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RACISMO NO BRASIL: TEORIAS RACIAIS E AS HERANÇAS DA

ESCRAVIZAÇÃO NO BRASIL

RACISM IN BRAZIL: RACIAL THEORIES AND THE LEGACYS


OF SLAVERY IN BRAZIL

Leonardo Barbosa Barros1

RESUMO

O passado escravista deixou marcas na sociedade brasileira que são percebidas pelo racismo estrutural, institucional e
pelas desigualdades sociais que as pessoas negras vivenciam até hoje. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo
fazer uma reflexão, por meio da história, a fim de entender como a escravização e as teorias raciais produzidas no final
do século XIX se fazem presentes nas relações raciais e nas desigualdades sociais no Brasil nos dias de atuais. Para isso,
foi realizado um estudo bibliográfico, utilizando pesquisadores que trabalham o tema da escravização e do racismo,
como Pollyanna Soares Rangel (2015), que estuda as teorias raciais no final do século XIX e início do século XX.
Recorremos também a Waleska Miguel Batista e Josué Mastrodi (2018), que buscam entender porque as práticas
racistas permanecem no Brasil no século XXI. Também foi utilizado Humberto Bersani (2018), para falar do racismo
enquanto um elemento estrutural de opressão no país. Por fim, o advogado, jurista, filósofo, Silvio de Almeida (2019),
que estuda o racismo estrutural e institucional no cenário brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Racismo. Questões Étnicas e Raciais. Desigualdades Sociais.

ABSTRACT

The slaveholding past left marks on Brazilian society that are perceived by structural and institutional racism and by
the social inequalities that black people experience until today. In this sense, this article aims to reflect, through history,
in order to understand how enslavement and racial theories produced at the end of the 19th century are present in
racial relations and social inequalities in Brazil today. For this, a bibliographic study was carried out, using researchers
who work on the subject of enslavement and racism, such as Pollyanna Soares Rangel (2015), who studies racial
theories in the late 19th and early 20th centuries. We also turn to Waleska Miguel Batista and Josué Mastrodi (2018),
who seek to understand why racist practices remain in Brazil in the 21st century. Humberto Bersani (2018) was also
used to talk about racism as a structural element of oppression in the country. Finally, the lawyer, jurist, philosopher,
Silvio de Almeida (2019), who studies structural and institutional racism in the Brazilian scenario.

KEYWORDS: Racism; Ethnic and Racial Issues; Social Differences.

1 Bacharel em Comunicação Social- Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Licenciado em
história pela Universidade Estatual da Região Tocantina (UEMASUL). Pós em Marketing e RH (INESPO). Pós em
Administração Pública e Gestão de Cidades (UNINTER). Mestrando em História pela Universidade Federal do
Maranhão (UFMA).
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1 INTRODUÇÃO

Este artigo busca fazer alguns apontamentos acerca da contextualização histórica sobre o
racismo e as teorias raciais presentes na pós-abolição da escravatura até a sociedade
contemporânea, entendendo que o passado escravista tem relação com o preconceito racial e as
desigualdades sociais. Assim, pretende-se fazer um breve resgate histórico sobre a escravização de
pessoas negras no passado recente brasileiro e as teorias raciais com o objetivo de promover um
debate sobre esses temas, que ainda hoje fazem parte do imaginário social brasileiro.
Quando se fala de racismo2 no Brasil, não se pode deixar de levar em consideração o
passado escravista do país, pois entende-se o racismo como parte de um processo histórico e
político que traz elementos do escravismo colonial, o qual sobrevive no atual sistema capitalista
brasileiro. De acordo com Sousa e Braga (2017), as desigualdades sociais e o racismo que as pessoas
negras sofrem têm relação com a história e com o processo de colonização, aliado à falta de política
de integração dos libertos após a abolição da escravatura. Bersani (2018) corrobora com Sousa e
Braga, pois afirma que o racismo no Brasil é um produto social estabelecido pelo escravismo
colonial, que permaneceu diante de todas as transformações ocorridas até os dias atuais.
Um dos fatores que contribuíram para a formação do imaginário racista no Brasil foram as
teorias raciais produzidas na Europa, que ganharam força no país entre o final do século XIX e
início do século XX. Esse tipo de pensamento ganhou adeptos, principalmente das classes
dominantes, que após a abolição da escravatura, em 1888, precisavam construir novas hierarquias
sociais para diferenciar os ditos “cidadãos” dos negros libertos que consideravam inferiores.
“Pressionada pelo avanço social dos libertos e de seus descendentes, a categoria predominante em
termos de classificação social passou a ser cor e não raça” (GUIMARÃES, 2003, p. 100).
Essas teorias raciais eram baseadas em pseudociências e serviram de apoio ideológico para
opressão e segregação de pessoas negras. Wlamyra R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho (2006),
explicam onde e quando surgiram as teorias raciais e como chegaram ao Brasil:

As teorias raciais foram inventadas no século XIX na Europa e nos Estados Unidos para
explicar as origens e características de grupos humanos. Essas teorias tiveram grande
aceitação no Brasil entre 1870 e 1930. Elas tinham por base argumentos biológicos,
convincentes na época, que relacionavam as características físicas dos indivíduos à
capacidade intelectual. Logo essas explicações foram ampliadas para povos inteiros
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 204).

2 O racismo é a diferenciação de indivíduos de acordo com características físicas e, a partir delas, considerar que uma
raça seja superior à outra. ele tem como fundamento na ideia de raça e se manifesta por meio de práticas que culminam
em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. (DUARTE, 2006).

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Pollyanna Soares Rangel (2015), explica que o fim do século XIX foi um período em que
surgiram as teorias raciais que utilizavam o conceito de raça para justificar a classificação e
hierarquização de grupos sociais. Segundo Boris Fausto (2004), as teorias raciais, que se diziam
científicas, reforçaram o preconceito contra pessoas negras: “o tamanho e a forma do crânio dos
negros, o peso de seu cérebro etc. "demonstravam" que se estava diante de uma raça de baixa
inteligência e emocionalmente instável, destinada biologicamente à sujeição” (FAUSTO, 2004 p.
52).
Essas teorias raciais tinham como principais pensadores, Joseph Arthur de Gobineau, João
Batista Lacerda, Silvio Romero, Nina Rodrigues e Oliveira Vianna que se declaravam “homens da
ciência”, e suas ideias estão presentes no imaginário brasileiros até os dias de hoje.
Uma outra teoria muito difundida no Brasil, no século XIX, foi a do branqueamento.
Joseph Arthur Gobineau foi um dos responsáveis por propagar essa teoria. Após uma visita ao
Brasil, em 1869, defendeu uma visão poligenista 3 da humanidade e condenou o cruzamento inter-
racial, por acreditar que causaria a perda da pureza do sangue da raça branca e a produção de seres
inférteis, o que comprometeria o potencial civilizatório do povo brasileiro.

Uma boa parcela da influência dessas teorias está intimamente ligada à estadia no Brasil
do francês Conde de Gobineau (1816-1882), conhecido como pai das teses racialistas,
durante cerca de quinze meses. [...] Lidava de forma extremamente discriminatória em
relação aos brasileiros, em sua visão, mestiços e impregnados de sangue negro, carentes
de civilização e impossibilitados de alcançá-la. (DE AMORIM, 2019, p. 68).

Um dos defensores dessas ideias no Brasil foi o médico maranhense Nina Rodrigues, o
qual defendia que os negros, os índios e os mestiços eram raças inferiores. Ele se apoiava nos
conceitos do criminalista italiano Lombroso, que afirmava que os criminosos possuíam
características físicas, biológicas e psíquicas em comum. As ideias de Nina Rodrigues fizeram parte
da mentalidade dos indivíduos da época que, por verem os negros como seres inferiores,
acreditavam que os afrodescendentes eram indivíduos predispostos ao crime.

Nina Rodrigues realçava a ideia de inferioridade do negro e do mestiço, relacionando-os


ao crime; baseado na aplicação das teorias raciais e criminais à realidade brasileira,
afirmava que o tipo violento predomina na criminalidade da população de cor. Embora
nenhum estudo atual comprove essa teoria, esse pensamento deixou marcas na sociedade
contemporânea. (MONTEIRO; PACHECO, 2015, p. 02).

3 A teoria poligenista defendia que a humanidade teria surgido de vários centros de criação. O que contribuiu para o
fortalecimento de uma interpretação biológica, pois separava os povos atribuindo a cada um uma procedência distinta.
(RANGEL, 2015).
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No entanto, havia também no Brasil os defensores da teoria do branqueamento, como o
diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Batista Lacerda, que acreditava que o branqueamento
pudesse purificar as raças. Já Silvio Romero, membro da Faculdade de Direito de Recife, do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e da Academia Brasileira de Letras, acreditava que a
mestiçagem era a saída para uma homogeneidade nacional. Não se pode deixar de mencionar o
historiador, sociólogo, jurista, professor e membro da Academia Brasileira de Letras, Oliveira
Vianna, que defendia o branqueamento para que a nação brasileira pudesse alcançar um grau mais
elevado de civilização. (SCHWARCZ, 1993).
Uma obra de arte que representa esse ponto de vista da teoria do branqueamento é a
pintura a Redenção de Cam, do espanhol Modesto Brocos, que toma como referência argumentos
teológicos, utilizando o mito de que as pessoas negras eram descendentes de Cã4, por isso, eram
amaldiçoados. Muitos escravocratas acreditavam que possuíam uma missão civilizatória ao
possibilitar a redenção aos filhos de Cã, trazendo-os para a civilização cristã para que aprendessem
o valor do trabalho. “A questão racial tornou-se tão forte em fins do século XIX, que se acreditava
que com a entrada maciça de imigrantes europeus no país a população brasileira, ao longo dos anos,
iria se embranquecer” (SOARES RANGEL, 2015, p. 17).

4 A pintura foi feita no século XIX, um período em que muitos ditos intelectuais tentavam legitimidade à escravidão
moderna de pessoas negras. No período as teorias raciais estavam ganhando força no Brasil e serviram para embasar
a crença de que havia raças superiores e inferiores. Em meados do século XIX o conceito de raça foi fundamentado
nas doutrinas científicas para inferiorizar o negro e justificar a escravidão.
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Figura 1: Modesto Brocos. A redenção de Cam (1895)

Fonte: (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013)5

A pintura representa três gerações de uma família. A cada geração, a cor da pele dos
membros da família vai embranquecendo: à esquerda, a avó negra; ao centro, a mãe, parda, no
centro o bebê branco no colo; à direita o pai da criança, também branco. Percebe-se que o pintor
tinha simpatia com a teoria do embranquecimento racial que tem origem no darwinismo social 6,
que acreditava no conceito de “evolução” por meio da “seleção sexual” para o embranquecimento
da população brasileira, pois, segundo essa concepção, o homem branco é “superior”
(LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013).

O Darwinismo social é argumento ideológico usado para explicar a superioridade racial


e a divisão da sociedade em subgrupos com características diferentes, defensor da

5Disponível em: http://cral.in2p3.fr/artelogie/spip.php?article254


6 “Do darwinismo social adotou-se o suposto da diferença entre as raças e seu natural hierarquia, sem que se
problematizassem as implicações negativas da miscigenação”. (SCHWARCZ, 2003, p. 19).
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eugenia, aperfeiçoamento da raça. O darwinismo social foi adaptado da teoria da
evolução de Darwin, afirmando que somente o mais forte estaria apto para sobreviver.
Sendo assim, este consecutivamente seria superior. [...] Essas ideologias têm vínculo
direto com os dias atuais, pois injúrias preconceituosas e racismos são reflexos de uma
cultura implantada na sociedade, derivando grande parte do darwinismo social, do
criminoso nato na qual a nata da sociedade utilizava desta ideologia para que nações
consideradas superiores dominassem as inferiores, surgindo assim a superioridade, não
só racial, mas intelectual, étnica, religiosa. Tanto o racismo – quando ofende a honra de
um determinado grupo – como a injúria preconceituosa – direcionada a determinado
indivíduo – são considerados crimes no Brasil. (FRANÇA, 2018, p. 01).

Essas teorias raciais foram utilizadas de forma política para naturalizar desigualdades e
legitimar a discriminação de pessoas negras e indígenas, criando barreiras para a ascensão social
dessas, dos libertos e de seus descendentes, mesmo após a abolição da escravatura no Brasil.
Afirma-se então que “...o povo brasileiro é formado, inicialmente, pela mescla de índios, negros e
brancos (portugueses). Todavia, importa lembrar sempre dos processos violentos que ocorreram
em torno da mescla desses povos” (SANTOS DE ARAÚJO, 2022, p. 21).

2 OS LIBERTOS NO BRASIL APÓS A ABOLIÇÃO

Após a abolição da escravatura, em 1888, os libertos foram abandonados pelo Estado


brasileiro e expulsos das fazendas em que trabalhavam. Sem emprego e sem ter para onde ir, essas
pessoas ficaram relegadas à pobreza. Muitos saiam da área rural para as cidades à procura de
oportunidades, mas não conseguiam ser absorvidos em atividades remuneradas, porque
disputavam o espaço no mercado de trabalho com pessoas brancas (KRENISKI; AGUIAR, 2011).

É preciso também comentar que a historiografia sobre o pós-abolição vem sofrendo uma
transformação e que os novos estudos estão buscando superar a visão dos negros do pós-
abolição como sujeitos passivos, mostrando como muitos conseguiram enfrentar o
racismo e as dificuldades da inserção no mundo do trabalho assalariado, das mais variadas
formas. Ao acentuarmos as formas de resistência dos afrodescendentes do período, não
é necessário camuflar a escravidão ou abrandá-la. (MACKEDANZ; GILL; RIGO. 2015,
p. 02).

A abolição não veio acompanhada de ações para permitir o acesso dos negros à educação,
ao trabalho, à terra ou ao direito de cultuar as suas crenças. Mesmo com a República, a cidadania
dos negros não foi considerada nos projetos sociais da nova ordem política. Pelo contrário, o
governo republicano cerceou sua autonomia para garantir que o poder dos antigos senhores de
escravizados fosse preservado. O argumento era de que os negros não eram capazes de viver sem
o feitor e o senhor. Paralelamente, a polícia passou a vigiá-los e controlá-los cada vez mais
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).
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A primeira contradição é a fundamental e condiciona todas as outras. As classes
dominantes do Império, que se transformaram de senhores de escravos em latifundiários,
estabeleceram mecanismos controladores da luta de classes dessas camadas de ex-
escravos. Mecanismos repressivos, ideológicos, econômicos e culturais visando
acomodar os ex-escravos nos grandes espaços marginais de uma economia de capitalismo
dependente. As classes dominantes necessitavam para manter esses ex-escravos nessa
franja marginal de um aparelho de Estado altamente centralizado e autoritário. Essa
franja marginal foi praticamente seccionada do sistema produtivo naquilo que-ele tinha
de mais significativo e dinâmico. Tal fato, segundo pensamos, reformula a alocação das
classes no espaço social e o seu significado, estabelecendo uma categoria nova que não é
o exército industrial de reserva, não é o lunpenproletariat, mas transcende a essas duas
categorias. E uma grande massa dependente de um mercado de trabalho limitado e cujo
centro de produção foi ocupado por outro tipo de trabalhador, um trabalhador injetado.
Nesse processo o negro é descartado pelas classes dominantes como modelo de operário.
Não é aproveitado. Nenhuma tentativa se fez neste sentido, enquanto se vai buscar, em
outros países aquele tipo de trabalhador considerado ideal e que irá, também,
corresponder ao tipo ideal de brasileiros que as classes dominantes brasileiras escolheram
como símbolo: o branco. (MOURA, 1983, p. 133).

Na procura de emprego, os negros estavam em desvantagem, pois possuíam o estigma da


escravização e das teorias raciais que os julgavam como inferiores: “o problema agora não era mais
a escravização como instituição retrógrada, mas os negros e seus descendentes, classificados como
raças inferiores” (SOARES RANGEL, 2015, p. 17).
O sociólogo Jessé de Souza (2017) afirma que a classe pobre do Brasil foi formada por
negros recém-libertos, mulatos e mestiços que foram levados às periferias das grandes cidades,
construindo assim as favelas onde vivem marginalizados e formando assim uma classe que marca
a modernização brasileira seletiva e desigual.
As classes mais empobrecidas na atual sociedade brasileira, em sua grande maioria, são
compostas por pessoas negras. Apesar de constituírem a maior parte da população do país,
representam a minoria em cargos públicos de poder e sofrem cotidianamente com o racismo.
Segundo dados de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 56% da
população se declara como preta ou parda.
Outro dado preocupante é que as pessoas negras não só são maioria no sistema carcerário,
mas também são as que mais sofrem violência policial. Desse modo, o sistema carcerário que almeja
como objetivo a contenção da criminalidade é, na verdade, uma ferramenta de controle da pobreza
e, mais especificamente, controle racial da pobreza (ALMEIDA, 2019).
Segundo Daiane Da Silva Damázio (2010), os negros totalizam 60,23% da população
interna no sistema prisional brasileiro. “No Brasil, os negros são maioria, correspondendo a 51%
da população, enquanto nos Estados Unidos, são minoria de 13%. O número de vítimas por
violência policial é cerca de cinco vezes maior no território brasileiro em relação àquele país”
(MATTOS, 2017, p. 199).
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3 RACISMO ESTRUTURAL E INSTITUCIONAL NO BRASIL

Nos últimos anos, os termos racismo estrutural e institucional vem ganhando notoriedade
nos debates no Brasil e no meio acadêmico. Segundo Humberto Bersani (2018), o racismo
estrutural faz parte do capitalismo brasileiro, estando presente nas estruturas de opressão do
próprio Estado e nas relações constituídas a partir da ideologia socioeconômica. Assim, esse tipo
de racismo fundamenta-se no escravismo brasileiro e continua a reproduzir os mecanismos de
exclusão e marginalização.
Já de acordo com Almeida (2019), racismo estrutural é um processo histórico e político que
dificulta a ascensão social e econômica de pessoas de um determinado grupo racial, enquanto
privilegia outro. Por isso, não pode ser considerado um ato isolado, mas parte da estrutura social
que leva a manutenção das desigualdades sociais.

Por corresponder a uma estrutura, é fundamental destacar que o racismo não está apenas
no plano da consciência, a estrutura é intrínseca ao inconsciente. Ele transcende o âmbito
institucional, pois está na essência da sociedade e, assim, é apropriado para manter,
reproduzir e recriar desigualdades e privilégios, revelando-se como mecanismo colocado
para perpetuar o atual estado das coisas. (BERSANI, 2018, p. 181-193).

Já o racismo institucional pode ser percebido na violência praticada pelo Estado


diariamente à população negra, tanto por meio da polícia, quanto pela dificuldade do acesso aos
cargos políticos e de destaque, configurando uma forma de opressão estatal. (BERSANI, 2018).
Almeida (2019), explica que o racismo institucional é o resultado do funcionamento das
instituições que atuam, mesmo que indiretamente, para gerar desvantagens e privilégios por meio
do estabelecimento de parâmetros discriminatórios que servem para manter a hegemonia de
determinado grupo racial no poder e assegurar o controle das instituições com o uso da violência
através da produção de consensos sobre a sua dominação.
Nesse sentido, entende-se que tanto o racismo estrutural e o institucional, dificultam a
ascensão social de grupos racialmente identificáveis, pois o sistema faz parte de uma estrutura
racista que privilegia uns e exclui outros, simplesmente pela cor da pele. Esse tipo de racismo é o
que faz grande parte das pessoas negras viverem em lugares suburbanos e periferias sem acesso ao
saneamento básico, à saúde pública de qualidade, à escola, à moradia e muitas vezes sujeitas à
violência cometida pelo crime organizado e ao narcotráfico que recruta crianças e adolescentes que,
devido às condições de pobreza e abandono, entram para o mundo do crime.

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4 CAPITALISMO E A MERITOCRACIA NO BRASIL

O sistema capitalista cria novos meios de exploração por meio de discursos. Um dos
termos utilizados nos últimos anos por pessoas ditas capitalistas neoliberais é o da meritocracia, o
qual afirma que o atual sistema capitalista neoliberal oferece as mesmas condições para todos e que
os problemas sociais e financeiros enfrentados pelas pessoas são de responsabilidade única e
exclusiva delas mesmas. Esse tipo de teoria não leva em consideração que nem todas as pessoas
saem do mesmo ponto, tampouco considera a extrema desigualdade histórica do Brasil.
Assim, essa ideologia retira do papel do Estado e do próprio sistema capitalista a
responsabilidade das desigualdades sociais, raciais e de gênero, responsabilizando os pobres por
sua situação de pobreza, individualizando assim questões coletivas.
Esse pensamento defende que as conquistas sociais, políticas e econômicas vem
somente devido ao esforço pessoal. Mas isso não reflete a realidade brasileira, pois não leva em
consideração a realidade social do país, na qual grande parte da população não possui acesso à
saúde, à educação, à alimentação e à moradia.
No atual sistema capitalista brasileiro, a meritocracia vem ganhando força, pois esse
sistema econômico defende a lógica da acumulação de capital nas mãos de poucos com base na
exploração da mão de obra e na geração de mais valia7. Assim, torna-se vantajoso, para quem é
beneficiado por esse sistema, esconder o passado escravista e alimentar a redução das desigualdades
sociais por uma lógica de merecimento.

O capitalismo se utiliza do racismo para se reproduzir e, para ocultar as condições de


dominação e exploração racial, criam-se justificativas no sentido de naturalizar,
normalizar ou mesmo considerar como positivas quaisquer situações de discriminação
racial. (BATISTA; MASTRODI, 2018, p. 2334).

Os discursos racistas fazem com que uma parte da sociedade rejeite que existe o
racismo e isenta a sociedade e o governo da responsabilidade sobre a situação de pobreza e da
marginalidade sofrida pela maior parte da população brasileira. O sistema econômico atual
brasileiro também é responsável pelos mecanismos de exclusão e marginalização de pessoas negras
(BERSANI, 2018).
No Brasil, a desigualdade educacional está relacionada com a desigualdade racial,
porque o perfil racial dos ocupantes de cargos de prestígio no setor público e dos estudantes nas

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A mais valia é o excedente entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho. Assim, ela é o trabalho não
pago, ou seja, são horas que são trabalhadas pelas quais o trabalhador não é remunerado.
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universidades mais concorridas reafirma o imaginário que, em geral, associa competência e mérito
a condições como branquitude e masculinidade. (ALMEIDA, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo aborda o tema do racismo como um processo histórico construído para
manutenção de privilégios e dominação de um grupo social sobre outro. Por isso, esse trabalho
buscou fazer uma contribuição para o debate sobre o racismo no Brasil, recorrendo ao contexto
social e histórico. A proposta é refletir sobre o tema do racismo, entendendo-o como um processo
histórico, que tem suas bases na escravização de pessoas negras no Brasil e que ainda hoje ressoa
através no cotidiano dessas pessoas.
Desse modo, entende-se que o processo de escravização foi muito mais do que uma prática
econômica que subjugou e objetificou seres humanos por causa da cor da sua pele. O escravismo
brasileiro moldou condutas, definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos e valores
que permanecem mesmo após o seu fim.
Outro tema abordado no artigo são questões que ganharam palco nos debates atuais, como
a meritocracia, o racismo institucional e estruturado. Assim, ao refletir sobre a história do Brasil,
percebe-se que o racismo está presente nas estruturas das sociedades, criando abismos sociais.
Por fim, entende-se que no Brasil o racismo e as desigualdades geradas por ele estão
relacionados ao passado escravista brasileiro, e que, portanto, devem ser combatidos pelo Estado
e pela sociedade. Para isso, deve-se criar políticas públicas que promovam a igualdade de
oportunidade e que ajude a superar os obstáculos que as pessoas negras enfrentam. Ainda que os
avanços no combate ao racismo no Brasil, como, por exemplo, a criminalização dessa prática com
a Lei 7.716/1989, a criação de cotas nas universidades públicas e também a Lei nº. 10.639, de 9 de
janeiro de 2003, que estabelece a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no
currículo oficial nas redes de ensino sejam conquistas importantes para a modificação do cenário,
diante dos pontos aqui expostos, para garantir a reparação devida ainda é preciso muita luta.

REFERÊNCIAS

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Enviado em: 05/06/2022


Aprovado em: 27/07/2022
Página 60
EM FAVOR DE IGUALDADE RACIAL, Rio Branco – Acre, v. 5, n.3, p. 49-60, set-dez. 2022.

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