Focos de Tensã o América I

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Focos de tensão: América I

REGIÃO DE CONTRASTES A América Latina, com destaque


para a América do Sul, foi marcada,
O termo América Latina foi usado durante as décadas de 1960 e 1970, por
pela primeira vez em um poema chamado inúmeras ditaduras militares. Nessa
“Las dos Américas”, publicado em 15 de época, a população vivia sob grande
fevereiro de 1857, de autoria do poeta repressão política e risco de prisões
colombiano José María Caicedo. Do ponto arbitrárias. Somente na década de 1980,
de vista literário, o poema não foi muito os regimes militares foram, lentamente,
reconhecido, mas, em relação às questões sendo substituídos por governos
geopolíticas, antecipou e anteviu as democráticos eleitos com voto direto pelo
relações historicamente tensas entre a povo.
maior potência do mundo e os seus Acabaram as ditaduras, mas não a
“coirmãos” americanos. dependência econômica e a situação de
Leia dois trechos desse poema e subordinação política em que os países
veja como já havia uma clareza das latino-americanos se encontram em
diferenças políticas e humanistas entre a relação às potências hegemônicas
América Anglo-Saxônica, constituída pelos mundiais, sobretudo em relação aos
Estados Unidos e Canadá, e a América Estados Unidos. Esse fato tem dificultado
Latina. os avanços políticos, econômicos, sociais
e até tecnológicos na região.
“Las dos Américas” O desejo norte-americano de
Rica, potente, activa y venturosa Se dominação sobre o continente é antigo.
levanta de América en el Norte Una nación Em 1820, a Doutrina Monroe pregava “a
sin reyes y sin corte, De sí señora – América para os americanos”. Em 1898, os
esclava de la ley; Débil ayer, escasa de
EUA lutaram contra a Espanha pelo
habitantes, Al ver que Albión su libertad
controle do Caribe. Após a vitória na
robaba, ¡Atrás, gritó: la servidumbre
Guerra Hispano-Americana, eles
acaba, Porque hoy un Pueblo se proclama
rey! anexaram Porto Rico, Havaí e Cuba,
marcando o início do imperialismo norte-
[…] americano pelo mundo.
Já no século XX, em nome da
Mas aislados se encuentran, desunidos, política do Big Stick, “Grande Porrete”, os
Esos pueblos nacidos para aliarse: La EUA intervieram militarmente em Cuba,
unión es su deber, su ley amarse: Igual Nicarágua, Haiti, República Dominicana e,
origen tienen y misión; La raza de la mais recentemente, em Granada (1983).
América latina, Al frente tiene la sajona Desde 2000, o Plano Colômbia é
raza, Enemiga mortal que ya amenaza Su conduzido pelos EUA para erradicar o
libertad destruir y su pendón. narcotráfico e combater as guerrilhas que
atuam no país, conforme veremos mais
José María Caicedo
adiante.

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Após a eleição de Barack Obama, preservar o continente americano como
nos EUA, foi firmado o compromisso de se área de influência político-econômica dos
iniciar uma nova era de relacionamentos Estados Unidos.
com os países da América Latina, baseada Em alguns países da América
na igualdade e na cooperação. Latina, o bolivarismo sempre esteve
O fato é que o aprendizado da vida latente em determinados recortes sociais,
democrática tem sido muito difícil para as o que permitiu que os políticos se
nações da América Latina e ocorre de utilizassem de uma plataforma bolivariana
forma muito lenta. Diversos retrocessos na e se elegessem em seus países, apoiados,
democracia marcaram o continente após também, por uma certa rejeição ao
os anos 1990 (observe o mapa seguinte). neoliberalismo e suas consequências
Desde então, somente a Colômbia, apesar socioeconômicas.
de viver há quase cinquenta anos uma O bolivarismo foi a tentativa de se
guerra civil, o Chile e o Uruguai não implantar uma política de coalizão entre os
tiveram presidentes depostos. países latino-americanos, recentemente
emancipados do processo de colonização,
Instabilidade política contra práticas de dominação promovidas
Presidentes depostos após 1990 na por países europeus ou pelos EUA.
América do Sul Atualmente, é uma doutrina que prega, em
linhas gerais, a união dos países da
América Latina e do Caribe, pois considera
que existem laços históricos e culturais
entre os povos da região e várias razões
de ordem política para essa integração.
No entanto, nem todos os governos
sul-americanos têm seguido a mesma
tendência política. Enquanto Hugo Chávez
e Evo Morales têm um discurso de forte
ataque aos EUA, Dilma Roussef e José
Mujica adotam uma postura moderada,
que não se diferencia muito de governos
de centro ou de direita.
Hoje, o que se observa pela
América Latina é um boom de partidos
esquerdistas, denominada, por alguns
estudiosos, como a “onda democrática” ou
Do outro lado, a tentativa de
“onda vermelha”. Esse fato pode ser
integração, criada por Simón Bolívar na
entendido como uma provável resposta ao
transição do século XIX para o século XX,
fracasso social dos sistemas econômicos
fracassou em função do nacionalismo
neoliberais, implantados nesses mesmos
característico das elites políticas dos
países durante a década de 1990, e aos
países-membros e da pressão norte-
vários retrocessos vividos pela democracia
americana, exercida no contexto da
no continente.
política do Big Stick, que visava a

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Nos últimos anos, chegaram ao Conflitos que persistem: as fraturas
poder presidentes de esquerda em oito andinas
países do continente – Brasil (Dilma
Roussef), Argentina (Cristina Kirchner),
Equador (Rafael Correa), Uruguai (José
Mujica), Paraguai (Fernando Lugo) e
Nicarágua (Daniel Ortega), devendo ser
destacadas a Venezuela (Hugo Chávez) e
a Bolívia (Evo Morales), cujas populações
levaram ao poder governantes que
também têm adotado atitudes contrárias
ao neoliberalismo.
Há, também, presidentes de direita
e que apoiam, em níveis diferentes, os
EUA, como Juan Manuel Santos
(Colômbia), Sebastián Piñera (Chile), Alan
García (Peru), Laura Chinchila (Costa
Rica) e Felipe Calderón (México), entre
outros.
Essa divergência política na
América Latina, com destaque na América
do Sul, tem conduzido o continente a
várias tensões diplomáticas nos últimos
anos, criando, e em algumas situações Dentre essas tensões, pode-se
reforçando, as linhas de fratura existentes destacar a aliança política entre a
no subcontinente. Tal situação causa Venezuela e o Equador, representantes de
instabilidade e promove a desconfiança uma esquerda mais radical, com relação à
internacional, gerando a possibilidade de Colômbia, país que é um dos maiores
ruptura política entre os Estados aliados dos EUA na América Latina. Além
envolvidos ou mesmo de intervenção da clara disparidade política entre os
militar. Observe o mapa abaixo: países, a ação das FARCs e o narcotráfico
aumentam as fricções regionais,
dificultando muitas vezes a manutenção
da diplomacia.
Outro exemplo de tensão nos
remete à história da política externa
boliviana, país simpatizante da “política
chavista”, marcada por conflitos com
países vizinhos, como o Chile, Peru e
Paraguai. A Bolívia perdeu territórios para
esses três países em guerras do passado,
como a Guerra do Pacífico (1879 e 1884)
e a Guerra do Chaco (1932 a 1935).
Atualmente, o governo Evo Morales ainda
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mantém disputas fronteiriças e concentradas na região caribenha,
reivindicações territoriais com o Chile e pertencem a companhias estrangeiras.
com o Peru, embora durante muitos anos Outros produtos agrícolas bastante
a tensão entre a Bolívia e o Peru tenha cultivados são arroz, milho, mandioca,
perdurado em função da perda da saída cana-de-açúcar, cacau, tabaco e algodão,
para o mar durante a Guerra do Pacífico. entre outros. A pecuária do país se
Porém, em outubro de 2010, foi assinado beneficia das grandes planícies, onde são
um acordo entre os governos da Bolívia e criados os gados caprino, bovino e equino.
do Peru, em que o governo peruano Além disso, há várias áreas de produção
concede à Bolívia acesso contínuo ao de suínos e aves.
oceano Pacífico e a um terminal localizado
no porto de Illo (sul do território peruano). Mapa físico-político da Colômbia

COLÔMBIA

Situado no noroeste da América do


Sul, o território colombiano é banhado pelo
Mar do Caribe, a norte, e pelo Oceano
Pacífico, a oeste. É um país caribenho,
andino e amazônico e, devido à sua
posição geográfica, possui clima
predominantemente equatorial, com o
território recoberto por densas florestas
tropicais.
A Colômbia associa a riqueza de
seus recursos naturais a uma estrutura
econômica ainda não desenvolvida e
baseada, principalmente, na agricultura e
na pecuária. O país é considerado o
terceiro mais rico da América do Sul,
perdendo apenas para o Brasil e para a
Argentina.
Seu produto mais importante é o
café, cultivado, sobretudo, nas zonas Em relação à mineração, a
temperadas do território e exportado Colômbia é a maior produtora mundial de
principalmente para os EUA e para a esmeraldas, comercializando cerca de
Europa. Essa dependência faz com que a 90% das esmeraldas de alta qualidade do
economia colombiana sofra abalos quando planeta. Possui, também, as maiores
a cotação internacional do café cai, devido reservas de carvão da América Latina.
à importância que a exportação desse Outros produtos de exportação são o
produto tem. O país também se destaca na petróleo e o ouro.
produção de banana. A maior parte dessa Uma importante fonte de renda do
produção é voltada, principalmente, para país, apesar de ilegal, é o narcotráfico e,
exportação, e suas plantações, que estão
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derivado a ele, a Colômbia ocupa uma Narcotráfico e guerrilha na Colômbia
indesejada posição de destaque em Conflitos na Colômbia
relação às “exportações” de maconha,
heroína e cocaína. Observe no mapa a
seguir que a produção de drogas está
distribuída em quase todo o país, inclusive
na capital, Bogotá.
A economia do narcotráfico chega a
movimentar mais de 6 bilhões de dólares
por ano, o que representa cerca de 5 a 6%
do PIB nacional. O país lidera várias
estatísticas do narcotráfico: maior
processador de cocaína, maior exportador
para os Estados Unidos e maior produtor
de maconha.
A atividade dos cartéis aumentou a
concentração de renda e causou o declínio
de um mercado que, até a década de
1970, era promissor na Colômbia: o
turismo.
Atualmente, o problema que
acomete os colombianos não se trata, em
sentido estrito, de uma guerra civil, pois
não remete a um conflito entre parcelas da
sociedade ou entre facções.
Os protagonistas desse impasse
são, na verdade, os guerrilheiros,
narcotraficantes e paramilitares que lutam
GUERRILHAS
entre si e contra as Forças Armadas. Os
colombianos que não fazem parte dos
Na primeira metade do século XX,
grupos referidos anteriormente acabam se
rivalidade e disputas políticas entre os dois
tornando reféns desse conflito.
partidos dominantes da Colômbia, o
Liberal e o Conservador, geraram
instabilidade e conflitos sociais internos.
Com objetivo de solucionar os problemas
políticos e de restaurar a ordem, esses
partidos decidiram compartilhar o poder.
Insatisfeitos, políticos esquerdistas,
influenciados pela Revolução Cubana e
financiados pelo império soviético,
organizaram guerrilhas na década de
1960: as Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (FARC), fundadas em 1964 e

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que possuem cerca de 15 mil homens; o No início da década de 1980,
Exército de Libertação Nacional (ELN), surgiram diversos grupos paramilitares,
surgido em 1967 e que conta com com intuito de combater as guerrilhas,
aproximadamente 5 mil combatentes; e o financiados principalmente por
Movimento Revolucionário 19 de Abril (M- latifundiários e com apoio velado do
19), que surgiu em 1970 e saiu de cena em exército e do governo colombiano. O maior
1989, após 19 anos de luta. deles são as Autodefesas Unidas da
Com a desintegração da URSS nos Colômbia (AUC).
anos 1990, as guerrilhas colombianas O conflito entre guerrilheiros e
deixaram de ser um movimento armado esses grupos fez da década de 1990 um
ideológico e restrito a algumas localidades período violento, com milhares de mortos
rurais e desenvolveram, nas últimas e desaparecidos. As AUC são acusadas de
décadas, uma clara estratégia de frequentes violações aos direitos
ocupação do território nacional, a partir da humanos, pois constituem grupos de
divisão espacial do país. As guerrilhas das extermínio extremamente violentos, que
FARC tornaram-se fortes, especialmente têm como finalidade eliminar comunidades
na estratégica região ocupada pela camponesas inteiras suspeitas de darem
Cordilheira Oriental, que passa no meio do apoio aos guerrilheiros.
país e na qual está situada a capital,
Bogotá. PLANO COLÔMBIA
Essa estratégia visava a garantir
recursos para sustentar e financiar a O Plano Colômbia é uma estratégia
atividade guerrilheira, através da criada pelo governo dos Estados Unidos
realização de chantagens e sequestros de em 2000 que se destina oficialmente a
empresários e produtores rurais ricos (a combater a produção e o tráfico de cocaína
Colômbia é o país campeão de sequestros na Colômbia. Porém, tem também o
no mundo, apesar da redução que ocorreu propósito de desestruturar as guerrilhas,
nos últimos anos, mantendo cerca de 3 contribuindo com ajuda financeira e militar
400 sequestrados em cativeiro na ao governo colombiano. Para benefício
atualidade). Isso obrigou as Forças norte-americano, o projeto aumenta a
Armadas a também se dispersarem pelo presença dos EUA em uma área de grande
território, formando novos e menores interesse geopolítico, que tem posição
quartéis, que são facilmente combatidos estratégica e riqueza em recursos
pelas guerrilhas. energéticos (petróleo, gás, carvão) e
Há suspeitas de que, além dos minerais, além de salvaguardar os
sequestros e extorsões, as guerrilhas se interesses de suas corporações no
financiem pela comercialização de drogas petróleo da região. Deve se salientar que
(que lhes garantiria 500 milhões de dólares esse não foi um projeto que obteve apoio
anuais). As guerrilhas negam esse unânime dos países latinos, sendo
envolvimento com o narcotráfico, mas o também alvo de críticas de alguns setores
governo afirma que elas obtêm recursos da sociedade colombiana e internacional.
com extorsão dos narcotraficantes, em
troca de proteção para plantação e
comercialização das drogas.
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contribuiu para fechar o cerco às milícias e
aos guerrilheiros, conseguindo, com isso,
controlar e diminuir a violência no país,
principalmente nas áreas urbanas e ao
longo das rodovias.

GOVERNO URIBE

Em maio de 2002, Álvaro Uribe,


com o seu discurso de combate firme à
guerrilha, venceu as eleições
presidenciais.
A política de combate à violência e
ao narcotráfico, adotada pelo governo e
batizada de Segurança Democrática, é
vista com bons olhos pelos Estados
Unidos. Por isso, além da ajuda financeira
obtida com o Plano Colômbia, o país
recebe dos EUA investimentos destinados
O “rei” das drogas John Walters (ex- ao aperfeiçoamento das Forças Armadas.
Secretário antidrogas dos EUA) e o Essa controvertida política é o
Presidente colombiano Álvaro Uribe
carro-chefe da administração Uribe e
estiveram empenhados em destruir
fazendas, fazendeiros – e a Floresta estabelece, entre outros aspectos, o uso
Amazônica – em nome da guerra contra as intenso (e não aberto a negociações) da
drogas. força militar para o conflito em território
colombiano. Com isso, determina o
Entretanto, esse projeto teve acirramento do combate contra as
resultados contraditórios. Os milhões de guerrilhas e o narcotráfico, além do
dólares investidos pelos EUA na luta incremento da militarização do país, com
contra o cultivo de coca e a produção de ajuda norte-americana.
cocaína na Colômbia não tiveram o efeito Essa cooperação fez de Uribe o
desejado. Não foi possível reduzir a mais sólido aliado de George Bush na
produção de coca (a matéria-prima da América Latina. Aproveitando seu alto
cocaína) porque, tão logo as plantações índice de popularidade, que chegou a 70%
eram destruídas em uma região, novas no fim do primeiro mandato, o presidente
áreas cultivadas surgiam em outras Uribe obteve, com a Corte Constitucional
localidades. Em vez da redução de 50% da Colômbia, o direito de disputar a
prevista pelo Plano, as autoridades reeleição em 2006, o que era proibido pela
verificaram um aumento de 15% na área Constituição. Ele venceu no primeiro turno,
cultivada, entre 2000 e 2006, segundo um com 62% dos votos.
relatório do congresso americano. Por Em 2008, deu-se início a um
outro lado, a parceria colombiano- movimento político na Colômbia que tenta
americana teve como ponto positivo a aprovar um terceiro mandato para Uribe,
melhoria geral nos níveis da segurança e que, de acordo com pesquisas eleitorais,
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poderia ser reeleito com facilidade ainda BASES AMERICANAS
no primeiro turno. Esse movimento se
originou de um abaixo-assinado com mais Desde 2009, os EUA e a Colômbia,
de 5 milhões de assinaturas enviadas ao conforme acordo entre Álvaro Uribe e
Congresso Nacional. Barack Obama, tentam fechar o projeto de
Após muitas controvérsias e construção de três bases militares em
debates, o projeto foi aprovado pela território colombiano: Palanquero,
maioria absoluta dos congressistas, Malambo e Apiay, áreas consideradas
abrindo caminho para Uribe, principal estratégicas para a segurança da Região
aliado dos EUA na região, conquistar o Amazônica.
terceiro mandato. Se acertado, o acordo permitirá o
Em fevereiro de 2010, a Corte uso dessas bases militares colombianas
Constitucional da Colômbia julgou o por tropas americanas, com até sete mil
projeto e o declarou inconstitucional, soldados. Esse projeto vem preocupando
considerando-o “inexecutável”, os países vizinhos, como Venezuela,
encerrando o desejo do presidente Bolívia, Argentina e Brasil, pois pode
colombiano Álvaro Uribe de concorrer a representar ameaças à soberania
um terceiro mandato nas eleições territorial e às democracias latino-
presidenciais de maio. americanas, motivo pelo qual esses países
Em junho de 2010 Uribe conseguiu querem mais garantias de que a atuação
eleger seu sucessor, o ex-ministro da militar americana se restrinja ao território
Defesa e candidato governista Juan colombiano.
Manuel Santos, que venceu, em segundo Colômbia e Estados Unidos contra-
turno, as eleições colombianas, quando argumentam lembrando que os principais
recebeu o maior número de votos da objetivos do acordo são a luta contra o
história colombiana. Santos desenvolveu narcotráfico e o combate às guerrilhas, que
sua campanha em torno de ações que o estão em atividade no país andino há
tornaram famoso no país: estilo linha dura décadas.
e promessa de combate às guerrilhas e ao Em uma Cúpula da Unasul (União
narcotráfico. das Nações Sul-Americanas) – entidade
A vitória de Santos é um claro criada em maio de 2008 como um bloco
reconhecimento do povo colombiano do político voltado, principalmente, para
legado do presidente Álvaro Uribe, o maior contribuir para a estabilidade política da
aliado Norte-Americano na América do Sul região – realizada no Equador em junho de
e um dos líderes mais populares da 2009, os 12 presidentes quebraram o
América Latina que, em oito anos de protocolo e discutiram abertamente o que
governo, melhorou drasticamente a foi classificado como a “ameaça”
segurança do país, mas que, a despeito da representada pela presença de efetivos
ajuda dos Estados Unidos, deixou a militares americanos na região, havendo
Colômbia no mesmo posto de primeiro forte oposição entre a maioria deles.
produtor mundial de cocaína. Para surpresa e decepção de
muitos, aparentemente, o presidente
Barack Obama continua, como os
presidentes americanos anteriores,
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querendo controlar militarmente a América A economia venezuelana gira,
Latina, utilizando a “Guerra às Drogas” principalmente, em torno de um produto: o
como motivação para as instalações petróleo. Além da corrupção, originada do
militares. dinheiro fácil das exportações desse
produto, as outras atividades realizadas no
VENEZUELA país estão, em maior ou menor grau,
ligadas à produção petrolífera, que faz da
Apesar de ser o país da América do Venezuela a quinta maior exportadora
Sul sob regime democrático há mais petrolífera do mundo. Foi o petróleo, como
tempo, a Venezuela não foge da tradição praticamente única fonte de renda da
de instabilidade da região. O país foi nação, que colocou a Venezuela em uma
dominado por regimes autoritários durante onda de prosperidade com a alta mundial
a primeira metade do século XX, período dos anos 1970, mas também foi ele que a
também marcado pelo crescimento da derrubou com a queda dos preços nos
indústria do petróleo, ainda hoje o principal anos 1980. Seus dividendos sustentam o
item da economia venezuelana. Com a regime de Hugo Chávez, com os aumentos
queda do ex-ditador Marcos Pérez provocados pelas sucessivas crises no
Jiménez (1953-1958), a democracia foi Oriente Médio desde o início do século
instaurada, e a Venezuela passou a ser XXI. O país vive, portanto, dependente do
conhecida por sua grande estabilidade mercado mundial de combustíveis e dos
política em um continente problemático e mandos e desmandos de um governante
com vários regimes ditatoriais. que compromete o ainda vigoroso e
O país mantinha eleições diretas e importante comércio petroleiro
regulares, e dois partidos passaram a se venezuelano.
alternar no poder: o Social-democrata e o Em 1973, com a primeira crise
Democrata-cristão. internacional do petróleo, a Venezuela
passou a vivenciar um aumento expressivo
Áreas de exploração petrolífera de suas riquezas. Entretanto, apesar do
desenvolvimento do setor petrolífero, o
país passou a amargar seu fraco
crescimento econômico combinado com
indicadores sociais bastante negativos.
Em 1989, o país enfrentou grandes
dificuldades econômicas com a baixa dos
preços do petróleo, e o governo de Carlos
Pérez decretou um duro pacote
econômico, que aumentou os preços da
gasolina e das tarifas públicas. Diante
disso, a população se rebelou em um
movimento que ficou conhecido como
Caracazo. A repressão a esse movimento
resultou na morte de mais de mil pessoas.
Em 1992, eclodiu uma revolta militar
comandada por jovens oficiais, entre os
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quais figurava o então coronel Hugo contragolpe de Estado, retomaram o
Chávez. O movimento foi derrotado e seus Palácio de Miraflores e, apoiados em uma
líderes foram presos. Os rebeldes mobilização espontânea da população,
reivindicavam um plano contra a fome e a conseguiram garantir sua volta ao palácio
miséria, além da convocação de uma presidencial.
Assembleia Constituinte. Em 2004, uma coligação de
Essas reivindicações tinham amplo partidos de direita e de esquerda, liderados
apoio da população, enquanto o Governo pela Súmate, ONG contra o governo
Federal era desaprovado por mais de 80% chavista, organizou um abaixo-assinado,
dos habitantes. Começou, então, a crescer cujo propósito era convocar um plebiscito
o prestígio de Chávez, identificado como no qual os venezuelanos se pronunciariam
defensor da independência nacional e dos sobre a continuidade ou não de Hugo
interesses dos pobres. Carlos Pérez foi Chávez no poder até 2013. Cerca de 9
destituído do poder devido à corrupção, e milhões de venezuelanos votaram no
Chávez, libertado em 1994, conseguiu ser referendo, e a permanência de Chávez foi
eleito com 56,2% dos votos em 1998. apoiada por 59,3% dos eleitores.
Ao tomar posse, Chávez convocou As eleições legislativas de
eleições para uma Assembleia dezembro de 2005, que foram boicotadas
Constituinte, que elaborou a Constituição pela oposição, promoveram a ocupação
Bolivariana, reforçando os poderes do de todas as cadeiras do Congresso
presidente. O governo de Hugo Chávez Constitucional pelos partidários do
desenvolveu uma reforma agrária ampla, presidente. Fortalecido, Hugo Chávez tem
propôs cogestão entre o Estado e os tomado atitudes bastante questionadas,
trabalhadores para reerguer empresas como o envio ao Congresso de propostas
falidas e ampliou a interferência estatal na que podem levar a uma perigosa
exploração petrolífera. Essas medidas, concentração de poder. Entre elas,
somadas à aliança estabelecida com Cuba destaca-se a aprovação da Lei Habilitante,
e Bolívia, provocaram reações negativas que permite que o presidente governe
de empresários, latifundiários e demais através de decretos durante 18 meses,
setores conservadores da sociedade. sem a necessária aprovação do
Chávez implantou a República Congresso Nacional.
Bolivariana da Venezuela e enfrentou Uma de suas atitudes mais
abertamente as medidas econômicas criticadas foi a não renovação da licença
destinadas aos países latino-americanos, de funcionamento da emissora RCTV, que
incentivando o rompimento com as elites exerce oposição aberta ao governo e
políticas e econômicas implantadas nos apoiou a tentativa de golpe de 2002.
demais países da América Latina. Passou Nas eleições presidenciais da
a ter uma forte oposição da elite Venezuela, ocorridas em 2006, Chávez foi
venezuelana e de parte do exército. O reeleito com 62,9% dos votos, derrotando
presidente enfrentou greves gerais e uma Manuel Rosales, que foi votado por 36,9%
tentativa frustrada de golpe, em 2002, que dos eleitores. Durante a comemoração, o
o tirou do governo por dois dias. Porém, presidente afirmou que sua reeleição “é
soldados leais a Chávez, reagindo ao outra derrota para o diabo que pretende
acontecimento, organizaram um dominar o mundo”, em uma referência ao
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então presidente americano, George W. americana General Electric e já anunciou
Bush. Antes das eleições, Chávez havia que aceitará a retomada do envio de
prometido que, caso vencesse, energia por parte da Colômbia, país com o
promoveria uma reforma para que o Chefe qual viveu diversas tensões diplomáticas
de Estado pudesse exercer mais de dois nos últimos anos, como no recente acordo
mandatos consecutivos, restrição prescrita de Bogotá com Washington para receber
pela lei venezuelana. A oposição rejeita a bases americanas em território
intenção de Chávez, pois vê isso como um colombiano. A alegação do presidente é
empecilho à democracia no Executivo. simples: “As usinas não têm ideologia,
Nos últimos anos, Chávez vem se nada têm a ver com um governo e outro,
destacando pelo movimento para a união ou com as relações entre eles”.
na América Latina e pelas fortes críticas ao
governo dos EUA. Além disso, conseguiu BOLÍVIA
importantes vitórias diplomáticas, como o
ingresso do país no Mercosul, e vem A Bolívia viveu, recentemente, um
criando seguidores por vários países, quadro de convulsão política, social e
como o presidente boliviano Evo Morales. econômica profunda. A pobreza
Em dezembro de 2010, a compromete a sobrevivência de quase
Assembleia Nacional da Venezuela metade da população total, ou 75% da
aprovou uma lei habilitante que concede população indígena. A elevada taxa de
ao presidente Hugo Chávez plenos analfabetismo e, consequentemente, o
poderes para governar por decreto até quarto menor IDH do continente
julho de 2012, a cinco meses da votação colaboraram com o início das
que põe em jogo sua terceira reeleição. manifestações que derrubaram dois
Agora, Chávez poderá editar decretos-lei presidentes e levaram Evo Morales à
nas áreas de economia, defesa, Presidência, por vias democráticas.
cooperação internacional, moradia, infra- O país viveu, em 2005, diversas
estrutura e propriedade de terras. manifestações que praticamente o
De acordo com José Miguel Insulza, paralisaram, levando à renúncia do
secretário-geral da OEA (Organização de presidente Carlos Mesa, sucessor de
Estados Americanos), a aprovação da lei Gonzalo Sánchez de Lozada, que havia
habilitante contraria a Carta Democrática renunciado, em 2003, após intensa
Interamericana. pressão popular contra sua política
Nos últimos anos, Chávez vem se econômica e energética. Lozada foi
destacando pelo movimento para a união responsável pela divisão da empresa
na América Latina e pelas fortes críticas ao estatal petrolífera boliviana YPFB em duas
governo dos EUA. Além disso, conseguiu companhias de exploração e uma de
importantes vitórias diplomáticas, como o transporte do produto, além de sua
ingresso do país no Mercosul, e vem posterior privatização. Antes dele, o
criando seguidores por vários países, general Hugo Banzer privatizou duas
como o presidente boliviano Evo Morales. refinarias, que foram compradas pela
Para tentar contornar a crise Petrobras. Além disso, o país havia
energética, Hugo Chávez adquiriu realizado uma grande venda de gás
algumas usinas termelétricas da empresa natural para os EUA e para o México. Para
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entregá-lo, seria necessário construir presidente. Em seu lugar, assumiu o chefe
gasodutos passando pelo Chile, em da Suprema Corte, Eduardo Rodriguez,
territórios perdidos pela Bolívia no final do que convocou eleições gerais para
século XIX. dezembro daquele ano e, cedendo à
pressão popular, aumentou os impostos
sobre a exportação de gás natural, o que
A Bolívia perdeu acesso ao mar atingiu as empresas estrangeiras que
atuavam no país.
Evo Morales, de origem indígena,
foi eleito defendendo uma plataforma com
fortes tendências socialistas e teve, como
primeiro ato de grande impacto, a
nacionalização da exploração dos
hidrocarbonetos, como o petróleo e o gás
natural. Um decreto presidencial
estabeleceu a recuperação da
propriedade, posse e controle do gás e
petróleo no país. A atitude foi apoiada pelo
presidente venezuelano Hugo Chávez,
que viu em Morales um aliado na tentativa
Devido aos ressentimentos do de reeditar os ideais bolivaristas na
passado e ao desejo de nacionalização América Latina.
das reservas de hidrocarbonetos – o que Essa decisão foi contrária às
poderia gerar uma melhor distribuição da atitudes de governos anteriores da Bolívia,
riqueza na Bolívia –, os bolivianos não fortemente influenciados pela política
aceitaram a venda e realizaram semanas neoliberal. O refino do petróleo e a
de protestos, dos quais participaram exploração do gás boliviano estavam
associações de bairro, organizações de totalmente em poder de grupos
plantadores de coca (cocaleros), estrangeiros no momento da posse de
sindicatos e estudantes. Porém, a Morales, situação que foi revertida pelo
renúncia do então presidente Sánchez de presidente, com forte apoio (e cobrança)
Lozada e a aprovação de uma nova Lei de popular. O Estado assumiu o controle
Hidrocarbonetos elevou substancialmente acionário das empresas de exploração de
os impostos sobre o recurso, acalmando petróleo e gás, fortalecendo novamente a
os manifestantes. empresa YPFB, e comprou de volta as
A pressão de grupos econômicos refinarias vendidas à Petrobras.
internacionais levou o presidente Carlos As mudanças no governo boliviano
Mesa a recusar a aprovação da lei, continuaram com o início de um processo
provocando a retomada dos protestos, que de reforma agrária, no qual Morales
culminaram com sua renúncia e a promete distribuir dois milhões de hectares
convocação de novas eleições. de terras do Estado e apresentar um plano
A situação política e institucional acalmou- de desenvolvimento que prevê que o
se um pouco com a renúncia do Estado assuma o controle de ferrovias,
empresas de comunicação e de energia, e
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propõe, também, a elaboração de uma A divisão administrativa da Bolívia:
nova Constituição. Departamentos
Em busca de apoio político e
popular, o presidente convocou uma
Assembleia Constituinte, em que seus
partidários eram maioria. No fim de 2007,
a Constituinte boliviana reuniu-se em um
quartel da cidade de Sucre sem a
presença da maioria dos deputados da
oposição, e aprovou, às pressas, o índice
da nova Carta Magna. Esta institui, entre
outras novidades, a possibilidade de
Morales reeleger-se indefinidamente e a
expropriação de propriedades privadas
que não atendam ao vago conceito de
“função social”.
Desde que Evo Morales tomou
posse em 2006, a fragmentação interna do
país se intensificou, sobretudo em função
das reformas empreendidas por Morales
que vêm desagradando a elite econômica
da região denominada Meia Lua (veja o
mapa a seguir) – área que concentra
quase todas as fontes de hidrocarbonetos 2º MANDATO DE EVO MORALES
do país. A insatisfação conduziu os
departamentos dessa região a buscar a O presidente boliviano Evo Morales
autonomia como forma de conseguirem foi reeleito em dezembro de 2009 para
controlar os recursos energéticos da área. mais cinco anos de poder, com 64% dos
Em 2008, foi realizado um referendo nessa votos – superando os cerca de 53% que
área e a autonomia para os departamentos recebeu em dezembro de 2005, ano de
da região em questão foi aprovada, porém sua primeira eleição, e se tornando o
não foi reconhecida pelo governo central primeiro presidente boliviano a conquistar
da Bolívia. Embora a nova Constituição de um mandato consecutivo em 45 anos.
2009 conceda mais autonomia para os Morales foi empossado para seu
departamentos, ainda persistem os segundo mandato em 22 de janeiro de
conflitos entre as elites que controlam a 2010. Em seu discurso de posse, ele
região da Meia Lua e Evo Morales. Esse ofereceu terras para os bolivianos que
atrito, constitui, sem dúvida, um dos moram no exterior e queiram retornar ao
maiores desafios a serem enfrentados por país. Segundo dados do governo
Morales em seu segundo mandato. boliviano, antes de seu primeiro mandato,
em 2006, o Estado boliviano possuía 106
886 hectares de terras. Atualmente, as
terras estatais já somam 13 milhões de
hectares, já que algumas propriedades
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consideradas “improdutivas” ou • Ampliação dos poderes dos povos indígenas:
“compradas irregularmente” no passado os 36 povos que já estavam no território
foram confiscadas. boliviano antes da chegada dos colonizadores
O partido de Evo, Movimento ao terão mais autonomia política e exercerão
maior controle sobre seu território.
Socialismo (MAS), conquistou a maioria
• Maior controle do Estado sobre a economia:
das cadeiras do Congresso Nacional, e o
o governo terá controle absoluto sobre o uso
presidente possui o apoio de boa parte dos dos recursos naturais do país, podendo
sindicatos e das camadas populares, o que comercializá-los ou nacionalizar setores.
lhe permitirá controlar sem dificuldades a • Reeleição presidencial: os presidentes terão
futura Assembleia Legislativa. a possibilidade de ser reeleitos por mais cinco
Morales, primeiro presidente de anos consecutivos.
origem indígena da Bolívia, poderá Para alguns analistas, a nova
aprofundar a “revolução democrática e Constituição aprovada é mais
cultural” e aplicar a nova Constituição do democrática, pois valoriza e dá poderes à
país, apoiada por 61,4% dos bolivianos em parcela mais pobre e normalmente
um referendo realizado em 25 de janeiro excluída da Bolívia. Isso permite que as
de 2009. nações indígenas tenham mais direitos,
Pouco mais de 100 dos 411 artigos assegurando-lhes maior respeito às suas
da antiga Carta boliviana foram alterados tradições culturais.
pela nova Constituição. Os pontos mais
polêmicos, nela presentes, são os
seguintes:

Já para a oposição boliviana, normalmente constituída pela elite, o país poderá perder
a sua unidade, quando fragmentado em 36 nações indígenas, dando privilégio a uma
cidadania nacional – a dos indígenas –, o que nega um dos direitos democráticos e
universais que norteiam as leis internacionais.
Além disso, com a nova Constituição, o país adotou um novo nome, passando a ser
denominado Estado Plurinacional da Bolívia, a partir de 18 de março de 2009. A ONU
reconheceu a nova denominação oficial do Estado boliviano em 7 de abril de 2009.

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