Aquisição Da Herança

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NOTAS DA AULA DO DIA 26.03.

2021

I. AQUISIÇÃO DA HERANÇA

Sabe-se que, com a morte, a pessoa perde personalidade jurídica. As relações


jurídicas de natureza patrimonial de que era titular o falecido terão que ser tituladas
por novos sujeitos. Ou seja, o património hereditário do falecido deve ser adquirido
por novos sujeitos.

Há, essencialmente, três sistemas de aquisição da herança duma pessoa falecida: o


sistema de aquisição automática, o sistema de aquisição mediante aceitação; e o
sistema de aquisição mediante investidura.

No sistema de aquisição automática, as pessoas que gozam de prioridade na


hierarquia dos sucessíveis, assumem automaticamente, no momento da abertura da
sucessão, a titularidade das relações transmissíveis do falecido, sem necessidade de
manifestação de vontade. Trata-se de uma solução de continuidade, mediante
aquisição automática do património do falecido pelos seus sucessíveis prioritários.

No segundo sistema, de aquisição mediante aceitação, as relações de que era titular


uma pessoa falecida ficam pendentes depois da morte, esperando que os sucessíveis
prioritários as assumam, mediante um acto de manifestação de vontade.

No terceiro sistema, a aquisição da herança é feita mediante investidura, mediante


decisão de autoridade pública.

II. SISTEMAS DE AQUISIÇÃO DA HERANÇA NA ORDEM JURÍDICA


INTERNA

Na nossa lei consagrou os três sistemas, para situações diferentes.

(i) Sistema se aquisição mediante aceitação

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O artigo 33 da LS dispõe que:

“1. O domínio e a posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação,


independentemente da sua apreensão material.

2. Os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão.”

Como se pode ver, o artigo 33 da LS consagra o sistema de aquisição mediante


aceitação. Na verdade, podemos afirmar que na ordem jurídica moçambicana este
sistema constitui a regra.

A aceitação é a manifestação de vontade de assumir a titularidade das relações


jurídicas do falecido.

Se, por exemplo, a pessoa falece intestada e deixa filhos e cônjuge, não se pense que
estes, logo depois da morte, tornam-se sucessores. Depois da abertura da sucessão,
mesmo depois da vocação sucessória, os sucessíveis chamados não são, só por via do
chamamento, sucessores do falecido.

As pessoas chamadas só adquirem a qualidade de sucessores, ou seja, de novos


titulares das relações de que era titular o falecido, depois da aceitação, embora com
efeitos (retroactivos) a partir do momento da abertura da sucessão.

Daquela disposição legal, retira-se que o sucessível, ainda que seja o detentor dos
bens do falecido, não poderá, legalmente, ser considerado o proprietário ou
possuidor antes da aceitação.

Aceite a herança, ainda que os bens não estejam fisicamente ou materialmente no


domínio do sucessor aceitante, este torna-se, legalmente, o proprietário e possuidor.
Terceiros que tenham em seu poder os bens da herança, serão, com a aceitação,
meros detentores de tais bens.

(ii) Sistema de aquisição automática

Também a nossa lei consagra o sistema de aquisição automática, nas situações de


sucessão contratual.

É sabido que a Lei da Família, no seu artigo 124, admite a instituição de herdeiros e
nomeação de legatários feita em convenção antenupcial.

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Tratando-se de um negócio jurídico bilateral, o donatário, sendo qualquer dos
nubentes ou terceiro, ao celebrar ou intervir na convenção antenupcial, manifesta a
sua vontade de aceitar a herança ou o legado. Com a abertura da sucessão, não faria
sentido que se exigisse do donatário um novo acto de aceitação, como se a
disposição fosse unilateral. Porque estamos no domínio patrimonial, de direitos
disponíveis, nada obsta que o donatário renuncie a tais direitos, nos termos gerais do
Direito.

Não se pode dizer, neste caso, que a aceitação é dispensável. O que acontece é que
ela (a aceitação) ocorre no momento da celebração do pacto sucessório que, como é
próprio dos negócios jurídicos bilaterais, integra duas declarações de vontade. A
aceitação fica assim dependente duma condição suspensiva, que é a morte do autor
da sucessão. É neste momento, da morte, que aquisição opera de forma automática,
com a verificação da condição a que a aceitação estava sujeita.

(iii) Sistema de aquisição mediante investidura

O terceiro sistema também encontra consagração na nossa ordem jurídica, quando se


trate de Estado, como sucessível único, por inexistência de outros sucessíveis que o
prefiram.

Dispõe o artigo 135 da LS que “A aquisição da herança pelo Estado, como sucessível
legítimo, opera-se de direito, sem necessidade de aceitação, não podendo o Estado repudia-la”.

Como é sabido, o Estado ocupa a última classe dos sucessíveis legítimos. Assim, se o
falecido não dispõe dos seus bens por testamento ou contrato e não existirem
parentes, cônjuge sobrevivo ou companheiro sobrevivo da união de facto, o Estado,
que nunca falta, é chamado. Até podem existir herdeiros legais e voluntários
prioritários, mas todos eles repudiarem a herança, caso em que apenas restará o
Estado.

É clara a intenção do legislador, de evitar que os bens do falecido se tornem res


nullius, só pelo facto de não ter familiares que lhe sobrevivam. Até porque,
tornando-se os bens res nullius, correr-se-ia o risco de disputas pela posse dos bens

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do falecido e ficariam prejudicados eventuais credores da herança que, como se sabe,
não são herdeiros do devedor.

O Estado é como que obrigado a assumir a titularidade das relações do falecido, pois
não é legalmente permitido que repudie. Trata-se, portanto, dum ingresso nas
relações do falecido que opera ipso iure, isto é, por força da lei.

Não existindo sucessíveis que prefiram o Estado, sendo tal situação reconhecida
judicialmente, a herança é declarada vaga para o Estado, tal como resulta do artigo
135 da LS. O procedimento visando a declaração da herança vaga para o Estado vem
previsto nos artigos 1132º a 1134º, ambos do Código de Processo Civil. Será,
portanto, por sentença judicial que o Estado será investido na qualidade de herdeiro
do falecido.

III. ACEITAÇÃO DA HERANÇA

Como foi visto acima, a nossa ordem jurídica, consagra, como regra, a aquisição
mediante aceitação.

Se nos atermos apenas ao momento da abertura da sucessão, podemos, tal como foi
referido acima, diferenciar os sistemas de aquisição mediante aceitação, de aquisição
automática e de aquisição investidura.

O sistema de aquisição automática, na nossa ordem jurídica, refere-se apenas ao


momento da abertura da sucessão. Com efeito, na situação de instituição de herdeiro
ou nomeação de legatário por via contratual, intervindo o herdeiro ou legatário
como aceitante (na convenção antenupcial) e verificada a condição suspensiva, que é
a morte do autor, ele adquire a herança ou o legado. Ou seja, mesmo na sucessão
contratual há necessidade de aceitação.

Quando nos referimos à noção e as características da aceitação, deverá, pelas razões


acima apontadas, entender-se que o mesmo regime se aplica à sucessão contratual.

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III.1. Caracteres da aceitação

a) É um acto voluntário e livre

O sucessível chamado é livre de aceitar ou repudiar a herança ou o legado. Trata-se


de um direito e não um ónus. Tanto é que se a aceitação, contrariando o seu carácter
voluntário e livre, for obtida mediante coação ou dolo, ela é anulável nos termos do
artigo 43 da LS.

b) É individual

Havendo dois ou mais sucessíveis, que sejam instituídos conjuntamente ou não, cada
um deles pode aceitar a parte que lhe cabe, independentemente da posição do outro
ou dos demais (artigo 34 da LS)

c) A aceitação é um acto puro e simples

Não pode a aceitação ser feita sob condição ou a termo (artigo 37, nº 1, da LS)

d) É indivisível

Em regra, a aceitação é indivisível, no sentido de que o sucessível chamado não pode


aceitar uma parte e repudiar outra (nº 2 do artigo 37 da LS). Assim, se o herdeiro é
instituído em 50% da herança, não está autorizado a escolher alguns bens que
compõe a sua quota e repudiar outros.

Sendo o sucessível chamado por testamento e por lei e aceita por um dos títulos,
entende-se que também aceita por outro título (primeira parte do nº 1 do artigo 38 da
LS).

Por exemplo, o autor da sucessão não tem descendentes nem ascendentes sobrevivos
mas deixa dois irmãos (Betinho e Carlos) e faz testamento destinando 40% da
herança a Carlos, se este aceita a sua parte na sucessão legítima, então considera-se

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que também aceita a deixa testamentária. A aceitação abrange todos os títulos do
chamamento.

Há, porém algumas excepções, sendo a primeira a prevista na segunda parte do nº 1


do artigo 38 da LS. Se o sucessível é chamado por lei e aceita, mas mais tarde vem a
saber que também existe testamento que o contempla, pode repudiar a parte que lhe
cabe neste. Ou seja, o sucessível quando aceita o chamamento feito por lei ignora a
existência do testamento; se depois de aceitar o chamamento por lei tem
conhecimento do testamento, está legalmente autorizado a repudiar por este último
título.

Exemplo: Alfredo falece no dia 20 de Janeiro de 2021 e deixa dois sobrinhos


(Godinho e Membrança), filhos do irmão Paulo, como únicos parentes sobrevivos.
Alfredo faz testamento e deixa metade da quota disponível a Godinho. No dia 30 de
Abril Godinho e Membrança aceitam a herança (como sucessíveis legítimos). No dia
10 de Abril Godinho tem conhecimento que Alfredo deixou testamento. Neste caso,
porque no dia 30 de Abril, momento em que Godinho aceitou a herança a que tinha
direito por lei, não sabia da existência do testamento, então pode repudiar a deixa
testamentária. Situação diversa aconteceria se no dia 30 de Abril Godinho já
soubesse que era herdeiro legítimo e testamentário, pois, neste caso, a aceitação por
um dos títulos incluía o outro título.

A segunda excepção é a prevista no nº 2 do artigo 38 da LS, nos termos do qual “o


herdeiro legitimário que também é chamado à herança por testamento pode repudiá-la quanto
à parte de que o testador podia dispor livremente e aceitá-la quanto à quota legal”.

Como sabemos, o herdeiro legitimário tem direito a legítima (quota indisponível).


Mas nada obsta que os mesmos sejam instituídos no testamento. Neste caso em que
o sucessível é, ao mesmo tempo, legitimário e testamentário, pode aceitar a legítima
e repudiar a deixa testamentária. Por interpretação à contrario sensu o sucessível não
pode aceitar a deixa testamentária e repudiar a legítima.

e) É irrevogável

Nos temos do artigo 44 da LS, a aceitação é irrevogável. Tal significa que uma vez
aceite a herança, dá-se por findo, quanto ao aceitante, o fenómeno sucessório,
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assumindo ele a titularidade das relações do falecido, com efeito a partir da abertura
da sucessão.

f) É anulável

A aceitação é anulável se for obtida por dolo ou coação, mas não com fundamento
em simples erro (erro-vício) – nº 1 do artigo 43 da LS

A anulabilidade pode ser arguida por todos aqueles que tem interesse na
procedência do pedido, que podem ser os próprios herdeiros (incluindo o aceitante)
– nº 2 do artigo 43 da LS

Por força do nº 3 do artigo 43, o prazo para arguir a anulabilidade é de dois anos a
contar da cessação do vício que lhe serve de fundamento.

g) O direito de aceitar é transmissível

Já em momento anterior, quando nos referimos às figuras afins do direito de


representação, tratamos da matéria da transmissão do direito de aceitar ou repudiar
a herança.

Nos termos do nº 1 do artigo 41 da LS, se o sucessível chamado à herança falecer sem


a haver aceitado ou repudiado, transmite-se aos seus herdeiros o direito de aceitar
ou repudiar.

Trata-se daquelas situações em que o sucessível reúne todos os pressupostos da


vocação sucessória e adquire, por isso, o direito de aceitar (ou repudiar), mas antes
de exercer tal direito, falece. O direito de aceitar, neste caso, passa para os herdeiros
do que falece sem exercer tal direito.

Diferentemente do que sucede na representação, a transmissão opera em benefícios


dos “herdeiros”, que sejam eles legitimários, legítimos ou de outra espécie. A lei
trata, na verdade, o direito de aceitar ou repudiar como já integrando o património
do sucessível que falece sem exercê-lo. É por isso que se afirma que na transmissão
do direito de aceitar ou repudiar há dois fenómenos sucessórios (do primeiro autor

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da sucessão para o que falece antes de aceitar ou repudiar e deste para os seus
herdeiros).

Por serem dois fenómenos sucessórios, há que aferir se, em relação à cada um deles,
verificam-se os pressupostos da vocação sucessória.

O nº 2 do artigo 41 da LS também prevê uma excepção à indivisibilidade da


aceitação: os herdeiros do transmitente só adquirem, por transmissão, o direito de
aceitar ou repudiar se aceitarem a herança do falecido (aquele que morre sem aceitar
ou repudiar), mas podem aceitar apenas a herança a que teriam direito por morte
deste, repudiando a parte que corresponde à transmissão do direito de aceitar ou
repudiar.

Do que acabamos de dizer, resulta que:

 Se os herdeiros repudiarem a herança do transmitente, não podem aceitar


apenas a parte que corresponda à transmissão do direito de aceitar ou
repudiar;
 Se os herdeiros aceirarem a herança do transmitente, podem aceitar (ou
repudiar) a componente hereditária proveniente da transmissão do direito de
aceitar ou repudiar.

Um exemplo pode ajudar na compreensão do nº 2 do artigo 41 da LS:

Albatul tem apenas o filho Perdigão e este tem uma filha Gracinda. Albatul falece no
dia 10 de Março de 2021 e dois dias depois falece Perdigão, sem se pronunciar
relativamente à herança a que tinha direito por morte da mãe Albatul. Albatul deixa
5 imóveis avaliados em 90 milhões de meticais e Perdigão era duma vivenda e um
barco de pesca, bens avaliados em 30 milhões de meticais.

No caso como o do exemplo, o direito de aceitar ou repudiar de que Perdigão era


titular transmite-se, nos termos do nº 1 do artigo 41 da LS, para o seu herdeiro
prioritário, neste caso Gracinda. Como se pode constatar, Gracinda será chamada a
suceder a Perdigão no património de 30 milhões e também terá o direito de aceitar
ou repudiar o património de 90 milhões a que Perdigão teria direito por morte de
Albatul.

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O nº 2 do artigo 41 da LS vem estabelecer que o direito de aceitar ou repudiar só se
transmite de Perdigão para Gracinda, se esta aceitar a herança (o património dos 30
milhões) de Perdigão. Mas Gracinda pode aceitar o património de 30 milhões
(herança do falecido Perdigão) e repudiar o património de 90 milhões a que teria
direito por transmissão do direito de aceitar ou repudiar. Gracinda não pode
repudiar a herança do seu pai Perdigão, mas aceitar apenas a parte dos 90 milhões
que lhe adviriam por transmissão do direito de aceitar ou repudiar.

h) Está sujeita à caducidade

A lei fixa o prazo de 10 anos, no nº 1 do artigo 42 da LS. O prazo conta a partir do


conhecimento do chamamento. Nos termos do nº 2 do artigo 42 da LS, no caso da
instituição sob condição, o prazo conta a partir do conhecimento da verificação da
condição e no caso do fideicomissário, a partir do conhecimento da morte do
fiduciário ou extinção da pessoa colectiva (se esta era fiduciária).

Embora a lei fixe aquele prazo para a caducidade, os interessados no fim da


indivisão ou da incerteza quanto à aceitação, não estão obrigados a esperar pelo
decurso daquele prazo de caducidade, pois podem, nos termos do artigo 32, intentar
a acção visando a notificação dos herdeiros prioritários, para que estes se
pronunciem, presumindo-se a aceitação se os herdeiros notificados não repudiarem.

III.2. Formas de aceitação

O artigo 39 da LS, no seu nº 1, prevê que aceitação pode ser expressa ou tácita. Nos
termos do nº 2 do mesmo artigo, a aceitação é havida como expressa quando:

 o sucessível declara que aceita, em documento escrito;


 o sucessível assume o título de herdeiro, com intenção de adquirir a herança.

Porque a aceitação tácita é feita mediante comportamento que, com toda a


probabilidade, revela tal intenção, a lei trata de clarificar algumas situações que
poderiam deixar dúvidas de qualificação. É assim que no nº 1 do artigo 40 da LS,
clarifica-se que não importa aceitação a doação aos que teriam direito ao património

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na eventualidade de repúdio. Mas já quando, sendo vários os que poderiam ter
direito em caso de repúdio, o sucessível chamado renuncia apenas a favor de algum
ou alguns, com exclusão de outros; nesse caso, por força do 2 do artigo 40, considera-
se que o renunciante aceitou e alienou.

III.3. Espécies de aceitação

A aceitação pode ser extrajudicial ou em inventário judicial, tendo-se por não


escritas as cláusulas testamentárias que qualquer das espécies (artigo 35 da LS)

Os casos em que a aceitação só pode ser feita em inventário judicial vêm previstos no
nº 1 do artigo 36 da LS (herança deferida a menor, interdito, inabilitado ou pessoa
colectiva).

Discutiu-se, no momento da preparação da lei, se não era de dispensar a


obrigatoriedade de inventário judicial, posição que não foi aceite, especialmente pelo
sector judicial, com o argumento de que tal processo se justificava pela necessidade
de protecção dos incapazes.

O inventário judicial está previsto nos artigos 1326º e seguintes do Código de


Processo Civil.

Tendo em conta que o Código do Notariado vigente admite a habilitação notarial de


herdeiros menores, tendo já sido feita a habilitação, o inventário tem essencialmente
por finalidade a liquidação e partilha.

A herança responde pelos encargos respectivos (artigo 51 da LS), mas o regime da


responsabilidade por tais encargos é diferente, conforme a aceitação seja
extrajudicial ou em inventário judicial.

Com efeito, conforme previsão do nº 1 do artigo 54 “sendo a herança aceita em


inventário judicial, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os
credores ou legatários provarem a existência de outros bens”. O nº 2 do mesmo artigo

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estabelece que “Sendo a herança aceita extrajudicialmente, a responsabilidade pelos
encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro
provar que na herança não existem valores suficientes para o cumprimento dos encargos.”

Assim, apenas os bens da herança respondem pelos encargos. Não há


responsabilidade ultra vires hereditatis (mas sim intra vires hereditatis), ou seja, pelas
dívidas do falecido (e pelos demais encargos da herança) responde o património
hereditário. Os herdeiros não são obrigados, por exemplo, a usar o seu património
para pagar as dívidas do falecido.

Apesar daquele princípio, o ónus de provar que o património hereditário pode recair
nos próprios sucessíveis (se a aceitação for extrajudicial) ou nos legatários ou
credores (se a aceitação for mediante inventário judicial).

E compreende-se que assim seja, pois, no inventário judicial, os bens são


inventariados e há um procedimento que permite que haja reclamações. Ora, depois
do inventário ser feito via judicial, aqueles que entendem que existem outros bens
para além dos inventariados, deverão prová-lo.

No caso de aceitação extrajudicial, sem qualquer intervenção judicial, faz sentido


que, esgotado o património hereditário para fazer face aos encargos, os próprios
sucessíveis tenham o ónus de provar que já não existem outros bens.

IV. REPÚDIO DA HERANÇA

Diz-se que o sucessível repudia a herança quando declara que não aceita.

Tal como sucede com a aceitação, os efeitos do repúdio retrotraem-se ao momento


da abertura da sucessão, excluindo-se o sucessível chamado do mapa de sucessíveis,
salvo para casos de representação sucessória – artigo 45 da LS.

Com o repúdio, tudo se passa como se o repudiante não tivesse sido chamado, e são
chamados os sucessíveis subsequentes (directamente ou por direito de
representação) ou opera o direito de acrescer.

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a) Caracteres do repúdio

Tal como sucede com a aceitação, o repúdio é um acto voluntário e livre, puro e
simples (nº 1 do artigo 47 da LS), indivisível, salvo nos casos do artigo 38 da LS (nº 2
do artigo 47 da LS), é anulável por dolo ou coação (artigo 48 da LS) é irrevogável
(artigo 49 LS).

Embora a lei não trate especificamente dum prazo para a caducidade do repúdio,
pelo facto do direito de aceitar caducar passados 10 anos, será este o prazo para a
caducidade do direito de repudiar (como acto juridicamente útil). É que, decorridos
os 10 anos previstos no artigo 42 da LS, o direito de aceitar caduca, assumindo-se,
como consequência, que o sucessível não quer. A ter que repudiar depois daquele
prazo, estaria a praticar um acto inútil, pois a lei já trataria o silêncio dos 10 anos
como repúdio.

b) Formas do repúdio

Vimos que a aceitação pode ser expressa ou tácita, o repúdio é um negócio jurídico
formal, pois, deve constar de documento. Tal documento deverá ser a escritura
pública, se houver bens imóveis que integram a herança (nº 1 do artigo 46 da LS).
Nos demais casos, ou seja, não havendo bens imóveis a integrar a herança, deve ser
feita, pelo menos, por documento particular (nº 2 do artigo 46 da LS).

Na lei anterior, o artigo 2063º do Código Civil de 1966 remetia, quanto à forma do
repúdio, à forma exigida para a alienação da herança. Assim, porque o artigo 2126º
do CC previa a exigência de escritura pública para a alienação da herança ou
quinhão hereditário de que fizessem parte bens cuja alienação devesse ser feita por
esse forma, e documento particular para os demais casos, essas, conforme os casos,
deviam ser as formas do repúdio. Deveria, deste modo, ser feito por escritura
pública o repúdio da herança de que fizessem parte bens imóveis, capital social das
sociedades por quotas, estabelecimentos comerciais etc.

Parece que o legislador da Lei das Sucessões de 2019 alterou, diríamos,


substancialmente, aquela exigência de escritura pública, reservando-a apenas aos

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casos em que da herança fazem parte bens imóveis. Mas não alterou as formas da
alienação da herança, tal como se retira do artigo 111 da LS.

c) Sub-rogação do credores

Dispõe o artigo 50 da LS o seguinte:

“1. Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos do artigo
606º do Código Civil.

2. A aceitação deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio.

3. Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a estes, mas aos
herdeiros imediatos”

Trata a lei de acautelar os interesses dos credores dos sucessíveis.

É verdade que a garantia dos credores deve residir no património do devedor.


Porém, não tendo o devedor património suficiente para as obrigações que assume,
poderá usar o valor dos bens herdados para o efeito, já que, com a aceitação, tais
bens passam a ser seus.

Os credores do repudiante apenas sub-rogam-se nos direitos do repudiante na


medida do necessário para a satisfação dos seus créditos.

V. ACEITAÇÃO E REPÚDIO DO LEGADO

O artigo 232 da LS, torna extensivo aos legados, no que for aplicável e com as
necessárias adaptações, o disposto sobre aceitação e repúdio da herança.

Vemos, pois, que a aceitação e repúdio têm os mesmos caracteres, tanto no que
respeita à herança, como no que tange ao legado, designadamente, quanto ao
carácter voluntária e livre, anulabilidade, irrevogabilidade, caducidade e
transmissibilidade.

Tal como sucede na herança, a aceitação do legado é indivisível, mas com algumas
especificidades que importa realçar.

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Na primeira parte do nº 1 do artigo 233 da LS, está prevista a regra da
indivisibilidade. Na segunda parte da mesma disposição abre-se uma excepção, nos
seguintes termos: “mas pode aceitar um legado e repudiar outro, contanto que este último
não seja onerado por encargos impostos pelo testador.”

Do que está previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 233 da LS, retiramos as
seguintes ilações:

 Se o objecto da sucessão consistir em dois ou mais legados, não estando


qualquer deles onerado por encargos impostos pelo testador, o sucessível
pode aceitar algum ou alguns dos legados e repudiar outro ou outros legados;
 Se o objecto da sucessão consistir em legados diversos, sendo algum ou
alguns onerados por encargos especiais, impostos pelo testador, o legatário
não pode repudiar estes e aceitar os legados não sujeitos a encargos especiais;
pode, pelo contrário, aceitar os legados onerados por encargos especiais e
repudiar os não onerados.

Trata-se, claramente, de evitar que o legatário apenas escolha os legados isentos de


qualquer encargo, repudiando os que lhe impõem encargos. Ao repudiar os legados
onerados por encargos e aceitar os não onerados, o legatário estaria a desmerecer do
benefício que o autor da sucessão lhe concede.

Quanto ao demais, o regime da aceitação e repúdio é o mesmo da herança.

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