Produção de Oleina Pelo Residuo de Pré-Descarne
Produção de Oleina Pelo Residuo de Pré-Descarne
Produção de Oleina Pelo Residuo de Pré-Descarne
PARÂMETROS DE PROCESSO
Guilherme Pantaleão da Silva Priebe; Mariliz Gutterres; Natália Prates Honaiser
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Departamento de Engenharia Química – DEQUI
Laboratório de Estudos em Couro e Meio Ambiente – LACOURO
{priebe;mariliz@enq.ufrgs.br}
1. Introdução
A geração de grandes quantidades de resíduos sólidos relacionada ao processamento de
peles nas etapas de ribeira está intimamente ligada às características da matéria-prima e indica
a possibilidade de emprego de tecnologias simples que permitem a utilização de parte de seus
subprodutos como insumos para outras indústrias de transformação. Tais estudos têm por
objetivo contribuir para uma significativa diminuição do potencial de impacto do setor, bem
como a diminuição de custos de produção associados à destinação dos resíduos gerados. Cabe
ressaltar que existem dificuldades no estabelecimento de ações corretivas visando a redução
da geração desses resíduos na fonte, uma vez que os mesmos são decorrentes das
características da própria matéria-prima (resíduos de pré-descarne e pêlo, por exemplo).
O trabalho realizado por Simeonova (1996) mostra que um curtume com capacidade de
produção de 100 toneladas diárias de pele verde produz cerca de 30 toneladas de resíduo de
descarne a cada dia e isto leva à criação de sérios problemas de caráter ambiental.
O trabalho realizado por Gutterres et al. (2004), apresenta a seguinte caracterização para
as peles em estado salgado: 43,51% de água, 13,74% de cinzas, 4,08% de gorduras e 40,55%
de substância dérmica. Deve-se ressaltar que o teor de gorduras é devido, em sua maior parte,
ao tecido subcutâneo. Ainda, segundo Wist e Schmidt (1992), as graxas nas peles são muito
variadas na sua composição química em função do tipo de animal, sua alimentação e clima,
sendo basicamente compostas por: glicerídeos (50%), fosfatídeos (20%), ésteres de ceras
(10%) e ácidos graxos (10%) e estearinas (1%).
α
H
H C OH
H C OH β
H C OH
H
α′
Figura 1.1: Posições relativas dos ácidos graxos ligados ao glicerol
H O H O
H C O H H O C R1 H C O C R1
O H+ O
H C O H H O C H C O C R 3H O H
R2 2
H C O H H C O C R3
H O C R3
H O Água
O
Gl icerol Ácido Carboxíli co Triacilglicerol
(Triglicerídeo - Ó leo/ Gordura)
Pode-se observar que praticamente todos os óleos naturais contêm ácidos graxos com
número de carbonos próximo. No caso, ácidos saturados de cadeia curta, C-6, C-8 e C-10 que
estão presentes em óleos de coco, palmeira e gordura do leite, além de ácidos graxos, C-12
(ác. Láurico e laurolêico), que pode ser observado em óleo de espermacete. Os ácidos
saturados C-16 e C-18 são encontrados em frações elevadas em gorduras animais e em muitos
dos óleos vegetais (THORSTENSEN, 1969).
O refino de óleos de origem vegetal ou animal, visando seu emprego como matéria-
prima para outros processos, tais como confecção de óleos de engraxe para couros, requer um
conjunto de processos que visam transformar as matérias-primas brutas em óleos comestíveis
ou com características físicas específicas para sua utilização futura. Embora existam usos nos
quais os óleos sejam empregados na forma bruta, sem refino, a grande maioria dos óleos e
gorduras comercializáveis é submetida a esses processos buscando melhorias na aparência,
odor e sabor, através da remoção dos seguintes componentes, segundo Moretto e Fett (1998):
2. Materiais e Métodos
A Figura 2.1 apresenta um fluxograma com o resumo dos processos e das atividades
desenvolvidas, ressaltando as contribuições para a área de conhecimento nos aspectos em
elucidar e fornecer dados referentes às operações necessárias à execução do processo de
produção de oleína, a partir de resíduos de pré-descarne de peles bovinas.
Resíduo de
Carnaça
Pré-descarne - Caracterização das correntes
(carnaça) (carnaça, sebo e resíduo proteico);
- Testes de Otimização (variáveis:
Digestão/extração temperatura, tempo e agitação);
- Análise da composição dos produtos
Graxaria de Curtume Resíduo (método cromatográfico);
Sebo
Graxaria de Frigorífico Proteico
- Testes de Otimização(variáveis:
Cristalização agitação, taxa de resfriamento);
Sebo
Cristalizado
- Caracterização das correntes
Separação das Fases (oleína bruta e estearina);
(filtração) - Análise da composição dos produtos
(método cromatográfico);
Oleína Estearina
Bruta - Caracterização das correntes
(oleína refinada);
Neutralização e Secagem - Análise da composição
(método cromatográfico);
Oleína Refinada
(insumo para produtores de engraxantes)
Resíduo Protéico: Coletado após a extração dos materiais graxos (sebo) contidos no
resíduo de pré-descarne, rico em materiais orgânicos diversos. Além da proteína colagênica
hidrolisada no processo de extração, estão presentes restos de pêlos, alto conteúdo de sais,
além das demais impurezas presentes na carnaça. A presença de alto conteúdo de gorduras
nesse resíduo indica uma baixa eficiência de extração.
Oleína Bruta: Óleo obtido após o fracionamento do sebo bovino composto por
triglicerídeos cujos ácidos graxos formadores são insaturados e tem o ácido oleico como
componente majoritário. Suas principais características físicas são o baixo ponto de fusão e a
coloração amarelada. Esta fração é denominada bruta em função da necessidade da realização
de operações de refino buscando a diminuição dos teores de ácidos graxos livres e umidade.
As análises da composição das correntes oleosas foram realizadas com base nas frações
de ésteres metílicos dos diversos ácidos graxos formadores dos triglicerídeos. Para tanto, foi
necessário o emprego de uma metodologia a ser empregada na derivatização dos óleos
visando a quebra dos triglicerídeos e posterior esterificação dos ácidos graxos presentes nas
amostras. A determinação dos percentuais mássicos dos componentes do sebo e das frações
obtidas após o fracionamento foi realizada mediante a utilização de cromatografia gasosa com
detector por ionização de chama.
Nos ensaios foram consideradas como respostas o índice de acidez do sebo obtido e o
teor de gorduras no rejeito protéico em cada um dos experimentos.
Variáveis Níveis
Temperatura (°C) 2 158,7 (6 kgf/cm2)
143,4 (4 kgf/cm )
tempo (min) 30 90
Agitação (rpm) 0 (nula) 6 (máx.)
Cabe ressaltar neste ponto, que as temperaturas de 143,4 e 158,7°C referem-se às
pressões do vapor d’água a 4 e 6 kgf/cm2. A escolha desses níveis para o fator temperatura
deve-se aos limites físicos da planta de extração tomada como estudo de caso, na qual a
caldeira disponível fornece vapor para a instalação apenas nessa faixa.
T = temperatura; t = tempo.
A Tabela 2.5 apresenta a matriz experimental construída para determinação dos ensaios
a serem executados. A ordem de realização dos ensaios foi aleatorizada e manteve-se a
mesma sistemática e equipamento em todos os testes.
Tabela 2.5: Matriz de Planejamento experimental 22 utilizada na condução dos experimentos
Agitação na Taxa de
Processo Cristalização Resfriamento
1 1 1
1' 1 1
2 -1 1
2' -1 1
3 1 -1
3' 1 -1
4 -1 -1
4' -1 -1
3. Resultados e Discussões
De acordo com estes resultados, observa-se que o teor de matéria graxa (extraíveis) é
alto (34,64% em massa), ou seja, indica a possibilidade de recuperação dos óleos contidos na
carnaça visando o seu emprego como matéria-prima para outras indústrias.
Pode-se observar que a quase totalidade dos materiais inorgânicos é formada por cloreto
de sódio, sal empregado na conservação das peles, o que é comprovado pelos valores
encontrados para o teor de cloretos totais.
Tabela 3.1: Caracterização do resíduo de pré-descarne (carnaça)
30,00
Índice de Acidez (mg/g) Teor de Gordura (%)
25,00
Variável de Resposta
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
(não agitado) (agitado) (não agitado) (agitado)
143,4 143,4 158,7 158,7
Temperatura °C / Agitação
Pela análise do gráfico, observa-se uma pequena variação nos teores de gordura
presente no rejeito protéico, porém, sem que exista uma tendência bem definida. Pode-se
notar uma queda na variável de 25,2% para 17,8% quando o sistema não agitado sofre um
aumento de temperatura, mas tal tendência precisa ser analisada mais adiante. O mesmo
comportamento não é observado no caso da existência de agitação.
35,00
Índice de Acidez (mg/g)
30,00 Teor de Gordura (%)
Variável de Resposta
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
(não agitado) (agitado) 143,4 (não agitado) (agitado)
143,4 158,7 158,7
Temperatura °C / Agitação
Pode-se observar, pela análise das Figuras 3.1 e 3.2 nota-se que a presença de agitação
no sistema afeta negativamente, e em níveis consideráveis, a variável índice de acidez, ou
seja, a presença de agitação acarreta num aumento significativo no índice acidez do sebo.
Portanto, mesmo que haja um ganho significativo na recuperação dos materiais graxos
presentes no resíduo de pré-descarne com a presença de agitação as perdas quanto à
degradação do sebo são preponderantes.
Diferentemente dos gráficos anteriores, este último mostra claramente que, tanto para a
comparação entre temperatura constante, quanto para tempo constante, com o sistema agitado
há uma queda no teor de gorduras presente no rejeito protéico.
35,00
Índice de acidez do sebo (mg/g)
30,00 Teor de gordura no rejeito (%)
Variável de Resposta
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
(30 min) (30min) 158,7 (90 min) (90 min)
143,4 143,4 158,7
Temperatura (°C) / Tempo (min)
Através de uma análise inicial dos dados, verifica-se uma proximidade muito grande
entre os valores obtidos entre as réplicas dos processos (processo 1 e 1’, por exemplo) e entre
as duplicatas das análises. Portanto, a visualização da significância dos resultados, bem como
das melhores condições de processo só é possível através do emprego de ferramentas de
análise estatística dos dados coletados.
Cabe ressaltar nesse ponto que o teor de saturados apresentado na Tabela 3.2 é
calculado a partir das somas das frações mássicas individuais dos ácidos graxos saturados
presentes nas amostras. Os valores individuais das frações são mostrados na Tabela 3.3. A
notação utilizada apresenta o número de carbonos presente nos ácidos graxos, Cxx, e o
número de insaturações presentes nas cadeias carbônicas.
Tabela 3.3: Frações mássicas dos ácidos graxos formadores das oleínas obtidas após o
fracionamento do sebo
Tratamento
Éster de Ácido Graxo
1 2 3 4
C14:0 Metil-Miristato 0,50 0,61 0,42 0,70
C16:1 Metil-Palmitoleato 5,12 5,25 4,73 5,63
C16:0 Metil-Palmitato 15,96 15,90 15,92 19,65
C18:2 Metil-Linoleato 4,71 5,65 4,93 4,56
C18:1Metil-Oleato 72,59 71,45 72,77 68,17
C18:0 Metil-Estearato 1,12 1,14 1,22 1,29
Σ Saturados 17,58 17,65 17,57 21,64
Σ Insaturados 82,42 82,35 82,43 78,36
Os resultados dos ensaios realizados para definir os efeitos das variáveis testadas, na
cristalização do sebo, são apresentados novamente nas Tabela 3.4 e 3.5 na forma de valores
médios das análises químicas para cada uma das réplicas nas diferentes condições
experimentais. Todos os testes foram realizados em duplicata.
Pode-se observar que os desvios padrão calculados para as variáveis de resposta quando
analisados entre as repetições das condições experimentais é pequeno frente aos valores
absolutos, em ambos os casos.
Tabela 3.4: Resultados obtidos para o índice de iodo nas réplicas das condições de processo
Tabela 3.6: ANOVA obtida a partir dos valores obtidos para o índice de iodo nas diferentes
condições de operação
Sum of
M odel Squares df M ean Square F Sig.
1 Regression 5,668 2 2,834 2,519 ,119(a)
Residual 14,627 13 1,125
Total 20,294 15
a Predictors: (C on stant), tx, agit
b D ependent Variable: iodo
Essa segunda regressão permite a observação da influência dos fatores sobre a variável
de resposta teor de saturados. Verifica-se que a influência dos fatores sobre o teor de
saturados é significativa (Sig.<0,05), dentro do intervalo de confiança de 95% (Tabela 3.9).
Além disso, pela análise da Tabela 3.10 pode-se notar que os coeficientes de regressão, B,
são próximos (-0,954 e -0,913) e negativos, o que representa uma queda no valor do teor de
saturados com a presença de agitação e com o aumento da taxa de cristalização, confirmando
o comportamento esperado.
Tabela 3.9: ANOVA obtida a partir dos valores obtidos para o teor de saturados nas diferentes
condições de operação
Sum of
Model Squares df Mean Square F Sig.
1 Regression 27,914 2 13,957 4,633 ,030(a)
Residual 39,159 13 3,012
Total 67,073 15
a Predictors: (Constant), tx, agit
b Dependent Variable: sat
4. Conclusões
As prinicpais conclusões tiradas das análises químicas e físico-químicas realizadas no
resíduo de pré-descarne:
- A proximidade entre os valores obtidos para o teor de cinzas e teor de cloretos totais
denota que a quase totalidade dos materiais inorgânicos é formada por cloreto de
sódio, sal, empregado na conservação das peles.
- A regressão linear multivariada na qual se avaliou o efeito individual dos fatores taxa
de cristalização e presença de agitação frente à variável de resposta índice de iodo
mostra que os fatores em questão não são significativos dentro de um intervalo de
confiança de 95%, quando considerados conjuntamente.
Agradecimentos
Às empresas: Curtume Bender S.A., Anabe Com. e Rep. Ltda., pela parceria e apoio
técnico. A CAPES, pela concessão da bolsa de mestrado. Ao CNPQ, pelo apoio financeiro ao
projeto de pesquisa, através do Edital CTagro 08/2005.
Bibliografia
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