Fiscal de Contrato - TCDF
Fiscal de Contrato - TCDF
Fiscal de Contrato - TCDF
REVISTA DO TRIBUNAL
DE CONTAS DO
DISTRITO FEDERAL
SUPERVISÃO:
Vice-Presidente Conselheiro Manoel Paulo de Andrade Neto
COORDENAÇÃO:
Vânia de Fátima Pereira
Chefe da Seção de Documentação
ORGANIZAÇÃO:
Lilia Márcia Pereira Vidigal de Oliveira
Bibliotecária
REVISÃO:
Carmen Regina Oliveira de Souza Cremasco
Bibliotecária
biblioteca@tc.df.gov.br
COMPOSIÇÃO DE 2010
Conselheiros
Marli Vinhadeli
Auditor
Ministério Público
DOUTRINA
PARECER
1. Introdução
1
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros,
p. 624.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 009-018, 2010 9
possa cumprir sua obrigação de zelar o bem público, em benefício da
coletividade e da ordem social e em consonância com os princípios
constitucionais que regem a Administração Pública — da Legalidade,
Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.
O poder e o direito de controlar (ou fiscalizar) também procede
do povo, de forma direta (orçamentos participativos, denúncias) ou
indireta, por intermédio dos seus representantes eleitos no Legislativo.
Este é o controle social; é a participação da sociedade na gestão pública,
na tomada de decisões e no acompanhamento das atividades estatais,
de forma a assegurar a correta aplicação dos recursos públicos.
2
Art. 74. (...) § 2º, da CF/88 – “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato
é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o
Tribunal de Contas da União”.
3
Princípio do Paralelismo – princípio que preconiza que a simetria entre os entes
federativos deve ser mantida.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 009-018, 2010 11
4. Denúncias nos Tribunais de Contas
5
Art. 339 do CP - Dar causa a instauração de investigação policial, de processo
judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Alterado pela
L-010.028-2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
Art. 19 da Lei nº 8.429/92. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra
agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado
pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.
6
Revista do Tribunal de Contas de Portugal nº 49, jan./jun. 2008, p. 37.
18 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 009-018, 2010
A representação federativa como condição
de eficácia da LRF
1
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 112 e
116
2
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão,
dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 203.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 019-024, 2010 19
Nesta breve análise, abordaremos - Conselho de Gestão Fiscal
(art. 67), transparência da gestão fiscal (seção I) e contabilidade de
custos (art. 50, § 3º).
Como dito, o conceito aqui empregado para eficácia refere-se
à produção, na sociedade, dos efeitos almejados pelo legislador, o que
pode ser identificado nos princípios constantes da LRF.
Para que a LRF alcance seus objetivos, é primordial a colaboração
das Cortes de Contas, pois detêm uma capilaridade singular, ou seja,
chegam a todos os gestores públicos brasileiros, destinatários diretos
dos princípios insculpidos na LRF.
A capilaridade decorre da abrangência de suas competência
constitucionais, posto que alcançam “qualquer pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre
dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que,
em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”3. Assim, os
Tribunais de Contas, para exercer suas funções fiscalizadora, judicante,
sancionadora, informativa, corretiva e normativa, mantêm relação
direta e permanente com todos os gestores públicos brasileiros.
Cônscias das responsabilidades outorgadas pela LRF, as
Cortes de Contas, em primeira hora, iniciaram programa inédito de
modernização para empregar suas estruturas e processos de trabalho
à viabilização do alcance dos princípios e objetivos desejados pelo
legislador. Nesse desiderato, contaram com a colaboração do Governo
Federal, por intermédio do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, e do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID.
Tal iniciativa, intitulada Programa de Modernização do Sistema
de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios
Brasileiros – Promoex, tem, em apertada síntese, o objetivo de fortalecer
o sistema de controle externo como instrumento de cidadania, incluindo
a intensificação das relações intergovernamentais e interinstitucionais,
com vistas ao cumprimento da LRF.
Além dos ganhos já contabilizados pelo programa, há
aqueles que são imensuráveis, decorrentes da economia de escala
proporcionada pelo intercâmbio de conhecimentos, sistemas e práticas.
Olhar mais atento à atuação dos Tribunais de Contas na última década
revela significativa evolução, embora se reconheça que o espaço para
melhoria é ainda gigantesco e desafiador.
3
Constituição Federal, art. 70.
20 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 019-024, 2010
A colaboração dos Tribunais poderia ter sido ainda mais
significante, não fosse a lacuna deixada pela não implantação do
Conselho de Gestão Fiscal, o que tem distanciado os princípios
prescritos na norma da prática dos gestores públicos.
Para melhor compreender o vácuo deixado pela ausência desse
Conselho, é necessário tomar por empréstimo as palavras do Ministro
Carlos Velloso4 sobre os requisitos do Estado Federal: a) a repartição
constitucional de competências; b) a autonomia estadual, que
compreende a auto-organização, o autogoverno e a autoadministração;
c) a participação do estado-membro na formação da vontade federal;
e d) a discriminação constitucional das rendas tributárias, com a
repartição da competência tributária e a distribuição da receita
tributária. Tudo isso associado à rigidez constitucional e à existência
de órgão constitucional incumbido do controle da constitucionalidade
das leis.
No modelo político brasileiro, a necessária autonomia dos entes
federados e, por via de consequência, das respectivas Cortes de Contas,
exige, para a eficácia da norma, um fórum representativo dos entes
federados e respectivas casas de controle externo, no qual se delibere
sobre a aplicação harmônica e equânime dos princípios insculpidos na
LRF. Deve constituir, assim, local privilegiado e representativo para se
discutir a aplicação das normas às mais diversas realidades brasileiras.
Do contrário, corre-se o risco de contemplar a iniquidade, ao aplicar
regras iguais a desiguais.
A centralização das decisões acerca da aplicação da norma
compromete sua eficácia e legitimidade, além de contrariar a lógica do
Estado Federativo.
Neste ponto, recorremos aos ensinamentos de José Luiz
Quadros de Magalhães5, o qual entende que emendas que venham
a centralizar, em um modelo federal historicamente originário de
um estado unitário e altamente centralizado, são vedadas pela
Constituição, pois tenderiam à extinção do Estado Federal brasileiro,
ou seja, centralizar mais o nosso modelo significaria transformá-lo
de fato em um Estado unitário descentralizado. E conclui que toda e
4
Cf. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Estado Federal e Estados Federados na
Constituição de 1988: do Equilíbrio Federativo. Revista de Direito Administrativo, v. 187, p.
1-36, jan./mar. 1992. p. 9.
5
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Pacto federativo. Belo Horizonte: Mandamentos,
2000. p. 20-21.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 019-024, 2010 21
qualquer atuação do Legislativo e do Executivo da União que tenda
a centralizar competências, centralizar recursos, centralizar poderes,
uniformizar ou padronizar entendimentos direcionados aos estados-
membros ou municípios é conduta inconstitucional a ser combatida.
Afirma Celso Bastos6 que a Federação tornou-se, por excelência,
a forma de organização de Estado Democrático, havendo firme
convicção de que a descentralização do poder é um instrumento
fundamental para o exercício da democracia. Ou seja, a probabilidade
de o poder ser democrático é diretamente proporcional à proximidade
do poder decisório daqueles que a ele estão sujeitos. Em síntese, a
existência de autêntica democracia no Brasil condiciona-se a uma forte
tendência descentralizadora.
A ausência do Conselho fez com que o Tesouro Nacional
assumisse, ainda que parcialmente o papel daquele. No entanto,
pelos motivos antes expostos, carece dos elementos primordiais a um
conselho com representatividade federativa para dar legitimidade
a suas decisões. Se é certo afirmar que a eficácia normativa pode
ser alcançada, em parte, pela coerção, não menos verdade é que
as características e princípios da LRF exigem, para sua eficácia, a
representação federativa em fórum como o precitado Conselho.
Logo, a implementação do Conselho de Gestão Fiscal, de forma
que resguarde a representatividade dos entes federativos, constitui
conditio sine qua non para eficácia da LRF.
Um segundo aspecto para reflexão diz respeito ao princípio da
transparência e dos instrumentos mencionados pela LRF para alcançá-
lo, entre eles o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o
Relatório de Gestão Fiscal.
A propósito, Bobbio7, ao abordar a temática do público e do
secreto afirma que:
conceitualmente, o problema do caráter público do poder sempre
serviu para por em evidência a diferença entre duas formas de governo:
a república, caracterizada pelo controle público do poder e na idade
moderna pela livre formação de uma opinião pública, e o principado,
cujo método de governo contempla inclusive o recurso aos arcana
imperii, isto é, ao segredo de Estado que num Estado de direito moderno
é previsto apenas como remédio excepcional.
6
BASTOS, Celso. A Federação no Brasil : curso modelo político brasileiro. Brasília:
Instituto dos Advogados de São Paulo, Programa Nacional de Desburocratização. 1985. V. 3,
p. 2.
7
BOBBIO, Norberto. Estado governo sociedade, para uma teoria geral da política. 8ª. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2000. p.28.
22 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 019-024, 2010
Não pairam dúvidas quanto ao fato de que quanto maior o
acesso às informações governamentais, mais democráticas serão as
relações entre o Estado e a sociedade.
A experiência destes dez anos tem revelado que o acesso
à informação, aqui entendida como um requisito à transparência,
não pode ter como medida de eficiência somente a quantidade de
informações, mas sua qualidade, objetividade e intelegibilidade.
Neste período, as informações constantes do relatório de gestão
fiscal e bimestral de execução orçamentária cresceram em quantidade
e complexidade, como se conclui ao examinar as orientações de
preenchimento de tais documentos editadas pelo Tesouro Nacional.
Por outra parte, foram tímidas as iniciativas de fazer com que
tais informações chegassem de forma inteligível, tempestiva e objetiva
ao cidadão. Neste aspecto, releva destacar as elogiáveis iniciativas de
alguns Tribunais de Contas de divulgar não somente o conteúdo da
Lei, mas informações sobre finanças públicas municipais e estaduais
em forma e linguagem mais próximas às realidades locais.
Portanto, além de estimular os demais órgãos de controle
externo a adotarem iniciativa semelhante, o que poderia ser feito por
intermédio do Portal dos Tribunais de Contas, é necessário simplificar
as informações orçamentárias, financeiras e patrimoniais, as quais não
podem restringir-se aos técnicos que atuam nesta área. Afinal o objeto
da informação é a gestão dos recursos que são de todos.
O último aspecto a ser abordado diz respeito à exigência de
a Administração Pública manter sistema de custos que permita a
avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e
patrimonial (art. 50, § 3º).
Aliás, há mais de quarenta anos a Lei nº 4.320/64 já exigia que a
proposta orçamentária especificasse os:
programas especiais de trabalho custeados por dotações globais, em
termos de metas visadas, decompostas em estimativas do custo das
obras a realizar e dos serviços a prestar, acompanhada de justificação
econômica, financeira, social e administrativa” e, ainda, “os serviços
de contabilidade serão organizados de forma a permitirem o
acompanhamento da execução orçamentária, o conhecimento da
composição patrimonial, a determinação dos custos dos serviços
industriais...
A adoção de sistema de custos na administração pública é
imprescindível ante as exigências de um Estado que rompa com os
paradigmas excessivamente burocráticos do passado e busque a
1. Introdução
2.1 Conceito
Gestão de contratos é “a gerência de todo processo de contratação,
envolvendo todas as suas fases, desde a elaboração da minuta do contrato e
seus anexos até o término do prazo contratual”1.
1
MORÊTO, Laércio. Gestão eficaz de contratos: suporte para a implantação da terceirização de
serviços – Caso na PETROBRAS - UN-ES. 173f. Florianópolis : Universidade Federal de Santa
Catarina, 2000, p.121. (Dissertação de Mestrado)
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010 27
As disposições da Lei nº 8.666/19932 sobre a matéria, nos artigos
54 a 88, traçam as grandes linhas da atividade de gestão de contratos,
que se constituem basicamente em: disposições preliminares (cláusulas
necessárias, garantias, prazo de vigência e execução, prorrogação,
prerrogativas e nulidade); formalização de contrato (celebração,
arquivamento e publicação); alteração do contrato (alterações
unilaterais e amigáveis, acréscimos e supressões de valores); execução
do contrato (designação de fiscal, fiscalização, direitos e obrigações das
partes, recebimento do objeto e prorrogação), inexecução e rescisão do
contrato (motivos, rescisão unilateral e amigável e consequências) e
sanções administrativas (multa, advertência, suspensão e declaração
de idoneidade).
3
NETO, Maryberg Braga. Gestão de Contratos Terceirizados. Curso de capacitação para
licitações e gestão de contratos de prestação de serviços, 2002, p.5.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010 29
brasileira apresenta enormes vícios e imperfeições, pois, na fase
precedente, da licitação, há disputa e os concorrentes se autofiscalizam.
O contrato deverá ser executado obedecendo-se ao pactuado e à lei,
respondendo o Gestor e o contratado, pelas suas falhas na inexecução
total ou parcial. (grifou-se).
A gestão do contrato é um meio indispensável de confirmação
da qualidade da execução do objeto contratado e fator de maior tran-
qüilidade para a Administração Pública, bem como para os órgãos de
controle interno e externo.
• A proteção que a gestão oferece à Administração, dando
maior segurança e garantia aos serviços, compras e obras,
apresenta os seguintes aspectos:
• Administrativo: reduz os riscos decorrentes de ineficiência,
negligência, incapacidade e improbidade na execução de
contratos;
• Fiscal: cumprimento das obrigações fiscais, resguardando
o patrimônio público contra multas ou penalidades advindas
de sonegação fiscal por parte do contratante;
• Técnico: contribui para a mais adequada execução dos
serviços e obras contratadas e para a realização de obra ou
serviço previstos nos projetos básico e executivo;
• Financeiro: resguarda a administração pública contra
possíveis fraudes e dilapidação do patrimônio público,
permitindo maior controle orçamentários;
• Econômico: assegura maior exatidão dos custos e qualidade
da execução dos serviços, compras e obras, na defesa do
interesse público.
A atividade de gestão de contrato abrange, além de fatores
técnicos, fatores psicológicos: o contratado, ao saber que há um
representante da administração fiscalizando e acompanhando o
serviço, a compra ou a obra, tende a ficar inibido no cometimento de
irregularidades.
Por fim, dentre outras, apontamos as seguintes vantagens
para a Administração Pública:
• Fiscaliza a execução da obra, serviço ou compra;
• Assegura maior correção dos serviços executados;
• Dificulta desvios de bens públicos e pagamentos indevidos
de despesa;
• Possibilita a identificação de serviços não executados;
• Aponta falhas na execução dos serviços e obras;
4
ALVES, Léo da Silva. Prática de gestão e fiscalização de contratos públicos. Brasília: Brasília
Jurídica, 2005, p.29.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010 31
2.4 Fatores que impulsionam o crescimento da atividade de
gestão de contrato
Em virtude da demanda cada vez mais crescente de contratos
da Administração Pública Direta e Indireta e do crescimento da
economia, a Administração Pública deve preparar-se, atualizar-se e
qualificar-se adequadamente para lidar com as questões inerentes aos
procedimentos técnicos e administrativos inerentes a esse novo cenário.
Esse cenário evolui continuamente, cabendo à Administração pública
criar os mecanismos mais propícios para acompanhar a evolução.
Dentre tais mecanismos, destaca-se a qualificação permanente
do seu quadro de pessoal, focada em melhores práticas administrativas,
objetivando a busca da eficiência e eficácia da gestão de contratos
públicos.
Ademais, o enxugamento da máquina administrativa, a
terceirização de grande parte dos serviços de apoio administrativo
(serviços de copa, limpeza, manutenção etc.), a constante delegação
de atribuições do poder público, por meio de termos de parceria,
contratos de gestão, convênios e outros ajustes congêneres, bem como
a presença atuante dos órgãos de controle interno e externo, vem
tornando a gestão de contratos uma atividade destacada dentro da
estrutura administrativa do Poder Público.
• Portanto, impulsionam a atividade de gestão os seguintes
fatores:
• Avanço tecnológico e econômico do Estado;
• Enxugamento da máquina administrativa;
• Terceirização de serviços públicos, com a transferência de
inúmeras atividades de apoio administrativo para a iniciativa
privada, tais como: manutenção predial, limpeza, vigilância,
copa e etc.;
• Parceria público-privada, com a celebração cada vez maior
de convênios, termos de parceria e contrato de gestão;
• Fortalecimento do Controle Interno e Externo, que aumenta
a fiscalização dos gastos da administração pública, exigindo
cada vez mais austeridade e eficiência dos recursos públicos.
3.1 Conceito
Concluída a licitação e celebrado o contrato administrativo, inicia-
se a nova etapa de gestão de contratos, denominada de fase de execução do
contrato. É a fase que se encontra entre o contrato e o recebimento do objeto
(Alves, 2005, p. 27).
É nessa etapa que surge a figura do preposto da Administração
Pública responsável pelo acompanhamento e fiscalização do contrato,
conforme previsto no art. 67 da Lei nº 8.666/1993:
Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e
fiscalizada por um representante da Administração especialmente
designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e
subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição (grifou-se).
São várias as denominações dadas para esse representante da
Administração. É chamado de fiscal de contrato, de gestor de contrato ou
de executor de contrato (GRANZIERA, 2002; FURTADO, 2001, CRETELA
JÚNIOR, 2004; JUSTEN FILHO; 2005; MENDES, 2005; E PEREIRA JÚNIOR,
2003).
Entende-se que a denominação correta para o representante da
administração é fiscal do contrato:
Assim, define-se fiscal do contrato como sendo:
um funcionário da Administração, designado pelo ordenador de
despesa, que recebe uma tarefa especial, com responsabilidade
específica. A sua designação, preferencialmente, deve estar prevista no
próprio instrumento contratual ou formalizada em termo próprio, no
qual constarão suas atribuições e competências, com conhecimento do
contratado.5
3.2 Designação
A Administração tem o dever de designar um representante para
fiscalizar e acompanhar a execução do contrato, nos termos do art. 67 da Lei
n.º 8.666/1993. Trata-se, portanto, de ordem legal, em relação à qual os agentes
públicos devem obediência (ALVES, 2005, p. 49).
Alves6 entende que a função de fiscal de contrato integra
elenco de compromissos dos agentes públicos, do mesmo modo
5
ALVES, Léo da Silva, op.cit, p.259.
6
ALVES, Léo da Silva, op.cit, p.49.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010 33
que é obrigado a compor comissão de inquérito. Portanto, não há
possibilidade de recusa. A recusa do servidor somente seria possível
em duas hipóteses: a) impedido (parente, cônjuge ou companheiro)
ou suspeito (amigo íntimo, inimigo declarado, recebeu presentes ou
vantagens, como consumidor da empresa contratada, tem relação de
débito com a empresa ou qualquer tipo de interesse, direto ou indireto,
junto ao contratado.), ou b) não detém conhecimento específico para
fiscalização do objeto contratado.
O acúmulo de serviço na atividade principal não é considerado
motivo para recusa do encargo7.
3.3 Responsabilidade
Deixar a execução de contratos a cargo de servidor de unidade
diretamente interessada no serviço prestado por terceiros é medida
de eficiência administrativa, pois descentraliza e simplifica atos e
procedimentos.
A essa descentralização, no entanto, devem corresponder
sanções capazes de inibir a incúria, a fraude e a corrupção. À sanção,
todos os servidores públicos estão submetidos, se forem fiscais ou não.
O dever de vigilância, de fiscalização, de defesa do patrimônio público
é de toda a comunidade.
De acordo com Alves8, o “(...) processo administrativo disciplinar
trata unicamente da responsabilidade de funcionário vinculado por hierarquia
– servidor ou empregado público – a sindicância pura tem condição de
esclarecer quaisquer fatos que, de uma ou oura forma, tenham relação com
o interesse público”. Esclarece, ainda, que se, por exemplo, o fiscal for
omisso em suas atribuições caberá instauração de processo.
Fernandes9 assevera que os órgãos de controle, têm procurado
questionar e responsabilizar os fiscais dos contratos imperfeitos, de
obras inexistentes, de desperdícios e erros na execução. Não raro
é nomeado fiscal do contrato um agente de escritório que jamais
comparece ao local da obra ou serviço ou o mesmo não detém capacidade
técnica para promover com eficiência o acompanhamento do ajuste.
Alguns Municípios chegaram a criar uma espécie de fiscal de contratos
7
Idem, p.51
8
Ibidem, p.65
9
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação direta sem licitação: modalidades,
dispensa e inexigibilidade de licitação. 5ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000. 380p.
34 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010
como uma função, sobre cujo ocupante recairia a responsabilidade de
atestar todas as faturas, num verdadeiro ato absurdo. Atestar uma
fatura, como todo ato administrativo, faz atrair a responsabilidade
pela regularidade e fidelidade das declarações e coloca o agente que
o pratica diante do ônus de arcar com as provas de suas declarações.
O fiscal de contrato, por força de atribuições formalmente
estatuídas, tem particulares deveres que, se não cumpridos, poderão
resultar em responsabilização civil, penal e administrativa10.
A Lei 8.112/90, em seu art. 12711, prevê as penalidades
disciplinares a serem aplicadas aos servidores pelo exercício irregular
de atribuições a eles afetas que são: a) advertência; b) suspensão;
c) demissão; d) cassação de aposentadoria ou disponibilidade; e)
destituição de cargo em comissão e de função comissionada.
Na aplicação dessas penalidades, serão consideradas a
natureza e a gravidade da infração cometida, bem como os danos que
dela resultarem para o serviço público.
As sanções administrativas poderão cumular-se com as
sanções civis e penais, sendo independentes entre si.
O art. 122 da Lei 8.112/90 assim dispõe:
A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso
ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
§ 1º A indenização de prejuízo dolosamente causado ao erário somente
será liquidada na forma prevista no art. 46, na falta de outros bens que
assegurem a execução do débito pela via judicial.
§ 2º Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor
perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.
§ 3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra
eles será executada, até o limite do valor da herança recebida.
Quanto ao tempo:
Quanto ao tempo de atuação, os fiscais de contratos podem
ser classificados em: provisório e permanente. No primeiro caso,
a designação é específica para um determinado contrato. São
contratos de compra ou serviço que fogem do padrão de contratação
da Administração, como, por exemplo, compra de impressora ou
computador para determinada seção. O segundo caracteriza-se por
ser a fiscalização e acompanhamento do objeto contratual inerente
à sua atribuição como, por exemplo, acompanhamento de contrato
de material de expediente, cujo fiscal do contrato geralmente é o
chefe da seção de material de expediente da entidade, por ser sua
responsabilidade verificar a conformidade do material entregue,
recebê-lo e guardá-lo no almoxarifado.
Quanto à composição:
Quanto à composição, classificam-se em individual,
comissão e órgão/entidade. No primeiro caso, o fiscal fiscaliza
a execução do contrato individualmente. Essa situação
ocorre, geralmente, quando o contrato é de fácil execução e
acompanhamento como, por exemplo: serviços de chaveiro,
passagens aéreas, hospedagem, carimbos, aquisição de produtos
de prateleira, telefonia, manutenção de equipamentos diversos,
dentre outros. Na segunda hipótese, o fiscal de contrato divide a
responsabilidade com outros servidores, participando, com eles
e, em nome de todos, no acompanhamento da execução do objeto
contratado. Enquadra-se nessa situação o acompanhamento de
contratos de obras, reformas, serviços de engenharia, serviços
de informática, serviços de limpeza e manutenção predial e etc.
No último caso, a Administração Pública designa um órgão ou
entidade pública para acompanhar o ajuste. Geralmente, essa
situação se apresenta quando envolve a execução de uma obra de
grande vulto e de alta complexidade.
3.5 Perfil
Para que o acompanhamento da execução do contrato de obra,
serviço ou compra seja eficiente, a autoridade pública deve designar
12
MENDES, Renato Geraldo. Lei de Licitações e Contratos anotada. 6. ed. Curitiba: Zênite,
2005, p.218/221.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010 37
servidor competente, com conhecimentos suficientes e adequados para
o exercício dessa atividade, em face das dificuldades e dos problemas
encontrados durante o transcorrer dos trabalhos de acompanhamento
do objeto contrato.
O fiscal deve ter suficiente formação educacional, conhecer as
particularidades do objeto contratado e ser adequadamente treinado
para possibilitar visão mais ampla e realista dos serviços executados. O
treinamento implica utilização benéfica para a Administração Pública,
uma vez que o fiscal fiscalizará o trabalho realizado pela empresa
contratada e levantará todas as possíveis deficiências e formas de
solucioná-las.
Além disso, a ética é elemento fundamental no exercício da
função pública, em especial quando o servidor público está imbuído
da função de fiscal de contrato, pois mediante seu serviço é possível
conhecer todas as irregularidades, erros, falhas na execução de
determinado contrato. Um bom fiscal de contrato deve-se comportar
dentro de um código de ética dos mais rígidos, pois somente assim
conseguirá fazer com que o contrato firmado pelo Poder Público e sob
sua responsabilidade alcance os objetivos preliminarmente desejados.
A Lei nº 8.666/1993 não faz referência ao perfil do fiscal de
contrato.
Para Granziera13, o fiscal de contrato deve ser uma pessoa
preparada para atuar em várias frentes. Sua função implica ter
conhecimento, aptidão para negociar, flexibilidade e firmeza com vistas
a garantir a execução do contrato nas condições fixadas. É necessário
que tenha conhecimento da organização administrativa do órgão ou
entidade em que trabalha, pois a execução de um contrato implica o
envolvimento de pessoas de diversas áreas, além disso, deve conhecer
a legislação que rege o contrato e os termos do instrumento contratual e
seus anexos, assim como a proposta técnica e comercial da contratada.
A aptidão é essencial para traçar as diretrizes de atuação, negociação
de prazos e todos os assuntos relativos à contratação. Além disso, o
fiscal de contrato deve ser flexível e firme, para resolver problemas,
quaisquer que sejam eles, de modo a evitar surpresas graves como, por
exemplo, greves de funcionários terceirizados, suspensão indevida de
fornecimento de água e luz, etc.
Nos tópicos seguintes serão descritos algumas características
profissionais e pessoais que poderão ajudar na seleção dos servidores
13
GRANZIERA, Maria Luiza Machado, op. cit., p.133.
38 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010
e no desenvolvimento de fiscais eficientes. É certo que tal seleção
envolve compromissos, razão pela qual é duvidoso um servidor que
possa ser tomado como exemplo por sua excelência em todos os pontos
discutidos.
3.5.2.1 Qualidades
Capacitação em obras, serviços e compras diversas: Todos os
fiscais devem ter um treinamento acadêmico compatível com o tipo de
contrato que irá gerenciar. Um contrato de obra, por exemplo, deverá
ser gerenciado, preferencialmente, por engenheiro ou arquiteto. Um
contrato de conservação e limpeza, por sua vez, preferencialmente,
por um profissional formado em Administração. Isso pelo fato de que
cada contrato tem suas peculiaridades dominadas por profissionais
habilitados.
A qualificação do representante da administração indicado
para acompanhar a execução e a fiscalização do contrato, sendo o
objeto uma obra ou serviço de engenharia, deverá ser engenheiro, pois
a esse cabe, em face das normas próprias (Lei nº 5.194/99 e Resolução
do CONFEA nº 218/75), fiscalizar a execução desses objetos14.
Capacitação em Direito: É essencial, ainda, que os fiscais
tenham conhecimento no campo do Direito, principalmente,
Administrativo, Tributário, Previdenciário e Trabalhista. Todos os
contratos públicos, independentemente de objeto e valor, possuem
repercussão no campo do direito. Os fiscais de contratos de prestação de
14
GUIMARÃES, Edgar. Como Licitar e Fiscalizar os Contratos de Terceirização de Serviços na
Administração Pública. Seminário Nacional. Brasília: Zênite, 2006, p.67/69.
40 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010
serviços terão que verificar se o contratante está cumprindo a legislação
previdenciária e trabalhista, pois o art. 71 da Lei n.º 8.666/1993 (BRASIL,
1993) estabelece que a Administração Pública é solidária quanto aos
encargos previdenciários, enquanto a Súmula 331 do TST estabelece
que a Administração Pública se obriga subsidiariamente quanto aos
encargos trabalhistas dos funcionários terceirizados.
Art 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública
a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do
contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações,
inclusive perante o Registro de Imóveis.
§2o A Administração Pública responde solidariamente com o contratado
pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos
termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (grifou-se).
TST Enunciado nº 331
Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade
(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do
empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador
dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos
da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que
hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993) (grifou-se)
Licitação e Contratos Públicos: Uma vez adquiridos os
conhecimentos nos campos acadêmicos afetos a determinado contrato
(engenharia, arquitetura, administração, etc.), deve ser desenvolvido
o conhecimento no campo de licitação e contratos públicos. Cursos de
treinamento, seminários, etc. estão disponíveis com esse objetivo.
Como se pode perceber, a função de fiscal de contrato envolve
uma série de conhecimentos específicos e genéricos ligados às atividades
econômicas, administrativas, jurídicas, contábeis, de engenharia e
até mesmo de conhecimentos eminentemente empíricos. Como é do
conhecimento público, todos nós, de uma forma ou de outra, somos
no nosso dia-a-dia fiscais de contratos, pois em qualquer negócio que
fazemos, estamos exercendo a função de fiscalização: fiscalizando o
empregado doméstico em seus afazeres; exigindo do lojista a entrega
do móvel que fora comprado ou da nota fiscal correspondente;
verificando se o caixa do supermercado não está incluindo mercadoria
não adquirida; conferindo o extrato da conta bancária, etc.
3.5.2.4 Ética
Um código de ética formal é necessário para que os fiscais
imprimam uma abordagem uniforme a este assunto. Até agora,
nenhum código desse tipo foi aprovado por qualquer entidade pública.
Um código formal forneceria uma referência contra a qual
a Administração e a Contratada poderiam avaliar as atividades do
fiscal, a independência e os conflitos de interesse potenciais. Existem
muitas faces desse tópico que podem ser menosprezadas com muita
facilidade pela inexistência de um código formal reconhecido pela
Administração Pública.
3.5.2.5 Integridade
Um requisito básico de um fiscal é a reputação de integridade.
Isso só pode ser resultado de honestidade e retidão demonstrada no
desenvolvimento de suas atribuições.
O sucesso da contratação depende muito do fiscal do contrato.
Se o fiscal perder a reputação de integridade, o objeto contratado pela
administração provavelmente será executado de forma irregular.
O fiscal deve estar ciente do papel que ocupa e de sua
responsabilidade perante a Administração Pública e a Sociedade. Se
no decurso da execução do objeto forem constatadas irregularidades,
os fatos devem ser cuidadosamente relatados para adoção das
providências cabíveis. Por outro lado, se as providências a serem
adotadas fugirem à sua competência, à autoridade superior deve
ser informada para que sejam adotadas as providências necessárias.
Precauções semelhantes são essenciais em qualquer contrato
administrativo, seja ele de aquisição de bens, prestação de serviços ou
construção de uma obra.
3.5.3.1 Independência
Um fiscal de contrato deve ter liberdade de pensamento e de
espírito para uma fiscalização bem-sucedida.
Além disso, o fiscal de contrato não pode ter sido empregado
da contratada no passado, nem ter vínculo de qualquer natureza com
a contratada.
3.5.3.4 Determinação
Um fiscal de contrato deve ser capaz de tomar decisões
coerentes e válidas. Todas as dúvidas que surgirem durante a execução
do contrato sobre a adequação de um serviço e sua conformidade com
o projeto básico e instrumento contratual devem ser resolvidas com
determinação. O fiscal é responsável pela tomada de tais decisões,
encaminhando à autoridade competente somente as questões que
extrapolem suas competências. Quando a gestão é realizada por uma
equipe, o fiscal-chefe não deve tomar decisões em nome dos demais
participantes, contudo deve rever as decisões tomadas pelos demais.
3.6 Atribuições
Cabe ao executor de contrato acompanhar e fiscalizar a
execução do objeto contratado pela Administração Pública, anotando
em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução
do contrato, determinando o que for necessário à regularização das
faltas ou defeitos observados (GRANZIERA, 2002; FURTADO, 2001,
CRETELA JÚNIOR, 2004; JUSTEN FILHO; 2005; MENDES, 2005; e
PEREIRA JÚNIOR, 2003).
O executor de contrato tem como principal função fazer com
que a empresa contratada execute o objeto pactuado nos termos que fora
contratado pela Administração Pública. Nesta tarefa, o executor deve
utilizar os critérios e os procedimentos que lhe assegurem a perfeita
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 025-046, 2010 45
execução do objeto e, por outro lado, cercar-se dos procedimentos que
lhe permitam certificar a não ocorrência de falhas ou defeitos advindos
de uma má execução do objeto por parte da contratada.
Ao executor é atribuída responsabilidade pelo fiel
cumprimento das cláusulas contratuais. Passa a ser ele o representante
direto da Administração perante o contratado, durante a execução
dos serviços avençados. Para tanto, há de ter pleno conhecimento dos
termos contratuais. Nenhum serviço ou pagamento é realizado sem a
pré-autorização do executor. Exerce ele ampla supervisão e fiscalização
dos serviços contratados.
4. Conclusão
Introdução
1
Introduzidas no ordenamento jurídico Brasileiro pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro
de 2004.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 47
paradigmas, sustentados por alguns administrativistas brasileiros
clássicos, tais como: Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia
Zanella Di Pietro e Marçal Justen Filho, que defendem o equilíbrio-
financeiro de um contrato administrativo como um postulado ético-
jurídico, desvinculado de sua justificativa econômico-jurídica. Tal
visão é encontrada, por exemplo, na difusão, pelos mencionados
doutrinadores, para todos os tipos de contratos administrativos, que
a ocorrência dos eventos contidos no art. 65, inciso II, alínea “d” da
Lei nº 8.666/932, com redação dada pela Lei nº 8.883/94, ou seja, “fatos
imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis,
retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em
caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea
econômica extraordinária e extracontratual”, ensejam automaticamente
o reequilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato com o ônus
para o Estado e o benefício para o parceiro privado.
Frisa-se, neste artigo, que a implantação eficiente de Parcerias
Público-Privadas no Brasil, de que trata a Lei nº 11.079/04, depende da
estrita observância das diretrizes elencadas em seu art. 4º, dentre elas
a repartição objetiva de riscos entre as partes, pois as PPP´s só poderão
promover a maximização da eficiência do emprego de recursos privados
e públicos, para um determinado projeto, se os operadores do direito,
que irão redigir os futuros contratos de concessão, os futuros juristas, que
irão decidir eventuais lides, e os eventuais árbitros e mediadores, que irão
dirimir conflitos ocasionais decorrentes ou relacionados ao contrato, se
atentarem para importância do contido no inciso VI do art. 4º c/c o inciso III
do art. 5º, ambos da Lei nº 11.079/04, deixando de carrear automaticamente
à Administração Pública os riscos associados a caso fortuito, força maior,
fato do príncipe e álea econômica extraordinária, e passarem a observar a
distribuição dos riscos celebradas entre as partes no contrato de concessão
de PPP, que deve ser pautada pela maior eficiência econômica de cada tipo
específico de projeto.
A importância do debate proposto advém, também, do fato de
que a própria distribuição de riscos em um contrato de PPP definirá se a
contratação impactará ou não o endividamento público do ente contratante,
conforme o disposto no art.10º, alínea “c” c/c o art. 25 da Lei nº 11.079/04.
O assunto escolhido se demonstra atual e de elevada importância,
2
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública
e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 17.SET.08
48 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
pois apesar da Lei de PPP ser do ano de 2004, recentemente é que as
PPP´s estão começando a se difundir pelos entes federados como meio de
contratação entre o setor público e o privado. Pode-se citar como exemplo,
no Estado de São Paulo: a PPP da Linha 4 do metrô; em Minas Gerais:
PPP´s para o sistema penitenciário; no Distrito Federal: a PPP do Centro
Administrativo e do Setor Mangueiral; na Bahia: a PPP para a construção,
operação e manutenção do novo Estádio da Fonte Nova, visando a Copa do
Mundo de 2014.
3
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão,
permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2008, p.18.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 49
Para Carlos Ari Sundfeld4 a ideologia do Estado Social de
Direito, que defendia o Estado como único realizador do interesse
coletivo através da ação da máquina pública (por exemplo: empresas,
hospitais e universidades do próprio Estado deviam fazer os
investimentos necessários e prestar os serviços públicos e sociais, nos
quais os particulares figuravam apenas como meros fornecedores
de bens, serviços e capitais sem assumir maiores responsabilidades
quanto aos objetivos finais) passa, a partir da década de 90, a dar
lugar a mecanismos de assunção de responsabilidades públicas por
particulares de forma a viabilizar a gestão não-exclusivamente estatal
dos interesses públicos.
A partir dessa década, o Estado Brasileiro, no campo das
relações econômicas, começa a deixar de ser o principal empreendedor
e operador da economia para atuar como seu incentivador, fiscalizador
e garantidor, de modo a evitar as distorções naturais decorrentes do
mercado e garantir os interesses superiores da sociedade. Na visão de
Arnoldo Wald5 essa nova forma de atuação não significa renegar as leis
do mercado, “mas de evitar as injustiças delas decorrentes [...], contrapondo
à sua visão de curto prazo, as ponderações e os interesses que representam
o consenso social quanto às metas que se pretende alcançar a médio e longo
prazo, num clima de paz e segurança”.
Como um dos marcos desse processo no Brasil pode-se
citar a Lei nº 8.031, de 12.4.1990, que criou o Programa Nacional de
Desestatização (PND), posteriormente revogada pela Lei nº 9.491,
de 9.9.1997, que disciplinou acerca do mesmo programa alterando
procedimentos estabelecidos pelo primeiro diploma legal.
Insere-se neste contexto, também, a delegação de serviço
público, por meio de contratos de concessão e permissão de uso (Leis
nºs: 8.987/1995 e 9.074/1995), a terceirização da atividade meio da
Administração, por intermédio de contratos de prestação de serviços
(Lei nº 8.666/1993). E outros serviços públicos não exclusivos do Estado,
mas de cunho social, educativo, assistencial, científico, dentre outros,
realizados por meio de parcerias com entes privados, por intermédio
de contratos de gestão, celebrados com Organizações Sociais (Lei nº
4
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD,
Carlos Ari (Org.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p.19.
5
WALD, Arnoldo; MORAES, Luiza Rangel de, WALD, Alexandre de M. O Direito de
Parceria e a lei de Concessões: (análise das Leis ns. 8.987/95 e 9.074/95 e legislação subsequente).
2 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pp.14/16.
50 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
9.637/1998), e de termos de parceira, pactuados com Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (Lei nº. 9.790/1999).
6
BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação
e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm>. Acesso
em: 17.NOV.08.
7
SUNDFELD, Carlos Ari. op.cit, p.22.
8
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP:
Parceria Público – Privada, fundamentos econômico – jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007,
pp.37/46.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 51
suficiente para promover a implantação dos projetos necessários.
Desse modo, foi necessário recorrer a investidores internacionais para a
realização da citada infraestrutura, contudo tais investidores exigiram
contrapartidas e garantias muito elevadas ao poder público, dentre
as quais, cita-se o monopólio das atividades exploradas na respectiva
região de influência.
Um exemplo clássico dessa primeira fase, trazido pelos
mencionados autores, seria a sinuosidade horizontal das primeiras
ferrovias do Brasil, que elevavam os custos de construção. Tal
sinuosidade devia-se a dois motivos: ao compromisso do Poder
Público em ressarcir os custos de edificação aos concessionários,
pagando ainda um prêmio calculado sobre o valor da obra a título de
remuneração; e à concessão dos direitos exclusivos de exploração das
terras marginais (cinco léguas para cada lado) nas quais o Governo não
poderia promover nenhum outro tipo de infra-estrutura de transporte.
Já a segunda fase seria ilustrada pela Era Vargas, na qual o
Estado interveio pesadamente na economia (fase clássica do Estado
Social de Direito no Brasil), com a criação de grandes empresas estatais
que eram detentoras dos contratos de concessão. Note que como tudo
pertencia ao Estado o sentido do termo concessão, como transferência
ao setor privado de determinada atividade, perdeu o seu significado.
Na terceira fase, marcada pela introdução do modelo do Estado
neoliberal no Brasil, o governo procura, a partir da Constituição Federal
de 1988, transferir ao setor privado a exploração direta das atividades
econômicas que não sejam de interesse público e que não dependam
de sua intervenção para se desenvolverem.
Nesta última fase, o Estado tem objetivos, tais como:
reduzir a necessidade de investimentos públicos em setores viáveis
economicamente; transferir ao setor privado serviços públicos e ao
mesmo tempo reforçar a atuação do Estado em suas atividades ditas
típicas de fiscalização (ex: criação das grandes agências reguladoras:
ANATEL, ANA, ANEEL, ANP, ANTT, etc.); trazer a eficiência do setor
privado para aumentar a qualidade dos serviços prestados à população.
Nesse último contexto insere-se a Lei de PPP que, ao introduzir
os conceitos de concessão patrocinada e administrativa, buscou, nas
experiências de sucesso do modelo Britânico de PFI (Private Finance
Initiative9), trazer para o Brasil uma nova forma de associação entre
9
Iniciativa de Finanças Privadas.
52 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
o público e o privado visando a excelência na prestação dos serviços
públicos.
10
CRETELLA NETO, José. Comentários à lei das parcerias público-privadas – PPPs. Rio de
Janeiro: Forense, 2005, p.1.
11
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro. op. cit., p.32/36.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 53
transporte de cargas em ferrovias, etc.); já a concessão patrocinada diz
respeito a empreendimentos que para se tornar viáveis dependem,
além da tarifa cobrada do usuário, de uma remuneração do ente
público (ex: concessão de rodovias nas quais se deseja manter um
determinado preço de tarifa ao usuário, que não é suficiente para
remuneração do privado). Por fim, a concessão administrativa é
relativa a empreendimentos, cuja remuneração do parceiro privado
advém apenas do poder público.
Já para Carlos Ari Sundfeld12 a concessão comum e a patrocinada
têm o mesmo objetivo: a prestação de serviços públicos ao administrado.
Entretanto, a concessão comum é aquela em que o poder concedente
não paga contraprestação em pecúnia ao concessionário (art. 2º, § 3º, da
Lei de PPP´s), podendo a remuneração deste incluir tanto a cobrança
de tarifas como outras receitas alternativas não pecuniárias (art. 11 da
Lei de Concessões13). E o que particulariza a concessão patrocinada
é seu regime remuneratório, que deve incluir tanto tarifa cobrada
dos usuários como contraprestação do poder concedente em forma
pecuniária (art. 2º, § 1º da Lei de PPP´s), que pode ser feita por ordem
bancária ou por cessão de créditos não tributários (art. 6º, incisos I e II
da Lei de PPP´s).
Assevera esse autor que, apesar de no regime da Lei de Concessões
ser possível juridicamente a remuneração do concessionário por outras
fontes adicionais, além das tarifas cobradas dos usuários, a viabilidade
prática deste tipo remuneratório dependia de um adequado sistema de
garantias, que protegesse o concessionário contra o inadimplemento
do concedente. Tal sistema foi criado pela Lei de PPP´s que deu um
nome próprio - o de concessões patrocinadas - às concessões de serviço
público (inclusive as de exploração de obra pública) que envolvam o
pagamento de adicional de tarifa pela Administração.
No que tange à concessão administrativa o mencionado autor
identifica dois tipos. O primeiro é a concessão administrativa de
serviços públicos que tem por objeto os serviços a que se refere o art.
175 da Constituição Federal, prestados diretamente aos administrados
sem a cobrança de qualquer tarifa, remunerando-se o concessionário
12
SUNDFELD, Carlos Ari. op. cit., p.21/35.
13
BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e
permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal,
e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L8987cons.htm>. Acesso em: 09.ABR.08.
54 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
por contraprestação pública (nas modalidades previstas no art. 6º da
Lei de PPP´s). Nesta situação, os administrados são os beneficiários
imediatos das prestações e a Administração Pública é a usuária
indireta, cabendo a ela os direitos e responsabilidades econômicas,
que, de outro modo, recairiam sobre os usuários diretos.
O segundo tipo seria a concessão administrativa de serviços
ao Estado, que tem por objeto o oferecimento de utilidades à própria
Administração como usuária direta, tais serviços assemelham-se às
contratações regidas pela Lei nº 8.666/93 (art. 6º), por essa razão a Lei nº
11.079/04 estabeleceu certos critérios restritivos à celebração de PPP´s14,
que diferenciam este tipo de concessão da mera contratação de serviços
regida pela Lei de Licitações. Por exemplo, é vedada a celebração de
parceria público – privada que não envolva valores de investimento
privados significativos (o valor da contratação não pode ser inferior a
R$ 20 milhões), ou cujo período de prestação do serviço seja inferior a
5 (cinco) anos, ou, ainda, que tenha como objeto único o fornecimento
de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a
execução de obra pública.
Note que neste caso a intenção do legislador foi tornar viável a
aplicação da estrutura econômica das concessões de serviço público a
contratos de prestação de serviços que já podiam ser celebrados sob a
égide da Lei nº 8.666/1993, entretanto os prazos de vigência, previstos
nessa lei, impedem a viabilização de contratos que exijam do parceiro
privado investimentos de grande monta em uma infraestrutura para a
prestação de serviços15. Pois, nesse modelo de concessão, as receitas do
concessionário advêm da exploração do serviço, logo, a amortização
e a remuneração do investimento apenas serão integralmente obtidas
depois de diversos anos de execução contratual, prazo esse, em geral,
bastante superior ao permitido pelo referido diploma legal.
Observe, ainda, que enquanto vigorar a concessão
administrativa de serviços ao Estado, não estando amortizado o
investimento na infraestrutura que dá o suporte material à concessão,
tal bem constituirá patrimônio do concessionário, podendo reverter ao
poder concedente ao final de sua amortização, se previsto no contrato
(art. 3º, caput, da Lei das PPP´s c/c os art. 18, X, e 23, X da Lei das
Concessões).
14
Lei nº 11.079/04, Art. 2º, § 4º.
15
Por exemplo, o prazo dado para os serviços de natureza continuada, previsto
no art. 57, inciso II da Lei nº 8.666/93, cuja duração máxima incluindo eventuais
prorrogações é de 60 (sessenta) meses.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 55
Cabe frisar, também, que a Lei das PPP´s foi editada
principalmente para tratar de contratos de concessão em que existem
desafios especiais de ordem econômico-financeira, de forma a nortear
a assunção de compromissos de longo prazo pelo Poder Público e
garantir seu efetivo pagamento ao particular, de forma que este possa
investir com segurança.
A outra preocupação central desta Lei foi impedir o
comprometimento irresponsável de recursos públicos futuros, seja
pela assunção de compromissos impagáveis, seja pela escolha de
projetos não prioritários. Para evitar tais possibilidades a Lei das
PPP´s: fez exigências austeras relativas à responsabilidade fiscal (arts.
4º, IV, 22 e 28), impôs o debate público prévio dos projetos, bem como
obrigou a observância de diversas condicionantes anteriores à abertura
do processo licitatório na modalidade de concorrência (art. 10).
16
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro. op. cit., p.30/32.
56 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
público e com reduzido impacto na meta de resultado primário.
Quanto às vantagens relacionadas ao primeiro objetivo, citado
no parágrafo anterior, é digno de transcrição o seguinte trecho dos
autores mencionados:
Em primeiro lugar, a transferência, em conjunto, para o parceiro privado
da responsabilidade por realizar a obra e mantê-la por diversos anos
cria incentivo ao aumento de eficiência. Como o parceiro privado terá
que manter a infraestrutura por anos, ele sopesará se é melhor investir
mais na construção para, por exemplo, reduzir o custo de manutenção.
A transferência em conjunto dessas responsabilidades para o parceiro
privado tende, portanto, a gerar uma maior eficiência na prestação dos
serviços – eficiência, essa, que, em condições de mercado perfeito ou
de regulação econômica adequada (neste caso, yardstick regulation),
retornaria ao usuário e ao Poder Público sob a forma de melhores
serviços e/ou de menores tarifa e subsídio público.17
Ainda, com relação a esse primeiro objetivo, Carlos Ari
Sundfeld18, adverte que um dos problemas corriqueiros em sede
de obras públicas é o desinteresse econômico do contratado pela
boa execução do contrato, pois o único risco à má execução é o de a
Administração recusar o recebimento do objeto. Entretanto, esse risco
só é efetivo se a Administração tiver capacidade técnica de identificar
as falhas. Além disso, a fraude nessa execução gera, na maioria das
vezes, recursos suficientes para o contratado corromper a fiscalização
da obra e lograr, sem dificuldades, o recebimento definitivo do objeto.
Para evitar esse tipo de problema a Lei das PPP´s impediu que nos
contratos de concessão a prestação se limitasse exclusivamente à execução
de obras ou fornecimento de equipamentos (art. 2º, § 4º, inciso III), atrelando
ainda a remuneração dos parceiros privados à fruição dos serviços pela
Administração ou pelos administrados (art. 7º), que pode ser, inclusive,
variável de acordo com o desempenho do parceiro privado, conforme
metas e padrões de qualidade e disponibilidade (art. 6º, parágrafo único).
Assim, a boa ou má qualidade das obras ou bens utilizados na
infraestrutura repercutirá diretamente na determinação do valor a ser
recebido pelo parceiro privado. Tal fato pode despertar o interesse desse
em executar corretamente a parte relativa à infraestrutura, pois os serviços
devem se estender por ao menos cinco anos, tendo essa que resistir a todo
esse lapso temporal.
Dentre as inovações e/ou aperfeiçoamentos incorporados pela
Lei de PPP pode-se citar:
17
Ibidem p.34/36.
18
Ibidem p.34.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 57
a) a possibilidade de inversão de fases na licitação para
permitir análise das propostas de preços antes da verificação
dos documentos de habilitação, bem como, a faculdade de
oferecimento de lances em viva voz (concorrência-pregão);
b) a permissão para existência de uma fase para saneamento das
falhas formais na documentação apresentada pelos licitantes,
bem como para utilização de arbitragem entre a Administração
Pública e o parceiro privado;
c) a faculdade de assunção do controle da concessionária por
seus financiadores para promover sua reestruturação financeira
e assegurar a continuidade da prestação dos serviços;
d) a capacidade de a Administração Pública oferecer aos parceiros
privados garantias de pagamento da contraprestação pública;
e) a possibilidade de pagamento ao parceiro privado de
remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme
metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no
contrato;
f) a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes
a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica
extraordinária.
19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p.143.
58 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
outro, presente em toda a Reforma do Aparelhamento Administrativo
do Estado, o de fuga do direito administrativo:
[...] já que, sendo as atividades prestadas por empresas privadas,
muitos dos institutos próprios desse ramo do direito não precisarão
ser utilizados, como a licitação, os concursos públicos para seleção de
pessoal, as regras constitucionais sobre servidores públicos e sobre
finanças públicas. A justificativa é a busca da eficiência que se alega ser
maior no setor privado que no setor público20.
Já Bemjamin Zymler21 aponta alguns inconvenientes trazidos
pelas PPP´s com base na experiência da Inglaterra, a saber:
a) a ocorrência de um verdadeiro pacto e gerações, devido à longa
duração dos contratos para amortização dos investimentos, pois
um governo, visando resolver problemas prementes, assume
compromissos que deverão ser resgatados pelas próximas
administrações. Assim, um governante ficaria com o bônus
enquanto seus sucessores ficariam com o ônus. Entretanto, essa
crítica não seria procedente por duas razões. A primeira é que
o bônus seria dividido também com as gerações vindouras. A
segunda é que todas as decisões referentes a grandes investimentos
nacionais apresentam essa mesma característica, ou seja, o pacto
de gerações é um elemento de todas as decisões políticas de vulto;
b) a constatação, em várias ocasiões, de que os parceiros privados
almejaram lucros exorbitantes. Para Shinohara & Savoia22 essa
crítica de que as PPP´s são uma oportunidade de as empresas
auferirem lucros extraordinários não é procedente, pois esse tipo
de parceria é apenas um instrumento de estruturação de projetos,
e a legislação a respeito desse tema não fornece garantias de lucros
extraordinários – e com baixo risco envolvido – para os projetos.
O que poderia ocorrer num primeiro momento, em razão da
atualidade do tema e da desconfiança do investidor quanto a esse
tipo de estruturação, seria a necessidade de um prêmio adicional
de risco a ser percebido pelo setor privado. Entretanto, tal prêmio
só seria definido quando da licitação dos projetos;
20
Ibidem, p.143
21
ZYMLER, Benjamin, ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O Controle
Externo das Concessões de Serviços Públicos e das Parcerias Público-Privadas. Belo Horizonte:
Fórum, 2005, pp. 274/292.
22
SHINOHARA, Daniel, SAVOIA, José Roberto Ferreira. Parcerias Público-Privadas no
Brasil. São Paulo: Manole, 2008, p.46.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 59
c) a possibilidade de ocorrência de “privatização de cargos
públicos”, nos casos em que a gestão de uma estrutura pronta é
transferida para o parceiro privado;
d) problemas sérios decorrentes de erros de projeto e tentativas de
reduzir custos, com intuito de maximizar os lucros dos parceiros
privados;
e) Shinohara & Savoia23 apontam ainda como crítica às PPP´s o
elevado custo associado à esse tipo de estruturação de projeto.
Carlos Ari Sundfeld24 elenca, também, possíveis riscos que o
programa Brasileiro de PPP´s podem provocar se mal efetuado, dentre
esses:
a) a possibilidade de comprometimento irresponsável de
recursos públicos futuros, seja pela assunção de compromissos
impagáveis, seja pela escolha de projetos não-prioritários;
b) o risco de a Administração comprometer-se com contratações
de longo prazo mal planejadas e estruturadas, devido à pressa
ou incapacidade dessas;
c) o risco de abuso populista no patrocínio estatal das concessões,
no qual governos de orientações populistas tenderão a conter
reajustes tarifários e criar isenções para segmentos de usuários,
transferindo os ônus aos cofres públicos em troca de possível
votação em eleições;
d) o risco de desvirtuamento do uso da concessão administrativa
por interesses de certos administradores e empresas que
visariam à flexibilização das vedações e conceitos trazidos pela
Lei de PPP´s, o que poderia gerar absurdos, tais como contratos
de longo prazo para vigilância, limpeza de prédio público, de
consultoria econômica, de manutenção de equipamentos etc.,
sem que haja investimentos que justifiquem essa longa duração.
Bemjamin Zymler25 elenca ainda uma lista de falhas encontradas
em PPP´s celebradas em outros países, a saber:
a) deficiência de acompanhamento da execução por parte do parceiro
público;
b) maior capacidade negocial do setor privado, podendo ocasionar a
celebração de acordos desfavoráveis para o setor público;
c) falta de coordenação das entidades de controle;
d) celebração de PPP mais por razões orçamentárias e financeiras do que
visando obter ganhos de eficiência;
23
Idem.
24
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia op. cit., p.24/26.
25
ZYMLER, Benjamin, ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. op. cit., p.323/324.
60 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
e) inexistência de avaliação do impacto plurianual das obrigações
assumidas pelo setor público e de demonstração da sustentabilidade
econômico-financeira das parcerias;
f) falta de rigor na elaboração dos estudos técnicos e econômicos cujas
conclusões fundamentaram a celebração das PPP´s;
g) rigidez excessiva dos modelos financeiros utilizados;
h) avaliação deficiente, repartição inadequada e má gestão do risco por
parte do Estado;
i) inadequação da remuneração do agente privado ao risco por ele
assumido;
j) realização de licitações e celebração de contratos antes da obtenção
das respectivas licenças ambientais;
k) preponderância de critérios financeiros sobre os aspectos qualitativos
das propostas apresentadas quando das licitações;
l) fixação de prazos para as concessões sem levar conta o efetivo retorno
financeiro oferecido pelas parcerias;
m) ausência de mecanismos de repartição de benefícios entre os agentes
públicos e privados;
n) inadequação do ordenamento legal quanto às formas alternativas de
financiamento;
o) não consideração de benefícios fiscais ou creditícios, como, por
exemplo, a concessão de empréstimos subsidiados;
p) não redução dos valores pagos aos parceiros privados em decorrência
de falhas detectadas nos serviços oferecidos;
q) ineficácia dos sistemas de premiação e de punição no que concerne à
melhoria da qualidade dos serviços prestados;
r) eventuais conflitos de interesses verificados quando um mesmo grupo
atua como parceiro, financiador e consultor financeiro;
s) não consideração das receitas acessórias.
26
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009,
p.276/285.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 61
execução contratual de forma absoluta e exoneram ambas às partes
de responsabilidade por inadimplemento, existem três espécies
de áleas ou riscos que o particular enfrenta quando contrata com a
Administração:
a) álea ordinária ou empresarial, que está presente em qualquer
tipo negócio, como resultado da própria flutuação do mercado;
caso seja previsível e de consequências calculáveis, responde
por ele o particular. Incluem-se neste tipo de risco a variação de
demanda por determinado tipo de serviço ou bem, e os casos em
que o particular, por ineficiência, negligência , imperícia, ou por
vontade própria sofre prejuízos;
b) álea administrativa, que abrange três tipos:
b.1) o primeiro decorre do poder de alteração unilateral do
contrato administrativo, para atendimento do interesse público,
que traz para a Administração a obrigação de restabelecer o
equilíbrio voluntariamente rompido (art. 58, inciso I c/c art. 65 §
§ 1º e 6º da Lei nº 8.666/1993);
b.2) o segundo corresponde ao chamado fato do príncipe, que
correspondem às medidas de origem Estatal “de ordem geral, não
relacionadas diretamente com o contrato, mas que nele repercutem,
provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento
do contrato” nesse caso, a Administração responde pelo
restabelecimento do equilíbrio rompido. Observa, ainda, essa
doutrinadora, que devido ao regime federativo vigente no direito
brasileiro, a teoria do fato do príncipe só se aplica se a autoridade
responsável pelo fato do príncipe for da mesma esfera de governo
em que se celebrou o contrato (União, Estados e Municípios); se
for de outra esfera, aplica-se a teoria da imprevisão;
b.3) o terceiro é conhecido como fato da Administração e
é definido por Celso Antonio Bandeira de Mello27 como “o
comportamento irregular do contratante governamental que, nesta
mesma qualidade, viola os direitos do contratado e eventualmente lhe
dificulta ou impede a execução do que estava entre eles avençado”. A
ocorrência deste fato pode provocar uma suspensão da execução
do contrato, transitoriamente, ou pode levar a uma paralisação
definitiva, tornando escusável o descumprimento do contrato
pelo contratado e eximindo-o das sanções administrativas
que, de outro modo, seriam aplicáveis. Por exemplo, quando
27
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2007, p.637.
62 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
a Administração atrasa os pagamentos devidos por prazo
superior a 90 (noventa) dias ou deixa de entregar o local da
obra ou do serviço no prazo avençado (art. 78, incisos XV e XVI
da Lei nº 8.666/1993);
c) álea econômica, que diz respeito a circunstâncias externas
ao contrato, estranhas à vontade das partes, imprevisíveis,
excepcionais, inevitáveis, que causam desequilíbrio muito
grande no contrato, dando lugar à aplicação da teoria da
imprevisão28. Neste caso, também, a Administração Pública,
em regra responde pela recomposição do equilíbrio econômico
financeiro.
Segundo essa doutrinadora, para o direito francês (berço
dessas teorias), a distinção entre as áleas administrativas e econômicas
é relevante, porque, nas primeiras, o poder público responde sozinho
pela recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, enquanto nas
segundas os prejuízos se repartem, já que não decorrem da vontade
de nenhuma das partes. No entanto, no direito brasileiro, considera-
se que:
[...] seja nas áleas administrativas, seja nas áleas econômicas, o
contratado tem direito à manutenção do equilíbrio econômico-
financeiro do contrato, por força do art. 37, XXI, da Constituição,
que exige, nos processos de licitação para obras, serviços, compras e
alienações, sejam mantidas ‘as condições efetivas da proposta’. Além
disso, a mesma ideia resulta da Lei nº 8.666/1993 (art.65, inciso II e
§§ 5º e 6º) e da Lei nº 8.987/1995 (art.9º e parágrafos), em matéria de
concessão e permissão de serviços públicos29.
28
Essa teoria constitui-se na aplicação da antiga cláusula rebus sic stantibus originária da
expressão atribuída a Bartolo: “contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de
futuro, rebus sic stantibus intelliguntur”, que significa que nos contratos de trato sucessivo, a
convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecerem (rebus sic stantibus) como
eram no momento da celebração. Tal teoria encontra guarita no art. 65, inciso II, alínea “d”
da Lei nº 8.666/1993, com redação dada pela Lei nº 8.883/1994, que prevê a possibilidade
de alteração contratual com objetivo de restabelecer “o equilíbrio econômico-financeiro inicial
do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências
incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior,
caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”. Note
que embora o dispositivo mencionado trate apenas da alteração consensual dos contratos
administrativos, a doutrina administrativista clássica, em geral, entende que ele gera para os
contratados o direito de obter compensação do poder público toda vez que um dos eventos
listado venha a acontecer. Segundo essa doutrina, o reequilíbrio econômico-financeiro seria
automático e obrigatório em se tratando de força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou
álea econômica extraordinária, ou seja, esses riscos seriam integralmente suportados pelo
Estado.
29
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p.285.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 63
Com relação à concessão de serviços públicos é conveniente
a transcrição do trecho da obra de Celso Antônio Bandeira de Melo
que, ao comentar a Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões), advoga o
reequilíbrio econômico-financeiro do contrato como ônus integral da
Administração seja por álea administrativa ou econômica, in verbis:
É que no direito francês a álea ordinária, isto é, o risco a ser enfrentado
pelo concessionário sem socorro do Poder Público, envolve não só
os casos em que este, por ineficiência, negligência ou incapacidade,
sofre prejuízos, mas também as hipóteses em que sua deterioração
patrimonial advém de oscilações normais dos preços de mercado,
insuficiente afluxo de usuários, ou promana da adoção de medidas
gerais, exaradas pelo Poder Público, que afetem indiscriminadamente
toda a coletividade, sem repercussão especial sobre o concessionário e
sem lhe tornar ruinosa a exploração do serviço.
Entre nós, todavia, a noção de álea ordinária – ou seja, do risco que o
concessionário deve suportar – é mais restrita, de sorte que se beneficia
de uma proteção maior. De outro lado, no que se refere à álea econômica,
quando invocável a teoria da imprevisão, o resguardo do concessionário
é completo, e não apenas parcial, como no Direito francês.
Em suma: no Brasil a noção de equilíbrio econômico-financeiro da
concessão e da proteção que se lhe deve conferir é mais generosa para
o concessionário.
Com efeito, entende-se como excluída da álea ordinária (isto é, do risco
que o concessionário deve suportar) a variação dos preços dos insumos
componentes da tarifa, pois esta intelecção é a que se coaduna com a
proteção ampla decorrente dos precitados arts. 9º e § 2º, 18, VIII, e 23, IV,
impositivos de revisão e reajuste. Da álea ordinária também se excluem
os agravos econômicos oriundos de medidas gerais do poder público
que tenham impacto gravoso sobre o preço tarifário, ainda que não se
trate de providências especificamente incidentes sobre a concessão,
pois, como o visto, o art. 9º, § 3º, determina revisão de tarifa até mesmo
em face de sobrevinda de tributos, salvo os do imposto de renda, ou
encargos legais que comprovadamente repercutam sobre ela. De outro
lado, nas hipóteses em que caiba a aplicação da teoria da imprevisão, a
qual é acolhida sem o extremo rigorismo do Direito francês, os prejuízos
do concessionário são inteiramente acobertados e não – como ocorre na
França – partilhados com o concedente.
Tais soluções são obrigatórias em face de nosso Direito Positivo, visto
que o art. 37, XXI, da Lei Magna do País estatui que as obras e serviços,
tanto como compras e alienações, serão contratadas com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas
da proposta30.
São elencados, ainda, como justificativas para a manutenção
do equilíbrio econômico-financeiro, os seguintes institutos do Direito
30
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p.729/730.
64 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
Civil, aplicados às contratações administrativas por força do art. 54 da
Lei nº 8.666/1993:
a) a vedação ao enriquecimento sem causa31, contemplado no
Código Civil, em seu art. 884: “Aquele que, sem justa causa,
se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir
o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários”;
b) o respeito à boa-fé dos contratantes, previsto no art. 422 do
Código Civil.
Marçal Justen Filho32 define a equação econômico-financeira
de um contrato administrativo como “a relação entre encargos
e vantagens assumidas pelas partes do contrato administrativo,
estabelecida por ocasião da contratação, e que deverá ser preservada
ao longo da execução do contrato”. Para este doutrinador a tutela da
equação econômico financeira do contrato tem sede constitucional no
inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal e relaciona-se, também, a
certos postulados constitucionais, a saber:
a) princípio da eficácia administrativa, que reza que a
Administração Pública despenda o menor valor possível nas
suas contratações. Para o autor a ausência de garantia aumentaria
o risco dos particulares, sobretudo em relação às características
peculiares do contrato administrativo. Dessa forma, visando
à redução geral dos preços pagos pelo Estado no conjunto de
suas contratações, é oferecida como garantia ao particular a
intangibilidade da equação econômico-financeira de forma a
assegurar que este não correrá riscos quanto a eventos futuros,
incertos e excepcionais;
b) princípio da isonomia, para o autor:
Se os eventos extraordinários produzissem benefício patrimonial
para a Administração, haveria ofensa à isonomia. Os benefícios
que o particular tivesse deixado de auferir seriam apropriados pela
comunidade, o que significaria que todos teriam benefício à custa de um
particular específico. Aliás, o mesmo argumento conduz à vedação do
resultado oposto. Se os eventos extraordinários ampliam os benefícios
e vantagens do contratado, a Administração deverá rever as condições
31
Em posição divergente entende-se que, por exemplo, num contrato administrativo de
obra por empreitada por preço global considera-se que eventual diferença de custo a favor
da Administração não provocaria o enriquecimento sem causa desta, pois a causa seria o
risco assumido pelo contratante ao assinar este tipo de contrato e vice e versa.
32
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p.427/428.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 65
e reduzir seus próprios encargos, para impor a manutenção da situação
original33;
c) o princípio de proteção à propriedade privada, que veda ao
Estado apropriar-se do patrimônio privado sem prévia e justa
indenização.
Cabe diferenciar, também, o restabelecimento do equilíbrio
econômico-financeiro do reajuste de preços.
Para Marçal Justen Filho34 o restabelecimento independe
de previsão contratual, pois decorre do princípio da manutenção
do equilíbrio econômico-financeiro, corolário da igualdade e da
moralidade administrativa.
Entretanto, um cuidado que deve ser tomado na aplicação do
restabelecimento é o princípio da obtenção da proposta mais vantajosa,
previsto no art. 3.º da Lei nº 8.666/1993, pois pode acontecer de ser mais
conveniente e vantajoso realizar outra licitação em vez de restabelecer
o equilíbrio econômico-financeiro, seja porque o contratado não aceita
as condições da Administração, seja porque esta não aceita o pleito
daquele.
Já o reajuste de preços, criado pela constatação da
impossibilidade de manutenção do contrato com os preços nominais,
em razão da notória inflação e seus efeitos, exige previsão editalícia.
Esse autor, também, diferencia o reajuste, que “se baseia
em índices setoriais vinculados às elevações inflacionárias quanto
a prestações específicas”, da atualização monetária ou correção
monetária, a qual “se refere aos índices gerais de inflação”.
Para Celso Antonio Bandeira de Melo35 embora o reajuste de
preços, consista, tal como a correção monetária, em fórmula concebida
para preservar o conteúdo econômico-financeiro do ajuste de modo
fluido, simples e pacífico, tem objeto diferente desta. A finalidade do
reajuste é alteração do valor a ser pago em função da variação de valor
que determinava a composição do preço. Já na correção monetária o
valor devido permanece constante, alterando-se apenas a quantidade
de moeda que expressa o mesmo valor devido à inflação.
Por exemplo, a variação do custo de um saco de cimento pode ser
33
Ibidem
34
JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11.ed.
São Paulo: Dialética, 2005, p.550/551.
35
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p.624/626.
66 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
superior a variação da inflação oficial de um governo em determinado
período, se o contrato prevê a alteração do valor contratual com fórmula
baseada no índice oficial de inflação ter-se-á a correção monetária do
ajuste, já se a fórmula de variação do preço do contrato for com base
na variação do custo do saco de cimento, estar-se-ia diante de uma
cláusula de reajustamento de preço.
Os artigos 4º, inciso VI, e 5º, inciso III da Lei nº 11.079/04 trazem
um novo regramento acerca da distribuição de riscos em contratos
administrativos de Parcerias Público-Privadas. Por sua importância
convêm transcrevê-los, verbis:
Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as
seguintes diretrizes:
[...]
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;
[...]
Art. 5º As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão
ao disposto no art. 23 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que
couber, devendo também prever:
[...]
III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso
fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.
Note que neste caso a opção do legislador não foi prescrever
uma alocação de riscos uniforme para todas as PPP´s e tampouco deixar
o assunto ao arbítrio da doutrina e do Poder Judiciário. Este optou sim
por determinar que a repartição de riscos seja disciplinada em cada
contrato de PPP. Dessa forma, o administrador público deve, em cada
licitação, divulgar aos licitantes a minuta do contrato de concessão de
PPP, incluindo a repartição de riscos. Aos concorrentes, cabe então
formular suas propostas técnicas e financeiras em compatibilidade
com essa distribuição de riscos.
Essa solução é inovadora com relação à prática brasileira
em matéria de contratos administrativos, que, usualmente, trata da
repartição de riscos de forma sumária, resolvendo-se essa questão,
mediante aplicação do abstrato princípio da manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, cujas diretrizes são fixadas em lei,
mas sua aplicação prática é feita pelo Judiciário com apoio da doutrina.
36
PINTO, Marcos Barbosa. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-Privadas. Revista
do BNDES, v.13, n.25, p.155-182, jun., 2006, p.156.
68 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
contratos de médio ou longo prazos, a iniciativa privada tende a ser
conservadora. Por essa razão, o cumprimento da diretriz sob comento
afeta diretamente o preço pelo qual os potenciais parceiros privados
estão dispostos a prestar o serviço ao usuário e à Administração Pública.
Do ponto de vista do Poder Público, uma outra questão tem importância
essencial: o esforço de coibir ou minimizar a existência de mecanismos
ocultos ou implícitos de distribuição de riscos. Essa preocupação
deve incidir especialmente sobre a definição dos critérios para o
reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, pois, a depender da
forma como eles forem configurados, riscos que foram transferidos no
corpo do contrato para os parceiros privados podem retornar para a
Administração Pública37.
Como exemplo dessa possibilidade de reassunção de riscos
pelo Poder Público, os autores citam um contrato administrativo que
transfere o risco de demanda do serviço para o parceiro privado, mas
define como critério único para a realização do reequilíbrio econômico-
financeiro do ajuste, a Taxa Interna de Retorno do Negócio (TIR). Neste
caso o risco de demanda na verdade seria, senão totalmente, pelo menos
parcialmente transferido aos usuários ou à Administração Pública,
uma vez que uma queda dos níveis de demanda vai necessariamente
afetar a TIR do negócio.
Já com relação à probabilidade de ineficácia e antieconomicidade
da assunção de todas as áleas extraordinárias pela Administração
Pública, Marcos Barbosa Pinto afirma que isentar o concessionário da
variação de custos, salvo os relacionados à inflação, é extremamente
ineficiente do ponto de vista econômico38, bem como, de forma análoga,
o concessionário teria melhores condições de lidar com determinados
fatos imprevistos do que à administração pública. Esse autor traz a
seguinte ilustração para elucidar essa questão:
Vamos recorrer a um exemplo singelo para explicar como isso ocorre.
Suponhamos que um contrato de PPP deixe de transferir para o parceiro
privado o risco de variação nos custos de prestação do serviço. Nesse caso,
é óbvio que o parceiro privado não terá nenhum incentivo para reduzir
custos, pois é o Estado quem arca com eles em última instância. Desse modo,
a tendência é que os custos corram livremente, gerando um desperdício de
recursos que não beneficia ninguém e que não pode ser recuperado.
Uma alocação minimamente eficiente de riscos exige que o parceiro
37
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro. op. cit., p.104/105.
38
Pois neste caso o nível de custos seria absolutamente indiferente para o parceiro
privado, uma vez que sua remuneração é a mesma em qualquer hipótese. Note que nessa
hipótese o ente privado, também, não tira proveito da situação, pois ele simplesmente deixa
os custos flutuarem e repassa-os ao Estado. Este fenômeno é conhecido pelos economistas
como custo da ineficiência ou dead weight loss.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 69
privado arque pelo menos com o risco de variação dos custos que estão
sob o seu controle. Se isso ocorrer, o parceiro privado poderá aumentar
seu lucro controlando custos, mas também poderá vê-lo diminuído se
os custos aumentarem. Seja pela possibilidade de ganhos, seja pelo risco
de perdas, esse arranjo contratual incentiva o parceiro privado a reduzir
custos, poupando assim recursos escassos da sociedade.
O Estado também se benéfica deste arranjo, já que competidores mais
eficientes poderão formular propostas melhores em licitações competitivas,
transferindo assim para o poder público parte do ganho advindo da
redução de custos. Parte-se de uma situação em que o Estado perde e o
parceiro privado nada ganha, para uma situação em que todos ganham,
inclusive o parceiro privado 39.
Segundo o supracitado autor o raciocínio acima, também, se
aplica de forma inversa, eis suas palavras:
Suponhamos que o Estado decida transferir para o parceiro privado
o risco de alteração, pela administração pública, das especificações de
serviço estabelecidas no contrato. Nesse caso, o mais provável é que
as empresas privadas desistam da parceria, já que não têm controle
sobre a atuação do Estado e não podem prever qual será o impacto das
alterações de serviço sobre seus custos. Todos perdem nessa situação, já
que, de um lado, o Estado deixa de contar com a eficiência da iniciativa
privada e, de outro, o parceiro privado deixa de lucrar com a prestação
do serviço.
Essas perdas seriam evitadas, obviamente, se o Estado assumisse o
custo das alterações por ele propostas nas especificações do serviço.
Desta forma, o Estado teria um incentivo econômico para restringir
as alterações ao mínimo necessário, já que ele próprio arcaria com o
seu custo. Já o setor privado teria mais conforto para contratar e não
seria obrigado a cobrar preços exorbitantes para se proteger contra
modificações desarrazoadas e custosas por parte do Estado40.
Em síntese, o mencionado autor, afirma que uma distribuição
eficiente de riscos pode gerar ganhos para todas as partes. Porém, para
que isso ocorra, é fundamental que o contrato seja claro e objetivo. A
imprecisão quanto à alocação dos riscos entre as partes no contrato
deve ser evitada a qualquer custo, pois coloca o Estado à mercê de
comportamentos oportunistas do parceiro privado. Este sabe que o
contrato de PPP não pode ser rompido sem custos para o Erário e para
a população, o que o leva a aproveitar-se das brechas do contrato para
se livrar de custos que deveria suportar. O único remédio parcial contra
esse tipo de oportunismo é um contrato que reparta objetivamente os
riscos entre as partes.41
39
PINTO, Marcos Barbosa. op. cit., p. 159.
40
Ibidem, p.160
41
Ibidem, p.160.
70 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
Além disso, esse autor ressalta que só por meio da repartição
objetiva de riscos é que as partes podem ter certeza do benefício gerado
para ambas, verbis:
Sem que o Estado saiba quais os riscos está transferindo para o setor
privado, a administração pública não consegue avaliar se a PPP é
o caminho mais indicado ou se, ao contrário, o melhor seria realizar
os investimentos públicos necessários e prestar o serviço diretamente
à população. Da mesma forma, as empresas privadas não podem
formular propostas atrativas nas licitações se não sabem os riscos que
estão aceitando correr, via de regra elas presumem que terão de suportar
todos os riscos que não foram claramente repartidos no contrato,
elevando consideravelmente suas propostas financeiras42.
Ademais, uma pesquisa, feita no âmbito do programa PFI
britânico, apontou os seguintes elementos como responsáveis pela
promoção de economia ao Poder Público: a transferências de riscos;
a utilização de indicadores de resultado; o prazo longo do contrato;
os instrumentos de mensuração de desempenho; a competição e a
capacidade do setor privado de gerir projetos. Sendo que 60% dos
ganhos obtidos com a contratação de PPPs em relação às formas
tradicionais de implantação dos empreendimentos provieram da
correta repartição de riscos43.
42
Ibidem, p.160.
43
Value for Money Drivers in the Private Finance Iniciative – A Reportby Arthur
Andersen and Entreprise LSE, Commissioned by The Treausury Taskforce, 17.1.00 apud
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro, op.cit., p.94 e 103.
44
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20.ABR.09.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 71
de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Para Marcos Pinto Barbosa45 a Constituição estabelece o princípio
da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e não
do equilíbrio financeiro do contrato, ou seja, a Lei Magna não autoriza
a modificação ou suspensão das obrigações previstas em um contrato
administrativo sob o pretexto de que ele não é economicamente
equilibrado e sim que as condições propostas pelos licitantes sejam
mantidas, uma vez celebrado o contrato.
Segundo o doutrinador a inclusão deste princípio no mesmo
dispositivo que obriga o poder público a realizar suas contratações
mediante licitação, cujos objetivos principais são a obtenção da
proposta mais vantajosa para a Administração e o estabelecimento de
um procedimento justo e transparente para a contratação de obras e
serviços, gera a presunção que o contrato decorrente de uma licitação
seja economicamente equilibrado, tendo em vista a legitimidade do
rito que lhe deu origem.
O princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
do contrato buscaria, então, preservar o contrato administrativo de
fatos e alterações posteriores que afetem seu equilíbrio inicial. Assim,
sempre que ocorrer um fato ou alteração contratual que torne o contrato
desequilibrado, ele deve ser ajustado para que o equilíbrio inicial seja
restabelecido. Como conseqüência lógica, não poderia haver pretensão
a reequilíbrio se as condições do contrato forem mantidas.
Quanto ao contido no artigo 5º, inciso III da Lei de PPP, que
prevê como cláusulas contratuais a alocação de riscos de forma objetiva
entre as partes, inclusive os relativos à força maior, caso fortuito, fato
do príncipe ou álea econômica extraordinária, o autor afirma que não
há inconstitucionalidade na determinação legal de que o contrato
de PPP seja objetivo na repartição de riscos. Porque quanto mais
objetivo for o contrato, mais transparente é o procedimento licitatório,
e mais justa será a contratação, pois “uma repartição clara de riscos
no contrato garante que as propostas econômicas do setor privado
serão compatíveis com os riscos assumidos e também que todos os
participantes do processo licitatório terão ciência destes riscos”46.
45
PINTO, Marcos Barbosa. op. cit., p.163/165.
46
Ibidem p.165.
72 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
Para ele poderia haver alegação de inconstitucionalidade no
que tange à segunda parte do dispositivo, que prevê a possibilidade
de repartição de riscos referentes à força maior, caso fortuito, fato
do príncipe ou álea econômica extraordinária, caso se argumentasse
que tal preceito exclui o reequilíbrio para fatos externos ao contrato
que afetem sua equação econômico-financeira, o que é vedado pela
Constituição.
Todavia, para o autor a alegação supracitada só seria procedente
se a lei não determinasse que o próprio contrato alocasse os riscos em
questão, de forma objetiva. Assim, na medida em que o contrato de
PPP contempla certos riscos e os atribui ao parceiro privado de forma
clara, eles deixam de ser externos ao contrato e à equação econômico-
financeira inicialmente estabelecida, passando a integrá-los. Ou seja, o
equilíbrio inicial do contrato já inclui a repartição de riscos.
Portanto, para esse doutrinador, o artigo 5º, inciso III
da Lei de PPP é constitucional e compatível com o princípio da
manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato. Em sua
ótica, inconstitucional seria admitir o reequilíbrio quando os riscos
assumidos pelo concessionário se materializassem, pois ao proceder
dessa forma, estar-se-ia alterando a equação inicial do contrato em vez
de preservá-la, e o pior, compensando duplamente o parceiro privado
por um mesmo fato – uma vez na licitação, outra no reequilíbrio.
Em contraponto Maria Sylvia Zanella Di Pietro47 afirma que o
contido no artigo 5º, inciso III da Lei de PPP é aceitável no caso da teoria
da imprevisão e na hipótese de força maior, em que o desequilíbrio
é causado por álea econômica alheia à vontade de ambas as partes.
Contudo, o mesmo não ocorreria nos casos de fato do príncipe e fato
da administração em que o desequilíbrio decorre de ato ou fato do
Poder Público, pois nas duas hipóteses seria inaceitável a repartição
dos prejuízos, porque não se pode imputar ao contratado o ônus de
arcar com prejuízos provocados pelo contratante.
Segunda essa doutrinadora:
No caso de fato do príncipe, a responsabilidade do Estado encontra
fundamento na regra contida no artigo 37, § 6º, da Constituição, que não
pode ser afastada por lei ordinária. No caso de fato da Administração,
trata-se de responsabilidade contratual por inadimplemento, não
podendo o parceiro privado arcar com os prejuízos, nem mesmo
para dividi-los com o parceiro público. Trata-se de mera aplicação do
47
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p.155.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 73
princípio geral de direito, consagrado no artigo 186 do Código Civil,
segundo o qual aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-
lo48.
Advoga, ainda, Marcos Pinto Barbosa 49 que a repartição
objetiva dos riscos seria um remédio para eventuais condutas
oportunistas de licitantes, ao diminuir vantagens relativas
a informações privilegiadas, detidas por apenas alguns
concorrentes, e dificultar renegociações posteriores. Esse autor
cita como exemplo, um estudo do Banco Mundial, desenvolvido
por J. Luis Guasch 50, que afirma ser comum na América Latina a
celebração de contratos de concessão em termos extremamente
vantajosos para o poder público e posterior renegociação
desses ajustes em termos extremamente vantajosos para as
concessionárias. Tal assertiva vem da constatação do fato de que
alguns licitantes têm melhores informações ou influência sobre
as ações do setor público após a licitação, o que lhes permite
formular propostas iniciais mais baixas na licitação, cientes de
que conseguirão equilibrar o contrato posteriormente mediante
renegociações.
Sobre esse tema, é, também, conveniente transcrever o
seguinte excerto da obra do Professor Paulo Modesto, que ressalta tal
característica, trazida pela Lei 11.079/04, in verbis:
A Lei 11.079/2004 (Lei das PPPs) foi mais austera: impôs a ‘repartição
objetiva de riscos entre as partes’ (art.4º, VI), inclusive os ‘referentes
a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica
extraordinária’ (art.5º, III). Não tenho dúvida que muitos autores
inquinarão o novo dispositivo de inconstitucional, por afronta ao
precitado art.37, XXI da Constituição Federal. Mas considero que
esta será uma leitura apressada (ou interessada): o dispositivo
constitucional obriga que sejam mantidas as condições efetivas da
proposta, mas não impede que o legislador determine aos particulares
que, na proposta, contemplem objetiva catalogação dos riscos que
estão dispostos a assumir em relação a situações típicas de caso
fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.
O conceito de ‘condições efetivas da proposta’ não deve atinar
apenas com o preço e as tarefas assumidas: deve encerrar, ao menos
48
Ibidem, p.155.
49
PINTO, Marcos Barbosa. op. cit., p. 164.
50
GUASCH, J. Luis. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right.
World Bank Institute Development Studies, 2004. Disponível em:<http://info.worldbank.
org/etools/docs/library/240056/Granting%20and%20renegotiating%20infrastructure%20
concessions%20%20doing%20it%20right.pdf>. Acesso em : 20.ABR.09.
74 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
nos contratos de parceria público-privada, um objetivo catálogo
de situações que indique quais os riscos serão partilhados entre os
parceiros e quais os riscos serão de responsabilidade exclusiva de
cada parte. É o início do fim dos contratos administrativos elípticos e
mal ajustados, de poucas páginas, que asseguram todas as garantias
possíveis ao concessionário e deixam o Estado sem clareza sobre a
extensão do risco efetivo assumido pelo concessionário51.
51
MODESTO, Paulo. Reforma do Estado, Formas de Prestação de Serviços ao Público e Parcerias Público-
Privadas: demarcando fronteiras dos conceitos de serviço público, serviços de relevância pública e
serviços de exploração econômica para as parcerias público privadas. Revista Eletrônica de Direito
Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, maio/jun./jul. 2005,
p.35/36. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em: 14.ABR.09.
52
SHINOHARA, Daniel, SAVOIA, op. cit., p.19/20.
53
European Comission. Guidelines for successful Public-Private-Partnerships. European
Comission, 2003, fls.54/68.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 75
serviço e aumentar as receitas por meio da operação mais eficiente;
(d) oferecer um perfil de despesas mais consistente e previsível54.
No mesmo sentido, Marcos Barbosa Pinto55 defende que o
administrador público ao alocar riscos nas PPP´s deve ter como diretriz
principal o princípio da eficiência econômica de forma a alcançar
uma distribuição de riscos que minimize os custos diretos e indiretos
associados a esses56. Esse doutrinador afirma, ainda, que obter uma
distribuição de riscos eficiente é uma tarefa árdua, pois pode variar
a cada caso, além de depender de uma série de informações técnicas.
Contudo, seria possível elencar as seguintes diretrizes básicas57:
a) primeira: os riscos de uma PPP devem ser alocados para o
parceiro que puder, ao menor custo, reduzir as possibilidades
de que o prejuízo venha a se materializar ou, não sendo possível,
suavizar os danos decorrentes;
b) segunda: buscar não atribuir riscos aos agentes econômicos
que podem transferir para terceiros suas perdas. Segundo esse
autor: “o Estado não é um bom absorvedor de riscos, já que ele
pode transferir todos os seus custos para os contribuintes. Logo,
as perdas sofridas pelo Erário não induzem a uma administração
mais eficiente de custos”;
c) terceira: um determinado tipo de risco deve ser atribuído à
parte que possa obter, ao menor custo, um seguro contra o
mesmo. Caso os riscos correspondentes não encontrem cobertura
no mercado, ou cujas franquias sejam proibitivas, é mais eficiente
o Estado assumir tal risco ou vender sua capacidade de absorção
de perdas ao setor privado a um preço adequado;
d) quarta: quando não for clara qual é a alocação de riscos mais
eficiente, deve-se alocar os custos para o parceiro sobre o qual
54
Busca-se aqui garantir para o setor público o uso eficiente do dinheiro (Value for
Money), ou seja, a criação do maior valor possível com a aplicação de determinado montante
de recursos.
55
PINTO, Marcos Barbosa. op. cit., p.166.
56
Para esse autor custos diretos são aqueles verificados toda vez que um risco se materializa, tais
como aumentos de preços, no caso do risco de variação de custos, ou um acidente, no caso do risco de
caso fortuito, bem como aqueles gastos efetuados pelas partes para evitar a materialização dos riscos
ou mitigar seus efeitos. Já custos indiretos referem-se à transferência de recursos de uma parte a outra
como forma de compensar prejuízos, seja por meio de pagamentos em dinheiro, seja por meio de ajustes
contratuais, como a prorrogação do prazo do contrato. Além disso, são custos indiretos os associados a
perda residual, ou seja, o custo indevidamente transferido de uma parte a outra em virtude de fraudes e
comportamentos oportunistas, bem como aqueles que surgem da própria alocação de riscos da PPP.
57 PINTO, Marcos Barbosa, op.cit., p.167 et seq.
76 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
eles recairiam naturalmente. Tal princípio decorre da máxima: “é
mais barato deixar as coisas como estão do que alterá-las”.
O mencionado autor exemplifica essas diretrizes analisando
alguns riscos, dos quais merece destaque58:
a) risco de variação de custos: esse risco, segundo o doutrinador,
deve ser carreado ao parceiro privado, pois, segundo a primeira
diretriz, está em melhores condições do que o Estado para
controlar o custo da mão-de-obra, matéria-prima e capital
relativo ao empreendimento. Contudo, excetua-se desse, o risco
de inflação, pois é um fenômeno que não pode ser controlado
pelo parceiro privado e que pode ser neutralizado pela previsão
de reajustes da contraprestação pública ou da tarifa conforme a
variação de índices de preços;
b) risco de demanda: para esse risco a melhor distribuição
varia de acordo com o tipo de serviço contratado. Quando a
atuação de apenas uma das partes puder levar a um aumento ou
diminuição da procura pelo serviço, o risco de demanda deve ser
atribuído a ela. Por exemplo, em presídios a demanda depende
essencialmente do governo, não fazendo sentido atribuir tal risco
ao setor privado;
c) risco de caso fortuito ou força maior: a melhor opção é a
alocação para o setor privado sempre que houver cobertura
securitária, a fim de evitar a externalização dos riscos para os
contribuintes, na hipótese do Estado os assumir. Caso não haja
essa cobertura, o mais natural é que o Estado assuma esse risco.
Não se pode deixar, também, de transcrever na íntegra o
instrutivo comentário de Marcos Pinto Barbosa acerca do risco
cambial59, in verbis:
Uma questão complexa e interessante diz respeito ao risco cambial. Via de
regra, esse risco deveria ser absorvido pelo setor privado, tendo em vista
seu controle sobre a estrutura de capital do projeto. Com efeito, o parceiro
privado pode escolher entre diversas alternativas de financiamento, seja
em moeda local, seja em moeda estrangeira. Obviamente, se escolher
financiamento em moeda local, o parceiro privado não correrá risco
cambial. Além disso, caso opte por financiamento em moeda estrangeira,
o concessionário pode arcar com o risco de desvalorização cambial ou
repassá-lo para o mercado por meio de contratos de hedge. Logo, a
primeira diretriz sugere que esse risco fique com o concessionário, tendo
em vista que o parceiro privado pode evitá-lo totalmente.
58
PINTO, Marcos Barbosa. op. cit., p.170.
59
Ibidem, p.173/174.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 77
Todavia, duas imperfeições do mercado podem alterar essa conclusão.
A primeira é a assimetria entre o mercado de capitais brasileiro
e o internacional, que faz com que as taxas de juros e prazos de
financiamento sejam melhores em moeda estrangeira do que em moeda
local. A segunda imperfeição é a inexistência de contratos de hedge de
câmbio de longo prazo no Brasil, o que faz com que o parceiro privado
tenha de enfrentar o risco da variação cambial sem proteção caso
decida tomar empréstimos em moeda estrangeira para beneficiar-se das
condições de financiamento disponíveis no mercado internacional.
Dadas essas imperfeições, pode valer a pena, em alguns projetos, que o
Estado assuma o risco de variação cambial. O Estado forneceria então
o hedge inexistente no mercado, permitindo que o parceiro privado
obtivesse financiamentos no mercado internacional a um custo mais
baixo. Como os projetos de PPP são intensivos em capital, o custo
financeiro mais baixo implicaria uma grande redução do custo total da
contratação para o Estado, justificando assim uma maior exposição a
risco.
É preciso ressaltar, porém, que esse tipo de proteção cambial só será
eficiente se a economia financeira obtida pela PPP com a proteção for
maior que o custo da absorção desse risco pelo Estado. Para garantir
que isso ocorra, o Estado deve precificar a proteção cambial oferecida,
deixando ao parceiro privado a opção de adquiri-la ou não. Caso a
proteção cambial custe menos do que o ganho financeiro a ser obtido
com empréstimos em moeda estrangeira, ele optará pela proteção
cambial. Caso contrário, tomará financiamentos em moeda local.
José Virgílio Lopes Enei60 elenca, ainda, em sua obra, alguns
riscos geralmente enfrentados em contratos contendo financiamentos
de longo prazo, que são objeto de alocação entre seus partícipes, a
saber:
a) risco de construção - risco relativo à conclusão das
obras e aquisição do maquinário necessário para tornar o
empreendimento apto a operar comercialmente. Envolve, ainda,
questões, tais como: erros de projeto, atrasos; custos superiores
aos orçados; conclusão das obras fora das especificações técnicas,
que podem impactar a capacidade produtiva do estabelecimento
com aumento dos custos operacionais; riscos à integridade física
de pessoas, à propriedade de terceiros ou meio ambiente, riscos
trabalhistas e fiscais;
b) risco de demanda;
c) risco de operação e manutenção do empreendimento;
d) risco País que se subdivide em: risco de desapropriação /
60
ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos:
(parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva,
2007, p.196/213.
78 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
encampação, risco de o projeto ser implantado pela iniciativa
privada e posteriormente desapropriado pelo Poder Público
(por exemplo, no caso de encampação ou caducidade de uma
concessão); risco de governo, associado a riscos de quebra de
contrato, de crédito governamental ou ainda de mudança de lei,
ligados diretamente à ação ou omissão do Poder Público; risco
institucional, relativo à estrutura institucional, que geram custos
adicionais de transação e podem exigir maior remuneração
aos investidores privados (por exemplo, morosidade do Poder
Judiciário Brasileiro e falta de especialização de seus juízes);
e) risco cambial;
f) risco de valor residual – risco de não amortização total dos
investimentos realizados ao final do período de concessão.
É importante destacar, também, que a Lei nº 11.079/2004 traz em
seu art. 5º, inciso IV, a disposição contratual obrigatória acerca da previsão
das formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais.
No que concerne à atualização dos valores contratuais, segundo
Maurício Portugal e Lucas Navarro Prado61, os contratos de concessão
comum e de PPP contemplam, geralmente, dois procedimentos: o de
reajuste e o de revisão contratual.
O reajuste (por exemplo, reajuste de tarifas em uma concessão
comum) tem por finalidade isentar o parceiro privado de parte ou da
totalidade dos riscos de variação de preços dos seus insumos, seja por
perda de valor da moeda, seja por situações específicas relativas ao setor ou
ao segmento da indústria ao qual pertence. É normalmente realizado com
periodicidade anual e se constitui em aplicação de fórmulas paramétricas,
que refletem a variação dos custos do concessionário e/ou a dos preços ao
consumidor, sobre os valores previstos no contrato.
A revisão contratual pode ser subdividida em revisão contratual
propriamente dita e renegociação. As revisões propriamente ditas
são procedimentos pautados por critérios estabelecidos no contrato
ou em regulamento emitido pela Agência Reguladora, e ocorrem
periodicamente, com o objetivo de adequar as condições contratuais
às situações imprevisíveis da prestação do serviço para a realização do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Já na renegociação ocorre a modificação de condições do
contrato independentemente de critérios previamente estabelecidos
no ajuste ou em regulamento da respectiva Agência Reguladora. Tais
61
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro. op. cit., p.125/128.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 79
renegociações podem ser necessárias tendo em vista a incapacidade
dos contratos de prever todas as situações futuras (incompletude),
bem como à necessidade de adequá-los às vicissitudes na prestação
do serviço.
Contudo, segundo os mencionados doutrinadores, deve ser um
objetivo dos contratos de PPP e de concessão comum a eliminação, ou
pelo menos, a redução das possibilidades de ocorrência de renegociações
oportunísticas, que podem ser responsáveis pela espoliação de
programas de concessão, pelas seguintes razões:
a) no Brasil são comuns, em determinados setores, renegociações
oportunísticas iniciadas pelos concessionários para a modificação
das obrigações de investimentos (inclusão de novas, adiamento
ou supressão das existentes). Do lado Poder Público, o controle
sobre as tarifas e sobre as condições de prestação de prestação de
serviço pode ser utilizado para pressionar o contratado a render
vantagens aos usuários ou ao Poder Público que, por não serem
economicamente sustentáveis, põem em risco a continuidade da
prestação do serviço;
b) o Poder Público tende a sair em desvantagem nos processo
de renegociação, porque essas são realizadas em contexto que
inexiste pressão competitiva (uma vez outorgada a concessão,
não é possível trazer terceiros para mesa de negociação) e por
haver um desequilíbrio de interesses entre o Poder Público e o
concessionário (enquanto para aquele trata-se de apenas mais
um contrato, para o concessionário, como Sociedade de Propósito
Específica (SPE), está em jogo seu único contrato).
Das razões supracitadas surge a necessidade de os procedimentos
de revisão serem devidamente regulamentados, nos contratos de
concessão ou em normativos das Agências, de forma a impedir que
este instrumento seja utilizado indevidamente para mitigação dos
riscos atribuídos aos parceiros (principalmente os alocados ao parceiro
privado) ou para simples alteração de preços sem lastro efetivo em
mudanças nas condições de execução do contrato que a justifiquem.
62
Posteriormente a redação do artigo 28 da Lei nº 11.079/2004, foi alterado pela Lei
nº 12.024/2009, de 27/08/2009, conforme será visto no item IV.1 desta monografia.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 81
contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 1% (um por
cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais
dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 1%
(um por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos
exercícios.
Quanto à possibilidade de aplicação simultânea desses dois
sistemas de controle de endividamento público, os doutrinadores
Maurício Portugal Ribeiro e Lucas Navarro Prado63 trazem a seguinte
observação:
Ao se debruçar sobre a LRF, apresentam-se dois sistemas distintos de
controle. Um trata de controlar a criação de despesas e assunção de
obrigações, regulamentado especialmente pelos arts. 16 a 24 (controle
de fluxo). Trata-se do controle acima mencionado. O outro tem por
objeto limitar diretamente o endividamento público, regrado sobretudo
pelos arts. 29 a 38 (controle de estoque). Apesar disso, nada há na LRF
que implique a exclusão entre esses sistemas de controle. Isto é, não
procede o argumento de que, se aplicado um sistema, automaticamente
está excluído o outro.
Como já afirmado, para as PPPs, quaisquer despesas passam pelo
controle de fluxo – o que implica demonstrar que a criação de despesa
com a celebração de uma determinada PPP pode ser compensada
pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente
de outra despesa. Além disso, eventualmente, se impactar o nível de
endividamento do ente público a que se vincular o órgão ou pessoa
contratante, haverá a incidência do segundo tipo de controle.
Em suma, o controle de fluxo é sempre aplicável; o de estoque o será
eventualmente, a depender da definição de se uma PPP impacta, ou não
a dívida consolidada. Aliás, esse pensamento acabou por influenciar a
própria elaboração do projeto de lei que deu origem à Lei de PPP, na
medida em que se pretendeu utilizar tanto os controles de fluxo quanto
os de estoque para as PPPs.64
Frisa-se, assim, que, conforme o disposto no art.10, inciso I,
alínea “c” c/c o art. 25 da Lei nº 11.079/04, a própria distribuição de
riscos em um contrato de PPP define se a contratação impactará ou não
o endividamento público do ente contratante, in verbis:
Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de
licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo
licitatório condicionada a:
I – autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo
técnico que demonstre:
[...]
c) quando for o caso, conforme as normas editadas na forma do art. 25
desta Lei, a observância dos limites e condições decorrentes da aplicação
63
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro. op. cit., p.420/421.
64
Idem
82 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
dos arts. 29, 30 e 32 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000,
pelas obrigações contraídas pela Administração Pública relativas ao
objeto do contrato;
[...]
Art. 25. A Secretaria do Tesouro Nacional editará, na forma da legislação
pertinente, normas gerais relativas à consolidação das contas públicas
aplicáveis aos contratos de parceria público-privada.
Note que em atenção ao dispositivo legal supracitado, a
Secretaria do Tesouro Nacional (STN) expediu a Portaria nº 61465, de
21.8.06, cujo art. 4º prevê a inclusão ou não dos valores gastos com
uma PPP no cálculo da dívida pública consolidada66 do ente federado,
de acordo com a repartição dos riscos de demanda, disponibilidade, e
construção entre os parceiros, in verbis:
Art. 4° A assunção pelo parceiro público de parte relevante de pelo
menos um entre os riscos de demanda, disponibilidade ou construção
será considerada condição suficiente para caracterizar que a essência de
sua relação econômica implica registro dos ativos contabilizados na SPE
no balanço do ente público em contrapartida à assunção de dívida de
igual valor decorrente dos riscos assumidos.
§ 1° Para efeito dessa Portaria considera-se que o parceiro público
assume parte relevante:
I - do risco de demanda quando garantir ao parceiro privado receita
mínima superior a 40% do fluxo total de receita esperado para o
projeto, independente da utilização efetiva do serviço objeto da
parceria. Define-se risco de demanda como o reflexo na receita do
empreendimento da possibilidade de que a utilização do bem objeto
do contrato possa ser diferente da frequência estimada no contrato,
desconsideradas as variações de demanda resultantes de inadequação
ou qualidade inferior dos serviços prestados, qualquer outro fator de
responsabilidade do parceiro privado que altere sua qualidade ou
65
BRASIL. Portaria nº 614, de 21 de agosto de 2006, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Estabelece
normas gerais relativas à consolidação das contas públicas aplicáveis aos contratos de parceria público-
privada – PPP, de que trata a Lei nº 11.079, de 2004. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/
ppp/downloads/Portaria_614_210806.pdf>. Acesso em: 18.NOV.08.
66
Segundo a Resolução nº 40 de 2001 do Senado Federal, a dívida pública consolidada
é o montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras, inclusive as
decorrentes de emissão de títulos, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, assumidas
em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito
para amortização em prazo superior a 12 (doze) meses, dos precatórios judiciais emitidos a
partir de 5 de maio de 2000 e não pagos durante a execução do orçamento em que houverem
sido incluídos, e das operações de crédito, que, embora de prazo inferior a 12 (doze) meses,
tenham constado como receitas no orçamento. Já segundo o art. 40, § 1º, inciso V, dessa mesma
resolução, a Dívida Consolidada Líquida (DCL) é igual à dívida consolidada deduzidas as
disponibilidades de caixa, as aplicações financeiras e os demais haveres financeiros. O limite
de endividamento permitido pelo Senado em relação aos Estados é dado pela Relação DCL/
RCL ≤ 200, onde RCL é a Receita Corrente Líquida, definida pelo art. 2º, inciso IV da Lei
Complementar nº 101/2000 (LRF).
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 83
quantidade ou ainda eventual impacto decorrente de ação do parceiro
público;
II - do risco de construção quando garantir ao parceiro privado
compensação de pelo menos 40% em relação ao custo originalmente
contratado ou 40% em relação à variação do custo que exceder ao valor
originalmente contratado, considerando todos os custos referentes à
constituição ou manutenção do bem associado à parceria, inclusive
mediante a indexação da receita do contrato a índices setoriais de
preços que reflitam a evolução do custo de construção e manutenção
do bem e o repasse de custos de reparos e outros custos de manutenção
do bem. Define-se o risco construção como sendo a variação dos
principais custos referentes à constituição ou manutenção do bem;
III - do risco de disponibilidade quando garantir ao parceiro privado
o pagamento de pelo menos 40% da contraprestação independente da
disponibilização do serviço objeto da parceria em desacordo com as
especificações contratuais. Define-se o risco de não disponibilização
do bem como sendo o fornecimento do serviço em desacordo com os
padrões exigidos, ou desempenho abaixo do estipulado.
§ 2° Excetuam-se da obrigação de registro no balanço do ente público
dos ativos contabilizados na SPE as concessões patrocinadas nas quais
não exista contraprestação fixa devida de forma independente da
utilização efetiva do serviço objeto da parceria, desde que o parceiro
público não assuma parte relevante nem do risco de disponibilidade
nem do risco de construção na forma definida neste artigo
[...]
Art. 6° O reconhecimento de outras obrigações que configurarem
comprometimento de recursos do parceiro público, não relacionado
à efetiva prestação de serviços, deverá ser registrado no passivo
patrimonial.
Art. 7° Os entes públicos deverão provisionar e constar em seus
balanços, na forma deste artigo, os valores dos riscos assumidos em
decorrência de garantias concedidas ao parceiro privado ou em seu
benefício.
Dessa forma, é imprescindível a observância da
responsabilidade fiscal na celebração e execução de PPP´s. Ademais,
a depender da distribuição de riscos em uma determinada PPP, é
possível que as despesas com essa não sejam contabilizadas como
endividamento público gerando um reduzido impacto fiscal, o que,
no atual cenário brasileiro, em que diversos Estados se encontram
com elevados níveis de endividamento, é altamente atrativo.
Cabe relembrar que a origem da estrutura econômica dos
contratos de PPP´s na Europa se deu por razões de natureza fiscal
de forma a fomentar a participação privada nos investimentos em
infra-estrutura, de modo a movê-los para fora do balanço do ente
público.
84 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
Desse modo, viabilizar-se-ia, conforme a transferência de
riscos relacionados ao empreendimento aos parceiros privados,
investimentos em infraestrutura sem aumentar o endividamento
público e com reduzido impacto na meta de resultado primário.
Outro ponto fundamental na observação da regularidade
fiscal é o acompanhamento, por parte dos órgãos de controle
externo, da verificação da regularidade das repactuações do
equilíbrio econômico-financeiro em contratos de PPP´s. Ressaltando
essa importância da verificação da regularidade fiscal durante as
revisões contratuais, os autores Maurício Portugal Ribeiro e Lucas
Navarro Prado tecem os seguintes comentários:
Decerto que a exata configuração da contraprestação pública deve ser
feita projeto a projeto, em vista das suas peculiaridades econômicas.
Do ponto de vista da responsabilidade fiscal, o importante é definir
os limites de exposição da Administração, de modo a evitar surpresas
em relação aos valores originalmente calculados. Por isso, mesmo
nos projetos nos quais seja conveniente ter contraprestação variável,
o cumprimento da diretriz de responsabilidade fiscal requer que
se estabeleça contratualmente o limite máximo da contraprestação
pública, de maneira que se possa limitar eventual passivo contingente
decorrente da celebração da parceria.
[...]
A relação entre responsabilidade fiscal e reequilíbrio econômico-
financeiro está em que – ao contrário das concessões comuns, nas
quais a realização das revisões contratuais pode implicar mudanças
na tarifa, nos planos de investimentos ou no prazo da concessão – no
caso das PPPs, além desses mecanismos, será possível alteração na
contraprestação pública. Isso requer atenção especial, para que os
controles e cuidados na celebração das parcerias não restem vãos por
conta de descuido nas revisões periódicas do contrato67.
67
RIBEIRO, Mauricio Portugal & PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP:
Parceria Público – Privada, fundamentos econômico – jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007,
pp.100/101.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 85
5.1. PPP do Centro Administrativo do Distrito Federal (CADF)68
O Distrito Federal (DF), por meio da Concorrência nº 01/200869,
promovida pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal –
CODEPLAN, licitou o direito de outorga de Parceria Público-Privada (PPP) pelo
prazo de 22 (vinte e dois) anos, na modalidade administrativa70, para construção,
operação e manutenção do Centro Administrativo do Distrito Federal (CADF),
destinado à utilização por órgãos e entidades da administração direta e indireta
integrantes da estrutura administrativa do Governo do Distrito Federal, cujo
valor corrente estimado para a contratação, ao longo de todo o período, é de
R$ 3.168.999.600,00 (três bilhões, cento e sessenta e oito milhões, novecentos e
noventa e nove mil e seiscentos reais). Ao final da concessão os bens imóveis
erigidos serão revertidos para o poder público.
Dos 22 (vinte e dois) anos supracitados, apenas 21 (vinte e um) anos
envolvem o pagamento de contraprestação pública mensal, denominado
de período de exploração pelo parceiro privado. Segundo o edital, tal
contraprestação mensal teria o valor máximo de R$ 13 milhões71, e seria
constituída por parcela fixa (amortização dos investimentos realizados),
limitada a 60% do total da remuneração, e por parcela variável (pagamento
pelos serviços de operação e manutenção), atrelada ao desempenho do parceiro
privado na prestação dos serviços, nos termos do parágrafo único do art. 6º da
Lei nº 11.079/2004.
Esse mecanismo de remuneração variável, na visão dos autores
Mauricio Portugal Ribeiro e Lucas Navarro Prado72, aumenta os
incentivos econômicos para que o parceiro privado disponibilize o serviço
conforme o pactuado no contrato, sobretudo quanto aos níveis desejáveis
de qualidade, constituindo-se num sistema de avaliação de performance
mais sensível do que o sistema de cominação de multas, pois a redução
do valor do pagamento se reflete na receita do concessionário, e não na
criação de custos. Esse fato é “uma diferença fundamental do ponto de
visa econômico, pois inviabiliza quaisquer estratégias procrastinatórias
68
Tópico baseado na Informação nº 91/2008 da 3ª Inspetoria de Controle Externo
– Divisão de Auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), constante do
Processo nº 2452/2008, elaborada por Leonardo José Alves Leal Neri em co-autoria com
Flávio Figueiredo Cardoso e Audrey Ferreira. Disponível em: <https://www.tc.df.gov.br/
sistemas/Docs/Ord/Instrucao/2008/08/A68796_662.doc>. Acesso em: 31.AGO.09
69
Edital disponível em: <http://www.codeplan.df.gov.br>. Acesso em: 20.dez.08.
70
LEI nº 11.079/04, Art. 2º, caput.
71
Corrigida pela inflação de acordo com a variação do IPCA.
72
RIBEIRO, Mauricio Portugal, PRADO, Lucas Navarro. op. cit., p.420/422.
86 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
da solução da questão, como ocorre muitas vezes em relação à aplicação
de multas”.
As garantias oferecidas pelo Distrito Federal para as obrigações
pecuniárias a serem contraídas por meio da PPP do CADF, constantes da
minuta do contrato são as seguintes:
a) recebíveis da TERRACAP correspondentes ao montante de R$
508.780.830,63 (quinhentos e oito milhões, setecentos e oitenta mil,
oitocentos e trinta reais e sessenta e três centavos);
b) imóveis de propriedade da TERRACAP que seriam hipotecados
em favor da Contratada, cujos valores somariam a importância
de R$ 900.000.000,00 (novecentos milhões de reais), referência de
4.06.08; e
c) suplementarmente, pelo Fundo Garantidor das Parcerias Público-
Privadas – FGPDF, na forma da lei de sua criação e constituição.
Segundo Maurício Portugal Ribeiro e Lucas Navarro Prado73
as garantias prestadas pelo parceiro público em contratos de PPP tem
fundamental importância, pois não seria razoável crer que os parceiros
privados estariam dispostos a assumir obrigações de longo prazo sem
que as obrigações pecuniárias da Administração estivessem garantidas
(ao menos parte delas). Assim, o objetivo é evitar que riscos políticos
afetem os fluxos financeiros dos projetos. Como contrapartida, espera-
se que essa diminuição de risco reflita em melhores propostas para o
poder público. Tais riscos políticos, além das instabilidades associadas
às mudanças de governo durante a execução contratual, estariam
relacionados a eventuais problemas na previsão e execução da despesa
pública, tais como: ausência de previsão orçamentária para o pagamento
das contraprestações públicas; contingenciamento de despesas, falta de
empenho, liquidação e/ou pagamento, e inscrição em Restos a Pagar.
Já, no que tange à distribuição de riscos na minuta do Contrato da
PPP do CADF, observa-se que o Distrito Federal adotou como regra geral
a Teoria da Imprevisão Administrativa, nos seguintes termos:
CLÁUSULA 22 - EQUILÍBRIO-ECONÔMICO FINANCEIRO E
REAJUSTE DO CONTRATO
[...]
22.3. As PARTES terão direito à recomposição do equilíbrio econômico-
financeiro do CONTRATO DE CONCESSÃO quando este for afetado por:
22.3.1. Modificação unilateral do Contrato imposta pelo CONTRATANTE;
22.3.2. Alteração na ordem tributária posterior à assinatura do CONTRATO;
22.3.3. Alteração legislativa de caráter específico que tenha impacto direto,
73
Ibidem, p. 205/206.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 87
para mais ou para menos, sobre as receitas ou custos da SPE, de modo
a afetar a continuidade ou a qualidade da exploração da CONCESSÃO
ADMINISTRATIVA;
22.3.4. Abuso ou omissão do CONTRATANTE que afete a plena exploração
da CONCESSÃO ADMINISTRATIVA;
22.3.5. Ocorrência de fatos imprevisíveis ou ainda previsíveis, mas
de consequências incalculáveis, desde que haja configuração de álea
econômica extraordinária e extracontratual;
22.3.6. Constatação de irregularidades ambientais no IMÓVEL, existentes
anteriormente à assinatura do presente CONTRATO, em especial, por
contaminação do solo, que afetem a plena exploração do objeto desta
CONCESSÃO.
Contudo, com base no inciso III do art. 5º da Lei nº 11.079/2004,
que permite à livre repartição de riscos entre as partes, inclusive os
referentes a caso fortuito e força maior, fato do príncipe e álea econômica
extraordinária, a minuta do contrato faz as seguintes ressalvas como
hipóteses de não repactuação econômica do contrato:
CLÁUSULA 12 – OBRIGAÇÕES DA CONTRATADA.
[...]
12.1.26 Sobre os riscos na execução do projeto pelo parceiro-privado:
a) as partes assumem que a cessão de direitos relativa aos projetos define as
responsabilidades entre os cessionários dos mesmos e os ora contratados,
parceiros privados, sendo de integral responsabilidade desses últimos o
exame de consistência e viabilidade técnica de tudo quanto consta nesses
documentos;
b) os erros em que incorreram os cessionários do projeto, que não
forem possíveis de perceber em criterioso exame técnico dos projetos
e documentos, serão de responsabilidade do cessionário dos direitos e
do parceiro-privado, não respondendo a Administração em qualquer
hipótese pelos erros do projeto;
c) os fatos supervenientes – que não decorram de erro do projeto poderão
ensejar quando devidamente comprovados, o reequilíbrio econômico-
financeiro do contrato;
12.1.27. Sobre os riscos da execução dos serviços:
O risco pela execução dos serviços é de responsabilidade da
CONTRATADA, podendo o CONTRATANTE opor ao mesmo todos os
elementos que numa interpretação razoável possam ser inferidas dos
documentos constantes do Edital e do Contrato.
[...]
CLÁUSULA 13 – CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR.
[...]
13.4.1 Um evento não será considerado, para os efeitos de recomposição
do equilíbrio econômico financeiro do CONTRATO, caso fortuito ou
força maior se, ao tempo de sua ocorrência, corresponder a um risco
segurável, no Brasil ou no exterior, até o limite dos valores de apólices
comercialmente aceitáveis, independentemente de a CONTRATADA as
ter ou não contratado.
[...]
80
Edital disponível em: <http://www.pppbr116.org>. Acesso em: 05.jan.09.
81
BRITO, Barbara. A modelagem do Projeto de PPP BR-116/324 BA, Curso
Desenvolvimento de Parcerias Público-Privadas, Brasília, 9 de outubro de 2008. Disponível
na Internet: <http://www.planejamento.gov.br/hotsites/ppp/cdp/apresentacoes/8_
Modelagem_PPP_BR116_324_Barbara_Brito.pdf>. Acesso em 30.ago.09.
94 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010
(iv) valor dos investimentos, pagamentos, custos e despesas decorrentes
das desapropriações, instituição de servidões administrativas, imposição
de limitações administrativas ou ocupação provisória de bens imóveis;
(v) custos excedentes relacionados às obras e aos serviços objeto da
Concessão Patrocinada, exceto nos casos previstos na subcláusula
20.1.3 abaixo;
(vi) atraso no cumprimento dos cronogramas previstos nas Diretrizes
Técnicas Mínimas ou de outros prazos estabelecidos entre as Partes ao
longo da vigência do Contrato, exceto nos casos previstos na subcláusula
20.1.3 abaixo;
(vii) tecnologia empregada nas obras e serviços da Concessão
Patrocinada;
(viii) destruição, roubo, furto ou perda de Bens da Concessão
Patrocinada;
(ix) manifestações sociais e/ou públicas que afetem de qualquer forma a
execução das obras ou a prestação dos serviços relacionados ao Contrato;
(x) gastos resultantes de defeitos ocultos em Bens da Concessão
Patrocinada;
(xi) aumento do custo de capital, inclusive os resultantes de aumentos
das taxas de juros;
(xii) variação das taxas de câmbio;
(xiii) modificações na legislação, exceto aquelas mencionadas na
subcláusula 20.1.3(v) abaixo;
(xiv) caso fortuito e força maior que possam ser objeto de cobertura de
seguros oferecidos no Brasil ou no exterior à época de sua ocorrência;
(xv) recuperação, prevenção, remediação e gerenciamento do passivo
ambiental relacionado ao Sistema Rodoviário;
(xvi) riscos que possam ser objeto de cobertura de seguros oferecidos
no Brasil ou no exterior que deixem de sê-lo como resultado direto ou
indireto de ação ou omissão da Concessionária;
(xvii) possibilidade de a inflação de um determinado período ser
superior ou inferior ao índice utilizado para reajuste da Tarifa de
Pedágio ou da Contra prestação para o mesmo período; e
(xviii) responsabilidade civil, administrativa e criminal por danos
ambientais decorrentes da operação do Sistema Rodoviário.
20.1.3 A Concessionária não é responsável pelos seguintes riscos
relacionados à Concessão Patrocinada, cuja responsabilidade é do
Poder Concedente:
(i) decisão judicial ou administrativa que impeça ou impossibilite
a Concessionária de cobrar a Tarifa de Pedágio ou de reajustá-la de
acordo com o estabelecido no Contrato, exceto nos casos em que a
Concessionária houver dado causa a tal decisão;
(ii) descumprimento, pelo Poder Concedente, de suas obrigações
contratuais;
(iii) caso fortuito ou força maior que não possam ser objeto de cobertura
de seguros oferecidos no Brasil ou no exterior à época de sua ocorrência.
(iv) Alterações, pelo Poder Concedente, nas obras ou serviços descritos
nas Diretrizes Técnicas Mínimas; e
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 047-098, 2010 95
(v) modificações na legislação que afetem exclusivamente o setor de
concessões rodoviárias ou exclusivamente a prestação dos serviços
objeto da Concessão Patrocinada.
20.1.4 A Concessionária declara:
(i) ter pleno conhecimento da natureza e extensão dos riscos por ela
assumidos no Contrato; e,
(ii) ter levado tais riscos em consideração na formulação de sua
Proposta.
20.1.5 A Concessionária não fará jus à recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro caso os riscos por ela assumidos no Contrato
venham a se materializar.
21 Recomposição do Equilíbrio Econômico-Financeiro
21.1 Cabimento da Recomposição
21.1.1 A Concessionária poderá solicitar a recomposição do equilibrio
econômico-financeiro somente nas hipóteses listadas na subcláusula
20.1.3 acima (grifo nosso).
Da leitura da alocação de riscos, transcrita acima, depreende-se
que essa visou definir de forma clara e objetiva as responsabilidades
dos parceiros. Note, ainda, que essa distribuição limita as hipóteses
de reequilíbrio do contrato, definindo que apenas a ocorrência dos
riscos alocados ao Poder Concedente justificaria a recomposição do
equilíbrio econômico-financeiro desse. Para Barbara Brito82 a alocação
de riscos da PPP da BR - 116 / 324 BA era consistente com a capacidade
de gestão de cada parte e com os objetivos do projeto.
Verifica-se, também, da análise da alocação de riscos que
foram transferidos para o parceiro privado os riscos de demanda e
construção, ou seja, essa contratação, se realizada, não impactaria o
endividamento público da União quanto a esses riscos, nos termos do
art. 4º da Portaria nº 614/06 da STN. Já o risco de disponibilidade era
assumido pelo Poder Concedente ao garantir 50% da remuneração
devida a título de contraprestação, em caso desempenho insatisfatório
do concessionário.83
6. Conclusão
1. Introdução
O Sistema de Registro de Preços, ou SRP, como é comumente
denominado por muitos, surge nos moldes como é conhecido
atualmente com a Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666), de 21 de
junho de 1993, quando esta, em seu artigo 15, inciso II, determina que
as compras, sempre que possível, deveriam ser processadas por este
meio.
Apesar disto, pouca ou nenhuma atenção foi dada ao citado
dispositivo e este permaneceu esquecido por muitos anos, muito
provavelmente, porque havia todo um novo diploma legal a ser
adotado pela Administração Pública. Assim, urgia implementar todas
as medidas que fossem de aplicação imediata e aguardar, no caso
daquelas que dependiam de regulamentação.
3
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registros de preços e pregão presencial e
eletrônico. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 461/462
4
ibidem
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010 103
Presencial (nº 3.555, de 8 de agosto de 2000) e o Pregão Eletrônico (nº
5.450, de 31 de maio de 2005), determinam que o Pregão não poderá
ser utilizado para a contratação de serviços de engenharia.
O entendimento jurídico mais recente para este assunto específico
é o de que os decretos não podem restringir o alcance da licitação mais
do que a própria lei. Deste modo, o decreto não se aplicará naquilo que
conflitar com a lei.
Assim, a interpretação mais atual é a de que não é admitida a
utilização desta modalidade de licitação para a realização de obras,
entretanto, relativamente a serviços de engenharia, desde que o serviço
possa ser considerado comum, não haverá óbice na utilização do Pregão.
Visando a escapar de problemas na delimitação do que seria ou não
comum em se tratando de serviços de engenharia, o mais recomendável
é evitar-se a utilização desta modalidade de procedimento licitatório.
Estes são os posicionamentos de Fernandes5 e Santana6, com amparo em
recentes decisões emitidas pelo Tribunal de Contas da União.
Ultrapassada a questão do que pode ou não ser licitado na
modalidade de Pregão, pode-se dizer que as maiores vantagens desta
modalidade de licitação, além da possibilidade de obtenção de preços
mais competitivos no mercado, são a inversão das fases de julgamento
da habilitação e da proposta e a redução dos recursos a apenas um, o
qual deverá ser apresentado ao final do certame.
É fato constatado que tanto a inversão de fases, quanto a redução
de recursos reduzem consideravelmente a burocracia e tempo na
realização da licitação.
A inversão de fases de habilitação e proposta significa que, na
modalidade de Pregão, ao contrário das demais modalidades de licitação,
primeiro verifica-se qual será a proposta de preços mais vantajosa
e, somente em relação à empresa vencedora far-se-á a verificação da
documentação necessária para participação no certame.
Caso o licitante vencedor não possua toda a documentação
necessária e seja inabilitado, convocar-se-ão os licitantes remanescentes,
de acordo com a sua ordem de classificação e verificar-se-á a aceitabilidade
da proposta de preços e exame da respectiva habilitação, passando-se,
em seguida, à fase de negociação de preços com este.
De outro lado, em relação à diminuição do número de recursos,
5
ibidem
6
SANTANA, Jair Eduardo. Pregão presencial e eletrônico: sistema de registro de preços:
manual de implantação, operacionalização e controle. 3 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
104 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010
o que se dá é que, ao contrário das demais modalidades de licitação,
onde existem ao menos duas fases recursais, no Pregão existe somente
uma fase de recursos, que ocorre logo após a declaração do licitante
vencedor, ao final do certame.
A licitação na modalidade Pregão, seja na forma presencial ou
eletrônica, pode ser dividida em duas fases: a interna e a externa.
A fase interna, também chamada de preparatória, engloba desde
o pedido de aquisição de bem ou de contratação de serviço e estimativa
dos custos, até o momento anterior à publicação do edital de licitação.
Nesta fase, deverá ser justificada a necessidade de aquisição ou
contratação e definido o objeto a ser licitado em toda a sua extensão,
detalhando-se da melhor maneira possível as suas características e
propriedades, de forma objetiva e clara, culminando no surgimento do
termo de referência, elemento obrigatório para a realização do Pregão.
Em seguida, proceder-se-á à estimativa de custos e elaboração
do edital de licitação, onde deverão ser especificadas as exigências de
habilitação, a definição dos critérios de aceitação das propostas, as
sanções para as situações de inadimplemento, a minuta do contrato a
ser firmado, bem como todas as demais condições para participação no
certame e as especificações técnicas do objeto.
Preparado o edital, será ele submetido à análise jurídica do órgão
para aprovação ou correção de seus termos e, depois de autorizada a
realização do procedimento licitatório pela autoridade competente, será
procedida a designação do pregoeiro e da equipe de apoio.
A fase externa, que se inicia com a publicação do edital e sua
disponibilização na íntegra aos interessados, engloba a convocação, o
credenciamento, a sessão do pregão em si, na qual será feito o julgamento
das propostas e a habilitação do licitante, a fase recursal, a adjudicação e,
por fim, a homologação da licitação.
Com este último ato, dá-se por encerrado o procedimento
licitatório e inicia-se outra etapa no âmbito da Administração, que é a
efetivação da contratação.
Feitas estas considerações iniciais sobre a licitação na modalidade
de Pregão, é possível passar-se à exploração do tema específico objeto
desta monografia: o Sistema de Registro de Preços.
7
MEIRELES, Hely Lopes. Licitação e contato administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p.67
8
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. op. cit. 2007, p. 31
106 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010
preferencialmente9.
Conforme se verifica no texto legal, é recomendável o uso
do SRP nos casos de contratações frequentes; nas situações em
que não se possa definir exatamente o quantitativo a ser utilizado
pela Administração; nos casos em que seriam mais convenientes
entregas parceladas; e, ainda, nas situações em que seja conveniente a
contratação para fornecimento ou prestação para atendimento de mais
de um órgão ou entidade pública.
Consideram-se aquisições frequentes aquelas que ocorrem em
curtos espaços de tempo e que demandariam vários procedimentos
licitatórios. Acerca destas aquisições, caso opte-se pelo Sistema de
Registro de Preços, é importante considerar a observação feita por
Bittencourt (2008) de que o período máximo aqui considerado será o de
um ano, em respeito ao que dispõe o art. 4º do Decreto nº 3.931/2001.
A impossibilidade de definição exata do quantitativo necessário
a ser utilizado pela Administração não significa inexistência de
conhecimento de gastos. O agente público tem o dever de saber, com
base nas estimativas feitas em anos anteriores, o quantitativo, pelo
menos estimado, de bens e serviços demandados pela Administração.
O objetivo da norma legal aqui é possibilitar solução para uma
demanda um pouco superior à quantidade geralmente necessária ou
àquela decorrente de situações excepcionais. Entretanto, em nenhuma
hipótese, visa a exonerar o agente público do dever de planejamento.
Por fim, o Sistema de Registro de Preços é altamente
recomendável nas situações em que, pelas peculiaridades da aquisição
ou contratação, o objeto seja do interesse de mais de um órgão ou
entidade da Administração, possibilitando a realização de uma licitação
conjunta e, consequentemente, a obtenção de uma economia de escala.
Vale lembrar que, uma vez que o foco do presente artigo é a
9
Art. 2º Será adotado, preferencialmente, o SRP nas seguintes hipóteses:
I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações
frequentes;
II - quando for mais conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou
contratação de serviços necessários à Administração para o desempenho de suas atribuições;
III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para
atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; e
IV - quando pela natureza do objeto não for possível definir previamente o quantitativo a ser
demandado pela Administração.
Parágrafo único. Poderá ser realizado registro de preços para contratação de bens e
serviços de informática, obedecida a legislação vigente, desde que devidamente justificada
e caracterizada a vantagem econômica.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010 107
utilização do Sistema de Registro de Preços, na modalidade de Pregão,
as contratações feitas utilizando-se esta ferramenta estarão sempre
adstritas à aquisição de bens e serviços comuns, respeitando-se
integralmente todas as normas aplicadas ao Pregão.
Assim, no procedimento do Sistema de Registro de Preços, de
modo simplificado, define-se o objeto a ser adquirido (bens e serviços
comuns) e as quantidades máximas estimadas para o período de
máximo de um ano.
Realizado o Pregão, os licitantes apresentam suas propostas
de preços, com preços unitários ou por lotes, conforme solicitado
pela Administração. Entretanto, após a homologação, em vez de ser
convocado para a assinatura de contrato, o licitante é chamado para
assinar uma ata de registro de preços, na qual se obrigará a fornecer o
bem ou serviço que cotou, naquelas condições, enquanto vigorar a ata.
A assinatura de contrato ocorrerá apenas se a Administração
efetivamente decidir adquirir o bem, o que poderá ou não acontecer,
dentro do prazo de vigência da ata e nas quantidades desejadas pela
Administração, respeitado apenas o limite máximo previsto em edital.
Tendo em vista estas peculiaridades, a utilização do SRP
mostra-se, a cada dia, mais vantajosa para a Administração, porque
prestigia a economicidade, diminuindo a necessidade de realização de
vários procedimentos licitatórios para a aquisição de mesmo objeto;
e, por sua agilidade, já que, homologado o procedimento licitatório,
poder-se-á demandar o fornecimento do objeto com mais rapidez e
eficiência.
11
§ 2º Caberá ao órgão gerenciador a prática de todos os atos de controle e administração
do SRP, e ainda o seguinte:
I - convidar, mediante correspondência eletrônica ou outro meio eficaz, os órgãos e entidades
para participarem do registro de preços;
12
NIEBUHR, Joel de Menezes. op.cit.
110 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010
o mais próximo possível do montante a ser adquirido, a fim de que
os preços ofertados pelos licitantes sejam os mais vantajosos para a
Administração, bem como estejam condizentes com o valor de mercado.
Entenda-se desta observação do Professor Niebuhr13 que, como
no Registro de Preços ocorre o que se pode denominar uma economia
de escala, a cotação oferecida, por exemplo, para dez unidades de um
produto será diferente daquela efetuada para mil unidades do mesmo
produto.
Outra peculiaridade do SRP diz respeito à questão da
obrigatoriedade de existência de dotação orçamentária para a
realização do procedimento. E, neste quesito, há grande divergência.
Para uma corrente de doutrinadores, como Niebuhr14 e
Fernandes15, considerando-se que a Administração, no Sistema de
Registro de Preços, não terá a obrigação de contratar com o fornecedor,
não seria necessária a existência do saldo orçamentário, para a
realização do procedimento, mas apenas no momento da convocação
para efetivação da contratação.
Apesar disto, há entendimento jurisprudencial contrário,
emitido pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 1.090/2007/
Plenário, de 06.06.2007 - Relator: Min. Augusto Nardes), no sentido
de que os editais de Pregão realizados com o Sistema de Registro de
Preços deverão especificar expressamente os créditos orçamentários
por onde correrão as despesas em obediência ao disposto pelo art. 14,
c/c o art. 7º, §2º, inciso III, da Lei nº 8.666/1993.16
Com a máxima vênia aos ilustres doutrinadores, o Sistema de
Registro de Preços, como se tem discorrido desde o início do presente
trabalho, é apenas uma ferramenta a ser utilizada dentro de uma
13
NIEBUHR, Joel de Menezes, GUIMARÃES, Edgar. Registro de preços : aspectos práticos e
jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2008
14
Ibidem.
15
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. op.cit.
16
Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e
indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e
responsabilidade de quem lhe tiver dado causa.
Art. 7º. As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao
disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:
(...)
§ 2º. As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
(...)
II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus
custos unitários;
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010 111
modalidade de licitação. Neste caso, a modalidade é o Pregão e, para
que este seja realizado, é indiscutível a obediência à Lei de Licitações,
nos termos acima expostos.
Neste mesmo sentido manifesta-se Marçal Justen Filho:
As normas orçamentárias exigem que a Administração realize
licitação pra a qual exista previsão de recursos orçamentários. Logo,
toda e qualquer licitação (mesmo para registro de preços) pressupõe
a submissão da estimativa de despesas aos limites das rubricas
orçamentárias - ainda que não se imponha o cumprimento de algumas
exigências da LRF, tal como apontado nos comentários ao art. 7º. A
seleção de fornecedor mediante registro de preços não dispensa a
previsão de recursos orçamentários17.
A peculiaridade da utilização deste sistema e também uma de
suas vantagens como se verificará mais adiante é a possibilidade de
alongar no tempo a contratação, no aguardo da liberação dos recursos,
que embora houvessem sido reservados previamente, não estejam
ainda à disposição do órgão por falta de liberação de cotas.
Por fim, a última peculiaridade do Pregão que se utiliza do
Sistema de Registro de Preços, ocorre já na fase externa, quando, após a
homologação, não ocorre a adjudicação do objeto ao licitante vencedor,
mas sim a convocação para a assinatura da ata de registro de preços,
na qual ficará estabelecido que, durante a sua vigência, casa seja do
interesse da Administração, esta convocará o licitante vencedor para
fornecer ou prestar o objeto do certame.
3.5. A homologação
Findo a sessão de julgamento, encerrada a fase recursal, chega-
se ao momento da homologação do procedimento licitatório. É nesta
fase do Pregão que o Sistema de Registro de Preços mostra a sua maior
diferença: haverá a homologação, mas não a adjudicação dos bens e
serviços.
Nos Pregões, os bens e serviços serão adjudicados aos licitantes
vencedores e a licitação será posteriormente homologada pela autoridade
competente. Entretanto, quando ocorre a utilização do SRP, por tratar-se
exatamente apenas de um registro de preços, não ocorrerá a adjudicação
dos bens e serviços aos vencedores, como verificar-se-á mais adiante e se
passará diretamente à homologação pela autoridade superior.
Homologar um procedimento licitatório significa confirmar,
aprovar e ratificar todos os atos praticados no decorrer do certame.
É considerado um ato administrativo complexo, porquanto nele a
autoridade competente procederá a um exame da legalidade de todo
o procedimento.
Por esta razão, a revisão realizar-se-á do modo mais completo
25
BITTENCOURT, Sidney. op. cit. p. 78/79.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010 127
ser prorrogados por até doze meses adicionais, na forma e condições
do §4º do mesmo artigo. Para tanto, o requisito é que sejam assinados
dentro do prazo de validade da Ata.
31
Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por
qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame
licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente
comprovada a vantagem.
§1º Os órgãos e entidades que não participaram do registro de preços, quando desejarem
fazer uso da Ata de Registro de Preços, deverão manifestar seu interesse junto ao órgão
gerenciador da Ata, para que este indique os possíveis fornecedores e respectivos preços a
serem praticados, obedecida a ordem de classificação.
§2º Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Preços, observadas as condições
nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento, independentemente dos
quantitativos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudique as obrigações
anteriormente assumidas.
§3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder,
por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de
Preços. (Incluído pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002).
132 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010
Sistema de Registro de Preços, ao ver de Joel de Menezes Niebuhr32 fere
frontalmente o princípio da legalidade, posto que criada por meio de
decreto, sem qualquer lastro na Lei de Licitações e Contratos.
Depreende-se que esta figura, que cria a possibilidade de
contratação, sem a realização de procedimento licitatório, estaria em
frontal desacordo com a Lei nº 8.666/1993. Refletindo-se sobre o assunto,
a figura da adesão seria quase como uma nova hipótese de dispensa ou
inexigibilidade de licitação, matéria que, salvo maior juízo, deveria ser
tratada em sede de lei e jamais como decreto.
De outro lado, o dispositivo feriria também o princípio da isonomia,
porquanto não possibilita a todos os interessados a oportunidade de
contratar com a Administração ao passo que permite a esta última efetuar
contratação sem licitar.
Para Niebuhr33, além destes princípios, estariam sendo violados
os princípios da vinculação ao edital, o princípio da moralidade
administrativa e da impessoalidade e o princípio da economicidade.
A violação do princípio da vinculação ao edital ocorre na
medida em que se altera a parte contratante e o objeto contratual, que
eventualmente será adquirido em quantidades superiores ao máximo
previsto.
O princípio da impessoalidade administrativa é maculado posto
que o advento da adesão à Ata de Registro de Preços abre margem a todo
tipo de lobby de empresas interessadas, que possuem preços registrados, e
que querem fornecer para outros órgãos. A prática de lobby pode resultar
em situações de favorecimento pessoal e aqui se estaria diante de uma
eventual ocorrência de vários crimes, entre eles corrupção ativa e passiva.
Em relação ao princípio da economicidade, o que ocorre é que o
número ilimitado de adesões desvirtua e diminui a economia de escala
buscada com a utilização do Sistema de Registro de Preços. Significa dizer
que se o SRP houvesse sido planejado para o número real de contratações
que acaba ocorrendo em função das adesões, o valor unitário do objeto
licitado teria, obrigatoriamente, que ser inferior ao efetivamente registrado.
Apesar do posicionamento de Niebuhr e de outros doutrinadores
sobre o assunto, até a presente data, grande parte dos Tribunais de
Contas do Brasil, inclusive o Tribunal de Contas da União, consideram o
procedimento de adesão legal.
O Tribunal de Contas da União condena o uso abusivo das
32
Ibidem.
33
Ibidem.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 099-143, 2010 133
adesões, mas apenas recomendou ao Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão que adote providências, com vistas à reavaliação
das regras atualmente estabelecidas pelo Decreto nº 3.931/2001.
Neste sentido, ainda que tenha um caráter altamente
questionável, o instituto do ‘carona’ permanece legal e amplamente
utilizado no Administração Pública, precipuamente na esfera federal.
Para a adesão, o órgão que pretende ser ‘carona’ deverá autuar
processo para cuidar do trâmite da adesão.
Em seguida, encaminhará ofício ao órgão detentor da Ata de
Registro de Preços solicitando informações e requerendo a adesão.
Deverá então aguardar que o órgão detentor da data consulte o
fornecedor para verificar se o mesmo está de acordo em fornecer o objeto
nas quantidades propostas, pelo preço registrado. Manifestando-se este
favoravelmente, será enviado ofício ao órgão solicitante informando
sobre a concordância do fornecedor.
O órgão interessado em aderir à ata existente deverá realizar
pesquisa de preços, a fim de constatar a vantajosidade da adesão
requerida.
Detectada a vantajosidade e já de posse da concordância do
fornecedor, o ‘carona’ submeterá o edital do Pregão que deu origem à
ata à sua assessoria jurídica, juntamente com os demais documentos.
Havendo anuência da assessoria jurídica, aguarda-se somente
a autorização da adesão pela autoridade competente e, depois disto,
efetua-se a publicação, na imprensa oficial, do extrato da adesão à ata de
registro de preços, com todas as informações necessárias, convocando-
se posteriormente o fornecedor para a assinatura do contrato.
O ‘carona’ poderá ainda realizar aditivos à ata de preços
aderida, desde que mantenha as mesmas condições da ata de registro
de preços original, sem alteração do objeto.
A vigência da Ata de Registro de Preços para a entidade
aderente é o mesma que vigora para o órgão que realizou o Pregão.
De outro lado, o órgão que decidir aderir a uma Ata de Registros de
Preços não poderá ser responsabilizado pela licitação que deu origem a
ela, nos casos de prática de atos ilegais durante a condução da mesma.
Por fim, resta dizer que, até a presente data, a adesão à Ata
de Registro de Preços é também permitida entre órgãos de esferas
administrativas distintas, haja vista que a norma regulamentadora
silenciou sobre a matéria.
6. Considerações finais
1. Introdução
2. Delimitação do objeto
2
UGATTI, Uendel Domingues. Limites e Possibilidades de Reforma na Seguridade Social. São
Paulo: LTr, 2009, p. 161.
3
FORNAZARI, Marjory. Aposentadoria por invalidez. Revista de Direito Social, ano VIII,
n. 31, p. 77-106, jul./set. 2008, p. 105.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 147
Quanto às previdências complementares, elas dividem-se
em entidades abertas e entidades fechadas, estas administradas por
fundos de pensão, aquelas por bancos e sociedades seguradoras.
Antes, havia um distanciamento entre esses regimes,
porém, com o advento das reformas previdenciárias, as diferenças se
estreitaram, sendo que a tendência é a unificação dos regimes.
Wlademir Novaes Martinez, ao tratar do princípio da
unicidade defende:
A relação previdenciária é intuito personae. Logo, esse vínculo é único, e
como consequência, o benefício substituidor deve ser apenas um. Daí a
regra da inacumulabilidade das prestações.
Essa conclusão é válida dentro de um sistema, devendo-se cogitar de
estendê-la à multiplicidade dos regimes, isto é, adotá-la num sistema
verdadeiramente nacional.4
Com efeito, na busca do equilíbrio econômico, financeiro e
atuarial dos regimes de previdências, foram introduzidas mudanças
no RPPS que tende a igualá-lo ao RGPS.
Ao abordar o tema, Paulo Modesto relaciona quatro objetivos
fundamentais da reforma previdenciária realizada em 2003, a saber:
aproximar a disciplina dos regimes próprios de previdência dos titulares
de cargo efetivo (RPPS), administrados pela União, Distrito Federal,
Estados e Municípios, da disciplina do Regime Geral de Previdência
Social, administrado pelo INSS;
corrigir desequilíbrios existentes nos regimes próprios de previdência
social dos titulares de cargo efetivo (RPPS), propiciando maior equidade
entre os regimes de Previdência Social, flexibilidade para a política de
recursos humanos, adequação ao novo perfil demográfico brasileiro e
melhoria dos resultados fiscais;
avançar no sentido da construção, em longo prazo, de regime
previdenciário básico público, universal, compulsório, para todos
brasileiros, de caráter contributivo, com benefícios de aposentadoria
definidos, valor do piso e teto claramente estipulados e gestão
quadripartite;
uniformizar regras, no setor público, tanto para empregados quanto
para titulares de cargos efetivos, referentes à instituição e adoção
da previdência complementar, de filiação facultativa, baseada na
constituição e capitalização de reservas individuais.5
Ressalte-se que será tratado, no presente trabalho, apenas do
RPPS, em face do tema se referir à aposentadoria por invalidez dos
servidores públicos.
4
MARTINEZ, Wlademir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário, 4. Ed. São Paulo:
LTr, 2001, p.544.
5
MODESTO, Paulo (org.). Reforma da previdência: análise e crítica da Emenda
Constitucional n° 41/2003. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p.22-23.
148 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
O RPPS dos servidores públicos civis constitui em um plano
de benefício definido, custeado por meio de repartição simples, de
natureza contributiva, filiação obrigatória e disciplina estatutária.
O RPPS se aplica aos servidores titulares de cargos efetivos,
regidos pelo regime estatutário, que, no caso dos servidores públicos
federais, é disciplinado pela Lei nº 8.112/90.
Esse regime não se aplica aos detentores de empregos
públicos, nem aos que exercem cargos ou funções comissionadas sem
vínculo com o cargo efetivo, pois eles contribuem para o RGPS.
Conforme previsto no § 13 do artigo 40 da Carta Magna, “Ao
servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado
em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo
temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de
previdência social”.6
No RPPS o benefício é determinado, podendo, de acordo com
a regra, ser calculado com base na remuneração da atividade integral ou
com base em uma proporção dessa remuneração ou, ainda, nos termos
da Medida Provisória nº 167/2004, convertida na Lei nº 10.887/2004:
Art. 1º. (...) será considerada a média aritmética simples das maiores
remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor
aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes
a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a
competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se
posterior àquela competência. 7
Paulo Modesto faz uma relação entre o regime de benefício
definido e o da contribuição definida. Segundo este autor:
(...) o regime de benefício definido, adotado no sistema público de previdência,
opõe-se ao regime de benefício variável, inerente ao plano de contribuição
definida, que é uma das opções oferecidas pelo regime privado de previdência
complementar. No regime de contribuição definida, o valor da contribuição
não se altera em termos reais, sendo fixo ao longo de todo o vínculo, mas o
benefício previdenciário é variável conforme a rentabilidade dos depósitos
acumulados até a data da concessão do benefício, alterando o seu valor segundo
a performance financeira das contribuições vertidas ao plano de benefícios,
nunca em função do valor da base de cálculo ou da remuneração percebida ao
longo dos anos pelo filiado ao sistema. Neste sistema a contribuição é passível
de planejamento; o que é incerto é o valor do benefício.8
6
BRASIL. Constituição de 1988 (redação da EC nº 20/98). Constituição da República
Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm>. Acesso em: 25 set.2009.
7
BRASIL. Lei n° 10.887/2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2004/Lei/L10.887.htm. Acesso em:25 set.2009.
8
MODESTO, Paulo (org.), op.cit., 2004, p.26.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 149
Com relação ao regime de financiamento, adotou-se o de
repartição simples, em que todos contribuem, na forma do caput do
artigo 40 da Constituição Federal, para garantir os pagamentos dos
benefícios atuais dos que usufruem do sistema previdenciário, sendo
então diferente da previdência complementar, prevista nos §§ 14 a
16 do artigo 40 da Carta Magna, que funciona como uma poupança
individualizada. Na repartição simples vigora o princípio da
solidariedade entre as gerações.
Nas palavras de Paulo Modesto a respeito da repartição
simples:
Por este modelo não há formação de uma poupança individual ou
coletiva, pois os recursos apurados com a contribuição dos agentes
ativos e a cargo dos respectivos entes estatais são imediatamente
transferidos para o pagamento dos benefícios atuais dos aposentados
e pensionistas. O sistema funciona como uma complexa cadeia de
financiamento, que enlaça gerações diferentes, segundo o princípio da
solidariedade intergeracional.9
Numa primeira análise, parece que o sistema de repartição
simples não seria apropriado para financiar o regime próprio de
previdência social, não traria nenhuma garantia ou segurança para
os seus segurados. Mas ao contrário, a história tem mostrado que é o
regime de capitalização individual que não tem funcionado.
Ademais, cabe ressaltar que os inativos passaram a contribuir
para o sistema, dentro dos limites e condições estabelecidos. Então,
hoje não é um ônus só dos servidores ativos.
Observa-se, ainda, que nesse sistema todos contribuem
obrigatoriamente, mas a recíproca não é verdadeira quanto ao usufruto
dos seus benefícios, pois o segurado terá que preencher uma série de
requisitos para aposentadoria, como idade, tempo de contribuição,
tempo de serviço público, entre outros.
Muitos sequer chegam a se aposentar ou, quando se
aposentam, gozam do benefício por pouco tempo, como ocorre no caso
de concessão decorrente de invalidez. Lembrando que, nesse sistema,
não é permitido resgatar os valores das contribuições efetuadas.
É bem verdade que, no caso de falecimento, há o instituto
da pensão, porém ela é concedida somente se houver beneficiário
habilitado, de acordo com os requisitos previstos em lei. Da mesma
forma que ocorreu com os inativos, os pensionistas também passaram
9
MODESTO, Paulo (org.), op.cit., 2004, p.27.
150 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
a contribuir para o sistema e o valor da pensão sofreu uma redução de
trinta por cento do que exceder ao limite do RGPS.
Por fim, destaca-se a possibilidade de ser instituída
previdência complementar, na forma prevista no § 15 do artigo 40
da Constituição Federal, “por intermédio de entidades fechadas de
previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos
respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade
de contribuição definida”.10 Diferente do regime de previdência social,
a previdência complementar necessita da capitalização financeira de
contribuições para garantia dos benefícios.
12
BRASIL. Lei nº 8112/90. Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis Federais. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112cons.htm >. Acesso em:25 set.2009.
13
Ibidem.
14
BRASIL. Constituição de 1988 (redação da EC nº 20/98). op.cit. Acesso em:25 set.2009.
152 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
Posteriormente, com as alterações promovidas no artigo
40, §§ 3º e 17 da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional
nº 41/2003, aos proventos, normatizada com a Medida Provisória nº
167/2004, convertida na Lei nº 10.887/2004, o cálculo passou a ser com
base na média aritmética simples das maiores remunerações, com
direito a reajuste por um índice apenas para preservar o seu valor real.
Paulo Modesto aponta que existem vantagens e desvantagens
em relação a paridade e alerta:
O critério de revisão de proventos em paridade com a revisão dos
vencimentos não é garantia de vantagem em relação ao Regime Geral
de Previdência; a paridade pode assegurar aumentos reais do valor
do provento, quando o vencimento dos servidores ativos receberem
aumentos superiores aos índices de inflação, mas poderá também
contemplar exatamente o oposto.15
Sem embargo, a aplicação da paridade aos proventos dos
servidores, especialmente no caso de invalidez, oferecia maior
segurança jurídica, pois era mantida a equiparação dos proventos com
a remuneração dos servidores em atividade.
A concessão de aposentadoria voluntária sem paridade é
justificável sob a ótica do equilíbrio financeiro e atuarial, contudo,
em se tratando de aposentadoria por invalidez, há outros valores
fundamentais que devem ser protegidos, quais sejam, a vida, a saúde
e a dignidade da pessoa humana.
Assim, se o trabalhador é acometido de invalidez permanente
que o incapacita para o labor, a ele é assegurado o benefício da
aposentadoria, desde que a doença seja devidamente atestada por
meio de laudo médico.
O que se questiona é qual o regime jurídico aplicável a essa
modalidade de inativação, se considera o fato gerador a data do
ingresso no serviço público, se a data da expedição do laudo médico,
se a data de publicação do ato de concessão ou se a data da doença.
16
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 257.
17
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora,
2002, p. 242.
154 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e
qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável
nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos. 18
Portanto, a dignidade da pessoa humana abarca diversos
direitos fundamentais, desde o direito à vida, à liberdade,
à autonomia de vontade, a uma renda mensal que supra às
necessidades básicas do trabalhador, a uma aposentadoria quando
considerado incapaz para laborar.
O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
destacado por Narlon Gutierre Nogueira, dispõe que:
Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe
assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente
quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência
médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito
à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na velhice ou
noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias
independentes da sua vontade. 19
Assim, no momento em que o trabalhador perde a sua
capacidade laborativa cumpre que lhe seja garantida uma
aposentadoria com um salário digno à sua subsistência. O Estado
e a sociedade não podem deixar desamparados aqueles que foram
acometidos de invalidez e não mais se encontram em condições
de continuar trabalhando, pois, o contrário, constitui ofensa ao
princípio da dignidade da pessoa humana.
Nessa situação, constitui dever do Estado de prevê a
concessão de benefícios que amparem os trabalhadores no caso de
invalidez. Segundo Carlos Alberto Pereira de Castro:
Os fenômenos que levaram a existir uma preocupação maior do
Estado e da sociedade com a questão da subsistência no campo
previdenciário são de matiz específica: são aqueles que atingem
indivíduos que exercem alguma atividade laborativa, no sentido de
assegurar direitos mínimos na relação de trabalho, ou de garantir
o sustento, temporária ou permanentemente, quando diminuída ou
eliminada a capacidade para prover a si mesmo e a seus familiares. 20
18
SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e
Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.37.
19
NOGUEIRA, Narlon Gutierre. A Constituição e o Direito à Previdência Social. São Paulo:
LTr, 2009, p. 32.
20
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito
Previdenciário. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 49.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 155
Em se tratando de direito fundamental, a garantia mínima de
sustento ao trabalhador acometido de invalidez não pode ser suprimida,
sob pena de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana. Cabem
ao Estado e à sociedade arcar com os custos da concessão de benefícios
que assegurem esse direito.
3.2 Universalidade
O princípio da universalidade visa oferecer cobertura a todos
que necessitem da seguridade social. Carlos Alberto Pereira de Castro
dispõe que:
Por universalidade da cobertura entende-se que a proteção social deve
alcançar todos os eventos cuja reparação seja premente, a fim de manter
a subsistência de quem dela necessite. A universalidade do atendimento
significa, por seu turno, a entrega de ações, prestações e serviços
de seguridade social a todos os que necessitem, tanto em termos de
previdência social – obedecido o princípio contributivo – como no caso
da saúde e da assistência social. 21
A universalidade não comporta apenas a previdência social,
mas também a saúde e assistência social, buscando, com a sua cobertura,
proteger na forma mais ampla possível as pessoas que não podem ficar
desamparadas quando necessitadas da prestação de algum benefício
ou serviço.
De acordo com Uendel Domingues Ugatti:
A universalidade da cobertura compreende a garantia de proteção
social à pessoa que em razão de um evento venha a ser atingida, de tal
forma que se encontre prejudicada a suprir as suas necessidades vitais,
ou seja, a Constituição prescreve o dever de se assegurar o direito à
saúde e condições mínimas materiais para a sobrevivência da pessoa
(assistência ou previdência social), quando, em decorrência de uma
contingência da vida (doença, acidente, invalidez etc.), ela se encontre
impossibilitada de prover a sua subsistência ou a de seus dependentes.22
Com efeito, no caso de invalidez o indivíduo pode se valer
de benefícios da previdência social, pois sua cobertura é universal.
Contudo, Narlon Gutierre Nogueira alerta que “enquanto para a saúde
e a assistência social a universalidade é ilimitada, sendo oferecidas de
forma gratuita, para a previdência social ela aparece limitada pelo
caráter contributivo (art. 40, caput, e art. 195, caput), exigido para o
acesso a suas prestações”.23
21
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista. op.cit., 2009, p. 102.
22
UGATTI, Uendel Domingues, op.cit., 2009, p. 168.
23
NOGUEIRA, Narlon Gutierre, op. cit., 2009, p. 58.
156 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
Assim, os segurados da previdência social contribuem para
obtenção de benefícios, como no caso das aposentadorias, sendo
essa contribuição de natureza obrigatória, inclusive para os que
estão aposentados.
Esse caráter contributivo da previdência social tem ligação
direta com o princípio da solidariedade, pois todos os segurados
devem contribuir a fim de cobrir a concessão de benefícios para
aqueles que não contribuíram suficientemente e tiveram sua
capacidade laborativa interrompida precocemente. É um ônus da
sociedade e do Estado para que se possa evitar um mal maior.
26
MARTINEZ, Wlademir Novaes, op. cit., p. 101.
27
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista, op. cit., p. 100.
158 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
(...) as normas constitucionais que regulam a seguridade social devem
ser consideradas como intangíveis se e quando representarem maiores
níveis de democratização, qualitativa e quantitativa, de acesso aos bens
ante as propostas de reforma, ou seja, a alteração da principiologia
consignada na Constituição do Brasil de 1988 apenas poderá ocorrer se
a nova norma que se pretende adotar vier a privilegiar em melhores
níveis a concretização da dignidade humana em determinado contexto
histórico.
Por essas razões, parece-nos que o modelo positivado da seguridade
social em sua circunstancialidade histórica figura como cláusula pétrea
constitucional material implícita por força do princípio constitucional
da dignidade humana (art. 1°, inciso III, da Constituição) e do princípio
constitucional de abertura material aos direitos humanos (art. 5°, § 2º,
da Constituição). 28
Convém observar que nem tudo é imodificável na previdência
social, de forma que o poder constituinte reformador poderá realizar
alterações, desde que preserve o núcleo intangível que não pode ser
objeto de emenda à Constituição.
O princípio da vedação do retrocesso social foi adotado pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n° 1946-DF, relativo à
inconstitucionalidade do art. 14 da EC n° 20/98, que imponha limite ao
valor do salário-maternidade ao teto do Regime Geral de Previdência
Social, in verbis:
DIREITO CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL
CIVIL. LICENÇA-GESTANTE. SALÁRIO. LIMITAÇÃO. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 14 DA EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15.12.1998. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO
AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 3º, IV, 5º, I, 7º, XVIII, E 60, § 4º, IV, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O legislador brasileiro, a partir de 1932
e mais claramente desde 1974, vem tratando o problema da proteção à
gestante, cada vez menos como um encargo trabalhista (do empregador)
e cada vez mais como de natureza previdenciária. Essa orientação
foi mantida mesmo após a Constituição de 05/10/1988, cujo art. 6°
determina: a proteção à maternidade deve ser realizada “na forma desta
Constituição”, ou seja, nos termos previstos em seu art. 7°, XVIII: “licença à
gestante, sem prejuízo do empregado e do salário, com a duração de cento
e vinte dias”. 2. Diante desse quadro histórico, não é de se presumir que
o legislador constituinte derivado, na Emenda 20/98, mais precisamente
em seu art. 14, haja pretendido a revogação, ainda que implícita, do art.
7º, XVIII, da Constituição Federal originária. Se esse tivesse sido o objetivo
da norma constitucional derivada, por certo a E.C. nº 20/98 conteria
referência expressa a respeito. E, à falta de norma constitucional derivada,
revogadora do art. 7º, XVIII, a pura e simples aplicação do art. 14 da E.C.
28
UGATTI, Uendel Domingues, op. cit., p. 183.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 159
20/98, de modo a torná-la insubsistente, implicará um retrocesso histórico,
em matéria social-previdenciária, que não se pode presumir desejado. 29
3.5 Legalidade
O princípio da legalidade encontra-se previsto na Carta Política, nos
termos do artigo 5º, inciso II, e dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.30
Esse princípio é uma garantia que o indivíduo tem em relação
ao Estado que não pode gerar novas obrigações sem lei que as amparem,
respeitando o direito adquirido.
Segundo Alexandre de Moraes:
Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado do Só por meio
das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras
do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para
o indivíduo, pois são expressão da vontade geral 31
Então, o princípio da legalidade visa coibir possíveis abusos da
autoridade estatal, pois esta se submete às leis, que, por sua vez, passam
por um devido processo legislativo, como, por exemplo, no caso das
reformas previdenciárias, por meio de emendas constitucionais.
Sem olvidar, entretanto, das críticas quanto às aludidas
reformas, em relação a possíveis vícios de vontade, foram assegurados,
expressamente, o direito adquirido, desde que preenchidos todos os
requisitos para obtenção dos benefícios a época da publicação das
emendas ou de seus regulamentos. Não amparando, entretanto, aqueles
que tinham apenas expectativas de direito, ou seja, na ilustração de
Wladimir Novaes Martinez:
Se a aposentadoria tem o requisito temporal ampliado de 35 para 40
anos, quem não completou 35 anos, antes da vigência da lei ampliadora
do prazo, não tem direito adquirido: situa-se na simples expectativa
de direito. Porém, se havia completado e não requereu a prestação, o
direito permanece integral”. 32
29
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade.
ADI 1946. Ministro Sydney Sanches, Brasília, DF, 03.04.2003. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI$.
SCLA.%20E%201946.NUME.%29%20OU%20%28ADI.ACMS.%20ADJ2%201946.
ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em:15 set.2009.
30
BRASIL. Constituição de 1988 (redação atual). Op. cit. Acesso em:25 set.2009.
31
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 69.
32
MARTINEZ, Wlademir Novaes, op. cit., p. 259.
160 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
3.6 Segurança jurídica
A estabilidade das relações jurídicas é perseguida pela
sociedade. Constantes mudanças geram insegurança, como ocorreram
com as reformas previdenciárias realizadas em 1998, pela Emenda
Constitucional nº 20, em 2003, pela Emenda Constitucional nº 41 e, em
2005, com a Emenda Constitucional nº 47, sem contar a possibilidade
de futuras alterações. Sem dúvida é a importância desse princípio.
Nas palavras de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari “é
um superprincípio jurídico, determinante da existência do próprio sistema
jurídico”.33
Com efeito, ao se editar normas, devem-se levar em
consideração as situações constituídas ao longo do tempo. Contudo, na
Emenda Constitucional nº 41 de 2003, por meio da Medida Provisória
nº 167/2004 e da Lei n° 10.887/2004, o poder constituinte reformador
retirou o direito, daqueles que vierem a ser acometido de invalidez,
ao cálculo dos proventos com base na remuneração da atividade e a
paridade, ou seja, o direito aos mesmos reajustes, reclassificações e
outras vantagens concedidas aos servidores em atividade, que antes
estava previsto no § 8º do artigo 40 da Constituição Federal.
Em que pese na referida emenda ter sido observado o direito
adquirido daqueles que preencheram todos os requisitos para
aposentadoria quando de sua vigência, certamente essa mudança
trouxe instabilidade, nas futuras concessões, para aqueles que mais
precisam, justamente num momento em que se encontram com a
saúde debilitada e incapazes para o trabalho.
No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Esta ‘segurança jurídica’ coincide com uma das mais profundas
aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza
possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente
do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre
algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite
vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro: é ela, pois, que enseja
projetar e iniciar, consequentemente – e não aleatoriamente, ao mero
sabor do acaso -, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio
e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação
humana. Esta é a normalidade das coisas.34
A aplicação desse princípio busca, de certa forma, equilibrar
33
FERRAZ, Sérgio, et. al. Processo Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.95.
34
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 113-114.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 161
as relações jurídicas, na medida em que o Estado não pode a qualquer
tempo promover mudanças em desfavor dos particulares, sem
resguardar as situações já consolidadas no tempo.
38
MARTINEZ, Wlademir Novaes, op. cit., p. 95.
39
NOGUEIRA, Narlon Gutierre, op. cit., p. 59.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 163
expressamente previsto no caput do artigo 40 da CF/88, redação
dada pela EC n° 41/2003. Para assegurar o pagamento dos benefícios
previdenciários estão sendo constituídos fundos para aplicação das
contribuições arrecadadas, as quais ficam vinculadas ao pagamento
desses benefícios não podendo ser utilizadas para custear outras
despesas.
Uendel Domingues Ugatti arremata que:
O aludido princípio atua como vetor do equilíbrio econômico e financeiro da
seguridade social, obrigando a elaboração de plano de custeio seja fundada
em cálculos atuarias, de tal forma que apenas pode ser instituída prestação de
seguridade social com a indicação da respectiva e específica fonte de custeio,
com a respectiva e específica indicação da prestação que a mesma deverá
custear. 40
43
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., 2005, p. 99.
44
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., 2005, p. 101.
45
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 13. ed., rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2009, p.112.
46
MORAES, Alexandre de., op. cit., p.57.
166 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
4.2 Limites aplicáveis ao poder constituinte
O poder constituinte originário é inicial, autônomo, ilimitado,
incondicionado, soberano. Com efeito, ele dar início a uma nova
constituição diferente da ordem anterior, é independente, não tem que
observar os limites impostos na norma anterior, a exemplo do artigo 17
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, da CF/88,
in verbis:
Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem
como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos
em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos
limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de
direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.47
Contudo, Kildare Gonçalves Carvalho alerta que nenhum poder
é completamente absoluto e ilimitado. O referido autor cita, a título de
exemplo, as seguintes limitações ao poder constituinte originário, in
verbis:
a) limites transcendentes, que provêm de imperativos de direito natural,
de valores éticos superiores, e de uma consciência coletiva, como os
que prendem aos direitos fundamentais conexos com a dignidade da
pessoa humana; b) limites imanentes, que se ligam à configuração do
Estado, à sua soberania e, de alguma maneira, à forma de Estado e à
legitimidade política em concreto; c) limites heterônomos, provenientes
da conjugação de outros ordenamentos jurídicos, e podem referir-se
tanto a regras de Direito Internacional, de que resultem obrigações
para todos ou determinado Estado, quanto a regras de Direito
Interno, quando o Estado seja composto ou complexo e complexo o
seu ordenamento jurídico: neste caso há dupla valência dos limites
imanentes e heterônomos.48
Assim, existem parâmetros em que o poder constituinte
originário não pode desrespeitar. Ademais, para que haja legitimidade
o novo ordenamento constitucional deve observar a vontade do povo,
pois a este pertence a sua titularidade.
Ocorre que com o tempo surgem necessidades de atualização
do texto constitucional produzido pelo poder constituinte originário.
A fim de evitar que a cada nova mudança seja elaborada uma nova
constituição, o próprio poder constituinte originário prevê essa
47
BRASIL. Constituição de 1988. Ato das disposições constitucionais transitórias. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm#adct>.
Acesso em:01 out.2009.
48
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15. ed., rev., atual. e ampl. Belo
Horizonte: Del Rey, 2009, p.267.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 167
possibilidade de alteração, no caso do Brasil, por meio de emendas
constitucionais. José Afonso da Silva explica que:
A Constituição, como se vê, conferiu ao Congresso Nacional a competência
para elaborar emendas a ela. Deu-se, assim, a um órgão constituído o
poder de emendar a Constituição. Por isso se lhe dá a denominação de
poder constituinte instituído ou constituído. Por outro lado, como esse
poder não lhe pertence por natureza, primariamente, mas, ao contrário,
deriva de outro (isto é, do poder constituinte originário), é que também se
lhe reserva o nome de poder constituinte derivado, embora pareça mais
acertado falar em competência constituinte derivada ou constituinte de
segundo grau. Trata-se de um problema de técnica constitucional, já
que seria muito complicado ter que convocar o constituinte originário
todas as vezes em que fosse necessário emendar a Constituição. Por isso,
o próprio poder constituinte originário, ao estabelecer a Constituição
Federal, instituiu um poder constituinte reformador, ou poder de
reforma constitucional, ou poder de emenda constitucional.49
Diferentemente, o poder constituinte derivado deve atentar
para as limitações do poder constituinte originário, pois aquele é
condicionado, limitado.
O poder constituinte reformador sofre limitações de ordem
circunstanciais, formais, temporais e materiais.
As limitações circunstanciais impossibilitam alterações na
constituição no período de intervenção federal, estado de sítio e estado
defesa, pois nesse período considera-se que a liberdade de escolha e a
isenção sofrem restrições, não sendo, portanto, o momento adequado
para se produzir mudanças no texto constitucional (artigo 60, § 1.º da CF)
As limitações formais são restrições de natureza processual
tais como: quem pode propor emenda constitucional, quorum mínimo
para proposta, turnos de votação e aprovação, quorum qualificado para
aprovação, restrições para apresentação de nova proposta na mesma
sessão legislativa (artigo 60, incisos I, II e III, c/c os § 1.º e 5.º da CF).
As limitações de ordem temporais estipulam um prazo
determinado para só após esse lapso de tempo ser possível modificar
a Constituição. Na CF/88 o poder constituinte originário não previu
limites temporais, o que foi estabelecido foi um prazo para revisão
constitucional, o que não se confunde com o prazo para reforma por
meio de emendas constitucionais, que poderiam ser feitas desde logo.
Já as limitações materiais se referem às cláusulas pétreas, núcleo
intangível, cuja reforma é vedada pelo constituinte originário, tais
49
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2009, p.64-65.
168 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
como, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e
periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.
É em razão desse poder constituinte derivado que foram
editadas emendas constitucionais, para fins de reforma previdenciária
dos servidores públicos civis. O que se discute é se essas mudanças
produzidas no texto constitucional, em relação à aposentadoria desses
servidores, observaram os limites impostos pelo poder constituinte
originário, especialmente em relação aos direitos e garantias
individuais.
50
Babylon Translation & a Click. Dicionário on line. Disponível em: <http://dicionario.
babylon.com/Direito_adquirido>. Acesso em: 08 nov.2009.
51
BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em:25
set.2009.
52
BRASIL. Constituição de 1988. op. cit., Acesso em:25 set.2009.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 169
Em relação à previdência social no Brasil, diversas reformas
foram realizadas pelo poder constituinte derivado, visando buscar
o equilíbrio financeiro e atuarial. Com isso, o modelo previsto pelo
constituinte originário na Constituição de 1988 teve mudanças
significativas em face das Emendas Constitucionais nºs 20/1998,
41/2003 e 47/2005.
Essas emendas à Constituição asseguraram expressamente
o direito adquirido à aposentadoria, na forma da legislação anterior,
para aqueles que preencheram todos os requisitos para inatividade,
citando-se como exemplo a EC n° 41/2003, in verbis:
Art. 3º É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria
aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que,
até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os
requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da
legislação então vigente. 53
Prevalece no ordenamento jurídico brasileiro, em relação ao
direito adquirido, a teoria de Gabba, cujas características são:
1) ter sido consequência de um fato idôneo para a sua produção; 2) ter-se
incorporado definitivamente ao patrimônio do titular. O conhecimento
corrente é o de que havendo o fato necessário à aquisição de um direito
ocorrido integralmente sob a vigência de uma determinada lei, mesmo
que seus efeitos somente se devam produzir em um momento futuro,
terão de ser respeitados na hipótese de sobrevir uma lei nova. 54
Dessa forma, reunidos os requisitos para inativação antes do
advento da reforma previdenciária, realizada por meio de Emendas
Constitucionais, há que se conceder a aposentadoria com base nas
regras anteriores, em face do direito adquirido, uma vez que se
incorporou ao patrimônio do servidor.
Assim, não há que se falar em retroatividade da EC n° 41/2003
para atingir o direito adquirido do servidor. A propósito, existem três
formas de retroatividade: a máxima, a média e mínima, assim definidas
por José Carlos de Matos Peixoto:
Dá-se a retroatividade máxima, também chamada restitutória, quando
a lei nova prejudica a cousa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos
jurídicos já consumados.
(...) Menos radical, a média. ‘A retroatividade é média, quando a lei nova
atinge as prestações exigíveis mas não cumpridas antes da sua vigência.’
(...) Finalmente, ‘a retroatividade é mínima (também chamada
temperada ou mitigada), quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos
53
BRASIL. Emenda Constitucional n° 41/2003. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc41.htm>. Acesso em:25 set.2009.
54
MODESTO, Paulo (org.), op.cit., p. 128.
170 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor.’ 55
Nesse contexto, cabe ainda fazer a distinção entre direito adquirido e
expectativa de direito: “a) Expectativa de direito: o fato aquisitivo teve
início, mas não se completou; b)Direito adquirido: o fato aquisitivo já
se completou, mas o efeito previsto na norma ainda não se produziu” 56
Sob essa linha de entendimento, não há como invocar o direito
adquirido para aqueles servidores que já estavam no serviço público,
mas que preencheram os requisitos para aposentadoria após o advento
da EC n° 41/2003, pois, neste caso, não seria direito adquirido, mas
mera expectativa de direito.
Contrariamente, Valmir Pontes Filho, na obra organizada por
Paulo Modesto, defende o direito do servidor que já estava no serviço
público antes da publicação da EC nº 41/2003 a se aposentar na forma
das regras anteriores, em face da segurança jurídica. Para ele:
Esta certeza (e não mera ‘expectativa’) lhe dará, além de conforto
psicológico, o senso perfeito de que, uma vez cumprido aquele lapso
temporal (de serviço público, de contribuição à previdência ou outro
qualquer), a sua inativação não poderá ser obstacularizada pela obra
do legislador infraconstitucional (é dizer, por lei ou emenda). Não se
trataria, pois, de mera ‘aspiração’ ou ‘desejo’, mas de direito adquirido
sim, uma dada previsão normativo-jurídica que se incorporou ao seu
patrimônio pessoal. Afinal, se o servidor fez, em dado momento, uma
opção de vida profissional, é imperioso conferir-lhe, em homenagem à
sua própria dignidade, a prerrogativa de traçar planos para o futuro,
especialmente após a inativação almejada. 57
Tal posicionamento não é aceito pela maioria da doutrina, nem
pela jurisprudência do judiciário, pois o direito adquirido se aplica
para aqueles que reuniram todos os requisitos para se aposentar
antes da reforma previdenciária. Nesse sentido, destaca-se a seguinte
jurisprudência do STF, in verbis:
EC 41/2003: Critérios de Aposentadoria e Direito Adquirido
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação
direta ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público - CONAMP contra o art. 2º e a expressão “8º”, contida no art.
10, ambos da Emenda Constitucional 41/2003, que tratam dos critérios
para a aposentadoria e revogam o art. 8º da Emenda Constitucional
20/98. Salientando a consolidada jurisprudência da Corte no sentido da
inexistência de direito adquirido a regime jurídico previdenciário e da
aplicação do princípio tempus regit actum nas relações previdenciárias,
55
PEIXOTO, José Carlos de Matos. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Companhia
Editora Fortaleza, 1950. T. I. Partes introdutória e geral. p. 199 s.
56
MODESTO, Paulo (org.), op.cit., p. 129.
57
MODESTO, Paulo (org.), op.cit., p. 341.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 171
entendeu-se não haver, no caso, direito que pudesse se mostrar como
adquirido antes de se cumprirem os requisitos imprescindíveis à
aposentadoria, cujo regime constitucional poderia vir a ser modificado.
Asseverou-se que apenas os servidores públicos que haviam preenchido
os requisitos previstos na EC 20/98, antes do advento da EC 41/2003,
adquiriram o direito de aposentar-se de acordo com as normas naquela
previstas, conforme assegurado pelo art. 3º da EC 41/2003 (“Art. 3º É
assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos
servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a
data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos
para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação
então vigente.”). Esclareceu-se que só se adquire o direito quando o seu
titular preenche todas as exigências previstas no ordenamento jurídico
vigente, de modo a habilitá-lo ao seu exercício, e que as normas previstas
na EC 20/98 configurariam uma possibilidade de virem os servidores a
ter direito, se ainda não preenchidos os requisitos nela exigidos antes
do advento da EC 41/2003. Assim, considerou-se não haver óbice ao
constituinte reformador para alterar os critérios que ensejam o direito à
aposentadoria por meio de nova elaboração constitucional ou de fazê-las
aplicar aos que ainda não atenderam aos requisitos fixados pela norma
constitucional. Vencidos os Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e
Celso de Mello, que julgavam o pleito procedente. Precedentes citados:
ADI 3105/DF e ADI 3128/DF (DJU de 18.2.2005); RE 269407 AgR/RS
(DJU de 2.8.2002); RE 258570/RS (DJU de19.4.2002); RE 382631 AgR/RS
(DJU de 11.11.2005) 58
63
BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Administrativo. Estudos Especiais.
Aposentadoria. Processo nº 26930/2006. Relatora: Conselheira Marli Vinhadeli. Brasília,
DF, 23set.2008. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/portal/index.php?option=com_
wrapper&Itemid=77>.Acesso em:23 ago.2009.
64
BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição n° 270/2008. Disponível em < http://www.
camara.gov.br/sileg/integras/582378.pdf>. Acesso em:25 set.2009.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 177
Art. 40 (...)
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata
este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir
dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17, à exceção daqueles cuja
aposentadoria for motivada por invalidez permanente decorrente de
acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa
ou incurável, especificada em lei:
I – por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao
tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço,
moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável,
especificada em lei;
(...)
§ 17-A. Os proventos de aposentadoria dos servidores aposentados
por invalidez permanente decorrente de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada
em lei, corresponderão à totalidade da remuneração ou do subsídio
percebidos no momento da aposentação.
(...)
Art. 2º As aposentadorias concedidas posteriormente à Emenda
Constitucional nº 41, de 31 de dezembro de 2003, serão revistas de
ofício, de forma a se adequarem a esta Emenda Constitucional.
Art. 3º A revisão de que trata o art. 2º produzirá efeitos financeiros a
partir da data da publicação desta Emenda Constitucional.
Art. 4º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua
publicação.65
Como se vê, as propostas de emendas acima transcritas visam
restabelecer a integralidade e paridade para os servidores acometidos
de invalidez. As duas PEC’s resguardam apenas as aposentadorias por
invalidez permanente decorrentes de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei.
Contudo, diferente do entendimento fixado pelo TCDF, as
propostas de reforma deixam de fora as demais aposentadorias por
invalidez com proventos proporcionais ao tempo de contribuição,
que ficariam calculados pela média aritmética simples das maiores
remunerações.
A PEC nº 270/2008 dispõe que o benefício da integralidade e
paridade abrange apenas os servidores que ingressaram no serviço público
até 16/12/98, enquanto a PEC nº 345/2009 não estabelece limite temporal
de ingresso no serviço público para usufruir do referido benefício.
Em que pese tal entendimento seja louvável e tenha relevante
valor social, considerar como fato gerador a data do ingresso no serviço
65
BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição n° 345/2009. Disponível em< http://www.
camara.gov.br/sileg/integras/643837.pdf>. Acesso em:25 set.2009.
178 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
público para aquisição do direito adquirido, desvirtua esse instituto
jurídico. Como assegurar um direito para àqueles que não reuniram os
requisitos para inativação e sequer estavam inválidos? E que poderão
nem vir a ser acometidos de invalidez? Trata-se de mera expectativa
de direito.
Com efeito, o direito adquirido não tem efeito genérico.
Os critérios estabelecidos na EC n° 41/2003 se aplicam a todos,
indistintamente. Apenas os casos concretos em que todos os requisitos
foram preenchidos, antes do regulamento da referida emenda, estão
amparados pelo direito adquirido.
Assim, se inexiste a doença ao tempo da reforma previdenciária,
não há como assegurar um provável direito futuro, pois se trata de
uma mera possibilidade que poderá nem acontecer.
67
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Consulta. Aposentadoria.
Acórdão n.º 0278-08/07-P. Processo TC nº 010.819/2006-9. Interessado: Ronaldo José
Lopes Leal, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho - TST. Relator: Ministro Marcos
Bemquerer, Brasília, DF, 09.03.2007. Disponível em: < http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/
PesquisaFormulario>.Acesso em:25 ago.2009.
180 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
contribuição, passou a ser a média das remunerações de contribuição
do servidor, a teor do disposto no art. 40, § 3º, da Constituição Federal.
2. É ilegal a concessão de proventos integrais apurados sobre a
remuneração do servidor em atividade, se não demonstrado o
atendimento dos requisitos para exercício do direito até 19/2/2004, data
de edição da Medida Provisória 167/2004, que regulamentou a forma de
cálculo estabelecida no art. 40, § 3º, da Constituição Federal.68
Acórdão 571/2009
PESSOAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ COM PROVENTOS
PROPORCIONAIS. CONCESSÃO POSTERIOR A 19/02/2004.
APLICAÇÃO DO LIMITE DE QUE TRATA O ART 40, § 2º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM REDAÇÃO DADA PELA EMENDA
CONSTITUCIONAL N. 41/2003. LEGALIDADE. REGISTRO.
1. Com o advento da Emenda Constitucional n. 41/2003, a base de
cálculo das aposentadorias, integrais ou proporcionais ao tempo de
contribuição, passou a ser a média das remunerações de contribuição
do servidor, a teor do disposto no art. 40, § 3º, da Constituição Federal.
2. O limite de benefício estabelecido pelo art. 40, § 2º, da Carta Magna,
é o valor da última remuneração, não sujeito à aplicação do fator de
proporcionalização.69
Excepcionalmente é a situação quando a invalidez ocorreu antes
do marco temporal estabelecido pelo TCU, em face da MP 167/2004,
a exemplo do Acórdão n° 5687/2008 – Segunda Câmara (Processo n°
016.117/2007-1), em que a doença foi atestada por laudo médico em
14.3.2003, antes do advento da EC n° 41/2003, in verbis:
PESSOAL. PEDIDO DE REEXAME EM APOSENTADORIA.
CONHECIMENTO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, QUE
NÃO OBSERVOU O CÁLCULO DAS MÉDIAS REMUNERATÓRIAS.
COMPROVAÇÃO DE QUE O SERVIDOR JÁ POSSUÍA DOENÇA
ESPECIFICADA EM LEI. DEMORA NA PUBLICAÇÃO DO
ATO DE APOSENTADORIA EM RAZÃO DE PROBLEMAS
ADMINISTRATIVOS. FALTA QUE NÃO PODE SER IMPUTADA
AO SERVIDOR OU SUPRIMIR SEUS DIREITOS. PROVIMENTO.
LEGALIDADE E REGISTRO DA CONCESSÃO.70
68
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Aposentadoria. Acórdão n.º
194/2009. 2ª Câmara. Processo TC n.º 007.742/2007-8. Relator: Ministro Raimundo Carreiro,
Brasília, DF. 2009. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/ListaDocumentos?
qn=2&di=61&dpp=20&p=0>.Acesso em:22 ago.2009.
69
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Aposentadoria. Acórdão n.º
571/2009. 1ª Câmara. Processo TC n.º 015.757/2008-3. Relator: Ministro Marcos Bemquerer
Costa, Brasília, DF. 2009. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/ListaDocum
entos?qn=2&di=61&dpp=20&p=0>.Acesso em:22 ago.2009.
70
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Aposentadoria. Acórdão n.º
5687/2008. 2ª Câmara. Processo TC n.º 016.117/2007-1. Relator: Ministro Benjamin Zymler,
Brasília, DF. 3.12.2008. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/ListaDocumen
tos?qn=2&di=61&dpp=20&p=0>.Acesso em:22 ago.2009.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 181
Contudo, esse entendimento que adota como regra o fato
gerador para aquisição do direito à aposentadoria por invalidez, a data
da expedição do laudo médico e como exceção, a data da invalidez,
merece debates. Para enfrentar essa questão, primeiramente, cabe
investigar qual a natureza jurídica do laudo médico, se seria ele um
ato declaratório ou constitutivo.
Na definição de Hely Lopes Meirelles:
Ato constitutivo: é o que cria uma nova situação jurídica individual para
seus destinatários, em relação à Administração. Suas modalidades são
variadíssimas, abrangendo mesmo a maior parte das declarações de
vontade do Poder Público.
(...)
Ato declaratório: é o que visa a preservar direitos, reconhecer situações
preexistentes ou, mesmo, possibilitar seu exercício.71
Segundo entendimento defendido por Inácio Magalhães
Filho:
O laudo de junta médica oficial não se presta a criar ou modificar qualquer
relação ou fato jurídicos. Não há um efeito modificador de situação
anterior. Ao contrário, o documento médico declara ou comprova o
fato de que o servidor é portador de moléstia que o incapacita do labor
diário, seja ela especificada ou não em lei.
(...) Daí poder-se afirmar que o laudo médico tem natureza meramente
declarativa. Disso advém que não necessariamente os efeitos devam
decorrer a partir do laudo médico, porquanto sua eficácia é apenas
declaratória. Ora, se assim de fato é, não há entraves visíveis a que o
laudo médico aponte data anterior à sua emissão como sendo a de início
da moléstia.72
Considerando, então, que a natureza do laudo médico é sem
dúvida declaratória, pois ele apenas atesta a moléstia e a incapacidade
laborativa já existentes, conclui-se que o laudo não tem
Assim, se a invalidez já existia antes da MP n° 167/2004, que
regulamentou a EC n° 41/2003, não há como negar o direito adquirido
à aposentadoria com base na remuneração da atividade e paridade,
mesmo que o laudo seja expedido em momento posterior.
Portanto, o laudo médico é apenas o instrumento formalizador
para se declarar o direito à aposentadoria por invalidez. Ele não
representa o direito em si, o que significa que a ordem encontra-se
invertida, pois a regra é que o direito adquirido se faz presente com
o advento da enfermidade que incapacita o servidor para o trabalho.
71
MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 172.
72
FILHO, Inácio Magalhães, op. cit., p.47.
182 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
É a partir da invalidez que surge o fato gerador, podendo-se admitir,
excepcionalmente, na impossibilidade de se diagnosticar quando se
iniciou a doença, a data da emissão do laudo.
No entanto, Inácio Magalhães Filho observa que:
(...) o servidor que for aposentado em decorrência de laudo médico
retroativo, deve estar gozando de licença para tratamento da saúde
quando da data indicada no laudo como de início da moléstia. Afinal,
se houve trabalho, não houve incapacidade laborativa. Lembre-se que
a concessão de aposentadoria por invalidez requer a junção de dois
requisitos básicos indissociáveis: a contração da enfermidade, atestada
por laudo médico, e a decorrente incapacidade laborativa. 73
Com efeito, não há como justificar a incapacidade do servidor
para o trabalho, em momento anterior à data da expedição do laudo
médico, se permaneceu trabalhando, sem licença médica, durante esse
interregno.
Nessa situação, ainda o mesmo autor defende que: “a melhor
exegese manda que seja observada a situação do servidor quando da emissão
do laudo médico, uma vez que os períodos em que houve trabalho por parte
do servidor não devem ser considerados como incapacidade laborativa”.74
Logo, se houve prestação de serviço, não há como considerar o direito
adquirido à aposentadoria por invalidez antes da expedição do laudo
médico.
73
FILHO, Inácio Magalhães, op. cit., p.50.
74
FILHO, Inácio Magalhães, op. cit., p.51.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 183
à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda
Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não
ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza
tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta.
Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da
previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do
equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais
de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e
diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em
relação ao art. 4º, caput, da EC n. 41/2003. Votos vencidos. Aplicação
dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da
CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional n.
41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária
sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores
públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
incluídas suas autarquias e fundações.75
Para o Supremo não há direito adquirido à manutenção de
sistemática de cálculo de remuneração ou de proventos, a exemplo do
RE n° 563964, Relatora Ministra Cármen Lúcia, in verbis:
Forma de Cálculo da Remuneração e Inexistência de Direito Adquirido
a Regime Jurídico
Por não vislumbrar ofensa à garantia de irredutibilidade da
remuneração ou de proventos, e na linha da jurisprudência do Supremo
no sentido de não haver direito adquirido à manutenção à forma de
cálculo da remuneração, o que importaria em direito adquirido a
regime jurídico, o Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso
extraordinário interposto, por servidora pública aposentada, contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.
Na espécie, com a edição da Lei Complementar Estadual 203/2001, o
cálculo das gratificações da recorrente deixou de ser sobre a forma de
percentual, incidente sobre o vencimento, para ser transformado em
valores pecuniários, correspondentes ao valor da gratificação do mês
anterior à publicação da lei. Considerou-se que a Lei Complementar
203/2001 teria preservado o montante percebido pela recorrente, tendo,
inclusive, expressamente garantido que “os índices da revisão geral da
remuneração dos servidores públicos serão obrigatoriamente aplicados
aos adicionais e gratificações que passam a ser representados por
valores pecuniários.76
Dessa forma, não há que se alegar ofensa a direito adquirido
75
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 3105
e ADI 3128. Ministro Cezar Peluso, Brasília, DF, 18.02.2005. Disponível em: <http://www.stf.
jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp >. Acesso em:27 ago.2009.
76
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inf. 535. RE 563965/RN, Ministra Cármen
Lúcia. Brasília, DF, 11.2.2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em:24 ago.2009.
184 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
em face da nova forma de cálculo dos proventos estabelecida pela EC
nº 41/2003, disciplinada a partir da MP nº 167/2004, que passou a ser
pela média aritmética simples das maiores remunerações. A não ser
nos casos ressalvados pela própria emenda, que no artigo 3º assegurou
a concessão da aposentadoria pelos critérios da legislação anterior,
desde que todos os requisitos tenham sido antes preenchidos. Nesse
sentido, destaca-se como precedente a ADI n° 3104 citada anteriormente
quando se tratou no Capítulo III do instituto do Direito Adquirido.
No TJDFT há jurisprudência que segue o entendimento do
STF de que não existe direito adquirido a regime jurídico, aplica-se,
assim, às aposentadorias por invalidez, nos casos em que a publicação
do ato ocorre após a regulamentação da EC n° 41/2003, o cálculo dos
proventos pela média aritmética simples das maiores remunerações,
mesmo quando o diagnóstico da doença se deu em momento anterior
à referida emenda, in verbis:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - PROFESSORA
DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO - APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ - RECÁLCULO DOS PROVENTOS - EMENDA
CONSTITUCIONAL 41/2003 - LEI 10.887/04 - DIREITO ADQUIRIDO
- INEXISTÊNCIA - SÚMULA 359 DO STF - SENTENÇA MANTIDA.
De acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal, não
há direito adquirido a regime ou remuneração. Os proventos
da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o
servidor reuniu os requisitos necessários (Súmula 359 do STF).
Verificado que o ato de aposentadoria da servidora fora publicado após
o advento da Emenda Constitucional 41/03, rejeita-se sua pretensão de
manter os valores dos proventos no patamar do que vinha recebendo
na atividade.77
No entanto, esse posicionamento merece críticas, pois se a invalidez,
com incapacidade laborativa, ocorreu antes da regulamentação da
reforma previdenciária, o servidor adquiriu o direito a aposentadoria
aplicando-se as regras anteriores ao cálculo dos proventos, mesmo que
venha exercitar esse direito posteriormente, com a publicação do ato de
aposentadoria depois da vigência da emenda constitucional.
A respeito do direito adquirido José Afonso da Silva esclarece que:
Para compreendermos um pouco melhor o que seja o direito adquirido,
cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um
direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via
jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à
77
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível.
Processo : 2007.01.1.076.164-8, Acórdão nº: 367513. Relator: Sérgio Bittencourt. Brasília, DF,
08.07.2009. Disponível em: http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=1&PGATU=1&
l=20&ID=61675,74591,31423&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGE
M=INTER. Acesso em: 09 nov.2009.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 185
prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente
prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado,
direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava).
(...) A lei nova não tem o poder de desfazer a situação jurídica consumada.
(...)
Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se
em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de
seu titular. Incorporou-se ao seu patrimônio, para ser exercido quando
lhe convier. (...) Vale dizer – repetindo: o direito subjetivo vira direito
adquirido quando lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais
foi constituído.78
Paulo Modesto, ao tratar do assunto sobre direito adquirido e
alteração abstrata do regime jurídico dos servidores públicos, destaca o
entendimento da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores
em relação à inexistência de direito adquirido a regime jurídico. No
entanto, observa que:
Essa orientação doutrinária e jurisprudencial, específica quanto ao
tema da revisão do regime jurídico do servidor público, não impede a
consolidação de vantagens ou a formação de direitos adquiridos frente
a inovação legislativa na relação do servidor com o Estado.
Além das vantagens consumadas, isto é, aquelas que produziram no
patrimônio individual todos os efeitos de que eram susceptíveis no
tempo (...), é reconhecida a possibilidade de constituição de direitos
adquiridos face à lei quando na situação jurídica individual o fato
aquisitivo já tenha decorrido por inteiro sem que tenham se exaurido
os seus efeitos(...).79
Dessa forma, no caso concreto, se o servidor reuniu todos os
requisitos para inativação, não há como negar o direito adquirido
à aposentadoria de acordo com a legislação anterior, o que, no
caso de invalidez, ocorre no momento em que se instala a doença,
incapacitando-o para o trabalho.
Ressalte-se, ainda, que, em que pese a norma que trata dos
efeitos da concessão de aposentadoria, em face de invalidez, prevista
no artigo 188 da Lei nº 8.112/90 disponha que: “A aposentadoria
voluntária ou por invalidez vigorará a partir da data da publicação do
respectivo ato”80, esse marco temporal refere-se aos efeitos financeiros
para a concessão do referido benefício e não para fins de se estabelecer
78
SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. 2.ed. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 133-134.
79
MODESTO, Paulo. op. cit. Acesso em: 08 nov. 2009.
80
BRASIL. Lei nº 8112/90. Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis Federais. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112cons.htm >. Acesso em: 25 set.2009.
186 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
a data de aquisição do direito adquirido à aposentadoria por invalidez.
Esta se dá quando o servidor é acometido da doença.
81
BRASIL. ON MPS/SPS nº 1/2007. Disponível em: < http://www010.dataprev.gov.br/
sislex/paginas/56/MPS-SPS/2007/1.htm>. Acesso em:25 set.2009.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 187
aos rendimentos recebidos a partir:
(...)
III – da data em que a doença foi contraída, quando identificada no
laudo pericial.82
Quanto aos procedimentos operacionais, referentes aos
benefícios concedidos pela Lei nº 8.112/90, a Portaria nº 1675, de
06.10.2006, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
orienta que:
As conclusões da avaliação da incapacidade, com base em exame
pericial, deverão ser as mais rápidas possíveis, permitindo-se
diagnósticos sindrômicos ou sintomáticos diante da incapacidade
A incapacidade permanente ou invalidez acarreta a aposentadoria,
por tornar o servidor incapaz de prover a sua subsistência e/ou a
realização das atividades da vida diária.83
Todavia, na prática a expedição desses laudos médicos
pode ser demorada, sendo possível que o servidor, quando da sua
emissão, já esteja há muito tempo acometido da invalidez.
Não reconhecer o direito adquirido à aposentadoria por
invalidez a partir da data da doença, desde que indicada no laudo
médico, seria penalizar o servidor, que já preencheu os requisitos
para inativação, pela morosidade no atendimento para atestar a sua
invalidez.
No STJ a jurisprudência, para fins de isenção de imposto de
renda, é no sentido de acolher como marco temporal para concessão
do benefício a data da doença. A título de exemplo, destaca-se o
Recurso Especial nº 780122/PB:
TRIBUTÁRIO. MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/88.
ISENÇÃO
DO IMPOSTO DE RENDA. TERMO A QUO.
1. A jurisprudência do STJ tem decidido que o termo inicial da
isenção do imposto de renda sobre proventos de aposentadoria
prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 é a data de comprovação da
doença mediante diagnóstico médico, e não a data de emissão do
laudo oficial. Precedentes: REsp 812.799/SC, 1ª T., Min. José Delgado,
DJ de 12.06.2006; REsp 677603/PB, 1ª T., Ministro Luiz Fux, DJ de
25.04.2005; REsp 675.484/SC, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ
de 01.02.2005)
2. Hipótese em que a paralisia começou a dar sinais de aparecimento
82
BRASIL. Decreto nº 3.000, de 26.3.1999. Publicado no D.O. de 17.6.99 Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3000.htm>. Acesso em: 24.09.2009.
83
BRASIL. Portaria nº 1675, de 06.10.2006, de 26.3.1999. Disponível em: <http://www.
servidor.gov.br/seg_social/arq_down/port_1675_061006_manual_servicos_saude_
servidores.pdf>. Acesso em: 24.09.2009.
188 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
em 1991 e o laudo médico oficial atesta como marco, para efeito de
isenção do imposto de renda, o ano de 1995. Como o crédito tributário
refere-se ao ano-base de 1994 e o próprio exame do INSS referido na
sentença revela a anterioridade e progressividade da doença desde
1991, não é razoável adotar como marco da isenção a data em que
reconhecida a invalidez pelo Ministério da Fazenda.
3. Recurso especial a que se nega provimento. 84
No TJDFT existe posicionamento no sentido de que se aplica
às aposentadorias por invalidez a legislação em vigor à época da
incapacidade. Nesses termos, destaca-se a seguinte jurisprudência,
in verbis:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE
SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ PERMANENTE. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. DATA DA
INCAPACIDADE. ANTERIORIDADE. MANUTENÇÃO DA REGRA
PRETÉRITA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE
AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.
1. A constatação de que a doença que culminou na incapacidade total
e definitiva, dando ensejo à aposentadoria, é anterior à edição da
Lei nº 10.887/04, afasta a tese de necessidade de dilação probatória,
pois, nos termos do art. 334, inc. I e IV do Código de Processo Civil
não dependem de provas os fatos notórios e em cujo favor milita
presunção legal de existência ou de veracidade.
2. Consoante entendimento jurisprudencial assente a aposentadoria
rege-se pela lei vigente à época em que o beneficiário reuniu os
requisitos para a inativação.
3. Não se aplica à hipótese a Lei nº. 10.887/04, pois indene de dúvidas
que a impetrante apresentava o problema clínico que ensejou sua
aposentadoria em período anterior à edição daquele diploma, que,
na prática, implicou redução nos seus proventos de aposentadoria.
4. A revisão do ato de aposentadoria da servidora, com a consequente
redução dos proventos, sem oportunizar o direito ao contraditório
e à ampla defesa, ofende as garantias constitucionais do devido
processo legal.
5. Recurso provido. Segurança concedida. 85
Com efeito, esse é o entendimento que se assenta com o instituto
do direito adquirido, pois a invalidez que incapacita o servidor para o
84
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 780122/PB. Relator:
Ministro Teori Albino Zavascki, Brasília, DF, 29.03.2007. Disponível em: <http://www.stj.jus.
br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=aposentadoria+e+invalidez+e+laudo+m%E9dico&&
b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em:27 ago.2009.
85
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível.
Mandado de Segurança. Processo: 2007 01 1 084251-9. Acórdão nº: 334928. Relator: Mario-
Zam Belmiro. Brasília, DF, 11.12.2008. Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi
1?DOCNUM=5&PGATU=1&l=20&ID=61602,51296,18801&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTP
GM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER >.Acesso em:27 ago.2009.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 189
trabalho é o fato gerador para aquisição do direito à aposentadoria por
invalidez.
Ocorrida a doença antes da MP 167/2004 que regulamentou a
EC n° 41/2003, mesmo que o laudo médico e o ato de aposentadoria
sejam produzidos após a vigência da referida emenda, terá que ser
respeitada a concessão do benefício com base na remuneração da
atividade e com paridade.
Com a incidência da invalidez e a incapacidade laborativa,
considera-se que o servidor incorporou definitivamente ao seu
patrimônio o direito à inativação com base nas regras anteriores à
reforma previdenciária.
Da própria leitura do que significa aposentadoria por invalidez,
constata-se que o fato basilar para a concessão do benefício é a doença
que incapacita o servidor para o trabalho. Para fins de ilustração, cita-
se o seguinte conceito de José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:
A aposentadoria por invalidez decorre da impossibilidade física ou
psíquica do servidor, de caráter permanente, para exercer as funções
de seu cargo. (...) O servidor, uma vez devidamente comprovada a
incapacidade, e sendo esta permanente, passa a ter direito à inatividade
remunerada (art. 40, I, CF). 86
Assim, considerando que a data de ingresso no serviço público
constitui mera expectativa de direito, que a natureza jurídica do laudo
médico é apenas declaratória de uma doença já existente, que a data
da publicação do ato de aposentadoria se refere a efeitos financeiros, a
partir da qual se inicia o pagamento dos proventos, tem-se que o fato
gerador, para fins de aquisição do direito adquirido à aposentadoria
por invalidez, ocorre na data da doença que incapacita o servidor para
o trabalho.
86
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 21. ed., rev. e atual..
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.664.
87
WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Regime Jurídico. Disponível em: < http://pt.wikipedia.
org/wiki/Regime_jur%C3%ADdico>. Acesso em:10 nov.2009.
190 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010
das aposentadorias por invalidez pelo RPPS, deve-se conformar o
referido diploma legal com o contido no artigo 40 da Constituição
Federal, redação dada pela EC n° 41/2003, disciplinada pela MP
167/2004, convertida na Lei nº 10.887/2004.
Conforme abordado, o fato gerador para concessão da
aposentadoria por invalidez incide quando o servidor é acometido da
moléstia que gera incapacidade para o labor.
Afasta-se como fato gerador dessa inativação a data de ingresso
no serviço público, pois se inexiste a invalidez quando do regulamento
da EC n° 41/2003, trata-se, então, de um possível direito futuro que
poderá nem ocorrer, ou seja, é uma mera expectativa de direito.
A data da expedição do laudo médico também não constitui
o fato gerador da aposentadoria por invalidez, tendo em vista a sua
natureza jurídica que é declaratória, pois ele apenas atesta a doença e a
incapacidade laborativa já existentes, não tem o efeito de criá-las.
Contudo, nada impede que, excepcionalmente, o laudo médico
seja utilizado como parâmetro, na impossibilidade de se diagnosticar
quando se iniciou a doença ou nos casos em que o servidor continuou
trabalhando, sem licença médica, entre a data indicada como início da
moléstia e a data da emissão do laudo.
Também não representa o fato gerador da aposentadoria por
invalidez a data da publicação do ato de concessão, pois se refere
ao início do pagamento desse benefício e não à aquisição do direito
adquirido à inativação, que se encontra configurada no instante em
que estão preenchidos todos os requisitos, no caso, a moléstia e a
incapacidade.
Logo, se o servidor foi admitido no serviço público até
16/12/1998, data da publicação da EC n° 20/98 ou até 31/12/2003, data
da publicação da EC n° 41/2003, e venha a ser acometido de invalidez
após 19/02/2004, data da publicação da MP nº 167/2004, aplica-se o
regime jurídico vigente estabelecido pela reforma previdenciária
de 2003, com os proventos calculados com base na média aritmética
simples das maiores remunerações, sem direito a paridade. Da mesma
forma, se o laudo médico for expedido após 19/02/2004 e a doença e a
incapacidade também sejam diagnosticadas após essa data.
Por outro lado, se o servidor foi acometido de invalidez até
19/02/2004, data da publicação da MP nº 167/2004, que disciplinou a EC
nº 41/2003, aplica-se o regime jurídico da legislação anterior à reforma
previdenciária de 2003, com proventos calculados com integralidade e
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 144-195, 2010 191
paridade, mesmo que a expedição do laudo médico e a publicação do
ato sejam realizadas em momento posterior.
6. Conclusão
2
V. Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2.007, art. 10, § 4º, que institui nova dispensa de
licitação para a venda de certos imóveis públicos.
212 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 205-215, 2010
estimulem a constituição de alianças estratégicas e o s desenvolvimento
de projetos de cooperação, além fixar que as ICT poderão compartilhar
seus laboratórios e participar outras medidas nesse sentido, e ainda
autoriza União a participar minoritariamente do capital de SPEs com
objeto científico e tecnológico.
O seu art. 20 – e isso é o que efetivamente importa considerar
- fixa em seu caput que “Os órgãos e entidades da administração
pública, em matéria de interesse público, poderão contratar empresa,
consórcio de empresas e entidades nacionais de direito privado sem
fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, de reconhecida
capacitação tecnológica no setor, visando à realização de atividades
de pesquisa e desenvolvimento, que envolvam risco tecnológico, para
solução de problema técnico específico ou obtenção de produto ou
processo inovador.”
Assim, a contratação das empresas ou dos consórcios a que se
refere este artigo da Lei nº 10.973/04 pode dar-se, a partir de agora,
sem licitação, dispensável que se tornou, devendo-se observar o
procedimento estabelecido no art. 26 da lei de licitações.
Até que esta nova dispensabilidade tardou a aparecer na lei de
licitações, eis que não se esperava outra política governamental para
este caso ante o advento, já em 2.004, desta importante Lei nº 10.973,
que versa tema fundamental nos dias que correm – instituições de
tecnologia – e que por isso mesmo não constitui apenas mais uma lei
dentre as tantas que existem no ordenamento, algumas das quais, se
revogadas hoje, amanhã não será lembrado sequer que existiram.
Não se conta esta dispensabilidade, pensamos, entre as futilidades
do art. 24 da lei de licitações, pois e o seu tema nada tem de fútil ou
se desimportante, muito ao inverso. Abre-se com esta nova medida,
entretanto, um flanco para despesas extraordinariamente vastas, o que
demandará equivalente atenção e cuidado tanto pelos entes executivos
que as contratam quanto pelos de fiscalização, interna e externa, após a
contratação. As justificativas da necessidade dos contratos de um lado,
e o enquadramento dos casos concretos às hipótese admissivas da lei de
outro lado, terão grande relevância dentro da Administração.
XI - Por fim quanto à MP em comento, o art. 57 da lei de
licitações, sobre a duração dos contratos, ganhou o seguinte novo inc.
V: hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos
contratos poderão ter vigência por até cento e vinte meses, caso haja interesse
da administração.
3
Sim, porque pode ocorrer que contratos cujo prazo seja regido pelo inc. I do art.
57 durem até mais que dez anos, na hipótese de serem prorrogados por mais tempo que
isso, na medida em que o seu objeto corresponda a alguma meta que seja sucessivamente
prorrogada no plano plurianual da respectiva pessoa de direito público interno. Noticia-se
que alguns contratos regidos pelo anterior Decreto-lei nº 2.300/86 – que tinha dispositivo
semelhante ao atual inc. I do art. 57 da Lei nº 8.666/93 – duraram mais que uma década,
além mesmo do fim da própria lei de regência, de 1.993. Nesses casos o prazo não está
predeterminado senão o inicial, e não existe prazo máximo pré-sabido.
214 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 205-215, 2010
objetos, sem importar se o serviço contratado é ou não continuado.
XII - Em conclusão, não se pode afirmar que a nova MP é
inteiramente calamitosa do plano técnico, porque se começa muito
mal, se contém inutilidades e amplas poluições como se viu, entretanto
termina de modo muito razoável e, decerto, até necessário, como na
questão dos novos prazos e das dispensabilidades para certos contratos
tecnológicos e estratégicos.
O que francamente, e outra vez ainda, não desce pela nossa
ortodoxa garganta é a veiculação das novas estatuições pela via da
medida provisória, ato legislativo que deveria ser excepcional mas cuja
vulgarização e inquestionável banalização tiveram novo ensejo, ao que
parece sem necessidade alguma.
O episódio antes que qualquer outro fato nos recorda, isto sim,
quão urgente é a mudança não de um isolado tópico ou outro da lei,
porém de toda ela, toda a lei rigorosamente inteira, com as inovações
que são clamadas a cada dia pelos seus aplicadores, seus fiscais, os
fornecedores que ela propicia à Administração, os estudiosos e os
técnicos que com ela se envolvem, todos a integrar a grei interminável
das suas vítimas.
Não tarde esse dia, é tudo que alguém de propósito honesto
anseia, e esta MP constitui, antes de tudo, apenas outro pretexto para
reiterá-lo.
Parecer de vista
É o parecer.
Processo nº 1.1325/09
Parecer nº 1.259/09-IMF
Decisão nº 1.521/10
1
Art. 6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas
estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas
pelo art. 2º desta Emenda, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado
no serviço público até a data de publicação desta Emenda poderá aposentar-se
com proventos integrais, que corresponderão à totalidade da remuneração do
servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, quando,
observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do
art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes
condições:
I - sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher;
II - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição,
se mulher;
III - vinte anos de efetivo exercício no serviço público; e
IV - dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der
a aposentadoria.
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 219-227, 2010 241
de idade, se mulher;
II – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos
de contribuição, se mulher;
III – vinte anos de efetivo exercício no serviço público;
IV – dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no
cargo em que se der a aposentadoria; e
V – ingresso no serviço público até a data de publicação desta
Emenda.
63. Por conseguinte, o tempo no serviço público deve ser avaliado
da mesma maneira que o ingresso no serviço público, queremos
crer.
64. Socorremo-nos uma vez mais do Parecer nº 1.181/08-DA (Processo
nº 14.842/08):
56. Veja-se que a acepção da expressão “serviço público” não
pode ter duplo sentido máxime quando presente em um mesmo
artigo. Nesse passo, não restam dúvidas que a dicção dada
àquele vocábulo, para fins de percepção das benesses contidas no
sobredito dispositivo legal, refere-se, no caput, ao ingresso nos
quadros dos entes de direito público, quais sejam, Administração
direta, autárquica ou fundacional, antes do advento da EC 20/98,
sendo desarrazoado entender que o mesmo vocábulo, contido no
inciso III, teria sentido diverso.
25. Mais uma vez, acredita o Parquet ter ocorrido erro de
premissa. Nesse sentido, pede-se vênia para discordar do Parecer nº
1.181/08-DA, do douto Procurador Demóstenes Tres Albuquerque.
26. Em realidade, o vocábulo “serviço público” não possui
sentido diverso no caput e no inciso III do artigo 6º da EC 41/03. Como
já defendido alhures, inclusive pelo Órgão Técnico, o conceito de
serviço público possui um só núcleo essencial. Ocorre, entretanto, que,
para efeito do inciso III do artigo 6º da EC 41/03, a expressão tempo de
serviço público contempla requisito para inativação, sem quaisquer
restrições, porquanto foi exigida pela norma apenas a prestação de
serviço público, sem qualquer outra condicionante.
27. Já quanto ao caput do artigo 6º da EC 41/03, o conceito de
serviço público une-se à exigência de serviço prestado à administração
direta, pois empregados de empresas públicas e de sociedades de
economia mista não podem fazer opção pelas regras de aposentadoria
previstas no artigo 40 da CF, como possibilita o normativo citado, uma
vez que são submetidos à aposentadoria pelas regras do RGPS.
28. Assim, a premissa levantada pela Inspetoria, de que se
for suprimido “ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas
estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas
pelo art. 2º desta Emenda”, nenhum prejuízo haverá para o sentido do texto,
242 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 228-245, 2010
não se apresenta correta, na visão do Parquet. Isso porque, repita-se, as
condições do caput e do inciso III são distintas. A primeira refere-se ao
direito de opção que só possui quem ocupava cargo público efetivo até
a promulgação da EC 41/03; a segunda trata de mais um requisito para
aposentadoria (tempo de serviço público), ao lado da idade mínima,
do tempo de contribuição, do tempo na carreira e do tempo no cargo.
29. Em virtude dessa distinção é que o Ministério Público
também encontra óbices à tese alternativa apresentada pela Inspetoria,
uma vez que o direito de opção pelas regras insculpidas no caput do
art. 6º da EC 41/03 e no caput do art. 3º da EC 47/05 não socorre os
ocupantes de empregos nas empresas públicas e nas sociedades de
economia mista, bem como os ocupantes de cargos comissionados,
porquanto vinculados ao RGPS, conforme estabelece o § 13 do artigo
40 da CF. De fato, somente quem tinha o vínculo jurídico com o RPPS,
portanto jungido às regras do artigo 40 da CF, à época da edição das
citadas emendas constitucionais, possuem tal direito. Essa é inclusive
a natureza jurídica da regra de transição, ou seja, permitir a passagem
de uma situação antiga a uma nova, para quem já se encontrava no
sistema previdenciário próprio.
30. Assim, como o constituinte determinou, nas regras de
transição, que somente quem era ocupante de cargo público deteria o
direito de opção, entende-se inviável que o conceito de serviço público
existente no caput do art. 6º da EC 41/03 e no caput do art. 3º da EC nº
47/05 possa abranger também as empresas públicas e as sociedades
de economia mista. A esse respeito, inclusive, cabe trazer à colação o
magistério de Uadi Lammêgo Bulos2: quando a Constituição define as
circunstâncias em que um direito pode ser exercido, esta especificação importa
em proibir, implicitamente, que (...) venha a sujeitar o exercício do direito a
condições novas.
31. Foi com esse sentido, inclusive, que o Ministério da
Previdência Social alterou o art. 70 da ON nº 02/2009, que passou a ter
a seguinte dicção:
Na fixação da data de ingresso no serviço público, para fins de
verificação do direito de opção pelas regras de que tratam os arts. 68
e 69, quando o servidor tiver ocupado, sem interrupção, sucessivos
cargos na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, em
qualquer dos entes federativos, será considerada a data da investidura
mais remota dentre as ininterruptas. (Redação dada pela Orientação
Normativa SPS n° 03, de 04/05/2009)
2
Manual de Interpretação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.p.89
R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 228-245, 2010 243
32. As demais implicações da tese aventada pela Unidade
Técnica ficam, assim, prejudicadas.
33. Com base, portanto, nessas ponderações, este Ministério
Público defende as seguintes premissas:
embora, de fato, a ON nº 2/2009-MPS/SPS não tenha aplicação
coercitiva no âmbito do Distrito Federal, conforme já definiu o
Tribunal, não se pode descartar que sua destinação dirige-se a
todos os regimes próprios de previdência, não se mostrando
razoável que a interpretação do conceito de serviço público
seja multifacetada, porquanto deve ter suporte constitucional
único;
segundo o Tribunal de Contas da União, para fins do art. 40, inciso
III, da CF, o conceito de “serviço público” deve ser entendido
de forma ampla, para abranger também as empresas públicas
e sociedades de economia mista, diferentemente do conceito
de “serviço público” contido no caput do art. 6º da Emenda
Constitucional nº 41/03 e no caput do art. 3º da EC nº 47/05,
que deve ser tomado de forma restrita, para alcançar apenas a
Administração Pública, direta, autárquica e fundacional;
o caput do artigo 40 da CF diz respeito a vínculo jurídico com
o RPPS, enquanto o inciso III, do § 1º, do citado artigo, assinala
requisito para aposentadoria. Coisas diversas, portanto;
a tese alternativa apresentada pela Inspetoria não pode
prosperar, pelo fato de que o direito de opção pelas regras
insculpidas no caput do art. 6º da EC 41/03 e no caput do art. 3º da
EC 47/05 não socorre os ocupantes de empregos nas empresas
públicas e nas sociedades de economia mista. De fato, somente
quem tinha o vínculo jurídico com o RPPS, portanto jungido
às regras do artigo 40 da CF, à época da edição das citadas
emendas constitucionais, possuem tal direito. Essa é inclusive
a natureza jurídica da regra de transição, ou seja, permitir a
passagem de uma situação antiga a uma nova, para quem já se
encontrava no sistema previdenciário próprio;
assim, coerentemente com a posição adotada pelo TCU,
entende essa Procuradoria que, para efeito do inciso III do
artigo 6º da EC 41/03, do inciso II do artigo 3º da EC 47/05 e
do inciso III do artigo 40 da Constituição, a expressão tempo
de serviço público contempla tanto os períodos prestados na
244 R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 36 : 228-245, 2010
administração direta, quanto na indireta, pois o constituinte
exigiu apenas a prestação de serviço público, sem quaisquer
outras condicionantes ou especificidades;
no que tange ao caput do artigo 6º da EC 41/03 e ao caput do
artigo 3º da EC 47/05, o conceito de serviço público une-se à
exigência de serviço prestado à administração direta, pois
empregados de empresas públicas e de sociedades de economia
mista, bem como ocupantes de cargo em comissão, não podem
fazer opção pelas regras de aposentadoria previstas no artigo
40 da CF, como possibilita os normativos citados, uma vez que
são submetidos à aposentadoria pelas regras do RGPS.
34. Diante de todo o exposto, o Parquet, lamentando uma vez
mais discordar do Corpo Técnico, opina no sentido de que a Corte
reveja as orientações exaradas na Decisão-TCDF nº 7211/08, proferida
no Processo nº 14842/08, que cuidou de Consulta formulada pelo
Secretário de Estado de Planejamento e Gestão acerca do alcance da
expressão “efetivo exercício no serviço público”, constante do art.
40 da Constituição Federal, do art. 6º da Emenda Constitucional nº
41/2003 e do art. 3º da Emenda Constitucional nº 47/2005, bem como
da natureza do serviço prestado a empresas públicas e a sociedades
de economia mista, tendo em vista os novos argumentos apresentados
neste parecer, os quais são corroborados por entendimento mantido
pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério da Previdência
Social.
É o parecer.
Processo nº 15.347/09
Parecer º 1.170/09-IMF
Decisão nº 6.641/09