Diálogos Entre Universidade e Educação Básica - Ebook

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E

EDUCAÇÃO BÁSICA
Organização:
Almir Almeida de Oliveira

Arapiraca/AL
2024
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS
Reitor: Odilon Máximo de Morais
Vice-Reitor: Anderson de Almeida Barros
Diretor da Eduneal: Renildo Ribeiro-de-Siqueira

CONSELHO EDITORIAL DA EDUNEAL


Presidente: Renildo Ribeiro-de-Siqueira
Titulares
Professores:
José Lidemberg de Sousa Lopes
João Ferreira da Silva Neto
Luciano Henrique Gonçalves da Silva
Natan Messias de Almeida
Maria Francisca Oliveira Santos
Márcia Janaína Lima de Souza - Sistema de Bibliotecas (SIBI)
Suplentes
José Adelson Lopes Peixoto
Edel Guilherme Silva Pontes
Maryny Dyellen Barbosa Alves Brandão
Ariane Loudemila Silva de Albuquerque
Ahiranie Sales dos Santos Manzoni
Elisângela Dias de Carvalho Marques - Sistema de Bibliotecas (SIBI)

Revisão: Mariana Barbosa da Silva


Capa: Vanderson Aureliano
Diagramação: Mariana Lessa

Catalogação na Fonte
Universidade Estadual de Alagoas
Sistema de Bibliotecas - SiBi
Bibliotecária: Márcia Janaina Souza
D537 Diálogos entre Universidade e Educação Básica. / Almir Almeida de Oliveira (Organizador). –
Arapiraca: Eduneal, 2024.
390p. : il. color.

Inclui Referências
ISBN: 978-65-6061-018-7

1. Educação – ensino e aprendizagem. 2. Docência. 3. Multiletramento.


I. Oliveira, Almir Almeida de (Org.). II. Título.

CDU: 37.015.3:378

Editora filiada à
Direitos desta edição reservados à
Eduneal- Editora da Universidade Estadual de Alagoas
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................. 7

OS MULTILETRAMENTOS E O ENSINO DE LÍNGUA


INGLESA: TRABALHANDO COM OS CONTOS NUMA
PERSPECTIVA CRÍTICA.....................................................12
Danielly dos Anjos Gomes; Jaqueline Maria da Silva;
Maria Verônica Tavares Neves Cardoso; Michelle Fonsêca
Leite dos Santos; Nathaly Barros Silva

EXPLORANDO O LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO


MÉDIO SOB A PERSPECTIVA DOS MULTILETRAMENTOS...41
Regiane de Cássia da Silva; Denise Vilela da Silva; Pamela
Lins Soares; Maria Verônica Tavares Neves Cardoso

OS MULTILETRAMENTOS LITERÁRIOS COMO FERRAMENTA


DE EMPODERAMENTO NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA...59
José Barbosa Costa; Erika Cristina Lopes Costa; Michelle Fon-
sêca Leite dos Santos; Maria Verônica Tavares Neves Cardoso

LETRAMENTO FICCIONAL NO ENSINO DE LÍNGUA


INGLESA: UMA EXPERIÊNCIA COM A FÁBULA THE
SCORPION AND THE FROG................................................92
Josivaldo Santos Silva; Ítalo Junior da Silva Brandão; Milena
Marcelino da Silva; Maria Verônica Tavares Neves Cardoso
PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DO ENSINO
FUNDAMENTAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS/AL SOBRE A
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS)......................114
Leila de Souza Santos; Pedro Antonio Gomes de Melo

LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA COMO INSTRUMENTO


DE CRITICIDADE: UMA PRÁTICA DE RESISTÊNCIA
NECESSÁRIA....................................................................149
Maria Silma Lima de Brito; Dayane Rocha de Oliveira

CONTRAÇÃO DE PREPOSIÇÕES COM ARTIGOS: ESTUDO


DE UM METAPLASMO POR SÍNCOPE NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO (PB).............................................................179
Aldo Matheus do Nascimento Silva; Elias André da Silva

MACALA: ENTRE FENDAS DO RESISTIR E AS TRAVESSIAS


DO MEMORAR.................................................................218
Maria Laís Almeida Jesus;Susana Souto Silva

AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS NO ENSINO DE INGLÊS


COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR FRENTE À
LEITURA DIGITAL............................................................238
Layanne Roberta de Araujo Silva

GÊNERO CARTA: MECANISMO PARA APERFEIÇOAMENTO


DA ORALIDADE E ESCRITA NA EDUCAÇÃO BÁSICA.......264
Danila dos Santos Costa; Maria Eduarda da Silva; Rita de
Cássia Tenório da Silva Barros; Iraci Nobre da Silva
PRODUÇÃO TEXTUAL EM COLABORAÇÃO NA SALA DE
AULA: REFLEXÕES SOBRE A ANTECIPAÇÃO NO ENSINO
FUNDAMENTAL................................................................291
Dayane Rocha de Oliveira; Cristina Felipeto

DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CRÍTICA


EM AULAS DE LÍNGUA INGLESA: UMA VIVÊNCIA NO
PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA.........................332
Regiane de Cássia da Silva; Denise Vilela da Silva; Pamela
Lins Soares; Maria Verônica Tavares Neves Cardoso

PERCEPÇÃO DA PALATALIZAÇÃO PROGRESSIVA EM


ALAGOAS POR ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS............360
Almir Almeida de Oliveira; Aline Bezerra Falcão

SOBRE O ORGANIZADOR................................................389
APRESENTAÇÃO

É com grande satisfação que apresentamos os Anais


do IX Colóquio Nacional de Letras da Uneal de Pal-
meira dos Índios, realizado no agreste alagoano. Com o
tema “Diálogos entre Universidade e Educação Básica”,
o evento teve como objetivo promover a interação e o
intercâmbio de conhecimentos entre a universidade e a
educação básica.
A escolha do agreste alagoano como local do co-
lóquio teve o propósito de descentralizar o acesso ao
conhecimento, proporcionando oportunidades para
professores e educadores da região e áreas próximas, que
muitas vezes não tinham fácil acesso a eventos desse tipo.
Durante o colóquio, foi preparado um ambiente
propício para o encontro e a troca de experiências en-
tre professores, pesquisadores, estudantes universitários
e educadores da educação básica. A integração entre a
universidade e a educação básica foi uma das principais
preocupações do evento, uma vez que muitas vezes há
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

uma lacuna entre as pesquisas e teorias produzidas nas


universidades e sua aplicação prática nas salas de aula.
O evento buscou superar essa lacuna e incentivar
a colaboração e a troca de saberes entre os dois níveis
de ensino. Os professores da educação básica puderam
contribuir com suas experiências e demandas específi-
cas, enriquecendo a formação acadêmica e a pesquisa
universitária, enquanto os pesquisadores e estudantes
universitários compartilharam conhecimentos e práticas
inovadoras que podem ser aplicadas no contexto escolar.
Portanto, os Anais do IX Colóquio Nacional de Le-
tras na Uneal de Palmeira dos Índios representam um
espaço de difusão das reflexões sobre as práticas peda-
gógicas, compartilhamento de metodologias inovadoras
e discussão de desafios específicos enfrentados pelos
educadores da educação básica. Isso contribui para a
melhoria da qualidade do ensino, estimula o desenvolvi-
mento profissional dos professores e favorece a constru-
ção de uma educação mais inclusiva e transformadora.
O primeiro capítulo deste e-book, os multiletra-
mentos e o ensino de língua inglesa, aborda a importân-
cia dos multiletramentos e sua relação com o ensino de
língua inglesa, destacando estratégias e abordagens para
promover uma educação mais inclusiva e alinhada com
as demandas contemporâneas.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

O segundo capítulo foca no uso de contos numa


perspectiva crítica, explorando como essas narrativas
podem ser empregadas de forma eficaz no contexto edu-
cacional para estimular o pensamento crítico e a reflexão
sobre questões sociais e culturais.
No terceiro capítulo é discutida a exploração do
letramento literário no ensino médio sob a perspectiva
dos multiletramentos, oferecendo insights sobre como
integrar diferentes formas de literatura no currículo es-
colar para enriquecer a experiência de aprendizagem
dos alunos.
O quarto capítulo examina os multiletramentos
literários como ferramenta de empoderamento no en-
sino de língua inglesa, apresentando estratégias e prá-
ticas que promovem a autonomia e a capacidade crítica
dos estudantes no processo de aprendizagem de uma
segunda língua.
No capítulo quinto é explorado o letramento ficcio-
nal no ensino de língua inglesa por meio da análise da fá-
bula The Scorpion and the Frog, oferecendo insights sobre
como o ensino de literatura pode ser utilizado para desen-
volver habilidades linguísticas e críticas dos alunos.
O capítulo sexto apresenta as percepções de pro-
fessores do ensino fundamental de Palmeira dos Índios/
AL sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), desta-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cando a importância da inclusão e da acessibilidade no


ambiente escolar.
O capítulo sétimo aborda a leitura literária na esco-
la como instrumento de criticidade, este capítulo discute
a importância de práticas de leitura crítica como forma
de resistência e transformação social.
No capítulo oitavo é realizada uma análise sobre a
contração de preposições com artigos, investigando um
fenômeno linguístico específico no Português Brasilei-
ro (PB) e suas implicações para o ensino e aprendizagem
da língua.
O nono capítulo apresenta reflexões sobre a obra
Macala, explorando suas dimensões simbólicas e cultu-
rais, bem como seu papel na construção da identidade e
da memória coletiva.
O capítulo décimo discute as inteligências múlti-
plas no ensino de inglês como língua estrangeira, des-
tacando a importância de abordagens pedagógicas
diversificadas para atender às diferentes necessidades e
habilidades dos alunos.
O décimo primeiro capítulo foca no gênero carta e
explora como esse gênero textual pode ser utilizado como
ferramenta para aprimorar as habilidades de oralidade e
escrita dos alunos na educação básica.
No décimo segundo capítulo, são apresentadas re-
flexões sobre a produção textual em colaboração na sala

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

de aula, discutindo os benefícios e desafios de práticas de


escrita colaborativa no contexto educacional.
O décimo terceiro capítulo discute o desenvolvi-
mento da competência crítica em aulas de língua ingle-
sa, oferecendo insights e estratégias para promover uma
abordagem mais reflexiva e analítica no ensino de uma
segunda língua.
Por fim, o décimo quarto capítulo aborda a per-
cepção da palatalização progressiva em Alagoas por es-
tudantes universitários, oferecendo uma análise sobre as
variações linguísticas regionais e sua influência no pro-
cesso de normatização da língua.

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OS MULTILETRAMENTOS E O
ENSINO DE LÍNGUA INGLESA:
TRABALHANDO COM OS CONTOS
NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA
Danielly dos Anjos Gomes
Jaqueline Maria da Silva
Maria Verônica Tavares Neves Cardoso
Michelle Fonsêca Leite dos Santos
Nathaly Barros Silva

1 INTRODUÇÃO
O crescente dinamismo das práticas educacionais
demanda inovações no ensino de Língua Inglesa. Nesse
cenário, a abordagem dos multiletramentos emerge como
uma resposta enriquecedora, particularmente quando
aplicada ao universo literário, por meio do gênero con-
to. Dessa forma, o nosso objetivo é apresentar uma pro-
posta didático-pedagógica com o gênero textual contos
de fadas, a fim de colaborar para o desenvolvimento crí-
tico dos alunos no ensino de Língua Inglesa, por meio
dos multiletramentos. Além disso, buscamos ampliar os
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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recursos metodológicos no contexto do ensino da leitu-


ra literária, incorporando a história cultural como uma
perspectiva intrínseca ao processo de ensinar e aprender.
A pesquisa está fundamentada nos princípios te-
óricos e metodológicos da Pedagogia dos Multiletra-
mentos, conforme apresentado por Kalantzis, Cope e
Pinheiro (2020), por meio da qual foi possível expandir as
tradições pedagógicas que sustentam a nossa profissão,
revisando nossas abordagens em relação aos letramentos
e ajustando-as às atuais condições de construção de sig-
nificado no contexto contemporâneo.
A metodologia adotada é a pesquisa-ação, carac-
terizada pela interação ativa dos pesquisadores no con-
texto em estudo. Ademais, optamos por uma abordagem
qualitativa, enfatizando a compreensão aprofundada e a
interpretação significativa dos dados coletados.
Nosso trabalho está vinculado ao Programa de Re-
sidência Pedagógica, em parceria com a Universidade
Estadual de Alagoas (UNEAL) e uma escola de educa-
ção básica. Através deste programa, tanto professores
quanto estudantes têm a oportunidade de adquirir co-
nhecimentos essenciais para o desenvolvimento das
habilidades e das competências necessárias para o am-
biente escolar. Além disso, o programa se revela como
uma ferramenta impactante na promoção de uma cultu-
ra de reflexão pedagógica, disseminando práticas efica-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

zes no planejamento da ação educativa para alcançar os


objetivos de ensino.
Ao contextualizar a interseção entre os multile-
tramentos, o ensino crítico e o gênero contos de fadas,
almejamos contribuir para uma prática pedagógica ali-
nhada às exigências contemporâneas, proporcionando
aos estudantes não apenas habilidades linguísticas avan-
çadas, mas também uma apreciação mais profunda e crí-
tica da literatura em língua inglesa. Consideramos, pois,
que este estudo se encontra em um movimento contínuo
de reflexão e adaptação, buscando preparar os alunos
para a complexidade e a diversidade linguística que ca-
racteriza este mundo globalizado.

2 O GÊNERO CONTOS DE FADAS NO CENÁRIO


EDUCACIONAL
O gênero contos de fadas, ao longo dos séculos,
tem desempenhado um papel seminal na transmissão
de valores culturais, morais e sociais, além de propor-
cionar uma experiência literária única. Originando-se a
partir de tradições folclóricas, essas narrativas encan-
tadas transcendem fronteiras geográficas e temporais,
moldando-se e adaptando-se, à medida que atravessam
diferentes contextos culturais. Conforme destacado por
Bettelheim (1980), os contos de fadas possuem a habi-
lidade de se comunicar simultaneamente com todos os

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

níveis da personalidade humana, fazendo uso de uma


linguagem altamente simbólica, sem depender excessi-
vamente do pensamento lógico. Em termos simples, são
narrativas que, ao evitar o envelhecimento, continuam a
se renovar a cada nova versão concebida.
Ao trabalhar com práticas diversificadas com o gê-
nero textual conto de fadas, criamos um ambiente propí-
cio à liberação da imaginação e ao desenvolvimento da
criatividade do aluno. Isso ocorre porque os contos de
fadas não são meramente contos infantis, por outro lado,
são veículos complexos que exploram arquétipos, sim-
bolismos e questões universais. Sua estrutura narrativa,
na maioria das vezes, envolve elementos mágicos, perso-
nagens extraordinários e desafios épicos. Esses aspectos
não apenas cativam a imaginação, mas também oferecem
uma base para a exploração literária em sala de aula.
Radino (2003, p. 117) afirma que os contos

"dão forma aos seus desejos e empres-


tam se como um cenário de seus sonhos,
aguçando sua imaginação e favorecendo
seu processo de simbolização, tão ne-
cessários à sua inserção em um mundo
civilizado e cultural."

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

O autor sugere que os contos de fadas servem como


um palco para os sonhos e estimula a imaginação, o que
é essencial para o processo de simbolização, fundamen-
tal para a integração das crianças e adolescentes em um
mundo civilizado e cultural. Além de liberar a criativi-
dade, o referido gênero mantém os alunos envolvidos e
curiosos do início ao fim da narrativa. Assim, por meio
de metáforas, os contos levam os estudantes a refletirem
sobre a estrutura familiar e os conflitos internos da con-
dição humana.
Os contos de fadas desempenham um papel dual
na experiência infantil. De acordo com Bettelheim (1980),
“enquanto diverte a criança, o conto de fadas, esclare-
ce sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua
personalidade” (Bettelheim, 1980, p. 20). Ao passo em que
proporcionam entretenimento, essas histórias também
desempenham um papel esclarecedor, ajudando a crian-
ça a compreender aspectos fundamentais da sua própria
identidade. Além disso, os contos de fadas contribuem
para o desenvolvimento da personalidade da criança,
possivelmente fornecendo insights sobre emoções, valo-
res e desafios. Portanto, para Bettelheim (1980), os contos
de fadas vão além do entretenimento superficial, desem-
penhando um papel crucial na formação e na compreen-
são psicológica da criança.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

No contexto do ensino de língua estrangeira, os


contos de fadas apresentam diversas vantagens. Essas
narrativas possibilitam que os alunos contextualizem si-
tuações e emoções, compartilhando essas experiências
ao lerem e discutirem com os colegas. Ao se envolverem
com os contos de fadas, os estudantes têm a chance de
aprimorar habilidades cruciais, como a criatividade, o
raciocínio dedutivo e a assimilação de valores conside-
rados essenciais pela sociedade, tais como: amor, hones-
tidade, paciência, disciplina, motivação e autoestima.

3 PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS


A pedagogia dos multiletramentos é uma aborda-
gem educacional que reconhece a diversidade de lin-
guagens e práticas comunicativas na sociedade atual.
Assim sendo, os multiletramentos expandem a ideia de
alfabetização e consideram diferentes formas de lingua-
gem, além da verbal, como a visual, a digital e a sonora.
Essa pedagogia auxilia a ampliação da formação leitora
e a produção de textos contemporâneos, objetivando
preparar os alunos para compreender e escrever textos
em diversos contextos. Nesse sentido, essa abordagem
vai além da alfabetização, estreitando as habilidades de
leitura e escrita e incluindo o processo de construção de
diversos saberes.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

[...] abordar os produtos culturais letra-


dos, tanto da cultura escolar e dominan-
te, como das diferentes culturas locais
e populares com as quais alunos e pro-
fessores estão envolvidos, assim como
abordar criticamente os produtos da
cultura de massa. Essa triangulação que
a escola pode fazer, enquanto agência de
letramento patrimonial e cosmopolita,
entre as culturas locais, global e valori-
zada, é particularmente importante – em
especial no Brasil – quando reconhece-
mos a relevância de se formar um aluno
ético e democrático, crítico e isento de
preconceitos e disposto a ser ‘multicul-
tural em sua cultura’ e a lidar com as di-
ferenças socioculturais (Rojo, 2009, p. 12
apud Zenere, 2023, p. 39).

Neste trabalho, apresentamos uma abordagem ino-


vadora, uma vez que utilizamos os contos de fadas como
instrumento central para o desenvolvimento crítico dos
alunos, no ensino de Língua Inglesa. A perspectiva dos
multiletramentos proporciona uma visão ampla e dinâ-
mica do processo educativo, incluindo aspectos linguís-
ticos, culturais e sociais de maneira compreensível. Com
base nas discussões do Grupo de Nova Londres (2021
[1996]), os multiletramentos descrevem

[...] dois aspectos importantes em rela-


ção à emergente ordem cultural, insti-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

tucional e global: a multiplicidade de


canais de comunicação e de mídia, e a
crescente saliência da diversidade cul-
tural e linguística. A noção de multile-
tramentos complementa a pedagogia do
letramento tradicional ao abordar esses
dois aspectos relacionados à multiplici-
dade textual (GNL, 2021 [1996], p. 106).

Diante disso, a multiplicidade de linguagens, mí-


dias e culturas permeiam os textos que circulam social-
mente. Esses aspectos, muitas vezes, são esquecidos por
pedagogias mais tradicionais, cuja prioridade é a lin-
guagem escrita. O ensino deve ser distribuído de forma
equilibrada para que possa atender às demandas atuais,
considerando os elementos visuais, espaciais, sonoros
que se entrelaçam na produção textual.
Segundo Zenere (2023), constata-se a oferta de uma
diversidade de textos e a percepção dos professores de
que há maior engajamento por parte dos alunos, quando
apresentado diferentes gêneros textuais. Raimundo, Ba-
rela e Pontes (2022, p. 185) destacam que o engajamento
se justifica pelo fato de os alunos já os conhecerem, o que
“pode tornar o processo de aprendizagem mais signifi-
cativo para eles, motivados a participar da atividade e a
expressar suas opiniões”.
Por outro lado, de acordo com Fernandes, Von
Mühlen e Lenharo (2022), trabalhar com os gêneros multi-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

modais na perspectiva dos multiletramentos implica uma


reflexão que vai além do movimento de consumo desses
gêneros. É importante que os alunos tenham a oportuni-
dade de produzi-los de maneira consciente e crítica, com-
preendendo as diferentes formas de linguagem e como
elas funcionam em conjunto, para produzir significados.
As aulas foram estruturadas em um trajeto que in-
clui sondagem oral sobre o que os discentes sabiam acer-
ca do gênero; sobre os elementos da narrativa ficcional;
sobre a dinâmica de um conto; o que são estereótipos; o
que eles compreendem sobre as ideologias reproduzidas
por trás dessas narrativas; leitura e interpretação do con-
to Snow White; e debates e produções escritas.
A proposta de letramento crítico por meio do conto
de fadas “Branca de Neve” se alinha aos princípios da Pe-
dagogia dos Multiletramentos, enfatizando a relação en-
tre elementos semióticos na compreensão e na produção
oral e escrita.
Ao adotar os pressupostos teóricos e metodológi-
cos dos Multiletramentos, fundamentados em Kalantzis,
Cope e Pinheiro (2020), a pesquisa propõe uma reava-
liação das abordagens tradicionais sobre letramento,
alinhando-as às demandas contemporâneas na constru-
ção de significados. A perspectiva dos multiletramentos
reconhece a diversidade de práticas de letramentos na
sociedade, promovendo a compreensão dos fenômenos

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

sociais e culturais, múltiplos letramentos, valorização do


conhecimento prévio, mediação da prática social e uma
abordagem ativa e colaborativa de aprendizagem.
Nas palavras de Zenere (2023, p. 33), os letramen-
tos possuem:

“um conceito fluido e em evolução que


têm implicações importantes na edu-
cação, que evidenciam a necessidade
de uma abordagem mais holística, que
engloba não apenas as habilidades de
letramento tradicionais, mas também
as habilidades de letramento digital e
midiático”.

Nesse contexto, a Pedagogia dos Multiletramentos


é uma abordagem valiosa que vai além do ensino tradi-
cional de línguas, promovendo uma educação inclusiva.
A proposta apresentada demonstra que essa pedagogia
é uma ferramenta para desenvolvimento das competên-
cias linguísticas, críticas e culturais dos alunos.

4 METODOLOGIA
O presente trabalho foi desenvolvido no contex-
to do Programa Residência Pedagógica (PRP), em par-
ceria com a Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL),
no ano de 2023. As atividades ocorreram em uma escola
pública municipal da cidade de Palmeira dos Índios –

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

AL, sob a orientação de uma professora da universidade


(orientadora do Projeto) e da professora de língua inglesa
da referida escola. Neste projeto, buscamos não apenas
ensinar o idioma, mas também promover uma leitura li-
terária crítica, incorporando elementos culturais, orais e
imagéticos no processo educativo.
Através deste programa, professores preceptores,
em conjunto com os estudantes pesquisadores, têm a
oportunidade de desenvolver conhecimentos indispen-
sáveis para a sua prática docente. Além do mais, o progra-
ma é uma ferramenta importante na promoção da cultura
de reflexão pedagógica, cultivando práticas eficazes na
ação educativa.
Visando explorar as produções textuais dos alunos
no contexto de ensino-aprendizagem da língua inglesa,
por meio do gênero conto de fadas, partimos de uma pes-
quisa bibliográfica realizada por meio do levantamento
da literatura referente aos documentos oficiais para o
ensino de Língua Estrangeira, no Ensino Fundamental
(LDB, PCNs etc.), aos multiletramentos e ao uso dos gê-
neros textuais.
A pesquisa baseia-se na abordagem de pesquisa-
-ação, que se caracteriza pela intervenção dos pesqui-
sadores no contexto de estudo, na qual optamos por
uma abordagem qualitativa, enfatizando a compreensão
e interpretação dos dados coletados. De acordo com

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Appolinário (2011), os dados da pesquisa qualitativa são


coletados nas interações sociais e analisados subjetiva-
mente pelo pesquisador, pois, nesta modalidade, a pre-
ocupação é com o fenômeno. Sendo assim, Rodrigues
e Limena (2006) afirmam que os pesquisadores tentam
descrever a complexidade de uma determinada hipótese,
analisar a interação entre as variáveis e ainda interpretar
os dados, fatos e teorias.

4.1 PROJETO DE INTERVENÇÃO: DESCRIÇÃO DAS


ATIVIDADES
Todo projeto de intervenção pedagógica surge da
reflexão mediante a prática em sala de aula ou do contex-
to educacional geral. O plano de intervenção pedagógi-
ca, no entanto, embora parta da reflexão a olho nu sobre
a prática do professor, sobre o processo de ensinoapren-
dizagem ou sobre questões sociais, precisa de embasa-
mento e planejamento para ser colocado em prática, caso
contrário, não haverá muitas respostas.
De acordo com Souza (2011), diante do caos, o su-
jeito precisa aprender a aprender, e neste sentido, entra
a função do professor, de ser o mediador nesse percur-
so de ensinoaprendizagem. Sendo assim, para organizar
o projeto de intervenção, observamos os problemas e/ou
as dificuldades enfrentadas pelos alunos no que diz res-
peito à literatura, em particular, à literatura inglesa. O se-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

gundo passo foi planejar o plano de intervenção, este foi


alicerçado na pedagogia dos multiletramentos, uma vez
que ela propõe modos de significação dinâmicos.
A coleta de dados foi realizada em quatro turmas
do 9º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pú-
blica municipal, localizada na cidade de Palmeira dos
Índios-AL. Para efeitos de análise, escolhemos algumas
produções que foram desenvolvidas por meio de uma
sequência de aulas desenvolvida pelos bolsistas do Pro-
grama de Residência Pedagógica (Letras - Inglês e Le-
tras – Português), da Universidade Estadual de Alagoas
(UNEAL). Na elaboração do projeto de intervenção, pla-
nejamos 8 aulas, com o intuito de analisar o desenvolvi-
mento dos alunos.
Para dar início ao projeto de intervenção, a primeira
etapa advém de uma sondagem oral, em que fizemos al-
gumas perguntas sobre os contos que os alunos já leram,
se tiveram contato com algum, seja físico ou online. Em
seguida, exibimos dois exemplares físicos, um na língua
materna (João e Maria) e o outro na língua inglesa (Peter
Pan). Após a sondagem, foi aplicada uma atividade lúdi-
ca, por meio de um quebra-cabeça que contém imagens
dos personagens principais de alguns contos de fadas. A
turma foi dividida em grupos, em que cada um teria que
montar e depois ir à frente falar um pouco sobre os per-
sonagens e o conto pelo qual ficaram responsáveis. Para

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

finalizar a aula, propomos uma atividade para casa, para


que eles pudessem pesquisar e conhecer mais acerca do
conto trabalhado.
Na segunda etapa, houve uma discussão sobre es-
tereótipos. A princípio, colocamos a seguinte pergunta
na lousa: “Do you know what the word ‘stereotype’ means?”
(Você conhece a palavra estereótipos?), com o auxílio de
algumas imagens coladas na lousa, para evidenciar as
características de cada personagem. Depois de ouvir as
respostas, construímos alguns conceitos para o termo
“estereótipos”. Na sondagem, verificamos que muitos es-
tudantes desconheciam o significado da palavra e outros
não sabiam ou nunca tinham ouvido falar.
Posteriormente, identificamos as diferenças e se-
melhanças do conto de fadas, com base nas caracterís-
ticas das personagens principais e como os estereótipos
também estão presentes na realidade. Com base nisso,
realizamos um debate mediante a ideia tradicional de
“princesa” e suas características estereotipadas, a cada
opinião, foi montada uma tabela em português e em in-
glês. Não buscamos utilizar apenas as várias formas de
linguagem, mas, sobretudo, a participação dos alunos.
Na terceira etapa, apresentamos o conto Snow
White and the Seven Dwarfs, por meio de textos impres-
sos com as imagens, fazendo lembrar cenas. Em seguida,
desenvolvemos uma Leitura partilhada e a interpretação

25
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

do conto. Após isso, realizamos uma segunda leitura, en-


volvendo a discussão de vários temas abordados pelos
alunos, a partir da leitura do conto: amadurecimento, ca-
pacidade de cuidar de si, narcisismo, ciúmes, inveja, in-
gratidão, excesso de vaidade etc.
Apresentamos algumas versões modernas de con-
tos de fadas, como: The Paper Bag Princess, do autor Ro-
bert Munsch. Essa ferramenta foi utilizada com o intuito
de promover um maior contato com o texto, por meio da
representação visual, uma vez que o livro faz uso da lin-
guagem visual e da verbal.
Na quarta etapa, realizamos um debate ético, em
que foram discutidas questões éticas relacionadas aos
contos de fadas, definição de “estereótipos”, buscando
analisar se eles tinham compreendido o que discutimos
em outras aulas. Através do assunto versado, os discentes
apresentaram pontos, como: empoderamento e autoesti-
ma, explorar histórias de mulheres reais que desafiaram
expectativas sociais, destacando modelos de empodera-
mento feminino e como essas representações mudaram
ou permanecem estereotipadas.
Na quinta etapa, os alunos fizeram a produção ini-
cial. Solicitamos que escrevessem um conto ou que pro-
duzissem projetos criativos que apresentassem o conceito
de princesa de forma crítica, podendo recriar um conto
ou criar suas próprias narrativas, esquadrinhando o tema

26
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

que foi discutido. Neste momento, verificamos o nível de


dificuldade dos alunos em relação à escrita e como eles
compreendiam a configuração de um conto (estrutura,
narrativa, criatividade etc.).
Na sexta etapa, definimos os aspectos estruturais
do gênero conto e os elementos da narrativa. Em todas
as aulas, havia debates e discussões. Assim, ouvíamos
o que os discentes tinham a falar sobre a temática tra-
balhada, para depois apresentarmos termos e conceitos
mais técnicos. Nesses momentos, sempre buscávamos
inserir termos em língua inglesa para que eles pudessem
ter contato com a língua de uma forma lúdica e interativa.
Na sétima etapa, devolvemos os contos produzi-
dos, para que os discentes pudessem rever as suas difi-
culdades. Para tanto, fizemos um apanhado das questões
mais recorrentes e explicamo-las no quadro para que
cada um pudesse entender onde “errou”. Essa produção
inicial serviu como o esqueleto para a reescrita do texto.
Na oitava etapa, propomos a elaboração da produ-
ção final. O plano foi a criação de fanzine, pois os alunos
poderiam fazer uso de diversas linguagens. Além de in-
troduzir a dinâmica dos multiletramentos, aplicando não
só a forma escrita, como a visual, eles tiveram a oportuni-
dade de demostrar as suas habilidades criativas.
Os fanzines são publicações que trazem diversos
textos, tudo que o escritor/editor julgar interessante. Na

27
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

composição desse fanzine, os alunos dão vida à sua ima-


ginação, à sua criatividade e ao seu universo particular,
sendo criadores da própria história. Para tornar essa
criação ainda mais dinâmica, os residentes decidiram
que premiariam os trabalhos mais criativos, levando em
consideração a estrutura do conto, a escrita em língua in-
glesa e as ilustrações produzidas.

4.2 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES


Como foi apresentado na seção anterior, os resi-
dentes discutiram e mostraram a estrutura composicional
do gênero textual conto de fadas (fairy tale). Os alunos já
sabiam que toda fairy tale começava, por exemplo, com
once upon a time e terminava com they lived happily ever
after. Como sabiam como esse tipo de história é estrutu-
rada, os residentes sugeriram que houvesse uma mudan-
ça, alterando não só os personagens, mas também o final,
conforme discutido em sala: “nem todo final é um final
feliz” ou “nem toda princesa deve ser aquela menina ino-
fensiva com uma beleza padrão”. Neste momento, anali-
saremos três produções dos alunos do 9º ano. O primeiro
conto intitula-se Is she really a princess?; o segundo The
princess and the witch; e o terceiro Deise the wolf.
Is she really a princess? inicia com uma pergunta
que faz o leitor refletir do porquê a protagonista é uma

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

princesa. O conto narra a história da princesa Nátia,


esta que se apresenta como uma princesa de pele es-
cura, com longos cabelos dourados e está prestes a to-
mar posse do seu posto no reino. No entanto, Nátia não
queria ser apenas “uma princesa”, ela queria seguir seus
sonhos, mesmo sendo escolhida pelos seus súditos. Por
ser muito competente no que fazia, Nátia acaba tendo
rivais, a Medsey era uma delas, pois ela sempre nutriu
um sentimento de inveja de Nátia e queria ser a próxima
rainha. Para isso, estava disposta a fazer de tudo para
usurpar o trono para si. Apesar de diversas tentativas de
Medsey, nos últimos minutos, Nátia consegue enfren-
tar todos os obstáculos e aceita ser princesa do seu rei-
no, mas com a de se tornar uma advogada. Desse modo,
seria a primeira princesa negra, ao tempo em que não
abandonaria os seus sonhos profissionais.
The princess and the witch parte de um contratem-
po, em que uma princesa e uma bruxa têm uma amizade
secreta que traz muitos problemas. O conto é atravessa-
do por essas tubulações e por tentativas de resolver estes
problemas. Flivia e Helena nasceram em um reino distan-
te, Flivia não gostava de ser princesa por conta das suas
obrigações e estava destinada a se casar com o príncipe
King. No tormento de sua vida, sempre buscava sair do
castelo. Em uma das suas fugas, encontrou Helena, esta
que era filha de uma bruxa e que a salvou. Desde então,

29
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ficaram amigas, mas suas famílias não se davam bem, tal-


vez por Helena ser uma bruxa. No decorrer do conto, as
duas acabam trocando de corpos, Helena se apaixona por
King, mas ele não sabia que elas haviam trocado de cor-
po. Quando o segredo é descoberto, as famílias entram
em guerra. No fim, em meio às brigas, o amor de Helena
é aceito pelo príncipe e eles viveram felizes para sempre.
Deise the wolf conta a história de uma garota que
não é uma princesa. Ela foi abandonada em uma floresta
pelos pais quando ainda era recém-nascida. Com pena
da garota, uma matilha de lobos começa a criá-la. Quan-
do jovem, o sonho de Deise era ir à cidade, mas os lobos
diziam que era muito perigoso e contavam como o mun-
do e a humanidade eram cruéis. Ao ir à cidade, Deise se
assusta com toda aquela bagunça, um ambiente tomado
pelo lixo, barulho e fumaça dos carros. Nesse momento,
Deise volta para a selva, encontrando sua família de lo-
bos. Em meio à confusão, Deise conhece Pedro e ele tenta
raptá-la. Inicia-se uma guerra entre humanos e animais
da floresta. Para acabar com a guerra, Deise aceita ser
levada pelos cientistas para ser estudada, pois queriam
saber como aconteceu essa adaptação. O conto termina
com Deise tendo uma vida normal na cidade, podendo
visitar seus amigos e familiares na floresta, mesmo sendo
tratada como um objeto de pesquisa.

30
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Como foi visto anteriormente, cada conto evidencia


uma história distinta. Além de seguir o que foi proposto
em sala, em relação às características dos personagens,
os alunos levaram em consideração as diferentes esfe-
ras da sociedade, sendo revelado não só a magia, como
o real, demonstrando que uma princesa também tem so-
nhos e diferenças. É possível verificar que a linguagem
manifestada nas produções traduz mensagens do aluno
como criador que a desenvolveu em decorrência da prá-
tica social.
A figura abaixo ilustra uma fairy tale desenvolvida
por um dos alunos, em que ele utiliza escrita, colagens,
pinturas e desenhos. É perceptível o cuidado e a delica-
deza empregados em cada detalhe.

Figura 1 – Is she really a princess?

Fonte: os autores (2024)

31
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Em Is she really a princess?, verificamos o pen-


samento acerca das diferenças e das realizações. Neste
caso, o sonho interrompido pelo dever de ser princesa.
Levando esse conto à realidade do aluno, talvez esta re-
flexão se relacione à dificuldade de seguir uma profissão,
isto é, muitos estudantes têm o sonho de seguir uma car-
reira, mas, em razão da pressão familiar e social, acabam
tomando rumos diferentes. É o que acontece com Nátia,
em que ela deveria desistir do sonho para seguir assumir
o posto de princesa. Nesse sentido, a leitura do mundo
precede a leitura da palavra, fazendo com que linguagem
e realidade se prendem dinamicamente (Freire, 1989).

Figura 2 – The princess and the witch

Fonte: os autores (2024)

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Em The princess and the witch, é possível observar


o conflito de classes, em que Helena não podia continuar
com o amor da sua vida por ser uma bruxa, e o príncipe
teria que se casar com Flivia, porque era o certo a se fazer.
Mesmo Helena salvando a princesa da morte, ela sempre
foi vista como algo horripilante.
Essa atividade uniu o útil ao agradável, em relação à
forma de acessar e de criar literatura, além da inclusão da
língua inglesa, visto que é difícil a leitura e a escrita em
língua inglesa são consideradas complexas no ambiente
da educação básica, fazendo com que muitos alunos de-
sistam na primeira tentativa.
É factível como cada um tende a estruturar seus con-
tos mediante a um problema que acontece na realidade,
levando em consideração a magia proporcionada pelos
contos de fadas, conforme observamos em Deise the wolf.

Figura 3 – Deise the Wolf

Fonte: os autores (2024)

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Em Deise the wolf, o conto é conduzido por proble-


mas existentes no mundo, causados pela humanidade,
como a poluição. O autor destaca como “o diferente” pro-
voca reações àqueles que não conseguem compreendê-lo,
tratando-o como um objeto de pesquisa. Nesse sentido,
Zerene (2023) destaca que a pedagogia dos multiletra-
mentos se baseia na formação de alunos, na perspectiva
de criadores de significado, por meio de diferentes pers-
pectivas linguísticas, culturais e comunicativas. Assim, a
produção das fanzines pode incentivar a criatividade dos
estudantes, usufruindo da sua visão como criador do seu
próprio conto. Nessa produção vemos uma intertextua-
lidade com o filme e a animação “Mogli o menino lobo”,
adaptado do livro de Joseph Rudyard Kipling, um autor
e poeta britânico.
Durante o processo de produção das fairy tales, os
alunos tiveram todo o apoio dos residentes. As palavras
surgiram aos poucos, como: prince, castle, princess, king-
dom, fairy tales, time, enchanted, once upon entre outras.
Em seguida, utilizamos estas palavras na formação de fra-
ses. Dessa maneira, na perspectiva dos multiletramentos,
os alunos que desenvolveram suas fairy tales se torna-
ram designers da sua própria aprendizagem, pois agiram
como participantes, ressignificando as suas práticas.
Ao analisar as fairy tales, percebemos um pouco
da realidade que os alunos vivenciam dentro e fora da
escola e que não pode ser desconsiderada no processo

34
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

de ensino-aprendizagem. As três produções analisadas


revelaram seu caráter social e psicológico, na medida em
que refletem práticas e vivências dos alunos, transforma-
das e representadas a partir do uso do vocabulário em
inglês. Os discentes levaram em consideração as diferen-
ças e semelhanças; o preconceito; a realização de sonhos;
a ilusão de um final feliz que, na verdade, é um final feliz
apenas para um dos lados da história, enquanto o injusti-
çado é preso nesta ilusão.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados foram ao encontro do nosso obje-
tivo e contribuíram para o desenvolvimento crítico dos
alunos, no ensino de Língua Inglesa, por meio dos mul-
tiletramentos. Além disso, a pesquisa favorece o uso de
diferentes recursos didáticos para a leitura literária, esta
que vem passando por dificuldades, pois os alunos pou-
co conhecem ou buscam participar desse mundo. Nes-
sa perspectiva, Nóvoa (2022, p. 3) afirma que “apesar de
todas as dificuldades e todos os problemas, qualquer
mudança real na educação e na pedagogia só poderá
vir de dentro da profissão docente, sempre com um for-
te apoio externo, nomeadamente, dos acadêmicos e das
universidades”.
Atendendo ao pensamento de Nóvoa, essa mudança
foi colocada em prática por meio do projeto de interven-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ção apresentado na metodologia, em que, ao contextua-


lizar a ligação entre multiletramentos, letramento crítico
e o gênero conto, contribuímos para uma prática peda-
gógica que contempla as exigências atuais. Desse modo,
proporcionamos não apenas habilidades linguísticas ne-
cessárias na língua inglesa e na língua portuguesa, mas
também um ideal crítico da literatura e a própria imersão
do aluno nas distintas realidades.
Esses resultados foram possíveis a partir da con-
fecção dos fanzines, pois envolveu criticidade e criati-
vidade. Este plano está em um movimento contínuo de
reflexão, buscando preparar os alunos para a complexida-
de e a diversidade linguística, como na visão de Kalantzis
e Cope (2012), na qual aprender a ler e a escrever textos
que integrem a linguagem verbal com outras modalida-
des, como a visual, a auditiva, a gestual e a espacial.
No decorrer das aulas, há ênfase na fluidez entre
habilidades, tecnologias e contextos, preparando os
alunos para aplicar suas competências de letramento
de maneira flexível em diversas situações. A aprendiza-
gem ativa e colaborativa, aliada à discussão de questões
éticas, promove a reflexão crítica sobre as representa-
ções nos contos de fadas e estimula o empoderamento
e a autoestima.
Conforme Kalantzis e Cope (2012), é necessário
questionar quais conhecimentos específicos os alunos

36
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

precisam aprender, para estarem melhor preparados e se


comunicarem de maneira eficaz e crítica. De acordo com
os autores, devemos considerar a necessidade de uma
abordagem mais ampla e inclusiva do letramento, que
não se limite apenas ao domínio da linguagem alfabética.
Portanto, a aprendizagem ativa e colaborativa, des-
tacada nas atividades de debate ético e na produção de
textos críticos, promove a construção autônoma do co-
nhecimento, instigando os alunos a aplicar habilidades
de letramento de forma reflexiva. A fluidez entre habi-
lidades, tecnologias e contextos, evidenciada na abor-
dagem flexível e interdisciplinar, prepara os estudantes
para desafios diversos.
A devolução dos textos produzidos com correção e
a produção final indicam um ciclo de feedbacks importan-
te para o aprimoramento contínuo, além da participação
ativa com o mundo literário. Partindo do objetivo inicial
ao resultado, é perceptível como todo esse planejamento
os levou a reflexão sobre a literatura de língua inglesa.

6 CONCLUSÃO
Durante esta pesquisa, foram discutidas questões
importantes acerca do ensino de Língua Inglesa, relacio-
nadas a utilização dos multiletramentos. Apresentamos
uma proposta didático-pedagógica com o gênero textual
contos de fadas (Fairy Tales), com o intuito de desenvol-

37
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ver a criticidade dos alunos, no ensino de Língua Ingle-


sa. Diante disso, foi possível averiguar a criatividade dos
alunos a partir da produção de contos de fadas, na pers-
pectiva dos multiletramentos.
A atuação dos residentes, juntamente com a pre-
ceptora, foi fundamental ao longo de todo o processo de
ensino - aprendizagem da língua inglesa com os alunos.
Percebemos uma ampliação referente ao gênero, isso
porque, no primeiro momento, eles desconheciam a es-
trutura, o que foi diagnosticado na produção inicial.
Diante dessas considerações, acreditamos que o
projeto ajudou os alunos em diversos quesitos, como a
ampliação do vocabulário relacionado ao tema contos de
fadas e a escrita em língua inglesa, bem como um aperfei-
çoamento da própria língua materna, visto que os textos
foram escritos inicialmente em português. Os residentes
participaram ativamente da construção das produções
textuais, enquanto mediadores do processo. Destarte,
o Programa de Residência Pedagógica se mostrou um
importante espaço para a promoção de uma cultura de
reflexão pedagógica, disseminando práticas eficazes no
planejamento e na ação educativa.

REFERÊNCIAS

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2 ed. São Paulo: Atlas, 2011. 295 p.

38
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Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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39
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no século XXI: métodos ou ética? In: JORDÃO, C. M.;
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ZERENE, S. Os multiletramentos na BNCC sob o olhar


de professores de língua inglesa. Lajeado/RS, junho,
2023.

40
EXPLORANDO O LETRAMENTO
LITERÁRIO NO ENSINO MÉDIO
SOB A PERSPECTIVA DOS
MULTILETRAMENTOS
Regiane de Cássia da Silva
Denise Vilela da Silva
Pamela Lins Soares
Maria Verônica Tavares Neves Cardoso

1 INTRODUÇÃO

O histórico educacional é de favorecimento de


textos considerados canônicos, negligenciando, muitas
vezes, outras formas expressivas da literatura. Em um
mundo cada vez mais diverso, em que as fronteiras en-
tre as culturas se entrelaçam e as identidades se tornam
cada vez mais multifacetadas, a persistência em privile-
giar textos canônicos revela-se limitadora. Portanto, há
a necessidade de abordagens pedagógicas que reflitam
essa riqueza cultural e linguística.
O presente trabalho surge como uma resposta a
essa demanda, propondo uma abordagem didático-pe-
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dagógica que se volta às multissemioses, multimodalida-


des e multiculturalidades presentes nas manifestações
literárias. O objetivo é ir além dos limites do texto escrito
tradicional, explorando suportes literários diversos para
atender às variadas necessidades do alunado.
A Teoria dos Multiletramentos busca uma maior
compreensão das práticas de leitura e escrita, levando
em consideração a multiplicidade de linguagens presen-
tes na atual sociedade. Do mesmo modo, os multiletra-
mentos literários vão além da decodificação de signos,
ultrapassando essa barreira e buscando diferentes for-
mas de expressão literária, em diversas formas de mani-
festações, como textos escritos, visuais ou audiovisuais.
O projeto se encontra em fase de finalização e está
sendo realizado em uma escola pública, localizada na ci-
dade de Palmeira dos Índios – AL. As atividades foram
realizadas no âmbito do Programa Residência Pedagógi-
ca (PRP), vinculado ao núcleo de Língua Inglesa da Uni-
versidade Estadual de Alagoas. Utilizamos, como texto
base, Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, escrito por
Robert Louis Stevenson. Dessa forma, buscamos enri-
quecer a experiência da leitura por meio de adaptações
em outros gêneros textuais/discursivos, como crônicas,
histórias em quadrinhos (HQ) e animações.
A fundamentação teórica deste trabalho se apoia
nas teorias dos Multiletramentos (Kalantzis; Cope; Pi-

42
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

nheiro, 2020), explorando os conceitos dos multiletra-


mentos literários (Cardoso, 2021) e letramento ficcional
(Zappone; Nascimento, 2019). A partir desse projeto, pre-
tendemos ampliar os recursos metodológicos utilizados
no ensino de leitura literária, especialmente no contexto
da Língua Inglesa
Ao adotarmos uma abordagem mais inclusiva e di-
versificada, acreditamos que este trabalho contribuirá
para uma prática pedagógica mais eficaz, promovendo
o desenvolvimento dos estudantes, ao mesmo tempo em
que respeita e celebra a riqueza das expressões literárias
em suas diversas formas.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Com a globalização e a evolução da tecnologia, a
sociedade sofreu grandes mudanças, consequentemente
as necessidades de aprendizagem também sofreram mo-
dificações. Com isso, é preciso novas teorias e ferramen-
tas para suprir essas necessidades.
Nesse sentido, adentramos à Teoria dos Multiletra-
mentos (Cope; Kalantzis; Pinheiro, 2000). De acordo com
os teóricos, a escolha por esse termo se deu por meio da
variedade de canais de comunicação e a ampla diversi-
dade cultural e linguística. Segundo eles, o termo é capaz
de englobar diversos modos e formas de representação
que se alteram conforme a cultura e o contexto, abarcan-

43
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

do aspectos que vão além da linguagem. De acordo com


Cardoso (2021),

[...] ser letrado já não envolve apenas ser


funcional socialmente, através de textos li-
nearmente escritos, pois, para a Teoria dos
Multiletramentos, ser letrado significa cir-
cular socialmente por meio da multimodali-
dade de textos (escritos, imagéticos, digitais,
multimodais etc.) presentes, principalmen-
te, nos grandes centros urbanos; significa,
ainda, fazê-lo de forma consciente e crítica
(letramento crítico) (Cardoso, 2021, p. 42).

A Pedagogia dos Multiletramentos adota uma pers-


pectiva na qual a mente humana é incorporada, situada e
social. Em outras palavras, sustenta que o conhecimento
humano está enraizado em contextos sociais, culturais
e materiais, e que o desenvolvimento do conhecimento
ocorre como parte de um processo de interações colabo-
rativas com indivíduos de diversas habilidades, contextos
e perspectivas, todos integrantes da mesma comunidade
(Cope; Kalantzis, 2000).
Dessa forma, diante das transformações contínu-
as na sociedade contemporânea, torna-se necessário o
surgimento de novas teorias capazes de atender às cres-
centes demandas e necessidades dos alunos. A evolu-
ção do cenário social e tecnológico requer abordagens
inovadoras que possam se adaptar às mudanças, pro-

44
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

porcionando uma educação mais relevante e alinhada


aos desafios presentes.
Considerando a diversidade cultural e linguística, é
importante ressaltar que o letramento literário não se li-
mita às obras consideradas canônicas, por outro lado, ele:

"pode ser compreendido como o con-


junto de práticas sociais que usam a
escrita literária, compreendida como
aquela cuja especificidade maior seria
seu traço de ficcionalidade "(Zappone,
2007, p. 53).

No contexto educacional, a escola é a responsável


pelo processo de letramento dos alunos, e, na maioria
das vezes, as obras escolhidas são as reconhecidas pela
crítica literária, ou seja, aquelas que empregam certos
métodos de análise, com o objetivo de avaliar (ou não)
o valor artístico de um texto. Seguindo essa perspectiva,
outras expressões literárias, como filmes, séries, jogos,
fanfics, entre outras, são subestimadas pelas instituições
educacionais por não se enquadrarem no formato tradi-
cional de livro.
Tendo em vista essas considerações, verificamos
a necessidade de repensar e atualizar as práticas educa-
cionais, buscando integrar as diversas expressões lite-
rárias e reconhecendo o potencial de aprendizagem em
contextos multimodais. Essa reavaliação se torna crucial

45
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

para proporcionar uma educação alinhada às demandas


da sociedade contemporânea, preparando os alunos não
apenas para serem funcionalmente letrados, mas tam-
bém para circularem de maneira consciente e crítica em
meio à diversidade cultural e tecnológica.

3 OBRA LITERÁRIA BASE DO PROJETO


A obra escolhida para ser a base do projeto foi a
novela gótica Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde,
escrita pelo autor escocês Robert Louis Stevenson e pu-
blicada em 1886. Esta obra é considerada um clássico da
literatura gótica vitoriana, e é marcada pela exploração
profunda da dualidade humana e dos conflitos morais.
Ao adotar essa obra como referência, além de des-
vendar as nuances da narrativa envolvente de Steven-
son, buscamos enriquecer a experiência educacional
dos alunos por meio da introdução à multimodalidade.
Segundo Cope e Kalantzis (2009), a multimodalidade é
um componente vital da pedagogia do multiletramento,
destacando a incorporação de recursos no processo de
ensino-aprendizagem. Nesse contexto, os alunos foram
expostos a uma abordagem pedagógica abrangente,
que não se restringiu apenas aos textos escritos, mas
incorporou elementos visuais, vídeos, animações e ou-
tras formas de expressão.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Através dessa abordagem multimodal, os alunos fo-


ram incentivados a explorar a narrativa de Strange Case
of Dr. Jekyll and Mr. Hyde de maneira mais holística, uti-
lizando diferentes canais de aprendizado. Essa aborda-
gem diversificada ampliou o entendimento da obra em si
e estimulou o desenvolvimento de habilidades críticas e
interpretativas diante de diversos tipos de informações.
Portanto, a escolha desta obra proporcionou um mergu-
lho profundo na literatura gótica, bem como abriu portas
para uma educação mais dinâmica, alinhada aos princí-
pios dos multiletramentos.

4 METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi dividida em etapas. A
primeira é caracterizada pela leitura da obra em inglês e
estudo aprofundado, servindo de base para a fundamen-
tação do projeto. Esse processo envolveu uma análise
detalhada dos elementos presentes na obra escolhida e
uma breve pesquisa sobre o autor, a fim de promover a
compreensão sobre o tema.
A segunda e a terceira etapas foram dedicadas à
exploração das distinções entre os gêneros textuais ro-
mance e conto. Além disso, analisamos os elementos
essenciais da narrativa ficcional, explicando os persona-
gens, o enredo, o narrador, o espaço, o tempo etc. Essas
etapas proporcionaram uma internalização dos conteú-

47
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dos, para que os alunos fossem capazes de utilizá-los em


outros momentos.
Na quarta etapa, apresentamos uma adaptação para
o gênero Crônica, em português. Em seguida, realizamos
um debate crítico acerca do conteúdo lido. A quinta eta-
pa se deu por meio da apresentação de uma adaptação da
obra original, em formato de animação.
Dessa forma, os alunos puderam compreender que
a literatura é uma expressão versátil que pode se mani-
festar em diversas formas, transcendendo as limitações
das páginas de um livro. Assim como a água, que possui
a capacidade de assumir várias formas, o texto literário
pode adquirir diferentes configurações, adaptando-se a
diferentes meios e contextos.
O produto do projeto foi a criação de uma adapta-
ção do texto literário Strange Case of Dr. Jekyll and Mr.
Hyde para o gênero Conto. As adaptações foram escritas
em português, devido à dificuldade dos alunos com a lín-
gua inglesa. Por conseguinte, o próximo passo será aju-
dá-los a reescrever as suas adaptações, em inglês.

4.1 DESCRIÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS DURANTE AS


AULAS
Nas primeiras aulas, os alunos demonstraram re-
sistência em relação ao tema e até mesmo em relação
aos residentes, porém essa resistência motivou a ex-

48
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ploração de novas abordagens, buscando uma maior


aceitação por parte dos alunos. Uma dessas abordagens
incluiu a adoção de uma atmosfera mais descontraída,
promovendo uma leitura coletiva. Apesar de demandar
mais tempo do que planejado inicialmente, essa estraté-
gia permitiu que os alunos estabelecessem uma conexão
mais significativa com o texto, resultando em análises
mais profundas e reflexivas.
A leitura do texto escolhido ocorreu em sala de aula
e revelou desafios devido à baixa proficiência dos alunos
em língua inglesa. No entanto, com paciência e persis-
tência, foram desenvolvidas análises textuais relaciona-
das aos gêneros, assim como a análise do texto no que diz
respeito ao seu significado. Destacamos, principalmente,
a dualidade entre o bem e o mal, assim como a explora-
ção da natureza humana e os limites éticos da ciência.
A abordagem sobre os diversos gêneros textuais foi
aceita pelos alunos, possivelmente, devido ao contexto
em que foi trabalhado, pois as estruturas e regras foram
explicadas em português. Isso permitiu que os estudan-
tes realizassem a análise textual de forma mais ágil do
que o processo de leitura do próprio texto.
Apresentamos diversos gêneros e releituras do ro-
mance original, tanto em forma de história em quadri-
nhos quanto em forma de animação, nas quais realizamos
análises textuais. No caso da animação, analisamos toda

49
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

parte visual e contextual. Os alunos mostraram boa per-


cepção do conteúdo quando discutimos em língua ma-
terna, mas enfrentaram desafios nos momentos em que
foram apresentados materiais em língua inglesa, tais
como textos, áudios e vídeos.

Figura 1 – Leitura de uma adaptação da obra base para HQ

Fonte: os autores (2024)


Durante o período de elaboração dos textos, em
sala de aula, os discentes evidenciaram um ambiente
descontraído, indicando que estavam desfrutando da ati-
vidade. No entanto, devido às dificuldades que enfrenta-
ram na compreensão dos materiais em inglês, solicitamos
que realizassem a produção textual em português, com a

50
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

intenção de posteriormente reescrevê-la em inglês, sob


responsabilidade dos próprios alunos.
Para a análise, escolhemos, cuidadosamente, dois
contos produzidos pelos alunos. Essa decisão visa ofe-
recer uma visão mais clara do progresso e da compreen-
são alcançados pelos estudantes ao longo do projeto. A
seleção buscou não apenas destacar as realizações indi-
viduais, mas também proporcionar insights sobre como
a metodologia multiletrada impactou na percepção e na
expressão literária de cada participante.
Ao eleger esses dois contos (“A Cidade de Jack”
e “Warwick”), pretendemos ilustrar a diversidade e a
criatividade presentes nas adaptações propostas. Am-
bos os contos são representativos de como os concei-
tos abordados, como multissemioses, multimodalidades
e multiculturalidades, foram assimilados pelos alunos e
incorporados de maneira às suas narrativas.

4.2 PRODUÇÃO TEXTUAL DOS ALUNOS


A atividade proposta para os alunos tinha como
objetivo criar a própria versão da obra Strange Case of
Dr. Jekyll and Mr. Hyde, mas com referências que tenham
significado para o próprio aluno. No entanto, devido à
proximidade do Halloween, os alunos solicitaram que
suas produções fossem inspiradas nessa data comemo-

51
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

rativa. Dessa forma, é possível identificar que os textos


misturam elementos típicos do Dia das Bruxas.
O texto intitulado “A cidade de Jack”, produzido
por um dos alunos, apresenta uma releitura da animação
The Nightmare Before Christmas (1993), de Tim Burton.
A trama original mostra a insatisfação do rei da abóbo-
ra, Jack Skellington, que, ao conhecer o mundo do Natal,
encanta-se com essa nova realidade e decide levar isso
para mundo do
Halloween, com a intenção de criar um “Papai
Cruel”. Em seguida, notamos referências ao filme e à obra.

Fragmento 1 – Texto produzido por um dos participantes1

A cidade de Jack
Na cidade Halloween todos vivem da festa mais macabra de todo
o ano, o famoso “Dia das Bruxas”. É o dia em que toda a população
“halloweense” finalmente tem seu trabalho reconhecido, é a hora
de colocar todas as atividades programadas ao longo do ano em
ação. É somente para isso que eles vivem: para amedrontar a huma-
nidade. Jack é o rei do susto, da bizarrice, do medo. É considerado
como uma celebridade para a cidade do Halloween, todos querem
ser como ele ou tê-lo para si. Mas o próprio Jack, já não se sente
mais pertencente a isso, cansou-se da fama e dos sustos, algo já não
combina mais com seus dias, então acabou indo para outras cida-
des, como a cidade da Páscoa e a cidade dos namorados, e no final
acabou sendo feliz nessas cidades.
Fonte: os autores (2024)

1 O texto foi transcrito de forma fidedigna.

52
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Como abordado na obra base e no conto acima, os


alunos tentaram abordar a dualidade do personagem sem
fugir de um contexto geral. O Dr. Jekyll busca as partes
boas e más da sua personalidade, tendo o Alter Ego como
o Sr. Hyde. Da mesma forma, no texto do aluno, Jack ex-
perimenta uma mudança de perspectiva e busca uma
vida diferente fora do papel tradicional.
Ambos exploram a ideia de personagens que bus-
cam ir além da sua aparência ou algo convencional na
sociedade. A busca por identidade, a insatisfação com
o status e a exploração de novas experiências são tópi-
cos abordados tanto no conto clássico quanto no texto
do aluno.
No texto a seguir, o estudante apresenta um ce-
nário completamente distinto do primeiro, centrado no
jogo League of Legends. Este jogo marca um contexto
pessoal na rotina diária do aluno, explorando a figura do
personagem Warwick que se assemelha a um lobisomem
transmutado por experimentos realizados por um quími-
co, em um laboratório nos subúrbios de Zaun.
Trata-se de ex-gangster que abandonou a “vida
de sangue” em busca de uma existência melhor. Con-
tudo, o personagem é forçado por um cientista a par-
ticipar de experimentos, visando uma transmutação.
Apesar da sua aparência e de ser considerado um bom

53
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

homem, o cientista demonstra que a natureza humana


é uma fera mortífera.

Fragmento 2 – Texto produzido por um dos participantes


Warwick
Se existe um monstro horripilante no halloween, com toda certeza
é o Warwick, um monstro cinzento que vive nos becos de Zaun.
Transformado por mórbidos experimentos, seu corpo é enxertado
com um sistema de câmaras e bombas, um maquinário que preen-
che suas veias com uma irá alquímica. À espreita nas sombras, ele
caça os criminosos que aterrorizam a cidade. Warwick fica enfu-
recido quando sente o cheiro de sangue. Ninguém que o derrama
consegue escapar. bocejo (ahhh...) - Thomas vai pagar a mercado-
ria! droga!
- Certo chefe...
Momentos depois... - Assine aqui
- O que é aquilo!?
(Gritos!!!)
[?] - Zaun vai assistir você sangrando!
Fonte: os autores (2024)

O texto elaborado pelo aluno sobre Warwick, o


monstro de League of Legends, e o clássico Strange Case
of Dr. Jekyll and Mr. Hyde compartilham elementos co-
muns, principalmente no que diz respeito à transforma-
ção de um ser humano em uma figura monstruosa. Em
ambos os casos, a mudança é resultado de experimentos
ou ações que alteram a natureza do indivíduo.

54
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Na obra base, o Dr. Jekyll se transforma no Sr.


Hyde, por meio de uma poção que libera seus instintos
mais sombrios. No caso de Warwick, ele é transforma-
do em um monstro através de experimentos e enxertos
tecnológicos em um ambiente de Zaun. Ambas as histó-
rias convergem na temática da metamorfose e exploram
o conceito da dualidade humana, a luta entre escuridão
e luz. Portanto, eles exploram a temática da busca por
identidade e a insatisfação com os papéis convencionais
exigidos socialmente.
Mesmo que as histórias sejam diferentes, asseme-
lham-se à narrativa do conto original, demonstrando uma
atemporalidade e uma nova forma de trabalhar com esses
temas (dualidade e busca por identidade). Esse trabalho
abriu caminhos para a ressignificação de expressões lite-
rárias clássicas no cotidiano, por meio do multiletramen-
to e da multiplicidade de linguagens presentes na vida
pessoal de cada aluno.

5 CONCLUSÃO
Tradicionalmente, a educação literária tem favo-
recido textos considerados canônicos, limitando-se à
uma expressão literária específica e deixando de lado
a diversidade de formas que a literatura pode assumir.
Este projeto buscou transcender essas limitações, ado-
tando uma abordagem multiletrada que abraça a mul-

55
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

tiplicidade de linguagens e expressões presentes na


sociedade globalizada.
A metodologia adotada permitiu que os alunos
compreendessem a obra original, bem como a explo-
rar distintos gêneros textuais, como crônicas, histórias
em quadrinhos e animações. As etapas levaram os estu-
dantes a uma compreensão mais profunda dos elemen-
tos literários, incentivando-os a produzir suas próprias
adaptações que, até o presente momento, foram em lín-
gua portuguesa.
As produções textuais dos alunos, exemplificadas
pelos contos “A Cidade de Jack” e “Warwick”, demons-
tram a internalização dos conceitos abordados, reconhe-
cendo a multiplicidade de linguagens presentes na vida
cotidiana e trazendo-as para o contexto educacional.
Dessa maneira, acreditamos que essa abordagem contri-
buiu para uma prática pedagógica eficaz, promovendo
não apenas o desenvolvimento da proficiência em língua
inglesa, mas também enriquecendo a experiência literá-
ria dos estudantes, respeitando e celebrando a diversida-
de de expressões literárias.
Ao utilizar as artes, é necessário proporcionar di-
versas interpretações dos textos, sejam eles verbais ou
não-verbais. Isso, por sua vez, enfatiza que o ensino ba-
seado na leitura multimodal ajuda a desenvolver habili-

56
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dades que se adequam a cada situação, moldadas pelas


diversas formas de comunicar.
Por fim, acreditamos que esse trabalho facilitou
não apenas a compreensão dos elementos literários, mas
também promoveu a internalização desses conceitos pe-
los alunos. Assim, é possível contemplar práticas de letra-
mento que destacam a diversidade nas interações sociais
e nos usos das linguagens, principalmente ao abordar o
ensino da Língua Inglesa, por meio da leitura de textos
multimodais adaptados.

REFERÊNCIAS
BURTON, T. The Nightmare Before Christmas. Walt
Disney Pictures, 1993.

CARDOSO, M. V. T. N. A literatura em Língua Inglesa,


via adaptações, no Ensino Médio público: leituras
plurais e (multi) letramentos literários. Tese (Doutorado)
- Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação
em Letras, 2021.

COPE, B.; KALANTZIS, M. Multiliteracies: New Litera-


cies, New Learning. Pedagogies: An International Jour-
nal, [S.l.], v. 4, n. 3, p. 164-195, 2009.

KALANTZIS, M.; COPE, B.; PINHEIRO, P. Letramentos.


Campinas: UNICAMP, 2020.

57
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

OLIVEIRA, R. H. A. Multimodalidade e Multiletramentos:


um desafio para o ensino de língua inglesa. In: Anais
Eletrônicos do IV Seminário Formação de Professo-
res e Ensino de Língua Inglesa, v. 04, p. 242-253, 2018.
São Cristóvão/SE: UFS, 2018. ISSN 2236-2061.

STEVENSON, R. L. Strange Case of Dr. Jekyll and Mr.


Hyde. London: Longmans, Green, & Co., 1886.

ZAPPONE, M. H. Y. Modelos de letramento literário e


ensino da literatura: problemas e perspectivas. Teoria e
Prática da Educação, v. 03, p. 47-62, 2007.

58
OS MULTILETRAMENTOS
LITERÁRIOS COMO FERRAMENTA
DE EMPODERAMENTO NO ENSINO
DE LÍNGUA INGLESA
José Barbosa Costa
Erika Cristina Lopes Costa
Michelle Fonsêca Leite dos Santos
Maria Verônica Tavares Neves Cardoso

1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história das civilizações, a maneira
como os seres humanos se comunicam e representam o
mundo passou por várias transformações. Essas mudan-
ças foram impulsionadas por um processo contínuo de
desenvolvimento que envolve tanto a linguagem quanto
a tecnologia.
Notadamente, com a imersão da tecnologia, a co-
municação humana evoluiu de gestos e imagens para o
formato das tradições orais. Com a invenção da escrita e
da imprensa, novas formas de representação surgiram e
se disseminaram. Atualmente, vivemos em um contexto
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

em que todas essas formas de comunicação interagem e


cooperam entre si, especialmente em ambientes virtuais.
Através da internet e das redes sociais, a troca de infor-
mações, pensamentos e ideias se tornou instantânea e
globalizada, permitindo uma construção de sentido cada
vez mais abrangente.
No decorrer das décadas, as transformações expu-
seram a forma do ser humano se comunicar e se represen-
tar em um mundo cada vez mais simétrico, envolvendo o
desenvolvimento de linguagens e tecnologias. Logo no
início, utilizava-se gestos e imagens, navegando sobre as
tradições orais, até a invenção da escrita. No contexto
atual, em ambientes virtuais, todas essas formas de re-
presentação se inter-relacionam e corroboram na edifi-
cação de sentidos.
Apesar dessa considerável disseminação das tec-
nologias e da comunicação, em todas as áreas do co-
nhecimento, mas quando se trata de educação e escola,
o processo de ensino-aprendizagem ainda está voltado
para uma abordagem marcadamente tradicional e ao le-
tramento autônomo (Street, 2014). Essa abordagem se
mostra mais resistente na área de língua estrangeira, no
caso desta pesquisa, a língua inglesa, na qual ainda é co-
mum um tipo de abordagem que privilegia conhecimen-
tos estáticos e preconcebidos, geralmente apoiados em
estruturas gramaticais ou nas funções comunicativas.

60
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Esse tipo de abordagem se mostra limitada por não


promover o agenciamento crítico dos alunos, a inclusão
social proposta por documentos oficiais que preconizam
o processo de ensino-aprendizagem de uma língua, seja
ela estrangeira ou não, a exemplo das Orientações Curri-
culares para o ensino Médio (OCEM-LE, 2006) e da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018), que tratam da
necessidade de novas formas de engajamento e partici-
pação dos alunos, a partir de uma educação pluralista
que propicie a todos

"o acesso aos saberes linguísticos neces-


sários para engajamento e participação,
contribuindo para o agenciamento críti-
co dos estudantes e para o exercício da
cidadania" (Brasil, 2018, p. 241).

Desse modo, precisamos pensar em novas episte-


mologias e abordagens metodológicas que estejam em
consonância com essa perspectiva. É necessário prepa-
rar professores e alunos que desenvolvam um processo
de ensino-aprendizagem de língua que promovam o en-
gajamento e a inclusão social de seus usuários, mas nota-
damente, das escolas públicas de educação básica.

61
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Os apontamentos do Grupo de Nova Londres


(GNL)2 vão em direção à defesa da adaptação das esco-
las às novas práticas de letramento que vêm surgindo na
sociedade contemporânea. A globalização envolta nas
interfaces tecnológicas proporcionou novos formatos de
ensino e aprendizagem, impulsionando práticas inova-
doras (Rojo, 2012). Nessa perspectiva, consideramos que
há várias possibilidades para que os alunos desenvolvam
as suas práticas de letramento, a fim de que trabalhem
com as competências básicas para a formação cidadã e
para que estejam preparados para analisar e organizar o
conteúdo de forma crítica.
A partir do exposto, trazemos, neste artigo, o re-
corte de uma experiência vivenciada em uma escola pú-
blica municipal, localizada na zona urbana da cidade de
Palmeira dos Índios – AL, durante a nossa participação
no subprojeto do núcleo de língua inglesa, vinculado ao
Programa Residência Pedagógica3, doravante PRP.

2 O grupo é denominado de Grupo de Nova Londres (traduzido para


o português brasileiro), pois o lugar onde se reuniram pela primei-
ra vez, em 1994, foi a cidade de New London, em New Hampshire,
nos EUA.
3 O Programa de Residência Pedagógica é uma das ações que inte-
gram a Política Nacional de Formação de Professores e tem como
objetivo induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cur-
sos de licenciatura, promovendo a imersão do estudante de licen-
ciatura na escola básica.

62
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma


proposta pedagógica desenvolvida por meio da nossa
participação no PRP, a partir do projeto interventivo in-
titulado “Explorando contos de fadas em inglês: desen-
volvendo o letramento crítico no Ensino Fundamental”.
Por meio deste projeto, buscamos colaborar para
o desenvolvimento do letramento crítico dos estudantes
por meio de contos de fadas em língua inglesa. O nosso
trabalho foi guiado pelos pressupostos teóricos e meto-
dológicos da Pedagogia dos Multiletramentos (Kalantzis;
Cope; Pinheiro, 2020), que visa ampliar as tradições peda-
gógicas nas quais a nossa profissão é fundada; e dos novos
letramentos, entendidos como letramento crítico, multile-
tramentos, multimodalidades e letramento ficcional.
O trabalho está organizado em quatro seções, a sa-
ber: 1) breve panorama sobre letramento (s), 2) percurso
metodológico: caminhos do projeto; 3) Resultados e dis-
cussões, acompanhados das considerações finais.

2 BREVE PANORAMA SOBRE LETRAMENTO (S)


A partir da década de 1980, os estudos sobre le-
tramentos começaram a ganhar destaque no campo da
educação, especialmente nos Estados Unidos e na Eu-
ropa. Todavia, é importante ressaltar que o conceito de
“letramento” como a habilidade de usar e compreender

63
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

a linguagem escrita de forma crítica e reflexiva remonta


há séculos.
O termo “letramento” é uma tradução livre do in-
glês “literacy” e tem origens antigas na língua inglesa,
pertencente ao inglês anglo-saxão. A palavra “literacy”
deriva do termo latino “litteratus”, que significa “aque-
le que é letrado”. Sob essa visão, ressaltamos que o le-
tramento se preocupa com a inserção do indivíduo no
mundo letrado. Ao longo dos séculos, o conceito de le-
tramento passou por mudanças e evoluções, refletindo
diferentes concepções em relação às práticas de leitura
e de escrita na sociedade.
Os Novos Estudos do Letramento (NEL) surgiram
no século XX, com foco no aspecto social do letramento,
destacando sua influência cultural e sociocognitiva. Em
contraste com abordagens anteriores que priorizavam os
efeitos cognitivos da alfabetização, os NEL consideram o
letramento como uma prática social inserida em contex-
tos culturais específicos.
Segundo Street (2014), o letramento é mais do que
simplesmente dominar o código escrito. Envolve partici-
par de práticas sociais que incluem leitura e escrita, mes-
mo que não se tenha pleno domínio dessas habilidades.
Essas práticas são influenciadas pela cultura e pelas es-
truturas de poder da sociedade.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Street (2014) identifica dois modelos de letramen-


to: o autônomo e o ideológico. O modelo autônomo con-
sidera a escrita como uma habilidade independente do
contexto social, associada ao progresso individual e à
mobilidade social. Por outro lado, o modelo ideológico
enfatiza que o letramento é moldado pelas ideologias e
estruturas de poder da sociedade, não sendo neutro e
nem universal.
O termo letramento pode ser considerado bastante
atual no campo da educação brasileira. Conforme Soares
(2009, p. 33), esse termo parece ter sido usado pela pri-
meira vez no país no ano de 1986, por Mary Kato, no livro
“No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”.
Neste livro, Kato acrescenta alguns sentidos ao concei-
to de letramento, argumentando que é um fenômeno de
aquisição e de uso da escrita como uma habilidade so-
ciocultural. O termo apareceu no ano de 1995, nos livros:
“Os significados do Letramento”, de Ângela Kleiman e
“Alfabetização e letramento”, de Leda V. Tfouni.
Outros pesquisadores se filiaram a esse pensamen-
to e iniciaram discussões como forma de aprofundar o
conhecimento. Nesse contexto, surge os letramentos
múltiplos4, que são aqueles que consideram diferentes

4 A noção de letramento no plural ou letramentos múltiplos busca


conceituar as especificidades desse fenômeno ligado às práticas
sociais de leitura e escrita (Rojo, 2009, p. 108-109).

65
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

linguagens e mídias, para além das propostas escritas.


Portanto, compreendemos que os letramentos se consti-
tuíram a partir de diferentes abordagens e compreensões.
Kato (1986) analisa o letramento como um fenô-
meno histórico e social, destacando a sua importância
na formação da língua falada culta. Para ela, o letramen-
to é um processo fundamental para o desenvolvimento
da linguagem e da comunicação. Nessa linha de pensa-
mento, Cardoso (2021) considera o letramento como
uma prática decorrente da interação social e cultural
dos sujeitos e não somente como uma habilidade técni-
ca. Assim, “o pressuposto essencial dessa nova maneira
de compreender o letramento é que a leitura e a escrita
só fazem sentido contextualizadas em práticas sociais”
(Cardoso, 2021, p. 35).
Em consonância com Street:

“todo letramento é aprendido num con-


texto específico de um modo particular,
e as modalidades de aprendizagem, as
relações sociais dos estudantes com o
professor são modalidades de socializa-
ção e aculturação” (Street, 2014, p. 154).

Dessa maneira, é importante considerar o con-


texto e as relações sociais envolvidas no processo de
letramento, pois a aprendizagem vai além do domínio

66
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

técnico das letras e palavras, envolvendo também fato-


res socioculturais e afetivos.
O letramento é uma ação que envolve interativida-
de, conexão, atribuição de sentido, compreensão, aceita-
bilidade, resistência, cultura, (re)construção e identidade,
uma vez que as formas pluralizadas de uso acontecem
simultaneamente. Portanto, é indiscutível a presença de
uma diversidade de letramentos.
O fenômeno letramento pode ser admitido como
um aporte para o ensino-aprendizagem da leitura e da
escrita, ajudando-nos a compreender os aspectos sociais
da língua, em todo o seu potencial e empoderamento.
Nessa perspectiva, situá-lo de maneira horizontal e plu-
ral, em um contexto educacional, permite a compreen-
são de que a língua é social, seja a língua materna ou uma
língua estrangeira, todas elas representam a história e a
cultura de uma região e de um povo.

2.1 OS MULTILETRAMENTOS: UM OLHAR SOBRE A


TEORIA
A teoria dos multiletramentos tem início quando
um grupo de pesquisadores, conhecido como New Lon-
don Group, doravante NLG5 apontou o termo multiletra-
mentos, para definir uma nova abordagem que oferece
argumentos para repensar os letramentos e suas impli-

5 No Brasil, o grupo foi traduzido como Grupo de Nova Londres.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cações na vida pública, econômica e comunitária (Cope;


Kalantzis, 2009).
Os multiletramentos, derivados do termo multi-
literacies, surgiram como uma resposta às mudanças
tecnológicas e culturais observadas na sociedade con-
temporânea. Com a expansão da internet e o avanço das
tecnologias digitais, as práticas de comunicação, lei-
tura, escrita e interação foram transformadas, caracte-
rizadas por uma multiplicidade de formas e sentidos, a
multimodalidade.
Nesse sentido, o termo “multiletramentos” refe-
re-se à diversidade de linguagens utilizadas nos textos,
que vão além da linguagem verbal, incluindo elementos
visuais, auditivos, gestuais e espaciais, dentre outros.
Além disso, aborda a multiplicidade cultural dos textos,
considerando as diferentes produções culturais presen-
tes na sociedade.
O NLG considera que a mente humana é incorpora-
da, situada e social, ou seja, o conhecimento humano está
embutido em contextos sociais, culturais e materiais e seu
conhecimento é desenvolvido como parte de um processo
de interações colaborativas (Cope; Kalantzis, 2009). Dian-
te disso, os autores propõem uma pedagogia que integra
quatro fatores: a) prática situada; b) instrução aberta; c)
enquadramento crítico; d) prática transformada.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Em 2006, devido às transformações ocorridas na


humanidade, Cope e Kalantzis (2009) reformularam esses
componentes traduzindo-os em “processos de aprendi-
zagem”, ou, ainda, “orientações pedagógicas”, passando
a denominá-los: a) experienciando; b) conceitualizando;
c) analisando; e d) aplicando. Conforme quadro abaixo:

Quadro 1 – Processos de aprendizagem ou orientação


pedagógicas
Orientações pedagógicas – Processos de aprendizagem –
formulação de 1996 reformulação de 2006

Experienciando => ( o conhecido e


Prática situada
o novo)
Conceitualizando => (por nome e
Instrução aberta
com teoria)
Analisando => (funcionalmente e/
Enquadramento crítico
ou criticamente)
Aplicando => (propriadamente e/ou
Prática transformada
criativamente)

Fonte: Adaptado de Cope e Kalantzis (2009, p. 26, tradução nossa)

Nesse contexto, Cope e Kalantzis (2009) apresentam


uma pedagogia que está fundamentada em quatro fatores
ou métodos pedagógicos, conforme citado anteriormen-
te, que visam um ensino-aprendizagem efetivo. Neste
trabalho, recorremos à síntese apresentada por Cardoso
(2021) acerca desses quatros fatores, quais sejam: 1) Prá-
tica situada/Experienciamento: parte do conhecimento

69
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

pessoal, que é evidenciado na vida cotidiana do estudan-


te, considerando que o conhecimento humano é situado
e contextualizado; 2) Instrução aberta/conceitualizando:
envolve a definição e a aplicação de conceitos. É a partir
da junção de diversos conceitos que o conhecimento da
disciplina é construído de forma mais completa; 3) En-
quadramento crítico/analisando: diz respeito à relação de
causa e efeito e à razão de ser das coisas; 4) Prática trans-
formada/ Aplicando: seria a aplicação do conhecimen-
to em uma situação típica. Pressupondo que esta etapa
tenha acontecido após as etapas anteriores, espera-se
que os estudantes tenham suas práticas transformadas e
que sejam capazes de assumir suas agências nos diversos
contextos de vida, inclusive na escola.
Segundo os teóricos supracitados, esses quatro fa-
tores podem ser contemplados pelo professor, ao consi-
derar a escola como uma agência de letramento. Isso tem
grande relevância para o processo de ensino-aprendiza-
gem (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020).
Além disso, é importante ressaltar que a abordagem
da Pedagogia dos Multiletramentos vai além do texto/
discurso e dos letramentos digitais, trazendo significa-
tivas contribuições para outros aspectos da educação.
Nesse viés, “na pedagogia dos multiletramentos, todas as
formas de significação, incluindo a língua, são conside-
radas como processos dinâmicos de transformação e não

70
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

processos de reprodução [...]” (Kalantzis; Cope; Pinheiro,


2020, p. 177).
Nessa abordagem, os estudantes são estimulados a
desenvolver habilidades que vão além da simples leitura
e escrita, abrangendo a análise crítica, a interpretação, a
produção multimidiática e outras competências relacio-
nadas à diversidade das multimodalidades de comunica-
ção presentes na sociedade contemporânea.
Diante disso, Cardoso (2021, p. 46) ressalta que “a
proposta de uma Pedagogia dos Multiletramentos não
implica o abandono das formas tradicionais de letramen-
to. Ao contrário, propõe compreender como diferentes
manifestações culturais combinam diferentes sistemas
semióticos para a construção de significados/sentidos”.
Portanto, essa proposta busca ir além do ensino tradicio-
nal da língua, desenvolvendo habilidades críticas e refle-
xivas, e o empoderamento diante das múltiplas formas
de linguagem presentes no mundo.
Partimos do conceito de empoderamento proposto
por Santos e Sánchez (2018, p. 37), compreendendo que
“envolve a ideia de poder e o entendimento de como ele
atua na sociedade, além dos conflitos gerados pelo seu
uso, conduzindo a processos de inclusão e de exclusão”.
Nessa perspectiva, entendemos que a educação é um ins-
trumento essencial para o empoderamento dos cidadãos,

71
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

para que possam, de fato, requerer seus direitos nessas


ações horizontais e pluralizadas.
Freire (1986) apresenta uma abordagem distinta de
empowerment, que vai além do âmbito individual, comu-
nitário ou simplesmente social, ou seja, ele propõe uma
visão de empowerment que está direta e intimamente re-
lacionada à classe social. O autor afirma que não acre-
dita na autolibertação, pois a libertação é um ato social
(Freire, 1986). Assim, o indivíduo não poderia se libertar
sozinho, por outro lado, necessitaria de um amparo social
para que isto acontecesse.
A pedagogia dos multiletramentos se propõe a
conceder o desenvolvimento de habilidades de leitura
e escrita, a interpretação de diferentes textos e a análi-
se das mensagens veiculadas sejam elas escritas, visuais,
sonoras ou midiáticas. Além disso, a noção de texto para
os novos letramentos já não se limita à palavra, oral ou
escrita, envolve outras formas de expressão, como a vi-
sual, a sonora, a digital intensificada pelas novas mídias.
Assim, não podemos falar de letramento no singular, mas
sim de multiletramentos.

2.2 MULTILETRAMENTOS E O TEXTO LITERÁRIO NA


SALA DE AULA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ressalta
que o ensino de linguagem deve seguir os eixos: oralidade,

72
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

leitura, escrita, conhecimentos linguísticos, gramaticais


e educação literária, para um processo crítico e reflexivo,
contextualizado e interdisciplinar, mediado por textos e
multimodalidades de linguagens. Nessa perspectiva, os
gêneros discursivos são imprescindíveis para o aprendiz
reconhecer práticas de multiletramentos.

O texto é o centro das práticas de linguagem


e, portanto, o centro da BNCC para Língua
Portuguesa, mas não apenas o texto em sua
modalidade verbal. Nas sociedades contem-
porâneas, textos não são apenas verbais: há
uma variedade de composição de textos que
articulam o verbal, o visual, o gestual, o so-
noro – o que se denomina multimodalidade
de linguagens (Brasil, 2017, p. 63).

Essa visão da BNCC (2017), com relação ao pro-


cesso de aprendizagem, deve ser encarada como algo
positivo, pois a escola pode incorporar as concepções
dos multiletramentos como um caminho para o trabalho
com texto literário nas aulas de língua inglesa, conforme
preconiza o referido documento: “o texto é o centro das
práticas de linguagens [...]”, mas não apenas o texto em
sua modalidade verbal, mas também levar em conside-
ração “[...] uma variedade de composição de textos que
articulam o verbal, o visual, o gestual, o sonoro – o que se
denomina multimodalidade de linguagens”.

73
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Com base nessa compreensão, podemos pensar


nos fatores apresentados pela pedagogia dos multile-
tramentos e desenvolver um trabalho plural com o tex-
to literário, uma vez que esse também engloba diversas
nuances da sociedade contemporânea, permeada por
diferentes mídias e modalidades. Dessa maneira, os mul-
tiletramentos literários (Cardoso, 2021) podem ser com-
preendidos como a capacidade de utilizar uma variedade
de habilidades e estratégias de leitura e escrita em con-
textos literários diversos. Isso inclui a capacidade de ler,
interpretar, adaptar e compreender textos literários de
diferentes gêneros e estilos, como romances, poemas,
sonetos, contos, dramas, entre outros.
Os multiletramentos envolvem a possibilidade de
um trabalho com o texto numa perspectiva do letramen-
to crítico. O letramento crítico objetiva formar leitores
que se desvinculem da ingenuidade mediante um texto.
Nessa perspectiva, Cervetti, Pardales e Damico (2001) en-
fatizam que

Grande parte da teoria crítica de letra-


mento foi derivada da teoria da crítica
social, particularmente o que diz respeito
ao aliviamento do sofrimento humano e a
necessidade de formação de um mundo
mais justo através da crítica e da existên-
cia de problemas político-sociais para o
desenvolvimento de alternativas (Cervet-
ti; Pardales; Damico, 2001, p. 45).

74
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Nessa proposta crítica, a reflexão desafia o próprio


leitor que deve se conectar com a leitura do texto e estabele-
ce uma ligação social, desconsiderando verdades universais,
construindo, reconstruindo e desconstruindo os sentidos.

2.3 CONTOS DE FADAS: UMA PERSPECTIVA JUVENIL


Na grande esteira da literatura, os contos de fadas
são oriundos dos povos celtas6. Os Contos de Fadas de
língua inglesa denominados fairy tale podem contribuir
para o desenvolvimento humano, fortalecendo o equilí-
brio emocional, estruturando a maturação e a responsa-
bilidade a partir do fator psicológico da criança. A leitura
dos contos de fadas tem um papel importante, tornando-
-se um dispositivo didático lúdico para enriquecer o vo-
cabulário e contribuir com a imaginação e a criatividade.
Nessa perspectiva, Aguiar e Bordini ao discutirem
sobre os contos de fadas, destacam que eles promovem
uma imersão

“num universo imaginário, gratuito, mas


organizado, carregado de pistas as quais

6 Segundo o registro mítico-literário, os primeiros contos de fadas


teriam surgido entre os celtas, povos bárbaros que, submetidos
pelos romanos (séc. II a.C./séc. I da era cristã), se fixaram prin-
cipalmente nas Gálias, Ilhas Britânicas e Irlanda. A essa herança
céltica, é atribuído o fundo de maravilhoso, de estranha fantasia,
imaginação e encantamento que caracteriza as novelas de cavala-
ria do ciclo bretão (ciclo do Rei Artur e seus Cavaleiros da Távola
Redonda e sua Dama Ginevra). Foi, pois, nas novelas de cavala-
ria que as fadas teriam surgido como personagens, representando
forças psíquicas ou metafísicas (Coelho, 2000, p. 175).

75
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

o leitor vai assumir o compromisso de


seguir, se quiser levar sua leitura, isto
é, seu jogo literário a termo”. Podemos
agregar a essas nuances o que articula
Todorov (1975, p. 175): “a literatura ultra-
passa a distinção do real e do imaginá-
rio, daquilo que é do que não é” (Aguiar;
Bordini, 1993, p. 27).

Novaes (1987) também reflete sobre esse gênero li-


terário e enfatiza que

Os contos de fadas têm a problemática


voltada para a luta do seu Eu, uma rea-
lização do seu interior, que está intei-
ramente ligada à sua vida. Sua trama se
desenvolve na trama da magia feérica
com presenças de fadas, reis, rainhas e
bruxas, gigantes, objetos mágicos (No-
vaes, 1987, p. 46).

Posto isso, entendemos que a leitura dos Contos de


Fadas, nas aulas de língua inglesa, é de extrema relevân-
cia e continua em constantes movimentos, pois esse tipo
de conto sempre está aberto a novas interpretações, re-
leituras e adaptações, promovendo uma leitura plural e o
letramento crítico. Para o público jovem, esse tipo de tra-
balho didático-pedagógico proporciona um engajamen-
to que vai além da formalidade, ou seja, uma educação
para a vida, criticando e refletindo sobre os textos para
engrandecer as suas experiências.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

3 PERCURSO METODOLÓGICO: CAMINHOS DO


PROJETO
Nesta seção, apresentaremos a metodologia e as
fontes de coleta de dados utilizadas na pesquisa. Primei-
ramente, cabe destacar que, como ponto de partida, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica sobre os pressupos-
tos teóricos e metodológicos da Pedagogia dos Multile-
tramentos (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020). Além disso,
ancoramo-nos nos conceitos de empoderamento (San-
tos, Sánchez, 2018), (Baquero, 2012) e (Freire, 1981); nos
conceitos de multiletramento literário (Cardoso, 2021) e
letramento ficcional (Zappone, 2019), dentre outros.
O estudo segue a abordagem qualitativa que, segun-
do Minayo (2010), realiza uma aproximação fundamental
e de intimidade entre o sujeito e o objeto. É o tipo de pes-
quisa que responde a questões particulares, sinalizando
um nível de realidade que não pode ser por quantidades
e trabalha com um universo arraigado de significados,
pretextos, ambições, crenças, valores e posturas.
O projeto “Explorando Contos de Fadas em Inglês”
foi desenvolvido nas turmas do 7° e 8º anos do Ensino
Fundamental, da Escola Básica Municipal Dr. Gerson
Jatobá, localizada na cidade de Palmeira dos Índios-AL.
Durante todo o desenvolvimento da pesquisa, houve o
acompanhamento da preceptora, que é a professora de
Língua Inglesa das turmas. As atividades ocorreram duas

77
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

vezes por semana, entre os meses de setembro e novem-


bro de 2023.
Ao longo do desenvolvimento do projeto, trabalha-
mos com os contos de fadas: Cinderella, Snow White and
the seven dwarfs e The Paper Bag Princess, mas, para este
relato de experiência, escolhemos este último.

Figura 1 – Capa da obra The paper bag princess

Fonte: https://fliphtml5.com/xmjeg/bhax/
The_Paper_Bag_Princess_By_Robert_Munch/

The Paper Bag Princess é um livro infantil escrito por


Robert Munsch e ilustrado por Michael Martchenko. Foi
publicado pela primeira vez em 1980, pela Annick Press, e
lançou a carreira de Munsch para uma nova onda de auto-
res infantis canadenses. A história inverte o estereótipo de
princesa e de dragão. Conta a história de uma princesa cha-
mada Elizabeth, que usou a sua inteligência e a sua astúcia
para salvar o príncipe Ronald (seu noivo) de um dragão.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Após várias tentativas perigosas para resgatar o


príncipe, a princesa finalmente consegue, mas fica de-
cepcionada com a atitude dele, pois, ao invés de mostrar-
-se agradecido com a coragem da noiva, ele tece críticas
porque estava suja, despenteada e malvestida (devido
aos ataques da fera).
Desse modo, de forma rude, o príncipe diz que ela
só volte a procurá-lo quando estiver vestida adequada-
mente, ou seja, conforme se veste e se porta uma “ver-
dadeira” princesa. Surpreendentemente, Elizabeth não
aceita essa atitude. Em vez disso, ela rejeita o príncipe
por ser superficial e se orgulha de sua independência.
O livro apresenta linguagem verbal e não verbal.
Nesse sentido, temos um texto literário que traz outros
modos de significação, além do linguístico, conforme
propõem Cope e Kalantzis (2009) quando afirmam que
designs disponíveis se referem às formas representa-
cionais encontradas, nesse caso, quando trabalhamos o
texto literário numa abordagem dos multiletramentos,
podemos considerá-lo como um design disponível.

3.1 RELATO DE EXPERIÊNCIA: EXPLORANDO CONTOS


NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Durante o período de regência e o desenvolvimen-
to do projeto interventivo, tivemos a oportunidade de
ministrar aulas de língua inglesa para turmas de alunos
com diferentes níveis de proficiência, mas sempre preva-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

lecendo o baixo nível, o que dificultou a participação dos


alunos nas discussões. Procuramos deixá-los tranquilos
com relação a esse quesito, quem quisesse se expressar
em língua inglesa, estava livre para falar, sem se preocu-
par com o “certo” e o “errado”.
Adotamos a abordagem de aulas expositivas dia-
logadas, como intuito construir um ambiente participa-
tivo e engajador. Iniciamos as discussões questionando
sobre as opiniões dos discentes em relação às aulas de
língua inglesa, bem como sobre seus hábitos de leitura e
interesse por livros literários, filmes, animações etc. Foi
fascinante observar a diversidade de experiências e pre-
ferências entre eles. Muitos demonstraram interesse pela
leitura, enquanto outros expressaram certa apreensão
em relação à língua inglesa.
Ao abordar o tema dos contos, investigamos se os
alunos sabiam o que era um conto e se já haviam trabalha-
do com esse gênero em aulas anteriores. A maioria estava
familiarizada com o gênero, em língua materna, mas esse
letramento literário, geralmente, não tinha sido adquirido
na escola. Muitos estudantes alegaram que conheceram os
contos a partir das suas vivências cotidianas, mas ninguém
tinha lido contos em inglês. Essa disparidade de experiên-
cias serviu como ponto de partida para as nossas atividades.
Para tornar o conteúdo mais acessível e envolven-
te, utilizamos imagens representativas de personagens e

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

títulos de contos famosos em inglês, conforme a Figura


2. Embora os alunos não reconhecessem os títulos em in-
glês, conseguiram identificar alguns dos contos, com base
nas ilustrações, o que gerou entusiasmo e curiosidade.

Figura 2 - Fairy tales

Fonte: os autores (2024)

81
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Ao longo das aulas, mantivemos um equilíbrio en-


tre o uso da língua inglesa e da língua materna, reconhe-
cendo e respeitando as limitações de proficiência dos
estudantes. Essa abordagem permitiu uma maior com-
preensão dos conceitos apresentados, além de promover
a participação ativa dos alunos.
Nas aulas seguintes, mergulhamos no universo dos
contos de fadas. Ao introduzir esse tema, muitos estu-
dantes ficaram surpresos ao descobrir a diversidade de
contos que existe. Especificamente, concentramo-nos
nos contos de fadas (Fairy tales), explorando sua compo-
sição, estrutura narrativa e elementos distintivos.
Conduzir as discussões e as atividades nos dois
idiomas, explorando a leitura em inglês e proporcio-
nando a imersão no idioma. Analisamos os elementos
essenciais de uma narrativa ficcional, desde o papel dos
personagens até o desenvolvimento da trama. Em segui-
da, mergulhamos na leitura coletiva de contos clássicos
Snow White and the Seven Dwarfs e Cinderella, utilizan-
do o inglês como língua principal de comunicação.
Durante a leitura, incentivamos os alunos a parti-
ciparem, discutindo os papéis dos personagens, identifi-
cando o narrador e explorando o vocabulário específico
do gênero. Foi emocionante testemunhar o entusiasmo
dos estudantes ao se envolverem com as histórias e com-
partilharem suas interpretações. Salientamos que nessas

82
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

discussões a língua materna era mais utilizada, dada a di-


ficuldade de os alunos participarem em língua inglesa.
Além disso, dedicamos tempo para distinguir fá-
bulas (fables) e contos de fadas (fairy tales), destacan-
do as características únicas de cada gênero. Essa análise
comparativa permitiu aos alunos desenvolverem uma
compreensão mais profunda das diferentes formas de
narrativa e suas respectivas funções na literatura.
Ao longo das aulas, encorajamos os discentes a ou-
virem contos em língua inglesa pelo youtube, por meio de
podcasts, filmes adaptados, para que prestassem atenção
nas pronúncias das palavras. Incentivamos a abordagem
participativa e interativa e percebemos que essa pers-
pectiva horizontalizada contribuiu para um ambiente de
aprendizado estimulante e colaborativo.
Um dos momentos mais empolgantes das nossas
aulas foi quando decidimos inovar. Optamos por finalizar
a intervenção com o conto The Princess Bag, que se des-
taca pela narrativa multimodal, combinando linguagem
verbal e imagens. Essa escolha não só enriqueceu a expe-
riência de leitura dos alunos, mas também abriu portas
para explorarmos conceitos mais complexos, como este-
reótipos e letramento crítico.
Aproveitamos a riqueza visual do livro para iniciar
a leitura multimodal, incentivando os alunos a interpre-

83
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

tarem as palavras e as imagens. Isso facilitou a compre-


ensão da história e permitiu uma análise mais profunda.
Ao introduzir o tema dos estereótipos, deparamo-
-nos com uma reação mista por parte dos alunos. Poucos
estavam familiarizados com o conceito, mas isso não nos
desencorajou. Pelo contrário, utilizamos The Princess
Bag como uma ferramenta para explorar os estereótipos
presentes nos contos de fadas tradicionais e como essa
narrativa desafiava essas convenções.
Uma das estratégias mais eficazes que implemen-
tamos foi a criação de um glossário para cada conto,
reunindo as palavras e expressões mais desafiadoras, en-
contradas durante as leituras. Essa prática não só forta-
leceu o vocabulário dos alunos, mas também promoveu
uma maior autonomia na compreensão do texto.
Finalmente, organizamos rodas de leitura para
discutir o conto The Princess Bag. Essas sessões foram
marcadas por debates animados e análises profundas, à
medida que os alunos compartilhavam suas interpreta-
ções e questionamentos.
Em resumo, a abordagem pelo viés do letramento
crítico se revelou significativa, não apenas expandin-
do o entendimento dos alunos sobre os contos de fa-
das, mas também estimulando o pensamento crítico e
a participação. A experiência de explorar The Princess
Bag, na perspectiva do letramento crítico, foi um marco

84
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

do nosso projeto, destacando o poder transformador da


educação quando aliada à criatividade e ao engajamen-
to dos estudantes.

3.2 A PRODUÇÃO FINAL DOS EDUCANDOS


Em busca de uma prática inovadora, a culminân-
cia do projeto “Explorando Contos de Fadas em Inglês”
permitiu um trabalho em grupo, com criticidade, criati-
vidade e ludicidade. Os alunos produziram Lapbooks re-
lacionados ao conto discutido em sala de aula.
O Lapbook é um cartaz interativo, confecciona-
do com papéis coloridos, fotos impressas e outros ma-
teriais que sirvam para explanar um tema ou atividade
(Gottardi; Gottardi, 2016; Cañas, L. Á.; Melcón, 2017).
Para a confecção, utilizamos diversos materiais, como:
papel 40 colorido, tesouras, colas, pincéis, pilotos etc.,
para que os alunos pudessem personalizar, com base em
seus gostos e na imaginação, levando em consideração
o contexto dos contos de fadas. A seguir, apresentamos
registros das produções.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Figura 3 – Lapbooks produzidos 7º ano “e”

Fonte: os autores (2024)

Figura 4 – Lapbooks produzidos 8º ano “c”

Fonte: os autores (2024)

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Figura 5 – Lapbooks produzidos 8º ano “f”

Fonte: os autores (2024)

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir deste trabalho, compreendemos a impor-
tância de programas que envolvam a parceria entre a
Universidade e a Escola Básica, como foi o caso da nossa
participação, a partir do projeto “Explorando Contos de
Fadas em inglês”, que possibilitou o estreitamento dos co-
nhecimentos produzidos nos dois ambientes de ensino.
Sobre os artefatos confeccionados pelos educan-
dos, consideramo-los vencedores nos quesitos incen-
tivo, desempenho e dedicação. No entanto, verificamos
uma grande dificuldade no desenvolvimento desta ativi-
dade, sobretudo, no que se refere à organização do mate-
rial, o uso da língua inglesa, o pouco tempo disponível, a

87
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

própria dinâmica com que o inglês vem sendo trabalha-


do nas escolas. Contudo, de modo geral, houve um enga-
jamento, participação e disponibilidade dos envolvidos
para fazer da melhor forma.
Nessa perspectiva, pontuamos que tivemos diver-
sos níveis de trabalhos, alguns foram razoáveis, aten-
dendo ao tema e/ou ao estilo da tarefa solicitada; outros
foram menos dedicados, em que verificamos diversos
elementos que não coadunam com a temática e nem
com a tarefa; em contrapartida, tivemos alunos que,
com uma experiência mais aguçada, desempenharam
a tarefa com êxito, construindo um artefato, conforme
prescrito nas orientações.

5 CONCLUSÃO
As aulas foram marcadas por uma atmosfera de in-
teresse e colaboração, pois exploramos temas que faziam
parte do cotidiano dos estudantes. A interação constante
estimulou o desenvolvimento das habilidades linguísti-
cas e o engajamento com a cultura anglo-saxônica.
A experiência de explorar contos, na aula de língua
inglesa, foi enriquecedora tanto para os alunos quanto
para nós como futuros educadores. Através dessa abor-
dagem dinâmica e inclusiva, pudemos testemunhar o
nosso crescimento acadêmico (preceptora orientadora e
residentes) e pessoal dos estudantes envolvidos no pro-

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

jeto, consolidando a importância do ensino de línguas


estrangeiras de forma contextualizada.
A experiência de explorar essas histórias clássi-
cas enriqueceu o conhecimento cultural e as habilida-
des linguísticas e analíticas dos discentes. Nesse sentido,
consideramos que esta jornada de explorar os contos de
fadas, nas aulas de língua inglesa, foi uma experiência
gratificante e educativa para todos os envolvidos. O po-
der das narrativas transcende fronteiras linguísticas, co-
nectando-nos a um mundo de imaginação e aprendizado
contínuo.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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90
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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91
LETRAMENTO FICCIONAL NO
ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: UMA
EXPERIÊNCIA COM A FÁBULA THE
SCORPION AND THE FROG
Josivaldo Santos Silva
Ítalo Junior da Silva Brandão
Milena Marcelino da Silva
Maria Verônica Tavares Neves Cardoso

1 INTRODUÇÃO
Os conceitos letramento, letramento digital, letra-
mento ficcional, multiletramentos e novos letramentos
atravessam efetivamente o texto da Base Nacional Co-
mum Curricular (BNCC). Dessa forma, o letramento está
ligado às variadas práticas de leitura nos mais diversos
contextos sociais. Segundo a BNCC, o conceito de letra-
mento crítico (LC) é o

“conjunto orgânico e progressivo de


aprendizagens essenciais que todos os
estudantes devem desenvolver ao longo
das etapas e modalidades da Educação
Básica” (Brasil, 2018, p. 7).
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Nesse contexto, é evidente que incorporar novos


conceitos teóricos ao processo de ensino e aprendiza-
gem representa uma ferramenta eficaz para consolidar o
conhecimento, pensando no ensino de língua estrangei-
ra, em específico em língua inglesa, alinhados às pers-
pectivas adotadas, recorre-se às concepções de LC para
aplicabilidade de uma didática aprofundada em dimen-
sões interculturais mantidas pelos eixos organizadores
respaldados nos componentes curriculares.
Nesses termos, este trabalho tem como objetivo
apresentar uma proposta pedagógica desenvolvida por
meio da participação no Programa Residência Pedagógi-
ca (PRP), a partir do projeto interventivo intitulado “Ex-
plorando Fábulas em inglês: desenvolvendo o letramento
crítico no Ensino Fundamental”.
Diante disso, o nosso trabalho foi guiado pelos
pressupostos teóricos e metodológicos da Pedagogia dos
Multiletramentos (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020), que
visa ampliar as tradições pedagógicas nas quais a nossa
profissão é fundada. Além disso, buscamos respaldo teó-
rico nos conceitos de multiletramento literário (Cardoso,
2021), letramento literário (Zappone, 2008); letramento
ficcional (Zappone, Nascimento, 2019), bem como do le-
tramento crítico (Cervetti; Pardales; Damico, 2001).
Os multiletramentos são uma abordagem peda-
gógica que reconhece a diversidade de formas de co-

93
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

municação na sociedade contemporânea, indo além da


leitura e da escrita tradicionais. Segundo Kalantzis; Cope
e Pinheiro (2020), essa pedagogia se respalda em quatro
fatores (experienciar, conceitualizar, analisar e aplicar)
considerados orientações pedagógicas com sensibilida-
de às diferenças. Portanto, consistem em uma série de
instruções pedagógicas cujo objetivo é tornar os profes-
sores mais cientes em relação aos procedimentos peda-
gógicos que estão empregando, a fim de se assegurarem
de que estão de acordo com o objetivo de aprendizagem,
e, ainda, de que sejam capazes de incluir os diferentes
estudantes que aprendem as coisas de formas diversas
(Kalantzis; Cope, Pinheiro, 2020).
A partir do exposto, optamos em utilizar essa pro-
posta das orientações pedagógicas, durante o desenvol-
vimento do projeto na escola. Desse modo, propomos
trabalhar a leitura da fábula The scorpion and the Frog,
nas aulas de língua inglesa, doravante LI7, no Ensino Fun-
damental da educação básica. Assim sendo, buscamos o
protagonismo dos alunos para além das antigas práticas
de letramento, utilizando esse recurso nas diferentes mo-
dalidades, como ferramenta no auxílio nas mudanças e
inovações, o que a faz uma pedagogia mais “produtiva,

7 A partir daqui, utilizaremos essa sigla para nos referirmos à língua


inglesa (componente curricular).

94
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

relevante, inovadora, criativa e capaz de transformar a


vida” (Cope; Kalantzis, 2013, p. 2).
Organizamos esta pesquisa em quatro seções,
além desta introdução. Na primeira seção, expomos as
concepções fundamentais da pedagogia dos multile-
tramentos; na segunda, discorremos sobre os alicerces
metodológicos do trabalho; na terceira, conduzimos a
análise de dados; e, por último, formulamos nossas con-
siderações finais.

2 A PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS


Na sociedade contemporânea, torna-se evidente
a crescente proximidade entre leitura e escrita. Reco-
nhecer essa transformação é inevitável, uma vez que ela
integra o cotidiano, assim como o acesso às novas tec-
nologias e às suas contínuas mudanças. Diante desse
cenário em constante evolução, surge a necessidade de
desenvolver novas habilidades de leitura e escrita, bem
como adotar práticas de letramentos que permeiem o en-
sino nas escolas. Essas práticas visam proporcionar aos
alunos uma inserção nas condições de vida contemporâ-
neas, atendendo às demandas de um mundo globalizado
e multicultural.
Dessa forma, torna-se necessário compreender a
distinção entre um indivíduo alfabetizado e letrado. A al-
fabetização refere-se às habilidades básicas de leitura e

95
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

escrita, enquanto o letramento transcende essas ações,


conferindo ao indivíduo a capacidade de atender às de-
mandas sociais que envolvem o uso da linguagem escri-
ta. Cope e Kalantzis (2015), com o intuito de promover
uma pedagogia reflexiva, enumeram quatro processos
fundamentais na construção do conhecimento, funda-
mentados na aprendizagem por meio da interação e da
participação ativa, são eles: o experienciar, o conceituar,
o analisar e o aplicar.
O experienciar (experiencing) representa uma
vertente da pedagogia que atribui valor aos indivíduos,
incentivando a expansão de seus conhecimentos pre-
existentes e capacitando-os a desempenhar variados
e distintos papéis, fundamentados em suas origens. O
processo de vivenciar o conhecido é moldado pelos re-
cursos educacionais e estratégias de aprendizagem do
“cotidiano familiar, conhecimento prévio, histórico da
comunidade, interesses e perspectivas pessoais e moti-
vação individual” (Cope; Kalantzis, 2015, p. 18). O foco
do experienciar é a compreensão crítica, o conhecimen-
to consciente e desenvolver a criticidade através de uma
prática reflexiva.
O segundo fator, o conceitualizar (conceptualizing),
abrange intervenções na base de atividades de aprendi-
zagem, isto é, consiste em um processo de construção
de conhecimento no qual os alunos desempenham pa-

96
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

péis ativos na criação de conceitos, analisando estrutu-


ras, relações e causas. Isso contrasta com a abordagem
tradicional, na qual os alunos são meros reprodutores
do conhecimento estabelecido como verdadeiro. O con-
ceituar é dividido em dois processos: o conceituar por
nomeação e o conceituar por teoria. O primeiro refere-
-se à construção dos significados de forma abstrata, es-
tipulando similaridades e diferenças, categorizando-os e
nomeando-os. No segundo, os conceitos estão ligados a
uma linguagem de generalização ou por relações semân-
ticas representadas em forma de diagrama visual e icôni-
ca (Cope; Kalantzis, 2015). O objetivo aqui é consciência
e o controle do que está sendo aprendido.
O analisar (analysing) desempenha um papel cru-
cial na consecução de uma aprendizagem eficaz. O pro-
pósito é auxiliar os aprendizes a contextualizar o seu
progressivo domínio por meio da prática, do controle e
da compreensão consciente das relações históricas, so-
ciais, culturais, políticas e ideológicas. Isso se concentra
na valorização de determinados sistemas de conheci-
mento e prática social. Cope e Kalantzis (2015) defendem
que, no analisar, a criticidade deve ser a base para a cons-
trução do conhecimento.
O aplicar (applying) é crucial, exigindo que alunos
e professores desenvolvam métodos pelos quais os estu-
dantes possam demonstrar, de maneira reflexiva, como

97
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

criar e implementar novas práticas alinhadas com seus


próprios objetivos e valores. O aplicar é concernente à
prática dos conhecimentos de modo a intervir ativamen-
te, em que se apresentam e se aplicam os conhecimentos
experienciais, conceituais e críticos, agindo com base no
que foi aprendido e aprendendo ainda mais ao experien-
ciar o novo (Cope; Kalantzis, 2015).
O aplicar apropriadamente se traduz em ações ou
realizações fundamentadas em formas predefinidas em
um contexto específico. Por outro lado, a aplicação cria-
tiva envolve a adaptação de conhecimentos, manifes-
tando-se na capacidade de construir uma configuração
distinta da original e intervir no mundo de maneira ino-
vadora e criativa.
Com base em argumentos que destacam a crescen-
te multiplicidade, a integração de modos de construção
de significado e as diferenças culturais e linguísticas pre-
sentes na sociedade, os autores enfatizam que as expe-
riências dos estudantes, de maneira geral, já vinham se
tornando mais globais. Isso lhes proporcionava a habi-
lidade de lidar com uma vasta diversidade linguística e
cultural. Assim, The New London Group (NLG) defendia
um ensino voltado aos projetos que considerassem as di-
ferenças multiculturais existentes, dando visibilidade às
dimensões profissional, pessoal e de participação cívica
(Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020).

98
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Nesse sentido, esses componentes oferecem uma


perspectiva diferenciada sobre os alunos, afastando-
-se de concepções tradicionais de letramento, nas quais
eram considerados passivos e simples receptáculos. Nes-
sa visão, o papel dos letramentos consistia em memori-
zar e reproduzir o que recebiam do professor como uma
verdade única. Diante dessas concepções, concordamos
com Cope e Kalantzis (2015) que definem que “saber não
é apenas o que você pode pensar, é o que você pode fazer
e quem você pode ser”, implicando no protagonismo dos
alunos e em sua ascensão. Esses conhecimentos não de-
vem se restringir apenas a atender às demandas da socie-
dade, pelo contrário, devem desencadear transformações
no sentido de construir uma sociedade menos desigual.

2.1 NOVOS LETRAMENTOS NA EDUCAÇÃO


CONTEMPORÂNEA
Dentro das teorias do letramento, existem várias
abordagens educacionais acerca dos conceitos de lín-
gua e sujeito, conhecimento e aprendizagem e função da
educação na sociedade. Jordão (2013) esclarece que os
letramentos representam uma abordagem que se confi-
gura como uma concepção filosófico-educacional desti-
nada ao ensino e à aprendizagem das práticas sociais que
englobam a linguagem.

99
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Nessa perspectiva, foram discutidas as concepções


de multiletramento literário, letramento literário, letra-
mento ficcional e letramento crítico. Acredita-se que os
princípios do letramento crítico, aliados aos componen-
tes curriculares e à utilização de fábulas, têm o potencial
de aprimorar a capacidade dos aprendizes de analisar,
interpretar e questionar textos em língua inglesa de ma-
neira reflexiva.
A diversidade e complexidade envolvidas na for-
mação leitora dos alunos, aliadas à oportunidade de
ressignificar as concepções de literatura e do ensino lite-
rário na língua em questão, corroboraram para que Car-
doso (2021) introduzisse um novo termo que integrasse
os conceitos de multiletramentos e letramento literário,
conforme proposto por Zappone. Ao introduzir o termo
(multi)letramento literário, Cardoso (2021) abre espaços
para ampliar sua aplicação e reinterpretar as concep-
ções enunciativas relacionadas à produção e à leitura
de enunciados, abrangendo tanto os literários quanto os
não literários.

Consideramos que a utilização desse


novo sintagma (Multi)letramentos Li-
terários mostra-se mais profícuo a essa
proposta por carregar uma pluralidade
no seu conceito e apontar para dois tipos
específicos e importantes de multiplici-
dade presentes em nossas sociedades,

100
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

principalmente, as urbanas, na contem-


poraneidade: a multiplicidade cultural
das populações e a multiplicidade se-
miótica de constituições dos textos, por
meio dos quais ela se informa e se co-
munica (Rojo, 2012 apud Cardoso, 2021,
p. 32).

Essas características, na perspectiva da referida


autora, demandam uma nova abordagem na recepção de
enunciados. O processo de produção textual não se li-
mita mais apenas ao aspecto linguístico, incorporando
elementos como imagem, som e movimento. Além disso,
a produção não é mais estritamente individual ou unidi-
recional entre aluno e professor, mas sim colaborativa,
envolvendo sujeitos que contribuem para a produção e a
retextualização.
Alinhados às perspectivas adotadas, recorre-se às
contribuições de Zappone (2008), que conceitua as prá-
ticas de letramento com e a partir de gêneros literários e
ficcionais na escolarização, embasando-se nos Novos Es-
tudos do Letramento. Seguindo essa perspectiva, o letra-
mento literário deve ser entendido como um conjunto de
práticas sociais que incorporam o uso da escrita literária,
e “a literatura como um tipo de escrita que se específica
e se distingue de outros tipos de escrita” (Zappone, 2008,
p. 52).

101
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Conforme a escritora salienta, o letramento literá-


rio e o modelo autônomo operam de maneira sinérgica
na escola, uma vez que, com frequência, já estão previa-
mente estabelecidos e destacados os parâmetros sobre
o que deve ser lido, como a leitura deve ser conduzida
e qual o propósito subjacente à leitura. Zappone (2008)
afirma também que reconhece a escola como uma agên-
cia social, que não deveria assumir um papel segregador,
mas reconhecer outras como legítimas.
Diante da inadequação percebida no conceito de
letramento literário, conforme destacado nos pontos an-
teriores, as autoras sugerem a adoção do termo “letra-
mento ficcional”. Essa proposta visa reconhecer formas
adicionais de utilização da escrita, tanto dentro quanto
fora do ambiente escolar, buscando uma abordagem mais
abrangente e “formas narrativas que se valem do verbal,
das imagens, dos movimentos, sons, associando diferen-
tes modalidades ou sistemas semióticos” (Zappone; Nas-
cimento, 2019, p. 182).
A inclinação, especialmente entre o público ado-
lescente, por best-sellers, HQs, mangás, animes e séries
televisivas, evidencia que

O convívio social dos indivíduos em di-


ferentes esferas proporciona a utilização
da escrita em inúmeros contextos e para
inúmeros objetivos, o que gera uma infi-

102
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

nidade de práticas de letramento. Assim,


pode-se afirmar que tais práticas, ditas
no plural, são inúmeras, dependem e
mudam a partir de diferentes contextos
em que a leitura e a escrita são realiza-
das, o que extrapola, evidentemente, os
usos escolares (Zappone; Nascimento,
2019, p. 178).

Ao identificar práticas de leitura além das con-


vencionalmente reconhecidas, as autoras destacam a
presença de outras que, frequentemente, permeiam o
ambiente da sala de aula. Segundo Cervetti, Pardales e
Damico (2001, p. 02), a abordagem do letramento crítico
“está fundamentada na teoria da crítica social, nos es-
tudos de Paulo Freire e, mais recentemente, nas teorias
pós-estruturalistas”.
Com relação às contribuições da teoria da crítica
social, Cervetti, Pardales e Damico (2001) destacam que

Grande parte da teoria crítica de letra-


mento foi derivada da teoria da crítica
social, particularmente o que diz respei-
to ao aliviamento do sofrimento huma-
no e a necessidade de formação de um
mundo mais justo através da crítica da
existência de problemas político-sociais
e desenvolvimento de alternativas para
estes problemas (Cervetti; Pardales; Da-
mico, 2001, p. 46).

103
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Diante disso, a presença dessas questões está in-


timamente ligada à influência que certos grupos domi-
nantes exercem sobre as ideologias, as instituições e
as práticas sociais. Ademais, tivemos a influência das
teorias pós-estruturalistas, as quais têm suas crenças
apoiadas na concepção de que os significados do texto
emergem apenas em relação a outras significações e em
contextos sócio-políticos específicos (Cervetti; Pardales;
Damico, 2001). Nessa perspectiva, torna-se evidente que
as verdades são interpretações moldadas pela percepção
do leitor que as formula.
Com base nas fundamentações apresentadas, com-
preendemos que o ensino de língua inglesa, fundamen-
tado na abordagem do letramento crítico, tem o potencial
de desenvolver a percepção crítica do aluno. Isso possi-
bilita que ele atue de maneira consciente, utilizando seu
conhecimento da língua inglesa para construir signifi-
cados diversos a partir dos textos abordados em sala de
aula. Destacamos, pois, que independentemente do nível
linguístico da língua adicional do aluno, a formação crí-
tica pode e deve ser cultivada, mesmo em momentos nos
quais a língua materna é utilizada em sala de aula.

3 EXPLORANDO AS FÁBULAS EM LÍNGUA INGLESA


As fábulas são breves relatos ficcionais e narrativos,
cujos personagens, em sua maioria, assumem a forma de

104
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

animais. Uma característica fundamental desse gênero


textual é a transmissão de ensinamentos, por meio da
apresentação de valores morais e éticos aos leitores. Es-
sas narrativas induzem seus personagens a representa-
rem comportamentos humanos por meio de construções
metafóricas ou simbólicas. Dessa forma, os animais, me-
tamorfoseados a partir das condutas humanas, desempe-
nham o papel de refletir nossas virtudes e/ou vícios.
De acordo com Zilberman (2003), as histórias in-
fantis são de grande valia, pois sua atuação dá-se den-
tro de uma faixa de conhecimento, não porque transmite
informações e ensinamentos morais, mas porque pode
outorgar ao leitor a possibilidade de desdobramento de
suas capacidades intelectuais.
Ao integrar as fábulas ao currículo do Ensino Fun-
damental, os educadores têm a oportunidade de abordar
temas relevantes de forma lúdica, despertando o inte-
resse dos alunos para a leitura e incentivando o debate
sobre valores, ética e comportamento. Essa abordagem
promove a construção de uma consciência crítica des-
de os anos iniciais da educação, preparando os discentes
para enfrentar as dificuldades intelectuais e sociais ao
longo de sua jornada acadêmica e da vida pessoal.
A inclusão das fábulas é essencial para o processo
de ensino, conforme destaca Pereira (2016),

105
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

[...] historicamente a literatura por meio


das fábulas tem propiciado a transmis-
são de cultura, de valores às crianças em
diferentes épocas e contextos. A escola,
ao transmitir o saber por meio dos gê-
neros textuais, pode incentivar a crian-
ça à leitura, principalmente de fábulas,
resgatando os valores culturais (Pereira,
2016, p. 8).

Assim, as fábulas desempenham um papel crucial


não apenas na transmissão de valores, mas também no
fomento do pensamento crítico, na promoção da leitu-
ra, no enriquecimento cultural e tradicional, bem como
na compreensão do comportamento humano, entre ou-
tros aspectos.

4 METODOLOGIA
Inicialmente, é necessário salientar que a pesquisa
exploratória abordada neste contexto emergiu durante a
vivência no Programa de Residência Pedagógica, desen-
volvido em uma instituição de ensino da rede pública,
situada na cidade de Palmeira dos Índios, Alagoas. De
acordo com Gil,

“as pesquisas exploratórias têm como


principal finalidade desenvolver, escla-
recer e modificar conceitos e ideias, ten-
do em vista a formulação de problemas
mais precisos ou hipóteses pesquisáveis
para estudos posteriores” (2007, p. 43).

106
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Ou seja, estabelecer maior familiaridade com o


problema.
Nessa perspectiva, José Filho afirma que

“o ato de pesquisar traz em si a necessi-


dade do diálogo com a realidade a qual
se pretende investigar e com o diferente,
um diálogo dotado de crítica, canaliza-
dor de momentos criativos” (2006, p. 64).

A busca por compreender qualquer fenômeno que


constitua essa realidade requer uma aproximação, dada a
sua complexidade e dinamicidade.
Os dados da pesquisa foram analisados de forma
qualitativa com o objetivo de avaliar a habilidade dos
alunos em analisar textos de maneira crítica, compreen-
der diferentes perspectivas e instigar questionamentos.
Além disso, buscamos examinar elementos como contex-
to histórico, cultural, linguagem, discurso, apropriação e
reinterpretação. Esta metodologia possibilita a investiga-
ção acerca dos multiletramentos e a exploração das fábu-
las como abordagem reflexiva para interpretar narrativas,
nas aulas de Língua Inglesa.

4.1 PLANEJAMENTO DIDÁTICO ACERCA DA FÁBULA


THE SCORPION AND THE FROG
O presente trabalho propõe uma sequência di-
dática para abordar a fábula, baseada na metodologia

107
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dos multiletramentos (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020).


Ao adotar a abordagem de experienciar, conceitualizar,
analisar e aplicar, buscamos proporcionar uma aprendi-
zagem significativa, promovendo o desenvolvimento de
habilidades múltiplas, desde a compreensão da narrati-
va até a aplicação dos conceitos adquiridos.
No primeiro encontro, explicamos os objetivos do
projeto e introduzimos as discussões sobre o gênero fá-
bula, a partir de indagações como: Vocês sabem o que é
uma fábula? Vocês poderiam citar alguns exemplos? Do
que trata esse tipo de texto? Diante disso, alguns estu-
dantes afirmaram que conheciam a fábula da raposa e
das uvas.
Após esse momento, conversamos sobre o que
distingue um texto literário de um não literário e apre-
sentamos os conceitos de contos de fadas (Fairy tale) e
de fábula (fable), diferenciando-os a partir de exemplos.
A fábula selecionada para o trabalho didático-pe-
dagógico foi a The Scorpion and the Frog. Sendo assim,
discutimos sobre o conteúdo do texto, sobre o autor, so-
bre os personagens e sobre as temáticas que, comumen-
te, são abordadas nas fábulas.
Em seguida, apresentamos uma animação da fábu-
la, para que os alunos assistissem e tivessem contato com
o texto multimodal. Os alunos demonstraram bastante

108
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

entusiasmo ao assistirem à animação, pois os persona-


gens, até então estáticos no texto escrito, ganharam vida.
Para facilitar as discussões, entregamos duas ver-
sões da fábula (português e inglês). Os residentes fizeram
a leitura do texto, a fim de deixar os alunos confortáveis,
haja vista que pareciam nervosos ao perceberem que ha-
via uma versão em língua inglesa e que seria feita uma
leitura de um conteúdo desconhecido por eles. Após a
leitura, os discentes foram convidados a fazerem a relei-
tura compartilhada. Para tornar o processo mais dinâmi-
co, recomendamos que tentassem performatizar ao ler o
conteúdo, com o intuito de amenizar a tensão daqueles
que relataram insegurança. Nesse momento, pedimos
que todos sublinhassem as palavras que não conheciam,
para que pudéssemos esclarecer o significado, como
cada uma pode ser usada e em quais contextos.
A turma foi dividida em dois grupos, nos quais
compartilharam o que entenderam da história e como
interpretaram cada acontecimento presente na narrati-
va. Ao final, propomos uma atividade: cada grupo deve-
ria escrever um novo final para a fábula. Sugerimos que
fizessem desenhos dos personagens, mas a maioria não
quis, alegando que não sabia desenhar.
Após recolher as atividades, relemos o texto em por-
tuguês. Em seguida, dividimos a turma novamente, a fim
de que os estudantes compartilhassem as suas opiniões

109
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

sobre a moral da história e expressassem suas visões sobre


os personagens e as escolhas que fizeram durante as suas
trajetórias. No final da aula, pedimos que apresentassem
as produções, explicando o motivo das suas escolhas.
Em outro momento, propomos a produção de uma
fábula, utilizando como ponto de partida o texto The hor-
se and the pig. Os alunos demonstraram muita inseguran-
ça ao escreverem em língua inglesa, por isso, permitimos
que eles construíssem os textos em língua materna.
Apesar dos esforços, alguns alunos não consegui-
ram concluir o texto, alegando insegurança ou falta de
criatividade para finalizar suas histórias. Muitos deles ti-
veram dificuldade em aderir às características e a estru-
tura de escrita referentes ao gênero proposto.
Dessa maneira, consideramos que o estudo acer-
ca do conteúdo proposto alcançou, de forma parcial, o
objetivo de compartilhar alguns conhecimentos sobre
a língua inglesa. Reconhecemos que não conseguimos
chegar onde idealizamos, mas acreditamos ter realizado
um bom trabalho, dentro das possibilidades e do contex-
to vigentes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O emprego do letramento ficcional em sala de
aula, por meio dos textos multimodais, especialmente
com a fábula The Scorpion and the Frog, demonstrou o

110
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

interesse dos alunos pela língua inglesa. Este interes-


se abrange tanto as temáticas exploradas na narrativa
quanto os tipos de personagens, predominantemente
animais, e as valiosas lições de moral inerentes ao gêne-
ro literário trabalhado.
Diante desse contexto, acreditamos que a incorpo-
ração de imagens e da linguagem distintiva do gênero não
apenas facilitou a compreensão dos estudantes, mas tam-
bém estimulou a criatividade, evidenciada na produção
de novas fábulas. Contudo, é importante observar que,
de acordo com os relatos dos regentes, alguns estudan-
tes apresentaram dificuldades de proficiência em inglês
e déficits na língua materna, fato que resultou na pouca
interação e no envolvimento com as tarefas propostas.
Todavia, apesar dos desafios identificados, os re-
sultados indicam que essa intervenção corroborou para
a produtividade e criatividade dos estudantes. As difi-
culdades linguísticas enfrentadas por alguns alunos não
anulam os benefícios observados, como o despertar do
interesse, a aceitação da língua inglesa e a notável ca-
pacidade dos estudantes em criar narrativas. Estes ele-
mentos sugerem que a abordagem empregada no estudo
é promissora e pode continuar sendo refinada para ma-
ximizar seu impacto no desenvolvimento literário e lin-
guístico dos alunos.

111
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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113
PERCEPÇÕES DE PROFESSORES
DO ENSINO FUNDAMENTAL DE
PALMEIRA DOS ÍNDIOS/AL SOBRE
A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
(LIBRAS)
Leila de Souza Santos
Pedro Antonio Gomes de Melo

1 INTRODUÇÃO
A educação no Brasil passa, constantemente, por
muitos desafios que precisam ser enfrentados para que
haja melhorias significativas no meio educacional. Mes-
mo reconhecendo que a Educação Especial e Inclusiva
vem passando por avanços ao decorrer do tempo, ainda
há muito o que se fazer para a divulgação e para o aces-
so ao ensino/aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais
(doravante LIBRAS) para que de fato haja a inclusão de
forma efetiva na Educação Básica da pessoa e/ou comu-
nidade surda.
Dessa forma, pesquisas sobre o uso, prática e for-
mação docente com a Libras no ambiente escolar são de
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

suma importância, sobretudo quando falamos em inclu-


são no âmbito do Ensino Básico. Nessa direção, este artigo
científico objetiva refletir sobre percepções de professo-
res sobre a LIBRAS, atuantes em uma escola privada da
cidade de Palmeira dos Índios, Alagoas, que lecionam no
Ensino Fundamental (anos iniciais e finais).
Como problematização, levantamos o seguinte
questionamento: quais percepções terão os professores
da educação básica, em especial atuantes no Ensino Fun-
damental, sobre a Língua Brasileira de Sinais?
Em relação a hipótese cerne desse estudo, inferi-
mos que os docentes investigados não apresentarão co-
nhecimentos linguístico-gramaticais pormenorizados
sobre língua de sinais e/ou Libras como também sobre a
comunidade surda e/ou com a cultura surda. Apesar de
terem tido contato com essas temáticas em suas forma-
ções acadêmicas, visto que a LIBRAS foi inserida como
disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação
de professores, como regulamenta a Lei nº 10.436, de 24
de abril de 2002.
Quanto aos aspectos teórico-metodológicos, este
estudo está embasado nos pressupostos basilares de
Gesser (2009), Godoi, Lima e Andrade (2016), Lima e Cór-
dula (2017), Mantoan (2015), Quadros (2003), Rocha, Oli-
veira e Reis (2016), entre outros que estudam questões
voltadas à Libras e se trata de uma pesquisa de caráter

115
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

quali-quantitativo, haja vista a verificação e testagem de


hipótese acontecerem pela consideração das qualidades
e quantificação dos dados. O corpus foi colhido através
de entrevistas guiadas por questionário.
Além da introdução, conclusão e referências, este
trabalho está estruturado em três seções: a primeira, inti-
tulada de As raízes da Língua Brasileira de Sinais e a sua
importância, expõe aspectos sobre a história da LIBRAS,
evidenciando seu processo para ser reconhecida como
língua e a sua importância ao decorrer do tempo; a se-
gunda, O ensino da Língua de Sinais na comunidade sur-
da, traz a reflexão sobre a importância da inclusão dessa
língua no âmbito educacional. Por fim, a terceira seção,
Análise e discussão dos dados, que evidencia a análise e
os resultados obtidos, pondo em foco as percepções co-
lhidas dos professores investigados.

2 AS RAÍZES DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS E A


SUA IMPORTÂNCIA
O Brasil possui duas línguas oficiais, o Português
e a Língua Brasileira de Sinais (Libras), que é uma lín-
gua independente e oficial da comunidade surda brasi-
leira, a qual ganhou esse status por meio do Decreto n°
5.626/2005, que regulamenta a Lei Federal nº 10.436 de
24 de abril de 2002, que a entende como uma forma de
comunicação e expressão, sendo reconhecida pela lin-

116
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

guística, pois possui uma estrutura completa com níveis


semânticos, sintáticos, morfológicos e fonológicos, o seu
diferencial se dá por ser da modalidade gestualvisual.
Não há registros históricos que comprovem o início
da utilização dessa língua, entretanto, por muito tempo
ela foi marginalizada, pois não era aceita pela sociedade,
não a reconheciam como meio de comunicação e expres-
são. Na antiguidade tinham uma visão completamente
errônea sobre os surdos, acreditavam que eles possuíam
alguma deficiência mental pelo fato de não conseguirem
se expressar oralmente e, por essa razão, eles eram exclu-
ídos de muitos direitos legais, sendo até condenados à
morte. Silva (2020) vem ressaltar que

Historicamente, o surdo foi figura mar-


ginalizada e vítima de preconceito, mas,
nos últimos anos, uma série de medidas
de inclusão têm sido realizadas no nos-
so país. A exclusão social dos surdos era
um fato nas ditas civilizações clássicas,
isto é, Grécia e Roma (Silva, 2020).

Foi apenas em 1857, com a fundação do Instituto


Nacional de Surdos-Mudos (INSM), no Rio de Janeiro,
que se deu o início oficial da educação dos surdos bra-
sileiros. Atualmente o INSM foi renomeado e chama-se
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Entre-
tanto, como uma forma de regredir os sucessos já alcan-

117
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

çados, em 1911 o INSM passou a adotar apenas o método


oralista nas disciplinas ofertadas e em 1957 foi proibida,
oficialmente, a Língua de Sinais em sala de aula, ou seja,
foi uma forma de excluir definitivamente os alunos sur-
dos do âmbito educacional.
No entanto, a criação do atual INES significou um
grande avanço para a comunidade surda brasileira, dessa
forma, mesmo com a proibição de utilizar a LIBRAS, os
surdos mostraram ser um grupo de resistência, não dei-
xando que a sua língua morresse. Ainda assim, é evidente
que tal proibição gerou grandes prejuízos para a Língua
de Sinais e a sua cultura.
Mesmo após o reconhecimento da Libras como
língua oficial dos surdos, muitos desconhecem que essa
Língua de Sinais possui uma estrutura, como as demais
línguas e acreditam que são apenas mímicas ou gestos
reproduzidos como uma tentativa de manterem a comu-
nicação. Mas, ao contrário do que muitos pensam, ao
dominar a Libras, a comunidade surda é capaz de se ex-
pressar tão bem quanto um ouvinte. Vejamos

1. Primeiro que a língua de sinais não é


baseada em gestos ou mímicas, tra-
tase de uma LÍNGUA natural, com
léxico (léxico é todo o conjunto de
palavras que as pessoas de uma de-

118
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

terminada língua têm à sua disposi-


ção para expressar-se, oralmente ou
por escrito) e gramática próprios;
2. Segundo que cada comunidade de
surdos desenvolveu a sua própria
língua de sinais, tal como cada povo
desenvolveu sua língua oral (Libras,
2017).

A maior diferença entre a Língua de Sinais e a Lín-


gua Portuguesa não se dá apenas por uma ser da modali-
dade gestual-visual e a outra oral-auditiva, mas também
nas suas estruturas gramaticais. Diferente do que muitos
acreditam, a Libras não é uma língua universal, ela apre-
senta variedade, além dos diferentes dialetos regionais,
ou seja, os surdos não falam a mesma língua em qualquer
parte do mundo. Com isso, Gesser (1971, p. 39) vem res-
saltar que

Portanto, dizer que todos os brasileiros


falam o mesmo português é uma inver-
dade, na mesma proporção em que é in-
verdade dizer que todos os surdos usam
a mesma LIBRAS. Afirmar essa unidade
é negar a variedade das línguas, quando
de fato nenhuma língua é uniforme, ho-
mogênea (Gesser, 1971, p. 39).

Logo, a comunidade surda passou por muitos per-


calços para conseguir que a Língua de Sinais chegasse a

119
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ser o que é hoje. Para ser reconhecida oficialmente como


língua, ela passou por um desenvolvimento gradual até
ser vista como uma língua formalmente completa. Vale
ressaltar que a Libras não é uma língua artificial, ou seja,
que foi criada com algum propósito específico, mas sim,
uma língua natural do povo surdo.
Tendo em vista que a língua, a linguagem e a comu-
nicação são essenciais para manter as interações sociais,
a pessoa surda tem direito garantido por lei a estudar a
Libras (BRASIL, 2005), com isso, torna-se imprescindí-
vel que a criança surda tenha acesso a essa língua o mais
cedo possível, para que assim, tenha um bom estímulo e
desenvolvimento na Língua de Sinais, que é a primeira
língua dos surdos.
No tocante ao desenvolvimento do surdo, pode-
mos ressaltar que o problema não é a surdez, mas a falta
de contato com a Língua de Sinais e a falta de inclusão na
sociedade e nas escolas, de forma efetiva. Desse modo,
Gesser vem afirmar que

“o surdo pode e desenvolve suas habi-


lidades cognitivas e linguísticas (se não
tiver outro impedimento) ao lhe ser as-
segurado o uso da língua de sinais em
todos os âmbitos sociais em que transi-
ta.” (Gesser, 1971, p. 76).

120
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Ou seja, a falta de inclusão acarreta grandes conse-


quências em vários âmbitos da vida dos surdos, tanto no
campo intelectual, como no social e emocional.

3 O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS NA COMUNIDADE


SURDA
A educação é um direito de todos, que deve pos-
sibilitar o desenvolvimento dos indivíduos em todos os
seus aspectos. Nesse sentido, faz-se necessário que a es-
cola esteja apta para oferecer um sistema de ensino que
assegure a inclusão de todos os alunos, pois a educação
inclusiva permite que o estudante se desenvolva como
parte integrante da sociedade, ao mesmo tempo em que
atende as demandas das particularidades de cada um.
Doravante, no que diz respeito ao ensino da língua
de sinais, é primordial que haja uma educação inclusiva
desde o princípio da formação das crianças surdas, para
que estas consigam obter um desenvolvimento de forma
adequada, obtendo uma boa aprendizagem. Possibilitar
a igualdade de oportunidade fará com que seja constitu-
ído um processo único de aprendizagem, de forma que
não haja discriminação entre os alunos, seguindo o que
consta na Constituição Federal de 1988, em seu Art, 5º,
que assegura que “todos somos iguais perante a lei sem
distinção de qualquer natureza”.

121
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Diante disso, é determinado pelo Decreto nº


5.626/05 (Brasil, 2005, Art. 22) que

As instituições federais de ensino responsá-


veis pela Educação Básica devem garantir a
inclusão de alunos surdos ou com deficiên-
cia auditiva por meio da organização de:

I. Escolas e classes de educação bilín-


gue abertas a alunos surdos e ouvintes,
com professores bilíngues, na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental;

II. Escolas bilíngues ou escolas comuns


regulares de ensino abertas a alunos
surdos e ouvintes para os anos finais do
Ensino Fundamental, Ensino Médio ou
Educação Profissional, com docentes
das diferentes áreas do conhecimento,
cientes da singularidade linguística dos
alunos surdos, bem como a presença de
tradutores e intérpretes de Libras – Lín-
gua Portuguesa (Brasil, 2005, Art. 22).

Os surdos lutam diariamente pelos seus direitos,


para que haja a inclusão desse grupo tanto na sociedade
como nas escolas, por isso a regulamentação de leis reco-
nhecendo a Libras e os direitos da comunidade surda bra-
sileira é tão importante para a contribuição e garantia da
inclusão dessa comunidade. Com isso, é perceptível que

122
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

o processo de inclusão vem crescendo ao longo desses


anos, mas ainda assim existe um grande déficit no que diz
respeito à educação para estes, pois apesar dos direitos
adquiridos, na prática ainda há muito o que se fazer.
Torna-se imprescindível que os alunos surdos, ao
serem incluídos no contexto escolar, tenham acesso a
um ensino que respeite a sua língua, no entanto, apesar
dos avanços significativos para que haja essa inclusão, as
instituições de ensino apresentam muitas precariedades
que ficam evidentes no momento de inserção dos alunos
surdos no universo ouvinte, tornando-se difícil a comu-
nicação com a língua de sinais.
Não obstante, são muitos os problemas que as
escolas enfrentam para que de fato haja uma inclusão
que considere todas as necessidades dos alunos sur-
dos. Nesse contexto, a prática docente, sem dúvidas, é
um grande desafio, pois muitos profissionais da educa-
ção não possuem o conhecimento necessário para li-
dar com as singularidades e necessidades de ensino e
aprendizagem que esses aprendizes necessitam.
Dessa forma, vê-se a necessidade da formação
continuada dos professores, para que estes consigam
desenvolver uma prática de ensino e aprendizagem que
venha de fato incluir esses alunos, respeitando a sua lín-
gua e as suas necessidades. Mantoan (2015, p. 81) ressal-
ta que “formar o professor na perspectiva da Educação

123
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Inclusiva implica ressignificar o seu papel, o da escola,


o da educação e o das práticas pedagógicas usuais do
contexto excludente do nosso ensino em todos os ní-
veis”, ou seja, ao ampliarem a sua formação pedagógi-
ca, esses profissionais conseguirão desenvolver novas
competências a respeito das práticas de inclusão, ofere-
cendo um ensino de qualidade aos alunos surdos.
É perceptível observarmos que, na maioria das
vezes, alguns dos currículos apresentam uma pequena
quantidade de conteúdos para o ensino da Língua Brasi-
leira de Sinais e consistem apenas de listagens de tópicos
que passam pelo profissional docente. Nesse contexto,
para haver inclusão na educação dos surdos, a escola
precisa flexibilizar o seu currículo e incluir o ensino da
Libras nele, além de buscar e compreender o contexto
educacional em que a comunidade surda está inserida,
conhecendo as dificuldades presentes, para assim, tor-
nar o currículo mais acessível e significativo.
A escola, como instituição social inclusiva e res-
ponsável pela educação, deve desenvolver estratégias
que promovam a aprendizagem dos alunos surdos. Em
alguns momentos, por falta de conhecimento por parte
de alguns, as crianças surdas brasileiras não adquirem
a Libras em tempo hábil, isto é, a partir dos primeiros
meses de nascidos, e chegam às escolas sem língua
construída, fazendo uso apenas de gestos naturais. Esta

124
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

realidade interfere muito no desenvolvimento infantil


(Quadros, 2012).
Nesse particular, de acordo com os docentes de
Gesser (1971, p. 79),

Há uma distância enorme entre o dizer e o


fazer. Por tanto tempo se fala nas implica-
ções positivas do uso de língua de sinais na
escolarização do surdo e, ainda assim, há
resistência quando a essa questão, ora por
falta de espaços, oportunidades e apoio para
os educadores ouvintes se aperfeiçoarem na
sua proficiência linguística, pra por se per-
petuarem visões preconceituosas sobre a
língua de sinais e posturas paternalistas na
relação com os surdos (Gesser, 1971, p. 79).

Dito isso, a escola deve flexibilizar metodologias


que contribuam, de maneira significativa, no ensino
aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais, ampliando
os espaços conquistados no processo educativo, prepa-
rando o ambiente e otimizando o espaço com recursos e
materiais, promovendo assim uma política de melhoria
na educação inclusiva.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (Censo IBGE 2010), há um percentual de 10
milhões de pessoas com deficiência auditiva. Nesse par-
ticular, dentro desse universo observamos uma grande
diversidade, há surdos, por exemplo, que se comunicam

125
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

em Libras, já outros nascem surdos e com o passar do


tempo aprendem a língua oral. Além disso, é notório uma
ocorrência permanente de bilíngues e aqueles indivídu-
os que perderem a audição ao longo da vida.
Doravante, é comum ouvirmos a expressão surdo
mudo, no entanto, não existe esta figura, uma vez que os
surdos, sejam eles oralizados ou sinalizados, têm capa-
cidade de comunicação e não podem ser considerados
mudos. Nesta perspectiva, os indivíduos que perderam
a audição depois de aprenderem a Língua Portuguesa,
acomodam-se melhor em escolas regulares, assim, irão
precisar do auxílio da tecnologia, como aparelhos audi-
tivos, implantes cocleares e radiotransmissores para pro-
fessores. Logo, o surdo que se alfabetizou em Libras, tem
uma cultura própria e estes possuem a Língua Portugue-
sa como uma segunda língua em escolas bilíngues.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS


Nesta terceira seção, iremos apresentar a análise e
a discussão dos dados constitutivos do corpus da pesqui-
sa por meio de uma abordagem quali-quantitativa. Dessa
forma, buscaremos interpretar as respostas dos dez pro-
fessores-colaboradores na tentativa de evidenciarmos
possíveis conhecimentos linguístico-gramaticais sobre a
Libras, como também as concepções dos entrevistados
sobre a comunidade surda e/ou a cultura surda.

126
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A constituição do corpus se deu por meio de entre-


vistas in loco com os dez docentes colaboradores, de uma
escola da esfera privada, localizada na cidade de Palmeira
dos Índios, Alagoas, durante o período de agosto de 2023
a setembro de 2023. Para tal utilizamos um questionário
impresso para guiar as entrevistas, todas as respostas
foram colhidas de forma manuscrita. O critério adotado
para a escolha dos dez participantes foi que todos os pro-
fessores estivessem lecionando no Ensino Fundamental.
O Quadro 1, a seguir, traz informações gerais dos
professores-colaboradores desta pesquisa como sexo,
formação acadêmica e atuação pedagógica.

127
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 1 – Dados gerais sobre os professores-colaboradores


da pesquisa
DADOS DOS PARTICIPANTES

TURMA QUE
PROFESSOR/A SEXO FORMAÇÃO
LECIONA
Graduada em 2º ano – anos
CELESTINA8 Feminino
Pedagogia. iniciais.

Graduada em Ciências
FEDRA Feminino 6º ano – anos finais.
Biológicas.

Graduada em
ADÁLIA Feminino 6º ano – anos finais.
Geografia.
Graduada em 1º ano – anos
MADALENA Feminino
Pedagogia. iniciais.
Graduada em
VALENTINA Feminino Letras Inglês e suas 6º ano – anos finais.
respectivas literaturas.
Graduada em 3º ano – anos
MARTINA Feminino
Pedagogia. iniciais.
Graduada em 5º ano – anos
AURORA Feminino
Pedagogia. iniciais.

MARIA Feminino Graduada em História. 6º ano – anos finais.

Graduado em
DANTE Masculino 6º ano – anos finais.
Matemática.
Graduada em 4º ano – anos
ISLA Feminino
Pedagogia. iniciais.

Fonte: autores (2023)

A seguir, exibiremos os dez comandos propostos no


questionário-guia, as respostas dos professores e nossas
considerações sobre cada uma das respostas coletadas.

8 Os nomes dos professores-participantes da pesquisa apresentada


no Quadro 1 são fictícios para preservar suas identidades.

128
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 2 – respostas para o comando 1 dos


professores-colaboradores

COMANDO 1: Você já teve algum contato com alguma língua de sinais ou com a
Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), com a comunidade surda e/ou com a cultura
surda?

Professor/a Respostas

Através do curso de pedagogia, do magistério e com uma


prima que é surda e sabe se comunicar usando LIBRAS, no
CELESTINA
início foi difícil para mim, depois fui começando a entender o
significado do que ela queria dizer.

O meu contato com a LIBRAS foi durante a disciplina que


FEDRA
cursei na faculdade.

ADÁLIA Em alguns encontros de formação.

Tive experiência no 4º período de filosofia, pouco tempo e


MADALENA
limitado.

VALENTINA Tenho um primo surdo-mudo.

Na igreja em que frequento tem um grupo que realiza a mesma


MARTINA
reunião em língua de sinais.

AURORA No meu ensino fundamental.

MARIA Ainda não tive a oportunidade de lecionar com surdo.

DANTE Sim, tive a oportunidade de estudar com um professor surdo.

Não, mas é muito importante ter o contato e o conhecimento


ISLA com o novo. Pois muitas pessoas da sociedade necessitam de
pessoas capacitadas para ajudá-las.

Fonte: autores (2023)

129
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Após a análise das respostas apresentadas no Qua-


dro 2, observamos que a maioria dos entrevistados desta-
caram que, em algum momento de suas vidas acadêmicas
ou pessoais, tiveram contato com alguma língua de sinais
ou com a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Todavia,
não relataram, especificamente, contatos com a comuni-
dade surda e/ou com a cultura surda.
No entanto, mesmo apresentando respostas de for-
ma positiva em relação ao contato com a temática propos-
ta, eles responderam de modo vago, apenas confirmando
de forma breve que já tiveram contato, sem detalhar suas
experiências com as línguas de sinais, como podemos
notar na resposta de Dante “sim, tive a oportunidade de
estudar com um professor surdo”, Adália também destaca
de forma sucinta que teve contato “em alguns encontros
de formação”, com tais respostas, podemos inferir que
as vivências que eles tiveram foram limitadas. Por outro
lado, os resultados positivos, quanto ao contato com a Li-
bras, podem evidenciar de alguma forma um avanço ao
acesso a Libras em suas formações profissionais.
Neste primeiro comando, é importante conside-
rar a questão do marco legal que introduz obrigatoria-
mente a Libras na formação docente, ou seja, a Lei nº
10.436, de 24 de abril de 2002 que determina a Libras
como um componente curricular obrigatório nos cursos

130
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

de formação de professores. Essa diretriz, possivelmen-


te, oportunizou o canto com a Libras e suas temáticas
daqueles que mencionaram que cursaram a disciplina
de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) na graduação.
Assim, é perceptível que o reconhecimento da Li-
bras como língua e sua obrigatoriedade como disciplina
curricular nos cursos de formação de professores foi um
grande avanço, pois permite que os futuros profissionais
da educação tenham acesso a essa área linguística, no en-
tanto, essas conquistas precisam ser retratadas em ações
para que de fato haja a difusão da Libras, garantindo os
direitos de comunicação e a escolarização da comunida-
de surda.

131
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 3 – respostas para o comando 2 dos


professores-colaboradores
COMANDO 2: Você acredita que a LIBRAS é uma língua universal ou que cada
país utiliza uma língua de sinais diferente, que pode ou não coincidir com a
língua de sinais de outro país?

Professor/a Respostas

Não é uma língua universal, mas acredito que algumas coisas


CELESTINA
devem ter algum significado igual ou semelhante.

A LIBRAS é uma língua universal, podendo ser encontrada


FEDRA em qualquer lugar. O que pode mudar é apenas a forma de se
referir, LIBRAS ou Língua de Sinais, ou alguns sinais.

Creio que cada país apresenta ou deve apresentar aspectos


ADÁLIA
diferentes.

MADALENA Acho que cada país utiliza uma língua de sinais diferente.

LIBRAS é a língua brasileira de sinais, mas acredito que haja


VALENTINA
sinais que coincidem.

Cada país possui uma cultura diferente e consequentemente a


MARTINA
língua de sinais utiliza sinais diferentes.

AURORA Sim, as regras da linguagem.

Não, pois cada país, cada cultura tem sua própria língua e que
MARIA
LIBRAS é uma língua em construção.

DANTE Cada país usa a sua língua de sinais.

Cada país possui uma linguagem diferente, seguindo a


ISLA
gramática da mesma.

Fonte: autores (2023)

Após a análise das respostas apresentadas no Qua-


dro 3, observamos que a maioria dos professores entre-

132
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

vistados responderam corretamente à questão proposta,


visto que a Libras, apesar de ter sua origem na Língua de
Sinais Francesa, em uma relação similar à que a Língua
Portuguesa possui com o português falado em Portugal,
as línguas de sinais existentes pelo mundo não são uni-
versais, cada país utiliza uma diferente, que pode ou não
coincidir, em algum aspecto, com a língua de sinais de
outro país.
Neste segundo comando, é importante considerar a
questão da variação e mudança linguística - um fenôme-
no linguístico universal. Sendo assim, não seria diferente
em Libras, uma vez que estamos falando de uma língua
usada por uma comunidade. Esse não reconhecimento,
por parte de 2 professores, de possíveis línguas de sinais
diferentes é preocupante.
Por outro lado, observamos que 2 dos professores
alegaram que a Libras é uma língua universal, desse modo,
inferimos que, nesse contexto, o sistema educacional de
formação inicial e/ou continuada de professores ainda
apresenta falhas, o que prejudica diretamente os surdos.

133
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 4 – respostas para o comando 3 dos


professores-colaboradores
COMANDO 3: Você acredita que as línguas de sinais são apenas gestos
ou mímicas e que copiam as palavras e expressões da língua oral-
auditiva. Logo, a LIBRAS busca imitar a língua portuguesa?
Professor/a Respostas

Não são apenas gestos, tem uma gramática por trás de cada
CELESTINA
sinal.
Não são apenas gestos, a língua brasileira de sinais tem um
FEDRA sistema próprio para se comunicar, além desses gestos, a
expressão facial e gestual contam muito.

A língua de sinais não tenta imitar ao “pé da letra” a língua


ADÁLIA
portuguesa, ambas podem ser distintas.

MADALENA Não, é a sua linguagem própria.

Não, acredito que não sejam gestos ou imitações, mas sinais


VALENTINA que representam palavras ou expressões para a comunicação e
inclusão.

MARTINA Não, a língua de sinais é uma forma dos surdos se expressarem.

Não, cada língua tem suas regularidades e forma para ser


AURORA
compreendida.

Não, pois a língua de sinais trata-se de uma língua natural, com


MARIA
léxico e gramática própria.

Não, acredito que a LIBRAS busca trazer um gesto que mais se


DANTE
pareça com o contexto em questão.

Não, a língua de sinais é nada mais que a comunicação em


ISLA
libras expressadas pelas pessoas surdas.

Fonte: autores (2023)

Ao contemplarmos as respostas do terceiro co-


mando, notamos que todos os professores colaborado-

134
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

res responderam de forma correta ao terceiro comando,


argumentando que acreditam que a Língua de Sinais não
diz respeito apenas a gestos ou a mímicas, como forma
de imitar a Língua Portuguesa, mas que ela deve ter as
suas próprias regularidades, como a gramática própria,
como a colaboradora Maria afirmou em sua resposta que
“não, pois a língua de sinais trata-se de uma língua natu-
ral, com léxico e gramática própria”.
Interessante percebermos que mesmo com o pou-
co contato com essa língua, os docentes possuem o en-
tendimento de que ela tem suas próprias regularidades,
desse modo, inferimos que, por se tratar de uma língua,
os professores fizeram a associação de que não se trata
apenas de gestos, mas de algo que apresenta complexi-
dade linguística.
É importante ressaltarmos que mesmo após o re-
conhecimento da Libras como língua oficial dos surdos,
grande parte da sociedade ainda não possui o conheci-
mento de que essa língua não se trata apenas de gestos
ou mímicas, mas de uma língua natural que a comuni-
dade de surdos desenvolveu, que apresenta sua própria
estrutura linguística.

135
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 5 – respostas para o comando 4 dos


professores-colaboradores
COMANDO 4: Na sua percepção, a LIBRAS é uma língua completa a qual possui
gramática e estrutura linguística igual a outras línguas orais?

Professor Respostas

Sim. Não sei explicar muito bem, mas sei que tem sua
CELESTINA
gramática e estruturas sim, como a oral.

Sim, foi algo que eu não sabia, mas aprendi durante a


FEDRA disciplina que cursei, que existe uma história na construção
gramatical para facilitar o entendimento e o aprendizado.

Não, creio que ela apresenta técnicas na tentativa da


ADÁLIA
comunicação e não uma gramática complexa.

MADALENA Acho que não, apenas o alfabeto.

Sim, na minha percepção toda língua que comunica, que


VALENTINA
atinge a interação de forma compreensível é completa.

MARTINA Sim, possui estrutura gramatical.

Sim, pois é uma linguagem e tem a gramática para


AURORA
acompanhar a língua portuguesa.

Sim, a LIBRAS possui estrutura gramatical própria, portanto é


MARIA uma língua. O ato de se comunicar através da LIBRAS é fazer
o uso da linguagem.

DANTE Não, pois é uma linguagem visual.

Não, a língua de sinais (LIBRAS) possui características


ISLA
diferentes das outras línguas.

Fonte: autores (2023)

As respostas obtidas nesse quarto comando, desta-


caram que a maior parte dos informantes apresentaram
respostas corretas em relação a percepção deles sobre a
Língua Brasileira de Sinais ser a forma de comunicação

136
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

e expressão que apresenta um sistema linguístico com-


pleto, como a docente Maria argumenta em sua resposta
“sim, a LIBRAS possui estrutura gramatical própria, por-
tanto é uma língua. O ato de se comunicar através da LI-
BRAS é fazer o uso da linguagem”.
Ainda, conforme as respostas apresentadas no Qua-
dro 5, observamos que 4 dos professores responderam
de forma negativa ao questionamento realizado, como
destaque temos Adália que respondeu da seguinte for-
ma “não, creio que ela apresenta técnicas na tentativa da
comunicação e não uma gramática complexa”, ainda, se-
guindo essa mesma linha, a colaboradora Isla argumenta
que “não, a língua de sinais (LIBRAS) possui característi-
cas diferentes das outras línguas”. Logo, entendemos que
para este grupo, a Libras, por não ser uma língua oral, não
apresenta léxico e nem gramática própria, diferindo-se
das demais línguas, sendo assim, uma língua incompleta,
que apresenta características diferentes, sendo apenas
uma forma dos surdos tentarem alcançar a comunicação.
Acreditar que a língua de sinais diz respeito so-
mente a um combinado de gestos que facilitam a comu-
nicação dos surdos e não apresenta complexidade como
as demais línguas orais, é um ledo engano, pois, como
corroboram Pereira e Vieira (2009), a língua de sinais é
natural e completa, composta por diferentes níveis lin-
guísticos, com estruturas gramaticais próprias.

137
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 6 – respostas para o comando 5 dos


professores-colaboradores
COMANDO 5: Na sua percepção, a LIBRAS sofre influências culturais com o passar
dos anos e, como qualquer outra língua, possui expressões (sinais) que diferem de
acordo com a localidade (regionalismos). Sendo assim, ao conversar com um surdo
de outra região do país, ele poderá usar sinais diferentes do que você aprendeu,
pois, cada local cria suas próprias palavras e gírias?

Professor/a Respostas

Sim. Tenho contato com uma pessoa que é surda e ela estudou
e sabe se comunicar com a Libras, mas com as pessoas que
CELESTINA
não entendem Libras ela tem outros gestos para poder se
comunicar.

Sim, acredito que alguns sinais podem ser diferentes,


dependendo da região/localidade. Assim como toda língua
FEDRA
sofre influências culturais, com a LIBRAS acho que não é
diferente.

Sim. Creio que cada região apresenta uma cultura diferente e


ADÁLIA
por isso ela não é totalmente fixa.

Sim. Cada país possui sua própria língua, diferenciando assim


MADALENA
suas expressões.

Sim. Acredito que seja uma linguagem viva, assim como a


VALENTINA
língua portuguesa falada e escrita, portanto sofre variações.

Sim. A língua é influenciada pela cultura, os sinais mudam de


MARTINA
acordo com a região.

AURORA Sim. Será difícil a compreensão.

Sim, pois os surdos podem criar sinais diferentes para


MARIA
identificar lugares, objetos e conceitos.

DANTE Sim. Alguns sinais são diferentes em cada região.

Não, acredito que a língua de sinais é a mesma utilizada em


ISLA
uma mesma região.

Fonte: autores (2023)

138
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

De acordo com o resultado apresentado no Qua-


dro 6, analisamos que 9 dos docentes entrevistados
responderam à pergunta de forma correta, pois acre-
ditam que, assim como toda língua, a Língua Brasileira
de Sinais sofre influências culturais, apresentando va-
riações de acordo com a região em que se encontra. A
resposta da professora Fedra evidencia esse resultado
obtido entre os 9 colaboradores, quando ela argumenta
que “sim, acredito que alguns sinais podem ser diferen-
tes, dependendo da região/localidade. Assim como toda
língua sofre influências culturais, com a LIBRAS acho
que não é diferente”. Dessa forma, observamos que eles
possuem o entendimento de que a comunidade surda é
vasta e que o fato de não verbalizarem não implica na
ausência de variação linguística.
Doravante, apenas uma informante respondeu ao
questionamento de forma equivocada, Isla argumen-
ta que “não, acredito que a língua de sinais é a mesma
utilizada em uma mesma região”, com essa informação,
concluímos que para ela, a Libras não apresenta varia-
ção de acordo com o local em que a pessoa vive, sendo
a mesma em qualquer região. Ou seja, ela não levou em
consideração que, por se tratar de uma língua viva, a Li-
bras também passa pela formação de novos vocábulos,
apresentando variação linguística, assim como ocorre no
português ou em outras línguas.

139
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 7 – respostas para o comando 6 dos


professores-colaboradores

COMANDO 6: Você tem algum conhecimento sobre a Lei nº 10.436/2002,


que reconheceu a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como meio legal de
comunicação e expressão dos surdos no Brasil e sobre o Decreto nº 5.626/2005 que
a regulamenta?

Professor/a Respostas

Sim, tive conhecimento sobre essas leis, mas não me


CELESTINA
aprofundei nelas.

Já tive contato com a lei, o decreto, onde tomei conhecimento


FEDRA da sua importância para a comunidade surda, depois das
muitas dificuldades e desafios enfrentados.

Não, pois deveria ser trabalhado sobre esse tema de forma


ADÁLIA
mais complexa nas escolas.

MADALENA Não sabia.

VALENTINA Não, nunca procurei conhecer a lei, algo que preciso fazer.

MARTINA Não tenho conhecimento sobre a área.

Sim. É uma forma de se comunicar, e é importante para


AURORA
inclusão social.

Sim. Que esta lei reconhece a língua de sinais como meio legal
MARIA
de comunicação e expressão dos surdos.

DANTE Nunca ouvi falar.

ISLA Não. É importante estar por dentro das leis.

Fonte: autores (2023)

140
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Com as respostas obtidas a partir do sexto co-


mando, observamos, mais uma vez, um conhecimen-
to limitado acerca da Língua Brasileira de Sinais. Haja
vista que, dessa vez, o resultado negativo se sobressaiu
ao positivo, 6 dos professores entrevistados relata-
ram que não possuem nenhum conhecimento sobre a
Lei nº 10.436/2002, que reconheceu a Língua Brasilei-
ra de Sinais (LIBRAS) como meio legal de comunicação
e expressão dos surdos no Brasil e sobre o Decreto nº
5.626/2005 que a regulamenta.
Logo, mais da metade desses profissionais não têm
conhecimento sobre a Lei em questão, o que é um fator
preocupante, pois esses professores deveriam ter tido
contato com essa Lei ao decorrer da formação acadêmica
e/ou durante a formação continuada. O docente
Dante relata “nunca ouvi falar” enquanto que a
Valentina destaca que “não, nunca procurei conhecer a
lei, algo que preciso fazer”. Desse modo, além da falta de
acesso que esses professores tiveram em relação à Lei nº
10.436/2002, também podemos notar uma possível falta
de interesse por parte dos professores entrevistados, em
pesquisar sobre a área em questão.
Ainda, conforme as respostas apresentadas no
Quadro 7, evidenciamos que 4 dos professores relataram
que já tiveram algum contato com a Lei nº 10.436/2002
e o Decreto nº 5.626/2005, no entanto, percebemos que

141
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

os colaboradores não demonstraram, explicitamente,


conhecer a referida Lei de forma abrangente, esse fato
fica evidente quando a docente Celestina argumenta que
“sim, tive conhecimento sobre essas leis, mas não me apro-
fundei nelas”.
Há muitos anos que a comunidade surda vem lu-
tando pelos seus direitos e, sem dúvidas, o reconheci-
mento da Língua Brasileira de Sinais como língua é um
marco legal muito importante que contribui para garan-
tir a inclusão dessa comunidade, assegurando os direitos
adquiridos, sendo de suma importância que os docentes
tenham conhecimento sobre ela.

142
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 8 – respostas para o comando 7 dos


professores-colaboradores
COMANDO 7: O Projeto Lei 459/21, apresentado pelo vereador Rafael Pascucci
(PTB), autoriza a inclusão do ensino da LIBRAS como disciplina curricular no
Ensino Fundamental para estudantes surdos e ouvintes matriculados na rede
municipal de São José dos Campos. Qual a sua opinião sobre esse Projeto Lei?

Professor/a Respostas

Concordo. É uma forma de não haver uma rejeição contra a


CELESTINA
comunidade surda e promover cada vez mais a inclusão.

Concordo. LIBRAS é a segunda língua oficial do Brasil,


sendo nada mais justo e necessário que as pessoas que são
FEDRA ouvintes possam aprender essa segunda língua para poder se
comunicar de forma efetiva com as pessoas da comunidade
surda.

Concordo. A educação é um direito de todos e com essa lei, a


inclusão do ensino de LIBRAS poderá ser mais intensificada
ADÁLIA
e contribuirá de maneira significativa para uma educação de
qualidade.

MADALENA Concordo. Deveria ser incluído na rede privada também.

VALENTINA Concordo. Acredito que todos precisam ter acesso a LIBRAS.

Concordo. Todas as pessoas deveriam ter a oportunidade de


MARTINA
conhecer e aprender a se comunicar com a língua de sinais.

Concordo. Para que o aluno seja acolhido pela turma e surgir


AURORA
uma boa comunicação.

Concordo. Muito boa e necessária, pois assim as pessoas que


MARIA
necessitam desse suporte irão se beneficiar muito.

DANTE Concordo. Facilitaria muito a comunicação para os surdos.

Concordo. É de suma importância incluir a disciplina para


ISLA
agregar no conhecimento e incluir os alunos.

Fonte: autores (2023)

143
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Com o exposto no Quadro 8, evidenciamos que


todos os professores entrevistados se posicionaram de
forma favorável em relação ao Projeto Lei 459/21, que
autoriza a inclusão do ensino da Libras como disciplina
curricular no Ensino Fundamental para estudantes sur-
dos e ouvintes matriculados na rede municipal de São
José dos Campos. Na verdade, tais respostas já eram
esperadas, tendo em vista que a referida iniciativa será
muito benéfica para a comunidade surda, pois irá promo-
ver a inclusão e o acesso à Língua Brasileira de Sinais não
só para os surdos como também para os ouvintes, sendo
uma forma de evidenciar ainda mais a Libras no contexto
educacional, além de tornar o currículo mais significati-
vo e acessível.
É pertinente destacar que avanços significativos
ocorreram para que haja a inclusão dos surdos tanto na
sociedade como no âmbito escolar, no entanto, é eviden-
te que apesar dessas conquistas, é preciso que os direi-
tos adquiridos sejam traduzidos em ações para que de
fato incluam a comunidade surda nesses espaços. Desse
modo, o Projeto Lei 459/21 é um exemplo das ações que
podem ser tomadas, como afirma Quadros (2003, p. 85),
“[...] a educação deveria estar calcada em um plano que
atenda de fato as diferenças no contexto brasileiro: dife-
renças sociais, políticas, lingüísticas e culturais”.

144
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

5 CONCLUSÃO
A história dos surdos é marcada por um caminho
repleto de dificuldades, pois, por muito tempo eles fo-
ram discriminados, deixados à margem da sociedade. No
entanto, a comunidade surda sobreviveu a esses percal-
ços, sendo hoje um exemplo de superação e resistência,
mostrando a importância da sua língua e da sua cultura
por meio das conquistas adquiridas ao longo desse pro-
cesso, como o reconhecimento da Língua Brasileira de
Sinais e das leis que amparam os direitos dos surdos.
Por conseguinte, este trabalho objetivou eviden-
ciar as percepções dos professores entrevistados so-
bre questões relacionadas à Língua Brasileira de Sinais,
como forma de identificarmos como está o atual cenário
da formação e contato com a Libras, dos docentes.
No tocante aos dados levantados nesta pesqui-
sa, é perceptível que o reconhecimento da Libras como
língua e sua obrigatoriedade como disciplina curricular
nos cursos de formação de professores foi um impor-
tante avanço que está apresentando resultados signi-
ficativos, ao permitir que mais profissionais tenham
conhecimento sobre essa língua.
No entanto, observamos que os dez colaboradores
apresentaram um conhecimento limitado quanto a essa
área linguística, demonstrando que, apesar de eviden-
ciarmos resultados positivos quanto ao acesso à Libras

145
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

no contexto escolar, torna-se evidente que ainda há um


longo caminho a ser trilhado para de que fato todos pos-
sam ter acesso e conhecimento sobre a referida língua.
Contudo, como já havíamos previsto esse resultado na
hipótese cerne deste estudo, as respostas obtidas revela-
ram uma frágil formação profissional do professor, o que
afeta diretamente os surdos.
Por fim, esperamos que esta pesquisa possa contri-
buir para futuros estudos nas áreas de Educação e Letras,
visto que ainda é uma temática pouco elucidada de acor-
do com a literatura disponível e consultada a priori, via-
bilizando reflexões acerca da Libras e do quanto que ela
ainda precisa ser evidenciada na sociedade, em especial,
nas redes de ensino, para que possamos obter um corpo
docente capacitado para atender a comunidade surda.

REFERÊNCIAS
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Maria Emsantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.

BRASIL. Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de 2005.


Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que
dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Bra-
sília, 2005.

DAMÁZIO, Mirlene Ferreira Macedo. Educação escolar


inclusiva para pessoas com surdez na escola comum
– questões polêmicas e avanços contemporâneos. En-

146
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

saios Pedagógicos – construindo escolas inclusivas.


Brasília: MEC/SEESP, 2005, p. 108-121.

GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa?: crenças e


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GODOI, Eliamar; LIMA, Marisa Dias; ANDRADE, Valdete


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147
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Disponível em http://biblioteca.virtual.ufpb.br/files/
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148
LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA
COMO INSTRUMENTO DE
CRITICIDADE: UMA PRÁTICA DE
RESISTÊNCIA NECESSÁRIA
Maria Silma Lima de Brito
Dayane Rocha de Oliveira

1 INTRODUÇÃO
A prática da leitura desempenha um papel cru-
cial na formação do conhecimento, sendo o alicerce do
processo educacional. Através dela, as oportunidades
de comunicação do indivíduo se expandem, promo-
vendo uma maior integração social e cultural dos es-
tudantes. A leitura é uma atividade constante na vida
do ser humano, possibilitando que ele desenvolva uma
postura crítica e adquira conhecimentos fundamentais
para sua autonomia.
Além disso, a leitura tem o poder de fazer o indi-
víduo refletir sobre seu passado e vivenciar diversas ex-
periências, permitindo o contato com variados aspectos
sociais, econômicos, políticos e religiosos contemporâ-
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

neos, o que contribui para uma análise crítica e ajuda a


moldar o futuro.
Nesse contexto, a literatura é reconhecida como
uma fonte significativa de conhecimento, possibilitan-
do à escola acessar os pensamentos e perspectivas dos
alunos sobre variados temas e contribuindo, assim, para
questionar padrões e conceitos impostos pela cultura
dominante.
A leitura, com seu poder humanizador, estabelece
uma conexão profunda com o espírito humano, estimula
a reflexão e ajuda a moldar nossa visão de mundo, como
destaca Dalla-Bona (2013),

Uma das formas de a escola se trans-


formar em espaço de contestação, luta
e resistência é investir no encontro dos
alunos com os conhecimentos cientí-
ficos, técnicos e artísticos. A literatura,
que se inclui entre os conhecimentos ar-
tísticos, é um importante agente de crí-
tica, de denúncia e de inquietação, que
são ingredientes imprescindíveis para a
criação de novos modos de vida (Dalla-
-Bona, 2013, p. 2).

Dalla-Bona (2013) ressalta a importância da escola


como um espaço de transformação social e de resistên-
cia às injustiças. Ela sugere que uma maneira eficaz de
promover essa transformação é proporcionar aos alunos

150
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

o acesso a diferentes formas de conhecimento, incluindo


conhecimentos científicos, técnicos e artísticos.
No contexto específico da literatura, que é men-
cionada como um conhecimento artístico, ela desempe-
nha um papel essencial. A literatura não se limita apenas
a contar histórias ou entreter, mas também serve como
uma ferramenta poderosa para a crítica social, a denún-
cia de injustiças e a provocação de reflexões profundas.
Ao expor os alunos a obras literárias que abordam ques-
tões sociais, políticas e culturais, a escola pode instigar
neles um senso de inquietação e despertar para a neces-
sidade de mudança.
Portanto, investir na promoção da literatura na
escola não apenas contribui para o desenvolvimento
acadêmico dos alunos, mas também os capacita a se tor-
narem cidadãos críticos e engajados, capazes de questio-
nar o status quo e contribuir para a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária.
Convém salientar que a escola tem programas e
prescrições advindas de documentos oficiais para dire-
cionar a sua prática. No entanto, as instituições educa-
cionais, assim como os pais que querem o melhor para
o filho, devem, para além da prescrição, saber indicar as
melhores escolhas e os melhores caminhos, a fim de que
seus alunos tenham condições de resistir aos modelos
preestabelecidos.

151
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

[...] uma lógica de resistência por meio


da educação literária, de reassumir a
vocação da arte para totalidade, para
tocar e desenvolver a sensibilidade e a
inteligência das pessoas, formando su-
jeitos que rejeitem esquematismo e res-
postas fáceis e que não se esquivem de
reconhecer e assumir seu papel no mo-
vimento da realidade social e em suas
transformações (Dalvi, p. 35-36, 2021).

Essa resistência é necessária, principalmente para


alunos economicamente desfavorecidos, porque esses
têm pouca ou nenhuma posse para ter um acervo literá-
rio em casa. Esse é um dos desafios que se coloca, hoje,
diante da escola no tocante ao ensino literário. E outro
agravante que justifica o trabalho com literatura na es-
cola é o fato de ela ser, conforme afirma Leitão (2021)
negligenciada.
Segundo esse autor, na BNCC (2018), a leitura literá-
ria é inserida como subcomponente do componente Lín-
gua Portuguesa, o que é bastante contraditório, uma vez
que mesmo pertencentes à área de Letras, possui meto-
dologias, abordagens em relação ao tratamento/investiga-
ção de texto e orientações epistemológicas diferenciadas

152
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

2 UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE O DIREITO DE


TODO CIDADÃO TER ACESSO À LITERATURA: UMA
QUESTÃO DE CIDADANIA
Cândido (2011) destaca que é inviável pensar so-
bre a literatura como direito, sem antes discorrer sobre os
próprios direitos humanos. E, ao fazê-lo, relata os avan-
ços advindos do incrível progresso industrial e expõe al-
guns paradoxos dessa proeza

aumentamos o conforto até alcançar


níveis nunca sonhados, mas excluímos
dele as grandes massas que condena-
mos à miséria e em países como o nosso,
o Brasil, quanto mais cresce a riqueza,
mais aumenta a péssima distribuição de
bens (Cândido, 2011, p. 171).

As palavras de Cândido (2011) parecem atemporais,


pois há mais de uma década, ainda se adequam perfeita-
mente bem aos dias atuais, e não vemos, por enquanto,
nenhuma perspectiva de mudança para resolver esses e
outros dilemas com os quais somos obrigados a convi-
ver. Entre eles destacamos: a realidade incômoda da vio-
lência doméstica, a intolerância ideológica, violências
contra população indígena e negra, o cerceamento à in-
formação, entre outros.
Mesmo sendo desalentador o contexto atual, “a
vida é luta renhida” esse é o conselho de Gonçalves Dias

153
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

e, diante dele, deve ser considerada a possibilidade de


lutarmos por nossos direitos. Para isso, é necessário per-
cebermos as armas que estão à nossa disposição para o
embate crucial. Hoje, mais do que outrora, as possibi-
lidades existem. “Quem acredita nos direitos humanos
procura transformar a possibilidade teórica em realida-
de, empenhando-se em fazer coincidir uma com a outra”
(Cândido, 2011 p. 172).
E, ainda sobre direitos, Cândido (2011) afirma que
é indispensável, desde a mais tenra infância, que cada
indivíduo saiba que todos, mesmo os mais pobres, têm
direito aos bens materiais, e isso não é caridade, assim
como têm direito ao universo, independentemente da
nossa vontade.
Logo, também é de todos o direito à literatura, uma
vez que ela está presente em nosso cotidiano, sejamos
analfabetos ou eruditos quer por meio de causos, quer
numa anedota ou ainda no noticiário policial, numa can-
ção popular, numa moda de viola ou num samba carnava-
lesco. A literatura se manifesta desde o devaneio amoroso
ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela
de televisão ou na leitura seguida de um romance (Cân-
dido, 2011).
É por esses e outros motivos que o direito à litera-
tura precisa ser cultivado nas nossas escolas a despeito
de receber ou não nos documentos oficiais o tratamento

154
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

que lhes deveria ser conferido e, apesar de ser um sub-


componente da Língua Portuguesa. Sendo assim, o ensi-
no de literatura na sala de aula deve ser um momento de
reflexão e criticidade, para que a escola possa contribuir
para a inserção social e cultural dos estudantes, por meio
de práticas de leitura diversificadas.

3 A LEITURA LITERÁRIA COMO ARMA DE


RESISTÊNCIA
Investir no ensino da literatura para além dos co-
nhecimentos científicos e técnicos é uma forma da esco-
la se transformar num espaço de contestação, de luta e
resistência, como salienta o autor,

A escola é, simultaneamente, reprodu-


ção das estruturas existentes, correia de
transmissão da ideologia oficial, domes-
ticação – mas também ameaça à ordem
estabelecida e possibilidade de liber-
tação. Para o autor as forças de renova-
ção e de revolução da escola já existem.
Ele entende que na escola tudo deve ser
transformado, mas nem tudo rejeitado,
e que o ponto de partida da transforma-
ção é o movimento já existente (Snyders,
1993 apud Dalla-Bona, 2013, p. 2).

Nesse sentido, já existe um movimento na escola,


porém deve-se fornecer múltiplas experiências de leitu-
ra literária abarcando a noção de arte e da cultura para

155
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

além da utilização de materiais escritos convencionais,


inserindo no seu fazer pedagógico a cultura popular e a
experiência do aluno.
Quando propomos que a literatura seja um meca-
nismo de resistência, consideramos que a resistência em
seu sentido profundo apela para a força de vontade que
resiste a outra força, exterior ao sujeito. Resistir é opor a
força própria à força alheia (Bosi, 1996). Assim, a literatura
de resistência deve aproximar o aluno de bens culturais
e contribuir com espaços de reflexão e de superação de
arbitrariedades sociais, favorecer o autoconhecimento
e formação crítica por meio dos temas abordados, mas
também pela troca de experiências, pelo debate entre
alunos, pelo compartilhamento de leituras, levando-os
a viver a experiência de se colocar dentro da narrativa, a
vivenciar personagens, de se colocar mesmo que image-
ticamente em diferentes contextos históricos e sociais,
vivendo personagens díspares podendo sentir na pele
outras peles, outras vidas que, de certa forma, acabarão
a forjar a sua identidade, a sua essência, a sua criticida-
de cidadã.
Contudo, é preciso atentar que a capacidade de
resistência não ocorre de modo linear, uma vez que é
fruto de um permanente movimento dialético de conti-
nuidade-ruptura. Para dar os primeiros passos rumo ao
processo de resistência, antes de tudo, é necessário apro-

156
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ximar os alunos da leitura literária. Posto isso, Dalla-Bona


(2013), aponta que

Ao mesmo tempo em que a escola apro-


xima os alunos da cultura elaborada (li-
teratura), ela precisa valorizar a cultura
dos jovens leitores, que é adquirida na
vida cotidiana. É nesse movimento re-
pleto de idas e vindas, de tensões, de
recuos e de adaptações que a escola vai
conseguir despertar no aluno o desejo de
progredir rumo às satisfações da cultura
elaborada. Daí a necessidade de se olhar
com mais atenção as características des-
sa capacidade de resistência, de modo a
compreender o seu papel e desenvolver
formas de potencializá-la (Dalla-Bona,
2013, p. 9).

Como enfatizamos, a literatura é abordada nos do-


cumentos oficiais, a exemplo da BNCC (2018) e seu an-
tecessor PCN (1997) dentro do Componente Curricular
Língua Portuguesa, ambos elaborados com o intuito de
auxiliar, guiar a elaboração dos currículos escolares e
orientar a prática de ensino dos professores brasileiros.
E sob o olhar atento de Fritzen (2018, p. 105-106) que re-
alizou um estudo comparativo sobre o lugar da educação
literária no Brasil fazendo uma comparação com Portu-
gal. Resgatamos um trecho dos achados dela sobre essa
reflexão PCN (1997)

157
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

No contexto brasileiro, os PCN (Brasil.


MEC, 1997) de língua portuguesa, por sua
vez, responderam a uma necessidade de
renovar as práticas de ensinoaprendiza-
gem mediante o incremento de teorias
do campo da linguística (pragmática, so-
ciolinguística, análise do discurso etc.)
e, principalmente, pela compreensão
dos fenômenos da linguagem a partir do
paradigma comunicacional, porém, essa
salutar renovação epistemológica, no
caso da literatura, fê-la diluir-se entre os
conteúdos das práticas de leitura e es-
crita. Isso deu ao literário valor ambíguo
na proposta curricular, pois, se como
vimos anteriormente, ele é exaltado em
sua especificidade e importância forma-
tiva, ao mesmo tempo, parece sofrer uma
penalização pela necessidade curricu-
lar de fazer o estudante compreender o
uso social da diversidade de gêneros [...]
(Fritzen, 2018, p. 105-106).

Como afirma a autora, não se pode negar que os


PCNs foram um divisor de águas para o componente
curricular da Língua Portuguesa. No entanto, a literatu-
ra foi diluída e, na BNCC, essa diluição permanece. O
estudo comparativo de Fritzen (2018) não foi realizado
considerando a BNCC, mas faz-se necessário destacar
que o referido documento dialoga com os anteriores e
o status da literatura permanece como subcomponente

158
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

da Língua Portuguesa, muito embora, reorganizado em


campo de atuação.
Observando de forma acurada para o tratamen-
to da literatura na BNCC, percebemos uma reordenação
dos gêneros já sugeridos nos PCNs, além da inserção de
outros gêneros análogos aos avanços tecnológicos. Es-
ses gêneros foram distribuídos em campos de atuação e
deverão ser explorados segundo a abordagem discursiva
bakhtiniana da linguagem.
Os campos de atuação são áreas de uso da lingua-
gem, da vida diária, que ganham destaque e têm a mesma
importância dos eixos temáticos na ordenação dos obje-
tos e habilidades que devem ser desenvolvidas. Nessa re-
estruturação um dos campos é o artístico literário. Logo,
é preciso concordarmos e reiteramos o que citamos an-
teriormente sobre o que afirma Leitão (2021) sobre a lite-
ratura possuir características, metodologias, abordagens
em relação ao tratamento/investigação de texto e orien-
tações epistemológicas diferenciadas do componente
curricular Língua Portuguesa.
Assim, diante da necessidade de levantarmos uma
bandeira de resistência, é preciso garantir, na constru-
ção curricular, no Projeto Político Pedagógico – PPP das
escolas, uma proposta que possa garantir um ensino de
literatura e que ela não seja negligenciada, segundo o

159
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

estudo de Fritzen nos PCN e por sua vez se estendem a


BNCC

Como se deve ler um texto literário de


modo a reconhecer essa qualidade que
o diferencia? Essas questões ficam em
suspenso nos PCN (Brasil. MEC, 1997),
cuja ênfase parece recair mais sobre a
importância do contato com a hetero-
geneidade textual como princípio cur-
ricular. Isso dilui a literatura como um
gênero entre os demais, diluição que
pode ainda ser atestada quando se ob-
serva que entre os 16 valores e atitudes
que são relacionados como desejáveis
nas práticas de linguagem, em apenas
uma vez, e mais uma vez, a literatura é
referida de modo explícito como fenô-
meno cultural: “Interesse pela literatura,
considerando-a forma de expressão da
cultura de um povo” (Brasil, MEC, 1997,
p. 64 apud Fritzen, 2018, p. 106).

O autor ratifica o negligenciamento para com o en-


sino de literatura quando afirma que a ênfase nos docu-
mentos já mencionados dilui a literatura entre os demais
gêneros sem que se chame atenção para as especificida-
des, os procedimentos e os avanços importantes das pes-
quisas no campo literário.

160
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

No entanto, um dos pressupostos fundamentais


da concepção bakhtiniana de linguagem que anima nos
PCN e, por sua vez na BNCC

“é que não existe o eu sem o outro e é em


relação a esse outro que nos constituímos
numa atitude responsiva mais ou menos
comprometida” (Fritzen, 2018, p. 106).

Dito isso, acreditamos ser necessário amplo di-


álogo entre pesquisadores, educadores e governantes
estaduais e municipais para estabelecer debates e for-
mações continuadas que ofereçam e garantam o direi-
to a vivências literárias de qualidade nas instituições
escolares.

4 UM OLHAR SOBRE OS ASPECTOS METODOLÓGICOS


DO ENSINO DE LITERATURA
Rouxel (2013) discute os aspectos metodológicos
de ensino da literatura e relata os avanços das pesquisas
que afetam as noções de literatura, de leitura literária e
de cultura literária. Isso nos alerta para o fato de que é
necessário estar em constante contato com essas pesqui-
sas, se quisermos garantir que a literatura não seja mera-
mente coadjuvante. Sobre o exposto, a autora nos diz

pensar o ensino de literatura e suas mo-


dalidades práticas supõe que se defina a
finalidade desse ensino. É a formação de

161
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

um sujeito leitor livre, responsável e crí-


tico — capaz de construir o sentido de
modo autônomo e de argumentar sua re-
cepção — que é prevista aqui. É também,
obviamente, a formação de uma persona-
lidade sensível e inteligente, aberta aos
outros e ao mundo que vislumbra esse
ensino da literatura (Rouxel, 2013, p. 20).

De fato, não podemos discordar de Rouxel (2013),


pois, antes de tudo, é necessário, ao abordarmos o campo
artístico literário, termos clareza dos objetivos que pre-
tendemos alcançar. Contudo, é pertinente dizer das difi-
culdades que deverão ser ultrapassadas, para que, o que
propõe Rouxel (2013), seja atingido na sua totalidade. Um
leitor crítico, antes de o ser, precisa ser leitor e, nesse as-
pecto, somente, já incide uma série de obstáculos para a
escola pública.
Um sujeito autônomo, crítico e responsável é o lei-
tor ideal. Além dessas características, ainda é necessário
que seja sensível. Que trabalho deve ser realizado para
que o fruto desse processo seja o desenhado pela autora?
Rouxel (2013) responde a essa indagação

Essa formação resulta da sinergia de três


componentes, que são a atividade do
aluno sujeito leitor no âmbito da classe
constituída em ‘comunidade interpreta-
tiva’ (FISCH, 2007), a literatura ensinada

162
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

— textos e obras — e a ação do professor,


cujas escolhas didáticas e pedagógicos
se revestem de uma importância maior
(Rouxel, 2013).

Assim, a construção do leitor deve considerar sabe-


res de três ordens: saberes sobre textos, saberes sobre si
mesmo e saberes sobre a própria atividade lexical. A au-
tora relata que o jovem já tem em seu arcabouço noções,
saberes dos textos com os quais teve alguma aproxima-
ção nos anos iniciais de escolarização. Essas experiên-
cias com narrativas se sedimentam e são guardadas na
memória. O conhecimento do gênero, da poética e do
funcionamento dos discursos são adquiridos à medida
que leituras são experienciadas.
Uma observação que nos ajudará muito para re-
alizarmos o trabalho com a literatura, que resultará no
elemento de segunda ordem, os saberes sobre si mes-
mo, é provocar, no ato da leitura, a expressão de um
pensamento pessoal e de um julgamento assumido, “a
afirmação de uma subjetividade em ato de leitura” (Rou-
xel, 2013, p. 21). Essa deve ser uma estratégia recorren-
te na didática do professor, ou seja, cabe ao professor
impulsionar a criança, o jovem e/ ou mesmo o adulto a
expressar seus pensamentos pessoais, suas emoções a
cada leitura literária realizada.

163
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Outro aspecto é o metodológico, que envolve os sa-


beres sobre o ato léxico ou saberes metaléxicos: aqueles
que regem a “cooperarão interpretativa” (Eco, 1985 apud
Rouxel, 2013, p. 22). Com essa afirmação, a autora sugere
que, a partir do recurso do texto e da arbitragem dos pa-
res, os alunos compreendem que existem várias formas
de ler e que uma leitura socializada possui regras.
Dessa forma, o espaço ecológico de sala de aula
representa esse lugar intersubjetivo de diálogo interpre-
tativo e polissêmico. Dentre outras contribuições, ao es-
tar atento a esses aspectos, o professor mediador seria
o responsável por converter a sala de aula num lugar de
debate, de múltiplas interpretações, ou seja, num

“espaço intersubjetivo onde se confron-


tam os diversos ‘textos de leitores’, a fim
de estabelecer o texto do grupo, objeto
de negociação, ao menos de um consen-
so” (Rouxel, p. 23).

Ao pensarmos na metodologia para o ensino de


literatura não podemos desconsiderar a sua função es-
tética, pois ela permite o gozo, o prazer, a fruição. Para
alcançar esse propósito a escola deve esquecer a peda-
gogização dos livros, uma vez que só é literatura se a fun-
ção estética se sobressair à pedagógica, pois "somente o
prazer derivado do texto literário, além de proporcionar
ao leitor a capacidade de sonhar e imaginar, o emancipa”
(Souza, Feba, 2011, p. 80).

164
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Por fim, o momento da seleção das obras que deve-


rão ser indicadas pelo professor é muito especial e cru-
cial ao mesmo tempo, pois essa escolha pode impactar
positivamente ou não o trabalho literário com a turma.
Então, para obtermos êxito com o trabalho literário, é im-
portante que o professor também seja um sujeito leitor
que, ao invés de se amparar, exclusivamente, nos manuais
didáticos, seja ele mesmo leitor e crítico de obras literá-
rias e considere, para efetivar o trabalho com o campo de
conhecimento artístico literário da sua turma, aspectos
como: idade, interesses, diversidades de obras literárias
pertencente ao acervo da escola, diversidade de gêneros
com os quais o aluno mais se identifica, dinâmicas de so-
cialização das obras lidas, debates de opinião, antecipar
as dificuldades dos alunos diante de determinada obra
rumo a maturidade literária.

5 EXPERIÊNCIA COM A LEITURA LITERÁRIA: DUAS


VIVÊNCIAS
A partir de agora, apresentaremos, a título de ilus-
tração, dois trabalhos que promoveram a leitura literária
em escolas, uma pública e uma outra particular, sendo
uma no interior de Alagoas e a outra no interior de Per-
nambuco: piquenique literário e gincana literária. A es-
colha por duas escolas em estados diferentes justifica-se
pela necessidade de perceber a importância que a leitu-

165
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ra literária tem em realidades distintas, observando que,


quando existe vontade e interesse por parte dos profes-
sores e direção escolar, não importa se a escola é públi-
ca ou privada em regiões de classe alta ou baixa, mas a
resistência e vontade de fazer o trabalho com a leitura
perpassa fronteiras e classes sociais.

6 PROJETO GINCANA LITERÁRIA


O projeto Gincana Literária teve como objetivo des-
pertar nos estudantes o prazer pela leitura literária pre-
sentes em narrativas ficcionais de mistérios, romances e
dramas, desenvolvendo o letramento crítico e práticas
educacionais capazes de ultrapassar os muros da escola.
A gincana foi desenvolvida em uma escola particu-
lar confessional, localizada no município de Bom Conse-
lho-PE, com um total de 140 estudantes das turmas do 6º
ao 8º ano do ensino fundamental. O projeto ocorreu no
ano de 2020, com uma duração de 2 (dois) meses, em que,
durante a sua excursão, foi realizado um cronograma de
atividades a ser vivenciado por todas as turmas partici-
pantes do projeto. A gincana ocorreu em plena pandemia
do COVID-19, por esse motivo, foi realizada por meio de
canal de Youtube da escola9. A gincana literária virtual

9 https://www.youtube.com/watch?v=fLmAZqf0XXA (link de aces-


so ao evento 1º dia); https://www.youtube.com/watch?v=brGGw-
VSXHMk (link de acesso ao evento 2º dia).

166
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

teve a mediação de professores não só de Língua Portu-


guesa, mas também das várias áreas do conhecimento,
a saber: o professor de Língua inglesa, a professora de
ciências, o professor de história e os professores de Lín-
gua Portuguesa. As atividades foram desenvolvidas e pla-
nejadas por todos os professores, e, mesmo aqueles que
não participaram diretamente, fortaleceram por meio de
incentivo e motivação a participação dos estudantes. Os
pais dos alunos da escola também participaram e assina-
ram o termo de autorização de uso de imagem e voz.
A escolha das obras10 trabalhadas na gincana foi re-
alizada pelos estudantes com dois meses de antecedên-
cia, por meio de uma enquete, e os livros mais votados
por cada turma foram apresentados na gincana, com a
seguinte ordem de indicação: 6º anos (Malala, O Pequeno
Príncipe, Dom Quixote em quadrinhos, Matilda), 7º anos
(Alice no País da Maravilhas, Alice Através do Espelho, Os
Miseráveis, O menino Maluquinho, Enola Holmes e, para
o 8º ano (PS. Ainda te Amo, Harry Potter e a pedra filoso-
fal, O verão que mudou minha vida).
Organização das provas para a gincana, objetivos e
regras. Provas da gincana literária

10 A escolha das obras foi realizada pelos estudantes, por meio de


enquetes, para assim, escolherem obras que possam despertar sua
curiosidade e criticidade.

167
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 1 – Provas da gincana


PROVAS OBJETIVO REGRAS
Estes devem ser
Confecção de um
cartaz e capa virtual Unir imagem e palavra enviados para
que apresente fazendo uma relação comissão e serão
características da coerente entre o verbal e submetidos à
obra
o não-verbal. aprovação do público
/autor.
através de likes
Deve apresentar
Apresentação Relacionar e identificar
a ideia centrada
de uma música a ideia central da obra e
da obra no grupo
cantada pelo grupo localizar essa temática
e contata por
ou convidado. em uma música
convidado ou aluno.
Criação e Apresentar a letra
apresentação elaborada pelos
de paródia Parodiar a temática da estudantes do grupo,
que apresente obra. deve ser cantada ou
características da apresentada pelo
obra do autor. estudante do grupo
Resenhar com
Gravar um vídeo com 5 Apresentar uma
objetividade e
minutos que apresente resenha do livro
coesão os aspectos em vídeo. Tempo
as ideias centrais da
principais da obra máximo de 5 min.
narrativa e o seu enredo.
em estudo.
Caracterização
das personagens.
Contextualizar
O estudante
historicamente, Apresentar ao vivo
deve durante a
culturalmente, durante a realização
videoconferência
psicologicamente da gincana ou gravar
falar sobre as
e socialmente as um vídeo.
personagens
personagens
da narrativa em
estudo.
Mostrar o passo a
Apresentação passo da receita
de uma receita Fazer uma receita
através de um vídeo,
culinária que que seja análoga às
represente a obra explicar os aspectos
personagens principais.
estudada. sociais e culturais da
obra.

Fonte: arquivo pessoal das autoras

168
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Os grupos organizaram suas atividades antecipa-


damente e enviaram para a equipe de professores. No dia
da exposição, todas as equipes estavam online acompa-
nhando a apresentação do evento e alguns participantes
da gincana literária entraram ao vivo para apresentar as
personagens escolhidas. O momento de interação foi rico
e produtivo, os alunos de toda escola, pais e professores
acompanharam o evento.
Após a atividade, foi organizado um formulário de
satisfação sobre o evento e as atividades propostas. Den-
tre os questionamentos em relação à Gincana Literária
estava o seguinte: Você acredita que participar desse tipo
de atividade ajuda em sua vida de leitor?
Em nosso formulário, recebemos 99 respostas dos
participantes do estudo e todos manifestaram satisfação
em participar da gincana literária virtual e afirmaram que
ela contribuiu para aguçar novas leituras. Destacamos al-
gumas respostas dos estudantes: “sim, pois consegui co-
nhecer o trabalho de escritores que ainda não conhecia
ou não tinha motivação para ler” (aluno do 8º ano); “Sim,
acredito que mostra que várias obras podem despertar o
interesse” (aluno do 9º ano); “sim, porque dá mais ânimo
para continuar lendo” (aluno do 7º ano); “Sim. É um evento
maravilhoso, para quem gosta, principalmente. Podemos
vivenciar experiências diferentes com apenas um livro, e
partilhar histórias incríveis” (aluno do 6º ano).

169
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A metodologia utilizada e a interação entre os gru-


pos de trabalho, mesmo de maneira virtual, pode ser
considerada uma prática de resistência e resiliência ao
momento pelo qual os estudantes estavam passando.
Diante dessas prerrogativas, a gincana literária virtual
buscou descortinar algumas metodologias engessadas e,
assim, propor atividades que estimulassem a leitura lite-
rária alinhada à criatividade digital tão inerente aos atu-
ais contextos dos estudantes.
Os resultados positivos da gincana literária foram
perceptíveis pelos professores e pais que, por sua vez, re-
lataram a importância do desenvolvimento de atividades
diversificadas, as quais descortinaram novas práticas do
fazer literário em sala de aula.

7 PIQUENIQUE LITERÁRIO
O Piquenique Literário emergiu como resultado da
iniciativa do grupo de estudo dedicado à preparação para
o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Reconhe-
cendo a necessidade de diversificar as abordagens peda-
gógicas, a fim de despertar o interesse dos alunos pelos
estudos e melhorar seu desempenho no exame, desen-
volvemos o conceito e a prática do Piquenique Literário.
Inicialmente programado para ocorrer quinzenalmente
nas turmas do terceiro ano, o sucesso e a crescente ade-
são dos alunos ao evento levaram à sua expansão para

170
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

grande parte das turmas da escola. A aceitação entusi-


ástica dos alunos e o interesse gerado pelo Piquenique
Literário destacam sua eficácia como uma estratégia pe-
dagógica inovadora e promissora.
O piquenique literário na escola foi uma ativida-
de de extrema relevância, especialmente para os alunos
que estavam se preparando para o Enem. Essa experiên-
cia se revelou incrivelmente significativa, pois permitiu
que os alunos desempenhassem um papel ativo, tornan-
do-se protagonistas de sua própria aprendizagem. Além
disso, a atividade proporcionou a eles a oportunidade
de destacar e compartilhar aquilo que já sabiam sobre
seu universo cultural e social, enriquecendo, assim, o
aprendizado coletivo.
Dessa forma, o piquenique literário não apenas
estimulou o gosto pela leitura, mas também promoveu a
construção de conhecimento a partir das experiências
individuais dos alunos, fortalecendo a aprendizagem e a
interação entre colegas.
Obras literárias trabalhadas no piquenique literá-
rio: Eu sou Malala, de Malala Yousafzai com Patricia Mc-
Cormick; Quando me descobri negra, de Bianca Santana;
Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto; O
cortiço, de Aluísio Azevedo; O Diário de Anne Frank, de
Anne Frank. Séries trabalhadas: Anne with an E, Maid,
etc. Filmes apresentados: O menino que Descobriu o

171
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Vento; Vida Maria; O Lado Bom da Vida; Mãos Talentosas;


Extraordinário; À Procura da Felicidade; As Vantagens de
Ser Invisível; Por Lugares Incríveis; Sete Vidas; Milagre
na Cela 7; O Impossível; Confissões de uma Garota Exclu-
ída; Como Estrelas na Terra; O Auto da Compadecida, Es-
critores da Liberdade; etc. Além desses, documentários e
músicas também foram trabalhadas.
Essa abordagem foi eficiente para construir o re-
pertório social e cultural na redação do Enem, bem como
na resolução de questões da prova e para a vida. “As Van-
tagens de Ser Invisível” aborda a adolescência, relações
de amizade e saúde mental. “Eu Sou Malala” trouxe à tona
educação, ativismo e igualdade de gênero. “Quando me
descobri negra” explorou identidade racial e racismo.
“Triste Fim de Policarpo Quaresma” destacou a crítica
social e o nacionalismo. “O Cortiço” abordou realismo,
desigualdade social e representação da miséria. “Sete
Vidas” explorou redenção, doação de órgãos e relações
humanas. “O Jeremias” discutiu identidade étnica, di-
versidade cultural, altas habilidades e preconceito, entre
outras. Cada obra trouxe uma perspectiva única sobre te-
mas relevantes, estimulando reflexões profundas.
Com essa proposta, explicamos para os estudantes
o que era o Repertório sociocultural na Redação do Enem,
que é uma informação externa utilizada para enriquecer
a discussão; o qual inclui fatos, citações, experiências

172
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

que suportam argumentos e que ajuda na sustentação


das ideias do autor.
O repertório na redação tem a finalidade de cola-
borar com a discussão que está sendo construída. Segun-
do a Cartilha dos Corretores do Enem 2019, esse elemento
“configura se como toda e qualquer informação, fato, cita-
ção ou experiência vivida que, de alguma forma, contribui
como argumento para a discussão proposta pelo partici-
pante”. Como o Enem trabalha problemas atuais, os re-
pertórios tendem a estar presentes no conhecimento de
mundo do aluno e ajudam na defesa do ponto de vista
apresentado no texto.
Considerando esses dados, a comunidade escolar
sentiu a necessidade favorecer a ampliação da compe-
tência leitora dos estudantes utilizando os gêneros lite-
rários como contribuição para o desenvolvimento do seu
repertório cultural e promoção de eventos de letramento
e estipulou como objetivos específicos: ampliar o reper-
tório literário, compartilhar experiências leitoras, estabe-
lecer relações com outros livros, outras épocas/lugares e
autores diferentes e valorizar a leitura literária sem usá-la
como pretexto.

173
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 2 – Como organizar um piquenique literário


Etapas do desenvolvimento do projeto
1ª etapa
Incentive a escolha de livros para leitura compartilhada.
2ª etapa
Prepare um local diferente do habitual para as leituras compartilhadas;
3ª etapa
● Sugira a criação de discussões informais sobre os livros.
● Explique a importância de debates para explorar diferentes
perspectivas.
● Destaque como os debates podem aprimorar o entendimento
crítico.
4ª etapa
● Liste os benefícios, como aprimoramento da argumentação e
empatia.
● Descreva as etapas para organizar debates, como escolher
tópicos e formatos.
● Sugira a criação de painéis ou grupos de discussão.
● Mostre como incentivar a participação dos alunos em debates.
● Destaque a importância do respeito às opiniões dos outros.
● Apresente casos de alunos que aprimoraram suas habilidades
críticas por meio dessas atividades.
● Destaque como o posicionamento crítico beneficia a vida dos
alunos.
● Convide professores de áreas diversas.
● Incentive os educadores a implementar atividades de
piquenique literário e debates na escola.
● Destaque que essas atividades contribuem para a formação de
alunos mais críticos e informados.

Fonte: arquivo pessoal das autoras

O Piquenique Literário proporcionou um ambiente


descontraído para a discussão de livros, incentivando a
troca de ideias e perspectivas entre os alunos. A Gincana
Literária, por sua vez, transformou a leitura em um jogo
educativo, motivando os alunos a explorarem diferentes

174
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

gêneros e autores de forma competitiva e divertida. Am-


bos os métodos contribuíram para o desenvolvimento
de leitores proficientes, ao mesmo tempo em que pro-
movem uma compreensão mais profunda da literatura,
indo além da mera classificação em períodos literários
e ressaltando a atemporalidade e a função simbólica e
social das obras literárias.
Além disso, ao instigar o envolvimento ativo dos
alunos e sua participação ativa na exploração de textos
literários, essas abordagens inovadoras podem ser fun-
damentais para a formação de leitores mais críticos e
apaixonados pelos livros, garantindo que a literatura de-
sempenhe seu papel vital na educação.

8 CONCLUSÃO
A Literatura desempenha um papel crucial na for-
mação humana, permitindo aos leitores refletir sobre si
mesmos e o mundo ao vivenciar situações fictícias pro-
fundamente enraizadas na experiência humana. A leitura
literária enriquece diversos aspectos da vida, incluindo os
artísticos, culturais, sociais, políticos, cognitivos e senso-
riais. Apesar dos esforços da escola, a formação de leito-
res proficientes tem sido desafiadora, muitas vezes devido
a abordagens tradicionais centradas na periodização das
escolas literárias. No entanto, métodos inovadores, como
o Piquenique Literário e a Gincana Literária, têm se desta-
cado como promissores para promover a leitura na escola.

175
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Essas atividades estimulam o interesse dos alunos pela li-


teratura de maneira envolvente e participativa.
Dentre as principais contribuições dos projetos de-
senvolvidos pelas escolas, destacamos que ambos estão
garantindo o direito à literatura, ou seja, cumprindo com
seu compromisso, visto que “essa responsabilidade não
apenas implica assumir materiais e métodos adequados e
específicos para a aprendizagem da leitura, mas também
confere, ao ato de ler, características que até podem ser
encontradas em outros espaços, mas que não podem fal-
tar na escola” (Cosson, 2021, p. 19).
Além disso, as duas experiências revelam que, tanto
professores, de vários componentes curriculares, como
coordenadores, diretores e pais inseridos nesses momen-
tos de leitura, quer por meio da Gincana literária virtual,
quer nos encontros presenciais no piquenique literário,
fizeram compartilhamentos, deram suas impressões, re-
alizaram diálogo consigo e com os outros, ergueram a
bandeira da resistência, reforçaram laços sociais e iden-
titários e desenvolveram a competência literária.
Essas experiências reafirmam o nosso propósito
com a escolha por duas escolas em estados diferentes,
ratificando a importância que a leitura literária tem em
realidades distintas, confirmando que, quando existe
vontade e interesse por parte dos professores, da equipe
gestora e da família, não importa se a escola é pública ou

176
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

privada, em regiões de classe alta ou baixa, é possível sim


partilhar experiências de resistência; desse modo, a von-
tade de fazer o trabalho com a leitura perpassa fronteiras
e classes sociais.

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SNYDERS, Georges. Alunos felizes. Reflexão sobre a


alegria na escola a partir de textos literários. 4. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1993.

178
CONTRAÇÃO DE PREPOSIÇÕES
COM ARTIGOS: ESTUDO DE UM
METAPLASMO POR SÍNCOPE NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO (PB)
Aldo Matheus do Nascimento Silva
Elias André da Silva

1 INTRODUÇÃO
É sabido que o fenômeno da contração de prepo-
sições com artigos definidos e indefinidos é uma pro-
blemática presente tanto nas salas de aula da educação
básica, como nas do ensino superior. Nesse sentido, a
partir de informações de domínio público, como alguns
sites (JC Concursos e InfoEscola, por exemplo) que se
debruçam a explanar o fenômeno, tem se que: a) a con-
tração é vista comumente, na língua, como um aspecto
trivial e acontecerá quando a preposição sofrer modifi-
cações em sua estrutura fonológica ao ser unida a outra
palavra; e b) na modalidade formal da linguagem, não se
deve contrair preposição com artigo que encabeça o su-
jeito de um verbo.
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Assim, tecidas essas proposições, o presente estu-


do é resultado de um recorte de monografia de conclusão
de curso, trazendo como problema de pesquisa a contra-
ção de preposições com artigos no Português Brasileiro
(PB). Desse modo, objetiva-se, com o estudo em questão,
analisar ocorrências dessas contrações em produções
autênticas escritas do PB, verificando, por meio dos usos,
a alternância de efeitos de sentido a partir de ocorrências
em textos escritos.
Com essa pesquisa, buscam-se, mais especifica-
mente, 1) localizar usos de contrações viáveis ou não de
preposições com artigos definidos e indefinidos em tex-
tos autênticos escritos; 2) identificar sentido de posse ou
referência e ação decorrida em torno destas contrações;
3) verificar contextos de usos do fenômeno em textos au-
tênticos escritos e em dados de intuição; e 4) testar possi-
bilidades para essa contração em dados de intuição.
Nessa perspectiva, apresentam-se três hipóteses
as quais poderão ser corroboradas ou não. Ei-las: 1) a
ideia de posse ou referência se restringe ao fenômeno da
contração de preposições + artigos definidos e indefini-
dos para o PB escrito; 2) a ideia de posse ou referência é
bloqueada pela ausência da contração de preposições +
artigos definidos e indefinidos para o PB escrito, prevale-
cendo a ideia de ação decorrida; e 3) a contração ou não
contração de preposições + artigos definidos e indefini-

180
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dos não garante a restrição de posse ou referência e ação


decorrida11, nem é bloqueada pela ausência desse tipo de
contração para o PB escrito.
Este artigo científico está organizado em cinco
seções, que se interligam pelas seguintes ideias: Pro-
blematização do tema, Procedimentos Metodológicos,
Apresentação, Análise e Discussão dos dados, Conclusão
e Referências.

2 PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA
(1) Está na hora do almoço começar e (2) Está na
hora de o almoço começar, construções desses tipos apa-
rentam ser estruturalmente semelhantes em produções
do PB. É notável também que, a partir dessas sentenças,
discussões podem ser engendradas sobre o modo como
são grafadas e as diferenças de sentido possíveis entre
elas. Na primeira sentença, tem-se a manifestação do fe-
nômeno da contração da preposição [de] + o artigo de-
finido [o], resultando em [do]. Já na segunda, há a não
contração, permanecendo incólumes, portanto, preposi-
ção e artigo definido, ou seja, sem serem amalgamados,

11 Para maiores esclarecimentos sobre os efeitos de sentido posse,


referência e ação decorrida, sugere-se a consulta de: SILVA, Aldo
Matheus do Nascimento. Contração de preposições com artigos no
Português Brasileiro (PB): contextos de usos e alternância de efei-
tos de sentido. 2023. Monografia (Graduação em Letras – Língua
Portuguesa) – Universidade Federal de Alagoas, Arapiraca, 2023.

181
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

embora os efeitos de sentido sejam divergentes para cada


uma das construções.
Com efeito, os compêndios gramaticais normativos
ao se referirem ao recurso da contração de preposições
com artigos no PB o fazem de modo resumido e/ou ali-
geirado, quando o fazem. Em alguns desses compên-
dios, por exemplo, estabelece-se uma distinção pouco
elucidativa para a terminologia de base combinação e
contração. Nessa perspectiva, a primeira refere-se à pre-
posição que ligada a outra palavra não sofre redução,
nem perda de fonema, enquanto a segunda materializa-
-se quando a categoria preposição ao ser ligada a outra
palavra sofre redução ou queda de fonema12 (Bechara,
2019; Cegalla, 2008).
Bechara (2019) sinaliza que se pode considerar
contração somente o caso de crase e, em outros casos,
diz-se que houve combinação13. O gramático ainda afir-
ma que a NGB não se pronunciou a respeito desse caso.
Bechara (2019) também apresenta uma justificativa – não
muito precisa – sobre motivações para a ocorrência do

12 Cientificamente, o fenômeno é entendido como Metaplasmo, isto


é, transformações de natureza fonética que as palavras sofrem,
acontecendo diante do processo enunciativo. No caso do recurso
em questão, tem-se um metaplasmo por síncope (desaparecimen-
to de fonema no interior do vocábulo).
13 Sobre combinação, Bechara (2019) afirma que esse termo é muito
amplo para ficar assim restringido. Segundo ele, a NGB, por exem-
plo, só emprega combinação de pronomes.

182
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

fenômeno da contração em pauta. O autor pontua que,


geralmente, a ligação ou não de preposição à palavra que
lhe segue depende da necessidade de garantir a clareza
da mensagem, sendo, assim, respaldada por entoação es-
pecial, contudo não apresenta contextos de uso que sus-
tentem essa assertiva.
Outras justificativas são mencionadas por Bacce-
ga (1989). A primeira delas concerne ao fato de que, se-
gundo Baccega comumente,

“[...] o artigo definido faz parte do títu-


lo: (nome de jornal, de obra literária ou
científica etc.). Nesse caso, quando o tí-
tulo vier antecedido de preposição, não
se deve fazer a contração” (1989, p. 53).

A segunda delas – é encontrada em manuais nor-


mativos – faz alusão à preposição que antecede o ar-
tigo não se relacionar com o nome que ele determina,
todavia, sim, com o verbo. Assim, sendo nome o sujeito
da oração, sabe-se que o sujeito, no PB, não pode ser
preposicionado (Baccega, 1989). No entanto, são per-
ceptíveis lacunas concernentes a explicações teóricas
consolidadas sobre o recurso no que tange aos efeitos
de sentido posse, referência e ação decorrida – ligados
à (não) contração – bem como quais mecanismos regu-
lamentam esse objeto na língua em uso de falantes e os
diferentes efeitos de sentido.

183
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

No tocante ao aporte teórico utilizado, este estu-


do está ancorado, sobretudo, em Bechara (2019), Cegalla
(2008), Baccega (1989), que apresentam considerações re-
levantes para o debate da problemática em questão. Além
disso, tendo em vista a necessidade de um entendimento
mais acurado sobre o assunto, esta pesquisa justifica-se
como relevante por abordar temática ainda pouco eluci-
dada no que tange à sistematização de estudos divulga-
dos, nesta seara, de acordo com a literatura disponível
e consultada a priori. Da mesma forma, evidencia, ainda
que minimamente, uma descrição mais sistemática sobre
o fenômeno em estudo, contribuindo para o campo te-
órico – Descrição e Análise Linguística; além de prover
discussão sobre um aspecto de língua materna perceptí-
vel em diversas interações e situações sociocomunicati-
vas sem restrição de serem monitoradas ou não.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os Procedimentos Metodológicos dessa pesquisa
são de cunho qualitativo, detendo-se à qualidade, à in-
terpretação e à descrição linguística do recurso citado,
não elegendo o método quantitativo como instrumento
para a análise dos dados, tendo em vista que há repli-
cabilidade de suas estruturas. Em acréscimo, destaca-se
que a natureza da presente pesquisa é considerada como
básica (Paiva, 2019), visto que objetiva aumentar o co-

184
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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nhecimento científico acerca da contração de preposi-


ções com artigos no PB, não possuindo como finalidade
a aplicação de tal conhecimento à sala de aula ou à reso-
lução de problemas, por exemplo.
No atinente ao gênero, é caracterizada como teóri-
ca à medida que se propõe a estudar teorias, bem como
construir ou, ainda, modificar uma teoria, contribuindo,
assim, com novos conceitos (Paiva, 2019) – como é o caso
da Descrição Linguística sobre o fenômeno da contra-
ção de preposições com artigos definidos e indefinidos
no PB. É pertinente salientar ainda que, quanto às fontes
de informação, essa pesquisa é entendida como primária
(Paiva, 2019), tendo em vista que todos os dados foram
coletados pelos próprios pesquisadores (em mídias e ou-
tras fontes) para a composição de seu corpus de análise.
Por fim, quanto aos objetivos da pesquisa14, pode-se clas-
sificá-la como explicativa, pois pretende identificar e ex-
plicar os fatores que contribuem para a ocorrência e para
o desenvolvimento do fenômeno (Gonsalves, 2003 apud
Paiva, 2019) da contração de preposições com artigos.
Além disso, grosso modo, pode-se definir os pro-
cedimentos metodológicos, desta pesquisa, em duas eta-
pas: 1) Revisão de literatura no concernente ao que alguns

14 Nessa seara, entenda-se “objetivos da pesquisa” no que tange às


subclassificações propostas por Paiva (2019, p. 13-14) em: 1) Pes-
quisa Exploratória, 2) Pesquisa Descritiva, 3) Pesquisa Explicativa
e 4) Pesquisa Experimental.

185
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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estudos de cunho normativo abordam sobre o fenômeno


investigado; e 2) Coleta, seleção, organização e testagem
dos dados, focalizando os efeitos de sentido provocados
a partir da (não) utilização do fenômeno em pauta.
Nessa perspectiva, foram coletados ao todo trinta
dados de contextos mais monitorados e contextos me-
nos monitorados, sendo aqueles mais formais e esses
menos formais, respectivamente. No entanto, visando à
composição do corpus, foram selecionados para a análise
somente vinte e sete dados15, haja vista serem mais re-
presentativos do recurso em questão. Como supracitado,
todos os dados são da modalidade escrita do PB e foram
coletados no período de um ano, compreendendo outu-
bro de 2021 a outubro de 2022.
Os dados são oriundos de mídias, como conta co-
mercial no Instagram e sites de notícias com circulação
nacional (Acessa.com, Exame, IG Último Segundo, MSN
e TV Foco) e oriundos de outras fontes mais acadêmicas
(artigo científico, livros físicos, monografia), estas para
os dados mais monitorados e essas para os menos moni-
torados. Assim, os dados coletados possuem conteúdos
diversificados (futebol, Língua Brasileira de Sinais – LI-

15Saliente-se que os três dados não inclusos para a análise possuem


a mesma configuração estrutural em alguns contextos. Desse
modo, como esses dados seguem a mesma configuração estrutural
e contextual, realizou-se o recorte metodológico para a composi-
ção do corpus.

186
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

BRAS, política, saúde etc.). É importante destacar que


não houve, desde o início da pesquisa, o estabelecimen-
to de parâmetros quanto à padronização única de fonte
de coleta (mídias ou outras fontes), tendo em vista, por
escolha, se adotar tal procedimento visando perceber
como o fenômeno se comporta nos dois espaços de uso
da escrita.
Após a coleta de dados, realizou-se a seleção e or-
ganização dos dados, já visualizando a disposição des-
ses em alíneas e em dois quadros – enquanto resumo das
discussões – haja vista se considerar mais adequada essa
forma de apresentação no concernente à visualização
panorâmica desses. Os quadros resumo estão divididos
em dois grupos: dados oriundos de mídias e dados oriun-
dos de fontes mais acadêmicas. Este procedimento me-
todológico múltiplo possibilitou observar o fenômeno
em manifestação em contextos escritos distintos.
Nos quadros, constam alguns elementos (da esquer-
da para a direita), a saber: Elemento Anteposto (palavra
anterior ao recurso); Elemento Relacional (subdividindo-
-se em contração e não contração); Elemento Posposto
(palavra posterior ao recurso); e Efeitos de Sentido (ação

187
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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decorrida16 e posse17 ou referência18). Essas indicações


podem ser verificadas em “A vida do professor é triste”19.
Outrossim, nesta sentença, como Elemento Anteposto,
tem-se [vida], sendo esse elemento mais dominante em
relação aos demais; como Elemento Relacional, visuali-
za-se a preposição [de] contraída com artigo definido [o]
– do – entendida como elemento transpositor, conforme
a assertiva de Azeredo (2013); como Elemento Posposto,
evidencia-se [professor], estando, assim, como elemento
mais dominado em relação à preposição [de].

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS


Nessa seção, são apresentados, analisados e discu-
tidos os dados coletados em mídias, a saber: conta co-
mercial no Instagram e sites de notícias com circulação
nacional (Acessa.com, Exame, IG Último Segundo, MSN e
TV Foco). Para fins organizacionais, a análise está dispos-
ta em alíneas dado a dado, em alguns casos, e, em outros,
por agrupamento de dados.

16 Entenda-se “ação decorrida” como uma ação em desenvolvimen-


to.
17 Entenda-se “posse” como uma relação de pertencimento entre
elementos anteposto e posposto com traço Animado e +Animado,
isto é, -Humano e +Humano.
18 Entenda-se “referência” como o processo de colocar os termos
anteposto e posposto da construção em ponto de referência, rela-
ção.
19 Dado de intuição.

188
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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4.1 DADOS ORIUNDOS DE MÍDIAS


Como já mencionado, todos os dados são de escri-
ta, haja vista o fenômeno da contração de preposições
com artigos definidos e indefinidos no PB não ser distin-
guido na oralidade para os efeitos de sentido posse ou re-
ferência e ação decorrida, de acordo com hipóteses, para
ouvintes menos exigentes. Contudo, há tipos de contra-
ções que, mesmo sendo escritas, não irão interferir para
os efeitos de sentido analisados neste estudo, tendo em
vista que realizam outro efeito de sentido, como visuali-
zado a seguir:
(1) “A algema foi comprada para o caso dos senadores ‘não
aceitarem aquilo que vou falar’” (dado 120 do quadro 1)
(2) “O conteúdo das vacinas utilizadas atualmente contra
a covid-19 é bem conhecido. É o caso daquelas baseadas
em mRNA, como os produtos de Pfizer/BioNTech e Mo-
derna, bem como de todas as outras, inclusive as usadas
para as demais doenças infecciosas” (dado 10).
No concernente à construção (1), percebe-se a não
contração, nessa construção, em que a preposição [para]
não se contrai com o artigo definido [o]. Nesse contexto,
a (não) contração vai ser opcional, haja vista não implicar
nos efeitos de sentido ação decorrida, posse ou referên-

20 Esta numeração – dado 1 – se refere à ordem de disposição pre-


sente no quadro 1, bem como para os demais dados.

189
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cia, mas, sim, de finalidade21 – esse último não sendo ob-


jeto de investigação aqui. No entanto, pode-se dizer que
a opcionalidade da não contração, nesse caso, está asso-
ciada a um maior grau de formalidade e a contração está
relacionada a um menor grau de formalidade a depender
do gênero pelo qual ela se materialize.
Ademais, em (2), é encontrada a não contração da
preposição [para] com o artigo definido [as] em [usadas
para as]. Novamente, como em (1), pode-se dizer que a
(não) contração – e mais precisamente a preposição
[para] – não vai implicar nos efeitos de sentido anuncia-
dos neste estudo, visto que o efeito de sentido realizado é
de alvo, ou seja, as vacinas são utilizadas objetivando um
fim – “para as demais doenças infecciosas”. Igualmente,
poder-se-ia ter [usadas pras], configurando, mais uma
vez, um grau de informalidade como já visto, também,
em (1). Diferentemente de (1) e (2), em (3) constata-se a
contração da preposição [de] com o artigo definido [os]:
(3) “[...] Caso dos senadores ‘não aceitarem aquilo que
vou falar’” (dado 2).
Nessa sentença (3), tem-se a contração [de + os]
materializada em [dos] que, estando amalgamada, seria
dotada do efeito de sentido posse ou referência – con-
forme uma das hipóteses deste estudo. No entanto, per-

21 Sendo a oração classificada como Subordinada Adverbial Final.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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cebe-se uma inadequação nesta construção [caso dos22


senadores aceitarem aquilo que vou falar]. Mesmo tal
sentença sendo dotada de elementos anteposto com
traço -Animado [caso] e posposto com traço +Animado
[senadores], a relação que se estabelece não é de posse,
visto que não são os senadores que possuem um caso
ou estão provocando um caso, mas são inseridos em um
caso por alguém do discurso.
Embora estruturalmente e foneticamente tenha
sido realizada a contração em (3), o efeito de sentido, nes-
se contexto, é de ação decorrida, sendo necessário o des-
membramento da contração, resultando em [Caso de os
senadores não aceitarem aquilo que vou falar]. Em acrés-
cimo, se o produtor do texto tivesse enunciado [Caso dos
senadores], sem complementação verbal mais à direita,
poder-se-ia ter os efeitos de sentido posse ou referência,
levando-se em consideração que o comportamento de
contração está relacionado, conforme hipótese da pes-
quisa, à posse ou à referência.
Ademais, observem-se, por exemplo, as construções:

22 Inclusive, o serviço de Inteligência Artifical do Word já marca, em


alguns contextos, a inadequação quanto à contração de preposi-
ções com artigos definidos e indefinidos. Assim, essa ferramenta,
não obstante sua limitação, pode auxiliar falantes em suas varia-
das produções textuais escritas, devendo haver testagens quanto
aos mais diversos contextos.

191
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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(4) “Muito se fala sobre a possibilidade de o presidente


Jair Bolsonaro ser julgado no Tribunal Penal Internacio-
nal, em Haia, por conta da sua atuação durante a pande-
mia do novo coronavírus” (dado 3)
(5) “O ex-presidente fez afirmações sobre a importância
de o PT voltar ao poder e, acima de tudo, retornar com
uma bancada expressiva na Câmara e no Senado” (dado 4)
(6) “Existe o risco de o RNA da vacina se integrar ao meu
genoma e modificá-lo” (dado 6).
Visualiza-se, nessas construções, a não contração
da preposição [de] + o artigo definido [o], corroborando o
efeito de sentido ação decorrida – conforme já marcado
nessas sentenças – além de evidenciar a sua adequação
estrutural e semântica. É importante destacar, que em (4),
(5) e (6), tem-se os substantivos abstratos [possibilidade],
[importância] e [risco], respectivamente. Note-se que
após cada um desses substantivos abstratos encontram-
-se os Complementos Nominais (CN) [de o presidente],
[de o PT] e [de o RNA] os quais complementam os subs-
tantivos abstratos supracitados, podendo confirmar, a
priori, a ideia de não posse (de CN), além de evidenciar
o efeito de sentido ação decorrida (de não contração). A
posteriori, tem-se a construção (7):
(7) “Essa situação, por sua vez, permitiu o desenvolvi-
mento em tempo recorde de uma importante quantidade
de vacinas para fazer frente ao coronavírus” (dado 5).

192
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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No que tange à sentença (7), visualiza-se a não con-


tração da preposição [de] com o artigo indefinido [uma],
embora, nesse contexto, a contração [duma] – concebida
como menos formal – seja possível, adotando-se o efeito
de sentido referência entre [tempo recorde] e [importan-
te quantidade]. Assim, poder-se-ia afirmar, por haver a
não contração, que o efeito de sentido seria ação decorri-
da, haja vista estar presente, nesse período, a oração mais
à direita [para fazer frente ao coronavírus23]. Importa sa-
lientar sobre essa afirmação que a oração referida não
atua no domínio dos termos implicadores, isto é, termo
anteposto [tempo recorde] e termo posposto [importante
quantidade], todavia no verbo gerador da sentença [per-
mitiu], não interferindo nos efeitos de sentido cotejados
neste estudo.24
Em acréscimo, observem-se as construções (8), (9)
e (10):
(8) “Seria algo parecido com o manual de instruções que
contém as etapas da montagem de um móvel” (dado 7).
(9) A proteína viral será aquela que desperta o nosso sis-
tema imunológico e permitirá o aparecimento de uma
resposta e de uma memória de defesa específica contra
essa proteína” (dado 8).

23 Sendo classificada como Subordinada Adverbial Final.


24 Sentenças como essa podem engendrar discussões mais aprofun-
dadas em estudos a posteriori.

193
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

(10) A proteína viral será aquela que desperta o nosso


sistema imunológico e permitirá o aparecimento de uma
resposta e de uma memória de defesa específica contra
essa proteína” (dado 9).
Em (8), (9) e (10), verifica-se a não contração da
preposição [de] + os artigos indefinidos [um, uma, uma,
respectivamente]. Assim, percebe-se nas construções
[montagem de um móvel] (8), [aparecimento de uma res-
posta] (9) e [e de uma memória] (10) que a (não) contração
de preposições com artigos não vai implicar nos efeitos
de sentido investigado neste estudo. Desse modo, po-
dem, facilmente, ser contraídas [dum móvel], [duma res-
posta] e [duma memória], embora esse tipo de contração
evidencie, ainda que minimamente, um grau de formali-
dade menor em relação à não contração, como já visto.
Ainda nessa perspectiva, é importante destacar
que, de acordo com os dados analisados até agora neste
estudo, a presença de artigos indefinidos, nos contextos
apresentados com a preposição [de], denota opcionali-
dade para contração ou não contração. Nesse sentido,
ratifica-se que essa opcionalidade não interfere para
diferenças nos atos de fala analisados, podendo ser en-
gendrada uma nova hipótese para a pesquisa a partir de
dados com essa configuração estrutural.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

As sentenças (11), (12) e (13) evidenciam a não ade-


quação da contração e a implicação dessa inadequação
estrutural e semântica para efeitos de sentido:
(11) “Na tela da Globo, após a perda, Jô Soares fez uma
homenagem ao herdeiro e lamentou o fato da vida ter
tomado rumos inversos, já que um filho geralmente não
morre antes dos pais” (dado 11).
(12) “A ação foi uma iniciativa do partido Rede Sustenta-
bilidade para entender a necessidade do médico precisar
prescrever vacina contra a Covid-19 para crianças de 5 a
11 anos, além de um ‘termo de consentimento livre escla-
recido’” (dado 13).
(13) “Após a festa desta quarta-feira (17), a probabilidade
do cearense ter sentimentos românticos pelo amigo ga-
nhou força nas redes sociais e gerou debates” (dado 15).
Com (11), (12) e (13), nota-se que a contração da
preposição [de] + os artigos definidos [a, o, o], resultan-
do [da], em (11), e [do], em (12) e (13), indicaria, por esta-
rem amalgamados, uma relação de posse ou referência,
tendo em vista as hipóteses desta investigação científica.
Todavia, o efeito de sentido das construções é de ação
decorrida, uma vez que em [fato de a vida ter tomado ru-
mos inversos]25 (11), [necessidade de o médico precisar

25 No entanto, se a construção fosse “Isso é fato da vida” (dado de in-


tuição), ter-se-ia a contração com o ato de fala “referência”, colo-
cando em ponto de relação os termos anteposto [fato] e posposto
[vida].

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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prescrever vacina] (12) e [probabilidade de o cearense


ter sentimentos românticos] (13), as ações estão em de-
senvolvimento, pressupondo, assim, a presença de uma
oração posposta mais à direita à não contração.
Atrelado a isso, um fato pertinente para se discutir
são os casos de contrações de preposições com artigos
no PB em contextos sintáticos de complementação no-
minal em situação oracional mais à direita. Observem-se
os dados (14), (15) e (16):
(14) “[...] a nova onda de Covid no Reino Unido disparou
todos os alarmes e destacou a necessidade dos clubes em
contar com um grande elenco para o restante da tempo-
rada” (dado 12).
(15) “Em entrevista à imprensa nesta quinta-feira (3),
Mondego lamentou a falta de informações mais detalha-
das e disse ver uma tentativa dos suspeitos de ‘justificar
a barbárie’” (dado 14).
(16) “[...] ‘punição pela irresponsabilidade do hotel em
não esterilizar a banheira de hidromassagem de maneira
adequada’” (dado 16).
Em relação às construções (14), (15) e (16), são visí-
veis a contração da preposição [de] com o artigo definido
[o(s)]. Nessas sentenças, o desmembramento é necessário
[de o(s)], pois o efeito de sentido realizado é de ação de-
corrida, não obstante ter sido realizada a contração em
[necessidade dos clubes em contar com um grande elen-

196
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

co] (12), [tentativa dos suspeitos de ‘justificar a barbárie’]


(14) e [irresponsabilidade do hotel em não esterilizar a
banheira de hidromassagem] (16).
Na sentença (14), não são os clubes que possuem
a necessidade, contudo alguém que possui a necessida-
de de os clubes em fazerem algo, neste caso, de conta-
rem com um grande elenco. Igualmente em (15), não é a
tentativa dos suspeitos (não há relação de posse ou refe-
rência), mas de alguém exterior ao discurso para que os
suspeitos justifiquem a barbárie. Nesse sentido, em (16),
tem-se que a irresponsabilidade não é do hotel, no en-
tanto de alguém responsabilizá-lo por não ter esteriliza-
do a banheira.
Note-se que nestes dados (14), (15) e (16), há con-
textos de complementação nominal em que se evidencia
a relação de não posse, logo, de ação decorrida. Assim,
pode-se mencionar que quando se tem posterior à pre-
posição do CN uma oração, tal preposição restringirá a
contração [de +o(s)]. Se a construção fosse [necessidade
do juiz26], por exemplo, isso em nada afetaria a sentença,
justamente por não haver uma situação oracional mais à
direita do elemento posposto [ juiz], podendo tal asserti-
va ser apontada como uma restrição para a contração da
preposição [de] com artigos definidos no PB escrito.
Em acréscimo, são apresentadas (não) contrações
com locuções prepositivas:

26 Dado de intuição.

197
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
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(17) “Antes da bola rolar, o Maracanã receberá uma festa


preparada pela CBF” (dado 17).
(18) “Apesar de o presidente Jair Bolsonaro (PL) citar no
debate neste domingo (16) que um game educacional ado-
tado pelo governo alfabetizaria crianças em seis meses, o
MEC (Ministério da Educação) nem sequer tem estudos
de eficácia do aplicativo no aprendizado” (dado 18).
No atinente ao dado (17), evidencia-se a contra-
ção da locução prepositiva [antes de] + o artigo definido
[a], engendrando [antes da]. Outrossim, o ato de fala re-
alizado é de ação decorrida, isto é, [antes de a bola ro-
lar], conquanto haver, na construção, a inadequação do
ato de fala posse ou referência. Se a sentença fosse, por
exemplo, assim textualizada [Faça o jantar antes da Fer-
nanda27], o efeito de sentido posse ou referência estaria
explícito, todavia, não para a construção analisada em
(17). Já em (18), percebe-se, com a não contração, a con-
sonância do efeito de sentido ação decorrida [Apesar de
o presidente Jair Bolsonaro (PL) citar], evidenciando sua
adequação ao modo como foi redigida e ao ato de fala
correspondente – ação decorrida – através de exigência
verbal mais à direita do elemento relacional [apesar de].
Por fim, evidenciam-se (19) e (20):
(19) “O Graphogame foi desenvolvido a partir dos resul-
tados de um estudo conduzido na Finlândia em 1992 para
identificar as dificuldades de alfabetização em crianças
com dislexia” (dado 19).

27 Dado de intuição.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

(20) “[...] resultados de um estudo conduzido na Finlândia


em 1992 para identificar as dificuldades de alfabetização
em crianças com dislexia” (dado 20).
Finalizando a discussão sobre os dados oriundos
de mídias, há, em (19), a contração da locução preposi-
tiva [a partir de] + o artigo definido [os], resultando em [a
partir dos]. Nesse contexto de uso, percebe-se a adequa-
ção estrutural e semântica da sentença ao efeito de senti-
do referência. Note-se que se a construção fosse [A partir
de os resultados], isoladamente, a sentença careceria da
presença de uma oração mais à direita do termo relacio-
nal [neste caso, “dos”] para continuidade da ação, neces-
sitando tal ação ser desenvolvida. Destarte, a construção
fica inadequada, portanto, agramatical se não houver a
adequação do recurso ao contexto de uso ação decorrida.
Já em (20), é notável a não contração da preposição
[de] com o artigo indefinido [um]. Igualmente, nesse con-
texto, a contração seria viável, como visto também em
(8), (9) e (10), resultando em [dum]18 e não alterando o ato
de fala posto – referência. No entanto, é importante citar
que a oração [para identificar as dificuldades de alfabeti-
zação em crianças com dislexia19] não altera o ato de fala
referência e nem configura o ato de fala ação decorrida
por estar mais à direita do elemento relacional [de um].
Tal oração não atua, portanto, no domínio dos termos im-
plicadores [resultados – anteposto; estudo – posposto]
para a indicação dos efeitos de sentido ação decorrida,

199
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

posse ou referência20, mas, sim, sobre a locução verbal


[foi desenvolvido].
A seguir, encontra-se o quadro 1 com um resumo
acerca de algumas discussões patenteadas ao longo da
análise dos dados oriundos de mídias:

Quadro 1 – Dados Oriundos de Mídias


ELEMENTO
EFEITOS DE SENTIDO
RELACIONAL
ELEMENTO
ANTEPOSTO NÃO ELEMENTO AÇÃO REFE-
CON- POSPOSTO
CON- DECOR- POSSE RÊN-
TRAÇÃO
TRAÇÃO RIDA CIA
“com-
para o caso”28 - - -
121 prada
2 “caso dos senadores” 29
+ - -
“possi-
3 de o presidente” 30
+ - -
bilidade
“impor-
4 de o PT”31 + - -
tância
5 “recorde de uma importante” 32
- - +
6 “risco de o RNA”33 + - -
“monta-
7 de um móvel”34 - - +
gem

28 Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2021-09-27/lucia-


no-hang-faz-video-algemado-casoseja-preso-pela-cpi-da-covid.html.
29 Ibid.
30 Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/2021-10-02/
caso-nas-filipinas-abre-precedente-parabolsonaro-ser-julgado-
-em-haia.html.
31 Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2021-10-04/
contra-bolsonaro--lula-quer-intensificardivulgacoes-do-pt-nas-re-
des-sociais.html.
32 Disponível em: https://saude.ig.com.br/2021-10-10/o-que-
-dizer-para-quem-ainda-tem-duvidas-sobre-sevacinar-contra-a-
-covid-19.html.
33 Ibid.
34 Ibid.

200
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

“apare-
8 de uma resposta”29 - - +
cimento
9 “e de uma memória” 35
- - +
10 “usadas para as demais”31 - - -
11 “fato da vida”36 + - -
“neces-
12 dos clubes”37 + - -
sidade
“neces-
13 do médico”38 + - -
sidade
“tenta-
14 dos suspeitos”39 + - -
tiva
“proba-
15 do cearense”40 + - -
bilidade
“irres-
16 ponsa- do hotel”37 + - -
bilidade
17 “Antes da bola”41 + - -
18 “Apesar de o presidente”42 + - -
19 “a partir dos resultados”43 - - +
“resulta-
20 de um estudo”44 - - +
dos
Fonte: elaborado pelos autores (2022)

35 Ibid.
36Disponível em: https://www.otvfoco.com.br/queda-e-perda-do-
-companheiro-jo-soares-desparece-apos-deixara-globo/.)
37 Disponível em: https://esporte.ig.com.br/futebol/2021-12-21/
covid-atrapalha-o-corinthians-e-united-naopretende-liberar-ca-
vani.html?Foto.
38Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/bra-
sil/2021-12-24/stf-vacinacao-infantil-prescricao.html.
39 Disponível em: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/fa-
m%C3%ADlia-de-mo%C3%AFse-est%C3%A1sem-acesso-ao-in-
qu%C3%A9rito-policial-afirma-oab-rj/ar-AATrOCZ.
40Disponível em: https://queer.ig.com.br/2022-02-20/vyni-se-apai-
xona-por-eliezer-no-bbb-22.html?Foto1. 37 Disponível em: https://
ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2022-02-23/rj-mulher-engravida-
do-sozinha-banheirahidromassagem.html.
41Disponível em: https://exame.com/esporte/quantos-ingressos-fo-
ram-vendidos-para-a-final-entre-flamengo-xcorinthians/.
42Disponível em: https://www.acessa.com/noticias/2022/10/
102683-ministerio-da-educacao-nao-tem-dadossobre-eficacia-
-de-jogo-de-alfabetizacao-citado-por-bolsonaro.html.
43 Ibid.
44 Ibid.

201
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Por fim, duas observações precisam ser feitas sobre


a discussão desse subtópico em relação à produtividade
dos dados. Como se pode visualizar no quadro 1, hou-
ve maior ocorrência de não contração da preposição [de]
com artigos quase sem inadequações; enquanto nas con-
trações, em menor número, ocorrem mais inadequações.
Mesmo sendo pouca a diferença, importa destacar isso,
haja vista serem dados de textos menos monitorados.

4.2 DADOS ORIUNDOS DE OUTRAS FONTES


Nesse subtópico, estão dispostos os dados oriun-
dos de outras fontes, a saber: artigo científico, livros
físicos e monografia. Ressalta-se que todos os dados
coletados para a composição do corpus são de escrita,
sendo o motivo da exclusão de dados provenientes da
oralidade explicitado no subtópico 4.1. Assim como nos
dados oriundos de mídias, a análise encontra-se disposta
em alíneas dado a dado, em alguns casos, e, em outros,
por agrupamento de dados, objetivando analisar os efei-
tos de sentido posse ou referência e ação decorrida.
A priori, tem-se as construções:
(21) “Em virtude das atividades terem sido realizadas in-
tegralmente no formato ERE, as imagens que dispomos
foram as registradas a partir de prints das telas de dife-
rentes dispositivos usados pelos/as residentes” (dado 21).

202
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

(22) “Além disso, o fato do português brasileiro ser uma


língua de imensa maioria da população não implica, au-
tomaticamente, que essa língua seja um bloco compacto,
uniforme e homogêneo” (dado 22).
(23) “Com pessoas com neurônio: apesar do governo Lula
ter tido grandes avanços e dado oportunidades incríveis
para a população pobre [...], ele traiu o proletariado como
qualquer outro político e não deve ser visto como um sal-
vador da pátria” (dado 23).
(24) “É preciso ter em mente o motivo de se usar uma lín-
gua diferente da usual, trabalhando o respeito e a cons-
trução de consciências de reconhecimento dos direitos
da pessoa surda em sala, para que aquele aluno que pos-
sui deficiência se sinta acolhido, não apenas pelo fato
dos colegas e professores saberem se comunicar com ele,
mas, por se sentir respeitado como pessoa” (dado 25).
(25) “Nesta perspectiva, o autor enfatiza a necessida-
de dos professores utilizarem as novas tecnologias [...]”
(dado 26).
Há em todos estes contextos, (21), (22), (23), (24) e
(25), a realização do ato de fala ação decorrida que, como
já foi apresentado, refere-se à ação que pressupõe um
desenvolvimento oracional mais à direita do elemen-
to relacional [das; do(s)], conforme pode-se constatar
nas sentenças mencionadas. Apesar de estruturalmen-
te e foneticamente ter sido realizada a contração nessas

203
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

construções [de + as = das; de + o = do; de + os = dos],


evidencia-se sua não confluência ao ato de fala realiza-
do – o qual não corresponde, nesses contextos, à posse
ou à referência.
Percebe-se que em todas as situações (21 a 25), há
orações (forma simples e locucionada). Essas orações es-
tão mais à direita dos elementos relacionais e estão nos
domínios dos termos implicantes (nesse caso, dos ele-
mentos pospostos). Dessa forma, com a contração, pro-
duz-se um efeito de sentido (posse ou referência) que
não se aplica ao pretendido, isto é, de ação decorrida.
Em (21), a oração mencionada atua no domínio do
SN unitário [atividades]; em (22), a oração possui como
escopo o SN [português brasileiro]; no dado (23), a ação
em desenvolvimento com a presença verbal está presa
ao SN [governo Lula]; em (24), tem-se a oração atuando
no domínio dos SN [colegas] e [professores]; já em (25),
visualiza-se a presença verbal atuando no SN unitário
[professores]. Desse modo, é perceptível – através das
construções apresentadas – que não estão sendo colo-
cados em ponto de referência os elementos anteposto e
posposto (como em casos nos quais a contração aconte-
ce), tampouco há relação de posse entre tais elementos
(-Animado e +Animado; -Humano e +Humano).

204
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Adicionando-se, há, em (26), a ocorrência da não


contração da preposição [de] com o artigo indefinido
[um]:
(26) “A diferença de um humorista que acha que tudo tem
que ser relevado, até ‘piadas’ sobre algo delicado” (dado 24).
Em (26), há a não contração da preposição [de] e do
artigo indefinido [um], caracterizando, assim, o efeito de
sentido referência. Pode-se ratificar, nessa construção, a
opcionalidade da contração, resultando em [A diferença
dum humorista que acha que tudo tem que ser relevado,
até ‘piadas’ sobre algo delicado]. O efeito de sentido refe-
rência não vai ser modificado se houver contração, mas,
a diferença entre (não) contração, nessa seara, é de um
grau de formalidade menor ou maior a depender do con-
texto no qual a sentença for proferida, conforme foi visto
na análise dos dados oriundos de mídias no atinente à
contração da preposição [de] com artigos indefinidos.
Nessa perspectiva, e através dos dados analisados
no subtópico 4.1 com essa configuração estrutural, uma
nova hipótese pode ser engendrada como já sinalizado: a
contração da preposição [de] com artigos indefinidos vai
permitir opcionalidade de utilização, sem alteração nos
efeitos de sentido posse ou referência e ação decorrida.
Isto posto, há a construção (27), encerrando o cor-
pus no que tange aos dados oriundos de outras fontes:

205
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

(27) “Através dos argumentos acima mencionados, po-


de-se perceber que não há razão para a contraposição
entre o desenvolvimento do trabalho escolar e o jogo [...]”
(dado 27).
Findando a análise e discussão dos dados, há em
(27) a locução prepositiva [apesar de] sendo contraída
com o artigo definido [os], resultando em [apesar dos].
Nesse contexto, percebe-se a conformidade do que foi
estruturalmente e foneticamente realizado, denotando o
efeito de sentido referência. Se a sentença fosse produ-
zida [*45Através de os argumentos acima mencionados],
ter-se-ia uma agramaticalidade nessa construção em PB,
haja vista esta não possuir uma ideia de ação decorrida,
isto é, não há a presença de um evento comunicativo em
desenvolvimento. Dito de outro modo, não se visualiza
uma presença verbal mais à direita do elemento posterior
[argumentos].
A seguir, encontra-se o quadro 2 com um resumo
sobre as discussões patenteadas ao longo da análise dos
dados oriundos de outras fontes:

45 Sinal indicador de construção agramatical em língua materna,


neste caso, no PB.

206
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 2 – Dados Oriundos de Outras Fontes


ELEMENTO
EFEITOS DE SENTIDO
RELACIONAL
ELEMENTO ELEMENTO
ANTEPOSTO NÃO POSPOSTO AÇÃO REFE-
CON- POS-
CON- DECOR- RÊN-
TRAÇÃO SE
TRAÇÃO RIDA CIA
21 “Em virtude das atividades”46 + - -
22 “fato do português”47 + - -
23 “apesar do governo” 48 + - -
24 “diferença de um humorista”49 - - +
25 “fato dos colegas”50 + - -
professo-
26 “necessidade dos + - -
res”51
argumen-
27 “Através dos - - +
tos”49
Fonte: elaborado pelos autores (2022)

Como se fez anteriormente, duas observações pre-


cisam ser realizadas sobre a discussão desse subtópico a
respeito da produtividade dos dados. Como se pode vi-
sualizar no quadro 2, houve majoritariamente ocorrência
de contração da preposição [de] com artigos definidos

46 Livro físico Programa Residência Pedagógica: saberes, identida-


des e práticas docentes, 2022, p. 34.
47 Livro físico Preconceito Linguístico, 2015, p. 32.
48 Instagram – Seremos Resistência. Disponível em: https://www.ins-
tagram.com/p/CbPvRsQL1Z-/.
49 Instagram – Seremos Resistência. D i s p o n í -
vel em: https://www.instagram.com/p/CbqpAjkLIms/?igshi-
d=YmMyMTA2M2Y=.
50 Artigo Científico – A língua brasileira de sinais como potencializa-
dora de conteúdos interdisciplinares na educação básica, 2020, p.
7.
51 Monografia – As contribuições das Tecnologias Digitais da Infor-
mação e Comunicação (TDIC) no processo ensino/aprendizagem,
2016, p. 13. 49 Ibid.

207
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

quase, totalmente, com inadequações; enquanto a única


não contração ocorreu sem inadequações. Assim, essa
diferença importa, haja vista serem dados de textos, em
sua maioria, mais monitorados e podem lançar luz a ou-
tros aspectos desses usos.

5 CONCLUSÃO
Ao início desta pesquisa, foram apresentadas as
construções Está na hora do almoço começar (contração)
e Está na hora de o almoço começar (não contração) como
estruturalmente semelhantes nas modalidades escrita e
oral do PB, contudo divergentes no que tange à exigência
para o efeito de sentido ação decorrida. Nessa perspec-
tiva, esse trabalho interessou-se por uma investigação
que verificasse as divergências de sentido entre as cons-
truções prototípicas evidenciadas a partir dos efeitos de
sentido posse ou referência – ligados, a priori, à contra-
ção – e ação decorrida – relacionado à não contração.
Diante disso, o estudo teve como objetivo geral
analisar ocorrências da contração de preposições com
artigos definidos e indefinidos em produções autênti-
cas escritas do PB. Nessa ótica, ratifica-se que o objetivo
cerne da pesquisa foi alcançado, visto que se conseguiu
localizar usos de contrações (não) viáveis em textos au-
tênticos escritos a partir da identificação dos efeitos de
sentido posse ou referência e ação decorrida nos dados

208
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

analisados, valendo-se de contextos de usos. Além disso,


ressaltam-se as testagens sobre possibilidades para (não)
contração referida em dados de intuição.
Em adição, algumas considerações podem ser apre-
sentadas quanto às hipóteses deste trabalho. Na hipótese
1, tinha-se que a ideia de posse ou referência se restrin-
ge ao fenômeno da contração de preposições + artigos
definidos e indefinidos para o PB escrito. Assim, houve
uma corroboração parcial dessa hipótese, haja vista que
nem sempre isso acontecerá. Desse modo, tem-se a op-
cionalidade da contração, tendo em vista que essa opcio-
nalidade não implicará nos efeitos de sentido posse ou
referência e ação decorrida, conforme pôde-se observar
nos dados (1), (2), (7), (8), (9) e (10) – oriundos de mídias –
e em (26) – oriundo de outras fontes.
Verificou-se que, nas sentenças (1) e (2), a opcio-
nalidade deu-se com a preposição [para] e com artigos
definidos [o e as], realizando o ato de fala finalidade e
tendo uma situação oracional final mais à direita do ele-
mento relacional. Já em (7), (8), (9), (10) e (26), aconteceu
com a preposição [de] e com os artigos indefinidos [um e
uma]. Nesse sentido, pode-se apontar – com base na aná-
lise dos dados – essas assertivas como restrições e novas
hipóteses para o fenômeno da contração de construções
prepositivas [para e de] com artigos definidos e indefini-
dos [o e as; um e uma], sendo permitida a opcionalidade

209
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

de contração nesses contextos, sem alteração nos efeitos


de sentido posse ou referência e ação decorrida.
Importa evidenciar, antes de tecer considerações
acerca da hipótese 2, que em nenhum dos dados coleta-
dos e analisados constatou-se o efeito de sentido posse,
o qual estaria associado à contração de preposições com
artigos definidos e indefinidos em situações de elemento
anteposto com traço -Animado e elemento posposto com
traço +Animado. Isso não implica assegurar – estrutural e
discursivamente – que esse efeito de sentido não exista
ou que não pode estar presente em produções autênti-
cas escritas. Pode-se dizer, contudo, que, nos contextos
analisados, não foi produtivo; evidenciando, pois, esse
efeito de sentido como presente em estruturas legítimas
do PB, em conformidade ao dado de intuição expresso na
seção 3.
Como hipótese 2, tinha-se que a ideia de posse ou
referência é bloqueada pela ausência da contração de
preposições + artigos definidos e indefinidos para o PB
escrito, prevalecendo a ideia de ação decorrida (não con-
tração). Essa hipótese foi corroborada plenamente, levan-
do-se em consideração que o ato de fala ação decorrida
– mais produtivo nos dados analisados – só vai permitir
a não contração, devendo essa última, obrigatoriamente,
ser desmembrada em contextos nos quais for contraída
inadequadamente, de acordo com as construções (3), (4),

210
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

(5), (6), (11), (12), (13), (14), (15), (16), (17), (18) – oriundas
de mídias – e (21), (22), (23), (24) e (25) – oriundas de ou-
tras fontes.
A hipótese 3 relacionava-se à ideia de que a contra-
ção ou não contração de preposições + artigos definidos
e indefinidos não garante a restrição de posse ou refe-
rência e ação decorrida, nem é bloqueada pela ausência
desse tipo de contração para o PB escrito. Com efeito,
essa resposta provisória não foi corroborada, haja vista
que nos 27 dados analisados – a partir de mídias e de ou-
tras fontes – e/ou nas testagens realizadas com dados de
intuição, essa assertiva não pôde ser confirmada, sendo,
portanto, descartada para generalizações sobre o fenô-
meno estudado.
Sendo apresentadas as três hipóteses dessa pes-
quisa, pode-se afirmar que os dados analisados revelam
a alternância do uso adequado e não adequado, em con-
textos mais monitorados (livros físicos, por exemplo) e
em menos monitorados (conta comercial de Instagram),
conforme visto em 4.1 e 4.2. Esses usos adequados e não
adequados para a contração de preposições com artigos
definidos e indefinidos, portanto, implicarão, incisiva-
mente, em mudanças nos efeitos de sentido posse ou re-
ferência e ação decorrida em alguns casos e, em outros,
produzirão situações de agramaticalidade em sentenças
para o PB escrito.

211
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Nessa ótica, constatou-se, a partir da testagem do


corpus, que as preposições [de e para] e as locuções pre-
positivas [antes de, apesar de, a partir, de, em virtude de,
através de] são passíveis de contração com artigos defini-
dos e artigos indefinidos, para o PB escrito, nos contextos
analisados. Além disso, averiguou-se que os contextos
de aparecimento da preposição [de] foram de comple-
mentação nominal, tanto em dados oriundos de mídias
quanto em dados oriundos de outras fontes, sendo, por-
tanto, mais produtivos em ambos. Nessa seara, pode-se
apresentar uma restrição para a não contração: quando
se tem posterior à preposição de CN uma oração, tal pre-
posição restringe a contração, prevalecendo o efeito de
sentido ação decorrida em consonância aos dados (14),
(15) e (16), por exemplo.
Já os contextos de aparecimento da preposição
[para] foram de complementação verbal, realizando o ato
de fala finalidade, não havendo restrição para a contra-
ção de preposições com artigos definidos e indefinidos
no que diz aos efeitos de sentido apresentados. Ressal-
te-se, ainda, que as complementações nominais – segui-
das de situações verbais ou não – aconteceram com os
efeitos de sentido referência (contração) e ação decorri-
da (não contração), evidenciando um papel duplo para a
atuação de CN em relação a esses efeitos de sentido.

212
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Além disso, verificou-se que, tanto nos dados de


mídias quanto nos de outras fontes, não houve mudan-
ça de comportamento do fenômeno estudado para os
efeitos de sentido posse ou referência e ação decorrida.
Não obstante a isso, outros contextos escritos de usos
precisam ser analisados a fim de que generalizações mais
precisas possam ser realizadas acerca do fenômeno da
contração de preposições com artigos definidos e inde-
finidos para o PB no que se refere aos efeitos de sentido
em questão.
Por fim, é imperioso ressaltar que este estudo não
possui a pretensão de exaurir todos os aspectos contidos
no fenômeno investigado. Nesse sentido, sugere-se, para
pesquisas futuras, que possa ser realizada uma paridade
no que tange aos dados de escrita analisados nesta in-
vestigação científica e a dados de oralidade, objetivando
perceber se pode haver, realmente, quaisquer restrições
para a contração de construções prepositivas com arti-
gos definidos e indefinidos nessa modalidade da língua
em uso também.

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217
MACALA: ENTRE FENDAS DO
RESISTIR E AS TRAVESSIAS DO
MEMORAR
Maria Laís Almeida Jesus
Susana Souto Silva

1 INTRODUÇÃO
Publicada em 2022, Macala é a primeira obra po-
ética da escritora, professora e pesquisadora Luciany
Aparecida Alves Santos, que integra o projeto Círculo de
Poemas, lançado pelas editoras Fósforo e Luna Parque.
Escritora de múltiplas dimensões, a autora transita por
uma vasta diversidade de gêneros literários, como, por
exemplo, crônica, romance e peças. Utilizando o pseu-
dônimo, ou assinatura estética, como ela prefere, Ruth
Ducaso, publicou a novela Florim (2020) e o livro de nar-
rativas breves Contos ordinários de melancolia (2019). Em
2021, lançou Joanna Mina, uma peça de teatro resultante
do Edital Dramaturgias em Processos de Teatro da USP.
Nascida no Vale do Rio Jiquiriçá, Bahia em 1982,
seus estudos são voltados para a literatura na interface
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

entre nação, imigração, (de)colonialidade, resistência ne-


gra, história, memória e identidades, temas sobre os quais
desenvolveu suas pesquisas de mestrado, cujo título é A
encenação do popular: a literatura de cordel no espaço da
migração (2011), e de doutorado, Modelos vivos em uso:
poesia e performance de Ricardo Aleixo (em) um exercício
crítico de literatura contemporânea (2015), na área de Le-
tras Português, na Universidade Federal da Paraíba.

1.2 FENDAS DOS BÚZIOS QUE SE ABREM EM MEMÓRIAS


Macala é uma obra repleta de significados e me-
táforas que se manifestam desde os aspectos gráficos
presentes na capa e contracapa até sua divisão e ressig-
nificações do termo que intitula a obra. A produção grá-
fica de Marina Ambrasas inicia a jornada e o encontro
com as temáticas da autora. Dessa forma, nos é apresen-
tada na capa a predominância do vermelho e uma fenda
que se abre tanto para um recorte dos olhos da fotogra-
fia de uma figura anônima feminina negra de “Mulher
negra da Bahia” (Ferrez, 1885), tal imagem pertencente
ao acervo do Instituto Moreira Salles do arquivo de Gil-
berto Ferrez, que fotografa pessoas negras anônimas, a
fim de exaltar de destacar elementos culturais signifi-
cativos numa cosmologia afro-brasileira, como as vesti-
mentas e o uso do búzio.

219
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A fenda se abre também para uma elipse preenchi-


da em preto, que pode ser lida como uma referência ao
termo que nomeia a obra: carvão mineral ou pessoa de
pele negra. Dentro dessa perspectiva, a primeira abertura
se dá ao uso do termo que se refere, em Moçambique, à
pessoa de pele negra. Logo, a fotografia de Ferrez ganha
destaque diante do mar rubro que a cerca e nessa aber-
tura, em forma de fenda, destacam-se os olhos da mu-
lher fotografada, gerando mais um jogo de sentido e se
correlacionando ao poema “III”, nos versos: “meus olhos
são dois búzios de carne”, essa reflexão sobre o ocular e
o elemento marinho, búzio, repete-se em outros poemas,
como no “II” em: “(nessa foto da Bahia) meu olhar ma-
cambúzio” e novamente no poema “X”: “segura um pou-
quinho meu olhar / nesse teu mapa-alvo”.
Em todos esses poemas a reflexão do olhar se cor-
responde ao movimento de significação de Macala como
algo precioso, à ressignificação do poder dos búzios, que
dentro da tradição afro-brasileira, por sua correlação es-
piritual com os Orixás, caracteriza uma interligação ou
representação destes (Pereira, 2014). O jogo dos búzios
é criado por Oxum, e sua mensagem é transmitida atra-
vés do Orixá mensageiro, Exú, que dentro do jogo, carre-
ga as revelações. Durante a leitura, caso o crustáceo caia
aberto, trará notícias prósperas, e, para o lado fechado,
remete ao negativo. Essa correlação da leitura com a capa

220
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

remete-se, principalmente, à fenda, pois o corte é pare-


cido com a abertura do búzio Ajé, que representa a divin-
dade Exú.

Os fios de conta representam a ligação


com o orixá de cabeça, com a entidade
guia do terreiro ou ainda do dirigente
da casa. Além da função religiosa, ele
pode ser usado como adereço, ou ainda
como demarcador de pertencimento a
uma “nação” (Lody, 2010). Em todos os
casos, é uma materialização da devoção
a determinada entidade. No caso de as-
sentamentos de Exu, como a Monetária
moneta é vista como moeda mítica dos
orixás (Prandi, 2001) e tal entidade é uma
das ligadas à via pública e ao comércio,
sempre se deve utilizar as valvas desse
molusco em seus assentamentos. Tam-
bém por se relacionar à Nanã e Omolu,
as armas desses orixás (o Ibiri e o Xaxa-
rá) devem incluir da mesma forma suas
valvas (Pereira, 2014, p. 135).

Vale ressaltar que, além do uso interligado aos ri-


tuais religiosos e à representação dos Orixás, o búzio é
utilizado em algumas nações africanas como um adereço
para os guerrilheiros (Cruz, 2010). Logo, se interliga com
a principal temática interpretativa da obra: a resistência.

221
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Além da importância para os rituais reli-


giosos, os cauris servem de adereços nos
dois lados do atlântico. Em Angola, o uso
de búzios era utilizado até mesmo para
guerras (Silva, 2002: 422), a fim de dar
força e axé aos guerreiros muxiluandas,
assim como tinha outras significações
como assinala Câmara Cascudo: ... ainda
hoje o búzio é o elemento inevitável na
ornamentação pessoal dos pretos, pre-
tas e pretinhos, de Tanganica ao Sene-
gal. Já não vale bois, escravos, mulheres,
mas não é possível uma criatura enfei-
tada para a dança e guerra sem algumas
centenas de búzios, artisticamente es-
palhados pelo corpo, dos jarretes à or-
namental cabeleira (Cascudo, 1965: 154)
(Cruz, 2010, p. 5).

Em “IV”, nos é transposto a relação dos Orixás com


o eu lírico, dando continuidade à grande movimentação
de elevação da cultura e da ancestralidade afro-brasileira
através das simbologias. Podemos destacar em “Macala é
mineral da minha língua”, visto que o termo é referencial
ao carvão mineral de Moçambique, além de “Machados
de ferro de esculpir coragem”, que é uma interligação à
própria simbologia dos guerreiros africanos e dos Orixás.
Todo o poema é uma grande leitura da fotografia de Fer-
rez e exprime a força através da sobrevivência da cultura
africana no Brasil. Segue o poema IV: “Macala é o mineral

222
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

da minha língua onde apoio minha força, / guardo sau-


dade entre meus anéis, sustento a fé no volume de minha
saia, símbolos do meu balangandã / machados de ferro
de esculpir coragem gritam aos meus ouvidos: ergue a
cabeça” (Aparecida, 2023, p. 10).

Figura 1 – Mulher negra da Bahia

Fonte: Ferrez (1885)

223
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Figura 2 – Macala

Fonte: Marina Ambrasas (2022)

Figura 3 – Búzios da Nigéria

Fonte: https://www.facebook.com/2178089688904540/
posts/3247733428606822/ (2020)

224
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Dentre as várias possibilidades de entendimento


do título, sabe-se que este tem origem na língua ronga,
encontrado em Moçambique, definido como Macala/
Ma-khala: carvão vegetal ou mineral e indivíduo de pele
negra. Outro aspecto que deve ser considerado para
compreensão da obra é o estabelecimento de um diálogo
textual a partir da evocação dos versos da obra intitulada
Dentro da barriga da besta (Matos, 2020): “Escolher uma
pintura anterior ao século XX, escrever um poema no sé-
culo XXI. Oh triste século XX, o que você nos legou?”
Assim, a lembrança desses versos parece remeter
à temática do tempo ou à perspectiva da imigração que
assola o século XXI. A autora evoca, já desde o título, o
processo de resistência negra que se inicia no Brasil no
período da violenta colonização portuguesa, baseada na
exploração do trabalho de homens e mulheres escraviza-
dos/as, deixando marcas profundas de desigualdade e um
frenesi racista na sociedade brasileira. Daí a importância
dos versos de Luciany Aparecida no poema “II”, em que
traz uma reflexão sobre a imagem da pessoa de pele negra
como uma pele que reside memórias que transitam sécu-
los e resguardam uma luta decolonial, nos versos: “minha
imagem é geografia das nossas memórias / (lá) luz plana
sobre o índico / (aqui) teu silêncio”. Nessa estrofe, o eu
lírico expõe o silenciamento social sobre a cultura e a re-
sistência das heranças de matrizes africanas.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Referenciando a fotografia de Ferrez nos versos


conseguintes: “(nessa foto da Bahia) meu olhar macam-
búzio, / meu punho cerrado / onde guardo a Macala em
brasas”. Assim como em Ferrez, que capta na Bahia, a mu-
lher está utilizando trajes que exaltam a cultura afro-bra-
sileira, como as grandes sais e o turbante, além de joias e
anéis, e apoia, na barra de sua saia, seu punho cerrado e
seus olhos estão estáticos, mas não encontram a lente da
câmera, olham firmas para o lado oposto.
A epígrafe da obra compreende os versos de dois
autores importantíssimos para o desenvolvimento dos
poemas e para a compreensão da temática. Os primei-
ros versos são de Noémia de Souza, autora moçambica-
na, conhecida como “mãe dos poetas moçambicanos”
(2016, p. 9), tendo uma produção artística vasta pautada
na resistência e luta da mulher e do povo moçambicano,
nação que, assim como o Brasil, foi colônia Portuguesa
até 1974. Noémia de Souza traz a tradição oral em sua es-
crita para romper com os padrões da literatura europeia
em sua nação, buscando, através de sua produção, trans-
crever a luta do povo moçambicano e ressaltar desde os
aspectos mais dolorosos, consequentes da colonização,
até a exaltação da nação e um ressoar crítico sobre uma
leitura única (Adichie, 2009) da história e das riquezas de
Moçambique. Em suma, ler Noémia de Souza é sentir Mo-
çambique e todos os aspectos de resistência, exaltação

226
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

da África e o enaltecimento das tradições e dos valores, e


especialmente do protesto e denúncia.

Os estudos das literaturas produzidas em


África impõem-se como um verdadeiro
canto de sirena que desperta as nossas
ancestrais raízes, convocando-nos à co-
munhão com um mundo antigo que se
apresenta, para nós, com uma epifania
em que se celebra o encontro tantas ve-
zes adiado, mas nem por isso menos de-
sejado (Duarte, 2004, p. 7).

A princípio, sua única obra contempla 46 poemas,


entre eles “Infância Distante”, que é constantemente ref-
erenciada e serve de base para os 11 poemas apresenta-
dos na obra, encontrado em Sangue Negro (Souza, 2016,
p. 42): “Nasci na grande casa à beira-mar, / era meio-dia e
o sol brilhava sobre o Índico”, retomado no poema IX e V:
“Do sobrado, no dia do meu nascimento, / vejo a luz plana
sobre o Índico e sou feliz” (Aparecida, 2022, p. 11).
Lucianny Aparecida também destaca versos preci-
sos de “Confidência do Itabirano” (Drummond, 2012, p.
10), pertencentes à obra Sentimentos do Mundo, obra pu-
blicada em 1939 durante a Segunda Guerra Mundial. Nes-
ta obra, Drummond aborda, em muitos poemas, questões
políticas e sociais. Em “Confidência do Itabirano”, expri-
me o sentimento de melancolia do homem que experi-

227
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

menta uma crise existencial gerada pelo afastamento de


sua terra natal, Itabira, em especial nos versos “Itabira é
apenas uma fotografia na parede. / Mas como dói”. Essa
expressão dialoga com o signo da memória, da dor e do
sofrimento, que são retomados também em poemas sub-
sequentes do livro de Lucianny Aparecida.
Como pode-se destacar nos versos do poema VI:
“não é minha saudade / são nossas fendas / e ai como
doí”, as fendas simbolizam as feridas emocionais gera-
das pelas lembranças e pela nostalgia da perca do lar,
significando também uma crise existencial e dialogando
com o poema de Drummond, em que a dor está causada
pelo distanciamento daquilo que já fora, em algum mo-
mento, pertencido.
A partir dessa reflexão, podemos destacar que o
eu lírico, presente nos poemas de Macala, vive em uma
constante dor, por afastar-se da sua terra de origem. Essa
dor pode ser compreendida tanto como um pertenci-
mento sociológico, em relação aos laços culturais teci-
dos entre Brasil e África, em detrimento da colonização
Portuguesa e do tráfico de pessoas escravizadas, quanto
psicológicos. Se pensarmos que ao longo dos poemas,
Aparecida cita Bahia como uma memória geográfica que
se distancia do eu lírico. Este, por sua vez, sente essa dor
existencial causada pela separação abrupta de sua terra e
pela falta de reconhecimento mental com o local.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Que a religião africana vai colorir e con-


trolar tôda a existência de seus adeptos,
que o ritual privado é mais importante
do que o cerimonial público e que, na
medida em que o negro se sente africa-
no, pertence a um mundo mental dife-
rente (Bastide, 2001, p. 20).

Ainda dentro dessas perspectivas de separação, é


possível depreender que o eu lírico busca sobreviver
através de suas memórias e os entrelaço culturais. Essa
perspectiva pode ser compreendida pelo viés histórico,
quando comparado ao sincretismo religioso, alternati-
va encontrada pelos povos escravizados para manterem
suas celebrações aos deuses de maneira que não fos-
sem punidos.

O sincretismo religioso afro-brasileiro


como aspecto cultural foi - e continua
a ser - uma estratégia de sobrevivência
transnacional, pois teve sua origem exa-
tamente no desarraigamento de milhões
de africanos pela via da chamada pas-
sagem do meio. Também o entendemos
como translacional, porque sua com-
plexidade temática se estendia - e ain-
da se estende - às mais diversas áreas da
convivência e das vivências humanas:
rituais religiosos, conteúdos históricos,
práticas sociais, lendas e mitos como

229
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

substratos culturais, e toda uma gama de


outros fatores (Romão, 2018, p. 16).

A relação dialógica estabelecida com o poema aci-


ma referido de Drummond é de extrema importância
para o desenvolvimento dos poemas, pois se interligam,
assim como os outros, e tratam mais a fundo o signo da
memória e resistência.
No poema narrativo “IX”, em especial, o vocábulo
Macala é usado para referenciar a pessoa de pele negra:
“Aconchegam com cuidado minha força-e-fragilidade /
em seu colo negro / somos Macala”. O termo “força-e-fra-
gilidade” é usado para descrever o corpo do eu lírico, que
descansa no colo de sua mãe. O poema narra um parto
realizado por outra mulher negra nomeada de “Dondera
´d Amores”, próximo ao mar:

IX
No dia do meu nascimento / sou feliz /
vejo a luz plana sobre o Índico, / ouço o
choro de minha mãe. / Dondera ´d Amo-
res / segura meu corpo alegre e estende
/ meu sorriso aos braços de minha mãe,
aquelas águas amparem meu começo /
aconchegam com cuidado minha for-
ça-e-fragilidade / em seu colo negro /
somos Macala / ´d Amores cobre minha

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

mãe / protegendo a fonte / e nós três fi-


camos ali [...] (Aparecida, 2022, p. 15).

Ainda nesse mesmo poema, encontramos o sím-


bolo da morte e da memória. O dualismo entre o nasci-
mento e a morte se revela nos versos seguintes, em que o
sujeito poético e ´d Amores são levadas pelo mar, o sím-
bolo da morte menciona o perigo enfrentado na travessia
imigratória em busca de liberdade. Sem a possibilidade
de despedida, justificada pelo eu lírico devido à sua inca-
pacidade de fala, a partir do uso da palavra Macala: “mas
ainda não sabia soltar Macala / e ai como dói”. A despe-
dida só é realizada no poema “XI”, que encerra o livro:
“Adeus, mamãe”. No poema IX, temos:

“[…] (silêncio) / a morte chega à porta / e


arrasta ´d Amores e eu para a travessia /
mãe, adeus / eu poderia ter dito se falas-
se, / mas ainda não sabia soltar Macala /
e ai como dói” (Aparecida, 2022, p. 15).

2 CONCLUSÃO
As demais composições poéticas exploram a força
de conter Macala. Nos versos de abertura, que também
dá nome ao livro, destacamos a travessia, simbolizando o
trajeto migratório e a primeira menção: “Macala é carvão
aceso que descanso em tuas mãos: segura”. Segurar a Ma-

231
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cala, portanto, torna-se um símbolo de resistência, per-


sistência mesmo diante da dor de carregar um destino tão
difícil e, por vezes, injusto. Esse trajeto também pode ser
lido como o das embarcações dos navios negreiros, onde
muitos corpos africanos eram violados durante a traves-
sia em direção às colônias. O cheiro do sal é uma metáfora
a maresia, que embala o trajeto, e as fendas inauguradas
podem ser interpretadas como as marcas da violação, as-
sim como o processo doloroso da retirada de seu lar (Fer-
reira, R., 2018). Toda essa movimentação poética leva ao
resistir e à possibilidade da leitura da composição como
uma denúncia branda à violência escravocrata. O diálogo
entre “III” e “VII” confere ainda mais força ao signo da
resistência, através do silenciamento, transmitindo um
novo significado ao ato, geralmente associado à censura:

III
Na travessia, o silêncio tem cheiro de sal
e inaugura fendas / meus olhos são dois
búzios de carne, / dentro deles, guardo a
serpente de pano, / flores roxas de serin-
gueira e a iluminação ´d águas da África
Oriental (Aparecida, 2022, p. 9).

VII
Não grita agora / segura / façamos si-
lêncio / teu silêncio / tem cheiro de sal /

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

deixa agora alastrar por tua mão a minha


ferida / um silêncio meu e teu / deixa /
escuta / não grita, agora não, / segura a
Macala / façamos silêncio / tua mão dói
com essa brasa acesa? / quer gritar ago-
ra? / mas esperava / vem cá / deixa / não
grita / façamos silêncio / o teu silêncio /
lembra? é teu o silêncio / deixa / agora: /
escuta, / fenda (Aparecida, 2022, p. 13).

Sob o signo da revelação, a produção poética ilumi-


na a prática do jogo de búzios, tradição de origem africa-
na para revelações e conexão com seus orixás, necessária
para a leitura do futuro: “meus olhos são dois búzios de
carne, / dentro deles, guardo a serpente de pano”. O por-
vir passa diante dos olhos do eu lírico, metaforizado na
imagem “búzios de carne”, correlacionando o sentido da
visão com a leitura do jogo de búzio, e a elucidação que
trarão (Prisco, 2012).

considera-se que as divindades afetam o


modo como os búzios se espalham pela
mesa, dando assim as respostas às dúvi-
das que lhes são colocadas. No Brasil, os
búzios [...] são usados pelos Babalorixás
e Iyalorixás para comunicação com os
Orixás, nas consultas ao jogo de búzios
ou Merindelogun (Prisco, 2012, p. 47).

233
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Paralelamente vinculado à metáfora da serpente,


representação do significativo orixá Oxumaré, que, na
mitologia iorubá, é uma entidade complexa, metamórfi-
ca, transitando entre os gêneros feminino e masculino,
bem como entre o céu e a terra. O príncipe serpente está
ligado à renovação da vida, à força que une a terra e o
céu, bem como aos poderes de cura (Prandi, 2001).
A escolha desse orixá enfatiza o caráter também de
transformação, luta e resistência desse conjunto de po-
emas, que se articulam como uma sofisticada narrativa.
Autores e autoras do Brasil e da África se encontram, na
tessitura desse livro, que é, ele mesmo, uma obra meta-
mórfica e em trânsito. No final, a autora retoma e refor-
ça a ligação com a parte gráfica do livro, destacando os
olhos da mulher fotografada em “Mulher negra da Bahia”,
em “X”, com os seguintes versos:

X
Abro meu punho cerrado sobre tua mão
caem nossas brasas a dor, brechas agora,
me ajuda?
Segura um pouquinho meu olhar
nesse teu mapa-alvo
é papel do tempo agora? São letras de
fala agora? Volta sobre a minha imagem
e vê meu búzio de sangue
ouve agora?
Sou eu
Macala (Aparecida, 2022, p. 16).

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A penúltima composição lírica atenta-se ao des-


fecho de toda narrativa que percorre a obra, revelando o
desenlace de uma luta e o anseio de Macala, indivíduo
de pele negra, de ser vista e ouvida, não mais como um
mapa-alvo, onde está velada pelos estigmas e pela dor,
mas como parte de uma batalha incessante para retorno
ao seu sentido de pertencimento.
Em suma, Macala é uma obra que oferece diver-
sas metáforas, criando um jogo poético e de leitura que
transcende o texto impresso, imergindo na cultura afro-
-brasileira e evidenciando as fissuras da resistência, ao
mesmo tempo que exalta a memória e as heranças cul-
turais que nos constitui como povo. Nesse contexto, res-
salta-se a importância dos versos de Luciany Aparecida,
que reflete sobre a imagem da pessoa de pele negra como
uma pele que abriga memórias que transitam séculos e
preservam uma luta decolonial.
Dessa reflexão, destaca-se que o eu lírico vive em
constante dor, afastando-se de sua terra de origem, o que
pode ser compreendido como um pertencimento socio-
lógico, referente aos laços culturais entrelaçados entre
Brasil e África. Conclui-se, portanto, que os versos que
presentes em Macala representam uma poética de com-
bate, denúncia (Moisés, 2002) e celebração das raízes da
cultura afro-brasileira, revelando suas fendas de signi-
ficado que conduzem à compreensão da relevância das

235
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

discussões étnicas que ultrapassam os limites da litera-


tura, ressoando no resgate da memória através do culto à
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237
AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
NO ENSINO DE INGLÊS COMO
LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR
FRENTE À LEITURA DIGITAL
Layanne Roberta de Araujo Silva

1 INTRODUÇÃO
Muitos pesquisadores já se interessaram em de-
senvolver pesquisas sobre as inteligências múltiplas e o
funcionamento do cérebro humano. A princípio não se
falava na existência de várias inteligências e do desen-
volvimento em diferentes localizações no cérebro huma-
no. Todavia, na década de 1980, Howard Gardner trouxe
o tema à discussão, apresentando a Teoria das Inteli-
gências Múltiplas, citando, no primeiro momento, sete
inteligências que abrangem: linguística/verbal; lógica-
-matemática; musical; espacial/visual; corporal/cinesté-
sica; interpessoal e intrapessoal. Em estudos posteriores,
Gardner reconhece à existência de uma oitava inteligên-
cia, a naturalista; e discute-se ainda a existência de uma
nona inteligência a espiritual, entendida como a percep-
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ção de conhecimentos cósmicos e o estado de consciên-


cia que consegue influenciar outros indivíduos com os
seus objetivos, a exemplo Madre Teresa de Calcutá, Con-
fúcio e Ghandi.
Gardner (1983) acredita que as inteligências aflo-
ram dependendo do contexto, da cultura, da genética e
das oportunidades de aprendizagem do indivíduo, esses
fatores contribuem para a manifestação das competên-
cias em diferentes graus. Assim, o autor discute dois fa-
tores: (1) a inteligência exige criatividade, na medida em
que os problemas surgem e temos que elaborar estraté-
gias para solucionar o problema; e (2) algumas inteligên-
cias são valorizadas mais que as outras.
A partir do reconhecimento da Teoria das Inteli-
gências Múltiplas, Gardner procurou identificar quais
inteligências seriam “eleitas” a serem chamadas de inte-
ligência. Para tanto, ele estudou as evidências em uma
série de campos, incluindo em autistas, alunos com altas
habilidades e pessoas com lesões cerebrais. As crianças
possuem habilidades e inteligências diferentes que aflo-
ram em diversos contextos, desse modo, alunos com Altas
habilidades podem apresentar muitos espectros como ser
bom no campo das linguagens ou ser excelente nas equa-
ções. No contexto atual, algumas inteligências são mais
apreciadas em detrimento das outras, no entanto, na vi-
são da educação especial, o entendimento de ter várias

239
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

inteligências e a inclusão dessas habilidades em sala de


aula, mostra ser um caminho que une todos a um objetivo
em comum: a aprendizagem, a partir de diferentes estilos
como uma abordagem que incentiva e desperta as dife-
rentes inteligências nos estudantes.
No âmbito do ensino/aprendizagem os profes-
sores, cada vez mais, têm demonstrado interesse nesta
área. Isto porque, qualquer pessoa que tenha passado um
tempo significativo com crianças, quer seja professor,
orientador educacional, terapeuta ou membro da famí-
lia, reconhece as vastas diferenças entre elas, incluindo
aquelas criadas na mesma família. Assim, também no en-
sino/aprendizagem de uma língua estrangeira, no caso o
inglês. Cada aprendiz desenvolve-se de uma forma dife-
rente, podem aprender ouvindo, observando, lendo, fa-
lando, tocando ou escrevendo52.
Em vista disso, o objetivo principal deste trabalho
é discutir o desenvolvimento da habilidade da leitura em
Língua Inglesa, a partir da compreensão prática das inte-
ligências múltiplas explanadas por Gardner. Ao fazê-lo,
pretendemos: Apresentar a teoria das Inteligências múl-
tiplas, segundo Howard Gardner; Estabelecer uma rela-
ção entre as Inteligências Múltiplas nos alunos e propor

52 Teoria defendida em Learning Styles (Estilos de Aprendizagem –


tradução nossa). Modelo apresentado por David A. Kolb’s (1984).

240
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

atividades de leitura no ensino da Língua Inglesa que en-


volvam diferentes habilidades.
Considerando os avanços tecnológicos, e tendo em
vista que os estudantes vivenciam essa leitura e agilida-
de no trato das informações da atualidade. A escola vem
reinventando as formas de ensinar e de aprender a partir
de metodologias que deem conta de inserir as tecnolo-
gias na sala de aula, saindo de uma aprendizagem linear
e tradicional. Dessa forma, os estudantes “desafiam” os
professores para um ensino que abrange outros recursos
além de lousa, giz e a voz do professor, este trabalho legi-
tima a relevância na discussão deste tema.
Atualmente, existe um universo muito amplo de
recursos, principalmente no que tange a leitura, já que
no universo hipertextual existe uma infinidade de pos-
sibilidades, que podem e devem ser usados adequada-
mente pelo professor, a fim de ativar as inteligências de
seus aprendizes. Cabe ao professor, saber explorar a lei-
tura digital no âmbito das inteligências múltiplas. Nesse
sentido, o papel das inteligências múltiplas na aprendi-
zagem, sobretudo de língua inglesa, é fundamental para o
engajamento dos aprendizes no atual contexto educacio-
nal. Pesquisas em relação a essa temática, como Gardner
e Hatch (1989) e Paiva (2007), por exemplo, têm sido de-
senvolvidas com o objetivo de justificar a necessidade de
nós, professores, trabalharmos as inteligências múltiplas

241
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

de nossos aprendizes, independentemente do conteúdo


a ser ensinado, uma vez que cada indivíduo faz uso de
diferentes estratégias de aprendizagem (Paiva, 2007).

2 CONHECENDO AS POSSIBILIDADES DAS


INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
Entende-se por inteligentes as pessoas com bom
desempenho em línguas e lógica. Em geral, bons alunos,
classificamos como inteligentes. No entanto, essas inte-
ligências referem-se a “inteligência escolástica”, que se
concentraram nas habilidades verbais e lógicas, e são por
muitos estudiosos as que deveriam ser denominadas de
autênticas inteligências.
Em uma de suas entrevistas, Gardner afirmou que
se sairmos da escola e estudarmos a inteligência de ar-
quitetos, bailarinos ou comerciantes, chegaremos à ideia
de que esses profissionais podem ser excelentes naquilo
que fazem, independentemente do desempenho esco-
lar. Gardner toma como exemplo os chamados homens
de negócios e defende que se esses indivíduos tivessem
inventado o QI, a avaliação mediria, provavelmente, a
atitude em relação a riscos, iniciativas e capacidade de
vender, nenhuma dessas coisas é medida pelos testes
clássicos de inteligência.
Assim, Gardner (1985), aponta competências in-
telectuais que são aparentemente independentes, e têm

242
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

sua origem e relação a elementos genéticos próprios e


substratos neuroanatômicos direcionados e dispõem
de processos cognitivos específicos. Segundo ele, os
seres humanos dispõem de graus variados de cada uma
das inteligências e maneiras diferentes com que elas se
combinam e organizam. Cada indivíduo faz uso dessas
capacidades intelectuais para resolver problemas e criar
produtos. Gardner ressalta ainda que, embora estas in-
teligências sejam, até certo ponto, independentes umas
das outras, elas raramente funcionam isoladamente. Em-
bora algumas profissões, trabalhos ou mesmo ocupações
exemplifiquem uma dada inteligência, na maioria dos
casos, todas as profissões ou ocupações ilustram bem a
necessidade de uma combinação de inteligências. Por
exemplo, um cirurgião necessita da acuidade da inteli-
gência espacial combinada com a destreza da cinestésica.
Com isso, ele postula as inteligências linguística, lógico-
-matemática, espacial, musical, cinestésica, interpessoal
e intrapessoal.
Para o autor, essas inteligências se postulam da se-
guinte forma:

• Inteligência intrapessoal - Esta inteligência


está relacionada à percepção de seu “eu” inte-
rior, acesso à própria vida de sentimentos, au-
toestima acentuada e pleno conhecimento de

243
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

seus limites e do efeito de suas emoções em


seu comportamento. Assim, esta inteligência é
a mais pessoal de todas, apenas visível através
dos sistemas simbólicos das outras inteligên-
cias, geralmente alunos com esta inteligência
preferem ficar na sala de aula, mas a solidão não
os entristece e incomoda, gostam de fazer diá-
rios, ouvir outras pessoas, passear sozinhos ob-
servando o mundo que se agita ao redor.
• Inteligência interpessoal – Pessoas com esta
inteligência possuem sensibilidade em dis-
cernir e ajudar outras pessoas e percepção de
seus sentimentos, estados de humor, anseios e
motivações. Crianças especialmente dotadas
demonstram muito cedo uma habilidade para
liderar outras crianças, uma vez que jamais
estão sozinhas, gostam de orientar colegas e,
mesmo se não solicitados, estão sempre dando
conselhos, propondo ajuda, sugerindo soluções
de problemas pessoais. São os que procuram a
orientação da escola para solicitar ajuda a este
ou aquele colega ou aos problemas de toda a
classe.
• Inteligência lógico-matemática - A compo-
nente central desta inteligência é a capacida-
de de discernimento para padrões lógicos e

244
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

símbolos numéricos ou gráficos. E a facilidade


em lidar com cadeias de pensamentos lógicos.
É a inteligência característica de matemáticos
e cientistas – quase sempre estes profissio-
nais, estão explicando coisas, são verdadeiros
especialistas em responder “porquês”, estão
ensinando problemas, resolvendo equações, fa-
lando sobre números, interpretando gráficos ou
desenhando-os.
• Inteligência linguística – As componentes
centrais da inteligência linguística são uma sen-
sibilidade à estrutura, som, significado, funções
e beleza da palavra oral e escrita. Gardner (1985)
indica que crianças com acentuada inteligência
linguística estão sempre conversando anima-
damente, discutindo, gritando, batendo papo
informal, lendo, recitando versos, inventando
trocadilhos, jogos de palavras ou outras brinca-
deiras verbais.
• Inteligência musical - Esta inteligência se ma-
nifesta através da sensibilidade na identificação
e diferenciação de sons musicais ou não, capa-
cidade de produzir e de produzir e de apreciar
ritmo, tom e timbre; apreciação da expressivi-
dade na composição musical. Alunos com forte
tendência musical vivem assobiando ou canta-

245
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

rolando e, quando podem, fazem de uma mesa


ou uma caixa de fósforos um instrumento para
“marcar” sons. Adoram música, e estas são sem-
pre seus temas favoritos, geralmente tocam ou
gostariam de tocar um instrumento e todos os
reconhecem como tendo “bom ouvido” e exce-
lente memória musical.
• Inteligência espacial - Gardner (1985) descreve
a inteligência espacial como a facilidade de per-
cepção do mundo visuoespacial, de promover
transformações nas próprias percepções, senso
de ordem e estética e capacidade de orientação.
É a inteligência dos artistas plásticos, dos enge-
nheiros e dos arquitetos. Em crianças com agu-
da sensibilidade visuoespacial quase sempre
estão desenhando, pintando, colorindo e, quan-
do possível, até mesmo pichando. Adoram his-
tória e geografia e viajam pelo tempo, contando
coisas que veem ou leem sobre outros tempos e
outros lugares.
• Inteligência cinestésica - Esta inteligência se
refere ao interesse por atividades esportivas,
capacidade de controlar os movimentos do
próprio corpo, assim como apurado domínio e
habilidade manual e auditiva. A criança espe-
cialmente dotada na inteligência cinestésica

246
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

não para quieta e sempre está “jogando”, mesmo


que com bolas de papel ou na fila da cantina.
Além disso, adoram esportes, “malhação”, cui-
dam do corpo e os textos, reportagens e filmes
que mais apreciam estão sempre ligados aos
esportes. A quadra esportiva é sua sala de aula
preferida, os recipientes para lixo, a “cesta de
basquete” ideal, e quando acerta um arremes-
so ou chute, comemora como se uma imaginária
torcida o estivesse saudando.
• Inteligência Naturalista - Possuem facilidade
em distinguir membros de diferentes espécies
de animais e vegetais, adora flores e plantas,
prefere uma excursão pela mata ou um passeio
em uma praia a festas ou bailes, gosta de par-
ticipar de projetos ecológicos ou de preserva-
ção ambiental. Alunos com essa inteligência
procuram lugares abertos, falam de plantas e da
natureza, contam projetos ecológicos, adoram
Ciências Naturais e vivem convidando amigos
para uma campanha de ajuda ambiental ou um
Camping no fim de semana ou nas férias.

A importância da pesquisa de Gardner (1985) de-


ve-se ao fato de que a localização separada das inteligên-
cias demonstra que as pessoas podem desenvolver uma

247
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ou outra inteligência de forma independente, ou até mais


de uma habilidade. Desse modo, desempenhando deter-
minadas tarefas de forma mais ou menos exitosa. Essa
descoberta justifica, ao menos em parte, o fato de que
alguns aprendizes levam mais tempo do que outros para
aprender a língua alvo; ou ainda, o fato de que os mesmos
aprendizes fazem uso de diferentes estratégias de apren-
dizagem do idioma e, geralmente, alcançam resultados
diversificados quanto ao nível de conhecimento desen-
volvido ou adquirido.
Dessa forma, a leitura como princípio da infu-
são das Múltiplas Inteligências pode favorecer o ensino/
aprendizagem, a partir dos seguintes princípios: as capa-
cidades da inteligência prática são estimuladas de forma
mais proveitosa em contextos específicos para cada do-
mínio; os conceitos que apresentam dificuldades para os
alunos devem ser analisados e esclarecidos em atividades
focalizadas; os conceitos ensinados por meio das Múlti-
plas inteligências são implementados mais efetivamente
quando utilizados para um propósito específico; os alu-
nos adquirem melhor os conhecimentos quando estes se
relacionam às suas capacidades e interesses pessoais; as
capacidades da inteligência prática são mais bem integra-
das quando apresentadas simultaneamente em contextos
escolares e de mundo real; os alunos se beneficiam de um
foco no processo tanto quanto no produto; o automonito-

248
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ramento ajuda os alunos a se responsabilizar ativamente


por sua própria aprendizagem.
Com base nesses princípios, a capacidade da inte-
ligência prática pode ser avaliada mais efetivamente com
um foco nas questões metacognitivas e no desempenho
concreto na tarefa. Uma proposta que se enquadra nes-
se princípio seria a leitura digital, que Ur (1996, p. 149
apud Paiva, 2005, p. 145), aconselha a usar textos diver-
sos “para que os alunos possam praticar diferentes tipos
de leitura”.
Paiva (2005) afirma que não há dúvida de que a
leitura é uma das habilidades mais relevantes no ensino
da LE. Isto porque, a leitura é uma das maiores fontes de
exposição ao idioma, frente aos poucos contatos com
falantes nativos. De acordo com a National Training La-
boratories (2011), em pesquisa para a Cambridge English
Press sobre a pirâmide da aprendizagem, revela que 10%
dos alunos utilizam a leitura como forma de aprender, a
pesquisa, mostra também que a leitura é pouco trabalha-
da em sala de aula, especialmente a contada oralmente.
Assim, tanto a leitura quanto a oralidade, aparentemente,
não ocupam espaço na sala de aula, pois dificilmente os
alunos encontram a oportunidade de exercitar a fala.
A leitura como prioridade entrelaça a oralidade, já
que podemos recontar as histórias que lemos, exercitan-
do o uso da LE. Outra característica em comum, entre a

249
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

oralidade e a leitura são os eixos temáticos que englobam


conversações e histórias resumidas em 10 temas que são:
(1) family; (2) church; (3) school; (4) fun (net); (5) food; (6)
shopping, (7) money; (8) travel; (9) hotel e (10) health53. As-
sim, todos os textos e conversas giram em torno destas
temáticas em graus de prioridades pessoais.
Não podemos negar a importância da oralida-
de, pois não perguntamos: “Quantas línguas você lê?”, e
sim: “Quantas línguas você fala?”. Apesar disto, no âm-
bito escolar e acadêmico nas provas de LE, os textos são
“elegidos” como forma de avaliação para a compreensão
linguística. Assim, inevitavelmente, a leitura em LE torna-
-se presente em nosso cotidiano, quer seja em manchetes
dos jornais, em lojas, nos bancos, em cardápios ou nos
sites na maioria em predominância de LE. Sem dúvidas,
as pessoas passam mais tempo utilizando o computador,
um Infográfico de 2009 (www.vizworld.com) aponta que
é gasto 1h: 30min no uso das mídias virtuais. Portanto, o
computador é uma ferramenta do cotidiano dos nossos
alunos, essa realidade não pode ser desprezada por nós
professores. E para “conectarmos” com nossos alunos,
podemos fazer o uso das leituras digitais dirigidas como
uma estratégia para o ensino de LE. O estudo dirigido de-

53 (1) família; (2) igreja; (3) escola; (4) divertidos da internet; (5) co-
mida; (6) compras; (7) dinheiro; (8) viagem; (9) hotel e (10) saúde
(Tradução minha).

250
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ve-se à adequação do perfil da turma, através do tipo de


inteligências que despertam o interesse deles pelas te-
máticas de conversação e leitura.
Além disso, no país em que vivemos, os livros são
muito caros, ao passo que dizemos que conhecimento
não tem preço. Na verdade, o conhecimento tem preço,
já que muitos livros ainda não são acessíveis aos estudan-
tes, dessa forma a leitura digital possibilita o contato dos
alunos com livros gratuitos, através da internet e e-books
a preços acessíveis.

3 TROCANDO IDEIAS SOBRE ATIVIDADES INCLUINDO


DIFERENTES HABILIDADES
Para esse estudo, nos serviremos de uma aborda-
gem qualitativa, que se caracteriza pelo enfoque inter-
pretativo, na qual, por meio da observação natural dos
acontecimentos, o pesquisador faz uma reflexão sobre os
fatos observados.
A pesquisa qualitativa de base interpretativista di-
verge-se da quantitativa por causa dos instrumentos de
pesquisa. O foco da pesquisa qualitativa são as descri-
ções, comparações e interpretações, visto que o sujeito
e o social são inseparáveis. O ser humano recebe interfe-
rências de sua comunidade, fato também observado em
seu discurso (André, 1995).

251
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Para a autora, a pesquisa qualitativa tem por base,


os seguintes instrumentos de coleta de dados: (a) obser-
vação participante; (b) questionário; (c) entrevista; (d)
gravação de áudio ou vídeo; (e) diários.
Com base na pesquisa qualitativa, atendendo os
objetivos propostos na introdução a este trabalho, dis-
cutimos a temática das Inteligências Múltiplas e suas
influências no ensino e na aprendizagem de línguas es-
trangeiras, considerando o papel da leitura digital na
apropriação dessas inteligências. E no segundo momen-
to, aplicamos um questionário54, [ver anexo] composto
por uma questão objetiva e uma dissertativa, a uma turma
do 6° ano do ensino fundamental I de uma escola pública
da rede estadual no município de Limoeiro/PE, a fim de
mapear as inteligências mais ativadas por eles durante as
aulas. Finalmente, com base na leitura dos dados, propor
atividades de leitura digital com percepção das Inteli-
gências Múltiplas.
A escolha da turma do 6º ano do ensino fundamen-
tal não foi aleatória, isto porque a antiga 5ª série é à en-
trada da disciplina de Língua Inglesa, período de grande
expectativa dos estudantes acerca do estudo, e a base que
vai alavancar o gosto e a aprendizagem dos alunos. Para
esta pesquisa, observamos 4 aulas da disciplina de Lín-

54 Questionário baseado no livro “Como identificar em você e em


seus alunos as inteligências múltiplas”, de Antunes (2011).

252
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

gua Inglesa e fizeram parte da pesquisa 21 alunos de uma


escola estadual na cidade de Limoeiro-PE, distribuídos
entre 11 meninas e 10 meninos, com idade entre 10 e 13
anos. Uma turma, muito calma e receptiva para atender
a presença, tanto nos grupos quanto na sala de aula. Na
sala, inicialmente estavam tímidos, mas no recreio obser-
vamos com nitidez os perfis dos alunos, alguns conver-
savam e outros ficavam em um canto lendo. No último
dia das observações, aplicamos o questionário, a fim de
identificar se costumam ler e sobre preferências em sala
de aula.
Gráfico 1 – Inteligências Identificadas na Pesquisa

Fonte: autores (2023)

O gráfico acima revela as preferências dos alu-


nos, marcadas no questionário sobre o perfil deles em

253
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

sala de aula e no intervalo. O questionário aponta para


as atividades que mais despertam, no caso, temos uma
equivalência entre inteligência Naturalista e Lógico/
Matemática. Em conversas com os alunos, entendemos
a razão da inteligência Naturalista, despertar o interesse
dos alunos, porque a maioria deles vive em zonas rurais
e tem contato com plantas. No entanto, a inteligência
lógico-matemática foi uma surpresa, apesar de que es-
tão na idade de ter curiosidade e entender a razão das
coisas. A curiosidade também é a “porta de entrada” que
os professores podem utilizar nas práticas pedagógicas,
especialmente na leitura digital, porque os alunos são
receptivos e também podem trocar ideias com o pro-
fessor, esse aspecto é o segundo do gráfico que aponta
para a inteligência interpessoal.
Alguns alunos revelaram que são tímidos, como
aponta o gráfico na inteligência intrapessoal, dessa forma
ficam quietos e observam os mais agitados, estes repre-
sentam 43% dos alunos. Os estudantes mais agitados, não
concentram suas habilidades nem na música, ou nas artes.
Embora, a maioria da turma goste de ler, como aponta o
gráfico abaixo:

254
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 2 – Interesse pela Leitura

Fonte: autores (2023)

Os estudantes não optam por atividades que re-


citem poesias, apresentem rodas de discussão, em ge-
ral nada que os exponham. Há duas hipóteses para essa
ideia, a primeira delas, é que o contexto social influencia
nas opções por atividades e a outra sugere que os alunos
não costumam fazer leituras de interesse nas escolas. Já
que, os 14% que não gostam de ler relataram que acham
chato ficar lendo e normalmente, a professora de LE pede
para ler e traduzir o texto. Enquanto, os que gostam de ler
encontram dificuldades, porque na biblioteca existem
poucos quadrinhos e revistas, tipo de leitura que des-
perta maior interesse nos alunos. Assim, os livros digitais
aliados às temáticas de interesse, podem ser apresenta-

255
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dos como uma alternativa para o trabalho com a leitura,


no ensino de língua inglesa.
Algumas propostas podem ser consideradas pen-
sando nos estilos de aprendizagens55 “elegidos” pela
turma e os respectivos tópicos de leitura, tais como apre-
senta a tabela56:

Tabela 1 – Possibilidades de trabalhos com a leitura digital


frente às Múltiplas inteligências
Inteligências Pensam Precisam de Leitura
Por meio da natureza Tópicos em inglês que abordem
Naturalistas e das formas animais de estimação, jardim, natureza
naturais. e cuidar do planeta.
Curiosidades e tópicos internacionais
Lógico/
Raciocinando. sobre planetário, estrelas, dinheiro e
Matemáticas
ordem de acontecimentos.

Percebendo o que os Curiosidades sobre líderes em todo


Interpessoais
outros pensam. mundo, clubes e jogos diferentes.

Em relação às
suas necessidades, Recontar leituras e trabalhar biografias
Intrapessoais
sentimentos e de pessoas de vários lugares do mundo.
objetivos.
Corporal Por sensações Leitura e dramatização de clássicos
Cinestésicas somáticas. da Literatura americana.

Por imagens e Explorar quadrinhos visuais e o


Espaciais
figuras. entendimento da história.
Por ritmos e Leitura por seriados americanos, tais
Musicais
melodias. como Big Bang Theory, Friends e Glee.
Leitura de diários de grandes
Linguísticas Em palavras.
personalidades do cenário americano.
Fonte: com base no quadro e nas ideias de Armstrong (1994, p. 38)

55 Tabela organizada baseada no quadro e nas ideias de Armstrong


(1994, p. 38).
56 A tabela segue as opções de habilidades mais interessantes para
os estudantes, porém não impede que o professor, conhecendo a
turma, se adapte para os interesses dos estudantes.

256
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Através dessa tabela, podemos inferir os encaixes


das múltiplas inteligências nas atividades, a partir da lei-
tura e assim construímos significados a base da leitura e
culturalidade. Propomos a leitura digital, pela mobilida-
de de carregar o livro, e acessibilidade de ter várias cópias
em toda sala de aula. Na sala que observei, a maioria tem
celular ou notebooks em casa. Assim, o ensino/aprendi-
zagem não fica apenas nas salas, os alunos podem ler em
casa, ou até mesmo na escola nos laboratórios de infor-
mática. Outro fator é a falta de acesso de livros em papel,
revistas, jornais e quadrinhos em língua inglesa. Estes li-
vros são raramente encontrados na biblioteca das esco-
las ou nas salas de aula acessíveis aos alunos.
Ao inovar, é provável que o professor seja capaz de
aguçar, nos alunos, as inteligências que fazem com que
eles se interessem pelo estudo da língua inglesa e a apren-
dam como parte de seu processo formativo.

4 CONCLUSÃO
Essa pesquisa aponta principalmente para o fato
de que as atividades de interesse dos alunos, muitas ve-
zes, não são trabalhadas. E a leitura é pouco desenvolvi-
da, levando-se em consideração a realidade das escolas
brasileiras, o problema ainda é maior para o aluno de lín-
gua inglesa da escola pública. Além da leitura, as com-
petências linguísticas de maneira geral, tanto em língua

257
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

materna como língua estrangeira, também impõem um


alto grau de dificuldade para muitos alunos.
O fato de envolver as inteligências múltiplas, pe-
rante um ensino considerado “comércio”, em que es-
colas expõem outdoors com resultados das melhores
aprovações em vestibulares, e uma corrida desenfreada
por atingir metas. Os estudos de Gardner trazem uma
pausa nessa busca da perfeição, para pensarmos que
cada aluno aprende do seu jeito e no seu ritmo, que ne-
nhum saber é descartável, e que o ensino pode começar
através do conhecimento que ele traz para a escola. Co-
nhecemos nossos alunos, estamos com eles diariamen-
te, observando eles em sala, vemos que não se separam
da tecnologia, e muitas vezes, perdemos a chance de
usar algo que gostem.
Provavelmente, muitos dos alunos dirão que gostam
de aprender a língua inglesa, por meio dos recursos tec-
nológicos. Diante dessa influência das tecnologias na so-
ciedade atual, os professores precisam estar atentos para
essa realidade dos estudantes, considerando que estes
são “nativos digitais” e se adaptam ao novo contexto com
muita facilidade. Com o surgimento dessa nova forma de
aprender, o professor também precisa se posicionar e
criar novas formas de ensinar. Sendo assim, a formação
continuada não representa apenas uma alternativa para a

258
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

melhoria da qualidade de ensino, mas uma oportunidade


para o professor inovar suas práticas pedagógicas.
No entanto, quando a formação continuada não é
possível, ou o professor não tem contato com os recur-
sos tecnológicos para incentivar a leitura digital, e con-
sequentemente trabalhar as habilidades em conjunto:
fala, escuta, leitura e escrita. O ensino/aprendizagem da
Língua inglesa pode ser comprometido. Tal fato se deve
a inúmeros fatores, que contribuem para a deficiência do
aluno da escola pública. O primeiro deles está relaciona-
do à dificuldade do aluno na modalidade escrita da lín-
gua, explicado pela falta do hábito da leitura. Além disso,
não há, em sala de aula, forte incentivo para o exercício
da capacidade de argumentar, redundando em uma fra-
gilidade da capacidade do aluno de produzir textos coe-
sos e coerentes na modalidade escrita da língua. Pode-se
afirmar, assim, que em geral o trabalho escolar não favo-
rece o desenvolvimento da capacidade argumentativa do
aluno e das suas habilidades inferenciais, da sua capaci-
dade de análise e síntese.
Mesmo com os avanços tecnológicos, não defen-
demos esquecer o livro em papel. Mas, aumentamos as
possibilidades de ensino com novas ferramentas usando
a leitura digital e “conectamos” com o ambiente dos alu-
nos das novas tecnologias.

259
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Muitas ações efetivas estão sendo realizadas para


uma melhoria no ensino. O Programa Educacional das
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (Proin-
fo) é um exemplo de incentivo à qualidade do processo
de ensino e aprendizagem, educando para uma cidada-
nia global numa sociedade tecnologicamente desenvol-
vida. Posto isso, é a partir desses programas que olhamos
a educação com os “óculos do entusiasmo” e consegui-
mos visualizar a escola formando cidadãos plenos.

REFERÊNCIAS

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pinas: Papirus, 1995.

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br/ >. Acesso em: 12 fev. 2016.

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nos as inteligências múltiplas. Ed. Vozes, 2011.

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260
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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Multiple Intelligences. Educational Researcher, v. 18, n.
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leitura. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG,
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14, n. 2, p. 95-114, 2012.

261
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ANEXO QUESTIONÁRIO (BASEADO EM ANTUNES,


2011)

Caro estudante, precisamos de sua colaboração para o de-


senvolvimento deste estudo, que investiga o uso das múl-
tiplas inteligências na aprendizagem de Inglês como Língua
Estrangeira.
1. Quais, desses perfis você acredita ser o seu? Numere, em
ordem crescente, as alternativas conforme a sua percepção
(número 1 para a que você mais utiliza e número 8 para a que
você menos utiliza).
( ) Conversa animadamente, discuti, grita, bate papo informal,
ler, recita versos, inventa trocadilhos, jogos de palavras ou ou-
tras brincadeiras verbais;
( ) Geralmente prefere ficar na sala de aula, mas a solidão não
os entristece e incomoda, gosta de fazer diários, ouvir outras
pessoas, passear sozinhos observando o mundo que se agita
ao redor; ( ) Quase sempre está explicando coisas, é um verda-
deiro especialista em responder “porquês”, ensina problemas,
resolve equações, fala sobre números, interpreta gráfico ou
desenha-os;
( ) Jamais está sozinho, gosta de orientar colegas e, mesmo se
não solicitado, está sempre dando conselhos, propondo aju-
da, sugerindo soluções de problemas pessoais. Você é o que
procura a orientação da escola para solicitar ajuda a este ou
aquele colega ou aos problemas de toda classe;
( ) Quase sempre está desenhando, pintando, colorindo e,
quando possível, até mesmo pichando. Adora história e geo-
grafia e viaja pelo tempo, contando coisas que vê ou lê sobre
outros tempos e outros lugares. Adora arquitetura e se inco-
moda com cadeira, mesas e outros objetos “fora de lugar”;
( ) Quando pode procura lugares abertos, fala de plantas e da
natureza, conta projetos ecológicos, adora Ciências Naturais
e vive convidando amigos para uma campanha de ajuda am-
biental ou um Camping no fim de semana ou nas férias;

262
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

( ) Vive assobiando ou cantarolando e, quando pode, faz de


uma mesa ou uma caixa de fósforo um instrumento para “mar-
car” sons. Toca ou gostaria de tocar um instrumento;
( ) Não para quieto e sempre está “jogando”, mesmo que com
bolas de papel ou na fila da cantina. Adora esportes, “malha-
ção”, cuida do corpo e os textos, reportagens e filmes que mais
aprecia está sempre ligados aos esportes.
2. Você lê?. Se sua resposta for afirmativa dê exemplos do que
você costuma ler (biografia, revista, quadrinhos, jornais entre
outros). Caso, sua resposta seja negativa, justifique.

___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________

263
GÊNERO CARTA: MECANISMO
PARA APERFEIÇOAMENTO DA
ORALIDADE E ESCRITA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Danila dos Santos Costa
Maria Eduarda da Silva
Rita de Cássia Tenório da Silva Barros
Iraci Nobre da Silva

1 INTRODUÇÃO
As discussões, em torno das dificuldades no pro-
cesso de ensino/aprendizado da língua portuguesa, têm
gerado entre os educadores a necessidade de buscar al-
ternativas que os auxiliem a minimizar as problemáti-
cas encontradas em sala de aula. Dessa forma, tornou-se
necessário apresentar novas práticas pedagógicas que
possam contribuir com o desenvolvimento das compe-
tências e habilidades orais e escritas dos estudantes da
educação básica. Assim, desde a década de 1980, os Parâ-
metros Curriculares Nacionais (PCNs) propõem a inser-
ção do ensino da língua nos aspectos da compreensão
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

oral e escrita, bem como da produção de textos perten-


centes a diversos gêneros, assim, o desenvolvimento de
diversas capacidades precisa ser focado nas situações
de ensino, inclusive, trazendo o trabalho com os gêneros
textuais no seu contexto real de uso.
Dentre as inúmeras perspectivas que visam o ensi-
no da língua portuguesa, a inserção dos gêneros textuais
como objeto de ensino e aprendizagem, tem se mostrado
um importante aliado neste processo, pois são os gêne-
ros que articulam a atividade do aprendiz às práticas de
linguagem. Na esfera escolar, o trabalho de produção de
linguagem através de gêneros textuais tem-se constituí-
do como instrumento de mediação de estratégia de en-
sino. Desse modo, observa-se a importância da inserção
de diversos gêneros textuais/discursivos em sala de aula,
já que estes auxiliam no processo de aprendizagem da
leitura e escrita, consequentemente contribuindo com a
melhoria da qualidade da educação.
Sob esse viés, o objetivo deste estudo é investigar
como o gênero carta pessoal, no âmbito escolar pode ser
utilizado como objeto de ensino/aprendizagem nas aulas
de língua portuguesa, podendo desenvolver capacida-
des de linguagem para a leitura e produção escrita. As-
sim, delineamos a seguinte proposta norteadora: através
do gênero carta, é possível desenvolver competências e
habilidades linguísticas e discursivas em alunos da edu-

265
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cação básica na esfera pública? Destarte, para realiza-


ção desta pesquisa buscamos amparo nos postulados de
Bakhtin (2011 e 2009); Bezerra (2017), Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004); Marcuschi (2007 e 2008), Silva (2020),
Antunes (2003, 2009 e 2010), entre outros, como parte
do processo de construção do referencial teórico aqui
adotado. A motivação para realizar este estudo se deu
através da participação das bolsistas no subprojeto de
Letras, vinculado ao PIBID/CAPES/UNEAL, em parceria
com uma escola estadual de Alagoas.
Este estudo é uma pesquisa-ação, que se inclina
para o método de abordagem qualitativa, que tem como
premissa, entender e interpretar fenômenos sociais inse-
ridos em um dado contexto. A metodologia adotada em
sala de aula centra-se no modelo de sequência didática
proposto por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), com
adaptações. A metodologia de análise do corpus anco-
ra-se no modelo de operações textuais-discursivas de
Marcuschi (2007), com adaptações. Salientamos que a re-
levância da pesquisa caracteriza-se por apresentar uma
perspectiva para o ensino do gênero carta no âmbito
educacional, por meio da leitura e escrita, que são com-
ponentes essenciais ao desenvolvimento de habilidades
linguísticas e discursivas dos estudantes, contribuindo
com a capacidade de participar ativamente e criticamen-
te na sociedade.

266
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

À luz dos pressupostos teóricos que sustentam


este estudo, buscamos contemplar as discussões sobre
bases conceituais de gêneros e a importância do ensi-
no dos gêneros textuais/discursivos nas aulas de lín-
gua portuguesa. Para tanto, o trabalho está dividido nas
seguintes seções: A princípio apresentamos a funda-
mentação teórica pautada em uma revisão bibliográfica
sobre os gêneros textuais/discursivos. Seguidamente,
buscamos elucidar a importância de utilizar o gênero
carta como ferramenta didático-pedagógica no proces-
so de leitura e escrita na sala de aula. Na ordem, apre-
sentamos a metodologia, com ênfase na concepção de
sequência didática (SD) proposta por Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004), com o intuito de implementar uma
proposta didático-pedagógica no ensino dos gêneros
textuais, enquanto objeto de aprendizagem nas aulas
de língua portuguesa. Por conseguinte, destacamos as
conclusões, juntamente aos resultados da pesquisa. A
seguir, apresentamos as bases conceituais sobre os gê-
neros textuais/discursivos.

2 BASES CONCEITUAIS DOS GÊNEROS TEXTUAIS/


DISCURSIVOS
Nos últimos anos, as discussões sobre os gêneros
textuais/discursivos têm sido objeto de debate nos cam-
pos de pesquisa, seja no âmbito acadêmico, profissional

267
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ou institucional. Muitos são os pesquisadores que se de-


dicaram a estudar os gêneros textuais/discursivos, sendo
os estudos de Bakhtin um dos mais recorrentes. Como
propõe este pesquisador da linguagem:

“se os gêneros do discurso não existis-


sem e nós não os dominássemos, se ti-
véssemos de criá-los pela primeira vez
no processo do discurso [...] a comuni-
cação discursiva seria quase impossivel”
(Bakhtin, 2011, p. 283).

Para o autor, não é possível existir comunicação


sem os gêneros. Seja em que situação for, estamos sem-
pre produzindo algum gênero.
Salientamos, entretanto, que

“o estudo dos gêneros textuais não é


novo, no Ocidente, já tem pelo menos
vinte e cinco séculos, se considerarmos
que sua observação sistemática iniciou-
-se com Platão” (Marcuschi, 2008, p. 147).

Segundo Antunes (2010), Platão se concentrava


mais na poesia e na mimese, enquanto Aristóteles se de-
bruçava sobre a natureza literária e suas classificações.
Nesse ínterim, ao longo dos anos, na Antiguidade clássi-
ca, tradicionalmente, a noção de gênero passou a se re-

268
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

lacionar a textos com valor literário, classificados como


líricos, épicos e dramáticos.
Atualmente, os estudos dos gêneros textuais, con-
forme explica Antunes (2007), não estão restritos apenas
à literatura, mas se estendem à linguagem, abordando
aspectos textuais/discursivos e socioculturais. Assim,
compreendemos que a noção de gêneros vai para além
do campo literário, podendo ser empregada para qual-
quer tipo de discurso, oral ou escrito.
Conforme o tempo e a sociedade avançavam, surgiu
a necessidade de expandir a ideia de que os gêneros estão
presentes apenas no campo literário, abrangendo tam-
bém sua aplicação no processo de ensino da linguagem.
Sob essa ótica, autores como Dolz e Schneuwly (2004)
enfatizam que os gêneros discursivos desempenham um
papel crucial na conexão entre as atividades dos apren-
dizes e as práticas de linguagem, servindo como instru-
mentos mediadores no ensino-aprendizagem. De acordo
com esses estudiosos, “O trabalho escolar, no domínio da
produção de linguagem, faz-se sobre os gêneros, quer se
queira ou não” (Dolz; Schneuwly, 2004, p. 44).
Na mesma linha de pensamento, Bezerra (2017) sa-
lienta que

[...] “a temática dos gêneros, antes mais


restrita aos círculos de pós-graduação,
firmou-se também no horizonte de tra-

269
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

balho dos professores de língua nas


escolas brasileiras, tornando-se uma
questão central também para a educa-
ção básica” (Bezerra, 2017, p. 33-34).

Como se pode observar, o estudo de gêneros nas es-


colas tornou-se para a educação básica um elemento es-
sencial no processo de ensino/aprendizagem de linguagem.
Assim, evidentemente os indivíduos se comu-
nicam a partir dos gêneros textuais, pois eles estão
presentes no nosso dia a dia, nas diversas situações
comunicativas, como a leitura de um poema, de uma
carta ou e-mail; a cantoria de uma música, a escrita de
um bilhete, entre outras manifestações. Sob essa pers-
pectiva, Marcuschi (2008) afirma que os discursos são
materializados por meio de textos em situações comuni-
cativas. Para o autor, os gêneros textuais são textos que
encontramos na nossa vida diária, e possuem padrões
sociocomunicativos, estabelecidos por composições
funcionais, objetivos enunciativos e estilos concreta-
mente realizados na integração de forças históricas,
sociais, institucionais e técnicas. Antes de se abordar o
papel dos gêneros no âmbito do ensino-aprendizagem
da linguagem, apresenta-se no tópico a seguir, um breve
percurso histórico do gênero carta.

270
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

3 GÊNERO CARTA: FERRAMENTA DIDÁTICO-


PEDAGÓGICA NO ENSINO DE LEITURA E ESCRITA -
BREVE PERCURSO HISTÓRICO
A comunicação é uma necessidade humana. Antes
de haver as convenções formais da língua, com todos os
fonemas e suas significações, e a escrita com todas as suas
regras, já existia a comunicação (Bakhtin, 2011). Desde
que o homem começou a viver em sociedade e a comuni-
car-se verbalmente, surgiu também a necessidade de co-
municar-se por escrito, dentre tantos gêneros utilizados
para este fim, podemos citar a carta. Conforme lemos em
Figueiredo (2013) após o período sumério, onde foram
constatadas as primeiras manifestações escritas do ho-
mem, mesmo que de forma rudimentar, temos o período
egípcio, no qual eram produzidas cartas aos falecidos.
Já na civilização grega, o uso das correspondências
esteve diretamente atrelada ao universo filosófico que
entrou em vigor. Concomitantemente, no império roma-
no as cartas eram ferramentas didático- religiosas usadas
por São Paulo, apóstolos dos gentios para propagar o cris-
tianismo. Progressivamente, as cartas também foram tor-
nando-se presentes no vasto universo da literatura, não
apenas como uma forma de comunicação pessoal, mas
também como um meio artístico de expressão literária.
Nesse ínterim, entendemos que as cartas vêm de-
sempenhando um papel fundamental ao longo dos sé-

271
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

culos, entretanto, por ser um dos meios de comunicação


mais antigos do mundo, não se sabe ao certo quando elas
surgiram. Supomos, porém, que o gênero carta emergiu
da elite, pois compreendemos que ele era utilizado prin-
cipalmente por grupos que possuíam maior prestígio so-
cial, como aqueles pertencentes ao poder político, militar,
religioso e comercial, que precisavam de textos escritos.
Destarte, o nosso objetivo em apresentar estas in-
formações consiste em apenas explicar, de forma sucin-
ta, como o uso das cartas foi estabelecendo-se no meio
social, por conta do desejo do ser humano de se comu-
nicar, como também as necessidades econômicas de co-
mercialização, ou até demarcar traços de uma cultura.
Assim, a utilização desse gênero tornou-se uma forma de
realizar estas interações sociais. Sob essa perspectiva,
Bakhtin (1997) afirma que os gêneros textuais possuem
um âmbito próprio de existência e são determinados pe-
las necessidades comunicativas de uma determinada es-
fera social, “cada época e cada grupo tem seu repertório
de formas de discurso na comunicação socioideológica”
(Bakhtin; Volochínov, 2009, p. 44). Este conceito ressalta
que os gêneros discursivos são elementos que conectam
a história da sociedade com a história da linguagem.
Cabe salientar que não estamos defendendo a ideia
de que a carta seria o primeiro gênero a surgir, ou seria o
primeiro a ser utilizado pelo homem. Entendemos, entre-

272
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

tanto, que os gêneros, na sua pluralidade, caracterizam-


-se como as primeiras ferramentas desenvolvidas para
auxiliar o homem no processo comunicativo. Os gêneros,
portanto, são utilizados pela sociedade a partir das ne-
cessidades sociais e históricas. Dito isso, apresentamos o
gênero carta pessoal no ensino.

3.1 GÊNERO CARTA: FERRAMENTA DIDÁTICO-


PEDAGÓGICA NO ENSINO DE LEITURA E ESCRITA
Embora o gênero carta exista desde a antiguidade,
e sendo tradicionalmente conhecido na sociedade, ainda
percebemos que há uma certa carência de estudos que
apresentem este gênero como recurso didático-pedagó-
gico na sala de aula. Não podemos negar, entretanto, que
ao longo do tempo, a carta pessoal vem perdendo espa-
ço para outros gêneros atualmente considerados usuais.
Observamos que, nos últimos anos, o advento das novas
tecnologias de comunicação tem mudado a realidade hu-
mana. Através da tecnologia, a carta passou por um pro-
cesso de adaptação na forma de transmissão, assumindo
o meio eletrônico. No entanto, ela continua sendo um
instrumento de grande importância, já que as produções
escritas seguem inseridas na sala de aula como recurso
imprescindível no processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Marcuschi (2008), devemos definir os gê-
neros não apenas por sua forma, mas principalmente por

273
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

sua função interativa, comunicativa e social. Nesse viés,


cabe salientar que não devemos abordar qualquer gênero
no contexto de ensino, visando apenas a sua estrutura,
mas sim, buscar compreender a sua função social e os
elementos que o constituem. Segundo o autor, quando
ensinamos, por exemplo, a produzir um gênero, ensina-
mos um modo de atuação sociodiscursiva numa dada
cultura e não um simples modo formal de produção tex-
tual (Marcuschi, 2005). Essa concepção requer um estu-
do de gênero para além de seus traços estruturais. Sob a
ótica de Bazerman (2005 p. 84), “Os gêneros nos ajudam a
navegar dentro dos complexos mundos da comunicação
escrita e da atividade simbólica”. Partindo do princípio
de que a comunicação verbal supõe a existência de gêne-
ros, e que estes são instrumentos para agir em situações
de linguagem, faz-se necessária a análise de suas carac-
terísticas no processo ensino/aprendizagem, em especial
no gênero carta pessoal, objeto unificador deste estudo.
Na compreensão de Bakhtin (1992), a carta pessoal
é um gênero discursivo primário, cujas práticas comuni-
cativas se inscrevem no contexto privado. Partimos do
princípio de que a carta, na sua acepção mais ampla, é
um gênero do discurso porque é um tipo “relativamente
estável”, sob o ponto vista de seu conteúdo, estilo e com-
posição. Apesar da quantidade de subgêneros que a carta
possui, ela tem como principal objetivo estabelecer uma

274
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

conversa entre dois interlocutores, podendo assumir di-


ferentes funções, a depender do conteúdo e propósito.
Nesse sentido, Bezerra (2005) destaca que,

“analisando cartas em geral, reconhece


que seu corpo permite variados tipos de
comunicação (pedido, agradecimento,
informações, cobrança, intimação, no-
tícias familiares, prestação de contas,
propagandas e outros” (Bezerra et al;
2007, p. 220).

Destacamos que, quando o aluno produz um tex-


to, a partir de um determinado gênero, deve-se, antes de
qualquer atividade, fazer com que ele compreenda a im-
portância desse aprendizado com o objetivo de ampliar a
sua leitura e escrita.
Como afirma Bezerra (2022, p. 51) “[...] o foco do
ensino de língua é o desenvolvimento de habilidades re-
lativas à fala e à escrita”, assim o aluno tornará os seus co-
nhecimentos úteis ao seu cotidiano. Nesse sentido, faz-se
necessário compreender que a carta pessoal, além de ser
vista como uma forma de aperfeiçoar a escrita do aluno
na produção de textos escolares, deve ser vista, também,
como gênero textual capaz de desenvolver a comunica-
ção entre pessoas, pois quando escrita de próprio punho,
denota um sentido de proximidade entre seus interlocu-
tores. Conforme ressalta Foucault (2006, p. 149-159), a

275
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

carta “constitui também uma certa maneira de cada um


se manifestar a si próprio e aos outros”.
Na esfera da educação básica, portanto, o gênero
carta emerge como uma ferramenta versátil para o desen-
volvimento das habilidades orais e escritas dos estudan-
tes. Através dele, é possível explorar diferentes aspectos
linguísticos e discursivos, interpretação, compreensão,
promovendo a expressão de ideias e opiniões. Nesse
sentido, Antunes (2010) afirma que a carta é um gênero
textual que permite uma comunicação direta e pessoal,
refletindo as intenções e o contexto do escritor. Ao utili-
zar o gênero carta no âmbito escolar, podemos conectar
os conhecimentos e experiências dos estudantes com a
realidade social, promovendo a reflexão sobre diferentes
questões e estimulando a capacidade de ler e escrever
sobre diferentes assuntos, com criticidade.
No tópico subsequente, evidenciamos os procedi-
mentos metodológicos.

4 METODOLOGIA: PROCEDÊNCIA E ANÁLISE DOS


DADOS
A metodologia adotada para realização deste es-
tudo trata de uma pesquisa-ação, que se inclina para o
método de abordagem qualitativa, tendo como premis-
sa, entender e interpretar fenômenos sociais inseridos
em um dado contexto. Destarte, esta pesquisa integra-se

276
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ao subprojeto de letras, em parceria com PIBID/CAPES/


UNEAL/Escola de educação básica. Para a aplicabilidade
da SD na sala de aula houve a participação de três gradu-
andas bolsistas do PIBID, sob o acompanhamento da su-
pervisora do projeto, juntamente com os alunos de uma
escola de educação básica.
A metodologia adotada em sala de aula centra-
-se no modelo de sequência didática (SD) proposto por
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), com adaptações. A
metodologia de análise do corpus ancora-se no modelo
de operações textuais-discursivas de Marcuschi (2007),
com adaptações. O corpus que constitui essa pesquisa é
proveniente de uma turma do nono ano do ensino fun-
damental, de uma escola da rede pública, localizada em
uma cidade do estado de Alagoas. A referida turma possui
vinte alunos, com faixa etária entre quatorze e dezesseis
anos, entretanto só estavam presentes na sala de aula de-
zesseis. A partir da SD realizada com a turma, recolhemos
quatorze amostras, entretanto para análise do corpus des-
ta pesquisa, selecionamos, aleatoriamente, apenas cinco
amostras. A metodologia de análise baseia-se no modelo
de operações textuais-discursivas de Marcuschi (2010a,
p. 75), com nossas adaptações.
A estratégia metodológica utilizada em sala de aula
foi baseada no esquema didático proposto por Dolz, No-
verraz e Schneuwly (2004, p. 83), para os teóricos uma

277
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

sequência didática “[...] é um conjunto de atividades es-


colares organizadas de maneira sistemática, em torno
de um gênero textual oral ou escrito” (Dolz, Noverraz
e Schneuwly, 2004, p. 83). Esse método de ensino tem
como objetivo associar compreensão, produção textual
e análise linguístico-gramatical ao ensino e aprendiza-
gem de língua portuguesa., com a intenção de facilitar a
compreensão do aluno acerca do gênero trabalhado. A
SD é composta por quatro partes: acordo didático-peda-
gógico, nesta etapa acontece um momento de exposição
e acordo da proposta didática. Assim, podemos perceber
os conhecimentos tácitos dos alunos acerca do gênero a
ser trabalhado, como expor os objetivos e propósitos que
almejamos alcançar. Cabe realçar que, antes da interven-
ção em sala de aula, houve um período de observação
para conhecer de perto a metodologia usada pela profes-
sora supervisora e, assim, facilitar a aplicabilidade da SD.
Seguidamente, é orientada uma Produção Inicial,
onde o aluno escreverá seu primeiro texto, a partir dos
conhecimentos prévios para facilitar o trabalho com o
gênero em estudo e identificar as dificuldades que sur-
girem. A terceira etapa é composta pelos módulos. Nesse
momento, Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que se trata
de trabalhar com os “problemas” detectados na primei-
ra produção, disponibilizando aos alunos as ferramentas
indispensáveis para superá-los. Em cada módulo é de-

278
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

senvolvido uma série de atividades que vão preparando


o aluno, processualmente, para a atividade final. A última
etapa da SD consiste no momento em que o aluno rees-
creve a primeira produção, de forma orientada, colocan-
do em prática tudo que foi trabalhado em sala de aula para
minimizar as dificuldades evidenciadas nas produções.
A princípio, iniciamos com um acordo didático,
onde ocorreu a apresentação do gênero para os alunos.
Para tanto, a fim de introduzir de forma lúdica o gênero
escolhido, trabalhamos com a modalidade audiovisual,
usando a televisão, assistimos ao filme Klaus (2019), que
foi dirigido pelo diretor e roteirista Sergio Pablos, coleta-
do do serviço de streaming Netflix. A animação natalina
retrata a utilização de cartas no cotidiano dos persona-
gens, além de abordar questões como sensibilidade, res-
peito e ética, o filme ensina e educa ao mesmo tempo.
Desse modo, nosso objetivo foi sensibilizar a turma e in-
citar os conhecimentos tácitos acerca do gênero em tela.
Em seguida, direcionamos a SD para a próxima eta-
pa: a aplicação dos módulos. No primeiro módulo, reali-
zamos a apresentação do gênero para os alunos. Assim,
discorremos sobre os seguintes aspectos: a estrutura da
carta pessoal, a modalidade de linguagem coloquial uti-
lizada, e quais os propósitos comunicativos desse gêne-
ro, bem como a interpretação e compreensão da leitura.
Para complementar o estudo do gênero em tela, também

279
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

apresentamos os diversos tipos de cartas que existem


nos meios sociais. A diversidade do gênero carta, aponta-
da por Antunes (2003), originou subgêneros específicos
como a carta de amor, circular, propaganda, aberta, de
solicitação, de reclamação, carta ao leitor, entre outras.
No segundo módulo, para elucidar a importância
do gênero como ferramenta de comunicação, utilizamos
como recurso didático dois exemplos de cartas de do-
mínio público para leitura e análise dos aspectos citados
anteriormente com os alunos. A primeira carta escrita
pelo renomado escritor Graciliano Ramos, enviada a seu
pai Sebastião Ramos. A segunda, a carta de Pero Vaz de
Caminha enviada a D. Manuel I, rei de Portugal, conside-
rado o primeiro documento escrito da história brasileira.
Assim as leituras foram realizadas de forma coletiva, con-
tando com a participação dos alunos. Nesse momento, a
atividade proposta gerou discussões e dúvidas entre os
alunos, as quais, posteriormente, foram sendo sanadas
no decorrer da leitura.
Por conseguinte, orientamos os alunos a escreve-
rem a primeira produção do gênero trabalhado em sala de
aula, considerando as discussões abordadas no decorrer
da SD. Assim, propusemos a escrita de uma carta pessoal
e pedimos que eles imaginassem uma situação hipotéti-
ca como tema para a produção: Escreva uma carta para
Pero Vaz de Caminha, contando o que você encontrou

280
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ao chegar no Brasil atualmente. Após a entrega das pro-


duções escritas por alunos, analisamos os textos. Nesse
momento, nosso objetivo foi identificar as dificuldades e
as facilidades apresentadas na primeira produção.
Na etapa seguinte, após a análise, correção e iden-
tificação dos problemas evidenciados na primeira pro-
dução dos alunos, solicitamos a reescrita do texto com
foco nas devidas dificuldades detectadas nos textos. Para
a reescrita da primeira produção, pedimos que os alunos
fizessem duplas e utilizamos o método da escrita colabo-
rativa. Para Gaulmyn, Bouchard e Rabatel (2001, p. 9), as
situações de escrita colaborativa, também chamadas de
“redação conversacional” são situações privilegiadas em
que se observa tanto a relação da escrita com a oralidade
e como marcas da oralidade podem repercutir na escrita.
Assim, o objetivo da escrita colaborativa é promover o
pensamento reflexivo dos alunos acerca da escrita. Desse
modo, o trabalho em conjunto minimiza as dificuldades
dos pares envolvidos, ou seja, conjuntamente, formam
apenas uma produção.
No último módulo, para finalizar as aulas com a re-
ferida turma, realizamos um quiz de perguntas e respostas
referente ao que foi estudado em sala de aula. Os alunos
foram divididos em 3 grupos. Cada grupo segurava uma
placa com as letras a, b e c. Os alunos iam levantando a le-
tra referente à resposta que eles acreditavam ser a correta.

281
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Foram realizadas 20 perguntas. No final do quiz fizemos


uma premiação para o grupo vencedor, como também so-
cializamos e premiamos as melhores produções escritas
na etapa da produção inicial. Dessa forma, encerramos a
sequência didática com a referida turma, concluindo um
trabalho realizado com dedicação, que foi crucial para
nosso crescimento enquanto futuros docentes. Expostas
essas discussões, a seção subsequente, portanto, trata da
análise e discussão dos resultados da pesquisa.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A metodologia de análise centra-se no modelo de
operações textuais-discursivas de Marcuschi (2010, p. 75).
Vale dizer que o gênero utilizado por Marcuschi (2010) foi
entrevista, como usamos em nossa pesquisa o gênero car-
ta, precisamos fazer adaptações ao modelo referido. Para
garantir a confidencialidade da pesquisa, utilizamos códi-
gos para identificação de cada amostra do corpus: B1 para
aluno 1; B2 para aluno 2; B3 para aluno 3, assim sucessiva-
mente, como evidenciado no quadro 1 a seguir.

282
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quadro 1 – Modelo de operações textuais-discursivas, com


nossas adaptações
Total de
B1 B2 B3 B4 B5 amos-
tras
Operação 1 - Estrutura do gênero carta X X X - X 4
Operação 2 - Dificuldades de
- X - X X 3
pontuação
Operação 3 - Coesão e coerência:
- - X - X 2
ideias truncadas
Operação 4 - Problemas de
- - X X - 2
concordância
Operação 5 - Dificuldades ortográficas - - X - X 2

Operação 6 - Apresenta proposta de


X X X X X 5
intervenção relacionada ao tema
Operação 7 - Agrupamento de
X X X X - 4
argumentos condensando as ideias
Operação 8 - Segue a organização
X X - X - 3
retórica de parágrafos
Fonte: autores da pesquisa

Conforme o quadro 1, que se refere às operações


textuais-discursivas, podem ser observadas as ocorrên-
cias referentes às dificuldades encontradas em 5 amos-
tras de produções escritas, constituintes do corpus desta
pesquisa, a partir do trabalho com o gênero carta.
Operação 01, que trata da estrutura do gênero car-
ta, foi realizada por B1, B2, B3, B5. A estrutura foi seguida
dentro do padrão exigido na escrita de seus textos. Con-
forme o quadro 1, B4 não realizou a referida operação. De
acordo com Bakhtin (2011) Os gêneros possuem elemen-
tos indissolúveis em sua constituição e concretude: “[...]

283
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

o conteúdo temático, o estilo e a construção (ou forma)


composicional [...]” (Bakhtin, 2011, p. 261-262). O gênero
carta possui elementos básicos indispensáveis à compo-
sição e ao reconhecimento, quais sejam: local, data, sau-
dação, corpo e despedida e assinatura.
Operação 02 refere-se a dificuldades de pontuação,
aspecto necessário para a compreensão de qualquer tex-
to. Na operação 02, os informantes B2, B4 e B5 apresenta-
ram dificuldades de pontuação. Segundo Cegalla (2020),
“a Gramática Normativa aponta formas para a correta uti-
lização oral e escrita do idioma. Em suma, ensina a falar e
escrever a língua padrão corretamente” (p. 16). A ausên-
cia da pontuação adequada no texto compromete o sen-
tido para o leitor.
Operação 03, que diz respeito à coesão e coerência:
ideias truncadas. Ambas constituem o essencial do que
seja um texto interpretável e capaz de funcionar como
ação de linguagem. Assim, os informantes B3 e B5 tiveram
dificuldades em manter os dois aspectos em seus textos.
Os informantes B1, B2 e B4 fizeram uso adequado desses
mecanismos. Segundo Antunes (2017, p. 56), a coesão “é a
propriedade responsável por deixar todos os segmentos
do texto articulados, relacionados, conectados”. A capa-
cidade de usar a linguagem supõe, que, necessariamente,
quem fala ou escreve possua a competência de “articu-
lar” os sentidos expressos na construção sequencial de

284
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

um texto. Já a coerência defendida por Koch (2007, p.


52), remete “ao modo como os elementos subjacentes à
superfície textual vêm constituir, na mente dos interlo-
cutores, uma configuração veiculadora de sentidos”. Ela
não depende apenas da materialidade do texto, mas sim,
da relação colaborativa entre os fatores socioculturais,
interacionais, situacionais e cognitivos.
A operação 04 aborda problemas de concordância.
Esse aspecto foi evidente nos colaboradores B3 e B4. Se-
gundo Cegalla (2020, p. 438), a “concordância é o princípio
sintático segundo o qual as palavras dependentes se harmo-
nizam, nas suas flexões, com as palavras de que dependem”.
A operação 05 versa sobre dificuldades ortográfi-
cas. Dificuldade presente em B3 e B5. Para Bechara (2019,
p. 127), “a ortografia é o sistema de representação con-
vencional de uma língua na sua vertente escrita.
A operação 06 trata da apresentação da proposta de
intervenção relacionada ao tema. Evidente em B1, B2, B3,
B4 e B5. Como se pode ver todos os colaboradores reali-
zaram esta operação. A proposta de intervenção relacio-
nada ao tema é a parte do texto que o aluno demonstrará
sua consciência crítica acerca do seu papel enquanto ci-
dadão participante da sociedade. Assim ele irá defender
um ponto de vista sobre qualquer tema, por meio da sele-
ção, relação, organização e interpretação de informações,
fatos, opiniões e argumentos.

285
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A operação 07 faz referência ao agrupamento de


argumentos condensando as ideias. Esse elemento im-
portante na compreensão do texto, foi evidente nos cola-
boradores B1, B2, B3 e B4. Na visão de Koch e Elias (2020,
p. 24), a argumentação tem a finalidade de persuasão e é
o produto em forma de texto da organização de ideias e
estruturação de um raciocínio que sustentará uma tese
ou ponto de vista, podendo recorrer a “experiências in-
dividuais e sociais”.
A operação 08 traduz a organização retórica de pa-
rágrafos. Essa operação aborda a organização específicas
dos parágrafos no decorrer do texto. Esse aspecto foi re-
alizado nos informantes B1, B2 e B4. Silva (2020) trata da
organização e passos retóricos, como estratégias para ga-
rantir a compreensão leitora.
Diante da análise do corpus, os resultados revelam
que houve quatro realizações da operação 01; três reali-
zações da operação 02; duas realizações da operação 03;
duas realizações da operação 04; duas realizações da ope-
ração 05; cinco realizações da operação 06; quatro reali-
zações da operação 07 e três realizações da operação 08.
Como se observa no quadro 1, apesar das operações 06
e 07 apresentarem um grau de dificuldades maior, foram
mais realizadas pelos colaboradores da pesquisa, como
também a operação 01. As operações 03, 04 e 05 manti-
veram a mesma posição na quantidade de amostras, da

286
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

mesma forma as operações 02 e 08. Cabe registrar que a


operação 05 foi realizada por todos colaboradores.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme os resultados obtidos, observamos que
a aplicabilidade do gênero carta pessoal na educação bá-
sica é uma possibilidade de desenvolver as competências
orais e escritas dos alunos. O êxito na aplicabilidade des-
se gênero se deu através de uma metodologia centrada
na orientação, análise, discussão e produção textual. De
acordo com o exposto no quadro 01, cabe pontuar que os
participantes revelam maior domínio nas operações 06,
07 e 01, no entanto, apresentam dificuldades nas opera-
ções 03, 04 e 05. Cabe registrar que a operação 05 foi rea-
lizada por todos colaboradores da pesquisa.
Salientamos que a relevância da pesquisa carac-
teriza-se por apresentar uma perspectiva para o ensino
do gênero carta no âmbito educacional, apesar de ain-
da existir uma certa carência de estudos que apresentem
esse gênero como recurso didático-pedagógico na sala
de aula. O que foi possível para uma aprendizagem bem
sucedida. Ao aplicar o gênero, por intermédio de uma SD,
focando na produção de texto oral e escrita, podemos
desenvolver habilidades linguísticas e discursivas dos
estudantes, contribuindo com a habilidade de participar
ativamente e criticamente na sociedade.

287
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Destacamos que, através dos pressupostos teóricos


que sustentam este estudo, buscamos contemplar as dis-
cussões sobre bases conceituais de gêneros e a impor-
tância do ensino dos gêneros textuais/discursivos nas
aulas de língua portuguesa. Estes teóricos foram de gran-
de contribuição para o desenvolvimento desta pesquisa,
sendo essencial para nosso crescimento e saber con-
tínuo. É possível salientar também que o trabalho com
a SD, como ferramenta de ensino, auxilia numa efetiva
aprendizagem do gênero que se pretende trabalhar, pois
o ensino se dá de forma gradual, desde a dificuldade dos
alunos até uma produção final, onde se verifica o desen-
volvimento da turma.
Esperamos, portanto, que esse estudo seja enri-
quecedor para pesquisadores, graduandos, professores
da educação básica e os demais sujeitos que tenham in-
teresse em trilhar por essa linha de pesquisa. Considera-
mos ser esse o contributo da nossa pesquisa.

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Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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em: 13 fev. 2024. 224 p.

290
PRODUÇÃO TEXTUAL EM
COLABORAÇÃO NA SALA DE
AULA: REFLEXÕES SOBRE A
ANTECIPAÇÃO NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Dayane Rocha de Oliveira
Cristina Felipeto

1 INTRODUÇÃO
É ao estudo da antecipação em contexto de escri-
ta colaborativa, presente em textos de alunos no ensino
fundamental, que este artigo se dirige. A antecipação é
um fenômeno presente em toda atividade humana. Para
a psicologia, ela é indispensável quando as ações de um
sujeito parecem se desenvolver conforme um programa
prévio que define a ordem sequencial e o percurso de
suas ações, a exemplo das tarefas diárias, como na prévia
organização da sequência para o preparo de uma refei-
ção, no planejamento de um dia de trabalho, na marcação
de uma consulta médica, dentre outras situações.
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

No entanto, nem sempre estamos conscientes do


processo de antecipação e, em algumas situações, rea-
lizamos movimentos sem lembrar o motivo, como abrir
uma gaveta sem recordar o que procurávamos. Isso ocor-
re devido a comportamentos programados no cérebro, ou
seja, ato de pensar em uma ação pode desencadear mo-
vimento físico, destacando, desse modo, a complexa in-
teração entre pensamento e ação na antecipação. Assim,
refazer o percurso mnemônico é essencial para lembrar
o motivo da ação e realizar a atividade de forma efetiva.
Os dois casos de movimento antecipado descritos
anteriormente também acontecem nas produções escri-
tas na escola. Assim, visando destacar a relevância desses
movimentos para a compreensão da gênese textual em
alunos recém-alfabetizados, esta pesquisa propõe-se a
analisar as antecipações presentes nos processos de es-
crita colaborativa em sala de aula.
As interrupções durante o processo de escrita,
quando têm como objetivo o próprio ato de escrita57,
resultam em duas categorias de ações: 1) um retorno do
que já foi escrito (um movimento retrospectivo), levando
a uma necessidade de reformulação e reescrita, sendo a
principal manifestação desse processo a utilização da ra-

57Estamos excluindo, evidentemente, devaneios, desvios de aten-


ção que normalmente ocorrem no decurso de processos de escrita
envolvendo alunos desta faixa etária.

292
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

sura, oral ou escrita58; e 2) uma reflexão antecipada sobre


o que será escrito (um movimento prospectivo, derivado
do termo latino “prospectio ōnis”, que significa “vista de
olhos lançada ao futuro”), com o objetivo de antecipar
possíveis erros ou efeitos de sentido indesejados.
O primeiro caso de antecipação ocorre como a
execução antecipada de um ato motor relacionado à
escrita, enquanto, no segundo caso, se manifesta como
uma estratégia de escrita. No contexto de escrita cola-
borativa, presente em nossa análise, essa segunda forma
de antecipação ocorre quando os sujeitos realizam revi-
sões verbais para dissipar dúvidas e antecipar possíveis
erros futuros, contribuindo, com isso, para a qualidade
do texto.
Neste estudo, a partir da análise da antecipação em
contexto de escrita colaborativa no ensino fundamental,
pretendemos evidenciar a relação entre rasura, anteci-
pação e automatização da escrita, bem como apresentar
o processo de revisão em uma produção em díade. Pre-
tendemos destacar, também, as conexões entre rasuras
orais, rasuras escritas e antecipação com o propósito de

58 A este respeito, ver Calil (2003, 2012); e Felipeto (2008, 2013). Ra-
sura oral é um conceito elaborado por Calil (1998, p.108) para ex-
plicitar os retornos ocorridos oralmente durante o diálogo entre
duas pessoas em uma situação de escrita colaborativa. Essa rasura
indica a espontaneidade e a imprevisibilidade como cada aluno
modifica os elementos a serem colocados no manuscrito em cur-
so.

293
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

aprofundar nossa compreensão sobre a natureza das an-


tecipações no texto e contribuir para o desenvolvimento
de estratégias educacionais na produção escrita.

2 GENÉTICA TEXTUAL, LINGUÍSTICA ENUNCIATIVA


E PSICOLOGIA COGNITIVA: UNINDO TEORIAS PARA
COMPREENDER A ANTECIPAÇÃO
Neste artigo, integramos os construtos teóricos de
três correntes com o propósito de explorar a antecipação
em textos elaborados por crianças no ambiente escolar.
Para essa investigação, focalizaremos os manuscritos59
dos alunos, bem como todo o processo que o precedeu.
Para este fim, é crucial ressaltar que, conforme Grésillon
e Lebrave (1983) destacaram, o manuscrito “é esta par-
te que emerge do iceberg” (p. 7), fornecendo um acesso
concreto a tudo o que preexiste antes do texto ser consi-
derado finalizado.
Sendo apenas a ponta do iceberg, ainda que tenha-
mos acesso ao processo de escrita referente ao momento
da escritura, não temos acesso a todo o processo mental
que o gerou, pois só é possível conhecermos enunciações
enunciadas, restando toda uma grande parte inacessível.

59 Segundo Calil (2008, p. 25), o manuscrito escolar é o “produto de


um processo escritural que tem a instituição escola como um ce-
nário que contextualiza e situa o ato de escrever.”

294
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Dessa forma, no manuscrito, as dúvidas mais co-


muns dos alunos podem ser analisadas através das rasu-
ras, porque elas

nos permitem investigar os momentos de


reconhecimento de um (possível) erro
pelo aluno e são indícios que podem
nos ajudar a compreender sua trajetória
rumo à aquisição das habilidades neces-
sárias para se tornar um sujeito produtor
de textos. Assim, a rasura é a ferramen-
ta fundamental de quem escreve, uma
“[...] operação intelectual que pode ter
sido precedida, em poucos segundos de
reflexão, por uma considerável série de
formações verbo-mentais”. A rasura é
um recurso complexo que engloba di-
ferentes perspectivas [...] Pode, ainda,
ser utilizada para se observar quais co-
nhecimentos estão em curso, já que ela
só intervém sobre o que “já estava lá” e
aponta para um trabalho sobre o texto
(Felipeto, 2019, p. 8).

Nessa perspectiva, a rasura emerge como uma fer-


ramenta indispensável na investigação dos momentos
em que os alunos identificam possíveis equívocos em
seus textos. Sua importância vai além da mera correção,
sendo interpretada como uma operação intelectual que
espelha o processo reflexivo do autor. Essa prática não
apenas aprimora o texto, mas também desenvolve habi-

295
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

lidades de escrita, indicando um engajamento ativo do


autor na elaboração textual.
É preciso esclarecer, inicialmente, que escrever é
um desafio, seja para escritores experientes ou novatos.
Nesse sentido, seguindo Leblay (2011), é necessário, em
uma produção textual, considerar que o produto não é a
imagem fiel da produção, e mais, buscar entender o pro-
cesso do texto no produto é basicamente uma ilusão, vis-
to que “é o rascunho que constrói o genético”, conforme
abordam Doquet e Leblay (2014).
Desse modo, visando compreender a antecipação
na escrita de alunos recémalfabetizados, a Linguística
Enunciativa benvenistiana, a Genética de Textos (dora-
vante GT) e a contribuição da Psicologia Cognitiva serão
primordiais para o entendimento do complexo processo
da produção escrita. A Genética de Textos nos permiti-
rá investigar os estágios sucessivos da produção textual,
desvelando os traços e os processos que revelam o ca-
minho percorrido na escrita. A Linguística Enunciativa
benvenistiana nos possibilitará explorar a dimensão so-
cial e subjetiva da escrita, destacando a importância da
interação entre sujeitos na construção do sentido.
Ademais, na abordagem da Linguística Enunciativa
de Benveniste, a enunciação é compreendida como o ato
de produzir um enunciado em uma situação específica.
Nesse contexto, a subjetividade não se manifesta apenas

296
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

na escolha lexical e gramatical, mas também na maneira


como os sujeitos se posicionam em relação ao discurso.
A Psicologia Cognitiva, por sua vez, auxiliará na in-
vestigação detalhada dos processos mentais envolvidos
na produção textual, revelando as complexidades cog-
nitivas subjacentes às escolhas linguísticas e à dinâmi-
ca da escrita. Dessa maneira, ao combinar Genética de
Textos, Linguística Enunciativa benvenistiana e Psicolo-
gia Cognitiva, teremos uma abordagem holística que nos
permitirá não apenas reconstruir os estágios sucessivos
da produção textual, mas também compreender as inte-
rações sociais, subjetivas e cognitivas que moldam o de-
senvolvimento do texto.
A gênese de um texto testemunha gestos de inven-
ção, não apenas gestos, mas movimentos que ora se com-
pletam, ora se destroem pelas mãos do autor e, assim, a
partir de adições e exclusões, nasce o padrão dos movi-
mentos na construção do texto. Nesse sentido, conforme
descrito por Grésillon, o manuscrito

porta os traços de um ato, de uma enuncia-


ção em marcha, de uma criação que está sen-
do feita, com seus avanços e seus bloqueios,
seus acréscimos e seus riscos, seus impulsos
frenéticos e suas retomadas, seus recome-
ços e suas hesitações, seus excessos e suas
faltas, seus gastos e suas perdas (Grésillon,
2007, p. 52).

297
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A reflexão proposta por Grésillon (2007) oferece


uma rica visão do processo de criação, representando o
manuscrito como um palco para a expressão dos desafios
e das emoções inerentes à atividade criativa. Nesse senti-
do, a genética de textos, campo interdisciplinar, permite
novas formas de leitura através da análise dos processos
de produção da linguagem, seja ela oral ou escrita.
No âmbito de nossa análise, a psicologia cogniti-
va se destaca como um componente do campo contem-
porâneo da linguística, campo esse dedicado às relações
entre linguagem, cérebro e cognição. Para Lebrave (2020),
a relevância da psicologia cognitiva nos estudos em ge-
nética textual reside na capacidade dessa disciplina em
aprofundar a compreensão dos processos mentais e cog-
nitivos envolvidos na escrita. Lebrave (2020) destaca que
a dinâmica da escrita, com foco nos diferentes estados
durante o processo criativo, é explorada e a psicologia
cognitiva é essencial para comparar esses estados.
Nesse viés, reconstituir os estados sucessivos, re-
cupera a memória da gênese do processo e o investi-
gador pode, assim, ao dispor dos traços e dos índices
materiais (anotações, rabiscos, rasuras) apreender o
que, caso se dispusesse apenas do produto (texto aca-
bado) seria inapreensível.
A linguística enunciativa benvenistiana, por sua
vez, nos permite investigar o exercício enunciativo dos

298
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

alunos, uma vez que escrevem a dois um texto único.


Nesse sentido, é o exercício enunciativo intersubjetivo
que funda a noção de diálogo e que torna possível toda
comunicação linguística. Em nosso caso, a captura desse
exercício enunciativo é a forma através da qual se tornou
possível analisarmos o processo de escrita.
Assim, a integração da psicologia cognitiva, da ge-
nética textual e da linguística enunciativa numa abor-
dagem multidisciplinar enriquece significativamente a
compreensão do estudo aqui proposto, visto que pro-
porciona uma análise abrangente que vai além da fina-
lização do texto, adentrando nos processos cognitivos e
nas complexidades do ato de escrever. Na parte a seguir,
falaremos sobre o campo investigativo da antecipação.

3 A ANTECIPAÇÃO – BREVES CONSIDERAÇÕES


Coutellec e Weil-Dubuc (2016) destacam a anteci-
pação como objeto de investigação em diversos campos
do conhecimento; ela abrange desde a área da saúde,
com foco no crescimento de diagnósticos, até as esferas
da prática científica e dos debates sobre mudanças cli-
máticas, além dos domínios financeiros e econômicos.
Essa diversidade de aplicação torna a antecipação um
tema interdisciplinar, conforme evidenciado no trabalho
de Sock e Vaxelaire (2004), que aborda uma série de estu-
dos relacionados à antecipação.

299
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Na obra de Sock e Vaxelaire (2004), o termo “ante-


cipação” é geralmente usado para descrever a realização
de ações antes do tempo planejado. As teorias apresen-
tadas no texto se concentram na análise da antecipação
e suas implicações em diferentes contextos cognitivos,
tais como processos de tomada de decisão, resolução de
problemas e adaptação comportamental. No geral, as te-
orias propostas no trabalho de Sock e Vaxelaire (2004)
buscam ampliar o entendimento da antecipação em di-
versos contextos das ciências cognitivas, destacando
sua importância na percepção, ação, linguagem e me-
mória prospectiva.
Kandel, Louis-Dam e Orliaguet (2004) destacam
a capacidade do sistema motor de realizar sequências
de ações contínuas, permitindo antecipação durante o
movimento. Isso resulta em modificações na trajetória,
no tempo de movimento e na velocidade. Ele também
enfoca a capacidade do sistema visual de antecipar mo-
vimentos subsequentes com base em informações espa-
ço-temporais, enfatizando a interação entre habilidades
motoras e percepção.
Fuchs (2004) explora a linearização dos elementos
linguísticos no discurso; para este fim, focaliza os mar-
cadores utilizados pelo locutor para organizar sua pro-
dução textual. Seu estudo minucioso discute como a
estratégia de planejamento ocasionalmente apresenta

300
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

falhas, o que se revela importante em nosso contexto de


pesquisa. Fuchs (2004) explora o movimento antecipa-
tório, considerando não apenas as influências do que já
foi produzido, mas também o que está por vir, destacan-
do que esse fenômeno não deve ser interpretado como
um simples deslize, o que é uma visão compartilhada por
nossa pesquisa, pois discutimos um caso específico de
antecipação, aquele em que há execução antecipada de
um ato motor na escrita, ou seja, quando letras ou sílabas
subsequentes surgem antes do momento planejado.
O cerne do problema discutido por Fuchs (2004)
reside na avaliação das antecipações, questionando se
elas devem ser consideradas fracassos ou, ao contrário,
sucessos na produção ou interpretação de um enunciado
dentro do contexto de um discurso.

4 ANTECIPAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE ESCRITA E


ANTECIPAÇÃO COMO EXECUÇÃO ANTECIPADA DE
UM ATO MOTOR DE ESCRITA
Anokhina (2018) postula que a antecipação consti-
tui uma operação fundamental intrínseca a todas as ativi-
dades humanas, sendo inerente a processos perceptivos
visuais e auditivos. Contudo, a escassez de pesquisas
nesse campo é notável, devido, em parte, à complexidade
subjacente a esses processos. A provável causa reside na
dificuldade de acesso às antecipações, uma vez que seria
necessário um dispositivo de coleta de dados capaz de

301
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

capturar o processo de antecipação no exato momento


em que ela ocorre.
No que se refere à atividade linguística, conforme
delineado por Anokhina (2018), duas modalidades de an-
tecipação se apresentam. A primeira, e mais comum, diz
respeito ao “movimento de pensamento que imagina ou
vivencia um acontecimento antecipadamente” (Anokhi-
na, 2018, p. 132). Essa descrição pode ser interpretada
como um processo no qual a mente humana antecipa e
imagina mentalmente uma situação que ocorrerá no fu-
turo. Essa forma de antecipação desempenha um papel
fundamental no contexto da linguagem e da comunica-
ção, pois envolve a preparação da mente do falante ou
escritor para expressar uma ideia ou comunicar um even-
to que ainda não se concretizou.
O segundo cenário de antecipação apresentado
por Anokhina (2018) envolve a “execução antecipada de
um ato”. Nesse contexto, essa forma de antecipação é de-
sencadeada por uma dessincronização entre os proces-
sos cognitivos e a estrutura de planejamento do discurso.
Ao contrário da antecipação anteriormente retratada por
Anokhina, que não é prontamente refletida na escrita e
envolve processos de revisão predominantemente men-
tais enunciados, essa última modalidade de antecipação
não segue uma dinâmica linear no texto.

302
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Essa antecipação desordenada, que diverge da es-


trutura linear convencional da linguagem, é um exemplo
de como a antecipação pode impactar a organização da
linguagem e criar disrupções na sequência de palavras. Ela
reflete a complexidade da atividade mental e sua relação
com a produção textual. Em essência, a dessincronização
cognitiva resulta em uma quebra das regras tradicionais.
Assim, esses dois exemplos revelam como a anteci-
pação pode operar de maneiras distintas, desafiando as
convenções estruturais da linguagem. Essas observações
destacam a complexidade da antecipação e suas ramifi-
cações na atividade humana e na escrita.

5 AUTOMATIZAÇÃO DA ESCRITA
A automatização da escrita refere-se à capacidade
de realizar tarefas de escrita de maneira rápida, eficien-
te e quase inconsciente, sem a necessidade de esforço
cognitivo significativo. Quando a escrita se torna auto-
matizada, o ato de formar letras, palavras e frases ocorre
de maneira fluente (Seraphin-Thibon, 2018). A automa-
tização da escrita é um marco importante no desenvol-
vimento da alfabetização. À medida que as habilidades
de escrita se automatizam, os escritores podem se con-
centrar mais nos aspectos criativos e de organização do
texto, em vez de gastar grande parte de sua atenção no
formato das letras e na ortografia.

303
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A antecipação grafo-motora envolve a capacidade


de prever e coordenar os movimentos motores necessá-
rios para realizar uma tarefa de escrita antes de começar a
executá-la. Isso inclui a capacidade de antecipar a forma
correta das letras, a sequência de traços e a organização
espacial na página. Dessa forma, antecipação grafo-mo-
tora é essencial para uma escrita eficiente e precisa. Esses
movimentos são programados em paralelo, ao produzir
os primeiros movimentos da sequência. Os “caminhos”
pelos quais percorrem as letras, o traçado,

se referem a caminhos internalizados


correspondentes aos caminhos físicos
ao longo dos quais o observador espe-
ra que os movimentos continuem em
movimento [...] os objetos não param no
meio do voo. De alguma forma, essa re-
gra internalizada gera expectativas que
interferem no traço da memória (Kandel
et al., 2000, p. 713).

Como se vê, a aprendizagem da escrita, seu traça-


do, tem relação com a internalização do movimento, com
o movimento inscrito na memória, mas não apenas isso.
No atual quadro teórico predominante em Psicologia da
língua escrita, reconhece-se a existência de dois léxicos
interdependentes. O primeiro é o léxico ortográfico in-
terno (LOI) ou “de entrada”, que engloba representações

304
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

e mecanismos envolvidos no reconhecimento de pala-


vras durante a leitura, sendo funcionalmente distinto do
léxico fonológico interno, relacionado ao reconhecimen-
to de palavras ouvidas.
O segundo é o léxico ortográfico de saída (LOS),
que representa os léxicos fonológicos e ortográficos ne-
cessários para a produção oral e escrita de palavras. Nes-
te processo, os escritores “aplicam a suas representações
internas uma série de processos operatórios permitindo-
-lhes passar de um nível virtual a um nível atual” (Jaffré,
1991, p. 39).
Em outros termos, o LOS envolve os mecanis-
mos mentais e as informações relacionadas aos sons e
às grafias das palavras que são essenciais quando es-
tamos produzindo palavras ao falar ou escrever. Desse
modo, os escreventes utilizam processos operatórios
para transformar suas representações mentais em ex-
pressões linguísticas concretas.
O LOI, léxico ortográfico interno, refere-se a um
sistema de reconhecimento visual das palavras que é de-
senvolvido gradualmente por meio das experiências de
leitura e escrita. Tanto para a escrita quanto para a leitu-
ra, as estratégias empregadas são semelhantes: elas têm
como objetivo evocar a grafia de uma palavra que está
armazenada no léxico interno. Isso implica que, ao escre-
ver ou ler, os indivíduos recorrem a esse conhecimento

305
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

visual consolidado para identificar e reproduzir as pala-


vras de forma correta. O LOI, portanto, desempenha um
importante papel na habilidade de reconhecer e produzir
palavras escritas de maneira eficaz.
O léxico ortográfico de saída (LOS) armazena infor-
mações que são acessadas durante a produção por meio
de duas vias: a via direta, através de uma imagem men-
tal, e a via indireta, envolvendo aspectos fonológicos e
analógicos que possibilitam inferências parciais. Jaffré
(1991) argumenta que uma aprendizagem ortográfica efi-
caz ocorre quando os elementos gráficos se emancipam
dos fonemas que representam, deixando traços mnemô-
nicos, isto é,

“a cada vez que a forma de uma palavra é


apreendida, uma entrada correspondente
a essa palavra é memorizada no LOS e, de-
pois disso, a cada vez que o usuário quiser
escrever esta palavra, ele deverá reativar
sua representação” (Jaffré, 1991, p. 39).

Assim, a competência de um escritor está direta-


mente relacionada à rapidez com que ele acessa as uni-
dades significativas armazenadas em sua memória. O
termo “representação” é empregado tanto para descrever
o processo de manipulação da informação quanto para
se referir ao seu resultado.

306
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

6 ATIVIDADES METALINGUÍSTICAS EM PROCESSOS


DE ESCRITA COLABORATIVA
As atividades metalinguísticas são relevantes nes-
te trabalho uma vez que elas colocam em cena o diálogo
entre os alunos, diálogo esse que nos dá acesso ao que os
alunos pensam enquanto escrevem; permitindo-nos ava-
liar quais conhecimentos foram internalizados e quais
ainda não foram. A partir disso, é possível identificar
as dúvidas recorrentes, quais os desafios da produção
textual, além de verificar as soluções que podem surgir
diante de uma escrita a dois. Esse enfoque colaborativo
contribui significativamente para o aprimoramento da
aprendizagem da produção textual em um ambiente de
sala de aula.
A escrita colaborativa refere-se aos momentos em
que duplas de alunos se envolvem na produção de um
mesmo texto, conforme descrito por Gaulmyn (2001)
como uma situação “oralográfica”. Nessa circunstância,
ocorre uma interação única, na qual é possível obser-
var não apenas a emergência da escrita a partir da ora-
lidade, mas também o papel fundamental da oralidade
na formação do texto. É uma situação privilegiada que
destaca a dinâmica intrínseca entre a expressão oral e a
criação escrita.
Nesse sentido, conforme os estudos de Camps et
al. (1999), o ensino da escrita é um dos desafios da edu-

307
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cação; sobre isso, destacamos alguns deles nas escolas,


frequentes até os dias atuais, quais sejam: professores
se preocupam com a análise do produto (texto final) e
não do processo de escrita (momento de combinação do
texto, momento de produção, rascunhos).
Em Daiute e Dalton (1992), a colaboração entre
pares também provou ser, segundo elas, um catalisador
eficiente para o aumento da conquista na escrita. Alguns
fatores que contribuíram para o sucesso da colaboração
entre pares foram a interdependência entre parceiros, a
igualdade e a heterogeneidade, que os levaram às diver-
sas discussões e fizeram com que os textos produzidos
tivessem maior criatividade. Essa observação está ali-
nhada com uma ampla pesquisa e teoria educacional que
sustenta a importância da interação social no processo
de aprendizagem, especialmente no contexto da escrita.
Outros estudos que também trazem resultados po-
sitivos com o uso da escrita colaborativa no universo da
sala de aula são os trabalhos de Vass (2002), no qual re-
fletiu-se que a escrita criativa colaborativa não é apenas
a resolução de atividades problemas, mas requer o uso
da linguagem para refletir, explorar e expressar a própria
experiência de um modo mais significativo e único. Além
do mais, segundo a pesquisadora, a conversa produtiva
e dotada de experiências inovadoras não seria possível
com crianças que trabalham sozinhas.

308
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Nos estudos de Camps et al. (1999), a atividade


discursiva sobre a linguagem é descrita como atividade
(fonte permanente de conhecimento metalinguístico, o
que contribui para construí-la e ativá-la) metalinguística
e a maneira como os alunos a utilizam varia, ora formu-
lam explicitamente usando termos específicos aprendi-
dos na sala de aula, ora usam termos do dia a dia para
justificarem as suas escolhas. Essa variação na forma
de expressar seus pensamentos sobre a linguagem de-
monstra a flexibilidade e a adaptabilidade dos alunos na
discussão metalinguística, adaptando seu discurso à si-
tuação específica.
Segundo eles, essas mudanças ou reformulações,
feitas durante a proposta de produção de texto, são indí-
cios de atividade metalinguística. Dessa forma, o fato de
a escrita se desenvolver em situações de grupo favorece
o grau de consciência da atividade metalinguística, sen-
do maior que em situações de escrita individual, confor-
me expõem Camps et al. (1999).
Assim, quando os alunos revisam e modificam seu
próprio texto durante o processo de escrita, estão de-
monstrando um nível de reflexão e consciência sobre
a linguagem, o que vai além de uma simples produção
textual. Essa reflexão sobre a linguagem e a tomada de
decisões para melhorar o texto representa a atividade
metalinguística, na qual os alunos estão conscientes

309
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dos aspectos linguísticos e comunicativos envolvidos


na escrita.
Segundo John Dewey (1933), a inteligência huma-
na é cultivada através do pensamento reflexivo, ou seja,
para ele, quando os indivíduos testam suas ideias visan-
do atingir um objetivo, eles se tornam mais capazes de
usar seus próprios conhecimentos, de modo que chegam
a adquirir uma aprendizagem autodirigida. Assim, com
essa iniciativa, e com a ajuda do outro, poderemos avaliar
e diagnosticar as necessidades de aprendizagem, bem
como identificar os recursos necessários para aprender,
escolher e implementar estratégias apropriadas para a
resolução de determinada tarefa.
Com base nas pesquisas apresentadas, a colabo-
ração entre pares proporciona um ambiente em que
crianças e jovens que compartilham conhecimentos e
linguagens semelhantes se sentem mais à vontade para
se engajar em uma série de atividades críticas e reflexivas
durante a produção de textos. Essas atividades incluem
a capacidade de criticar, esclarecer, repetir, justificar,
expandir, opinar, mudar suas propostas e avaliações à
medida que avançam no texto. Isso ocorre porque, ao
trabalhar em conjunto, eles têm a oportunidade de exa-
minar seus próprios conhecimentos e crenças, explorar a
linguagem, conceitos acadêmicos, a realidade e as pers-
pectivas uns dos outros.

310
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

7 METODOLOGIA
Este estudo adota uma abordagem qualitativa, cujo
objetivo é analisar a dinâmica das antecipações à medida
que um texto é elaborado. Além disso, buscamos identi-
ficar quais objetos textuais são questionados durante o
processo de antecipação.
Os dados utilizados neste estudo foram obtidos
através de coleta pelo Laboratório do Manuscrito Escolar
(LAME), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). A co-
leta envolveu um procedimento específico. Inicialmente,
os alunos foram submetidos a várias leituras de histórias,
tanto em casa quanto na escola, conforme sugerido pelas
professoras. Em seguida, eles foram agrupados em díades
(duplas) para a produção de um único texto.
Durante esse processo, cada aluno foi equipado com
um microfone de lapela e um gravador preso à cintura, en-
quanto uma câmera foi posicionada à frente das carteiras,
objetos esses que fazem parte do Sistema Ramos.
Neste sistema,

O registro visual é feito através de câmeras


de vídeo, capturando o contexto da sala de
aula e a interação entre alunos e professor; o
registro sonoro é feito através de gravadores
digitais e microfones, capturando a fala es-
pontânea dos alunos escreventes e o diálo-
go entre os participantes; o registro escrito é

311
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

feito através de uma caneta inteligente e do


programa HandSpy, capturando o traço da
tinta na folha de papel (Calil, 2020, p. 1).

Juntos, esses instrumentos geram uma única mídia,


ou seja, formam um filme sincronizado capaz de capturar
e reconstruir, de modo ecológico e didático (que preser-
va a situação normal da sala de aula), o percurso genético
de um texto na sala de aula. Essa metodologia permitiu
a captura detalhada dos processos de produção textual,
incluindo as antecipações e as revisões. A relevância des-
se método reside na capacidade de fornecer dados que
podem ser analisados para entender os processos cogni-
tivos e motores envolvidos na escrita infantil.
Antes de iniciar o processo de escrita, a professora
orienta sobre a história a ser criada, que pode ser acerca
de temas diversos, como histórias de cunho livre, narrati-
vas sobre dualidades morais, como a proposta de contos
do bem e do mal, contos etiológicos, entre outros. A partir
das orientações propostas, as díades precisam combinar
e concordar sobre o enredo da história. Após a defini-
ção do enredo, é fornecida à dupla uma folha de papel
com micropontos e uma caneta smartpen, que permite
a captação em tempo real da produção textual à medida
que esta é criada. Em seguida, os alunos se engajam no
processo de formulação textual, elaborando a narrativa
colaborativamente. Ao final do processo, os estudantes

312
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

revisam o que foi escrito, introduzindo alterações, caso


seja necessário.
Todos os dados coletados seguiram rigorosamente
o mesmo protocolo estabelecido. Durante o processo de
escrita, os alunos receberam orientações específicas para
marcar as partes que desejavam apagar, seja incluindo
o elemento rasurado entre parênteses ou simplesmente
traçando um único risco, a fim de preservar o conteúdo
original do texto.
Na parte que segue, evidenciaremos a forma como
as crianças utilizam os recursos da antecipação em seus
textos quando escrevem a dois. O recorte foi retirado de
uma tese ainda em construção, portanto os resultados po-
dem sofrer alteração conforme o andamento da pesquisa.

8 ANTECIPAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE ESCRITA


Abordaremos inicialmente o momento em que as alu-
nas se envolvem em uma reflexão prévia sobre o que será
escrito, ou seja, uma estratégia de antecipação para evitar
possíveis erros ou interpretações indesejadas.
No contexto apresentado, figura 1 e na transcrição
1, é importante destacar os papéis desempenhados pelas
participantes. Ana atua como escrevente e tem seu nome
sublinhado, responsável pela transcrição da história, en-
quanto Laura assume o papel de ditante, encarregada de
ditar a narrativa planejada. Para a análise do processo de

313
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

reconhecimento textual realizado pelas alunas, foram


utilizadas marcações específicas: em vermelho são desta-
cados os objetos textuais que a aluna apresenta dúvidas,
enquanto em verde são evidenciadas as tentativas de me-
lhoria ou correção desses objetos textuais, baseadas nos
conteúdos previamente estudados em sala de aula.
Essa abordagem visa observar o nível de automa-
tização alcançado pelas alunas nas atividades metalin-
guísticas, proporcionando uma avaliação mais detalhada
do domínio conceitual e da aplicação prática dos conhe-
cimentos adquiridos.

Figura 1 – Fragmento do texto “O Cachorrinho Perdido”, elaborado


por Ana e Laura em 25/10/2013

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar (2013)

314
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Transcrição 1 – Ana e Laura criando o texto “O Cachorrinho


Perdido”
514.Laura: Um belo dia o cachorro se perdeu da Miranda. 515. Ana: [i]
(Rasurando [i]). E não foi [e não foi a] 516. Laura: Se perdeu da Miranda.
517. Ana: (faz uma pausa e pergunta) Achado… cha é com “X” ou com “CH”?
518.Laura: Cha?
519.Ana: foi achado. E não foi... 520. Laura: achado?
521.Ana: … foi e…
522. Laura: Cha, é?
523. Ana: Peraí. (Rasurando [foi a]).
524. Laura: Cha… cha…
525. Ana: Peraí. [foi] a…[a] cha… [cha] do [do] (Silabando e escrevendo
“achado”). 526. Laura: Tá certo. Ótimo.
527. Ana: [ne] (faz uma pausa e pergunta “como é “SSE”? Nesse...?”)
528. Laura: Nesse, nesse é com “S”. (Ana escrevendo: [dia]).
529. Laura: Mi… Miranda… Eu tô em Miranda, agora eu já passei de Miranda.
Miranda e...
530. Ana: E não foi achado nesse dia.
Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar (2013)

Ao analisar a transcrição apresentada e o vídeo


correspondente, destaca-se um fenômeno ortográfico
observado nos turnos 517 e 527, compreendendo o inter-
valo temporal de 41:46 a 42:59. Nota-se que a escrevente
está enfrentando um desafio ortográfico relacionado aos
dígrafos. Os dígrafos referem-se a um grupo de duas le-
tras que juntas representam um único fonema. Essa iden-
tificação específica sugere que a dificuldade ortográfica
em questão pode ser questionada entre os alunos dessas
séries, indicando a necessidade de intervenções peda-
gógicas direcionadas para abordar e superar esse desafio
específico no processo de aprendizado da língua escrita.

315
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Observa-se que, em ambos os momentos anali-


sados, há uma pausa no processo de escrita, indicando
um reconhecimento antecipado dos objetos textuais
ortográficos em questão. Essa antecipação, manifesta-
da como dúvida, expressa pela escrevente por meio de
perguntas evidencia uma estratégia preventiva visando
evitar erros e possíveis rasuras no papel, conforme evi-
denciado no diálogo das alunas. A dinâmica se revela nos
instantes finais do turno 515, quando a escrevente inicia
a escrita da palavra “achado” “a...”, seguido de uma pau-
sa e uma pergunta, e no turno 527, durante a escrita de
“nesse” “ne...”, novamente acompanhada por uma pausa
e uma pergunta.
Esses episódios ilustram uma consciência metalin-
guística em desenvolvimento, indicando um processo de
estabilização de conhecimentos. A forma como a escre-
vente antecipa e aborda as questões ortográficas, assim
como as respostas e interações com a ditante, refletem
atividade metalinguística em relação à ortografia especí-
fica das palavras “achado” e “nesse”. Embora Ana não te-
nha verbalizado explicitamente a escolha do termo a ser
utilizado, ela soluciona de maneira correta o problema
ortográfico ao empregar “ch” na escrita. Nesses trechos,
tanto Ana quanto Laura demonstram um conhecimen-
to ainda não estabilizado, relacionado ao uso de “X” ou
“CH”, bem como à escolha da letra na palavra “NESSE” (S,

316
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

SS, Ç, C, SC, SÇ). Essas incertezas surgem devido à repre-


sentação múltipla (homofônica) do fonema /s/ por meio
desses diferentes grafemas.
O aspecto paradigmático (Saussure, 1995) dessa re-
lação, ou seja, a escolha a ser feita entre alternativas, é o
que gera dúvidas nas alunas em relação à ortografia das
palavras discutidas. A compreensão das variantes na re-
presentação fonética e na ortográfica das palavras con-
tribui para esclarecer as hesitações das alunas e ressalta a
complexidade envolvida na aquisição do conhecimento
ortográfico, especialmente quando há múltiplas formas
de representar o mesmo som.
Neste contexto, podemos considerar que as esco-
lhas ortográficas de Ana e Laura, especialmente no que
diz respeito ao uso de “X” ou “CH” e à seleção de que letra
usar na palavra “NESSE,” podem ser vistas como expres-
sões do processo de aprendizado linguístico, em que a
proximidade conceitual desempenha um papel signifi-
cativo. É importante notar que esse caso de antecipação
não envolveu rasuras escritas, mas sim rasuras orais.
Assim, a análise desses dados pode indicar que as
incertezas ortográficas observadas podem ser interpre-
tadas não apenas como erros isolados, mas como uma
expressão da exploração ativa e do ajuste contínuo que
ocorre no processo de aquisição linguística. A substitui-
ção de termos ortográficos próximos, como “X” por “CH”

317
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ou escolhas entre grafemas homofônicos, pode ser vista


como uma estratégia natural na construção do conhe-
cimento ortográfico durante a fase de estabilização do
aprendizado linguístico.

9 ANTECIPAÇÃO COMO EXECUÇÃO ANTECIPADA DE


UM ATO MOTOR DE ESCRITA
A antecipação como execução antecipada de um
ato motor de escrita indica que, ao antecipar o que será
escrito ou dito, a pessoa comete um erro na transição
entre o pensamento antecipado e a execução física, re-
sultando, por vezes, em marcas de rasura no papel. Esse
fenômeno pode estar relacionado ao processo de auto-
matização da escrita, no qual a coordenação entre pensa-
mento e execução ainda está em desenvolvimento. Para
que haja compreensão do que ocorreu no trecho abaixo é
preciso recorrer a dois momentos do processo de escrita
desta história, o diálogo e a filmagem.

Figura 2 – Fragmento do texto: “A Branca de Neve e os três


dinossauros”, inventado por Bia e Lívia em 06/02/2015

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar (2015)

318
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Transcrição 2 – Bia e Lívia criando o texto “A Branca de Neve


e os três dinossauros”

414. Bia: Opa, deixa eu escrever...


415. Lívia: Aí a Branca de Neve explicou o que tinha acontecido.
416. Bia: (B escrevendo e falando) Bran... ca, de ne...ve, ti...nha, tinha, os [A
Branca de neve tinho]...
417. Lívia: (Lívia enunciando em voz alta) Tinho, tinho.
418. Bia: Tinha [tinhoa], tá. Tinha... os [os].
419. Lívia: Os... Ovos.
420. Bia: Os três [três].

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar (2015)

A discrepância entre a fala e a escrita da aluna Bia,


evidenciada quando ela diz “tinha os”, mas graficamente
escreve “tinho os”, revela um fenômeno interessante no
processo de produção textual. Nota-se que a antecipação
da vogal “o” do artigo “os” é incorporada erroneamente,
resultando em “tinho”.
Por meio da análise do vídeo, é possível observar
que, no turno 416, Bia já havia verbalizado “tinha os” en-
quanto começava a escrever “ti”, de modo que o “o” do
artigo “os” é antecipado em “tinho”. Sem perceber o erro
cometido, Bia continua a escrever, enquanto, no turno
417, Lívia manifesta estranheza diante da escrita de “ti-
nho” e chama a atenção de Bia para o equívoco cometido.
Bia, por sua vez, reconhece a antecipação e comete uma
rasura no papel, demonstrando uma metacognição sobre
seu próprio processo de escrita. Entretanto, por que Bia
escreve “tinho” em vez de “tinha”?

319
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Aqui, houve um rompimento da linearidade lógica


temporal quando o que deveria vir num futuro próximo
foi antecipado. Após a antecipação, há um retorno na es-
crita para a correção do equívoco. Esse retorno ocorre,
no exemplo em análise, apenas após o reconhecimento
do equívoco por Lívia, a ditante, e não pela escrevente
Bia. Desse modo, acreditamos que o movimento anteci-
pado de Bia, antes do tempo, acontece, de acordo com
Anokhina (2018), porque o termo antecipado “es-
tava disponível durante a preparação do projeto pré-ver-
bal” (p. 137), isto é, no momento do planejamento; no
entanto, na hora da produção, ocorreu algo que ela cha-
ma de “bug”, fazendo com que o termo chegasse antes do
programado no planejamento e ocorresse uma falha na
linearidade do discurso. Esse caso particular é justificado
pela pesquisadora como o resultado de uma dessincroni-
zação entre diversos processos, entre eles o de planifica-
ção do enunciado e o gesto motor da escrita.
Nesse sentido, é fundamental destacar, igualmen-
te à abordagem de Seraphin-Thibon (2018), que a natu-
reza da escrita difere significativamente da linguagem
oral. Essa distinção é notória principalmente devido à
presença das normas ortográficas, as quais não encon-
tram aplicação na comunicação oral. Na fala, não existe
a mesma preocupação em discernir se uma palavra deve
ser grafada com “X” ou “CH”, ao contrário do que ocorre

320
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

na escrita, em que a observação das regras convencio-


nais é imperativa para conquistar um status social mais
elevado. Essa escolha também pode estar associada a
uma antecipação cognitiva em que a familiaridade foné-
tica entre “tinha” e “tinho” influencia a produção escrita.
A análise mais aprofundada do contexto linguístico e do
repertório ortográfico de Bia pode oferecer evidências
adicionais sobre essa escolha particular, contribuindo
para uma compreensão mais abrangente do fenômeno
observado.
Nesse contexto, quando há a intenção de expressar
uma palavra por escrito, ocorre a ativação da sequência
de letras que a compõem. No entanto, no exemplo citado,
observa-se que um termo foi antecipado. Esse fenôme-
no pode ser atribuído à influência da oralidade, no qual
a última letra “a” do verbo “tinha” (pretérito perfeito do
indicativo) se funde à vogal “o” no artigo subsequente,
“os”. Esse acoplamento ocorre devido à semelhança so-
nora entre as partículas linguísticas envolvidas. Em ou-
tras palavras, para a aluna Bia, houve uma fusão dos sons
emitidos pelas duas letras (“a” + “o” = “o”), resultando na
união dos fonemas.
É crucial notar que esse equívoco foi prontamente
identificado pela aluna que ditava o texto, corrigido pela
aluna que o transcrevia e, posteriormente, reposicionado
na forma correta. Esse episódio evidencia que o trecho

321
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

“tinha os”, cuja ortografia já era conhecida pelas alunas,


já estava armazenado em seus processos cognitivos.

10 ANTECIPAÇÃO E REVISÃO
A antecipação e revisão na escrita são processos
fundamentais que revelam a dinâmica e a complexidade
envolvidas na produção textual. A antecipação, muitas
vezes involuntária, destaca a influência dos processos
cognitivos durante a produção de texto, enquanto a re-
visão exemplifica a capacidade reflexiva do escrevente,
permitindo a correção de erros já registrados. Juntas,
essas fases ilustram a interconexão entre planejamento,
execução e refinamento na expressão escrita, fornecen-
do dados sobre o desenvolvimento da linguagem escrita.

Figura 3 – Fragmento do texto “Por que o sol brilha?”, inven-


tado por Sara e Maria em 13/06/2012

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar (2012)

322
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Transcrição 3 – Sara e Maria criando o texto “Por que o sol


brilha?”
244. Maria: Bora. Há muito tempo atrás. Há mu...i...to (Falando e escrevendo [A
muito]) há muito (Professora
fala com outra dupla, Maria para e presta atenção na fala da professora):: há
muito... tem...
(Falando e escrevendo [ten]) tempo é com “N”, né?
245. Sara: É.
246. Maria: (Maria escreve e/ou rasura algo no manuscrito, provavelmente
“tempo”).
247. Sara: (Respondendo à pergunta de Maria sobre a escrita de “tempo”) Eu
acho.
248. PROFESSORA: Alguém faltou essa semana? Faltou, Bia essa semana tu?
(Alunas se distraem com conversa da professora). Segunda?
249. Maria: Ô tiaa!! Ô tia. É, tempo é com “N” ou com “M”?
250. PROFESSORA: “M”. Antes de “P” e “B” se escreve “M”.
251. Sara: Sabia!
252. Maria: “P” e “B”:: tem (Rasurando [ten]). Tem... po a...trás (Falando e
escrevendo [tempo atras] o sol não brilhava. O sol não bri...lha... (Falando e
escrevendo [o sol não brila].

Fonte: Laboratório do Manuscrito Escolar (2012)

No decorrer do diálogo transcrito, especificamente


no turno 244, Maria faz uma pausa em sua escrita, bus-
cando a orientação da colega Sara para superar uma difi-
culdade ortográfica relacionada ao uso correto de “M” ou
“N” na palavra “tempo”. Apesar de terem corrigido ante-
riormente a forma escrita “tempo”, Maria e Sara realizam
uma nova revisão na tentativa de evitar a repetição do
erro. A complexidade do sistema ortográfico da língua,
especialmente a relação entre fonemas e grafemas, emer-
ge como uma fonte significativa de dúvidas para alunos
nessa faixa etária. As alunas estão em processo de apren-

323
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dizado das normas da escrita, adotando-as com base na


memória das orientações fornecidas pela professora em
sala de aula.
Neste exemplo, apesar de uma explicação prévia
em sala de aula sobre a aplicação das consoantes M ou
N antes de P e B, essa regra ainda não foi completamente
internalizada pela díade. Isso se evidencia quando Maria
apresenta uma dúvida, bem como na resposta de Sara no
turno 245, na qual ela confirma o erro, e na hesitação evi-
denciada no turno 247. Nesses episódios, as alunas ainda
não alcançaram uma reflexão normativa que as leve ao
uso consciente e automático de M ou N na palavra em
questão. Esse aspecto ressalta a necessidade de aborda-
gens pedagógicas que favoreçam a consolidação dessas
regras de maneira efetiva.
Neste contexto, evidenciamos uma instância de re-
visão, seguida por uma antecipação para evitar o erro e
uma rasura, caracterizada por uma pausa na escrita, que
varia em sua duração, indicativa de um período de refle-
xão pelas alunas. Nesse intervalo, Maria busca assegurar
a forma correta a ser registrada, visando corrigir um erro
ou direcionamento indesejado. Nota-se que, neste caso
específico, a primeira antecipação não impediu a neces-
sidade da rasura; no entanto, a segunda antecipação foi
eficaz na correção do equívoco. Esses momentos desta-

324
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cam a dinâmica intrincada entre o processo reflexivo, re-


visão e antecipação durante a produção textual.
Diante da incerteza e da dúvida manifestada por
Maria e sua colega, no turno 249, Maria opta por buscar
orientação junto à professora acerca da grafia correta da
palavra. A docente, provavelmente, reitera a regra previa-
mente apresentada em sala de aula sobre o uso obrigató-
rio da consoante M antes das consoantes P e B, conforme
indicado no turno 250.
Subsequentemente, Maria procede com a correção,
realizando a rasura e substituindo o N pelo M na pala-
vra “tenp”, já previamente registrada no papel, conforme
observado na Figura 3. Este episódio destaca o papel es-
sencial do professor como guia no processo de aprendi-
zagem ortográfica, fornecendo correções e reforçando
regras, enquanto os alunos, por sua vez, aplicam essas
instruções na prática escrita, evidenciando um ciclo de
aprendizado contínuo.

11 CONCLUSÃO
O trabalho apresentado faz parte de uma tese em
fase de construção. O estudo abordou duas formas de
antecipações em textos escritos colaborativamente, des-
tacando a antecipação que interrompe o processo enun-
ciativo, permitindo uma pausa reflexiva para evitar erros
ou sentidos indesejados e aquela originada pela dessin-

325
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cronização entre os processos cognitivos de planejamen-


to do enunciado e sua execução motora, evidenciada na
antecipação de letras ou sílabas. Os dados coletados re-
velaram a presença dessas duas formas de antecipação,
a inter-relação entre antecipação, automatização da es-
crita e rasuras, bem como a dinâmica da revisão em tex-
tos colaborativos. Além disso, por meio dos comentários
metalinguísticos, destacou-se a importância da escrita
colaborativa e da antecipação nas produções textuais.
Portanto, este estudo contribui para o entendi-
mento mais aprofundado dos processos cognitivos en-
volvidos na escrita colaborativa, lançando luz sobre a
complexa interação entre antecipação, rasura, automati-
zação da escrita e revisão no contexto educacional.
As reflexões metalinguísticas dos alunos, mani-
festadas durante a escrita colaborativa, proporcionaram
evidências sobre a emergência e resolução de problemas
linguísticos, bem como reflexões sobre a organização
textual. A importância do trabalho também se reflete na
identificação das dúvidas comuns em crianças em pro-
cesso de aprendizado da escrita, que, nessa breve inves-
tigação, ocorreu especialmente em relação aos dígrafos e
à complexidade do sistema ortográfico. Nessa perspecti-
va, destaca-se a necessidade de os professores aborda-
rem cuidadosamente essas regras para esclarecerem as
incertezas dos alunos, como, por exemplo, promoverem

326
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

a valorização da rasura como instrumento de análise, vis-


to que ela é uma ferramenta eficaz para compreender as
áreas de dificuldade enfrentadas pelas crianças em pro-
cesso de aprendizado da escrita.
Assim, ao abordar esses conteúdos com atenção e
paciência, os professores podem superar as dificulda-
des dos alunos, contribuindo para um desenvolvimento
mais sólido e confiante de suas habilidades linguísticas.
Além do mais, é necessário incluir mais situações
de escrita colaborativa na escola, uma vez que os alu-
nos não apenas buscam resolver desafios textuais com
o professor, mas também enriquecem sua compreen-
são ao dialogar com os colegas. Essa abordagem refor-
ça os conceitos previamente ensinados pelo docente e
promove uma construção coletiva de conhecimento. A
elaboração conjunta de um único texto durante a es-
crita colaborativa propicia um ambiente para o diálogo
e intensifica as atividades metalinguísticas. Portanto,
é imperativo que, na sala de aula, os professores de-
senvolvam tarefas de escrita que estimulem os alunos
a comentarem, refletirem, raciocinarem, justificarem e
explicarem suas escolhas. Essa prática visa não só uma
compreensão mais profunda da língua, mas também fo-
menta a reflexão crítica, promovendo uma abordagem
mais participativa no processo de aprendizagem.

327
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Com base nessas descobertas, este trabalho sugere


abordagens pedagógicas que podem facilitar e aprimo-
rar a produção escrita nas escolas. Estimular a autono-
mia dos alunos durante a produção escrita colaborativa,
promover a importância da escrita colaborativa em sala
de aula, aumentar o tempo destinado às tarefas de pro-
dução escrita para permitir discussões mais profundas,
brincadeiras com a linguagem e uma produção textual
mais rica, são algumas das recomendações. Além disso,
a alternância entre os papéis de ditante e escrevente du-
rante as atividades textuais pode enriquecer ainda mais a
experiência educacional, contribuindo para um ambien-
te mais dinâmico e eficaz na formação dos alunos como
escritores competentes.
Em resumo, a capacidade de compartilhar ideias
e antecipar dúvidas não só enriquece a qualidade do
trabalho, mas também promove o desenvolvimento co-
letivo, resultando em produções mais elaboradas. Reco-
nhecer esses elementos como fundamentais reforça a
compreensão de que a colaboração e a antecipação são
essenciais para a excelência na escrita, conduzindo a um
aprimoramento contínuo das habilidades textuais e à
criação de textos mais assertivos e impactantes.

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331
DESENVOLVIMENTO DA
COMPETÊNCIA CRÍTICA EM
AULAS DE LÍNGUA INGLESA:
UMA VIVÊNCIA NO PROGRAMA
RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA
Regiane de Cássia da Silva
Denise Vilela da Silva
Pamela Lins Soares
Maria Verônica Tavares Neves Cardoso

1 INTRODUÇÃO
No contexto educacional contemporâneo, o es-
tímulo ao desenvolvimento da competência crítica dos
alunos é uma preocupação central, especialmente no
ensino de língua inglesa, no qual o domínio linguístico
se entrelaça à capacidade de reflexão e à análise de dife-
rentes perspectivas culturais. Nesse sentido, o presente
trabalho tem como objetivo investigar o desenvolvimen-
to da competência crítica de alunos do 8º e 9º anos, por
meio da leitura plural do conto de fadas Cinderella, nas
aulas de língua inglesa.
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Com base no objetivo geral, este estudo busca: a)


promover a análise crítica de textos literários e musicais
em língua inglesa. Este objetivo visa desenvolver ativida-
des que incentivem os alunos a analisar criticamente não
apenas o conteúdo dos textos, mas também os elementos
culturais, sociais e históricos presentes nas obras sele-
cionadas, ou seja, o conto de fadas Cinderella e a can-
ção Pretty Hurts60; b) Estimular a participação ativa dos
alunos em discussões sobre temas relevantes, visando
construir espaços de diálogo e de debate em sala de aula;
c) fomentar a produção autoral e criativa em diferentes
formatos, buscando incentivar os alunos a produzirem
materiais próprios, como ensaios, vídeos, podcasts, apre-
sentações, poemas, dramatizações, jogos, entre outros.
Essa produção autoral permite que os alunos apliquem
os conceitos e utilizem as habilidades desenvolvidas du-
rante as atividades de forma criativa e pessoal.
A presente pesquisa surge da necessidade de fo-
mentar habilidades críticas em estudantes do 8º e 9º
anos, contextualizando-se em um cenário educacional
cada vez mais globalizado e diversificado.

60Apesar de a canção Pretty Hurts ser citada na introdução (nos


objetivos específicos do projeto interventivo), nós não traremos
relato sobre a experiência vivenciada com essa canção junto aos
integrantes do projeto, pois a intervenção ainda está em fase de
desenvolvimento. O recorte deste artigo se baseia no trabalho rea-
lizado com o conto Cinderella.

333
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A escolha do conto de fadas Cinderella se justifi-


ca pela presença deste na cultura global, representando
um fenômeno cultural e literário transversal às fronteiras
linguísticas e culturais. Sendo assim, atravessa o imagi-
nário dos alunos, uma vez que tiveram contato com eles
na língua materna. A escolha da canção Pretty Hurts, da
Beyoncé, também foi escolhida por trazer temáticas con-
temporâneas, conduzindo inúmeros questionamentos
sobre o que os padrões de beleza e os estereótipos têm
causado às pessoas.
Nesse contexto, a investigação das nuances desta
narrativa clássica e da canção popular, permeada por in-
terpretações plurais, visa não apenas enriquecer o enten-
dimento dos alunos sobre literatura, mas também instigar
um olhar crítico sobre os estereótipos e preconceitos
inerentes a essa narrativa e, por extensão, à sociedade.
Esta pesquisa está sendo conduzida na Escola Es-
tadual Manoel Passos Lima, localizada na cidade de Pal-
meira dos Índios-AL, no âmbito do Programa Residência
Pedagógica (PRP), vinculado ao núcleo de Língua Ingle-
sa da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). A ini-
ciativa deste estudo decorre da necessidade de explorar
abordagens pedagógicas que promovam o desenvolvi-
mento linguístico e a capacidade crítica dos estudantes.
Neste estudo, partimos das teorias dos Multiletra-
mentos (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020), dos multiletra-

334
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

mentos literários (Cardoso, 2021), além dos conceitos de


letramento literário (Zappone 2008) e de letramento fic-
cional (Zappone; Nascimento, 2019), e da abordagem do
letramento crítico (Mattos; Valério, 2010). A metodologia
adotada envolve oficinas e rodas de leitura, nas quais os
alunos, em um processo colaborativo, exploram não ape-
nas a história do conto Cinderella, mas também a canção
Pretty Hurts, de Beyoncé.
Durante essas atividades, os estudantes são incen-
tivados a realizar análises das narrativas, reconhecendo
pontos de contato dessas narrativas ficcionais e intertex-
tualidades, bem como observar e reconhecer o que dis-
tingue uma arte da outra; participar de discussões sobre
os temas abordados nos textos e produzir seus próprios
materiais de aprendizagem em multiformatos, utilizando
os elementos das narrativas como base.
Os resultados preliminares indicam que a aborda-
gem crítica e plural de textos ficcionais não apenas apri-
mora as habilidades linguísticas em língua inglesa, mas
também promove o desenvolvimento das competências
críticas, criativas e interculturais dos alunos. Portanto,
este estudo busca contribuir para a reflexão e o aprimo-
ramento das práticas pedagógicas voltadas para o de-
senvolvimento integral dos estudantes no contexto do
ensino de língua inglesa.

335
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

2 CRIANDO PONTES: EXPLORANDO A TEORIA DOS


LETRAMENTOS NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA
A teoria dos letramentos, apresentada por Cope,
Kalantzis e Pinheiro (2020), é uma abordagem que se de-
senvolveu em resposta à necessidade de compreender
e lidar com a multiplicidade de práticas de leitura e de
escrita na sociedade contemporânea. Esta abordagem
surgiu no final do século XX, como uma ampliação do
conceito de alfabetização, que tradicionalmente se con-
centrava na capacidade de decodificar letras e palavras.
Seus objetivos principais são compreender os múl-
tiplos contextos em que as práticas de leitura e de escrita
ocorrem, bem como capacitar os indivíduos para parti-
cipar ativamente em diversas esferas sociais, culturais e
políticas. Em vez de apenas focar na habilidade de ler e
escrever, a teoria dos letramentos busca explorar as dife-
rentes formas de comunicação e expressão presentes na
sociedade contemporânea. Alguns conceitos importan-
tes dessa teoria incluem:

1. Letramento situado: reconhece que as práticas


de leitura e escrita são influenciadas pelo con-
texto social, cultural e histórico em que ocorrem.
2. Multimodalidade: considera a diversidade de
formas de comunicação que vão além do texto
escrito, como imagens, vídeos, áudio etc.

336
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

3. Identidades literárias: destaca como as práticas


de leitura e escrita estão ligadas à construção da
identidade individual e coletiva dos sujeitos.
4. Letramento crítico: enfatiza a importância de
desenvolver a capacidade dos alunos para ana-
lisar criticamente textos e discursos, questio-
nando poderes dominantes e promovendo a
participação cidadã ativa.

A importância dessa abordagem teórica para o en-


sino de língua inglesa reside na capacidade de preparar
os alunos para enfrentar os desafios da sociedade glo-
balizada, na qual a comunicação transcende fronteiras
linguísticas e culturais. Ao adotar a perspectiva dos le-
tramentos ou multiletramentos, os professores podem
construir ambientes de aprendizagem mais inclusivos e
relevantes, que levam em conta as diferentes formas de
expressão e os diversos contextos em que a língua ingle-
sa é usada.
As OCEM-LE (2006) e a BNCC (2017) primam pelo
conceito de letramento enquanto prática social, ultra-
passando o limite de trabalho com os gêneros textuais
e seus componentes linguísticos. Desse modo, amplia as
possibilidades de trabalhar a leitura na escola, a partir do
letramento crítico (critical literacy). Ou seja, privilegia-se
o desenvolvimento da consciência crítica para além do

337
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

texto por considerar os contextos sociais, culturais e his-


tóricos. Com isso, avança no ensino de leitura crítica que
foca no desenvolvimento das habilidades de compreen-
são e interpretação do texto em si mesmo, de forma linear
e racional (Cardoso, 2021).
Além disso, a relação com o letramento crítico dos
alunos é fundamental, pois os capacita a entender os dis-
cursos que encontram, desenvolvendo uma consciência
crítica das estruturas de poder e promovendo a partici-
pação ativa na sociedade.

2.1 DESVENDANDO O LETRAMENTO FICCIONAL E


LITERÁRIO NA AULA DE INGLÊS
Quando falamos de letramento ficcional, estamos
nos referindo às práticas de uso de textos ficcionais, se-
jam eles produzidos ou lidos, por sujeitos, especialmente
jovens e adolescentes, que interagem com formas narrati-
vas que utilizam diferentes modalidades semióticas, como
a verbal, imagens, movimentos e sons. Este termo abran-
ge tanto o uso de formas ficcionais verbais tradicionais
quanto formas que combinam diversos sistemas semióti-
cos, em diferentes contextos e com variados propósitos.
Portanto, podemos conceituar o letramento fic-
cional como os usos sociais da escrita ficcional, que en-
globam desde a literatura canônica até formas narrativas
menos tradicionais, como best-sellers, mangás, animes,

338
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

séries de TV, vídeos em redes sociais, jogos eletrônicos e


cinema. Assim, o letramento ficcional compreende tanto
a produção/leitura de textos ficcionais na escola (geral-
mente textos da tradição literária) quanto textos ficcio-
nais consumidos fora do ambiente escolar.
O conceito de letramento ficcional, que inclui o le-
tramento literário, não se limita à produção ou recepção
de literatura consagrada ou a um conhecimento específi-
co de literatura, mas sim às diversas formas de construção
de sentidos e valores presentes em histórias ficcionais de
diferentes gêneros, culturas e modalidades, tal como são
produzidas e lidas no mundo contemporâneo.
Dessa forma, ao trabalhar com leitura na aula de
língua inglesa, sob a perspectiva do letramento ficcio-
nal e literário, os professores podem proporcionar uma
experiência mais significativa com a literatura. Eles não
apenas aprendem a compreender textos ficcionais, mas
também a explorar as diferentes formas de expressão e
significado presentes nas narrativas, desenvolvendo ha-
bilidades essenciais para uma participação ativa na so-
ciedade contemporânea.

2.2 O LETRAMENTO CRÍTICO E ENSINO-


APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
A abordagem crítica na educação, conforme pro-
posta por Mattos e Valério (2001), representa um avan-

339
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ço significativo no campo pedagógico, promovendo uma


visão mais reflexiva e transformadora do processo edu-
cativo. Essa abordagem vai além da mera transmissão de
conhecimentos, buscando desenvolver uma consciên-
cia crítica em relação ao mundo ao seu redor. As autoras
argumentam que a educação crítica deve incentivar os
alunos a questionarem, analisarem e interpretarem in-
formações de maneira reflexiva e contextualizada. Essa
abordagem não se limita apenas ao domínio de conteú-
dos acadêmicos, mas também engloba uma compreensão
mais ampla das questões sociais, políticas e culturais que
permeiam a sociedade.
Ao adotar uma abordagem crítica, os educado-
res são desafiados a promover o pensamento crítico e
a autonomia dos alunos, estimulando-os a se tornarem
agentes ativos (protagonistas) na construção do conhe-
cimento. Isso envolve a análise de diferentes perspecti-
vas, o questionamento de preconceitos e estereótipos, e
o engajamento em debates construtivos sobre questões
relevantes para suas vidas e para a sociedade em geral.
O letramento crítico é uma prática social que se
manifesta no processo social, destacando a importância
do contexto na construção de significados. De acordo
com Snyder (2008), no letramento crítico, os significados
dos textos não podem ser desvinculados do contexto so-

340
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ciocultural em que são criados, o que permite diferentes


interpretações por parte dos leitores.
Essa construção de significados ou “meaning
making”, de acordo com Monte Mór (2010, p. 445), am-
plia o conhecimento e a percepção sobre a realidade e
questiona a concepção de verdade, entendida dentro
de um contexto localizado. De acordo com a autora, a
construção de significados ou meaning making envol-
ve ampliar conhecimento/percepção sobre a realidade
e rever a concepção de verdade, numa ideia de que essa
não pode ser definida numa relação de correspondência
com a realidade, devendo ser compreendida dentro de
um contexto localizado.
No letramento crítico, os alunos são encoraja-
dos a questionar, participando ativamente do processo
educacional. Isso está alinhado à visão de Freire (1997),
que destaca a importância de os alunos se perceberem
não como objetos, mas como sujeitos ativos na constru-
ção do conhecimento, influenciados por sua identidade
sociocultural.
Portanto, a prática do letramento crítico na educa-
ção básica, especialmente nas aulas de língua inglesa, é
fundamental para desenvolver não apenas habilidades
de interpretação textual, mas também uma consciência
crítica que lhes permitirá compreender e analisar critica-
mente o mundo ao seu redor.

341
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Na perspectiva do letramento crítico, nas aulas de


língua inglesa para os alunos dos 8º e 9º anos do Ensino
Fundamental, buscamos, por meio do projeto interven-
tivo, explorar tanto o conto de fadas Cinderella quanto
a canção Pretty Hurts, da Beyoncé. Utilizamos ambos os
gêneros a partir das teorias do letramento ficcional, lite-
rário e crítico.
Consideramos, portanto, que trabalhar com o con-
to de fadas Cinderella e a canção Pretty Hurts, da Beyon-
cé, nas aulas de língua inglesa, pode capacitar os alunos
a pensarem de forma crítica sobre textos diversos, ques-
tionar normas sociais e culturais, e desenvolver habilida-
des de análise e expressão que são essenciais para uma
participação ativa e informada na sociedade.

2.3 UM TRABALHO MULTILETRADO COM A NARRATIVA


FICCIONAL NO CONTEXTO DAS AULAS DE LI
Durante o período de orientação e execução do
projeto de intervenção, tivemos a oportunidade de con-
duzir as aulas de inglês para grupos de estudantes com
variados níveis de proficiência, predominantemente in-
clinados para o nível mais básico, o que apresentou de-
safios à participação ativa dos alunos nas atividades com
a língua inglesa, especialmente as conversações.
Procuramos garantir-lhes que poderiam se expres-
sar em inglês sem se preocupar com padrões de correção

342
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

linguística. Optamos por adotar um formato de aulas ex-


positivas interativas, sempre usando as duas línguas (ma-
terna e o inglês), visando criar um ambiente estimulante
e participativo. Iniciamos as discussões explorando as
opiniões dos alunos sobre as aulas de inglês, assim como
seus interesses em leitura, filmes, animações, entre ou-
tros. Foi intrigante notar a gama de experiências e prefe-
rências entre eles, com alguns demonstrando entusiasmo
pela leitura, enquanto outros revelaram certa hesitação
em relação ao idioma inglês e ao próprio ato de ler.
A abordagem de trabalho nas salas de aulas das
duas turmas de 8º e 9º anos envolveu também as oficinas
de leituras, nas quais os alunos, em um processo cola-
borativo, exploraram duas narrativas ficcionais o conto
Cinderella, e depois trabalhamos a canção Pretty Hurts,
da Beyoncé.
Durante essas atividades, os estudantes foram in-
centivados a trabalharem colaborativamente todo o con-
to em língua inglesa com a organização de glossários com
palavras e expressões desconhecidas e que dificultam a
compreensão da narrativa. Todas essas palavras e expres-
sões foram registradas em fichas, em que buscaram os
significados mais adequados para aquele contexto e os
registraram. Depois retornam ao texto fazendo as substi-
tuições adequadas para a compreensão.

343
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Sobre o conto, optamos em trabalhar uma adapta-


ção para o inglês, no nível intermediário, com o intuito
de facilitar o processo criativo dos alunos que tinham um
baixo nível de proficiência. Os estudantes acharam muito
interessante a maneira como nós organizamos a leitura,
a qual chamamos de oficinas de leitura, pois tratamos a
leitura e o estudo do texto por partes, para que os alunos
tenham o máximo de conhecimento sobre ele.
A primeira atitude para o estudo e a leitura do
conto foi distribuí-los em grupos de 4 ou 5 pessoas. Em
seguida, solicitamos que eles escolhessem um relator
(pessoa que direciona os trabalhos e fará a exposição
para turma sobre o que eles discutiram e a que conclu-
são chegaram).
Iniciamos a discussão com uma pergunta em lín-
gua inglesa “What is a Fairy Tale?” (conforme Figura 1).

344
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Figura 1 – What is a Fairy Tale

Fonte: https://literaryterms.net/fairy-tale/ (2015)

Ouvimos as respostas dos estudantes, em língua


materna. Após esse momento, fizemos alguns acréscimos
acerca das suas percepções e abrimos um espaço para dis-
cutirmos sobre as dúvidas de cada um. Diante disso, um
aluno perguntou se existia diferença entre fairy tale and
fable, respondemos que sim e apresentamos as diferenças
da seguinte maneira:

345
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Conto de Fadas (Fairy Tale):


• Os contos de fadas são histórias fictícias que,
frequentemente, apresentam elementos como
princesas, fadas, bruxas, castelos encantados,
e, às vezes, até criaturas mágicas como dragões
e unicórnios.
• Essas histórias geralmente são destinadas a en-
treter e encantar crianças, embora muitas ve-
zes contenham mensagens ou lições morais
subjacentes.
• Exemplos de contos de fadas incluem: Cinderel-
la; Snow White; Beauty and the Beast; The Little
Mermaid; etc.

Fábula (Fable):
• As fábulas são histórias curtas que apresentam
animais antropomórficos (animais com carac-
terísticas humanas) como personagens princi-
pais, que agem e falam como seres humanos.
• As fábulas costumam ter uma lição de moral
clara ou um ensinamento transmitido através da
história, com o objetivo de ensinar uma virtude,
um valor ou uma verdade universal.

346
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

• Exemplos de fábulas incluem: The Tortoise and


the Hare; The Lion and the Mouse; The Crow and
the Pitcher; entre outras.

Ambos os gêneros envolvem narrativas imagina-


tivas, no entanto, os contos de fadas tendem a focar na
fantasia e na maravilha, enquanto as fábulas enfatizam
na lição de moral, usando animais como personagens
para transmitir essas lições.
Nas aulas posteriores, discutimos sobre os ele-
mentos básicos da narrativa ficcional. Ao longo das au-
las, foram discutidas com o auxílio da data show e slides,
contendo os elementos de uma história (story) ou uma
narrativa (narrative) ficcional.
Abordamos os cinco elementos básicos que podem
ser explorados em uma narrativa ficcional, conforme o
quadro abaixo:

Quadro 1 – Elementos da narrativa ficcional


Who participates in the
Characters Who?
narrative?
Where and when does the
Setting => Where Where & When?
narrative develop?

Plot What? What happens in the narrative?

Conflict Why ? Why does this happen?

Resolution How? How does the narrative end?

Fonte: autores (2024)

347
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Após essas considerações iniciais sobre o gênero


Fairy Tale, iniciamos as oficinas de leitura. O trabalho
com as oficinas de textos literários ou dos textos que fa-
zem parte do contexto dos letramentos ficcionais ajuda
os grupos a desenvolverem as tarefas orientadas para
cada etapa. Estimulamos as equipes, que trabalhavam em
colaboração constante e cumpriam as tarefas, com brin-
des (chocolates, doces), ao tempo em que chamávamos a
atenção deles para a importância de um trabalho desen-
volvido coletivamente. A necessidade de sermos empáti-
cos, respeitar as diferenças, mas também que prestassem
atenção sobre como as habilidades das pessoas do grupo
variam e que essa heterogeneidade pode ser usada para
que cada um pudesse expressar seus conhecimentos e as
suas fragilidades.
Falamos sobre o nosso projeto e pedimos para que
eles se organizassem em grupos de quatro ou cinco pes-
soas, para lerem o texto e registrarem todas as palavras
e expressões conhecidas. Além disso, pedimos para que
escrevessem o significado das palavras e fizessem outra
ficha com as palavras e expressões desconhecidas por
eles. Ao longo dessa tarefa, os alunos puderam usar os
seus telefones e os dicionários físicos. Cada equipe, atra-
vés do seu relator, teve a oportunidade para falar sobre
a atividade e o processo de reconhecimento do texto e
como a equipe discutiu as suas descobertas.

348
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Na aula seguinte, listamos todas as palavras des-


conhecidas pelos alunos, colocamo-la no slide e em ta-
belas (conforme Figura 2), trabalhando com a escrita e a
pronúncia. Cada uma delas foi lida e pronunciada pau-
sadamente, mostrando aos alunos que as dificuldades
para pronunciar determinados sons são normais e ocor-
rem em qualquer língua. Para que possamos pronunciar
com clareza, precisamos ouvir e se permitir falar, pois,
do mesmo modo que uma criança aprende a falar na lín-
gua materna, ela pode se tornar falante de uma segunda
língua. Sendo assim, é preciso se permitir e falar sem se
preocupar com o que o outro pensa, haja vista que é um
processo e demanda tempo e persistência.
A segunda leitura foi realizada pelos grupos (encai-
xando os possíveis sentidos das palavras ou expressões
encontradas). Os alunos conseguiram compreender o
conto, com maior eficiência, nesta fase. Para essa ativi-
dade, eles usaram o glossary produzido por cada equipe
e as tabelas construídas a partir das palavras que eles re-
tiraram do conto. Desse modo, imprimimos o material e
entregamos para cada equipe.

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DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Figura 2 – Glossário produzidos pelos estudantes

Fonte: autores (2024)

Após esse momento, foi realizada uma terceira


leitura do texto pelas residentes, em voz alta e com to-
nicidade e expressividade. Os alunos acompanharam o
texto nos slides. Ao longo desse processo de leitura, ex-
ploramos alguns aspectos da literariedade presentes no
gênero Fairy Tale. Para auxiliar nas traduções e análises
referentes ao conto Cinderella, fizemos uma atividade de
adaptação do conto para a língua materna. As histórias
foram separadas em trechos na folha A4, recortadas e di-
vididas entre as equipes.
Cada trecho tinha uma ilustração que fazia refe-
rência às diversas partes da narrativa a ser adaptada para
a língua materna. O uso das imagens e do texto verbal
possibilitou uma dupla leitura, pois as imagens (mesmo

350
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

estáticas) revelam situações vividas pelos personagens


do conto. Isso auxilia na compreensão dos sentidos do
texto, facilitando o entendimento da história.
Nas aulas seguintes, levamos o mesmo conto, em
formato de áudio, e trabalhamos o listening várias ve-
zes. Solicitamos que eles ouvissem as palavras o maior
número de vezes possível. Apesar de ser uma atividade
simples, ela ajudou os alunos no processo de compre-
ensão. Essa aprendizagem foi muito importante, uma
vez que a falta de familiaridade com esses termos gera
muita dificuldade.
Na aula posterior, discutimos sobre a complexida-
de imbuída no processo de tradução de uma língua para
outra, haja vista que deve levar em consideração não
apenas o que sabemos sobre uma palavra isolada, mas
compreender o contexto em que ela está inserida, o tom
de voz empregado na fala, entre outros critérios.
Como os alunos tinham lido e estudado os aspec-
tos composicionais do conto e os sentidos, partimos para
um trabalho crítico envolvendo o estereótipo da beleza, a
partir da proposta que a maioria dos contos de fadas traz.
Para dar início a esse trabalho, levamos uma imagem com
várias princesas produzidas pela Disney (ver Figura 3).

351
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Figura 3 – Princess of Disney

Fonte: princesas da Disney

A partir disso, levantamos alguns questionamen-


tos em língua materna: O que vocês veem nessa imagem?
Como as princesas estão vestidas? Como são os cabelos
delas? Como o corpo é representado? Qual a cor de pele
predominante? Em seguida, retornamos ao conto e in-
dagamos sobre os sentidos do texto trabalhado, na pers-
pectiva do letramento crítico. A seguir, expomos algumas
das questões direcionadas aos alunos:
1 - Como os significados são atribuídos a certas
figuras femininas (princesa, madrasta, as filhas dela e a
fada madrinha)?

352
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

2 – No texto, quem podia participar dos eventos de


prestígio social? Por quê?
3 - Como eles tentam fazer os leitores aceitarem as
construções no texto?
4 - Qual é o propósito deste texto?
5 - A qual ou quais interesses esse texto tem aten-
dido? Esse conto quando lido por pessoas que não aten-
dem aos padrões de beleza estereotipados, como podem
se sentir?
6 - A quem esse texto não tem atendido?
7 - Quais são os pontos de vista (visões de mundo)
apresentadas pelas ideias deste texto?
8 - Quais são as outras possibilidades de constru-
ção de mundo que podemos trazer?

Após algumas discussões e de ouvi-los atentamen-


te dentro do tempo estabelecido (o que é um problema
muito sério para administrar nas aulas de LI, pelo pou-
co tempo destinado a essas aulas nas escolas), muitos se
identificaram em algumas questões, ou seja, alguns alu-
nos disseram que sofreram muito por tentar se encaixar
em padrões de beleza estabelecidos pelas mídias sociais.
Outros disseram que muitas atrizes fora do padrão esta-
belecido pela cultura eurocêntrica branca e machista es-
tão ganhando espaço em papéis de protagonismo. Além
disso, outros falaram sobre as bonecas, pois existem bo-

353
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

necas gordas, negras, altas e baixas que apresentam ou-


tros padrões de beleza.
Muitos alunos indicaram que tanto nos contos de
fadas (que remontam há muito tempo) quanto a Disney
costumam estereotipar esse padrão de beleza (magra,
alta, esguia, cabelos lisos, compridos, nariz afilado com
feições delicadas, mãos finas e dedos compridos, pés de-
licados, simbolizando toda feminilidade estereotipada
etc). Ideologicamente, isso costuma ser reproduzido nos
nossos dias, às vezes, em menor ou maior visibilidade,
tratado com sutilezas; e, em outros momentos, de forma
escancarada. Os textos são os maiores reprodutores de
estereótipos, assim há a necessidade de trabalhar no viés
do letramento crítico.
Foram momentos de muita reflexão acerca do tema
padrões de beleza. Nessas atividades, percebemos como
os alunos se engajam com o tema e como esse é um tipo
de assunto que os preocupa, apesar de tão jovens. Ade-
mais, vimos que muitos têm crenças limitantes sobre a
sua beleza, desejariam se enquadrar em padrões apresen-
tados pela mídia, principalmente as meninas. A cultura
da magreza foi bastante discutida, as definições dos cor-
pos perfeitos, as cirurgias plásticas, entre outros assun-
tos que acabam instaurando a ditadura da beleza.
Ao final do trabalho com o conto, solicitamos que
os alunos produzissem seus modelos de princesa e prín-

354
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

cipes, criando seus próprios personagens e recriando


o conto. Os personagens deveriam ser representados a
partir da percepção crítica deles, contando como seria
a versão de contos de fadas de cada um, do que seria
um príncipe - ou uma princesa - para eles, desenhan-
do, colando, criando vídeos curtos ou algo que retra-
tasse as narrativas.
Na perspectiva do letramento crítico, ensinar e
aprender línguas é ensinar e aprender outras formas de
agir no mundo; e o papel dos professores de inglês é
oportunizar novas formas de ver o mundo por meio da
língua em estudo.
Takaki (2013) enfatiza que trabalhar com Letra-
mento Crítico exige reflexão, criticidade e agentividade,
pois os alunos atribuem sentidos aos textos e se tornam
seus coautores, descentralizando o papel do docente,
que passa a ser um mediador, gerando problematizações
no intuito de expandir a criticidade discente.
Nesse sentido, o letramento crítico implica contes-
tar discursos da vida cotidiana (Luke; Freebody, 1997),
produzir sentidos e desestabilizar formas fixas, estáveis,
tidas como inofensivas e que naturalizam a exclusão de
certos grupos sociais. As oficinas foram importantes,
pois oportunizaram um percurso para despertar a neces-
sidade desse trabalho na educação básica.

355
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

3 CONCLUSÃO
Em síntese, esta pesquisa revelou um resultado
promissor, por meio da abordagem do letramento crítico,
uma vez que proporcionou um ambiente mais acolhedor,
humanizado, minimizando algumas crenças limitantes
nas aulas de LI, como: trabalhar com textos literários e
alunos desmotivados. Acreditamos, ainda, que os pres-
supostos da pedagogia dos multiletramentos, com a sua
postura horizontalizada, abriu possibilidades para o diá-
logo, para a necessidade de aprender a negociar diferen-
ças e de levar em conta as práticas sociais dos envolvidos
no processo.
Nesse sentido, podemos dizer que parte dos ob-
jetivos foram alcançados, visto que ainda estamos em
processo de desenvolvimento do projeto. Contudo, foi
perceptível, menos que timidamente, o aperfeiçoamento
linguístico, criativo e crítico dos alunos dos 8º e 9º anos
da escola pública onde desenvolvemos o projeto.
A colaboração durante as atividades não apenas
impulsionou o desenvolvimento de habilidades linguís-
ticas, mas também promoveu uma compreensão crítica
das narrativas. A expressão criativa dos alunos, eviden-
ciada pelas produções multiformato, reflete a assimilação
do conteúdo e uma interpretação profunda e pessoal.
Os avanços notáveis na autoconfiança dos alunos,
durante as discussões em inglês, corroboram para a efe-

356
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

tividade da abordagem, refletindo a interseção entre os


Letramentos e o desenvolvimento das competências in-
terculturais. A resistência inicial dos alunos, menciona-
da por Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), deu lugar a um
entusiasmo crescente, destacando a adaptabilidade e a
receptividade à uma pedagogia inovadora.
No entanto, é fundamental reconhecer a natureza
preliminar desses resultados, seguindo a abordagem re-
flexiva preconizada por Zappone (2008). A necessidade
de uma análise mais detalhada é inegável, visando uma
compreensão do impacto dessas práticas na compe-
tência crítica dos alunos. A próxima fase da pesquisa se
apresenta como uma oportunidade para refinar e ampliar
essas descobertas, alinhando-se à proposta do Programa
Residência Pedagógica (PRP) da Universidade Estadual
de Alagoas (UNEAL).
Nesse cenário, esta pesquisa valida as teorias de
Letramento e Letramento Crítico e apresenta contribui-
ções substanciais para a prática pedagógica. Ao centrar-
-se na leitura plural do conto Cinderela, incorporando
elementos da cultura, a abordagem crítica emerge como
uma ferramenta poderosa para a formação holística dos
alunos, transcendendo as fronteiras entre os domínios
linguísticos, literários e críticos.

357
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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DA LITERATURA: PROBLEMAS E PERSPECTIVAS - PDF
Free Download (docplayer.com.br)

359
PERCEPÇÃO DA PALATALIZAÇÃO
PROGRESSIVA EM ALAGOAS POR
ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
Almir Almeida de Oliveira
Aline Bezerra Falcão

1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar a significa-
ção social das variantes envolvidas no processo de pa-
latalização progressiva das oclusivas alveolares /t/ e /d/
em formas linguísticas do tipo ‘mui[t]o ~ mui[tʃ]o’ e ‘gos[t]
o ~ gos[tʃ]o’. Para tanto, é aplicado um questionário sobre
atitudes e julgamentos linguísticos a estudantes da Uni-
versidade Estadual de Alagoas.
Levando em consideração os estudos sociolin-
guísticos que indicam que esse processo sofre pressões
sociais negativas (Santos, 1996; Mota; Rolemberg, 1997;
Henrique; Hora, 2012; Souza Neto, 2014; Oliveira, 2017),
esta pesquisa busca investigar como a variante palatali-
zada é avaliada no ambiente universitário.
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Utiliza-se a base teórica da Sociolinguística Varia-


cionista (Labov, 2008; Lambert et al., 1960; Eckert, 2000;
Irvine, 2001, Campbell-Kibler, 2009) a fim de observar
como aspectos subjetivos do falante podem interferir
em seus julgamentos e atitudes. Para tanto, foram apli-
cados testes de percepção e julgamentos linguísticos,
realizados através de formulário eletrônico, a 200 estu-
dantes universitários.
Foi utilizado o método matched-guise (Lambert et
al., 1960; Campbell-Kibler, 2009) e aplicados questioná-
rios em escala de diferencial semântica e em escala likert,
para aferir o nível de identificação consciente do infor-
mante e os julgamentos e atitudes linguísticas acerca da
palatalização progressiva das oclusivas alveolares (Vogel;
Wanke, 2016).
Algumas questões são norteadoras deste estudo: a)
a realização da variante palatalizada ativa uma avaliação
mais negativa, por parte do informante, que a variante
oclusiva?; b) a palatalização progressiva em contexto de
semivogal, como em palavras do tipo ‘oito’, sofre o mes-
mo tipo de avaliação social que em contexto de fricativa,
como ‘gosto’?; c) os julgamentos linguísticos são sensí-
veis ao processo subjetivo de identificação do falante?
Com a finalidade de apresentar os resultados da
pesquisa, o trabalho será organizado em três seções, sen-
do a primeira o Significado social da variação linguística,

361
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

em que consta o aparato teórico utilizado na pesquisa; a


segunda, Metodologia, na qual são apresentadas as parti-
cularidades da coleta e tratamento de dados; e a terceira,
Resultados e Discussões, onde devem ser apresentados os
dados da pesquisa, bem como suas consequentes análises.

2 SIGNIFICADO SOCIAL DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA


Todas as forças sociais que afetam o sujeito falan-
te, consequentemente repercutem na língua, uma vez
que não é possível desassociar a língua do sujeito ou de
sua comunidade de fala, o que inclui considerar toda
carga de valores sociais, suas preferências, preconcei-
tos, status etc., bem como a relação dinâmica de poder
que move os grupos sociais, naturalmente mediada/afe-
tada pela língua. “[...] as pressões sociais estão operando
sobre a língua. Não de algum ponto remoto no passado,
mas como uma força social imanente agindo no presente
vivo” (Labov, 2008, p. 21).
A sociolinguística tem se ocupado em investigar
os processos de variação e mudança linguística, con-
siderando o conjunto de valores sociais que induzem
ao surgimento e ao estabelecimento da identidade do
indivíduo e da comunidade e, consequentemente, di-
recionam os rumos dos fenômenos linguísticos, ao pro-
porcionar a extensão dos valores (positivos ou negativos)

362
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

dos membros da comunidade às formas linguísticas por


eles empregadas.
A construção subjetiva da identidade por parte do
indivíduo está substabelecida aos valores sociais da co-
munidade em que ele vive, de modo que ‘o quem sou eu?’
depende, entre outras coisas, do ‘quem somos nós?’, pois
sendo o homem um animal social, as regras e os valores
(explícitos ou não) do grupo devem afetar o seu compor-
tamento, inclusive, linguístico, de modo que as variações
não se tratam apenas de formas de diferentes de se co-
municar, mas como forma de se posicionar no mundo. É
o que ressalta Campbell-Kibler61:

Os defensores do significado social ar-


gumentam que a variação linguística
não apenas reflete as diferenças sociais,
mas também é usada pelos falantes para
se posicionarem no mundo social e, por
meio de tal posicionamento, construir e
reconstruir esse mundo [...]. A observa-
ção crucial é que não apenas os compor-
tamentos linguísticos e outras estruturas
sociais se correlacionam, mas o fazem
porque os falantes/ouvintes se conec-
tam mentalmente, seja consciente ou in-
conscientemente. O significado social,
então, é o conteúdo social ligado nas

61Todas as traduções aqui presentes são de inteira responsabilida-


de dos autores do artigo.

363
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

mentes de um determinado falante/ou-


vinte a um determinado comportamento
linguístico62(2009, p. 136).

Por isso, não pode parecer óbvia a valoração social


das formas linguísticas, pois não se trata apenas de varia-
ção linguística, mas de como os valores socialmente es-
tabelecidos determinam o comportamento linguístico do
falante. Investigar julgamentos e percepções linguísticas
do falante é estudar, por consequência, como os valores
sociais são transformados em normas e atitudes, poden-
do preservar preconceitos e cultivar estigmas.

As atribuições de status refletem prin-


cipalmente percepções de status so-
cioeconômico. Como as variedades em
norma padrão tendem a ser associadas a
grupos socioeconômicos dominantes em
uma determinada sociedade, os falantes
da variedade padrão geralmente recebem
mais status do que os falantes não padro-

62 No original: Proponents of social meaning argue that linguis-


tic variation not only reflects social differences, but is also used
by speakers to position themselves within the social world, and
through such positioning, to build and rebuild that world […].
The crucial observation is that not only do linguistic behaviors
and other social structures correlate, but that they do so because
speakers/hearers mentally connect them, whether consciously
or unconsciously. Social meaning, then, is social content tied in
the minds of a given speaker/hearer to a particular piece of lin-
guistic behavior.

364
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

nizados. Isso é especialmente verdadeiro


em contextos de estresse de status, como
o local de trabalho ou a escola, onde for-
tes normas sociais podem operar para
prescrever o uso da variedade padrão.
Quanto mais forte o sotaque fora do pa-
drão, mais negativamente a pessoa tende
a ser avaliada63 (Dragojevic, 2017, p. 19).

Os significados sociais das variantes linguísticas


são, eles próprios, variáveis e mutáveis, mas uma vez dis-
poníveis, o falante ativa diferentes avaliações de pros-
pecto social sobre determinadas variantes a depender da
expectativa situacional do contexto.
Por isso, pretende-se, com este trabalho, investigar
os julgamentos linguísticas dos falantes alagoanos acer-
ca do processo de palatalização progressiva das oclusivas
alveolares /t/ e /d/, em variações do tipo ‘muito ~ mui[tʃ]
o’, ‘gosto ~ gos[tʃ]o’ e ‘doido ~ doi[dʒ]o’ e identificar os va-
lores atribuídos a cada uma das variantes.

63 No original: Status attributions primarily reflect perceptions of


socioeconomic status. Because standard varieties tend to be as-
sociated with dominant socioeconomic groups in a given soci-
ety, standard speakers are typically attributed more status than
nonstandard speakers. This is especially true in status-stressing
contexts, such as the workplace or school, where strong social
norms may operate to prescribe the use of standard varieties. The
stronger one’s nonstandard accent, the more negatively the per-
son tends to be evaluated.

365
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A palatalização progressiva das oclusivas alveola-


res, fonologicamente, se dá em relação a posição do ga-
tilho do processo, geralmente um fonema portador do
traço [+coronal], como as fricativas [s] e [z] e a semivogal
[ j] em posição anterior às oclusivas [t] e [d]. Entende-se
que há um espraiamento progressivo do traço [+coronal]
em direção à consoante oclusiva, disparando o proces-
so de palatalização e autorizando a transformação de um
som oclusivo em africado (Cf. Bisol, 1991, 2014). O que
distingue a palatalização progressiva da regressiva, nes-
te caso, é a posição do traço coronal, que vem posterior
às consoantes oclusivas, como em formas linguísticas do
tipo ‘tio’ e ‘dia’.

Figura 1 – Processo de palatalização progressiva das oclusi-


vas alveolares

Fonte: Oliveira (2017)

366
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

A figura 1 ilustra como o processo de palatalização


progressiva das oclusivas alveolares resulta do espraia-
mento do traço [+coronal] da cavidade oral do segmento
anterior em direção ao nó de raiz da consoante oclusiva,
transformando-a em um fone africado. É esse movimento
que caracteriza o processo progressivo.
Este é um processo linguístico percebido em toda
região Nordeste, principalmente na faixa de Litoral e
Zona da Mata, que vai da Bahia até o Rio Grande do Nor-
te (Hora, 1990; Mota; Rolemberg, 1997; Henrique; Hora,
2012; Souza Neto, 2014; Oliveira, 2017). Alagoas, no en-
tanto, é o estado do Nordeste que apresenta os maiores
índices de produção, com percentual que varia entre 20%
e 25% (Santos, 1996; Oliveira, 2017; Oliveira, 2018; Olivei-
ra, Paula, 2018; Oliveira, A. A.; Oliveira, A. J., 2021), em
comparação com outros estados do Nordeste, cuja pro-
dução linguística de palatalização progressiva das oclu-
sivas alveolares é em torno de 10% ou menos (Da Hora,
1990; Mota; Rolemberg, 1997; Souza Neto, 2014; Henri-
que; Hora, 2012), o que faz de Alagoas a comunidade de
fala mais produtiva do processo de palatalização progres-
siva das oclusivas alveolares em todo território brasileiro.
Esta pesquisa se reporta, deste modo, a uma inves-
tigação sobre os efeitos de duas variantes linguísticas na
percepção social alagoana, sobretudo no comportamen-
to dos estudantes da Universidade Estadual de Alagoas,

367
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

partindo da hipótese fundamentada em dados da fala


oral de que a variante palatalizada sofre avaliações so-
ciais negativas.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa seguiu os preceitos metodológicos da
Sociolinguística Variacionista (Labov, 2008; Lambert et al.,
1960; Eckert, 2000; Irvine, 2001; Campbell-Kibler, 2009), a
qual prevê a espontânea identificação de processos variá-
veis a comportamentos e atitudes subjetivas dos falantes.
Os dados analisados pertencem ao ‘GEVAL - AL –
Grupo de estudo variação linguística em Alagoas’ e foram
coletados a partir do preenchimento de formulário eletrô-
nico (google forms) entre junho e dezembro de 202164. O
formulário utilizado para a coleta de dados foi composto
por 65 questões, sendo 25 questões direcionadas a aferir
os julgamentos dos falantes acerca do processo de palata-
lização progressiva e 40 questões distratoras, que tratavam
de outros fenômenos linguísticos.
A partir do método matched-guise (Lambert et al.,
1960; Campbell-Kibler, 2009), os estudantes universitários
foram submetidos ao estímulo de áudios previamente gra-
vados (por uma mesma pessoa), que continham a presen-

64 Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética com o CAAE:


57933822.8.0000.5013

368
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ça e a ausência da variante palatalizada, sendo impelidos a


preencher um questionário de avaliação e percepção.
Também foram aplicadas questões em escala de
diferencial semântica, a fim de obter percepções cate-
góricas sobre os julgamentos dos informantes a partir
de adjetivos opostos (feio~bonito, correto~errado, urba-
no~rural etc.). Além disso, os estudantes universitários
foram questionados sobre a percepção de preconceito
linguístico e a relação de produção das variantes com o
nível de instrução escolar do falante.
A realização do teste produziu dados que permiti-
ram análises e interpretações sobre os julgamentos que
envolvem a produção e a recepção da variante palataliza-
da65 em Alagoas, conforme serão apresentadas na seguin-
te seção.

4 RESULTADO E DISCUSSÕES
O teste contou com a colaboração de 200 infor-
mantes, todos alunos universitários do Campus III da
Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, com idades
entre 18 a 45 anos e de ambos os sexos – embora tenha
havido uma predominância de informantes jovens e do
sexo feminino.

65 Esta pesquisa entende como variante palatalizada as formas foné-


ticas africadas [tʃ] e [dʒ], resultantes do processo de palatalização
progressiva, que se opõem às formas oclusivas [t] e [d].

369
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Cerca de 34% dos informantes da pesquisa disse-


ram ter uma renda familiar menor que um salário-mínimo
e 56%, uma renda familiar de até três salários-mínimos.
Somente cerca de 10% dos alunos do Campus III da Uneal
informaram ter uma renda familiar maior que quatro sa-
lários-mínimos, conforme pode ser visualizado no gráfi-
co 1. Isso dá uma pista da classe social representada pela
amostra de alunos da Uneal.

Gráfico 1 – Renda familiar do informante

Fonte: autores (2023)

Diferentemente do Projeto NURC, Projeto de Es-


tudo da Norma Linguística Urbana Culta, que, nos anos

370
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

1970, partiu do pressuposto de que estudantes univer-


sitários eram representantes fiéis da norma culta, aqui,
não é possível assumir que os informantes desta pes-
quisa sejam amostras confiáveis da norma culta urbana
no Brasil, uma vez que passados 50 anos, a realidade
social do país mudou e o ensino superior já não é um
privilégio das classes sociais mais elevadas (Cf. Casti-
lho, 1994).
Por outro lado, mesmo que os alunos da Uneal, em
média, pertençam às classes sociais mais baixas, acre-
dita-se que na realidade do Agreste Alagoano, o simples
fato de o aluno estar em um curso superior já é suficiente
para que ele experimente certo prestígio social, além de
que o maior tempo de escolarização o fará ter maior con-
tato com a norma padrão escolar.
Acredita-se que o perfil estabelecido como infor-
mante da pesquisa, alguém predominantemente jovem,
do sexo feminino, classe social média-baixa direciona
os julgamentos estabelecidos às variantes envolvidas no
processo de palatalização. Afinal,

“atitudes em relação ao dialeto não-pa-


drão são atitudes que refletem a estrutu-
ra social da sociedade. Da mesma forma,
os valores sociais também são refletidos
em julgamentos relativos às variedades

371
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

linguísticas66” (Trudgill, 2000, p. 9, itáli-


co do autor).

Com a finalidade de investigar possível consci-


ência de produção relacionada à variante palatalizada,
os informantes foram indagados sobre a frequência de
produção. Conforme o gráfico 2, 62% dos informantes
informaram nunca ou raramente produzirem formas lin-
guísticas palatalizadas do tipo “muitcho”, enquanto cerca
de 22% dos falantes reconheceram utilizar essa forma lin-
guística sempre ou regularmente. Esses dados estão con-
sonantes com Oliveira, A. A. e Oliveira, A. J. (2021), que
constataram, através de coleta de fala espontânea, que a
produção dessas variantes em Alagoas gira em torno de
20%, o que sugere um elevado índice de consciência lin-
guística entre os falantes.

66 Tradução nossa. No original: In other words, attitudes towards


nonstandard dialects are attitudes which reflect the social struc-
ture of society. In the same way, societal values may also be re-
flected in judgments concerning linguistic varieties.

372
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 2 – Frequência de produção da variante palatalizada

Fonte: autores (2023)

Os informantes da pesquisa demonstraram percep-


ção de realização linguística de natureza étnica/diatópica
ao relacionarem o processo de palatalização progressiva
das oclusivas alveolares com a localização geográfica.
Inicialmente, foram indagados sobre a forma mais co-
mum de fala em sua localidade e depois sobre a região
em que tais formas linguísticas seriam mais comuns. O
dado relevante aqui é que parte dos estudantes, 38%, in-
formam que, em seus lugares de residência, a variante
africada é mais produtiva, o que demonstra elevado ín-
dice de consciência linguística, uma vez que os dados de

373
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

produção sugerem a realização dessa variante em torno


de 20% (Oliveira, A. A.; Oliveira, A. J., 2021).
Esses dados coadunam com aqueles apresentados
no gráfico 3, os quais indicam que cerca 39% têm elevada
consciência de produção da variante palatalizada e in-
formam produzir essas variantes palatalizadas às vezes,
regularmente ou sempre. Isso indica que embora esse re-
sultado não represente, necessariamente, dados de pro-
dução linguística por parte do falante ou da comunidade,
há um elevado índice de percepção das variantes palata-
lizadas por esses informantes.

Gráfico 3 – Percepção local da palatalização

Fonte: autores (2023)

374
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Quando questionados sobre a região em que o pro-


cesso de palatalização progressiva seria mais produtivo
– apesar de a maioria, 43%, identificar a Região Nordes-
te como lugar mais produtivo da palatalização –, entre
aqueles que identificaram o processo como fenômeno
típico de Alagoas, 17% disseram ser mais comum nas ci-
dades pequenas de Alagoas e apenas 5% identificaram o
processo como uma característica linguística das cida-
des grandes do estado.
Esses números dão indícios de significação so-
cial negativa que esse tipo de fenômeno possa carregar,
pois além de terem sua produção inibida pelos falantes
do sexo feminino, pelos jovens e pelos mais velhos (Cf.
Oliveira, 2018) e serem mais comuns nos bairros perifé-
ricos de Maceió (Cf. Oliveira, A. A; Oliveira, A. J. 2021),
essa forma linguística está sendo atribuída aos falantes
das cidades pequenas do interior de Alagoas.

375
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 4 – Percepção geográfica da palatalização

Fonte: autores (2023)

Ao investigar a variação linguística entre os es-


paços rural e urbano é possível notar que enquanto o
ambiente urbano favorece o estabelecimento da norma
culta, os espaços rurais são alvo de avaliações negativas
por abrigaram as variantes linguísticas tidas como incul-
tas. Bortoni-Ricardo (1993), ao investigar o contínuo da
variação linguística destaca que:

Em vista da complexidade de que se


reveste a variação linguística na co-
munidade de fala brasileira, um recur-
so metodológico para se descrever as
variedades populares do Português é

376
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

trabalharmos com um cenário de um


continuum dialetal. Em um dos polos si-
tuar-se-á a língua padrão usada nas áre-
as urbanas pelas pessoas cultas, da qual
o corpus do projeto Nurc é represen-
tativo. Na extremidade oposta, estarão
as variedades usadas nas comunidades
mais isoladas geográfica e socialmente,
pelos falantes analfabetos ou semi-alfa-
betizados (Bortoni-Ricardo, 1993, p. 73).

Então, quando o estudante universitário entende


que a variante palatalizada é mais produzida nas cidades
do interior ou nos ambientes rurais, ele atesta uma per-
cepção negativa sobre a variante, principalmente, quan-
do dados de produção revelam que a capital alagoana é
a maior produtora da variante palatalizada, alcançando
30% de realização (Oliveira, A. A.; Oliveira, A. J., 2021).
A atribuição de valores negativos ao processo de
palatalização progressiva pode ser constatada também
no gráfico 5, que ilustra a reação dos informantes quan-
do questionados sobre a impressão pessoal desse tipo
de variação. Conforme constatado no gráfico 5, cerca de
74% dos informantes avaliaram as formas linguísticas pa-
latalizadas com valores negativos como feia, errada ou
antiga, o que evidencia uma significação social negativa.

377
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 5 – Julgamento do processo de palatalização


progressiva

Fonte: autores (2023)

Quando indagados sobre a relação do processo va-


riacional e o nível de escolaridade do falante, um alto per-
centual de informantes, 68%, respondeu que o processo
de palatalização não é afetado pelo nível de instrução es-
colar do falante. Talvez, essa percepção decorra de uma
realização da variante palatalizada por todos os estratos
escolares da sociedade alagoana. Oliveira (2017) obser-
vou que, do ponto de vista da produção, houve realização
em todas as faixas de escolaridade; no entanto, quanto
maior o nível de instrução escolar do falante, menor a
probabilidade de ocorrência da variante palatalizada.

378
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 6 – Relação entre escolaridade e o processo de


palatalização

Fonte: autores (2023)

De igual modo, os informantes também percebem


a existência de julgamentos sociais que recaem sobre
o processo de palatalização progressiva em Alagoas e o
consequente preconceito sofrido pelos falantes, ao me-
nos é o que atestam 67% dos informantes da pesquisa,
conforme gráfico 7:

379
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 7 – Percepção do preconceito do processo de


palatalização

Fonte: autores (2023)

Assim, é possível afirmar que o processo de pala-


talização progressiva é julgado pela comunidade de fala
alagoana e recai sobre as variantes africadas – resultado
do processo de palatalização – avaliações negativas que
resultam em preconceitos e discriminações ao falante.
Esse julgamento discriminatório pode ser mais
bem percebido pelos gráficos seguintes, que ilustram as
reações dos informantes a estímulos auditivos a partir de
áudios elaborados exclusivamente para esta pesquisa.
Neles, os informantes ouviram construções linguísticas
que realizaram a forma oclusiva – variante conservadora

380
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

do processo – e a variante africada – resultado do pro-


cesso de palatalização.
Ao se observar o contraste entre as informações
do gráfico 8, fica explícito o tipo de julgamento social
que envolve o processo de palatalização progressiva no
estado de Alagoas. Enquanto 31% entenderam a forma
africada como errada, somente 1% teve o mesmo julga-
mento com a variante conservadora; 40% disseram que a
forma africada é feia, mas apenas 4% disseram que o uso
da oclusiva é feio. Mais de 70% dos informantes identi-
ficaram a variante africada como pertencente a alguém
do interior em oposição a 25% com relação a variante
oclusiva. Enquanto 46% atribuíram a realização da va-
riante africada a alguém não escolarizado, essa percep-
ção foi de apenas 4% com a variante oclusiva. Quanto à
percepção da idade, 40% dos informantes atribuíram a
fala a alguém mais velho quando a variante africada era
utilizada, mas esse valor reduziu para 17% quando foi
utilizada a variante oclusiva, embora as gravações sejam
do mesmo autor.

381
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 8 – Percepção auditiva do processo palatalização


progressiva em contexto de semivogal

Fonte: autores (2023)

Por outro lado, essa percepção de marca social ne-


gativa foi menor quanto à variante africada em contexto
da palatalização da fricativa alveolar, com /S/ em posi-
ção anterior à consoante oclusiva, como em palavras do
tipo “gosto”, conforme pode ser verificado no gráfico 9.
Essa percepção corrobora os resultados encontrados por
Oliveira (2017), que já notara que, em Maceió, o uso das
variantes palatalizadas em contexto de semivogal (“oito”
e “doido”) era mais evitado que em contexto de fricativa.

382
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Gráfico 9 – Percepção auditiva do processo palatalização


progressiva em contexto de fricativa

Fonte: autores (2023)

Possivelmente, essa percepção mais sutil de estigma


com a variante palatalizada em contexto de fricativa acon-
teça devido a outro processo fonético presente em todo
o Nordeste, que é palatalização da fricativa alveolar, que
autoriza a realização de formas linguísticas como “pa[ʃ]ta”
e “pe[ʃ]te”. Logo, já é esperada a produção de um fone pala-
talizado em palavras dessa natureza, de modo que quando
o processo de palatalização recai sobre a oclusiva alveolar,
a percepção do ouvinte é reduzida.
Embora também seja possível notar, nos gráficos
8 e 9, alguma avaliação negativa em relação à consoante
oclusiva – que é a forma linguística culta e escolarizada
– não se sabe até que ponto esses valores representam
uma percepção realmente negativa por parte do ouvinte

383
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

ou se apenas resultam de um erro estrutural na coleta


dos dados, em que o aluno universitário não respondeu
com sinceridade ao questionário ou não compreendeu
realmente o que se pedia e os dados não correspondem
à realidade.
De qualquer modo, os julgamentos que ocorrem
quanto ao processo de palatalização progressiva reve-
lam um comportamento social discriminatório que afeta
o uso das variantes linguísticas envolvidas no processo,
conforme pode ser notado pelas diferentes avaliações
apresentadas no gráfico 9.

5 CONCLUSÃO
Considerando as particularidades do teste e o per-
fil dos informantes, composto majoritariamente por mu-
lheres jovens que cursam ensino superior, não é possível
apresentar um quadro completo do significado social do
processo de palatalização progressiva em Alagoas, mas é
possível identificar tendências dos julgamentos e atitu-
des sociais que afetam a variante palatalizada.
É possível identificar que os resultados desta pes-
quisa apontam para a existência de diferença na valora-
ção social que envolve a variante palatalizada a depender
do contexto fonético/fonológico anterior à consoante
oclusiva, se fricativa, como em palavras do tipo ‘gosto’,
ou semivogal, como em ‘oito’.

384
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

Esses dados de percepção e julgamento linguístico


corroboram com os resultados de Oliveira (2017), que já
demonstrara, a partir de dados de fala espontânea, que o
processo de palatalização progressiva é favorecido pelo
contexto de fricativa, enquanto o contexto de semivogal
o desfavorece. Assim, é possível afirmar que, embora em
ambos os casos haja uma avaliação negativa, quando a
consoante africada ocorre em ambiente de semivogal, o
julgamento negativo é mais proeminente.
É curioso observar que, embora haja uma clara ava-
liação negativa por trás das variantes palatalizadas, o in-
formante demonstra realizar essa variante palatalizada e
reconhecê-la como produtiva em localidade de residência.
O significado social que a variante pode carregar,
talvez, esteja ligado ao ambiente em que ela é produzida,
ou seja, como se tratam de alunos universitários que res-
ponderam o questionário dentro do ambiente da univer-
sidade, é esperado que os valores sociais desse ambiente
escolar reflitam em suas atitudes. Mas quando esse infor-
mante está em ambiente externo – como o doméstico –, é
possível que essa variante tenha outro significado social
– talvez, menos marcado – tendo uso comum, apesar da
avaliação negativa.

385
DIÁLOGOS ENTRE UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA
Almir Almeida de Oliveira (Organizador)

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388
SOBRE O ORGANIZADOR

Almir Almeida de Oliveira


Possui graduação em Letras pela Universidade de Per-
nambuco (2005), mestrado em Letras e Linguística pela
Universidade Federal de Alagoas (2012) e doutorado em
Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas
(2017). Fez estágio de pós-doutoramento junto à Univer-
sidade Federal de Alagoas, investigando os processos de
palatalização progressiva das oclusiva alveolares em Ala-
goas (2019) e junto ao Instituto de Estudos Linguísticas
da Unicamp. Atualmente é Professor Adjunto da Univer-
sidade Estadual de Alagoas, onde já atuou como coorde-
nador e vice coordenador do curso de Letras (2018-2021)
e conselheiro superior. É líder do Grupos de Estudos da
Variação Linguística de Alagoas (GEVAL-AL). Tem experi-
ência de pesquisa na área de Linguística, com ênfase em
Sociolinguística Variacionista, Contato linguístico, per-
cepção e avaliação linguística

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