Ricardo Antunes - Os Comunistas No Brasil...

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OS COMUNISTAS NO BRASIL:

AS REPERCUSSÕES DO VI CONGRESSO DA
INTERNACIONAL COMUNISTA E A PRIMEIRA INFLEXÃO
STALINISTA NO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCB)

RICARDO ANTUNES
Os Comunistas no Brasil

INTRODUÇÃO:

O entendimento da gênese ou da primeira inflexão stalinista em


nosso país nos remete às origens daquele fenômeno na União Soviética.
Pode-se dizer que entre as perversidades operadas pelo stalinismo, uma
delas foi a que converteu uma revolução singular, ocorrida num país
que era elo débil da cadeia monopólica, um país de tipo asiático, em
uma revolução universal. A particularidade histórica russa, marcada pela
complexidade de um país atrasado que articulava formas capitalistas,
feudais e asiáticas - e que, em termos marxianos, poderia no máximo
converter-se em ponto de partida, no Oriente, para a ocidentalização da
revolução - tornou-se, dada a derrota e a impossibilidade crescente das
transformações revolucionárias na Europa avançada, pouco a pouco,
em modelo de classicidade revolucionária. A idéia leniniana de que a
Russia deixaria "em breve de ser um país modelo" e voltaria "a ser
novamente um país atrasado (no sentido 'soviético' e socialista)" foi
convertida, pela formulação de Stalin, em uma revolução universal,
modelo a ser seguido pelas demais forças comprometidas com o
socialismo1. Em franco contraste com Lenin, a concepção staliniana
converteu o desenvolvimento revolucionário russo em um
desenvolvimento clássico; tal modelo de classicidade haveria de
impregnar o movimento comunista nos demais países.
As teses de Marx, reafirmadas por Lenin, Rosa Luxemburgo e com
maior ênfase por Trotsky, de que a revolução teria uma dimensão universal
e que encontrava suas condições propícias no Ocidente, uma vez que
tenderia a levar à ruptura um conjunto expressivo de países avançados,
foram absolutamente transfiguradas. Nasceu, além do modelo de
classicidade atribuído à particularidade russa, a tão conhecida tese do
“socialismo num só país". Negação aguda da formulação de Marx,
presente desde pelo menos a Introdução à Critica da Filosofia do Direito

Nota do autor
Agradeço ao Professor João Quartim de Moraes pela Leitura e comentários ao
texto.
1
Lukács, G., Ontologia Dell’Essere Sociale I, Editori Riuniti, Roma, 1976, p. 361.
13
Ricardo Antunes
2
de Hegel e a Ideologia Alemã , a tese do "socialismo num só país"
ganhava, frente às derrotas das revoluções no Ocidente, o estatuto taticista
de fundamentação teórica. Marx, Engels e especialmente Lenin passaram
a ser usados como elaboradores ou coonestadores da tese do "socialismo
num só país".
Esta dupla formulação - a do caráter universal e clássico da
Revolução Russa e aquela que valida a possibilidade do socialismo num
só país - penetrou inicialmente no interior do PC soviético. Derrotado
Trotsky, esta tese penetra no interior da Internacional Comunista e, de
forma avassaladora, para o conjunto do movimento comunista
internacional3.
Claudin sintetiza precisamente este processo: "A teoria do
socialismo num só país se converte em doutrina oficial da IC ( uma vez
que o trotskismo foi posto para fora da lei na União Soviética e nos
partidos comunistas de todos os países) e passa a ser o princípio diretor
da concepção da revolução mundial formulada no programa aprovado
no VI Congresso (1928). A desigualdade do desenvolvimento econômico
e político é uma lei absoluta do capitalismo. Esta desigualdade se agrava
e acentua na época imperialista. Disto resulta que a revolução proletária
internacional não pode ser considerada uma ação única, simultânea e
universal. A vitória do socialismo é possível, no início, em alguns países
4
capitalistas, inclusive num só país tomado isoladamente" .
Era a vitória do taticismo de Stalin frente à formulação teórica de
Trotsky. Já "um ano e meio antes do VI Congresso, o Comitê Executivo
da IC adotara plenamente a posição de Stalin. Na resolução aprovada

2
A título de ilustração: "Empiricamente, o comunismo é apenas possível como ato dos povos
dominantes, 'súbita' e simultaneamente, o que pressupõe o desenvolvimento universal da
força produtiva e o intercâmbio mundial conectado com o comunismo". Em A Ideologia
Alemã, Grijalbo, SP, p. 51. Esta dimensão tem sido enfatizada com muita pertinência por
István Mészáros: "A revolução social vitoriosa não poderá ser local ou nacional...Deverá ser
global/universal, o que implica a necessária superação do Estado em escala global". Ver "Il
Rinnovamento del Marxismo e L'attualità storica dell'ofensiva socialista", em Problemi del
Socialismo, jan/fev/1982, Milão, Itália, p. 60.
3
Desde 1905 Trotsky apontava para a impossibilidade de êxito, posterior às revoluções, do
socialismo nos países atrasados, tese que fica ainda mais consistente em seu pensamento ao
longo dos anos 20.
4
Claudin, F., A Crise do Movimento Comunista, vol. I, Global Editora, SP, p. 73
14
Cadernos AEL nº 2
Os Comunistas no Brasil

pelo VII Pleno Ampliado do Comitê Executivo, celebrado em novembro/


dezembro de 1926, pode-se ler: O partido comunista (bolchevique) da
URSS tem perfeita razão ao praticar uma política de edificação do
socialismo, com a plena certeza de que a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas possui no interior do país tudo o necessário e suficiente para
5
construir uma sociedade socialista integral .
As consequências agudas e nefastas desta concepção staliniana
são enormes:convertida em fundamento teórico da estratégia da
Internacional Comunista, a teoria do "socialismo em um só país"
significava a subordinação das possibilidades da Revolução Mundial às
exigências erigidas pela URSS visando à constituição do seu socialismo6.
Como a direção da IC era intimamente subordinada à concepção
staliniana, as ações dos movimentos comunistas dos demais países
atavam-se irremediavelmente - pela intermediação da IC - à propositura
staliniana. O fenômeno intenso da stalinização dos PCs já começava a
ganhar corpo, na verdade, desde o V Congresso (1924). Por ocasião da
eleição do C.E.I.C., ao final do Congresso, Trotsky e Radék foram
excluídos da lista. Era, como lembra E. Carr, a primeira sanção formal a
7
que Trotsky fora submetido . Ao contrário, Stalin selava, com sua eleição
para o C.E.I.C., a sua predominância, ao mesmo tempo em que se
desenvolvia, com intensidade, a tese da "bolchevização" dos PCs, ou
mais precisamente, do "partido bolchevique mundial". Esta concepção
está estampada nesta exposição feita durante o V Congresso: "Estamos
decididamente contra uma desbolchevização do partido russo e pela
criação de um partido bolchevique mundial, no que deve transformar-se
a Internacional Comunista, inspirada pelo espírito de Lenin" 8. A
"bolchevização" dos partidos comunistas - e o consequente combate às
teses de Trotsky - sob inspiração staliniana e stalinista, estava lançada. A

5
Idem, p. 98/99, nota 56.
6
Idem, p. 75.
7
Carr, E., "El V Congresso da La Internacional Comunista", Cuadernos de Pasado y Presente
55, 1975, p. 28.
8
Fragmento do discurso de Treint, cit. por Carr, op. cit., p. 28. Ver também Milos Hájek, "A
Bolchevização dos Partidos Comunistas", em Hobsbawm, E., História do Marxismo, VI,
Paz e Terra.
15
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Resolução sobre o Informe do C.E.I.C. exigia "a bolchevização dos


partidos comunistas, fiéis executores das diretivas de Lenin, e ao mesmo
tempo capazes de levar em conta as situações concretas de cada país". E
a Resolução sobre tática avançava ainda mais: propugnava pela
"bolchevização dos partidos e a formação de um partido único mundial"
9
como "a tarefa central do período atual" . Com Lenin morto, e Trotsky
sofrendo fortes sanções e restrições, a "bolchevização" constituiu o
primeiro passo para a stalinização do movimento comunista internacional.
Supressora das particularidades, erigindo a revolução Russa em
modelo de classicidade, elaborando e "teorizando" sobre o "socialismo
num só país", subordinando os PCs à hegemonia ou à dominação
staliniana, tudo isso fez com que, conforme disse Lukács, a prioridade
de fato da tática fosse elevada à condição de teoria marxista autêntica.
Em contraste com Marx e Lenin, a teoria não mais constituia o
fundamento intelectual das principais táticas, mas algo pensado "à
posterior" como mera justificativa que se apresentava como se fosse a
10
continuação, a aplicação linear da teoria marxista .
Era o reinado perverso do taticismo, um dos aspéctos básicos do
stalinismo, que permeou, através da IC, o movimento comunista a partir
do final dos anos 20 e início dos 30. E o VI Congresso da IC, ao tematizar
a questão latino-americana, possibilitou que esta concepção impregnasse
também os PCs do mundo colonial.

A INTERNACIONAL COMUNISTA: ENSAIOS E ERROS SOBRE A


QUESTÃO LATINOAMERICANA.

É sabido que a questão latino-americana esteve efetivamente


ausente, no seio da IC, até pelo menos a realização de seu VI Congresso,
realizado entre 17 de julho e 1 de setembro de 1928, quando pela primeira
vez destinou-se um capítulo a ela.

10
Lukács, G., L'Uomo e la Democrazia, Ed. Lucarini, 1987, Roma, p. 79.
9
Carr, op. cit., p. 28.
16
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Os Comunistas no Brasil

A questão colonial, em sentido genérico, teve seu primeiro


aparecimento durante o II Congresso da IC, voltada especialmente para
os países do Oriente. A China e a Índia moldavam-se como protótipos
do mundo colonial e para aqueles países voltava-se a IC, numa época
em que sua atuação ainda privilegiava intensamente as possibilidades
de Revolução no Ocidente. A América Latina não foi sequer considerada
nas Resoluções do II Congresso. O esquecimento deste lado do mundo
colonial era tal que, anos depois, no V Congresso da IC, em 1924, pôde-
se constatar o seguinte registro de descontentamento por parte do delegado
do PC Mexicano: "A importância da América Latina para os Estados
Unidos é imensa, porém não é reconhecida nem por Zinoviev, nem pelos
11
comunistas dos Estados Unidos" .
Outra expressão deste desconforto dos comunistas latino-
americanos pôde ser encontrada quando da realização do VI Congresso,
ocasião em que Lacerda, delegado do PCB, ousou fazer um contraponto
a Bukharin: "Desejaria iniciar com uma pequena observação. Lê-se nas
teses do camarada Bukharin que o movimento comunista chegou pela
primeira vez aos países da América Latina. Camaradas, isto não é muito
exato. Não foi o movimento comunista que chegou pela primeira vez na
América Latina, foi a Internacional Comunista que pela primeira vez se
interessa pelo movimento comunista na América Latina"12.
Foi somente neste VI Congresso que, pela primeira vez, elaborou-
se um capítulo voltado para a questão latino-americana e as estratégias a
serem adotadas pelos partidos comunistas dos respectivos países. Isso
se explica, por um lado, pelo fracasso da insurreição de Cantão,
comandada pelo Komintern, e também pelo avanço da presença norte-

11
Claudin, F., La Crise del Movimiento Comunista, Ed. Ruedo Ibérico, 1970, p. 203. Data
desta época a criação do Bureau Latino-americano da IC, funcionando o Partido Comunista
Argentino como ponto de contato para os PCs deste continente. Pouco antes, em 1922, o
suiço Alfred Stiner havia sido designado como responsável da IC para assuntos latino-
americanos.
12
"O VI Congresso da Internacional Comunista, Informe y Discusiones", Cuadernos de Pasado
y Presente 67, 1978, p. 82.
17
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13
americana na América Latina, frente ao declínio inglês . Este Congresso
contou com a representação latino-americana composta pelos PCs da
Argentina, Brasil, Uruguai, Cuba, Paraguai, Equador e Colômbia, muitos
dos quais eram partidos recém constituídos.
Além do Relatório de Kuusinen, sobre o mundo colonial, coube a
Humbert-Droz , secretário da IC e chefe do seu Secretariado para a
América Latina, a apresentação de um co-relatório voltado para o Novo
Continente. Representando o PCB estavam os militantes Paulo Lacerda,
Leôncio Basbaum e Heitor Ferreira Lima14.
As Teses sobre o Movimento Revolucionário nas Colônias e Semi-
colônias começavam enfatizando que "...o enorme mundo das colônias
e semi-colônias converteu-se15
em um foco inextinguível do movimento
revolucionário de massas" . Partindo de referências à China, Índia e
Indonésia - onde particularmente nos dois últimos países a situação era
entendida como favorável às possibilidades revolucionárias - o VI
Congresso voltou sua atenção para o mundo latino-americano,
acentuando-se que nesta região o imperialismo norte-americano já
relegava o inglês a um plano de inferioridade. Constatou-se a existência
de insurreições camponesas, greves operárias, que estampariam o
aprofundamento dos processos revolucionários no mundo latino-
americano, contrários à dominação imperialista. A acentuação da
contradição entre a política imperialista no mundo colonial e a busca de
um desenvolvimento autônomo dos povos coloniais encontraria suas
possibilidades de ação através das massas trabalhadoras. Frente ao
catastrofismo capitalista, a inevitabilidade da crise permitia "...a

13
Ver Antunes, R., Classe Operária, Sindicatos e Partido no Brasil, Ed. Cortez, Cap. V,
utilizado como referência de pesquisa neste texto .Ver também Del Roio, M., A Classe
Operária na Revolução Burguesa, Oficina de Livros, SP, p. 96 e segs e Pinheiro, Paulo
Sergio, Estratégias da Ilusão, Cia. das Letras, SP, especialmente item III.
14
Veja-se Lima, Heitor F., Caminhos Percorridos, Ed. Brasiliense, a mais sugestiva e
documentada das memórias de militantes, no que se refere às relações PCB e IC na viragem
dos anos 20/30. E também Prado Jr., Caio, A Revolução Brasileira, Ed. Brasiliense, pioneira
análise crítica dos equívocos da IC para a América Latina.Ver especialmente cap. II.
15
"O VI Congresso..., Teses, Manifiestos y Resoluciones", op. cit., p. 188.
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possibilidade objetiva de um desenvolvimento não-capitalista nas


colônias atrasadas", o que seria possível através da instauração dos
16
soviets .
O mundo colonial era assim concebido: num pólo encontravam-se
as colônias que absorveram a população excedente das metrópoles e que
se constituiram em prolongamentos do sistema capitalista. O Canadá e a
Austrália tipificam esta modalidade de origem colonial. Noutro pólo
encontravam-se aqueles países coloniais que desde sua origem
vivenciavam formas de exploração metropolitana e que se constituiram
enquanto núcleos fornecedores de "matérias primas", áreas de
investimento de capitais ou mercados consumidores. Nas primeiras - as
"colônias de imigração" - reproduzia-se a estrutura de classes existentes
nos países de origem, sendo que os interesses das burguesias locais
identificavam-se em boa medida aos das burguesias hegemônicas nas
metrópoles. Já nas "colônias de exploração" os interesses das burguesias
imperialistas “travam ao fim e ao cabo o desenvolvimento das forças
produtivas das respectivas colônias"; "se a exploração colonial pressupõe
certa promoção do desenvolvimento da produção das colônias, este
desenvolvimento, graças ao monopólio imperialista, segue um caminho
muito determinado e só é promovido na medida em que isso corresponda
aos interesses da metrópole..."17.
Neste ponto encontrava-se, para a análise presente no VI Congresso
da IC, a dimensão decisiva do mundo colonial: este via-se tolhido para
buscar um desenvolvimento autônomo e acabava por desempenhar
funções de apêndice econômico do mundo imperialista; os produtos dos
trabalhos dos assalariados drenavam-se para as burguesias dos países
centrais18.
Eram bastante acentuadas, entretanto, as similitudes entre a
contextualidade latino-americana e o mundo asiático, em particular a
China e a Índia: "Da mesma forma que em todas as colônias e semi-
colônias, o desenvolvimento das forças produtivas e a socialização do

16
Idem, p. 192/194.
17
Idem, p. 198.
18
Idem, p. 199.
19
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trabalho na China e na Índia estão em um escalão relativamente baixo.


Esta circunstância e o jugo da dominação estrangeira, igualmente a
existência de fortes resíduos de feudalismo e de relações pré-capitalistas,
determinam o caráter da próxima etapa da revolução nestes países...,
revolução democrático-burguesa, vale dizer, da etapa de preparação dos
19
pressupostos para a ditadura proletária e a Revolução Socialista" .
E, apesar de conceber essa revolução democrático-burguesa no
mundo colonial como "organicamente vinculada à luta nacional de
libertação", através dela dar-se-ia o rompimento dos laços de
subordinação ao imperialismo, realizando a nacionalização das
concessões, ferrovias, bancos etc; pretendia-se também obter a unidade
nacional onde esta ainda não houvesse sido conquistada, objetivando-se
ainda a destruição do poder das classes exploradoras e a organização de
conselhos operários e camponeses - os soviets - bem como a criação do
exército vermelho e a instauração da ditadura do proletariado e do
campesinato, com a hegemonia do primeiro. Enfatizava-se também a
importância da revolução agrária como forma de libertação do
campesinato frente às formas pré-capitalistas, coloniais e escravistas e
propugnava ainda a nacionalização dos sub-solos, além da necessidade
de ampliar os sindicatos operários e fortalecer os partidos comunistas20.
Era evidente que, além da contextualidade chinesa e indiana que
moldavam a visão colonial para o universo latino-americano, já estava
presente no seio da IC um forte taticismo marcado pelo "oportunismo
de esquerda", onde a tática da luta de classe contra classe, concebida
para o cenário europeu, transplantava-se sem mediações para o mundo
latino-americano. Decorre em boa medida desta impropriedade, o fato
de que, ao mesmo tempo em que se falava em "revolução democrático-
burguesa", em "luta de libertação nacional", propugnava-se também a
instauração dos soviets de operários, camponeses e soldados. Taticismo
"esquerdista" da fase da luta de classe contra classe, que passou a
impregnar, pouco a pouco, os PCs do mundo colonial, e dentre eles o PC
brasileiro. Lembre-se que a tática da classe contra classe tinha como

19
Idem, p. 205.
20
Idem, p. 205.
20
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Os Comunistas no Brasil

Movimento Communista. Orgam do Partido Comunista (S.B.I.C.). São Paulo,


1923: 21-22. Banco de Imagens do AEL.

21
22
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Fundadores do PCB (1922). De pé (da esquerda para a direita): Manoel Cendón, Joaquim Barbosa, Astrojildo Pereira,
João da Costa Pimenta, Luiz Pérez e José Elias da Silva. Sentados: Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano
Cordeiro.
Os Comunistas no Brasil

contraponto o entendimento de que a socialdemocracia era vista como


aliada do fascismo e, portanto, principal inimiga dos comunistas.
Tese equívoca ao extremo, e que contou com a oposição de
expressivas figuras do movimento comunista internacional, como Lukács,
que nas "Teses de Blum" (1928), contestava agudamente a formulação
política staliniana, sendo por isso tachado de "socialdemocrata”. “Estas
teses não têm nada a ver com o bolchevismo", dizia o Comitê Executivo
21
da IC à propósito das Teses de Blum . Lembre-se ainda a nítida
dessintonia entre a formulação gramsciana sobre a "guerra de posição",
num momento em que a IC falava da luta de classe contra classe, na sua
variante stalinista. Trotsky, por sua vez, fez também contundente crítica
à tese que visualizava a socialdemocracia como aliada do fascismo. E
se a tese da classe contra classe e do social-fascismo mostraram-se
equivocadas - na verdade o contexto mundial era fortemente defensivo
para as forças de esquerda e francamente contra-revolucionário - o
transplante destas formulações para o mundo colonial estampavam
limpidamente as impropriedades e descaminhos que marcaram a atuação
da IC, depois da vitória staliniana. E os PCs no mundo colonial,
fragilizados e débeis, acabaram por se mostrar incapazes de evitar a
penetração avassaladora das novas teses da IC. Exemplo disto
encontramos na proposição que estabelece que os comunistas deveriam
"tomar parte ativa e geral do movimento revolucionário de massa dirigido
contra o regime feudal e contra o imperialismo, inclusive onde este
movimento estiver sob a direção da pequena burguesia. Para isso os
partidos comunistas não têm que se subordinar sob nenhuma circunstância
a seus aliados temporários"22. Suas orientações deveriam pautar-se por
um programa cujas principais reivindicações seriam: expropriação dos
latifúndios; confisco das empresas estrangeiras; cancelamento da dívida
externa; regulamentação da jornada de 8 horas; armamento dos operários
e camponeses visando às milícias populares e a instauração do "poder

21
Há um fragmento das "Teses de Blum" publicado na revista Temas 7, Ed. Ciências Huma-
nas. Ver também Trotsky, Revolução e Contra-Revolução na Alemanha, Ed. Ciências Hu-
manas, 1979.
22
O VI Congresso..., op. cit., p. 238.
23
Ricardo Antunes

soviético de operários, camponeses e soldados em substituição à


dominação de classe dos fazendeiros e Igreja. Na agitação comunista a
consigna governo operário e campones deve ocupar o lugar mais
importante, por oposição aos assim chamados governos 'revolucionários'
da ditadura militar da pequena burguesia"23. Desse modo, os comunistas
do mundo colonial estariam combatendo a política colonial
24
socialdemocrata aliada ao imperialismo .
A análise que sustentava a tese da fase crítica do capitalismo teve
em Bukharin o seu principal formulador. Partindo do pós-guerra, entendia
o capitalismo a partir de três períodos: o primeiro, de crise revolucionária
aguda, abrangendo as várias situações revolucionárias ocorridas desde o
fim da Primeira Guerra até os anos 20/21, e que teve na Revolucão Russa
e Alemã seus momentos mais significativos. O segundo marcou uma
fase ofensiva do capitalismo, frente às derrotas de várias tentativas
revolucionárias e, consequentemente, significou uma fase defensiva do
proletariado. Apesar disso, houve algumas situações revolucionárias em
países coloniais e semicoloniais, como China, Síria e Marrocos. O terceiro
período caracterizou-se, de um lado, e inicialmente, por uma ampla
reorganização capitalista, através de um intenso processo de
monopolização e desenvolvimento técnico e, ao mesmo tempo, pelo
"crescimento das forças opostas ao capitalismo" e pelo "desenvolvimento
extremamente intenso" das suas contradições. O aguçamento da luta de
classes e a iminência de uma "situação revolucionária" acabaram, por
sua vez, por agravar o "quadro geral da crise capitalista". Lembre-se
ainda que, segundo Bukharin, existiam três tipos de países: aqueles de
capitalismo muito desenvolvido, aqueles com um desenvolvimento
capitalista médio, como a Iugoslávia e a Romênia e os coloniais e
semicoloniais25.

23
Idem, pp. 238/9.
24
Idem, p. 241.
25
Bukharin, N., "La Situación Internacional y las Tarefas de la Internacional Comunista", VI
Congresso, Informes y Discusiones, op. cit., 9/11,29 e 153. Ver também Schlesinger, Rudolf,
"La Internacional Comunista y el Problema Colonial", Cuadernos de Pasado y Presente
52, p. 106.
24
Cadernos AEL nº 2
Os Comunistas no Brasil

Houve várias manifestações, por parte de representantes latino-


americanos, no sentido de avançar um pouco mais na busca da
particularidade destes países, através de formulações que, muitas vezes,
opunham-se ao esquematismo vigente no seio da IC. No Informe da
delegação latino-americana sobre o Programa da IC, disse o delegado
pelo Equador: "Parece-me que o programa não dá uma fisionomia própria
ao desenvolvimento do capitalismo nos países coloniais e naqueles
26
chamados semicoloniais" . Em alguns países, como o Brasil e a
Argentina, a denominação semicolonial era insatisfatória: "É muito
importante estabelecer uma distinção entre países semicoloniais e aqueles
que, à falta de um termo melhor, podem ser chamados de
'dependentes'...Deve-se então aceitar uma nova categoria adjunta aos três
grupos de países classificados no programa de acordo com seu
desenvolvimento econômico e grau de dependência política. Este novo
grupo estaria constituído pelos países 'dependentes', que estão penetrados
economicamente pelo imperialismo, mas conservam uma independência
política bastante grande, seja devido a uma penetração econômica débil,
seja devido à sua força política"27. No contra-fluxo das posições da IC,
os representantes latino-americanos questionavam a validade da proposta
de revolução democrático-burguesa nos países 'dependentes', recusou-
se a identificação direta dos latifúndios a relações de feudalidade. Estes,
ao contrário, foram concebidos como expressão de frações da burguesia
e postulou-se acerca da necessidade de alianças com os camponeses e a
pequena burguesia, formulações que encontravam fortes resistências no
interior da IC.
O Informe da Humbert-Droz, "Sobre os Países da América Latina",
expressão dos equívocos da IC para o mundo latino-americano, afirmava
a necessidade - mesmo reconhecendo a diversidade existente no
continente - de "estabelecer a linha tática geral que devemos dar à nossa
ação comunista, à ação revolucionária em geral na América Latina", tendo

26
O VI Congresso..., "Informe de la Delegacion Latino-americana sobre el Programa da
Internacional Comunista", Ricardo Paredes, op. cit., p. 176.
27
Idem, p. 178/9.
25
Ricardo Antunes

como parâmetros alguns traços comuns existentes nos países do novo


28
continente .
Sua exposição reafirmava, em contraposição a outras exposições
de comunistas latino-americanos, o caráter "semi-colonial" de países
como Chile, Argentina e Brasil, que apesar de dotados de “um certo
desenvolvimento industrial, demonstram que seu progresso econômico
não é independente..., demonstram que estes países são semicolonias
29
dos imperialismos inglês e norte-americano" .
Frente ao real desconhecimento das particularidades do mundo
latino-americano, o caminho encontrado pelo VI Congresso da IC, sob
hegemonia stalinista, consistia em formulações generalizantes, abstratas
e equívocas. Recusava-se concretamente uma política de alianças com a
pequena burguesia; não se dava a necessária ênfase à aliança com o
campesinato e, o que é ainda mais grave, não se operava uma nítida
distinção entre os países asiáticos e os da América Latina, entre os países
"coloniais e semicolonias" e os "dependentes". O taticismo forçara o
enquadramento dos PCs latino-americanos aos pressupostos “teóricos”
da formulação staliniana e stalinista; as revoluções do mundo colonial
subsumem-se aos momentos e possibilidades da Revolução Russa,
concebida como via clássica e universal do caminho para o socialismo.
A tese do "socialismo num só país" ganha estatuto de um dogma intocável
e os PCs, que ensaiavam e intentavam investigações com alguma
pertinência, tiveram suas virtualidades intensamente sufocadas. Foi, como
veremos a seguir, o que se passou com o PC brasileiro.

A VIRAGEM DO PCB RUMO A STALINIZAÇÃO: DO III


CONGRESSO AO ENTENDIMENTO DA REVOLUÇÃO DE 1930

O PC brasileiro teve, desde sua origem, uma trajetória singular,


que o distancia de um significativo conjunto de partidos comunistas de

28
Humbert-Droz, "Sobre los Países de América Latina", VI Congresso..., op., cit., p. 301.
29
Idem, p. 302.
26
Cadernos AEL nº 2
Os Comunistas no Brasil

outros países. O primeiro aspecto comumente destacado é aquele que


alude à sua origem a partir do anarcosindicalismo. Fruto do relativo
esgotamento desta corrente, presente no movimento operário brasileiro
nas primeiras décadas deste século, o PCB teve como núcleo dirigente
um conjunto de ex-militantes egressos do anarcosindicalismo e que,
pouco a pouco, sob o impacto da Revolução Russa, abraçavam o ideário
comunista. Isto faz aflorar o fato de que o PCB não se originou como
desdobramento da ruptura clássica entre socialistas e comunistas, entre
os adeptos da II e da III Internacionais. Em nosso país praticamente
inexistiu um movimento socialista expressivo antes da formação do
PCB30. A ausência de uma tradição socialista anterior fez praticamente
do PC brasileiro a primeira experiência. Deve-se acrescentar ainda o
fato de que aquele partido não vivenciou anteriormente uma sólida cultura
burguesa, que pudesse ser ponto de partida para sua superação crítica.
Essa conjugação de elementos - a gênese anarcosindicalista, a ausência
de uma tradição socialista e de uma cultura burguesa - marcaram a
singularidade do processo constitutivo do PCB, nos anos 20. Agrarismo
e Industrialismo, de Octávio Brandão, é expressão quase única de um
ensaio que estampava as limitações acima aludidas e refletia a concepção
que dominava os comunistas brasileiros quando da realização de seu II
Congresso, em 1925: "As teses sobre a situação política nacional
baseavam-se na concepção dualista 'agrarismo-industrialismo' dominante
na direção do Partido. Falava-se aí em luta entre o capital agrário
semifeudal e o capitalismo industrial moderno, como sendo a contradição
fundamental da sociedade brasileira após a República"31 o primeiro, o
"capitalismo agrário semifeudal", apoiado pelo imperialismo inglês, e o
segundo, o "capitalismo industrial", apoiado pelo norteamericano32.
A esta evidente fragilidade e mecanicidade do "marxismo
brasileiro" mesclou-se outro elemento, externo, que pouco a pouco se
sobrepôs aos esforços que aqui se faziam no sentido de esboçar um

30
Ver, entre outros, Hecker, Alexandre, Um Socialismo Possível (A Atuação de Antonio
Piccarolo em São Paulo), T.A.Q. Editor, SP.
31
Pereira, A., A Formação do PCB, Ed. Vitória, 1962, p. 66.
32
Conforme documento "Os Congressos do PCB", p. 3.
27
Ricardo Antunes

entendimento da concretude brasileira. Esse elemento foi dado pela ação


da IC que, a partir da morte de Lenin, começou a vivenciar um intenso
processo de stalinização, que teve repercussões agudas e ásperas no
conjunto do movimento comunista internacional. E o PCB não
permaneceu imune a este influxo. Toda a tematização, oriunda do II
Congresso do PCB, de fevereiro de 1925, no sentido de impulsionar
uma política de união operário-camponesa, consubstanciada na criação
do Bloco Operário e Campones (BOC), em 1928, foi alvo de forte dose
crítica, quando da realização do III Congresso do PCB, entre 29 de
dezembro de 1928 e 4 de janeiro de 1929. Lembre-se que este Congresso
é posterior ao VI Congresso da IC e já é possível constatar que suas
resoluções se aproximavam de algumas teses centrais que estavam
dominando o cenário comunista internacional ao final da década de 20.
Cremos que é exatamente neste momento que se dá o primeiro influxo
stalinista no PCB.
O III Congresso assim caracterizou o momento brasileiro: "... o
exame objetivo da situação econômica, política e social do país, no
momento presente, faz prever uma conjuntura revolucionária, que poderá
resultar da coincidência de vários fatores: 1) a crise econômica
consequente a uma catastrofe na política do café; 2) crise financeira
ligada à crise econômica e resultando diretamente do fracasso do plano
de estabilização monetária artificialmente sustentado por meio de
empréstimos onerosos; 3) crise política vinculada ao problema da
sucessão presidencial brasileira (1930)..."33.
A economia brasileira continuava, entretanto, predominantemente
agrária, "semifeudal", e "semicolonial": "O Brasil é um país semicolonial.
Penetrando nele o imperialismo, adaptando a economia do país ao seu
próprio interesse, apóia-se nas formas de exploração feudais e
semiescravagistas, baseadas no monopólio da terra"34. E acrescenta,
referindo-se à disputa interimperialista: "Como fator fundamental no
reagrupamento de forças internas, mais e mais se há feito sentir a pressão
externa do imperialismo. Pressão dupla e antagônica. Até a guerra

33
Pereira, A., op. cit., 144 e seg. e "Os Congressos...", op. cit., p. 5.
34
III Congresso, em Pereira, A., op. cit., p. 120.
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Cadernos AEL nº 2
Os Comunistas no Brasil

mundial, dominava no Brasil, sem contraste, o imperialismo inglês;


porém, de então para cá entrou em cena o jovem imperialismo ianque,
irresistível rival daquele. Seculares eram as ligações de dependência da
burguesia agrária e conservadora do Brasil em relação ao imperialismo
britânico; daí que o imperialismo norte-americano, como primeira etapa
em seu plano de penetração, tenha procurado apoiar-se na burguesia
industrial, pretensamente liberal, mais jovem, mais ambiciosa e mais
ousada. O agravamento dessa dupla e contraditória pressão externa não
podia deixar de acentuar, como acentuou, como acentua cada vez mais,
os antagonismos das forças sociais internas, aumentando a exploração e
a opressão das massas laboriosas em geral. Tal a causa primordial dos
descontentamentos populares acumulados nestes últimos anos e que
explodiram nas revoltas de 5 de julho"35.
Como desdobramento desta análise, o III Congresso do PCB
desenvolveu a concepção teórico-política da Terceira Revolta: os levantes
tenentistas de 22 e 24, seguidos da Coluna Prestes, questionavam o Estado
republicano, através da ação central da pequena burguesia e abriam a
possibilidade para a "terceira explosão revolucionária", mais aguda e
radical, desencadeada pelas massas e tendo o Partido Comunista como
dirigente36.
Essa visualização de uma possibilidade revolucionária no Brasil,
já estava presente em abril de 1928, nas Resoluções da Conferência
Sindical Latino-Americana, conforme se pode constatar: "O movimento
proletário da América Latina atravessa atualmente um período de
tempestuoso desenvolvimento. Isto se explica, antes de tudo, pela rápida
industrialização de toda a América Latina e pela pressão que exerce o
imperialismo inglês e americano sobre as massas populares de todo o
continente". E acrescentava: "... a situação objetiva é muito favorável
para o desenvolvimento e ação da classe operária" e "para o crescimento
e organização dos sindicatos, devido a que existe uma efervescência
revolucionária continua, quase incessante, em todos os países da América

35
Congressos do PCB”, op. cit., pp. 5/6.
36
Idem, p. 5.
29
Ricardo Antunes

Latina, efervescência que é o reflexo de uma transição que se opera do


37
regime feudal e de servidão, ao regime burguês e capitalista" .
Cremos que esta análise da situação brasileira, entendida como de
incessante efervescência revolucionária, é muito mais uma sobreposição
da leitura que se consolidava no seio da IC, no seu VI Congresso, do que
da caracterização que os comunistas do PCB procuravam fazer da
realidade brasileira. A crise que aqui se vivenciava - real - não poderia
ser esquematicamente convertida em crise revolucionária, não fosse esta
uma proposição política vigente no VI Congresso. Concretamente, esta
concepção descartava uma política de alianças com a pequena burguesia
e não enfatizava, com o devido peso, a aliança com os trabalhadores do
campo. O resultado da stalinização "de esquerda" do final dos anos 20,
impediu que os comunistas do PCB desenvolvessem, com alguma
eficácia, as suas formulações gestadas em meados daquela década. Havia,
especialmente, uma resistência forte aos "equívocos" de uma política
de alianças, consubstanciadas através do BOC: "Muitos perigos, que
rondavam o BOC desde o início, acentuaram-se com o correr do tempo,
e entre eles o 'eleitoralismo', campo aberto à proliferação de oportunistas
e carreiristas da pior espécie. Na discussão interna que se travou no
Partido, em 1928, uma das questões mais acesamente debatidas foi a do
BOC e os erros consequentes cometidos na política eleitoral do Partido.
Outro perigo, mais grave ainda, consistia numa certa tendência a não só
esconder o Partido por trás do BOC, mas fazer o Partido dissolver-se em
suas fileiras. O exame e o debate de tais perigos levou o III Congresso
do Partido... a tomar importante resolução sobre o BOC, visando
precisamente a corrigir os erros e desvios constatados"38.
Parece evidente, portanto, que estava se efetivando o primeiro
consistente influxo stalinista em nosso país. Realizado quase quatro meses
após o VI Congresso da IC, o III Congresso do PCB previa uma
"conjuntura revolucionária", com possibilidades de vitória da “terceira

37
O Trabalhador Latino-Americano, Revista Quinzenal de Informação Sindical, Orgão Oficial
do Comitê Pró-Confederação Sindical Latino-Americana, Ano I, nº 1 a 5, 15 de novembro
de 1928 (grifos meus).
38
Pereira, op. cit., pp. 102/3.

30
Cadernos AEL nº 2
Os Comunistas no Brasil

revolta", então sob condução das massas operárias e direção do PCB.


Reafirmava-se o caráter "feudal" do nosso país, via-se na disputa
interimperialista o eixo da questão nacional e criticava-se a política de
39
frentes populares, da qual o BOC era a expressão política . Lembramos,
entretanto, que este foi o primeiro influxo. Ainda assim, as resoluções
deste III Congresso foram veementemente criticadas pela IC, em reuniões
realizadas em Moscou, em fins de 1929, contando inclusive com a
presença de Astrojildo Pereira. Foram qualificadas como expressando a
submissão à pequena burguesia e por isso condenadas40.
Nos anos imediatamente posteriores, o PCB assimilou plenamente
as proposições presentes no seio da IC, que levou ao sufocamento das
tendências que estavam se gestando desde meados dos anos 20, e que
tiveram em Astrojildo Pereira e Octávio Brandão seus principais
inspiradores. É exemplo desta tendência o texto de Astrojildo Pereira,
onde defendia como condução própria para o PCB a "idéia de uma aliança
com a vanguarda revolucionária da pequena burguesia que encabeçara
os movimentos de 22 e 24". A base desta formulação política era dada
pela concepção de "revolução democrática pequeno-burguesa", de
Octávio Brandão, tendo como pólo dirigente o proletariado41.
Vale lembrar que a resposta da IC veio rapidamente, através de
um artigo de Humbert-Droz que contrapunha-se claramente ao de
Astrojildo. Embora Droz não descartasse a aliança com a pequena
burguesia, propugnava pela "dualidade de poder": "...o movimento
revolucionário do proletariado criará a ditadura democrática dos operários
e camponeses, poder surgido do seio mesmo das massas no decurso da
luta, apoiado nos soviets de operários, camponeses e soldados. A palavra
de ordem central deve ser, então, a do governo operário e camponês",
através da constituição de uma "união federativa das repúblicas operárias
e camponesas para a América Latina"42.

39
Veja-se o Informe de Humbert-Droz, em "O VI Congresso...", op. cit., p. 319, com agudas
críticas ao BOC.
40
Ver Lima, Heitor, F., op. cit., pp. 103 e segs.
41
Pereira, A., "O PCB e sua Ação", La Correspondência Sudamericana, Buenos Aires,
15/09/1928.
42
Humbert-Droz, "O Movimento Revolucionário na América Latina", Buenos Aires, 30/09/
1928.
31
Ricardo Antunes

Era evidente que, pouco a pouco, se moldava no PCB uma


concepção que cada vez mais se distanciava da política de aproximação
com a pequena burguesia e de uma primeira tentativa de entendimento
do quadro brasileiro, por certo bastante insuficiente, pelos elementos
que marcaram a gênese do PCB e do "marxismo brasileiro". Operava-se
uma adaptação às concepções vigentes na IC, especialmente após a
viragem realizada no seu VI Congresso, tanto em relação ao movimento
comunista dos países avançados, quanto em relação ao mundo latino-
americano, que pela primeira vez efetivamente constava da pauta de um
Congresso da IC.
E essa primeira inflexão stalinista no PCB se fortaleceu nos dois
anos seguintes, o que se evidencia na análise que o Partido fez da
Revolução de 30. Pouco a pouco a ambiguidade, fruto do confronto entre
sua postura anterior e as novas concepções da IC, foi sendo substituida
por uma assimilação acrítica dos esquemas vigentes no centro
hegemônico do movimento comunista.
Um exemplo desta ambiguidade aflora quando se constata, através
de Octávio Brandão, que era imperioso ampliar a ação do BOC, buscando
a adesão da pequena burguesia sob a liderança de Prestes. A crença de
que se poderia introduzir um elemento revolucionário nos revoltosos da
Coluna, através da presença do proletariado, ainda estava presente no
interior do PC: "Tendo em vista a sucessão presidencial e suas
consequências políticas e sociais, a luta contra os imperialistas e contra
os grandes proprietários, especialmente os grandes agrários, deve
constituir a base de uma aliança entre o proletariado com Luis Carlos
43
Prestes" .
Essa tentativa de implementar uma proposta de frente popular
estava, entretanto, em descrédito no interior da IC, o que levou a
intensificação da crítica por parte desta última, através da Secção Latino
Americana.
Em abril de 1930, a IC elaborou a "Resolução da Internacional
Comunista sobre a Questão Brasileira", "resultado de um sério exame, a

43
Brandão, O., "A Sucessão Presidencial", Diário Carioca, 30/01/1929, em Carone, E., O
Movimento Operário no Brasil (1877/1944), Difel, p. 517.
32
Cadernos AEL nº 2
Os Comunistas no Brasil

que se produziu em Moscou, da situação do Brasil e do PCB". Ela traçava,


"em forma concisa, diretivas claras e firmes para toda a atividade política
44
do Partido no período atual" . Constatava que a produção nacional estava
"minada por uma crise profunda, proveniente do caráter colonial da
economia brasileira e da crescente contradição entre desenvolvimento
rápido do modo de produção capitalista e a base econômica e social, que
ainda se conservava feudal e escravagista". Este fato, aliado à crise
econômica dos EUA, ameaçava de maneira catastrófica a nossa economia,
agravada pela "luta entre o imperialismo inglês e americano, e da
intervenção, nessa luta, das diversas classes da população no Brasil",
criando "as condições indispensáveis para um vasto movimento das
massas trabalhadoras". A intensificação da crise econômica, o
agravamento das condições de vida das classes populares e a disputa
interna entre as classes dominantes em função de seus vínculos com os
dois blocos imperialistas, criavam as condições "para o rápido
amadurecimento da situação revolucionária no Brasil. Isto significa que
o PC do Brasil deve, desde agora, preparar-se para a luta, a fim de poder
encabeçar a insurreição revolucionária das grandes massas trabalhadoras,
que tanto pode eclodir por ocasião das eleições presidenciais, como por
ocasião de qualquer greve importante ou de qualquer sublevação local
de operários agrícolas, de camponeses ou de desempregados". O sucesso
da revolução dar-se-ia na medida em que contasse com a hegemonia
operária em oposição à hegemonia burguesa.
E, uma vez mais recusando a concepção anteriormente vigente no
interior do PCB, a Resolução afirmava: "No Partido prega-se abertamente
a teoria da 'revolução democrática pequeno-burguesa', sob cuja cobertura
o proletariado poderia preparar-se para a conquista do poder (Camarada
Brandão). Esta teoria menchevista, antileniniana e antimarxista nega a
hegemonia do proletariado na revolução democrático-burguesa, como
garantia essencial contra sua derrota e como a melhor preparação do
proletariado para a conquista do poder". E, após criticar asperamente o
BOC, concluia o Documento propugnando pela revolução agrária, pela

44
A Classe Operária, 17/04/1930. As citações seguintes referem-se a este documento.
45
Idem, p. 3. Ver argumentação similar em Borodine, Saul, "La Situation Politique et le
Mouviment Ouvrier Revolutionnaire au Brésil", La Correspondance Internationale, nº 66,
1930, p. 872.
33
Ricardo Antunes

libertação do domínio imperialista e constituição de uma república


45
operária e camponesa à base dos soviets .
Estando cada vez mais em nítida sintonia com as teses da IC para
a América Latina, os comunistas do PCB distanciavam-se crescentemente
do tenentismo dissidente, liderados por Prestes, o que impossibilitou
uma aliança real destes setores às vésperas da revolução de 3046. O
resultado foi isolamento e incompreensão, pelo PCB, da processualidade
brasileira no período que culminou com a Revolução de 30. E, uma vez
desencadeado aquele movimento político-militar, o PCB, sob agudo
influxo da IC, persistia em sua análise: "A revolução que estourou no
Brasil e que progride vitoriosamente sob a direção da 'Aliança Liberal' é
uma revolução preparada e financiada pelo imperialismo yanquee contra
o governo atual dos grandes proprietários agrários, principalmente os
plantadores de café - ligados ao imperialismo inglês..."47. Acreditava-se
que, no bojo desta crise pudesse se gestar a proposta de um governo
operário e campones, sob condução do PCB.
O que se viu, entretanto, foi um movimento ao qual o PCB
permaneceu sem ação, distanciado e isolado. Incapaz de consolidar uma
política de alianças com os setores médios (e em especial com o
tenentismo dissidente), o PC, pela adesão às teses da IC, não conseguiu
compreender efetivamente a realidade aqui vivenciada. Sua concepção
catastrófica de crise econômica e da consequente ruptura revolucionária,
não encontrou concretude no solo brasileiro no final dos anos 20. E no
início de 1931, o influxo stalinista era tão evidente que o Secretariado
Latinoamericano da IC assim se expressou: "O Plenum do CC do PCB
tinha muita razão quando declarava que ... 'sem uma luta encarniçada
contra os elementos prestistas, trotskystas, aliancistas, etc, não pode
existir um partido comunista que mereça tal nome', que represente
realmente a linha da Internacional Comunista"48. Estava selado, em nosso
entendimento, o primeiro consistente influxo stalinista no seio de PCB.

46
Sobre a relação Prestes e o PCB neste período ver Antunes, R., op. cit., pp. 156 e 159.
47
Par un Latino-americain, "A Propos des Evénements du Brésil", La Correspondance
Internationale, nº 86, 1930, p. 1110.
48
"El P. Comunista del Brasil frente a los Proximos Combates", Revista Comunista, Orgão
Teórico del Secretariado de la Internacinal Comunista, anõ 1, nº 2 e 3, enero y febrero/
1931, p. 21.
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