Livro EJA - Provas
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JOVENS E ADULTOS:
(RE)CONSTRUINDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-99697-16-0
CDD 374
_________________________________________________________________________
Sobre as autoras
Elizabete Rodrigues Oliveira Mathieu
Doutoranda em História Moderna e Contemporânea na Université de Paris IV – Sorbonne ; Mestre em
Administração Pública: Área de Economia e Finanças Públicas, pela Escola de Administração de Empresas
de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas; Bacharel e Licenciada em História: FFLCH - Universidade de São
Paulo; Licenciada em Pedagogia - Administração Escolar: Faculdade Carlos Pasquale; Bacharel e Licenciada em
Ciências Sociais e Políticas: Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Foi Coordenadora Pedagógica, Diretora Substituta e Professora de História e Sociologia da Etec de São
Paulo, de 1988 a 2009, e Professora de História e Geografia de escolas da rede estadual de educação de São
Paulo, de 1979 a 1992.
Publicações:
“Educação e Trabalho”. In: Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional. Centro Paula
Souza, Programa Especial de Formação Pedagógica. São Paulo, 2007.
“Les Missions”
Revista “Sous les Palmiers”, da Association des Francophones de São Paulo, Nov/2003
“Jean-Baptiste Debret”
Revista “Sous les Palmiers”, da Association des Francophones de São Paulo, Out/2003
“Movimentos Canudos”
Publicação sobre a Guerra de Canudos
Revista sobre Canudos elaborada pelo CETEC, Nov/1997
“A Intervenção do Estado na economia cafeeira: as relações entre o poder público e o poder privado”. São
Paulo, Fundação Getúlio Vargas (dissertação de mestrado), 1995
Diretora Superintendente
Laura Laganá
Vice-Diretor Superintendente
César Silva
REALIZAÇÃO
Coordenadora do Projeto
Eva Chow Belezia
Parecer Técnico
Ivone Marchi Lainetti Ramos
Revisão de Texto
Heloisa Brenha Ribeiro
Projeto Gráfico
Diego Santos
Fábio Gomes
Priscila Freire
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3. Andragogia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .86
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .161
“Aprender é uma aventura criadora,
algo, por isso mesmo, muito mais
rico do que meramente repetir
a lição de casa dada.
O Brasil tem uma dívida social imensa com milhões de jovens e adultos que precisaram abandonar
seus estudos na infância ou na adolescência por diferentes motivos, como: inadequações do sistema de
ensino ou exclusão escolar, ingresso da criança ou do adolescente no mercado de trabalho, carência de
recursos para custeio do estudo, etc.
Pensar a possibilidade de reinserção de grande parte desses Brasileiros na educação escolar repre-
senta não apenas um sonho, mas também uma esperança de proporcionar aos jovens e adultos condições
concretas de construir sua trajetória profissional, de resgatar a autoestima, de participar efetivamente na
sociedade civil, apontando na direção da melhoria da qualidade de vida e da atuação ativa desses cidadãos
na sociedade democrática.
O educador de jovens e adultos tem um papel importantíssimo no processo de resgate dessa dívi-
da social. No entanto, é imprescindível que esse educador compreenda a dimensão da tarefa atribuída a
ele pela sociedade. Os desafios são imensos, especialmente neste contexto histórico no qual milhões de
cidadãos Brasileiros pretendem se inserir no universo escolar, em busca de requalificação profissional, de
reinserção social e de concretizar planos pessoais que não puderam ser realizados anteriormente. Uma
dessas tarefas é a reeducação permanente de sua visão de mundo e de suas ações como um ator social
comprometido com a educação escolar. Rever concepções arraigadas e se libertar de um mundo de amar-
ras constituem elementos cruciais nessa tarefa de superar-se a si mesmo, buscando tornar-se um educador
de novos tempos, de novas tecnologias, de novas relações interpessoais. É importante transformar-se num
O educador é um dos sujeitos indispensáveis no processo de educação de jovens e adultos que ne-
cessitam reconstruir sua trajetória profissional, dar continuidade à sua formação acadêmica e ampliar seus
Nosso objetivo principal é o de lançar alguns desafios aos educadores para que reflitam sobre as
atuais práticas pedagógicas que têm contribuído para gerar e perpetuar a exclusão social e a discriminação
que atingem grande parte dos cidadãos Brasileiros. Pensar e problematizar as atuais práticas educativas
constituem decisões fundamentais na direção da (re)construção de uma prática pedagógica que possibilite
a democratização do saber e a construção de uma sociedade mais ativa, com a inserção daqueles que têm
sido sistematicamente excluídos do processo decisório da sociedade Brasileira, enquanto verdadeiros cida-
dãos. Reforçar a capacidade intelectual e profissional dos cidadãos desfavorecidos é um dos desafios dos
educadores comprometidos com uma sociedade civil democrática e igualitária.
Este livro não tem o objetivo dar lições aos educadores e nem aos educandos. As lições são apreen-
didas na prática cotidiana, na superação dos desafios e na resolução dos problemas que nos deparamos.
Educação e trabalho
É na prática da educação que o educador se educa. Ele não se educa antes para
exercer depois a prática da educação. Não existem propriamente escolas de
educação. Se isso é verdade, a função de educar é particularmente relevante e exige
um esforço constante de atenção e de renovação de si mesmo. O educador tem que
se educar com cada educando. Isso não o exime, porém, da sua função essencial de
coordenar e dirigir a aprendizagem do educando. (GADOTTI. 1995, p. 87)
Um dos grandes desafios do educador de profissionais consiste em desenvolver ações pedagógicas para
que a formação de jovens e adultos lhes possibilite condições de melhorar sua qualidade de vida. Num contexto
de democratização da sociedade Brasileira, essas condições passam principalmente pela inclusão social, pela
ampliação dos direitos de cidadania e pela perspectiva de inserção no mercado de trabalho.
Neste capítulo, trataremos especificamente das relações entre a educação e o universo do trabalho
com o objetivo de contribuir para que o educador de profissionais reflita sobre as práticas educativas, suas
respectivas tendências político-pedagógicas, e se conscientize de sua própria práxis no processo educativo.
Para tanto, vamos conhecer as políticas educacionais do Brasil e ter uma visão histórica sobre o en-
sino profissional e sobre a educação de jovens e adultos. Também vamos analisar a evolução histórica do
trabalho e as transformações que, nas últimas décadas, provocaram uma grande reestruturação nas unida-
des produtivas. Decorrentes das novas tecnologias, essas transformações exerceram grande impacto sobre
a organização do trabalho, das profissões e, consequentemente, sobre o ensino profissional.
Numa perspectiva histórica, a educação sempre foi um elemento importante em todas as socieda-
des. À medida que essas sociedades foram se tornando complexas – do ponto de vista de sua organização
econômica, social, política e cultural – a educação foi assumindo progressivamente um papel fundamental
na constituição do patrimônio humano mundo afora.
Desde o final do século XIX, ela passou a ser entendida, sobretudo nos países industriais, como
propulsora do desenvolvimento socioeconômico e cultural de uma nação. Essa concepção originou-se das
ideias iluministas do século XVIII, quando a burguesia buscava ascender culturalmente aos patamares da
nobreza, principalmente na Europa.
No século XX, a educação tornou-se também uma das bandeiras políticas de atores ou grupos sociais
que a incluíram no leque de reivindicações em prol da ampliação dos direitos de cidadania.
Os referenciais e conceitos de educação têm sido construídos em todas as sociedades, em diferen-
tes períodos históricos, de acordo com os interesses políticos, ideológicos, culturais e socioeconômicos de
cada povo, grupo social ou do próprio Estado. Essa construção está normalmente condicionada à luta no
Essas palavras de Freire remetem à reflexão sobre a necessidade de o educador repensar sua prática
e definir seus referenciais sobre a área em que atua. Aqui, entende-se que uma das principais tarefas do
educador consiste na compreensão de que o conceito de educação está em constante construção. E esse
conceito é construído no embate entre diferentes grupos ou classes sociais em determinadas conjunturas. É
importante entender também que toda prática educativa tem relações intrínsecas com conceitos e com refe-
renciais teóricos construídos no campo desse embate político-ideológico, e que muitos educadores acabam
desenvolvendo suas ações sem analisá-las sob o ponto de vista das tendências políticas.
Como forma de contribuir para essa reflexão, serão apresentadas algumas das principais tendências
debatidas entre educadores e estudiosos do tema. É preciso entendê-las e verificar de que forma elas estão
relacionadas com as práticas desenvolvidas no espaço escolar.
[...] concebe a sociedade como um conjunto de seres humanos que vivem e sobre-
Comenius (Jan Amos Ko- vivem num todo orgânico e harmonioso, com desvios de grupos e de indivíduos
menský) nasceu em 1592, na que ficam à margem desse todo. Ou seja, a sociedade está ‘naturalmente’ com-
cidade de Uherský Brod (ou
Nivnitz), na Morávia (hoje posta com todos os seus elementos; o que importa é integrar em sua estrutura
República Checa) e morreu tanto os novos elementos (novas gerações), quanto os que, por qualquer motivo,
em 1670, em Amsterdm, Ho-
landa. Ele foi um filósofo e se encontram à sua margem. Importa, pois, manter e conservar a sociedade,
pedagogo, sendo considerado integrando os indivíduos no todo social.
um dos primeiros pensado-
res da pedagogia moderna
Com [essa] compreensão, a educação como instância social que está voltada para a
ocidental. Um dos princípios formação da personalidade dos indivíduos, para o desenvolvimento de suas habili-
fundamentais da pedagogia dades e para a veiculação dos valores éticos necessários à convivência social, nada
comeniana está simbolizada
no seu lema de ensinar tudo a mais tem que fazer do que se estabelecer como redentora da sociedade, integrando
todos, reconhecendo o direito harmonicamente os indivíduos no todo social já existente. (p. 38)
de todos (homens e mulheres)
ao saber.
O autor afirma que essa concepção de educação como redenção pode ser encontrada no pensamento
de Comenius que escreveu, no século XVII, sua famosa Didática Magna. Segundo Luckesi (1990), Come-
nius afirmava que “um dos primeiros ensinamentos que a Sagrada Escritura nos dá é este: sob o sol não
há nenhum outro caminho mais eficaz para corrigir as corrupções humanas que a reta educação da juven-
tude” (p.40). De acordo com o filósofo, para recuperar a sociedade era preciso renová-la pela educação,
fazendo com que a juventude:
de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém em parte alguma, possa ser for-
mada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, dessa
maneira, possa ser, nos anos de puberdade, instruída em tudo o que diz respeito
à vida presente e futura, com economia de tempo e fadiga, com agrado e com soli-
dez [...] para que haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios e mais luz,
mais ordem, mais tranquilidade. (Comênio, citado por LUCKESI, 1990, p. 40)
Luckesi avalia que essa “educação como redenção” seria uma instância quase exterior à sociedade,
contribuindo, de fora, para seu ordenamento e equilíbrio permanentes. A educação, nesse sentido, teria
como significado e finalidade a adaptação do indivíduo à sociedade. Deveria reforçar os laços sociais, pro-
mover a coesão social e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social (p. 38).
Para Luckesi (1990, p. 40) os enciclopedistas da Revolução Francesa (1789-1799) e os adeptos da pe-
dagogia nova do final do século XIX também podem ser considerados porta-vozes dessa concepção, ainda
reconhecida por muitos professores.
Já a segunda tendência – a “educação como reprodução da sociedade” – consiste na ideia de que:
Ao comparar a “educação como redenção” com a “educação como reprodução da sociedade”, Lu-
ckesi afirma que a primeira é uma visão da educação “não crítica”. A segunda é “crítica” porque aborda
a educação a partir de seus determinantes, porém é reprodutivista porque vê a educação somente como
elemento destinado a reforçar seus próprios condicionantes. A segunda tendência não se concretiza como
uma pedagogia porque ela se limita a uma visão crítica da educação, sem apresentar uma proposta educa-
cional que possa ser idealizada e posta em prática.
Finalmente, a terceira tendência – a “educação como transformação da sociedade” – é a que tem por
perspectiva compreender a educação como mediação de um projeto social. Ao compará-la com as duas
primeiras, Luckesi explicita que essa tendência:
[...] nem redime nem reproduz a sociedade, mas serve de meio, ao lado de outros
meios, para realizar um projeto de sociedade; projeto que pode ser conservador ou
transformador. No caso, essa tendência não coloca a educação a serviço da con-
servação. Pretende demonstrar que é possível compreender a educação dentro da
sociedade, com os seus determinantes e condicionantes, mas com a possibilidade
de trabalhar pela sua democratização. [...]
Os teóricos da terceira tendência, nem negam que a educação tem papel ativo na
sociedade, nem recusam reconhecer os seus condicionantes histórico-sociais. Ao
contrário, consideram a possibilidade de agir a partir dos próprios condicionan-
tes históricos. (1990, p. 48-49)
1. Pedagogia Essa pedagogia sustenta a ideia de que a função da escola é preparar os indivídu-
liberal os para o desempenho de papéis sociais, de acordo com suas aptidões individuais.
Dessa forma, os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e às normas
vigentes na sociedade de classe através do desenvolvimento da cultura individual.
1. 1. Tradicional Papel da Escola: A atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos
alunos para assumir suas posições na sociedade. Seu compromisso é com a cultura,
os problemas sociais pertencem à sociedade.
Manifestações na prática escolar: Seus princípios são muito difundidos nos cursos de
pedagogia, mas sua aplicação é reduzidíssima. Normalmente é praticada nas escolas
que utilizam os métodos: Montessori, Decroly, Dewey e o Piaget.
1. 3. Renovada não Papel da Escola: Acentua-se o papel da escola na formação de atitudes, razão pela
diretiva qual deve estar mais preocupada com os problemas psicológicos do que com os
pedagógicos ou sociais. Carl Rogers considera que os procedimentos didáticos, a
competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importância, face ao
propósito de favorecer à pessoa um clima de autodesenvolvimento e realização pes-
soal; o resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa terapia.
Conteúdo de ensino: Propõe o trabalho com “temas geradores”, que são extraídos
da problematização da prática de vida dos educandos. Os conteúdos tradicionais são
recusados. A transmissão de conteúdos estruturados a partir de fora é considerada
como “invasão cultural” ou “depósito de informação”, porque não emerge do saber
popular.
Os referenciais e práticas educativas elencados poderão contribuir para que o educador possa rever
e reconstruir seu projeto pedagógico. É importante repensar suas práticas em sala de aula, buscando coe-
rência e clareza entre aquilo que almeja e o que efetivamente executa, pois:
Dentre os referenciais e práticas expostos, considera-se que as práticas “progressistas” são as mais ade-
quadas para trabalhar a educação de jovens e adultos, numa perspectiva delineada nos próprios documentos
oficiais do PROEJA. Além da democratização do ensino, elas – sobretudo a “libertadora” e a “crítico-social dos
conteúdos” – levam em conta as possibilidades de que os educandos possam participar ativamente do processo
de construção dos saberes, de modo a satisfazer suas necessidades pessoais e profissionais.
Novas perspectivas educacionais se apresentam acompanhando o rumo das profundas transforma-
ções que ocorrem na sociedade atual. O educador precisa participar dessa reconstrução de práticas para
que elas sejam condizentes com a nova realidade social. Uma dessas mudanças está relacionada à inserção
Pública. Essa tendência se refletiu também na Constituição de 1934, que incluiu, pela primeira vez,
um capítulo exclusivo destinado à “Educação e Cultura”.
A Constituição de 1934 estabeleceu a educação como um direito de todos, devendo ser ministrada
pela família e pelos poderes públicos. Ela atribui à União a competência de fixar o plano nacional de edu-
cação para todos os graus e ramos, comuns e especializados. Esse plano deveria obedecer às seguintes
normas: 1) propiciar o ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adultos;
2) promover a tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário. A União passava também
a exercer ação supletiva das ações educativas, por meio de estímulos ou recursos financeiros.
Essa Constituição de 1934 inovou ao vincular as receitas da União, dos estados e dos municípios à
educação escolar. O artigo 156 previa que a União e os Municípios deveriam aplicar no mínimo dez por
cento, e os Estados e o Distrito Federal no mínimo vinte por cento, da renda resultante dos impostos no
sistema educacional. A Constituição transferiu parte da responsabilidade da educação escolar às empresas
privadas, ao incluir, no artigo 136, a obrigatoriedade de as empresas industriais ou agrícolas, localizadas
fora dos centros escolares, com mais de cinquenta pessoas e pelo menos dez analfabetos, proporcionarem
ensino primário gratuito aos trabalhadores e aos seus filhos. Foi também a primeira Constituição a tratar
da educação da população rural, ainda que os recursos previstos para isso fossem menores que os previstos
para a população urbana. Esse dispositivo discriminava a população rural, que constituía a maioria abso-
luta da população Brasileira.
Muitos dispositivos educacionais da Constituição de 1934 não foram sequer regulamentados, já que,
em 1937, o presidente Getúlio Vargas dá um golpe de Estado, rompendo com a ordem constitucional e
anulando as conquistas no campo educacional. Após o golpe, Vargas outorgou a Constituição de 1937, ins-
taurando o “Estado Novo” (1937-1945) que se caracterizou por um período da historia do Brasil marcado
pelo fortalecimento do poder executivo, pela repressão e pelo autoritarismo.
A Constituição de 1937 criou um sistema educacional dual, no qual se previa uma educação vocacio-
nal para os trabalhadores e outra, propedêutica, para as elites. O artigo 129 deixa explícita essa diferencia-
ção quando determina que “o ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas
é em matéria de educação o primeiro dever do Estado”. Os artigos dessa Constituição estavam em conso-
nância com a política de cooptação das “massas trabalhadoras”, sobretudo as urbanas, e com os interesses
do setor industrial que pressionava pelo aumento de oferta de braços para o trabalho nas fábricas. Em ra-
zão desses dispositivos constitucionais, o Estado Novo foi marcado por uma política educacional dualista
e preconceituosa que reforçava as diferenças entre o trabalho intelectual e o manual, separação que marcou
profundamente a sociedade Brasileira desde a escravidão.
A Constituição de 1937 não tratou do tema do financiamento da educação, não definindo os recursos
financeiros para o ensino, o que representou um retrocesso em relação à constituição anterior. A Constitui-
ção foi bastante contraditória quando explicita o direito ao ensino gratuito, mas prevê, no artigo 130, que
os estudantes deveriam pagar uma contribuição mensal para a caixa escolar, exceto para os que compro-
vassem escassez de recursos. Isso mostra que os constituintes “jogaram” para a própria sociedade parte da
responsabilidade que deveria ser do poder público.
O período de redemocratização teve início com a deposição do presidente Getúlio Vargas, em 1945.
A deposição do ditador levou à intensa mobilização dos grupos políticos e sociais que pressionavam a
Assembleia Constituinte a aprovar suas propostas na Constituição de 1946. Os dispositivos da política
educacional aprovados pela Assembleia refletiam as contradições dos diversos setores que pressionaram
pelo atendimento de suas demandas políticas, sufocadas durante a ditadura do Estado Novo. Ao analisar
alguns artigos da Constituição de 1946, constata-se que os constituintes se inspiraram na Constituição de
1934.
O texto da Constituição de 1946 resgata o principio da educação como direito de todos, a ser dada no
lar e na escola. No entanto, em nenhum momento o texto trata do dever do Estado Brasileiro na garantia
desse direito. Não há vinculo entre o direito à educação e o dever dos poderes públicos nessa garantia. Nes-
sa questão, os constituintes preferiram evitar as polêmicas dos diferentes grupos políticos e determinaram
que o ensino dos diferentes ramos fosse ministrado pelos poderes públicos e pela iniciativa privada. Essa
Constituição estabeleceu também “o ensino primário oficial gratuito para todos”, mas determinou que o
ensino oficial ulterior ao primário fosse gratuito apenas para os que provarem falta ou insuficiência de
recursos. Foi a primeira vez que surgiu a expressão “ensino oficial” em constituições do país. Ela simboliza
claramente a diferença entre o ensino ministrado pelos poderes públicos e o ministrado pela iniciativa par-
ticular. Um dos dispositivos polêmicos da Constituição referia-se à possibilidade de o ensino oficial não ser
gratuito para os que não provassem falta de recursos. Essa foi a primeira vez que um texto constitucional
faz referência a essa possibilidade de os estudantes pagarem para estudar nas escolas oficiais para conti-
nuarem seus estudos após o primário.
Os constituintes de 1946 mantiveram a obrigatoriedade de as empresas, com mais de cem pessoas,
oferecerem o ensino primário gratuito aos seus trabalhadores e aos seus filhos. Esse item seguiu, com algu-
mas alterações, as orientações das duas constituições anteriores, ou seja, de considerar também a educação
como um dever do setor privado. Era mais uma forma de o Estado se eximir do seu dever de garantir a
educação a todos. Essa evidência pode ser também constatada no parágrafo único do artigo 170, quando
a União assume o sistema federal de ensino apenas em caráter supletivo, e transfere para os estados da
federação e para os municípios a responsabilidade de organizar seus próprios sistemas de ensino. Portan-
to, Constituição de 1946 atribui à União a competência de legislar sobre as diretrizes e bases da educação
nacional, mas delega a maior parte da responsabilidade do ensino para os poderes públicos regionais e
locais e para a iniciativa privada.
Um destaque importante dessa Constituição é a definição do financiamento que deveria ser inves-
tido na educação. No artigo 169, os constituintes aprovaram que, “anualmente, a União aplicará nunca
menos de dez por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento
da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
Apesar das críticas que se possa fazer à Constituição de 1946, ela foi mais abrangente, menos prote-
cionista e mais universal que as anteriores. Como inovação, a Constituição prevê a discussão e a aprovação
Nesse período de redemocratização (1945-1964), o Estado tomou para si o controle sobre as políticas
educacionais com o intuito de atender às necessidades do setor produtivo em expansão. E isso ocorre prin-
cipalmente a partir da instalação de inúmeras empresas multinacionais no país, incentivadas especialmen-
te pelo governo de Juscelino Kubitschek. Essas políticas educacionais no Brasil, forjadas no interior das
A Constituição de 1967 reduz os deveres da União na garantia da educação escolar, numa política
deliberada de favorecimento das escolas privadas, que ganharam mais uma fatia de dinheiro público por
meio de subsídios, de isenção de impostos e da concessão de bolsas de estudos. Nesse sentido, os governos
militares alimentaram os cofres das escolas particulares com dinheiro público, como desejavam os liberais.
A expansão da rede provocou, também, graves distorções na estrutura do sistema escolar, pois a
quantidade de professores habilitados não correspondia às necessidades da rede expandida. Era preciso
aligeirar a formação dos profissionais de educação aumentando o número de universidades e, consequen-
temente, o número de vagas oferecidas. E novamente foi o setor privado que ganhou com a ampliação do
número de faculdades particulares e de bolsas de estudo do governo.
Todos esses fatores levaram à degradação da qualidade da escola pública oferecida pelo poder pú-
blico, pois a ampliação não foi acompanhada de investimentos necessários tanto em infraestrutura com em
potencial humano para atender ao aumento da demanda escolar. Muitos professores falam ainda hoje, com
certo saudosismo, da escola pública do passado, afirmando que ela era de qualidade e que o acesso das
Os constituintes de 1988 reconheceram a importância que a educação deve representar para toda
a sociedade e, em particular, para o Estado. Nesse sentido, pode-se afirmar que houve um avanço em
termos jurídicos quando a Constituição estabelece mecanismos para que os cidadãos cobrem do Estado o
que está determinado no texto constitucional, como é possível constatar no parágrafo 2º do inciso VII do
Artigo 208, citado anteriormente. Ao assegurar juridicamente a possibilidade de a sociedade civil acionar
o poder público por não ofertar matrícula no ensino obrigatório, essa Constituição aponta perspectivas de
democratização do acesso à educação.
Aqui cabe lamentar a falta de visão democrática da maioria dos constituintes quando rejeitaram a
inclusão da obrigatoriedade do ensino em todas as etapas da educação básica, limitando-a ao ensino fun-
1
Redação conforme Emenda Constitucional nº 14 de 1996
A regulamentação da educação profissional, prevista na LDB, foi realizada pelos governos de Fer-
nando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva. As divergências de entendimento em torno dos
dispositivos dessa modalidade de ensino levaram à aprovação de dois decretos. O Decreto 2.208/1997,
elaborado pelo governo de Cardoso, estabelecia a separação entre a educação propedêutica e a educação
profissional. O artigo 5º foi o que mais suscitou polêmicas entre educadores e estudantes, já que previa:
“A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino
médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este”. Essa desvinculação restringiu
o próprio espírito da LDB que reforça a ideia de integração da educação profissional com os diferentes
níveis e modalidades de educação.
O Decreto 5.154/2004 do governo Lula revogou o Decreto anterior e restabeleceu o ensino integra-
do de nível técnico, mantendo também a possibilidade de o estudante cursar o ensino técnico e o ensino
médio de forma independente, ou seja, o novo decreto flexibilizou a estrutura curricular. Além disso, esse
novo decreto, segundo Botton (2007, p. 165), introduziu o conceito de “itinerários formativos”, definidos
como um “conjunto de etapas que compõem a organização profissional em determinada área”, delimitan-
do caminhos para a garantia do aproveitamento contínuo e articulado dos estudos.
Nos primeiros anos da década de 1960, o Brasil viveu um momento importante do ponto de vista
dos avanços e conquistas sociais na área da educação de jovens e adultos. As políticas de EJA emergiram no
interior dos movimentos sociais influenciadas principalmente pelas ideias de Paulo Freire. A visão de inte-
gração, alicerçada na convicção de um homem universal ideal, cede lugar para a visão de que a realidade
social é produto das diversidades regionais e culturais. Essa perspectiva orientou a formulação das novas
propostas para a EJA baseadas em referenciais de emancipação das classes populares. Esse foi um período
de grande efervescência do ponto de vista das lutas pela cidadania, na qual a educação de jovens e adultos
aflorava como um dos direitos inalienáveis do povo Brasileiro. Houve um engajamento de vários grupos e
atores sociais na luta pela educação de todos. De acordo com Ribeiro et al,
Os autores desse documento revelam a preocupação com a constituição de uma política educacional
profissional de Estado voltada para a formação integral de jovens e adultos, buscando afastar as possibili-
dades de o programa ser considerado como mais uma política compensatória de caráter efêmero, adotada
em momentos de necessidade de formação de capital humano para atender às necessidades do mercado
de trabalho. Percebe-se que os idealizadores do PROEJAabandonam a perspectiva estreita de formação
educacional para o mercado de trabalho, assumindo a concepção da formação integral dos sujeitos, com
vistas a lhes proporcionar condições de compreender e de se compreender no mundo.
A concepção do PROEJA, explicitada no Documento Base do Ministério da Educação, traz alguma
esperança de que a educação profissional pretendida não se restrinja a formar trabalhadores para atender
as necessidades do mercado de trabalho. Esse vínculo entre formação educacional e o mercado serviu de
referencial na elaboração dos programas de alfabetização e de educação profissional de vários governos
ao longo de nossa história, e cujos princípios estavam alicerçados nos pressupostos do modelo fordista.
Ao superarem essa perspectiva restritiva de educação, o PROEJAsinaliza para a construção de um projeto
educacional mais global, na qual o cidadão tenha a possibilidade de construir suas próprias trajetórias
pessoais e profissionais. O texto do Documento Base elucida os propósitos desse Programa de governo:
Esta função reparadora da EJA se articula com o pleito postulado por inúmeras
pessoas que não tiveram uma adequada correlação idade/ano escolar em seu
itinerário educacional e nem a possibilidade de prosseguimento de estudos. Neste
momento a igualdade perante a lei, ponto de chegada da função reparadora, se
torna um novo ponto de partida para a igualdade de oportunidades.
Essa função reparadora caracteriza-se pela decisão de implantar uma modalidade de ensino com
vistas a reparar falhas do Estado e da sociedade na formação educacional daqueles que não tiveram acesso
ou não puderam permanecer na escola quando eram crianças ou adolescentes. Já a função equalizadora
está intimamente relacionada à reparação dos danos causados por não conseguir ter acesso à escola ou por
ter sido excluído da escola, uma vez que isso permitiria diminuir as desigualdades entre os indivíduos da
EJA e os que tiveram acesso e permaneceram na escola na idade própria. O Parecer CNE/CEB nº 11/2000
esclarece que
O texto do Parecer CNE/CEB nº 11, 2000 enfatiza que a função qualificadora é a função permanente
da EJA. Nessa função estaria o próprio espírito da EJA, permitindo que as pessoas se qualifiquem ou se
requalifiquem e descubram novos campos de atuação em razão de própria vocação pessoal ou das exi-
gências do mundo do trabalho. A função qualificadora estaria relacionada ao trabalho de levar a todos a
atualização de conhecimentos por toda a vida. O trecho abaixo do Parecer revela o sentido da inclusão da
função qualificadora na educação de jovens e adultos.
Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função per-
manente da EJA que pode se chamar de qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido
da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de
adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares. Mais do que nunca, ela é um apelo
para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade,
O poema “Perguntas de um operário que lê”, de Bertolt Brecht, permite refletir sobre a organização
do trabalho e da apropriação dos resultados decorrentes desse trabalho. Além disso, nos leva a pensar so-
bre as profissões e como elas têm sido interpretadas ao longo da história. O poeta tece duras críticas a uma
visão tradicional e preconceituosa do trabalho, concebido como uma atividade degradante, e que ainda
está presente na sociedade atual.
Essa organização do trabalho e das profissões está atrelada aos condicionantes históricos de cada
sociedade, tendo estreitas relações com o grau de complexidade das atividades produtivas e com a ma-
neira como os grupos ou classes sociais se relacionam. A maneira como uma sociedade decide organizar o
trabalho, isto é, quem o fará e o modo como ele deverá ser realizado, depende da luta que ocorre entre os
diferentes grupos sociais.
Trabalho é uma palavra que todos compreendem no senso comum, mas seu verdadeiro significado
é de difícil apreensão. Porém, existe um aspecto que parece ser consenso: o de que ele seja um esforço
humano dotado de um propósito que envolve a transformação da natureza por meio do dispêndio de
capacidades físicas e mentais.
O conceito de trabalho também assumiu diferentes significados em cada sociedade e em diversos
Numa perspectiva histórica, Marx revela elementos fundamentais para a compreensão das formas
de organização do trabalho. Segundo ele, “numa família e posteriormente numa tribo surge uma divisão
natural de trabalho, em virtude das diferenças de sexo e de idade, uma divisão de base puramente fisio-
lógica”. Essa divisão, continua ele, “amplia seus elementos com a expansão da comunidade, com o cresci-
mento da população e notadamente com o conflito entre as diversas tribos e a subjugação de uma a outra”
(p. 403). Com a proliferação de várias comunidades e o surgimento do comércio entre elas, emerge uma
nova divisão do trabalho. Conforme Marx, “o fundamento de toda a divisão de trabalho desenvolvida e
processada através da troca de mercadorias é a separação entre a cidade e o campo” (p. 404). Entretanto,
Marx considera que é com a divisão manufatureira do trabalho que se desenvolve e multiplica a divisão
social do trabalho.
Com a diferenciação das ferramentas, diferenciam-se cada vez mais os ofícios que
fazem essas ferramentas. Se a manufatura se apossa de um ofício que até então era
exercido por uma espécie de artesão em conjunto com outros ofícios, como atividade
principal ou acessória, sobreviverão imediatamente à separação e à independência
entre esses ofícios. Se a manufatura se apodera de um estágio particular de produção
de uma mercadoria, os demais estágios de produção se transformam em diversas in-
dústrias independentes. [...] Quando o artigo representa um ajuntamento puramente
mecânico de produtos parciais, os trabalhos parciais podem desagregar-se e transfor-
mar-se de novo em ofícios independentes. Para aperfeiçoar a divisão de trabalho na
manufatura, o mesmo ramo de produção é subdividido em manufaturas diversas, em
grande parte inteiramente novas, de acordo com as variedades de sua matéria-prima
ou das formas que a mesma matéria-prima pode assumir. Assim, já na primeira
metade do século XVIII, na França, eram tecidas mais de cem variedades de seda, e
em Avignon era lei que “todo aprendiz tinha de dedicar-se apenas a uma espécie de
fabricação, não devendo aprender ao mesmo tempo a tecer mais de uma espécie de
tecido. (MARX, 1971, p.405)
7. Educação e cidadania
No período da ditadura militar (1964-1985), a sociedade Brasileira viveu um contexto histórico mar-
cado pela prepotência do poder executivo sobre os demais poderes, pela repressão violenta aos movi-
mentos políticos e sociais, pela censura aos meios de comunicação, pela repressão à livre manifestação de
expressão, pela intervenção e censura nas escolas e universidades e nas artes em geral. Foi um período
caracterizado pela ausência do Estado de direito e pela instauração do aparelho repressivo do Estado.
Nesse período, o cidadão ficou à margem das ações arbitrárias do poder militar, tendo seus direitos de
cidadania comprometidos e submetidos aos interesses do grupo totalitário no poder e da sua política da
segurança nacional.
A escola sofreu com a institucionalização da repressão aos movimentos e à liberdade de expressão
nas escolas. A educação com perspectivas de formação da cidadania foi posta de lado para atender interes-
ses do grupo dominante e dos setores que o apoiaram, dentre os quais o setor educacional privado. A edu-
cação escolar passou a ter um caráter de mercadoria comercializável, trazendo vantagens lucrativas para
as escolas particulares. Enquanto isso a escola pública ficou à mercê da burocracia e dos tecnocratas que
8. Valores e ética
O processo de globalização, com a consequente reestruturação do processo de produção e do tra-
balho, e a redemocratização da sociedade Brasileira, após duas décadas de regime militar, engendraram
condições para os educadores repensarem o papel da na transmissão de valores em geral e, particularmen-
te, de valor ético. Essa temática suscita três grandes desafios para os educadores: 1) Como rever práticas
educacionais visando adequá-las aos valores humanos e aos novos valores da Constituição de 1988 e da
legislação sobre educação? 2) Como ensinar valores numa sociedade pluricultural, inclusive de forma a
cumprir conteúdos sobre esse tema que foram inseridos nos currículos escolares?; e 3) De que forma ensi-
nar valores para atender as novas exigências do mundo do trabalho que busca trabalhadores com capaci-
dade de articular e mobilizar conhecimentos, habilidades, atitudes e valores?
Não foi tarefa fácil para a escola e para educadores enfrentar esses três principais desafios, pois
passaram a refletir como mudar a escola depois de ela ter sido obrigada a tornar-se um espaço de difusão
dos valores do Estado ditatorial, imposto pelos governos militares. Nesse período, além da exclusão de
disciplinas consideradas “perigosas” e de sua substituição por conteúdos “cívicos”, a escola serviu de
instituição ideal para montagem do aparelho repressivo. Ela foi inclusive utilizada como palco da difusão
de lemas como “Brasil: ame-o ou deixe-o” e até de local de buscas aos que resistiam ao poder arbitrário
instituído.
O fim da ditadura militar realimentou os movimentos pela renovação da escola dentro do contexto
de redemocratização da sociedade e das instituições. Discutiu-se principalmente sobre o papel da escola na
consolidação dos ideais democráticos, sobre a valorização do professor e sobre da necessidade da adoção
de pedagogias mais apropriadas como elementos importantes para a melhoria da educação pública. Hou-
ve igualmente pressões para mudança da estrutura das escolas, dos cursos e dos currículos como forma de
eliminar os resquícios do autoritarismo nas escolas.
Nesse contexto, abordou-se igualmente o tema do papel da escola na transmissão de valores fun-
damentados na liberdade de pensamento, no respeito à dignidade humana, na valorização das diferentes
Segundo Norberto BOBBIO, culturas e na liberdade de expressão nos diferentes espaços sociais. Para a reconstrução do Estado de
“entende-se por preconceito direito democrático, coube à Assembleia constituinte a tarefa de elaborar e promulgar a Constituição de
uma opinião ou um con-
junto de opiniões, às vezes 1988. Esta anunciava, no seu preâmbulo, a garantia do exercício dos direitos sociais e individuais, a liber-
até mesmo uma doutrina dade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
completa, que é acolhida
acrítica e passivamente sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
pela tradição, pelo costume interna e internacional.
ou por uma autoridade de
quem aceitamos as ordens A Constituição estabelece também valores que a escola deve assegurar a todos os seus envolvidos,
sem discussão: acriticamente
e passivamente, na medi- como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, o respeito aos valores culturais e artísticos,
da em que a aceitamos sem nacionais e regionais e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. A LDB de 1996 incluiu
verificá-la, por inércia, res-
peito ou temor, e a aceitamos
nos currículos da educação básica conteúdos relacionados à difusão de valores fundamentais ao interesse
com tanta força que resiste a social, de direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática. Para o ensino
qualquer refutação racional, médio, essa Lei acrescenta ainda a necessidade de garantir “o aprimoramento do educando como pessoa
vale dizer, a qualquer refu-
tação feita com base em ar- humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crí-
gumentos racionais. Por isso tico”. Portanto, os textos legais procuraram estabelecer os valores e princípios que devem orientar a ação
se diz corretamente que o
preconceito pertence à esfera pedagógica nas instituições escolares.
do não racional, ao conjunto
das crenças que não nascem Autores de diferentes concepções pedagógicas apontavam para a necessidade de a escola trabalhar
do raciocínio e escapam de os diferentes tipos de valores entre os educandos, mas que eles fossem discutidos com base nos fundamen-
qualquer refutação fundada
num raciocínio”. tos de uma sociedade multicultural, considerando a diversidade de culturas e, portanto, de valores. Como
(In: A natureza do precon- forma de trabalhar esse multiculturalismo, é fundamental que a escola e os educadores tenham o compro-
ceito. Elogio da serenidade e
misso de transmitir valores universais que propiciem a convivência e o respeito à diversidade cultural, in-
outros ensaios morais.
São Paulo: Editora UNESP, dividual e coletiva. Dessa forma, a ética deve ter um valor privilegiado no processo de instauração de valores,
2002. p. 103) não só como valor universal, mas também dentro de uma perspectiva da ética profissional do educador.
As ideias propostas podem ser um início de discussão com os educandos, principalmente se forem
associadas às competências específicas dos componentes curriculares, pois os valores e a ética não são
construções que envolvem a teoria, mas devem compor um conjunto com as demais competências a serem
adquiridas. Marilena Chaui fornece esclarecimentos importantes sobre a conduta ética, que podem orien-
tar os dirigentes escolares, os educadores e demais funcionários das escolas a agirem com ética tanto no
relacionamento com os educandos, como nas práticas cotidianas na escola e na transmissão de valores a
eles, alertando que:
“Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é,
aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e
proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas
também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de
agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas
ações e seus sentimentos e pelas consequências do que faz e sente. Consciência e
responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética. A consciência moral
manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas
possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação. Tem a
capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela
situação, as consequências para si e para os outros, (...). (CHAUI, 2000, p. 433)
Todo educador independente da disciplina que leciona transmite valores e ele deve transmitir prin- Bullying escolar é um fenô-
cipalmente os valores éticos. Essa transmissão ocorre com mais eficácia quando os valores são transmitidos meno que ocorre nas escolas
e que se caracteriza por uma
na prática pedagógica do que propriamente pelo discurso dos educadores, uma vez que a ética envolve situação na qual um aluno é
toda a práxis educativa. De que vale todo um discurso sobre ética profissional se o professor, por exemplo, vítima de violência de for-
ma repetitiva e na qual seu
comete deslizes éticos na sua prática pedagógica cotidiana. É importante lembrar que os educandos obser- agressor (ou agressores) age
vam durante todo o tempo o trabalho pedagógico e as atitudes do educador, podendo mesmo aprender de forma deliberada com o
com essas ações e atitudes. Essa é a razão pelo qual o educador deve refletir sobre seus próprios valores e intuito de humilhar, depre-
ciar, provocar sofrimento
verificar se suas ações correspondem a esses valores, antes de transmiti-los aos educandos. ou intimidar a vítima. O
bullying pode trazer conse-
Ouvimos sempre entre educadores frases como: “na minha época os alunos eram estudiosos e obe- quências graves para as víti-
dientes”, “o professor tinha autoridade, hoje não tem mais”. Essas frases mostram uma visão distorcida mas, levando em determina-
das situações ao suicídio ou
da realidade, uma projeção de um ideal que almeja e julga ter vivido no passado. Pode ser uma forma situações de propagação da
indireta de dizer aos alunos: “eu era disciplinado e estudioso”, “eu não era como vocês”, “vocês devem me violência como reação contra
o agressor.
obedecer”. Porém, é preciso sair do senso comum. Uma simples análise dos dados do rendimento escolar O Bullying relaciona-se nor-
do passado, mostrados anteriormente, revela o quanto essas frases estão em desacordo com a realidade. Os malmente aos mecanismos
de grupo, pois o agressor
dados de repetência e evasão escolar contrariam o conteúdo das frases. Seria interessante também lembrar tem necessidade de ver sua
aos saudosistas sobre os sistemas de punição físicos e psicológicos utilizados nas escolas no passado. Foi ação legitimada por espec-
preciso inclusive a votação de leis para coibir as práticas de punições aos alunos “indisciplinados”. Essas tadores (cúmplices), para
que se sinta forte e podero-
não são formas apropriadas de transmitir valores e atitudes aos educandos, ao contrário, mostra o quanto so. Os agressores escolhem
o docente encontra-se desatualizado em relação às práticas pedagógicas inclusivas e emancipatórias. O normalmente como alvos de
sua agressão os alunos que
saudosismo reforça práticas pedagógicas da escola tradicional baseadas na classificação, na seleção e na pertencem a minorias sociais
discriminação. e culturais, os homossexuais,
os que possuem deficiên-
Pode-se ilustrar por meio de uma situação concreta como os educadores, comprometidos com práti- cias físicas, dificuldades de
aprendizagem ou mesmo
cas pedagógicas humanitárias e democráticas, podem intervir nas relações conflituosas mobilizando suas por ser um aluno dedicado.
competências, habilidades e colocando em evidência seus valores e sua ética profissional. Todos sabem Esse tema passou a ser dis-
cutido em todo o mundo a
que a violência é um grave problema social que poderá também ocorrer no espaço escolar. Diante disso,
partir das pesquisas sobre o
o educador ao trabalhar valores humanos, baseados no respeito ao outro e no respeito e na tolerância às problema dos agressores e
diversidades individuais culturais, poderá contribuir para tornar a escola num espaço de prevenção, por das vítimas da violência nas
escolas feitas pelo professor
exemplo, ao surgimento do bullying entre educandos e demais membros da comunidade escolar. Dan Olweus, da Universida-
de de Bergen, na Noruega,
Esse fenômeno do bullying, que já existia nas escolas, se intensificou e se propagou principalmente entre os anos de 1978 a 1993.
a partir do surgimento das redes de comunicação via internet. Essa violência escolar se fundamenta nor-
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com os objetivos de apoiar gover-
nos, comissões governamentais e organizações não governamentais, na realização de programas educativos, na criação
de bibliotecas, na luta contra o analfabetismo e na promoção da educação de adultos, através de consultoria técnica,
didática e pedagógica e programas especiais.
As Conferências Internacionais sobre Educação de Adultos (CONFITEAs) compreendem um dos seus prin-
cipais mecanismos articuladores no âmbito da educação de adultos. Desde a segunda metade do século XX,
seis delas já foram realizadas:
1ª Conferência: junho de 1949, em Elsinore, Dinamarca. Definiu o papel e objetivo da educação como um
requisito básico para a satisfação das necessidades dos adultos no desempenho de suas funções econômicas,
sociais e políticas para uma vida em comunidade mais harmoniosa.
2ª Conferência: agosto de 1960, em Montreal, Canadá. Tratou da educação de adultos em um mundo em
transformação, com ênfase na humanização, tecnologia, cultura e arte na formação do adulto. Propôs uma
educação para a paz e o desenvolvimento socioeconômico.
3ª Conferência: agosto de 1972, em Tóquio, Japão. Abordou a educação do adulto num contexto de educação
permanente, com uma dimensão política, ao reconhecer que o analfabetismo é uma consequência do subde-
senvolvimento. Estabeleceu o conceito de alfabetização funcional e sua importância para que a pessoa passe
a analisar criticamente seu meio e a lutar por sua transformação, debatendo a dimensão política da educação.
4ª Conferência: março de 1985, em Paris, França. Considerando que “o desenvolvimento da educação de
adulto é condição indispensável para a concretização da educação permanente e um fator importante da de-
mocratização da educação”, declarou que o direito a aprender é inerente ao ser humano.
5ª Conferência: julho de 1997, em Hamburgo, Alemanha. Com o tema “A educação das pessoas adultas, uma chave para
o século XXI”, ressaltou a importância da educação na idade adulta e no direito à aprendizagem ao longo da vida como
forma de controle do próprio destino e de interferência nos destinos da sociedade.
6ª Conferência: dezembro de 2009, em Belém, Brasil. Intitulada “Vivendo e aprendendo para um futuro viável: o poder
da aprendizagem e da educação de adultos”, foi a primeira conferência realizada no Hemisfério Sul. Estabeleceu o desa-
fio de incorporar mais fortemente as políticas públicas e o apoio político à educação de adultos, uma vez que a educação
é um direito que abre portas para outros direitos.
Dessas cinco abordagens teóricas de processos de aprendizagem, as três últimas destacam-se como
mais significativas para a compreensão da educação de adultos, do processo de ensino-aprendizagem e do
planejamento e definição de metodologias adequadas ao EJA.
O público integrante da EJA é representado em parte por sujeitos marginalizados pelo sistema edu-
cacional, econômico, social, e que têm seus atributos sempre acentuados em consequência de alguns fa-
tores adicionais como raça, etnia, cor e gênero. São egressos do Ensino Fundamental, trabalhadores em
atividade ou não, que buscam na profissionalização alternativas para sua empregabilidade e, na escola, a
formação necessária para a compreensão do mundo, de sua inserção nesse espaço e das formas possíveis
de interação e intervenção para a melhoria da qualidade de vida, sua e de seu entorno.
Buscar uma educação de qualidade na formação de jovens e adultos, na modalidade EJA, impli-
ca reconhecer as características psicossociais e físicas desses educandos e a sua importância no processo
ensino-aprendizagem, uma vez que nessa larga faixa etária, ao contrário das crianças e adolescentes, não
se aplica mais o chamado “efeito esponja”.
Durante muito tempo, acreditou-se que o adulto tinha menos capacidade de aprender, e que a situ-
ação tendia a se agravar com o passar dos anos. Hoje, sabe-se que tal afirmação é infundada e que adultos
podem aprender tanto quanto os jovens, embora em ritmos diferentes, demandando estratégias e métodos
mais direcionados a sua condição etária. Alguns fatores menos favoráveis, como memória prejudicada e
menor rapidez, são compensados por exatidão e segurança na aprendizagem, decorrentes de sua experi-
ência de vida. Sua capacidade de aprender aumenta à medida que pode participar da organização de sua
aprendizagem. Essa organização, no entanto, pode tornar mais lento o processo de aprendizagem devido
ao número de informações acumuladas a serem manejadas e revistas. “Embora seu processo de aprendiza-
gem seja, por isso, mais lento, é mais seguro, posto que os conhecimentos e a informação prévia permitirão
hierarquizar a nova informação” (SÃO PAULO, 2002a).
FONTE: SERT. MODELOS PEDAGÓGICOS NA INTERVENÇÃO COM PESSOAS ADULTAS. (SÃO PAULO, 2002B)
Entretanto, como não se pode desprezar a influência cultural, social e familiar sobre cada indivíduo, esses
estágios são variáveis em relação às faixas etárias descritas pelo autor, em função da sociedade em que as
pessoas estão inseridas.
Havemos de considerar, ainda, que a faixa etária acima dos 60 anos está cada vez mais presente nos IBGE-PNAD: Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatís-
sistemas educacionais, justificando inclusive a criação de cursos formais (universidades da terceira idade) tica/Pesquisa Nacional por
e não formais (inclusão digital). Amostra de Domicílios. Ob-
tém informações anuais sobre
A Organização das Nações Unidas (ONU), em relatório de fevereiro de 1999, já afirmava que o en- características demográficas e
socioeconômicas da popula-
velhecimento representaria uma realidade a ser enfrentada por todas as sociedades. A projeção era de que, ção, tendo os domicílios como
em 2050, o contingente de idosos no mundo chegasse a dois bilhões de habitantes. unidade de coleta.
www.ibge.gov.br
No Brasil, de acordo com dados do IBGE-PNAD, em 2002, 16 milhões de pessoas tinham 60 anos
ou mais, o equivalente a quase 9% da população nacional. Em 2011, esse número saltou para 23,6 milhões,
de maneira que os idosos já representavam praticamente um quarto da população Brasileira, confirmando
as tendências do envelhecimento no país. Sendo a expectativa de vida média do Brasileiro de 69 anos, (65
para homens e 73 para mulheres), a previsão para 2025 é de mais de 31 milhões de pessoas com mais de
60 anos.
Assim, é razoável considerar que também o público do PROEJAcontará com uma parcela significa-
tiva de participantes idosos, que desejam ou precisam retornar ao mercado de trabalho, por necessidades
sociais, econômicas ou pessoais.
2
Cf. UNESCO, 1999. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf
O adulto é o sujeito de sua própria aprendizagem, ou seja, toma suas próprias decisões ao selecionar
meios, organizar seu tempo, escolher os lugares e, se possível, os objetivos que deve atingir e os conteúdos
que quer aprender.
Segundo González e Gisbert (1990, p. 7-9), os objetivos de aprendizagem do adulto são eminente-
mente práticos: o que se aprende deve ter utilidade para sua vida pessoal, profissional, familiar ou social.
Conhecer a experiência de aprendizagem do adulto pressupõe abordar três aspectos: o início do processo,
ou as razões que levam o adulto a buscar a escola; o decorrer do processo, ou como se relaciona com as
situações de aprendizagem e, finalmente, o que espera no final do processo.
O processo inicia, portanto, com a decisão tomada pelo adulto de se incorporar ao sistema educa-
cional. Essa decisão é voluntária, embora sofra interferências externas, seja da família, seja do meio social,
seja do trabalho. Caso não seja bem compreendido, o sentimento de insegurança frente a uma nova situa-
ção e a um novo ambiente poderá, desencorajá-lo, por exemplo, ao ser corrigido em público. Muitos têm
lembranças de experiências negativas vividas em seus tempos de escola, e podem ver as novas situações
através de um filtro de ideias pré-concebidas, assumindo atitudes de desconfiança e comportamentos me-
nos participativos.
Como já foi mencionado anteriormente, na aprendizagem do adulto, não há uma redução das apti-
dões intelectuais, mas uma mudança das estruturas que permitem organizar as tarefas e informações frente
a uma nova situação, rearranjando o novo a partir das aquisições anteriores. Confrontado de imediato com
situações que demandam memorização ou esforços intelectuais grandes como, a leitura e interpretação de
um texto com muitas páginas, os adultos tendem a desistir do desafio, principalmente se não veem fina-
lidade nele. Não nos esqueçamos de que eles são portadores de ricas experiências vividas e da sabedoria
popular. Assim, são “uma fonte privilegiada e importante de motivações e referências para a escolha das
estratégias metodológicas que vão ser utilizadas [pelo professor]” (SÃO PAULO, 2002a).
Em condição de aprendizagem, o adulto tende a se interessar mais pelos fatos e pelas situações da
vida real, utilizando experiências anteriores, do que pelo teórico e abstrato. Quando expresso claramente o
que se pretende, motiva-se espontânea e intensamente, buscando chegar até o final da atividade proposta.
É prudente em manifestar suas opiniões, omitindo-se quando não está seguro. Deve, portanto, ser esti-
mulado, mas não desafiado. Em um clima favorável, vai se sentir à vontade para fazer todas as perguntas
necessárias para seu esclarecimento. A interdisciplinaridade é facilmente absorvida dada a ampla e variada
experiência adquirida. Entretanto, essa mesma experiência pode virar um obstáculo à medida que novos
conceitos a contradigam. Esse conflito produz resistência à mudança, resistência essa que tende a aumentar
com a idade.
Finalmente, a expectativa do adulto é de que, no final do processo, “ao sair da escola”, tudo que
Na modalidade EJA não se deve perder de vista (como já afirmado anteriormente) que o estudante
não é objeto, mas sujeito do processo de aprendizagem. Assim, é papel do educador
proporcionar situações de ensino e aprendizagem nas quais eles mesmos [os edu-
candos] possam organizar seu estudo (princípio do estudo autônomo). O próprio
estudo não é iniciado e dirigido por eventos expositivos e receptivos ritualizados,
mas, sim, por meio de discussão e interação (princípio do estudo por meio de
comunicação e interação). (PETERS, 2001, apud MEHLECKE e TAROUCO,
2003, p.2)
O trabalho constitui o princípio formativo na educação de jovens e adultos. De acordo com Moura
(2006, p. 15), é necessário o “entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana
pelo trabalho: ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem”, ou seja, não se trata apenas
de formação para o mercado de trabalho, mas da formação integral como forma de compreender e se com-
preender no mundo.
Para finalizar, é necessário enfatizar que uma das características da educação de jovens e adultos é
basear-se em ações que venham a responder a situações de diferentes ordens colocadas pelo sistema socio-
político-econômico como um todo ou por organizações, grupos e pessoas. Esta articulação entre educação
de adultos e desenvolvimento local determina outros princípios a serem considerados, os quais, segundo
Canário (1999), são seis:
1o. O adulto deve ser visto como uma pessoa com experiências de vida e profissional que não podem
ser desprezadas. É fundamental considerar o modo como ele se forma, ou seja, “o modo como ele se apro-
pria do seu patrimônio vivencial através de uma dinâmica de compreensão retrospectiva”;
2o. Deve-se considerar a existência de três dimensões do saber que determinam a transformação in-
dividual: o saber, o saber fazer e o saber ser. Assim, o indivíduo torna-se o agente de sua própria formação,
definindo como e quando deve ocorrer esse processo;
Definir e elaborar propostas pedagógicas na modalidade PROEJAé, sem dúvida, um desafio para
gestores e docentes, pois se trata de considerar e conviver com a pluralidade e a complexidade dos estu- – Você poderia me dizer, por
dantes, com seus diferentes estilos cognitivos e de aprendizagem. favor, qual o caminho para
sair daqui?
Estando o projeto pedagógico assentado no trabalho como princípio educativo, a metodologia de – Depende muito de onde
você quer chegar
projetos passa a assumir papel relevante, embora não único, uma vez que “as competências são construí- – disse o Gato.
das somente no confronto com verdadeiros obstáculos, em um processo de projeto ou resolução de proble- – Não me importa muito
onde...
mas”, conforme Perrenoud (1999b, p.69).
– disse Alice.
– Nesse caso não importa por
Há que se considerar, ainda, os diversos níveis de projetos no processo educacional: o projeto políti- onde você vá
co-pedagógico, o projeto de gestão escolar, o projeto do curso, o projeto de trabalho docente, os projetos de – disse o Gato.
sala de aula, os projetos dos alunos. Todos devem estar articulados, contando com a coautoria dos diversos (CARROLL,1980, p.82)
3
Cf. SARUP, M. Marxismo e educação: abordagem fenomenológica e marxista da educação. Rio de Janeiro: Zahar,
1980.
4
Cf. DUARTE, J.B. Pedagogia diferenciada para uma aprendizagem eficaz: contra o pessimismo pedagógico, uma re-
flexão sobre duas obras de referência. In: Revista Lusófona de Educação, vol. 4, 2004, p. 33-50. Disponível em: <http://
recil.ulusofona.pt/bitstream/handle/10437/1409/Educacao04_Duarte.pdf?sequence=1>
O autor comenta, ainda, os três fundamentos que, de acordo com Astolfi, formam a base da peda-
Philippe Meirieu, educador
francês que associa, através gogia diferenciada:
de seus postulados, demo-
cracia e pedagogia e afir-
ma que “toda criança, todo 1. O primeiro fundamento tem por base uma política educativa de
homem é educável”. Para inspiração igualitária: ‘a diferenciação está ligada ao cuidado de fazer
conhecer mais o pensamen-
to de Meirieu, sugerimos a
trabalhar em conjunto alunos de níveis diferentes, no seio de grupos
leitura de Relatório Meirieu: heterogêneos5.
para a reforma do ensino
médio na França. Tradução
de José Adelmo Guimarães.
2. O segundo fundamento é que o conhecimento da diversidade de esti-
Brasília: Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas. 1999. los cognitivos permite o conhecimento de entradas para a diversificação
Disponível para download didática.
no Portal Domínio Público,
do Ministério da Educação:
<http://dominiopublico.
mec.gov.br> 3. O terceiro, mais decisivo, é de fundo ético, e repousa sobre o postulado
da educabilidade, que o autor adota de Meirieu: ‘numa atitude sistemá-
tica, procurar incansavelmente encontrar um caminho possível para a
aprendizagem, mesmo depois de tudo ter falhado’. Por outras palavras,
por mais carente que seja o aluno, ele poderá começar a aprender desde
que se lhe proporcionem condições adequadas.
Esses três fundamentos dizem respeito à necessidade de se cuidar das diferenças entre os alunos,
numa perspectiva de, conhecendo-as efetivamente, poder selecionar, planejar e aplicar metodologias didá-
ticas adequadas para atingir os objetivos educacionais propostos de uma forma mais abrangente.
Perrenoud, por sua vez, chama a atenção para a “indiferença frente às diferenças” (2000b, p. 9), ou
seja, para a responsabilidade da escola – e aqui podemos ampliar para sistema educacional – que, ao igno-
5
Cf. ASTOLFI, J.P. L’école pour aprendre. Paris: ESF Editeur, 1995, p. 193.
Aos dispositivos acima relacionados é pertinente agregar procedimentos para dar condições ao alu-
no de ler e escrever eficazmente, de tomar notas, de fazer resumos, de sintetizar, de identificar pontos
principais e secundários em qualquer texto. Trata-se de desenvolver as competências básicas para então
partir para as mais complexas.
A esse respeito, Perrenoud destaca que as competências básicas são fundamentais para a transferên-
cia de uma para outras situações, estimulando o aluno a pensar autonomamente e a buscar soluções para
problemas diversos.
Esses dispositivos apontam, mais uma vez, para o professor: Duarte considera “inútil pensar a dife-
renciação de um ponto de vista estritamente cognitivo, pois aí importam também emoções e relações inter-
Howard Gardner é um psi- subjetivas” (idem, p. 46). Estas, além de intersubjetivas, trazem nuances interculturais, familiares, etárias,
cólogo americano ligado à de gênero, etc.
Universidade de Harvard e à
Universidade de Boston, co- Segundo Gardner (1995), são sete os tipos de inteligência que compõem o ser humano: a linguística,
nhecido especialmente por
sua teoria das inteligências a lógico-espacial, a matemática, a visual-espacial, a sinestésica, a musical, a interpessoal e a intrapessoal.
múltiplas. Para se conhecer Na escola, em geral se valorizam as inteligências linguística e matemática, levando aqueles alunos com
melhor seus estudos, sugeri-
mos a leitura de: maior desenvolvimento em outro tipo de inteligência a ter menos sucesso escolar. É importante que o pro-
• GARDNER, H. Inteligên- fessor considere e busque identificar e valorizar as competências e inteligências predominantes ou mais
cias Múltiplas: a teoria na
prática. Tradução: Maria
evidentes em seus alunos, ponto-chave para a educação baseada nos diferentes estilos de aprendizagem.
Adriana Veríssimo Veronese.
Porto Alegre: Artmed, 1995.
• GARDNER, H. Estruturas
da mente: a teoria das inteli-
gências múltiplas. Tradução:
3. Andragogia
Sandra Costa. Porto Alegre:
Artmed, 1994.
• GARDNER, H. Mentes O processo de ensino-aprendizagem da pessoa adulta
que criam: uma anatomia
da criatividade observada
através das vidas de Freud, [Educação de adultos] denota o conjunto de processos educacionais organizados, seja
Einstein, Picasso, Stravinsky, qual for o conteúdo, nível e método, quer sejam formais ou não, quer prolonguem
Eliot, Graham e Gandhi. Tra-
dução: Maria Adriana Vero-
ou substituam a educação inicial nas escolas, faculdades e universidades, bem como
nese. Porto Alegre: Artmed, estágios profissionais, por meio dos quais pessoas consideradas adultas pela sociedade
1996.
a que pertencem desenvolvem suas habilidades, enriquecem seus conhecimentos,
• GAMA, M. C. S. S. A teoria
das inteligências múltiplas e melhoram suas qualificações técnicas ou profissionais ou tomam uma nova direção
suas implicações para a edu- e provocam mudanças em suas atitudes e comportamentos na dupla perspectiva de
cação. Revista Temas sobre
desenvolvimento, v. 3, n.1, desenvolvimento pessoal e participação plena na vida social, econômica e cultural,
p. 4-9, 1993. Disponível em: equilibrada e independente; contudo, a educação de adultos não deve ser considerada
<http://www.homemde-
mello.com.br/psicologia/
como um fim em si, ela é uma subdivisão e uma parte integrante de um esquema glo-
intelmult.html> bal para a educação e a aprendizagem ao longo da vida. Extraído da Recomendação
de Nairóbi sobre o Desenvolvimento da Educação de Adultos, de 1976 (UNESCO,
2010, p. 13).
Do ponto de vista conceitual, Stela Piconez (2003) afirma que o adulto, além das caracterizações
etárias (situa-se entre a adolescência e a velhice) e legais (atingiu a maioridade, tornando-se livre de tutelas
e responsável por seus atos diante da sociedade), é o sujeito que, fundamentalmente, atingiu equilíbrio
de personalidade, aceita responsabilidades, sendo capaz de entender objetivamente o mundo e os acon-
tecimentos da vida. Esse indivíduo desenvolveu a capacidade de generalizar, julgar, deduzir e induzir,
seguindo uma linha de raciocínio. É, portanto, de acordo com a autora, a pessoa considerada como “ser
histórico que, herdeiro de sua infância, saído da adolescência e a caminho da velhice, continua o processo
de individualização de seu ser e de sua personalidade” (p. 2).
A teoria da andragogia foi sistematizada pelo pesquisador americano Malcolm S. Knowles (1935-
1997) na década de 1970. Para caracterizar o aprendizado de pessoas adultas, Knowles considera que o
adulto é autodirecionado, responsável pelas decisões que toma e que, portanto, necessita de programas
adaptados a essas características. Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem deve privilegiar o pro-
cesso, e não o conteúdo, e o educador deve adotar o papel de facilitador, orientador e fonte, em vez de agir
4. Planejamento de ensino
Os dois grandes males que debilitam o ensino e restringem seu rendimento são a
rotina, sem inspiração nem objetivo, e a improvisação dispersiva, confusa e sem
ordem. O melhor remédio contra esses dois grandes males é o planejamento.
Pretende-se aqui enfatizar o planejamento docente. Ele deve ser entendido como parte do processo
de planejamento educacional concretizado no plano escolar da unidade.
A Instituição Escolar que oferece cursos do PROEJAdeve, ao elaborar a sua Proposta Político-Peda-
gógica, representada no plano escolar, construí-la coletiva e participativamente, valorizando os diferentes
saberes no processo educativo e tendo o trabalho como princípio educativo. É importante salientar, mais
uma vez, que tal princípio vai além da preparação para o trabalho, referindo-se à constituição do ser hu-
mano como sujeito de sua vida.
Para tanto, ao elaborar seu plano escolar, a escola deve priorizar abordagens integradas e integra-
doras, a interdisciplinaridade, a contextualização e a pertinência dos conteúdos, reforçando sua relevância
social e ética.
De acordo com Anthony
Giddens (2005), o sociólo- Não se pode ignorar, também, que o processo de ensino-aprendizagem não acontece apenas no es-
go inglês Basil Bernstein paço escolar, mas em “espaços físicos diferenciados envolvendo métodos e tempos próprios” (idem, p. 52),
(1924-2000) afirmava que
existiriam dois códigos de ou seja, os saberes são construídos em todos os ambientes sociais e profissionais e em todos os momentos,
linguagem: o código restri- extrapolando os limites da instituição escolar. Tal situação pode levar à elaboração de um calendário esco-
to, orientado por normas
adotadas pela família e pelos
lar mais flexível que poderá considerar as diversas especificidades como, por exemplo, a sazonalidade de
grupos sociais com os quais atividades produtivas e a alternância de turnos de trabalho.
a pessoa convive e que não
conduz nem facilita a elabo- A flexibilidade no planejamento visa também a propiciar ao aluno condições para que ele relacione
ração verbal das diferenças
individuais e de juízos; e o
as atividades desenvolvidas na escola, os saberes incorporados com os diversos aspectos presentes em sua
código elaborado, mais aca- vida pessoal, social e profissional, reconstruindo o conhecimento e mobilizando competências cognitivas
dêmico, um discurso em que e afetivas.
os significados das palavras
podem ser individualizados
Para a equipe escolar, o planejamento integrado é importante para que não ocorra uma indesejável
para satisfazer às demandas
de situações específicas, nas dicotomização de áreas de conhecimento, tampouco a predominância de uma área sobre outra. As especi-
quais os significados são lin- ficidades de cada área devem ser agregadas para a compreensão do todo, compondo o perfil de conclusão
guisticamente explicitados
e independem do contexto, do curso.
sendo, portanto, acessíveis a
qualquer pessoa. Uma vez definido o programa do curso e o programa básico de cada componente curricular, cabe ao
professor planejar o seu trabalho docente. Esse planejamento deve levar em consideração a necessidade de
relacionar e inter-relacionar o código restrito, proveniente do contexto sociocultural de origem do aluno, e
o código elaborado, priorizado pela escola.
SCALABRIN, Ana Carla. Re- O planejamento docente não deve deixar de considerar, além de seus fundamentos básicos, os aspec-
flexões sobre a aplicação de tos da abordagem andragógica, principalmente no que se refere a respeitar as experiências acumuladas, e
princípios da andragogia a
um programa de integração
à tendência a um processo de aprendizagem autodirecionado. Scalabrin (2006) relaciona sete pontos-chave
de empregados recém-con- aos quais o professor que planeja seu curso, componente curricular ou aula deve dar atenção:
tratados a ambientes organi-
zacionais. • Cuidar do ambiente, no sentido de estabelecer um clima propício para o aprendizado: o arranjo de mesas
Trabalho apresentado à Fa-
culdade de Economia e Ad-
e cadeiras deve facilitar a interação das pessoas, assegurando um ambiente de respeito e colaboração. Prestar
ministração da Universidade atenção às condições de higiene, iluminação e ventilação, buscando deixá-las as mais agradáveis possíveis.
de São Paulo, s. d.
Disponível em: <http:// • Envolver o grupo no planejamento dos objetivos e das atividades, para que se comprometam com
w w w. e a d . f e a . u s p . b r /
o seu próprio processo de aprendizagem.
semead/9semead/resul-
tado_semead/trabalhos-
PDF/151.pdf>
6
Cf. Brasil (2007). Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. PROEJA: Programa nacional de integração da
educação profissional com a educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos: educação profissional
técnica de nível médio / ensino médio: Documento Base. Brasília: MEC/SETEC. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/setec/arquivos/pdf2/proeja_medio.pdf>
De acordo com os Parâmetros 4. Estabelecer pontes entre os conhecimentos prévios e os novos, organi-
Curriculares Nacionais do zando estes em unidades assimiláveis e encadeadas;
Ensino Médio, o conceito de
interdisciplinaridade se fun-
damenta no fato de que “todo
conhecimento mantém um di-
5. Fornecer ao adulto o conhecimento prévio dos objetivos, metodologia,
álogo permanente com outros organização didática e proposta do módulo, e durante o processo deve
conhecimentos, que pode ser contribuir de forma consensual;
de questionamento, de confir-
mação, de complementação,
de negação, de ampliação, de
iluminação de aspectos não
6. Propiciar a participação do adulto na avaliação é fundamental, deven-
distinguidos” (Brasil, 2000, do a autoavaliação ser parte do processo educacional;
p. 75).
O trabalho pedagógico não deve ser pensado a cada aula, mas considerando o conjunto de aulas, os
diversos componentes do currículo ou disciplinas, ou mesmo a totalidade de um curso com vistas ao pro-
fissional a ser formado. Nessa concepção, o trabalho interdisciplinar é fundamental, no sentido de que as
disciplinas participam, influenciam e cooperam para o desenvolvimento das competências do ser humano
e de determinada habilitação profissional. Não é suficiente que as disciplinas ou componentes curriculares
contribuam umas com as outras. É preciso que, efetivamente, caminhem juntas para o perfil e as atribui-
ções do profissional e cidadão que o curso está formando.
Segundo Klein (2008), mais do que pedagogia interdisciplinar ou metodologia interdisciplinar, é
Em outras palavras, nenhum objeto atrai da mesma forma indivíduos diferentes. O desafio do professor
é, portanto, buscar fontes de motivação para cada tema, que possam estimular os diferentes alunos a mobiliza-
rem esforços para atingir os objetivos propostos. Valorizar a participação dos alunos no planejamento, escolher
metodologias e métodos instigadores e utilizar técnicas adequadas são alguns meios para isso.
Doll e Da Rosa (2004, p.37-38) destacam os aspectos que devem ser considerados pelo professor ao
definir seus métodos de trabalho:
Não se pretende aqui apresentar uma listagem completa de métodos e técnicas para o professor apli-
car em sala de aula. Trata-se, muito mais, de resgatar algumas formas de trabalho pedagógico que muitos
docentes experientes já utilizam ou utilizaram no seu trabalho didático, e de disponibilizar ainda algumas
ferramentas no intuito de ampliar as opções para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendiza-
gem. Entretanto, qualquer que seja o método selecionado, o professor deve conhecer os potenciais e as
limitações dele. Por exemplo, uma exposição oral tem função de transmitir informações; o trabalho em
grupo, de mobilizar o raciocínio analítico, o relacionamento social, a avaliação e a solução de problemas;
já um trabalho individualizado visa à reflexão, à interiorização de conceitos e ao estabelecimento de juízos
A prática pedagógica ou próprios. Os três métodos são importantes, válidos e complementares.
prática docente engloba as
diversas formas de trabalho
Na sequência, serão apresentadas algumas práticas pedagógicas, lembrando que sua aplicação deve
docente. Essas denominações
são utilizadas, aqui, para re- sempre levar em conta os diversos aspectos já mencionados.
presentar os métodos e as téc-
nicas a serem utilizadas pelos
professores. Método expositivo ou aula expositiva
É, ainda, um dos métodos mais utilizados pelos professores, em que estes desenvolvem o conteúdo
explicando, explanando e relatando fatos, acontecimentos e conceitos ligados ao tema. Pode assumir duas
posições didáticas:
• a exposição dogmática, em que o professor é o principal ator, permitindo a formulação de dúvidas
e intervenções por parte do aluno, e
• a exposição aberta ou dialogada, em que o professor estimula a participação da classe através
de contestações, questionamentos e discussões. Neste caso, o diálogo passa a ser a técnica para o
método expositivo.
A exposição dialogada pressupõe uma relação direta professor-aluno, em que ambos são exposi-
tores e receptores. Portanto, não se restringe ao “alguma dúvida?” pontuado de quando em quando pelo
professor.
Para que a aula expositiva atinja os objetivos para os quais foi planejada, sugere-se que o professor:
• inicie a apresentação do tema relacionando-o com outros assuntos já tratados e com situações
relevantes para os alunos;
• introduza o novo assunto explorando os conhecimentos prévios dos alunos;
• estabeleça um clima adequado entre os participantes;
Estudo de caso
Trata-se de uma metodologia muito utilizada no ensino profissional porque, além de trazer situ-
ações reais ou simuladas com base na realidade para a sala de aula, leva-a para o contexto do trabalho.
Implica na utilização de diversos métodos (expositivo, pesquisa, tempestade de ideias, painéis, etc.) e tem
intensa aplicação interdisciplinar.
Consiste em apresentar aos alunos uma situação real, de preferência ligada ao cotidiano, para que
analisem e, se for o caso, proponham alternativas de solução. Pode também se basear em um caso apre-
sentado por um aluno. É uma forma de os eles aplicarem os conhecimentos teóricos em situações práticas.
Em seguida, explica-se como será desenvolvido o estudo, as atividades implicadas, como: entrevis-
tas com pessoas envolvidas no tema, pesquisas em jornais e na internet, leituras e outras práticas. Após se
inteirarem do caso, os alunos deverão analisar a situação exposta, consultar as fontes que acharem neces-
sárias e, quando conveniente, propor alternativas de solução.
Finalizado o estudo, os estudantes elaboram uma síntese do caso, as conclusões pertinentes e apre-
sentam-nas para a classe. Assim, desenvolvem competências diretamente relacionadas com sua área pro-
fissional e outras, relacionadas com as competências pessoais.
O estudo de caso motiva os alunos na medida em que se analisa um caso real, factível, para o qual
eles deverão formular um juízo de valor e até mesmo sugerir alternativas de melhoria. Ele desenvolve a
capacidade analítica e o espírito científico, a capacidade de trabalhar em grupo, cooperativamente e, ainda,
a percepção de sua importância como profissionais e cidadãos no contexto social.
Sanz (2006) agrupa os diversos casos possíveis em três categorias e ressalta que é importante que o
professor proporcione aos seus alunos oportunidade de estudá-los:
• Casos típicos – são aqueles que permitem aproximações variadas dentro de uma determinada li-
nha. Seu estudo permite que os estudantes compreendam e analisem outros semelhantes. Por exem-
plo, o estudo do gerenciamento de uma pequena lanchonete pode servir de modelo para outras
empresas com características equivalentes.
• Casos extremos – permitem que o aluno entre em contato com o máximo e o mínimo de determi-
nado setor profissional, “da simplicidade à complexidade, do recato ao exibicionismo, da modéstia
ao luxo” (p. 128). Por exemplo, os alunos do curso técnico de enfermagem poderiam ser orientados
a comparar as ocorrências de gravidez adolescente em postos de saúde de bairros periféricos e em
hospitais particulares de grande porte.
• Casos anômalos – são importantes para que o estudante analise as razões que tornam uma situa-
ção diferente, fora do habitual. Podem ser casos de sucesso ou não, e muitas vezes podem apontar
caminhos inovadores. Os jornais e a mídia, em geral, trazem situações atuais que podem ser explo-
rados por inúmeros componentes curriculares de diversos cursos, como a falência de uma grande
instituição financeira ou as ações de ONGs em comunidades carentes.
O interessante nessa atividade é, além de demonstrar a relevância das pesquisas de campo – muitas
vezes, elas servem de subsídio para outros estudos ou mesmo pesquisas de instituições –, desenvolver
as competências relacionadas com: levantamento de dados, aplicação de métodos e de técnicas diversas,
relacionamento social na comunidade, análise, crítica, argumentação e cidadania.
Se o grupo avançar mais um pouco, apresentando sugestões para a melhoria da situação pesqui-
sada, então estará se desenvolvendo a pesquisa-ação. Assim, a partir do exemplo apresentado, os alunos
poderão sugerir um plano de melhoria para algumas das situações comprovadas na pesquisa, podendo
até apresentá-lo a alguma instituição parceira. Suponhamos que um dos problemas comprovados na pes-
quisa fosse a falta de higiene na manipulação de alimentos consumidos pelos transeuntes, nos carrinhos
de frutas e de cachorro-quente. Para isso, poderiam ser propostas ações de capacitação e de orientação
para a manipulação de alimentos, a serem desenvolvidas pelos estudantes . Ao mesmo tempo, a Prefeitura
Municipal, através de seus órgãos competentes, atuaria no cadastramento dos manipuladores capacitados
Entrevista
É uma técnica que pode ser utilizada em diversos métodos – como pesquisas de campo, projetos,
resolução de problemas – ou ser suficiente em si para atingir um objetivo específico. A palavra “entrevista”
significa simplesmente “olhar entre dois”, ou seja, uma entrevista é uma troca entre duas ou mais pessoas,
da qual se coletam informações sobre algum tema interessante. Para que a entrevista possa alcançar seu
objetivo é preciso que o entrevistador saiba exatamente qual tema será abordando, buscando, para isso,
informações que possam subsidiar a elaboração de perguntas e a condução da entrevista. Em seguida,
seleciona-se o entrevistado, que pode ser um especialista no tema principal ou não. O importante é que ele
tenha contribuições para dar sobre o tema em questão. O entrevistador deve ter o máximo de informações
possíveis sobre o entrevistado e estar aberto a eventuais surpresas quanto ao rumo da entrevista.
Comumente usada no jorna-
lismo, a pauta é um roteiro
Estar aberto para surpresas e descobertas, por outro lado, proporciona elaborado para guiar uma
muitos prazeres ao pesquisador-entrevistador. Por mais que estude- entrevista, levando em con-
mos um assunto ou a carreira do entrevistado, haverá sempre lacunas ta seu objetivo, ou seja, as
informações que se deseja
e zonas de sombra. O especialista em tinturas pode nos surpreender obter. Quanto mais detalha-
com profundos conhecimentos em, quem diria, modelagem. Afinal (não da for, mais fácil costuma ser
a entrevista. No entanto, a
sabíamos e não encontramos registro), ele trabalhou há mais de 30 anos pauta não deve ser seguida
com um estilista pioneiro (por exemplo, Gil Brandão). Só descobrimos de maneira inflexível. Por
um lado, o entrevistador não
isso na entrevista e, assim mesmo, porque se criou um clima favorável a deve permitir que o entrevis-
confidências ‘fora de pauta’. (SANZ, 2006, p. 112-113) tado ou as circunstâncias se
desviem demais do roteiro
As perguntas podem ser classificadas em: original. Por outro, também
deve estar atento àquilo que
está sendo dito para perce-
ber se é conveniente alterar
a) de esclarecimento: servem para dar a conhecer melhor o assunto que está sendo tratado, a pauta.
ou para esclarecer uma resposta do entrevistado;
b) de análise: servem para descobrir as causas dos problemas e para aprofundar respostas superficiais;
c) de ação: servem para passar da teoria para a prática, para que o entrevistado expresse as
ações que irá desenvolver em relação ao problema analisado.
Uma aplicação didática da entrevista pode ser a seguinte: convida-se um especialista que será en-
trevistado por, digamos, três alunos preparados como entrevistadores. De forma ordenada, o restante da
classe também poderá fazer perguntas. O processo começa com a apresentação do especialista, é feita uma
pequena introdução sobre o tema e são formuladas perguntas à pessoa. Ao terminar a entrevista, o profes-
sor faz uma síntese do que foi apresentado, relacionando-a com temas já desenvolvidos ou que com temas
que constam no programa, mas ainda não foram abordados.
Numa pesquisa de campo, uma boa maneira de iniciar relações com a comunidade pode ser entre-
vistar, por exemplo, um líder comunitário ou uma pessoa de referência local. Desse modo, os estudantes
podem coletar informações e analisar os problemas sociais, preparando-se nos planos conceitual, ético e
técnico para o desempenho de tarefas práticas.
As tecnologias de comunicação permitem que entrevistas sejam feitas a distância, pelo telefone ou
pela internet, por exemplo, possibilitando que pessoas presencialmente inacessíveis sejam sabatinadas.
Entretanto, algumas desvantagens devem ser consideradas, como certa falta de espontaneidade decorrente
da ausência do contato presencial – já que, como sabemos, o tom de voz, o olhar, a postura corporal, os
gestos são importantes para compor o teor da conversa –; e, principalmente, a dificuldade de se obterem
esclarecimentos imediatos sobre alguma resposta que deixou dúvidas.
Apesar de serem muitas vezes considerados inadequados para aplicação em sala de aula devido
a seu caráter lúdico, os jogos pedagógicos são instrumentos de elevado potencial integrador, podendo
ser utilizados em diversos contextos devido a seu caráter multi e interdisciplinar. Considerando que a
superação das dificuldades de aprendizagem é objetivo do processo de ensino-aprendizagem, não existe
impedimento para sua inserção na prática docente.
Segundo Proença Júnior, os jogos são
Os jogos podem ser utilizados para que os alunos vivenciem um determinado ambiente profissional,
por exemplo, confrontando os estudantes com o desafio de realizar a gestão de um empreendimento rela-
cionado à área profissional estudada, como o relatado a seguir:
O caso apresentado considera situações e valores reais para subsidiar as decisões dos estudantes: o
valor das ações, que oscila de acordo com o mercado; a existência de concorrentes; os volumes de tráfego;
as características da locomotiva; as cargas, isto é, todas as informações disponibilizadas ou pesquisadas
tinham a finalidade de proporcionar condições fidedignas para a tomada de decisões dos participantes.
Este é, de fato, um aspectos dos mais importantes na decisão de utilizar um jogo como método peda-
gógico: o rigor do conteúdo. O jogo não deve basear-se em algo factual ou conceitualmente errado. Mesmo
quando modelado a partir de uma situação hipotética, os dados não podem ser inventados arbitrariamen-
te, devendo ser coerentes com a realidade representada.
Nos jogos, os problemas são interligados e a tomada de decisão passa pelo global, com todas as
restrições orçamentárias, financeiras e de recursos humanos que permeiam situações reais. Eles reduzem,
portanto, a distância entre a teoria e a prática.
Métodos individualizados
Visam a respeitar as limitações, os tempos e as vivências dos alunos, sendo bastante utilizados na
andragogia. Entretanto, sempre que possível, deve-se, após a fase individual, proporcionar momentos de
socialização das conclusões no grupo.
Um dos métodos individualizados é o estudo dirigido, embora também possa ser realizado em gru-
po. O professor indica textos e estabelece roteiros previamente elaborados. A leitura do texto deve ser ativa,
e o aluno terá que seguir o roteiro em um tempo pré-estabelecido. É uma atividade que visa a desenvolver
a capacidade analítica de observação, avaliação e síntese. São etapas do estudo dirigido:
• Síncrese – visão do todo, mediante normas simples oferecidas pelo professor, como título, subtítu-
lo, autor. Proporciona uma noção da estrutura e da organização do texto a ser estudado.
• Análise – baseada na leitura e na reflexão sobre o texto, deve se orientar por questões formuladas
pelo professor.
• Síntese – relaciona as conclusões do aluno sobre o texto, sendo o momento de demonstrar sua
compreensão da leitura e de desenvolver a linguagem escrita. O professor pode também apresentar
alguns problemas práticos que subsidiem sua elaboração.
• A atividade individualizada pode tornar-se grupal ao solicitar aos alunos que façam perguntas
entre si, respondendo e discutindo sobre o texto.
O estudo dirigido também pode ser desenvolvido através da análise de texto. De acordo com Sale-
ma; Afonso e Temporão,
As autoras também sugerem as seguintes etapas para o método de análise de textos (p. 253-255):
• explicitar aos alunos de forma clara o objetivo geral da aula;
• evocar, antes da leitura, os conhecimentos prévios dos alunos;
• fazer a leitura, discussão e resumo das principais ideias dos parágrafos;
• procurar analogias, metáforas e comparações e discutir sua natureza e importância;
• esquematizar as principais ideias do texto;
• classificar o texto em termos de estrutura;
Alguns autores, como Echeverría e Pozo (1998), consideram a solução de problemas mais do que
um método de ensinar, eles a definem como “um conteúdo necessário das diversas áreas do currículo
obrigatório” (p.14).
Transcrevem-se, a seguir, dois quadros apresentados pelos autores (p.25) que sugerem técnicas para
ajudar na compreensão dos problemas e procedimentos estratégicos de solução.
Em situação de sala de aula, Gervilla (1992), citado pela SERT (SÃO PAULO, 2002b), sugere o se-
guinte esquema a seguir, que também descreve o desenvolvimento do método de solução de problemas:
1. Definir o problema
→ Quem está envolvido?
→
Qual é a responsabilidade de cada um?
6. Estabelecer os
passos de ação
Quando começamos?
7. Execução
→ Colocar as alternativas em ação, de acordo
com o plano.
Conseguimos os resultados desejados?
8. Avaliação
→ Que passos favoreceram ou dificultaram o
processo?
Outro modelo para solução de problemas foi proposto por Bransford e Stein, citado por Echeverría e
Pozo (1998), é o programa IDEAL, em que I é a identificação do problema; D, a definição e a apresentação
do problema; E, a exploração das diferentes estratégias; A, a ação fundamentada na(s) estratégia(s) e L, os
logros, resultados, e a sua avaliação.
Para finalizar, outro método para a solução de problemas, proposto por Sanz, é incentivar o aluno a
compreender como eles são formulados:
Esse é um método geralmente articulado com a metodologia de projetos, uma vez que um projeto
Cf. Djmal (2008), Talmude é
o livro que define e dá forma
existe motivado por situações-problema.
ao judaísmo, alicerçando to-
das as leis e rituais judaicos, A metodologia dos projetos, aliada aos métodos e técnicas de ensino já mencionados e a diversos outros
explicando, discutindo e existentes, contribui para a formação do cidadão e do profissional competente, crítico e autônomo.
esclarecendo-os.
Aquele cuja sabedoria ultrapassa suas ações a que se parece? A uma árvore com
muitos ramos e poucas raízes: um vento qualquer a arranca e derruba. Mas
aquele cujas ações ultrapassam a sua sabedoria a que se parece? A uma árvore
com poucos ramos, mas muitas raízes. Mesmo que todos os ventos do mundo
Consideramos competência,
viessem a soprar sobre ela, não se moveria.
aqui, como a condição de
alocar saberes cognitivos, Os ensinamentos são mais importantes porque eles engendram as ações.
psicomotores e socioafetivos
“através de análises, sínte- Trecho extraído do Talmude, citado por SANZ (2006, p.35).
ses, inferências, generaliza-
ções, analogias, associações,
transferências, ou seja, de es-
quemas mentais adaptados e
Pedagogia de projetos
flexíveis, em ações próprias
de um contexto profissional
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao estabelecer a política de construção de com-
específico, gerando desem- petências, explicitada também nos Referenciais Curriculares Nacionais de Educação Profissional de Nível
penhos eficientes e eficazes”
Técnico, indica ser a pedagogia de projetos a mais adequada aos educandos, pois proporciona, segundo
(Brasil, 2000a, p. 10).
Sanz (2006, p.78), o desenvolvimento do espírito de equipe e da autodisciplina, o respeito diante da diver-
sidade de pensamentos e vivências, a prática interdisciplinar e a interação da teoria com a prática.
A metodologia de projetos é a aplicação da pedagogia dos projetos, constituindo-se em uma integra-
ção de diversas outras metodologias e métodos educacionais, com a aplicação das mais variadas técnicas.
Traz a realidade para dentro da sala de aula, conferindo uma finalidade real para o aprendizado. É uma
atividade intencional, porque se direciona a um ou mais objetivos e permite interações grupais e desem-
penhos individuais. É possível desenvolver, através dessa metodologia, competências de planejamento,
execução, controle, gestão e avaliação, tanto profissionais como pessoais, conforme podemos constatar nos
Referenciais Curriculares de Educação Profissional:
Os projetos devem tornar a aprendizagem ativa e interessante para o aluno, já que ele tem de bus-
- Uma iniciativa ingênua e superficial dos alunos, que não atenderia aos objeti-
vos da aprendizagem e poderia terminar em certa desordem;
Considerados os dois possíveis abusos mencionados acima, e assumindo que estes podem ser supe-
rados desde que sejam conhecidos, é possível estabelecer procedimentos que efetivamente viabilizem sua
prática inter e transdisciplinar.
Partindo do problema ou intenção que gerou o projeto, que pode ser tanto um experimento como
um plano de intervenção em determinada realidade ou atividade específica, a equipe escolar poderá iden-
Para os professores, (isso exige) refletir sobre a atividade docente e mudar sua
postura tradicional de especialista em conteúdo para treinador de aprendizagem.
Para os estudantes, significa assumir maior responsabilidade por sua própria
aprendizagem, com a compreensão de que o conhecimento que obtiverem com seu
De acordo com GONTIJO et. esforço pessoal será muito mais duradouro do que as informações transmitidas
al. (2007), o termo ciberespa- por outras pessoas. (MARKHAM et al, 2008, p. 7)
ço foi criado em 1984 pelo
escritor de ficção científica
William Gibson, em seu livro
Neuromancer. Nele, o autor No entanto, o ato de projetar requer abertura para o desconhecido, para o
imagina uma realidade cons- não-determinado e flexibilidade para reformular as metas à medida que
tituída por tecnologias que,
enraizadas de tal forma, aca-
as ações projetadas evidenciam novos problemas e dúvidas. (PRADO,
bam transformando a vida 2005, p.14)
em sociedade e o próprio ser
humano. Embora não viva- ‘[...] o projeto rompe com as fronteiras disciplinares, tornando-as permeáveis
mos no cenário imaginado
por Gibson, sua ideia de ci- na ação de articular diferentes áreas de conhecimento, mobilizadas na investi-
berespaço foi emprestada ao gação de problemáticas e situações da realidade. Isso não significa abandonar as
“meio que emerge da rede
mundial de computadores disciplinas, mas integrá-las no desenvolvimento das investigações, aprofundan-
(web)”, segundo Amaral e doas verticalmente em sua própria identidade, ao mesmo tempo, que estabelecem
Vilarinho (2008). Apesar de a
web ser o principal ambiente
articulações horizontais numa relação de reciprocidade entre elas, a qual tem
do ciberespaço, este também como pano de fundo a unicidade do conhecimento em construção’. (ALMEIDA,
pode ocorrer na relação do 2002 apud PRADO, 2005, p. 15)
homem com outras tecno-
logias, como celular, smar-
tphones, tablets, pagers, e Lidamos, assim, com uma pedagogia do raciocínio e da ação, na qual aprendemos
outros aparatos de comuni- a pensar e a fazer num processo único e indissolúvel, mas cujo resultado final
cação criam ambientes virtu-
ais de relacionamento. não pertence a qualquer indivíduo, pois é fruto do empenho e da competência de
todos. (SANZ, 2006, p. 79)
7. Uso de tecnologias
O uso das modernas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) configura-se, atualmente, em
um imperativo. O professor nem sempre está preparado ou disposto a utilizar essas tecnologias, que são
demandadas tanto nas atividades econômicas, sociais, culturais, políticas como nas rotinas de trabalho da
maior parte (talvez em todas) das profissões. Assim, torna-se relevante discutir sobre o papel do professor
no desenvolvimento de sua profissão, numa conjuntura, segundo Amaral e Vilarinho (2008),
A afirmação acima ressalta o desafio colocado ao professor de educar e se educar nesta sociedade da
informação e do conhecimento, que exige dele, e também de seu aluno, capacidade de manter-se atuali-
zado com as mudanças tecnológicas e, ao mesmo tempo, de garantir seu espaço de liberdade e autonomia
para um desempenho profissional crítico e responsável. Umberto Eco, citado por Kenski (2003), diz que
“nós precisamos de uma forma nova de competência crítica, uma arte ainda desconhecida de seleção e
decodificação da informação, em resumo uma sabedoria nova” (p. 25). Tal competência crítica implica em
reconhecer a importância e o potencial de interferência das diversas tecnologias, que invadem o cotidiano das
Ainda conforme Kenski
pessoas através dos inúmeros meios de comunicação, e que, muitas vezes, deixam de ser entendidas como tec- (2003, p. 62-63), o hipertex-
nologias para serem vistas como “complementos, como companhias, como continuação de seu espaço de vida. to é um texto e, ao mesmo
tempo, um caminho para
Por meio do que é transmitido pela televisão e acessado pelo computador, as pessoas se comunicam, adquirem
informações que são dispo-
informações e transformam seus comportamentos. Tornam-se ‘teledependentes’ ou ‘webdependentes’, consu- nibilizadas nos formados
midoras ativas, permanentes e acríticas do universo midiático.” (KENSKI, 2003, p.25). mais variados: imagens,
vídeos, outros textos, etc. A
Nesse contexto, dominar a tecnologia é apenas uma etapa inicial, porém necessária para perceber e autora chama a atenção para
o fato de que, à medida que
compreender suas potencialidades e limitações pedagógicas. O vídeo, a internet, o computador, o rádio, navega pelo hipertexto, cada
cada ferramenta carrega suas especificidades, que podem se complementar entre si ou com outros recursos pessoa conduz sua leitura de
uma determinada maneira,
não necessariamente tecnológicos. A prática docente deve ser constantemente revista não apenas pelos “escrevendo”, portanto, seu
professores de maneira individual, mas também em reuniões pedagógicas da equipe docente e com os próprio texto.
próprios alunos. Kenski alerta que:
A internet é uma tecnologia cada vez mais acessível no Brasil e seu uso abrange inúmeras possibi-
lidades no processo ensino-aprendizagem. Tanto no ensino presencial como no à distância sua utilização
permite pesquisa e comunicação, dinamizando e dando novos formatos ao trabalho do docente.
Um dos recursos mais conhecidos da internet relaciona-se com a pesquisa: são os sites de busca,
que podem facilitar a coleta de informações e dados. Segundo Moran, citado por José Wanderlei Lua da
Silva (2007), a pesquisa nos sites de busca traz algumas possibilidades, entre elas, a possibilidade de pes-
hoje o mundo é trazido até o horizonte de nossa percepção, até o universo do nosso
conhecimento. Como não podemos estar presentes em todos os acontecimentos, temos
que confiar nos relatos. O mundo que nos é trazido pelos relatos, que assim conhe-
cemos e a partir do qual refletimos, é um mundo que nos chega editado, ou seja, ele
é redesenhado num trajeto que passa por centenas, às vezes milhares de mediações,
até que se manifeste no rádio, na televisão, no jornal. Ou na fala do vizinho, ou nas
conversas dos alunos. São essas mediações – instituições e pessoas – que selecionam
o que vamos ouvir, ver ou ler; que fazem a montagem do mundo que conhecemos.
(BACCEGA, 2002 apud SILVA, E. 2005, p. 35)
Nessa direção, o alvo das didáticas tradicionais são as teorias, não as práticas,
uma vez que as últimas são explicadas pelas primeiras. Mais que isso, para os
didatas tradicionais apenas as primeiras merecem o status de conhecimento. [...]
o uso das categorias prática e teoria (aliás, teoria e prática, como é o modo de
falar predominante) cria obstáculos para uma educação profissional fundada no
trabalho.
Ele relata um caso de sua experiência profissional no SENAC de São Paulo que julgamos oportuno
reproduzir.
O caso relatado nos revela que, muitas vezes, separa-se a teoria da prática, Entretanto, a prática
profissional não se realiza em segmentos ou módulos específicos, mas durante todo o curso, não sendo
específica das aulas práticas ou do estágio supervisionado. Em suma, tratamos da prática profissional ao
longo de todo o curso, através de atividades como: estudos de caso, pesquisas de mercado, trabalhos em
equipe, planejamento e desenvolvimento de projetos e, naturalmente, estágios e trabalhos de conclusão de
curso (TCCs). Nas escolas técnicas, a prática profissional pode desenvolver-se no próprio ambiente escolar,
Para mais informações sobre desde que condições reais de ambiente de trabalho sejam oferecidas. Um exemplo é o dos cursos técnicos
o funcionamento e proposta
metodológica da Coopera-
da área agropecuária desenvolvidos nas fazendas em que as escolas se localizam. A prática profissional,
tiva-Escola no Centro Paula nesse caso, está diretamente vinculada aos projetos produtivos que, por sua vez, são gerenciados pela
Souza, consultar BELEZIA, Cooperativa-Escola dos Alunos.
Eva Chow . Projeto Coope-
rativa-Escola. Em Synthesis –
A prática profissional deve proporcionar ao aluno condições para a identificação e resolução de
Revista de Educação. n.5, out
1998, p. 64-71. São Paulo, 1998. problemas, enfrentamento de situações inesperadas, de forma a preparar-se para responder aos desafios
profissionais que enfrentará no mundo do trabalho. Sua organização e planejamento didático ̶ em aulas
práticas desenvolvidas em salas-ambiente, em oficinas, em laboratórios, em condições de campo, em ati-
vidades extra-aula ou ainda em projetos ou estágio supervisionado ̶ devem contribuir para o desenvolvi-
mento das competências gerais e específicas elencadas no plano de curso.
Assim, a prática profissional deve incentivar o estudante a observar, participar, buscar informações,
analisar e entender a realidade como objeto de conhecimento. Deve incentivá-lo, ainda, a valorizar as ex-
periências acumuladas no plano coletivo e a articular conhecimentos teóricos por meio de situações reais.
Demonstração
Gaspar e Monteiro (2005), em trabalho sobre atividades experimentais de demonstração em sala de
aula, escrevem:
Barato (1999) ressalta que a demonstração de um procedimento técnico, ainda que desacompanhada
de explicações verbalizadas, está muitas vezes impregnada de conceitos teóricos e elaborações mentais
demonstrados no “fazer”, constituindo-se, portanto, em um conhecimento, e não apenas na reprodução
de uma “habilidade”. O importante, no processo de ensino-aprendizagem, é que tal conhecimento seja de-
monstrado e explicitado através de uma sequência que, no entendimento do autor, comporta: “1. apresen-
tação sintética do processo; 2. análise de passos ou operações; 3. demonstração comentada; 4. praticagem
dos aprendizes; 5. avaliação”.
As demonstrações são realizadas em grande parte dos componentes curriculares, tanto do ensino
profissional como do ensino médio. Para a modalidade PROEJAtornam-se recursos dos mais importantes
diante das características já abordadas da psicologia de aprendizagem dos jovens e adultos, devendo ser
consideradas, no seu desenvolvimento, as cinco etapas anteriormente citadas. A seleção dos tópicos a
serem demonstrados deve ser criteriosa, considerando sempre o tempo e os recursos (físicos, materiais e
humanos) disponíveis.
Sanz (2006) lembra que existe um risco de os alunos acreditarem que a maneira demonstrada para
desenvolver uma determinada prática é a única correta. Cabe ao professor ressaltar as diversas possibi-
lidades existentes e, o mais importante, ao abrir espaço para que o aluno pratique, considerar que seus
eventuais erros podem levar à descoberta de outras formas de realizar a prática. Assim, o professor deve:
Experimentação
A experimentação refere-se ao método de realizar um experimento buscando provar e testar, de
forma repetida, uma teoria, ideia ou fórmula. Não se trata de apenas realizar uma experiência, mas de
acompanhar criticamente com repetições contínuas até a confirmação do resultado.
Aptidão: não basta gostar do tema, é preciso ter aptidão, ser capaz de desenvolvê-lo. Ap-
tidão, nesse caso, pode ser entendida como a base cultural e científica adequada (expe-
riência na área de conhecimento, relação direta com o currículo da habilitação, etc.).
Temas de caráter filosófico exigem aptidão ou capacidade para abstração, enquanto
que assuntos de caráter científico exigem conhecimentos básicos e específicos corres-
pondentes.
Tempo: na escolha do tema, o tempo é um fator a ser considerado. O tempo disponível para
realização do trabalho deve ser compatível com o nível de dificuldade (complexidade)
do tema selecionado.
Recursos: o fator econômico deve ser ponderado, uma vez que o desenvolvimento de determinadas
pesquisas exige a realização de viagens e/ou a aquisição de alguns materiais ou equipamentos.
O aluno deverá analisar a facilidade de acesso às fontes de pesquisa e a existência ou não de
material bibliográfico disponível e atual.
Relevância: o tema deve ser escolhido de maneira que o estudo realizado possa trazer uma
contribuição efetiva na solução de algum problema. Deverá contemplar certo grau de
inovação seja na abordagem, seja no produto final. (...) O TCC configura-se uma
atividade escolar de sistemati-
zação do conhecimento sobre
Pertinência: o tema deve estar articulado com as atribuições do técnico e com os objetivos um objeto de estudo pertinente
à área de formação profissional.
do curso. Tal atividade revela o conhe-
cimento a respeito do tema
O TCC é uma ferramenta utilizada, não apenas nos cursos técnicos como também nos níveis acadêmicos escolhido, emanado do de-
e no Ensino Fundamental e Básico, pelas suas características inter, multi e transdisciplinares. Também na moda- senvolvimento dos diferentes
componentes curriculares da
lidade EJA, e no PROEJA, é fundamental por proporcionar aos alunos a oportunidade de rever e refletir sobre o habilitação profissional. (BELE-
aprendizado realizado e sobre as competências e habilidades desenvolvidas, integrando e dando coesão para os ZIA e RAMOS, 2011, p. 21)
diversos componentes curriculares. Pode assumir dois formatos básicos: projeto experimental ou de aplicação
(caráter técnico) e projeto de pesquisa (caráter científico). Cada um desses formatos se desenvolve de acordo
com normas específicas, mas são igualmente fundamentados nas metodologias científicas e seus registros de-
vem seguir as normas de produção científica propostas pela ABNT.
Belezia e Ramos (2011) destacam alguns dos objetivos específicos do TCC:
• Oferecer educação profissional por meio de mecanismos que garantam a contextualização de
9. Recuperação da aprendizagem
A reprovação é o sintoma mais gritante do fracasso escolar. Entretanto, não é possível eliminá-la sim-
plesmente com medidas proibitivas ou postergáveis. Tampouco nos parece eficaz fazer com que o aluno
repita novamente todo o processo, por mais um ano ou módulo. Este é um dos temas mais polêmicos na
comunidade escolar, muitas vezes tratado sob o viés ideológico, cultural ou filosófico.
Há que se considerar que a mera supressão da reprovação, sem o devido apoio pedagógico e sem
a organização das turmas, através seja dos ciclos de aprendizagem, seja da progressão continuada, pode
alterar os números do fracasso escolar, mas não combate suas causas.
Recuperação e progressão parcial são realidades no sistema educacional, em todos os níveis, às
vezes com denominações diferentes, mas sempre como consequência de uma reprovação não efetivada.
Podem ser entendidas, num sentido mais amplo, como práticas educacionais que devem levar em conside-
ração as diferenças individuais, diferenças essas que, no período letivo anterior, dificultaram na construção
dos conhecimentos.
Segundo Perrenould (2000b),
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional trata dessa questão em seu Capítulo II, Seção I
A recuperação da aprendizagem pode ser contínua (quando desenvolvida ao longo do período letivo
como parte da rotina das aulas) e paralela (quando desenvolvida em período paralelo) e é parte integrante
do processo de ensino-aprendizagem. Não se trata simplesmente de realizar uma nova prova, tampouco
de oferecer aulas particulares para o aluno. Trata-se, sim, de respeitar as diferenças individuais e as velo-
cidades de aprendizagem de cada estudante, proporcionando-lhe condições e oportunidades necessárias
para ver, rever e retomar os conceitos e atividades já realizados. Pode ser realizada individualmente ou em
pequenos grupos, sob a orientação de professores e monitores.
A superação das dificuldades de aprendizagem deve ser proporcionada tão logo as dificuldades
sejam detectadas, ou após os conselhos de classe intermediários, quando previstos regimentalmente.
Para o desenvolvimento da recuperação paralela, podem ser elaborados projetos especiais ou ativi-
dades de grupo que contem, se possível, com a participação de alunos-monitores. Os grupos podem ser
organizados por módulo, por componente curricular, por área de conhecimento ou mesmo por grupos de
competências a serem desenvolvidas.
Os projetos de recuperação devem relacionar as competências que não foram desenvolvidas nos
componentes curriculares específicos, as bases tecnológicas e habilidades a elas relacionadas, e as ativida-
des, relevantes e significativas, que serão realizadas. É importante lembrar que a recuperação (contínua ou
paralela) não deverá ser mera repetição de conteúdos e métodos já utilizados anteriormente, e que foram
insuficientes para proporcionar a aprendizagem. Para a superação das dificuldades encontradas pelo alu-
no serão necessários outros procedimentos didáticos que complementem os anteriormente adotados. É
fundamental que o aluno tome conhecimento das dificuldades detectadas pelos professores e também que
tenha oportunidade de se manifestar (autoavaliação).
Cf. SÃO PAULO (Estado)
A Resolução SE 15/2005 fornece algumas indicações metodológicas que, pela universalidade, po- (2005). Secretaria da Educa-
dem adequar-se ao ensino médio e aos cursos técnicos. Assim, em seu artigo 6º, itens II e III, atribui a res- ção do Estado de São Paulo.
Resolução SE 15, de 22 fev.
ponsabilidade pela implantação dos projetos de recuperação paralela aos educadores, entre eles os docen- 2005. Dispõe sobre estudos
tes da classe ou da disciplina, que deverão identificar as dificuldades dos alunos, propor atividades para a de recuperação contínua
superação destas e avaliar e registrar continua e sistematicamente o desempenho desse aluno. e paralela na rede estadu-
al de ensino. Disponível
em: <http://siau.edunet.
sp.gov.br/ItemLise/arqui-
vos/15_05.htm>
Nas últimas décadas, a avaliação vem suscitando estudos e debates intensos em diversos setores e
áreas do conhecimento, ganhando uma abrangência cada vez maior. O termo avaliação passou a ser utili-
zado nos processos produtivos e nos de serviços. O ato de avaliar se tornou presente em diferentes etapas
de produção, com objetivo de, por exemplo, reduzir desperdícios materiais e verificar a qualidade dos
produtos e bens comercializáveis.
Entretanto, discutir a avaliação é uma tarefa difícil e complexa, já que ela faz parte das relações que
se estabelecem entre os diversos atores da vida social, política, econômica e cultural.
Na educação, a avaliação tem sido considerada um dos elementos mais importantes do processo
pedagógico. Pensar uma proposta avaliativa não excludente é imprescindível para aqueles que pretendem
participar da construção de saberes (saber, saber fazer e saber ser) junto aos jovens e adultos, resgatando
suas ricas experiências de vida e de trabalho, suas concepções de mundo e suas formas de relacionamento
num processo dialético, no qual a atuação do educador e do educando deve ser de “aprender para ensinar”
e “ensinar para aprender”.
Neste capítulo, vamos abordar diferentes temáticas relacionadas ao processo avaliativo voltado para
a prática educacional, especialmente, de jovens e adultos. Trata-se de apresentar aspectos relevantes da his-
tória da avaliação e dos diferentes paradigmas que foram sendo construídos em relação ao ato avaliativo.
Também vamos destacar alguns estudos sobre a avaliação que têm sido realizados nas últimas décadas,
além de fundamentações político-ideológicas, filosóficas e educacionais que alimentam algumas propos-
tas de importantes educadores e pesquisadores dessa temática.
O objetivo central é apresentar os princípios que norteiam a avaliação no processo educacional,
segundo diferentes paradigmas, tendo como perspectiva a busca de referenciais avaliativos mais condi-
zentes para a ação educativa na modalidade PROEJA. Para isso, buscaremos desvendar mitos, questionar o
processo avaliativo atual, problematizar o ato avaliativo e entendê-lo, em sua significação e ressignificação,
como parte crucial das relações entre os atores envolvidos na educação escolar. Também vamos colocar em
xeque certas verdades absolutas sobre o ato avaliativo e apontar alguns caminhos para o rompimento do
viés autoritário que ainda existe na prática educacional de grande parte das escolas Brasileiras.
Seguindo essa mesma tendência, no início do século XX, surgiu, na França e em Portugal, a chamada
docimologia. Entendida como o estudo sistemático dos exames, do sistema de atribuição de notas e dos Cf. RUST e GOLOMBOCK
comportamentos dos avaliadores e avaliados, a docimologia veio a exercer grande influência, principal- (1999 apud SILVA, J.A, 2004,
mente, nas escolas europeias. p. 256), dentro da psicolo-
gia, a psicometria trata das
teorias, das técnicas, dos
Nos dois casos mencionados, desenvolveram-se sistemas de avaliação que pudessem, após sua apli- instrumentos, das escalas e
cação e análise, ser utilizados para controlar fatores que influíssem no ato de medir os conhecimentos de dos diferentes modelos esta-
cada estudante. Esses sistemas previam a realização de testes padronizados cujos resultados pudessem ser tísticos e/ou matemáticos de
avaliação e mensuração de
estatisticamente avaliados. Essa sistemática de avaliação levou ao surgimento da psicometria, fortemente atributos subjetivos.
vinculada ao campo da psicologia. A psicometria, como aborda-
gem científica para a mensu-
Nessa fase, a preocupação dos educadores e estudiosos era elaborar instrumentos de avaliação que ração das características ou
atributos de natureza psico-
mensurassem os conteúdos aprendidos na escola. O ato de avaliar restringia-se a medir a quantidade de lógica, faz uso das escalas ou
conhecimentos adquiridos pelos alunos, por meio de testes e de exames. Não havia diferenciação entre testes padronizados, que são
compostos de um conjunto
avaliação e medida, predominando a ideia de que seria possível medir, por meio da observação cognitiva de tarefas ou atributos admi-
dos alunos, a quantidade de conteúdos assimilados. nistrados sob condições con-
troladas, e que são usados
O foco dessa avaliação recaía prioritariamente nos estudantes e em suas aprendizagens, com o intui- para avaliar o conhecimento,
as habilidades, os desempe-
to de selecioná-los e classificá-los. Para a pesquisadora Benvinda Ribeiro (2002), “o papel do avaliador na nhos e outras características
fase de mensuração era fundamentalmente técnico, orientado por princípios que evidenciavam a inflexibi- psicológicas dos indivíduos.
Começou a ser aplicada nos
lidade, a imparcialidade, a objetividade e a quantificação” (p.129).
primeiros anos do século
XIX, quando se tornou ne-
Avaliação por objetivos cessário diferenciar os indi-
víduos em função de suas
características para objetivos
A avaliação passou a ser objeto de estudos sistematizados somente a partir das primeiras décadas clínicos, educacionais ou de
do século XX. As transformações econômicas engendradas pelo desenvolvimento acelerado da indústria, trabalho.
da ciência e da técnica em alguns países europeus e nos Estados Unidos exigiram a ampliação de seus
sistemas educativos. Alguns autores destacam a necessidade da formação e preparação de soldados para
a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) como um dos fatores da valorização da educação e das mudanças
A avaliação é um dos temas mais conflituosos nas escolas, frequentemente gerando desconforto en-
tre pais, professores, alunos, coordenadores e direção da escola. As reuniões de conselho de classe muitas
vezes se transformam em verdadeiras trincheiras de batalha entre professores e direção. De um lado, os
que são mais flexíveis à promoção do aluno, considerando a aprendizagem global como fator relevante a
sua promoção; do outro, aqueles com uma visão mais tradicional, às vezes conteudista, de que o aluno não
deve ser promovido se não apresentar um “conhecimento mínimo” de todos os componentes curriculares.
No âmbito escolar, a avaliação tem sido objeto de discussões calorosas desde a década de 1970.
Segundo Lüdke (2002), a avaliação ocupa um campo cheio de contradições e conflitos, cuja identidade
evoluiu de uma aproximação muito estreita com conceitos, recursos e técnicas da mensuração para uma
visão mais ampla e abrangente dos fenômenos educacionais, mas ainda não atingiu consenso sobre seu
papel junto a escola, professores e alunos.
A avaliação era (e, em muitos casos, continua sendo) considerada sinônimo de prova. Ela se res-
tringia à aplicação de duas provas bimestrais ou semestrais, com o objetivo único de medir e verificar se
o aluno aprendeu os conteúdos exigidos pelos professores. De acordo com Schopf (2007), no cotidiano
de muitas escolas e de parte dos docentes, “o modelo comumente empregado para a avaliação da apren-
dizagem não passa de uma forma classificatória de enunciar o que cada aluno deveria, efetivamente, ter
assimilado do conteúdo exposto pelo professor em um dado período letivo, a fim de concluir uma unidade
do plano de ensino” (p. 2). Cipriano Luckesi (2006) mostra um cenário do que acontece habitualmente nas
escolas do país no tocante à questão da avaliação do ensino-aprendizagem.
Com o objetivo de propor mudanças nesse cenário, Luckesi passou a rediscutir e problematizar a
questão da avaliação da aprendizagem, colocando-a no centro do processo educacional. Suas ideias ul-
trapassaram a dimensão da escola formal ao relacionar a avaliação do aluno à democratização do ensino.
Ele indaga, por exemplo, “se a atual prática da avaliação da aprendizagem escolar está a favor ou contra
a democratização do ensino” (2006, p. 60). Analisando também as práticas de avaliação da aprendizagem,
[...] percebemos que o perfil do educador não mudou muito desde a época do
‘magister dix’. Na verdade, poucos são os que fogem ao conceito de educação
bancária, ou seja, o saber não passa de uma doação dos que se julgam sábios aos
que julgam que nada sabem, cabendo então aos sábios, dar, entregar, transmitir
o seu grande saber. Portanto, a educação se torna um simples ato de depositar,
onde os educandos são os depositários e o educador o depositante. Infelizmente, a
didática continua presa ao repasse mecânico, à aula expositiva, para ser copiada
e decorada. Depois, é restituída na prova e, finalmente, na ‘cola’ é copiada com
a máxima perfeição. Portanto, aula, prova e cola são sinônimos, no espírito da
coisa.
A educadora Jussara Hoffman (2006b) destaca que as práticas avaliativas classificatórias, predominantes
nas escolas Brasileiras, fundam-se na competição e no individualismo, no poder e na arbitrariedade presente
nas relações entre professores e próprios alunos, entre os alunos e entre os próprios professores (p. 16). Para
a autora, essas práticas ganham dimensões que extrapolam os seus objetivos, com os próprios conselhos de
classe servindo a propósitos discriminatórios: “tendo por objetivo a oportunidade de reunir professores, para
refletirem sobre a aprendizagem dos alunos, esses momentos sofreram a influência dos modelos classificatórios
e tornaram-se sessões de julgamento, muitas vezes, com réus e culpados” (p. 27-28).
Ela ressalta ainda que “outro problema denunciado pelos professores é que, nestas ocasiões, ques-
tões atitudinais ocupam um enorme tempo em detrimento às questões de ensino/ aprendizagem. As con-
siderações sobre as dificuldades dos alunos ficam muitas vezes restritas a problemas emocionais e de
conduta [...]” (p. 28).
Por sua vez, Philipe Perrenoud (1999a) fez críticas contundentes ao sistema de avaliação da apren-
dizagem que predominava na Europa até as décadas de 1970 e 1980. Para ele, as práticas avaliativas da
pedagogia tradicional dominavam as salas de aula, reproduzindo as relações de poder autoritárias, que
levam à reprovação e à exclusão de grande parcela de estudantes do sistema educacional. Nos excertos a
seguir, Perrenoud apresenta seus argumentos contra a avaliação tradicional que ele classifica de “avaliação
a serviço da seleção”.
7
Artigo “A avaliação do desempenho escolar como ferramenta de exclusão escolar”, sem data, publicado pela Revista
de Informação e Tecnologia do Centro de Computação da Unicamp. Disponível em: <http://www.ccuec.unicamp.br/
revista/infotec/artigos/andrea_cristina2.html>.
Perrenoud destaca ainda que a avaliação tradicional é uma fonte de angústia para os alunos com
dificuldade e até para os demais, que não têm grande coisa a temer, mas não o sabem. Também é uma
fonte de estresse e de desconforto para uma parte dos professores, que não gostam de dar notas. Segundo
o autor,
Toda inovação pedagógica que obrigue a se afastar dessa direção, seja distan-
ciando-se abertamente em relação aos procedimentos oficiais, seja interpretando-
-os em outra perspectiva, é uma fonte de inquietação para o professor. (...) não
se pode responsabilizar o medo da mudança por todas as resistências. Muitos
professores sabem ou percebem que, sem evolução, estão condenados à rotina e ao
tédio. Definitivamente, a mudança não passa de um momento difícil, por vezes
Patrice Ranjard é um pe- estimulante, caso resulte em uma renovação e crie equilíbrios mais fecundos. A
dagogo francês, doutor em
ciências da educação. Per-
situação é mais grave quando os professores pressentem que não encontrarão,
renoud extraiu a referência em um novo sistema de avaliação, as satisfações, confessáveis ou não, que lhes
do livro “Les enseignants
proporciona a avaliação tradicional. (idem, p. 156)
persécutés”, publicado por
Ranjard em 1984 na França.
Ranjard escreveu também os Perrenoud também menciona as duras críticas que o pedagogo francês Patrice Ranjard dirige à pe-
livros “L’Individualisme, un dagogia do exame e ao poder que alguns professores acreditam que possuem. Para este autor, uma das ra-
suicide culturel: les enjeux
de l’education” (1997) e “Les zões que levam alguns professores a resistir à introdução de mudanças no processo de avaliação é o prazer:
profs suicident la France
sociopathologie du corps en-
seignant” (2003). Não há ain- Eles defendem um prazer. Um prazer de má qualidade, mas seguro, garantido,
da tradução dos seus livros cotidiano. Um prazer que deve se mascarar para ser vivenciado sem culpabilida-
para o português.
de. [...] Esse prazer é o prazer do Poder com P maiúsculo. O professor é o mestre
absoluto de suas notas. Ninguém no mundo, nem seu diretor, nem seu inspetor,
nem mesmo seu ministro, pode qualquer coisa em relação às notas que fixou. Pois
foi em sua alma e consciência que ele as fixou. Com seu diploma, reconheceu-se
sua competência para corrigir (o que não deixa de ter graça!). Sua consciência
profissional é inatacável. Em sua tarefa de corretor, é todo poderoso. E esse do-
mínio significa poder sobre os alunos. (RANJARD, citado por PERRENOUD,
1999a, p. 157)
Na década de 1970, uma nova geração de autores, como os americanos Benjamin Samuel Bloom,
Thomas Hastings e George F. Madaus, questionou os que defendiam o sistema de avaliação por objetivos.
Conforme Kraemer (2005, p. 141), esses pesquisadores argumentavam que os objetivos nem sempre eram
estabelecidos a priori e nem sempre eram bem definidos, de maneira que não se podia esperar o final do
curso para avaliar se os objetivos tinham sido alcançados. Para eles, a avaliação deveria ser considerada
um método de adquirir e processar evidências necessárias para melhorar o ensino e a aprendizagem, in-
cluindo uma variedade de evidências que vão além do exame usual de “papel e lápis”.
Outra contribuição decisiva desses autores para a reflexão sobre o processo avaliativo na educação
foi a classificação da avaliação em três tipos: (1) uma preparação inicial para a aprendizagem; (2) uma
verificação da existência de dificuldades por parte do aluno durante a aprendizagem e (3) o controle sobre
As análises sobre a avaliação passaram a privilegiar o processo pedagógico como um todo, não se limi-
tando aos seus resultados. Para Ana Maria Saul (1988), há uma preocupação em compreender o significado de
produtos complexos a curto e a longo prazo, explícitos e ocultos, o que requer uma mudança de orientação,
uma troca de polo, enfatizando o processo e não ao produto, como vinha ocorrendo (p. 46).
As críticas ao modelo tradicional e tecnicista de avaliação vieram acompanhadas de diversas pro-
postas alternativas. A partir daqui, vamos apresentar as propostas de alguns educadores que viam a ava-
Avaliação dialógica
Embora o tema da avaliação da aprendizagem não tenha sido o objeto central das proposições edu-
cativas de Paulo Freire, sua obra contempla problemáticas sobre o ensino que estimularam um intenso
debate sobre a avaliação escolar, nas décadas 1980 e 1990.
Para Freire,
No texto, é possível identificar as críticas de Freire à pedagogia tradicional, fortemente marcada pela
visão da escola como um simples espaço de reprodução dos conhecimentos. Depreende-se também uma
crítica ao sistema de avaliação do educando, que deve apenas repetir nas avaliações exatamente o que ou-
viu do professor. Freire concebe o processo educacional como uma relação que permite o desenvolvimento
da consciência crítica, capaz de transformar a sociedade. Esse desenvolvimento é obstaculizado pela edu-
cação “bancária”, predominante nas escolas, da qual a avaliação é um dos instrumentos.
De acordo com Freire,
Freire abre possibilidade para uma avaliação dialógica quando enfatiza a necessidade de se estabe-
lecer uma relação também dialógica no processo ensino-aprendizagem, como metodologia privilegiada na
construção da consciência crítica.
Na relação dialógica estão os fundamentos da prática avaliativa que influenciaram vários educado-
res e estudiosos, que assumiram a ótica de transformação do ato de avaliar em um processo de aprendiza-
do tanto do educando como do educador. Como afirma Cupolillo,
Os critérios de avaliação do saber dos meninos e meninas que a escola usa, inte-
lectualistas, formais, livrescos, necessariamente ajudam as crianças das classes
sociais chamadas favorecidas, enquanto desajudam os meninos e meninas popu-
lares. E na avaliação do saber das crianças, quer quando recém-chegadas à escola,
quer durante o tempo em que nela estão, a escola, de modo geral, não considera
o ‘saber de experiência feito’ que as crianças trazem consigo. Mais uma vez, a
vantagem é das crianças das classes médias, de que resulta seu vocabulário, sua
prosódia, sua sintaxe, afinal tal competência linguística coincide com o que a
escola considera o bom e o certo. A experiência dos meninos populares se dá pre-
ponderantemente não no domínio das palavras escritas, mas no da carência das
coisas, no dos fatos, no da ação direta. (2001 apud CUPOLILLO, 2007, p. 61)
Toda ação pedagógica repousa sobre uma parcela intuitiva de avaliação forma-
tiva, no sentido de que, inevitavelmente, há um mínimo de regulação e função
das aprendizagens ou, ao menos, dos funcionamentos observáveis dos alunos.
Para se tornar uma prática realmente nova, seria necessário, entretanto, que a
avaliação formativa fosse a regra e se integrasse a um dispositivo da pedagogia
diferenciada. É esse caráter metódico, instrumentado e constante que a distancia
das práticas comuns. Portanto, não se poderia, sob risco de especulação, afirmar
que o professor faz constantemente avaliação formativa, ao menos não no pleno
sentido do termo.
Mudar a avaliação é fácil dizer! Nem todas as mudanças são válidas. Pode-se bastan-
te facilmente modificar as escalas de notação, a construção das tabelas, o regime das
médias, o espaçamento das provas. Tudo isso não afeta de modo radical o funciona-
mento didático ou o sistema de ensino. [...] Para mudar as práticas no sentido de
uma avaliação mais formativa, menos seletiva, talvez se deva mudar a escola, pois a
avaliação está no centro do sistema didático e do sistema de ensino. Transformá-la ra-
dicalmente é questionar um conjunto de equilíbrios frágeis. Os agentes o pressentem,
advinham que, propondo-lhes modificar seu modo de avaliar, podem-se desestabilizar
suas práticas e o funcionamento da escola.
Entendendo que basta puxar o fio da avaliação para que toda a confusão pedagó-
gica se desenrole, gritam: “Não mexa na minha avaliação!”.
Conforme Cerny e Ern (2001), Perrenoud também considera que a escola deve apostar na autoava-
liação, a qual denomina “autorregulação”, pressupondo que nenhuma intervenção externa traz resultados
se não for percebida, interpretada e assimilada pelo sujeito. Nesse sentido, a “ação educativa deveria es-
Em entrevista à revista “Educação”, Hadji8 também esclarece algumas diferenças entre a avaliação
formativa e a somativa, demonstrando suas diferentes funções e etapas no processo avaliativo.
8
Cf. HADJI, Charles (2001a). “Avaliar para melhor formar”. In: revista Educação, ed. 237, jan. 2001. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_revistas/revista_educacao/janeiro01/entrevista.htm>.
Avaliação diagnóstica
O educador Cipriano Luckesi (2006) propôs mudanças significativas no processo avaliativo, com
vistas à transformação das relações no ensino-aprendizagem numa perspectiva de democratização da
educação. Para Luckesi, a avaliação contribui para a democratização quando ela é diagnóstica, e não clas-
sificatória, ou seja, quando a avaliação se torna um instrumento de diagnóstico do processo de ensino-
-aprendizagem, não apenas um mecanismo para aprovar ou reprovar alunos.
Entretanto, o autor acredita que a avaliação diagnóstica deve estar comprometida com uma peda-
gogia progressista, cujas perspectivas apontem numa direção de inclusão dos estudantes. Os fragmentos
de texto a seguir mostram os fundamentos teóricos que Luckesi utilizou na defesa de novos referenciais
para essa questão.
Avaliação mediadora
Num contexto de intensos debates sobre a avaliação do ensino-aprendizagem, alguns educadores
passaram a propor uma avaliação mediadora como forma de possibilitar a permanência do aluno na escola
e de democratizar as relações escolares. Jussara Hoffmann (2006b) aponta para a necessidade de transfor-
mação em direção a esse tipo de avaliação:
Os estudos em avaliação deixam para trás o caminho das verdades absolutas, dos
critérios objetivos, das medidas padronizadas e das estatísticas, para alertar sobre
o sentido essencial dos atos avaliativos de interpretação de valor sobre o objeto
da avaliação, de um agir consciente e reflexivo frente às situações avaliadas e de
exercício do diálogo entre os envolvidos.
Para Hoffmann, portanto, o professor deve ter um papel interativo no processo avaliativo e deve ter
responsabilidade com o objeto da avaliação e com sua própria aprendizagem durante o processo de ava-
liar. O foco da avaliação deixa de ser o aluno para centrar-se no papel do mediador do processo avaliativo,
que é o educador. Dessa forma, a autora considera que a avaliação mediadora deve ser vista como um
processo dialógico entre educando e educador na construção das aprendizagens. A ação avaliativa deixaria
de ser sobre o produto e passaria a ser parte do próprio processo de aprendizagem.
Hoffmann critica a avaliação tradicional, pois considera que seus fundamentos estão relacionados à
classificação dos alunos e à mensuração do conteúdo aprendido por eles (1991, p. 67). Ela sugere que do-
centes de todos os níveis escolares trabalharem a partir da ideia de avaliação mediadora, a qual teria uma
relação dialógica na construção do conhecimento, e não em sua reprodução.
Por essa avaliação mediadora se encorajaria a reorganização do saber, por meio da ação, movimento,
provocação, e na tentativa de reciprocidade intelectual entre os elementos da ação educativa. Nesse pro-
Avaliação emancipatória
A avaliação emancipatória tem como característica central o processo de descrição, análise e crítica
de uma dada realidade, com o objetivo de transformá-la. Os fundamentos da avaliação emancipatória se
situam numa corrente político-pedagógica, fundamentada no estímulo emancipatório, isto é, na libertação
do sujeito dos condicionamentos deterministas. Esse tipo de avaliação é defendido pela pedagoga Ana Ma-
ria Saul, que se inspirou nas obras de Paulo Freire, Jean Piaget, Michel Foucault, Jürgen Habermas, entre
outros. Segundo Saul, a avaliação emancipatória constitui-se
9
Cf. BALTOR, Cristiane da Silva e FIGUEIREDO, Cristina Alexandrino de (2004). O papel da avaliação na educa-
ção de jovens e adultos. Fortaleza: Universidade Regional do Cariri. Disponível em: <http://www.cereja.org.br/
pdf/03_1630_Sala08.pdf>.
Sem tomar a tarefa como um momento terminal e, sim, como um elo de uma
grande corrente, tanto os ‘erros’ dos alunos como as dúvidas dos professores em
interpretá-los, retornarão à sala de aula para serem discutidos por todos, elemen-
tos importantes e positivos na continuidade das ações desenvolvidas, de outras
tarefas propostas. Nesse sentido, o momento da correção passa a existir como um
momento de reflexão sobre as hipóteses que vierem sendo construídas pelo aluno
e não para considerá-las como definitivamente certas ou erradas.
3. Princípios de avaliação
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.
É possível constatar nos itens anteriores a existência de uma vasta literatura sobre as diferentes con-
cepções do processo da avaliação tanto do ensino como da aprendizagem. Essas concepções são construí-
das tendo como referenciais as posições filosóficas, políticas e ideológicas que fundamentam paradigmas
defendidos por diversos autores, em determinado contexto histórico. Portanto, é preciso compreendê-los
não como concepções definitivas e acabadas, mas como construções conceituais decorrentes da estrutura
social e das conjunturas em que emergem. Essas concepções também levam em conta a legislação, a políti-
ca educacional institucional e os sistemas de ensino público e privado.
É importante igualmente conhecer alguns princípios da avaliação que norteiam a legislação e a
política educacional. A LDB/1996 estabelece alguns princípios da avaliação, nos seus aspectos interno e
externo do sistema educacional. Porém, não é possível discutir princípios avaliativos sem considerar a am-
plitude que o ato avaliativo assumiu na atualidade. Os estudos recentes e a atual legislação sobre educação
destacam as avaliações: das instituições, do desempenho docente e do ensino-aprendizagem.
A avaliação institucional tem gerado polêmicas entre gestores educacionais e educadores, receosos
de ser avaliados pelo seu trabalho. Em sua evolução histórica, a cultura da avaliação sempre esteve associa-
da à avaliação do aluno, que recebia instrução dos conhecedores “inquestionáveis”, portadores de títulos
e de méritos.
No entanto, há uma grande quantidade de educadores e de estudiosos que veem a avaliação insti-
tucional como um mecanismo de defesa da qualidade da educação. Eles argumentam que a escola e todos
seus atores devem participar da construção do processo avaliativo e que esse deve estar em consonância
com o projeto político-pedagógico estabelecido pela instituição.
De acordo com Provenzano e Moulin, “a avaliação institucional é um processo que engloba a totali-
dade do trabalho escolar, em seus eixos pedagógico, administrativo e financeiro” (2002, p. 32). As autoras
também sugerem alguns princípios que devem ter a avaliação institucional:
Continuidade
A avaliação institucional é um processo permanente e dinâmico que deve ser
renovado e aperfeiçoado. A continuidade do processo constitui a garantia da
manutenção do nível de qualidade do funcionamento das atividades acadêmicas e
administrativas e das permanentes reformulações que se fizerem necessárias.
Participação democrática
A representação de todos os sujeitos da ação educativa na elaboração do projeto
de avaliação institucional confere legitimidade ao processo e lhe atribui um cará-
Integração
Uma das principais funções da avaliação institucional deverá ser a de integrar as
áreas administrativas e acadêmicas da escola, a fim de que os participantes pos-
sam conjuntamente estabelecer o foco da avaliação e obter, com seus resultados,
melhoria nas diferentes áreas de atuação.
O bom professor é aquele que não dá aula. Ele constrói a aula com o aluno.
Mary Rangel (2004, p.10)
A palavra práxis vem do
grego prâksis, e pode sig-
(...) e que o educador tem ele próprio de ser educado. nificar tanto o fato de agir,
a ação, como a maneira de
Karl Marx (1845, p. 1) agir, a conduta. Conforme o
dicionário Houaiss, o termo
já foi empregado por várias
correntes filosóficas. Na dou-
O educador e a práxis educativa trina aristotélica (século IV
a. C.), por exemplo, a práxis
O educador e sua prática educativa sempre estiveram no centro do processo de ensino-aprendiza- designa o conjunto de ativi-
gem, determinando quase todas as relações que perpassam o ato educativo dentro do espaço escolar. Até dades humanas autotélicas,
ou seja, que não apresentam
os anos 70, poucos estudiosos ousaram questionar a atuação desse educador como indivíduo detentor e qualquer finalidade fora ou
reprodutor do conhecimento, que ele julgava ser “verdade absoluta”. Entretanto, nas últimas décadas, além de si mesmas. A práxis
mais importante, segundo o
surgiram vários estudos que buscam refletir sobre o papel do educador e de sua relação com os educandos aristotelismo, seria a política.
na construção dos saberes, e não em sua mera reprodução. Já no marxismo (século XIX),
a práxis é a ação objetiva que,
Esses estudos emergem num contexto de grandes transformações socioeconômicas, políticas e cul- superando e concretizando a
crítica social meramente teó-
turais, que tiveram repercussões sobre o próprio conhecimento e sua forma de apropriação. As mudanças rica, permite ao ser humano
profundas nas tecnologias e a ampliação da luta por direitos sociais também contribuíram para reforçar a construir a si mesmo e o seu
convicção da necessidade de reconstruir a escola e as relações que ocorrem em seu interior. É nesse contex- mundo, de forma livre e au-
tônoma, nos âmbitos cultural,
to que muitos educadores e estudiosos encontraram inspiração para questionar a escola como reprodutora político e econômico.
do autoritarismo e das relações de produção dominantes.
No Brasil, desde o fim da Ditadura Militar (1964-1985), novos ventos de redemocratização têm pas-
sado pela escola, fortalecendo o ideal dos educadores que resistiam e discordavam das práticas escolares
autoritárias, similares às da estrutura do poder ditatorial vigente no país. O questionamento a essas práti-
cas teve, em grande parte, a influência das ideias do educador Paulo Freire, que, por meio de suas prega-
ções educativas emancipatórias, fez “escola” não apenas no Brasil mas também no mundo.
Freire tornou-se um importante defensor da educação como prática da liberdade e como meio de
transformação social. Suas concepções partem das condições concretas nas quais se desenvolviam as re-
lações no âmbito escolar. Para construir seus referencias teóricos, ele tece críticas veementes às práticas
educativas então presentes nas escolas, considerando-as resultado de uma concepção “bancária”, na qual
“a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depo-
sitante” (FREIRE, 2005, p.66). Segundo ele,
Freire analisa principalmente as relações que se estabelecem na educação “bancária”, que privilegia
o educador em detrimento do educando. Para ele, essa educação separa os atores envolvidos no processo
educativo:
Em oposição à educação “bancária”, Paulo Freire propõe a educação como prática da liberdade, ou
seja, uma educação que não aliene e nem mantenha alienado o educando. É preciso que a educação encon-
tre seus fundamentos na crítica da realidade e na releitura do mundo, como um processo permanente de
conscientização, pois
O modelo de educação de Paulo Freire pressupõe que o educador se comprometa com as mudanças
da realidade social e que estimule a leitura crítica da realidade, promovendo o diálogo com os educandos.
A partir da relação dialógica entre ambos, ocorre a prática educativa que serve verdadeiramente à apro-
priação do conhecimento, com vista à libertação dos homens. Para ele, isso tudo exige que o educador seja
um companheiro dos educandos:
[...] o educador já não é mais aquele que apenas educa, mas o que, enquanto
educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em
que os “argumentos de autoridade” já não valem. [...] ninguém educa ninguém
e tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens educam em comunhão, me-
diatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na prática
“bancária”, são possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos
educandos passivos. (idem, 2005, p.79)
Freire procura destacar em sua obra a importância de o educador ser democrático no desenvolvi-
Outro ponto importante é repensar a formação dos educadores de profissionais diante do atual contexto
de grandes transformações engendradas principalmente pelas novas tecnologias, que alteraram as condições
do mundo do trabalho e do cotidiano dos indivíduos. Quanto a isso, autor considera que:
De acordo com Pinto, “a condição para este constante aperfeiçoamento do educador não é somente
a sensibilidade aos estímulos intelectuais, mas é sobretudo a consciência de sua natureza inconclusa como
sabedor” (idem, p. 113). Pinto destaca ainda a importância de o educador estar ciente de sua própria ação
no processo educacional quando afirma:
Para Pinto, o educador deve compreender o movimento da realidade, pois é preciso acompanhar a
marcha das transformações. Aqui, é importante salientar que essa característica tornou-se uma das priori-
tárias na formação do educador de profissionais, já que, a cada dia, profundas mudanças atingem todas as
áreas do conhecimento, provocando também significativas alterações no processo produtivo e nas relações
de trabalho. Um educador que atua na educação profissional deve se atualizar permanentemente sobre as
novas tecnologias, o mercado de trabalho, o movimento sindical, o mercado consumidor e financeiro, etc.
as relações entre Estado, sociedade, ciência, tecnologia, trabalho, cultura, formação huma-
na e educação;
as políticas públicas e, sobretudo, educacionais de uma forma geral e da EPT em particular;
o papel dos profissionais da educação, em geral, e da EPT, em particular;
a concepção da unidade ensino-pesquisa;
a concepção de docência que se sustente numa base humanista;
a profissionalização do docente da EPT: formação inicial e continuada, carreira, remunera-
ção e condições de trabalho e
o desenvolvimento local e inovação.(p. 85)
O Documento Base do PROEJAestabelece alguns referenciais necessários à formação continuada de
professores e gestores que pretendem atuar na modalidade de educação profissional integrada à educação
básica de jovens e adultos. Esse documento condiciona a implantação dessa modalidade de ensino à reali-
zação de formação específica para professores e gestores que trabalharão com esses estudantes:
a) a formação continuada totalizando 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto
de, no mínimo, 40 horas;
b) a participação em seminários regionais, supervisionados pela SETEC/MEC, com perio-
dicidade semestral e em seminários nacionais com periodicidade anual, organizados
sob responsabilidade da SETEC/MEC;
c) a participação de professores e gestores em outros programas de formação continuada
voltados para áreas que incidam sobre o PROEJA, quais sejam, ensino médio, educa-
ção de jovens e adultos e educação profissional, bem como aqueles destinados à reflexão
sobre o próprio Programa.
A SETEC/MEC, como gestora nacional do PROEJA, será responsável pelo estabelecimen-
to de programas especiais para a formação de formadores e para pesquisa em educação
de jovens e adultos, por meio de:
10
EPT: Ensino Profissional Tecnológico.
Formação de Jovens e Adultos: (Re)Construindo a Prática Pedagógica 143
a) oferta de Programas de Especialização em educação de jovens e adultos como modalidade de
atendimento no ensino médio integrado à educação profissional;
b) articulação institucional com vista a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado)
que incidam em áreas afins do PROEJAe
c) fomento para linhas de pesquisa em educação de jovens e adultos,
ensino médio e educação profissional.(Brasil, 2007, p. 60-61)
Portanto, o próprio governo federal, ao criar o PROEJA, vincula a instalação dos cursos a serem ofe-
recidos à formação específica dos educadores de profissionais que pretendem trabalhar com a educação de
jovens e adultos. Isso é uma evidência de que o governo reconhece a especificidade da EJA e que pretende
investir recursos financeiros na formação desses educadores.
Superar preconceitos
Um dos primeiros desafios que o futuro educador do PROEJAenfrenta é a superação dos preconcei-
tos em relação a essa modalidade de escolarização. A ideia preconcebida de “trabalhar com os rejeitados do
ensino regular” ainda é bastante arraigada na concepção de muitos profissionais da educação.
No entanto, é preciso se livrar dessa ideia e buscar compreender que grande parte desses cidadãos
saiu do ensino regular por deficiências do próprio sistema educacional ou pela necessidade familiar que os
obrigou a entrar rapidamente no mercado de trabalho.
O educador do PROEJAdeve estar próximo da realidade social de seus educandos, identificando-se
como indivíduo e trabalhador, para que sua prática corresponda aos objetivos da própria educação na qual
está envolvido. Conforme Pinto:
O educando que abandonou a escola regular tende também a rejeitar sua própria condição de estu-
dante, discriminando a modalidade EJA e sentindo-se inferiorizado perante o educador. Isso normalmente
se relaciona ao fato de a própria escola e a sociedade em geral os discriminarem.
Uma experiência prática relatada por coordenadores e docentes da Escola Técnica de São Paulo é
ilustrativa do exposto: no ano de 2008 um movimento de estudantes do PROEJA, surpreendeu os docentes
e membros da direção. Eles se reuniram e reivindicaram não quererem mais ser chamados de “alunos do
PROEJA”, alegando se sentir discriminados por estudantes de outras turmas. Por serem alunos do PROE-
JAem Administração, decidiram que deveriam ser chamados “alunos do técnico em Administração”.
Foi uma experiência que teve resultados significativos, pois ainda que demonstrassem preconceito
em relação à própria modalidade que cursavam, aprenderam a se organizar e reivindicar. Docentes do
curso aproveitaram a oportunidade para trabalhar com os alunos a questão do preconceito, das formas de
organização social, da cidadania, e de outros temas pertinentes a esse evento.
Isso mostra que cabe ao educador atuar com os educandos numa relação que propicie a superação
desses sentimentos que obstaculizam o processo educacional e o reconhecimento do cidadão como ser que
interage e transforma a sociedade em que vive. Nesse sentido, Pinto considera que:
O educando, por seu lado, sendo reconhecido como sujeito se comporta como tal. Sen-
te sua relação com o professor como de cooperação num ato comum. Não se concebe
mais como o participante passivo da operação educacional. Pode dar expansão a seus
estímulos interiores de autocriação, ao mesmo tempo em que se sente atuante sobre o
processo social pelo fato de estar se alfabetizando, instruindo-se.
O respeito ao outro é um fator que precisa predominar nas relações entre educador e educando para que
a práxis pedagógica seja favorável à construção dos saberes. Estudos indicam que muitos alunos abandonam a
escola, em razão de atitudes autoritárias de alguns educadores. Sobre isso, Paulo Freire afirma que:
Jane Barbosa (2008) reitera que o professor deve avançar rumo ao sucesso de todos os alunos, sendo ne-
cessário desconstruir preconceitos, estereótipos e mitos culturalmente enraizados na comunidade escolar. Ela
cita frases da educadora e psicóloga Tereza Penna Firme (1996 apud BARBOSA, 2008), ditas com muita frequên-
cia em salas dos professores e conselhos de classe: “professor bom é aquele que reprova”; “repetir é bom para
o aluno pegar base”; “esse menino não tem jeito para o estudo”; “as famílias pobres não dão valor ao estudo”.
Tais frases representam o grau de incompetência do educador, do gestor e do sistema educacional em trabalhar
as dificuldades apresentadas pelos educandos, por causa de fatores, como deficiências de ensino-aprendizagem
anteriores, questões familiares e frustração de expectativas dos educandos.
Esse educador não pode ser visto como um “missionário” a serviço dos excluídos, mas como um
profissional que possui competências voltadas para atuar no processo de educação de jovens e adultos que
retornam à escola em busca de realizações pessoais, profissionais, sociais, políticas, etc. É preciso que esse
educador sinta-se capaz de superar os desafios e que esteja comprometido com a tarefa de transformar a
realidade social desses cidadãos que almejam atender suas expectativas pessoais e do mundo do trabalho
por meio da escola.
[..] procura aplicar [aos adultos] métodos de ensino e até utiliza as mesmas
cartilhas que servem para a infância. Supõe que a educação [de adultos] consiste
na “retomada do crescimento” mental de um ser humano que, culturalmente,
estacionou na fase infantil. O adulto é considerado, assim, um “atrasado”. Essa
concepção, além de falsa e ingênua, é inadequada porque:
não reconhece o adulto iletrado como membro atuante e pensante de sua comuni-
dade, na qual de nenhuma maneira é julgado um “atrasado” e onde, ao contrá-
rio, pode até desenvolver uma personalidade de vanguarda. (idem, p.87-88)
[...] essa concepção conduz aos mais graves erros pedagógicos pela aplicação ao
adulto de métodos impróprios e pela recusa em aceitar os métodos de educação
integradores do homem em sua comunidade, quer dizer, aqueles que lhe fazem
compreendê-la e modificá-la, nos quais o conhecimento da leitura e da escrita se
faz pelo alargamento e aprofundamento da consciência crítica do homem frente à
sua realidade. (idem, p.88)
Essa tendência à infantilização pode ser também associada ao fato de o educando adulto não ser
visto como um trabalhador igual ao educador. Vera Masagão Ribeiro (1999) expressa adequadamente esse
ponto de vista:
A formação dos educadores do PROEJAé, sem dúvida, um desafio a ser vencido. Extrapola o mero
trabalho em conjunto do professor do ensino médio com o do ensino técnico na medida em que, inde-
pendentemente de sua formação acadêmica, deverá se reconhecer como um professor do ensino médio
integrado ao ensino profissional em uma modalidade específica, comprometido com a “integração socio-
laboral desse grande contingente de cidadãos cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter
acesso a uma formação profissional de qualidade” (Brasil, 2007, p. 11).
O educador deve propiciar condições para que os educandos tenham uma formação profissional
que lhes proporcionem algumas garantias de disputar uma colocação no mercado de trabalho. Porém,
espera-se do educador do PROEJAque assuma também sua competência de formar um cidadão que possa
participar ativamente da construção histórica de sua própria realidade.
Não se pode, entretanto, reduzir o papel que o trabalho desempenha para essa parcela da popula-
ção. É graças ao trabalho que muitos têm a oportunidade de voltar a estudar ou ainda, de permanecer na
escola. Afinal, como salienta o artigo 39 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996):
“a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia,
conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”.
O Parecer CNE/CEB nº 11/2000, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de
Jovens e Adultos, em seu título VIII, estabelece alguns pressupostos para o professor da EJA, que podem
ser estendidos para o PROEJA:
Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA
deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aque-
las relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse
profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente
Os educadores do PROEJA, assim como os gestores, devem, portanto, organizar e planejar progra-
mas, currículos, metodologias e propostas pedagógicas, levando sempre em consideração, primeiramente,
o estudante, em suas dimensões de ser humano social, com sua história, suas experiências, sua cultura,
suas crenças e expectativas.
Nesse contexto, professores e estudantes são sujeitos igualmente envolvidos no processo. Todos,
portanto, devem estar comprometidos com os objetivos da modalidade, como “agentes solidários na pro-
dução coletiva de um projeto social, conscientes da sua condição de inacabamento enquanto seres huma-
nos em permanente processo de formação” (SANTOS, 2006, p. 18).
De acordo com Moura, trata-se de um processo de caráter crítico-reflexivo onde o professor deve ter
uma formação orientada para a responsabilidade social, desempenhando a função de problematizador e
mediador do processo de ensino-aprendizagem (2006, p. 84). É importante salientar que, neste papel que
lhe é atribuído, o docente não perde sua autoridade nem sua responsabilidade com a competência técnica
de sua área de conhecimento.
Assim, o professor deverá ser detentor de conhecimentos específicos de sua área profissional, ter
uma formação não só didática e pedagógica como também política e ser capaz de integrar o ensino profis-
sional com a educação básica.
Não podemos nos furtar de uma realidade: nós, professores, somos seres humanos e (felizmente)
não somos iguais uns aos outros. O importante é nos conscientizarmos de que, com nossas características e
limitações, busquemos permanentemente a excelência no nosso fazer educacional e humano.
A esse respeito, Bordenave nos leva a refletir sobre o que chama de “tipos de professor” (BORDENA-
VE e PEREIRA, 1998, p.65). Ele cita uma pesquisa da revista Time, que indicava que os melhores professo-
res dos Estados Unidos não eram os que utilizavam técnicas de ensino mais sofisticadas, mas aqueles que,
com seu entusiasmo, contagiavam os alunos, fazendo com que se interessassem por seu curso. Então, o au-
tor apresenta uma classificação elaborada pela Universidade da Califórnia com cinco tipos de professores:
O instrutor – aplica seus métodos didáticos com o objetivo de fazer o aluno ser capaz de responder
imediatamente às demandas, segundo fórmulas e soluções já definidas. É a autoridade máxima na sala de
aula. Com ele, “o aluno se converte numa máquina de dar respostas certas” (p.66).
O conteudista – é aquele que precisa seguir o planejamento e cumprir o programa acima de tudo, pois
tem plena certeza da necessidade de os alunos aprenderem os conteúdos que estabeleceu. Não costuma
estimulá-los a pesquisar, uma vez que já tem organizadas as informações que considera suficientes para
sua formação. “A ideia de que o professor possa aprender algo discutindo com os alunos é para ele com-
pletamente estranha ao objetivo de ensinar ou aprender” (p.66).
O que se concentra no processo de instrução – prioriza o processo e orienta seus alunos para que sigam
métodos pré-definidos. Valoriza a aplicação de exercícios, experiências, atividades práticas. Por esta carac-
terística, geralmente é um professor com boa aceitação entre os alunos. “Entretanto, se se analisa bem seu
papel, observa-se que todas as conversas começam sempre com ele e suas ideias e que, mais cedo ou mais
tarde, acabam sempre voltando a ele e suas ideias” (p.67).
Ainda conforme esse Parecer, “em educação profissional, quem ensina deve saber fazer, quem sabe
fazer e quer ensinar deve aprender a ensinar” (idem, p. 46). O aprender a ensinar – o qual poderia induzir
algumas pessoas a pensar em fórmulas e receitas prontas – é complementado pela menção a outros conhe-
cimentos e atributos necessários, para além das competências mais diretamente voltadas para o ensino de
uma profissão, e que devem ser objeto de uma continuada educação do docente. São eles (cf. Brasil, 1999,
p. 46-47):
• conhecimento das filosofias e políticas da educação profissional;
• conhecimento e aplicação de diferentes formas de desenvolver a aprendizagem dos alunos em
uma perspectiva de autonomia, criatividade, consciência crítica e ética;
• flexibilidade com relação às mudanças, com a incorporação de inovações no campo de saber já
conhecido;
• iniciativa para buscar o autodesenvolvimento, tendo em vista o aprimoramento do trabalho;
• ousadia para questionar e propor ações;
• capacidade de monitorar desempenhos e buscar resultados e
• capacidade de trabalhar em equipes interdisciplinares.
Muitas são as definições sobre o significado de competência. A discussão sobre essa temática é ampla e
desperta debates calorosos entre seus defensores e os que a consideram apenas sob a ótica do desenvolvimento
educacional voltado para o mercado. De qualquer forma, é impossível ignorar esse debate; colocar-se alheio a ele
seria uma prática daqueles que procuram cada vez mais distanciamento do processo educacional contemporâneo.
Utilizaremos aqui a concepção de competência proposta por Philipe Perrenoud (2000b, p.69), que a concebe
como “uma capacidade de produzir hipóteses, até mesmo saberes locais que, se já não estão ‘constituídos’, são
Do francês, savoir significa
“saber” e faire, “fazer. Savoir- ‘constituíveis’ a partir dos recursos do sujeito” ou seja, a condição de mobilizar recursos cognitivos acumulados para
-faire trata-se, portanto, da enfrentar situações específicas.. Ele argumenta que essa concepção está relacionada a quatro aspectos (p. 68-70):
habilidade de obter êxito,
graças a um comportamento
maleável, enérgico e inteli- As competências são elas mesmas saberes, savoir-faire ou atitudes. Elas
gente (cf. HOUAISS). A ex-
pressão pode ser sinônimo
mobilizam, integram e orquestram tais recursos.
do que, em português, cha-
mamos tino, tato.
Essa mobilização só é pertinente em situação, sendo cada situação singu-
lar, mesmo que se possa tratá-la em analogia com outras, já encontradas.
Na atualidade, é fundamental que o educador de profissionais trabalhe com seus educandos sob a
ótica da construção de competências. Entretanto, como trabalhar nessa perspectiva se o educador desco-
nhece suas próprias competências no processo educativo? Pensar a educação profissional do educando a
partir de suas próprias competências é uma prática que poderá contribuir para a superação das dificul-
dades que muitos professores demonstram, quando se tornam agentes da formação profissional. Quais
Competências de
Competências específicas a serem trabalhadas em formação contínua (exemplos)
referência
Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tra-
dução em objetivos de aprendizagem.
11
Cf. PERRENOUD, 2000a, p. 20-21.
Coordenar e dirigir uma escola com todos os seus parceiros (serviços paraescola-
res, bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem, etc.).
Pedro Demo (1996) fornece alguns saberes que considera imprescindíveis ao educador em sua ação
educativa, os quais podem ser associados às competências propostas por Perrenoud:
Saber pesquisar. O sentido da pesquisa é o do princípio educativo, para
impulsionar o saber pensar, o aprender a aprender, para melhor intervir. O
professor que sabe pesquisar saberá como educar para a pesquisa.
Saber elaborar. O professor que sabe elaborar é capaz de construir e reconstruir
seu próprio projeto pedagógico, contribuir com materiais didáticos pessoais,
acompanhar e sobretudo colaborar com os avanços científicos de sua área.
Saber lidar com a eletrônica. O professor que sabe lidar com a informática e com
os meios eletrônicos de maneira geral será capaz de imprimir à escola o com-
promisso de estar em dia com a história contemporânea e, principalmente, de
humanizar a técnica.
Saber avaliar. O professor que sabe avaliar detém a instrumentação necessária para
cultivar a intensidade qualitativa dos processos realmente educativos. (p. 117-118)
[...] ser professor requer múltiplas habilidades e, dentre elas, estar preparado para
avaliar não apenas o desempenho de seus alunos, mas seu próprio desempenho,
visando à sua formação e ao seu aperfeiçoamento. O professor que se avalia está
permanentemente se reconstituindo para desempenhar sua função de modo
transformador.
solicitar que outro docente observe sua aula, a fim de examinar os aspectos positivos e
negativos e, dessa observação participante, resultar uma avaliação compartilhada do
que precisa ser transformado. (Brasil, 2002a, p. 47)
Perrenoud, em entrevista concedida à revista Nova Escola12, destaca as qualidades profissionais que
o professor deve ter para ajudar os alunos a desenvolver competências:
Quais são as qualidades profissionais que o professor deve ter para aju-
dar os alunos a desenvolver competências?
Cf. “Construindo competências”, p.19-31. In: Revista Nova Escola, ed. 135. São Paulo: Editora Abril.Disponível em:
12
<http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2000/2000_31.html>
O educador comprometido com a formação geral e profissional de jovens e adultos, que foram,
por inúmeras razões, excluídos anteriormente do processo educacional, desenvolve seu trabalho a partir
do resgate dos saberes e das experiências dos educandos. Dessa forma, criam condições favoráveis para,
juntos, educador e educando, promoverem a (re)construção dos saberes. Conforme Paulo Freire, não se
deve considerar os educandos uma “vasilha vazia”, mas agentes sociais providos de conhecimentos e de
experiências que podem contribuir para a práxis pedagógica.
Alguns autores têm discutido também a importância das relações interpessoais como fatores in-
fluentes no processo de ensino e aprendizagem. Com jovens e adultos, essas relações são fundamentais
para a (res)socialização desses cidadãos no espaço escolar e para sua motivação. Withall (apud Brasil, 2002),
ao observar as relações entre professor e aluno, verificou a existência de comportamentos verbal e não
verbal do professor que podem interferir na aprendizagem:
3– O professor que sabe lidar com os problemas subsidia o aluno com infor-
mações, ideias, fatos, opiniões, ajudando-o a encontrar os caminhos de solução;
seu foco está centrado no aluno.
Um dos objetivos desses referenciais elaborados por Withall é sensibilizar o professor para a condu-
ção adequada de sua relação com o aluno no processo ensino-aprendizagem, para que ele reflita sobre si
mesmo, seja nas questões técnicas, seja nas pessoais.
Dessa forma, é fundamental que preceda à implantação dessa política uma sólida
formação continuada dos docentes, por serem estes também sujeitos da Educação
de Jovens e Adultos, em processo de aprender por toda a vida. (MOURA, 2006, p.
13-14)
Este livro não pretende ser uma cartilha de propostas e ações pedagógicas a serem seguidas pelos
educadores do PROEJA. Afinal, não existem modelos ou fórmulas prontas para desenvolver ações educa-
tivas voltadas à formação integral e profissional de jovens e adultos.
De fato, o objetivo central deste livro é estimular o educador de profissionais a repensar constante-
mente sua própria práxis pedagógica. Isso é fundamental principalmente para quem pretende trabalhar
com a educação dessas pessoas, que procuram a escola com o objetivo de criar possibilidades concretas de
transformar sua realidade social. O trabalho pedagógico com esses educandos pressupõe metodologias e
didáticas específicas e adequadas a sua faixa etária. A diversidade de experiências de vida, de trabalho e de
saberes desses cidadãos deve ser incorporada em todas as etapas do processo educativo: no planejamento,
no processo de ensino-aprendizagem, na avaliação do ensino-aprendizagem.
Assim, para o educador repensar suas ações pedagógicas, é imprescindível que reflita sobre as di-
ferentes teorias e respectivas práticas educativas, procurando identificar as que sejam condizentes com a
formação profissional de jovens e adultos. Nesta árdua tarefa, teoria e prática são indissociáveis: ambas
alimentam e iluminam, numa relação dialética, os passos que devem ser seguidos, sem as amarras de um
reprodutivismo educativo alheio ao ensino emancipatório e democrático.
É importante reiterar a necessidade de os educadores de jovens e adultos desenvolverem novas compe-
tências visando a oferecer uma educação de qualidade, que promova a autonomia e os valores democráticos.
Essa qualidade está condicionada, em grande parte, às ações do educador, que, mesmo sob condições adversas,
pode transformar o processo educativo de jovens e de adultos da modalidade PROEJAnum processo dinâmico
e transformador, em que se (re)construam os saberes, inclusive os de aprender e de ensinar.
O educador deve trilhar sempre por caminhos educacionais condizentes com sua trajetória política
e com sua visão de mundo. O embasamento teórico é imprescindível para que ele conheça o universo de
seu próprio trabalho e possa pensar e repensar sua prática pedagógica, conduzindo-a ele mesmo numa
perspectiva de educação que proporcione oportunidades de transformação e intervenção social para si e
para os educandos.
Trabalhar a educação profissional integrada à educação básica na modalidade de jovens e adultos
demanda do educador mudança de paradigmas em relação à ação educacional. É fundamental formular
uma prática pedagógica que leve em conta a riqueza de conhecimentos e as experiências de vida e pro-
fissionais desses cidadãos que constroem sua trajetória pessoal e profissional de acordo com a visão de
mundo que eles construíram em suas relações sociais, políticas e culturais. A sociedade concebe a educação
como germe de transformação no sentido da melhoria das condições de vida e de trabalho e da construção
de valores socializantes e democráticos.
Dessa forma, o educador tem um papel fundamental na construção de uma sociedade mais par-
ticipativa, podendo contribuir para a superação da visão individualista relacionada à exclusão social de
grande parte da população. Ao desenvolver uma pedagogia inclusiva e democrática, o educador estará re-
forçando a capacidade intelectual das classes menos favorecidas, contribuindo, assim, para a emancipação
de grupos sociais que estiveram praticamente alijados de participar mais ativamente da sociedade durante
séculos de omissões, conformismos e exclusão social, política, econômica e cultural.
Transformar e construir novas práticas pedagógicas: esse é o desafio dos que pretendem passar para a
história como seres que intervieram em sua própria realidade, e não como aqueles que se omitiram e, em silên-
cio, foram também responsáveis pela exclusão e discriminação social que marcam tão profundamente o Brasil.
São milhões de jovens e de trabalhadores que, apesar das dificuldades de conciliar suas
responsabilidades profissionais e escolares, buscam ampliar seus saberes e, quando
possível, suas competências profissionais.
Que educador a nossa escola precisa para dar conta dessa demanda pedagógica?