Resumo Antropologia IV

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Resumo Antropologia IV

UMA DESCRIÇÃO DENSA: POR UMA TEORIA INTERPRETATIVA DA


CULTURA – CLIF FORD GEERTZ

. “Nossa atenção procura isolar justamente esse algo [noção de


uma totalidade qualitativa que investiga todas as causalidades e
fenômenos da vida sensível], para nos desvencilhar de uma
quantidade de pseudociência à qual ele também deu origem, no
primeiro fluxo da sua celebridade.” (pg. 3)

. “É justamente a essa redução do conceito de cultura a uma


dimensão justa, que realmente assegure a sua importância
continuada em vez de debilitá-lo, que os ensaios abaixo são
dedicados, em suas diferentes formas e direções. Todos eles
argumentam, às vezes de forma explícita, muitas vezes simplesmente
através da análise particular que desenvolvem, em prol de um
conceito de cultura mais limitado, mais especializado e, imagino,
teoricamente mais poderoso, para substituir o famoso "o todo mais
complexo" de E. B. Taylor, o-qual, embora eu não conteste sua força
criadora, parece-me ter chegado ao ponto em que confunde muito
mais do que esclarece.” (PG. 3)

. “O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os


ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmente semiótico.
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado
a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como
sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa,
à procura do significado. É justamente uma explicação que eu
procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua
superfície. Todavia, essa afirmativa, uma doutrina numa cláusula,
requer por si mesma uma explicação.” (pg. 4)

. Para o autor, o fundamental de compreender toda a ciência é


compreender sua práxis, não no sentido metodológico, mas no
sentido do fazer-científico, na ênfase de determinar o que os agentes
que constroem aquela ciência realizam de procedimentos maiores
para conseguir construir aquele saber científico. Na antropologia, no
caso, seria a compreensão da etnografia – entendido como o fazer
procedimental da antropologia – entendendo que não é a forma, o
detalhamento procedimental e o ferramental que determinam a sua
importância para a ciência, mas, o que importa na análise científica é,
muito mais, a descrição densa destes procedimentos, o esforço
metodológico e intelectual dispensado para construir aquela ciência.
=> “Descrição densa” é um termo chave na análise da ciência para o
autor.

. “[...] está o objeto da etnografia: uma hierarquia estratificada


de estruturas significantes em termos às quais os tiques nervosos, as
piscadelas, as falsas piscadelas, as imitações, os ensaios das
imitações são produzidos, percebidos e interpretados, e sem as quais
eles de fato não existiriam (nem mesmo as formas zero de tiques
nervosos as quais, como categoria cultural, são tanto não-piscadelas
como as piscadelas são não-tiques), não importa o que alguém
fizesse ou não com sua própria pálpebra.” (PG. 5)

. “A cultura é pública porque o significado o é. Você não pode


piscar (ou caricaturar a piscadela) sem saber o que é considerado
uma piscadela ou como contrair, fisicamente, suas pálpebras, e você
não pode fazer uma incursão aos carneiros (ou imitá-la) sem saber o
que é roubar um carneiro e como fazê-lo na prática. Mas tirar de tais
verdades a conclusão de que saber como piscar é piscar e saber
como roubar um carneiro é fazer uma incursão aos carneiros é revelar
uma confusão tão grande como, assumindo as descrições superficiais
por densas, identificar as piscadelas com contrações de pálpebras ou
incursão aos carneiros com a caça aos animais lanígeros fora dos
pastos. A falácia cognitivista — de que a cultura consiste (para citar
um outro porta-voz do movimento, Stephen Tyler) "em fenómenos
mentais que podem (ele quer dizer "poderiam") ser analisados
através de métodos formais similares aos da matemática e da lógica"
— é tão destrutiva do uso efetivo do conceito como o são as falácias
"behavorista" e "idealista", para as quais ele é uma correção mal
concluída. Como seus erros são mais sofisticados e suas distorções
mais sutis, talvez seja ainda mais do que isso.” (Pg. 9)

. “O que procuramos, no sentido mais amplo do termo, que


compreende muito mais do que simplesmente falar, é conversar com
eles/o que é muito mais difícil, e não apenas com estranhos, do que
se reconhece habitualmente. "Se falar por alguém parece ser um
processo misterioso", observou Stanley Cavell, "isso pode ser devido
ao fato de falar a alguém não parecer de maneira alguma misterioso."
Visto sob esse ângulo, o objetivo da antropologia é o alargamento do
universo do discurso humano. De fato, esse não é seu único objetivo
— a instrução, a diversão, o conselho prático, o avanço moral e a
descoberta da ordem natural no comportamento humano são outros,
e a antropologia não é a única disciplina a persegui-los. No entanto,
esse é um objetivo ao qual o conceito de cultura semiótico se adapta
especialmente bem. Como sistemas entrelaçados de signos
interpretáveis (o que eu chamaria símbolos, ignorando as utilizações
provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser
atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os
comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto,
algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível —
isto é, descritos com densidade.” (pg. 10)

. “Assim, há três características da descrição etnográfica: ela é


interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a
interpretação envolvida consiste em tentar salvar o "dito" num tal
discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas
pesquisáveis. O kula desapareceu ou foi alterado, mas, de qualquer
forma, Os Argonautas do Pacífico Ocidental continua a existir. Há
ainda, em aditamento, uma quarta característica de tal descrição,
pelo menos como eu a prático: ela é microscópica. Isso não significa
que não haja interpretações antropológicas em grande escala, de
sociedades inteiras, civilizações, acontecimentos mundiais e assim
por diante. Aliás, é justamente essa extensão de nossas análises a
contextos mais amplos que, juntamente com suas implicações
teóricas, as recomenda à atenção geral e justifica nosso empenho em
construí-las. Ninguém se preocupa mais, nem mesmo Cohen (bem...
pode ser que ele), com os carneiros como tal. A história pode ter seus
pontos críticos discretos, "muito barulho por nada", e certamente
essa pequena comédia não foi um deles. É para dizer, simplesmente,
que o antropólogo aborda caracteristicamente tais interpretações
mais amplas e análises mais abstraias a partir de um conhecimento
muito extensivo de assuntos extremamente pequenos. Ele confronta
as mesmas grandes realidades que os outros — historiadores,
economistas, cientistas políticos, sociólogos — enfrentam em
conjunturas mais decisivas: Poder, Mudança, Fé, Opressão, Trabalho,
Paixão, Autoridade, Beleza, Violência, Amor, Prestígio. Mas ele as
confronta em contextos muito obscuros — lugares como Marmusha e
vidas como as de Cohen — para retirar deles as maiúsculas. Essas
constâncias demasiado humanas, "essas palavras altissonantes que
assustam a todos", assumem uma forma doméstica em tais contextos
caseiros. Mas essa é justamente a vantagem; já existem suficientes
profundidades no mundo” (PG. 15)

. “A análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é


pior, quanto mais profunda, menos completa. É uma ciência estranha,
cujas afirmativas mais marcantes são as que têm a base mais
trémula, na qual chegar a qualquer lugar com um assunto enfocado é
intensificar a suspeita, a sua própria e a dos outros, de que você não
o está encarando de maneira correta. Mas essa é que é a vida do
etnógrafo, além de perseguir pessoas sutis com questões obtusas.
[...] Na busca das tartarugas demasiado profundas, está sempre
presente o perigo de que a análise cultural perca contato com as
superfícies duras da vida — com as realidades estratificadoras
políticas e económicas, dentro das quais os homens são reprimidos
em todos os lugares — e com as necessidades biológicas e físicas
sobre as quais repousam essas superfícies [...]” (PG.21)

- Para Geertz, assim, a cultura se coloca como algo puramente


público e mutável, no sentido de compreender que a cultura não está
à disposição do antropólogo e que este não irá realizar uma análise,
completamente, sóbria da realidade em busca de buscar as sínteses
moleculares da cultura. Pelo contrário, ao defender esta visão, o autor
está entendendo que o antropólogo é um agente ativo, no sentido de:
1) Possuir conteúdo em-si, como moralidades, preconcepções e
finalidades para estudar aquela cultura; 2) É participativo e, tanto é
moldado, quanto molda a cultura a qual analisa, assim, coloca o
objeto cultural como algo em constante mutação e alterações. Desta
forma, também, o autor compreende que a antropologia, como uma
ciência, cujo método é a etnografia, é um saber prático, de
experienciar e integrar a cultura – algo público – para conseguir
compreender seu impacto naquela sociedade, neste sentido, o autor
não defende uma posição de transformar-se na cultura ou na
sociedade para escrever sobre ela, mas, pelo contrário, defende a
posição de que, o antropólogo deve viver a cultura, experienciar ela,
para assim, a interpretar. Também entende, que a antropologia não se
deve dar ao trabalho de nenhuma formação de meta-teoria, ou
noções de mundo que analisam todas as vertentes da vida social e da
compreensão humana. Mas que a antropologia, ao contrário deve se
basear na descrição densa da etnografia, para compreender aquela
cultura, aquele fazer cultural, e que ao desenvolver este trabalho
interpretativo e denso, a antropologia, simultaneamente, se coloca
como uma compreensão incompleta da vida social, porque é quando
mais se aprofunda em minúcias práticas que mais se distancia das
relações “maiores”, como a economia e a política que formam e
estratificam aquela sociedade.

- A ESCRITA CONTRA A CULTURA – LILA ABU-LUGHOD


. “A partir dessa experiência de crise de pessoalidade e
sujeitividade, a teoria feminista pode oferecer à antropologia dois
lembretes úteis. Primeiro, o indivíduo é sempre uma construção,
nunca uma entidade encontrada ou natural, mesmo que assim
pareça. Segundo o processo de criação de um eu por meio da
oposição a um outro sempre acarreta uma violência repressora e
ignorante sobre outras formas de diferença. Teóricas feministas têm
sido forçadas a explorar as implicações para a formação da
identidade e as possibilidades para ação política trazidas pelo gênero
como um sistema de diferença intersectado por outros sistemas de
diferença, incluindo, no mundo capitalista moderno, raça e classe.”
(Pag. 5)

. “O ponto óbvio que ele não apreende é o fato de que o eu


externo jamais permanece simplesmente fora. Ele ou ela permanece
numa relação definitiva com o Outro do estudo, não apenas como um
ocidental, mas como um francês na Argélia durante a guerra da
independência, um americano no Marrocos durante a guerra árabe-
israelense de 1967, ou uma inglesa na Índia pós-colonial. O que
chamamos externo é uma posição no seio de um complexo político-
histórico mais amplo. Não menos que o mestiço/a, o “indiviso”8
encontra-se numa posição específica vis-à-vis a comunidade em
estudo.” (Pg. 6)

“Por causa de seus eus fracionados, antropólogas/os feministas


e mestiços/as transitam inseguros entre o falar “por” e o falar “a
partir de”. Sua situação nos permite ver mais claramente que práticas
divisórias, sejam ao naturalizar as diferenças, como em gênero e
raça, sejam simplesmente ao elaborá-las, como argumentarei ao falar
do conceito de cultura, são métodos fundamentais para reforçar a
desigualdade” (PG. 8)

“O conceito de cultura é o termo oculto em tudo que já foi dito


sobre antropologia. A maioria dos antropólogos/as americanos
acredita ou age como se acreditasse que a “cultura”, notoriamente
difícil de definir e ambígua como referente, ainda assim fosse o
verdadeiro objeto da investigação antropológica. Não obstante,
poderíamos dizer que a cultura é importante para a antropologia
graças à distinção antropológica entre eu e outro que nela subjaz.
Cultura é a ferramenta essencial para fazer o outro. Sendo um
discurso profissional que reflete sobre o sentido da cultura, com vista
a referir, explicar e compreender a diferença cultural, a antropologia
também colabora com sua construção, produção e manutenção. O
discurso antropológico concede à diferença cultural (e a separação
entre grupos de pessoas que isso implica) um ar de evidência. Nesse
sentido, o conceito de cultura opera de modo similar a seu
predecessor – raça – ainda que possua, em sua versão novecentista,
algumas vantagens políticas importantes. Diferentemente de raça,
também diferentemente de cultura em seu sentido oitocentista, como
sinônimo de civilização (contrastada a barbárie), o conceito atual
permite múltiplas diferenças, em vez de binárias. Imediatamente põe
em xeque a hierarquização fácil: a mudança para “cultura” (“c
minúsculo com a possibilidade de um s ao final”, conforme Clifford
[1988a, p. 234] sugere) possui efeito relativizador. A mais importante
das vantagens da cultura, entretanto, é remover a diferença dos
reinos do natural e do inato. Seja concebida como conjunto de
comportamentos, costumes, tradições, regras, planos, receitas,
instruções ou programas (para listar a gama de definições fornecidas
por Geertz, 1973, p. 44), a cultura é aprendida e pode se alterar.”
(PG. 8)

. “Se “cultura”, escamoteada por coerência, atemporalidade e


discernibilidade, é o principal instrumental antropológico para a
feitura do “outro”, e se diferença, como notam feministas e
mestiços/as, costuma ser uma relação de poder, então os
antropólogos/as poderiam buscar estratégias para escrever contra a
cultura. Apresentarei três que considero promissores. Embora nem de
longe esgotem as possibilidades, o tipo de projeto que descreverei –
teórico, substantivo e textual – fará sentido para antropólogos/as
sensíveis a questões de posicionalidade e responsabilidade, e que
estejam interessados em tornar a prática antropológica algo diferente
de um simples escoramento das desigualdades globais. Concluirei,
contudo, refletindo sobre as limitações de toda reforma
antropológica.” (PG. 12)

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