Trabalho de Psicologia Social

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VIII.

Algumas Questões da Prática da Política


Sexual

Teoria e Pratica

Os estudos acadêmicos reacionários exigem uma distinção entre "ser e dever-ser", entre
"conhecer e agir". Por isso se julgam "apolíticos", alheios à política. A lógica chega a
afirmar que o dever-ser nunca pode ser deduzido do ser. Vemos nessa atitude uma
limitação que tem por finalidade permitir que o acadêmico se dedique às suas pesquisas,
sem ser obrigado a tirar daí as consequências inerentes a todo conhecimento científico
sério. As conclusões científicas são invariavelmente progressistas, frequentemente
mesmo revolucionárias. Para nós, a construção de pontos de vista teóricos justifica-se
pelas necessidades da vida concreta, pela necessidade imperiosa de resolver problemas
de ordem prática, e deve ter por objetivo um novo modo de agir, melhor e mais
adequado, na resolução de tarefas práticas. Vamos mais longe ao afirmar que uma teoria
só tem algum valor para nós quando se comprova na prática e através da prática.
Deixamos tudo o mais aos malabaristas do intelecto, aos defensores da ordem baseada
nos "valores". Acima de tudo, devemos superar o erro básico cometido pela teologia,
que se limita a tecer considerações acadêmicas, não podendo, portanto, apontar uma
solução racional. Partilhamos da opinião de muitos pesquisadores de que o misticismo
religioso, em todas as suas formas, significa obscurantismo e estreiteza de visão.
Sabemos que a religiosidade humana se converteu, ao longo dos séculos, em
instrumento do poder; também neste ponto partilhamos da opinião de alguns
estudiosos acadêmicos. Mas distinguimo-nos deles pela firme vontade de levar até o fira
o combate contra o misticismo e a superstição, de transformar o nosso saber numa
prática tenaz. Será que as ciências naturais esgotaram todos os seus recursos, na luta
contra o misticismo? Devemos responder pela negativa. O misticismo, em contrapartida,
mantém no obscurantismo as massas humanas. Mas queremos fazer um pequeno
resumo da história dessa luta, através de uma breve retrospectiva.

A Luta Contra o Misticismo Até Agora

No desenvolvimento do misticismo e na luta travada contra ele, podem-se distinguir


quatro fases. A primeira caracteriza-se pela ausência total de uma concepção científica
das coisas prevalecendo a concepção animista. Temendo o que lhe parece
incompreensível, o homem primitivo sente necessidade de encontrar uma explicação
para os fenômenos da natureza. Por um lado, ele precisa dar à sua vida um sentido que
lhe inspire segurança, e, por outro lado, procura proteção contra as forças superiores da
natureza. Essas duas necessidades são satisfeitas (subjetivamente mas não
objetivamente) pelo misticismo, pela superstição e pela concepção animista dos
fenômenos naturais, incluindo os seus próprios processos psíquicos interiores. Assim,
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acredita que pode aumentar a fertilidade do solo, erigindo esculturas fálicas, ou
defender-se da seca, urinando. Esta situação manteve-se inalterada, nos seus aspectos
essenciais, entre todos os povos do mundo até o final da Idade Média, época em que os
princípios da explicação científica da natureza, em estreita relação com algumas
descobertas de ordem técnica, começaram a revestir-se de um caráter de seriedade que
ameaçava qualquer tipo de misticismo. No processo da grande revolução burguesa,
assiste-se ao desencadear de um aceso combate contra a religião, e a favor do
conhecimento: aproxima-se o momento em que o misticismo pode ser substituído pela
ciência, na explicação da natureza, e em que a tecnologia vai-se tornando cada vez mais
capaz de assumir um papel significativo em relação às necessidades humanas de
proteção (segunda fase). Mas agora que os revolucionários estão no poder não são mais
revolucionários. Eles criam uma contradição do processo cultural: por um lado,
fomentam por todas as formas a investigação científica, porque esta apoia o progresso
econômico, mas, por outro lado, servem-se do misticismo como principal instrumento
para a repressão dos milhões de assalariados (terceira fase). Esta contradição tem uma
expressão tragicômica, por exemplo, em filmes científicos do gênero de Natureza e
Amor, em que cada parte é precedida de dois títulos. No primeiro, lê-se alguma coisa
como: "A Terra evoluiu ao longo de milhões de anos através de processos cósmicos,
mecânicos e químicos." No segundo: "No primeiro dia, Deus criou o Céu e a Terra." E a
este filme assistem sábios, astrônomos e químicos que contemplam em silêncio esta
união irônica, convencidos de que "a religião tem também o seu lado bom". São
ilustrações vivas do divórcio entre teoria e prática. O deliberado encobrimento das
descobertas científicas à grande massa da população e processos como os que tiveram
lugar nos Estados Unidos visam promover a submissão, a falta de senso crítico, a
renúncia voluntária e a esperança na vida extraterrena, a crença na autoridade, o
reconhecimento da santidade da vida ascética e a inviolabilidade da família autoritária.
Os trabalhadores e os burgueses intimamente ligados a eles criam o movimento dos
livres-pensadores que a burguesia liberal admite de bom grado, desde que não exceda
determinados limites. Mas esse movimento opera com meios insuficientes, recorrendo
exclusivamente a argumentos de ordem intelectual, ao passo que a Igreja conta com o
auxílio do aparelho de poder do Estado e se apoia, do ponto de vista da psicologia de
massas, nas forças emocionais mais poderosas: a angústia sexual e a repressão sexual.
Esse grande poder na esfera emocional não é contrabalançado por nenhuma força
emocional equivalente. E, se é que os livres-pensadores empregam a política sexual, ou
padecem de intelectualismo ou limitam-se a questões de política demográfica; na
melhor das hipóteses, exige a igualdade de direitos da mulher no plano econômico, o
que, contudo, não consegue ter um efeito de massas contra as forças do misticismo. Isto
porque, para a maioria das mulheres, o desejo de alcançar a independência econômica é
inconscientemente refreado pelo medo da liberdade e consequente responsabilidade
sexual, implícitas na independência econômica.
As dificuldades na superação desses fatores de natureza emocional forçam o
movimento revolucionário de livres-pensadores a relegar para segundo plano as
chamadas questões filosóficas porque, neste ponto, chega-se muitas vezes a resultados

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opostos aos pretendidos: trata-se de uma posição compreensível, já que não se pode
opor ao misticismo nenhuma força emocional de igual intensidade.
A revolução russa permite conduzir o combate contra a religião a um nível muito
mais elevado (quarta fase). O aparelho do poder já não está nas mãos do capitalismo e
da Igreja, mas nas mãos das comissões executivas dos sovietes. O movimento anti-
religioso adquire um fundamento sólido: a reorganização coletiva da economia. Torna-se
possível, pela primeira vez, substituir, em grande escala, a religião pela ciência, o
sentimento de proteção oferecido pela superstição por uma tecnologia sempre
crescente, destruir o misticismo com a explicação sociológica das funções do misticismo.
O combate contra a religião efetua-se na União Soviética essencialmente sob três
formas: pela supressão da base econômica, portanto de um modo diretamente
econômico; pela propaganda anti-religiosa, portanto de um modo diretamente
ideológico; e pela elevação do nível cultural das massas, portanto de uma maneira
ideológica indireta.
A enorme importância do aparelho de poder de que dispunha a Igreja pode ser
verificada através de alguns números que esclarecem a situação que existia na Rússia
antes da revolução. Em 1905, a Igreja russa possuía cerca de 2 milhões de hectares de
terras. Em 1903, as paróquias de Moscou possuíam 908 casas, e os conventos, 146. Os
rendimentos anuais dos metropolitanos elevavam-se em Kiev a 84 000 rublos, em S.
Petersburgo a 259 000 rublos, em Moscou a 81 000 rublos, em Nijni-Novgorod a 307 000
rublos. Não é possível fazer um cálculo referente às receitas em espécie e moeda
recebidas por cada cerimônia religiosa. A Igreja empregava 200 000 pessoas, as quais
sustentava por meio de impostos arrecadados das massas. O mosteiro de Troitskaya
Lavra, ao qual se dirigiam em média 100 000 peregrinos por ano, possuía vasos sagrados
cujo valor é calculado em 650 milhões de rublos.
Apoiando-se no seu poder econômico, a Igreja podia exercer o seu poder
ideológico em proporções idênticas. É evidente que todas as escolas eram religiosas e
submetidas ao controle e domínio dos padres. O primeiro artigo da constituição da
Rússia czarista estipulava: "O soberano de todos os russos é um monarca autocrata e
absoluto, e é Deus que ordena a submissão voluntária ao poder do seu governo."
Sabemos já o que "Deus" representa e em que sentimentos infantis da estrutura humana
essas pretensões ao poder podem encontrar ressonância. Hitler reestruturou a Igreja na
Alemanha exatamente da mesma maneira: reforçou a sua autoridade, e conferiu-lhe o
direito pernicioso de preparar o espírito das crianças, nas escolas, para absorverem as
ideologias reacionárias. A tarefa de elevar os "padrões morais" ocupa a primeira linha na
batalha que Hitler trava para executar a vontade do Deus supremo. Mas voltemos ao
caso da Rússia, antes da revolução.
Nos seminários e academias eclesiásticas havia disciplinas especialmente
destinadas ao combate contra o movimento revolucionário. No dia 9 de janeiro de 1905,
apareceu um panfleto eclesiástico em que os operários revoltados eram acusados de
estar a serviço dos japoneses. A revolução de fevereiro de 1917 pouco alterou esta
situação; as Igrejas foram equiparadas, mas não se confirmou a tão esperada separação
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entre a Igreja e o Estado, e, à frente da administração da Igreja, foi colocado o príncipe
Lvov, grande proprietário. Numa assembleia eclesiástica, em outubro de 1917, os
bolcheviques foram excomungados; o patriarca Tikhon declarou-lhes guerra.
No dia 23 de janeiro de 1918, o governo soviético promulgou o seguinte decreto:
No que diz respeito à religião, o Partido Comunista Russo não se dá por
satisfeito com a separação já decretada entre a Igreja, de um lado, e o Estado e a
escola, do outro, isto é, com medidas também preconizadas pelo programa da
democracia burguesa, que nunca foram postas em prática com rigor, em parte
alguma do mundo, dadas as numerosas relações de fato existentes entre o capitai
e a propaganda religiosa.
O Partido Comunista Russo está convencido de que só o exercício do
método e da consciência em todos os setores da vida social e econômica das
massas pode conduzir ao desaparecimento completo dos preconceitos religiosos.
O Partido tenciona eliminar completamente todas as relações entre as classes
exploradoras e a organização da propaganda religiosa: está sendo organizada uma
ampla propaganda antirreligiosa e de esclarecimento científico que contribuirá
decisivamente para libertar as massas trabalhadoras dos preconceitos religiosos.
Ao fazê-lo, deve-se evitar cuidadosamente ferir a sensibilidade dos crentes, pois
isso só poderia resultar na consolidação do fanatismo religioso.
Consequentemente, são proibidas em todo o território da República as portarias
locais que limitam a liberdade de consciência ou instituem privilégios para aqueles que
pertencem a determinada confissão religiosa (§ 2 do decreto).
Todo cidadão é livre para professar qualquer religião ou para não professar
nenhuma; ficam abolidas todas as restrições jurídicas anteriores, relacionadas com esta
questão.
Deve-se eliminar de todos os documentos oficiais qualquer referência à crença
religiosa de um cidadão (§ 3 do decreto).
As atividades de todas as instituições públicas e outras instituições oficiais e
sociais devem ser realizadas sem qualquer rito ou cerimônia religiosa (§ 4).
O livre exercício das práticas religiosas é garantido, desde que não provoque
perturbações da ordem pública ou limitações dos direitos dos cidadãos da União
Soviética. Caso contrário, as autoridades locais estão habituadas a tomar as medidas
adequadas para salvaguardar a paz e a ordem pública (§ 5).
Ninguém pode furtar-se aos seus deveres cívicos, em nome das suas convicções
religiosas.
As exceções a esta regra só são admitidas por decisão do tribunal popular, que
analisará cada caso particular, e sob condição de um dever cívico ser substituído por
outro (§ 6).

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É abolido o juramento religioso. Em caso de necessidade, pronunciar-se-á uma
declaração solene (§7).
As certidões de estado civil são asseguradas exclusivamente pelas autoridades
civis, especificamente pelos departamentos de registro, no caso de casamentos e
nascimentos (§ 8). A escola é separada da Igreja.
A propagação de doutrinas religiosas é proibida em todos os estabelecimentos de
ensino oficiais e particulares onde se ensinem matérias de cultura geral (§ 9).
Todas as associações eclesiásticas e religiosas estão sujeitas às disposições gerais
referentes às associações e agrupamentos privados, e não gozam de quaisquer
privilégios ou subsídios por parte do Estado ou dos órgãos locais autônomos de
autogestão (§ 10).
É ilícita a cobrança obrigatória de impostos a favor das associações eclesiásticas e
religiosas, no seio dos seus membros (§ 11).
As associações eclesiásticas e religiosas não possuem direito de propriedade e,
como tal, não gozam dos direitos de pessoa jurídica (§ 12).
Toda a propriedade das associações eclesiásticas e religiosas na Rússia é
declarada propriedade do povo.
Os edifícios e objetos destinados ao culto religioso são deixados para uso gratuito
das respectivas associações religiosas, por determinação especial das autoridades locais
ou centrais (§ 13). Os padres, monges e freiras não têm direito de voto, ativo ou passivo,
porque não realizam trabalho produtivo."
A partir de 18 de dezembro de 1917, o controle dós documentos de estado civil
foi confiado às autoridades soviéticas. Junto do Comissariado Popular da Justiça, foi
criada uma repartição liquidatária, que iniciou a liquidação da propriedade da Igreja. No
mosteiro de Troitski Lavra, por exemplo, instalou-se uma academia para a divisão
eletrotécnica do Exército Vermelho, assim como um instituto técnico de pedagogia. Nos
jardins ao redor do mosteiro, instalaram-se pools de trabalhadores e comunas; aos
poucos, as igrejas foram convertidas em clubes de trabalhadores e salas de leitura. A
propaganda religiosa começou com o desmascaramento do logro direto de que o povo
fora vítima, por parte da hierarquia religiosa. A fonte sagrada da igreja de S. Sérgio
acabou por tornar-se uma simples bomba de água; a fronte de alguns santos, que só
podia ser beijada a troco de dinheiro, mostrou ser um simples pedaço de couro,
habilidosamente arranjado. O efeito produzido por este desmascaramento, frente às
massas reunidas, foi imediato e radical. Ê evidente que tanto a cidade como o campo
foram inundados de panfletos e jornais de esclarecimento, distribuídos pela propaganda
ateia. A construção de museus de ciências naturais antirreligiosos permitiu a
confrontação das concepções científicas e supersticiosa do mundo.
Apesar disso tudo, ouvi dizer em Moscou, em 1929, que os únicos grupos contra-
revolucionários organizados e bem estruturados eram ainda as seitas religiosas. No

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entanto, a influência das seitas religiosas na vida sexual dos seus membros, e na própria
estrutura sexual da sociedade, foi gravemente negligenciada na União Soviética, tanto do
ponto de vista teórico como prático, o que teve sérias consequências.
Portanto, é incorreto afirmar que a Igreja foi "aniquilada" na União Soviética. A
prática da religião continuou a ser permitida. A Igreja apenas perdeu a sua supremacia,
no plano econômico e social. Já não podia obrigar os homens, fora do seu círculo de
crentes, a acreditar em Deus. A ciência e o ateísmo tinham finalmente adquirido os
mesmos direitos sociais que o misticismo. Nenhuma hierarquia religiosa podia, a partir
de então, decidir que um cientista natural fosse exilado. Isto é tudo. Mas a Igreja não
estava satisfeita. Mais tarde, quando a revolução sexual fracassou (a partir de 1934), a
Igreja reconquistou massas.

Felicidade Sexual Oposta ao Misticismo

A destruição do poder que a Igreja exercia fora do seu raio de ação significou apenas a
eliminação dos principais abusos da Igreja. Mas essa medida não afeta o seu poder
ideológico, que se apoia nos sentimentos de simpatia e nas estruturas supersticiosas do
indivíduo médio das massas. Por essa razão, o poder soviético começou a exercer
influência no plano científico. Mas o esclarecimento científico e o desmascaramento da
religião limita-se a colocar ao lado dos sentimentos religiosos uma força intelectual, aliás
muito poderosa, deixando o resto à mercê da luta entre o intelecto e os sentimentos
místicos do homem. Esta luta só é bem-sucedida em favor da ciência só quando se trata
de homens e mulheres que desde o início amadurecem sobre bases diferentes. Mesmo
assim, a luta pode redundar num fracasso, como comprovam os casos bastante
frequentes de materialistas lúcidos que acabam cedendo, de uma forma ou de outra, aos
seus sentimentos religiosos, por exemplo, sentindo uma necessidade imperiosa de rezar.
Um defensor astuto da religião saberá extrair daí argumentos para a sua causa,
afirmando que isso prova o caráter eterno e inextirpável do sentimento religioso. E
contudo não tem razão, pois isso só mostra que, embora tenha havido uma confrontação
entre o sentimento religioso e o intelecto, não foram afetadas as fontes daquele. Pode-
se chegar à conclusão de que os sentimentos místicos seriam totalmente despojados do
seu fundamento se, além de se eliminar a supremacia social da Igreja e de se opor à
sensibilidade mística uma força intelectual, os próprios sentimentos que alimentam o
sentimento místico fossem trazidos à consciência, podendo expandir-se livremente.
Experiências clínicas irrefutáveis comprovam que a sensibilidade religiosa provém da
sexualidade inibida, isto é, que a fonte da excitação mística é a excitação sexual inibida.
Disto se conclui necessariamente que uma consciência sexual clara e uma regulação
natural da vida sexual significam o fim de qualquer forma de misticismo, em outras
palavras: a sexualidade natural é inimiga mortal da religião mística. A Igreja, travando
sempre que pode o combate contra a sexualidade, e chegando a colocá-lo no centro dos
seus dogmas e no primeiro plano dos seus processos de atuação sobre as massas, apenas
vem reforçar a veracidade deste ponto de vista.

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Comecei por tentar reduzir um estado de coisas muito complicado à sua
expressão mais simples, quando afirmei que a consciência sexual é o fim do misticismo.
Veremos em breve que, por mais simples que seja esta fórmula, tanto o seu fundamento
real como as condições da sua concretização são extremamente complicados, e que
necessitamos de toda a aparelhagem científica à nossa disposição e da mais profunda
convicção quanto à necessidade de combater implacavelmente o misticismo, se
quisermos nos opor, com sucesso, ao refinado aparelho da superstição. Mas o resultado
final compensará todos os nossos esforços.
Para se ter uma ideia precisa das dificuldades a serem enfrentadas para a
realização prática dessa fórmula simples, torna-se necessário compreender bem alguns
dados básicos sobre a estrutura psíquica das pessoas submetidas a uma educação
sexualmente repressiva. O fato de algumas organizações culturais da parte ocidental da
Alemanha, predominantemente católica, terem desistido de lutar pela sobreposição da
economia sexual à intoxicação mística das massas, alegando fracassos anteriores, não
invalida a minha tese; ao contrário, testemunha a timidez, os medos sexuais e a
inexperiência, em matéria de economia sexual, daqueles que empreenderam essa luta, e
sobretudo a sua falta de paciência e de aplicação para se adaptarem, compreenderem e
finalmente dominarem um estado de coisas extremamente complicado. Por exemplo, se
eu me limitar a dizer a uma mulher cristã, sexualmente frustrada, que o seu sofrimento é
de natureza sexual e que só poderá livrar-se do seu sofrimento espiritual através da
felicidade sexual, ela sem dúvida me porá na rua e terá razão para isso, Estamos diante
de duas dificuldades: (1) cada pessoa tem em si contradições que devem ser
compreendidas individualmente; e (2) os aspectos práticos do problema diferem de
região para região, de país para país e, portanto, exigem soluções diferentes. Sem
dúvida, quanto maior for a nossa experiência no domínio da economia sexual, mais
facilmente seremos capazes de lidar com os obstáculos. Contudo, essas dificuldades só
serão eliminadas através da prática. Antes que qualquer avanço seja feito, é necessário
estarmos de acordo em que a nossa fórmula básica é correta e compreendermos a
verdadeira natureza das dificuldades. Se o misticismo tem dominado os homens através
dos milênios, é preciso que nós, principiantes, longe de subestimá-los, sejamos capazes
de compreendê-lo e de agir de modo mais inteligente, mais sutil e mais sábio do que os
seus representantes.

A Erradicação do Sentimento Religioso no Indivíduo

A partir da compreensão correta da inculcação biopsíquica do misticismo, podem-se


traçar diretrizes para o trabalho de higiene mental de massas. São extremamente
importantes as alterações que ocorrem no homem místico, no decorrer de um
tratamento de análise do caráter. Os conhecimentos que se obtêm através desse tipo de
tratamento não podem ser aplicados diretamente às massas, mas revelam-nos as
contradições, as forças e contraforças no indivíduo médio.

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Já descrevi o modo como são inculcados na estrutura humana as concepções e os
sentimentos místicos. Tentemos agora acompanhar nas suas características essenciais o
processo de erradicação do misticismo.
Como era de se esperar, a atitude mística funciona como uma resistência
poderosa ao desvendamento da vida psíquica inconsciente e, especialmente, da
genitalidade recalcada. É natural que a defesa mística vise, particularmente, não os
impulsos pré-genitais infantis, mas sim os impulsos genitais naturais, e especialmente a
masturbação infantil. O paciente se apega às suas concepções ascéticas, moralistas e
místicas, aguçando a oposição irreconciliável que vê entre o "elemento moral" e o
"elemento animal" no homem, isto é, a sexualidade natural; defende-se da sua
sexualidade genital, recorrendo a censuras moralistas. Acusa os que o rodeiam de não
compreenderem "valores espirituais" e de serem "cruéis, vulgares e materialistas". Em
resumo, quem conhece a argumentação usada pelos místicos e pelos fascistas nas
discussões políticas, e pelos caracterologistas e "humanistas" nas discussões científicas,
está habituado a este tipo de atitude, pois trata-se, no fundo, da mesma coisa. É natural
que o temor a Deus e a defesa moralista sejam reforçados quando se consegue relaxar
um pouco um elemento da repressão sexual. Se conseguimos eliminar o medo infantil da
masturbação — o que tem como consequência o aumento da necessidade de satisfação
da sexualidade genital— então o conhecimento intelectual e a satisfação sexual
prevalecerão. À medida que desaparece o medo da sexualidade, ou o medo da antiga
proibição sexual paterna, diminui também a crença mística. O que aconteceu?
Anteriormente, o paciente recorrera ao misticismo para manter reprimidos os seus
desejos sexuais. O seu ego estava completamente dominado pelo medo, e sua própria
sexualidade lhe era profundamente estranha, para conseguir dominar e regular as
poderosas forças naturais. Pelo contrário, quanto mais se defendia da sua sexualidade,
mais fortes se tomavam as suas necessidades, ao que correspondia um reforço das
inibições moralistas e místicas. Durante o tratamento, o ego fortaleceu-se e a
dependência infantil em relação aos pais e educadores rompeu-se; o ego do paciente
reconheceu o caráter natural da genitalidade, aprendeu a distinguir aquilo que nos
instintos é infantil, e não pode ser utilizado de momento, daquilo que corresponde às
exigências da vida real. O jovem cristão compreenderá rapidamente, por exemplo, que
as suas fortes tendências exibicionistas e perversas correspondem, em parte, a um
retorno a formas primitivas e infantis da sexualidade e, em parte, à inibição da
sexualidade genital. Compreenderá igualmente que o seu desejo de se unir a uma
mulher é perfeitamente próprio da sua idade e da sua natureza, necessitando mesmo ser
satisfeito. A partir daí, pode prescindir do apoio que significam a crença num Deus todo-
poderoso e a inibição moral. Torna-se senhor de si próprio e aprende a regular por si
próprio a sua economia sexual. A análise do caráter liberta o paciente da dependência
infantil e submissa em relação à autoridade do pai e das pessoas que posteriormente o
substituem. O fortalecimento do ego rompe a ligação infantil com Deus, que é um
prolongamento da relação com o pai. Estas ligações perdem a sua força. Finalmente, a
vegetoterapia possibilita ao paciente uma vida amorosa satisfatória, o que representa o
fim do misticismo. Os casos de clérigos são especialmente difíceis, pois torna-se

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impossível prosseguir convictamente no exercício de uma profissão cujas consequências
físicas o indivíduo sentiu intensamente. Para muitos, a única solução consiste em
substituir o sacerdócio pelo estudo científico das religiões ou pelo magistério.
Estes processos por que passa o homem místico só poderão ser contestados pelo
analista que não compreenda as perturbações genitais dos seus pacientes ou, como no
caso de um conhecido pastor psicanalista, por quem for de opinião de que "só se deve
mergulhar a sonda da psicanálise no inconsciente até os limites que a ética permitir".
Mas nós temos tão pouco a ver com esse tipo de ciência "apolítica" e "objetiva" como
com aquela que, combatendo ardorosamente as consequências revolucionárias da
economia sexual como "política", aconselha as mães a combaterem as ereções dos
meninos por meio de exercícios respiratórios. Em tais casos, o problema reside no
processo que permite à consciência do médico aceitar esta linha de raciocínio e tornar-se
um pastor, sem contudo reabilitá-los aos olhos da reação política. Ele age de modo
muito semelhante dos parlamentares alemães socialdemocratas que, depois de terem
entoado entusiasticamente o hino nacional alemão, quando da última sessão
parlamentar, não deixaram de ser enviados para campos de concentração, acusados de
serem "socialistas".
Não nos interessa discutir a existência ou inexistência de Deus: limitamo-nos a
suprimir as repressões sexuais e a romper os laços infantis em relação aos pais. A
destruição do misticismo não faz parte das intenções do terapeuta. Este o trata
simplesmente como qualquer outro fator psíquico que funcione como apoio da
repressão sexual, consumindo as energias naturais. O processo da economia sexual não
consiste, portanto, em opor à concepção mística do mundo uma concepção
"materialista", "antirreligiosa"; isso é propositadamente evitado, pois não efetuaria
nenhuma mudança na estrutura biopática. Trata-se, acima de tudo, de desmascarar a
atitude religiosa como força anti-sexual e de canalizar em outras direções as forças que a
alimentam. O homem cuja ideologia é exageradamente moralista, mas que é perverso,
lascivo e neurótico na vida real, está livre dessa contradição. Mas, junto com o
moralismo, ele também perde o caráter antissocial e a imoralidade da sua sexualidade,
no sentido da economia sexual. A inibição moralista e religiosa inadequada é substituída
pela regulação das necessidades sexuais, segundo o princípio da economia sexual.
Portanto, o misticismo tem razão, do seu ponto de vista, em combater tão
violentamente a sexualidade, com o intuito de se preservar e de se reproduzir entre os
homens. Mas engana-se num dos seus pressupostos e na sua principal justificação: é a
sua "moralidade" que cria aquele tipo de sensualidade cujo controle moral ele considera
ser sua tarefa. A abolição dessa "moralidade" é a condição prévia para a abolição da
imoralidade que ele se esforça, em vão, por eliminar. É essa a tragédia fatal de toda a
forma de moralidade e misticismo. A revelação dos processos econômico-sexuais que
alimentam o misticismo religioso leva, mais cedo ou mais tarde, ao seu fim, por mais que
os místicos se esforcem para evitá-lo.
A consciência sexual e os sentimentos místicos são incompatíveis. Sexualidade
natural e sentimentos místicos são, do ponto de vista da sua energia, uma única e
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mesma coisa, uma vez que a primeira é recalcada e pode ser facilmente transformada
em excitação mística.
Estes dados do domínio da economia sexual trazem, necessariamente, numerosas
consequências para a higiene mental de massas, as quais vamos expor, depois.de termos
refutado algumas objeções óbvias.

Prática da Economia Sexual e Objeções

Na prática da economia sexual, é comum vermos os especialistas em economia política


insurgirem-se contra aquilo a que chamam "ênfase excessiva e exagero do problema
sexual" e abandonarem o problema por completo, à menor dificuldade — que é natural
surgir neste novo terreno. A primeira coisa que se deve dizer a estes adversários da
economia sexual é que o seu ciúme é injustificado. O trabalho cultural que se realiza no
campo da economia sexual não representa uma incursão no domínio da economia
política nem uma limitação do seu âmbito de trabalho; visa simplesmente apreender um
campo extremamente importante, até aqui completamente negligenciado, do processo
cultural. A luta da economia sexual é uma parte do combate global que os explorados e
os oprimidos travam contra os exploradores e opressores. Quanto à importância desse
combate e ao lugar que deve ocupar no movimento operário, não podemos decidi-lo
hoje, sentados a uma escrivaninha, sob pena de cairmos na verborréia escolástica. Nas
discussões que houve até agora sobre o papel e a importância da economia sexual,
costumava-se estabelecer uma rivalidade entre política econômica e política sexual, em
vez de extrair da prática os critérios de avaliação. Tais discussões são pura perda de
tempo. Se todos os especialistas dos diferentes campos do conhecimento fizessem o
máximo esforço para aniquilar as formas ditatoriais, se todos dominassem inteiramente
os seus respectivos campos, então todas as discussões sobre o lugar e a posição de cada
um se tornariam supérfluas, pois se tornaria evidente a importância social de cada um
dos ramos de trabalho. Mas é importante reter a ideia fundamental de que o fator
econômico determina também o fator sexual, e de que não é possível alterai-as formas
sexuais sem uma transformação prévia das formas econômicas e sociais.
Existem muitos lemas que se firmam tão rapidamente quanto piolhos e que só é
possível eliminar com métodos radicais. É o caso da objeção estúpida de que a economia
sexual é "individualista", não podendo, pois, ser utilizada socialmente. Sem dúvida
alguma, é "individualista" o método que permite realizar as suas descobertas. Mas a
repressão social da vida sexual não atinge todos os membros da nossa sociedade? A
miséria sexual não é coletiva? Ou será que a profilaxia da tuberculose também pode ser
considerada individualista, pelo fato de o seu estudo se fazer a partir do doente
individual? O movimento revolucionário cometeu até agora o grave erro de considerar a
sexualidade como um "assunto privado". Ela não é um assunto privado para a reação
política, que sempre opera simultaneamente em dois campos: o da política econômica e
o da "renovação moral". O movimento pela liberdade operou até agora num só campo.
Deve-se, portanto, atacar o problema sexual, coletivamente, converter essa ação a nível

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individual numa higiene mental de caráter social, incluir a questão sexual no campo de
luta mais geral e não se limitar à questão da política demográfica. O movimento pela
liberdade cometeu até agora o grave erro — e isso contribuiu, entre outras coisas, para a
sua derrota — de transferir mecanicamente todas as palavras de ordem do campo da
política sindical e da luta política para todos os outros campos da vida social, em vez de
criar, para cada área da vida e da atividade humanas, uma linha adequada a essa área, e
só a ela. Assim, em 1932, alguns dirigentes da organização alemã de política sexual
queriam eliminar a questão sexual e "mobilizar" as massas nesse terreno, através da
palavra de ordem "contra a fome e o frio". Deste modo, opunham a questão sexual à
"questão social", como se a questão sexual não fosse parte de todo o complexo de
questões sexuais!
A política demográfica, campo a que se tem limitado a reforma sexual, não é uma
política sexual, no sentido estrito da palavra. Ela não diz respeito à regulação das
necessidades sexuais, mas sim ao aumento populacional, campo em que se inclui,
evidentemente, o ato sexual. Mas, de resto, nada tem a ver com a vida sexual, nos seus
aspectos sociais e biológicos. Aliás, as massas não têm o menor interesse pelas questões
da política demográfica. E a lei do aborto não suscita o interesse das massas devido a
questões políticas, mas sim pela aflição pessoal que implica. Na medida em que provoca
aflição, morte e sofrimento, a lei sobre o aborto é uma questão de política social. Mas o
problema do aborto só entrará no âmbito da política sexual quando se tornar evidente
que as pessoas transgridam essa lei porque sentem necessidade de ter relações sexuais,
mesmo quando não querem filhos. Este aspecto tem sido até agora inteiramente deixado
de lado, sendo, no entanto, o ponto fundamental da questão. Se um reacionário
encarregado da política social tivesse a ideia de dizer às massas: "Vocês se queixam das
consequências da lei do aborto para a vida humana! Quem manda vocês terem relações
sexuais?", seríamos apanhados desprevenidos, pois até agora só consideramos a política
demográfica. A questão só faz sentido, na medida em que se defender abertamente a
necessidade de uma vida sexual satisfatória. Para os homens e mulheres de todas as
camadas, seria muito mais importante insistir nas suas necessidades sexuais — problema
que os preocupa permanentemente — do que enumerar as mortes causadas pela lei do
aborto. O primeiro argumento recorre aos interesses pessoais, enquanto o segundo
pressupõe um certo grau de consciência e de solidariedade sociais, que nem sempre
estão presentes no homem atual. No campo do abastecimento de gêneros alimentícios,
a propaganda apela às necessidades individuais e não a situações sociais ou políticas
menos imediatas. O mesmo poderia ser feito no campo da economia sexual. Trata-se,
portanto, de uma questão de massas, de uma questão prioritária na vida social e na
higiene mental das massas.
Mais séria é a objeção que poderia vir do lado da psicanálise. O psicanalista dirá
que seria utópico querer fazer "política" com a miséria sexual dos homens, tal como a
miséria material. No tratamento psicanalítico, são necessários meses, e mesmo anos, de
trabalho árduo para tornar o paciente consciente de seus desejos sexuais, estando as
inibições morais tão profundamente enraizadas como a necessidade sexual, e ocupando,
além disso, o primeiro plano. Como se poderia realizar a tarefa de vencer a repressão
151
sexual das massas, quando não se dispõe de um método comparável ao da análise
individual? Esta objeção deve ser levada a sério. Se, no início, tais objeções me tivessem
dissuadido de realizar na prática o trabalho de economia sexual entre as massas, deveria
ter concordado com aqueles que repelem a economia sexual como sendo uma questão
individualista, e esperar pela vinda de um segundo Jesus Cristo para resolver o problema.
Pessoas muito próximas de mim chegaram a argumentar que as minhas experiências só
contribuíam para um esclarecimento superficial, deixando de lado as forças profundas
que estão na base da repressão sexual. Se um psiquiatra pode fazer essa objeção, é sinal
de que a dificuldade deve ser examinada atentamente. No início do meu trabalho, não
teria conseguido responder a esta questão. Entretanto, a prática me possibilitou fazê-lo.
Antes de mais nada, é necessário esclarecer que o trabalho de massas no campo
da economia sexual nos coloca diante de uma tarefa diferente daquela do tratamento
individual da vegetoterapia. Neste caso, temos de suprimir recalcamentos e restabelecer
a saúde biológica. Não é esta a tarefa da economia sexual de massas, que apenas deve
tomar conscientes a contradição e o sofrimento que habitam o homem oprimido. Todos
sabemos que temos uma moral; quanto ao fato de termos uma pulsão sexual que tem de
ser satisfeita, ou ele não é consciente, ou a consciência que temos dele é tão fraca que
os seus efeitos não são sentidos. Seria possível objetar ainda que o trabalho de análise
individual também é necessário para que as necessidades sexuais se tornem conscientes.
Mas a prática fornece resposta a essa questão: se, no meu consultório, eu tentar falar
sobre as suas necessidades sexuais com uma mulher sexualmente inibida, ela reagirá,
opondo-me toda a sua couraça moral, e eu não poderei convencê-la de nada. Mas se a
mesma mulher estiver exposta a um ambiente de massas, por exemplo, assistindo a uma
reunião em que se fale claramente sobre as necessidades sexuais, de pontos de vista
médicos e sociais, essa mulher não se sentirá só. Sentirá que todos os outros também
ouvem falar dessas "coisas proibidas"; à sua inibição moral individual opor-se-á uma
atmosfera coletiva de afirmação sexual, uma nova moral baseada na economia sexual,
capaz de paralisar (mas não de suprimir!) a sua negação sexual, porque ela própria tem
pensamentos semelhantes quando está só; porque também ela lamenta secretamente a
felicidade perdida, e aspira à felicidade sexual. A situação de massas confere segurança à
necessidade sexual, a qual surge agora valorizada socialmente. E quando a questão é
convenientemente conduzida, a exigência sexual tem muito mais apelo, é muito mais
humana e mais próxima da personalidade, do que a exigência de ascese e renúncia,
recebendo uma profunda anuência por parte de todos. Não se trata, portanto, de ajudar,
mas de tornar a repressão consciente, de trazer ao plano da consciência o combate
travado entre a sexualidade e o misticismo, de atiçá-lo sob a pressão de uma ideologia de
massas, traduzindo-o em ação social. Poder-se-á objetar agora que essa tentativa é
diabólica, pois vai mergulhar os homens numa desgraça profunda, tornando-os, agora
sim, verdadeiramente doentes, sem ser possível acudi-los. Isso nos faz pensar na
magnífica frase de Pallenberg em Der brave Sünder: "O homem é um pobre diabo; mas
não o sabe. Se o soubesse, que pobre diabo seria!". A resposta é que a reação política e
o misticismo são infinitamente mais diabólicos. Aliás, a mesma objeção se aplica, no
fundo, à desgraça da fome. O coolie chinês ou indiano, que inconscientemente suporta a

152
carga do seu destino, resignado e sem questionar, sofre menos do que o coolie que tem
consciência da ordem terrível das coisas e que, portanto, se rebela, conscientemente,
contra a escravidão. Quem tentaria nos fazer acreditar que é por motivos humanitários
que se esconde ao coolie a verdade sobre o seu sofrimento? Somente o místico, o patrão
fascista do coolie ou qualquer professor chinês de higiene social tentariam nos fazer
acreditar em tamanho disparate. Esse "humanitarismo" significa a perpetuação da
desumanidade e, ao mesmo tempo, a sua camuflagem. A nossa "desumanidade" é o
combate por aquilo de que tanto falam os bons e os justos, para depois se deixarem
subjugar à primeira investida da reação fascista. Admitimos que o trabalho consistente
no plano da economia sexual dá voz ao sofrimento mudo, cria novas contradições e
intensifica aquelas que já existem; leva os homens a uma posição em que não
conseguem mais suportar a sua situação. Mas, ao mesmo tempo, resulta numa
libertação: possibilita a luta contra as causas sociais do sofrimento. É verdade que o
trabalho de economia sexual toca no ponto mais espinhoso, mais sensível e mais pessoal
da vida humana. Porém, a intoxicação das massas pelo misticismo não o faz também? O
que é decisivo são os objetivos visados pelo trabalho. Quem observou, em reuniões
sobre a economia sexual, a intensa expressão dos rostos e olhos das pessoas, quem
ouviu e teve de dar resposta às centenas de perguntas sobre os problemas mais íntimos,
adquiriu então a convicção inabalável de que essa temática esconde uma autêntica
dinamite social, capaz de trazer à razão este mundo de autodestruição. Contudo, se esse
trabalho for realizado por revolucionários que competem com a Igreja na afirmação e na
defesa do misticismo moralista, que consideram indigno da "dignidade da ideologia
revolucionária" responder a questões de ordem sexual, que rejeitam a masturbação
infantil como uma invenção burguesa, que, em resumo, apesar de todo o seu
"marxismo" e "leninismo", são reacionários num importante aspecto de suas
personalidades, então será fácil provar que as minhas experiências não estão corretas.
Porque, nas mãos de tais revolucionários, as massas imediatamente reagiriam ao sexo de
modo negativo.
Devemos deter-nos ainda um pouco na discussão sobre o papel da resistência
moral com que nos deparamos no nosso trabalho. Afirmei já que a inibição moral
individual, que, ao contrário das necessidades sexuais, é reforçada por toda a atmosfera
de negação da sexualidade, característica da sociedade autoritária, pode ser neutralizada
pela criação de uma ideologia diametralmente oposta, de afirmação da sexualidade. Os
homens conseguem absorver os conhecimentos de economia sexual, neutralizando
desse modo a influência do misticismo e das forças reacionárias. É evidente que essa
atmosfera de afirmação da sexualidade só pode ser criada por uma poderosa
organização internacional, operando no campo da economia sexual. No entanto, tem
sido impossível convencer os dirigentes dos partidos políticos de que aí reside uma das
suas principais tarefas. Entretanto, a política foi desmascarada como irracionalismo
reacionário; não podemos contar com partidos políticos. Deste modo, aquela tarefa
enquadra-se no âmbito do desenvolvimento natural 110 sentido da democracia do
trabalho.

153
Até agora, limitamo-nos a nos referir às necessidades secretas e mudas dos
indivíduos nas massas, sobre as quais poderíamos fundamentar nosso trabalho. Mas isto
não basta. Do início do século até a Primeira Guerra Mundial, essas necessidades e a sua
repressão já existiam, mas, nessa época, o movimento favorável à economia sexual não
teria tido a menor perspectiva de êxito. Entretanto, foram-se desenvolvendo algumas
das condições sociais objetivas, indispensáveis para o trabalho de economia sexual, as
quais é necessário conhecer muito bem, se queremos iniciar corretamente esse trabalho.
O simples fato de tantas organizações de política sexual, das mais variadas formas e
orientações, terem surgido na Alemanha, entre 1931 e 1933, indica que se prepara uma
nova visão social das coisas, no processo social. Uma das principais condições de caráter
social para o triunfo da economia sexual social é a criação de grandes empresas,
empregando uma imensa massa de trabalhadores e funcionários públicos. Os dois
principais pilares do ambiente moralista e anti-sexual — família e pequena empresa —
foram abalados. A Segunda Guerra Mundial veio acelerar consideravelmente este
processo. As mulheres e moças que afluíam às empresas adquiriram ideias mais livres
sobre a vida sexual do que lhes tinha proporcionado a educação no seio da família
autoritária. Uma vez que os trabalhadores industriais sempre foram permeáveis à
afirmação da sexualidade, o processo de deterioração do moralismo autoritário também
se espalhou entre a classe média baixa. Quem comparar a atual juventude da classe
média baixa com a de 1910, facilmente poderá verificar que se tornou intransponível o
fosso que separa a vida sexual real da ideologia social ainda dominante. O ideal da jovem
pura, e sobretudo do jovem puro e sexualmente fraco, é agora considerado uma
vergonha. Também a classe média baixa se tornou permeável a ideias mais abertas
quanto ao problema da fidelidade conjugai obrigatória. O modo de produção industrial
em grande escala permitiu que se tornassem visíveis as contradições próprias da política
sexual reacionária. Já não se pode falar, atualmente, num regresso à situação largamente
dominante antes do fim do século, em que a vida real coincidia com a ideologia ascética.
Como especialista em economia sexual, tem-se uma visão profunda dos segredos da
existência humana e assiste-se a uma desagregação completa das formas de vida
inspiradas pela moral ascética, as quais, no entanto, continuam a ser calorosamente
defendidas. A coletivização da vida dos adolescentes, além de ter minado — embora não
destruído — a autoridade restritiva do meio familiar, veio criar, na juventude atual, o
desejo de uma nova filosofia e de conhecimento científico sobre a luta pela saúde sexual,
pela consciência sexual e pela liberdade sexual. No início do século, teria sido impensável
que mulheres cristãs aderissem a associações de planejamento familiar; hoje, isso se
torna cada vez mais a regra geral. Este processo não foi interrompido pela subida dos
fascistas ao poder, na Alemanha; apenas se tornou clandestino. O problema consiste
agora em saber como se desenvolverá esse processo, no caso de a barbárie assassina dos
fascistas durar mais tempo do que receamos.
Outra circunstância objetiva que está estreitamente relacionada com a anterior é
o rápido aumento de perturbações neuróticas e biopáticas, como expressão de
desequilíbrio sexual, e a intensificação das contradições entre as necessidades sexuais
reais, de um lado, e a inibição moral e a educação da criança, de outro. O aumento das

154
biopatias corresponde a um aumento da predisposição para tomar conhecimento da
origem sexual de tantas doenças.
O fator mais favorável à prática da economia sexual é a impotência da reação
política face ao trabalho realizado no âmbito da economia sexual. É do conhecimento,
em vista da escassez de literatura científica sobre sexo, que o que mais se lê nas
bibliotecas públicas são livros pornográficos. Isto é um indício da importância que teria a
economia sexual, se conseguisse canalizar esse extraordinário interesse para o domínio
científico e racional. Os fascistas conseguem iludir, durante muito tempo, as massas
submissas e contaminadas pelo misticismo, com o pretexto de defender o direito do
trabalho e dos trabalhadores. Mas, no campo da economia sexual, as coisas se passam
de modo diferente. A reação política nunca será capaz de contrapor à economia sexual
revolucionária um programa reacionário de política sexual que vá além da total
repressão e negação da sexualidade; isso afastaria imediatamente as massas, com
exceção de um círculo politicamente sem importância de senhoras idosas e de seres
humanos irremediavelmente obtusos. É a juventude que importa! E esta, disso estamos
certos, já não é permeável, na sua maioria, a uma ideologia de negação da sexualidade.
Aqui reside a nossa força. Em 1932, foi possível, na Alemanha, conquistar, para
associações de economia sexual, os trabalhadores de algumas empresas que durante
anos foram impermeáveis à ação dos "sindicatos vermelhos". É evidente — e a prática
também o comprovou — que a higiene mental segundo a economia sexual deve juntar
forças ao movimento social geral pela liberdade. Mas temos de observar atentamente
certos fatos como, por exemplo, o de que operários, empregados e mesmo estudantes
nacional-socialistas aderem sem reservas à afirmação revolucionária da sexualidade,
entrando deste modo em contradição com os seus dirigentes. E que poderiam esses
dirigentes empreender, caso se conseguisse resolver convenientemente essa
contradição? Só lhes restava recorrer ao terror. Nesse caso, veriam imediatamente
reduzida a sua influência. Volto a sublinhar que o afrouxamento objetivo das cadeias
reacionárias que entravam a sexualidade é irreversível, residindo aí a nossa principal
força. Se o trabalho revolucionário não conseguir tomar a dianteira nesse aspecto, o
resultado será que a juventude continuará a viver como até aqui, mas em segredo, sem
tomar consciência das causas e consequências dessa vida. Em contrapartida, havendo
um trabalho consistente no campo da economia sexual, a reação política não teria
resposta, e não teria uma contra ideologia. A sua doutrina ascética só é sustentável
enquanto a aceitação consciente da sexualidade pelas massas não se organizar a nível
coletivo, mantendo-se, como até agora, fragmentada e secreta, e sem se opor à
ideologia reacionária.
O fascismo alemão tentou, com todas as suas forças, implantar-se nas estruturas
psíquicas das massas e, por isso mesmo, atribuiu enorme importância aos jovens e às
crianças. Não tinha ao seu alcance outros meios além do despertar e desenvolver da
obediência à autoridade, cujo principal pressuposto é a educação ascética de negação da
sexualidade. Os impulsos sexuais naturais em relação ao sexo oposto, que desde a
infância têm necessidade de ser satisfeitos, foram basicamente substituídos por
sentimentos distorcidos, de natureza homossexual e sádica, ou ainda, em parte, pelo
155
ascetismo. Isto se aplica, por exemplo, ao tão falado esprit de corps nos campos de
trabalho, assim como à implantação do chamado "espírito de obediência e disciplina". A
sua missão foi a de desencadear a brutalidade, canalizando-a para a guerra imperialista.
O sadismo tem origem no desejo sexual não satisfeito. A fachada tem por nome
"camaradagem", "honra", "disciplina voluntária"; mas atrás desta fachada escondem-se
uma revolta secreta, um sentimento de opressão que chega ao ponto de rebelião por
causa dos entraves a qualquer expressão da vida pessoal e, em especial, da sexualidade.
Um trabalho consistente no âmbito da economia sexual deve começar por evidenciar ao
máximo a grande privação sexual, podendo deste modo contar com uma forte
repercussão nas camadas jovens. A primeira reação dos dirigentes fascistas só poderá
ser de estupefação e embaraço. Não é difícil compreender que um jovem facilmente se
conscientize da sua privação sexual. Ao contrário do que afirmam os dirigentes da
juventude, que nunca fizeram trabalho prático, este trabalho prático no seio da
juventude mostra que o adolescente médio, especialmente de sexo feminino,
compreende com maior rapidez e facilidade o seu grau de responsabilidade social, se
começamos a lhe mostrar a repressão sexual de que é vítima. Basta abordar
corretamente a questão sexual, partindo depois para a situação social mais geral. O que
acabamos de afirmar pode ser provado de mil e uma maneiras diferentes. Sobretudo,
não devemos ficar perplexos diante de objeções vazias de conteúdo: o nosso único guia
deve ser a prática da economia sexual.
Como a reação política responderia algumas questões colocadas pelos
adolescentes alemães?
A incorporação da juventude alemã em campos de trabalho afetou
consideravelmente a sua vida privada e sexual. Questões urgentes esperam por uma
explicação e soluções, pois ocorrem abusos sérios e perigosos. A situação é agravada
pela timidez e pelo receio que os jovens geralmente experimentam ao expor os seus
problemas pessoais mais candentes, ao que se acrescenta o fato de os dirigentes dos
campos de trabalho proibirem conversas sobre esses problemas. Mas trata-se de uma
questão de saúde física e psíquica de rapazes e moças!!!
Como é a vida sexual dos jovens nos campos de trabalho?
O trabalho nestes campos efetua-se na idade em que a sexualidade desperta,
estando a maioria dos rapazes habituados a satisfazer suas necessidades sexuais naturais
com suas garotas. É certo que a vida sexual destes jovens já era impedida, mesmo antes
de entrarem para os campos de trabalho, pela falta de possibilidades adequadas a uma
vida amorosa saudável (falta de habitação), pela falta de meios financeiros para adquirir
contraceptivos, pela hostilidade da autoridade estatal e dos círculos reacionários em
relação a uma vida amorosa saudável dos adolescentes, uma vida que fosse adequada às
suas necessidades. Mas os campos de trabalho vieram agravar esta situação! Por
exemplo:
Não há possibilidade de ter encontros com jovens do sexo oposto, de manter e
cultivar as relações amorosas anteriores,

156
São forçados a escolher entre a continência e a masturbação.
O que, por sua vez, leva à degradação da vida erótica, à proliferação da
obscenidade e das piadas sujas, a fantasias torturantes, prejudiciais à saúde,
paralisadoras da vontade e da força (violação, desejo lascivo, cenas de espancamento).
Ejaculações noturnas involuntárias que debilitam a saúde e não proporcionam
satisfação.
Desenvolvimento de tendências e relações homossexuais entre jovens que, de
outro modo, nunca teriam pensado nisso; abordagem extremamente desagradável por
parte de colegas homossexuais.
Aumento do nervosismo, irritabilidade, mal-estar físico e perturbações psíquicas
de todo tipo.
Consequências ameaçadoras para o futuro.
Qualquer jovem que tenha entre 17 e 25 anos de idade e que não tenha uma vida
sexual satisfatória corre o risco de futuras perturbações da potência sexual e de graves
depressões psíquicas que acarretam, invariavelmente, uma perturbação de capacidade
de trabalho. Quando um órgão ou uma função natural não são utilizados durante muito
tempo, acabam, mais tarde, por ter dificuldades de funcionamento. As consequências
são, na maior parte dos casos, doenças nervosas e psíquicas, assim como perversões
(aberrações sexuais).
Qual a nossa posição face às medidas e disposições adotadas pelos nossos
dirigentes em relação a estes problemas?
Até agora, os dirigentes exigiram, em termos gerais, o "fortalecimento moral da
juventude". Mas não compreendemos exatamente o significado dessas palavras. No
decorrer dos anos, a juventude alemã começou a conquistar, em duras batalhas contra a
família e os defensores intransigentes do sistema, o seu direito de viver uma vida sexual
saudável* aliás sem conseguir inteiramente o seu objetivo, dadas as condições sociais.
Mas uma ideia era clara para muitos: a juventude tinha que travar um combate
encarniçado contra a beatice sexual, contra a obscenidade e a hipocrisia sexual,
consequências da submissão sexual da juventude, A sua ideia era que os rapazes e as
moças deveriam viver um bom relacionamento intelectual e sexual, e que a sociedade
tinha a obrigação de facilitar a sua vida. Qual a posição do governo sobre esse assunto?
As disposições que até agora adotou contradizem inteiramente as ideias
da juventude. A aquisição de contraceptivos tornou-se impossível, devido à
proibição da sua venda livre. As medidas adotadas pela polícia de Hamburgo, no
plano da moral, contra os atletas aquáticos, a ameaça de aprisionamento em
campos de concentração para aqueles que "atentarem contra a moral e o pudor",
constituem uma ameaça para os nossos direitos. Constitui um atentado ao pudor
o fato de um jovem dormir numa barraca com a sua namorada?

157
Perguntamos aos líderes da juventude alemã: Como deve ser a vida sexual
da juventude?
Só há quatro possibilidades:
1. Continência: deve a juventude guardar continência, isto é, privar-se de
toda a atividade sexual até o casamento?
2. Masturbação: deve a juventude satisfazer suas necessidades sexuais
através da masturbação?
3. Relações homossexuais: deve a juventude alemã ter relações com
pessoas do mesmo sexo, e, nesse caso, de que forma? Por meio de masturbação
recíproca ou de relações anais?
4. Vida amorosa natural e relações sexuais entre rapazes e moças: deve a
juventude alemã aceitar e desenvolver uma vida sexual natural? Em caso
afirmativo perguntamos:
Onde se deve realizar a relação sexual (problema habitacional)?
Como e com o que se deve evitar a concepção?
Quando deve ocorrer a relação sexual?
O adolescente tem permissão para fazer as mesmas coisas que o führer?
Podem-se considerar problemas semelhantes em relação ao trabalho junto às
crianças. Embora possa parecer estranho, e para muitos incompreensível, o fato é que o
trabalho revolucionário a ser desenvolvido junto às crianças tem de ser essencialmente
um trabalho de economia sexual. Refaçam-se do susto e ouçam com paciência. Por que
motivo a educação sexual é o modo mais fácil e mais adequado de orientar as crianças
pré-púberes?
1. Em todas as camadas sociais, mesmo naquelas que passam fome e privações, a
infância é, mais do que todas as idades posteriores, repleta de interesses de ordem
sexual. Além disso, devemos ter em mente que a fome, até o ponto do desgaste físico, só
atinge uma parte das crianças, enquanto a repressão sexual atinge, sem exceção, todas
as crianças de todas as camadas sociais. Desse modo, amplia-se consideravelmente o
campo de ação social.
2. Os métodos geralmente utilizados pelo movimento pela liberdade, para
organizar as crianças, são semelhantes aos utilizados pelos reacionários no seu trabalho
com crianças: desfiles, canções, uniformes, jogos em grupo, etc. A criança, a não ser que
pertença a uma família excepcionalmente progressista, o que é o caso de uma minoria,
não distingue os conteúdos da propaganda reacionária daqueles da propaganda
revolucionária. O primeiro mandamento do trabalho antifascista consiste em não
dissimular a realidade, e por isso afirmamos abertamente que as crianças e os jovens de
amanhã desfilarão tão alegremente ao som das fanfarras fascistas como hoje desfilam ao
som das liberais. Além disso, a reação política tem possibilidade de organizar formas de

158
propaganda coletiva junto às crianças, muito melhor do que o movimento antifascista.
Este esteve sempre em desvantagem, Na Alemanha, por exemplo, o movimento
socialista, comparado com o movimento reacionário, foi sempre muito fraco junto às
crianças.
3. Se é verdade que a reação política é muito superior quanto ao trabalho de
organização junto às crianças, há uma coisa que não consegue: não consegue
proporcionar às crianças conhecimentos e clareza quanto à questão sexual e nem
dissipar a confusão sexual delas. Isto só pode ser feito pelo movimento revolucionário.
Primeiro, porque este não tem qualquer interesse na repressão sexual das crianças. (Pelo
contrário, é justamente a liberdade sexual das crianças que ele tem em mente).
Segundo, porque o campo revolucionário foi sempre o defensor de uma educação
natural e coerente das crianças. Esta poderosa arma não foi até agora utilizada; deparou-
se mesmo, em círculos ligados à organizações para a infância na Alemanha, com uma
forte resistência contra a tentativa de transformar em medida coletiva a prática da
educação sexual individual. Paradoxalmente, é Marx e Lenin que os adversários do
trabalho de economia sexual entre as crianças invocam para se justificar. Aliás, é certo
que nem Marx nem Lenin jamais se referiram a problemas de economia sexual. Em
contrapartida, considere-se o fato de que as crianças caem em massa nas manobras da
reação política. Apesar de todas as dificuldades, há muitas possibilidades imprevistas de
desenvolver junto às crianças um trabalho em base da economia sexual, porque se pode
contar, de início, com o enorme interesse das crianças. Se algum dia se conseguisse
atingir os interesses sexuais das crianças e adolescentes em massa, poderíamos opor à
intoxicação reacionária uma poderosa força contrária — e a reação política seria
impotente.
Aos céticos, aos adversários e àqueles que se preocupam com a "pureza" das
crianças, citaremos dois entre muitos exemplos possíveis, extraídos da experiência
prática.
Primeiro: a Igreja não é tão escrupulosa. Um jovem de quinze anos que passou de
uma organização fascista para um grupo comunista de jovens contou que, na
organização a que pertencera, o padre tinha o costume de falar todas as semanas com
cada um dos jovens em particular, interrogando-os sobre o seu comportamento sexual;
perguntava-lhes invariavelmente se haviam se masturbado, sendo a resposta sempre
afirmativa e dada com intenso sentimento de culpa. "É um grande pecado, meu filho;
mas você será absolvido se trabalhar diligentemente para a Igreja e se distribuir estes
panfletos amanhã". É esta a prática de política sexual do misticismo. Entretanto, nós
somos "recatados", "puros", não queremos nenhum envolvimento com "essas coisas". E
depois admiramo-nos de que o misticismo domine a grande maioria dos jovens.
Segundo: a comunidade de trabalho de economia sexual em Berlim fez uma
primeira iniciativa no sentido de tentar desenvolver um trabalho de economia sexual
junto às crianças, para isso elaborando coletivamente uma história intitulada O Triângulo
de Giz, Grupo de Estudo dos Segredos dos Adultos. Antes de ser impressa, a história foi
amplamente discutida entre os líderes dos grupos de crianças. Decidiu-se ler a brochura
159
para um grupo e observar a sua reação. Ter-se-ia desejado que estivessem então
presentes todos aqueles que costumam encolher os ombros quando se fala da economia
sexual a nível social. Para começar, estavam presentes setenta crianças, em vez das
habituais vinte. Segundo os relatórios dos funcionários, ao contrário da indiferença que
comumente ocorria — era sempre difícil manter o silêncio — as crianças devoravam as
palavras do orador, seus olhos brilhavam e suas faces iluminavam a sala. A leitura foi
algumas vezes interrompida entusiasticamente. No fim, pediu-se às crianças que
expressassem suas opiniões e críticas. Muitas o fizeram; e, diante dessas crianças,
sentimos vergonha dos nossos pudores e inibições. Os professores que tinham elaborado
a história haviam decidido não fazer referência nem à questão da contracepção nem à da
masturbação infantil. Mas não faltaram as perguntas: "Por que não nos ensinam como se
evita ter filhos?". "Isso nós já sabemos", retorquiu um menino a rir. "O que é uma
prostituta", perguntou um terceiro, "não se falou disso na história". "Amanhã vamos
procurar os cristãos", disse outro, entusiasmado. "Eles sempre falam dessas coisas, com
isso a gente vai apanhá-los." "Quando será publicado o livro? Quanto custará? Será
barato, para podermos comprá-lo e difundi-lo?" A primeira parte que fora lida continha
sobretudo esclarecimentos sobre a sexualidade; mas o grupo tinha intenção de
acrescentar um segundo volume que, partindo desses problemas, explicasse
minuciosamente os problemas sociais. Isto lhes foi dito. "Quando chega o segundo
volume? Será divertido como este?". Quando é que já se viu um grupo de crianças
manifestar tanto interesse por escritos políticos? Isto não nos servirá jde lição?
Certamente, sim. ,4s crianças têm de ser educadas para se interessarem pela
problemática social, através da aceitação dos seus interesses sexuais e da satisfação da
sua ânsia de saber; têm de adquirir a certeza de que a reação política não lhes pode
oferecer o mesmo. E desse modo obtém-se a sua adesão em massa, a sua imunização,
em todos os países, contra as influências reacionárias e — o que é mais importante — a
sua profunda ligação ao movimento revolucionário pela liberdade. Mas, para chegar a
isso, é necessário ultrapassar não só a barreira da reação política, mas também a dos
"moralistas" no seio do próprio movimento pela liberdade.
Outro campo de ação importante para o trabalho de economia sexual é o
esclarecimento da situação sexual que decorre na Alemanha do fato de as mulheres
serem empurradas das empresas de volta para a cozinha. Essa tarefa só pode ser
desempenhada se atribuirmos ao conceito de liberdade da mulher o conteúdo de
liberdade sexual. É necessário saber que para muitas mulheres a dependência material
em relação ao marido na família é desagradável, não em si mesma, mas pelas limitações
sexuais que implica. A prova disso é que as mulheres que recalcaram totalmente a sua
sexualidade não só suportam facilmente essa dependência material, mas até a
consideram de forma positiva. O despertar da consciência sexual destas mulheres e a
repetida advertência quanto às consequências de uma vida ascética são as condições
mais importantes para o aproveitamento político positivo da sua dependência material
em relação aos maridos. Se as organizações de economia sexual não realizarem esse
trabalho, a recente onda de repressão sexual da mulher no fascismo impedirá uma
tomada de consciência da sua escravidão material. Na Alemanha, assim como em outros

160
países altamente industrializados, estão reunidas todas as condições favoráveis para
uma violenta revolta das mulheres e dos jovens contra a reação, no plano sexual. Uma
política sexual inexoravelmente coerente e que não recuasse perante nada faria
desaparecer do mundo um problema que tem preocupado permanentemente os nossos
políticos e livres-pensadores, sem que tenham encontrado solução: a predisposição das
mulheres e dos adolescentes para darem ouvidos à reação política. Em nenhum outro
terreno está tão evidente a função social da repressão sexual, a estreita relação entre a
repressão sexual e as opiniões políticas reacionárias.
Para concluir, mencionarei uma objeção, que não é fácil de rebater, feita por um
psiquiatra, depois de ter lido essa seção. Não há dúvida, disse ele, de que as largas
massas estão extremamente preocupadas com os problemas sexuais, revelando por eles
um enorme interesse; mas isso leva necessariamente à conclusão de que esse interesse
pode ser politicamente explorado no sentido da revolução social, a qual exige tantas
privações e sacrifícios? As massas que foram sensibilizadas pelo trabalho de economia
sexual não desejarão receber imediatamente a contrapartida da liberdade sexual que
lhes foi revelada? Quando nos envolvemos em um trabalho difícil, temos de ouvir
atentamente qualquer objeção, considerar sua validade e expressar nossa opinião sobre
ela. Temos de evitar incorrer em sonhos revolucionários não condizentes com a
realidade, como o seria considerar realizável qualquer coisa apenas porque verificamos
teoricamente a sua validade. O sucesso ou o fracasso do combate contra a fome não
serão decididos pela vontade inabalável de eliminá-la, mas sim pela reunião das
condições objetivas para tal. As preocupações sexuais e a miséria sexual das massas de
todos os países poderão ser convertidas em ação política contra o sistema social que as
determina, à semelhança do interesse material primitivo? Realizamos as experiências
práticas e também as reflexões teóricas que nos habilitam a afirmar que aquilo que se
consegue em grupos e assembleias isoladas também é possível ao nível das massas. Mas
até agora ainda não fizemos referência a outras condições prévias indispensáveis. Para
realizar com êxito a tarefa de pôr em prática a economia sexual a nível social, é
necessário em primeiro lugar chegar a um movimento dos trabalhadores unidos. Sem
essa condição, o trabalho de economia sexual só pode ser de natureza predatória. Além
disso, é indispensável criar uma forte organização internacional de economia sexual que
realize e assegure a sua execução prática; em terceiro lugar, é indispensável a existência
de um quadro de líderes solidamente disciplinados do movimento. De resto, não é
aconselhável tentar encontrar de antemão soluções para cada um dos problemas. Isso só
serviria para estabelecer a confusão e atrasar o trabalho. É da própria prática que resulta
naturalmente uma prática nova e mais detalhada. Este livro não se sobrecarregará com
tais detalhes.

O Homem Apolítico

Chegou finalmente o momento de abordar a questão daquilo a que se chama o homem


apolítico. Hitler não só assentou desde o início o seu poder entre as massas até então
essencialmente apolíticas, como executou "legalmente" o último passo que o levaria à
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vitória de março de 1933, através da mobilização de nada mais nada menos do que 5
milhões de pessoas que até então não tinham votado — portanto, de pessoas apolíticas.
Os partidos de esquerda tinham empreendido todos os esforços no sentido de
conquistar as massas indiferentes, sem se perguntarem em que consiste "ser indiferente
ou apolítico".
Que o proprietário de uma fábrica ou o latifundiário sejam claramente de direita é
facilmente compreensível, dados os seus interesses econômicos imediatos. Neste caso,
uma orientação política de esquerda estaria em contradição com a sua situação social, e
só poderia ser explicada por motivações de ordem irracional. Do mesmo modo, é
absolutamente compreensível e racional que o trabalhador industrial tenha uma
orientação política de esquerda, já que isso está implícito na própria posição econômica
e social que ocupa na empresa. Mas se o trabalhador, o empregado ou o funcionário
público são de direita, eles o são por falta de esclarecimento político, isto é, por
desconhecimento da sua posição social. Quanto menos politizado for o indivíduo
pertencente à grande massa trabalhadora, tanto mais facilmente permeável ele será à
ideologia da reação política. Mas ser apolítico não é, como se acredita, um estado
psíquico de passividade, mas sim um comportamento extremamente ativo, uma defesa
contra a consciência das responsabilidades sociais. A análise dessa atitude de defesa
contra a consciência das responsabilidades sociais permite algumas conclusões
significativas, que vêm esclarecer certos pontos obscuros relativos ao comportamento
de amplas camadas apolíticas. No caso do intelectual médio que "não quer ter nada a ver
com a política", podem-se detectar facilmente interesses econômicos imediatos e o
receio pela sua própria posição social, que depende da opinião pública, à qual sacrifica
grotescamente os seus conhecimentos e convicções. Quanto aos indivíduos que ocupam
determinada posição no processo de produção e no entanto não assumem as suas
responsabilidades sociais, podemos dividi-los em dois grandes grupos. Para um deles,, o
conceito de política está associado inconscientemente à noção de violência e perigo
físico, e, portanto, a uma forte sensação de medo que os impede de se orientarem de
acordo com a realidade. Para o outro grupo, em que se inclui a maioria, a
irresponsabilidade social apóia-se em conflitos e preocupações pessoais, entre os quais
predomina a ansiedade sexual. Quando uma jovem empregada, que teria razões
econômicas suficientes para ter consciência de sua responsabilidade social, é
socialmente irresponsável, trata-se, em 99% dos casos, à sua assim chamada história
amorosa, ou, mais especificamente, dos seus conflitos sexuais. O mesmo se pode dizer
em relação à mulher da classe média baixa que tem de despender todas as suas forças
psíquicas no esforço para dominar a sua situação sexual, de modo a não sucumbir
totalmente. O movimento revolucionário não compreendeu até agora esta situação e
tem procurado politizar o homem "apolítico", tentando conscientizá-lo exclusivamente
dos seus interesses econômicos não satisfeitos. A experiência ensina, porém, que a
massa de indivíduos "apolíticos", cuja atenção é difícil de captar, facilmente se deixa
seduzir pelo discurso místico de um nacional-socialista, embora este faça poucas
referências aos interesses de ordem econômica. Como isso se explica? É que os graves
conflitos sexuais (no sentido mais lato) constituem um entrave, consciente ou

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inconsciente, ao pensamento racional e ao desenvolvimento do sentido das
responsabilidades sociais, enchendo de angústia e asfixiando o indivíduo em questão.
Diante de um fascista que utilize os meios da fé e do misticismo, isto é, os meios da
sexualidade e da libido, esse indivíduo volta para ele toda a sua atenção, não porque o
programa fascista lhe diga mais do que o programa revolucionário, mas porque a entrega
ao führer e à sua ideologia lhe proporciona um alívio momentâneo da sua permanente
tensão interior. Inconscientemente, ele é capaz de dar uma forma diferente aos seus
conflitos e, desse modo, "resolvê-los"; isto leva-o mesmo a ver momentaneamente no
fascista o revolucionário e em Hitler, o Lenin alemão. Não é preciso ser psicólogo para
compreender por que motivo os aspectos eroticamente excitantes do fascismo
proporcionam uma certa satisfação, aliás deformada, à mulher da classe média baixa,
sem perspectivas de vida sexual satisfatória, que nunca pensou na responsabilidade
social, ou então à balconista que não encontrou o caminho para a consciência social por
insuficiência intelectual, condicionada por conflitos sexuais. É preciso conhecer nos
bastidores a vida desses 5 milhões de indivíduos socialmente oprimidos, "apolíticos",
indecisos, para poder compreender o papel desempenhado de um modo silencioso e
secreto pela vida privada, isto é, essencialmente, pela vida sexual, no amplo processo da
vida social. Não é possível captar isso estatisticamente; também não somos partidários
de um ilusório rigor estatístico dissociado da realidade da vida, quando é certo que Hitler
conquistou o poder negando as estatísticas e explorando as baixezas da miséria sexual.
O homem sem consciência das suas responsabilidades sociais é o homem
absorvido em conflitos de ordem sexual. Pretender fazê-lo assumir a sua
responsabilidade social, neutralizando a sexualidade, como se tem tentado até agora,
não só não tem perspectivas de êxito, mas também é o meio mais seguro de entregá-lo à
reação política, que sabe explorar admiravelmente as consequências da sua miséria
sexual. É fácil concluir que só é possível uma abordagem: a compreensão da sua vida
sexual de um ponto de vista social. Outrora eu próprio teria recuado diante dessa
conclusão, por mais banal que ela seja. Por isso compreendo que os economistas
políticos experientes considerem essa ideia como o produto do cérebro árido de um
estudioso de gabinete sem experiência política. Mas quem assistiu a debates sobre
economia sexual pode verificar que a assistência era, na sua maioria, constituída por
pessoas que nunca tinham ido a uma reunião política. As organizações de economia
sexual na Alemanha Ocidental são sobretudo constituídas por pessoas apolíticas e não
organizadas. A presunção dos juízos desses economistas políticos está patente de modo
impressionante no fato de que a organização do misticismo realiza há milênios, mesmo
no mais remoto lugar do mundo, pelo menos uma vez por semana, uma reunião de
política sexual à sua maneira — pois que outra coisa não são as reuniões dominicais ou
as rezas dos maometanos, judeus, etc. Desprezar ou mesmo negar estas realidades
significa, dado que existem experiências de trabalho no campo da economia sexual e
conhecimentos sobre as relações entre o misticismo e a repressão sexual, dar um apoio
imperdoável, e reacionário, do ponto de vista do movimento revolucionário, à
dominação do obscurantismo e à escravidão econômica.

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Pretendo debruçar-me finalmente sobre um fato que excede em muito as tarefas
diárias: a rigidez biológica do organismo humano e a sua relação com o combate pela
liberdade social e individual.

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