de cami-
nhões-pipa disponíveis na região.
Esse fato deve ter comprometido a qualida-
de da água por meio de mistura da água potável
Figura 11 — Teores de oxigênio dissolvido (mg/L) na água
com resíduos já presentes no caminhão, fazendo
ao longo do percurso.
com que uma água fora dos padrões fosse utilizada
no experimento de simulação. Por esse motivo, não
Contudo, o dispositivo instalado na vila de
será feita nenhuma alusão comparativa da água
casas conjugadas, que é baseado no princípio do
encaminhada à cisterna com o padrão de potabili-
fecho hídrico, foi mais eficiente em reter as impure-
dade da água.
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zas, pois a turbidez foi reduzida em 79%, de 65,79 movido da tubulação de saída da água do dispositivo
UT para 14,03 UT, o que significa que todo o mate- de desvio.
rial em suspensão lavado ficou retido no desvio. Já o
dispositivo instalado na escola rural, que é baseado
no princípio dos vasos comunicantes, também redu-
ziu a turbidez, porém com menor eficiência, de
58,70 UT para 45,30 UT (redução de 23%). Esse
resultado caracteriza muito bem o papel do disposi-
tivo de desvio de permitir que a água que chega à
cisterna seja isenta da influência do percurso.
Exames bacteriológicos
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Avaliação da Qualidade da Água e da Eficácia de Barreiras Sanitárias em Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
rural, e para 21.780 NMP/100 mL, na vila de casas tos merecem destaque: a quantidade de bactérias
conjugadas. Isso indica que houve contaminação da conduzidas para o interior do desvio de fecho hídri-
água por esse grupo de microrganismos ao passar co foi substancialmente superior (1070,5 UFC/mL)
pelo telhado e calhas. ao encaminhado ao desvio de vasos comunicantes
Mais uma vez, o dispositivo de descarte das (58 UFC/mL), o que dificulta a comparação entre
primeiras águas teve seu principal papel configura- os tipos de desvio; e houve um aumento no número
do, quando proporcionou redução de coliformes de de bactérias entre as situações em B e C da escola,
21.780 NMP/100 mL para 980 NMP/100 mL (redu- que pode estar associado ao aumento dos sólidos
ção de 95,50%) no caso do desvio de fecho hídrico dissolvidos totais (Figura 13), novamente indicando
(vila) e de 9.090 para 5.040 (redução de 44,55%) que é possível que houvesse alguma impureza na
para o desvio dos vasos comunicantes (escola rural). tubulação de encaminhamento da água à cisterna,
apesar da limpeza realizada.
Os resultados obtidos evidenciam a impor-
tância do uso de dispositivos de desvio das primeiras
águas de chuva, uma vez que, independente do
princípio de funcionamento, ambos os modelos
avaliados no presente trabalho foram eficazes em
reduzir a quantidade de impurezas encaminhadas às
cisternas, principalmente turbidez, coliformes totais
e bactérias heterotróficas totais. Esses parâmetros
merecem destaque por estarem intrinsecamente
relacionados com o processo de desinfecção da á-
gua. Destaca-se ainda a importância da adequada
operação dos dispositivos de desvios para que seu
papel seja desempenhado conforme esperado. Após
Recomenda-se que a cada evento de chuvas, o mes-
mo deve ser esvaziado para que possa lavar o primei-
ro milímetro da próxima chuva. No entanto, devem
Figura 15 — Valores obtidos de bactérias heterotróficas
ser conduzidos estudos que permitam estabelecer
(UFC/mL) ao longo do percurso.
qual o intervalo entre chuvas que pode ser tolerado
sem esvaziamento do dispositivo de desvio. De forma
Resultado semelhante foi observado para semelhante, o uso do desvio não isenta os usuários
bactérias heterotróficas totais, uma vez que no inte- de realizarem o manejo adequado da água armaze-
rior dos dispositivos de descarte das primeiras águas nada nas cisternas, por meio do uso de bombas, que
houve um aumento do número de bactérias hetero- também se configura como barreira sanitária adi-
tróficas de 16,5 UFC/mL para 58 UFC/mL na esco- cional.
la rural e de 9,5 UFC/mL para 1.070,5 UFC/mL na
vila de casas conjugadas, indicando que houve con-
taminação por bactérias heterotróficas após a água CONCLUSÕES
entrar em contato com o telhado e passar pelas ca-
lhas (situações em A e B — Figura 15). Como se pôde
observar, uma vez mais, o dispositivo com o princí- Em relação à qualidade da água armazenada
pio do fecho hídrico (vila de casas) foi eficiente, nas cisternas existentes, quanto aos aspectos físico-
reduzindo o número de bactérias de 1.070,5 químicos, observa-se que todas as variáveis analisadas
UFC/mL para 60,5 UFC/mL (94,39%). atendem aos padrões de qualidade exigidos pela
Os resultados obtidos não comprovam, po- Portaria nº 518/05 do MS (Brasil, 2004), exceto OD,
rém, a eficácia do dispositivo de descarte das primei- em algumas cisternas. A qualidade microbiológica
ras águas instalado na escola. Após o mesmo, a da água armazenada em todas as cisternas avaliadas
quantidade de unidades formadoras de colônia não atendeu ao padrão de potabilidade (portaria
aumentou de 58 para 117 UFC/mL, indicando, 518/04 do MS, 13) para consumo humano, apenas
desta forma, a necessidade de realização de estudos uma atendeu a norma em relação à Escherichia coli,
adicionais sobre esse dispositivo que é fundamenta- porém não atendendo para os demais padrões mi-
do no princípio dos vasos comunicantes. Dois pon- crobiológicos analisados.
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Avaliação da Qualidade da Água e da Eficácia de Barreiras Sanitárias em Sistemas para Aproveitamento de Águas de Chuva
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