RBHC+2023 v16n1 Antonio+José+Alves+de+Oliveira

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 24

https://doi.org/10.53727/rbhc.v16i1.

870

DOSSIÊ

O Reformismo Ilustrado e a construção


de espaços coloniais: os sertões da América
portuguesa nas memórias econômicas da
Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)
The Enlightened Reformism and the construction of
colonial spaces: The backlands of Portuguese America
in the economic memories of Academia das Sciencias
de Lisboa (1779-1800)

Antonio José Alves de Oliveira | Instituto Nacional da Mata Atlântica


antoniojosealvesdeoliveira70@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5019-5983

RESUMO Este trabalho tem como objetivo discutir os projetos coloniais para os sertões da América
portuguesa elaborados e discutidos nas memórias econômicas da Academia das Ciências de Lisboa
em fins do século XVIII. Tais proposições se entrelaçam às perspectivas do Reformismo Ilustrado,
elencando a agricultura e a circulação de espécimes como forma de melhor aproveitar as poten-
cialidades coloniais. Assim, a partir da perspectiva da história ambiental e da história das ciências
buscamos analisar os projetos dos ilustrados, bem como a circulação de conhecimentos em dife-
rentes esferas, na relação estabelecida com o mundo natural e com as populações dos sertões da
América portuguesa entre 1779 e 1800.
Palavras-chave América portuguesa – espaços coloniais – ciência imperial.

ABSTRACT The work aims to discuss the colonial projects towards the backlands of Portuguese America
created by Enlightened thinkers and discussed in the memórias econômicas of Academy of Sciences
of Lisbon in the end of 18th century. These projects were entangled by the perspectives of Enlightened
Reformism, listing agriculture and circulation of specimens as a way of better profit from colonial
potentialities. Thus, from the perspective of environmental history and history of sciences we aim to

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 31
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

analyze the projects, the circulation of knowledge in different spheres and the relationship built with
the natural world and the populations of the backlands of Portuguese America between 1779 and 1800.
Keywords Portuguese America – colonial spaces – imperial science.

Ciência, circulação do conhecimento no Reino


e nas conquistas no século XVIII
Em outubro de 1784, o então capitão-mor do Ceará Grande, João Baptista de Azevedo
Coutinho e Montaury enviou um ofício ao secretário de Estado dos Negócios da Marinha e
Ultramar, Martinho de Mello e Castro, assegurando o envio de caixotes com “produtos naturais”
da capitania da América portuguesa a qual estava incumbido de administrar.1 No mesmo período,
um padre jesuíta de nome João de Loureiro, então encarregado de estudos em história natural
e botânica, do outro lado dos domínios coloniais portugueses também coletava espécimes
vegetais, enviando relatos sobre a apreensão do mundo natural nas mais distantes porções dos
domínios coloniais portugueses na Ásia e no continente africano.
Projeto abrangente, portanto, que envolvia várias porções do império português. Tal projeto
articulava vários olhares da ciência setecentista empreendida pelos súditos ultramarinos com o
intuito do engrandecimento do Reino, com novas formas de exploração e reconhecimento das
potencialidades do mundo ultramarino. Ao mesmo tempo que ansiava por colocar Portugal
nos caminhos da ciência moderna empreendida pelas potências coloniais, nomeadamente a
Inglaterra e a França àquele período. E tratava-se principalmente de encontrar um caminho
que entrelaçasse as várias possessões ultramarinas por meio desses conhecimentos científicos.
A apreensão do mundo natural por um determinado viés (moderno, instrumental,
racionalista) nos mais distantes domínios do Ultramar português era o ponto central desse
empreendimento em tempos de crise do Antigo Regime e esgotamento de um determinado
modelo de colonização, principalmente no que se refere à América portuguesa. Projeto este
que embora tivesse seus alvores no período pombalino, entre 1750 e 1777, ganhou mais força
somente com a chamada “Viradeira” durante o reinado de Maria I.
Após a morte de dom José I e a subida ao trono de Maria I, a nova monarca buscou
afastar-se da política efetivada pelo marquês de Pombal, o ministro plenipotenciário josefino.
O período em que d. Maria buscou efetivar a sua marca na cultura e na política portuguesa
ficou conhecido como a “Viradeira”. Se como bastião de sua política, Pombal buscava eviden-
ciar e dar suporte ao comércio, fortalecendo uma classe burguesa em ascensão, d. Maria, ao
menos simbolicamente buscava enfatizar o papel da corte e retomar as tradições eclesiásticas.
Nas demonstrações simbólicas de poder, praças, edifícios públicos e espaços em construção
com a marca pombalina do comércio restavam inacabados, por outro lado, igrejas, touradas e
procissões retomavam temporariamente a sua posição habitual na sociedade portuguesa (Ver
Schwarcz, Azevedo, Costa, 2002).

1 Ofício do capitão-mor do Ceará, João Batista de Azevedo Coutinho e Montaury, ao Secretário de Estado dos
Negócios da Marinha e Ultramar [Martinho de Mello e Castro] remetendo caixotes com produtos feitos na
capitania. Anexo: lista. Documentos Avulsos. Digitalizados Projeto Resgate. Caixa 10. Doc. 609. Lisboa: Arquivo
Histórico Ultramarino, 25 out. 1784.

32 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

Entretanto, na “Viradeira” política, ao passo que a nova monarca buscava impor os símbo-
los do seu poder e dos grupos ao qual seu poder se sustentava, por outro lado, seu reinado se
mostrava tributário direto das várias políticas empreendidas no decorrer do longo ministério do
marquês de Pombal, e no essencial da política colonial houve propriamente mais continuidades
do que descontinuidades durante o seu reinado.
A Academia das Sciências de Lisboa fora fundada, em 1779, por Domenico Vandelli,2 o natu-
ralista italiano que havia chegado a Portugal na década de 1760, e havia sido nomeado diretor
do Museu Real da Ajuda, fora incumbido junto com outros pensadores a reformar a Universidade
de Coimbra, em 1772. No período do governo de Maria I passa a colher os primeiros frutos
do seu longo trabalho, e em 1783 vê uma primeira equipe dos egressos da Universidade de
Coimbra serem enviados ao Ultramar com a missão de explorar as potencialidades ultramarinas
na América e na África. No aspecto da vida cultural e científico a “Viradeira” toma melhor forma,
principalmente com maiores incentivos à Academia das Ciências de Lisboa.3 Com a reforma da
Universidade de Coimbra, passa-se a abandonar elementos escolásticos de suas cátedras e a
pensar elementos da Ilustração e da ciência moderna, principalmente no que trata ao experi-
mento e às viagens de campo. A criação do Jardim Botânico na Ajuda, ao lado do novo Paço
Real, com o intento de recolher espécimes vegetais de todo o mundo ultramarino português,
das possessões asiáticas, africanas e americanas também é um sintoma deste projeto.
Se faz interessante pensar esses sintomas através dos produtos culturais tecidos pelos
ilustrados portugueses e luso-brasileiros à época. A Academia das Ciências de Lisboa passou
a publicar sistematicamente em suas memórias elementos para as transformações a serem
empreendidas no Reino e no Ultramar, projetos reformistas para responder à crise do sistema
colonial e lidar com a crise do Antigo Regime. Mas, ao lado das memórias econômicas, publicadas
a partir de 1789, no alvor da crise do Antigo Regime, a aposta reformista ilustrada portuguesa
também versava sobre um certo entendimento sobre a ciência moderna, donde as “memórias
de mathemática e physica” ocupavam um lugar específico na cultura portuguesa. E por fim,
ainda enquanto um sintoma de uma função social ocupada pela Academia de Ciências, estava
a compilação dos relatos quinhentistas e seiscentistas dos portugueses, atribuindo um deter-
minado sentido à história das navegações.
Mais do que um domínio sobre o espaço, talvez este último projeto tentasse lidar e versar
sobre um certo domínio sobre o tempo, com a fabricação de uma memória e um enclave
dentro dos imaginários coloniais setecentistas. Se o principal objeto de divulgação, as memó-
rias econômicas, buscava assegurar o melhor aproveitamento das possessões ultramarinas de
forma bastante prática, refletindo sobre o presente e o futuro, o resgate e a divulgação dos
relatos quinhentistas e seiscentistas pela Academia tinha como papel assegurar no campo da

2 Domenico Vandelli (1735-1816), nascido em Pádua na península itálica, viveu em Portugal entre 1764 e 1810,
foi um dos sujeitos mais influentes na transformação do pensamento social e científico português na segunda
metade do século XVIII. Participou ativamente das reformas da Universidade de Coimbra em 1772, e ao lado
do ministro de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, Martinho de Mello e Castro, enviou
naturalistas às mais distantes paragens do Império Ultramarino Português, ao passo que mantinha uma cor-
respondência ativa com Carl von Linné. Cf. Raminelli (2008).
3 A Academia de Ciências de Lisboa se tornou então um dos principais eixos de produções culturais no reinado
de Maria I, ultrapassando inclusive a Academia de História no que concerne aos investimentos adquiridos. Ver
principalmente Schwarcz, Azevedo e Costa (2002) e Silva (2015).

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 33
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

memória e da história que estes territórios haviam de fato sido frutos de conquistas e feitos
portugueses na época moderna.
No que diz respeito às memórias econômicas, os incentivos da Academia e do Ministério de
Estado dos Negócios Ultramarinos e Domínios do Ultramar impulsionaram uma série de viagens
de ilustrados, as mais reconhecidas delas advindas do grande projeto de 1783, que ambicionava
enviar um quadro de ilustrados luso-brasileiros formados em Coimbra para a principal possessão
portuguesa ultramarina, o Brasil. Malogrado o projeto de enviar os naturalistas João da Silva
Feijó,4 Alexandre Rodrigues Ferreira,5 Manoel Galvão da Silva e Joaquim José da Silva ao lado de
seus respectivos riscadores e gravadores, a Coroa portuguesa os enviou para diversos e esparsos
domínios coloniais, principalmente na África: Cabo Verde, Moçambique e Angola, e, no Brasil, para
as capitanias de Rio Negro, Grão-Pará e Amazonas. Como fora o caso da expedição de Alexandre
Rodrigues Ferreira nas recém-conquistadas fronteiras da América portuguesa.6
Mas não somente os naturalistas enviados às possessões estavam incumbidos da escrita
das memórias econômicas, pensadores no Reino e espalhados pelas possessões portuguesas
enviavam suas apreensões do mundo natural aventando soluções e elaborando projetos para o
aproveitamento das potencialidades nas possessões ultramarinas. Mais do que isso, como assinala
Silva (2015, p. 10), “as memórias aí publicadas – consideradas como uma instância do periodismo
científico na transição do século XVIII para o século XIX – constituem um ótimo indicador das
opções programáticas da Academia, permitindo-nos determinar a sua evolução”. Assim como
as opções programáticas, geografias coloniais e projeções do Reino para as suas possessões.
Essa articulação de possessões e olhares em torno do mundo natural na extensão dos
domínios coloniais portugueses possui algumas particularidades às quais interessa lançar alguns
questionamentos. O primeiro deles concerne à retomada de circulação de espécies vegetais,
práticas e conhecimentos na extensão dos domínios ultramarinos. O segundo, diretamente
relacionado com o reconhecimento das práticas sobre o mundo natural e acerca dos mesmos
vegetais em circulação, incide sobre a tentativa de reconhecimento das potencialidades e de
exploração de forma mais articulada dos recônditos de domínios coloniais na Ásia, América e
África, implicando em variadas formas de disputa e negociações com os nativos e, principal-
mente com o mundo natural.
Nesse empreendimento e com o esforço de se fazer presente nas redes da ciência setecen-
tista, os sujeitos incumbidos de realizar as viagens acabavam por deixar nos seus escritos suas

4 João da Silva Feijó, nascido em Guaratiba, no Rio de Janeiro em 1760, viajou para Portugal ainda muito jovem,
onde estudou ciências naturais, aproximando-se assim de Domenico Vandelli e da Universidade de Coimbra
reformada. Em 1783, foi enviado a Cabo Verde, onde esteve por mais de uma década na condição de natura-
lista da Coroa. Quando retorna à Lisboa em 1797 trabalhou no Jardim Botânico da Ajuda até 1799, data em
que foi enviado para o Ceará com a missão de produzir salitre e estudar a flora da região. Terminou seus dias
no Rio de Janeiro, como professor de zoologia e botânica da Academia Militar. Ver principalmente Pereira,
Santos (2012).
5 Alexandre Rodrigues Ferreira, nascido na Bahia (1755-1815, Lisboa). Frequentou o curso jurídico em 1770 e
em 1772 matriculou-se no curso de filosofia. Em 10 de janeiro 1779 tomou o grau de doutor e começou a
trabalhar no Real Museu de História Natural d’Ajuda. Aos 22 anos foi o nomeado por d. Maria I como primeiro
naturalista português encarregado da expedição científica denominada Viagem Filosófica pelas Capitanias do
Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Ver Raminelli (1998, p. 159).
6 Embora a fronteira norte do Brasil com as possessões espanholas estivesse sendo negociada desde o Tratado
de Madri, em 1750, o último tratado de fronteiras com a Coroa espanhola se dá em 1777, seis anos antes da
expedição de Rodrigues Ferreira, o Tratado de Santo Ildefonso.

34 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

maneiras de compreensão do mundo natural e das sociedades com as quais se deparavam, mais
do que isto, incidiam sobre como classificavam aspectos do mundo natural e das populações
com as quais se relacionavam. Emergem então vários projetos de investigação nas “memórias
econômicas”, sejam estes com propostas de transformação do Reino, escritas pelo próprio
Vandelli, ou com intervenções e articulações em toda a extensão dos domínios ultramarinos,
como no caso do padre jesuíta transmutado em naturalista João de Loureiro. Tais escritos podem
nos trazer indícios sobre o que se pensava para o melhor aproveitamento de regiões até então
pouco exploradas das “conquistas”, na perspectiva dos ilustrados. Tal política e projeções colo-
niais possuíam determinados cânones, proporcionando uma base para a leitura da natureza e
das sociedades com as quais se deparavam, mas isso não impedia as formas diferenciadas de
leitura do espaço e do mundo natural.
Tal política incidia, principalmente na América portuguesa, em uma tentativa de reforma
do “sistema colonial”7 (Novais, 1989, p. 234). Encontrar mecanismos e dar respostas à crise do
sistema colonial e intensificar projetos de exploração colonial era a tônica dos discursos e das
representações, a principal forma com a qual pensadores ilustrados, “homens de ciência” e
administradores coloniais lidavam com a temporalidade e com a leitura de seu entorno. E isso
impulsionava uma pressão em mapear, descrever, relatar, coletar novas espécies e novos usos e
principalmente em dar maior atenção às regiões que até então haviam sido pouco importantes
ao olhar da Coroa portuguesa.
Nesse sentido, o Reformismo Ilustrado, nas palavras de Fernando Novais, se configurava
como um “difuso programa de reformas que preconizava um esforço mais ou menos dramático
de reajustamento às tendências dominantes com vistas à dinamização da economia e vitalização
da sociedade, sem contudo, atingir as suas estruturas fundamentais” (Novais, 1989, p. 11). E
ainda, a crise do sistema colonial, na maneira como a compreende o mesmo Novais, é entendida
como “o conjunto de tendências políticas e econômicas que forcejavam no sentido de distender
ou mesmo desatar os laços de subordinação que vinculavam as colônias ultramarinas às metró-
poles europeias” (Novais, 1989, p. 12). Assim, em última instância, os principais pensadores da
política colonial portuguesa, na percepção das manifestações da crise do Antigo Regime e do
sistema colonial, fizeram uma escolha política pelo reformismo, no sentido de intensificar as
práticas de conquista do mercantilismo até os seus limites, gerando uma política de incentivos
à produção e ao comércio no mundo colonial ultramarino.
Interessante atentar, portanto, no apelo existente para uma rede da ciência portuguesa
para absorver, nesse projeto abrangente de reforma, elementos da administração colonial, com
os incentivos e as comunicações das possíveis soluções aventadas no Reino, com as discussões
que envolvem apropriações da história natural como uma determinada política de Estado. Com

7 Para Novais, com a iminência e a apresentação de um quadro de instabilidade do Antigo Regime e de crise
do sistema colonial, no Reino não foi tomada nenhuma medida de modificação estrutural em relação a adap-
tação às modificações do sistema capitalista industrial que se desenhava, a aposta, portanto recaiu sobre um
plano de reforma, que tinha o Ultramar, e os estímulos sobre o Ultramar como principal linha de estratégia.
A opção política articulada era a manutenção da integridade do Ultramar a qualquer custo, mesmo que para
isso fosse necessário mesclar ideias mercantilistas clássicas com um plano de cessão e de estímulos à pro-
dução. Em grande medida, rejeitava-se o metalismo estreito, e buscava-se assentar as bases na produção e
no comércio. O plano reformista ilustrado, ou mercantilista ilustrado, como o conceitua Novais (1989, p. 234),
chegava ao entendimento da inversão da ortodoxia mercantilista, apostando numa “diretriz segundo a qual
a metrópole pode e mesmo deve ter um comércio deficitário com a colônia, para tê-lo superavitário com as
demais potências.”

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 35
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

efeito, a própria análise dos interesses dos sujeitos históricos envolvidos no fazer-se dessa ciência
portuguesa e global implica o entendimento de uma politização da prática “científica”, e ainda
a transformação no próprio entendimento da ciência, que deveria, portanto, ser encarada como
uma política incentivada e levada a cabo nos mais distintos espaços do Reino e das conquistas
ultramarinas. E isso não apenas por grandes e reconhecidos “homens de ciência”, mas principal-
mente por outros setores da sociedade, que, apropriando-se dessa política, buscassem também
dar respostas à crise a partir de suas apropriações e como funcionários régios.8
O fazer-se dessa “ciência imperial”, com conexões e redes espraiadas pelo globo e os
produtos destas, situa-se em direta contraposição a um modelo historiográfico que insiste nas
narrativas grandiosas, no discurso laudatório que coloca sujeitos históricos como heróis solitários.
Contrapondo-se a essas narrativas, se faz importante atentar para os indivíduos que compõem
e estruturam a prática e os conhecimentos que aparecem como produtos da ciência imperial
(Safier, 2008). Ao mesmo tempo que se faz importante atentar para a tessitura das narrativas,
e dos interesses políticos dos indivíduos.
Safier (2008) com isso busca desmontar o mito do conhecimento científico asséptico e
distante, e mostrar que até a elaboração de um “produto final”, representação gráfica ou carto-
gráfica, existe uma série de outros sujeitos históricos imprescindíveis na composição da dita
“ciência universal” da Ilustração. O que nos leva a questionar a ciência também como um campo
de disputa, por um lado política, as várias disputas dos impérios interessados em um deter-
minado contexto histórico, os interesses políticos das metrópoles em relação às suas colônias,
mas também e principalmente, uma disputa geográfica (Safier 2008, em especial o cap. 5).9 O
reconhecimento de uma geografia do poder, a importância em se indagar o lugar de produção
dessa “ciência universal”, posto que na Ilustração é o europeu o sujeito do conhecimento, e
mais do que isso, o parâmetro de medida para os mundos sociais e os diferentes indivíduos
com os quais se depara. Aqui é interessante perceber também que mesmo o conhecimento
produzido no Iluminismo, que se queria objetivo, científico, definitivo e universal, derivava de
outras formas de conhecimento, principalmente relatos de viagens, que continham uma série
de outros sujeitos que foram sub-repticiamente apagados das narrativas (Safier, 2008).10
Se faz importante o procedimento metodológico de observar sempre a materialidade dos
discursos engendrados, ou antes, o processo de materialização dessas práticas ditas cientifi-
cas: os “produtos finais”. E isso implica uma contraposição que observa a maneira como foram
construídos esses mesmos produtos culturais. Nesse caso, seja a cartografia sejam os relatos de
viagem possuem uma experiência concreta, vivências e práticas do espaço e do mundo natural
de indivíduos que percorreram tais espaços, experimentaram, mediram e relataram, e do mesmo
modo, é necessário que se observe as várias camadas de leituras e de indivíduos que compõem

8 Essa discussão acerca de uma falsa polarização entre ciência e política é levada a cabo principalmente por
Latour (2000). Propomos aqui colocar esse debate em perspectiva principalmente pela razão de que estes
autores não levam em consideração elementos de suma importância: a produção de uma ciência ou uma
geografia colonial não é feita em um vácuo, como nos alerta Neil Safier (2008). Disputas e negociações com os
nativos e principalmente com o mundo natural são a tônica do engendramento dessa produção, assim como
dos discursos e das representações.
9 A esse respeito ver também Gerbi (1996) e os últimos estudos de Canizares-Esguerra (com Thurner, 2022).
10 Nesse caso específico Safier (2008) analisa os relatos de viagem do francês Charles Marie de La Condamine e
sua utilização dos relatos do jesuíta Fritz como principal fonte de conhecimento escrita sobre as regiões com
as quais se deparou. Ademais, os conhecimentos e as práticas dos locais foram largamente utilizados pelo
ilustrado na “montagem” de seu supostamente asséptico e ilustrado conhecimento sobre a região.

36 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

essa mesma materialidade. No caso dos conhecimentos locais, estes, não raro, são sistemati-
camente suprimidos por parte dos narradores ou viajantes ilustrados, que se apropriam desses
conhecimentos, deixando de lado seus informantes, diálogos com as populações com as quais
lidam cotidianamente sobre o reconhecimento do espaço. Opera-se uma tradução cultural que
transforma os sentidos atribuídos à terra, ao ambiente, e o mundo natural em disputa, lidos
então na perspectiva de um espaço colonial, representado, grafado, donde se pode operar um
poder, portanto, governável.
No caso da ciência portuguesa ilustrada, Raminelli aponta o papel de instituições que
serviram como “centrais de cálculo”, utilizando aqui a conceituação de Latour. Tais instituições,
como a Academia das Ciências de Lisboa e o Museu Real da Ajuda, atuaram no sentido de fazer
funcionar essa circulação dos conhecimentos e das informações, fluindo das “conquistas” para o
Reino, principalmente ao longo da segunda metade do século XVIII. Destaca ainda a importância
de sujeitos que centralizaram a condução desse processo, como o italiano Domenico Vandelli
(Raminelli, 2008; Latour, 2000). Em tais instituições emergiam os produtos das avaliações dos
espaços coloniais, que então são sistematizados e transmutados em elementos supostamente
assépticos nas memórias econômicas da Academia, sem sinal evidente das experiências de
indivíduos, dos mais variados, que se fizeram imprescindíveis nas mesmas composições.
Os funcionários régios, agentes coloniais, naturalistas e administradores tinham como uma
de suas funções evidenciar o que poderia ser melhor aproveitado na extensão dos domínios
coloniais portugueses, e, com o contato com o mundo natural que vivenciavam, deveriam
propor soluções, elaborar projeções coloniais de grande envergadura, como veremos a seguir
com uma análise dos escritos de Domenico Vandelli e do padre João de Loureiro. No entanto,
esse é apenas um nível dessa circulação de conhecimentos.
Essa ciência moderna se constrói em meio a mestiçagens, e no entanto, os aprendizados
com as populações locais dificilmente, nesses contextos históricos e muito menos no contexto
histórico que nos concerne, excluem práticas violentas e racistas. Ramada Curto aponta para
esse aspecto quando coloca em uma perspectiva de compreensão as atividades dos portugueses
nos vários quadrantes do globo. Afastando-se de uma historiografia nacionalista que pretendia
engrandecer os feitos lusitanos no Ultramar, Curto aponta que se faz necessário se compreender
de que maneira essa “cultura imperial”, que emerge no processo de mundialização já no século
XVI, estava também diretamente associada às práticas excludentes, violentas e racistas nos mais
diversos pontos do planeta (Curto, 2009).
Os interesses científicos, como já evidenciado por Latour (2000), são intrínsecos e inse-
paráveis a interesses políticos e econômicos, o que necessariamente não quer dizer que não
exista algum tipo de fundamento nos estudos “científicos” ou que não ocorram avanços nos
debates e acerca da produção de conhecimentos. As dimensões materiais e econômicas dessa
produção e circulação do conhecimento no mundo colonial se faz de grande importância
serem questionadas por colocarem em cena sujeitos históricos com longo contato e vastos
conhecimentos e vivências no mundo natural a ser interrogado e descrito pelo olhar colonial
da Ilustração. O próprio “cenário”, nessa perspectiva, deixa de ser apenas o lugar imóvel onde
ocorrem as ações dos sujeitos históricos e passa a ser um agente não humano importante para
a compreensão desse fazer-se da produção do conhecimento sobre os espaços das “conquis-
tas” portuguesas. A produção e circulação do conhecimento, ao invés de ser pensada, como
analisa Kapil Raj, pela perspectiva da República das Letras fluindo livremente entre pensadores

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 37
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

europeus, ganha aqui a sua dimensão material e humana e é pensada principalmente como
fruto de negociações, em suas mais variadas vertentes (Raj, 2007), com o ambiente e com as
sociedades que nele interagem.
Entretanto, na própria Academia das Ciências de Lisboa, prognósticos, projeções e tensões
sobre os rumos da política imperial eram uma tônica. Logo no primeiro número das memórias
econômicas, as discussões versavam sobre qual o papel e a função da agricultura no Reino e no
Ultramar, qual o lugar a ser ocupado pela mineração, e como assimilar o novo lugar da mine-
ração (secundado pela agricultura no pensamento fisiocrata) com uma política de recuperação
por métodos mais racionais.
A Academia das Ciências de Lisboa havia sido fundada em 1779, mas somente dez anos
depois, em 1789, o seu principal instrumento de divulgação, “as memórias econômicas”, passou
a circular. Nos seus números circulam aspectos candentes da nova orientação e política portu-
guesas, para melhor investigação do mundo natural do Reino e das colônias ultramarinas,
associando a isso uma série de prognósticos e possibilidades para o futuro do império português.
Podemos questionar, portanto: o que essa dinâmica, no final do Antigo Regime e as pres-
sões em relação à crise do sistema colonial podem nos indicar acerca dessa nova pressão por
reconhecimento e exploração desses espaços coloniais? E mais do que isso, o que essas pres-
sões, que desencadeiam elementos referentes a espacializações da colonização, podem nos
indicar em relação às transformações nas representações e atitudes frente ao mundo natural
e às populações que então residiam em tais espaços, e ainda, diretamente relacionado a essa
questão, o que esses produtos da ciência e da geografia colonial podem nos indicar sobre os
caminhos obliterados e omitidos dos produtos culturais da ciência ilustrada lusitana? Sejam
estes as cartas geográficas ou as memórias econômicas e filosóficas em relação às disputas
territoriais frente ao espaço e às populações com projetos colocados também em disputa.

Os projetos para os domínios coloniais


e as Memórias econômicas
O pensamento de transformação das práticas frente ao mundo natural no Reino e nos
domínios coloniais se deixa evidenciar desde a primeira edição das Memórias econômicas, em
1789. Nesta, o abade Correa da Serra, um dos membros fundadores da Academia, argumenta
que o primeiro passo de “uma nação, para aproveitar suas vantagens, é conhecer perfeitamente
as terras que habita, o que em si encerram, o que de si produzem, o de que são capazes. A
História Natural é a única ciência que tais luzes pode dar; e sem um conhecimento sólido nesta
parte, tudo se ficará devendo aos acasos, que raras vezes bastão para fazer a fortuna, e riqueza
de um povo”.11
Estava implícita na escrita do abade, um ilustrado estrangeirado,12 uma crítica veemente ao
modo como a política portuguesa era conduzida, de forma descuidada, apegada aos dogmas e à

11 Memorias econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da
indústria em Portugal e suas conquistas. Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. VIII.
12 Na história social das ideias em Portugal, diz-se estrangeirado aos intelectuais e pensadores que haviam com-
pletado suas formações em solo estrangeiro, principalmente francês, absorvendo e se apropriando de ideias
críticas ilustradas.

38 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

autoridade, sem espírito crítico e sem inovação, tendo, na visão do abade, sérias consequências
na vida cultural da população portuguesa como um todo. A Academia de Ciências tinha como
intuito transformar essas práticas. Dessa forma, no Reino e nas conquistas, onde pudesse se fazer
influenciar, os ilustrados portugueses buscaram transformar a forma de apreensão do mundo
natural. Aproveitar melhor, observar melhores usos, racionalizar o mundo natural e transformá-
lo em ambiente colonial. Buscavam escrutinar o mundo natural a partir de novas práticas e
experiências da história natural do século XVIII. Estas resultariam numa melhor observação
e descrição do mundo natural, assim como uma maior atenção às populações dos domínios
coloniais, visando a sua transformação e utilidade para interesses da Coroa. Essa dupla leitura,
do mundo natural e do mundo social, é realizada a partir das apropriações da história natural
buffoniana e lineana assim como leituras e apropriações da fisiocracia francesa. É difundida
então, no mundo colonial, uma profusão das chamadas “diligências filosóficas”, com relatos,
“notícias gerais”, cartas, mapas e descrições minuciosas sobre as riquezas e as possibilidades
de exploração.
Na leitura e interpretação do abade Correia da Serra se fazia necessário difundir entre os
súditos no Ultramar uma mentalidade investigativa sobre as potencialidades, para “dar-nos a
conhecer o que temos; ensinar-nos a aproveitá-lo, escolher na imensa variedade das produ-
ções da natureza, espalhadas por outras terras, novas plantas, animais, e culturas análogas aos
climas, e terrenos que os portugueses habitam; dá-las a conhecer; e facilitar a sua introdução,
são bens que devem resultar dos trabalhos patrióticos da Academia, e meios de adiantar a
pública prosperidade”.13
As transformações, seguindo as orientações do Reformismo Ilustrado, se tornam um refe-
rencial a ser seguido nos escritos da Academia. A América portuguesa, nesse momento recebe
maior parte da atenção dos pensadores, o que nos impele a questionar que tipo de leituras se
efetuavam nas memórias econômicas acerca daqueles sertões e de que maneira essa leitura de
espaços dos domínios coloniais suscita novas projeções e mobilizações de naturalistas e viajantes.
Elementos mercantilistas e elementos do pensamento fisiocrata se coadunavam nas refle-
xões direcionadas para os interesses do engrandecimento do Estado português. No “Discurso
sobre a agricultura de Portugal”, de autor anônimo, se afirma que

no país aonde a cultura florescer, ainda que as suas minas tenham já sido esgotadas, o
seu comércio enfraquecido, ou proibido com as outras nações, as artes pouco ou nenhum
lucro, ela só recompensará todas estas faltas, suprindo a todas as necessidades públicas
mantendo já na paz, já na guerra, os seus cidadãos, e repartindo, ainda com lucro, pelos
outros países, que forma ou menos férteis, das suas terras; para eles ocorrerão precipita-
damente os estranhos, que viverem oprimidos, a procurar os meios de remediar as suas
mais urgentes necessidades. Então necessariamente este Estado, as suas manufaturas, o
seu comércio se aumentarão, e enriquecerão.14

Tal pensamento, com apropriações da fisiocracia francesa, transmite também uma preo-
cupação temporal candente no pensamento social português no final do setecentos, qual seja,

13 Memorias econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da
indústria em Portugal e suas conquistas. Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. IX.
14 Anônimo. Discurso sobre a Agricultura de Portugal. Memórias econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa
(tomos não publicados). Série Azul 17 (41). Lisboa: Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, s.d. p. 58-59.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 39
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

a diminuição drástica nas arrecadações mineradoras. A fisiocracia, além de emergir como um


elemento ilustrado central dessa renovação do pensamento, também tinha objetivos muito práti-
cos, de leitura das conjunturas econômicas e aventar soluções com as colônias, principalmente na
América. Tais elementos emergiam igualmente nos escritos de Domenico Vandelli. Na “Memória
sobre a necessidade d’huma viagem philosophica feita no Reino e depois nos seus domínios”, o
italiano apresenta argumentos para maiores incentivos à agricultura, explicitando que

a prosperidade de qualquer nação não é senão o resultado de sua indústria, a qual diri-
gindo os trabalhos da Agricultura e fomentando as artes sabe daqui tirar matéria para o
seu comércio. Sem Agricultura, não se pode avaliar como feliz um Estado, pois que se vê
precisado a olhar a mãos alheias para sua subsistência; e sem Artes e sem comércio tão
pouco o ser, porque faltando isto faltam as riquezas e com elas as forças da Nação, ficando
para tanto inabitada, não só para se manter em um estado de independência, que deve
caracterizar uma Nação sábia, e industriosa mas até impossibilitada para na falta das próprias
produções, comprar as dos países estranhos. É logo, a Agricultura, as Artes, e o comércio, o
primeiro móvel da Fortuna de qualquer país e único manancial de todo o bem do Estado,
e de todo o interesse ou seja público ou particular de uma Nação.15

A Academia possuía então papel central, tendo como função “fomentar a Indústria dos
nossos povos e contribuir, quanto está na sua parte, para o aumento da agricultura, e perfeição
das artes”.16 Dessa forma, o naturalista defendia que as viagens serviriam para um primeiro
diagnóstico a partir do qual os planos para o Reino e para os domínios coloniais seriam traça-
dos. Vandelli argumentava que “só por meio da análise de todas as terras e do exame dos seus
princípios constituintes, se conhece a diversa proporção, em que se acham combinadas”.17 Com
isso concluía sobre as possibilidades de circulação e de que maneira esta se operaria:

donde se deduz quais são as plantas para que são mais próprias ou que mais facilmente
podem produzir e ao mesmo tempo se conhece qual o método mais fácil e econômico de
obter uma terra capaz para uma determinada cultura compondo-a para isso artificialmente
com as diferentes porções de terras heterogêneas, que as experiências e observações tive-
rem mostrado serem mais adequadas ao fim proposto: desta sorte apropriando as terras
às plantas e reciprocamente estas às terras se conseguirá o importante e o desejado fim
de fazer produzir toda a terra, e por consequência de aumentar o incomparável bem da
Agricultura.18

15 Vandelli, D. Memória sobre a necessidade d’huma viagem philosophica feita no Reino e depois nos seus do-
mínios. Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 17 (41). Lisboa: Biblioteca da Academia das
Ciências de Lisboa, s.d. p. 382.
16 Vandelli, D. Memória sobre a necessidade d’huma viagem philosophica feita no Reino e depois nos seus do-
mínios. Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 17 (41). Lisboa: Biblioteca da Academia das
Ciências de Lisboa, s.d. p. 389.
17 Vandelli, D. Memória sobre a necessidade d’huma viagem philosophica feita no Reino e depois nos seus do-
mínios. Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 17 (41). Lisboa: Biblioteca da Academia das
Ciências de Lisboa, s.d. p. 390.
18 Vandelli, D. Memória sobre a necessidade d’huma viagem philosophica feita no Reino e depois nos seus do-
mínios. Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 17 (41). Lisboa: Biblioteca da Academia das
Ciências de Lisboa, s.d. p. 389-390.

40 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

Caberia igualmente aos súditos da Coroa e funcionários régios em circulação uma maior
atenção à descrição dos bosques e matas do Reino e dos domínios coloniais, uma “indagação
sobre as minas de carvão fóssil”, o conhecimento da existência dos metais, além do “conhe-
cimento de todas as plantas que vestem os nossos campos que será de uma consequência
não menos vantajosa e com especialidade se a isso se ajuntar os diferentes usos que podem
ter já nas artes, e já na economia animal, ou sejam consideradas como alimentares ou como
medicinais”.19 Sendo finalmente o resultado de toda viagem filosófica uma “descrição física
e econômica de todo o Reino principiando-se pelo que temos neste continente, como mais
próximo e mais digno dos nossos cuidados por ser o lugar de onde se faz assento e parte mais
essencial da nação, e depois passado aos domínios e estados ultramarinos”.20
Para além das produções e melhorias aventadas para o Reino, com incrementos na
agricultura, melhor aproveitamento do mundo natural, busca pela diversidade de minérios,
transformações a serem operadas junto às populações locais, principalmente com incentivos
ao comércio, as possessões coloniais eram vistas pelo autor anônimo como um vasto campo a
ser explorado, posto que sozinha, a América portuguesa “poderia manter com os seus produtos
este Reino”

ainda mesmo quando ele não produzisse coisa alguma, ou quando não fossem suficientes as
suas produções, apesar de todo o cuidado que se desse a Agricultura, mas ainda com o seu
supérfluo, e outras muitas nações. As terras da parte do sul deste vasto continente só bastam
para dar quanto trigo, manteigas e queijos à necessidade da sua metrópole, e qualquer das
outras províncias, quanto arroz, legumes, linhos, madeiras se pudesse consumir dentro e
fora de Portugal. O Ilmo. e Exmo. senhor Martinho de Mello e Castro, tem pela experiência
conhecido esta verdade. Quatro anos unicamente lhe foi bastante para concluir que só a
Capitania do Pará bastaria para fornecer arroz a todo o Reino; demais quanto açúcar não
vem todos os anos do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, e viria ainda em maior abundância
se não fosse o pouco desvelo dos senhores de engenho? Necessitamos por ventura das
sedas de Castela, ou de Itália, quando no nosso Brasil, além da ordinária, que perenemente
se colhe por nascerem os bichos todo o ano e haver sempre faltas d’Amoreira para eles,
há outra nova espécie que se sustenta das folhas do fruto do conde, que se pode colher
em grande abundância. Necessitamos ainda do Anil e da cochonilha de Castela, produtos
que fazem anualmente no seu comércio um lucro talvez considerável. Pelo cuidado mesmo
Il.mo senhor nos vem hoje do Rio de Janeiro, do Pará, do Rio Negro, o anil em grande
quantidade para as nossas fábricas. O linho cânhamo nasce também ele em grande abun-
dância. [...] muitas e belíssimas madeiras, para a tinturaria e edifícios, poderiam com pouco
trabalho fazer um dos ramos consideráveis do nosso comércio [...] asseguro que quanto
mais trabalhadas forem as nossas terras, maior será o nosso comércio, o número, fortaleza
e riqueza dos nossos sócios, e por consequência nunca temeremos as forças dos outros.21

19 Vandelli, D. Memória sobre a necessidade d’huma viagem philosophica feita no Reino e depois nos seus do-
mínios. Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 17 (41). Lisboa: Biblioteca da Academia das
Ciências de Lisboa, s.d. p. 390.
20 Vandelli, D. Memória sobre a necessidade d’huma viagem philosophica feita no Reino e depois nos seus do-
mínios. Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 17 (41). Lisboa: Biblioteca da Academia das
Ciências de Lisboa, s.d. p. 389-390.
21 Anônimo. Discurso sobre a Agricultura de Portugal. Academia de Sciencias de Lisboa. Série Azul 17 (41). Lisboa:
Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, s.d. p. 59.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 41
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

Pode-se evidenciar no pensamento do autor anônimo, e na circulação das memórias


econômicas, a mescla de elementos mercantilistas clássicos resultando sobre a transferência
de recursos do mundo colonial, com o que Arruda chamou de “novo padrão de colonização”
donde passou a haver maiores incentivos ao desenvolvimento da agricultura e do comércio
nesse mesmo mundo colonial (Arruda, 2000). Igualmente uma memória escrita pelo naturalista
Manuel Galvão da Silva22 ressalta estes dois elementos na construção de uma ciência que seja
útil ao Império português, e que esta ciência fosse voltada principalmente a uma cuidadosa
exploração das potencialidades do mundo natural nas possessões ultramarinas, seguindo o
exemplo do que faziam àquele momento as principais potências europeias. Explica o naturalista:

Consistindo as riquezas de um Estado na maior soma das produções da Natureza, e na


arte e ofício de as saber variar de diversas maneiras segundo os diferentes usos, da vida:
e sendo a História Natural, ajudada da Física, e da Química que nos conduz ao verdadeiro
conhecimento dos seres do Universo, o que nos ensina a sua índole, os seus usos, cômodo,
porque, em uma palavra, que nos facilita os meios, não só de aproveitar-mo-nos do que
a Natureza tem de mais útil às necessidades da vida, mas também de obrigarmos a terra a
produzir muitas vezes de baixo de intratáveis climas aquilo que não produziria voluntária, se
a indústria, fadiga do Homem a não constrangirem, segue-se claramente de quanta impor-
tância seja o estudo desta ciência, tão cultivada nos reinos mais polidos da Europa por ser
a mais universal das ciências e das artes, quanto não deve a Inglaterra, a Holanda aos seus
philosophes? Quanto não deve a França ao seu Duhamel, a Suécia ao seu Lineu? Ainda dura
entre os espanhóis a memória do cardeal Ximenes, igualmente político que philosopho. Com
efeito, entre os deveres de um soberano, conhecer a extensão geográfica do seus país, e saber
que nas suas fronteiras acabam os seus Estados e começam aqueles dos seus vizinhos, para
se conservar em paz e ao mesmo tempo não perder porção alguma do seu território, de que
interesse não é, que saiba aquilo que contém os seus domínios, tanto para vir a ser, a medida
dos seus cabedais, mais poderoso e respeitado das outras nações, como para fazer felizes
os seus vassalos (destaque nosso).23

Seu discurso na Memória sobre as viagens filosóficas replica uma relação construída com o
mundo natural por parte da Ilustração, de que as formas de conduzir o conhecimento produ-
zido pelas ciências seria o de atribuir-lhe uma utilidade e um proveito para Reino. Era afinal
uma leitura de como observar com mais atenção as potencialidades ainda não exploradas do
mundo colonial. Como ainda explicita o naturalista Manuel Galvão:

Para este fim, é que todos os príncipes tem feito viajar os seus philosophes mandando-os
a remotíssimos climas, e não poucas vezes a terras que não suas, para que carregados de
conhecimentos e instruções, que a Natureza e o comércio dos homens lhes têm submi-
nistrado, possam um dia na sua pátria, por em execução os mais industriosos planos, sem
viagens se não apreende a filosofia útil. Não é nos livros dos sábios, nem nos gabinetes

22 Manuel Galvão da Silva nascido na Bahia em 1750, se formou em filosofia em 1776 na Universidade de
Coimbra. Foi aluno de química e história natural de Domenico Vandelli (1735-1816) e, posteriormente, um
dos escolhidos por este para realizar as chamadas viagens filosóficas, de onde foi incumbido de descrever as
potencialidades naturais de Moçambique Ver principalmente Ferreira (2019).
23 Silva, M.G. Memoria sobre as viagens filosóficas. (manuscrito) Série Azul 318(2). Memórias econômicas da
Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 318(2). Lisboa: Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa,
s.d. p. 48.

42 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

de História Natural, onde deve ser contemplada a Natureza: o Universo inteiro é o grande
livro das suas obras, é preciso buscá-la espalhada por toda a parte: igualmente ocupada em
produzir as maiores, como as mais pequenas coisas. Não servem as viagens só de aumentar
a teoria das Sciencias, nem se limitam, graças a boa filosofia a conhecimentos estéreis, a
exames metafísicos, nem a bagatelas literárias; servem de mostrar aos soberanos quanto
podem tirar das suas possessões, servem de mostrar aos povos quais são os produtos, que
a necessidade ou o luxo tem feito apreciáveis ao mundo, e de ensinar-lhes enfim os meios
de manobrar de sorte que pareçam outros, ou de os transformar de todo em outros novos
(destaque nosso).24

Sua crítica se volta também contra modelos de ciência, como o colecionismo, a escolástica
que estava presente nos discursos da Universidade de Coimbra até bem pouco tempo, mas
que ainda possuía seus seguidores, defendendo um determinado modelo mais crítico, aberto
e empírico. Apresenta, igualmente uma profunda crença no poder transformador que a ciência
em geral, e a história natural em particular possui sobre os mundos coloniais, e sobre os sujeitos
que os habitavam. Ainda acerca das ideias de natureza veiculadas nas memórias, são ressaltadas
principalmente essas possibilidades e esse suposto poder sobre o grande livro da Natureza, no
sentido de extrair os seus segredos e moldá-los segundo a sua vontade:

Por toda a parte a Natureza patenteia os seus tesouros aos humanos. Não há lugar nenhum
na terra que se possa chamar estéril. No mais indizível por todo o Universo vivem criaturas
que escapam a vista mais. De tudo quanto pode, se aproveita o homem e todas as coisas
converte em seu próprio uso. Felizes os portugueses, dizia Linneu, se conhecerem os seus
bens! Felizes porque tendo dilatadas colônias por toda a parte, não somente para si tem tudo
quanto pode se desejar, mas poderão com os seus sobejos negociar com as demais nações...25

Com isso se aventa igualmente uma possibilidade de maior circulação de espécies por toda
a extensão das possessões ultramarinas portuguesas, e este projeto, ancorado na possibilidade
das viagens de reconhecimento donde passam a ser instruídos também a partir da década de
1770, administradores coloniais, capitães-mores e ouvidores visando a partir disso que se descre-
vam aspectos da terra e dos habitantes do Ultramar, no sentido de pôr em movimento para o
melhor proveito dos domínios ultramarinos, mas também com maiores incentivos à agricultura
e descrição de minérios e das demais potencialidades naturais. Tais projeções incidem sobre as
possibilidades em relação à transplantação e domesticação de espécies.

24 Silva, M.G. Memoria sobre as viagens filosóficas. (manuscrito) Série Azul 318(2). Memórias econômicas da
Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 318(2). Lisboa: Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa,
s.d. p. 48.
25 Silva, M.G. Memoria sobre as viagens filosóficas. (manuscrito) Série Azul 318(2). Memórias econômicas da
Academia das Sciencias de Lisboa. Série Azul 318(2). Lisboa: Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa,
s.d. p. 49.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 43
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

Transplantação e domesticação de espécimes nas tramas


do mundo colonial português
Não era nenhuma novidade a transplantação e a circulação de espécies pelos impérios
comerciais no século XVIII. Este era um processo que na América portuguesa possuía longa data.
A própria história da circulação da cana-de-açúcar, no “aprendizado da colonização”, exemplifica
essa mobilização de mundos e saberes (Schwartz, 1988). Durante “a viragem estrutural” para o
Atlântico na segunda metade do século XVII, os portugueses intentaram aclimatar uma grande
porção de especiarias asiáticas no continente americano, que seriam de grande importância
para a comercialização na Europa, tais como a canela, o cravo e a pimenta. No final do século
XVIII, o projeto de aclimatação, domesticação de espécies e transplantação ganha novamente
força, neste momento, impulsionado pelos pensadores ilustrados reformistas, e outros espaços
coloniais passam a ser observados com outros olhos. É importante salientar que tais escritos
configuravam-se antes como projeções, como possibilidades e como planejamentos, e não
necessariamente se concretizaram. No entanto, faz denotar aspectos das apropriações do
pensamento ilustrado de então e mais que isso, aspectos dos horizontes de expectativas dos
sujeitos históricos, e da maneira com a qual lidavam com ambientes estranhos, a serem impeli-
dos e transmutados em espaços que se queriam coloniais (Dean, 1991; 1994; Figueiredo, 2019).
Domenico Vandelli era, portanto, um sujeito histórico importante nesse processo de reto-
mada e coordenação na circulação e apropriação do Reformismo Ilustrado no Reino português e
suas possessões pelo globo, posto que em suas projeções buscava centralizar as ações e trans-
formar uma série de preceitos da Ilustração na reforma das políticas “cientificas” nos espaços do
Reino e nos domínios coloniais. Em seus escritos na Academia das Ciências de Lisboa há uma
persistência, não somente na difusão de preceitos ilustrados nos espaços coloniais, mas princi-
palmente na instauração de leis e na elaboração de uma política que levasse em consideração
questões para uma leitura mais acurada do mundo natural, e principalmente maiores incentivos
à agricultura colonial. Esta é tratada como questão de estado. Segundo Vandelli:

Escrever de agricultura neste século é costume introduzido em quase todas as nações


polidas; imensos livros temos de economia, e cada dia novos aparecem; e com tudo a
agricultura em alguns países está pouco ou mais adiantada, que nos séculos passados, em
que não havia este fervor por tal estudo. [...] Não foi a imensidade de livros quem fez a
dilatar a agricultura em Inglaterra; mas sim uma sábia política, e na França as sociedades
divididas em diferentes juntas: assim na Dinamarca, Suécia, e nos suíços não foram tanto
as excelentes memórias das academias, como principalmente os prêmios, e as sábias leis,
que promoveram a cultivação nestes países.26

A melhoria na agricultura no Reino e nos domínios ultramarinos àquela época era um


ponto chave na execução dos projetos coloniais, por uma série de razões que dizem respeito
às tensas relações e um frágil equilíbrio com os reinos e os impérios europeus vizinhos. A
agricultura, melhor dizendo, de interesses imediatos para a metrópole, como fica claro nas lista-
gens executadas por Vandelli nas memórias econômicas, e sobre quais espécies deveria haver

26 Memória sobre a Agricultura deste Reino, e das suas conquistas. Memorias econômicas da Academia das
Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas.
Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 164.

44 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

maiores incentivos nas colônias ultramarinas. Na “Memória sobre a Agricultura deste Reino, e
das suas conquistas”, há um diagnóstico de como as atividades agrícolas haviam sido levadas
em consideração até então, com as considerações “físicas e morais” das razões pelas quais até
aquele momento mantinham os cultivos agrícolas em um estágio precário. Na agricultura do
Reino, Vandelli atenta para as várias possibilidades, desde os vinhedos ao cultivo do trigo e daí
para toda uma miríade de possibilidades de abastecimentos agrícolas.
Acerca das “conquistas”, o diagnóstico se mostra mais preocupado com a má utilização dos
recursos. Acerca das ilhas atlânticas explicita principalmente o que poderia servir de utilidade
no aproveitamento para o comércio: “as ilhas de S. Thomé, Annobom, e do Príncipe são muito
férteis, principalmente a de S. Thomé, na qual nasce sem cultura a canela, pimenta, gengibre,
e anil”.27 Sobre Angola, o diagnóstico também caminha no sentido de demonstrar um suposto
descuido das autoridades coloniais para com a agricultura, desconhecendo ou ignorando
completamente a política colonial para aqueles espaços: “Angola, pela sua extensão, e fertili-
dade se poderia computar entre os reinos mais ricos, se fosse cultivada; porém acha-se inculta,
e cheia e vastos bosques e campinas inúteis, e somente nos arredores das habitações se cultiva
milho, legumes e uma espécie particular de painço muito miúdo.”28
Essa crítica ao desperdício do mundo natural acabou por se fazer bastante difundida entre
vários pensadores lusitanos e luso-brasileiros àquela época, inclusive atravessando as gerações
seguintes, engendrando a seu modo uma preocupação explícita com o mundo natural e uma
crítica veemente ao uso irrestrito e irracional dos recursos naturais no Brasil; mesmo que essa
preocupação se mostrasse utilitária quanto ao uso, se apresentava entretanto como uma matriz
importante de preocupação com o mundo natural no Brasil escravista (Pádua, 2002).
Acerca desta última possessão colonial, o Brasil, Vandelli é lacônico: “o trabalho de toda
a agricultura é encarregado aos escravos pretos, não havendo branco algum, que se digne ser
lavrador; principal causa porque no Brasil nunca poderá ter grande aumento a Agricultura”.29
Para o pensamento fisiocrata e ilustrado daquela época, é importante destacar, o mal não estava
configurado em algum embrião do pensamento racialista que grassaria fortemente ao longo
do século XIX, mas propriamente por a sociedade colonial configurar-se como uma sociedade
escravista. Numa ordem que hierarquizava as produções humanas, a agricultura seria o ponto
principal, só a partir dela o comércio e as artes se desenvolveriam, e com elas a sociedade
idealizada e almejada pelos fisiocratas.
O pensamento fisiocrata se punha como antítese do escravismo e da escravidão, embora
os pensadores que dele se apropriaram pouco tenham feito de concreto contra a nefanda insti-
tuição. O argumento central residia na ideia de que, com ela, existiria pouco ou nenhum contato
das populações locais com o elemento principal para florescimento da “civilização”. A escravidão
produzia o distanciamento dos indivíduos para com o mundo natural. No caso dos africanos

27 Memória sobre a Agricultura deste Reino, e das suas conquistas. Memorias econômicas da Academia das
Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas.
Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 169.
28 Memória sobre a Agricultura deste Reino, e das suas conquistas. Memorias econômicas da Academia das
Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas.
Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 169.
29 Memória sobre a Agricultura deste Reino, e das suas conquistas. Memorias econômicas da Academia das
Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas.
Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 170.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 45
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

escravizados, estes eram dessocializados e ressocializados em um ambiente hostil, onde grassava


a violência, pouca atenção era dada a vida humana e concomitantemente a isso pouco valor era
também atribuído ao mundo natural. Interessante atentar, no entanto, que no caso de Angola
e das demais possessões ultramarinas, Vandelli não havia mencionado a mácula da escravidão
que operava nas possessões coloniais como causa do atraso da agricultura. Longe disso, havia
inclusive mencionado um plano de aclimatação de plantas nas ilhas atlânticas, pensando nas
melhores possibilidades de cultivo e de fazê-las circular. Como se explica então o incômodo
unicamente com a América portuguesa?
A princípio, levemos em consideração que os escritos das memórias econômicas traziam
em si uma preocupação com os vários domínios coloniais espalhados pelo globo. No entanto,
as memórias sobre matérias concernentes ao Reino e ao Brasil de longe eram as que mais
devotavam a atenção dos pensadores ilustrados e reformistas que escreviam e organizavam
a editoração. Isso se explica, inclusive, em parte pelo que Vitorino Magalhães Godinho havia
caracterizado como “virada estrutural para o Atlântico” (Godinho, 1968), um grande afluxo
de comerciantes e capitais saídos das possessões asiáticas após as guerras do período da
Restauração, que voltaram suas atenções para a América portuguesa. Nas palavras de Jaime
Cortesão, a restauração portuguesa consistiu na “passagem do Império, de oriental a atlântico,
mudando a base econômica, das especiarias para o açúcar, e correlativamente na passagem de
um capitalismo monopolizador e restrito à capital a uma proliferação de atividades mercantis
dispersa por portos provinciais” (Cortesão, 1940; Mello, 2011, p. 21).
Essa política, “virada estrutural”, para o Atlântico, resultava na circulação de espécies vege-
tais a serem transplantadas para as possessões do Atlântico, principalmente para a América
portuguesa, como escreve em sua memória “da Transplantação das Árvores mais úteis de países
remotos,” o naturalista João de Loureiro:

as árvores de cravo, e muscada, podem ser cultivadas na África, aonde estão situadas as
Ilhas de França, e Bourbon: e também na América, aonde ficam Cayenna, sem perderem
nada do seu valor. Pois logo porque não se poderão cultivar igualmente, e ainda melhor,
nas colônias portuguesas de Angola, e do Brasil? A qualidade do terreno, que é tão sensível
aos vegetáveis em diversos climas, não provém da diversa longitude dos lugares em que se
plantam, mas sim da latitude, ou altura do Polo, que sendo diversas, fazem com que sejam
mais ou menos oblíquas, mais ou menos receptíveis, e eficazes à influência dos astros, e
principalmente do Sol, que é o primeiro agente natural da vegetação. [...] A Ilha de França,
ou Maurícia, fica em 18 graus e meio, e a de Bourbon, ou Mascarenhas em 20 graus e meio,
ambas de latitude austral na África. Angola fica em perto de 9 graus na costa ocidental da
mesma África, donde para o norte, e sul, se estendem largamente as colônias portugue-
sas; e todas elas ficam mais próximas que as ilhas de França da linha equinocial, em cuja
vizinhança estão sitas as ilhas Molucas, e de banda, nas quais o cravo, e a muscada tem a
sua pátria natural, e primeira origem. As terras do Pará no Brasil ficam debaixo da mesma
linha; e por conseguinte sem a menor diferença de clima a respeito das Molucas; quando a
Cayenna francesa difere em 5 graus de distância para o norte. Mostrada acima identidade
do clima próprio para a transplantação das espécies aromáticas do cravo, e nas colônias
portuguesas, resta saber como se poderá executar bem a transportação.30

30 Loureiro, J. Da Transplantação das árvores mais úteis de países remotos. Memorias econômicas da Academia
das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas con-
quistas. Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 156-157.

46 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

Loureiro deixava claro que não haveria dificuldades em aclimatar, transplantar e fazer
circular espécies vegetais pelo globo entre as possessões portuguesas no Ultramar. E inclusive
se faz bastante interessante essa visão do globo enquanto uma infinidade de possibilidades
fitogeográficas, que, entretanto, Loureiro não levou adiante em escritos subsequentes.31 Cabe
atentar que os estímulos às plantas a serem cultivadas, aclimatadas e transplantadas para
América portuguesa seriam àquelas que tivessem algum interesse econômico para a metrópole
portuguesa, como deixa claro o naturalista, sublinhando o valor da canela da Índia, da noz
moscada, do algodão e do cravo. O “bem público” utilizado largamente na retórica da Ilustração,
disfarçava mal um anseio de organização das populações nativas no Ultramar, assim como um
anseio de domínio e reorganização dos espaços coloniais de forma mais “racional” em favor
das metrópoles europeias.
Sobre a América portuguesa ainda, Vandelli reafirma o grande potencial que poderia ser
dali extraído se essa se voltasse para uma melhor política de incentivos à agricultura. Aponta,
entretanto, dois grandes empecilhos. O primeiro deles era, paradoxalmente, a instituição da
escravidão, sobre a qual a colônia fora assentada, o outro empecilho diagnosticado por Vandelli
era a forma predatória como a agricultura era praticada. Acrescenta que a forma como esta
última se dava era na verdade a prática de uma contínua depredação, que

vai-se estendendo a agricultura nas bordas dos rios no interior do país; mas isso com um
método, que com o tempo será muito prejudicial, porque consiste em queimar antiquís-
simos bosques cujas madeiras pela facilidade do transporte pelos rios seriam muito úteis,
ou para construção de navios, ou para tinturaria, ou para marceneiros. Queimados estes
bosques, semeiam por dois, ou três anos, enquanto dura a grande fertilidade produzida das
cinzas, a qual diminuída, deixam inculto este terreno, e queimam outros bosques; e assim
vão continuando na destruição dos bosques nas vizinhanças dos rios com grave prejuízo.32

Era a própria atitude e o modo como tratavam do mundo natural como recursos naturais
inesgotáveis de modo completamente irracional, com grande desperdício, que preocupava
grande parte dos pensadores da Academia de Ciências (Pádua, 2002). Aliás, se faz interessante
atentar para a maneira como Vandelli, em poucas linhas, caracteriza a população do Brasil, prin-
cipalmente em relação aos grupos indígenas naquele último quartel do século XVIII. Explicita
o naturalista que “posto seja conhecido o imenso país do Brasil, quase despovoado e inculto
(sendo poucas as Nações errantes primeiras habitadoras deste feliz continente), não deixarei de
indicar brevemente o estado da Agricultura nos arredores das poucas povoações Europeias”.33
Há dois pontos principais a serem destacados nas assertivas de Vandelli e a política que
propõe a ser empreendida nas “conquistas” ultramarinas. Primeiro, a caracterização do Brasil
como “quase despovoado e inculto”. No olhar dos reformistas coloniais, e especificamente no
olhar do naturalista italiano, se fazia imperativo o empreendimento da política fisiocrata, voltada

31 Pensamento este que floresceria nos seus alvores anos mais tarde na pena de Alexander von Humboldt (1769-
1859). Ver principalmente Wulf (2016).
32 Memória sobre a Agricultura deste Reino, e das suas conquistas. Memorias econômicas da Academia das
Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas.
Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 170.
33 Memória sobre a Agricultura deste Reino, e das suas conquistas. Memorias econômicas da Academia das
Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas.
Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 170.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 47
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

para incremento dos cultivos agrícolas para solucionar estes problemas da economia colonial: a
falta de braços e o “baixo nível de civilização” das populações coloniais, nesse caso, cabe aqui
recordar a proximidade e as implicações semânticas entre os termos “agricultura”, “cultivo” e
“cultura”, este último no seu sentido hierarquizador e marcador de diferenças entre observado-
res e observados na política colonial, e ainda, o que esses termos representam, principalmente
para os anseios coloniais de transformação dessas mesmas populações.
O segundo ponto diz respeito à ideia pregada acerca das populações indígenas. Apresentadas
como “poucas nações errantes”, as representações da política colonial pós-pombalina incidiam
sobre um programa implementado poucas décadas antes da escrita da memória por Vandelli,
e que ressonou por vários anos ainda em narrativas que representavam as populações indí-
genas como em processo de incorporação à sociedade ou simplesmente como assimiladas às
populações locais, minando qualquer tipo de reivindicação política, ou mesmo manifestação
cultural por parte delas.
O mesmo pode ser observado na relação construída com o trabalho indígena. Mauro
Cézar Coelho observa que nesse pensamento de matriz fisiocrata e os planos para os espaços
coloniais, Alexandre Rodrigues Ferreira, por exemplo “não advogava um mundo colonial com
vida independente da metrópole, mas de um mundo colonial que proporcionasse riquezas à
metrópole à medida em que ele mesmo enriquecia. Pressupunha que na proporção do comércio
entre as povoações aumentasse o gosto pelo trabalho e pela acumulação” (Coelho, 2000, p. 170).
Ainda, nesse contexto do último quartel do século XVIII, tal leitura das populações indígenas
enquanto “poucas nações errantes” deságua naquilo que Walter Mignolo caracterizou como
“the denial of coevalness”, a negação da coetaneidade (Mignolo, 1995). Se via como legítimo
um processo que atropelasse qualquer tipo de reivindicações dos grupos indígenas, porque
estes eram simples “nações errantes”. Nomadismo que implicava uma hierarquia na apreensão
da temporalidade, o sujeito que se queria universal e objetivo da Ilustração, que observava
e classificava todo o seu entorno, entendia de forma generalizada e homogênea as popula-
ções indígenas lidas como remanescentes de outra temporalidade, representavam o passado
coabitando a mesma temporalidade e dividindo o mesmo espaço, sobre o qual se ansiava a
espacialização portuguesa, portanto, colonial.
Não obstante concluir seu raciocínio com um anseio referente à transformação das
populações indígenas locais empreendida por meio de um trabalho conjunto e com a forte
colaboração dos governadores coloniais, cujos exemplos eram Luiz de Pinto de Souza Coutinho,
em Mato Grosso, Gonçalo Lourenço Botelho, no Piauí, e o governador de Goiás, o barão de
Maçamedes, posto que teriam estes tido sucesso em “amansar e civilizar os Índios, e costumá-
-los à Agricultura, e a algumas artes; em poucos anos se cultivaria uma grande parte do Brasil,
e não se necessitaria de tantos negros, os quais com o tempo devem encarecer de modo, que
pouca conveniência se terá em transportá-los ao Brasil”.34
Ainda, cabe salientar que o discurso proferido por Vandelli nas memórias econômicas
tomam uma forma cronotópica (Bakhtin, 1981) no sentido que organizam o raciocínio e os
dados em forma de diagnóstico, e não obstante, retome esses diagnósticos, as causas físicas

34 Memória sobre Algumas produções naturaes das Conquistas as quaes ou são pouco conhecidas, ou não se
aproveitão. Memorias econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultu-
ra, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas. Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das
Sciencias, 1789. p. 170.

48 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

e morais, para impulsionar um prognóstico, um devir acentuando as medidas necessárias a


serem tomadas. Estas aparecem como “meios para fazer florescer a Agricultura”35 e culminam
com um chamado à organização de um conjunto de leis agrárias para o Reino e as conquistas.
Admitindo que a agricultura era a “primeira base da Sociedade”,36 havia ainda lugar nessa forma
de pensamento para o reconhecimento de outras formas de exploração, quais fossem através
de uma exploração extrativa, ou, nas palavras de Vandelli: “a riqueza maior que se deve tirar
das Conquistas é das outras suas naturais produções obtidas pela Agricultura, ou assim como
as subministra a Natureza”.37
No empreendimento de circulação dos espécimes vegetais, minerais, e principalmente de
informações no reconhecimento dos sertões dos domínios coloniais na América portuguesa
com esse olhar mais utilitarista, e olhar também da ciência e economia europeias, outros sujei-
tos históricos possuíram um papel mediador importante. Esse é o caso de Martinho de Mello
e Castro, ministro secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos,
que também era sócio honorário da Real Academia de Ciências. O ministro servia como uma
ponte entre os naturalistas de gabinete do Reino e os naturalistas de campo que percorriam
as possessões ultramarinas, mas, mais importante do que isso, uma ponte também entre os
funcionários régios, capitães-mores e ouvidores, que respondiam diretamente ao ministro, e os
naturalistas das “centrais de cálculo” como Domenico Vandelli, acerca desse empreendimento
de reconhecimento das potencialidades dos domínios coloniais.
O intermédio de Martinho de Melo e Castro se faz notar também em outras searas. Nas
potencialidades apontadas a serem melhor exploradas e observadas com maior atenção por
Domenico Vandelli em sua “Memória sobre algumas produções naturaes das Conquistas, as
quaes ou são pouco conhecidas, ou não se aproveitão”, cotejadas com as correspondências
trocadas entre autoridades locais e o ministro e secretário de Estado emergem interessantes
indícios acerca desse intermédio. Nos textos de Vandelli, produto das relações de busca e
exploração de potencialidades dos vários domínios coloniais, o naturalista italiano apresenta
alguns minerais recém-encontrados ou algumas minas até então pouco devassadas, como por
exemplo, quando explicita as existências de tais minas afirma que “a rica e excelente mina de
cobre existe nos montes entre Piauí, e Jacobina, e outra nas Minas Geraes; e na cachoeira na
Capitania da Bahia, há poucos anos e descobriu um pedaço de Cobre nativo, que pesa 1666
arrateis, o qual foi transportado para este museu da Ajuda.” E ainda quando explicita com mais
vagar sobre a mesma matéria:

A rica e excelente mina de ferro de Angola, que por descuido se deixou de trabalhar; as
minas de ferro de Missão de Jaicó do Piauhy, e outra de Mato Grosso, e de São Paulo, e as

35 Memória sobre a Agricultura deste Reino, e das suas conquistas. Memorias econômicas da Academia das
Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas.
Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das Sciencias, 1789. p. 173.
36 Memória sobre Algumas produções naturaes das Conquistas as quaes ou são pouco conhecidas, ou não se
aproveitão. Memorias econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultu-
ra, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas. Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das
Sciencias, 1789. p. 177.
37 Memória sobre Algumas produções naturaes das Conquistas as quaes ou são pouco conhecidas, ou não se
aproveitão. Memorias econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultu-
ra, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas. Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das
Sciencias, 1789. p. 187.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 49
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

do Ciará merecem aproveitar-se, havendo tanta abundância de lenha, e sendo obrigados


a comprar de fora todo o ferro, o que faz também encarecer mais o trabalho das minas de
ouro, e dos diamantes.38

Estes pequenos trechos nos explicitam alguns elementos dessas perscrutações dos espa-
ços e das redes de circulação, entretanto obliterando as redes de relações, e principalmente as
experiências vividas e os processos de espacialização e negociação com o mundo natural e com
os grupos locais desses espaços coloniais. Nessas brechas podemos inferir e em alguns destes
identificar as negociações e principalmente o papel de intermediário tomado pelo ministro e
secretário de Estado Martinho de Mello e Castro. Acerca das minas referentes à capitania do
Ceará Grande, que emergem nas memórias de Vandelli, a sua identificação, as negociações para
a sua exploração junto à Coroa portuguesa eram àquela época fruto de negociações por mais
de dez anos, primeiro por parte de Antônio Gonçalves de Araújo, e posteriormente, com a sua
morte, por parte da viúva Francisca Xavier Borges, como é possível observar nas várias missivas
trocadas à época com as autoridades locais da capitania e também com o ministro de Estado,39
negociações que fluíam desde potentados locais, perpassando autoridades locais, ouvidores e
capitães-mores até chegar às memórias econômicas.
Anos depois, no decorrer da última década do século XVIII, na capitania do Ceará Grande,
vários outros projetos foram sendo apresentados, variando entre a perspectiva fisiocrata de apreen-
são do mundo natural, donde a agricultura era lida como “mãe dos povos”, e a versão extrativista,
de reforma e melhor aproveitamento das potencialidades mineradoras. Tais projetos, na capitania
do Ceará Grande, com indícios de investigação das potencialidades do mundo natural desde o
início da década de 1780, com projetos de transplantação de espécies vegetais e animais que se
adaptassem ao semiárido e à região das caatingas das Capitanias do Norte, culminaram com o
envio de um naturalista, João da Silva Feijó, por parte de dom Rodrigo de Sousa Coutinho, que
na sequência produz uma série de memórias políticas e filosóficas sobre a Capitania.
O naturalista foi agraciado com a mercê de sargento-mor por Maria I em fevereiro de
1799, mas sua chegada é datada apenas de outubro do mesmo ano. Esta primeira carta, indica
também o primeiro caminho percorrido, assim como suas principais intenções na capitania:

Por me ver obrigado a desembarcar na Bahia Fermoza ao Norte da Paraíba, vim por terra
a esta Capitania, onde depois de trinta e dois dias de penível viagem, cheguei aos vinte e
quatro de Outubro do Corrente; e a quatro de Dezembro, por ordem do meu governador,
parti para Villa do Monte Mor o novo de Baturité, a fim de examinar certo terreno deste
distrito, daqui distante quinze léguas, onde chamam o Canindé, que por um pequeno exame,
que fiz em uma limitadíssima porção de terra, que dali foi levada ao Governador, suponho
ter salitre; [...] Tão bem tenho examinado certo sítio da Ribeira do Xoró, que se supõem ser

38 Memória sobre Algumas produções naturaes das Conquistas as quaes ou são pouco conhecidas, ou não se
aproveitão. Memorias econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultu-
ra, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas. Tomo I. Lisboa: na Officina da Academia Real das
Sciencias, 1789. p. 187.
39 Requerimento de Francisca Xavier Borges, viúva do capitão Antônio Gonçalves de Araújo, proprietário das
minas de prata [d. Maria I], a pedir para ser confirmada como sócia nas minas do chumbo com quem concorra
com a quantia necessária da exploração das lavras. Anexo: alvarás impresso e requerimentos. AHU. Conselho
Ultramarino. Avulsos: Capitania do Ceará. Projeto Resgate Barão do Rio Branco. Caixa 9; doc: 561 digitalizado:
disco 2; pasta 2; n. 263. Lisboa: Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), [ant. a 22 nov. 1777].

50 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

o célebre Uxoró, de que se faz menção na História Geral das Viagens ao Brasil, onde se diz
haver grande abundância de Salitre vertente das pedras, que ali se acham na distância da
sua embocadura, se não me engano, dois dias de viagem pela terra dentro; de certo que
aí se encontrão umas pedreiras (Feijó citado em Nobre, 1978, p. 179).

Alguns aspectos saltam aos olhos nessa primeira representação da viagem e mapeamento
do espaço. O primeiro deles diz respeito à procura pelos metais, sobre os quais circulavam as
notícias nas memórias econômicas. O salitre e o ferro interessavam mais diretamente ao natura-
lista nos arredores da vila de Fortaleza. O outro aspecto diz respeito a um certo reconhecimento
das tradições sobre aquele espaço. Uma busca por afirmação e reconhecimento de aspectos
mencionados em viagens anteriores e dos imaginários coloniais que circulavam sobre a capitania,
de elementos que se poderiam enfim confirmar ou negar através da experiência concreta. O
“célebre Uxoró” deixaria então de ter o seu aspecto mítico ou lendário e passaria para o plano
da existência concreta por meio da experiência da viagem, preceito da Ilustração. Não deixa de
chamar a atenção, entretanto, antes uma vontade de reconhecimento em suas viagens do que
propriamente a existência de maiores evidências acerca do objeto de suas buscas.
O caminho percorrido pelo naturalista nesses primeiros anos, a partir do qual foram produ-
zidas duas memórias filosóficas, a “Memória sobre as Antigas Lavras do Oiro da Mangabeira”
e a “Memória sobre as minas de ferro do sítio de Choró”, além da representação cartográfica
sobre as minas de salitre, “Carta topográfica sobre as minas de Salitre”, foram os caminhos da
vila de Monte-mor o Novo até Canindé, também nas imediações da vila de Fortaleza e de lá
a um sítio chamado Choró, a sessenta léguas dali, incluindo o reconhecimento das terras nas
proximidades da Serra dos Cocos, segundo o que relata nas suas cartas. Em dezembro, em uma
nova missiva, o naturalista afirmava ter viajado para a outra porção da capitania, incluindo o
distrito de Caracu. E finalmente em março de 1800, menciona a visita a mina de Tatajuba, “situado
no centro do Sertão desta Capitania em um lugar seco e agreste chamado Serrote do Rosário
distante desta vila 55 léguas, da de Sobral 31, e de Campo Maior de Quixeramobim, 23” (Feijó
citado em Nobre, 1978, p. 185). Todas essas primeiras viagens possuíam as preocupações claras
de se mapear ou de se confirmar as potencialidades minerais da capitania do Ceará Grande, que
já circulavam nas cartas e nos relatos anteriores das memórias econômicas: ferro, salitre e ouro.
No entanto, dois outros fatores podem lhe ter auxiliado na produção das representações
cartográficas. Primeiro, o governador da capitania Bernardo Manoel de Vasconcelos teria orde-
nado ao naturalista que “se dirija a quaisquer terras e mesmo as mais confinam com as do Piauí,
e Rio Grande do Norte, e se lhe constar, que nelas existe o Salitre que faz o assunto da sua
comissão e lhe tenho recomendado, que ao mesmo passo examine todas aquelas produções que
os três Reinos da natureza lhe possam oferecer nas terras desta Capitania afim de dar princípio
a uma flora que eu possa depois pôr na presença de V. Exca.” (Feijó citado em Nobre, 1978, p.
184). Isso explicaria, em parte, as razões dos espaços descritos e rapidamente representados
na carta “Capitania do Ceará iluminada pelo campo de cor”, de 1800, transbordarem o espaço
da capitania e avançarem para outras capitanias, principalmente as capitanias do Rio Grande
e do Piauí. E isso cumpriria portanto, a própria função a qual o novo capitão-mor governador
havia antes demandado ao ministro de Estado a presença de um perito para as investigações
das potencialidades da capitania.
Fator preponderante para o rápido aparecimento dessa representação geográfica, diz
respeito às trocas de conhecimentos e a circulação de informações junto às populações locais.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 51
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

As missivas trocadas com o ministro dom Rodrigo de Sousa Coutinho, e a prestação de contas
com as primeiras diligências em relação aos minérios, e em especial o salitre da capitania,
evidenciam a presença dos indígenas e de grupos locais junto ao naturalista. Nessa relação,
além da constante presença de indígenas recrutados para o trabalho por meio dos diretores,
aparece também uma série de moradores locais, possivelmente das vilas de índios, com uma
regular frequência, como Miguel Joaquim, André Giz e José Garcia, ao lado de Gervazio M.el.
Mas também, o alferes “Mathias Ferreira Nobre, que foi prático; a cada um 21 dias a trezentos,
e vinte réis” (Feijó citado em Nobre, 1978, p. 184).
Os serviços de práticos, populações locais hábeis no conhecimento do território, eram e
são bastante utilizados principalmente nas regiões de entrocamentos de rios, como no caso da
navegação do Amazonas, serviço utilizado até os nossos dias, mas também naqueles sertões
das caatingas, como bem asseverava Teodoro Sampaio, a tomada de uma vereda errada pode-
ria significar um risco demasiado alto (Sampaio, 1899-1900, p. 79-94). Nesse caso, os práticos
dos sertões utilizados e parcamente remunerados pelo naturalista indicam também fortes
dificuldades enfrentadas no deslocamento pelo mundo natural da capitania, que se mostrava
particularmente hostil aos adventícios e aos agentes da administração da Coroa, um sertão a ser
desbravado, mapeado e descrito pelo poder colonial, que ainda era um espaço e um ambiente
hostil, a ser negociado, espaço do “outro”, apesar de todo o esforço colonial.
Os práticos e os conhecimentos locais seriam de suma importância para essas negociações
com o mundo natural nesse período, que antes, no final do século XVII e ao longo do século
XVIII haviam sido devassados e palmilhados pela pecuária extensiva, mas que as demandas
contemporâneas, do final do século XVIII, impeliam a uma aproximação maior, um melhor reco-
nhecimento de outras potencialidades, de outros produtos coloniais, que viriam a ser descritos
e observados pelo olhar da ciência, para uma melhor inserção daqueles sertões ao sistema
colonial, e um melhor aproveitamento das potencialidades. Olhar também que se voltava para
as populações locais, e aqueles que não se enquadravam nos anseios coloniais de então, passam
a ser classificados (ou desclassificados) pelo olhar da Coroa portuguesa e seus servidores.
Os caminhos interiores não se mostravam de fácil tráfego, e na maior parte das vezes se
inclinavam em relação às intempéries climáticas, como indicariam dali a poucos anos os relatos de
ouvidores, capitães-mores e mesmo do viajante inglês Henry Koster, impossibilitando o trafegar
por aquelas paragens. O governador da capitania Bernardo Manoel de Vasconcelos, em suas
cartas deixava esse aspecto evidente quando afirmou que “não obstante a grande dificuldade,
que em tempo de verão se apresenta viajar nos sertões, sendo necessário conduzir o sustento
e água para as pessoas, e mesmo para as cavalgaduras, porque de ambas estas duas coisas é
raríssimo o encontro, e a condução dispendiosa”.40 Negociações que se faziam, portanto, com os
habitantes locais e com o mundo natural, numa tentativa de justaposição e espacialização colo-
nial que negocia o tempo todo com o espaço e a agência do outro, mesmo que o pensamento
ilustrado em fins do século XVIII tenha por meta invisibilizá-los, conforme o entendimento de
civilização europeia e conforme as leituras e geografias coloniais (Figueiredo, 2019).

40 Carta de Bernardo Manoel de Vasconcellos à dom Rodrigo de Sousa Coutinho, c. 1799 (citada em Nobre,
1978, p. 185).

52 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023
Antonio José Alves de Oliveira

Considerações finais
A trama da produção dos projetos coloniais, elaborada na relação estreita com o Reformismo
Ilustrado no último quartel do século XVIII, deságua numa dada relação construída com o mundo
natural, com visões sobre a natureza e sobre as populações coloniais. O Reformismo Ilustrado
na tênue relação entre a Coroa e os domínios coloniais, mormente a América portuguesa, se
propõe a responder à crise do sistema colonial por meio de uma proposição política que daria
grande margem de mobilidade aos colonos nas possessões ultramarinas, com a circulação mais
intensa de espécimes vegetais, com a transplantação de espécies que poderiam ser melhor
aproveitadas nos sertões da América portuguesa. Circulação essa, que, entretanto, possuía e
possui vários níveis de apreensão e de tradução, como buscamos observar. Assim, a Academia
das Ciências de Lisboa, nesse período, por meio de seus produtos culturais, principalmente as
memórias econômicas, se encontra em meio a esses vários debates, políticos, econômicos e
científicos. E é justamente por meio dessas memórias, e de uma série de escritos desses homens
de ciência ilustrados, com suas projeções coloniais em disputa, que se pode observar as várias
dimensões da consciência imperial, que buscava fazer circular conhecimentos, transplantando
também para os sertões da América portuguesa paisagens com as quais fosse identificada
uma cultura do melhor aproveitamento dos espaços, principalmente a partir de introdução de
espécies vegetais, e incentivos à agricultura e ao comércio. Entretanto, pensar os espaços se
faz bastante diferente do vivenciar e experimentá-los diretamente. Tais ambientes se mostra-
vam muito mais hostis do que as proposições nas memórias econômicas faziam acreditar, e na
circulação da ciência colonial, na tentativa de transformar os espaços em ambientes coloniais,
negociações com agentes humanos e não humanos se faziam necessários, e mesmo impres-
cindíveis no intento e na implementação de projetos coloniais.

Referências bibliográficas

ARRUDA, J.J. de A. Decadência ou crise do império luso-brasileiro: o novo padrão de colonização do século XVIII.
Revista USP, v. 46, p. 66-78, 2000.

BAKHTIN, M. The dialogic imagination: Four essays. Austin: University of Texas Press, 1981.

CANIZARES-ESGUERRA, J.; THURNER, M. The invention of Humboldt: on the geopolitics of knowledge. New York;
London: Routledge, 2022.

COELHO, M.C. A civilização da Amazônia – Alexandre Rodrigues Ferreira e o Diretório dos índios; a educação de
indígenas e luso-brasileiro pela ótica do trabalho. Revista de História Regional, v. 5, n. 2, p. 149-174, 2000.

CORTESÃO, J. A geografia e a economia da Restauração. Lisboa: Seara Nova, 1940.

CURTO, D.R. Cultura imperial e projetos coloniais: séculos XV a XVIII. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.

DEAN, W. A botânica e a política imperial: a introdução e a domesticação de plantas no Brasil. Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 216-228, 1991.

DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.

Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023 53
O Reformismo Ilustrado e a construção de espaços coloniais: os sertões da América portuguesa nas memórias
econômicas da Academia das Sciencias de Lisboa (1779-1800)

FERREIRA, B.F.L. Memória sobre as viagens filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da
Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro v. 12, n. 1, p. 138-152, 2019.

FIGUEIREDO, A. Mairi dos Tupinambá e Belém dos portugueses: encontro e confronto de memórias. In: SARGES, M.
de N.; FIGUEIREDO, A.; AMORIN, M.A. O imenso Portugal: estudos luso-amazônicos. Belém: Editora da UFPA,
2019. p. 19-41.

GERBI, A. A disputa pelo Novo Mundo: história de uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

GODINHO, V.M. 1580 e a Restauração: ensaios. v. II: Sobre a história de Portugal. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora,
1968.

LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp, [1998]
2000.

MELLO, E.C. de. O negócio do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

MIGNOLO, W. The darker side of Renaissance: Literacy, territoriality and colonization. Ann Arbor: The University of
Michigan Press, 1995.

NOBRE, G. da S. João da Silva Feijó: um naturalista no Ceará. Fortaleza: Grecel, 1978.

NOVAIS, F. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 5. ed. São Paulo: Hucitec, [1979] 1989.

PÁDUA. J.A. “Um sopro de destruição”: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

PEREIRA, M.R.; SANTOS, R.M. dos. João da Silva Feijó: um homem de ciência no Antigo Regime português. Curitiba:
Editora da UFPR, 2012.

RAJ, K. Relocating modern science: Circulation and the construction of knowledge in South Asia and Europe, 1650-
1900. New York: Palgrave Macmillan, 2007.

RAMINELLI, R. Ciência e colonização: a viagem filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Tempo, v. 6, n. 3, p. 157-
182, 1998.

RAMINELLI, R. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo à distância. São Paulo: Alameda, 2008.

SAFIER, N. Measuring the New World: Enlightenment science and South America. University Chicago Press, 2008.

SAMPAIO, T. O sertão antes da conquista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 5,
s.n., p. 79-94, 1899-1900.

SCHWARCZ, L.M. (com AZEVEDO, P.C. e COSTA, A.M.). A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa
à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

SCHWARTZ, S. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835). Tradução Laura Teixeira
Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

SILVA, J.A.T.R. da. A Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1834): ciências e hibridismo numa periferia euro-
peia. Tese (Doutorado em História e Filosofia das Ciências) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015.

WULF, A. A invenção da natureza: a vida e as descobertas de Alexander von Humboldt. São Paulo: Planeta, 2016.

Recebido em janeiro de 2023

Aceito em maio de 2023

54 Revista Brasileira de História da Ciência, ISSN 2176-3275, v. 16, n. 1, p. 31- 54, jan | jun 2023

Você também pode gostar