Trabalho Modulo 16

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CETEP – CENTRO DE ESTUDOS DE TERAPIA

E PSICANÁLISE

CURSO DE PSICANÁLISE

PAULO HENRIQUE LEITE REGINALDO

(WINNICOTT)

CAMPINAS/2024

MÓDULO 16
INTRODUÇÃO

O presente módulo nos apresentou a escola psicanalítica de


Donald Winnicott, um celebre psicanalista de olhos e instintos
aguçados principalmente no que se referia ao mundo infantil.
Winnicott foi um médico pediatra que atuou na área por mais
de quarenta anos, atendeu mais de 60 mil crianças onde
muitas delas eram órfãs de guerra. Fez sua análise pessoal
com James Strachey, mas a principal influencia para o
surgimento de sua abordagem terapêutica foi Malanie Klein.
É possível perceber a evolução e os desdobramentos da
psicanalise quando se fala sobre o desenvolvimento psíquico,
Freud apresentou ao mundo as fases psicossexuais e a sexualidade
infantil, discorreu como estes eventos tem um papel fundamental
na personalidade de cada indivíduo, nos mostrou o aparelho
psíquico e seu funcionamento e deixou exposto como o complexo
de Édipo e a angustia/fantasia de castração ocupam um lugar de
primazia na estrutura psíquica de cada um de nós, no entanto
Freud discorre sobre o assunto olhando através das lentes de um
triangulo amoroso (pai, mãe e criança), acredito que isso se dê por
causa das experiências particulares do DR. Freud. Na perspectiva
Freudiana o pai tem o papel principal na formação estrutural da
psique infantil e obviamente ele não está errado, no entanto
surgem novos pensadores e pesquisadores que ampliam nosso
conhecimento sobre tema. Malanie Klein por exemplo foca sua
pesquisa muito mais na relação entre a mãe e o bebê deixando
quase que inexistente a figura do pai, se na escola freudiana havia
um triangulo amoroso na escola Kleiniana existem apenas dois
indivíduos, a mãe e o bebê com seu EGO rudimentar e uma visão
parcial de si e de seu mundo (a mãe).
Winnicott era oriundo da escola freudiana, no entanto sofreu forte
influência da escola Kleiniana. Com um enorme currículo e
experiência no tratamento de crianças teve um novo insight sobre
a estruturação psíquica e formação do eu, se Freud enxergava três
protagonistas nesta história e Malanie Klein via apenas, Donald
Winnicott olhou para “apenas um” a mãe! Obviamente que uma
escola não anula a outra, pelo contrário, elas se complementam,
ampliam nossa visão e nos municia para a pratica clínica.
Esse olhar singular para a genitora fez com que Winnicott
cunhasse termos importantíssimos para o entendimento de sua
proposta analítica, como por exemplo:
 MÃE SUFICIENTEMENTE BOA
 MÃE SUFICIENTEMENTE MÁ
 OBJETOS DE TRANSIÇÃO
 AMBIENTE FACILITADOR
Espero inserir cada um dos pontos acima na análise que fiz do
filme –Precisamos falar sobre Kevin- (filme que achei muito
indigesto) e quem sabe responder de maneira clara a questão
proposta pela escola (estamos criando bem os filhos dessa
geração?).

ANALISE DO FILME “PRECISAMOS FALAR SOBRE


KEVIN”

O filme trata-se de um drama vivido por Eva (não sei se foi


proposital dar esse nome ao personagem, uma vez que na
mitologia judaica o primeiro assassino era filho de Eva) que luta
contra a culpa e tenta reconstruir sua vida após seu filho Kevin
matar o pai e a irmã e causar um massacre no colégio em que
estudava. O filme foi baseado em um livro que traz o mesmo
título, logo no inicio notamos que o trabalho de fotografia do
filme já nos dá uma previa do que esperar da história quando
mostra a protagonista participando da tomatina (uma guerra de
tomates que ocorre tanto na Itália quanto na Espanha) onde os
participantes parecem estar banhados de sangue. A cor vermelha,
representante da morte nesse filme, vai acompanhar a história do
inicio ao fim, mas por razões obvias não irei me ater neste fato.
Eva é uma mulher aparentemente livre e bem sucedida em sua
vida pessoal, ela gosta da sua liberdade não a toa trabalha em uma
agência de viagens. No entanto após um relacionamento amoroso
acaba engravidando e fica nítida a insatisfação dela diante da
eminente chegada de uma criança, Winnicott acredita que o
estado emocional da mãe durante a gravidez poderia gerar grande
influência no desenvolvimento do feto (acredito que o tal
ambiente facilitador deva estar presente desde o inicio da
concepção). Em uma das cenas Eva está rodeada de outras
mulheres gravidas e somente ela está com a barriga encoberta,
talvez um símbolo claro de seu descontentamento com a criança
que carrega no ventre, no momento do parto a conversação
presente na cena parece trazer a ideia de uma recusa da mãe em
colocar a criança para fora, deixando mais uma vez evidente que
Kevin não seria bem vindo na vida daquela mãe. Winnicott
acreditava que o ambiente era um fator importantíssimo para o
desenvolvimento psíquico saudável da criança e o primeiro
ambiente obviamente é a mãe.
Outro ponto muito interessante que quero destacar é o momento
em que Kevin está chorando, mas ao invés de ser acalentado pela
mãe e ter suas necessidades atendida (fome, frio, cólicas) ou
mesmo ser afagado com gestos de amor e carinho ou quem sabe
ouvir a voz da mãe, no entanto ele é levado pela mãe para junto
de uma obra, onde ela prefere ouvir o som ensurdecedor de uma
britadeira em vez de atender o chamado da criança. Segundo
Winnicott, existe uma simbiose entre a mãe ou figura materna e o
bebê, algo que ele chamou de estado de não separação, o que
vemos no filme é um estado de ruptura muito prematuro entre
Eva e Kevin, a ideia de mãe suficientemente boa não ocorre em
momento algum nos primeiros meses dessa criança chamada
Kevin, para Winnicott a mãe suficientemente boa não é uma mãe
perfeita, mas uma mãe que é suficientemente presente e
responsiva às necessidades do bebê, mesmo que Kevin tenha sido
rejeitado no ventre,(mesmo que implicitamente) um ambiente
estável e acolhedor traria uma chance maior de que a criança
pudesse superar os efeitos negativos dessa rejeição. No entanto o
que se vê nas cenas é uma mãe completamente desconectada com
seu bebê. Certa vez ouvi que a arte copia a vida, ou foi ao
contrário? não sei! Mas com o advento da tecnologia e a
velocidade das informações nos tornamos seres completamente
desconectados com o mundo real, não é difícil encontrar mães que
amamentam seus filhos com o celular diante dos olhos ou focadas
em uma serie na TV, ou os pais que ao chegarem em casa após o
trabalho gastam seu tempo rolando vídeos ao invés de darem
atenção aos seus filhos (falo de mim).
Agora se pensarmos na mãe suficientemente má, como aquela que
vai desiludindo a criança e a inserindo no mundo real penso que
no caso de Kevin não tenha havido essa “ilusão”, uma vez que a
mãe desde a concepção “mostrou” ao seu filho o mundo real, ou
seja, o mundo da falta, fazendo com que o psiquismo insipiente
do personagem buscasse uma forma alternativa de receber a
atenção materna, menino não criou uma “boa” ilusão a respeito de
sua genitora. Se pensarmos na mãe como um espelho das
emoções da criança e as ilusões dessa criança estão centradas no
desapego, na falta e na solidão, não imagino como dissolver isso
no caso do personagem.
Podemos observar um transtorno de personalidade narcísica em
Kevin bem como uma fixação na fase anal,(o personagem
continua usando fraudas mesmo depois de “grande”) me parece
que o personagem Kevin “usa” essa fixação para ganhar os
cuidados da mãe, Freud expos que a passagem deficitária pela
fase anal poderia criar traços patológicos na vida adulta, no
entanto observa-se alguns desses traços no ainda jovem Kevin
uma vez que ele é altamente desafiador e hostil, colérico com
tendência sádica e masoquista, isso com o decorrer das cenas
mostra-se como de fato é, Kevin é um psicopata, não posso
afirmar se a psicopatia de Kevin vem desde a infância, mas desde
muito cedo ele mostra-se manipulador e mentiroso.
Observa-se esse traço de psicopatia quando a mãe quebra seu
braço, o ainda jovem Kevin não esboça uma reação normal, ele
não chora! E posteriormente mente para o pai sobre o ocorrido e
usa esse fato para manipular a mãe.
Me pareceu evidente nas cenas do filme que Kevin sempre esteve
em busca do amor materno, no entanto parece-me que o
personagem não sabia o que era amor, por isso usou como bússola
aquilo que foi oferecido a ele, na cena em que ele mancha de tinta as
paredes da sala de sua mãe há um dialogo interessante onde a mãe
diz que cada um pode decorar seu espaço de acordo com sua
personalidade e se oferece para ajuda-lo na decoração de seu quarto,
no entanto o menino diz: “qual personalidade?” – na cena seguinte o
garoto mancha as paredes do escritório da sua mãe, talvez
evidenciando não uma falta de personalidade mas uma necessidade
inconsciente de ter um “espaço” na vida de sua mãe. A busca pelo
amor materno se estende no decorrer das cenas, a chegada de um
novo membro na família acaba por distanciar ainda mais Kevin de
sua mãe, ele rivaliza com a irmã mais nova tratando-a de maneira
rude e autoritária e posteriormente deixando-a cega. Existe um
momento no filme em que o personagem fica doente, a mãe “talvez
pela primeira vez” oferece a Kevin aquilo que ele estivera
perseguindo, o cuidado e o afeto materno, nesta cena ele pela
primeira vez ignora o pai, talvez tentando fazer com que aquele
momento durasse para sempre, afinal ele tinha naquele momento o
seu objeto de desejo por completo, Eva estava lendo Robin Hood
para o menino Kevin e ele evidentemente não desejava o fim
daquele momento. De maneira muito especulativa eu gostaria de
apontar o principal instrumento de ação do “herói” da historia como
um objeto de transição para o garoto Kevin. Kevin provavelmente
usou ao arco e flecha (a flecha pode simbolizar o falo) como objeto
transicional, substituto da figura materna, as razões pela escolha do
objeto podem ter os mais variados motivos, embora a escolha seja
feita exclusivamente pela criança é interessante pensar que Kevin
escolheu um objeto apresentado pela mãe em uma história infantil,
por motivos óbvios não irei me ater no símbolo que o objeto pode
ter, nem na maneira em que Kevin possa ter elaborado a história de
Robin Hood ou de que maneira ele associou a história à sua própria
vida.
Kevin porem usa esse objeto para concluir seu plano maníaco e
perverso. O objeto (representante da falta materna) foi usado para
matar seu pai (rival direto em relação ao amor materno), sua irmã
(aquela que recebeu o amor e o afeto que ele não teve) e seus
colegas de escola (mais uma forma de chamar a atenção da mãe?
Ou de culpa-la pelo vazio que ele sentia? ou simplesmente pelo
desejo de mostrar-se no controle sobre a vida e a morte, pelo
simples prazer de matar?)
Existem inúmeros elementos no filme que são dignos de atenção,
em uma conversação entre os personagens principais do filme
Kelvin diz para sua mãe “Não se gosta de uma coisa por estar
acostumado. Não está acostumada comigo?” evidenciando mais
uma vez que ele tem um vazio afetivo em relação a mãe. Uma outra
fala interessante de ser pensada é essa: “Tudo o que fiz foi ir bem em
geometria”. Ele diz isso após os assassinatos, evidenciando sua
completa falta de culpa e um sentimento de superioridade.
Embora o filme traga inúmeros questionamentos e reflexões sobre a
mente de um psicopata, o que realmente importa aqui é a relação
entre a mãe e seu bebê. O filme desnuda a relação deficitária que a
mãe estabeleceu com o fruto do seu ventre, nos mostrou como essa
deficiência influenciou o comportamento e o desenvolvimento dessa
criança, embora Winnicott tenha enfoque maior no papel materno é
impossível não notar a omissão paterna nessa história e deixa claro
que o ambiente facilitador não tem nenhuma relação, pelo menos
não direta, com poder aquisitivo, uma vez que fica nítido no filme
que o ambiente são todos aqueles que cercam a vida desta ou
daquela criança.
CONCLUSÃO

O que se pode concluir das lições expostas em aula juntamente


com o enredo proposto pelo filme são duas coisas a priori.
A primeira seria a importância da figura materna na primeira
infância e seu fundamental papel no desenvolvimento psíquico da
criança. A mãe suficientemente boa assim como a mãe
suficientemente má desempenham a função de estruturação da
psique infantil, já os coparticipantes dessa relação primaria
(função paterna ou outros entes) também auxiliam a criança em
seu desenvolvimento bem como na formação de um verdadeiro
self, aonde espera-se que este verdadeiro self seja sadio e tenha
sido amparado em suas necessidades básicas, com uma certa
previsibilidade, gerando para a criança um ambiente seguro e
estável aonde ela possa se desenvolver e ir aos poucos
descobrindo-se como ente individual e encontrando seu lugar no
mundo real, uma vez que já possui um local seguro em um mundo
idealizado por ela.
A segunda conclusão que se pode subtrair do material apresentado
se faz a partir de uma observação do momento em que estamos
vivendo. Esta observação não necessariamente precise ser feita de
maneira aprofundada, falas simples e corriqueiras do dia-a-dia
pintam um retrato quase que perfeito do momento em que
vivemos; ouço quase que diariamente as seguintes frases: “estou
sem tempo/ os dias tem passado muito rápido/ preciso fazer isso
ou aquilo”. Uma análise simples como disse antes nos mostra o
quanto estamos absorvidos por uma “política do consumismo” ou
do imediatismo, a velocidade em que a vida passa tem levado
muita gente a se afundar na busca pelos objetivos próprios em
detrimento da estruturação de um lar minimamente saudável ou
facilitador, gerando cada vez menos tempo para os filhos.
Inúmeras famílias adotam a política de compensar suas ausências
com a aquisição de presentes tecnológicos ou com a satisfação
dos desejos pueris das crianças, gerando nessa mentes insipientes
que o ter é mais valioso que o ser. A eminente falta de tempo por
causa da carreira ou das contas a serem pagas estão gerando a
terceirização do afeto ou da educação primordial, deixando a
cargo da escola ou dos ambientes virtuais um papel que deveria
ser dos pais, o verdadeiro self que está sendo instaurado na vida
de milhares de crianças geralmente é fruto de um mundo de
fantasias que destoa de maneira quase que vulgar do mundo real.
O resultado disso obviamente será catastrófico, estamos formando
uma geração fraca com valores distorcidos e que serão incapazes
de lidar com a realidade, logo o número de adictos, alcoólatras,
depressivos suicidas, psicopatas e sociopatas tende a aumentar
exponencialmente nas próximas décadas. Esse sem dúvidas é
preço muito alto a se pagar por negligenciar o maior bem que um
homem ou uma mulher pode receber como presente, seus filhos.

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