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Desenvolvimento de personagens

E NNEAGRAM

Não seria exagero afirmar que todo desenvolvimento de personagem

é um estudo processual da natureza humana cuja abordagem, a
priori, não deve ser essencialista, embora as técnicas aplicadas
possam eventualmente levar criadores à estabilidade de caráter (o que seria
indesejável).

Em primeiro lugar, por que processual? É fundamental compreender que, ao

mesmo tempo em que a criação controla o que os personagens devem ser,
as características atribuídas a eles como que os “empurram” adiante, isto é,
eles “ganham vida própria”. De algum modo, construir personagens é
desenvolver e acompanhar processos, uma vez que há uma relação biunívoca
entre conflito e caráter: os personagens impulsionam e moldam o plot à
medida que o plot impulsiona e molda os personagens. Esse entendimento
basta para desconstruir a dicotomia que poderia existir entre enredo e
personagem. Um não existe sem o outro. Por exemplo: não existe “o” Harry
Potter. J. K. Rowling certamente tinha uma ideia bastante incompleta do
pequeno bruxo quando começou a criá-lo. Foi o desenvolvimento dos livros
da série que o moldou, bem como o caráter do bruxo delineou o
desenvolvimento da história.

Em segundo lugar, por que não essencialista, mas sim

existencialista/interacional? No século XIX, a psicologia e a sociologia, então
nascentes, consideravam, via de regra, que os indivíduos tinham tendências
positivas e negativas de acordo com sua carga genética ou com o meio em
que viviam e não havia meios de reabilitar criminosos, por exemplo. Segundo

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a teoria essencialista, eles estavam condenados a ser o que já eram. Hoje,

entendemos que tal abordagem, além de julgar os seres humanos a partir de
uma “essência”, frequentemente leva a visões estereotipadas e reforça
preconceitos.

Em terceiro lugar, por que seria indesejável construir personagens com

absoluta estabilidade de caráter? Simplesmente porque eles seriam
previsíveis. É claro que uma certa previsibilidade é útil para alguns fins
dramáticos, como o humor. No entanto, um personagem que age e reage
sempre da mesma maneira produz no espectador nada mais que tédio. Há,
ao longo do enredo, diversas mudanças de estado e é mesmo desejável que
o personagem se transforme, às vezes radicalmente. O caso de Walter White,
protagonista de Breaking Bad, é bastante consistente. No episódio piloto, é
apenas um professor de química, pai de família e pagador de impostos. No
fim das temporadas, um traficante frio e impiedoso.

Uma das técnicas para o desenvolvimento de personagem é chamada de

Enneagram, ou eneagrama. Trata-se de um sistema gradual de tipos de
personalidade semelhante à astrologia. A técnica foi desenvolvida pelos
pesquisadores Isabel Briggs e Peter Myers, no livro Ser humano é ser
diferente: Valorizando as pessoas por seus dons especiais, inicialmente para
análise psicológica de indivíduos reais, mas funciona perfeitamente se
aplicada à criação de personalidades fictícias.

O conceito central do teste é a existência de nove tipos básicos de pessoas.

Qualquer um que faça o teste é enquadrado em um tipo em uma escala de
um a nove, que são:

•
Perfeccionista ou Reformista: tipo de personalidade propositiva, baseada
em princípios. Sempre no controle de algo e perfeccionista. Foca toda a
sua atenção no erro, naquilo que deve ser corrigido.

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•
Prestativo ou Manipulador: tipo de personalidade generosa, satisfeita. Seu
objetivo é ser amado pelos demais e frequentemente soará possessivo.

•
Bem-sucedido ou Competitivo: algum de seus personagens checa o
cabelo antes de sair de casa? Então há chances de sua autoimagem ser a
de alguém competitivo. Ele também é pragmático e determinado.

•
Individualista: tipo sensível do roteiro. Temperamental. Autocentrado.
Frequentemente introspectivo e melancólico. Quer desenvolver seus
projetos individuais e se vê como insubstituível.

•
Investigador ou Observador: personagem bastante cerebral. Secreto,
inovador e provavelmente um pouco solitário também.

•
Legalista: tipo confiável que estará sempre no horário. O certinho. Ansioso
e desconfiado: checa todas as portas antes de sair de casa. Tende a ser
neurótico.

•
Entusiasta ou Sonhador: tipo impulsivo. Tentar marcar um encontro com
um entusiasta pode ser algo complicado, porque sua personalidade
espontânea e divertida também significa que ele está sempre em
movimento. Também pode ser descrito como facilmente distraído e
disperso.

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Confrontador ou Líder: tipo de personagem que frequentemente se

encaixa no papel de antagonista em um roteiro. Poderoso, dominador e
autoconfiante. Nunca foge de um confronto. Voltado para a ação. Move
grupos.

•
Pacifista ou Preservacionista: o completo oposto do confrontador.
Personagem tranquilão, complacente e voltado claramente para o drama.
Busca a conciliação, a paz, a união.

DIAMANTE DO PERSONAGEM

O diamante do personagem é uma técnica que consiste em manipular

dualidades inerentes aos seres humanos. Baseado em estudos psicológicos e
claramente influenciado pela psicanálise, o diamante pode ser sumarizado em
algumas perguntas:

•
Arquétipo: o que o personagem quer? Como se mostra para os outros?
Primeira impressão.

•
Oculto: o que o personagem precisa? O que não mostra a ninguém?

•
Habilidades: o que sabe fazer bem? Como essas habilidades o podem
ajudar a conseguir o que quer? Quais são suas ferramentas?

•
Fraquezas: quais são as características ou circunstâncias que impedem o
personagem de atingir seus objetivos? Qual é o seu misbehaviour (falha de

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comportamento)?

TERAPIA COM O PERSONAGEM

A terapia com o personagem, como o próprio nome indica, se refere ao

processo em que o autor imagina o personagem em construção deitado em
um divã de analista. É claro que, para alguém que já passou por esse
tratamento, a imaginação será mais frutífera. No entanto, há vários filmes e
séries que demonstraram tal artifício, como The Sopranos, da HBO, e Sessão
de terapia, do GNT, e que poderiam funcionar como base para esse
processo.

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Nas sessões de terapia imaginadas, o que o personagem confessaria? Mais

do que isso: de que forma ele confessaria e o que tentaria esconder, uma vez
que as pessoas costumam ser reticentes a abrir determinadas questões
profundas.

A terapia com o personagem tem como uma de suas funções primordiais

perceber a dissonância entre o desejo e a necessidade do personagem, isto
é, aquilo que ele quer em contraposição ao que precisa, aquilo que quer
mostrar ao mundo e aquilo que pretende ocultar.
QUESTIONÁRIO

O questionário visa à formação de uma ficha que possa compor a

personalidade do personagem e é bastante útil no sentido de que pode ser
facilmente consultado ao longo do processo de desenvolvimento do enredo.

Não se trata de uma estrutura fixa e pode ser adaptada de acordo com a
profundidade desejada pelo autor. Nada impede, além disso, o cruzamento
dessa técnica de criação de personagem com outras.

Um detalhe importante sobre a técnica de questionário é que nem todas as

respostas serão necessariamente usadas na obra, mas servirá como base
para um desenho mais complexo de seus desejos e necessidades.

•
Nome.

•
Idade.

•
Descreva seu quarto.

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O que gosta de comer?

•
Como gosta de se vestir?

•
Quais são os seus hobbies?

•
Quais são seus tipos de amigos?

•
O que outros dizem sobre você?

•
Como se sente em relação a sua sexualidade? Em caso de relacionamento
LGBT, qual é o seu papel sexual? Como encara essa questão?

•
O que o motiva?

•
Do que tem medo?

•
O que o faz rir?

•
Qual é a sua memória mais forte da infância?

•
Quando criança, o que queria ser quando crescer? Por quê?

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•
Qual foi a coisa mais estúpida que fez na vida?

•
Qual foi a coisa mais dolorosa que lhe aconteceu?

•
O que faz se apaixonar por alguém?

•
Descreva 5 qualidades suas.

•
Descreva 5 defeitos.

•
Como se vê daqui a 5 anos?

BACKSTORY

Quando se traduz a palavra inglesa “backstory”, chega-se a algo próximo a

“história pregressa”. São fragmentos de vida que existem virtualmente antes,
na linha do tempo, dos episódios que acompanhamos na narrativa.

O backstory é importante porque se refere à formação do personagem e é

responsável por suas habilidades e fraquezas. Muitas vezes, o backstory
representa exatamente a resposta para uma dúvida que surge sobre o
personagem. Por exemplo: por que ele nunca mostra a casa para ninguém?
Talvez haja alguma razão no backstory. Em narrativas muito longas, como
séries de muitas temporadas e jogos complexos, é fundamental escrever um

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backstory detalhado a fim de não haver, ao longo do processo de

desenvolvimento, incoerências internas.

É possível acessar o backstory por meio de flashbacks, diálogo, objetos

cênicos (como quadros, álbuns, medalhas etc.) e características físicas
(deficiências, cicatrizes etc).
Atividade Extra

Nome da atividade: Ler o texto clássico “A cicatriz de Ulisses”, primeiro

capítulo de “Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental”, do
teórico alemão Eric Auerbach.

Link para a atividade:

https://prioste2015.files.wordpress.com/2015/03/tl1_auerbach.pdf

Referência Bibliográfica

•
BRIGGS, I.; MYERS, P. Ser humano é ser diferente: Valorizando as
pessoas por seus dons especiais. São Paulo: Editora Infinito, 1997.

•
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 10. ed. São Paulo:
Cultrix/Pensamento, 2005.

•
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1992.

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FIELD, Syd. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

•
MACIEL, Luiz Carlos. O poder do clímax: fundamento do roteiro de
cinema e TV. Rio de Janeiro: Record, 2003.

•
MAMET, David. Três usos da faca: sobre a natureza e a finalidade do
drama. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

•
VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estrutura mítica para
escritores. São Paulo: Aleph, 2015.

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