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FORMAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS:
(RE)CONSTRUINDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA

Elizabete Rodrigues Oliveira Mathieu


Eva Chow Belezia
Cetec Capacitações
Centro Paula Souza
São Paulo
2013
FICHA CATALOGRÁFICA

Tatiane Silva Massucato Arias - CRB-8/7262


_________________________________________________________________________
Mathieu, Elizabete Rodrigues Oliveira
Formação de jovens e adultos : (Re)Construindo a prática pedagógica / Elizabete
Rodrigues Oliveira Mathieu ; Eva Chow Belezia. -- São Paulo : Centro Paula Souza,
2013.
176 p. : il. ; 29,7 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-99697-16-0

1. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 2. FORMAÇÃO CONTINUADA 3.


PRÁTICA PEDAGÓGICA I. Mathieu, Elizabete Rodrigues Oliveira. II. Belezia, Eva
Chow. III. Título.

CDD 374
_________________________________________________________________________
Sobre as autoras
Elizabete Rodrigues Oliveira Mathieu
Doutoranda em História Moderna e Contemporânea na Université de Paris IV – Sorbonne ; Mestre em
Administração Pública: Área de Economia e Finanças Públicas, pela Escola de Administração de Empresas
de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas; Bacharel e Licenciada em História: FFLCH - Universidade de São
Paulo; Licenciada em Pedagogia - Administração Escolar: Faculdade Carlos Pasquale; Bacharel e Licenciada em
Ciências Sociais e Políticas: Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Foi Coordenadora Pedagógica, Diretora Substituta e Professora de História e Sociologia da Etec de São
Paulo, de 1988 a 2009, e Professora de História e Geografia de escolas da rede estadual de educação de São
Paulo, de 1979 a 1992.
Publicações:
“Educação e Trabalho”. In: Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional. Centro Paula
Souza, Programa Especial de Formação Pedagógica. São Paulo, 2007.

“Les Missions”
Revista “Sous les Palmiers”, da Association des Francophones de São Paulo, Nov/2003

“Jean-Baptiste Debret”
Revista “Sous les Palmiers”, da Association des Francophones de São Paulo, Out/2003

“La Longue Aventure des Français au Brèsil Colonial”


Revista “Sous les Palmiers”, da Association des Francophones de São Paulo, Abr/2003

“Movimentos Canudos”
Publicação sobre a Guerra de Canudos
Revista sobre Canudos elaborada pelo CETEC, Nov/1997

“A Intervenção do Estado na economia cafeeira: as relações entre o poder público e o poder privado”. São
Paulo, Fundação Getúlio Vargas (dissertação de mestrado), 1995

Eva Chow Belezia


Mestre em Educação pelo Centro Universitário Nove de Julho – Uninove; Especialista em Administração
Rural pela Universidade Federal de Lavras – UFLA; Especialista em Cooperativismo e Desenvolvimento
Rural pelo Instituto Internacional para a Solidariedade e Desenvolvimento – Peoples e Ministério dos
Negócios Exteriores de Israel, Centro de Cooperação Internacional – MASHAV; Especialista em Economia
Solidária e Desenvolvimento Sustentável pelo Instituto de Psicologia – USP e Agencia de Desenvolvimento
Solidário; Especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs) pela Universidade de
Mondragón e Mondragón Corporação Cooperativa; Licenciada em Ciências Agronômicas pela UNESP;
Graduada em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura Luis de Queiróz- ESALQ/USP.
Professora da Escola Técnica Estadual Benedito Storani e Coordenadora de Projetos na Unidade de
Ensino Médio e Técnico – Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão do Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza.
Publicações:
“Gestão da qualidade na educação”. Em coautoria com Eliane Antonio Simões. Capítulo da Coleção Gestão
e Avaliação da Educação Profissional, v. 3, Juiz de Fora: UFMG, CAEd, 2012, p. 63-82.
“O Planejamento Estratégico em Instituições de Educação Profissional”. Em coautoria com Eliane Antonio
Simões. Capítulo da Coleção Gestão e Avaliação da Educação Profissional, v. 3, Juiz de Fora: UFMG, CAEd,
2012, p. 83-100.
“Elaboração e Implementação do Projeto Político-Pedagógico na Educação Profissional”. Em coautoria
com Eliane Antonio Simões. Capítulo da Coleção Gestão e Avaliação da Educação Profissional, v. 3, Juiz de
Fora: UFMG, CAEd, 2012, p. 101-121.
“Planejamento e Desenvolvimento do TCC”. Em coautoria com Ivone Lainetti Ramos. São Paulo: Fundação
Padre Anchieta, 2011.
“Cooperativa-Escola: metodologia para a construção de uma cultura escolar cooperativa?” Em coautoria
com Miguel Henrique Russo. Capítulo do livro Gestão e Currículo no Ensino Técnico: Olhares da Pesquisa
sobre o Centro Paula Souza, Maria Sylvia Simões Bueno. (Org.). Marilia: Fundepe, 2010.
“Metodologias de Ensino”. In: Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional. Centro
Paula Souza, Programa Especial de Formação Pedagógica. São Paulo, 2007.
CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA PAULA SOUZA

Diretora Superintendente
Laura Laganá

Vice-Diretor Superintendente
César Silva

Chefe de Gabinete da Superintendência


Elenice Belmonte R de Castro

Coordenador do Ensino Médio e Técnico


Almério Melquíades de Araújo

REALIZAÇÃO

Unidade de Ensino Médio e Técnico


Grupo de Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão - Cetec Capacitações

Responsável Cetec Capacitações


Sabrina Rodero Ferreira Gomes

Responsável Brasil Profissionalizado


Silvana Maria Brenha Ribeiro

Coordenadora do Projeto
Eva Chow Belezia

Parecer Técnico
Ivone Marchi Lainetti Ramos

Revisão de Texto
Heloisa Brenha Ribeiro

Projeto Gráfico
Diego Santos
Fábio Gomes
Priscila Freire

Projeto de formação continuada de professores da educação profissional


do Programa Brasil Profissionalizado - Centro Paula Souza - Setec/MEC
Sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Capítulo 1 - Educação e trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1. Referenciais de educação e prática social educativa . . . . . . . . . . . 15

2. Políticas públicas de educação no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3. Educação profissional no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37

4. Educação de jovens e adultos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42

5. Educação profissional de jovens e adultos (PROEJA) . . . . . . . . . . .46

6. Organização do trabalho e das profissões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52

7. Educação e cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57

8. Valores e ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .60

9. Inclusão social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .65

Capítulo 2 - Ensino-aprendizagem de jovens e adultos . . . . . . . . . . . . . . .67

1. Princípios que regem a aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .68

2. Capacidade dos jovens e adultos para a aprendizagem . . . . . . . .71

3. Desenvolvimento intelectual e afetivo no jovem e no adulto . . . .72

4. Princípios formativos na educação de jovens e adultos . . . . . . . . .78

Capítulo 3 - Planejamento e práticas de ensino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .81

1. Educação profissional e educação básica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82

2. Pedagogia diferenciada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82

3. Andragogia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .86

4. Planejamento de ensino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87

5. Métodos e técnicas de ensino para a construção de

competências com enfoque no PROEJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89


6. Aprendizagem por projetos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .104

7. Uso de tecnologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106

8. Prática profissional e aprendizagem em ambientes didáticos . . .109

9. Recuperação da aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114

Capítulo 4 - Avaliação na aprendizagem de jovens e adultos . . . . . . . . .117

1. Avaliação: evolução histórica, tipologias e paradigmas . . . . . . . .118

2. Novos paradigmas da avaliação na educação . . . . . . . . . . . . . . . . .121

3. Princípios de avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .136

Capítulo 5 - O educador na modalidade EJA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .139

Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .159

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .161
“Aprender é uma aventura criadora,
algo, por isso mesmo, muito mais
rico do que meramente repetir
a lição de casa dada.

Aprender para nós é construir,


reconstruir, constatar para mudar,
o que não se faz sem abertura ao
risco e à aventura do espírito.”

Paulo Freire, educador


Introdução
Elogio do aprendizado

Aprenda o mais simples! Para aqueles


Cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!
Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!
Frequente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando.

Não se envergonhe de perguntar, camarada!


Não se deixe convencer
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe.
Verifique a conta
É você que vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: O que é isso?
Você tem que assumir o comando.

Bertolt Brecht (2012, p. 114)

O Brasil tem uma dívida social imensa com milhões de jovens e adultos que precisaram abandonar
seus estudos na infância ou na adolescência por diferentes motivos, como: inadequações do sistema de
ensino ou exclusão escolar, ingresso da criança ou do adolescente no mercado de trabalho, carência de
recursos para custeio do estudo, etc.
Pensar a possibilidade de reinserção de grande parte desses Brasileiros na educação escolar repre-
senta não apenas um sonho, mas também uma esperança de proporcionar aos jovens e adultos condições
concretas de construir sua trajetória profissional, de resgatar a autoestima, de participar efetivamente na
sociedade civil, apontando na direção da melhoria da qualidade de vida e da atuação ativa desses cidadãos
na sociedade democrática.
O educador de jovens e adultos tem um papel importantíssimo no processo de resgate dessa dívi-
da social. No entanto, é imprescindível que esse educador compreenda a dimensão da tarefa atribuída a
ele pela sociedade. Os desafios são imensos, especialmente neste contexto histórico no qual milhões de
cidadãos Brasileiros pretendem se inserir no universo escolar, em busca de requalificação profissional, de
reinserção social e de concretizar planos pessoais que não puderam ser realizados anteriormente. Uma
dessas tarefas é a reeducação permanente de sua visão de mundo e de suas ações como um ator social
comprometido com a educação escolar. Rever concepções arraigadas e se libertar de um mundo de amar-
ras constituem elementos cruciais nessa tarefa de superar-se a si mesmo, buscando tornar-se um educador
de novos tempos, de novas tecnologias, de novas relações interpessoais. É importante transformar-se num

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 11


educador que não sinta medo de errar perante seus alunos, que tenha humildade de dizer a eles suas dú-
vidas, suas incertezas, que esteja aberto a incorporar as experiências dos alunos ao processo de construção
do saber, que não tenha receio de discutir com eles a metodologia, a didática, a avaliação, o conteúdo, os
O PROEJA– Programa Na-
cional de Integração da projetos de interesse dos educandos etc.
Educação Profissional com a
Educação Básica na Modali- A educação de jovens e adultos requer procedimentos específicos de um educador engajado nessa
dade de Educação de Jovens modalidade de educação básica. Dessa forma, torna-se louvável a participação dos educadores em cursos
e Adultos – é um programa
de educação profissional in-
de capacitação para atender aos jovens e adultos que pretendem retomar seus estudos em cursos de forma-
tegrada à educação básica na ção propedêutica ou de formação profissional integrada, como os do PROEJA. Segundo o Parecer CNE/
modalidade de ensino para
CEB 11/2000,
jovens e adultos, criado no
governo de Luiz Inácio Lula
da Silva, em 2005. Os prin-
cípios e as diretrizes desse
pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além
programa serão analisados das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à
no capítulo 1. complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional
do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta
parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um profes-
sor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado
A educação de jovens e adul-
idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades
tos (EJA) tornou-se uma das
prioridades da política edu- que a habilitação como formação sistemática requer. (Parecer CNE/CEB 11/2000,
cacional a partir da Lei de título VIII)
Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDB) 9394/96,
que estabeleceu, no artigo O programa de formação docente para a EJA é uma iniciativa importante na perspectiva de levar adiante,
37: “A educação de jovens e com seriedade, as políticas públicas voltadas para a inserção de jovens e de adultos que não tiveram o direito de
adultos será destinada àque-
les que não tiveram acesso
acesso ou de permanência, na infância/adolescência, no sistema educacional Brasileiro.
ou continuidade de estudos
no ensino fundamental e mé- No entanto, essa formação docente passa pela difícil tarefa de mudar a relação professor-aluno no
dio na idade própria.” processo de educação escolar. É difícil transformar as práticas arraigadas adquiridas durante todas as
etapas de formação escolar do profissional de educação e reproduzidas em vários anos de trabalho pe-
dagógico. Mas, no contexto de grandes transformações pelas quais passam a sociedade, a tecnologia e o
mundo do trabalho, é chegada a hora de o educador rever e re(construir) sua prática pedagógica de modo
e acompanhar a velocidade das mudanças do mundo em que vive.
Para engajar-se numa proposta ousada de trabalho com educandos jovens e adultos, o educador
deve considerar que essa parcela da população:

São homens e mulheres, trabalhadores/as empregados/as e desempregados/as


ou em busca do primeiro emprego; filhos, pais e mães; moradores urbanos de
periferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais e culturais, marginalizados nas
esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos
bens culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo
do trabalho, da política e da cultura. Vivem no mundo urbano, industrializado,
burocratizado e escolarizado, em geral trabalhando em ocupações não qualifi-
cadas. Trazem a marca da exclusão social, mas são sujeitos do tempo presente
e do tempo futuro, formados pelas memórias que os constituem enquanto seres
CME – Conselho Municipal temporais. São, ainda, excluídos do sistema de ensino, e apresentam em geral um
de Educação de Belo Ho- tempo maior de escolaridade devido a repetências acumuladas e interrupções na
rizonte. Regulamentação
da educação de jovens e vida escolar. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando
adultos nas escolas muni- crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo por
cipais de Belo Horizonte.
Parecer 093/2002. In: www. falta de escolas. Jovens e adultos que quando retornam à escola o fazem guiados
forumeja.org.br (acesso em pelo desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho.
10/9/2008)
São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam concretamente da garantia
de sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem. (Parecer/CME)

O educador é um dos sujeitos indispensáveis no processo de educação de jovens e adultos que ne-
cessitam reconstruir sua trajetória profissional, dar continuidade à sua formação acadêmica e ampliar seus

12 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


saberes enquanto cidadãos participativos na sociedade democrática. Ele tem uma tarefa difícil nesse pro-
cesso de ampliação da democracia, pois pode e deve intervir no processo de construção de uma sociedade
civil mais ativa, mais igualitária e mais solidária por meio de suas ações educativas.
Utiliza-se aqui o conceito de
Para atuar nessa modalidade de ensino, o educador precisa superar a visão preconceituosa sobre a Marx sobre a práxis, que a
educação de jovens e adultos que se estabeleceu durante muito tempo nas redes escolares. Essa modalida- considera como “a ativida-
de de educação ganha cada vez mais importância, pois os cidadãos do mundo todo têm procurado retomar de concreta pela qual os su-
jeitos humanos se afirmam
seus estudos com a perspectiva de recolocarem-se no mundo do trabalho e de melhorarem sua qualidade no mundo, modificando a
de vida. É preciso, no entanto, conhecê-los, uma vez que carregam uma bagagem de experiências e de realidade objetiva e, para
poderem alterá-la, transfor-
conhecimentos apreendidos ao longo de suas vidas. Nagem et al destacam que mando-se a si mesmos. É a
ação que, para se aprofundar
de maneira mais consequen-
Os educandos inseridos nesse nível escolar constituem um público heterogêneo. te, precisa da reflexão, do
Por esse motivo, devem ser considerados seus interesses, identidades, preocupa- autoquestionamento, da teo-
ria; e é a teoria que remete à
ções, necessidades, expectativas em relação à escola, suas habilidades, enfim, suas ação, que enfrenta o desafio
vivências. É fundamental perceber quem é esse sujeito com o qual lidamos para de verificar seus acertos e de-
sacertos, cotejando-os com a
que os conteúdos a serem trabalhados façam sentido, tenham significado, sejam prática (citado por Konder,
elementos concretos na sua formação, instrumentalizando-o para uma interven- 1992:115). Ainda segundo
ção significativa na sua realidade (p.1-2). Karel Kosík, a práxis na sua
essência e universalidade é a
revelação do segredo do ho-
.Pretende-se, neste livro, proporcionar aos educadores de profissionais jovens e adultos a possibili- mem como ser ontocriativo,
dade de refletir sobre algumas teorias, métodos e práticas pedagógicas mais condizentes com a formação como ser que cria a realidade
(humano-social) e que, por-
desses educandos. Afinal, muitas vezes o processo de alienação encobre as nuances de práticas que não tanto, compreende a realida-
correspondem ao discurso e ao campo teórico escolhidos pelo educador. A práxis educativa só poderá ser de (humana e não-humana, a
realidade na sua totalidade).
(re)construída à luz da realidade em transformação por meio da (re)capacitação e atualização constante do A práxis do homem não é
educador. atividade prática contrapos-
ta à teoria; é determinação
O desafio das autoras deste livro é, portanto, contribuir não apenas para essa atualização mas principal- da existência humana como
elaboração da realidade
mente para a difusão de ideias e de discussões que auxiliem na transformação de práticas educativas, para que
(KOSÍK, 1976:202).
estas sejam mais condizentes com a realidade social de milhões de jovens e adultos que buscam na educação
formal um pouco de esperança e de perspectiva para poder transformar sua própria vida.
Repensar constantemente a práxis pedagógica é uma semente que, se germinada num contexto de
desenvolvimento de ações democráticas, poderá contribuir decididamente para que todos, indistintamen-
te, possam desfrutar de uma educação escolar de qualidade. Mas isso não depende apenas da transmissão
de conhecimentos, como aponta Araújo:

A qualidade e a efetividade da educação profissional hoje dependem, não só da


transmissão de conhecimentos tecnológicos e do domínio do uso de modernos
equipamentos, mas – até para a sua otimização – do desenvolvimento de virtudes
e qualidades pessoais que envolvam a autonomia e a criatividade dos técnicos.
Em qualquer profissão, o nível de eficiência passa pela combinação de conheci-
mentos específicos com uma cultura básica (códigos e linguagens, matemática,
ciências humanas e naturais) que garanta uma maior integração no mundo do
trabalho e das relações sociais.(2000, p.57)

Nosso objetivo principal é o de lançar alguns desafios aos educadores para que reflitam sobre as
atuais práticas pedagógicas que têm contribuído para gerar e perpetuar a exclusão social e a discriminação
que atingem grande parte dos cidadãos Brasileiros. Pensar e problematizar as atuais práticas educativas
constituem decisões fundamentais na direção da (re)construção de uma prática pedagógica que possibilite
a democratização do saber e a construção de uma sociedade mais ativa, com a inserção daqueles que têm
sido sistematicamente excluídos do processo decisório da sociedade Brasileira, enquanto verdadeiros cida-
dãos. Reforçar a capacidade intelectual e profissional dos cidadãos desfavorecidos é um dos desafios dos
educadores comprometidos com uma sociedade civil democrática e igualitária.
Este livro não tem o objetivo dar lições aos educadores e nem aos educandos. As lições são apreen-
didas na prática cotidiana, na superação dos desafios e na resolução dos problemas que nos deparamos.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 13


As lições são como fios condutores dos saberes que vamos desenrolando ao longo de nossa vida social,
cultural e política e dando significado a nós mesmos, ao outro e à coletividade. O objetivo é o de estimular
o processo de reflexão das práticas pedagógicas que fazem parte do nosso dia a dia, podendo contribuir
para desenrolarmos nossos próprios fios condutores dos saberes, numa perspectiva de reconstruir cotidia-
namente uma pedagogia comprometida com a educação de jovens e adultos que buscam, antes de tudo,
fazer parte da nossa história como protagonistas e não apenas como expectadores passivos.

Elizabete Rodrigues Oliveira Mathieu


Eva Chow Belezia

14 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Capítulo 1

Educação e trabalho
É na prática da educação que o educador se educa. Ele não se educa antes para
exercer depois a prática da educação. Não existem propriamente escolas de
educação. Se isso é verdade, a função de educar é particularmente relevante e exige
um esforço constante de atenção e de renovação de si mesmo. O educador tem que
se educar com cada educando. Isso não o exime, porém, da sua função essencial de
coordenar e dirigir a aprendizagem do educando. (GADOTTI. 1995, p. 87)

Um dos grandes desafios do educador de profissionais consiste em desenvolver ações pedagógicas para
que a formação de jovens e adultos lhes possibilite condições de melhorar sua qualidade de vida. Num contexto
de democratização da sociedade Brasileira, essas condições passam principalmente pela inclusão social, pela
ampliação dos direitos de cidadania e pela perspectiva de inserção no mercado de trabalho.
Neste capítulo, trataremos especificamente das relações entre a educação e o universo do trabalho
com o objetivo de contribuir para que o educador de profissionais reflita sobre as práticas educativas, suas
respectivas tendências político-pedagógicas, e se conscientize de sua própria práxis no processo educativo.
Para tanto, vamos conhecer as políticas educacionais do Brasil e ter uma visão histórica sobre o en-
sino profissional e sobre a educação de jovens e adultos. Também vamos analisar a evolução histórica do
trabalho e as transformações que, nas últimas décadas, provocaram uma grande reestruturação nas unida-
des produtivas. Decorrentes das novas tecnologias, essas transformações exerceram grande impacto sobre
a organização do trabalho, das profissões e, consequentemente, sobre o ensino profissional.

1. Referenciais de educação e prática social educativa


Cf. BRANDÃO (2007), a
carta foi difundida a partir
Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e do costume que Benjamin
Franklin (1706-1790), então
agradecemos de todo o coração. presidente dos Estados Uni-
Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções dos da América, de citá-la
em seus textos. Foi elabora-
diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber da no contexto de um trata-
que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa. do de paz entre os Estados
da Virgínia e de Maryland e
[...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formandos nas escolas do Norte e
os índios, no século XVIII.
aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram
maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio
e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma caba-
na, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis.
Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Resposta dos Índios das Seis Nações à solicitação do governo dos Estados Unidos
de que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos.
(BRANDÃO, 2007, p. 8-9)

Numa perspectiva histórica, a educação sempre foi um elemento importante em todas as socieda-
des. À medida que essas sociedades foram se tornando complexas – do ponto de vista de sua organização
econômica, social, política e cultural – a educação foi assumindo progressivamente um papel fundamental
na constituição do patrimônio humano mundo afora.
Desde o final do século XIX, ela passou a ser entendida, sobretudo nos países industriais, como
propulsora do desenvolvimento socioeconômico e cultural de uma nação. Essa concepção originou-se das
ideias iluministas do século XVIII, quando a burguesia buscava ascender culturalmente aos patamares da
nobreza, principalmente na Europa.
No século XX, a educação tornou-se também uma das bandeiras políticas de atores ou grupos sociais
que a incluíram no leque de reivindicações em prol da ampliação dos direitos de cidadania.
Os referenciais e conceitos de educação têm sido construídos em todas as sociedades, em diferen-
tes períodos históricos, de acordo com os interesses políticos, ideológicos, culturais e socioeconômicos de
cada povo, grupo social ou do próprio Estado. Essa construção está normalmente condicionada à luta no

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 15


interior das classes sociais e reflete a visão que elas têm sobre a própria realidade em que vivem e sobre as
permanências ou transformações que pretendem realizar. Porém, de uma forma ou de outra, essas socie-
dades construíram esses referenciais da educação orientados pela necessidade da transmissão dos saberes
como forma de preservação da própria cultura produzida.
Os antigos filósofos gregos, por exemplo, concebiam a educação como uma forma de alcançar a
cultura ideal e de levar o homem aos patamares mais elevados do conhecimento. A educação também
era percebida como um fator determinante para a unidade do povo grego, uma vez que representava um
elemento propulsor da difusão da língua e dos valores morais e éticos, em busca da construção de uma
sociedade ideal.
Na América do Sul, índios da etnia guarani, conformada no século V, concebem a educação como
ensinamentos sobre a vida e a morte que os adultos devem transmitir às crianças e aos jovens para a ma-
nutenção da cultura e da própria comunidade.
Embora gregos antigos e guaranis tenham concepções distintas sobre a educação, ambos demons-
tram preocupações com a preservação de sua cultura e de sua identidade.
Refletir sobre os conceitos de educação de outros povos ajuda o educador a pensar sua própria ação,
que está inserida num paradigma educacional específico, estabelecido por sua cultura.
Muitos educadores têm a consciência de que seu trabalho proporciona transformações nos educandos.
No entanto, é importante questionar: por quais transformações eles passaram após o ato educativo? Essas trans-
formações são movidas por quais interesses? Visavam à manutenção ou à alteração da ordem social vigente?
As indagações podem levar os educadores a repensar o conceito de educação, a perceber que exis-
tem diferentes formas de ensino e a ter consciência do seu próprio papel na formação de cidadãos. Seu
trabalho não é neutro, já que todo processo de educação pressupõe um caráter político-ideológico, ou seja,
está inserido em um contexto marcado pelo embate entre as diferentes classes e grupos sociais.
Dessa forma, existem posições conflitantes e mesmo antagônicas em relação ao conceito de educação
e de sua importância social. Uma das concepções amplamente discutidas atualmente é a de que a educa-
ção deve ser compreendida como um processo dialético de ensino-aprendizagem, que ocorre em vários
espaços e por diferentes atores sociais − família, escola, ambiente de trabalho, locais de lazer, sindicatos e
outros. Além disso, na atualidade, também há o espaço moldado pelas novas tecnologias de comunicação.
Se, no passado, mídias como rádio, televisão, jornal já criavam um espaço público – de troca de experiên-
cias, opiniões e informação entre os indivíduos – a recente popularização da internet e do celular vieram
reforçar esse processo, criando um novo espaço, o ciberespaço, onde a educação pode ocorrer.
O profissional da educação escolar deve ter a noção clara das influências que as relações políticas,
socioeconômicas e culturais exercem no processo educativo. Muitos educadores destacam a importância
do papel da escola como elemento determinante no desenvolvimento intelectual do educando, desconsi-
derando ou minimizando a experiência e o aprendizado que ele adquiriu nas diferentes etapas de sua vida
e em suas relações sociais.
É preciso ter plena consciência de que todo processo educacional pressupõe uma filosofia da edu-
cação, um embasamento teórico e político. O educador encontra-se tão envolvido com sua atividade edu-
cativa que, muitas vezes, não reflete sobre os princípios, os interesses e a finalidade da execução do seu
trabalho pedagógico e dos resultados que ele trará para os atores sociais, para as classes sociais, para o
aparelho do Estado.
A educação escolar está condicionada às ideologias e aos interesses de grupos ou classes sociais. Nos
Estados totalitários, por exemplo, a escola tem um papel determinante na manutenção da ordem política.
Assim, nos regimes nazifascistas, a educação escolar ganhou uma dimensão de educação de massa, uma
vez que era necessário inculcar a ideologia e os valores impostos pelos ditadores no poder.
Mas não é só aos grupos dominantes que serve a educação. E aí reside seu grande paradoxo: ao
mesmo tempo em que pode ser uma forma de dominação, ela também pode ser uma maneira pela qual as
classes dominadas se articulam, visando à resistência à dominação.

16 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Mesmo na época da ditadura militar no Brasil (1964-1985), quando foram instituídos mecanismos para
que as escolas se tornassem espaços de reprodução da ideologia dominante, muitas delas se transformaram em
centros de contestação do regime, de criação de movimentos estudantis e de organização dos professores em
sindicatos. E muitos professores difundiram ideias contrárias às dos militares no poder até nas aulas de Educa-
ção Moral e Cívica e de Organização Social e Política Brasileira (OLIVEIRA, 2007, p. 131).
Com a redemocratização do Brasil, surgiram novas perspectivas de práticas educativas, graças à in-
trodução de novos referenciais teóricos produzidos por atores sociais comprometidos com a ampliação dos
diretos sociais e políticos. No entanto, apesar das conquistas obtidas com a ampliação do acesso escolar, o
sistema educacional Brasileiro ainda mantém um ensino tradicional que pouco ou nada contribui para a
qualidade da educação que a maioria da população carente do país necessita. E nessa direção, é mais do
que atual repensar as palavras de Paulo Freire, que suscitaram tantas discussões e levaram muitos educa-
dores a mudar suas práticas de educação. Freire (2005) considera que a tônica da educação é, sobretudo,
“narrar, sempre narrar”:

Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comporta-


do, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência
existencial dos educandos, vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta
educação. [...] Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu
real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos dos conteúdos de sua
narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade
em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. [...] A narração,
de que o educador é sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do
conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “
‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais vá ‘en-
chendo’ os recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto
mais se deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos serão. Dessa
maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os
depositários e o educador o depositante.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.
Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação, em que a única margem de ação que se
refere aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. [...]
No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das
hipóteses) equivocada concepção ‘bancária’. Arquivados, porque, fora da busca,
fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na
medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há
transformação, não há saber.
Na medida em que esta visão ‘bancária’ anula o poder criador dos educandos
ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos
interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do
mundo, a sua transformação. (p. 65-69)

Essas palavras de Freire remetem à reflexão sobre a necessidade de o educador repensar sua prática
e definir seus referenciais sobre a área em que atua. Aqui, entende-se que uma das principais tarefas do
educador consiste na compreensão de que o conceito de educação está em constante construção. E esse
conceito é construído no embate entre diferentes grupos ou classes sociais em determinadas conjunturas. É
importante entender também que toda prática educativa tem relações intrínsecas com conceitos e com refe-
renciais teóricos construídos no campo desse embate político-ideológico, e que muitos educadores acabam
desenvolvendo suas ações sem analisá-las sob o ponto de vista das tendências políticas.
Como forma de contribuir para essa reflexão, serão apresentadas algumas das principais tendências
debatidas entre educadores e estudiosos do tema. É preciso entendê-las e verificar de que forma elas estão
relacionadas com as práticas desenvolvidas no espaço escolar.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 17


Cipriano Luckesi (1990, p. 38) defende a ideia de que existiram, ao longo da história da prática edu-
cacional, três tendências político-filosóficas de educação, expressas nos seguintes conceitos:

“educação como redenção”;


“educação como reprodução”; e
“educação como um meio de transformação da sociedade”.

Segundo o autor, a “educação como redenção”:

[...] concebe a sociedade como um conjunto de seres humanos que vivem e sobre-
Comenius (Jan Amos Ko- vivem num todo orgânico e harmonioso, com desvios de grupos e de indivíduos
menský) nasceu em 1592, na que ficam à margem desse todo. Ou seja, a sociedade está ‘naturalmente’ com-
cidade de Uherský Brod (ou
Nivnitz), na Morávia (hoje posta com todos os seus elementos; o que importa é integrar em sua estrutura
República Checa) e morreu tanto os novos elementos (novas gerações), quanto os que, por qualquer motivo,
em 1670, em Amsterdm, Ho-
landa. Ele foi um filósofo e se encontram à sua margem. Importa, pois, manter e conservar a sociedade,
pedagogo, sendo considerado integrando os indivíduos no todo social.
um dos primeiros pensado-
res da pedagogia moderna
Com [essa] compreensão, a educação como instância social que está voltada para a
ocidental. Um dos princípios formação da personalidade dos indivíduos, para o desenvolvimento de suas habili-
fundamentais da pedagogia dades e para a veiculação dos valores éticos necessários à convivência social, nada
comeniana está simbolizada
no seu lema de ensinar tudo a mais tem que fazer do que se estabelecer como redentora da sociedade, integrando
todos, reconhecendo o direito harmonicamente os indivíduos no todo social já existente. (p. 38)
de todos (homens e mulheres)
ao saber.
O autor afirma que essa concepção de educação como redenção pode ser encontrada no pensamento
de Comenius que escreveu, no século XVII, sua famosa Didática Magna. Segundo Luckesi (1990), Come-
nius afirmava que “um dos primeiros ensinamentos que a Sagrada Escritura nos dá é este: sob o sol não
há nenhum outro caminho mais eficaz para corrigir as corrupções humanas que a reta educação da juven-
tude” (p.40). De acordo com o filósofo, para recuperar a sociedade era preciso renová-la pela educação,
fazendo com que a juventude:

de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém em parte alguma, possa ser for-
mada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, dessa
maneira, possa ser, nos anos de puberdade, instruída em tudo o que diz respeito
à vida presente e futura, com economia de tempo e fadiga, com agrado e com soli-
dez [...] para que haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios e mais luz,
mais ordem, mais tranquilidade. (Comênio, citado por LUCKESI, 1990, p. 40)

Luckesi avalia que essa “educação como redenção” seria uma instância quase exterior à sociedade,
contribuindo, de fora, para seu ordenamento e equilíbrio permanentes. A educação, nesse sentido, teria
como significado e finalidade a adaptação do indivíduo à sociedade. Deveria reforçar os laços sociais, pro-
mover a coesão social e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social (p. 38).
Para Luckesi (1990, p. 40) os enciclopedistas da Revolução Francesa (1789-1799) e os adeptos da pe-
dagogia nova do final do século XIX também podem ser considerados porta-vozes dessa concepção, ainda
reconhecida por muitos professores.
Já a segunda tendência – a “educação como reprodução da sociedade” – consiste na ideia de que:

[...] a educação faz, integralmente, parte da sociedade e a reproduz. Diversa da ten-


dência anterior, [a educação como reprodução da sociedade] aborda a educação como
uma instância dentro da sociedade e exclusivamente ao seu serviço. Não a redime de
suas mazelas, mas reproduz no seu modelo vigente, perpetuando-a se for possível.
A diferença fundamental entre a tendência anterior e esta é que a educação
redentora atua sobre a sociedade como uma instância corretora dos seus desvios,
tornando-a melhor e mais próxima do modelo de perfeição social harmônica
idealizada. A interpretação da educação como reprodutora da sociedade impli-

18 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Nascido na Argélia e radi-
ca entendê-la como um elemento da própria sociedade, determinada por seus cado na França, Louis Al-
thusser (1918-1990) é consi-
condicionantes econômicos, sociais e políticos – portanto, a serviço dessa mesma derado um dos principais
sociedade e de seus condicionantes. (p. 41) pensadores marxistas do
século XX.
Para uma análise das ideias
Luckesi considera que um dos adeptos dessa concepção é o filósofo marxista Louis Althusser. Para de Althusser, recomenda-se
este, a educação seria apenas uma reprodutora da sociedade, de maneira que a escola, classificada por ele o livro Ideologia e aparelhos
ideológicos de Estado.
como um dos “Aparelhos Ideológicos do Estado”, teria a função de reproduzir a ideologia dominante.
Em outras palavras, a escola seria um instrumento criado para otimizar o sistema produtivo e a sociedade
a que ele serve. Ela não só qualificaria para o trabalho socialmente definido como também introjetaria
valores que garantem a reprodução comportamental compatível com a ideologia dominante, segundo Al-
thusser. Para a escola, portanto, tornar um aluno mais competente tecnicamente não seria o suficiente – ele
deveria tornar-se mais competente para manter a sociedade como ela está (p. 45).
Segundo Luckesi, os defensores da “educação como reprodução da sociedade” consideram que essa
prática escolar, a qual perpassa a vida das pessoas da infância à maturidade, deixa uma marca indelével
na personalidade de cada um, reproduzindo a força de trabalho e reproduzindo, mais propriamente, as
relações de produção de uma dada sociedade. Os papéis definidos pela divisão social do trabalho se espe-
cificam conforme a escolaridade de cada um. Nas palavras de Althusser:

[Cada indivíduo] está praticamente recheado da ideologia que convém ao papel


que ele deve desempenhar na sociedade de classes:

• papel de explorado (com consciência profissional, moral, cívica, nacional e apo-


lítica altamente desenvolvida);

• papel de agente da exploração (saber mandar e falar aos operários);

• de agentes de repressão (saber mandar e ser obedecido sem discussão ou saber


manejar a demagogia da retórica dos dirigentes políticos);

• ou (de) profissionais da ideologia (que saibam tratar as consciências com despre-


zo, chantagem, demagogia). (Em: LUCKESI, 1990, p. 47)

Ao comparar a “educação como redenção” com a “educação como reprodução da sociedade”, Lu-
ckesi afirma que a primeira é uma visão da educação “não crítica”. A segunda é “crítica” porque aborda
a educação a partir de seus determinantes, porém é reprodutivista porque vê a educação somente como
elemento destinado a reforçar seus próprios condicionantes. A segunda tendência não se concretiza como
uma pedagogia porque ela se limita a uma visão crítica da educação, sem apresentar uma proposta educa-
cional que possa ser idealizada e posta em prática.
Finalmente, a terceira tendência – a “educação como transformação da sociedade” – é a que tem por
perspectiva compreender a educação como mediação de um projeto social. Ao compará-la com as duas
primeiras, Luckesi explicita que essa tendência:

[...] nem redime nem reproduz a sociedade, mas serve de meio, ao lado de outros
meios, para realizar um projeto de sociedade; projeto que pode ser conservador ou
transformador. No caso, essa tendência não coloca a educação a serviço da con-
servação. Pretende demonstrar que é possível compreender a educação dentro da
sociedade, com os seus determinantes e condicionantes, mas com a possibilidade
de trabalhar pela sua democratização. [...]
Os teóricos da terceira tendência, nem negam que a educação tem papel ativo na
sociedade, nem recusam reconhecer os seus condicionantes histórico-sociais. Ao
contrário, consideram a possibilidade de agir a partir dos próprios condicionan-
tes históricos. (1990, p. 48-49)

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 19


Para o autor, a “educação como transformação da sociedade” pode ser uma das instâncias na luta
pela transformação da sociedade, visando a sua democratização efetiva e concreta, tanto nos aspectos polí-
ticos como sociais e econômicos. Este defende a ideia de que essa tendência é “crítica”, pois não é otimista
como a tendência redentora, a qual pretende “curar” a sociedade de suas mazelas, adaptando os indivídu-
os ao modelo ideal de sociedade. Tampouco é pessimista como a tendência reprodutivista, que considera a
educação apenas como instância de reprodução dos interesses dominantes (p. 49).
A tendência transformadora propõe compreender a educação dentro de seus condicionantes e agir
estrategicamente para a transformação da realidade. Propõe desvendar e utilizar as próprias contradições
da sociedade para trabalhar realística e criticamente por sua mudança.
As tendências redentora e transformadora não se limitam a teorizar e criticar a educação, como a
reprodutivista, mas propõem ações de natureza pedagógica que podem ser classificadas, grosso modo, de
pedagogias liberais (redentora) e pedagogias progressistas (transformadora).
O quadro a seguir foi elaborado com base nas características que Luckesi atribui às pedagogias libe-
rais e às pedagogias progressistas. Por meio dele, o educador poderá ter uma ampla visão dos principais
referenciais teóricos sobre a educação e das práticas educacionais a eles correspondentes.

1. Pedagogia Essa pedagogia sustenta a ideia de que a função da escola é preparar os indivídu-
liberal os para o desempenho de papéis sociais, de acordo com suas aptidões individuais.
Dessa forma, os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e às normas
vigentes na sociedade de classe através do desenvolvimento da cultura individual.
1. 1. Tradicional Papel da Escola: A atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos
alunos para assumir suas posições na sociedade. Seu compromisso é com a cultura,
os problemas sociais pertencem à sociedade.

Conteúdo de ensino: Os conhecimentos e os valores sociais acumulados pelas gera-


ções adultas devem ser repassados aos alunos como verdades absolutas.

Relacionamento professor-aluno: Predomina a autoridade do professor que exige


atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comunicação entre eles no decorrer
da aula. O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida. Con-
sequentemente, a disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção
e o silêncio.

Pressupostos de aprendizagem: Predomina a ideia de que o ensino consiste em re-


passar os conhecimentos para o espírito da criança e a de que a capacidade de assi-
milação da criança é idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida.

Manifestações na prática escolar: esse modelo tradicional é predominante na história


educacional Brasileira.

20 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


1.2. Renovada Papel da escola: A finalidade da escola é adequar as necessidades individuais ao
progressista meio social.

Conteúdo de ensino: Dá mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas


do que a conteúdos organizados racionalmente. Trata-se de “aprender a aprender”,
ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propria- Para Luckesi, o termo li-
beral não tem sentido de
mente dito. “avançado”, “democrático”,
“aberto”, como costuma ser
Relacionamento professor-aluno: Não há lugar privilegiado para o professor; seu usado. A doutrina liberal
está associada à defesa da
papel é auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo do aluno. liberdade e dos interesses
individuais da sociedade no
sistema capitalista.
Pressupostos de aprendizagem: A motivação depende das forças de estimulação do
problema e das disposições internas e interesses do aluno. Aprender se torna uma
atividade de descoberta, é uma autoaprendizagem, sendo o ambiente apenas o meio
estimulador.

Manifestações na prática escolar: Seus princípios são muito difundidos nos cursos de
pedagogia, mas sua aplicação é reduzidíssima. Normalmente é praticada nas escolas
que utilizam os métodos: Montessori, Decroly, Dewey e o Piaget.
1. 3. Renovada não Papel da Escola: Acentua-se o papel da escola na formação de atitudes, razão pela
diretiva qual deve estar mais preocupada com os problemas psicológicos do que com os
pedagógicos ou sociais. Carl Rogers considera que os procedimentos didáticos, a
competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importância, face ao
propósito de favorecer à pessoa um clima de autodesenvolvimento e realização pes-
soal; o resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa terapia.

Conteúdo de ensino: O conteúdo torna-se secundário, pois os processos de ensino


visam mais a facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os
conhecimentos.

Relacionamento professor-aluno: Propõe uma educação centrada no aluno, visando


formar sua personalidade por meio da vivência de experiências significativas que lhe
permitam desenvolver características inerentes à sua natureza. O professor é um
especialista em relações humanas, ao garantir o clima de relacionamento pessoal e
autêntico. “Ausentar-se” é a melhor forma de respeito e aceitação plena do aluno.
Toda intervenção é ameaçadora e inibidora da aprendizagem.

Pressupostos de aprendizagem: A motivação resulta do desejo de adequação pes-


soal na busca da autorrealização; é, portanto, um ato interno. A motivação aumenta
quando o sujeito desenvolve o sentimento de que é capaz de agir em termos de
atingir suas metas pessoais, isto é, desenvolve a valorização do “eu”. Aprender, por-
tanto, é modificar suas próprias percepções.

Manifestações na prática escolar: Essas ideias influenciaram muitos educadores,


principalmente orientadores educacionais e psicólogos escolares que se dedicam ao
aconselhamento.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 21


1. 4. Tecnicista Papel da Escola: Num sistema social harmônico, orgânico e funcional, a escola fun-
ciona como modeladora do comportamento humano, por meio de técnicas específi-
cas. À educação escolar compete organizar o processo de aquisição de habilidades,
atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se
integrem na máquina do sistema social global. Seu interesse imediato é o de produzir
indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente,
informações precisas, objetivas e rápidas.

Conteúdo de ensino: São as informações, princípios científicos, leis etc., estabeleci-


dos e ordenados numa sequência lógica e psicológica por especialistas. É matéria de
ensino apenas o que é redutível ao conhecimento observável e mensurável; os con-
teúdos decorrem da ciência objetiva, eliminando-se qualquer sinal de subjetividade.

Relacionamento professor-aluno: São relações estruturadas e objetivas, com papéis


bem definidos – o professor administra as condições de transmissão da matéria; o
aluno recebe, aprende e fixa as informações. O professor é apenas um elo de ligação
entre a verdade científica e o aluno. Ambos são espectadores frente à verdade obje-
tiva. A comunicação professor-aluno tem um sentido exclusivamente técnico, que é
o de garantir a eficácia da transmissão do conhecimento.

Pressupostos de aprendizagem: Aprender é uma questão de modificação de desem-


penho – o bom ensino depende da organização eficiente das condições estimula-
doras, de modo a que o aluno saia da situação de aprendizagem diferente de como
entrou.

Manifestações na prática escolar: Introduzida no Brasil com o objetivo de adequar


o sistema educacional à orientação político-econômica do regime militar: inserir a
escola nos moldes de racionalização do sistema de produção capitalista.
2. Pedagogia Essa tendência pedagógica progressista parte de uma análise crítica das realidades
progressista sociais. Ela não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista, por ser um
instrumento de luta de educadores ao lado de outras práticas sociais.

22 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


2. 1. Libertadora Papel da Escola: Não é próprio da pedagogia libertadora falar em ensino escolar, já
que sua marca é a atuação não forma. Os educadores engajados no ensino escolar
consideram que ela é uma atividade em que professores e alunos, mediatizados pela
realidade que aprendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem, atingem
um nível de consciência dessa mesma realidade a fim de nela atuarem, num sentido
de transformação social.

Conteúdo de ensino: Propõe o trabalho com “temas geradores”, que são extraídos
da problematização da prática de vida dos educandos. Os conteúdos tradicionais são
recusados. A transmissão de conteúdos estruturados a partir de fora é considerada
como “invasão cultural” ou “depósito de informação”, porque não emerge do saber
popular.

Relacionamento professor-aluno: O relacionamento se baseia no diálogo, na relação


horizontal, em que educador e educandos se posicionam como sujeitos do ato de
conhecimento. Elimina-se toda a relação de autoridade, sob pena de esta inviabilizar
o trabalho de conscientização, de “aproximação de consciências”.

Pressupostos de aprendizagem: A motivação se dá a partir da codificação de uma


situação-problema, da qual se toma distância para analisá-la criticamente. O que é
aprendido não decorre de uma imposição ou memorização, mas do nível crítico de
conhecimento, ao qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica.

Manifestações na prática escolar: Tem como inspirador e divulgador Paulo Freire.


Pedagogia aplicada em diversos países. No Brasil, tem exercido influência nos movi-
mentos populares e sindicatos. Embora as formulações de Freire tenham sido elabo-
radas para a educação de adultos, muitos professores vêm tentando colocá-las em
prática em outros graus de ensino formal.
2. 2. Libertária Papel da Escola: Espera que a escola exerça uma transformação na personalida-
de dos alunos num sentido libertário e autogestionário. Tem caráter expressamente
político à medida que o indivíduo é tratado como produto do social, e que o desen-
volvimento individual somente se realiza no coletivo. Pretende ser uma forma de
resistência contra a burocracia como instrumento da ação dominadora do Estado,
que tudo controla e retira a autonomia.

Conteúdo de ensino: Os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de neces-


sidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem indispen-
savelmente, as matérias de estudo.

Relacionamento professor-aluno: O professor é um orientador e um catalisador, ele


se mistura ao grupo para uma reflexão comum. Ele não deve impor suas concepções
e ideias e nem transformar o aluno em “objeto”.

Pressupostos de aprendizagem: A motivação está no interesse em crescer dentro da


vivência grupal, pois supõe-se que o grupo devolva a cada um de seus membros a
satisfação de suas aspirações e necessidades.

Manifestações na prática escolar: É uma pedagogia que abrange tendências antiau-


toritárias em educação, dentre elas, a anarquista.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 23


2. 3. Crítico-social Papel da Escola: A escola deve contribuir para eliminar a seletividade social e tornar-
dos conteúdos -se democrática. Se a escola é parte integrante do todo social, agir dentro dela é
também agir no rumo da transformação da sociedade. A escola deve garantir a todos
um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham
ressonância na vida dos alunos.

Conteúdo de ensino: A difusão de conteúdos é a tarefa primordial. Mas não con-


teúdos abstratos, e sim vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades
sociais. São os conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de
conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas per-
manentemente reavaliados face às realidades sociais.

Relacionamento professor-aluno: O conhecimento resulta de trocas que se estabele-


cem na interação entre o meio (natural, social e cultural) e o sujeito, sendo o profes-
sor o mediador; a relação pedagógica consiste no provimento das condições em que
professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas.

Pressupostos de aprendizagem: O grau de envolvimento na aprendizagem depende


tanto da prontidão e disposição do aluno, como do professor e do contexto da sala
de aula.

Manifestações na prática escolar: Propor modelos de ensino voltados para a intera-


ção entre conteúdos e realidades sociais; visando a avançar em termos de uma arti-
culação do político e do pedagógico e colocar a educação a serviço da transformação
das relações de produção. É importante que o professor tenha maior conhecimento
dos conteúdos e domínio de formas de transmissão, mas será mais importante ainda
se ele for capaz de compreender os vínculos de sua prática com a prática social
global, tendo em vista o atendimento aos interesses das camadas populares, a trans-
formação estrutural e a democratização da sociedade.

CF. LUCKESI, 1990, P. 54-73.

Os referenciais e práticas educativas elencados poderão contribuir para que o educador possa rever
e reconstruir seu projeto pedagógico. É importante repensar suas práticas em sala de aula, buscando coe-
rência e clareza entre aquilo que almeja e o que efetivamente executa, pois:

A reflexão sobre as concepções de educação e sobre o papel do educador no pro-


cesso educacional poderá estimular o senso crítico, desmistificando impressões
do senso comum, visando à tomada de consciência de si mesmo e da consciên-
cia do mundo numa perspectiva de transformação e não de conformação com
a realidade social. [...] A visão crítica da própria ação pedagógica torna-se um
elemento fundamental da educação contínua do educador, uma vez que poderá
constituir-se num fator de compreensão da realidade em constante transformação
e, portanto, educar-se antes de educar o outro trabalhador. (OLIVEIRA, 2007, p.
132)

Dentre os referenciais e práticas expostos, considera-se que as práticas “progressistas” são as mais ade-
quadas para trabalhar a educação de jovens e adultos, numa perspectiva delineada nos próprios documentos
oficiais do PROEJA. Além da democratização do ensino, elas – sobretudo a “libertadora” e a “crítico-social dos
conteúdos” – levam em conta as possibilidades de que os educandos possam participar ativamente do processo
de construção dos saberes, de modo a satisfazer suas necessidades pessoais e profissionais.
Novas perspectivas educacionais se apresentam acompanhando o rumo das profundas transforma-
ções que ocorrem na sociedade atual. O educador precisa participar dessa reconstrução de práticas para
que elas sejam condizentes com a nova realidade social. Uma dessas mudanças está relacionada à inserção

24 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


de novas tecnologias no processo educacional, que já se encontram implementadas nos mais diferentes
setores produtivos e na vida cotidiana dos próprios educandos.
É preciso romper as barreiras da escola tradicional e trazer novos desafios a jovens e adultos que O termo saberes é utilizado
desejam ter uma educação que esteja em consonância com a atual realidade, para que eles possam atuar neste livro para designar, a
um só tempo, as expressões:
permanentemente na reconstrução de saberes e interagir num mundo que os incluam como verdadeiros “saber conhecer”, “saber fa-
atores sociais participativos. zer” e “saber ser”.

Para pensar a educação do futuro

Jacques Delors (1998), coordenador do “Relatório para a Unesco da Comissão


Internacional Sobre Educação para o Século XXI”, no livro Educação: um tesou-
ro a descobrir, aponta como principal consequência da sociedade do conheci-
mento a necessidade de uma aprendizagem ao longo de toda a vida, fundada
em quatro pilares que são ao mesmo tempo pilares do conhecimento e da
formação continuada. Esses pilares podem ser tomados também como bússola
para nos orientar rumo ao futuro da educação.
Aprender a conhecer – Prazer de compreender, descobrir, construir e recons-
truir o conhecimento, curiosidade, autonomia, atenção. Inútil tentar conhe-
cer tudo. Isso supõe uma cultura geral, o que não prejudica o domínio de
certos assuntos especializados. Aprender a conhecer é mais do que aprender
a aprender. Aprender mais linguagens e metodologias do que conteúdos,
pois estes envelhecem rapidamente. Não basta aprender a conhecer. É preci-
so aprender a pensar, a pensar a realidade e não apenas “pensar pensamen-
tos”, pensar o já dito, o já feito, reproduzir o pensamento. É preciso pensar
também o novo, reinventar o pensar, pensar e reinventar o futuro.
Aprender a fazer – É indissociável do aprender a conhecer. A
substituição de certas atividades humanas por máquinas acentuou o
caráter cognitivo do fazer. O fazer deixou de ser puramente instrumental.
Nesse sentido, vale mais hoje a competência pessoal que torna a pessoa
apta a enfrentar novas situações de emprego, [mais] apta a trabalhar em
equipe, do que a pura qualificação profissional. Hoje, o importante na
formação do trabalhador, também do trabalhador em educação, é saber
trabalhar coletivamente, ter iniciativa, gostar do risco, ter intuição, saber
comunicar-se, saber resolver conflitos, ter estabilidade emocional. Essas
são, acima de tudo, qualidades humanas que se manifestam nas relações
interpessoais mantidas no trabalho. A flexibilidade é essencial.
Aprender a viver juntos – a viver com os outros. Compreender o outro,
desenvolver a percepção da interdependência, da não-violência, admi-
nistrar conflitos. Descobrir o outro, participar em projetos comuns. Ter
prazer no esforço comum. Participar de projetos de cooperação. Essa é
a tendência. No Brasil, como exemplo desta tendência, pode-se citar a
inclusão de temas/eixos transversais (ética, ecologia, cidadania, saúde,
diversidade cultural) nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que exigem
equipes interdisciplinares e trabalho em projetos comuns.
Aprender a ser – Desenvolvimento integral da pessoa: inteligência, sensi-
bilidade, sentido ético e estético, responsabilidade pessoal, espiritualida-
de, pensamento autônomo e crítico, imaginação, criatividade, iniciativa.
Para isso não se deve negligenciar nenhuma das potencialidades de cada
indivíduo. A aprendizagem não pode ser apenas lógico-matemática e
linguística. Precisa ser integral.

CF. MOACIR GADOTTI, 2000, P. 9-10.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 25


São consideradas ações to- 2. Políticas públicas de educação no Brasil
madas pelo Estado para
efetivar preceitos constitu- Numa perspectiva histórica, o Estado Brasileiro foi assumindo progressivamente o papel de gestor
cionais acerca das demandas
da sociedade que garantam das políticas públicas de educação, sobretudo a partir da década de 1930. Antes desse período, a educação
à redistribuição das riquezas esteve praticamente nas mãos de grupos ou de instituições cujos interesses giravam em torno da esfera de
e dos bens e serviços sociais
nas áreas de educação, saú-
domínio privado.
de, meio ambiente, tecnolo-
gia, economia, segurança, É possível dividir a história da política educacional Brasileira em três períodos: o primeiro, antes da
trabalho etc. Porém, nem colonização portuguesa, caracterizou-se por ações das próprias comunidades indígenas direcionadas para
todos concordam com elas,
há os que discordam radi-
o aprendizado dos usos, tradições, valores, ou seja, direcionado à transmissão da cultura; o segundo perí-
calmente e isso depende do odo, da colonização à Revolução de 1930, foi marcado pela quase inexistência de uma política educacional
campo político-ideológico estatal. É no terceiro período, após 1930, destacou-se pela ampliação do Estado na condução das políticas
dos indivíduos. Segundo
os neoliberais “As políticas públicas educacionais.
públicas são perniciosas à
ordem social e ao seu equilí- Antes da dominação portuguesa, as comunidades indígenas concebiam a educação como um ele-
brio; qualquer limitação dos mento crucial da transmissão dos conhecimentos produzidos para as novas gerações. Cabia à família a di-
mecanismos de mercado por
parte do Estado é ameaça le- fusão dos saberes às crianças e aos jovens. Segundo Ferreira e Souza, há uma forte conexão entre educação
tal à liberdade econômica e e cultura nas sociedades indígenas, bem mais marcante do que nas sociedades não-indígenas. Naquelas
política”. Segundo os social-
democratas, “são instrumen- sociedades, educação e cultura são indissociáveis (ou até mesmo se confundem) em todos os aspectos e
tos importantes no sentido momentos. A formação de cada índio é um constante ensinar e aprender a cultura que é de interesse de
de amenizar as desigualda-
toda a comunidade, por isso a educação que eles praticam é fundamentalmente socializante e, com tal, está
des originadas no mercado.
São políticas de proteção em íntima conexão com os aspectos da vida coletiva em todas as suas dimensões.
social implementadas pelo
Estado, buscando garantir Durante o período colonial, não havia uma política de Estado deliberada no sentido de promover a
a todos o bem-estar social:
educação, pois a maioria da população era constituída de escravos que aprendiam suas tarefas na própria
educação, securidade, em-
prego, etc. Para os socialis- prática de trabalho. Por sua vez, a monocultura exigia um mínimo de qualificação e diversificação da força
tas, são conquistas dos traba- de trabalho. Segundo Bárbara Freitag (1980, p.47), “não havia nenhuma função de reprodução da força de
lhadores visando amenizar
o grau de exploração capi- trabalho a ser preenchida pela escola”. E, evidentemente, os trabalhadores não possuíam liberdade para
talista. Ainda para os mar- decidir sobre sua vida e seus desejos.
xistas, são ações do Estado
executando um projeto de As práticas educacionais, nesse período, eram feitas quase exclusivamente pela Igreja, e a escola
sociedade definido a partir
do conflito de interesses e da criada pelos jesuítas cumpria três funções básicas: a reprodução das classes dirigentes da colônia e dos
correlação de forças. (Lobo próprios dirigentes da Igreja e, por meio da catequese, a imposição dos valores culturais europeus, sobre-
Neto et al.:2002b:p.23-24)
tudo o cristianismo, para as classes dominadas. Apesar de os jesuítas terem sido expulsos, em 1759, pelo
Marquês de Pombal, que alegou interferência demasiada do clero nas coisas do Estado, a Igreja preservou
sua força na ação educativa. Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, em 1808, houve um estímulo
Diferença entre Constituição
outorgada e Constituição à fundação de escolas técnicas e academias pela própria necessidade da formação de quadros administra-
promulgada: A outorgada é tivos para o governo.
uma constituição elaborada
por governos que impõem A partir da Independência do Brasil (1822), foram delineados os primeiros passos da política educacional
as leis de forma unilateral,
normalmente por meio da do Estado Brasileiro. Isso pode ser constatado na primeira constituição do Brasil que foi outorgada, em 1824, por
força, sem consultar o povo Dom Pedro I. Essa Constituição de 1824 traz apenas dois parágrafos sobre a educação escolar, na qual prevê a
ou seus representantes. No
Brasil, é possível identificar “instrução primária e gratuita a todos os cidadãos” e refere-se a criação de colégios e universidades, “onde serão
como outorgadas as consti- ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras e Artes”. Esse tratamento dado à educação escolar mostra a
tuições de 1824, 1937, 1967
e a emenda constitucional
despreocupação do Estado com essa questão, porém, ao incluir a educação escolar na Constituição revela que o
de 1969. governo estava preocupado pelo menos com a formação dos quadros dirigentes do país.
A promulgada é uma cons-
tituição elaborada por uma
Assembleia constituinte de-
mocraticamente eleita pelo A educação na Constituição de 1824
povo. No Brasil, foram pro-
mulgadas as constituições Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos Brasileiros,
de 1891, 1934, 1946 e a atual
de 1988.
que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida
pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
XXXII) A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.
XXXIII) Colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos das
ciências, belas-artes e letras

26 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


No entanto, a Constituição de 1824 não define os responsáveis pela garantia da instrução escolar e
nem sua forma de financiamento. É importante destacar que quando menciona a palavra “cidadãos”, a
Constituição se refere a grupos restritos da sociedade, visto que a grande maioria da população Brasileira
era constituída de escravos e, portanto, excluída de direitos civis ou políticos. Nesse contexto histórico, as
classes dominantes não estavam interessadas na escolarização da população, mas na garantia da instrução
de seus próprios herdeiros. A gratuidade do ensino representou uma decisão inovadora, mas ela favorecia
a classe dominante, já que a instrução escolar contemplava, na realidade, essa classe social.
O ato Adicional de 1834, votado pelos parlamentares no período Regencial, atribui às Assembleias
das Províncias (hoje estados) competências para legislar sobre a instrução pública e sobre a criação de
escolas. Dessa forma, o poder imperial transfere para o poder regional e local a responsabilidade sobre o
ensino, mantendo apenas os cursos superiores na esfera de decisões do poder central.
No segundo reinado (1840-1889), a educação continuava relegada ao plano secundário e as ações educa-
tivas eram exercidas por escolas religiosas e por algumas iniciativas privadas ou por governos locais. No final
do império, surgiram propostas de reformas eleitorais e reformas da educação. A situação educacional do país
foi amplamente discutida no Congresso Nacional, mas não por questões pedagógicas. Os parlamentares deba-
tiam a reforma eleitoral que visava introduzir eleições diretas para deputados e senadores. O direito de voto
dos analfabetos (mais de 85% da população) tornou-se a questão central dessa reforma. Os parlamentares pro-
curavam criar mecanismos para “civilizar o povo Brasileiro” e eliminar a “ignorância absoluta” que julgavam
existir no país. As elites queriam modernizar as instituições políticas, porém não estavam dispostas a dividir
as decisões com aqueles que julgavam incapazes, cegos, degenerados e perigosos. Esses debates refletiam os
interesses da elite conservadora, repressiva e preconceituosa que dava sustentação política ao governo imperial,
e continuou durante a Primeira República (1889-1930). Para resolver o problema, eles votaram a Lei Saraiva,
em 1881, excluindo os analfabetos do direito de votar. Essa Lei teve como consequência a redução do número
de eleitores, pois parte dos eleitores da própria elite era constituída por analfabetos. No bojo dessas reformas
eleitorais, emergiram propostas de reformas educacionais, prevendo o direito à educação para os analfabetos, o Programa da Escola Moderna
“La misión de la Escuela Mo-
ensino gratuito e laico, mas essas reformas acabaram ficando apenas no papel. derna consiste en hacer que
los niños y niñas que se le
A instalação da República, em 1889, não veio acompanhada de mudanças significativas na política confíen lleguen a ser perso-
educacional. A Constituição de 1891 é praticamente omissa em relação ao tema da educação escolar. Não nas instruidas, verídicas, jus-
tas y libres de todo prejuicio.
menciona a garantia do ensino primário gratuito, como previsto na constituição do império, o que repre- Para ello, sustituirá el estu-
sentou um retrocesso político. Essa Carta Constitucional não determina os responsáveis pela educação dio dogmático por el razona-
do de las ciencias naturales.
escolar e nem os recursos financeiros para o ensino. Apenas três artigos fazem algum tipo de referência à
Excitará, desarrollará y
educação. Num desses artigos, os constituintes se preocuparam apenas com a questão da garantia do ensi- dirigirá las aptitudes pro-
no laico, ou seja, determinou que o ensino fosse baseado nos fundamentos científicos e não nos princípios pias de cada alumno, a fin
de que con la totalidad del
das doutrinas religiosas. A menção ao ensino laico foi inserida em razão do estabelecimento do Estado propio valer individual no
laico no Brasil, que demarcou a separação entre Estado e a Igreja. sólo sea un miembro útil a
la sociedad, sino que, como
A Constituição de 1891 excluiu os analfabetos do direito de votar, sinalizando que as pessoas que consecuencia, eleve propor-
cionalmente el valor de la
quisessem participar da vida político-institucional deveriam ter um mínimo de escolaridade. Esse dispo- colectividad.
sitivo constitucional pode explicar, em parte, o surgimento de ações de diferentes grupos políticos, empre- Enseñará los verdaderos de-
beres sociales, de conformi-
sários e sindicatos na realização de campanhas de alfabetização. Essas campanhas tinham como objetivos: dad con la justa máxima: No
recrutar futuros eleitores, preparar profissionais para áreas específicas e educar trabalhadores como missão hay deberes sin derechos; no
política. Cabe destaque à atuação dos movimentos organizados de operários, principalmente os de tendências hay derechos sin deberes.
En vista del buen éxito que
anarquista e comunista, que buscavam na instrução uma das formas de emancipação da classe operária, basea- la enseñanza mixta obtiene
dos nas ideias da “escola moderna”, defendidas pelo pedagogo espanhol Francisco Ferrer y Guardia. en el extranjero, y, princi-
palmente, para realizar el
Na década de 1920, houve intensa participação política de grupos de classe média, de industriais propósito de la Escuela Mo-
derna, encaminado a pre-
e de trabalhadores que questionavam o poder da oligarquia agrária. Nesse contexto, surgiram, em vários parar una humanidad ver-
estados, reformas educacionais que se limitaram basicamente a modificar a estrutura do ensino primário e daderamente fraternal, sin
categoría de sexos ni clases,
do antigo normal. O entusiasmo pedagógico dos educadores reformistas foi, em grande parte, influenciado se aceptarán niños de ambos
pelas ideias da “escola nova”, surgidas na Europa e nos EUA no final do século XIX. Dentre os fundamen- sexos desde la edad de cinco
años.”
tos da “escola nova”, pode-se destacar: a valorização dos interesses e necessidades da criança, a defesa do Francisco Ferrer y Guardia,
desenvolvimento natural da criança, a tônica no aspecto lúdico das atividades infantis, a crítica à escola La Escuela Moderna.
tradicional por priorizar os conteúdos e a ênfase no processo de aprendizagem.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 27


A Revolução de 1930 levou ao poder grupos sociais que, com maior ou menor intensidade, se asso-
ciaram ao presidente Getúlio Vargas na luta contra a oligarquia agroexportadora, dominante no período
anterior. As novas forças sociais rearticularam-se visando à conquista de suas reivindicações, que foram
parcialmente atendidas no governo Vargas. A adoção de um modelo de substituição e de diversificação da
produção fortalecerá a burguesia urbano-industrial que buscava trabalhadores com um mínimo de qualifi-
cação para atender às demandas exigidas pelo processo de industrialização. O governo Vargas sinalizou a
adoção de uma política pública educacional quando criou, em 1930, o Ministério da Educação e da Saúde

Pública. Essa tendência se refletiu também na Constituição de 1934, que incluiu, pela primeira vez,
um capítulo exclusivo destinado à “Educação e Cultura”.
A Constituição de 1934 estabeleceu a educação como um direito de todos, devendo ser ministrada
pela família e pelos poderes públicos. Ela atribui à União a competência de fixar o plano nacional de edu-
cação para todos os graus e ramos, comuns e especializados. Esse plano deveria obedecer às seguintes
normas: 1) propiciar o ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adultos;
2) promover a tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário. A União passava também
a exercer ação supletiva das ações educativas, por meio de estímulos ou recursos financeiros.

Alguns dispositivos da educação na Constituição de 1934


Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos
Poderes Públicos (...).
Art. 150 - Compete à União:
a) fixar o plano nacional de educação (...) e coordenar e fiscalizar a sua execução, em
todo o território do País;
e) exercer ação supletiva, onde se faça necessária, por deficiência de iniciativa ou de
recursos e estimular a obra educativa em todo o País (...).
Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei federal, (...) obede-
cerá às seguintes normas:
a) ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adul-
tos;
b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar
mais acessível;
e) limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por
meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apro-
priados à finalidade do curso;
Art. 154 - Os estabelecimentos particulares de educação, gratuita primária ou profis-
sional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo.
Art. 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os
Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos
impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos
Parágrafo único - Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará no
mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento
anual. Art. 139 - Toda empresa industrial ou agrícola, fora dos centros escolares, e
onde trabalharem mais de cinquenta pessoas, perfazendo estas e os seus filhos, pelo
menos, dez analfabetos, será obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito.

28 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


A educação na Constituição de 1891
Art. 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:
2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a
imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a
ação dos Governos locais;
3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados;
4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal.
Art. 70 - § 1º - Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para
as dos Estados:
2º) os analfabetos.
Art. 72. § 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

Essa Constituição de 1934 inovou ao vincular as receitas da União, dos estados e dos municípios à
educação escolar. O artigo 156 previa que a União e os Municípios deveriam aplicar no mínimo dez por
cento, e os Estados e o Distrito Federal no mínimo vinte por cento, da renda resultante dos impostos no
sistema educacional. A Constituição transferiu parte da responsabilidade da educação escolar às empresas
privadas, ao incluir, no artigo 136, a obrigatoriedade de as empresas industriais ou agrícolas, localizadas
fora dos centros escolares, com mais de cinquenta pessoas e pelo menos dez analfabetos, proporcionarem
ensino primário gratuito aos trabalhadores e aos seus filhos. Foi também a primeira Constituição a tratar
da educação da população rural, ainda que os recursos previstos para isso fossem menores que os previstos
para a população urbana. Esse dispositivo discriminava a população rural, que constituía a maioria abso-
luta da população Brasileira.
Muitos dispositivos educacionais da Constituição de 1934 não foram sequer regulamentados, já que,
em 1937, o presidente Getúlio Vargas dá um golpe de Estado, rompendo com a ordem constitucional e
anulando as conquistas no campo educacional. Após o golpe, Vargas outorgou a Constituição de 1937, ins-
taurando o “Estado Novo” (1937-1945) que se caracterizou por um período da historia do Brasil marcado
pelo fortalecimento do poder executivo, pela repressão e pelo autoritarismo.
A Constituição de 1937 criou um sistema educacional dual, no qual se previa uma educação vocacio-
nal para os trabalhadores e outra, propedêutica, para as elites. O artigo 129 deixa explícita essa diferencia-
ção quando determina que “o ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas
é em matéria de educação o primeiro dever do Estado”. Os artigos dessa Constituição estavam em conso-
nância com a política de cooptação das “massas trabalhadoras”, sobretudo as urbanas, e com os interesses
do setor industrial que pressionava pelo aumento de oferta de braços para o trabalho nas fábricas. Em ra-
zão desses dispositivos constitucionais, o Estado Novo foi marcado por uma política educacional dualista
e preconceituosa que reforçava as diferenças entre o trabalho intelectual e o manual, separação que marcou
profundamente a sociedade Brasileira desde a escravidão.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 29


Alguns dispositivos sobre educação na Constituição de 1937
Art. 128 - A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações
ou pessoas coletivas públicas e particulares.
É dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimen-
to de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de
ensino.
Art. 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação
em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar,
pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade
de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacio-
nais.
O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em ma-
téria de educação o primeiro dever de Estado. É dever das indústrias e dos sindicatos
econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos
filhos de seus operários ou de seus associados.
Art. 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui
o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião
da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar
escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.

A Constituição de 1937 não tratou do tema do financiamento da educação, não definindo os recursos
financeiros para o ensino, o que representou um retrocesso em relação à constituição anterior. A Constitui-
ção foi bastante contraditória quando explicita o direito ao ensino gratuito, mas prevê, no artigo 130, que
os estudantes deveriam pagar uma contribuição mensal para a caixa escolar, exceto para os que compro-
vassem escassez de recursos. Isso mostra que os constituintes “jogaram” para a própria sociedade parte da
responsabilidade que deveria ser do poder público.
O período de redemocratização teve início com a deposição do presidente Getúlio Vargas, em 1945.
A deposição do ditador levou à intensa mobilização dos grupos políticos e sociais que pressionavam a
Assembleia Constituinte a aprovar suas propostas na Constituição de 1946. Os dispositivos da política
educacional aprovados pela Assembleia refletiam as contradições dos diversos setores que pressionaram
pelo atendimento de suas demandas políticas, sufocadas durante a ditadura do Estado Novo. Ao analisar
alguns artigos da Constituição de 1946, constata-se que os constituintes se inspiraram na Constituição de
1934.

30 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


A educação na Constituição de 1946
Art. 5º - Compete à União: XV - legislar sobre: d) diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.
Art. 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à
iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem.
Art. 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional;
II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á
para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos;
III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas,
são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes;
Art. 169 - Anualmente, a União aplicará nunca menos de dez por cento, e os Estados, o Distri-
to Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos
na manutenção e desenvolvimento do ensino.

O texto da Constituição de 1946 resgata o principio da educação como direito de todos, a ser dada no
lar e na escola. No entanto, em nenhum momento o texto trata do dever do Estado Brasileiro na garantia
desse direito. Não há vinculo entre o direito à educação e o dever dos poderes públicos nessa garantia. Nes-
sa questão, os constituintes preferiram evitar as polêmicas dos diferentes grupos políticos e determinaram
que o ensino dos diferentes ramos fosse ministrado pelos poderes públicos e pela iniciativa privada. Essa
Constituição estabeleceu também “o ensino primário oficial gratuito para todos”, mas determinou que o
ensino oficial ulterior ao primário fosse gratuito apenas para os que provarem falta ou insuficiência de
recursos. Foi a primeira vez que surgiu a expressão “ensino oficial” em constituições do país. Ela simboliza
claramente a diferença entre o ensino ministrado pelos poderes públicos e o ministrado pela iniciativa par-
ticular. Um dos dispositivos polêmicos da Constituição referia-se à possibilidade de o ensino oficial não ser
gratuito para os que não provassem falta de recursos. Essa foi a primeira vez que um texto constitucional
faz referência a essa possibilidade de os estudantes pagarem para estudar nas escolas oficiais para conti-
nuarem seus estudos após o primário.
Os constituintes de 1946 mantiveram a obrigatoriedade de as empresas, com mais de cem pessoas,
oferecerem o ensino primário gratuito aos seus trabalhadores e aos seus filhos. Esse item seguiu, com algu-
mas alterações, as orientações das duas constituições anteriores, ou seja, de considerar também a educação
como um dever do setor privado. Era mais uma forma de o Estado se eximir do seu dever de garantir a
educação a todos. Essa evidência pode ser também constatada no parágrafo único do artigo 170, quando
a União assume o sistema federal de ensino apenas em caráter supletivo, e transfere para os estados da
federação e para os municípios a responsabilidade de organizar seus próprios sistemas de ensino. Portan-
to, Constituição de 1946 atribui à União a competência de legislar sobre as diretrizes e bases da educação
nacional, mas delega a maior parte da responsabilidade do ensino para os poderes públicos regionais e
locais e para a iniciativa privada.
Um destaque importante dessa Constituição é a definição do financiamento que deveria ser inves-
tido na educação. No artigo 169, os constituintes aprovaram que, “anualmente, a União aplicará nunca
menos de dez por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento
da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
Apesar das críticas que se possa fazer à Constituição de 1946, ela foi mais abrangente, menos prote-
cionista e mais universal que as anteriores. Como inovação, a Constituição prevê a discussão e a aprovação

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 31


de lei complementar específica para o setor educacional. Essa lei, conhecida por LDB – Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – foi aprovada em 1961, após longos e calorosos debates dos diferentes grupos
ligados à educação que exerceram pressões sobre os legisladores no Congresso Nacional. As contradições
do populismo afloraram durante todo o período de elaboração da LDB. Os grupos de pressão, represen-
tantes da das escolas particulares e das confessionais, estiveram presentes no Congresso Nacional durante
13 anos, interessados em obter uma fatia das verbas da educação. As pressões situaram-se em campos
opostos: os liberais – grupos ou partidos de centro e de direita – e os intervencionistas – grupos ou partidos
de esquerda. Os liberais defendiam a redução da ação do Estado no setor educacional, ou seja, criticavam
o estabelecimento de políticas públicas voltadas para a educação. Para eles, o Estado deveria atuar apenas
onde o mercado não fosse eficiente para fazê-lo. Os liberais atuavam na defesa das escolas privadas e che-
garam mesmo a discursar em favor de uma política de subsídios do Estado para essas escolas; um artifício
criado visando impedir a ação estatal no cumprimento de seus deveres sobre a educação. De outro lado,
estavam os intervencionistas – principalmente os grupos organizados de esquerda – que defendiam a ne-
cessidade de o Estado garantir educação gratuita a todos, em todos os níveis escolares.
Os liberais conseguiram incluir a maioria de suas propostas na LDB/1961, o que representou o
crescimento significativo do setor privado principalmente nos ensinos de segundo grau e superior. Os in-
tervencionistas conseguiram aprovar algumas medidas importantes, como a ampliação do financiamento
da educação, mas as propostas de garantir a ampliação do direito ao ensino gratuito e obrigatório aliadas
ao dever do Estado de assumir a responsabilidade da educação não foram contempladas, já que os liberais
exerceram pressões em nome dos interesses do setor educacional privado.
A partir da década de 1960 houve um processo de ampliação das vagas nas escolas públicas, porém
um terço das crianças de sete anos não conseguia se matricular por falta de escolas e de vagas. Além da
falta de vagas, tinha também o grave problema da exclusão dos que tiveram acesso às unidades escolares.
Os dados da tabela 1 revelam dados do grau de exclusão dos que conseguiam matrículas. Apenas 50% das
crianças que entraram na 1ª série, em 1961, conseguiam se matricular na 2ª série do primário (2ª série do
atual ensino fundamental). E apenas 15% delas conseguiram matrícula na 1ª série do ginásio (5ª série do
atual ensino fundamental). É importante assinalar que os exames de admissão para o ingresso na 1ª série
do ginásio acabava barrando as possibilidades de continuidade do ensino.

Tabela 1- RENDIMENTO DO SISTEMA EDUCACIONAL – 1961 a 1972


Nível de ensino Ano Série Número de alunos
Ensino primário 1961 1ª série 1.000
1962 2ª série 446
(atual Ensino 1963 3ª série 328
fundamental 1ª a 4ª)
1964 4ª série 239
Ginásio 1965 1ª série 152
1966 2ª série 124
(atual Ensino 1967 3ª série 106
fundamental 5ª a 8ª)
1968 4ª série 91
Colégio/Ensino de 2º 1969 1ª série 96
grau 1970 2ª série 74
1971 3ª série 64
(atual Ensino médio)
Ensino Superior 1972 1ª série 56

FONTE: MEC, ESTATÍSTICAS DA EDUCAÇÃO NACIONAL, 1960-1972.

Nesse período de redemocratização (1945-1964), o Estado tomou para si o controle sobre as políticas
educacionais com o intuito de atender às necessidades do setor produtivo em expansão. E isso ocorre prin-
cipalmente a partir da instalação de inúmeras empresas multinacionais no país, incentivadas especialmen-
te pelo governo de Juscelino Kubitschek. Essas políticas educacionais no Brasil, forjadas no interior das

32 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


forças sociais e políticas, refletiram os diferentes interesses sociais, embora os da classe dominante tenham
preponderado, haja vista a maioria de sua representação no âmbito do poder constituinte. (OLIVEIRA,
2007, p. 131)
O golpe de Estado de 1964, que depôs o presidente constitucional João Goulart, levou à instauração
do período da ditadura militar, cujos governantes passaram a legislar por meio de atos institucionais.
Esses governos ditatoriais colocaram fim ao Estado de direito, reinstituído no Brasil em 1945. A principal
medida imposta pelos governantes militares no poder foi a instituição de um aparelho de Estado repressi-
vo, como forma de garantir sua própria manutenção no poder. Para isso, fecharam o Congresso Nacional,
extinguiram os partidos políticos, estabeleceram a censura, acabaram com as eleições diretas e aboliram
as liberdades democráticas previstas na Constituição do país. Esses governantes introduziram mudanças
estruturais e superestruturais que conduziram à passagem de um modelo de substituição de importações
para um modelo de internacionalização da economia Brasileira, a qual se caracterizou, a um só tempo,
pela crescente entrada de capital externo, pela proteção aos interesses das multinacionais e pela crescente
estatização de setores estratégicos da economia.
As políticas públicas desses governos militares para a educação foram muito controvertidas, não
existindo uma política educacional coerente entre os diferentes níveis de ensino. Dois princípios deram
sustentação às políticas de educação desses governos: a ênfase na privatização do ensino de nível médio e
superior e a instituição de uma ideologia autoritária de segurança nacional, com limitações à liberdade de
ensino. A Constituição de 1967, outorgada pelos militares, manteve alguns princípios educacionais da
Constituição anterior, porém ampliou consideravelmente o espaço para o setor privado escolar ao estabe-
lecer, no artigo 168, que: “o ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e finan-
ceiro dos poder poderes públicos, inclusive bolsas de estudo” e “sempre que possível, o poder público
substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo”.

Alguns dispositivos sobre educação na Constituição de 1967


Art. 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;
§ 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos.
§ 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à Iniciativa particular, a qual merecerá o
amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo.
§ 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:
I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional;
II - o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos
primários oficiais;
III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando
efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Po-
der Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo (...);
Art. 169 - Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino, e, a União, os
dos Territórios, assim como o sistema federal, o qual terá caráter supletivo e se estenderá a todo
o País, nos estritos limites das deficiências locais.
Art. 170 - As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter, pela forma que
a lei estabelecer, o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes.

A Constituição de 1967 reduz os deveres da União na garantia da educação escolar, numa política
deliberada de favorecimento das escolas privadas, que ganharam mais uma fatia de dinheiro público por
meio de subsídios, de isenção de impostos e da concessão de bolsas de estudos. Nesse sentido, os governos
militares alimentaram os cofres das escolas particulares com dinheiro público, como desejavam os liberais.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 33


Portanto, dispositivos constitucionais ampliam o domínio do setor privado na área educacional, revelando
a decisão dos governos militares de reduzir a participação do Estado nas políticas públicas educacionais.
Para Comparato (1987, p. 110-111), os mecanismos de reforço da privatização foram o aumento das percen-
tagens dos fundos públicos federais destinados às escolas particulares, a criação de uma percentagem de 5%
do Fundo Nacional do Ensino Superior para as escolas privadas e a criação do salário educação, medida que
obrigava as empresas a pagarem a título de contribuição social, uma determinada percentagem sobre a folha
de pagamento. Esses recursos iriam para os fundos, que os distribuiriam por meio de bolsas de estudo ao setor
privado. Comparato afirma que, em termos da criação de bolsas de estudo, construiu-se uma das maiores fal-
catruas nacionais. Inúmeras escolas fantasmas foram montadas, outras muitas multiplicaram os seus efetivos
numa frenética produção de “almas mortas” para se beneficiarem das bolsas de estudo.
A Emenda Constitucional de 1969 incorporou quase todos os dispositivos referentes à educação
da Constituição de 1967 e, em alguns aspectos, reforçou o autoritarismo dos governos militares quando
estabelece, por exemplo, limites à liberdade de comunicação de conhecimentos. Essa Emenda reintroduziu
a vinculação financeira para a educação, porém atrelou-a apenas à arrecadação dos municípios. O Art. 15,
no parágrafo 3º, prevê a intervenção nos municípios se eles não tiverem aplicado, no ensino primário, em
cada ano, de vinte por cento, pelo menos, da receita tributária municipal.
Apesar das controvérsias das políticas educacionais dos governos militares, é fato que houve a ex-
pansão da rede escolar que passou a atender grande parte da população pobre, que antes estava pratica-
mente excluída dos bancos escolares. Porém, milhões continuaram fora da educação por falta de escolas e
por causa de um sistema que se servia de práticas educativas classificatórias, seletivas e excludentes. Pelos
dados da tabela 2 pode-se também observar o grau de exclusão do sistema escolar, no qual apenas 55%
dos alunos prosseguiam na 2ª série e somente 18% conseguiam completar o ensino de primeiro grau (atual
ensino fundamental).

Tabela 2 - RENDIMENTO DO SISTEMA EDUCACIONAL – 1978 a 1989


Nível de ensino Ano Série Número de alunos
1978 1ª série 1000
1979 2ª série 553
Ensino de primeiro 1980 3ª série 462
grau
1981 4ª série 372
1982 5ª série 385
(atual Ensino
fundamental) 1983 6ª série 290
1984 7ª série 232
1985 8ª série 183
Ensino de segundo grau 1986 1ª série 214
1987 2ª série 150
(atual Ensino médio) 1988 3ª série 118
Ensino Superior 1989 1ª série 59
FONTE: MEC, ESTATÍSTICAS DA EDUCAÇÃO NACIONAL, 1978-1989.

A expansão da rede provocou, também, graves distorções na estrutura do sistema escolar, pois a
quantidade de professores habilitados não correspondia às necessidades da rede expandida. Era preciso
aligeirar a formação dos profissionais de educação aumentando o número de universidades e, consequen-
temente, o número de vagas oferecidas. E novamente foi o setor privado que ganhou com a ampliação do
número de faculdades particulares e de bolsas de estudo do governo.
Todos esses fatores levaram à degradação da qualidade da escola pública oferecida pelo poder pú-
blico, pois a ampliação não foi acompanhada de investimentos necessários tanto em infraestrutura com em
potencial humano para atender ao aumento da demanda escolar. Muitos professores falam ainda hoje, com
certo saudosismo, da escola pública do passado, afirmando que ela era de qualidade e que o acesso das

34 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


massas populares levou à precarização do ensino. Não foi o acesso das massas que levou à precarização
das condições da escola pública, mas a forma deliberada de não priorizar a qualidade da educação pública,
por meio de uma política caracterizada pela falta de planejamento e pela redução dos recursos financeiros
para a (re)qualificação dos docentes e pela ausência de projetos de manutenção da estrutura operacional
das escolas. Como consequência dessa política, o que se constata é que à medida que a escola pública se O “centrão” era um grupo
majoritário na Constituinte
deteriorava, a escola particular crescia em progressão geométrica, tanto no número de novas escolas e de
de 1987/8, formado por uma
alunos como no montante dos lucros obtidos. Nesse contexto, o Estado teve uma política pública educacio- parcela dos parlamentares
nal que atendeu, em parte, às pressões pela democratização do acesso, porém a falta de investimentos na do PMDB, pelo PFL, PDS e
PTB, além de outros parti-
formação de professores e nas escolas gerou transtornos que se traduziram na péssima qualidade da edu- dos menores. Era um grupo
cação pública oferecida. Em contrapartida, acabou valorizando a escola particular, já que a classe média, apoiado pelo poder Execu-
tivo e representava tendên-
em razão da deterioração da qualidade da escola pública, acabou matriculando seus filhos nas instituições cias mais conservadoras da
de educação privada. sociedade. Ele conseguiu
influir no resultado de vo-
Com o fim da ditadura militar – caracterizada pela prepotência do poder executivo sobre os demais tações, em muitas situações,
por meio de barganhas po-
poderes, pela repressão violenta aos movimentos políticos e sociais e pela instauração da censura aos líticas.
meios de comunicação – a sociedade civil pôde enfim se organizar e reivindicar o retorno ao Estado de
direito. A convocação de uma Assembleia Constituinte mobilizou os grupos políticos que se colocaram em
posições estratégicas para defenderem seus direitos no processo de elaboração da nova Carta Constitucio-
nal. Tratava-se dos grupos: de direita, de esquerda e do “centrão”.
A questão da educação ganhou espaço privilegiado nessa Assembleia, transformando-se novamente
numa arena na qual se encontravam os defensores dos interesses das escolas particulares, de um lado, e os
defensores da escola pública de qualidade, de outro lado. As organizações sociais progressistas defendiam a
ampliação das políticas públicas na área da educação como forma de obtenção de conquistas do direito à cida-
dania. Os liberais atuavam no sentido de manter o Estado o mais distante possível das áreas nas quais o setor
privado almejava obter vantagens econômicas. No interior dessa luta política, é possível avaliar que, apesar de
os progressistas conquistarem alguns avanços para a educação, o fato é que a direita, aliada ao “centrão”, impe-
A Educação Básica é um
diu a votação de medidas que representariam conquistas históricas para a maioria da população. nível da educação escolar
Brasileira que compreende
É importante ler e analisar os dispositivos constitucionais sobre a educação básica que estão na Consti- a educação infantil, o ensi-
tuição de 1988. O texto, a seguir, transcrito da Constituição, já consta as modificações feitas na educação básica no fundamental e o ensino
médio. A educação infantil
pelas emendas constitucionais de 2008. A leitura do texto constitucional é um exercício intelectual que todos os é oferecida em creches para
educadores e educandos devem fazer constantemente. Ter o domínio sobre os aspectos legais sobre a educação crianças de até 4 anos e em
pré-escolas para crianças
escolar, e de suas modificações ao longo do tempo, faz parte das competências do professor. de 4 e 5 anos. O ensino fun-
damental é obrigatório para
as crianças a partir de 6 anos
de idade e tem duração de 9
(nove) anos. O ensino médio é
a etapa final da educação bá-
sica, com duração mínima de
3 anos, e prepara o jovem para
a entrada na faculdade ou nos
cursos técnicos (ou realizá-lo
concomitante com este).

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 35


Alguns dispositivos sobre educação na Constituição de 1988
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carrei-
ra, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos
os que a ele não tiveram acesso na idade própria.1
VII. atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente.
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas às seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo poder público.
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
I - comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confes-
sional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades.
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articu-
lação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder
Público que conduzam à:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

Os constituintes de 1988 reconheceram a importância que a educação deve representar para toda
a sociedade e, em particular, para o Estado. Nesse sentido, pode-se afirmar que houve um avanço em
termos jurídicos quando a Constituição estabelece mecanismos para que os cidadãos cobrem do Estado o
que está determinado no texto constitucional, como é possível constatar no parágrafo 2º do inciso VII do
Artigo 208, citado anteriormente. Ao assegurar juridicamente a possibilidade de a sociedade civil acionar
o poder público por não ofertar matrícula no ensino obrigatório, essa Constituição aponta perspectivas de
democratização do acesso à educação.
Aqui cabe lamentar a falta de visão democrática da maioria dos constituintes quando rejeitaram a
inclusão da obrigatoriedade do ensino em todas as etapas da educação básica, limitando-a ao ensino fun-

1
Redação conforme Emenda Constitucional nº 14 de 1996

36 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


damental. Essa rejeição representou uma conquista dos setores conservadores e das escolas privadas que
continuaram lucrando com o distanciamento dos poderes públicos em relação ao ensino médio e superior.
A atual Constituição prevê também as formas de financiamento da instrução escolar. O volume de
recursos é superior ao dos períodos anteriores. No seu artigo 212, os constituintes estabeleceram: “A União
aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cin-
co por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências,
na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
A nova LDB só foi aprovada em 1996, ou seja, demorou oito anos para ser aprovada e os motivos
continuaram os mesmos da primeira LDB: a disputa entre os liberais e os intervencionistas pela aprovação
de suas propostas para a educação. Como a anterior, a LDB/1996 não representou o sonho dos educado-
res comprometidos com a qualidade da educação pública, pois os setores liberais fizeram pressões para
aprovação de dispositivos que beneficiaram as escolas privadas e, consequentemente, rejeitaram muitas
propostas que atendessem aos anseios da maioria da população pobre, que clamava por uma educação em
todos os níveis de ensino, de qualidade e acessível a todos. Porém, essa legislação trouxe avanços em rela-
ção às anteriores, abrindo um leque de possibilidades democratizantes, ao apontar para o direito universal
à educação para todos: crianças, jovens e adultos.

3. Educação profissional no Brasil


Ao longo da história, a educação profissional no Brasil caracterizou-se pela ausência de políticas pú-
blicas permanentes, tendo seus objetivos quase sempre atrelados às conjunturas políticas e às necessidades
do setor produtivo, ou seja, esteve praticamente direcionada aos interesses do capital.
Durante a colônia e o Império, a maioria dos trabalhadores estava submetida à condição de es-
cravos nas atividades agropecuárias e mineradoras. A oferta e a demanda por mão-de-obra dependiam
basicamente do tráfico de escravos. A formação dos trabalhadores dos latifúndios monocultores ocorria,
por meio da coerção, na própria execução do trabalho, isto é, a transmissão dos conhecimentos era feita
por meio da observação, demonstração e repetição para os escravos recém-chegados, sem a preocupação
com métodos ou técnicas de ensino. No entanto, havia certas ocupações que precisavam minimamente de
uma formação destinada à execução de um ofício. Nesse caso, os primeiros aprendizes de ofício foram,
em geral, os próprios escravos (índios ou africanos). O ensino dos ofícios era destinado aos indivíduos
das mais baixas categorias sociais. Muitos trabalhos profissionais eram executados por trabalhadores que
aprendiam o ofício de forma compulsória, a maioria constituída de pessoas que vagavam pelas ruas ou
presos que eram forçados a aprenderem determinados ofícios.
No século VIII, a atividade mineradora, na região das Minas Gerais, utilizou escravos que eram
submetidos às duras condições de extração dos metais preciosos, ofício que aprendiam no próprio local
de trabalho. Mas essa atividade também demandava a formação de trabalhadores especializados para as
Casas de Fundição e da Moeda, o que exigiu a implantação do ensino de ofícios para aprendizes. Para ga-
rantir a segurança dos valores, os escravos e índios foram impedidos de aprender esses ofícios, que eram
reservados aos homens livres, normalmente filhos dos próprios funcionários das Casas de Fundição.
Com a instalação de Arsenais da Marinha em 1761, destinados à construção de navios, houve a
necessidade de formar profissionais especializados nessa atividade. Inicialmente eles vinham de Portugal,
mas com o tempo, a própria instituição passou a formar seus aprendizes de ofício para se tornarem mes-
tres, contramestres e oficiais para outras ocupações. Em 1785, a educação profissional sofreu sensível abalo
porque Portugal proibiu a existência de fábricas no Brasil, pois temiam que o desenvolvimento da colônia
Esses aprendizes vinham
pudesse gerar movimentos de independência política. normalmente de Portugal
atraídos pelas novas ativi-
Em 1809, após a chegada da família real portuguesa ao Brasil, D. João VI criou o Colégio das Fábri- dades econômicas advindas
cas que foi a primeira escola pública instalada no Brasil, com o objetivo de fornecer educação aos apren- com a abertura dos portos e
da implantação das primei-
dizes que normalmente eram das classes menos favorecidas. A independência do país e a Constituição de ras indústrias.
1824 não alteraram essa forma de ensino.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 37


Durante o Império, predominou a prática assistencialista da educação profissional, com o surgimen-
to de locais de ensino de ofícios destinados às crianças órfãs e abandonadas. Esse ensino era normalmente
realizado por sociedades civis que angariavam recursos por meio de cotas pagas pelos sócios, de doações
ou de dotações governamentais. É nesse contexto que surgiram os liceus de artes e ofícios em algumas
cidades do país, cuja finalidade era atender aos jovens carentes e preparar trabalhadores para o desenvolvi-
mento de ofícios do setor manufatureiro em expansão. Cunha (2000) mostra aspectos relevantes da história
do ensino profissional nesse período.

No período do Império, tanto as iniciativas do Estado voltadas para o ensino


de ofícios, quanto as das sociedades civis, eram legitimadas por ideologias que
pretendiam: a) imprimir a motivação para o trabalho; b) evitar o desenvolvimen-
to de ideias contrárias à ordem política, de modo a não se repetirem no Brasil
as agitações que ocorriam na Europa; c) propiciar a instalação de fábricas que
se beneficiariam da existência de uma oferta de trabalho qualificada, motivada e
ordeira; e d) favorecer os próprios trabalhadores, que passariam a receber salários
mais elevados, na medida dos ganhos de qualificação (p. 92).

No período da Primeira República (1889-1930), a educação profissional manteve quase as mesmas


características do período anterior. No entanto, apesar de a Constituição de 1891 não fazer menção à edu-
cação profissional, algumas leis e ações foram direcionadas para esse tipo de educação. Em 1906, o governo
do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, criou quatro escolas que ofereciam o ensino técnico. Nesse ano,
foi realizado também o “Congresso de Instrução” que apresentou ao Congresso Nacional um projeto para
a criação do ensino prático industrial, agrícola e comercial, que deveria ser mantido pela União e pelos
estados. Foi importante também a decisão da Comissão de Finanças do Senado que aumentou o orçamento
para os estados instituírem escolas técnicas e profissionais.
Em 1909, o presidente da República Nilo Peçanha assinou o Decreto 7.566/1909 criando, nas capitais
de diferentes estados da federação, uma rede de 19 escolas de aprendizes e artífices para o ensino profis-
sional gratuito para adolescente entre 10 e 13 anos (origem das escolas técnicas federais). Segundo Cunha
(2000:94), essas escolas formavam, desde sua criação, todo um sistema escolar, pois estavam submetidas
a uma legislação específica que as distinguia das demais instituições de ensino profissional mantidas por
particulares (fossem congregações religiosas ou sociedades laicas) e por governos estaduais. Elas se dife-
renciavam até mesmo de instituições mantidas pelo próprio governo federal, pois tinham prédios, currí-
culos e metodologia e didática próprios: alunos, condições de ingresso e destinação esperada dos egressos
que as distinguiam das demais instituições de ensino elementar. No texto desse Decreto, que representou
um marco inicial das atividades do governo federal na implantação de ensino profissional, o presidente
justifica a criação dessas escolas, considerando
• que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os
meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência;
• que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o
indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que
os afastará da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime;
• que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação.
Percebe-se claramente nesse decreto que o governo estava mais preocupado com os problemas decor-
rentes da urbanização do país e da marginalização social do que propriamente com a formação integral de
indivíduos para a sociedade e para o mercado de trabalho. É possível perceber nesse discurso, impregnado de
preconceitos, que a educação profissional foi idealizada para oferecer aos pobres uma profissão, com o objetivo
de torná-los “úteis” à sociedade, evitando a proliferação de “marginais”. Nota-se no texto do decreto a associa-
ção que o governo fez entre a “desqualificação” profissional dos pobres e a criminalidade.
A Primeira Guerra Mundial trouxe mudanças para a economia Brasileira, com retração sobre a ex-
portação do café e com as dificuldades de manter as importações no mesmo patamar dos anos anteriores.
Isso levou a um novo impulso industrial, motivo pelo qual gerou preocupações entre os industriais, em ra-

38 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


zão da baixa qualificação dos trabalhadores Brasileiros. Esse foi um dos motivos que levaram o Congresso
Nacional a autorizar, pela Lei nº 3454/1918, o governo a rever a questão do ensino profissional no país, o
que levou à aprovação do Decreto nº 13.064, criando um novo regulamento para as Escolas de Aprendizes
e Artífices. A década de 1920 representou um momento de grandes discussões em relação à necessidade de
ampliar a oferta do ensino profissional no país como forma de alavancar o progresso industrial. Em vários
estados, foram aprovadas medidas visando ampliar o número de escolas e de vagas no ensino profissional.
Em 1927, o Congresso Nacional aprovou também um projeto que previa a oferta obrigatória do ensino
profissional no Brasil.
Apesar dessas iniciativas do poder público de criar escolas profissionais, foi o governo de Getúlio
Vargas que introduziu a educação profissional como projeto político, incluindo-a como parte das políticas
públicas de Estado. Isso pode ser constatado na Constituição de 1937, quando Vargas estabeleceu que o
ensino vocacional e profissional, para as classes menos favorecidas, fosse o primeiro dever do Estado. Ao
fazer isso, esse governo buscava evidentemente criar as condições para o desenvolvimento industrial,
atender parte das reivindicações dos industriais e tentar apaziguar e cooptar as massas trabalhadoras.
Era preciso dar suporte ao projeto nacional desenvolvimentista, cujos fundamentos giravam em torno da
convicção de que caberia ao Estado alavancar a industrialização do país.
A Constituição de 1937 deixava explícita a necessidade de formação profissional para as classes me-
nos favorecidas. Essa política educacional institucionalizou a separação entre trabalho intelectual e manu-
al, como analisado anteriormente, e criou uma dualidade no sistema educacional: um ensino propedêutico,
destinado às classes dominantes e um ensino profissionalizante para as classes “menos favorecidas”. Essa
política traduzia o caráter reprodutivista da força de trabalho que se pretendia criar, visando realimentar
o modelo populista de desenvolvimento econômico. Além disso, o Estado Brasileiro comprometia-se, pela
primeira vez, a investir e subsidiar as instituições de ensino profissional, conclamando também a iniciativa
privada a participar dessa modalidade. Isso pode ser constatado na Constituição de 1937, quando estabe-
lece que “é dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas
de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados”.
Com base nesses dispositivos constitucionais, o governo de Getúlio Vargas elaborou a Reforma Ca-
panema visando à reformulação do ensino secundário e do ensino industrial. Com essa Reforma, o ensino
profissional passou a ser considerado de nível médio. Foram introduzidos os exames de seleção para o
ingresso nas escolas industriais e dividiu-se o curso industrial em dois níveis: o primeiro era constituído
pelo curso básico industrial e o segundo pelo curso técnico industrial, ambos com diversas especialidades.
Como resultado dessa reforma, foram publicados vários decretos e leis orgânicas relacionadas à estrutura
do ensino: primário, normal, industrial, comercial e agrícola. Em 1942, o governo transforma as escolas
de aprendizes e artífices em escolas industriais e técnicas (transformadas em escolas técnicas federais em
1959), e passa a oferecer a formação profissional em nível equivalente ao do secundário. É nesse contexto
que tem início a vinculação do ensino profissional à estrutura do ensino em geral, o que permitia aos for-
mados nos cursos técnicos a possibilidade de acesso ao ensino superior. É nesse contexto que surgem o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, e o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC), em 1946, ambos criados por meio de decretos e colocados sob o controle do empresa-
riado, o que confirmou a tendência do governo de atribuir grande parte da responsabilidade da educação
profissional à iniciativa privada.
Nas décadas de 1940 e 1950, o Estado assumiu a educação profissional como uma estratégia de
desenvolvimento industrial, mas ele transferiu grande parte dessa tarefa para a iniciativa privada. Esses
decretos reforçaram o caráter dualista da educação proposta pelo poder público, destinando de forma clara
a educação profissional para as camadas menos favorecidas da sociedade. Essas reformas dificultavam o
acesso daqueles que faziam cursos profissionalizantes ao ensino superior.
A LDB de 1961 retirou, em parte, essa dicotomia entre educação propedêutica e educação profissio-
nal, ao estabelecer a equivalência dessas duas modalidades de ensino, pelo menos do que se referia à con-
tinuidade de estudos dos egressos no ensino superior. Mas, a LDB teve uma vida curta, pois, antes mesmo
que muitos dos seus dispositivos foram regulamentados, o golpe militar de 1964 levou ao poder grupos
que discordavam das inovações presentes nessa lei da educação.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 39


Os governos militares descaracterizaram a LDB/1961 quando introduziram várias reformulações
– sintetizadas posteriormente na Lei Federal 5.692/1971 – cujos princípios estavam relacionados a uma
concepção de educação tecnicista que visava atender aos interesses imediatistas dos grupos econômicos
nacional e internacional, que pressionavam pela formação de mão-de-obra barata. Foi uma legislação que
se preocupou com o “saber fazer” e com a formação de um técnico desprovido de consciência política, para
atender as exigências do mercado de trabalho. Essa lei tornou compulsória a formação profissionalizante
para os estudantes do antigo 2º grau (atual ensino médio), e tudo isso devido à necessidade “emergencial”
de formação de técnicos de nível médio.
A Lei 5.692/1971 provocou reação de educadores e de estudantes que discordavam da forma como
a lei foi aprovada, do caráter tecnicista da educação proposta e da queda na qualidade do ensino. Até os
proprietários de escolas particulares mostravam insatisfação com essa legislação, pois a contratação de
professores da área técnica e a criação de laboratórios para os cursos profissionalizantes provocavam o
aumento de custo dos cursos. A contestação da lei levará à aprovação da Lei 7.044/82, que eliminou a obri-
gatoriedade da formação profissional no 2º grau. Com isso, o ensino profissional passou a ser uma opção
do estudante e ministrada em instituições específicas dessa modalidade de ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996 – LDB trouxe algumas alterações
importantes para a educação profissional. Pela primeira vez, os legisladores dedicaram um capítulo espe-
cial a essa modalidade de ensino, o que revelava a preocupação com a questão da formação educacional e
de sua relação com o mundo do trabalho.
De fato, a LDB trouxe avanços no tocante à educação profissional sobretudo quanto aponta para
a integração dessa modalidade às diferentes formas de educação, abrindo possibilidades múltiplas para
que os estudantes possam construir suas trajetórias de formação integral e profissional. Entretanto, muitos
educadores mostraram seu descontentamento com o texto da lei, pois almejavam implantar uma escola
única de cultura geral, formativa, que equilibrasse o desenvolvimento tanto da capacidade intelectual
como da manual. Essa escola única forneceria orientações profissionais e prepararia os indivíduos fosse
para o ingresso em escolas especializadas ou para o trabalho produtivo. No entanto, o bloco conservador
do Congresso Nacional impediu a aprovação de diretrizes e de políticas educacionais que contemplassem
o ideário da escola unitária.
Entretanto, os dispositivos da educação profissional apontam para a superação de uma visão tecni-
cista que caracterizou as políticas de educação voltadas para o mundo do trabalho. Um dos avanços está
na integração da educação profissional e tecnológica aos diferentes níveis e modalidades de educação e às
dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Foi um avanço também a sinalização do reconhecimento
do conhecimento adquirido no trabalho, podendo o mesmo ser objeto de avaliação e de certificação para
prosseguimento ou conclusão de estudos. Apresenta-se a seguir o capítulo da LDB/1996 que trata da “edu-
cação profissional e tecnológica” e os artigos, que foram incluídos nessa LDB em 2008, sobre a “educação
profissional técnica de nível médio”. Ao analisar os dispositivos da lei específica sobre educação profis-
sional, o professor poderá refletir sobre as diretrizes que devem nortear sua prática pedagógica em cursos
de educação integral vinculados à educação para o mundo do trabalho; exercício fundamental para quem
pretende trabalhar com a modalidade de ensino PROEJA.

Educação Profissional e Tecnológica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional - 1996
Título V – Capítulo III Da Educação Profissional e Tecnológica
Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional,
integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência
e da tecnologia.
§ 1o Os cursos de educação profissional e tecnológica poderão ser organizados por eixos tecnoló-
gicos, possibilitando a construção de diferentes itinerários formativos, observadas as normas do
respectivo sistema e nível de ensino.
§ 2o A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos:

40 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional;
II – de educação profissional técnica de nível médio;
III – de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação.
§ 3o Os cursos de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação organizar-se-
-ão, no que concerne a objetivos, características e duração, de acordo com as diretrizes curriculares
nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação.
Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes
estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.
Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá
ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.
Art. 42. As instituições de educação profissional e tecnológica, além dos seus cursos regulares, ofe-
recerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aprovei-
tamento e não necessariamente ao nível de escolaridade.

Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, na Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional de 1996 (incluída na LDB em 2008)
Art. 36-A. Sem prejuízo do disposto na Seção IV deste Capítulo (Do Ensino Médio), o ensino médio,
atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.
Parágrafo único. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional
poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com
instituições especializadas em educação profissional.
Art. 36-B. A educação profissional técnica de nível médio será desenvolvida nas seguintes formas:
I - articulada com o ensino médio;
II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio.
Parágrafo único. A educação profissional técnica de nível médio deverá observar:
I - os objetivos e definições contidos nas diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo Conse-
lho Nacional de Educação;
II - as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino;
III - as exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto pedagógico.
Art. 36-C. A educação profissional técnica de nível médio articulada, prevista no inciso I do caput
do art. 36-B desta Lei, será desenvolvida de forma:
I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso
planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma
instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno;
II - concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino médio ou já o esteja cursando, efetuando-se
matrículas distintas para cada curso, e podendo ocorrer:
a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis;
b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis;
c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao
planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado.
Art. 36-D. Os diplomas de cursos de educação profissional técnica de nível médio, quando regis-
trados, terão validade nacional e habilitarão ao prosseguimento de estudos na educação superior.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 41


Parágrafo único. Os cursos de educação profissional técnica de nível médio, nas formas articula-
da concomitante e subsequente, quando estruturados e organizados em etapas com terminalidade,
possibilitarão a obtenção de certificados de qualificação para o trabalho após a conclusão, com apro-
veitamento, de cada etapa que caracterize uma qualificação para o trabalho.

A regulamentação da educação profissional, prevista na LDB, foi realizada pelos governos de Fer-
nando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva. As divergências de entendimento em torno dos
dispositivos dessa modalidade de ensino levaram à aprovação de dois decretos. O Decreto 2.208/1997,
elaborado pelo governo de Cardoso, estabelecia a separação entre a educação propedêutica e a educação
profissional. O artigo 5º foi o que mais suscitou polêmicas entre educadores e estudantes, já que previa:
“A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino
médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este”. Essa desvinculação restringiu
o próprio espírito da LDB que reforça a ideia de integração da educação profissional com os diferentes
níveis e modalidades de educação.
O Decreto 5.154/2004 do governo Lula revogou o Decreto anterior e restabeleceu o ensino integra-
do de nível técnico, mantendo também a possibilidade de o estudante cursar o ensino técnico e o ensino
médio de forma independente, ou seja, o novo decreto flexibilizou a estrutura curricular. Além disso, esse
novo decreto, segundo Botton (2007, p. 165), introduziu o conceito de “itinerários formativos”, definidos
como um “conjunto de etapas que compõem a organização profissional em determinada área”, delimitan-
do caminhos para a garantia do aproveitamento contínuo e articulado dos estudos.

4. Educação de jovens e adultos


As primeiras formas de educação de jovens e adultos no Brasil foram realizadas no período colonial
pelos jesuítas e incidia principalmente sobre os indivíduos da terra e sobre os que eram trazidos da Áfri-
ca. Essa ação educativa tinha como principal objetivo a catequese, que visava combater os cultos desses
povos e convertê-los ao catolicismo. Porém, essa ação não se limitou a torná-los submissos aos desígnios
da ordem católica, porque os povos nativos foram forçados a aprender ofícios que os jesuítas julgavam
necessários à construção das Igrejas e à construção do espaço para adequá-lo ao modo de vida europeu.
Toda ação educativa era realizada na direção da assimilação dos valores da sociedade dominante europeia
e da submissão e obediência aos colonizadores.
Durante o Império, surgiram algumas iniciativas de criação de cursos para adultos, mas o Estado
imperial, apesar de aprovar leis e decretos regulamentando a educação de adultos, não tomou medidas
para concretizá-las, deixando esses cursos a cargo de associações privadas. A Lei nº 1/1837 previa a educa-
ção de adultos no período noturno, mas vetava o acesso de escravos nas escolas públicas.
O Decreto nº 1331, de 1854, estabeleceu instrução pública, mas dispôs que não seriam admitidos
escravos nas escolas do país e que a instrução pública para adultos estava condicionada à disponibilidade
de professores. Já o Decreto nº 7031, de 1878, criou cursos noturnos para pessoas livres e libertos no muni-
cípio da Corte e estabeleceu normas para a criação desses cursos em outras províncias. O Decreto nº 7.247,
de 1879 previa a criação de cursos para analfabetos, livres ou libertos, do sexo masculino. Na prática, essa
legislação serviu apenas para guiar as ações educativas de associações privadas e confessionais que ofere-
ciam, de forma esporádica e dependo do voluntariado, cursos de alfabetização para adultos.
Foi a partir da Primeira República (1889-1930) que ocorreu uma mobilização mais intensa em prol
da necessidade do desenvolvimento de ações voltadas para a educação. A Constituição de 1891 não tocou na
questão da educação de adultos mas, ao excluir os analfabetos do direito de voto, acabou, contraditoriamente,
incitando o surgimento de manifestações em defesa da ampliação da cidadania e da alfabetização. Muitas orga-
nizações de trabalhadores, sobretudo as de tendência anarquista, procuravam oferecer educação aos operários e
aos seus filhos, como forma de ofertar uma educação condizente com os seus ideais políticos, pois discordavam
do ensino propiciado pelo poder público, pelas organizações privadas e pela Igreja. Para eles, a educação dessas
instituições fortalecia o capitalismo e o caráter burguês da dominação e exploração da classe operária.

42 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Os liberais exigiam que o Estado assumisse o ensino das “classes laboriosas”, pois almejavam a for-
mação do trabalhador para atender aos interesses das indústrias emergentes. Estes temiam ainda a atuação
educativa realizada pelas organizações sindicais, que atuavam na formação educacional dos operários e de
seus filhos, com o intuito de promover uma educação emancipatória da classe trabalhadora.
Na década de 1920, a luta contra o analfabetismo estava inserida no contexto das lutas das camadas
médias descontentes com a estrutura política e oligárquica vigente no país. A educação tornou-se, tanto
para liberais como para socialistas e anarquistas, uma possibilidade de transformação social com vistas à
solução de vários problemas Brasileiros. Havia também, por parte dos setores mais conservadores, o ob-
jetivo de integrar os imigrantes e de impedir que eles continuassem a difundir, em sua língua de origem,
seus ideais vistos normalmente como revolucionários.
Após a Revolução de 1930, o governo de Getúlio Vargas procurou atender parte das reivindicações
dos diferentes setores sociais que participaram diretamente (ou aderiram de última hora) dessa revolução.
As novas forças sociais clamavam por mudanças, dentre as quais, a ampliação do direito à educação, que
era uma das bandeiras de setores da classe média urbana e de organizações operárias e patronais, cada
qual com interesses específicos em relação ao tipo e à abrangência do ensino a ser ministrado. É nesse
contexto que se fortaleceram as lutas pela educação de jovens e adultos. Os constituintes incluíram parte
dessas reivindicações na Constituição de 1934 ao estabelecerem “o ensino primário integral gratuito e de
frequência obrigatória, extensivo aos adultos”. Essa preocupação dos constituintes com a educação de
adultos tinha, portanto, estreitas relações com os movimentos pela alfabetização do período anterior e pelo
interesse desses políticos pela ampliação do número de eleitores, uma vez que a nova constituição vetava
o direito de voto para os que não sabiam ler e escrever e para os mendigos.
O texto constitucional faz menção à educação de jovens e adultos, mas isso não teve grandes des-
dobramentos pois essa educação não se constituiu numa política de Estado na direção da socialização do
conhecimento. Aliás, é sempre bom lembrar que, no Brasil, nunca existiu uma política pública educacional
permanente para jovens e adultos. Como afirma Moura (2006), a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no
Brasil, como modalidade nos níveis fundamental e médio, é marcada pela descontinuidade e por tênues
políticas públicas, insuficientes para dar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito à edu-
cação, nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Essas políticas são, muitas vezes, resul-
tantes de iniciativas individuais ou de grupos isolados, especialmente no âmbito da alfabetização, que se
somam às oferecidas pelo Estado.
Na ausência de uma política permanente de Estado voltada para eliminar o analfabetismo da socie-
dade Brasileira, alguns governos e diferentes setores da sociedade civil realizaram campanhas em defesa
da educação de jovens e adultos, como: a Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes, iniciada em
1947; a Campanha Nacional de Educação Rural, em 1952; a Campanha Nacional de Erradicação do Anal-
fabetismo, em 1958; a Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo, em 1962, as Comissões de Cultura
Popular, em 1963; e as campanhas do período da ditadura, como a Cruzada ABC, em 1964, e o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) , em 1967. Pela quantidade e pela duração de ações e de campanhas
de alfabetização, já se pode contatar que elas eram esporádicas e dependiam da conjuntura política e dos
interesses específicos de grupos sociais ou de governantes.
As experiências governamentais de educação de jovens e adultos no Brasil, entre as décadas de 1930
e 1950, estavam vinculadas ao projeto nacional desenvolvimentista que alavancava cada vez mais o capi-
talismo no Brasil. O objetivo era promover a integração da população analfabeta a esse projeto, buscando
contrapor a visão do homem atrasado à do homem moderno. Porém, essas experiências acabam fracas-
sando, pois são normalmente resultados de projetos de governos, tendo uma duração igual a do mandato
do governante. Não há continuidade das ações educativas pela falta de um projeto nacional permanente
de alfabetização de toda a população adulta. Além disso, as pedagogias e metodologias de ensino não são
adequados para o ensino-aprendizagem de adultos. Para Ribeiro et. al.,

No final da década de 50, as críticas à Campanha de Educação de Adultos dirigiam-


-se tanto às suas deficiências administrativas e financeiras quanto à sua orientação
pedagógica. Denunciava-se o caráter superficial do aprendizado que se efetivava no curto

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 43


período da alfabetização, a inadequação do método para a população adulta e para as
diferentes regiões do país. Todas essas críticas convergiram para uma nova visão sobre
o problema do analfabetismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico
para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educador pernambucano Paulo
Freire (1997, p.22).

Nos primeiros anos da década de 1960, o Brasil viveu um momento importante do ponto de vista
dos avanços e conquistas sociais na área da educação de jovens e adultos. As políticas de EJA emergiram no
interior dos movimentos sociais influenciadas principalmente pelas ideias de Paulo Freire. A visão de inte-
gração, alicerçada na convicção de um homem universal ideal, cede lugar para a visão de que a realidade
social é produto das diversidades regionais e culturais. Essa perspectiva orientou a formulação das novas
propostas para a EJA baseadas em referenciais de emancipação das classes populares. Esse foi um período
de grande efervescência do ponto de vista das lutas pela cidadania, na qual a educação de jovens e adultos
aflorava como um dos direitos inalienáveis do povo Brasileiro. Houve um engajamento de vários grupos e
atores sociais na luta pela educação de todos. De acordo com Ribeiro et al,

O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a


alfabetização de adultos, inspiraram os principais programas de alfabetização
e educação popular que se realizaram no país no início dos anos 60. Esses pro-
gramas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados
numa ação política junto aos grupos populares. Desenvolvendo e aplicando essas
novas diretrizes, atuaram os educadores do MEB — Movimento de Educação de
Base, ligado à CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,dos CPCs
— Centros de Cultura Popular, organizados pela UNE — União Nacional dos
Estudantes, dos Movimentos de Cultura Popular, que reuniam artistas e inte-
lectuais e tinham apoio de administrações municipais. Esses diversos grupos de
educadores foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para
que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas (1997,
p.22).

Após o golpe de 1964, os governos militares reprimiram violentamente os movimentos de alfabeti-


zação e de educação popular, principalmente os associados à concepção de defesa da cultura popular como
base da emancipação da classe trabalhadora. Mesmo as ações desenvolvidas pela Igreja acabaram sendo
interrompidas em razão da falta de recursos financeiros e de pressões políticas dos governos ditatoriais.
Os governos militares criaram uma fundação – Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
- com o objetivo de acabar com o analfabetismo no período de dez anos e propiciar a educação continuada
de adolescentes e adultos. O Mobral constituiu-se num mecanismo político desses governos visando ter o
controle da educação de adultos e retirá-la das mãos dos setores progressistas. Após esse período, o Censo
do IBGE divulgou a existência de 25% de Brasileiros analfabetos com 15 anos ou mais. O governo militar
criou também o ensino supletivo, com a Lei 5.692/71, que se destinava a “suprir a escolarização regular
para adolescentes e adultos, que não a tinham seguido ou concluído na idade própria”.
Em 1985, o MOBRAL foi extinto, sendo substituído pela Fundação EDUCAR. Esta Fundação estava
vinculada ao Ministério da Educação e funcionava em parceria com municípios. As ações desse projeto
seguiam uma orientação político-pedagógica de educação funcional. O governo Collor (1990 – 1992) extin-
guiu a Fundação EDUCAR, e as atividades da EJA foram transferidas para os Estados e Municípios, numa
clara demonstração de desinteresse da União por essa modalidade de educação.
A Constituição de 1988 estabeleceu avanços importantes para a educação de jovens e adultos (EJA).
O artigo 4º estabelece que “o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a
garantia de: (...) VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e mo-
dalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores
as condições de acesso e permanência na escola”. O Congresso Nacional, ao regulamentar o disposto na
Constituição, aprovou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9394/96, dedicando uma

44 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


seção específica à educação de jovens e adultos, o que significou um avanço para a luta contra os altos
índices de analfabetos no Brasil.

A Educação de Jovens e Adultos na LDB de 1996


Da Educação de Jovens e Adultos
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continui-
dade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam
efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as ca-
racterísticas do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola,
mediante ações integradas e complementares entre si.
§ 3o A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profis-
sional, na forma do regulamento.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base na-
cional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos;
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos
e reconhecidos mediante exames.
Em 1989, surgiu o MOVA - Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos. Esse movimento foi
criado por administrações municipais populares que se identificavam com o ideário da educação popular.
A proposta educativa foi elaborada com base no contexto sociocultural dos educandos, representando um
resgate do ideal de Paulo Freire. O MOVA acabou sendo vítima também das políticas esporádicas, uma vez
que essa proposta dependia das decisões políticas dos novos governantes.
Em 1997, o governo de Fernando Henrique Cardoso institucionalizou o Programa Nacional de Alfa-
betização Solidária - PAS. Esse Programa estava em consonância com as deliberações da Conferência Mun-
dial de Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, Tailândia. O governo reconhecia a existência
de 15,1 milhões de analfabetos, na faixa etária acima dos 15 anos de idade.
O governo divulgou que o PAS tinha sido idealizado para eliminar o problema do analfabetismo de
jovens e adultos dos trabalhadores rurais e urbanos. O Programa previa a realização da parceria entre as
esferas pública e privada, cabendo às universidades parceiras a coordenação pedagógica do Programa, a
capacitação dos alfabetizadores e o acompanhamento do processo educativo entre PAS e as Prefeituras/Se-
cretarias Municipais de Educação. O PAS, nos moldes como foi idealizado, busca manter o distanciamento
do Estado em relação às políticas públicas de alfabetização, uma vez que delega às entidades civis grande
parte das responsabilidades pela educação de jovens e adultos.
Em 2003, o Ministério da Educação divulgou que a educação de jovens e adultos seria meta prio-
ritária do governo do presidente Lula. Para isso, foi criada a Secretaria Extraordinária de Erradicação do
Analfabetismo. Para cumprir as metas de erradicar o analfabetismo foi lançado o Programa Brasil Alfabe-
tizado, cujas ações estão centradas na alfabetização de jovens e adultos e na formação de alfabetizadores.
Espera-se que esse Programa tenha continuidade e não seja mais um dos programas de governo cuja
duração esteja limitada pela duração do mandato dos governantes, e possa se tornar numa política pública
permanente do Estado capaz de fazer os investimentos materiais e humanos necessários para enfrentar os
desafios de eliminar o analfabetismo funcional da nossa sociedade.
Antonio Costa sintetiza de uma forma bastante interessante os rumos da história da educação de jo-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 45


vens e adultos no Brasil a partir da década de 1940. Para ele, é possível identificar cinco momentos distintos
na evolução da educação de jovens e adultos.

Num primeiro momento, a preocupação com a educação de adultos esteve inti-


mamente relacionada com os interesses das elites políticas preocupadas com os
votos e com suas respectivas eleições.
Num segundo momento, percebe-se a preocupação de educar para mudar as
estruturas sociais, porém ainda predominava a relação de educação para o voto.
Já no terceiro momento, a preocupação da educação com adultos passou a objeti-
var, predominantemente, as mudanças das estruturas sociais, a geração de uma
ideologia de libertação (inspirada pelo nacional-desenvolvimentismo).
O quarto momento, marcado pela ditadura militar, revela uma relação entre
educação de adultos e a geração de uma ideologia voltada para a segurança e para
o desenvolvimento, com ênfase na educação para a profissionalização, onde o
mercado de trabalho é o objetivo último a ser alcançado no processo educacional.
O quinto momento, caracterizado pelo processo de redemocratização do país,
coloca no âmbito teórico a educação de jovens e adultos como um direito à cida-
dania, porém, na prática, a ideia permanece a mesma, ensinar o básico, gastando
o mínimo, na perspectiva de atender as demandas do mercado globalizado; neste
período é verificada uma forte influência dos organismos internacionais, em
especial o Banco Mundial, que através de uma política neocolonialista impõe um
modelo de educação voltado ao desenvolvimento da economia mundial.

5. Educação profissional de jovens e adultos (PROEJA)


O sujeito anônimo é, na verdade, o grande artesão dos tecidos da histó-
ria. Parecer CNE/CEB nº 11/2000

O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalida-


de de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) é um programa criado pelo governo do presidente Luiz Iná-
cio Lula da Silva, com o objetivo de oferecer aos jovens e adultos uma educação profissional integrada com
a educação básica na modalidade EJA. A ideia desse programa foi gestada no Ministério da Educação, em
2005, com a denominação de “Programa de integração profissional de ensino médio na modalidade EJA”.
No entanto, por meio do Decreto 5840/2006, o governo decidiu ampliar os objetivos e a abrangência des-
se programa, como forma de atender às reivindicações de educadores que discordavam de algumas orientações
do programa e propunham sua ampliação em termos de abrangência e aprofundamento em seus princípios
e objetivos. Nesse Decreto, o governo propõe novas orientações: amplia para todos os sistemas públicos de
ensino e para as instituições do Sistema Nacional de Aprendizagem Social a possibilidade de atuar como pro-
ponente, porém, mantendo a obrigatoriedade para a Rede Federal; amplia a abrangência para toda a educação
básica na modalidade EJA; inclui a possibilidade de oferta de cursos na forma concomitante, além da forma
integrada; prevê a conclusão dos estudos e a respectiva certificação a qualquer tempo desde que demonstrado
o domínio dos conteúdos do nível de ensino e institui um Comitê Nacional para acompanhamento e controle
social da implementação nacional do Proeja, em que a composição, as atribuições e o regimento serão definidos
conjuntamente pelos Ministérios do Trabalho e Emprego e da Educação.
O PROEJAsurgiu num contexto histórico marcado por índices elevadíssimos de desemprego e de
subemprego. Esse cenário resultou, em grande parte, das transformações socioeconômicas originárias da
forte onda tecnológica das últimas décadas que, ao introduzir procedimentos automatizados em larga
escala, provocou a drástica redução dos postos de trabalho em todos os setores econômicos. Essa onda
tecnológica veio acompanhada da reestruturação das empresas, pressionadas pela redução de custos de
produção e ávidas pela ampliação dos lucros e do capital. Outro componente da crise do emprego resultou
da política neoliberal adotada pelos presidentes, na década de 1990, que alterou a oferta de trabalho com o

46 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


processo de privatização, redução do tamanho de Estado, redução de investimentos em setores essenciais
entre outros fatores. Cabe destacar ainda a elevada dívida externa e interna do país, em parte herança da
ditadura militar, e que provocou graves desequilíbrios da economia Brasileira e queda nos investimentos
públicos. Esses desequilíbrios contribuíram com o processo inflacionário das décadas de 1980-1990, que
O Documento Base PROE-
reduziu o poder de compra dos assalariados e criou retração da capacidade produtiva do país. JAé um texto elaborado pelo
Ministério da Educação no
De acordo com o Decreto 5840/2006, “o PROEJAabrangerá os seguintes cursos e programas de edu- qual constam os referenciais
cação profissional: I – formação inicial e continuada de trabalhadores; e II – educação profissional técnica e as diretrizes para a implan-
tação desse programa de in-
de nível médio.” O documento base do PROEJAreitera a importância do estabelecimento do programa,
tegração da educação profis-
destinado à educação profissional integrada com a educação básica para jovens e adultos, justificando que: sional com a educação básica
na modalidade de educação
de jovens e adultos.
(...) a formação profissional específica e continuada é uma necessidade permanente,
tanto pelas condições objetivas de milhões de jovens e adultos que a buscam e dela
necessitam, quanto pelas necessidades econômicas e pela mudança na forma de orga-
nização do processo produtivo. É necessário garantir acesso à alfabetização, ao ensino
fundamental e à educação profissional a 62 milhões de jovens e adultos (IBGE,
PNAD 2003) que não tiveram condições de completar a educação básica nos tempos
da infância e da adolescência que deveriam anteceder, na lógica própria da cultura
moderna, o tempo do trabalho. (Brasil. MEC, 2007, p. 33)

Os autores desse documento revelam a preocupação com a constituição de uma política educacional
profissional de Estado voltada para a formação integral de jovens e adultos, buscando afastar as possibili-
dades de o programa ser considerado como mais uma política compensatória de caráter efêmero, adotada
em momentos de necessidade de formação de capital humano para atender às necessidades do mercado
de trabalho. Percebe-se que os idealizadores do PROEJAabandonam a perspectiva estreita de formação
educacional para o mercado de trabalho, assumindo a concepção da formação integral dos sujeitos, com
vistas a lhes proporcionar condições de compreender e de se compreender no mundo.
A concepção do PROEJA, explicitada no Documento Base do Ministério da Educação, traz alguma
esperança de que a educação profissional pretendida não se restrinja a formar trabalhadores para atender
as necessidades do mercado de trabalho. Esse vínculo entre formação educacional e o mercado serviu de
referencial na elaboração dos programas de alfabetização e de educação profissional de vários governos
ao longo de nossa história, e cujos princípios estavam alicerçados nos pressupostos do modelo fordista.
Ao superarem essa perspectiva restritiva de educação, o PROEJAsinaliza para a construção de um projeto
educacional mais global, na qual o cidadão tenha a possibilidade de construir suas próprias trajetórias
pessoais e profissionais. O texto do Documento Base elucida os propósitos desse Programa de governo:

Ao perseguir a construção de um modelo de sociedade no qual o sistema educacional


proporcione condições para que todos os cidadãos e cidadãs, independentemente de
sua origem socioeconômica, tenham acesso, permanência e êxito na educação básica
pública, gratuita, unitária e com qualidade para as faixas etárias regulares, e que ga-
ranta o direito a aprender por toda a vida a jovens, homens e mulheres, independente
dos níveis conquistados de escolaridade, firma-se a concepção de que a formação pode
contribuir para a integração sociolaboral dos diversos conjuntos populacionais, e
mais do que isso, para que constitua, efetivamente, direito de todos.
Por essa perspectiva, discutir uma política de educação profissional integrada
ao ensino médio na modalidade EJA implica discutir também a concepção de
educação continuada de cunho profissional, para além da educação básica, ou
seja, especializações profissionais em programas de participação social, cultural e
política; e na educação superior, entre outras possibilidades educativas ao longo
da vida (...).
Para que um programa possa se desenhar de acordo com marcos referenciais do que se
entende como política educacional de direito, um aspecto básico norteador é o rompimento
com a dualidade estrutural cultura geral versus cultura técnica, situação que viabiliza

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 47


a oferta de uma educação academicista para os filhos das classes favorecidas socioecono-
micamente e uma educação instrumental voltada para o trabalho para os filhos da classe
trabalhadora, o que se tem chamado de uma educação pobre para os pobres.
A concepção de uma política, cujo objetivo da formação está fundamentado na
integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral,
pode contribuir para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional
das populações, pela indissociabilidade dessas dimensões no mundo real. Ade-
mais, essas dimensões estão estreitamente vinculadas às condições necessárias ao
efetivo exercício da cidadania.
Assim, uma das finalidades mais significativas dos cursos técnicos integrados no
âmbito de uma política educacional pública deve ser a capacidade de proporcio-
nar educação básica sólida, em vínculo estreito com a formação profissional, ou
seja, a formação integral do educando. A formação assim pensada contribui para
a integração social do educando, o que compreende o mundo do trabalho sem
resumir-se a ele, assim como compreende a continuidade de estudos. Em síntese,
a oferta organizada se faz orientada a proporcionar a formação de cidadãos-pro-
fissionais capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural
e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma ética e competente,
técnica e politicamente, visando à transformação da sociedade em função dos
interesses sociais e coletivos especialmente os da classe trabalhadora. (Brasil.
MEC, 2007, p. 33-34)

Os objetivos gerais do PROEJAe as intenções do governo Lula no estabelecimento desse programa


de educação tinham estreitas relações com o ideário da educação permanente de jovens e de adultos difun-
dido pelas organizações internacionais, como a CEPAL, a UNESCO e o Banco Mundial. Para compreender
a dimensão desses objetivos, torna-se crucial analisar as funções previstas para o PROEJA, e que já estavam
previstas no Parecer CNE/CEB nº 11, de 2000, que trata das diretrizes e bases da Educação de Jovens e
Adultos (EJA). O Documento Base do PROEJA(2007:42) reitera as funções reparadora, equalizadora e qua-
lificadora da EJA, conforme trecho a seguir.

As funções reparadora e equalizadora, por meio das quais o Parecer CNE/CEB


nº. 11/2000 atribui o caráter de fazer cumprir o dever do Estado para assegurar
o direito de todos à educação, reduzindo a desigualdade entre os que a tiveram e
aqueles aos quais o acesso foi interditado, associa-se à terceira função — a qua-
lificadora. Esta função, segundo o Parecer, revela o verdadeiro sentido da EJA,
compreendida na perspectiva da formação para o exercício pleno da cidadania,
por meio do desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo de cidadãos
participativos, conscientes de seus direitos sociais e de sua compreensão/inserção
no mundo do trabalho, entendido como elemento fundamental ao processo de
omnização de homens e mulheres e de produção cultural.

O Parecer CNB/CEB/2000 e o ideário das organizações internacionais inspiraram os educadores do Mi-


nistério da educação quando elaboraram o Documento Base no qual são apresentadas as diretrizes do PROEJA.
Para compreender a dimensão deste Programa, é importante analisar as três funções importantes que devem
ser levadas em conta na educação de jovens e adultos: reparadora, equalizadora e qualificadora. O texto do
Parecer CNE/CEB nº 11/2000 define a noção da função reparadora da EJA nos seguintes termos:

Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no


circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma
escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica
de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história Brasileira,
resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante.
Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento.

48 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Mas a função reparadora deve ser vista, ao mesmo tempo, como uma oportuni-
dade concreta de presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa viável
em função das especificidades socioculturais destes segmentos para os quais se
espera uma efetiva atuação das políticas sociais. É por isso que a EJA necessita
ser pensada como um modelo pedagógico próprio a fim de criar situações pedagó-
gicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos.

Esta função reparadora da EJA se articula com o pleito postulado por inúmeras
pessoas que não tiveram uma adequada correlação idade/ano escolar em seu
itinerário educacional e nem a possibilidade de prosseguimento de estudos. Neste
momento a igualdade perante a lei, ponto de chegada da função reparadora, se
torna um novo ponto de partida para a igualdade de oportunidades.

Essa função reparadora caracteriza-se pela decisão de implantar uma modalidade de ensino com
vistas a reparar falhas do Estado e da sociedade na formação educacional daqueles que não tiveram acesso
ou não puderam permanecer na escola quando eram crianças ou adolescentes. Já a função equalizadora
está intimamente relacionada à reparação dos danos causados por não conseguir ter acesso à escola ou por
ter sido excluído da escola, uma vez que isso permitiria diminuir as desigualdades entre os indivíduos da
EJA e os que tiveram acesso e permaneceram na escola na idade própria. O Parecer CNE/CEB nº 11/2000
esclarece que

A função equalizadora da EJA vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros


segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A
reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela
repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou
outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda
que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no
mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais
de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para estes “novos” alunos e
“novas” alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização.
A EJA busca formar e incentivar o leitor de livros e das múltiplas linguagens vi-
suais juntamente com as dimensões do trabalho e da cidadania. Ora, isto requer
algo mais desta modalidade que tem diante de si pessoas maduras e talhadas por
experiências mais longas de vida e de trabalho. Pode-se dizer que estamos diante
da função equalizadora da EJA. A equidade é a forma pela qual se distribuem os
bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais
igualdade, consideradas as situações específicas. (...) Neste sentido, os desfavore-
cidos frente ao acesso e permanência na escola devem receber proporcionalmente
maiores oportunidades que os outros. Por esta função, o indivíduo que teve sus-
tada sua formação, qualquer tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória
escolar de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo
conflitual da sociedade.

O texto do Parecer CNE/CEB nº 11, 2000 enfatiza que a função qualificadora é a função permanente
da EJA. Nessa função estaria o próprio espírito da EJA, permitindo que as pessoas se qualifiquem ou se
requalifiquem e descubram novos campos de atuação em razão de própria vocação pessoal ou das exi-
gências do mundo do trabalho. A função qualificadora estaria relacionada ao trabalho de levar a todos a
atualização de conhecimentos por toda a vida. O trecho abaixo do Parecer revela o sentido da inclusão da
função qualificadora na educação de jovens e adultos.
Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função per-
manente da EJA que pode se chamar de qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido
da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de
adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares. Mais do que nunca, ela é um apelo
para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade,

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 49


a igualdade e a diversidade.
Pode-se perceber que o PROEJAestá respaldado em concepções presentes em períodos anteriores e
em conceitos amplamente discutidos por organizações internacionais que concebem a educação de jovens
e adultos no âmbito das políticas compensatórias. É o primeiro passo, mas é preciso avançar numa direção
mais democrática, ampliando as possibilidades de que a educação seja um direito do cidadão garantido
pelo Estado de forma permanente, pois, como afirma Sergio Haddad, “garantir o acesso das pessoas jovens
e adultas à educação é, antes de tudo, respeitar um direito humano. Os jovens e adultos que não sabem ler,
ou com pouca escolaridade, são pessoas que tiveram no seu passado um direito violado, perdendo uma
importante ferramenta para pensar, pesquisar e ter acesso ao saber que é produzido pela humanidade”.
A concepção de educação profissional do Documento Base do PROEJAtem pontos em comum com
os defendidos por educadores e movimentos sociais organizados que aspiram a uma educação de qua-
lidade para todos os cidadãos Brasileiros, que não esteja circunscrita à esfera do conhecimento, mas da
apropriação dos saberes como instrumento de emancipação social e política. Por ser um programa recente,
não há ainda o distanciamento necessário para analisar se essa concepção não passará para a História como
apenas mais uma carta de intenção.
Cabe lamentar o fato de o governo ter criado um Programa de educação profissional e não uma Po-
lítica pública permanente de educação de jovens e adultos, que resultasse de um grande debate nacional e
que levassem em conta os referenciais históricos produzidos ao longo da história da luta pela educação de
todos os cidadãos Brasileiros. Os propósitos do Programa também visam aumentar as chances dos traba-
lhadores no atual mundo do trabalho, haja vista ter sido criado num contexto histórico caracterizado pela
enorme quantidade de desempregados no país. O Ministro da Educação Fernando Haddad, do governo
Lula, deu destaque na Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, em 2006, à necessi-
dade de se dedicar boa parte da agenda do País à educação profissional e tecnológica. Para o ministro (site
7), resgatar jovens que estão fora do ensino é uma tarefa da educação profissional e tecnológica, pois os
estudantes e trabalhadores, ao se qualificarem profissionalmente, aumentam suas chances de colocação no
mercado de trabalho.
Um dos aspectos qualitativos desse programa de governo é a orientação sobre a necessidade de
formação/qualificação de professores e gestores para atuar na implantação, monitoramento e avaliação do
Programa de educação de jovens e adultos (PROEJA). Para isso, estão previstos recursos a serem investidos
na formação e requalificação dos educadores das mais diversas áreas do conhecimento, inclusive por meio
de cursos de especialização, mestrado e doutorado, que participam do Programa.
O Documento Base do PROEJAexplicita seis princípios fundamentais que orientaram a elaboração
desse programa e que tiveram como parâmetros as teorias de educação em geral e os estudos específicos
do campo da educação de jovens e adultos. O educador dessa modalidade de ensino deve refletir de uma
forma crítica sobre esses princípios, procurando inseri-los na sua práxis educativa.

O primeiro princípio diz respeito ao papel e compromisso que entidades públicas


integrantes dos sistemas educacionais têm com a inclusão da população em suas
ofertas educacionais. O princípio surge da constatação de que os jovens e adultos
que não concluíram a educação básica em sua faixa etária regular têm tido pouco
acesso a essas redes. Assim, um princípio dessa política — a inclusão — precisa ser
compreendido não apenas pelo acesso dos ausentes do direito à escola, mas questio-
nando também as formas como essa inclusão tem sido feita, muitas vezes promoven-
do e produzindo exclusões dentro do sistema, quando não assegura a permanência e o
sucesso dos alunos nas unidades escolares.
O segundo princípio, decorrente do primeiro, consiste na inserção orgâni-
ca da modalidade EJA integrada à educação profissional nos sistemas
educacionais públicos. Assume-se, assim, a perspectiva da educação como
direito — assegurada pela atual Constituição no nível de ensino fundamental
como dever do Estado. Além disso, alarga-se a projeção desse dever ao se apontar
a educação básica iniciando-se na educação infantil e seguindo até a conclusão do

50 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


ensino médio.
A ampliação do direito à educação básica, pela universalização do ensi-
no médio constitui o terceiro princípio, face à compreensão de que a formação
humana não se faz em tempos curtos, exigindo períodos mais alongados, que
consolidem saberes, a produção humana, suas linguagens e formas de expres-
são para viver e transformar o mundo. A expansão do direito, portanto, inclui
a universalização do ensino médio, como horizonte próximo, face à quase total
universalização do acesso ao ensino fundamental.
O quarto princípio compreende o trabalho como princípio educativo.
A vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho não se pauta pela
relação com a ocupação profissional diretamente, mas pelo entendimento de que
homens e mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho — ação trans-
formadora no mundo, de si, para si e para outrem.
O quinto princípio define a pesquisa como fundamento da formação do
sujeito contemplado nessa política, por compreendê-la como modo de produzir
conhecimentos e fazer avançar a compreensão da realidade, além de contribuir
para a construção da autonomia intelectual desses sujeitos/educandos.
O sexto princípio considera as condições geracionais, de gênero, de rela-
ções étnico-raciais como fundantes da formação humana e dos modos
como se produzem as identidades sociais. Nesse sentido, outras categorias
para além da de “trabalhadores”, devem ser consideradas pelo fato de serem elas
constituintes das identidades e não se separarem, nem se dissociarem dos modos
de ser e estar no mundo de jovens e adultos. (Brasil. MEC, 2007:37-8)

Ao analisarmos a literatura sobre a educação de jovens e adultos, principalmente, a de teóricos


comprometidos com a emancipação da classe trabalhadora, é possível encontrar alguns desses princípios
previstos no Documento Base do PROEJA. No entanto, é preciso que o PROEJAavance no sentido da
construção de uma política pública permanente de Estado, como forma de garantir que as ações educativas
voltadas para jovens e adultos se distanciam do caráter efêmero e assistencialista como têm sido desen-
volvidas até então. Torna-se relevante que as políticas públicas de Estado garantam condições à efetiva
participação desses cidadãos nos domínios dos saberes, numa perspectiva de sua inclusão social.
Não é possível ainda avaliar os resultados concretos da implantação do PROEJA. No entanto, já é
possível assinalar que um dos principais méritos desse Programa reside no fato de os textos legais clama-
rem por uma política pública de educação profissional, abandonando a perspectiva reducionista de forma-
ção para o mercado de trabalho, assumindo a formação integral nas diversas áreas do conhecimento. Essa
perspectiva contempla a tendência à democratização da educação e a ampliação dos direitos de cidadania.
Espera-se que o Programa não seja mais uma política conjuntural e que possa desencadear o início de um
projeto mais global no qual a educação se transforme numa riqueza ao alcance de todos os cidadãos, inde-
pendente de faixa-etária ou de classe social. Nesse sentido, destaca-se como importante um dos princípios
de longo prazo presente no Documento Base do PROEJA:

A educação profissional e tecnológica comprometida com a formação de um sujeito


com autonomia intelectual, ética, política e humana exige assumir uma política de
educação e qualificação profissional não para adaptar o trabalhador e prepará-lo de
forma passiva e subordinada ao processo de acumulação da economia capitalista,
mas voltada para a perspectiva da vivência de um processo crítico, emancipador e
fertilizador de outro mundo possível. (Brasil. MEC, 2007, p. 34)

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 51


6. Organização do trabalho e das profissões
Os métodos de trabalho estão indissoluvelmente ligados a um determi-
nado modo de viver, de pensar e de sentir a vida. A. Gramsci

Perguntas de um Operário que Lê Bertold Brecht

Quem construiu Tebas, a das sete portas?


Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a Guerra dos Sete Anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas.

O poema “Perguntas de um operário que lê”, de Bertolt Brecht, permite refletir sobre a organização
do trabalho e da apropriação dos resultados decorrentes desse trabalho. Além disso, nos leva a pensar so-
bre as profissões e como elas têm sido interpretadas ao longo da história. O poeta tece duras críticas a uma
visão tradicional e preconceituosa do trabalho, concebido como uma atividade degradante, e que ainda
está presente na sociedade atual.
Essa organização do trabalho e das profissões está atrelada aos condicionantes históricos de cada
sociedade, tendo estreitas relações com o grau de complexidade das atividades produtivas e com a ma-
neira como os grupos ou classes sociais se relacionam. A maneira como uma sociedade decide organizar o
trabalho, isto é, quem o fará e o modo como ele deverá ser realizado, depende da luta que ocorre entre os
diferentes grupos sociais.
Trabalho é uma palavra que todos compreendem no senso comum, mas seu verdadeiro significado
é de difícil apreensão. Porém, existe um aspecto que parece ser consenso: o de que ele seja um esforço
humano dotado de um propósito que envolve a transformação da natureza por meio do dispêndio de
capacidades físicas e mentais.
O conceito de trabalho também assumiu diferentes significados em cada sociedade e em diversos

52 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


períodos históricos. Há constantemente um processo de reconceitualização do trabalho decorrente das
próprias transformações que ocorrem nas formas de produção de cada sociedade ou contexto. Em algumas
sociedades, o trabalho foi desprezado, visto que o ato em si denotava sacrifício, tortura e vergonha. No en-
tanto, em alguns períodos históricos, como o dos economistas clássicos, ele foi exaltado (ou pode-se dizer
É importante essa referência,
falsamente exaltado) e visto como única fonte inesgotável de riquezas. pois o discurso do valor do
trabalho não corresponde
O trabalho tem sido considerado um ato de agir sobre a natureza, transformando-a de acordo com necessariamente à sua valo-
as necessidades humanas. Na relação que os homens estabelecem com a natureza reside o fundamento do rização como ato executado
pelo homem. Em determi-
trabalho, pois este é visto como uma das atividades determinante das relações sociais. Na Grécia antiga, o nados momentos, como no
trabalho não era visto como uma atividade digna de homens livres. Para os gregos, sobretudo os atenien- sistema capitalista, forja-se o
valor do trabalho, já que o re-
ses, pensar e problematizar eram atividades intelectuais que dignificavam os homens livres, e isso só se sultado desse ato correspon-
tornava possível em “estado de ócio”. A ideia da relação dicotômica entre “ócio” e “trabalho” difundiu-se dia à apropriação pela classe
social que não o executava,
naquela sociedade, reforçando o princípio de que alguns nasciam para pensar e decidir, enquanto outros
mas que possuía os meios de
nasciam para sustentar os que tinham a atividade de pensar, ou seja, os cidadãos livres. Assim como os produção para efetivá-lo.
gregos, os romanos também tinham pouco apreço pelo trabalho. Nessas duas sociedades, o trabalho era
coisa de escravos e ele permitia libertar o cidadão das amarras impostas por essa atividade desprezível,
mas necessária para a garantia da produção de riquezas para a classe privilegiada de cidadãos livres.
Conforme Paulo Sergio do Carmo (1991), os gregos tinham uma noção de trabalho vinculada à
rotina da utilização das mãos em contato com utensílios rudimentares, sem técnica e criatividade. Outros
autores salientam que os gregos tinham descaso pelo trabalho não porque ele era manual ou degradante,
mas pela sua simplificação, que dispensava qualificação, e por ser uma atividade monótona e de longa du-
ração. Em oposição a isso, essas sociedades exaltavam o trabalho intelectual associado, consequentemente,
àqueles que possuíam a vocação para a reflexão da realidade na qual a política merecia destaque.
O mundo ocidental conviveu muito tempo com essa dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho
manual, isto é, o trabalho exercido pela classe dominante e o trabalho executado pela classe dominada.
O desenvolvimento do capitalismo gerou a necessidade de a burguesia construir novas concepções do
trabalho, o qual passou a ser considerado um elemento impulsionador do crescimento econômico e da
acumulação de capital. (OLIVEIRA, 2007, p.135)
Esse desenvolvimento do capitalismo engendrou, a partir do século XVI, mudanças dos referenciais
sobre o trabalho. Os protestantes calvinistas chegaram a estabelecer a ideia de predestinação associada ao
sucesso da atividade profissional e econômica. Já os iluministas do século XVIII defenderam a concepção
de trabalho como valor fundamental para a produção de riquezas. Tornava-se importante difundir a ideo-
logia do trabalho como forma de motivar a classe trabalhadora a produzir riquezas que seriam apropriadas
pela burguesia em ascensão. A exaltação do trabalho marcaria o discurso liberal desses iluministas, visto
que a mais-valia tornou-se fator decisivo para o processo de acumulação de capital principalmente na fase
do capitalismo industrial.
Entretanto, foram Marx e Engels, no século XIX, que anunciariam a redenção do trabalhador pelo
trabalho. Ao estudarem as condições de vida e de trabalho dos operários europeus decorrentes da Revolu-
ção Industrial, os dois autores elegeram o trabalho como o foco principal de suas análises e o trabalhador
como ser produtor de riquezas e, portanto, classe social que se libertaria das condições degradantes im-
postas pelo capital. Marx forneceu uma concepção sobre o trabalho e sobre as mudanças que este sofreu ao
longo da história que serviu de referência para vários autores contemporâneos. Para Marx (1971),

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a nature-


za, um processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula
e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta com a natureza
como uma de suas forças.
Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e
mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma
útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a,
ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potências nela
adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. Não se trata

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 53


aqui das formas instintivas, animais, de trabalho. Quando o trabalhador chega
ao mercado para vender sua força de trabalho, é imensa a distância histórica que
medeia entre sua condição e a do homem primitivo com sua forma ainda instinti-
va de trabalho. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana.
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais
de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em
realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes
idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material
sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em
mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de
subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço
dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através
da atenção durante todo o curso do trabalho. E isso é tanto mais necessário quanto
menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de
sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das suas
próprias forças físicas e espirituais. (MARX, 1971, p.202)

Numa perspectiva histórica, Marx revela elementos fundamentais para a compreensão das formas
de organização do trabalho. Segundo ele, “numa família e posteriormente numa tribo surge uma divisão
natural de trabalho, em virtude das diferenças de sexo e de idade, uma divisão de base puramente fisio-
lógica”. Essa divisão, continua ele, “amplia seus elementos com a expansão da comunidade, com o cresci-
mento da população e notadamente com o conflito entre as diversas tribos e a subjugação de uma a outra”
(p. 403). Com a proliferação de várias comunidades e o surgimento do comércio entre elas, emerge uma
nova divisão do trabalho. Conforme Marx, “o fundamento de toda a divisão de trabalho desenvolvida e
processada através da troca de mercadorias é a separação entre a cidade e o campo” (p. 404). Entretanto,
Marx considera que é com a divisão manufatureira do trabalho que se desenvolve e multiplica a divisão
social do trabalho.

Com a diferenciação das ferramentas, diferenciam-se cada vez mais os ofícios que
fazem essas ferramentas. Se a manufatura se apossa de um ofício que até então era
exercido por uma espécie de artesão em conjunto com outros ofícios, como atividade
principal ou acessória, sobreviverão imediatamente à separação e à independência
entre esses ofícios. Se a manufatura se apodera de um estágio particular de produção
de uma mercadoria, os demais estágios de produção se transformam em diversas in-
dústrias independentes. [...] Quando o artigo representa um ajuntamento puramente
mecânico de produtos parciais, os trabalhos parciais podem desagregar-se e transfor-
mar-se de novo em ofícios independentes. Para aperfeiçoar a divisão de trabalho na
manufatura, o mesmo ramo de produção é subdividido em manufaturas diversas, em
grande parte inteiramente novas, de acordo com as variedades de sua matéria-prima
ou das formas que a mesma matéria-prima pode assumir. Assim, já na primeira
metade do século XVIII, na França, eram tecidas mais de cem variedades de seda, e
em Avignon era lei que “todo aprendiz tinha de dedicar-se apenas a uma espécie de
fabricação, não devendo aprender ao mesmo tempo a tecer mais de uma espécie de
tecido. (MARX, 1971, p.405)

O sistema manufatureiro desenvolveu-se ainda mais com a ampliação do mercado mundial em


razão da expansão marítima e comercial e da exploração das colônias. Nesse contexto, houve um aumento
significativo da divisão do trabalho. A Revolução Industrial emerge nesse contexto, intensificando essa
divisão do trabalho e levando ao processo crescente de alienação no trabalho. Ocorre progressivamente um
processo de perda daquilo que se faz, tal é o grau de divisão das tarefas no interior das fábricas.
No processo de desenvolvimento das relações de produção capitalistas, Karl Marx identifica basi-
camente três etapas do processo de trabalho capitalista: a cooperação, a manufatura e a grande indústria.

54 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


A etapa da cooperação tem início no século XVI, quando os trabalhadores artesãos foram reunidos num
mesmo local de trabalho. Esse processo pode ser caracterizado como o embrião da fábrica. Para Karl Marx
(1971), a produção capitalista tem início quando os proprietários do capital reuniram num mesmo local
um número relativamente elevado de artesãos que produziam, seguindo suas ordens, uma mesma espécie
de mercadoria para o mercado. Segundo ele, os meios de produção sendo utilizados de forma comum por
muitos trabalhadores representavam a diminuição do valor da mercadoria. Marx reforça a ideia de que a
reunião de trabalhadores num mesmo local proporcionou também a elevação da produtividade, uma vez
que a combinação da força de trabalho coletivo levou à ampliação da quantidade de mercadorias produzi-
das e à diminuição do tempo necessário à produção de um bem.
Nos séculos XVII e XVIII, a etapa da manufatura é caracterizada principalmente pela divisão social
do trabalho, surgindo um processo de hierarquização entre trabalhadores qualificados, para funções que
demandavam maior esforço mental e maiores habilidades manuais, e trabalhadores não qualificados, para
tarefas manuais mais simples que não necessitavam de muito treinamento. Essa etapa revolucionou a or-
ganização do processo de trabalho, porém ainda manteve o capital dependente do trabalho.
A etapa da grande indústria caracterizou-se pelo surgimento da maquinaria, que representou a
origem da fábrica moderna. A maquinaria dependia da força produtora de energia, do mecanismo de
transmissão e de várias ferramentas para moldar o bem a ser comercializado. Nessa etapa, os trabalhado-
res tiveram que se adaptar às novas ferramentas, subordinando-se ao tempo e ao ritmo da máquina, num
processo de alienação do trabalho. A mecanização do processo produtivo teve como consequências o au-
mento da produtividade e a desqualificação e desvalorização dos trabalhadores. Representou a completa
separação entre o “saber”, restrito aos industriais, gerentes e trabalhadores especializados que tinham o
controle e faziam a reparação das máquinas, e o “fazer”, delegado à maioria dos trabalhadores sem qua-
lificação profissional. Karl Marx (1971) revela aspectos fundamentais da passagem da manufatura para a
maquinaria: “Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve
a máquina. Lá, é dele que parte o movimento do meio de trabalho; aqui ele precisa acompanhar o movi-
mento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, há um
mecanismo morto, independente deles, ao qual são incorporados como um apêndice vivo”.
Durante essas etapas do processo da Revolução Industrial foram sendo engendradas as formas con-
temporâneas de organização do trabalho. Nesse processo, o capitalismo tornou-se um modo de produção
preponderante, caracterizado principalmente pela utilização de procedimentos mecanizados no processo
de produção, pela alienação do trabalho e pela exploração do trabalho assalariado.
Não interessava à burguesia aumentar apenas a produção, era fundamental pensar formas de au-
mentar a produtividade do trabalhador. Para isso, ela buscou mecanismos racionais de organização do
trabalho, ou seja, procurou encontrar meios de aproveitar ao máximo as horas de trabalho do trabalhador,
para que não houvesse desperdício de tempo durante a jornada de trabalho. E é exatamente na etapa da
grande indústria que se encontram os dois métodos mais conhecidos de organização dos procedimentos
de trabalho no interior da fábrica: um delineado pelos princípios do taylorismo/fordismo e o outro basea-
do nos fundamentos do chamado “pós-fordismo” ou toyotismo.
No final do século XIX, Frederick Taylor desenvolveu estudos sobre a racionalização do trabalho,
que serviram de orientação para o capital. Nesse período, o trabalhador ainda possuía o controle sobre
o modo de realizar o trabalho. Taylor, baseado nos princípios de administração científica, afirmava que
era preciso tornar o sistema de trabalho mais produtivo, por meio da criação de mecanismos para evitar
o desperdício de materiais, de ferramentas, tempo e trabalhadores. Para isso, ele propôs que as etapas do
processo produtivo seguissem normas e procedimentos elaborados cientificamente, como forma de trans-
ferir o controle do processo para a administração das empresas. Taylor buscava a forma mais eficiente de
administrar as tarefas e melhorar o desempenho de cada trabalhador, pois o essencial era a racionalização
do tempo de trabalho. O objetivo de Taylor era sistematizar a produção, aumentar a produtividade, eco-
nomizar tempo e suprimir gastos desnecessários no interior do processo produtivo. O taylorismo não se
restringiu ao processo de organização do trabalho e da produção. Ele estendeu-se para todas as esferas da
vida do homem, que programa toda a sua vida e o seu tempo em função da organização racional do tempo
ditado pelos relógios. (Oliveira, 2007:139)

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 55


O fordismo é também uma forma de organização do trabalho baseada nos princípios da raciona-
lização da produção e do trabalho. Foi Henry Ford, um industrial do setor automobilístico, nos Estados
Unidos, que criou, no início do século XX, a linha de montagem cujo objetivo era aumentar a produção de
automóveis utilizando a menor quantidade de operários, ou seja, aumentar a produtividade. Para isso,
Henry Ford introduziu procedimentos na organização do trabalho e da produção que predominaram pra-
ticamente em todas as formas de organização das sociedades do século XX. Ford parte da ideia da racio-
nalização do tempo e do controle dos trabalhadores. O fordismo ampliou ainda mais a separação entre o
saber e o fazer. Essa separação do trabalho facilitou à burguesia ter o controle sobre o produto final e sobre
o trabalhador. No filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, é possível perceber algumas características
do fordismo como a linha de montagem proposta por Ford. O educador poderá trabalhar com seus alunos
o filme de Chaplin que é um recurso didático- visual importante para discutir essa forma de organização
do trabalho. Um debate sobre o filme poderá suscitar reflexões sobre o atual mundo do trabalho e sobre
suas relações com o ambiente profissional do próprio educando e da escola da qual ele faz parte.
A reestruturação produtiva das últimas décadas do século XX teve impacto significativo dentro
e fora do ambiente de trabalho. Além de aprofundar o grau de exploração e de dominação da força de
trabalho no interior do processo produtivo, provocou transformações abruptas na sociedade, afetando as
condições sociais e políticas dos trabalhadores. A reorganização do espaço produtivo com a substituição do
maquinário mecanizado por sistemas automatizados de produção, o enxugamento dos estoques e o deslo-
camento de unidades de produção para outras regiões/países provocaram alterações expressivas nas rela-
ções sociais, dentro e fora das empresas. No interior das empresas, as inovações tecnológicas combinadas
com o novo modo de gerenciamento da produção e dos estoques transformaram os processos de produção
e a estrutura organizacional da empresa. Isso levou ao desaparecimento e/ou surgimento de funções tanto
nas unidades de produção quanto nas áreas de gerenciamento.
A reorganização do processo de trabalho exigiu que os trabalhadores assumissem um amplo leque
de competências, antes exercidas por trabalhadores não-qualificados e por antigas chefias. Esse acúmulo
de tarefas/funções, por um lado, garantia o aumento da produtividade e, de outro lado, geraria o fenôme-
no social do desemprego. Esse fenômeno, vivenciado pelas sociedades no início dos processos de mecani-
zação da produção e nos anos da Depressão após a crise de 1929, retorna hoje, com vigor, alterando níveis
salariais, exercendo pressão sobre os que se mantêm no emprego e, como consequência, desestruturando
o movimento sindical.
Henrique Amorim (2007) afirma que a reestruturação produtiva foi, em um momento de crise do
capital, um meio de desorganizar as formas de resistência da classe trabalhadora para, então, restaurar as
formas de dominação dos grupos dirigentes, impondo novos processos de trabalho, de gestão do capital,
de redefinição dos parâmetros de qualificação do trabalhador, de reordenamento das políticas públicas,
como também de redefinição das leis trabalhistas e das prioridades sociais ditadas pelo Estado. O fato é
que, segundo Oliveira (2007, p. 140),

As inovações tecnológicas verificadas na produção, a partir da década de 60, pro-


vocaram grandes mudanças na forma de organização do trabalho. A ampliação
da automação, ao substituir grande parte de trabalhadores por máquinas, reduz
drasticamente a oferta de emprego e modifica a natureza do próprio trabalho,
exigindo novas funções e reestruturando as existentes. Além disso, as inovações
constantes do desenvolvimento tecnológico exigem trabalhadores muito mais
qualificados para o trabalho.
Essas transformações colocaram em xeque a forma de organização do trabalho
alicerçadas no modelo taylorista/fordista. A nova estrutura produtiva flexível
exigia mudanças na organização do trabalho e na qualificação do trabalhador.
(...) Esse método exigia um novo perfil do trabalhador, com características para
atuar em diferentes funções e com diferentes meios de produção. Isso exige que
o trabalhador seja multifuncional, domine processos de administração e esteja
preparado para tomar decisões.

56 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Essas inovações tecnológicas foram associadas aos princípios de organização
relacionados ao sistema just-in-time, que substituiu a produção de massa do
fordismo por um modelo de produção flexível baseado na demanda de consumo
pré-existente, com o objetivo de aumentar eficiência e a produtividade. Esse
modelo exige um trabalhador polivalente com capacidade para monitorar várias
máquinas e executar diferentes tarefas.

Além desses fatores, as transformações no mundo do trabalho engendraram o surgimento e/ou


ressurgimento de formas de precarização do trabalho em escala global, visto que as relações sociais do
trabalho possuem inter-relações com a economia mundial, nesse contexto de economia globalizada. As
novas formas de exploração do trabalho vieram acompanhadas de grandes contradições. Ao mesmo tem-
po em que as empresas exigem trabalho qualificado e especializado, em contrapartida surgem o trabalho
informal e o subemprego. Nesse contexto, ressurgiu até formas de trabalho compulsório como pode ser
constatado pelas inúmeras denúncias de trabalho escravo no Brasil e em várias regiões do mundo, inclusi-
ve em países com desenvolvimento econômico.
Em face dessas transformações, é preciso ter propostas alternativas de educação que abarquem não
apenas o universo criado no interior das grandes empresas, mas que leve em conta as multidões de traba-
lhadores que se encontram na rede periférica do sistema produtivo dominante. É urgente a apresentação
de soluções para evitar que essas multidões continuem a fazer parte dessa rede periférica do sistema pro-
dutivo dominante, como mão de obra precarizada, nos moldes do padrão taylorista e fordista, ou como
exército industrial de reserva.
Diante das grandes mudanças engendradas no mundo do trabalho pela reestruturação capitalista,
o debate em torno da formação do trabalhador ganhou força nos mais diferentes setores da sociedade.
As discussões sobre a formação do “novo trabalhador” não têm se restringido aos detentores do capital,
mas difundem-se amplamente nos setores mais organizados da sociedade. Essa reestruturação constante
provoca alterações na dinâmica produtiva, alterando postos de trabalho e modificando e/ou eliminando/
criando novas profissões. Como afirma Jacques Delors (citado por Gadotti, 2000), “existem hoje perto de
11 mil funções na sociedade contra aproximadamente 60 profissões oferecidas pelas universidades. Como
as profissões evoluem muito rapidamente, não basta preparar-se profissionalmente para um trabalho”.
Essas mudanças na base produtiva reestruturam o padrão de produção, modificando constantemen-
te o perfil do trabalhador, exigindo que seja oferecida aos indivíduos uma educação polivalente, pela qual
eles possam adquirir competências para realizar diferentes funções com dinamismo e que possuam alta
qualificação técnica, espírito criativo e compromisso com a empresa. Ao mesmo tempo, em que se exige do
trabalhador múltiplas competências, surge uma infinidade de profissões/ocupações em razão das especia-
lidades que são geradas pela complexidade crescente dos diversos setores produtivos.

7. Educação e cidadania
No período da ditadura militar (1964-1985), a sociedade Brasileira viveu um contexto histórico mar-
cado pela prepotência do poder executivo sobre os demais poderes, pela repressão violenta aos movi-
mentos políticos e sociais, pela censura aos meios de comunicação, pela repressão à livre manifestação de
expressão, pela intervenção e censura nas escolas e universidades e nas artes em geral. Foi um período
caracterizado pela ausência do Estado de direito e pela instauração do aparelho repressivo do Estado.
Nesse período, o cidadão ficou à margem das ações arbitrárias do poder militar, tendo seus direitos de
cidadania comprometidos e submetidos aos interesses do grupo totalitário no poder e da sua política da
segurança nacional.
A escola sofreu com a institucionalização da repressão aos movimentos e à liberdade de expressão
nas escolas. A educação com perspectivas de formação da cidadania foi posta de lado para atender interes-
ses do grupo dominante e dos setores que o apoiaram, dentre os quais o setor educacional privado. A edu-
cação escolar passou a ter um caráter de mercadoria comercializável, trazendo vantagens lucrativas para
as escolas particulares. Enquanto isso a escola pública ficou à mercê da burocracia e dos tecnocratas que

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 57


se preocuparam em colocar massas de estudantes obedientes nas escolas, mas não tiveram a mínima preo-
cupação com a qualidade da educação e muito menos com a formação cidadã que ela pode proporcionar.
O fim da ditadura militar representou a renovação das expectativas da construção de um país de-
mocrático e da consolidação dos direitos políticos e da cidadania. A queda dos ditadores contribuiu para
revigorar os debates sobre as condições do restabelecimento do Estado de direito. Nesse novo contexto,
emergiram intensos debates em torno da instauração de uma Assembleia constituinte e da necessidade da
elaboração de uma nova constituição que fornecesse os parâmetros para a construção de uma sociedade
fundada nos princípios elementares do sistema democrático. O plenário da Assembleia Constituinte foi
palco de debates intensos acerca da construção dos preceitos constitucionais com vistas à organização e à
manutenção do Estado de Direito, sempre ameaçado por interesses políticos e econômicos de grupos que
buscavam deter a máquina política do Estado a qualquer custo.
As discussões sobre a educação e cidadania foram intensas durante esse processo de elaboração
da Constituição. As esperanças se renovaram também diante da perspectiva da ampliação dos direitos
dos cidadãos e, dentre eles, a educação tornou-se uma trincheira de debates que opôs os liberais (escolas
privadas) e os grupos de esquerda que almejavam a ampliação do Estado como condutor e garantidor da
educação de qualidade para todos.
Uma das reivindicações defendidas por grupos de esquerda consistia na ampliação das políticas
públicas na área da educação, como forma de contribuir para a ampliação da conquista da cidadania. Es-
tes entendiam que educação escolar, entendida como um processo de emancipação e de socialização dos
saberes, deveria se tornar o alicerce fundamental para a restauração e ampliação dos direitos do cidadão.
Diferentes sociedades, ao longo da história, estabeleceram relações entre educação escolar e a construção
do direito de cidadania, porém com significados diversos, condicionados às especificidades histórico-culturais
de cada povo. Numa perspectiva histórica, esses conceitos devem ser entendidos como construção, produzidos
no interior das relações contraditórias que se estabelecem em cada sociedade. O profissional da educação deve
ter noções da evolução desses conceitos para que não cometa anacronismos, isto é, não utilize os conceitos pro-
duzidos num determinado contexto histórico para outras épocas/sociedades.
Na Grécia Antiga, por exemplo, a pedagogia consistia numa atividade de certos escravos, chama-
dos de “pedagogos”, que conduziam as crianças aos locais de estudo. Essas crianças eram os filhos dos
cidadãos que tinham direitos políticos no interior de uma sociedade predominantemente escravista. Na
cidade-estado de Atenas, o direito à cidadania constituía-se numa obrigação para os atenienses, sendo
mal vistos aqueles que não participavam das Assembleias Populares. Entretanto, esse direito de cidadania
estava restrito aos homens livres da cidade, da chamada polis, sendo excluídos do direito à cidadania os
escravos, que eram a maioria da população, os idosos, as mulheres, os deficientes e os estrangeiros. As
fontes históricas indicam que mais de 90% da população de Atenas encontravam-se excluídos desse direito
e isso dentro de um contexto no qual vigorava a democracia ateniense.
O ideal de educação, entre os gregos, consistia na formação dos homens da classe dominante para
que eles pudessem participar ativamente da política, que era a condição imprescindível para o exercício da
cidadania. A democracia ateniense, cujos princípios influenciaram na estrutura do poder político de alguns
países ocidentais, estava praticamente restrita aos grandes proprietários de terra, os quais eram livres das
atividades relativas ao trabalho. O ser cidadão definia aquele indivíduo cuja liberdade caracterizava-se
pela posse da terra e por encontrar-se livre do trabalho. Para eles, o trabalho era incompatível com a liber-
dade de pensar, ou seja, incompatível com a produção de conhecimentos e com a participação direta nas
atividades de natureza política. Portanto, a cidadania no mundo ateniense era uma relação que se estabe-
lecia entre proprietários de terra, que eram homens livres do trabalho, que possuíam funções de comando
por meio da participação política direta.
A questão da cidadania ganhou novos significados a partir das ideias iluministas difundidas na Eu-
ropa, principalmente no século XVIII. As reivindicações da burguesia europeia por igualdade de direitos e
por liberdade de atuar nas atividades econômicas, sem a ingerência do Estado, marcaram uma nova etapa
durante a qual houve, de fato, ainda que não abrangesse a grande maioria da população, a ampliação dos
direitos civis e de alguns direitos políticos.

58 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


A Revolução Francesa de 1789, influenciada pelo ideal iluminista, abriu possibilidades para a garan-
tia dos direitos dos homens, embora esses direitos fossem mais um ideal presente no texto da Declaração
Universal dos Direitos do Homem do que propriamente parte da realidade vivida pela maioria absoluta
dos franceses. Portanto, foi pouca a relação entre esses princípios e a ampliação efetiva dos direitos para
a grande maioria da população. O que houve, de fato, foi a extensão de direitos, antes restritos à nobreza,
para a burguesia, abrindo brechas para sua consolidação no poder político.
A exploração da classe trabalhadora, no período da primeira Revolução Industrial (final do século
XVIII até meados do século XIX), despertou movimentos políticos que reivindicavam, inicialmente a am-
pliação de direitos políticos e sociais, visando à participação política e à aprovação de leis de proteção ao
trabalho. Em meados do século XIX, intensificaram-se as lutas operárias, e as lideranças dos movimentos
dos trabalhadores abandonaram as propostas de reformas da sociedade capitalista e passaram a discutir e
propor projetos visando à destruição das relações de produção capitalistas e, como alternativa, idealizaram
os pressupostos de uma sociedade baseada nas relações de produção comunistas.
Esses ideais foram significativos na construção de um novo conceito de cidadania cujos fundamen-
tos encontravam-se imbuídos da nova concepção da valorização do trabalho. A frase de Karl Marx e de
Friedrich Engels conclamando os trabalhadores de todo o mundo para unirem-se propiciou todo um pro-
cesso de reivindicações dos trabalhadores em defesa da ampliação de direitos civis, políticos e sociais.
O século XX foi caracterizado pela luta e pela conquista de direitos políticos e sociais, e houve avan-
ços nesse processo. No Brasil, como resultado da organização, da mobilização e de lutas, os trabalhadores
conquistaram direitos trabalhistas, direito ao voto e o direito à educação. O início dos anos 1960 represen-
tou um marco histórico nas lutas dos trabalhadores em defesa da ampliação dos direitos à educação. Sob a
ditadura militar houve um aumento no ingresso de crianças e adolescentes na escola, mas os indicadores
revelam também que a grande maioria não conseguia manter-se na escola dada a estrutura escolar exclu-
dente e as péssimas condições de vida e de trabalho da população pobre.
A luta pela ampliação do acesso à escola e pela qualidade do ensino público esteve presente no pe-
ríodo militar mesmo com toda a repressão política imposta pelos ditadores. A mobilização por esse direito
à educação de qualidade para todos ganhou as ruas e, em determinados momentos, representou, a um
só tempo, a luta contra a ditadura e a luta pela conquista da cidadania. Essa luta se amplia no período de
redemocratização e os movimentos sociais, os sindicatos de trabalhadores e os partidos de esquerda e os
da social democracia incluíram a educação escolar de qualidade como uma das garantias fundamentais
para a ampliação da cidadania.
As transformações no mundo do trabalho impuseram uma dura realidade para milhões de Brasilei-
ros que perderam seu emprego ou foram alijados da economia formal e passaram a sobreviver à margem
do processo produtivo, trabalhando em condições precárias e com baixíssima capacidade de galgar um
novo posto de trabalho.
Essa nova realidade traz as perspectivas de que educação e cidadania, mais do que nunca, cami-
nham juntas. Aos trabalhadores sobram poucas possibilidades de almejar sua cidadania sem o acesso à
educação de qualidade que poderá proporcionar-lhes as mínimas condições de inserção no restrito mundo
do trabalho.
A educação e a cidadania devem fazer parte do embate das lutas sociais e políticas para a construção
de uma sociedade baseada na efetiva democratização de conhecimentos e de riquezas. Vislumbram-se as
possibilidades de que a escola e os educadores tenham um papel importante nesse processo de construção
de uma sociedade inclusiva, que resgate a dignidade do homem como ser social e trabalhador, uma socie-
dade que não exclua seu povo de sangue tupi-guarani, que não exclua seu povo afrodescendente, que não
exclua seu povo eurodescendente, que não exclua seu povo constituído de mulheres, idosos, homossexuais
e portadores de necessidades especiais, que não exclua seu povo por razões políticas e religiosas, que não

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 59


exclua as minorias que, na verdade, fazem parte da maioria.

8. Valores e ética
O processo de globalização, com a consequente reestruturação do processo de produção e do tra-
balho, e a redemocratização da sociedade Brasileira, após duas décadas de regime militar, engendraram
condições para os educadores repensarem o papel da na transmissão de valores em geral e, particularmen-
te, de valor ético. Essa temática suscita três grandes desafios para os educadores: 1) Como rever práticas
educacionais visando adequá-las aos valores humanos e aos novos valores da Constituição de 1988 e da
legislação sobre educação? 2) Como ensinar valores numa sociedade pluricultural, inclusive de forma a
cumprir conteúdos sobre esse tema que foram inseridos nos currículos escolares?; e 3) De que forma ensi-
nar valores para atender as novas exigências do mundo do trabalho que busca trabalhadores com capaci-
dade de articular e mobilizar conhecimentos, habilidades, atitudes e valores?
Não foi tarefa fácil para a escola e para educadores enfrentar esses três principais desafios, pois
passaram a refletir como mudar a escola depois de ela ter sido obrigada a tornar-se um espaço de difusão
dos valores do Estado ditatorial, imposto pelos governos militares. Nesse período, além da exclusão de
disciplinas consideradas “perigosas” e de sua substituição por conteúdos “cívicos”, a escola serviu de
instituição ideal para montagem do aparelho repressivo. Ela foi inclusive utilizada como palco da difusão
de lemas como “Brasil: ame-o ou deixe-o” e até de local de buscas aos que resistiam ao poder arbitrário
instituído.
O fim da ditadura militar realimentou os movimentos pela renovação da escola dentro do contexto
de redemocratização da sociedade e das instituições. Discutiu-se principalmente sobre o papel da escola na
consolidação dos ideais democráticos, sobre a valorização do professor e sobre da necessidade da adoção
de pedagogias mais apropriadas como elementos importantes para a melhoria da educação pública. Hou-
ve igualmente pressões para mudança da estrutura das escolas, dos cursos e dos currículos como forma de
eliminar os resquícios do autoritarismo nas escolas.
Nesse contexto, abordou-se igualmente o tema do papel da escola na transmissão de valores fun-
damentados na liberdade de pensamento, no respeito à dignidade humana, na valorização das diferentes
Segundo Norberto BOBBIO, culturas e na liberdade de expressão nos diferentes espaços sociais. Para a reconstrução do Estado de
“entende-se por preconceito direito democrático, coube à Assembleia constituinte a tarefa de elaborar e promulgar a Constituição de
uma opinião ou um con-
junto de opiniões, às vezes 1988. Esta anunciava, no seu preâmbulo, a garantia do exercício dos direitos sociais e individuais, a liber-
até mesmo uma doutrina dade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
completa, que é acolhida
acrítica e passivamente sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
pela tradição, pelo costume interna e internacional.
ou por uma autoridade de
quem aceitamos as ordens A Constituição estabelece também valores que a escola deve assegurar a todos os seus envolvidos,
sem discussão: acriticamente
e passivamente, na medi- como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, o respeito aos valores culturais e artísticos,
da em que a aceitamos sem nacionais e regionais e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. A LDB de 1996 incluiu
verificá-la, por inércia, res-
peito ou temor, e a aceitamos
nos currículos da educação básica conteúdos relacionados à difusão de valores fundamentais ao interesse
com tanta força que resiste a social, de direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática. Para o ensino
qualquer refutação racional, médio, essa Lei acrescenta ainda a necessidade de garantir “o aprimoramento do educando como pessoa
vale dizer, a qualquer refu-
tação feita com base em ar- humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crí-
gumentos racionais. Por isso tico”. Portanto, os textos legais procuraram estabelecer os valores e princípios que devem orientar a ação
se diz corretamente que o
preconceito pertence à esfera pedagógica nas instituições escolares.
do não racional, ao conjunto
das crenças que não nascem Autores de diferentes concepções pedagógicas apontavam para a necessidade de a escola trabalhar
do raciocínio e escapam de os diferentes tipos de valores entre os educandos, mas que eles fossem discutidos com base nos fundamen-
qualquer refutação fundada
num raciocínio”. tos de uma sociedade multicultural, considerando a diversidade de culturas e, portanto, de valores. Como
(In: A natureza do precon- forma de trabalhar esse multiculturalismo, é fundamental que a escola e os educadores tenham o compro-
ceito. Elogio da serenidade e
misso de transmitir valores universais que propiciem a convivência e o respeito à diversidade cultural, in-
outros ensaios morais.
São Paulo: Editora UNESP, dividual e coletiva. Dessa forma, a ética deve ter um valor privilegiado no processo de instauração de valores,
2002. p. 103) não só como valor universal, mas também dentro de uma perspectiva da ética profissional do educador.

60 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


A conjuntura política pela qual passou o Brasil tinha intrínsecas relações também com o contexto
das rápidas transformações econômicas e sociais, decorrentes da ampliação do processo de globalização
e do desenvolvimento acelerado das tecnologias. Essas aproximam diferentes sociedades que se modifi-
cam simultaneamente, inclusive seus próprios valores. É nesse contexto que as empresas se reestruturam
e exigem trabalhadores com novo perfil profissional, passando a contratar aqueles que possuem valores
e atitudes condizentes com as funções, além das competências e habilidades necessárias para o trabalho.
Dessa forma, as pressões do mundo do trabalho também levaram a escola a incluir, no currículo, temáticas
sobre valores morais e éticos, como forma de atender essas novas exigências da sociedade. Essas questões
promovem o surgimento de novos paradigmas educacionais, nos quais não bastam ensinar conteúdos aos
alunos, mas proporcionar-lhes condições de aprender a resolver problemas, ações que exigem dele compe-
tências atitudinais, valores, e principalmente valores éticos.
Com a reestruturação das empresas, a escola deparou-se com o grande desafio de compatibilizar
questões tão complexas como as relacionadas aos valores universais e aos valores requeridos pelas empre-
sas. Nessa área, a discussão é ampla e as posições bastante antagônicas. No entanto, a escola tem esse novo
desafio e deverá propor ações pedagógicas que sejam capazes de proporcionar aos cidadãos uma formação
básica, que lhes possibilite uma educação integral, cujos alicerces tenham intrínsecas relações com os sabe-
res científicos e humanitários; e na qual esteja inserida a problematização do “saber ser”, numa perspectiva
de construção consciente para o educando de seu próprio papel no interior da sociedade democrática.
A superação desses desafios passa necessariamente pela reflexão sobre os conceitos concernentes
aos valores humanos. Entretanto, antes de os professores transmitirem valores aos alunos, é crucial o co-
nhecimento de conceitos sobre valores, a reflexão sobre os seus próprios valores e, especialmente, a refle-
xão crítica sobre o ato de transmiti-los. Não se pode esquecer que a natureza deste ato está impregnada
de valores: os da escola, os dos educadores, os que emergem dos próprios conteúdos ensinados. Porém,
essa problemática não se restringe ao trabalho dos educadores. Todos da escola, e das demais instituições Marilena Chaui (2000:376)
relacionadas, devem renovar suas convicções sobre a necessidade de atender as novas demandas da socie- chama a atenção para o uso
das frases contendo “cultos”
dade, oferecendo aos educandos uma formação integral de qualidade, na qual esteja incluída a temática e “incultos”, pois os mesmos
dos valores humanos e democráticos. Ensinar e aprender valores são ações que contribuem com a cons- indicam preconceitos e não
trução da cidadania. A escola tem o dever de educar para o mundo do trabalho e, principalmente, para a conceitos. Ela afirma que
manifesta preconceito:
inserção do educando na realidade social em transmutação como cidadãos conscientes de que o respeito à - Aquele que ignora que, em
diversidade contribui para a superação das relações de dominação e de submissão e para a superação de sentido antropológico e his-
tórico, todos os
preconceitos e de exclusão social. humanos são cultos, pois são
todos seres culturais;
Esse ensino-aprendizagem de competências do “saber ser” deve considerar que os valores se mo- - Aquele que reduz a Cultura
dificam com as transformações da sociedade. Há mudanças também nas formas de transmissão dos va- à escola e às belas-artes, sem
se dar conta de que
lores que preferimos chamar de forma de compartilhar valores com os educandos. Mais do que ensinar e aquela e estas são efeito da
aprender valores torna-se mais adequado compartilhar valores universais fundamentados no respeito pela vida cultural e um dos as-
pectos da Cultura, mas não
diversidade de valores individuais e coletivos. As ações e posturas éticas precede o próprio ato de ensinar toda a Cultura;
valores universais. Os valores podem ser considerados critérios pelos quais julgamos as coisas, valorizan- - Aquele que, partindo da
do-as ou desvalorizando-as. Nem todos têm os mesmos valores, dessa forma, é preciso que os educadores Cultura como cultivo do es-
pírito (obras de pensamento
tenham o devido cuidado ao trabalhar com essa temática, pois todos os indivíduos possuem seus próprios e obras de arte), ignora que
valores apreendidos no seio da família, do grupo ou da classe social, de crenças, de posições políticas etc. a separação entre “cultos” e
“incultos”, em
Os valores são construções sociais dos diferentes atores sociais e estão condicionados à história e à sociedades divididas em
classes sociais, é resultado de
cultura de um povo. Há vários tipos de valores como, por exemplo, os estéticos, os religiosos, os éticos, os uma organização social
políticos, os morais. E na vida cotidiana priorizamos determinados valores dependendo de nossa cultura, que confere a alguns o direi-
to de produção e acesso às
de nossa história, de nossas crenças, ideologias etc. Marilena Chaui (2000, p.436) parte-se do pressuposto obras, negando-o a outros,
que “toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao de tal maneira que, em lugar
de um direito, tem-se, de um
permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades
lado, privilégio e, de
fortemente hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo outro, exclusão. Em outras
possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social”. palavras, usa-se a Cultura
como instrumento de
A reflexão sobre como o professor pode contribuir para trabalhar valores humanos com seus alunos discriminação social, econô-
mica e política.
deve estar fundamentado principalmente nos valores éticos, em razão de serem considerados valores cons-
truídos pela sociedade em determinado contexto histórico, devendo ser seguidos por todos. A ética pode

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 61


ser considerada um valor universal no interior de uma determinada sociedade, sendo fruto das condições
históricas e político, social e cultural dessa mesma sociedade. De acordo com Marilena Chaui (2000, p.434-
5), “do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como a cultura e a sociedade definem para si
mesmas o que julgam ser a violência e o crime, o mal e o vício e, como contrapartida, o que consideram ser
o bem e a virtude. Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é alheia ou indiferente às
condições históricas e políticas, econômicas e culturais da ação moral”. Ela afirma que “embora toda ética
seja universal do ponto de vista da sociedade que a institui (universal porque seus valores são obrigatórios
para todos os seus membros), está em relação com o tempo e a História, transformando-se para responder
a exigências novas da sociedade e da Cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se de-
senrola no tempo”.
Para Marilena Chaui (2001, p.432-4), o campo ético é constituído pelos valores e pelas obrigações que
formam o conteúdo das condutas morais, isto é, as virtudes. E essas condutas são realizadas pelo sujeito
moral, principal constituinte da existência ética. O sujeito ético deve possuir senso moral e consciência
moral que dizem respeito aos valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal
e ao desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e
existem como parte de nossa vida intersubjetiva.
As definições de Marilena Chaui sobre as características do sujeito ético, no texto a seguir, podem
servir de parâmetros para que os educadores reflitam sobre a ética profissional que deve guiar suas práti-
cas pedagógicas. É também um texto importante a ser discutido com educandos nos diferentes componen-
tes curriculares ou disciplinas. Para a autora ,

O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir se preencher as seguin-


tes condições:
- ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a
existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;
- ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar desejos,
impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com a
consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas
possíveis;
- ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e
consequências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la bem como às suas conse-
quências, respondendo por elas;
- ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimen-
tos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e
o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade não é tanto o
poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para autodeterminar-se,
dando a si mesmo as regras de conduta.
O campo ético é, portanto, constituído por dois polos internamente relacionados:
o agente ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes éticas.
Do ponto de vista do agente ou sujeito moral, a ética faz uma exigência essencial,
qual seja, a diferença entre passividade e atividade. Passivo é aquele que se deixa
governar e arrastar por seus impulsos, inclinações e paixões, pelas circunstân-
cias, pela boa ou má sorte, pela opinião alheia, pelo medo dos outros, pela vontade
de um outro, não exercendo sua própria consciência, vontade, liberdade e respon-
sabilidade. Ao contrário, é ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente
seus impulsos, suas inclinações e suas paixões, discute consigo mesmo e com
os outros o sentido dos valores e dos fins estabelecidos, indaga se devem e como
devem ser respeitados ou transgredidos por outros valores e fins superiores aos
existentes, avalia sua capacidade para dar a si mesmo as regras de conduta, con-
sulta sua razão e sua vontade antes de agir, tem consideração pelos outros sem
subordinar-se nem submeter-se cegamente a eles, responde pelo que faz, julga
suas próprias intenções e recusa a violência contra si e contra os outros. Numa

62 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


palavra, é autônomo. (CHAUI, 2000, p.434)

As ideias propostas podem ser um início de discussão com os educandos, principalmente se forem
associadas às competências específicas dos componentes curriculares, pois os valores e a ética não são
construções que envolvem a teoria, mas devem compor um conjunto com as demais competências a serem
adquiridas. Marilena Chaui fornece esclarecimentos importantes sobre a conduta ética, que podem orien-
tar os dirigentes escolares, os educadores e demais funcionários das escolas a agirem com ética tanto no
relacionamento com os educandos, como nas práticas cotidianas na escola e na transmissão de valores a
eles, alertando que:

“Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é,
aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e
proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas
também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de
agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas
ações e seus sentimentos e pelas consequências do que faz e sente. Consciência e
responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética. A consciência moral
manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas
possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação. Tem a
capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela
situação, as consequências para si e para os outros, (...). (CHAUI, 2000, p. 433)

Todo educador independente da disciplina que leciona transmite valores e ele deve transmitir prin- Bullying escolar é um fenô-
cipalmente os valores éticos. Essa transmissão ocorre com mais eficácia quando os valores são transmitidos meno que ocorre nas escolas
e que se caracteriza por uma
na prática pedagógica do que propriamente pelo discurso dos educadores, uma vez que a ética envolve situação na qual um aluno é
toda a práxis educativa. De que vale todo um discurso sobre ética profissional se o professor, por exemplo, vítima de violência de for-
ma repetitiva e na qual seu
comete deslizes éticos na sua prática pedagógica cotidiana. É importante lembrar que os educandos obser- agressor (ou agressores) age
vam durante todo o tempo o trabalho pedagógico e as atitudes do educador, podendo mesmo aprender de forma deliberada com o
com essas ações e atitudes. Essa é a razão pelo qual o educador deve refletir sobre seus próprios valores e intuito de humilhar, depre-
ciar, provocar sofrimento
verificar se suas ações correspondem a esses valores, antes de transmiti-los aos educandos. ou intimidar a vítima. O
bullying pode trazer conse-
Ouvimos sempre entre educadores frases como: “na minha época os alunos eram estudiosos e obe- quências graves para as víti-
dientes”, “o professor tinha autoridade, hoje não tem mais”. Essas frases mostram uma visão distorcida mas, levando em determina-
das situações ao suicídio ou
da realidade, uma projeção de um ideal que almeja e julga ter vivido no passado. Pode ser uma forma situações de propagação da
indireta de dizer aos alunos: “eu era disciplinado e estudioso”, “eu não era como vocês”, “vocês devem me violência como reação contra
o agressor.
obedecer”. Porém, é preciso sair do senso comum. Uma simples análise dos dados do rendimento escolar O Bullying relaciona-se nor-
do passado, mostrados anteriormente, revela o quanto essas frases estão em desacordo com a realidade. Os malmente aos mecanismos
de grupo, pois o agressor
dados de repetência e evasão escolar contrariam o conteúdo das frases. Seria interessante também lembrar tem necessidade de ver sua
aos saudosistas sobre os sistemas de punição físicos e psicológicos utilizados nas escolas no passado. Foi ação legitimada por espec-
preciso inclusive a votação de leis para coibir as práticas de punições aos alunos “indisciplinados”. Essas tadores (cúmplices), para
que se sinta forte e podero-
não são formas apropriadas de transmitir valores e atitudes aos educandos, ao contrário, mostra o quanto so. Os agressores escolhem
o docente encontra-se desatualizado em relação às práticas pedagógicas inclusivas e emancipatórias. O normalmente como alvos de
sua agressão os alunos que
saudosismo reforça práticas pedagógicas da escola tradicional baseadas na classificação, na seleção e na pertencem a minorias sociais
discriminação. e culturais, os homossexuais,
os que possuem deficiên-
Pode-se ilustrar por meio de uma situação concreta como os educadores, comprometidos com práti- cias físicas, dificuldades de
aprendizagem ou mesmo
cas pedagógicas humanitárias e democráticas, podem intervir nas relações conflituosas mobilizando suas por ser um aluno dedicado.
competências, habilidades e colocando em evidência seus valores e sua ética profissional. Todos sabem Esse tema passou a ser dis-
cutido em todo o mundo a
que a violência é um grave problema social que poderá também ocorrer no espaço escolar. Diante disso,
partir das pesquisas sobre o
o educador ao trabalhar valores humanos, baseados no respeito ao outro e no respeito e na tolerância às problema dos agressores e
diversidades individuais culturais, poderá contribuir para tornar a escola num espaço de prevenção, por das vítimas da violência nas
escolas feitas pelo professor
exemplo, ao surgimento do bullying entre educandos e demais membros da comunidade escolar. Dan Olweus, da Universida-
de de Bergen, na Noruega,
Esse fenômeno do bullying, que já existia nas escolas, se intensificou e se propagou principalmente entre os anos de 1978 a 1993.
a partir do surgimento das redes de comunicação via internet. Essa violência escolar se fundamenta nor-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 63


malmente nas relações de poder: alguém que se sente forte procura uma pessoa que ele julga frágil como
vítima para agredir, sem que haja uma razão de fato para tal agressão. O poder aumenta se o agressor tiver
o respaldo do grupo que lhe dá forças e alimenta a sua convicção e seu poder dominante. Então ele acaba
se fundamentando em algo que ele considera “fora dos seus padrões e valores”, suscitados por diferentes
manifestações de preconceito e discriminação social e pelo propósito de humilhar o próximo por essas
mesmas razões. Esse fenômeno não está restrito aos adolescentes, ele pode ocorrer entre adultos e também
entre alunos e professores etc. Ao discutir valores e principalmente demonstrá-los na sua prática peda-
gógica, o professor poderá contribuir para evitar a violência escolar que traz consequências graves para
a vítima, mas também para o agressor e para a comunidade escolar e famílias dos envolvidos. O bullying
escolar é a reprodução da intolerância existente na sociedade, mas a escola poderá se constituir num espaço
democrático no qual a intolerância não encontre fatores realimentadores.
A prevenção e o combate ao bullying não se limitam ao ensino de valores. Conflitos entre os profis-
sionais da educação no interior da escola podem se tornar campos férteis de estímulos às atitudes violentas
entre os educandos. Não é fácil lidar com casos de intolerância, mas é possível prevenir e intervir em situ-
Schön, D. A. considera que o
conceito de reflexão na práti- ações onde ela se manifesta, quando o educador tem predisposição para: promover debates que estimulem
ca pedagógica envolve: o respeito ao “outro” e ao grupo; saber ouvir os educandos e suas críticas e sugestões; ter postura ética
1) O conhecimento-na-ação, profissional como guia de suas ações; fornecer o apoio aos alunos com dificuldades; tratar as diferenças
que é o conhecimento técni- com dignidade e respeito; aprender com os acertos e com erros de seus alunos; demonstrar a dúvida e o
co que se manifesta no saber
fazer e o componente
desconhecimento quando existirem; não ter medo de errar e de perdoar; colocar-se como parceiro do aluno
inteligente que o orienta. O no processo de ensino-aprendizagem.
saber fazer e saber explicar
o que se faz são capacidades O profissional da educação coloca em evidência sua ética profissional quando suas ações são pauta-
diferentes, mas
das pelo bom senso. Reforçar atitudes preconceituosas, constrangedoras e humilhantes não é um valor éti-
complementares.
2) A reflexão-na-ação, que co. Essas atitudes só contribuem para disseminar entre os alunos a violência nas relações sociais, podendo
considera não só o saber esco- o próprio professor ser vítima dessa violência. Nesse sentido, a reflexão constante e sistemática de nossos
lar, mas as emoções relaciona-
das à confusão e à próprios valores é necessária, pois como mediadores do processo de ensino-aprendizagem transmitimos
incerteza. Um professor refle- nossos valores, inclusive aqueles mais ocultos. Esses são momentos de riscos, pois podemos externar va-
xivo deve considerar a confu-
são do aluno e a própria. O lores que não são os mesmos de nossos educandos, criando brechas para a exposição de situações de cons-
professor deve aprender trangimento. Esse cuidado permanente de reflexão crítica de nosso comportamento, enquanto educadores,
com os próprios erros. Pen-
pode contribuir para a propagação de valores universais condizentes com uma prática emancipatória e
samos sobre a atividade da
prática, ao mesmo tempo que democrática. É nesse momento que o bom senso entra em ação e transforma o educador num ser ético,
a realizamos. É um diálogo colocando suas competências, habilidades, valores e atitudes a serviço da democratização da sociedade.
com a situação e sobre a
interação. Nessa direção, os profissionais da educação podem contribuir para a formação do “saber ser” tra-
(In: Jalbut, M)
zendo a temática dos valores e da ética para a sala de aula. Essa discussão não deve ser objeto de um
componente curricular, deve ser discutida e praticada amplamente no cotidiano dos espaços da escola.
Repensar a ação pedagógica diante das mudanças impostas pelas atuais condições históricas é rever pro-
cedimentos metodológicos e didáticos visando à transformação do espaço escolar num ambiente demo-
crático, na qual possam ser construídas práticas que contribuam para a ampliação da efetiva cidadania.
As temáticas sobre os valores e a ética perpassam o processo educativo, em suas mais diferentes instâncias
e devem ser valorizadas no espaço escolar tanto como princípios a serem incorporados por educadores e
educandos como na prática cotidiana de sala de aula.
Os desafios impostos à educação são enormes e essa tarefa não está restrita à escola. A educação
faz parte da práxis da própria vida humana, aprendemos e ensinamos ao longo de toda nossa vida. Mas a
escola e os educadores têm um papel importante na educação que se constrói cotidianamente. Como diz
Paulo Freire, a prática educativa não deve ser responsabilidade exclusiva dos professores, mas de todos os
membros da sociedade, uma vez que existe uma ligação profunda entre o processo educativo e os outros
processos essenciais à vida. Ao transmitir valores e ética, os profissionais da educação devem ter ciência
de que fazem parte do processo educacional como educadores e educandos. A retransmissão dos valores e
da ética é um processo de construção que se dá na relação e na prática cotidiana. A escola deve incentivar a
construção desses valores e da ética nas relações sociais que se estabelecem entre todos da comunidade es-
colar. A práxis educativa é fundamental na construção de valores e de posturas éticas, mas a interiorização
desses valores não ocorre por meio do ensino, pois é construída na ação educativa em todos os momentos
do processo de ensino-aprendizagem.

64 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


9. Inclusão social
As últimas décadas do século XX foram marcadas pela intensificação de movimentos, em vários
países, alertando para a necessidade de implantação de projetos sociais e de políticas públicas que assegu-
rassem mecanismos de inclusão social. A discussão dessa temática esteve intimamente relacionada ao au-
mento brutal da pobreza, do desemprego e da exclusão social advindos das transformações que ocorreram
no mundo da produção e do trabalho.
As grandes transformações econômicas ocorridas após a Segunda Guerra Mundial no setor pro-
dutivo, decorrentes principalmente do acelerado desenvolvimento tecnológico, e a adoção de políticas
neoliberais em países industriais provocaram o surgimento de um grande contingente de desempregados
ou de trabalhadores desvinculados da economia formal submetidos à precarização das condições de tra-
balho. Essas transformações levaram à ampliação do processo de globalização, trazendo no seu bojo a um
só tempo um enorme desenvolvimento material e o aumento significativo da pobreza em escala mundial.
Esses movimentos pela inclusão social também se alastraram pelo Brasil após o longo período da
ditadura militar. No contexto da redemocratização da sociedade Brasileira reascenderam inúmeros mo-
vimentos pela ampliação da cidadania cujas reivindicações ultrapassaram os limites da luta pela parti-
cipação política. Os movimentos sociais engajaram-se na defesa de direitos sociais, exigindo do Estado
a implantação de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade da educação, da saúde, das
condições de moradia e saneamento básico.
A inserção do Brasil na economia global incluiu um novo ingrediente ao processo de exclusão que
marcou drasticamente a evolução histórica da sociedade Brasileira: a elevação acelerada dos índices de
desemprego. Esse indicador estava relacionado principalmente à intensificação das importações, à política
de privatizações e à reestruturação do processo produtivo, com o uso de tecnologias automatizadas e infor-
matizadas, que provocou o crescimento acelerado de dispensas de trabalhadores, sobretudo os com pouca
qualificação profissional que ficaram praticamente excluídos desse novo processo produtivo.
Nesse período, surgiram movimentos sociais e de intelectuais que procuravam encontrar explicações
para o fenômeno da exclusão social no Brasil e no mundo. O cenário de efervescência política, propiciado
pelo processo de elaboração da Constituinte, e as perspectivas de eleição democrática para presidente da
República, tornou-se enriquecedor para a formulação de várias propostas de inclusão social. Diferentes se-
tores sociais empenharam-se na luta e exerceram pressões políticas visando garantir conquistas sociais de
caráter inclusivo na nova Constituição. Esses movimentos conseguiram, de certa forma, a ampliação dos
direitos e a aprovação de várias propostas, cujos princípios e diretrizes possibilitaram o desenvolvimento
de ações visando à inserção social de setores excluídos, seja por questões históricas e culturais seja por
aquelas engendradas no atual contexto de transformações econômicas.
Nesse contexto, discutiu-se amplamente o papel da educação como um elemento privilegiado de
inserção social. Aqui é preciso lembrar que esse movimento pela inclusão social dos grupos marginaliza-
dos seguiu uma tendência internacional. Todo esse movimento marchou no sentido de buscar orientações,
programas e planos de ação para a definição de políticas educacionais com o objetivo de elevar as possibi-
lidades intelectuais dos excluídos visando à sua integração social e à sua inserção no mundo do trabalho.
Os cientistas sociais, no entanto, têm profundas divergências sobre as causas do processo de exclu-
são e, consequentemente, das possibilidades da inclusão social. Eles se dividem basicamente em três cor-
rentes: os que consideram que a exclusão social será eliminada com o fim do modo de produção capitalista;
os que defendem a adoção de políticas compensatórias; e os que preconizam a mudança social pela via
educacional com o discurso de que a qualificação profissional proporcionará oportunidades de mobilidade
social. Entretanto, independente das correntes de pensamento, hoje é praticamente consenso entre os auto-
res a importância do papel da escola e do educador no processo de socialização do conhecimento e de pre-
paração do educando, seja para o mercado de trabalho seja para o avanço de sua conscientização política.
De fato, os profissionais da educação podem transformar a escola num espaço privilegiado de re-
flexões, de debates e de ações práticas com o objetivo de propiciar aos educandos competências, atitudes
e valores que lhes proporcionem condições de ser um agente transformador da realidade social. Ao de-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 65


senvolver ações voltadas para a formação da cidadania, o educador estará despertando sua consciência e
a do educando para a superação das diferentes formas de exclusão e de discriminação social em relação a
mulheres, homossexuais, moradores de rua, pessoas de diversas origens étnico-religiosas, portadores de
necessidades especiais, dentre outros.
Ao trabalhar as competências, habilidades, valores e conteúdos de forma crítica, sem se colocar
como o dono do saber, os profissionais da educação poderão contribuir para a inclusão dos excluídos, o
que significa buscar condições de igualdade para enfrentar o competitivo e excludente mundo do trabalho.
Ao possibilitar condições para a inclusão social, os educadores estarão contribuindo, ao mesmo tempo,
para a construção de sua própria cidadania e da cidadania do educando e do coletivo.

66 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Capítulo 2
Ensino-aprendizagem
de jovens e adultos
A preocupação de ajustar o ensino às características individuais não surge A aprendizagem pode ser
definida como uma mu-
somente do respeito às pessoas e do bom senso pedagógico. Ela faz parte de uma dança relativamente du-
exigência de igualdade: a indiferença às diferenças transforma as desigualdades radoura no conhecimento,
no comportamento ou na
iniciais, diante da cultura, em desigualdades de aprendizagem e, posteriormente, compreensão que resulta da
e êxito escolar. experiência, cf. o Dicionário
de Psicologia de Stratton e
(PERRENOUD, 2000b, p. 9) Hayes (1994, p. 15).

O conhecimento de padrões de aprendizagem é fundamental para se planejar e desenvolver meto-


dologias de ensino adequadas e eficazes.
O presente capítulo trata dos princípios que regem o processo de ensino e aprendizagem de jovens
e adultos, buscando identificar e compreender os fatores que interferem, dificultando ou facilitando, nesse
processo. Serão também abordadas as questões relacionadas com o desenvolvimento intelectual e afetivo
do jovem e do adulto, sem a pretensão de aprofundar os aspectos psicológicos, mas com foco no ensino-
-aprendizagem e nos princípios formativos da educação de jovens e adultos.
A compreensão das etapas de desenvolvimento humano, especialmente as do jovem e as do adulto,
proporcionará melhores condições para que o docente possa planejar, organizar e realizar suas ações, con-
tribuindo para o pleno desenvolvimento humano e profissional do educando.
Tais abordagens subsidiam a reflexão sobre a função do professor que também assume o papel de
orientador e facilitador, no contexto da EJA.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com os objetivos de apoiar gover-
nos, comissões governamentais e organizações não governamentais, na realização de programas educativos, na criação
de bibliotecas, na luta contra o analfabetismo e na promoção da educação de adultos, através de consultoria técnica,
didática e pedagógica e programas especiais.
As Conferências Internacionais sobre Educação de Adultos (CONFITEAs) compreendem um dos seus prin-
cipais mecanismos articuladores no âmbito da educação de adultos. Desde a segunda metade do século XX,
seis delas já foram realizadas:
1ª Conferência: junho de 1949, em Elsinore, Dinamarca. Definiu o papel e objetivo da educação como um
requisito básico para a satisfação das necessidades dos adultos no desempenho de suas funções econômicas,
sociais e políticas para uma vida em comunidade mais harmoniosa.
2ª Conferência: agosto de 1960, em Montreal, Canadá. Tratou da educação de adultos em um mundo em
transformação, com ênfase na humanização, tecnologia, cultura e arte na formação do adulto. Propôs uma
educação para a paz e o desenvolvimento socioeconômico.
3ª Conferência: agosto de 1972, em Tóquio, Japão. Abordou a educação do adulto num contexto de educação
permanente, com uma dimensão política, ao reconhecer que o analfabetismo é uma consequência do subde-
senvolvimento. Estabeleceu o conceito de alfabetização funcional e sua importância para que a pessoa passe
a analisar criticamente seu meio e a lutar por sua transformação, debatendo a dimensão política da educação.
4ª Conferência: março de 1985, em Paris, França. Considerando que “o desenvolvimento da educação de
adulto é condição indispensável para a concretização da educação permanente e um fator importante da de-
mocratização da educação”, declarou que o direito a aprender é inerente ao ser humano.
5ª Conferência: julho de 1997, em Hamburgo, Alemanha. Com o tema “A educação das pessoas adultas, uma chave para
o século XXI”, ressaltou a importância da educação na idade adulta e no direito à aprendizagem ao longo da vida como
forma de controle do próprio destino e de interferência nos destinos da sociedade.
6ª Conferência: dezembro de 2009, em Belém, Brasil. Intitulada “Vivendo e aprendendo para um futuro viável: o poder
da aprendizagem e da educação de adultos”, foi a primeira conferência realizada no Hemisfério Sul. Estabeleceu o desa-
fio de incorporar mais fortemente as políticas públicas e o apoio político à educação de adultos, uma vez que a educação
é um direito que abre portas para outros direitos.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 67


1. Princípios que regem a aprendizagem
Conceitos
Não existe unanimidade com relação ao conceito de aprendizagem. Grosso modo, podemos dizer
que a aprendizagem refere-se à modificação de conduta e de fazeres, a partir de interferências externas ou
da reflexão sobre conhecimentos e práticas anteriores, mais ou menos duradouras. É a colocação em prática
de conhecimentos e habilidades frente a situações específicas, de forma refletida ou intencional. Portanto,
é um fenômeno que acontece durante toda a vida da pessoa, embora com características diferentes em
função de fatores como idade, motivação ou estímulos.
Considerando o foco da modalidade EJA, é importante também distinguir as quatro formas de Edu-
cação ‒ Formal, Não Formal, Informal e Popular ‒ conceituadas na Declaração de Hamburgo sobre Edu-
cação de Adultos, elaborada na V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (CONFITEA), em
julho de 1997, na Alemanha.
A Educação Formal é aquela sistematizada e planejada com titulações oficiais, isto é, uma educação
institucionalizada. Acontece nas escolas, com normas, procedimentos e legislações definidos, e pressupõe
acompanhamento e supervisão sistematizados.
A Educação Não Formal é igualmente sistematizada, baseada em planos e programas, porém sem
a intenção de titulação oficial. Atende, na maior parte das vezes, a uma demanda ou a uma necessidade
econômica ou social do indivíduo, do grupo ou da comunidade.
A Educação Informal, por sua vez, está relacionada ao dia a dia da pessoa. São as experiências co-
tidianas, o saber repassado na família, no grupo social, através de meios de comunicação em massa e no
ambiente de trabalho.
A Educação Popular se refere à disseminação da cultura gerada pelo povo, em contraposição à cul-
tura consumista e importada de outros contextos. Baseia-se na promoção, valorização e desenvolvimento
das tradições, hábitos e costumes de um grupo social.

Abordagens teóricas da aprendizagem


Merriam e Caffarella (1991), citadas no estudo Um modelo para a análise do processo de aprendizagem
Uma das críticas ao beha-
viorismo é a excessiva im-
de empreendedores, de Moraes e Hoeltgebaum (2003), definem os processos educacionais a partir de cinco
portância dada ao ambiente, orientações teóricas: behaviorista, cognitivista, humanista, social e construtivista.
entendendo a pessoa como
um ser “passivo, passível de A abordagem behaviorista define que a aprendizagem se processa devido a estímulos produzidos
ser manipulado e controlado
pelo ambiente no qual a pessoa se insere, manifestando-se através de mudanças de comportamento. Essa
pela simples alteração das
condições em que se encon- aprendizagem baseia-se nas formas de condicionamento clássicas, que têm no fisiologista russo Ivan Pa-
tra”. A esse respeito, cf. Lobo vlov (1849-1936) seu principal pesquisador e operante, ao lado de investigadores americanos como Edward
Neto et al. (2003c, p. 56).
Lee Thorndike (1874-1949) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Eles fundamentaram seus estudos na
pesquisa comportamental e na aprendizagem associativa.
Embora os estudos tenham sido realizados principalmente com animais, esses cientistas acredita-
vam que a teoria behavorista se aplica também aos seres humanos. Assim, o condicionamento seria uma
forma de aprendizagem presente em muitos aspectos do cotidiano: quando ouvimos o toque da campai-
nha, por exemplo, esperamos que, ao abrir a porta, alguém esteja do lado de fora. O behaviorismo baseia-se
em situações já vividas pela pessoa, de acordo com as respostas positivas ou negativas, em íntima relação
com as condições do ambiente em que o indivíduo está inserido. Ações que produzem satisfação tenderão
a ser repetidas e absorvidas, enquanto as que resultam em dor ou desagrado deverão ser rejeitadas. Assim,
Thorndike formulou a lei do efeito, na qual afirma que o fortalecimento de um comportamento se dá atra-
vés de recompensas, e o enfraquecimento, diante de castigo ou não recompensa.
Desse ponto de vista, compete ao professor assegurar que o aprendizado ocorra e, para tal, ele deve
proporcionar uma série de estímulos e reforços (de preferência, positivos) que propiciem a incorporação
dos comportamentos esperados.

68 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Já Skinner enfatizava a importância do reforço positivo, uma vez que este indica à pessoa o que ela
deve fazer, enquanto que o castigo diz o que não fazer, mas sem apontar alternativas ao “não fazer”.
A abordagem cognitivista, que tem o filósofo suíço Jean Piaget (1896-1980) como seu maior repre-
sentante, considera o ser humano um elemento capaz de organizar suas experiências, dando-lhes significa-
do. Essa abordagem dá ênfase aos processos mentais de aprendizagem e considera o ser humano o próprio
sujeito de seu aprendizado. Segundo Bordenave e Pereira (1998, p.29), o desenvolvimento cognitivo ocorre
em uma série de estágios determinados pelo desenvolvimento da base neurônica do cérebro e pelas expe-
riências que a pessoa tem em seu ambiente. Assim, a forma de aprendizado dependerá do estágio em que
cada aluno se encontra e de sua relação com o ambiente.
A abordagem humanista, representada por teóricos como os americanos Carl Rogers (1902-1987) e
Abraham Maslow (1908-1970), considera que o ser humano tem, intrinsecamente, potencial para o crescimento,
sendo esse o fator definitivo para a compreensão do processo de aprendizagem. Cada pessoa controla o seu des-
tino e tem liberdade para definir o que deseja ou não aprender e como aprender. Dessa forma, os componentes
emocional e afetivo passam a interferir na aprendizagem, que assume aspectos autodeterminantes.
Uma das principais teorias da abordagem humanista é a que se refere à aprendizagem significativa,
preconizada pelo também americano David Paul Ausubel (1918-2008), segundo a qual a aprendizagem
seria um processo de organização das informações disponibilizadas. Se elas forem relevantes e relacioná-
Mapas Conceituais são
veis com conhecimentos pré-existentes, serão integradas à estrutura cognitiva. Belluzzo, Kobayashi e Feres
representações gráficas
(2004) explicam que, quando uma pessoa recebe uma determinada informação “i”, vai buscar relacioná-la que relacionam conceitos,
com o que já sabe, ou seja, a informação “I”. O produto resultante não será o agrupamento de “i + I”, e organizando-os e hierarqui-
zando-os de acordo com os
tampouco “i” ocupará o lugar de “I” ou vice-versa. Um novo produto “iI” será gerado, modificando tanto conteúdos trabalhados. O
“i” como “I”. É um processo dinâmico em que “i” e “I” irão relacionar-se com outras informações, como educador americano Joseph
D. Novak é considerado o
“x” e com “X” e assim sucessivamente, resultando na construção permanente do conhecimento. criador dos mapas conceitu-
ais. Ele parte do princípio de
A partir do conceito de aprendizagem significativa, Novak e Gowin (1999) apresentaram os mapas que a representação gráfica
conceituais que vieram a constituir mais um recurso pedagógico para o planejamento curricular, para a constitui-se em elemento fa-
cilitador da aprendizagem,
prática docente e para a condução da aprendizagem pelo próprio aluno. A partir dos anos de 1970, ainda dando-lhe significado.
de acordo com Belluzzo, Kobayzshi e Feres (2004), diante das mudanças da sociedade em relação à geração
e disponibilização eletrônica de informações, a organização dos mapas conceituais passou a demandar dos pro-
fessores especialização, colaboração interdisciplinar e uma nova forma de organização do trabalho na escola.
A abordagem social trata-se
de um processo educativo
A abordagem social, sócio-histórica ou histórico-cultural considera que as pessoas aprendem no convívio que implica aprendizagem,
social e pela observação do comportamento de outras pessoas. A aprendizagem se dá, portanto, através da interação ensino e formação, em um
da pessoa com seu ambiente social, reforçando a importância do contexto no desenvolvimento humano. contexto individual (huma-
no e psicológico) e, funda-
mentalmente social. Não é
Os estudiosos de origem russa Lev Vygotsky (1896-1934), Alexander Luria (1902-1977) e Alexei Leontiev
fruto apenas do desenvolvi-
(1903-1979) são os principais representantes dessa abordagem. A teoria de Vygotsky baseia-se na ideia de plas- mento individual, mas das
ticidade do cérebro, plasticidade esta que permite sofrer influências culturais. Assim, não haveria limites para influências dos contextos po-
lítico-econômicos presentes.
uma pessoa ‒ seja criança, seja adulto ‒ aprender, desde que estejam disponibilizadas as condições sociocultu-
rais adequadas e necessárias. Estas, no entender de Vygotsky, são representadas pela escola como instituição
responsável pela transmissão e socialização do saber sistematizado.
Trata-se de um conceito que,
embora ainda aplicado por
Vygotsky desenvolveu, ainda, o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que estabelece que: alguns pesquisadores, tam-
bém sofre críticas, não ha-
vendo consenso em relação à
A concepção de que é o aprendizado que possibilita o despertar de processos inter- sua validade atual.
nos do indivíduo liga o desenvolvimento da pessoa a sua relação com o ambiente
sócio-cultural em que vive e reconhece que a situação do homem como organismo
não desenvolve plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie.
Assim, o conceito de zona de desenvolvimento proximal diz respeito a funções
emergentes no sujeito, a capacidades ainda manifestadas com apoio em recur-
sos auxiliares oferecidos pelo outro. O que irá caracterizar o desenvolvimento
proximal é justamente a capacidade que surge e desenvolve de modo partilhado.
Com seu burilamento e internalização, o desenvolvimento se consolida, abrindo
sempre novas possibilidades de funções emergentes (PEREIRA, 2002, p. 2),

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 69


São, portanto, os conhecimentos e saberes que ainda não foram apropriados, mas que, com a media-
ção de outros, vão se manifestar. Vivenciando essa etapa, a pessoa então terá atingido a zona de desenvol-
vimento real, e assim sucessivamente se processará o desenvolvimento do conhecimento.
A abordagem construtivista baseia-se na ideia de que a aprendizagem é um processo contínuo de
construção de significados criados pelo indivíduo, baseados nos seus conhecimentos previamente acumu-
lados e na vivência presente. Essa abordagem propõe um caminho inverso ao estabelecido pelas demais
teorias do conhecimento: seu início é o observador, que “constrói ou inventa a realidade com a qual ele
Para se aprofundar nesse estabelece uma correlação dialética por intermédio da experiência” (MORETTO, 2003, p.42). Assim sendo:
tema, sugerimos:
• PIAGET, Jean. Aprendiza-
gem e Conhecimento. São Quando uma criança vem ao mundo, a sociedade e ‘os outros’ já fizeram uma
Paulo: Freitas Bastos, 1974. série de experiências às quais eles tentaram dar um sentido. E, por meio de
• MORETTO, V.P. Constru-
tivismo: a Produção do Co- linguagens e símbolos, eles tornaram essas experiências socialmente objetivas.
nhecimento em Aula. Rio de Aqui, a palavra objetividade significa que as representações das experiências são
Janeiro: DPeA, 2003.
• VYGOTSKY, L.S. Pensa-
objetos de conhecimento e, como tal, devem ser transmitidas (propostas) às novas
mento e Linguagem. Porto gerações. É neste sentido que afirmamos que o homem é produtor da sociedade e
Alegre: Artes Médicas, 1988.
ao mesmo tempo é produto dessa mesma sociedade. [...] O sentido de aprender,
• VYGOTSKY, L.S. Obras
Escogidas. Madrid: Visor/ aqui, é de se fazer uma representação das descrições das experiências vividas por
Ministerio de Educación y outros sujeitos e compará-las com suas próprias experiências para identificar as
Ciencia, v.III, 1995.
diferenças e as invariâncias. (idem, p. 61-62)

Dessas cinco abordagens teóricas de processos de aprendizagem, as três últimas destacam-se como
mais significativas para a compreensão da educação de adultos, do processo de ensino-aprendizagem e do
planejamento e definição de metodologias adequadas ao EJA.

Em São Paulo, a Sert é um


órgão do Governo do Estado Princípios que regem a aprendizagem
que visa a aproximar o tra-
balhador das oportunidades De acordo com a Secretaria Estadual do Emprego e Relações de Trabalho de São Paulo (SÃO PAU-
do mercado, além de esti- LO, 2002a), os princípios psicológicos básicos que propiciam a aprendizagem são:
mular o desenvolvimento de
atividades empreendedoras, • Intensidade – aprende-se melhor através de uma experiência forte e dramática, em contraposição
por meio de qualificação e
concessão de microcrédito. a experiências débeis e insignificantes;
h t t p : / / w w w. e m p r e g o .
sp.gov.br • Causa e efeito – as pessoas tendem a repetir as condutas satisfatórias e evitar as desagradáveis;
• Replicabilidade – valorizam-se aquelas experiências que podem ser transferidas para outras situ-
ações de aprendizagem;
• Novidade – todo acontecimento ou conhecimento novo tende a ser mais bem aceito do que o
rotineiro e aborrecido;
• Resistência a mudanças – as situações que configuram mudanças na organização pessoal pré-
-estabelecida são percebidas como ameaças;
• Pluralidade de meios – a aprendizagem é tanto mais consistente, ampla e duradoura quanto mais
sentidos (visão, tato, olfato, audição, oralidade) forem mobilizados no processo;
• Desuso – uma informação não evocada ou não utilizada por longo tempo tende a cair em desuso
ou no esquecimento;
• Motivação – o ideal seria que cada pessoa pudesse definir seus objetivos de aprendizagem;
• Autoestima – a assimilação será melhor se a pessoa tiver um elevado conceito de sua capacidade,
se tiver segurança;
• Participação – a participação ativa no processo resulta numa assimilação mais rápida e duradoura.
Na atualidade, os princípios que regem a aprendizagem extrapolam os limites do professor e do
aluno, pois é necessário incluir também as diversas tecnologias de informação e comunicação (TIC) nesse
contexto. Tal realidade configura-se em um processo revolucionário que demanda de professores e alunos

70 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


uma nova postura frente ao “aprender a aprender”, que passa a ser entendido como aprendizado ao longo
da vida, como uma resposta às necessidades individuais e sociais. Nesse contexto:

Características são apontadas como sendo inerentes à informação – complexi-


dade, estabelecimento de novas conexões e atualização constante – e direcionam Salto para o Futuro é um
a uma nova concepção de Educação e a novas formas de ver a formação de programa de educação à
distância realizado pela TV
pessoas. Assim, não mais se deve pensar em dotá-las de saberes e técnicas básicas Escola (canal do Ministério
que prenunciem a preparação para a execução de tarefas pré-determinadas, de da Educação) junto com a
TV Brasil. Ele visa à forma-
natureza repetitiva e especializada. É preciso antes formar pessoas responsáveis ção continuada e ao aperfei-
pela sua autoformação, capazes de se atualizar constantemente e de aplicar suas çoamento de docentes, bem
como de alunos dos cursos
capacidades de autoaprendizagem, em contexto que se denomina como ‘life long
de magistério.
learning’. (BELLUZZO; KOBAYASHI e FERES, 2004, p. 83) O Boletim 16, intitulado
“EJA: Formação Técnica In-
A aprendizagem ao longo da vida está conectada ao uso (mas não apenas) das ferramentas tecnoló- tegrada ao Ensino Médio”
foi exibido entre 18/09/2006
gicas da informação, em um processo denominado information literacy ou competência em informação e 22/09/2006.
(CI), de acordo com Bernhard (2002, apud BELLUZZO; KOBAYASHI e FERES, 2004, p. 87). Esse processo É possível consultá-lo pelo
acervo do Salto para o Futu-
reflete as habilidades e os conhecimentos necessários para o uso dessas tecnologias, porém resguardando a ro, seja no site da TV Escola
capacidade de elaborar os significados a partir das informações disponibilizadas. Preservam-se, assim, as (http://tvescola.mec.gov.
br), seja no site da TV Bra-
condições humanas de identificar a relevância de tais informações, selecionar as fontes de pesquisa, definir sil (http://www.tvBrasil.
estratégias de busca, analisar e avaliar as informações obtidas para só então proceder à interpretação, à org.br/saltoparaofuturo) ou
síntese, à reformulação e à comunicação. ainda em publicação onli-
ne do MEC (http://www.
tvBrasil.org.br/fotos/salto/
series/141327Proeja.pdf).

2. Capacidade dos jovens e adultos para a aprendizagem


O texto a seguir foi extraído do Boletim 16 do programa Salto para o Futuro e caracteriza parte dos estu-
dantes da EJA e do PROEJA, modalidades que visam atender aos jovens e adultos que, por uma razão ou outra,
interromperam os seus estudos em algum período de suas vidas. Sugerimos que, após sua leitura e reflexão,
sejam formados grupos para discutir qual deve ser a participação do Estado (sentido amplo), dos setores educa-
cionais (público e privado) e de cada um de nós, profissionais e cidadãos, diante da situação exposta.

Esta concepção de uma educação integral e integrada precisa ser proporcionada


de forma pública, gratuita e com qualidade, tanto aos jovens egressos do Ensino
Fundamental – aqueles que estão na faixa etária denominada ‘regular’ – como
para os jovens e adultos que, quando estavam nessa faixa etária, não tiveram
oportunidade de acesso à escola ou dela foram expulsos por vários aspectos socio-
econômicos, dentre eles a busca pela sobrevivência.
Cabe destacar o conteúdo de preconceito que carrega essa expressão ’faixa etária
regular’, tão utilizada entre nós, inclusive no meio educacional. Essa expressão
traz consigo uma ideia que culpabiliza os jovens e adultos que não tiveram acesso
à escola, em geral por falta de oferta pública e gratuita, ou por sua inadequação
às características desses jovens. Assim, por contraste com a ideia de faixa etária
‘regular’, esses indivíduos são estereotipados como irregulares, à margem, como
se isso fosse opção, responsabilidade e culpa deles. [...]
Um agravante na realidade Brasileira diz respeito à presença forte de jovens na
EJA, em grande parte devido a problemas de não permanência e insucesso no
Ensino Fundamental ‘regular’. Embora se tenha equacionado praticamente o
acesso para todas as crianças, não se conseguiu conferir qualidade às redes para
garantir que essas crianças permaneçam e aprendam. Além disso, a sociedade
Brasileira não conseguiu reduzir as desigualdades socioeconômicas e as famílias
são obrigadas a buscar no trabalho das crianças uma alternativa para a composi-
ção de renda mínima, roubando o tempo da infância e o tempo da escola. Assim,
mais tarde, esses jovens retornam, via EJA, convictos da falta que faz a escolari-
dade em suas vidas, acreditando que a negativa em postos de trabalho e lugares

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 71


de emprego se associa exclusivamente à baixa escolaridade, desobrigando o
sistema capitalista da responsabilidade que lhe cabe pelo desemprego estrutural.
(MOURA, 2006, p. 4-6)

O público integrante da EJA é representado em parte por sujeitos marginalizados pelo sistema edu-
cacional, econômico, social, e que têm seus atributos sempre acentuados em consequência de alguns fa-
tores adicionais como raça, etnia, cor e gênero. São egressos do Ensino Fundamental, trabalhadores em
atividade ou não, que buscam na profissionalização alternativas para sua empregabilidade e, na escola, a
formação necessária para a compreensão do mundo, de sua inserção nesse espaço e das formas possíveis
de interação e intervenção para a melhoria da qualidade de vida, sua e de seu entorno.
Buscar uma educação de qualidade na formação de jovens e adultos, na modalidade EJA, impli-
ca reconhecer as características psicossociais e físicas desses educandos e a sua importância no processo
ensino-aprendizagem, uma vez que nessa larga faixa etária, ao contrário das crianças e adolescentes, não
se aplica mais o chamado “efeito esponja”.

Outro aspecto irrenunciável é o de assumir a EJA como um campo de conhecimento


específico, o que implica investigar, entre outros aspectos, as reais necessidades de aprendi-
zagem dos sujeitos alunos; como produzem/ produziram os conhecimentos que portam,
suas lógicas, estratégias e táticas de resolver situações e enfrentar desafios; como articular
os conhecimentos prévios produzidos no seu estar no mundo àqueles disseminados pela
cultura escolar; como interagir, como sujeitos de conhecimento, com os sujeitos profes-
sores, nessa relação de múltiplos aprendizados; de investigar, também, o papel do sujeito
professor de EJA, suas práticas pedagógicas, seus modos próprios de reinventar a didática
cotidiana, desafiando-o a novas buscas e conquistas. (MOURA, 2006, p. 13)

Durante muito tempo, acreditou-se que o adulto tinha menos capacidade de aprender, e que a situ-
ação tendia a se agravar com o passar dos anos. Hoje, sabe-se que tal afirmação é infundada e que adultos
podem aprender tanto quanto os jovens, embora em ritmos diferentes, demandando estratégias e métodos
mais direcionados a sua condição etária. Alguns fatores menos favoráveis, como memória prejudicada e
menor rapidez, são compensados por exatidão e segurança na aprendizagem, decorrentes de sua experi-
ência de vida. Sua capacidade de aprender aumenta à medida que pode participar da organização de sua
aprendizagem. Essa organização, no entanto, pode tornar mais lento o processo de aprendizagem devido
ao número de informações acumuladas a serem manejadas e revistas. “Embora seu processo de aprendiza-
gem seja, por isso, mais lento, é mais seguro, posto que os conhecimentos e a informação prévia permitirão
hierarquizar a nova informação” (SÃO PAULO, 2002a).

3. Desenvolvimento intelectual e afetivo no jovem e no adulto


Nenhuma pessoa nasce completa e acabada. Nasce pequena e cresce. Nasce frágil
e se fortalece. Nasce desconhecendo e conhece. É o processo do desenvolvimento
humano. (Lobo Neto et al. 2002c, p.53).

É importante compreender como se processa o desenvolvimento humano na faixa etária da popu-


lação participante do EJA: os jovens e os adultos. Gould (1978, apud SÃO PAULO, 2002b), delimitou sete
estágios para o desenvolvimento da personalidade da pessoa adulta. Cabe observar que o autor considera
“adulta” a pessoa a partir dos 18 anos, portanto, dentro de um conceito de maioridade civil. Podemos
consequentemente aplicar também o termo “adulto” para nossos “jovens” participantes da modalidade
PROEJAque, além da maioridade civil, sabemos, são detentores de histórias de vida e de trabalho precoce
que os torna equivalentes aos adultos.

72 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Transformações da personalidade adulta, segundo Gould, R. (1978).

ESTÁGIO IDADE CARACTERÍSTICAS

1 18 Desejo de independência do controle dos pais.

2 19-22 Desligamento da família e valorização do grupo de com-


panheiros.

3 23-28 Desenvolvimento da independência através do compro-


misso com o trabalho, com o matrimônio e com os filhos.

4 29-34 Questionamento da própria identidade, confusão de pa-


péis no trabalho, no matrimônio, etc.

5 35-43 Período de urgência para alcançar os objetivos de vida.


Consciência de que o tempo se acaba. Readaptação dos
objetivos.

6 44-53 Acomodação. Aceitação da própria vida.

7 53-60 Aumento da tolerância. Aceitação do passado. Menos


negativismo. Maturação geral.

FONTE: SERT. MODELOS PEDAGÓGICOS NA INTERVENÇÃO COM PESSOAS ADULTAS. (SÃO PAULO, 2002B)

Entretanto, como não se pode desprezar a influência cultural, social e familiar sobre cada indivíduo, esses
estágios são variáveis em relação às faixas etárias descritas pelo autor, em função da sociedade em que as
pessoas estão inseridas.

Desenvolvimento biossocial, cognitivo e psicossocial de jovens e adultos


As tabelas a seguir resumem as características básicas do processo de desenvolvimento de jovens e
adultos nos aspectos biossocial, cognitivo e psicossocial.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 73


O desenvolvimento humano dos 20 aos 40 anos de idade.
Biossocial Cognitivo Psicossocial
Conforme MAGALHÃES
e GOMES (2005), generati- Crescimento e saúde O pensamento adulto Intimidade
vidade é um termo descrito
por Erik H. Erikson (1902- Manutenção e aumento do vigor À medida que o jovem assume A necessidade de socialização
1994), psiquiatra alemão ra- físico até cerca de 30 anos. Bom responsabilidades com a famí- é satisfeita pelos amigos e, fre-
dicado nos Estados Unidos,
como a preocupação com o
funcionamento do organismo. lia, profissão e grupo social, seu quentemente, por compromisso
desenvolvimento da comu- Quase não se pode perceber o pensamento tende a se tornar com um(a) parceiro(a). O curso do
nidade e o bem-estar das início de declínio da reserva dos mais prático e dialético, adaptan- casamento depende de vários fa-
gerações futuras. Para ele,
nossa cultura atribuiria à ati- órgãos e da acuidade sensorial. do-se ao contexto. Como resulta- tores como a existência de filhos,
vidade profissional o maior do, considera os diversos pontos suas idades e se as necessida-
valor como contribuição in-
dividual para o bem-estar da de vista, estabelece parâmetros des e interesses do(a) parceiro(a)
sociedade. e reforça o compromisso com divergem ou convergem com o
suas convicções. passar do tempo. A separação,
quando ocorre, tem forte influên-
O termo parentalidade, cia social e cultural.
proposto em 1961 pelo psi- Diferenças de sexo e de Os efeitos da educação
quiatra francês Paul Clau- Generatividade
de Racamier (1924-1996), é gênero permanente
utilizado para referir-se às Para ambos os sexos, a respon- As pesquisas indicam que, atu- A necessidade de realização pode
funções parentais (maternas
e paternas), as quais extra- sabilidade sexual permanece almente, é a maior faixa etária ser atendida pessoalmente atra-
polam o fator biológico, de elevada na fase adulta, e os pro- de universitários, com foco na vés da parentalidade (biológica ou
acordo com Danielle Ditt-
mers (28.mar.2007). blemas de fertilidade aumentam carreira e na situação financeira. não) e profissionalmente, desde
com a idade. Embora doenças Há que se considerar ainda que que a pessoa visualize as mudan-
sejam raras, nesse período da a frequência à escola favorece ças pelas quais passa o mundo do
A inteligência fluida, segun- vida a pessoa pode optar por o crescimento cognitivo da pes- trabalho, mantendo-se, portanto,
do a educadora Kathleen
condutas de risco, muitas vezes soa, pela prática da socialização flexível e atualizada com as de-
Stassen Berger, abrange os
processos cognitivos que estimuladas pelos padrões so- de ideias e realidades diferentes. mandas e tendências do mercado.
estão relacionados com o ciais vigentes, como o uso abu- As diversas experiências de vida
sistema nervoso central. Re-
fere-se aos processos cogni- sivo de drogas lícitas ou ilícitas e profissional, familiar e social
tivos de raciocinar, construir dietas destrutivas. também influenciam no desen-
conceitos e fazer inferências.
Com a idade, a deterioração volvimento cognitivo.
do sistema nervoso central
provoca a perda dessas ca- FONTE: BERGER, 2003 APUD CAMPOS, 2007, P.328.
pacidades.

O desenvolvimento humano dos 40 aos 60 (ou mais) anos de idade.

Biossocial Cognitivo Psicossocial


Já a inteligência cristalizada
é constituída pelas capacida-
Mudanças durante a meia-
des relacionadas à cultura e Mudanças normais A inteligência adulta
à educação da pessoa, como idade
a linguagem oral, escrita, o
domínio de conhecimentos,
Pele, cabelos e forma do corpo so- Algumas aptidões intelectuais A meia-idade se caracteriza mais
a capacidade de adaptação frem as mudanças que, embora nor- se aprimoram com a idade, en- por estabilidade do que por mu-
a mudanças, a resolução de mais, podem ser perturbadoras. A quanto outras, diminuem. Geral- danças na personalidade. Essas
problemas, as habilidades
sociais, etc. Ainda de acordo perda de acuidade visual e auditiva mente a inteligência fluida dimi- mudanças resultam das mudanças
com Berger, as capacidades é gradual e tende a ser compensada nui e a inteligência cristalizada históricas e de esforços pessoais
da inteligência cristalizada
podem ser estimuladas e com recursos tecnológicos. aumenta. Reações são mais em prol do autoaperfeiçoamento.
potencializadas através do lentas, porém mais profundas.
processo de ensino-apren-
dizagem e das experiências
vivenciadas.

74 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Dinâmica familiar na meia-
O sistema de reprodução sexual Habilidades e trabalho
idade
No final da faixa dos 40 anos e início A longa vivência prática define Livres da responsabilidade de
dos 50, as mulheres passam pelo áreas específicas de interesse criar filhos, em geral os adultos de
climatério, com adaptação do corpo do adulto, o que resulta na mo- meia-idade desenvolvem relações
às mudanças de níveis hormonais. tivação para desenvolver novas agradáveis com seus filhos adul-
A menopausa representa o térmi- habilidades e conhecimentos, tos e com os netos, e muitas vezes
no potencial do ciclo reprodutor da além de complementar os já ainda são requisitados para aten-
mulher. Os homens não sofrem uma existentes. O trabalho continua der e cuidar das gerações mais
redução drástica nos hormônios ou a ser fonte de desgaste ou de novas. Os casamentos tendem a
na sua capacidade reprodutora, mas afirmação, na meia-idade. Che- se tornar menos conflituosos.
ocorre também, como na mulher, ga a aposentadoria, o que tanto
uma gradual diminuição da resposta pode resultar na permanência
sexual. na atividade laboral, como pode
abrir perspectivas para traba-
lhos de meio período, amplian-
do o convívio com a família e os
amigos. É também o momento
de o indivíduo desenvolver habi-
lidades nunca antes imaginadas,
tornando-se cozinheiro, escritor,
mecânico de automóveis, etc.

FONTE: BERGER, 2003 APUD CAMPOS, 2007, P.332.

Havemos de considerar, ainda, que a faixa etária acima dos 60 anos está cada vez mais presente nos IBGE-PNAD: Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatís-
sistemas educacionais, justificando inclusive a criação de cursos formais (universidades da terceira idade) tica/Pesquisa Nacional por
e não formais (inclusão digital). Amostra de Domicílios. Ob-
tém informações anuais sobre
A Organização das Nações Unidas (ONU), em relatório de fevereiro de 1999, já afirmava que o en- características demográficas e
socioeconômicas da popula-
velhecimento representaria uma realidade a ser enfrentada por todas as sociedades. A projeção era de que, ção, tendo os domicílios como
em 2050, o contingente de idosos no mundo chegasse a dois bilhões de habitantes. unidade de coleta.
www.ibge.gov.br
No Brasil, de acordo com dados do IBGE-PNAD, em 2002, 16 milhões de pessoas tinham 60 anos
ou mais, o equivalente a quase 9% da população nacional. Em 2011, esse número saltou para 23,6 milhões,
de maneira que os idosos já representavam praticamente um quarto da população Brasileira, confirmando
as tendências do envelhecimento no país. Sendo a expectativa de vida média do Brasileiro de 69 anos, (65
para homens e 73 para mulheres), a previsão para 2025 é de mais de 31 milhões de pessoas com mais de
60 anos.
Assim, é razoável considerar que também o público do PROEJAcontará com uma parcela significa-
tiva de participantes idosos, que desejam ou precisam retornar ao mercado de trabalho, por necessidades
sociais, econômicas ou pessoais.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 75


Segundo França e Stepansky (2005), o fenômeno do slowing of behaviour, ou lentidão do agir,
estudado pelo gerontólogo americano James Birren, é uma característica do processo de envelhecimento,
interferindo no processo cognitivo em dois aspectos. Por um lado, ela amplia a capacidade em pontos
como método, pontualidade, rigidez, concentração, disciplina, prudência, vocabulário, memória para fatos
passados, paciência e exatidão. Mas, por outro lado, reduz outros, como a acuidade dos sentidos (audição,
visão, olfato e tato), a precisão manual, flexibilidade, rapidez, energia e a memória para fatos recentes.
Baltes (1991), citado por França e Stepansky (2005), define a forma de gerenciar os fatores do proces-
so de envelhecimento através do que categoriza como seleção, otimização e compensação. A seleção refe-
re-se às perdas ou reduções ocorridas no slowing of behaviour; a otimização, aos aspectos que enriquecem
e favorecem as capacidades cognitivas; já a compensação refere-se à capacidade de adaptação compensa-
tiva das capacidades perdidas ou diminuídas. Dessa forma, “o desenvolvimento para toda a vida inclui
a otimização seletiva com compensação [...]. Isso prevê o engajamento em tarefas que sejam importantes,
apesar da consciência da redução da energia”.

Interferências e dificuldades na aprendizagem dos adultos


O conceito de educação de adultos emergiu apenas no século XX, quando se considerou que o adulto
é um indivíduo que já detém um corpo de conhecimentos pautado em princípios e nas experiências viven-
ciadas. Até então, aplicavam-se aos adultos as mesmas metodologias utilizadas para crianças, nas mesmas
instalações e equipamentos físicos e seguindo as mesmas organizações curriculares e administrativas.
A ONU, através da UNESCO, enfatiza a importância do desenvolvimento do adulto por meio da
educação em todos os níveis. As Conferências Internacionais sobre Educação de Adultos (CONFITEAs)
configuram-se como um dos principais mecanismos de articulação mundial da educação de adultos.
Segundo Ludojoski (1972), citado por Vogt e Alves (2005), a educação de adultos extrapola a ins-
trução do adulto, “pois permite ao sujeito a transcendência, na medida em que cria neste a capacidade de
operar livremente na direção da verdade, do bem e da beleza que conhece”.
A Declaração de Hamburgo2, redigida na V CONFITEA, em 1997, afirma que:

2. A educação de adultos [...] torna-se mais que um direito: é a chave para o


século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para
uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento
a favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da
igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de
ser um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violên-
cia ceda lugar ao diálogo e à cultura da paz baseada na justiça. A educação ao
longo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos fatores, como idade,
igualdade entre os sexos, necessidades especiais, idiomas, culturas e disparidades
econômicas.
[...] 5. Os objetivos da educação de jovens e adultos, vistos como um processo de
longo prazo, desenvolvem a autonomia e o senso de responsabilidade das pessoas
e das comunidades, fortalecendo a capacidade de lidar com as transformações
que ocorrem na economia, na cultura e na sociedade como um todo; promove a
coexistência, a tolerância e a participação criativa e crítica dos cidadãos em suas
comunidades, permitindo assim que as pessoas controlem seus destinos e en-
frentem os desafios que se encontram à frente. É essencial que as abordagens re-
ferentes à educação de adultos estejam baseadas no patrimônio cultural comum,
nos valores e nas experiências anteriores de cada comunidade, e que estimulem
o engajamento ativo e as expressões dos cidadãos nas sociedades em que vivem.
(UNESCO, 1999, p.19-20)

2
Cf. UNESCO, 1999. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf

76 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


O adulto é uma pessoa autônoma, capaz de tomar decisões responsáveis prevendo seus efeitos. Com
suas características de autonomia e responsabilidade, torna-se uma pessoa cuja experiência adquirida se
interpõe a sua aprendizagem.
Entretanto, apesar de ter igual capacidade de aprendizagem em relação a outras pessoas mais jo-
vens, não é fácil envolvê-lo na dinâmica da aprendizagem permanente. É importante conhecer suas ca-
racterísticas pessoais e sociais, uma vez que poderão interferir no processo de formação. Segundo a SERT,
alguns dos aspectos a serem considerados são:

O leque de expectativas é reduzido. As grandes metas sonhadas em períodos


anteriores desaparecem; pretende uma formação utilitarista e pragmática.
Desaparece a insaciável curiosidade de períodos anteriores. No entanto,
buscará oportunidades de aprendizagem dependendo das possíveis mudanças em
sua vida.
Muda seu autoconceito no que se refere às suas capacidades intelectuais.
Ele mesmo considera que algumas de suas capacidades diminuíram. No entanto,
seu autoconceito é mais organizativo, pois percebe a experiência como um todo
organizado. (SÃO PAULO, 2002a)

O adulto é o sujeito de sua própria aprendizagem, ou seja, toma suas próprias decisões ao selecionar
meios, organizar seu tempo, escolher os lugares e, se possível, os objetivos que deve atingir e os conteúdos
que quer aprender.
Segundo González e Gisbert (1990, p. 7-9), os objetivos de aprendizagem do adulto são eminente-
mente práticos: o que se aprende deve ter utilidade para sua vida pessoal, profissional, familiar ou social.
Conhecer a experiência de aprendizagem do adulto pressupõe abordar três aspectos: o início do processo,
ou as razões que levam o adulto a buscar a escola; o decorrer do processo, ou como se relaciona com as
situações de aprendizagem e, finalmente, o que espera no final do processo.
O processo inicia, portanto, com a decisão tomada pelo adulto de se incorporar ao sistema educa-
cional. Essa decisão é voluntária, embora sofra interferências externas, seja da família, seja do meio social,
seja do trabalho. Caso não seja bem compreendido, o sentimento de insegurança frente a uma nova situa-
ção e a um novo ambiente poderá, desencorajá-lo, por exemplo, ao ser corrigido em público. Muitos têm
lembranças de experiências negativas vividas em seus tempos de escola, e podem ver as novas situações
através de um filtro de ideias pré-concebidas, assumindo atitudes de desconfiança e comportamentos me-
nos participativos.
Como já foi mencionado anteriormente, na aprendizagem do adulto, não há uma redução das apti-
dões intelectuais, mas uma mudança das estruturas que permitem organizar as tarefas e informações frente
a uma nova situação, rearranjando o novo a partir das aquisições anteriores. Confrontado de imediato com
situações que demandam memorização ou esforços intelectuais grandes como, a leitura e interpretação de
um texto com muitas páginas, os adultos tendem a desistir do desafio, principalmente se não veem fina-
lidade nele. Não nos esqueçamos de que eles são portadores de ricas experiências vividas e da sabedoria
popular. Assim, são “uma fonte privilegiada e importante de motivações e referências para a escolha das
estratégias metodológicas que vão ser utilizadas [pelo professor]” (SÃO PAULO, 2002a).
Em condição de aprendizagem, o adulto tende a se interessar mais pelos fatos e pelas situações da
vida real, utilizando experiências anteriores, do que pelo teórico e abstrato. Quando expresso claramente o
que se pretende, motiva-se espontânea e intensamente, buscando chegar até o final da atividade proposta.
É prudente em manifestar suas opiniões, omitindo-se quando não está seguro. Deve, portanto, ser esti-
mulado, mas não desafiado. Em um clima favorável, vai se sentir à vontade para fazer todas as perguntas
necessárias para seu esclarecimento. A interdisciplinaridade é facilmente absorvida dada a ampla e variada
experiência adquirida. Entretanto, essa mesma experiência pode virar um obstáculo à medida que novos
conceitos a contradigam. Esse conflito produz resistência à mudança, resistência essa que tende a aumentar
com a idade.
Finalmente, a expectativa do adulto é de que, no final do processo, “ao sair da escola”, tudo que

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 77


É essencial conhecer os alu- aprendeu possa servir para melhorar sua vida social, profissional, familiar e pessoal. Nem sempre essa
nos, ouvi-los e considerar
suas histórias e seus saberes, perspectiva prioriza o lado econômico-financeiro, havendo, em muitos casos, a expectativa de conquistar
bem como suas condições respeitabilidade como ser humano. Não lhe interessa “saber por saber”. Em resumo,
concretas de existência. “As-
sim, a educação [...] deve
compreender que os sujei- [...] aprender a ser mais capaz no plano intelectual. Com bom aproveitamento,
tos têm história, participam
de lutas sociais, têm nome e não lhe importa o sacrifício, ele o relaciona com maiores possibilidades de bem-es-
rostos, gêneros, raças, etnias tar. No complexo mundo do conhecimento, ele quer ter claras as metas, sobretudo
e gerações diferenciadas. O
saber situar-se com respeito a elas. Finalmente, sempre admira aquelas pessoas
que significa que a educação
precisa levar em conta as que se expressam bem, que têm facilidade para fazê-lo. Ele quer conseguir formas
pessoas e os conhecimentos de expressão que lhe enriqueçam e não se esquecer delas com facilidade. (SÃO
que estas possuem” (Brasil,
2005, p.17). PAULO, 2002a)

4. Princípios formativos na educação de jovens e adultos


Segundo Mehlecke e Tarouco (2003), aprendemos melhor quando “vivenciamos, experimentamos,
sentimos, relacionamos e estabelecemos vínculos” ou, de acordo com Moran,

Aprendemos realmente quando conseguimos transformar nossa vida em um


processo permanente, paciente, confiante e afetuoso de aprendizagem. [...] perma-
nente, porque nunca acaba. Paciente porque os resultados nem sempre aparecem
imediatamente e sempre se modificam. Confiante, porque aprendemos mais se te-
mos uma atitude confiante, positiva, diante da vida, do mundo e de nós mesmos.
Processo afetuoso, impregnado de carinho, ternura e compreensão, porque nos
faz avançar muito mais. (2002, apud MEHLECKE e TAROUCO, 2003, p.4-5)

Na modalidade EJA não se deve perder de vista (como já afirmado anteriormente) que o estudante
não é objeto, mas sujeito do processo de aprendizagem. Assim, é papel do educador

proporcionar situações de ensino e aprendizagem nas quais eles mesmos [os edu-
candos] possam organizar seu estudo (princípio do estudo autônomo). O próprio
estudo não é iniciado e dirigido por eventos expositivos e receptivos ritualizados,
mas, sim, por meio de discussão e interação (princípio do estudo por meio de
comunicação e interação). (PETERS, 2001, apud MEHLECKE e TAROUCO,
2003, p.2)

O trabalho constitui o princípio formativo na educação de jovens e adultos. De acordo com Moura
(2006, p. 15), é necessário o “entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana
pelo trabalho: ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem”, ou seja, não se trata apenas
de formação para o mercado de trabalho, mas da formação integral como forma de compreender e se com-
preender no mundo.
Para finalizar, é necessário enfatizar que uma das características da educação de jovens e adultos é
basear-se em ações que venham a responder a situações de diferentes ordens colocadas pelo sistema socio-
político-econômico como um todo ou por organizações, grupos e pessoas. Esta articulação entre educação
de adultos e desenvolvimento local determina outros princípios a serem considerados, os quais, segundo
Canário (1999), são seis:
1o. O adulto deve ser visto como uma pessoa com experiências de vida e profissional que não podem
ser desprezadas. É fundamental considerar o modo como ele se forma, ou seja, “o modo como ele se apro-
pria do seu patrimônio vivencial através de uma dinâmica de compreensão retrospectiva”;
2o. Deve-se considerar a existência de três dimensões do saber que determinam a transformação in-
dividual: o saber, o saber fazer e o saber ser. Assim, o indivíduo torna-se o agente de sua própria formação,
definindo como e quando deve ocorrer esse processo;

78 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


3o. O jovem ou adulto trabalhador tem sua formação relacionada com seu ambiente de trabalho e Educação de adultos e for-
mação de adultos são pala-
com sua atividade profissional. É importante que se estabeleça uma efetiva parceria entre os formadores, vras utilizadas indiscrimina-
os estudantes, as instituições e instâncias profissionais; damente por alguns autores,
enquanto outros preferem a
4o. A formação deve desenvolver-se articulando “permanentemente reflexão e intervenção”; expressão educação de adul-
tos. Rui Canário (1999) uti-
5o. O ambiente deve propiciar o desenvolvimento das competências necessárias para mobilizar, em liza as duas, mas estabelece
inicialmente que “educação”
situações concretas, os recursos teóricos e técnicos adquiridos no processo de ensino-aprendizagem; refere-se à alfabetização e ao
ensino recorrente, enquanto
6o. O ser humano tem capacidade de superar as limitações impostas pelas condições humanas, so- que “formação” está associa-
ciais e econômicas pelas quais passou. da à formação profissional.
Por outro lado, a Conferên-
cia de Nairobi, realizada em
1976, dá uma conotação mais
ampla à “educação de adul-
tos”, que passa a ser definida
como “todos os processos or-
ganizados de educação qual-
quer que seja o conteúdo, o
nível ou método”.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 79


Capítulo 3

Planejamento e práticas de ensino


É importante ter claro o desafio do caráter multidimensional da proposta peda- [...] a parceria que se estabe-
lece entre os protagonistas
gógica, que deve dar conta de cobrir conteúdos e funções da educação básica e da (gestores, professores, alunos)
educação profissional, simultaneamente. Além das implicações decorrentes dessa da comunidade escolar pode
facilitar a busca de soluções
associação, é importante atinar para a característica também plural da Educação que permitam viabilizar a
de Jovens e Adultos, já que ela lida com diferentes estilos cognitivos e de apren- realização de novas práticas
dizagens, situação complexa em si para a organização do processo pedagógico e pedagógicas, tendo em vista
a aprendizagem para a vida.
para a formação de professores que atuam nesse campo. (PRADO, 2005, p.14)

Lucília Machado (2006, p. 41)

Definir e elaborar propostas pedagógicas na modalidade PROEJAé, sem dúvida, um desafio para
gestores e docentes, pois se trata de considerar e conviver com a pluralidade e a complexidade dos estu- – Você poderia me dizer, por
dantes, com seus diferentes estilos cognitivos e de aprendizagem. favor, qual o caminho para
sair daqui?
Estando o projeto pedagógico assentado no trabalho como princípio educativo, a metodologia de – Depende muito de onde
você quer chegar
projetos passa a assumir papel relevante, embora não único, uma vez que “as competências são construí- – disse o Gato.
das somente no confronto com verdadeiros obstáculos, em um processo de projeto ou resolução de proble- – Não me importa muito
onde...
mas”, conforme Perrenoud (1999b, p.69).
– disse Alice.
– Nesse caso não importa por
Há que se considerar, ainda, os diversos níveis de projetos no processo educacional: o projeto políti- onde você vá
co-pedagógico, o projeto de gestão escolar, o projeto do curso, o projeto de trabalho docente, os projetos de – disse o Gato.
sala de aula, os projetos dos alunos. Todos devem estar articulados, contando com a coautoria dos diversos (CARROLL,1980, p.82)

protagonistas envolvidos. Dessa passagem do romance


Alice no país das maravilhas,
Não se pretende, neste capítulo, apresentar modelos prontos de planejamento de ensino ou de mé- escrito pelo inglês
todos e técnicas para aplicação em sala de aula. Pretende-se, sim, suscitar, provocar reflexões sobre o que Lewis Carroll (1832-1898),
depreendeu-se o ditado: para
pode facilitar e colaborar para que o trabalho docente seja eficaz e possa atender às expectativas dos estu- quem não sabe aonde quer ir,
dantes, já que eles também são atores no processo de ensino-aprendizagem. qualquer caminho serve.
Por outro lado, para quem
Segundo Piconez (2003), cursos bem planejados e organizados, ministrados por professores capacitados e, sabe aonde quer chegar, vá-
rios caminhos são possíveis.
principalmente, interessados, tendem a ser mais bem aceitos pelos adultos. As ações didáticas, quando envolvem
os alunos no trabalho intelectual, criam condições incentivadoras, motivando-os para que sejam agentes de seu pró-
prio desenvolvimento. Esse é um pressuposto fundamental: a participação do jovem e do adulto no planejamento e
na orientação dos componentes e projetos curriculares.
Nesse contexto, ganha uma importância ainda maior um diagnóstico que seja fruto do esforço con-
junto entre docentes e discentes e que busque propiciar a escolha dos temas mais significativos e dos mé-
todos e estratégias mais favoráveis ao processo de ensino-aprendizagem.
Como já foi mencionado, o desejo de saber, o sucesso pessoal, o desempenho e a necessidade de
realização, a interação com a família e com o grupo social ou profissional são alguns dos estímulos para
jovens e adultos que buscam o PROEJA. Assim, também os aspectos interiores que movem o aluno em di-
reção ao enfrentamento de uma nova situação escolar devem ser considerados na elaboração da proposta
pedagógica do professor, conforme definem os princípios da Andragogia.
O planejamento está também vinculado à estrutura escolar, muitas vezes engessada pela organiza-
ção de horários, pelos recursos humanos insuficientes, pela heterogeneidade de públicos na mesma escola
(ensino médio, cursos técnicos, EJA, PROEJA, etc.), e até, em alguns casos, por salas de aula e mobiliário
inadequados para os educandos.
Tal contexto deverá ser considerado pelo professor na elaboração de seu plano de trabalho docente
(PTD). Propostas educacionais inovadoras, adequadas à sociedade contemporânea do conhecimento e da
tecnologia, poderão ser inviabilizadas se as condições reais do ambiente de trabalho não forem compatí-
veis. Caberá à equipe docente, a partir desse ponto, definir o que será mais adequado para as condições
reais da escola, do grupo de estudantes e das próprias características de cada professor.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 81


1. Educação profissional e educação básica
Trata-se do trabalho “O
currículo de Matemática
do PROEJA: um estudo de Integração entre educação profissional e educação básica: enfoque PROEJA
caso no CEFETSC de Flo-
rianópolis”, apresentado à Iniciado como um programa que visava unir o curso de Ensino Médio de Jovens e Adultos (EMJA)
Associação Nacional de Pós-
-Graduação e Pesquisa em com os cursos profissionalizantes já existentes nas Escolas Técnicas Federais, o PROEJAampliou seus limi-
Educação, em 2006. tes através de parcerias com governos estaduais e municipais e com instituições educacionais particulares,
Disponível em: http://
w w w. a n p e d . o r g . b r /
buscando, assim, atender à forte demanda por essa modalidade de ensino. As experiências mais sistemati-
reunioes/30ra/posteres/ zadas, portanto, encontram-se nas Escolas Federais e nos Centros de Educação (CEFETs).
GT18-3359--Int.pdf
Uma pesquisa desenvolvida por Lisani G. W. Coan no CEFETSC de Florianópolis apontou para alguns
aspectos do ensino de matemática no PROEJA, analisando inclusive o atendimento às expectativas dos edu-
candos envolvidos. O estudo pode ser relacionado, com algumas ressalvas inerentes às especificidades de cada
região e de cada caso, com as condições gerais encontradas no estado de São Paulo.
Decreto nº 5.840/2006- Insti-
tui, no âmbito federal, o Pro- Entre os resultados da pesquisa apresentados pela autora, destaca-se a necessidade de integrar o
grama Nacional de Integra-
ção da Educação Profissional
programa do ensino médio com o do ensino técnico, estabelecendo-se objetivos gerais comuns que extra-
com a Educação Básica na polem a mera superposição de componentes curriculares e conteúdos.
Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos – PROEJA, Na medida em que o Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006, explicita que as organizações curri-
e dá outras providências. Cf.
culares do programa, em cada unidade de ensino, têm de atender às diretrizes de todas as modalidades
Brasil, 2006, p. 7. Disponível
também em: <http://www. educacionais, ou seja, da educação básica, da educação profissional e da EJA. Deve ser consenso que os
planalto.gov.br/ccivil_03/_ professores assumam a importância de selecionar “o que” e “como” desenvolver suas atividades docentes,
ato2004-2006/2006/decre-
to/D5840.htm> considerando a utilidade e o valor social de seu componente curricular. Utilidade, ao centrar o ensino nos
temas que dizem respeito à vida do aluno; e valor social, ao proporcionar condições para o entendimento
dos fatores que interferem no cotidiano, desenvolvendo o espírito crítico e a cidadania.
Miguel Arroyo (1996), citado por Antônia Vitória Soares Aranha (2002), defende que a educação de jo-
vens e adultos deve abranger, além da educação básica e profissional, também a sindical, garantindo o acesso
aos saberes socialmente construídos, aos quais muitas vezes o educando não tem. Ele afirma:

Educar em qualquer instituição ou área nada mais é do que contribuir no processo de


Assim, quanto às desigual- humanização. Processo sobre o qual todos têm o mesmo direito, os trabalhadores também.
dades de conhecimento e No mesmo campo devemos situar a formação sindical. Situados nesse campo, teríamos
de competências, a escola
que colocar, como questão comum, para onde avançar a consciência dos direitos. Os
dramatiza-as, amplia-as e
põe as exigências escolares e direitos não são estáticos, eles se alargam com o movimento social. (p. 53)
suas hierarquias de excelên-
cia ao serviço das exigências As considerações acima reforçam o conceito de que educação é mais do que escola para todos, ou
que a sociedade, isto é, as
classes dirigentes impõem. E seja, mais do que escolarização e instrução. É o compromisso com a formação do indivíduo, para que este
os tratamentos que a escola desenvolva a compreensão de sua realidade e possa transformá-la, através de sua qualificação e profissio-
tende a dar a essas diferen-
ças, logo que as dificuldades nalização para a inserção e permanência no mundo do trabalho..
de progressão dos alunos se
confirmam, são a reprovação
– ou, quando muito, o apoio
pedagógico ou o atendi-
mento médico-pedagógico.
2. Pedagogia diferenciada
(PERRENOUD, 2000b
As estatísticas atestam a desigualdade social diante da educação escolar, da justiça,
da saúde, da participação política, do emprego ou da moradia. Não explicam, porém,
seus mecanismos. Na escola, eles se tornaram, com o desenrolar das reformas, mais
sutis. Todos são escolarizados com a mesma idade, na mesma rede e, por isso, parecem
ter as mesmas chances de êxito. [...] Pedagogias diferenciadas, zonas prioritárias de
educação, individualização dos percursos de formação, de criação de ciclos de apren-
dizagem e de trabalho pedagógico em equipe: eis as diretrizes das políticas atuais de
luta contra o fracasso escolar. [...] Por que essas intenções louváveis não operam os
milagres esperados? [...]

82 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Absurdo ensinar a mesma coisa no mesmo momento, com os mesmos métodos, a
alunos muito diferentes. (PERRENOUD, 2000b, p.72)

[...] sob certos aspectos, as suposições de muitos educadores contemporâneos em


relação às crianças da classe operária são muito semelhantes. Essa opinião se origina,
em parte, da maneira pela qual o ‘problema’ é conceptualizado: por que as crianças
dos grupos mais pobres de nossa sociedade não têm o desempenho que deveriam ter?
A principal suposição relaciona-se com o conhecimento escolar: as crianças da classe
operária, como os ‘primitivos’, não teriam os instrumentos conceptuais para com-
preender as formas de conhecimento que resultam historicamente no conhecimento
escolar. (SARUP, 19803 apud BARATO, 1999)

Diante das exigências de saberes renovados, em uma sociedade em transformação, o público do


PROEJAapresenta-se nas escolas com toda sua diversidade de cultura, conhecimento, conceitos e vivências
pessoais, familiares e de trabalho. Esse aspecto já foi amplamente tratado nos capítulos anteriores, mas
deve ser salientado neste momento, pois, para atender às necessidades e expectativas dos alunos, a Peda-
gogia Diferenciada assume um papel fundamental, não como fórmula, mas como atitude do professor e Cf. Ferrari (2007), em me-
da própria escola frente às particularidades dos alunos, buscando métodos e estratégias didáticas que não ados do século XVII, ele já
tratem todos como uma pessoa igual. defendia o direito universal
à educação e o respeito às
crianças como seres huma-
As pedagogias diferenciadas já eram focalizadas por Comênio desde o século XVII, ao afirmar que a
nos dotados de inteligência,
educação deve ser acessível a todos os homens desde que a escola crie condições para tratar das diferenças aptidões, sentimentos e li-
entre eles. Entretanto, apenas no final da década de 1970, essa questão passa a ser tratada de forma sistemá- mites, concepções de ensino
que só ganhariam fôlego
tica, especialmente, com a apresentação de teses e práticas de pedagogos da Europa e dos EUA. no mundo ocidental após a
Revolução Francesa (1789-
José B. Duarte, em sua revisão temática4 a respeito das obras de Jean-Pierre Astolfi (em especial, 1799).
L’école pour aprendre), e de Phillipe Perrenoud (La fabrication de l’excellence scolaire: du curriculum aux pratiques
de l’évaluation; A pedagogia diferenciada: das intenções à ação), esclarece diversos aspectos dessa pedagogia, par-
tindo da análise de que a própria organização escolar é fator de influência no fracasso escolar ao separar a escola
da sociedade. Duarte ressalta que um dos desafios mais difíceis é a mudança profunda da escola através da
organização de procedimentos como agrupamento de alunos e horários de aulas, na busca pela “concretização
de dispositivos que respondam às diferentes expectativas e necessidades [...] em termos de uma aprendizagem
duradoura e da sua intervenção na sociedade” (DUARTE, 2004, p. 34).
A postura do professor, sob a perspectiva da Pedagogia Diferenciada, é, acima de tudo, que ele não
se conforme com o mínimo, ou seja, não estabeleça aprioristicamente limites de aprendizado para alguns
alunos. Os dois autores, de acordo com Duarte, afirmam que a todos os alunos é possível a apropriação
de noções-chave dos programas das disciplinas e dos cursos, com as quais eles poderão, em situação real,
identificar e propor soluções para problemas.
Astolfi institui o termo “diferenciação pedagógica” em substituição à Pedagogia Diferenciada, pois,
em sua opinião, esse termo enfatiza a diversidade das práticas pedagógicas, enquanto que “pedagogia
diferenciada” pode levar à interpretação de ser esta um novo método pedagógico.
É necessário, nessa concepção, que os professores variem o máximo possível suas atividades, méto-
dos e instrumentos, atentando para a não exclusividade metodológica.
Segundo Duarte, Astolfi, propõe uma sequência de cinco polos alternativos para contrapor à aplicação de
uma única modalidade didática. Os polos podem ser reconhecidos como modelos ou métodos de ensinar. A numera-
ção do autor não pretende estabelecer uma sequência hierárquica sobre os polos, mas ampliar sua variação didática:

3
Cf. SARUP, M. Marxismo e educação: abordagem fenomenológica e marxista da educação. Rio de Janeiro: Zahar,
1980.
4
Cf. DUARTE, J.B. Pedagogia diferenciada para uma aprendizagem eficaz: contra o pessimismo pedagógico, uma re-
flexão sobre duas obras de referência. In: Revista Lusófona de Educação, vol. 4, 2004, p. 33-50. Disponível em: <http://
recil.ulusofona.pt/bitstream/handle/10437/1409/Educacao04_Duarte.pdf?sequence=1>

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 83


Polos alternativos de aprendizagem
1. Exploração de situações para introdução de diversos aspectos conceituais em jogo nessa situação
– trata-se de observar e identificar situações reais, do cotidiano e mesmo vivenciadas pelos próprios
alunos.
2. Aquisição de conhecimentos, em aprofundamento de determinados conceitos vindos das situa-
ções observadas ou evocadas por elas – o professor deverá identificar, das situações tratadas, aque-
las que poderão ser mais bem trabalhadas, pesquisadas, enfim, aprofundadas quanto aos conceitos
científicos relacionados.
3. Apropriação metodológica, com frequentes interações didáticas, em que cada proposta dos alunos é escu-
tada, discutida, validada ou refutada pelo mestre, para aprendizagem de um determinado método (observa-
ção, experimentação, estudo de texto, pesquisa documental ou outros) – é realmente valorizar a opinião dos
alunos e deve-se salientar que a validação, recusa ou mesmo a melhoria da intervenção do aluno poderá ser
realizada pelo grupo, e não apenas pelo “mestre”.
4. Transposição de um obstáculo em que se trabalha um “nó de dificuldades” de modo a conduzir
os alunos a um progresso intelectual decisivo que tornará mais fáceis outras aquisições pontuais – os
obstáculos e as dificuldades devem ser entendidos como estímulos para professores e alunos.
5. Produção a realizar, cujo produto final é um ”móbil” determinante para o processo, em que cada
membro do grupo faz o que melhor sabe fazer, e esse processo serve, no mínimo, para automatizar
competências em alguns alunos e desenvolvê-las em outros, pela interação – o trabalho em equipe,
com objetivo comum, permitirá o compartilhamento dos conhecimentos entre os diferentes.

CF. DUARTE, 2004, P. 36.

O autor comenta, ainda, os três fundamentos que, de acordo com Astolfi, formam a base da peda-
Philippe Meirieu, educador
francês que associa, através gogia diferenciada:
de seus postulados, demo-
cracia e pedagogia e afir-
ma que “toda criança, todo 1. O primeiro fundamento tem por base uma política educativa de
homem é educável”. Para inspiração igualitária: ‘a diferenciação está ligada ao cuidado de fazer
conhecer mais o pensamen-
to de Meirieu, sugerimos a
trabalhar em conjunto alunos de níveis diferentes, no seio de grupos
leitura de Relatório Meirieu: heterogêneos5.
para a reforma do ensino
médio na França. Tradução
de José Adelmo Guimarães.
2. O segundo fundamento é que o conhecimento da diversidade de esti-
Brasília: Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas. 1999. los cognitivos permite o conhecimento de entradas para a diversificação
Disponível para download didática.
no Portal Domínio Público,
do Ministério da Educação:
<http://dominiopublico.
mec.gov.br> 3. O terceiro, mais decisivo, é de fundo ético, e repousa sobre o postulado
da educabilidade, que o autor adota de Meirieu: ‘numa atitude sistemá-
tica, procurar incansavelmente encontrar um caminho possível para a
aprendizagem, mesmo depois de tudo ter falhado’. Por outras palavras,
por mais carente que seja o aluno, ele poderá começar a aprender desde
que se lhe proporcionem condições adequadas.

(CF. DUARTE, 2004, P. 39.)

Esses três fundamentos dizem respeito à necessidade de se cuidar das diferenças entre os alunos,
numa perspectiva de, conhecendo-as efetivamente, poder selecionar, planejar e aplicar metodologias didá-
ticas adequadas para atingir os objetivos educacionais propostos de uma forma mais abrangente.
Perrenoud, por sua vez, chama a atenção para a “indiferença frente às diferenças” (2000b, p. 9), ou
seja, para a responsabilidade da escola – e aqui podemos ampliar para sistema educacional – que, ao igno-

5
Cf. ASTOLFI, J.P. L’école pour aprendre. Paris: ESF Editeur, 1995, p. 193.

84 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


rar as desigualdades culturais dos alunos, transformam-nas em desigualdades de aprendizagem e de êxito
escolar. Afirma, ainda, que não é possível esperar por condições ideais, a serem proporcionadas pelo(s) Entendemos que a peda-
governo(s), para iniciar as ações visando a mudanças no quadro de fracasso escolar. gogia é a filosofia, ciência e
a técnica da educação. Do
O insucesso escolar é uma realidade já vivenciada por boa parte dos alunos que buscam na EJA e no grego: pais, paidós = criança.
Agein = conduzir. Logos =
PROEJAnovas oportunidades de estudo e de escolaridade. São portadores de baixa autoestima, pois creem tratado, ciência. Ficando bem
que são incapazes de aprender, cabendo ao professor (e ao sistema escolar), conforme Perrenoud, propiciar caracterizada pelo seu objeto:
situações fecundas de aprendizagem, uma vez que foi o próprio sistema escolar que produziu essa situa- criança. Andragogia, termo
empregado pela primeira vez
ção, e não as dificuldades do aluno. O autor afirma que “o insucesso não é consequência lógica da falta de pelo educador francês Pierre
cultura, de conhecimentos ou de competência. Essa falta é sempre relativa a uma classificação, ela própria Furter, é a filosofia, ciência e a
técnica da educação de adul-
ligada a formas e a normas de excelência escolar, a programas, a níveis de exigências, a procedimentos de tos (do homem). É a filosofia,
avaliação” (idem, p.22). ciência e a técnica da educa-
ção do ser humano adulto.
A identificação das diferenças deve ser efetuada através da “regulação interativa” (ALLAL, 1988, Do grego: andros = homem.
Agein = conduzir. Logos =
citado por DUARTE, 2004, p. 43), colocando os alunos em situações de aprendizagem para, a partir daí, tratado, ciência. (PICONEZ,
diferenciar tratamentos e atendimentos. É preciso evitar grupos de níveis estáveis, ou seja, que os grupos 2003, p. 4)
reunidos por necessidades eventuais permaneçam indefinidamente agrupados.
Do ponto de vista de aplicação prática da pedagogia diferenciada, Perrenoud afirma que é possível
trabalhar com as heterogeneidades aplicando e desenvolvendo dispositivos:
• de autoformação e de trabalho autônomo;
• de formação mútua;
• de funcionamento em grupos de necessidades, de projetos e de níveis;
• de auxílio metodológico e de análise das práticas;
• de orientação e de acompanhamento das pessoas;
• de mobilização de recursos externos (intervenientes e tecnologias multimídias);
• de regulação e de avaliação das progressões. (2000b, p. 93-94)
Tais dispositivos buscam favorecer o estudante na condução de seu processo de aprendizagem. En-
tretanto, esse autor enfatiza também que:

Individualizar jogando com os dispositivos não se limita a oferecer escolha entre


opções. Mesmo nesse âmbito, a livre escolha não é uma garantia de diferenciação.
Quando os alunos podem, por exemplo, escolher entre diversos ateliês ‒ canto,
dança, escrita, jogos dramáticos, informática, etc. ‒ cada um tende a optar pelo
domínio no qual tem menos necessidade de formar-se, porque nele o risco de
fracasso é menor, e o investimento é mais moderado. Os estudantes, frequente-
mente, fazem escolhas limitadas, impostas pelas condições de exercício de seu
ofício. A autorregulação funciona ao preço de uma espécie de lucidez sobre o
equilíbrio entre os desejos e as necessidades, lucidez esta que os formadores têm a
obrigação de favorecer. Portanto, não basta oferecer atividades opcionais; importa
é contribuir com escolhas eficazes, fundamentadas em uma autoavaliação realista
e em uma estratégia coerente de formação. (idem, p. 94)

Aos dispositivos acima relacionados é pertinente agregar procedimentos para dar condições ao alu-
no de ler e escrever eficazmente, de tomar notas, de fazer resumos, de sintetizar, de identificar pontos
principais e secundários em qualquer texto. Trata-se de desenvolver as competências básicas para então
partir para as mais complexas.
A esse respeito, Perrenoud destaca que as competências básicas são fundamentais para a transferên-
cia de uma para outras situações, estimulando o aluno a pensar autonomamente e a buscar soluções para
problemas diversos.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 85


Como proceder, no entanto, em situação real com um grupo heterogêneo de alunos? Um dos dis-
positivos propostos por Perrenoud é a formação mútua ou aprendizagem cooperativa. Duarte afirma que:

Da nossa experiência, a relutância de alguns alunos com bom aproveitamento


em aceitar cooperar com alunos menos credenciados foi ultrapassada quando
verificaram que, ao terem de reformular em termos mais simples noções suposta-
mente já adquiridas, essas mesmas noções ficavam clarificadas também para eles
mesmos. (2004, p. 48)

Esses dispositivos apontam, mais uma vez, para o professor: Duarte considera “inútil pensar a dife-
renciação de um ponto de vista estritamente cognitivo, pois aí importam também emoções e relações inter-
Howard Gardner é um psi- subjetivas” (idem, p. 46). Estas, além de intersubjetivas, trazem nuances interculturais, familiares, etárias,
cólogo americano ligado à de gênero, etc.
Universidade de Harvard e à
Universidade de Boston, co- Segundo Gardner (1995), são sete os tipos de inteligência que compõem o ser humano: a linguística,
nhecido especialmente por
sua teoria das inteligências a lógico-espacial, a matemática, a visual-espacial, a sinestésica, a musical, a interpessoal e a intrapessoal.
múltiplas. Para se conhecer Na escola, em geral se valorizam as inteligências linguística e matemática, levando aqueles alunos com
melhor seus estudos, sugeri-
mos a leitura de: maior desenvolvimento em outro tipo de inteligência a ter menos sucesso escolar. É importante que o pro-
• GARDNER, H. Inteligên- fessor considere e busque identificar e valorizar as competências e inteligências predominantes ou mais
cias Múltiplas: a teoria na
prática. Tradução: Maria
evidentes em seus alunos, ponto-chave para a educação baseada nos diferentes estilos de aprendizagem.
Adriana Veríssimo Veronese.
Porto Alegre: Artmed, 1995.
• GARDNER, H. Estruturas
da mente: a teoria das inteli-
gências múltiplas. Tradução:
3. Andragogia
Sandra Costa. Porto Alegre:
Artmed, 1994.
• GARDNER, H. Mentes O processo de ensino-aprendizagem da pessoa adulta
que criam: uma anatomia
da criatividade observada
através das vidas de Freud, [Educação de adultos] denota o conjunto de processos educacionais organizados, seja
Einstein, Picasso, Stravinsky, qual for o conteúdo, nível e método, quer sejam formais ou não, quer prolonguem
Eliot, Graham e Gandhi. Tra-
dução: Maria Adriana Vero-
ou substituam a educação inicial nas escolas, faculdades e universidades, bem como
nese. Porto Alegre: Artmed, estágios profissionais, por meio dos quais pessoas consideradas adultas pela sociedade
1996.
a que pertencem desenvolvem suas habilidades, enriquecem seus conhecimentos,
• GAMA, M. C. S. S. A teoria
das inteligências múltiplas e melhoram suas qualificações técnicas ou profissionais ou tomam uma nova direção
suas implicações para a edu- e provocam mudanças em suas atitudes e comportamentos na dupla perspectiva de
cação. Revista Temas sobre
desenvolvimento, v. 3, n.1, desenvolvimento pessoal e participação plena na vida social, econômica e cultural,
p. 4-9, 1993. Disponível em: equilibrada e independente; contudo, a educação de adultos não deve ser considerada
<http://www.homemde-
mello.com.br/psicologia/
como um fim em si, ela é uma subdivisão e uma parte integrante de um esquema glo-
intelmult.html> bal para a educação e a aprendizagem ao longo da vida. Extraído da Recomendação
de Nairóbi sobre o Desenvolvimento da Educação de Adultos, de 1976 (UNESCO,
2010, p. 13).

Do ponto de vista conceitual, Stela Piconez (2003) afirma que o adulto, além das caracterizações
etárias (situa-se entre a adolescência e a velhice) e legais (atingiu a maioridade, tornando-se livre de tutelas
e responsável por seus atos diante da sociedade), é o sujeito que, fundamentalmente, atingiu equilíbrio
de personalidade, aceita responsabilidades, sendo capaz de entender objetivamente o mundo e os acon-
tecimentos da vida. Esse indivíduo desenvolveu a capacidade de generalizar, julgar, deduzir e induzir,
seguindo uma linha de raciocínio. É, portanto, de acordo com a autora, a pessoa considerada como “ser
histórico que, herdeiro de sua infância, saído da adolescência e a caminho da velhice, continua o processo
de individualização de seu ser e de sua personalidade” (p. 2).
A teoria da andragogia foi sistematizada pelo pesquisador americano Malcolm S. Knowles (1935-
1997) na década de 1970. Para caracterizar o aprendizado de pessoas adultas, Knowles considera que o
adulto é autodirecionado, responsável pelas decisões que toma e que, portanto, necessita de programas
adaptados a essas características. Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem deve privilegiar o pro-
cesso, e não o conteúdo, e o educador deve adotar o papel de facilitador, orientador e fonte, em vez de agir

86 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


como instrutor ou conferencista.
Knowles introduziu como princípios da andragogia:
a) a necessidade de o professor envolver os alunos no planejamento e na avaliação de seus progra-
mas de aprendizagem;
b) a consciência de que toda experiência (positiva ou negativa) deve servir de base para a aprendi-
zagem e, portanto, deve ser explorada pelo professor;
c) o reconhecimento de que, para o aluno, despertam mais interesse os assuntos que têm relevância
em sua vida profissional, social ou pessoal;
d) a ciência de que o aprendizado do adulto é centrado no problema, e não no conteúdo.
Esses princípios são fundamentais para o planejamento docente, criando uma atmosfera de adultos
na qual predomina o respeito mútuo em um ambiente agradável e informal.
Segundo a SERT (SÃO PAULO, 2002a) e Oliveira (1999), para que o processo de ensino-aprendiza-
gem da pessoa adulta se desenvolva, devem ser consideradas, ainda, algumas premissas:
• A decisão de aprender – é uma decisão voluntária e individual, determinada por fatores diversifi-
cados, mas raramente pela “vontade de aprender” pura e simples.
• A orientação para a aprendizagem – as experiências de aprendizagem que o adulto busca têm de
ser práticas e possíveis de aplicação na vida pessoal, familiar, social ou profissional.
• As características do adulto – o adulto é uma pessoa que, em ambiente favorável, geralmente
se empenha para a aprendizagem. Entretanto, é preciso considerar que muitos têm lembranças de
experiências desagradáveis ou frustrantes vividas em tempos de escola, podendo apresentar resis-
tência a novas situações.
• A experiência acumulada – é central no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que estabele-
ce os padrões de conduta, favoráveis ou não. Pode ser fator determinante para a predisposição do
aluno em participar de um programa ou atividade.
• A prontidão para a aprendizagem – a vivência permite que o adulto construa, estruture e aplique
o que aprendeu à vida prática. No entanto, é também possível que, no processo, surjam situações
de conflito entre os conceitos já consolidados e os novos, levando a uma resistência natural às mu-
danças.
• A motivação – a maior motivação é a perspectiva de que haverá melhoria na sua vida. O desem-
penho escolar (notas, conceitos) torna-se para o adulto pouco relevante se esse fato não implicar de
alguma forma na melhora de sua qualidade de vida.
Os princípios da andragogia, assim como as premissas elencadas anteriormente, devem sempre ser
considerados na definição das metodologias dos cursos da modalidade PROEJA, subsidiando o planeja-
mento docente e a aplicação de métodos, técnicas e estratégias curriculares.

4. Planejamento de ensino
Os dois grandes males que debilitam o ensino e restringem seu rendimento são a
rotina, sem inspiração nem objetivo, e a improvisação dispersiva, confusa e sem
ordem. O melhor remédio contra esses dois grandes males é o planejamento.

(MATTOS, 1960, p.139)

Pretende-se aqui enfatizar o planejamento docente. Ele deve ser entendido como parte do processo
de planejamento educacional concretizado no plano escolar da unidade.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 87


O Documento Base do PROEJA6 destaca que o projeto político-pedagógico do programa deve ser
único, elaborado conjuntamente pelas diversas instituições engajadas na proposta, com a finalidade de
garantir que o conceito de currículo integrado seja incorporado de forma clara por todas as instituições:

O que se pretende é uma integração epistemológica, de conteúdos, de metodolo-


gias e de práticas educativas. Refere-se a uma integração teoria-prática, entre o
saber e o saber-fazer. Em relação ao currículo, pode ser traduzido em termos de
integração entre uma formação humana mais geral, uma formação para o ensino
médio e para a formação profissional. (Brasil, 2007, p. 41)

A Instituição Escolar que oferece cursos do PROEJAdeve, ao elaborar a sua Proposta Político-Peda-
gógica, representada no plano escolar, construí-la coletiva e participativamente, valorizando os diferentes
saberes no processo educativo e tendo o trabalho como princípio educativo. É importante salientar, mais
uma vez, que tal princípio vai além da preparação para o trabalho, referindo-se à constituição do ser hu-
mano como sujeito de sua vida.
Para tanto, ao elaborar seu plano escolar, a escola deve priorizar abordagens integradas e integra-
doras, a interdisciplinaridade, a contextualização e a pertinência dos conteúdos, reforçando sua relevância
social e ética.
De acordo com Anthony
Giddens (2005), o sociólo- Não se pode ignorar, também, que o processo de ensino-aprendizagem não acontece apenas no es-
go inglês Basil Bernstein paço escolar, mas em “espaços físicos diferenciados envolvendo métodos e tempos próprios” (idem, p. 52),
(1924-2000) afirmava que
existiriam dois códigos de ou seja, os saberes são construídos em todos os ambientes sociais e profissionais e em todos os momentos,
linguagem: o código restri- extrapolando os limites da instituição escolar. Tal situação pode levar à elaboração de um calendário esco-
to, orientado por normas
adotadas pela família e pelos
lar mais flexível que poderá considerar as diversas especificidades como, por exemplo, a sazonalidade de
grupos sociais com os quais atividades produtivas e a alternância de turnos de trabalho.
a pessoa convive e que não
conduz nem facilita a elabo- A flexibilidade no planejamento visa também a propiciar ao aluno condições para que ele relacione
ração verbal das diferenças
individuais e de juízos; e o
as atividades desenvolvidas na escola, os saberes incorporados com os diversos aspectos presentes em sua
código elaborado, mais aca- vida pessoal, social e profissional, reconstruindo o conhecimento e mobilizando competências cognitivas
dêmico, um discurso em que e afetivas.
os significados das palavras
podem ser individualizados
Para a equipe escolar, o planejamento integrado é importante para que não ocorra uma indesejável
para satisfazer às demandas
de situações específicas, nas dicotomização de áreas de conhecimento, tampouco a predominância de uma área sobre outra. As especi-
quais os significados são lin- ficidades de cada área devem ser agregadas para a compreensão do todo, compondo o perfil de conclusão
guisticamente explicitados
e independem do contexto, do curso.
sendo, portanto, acessíveis a
qualquer pessoa. Uma vez definido o programa do curso e o programa básico de cada componente curricular, cabe ao
professor planejar o seu trabalho docente. Esse planejamento deve levar em consideração a necessidade de
relacionar e inter-relacionar o código restrito, proveniente do contexto sociocultural de origem do aluno, e
o código elaborado, priorizado pela escola.

SCALABRIN, Ana Carla. Re- O planejamento docente não deve deixar de considerar, além de seus fundamentos básicos, os aspec-
flexões sobre a aplicação de tos da abordagem andragógica, principalmente no que se refere a respeitar as experiências acumuladas, e
princípios da andragogia a
um programa de integração
à tendência a um processo de aprendizagem autodirecionado. Scalabrin (2006) relaciona sete pontos-chave
de empregados recém-con- aos quais o professor que planeja seu curso, componente curricular ou aula deve dar atenção:
tratados a ambientes organi-
zacionais. • Cuidar do ambiente, no sentido de estabelecer um clima propício para o aprendizado: o arranjo de mesas
Trabalho apresentado à Fa-
culdade de Economia e Ad-
e cadeiras deve facilitar a interação das pessoas, assegurando um ambiente de respeito e colaboração. Prestar
ministração da Universidade atenção às condições de higiene, iluminação e ventilação, buscando deixá-las as mais agradáveis possíveis.
de São Paulo, s. d.
Disponível em: <http:// • Envolver o grupo no planejamento dos objetivos e das atividades, para que se comprometam com
w w w. e a d . f e a . u s p . b r /
o seu próprio processo de aprendizagem.
semead/9semead/resul-
tado_semead/trabalhos-
PDF/151.pdf>
6
Cf. Brasil (2007). Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. PROEJA: Programa nacional de integração da
educação profissional com a educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos: educação profissional
técnica de nível médio / ensino médio: Documento Base. Brasília: MEC/SETEC. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/setec/arquivos/pdf2/proeja_medio.pdf>

88 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


• Realizar com os participantes o diagnóstico de suas necessidades de aprendizagem, estimulando No Documento Base do
a reflexão sobre o que é de maior interesse, sobre o que está faltando e quais os pontos a serem aper- PROEJA, o Ministério da
Educação destaca a ”forma-
feiçoados.
ção integral do educando”
como a “educação básica só-
• Firmar com o grupo um “contrato de aprendizagem”, no qual fiquem definidas as metas a serem lida, em vínculo estreito com
atingidas, os recursos necessários, as formas e os critérios de avaliação. a formação profissional. [...]
A formação assim pensada
• Estimular todo e cada participante na estruturação de seus planos de aprendizagem, a partir do contribui para a integração
social do educando, o que
contrato estabelecido. compreende o mundo do
trabalho sem resumir-se a
• Auxiliá-los na implementação de seus planos de aprendizagem, disponibilizando as ferramentas ele, assim como compreende
necessárias. a continuidade de estudos.
Em síntese, [...] a formação
• Envolver os participantes na avaliação de seu aprendizado, tanto em relação aos objetivos (já esta- de cidadãos-profissionais
capazes de compreender a
belecidos coletivamente) como quanto à qualidade e à validade do aprendizado. realidade social, econômica,
política, cultural e do mundo
do trabalho, para nela inse-
rir-se e atuar de forma ética
Os pontos acima indicam a ênfase dada ao envolvimento e à participação dos aprendizes na fase de e competente, técnica e po-
planejamento e a importância de se atender a suas necessidades específicas. A autora afirma, ainda, que “uma liticamente, visando à trans-
formação da sociedade em
aprendizagem eficaz orienta-se pelos insights [atinos, percepções súbitas] do aprendiz e não do facilitador, sendo, função dos interesses sociais
desta forma, não diretiva e possuindo, consequentemente, uma relativa baixa estruturação” (idem, p. 6). e coletivos especialmente os
da classe trabalhadora” (Bra-
O material pedagógico, produzido ou não pelo próprio professor, deve ser adequado às faixas etá- sil, 2007, p. 35).
rias dos alunos, ao seu perfil sociocultural e às demandas de uma educação profissional atualizada e de
qualidade. Materiais didáticos prontos devem ser passíveis de adequação e devem ser enriquecidos com
atividades complementares de desenvolvimento cultural, científico e humano relacionadas com a realida- Segundo Foresti (2007), me-
de do trabalho, sempre que possível. todologia é o conjunto de
métodos utilizados para
atingir um determinado ob-
jetivo. Quando aplicado ao

5. Métodos e técnicas de ensino para a construção de trabalho pedagógico, é um


conceito que não se restrin-
ge à forma de desenvolver
competências com enfoque no PROEJA a aula ou aplicar uma prá-
tica na sala de aula ou fora
dela. Portanto, é ir além da
Para o desenvolvimento de competências profissionais e pessoais com foco na “formação integral ação mecanicista, com uma
do educando”, metodologias, métodos e técnicas devem ser mobilizados. De acordo com os Referenciais definição clara dos fins que
pretendemos alcançar, le-
Curriculares Nacionais da Educação Profissional, vando em conta o público-
-alvo composto de jovens
e adultos reingressando no
As competências enquanto ações e operações mentais articulam os conheci- ambiente escolar, com sua
mentos (o ‘saber’, as informações articuladas operatoriamente), as habilidades bagagem diversificada de
conhecimentos, experiên-
(psicomotoras, ou seja, o ‘saber fazer’, elaborado cognitiva e socioafetivamente) e cias, dificuldades e crenças;
os valores, as atitudes (o ‘saber ser’, as predisposições para decisões e ações, cons- ou seja, metodologia tem
um sentido mais amplo do
truídas a partir de referenciais estéticos, políticos e éticos) constituídos de forma
que ser apenas “o conjunto
articulada e mobilizados em realizações profissionais com padrões de qualidade de métodos e técnicas para
requeridos, normal ou distintivamente, das produções de uma área profissional. se alcançar um determinado
objetivo.
(Brasil, 2000b, p. 10) Método pode ser entendi-
do como o caminho para se
Nesse contexto, a seleção do conjunto de práticas pedagógicas a serem adotadas em um curso, em chegar a um determinado re-
sultado, o modo de proceder,
um módulo ou ainda em um componente curricular deve estar plenamente articulada com as realidades ou ainda uma série de opera-
profissionais do curso oferecido e condicionada à concepção pedagógica e à visão de educação, de homem ções a realizar visando a um
produto específico.
e de sociedade sustentadas pelo professor. Lembramos que o professor deve ter cuidado para não se dei- Técnica, segundo Sanz
xar levar pelo “tecnologismo”, concentrando demasiada energia no computador, na internet, nos recursos (2006), é o “conjunto de pro-
audiovisuais e midiáticos atuais. “Giz e quadro negro ainda têm sua função e relevância, assim como o cessos por meio dos quais
se realiza uma função que
ajudará a alcançar o objeti-
vo estratégico que o método
busca” (p.39).

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 89


Cf. Ferrari (2007), o grego hábito de caminhar com os alunos pelo campo ou pelas ruas da cidade, dialogando sobre situações atuais
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.)
ou apenas filosofando, como Aristóteles” (BELEZIA, 2007, p. 226).
é, até hoje, um dos filósofos
mais influentes do pensamen-
to ocidental. Considerado
Um aspecto fundamental na seleção de métodos para um curso profissionalizante integrado ao en-
fundador da lógica, também sino médio e voltado à construção de competências é assumir que não será possível atingir os objetivos
contribuiu para o campo da propostos de forma compartimentalizada, como tradicionalmente se faz. Os componentes curriculares, as
educação com suas obras a
respeito de ética e política. práticas profissionais, as atividades extracurriculares, tudo deve fazer parte de um conjunto que se con-
Aristóteles acreditava que o venciona chamar currículo. Assim, o currículo deixa de ser unicamente uma justaposição ou uma grade de
objetivo da educação era a
virtude, ou excelência moral. disciplinas para tornar-se um conjunto de componentes que dialogam e interagem interdisciplinarmente.
Segundo o filósofo, a virtude
não seria um dado da natu- Alguns componentes do currículo têm interfaces claras, outros não. Entretanto, quase sempre é possível estabele-
reza de cada um, mas uma cê-las, se estamos diante de professores que sentem a necessidade de extrapolar os limites de sua área de conhecimento.
prática, a qual, por meio da
repetição, deveria se tornar É importante estimular no estudante uma atitude positiva em relação ao processo de ensino-aprendiza-
um hábito. Ele acreditava que
educar para a virtude tam- gem. Para isso, sugerimos que as seguintes orientações metodológicas sejam incorporadas à proposta docente:
bém era educar para se viver
bem – “e isso queria dizer,
entre outras coisas, viver uma
1. Valorizar suas [dos alunos] experiências e contribuições, aumentando
vida prazerosa” (idem). Nessa sua autoestima;
perspectiva, Aristóteles criou
o método peripatético, ou pe-
ripatetismo. De acordo com o 2. Tratar o aluno em termos de igualdade. Formador e aluno têm igual-
dicionário Houaiss, o termo
deriva do grego peritatéō, que
mente o que “ensinar” e o que “aprender”;
significa “passear, ir e vir con-
versando” – maneira como ele
costumava discutir filosofia 3. Respeitar suas individualidades. Cada problema, necessidade e conhe-
com seus alunos nos jardins cimento do adulto é, de alguma forma, diferente de outro adulto, porque
do Liceu, escola que fundou a
335 a.C., em Atenas.
baseada em vivências próprias;

De acordo com os Parâmetros 4. Estabelecer pontes entre os conhecimentos prévios e os novos, organi-
Curriculares Nacionais do zando estes em unidades assimiláveis e encadeadas;
Ensino Médio, o conceito de
interdisciplinaridade se fun-
damenta no fato de que “todo
conhecimento mantém um di-
5. Fornecer ao adulto o conhecimento prévio dos objetivos, metodologia,
álogo permanente com outros organização didática e proposta do módulo, e durante o processo deve
conhecimentos, que pode ser contribuir de forma consensual;
de questionamento, de confir-
mação, de complementação,
de negação, de ampliação, de
iluminação de aspectos não
6. Propiciar a participação do adulto na avaliação é fundamental, deven-
distinguidos” (Brasil, 2000, do a autoavaliação ser parte do processo educacional;
p. 75).

7. Reconhecer o êxito do aluno nas atividades realizadas e, em caso nega-


tivo, dar a conhecer os pontos a serem melhorados;

8. Estimular atividades criativas e de aplicação cooperativa no grupo, e


ao mesmo tempo estimular a autonomia de cada um. Potencializar pro-
cedimentos de trabalho baseados no protagonismo dos alunos de maneira
que manifestem a seus companheiros o que foi elaborado pessoalmente,
ou seja, seus pensamentos, suas ideias e suas reflexões. (SÃO PAULO,
2002a)

O trabalho pedagógico não deve ser pensado a cada aula, mas considerando o conjunto de aulas, os
diversos componentes do currículo ou disciplinas, ou mesmo a totalidade de um curso com vistas ao pro-
fissional a ser formado. Nessa concepção, o trabalho interdisciplinar é fundamental, no sentido de que as
disciplinas participam, influenciam e cooperam para o desenvolvimento das competências do ser humano
e de determinada habilitação profissional. Não é suficiente que as disciplinas ou componentes curriculares
contribuam umas com as outras. É preciso que, efetivamente, caminhem juntas para o perfil e as atribui-
ções do profissional e cidadão que o curso está formando.
Segundo Klein (2008), mais do que pedagogia interdisciplinar ou metodologia interdisciplinar, é

90 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


fundamental que o professor tenha o que Ivani Fazenda (1995) chama de “atitude interdisciplinar” (p. Atitude interdisciplinar é a
“atitude de busca de alter-
119). As especificidades dos cursos ligados à modalidade PROEJAdemandam atuações docentes em situ- nativas para conhecer mais
ações de sala de aula e de ambientes profissionais – como oficinas, laboratórios e campo – que reforcem a e melhor, atitude de espera
perante os atos consumados;
importância dessa predisposição interdisciplinar. atitude de reciprocidade,
que impele à troca, ao diálo-
Resumindo, cada método e cada técnica selecionados devem levar em consideração, num primeiro go com pares idênticos, com
momento, que o professor não deve aplicá-los apenas por modismo, por sua atualidade. É importante que pares anônimos ou consigo
mesmo; atitude de humil-
o docente se sinta seguro e confortável e que conheça seus próprios limites e crenças. Deve ainda consi-
dade diante da limitação
derar o contexto, isto é, a proposta pedagógica da escola e do curso, os recursos disponíveis e os possíveis do próprio saber; atitude de
de se obter, os objetivos específicos do módulo e do conjunto de aulas, e mesmo o contexto externo repre- perplexidade ante a possibi-
lidade de desvendar novos
sentado pelas expectativas da comunidade, das empresas e dos empregadores. E, por último, mas não saberes, atitude de desafio
esgotando o tema, considerar o que os alunos esperam alcançar, quais suas crenças, motivações, condições diante do novo, desafio
de redimensionar o velho;
físicas e intelectuais do momento, cultura, etc. atitude de envolvimento e
comprometimento com os
A motivação existe dentro das pessoas e se manifesta a partir de suas necessidades individuais, projetos e as pessoas neles
direcionando o comportamento do indivíduo diante das diversas situações da vida. Estímulos ou pressões implicadas; atitude, pois, de
compromisso de construir
externas podem aumentar o desejo de aprender, mas não são suficientes. É preciso que a pessoa queira sempre da melhor forma
aprender. Assim, a motivação não é um complemento do processo de ensino-aprendizagem, mas sua con- possível; atitude de respon-
dição indispensável. sabilidade, mas, sobretudo,
dealegria, de revelação, de
encontro, enfim, de vida”.
(Cf. FAZENDA, 1994, apud
Entendido desta forma, o problema da motivação torna-se bastante complexo, QUELUZ, 2008, p. 159)
pois o professor só conseguirá de fato motivar seus alunos se for capaz de desper-
tar seu interesse pela matéria que está sendo ministrada. Ou quando for capaz
de demonstrar que aquilo que está sendo ensinado é necessário para os alunos
alcançarem os seus objetivos. (GIL, 2005, p.59)

Em outras palavras, nenhum objeto atrai da mesma forma indivíduos diferentes. O desafio do professor
é, portanto, buscar fontes de motivação para cada tema, que possam estimular os diferentes alunos a mobiliza-
rem esforços para atingir os objetivos propostos. Valorizar a participação dos alunos no planejamento, escolher
metodologias e métodos instigadores e utilizar técnicas adequadas são alguns meios para isso.
Doll e Da Rosa (2004, p.37-38) destacam os aspectos que devem ser considerados pelo professor ao
definir seus métodos de trabalho:

a) Diferenças entre os alunos – aspecto já discutido anteriormente, porém


aqui se acrescenta a escolaridade, representada não apenas pelo grau (ou
nível) de estudo, mas também pelo tempo decorrido desde a última vez
que muitos frequentaram a escola regular ou os cursos supletivos.

b) Interesses, características pessoais e necessidades dos professores – em


geral, o professor aplicará em sua prática docente métodos com os quais
se sente mais confortável e seguro, muitas vezes reproduzindo procedi-
mentos aprendidos com seus próprios mestres.Entretanto, é fundamental
que ele assuma uma postura proativa para o aprendizado de novos mé-
todos e técnicas, inclusive daqueles baseados em tecnologias da informa-
ção. Influenciarão também, nessa opção metodológica, suas característi-
cas pessoais: formação, valores, ideologia e a própria concepção de como
se efetua o processo de formação ou construção dos conhecimentos.

c) Os diferentes canais de comunicação – é fundamental que o professor


pesquise as inúmeras possibilidades dos canais de comunicação dispo-
nibilizados, desde a linguagem oral, passando pela linguagem escrita,
música, imagem, entre outras. Essa prática permitirá que os métodos de
ensinar tradicionais se alternem com outros, pretensamente modernos,
tornando as aulas menos cansativas ou tediosas, principalmente quando
se recorda de que o pelo público-alvo é composto por pessoas que, mui-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 91


Utilizamos o termo “projeto
pedagógico” de acordo com
os Referenciais Curriculares tas vezes, vêm para a escola após sua jornada de trabalho.
Nacionais de Educação Pro-
fissional de Nível Técnico,
d) Foco na autonomia e emancipação do aluno – os métodos didáticos
que define: “conceitualmente,
projeto pedagógico refere- devem visar à participação responsável do aluno, motivando e esti-
-se ao componente do plano mulando competências essenciais como a criatividade, a criticidade e a
educacional ou do projeto de
trabalho da unidade escolar proatividade.
que define ou explicita os
elementos de sua arquitetu- e) Diferentes formas sociais de trabalho – não se devem focalizar apenas
ra pedagógica. A opção pela formas coletivas de trabalho. A construção do conhecimento e das com-
adoção da denominação,
generalizada hoje, de projeto petências passa por variadas formas de organização e subordinação do
pedagógico, com significado trabalho, seja pela construção compartilhada entre grupos de diferentes
mais amplo e equivalente a
plano educacional ou pro- tamanhos, seja por momentos de interiorização e, portanto, de individu-
jeto de trabalho da unidade alidade.
escolar, justifica-se pela posi-
ção central e nuclear que as f) O projeto pedagógico da escola e a especificidade do componente
questões pedagógicas devem
ter na concepção da proposta curricular, do projeto ou do tema abordado – o professor poderá definir,
educacional como um todo e de preferência em conjunto com a equipe de professores, a metodologia
no encaminhamento dos tra-
balhos, tendo as demais deci- a adotar, porém esta deve estar articulada com a proposta pedagógica de
sões e ações um papel subsidi- sua escola. Da mesma forma, os métodos e técnicas pedagógicos a serem
ário” (Brasil, 2000a, p. 19).
aplicados nos projetos e nas aulas devem ser compatíveis com a metodo-
logia proposta.

Não se pretende aqui apresentar uma listagem completa de métodos e técnicas para o professor apli-
car em sala de aula. Trata-se, muito mais, de resgatar algumas formas de trabalho pedagógico que muitos
docentes experientes já utilizam ou utilizaram no seu trabalho didático, e de disponibilizar ainda algumas
ferramentas no intuito de ampliar as opções para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendiza-
gem. Entretanto, qualquer que seja o método selecionado, o professor deve conhecer os potenciais e as
limitações dele. Por exemplo, uma exposição oral tem função de transmitir informações; o trabalho em
grupo, de mobilizar o raciocínio analítico, o relacionamento social, a avaliação e a solução de problemas;
já um trabalho individualizado visa à reflexão, à interiorização de conceitos e ao estabelecimento de juízos
A prática pedagógica ou próprios. Os três métodos são importantes, válidos e complementares.
prática docente engloba as
diversas formas de trabalho
Na sequência, serão apresentadas algumas práticas pedagógicas, lembrando que sua aplicação deve
docente. Essas denominações
são utilizadas, aqui, para re- sempre levar em conta os diversos aspectos já mencionados.
presentar os métodos e as téc-
nicas a serem utilizadas pelos
professores. Método expositivo ou aula expositiva
É, ainda, um dos métodos mais utilizados pelos professores, em que estes desenvolvem o conteúdo
explicando, explanando e relatando fatos, acontecimentos e conceitos ligados ao tema. Pode assumir duas
posições didáticas:
• a exposição dogmática, em que o professor é o principal ator, permitindo a formulação de dúvidas
e intervenções por parte do aluno, e
• a exposição aberta ou dialogada, em que o professor estimula a participação da classe através
de contestações, questionamentos e discussões. Neste caso, o diálogo passa a ser a técnica para o
método expositivo.
A exposição dialogada pressupõe uma relação direta professor-aluno, em que ambos são exposi-
tores e receptores. Portanto, não se restringe ao “alguma dúvida?” pontuado de quando em quando pelo
professor.
Para que a aula expositiva atinja os objetivos para os quais foi planejada, sugere-se que o professor:
• inicie a apresentação do tema relacionando-o com outros assuntos já tratados e com situações
relevantes para os alunos;
• introduza o novo assunto explorando os conhecimentos prévios dos alunos;
• estabeleça um clima adequado entre os participantes;

92 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


• não prolongue demais a exposição (se o tema for extenso, intercalar com outras técnicas);
• enriqueça a aula com mídias, cartazes, folhetos, filmes, textos escritos, questões e problemas a
serem resolvidos na própria aula, individualmente ou em grupos.

Estudo de caso
Trata-se de uma metodologia muito utilizada no ensino profissional porque, além de trazer situ-
ações reais ou simuladas com base na realidade para a sala de aula, leva-a para o contexto do trabalho.
Implica na utilização de diversos métodos (expositivo, pesquisa, tempestade de ideias, painéis, etc.) e tem
intensa aplicação interdisciplinar.
Consiste em apresentar aos alunos uma situação real, de preferência ligada ao cotidiano, para que
analisem e, se for o caso, proponham alternativas de solução. Pode também se basear em um caso apre-
sentado por um aluno. É uma forma de os eles aplicarem os conhecimentos teóricos em situações práticas.
Em seguida, explica-se como será desenvolvido o estudo, as atividades implicadas, como: entrevis-
tas com pessoas envolvidas no tema, pesquisas em jornais e na internet, leituras e outras práticas. Após se
inteirarem do caso, os alunos deverão analisar a situação exposta, consultar as fontes que acharem neces-
sárias e, quando conveniente, propor alternativas de solução.
Finalizado o estudo, os estudantes elaboram uma síntese do caso, as conclusões pertinentes e apre-
sentam-nas para a classe. Assim, desenvolvem competências diretamente relacionadas com sua área pro-
fissional e outras, relacionadas com as competências pessoais.
O estudo de caso motiva os alunos na medida em que se analisa um caso real, factível, para o qual
eles deverão formular um juízo de valor e até mesmo sugerir alternativas de melhoria. Ele desenvolve a
capacidade analítica e o espírito científico, a capacidade de trabalhar em grupo, cooperativamente e, ainda,
a percepção de sua importância como profissionais e cidadãos no contexto social.
Sanz (2006) agrupa os diversos casos possíveis em três categorias e ressalta que é importante que o
professor proporcione aos seus alunos oportunidade de estudá-los:
• Casos típicos – são aqueles que permitem aproximações variadas dentro de uma determinada li-
nha. Seu estudo permite que os estudantes compreendam e analisem outros semelhantes. Por exem-
plo, o estudo do gerenciamento de uma pequena lanchonete pode servir de modelo para outras
empresas com características equivalentes.
• Casos extremos – permitem que o aluno entre em contato com o máximo e o mínimo de determi-
nado setor profissional, “da simplicidade à complexidade, do recato ao exibicionismo, da modéstia
ao luxo” (p. 128). Por exemplo, os alunos do curso técnico de enfermagem poderiam ser orientados
a comparar as ocorrências de gravidez adolescente em postos de saúde de bairros periféricos e em
hospitais particulares de grande porte.
• Casos anômalos – são importantes para que o estudante analise as razões que tornam uma situa-
ção diferente, fora do habitual. Podem ser casos de sucesso ou não, e muitas vezes podem apontar
caminhos inovadores. Os jornais e a mídia, em geral, trazem situações atuais que podem ser explo-
rados por inúmeros componentes curriculares de diversos cursos, como a falência de uma grande
instituição financeira ou as ações de ONGs em comunidades carentes.

Métodos da pesquisa e pesquisa-ação


Partindo do princípio de que o estudante não é mero receptor de informações, e que suas experi-
ências e conceitos acumulados na vida pessoal, escolar, profissional ou social interferem na construção de
outros conhecimentos e competências, conclui-se que o método da pesquisa instrumentaliza e estimula o
aluno na busca de informações para responder a questões levantadas ou propor soluções para situações-
-problema.
Um episódio histórico abordado por Sanz (2006, p. 92-93) exemplifica a aplicação de uma pesquisa

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 93


equivocada, mas que resultou em constatações, no mínimo, interessantes: trata-se da vinda da família real
O filme Carlota Joaquina:
princesa do Brasil (1995, du- portuguesa, em 1808, ao Rio de Janeiro. Ao desembarcarem na baía de Guanabara, a princesa Carlota Joa-
ração: 100 minutos), dirigido quina e outras damas da realeza usavam turbantes na cabeça, o que foi interpretado pela população local
por Carla Camurati, relata
esse e outros episódios in-
como uma moda vigente na Corte. O uso de turbantes passou, então, a ser visto como um sinal de moder-
teressantes para atividades nidade e luxo, virando mania entre as cariocas ricas, ansiosas por se identificar com a nobreza europeia e
didáticas. estar em dia com a modernidade.
O que foi estabelecido como moda baseou-se em um método de pesquisa empírica dos mais sim-
ples: a observação visual (as damas desembarcando de turbantes), que levou à formulação de hipóteses
(certamente é moda na Corte), à dedução (é elegante usar turbante) e à aplicação (as senhoras da burgue-
sia passam a utilizar os turbantes). Foi uma pesquisa baseada apenas no senso comum, sem a busca de
informações mais concretas, que esclareceriam a razão de tal adereço: o surto de piolhos que acometeu
os viajantes nos navios superlotados e em condições precárias de higiene, levando as mulheres a raspar
a cabeça e, consequentemente, usar o adereço para esconder a calvície. Assim, um elemento que tinha a
finalidade de disfarçar uma situação constrangedora transformou-se em símbolo de elegância, devido a
uma pesquisa desenvolvida de forma equivocada.
Hoje, poderíamos até dizer que se tratou de uma “democratização através da moda” não planejada,
uma vez que as damas burguesas adotaram um visual típico das escravas africanas, com as quais certa-
mente não gostariam de ser confundidas.
Essa anedota nos mostra que existem diversos componentes interagindo num trabalho de pesquisa:
observação, reflexão, experimentação, comparação, análise, crítica, registro, documentação, formulação de
hipóteses, construção de teorias, síntese. As pesquisas podem ser desenvolvidas individual ou grupalmen-
te, podendo ser bibliográficas, documentais, de campo ou experimentais.
A pesquisa de campo, em especial, pode conectar os alunos a uma realidade próxima, como o bairro
ou a cidade onde eles vivem, podendo ser trabalhada da seguinte maneira:

Num primeiro momento é solicitado aos alunos que, individualmente, levan-


tem as informações possíveis sobre o tema. Em seguida, classificar os dados em
categorias, com a participação de toda a classe. São levantadas, a partir das
informações categorizadas, algumas hipóteses, como por exemplo: (a) o acesso à
moradia é um dos fatores que resulta no grande número de moradores de rua; (b)
os cidadãos estão satisfeitos com a qualidade de vida na cidade; (c) a segurança
alimentar é um dos pontos de preocupação por parte das autoridades sanitárias
na cidade; (d, e,...). Para comprovar as hipóteses são formados grupos que elabo-
rarão questionários com a orientação do professor e em seguida sairão a campo,
entrevistando cidadãos, autoridades, instituições privadas, organizações da
sociedade civil. Os dados coletados receberão tratamento estatístico. Cada grupo
fará exposição dos seus resultados e posteriormente a classe toda fará uma análise
consensual para chegar a conclusões finais. (BELEZIA, 2007, p.250)

O interessante nessa atividade é, além de demonstrar a relevância das pesquisas de campo – muitas
vezes, elas servem de subsídio para outros estudos ou mesmo pesquisas de instituições –, desenvolver
as competências relacionadas com: levantamento de dados, aplicação de métodos e de técnicas diversas,
relacionamento social na comunidade, análise, crítica, argumentação e cidadania.
Se o grupo avançar mais um pouco, apresentando sugestões para a melhoria da situação pesqui-
sada, então estará se desenvolvendo a pesquisa-ação. Assim, a partir do exemplo apresentado, os alunos
poderão sugerir um plano de melhoria para algumas das situações comprovadas na pesquisa, podendo
até apresentá-lo a alguma instituição parceira. Suponhamos que um dos problemas comprovados na pes-
quisa fosse a falta de higiene na manipulação de alimentos consumidos pelos transeuntes, nos carrinhos
de frutas e de cachorro-quente. Para isso, poderiam ser propostas ações de capacitação e de orientação
para a manipulação de alimentos, a serem desenvolvidas pelos estudantes . Ao mesmo tempo, a Prefeitura
Municipal, através de seus órgãos competentes, atuaria no cadastramento dos manipuladores capacitados

94 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


e faria a fiscalização pertinente.

Entrevista
É uma técnica que pode ser utilizada em diversos métodos – como pesquisas de campo, projetos,
resolução de problemas – ou ser suficiente em si para atingir um objetivo específico. A palavra “entrevista”
significa simplesmente “olhar entre dois”, ou seja, uma entrevista é uma troca entre duas ou mais pessoas,
da qual se coletam informações sobre algum tema interessante. Para que a entrevista possa alcançar seu
objetivo é preciso que o entrevistador saiba exatamente qual tema será abordando, buscando, para isso,
informações que possam subsidiar a elaboração de perguntas e a condução da entrevista. Em seguida,
seleciona-se o entrevistado, que pode ser um especialista no tema principal ou não. O importante é que ele
tenha contribuições para dar sobre o tema em questão. O entrevistador deve ter o máximo de informações
possíveis sobre o entrevistado e estar aberto a eventuais surpresas quanto ao rumo da entrevista.
Comumente usada no jorna-
lismo, a pauta é um roteiro
Estar aberto para surpresas e descobertas, por outro lado, proporciona elaborado para guiar uma
muitos prazeres ao pesquisador-entrevistador. Por mais que estude- entrevista, levando em con-
mos um assunto ou a carreira do entrevistado, haverá sempre lacunas ta seu objetivo, ou seja, as
informações que se deseja
e zonas de sombra. O especialista em tinturas pode nos surpreender obter. Quanto mais detalha-
com profundos conhecimentos em, quem diria, modelagem. Afinal (não da for, mais fácil costuma ser
a entrevista. No entanto, a
sabíamos e não encontramos registro), ele trabalhou há mais de 30 anos pauta não deve ser seguida
com um estilista pioneiro (por exemplo, Gil Brandão). Só descobrimos de maneira inflexível. Por
um lado, o entrevistador não
isso na entrevista e, assim mesmo, porque se criou um clima favorável a deve permitir que o entrevis-
confidências ‘fora de pauta’. (SANZ, 2006, p. 112-113) tado ou as circunstâncias se
desviem demais do roteiro
As perguntas podem ser classificadas em: original. Por outro, também
deve estar atento àquilo que
está sendo dito para perce-
ber se é conveniente alterar
a) de esclarecimento: servem para dar a conhecer melhor o assunto que está sendo tratado, a pauta.
ou para esclarecer uma resposta do entrevistado;

b) de análise: servem para descobrir as causas dos problemas e para aprofundar respostas superficiais;

c) de ação: servem para passar da teoria para a prática, para que o entrevistado expresse as
ações que irá desenvolver em relação ao problema analisado.
Uma aplicação didática da entrevista pode ser a seguinte: convida-se um especialista que será en-
trevistado por, digamos, três alunos preparados como entrevistadores. De forma ordenada, o restante da
classe também poderá fazer perguntas. O processo começa com a apresentação do especialista, é feita uma
pequena introdução sobre o tema e são formuladas perguntas à pessoa. Ao terminar a entrevista, o profes-
sor faz uma síntese do que foi apresentado, relacionando-a com temas já desenvolvidos ou que com temas
que constam no programa, mas ainda não foram abordados.
Numa pesquisa de campo, uma boa maneira de iniciar relações com a comunidade pode ser entre-
vistar, por exemplo, um líder comunitário ou uma pessoa de referência local. Desse modo, os estudantes
podem coletar informações e analisar os problemas sociais, preparando-se nos planos conceitual, ético e
técnico para o desempenho de tarefas práticas.
As tecnologias de comunicação permitem que entrevistas sejam feitas a distância, pelo telefone ou
pela internet, por exemplo, possibilitando que pessoas presencialmente inacessíveis sejam sabatinadas.
Entretanto, algumas desvantagens devem ser consideradas, como certa falta de espontaneidade decorrente
da ausência do contato presencial – já que, como sabemos, o tom de voz, o olhar, a postura corporal, os
gestos são importantes para compor o teor da conversa –; e, principalmente, a dificuldade de se obterem
esclarecimentos imediatos sobre alguma resposta que deixou dúvidas.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 95


Dramatização ou RPG (role playing game)
Trata-se de permitir que os alunos experimentem situações na representação de um fato, um fenô-
meno ou um evento histórico, de forma planejada. É uma técnica ativa e socializada que integra as dimen-
sões cognitiva e afetiva do processo educacional. Os “atores” devem interpretar seus papéis da forma mais
A palavra é composta de verossímil possível baseada na realidade.
dois termos gregos: psico
(psukhḗ), que designa “es- Entre seus principais objetivos, podemos citar:
pírito, princípio pensante,
atividade mental”; e drama • Propiciar a compreensão de situações reais que envolvam relações humanas, em que cada indiví-
(dráma) que remete à “ação,
tragédia” no sentido de peça
duo tem reações diferentes. Isso cria uma atmosfera próxima da realidade, o que permite percepção
teatral. De acordo com o di- e análise dos fatos e fenômenos estudados.
cionário Houaiss, o psicodra-
ma pode ser definido como • Facilitar a comunicação e a divulgação das situações analisadas, apontando os pontos críticos e
“a psicoterapia de grupo em
contribuindo para a indicação de possíveis soluções.
que os pacientes escolhem os
papéis que vão desempenhar
na dramatização de uma si-
• Desenvolver a criatividade, o senso de observação e a capacidade de expressar-se pela represen-
tuação com forte carga emo- tação corporal.
cional, o que dá ao terapeuta
a oportunidade de apreender • Desenvolver nos participantes o sentimento da alteridade, ou seja, a capacidade de colocar-se no
os sintomas que afloram no
relacionamento entre os
lugar do outro e, assim, ampliar a compreensão entre as pessoas.
participantes”. A Federação
Brasileira de Psicodrama Sanz enfatiza que a dramatização como ferramenta educacional não deve e não pode ser confundida
afirma que se trata também com psicodrama, salientando que cabe ao professor intervir rapidamente ao perceber que o trabalho está
de um método de pesquisa,
enveredando para aquele caminho. Assim, é uma alternativa que exige do educador alguns cuidados,
desenvolvido em clínicas,
hospitais, escolas, empresas e principalmente com alunos que não sabem lidar com conflitos pessoais e situações grupais, ou com aqueles
instituições comunitárias. Seu mais tímidos que não gostam de se expor em público. O papel de mediação, nesse caso, é do professor, que
criador é o médico romeno Ja-
cob Levy Moreno (1889-1974), orienta e participa, estimulando os alunos a expressar suas ideias e sentimentos.
que estudava a intersecção do
mundo subjetivo, psicológico,
ao mundo objetivo, social, Tempestade de ideias
acreditando que o indivíduo
devia ser compreendido em É um dos métodos mais livres e igualitários, se bem conduzido. O coordenador do grupo (que pode
relação a suas circunstâncias. ser o professor ou um dos alunos, escolhido pelos seus pares) deve simplesmente garantir que todos te-
nham oportunidade de se manifestar e que todos sejam ouvidos. É importante fixar um limite de tempo
para a “tempestade” e, caso este não seja suficiente, negociar uma prorrogação, se possível. O essencial é
O americano Alex Osborn a liberdade de expressão e, geralmente, os excessos são regulados pelo próprio grupo durante o processo.
(1888-1966) foi o criador do
conceito brainstorming (do A atividade pode ser direcionada ou livre. Se direcionada, o que é mais usual, já existe uma situação
inglês: “tempestade cere- a ser analisada como, por exemplo, encontrar um nome para um produto, ou a forma de realizar uma
bral”), ou tempestade de
ideias, em português. Segun- campanha de vacinação contra rubéola. Se livre, pode ser a definição do projeto do grupo. De toda forma,
do LEHRER (2012), Osborn a partir da demanda, o grupo passa a apresentar sugestões. Assim, estimulam-se a criatividade, a crítica, a
o descreveu pela primeira
vez em 1948, no livro Your
autocrítica e a busca do consenso.
creative power (algo como
“Seu poder criativo”). Nele,
Osborn, citado por Sanz (2006), estabelece os seguintes princípios para o método:
o então publicitário e sócio
da bem-sucedida agência • Durante a apresentação o facilitador anota as ideias sem fazer comentários, não cabendo também
BBDO afirmava que, quan- aos demais fazer críticas;
do um grupo trabalha jun-
to, seus integrantes devem • Os participantes têm total liberdade de manifestação;
“usar o cérebro para tempes-
tear [no sentido de acometer] • Não se deve limitar o número de ideias. Quanto mais, melhor;
um problema criativo e fazê-
-lo em forma de comando, • O grupo, e não o coordenador, seleciona as ideias consideradas aproveitáveis;
com cada membro atacando
o mesmo objetivo” (idem,
tradução livre).
• Trabalha-se o aperfeiçoamento das ideias aproveitáveis;
• O resultado deve ser consensual. (p.137)

Trabalho em Grupos ou em Equipes


Baseia-se na premissa de que As interações entre pessoas estimulam e criam condições para o desen-
volvimento, promovendo mudanças.

96 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Os grupos podem ser organizados livremente ou direcionados, de acordo com a atividade, os objetivos
e o entendimento do professor. Sempre que possível, é interessante dar liberdade para o grupo se organizar
durante a realização das atividades, estimulando a autogestão do trabalho e a autonomia individual e do grupo.
Entre as principais vantagens do trabalho em equipe, estão a troca de ideias, a cooperação para
um fim comum e a construção coletiva do conhecimento, uma vez que cada membro tem contribuições
e experiências a compartilhar. Assim, quando o professor opta pelo trabalho em grupo, não está apenas
aplicando mais um recurso didático para a construção do conhecimento, mas utilizando uma significativa
ferramenta para a formação de hábitos de estudo e de atitudes sociais.
Cada grupo deve escolher um coordenador e, se for o caso, um redator ou relator. Os objetivos e me-
tas devem estar claramente definidos, bem como o tempo disponível. É necessário, também, que normas
de conduta e padrões de comportamento sejam estabelecidos em conjunto para garantir o bom desempe-
nho dos participantes.
São apresentadas, a seguir, algumas técnicas de grupo aplicáveis em situações escolares, resumidas
de Bordenave e Pereira (1998, p.153-159).
• Phillips 66: para situações com grupos grandes. Formam-se pequenos grupos de seis pessoas, que
discutem determinado assunto por seis minutos. É útil para obter informações rápidas dos alunos.
Por exemplo, numa palestra, após a exposição de um tema para um público numeroso, pode-se
usar o Phillips 66 para que a plateia formule perguntas. Assim seriam reduzidas as perguntas e, ao
mesmo tempo, a rápida discussão permitiria que a maior parte dos participantes se manifestasse.
• Díade ou Phillips 22: também aplicado a grupos grandes, geralmente em locais de cadeiras fixas
ou difíceis de ser movidas. Formam-se as duplas, normalmente com o colega do lado, para discutir
um determinado tema em dois minutos. A dupla seleciona um dos dois integrantes para apresentar
a conclusão. Podem-se sortear algumas duplas para apresentar suas opiniões ou questionamentos.
• Discussão em pequenos grupos: tem como objetivo ampliar a participação individual e apresenta
várias opções para os trabalhos em grupos pequenos, como: grupos simples com tarefa única, gru-
pos simples com tarefas diversas e grupos simples com tema único e funções variadas.

Painel integrado ou grupos de integração horizontal-vertical


Um determinado tema é discutido de tal forma que todos ficam cientes do que os outros grupos
discutiram. Considerando uma classe de 32 alunos, na primeira etapa, de integração horizontal, divide-
-se a turma em oito grupos, cada grupo com uma letra e cada participante do grupo com um número,
por exemplo, grupo A (A1, A2, A3 e A4). Após a discussão do problema, os grupos deverão se rearranjar,
agora com os componentes A1, B1,... até H1 compondo um novo grupo, A2, B2,... H2 compondo outro, e
assim por diante, até se formarem quatro grupos com oito pessoas cada. Ocorrem, então, a socialização e
a apresentação em painel.

Seminário, simpósio, painel, debate, mesa-redonda, assembleia


Constituem-se em métodos quase sempre desenvolvidos em grupos, estimulando a participação, a
iniciativa, a disciplina e a responsabilidade.
• Seminário: ocasião de semear ideias ou de favorecer sua germinação. É um método que se integra
com a pesquisa, em suas diversas modalidades, e com a experimentação, desenvolvendo competên-
cias de expressão e comunicação. Os grupos de estudantes se reúnem com o propósito de estudar e
pesquisar um determinado tema, que pode ter enfoques diferentes, a serem pesquisados por grupos
diferentes. A finalidade é o estudo aprofundado do assunto e a apresentação dos resultados aos de-
mais colegas ou a um público maior. Geralmente, no seminário, são apresentados diversos trabalhos
relacionados com um mesmo tema.
O seminário diferencia-se do debate e da mesa-redonda por não proporcionar o confronto entre os
palestrantes. Cada qual apresenta o seu trabalho, e a interação acontece com a plateia ou é conduzida

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 97


por um mediador, que pode ser o professor, um aluno ou um convidado especialista sobre o tema.
O professor deve estar atento a realização do seminário, embora seja sempre muito interessante de-
legar sua organização a um grupo de estudantes. O procedimento básico é o seguinte:
» Definição do tema – pode ser feita pelo próprio professor, que, nesse caso, deve justificar à
classe a relevância da atividade e ajudar na seleção de subtemas específicos para os trabalhos
de pesquisa dos grupos. Se o tema for definido pelos alunos, esses deverão justificar a impor-
tância dos temas que foram propostos e, através de consenso, definir um para o seminário.
» Pesquisa – pode ser somente bibliográfica ou incluir pesquisas de campo, experimentação,
entrevistas, etc. Ao professor, cabe sugerir fontes de consulta.
» Cronograma – é importante organizar um calendário ou cronograma de apresentações,
bem como estabelecer o tempo destinado a cada grupo.
» Organização da estrutura física e material – provimento de recursos audiovisuais, textos,
espaço e demais providências necessárias à apresentação.
» Orientação – o professor deve orientar os grupos na organização das ideias e apresentações.
» Condução do seminário – pode ser feita pelo professor ou pelos próprios alunos. Entretanto,
é fundamental que, no final, o professor faça as considerações que complementem e integrem as
exposições. A participação dos presentes dá maior significado ao seminário e deve ser estimulada.
» Registro – é desejável que as apresentações sejam também complementadas por textos
resumidos, em número suficiente para distribuição aos participantes do seminário.
• Simpósio: é um espaço de discussão onde diversos expositores se apresentam, abordando diferen-
tes aspectos de um mesmo tema ou problema. Como metodologia, tem a vantagem de proporcionar
oportunidade para que os participantes convivam com opiniões divergentes, ampliando sua capaci-
dade de defender seus pontos de vista com clareza e objetividade, e de comunicar-se com a plateia.
A forma de organização é semelhante à do seminário.
• Painel, debate e mesa-redonda: são apresentações de um tema por grupos que discutem entre
si, proporcionando à plateia visões diferentes sobre o assunto. É fundamental a participação do
professor como facilitador, garantindo o direito de manifestação de todos, a obediência quanto ao
tempo estabelecido para cada intervenção e, no caso de extremas divergências, a mediação para
que os pontos de vista sejam respeitados. Não deve haver muitos debatedores, mas é importante
que todos os alunos possam atuar como tal, em momentos diferentes. Pode-se abrir espaço para
questionamentos vindos da plateia, ou solicitar a ela que avalie o desempenho dos debatedores.
Para que todos participem, o tema deve ser de conhecimento dos alunos, que também podem
pesquisá-lo com antecedência para aproveitar e a interagir melhor durante a atividade. São métodos
que promovem as capacidades de argumentação e negociação.
• Assembleia: trata-se de um método que, se os estudantes participarem de forma ativa na sua
organização e dinamização, extrapola o desenvolvimento de bases tecnológicas. A organização de
uma assembleia engloba quatro fases: diagnóstico da situação, planejamento, execução e acompa-
nhamento dos resultados.
» Fase de diagnóstico – define-se o tipo de assembleia: se informativa, de tomada de deci-
sões, de distribuição de tarefas, de resolução de problemas, etc.
» Fase de planejamento – discute-se: (1) quem deve ser convocado para a reunião? Toda a classe,
todo o curso, toda a comunidade? Quem terá direito a voz e a voto, quem terá direito apenas a
voz, e quem será apenas ouvinte? (2) Qual será a pauta ou agenda? Devemos considerar o título
da reunião, o dia, a hora, a duração da reunião, a quem será dirigida e se forneceremos a cada
participante um pequeno resumo de cada ponto a ser debatido. (3) Quem será responsável por
expor a questão? (4) Qual será a estratégia? Haverá uma relação por escrito de quem: dirige a
assembleia, faz a ata, modera, etc.? Haverá discussão? Votação? Será aberta? Secreta?

98 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


» Fase de execução – é importante que o professor oriente os alunos mas, efetivamente, de-
legue aos mesmos a condução da assembleia, organizando listas de presença, observando o
cumprimento de horários e introduzindo cada tema ou item da pauta com uma breve ex-
planação do contexto. É importante garantir que, durante o processo, todos expressem seus
pontos de vista, tomem decisões sobre cada tema, mantenham a ordem, argumentem sobre
posturas e façam críticas às ideias, e não às pessoas. Ao final da reunião, deverá ser elaborada
uma ata em que constarão os responsáveis por executar as decisões adotadas.
» Fase pós-assembleia – deve haver um grupo para fazer o acompanhamento das ações programa-
das, que se responsabilizará também pela comunicação aos participantes da assembleia quanto ao
desdobramento das decisões tomadas. É uma fase importante para dar credibilidade ao método.

Jogos pedagógicos ou jogos de empresas

A prática pedagógica dos jogos de empresas passa pela interdisciplinaridade.


Ela possibilita consolidar conteúdos já vistos num processo de cooperação que
perpassa as demais disciplinas. A preocupação com a interdisciplinaridade está
presente para que se possa obter uma dinâmica e uma visão global, que promo-
vam a formação adequada do acadêmico. (OLIVIER e ROSAS, 2004, p. 10)

Apesar de serem muitas vezes considerados inadequados para aplicação em sala de aula devido
a seu caráter lúdico, os jogos pedagógicos são instrumentos de elevado potencial integrador, podendo
ser utilizados em diversos contextos devido a seu caráter multi e interdisciplinar. Considerando que a
superação das dificuldades de aprendizagem é objetivo do processo de ensino-aprendizagem, não existe
impedimento para sua inserção na prática docente.
Segundo Proença Júnior, os jogos são

[...] baseados em modelos de situações reais. Como qualquer modelo, simplificam a


realidade, recortando-a ao longo de determinadas perspectivas e para determinados
fins. Jogos oferecem um contato simulado com a realidade modelada, permitindo
tanto um espaço de vivência e apreciação quanto de experimento e reflexão. (2008)

Os jogos podem ser utilizados para que os alunos vivenciem um determinado ambiente profissional,
por exemplo, confrontando os estudantes com o desafio de realizar a gestão de um empreendimento rela-
cionado à área profissional estudada, como o relatado a seguir:

A segunda responsabilidade era atendida pelo uso de um jogo sobre ferrovias,


em que os alunos eram confrontados com a responsabilidade da gestão de uma
estrada de ferro, e que correspondia aos outros 50% da nota.
O jogo era foco de diversas atividades, que iam além do próprio ato de jogar.
Além de servir de foco para uma introdução sobre engenharia de produção, o
estudo do ‘negócio da ferrovia’ era usado como oportunidade de um contato
orientado com a bibliografia e com a rede.[...] Este servia para dar direção tanto
a um primeiro contato com uma indústria (no caso, de transportes) quanto à
experiência com a complexidade de um problema multidisciplinar. Para muitos,
esta era a primeira vez em que um problema necessitava de tratamento por mais
de uma disciplina ou envolvia a necessidade de selecionar informação relevante
dentre muitas outras. O propósito final era mostrar como um problema complexo
‘real’ demandava uma mistura particular e consciente das diversas ferramentas que
contribuem para sua solução e identificar os ensinamentos tirados daí. Era, portanto,
um jogo integrador e motivacional, orientado para ajudar os primeiranistas a se
inserir na estrutura curricular de maneira consciente e a adquirir o primeiro orgulho

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 99


de serem ‘engenheiros de produção’. (PROENÇA JÚNIOR, 2008)

O caso apresentado considera situações e valores reais para subsidiar as decisões dos estudantes: o
valor das ações, que oscila de acordo com o mercado; a existência de concorrentes; os volumes de tráfego;
as características da locomotiva; as cargas, isto é, todas as informações disponibilizadas ou pesquisadas
tinham a finalidade de proporcionar condições fidedignas para a tomada de decisões dos participantes.
Este é, de fato, um aspectos dos mais importantes na decisão de utilizar um jogo como método peda-
gógico: o rigor do conteúdo. O jogo não deve basear-se em algo factual ou conceitualmente errado. Mesmo
quando modelado a partir de uma situação hipotética, os dados não podem ser inventados arbitrariamen-
te, devendo ser coerentes com a realidade representada.
Nos jogos, os problemas são interligados e a tomada de decisão passa pelo global, com todas as
restrições orçamentárias, financeiras e de recursos humanos que permeiam situações reais. Eles reduzem,
portanto, a distância entre a teoria e a prática.

Métodos individualizados
Visam a respeitar as limitações, os tempos e as vivências dos alunos, sendo bastante utilizados na
andragogia. Entretanto, sempre que possível, deve-se, após a fase individual, proporcionar momentos de
socialização das conclusões no grupo.
Um dos métodos individualizados é o estudo dirigido, embora também possa ser realizado em gru-
po. O professor indica textos e estabelece roteiros previamente elaborados. A leitura do texto deve ser ativa,
e o aluno terá que seguir o roteiro em um tempo pré-estabelecido. É uma atividade que visa a desenvolver
a capacidade analítica de observação, avaliação e síntese. São etapas do estudo dirigido:
• Síncrese – visão do todo, mediante normas simples oferecidas pelo professor, como título, subtítu-
lo, autor. Proporciona uma noção da estrutura e da organização do texto a ser estudado.
• Análise – baseada na leitura e na reflexão sobre o texto, deve se orientar por questões formuladas
pelo professor.
• Síntese – relaciona as conclusões do aluno sobre o texto, sendo o momento de demonstrar sua
compreensão da leitura e de desenvolver a linguagem escrita. O professor pode também apresentar
alguns problemas práticos que subsidiem sua elaboração.
• A atividade individualizada pode tornar-se grupal ao solicitar aos alunos que façam perguntas
entre si, respondendo e discutindo sobre o texto.
O estudo dirigido também pode ser desenvolvido através da análise de texto. De acordo com Sale-
ma; Afonso e Temporão,

a análise de textos pretende “desenvolver determinadas competências nos alunos,


como promover a compreensão textual; aumentar o nível de conhecimento cien-
tífico; desenvolver a autorregulação do processo de aprendizagem e fomentar a
transferibilidade de competências para outros contextos. (2003, p. 252)

As autoras também sugerem as seguintes etapas para o método de análise de textos (p. 253-255):
• explicitar aos alunos de forma clara o objetivo geral da aula;
• evocar, antes da leitura, os conhecimentos prévios dos alunos;
• fazer a leitura, discussão e resumo das principais ideias dos parágrafos;
• procurar analogias, metáforas e comparações e discutir sua natureza e importância;
• esquematizar as principais ideias do texto;
• classificar o texto em termos de estrutura;

100 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


• desenvolver a metacognição;
• desenvolver a concepção de que as competências de compreensão textual e as competências cien-
tíficas são transferíveis para outras situações.
As mesmas autoras consi-
Para a aplicação do método, as autoras ressaltam a necessidade de um planejamento acurado e deram que, através da me-
tacognição, o aluno torna-se
de uma boa formação do docente, inclusive para a escolha do texto a ser trabalhado. O professor deve mais consciente dos seus
considerar se a estrutura e a linguagem do texto são adequadas ao nível escolar; se há possibilidade de processos cognitivos, poden-
do conduzir a uma autorre-
relacioná-lo com outras disciplinas; se seu tema é atual e sua leitura, motivante. gulação do seu processo de
aprendizagem (2003, p. 255).
Tanto o estudo dirigido como a análise de textos pressupõem a importância de desenvolver a leitura Para isso, o estudante deve
eficaz. Partimos do princípio de que ler não é simplesmente decodificar, mas buscar os significados explí- “explicitar estratégias de
pré-leitura e de pré-escrita,
citos e implícitos do que se lê. O conhecimento de mundo que cada um carrega permite não só a compre- de planificação, de previsão,
ensão do texto mas também sua intertextualidade. Assim, um texto admite leituras múltiplas, diante das de avaliação de processos e
histórias de vida e dos conhecimentos de seus leitores. produtos finais, da compre-
ensão da leitura e da produ-
ção de textos; [...] explicitar a
Algumas técnicas facilitam e orientam o desenvolvimento individual do estudante: tomada de consciência das
suas próprias características
• Destacar tópicos – orientar o leitor para que destaque os conceitos mais importantes do texto, bem enquanto sujeito aprendente
como as palavras mais significativas (palavras-chave) e as palavras desconhecidas. O destacado e da sua relação com a ta-
refa a executar; explicitar a
facilita a revisão rápida. natureza das tarefas em que
está envolvido, identifican-
• Elaborar esquemas, chaves e quadros sinóticos – proceder à identificação das ideias mais impor- do finalidades, planificando,
tantes, organizando-as, classificando-as ou hierarquizando-as. monitorizando, avaliando
processos e produtos” (SA-
• Fazer fichas de estudo – é importante no processo de autoaprendizagem e orienta o estudante LEMA, 1997, apud SALEMA,
AFONSO e TEMPORÃO,
para o estudo autônomo e responsável. Como outros métodos individualizados, respeita as dife- 2003, p.255).
renças de cada pessoa. Para orientação dos alunos, o professor pode organizar as fichas em três
partes: na primeira, o assunto; na segunda, as questões norteadoras e exercícios de aplicação a serem
resolvidos pelo aluno; na terceira, as respostas. O aluno administra seu estudo e, após responder às Intertextualidade refere-se
questões, compara com a terceira ficha e faz sua autoavaliação. Pode-se também elaborar outras pla- ao processo de significa-
ção de um texto basear-se
nilhas de leitura, nas quais o leitor registra as informações gerais (autor, nome do texto, referências), em sua relação com outros
as ideias principais e as ideias secundárias, e faz um breve resumo. Deve ser destinado um espaço textos. Cf. ZANI (2003, p.
para anotações, em que o leitor poderá registrar palavras mais difíceis ou que não compreendeu, 122), a ideia surgiu a partir
do conceito de dialogismo,
relações que fez com outras situações externas ao texto, etc. desenvolvido pelo teórico
russo Mikhail Bakhtin (1895-
• Fazer uma revisão – individualizada ou coletiva, pode ser composta de exercícios individuais de 1975) na década de 20. Para
autoavaliação, apresentação de resumos, esquemas, tabelas, etc. O momento de revisão é muitas ele, um texto não subexistiria
sem o outro, já que todo dis-
vezes entendido e aproveitado pelo professor como avaliação e autoavaliação. curso só se constitui perante
o outro, em sua atração, re-
jeição ou resgate. Essa noção
Método de solução de problemas de Bakhtin é retomada por
Julia Kristeva, filósofa búl-
O problema é definido, classicamente, como “uma situação que um indivíduo ou um grupo quer ou gara radicada na França. Em
precisa resolver, e para o qual não dispõe de um caminho rápido e direto que o leve à solução” (LESTER, 1969, ela cunha a expressão
“intertextualidade” ao ob-
1983, apud POZO, 1998, p. 15). É importante, inicialmente, diferenciar problema de exercício: o ponto de servar que qualquer texto ou
diferenciação está no grau de complexidade, nos conhecimentos e conceitos mobilizados pelo indivíduo discurso artístico (quadro,
filme, música, etc.), além de
para sua solução e em sua relevância para este. O que, para uma pessoa, é um problema, para outra, pode dialogar com outros textos,
constituir-se em mero exercício. dialoga também com o pú-
blico que o prestigia. A partir
Uma situação nova ou diferente das conhecidas, que mobilizará técnicas, procedimentos e conceitos de então, o termo passa a ser
empregado por vários teóri-
já conhecidos, aliados a operações de análise, crítica, seleção de possibilidades e estabelecimento de crité- cos, ganhando outras acep-
rios, configura um problema, enquanto que a resolução de um exercício trata-se da aplicação de habili- ções. Também são classifica-
das como intertextualidade,
dades ou de técnicas sobreaprendidas, isto é, aquelas transformadas em rotinas pela repetição da prática. por exemplo, as relações alu-
sivas que um texto mantém
Mesmo que os problemas sejam diferentes ou tenham origens distintas, para resolvê-los, devem-se com outro; a influência de
seguir alguns passos: a compreensão ou diagnóstico; a idealização de um plano que poderá solucioná-lo; a um texto ou um autor sobre
outro; ou mesmo a utilização
execução do plano e a análise e avaliação dos resultados.
de vários textos ou citações.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 101


Sem compreender o problema, a resolução será quase obrigatoriamente precária.
É claro que alguém pode sempre ‘chutar’ uma solução e acertar. Mas o problema
não estará resolvido e sim contornado. Pode-se sempre cortar um nó, em vez
de desatá-lo. É o caminho mais curto e mais rápido, para o qual o único conhe-
cimento necessário é: ‘lâmina afiada corta corda’. Quando não houver lâmina,
nem fogo, uma pedra deve servir [...]; mas desatar o nó é outra coisa, implica em
saber mais elaborado, lógica [...]. Para compreender é preciso refletir. Examinar o
problema quantas vezes for necessário: lendo (se escrito), ou olhando, cheirando,
tocando, ouvindo, degustando [...]. (SANZ, 2006, p.90)

Alguns autores, como Echeverría e Pozo (1998), consideram a solução de problemas mais do que
um método de ensinar, eles a definem como “um conteúdo necessário das diversas áreas do currículo
obrigatório” (p.14).
Transcrevem-se, a seguir, dois quadros apresentados pelos autores (p.25) que sugerem técnicas para
ajudar na compreensão dos problemas e procedimentos estratégicos de solução.

Para a compreensão do problema:


• Fazer perguntas do seguinte tipo:
» Existe alguma palavra, frase ou parte da proposição do problema que não entendo?
» Qual é a dificuldade do problema?
» Qual é a meta?
» Quais são os dados que estou usando como ponto de partida?
» Conheço algum problema similar?
• Tornar a propor o problema usando seus próprios termos.
• Explicar aos colegas em que consiste o problema.
• Modificar o formato da proposição do problema (usar gráficos, desenhos, etc.).
• Quando é muito geral, concretizar o problema com exemplos.
• Quando é muito específico, tentar generalizar o problema.

Alguns procedimentos estratégicos para a solução de problemas:


• Realizar tentativas por meio de ensaio e erro.
• Aplicar a análise meios-fins.
• Dividir o problema em subproblemas.
• Estabelecer submetas.
• Decompor o problema.
• Procurar problemas análogos.
• Ir do conhecido até o desconhecido.

Em situação de sala de aula, Gervilla (1992), citado pela SERT (SÃO PAULO, 2002b), sugere o se-
guinte esquema a seguir, que também descreve o desenvolvimento do método de solução de problemas:

102 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Modelo de solução de problemas (gervilla)
Qual é o problema?

1. Definir o problema
→ Quem está envolvido?

De que informações precisamos?


Como vamos saber que o problema está
2. Descobrir os
resultados desejados → solucionado?

Quais resultados esperamos?


De quantas maneiras podemos alcançar os
3. Propor alternativas
→ resultados desejados?

Esgotamos todas as alternativas?


De quais recursos necessitamos para cada
alternativa?
4. Analisar alternativas
→ Quais são as vantagens de cada alternativa?

Quais são as dificuldades de cada alternativa?


Por que estas e não outras alternativas?
5. Selecionar as
melhores alternativas → Os resultados desejados necessitam de
avaliação?
Que procedimentos adotar?


Qual é a responsabilidade de cada um?
6. Estabelecer os
passos de ação
Quando começamos?

Necessitamos de um plano de controle?

7. Execução
→ Colocar as alternativas em ação, de acordo
com o plano.
Conseguimos os resultados desejados?

8. Avaliação
→ Que passos favoreceram ou dificultaram o
processo?

Será necessário expor de novo o problema?

Outro modelo para solução de problemas foi proposto por Bransford e Stein, citado por Echeverría e
Pozo (1998), é o programa IDEAL, em que I é a identificação do problema; D, a definição e a apresentação
do problema; E, a exploração das diferentes estratégias; A, a ação fundamentada na(s) estratégia(s) e L, os
logros, resultados, e a sua avaliação.
Para finalizar, outro método para a solução de problemas, proposto por Sanz, é incentivar o aluno a
compreender como eles são formulados:

Se devemos repassar aos alunos os métodos de resolução de problemas, é inte-


ressante seduzi-los para a formulação de problemas. No curso de Admissão (não
existe mais; equivalia à quinta série do 1º grau), eu tive um professor que, além

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 103


de obrigar-nos (valendo nota) a resolver problemas de palavras cruzadas, que
ele mesmo formulava, nos ensinou a formulá-los. Aprendi muito mais criando
palavras cruzadas do que as resolvendo. Embora não me lembre mais do seu
nome (lá se vão 50 anos), não me esqueço de seus ensinamentos e mantenho um
vocabulário relativamente rico e variado.
Assim, penso que um bom método é começar fazendo os alunos resolverem pe-
quenos problemas, para, a seguir, convidá-los a formular. É a melhor maneira de
ensiná-los a sair do labirinto. (2006, p.93)

Esse é um método geralmente articulado com a metodologia de projetos, uma vez que um projeto
Cf. Djmal (2008), Talmude é
o livro que define e dá forma
existe motivado por situações-problema.
ao judaísmo, alicerçando to-
das as leis e rituais judaicos, A metodologia dos projetos, aliada aos métodos e técnicas de ensino já mencionados e a diversos outros
explicando, discutindo e existentes, contribui para a formação do cidadão e do profissional competente, crítico e autônomo.
esclarecendo-os.

6. Aprendizagem por projetos


Aquele que estuda sem a intenção de agir, melhor seria que nunca fosse criado.

Aquele cuja sabedoria ultrapassa suas ações a que se parece? A uma árvore com
muitos ramos e poucas raízes: um vento qualquer a arranca e derruba. Mas
aquele cujas ações ultrapassam a sua sabedoria a que se parece? A uma árvore
com poucos ramos, mas muitas raízes. Mesmo que todos os ventos do mundo
Consideramos competência,
viessem a soprar sobre ela, não se moveria.
aqui, como a condição de
alocar saberes cognitivos, Os ensinamentos são mais importantes porque eles engendram as ações.
psicomotores e socioafetivos
“através de análises, sínte- Trecho extraído do Talmude, citado por SANZ (2006, p.35).
ses, inferências, generaliza-
ções, analogias, associações,
transferências, ou seja, de es-
quemas mentais adaptados e
Pedagogia de projetos
flexíveis, em ações próprias
de um contexto profissional
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao estabelecer a política de construção de com-
específico, gerando desem- petências, explicitada também nos Referenciais Curriculares Nacionais de Educação Profissional de Nível
penhos eficientes e eficazes”
Técnico, indica ser a pedagogia de projetos a mais adequada aos educandos, pois proporciona, segundo
(Brasil, 2000a, p. 10).
Sanz (2006, p.78), o desenvolvimento do espírito de equipe e da autodisciplina, o respeito diante da diver-
sidade de pensamentos e vivências, a prática interdisciplinar e a interação da teoria com a prática.
A metodologia de projetos é a aplicação da pedagogia dos projetos, constituindo-se em uma integra-
ção de diversas outras metodologias e métodos educacionais, com a aplicação das mais variadas técnicas.
Traz a realidade para dentro da sala de aula, conferindo uma finalidade real para o aprendizado. É uma
atividade intencional, porque se direciona a um ou mais objetivos e permite interações grupais e desem-
penhos individuais. É possível desenvolver, através dessa metodologia, competências de planejamento,
execução, controle, gestão e avaliação, tanto profissionais como pessoais, conforme podemos constatar nos
Referenciais Curriculares de Educação Profissional:

Nessa perspectiva, os programas de educação profissional, com currículos dirigidos


para competências requeridas pelo contexto de uma determinada área profissional,
caracterizam-se por um conjunto significativo de problemas e projetos, reais ou simu-
lados, propostos aos participantes e que desencadeiam ações resolutivas, incluídas as
de pesquisa e estudo de conteúdos ou de bases tecnológicas de suporte, podendo estas
estar reunidas em disciplinas, seminários, ciclos de debates temáticos e de atividades
experimentais/ laboratoriais. (Brasil, 2000a, p.31)

Os projetos devem tornar a aprendizagem ativa e interessante para o aluno, já que ele tem de bus-

104 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


car informações, ler, debater, conversar com pessoas práticas ou acadêmicas, pesquisar, calcular, observar,
“pôr a mão na massa”, analisar resultados, elaborar relatórios e tornar-se sujeito de seu próprio conheci-
mento. Enfim, transformar os conhecimentos adquiridos em instrumentos para a resolução dos problemas,
cabendo aos professores a complexa tarefa de fazer as ligações e estabelecer os significados de seus compo-
nentes curriculares, associando-os às situações dos projetos.
O projeto curricular desenvolvido na escola tem grande semelhança com os projetos profissionais
ou com os projetos de vida. Inicia na (1) intenção, provocada por um problema, uma situação real, uma
vontade ou mesmo uma curiosidade. Passa para a (2) preparação, que é a busca e o levantamento dos
conhecimentos previamente desenvolvidos, o planejamento, as discussões no grupo, até chegar à (3) de-
puração, ou seja, o momento em que o que foi planejado deve submeter-se à crítica e à autocrítica. Nesta
etapa, o grupo e, principalmente, o professor verificarão as fontes consultadas, a validade dos dados utili-
zados, as necessidades de aprofundamento e de melhorias nas pesquisas. A fase seguinte, a (4) execução,
é a aplicação do planejado. Durante e após a execução, efetivam-se novas etapas de depuração, uma vez
que o acompanhamento da execução é fundamental para que eventuais adequações sejam efetuadas. Em-
bora erros também possam proporcionar aprendizagem, também podem levar ao desânimo e à frustração.
Assim, o papel do professor será de acompanhar e evitar que incorreções desnecessárias sejam cometidas.
Executado o projeto, passa-se à fase de (5) análise dos resultados, elaboração de síntese ou relatórios e di-
vulgação, quando acontecerá o compartilhamento com os demais colegas, na forma de painel, seminário,
exposição, etc. Será feita a avaliação do resultado obtido, comparado ao objetivo inicial. É uma etapa que
deve ser, sempre que possível, coletiva e participativa, para que realmente ocorra a cooperação necessária
à melhoria constante do processo. É também o momento em que poderão surgir novos estímulos ou pro-
blemas, que desencadearão novos projetos.
Segundo Perrenoud (1999b,), o começo do projeto é claro, mas nunca se sabe como e quando vai
terminar, tendo em vista a dinâmica específica descrita acima, que inclui planejar, elaborar, executar, reela-
borar, reformular, executar novamente, enfim, um contínuo vivenciado pelos participantes.
Bordenave e Pereira (1998), enumeram diversas vantagens da metodologia de projetos, entre elas, a
de ser multi e interdisciplinar; de proporcionar visão de objetivos e metas; de estimular a auto-organização
do tempo, do espaço e do material; de levar à compreensão social do entorno; de estimular o trabalho co-
letivo e cooperativo; de possibilitar a aprendizagem real, significativa, com encaminhamento e proposição
de soluções para os problemas previstos e imprevistos e, sobretudo, de desenvolver o pensamento diver-
gente ativando e socializando o ensino, levando os alunos a se inserirem conscientemente na vida social e
profissional.
Entretanto, essa metodologia também tem suas limitações, não devendo ser utilizada aleatoriamen-
te, por força de uma contemporaneidade imposta pelo sistema ou pela sociedade. Por sua natureza prática
e ativa, nem sempre será aplicável em todos os componentes curriculares. Da mesma forma, nem todos
os docentes se sentem à vontade ou seguros para utilizá-la. Bordenave e Pereira (1998) chamam a atenção
para dois possíveis abusos decorrentes da prática inadequada dessa metodologia:

- Uma iniciativa ingênua e superficial dos alunos, que não atenderia aos objeti-
vos da aprendizagem e poderia terminar em certa desordem;

- Perigo de uma excessiva interferência do professor que, preocupado com um


programa previamente estabelecido, chega a transformar o projeto em uma
coordenação estereotipada de lições em torno de um tema determinado, de pouco
interesse para os estudantes. (p.235)

Considerados os dois possíveis abusos mencionados acima, e assumindo que estes podem ser supe-
rados desde que sejam conhecidos, é possível estabelecer procedimentos que efetivamente viabilizem sua
prática inter e transdisciplinar.
Partindo do problema ou intenção que gerou o projeto, que pode ser tanto um experimento como
um plano de intervenção em determinada realidade ou atividade específica, a equipe escolar poderá iden-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 105


tificar as interfaces de cada componente curricular, os conceitos a ele vinculados e planejar, assim, a parti-
cipação dos professores no projeto. Dessa forma, o projeto será interdisciplinar na concepção, na execução
e na avaliação, integrando as disciplinas na percepção mútua da realidade.
A metodologia de projetos, enfim, provoca mudanças muitas vezes radicais naqueles que a aplicam.

Para os professores, (isso exige) refletir sobre a atividade docente e mudar sua
postura tradicional de especialista em conteúdo para treinador de aprendizagem.
Para os estudantes, significa assumir maior responsabilidade por sua própria
aprendizagem, com a compreensão de que o conhecimento que obtiverem com seu
De acordo com GONTIJO et. esforço pessoal será muito mais duradouro do que as informações transmitidas
al. (2007), o termo ciberespa- por outras pessoas. (MARKHAM et al, 2008, p. 7)
ço foi criado em 1984 pelo
escritor de ficção científica
William Gibson, em seu livro
Neuromancer. Nele, o autor No entanto, o ato de projetar requer abertura para o desconhecido, para o
imagina uma realidade cons- não-determinado e flexibilidade para reformular as metas à medida que
tituída por tecnologias que,
enraizadas de tal forma, aca-
as ações projetadas evidenciam novos problemas e dúvidas. (PRADO,
bam transformando a vida 2005, p.14)
em sociedade e o próprio ser
humano. Embora não viva- ‘[...] o projeto rompe com as fronteiras disciplinares, tornando-as permeáveis
mos no cenário imaginado
por Gibson, sua ideia de ci- na ação de articular diferentes áreas de conhecimento, mobilizadas na investi-
berespaço foi emprestada ao gação de problemáticas e situações da realidade. Isso não significa abandonar as
“meio que emerge da rede
mundial de computadores disciplinas, mas integrá-las no desenvolvimento das investigações, aprofundan-
(web)”, segundo Amaral e doas verticalmente em sua própria identidade, ao mesmo tempo, que estabelecem
Vilarinho (2008). Apesar de a
web ser o principal ambiente
articulações horizontais numa relação de reciprocidade entre elas, a qual tem
do ciberespaço, este também como pano de fundo a unicidade do conhecimento em construção’. (ALMEIDA,
pode ocorrer na relação do 2002 apud PRADO, 2005, p. 15)
homem com outras tecno-
logias, como celular, smar-
tphones, tablets, pagers, e Lidamos, assim, com uma pedagogia do raciocínio e da ação, na qual aprendemos
outros aparatos de comuni- a pensar e a fazer num processo único e indissolúvel, mas cujo resultado final
cação criam ambientes virtu-
ais de relacionamento. não pertence a qualquer indivíduo, pois é fruto do empenho e da competência de
todos. (SANZ, 2006, p. 79)

7. Uso de tecnologias
O uso das modernas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) configura-se, atualmente, em
um imperativo. O professor nem sempre está preparado ou disposto a utilizar essas tecnologias, que são
demandadas tanto nas atividades econômicas, sociais, culturais, políticas como nas rotinas de trabalho da
maior parte (talvez em todas) das profissões. Assim, torna-se relevante discutir sobre o papel do professor
no desenvolvimento de sua profissão, numa conjuntura, segundo Amaral e Vilarinho (2008),

caracterizada pela globalização de mercados e pela emersão do ciberespaço – [que]


impõe um quadro de individualismo, competitividade, falta de tempo e volati-
lidade nas relações, além de gerar um ritmo frenético de produção e consumo,
que ressalta o utilitarismo, banaliza princípios filosóficos, sociológicos e, por que
não dizer, éticos. Na ótica de Soares, tempo, qualidade e qualificação ganham
destaque como indicadores de produtividade no mundo do trabalho, significando
uma nova maneira de fazer e de ser profissional. caracterizado pela globalização
de mercados e pela emersão do ciberespaço [que] impõe um quadro de individua-
lismo, competitividade, falta de tempo e volatilidade nas relações, além de gerar
um ritmo frenético de produção e consumo, que ressalta o utilitarismo, banaliza
princípios filosóficos, sociológicos e, por que não dizer, éticos. Na ótica de Soares,
tempo, qualidade e qualificação ganham destaque como indicadores de produti-

106 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


vidade no mundo do trabalho, significando uma nova maneira de fazer e de ser
profissional.(p. 31)

A afirmação acima ressalta o desafio colocado ao professor de educar e se educar nesta sociedade da
informação e do conhecimento, que exige dele, e também de seu aluno, capacidade de manter-se atuali-
zado com as mudanças tecnológicas e, ao mesmo tempo, de garantir seu espaço de liberdade e autonomia
para um desempenho profissional crítico e responsável. Umberto Eco, citado por Kenski (2003), diz que
“nós precisamos de uma forma nova de competência crítica, uma arte ainda desconhecida de seleção e
decodificação da informação, em resumo uma sabedoria nova” (p. 25). Tal competência crítica implica em
reconhecer a importância e o potencial de interferência das diversas tecnologias, que invadem o cotidiano das
Ainda conforme Kenski
pessoas através dos inúmeros meios de comunicação, e que, muitas vezes, deixam de ser entendidas como tec- (2003, p. 62-63), o hipertex-
nologias para serem vistas como “complementos, como companhias, como continuação de seu espaço de vida. to é um texto e, ao mesmo
tempo, um caminho para
Por meio do que é transmitido pela televisão e acessado pelo computador, as pessoas se comunicam, adquirem
informações que são dispo-
informações e transformam seus comportamentos. Tornam-se ‘teledependentes’ ou ‘webdependentes’, consu- nibilizadas nos formados
midoras ativas, permanentes e acríticas do universo midiático.” (KENSKI, 2003, p.25). mais variados: imagens,
vídeos, outros textos, etc. A
Nesse contexto, dominar a tecnologia é apenas uma etapa inicial, porém necessária para perceber e autora chama a atenção para
o fato de que, à medida que
compreender suas potencialidades e limitações pedagógicas. O vídeo, a internet, o computador, o rádio, navega pelo hipertexto, cada
cada ferramenta carrega suas especificidades, que podem se complementar entre si ou com outros recursos pessoa conduz sua leitura de
uma determinada maneira,
não necessariamente tecnológicos. A prática docente deve ser constantemente revista não apenas pelos “escrevendo”, portanto, seu
professores de maneira individual, mas também em reuniões pedagógicas da equipe docente e com os próprio texto.
próprios alunos. Kenski alerta que:

Os avanços tecnológicos reorientam a leitura na escola para outros textos e


imagens. O ato de ler se transforma historicamente. Não mais a leitura obrigató-
ria dos densos compêndios, clássicos das ciências ou dos herméticos textos cheios
de erudição, alguns incompreensíveis para seus jovens leitores. Textos curtos,
cartazes, intercalados com imagens, desenhos, filmes, literatura e conversas
fazem a intermediação entre os textos clássicos e os hipertextos digitais. A escola
precisa investir na formação de leitores por diversos caminhos e linguagens. Pre-
cisa também ampliar suas concepções de linguagem, de leitura e de escrita para
incorporar as mediações textuais feitas por meio do uso das tecnologias digitais. Segundo José Vanderlei Lua
da Silva (2007, p. 342), o
(2003, p.62)
termo mídia vem do latim
media e representa o meio
O professor deve, ainda, estar preparado para interagir e dialogar com outros espaços fora dos de suporte para a difusão de
limites da escola: outras escolas, museus, bibliotecas, empresas, instituições governamentais e não gover- informações (jornal, rádio,
televisão e internet) e para
namentais, estabelecendo vínculos de cooperação e de trocas de experiências educacionais, instrumentali- a geração da informação
zando-se para auxiliar seus alunos a analisar criticamente as múltiplas e complexas situações informadas (máquina fotográfica, filma-
dora). É, também, segundo
pelas mídias. Afinal, segundo Silva, H. (2006): Ezequiel Theodoro da Silva,
“o conjunto de veículos e lin-
guagens para a realização da
Os meios de comunicação exercem uma influência avassaladora na população. comunicação humana para
Só 20% das pessoas leem jornal, enquanto 95% veem televisão e ouvem rádio. A o cumprimento de diferen-
tes interesses e propósitos”
televisão e o rádio dizem que só querem entreter, mas ao mesmo tempo, vão disse- (2005, p. 33).
minando ideias, emoções e valores. Sabem como se comunicar com a população,
captar suas ansiedades e desejos. A escola não pode continuar ignorando esses
instrumentos, precisa discuti-los, analisá-los e utilizá-los. (p. 342)

A internet é uma tecnologia cada vez mais acessível no Brasil e seu uso abrange inúmeras possibi-
lidades no processo ensino-aprendizagem. Tanto no ensino presencial como no à distância sua utilização
permite pesquisa e comunicação, dinamizando e dando novos formatos ao trabalho do docente.
Um dos recursos mais conhecidos da internet relaciona-se com a pesquisa: são os sites de busca,
que podem facilitar a coleta de informações e dados. Segundo Moran, citado por José Wanderlei Lua da
Silva (2007), a pesquisa nos sites de busca traz algumas possibilidades, entre elas, a possibilidade de pes-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 107


quisar temas do geral para o específico, navegando pelos hiperlinks. Exige do professor atenção para que o
aluno faça a análise das informações coletadas, utilize fontes confiáveis e não se disperse ao longo de sua
pesquisa. Será interessante, em um trabalho de pesquisa, que os diversos alunos, individualmente ou em
grupos, desenvolvam suas atividades utilizando a internet e outros meios de pesquisa, e que os resultados
O termo vem do inglês sejam comunicados para toda a classe, criando, assim, situações de um saudável confronto. O autor alerta,
hyperlink, também chama- ainda, para o excesso de informações disponibilizadas na internet: “na internet temos informações demais
do hiperligação. Segundo
o dicionário de informática e conhecimentos de menos” (2007, p. 352).
on-line da Folha de S. Paulo,
trata-se do “nome que se dá Outro recurso da internet diz respeito à comunicação, através de correios eletrônicos, fóruns e listas
às imagens ou palavras que de discussão, chats, blogs, etc.
dão acesso a outros conteú-
dos em um documento hi-
pertexto. O hiperlink pode
O correio eletrônico (e-mail) permite a troca de mensagens e informações de maneira rápida e eficaz,
levar a outra parte do mes- sem necessidade de suportes físicos como papel, caneta, envelopes, serviços de malote, etc. Pode desen-
mo documento ou a outros volver-se em tempo real através de ferramentas como o messenger (MSN, Skype, GTalk, entre outros). Como
documentos. Também é usa-
da a palavra link”. Esta, por recurso didático, permite a comunicação do professor com os alunos e dos alunos entre si, resultando em
sua vez, também chamada uma interação que extrapola o horário de aula e o ambiente escolar.
liame ou ligação, aparece no
dicionário Houaiss pratica- O fórum de discussão (web forum) é um espaço para discussão de temas pré-definidos, em que to-
mente com o mesmo signifi-
cado: “elemento de hipermí- dos os participantes podem manifestar suas opiniões acessando a página do fórum na internet e podem
dia formado por um trecho também ler as manifestações dos demais participantes. Para atingir seus fins didáticos, o professor ou um
de texto em destaque ou por
um elemento gráfico que,
monitor devem assumir a função de coordenador do espaço virtual.
ao ser acionado (geralmen-
te, mediante um clique de As listas de discussão (e-groups) também se constituem em espaço para manifestação de opiniões de
mouse), provoca a exibição seus integrantes. As mensagens são enviadas por e-mail para o endereço do grupo, e distribuídas para to-
de novo hiperdocumento”.
Ainda conforme o Houaiss,
dos os integrantes. As listas podem ser abertas ou fechadas, com ou sem moderador. Na aplicação didática,
o termo “link” tem origem é interessante que seja moderada pelo professor, a fim de maximizar as vantagens da ferramenta.
germânica e surgiu no inglês
entre os séculos XIV e XV, Os chats ou bate-papos são conversas que acontecem em tempo real, com todos os participantes
designando “cada uma das
argolas de que se faz uma
conectados à internet, em determinado endereço eletrônico. As interações aparecem na tela, associadas à
cadeia; algo que serve para identidade de cada pessoa. É uma ferramenta bastante interessante para comunicação entre professores ou
ligar uma coisa a outra”. entre alunos de escolas diferentes, localizadas até mesmo em estados ou países diversos.
Em programas de edição de
texto e na internet, o símbo-
Os blogs são abreviações de weblogs, ou registros eletrônicos. Têm caráter dinâmico e favorecem
lo da ferramenta que insere
um link ou hiperlink a uma a interação pela facilidade de acesso e atualização, o que os diferencia de sites convencionais. O sistema
determinada expressão são, eletrônico organiza automaticamente as mensagens e materiais postados, permitindo que um usuário com
justamente, duas argolinhas
acorrentadas uma a outra. conhecimentos mínimos utilize o recurso. Didaticamente, seu uso pode ser individual – o professor ou
cada um dos alunos podem manter seu próprio blog – ou coletivo – um grupo responsável por um projeto
pode, por exemplo, registrar seu andamento e disponibilizá-lo para a comunidade escolar e externa.
Ainda relacionadas ao uso da internet, segundo Silva, J. (2007,), podem ser citadas as teleconferências
(quando há transmissão e recepção de som, imagens e dados em tempo real, podendo acontecer também com
recepção via satélite, TV aberta ou a cabo, com a interação acontecendo por telefone, fax, e-mail); as audioconfe-
rências (transmissão da voz via internet ou telefone); as videoconferências (comunicação interativa em áudio e
vídeo, com interatividade em tempo real) e as conferências virtuais para grandes públicos ou web conferences
(algumas empresas multinacionais utilizam plataformas de comunicação síncrona, permitindo que todas as
filiais assistam a palestras e se comuniquem pela internet, em tempo real). Do ponto de vista educacional, tele e
videoconferências são recursos ainda não bem explorados pelas instituições de ensino.
Além da internet, existem diversos recursos didáticos baseados em tecnologias da comunicação que
podem ser utilizados pelos professores. A palavra-chave é integrar: integrar a internet com outros recursos,
como vídeo, televisão, jornal, livro, computador, etc. Integrar o mais avançado com as técnicas convencio-
nais, integrar o humano e o tecnológico, dentro de uma visão pedagógica nova, criativa, aberta.
Finalmente, é importante ainda considerar que, ao mesmo tempo em que reconhecemos a relevância
das TICs no desenvolvimento socioeconômico, político e cultural e na integração de nações e povos, não
podemos negar também que provocam acentuadas disparidades e diferenças entre nações desenvolvidas
e não desenvolvidas e a ampliação do contingente de excluídos sociais e digitais. A excessiva valorização
das novas tecnologias resulta em “mecanismos perversos de desqualificação de uma quantidade conside-

108 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


rável de mão de obra, julgada inapta para dar conta das exigências do mercado de trabalho” (AMARAL e
VILARINHO, 2008, p.32).
É fundamental que o professor selecione suas metodologias e ferramentas tecnológicas de trabalho
pedagógico com equilíbrio e bom senso, levando em conta os objetivos educacionais. O estudante, por sua
vez, deve desenvolver competências para acessar informações, compreendê-las, criticá-las e aplicá-las em
situações e contextos diversos.
Ezequiel Theodoro da Silva (2005) nos alerta para a supervalorização das tecnologias, ao lembrar
que existem situações que exigem leitura cuidadosa, especulativa e reflexiva, e outras em que é suficiente
escanear ou coletar informações, o que exige a formação de um leitor eclético “cuja maturidade se vai
formando no acesso e na convivência com os diferentes veículos e configurações de linguagens” (p. 35).
Em seu trabalho, ele menciona Maria Aparecida Baccega para confirmar sua convicção de que o uso dos
diversos meios pelo professor deve ser extremamente crítico:

hoje o mundo é trazido até o horizonte de nossa percepção, até o universo do nosso
conhecimento. Como não podemos estar presentes em todos os acontecimentos, temos
que confiar nos relatos. O mundo que nos é trazido pelos relatos, que assim conhe-
cemos e a partir do qual refletimos, é um mundo que nos chega editado, ou seja, ele
é redesenhado num trajeto que passa por centenas, às vezes milhares de mediações,
até que se manifeste no rádio, na televisão, no jornal. Ou na fala do vizinho, ou nas
conversas dos alunos. São essas mediações – instituições e pessoas – que selecionam
o que vamos ouvir, ver ou ler; que fazem a montagem do mundo que conhecemos.
(BACCEGA, 2002 apud SILVA, E. 2005, p. 35)

8. Prática profissional e aprendizagem em ambientes


didáticos
Os currículos dos cursos PROEJAdevem organizar-se tendo como referência o perfil profissional e o
cidadão que se pretende formar, com competências vinculadas a situações reais de trabalho e de vida em
sociedade. Nesse contexto, “a prática se configura como uma metodologia de ensino que contextualiza e
põe em ação o aprendizado” (Brasil, 2000a, p. 104).
Cabem, aqui, algumas considerações sobre teoria e prática. O ensino profissional integrado ao en-
sino médio é composto, curricularmente, de áreas de conhecimento diversas, que podem levar à dicoto-
mização de conhecimentos e habilidades. Barato (1999) chama a atenção para a necessidade de refletirmos
sobre o que ainda é consenso entre grande parte de educadores: que as práticas precisam estar fundadas
em teorias consistentes. O autor afirma que:

Nessa direção, o alvo das didáticas tradicionais são as teorias, não as práticas,
uma vez que as últimas são explicadas pelas primeiras. Mais que isso, para os
didatas tradicionais apenas as primeiras merecem o status de conhecimento. [...]
o uso das categorias prática e teoria (aliás, teoria e prática, como é o modo de
falar predominante) cria obstáculos para uma educação profissional fundada no
trabalho.

Ele relata um caso de sua experiência profissional no SENAC de São Paulo que julgamos oportuno
reproduzir.

Em 1985, quando coordenava um projeto de capacitação de docentes no Senac/


SP, registrei um entendimento interessante do que é prática e teoria no plano
didático. A apresentação de mostras de aula era a atividade central dos trabalhos.
A partir das mostras, o grupo discutia e aprofundava as questões didáticas que

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 109


os docentes costumam vivenciar no dia a dia. Uma das mostras abordou o tema
‘tipos de cabelo’. O conteúdo foi desenvolvido de modo dinâmico com apoio de
material escrito, quadros classificatórios, ilustrações e desenhos. Três ou quatro
classificações, muito utilizadas por profissionais da área, ficaram bem evidencia-
das. Na discussão sobre a aula-demonstração, perguntei às docentes por que elas
não introduziram exercícios de manipulação dos cabelos dos participantes para
aplicar as categorias classificatórias apresentadas (éramos cerca de trinta pessoas,
constituindo uma boa mostra de todos os tipos de cabelos reconhecidos por
cabeleireiros). A resposta foi surpreendente. As docentes disseram que a ausência
de manipulação tinha ocorrido porque elas haviam planejado uma aula teórica.
Qualquer manipulação capilar, segundo as professoras, seria objeto de aulas
práticas. (BARATO, 1999)

O caso relatado nos revela que, muitas vezes, separa-se a teoria da prática, Entretanto, a prática
profissional não se realiza em segmentos ou módulos específicos, mas durante todo o curso, não sendo
específica das aulas práticas ou do estágio supervisionado. Em suma, tratamos da prática profissional ao
longo de todo o curso, através de atividades como: estudos de caso, pesquisas de mercado, trabalhos em
equipe, planejamento e desenvolvimento de projetos e, naturalmente, estágios e trabalhos de conclusão de
curso (TCCs). Nas escolas técnicas, a prática profissional pode desenvolver-se no próprio ambiente escolar,
Para mais informações sobre desde que condições reais de ambiente de trabalho sejam oferecidas. Um exemplo é o dos cursos técnicos
o funcionamento e proposta
metodológica da Coopera-
da área agropecuária desenvolvidos nas fazendas em que as escolas se localizam. A prática profissional,
tiva-Escola no Centro Paula nesse caso, está diretamente vinculada aos projetos produtivos que, por sua vez, são gerenciados pela
Souza, consultar BELEZIA, Cooperativa-Escola dos Alunos.
Eva Chow . Projeto Coope-
rativa-Escola. Em Synthesis –
A prática profissional deve proporcionar ao aluno condições para a identificação e resolução de
Revista de Educação. n.5, out
1998, p. 64-71. São Paulo, 1998. problemas, enfrentamento de situações inesperadas, de forma a preparar-se para responder aos desafios
profissionais que enfrentará no mundo do trabalho. Sua organização e planejamento didático ̶ em aulas
práticas desenvolvidas em salas-ambiente, em oficinas, em laboratórios, em condições de campo, em ati-
vidades extra-aula ou ainda em projetos ou estágio supervisionado ̶ devem contribuir para o desenvolvi-
mento das competências gerais e específicas elencadas no plano de curso.
Assim, a prática profissional deve incentivar o estudante a observar, participar, buscar informações,
analisar e entender a realidade como objeto de conhecimento. Deve incentivá-lo, ainda, a valorizar as ex-
periências acumuladas no plano coletivo e a articular conhecimentos teóricos por meio de situações reais.

Aula prática: aplicação de conhecimentos ou prática profissional?


A resposta a esse questionamento pode ser: “depende”, ou ainda: “os dois”. Se considerarmos uma
aula prática acontecendo seja em uma oficina de mecânica, seja em um laboratório de química, seja em uma
cultura de milho, com um professor fazendo a demonstração da operação de solda, discorrendo sobre os
procedimentos para a realização de uma reação química ou observando com os alunos a ocorrência de la-
garta do cartucho do milho, podemos verificar que tanto acontece uma aula como uma prática profissional.
Afinal, o aluno se encontra também em um ambiente de trabalho, possível de ser relacionado a situações
reais. A organização das ferramentas e dos equipamentos, os procedimentos na organização das vidrarias
e dos equipamentos químicos, a disposição e espaçamento entre as linhas cultivadas de milho, a presença
(ou não) de funcionários no local, os quadros de avisos (se existirem), a limpeza em maior ou menor grau
do local são indicadores a serem observados e que, se o professor assim conduzir, podem se configurar em
uma prática profissional que desenvolverá competências e habilidades pessoais e profissionais.
Assim como Barato, Bordenave (1983) também alerta para o equívoco, muitas vezes cometido, de
acreditar que a aula prática é uma sessão de “fazer, executar” e de aplicar o que se aprendeu na teoria. Tal
equívoco se remete aos tempos em que se considerava que a aprendizagem começava com o pensamento
e terminava com a ação. Na realidade, a aula prática tanto pode acontecer após a teórica, como antes ou
concomitantemente a ela, em salas-ambiente. A aula prática tem a finalidade de proporcionar ao aluno
contato com a realidade, podendo ser tanto uma observação como uma aplicação desta.

110 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Existem diversos métodos para o desenvolvimento de aulas práticas, entre eles a demonstração e a
experimentação. É interessante observar que os dois métodos podem ser utilizados separada ou simulta-
neamente, e que, quando as atividades de demonstração são consorciadas com as atividades experimentais
práticas, estando todas a cargo dos alunos sob o papel orientador do professor, tornam-se fatores de rele-
vante motivação para os alunos.

Demonstração
Gaspar e Monteiro (2005), em trabalho sobre atividades experimentais de demonstração em sala de
aula, escrevem:

Pode-se inferir, portanto, que a utilização da demonstração experimental de um


conceito em sala de aula acrescenta ao pensamento do aluno elementos de reali-
dade e de experiência pessoal que podem preencher uma lacuna cognitiva carac-
terística dos conceitos científicos e dar a esses conceitos a força que essa vivência
dá aos conceitos espontâneos. Em outras palavras, a atividade experimental de
demonstração compartilhada por toda classe sob a orientação do professor, em um
processo interativo que de certa forma simula a experiência vivencial do aluno
fora da sala de aula, enriquece e fortalece conceitos espontâneos associados a essa
atividade. [...] E pode oferecer os mesmos elementos de força e riqueza caracterís-
ticos desses conceitos para a aquisição dos conceitos científicos que motivaram a
apresentação da atividade. (p. 232-233)

Barato (1999) ressalta que a demonstração de um procedimento técnico, ainda que desacompanhada
de explicações verbalizadas, está muitas vezes impregnada de conceitos teóricos e elaborações mentais
demonstrados no “fazer”, constituindo-se, portanto, em um conhecimento, e não apenas na reprodução
de uma “habilidade”. O importante, no processo de ensino-aprendizagem, é que tal conhecimento seja de-
monstrado e explicitado através de uma sequência que, no entendimento do autor, comporta: “1. apresen-
tação sintética do processo; 2. análise de passos ou operações; 3. demonstração comentada; 4. praticagem
dos aprendizes; 5. avaliação”.
As demonstrações são realizadas em grande parte dos componentes curriculares, tanto do ensino
profissional como do ensino médio. Para a modalidade PROEJAtornam-se recursos dos mais importantes
diante das características já abordadas da psicologia de aprendizagem dos jovens e adultos, devendo ser
consideradas, no seu desenvolvimento, as cinco etapas anteriormente citadas. A seleção dos tópicos a
serem demonstrados deve ser criteriosa, considerando sempre o tempo e os recursos (físicos, materiais e
humanos) disponíveis.
Sanz (2006) lembra que existe um risco de os alunos acreditarem que a maneira demonstrada para
desenvolver uma determinada prática é a única correta. Cabe ao professor ressaltar as diversas possibi-
lidades existentes e, o mais importante, ao abrir espaço para que o aluno pratique, considerar que seus
eventuais erros podem levar à descoberta de outras formas de realizar a prática. Assim, o professor deve:

vincular, durante o processo de demonstração, os procedimentos e as técnicas


empregados à teoria e aos conhecimentos que os fundamentam; demonstrar e
explicar os erros mais comuns e discutir as motivações dos erros praticados pelos
alunos em diferentes ocasiões [...]. Já existe uma cultura sobre isso onde quer que
se trabalhe. Erros recorrentes, bem estudados, fornecerão subsídios para criativi-
dade nos acertos. (SANZ, 2006, p.131)

Experimentação
A experimentação refere-se ao método de realizar um experimento buscando provar e testar, de
forma repetida, uma teoria, ideia ou fórmula. Não se trata de apenas realizar uma experiência, mas de
acompanhar criticamente com repetições contínuas até a confirmação do resultado.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 111


Experimentar é repetir, repetir e voltar a repetir, até ter certeza de que os resulta-
dos não são acidentais. É também entender o que motiva o erro e como ele pode se
transformar em acerto (SANZ, 2006, p.132).

A realização de experimentos nas diversas áreas de conhecimento é importante para estabelecer a


indissociável relação entre teoria e prática, além de tornar o processo de ensino-aprendizagem mais pra-
zeroso e instigante e de estimular o pensamento científico no aluno (BEVILACQUA e COUTINHO-SILVA,
2007, p. 85).
Esse método, além de proporcionar o desenvolvimento das competências e habilidades específicas do(s)
componente(s) curricular(es), estimula a disciplina e a autodisciplina, o trabalho em grupo, a observação e di-
versas outras habilidades e atitudes necessárias para o profissional e cidadão a ser formado.
Finalizando, esses autores afirmam que “atividades experimentais são ferramentas preciosas para o
Para conhecer mais sobre es- ensino de ciências. É fundamental que o aprendiz perceba os fenômenos científicos no seu cotidiano e que
tágio supervisionado nos as- o ‘fazer ciência’ possa fazer parte do seu pensamento” (idem, p. 90).
pectos legais e operacionais,
consultar:
• Resolução CNE/CEB nº
01/2004;
Estágio supervisionado como prática curricular
• Deliberação CEE nº
31/2003; Os estágios fazem parte do processo de ensino-aprendizagem e, portanto, devem ser planejados,
• Lei Federal no 11.788/2008, acompanhados e avaliados pelo professor de forma a garantir a coerência com os currículos, calendários
de 25/09/2008;
e programas escolares. Desenvolvem-se em situações reais de trabalho, entendendo-se que situação de
trabalho abrange não apenas as relações profissionais, mas também as interpessoais e coletivas. Assim, o
estágio é mais do que um treinamento ou uma complementação do curso técnico.
Os estágios não devem ser realizados sem o devido acompanhamento e orientação de profissionais
(na empresa) e professores (na escola), a fim de garantir que as atividades desenvolvidas sejam compatí-
veis com as competências relacionadas no plano do curso. É necessário também verificar a correlação da
teoria com a prática, o grau de complexidade das atividades, a tecnologia utilizada, as possibilidades de
contextualização das habilidades a serem desenvolvidas, evitando-se situações em que estagiários são in-
dicados para realizar atividades de interesse da empresa mas não relacionadas com o curso frequentado. .
O estágio supervisionado deve prever inicialmente uma etapa de planejamento, representado pelo
plano de estágio, na qual deverão constar as atividades programadas, suas relações com as bases tecnológi-
cas e as competências a serem desenvolvidas no estágio. A segunda etapa é a execução do estágio na empre-
sa ou instituição concedente, com o necessário acompanhamento e registro das atividades. A terceira etapa
é a avaliação do estagiário, feita pelo profissional que acompanhou as atividades na empresa. A avaliação
tem a função de fornecer à escola a retroalimentação necessária sobre a qualidade do curso profissional e
sua adequação às necessidades e expectativas da empresa em questão. É importante, também, que o estu-
dante estagiário efetue sua autoavaliação.

Trabalho de conclusão de curso (TCC)


Trata-se de uma prática pedagógica adotada em diversas instituições de ensino, uma vez que propor-
ciona uma visão global e contextualizada do curso que está sendo concluído. Tem um caráter interdisciplinar e
deve abranger os conhecimentos desenvolvidos ao longo do curso, voltados para um projeto ou uma pesquisa
específica. O TCC pode ser apresentado na forma de monografia, portfólio, relatório e/ou em apresentação
pública, submetendo-se à avaliação de uma banca de professores e especialistas.
O TCC tem a finalidade de instrumentalizar o estudante para, através de um projeto, aplicar as
competências desenvolvidas ao longo do curso, dando a elas o significado necessário para a prática de sua
profissão. Consiste no aprofundamento, na investigação, na pesquisa bibliográfica em diversas fontes, na
experimentação, na análise e na avaliação dos resultados obtidos no trabalho.
Assim, o TCC é mais do que um trabalho de pesquisa. Seu caráter necessariamente interdisciplinar,
aliado ao tema selecionado que deve estar centrado no campo profissional, contribui metodologicamente
para a consolidação do processo de ensino-aprendizagem, que focaliza a formação integral do técnico
autônomo e competente. Tem por objetivos: promover a iniciação profissional do estudante através de

112 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


atividades técnico-científicas, desenvolver o espírito crítico com a identificação de situações-problema e o
espírito empreendedor na busca de soluções para as mesmas e, ainda, familiarizar o aluno com os procedi-
mentos e padrões metodológicos na execução do seu trabalho.
O tema do TCC, selecionado pelo aluno ou grupo de alunos, com eventual intermediação ou orien-
tação do professor, deve levar em conta os interesses pessoais do estudante, as situações-problema ou ob-
jetos de pesquisa identificados no ambiente escolar ou extraescolar, ratificadas pelas demandas do mundo
do trabalho e da sociedade. Assim, segundo Belezia e Ramos (2011) acontece a aproximação da comuni-
dade escolar com a comunidade externa, complementada com oportunidades de estágio e parcerias para
realização de projetos, incorporando novos conhecimentos e novas metodologias voltadas ao desenvolvi-
mento de competências valorizadas no mundo do trabalho. As autoras resumem alguns procedimentos
para a definição do tema:

Tendências, preferências pessoais e profissionais: o trabalho a ser desenvolvido de-


verá permitir o alcance do objetivo curricular e o aprimoramento da formação profis-
sional, fomentando a qualificação do aluno para o mundo do trabalho. O entusiasmo,
a dedicação, o empenho, a perseverança e a decisão para superar obstáculos dependem,
naturalmente, do ajustamento do perfil do pesquisador ao tema escolhido. A observân-
cia deste aspecto impulsionará sobremaneira o desenvolvimento do trabalho.

Aptidão: não basta gostar do tema, é preciso ter aptidão, ser capaz de desenvolvê-lo. Ap-
tidão, nesse caso, pode ser entendida como a base cultural e científica adequada (expe-
riência na área de conhecimento, relação direta com o currículo da habilitação, etc.).
Temas de caráter filosófico exigem aptidão ou capacidade para abstração, enquanto
que assuntos de caráter científico exigem conhecimentos básicos e específicos corres-
pondentes.

Tempo: na escolha do tema, o tempo é um fator a ser considerado. O tempo disponível para
realização do trabalho deve ser compatível com o nível de dificuldade (complexidade)
do tema selecionado.

Recursos: o fator econômico deve ser ponderado, uma vez que o desenvolvimento de determinadas
pesquisas exige a realização de viagens e/ou a aquisição de alguns materiais ou equipamentos.
O aluno deverá analisar a facilidade de acesso às fontes de pesquisa e a existência ou não de
material bibliográfico disponível e atual.

Relevância: o tema deve ser escolhido de maneira que o estudo realizado possa trazer uma
contribuição efetiva na solução de algum problema. Deverá contemplar certo grau de
inovação seja na abordagem, seja no produto final. (...) O TCC configura-se uma
atividade escolar de sistemati-
zação do conhecimento sobre
Pertinência: o tema deve estar articulado com as atribuições do técnico e com os objetivos um objeto de estudo pertinente
à área de formação profissional.
do curso. Tal atividade revela o conhe-
cimento a respeito do tema
O TCC é uma ferramenta utilizada, não apenas nos cursos técnicos como também nos níveis acadêmicos escolhido, emanado do de-
e no Ensino Fundamental e Básico, pelas suas características inter, multi e transdisciplinares. Também na moda- senvolvimento dos diferentes
componentes curriculares da
lidade EJA, e no PROEJA, é fundamental por proporcionar aos alunos a oportunidade de rever e refletir sobre o habilitação profissional. (BELE-
aprendizado realizado e sobre as competências e habilidades desenvolvidas, integrando e dando coesão para os ZIA e RAMOS, 2011, p. 21)
diversos componentes curriculares. Pode assumir dois formatos básicos: projeto experimental ou de aplicação
(caráter técnico) e projeto de pesquisa (caráter científico). Cada um desses formatos se desenvolve de acordo
com normas específicas, mas são igualmente fundamentados nas metodologias científicas e seus registros de-
vem seguir as normas de produção científica propostas pela ABNT.
Belezia e Ramos (2011) destacam alguns dos objetivos específicos do TCC:
• Oferecer educação profissional por meio de mecanismos que garantam a contextualização de

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 113


currículos;
• Promover a efetiva interdisciplinaridade no desenvolvimento das atividades escolares;
• Promover a interação da teoria e da prática, do trabalho e da educação;
• Possibilitar o acompanhamento e o controle das práticas desenvolvidas pelos alunos, na própria
escola ou nas instituições parceiras, permitindo a verificação do desempenho dos alunos, segundo
as competências estabelecidas no Plano de Curso;
• Proporcionar experiências práticas específicas aos alunos por meio do desenvolvimento de pro-
jetos de intervenção, promovendo a integração com o mundo do trabalho e o convívio sócio-profis-
sional;
• Propiciar ao aluno o domínio das bases norteadoras da profissão de forma ética e compatível com
a realidade social, desenvolvendo valores inerentes à cultura do trabalho;
• Promover a autonomia na atividade de produção de conhecimento científico;
• Oferecer condições para que todos os alunos possam desenvolver as competências estabelecidas
no Plano de Curso (p.23).
Ainda de acordo com as mesmas autoras, “a avaliação se dará em um processo contínuo e sistemá-
tico. Ela não será, portanto, um fim em si mesma. (...), ela deverá ser planejada e aplicada ao longo de todo
o processo de desenvolvimento do trabalho, o que permitirá a reorientação e o aperfeiçoamento das ações
(p.118).

9. Recuperação da aprendizagem
A reprovação é o sintoma mais gritante do fracasso escolar. Entretanto, não é possível eliminá-la sim-
plesmente com medidas proibitivas ou postergáveis. Tampouco nos parece eficaz fazer com que o aluno
repita novamente todo o processo, por mais um ano ou módulo. Este é um dos temas mais polêmicos na
comunidade escolar, muitas vezes tratado sob o viés ideológico, cultural ou filosófico.
Há que se considerar que a mera supressão da reprovação, sem o devido apoio pedagógico e sem
a organização das turmas, através seja dos ciclos de aprendizagem, seja da progressão continuada, pode
alterar os números do fracasso escolar, mas não combate suas causas.
Recuperação e progressão parcial são realidades no sistema educacional, em todos os níveis, às
vezes com denominações diferentes, mas sempre como consequência de uma reprovação não efetivada.
Podem ser entendidas, num sentido mais amplo, como práticas educacionais que devem levar em conside-
ração as diferenças individuais, diferenças essas que, no período letivo anterior, dificultaram na construção
dos conhecimentos.
Segundo Perrenould (2000b),

O apoio pedagógico deveria evitar ou atenuar a reprovação, fosse prevenindo


suas dificuldades e fracasso, fosse acompanhando alunos autorizados a progredir
na formação sem ter todos os conhecimentos requeridos. A ideia da base era,
então, romper com a indiferença às diferenças, instaurando uma pedagogia que
ainda não se chamava ‘diferenciada’, mas que se considerava como uma forma de
discriminação positiva ou de educação compensatória.( p. 35)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional trata dessa questão em seu Capítulo II, Seção I

Art. 24 – A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de


acordo com as seguintes regras comuns:[...]

114 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


III- nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento
escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequ-
ência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;
[...]
V- a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
[...]

e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao ano


letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas
instituições em seus regimentos. (Brasil, 1996)

A recuperação da aprendizagem pode ser contínua (quando desenvolvida ao longo do período letivo
como parte da rotina das aulas) e paralela (quando desenvolvida em período paralelo) e é parte integrante
do processo de ensino-aprendizagem. Não se trata simplesmente de realizar uma nova prova, tampouco
de oferecer aulas particulares para o aluno. Trata-se, sim, de respeitar as diferenças individuais e as velo-
cidades de aprendizagem de cada estudante, proporcionando-lhe condições e oportunidades necessárias
para ver, rever e retomar os conceitos e atividades já realizados. Pode ser realizada individualmente ou em
pequenos grupos, sob a orientação de professores e monitores.
A superação das dificuldades de aprendizagem deve ser proporcionada tão logo as dificuldades
sejam detectadas, ou após os conselhos de classe intermediários, quando previstos regimentalmente.
Para o desenvolvimento da recuperação paralela, podem ser elaborados projetos especiais ou ativi-
dades de grupo que contem, se possível, com a participação de alunos-monitores. Os grupos podem ser
organizados por módulo, por componente curricular, por área de conhecimento ou mesmo por grupos de
competências a serem desenvolvidas.
Os projetos de recuperação devem relacionar as competências que não foram desenvolvidas nos
componentes curriculares específicos, as bases tecnológicas e habilidades a elas relacionadas, e as ativida-
des, relevantes e significativas, que serão realizadas. É importante lembrar que a recuperação (contínua ou
paralela) não deverá ser mera repetição de conteúdos e métodos já utilizados anteriormente, e que foram
insuficientes para proporcionar a aprendizagem. Para a superação das dificuldades encontradas pelo alu-
no serão necessários outros procedimentos didáticos que complementem os anteriormente adotados. É
fundamental que o aluno tome conhecimento das dificuldades detectadas pelos professores e também que
tenha oportunidade de se manifestar (autoavaliação).
Cf. SÃO PAULO (Estado)
A Resolução SE 15/2005 fornece algumas indicações metodológicas que, pela universalidade, po- (2005). Secretaria da Educa-
dem adequar-se ao ensino médio e aos cursos técnicos. Assim, em seu artigo 6º, itens II e III, atribui a res- ção do Estado de São Paulo.
Resolução SE 15, de 22 fev.
ponsabilidade pela implantação dos projetos de recuperação paralela aos educadores, entre eles os docen- 2005. Dispõe sobre estudos
tes da classe ou da disciplina, que deverão identificar as dificuldades dos alunos, propor atividades para a de recuperação contínua
superação destas e avaliar e registrar continua e sistematicamente o desempenho desse aluno. e paralela na rede estadu-
al de ensino. Disponível
em: <http://siau.edunet.
sp.gov.br/ItemLise/arqui-
vos/15_05.htm>

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 115


Capítulo 4
Avaliação na aprendizagem
de jovens e adultos
Estudo Errado

[...] Então eu fui relendo tudo até a prova começar


Voltei louco pra contar:
Manhê! Tirei um dez na prova
Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova
Decorei toda lição
Não errei nenhuma questão
Não aprendi nada de bom
Mas tirei dez (boa filhão!)
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi

Decoreba: esse é o método de ensino


Eles me tratam como uma ameba e assim eu não raciocino
Não aprendo as causas e consequências, só decoro os fatos [...].
Gabriel O Pensador (1994)

Nas últimas décadas, a avaliação vem suscitando estudos e debates intensos em diversos setores e
áreas do conhecimento, ganhando uma abrangência cada vez maior. O termo avaliação passou a ser utili-
zado nos processos produtivos e nos de serviços. O ato de avaliar se tornou presente em diferentes etapas
de produção, com objetivo de, por exemplo, reduzir desperdícios materiais e verificar a qualidade dos
produtos e bens comercializáveis.
Entretanto, discutir a avaliação é uma tarefa difícil e complexa, já que ela faz parte das relações que
se estabelecem entre os diversos atores da vida social, política, econômica e cultural.
Na educação, a avaliação tem sido considerada um dos elementos mais importantes do processo
pedagógico. Pensar uma proposta avaliativa não excludente é imprescindível para aqueles que pretendem
participar da construção de saberes (saber, saber fazer e saber ser) junto aos jovens e adultos, resgatando
suas ricas experiências de vida e de trabalho, suas concepções de mundo e suas formas de relacionamento
num processo dialético, no qual a atuação do educador e do educando deve ser de “aprender para ensinar”
e “ensinar para aprender”.
Neste capítulo, vamos abordar diferentes temáticas relacionadas ao processo avaliativo voltado para
a prática educacional, especialmente, de jovens e adultos. Trata-se de apresentar aspectos relevantes da his-
tória da avaliação e dos diferentes paradigmas que foram sendo construídos em relação ao ato avaliativo.
Também vamos destacar alguns estudos sobre a avaliação que têm sido realizados nas últimas décadas,
além de fundamentações político-ideológicas, filosóficas e educacionais que alimentam algumas propos-
tas de importantes educadores e pesquisadores dessa temática.
O objetivo central é apresentar os princípios que norteiam a avaliação no processo educacional,
segundo diferentes paradigmas, tendo como perspectiva a busca de referenciais avaliativos mais condi-
zentes para a ação educativa na modalidade PROEJA. Para isso, buscaremos desvendar mitos, questionar o
processo avaliativo atual, problematizar o ato avaliativo e entendê-lo, em sua significação e ressignificação,
como parte crucial das relações entre os atores envolvidos na educação escolar. Também vamos colocar em
xeque certas verdades absolutas sobre o ato avaliativo e apontar alguns caminhos para o rompimento do
viés autoritário que ainda existe na prática educacional de grande parte das escolas Brasileiras.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 117


1. Avaliação: evolução
histórica, tipologias e paradigmas
O que importa é que não se reproduzam, pela avaliação, as exclusões vigentes no
sistema, que reforçam fracassos já vivenciados e corroboram a crença internaliza-
da de que não são capazes de aprender, substituindo esse modelo pela ratificação
da autoestima que qualquer processo bem-sucedido pode produzir, reafirmando
a disposição da política de cumprir o dever da oferta da educação com qualidade,
devida a tantos Brasileiros pelo Estado. (Brasil, 2007, p. 55)

Na educação, a avaliação tem suscitado o aparecimento de um leque de teorias, conceitos e prin-


cípios de variadas tendências político-ideológicas. Desde as décadas de 1970 e 1980, quando inúmeros
professores e pesquisadores da área educacional passaram a criticar o modelo tradicional de avaliação,
centrado na reprodução dos conhecimentos, na mensuração do saber dos educandos e na seleção e clas-
sificação dos que poderiam ou não seguir outros níveis escolares, dos que mereceriam ou não obter uma
certificação. Há inúmeras críticas a esse modelo, quase todas baseados na convicção de que esses métodos
avaliativos tradicionais se tornam instrumentos de reprodução das desigualdades sociais e econômicas,
correspondendo, portanto, à exclusão típica do sistema capitalista.
Para compreender os novos referenciais avaliativos construídos por esses estudiosos, torna-se necessário
resgatar alguns momentos da trajetória histórica da avaliação na educação. O estudo de aspectos da evolução
histórica mostra o quanto nosso sistema educacional encontra-se, ainda hoje, impregnado de conceitos e de
práticas avaliativas incompatíveis com as conquistas políticas, sociais, culturais e econômicas dos grupos ou
classes sociais durante o processo de democratização. Compreender essa trajetória parece ser uma alternativa
viável para refletir sobre o processo de avaliação e sobre as suas implicações na sociedade.
Os seres humanos sempre conviveram, de alguma forma, com situações nas quais avaliaram ou
foram avaliados. A avaliação faz parte da evolução dos homens e sempre interferiu nas relações entre indi-
víduos, grupos ou classes sociais. Em várias sociedades primitivas, os jovens eram incentivados a fazerem
provas práticas sobre os usos e costumes como forma de passar à condição de adulto ou para assumir
determinadas tarefas no seio da comunidade.
O termo avaliar surge da composição latina a-valere, que significa “dar valor a...” (LUCKESI, 2006,
p.92). Ao longo da história, o ato de avaliar esteve intimamente ligado à aprendizagem ou à demonstração
de habilidades para o trabalho. Há indícios de que as práticas avaliativas eram realizadas desde a Anti-
guidade por meio de provas orais, predominando o sistema de perguntas de um avaliador e de respostas
dos avaliados.
Na literatura que trata da evolução histórica da avaliação, é possível encontrar várias referências sobre
a avaliação utilizada, na era antiga, por chineses e gregos fosse para selecionar indivíduos que iriam assumir
cargos importantes, fosse para avaliar os cidadãos que tinham o direito à educação “escolar”. Naquela épo-
ca, a avaliação era, geralmente, uma prova ou um exame que visava a avaliar os que pleiteavam posições de
comando na sociedade. Um dos primeiros registros dessa prática foi encontrado na China, em 2205 a.C. Nele,
consta que o imperador chinês Shun realizava, a cada três anos, exames visando a selecionar seus oficiais, com
a finalidade de promovê-los ou demiti-los. Segundo Léa Depresbiteris (1989), esse tipo de avaliação era feito
como forma de prover funcionários capacitados ao Estado. Por volta de 1200 a.C., os chineses também faziam
exames com o objetivo de escolher homens para trabalhar na burocracia pública.
Por sua vez, os gregos também faziam exames para verificar os conhecimentos dos que se dedica-
vam ao estudo, que era reservado às camadas dominantes da sociedade. Sócrates, por exemplo, ao declarar
“conhece-te a ti mesmo”, propunha a prática da autoavaliação como busca da verdade..
O sistema escolar formal foi estabelecido em algumas regiões da Europa medieval por volta dos sé-
culos X e XI, quando surgiram universidades vinculadas à Igreja Católica. O método de avaliação continuou
baseando-se nas provas orais, que, bem como o uso da oratória, constituíam momentos de grande exaltação

118 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


da personalidade, bastante apreciados pelos estudantes. A avaliação caracterizava-se por intensa aceitação de
“verdades pela fé” e pelo respeito ao “argumento da autoridade”. Repetir integralmente o que se ouvia ou lia
era a prova mais aceitável do saber, valorizando-se a atenção e a memória (SILVA, 2008, p. 98).
Nos séculos XVI e XVII, destacaram-se a pedagogia jesuítica e a pedagogia comeniana, que marca-
ram profundamente as práticas avaliativas na área da educação nos séculos seguintes. As normas para a
orientação dos estudos escolásticos, base das práticas educativas dos jesuítas, davam atenção especial para
o ritual das provas e exames. “Eram solenes essas ocasiões, seja pela constituição das bancas examinado-
ras e procedimentos de exames, seja pela comunicação pública de seus resultados, seja pela emulação ou
vitupério daí decorrentes” (LUCKESI, 2006, p.22). Comênio reforçava a necessidade dos exames como
meio de estimular os estudantes ao trabalho intelectual da aprendizagem. Ele acreditava que um aluno
não deixaria de se preparar para os exames finais do curso superior se soubesse que deles dependia a sua
colação de grau seria.

Avaliação como medida A palavra vem do grego


dokime, que significa expe-
No século XIX, foram criados alguns sistemas de testes escritos visando substituir os exames orais. rimentação, teste; e logos,
Nos Estados Unidos, surgiu um dos primeiros sistemas de testagem com o objetivo de experimentar um ciência. Seria a “ciência dos
testes”.
método uniforme de exames para avaliar os estudantes das escolas públicas e, dessa forma, avaliar as es-
colas por meio dos resultados da aprendizagem.

A experiência resultou em algumas sugestões, tais como: substituir os exames


orais pelos escritos; utilizar maior quantidade de questões específicas, em vez de
poucas questões gerais e buscar padrões mais objetivos do alcance escolar. Nas-
ciam, a partir daí, os primeiros testes objetivos e exames estaduais e regionais.
(SILVA, 2008, p.98-99)

Seguindo essa mesma tendência, no início do século XX, surgiu, na França e em Portugal, a chamada
docimologia. Entendida como o estudo sistemático dos exames, do sistema de atribuição de notas e dos Cf. RUST e GOLOMBOCK
comportamentos dos avaliadores e avaliados, a docimologia veio a exercer grande influência, principal- (1999 apud SILVA, J.A, 2004,
mente, nas escolas europeias. p. 256), dentro da psicolo-
gia, a psicometria trata das
teorias, das técnicas, dos
Nos dois casos mencionados, desenvolveram-se sistemas de avaliação que pudessem, após sua apli- instrumentos, das escalas e
cação e análise, ser utilizados para controlar fatores que influíssem no ato de medir os conhecimentos de dos diferentes modelos esta-
cada estudante. Esses sistemas previam a realização de testes padronizados cujos resultados pudessem ser tísticos e/ou matemáticos de
avaliação e mensuração de
estatisticamente avaliados. Essa sistemática de avaliação levou ao surgimento da psicometria, fortemente atributos subjetivos.
vinculada ao campo da psicologia. A psicometria, como aborda-
gem científica para a mensu-
Nessa fase, a preocupação dos educadores e estudiosos era elaborar instrumentos de avaliação que ração das características ou
atributos de natureza psico-
mensurassem os conteúdos aprendidos na escola. O ato de avaliar restringia-se a medir a quantidade de lógica, faz uso das escalas ou
conhecimentos adquiridos pelos alunos, por meio de testes e de exames. Não havia diferenciação entre testes padronizados, que são
compostos de um conjunto
avaliação e medida, predominando a ideia de que seria possível medir, por meio da observação cognitiva de tarefas ou atributos admi-
dos alunos, a quantidade de conteúdos assimilados. nistrados sob condições con-
troladas, e que são usados
O foco dessa avaliação recaía prioritariamente nos estudantes e em suas aprendizagens, com o intui- para avaliar o conhecimento,
as habilidades, os desempe-
to de selecioná-los e classificá-los. Para a pesquisadora Benvinda Ribeiro (2002), “o papel do avaliador na nhos e outras características
fase de mensuração era fundamentalmente técnico, orientado por princípios que evidenciavam a inflexibi- psicológicas dos indivíduos.
Começou a ser aplicada nos
lidade, a imparcialidade, a objetividade e a quantificação” (p.129).
primeiros anos do século
XIX, quando se tornou ne-
Avaliação por objetivos cessário diferenciar os indi-
víduos em função de suas
características para objetivos
A avaliação passou a ser objeto de estudos sistematizados somente a partir das primeiras décadas clínicos, educacionais ou de
do século XX. As transformações econômicas engendradas pelo desenvolvimento acelerado da indústria, trabalho.
da ciência e da técnica em alguns países europeus e nos Estados Unidos exigiram a ampliação de seus
sistemas educativos. Alguns autores destacam a necessidade da formação e preparação de soldados para
a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) como um dos fatores da valorização da educação e das mudanças

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 119


nas formas de avaliação escolar nesses países.
A busca por novos sistemas de avaliação escolar intensificou-se principalmente em razão de o setor
industrial exigir trabalhadores com um mínimo de qualificação profissional para fazer face à acelerada in-
dustrialização. Nesse contexto, começam a se delinear novas políticas educativas e a questão da avaliação
volta a ser amplamente discutida.
Como avaliar de forma mais Nas décadas de 1930 e 1940, pesquisadores procuraram superar as falhas do sistema avaliativo an-
humana, global e participati-
va? No sistema educativo, a terior e entender melhor o objetivo da avaliação. Segundo Maria Elisabeth Kraemer (2005), eles conside-
avaliação se apresenta como ravam que uma das falhas do sistema antigo era só dar informações sobre o aluno, e não sobre se este
uma alternativa para toma-
da de decisões pedagógicas.
alcançou os objetivos pretendidos pelos programas escolares. Esses estudiosos sentiram a necessidade de
Um dos trabalhos do docen- definir o que seria sucesso ou dificuldade com relação aos objetivos estabelecidos nos programas escolares,
te é buscar, em sua prática concentrando seus esforços em descrever padrões e critérios (p. 140).
educacional, instrumentos
avaliativos inovadores, al-
O desenvolvimento mais sistematizado de uma teoria sobre a avaliação teve início com Ralph Tyler,
ternativas metodológicas
para desenvolver habilida- que cunhou a expressão “avaliação da aprendizagem” em 1930 (LUCKESI, 2006, p.170). A teoria de Tyler
des e competências de estar pressupunha que avaliar é estabelecer uma comparação entre o desempenho dos alunos (ou seja, os resul-
proporcionando aos seus
alunos novos desafios, para tados da aprendizagem) e os objetivos previamente estabelecidos no plano do curso. Para ele, a avaliação:
incentivá-los a buscarem
novas descobertas na arte de
avaliar. Compete ao profes- [...] consiste essencialmente em determinar se os objetivos educacionais estão
sor não só avaliar seu aluno, sendo realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino. Como os
mas também se autoavaliar e
avaliar a sua instituição. objetivos visados constituem em produzir certas modificações desejáveis nos
Edina Furlan Rampineli padrões de comportamento do estudante, [a] avaliação [torna-se] o processo
(2006, p. 11)
mediante o qual determina-se o grau em que essas mudanças de comportamento
estão realmente ocorrendo. (TYLER, 1975, p. 99)

De acordo com Calmon


Avaliação como julgamento de mérito
(1999, p. 10-11), Michael
Scriven inscreve-se numa
As décadas de 1960 e 1970 representaram um período de grande efervescência no campo da avalia-
geração de pesquisadores ção. As discussões se ampliaram da avaliação da aprendizagem para todo o processo educativo. Em 1967,
dos anos 60 preocupada em o pesquisador britânico Michael Scriven publicou Metodologia da avaliação, no qual apresentou conceitos
aplicar métodos científicos à
avaliação. No entanto, ele foi como avaliação somativa e avaliação formativa, muito influentes nas teorias e práticas avaliativas das
além dos aspectos normati- décadas seguintes. Apesar de o enfoque de sua teoria recair sobre a avaliação do currículo, seus conceitos
vos ao defender que os pro-
gramas também poderiam contribuíram para repensar o processo de avaliação do ensino-aprendizagem. Scriven buscou entender a
ser avaliados objetivamente, lógica da avaliação educacional, a qual, para ele, embora desempenhasse muitas funções no processo edu-
a partir de fatos empíricos,
inclusive no que tange ao
cativo, devia ter como prioridade determinar o valor ou mérito do que está sendo avaliado.
seu mérito. Ele acreditava
que a avaliação deveria ge- Na concepção de Scriven, a avaliação formativa é aquela em que o aluno é avaliado continuamente
rar, como conclusão, justa- ao longo do processo de ensinar e aprender, através de suas produções e da observação do professor, e
mente o que os cientistas
sociais, por muito tempo,
tem como finalidade fornecer informações relevantes aos responsáveis pela educação. Já a avaliação so-
consideraram ilegítimo: um mativa seria aquela em que se estabelecem marcos e testes, geralmente no meio e no final do período, para
julgamento de valor, mérito. verificar se os objetivos estão sendo cumpridos de acordo com um juízo de valor atribuído aos resultados
alcançados.

Atualmente, nem todos os


autores utilizam a expressão Avaliação para tomada de decisão
avaliação somativa, alguns
preferem avaliação sumati- No final da década de 1960, o pesquisador americano Daniel L. Stufflebeam cria um modelo no qual
va ou classificatória. Aqui, a avaliação visa a possibilitar a tomada de decisões adequadas. De acordo com Batista; Gurgel e Soares
utilizaremos o termo “ava-
liação somativa” não com o (2006, p.5), Stufflebeam considera que avaliar é um processo de delinear, obter e proporcionar informações
sentido de somar, e sim de úteis para o julgamento de decisões alternativas. Baseando-se na sigla CIP – contexto, insumo, processo e
representar a síntese do pro-
cesso avaliativo, com vistas à
produto – Stufflebeam estabelece quatro tipos de decisões, que correspondem respectivamente às fases de
certificação. planejamento, estruturação, implementação e reciclagem. Para cada uma, há um tipo específico de avalia-
ção, na sequência: avaliação de contexto, de insumo ou entrada, de processo e de produto. Referindo-se ao
pensamento desse autor, as autoras analisam que:

A avaliação de contexto subsidia as decisões de planejamento diagnosticando

120 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


os problemas e necessidades [...]. A avaliação de entrada ou insumo objetiva
estruturar as decisões procurando estabelecer o uso de diversos recursos para
alcançar os objetivos definidos pelo programa educacional [...]. A avaliação de
processo objetiva fornecer as informações periódicas sobre os procedimentos em
ação entre os membros da equipe responsável pela execução de um programa, a
fim de detectar deficiências de planejamento, efetuar correções e manter atua-
lizado um registro de procedimentos ao tempo de sua ocorrência, o que a torna
imprescindível, pois corresponde a um mecanismo de feedback contínuo [...]. A
avaliação de produto, última etapa do processo, refere-se à determinação dos
resultados alcançados tanto durante o programa quanto ao seu final, interpretan-
do a avaliação em termos de juízo de valor. (grifos próprios, idem, p. 5-6)

Como é possível perceber, o modelo avaliativo de Stufflebeam introduziu importantes conceitos de


práticas pedagógicas, já que via a avaliação de maneira global, como parte de todo o processo pedagógico.
Contudo, sua abordagem está limitada a uma concepção tradicional de avaliação, sem uma reflexão crítica
sobre esta e com poucas diferenças em relação às proposições das gerações anteriores.
Mesmo assim, alguns teóricos progressistas utilizam os conceitos fundamentais de Stufflebeam. Tais con-
ceitos, embora sejam notadamente marcados pela mensuração e pela descrição do processo avaliativo, por des-
tacarem o julgamento intrínseco destes, acabam colocando em evidência o papel do avaliador nesse processo.

2. Novos paradigmas da avaliação na educação

Ao sermos avaliados estamos sendo analisados,


examinados, testados, interrogados, investigados,
devassados... com o objetivo de sermos ajuizados,controlados,
calculados, valorados e, desta forma, comparados,
ajustados, adaptados, acomodados, conformados...
em sermos advertidos, censurados, repreendidos,
ameaçados. Ameaçados? Não, talvez seja melhor...
substituir o ameaçado por avisado, prevenido ou, melhor...
por aconselhado que é sinônimo de apoiado, considerado,
respeitado, acolhido, cuidado, atendido... que significa ser
distinguido, individualizado, conhecido... que é o mesmo
que apreciado...
que nos remete a admirado, bem quisto, abraçado...
amado, aceito...
Aprovado!

Lannes e Veloso (2007, p. 1)

A avaliação é um dos temas mais conflituosos nas escolas, frequentemente gerando desconforto en-
tre pais, professores, alunos, coordenadores e direção da escola. As reuniões de conselho de classe muitas
vezes se transformam em verdadeiras trincheiras de batalha entre professores e direção. De um lado, os
que são mais flexíveis à promoção do aluno, considerando a aprendizagem global como fator relevante a
sua promoção; do outro, aqueles com uma visão mais tradicional, às vezes conteudista, de que o aluno não
deve ser promovido se não apresentar um “conhecimento mínimo” de todos os componentes curriculares.
No âmbito escolar, a avaliação tem sido objeto de discussões calorosas desde a década de 1970.
Segundo Lüdke (2002), a avaliação ocupa um campo cheio de contradições e conflitos, cuja identidade
evoluiu de uma aproximação muito estreita com conceitos, recursos e técnicas da mensuração para uma
visão mais ampla e abrangente dos fenômenos educacionais, mas ainda não atingiu consenso sobre seu
papel junto a escola, professores e alunos.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 121


No Brasil, a crítica recaiu sobre um modelo de avaliação autoritário, classificatório e reprodutor das
desigualdades sociais. Vários autores partem da realidade concreta das escolas nas quais predomina não
um processo avaliativo, mas um sistema de verificação de rendimento escolar que, para eles, não corres-
ponde aos reais princípios da avaliação do ensino-aprendizagem.

Críticas ao modelo avaliativo tradicional

Discursos de professores sobre a avaliação.


“Eu gosto de dar aula, mas não aguento mais corrigir provas.” “Sabem quantas
provas eu corrigi neste final de semana? Seiscentas!”
“A única maneira que tenho de conseguir a disciplina daquela classe é preparan-
do uma prova superdifícil.”

Discursos de estudantes sobre a avaliação.


Acabaram-se as provas, já não tenho mais nada o que estudar.”
“Isto é para nota?”
“Estudei tanto para nada! Não caiu nada do que eu estudei... Que perda de tempo.”

Ronca e Terzi (1991, p. 11-13)

A avaliação era (e, em muitos casos, continua sendo) considerada sinônimo de prova. Ela se res-
tringia à aplicação de duas provas bimestrais ou semestrais, com o objetivo único de medir e verificar se
o aluno aprendeu os conteúdos exigidos pelos professores. De acordo com Schopf (2007), no cotidiano
de muitas escolas e de parte dos docentes, “o modelo comumente empregado para a avaliação da apren-
dizagem não passa de uma forma classificatória de enunciar o que cada aluno deveria, efetivamente, ter
assimilado do conteúdo exposto pelo professor em um dado período letivo, a fim de concluir uma unidade
do plano de ensino” (p. 2). Cipriano Luckesi (2006) mostra um cenário do que acontece habitualmente nas
escolas do país no tocante à questão da avaliação do ensino-aprendizagem.

Esses instrumentos de avaliação são cotidianamente construídos da seguinte manei-


ra. Próximo do final da unidade de ensino, o professor formula o seu instrumento de
avaliação, a partir de diversas variáveis: conteúdo que o professor ensinou efetiva-
mente; conteúdos que o professor não ensinou, mas que deu por suposto ter ensinado;
conteúdos ‘extras’ que o professor inclui no momento da elaboração do teste, para
torná-lo mais difícil; o humor do professor em relação à turma que ele tem pela frente;
a disciplina ou a indisciplina social desses alunos. [...]

Após recolhimento das respostas, os professores corrigem as mesmas e


atribuem-lhes um valor (em notas ou em conceitos), que deve corresponder
ao nível qualitativo da aprendizagem manifestada pelo aluno. [...]

Ainda, por vezes, se acrescentam ‘pontos a mais’ ou ‘pontos a menos’ ao


aluno, a depender de sua conduta em sala de aula. Esses podem decorrer
de condutas inteligentes em relação à matéria ensinada, podem decorrer
de atitudes disciplinares, podem corresponder a condutas responsáveis
ou não dos alunos, etc. (p. 67-68)

Com o objetivo de propor mudanças nesse cenário, Luckesi passou a rediscutir e problematizar a
questão da avaliação da aprendizagem, colocando-a no centro do processo educacional. Suas ideias ul-
trapassaram a dimensão da escola formal ao relacionar a avaliação do aluno à democratização do ensino.
Ele indaga, por exemplo, “se a atual prática da avaliação da aprendizagem escolar está a favor ou contra
a democratização do ensino” (2006, p. 60). Analisando também as práticas de avaliação da aprendizagem,

122 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Andréa Cristina Marques de Araújo7afirma:

[...] percebemos que o perfil do educador não mudou muito desde a época do
‘magister dix’. Na verdade, poucos são os que fogem ao conceito de educação
bancária, ou seja, o saber não passa de uma doação dos que se julgam sábios aos
que julgam que nada sabem, cabendo então aos sábios, dar, entregar, transmitir
o seu grande saber. Portanto, a educação se torna um simples ato de depositar,
onde os educandos são os depositários e o educador o depositante. Infelizmente, a
didática continua presa ao repasse mecânico, à aula expositiva, para ser copiada
e decorada. Depois, é restituída na prova e, finalmente, na ‘cola’ é copiada com
a máxima perfeição. Portanto, aula, prova e cola são sinônimos, no espírito da
coisa.

A educadora Jussara Hoffman (2006b) destaca que as práticas avaliativas classificatórias, predominantes
nas escolas Brasileiras, fundam-se na competição e no individualismo, no poder e na arbitrariedade presente
nas relações entre professores e próprios alunos, entre os alunos e entre os próprios professores (p. 16). Para
a autora, essas práticas ganham dimensões que extrapolam os seus objetivos, com os próprios conselhos de
classe servindo a propósitos discriminatórios: “tendo por objetivo a oportunidade de reunir professores, para
refletirem sobre a aprendizagem dos alunos, esses momentos sofreram a influência dos modelos classificatórios
e tornaram-se sessões de julgamento, muitas vezes, com réus e culpados” (p. 27-28).
Ela ressalta ainda que “outro problema denunciado pelos professores é que, nestas ocasiões, ques-
tões atitudinais ocupam um enorme tempo em detrimento às questões de ensino/ aprendizagem. As con-
siderações sobre as dificuldades dos alunos ficam muitas vezes restritas a problemas emocionais e de
conduta [...]” (p. 28).
Por sua vez, Philipe Perrenoud (1999a) fez críticas contundentes ao sistema de avaliação da apren-
dizagem que predominava na Europa até as décadas de 1970 e 1980. Para ele, as práticas avaliativas da
pedagogia tradicional dominavam as salas de aula, reproduzindo as relações de poder autoritárias, que
levam à reprovação e à exclusão de grande parcela de estudantes do sistema educacional. Nos excertos a
seguir, Perrenoud apresenta seus argumentos contra a avaliação tradicional que ele classifica de “avaliação
a serviço da seleção”.

UMA AVALIAÇÃO A SERVIÇO DA SELEÇÃO?

A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de


excelência. Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma
norma de excelência, definida no absoluto ou encarnada pelo professor e pelos
melhores alunos. Na maioria das vezes, essas duas referências se misturam, com
uma dominante: na elaboração das tabelas, enquanto alguns professores falam de
exigências pré-estabelecidas, outros constroem sua tabela a posteriori, em função
da distribuição dos resultados, sem, todavia chegar a dar sistematicamente a
melhor nota possível ao trabalho “menos ruim”.

Uma hierarquia de excelência jamais é o puro e simples reflexo da “realidade”


das variações. Elas existem realmente, mas a avaliação escolhe em um momento
definido, segundo critérios definidos, dar-lhe uma imagem pública: as mesmas
variações podem ser dramatizadas ou banalizadas conforme a lógica de ação em
andamento, pois não se avalia por avaliar, mas para fundamentar uma decisão.

No decorrer do ano letivo, os trabalhos, as provas de rotina, as provas orais, a

7
Artigo “A avaliação do desempenho escolar como ferramenta de exclusão escolar”, sem data, publicado pela Revista
de Informação e Tecnologia do Centro de Computação da Unicamp. Disponível em: <http://www.ccuec.unicamp.br/
revista/infotec/artigos/andrea_cristina2.html>.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 123


notação de trabalhos pessoais e de dossiês criam ‘pequenas hierarquias’ de exce-
lência [...].A escola conformou-se com as desigualdades de êxito por tanto tempo
quanto elas pareciam “na ordem das coisas”. (1999a, p.11-15)

A escola conformou-se com as desigualdades do êxito por tanto tempo quanto


elas apareciam “na ordem das coisas”. [...] A escola não se sentia responsável
pelas aprendizagens, limitava-se a oferecer a todos a oportunidade de aprender:
cabia a cada um aproveitá-la! A noção de desigualdades das oportunidades não
significou, até um período recente, nada, além disto: que cada um tenha acesso ao
ensino, sem entraves geográficos ou financeiros, sem inquietação com seu sexo ou
sua condição de origem. (idem, p.148)

Perrenoud destaca ainda que a avaliação tradicional é uma fonte de angústia para os alunos com
dificuldade e até para os demais, que não têm grande coisa a temer, mas não o sabem. Também é uma
fonte de estresse e de desconforto para uma parte dos professores, que não gostam de dar notas. Segundo
o autor,

Toda inovação pedagógica que obrigue a se afastar dessa direção, seja distan-
ciando-se abertamente em relação aos procedimentos oficiais, seja interpretando-
-os em outra perspectiva, é uma fonte de inquietação para o professor. (...) não
se pode responsabilizar o medo da mudança por todas as resistências. Muitos
professores sabem ou percebem que, sem evolução, estão condenados à rotina e ao
tédio. Definitivamente, a mudança não passa de um momento difícil, por vezes
Patrice Ranjard é um pe- estimulante, caso resulte em uma renovação e crie equilíbrios mais fecundos. A
dagogo francês, doutor em
ciências da educação. Per-
situação é mais grave quando os professores pressentem que não encontrarão,
renoud extraiu a referência em um novo sistema de avaliação, as satisfações, confessáveis ou não, que lhes
do livro “Les enseignants
proporciona a avaliação tradicional. (idem, p. 156)
persécutés”, publicado por
Ranjard em 1984 na França.
Ranjard escreveu também os Perrenoud também menciona as duras críticas que o pedagogo francês Patrice Ranjard dirige à pe-
livros “L’Individualisme, un dagogia do exame e ao poder que alguns professores acreditam que possuem. Para este autor, uma das ra-
suicide culturel: les enjeux
de l’education” (1997) e “Les zões que levam alguns professores a resistir à introdução de mudanças no processo de avaliação é o prazer:
profs suicident la France
sociopathologie du corps en-
seignant” (2003). Não há ain- Eles defendem um prazer. Um prazer de má qualidade, mas seguro, garantido,
da tradução dos seus livros cotidiano. Um prazer que deve se mascarar para ser vivenciado sem culpabilida-
para o português.
de. [...] Esse prazer é o prazer do Poder com P maiúsculo. O professor é o mestre
absoluto de suas notas. Ninguém no mundo, nem seu diretor, nem seu inspetor,
nem mesmo seu ministro, pode qualquer coisa em relação às notas que fixou. Pois
foi em sua alma e consciência que ele as fixou. Com seu diploma, reconheceu-se
sua competência para corrigir (o que não deixa de ter graça!). Sua consciência
profissional é inatacável. Em sua tarefa de corretor, é todo poderoso. E esse do-
mínio significa poder sobre os alunos. (RANJARD, citado por PERRENOUD,
1999a, p. 157)

Na década de 1970, uma nova geração de autores, como os americanos Benjamin Samuel Bloom,
Thomas Hastings e George F. Madaus, questionou os que defendiam o sistema de avaliação por objetivos.
Conforme Kraemer (2005, p. 141), esses pesquisadores argumentavam que os objetivos nem sempre eram
estabelecidos a priori e nem sempre eram bem definidos, de maneira que não se podia esperar o final do
curso para avaliar se os objetivos tinham sido alcançados. Para eles, a avaliação deveria ser considerada
um método de adquirir e processar evidências necessárias para melhorar o ensino e a aprendizagem, in-
cluindo uma variedade de evidências que vão além do exame usual de “papel e lápis”.
Outra contribuição decisiva desses autores para a reflexão sobre o processo avaliativo na educação
foi a classificação da avaliação em três tipos: (1) uma preparação inicial para a aprendizagem; (2) uma
verificação da existência de dificuldades por parte do aluno durante a aprendizagem e (3) o controle sobre

124 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


os dados que revelam se os alunos atingiram os objetivos fixados previamente(TRIGO, 2007, p. 56). Esses
três tipos de avaliação – conhecidos como avaliação diagnóstica, formativa e certificativa, respectivamen-
te – tornaram-se referenciais para vários autores e suscitaram um leque de debates em torno do assunto.

Avaliar para aprender


A partir da década de 1980, estudiosos começaram a construir novos paradigmas de avaliação no
ensino. Surgem, então, modelos de avaliação nos quais predominam concepções dialéticas, que valorizam
as relações sociais pertinentes ao processo educacional e aos interesses sociais, políticos, econômicos e
culturais dele decorrentes. Essas concepções são essenciais para que os docentes percebam que o ato de
avaliar e as reflexões em torno dessa ação não são imparciais nem neutras, ao contrário, são condicionadas
De acordo com Nicola Ab-
à visão dos sujeitos dentro de um determinado contexto histórico. bagnano (2007), o termo
“positivismo” ganhou fama
As últimas quatro décadas foram marcadas por intensa construção de referenciais avaliativos ao ser adotado pelo filóso-
que seguissem princípios filosóficos, políticos e sociais tanto dos educadores como das instituições fo francês Augusto Comte
(1798-1857) e, a partir dele,
educacionais. Os novos paradigmas baseavam-se fundamentalmente na perspectiva de que o processo gerar uma grande corrente
avaliativo é resultado das contradições existentes na escola, as quais refletem a estrutura socioeconômica, filosófica com variadas ma-
nifestações em praticamente
político-ideológica e cultural e seus conflitos. Tais paradigmas estão intimamente ligados à democratização todos os países ocidentais. A
das relações sociais no interior do sistema escolar. característica básica do posi-
tivismo é a romantização da
A partir daí, são feitas críticas contundentes às abordagens e às práticas de avaliação “quantitati- ciência, como se ela fosse o
único conhecimento, a úni-
va” então disseminadas nas escolas. Essas críticas vêm acompanhadas pela apresentação de propostas ca moral, a única religião,
alternativas de avaliação “qualitativa”, com pressupostos teórico-filosóficos bastante diferenciados dos enfim, o único guia possível
modelos anteriores. A avaliação da qualidade do ensino tornou-se elemento-chave nas diferentes vertentes para a vida individual e so-
cial do ser humano.
teóricas, que convergiam em dar ênfase aos aspectos qualitativos do processo avaliativo em contraposição O pensamento positivista
ao viés quantitativo, classificatório e excludente das práticas anteriores, muito vinculadas ao pensamento acompanha e fomenta a or-
ganização técnico-industrial
positivista. da sociedade moderna, ex-
pressando o otimismo que
Essas novas vertentes teóricas sobre a avaliação na educação buscavam entender o processo avalia- acompanhou o processo de
tivo em suas várias dimensões, não se restringindo aos aspectos cognitivos e comportamentais dos alunos. industrialização, especial-
mente da segunda metade
Sobre essas vertentes, é significativo que: do século XIX para o início
do século XX.
Para Abbagnano, o positivis-
Elas passam pela defesa de uma abordagem historicamente situada, que, em mo “constitui até hoje uma
relação ao aluno, levam em conta não apenas a dimensão cognitiva, mas a social, das alternativas fundamen-
tais em termos de conceito
a afetiva, seus valores, motivações e até mesmo a sua história de vida. A busca filosófico, mesmo depois
da possibilidade de avaliar a qualidade do ensino faz recair a ênfase nas variáveis de abandonadas as ilusões
do processo, muito mais do que no produto da educação, sendo que sua natureza totalitárias do positivismo
romântico, expressas na
deve ser eminentemente dialógica e dialética, voltada para a transformação, tanto pretensão de absorver na ci-
no plano pessoal como no social. A avaliação deve ter um caráter contínuo, que ência qualquer manifestação
humana” (p. 788).
supõe trocas constantes entre avaliador e avaliado [...]. As mudanças em relação
ao indivíduo apontam na direção da autonomia e, em relação ao social, na direção
de uma ordenação democrática e, portanto, mais justa da sociedade.

O eixo da avaliação deixa de girar exclusivamente em torno do aluno e da preo-


cupação técnica de medir seu rendimento. Passa a centrar as atenções em torno
das condições de trabalho, currículo, cultura e organização da escola e, ainda,
postura de seus dirigentes e demais agentes educacionais. (BARRETTO, 2001,
p. 49)

As análises sobre a avaliação passaram a privilegiar o processo pedagógico como um todo, não se limi-
tando aos seus resultados. Para Ana Maria Saul (1988), há uma preocupação em compreender o significado de
produtos complexos a curto e a longo prazo, explícitos e ocultos, o que requer uma mudança de orientação,
uma troca de polo, enfatizando o processo e não ao produto, como vinha ocorrendo (p. 46).
As críticas ao modelo tradicional e tecnicista de avaliação vieram acompanhadas de diversas pro-
postas alternativas. A partir daqui, vamos apresentar as propostas de alguns educadores que viam a ava-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 125


liação como processo dinâmico, decorrente das relações sociais que se estabelecem no interior da escola.
Essas abordagens devem ser analisadas cuidadosamente pelos educadores do PROEJA, pois destacam
referenciais condizentes com a formação educacional e profissional dessa modalidade de ensino.
Os educadores do EJA e do PROEJAdevem considerar que muitos jovens e adultos que almejam
reinserir-se no processo educacional abandonaram a escola por diferentes razões, inclusive pela existência
de um modelo avaliativo conteudista, classificatório e excludente. Nesse sentido, repensar a problemáti-
ca da avaliação é um dos fatores fundamentais no trabalho pedagógico com esses educandos. É preciso
repensar o significado da avaliação, considerando-a um elemento global, dinâmico e de constante reava-
liação no processo de construção dos saberes. É importante a participação efetiva de educandos e de edu-
cadores no processo de avaliação interna e externa concernentes aos distintos aspectos da estrutura escolar,
dos métodos de ensino, da pedagogia desenvolvida, do sistema de avaliação, etc., numa perspectiva de
buscar uma pedagogia transformadora e a qualidade do ensino-aprendizagem .
Apresentam-se, a seguir, ideias de alguns educadores para a reflexão daqueles que pretendem traba-
lhar com a educação de jovens e adultos, levando em conta a inclusão social, a democratização do espaço
escolar e o pressuposto de que a educação é um direito inalienável de todo cidadão. São ideias que podem
ajudar o estudante a participar da construção de sua própria trajetória pessoal e profissional, sem ser ex-
cluído dos bancos escolares.

Avaliação dialógica
Embora o tema da avaliação da aprendizagem não tenha sido o objeto central das proposições edu-
cativas de Paulo Freire, sua obra contempla problemáticas sobre o ensino que estimularam um intenso
debate sobre a avaliação escolar, nas décadas 1980 e 1990.
Para Freire,

[...] a tônica da educação é preponderantemente esta – narrar, sempre narrar.

Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comporta-


do, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência
existencial dos educandos, vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta
educação. [...] Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu
real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos dos conteúdos de sua
narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade
em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. [...] A narração,
de que o educador é sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica
do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em ‘vasilhas’, em
recipientes a serem ‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais vá ‘enchendo’ os
recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se
deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos serão. Dessa maneira, a
educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e
o educador o depositante.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os


educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.
Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação, em que a única margem de ação que se
refere aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. [...]
No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das
hipóteses) equivocada concepção ‘bancária’. Arquivados, porque, fora da busca,
fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na
medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há
transformação, não há saber.

126 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Na medida em que essa visão ‘bancária’ anula o poder criador dos educandos ou
o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, [isso] satisfaz
aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do
mundo, a sua transformação. (2005, p. 65-69)

No texto, é possível identificar as críticas de Freire à pedagogia tradicional, fortemente marcada pela
visão da escola como um simples espaço de reprodução dos conhecimentos. Depreende-se também uma
crítica ao sistema de avaliação do educando, que deve apenas repetir nas avaliações exatamente o que ou-
viu do professor. Freire concebe o processo educacional como uma relação que permite o desenvolvimento
da consciência crítica, capaz de transformar a sociedade. Esse desenvolvimento é obstaculizado pela edu-
cação “bancária”, predominante nas escolas, da qual a avaliação é um dos instrumentos.
De acordo com Freire,

Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos ‘conhecimentos’, no


chamado ‘controle de leitura’, na distância entre educador e os educandos, nos
critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há sempre a conotação
‘digestiva’ e a proibição ao pensar verdadeiro.

Um educador que restringe os educandos a um plano pessoal impede-os de criar.


Muitos acham que o aluno deve repetir o que o professor diz na classe. Isso
significa tomar o sujeito como instrumento. O desenvolvimento de uma consci-
ência crítica que permite ao homem transformar a realidade se faz cada vez mais
urgente. Na medida em que os homens, dentro de sua sociedade, vão respondendo
aos desafios do mundo, vão temporalizando os espaços geográficos e vão fazendo
história pela sua própria atividade criadora. (idem, p. 73)

Freire abre possibilidade para uma avaliação dialógica quando enfatiza a necessidade de se estabe-
lecer uma relação também dialógica no processo ensino-aprendizagem, como metodologia privilegiada na
construção da consciência crítica.

A relação dialógica, porém, não anula, como às vezes se pensa, a possibilidade


do ato de ensinar. Pelo contrário, ela funda este ato, que se completa e se sela no
outro, o de aprender, e ambos só se tornam verdadeiramente possíveis quando o
pensamento crítico, inquieto, do educador ou da educadora não freia a capaci-
dade de criticamente também pensar ou começar a pensar do educando. Pelo
contrário, quando o pensamento crítico do educador ou da educadora se entrega
à curiosidade do educando. Se o pensamento do educador ou da educadora anula,
esmaga, dificulta o desenvolvimento do pensamento dos educandos, então o
pensamento do educador, autoritário, tende a gerar, nos educandos sobre quem
incide, um pensar tímido, inautêntico ou, às vezes, puramente rebelde.[...]

Enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de que disponho de,


abrindo-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento. (idem, p. 60-61)

Na relação dialógica estão os fundamentos da prática avaliativa que influenciaram vários educado-
res e estudiosos, que assumiram a ótica de transformação do ato de avaliar em um processo de aprendiza-
do tanto do educando como do educador. Como afirma Cupolillo,

Ao entender o processo educacional como um encontro entre sujeitos mediado


pelo conhecimento, Freire abre outras possibilidades para se pensar a avaliação
da aprendizagem: se o ato de conhecer é dialógico, se o conhecimento é coletivo e
está em permanente reconstrução, [então] a avaliação é igualmente um aspecto
dinâmico, coletivo e, necessariamente, compartilhado entre os sujeitos. (2007,
p.61)

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 127


Portanto, apesar de Freire não ter tratado da avaliação como centro de suas análises, percebe-se em
fragmentos de suas obras a temática da avaliação. Em uma reflexão, ele expõe seu ponto de vista sobre a
avaliação: “A avaliação é da prática educativa e não dum pedaço dela. O educando também deve partici-
par da avaliação da prática, porque o educando é um sujeito dessa prática. A não ser que nós o tomemos
como objeto da nossa prática” (FREIRE, 1982 apud CUPOLILLO, 2007, p. 61).
Outra preocupação de Freire consiste na ideia de que a avaliação serviria aos interesses das classes
dominantes e reforçaria o processo de exclusão social das camadas menos favorecidas da sociedade. Essa
ideia difundiu-se e ganhou muitos adeptos no Brasil e em outros países, despertando lutas pela democrati-
zação do acesso e da permanência dos cidadãos na escola, como um dos fatores de ampliação dos direitos
sociais e da democracia. De acordo com Freire,

Os critérios de avaliação do saber dos meninos e meninas que a escola usa, inte-
lectualistas, formais, livrescos, necessariamente ajudam as crianças das classes
sociais chamadas favorecidas, enquanto desajudam os meninos e meninas popu-
lares. E na avaliação do saber das crianças, quer quando recém-chegadas à escola,
quer durante o tempo em que nela estão, a escola, de modo geral, não considera
o ‘saber de experiência feito’ que as crianças trazem consigo. Mais uma vez, a
vantagem é das crianças das classes médias, de que resulta seu vocabulário, sua
prosódia, sua sintaxe, afinal tal competência linguística coincide com o que a
escola considera o bom e o certo. A experiência dos meninos populares se dá pre-
ponderantemente não no domínio das palavras escritas, mas no da carência das
coisas, no dos fatos, no da ação direta. (2001 apud CUPOLILLO, 2007, p. 61)

Avaliação formativa e reguladora


Philipe Perrenoud desenvolveu vários estudos sobre a avaliação da aprendizagem, tecendo críticas
aos métodos avaliativos existentes nas escolas formais. Em seus livros, ele questiona a avaliação tradi-
cional, baseada na seleção e na classificação dos alunos, e propõe aos educadores uma reflexão acerca da
avaliação formativa e sua importância para a aprendizagem. O texto a seguir revela o embasamento teórico
de Perrenoud sobre o que ele denomina “avaliação a serviço das aprendizagens”, concebida como uma
avaliação da aprendizagem numa perspectiva democrática.

Toda ação pedagógica repousa sobre uma parcela intuitiva de avaliação forma-
tiva, no sentido de que, inevitavelmente, há um mínimo de regulação e função
das aprendizagens ou, ao menos, dos funcionamentos observáveis dos alunos.
Para se tornar uma prática realmente nova, seria necessário, entretanto, que a
avaliação formativa fosse a regra e se integrasse a um dispositivo da pedagogia
diferenciada. É esse caráter metódico, instrumentado e constante que a distancia
das práticas comuns. Portanto, não se poderia, sob risco de especulação, afirmar
que o professor faz constantemente avaliação formativa, ao menos não no pleno
sentido do termo.

Se a avaliação formativa nada mais é do que uma maneira de regular a ação


pedagógica, por que não é uma prática corrente? Quando um artesão modela um
objeto, não deixa de observar o resultado para ajustar seus gestos e, se preciso for,
‘corrigir o alvo’, expressão comum que designa uma faculdade humana univer-
sal: a arte de conduzir a ação pelo olhar, em função de seus resultados provisórios
e dos obstáculos encontrados. Cada professor dispõe dela, como todo mundo. Ele
se dirige, porém, a um grupo e regula sua ação em função de sua dinâmica de
conjunto, do nível global e da distribuição dos resultados, mais do que das traje-
tórias de cada aluno. A avaliação formativa introduz uma ruptura porque propõe
deslocar essa regulação ao nível das aprendizagens e individualizá-las.

128 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Nenhum núcleo se preocupa em classificar seus pacientes, do menos doente ao
mais gravemente atingido. Nem mesmo pensa em lhes administrar um trata-
mento coletivo. Esforça-se para determinar, para cada um deles, um diagnós-
tico individualizado, estabelecendo uma ação terapêutica sob medida. Mutatis
mutandis, a avaliação formativa deveria ter a mesma função em uma pedagogia
diferenciada.

Mudar a avaliação é fácil dizer! Nem todas as mudanças são válidas. Pode-se bastan-
te facilmente modificar as escalas de notação, a construção das tabelas, o regime das
médias, o espaçamento das provas. Tudo isso não afeta de modo radical o funciona-
mento didático ou o sistema de ensino. [...] Para mudar as práticas no sentido de
uma avaliação mais formativa, menos seletiva, talvez se deva mudar a escola, pois a
avaliação está no centro do sistema didático e do sistema de ensino. Transformá-la ra-
dicalmente é questionar um conjunto de equilíbrios frágeis. Os agentes o pressentem,
advinham que, propondo-lhes modificar seu modo de avaliar, podem-se desestabilizar
suas práticas e o funcionamento da escola.

Entendendo que basta puxar o fio da avaliação para que toda a confusão pedagó-
gica se desenrole, gritam: “Não mexa na minha avaliação!”.

Coloco-me aqui na perspectiva de uma evolução das práticas no sentido de uma


avaliação formativa, de uma avaliação que ajude o aluno a aprender e o professor
a ensinar.

Uma avaliação somente é formativa se desemboca em uma forma ou outra de


regulação da ação pedagógica ou das aprendizagens.

Ir em direção a uma avaliação mais formativa é transformar consideravelmente


as regras do jogo dentro de sala de aula. Em uma avaliação tradicional, o interes-
se do aluno é o de iludir, mascarar suas falhas e acentuar seus pontos fortes. O
ofício de aluno consiste principalmente em desmontar as armadilhas colocadas
pelo professor, decodificar suas expectativas, fazer escolhas econômicas durante a
preparação e a realização das provas, saber negociar ajuda, correções mais favorá-
veis ou a anulação de uma prova malsucedida.

Na escola, uma avaliação formativa demanda uma cooperação igualmente gran-


de, sem poder, todavia, oferecer as mesmas garantias. Revelar suas falhas e suas
incertezas ao professor é, muitas vezes, expor-se à zombaria e à piedade dos cole-
gas, é arriscar ver certas informações consignadas em um boletim, um registro,
relatórios que lerão outros professores, os psicólogos, o diretor da escola... Não
se faz avaliação formativa sozinho, porque apenas se pode avançar nesse sentido
modificando bastante profundamente a cultura da organização escolar, não só em
escala de sala de aula, mas também de estabelecimento. [...]

A ideia de avaliação formativa sistematiza esse funcionamento, levando o profes-


sor a observar mais metodicamente os alunos, a compreender melhor seus fun-
cionamentos, de modo a ajustar de maneira mais sistemática e individualizada
suas intervenções pedagógicas e as situações didáticas que propõe, tudo isso na
expectativa de otimizar as aprendizagens: ‘A avaliação formativa está portanto
centrada essencial, direta e imediatamente sobre a gestão das aprendizagens dos
alunos’ (Bain). (PERRENOUD, 1999a, p. 148-152)

Conforme Cerny e Ern (2001), Perrenoud também considera que a escola deve apostar na autoava-
liação, a qual denomina “autorregulação”, pressupondo que nenhuma intervenção externa traz resultados
se não for percebida, interpretada e assimilada pelo sujeito. Nesse sentido, a “ação educativa deveria es-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 129


timular o autodesenvolvimento, a autoaprendizagem e a autorregulação de um sujeito, modificando seu
meio, entrando em interação com ele” (PERRENOUD, 1999, apud CERNY e ERN, 2001, p.6). Reafirma, en-
tão, que apostar na autorregulação é “reforçar as capacidades do sujeito de gerir ele próprio seus projetos,
seus progressos, suas estratégias diante das tarefas e obstáculos” (idem, p.6).
Na mesma linha de defesa da avaliação formativa como meio de regular as aprendizagens, o edu-
cador francês Charles Hadji sugere aos professores que pesquisem constantemente sobre o sentido da
prática avaliativa, tanto do ponto de vista da coerência da formação como da avaliação com a finalidade
da própria formação. Para ele,

A avaliação formativa não é nem um modelo científico, nem um modelo de ação


diretamente operatório. Não é mais do que uma utopia promissora, capaz de
orientar o trabalho dos professores no sentido de uma prática avaliativa colocada,
tanto quanto possível, a serviço das aprendizagens. Mas essa utopia é legítima
na medida em que visa correlacionar atividade avaliativa e atividade pedagógica
[...]. (HADJI, 2001, p. 15)

Em entrevista à revista “Educação”, Hadji8 também esclarece algumas diferenças entre a avaliação
formativa e a somativa, demonstrando suas diferentes funções e etapas no processo avaliativo.

O senhor acredita que a sociedade possa prescindir da avaliação no sentido de


certificação?

Hadji - É um erro propor a avaliação cumulativa, que fornece a certificação, no


lugar da formativa. Alguns pensam que é preciso escolher entre as duas, como
se fosse uma religião. Mas uma e outra correspondem a momentos e necessida-
des sociais diferentes. A avaliação cumulativa pode consistir simplesmente na
verificação realizada ao fim de um percurso de formação, à saída de uma escola.
[...] Já a avaliação formativa nada mais é do que uma avaliação que quer se
colocar a serviço da formação, da aprendizagem, desde o ensino fundamental até
a universidade. Sua ambição é permitir que cada um dos alunos se desenvolva o
melhor possível e chegue com as melhores armas possíveis à avaliação final. Não
há nenhuma contradição entre as duas, muito pelo contrário. É preciso apenas
distingui-las. Uma sociedade precisa enxergar com clareza o produto do sistema
educacional. As tentativas de avaliar o nível escolar de um conjunto de alunos
ou de uma população, bem como o nível do ensino, me parecem honestas e legíti-
mas em uma sociedade desenvolvida.

Quais as características desse modelo de avaliação?

Hadji - A educação pertence a um domínio que não tem fim, interminável. É um


erro acreditar que suas ambições e objetivos podem ser realizados plenamente. Bem,
é aí que pode funcionar a avaliação formativa. Não há instrumentos específicos
para ela. O que a caracteriza é a vontade de colocar seu tempo e suas atividades a
serviço da aprendizagem. Estar atento ao que os alunos fazem, verificar se eles têm
dificuldades na sala de aula, levá-los a refletir sobre elas. A avaliação formativa é o
ideal que contribui para regular nossa ação. Portanto, é a utopia que pode nos dar o
mínimo de encorajamento para continuar, quaisquer que sejam as dificuldades - o
número de estudantes, a imobilidade da sociedade, a força da estratificação social. Ela
nos dá energia para tentar permitir que o maior número possível de alunos aprenda,

8
Cf. HADJI, Charles (2001a). “Avaliar para melhor formar”. In: revista Educação, ed. 237, jan. 2001. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_revistas/revista_educacao/janeiro01/entrevista.htm>.

130 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


construa o saber, se aproprie do conhecimento.

O sistema de avaliação final não contribui para reproduzir as desigualdades


sociais?

Hadji - Há diversos trabalhos, em particular sociológicos, que mostram como a


escola é um instrumento de legitimação das desigualdades sociais. Acredito que
ela contribui para isso ao deixar que o resultado escolar seja a única referência
acadêmica do aluno. Alguns alunos são objetos da categorização já nas primeiras
avaliações, o que gera uma espiral negativa. Desse ponto de vista, a avaliação
pode ser um fator de agravamento das desigualdades. Há riscos de mau uso.
Uma face perversa da avaliação acontece, por exemplo, quando ela é colocada
essencialmente a serviço da seleção.

Avaliação diagnóstica
O educador Cipriano Luckesi (2006) propôs mudanças significativas no processo avaliativo, com
vistas à transformação das relações no ensino-aprendizagem numa perspectiva de democratização da
educação. Para Luckesi, a avaliação contribui para a democratização quando ela é diagnóstica, e não clas-
sificatória, ou seja, quando a avaliação se torna um instrumento de diagnóstico do processo de ensino-
-aprendizagem, não apenas um mecanismo para aprovar ou reprovar alunos.
Entretanto, o autor acredita que a avaliação diagnóstica deve estar comprometida com uma peda-
gogia progressista, cujas perspectivas apontem numa direção de inclusão dos estudantes. Os fragmentos
de texto a seguir mostram os fundamentos teóricos que Luckesi utilizou na defesa de novos referenciais
para essa questão.

Acesso universal ao ensino é [...] um elemento essencial da democratização e a Em educação, a terminali-


dade refere-se à certificação
porta de entrada para a realização desse desejo de todos nós, que clamamos por de estudos correspondente
uma sociedade emancipada dos mecanismos de opressão. O segundo elemento à conclusão de ciclo ou de
que define a democratização do ensino é a permanência do educando na escola e a determinada série do ensino
básico, expedida pela unida-
consequente terminalidade escolar. O terceiro fator que entendemos interferir no de escolar.
processo de democratização do ensino está afeto à questão da qualidade do ensino,
o que significa estar relacionado à questão da transmissão e da apropriação ativa
dos conteúdos escolares. (LUCKESI, 2006, p. 60-62)

Uma avaliação escolar conduzida de forma inadequada pode possibilitar a repe-


tência e esta tem consequências na evasão. Por isso, uma avaliação escolar reali-
zada com desvios pode estar contribuindo significativamente para um processo
que inviabiliza a democratização do ensino.

Testes mal-elaborados, leitura inadequada e uso insatisfatório dos resultados,


autoritarismo etc. são fatores que tornam a avaliação um instrumento antidemo-
crático no que se refere a permanência e terminalidade educativa dos alunos que
tiveram acesso à escola. [...]

A avaliação da aprendizagem existe propriamente para garantir a qualidade da


aprendizagem do aluno. Ela tem a função de possibilitar uma qualificação da
aprendizagem do educando. Observar bem que estamos falando de qualificação
do educando e não de classificação. O modo de utilização classificatória da
avaliação [...] é um modo de fazer da avaliação do aluno um instrumento de ação
contra a democratização do ensino, na medida em que ela não serve para auxiliar
o avanço e crescimento do educando, mas sim para assegurar a sua estagnação,
em termos de apropriação dos conhecimentos e habilidades mínimos necessários.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 131


Entendemos avaliação como um juízo de qualidade sobre dados relevantes, tendo
em vista uma tomada de decisão. É bem simples: são três variáveis que devem
estar sempre juntas para que o ato de avaliar cumpra o seu papel. (idem, p. 80)

A primeira coisa a ser feita, para que a avaliação sirva à democratização do


ensino, é modificar a sua utilização de classificatória para diagnóstica. Ou seja, a
avaliação deverá ser assumida como um instrumento de compreensão do estágio
de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões
suficientes e satisfatórias para que possa avançar no seu processo de aprendi-
zagem. Se é importante aprender aquilo que se ensina na escola, a função da
avaliação será possibilitar ao educador condições de compreensão do estágio em
que o aluno se encontra, tendo em vista poder trabalhar com ele para que saia do
estágio defasado em que se encontra e possa avançar em termos dos conhecimen-
tos necessários.

Desse modo, a avaliação não seria tão-somente um instrumento para a aprova-


ção ou reprovação dos alunos, mas sim um instrumento de diagnóstico de sua
situação, tendo em vista a definição de encaminhamentos adequados para a sua
aprendizagem. (idem, p. 81)

Para que a avaliação diagnóstica seja possível, é preciso compreendê-la e realizá-


-la comprometida com uma concepção pedagógica. No caso, consideramos que
ela deve estar comprometida com uma proposta pedagógica histórico/crítica, uma
vez que essa concepção está preocupada com a perspectiva de que o educando
deverá apropriar-se criticamente de conhecimentos e habilidades necessárias à
sua realização, como sujeito crítico dentro desta sociedade que se caracteriza pelo
modo de produção capitalista. A avaliação diagnóstica não se propõe e nem existe
de uma forma solta e isolada. É condição de sua existência a articulação com uma
concepção pedagógica progressista. (idem, p. 80)

Defino a avaliação da aprendizagem como um ato amoroso, no sentido de que


a avaliação, por si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. Para compreen-
der isso, importa distinguir avaliação de julgamento. O julgamento é um ato
que distingue o certo do errado, incluindo o primeiro e excluindo o segundo. A
avaliação tem por base acolher uma situação, para, então (e só então), ajuizar
a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe suporte de mudança, se necessário. A
avaliação, como ato diagnóstico, tem por objetivo a inclusão e não a exclusão;
a inclusão e não a seleção (que obrigatoriamente conduz à exclusão). (idem, p.
172-173)

A avaliação da aprendizagem necessita, para cumprir o seu verdadeiro significa-


do, assumir a função de subsidiar a construção da aprendizagem bem-sucedida.
A condição necessária para que isso aconteça é de que a avaliação deixe de ser
utilizada como um recurso de autoridade, que decide sobre os destinos do edu-
cando, e assuma o papel de auxiliar o crescimento. (idem, p. 166)

Avaliação mediadora
Num contexto de intensos debates sobre a avaliação do ensino-aprendizagem, alguns educadores
passaram a propor uma avaliação mediadora como forma de possibilitar a permanência do aluno na escola
e de democratizar as relações escolares. Jussara Hoffmann (2006b) aponta para a necessidade de transfor-
mação em direção a esse tipo de avaliação:

Nas últimas décadas, a atenção dos educadores, dos políticos e da sociedade


voltou-se para a dimensão social e política da avaliação por representar, muitas

132 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


vezes, práticas incompatíveis com uma educação democrática.

No âmbito da educação Brasileira, as questões debatidas em avaliação, os precei-


tos expressos nos documentos legais, e as novas experiências desenvolvidas em
várias regiões do país, expressam igualmente essas tendências universais. Estu-
diosos contemporâneos [...] apontam, em uníssono, a preocupação em superar o
viés positivista e classificatório das práticas avaliativas escolares, retomando-as
em seu sentido ético, de juízo consciente de valor, de respeito às diferenças, de
compromisso com a aprendizagem para todos e a formação da cidadania.

Os estudos em avaliação deixam para trás o caminho das verdades absolutas, dos
critérios objetivos, das medidas padronizadas e das estatísticas, para alertar sobre
o sentido essencial dos atos avaliativos de interpretação de valor sobre o objeto
da avaliação, de um agir consciente e reflexivo frente às situações avaliadas e de
exercício do diálogo entre os envolvidos.

Os estudos contemporâneos, tanto em relação à avaliação de currículos e


programas, quanto em relação à avaliação da aprendizagem, apontam novos
rumos teóricos, tendo como diferencial básico o papel interativo do avaliador no
processo, influenciando e sofrendo influências do contexto avaliado. O que passa
a conferir ao educador uma grande responsabilidade, por considerá-lo indelevel-
mente comprometido com o objeto da avaliação e com sua própria aprendizagem
do processo de avaliar.

É preciso um esforço coletivo para delinear as setas dos caminhos da avaliação


educacional, na direção do seu significado ético de contribuição à evolução da
sociedade. A compreensão dos novos rumos exige a reflexão conjunta pelos ava-
liadores e todos os envolvidos, porque lhes exige retomar concepções de democra-
cia, de cidadania, de direito à educação. Essa compreensão é um compromisso a
ser assumido coletivamente. (2006b, p.15-16)

Para Hoffmann, portanto, o professor deve ter um papel interativo no processo avaliativo e deve ter
responsabilidade com o objeto da avaliação e com sua própria aprendizagem durante o processo de ava-
liar. O foco da avaliação deixa de ser o aluno para centrar-se no papel do mediador do processo avaliativo,
que é o educador. Dessa forma, a autora considera que a avaliação mediadora deve ser vista como um
processo dialógico entre educando e educador na construção das aprendizagens. A ação avaliativa deixaria
de ser sobre o produto e passaria a ser parte do próprio processo de aprendizagem.

A perspectiva de avaliação mediadora pretende, essencialmente, opor-se ao mo-


delo do ‘transmitir-verificar-registrar’ e evoluir no sentido de uma ação reflexiva
e desafiadora do educador em termos de contribuir, elucidar, favorecer a troca de
ideias entre e com seus alunos, num movimento de superação do saber transmiti-
do a uma produção de saber enriquecido, construído a partir da compreensão dos
fenômenos estudados. Ação, movimento, provocação, na tentativa de reciprocida-
de intelectual entre os elementos da ação educativa. Professor e aluno buscando
coordenar seus pontos de vista, trocando ideias, reorganizando-as. (HOFF-
MANN, 2006a, p.116)

Hoffmann critica a avaliação tradicional, pois considera que seus fundamentos estão relacionados à
classificação dos alunos e à mensuração do conteúdo aprendido por eles (1991, p. 67). Ela sugere que do-
centes de todos os níveis escolares trabalharem a partir da ideia de avaliação mediadora, a qual teria uma
relação dialógica na construção do conhecimento, e não em sua reprodução.
Por essa avaliação mediadora se encorajaria a reorganização do saber, por meio da ação, movimento,
provocação, e na tentativa de reciprocidade intelectual entre os elementos da ação educativa. Nesse pro-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 133


cesso, tanto professor como alunos buscariam coordenar seus pontos de vista, trocando e reorganizando
ideias.
A autora considera que o professor deve ser simultaneamente um mediador e um avaliador. Ele
deve avaliar as estratégias pedagógicas de interação com os alunos, e não o que o aluno aprendeu ou
deixou de aprender. Caberia ao professor o papel de fazer a mediação entre o conhecimento e o aluno. A
função da avaliação, por sua vez, seria a de mediar todo esse processo estratégico no qual se dá a apreensão
do conhecimento.
Para Hoffman, “o processo avaliativo não pode ser delimitado em etapas: inicio, meio e fim – pois,
no seu sentido dialético, se constitui por momentos contínuos e simultâneos de mobilização, experiências
educativa e expressão do conhecimento por educadores e educandos, momentos provisórios e comple-
mentares que só podem ser analisados em seu conjunto” (2006b, p. 123).
Segundo Hoffmann (2006a), a avaliação mediadora exige a observação individual de cada aluno,
atenta a seu momento no processo de construção de conhecimento. O que exige uma relação direta com
ele a partir de muitas tarefas (orais ou escritas), interpretando-as (com respeito a sua subjetividade), refle-
tindo e investigando teoricamente razões para soluções apresentadas em termos de estágios evolutivos do
pensamento, da área de conhecimento em questão, das experiências de vida do aluno (p. 60). No seu livro
Avaliação Mediadora, Hoffmann sugere aos educadores alguns princípios da ação avaliativa mediadora
que considera imprescindíveis na relação dialógica entre educadores e educandos.

Oportunizar aos alunos muitos momentos para expressar suas ideias.


Oportunizar discussão entre os alunos a partir de situações desencadea-
doras.
Realizar várias tarefas individuais, menores e sucessivas, investigando
teoricamente, procurando entender razões para as respostas apresentadas
pelos estudantes.
Ao invés do certo ou errado e da atribuição de pontos, o ideal é fazer co-
mentários sobre as tarefas dos alunos, auxiliando-os a localizar dificulda-
des, oferecendo-lhes oportunidades de descobrirem melhores soluções.
Transformar os registros de avaliação em anotações significativas
sobre o acompanhamento dos alunos em seu processo de construção
do conhecimento.

Avaliação emancipatória
A avaliação emancipatória tem como característica central o processo de descrição, análise e crítica
de uma dada realidade, com o objetivo de transformá-la. Os fundamentos da avaliação emancipatória se
situam numa corrente político-pedagógica, fundamentada no estímulo emancipatório, isto é, na libertação
do sujeito dos condicionamentos deterministas. Esse tipo de avaliação é defendido pela pedagoga Ana Ma-
ria Saul, que se inspirou nas obras de Paulo Freire, Jean Piaget, Michel Foucault, Jürgen Habermas, entre
outros. Segundo Saul, a avaliação emancipatória constitui-se

num processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade, visando


transformá-la. Destina-se à avaliação de programas educacionais ou sociais.
Ela está situada numa vertente político-pedagógica cujo interesse primordial é
emancipador, ou seja, libertador, visando provocar a crítica, de modo a libertar o
sujeito de condicionamentos deterministas. O compromisso social desta avaliação
é o de fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação
educacional escrevam a sua própria história e gerem as suas próprias alternati-
vas de ação. (1988, p.61)

134 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


A pedagoga vê na avaliação emancipatória dois objetivos básicos: iluminar o caminho da trans-
formação e beneficiar as práticas educativas no sentido de torná-las autodeterminadas (1988, p. 61). O
primeiro objetivo alerta para o fato de que essa avaliação tem preocupação e compromisso com o futuro,
isto é, com o que se pretende transformar. Essa transformação deverá ocorrer a partir de um autoconheci-
mento crítico do concreto que permita a clarificação de alternativas para uma releitura ou revisão do real.
Já o segundo objetivo “aposta” no valor emancipador inerente a essa perspectiva. A autora destaca que tal
proposta possibilita ao sujeito, por meio da consciência crítica, “uma direção às suas ações nos contextos
em que [ele] se situa, de acordo com valores que elege e com os quais se compromete no decurso de sua
historicidade” (SAUL, p. 61).
A avaliação emancipatória foi construída com base nos conceitos de emancipação, decisão democrá-
tica, transformação e crítica educativa – os quais Saul define da seguinte forma:

a emancipação prevê que a consciência crítica da situação e a proposição de alter-


nativas de solução para a mesma constituam-se em elementos de luta transfor-
madora para os diferentes participantes da avaliação [...]

a decisão democrática implica que haja um envolvimento responsável e comparti-


lhado dos elementos que participam de um programa, na tomada de decisão tanto
nos delineamentos a respeito da proposta avaliativa quanto nos rumos de um
programa educacional. Estimula-se uma participação ampla e diversificada dos
elementos, contemplando-se tanto o consenso quanto o dissenso [...]

a transformação está relacionada às alterações substanciais de um programa educa-


cional, gerada coletivamente pelos elementos envolvidos, com base na análise crítica
do mesmo. Essas transformações estão em consonância com os compromissos sociais
e políticos assumidos pelos participantes do programa [...]

a crítica educativa relaciona-se a uma análise valorativa do programa educa-


cional na perspectiva de cada um dos participantes (avaliadores) que atuam em
um programa não se considerarem parâmetros universais para confronto dos
dados. A crítica incide sobre o programa em si, propriamente sobre a dimensão de
processo, sem, no entanto, desconsiderar os produtos.

Nessa perspectiva avaliativa, a crítica tem um caráter educativo e formativo para


os sujeitos que dela participam, com vistas ao redimensionamento do programa
educacional. O avaliador, que se propõe a utilizar a avaliação emancipatória,
deve ter experiência nas áreas de pesquisa e avaliação, particularmente em ava-
liações de estilo qualitativo e participante, e reunir habilidades de relacionamento
interpessoal, uma vez que a proposta enfatiza, em todos os seus momentos, o
trabalho coletivo. (1988, p. 62-63, grifos próprios)

Refletir sobre a prática avaliativa


O intuito dessa apresentação das principais teorias sobre a avaliação é contribuir para que os edu-
cadores da modalidade EJA reflitam sobre as próprias práticas avaliativas e decidam quais são as mais
adequadas para o processo de ensino e aprendizagem de jovens e adultos.
Os desafios são muitos, mas é preciso encará-los se pretendemos democratizar a educação e incluir aque-
les cidadãos que foram excluídos, por diferentes razões, das salas de aula do ensino regular. Nesse sentido,
Baltor e Figueiredo9 (2004) dão sugestões específicas para os educadores dessa modalidade de ensino:

9
Cf. BALTOR, Cristiane da Silva e FIGUEIREDO, Cristina Alexandrino de (2004). O papel da avaliação na educa-
ção de jovens e adultos. Fortaleza: Universidade Regional do Cariri. Disponível em: <http://www.cereja.org.br/
pdf/03_1630_Sala08.pdf>.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 135


Na educação de jovens e adultos, percebe-se que a avaliação ainda revela um caráter
excludente na medida em que o conhecimento de mundo e a diversidade cultural dos
alunos não são respeitados. Alguns professores ainda não reconhecem a hetero-
geneidade presente em sala de aula e o contexto em que os alunos estão inseridos,
aplicando um tipo de avaliação meramente classificatória. Assim, a concepção de
que a educação de jovens e adultos volta-se para a inclusão das camadas populares
é quebrada, uma vez que não há valorização da autoestima, da identidade e da cons-
trução de uma cidadania em uma sociedade marcada pela pluralidade cultural e pela
desigualdade educacional e social.

Para um curso de jovens e adultos, onde se está trabalhando com princípios


claros, a avaliação deve estar a serviço da construção do conhecimento, através
do confronto dos saberes diferentes, e o “erro” deve ser analisado a partir de um
contexto. Para Hoffmann (1993, p.65):

Sem tomar a tarefa como um momento terminal e, sim, como um elo de uma
grande corrente, tanto os ‘erros’ dos alunos como as dúvidas dos professores em
interpretá-los, retornarão à sala de aula para serem discutidos por todos, elemen-
tos importantes e positivos na continuidade das ações desenvolvidas, de outras
tarefas propostas. Nesse sentido, o momento da correção passa a existir como um
momento de reflexão sobre as hipóteses que vierem sendo construídas pelo aluno
e não para considerá-las como definitivamente certas ou erradas.

Um “erro” mal interpretado gera preconceitos, causando frustrações e limitações


nos alunos. Assim, é necessário propor aos alunos atividades desafiantes, que
os levam à reflexão e não a reprodução de pensamentos. O papel do avaliador,
nessa perspectiva de trabalho, é papel de todos. É necessário construir espaços
de valorização da diversidade cultural, para os quais a visão de avaliação numa
perspectiva diagnóstica representa uma contribuição relevante, auxiliando o
avanço e o crescimento da educação. Do contrário, uma avaliação final represen-
tará simplesmente uma classificação que condena, pela segunda vez, os grupos de
universos culturais diferenciados ao fracasso e à exclusão.

3. Princípios de avaliação
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.

Guimarães Rosa (2001, p. 49)

É possível constatar nos itens anteriores a existência de uma vasta literatura sobre as diferentes con-
cepções do processo da avaliação tanto do ensino como da aprendizagem. Essas concepções são construí-
das tendo como referenciais as posições filosóficas, políticas e ideológicas que fundamentam paradigmas
defendidos por diversos autores, em determinado contexto histórico. Portanto, é preciso compreendê-los
não como concepções definitivas e acabadas, mas como construções conceituais decorrentes da estrutura
social e das conjunturas em que emergem. Essas concepções também levam em conta a legislação, a políti-
ca educacional institucional e os sistemas de ensino público e privado.
É importante igualmente conhecer alguns princípios da avaliação que norteiam a legislação e a
política educacional. A LDB/1996 estabelece alguns princípios da avaliação, nos seus aspectos interno e
externo do sistema educacional. Porém, não é possível discutir princípios avaliativos sem considerar a am-
plitude que o ato avaliativo assumiu na atualidade. Os estudos recentes e a atual legislação sobre educação
destacam as avaliações: das instituições, do desempenho docente e do ensino-aprendizagem.

136 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Avaliação institucional
Seguindo uma tendência mundial, a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB) incor-
porou aspectos avaliativos que não se restringem à avaliação da aprendizagem, pois preveem também
a avaliação institucional e a avaliação do desempenho dos docentes. O texto reforça a necessidade de o
Estado e a sociedade civil avaliarem o processo de ensino-aprendizagem das unidades de ensino na sua
globalidade. Segundo Provenzano e Moulin,

Um dos objetivos da avaliação da instituição de ensino é a coleta de evidências


do tipo de formação que está sendo oferecida aos alunos. [...] Caberá à avaliação
identificar as dificuldades encontradas para a consecução desse objetivo e levan-
tar as prioridades de atendimento dos alunos, em consonância com os princípios
gerais do plano de ação curricular e com o projeto político-pedagógico instituído.
(2002, p. 31)

Vários autores destacam a necessidade de definir os critérios éticos e a participação de diferentes


atores sociais no processo de avaliação global da educação do país. Kells, citado por Provenzano e Moulin
(2002, p. 32), esclarece que, embora a avaliação de cada instituição possa ter propósitos únicos e diferentes,
a maioria deles pode ser resumida em cinco passos:

demonstrar comprometimento em relação às políticas governamentais e


às exigências e expectativas do público;
demonstrar eficácia e eficiência (ou seja, atender às intenções ou aos
objetivos da instituição, e, na execução das ações, atingir os resultados
estabelecidos em metas e prazos);
oferecer garantia de que os padrões profissionais são alcançados;
indicar opções de financiamento e alocação de recursos;
fornecer diretrizes para a melhoria das ações.

A avaliação institucional tem gerado polêmicas entre gestores educacionais e educadores, receosos
de ser avaliados pelo seu trabalho. Em sua evolução histórica, a cultura da avaliação sempre esteve associa-
da à avaliação do aluno, que recebia instrução dos conhecedores “inquestionáveis”, portadores de títulos
e de méritos.
No entanto, há uma grande quantidade de educadores e de estudiosos que veem a avaliação insti-
tucional como um mecanismo de defesa da qualidade da educação. Eles argumentam que a escola e todos
seus atores devem participar da construção do processo avaliativo e que esse deve estar em consonância
com o projeto político-pedagógico estabelecido pela instituição.
De acordo com Provenzano e Moulin, “a avaliação institucional é um processo que engloba a totali-
dade do trabalho escolar, em seus eixos pedagógico, administrativo e financeiro” (2002, p. 32). As autoras
também sugerem alguns princípios que devem ter a avaliação institucional:

Continuidade
A avaliação institucional é um processo permanente e dinâmico que deve ser
renovado e aperfeiçoado. A continuidade do processo constitui a garantia da
manutenção do nível de qualidade do funcionamento das atividades acadêmicas e
administrativas e das permanentes reformulações que se fizerem necessárias.

Participação democrática
A representação de todos os sujeitos da ação educativa na elaboração do projeto
de avaliação institucional confere legitimidade ao processo e lhe atribui um cará-

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 137


ter democrático, ao mesmo tempo em que oferece aos participantes a oportunida-
de de autoconhecimento, aprendizagem e crescimento.

Integração
Uma das principais funções da avaliação institucional deverá ser a de integrar as
áreas administrativas e acadêmicas da escola, a fim de que os participantes pos-
sam conjuntamente estabelecer o foco da avaliação e obter, com seus resultados,
melhoria nas diferentes áreas de atuação.

Não premiação ou punição


A avaliação institucional não tem caráter premiativo nem punitivo, pois deve ser
vista como um processo auxiliar que visa a descobrir potencialidades, assim como
falhas e dificuldades, a apoiar a busca de soluções para os problemas institucio-
nais internos e sociais e a subsidiar o estabelecimento de novas metas e priori-
dades para a tomada de decisões que promovam as transformações necessárias.
(2002, p. 36)

138 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Capítulo 5

O educador na modalidade EJA


Competência que não se refaz todo dia envelhece.
Pedro Demo (1996, p. 113).

O bom professor é aquele que não dá aula. Ele constrói a aula com o aluno.
Mary Rangel (2004, p.10)
A palavra práxis vem do
grego prâksis, e pode sig-
(...) e que o educador tem ele próprio de ser educado. nificar tanto o fato de agir,
a ação, como a maneira de
Karl Marx (1845, p. 1) agir, a conduta. Conforme o
dicionário Houaiss, o termo
já foi empregado por várias
correntes filosóficas. Na dou-
O educador e a práxis educativa trina aristotélica (século IV
a. C.), por exemplo, a práxis
O educador e sua prática educativa sempre estiveram no centro do processo de ensino-aprendiza- designa o conjunto de ativi-
gem, determinando quase todas as relações que perpassam o ato educativo dentro do espaço escolar. Até dades humanas autotélicas,
ou seja, que não apresentam
os anos 70, poucos estudiosos ousaram questionar a atuação desse educador como indivíduo detentor e qualquer finalidade fora ou
reprodutor do conhecimento, que ele julgava ser “verdade absoluta”. Entretanto, nas últimas décadas, além de si mesmas. A práxis
mais importante, segundo o
surgiram vários estudos que buscam refletir sobre o papel do educador e de sua relação com os educandos aristotelismo, seria a política.
na construção dos saberes, e não em sua mera reprodução. Já no marxismo (século XIX),
a práxis é a ação objetiva que,
Esses estudos emergem num contexto de grandes transformações socioeconômicas, políticas e cul- superando e concretizando a
crítica social meramente teó-
turais, que tiveram repercussões sobre o próprio conhecimento e sua forma de apropriação. As mudanças rica, permite ao ser humano
profundas nas tecnologias e a ampliação da luta por direitos sociais também contribuíram para reforçar a construir a si mesmo e o seu
convicção da necessidade de reconstruir a escola e as relações que ocorrem em seu interior. É nesse contex- mundo, de forma livre e au-
tônoma, nos âmbitos cultural,
to que muitos educadores e estudiosos encontraram inspiração para questionar a escola como reprodutora político e econômico.
do autoritarismo e das relações de produção dominantes.
No Brasil, desde o fim da Ditadura Militar (1964-1985), novos ventos de redemocratização têm pas-
sado pela escola, fortalecendo o ideal dos educadores que resistiam e discordavam das práticas escolares
autoritárias, similares às da estrutura do poder ditatorial vigente no país. O questionamento a essas práti-
cas teve, em grande parte, a influência das ideias do educador Paulo Freire, que, por meio de suas prega-
ções educativas emancipatórias, fez “escola” não apenas no Brasil mas também no mundo.
Freire tornou-se um importante defensor da educação como prática da liberdade e como meio de
transformação social. Suas concepções partem das condições concretas nas quais se desenvolviam as re-
lações no âmbito escolar. Para construir seus referencias teóricos, ele tece críticas veementes às práticas
educativas então presentes nas escolas, considerando-as resultado de uma concepção “bancária”, na qual
“a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depo-
sitante” (FREIRE, 2005, p.66). Segundo ele,

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os


educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.
Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que
se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.
(idem)

Freire analisa principalmente as relações que se estabelecem na educação “bancária”, que privilegia
o educador em detrimento do educando. Para ele, essa educação separa os atores envolvidos no processo
educativo:

a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;


b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 139


d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do
educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta esco-
lha, se acomodam a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que se opõe
antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações
daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos. (FREIRE,
2005, p.68)
Na concepção “bancária” da educação, os que se julgam “sábios” doam seus saberes àqueles que jul-
gam nada saber. Essa visão representa a ideologia da opressão, que reforça permanentemente a dicotomia
entre o opressor e o oprimido, tão necessária, segundo ele, à manutenção das classes dominantes no poder.
Para Freire, o objetivo dos opressores é impedir que a educação seja orientada no sentido de conscientizar
os educandos. Sobre a educação de adultos, por exemplo, ele comenta que

não interessa a esta visão ‘bancária’ propor aos educandos o desvelamento do


mundo, mas, pelo contrário, pergunta-lhes se Ada deu o dedo ao urubu, para de-
pois dizer-lhes enfaticamente, que não, que Ada deu o dedo à arara [...] a questão
está em que pensar autenticamente é perigoso. (idem, 2005, p. 35)

Em oposição à educação “bancária”, Paulo Freire propõe a educação como prática da liberdade, ou
seja, uma educação que não aliene e nem mantenha alienado o educando. É preciso que a educação encon-
tre seus fundamentos na crítica da realidade e na releitura do mundo, como um processo permanente de
conscientização, pois

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a liber-


tação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres “vazios”
a quem o mundo “encha” de conteúdos; [...] mas nos homens como “corpos
conscientes” e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não
pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em
suas relações com o mundo. (idem, 2005, p. 77)

O modelo de educação de Paulo Freire pressupõe que o educador se comprometa com as mudanças
da realidade social e que estimule a leitura crítica da realidade, promovendo o diálogo com os educandos.
A partir da relação dialógica entre ambos, ocorre a prática educativa que serve verdadeiramente à apro-
priação do conhecimento, com vista à libertação dos homens. Para ele, isso tudo exige que o educador seja
um companheiro dos educandos:

[...] o educador já não é mais aquele que apenas educa, mas o que, enquanto
educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em
que os “argumentos de autoridade” já não valem. [...] ninguém educa ninguém
e tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens educam em comunhão, me-
diatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na prática
“bancária”, são possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos
educandos passivos. (idem, 2005, p.79)

Freire procura destacar em sua obra a importância de o educador ser democrático no desenvolvi-

140 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


mento da “educação problematizadora”, que denomina também de “educação para a liberdade”. A partir
da leitura de seus textos, é possível perceber a preocupação desse autor em horizontalizar as relações entre
educador e educando, em oposição à tradicional verticalização da educação “bancária”, na qual o profes-
sor considera-se superior a seus alunos. Aliás, essa prática de educador democrático foi vivenciada pelo
próprio Paulo Freire, que trabalhou com educação de jovens e adultos.
Portanto, ser um educador democrático é requisito fundamental a ser considerado pelos educadores
que pretendem trabalhar com a formação de jovens e adultos da modalidade PROEJA. E essa democrati-
zação nas relações entre educador e educando não deve ser entendida como a do educador “populista”,
que procura estabelecer um “pacto de amizade” para parecer um bom professor ou para não ter problemas
com os educandos. Essa democratização deve ser pautada nos princípios éticos, em que o educador se
sinta verdadeiramente num processo de reflexão e construção de saberes do qual possa participar, junto
com os educandos.
Essas ideias de Freire ganharam dimensão nacional e internacional e contribuíram para o deba-
te sobre as relações entre os diferentes atores educacionais. Freire e outros educadores e pesquisadores
comprometidos com a democratização do processo ensino-aprendizagem iluminam a práxis do educador
que pretende superar desafios proporcionando aos jovens e adultos do PROEJApossibilidades efetivas
de participarem do ato educativo. Nessa perspectiva de uma educação democrática, é fundamental que o
educador assuma uma postura crítica e reflexiva, transformando-se num problematizador e mediador no
processo ensino-aprendizagem.
Hoje, mais do que nunca, é preciso repensar a atuação do educador no processo educacional e nas suas
relações com o educando, no sentido da democratização da escola, da práxis educativa e do fortalecimento dos
direitos daqueles cidadãos que não puderam concluir sua formação escolar e profissional na adolescência.

Formação do educador de profissionais


Há praticamente um consenso entre educadores e pesquisadores do PROEJAsobre a necessidade
de uma formação específica para os educadores de jovens e adultos. Educadores de outras modalidades
muitas vezes têm pouco contato com a realidade social desse público, precisando adquirir competências
específicas para planejar e atuar adequadamente na educação de jovens e adultos.
Essa questão tem despertado a preocupação das instituições responsáveis pela formação de educa-
dores, de maneira que muitas delas incluíram ementas relativas à educação de jovens e adultos nos currí-
culos de cursos de pedagogia e de licenciatura.
A falta de cursos específicos para a formação de educadores de jovens e adultos relaciona-se inti-
mamente com a ausência de políticas públicas permanentes direcionadas para a EJA. A formação desses
profissionais tem sido realizada de forma esporádica, condicionada a momentos de intensificação de cam-
panhas ou a fatores de conjuntura, quando, por exemplo, um determinado governo resolve priorizar esse
tipo de ensino.
É imprescindível, hoje, que o Estado assuma definitivamente uma política pública permanente que
garanta não apenas a educação de jovens e adultos, mas que possibilite condições institucionais para a
formação de profissionais especializados nessa modalidade de ensino.
O autor utiliza a noção de
O educador deve ter consciência da importância de atualizar-se constantemente a fim de melhorar posição em sentido amplo,
sua própria ação educativa e atender às demandas da sociedade. Nessa direção, Álvaro Vieira Pinto (1982, histórico-dialético, indican-
do não só os fundamentos
p.102) esclarece que “é sempre a sociedade que dita a concepção que cada educador tem do seu papel, do materiais da realidade social
modo de executá-lo, das finalidades de sua ação, e tudo isso de acordo com a posição que o próprio edu- do educador mas também o
conjunto de suas ideias em
cador ocupa na sociedade”. Para ele, todos os terrenos, especial-
mente, no da própria edu-
cação.
O educador deve compreender que a fonte de sua aprendizagem, de sua formação,
é sempre a sociedade. Mas esta atua de dois modos: um, indiretamente, mas que
aparece ao educando (futuro educador) como direto (pois é aquele que sente como
ação imediata): é o educador, do qual recebe ordenadamente os conhecimentos. E

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 141


outro, diretamente, ainda que apareça ao educando (futuro educador) como in-
direto, pois não o sente como pressão imediatamente perceptível: é a consciência,
em geral, com o meio natural e humano no qual se encontra o homem e do qual
recebe os estímulos, os desafios, os problemas que o educam em sua consciência
de educador. (PINTO,1982, p.109-110)

Outro ponto importante é repensar a formação dos educadores de profissionais diante do atual contexto
de grandes transformações engendradas principalmente pelas novas tecnologias, que alteraram as condições
do mundo do trabalho e do cotidiano dos indivíduos. Quanto a isso, autor considera que:

em épocas de aceleração do processo social observa-se frequentemente com plena


nitidez o descompasso entre a consciência (e respectiva formação profissional)
do educador e as exigências impostas pelo curso dos acontecimentos no momen-
to. Esse atraso se explica porque a maioria dos educadores foram preparados
pela consciência precedente, para servir a seus objetivos, dentro da realidade
então existente. [...] Quando, no entanto, a realidade, por força de sua natural
mobilidade, vai-se alterando, essa espécie de educadores não se revela capaz de
acompanhar a marcha das transformações.(idem, p. 110-111)

Para superar o descompasso entre a formação do educador e a realidade em transformação, Pinto


sugere uma capacitação eficiente do educador. Esta, segundo ele, ocorre por duas vias: a via externa, re-
presentada por cursos de aperfeiçoamento, seminários, leitura de periódicos, etc.; e a via interior, que é a
indagação à qual cada professor se submete, relativa ao cumprimento de seu papel social.
O autor ainda chama a atenção para a importância de o professor atualizar-se constantemente para
o exercício de sua profissão:

compete ao professor, além de incrementar seus conhecimentos e atualizá-los,


esforçar-se por praticar os métodos mais adequados em seu ensino, proceder a
uma análise de sua própria realidade pessoal como educador, examinar com auto-
consciência crítica sua conduta e seu desempenho, com a intenção de ver se está
cumprindo aquilo que sua consciência crítica da realidade nacional lhe assinala
como sua correta atividade. (idem, p. 113)

De acordo com Pinto, “a condição para este constante aperfeiçoamento do educador não é somente
a sensibilidade aos estímulos intelectuais, mas é sobretudo a consciência de sua natureza inconclusa como
sabedor” (idem, p. 113). Pinto destaca ainda a importância de o educador estar ciente de sua própria ação
no processo educacional quando afirma:

Não são tantos os negligentes, mas principalmente os autossuficientes os que


estacionam no caminho de sua formação profissional. Julgar que sabem todo o
necessário, considerar que seu papel na educação elementar nada mais exige
deles, é uma noção que paralisa a consciência do educador e o torna inapto para
progredir. Porque o progresso não consiste na aquisição de novos dados de saber,
mas muito mais na aquisição da consciência de sua realidade como servidor
social, de seu papel como interlocutor necessário no diálogo educacional. Esta
consciência não tem limites em seu progresso, pois muda com o curso do processo
objetivo, que é interminável. (idem, p. 113-114)

Para Pinto, o educador deve compreender o movimento da realidade, pois é preciso acompanhar a
marcha das transformações. Aqui, é importante salientar que essa característica tornou-se uma das priori-
tárias na formação do educador de profissionais, já que, a cada dia, profundas mudanças atingem todas as
áreas do conhecimento, provocando também significativas alterações no processo produtivo e nas relações
de trabalho. Um educador que atua na educação profissional deve se atualizar permanentemente sobre as
novas tecnologias, o mercado de trabalho, o movimento sindical, o mercado consumidor e financeiro, etc.

142 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Moura (2006) ressalta a necessidade da formação para aqueles profissionais que já estão em exercício,
para os que estão se formando e para os que ainda vão formar-se como futuros trabalhadores do campo da edu-
cação profissional e tecnológica. O texto elenca três eixos fundamentais que devem fazer parte dessa formação:

a) conhecimentos específicos de uma área profissional;


b) formação didático-político-pedagógica; e
c) integração entre o EPT10 e a educação básica
Esses três eixos devem interagir permanentemente entre si, estar orientados para um constante diá-
logo com a sociedade em geral e com o mundo do trabalho. Devem, ainda, contemplar:

as relações entre Estado, sociedade, ciência, tecnologia, trabalho, cultura, formação huma-
na e educação;
as políticas públicas e, sobretudo, educacionais de uma forma geral e da EPT em particular;
o papel dos profissionais da educação, em geral, e da EPT, em particular;
a concepção da unidade ensino-pesquisa;
a concepção de docência que se sustente numa base humanista;
a profissionalização do docente da EPT: formação inicial e continuada, carreira, remunera-
ção e condições de trabalho e
o desenvolvimento local e inovação.(p. 85)
O Documento Base do PROEJAestabelece alguns referenciais necessários à formação continuada de
professores e gestores que pretendem atuar na modalidade de educação profissional integrada à educação
básica de jovens e adultos. Esse documento condiciona a implantação dessa modalidade de ensino à reali-
zação de formação específica para professores e gestores que trabalharão com esses estudantes:

A formação de professores e gestores objetiva a construção de um quadro de


referência e a sistematização de concepções e práticas político-pedagógicas e me-
todológicas que orientem a continuidade do processo. Deve garantir a elaboração
do planejamento das atividades do curso, a avaliação permanente do processo
pedagógico e a socialização das experiências vivenciadas pelas turmas.

Para alcançar esse objetivo é necessária a ação em duas frentes: um programa


de formação continuada sob a responsabilidade das instituições proponentes e
programas de âmbito geral fomentados ou organizados pela SETEC/MEC.

As instituições proponentes devem contemplar em seu Plano de Trabalho:

a) a formação continuada totalizando 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto
de, no mínimo, 40 horas;
b) a participação em seminários regionais, supervisionados pela SETEC/MEC, com perio-
dicidade semestral e em seminários nacionais com periodicidade anual, organizados
sob responsabilidade da SETEC/MEC;
c) a participação de professores e gestores em outros programas de formação continuada
voltados para áreas que incidam sobre o PROEJA, quais sejam, ensino médio, educa-
ção de jovens e adultos e educação profissional, bem como aqueles destinados à reflexão
sobre o próprio Programa.
A SETEC/MEC, como gestora nacional do PROEJA, será responsável pelo estabelecimen-
to de programas especiais para a formação de formadores e para pesquisa em educação
de jovens e adultos, por meio de:

10
EPT: Ensino Profissional Tecnológico.
Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 143
a) oferta de Programas de Especialização em educação de jovens e adultos como modalidade de
atendimento no ensino médio integrado à educação profissional;
b) articulação institucional com vista a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado)
que incidam em áreas afins do PROEJAe
c) fomento para linhas de pesquisa em educação de jovens e adultos,
ensino médio e educação profissional.(Brasil, 2007, p. 60-61)
Portanto, o próprio governo federal, ao criar o PROEJA, vincula a instalação dos cursos a serem ofe-
recidos à formação específica dos educadores de profissionais que pretendem trabalhar com a educação de
jovens e adultos. Isso é uma evidência de que o governo reconhece a especificidade da EJA e que pretende
investir recursos financeiros na formação desses educadores.

Superar preconceitos
Um dos primeiros desafios que o futuro educador do PROEJAenfrenta é a superação dos preconcei-
tos em relação a essa modalidade de escolarização. A ideia preconcebida de “trabalhar com os rejeitados do
ensino regular” ainda é bastante arraigada na concepção de muitos profissionais da educação.
No entanto, é preciso se livrar dessa ideia e buscar compreender que grande parte desses cidadãos
saiu do ensino regular por deficiências do próprio sistema educacional ou pela necessidade familiar que os
obrigou a entrar rapidamente no mercado de trabalho.
O educador do PROEJAdeve estar próximo da realidade social de seus educandos, identificando-se
como indivíduo e trabalhador, para que sua prática corresponda aos objetivos da própria educação na qual
está envolvido. Conforme Pinto:

O educador tem [...] que acompanhar o movimento da realidade. A forma de vida


pessoal mais perfeita na qual pode realizar este intento é permanecer em cons-
tante vinculação com o povo. Ao educador dotado de consciência ingênua por
muitas maneiras lhe acontece se distanciar do povo; assim, por exemplo, quando
se julga alguém a quem a cultura transformou em personalidade distinta da do
homem do povo, ou quando acredita que sua função como professor consiste em
impor (em sobrepor) o saber ao aluno inculto. Encontramos nesse comportamen-
to um vício que destaca o professor do conjunto daqueles a quem ensina, dando-
-lhe a falsa ideia de ser uma pessoa de qualidade diferente, superior. (1982, p.114)

O educando que abandonou a escola regular tende também a rejeitar sua própria condição de estu-
dante, discriminando a modalidade EJA e sentindo-se inferiorizado perante o educador. Isso normalmente
se relaciona ao fato de a própria escola e a sociedade em geral os discriminarem.
Uma experiência prática relatada por coordenadores e docentes da Escola Técnica de São Paulo é
ilustrativa do exposto: no ano de 2008 um movimento de estudantes do PROEJA, surpreendeu os docentes
e membros da direção. Eles se reuniram e reivindicaram não quererem mais ser chamados de “alunos do
PROEJA”, alegando se sentir discriminados por estudantes de outras turmas. Por serem alunos do PROE-
JAem Administração, decidiram que deveriam ser chamados “alunos do técnico em Administração”.
Foi uma experiência que teve resultados significativos, pois ainda que demonstrassem preconceito
em relação à própria modalidade que cursavam, aprenderam a se organizar e reivindicar. Docentes do
curso aproveitaram a oportunidade para trabalhar com os alunos a questão do preconceito, das formas de
organização social, da cidadania, e de outros temas pertinentes a esse evento.
Isso mostra que cabe ao educador atuar com os educandos numa relação que propicie a superação
desses sentimentos que obstaculizam o processo educacional e o reconhecimento do cidadão como ser que
interage e transforma a sociedade em que vive. Nesse sentido, Pinto considera que:

[...] a relação educacional é essencialmente recíproca, uma troca de experiências,

144 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


um diálogo. O educador ingênuo não reconhece no aluno sua qualidade de sujeito
e por isso julga ser o único sujeito do ato pedagógico. Com isso corrompe e deixa
incompreendido tudo o que é essencial a este ato: o encontro de consciências.

O educador crítico deverá dar a compreender ao aluno que se está educando


da mesma maneira que ele (o educador) se educou. Porque, para a consciência
ingênua do aluno, o professor é um ser diferente, portador de um dom celeste
inexplicável. Isso ocorre porque não é levado pelo educador a refletir sobre o pro-
cesso de educação que criou o próprio educador. Se ele faz este esclarecimento, o
aluno não sentirá nenhuma inferioridade, pois verifica que está simplesmente re-
fletindo aquela aprendizagem que já aconteceu a outro, e que deu a este último a
capacidade de educador. Deste modo, o educando se reconhece como um educador
potencial, ou melhor, compreende que está sendo educado não como ignorante,
como permanente educando, mas como possível educador, e de fato já em ação, a
iniciar por sua mudança.

O educando, por seu lado, sendo reconhecido como sujeito se comporta como tal. Sen-
te sua relação com o professor como de cooperação num ato comum. Não se concebe
mais como o participante passivo da operação educacional. Pode dar expansão a seus
estímulos interiores de autocriação, ao mesmo tempo em que se sente atuante sobre o
processo social pelo fato de estar se alfabetizando, instruindo-se.

O importante é deixar claramente estabelecida esta tese fundamental da teoria


pedagógica crítica: no processo de educação não há uma desigualdade essencial
entre dois seres, mas um encontro amistoso pelo qual um e outro se educam
reciprocamente. (1982, p.116-118)

O respeito ao outro é um fator que precisa predominar nas relações entre educador e educando para que
a práxis pedagógica seja favorável à construção dos saberes. Estudos indicam que muitos alunos abandonam a
escola, em razão de atitudes autoritárias de alguns educadores. Sobre isso, Paulo Freire afirma que:

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua


inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia;
o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha
em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o
professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade
do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à
experiência formadora do educando, transgridem os princípios fundamentalmen-
te éticos de nossa existência. (2002, p.66)

Jane Barbosa (2008) reitera que o professor deve avançar rumo ao sucesso de todos os alunos, sendo ne-
cessário desconstruir preconceitos, estereótipos e mitos culturalmente enraizados na comunidade escolar. Ela
cita frases da educadora e psicóloga Tereza Penna Firme (1996 apud BARBOSA, 2008), ditas com muita frequên-
cia em salas dos professores e conselhos de classe: “professor bom é aquele que reprova”; “repetir é bom para
o aluno pegar base”; “esse menino não tem jeito para o estudo”; “as famílias pobres não dão valor ao estudo”.
Tais frases representam o grau de incompetência do educador, do gestor e do sistema educacional em trabalhar
as dificuldades apresentadas pelos educandos, por causa de fatores, como deficiências de ensino-aprendizagem
anteriores, questões familiares e frustração de expectativas dos educandos.
Esse educador não pode ser visto como um “missionário” a serviço dos excluídos, mas como um
profissional que possui competências voltadas para atuar no processo de educação de jovens e adultos que
retornam à escola em busca de realizações pessoais, profissionais, sociais, políticas, etc. É preciso que esse
educador sinta-se capaz de superar os desafios e que esteja comprometido com a tarefa de transformar a
realidade social desses cidadãos que almejam atender suas expectativas pessoais e do mundo do trabalho
por meio da escola.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 145


Mais do que nunca, também é preciso superar convicções, que ainda fazem parte do universo de
muitos educadores, de que o trabalho com jovens e adultos seja uma ação filantrópica e assistencialista
para ajudar as pessoas carentes. Em muitos textos referentes à prática educativa de adultos, constatou-se
que certos docentes costumam se referir aos educandos como “minhas crianças”, num ato que os infanti-
liza e pressupõe que eles utilizem formas de tratamento equivalentes para o adulto e para a criança. Pinto
(1982) considera um equívoco infantilizar um adulto, concebendo-o como um “atrasado”. Conforme o
autor, essa concepção ingênua do processo de educação de adultos deriva do que se pode chamar uma
“visão regressiva”, que considera o adulto analfabeto como uma criança que cessou de desenvolver-se
culturalmente (p. 87). Ele salienta que essa concepção:

[..] procura aplicar [aos adultos] métodos de ensino e até utiliza as mesmas
cartilhas que servem para a infância. Supõe que a educação [de adultos] consiste
na “retomada do crescimento” mental de um ser humano que, culturalmente,
estacionou na fase infantil. O adulto é considerado, assim, um “atrasado”. Essa
concepção, além de falsa e ingênua, é inadequada porque:

deixa de encarar o adulto como um sabedor;

ignora que o desenvolvimento fundamental do homem é de natureza social,


faz-se pelo trabalho, e que o desenvolvimento não para pelo fato de o indivíduo
permanecer analfabeto;

ignora o processo de evolução de suas faculdades cerebrais e

não reconhece o adulto iletrado como membro atuante e pensante de sua comuni-
dade, na qual de nenhuma maneira é julgado um “atrasado” e onde, ao contrá-
rio, pode até desenvolver uma personalidade de vanguarda. (idem, p.87-88)

O autor conclui que:

[...] essa concepção conduz aos mais graves erros pedagógicos pela aplicação ao
adulto de métodos impróprios e pela recusa em aceitar os métodos de educação
integradores do homem em sua comunidade, quer dizer, aqueles que lhe fazem
compreendê-la e modificá-la, nos quais o conhecimento da leitura e da escrita se
faz pelo alargamento e aprofundamento da consciência crítica do homem frente à
sua realidade. (idem, p.88)

Essa tendência à infantilização pode ser também associada ao fato de o educando adulto não ser
visto como um trabalhador igual ao educador. Vera Masagão Ribeiro (1999) expressa adequadamente esse
ponto de vista:

Certamente, essa assimilação da educação dos grupos populares à ação filantró-


pica é o arcabouço ideológico que sustenta as representações que infantilizam
os educandos jovens e adultos. E reforçando representações como essas, que
podem povoar tanto o imaginário dos educadores quanto dos educandos, temos
no terreno da educação de jovens e adultos políticas de Estado que também
concorrem para cristalizá-las. Ainda que nas últimas décadas tenhamos assistido
aos esforços de alguns governos municipais e estaduais no sentido de consolidar
o espaço da educação de jovens e adultos como parte integrante do conjunto de
políticas educacionais - em alguns casos inclusive transferindo serviços anterior-
mente alocados em órgãos de assistência social para as secretarias de educação -,
algumas das políticas recentes induzidas pelo governo federal vêm reproduzindo
gravemente a concepção assistencialista dessa modalidade educativa. (p. 188)

146 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Relação educador-educando
A relação professor-aluno assume dimensões, se não totalmente diferenciadas, bastante específicas
em se tratando do processo aplicado na educação de jovens e adultos.
Como em qualquer processo educacional, o foco é a formação do indivíduo como um todo, em conso-
nância com valores historicamente construídos e compatibilizados com o contexto cultural e socioeconômico.
Para Gomes, Pezzi e Bárcia (2002) o processo ensino-aprendizagem na educação de adultos deve ser
desenvolvido através de metodologias que incentivem a busca de conhecimentos, enfatizando aspectos
qualitativos sobre quantitativos. O professor deverá estar pronto para instrumentalizar o aluno a tornar-se
consciente de sua experiência e, a partir daí, disponibilizar-se a agrega-la ou transformá-la.
A relação professor-aluno assume, pois, uma forte relação dialógica, necessariamente mediada com
a realidade social, com participação, interação, debate de professores com alunos, professores com pro-
fessores e alunos com alunos, num constante processo de construção, reconstrução e compartilhamento.
Do professor espera-se amplo conhecimento dos objetivos do programa do curso ou, minimamente,
do módulo. É dele a responsabilidade pedagógica do processo de ensino-aprendizagem, estimulando a
participação de todos no grupo. A ele, cabe ainda:

[...] estimular uma cuidadosa e minuciosa análise do problema; estimular que os


alunos façam a distinção entre questões principais e secundárias do problema; deve
inspirar confiança nos alunos; não ensinar o aluno e, sim, ajudá-lo a aprender a
aprender; usar seus conhecimentos apropriadamente e na hora certa; formular
questões inteligentes no grupo tutorial e não fornecer explicações; não intimidar os
alunos com seus conhecimentos; sumarizar a discussão somente quando necessário;
avaliar o processo e o conteúdo (resultados alcançados); estar alerta para problemas
individuais dos alunos e disponível para discuti-los quando interferirem no processo
de aprendizagem e oferecer a experiência vivenciada nos grupos tutoriais para o
aprimoramento do currículo” (KODJAOGLANIAN, 2003, p. 6)

A formação dos educadores do PROEJAé, sem dúvida, um desafio a ser vencido. Extrapola o mero
trabalho em conjunto do professor do ensino médio com o do ensino técnico na medida em que, inde-
pendentemente de sua formação acadêmica, deverá se reconhecer como um professor do ensino médio
integrado ao ensino profissional em uma modalidade específica, comprometido com a “integração socio-
laboral desse grande contingente de cidadãos cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter
acesso a uma formação profissional de qualidade” (Brasil, 2007, p. 11).
O educador deve propiciar condições para que os educandos tenham uma formação profissional
que lhes proporcionem algumas garantias de disputar uma colocação no mercado de trabalho. Porém,
espera-se do educador do PROEJAque assuma também sua competência de formar um cidadão que possa
participar ativamente da construção histórica de sua própria realidade.
Não se pode, entretanto, reduzir o papel que o trabalho desempenha para essa parcela da popula-
ção. É graças ao trabalho que muitos têm a oportunidade de voltar a estudar ou ainda, de permanecer na
escola. Afinal, como salienta o artigo 39 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996):
“a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia,
conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”.
O Parecer CNE/CEB nº 11/2000, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de
Jovens e Adultos, em seu título VIII, estabelece alguns pressupostos para o professor da EJA, que podem
ser estendidos para o PROEJA:

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA
deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aque-
las relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse
profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 147


com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um
professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntaria-
do idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades
que a habilitação como formação sistemática requer. (Brasil, 2000b, p. 56)

Os educadores do PROEJA, assim como os gestores, devem, portanto, organizar e planejar progra-
mas, currículos, metodologias e propostas pedagógicas, levando sempre em consideração, primeiramente,
o estudante, em suas dimensões de ser humano social, com sua história, suas experiências, sua cultura,
suas crenças e expectativas.

O adulto, para a EJA, não é o estudante universitário, o profissional qualificado


que frequenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa
adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes,
línguas estrangeiras ou música, por exemplo.[...] E o jovem, relativamente re-
centemente incorporado ao território da antiga educação de adultos, não é aquele
com uma história de escolaridade regular, o vestibulando ou o aluno de cursos
extracurriculares em busca de enriquecimento pessoal. (OLIVEIRA, 1999, p.59)

Nesse contexto, professores e estudantes são sujeitos igualmente envolvidos no processo. Todos,
portanto, devem estar comprometidos com os objetivos da modalidade, como “agentes solidários na pro-
dução coletiva de um projeto social, conscientes da sua condição de inacabamento enquanto seres huma-
nos em permanente processo de formação” (SANTOS, 2006, p. 18).
De acordo com Moura, trata-se de um processo de caráter crítico-reflexivo onde o professor deve ter
uma formação orientada para a responsabilidade social, desempenhando a função de problematizador e
mediador do processo de ensino-aprendizagem (2006, p. 84). É importante salientar que, neste papel que
lhe é atribuído, o docente não perde sua autoridade nem sua responsabilidade com a competência técnica
de sua área de conhecimento.
Assim, o professor deverá ser detentor de conhecimentos específicos de sua área profissional, ter
uma formação não só didática e pedagógica como também política e ser capaz de integrar o ensino profis-
sional com a educação básica.
Não podemos nos furtar de uma realidade: nós, professores, somos seres humanos e (felizmente)
não somos iguais uns aos outros. O importante é nos conscientizarmos de que, com nossas características e
limitações, busquemos permanentemente a excelência no nosso fazer educacional e humano.
A esse respeito, Bordenave nos leva a refletir sobre o que chama de “tipos de professor” (BORDENA-
VE e PEREIRA, 1998, p.65). Ele cita uma pesquisa da revista Time, que indicava que os melhores professo-
res dos Estados Unidos não eram os que utilizavam técnicas de ensino mais sofisticadas, mas aqueles que,
com seu entusiasmo, contagiavam os alunos, fazendo com que se interessassem por seu curso. Então, o au-
tor apresenta uma classificação elaborada pela Universidade da Califórnia com cinco tipos de professores:
O instrutor – aplica seus métodos didáticos com o objetivo de fazer o aluno ser capaz de responder
imediatamente às demandas, segundo fórmulas e soluções já definidas. É a autoridade máxima na sala de
aula. Com ele, “o aluno se converte numa máquina de dar respostas certas” (p.66).
O conteudista – é aquele que precisa seguir o planejamento e cumprir o programa acima de tudo, pois
tem plena certeza da necessidade de os alunos aprenderem os conteúdos que estabeleceu. Não costuma
estimulá-los a pesquisar, uma vez que já tem organizadas as informações que considera suficientes para
sua formação. “A ideia de que o professor possa aprender algo discutindo com os alunos é para ele com-
pletamente estranha ao objetivo de ensinar ou aprender” (p.66).
O que se concentra no processo de instrução – prioriza o processo e orienta seus alunos para que sigam
métodos pré-definidos. Valoriza a aplicação de exercícios, experiências, atividades práticas. Por esta carac-
terística, geralmente é um professor com boa aceitação entre os alunos. “Entretanto, se se analisa bem seu
papel, observa-se que todas as conversas começam sempre com ele e suas ideias e que, mais cedo ou mais
tarde, acabam sempre voltando a ele e suas ideias” (p.67).

148 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


O que se concentra no intelecto do aluno – para este professor, “o processo de ensinar e aprender deve
concentrar-se na própria atividade racional” (p.67). Ele utiliza análise e solução de problemas como recur-
so didático pois acredita que se deve dar mais importância para o “como” e o “por quê”, do que para o “o
quê”. Sua prioridade é desenvolver as habilidades intelectuais do aluno.
O que se concentra na “pessoa total” – como o anterior, seu foco é o estudante, mas, diferentemente
daquele, tem a visão do estudante como um todo: não vê o desenvolvimento intelectual desvinculado do
ser humano afetivo, integral, muitas vezes dotado de atitudes não racionais. Estimula e orienta a busca
de respostas e a experimentação. “Ele acha que o estudante deve ser tratado como pessoa integral, pois
separando-se o mundo intelectual do resto, o processo de crescimento do estudante na direção de um ser
adulto torna-se seriamente comprometido” (p.67).
Podemos considerar que nenhum professor é apenas “um tipo”, mas uma mescla de várias, incluin-
do uma sexta categoria que Bodernave acrescenta a essa classificação da Universidade da Califórnia: a do
professor que tem uma visão estrutural da sociedade. É aquele que articula e integra o aluno, o programa escolar
e ele próprio como partes “de um contexto societal, isto é, de uma sociedade historicamente estruturada
em estratos dominantes e dominados” (p. 68). Ele considera possível que a educação esteja sendo utilizada
pelo establishment dominante para consolidar e perpetuar sua situação privilegiada.

Competências do educador de profissionais


O educador deve estar em permanente sintonia com as transformações que ocorrem no mundo
atual, já que possui um papel importante no processo de formação intelectual e profissional dos cidadãos.
Isso porque a rapidez dessas mudanças abala estruturas do mundo do trabalho, do pensamento científico
e até mesmo dos valores culturais mais arraigados das sociedades. Se o educador não estiver atento a elas,
corre o risco de discutir com seus alunos conteúdos obsoletos e de falar uma linguagem incompreensível
no domínio do saber, do saber fazer ou do saber ser.
O educador de profissionais, em particular, deve estar constantemente atualizado em relação às
transformações que ocorrem em sua área de formação, bem como nas áreas afins, para poder trabalhar com
seus alunos projetos interdisciplinares, os quais exigem superação de visões compartimentadas do saber.
Para sair da redoma de vidro em que muitos se encastelam depois de obter o diploma da licenciatura, é
necessário que realizar pesquisas de outros conteúdos, tecnologias e ferramentas de estudo e trocar expe-
riências e informações com outros professores.
O educador tem um papel fundamental no reingresso de jovens e adultos na educação escolar for-
mal. Uma das tarefas cruciais da escola que oferece a modalidade PROEJAé a definição de um quadro do-
cente competente para trabalhar com esses educandos. Nesse sentido, é possível detectar uma “mudança
radical” (Brasil, 2002, p.43) do perfil desse educador de profissionais:
antes o professor ensinava e educava com base em suas certezas, com o objetivo de criar certezas;
hoje, o professor ensina a partir de problemas, desafios e incertezas, com o objetivo de criar compe-
tências de enfrentamento das incertezas. (idem)
Ainda é tempo de o educador opor-se à estagnação e inteirar-se da própria transformação do seu
papel no processo educacional. Para isso, terá de repensar as competências que possui para exercer a tarefa
complexa de trabalhar em uma modalidade de ensino integrado específica para jovens e adultos. No con-
texto em que se discute amplamente a educação por competência, é preciso que o educador se proponha ao Trata das diretrizes curricula-
res nacionais para a educação
exercício de conhecer esse universo conceitual e refletir sobre suas próprias competências. De acordo com profissional de nível técnico.
Parecer nº 16/1999 do Conselho Nacional de Educação, Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/cne/arqui-
vos/pdf/1999/pceb016_99.
[...] um exercício profissional competente implica um efetivo preparo para en- pdf>.
frentar situações esperadas e inesperadas, previsíveis e imprevisíveis, rotineiras e
inusitadas, em condições de responder aos novos desafios profissionais, propostos
diariamente ao cidadão trabalhador, de modo original e criativo, de forma inova-
dora, imaginativa, empreendedora, eficiente no processo e eficaz nos resultados,

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 149


que demonstre senso de responsabilidade, espírito crítico, autoestima compatível,
autoconfiança, sociabilidade, firmeza e segurança nas decisões e ações, capacidade
de autogerenciamento com autonomia e disposição empreendedora, honestidade e
integridade ética. (Brasil, 1999, p. 47)

Ainda conforme esse Parecer, “em educação profissional, quem ensina deve saber fazer, quem sabe
fazer e quer ensinar deve aprender a ensinar” (idem, p. 46). O aprender a ensinar – o qual poderia induzir
algumas pessoas a pensar em fórmulas e receitas prontas – é complementado pela menção a outros conhe-
cimentos e atributos necessários, para além das competências mais diretamente voltadas para o ensino de
uma profissão, e que devem ser objeto de uma continuada educação do docente. São eles (cf. Brasil, 1999,
p. 46-47):
• conhecimento das filosofias e políticas da educação profissional;
• conhecimento e aplicação de diferentes formas de desenvolver a aprendizagem dos alunos em
uma perspectiva de autonomia, criatividade, consciência crítica e ética;
• flexibilidade com relação às mudanças, com a incorporação de inovações no campo de saber já
conhecido;
• iniciativa para buscar o autodesenvolvimento, tendo em vista o aprimoramento do trabalho;
• ousadia para questionar e propor ações;
• capacidade de monitorar desempenhos e buscar resultados e
• capacidade de trabalhar em equipes interdisciplinares.
Muitas são as definições sobre o significado de competência. A discussão sobre essa temática é ampla e
desperta debates calorosos entre seus defensores e os que a consideram apenas sob a ótica do desenvolvimento
educacional voltado para o mercado. De qualquer forma, é impossível ignorar esse debate; colocar-se alheio a ele
seria uma prática daqueles que procuram cada vez mais distanciamento do processo educacional contemporâneo.

Utilizaremos aqui a concepção de competência proposta por Philipe Perrenoud (2000b, p.69), que a concebe
como “uma capacidade de produzir hipóteses, até mesmo saberes locais que, se já não estão ‘constituídos’, são
Do francês, savoir significa
“saber” e faire, “fazer. Savoir- ‘constituíveis’ a partir dos recursos do sujeito” ou seja, a condição de mobilizar recursos cognitivos acumulados para
-faire trata-se, portanto, da enfrentar situações específicas.. Ele argumenta que essa concepção está relacionada a quatro aspectos (p. 68-70):
habilidade de obter êxito,
graças a um comportamento
maleável, enérgico e inteli- As competências são elas mesmas saberes, savoir-faire ou atitudes. Elas
gente (cf. HOUAISS). A ex-
pressão pode ser sinônimo
mobilizam, integram e orquestram tais recursos.
do que, em português, cha-
mamos tino, tato.
Essa mobilização só é pertinente em situação, sendo cada situação singu-
lar, mesmo que se possa tratá-la em analogia com outras, já encontradas.

O exercício da competência passa por operações mentais complexas,


subentendidas por esquemas de pensamento, que permitem determinar
(mais ou menos consciente e rapidamente) e realizar (de modo mais ou
menos eficaz) uma ação relativamente adaptada à situação.

As competências profissionais constroem-se não só na formação mas


também ao sabor da navegação diária de um professor, de uma situação
de trabalho à outra.

Na atualidade, é fundamental que o educador de profissionais trabalhe com seus educandos sob a
ótica da construção de competências. Entretanto, como trabalhar nessa perspectiva se o educador desco-
nhece suas próprias competências no processo educativo? Pensar a educação profissional do educando a
partir de suas próprias competências é uma prática que poderá contribuir para a superação das dificul-
dades que muitos professores demonstram, quando se tornam agentes da formação profissional. Quais

150 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


competências o educador deve ter para que seu trabalho pedagógico seja condizente com as expectativas
dos educandos nas suas demandas pessoais e profissionais? Torna-se cada dia mais difícil imaginar o edu-
cador de profissionais que as desconheça.
Essa problemática é grave. Muitos educadores fazem suas tarefas tão mecanicamente que não conse-
guem, quando questionados, explicitar mais do que uma ou duas competências de seu ofício. Alguns respon-
dem apenas: “eu tenho competência para lecionar sobre o conteúdo da minha matéria”, demonstrando com
isso seu desconhecimento tanto do significado de competência como da práxis educativa. Entretanto, conforme
o Parecer 16/1999, “não se pode falar em desenvolvimento de competências em busca da polivalência e da
identidade profissional se o mediador mais importante desse processo, o docente, não estiver adequadamente
preparado para essa ação educativa”(Brasil, 1999, p. 46).
Como sugestão, apresenta-se a seguir um texto de Philipe Perrenoud no qual o autor explicita dez
competências gerais e suas respectivas competências específicas que considera essenciais para o trabalho
dos que se dedicam à tarefa de ensinar. Elas podem se tornar um excelente referencial para o educador de
profissionais. Apesar de Perrenoud elencar as relativas aos professores do ensino fundamental, entende-se
que muitas delas possuem especificidades intrinsecamente relacionadas à educação de jovens e adultos.

Dez competências para ensinar11


Dez domínios de competências reconhecidas como prioritárias na formação contínua de professores.

Competências de
Competências específicas a serem trabalhadas em formação contínua (exemplos)
referência
Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tra-
dução em objetivos de aprendizagem.

Trabalhar a partir das representações dos alunos.


1. Organizar e
dirimir situações de
Trabalhar a partir dos erros e obstáculos à aprendizagem.
aprendizagem.
Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas.

Envolver os alunos em atividades de pesquisa e em projetos de conhecimento.


Conceber e administrar situações-problema ajustadas aos níveis e possibilidades
dos alunos.

Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino.


2. Administrar a
progressão das Estabelecer laços com teorias subjacentes às atividades de aprendizagem.
aprendizagens.
Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, segundo uma abor-
dagem formativa.

Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão.


Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma.

Abrir e ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto.


3. Conceber e fazer
evoluir dispositivos
Fornecer apoio integrado e trabalhar com alunos portadores de grandes dificulda-
de diferenciação.
des.

Desenvolver a cooperação entre alunos e certas formas simples de ensino mútuo.

11
Cf. PERRENOUD, 2000a, p. 20-21.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 151


4. Envolver os Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do traba-
alunos em sua lho escolar e desenvolver na criança a capacidade de autoavaliação.
aprendizagem e em
seu trabalho. Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou de escola)
e negociar com os alunos diversos tipos de regras e de contratos.

Oferecer atividades opcionais de formação, à Ia carte.

Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno.


5. Trabalhar em Elaborar um projeto de equipe e representações comuns.
equipe.
Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões.

Formar e renovar uma equipe pedagógica.

Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas pro-


fissionais.

Administrar crises ou conflitos interpessoais.


6. Participar da Elaborar e negociar um projeto da instituição.
gestão da escola.
Administrar os recursos da escola.

Coordenar e dirigir uma escola com todos os seus parceiros (serviços paraescola-
res, bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem, etc.).

Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos.


Dirigir reuniões de informação e de debate.
7. Informar e
Fazer entrevistas.
implicar os pais.
Envolver os pais na valorização da construção dos conhecimentos.
Utilizar editores de texto.

Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do


8. Utilizar ensino.
tecnologias novas.
Comunicar-se à distância por meio da telemática.

Utilizar as ferramentas multimídia no ensino.


Prevenir a violência na escola e fora dela.

Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais.


9. Enfrentar os
Participar da implantação de regras da vida comum referentes à disciplina na esco-
deveres e os dilemas
la, às sanções e à apreciação da conduta.
éticos da profissão.
Analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula.

Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.

152 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


Saber explicitar as próprias práticas.

Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de for-


mação contínua.
10. Gerir sua própria
formação contínua. Negociar um projeto de formação comum com colegas (equipe, escola, rede).

Envolver-se em tarefas em escala de um tipo de ensino ou do sistema educativo.

Acolher a formação dos colegas e participar dela.

Pedro Demo (1996) fornece alguns saberes que considera imprescindíveis ao educador em sua ação
educativa, os quais podem ser associados às competências propostas por Perrenoud:
Saber pesquisar. O sentido da pesquisa é o do princípio educativo, para
impulsionar o saber pensar, o aprender a aprender, para melhor intervir. O
professor que sabe pesquisar saberá como educar para a pesquisa.
Saber elaborar. O professor que sabe elaborar é capaz de construir e reconstruir
seu próprio projeto pedagógico, contribuir com materiais didáticos pessoais,
acompanhar e sobretudo colaborar com os avanços científicos de sua área.

Saber teorizar as práticas. O professor que sabe teorizar a prática é capaz de


exercitar de modo constante a autocrítica, perfazendo o vaivém entre a teoria e
prática.

Saber atualizar-se permanentemente. Essa competência do professor consiste


em sua capacidade de recuperação incessante do conhecimento que o mantém
contemporâneo e capaz de dar conta de uma realidade em transformação.

Saber lidar com a eletrônica. O professor que sabe lidar com a informática e com
os meios eletrônicos de maneira geral será capaz de imprimir à escola o com-
promisso de estar em dia com a história contemporânea e, principalmente, de
humanizar a técnica.

Saber trabalhar a interdisciplinaridade. Este saber permite ao professor romper


com a fragmentação entre as disciplinas geradas pelo avanço científico e tecnoló-
gico e trabalhar, criativamente, os fenômenos educacionais de modo a recuperar a
unidade perdida.

Saber avaliar. O professor que sabe avaliar detém a instrumentação necessária para
cultivar a intensidade qualitativa dos processos realmente educativos. (p. 117-118)

Novos desafios ao educador de profissionais


É um excelente desafio que o educador faça a autoavaliação de seu trabalho pedagógico e crie condições
para que seus alunos e outros educadores avaliem também o seu trabalho. De acordo com o Ministério da Edu-
cação, esse tipo de avaliação permite ao professor tomar consciência de seus limites e possibilidades:

[...] ser professor requer múltiplas habilidades e, dentre elas, estar preparado para
avaliar não apenas o desempenho de seus alunos, mas seu próprio desempenho,
visando à sua formação e ao seu aperfeiçoamento. O professor que se avalia está
permanentemente se reconstituindo para desempenhar sua função de modo
transformador.

Nesse esforço de mudança, além de adquirir o hábito de estudar continuamente,

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 153


desenvolvendo a capacidade de percepção da realidade e propondo formas criati-
vas de trabalhá-la, o professor pode:

associar-se a outros professores, submetendo-lhes seu planejamento para que o


analisem e contribuam com suas percepções, estabelecendo assim uma avaliação
baseada na cooperção;

solicitar que outro docente observe sua aula, a fim de examinar os aspectos positivos e
negativos e, dessa observação participante, resultar uma avaliação compartilhada do
que precisa ser transformado. (Brasil, 2002a, p. 47)

O educador de profissionais deve conhecer profundamente sua área de atuação, as metodologias e as


didáticas mais apropriadas para trabalhar com diferentes modalidades de ensino e a clientela cada vez mais
heterogênea. Ele deve estar aberto às novas tecnologias de informação e de comunicação, usando-as em sala de
aula, nos laboratórios e nas redes com seus educandos. Esse educador deve estar sintonizado com as mudanças
que ocorrem com mais rapidez no mundo atual, capacitando-se, por exemplo, por meio de jornais, internet,
livros, museus, cinema e visitas técnicas a feiras e exposições. Ele deve sair do mundo restrito de sala de aula,
lousa e giz, deslocando-se para os espaços onde os educandos trabalham ou pretendem trabalhar. Ganhar a
cidade, a rua, o teatro, o cinema, o sindicato; isto é, olhar a realidade pela qual todos passam, mas nem sempre
percebem. Essa realidade pode ser objeto de estudo e/ou de projetos de intervenção.
A dimensão educacional voltada para a formação integral e profissional de jovens e de adultos ul-
trapassou, há muito, os muros da escola. Esses muros, dependendo do ponto de vista das atuais relações,
podem significar prisões que alienam tanto o educador como o educando. É preciso sair para ver o mundo,
tocar a natureza e perceber as relações que os educandos podem estabelecer com a natureza, educá-los e
educar-se para a preservação do meio ambiente. Uma tarefa, aliás, imprescindível a ser discutida com os
jovens e adultos de qualquer área profissional. Essa é uma temática presente no dia a dia desses cidadãos e
que pode ser objeto de construção e avaliação de competências. Ribeiro (1999) reitera essa necessidade de
o educador rever sua prática educativa:

[...] é necessário considerar mais um aspecto crucial para a formação de educado-


res capazes de promover uma educação de jovens e adultos mais eficaz e acessível
ao público que a ela tem direito. Trata-se da necessidade de desenvolver compe-
tências para atuar com novas formas de organização do espaço-tempo escolar,
buscando alternativas ao ensino tradicional baseado exclusivamente na exposição
de conteúdos por parte do professor e avaliação somativa do aluno. Os professo-
res de jovens e adultos devem estar aptos a repensar a organização disciplinar
e de séries, no sentido de abrir possibilidades para que os educandos realizem
percursos formativos mais diversificados, mais apropriados às suas condições de
vida. Os jovens e adultos merecem experimentar novos meios de aprendizagem
e progressão nos estudos, que não aqueles que provavelmente os impediram de
levar a termo sua escolarização anteriormente. (p. 95)

Perrenoud, em entrevista concedida à revista Nova Escola12, destaca as qualidades profissionais que
o professor deve ter para ajudar os alunos a desenvolver competências:

Quais são as qualidades profissionais que o professor deve ter para aju-
dar os alunos a desenvolver competências?

Antes de ter competências técnicas, ele deveria ser capaz de identificar e de


valorizar suas próprias competências, dentro de sua profissão e de outras práticas

Cf. “Construindo competências”, p.19-31. In: Revista Nova Escola, ed. 135. São Paulo: Editora Abril.Disponível em:
12

<http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2000/2000_31.html>

154 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


sociais. Isso exige um trabalho sobre sua relação com o saber. Muitas vezes, o
professor é alguém que ama o saber pelo saber, que é bem-sucedido na escola, que
tem uma identidade disciplinar forte desde o Ensino Médio. Ora, os alunos não
são e não querem ser como ele. O professor deve, então, se colocar no lugar desses
alunos. Aí ele começará a procurar meios de interessar sua turma pelo saber não
como algo em si mesmo, mas como ferramentas para compreender o mundo e agir
sobre ele. O principal recurso do professor é a postura reflexiva, sua capacidade
de observar, de regular, de inovar, de aprender com os outros, com os alunos, com
a experiência. Mas, com certeza, existem capacidades mais precisas. [...]

O que o professor deve fazer para modificar sua prática?

Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por resolução


de problemas e por projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os
alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso
pressupõe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bair-
ro, seja na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar o
curso é o cerne da profissão. Ensinar, hoje, deveria ser conceber, encaixar e regu-
lar situações de aprendizagem, seguindo os princípios pedagógicos ativos cons-
trutivistas. Para os adeptos dessa visão interativa da aprendizagem, trabalhar
no desenvolvimento de competências não é uma ruptura. O obstáculo está mais
em cima: como levar os professores, habituados a cumprir rotinas, a repensar
sua profissão? Eles não desenvolverão competências se não se perceberem como
organizadores de situações didáticas e de atividades que tenham sentido para os
alunos, envolvendo-os e, ao mesmo tempo, gerando aprendizagens fundamentais.
(PERRENOUD, 2000c)

O educador comprometido com a formação geral e profissional de jovens e adultos, que foram,
por inúmeras razões, excluídos anteriormente do processo educacional, desenvolve seu trabalho a partir
do resgate dos saberes e das experiências dos educandos. Dessa forma, criam condições favoráveis para,
juntos, educador e educando, promoverem a (re)construção dos saberes. Conforme Paulo Freire, não se
deve considerar os educandos uma “vasilha vazia”, mas agentes sociais providos de conhecimentos e de
experiências que podem contribuir para a práxis pedagógica.
Alguns autores têm discutido também a importância das relações interpessoais como fatores in-
fluentes no processo de ensino e aprendizagem. Com jovens e adultos, essas relações são fundamentais
para a (res)socialização desses cidadãos no espaço escolar e para sua motivação. Withall (apud Brasil, 2002),
ao observar as relações entre professor e aluno, verificou a existência de comportamentos verbal e não
verbal do professor que podem interferir na aprendizagem:

1– O professor que elogia o aluno encoraja e reforça a aprendizagem; seu foco


está centrado no aluno.

2– O professor que desenvolve uma relação empática com os alunos favo-


rece a troca de experiências, compreende e aceita os limites e possibilidades, busca
o caminho do esclarecimento das dúvidas; seu foco está centrado no aluno.

3– O professor que sabe lidar com os problemas subsidia o aluno com infor-
mações, ideias, fatos, opiniões, ajudando-o a encontrar os caminhos de solução;
seu foco está centrado no aluno.

4– O professor que adota uma postura neutra na relação ensino-aprendi-


zagem não estabelece nenhuma intenção de apoio ou suporte, nem com relação
ao aluno nem com relação a si próprio.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 155


5– O professor que estabelece uma relação diretiva com os alunos leva-os
a perceberem seu ponto de vista, direcionando-os a seguir o curso de ação por ele
sugerido; seu foco de ação está centrado na relação autoritária do saber.

6– O professor que censura, desaprova, deprecia o aluno também tem sua


relação com o aluno centrada no exercício autoritário do saber, inibindo a criati-
vidade e o pensamento crítico.

7– O professor que desenvolve uma relação de autorreforço está preocupa-


do em reforçar a própria imagem; seu foco também está centrado no domínio do
saber. (p. 50)

Um dos objetivos desses referenciais elaborados por Withall é sensibilizar o professor para a condu-
ção adequada de sua relação com o aluno no processo ensino-aprendizagem, para que ele reflita sobre si
mesmo, seja nas questões técnicas, seja nas pessoais.

Educadores e educandos são seres diferentes enquanto indivíduos. Cada


um é único, mas todos estão colocados em condições de igualdade en-
quanto sujeitos do mundo e no mundo e assim também nas relações pe-
dagógicas. Os educadores se distinguem dos educandos por possuírem
mais consistência no que se refere à leitura e à sistematização do saber.
Tiveram mais oportunidades e, portanto, apropriaram-se dos conheci-
mentos produzidos historicamente pela sociedade. Seu compromisso
político-pedagógico é colocar essas experiências à disposição dos demais,
numa relação de horizontalidade. Este é o grande desafio da modalidade
PROEJA, considerando que:

Na verdade, todos os professores podem e devem atuar na Educação de Jovens e


Adultos, mas, para isso, precisam mergulhar no universo de questões que com-
põem a realidade desse público, investigando seus modos de aprender de forma
geral, para que possam compreender e favorecer essas lógicas de aprendizagem
no ambiente escolar.

Oferecer aos professores e aos alunos a possibilidade de compreender e apreender


uns com os outros, em fértil atividade cognitiva, afetiva, emocional, muitas vezes
no esforço de retorno à escola, e em outros casos, no desafio de vencer estigmas e
preconceitos pelos estudos interrompidos e pela idade de retorno, é a perspectiva
sensível com que a formação continuada de professores precisa lidar.

Dessa forma, é fundamental que preceda à implantação dessa política uma sólida
formação continuada dos docentes, por serem estes também sujeitos da Educação
de Jovens e Adultos, em processo de aprender por toda a vida. (MOURA, 2006, p.
13-14)

De acordo com o Ministério da Educação, alguns aspectos importantes do papel do educador de


profissionais e de sua relação com o educando na busca de uma educação profissional condizente com suas
ansiedades e com a realidade na qual estão inseridos são:

A responsabilidade formadora exigirá de você as competências para estabelecer


a mediação entre a realidade e o futuro auxiliar de enfermagem, com o objetivo
de ajudá-lo a apropriar-se dessa realidade, para nela interferir, como agente de
uma práxis transformadora. Assim como você, seu aluno não se constitui como
um “prático”, mas como o sujeito que na autonomia de uma perspectiva crítica

156 Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica


e libertadora exerce sua atividade profissional como uma prática refletida e, por
De acordo com Marilena
isso, transformadora da realidade e de si mesmo. Chauí (apud Brasil, 2002,
p.54), “ideologia é um con-
junto lógico, sistemático e
Para tanto, será necessário buscar entender claramente a realidade na qual coerente de representações
(ideias e valores) e de nor-
vivemos, da qual nos aproximamos, como quem vai interrogá-la para melhor mas ou regras (de conduta)
conhecê-la, como quem precisa conhecê-la para poder agir sobre ela. que indicam e prescrevem
aos membros da sociedade
o que devem pensar e como
devem pensar, o que devem
E, no caso daqueles que têm responsabilidade formadora, para poder mediar a valorizar e como devem va-
relação entre ela e os futuros profissionais em processo de formação. lorizar, o que devem sentir
e como devem sentir, o que
devem fazer e como devem
fazer.Ela é, portanto, um
Embora você veja uma enorme diversidade e complexidade na realidade e na prá-
corpo explicativo (represen-
tica, você também identifica a possibilidade de instituir uma dinâmica de ação, tações) e prático (normas,
aberta à mudança e, portanto, transformadora, na perspectiva de uma concepção regras, preceitos) de caráter
prescritivo, normativo, regu-
de práxis, em que o fazer é fonte e destino da teoria. lador, cuja função é dar aos
membros de uma sociedade
dividida em classes uma
A responsabilidade formadora do docente de educação profissional exige uma explicação racional para as
diferenças sociais, políticas
permanente superação da ideologia e do senso comum, através de mediações que e culturais, sem jamais atri-
busquem um entendimento crítico da realidade. Isto significa uma constante pre- buir tais diferenças à divisão
da sociedade em classes, a
ocupação em desvendar os significados das explicações “prontas”, uma perma-
partir das divisões na esfera
nente atenção para mobilizar análises capazes de concretamente aprofundar, para da produção. Pelo contrá-
além das aparências, o entendimento da realidade. (Brasil, 2002, p. 53-55) rio, a função da ideologia
é a de apagar as diferenças
de classes e de fornecer aos
membros da sociedade o
sentimento da identidade
social, encontrando certos
referenciais identificadores
de todos e para todos, como,
por exemplo, a Humanida-
de, a Liberdade, Igualdade, a
Nação, ou o Estado”.

Para o historiador e filósofo


italiano Giambattista Vico
(1668-1744), o senso comum
era “um juízo sem reflexão,
comumente sentido por
toda uma ordem, por todo
um povo, toda uma nação
ou por todo o gênero hu-
mano” (apud Abbagnano,
2007, p. 873). De acordo com
Brasil (2002, p. 54), “o senso
comum existe porque, na
convivência de um grupo
social, vai-se adquirindo es-
pontaneamente sua maneira
de entender a realidade e os
modos de sobre ela agir. [...]
O senso comum se propaga
das vivências do grupo, in-
clusive do acervo construído
no passado. [...] Sua caracte-
rística é um descompromis-
so com a criticidade, isto é,
com a ação de interrogar a
realidade para desvendá-la.
A realidade está aí, e o senso
comum a explica, sem qual-
quer questionamento, pelas
explicações já prontas e que
foram passadas de geração
em geração”.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 157


Considerações finais
Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os
homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.
Paulo Freire (1987, p. 39)
Sonhar é acordar-se para dentro.
Mario Quintana (2005)

Este livro não pretende ser uma cartilha de propostas e ações pedagógicas a serem seguidas pelos
educadores do PROEJA. Afinal, não existem modelos ou fórmulas prontas para desenvolver ações educa-
tivas voltadas à formação integral e profissional de jovens e adultos.
De fato, o objetivo central deste livro é estimular o educador de profissionais a repensar constante-
mente sua própria práxis pedagógica. Isso é fundamental principalmente para quem pretende trabalhar
com a educação dessas pessoas, que procuram a escola com o objetivo de criar possibilidades concretas de
transformar sua realidade social. O trabalho pedagógico com esses educandos pressupõe metodologias e
didáticas específicas e adequadas a sua faixa etária. A diversidade de experiências de vida, de trabalho e de
saberes desses cidadãos deve ser incorporada em todas as etapas do processo educativo: no planejamento,
no processo de ensino-aprendizagem, na avaliação do ensino-aprendizagem.
Assim, para o educador repensar suas ações pedagógicas, é imprescindível que reflita sobre as di-
ferentes teorias e respectivas práticas educativas, procurando identificar as que sejam condizentes com a
formação profissional de jovens e adultos. Nesta árdua tarefa, teoria e prática são indissociáveis: ambas
alimentam e iluminam, numa relação dialética, os passos que devem ser seguidos, sem as amarras de um
reprodutivismo educativo alheio ao ensino emancipatório e democrático.
É importante reiterar a necessidade de os educadores de jovens e adultos desenvolverem novas compe-
tências visando a oferecer uma educação de qualidade, que promova a autonomia e os valores democráticos.
Essa qualidade está condicionada, em grande parte, às ações do educador, que, mesmo sob condições adversas,
pode transformar o processo educativo de jovens e de adultos da modalidade PROEJAnum processo dinâmico
e transformador, em que se (re)construam os saberes, inclusive os de aprender e de ensinar.
O educador deve trilhar sempre por caminhos educacionais condizentes com sua trajetória política
e com sua visão de mundo. O embasamento teórico é imprescindível para que ele conheça o universo de
seu próprio trabalho e possa pensar e repensar sua prática pedagógica, conduzindo-a ele mesmo numa
perspectiva de educação que proporcione oportunidades de transformação e intervenção social para si e
para os educandos.
Trabalhar a educação profissional integrada à educação básica na modalidade de jovens e adultos
demanda do educador mudança de paradigmas em relação à ação educacional. É fundamental formular
uma prática pedagógica que leve em conta a riqueza de conhecimentos e as experiências de vida e pro-
fissionais desses cidadãos que constroem sua trajetória pessoal e profissional de acordo com a visão de
mundo que eles construíram em suas relações sociais, políticas e culturais. A sociedade concebe a educação
como germe de transformação no sentido da melhoria das condições de vida e de trabalho e da construção
de valores socializantes e democráticos.
Dessa forma, o educador tem um papel fundamental na construção de uma sociedade mais par-
ticipativa, podendo contribuir para a superação da visão individualista relacionada à exclusão social de
grande parte da população. Ao desenvolver uma pedagogia inclusiva e democrática, o educador estará re-
forçando a capacidade intelectual das classes menos favorecidas, contribuindo, assim, para a emancipação
de grupos sociais que estiveram praticamente alijados de participar mais ativamente da sociedade durante
séculos de omissões, conformismos e exclusão social, política, econômica e cultural.
Transformar e construir novas práticas pedagógicas: esse é o desafio dos que pretendem passar para a
história como seres que intervieram em sua própria realidade, e não como aqueles que se omitiram e, em silên-
cio, foram também responsáveis pela exclusão e discriminação social que marcam tão profundamente o Brasil.

Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 159


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Anotações

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Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 173
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Nos últimos quinze anos, a relação série/faixa etária dos alunos da Educação Básica tem
melhorado constantemente.

Entretanto, mais de um terço da matrícula do Ensino Médio ainda apresenta defasagem


idade/série, devido à repetência e à intermitência escolar, fazendo com que os estudantes
cursem o período noturno e na modalidade EJA.

São milhões de jovens e de trabalhadores que, apesar das dificuldades de conciliar suas
responsabilidades profissionais e escolares, buscam ampliar seus saberes e, quando
possível, suas competências profissionais.

À semelhança da EJA, a Educação Profissional no Brasil tem sua matrícula


predominantemente à noite e realizada por adultos e trabalhadores. Essa realidade
reclama um processo de desenvolvimento curricular que reconheça os conhecimentos e as
experiências do aluno e seu maior protagonismo no desenvolvimento de seu itinerário
formativo, bem como seu nível de amadurecimento pessoal e também profissional.

Que educador a nossa escola precisa para dar conta dessa demanda pedagógica?

A essa questão/problema, as professoras Elizabete Mathieu e Eva Chow Belezia propõem


como resposta a reconstrução da prática pedagógica, centrada na reflexão crítica do
professor e no seu papel de problematizador e mediador do processo de construção de
conhecimentos e de habilidades.

Esse educador, diante de alunos com diferentes níveis de escolaridade e de experiências


profissionais, terá que flexionar seu plano de trabalho constantemente, para atender cada
um e permitir que desenvolvam novos saberes e novas competências.

Almério Melquíades de Araújo


Coordenador de Ensino Médio e Técnico

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