A Face Oculta Da Mente

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y Bruxos e feiticeiros

Visão sem olhos


Adivinhação
Gênio do inconsciente
Psi-gamma e distância
Psi-gamma e tempo
Mensagens do além ?
Sugestão telepática
Copyright de
EDIÇÕES LOYOLA

IMPRIMI POTEST
Belo Horizonte, 8 de setembro de 1964 ÍNDICE DE MATÉRIAS
Pe. Marcelo de Carvalho Azevedo, S. J.

PRÓLOGO ................................................................... 7
Seminário Concórdia 1. F enomenologia ........................................................ 9
Biblioteca
2. Investigarão ............................................................ 21
Sist.
Reg. NIHIL, OBSTAT 3. Definição1 .............................................................. 31
Proc Pe. Francisco Corrêa, S. J.
4. Classificação ......................................................... 39
Data Ly." .

IMPRIMATUR PRIMEIRA PARTE


Belo Horizonte, 16 de setembro de 1964
Mons. José A. Dias Bicalho
FENÔMENOS "EXTRAORDINÁRIO-NORMAIS"
Vigário Geral
DE CONHECIMENTO

5. Hiperestesia. direta.................................................. 43
6. Emissão hiperestésica ............................................. 61
CAPA: GUILHERME VALPETERIS
7. Cumberlandismo ..................................................... 69
EDIÇÕES LOYOLA 8. Hiperestesia indireta............................................... 85
Rua Vergueiro, 165 — Caixa Postal 12.958 — Tel. 31-1648 — São Paulo 9. Pantomnésia ......................................................... 103
10. Xenoglossia ........................................................... 119
Impresso nos Estados Unidos do Brasil
Pnnted in the United States of Brazil 11. Talento do inconsciente........................................ 147
SEGUNDA P A R T E
FENÔMENOS "PARANORMAIS" DE
CONHECIMENTO

.., -o ... 165


. Aaivinnuçuu: .........................
.... 189 P r ó l o g o
À primeira edição
........ 211
14. Psi-gamma e distancia..........................
........ 217
15. Psi-gamma e tempo...................................... Em “A face oculta da mente”, limitamo-nos a tratar
16. Pseudo-precognições - I .............................. ... 221 dos fenômenos parapsicológicos de conhecimento. As
.. 233 '‘Edições Loyola”, têm o plano de ir publicando para os
17. Pseudo-precognições - I I .......................... leitores brasileiros uma série de livros de Parapsicobgia
.... 249 na qual se tratarão, de maneira sistemática, todos os fe­
........ 281 nômenos e temas parapsicológicos.
19. 0 prazo existencial..................................
O teor do livro eqüidista da rigorosa metodologia cien­
tífica e da pura divulgação. Colocamos abundantes notas
bibliográficas para as pessoas que aprofundaram ou quei­
TERCEIRA PARTE ram aprofundar nesta importante ciência. Incluímos
FENÔMENOS TELEPÁTICOS também algumas citações de livros “populares” (que tanto
lêem, lamentávelmente, no nosso meio, as pessoas da
313 “classe média cíiltural”) desde que os fatos citados sejam
20. Telepatia e clarividência........................
335 de alguma signifeação científica.
21. Divisões de telepatia..............................
337 Em igualdade de circunstâncias preferimos citar os
22. T1E espontânea.................................... casos ou experiências dos pioneiros da investigação. Desta
353 maneira se faz, quase imperceptivelmente, uma história
23. TIE experimental.................................
371 da Parapsicologia. Não deixamos, porém, de citar desco­
24. ST espontânea - I ................................ bertas, casos ou experiências dêstes anos, especialmente
387
25. ST espontânea - I I ................................ em ocasiões, aliás numerosa, nas quais se deu algum
397 novo passo à frente nas investigações.
26. ST experimental ..................................
Citamos muitos exemplos. Evidentemente que aos
exemplos concretos damos, em geral, um valor represem
tativo: nunca citaríamos um caso isolado; cada exemplo
que citamos está respaldado por centenas de outros casos
semelhantes e por experiências ou observações de Labo­
ratório.
Os fenômenos parapsicológicos com frequência estão
relacionados uns com os outros. Isto nos obriga em al­
gumas ocasiões a pressupor teses que só se provarão em
futuros tomos. A tendência, porém, é a de fundamentar­
mo-nos nas conclusões já estabelecidas em capítulos an­
teriores. Fenomenologia
BRUXOS E MAGOS NA HISTÓRIA
São Paulo, 11 de novembro de 1964

Fatos extraordinários chamam a atenção


da humanidade desde os tempos mais anti­
gos. — Persas, hindus, etc., conheciam e pra­
ticavam a adivinhação. — Primeiros conta­
tos do Cristianismo com as “artes ocultas-
A espantosa estatística das fogueiras com
carne humana.

COMPROVAÇÃO e conseguinte análise de certos fa­


A tos extraordinários da vida do homem, fatos que
talvez se devam a forças naturais ocultas, do mesmo homem,
ocupa lugar proeminente na moderna investigação científica.
Durante séculos e séculos tem sido ignorada pela ciência a
explicação profunda destes prodígios e mesmo o veredicto
sobre a sua existência. São tão antigos como a própria huma­
nidade. Reais ou imaginários, naturais ou atribuídos a for­
ças superiores, sempre ocuparam a atenção e a curiosi­
dade dos homens.
Remota antiguidade
Os povos mais antigos, como os babilônios, os persas,
os etruscos, praticavam a adivinhação e “evocavam os
espíritos dos mortos”. Mas são poucos os vestígios histó­
ricos que possuímos daqueles povos tão antigos.
10 A FACE OCUL1A DA MENTE FENOMENOLOGIA 11

Bíblia e magia E ainda poderíamos citar numerosos outros casos: mi­


Nos livros históricos da Bíblia, considerados agora ape­ lagres, profecias, endemoninhados... São fenômenos que in­
nas sob êsse ponto de vista, temos numerosíssimas alusões teressam ao investigador científico.
a prodígios. Tais são, por exemplo, as fantásticas maravi­
lhas realizadas pelos magos do FARAÓ, em luta com MOI­ A Grécia clássica © misteriosa
SÉS e ARÀO \ até que os magos do FARAÓ se renderam Muitos escritores da antiga Grécia nos falam desta
ante os chefes do povo hebreu, dizendo: “O dedo de Deus classe de fenômenos. Por exemplo HOMERO na Odisséia
está aqui” 2. O caso do rei NABUCODONOSOR convertido descreve ULISSES “consultando os mortos” por conselho e
em fera, prenúncio da abundante literatura posterior sobre com as instruções da maga CIRCEfi. HERÓDOTO8 9,
os lobisomens 3. JOSÉ tem sonhos premonitórios e interpre­ entre outros muitos prodígios nos conta que até um dos
ta os sonhos também proféticos do FARAÓ 4. Sonhos mo- sete sábios da Grécia, PERIANDRO, mandou “consultar a
nitórios nos referem os mesmos Evangelhos como o da alma” de sua mulher degolada outrora por ordem do mesmo
mulher de PILATOS 5. A Pitonisa de Endor “evoca” ante PERIANDRO. Segundo PLUTARCO, PAUSÂNIAS “evocou
o rei SAUL o profeta SAMUEL 6, etc. o espírito” duma jovem que mandara matar, e CALANDAS
“evocou o espírito” de AQUILAU também por êle assassi­
Os textos da Bíblia em que se condena a adivinhação, nado. Mais tarde os magistrados mandaram “evocar o es­
o espiritismo, a feitiçaria são numerosíssimos, e nos indicam pírito” do próprio PAUSÂNIAS. É interessante chamar a
que estas práticas deviam ser então muito freqüentes. Lê- atenção, no caso de fenômenos de curas extraordinárias,
se, por exemplo: “Não se ache entre vós quem pretenda sobre a distinção que já PLUTARCO fazia entre doenças
purificar seu filho ou filha fazendo-o passar pelo fogo, físicas c psíquicas 10 11 12.
quem consulte adivinhos ou observe sonhos e augúrios, nem É famoso o “gênio” que SÓCRATES pensava ver e ao
quem seja feiticeiro ou encantador, nem quem consulte aos que atribuía conselhos sobre coisas desconhecidas 11.
pitões ou adivinhos, nem quem indague dos mortos a ver­ Conta-nos PLATÃO i ’., oni.ro outros exemplos, c.omo o
dade. Porque tôdas estas coisas abomina o Senhor e por “gênio” avisam a SÓCRATES do que não permitisse a
semelhantes maldades exterminará Êle estes povos à tua CITARMIDE ir a Mcnca. CUIARMIDE não obedeceu e su­
entrada” 7.
cumbe em Menea.
O mesmo nos testemunham XENOFONTE 13 14 e PLU­
1 — ÊXODO, VII. 11, 22; VIII, 7. TARCO u. Aquêle põe em bôea de SÓCRATES a afirmação
2 — ÊXODO, VIII, 19.
dc que o “gênio” nunca o enganara.
3 — DANIEL, IV, 28-31. Não haveria figura de animal, mas sim­
plesmente loucura. Vivia no campo, sem cortar as unhas nem os cabe­ E também curiosa entre os fenômenos que nos conta
los, sem vestir-se, comendo como os animais, de modo que na sua lou­ PLUTARCO a aparição de um mau anjo (“eu sou teu mau
cura procedia como animal. Isto supondo que de fato NABUCODONO­
SOR ficasse louco, pois a interpretação mais provável na moderna 8 — ODISSEIA, X, 517-534.
Exegese é a de que não houve isso: simplesmente a Bíblia quer in­ 9 — HERÓDOTO: “História” cfr. por exemplo I, 46-48, 132, etc.
dicar com êste modo metafórico de expressar-se que Deus é quem 10 — PLUTARCO: “Perí Eutymian”, cap. VII.
exalta ou humilha na sua Providência. 11 — Cfr. LELUT, F.: “Le démon de Socrate spécimcn d’une
4 — GÊNESIS, XXXVII, 5-11; XL, 5-XLI, 36. aplicattion de la science psychologique á celle de 1’Histoire”, Paris, 1837.
5 — MATEUS, XXVII, 19. 12 — PLATÃO: “Theageto”.
6 — 1 REIS, XXXVIII, 7-25. 13 — XENOFONTE: “Apologia de Sócrates”.
14 —- PLUTARCO: “Vida de grandes homens”, XX: “SObre o
7 — DEUTERONÔMIO, XVIII, 10-12.
demônio de Sócrates”.
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12 A FACE OCULTA DA MENTE FENOMENOLOGIA 13

anjo, cie maravilhosa e monstruosa figura”). BRUTUS vê LUCANO descreve “evocações dos mortos” para adivi­
a aparição sem perturbar-se 15. nhações22. Os dois PLÍNIOS, 0 Jovem c o Velho, referem
também tôda classe de fenômenos “misteriosos” falando-nos
Certa classe de quiromancia e astrologia encontrou nada êste numa das suas cartas até de uma casa “mal-assombrada”
menos do que cm ARISTÓTELES um grande entusiasta. ao estilo dos tradicionais castelos inglêses. PLAUTO dedica
“As linhas — diz — não estão escritas sem nenhuma razão uma das suas comédias, “A Hospedaria”, ao tema das casas
nas mãos dos homens imas provêm da influência do céu no “mal-assombradas”, etc.
seu destino”. E até se conta que deu de presente a seu
discípulo ALEXANDRE Magno um tratado dessa espécie No que se refere a encantamentos, feitiços, etc., con­
de quiromancia escrito cm letras de ouro, achado num altar ta-nos SUETÔNIO que AUGUSTO mandou queimar mais
dedicado a HERMES. Também PLATÃO aceitou os prin­ de dois mil livros da matéria, o que poderia dar-nos uma
cípios dessa quiromancia 15 16 17. idéia de como estava cheio o ambiente de magia e ocultis­
mo, se levarmos em conta que os livros então eram escas­
Muitos outros fenômenos “misteriosos” nos referem sos e de difícil edição. HORÃCIO nas suas poesias mais de
FILÕSTRATO ", DEMÕCRITO 18 19, PITÁGORAS **, etc. uma vez faz alusão a encantamentos. COLUMELA descreve
prodígios do feiticeiro DARDANO. LUCANO fala da fa­
Os latinos não ficaram atrás dos gregos mosa feiticeira de Tessália ÉRITON Fera (à qual aludirá
Já nas “Doze Tábuas” castigava-se com pena capital mais tarde DANTE). PETRÔNIO Árbitro fala de crian­
a quem lançasse feitiços ou “maus fluidos” contra as searas ças roubadas pelos feiticeiros para preparar seus fei­
alheias. CÍCERO recolhe e tenta analisar muitas adivinha­ tiços. Dêles falam também APULEIO, Sexto Pompeu FES­
ções e visões20 21. TO, e outros.
TÁCITO entro outros ojisor conta como "apareceu (a Corno os gregos, também os latinos praticaram certa
RUFTTS) uni fantasma do mulher de fornia ultra-humana espécie de quiromancia e astrologia. A época mais brilhante
e se ouviu uma voz” 21. (ou escura) foi nos tempos de JUVENAL, chegando o pró­
prio imperador AUGUSTO a exercer aquela quiromancia.
15 — PLUTARCO: "Vida dc grandes homens”, IX: "Vida de
Bruto”. Inumeráveis são os testemunhos históricos sôbre os cé­
16 — PLATÃO: "Carmides” e "Leges” principalmente. Livros, lebres oráculos na época clássica, como os de Tropócia de
aliás, que são muito significativos para um estudo do "curandcirismo”. Grécia, junto ao rio Aquerontc; a Sibila dc Cumas nas mar­
17 — Sôbre FILÕSTRATO cfr. DIELS, H.: "Fragmente der Vor- gens do lago Averno; Figália na Arcádia; no Cabo Tenaro
sokratiker”, 5.a edição preparada por KRANZ, W., Berlim, 1934. em Heracléia. Delfos foi o mais famoso, [númeras adi­
18 — Sobre DEMÕCRITO, também muito interessante do ponto
de vista das curações "misteriosas”, pode ver-se DIELS, H.: "Frag­ vinhações saíram dêstes centros.
mente” . .., o. c.
19 — Sôbre PITÁGORAS de quem se disse que "foi um chainan O Cristianismo enfrenta a magia
grego”, isto é, um iniciado na Grécia das técnicas "oeultistas” do
Oriente conforme os estudos de MEULI, DODDS, BOYANCÊ, NILS- O Cristianismo, desde os seus começos, adotou clara
SEN, ELIADE...» cfr. principalmente:
DELATTE, A.: "Études sur la littérature Pythagorcienne”, Paris,
posição contra muitas superstições que se misturavam nesta
1915. LEVY, I.: "Légende de Pythagore: de Grece en Palestine”, Pa­ classe de fenômenos.
ris, 1927. RATHMANN Gu.: "Questiones Pythagoreae, Orphicae, Éfeso era famosa pelos seus livros de magia e pelos seus
Empedocleae”, Haia, 1933.
20 — CÍCERO, Marco Túlio: "De divinatione” ("Ciceronis Opera”,
encantamentos, muito frequentes naquela cidade.
Paris, Ed. Amar, 1824, tomo XVI: "De divinatione”, dois livros).
21 — TÁCITO: "Annales”, XXT, § 21. 22 — LUCANO: "Pharsalia”, VI, 420-760, por exemplo.
9551

14 A FACE OCULTA DA MENTE FEN OMENOLOGIA


15

O evangelista São LUCAS conta como muitos dos que Muitos autores como Júlio ÕBSEQUENS, o pseudo-HI-
tinham exercido a magia e feitiçaria foram levar seus livros PÕLITO, HIERON de Alexandria, etc., nos falam de “mé­
ao apóstolo São PAULO que organizou uma fogueira na pre­ diuns espíritas”, inclusive produtores de efeitos físicos e até
sença de todos 23. SIMAO, o Mago, “que enganara o povo" 24 descrevem alguns segredos de tais fenômenos físicos reali­
foi expulso da Igreja por pretender comprar com dinheiro zados fraudulentamente pelos falsos “médiuns”.
os poderes de São PEDRO e de São JOÃO que êlc tinha
O famosíssimo ilusionista CAGLIOSTRO 28, parece ter
por mágicos 23. agido como “médium de efeitos físicos” e, não é preciso
Os Santos Padres e Escritores Eclesiásticos inúmeras dizê-lo, como um médium mais do que suspeito.
vêzcs se referem a fenômenos “misteriosos”. TERTULIA- Esta febre pelo ocultismo não diminuiu no Renascimen­
NO, por exemplo, no século II, fala das “evocações dos to, atingindo até pessoas de grande nomeada social como
mortos”, adivinhações, sonhos provocados (hipnose ou tran­ testemunham TASSO, ARIOSTO e CELINI.
se), movimentos de mesas para dar respostas ao contato Os papas, como por exemplo ALEXANDRE IV 29 e VI30,
das mãos, assim como de outros muitos prodígios mistura­ JOÀO XXII31, INOCÉNCIO VIII32t assim como tôda classe
dos com superstições “com os quais enganam o povo”. de escritores cristãos não cessaram de advertir dos perigos
A filosofia alexandrina com a qual JULIANO, o Após­ sociais, físicos, psíquicos e morais de semelhantes práticas.
tata, pretendia subjugar o Cristianismo, tinha por dogma Fogueiras humanas
fundamental a “evocação dos mortos” e apresentava os fe­
nômenos usuais do espiritismo. Como se sabe, muitos feiticeiros, bruxas, magos e imuitas
A paixão pelo ocultismo c pelos fenômenos maravilhosos pessoas inocentes terminaram na fogueira. Eram acusados de
existia cm tôdas as camadas sociais como afirmam São GRE- mil crimes, cada qual mais fabuloso: aqueles bruxos se trans­
GÓRIO de Niza LACTÂNCIO -7, etc. formavam em lôbos, gatos, ratos, etc., a si imesmos c a outros;
produziam tempestades, chuvas dc pedras, causavam tôda
Idade Média e Renascimento classe de doenças com seus feitiços; mantinham-se insen­
Na Idade Média há uma verdadeira epidemia de feiti­ síveis às picadas das facas, comunicavam-se com o de­
mônio, etc.
ceiros, bruxas, malefícios, sortilégios, endemoninhados, etc.,
do qual teve bastante culpa a seita dos gnósticos.
28 — Sôbre CAGLIOSTRO se consultará com interesse o livro:
“Compêndio delia vita e delli gesti di Giuseppe Bálsamo, indenominato
23 — ATOS DOS APÓSTOLOS, XIX, 19. Conte Cagliostro", Roma, 1791.
24 — «Que enganara o povo”, diz o autor dos “Atos dos Após­ 29 — ALEXANDRE IV: Bula “Quod super nonnullis”, que se
tolos" (versículos 9 a 11), não porque os prodígios que realizava fos­ encontra no “Magnum Bullarium Romanum a beato Leone Magno us-
sem sempre mero ilusionismo, mas porque sendo fenômenos naturais, que ad S. D. N. Benedictum XXV, opus absolutissimum Laertii Cheru-
os atribuía a poderes sobrenaturais: “esta é a virtude de Deus" (ver­
sículo 10). (Outros traduzem “maravilhar", “assombrar", etc., em vez bini”, Luxemburgo, H. A. Gosse, 1712 (a Bula é de 1257).
de “enganar"). 30 — ALEXANDRE VI: Bula “Cum acceperimus", Decret. Lib.
V, Tit. XII, tomo VII (a Bula é de 1494).
25 — ATOS DOS APÓSTOLOS, VIII, 9-24. 31 — JOAO xxn, Bula “Super illius specula", 1326.
26 — São GREGÓRIO de Niza: “Discurso Catequético". 32 — INOCÉNCIO VIII: Bula “Summis desiderantes afectibus",
27 — LACTANCIUS, Firminianus: “Divinae Institutiones". 5 de dezembro de 1484.
16 A FACE OCULTA DA MENTE
FENOMENOLOGIA
17
Segundo Ch. Mc KAY na sua obra “The Witch-Mania”
foram queimados vivos numa só fornalha mais de 200 bru­ sem interrupção em estrados de pregos, outros conservam
sempre erguido um braço; há também os que fecham per-
xos e bruxas com seus chefes, o Dr. FIAN e a famosa
[pètuamente a mão de modo que as unhas vão penetrando
Gelli DUNCAM. Eram acusados de terem provocado com na carne.
seus encantamentos uma tempestade para afogar o monar­
ca. Assim morreram queimados vivos mais de 200 acusados As narrativas de viajantes sobre os prodígios dos .faqui­
de bruxaria ante JAIME IV da Escócia, depois I da Ingla­ res estão cheias de admirações e ponderações pelos fenôme­
terra. . . nos que eles não logram explicar
Também na Inglaterra, na Pendle Forest, no Laneanshire, Os milagres do Islã
um menino caluniador acusa de bruxaria a senhora DIC-
KENSON e mais outras vinte “bruxas” subalternas dela, Na Ãfrica e países do Islã, talvez os mais famosos fa­
na vizinhança. Pelo “sólido” testemunho de um menino de zedores dc prodígios sejam os Aissáuas. Pouco conhecidos
12 anos, oito dessas mulheres foram queimadas vivas. eram na Europa apesar de nada terem a invejar na reali­
zação dc prodígios aos faquires da índia.
Inúmeros casos semelhantes nos conta sir Gcorgc MAC-
KENZIE no seu livro “Criminal Law”. O grande ilusionista Robert HOUDIN nos descreve com
todos os detalhes as maravilhas que observou e que logrou
O Pe. HEREDIA S. J. 3\ resumindo mais de dez explicar “medicamente” ou segundo as técnicas do ilusio­
nismo
autores afirma que só na Escócia, no curto período que
vai da execução de Maria STUART até seu filho cingir a Começavam geralmente com uma cerimônia religiosa de
coroa de Inglaterra, isto é, em 32 anos, foram executadas grande espetáculo que abria a exibição, seguida com ia
17.000 bruxas. Em Genebra, Suíça, só em três meses foram execução de prodígios tais como comer vidros, pedras, pregos,
queimadas 500 bruxas, segundo a “Chamber’s Encyclope- carvões cm chamas, etc.; outros se deixavam atravessar por
dia”; e segundo a “New International Encyclopcdia”, 7.000 espadas, sangravam amplamente e se curavam num instante,
bruxas foram queimadas em poucos anos cm Trévcris. Afir­ (-om uma só mão um Aissáua esquelético levantava no ar o
mais forte, nutrido e alto dos seus irmãos dc práticas, etc.
ma a “NelsoiPs Encyclopedia” que a bruxomania custou só
na Alemanha 100.000 vidas. Entre os místicos do Islã são os mais famosos AL-
-HALLAJ, a quem se atribuem alguns casos maravilhosos,
Idade Moderna e Contemporânea. eomo a materialização de um pão em pleno deserto; c AB-AL
KADIR a quem se atribuem os mais prodigiosos fenômenos,
Os faquires da índia
Foram e são famosíssimos os prodígios fantásticos dos 34 — Max MÜLLER, Louás JACOLLIOT, Charles GODDARD,
laquires. A própria vida que ac atribui a alguns desses CHABOSSEAU. La MAIRESSE, GUYMIOT, CALEBROOK, ALVEY-
faquires, por exemplo aos chamados “sinniassis”, já é algo DRE, SINNETT, LAUÊDEN, HUC, ZEFFAR, VERGNARD, SEA-
BROOK, PELLENC BETELSON entre outros muitos destacam-se pela
esquisito: uns vivem enterrados até a cintura ou sentados * * * abundância de descrições nem sempre críticas. DUCRET talvez seja o
mais maravilhado diante de tais prodígios, entre os escritores mais
33 — HEREDIA, S. J., Carlos Maria: “Los fraudes espíritas y modernos. William LAID é o mais conhecido e lido entre os de
outrora.
los fenómenos metapsíquicos”, 5.a edição, Montevidéu, Mosca, 1945.
Há tradução portuguesa: “As fraudes espíritas e os fenômenos meta­ 35 — HOUDIN, Robert, tradução de MARTINEZ, Avelino: “Con-
psíquicos”, Petrópolis (R. J.), Vozes, 1958. 1894, tomo II, capítulo VIII, págs. 266 ss.
fidencias de un prestidigitador, una vida de artista”, Valência, Aguilar,
lÉHIliffiliiliil

18 A FACE OCULTA DA MENTE FENOMENOLOGIA 19

digno de rivalizar, se os fenômenos que se lhe atribuem são A maior parte das seitas espíritas procuram nas suas
verdadeiros, com os mais célebres “magos” que estuda a sessões tôda classe de fenômenos “misteriosos”. Com a di­
moderna Parapsicologia. Assim, por exemplo, se conta que fusão do Espiritismo, mult/iplicaram-se os prodígios, ao me­
alongou e materializou diversos objetos, multiplicou alimen­ nos os mais ordinários. O Brasil é atualmente o líder mun­
tos, levitou seu próprio corpo, etc. dial do Espiritismo. No brasil atual, CHICO XAVIER, é
um médium destacado em escrita automática: ARIGÕ des-
Na China legendária taca-se em curas “misteriosas”. São freqüentes as “in­
Sempre houve e há grandes fazedores de prodígios na corporações de espíritos” com tôda classe de manifestações
China. Todos os fenômenos “maravilhosos” de que os in­ como, por exemplo, adivinhações do pensamento ou sucessos
vestigadores modernos têm notícia de ter sido “realizados17 futuros, até alguma vez falando línguas estrangeiras. . .
alguma vez em alguma parte do mundo podem encontrar-se Outros fenômenos mais raros, como materializações,
também na China de todos os tempos 36. movimento de objetos, levitações do próprio corpo, não rece­
Possuímos relações de casos “misteriosos” sucedidos mil beram incremento apreciável (embora hoje seja bastante
anos antes de Cristo. geral entre os não especialistas interpretar com a supersti­
Niiiima rebição sôbre uma sessão de “ocultismo” realizada
ção espírita esses fenômenos que “existiram” sempre). Mas
em 3035 conta-sc que houve materialização cie objetos e de
nos começos do Espiritismo pareceu que esses fenômenos
seres fantásticos, vinham objetos longínquos através das pa­ de efeitos físicos iam receber grande incremento. Eusápia
redes e das portas fechadas; rcfcrc-sc que se ouviram vozes e PALADINO foi talvez a médium mais destacada entre as
música “transcendentes". . . Mas uma estrangeira perma­ mulheres, “realizando”, perante os sábios que a controlavam,
necera cética e desconfiada. . . Sem que ela soubesse co­ tôda classe de movimentos de objetos, aparições de fantas­
mo, viu-se despir completameiite por .mãos invisíveis e as mas completos ou rudimentares, etc. Daniel Dunglas HO­
suas vestes n;i areeeram fora do local penduradas numa ME foi o mais famoso entre os médiuns varões. Com o des­
árvore... cobrimento contínuo de fraudes (muitas vezes inconscientes
e mais frequentemente irresponsáveis) há já anos que de­
Magia organizada na América sapareceram os grandes “médiuns de efeitos físicos” dig­
nos de ser observados por especialistas, só ficando, cá e lá,
Na América do Norto teve origem a “organização” mais alguns fenômenos isolados como em todas as épocas e povos-
ampla de fenômenos “misteriosos”. No “Cottage” conheci­
do pelo nome de Hydesville, na Vila de Arcádia, Condado Coiiclusão
de Wayne, no Estado de New York, nasceu o Espiritismo
moderno como resultado de ruídos “misteriosos” que pro­ “Os fenômenos parapsicológicos têm sido assinalados em
vinham da cama das irmãs FOX. tôdas as épocas e em todos os povos. As descrições que
chegaram até nós são fundamentalmente idênticas, embora
36 — Cfr. DINGWALL, Eric John: “Ghosts and spirits in the an- as interpretações sejam muito diferentes nas diversas civi­
cient World”, Londres, 1930. Além dessa magnífica obra, pode-se ver, lizações”, assim conclui, na obra já citada, DINGWALL, um
especialmente do ponto de vista das interpretações supersticiosas da­ dos melhores historiadores da Parapsicologia.
das a êstes fenômenos ao longo da história:
VESME, Cesare de: “Storia dello Spiritismo”, 3 volumes, Torino, Investigar se tais prodígios foram ou não reais, ou em
Roux Frascati, 1895-1898, ou tradução francesa: “Histoire du spiritua- quanta parte, e quais as suas causas, etc., eis o objeto da Pa­
lisme experimental”, Paris, Editions Meyer, 1928. rapsicologia.

t
20 A FACE OCULTA DA MENTE

O objeto, pois, da Parapsicologia é fundamentalmente


idêntico, único, uniforme, embora sejam atribuídos os fenô­
menos às mais diversas causas, inclusive * ‘sobrenaturais”
como demônios, espíritos, larvas astrais, maatmas, gnomos,
gênios, fadas, etc. O fenômeno é um só. A interpretação
que a ignorância científica de épocas anteriores tenha dado
a esse fenômeno, é diferença meramente acidental.

Os fenômenos parapsicológicos dão-se em


todos os povos e em todas as épocas. BRUXOS E FEITICEIROS PERANTE A CIÊNCIA

Os fenômenos parapsicológicos são próprios


do homem, são humanos. Na Biblioteca de Alexandria pereceram
fantásticos segredos de valor incalculável. —
Sábios considerados bruxos. — Os “sábios-
bruxos" começam a fazer-se respeitar. — No
século XX a uCiência Oficial”> interessa-se
pela “bruxaria". — Uma ciência de van­
guarda..

p ARECE que na investigação dos fenômenos “ocultos”


* os antigos iniciados da índia, tinham chegado muito
longe. Deles, parece, receberam seus segredos os iniciados
da Caldéia e Egito.
Certamente conheciam algo e talvez muito do funcio­
namento dos fenômenos “misteriosos”, mas parece insus­
tentável, por falta de provas, a pretensão de alguns de
que aqueles antigos “ocultistas” tivessem chegado a pene­
trar nos estudos destes fenômenos mais profundamente que
os modernos investigadores. Seja o que fôr, é certo que
êstes conhecimentos eram guardados dos profanos com ri­
gorosíssimo segredo. Os conhecedores das explicações eram
muito poucos, e os práticos, mais numerosos, que realiza­
vam os prodígios, ignoravam muitas vêzes a sua explicação
profunda e verdadeira, atribuindo-os erradamente à inter­
venção de diferentes forças extraterrenas.
22 A FACE OCULTA DA MENTE INVESTIGAÇÃO 23

Autores há que até afirmam terem sido as explicações É demais: não negamos que existam verdades na ma­
naturais e verdadeiras redigidas em manuscritos guardados gia, no ocultismo. . . Mas o ocultismo é mais uma arte louca
com desvelo na Biblioteca de Alexandria. Indícios históri­ e orgulhosa do que uma verdadeira ciência ou sabedoria,
cos há disto, certamente, mas é dificílimo saber o verdadeiro dona de poucas verdades, sempre misturadas com muitís­
valor desta afirmação. E mesmo concedendo que já então simos erros. Já AGRIPA assegurava que existiam estas ver­
tivessem chegado até onde tanto custou chegar rccentis- dades, quando após muitos anos de estudos se defendia a si
simamente, aquela ciência ficou inútil para nós, pois tudo próprio: “Eu não duvido que o título da minha obra sôbre
pereceu no incêndio da Biblioteca de Alexandria em tempos a “Filosofia Oculta ou Magia”, poderá, pela sua rareza, se­
dc TEODÕSIO. duzir a muitos leitores. Entre eles, alguns dotados de falso
Destruídos os manuscritos e dispersados os práticos da juízo e outros perversos; queiram entender o que vou dizer:
magia (aliás ignorantes das explicações), a fenomenologia Por ignorância crassa eles terão dado à palavra magia, o
continuou sendo algo de misterioso, sobrenatural, na mente sentido mais desfavorável, e tendo só olhado o título, dirão
do povo que eu pratico as artes proibidas, que eu estendo as se­
mentes da heresia, que eu ofendo a piedade e escandalizo
I n vesti gíwloíres isolados os espíritos virtuosos. Tratar-me-ão de feiticeiro, de su­
persticioso e dc diabólico, e dirão que eu sou realmente um
A ciência “oficiar’, por sua parte, “ignorava’' essas bruxo. Responder-lhes-ei que, para as pessoas instruídas,
“lendas”. Só de quando em quando, apareceram alguns .in­ sor mago não significa scr bruxo ou qualquer outra coisa
vestigadores isolados, fazendo brilhar pequenos clarões de cie supersticioso ou demoníaco, mas um sábio”. Assim se
verdade, misturados, porém, com muitos erros. Assim, por expressava AGRIPA na sua obra “Três livros de magia”,
exemplo, BASÍLIO, VALENTINO, PARACELSO, AVICE-
NA e AGRIPA. no prefácio “Cornelius Agripa ao leitor”4.
É porém, tão pouca a luz oculta nas trevas do “ocul­
Os ocultistas, alguns dêle.s cultos, estudaram esses fenô­
menos. Ocultismo, é, tôm-sc definido, um conjunto de verda­ tismo”, que, no final de sua vida, AGRIPA teve de retra­
des que se tornaram loucas. Loucas c concretamente megalo­ tar-se de uma grandíssima parte de sua obra: “É verdade
maníacas. No começo do livro dc HARTMANN podemos que sendo jovem cu mesmo escrevi três livros sôbre a Magia
ler: “Quaisquer que sejam as falsas interpretações que a que intitulei Da Filosofia Oculta. Quantos erros cometí
ignorância de todos os tempos tem dado â palavra magia, então! Hoje, tornando-me mais prudente, devo refutá-los pü-
sua única verdadeira significação é: a mais alta ciência blicamen^e e reconhecer que tenho perdido muito tempo
ou sabedoria, fundamentada no conhecimento e na expe­ com essas futilidades” 5. Retratação que tomamos como sin­
riência prática” 3. tomática da pouca luz que há no “ocultismo”.
1 — No Oriente (yoguis, lamas, bonzos, faquires, etc.) a prá­ 4 — AGRIPPA, Henry Cornelius, trad. WHITEHEAD, W. F.:
tica da “magia" conservou-se por tradição,. Mas na investigação “Oecult philosophy or Magie", Chicago, 1898. A [j irimeira edição in-
científica, no Oriente estão muito atrasados com respeito ã Para­ glêsa foi em 1651, mas o autor, AGRIPPA, escreveu em 1510 só pu­
psicologia. A teoria, se de fato a conheceram, não se conservou, e blicando em 1533: “H. Corn. Agrippae ab Nettesfreim a Consiliis et
está misturada com muitas superstições e apriorismos. Archuis Iudiciarii sacrae Caesarae majestatis: De Occulta Philosophia
2 — Sôbre êste interessante sábio ler-se-á com gosto, AFNAN, Libri Tres", Coloniae, 1533.
S. M.: “Avicena, his life and works", Londres, 1958. Do ponto de 5 — AGRIPPA, Henry Cornelius: “The vanity of Arts and Scien­
vista da Parapsicologia deve destacar-se entre as obras de AVICENA ces", Londres, 1678. O título original foi: “Henrici Comelii AGRIP­
a intitulada “De natura". PAE ab Nettesfreim: De incertitudine et vanitate omnium scientia-
2 — HARTMANN, Franz: “Magie White and Black. Infinite rum et artium atque excellentia verbi Dei declamatio", Coloni-a, 1527.
Life”, Londres, 1893, pág. 23. A edição que consultamos preferentemente é de Leiden, 1614.
24 A FACE OCULTA DA MENTE INVESTIGAÇÃO 25

Época do inagiictisima^liipiiotisímio N eo-ccultisimo

Já modernamente, no século XVIII, MESMERc\ com A escola de nco-ocultismo, liderada por Elíphas LEVÍ
sua teoria do magnetismo animal, trouxe mais luz sobre o Stanislas de GUAITA 1 f, PAPUS etc., no fim do sécu­
problema, mormente sôbre as curas extraordinárias e a lo passado, tenta reconstruir os conhecimentos dos anti­
gos iniciados. Mas seus esforços são pouco proveitosos
transmissão do pensamento. No mesmo sentido aprofunda- para a ciência, por misturarem, sem critério diferencial su­
ram-se mais PUYSÉGUR7, DELEUZE 8, POTET etc. A ficiente, a verdade com os erros. Também os antigos enco­
escola de Salpctriòre, com CHARCOT 10 e a de Nancy, com briam seus segredos com expressões só pelos iniciados des-
BERNHEIM 11 e seu mestre LIÉBEAULT 12, lançam novas cifráveis; os neo-ocultistas, ao imitá-los, insistiram demais
luzes sôbre o assunto. nos enredos.
Eis um detalhe sintomático: o mais destacado, talvez,
dos neo-ocultistas foi Elíphas LEVÍ (Alphonse Louis CONS-
0 MESMER, Franz Anton, obra confeccionada por CAULLET TANT), mas c bem sabido que nos últimos anos da sua vida.
e VEAU-MOREL: “Aphorismes de M. Mesmer, dictés a l’assem-
abandonou o ocultismo, a que tinha aderido como a uma
blée de ses ólevès”, 3.a ed., Paris, 1735. Do mesmo autor: “Mémoire
isur la Découverte du Magnétisme Animal’', Paris, Didot, 1799. “System religião e voltou ao seio da Igreja Católica a que pertencera
der Wechselwirkngen Theorie und Anwendung des Tliierischen Mag- antes de aderir ao ocultismo-esoterismo.
netismus ais die allgemeine Heilkund zur Erhaltung des Menschen”,
Berlin, herauisgegeben von Wolfart, 1911. Tentativas científicas
7 — PUYSÉGUR, Armand Marc Jacques Chastened du: “Mé-
moirs pour servir à Ihistoire du magnétisme animal”, Paris, Dentu, É o espiritismo quem dá o ensejo para que alguns sá­
1784. Do mesmo autor: “Du Magnétisme animal, considéré dans ses bios se decidissem a estudar os fenômenos “maravilhosos’',
rapff iorts tavcc différents branches de lo ]>hysique”, Paris, Dentu, 1807. de uma maneira científica.
“Rechcrches, expéricnces et observations physiologiques sur 1’homme
dans 1’etat de sornnambulisme naturel et dans le sornnambulisme pro- Foi em 1851-1852, aos 2 anos do nascimento do espi­
voquó par 1’acte magnétique”, Paris, Denbui, 1811. ritismo moderno, que na Grã-Bretanha o arcebispo de Can-
8 — DELEUZE, J. P. F.: “Histoire Critique du Magnétisme Ani­
mal” (4 vols.), Paris, Hipolyte Bailliòre, 1819. Do mesmo autor, com 13 — LEVÍ, Elíphas (Alphonse Louis CONSTANT), trad. CA-
comentários de MIALLE: “Mémoire sur la faculté de prévision”, Pa­ MAYSAR, Rosalis: “Dogma e Ritual da Alta Magia”, 7.u ed., São
ris, Chochard, 1836. Paulo, O Pensamento, 1955 (título do original francês: “Rituel de la
Haute Magie”).
9 — POTET, Baron du: “Manuel del’étudiant magnétiseur”, 8.a 14 — GUAITA, Stanislas de: “Essais de Sciences maudites. An
ed., Paris, Alcan, 1908 (l.a ed. 1846). seuil du mystère”, 5.a ed., Paris, 1915. Do mesmo autor: “La clé de la
10 — CHARCOT, Jean Martin: “Les leçons des Mardis en la Sa- magie noire”, Paris, 1897.
pêtrière” (Polychlinique 1887-8, e 1888-9), Paris, Babet, 1892. Do mes­ 15 — PAPUS, Gérard, Anacclet Vincent ENCAUSSE: “A. B. C.
mo autor: “Lectures on diseases of the nervon System”, London, New d’occultisme”, Paris, Dorbon Ainé, 1919. Do mesmo autor: “Loccul-
Sydenham Society, 1889. “Oeuvres Completes, Metallotherapie et Hyp- tisme et le spirituialisme. Erposé des théories phylosophiques et des
notisme”, Paris, Boumeville et E. Brisand, 1890. adaptations de l’occultisme”, Paris, Bibliothéque de phylosophie con-
temporaine, 1902. “Qu’est-ce que Toccultisme?”, Paris, Niclaus, s. d.
11 — BERNHEIM, H.: “Sugestive therapeuties”, New York, “Traité élémentaire d’occultisme”, Paris, Diffusion Scientifique, s. d.
G. P. Putnam’s and Sons, 1902, e London, Book Company, 1947. “Tratado elementar de Magia Prática”, 3.a ed., São Paulo, O Pensa­
12 — LIÉBEAULT, A. dei: “Le Sonmeil Provoqué”, Paris, Doin, mento, 1949 (Título original em francês: “Le traité élémentaire de
1889 . magie pratique”).
^50871

26 A FACE OCULTA DA MENTE INVESTIGAÇÃO 27

terbury, Edward White BENSON, funda a “Cambridge moderno, embora com muitíssimas falhas. Não em vão eram
Ghost Society”. A Sociedade logo fracassa... as primeiras investigações num campo dificílimo.
Em 1860 MYERS e SIDGWICK pretendem examinar
diversos médiuns, mas logo ficam desanimados ante tanta “Society For Psychical Research”
fraude. As pacientes .investigações não oferecem quaisquer Deveriam passar ainda mais treze anos, 62 desde o nas­
garantias, nem para eles mesmos. Seus métodos de inves­ cimento do espiritismo, para que surgisse a primeira socie­
tigação nestes dificílimos temas logo lhes parecem defi­ dade de investigação. Foi em 1882 ,7. Os mais destacados
cientes. investigadores colaboraram com a Sociedade. As duas pu­
Na Química, na Física, a matéria não engana. O incons­ blicações periódicas da Sociedade, “Proceeding” e “Journal”,
ciente do homem, objeto de investigação para se poder es­ recolhem milhares de casos constituindo o acervo mais im­
tudar estos fenômenos, frauda inúmeras vezes com uma pre- portante e criterioso dos fenômenos “misteriosos”.
eisão assombrosa, com um talento que supera todo o ima­
ginável. Os maiores e mais experimentados sábios podem Kcdcdadi^, Congressos e investigadores
ser enganados com habilidade suma. A pessoa mais honesta
no consciente, pode ser a maior trapaceira em qualquer ma­ Logo funda-sc uma filial da “Society for Psychical Re­
nifestação do seu inconsciente. search” nos Estados Unidos, a “American Society for Psy­
chical Research”, c no decorrer dos anos, em vários países,
O inconsciente engana, não só aos observadores, mas aparecem sociedades semelhantes 1H.
também ao próprio consciente. São fraudes involuntárias,
inconscientes e incoercíveis. Celebraram-sc já alguns Congressos Internacionaisll).
Nas nações mais cultas, os mais destacados cientistas têm-se
Em 1879, depois de ter constatado a necessidade de se
estudar sòriamcnte os fenômenos chamados espíritas, o 17 A iniciativa partiu de William BARRET, de Dublin, c de
“Dialcctial Society” de Londres não chega a publicar os J. ROMANES, fundando-se em Londres a “Society for Psychical Re­
trabalhos do Comité. search”. Seu primeiro presidente foi Hcnri SIDGWICK, seguindo-o na
presidência sucessivamente Balfomr STEWART, William CROOKES,
Por fim, depois de 1870, um sábio bem conhecido no William JAMES, A. J. BALFOTTR. . .
campo da Química, William CROOKES, comunica as obser­ 18 — “Parapsychology Foundation”, de New York; o “Parapsy-
vações que, durante vários anos, fêz sôbre os prodígios rea­ cholojgy Laboratori”, da Universidade Duke, de Durliam, na Carolina
lizados por uma das irmãs FOX, Catharina, e pelo mais do Norte, famoso pelos atuais trabalhos de RHINE; “LTnstitut Meta-
famoso dos médiuns varões, Daniel Dunglas HOME l(\ Es­ psichique International”, de Paris, do que foram presidentes os famo­
tas são as primeiras observações sérias e sistemáticas, sos RICHET e OSTY, fundado pelo não menos famoso Dr. GELEY
cm 1919 com a ajuda econômica dc Jean MEYER e reconhecido como
com intenção científica, sôbre os fenômenos do espiritismo de utilidade pública; a “Associazione Italiana Scicntifica di Metapsi-
chica”, de Como; a “Societá Italiana de Parapsicologia”, de Roma, re­
16 — CROOKES, William: “Experimental investigation on psy- conhecida pelo Estado; “II Centro di Studi Parapsicologici”, de Bolo­
ehic force”, Londres, Gillman, 1811. Tradução francesa: “Nouvelles nha; o “Comité Belgue pour 1’Investigation Scientifique des Phéno-
expériences sur la force psychique”, 2.a ed., Paris, Librairie des Scien­ menés Reputés Paranourmaux”, etc.
ces Psychiques, 1878. Tradução espanhola: “La fuerza psíquica", Bar­ 19 — Congressos Internacionais de Conaghem, em 1921; Varsóvia,
celona, Mancri, s. d. Do mesmo autor: “Researches on the phenomene em 1923; Paris, em 1927; Atenas, em 1930; Oslo, em 1935; Utrecht, em
of Spiritualism”, Londres, 1874. Tradução francesa: “Recherches sur 1953; Saint Paul de Vence, em 1954, Oambridge, em 1955; Abadia de
les phénomènés du spiritualisme”, Paris, Leymarie, 1878. Royaumont em 1956...
28 A FACE OCULTA DA MENTE INVESTIGAÇÃO 29

dedicado a estudar profundamente os fenômenos “misterio­ O exagêro dos cientistas tradicionais, como bem analisa
sos1’ relacionados com o homem RICHET no seu “Tratado de Metapsíquica”, consistia em
julgar impossível qualquer fenômeno extraordinário por con­
Nasce uma, no via cflência siderá-lo contrário á ciência. Esta afirmação apriorística con­
fundia “contrário à ciência” com “novo na ciência”. Por sua
As primeiras investigações foram uma verdadeira re­ parte, os novos investigadores-, sem atender à deficiência
volução para o ambiente materialista da ciência de fins do dos seus métodos de investigação, chegaram a desprezar a
século passado e começos do atual. Aos cientistas materia­ ciência clássica.
listas falavam em psiquismo. E até asseguravam que deter­
minados fenômenos não podiam explicar-se senão pressupon­ Metüpsíquk*a e Parapsicologia,
do-se uma alma espiritual.. . A nova ciência interessava-se
pelo estudo do espiritismo, dos milagres, dos endemoninha­ A nova ciência usou vários nomes. Na Inglaterra e nos
dos e tantos outros fenômenos que os cientistas tradicionais Estados Unidos prevalecia o nome de “Investigações Psíqui­
nem sequer consideravam. cas”, que não deve confundir-se com “psicológicas” (“Psy-
chical Research” não é a mesma coisa que “Psycological
Grande parte da ciência de então manifestou-se deci­
didamente contra as .investigações psíquicas, e os numero­ Research”).
sos erros em que caíram os primeiros investigadores alentou RICHET, no seu “Presidential Adress”, perante os
ainda mais aos contraditores. Uns e outros, tradicionais e membros da “Sooicty for Psychical Research” de Londres,
novos investigadores, exageraram criando um ambiente de em 1905, introduzia o nome de “Metapsíquica” 20 21, triunfan­
polêmica muito prejudicial ao progresso das investigações. do a denominação nos países latinos. Já antes, cm 1837,
segundo as investigações de G. Van RIJNBERK22, tinha
20 — Ris o quadro do honra da investigação parapsicológica, não empregado GÕRRES um termo quase idêntico, “Metapsi-
obstante as inevitáveis (e notáveis) falhas dos antigos: Inglaterra: cologia”, para designar as mesmas investigações e fenô­
MYERS (13901), WALLACE ((1913), ÍBARRET (11925) LODGE
(j-1940), Harry PRICE (*1*1.948) e os nossos contemporâneos: Eric menos.
.John DINGWÀLL o Samuel George SOAL. Na Alemanha nasceu o nome de “Ocultismo científico”
França: ROCHAS (f 19.14), GELEY (-(1924), FLAMMARION ou tambem “Parapsicologia”, usado pe^a prmeira vez, ao que
(-[1925), RICHET ((-1935), OSTY (fl938), BERGSON (fl941) e os parece, por Max DESSOIR23 em. 1889, sendo Jules BOIS
nossos contemporâneos: René WARCOLLIER (-11962) e Robert
AMADOU. o principal popularizador do termo. BOIRAC, em 1908, di­
Itália: ERMACORA (*(*1898), LOMBROSO (-(-1909), MORSELLI vulgava o termo “parapsicológico”24. O nome “Parapsi­
(-(•1929), SANTOLIQUIDO (} 1931), MARZORATT (-J-1931), BOZZA- cologia” mais tarde foi adotado nos Estados Unidos.
NO (*(-1943) e entre os nossos contemporâneos: Ferdinando CAZZA-
MALLI, Gastone de BONI e Emílio SERVADIO. 21 — RICHET, Charles: “Presidential Adress”, em “Revue de
Estados Unidos: HARE (-J-1858), HODGSON (fl905), William 1’hypnotisme”, 1905, págs. 258 ss. Mas a palavra com outro sentido
JAMES (-J-1910), PRINCE ( (-1929), e nossos contemporâneos: Here- já tinha sido usada num escrito polaco: “Wyklady Iagiellonskie” (Cra-
ward CARRINGTON, Gardner MURPHY e Joseph Banks PHTME. covia, 1902), como aiiós o discurso de RICHET observou, W. LULOS-
Alemanha: ZÕLLNER (-(-1882), PREL (j-1899), SCHRENCK- LAWSKI.
NOTZING (-(-1920) e DRIESCH (-(-1941). 22 — RIJNBERK, Gérard Van: “Les Métasciencies biologiques”,
São dignos também de nota o russo AKSAKOV (|1902), o po­ Paris, Adyar, 1952, pág. 16.
laco OCHOROWIVCZ (-(-1918), e entre os contemporâneos, Hans 23 — DESSOIR, M-ax: “Vom Jenseits der Seele”, Stutgart, En-
BENDER, da Suíça. cke, 1917 (mas a l.a edição dataria de 1889).
Noutras nações tem-se investigado também sôbre a fenomeno- 24 — BOIRAC, Émile: “La Psychologie inconnue”, 3.a ed., Paris,
logia paranormal, mas seus estudos são esporádicos ou não chegaram Alcan, 1912. Mas a primeira ed. foi em 1908, como afirmamos no
em todo caso à categoria dos realizados nas naçõen nomeadas. texto. Pessoalmente só possuímos a 3.a ed., que é a que utilizamos.
30 A FACE OCULTA DA MENTE

Outros nomes menos frequentes são “Psicologia Supra-


normal”, “Psicologia Transcendente’", “Estudo do Mediunis-
mo”, “Psicologia Desconhecida”, etc.
Hoje, sem que se tenha logrado perfeita uniformidade,
prevalece o nome de “Parapsicologia” para designar a ciên­
cia contemporânea, desde 1934 especialmente, com a nova
orientação recebida após a publicação do primeiro livro de
RHINE reservando-se o nome de “Metapsíquica” às in­
vestigações mais antigas. Foi o mesmo RHINE o inccnti- Definição
vador desta tendência ao definir a Parapsicologia como uma
“Metapsíquica experimental e científica”.
UMA C I Ê N C I A N O V A
Após árduos trabalhos, a ciência parapsicológica encon­
trou por fim seu caminho e é reconhecida e respeitada como
ciência de vanguarda. O reconhecimento “oficial” como
ciência data de 1953, do Congresso Internacional de Parapsi­ Nem de mais nem de menos. — A ciên­
cologia, de Utrecht. Nessa mesma data e Universidade sur­ cia do mistério. — Tentativa de definição.
gia a primeira cátedra de Parapsicologia, regentada pelo
Dr. W. H. C. TENHAEFF. Posteriormente foram multipli­
cando-se as cadeiras universitárias de Parapsicologia nos
países mais adiantados. Á definições tão amplas que parecem querer incluir
H dentro da Parapsicologia todo o saber humano. Estas
definições refutam-se por si mesmas.

A investigação dos fenômenos “misteriosos” Definições restritas


do homem sempre interessou a certos grupos e “A Parapsicologia estuda as funções psíquicas ainda não
destacados sábios. Mas a investigação sistemáti­ incorporadas definitivamente ao sistema da Psicologia.” Se­
ca e com intenção científica só começou em 1882 gundo esta definição, bastante difundida, a Parapsicologia
com a chamada Metapsíquica. não seria mais do que a fôrça de choque da Psicologia, uma
avançada na investigação de fenômenos hoje mais ou me­
Em 1934, reformando-se e aperfeiçoa7ido-se nos obscuros. No momento em que todos êstes fenômenos
os métodos nasce a Parapsicologia. fossem entendidos pela Psicologia ou, em último têrmo, pela
A partir de 1953 as conclusões da Parapsi­ Psiquiatria, etc., a Parapsicologia já não teria mais razão
de ser.
cologia são oficialmente reconhecidas como cien­
Esta definição é parte da verdade. Piá fenômenos que
tíficas. podem, durante algum tempo, ser considerados como pa-
rapsicológicos, extraordinários, obscuros, e passar depois a
ser pouco menos do que de domínio público. É o que acon­
teceu com o hipnotismo, considerado em épocas antigas
25 — RHINE, J. B.: “extra-sensory perception”, Boston, Bruce como fenômeno “ocultista”, transe devido à possessão de um
Humphries, 1934, e Boston, B. S. P. R., 1934. espírito ou demônio, e hoje tido por todo o mundo como um
32 A FACE OCULTA DA MENTE
DEFINIÇÃO 33

fenômeno natural e até vulgar. Mas há fenômenos, como a Omitimos outras definições de maior ou menor difusão
telepatia, que, mesmo quando científicamente comprovada,
continuará sempre sendo fenômeno parapsicológico pelo seu entre os parapsicólogos, mas também incompletas.
caráter essencial de fenômeno à margem da Psicologia nor­
mal ou patológica. O campo 6 maior
Outras definições são bem mais amplas, mas também Robert AMADOU, representando o sentir mais geral dos
parciais, limitadas: “A Parapsicologia estuda todos os fatos metapsíquicos e parapsicólogos, dá em diversos lugares da
nos quais a vida e o 'pensamento se manifestassem por fenô­ magnífica obra “La Parapsychologie” definições bem mais
menos aparentemente inexplicáveis” (BOIRAC), ou “é um amplas. Por exemplo: “O fim da Parapsicologia é a constata­
ramo da Psicologia que trata de fenômenos mentais e seu ção e a explicação de fatos desconcertantes, estranhos, miste­
comportamento nos casos que parecem exigir princípios ain­ riosos, cujos caracteres desorientadores podem agrupar-se na
da não aceitos” (RHINE). vasta categoria, profundamente heteróclita, do oculto percep­
Em definições como estas, além das expressões: inex­ tível, das experiências mágicas, do maravilhoso empírico.
plicável, ainda não aceitos, do que falamos antes, inclui- Sôbre êstes fatos, a Parapsicologia quer pronunciar o vere­
se o elemento: mental, pensamento, vida. Então qualquer dicto da ciência. Sua ambição não é menos nem mais mo­
fenômeno do espiritismo, da demonología, dos milagres, desta”. O lema dos estudos que, sob a direção de Robert
qualquer fenômeno, enfim, capaz de apresentar uma contro­ AMADOU, levam-se a cabo na “Tour Saint Jacqucs”, pode-se
vérsia sôbre seu caráter extraterreno. seria por êste mesmo considerar como outra definição de Parapsicologia: “Rien de
fato excluído do estudo da Parapsicologia, por não oferecer ce qui est étrange ne nous est étranger”.
certeza, à primeira vista, de seu caráter mental, da vida Como se vê, não nos limitamos, como fazem alguns au­
humana, do poder do pensamento. Em definitivo, só os
naturalistas declarados poderiam ser parapsicólogos em mui­ tores, aos fenômenos chamados PSI-GAMMA e PSI-KAPPA.
Nosso conceito dc Parapsicologia é bem mais amplo, de acor­
tos casos, para não dizer em todos. Os fenômenos parapsi-
cológicos, porém, sempre estiveram envolvidos em interpre­ do com destacados metapsíquicos e parapsicólogos c suposta
tações das mais contraditórias e misteriosas, mas geralmen- a história e finalidade desta investigação. Segundo a expres­
tc de caráter “místico”. são de Robert AMADOU: “nada daquilo que é estranho é
estrangeiro para nós”, se, possivelmente, é resultado de fa­
Seria o caso, porventura, dc se estudar primeiro se tais culdades humanas.
fenômenos ('ram ou não mentais, vitais, do pensamento?
Então teríamos o parapsicólogo estudando uma matéria que Há muito que investigar
não sabe ainda se lhe pertence. ..
Dever-se-ía esperar que outras ciências determinassem O campo em que a Parapsicologia trabalha é imenso. Às
o caráter mental ou vital de determinados fenômenos, para vêzes tratar-se-á dc aparentes incorporações: um suposto en­
só então estudá-los o parapsicólogo? Afirmar isto seria o demoninhado, um “desencarnado” que parece falar por bôea
mesmo que ignorar a origem desta ciência, que nasceu preci- de um “médium”.. . Outras vêzes será preciso estudar, ao
samente para investigar se êstes fenômenos “misteriosos” menos como investigação prévia, um suposto milagre, ou
existiam de fato, e, em caso positivo, se superavam na reali­ os podêres extraordinários que se atribuem a um feiticeiro,
dade as forças da natureza, ou ainda quais os fenômenos a um faquir, a um bruxo. Não raro a ciência “tradicional”
que superavam e quais os que não superavam estas forças. fica surprêsa perante o anunciar de fatos que hão de suceder
Os fenômenos mentais e vitais, por conseguinte, não depois de 20, 30, 100 anos, quando era “impossível” prevê-los
são a única matéria de estudo parapsicológico. por vias normais, e vê que os fatos comprovaram os prog­
nósticos; ou perante adivinhações de fatos sucedidos a mi-
1^780730 301010

A FACE OCULTA DA MENTE DEFINIÇÃO 35


34

lhares de quilômetros de distância... E que dizer de uma Nós os tomamos como sinônimos de extraordinário, sur­
mesa que se eleva pelos ares desafiando, aparentemente ao preendente, à margem do normal, inexplicável à primeira
menos, toda lei da gravidade? Que pensar de um ignorante vista.
e analfabeto que de repente começa a falar em línguas es­ Paranormal não significa anormal no sentido pejorativo
trangeiras? Ou de uma adolescente que passeia com os pés da expressão. Fenômeno paranormal não é sinônimo de pa­
descalços sôbre brasas sem ter queimaduras nem dor? Ou tológico, próprio de doentes ou loucos... O limite, porém,
ainda de outro indivíduo que escreve automaticamente num
ângulo, enquanto num outro ângulo do aposento se ouvem entre paranormal, anormal, normal, é muitas vêzes simples
vozes, músicas, ruídos sem causa aparente? Num recipiente questão de graus nem sempre fácil de precisar. E a fre-
hermèticamente fechado aparecem objetos que momentos qüência dos fenômenos paranormais, espontâneos ou provo­
antes, segundo se afirma, estavam em longínquas terras; cados, pode levar â anormalidade.
fala-se de ouras extraordinárias; comentam-se aparições Além disso, as faculdades paranormais como faculdades,
de fantasmas, loembros humanos tangíveis, separados do seu são patrimônio de todo o gênero humano e nesse sentido
corpo e que não obstante continuam a viver; respostas apa­ são faculdades normais. Mas a manifestação é privativa
recem escritas em papéis sem que ninguém tenha sido visto de pessoas especiais ou de circunstâncias extraordinárias.
a escrevê-las. Enfim, são em número incalculável os fenô­ O fenômeno, a manifestação da faculdade, portanto, é para­
menos assombrosos, incríveis, isto é, parapsicológicos. normal, extraordinário, à margem do normal.
São reais? São alucinações, fraudes.. . ? Como se expli­ Preferimos o prefixo “para" (para — à margem) ao pre­
cam êsses fenômenos reais ou aparentes? Tempo é já de que fixo “supra" (supra " por cima). Supranormal, com efeito,
surjam especialistas perfeitamente preparados para entrar
sugere mais ou menos reflexa ou inconscientcmentc, uma
por estos difíceis mas interessantíssimos problemas. Tempo
é já de não negar nem afirmar em nome da ciência sem relação ao sobrenatural, que escapa do plano em que dire­
tamente se move a Parapsicologia.
prévio estudo especializado.
Os fenômenos chamados paranormais são, ao menos ge­
Tentativa de definição ralmente, “espontâneos", irreproduzíveis à vontade... E
êste aspecto está também incluído no têrmo “paranormal".
Ê difícil encerrar numa definição tantos e tão variados Os fenômenos paranormais, porém, apesar de não serem re­
fenômenos. Algumas definições que se têm apresentado es­ produzíveis à vontade, de serem “espontâneos", podem ser
quivam a dificuldade caindo em tautologias. Por exemplo: matematicamente comprováveis.
“A Parapsicologia tem por objeto a constatação e análise
dos fenômenos de aparência paranormal”, ou “estuda os fe­ Notemos também que o aspecto de “espontaneidade ou
nômenos parapsicológicos e com êles relacionados’'. Os têr- incontrolabilidade” incluída no conceito de paranormal, ou o
mos que se querem definir não devem entrar na definição. aspecto de estranheza, de inexplicável e nôvo para a ciência
É justamente “os fenômenos parapsicológicos e com êles re­ “tradicional", não são próprios de todos os fenômenos que
lacionados", “os fenômenos de aparência paranormal" que estuda a Parapsicologia. Por isso devemos acrescentar o têr­
queremos definir. mo “de aparência" ou “à primeira vista" paranormal1.
Mas os têrmos empregados nessas definições e outros
têrmos equivalentes são de contínuo uso na Parapsicolo­ 1 — O “Comité belge pour l investigation scientifique des phéno-
gia: paranormais, parapsíquicos, parapsicológicos, supra- mènes réputés paranormfiUx” defende esta expressão acertadamente,
por exemplo em “Revue Metapsychique”, 1953, págs. 24, 56.
nonnais...
13^08315

A D ACU OCULTA DA MLNTL


DEFINIÇÃO oo /7
* 36
Não ignoramos que a Parapsicologia também estuda e
Nossa definirão tem feito experiências com animais e com plantas. Mas, ao
Propomos uma definição a título de orientação. menos por enquanto, a maioria dos estudos que se fizeram
com animais e plantas foram para fazer luz sôbre fenôme­
nos do homem. Robert AMADOU, depois de ter incorporado
A Parapsicologia é a ciência que tem por implicitamente na sua definição a “Parapsicologia animar’,
objeto a constatação e análise dos fenômenos à acrescenta numa nota: “Nosso estudo, não obstante, será
primeira vista inexplicáveis, mas possivelmente consagrado exclusivamente à “Parapsicologia humana” Ê
sintomático.
resultado de faciddades humanas.
Contudo, se quisermos incluir os animais e plantas nas
suas manifestações “misteriosas” como objeto da Parapsi­
Alguns esclarecimentos: usamos o nome “ciência” e cologia, no fim da nossa definição podemos substituir o termo
não o termo “disciplina’' ou algum equivalente. A Parapsi­ “humanas” pela expressão “dos seres 7rivos deste mundo”.
cologia é ciência em qualquer sentido em que tomemos a pa­
lavra. Assim, é experimental em muitos aspectos, e nesse Sublinhamos a expressão “deste mundo”, que na nossa
sentido se equipara a Física ou à Biologia. É rigorosa em definição está implícita no termo “humanas”. A este respei­
suas argumentações, e nesse sentido coincide com a Filo­ to escreve com muito acerto AMADOU: A expressão “dêste
sofia. mundo”, “repousa por inteiro numa hipótese que bem se
Mas alguns afirmam que só seria ciência se em todos pode chamar a teoria gorai da Parapsicologia. Parece fora
os fenômenos estudados fôsse experimental e tôdas suas ex­ de dúvida que a hipótese de base da Parapsicologia ó de que
periências pudessem ser repetidas com êxito igual em iguais estas fôrças estão em relação com o espírito humano (dêste
circunstâncias. Só se tomássemos o conceito de ciência nes­ mundo, não dos “desencarnados”!). Se algum estágio pos­
te sentido tão restrito e inexato à que a Parapsicologia não terior da investigação requeresse outro investigador, o me­
seria ciência... tafísico, a apreciação da conclusão dêste último não seria
UÀ primeira vista inexplicável”: esta inexplieabilidade do campo do parapsicólogo como tal” \ O parêntese é nosso.
aparente dos fenômenos pode ser devida à sua estranheza,
que os faz distar do nosso comum julgamento, ou à sua apa­ Ciências limítrofes
rente contradição aos pressupostos científicos fundamenta­ Como se vê, a. Parapsicologia tem muitos pontos de con­
dos ou comurnente aceitos. tato com outras ciências. Como autêntica ciência, não só não
“Possivelmente resultado”: não afirmamos que, de fato, contradiz outros ramos do saber, mas os pressupõe, dêles se
sempre derivem das faculdades humanas, nem que seja obri­ serve e com eles colabora.
gatória a constatação prévia de que derivam delas.
Concretizarei num só exemplo: suponhamos uma cura
“Faculdades humanas”: em todos êsses fenômenos há extraordinária, inexplicável ao menos à primeira vista. Vá­
um homem, mesmo que seja considerado bruxo, feiticeiro, rios ramos da ciência, não apenas a Parapsicologia, estão in­
médium, endemoninhado ou santo. . . Ou, ao menos, há uma teressados no assunto. Deve o médico, em primeiro lugar,
testemunha, como, por exemplo, uma adolescente numa “casa
assombrada”. Sempre intervém o homem quando menos para
comprovar ou testemunhar. Iiá, pois, a possibilidade (como 2 — AMADOU, Robert: “La Parapsycliologie”, Paris, Denoel,
1954, pág. 45. Há tradução espanhola: “La Parapsicologia”, Buenos
notamos no item anterior) de que o fenômeno se de.va ao Aires, Paidós, 1957.
homem, a forças “ocultas” (talvez de atuação à distância) :* AMADOU, Robert: o. c., pág. 31.
do homem.
38 A FACE OCULTA DA MENTE

ver se a cura pode se explicar simplesmente com os dados


da Medicina. Se assim fôr, nem o teólogo, nem o metafísico,
nem o parapsicólogo devem intervir.
Mas suponhamos que a Medicina “fica sem resposta” an­
te semelhante cura. Há que atribuí-la já, sem mais pesquisa,
ao demônio, aos espíritos “desencarnados”, a Deus. . . ? Não.
Desde o momento em que aparece como surpreendente, à pri­
meira vista inexplicável, segundo o critério da Medicina e
afins, a cura passa para o terreno do parapsicólogo.
Missão é do parapsicólogo investigar exaustivamente com
sistemas próprios, tratando de descobrir qualquer dado que
o possa pôr na pista de uma explicação das chamadas em OS GRANDES GRUPOS DA FENOMENOLOGIA
Parapsicologia “extraordinário-normais”. Ao mínimo indício,
se preciso, pedirá a colaboração do especialista em Psiquia­
tria, Psicologia, Fisiologia, Física, etc., inclusive Ilusionis­
mo segundo demandar o caso. O parapsicólogo ideal seria í j S fenômenos que estuda a Parapsicologia requerem
o especialista em todas essas matérias, simultaneamente. uma dupla divisão:
Nas sociedades de investigação parapsicológica há membros
especialistas nos diversos campos, cuja finalidade é asses­ a) Fenômenos ox< raordinário-normais.
sorar naquilo que possa ter relação com a sua especialidade.
l.° b) Fenômenos paranormais.
Em muitos casos a investigação deverá aprofundar-se [c) Fenômenos sobrenaturais.
mais no campo da Parapsicologia, tratando de se descobrir
qualquer explicação paranormal.
Só quando, além da explicação ordinária, fique excluída Fenômenos “extraordinário-normais” (se é que se po­
tôda possibilidade de explicação extraordinária e paranor­ dem juntar estas duas palavras como já o fêz RICHET),
mal, só então é que o parapsicólogo deverá deixar o caso são fenômenos “misteriosos”, mas que, na realidade, não
ao teólogo, filósofo. .. excedem o poder das faculdades e sentidos conhecidos pela
ciência tradicional, embora em funcionamento extraordiná­
rio, ou manifestações extraordinárias, à primeira vista inex­
plicáveis.
Fenômenos “paranormais” são aqueles que se devem a
faculdade desconhecida pela ciência tradicional, e recen­
temente descobertas ou estudadas pela Parapsicologia. Fa­
culdades que tradicionalmente foram desconhecidas pela ciên­
cia. Alguma coisa nova.
Por fim, a Parapsicologia estuda os fenômenos possi­
velmente “sobrenaturais” ou “transcendentes”, até ver se,
segundo a Parapsicologia, tais fenômenos não têm expli­
cação satisfatória. Só então abandonaria a Parapsicologia
1500

40 A FACE OCULTA DA MENTE

o estudo destes fenômenos, deixando ao especialista em Mís­


tica, em Teologia, etc., que, com os seus meios próprios, veria
se de fato, tais fenômenos são ou não devidos às forças
extraterrenas.
Numa segunda divisão mais ou menos bem delimitada
e que se entrosa com a anterior, os fenômenos parapsicoló-
gicos podem ser: \ l.a
PARTE
a) De efeitos psíquicos (telepatia, precognição...). ;)
b) De efeitos físicos, ou de influxo do psiquismo
sôbre a matéria (assombrações, levitações...).
c) De efeitos mistos ou psicofísicos (eurandeiris-
mo, feitiço, fanuirismo...).

Neste volume só estudaremos os fenômenos de efeitos


psíquicos de conhecimento, tanto extraordinário-normais
como paranormais.

r
Fenômenos
"Extraordinário-
Normais”
de Conhecimento
010272

Hiperestesia direta
ACUIDADE DOS NOSSOS SENTIDOS

Assombrosa acuidade que podem al­


cançar as nossas sensações Esperança
. —

para as pessoas que perderam algum órgão


dos sentidos. —Os cegos podem ver sem
olhos.
A
INEGÁVEL que alguns radiestesistas, cartomantes,

E adivinhos, médiuns, etc., c mesmo pessoas comuns, ob­


têm êxito no conhecimento de “coisas ocultas”. Pomos dc
parte agora os truques, as casualidades, sugestões. .. ; só
tratamos das “adivinhações” autenticas.
Todos estes prodígios de “aparência paranormal” che­
gam, de fato, a ser paranormais, oxtra-sensoriais, devido a
uma faculdade capaz de conhecer sem o auxílio dos sentidos?

A percepção hiperestesica
Hiperestesia (de hiper = sôbre; estesia = sensação)
significa exaltação da sensação. Hiperestésico é quem capta
e pode manifestar estímulos mínimos. As pessoas que mani­
festam com alguma freqüência êste fenômeno e por extensão
outros fenômenos extraordinário-normais, são chamados
“sensitivos” (reservando-se o nome de “metagnomos” para
os que manifestam fenômenos paranormais).
3614

44 A FACE OCULTA DA MENTE


1111 'El l ESTES! A 1)11 l ETA 45

A hiperestesia cm certos animais


O descobrimento das sensações inconscientes não é coi­
Se olharmos para certos animais ficaremos pasmados sa recente. Já em 1846, GERDI avisava “que era necessário
com a sensibilidade, h.ipersensibilidade, que podem ter seus habituar-se a compreender que pode haver sensações sem
sentidos fundamontalmente iguais aos nossos. percepção (consciente) da sensação” Muitos anos antes, o
As borboletas machos da espécie “Arestias solene” são talento de PLATÀO ensinava a mesma tese, embora com
atraídas pela fémea, na época cio cio, até si distância de linguagem um pouco metafórica. Escreve, com efeito, o fa­
11 kms. moso filósofo grego no “Philon”: “Deves supor que dentre
TTm. cachorro de caça .se guia por uma admirável hi-
as impressões que recebe nosso corpo a todo o instante, al­
perestesia do olfato sôbre o mínimo cheiro de que fica
gumas se dotem no corpo cintes de penetrar até o espírito,
impregnado o chão pisado há uma hora ou mais por lebre
ao qual deixam indene (conscientemente), mas outras atra­
que passou por lá.
vessam um e outro o produzem uma espécie de vibração, da
qual uma parte é particular de cada um deles, e a outra
A sensibilidade dos seiuMos de certos animais serve comum aos dois”. Ê, como sc vo, a distinção entre percepção
para alertar-nos e obrigar-nos a admitir a possibilidade da consciente, dc um lado, e hiperestesia inconsciente, por outro.
hipcre.ste.sia no homem, ao menos de uma hiperestesia in­ Outro tipo de sensações inconscientes (no caso, pre-
consciente. conscientes) são aquelas que não percebemos por força da
inibição e concentração, mas que poderíamos apreender em
Hiperestesia cm sujeitos normais qualquer momento se assim o quiséssemos. Por exemplo,
ao ler estas linhas só nos damos conta das idéias nelas
De algum modo, todos somos hiperestésicos, isto é, to­ expressas, mas ao mesmo tempo os nossos sentidos estavam
dos somos capazes de captar com os sentidos estímulos mí­ sendo impressionados por barulhos que nos chegavam da
nimos. Às vezes estes estímulos são tão pequenos que o cons­ rua, pelo contato do corpo na cadeira, na mesa c no chão,
ciente não tem modo dc reagir e cair na conta da percepção pela umidade ambiental, pedo ritmo da respiração e trajeto
hiperestésioa inconsciente. São sensações inconscientes.
do ar pelas vias respiratórias, pelo frio ou pelo calor que
O doutor Horcward CARRINGTON descreve uma ex­ nos circundam. .. Destas sensações o consciente pode dar-se
periência interessante a respeito de algumas destas sensa­ conta se assim o desejamos
ções inconscientes (no caso, subconscientes).
Tôdas estas sensações, tão pequenas que o consciente
Introduzida uma pessoa numa sala na qual nunca tenha não percebe habitualmente, são tipos do que chamamos hi­
estado, damos-lhe sòmenle uns quatro ou cinco segundos para perestesia.
que observo tudo, o mais que puder. Após sair da sala,
poderá dar conta de uns 10 ou 15 objetos. Mas se a hipno­
Precisamente porque o consciente não capta, direta ou
tizarmos cm seguida para aproveitar as sensações que de fato normalmente, tais sensações, é difícil determinar o número
teve c das quais não sc deu conta conscientemente, observare­
mos que poderá enumerar, sob o efeito da hipnose que faz 2 —• Citado por GRASSET, J.: “L’Occultisme hier et aujourcThui.
surgir certas sensações inconscientes, mais uns 10 ou 50 Re Merveilleux préscientifique”. 2.n ed. (l.a ed.: Paris, Messon, 1907),
Montpellier, Coulet, 1908, pág. 128.
objetos que estavam na sala e dos quais só inconscientemente
3 — Chamamos inconsciente a tudo aquilo que FREUD chamava
tivera conhecimento t. igualmente. Sc não declaramos expressamente o contrário em algum
raso particular, no conceito de inconsciente, incluiremos durante todo
1 — C A ITRTNOTON. TToreward: “A primor of psychical Reserch”, i» livro o prcconsciente, o subconsciente, o transconsciente, o supra-
Rondou, 1982, pág. 28. «•onsciente, o inconsciente coletivo, profundo, etc. Portanto, tudo
aquilo que não é consciente, nós neste livro chamamos inconsciente.
46 A FACE OCVI.TA DA MENTE HIPERESTESIA DIRETA 47

o qualidade delas. Existem, porém, e são, entre outras coisas, Já há muito tempo que Rafael DUBOIS tratou longa­
o fundamento da tão discutida “propaganda subliminar”. mente dos animais que “veem sem olhos”.
Na fita cinematográfica por exemplo, grava-se num só O grande naturalista SPALANZANI chamava a atenção
fotograma e em segundo plano, suavemente, a palavra “san­ dos especialistas para que estudassem o escaravelho.
gue”. Num outro fotograma, e também pouco nitido, uma
Dezenas de vêzcs SPALANZANJ repetiu a experiência
caveira. Quando a fita fôr projetada, numa cena do horror,
de cortar1 a cabeça de um escaravelho, e, não obstante, o es­
ninguém poderá dar-se conta nem da palavra “sangue” nem
caravelho continuava a andar e evitava os obstáculos.
da caveira. A ínfima sensação, porém, pode ser captada in­
conscientemente e, surgindo à tona, a impressão tétrica do Éstes fatos, evidentemente, devem ser ligados com o que
filmo é, ou pode ser, acentuada. acontece a alguns homens cegos, espccialmente cegos de
Também o consciente pode chegar, pelo treino, por nascença.
exemplo, a graus fantásticos de hiperestesia. Os marinhei­ DIDEROT afirma que há cegos que, entrando pela pri­
ros chegam a enxergar objt^os a distâncias muito superiores meira vez numa casa desconhecida, se desviam dos móveis
às que atingem pessoas dedicadas a outras profissões. Os com tal precisão que dão a impressão de que veem.
pintores chegam a distinguir matizes nas côres completa- DUCAMP conta maravilhado o que presenciou no Ins­
monte indiferenciáveis para o comum dos homens. Certos tituto de crianças cegas de Paris. Várias crianças cegas
selvagens possuem, pelo exercício, um ouvido que supera a daquele Instituto brincam e correm em vários jogos ao ar
sensibilidade do mais sensível microfone, e um olfato que livre sem se chocarem. ZABAL interrogou os diretores do
lembra o dos cachorros de caça. Os cegos e os surdos-mudos, Instituto á procura de uma explicação, embora não obtivesse
frcqüentemente apresentam algum sentido notàvelmente hi- mais de que a confirmação do fato: são cegos absoluta­
pcrestésico, por serem obrigados a “atender” suas sensações, mente, não obstante evitam os obstáculos.
a fazer conscientes as sensações que noutras pessoas ficam Pessoalmento, tenho referências de um cego que gosta
inconscientes. Assim, muitos surdos-mudos podem chegar a de “ver” televisão, e de vários cegos de um Instituto espe­
entender a linguagem falada só pelo movimento dos lábios do cializado na Itália, que costumam subir ao terraço para “ve­
interlocutor, c quanto seja isto difícil se compreenderá des­ rem” entrar os barcos na baía.
ligando o alto-falante da televisão enquanto se deixa ligada
a imagem. Experiências semelhantes se repetem com relativa fre-
É o exercício que lhes permitiu a manifestação da hi- qüência4.
perestosia. Se o podem manifestar, sinal é de que a capa­ Como explicar tudo isto? Falou-.se do eco, como no caso
cidade estava aí; o homem possui uma grande capacidade dos morcegos, dc radar, até de telepatia ou de percepção
dc sensação. Isto é que nos interessa destacar. extra-sensorial.
Ora, que exista no homem uma emissão de sons para
O problema da “visão” dos cegos de nascença provocar o eco como os morcegos e, mais ainda, uma emissão
de raios “antropoflúxicos” para imitar o radar, são teorias
Como em outros problemas, foram as experiências com bonitas, mas totalmente desprovidas de fundamento. Não se
animais as que orientaram os investigadores para encontrar devem explicar fatos difíceis por teorias ainda mais difíceis.
a verdadeira solução da “visão’’ nos cegos. Falaremos mais Acudir à telepatia, ou qualquer outro fenômeno paranormal,
adiante do célebre cavalo Barto, um dos cavalos de Elber- é muito cômodo, mas o fenômeno paranormal só se deve
feld, velho e cego. Não obstante sua cegueira, hoje é sabido
que captava os movimentos aparentemente imperceptíveis 4 — Ver, por exemplo, “Enciclopédia Ilustrada Europeo-america-
dos assistentes. na”, Madri-Barcelona, Espasa-Calpe, artigo “Telepatia”, pág. 578.
hiperestesia direta
A FACE OCULTA DA MENTE 49
48
peralgesia (hiperestesia à dor ou hiperestesia tátil), de modo
admitir nos casos em que qualquer outra explicação normal que um pequeno estímulo cause forte dor, é freqüente nos
ou extraordinário-normal seja impossível ou muito pouco neurastênicos, como também nos histéricos, geralmente
lógica. E se os fatos podem repetir-se com regularidade e muito localizada, dificilmente geral.
precisão contínua em determinadas pessoas, como sucede nos
fenômenos que estamos analisando, então o recurso ao para- Ê hiperestesia que facilmente se manifesta no breve
normal deve ser excluído. tempo de uma crise. Se em tão pouco tempo pode manifes­
A explicação é a hiperestesia. No caso do escaravelho, tar-se no consciente, é sinal de que a faculdade aí está. In­
por exemplo, todos sabem que o escaravelho tem o centro conscientemente pode ser de atuação mais freqüente.
motor o sensitivo no tórax, não na cabeça, O escaravelho Uma das experiências preferidas por CHARCOT, fun­
pode, pois, perfeitamente, continuar a mover-se e a sentir dador, como se sabe, da escola de hipnotismo de Salpetrière,
sem cabeça. Os raios de luz solar refletem sôbre os objetos era a seguinte:
e reincidem sôbre o escaravelho, que, hiperestèsicamente,
Escolhia entre os doentes do hospital alguns histéricos.
com os nervos “a descoberto”, os sente. Não é visão ocular
Primeiramente, punha-os em estado hipnótico de sonambulis­
ou retiniana, pois não tem olhos. O animal sente o contato
mo, e neste estado lhes mostrava um papel em branco bu-
dos raios luminosos, ou o eco de suas próprias pisadas, ca­
lor, ondulação do ar provocada pelo movimento, ou ondulação gerindo-lhes que lá havia uma fotografia. Feito isto, mis­
turava o papel com uma dúzia de outros papéis também todos
do ar ao chocar com o objeto, etc. . .
cm branco e perfeitamente iguais. Escolhia de propósito
O mesmo ou parecido devemos dizer do célebre cavalo papéis nos quais à primeira vista fosse impossível descobrir
Barto, cego. Hiperestèsicamente sentia as ondulações do ar, alguma marca que os diferenciasse.
os reflexos de luz causados pelos movimentos dos assisten­
tes, ouvia as palavras inconscientemente, tenuissimamente Antes de acordar os pacientes sugeria-lhes que uma vez
pronunciadas com o movimento das cordas vocais com lábios acordados continuariam a ver o retrato no papel. E os acor­
fechados, etc. Ao longo deste capítulo ir-se-á compreendendo dava. Apresentavam-se então todos os papéis a cada pacien­
te. Este ia passando-os sem saber para que, só porque lhe
melhor a explicação.
mandavam. De repente, e precisamente ao chegar ao papel
em que deveria estar o imaginário retrato sugerido, o pa­
A hiperestesia -em certos histéricos
ciente se detinha com surpresa por ver que um dos papéis
Em certas doenças psicossomáticas observa-se, como sin­ era uma fotografia. Pelo lugar que tinha sido colocado
toma ordinário, algum tipo de hiperestesia patológica cons­ o papel em questão, CHARCOT comprovava o êxito da ex­
ciente, bem conhecida pelos médicos e psiquiatras. Dizemos periência.
que é consciente porque a hiperestesia inconsciente considera­
mos comum a todos os homens, cm maior ou menor grau. Disso deve deduzir-se que houve hiperestesia, como bem
analisa BINET4 bi\ Evidentemente o que o mecmo CHAR­
Nos histéricos, por exemplo, pode-se dar, entre outros COT pretendia demonstrar. Apesar de os papéis parecerem
distúrbios do ouvido, certa hiperacusia (hiperestesia auditi­ inteiramente iguais, na realidade não o podiam ser.
va), geralmente unilateral, de modo que ouvem pequenos
ruídos a grandes distâncias; ou grande intolerância para O paciente tinha percebido por hiperestesia algum sinal
certos odores ou sabores (hiperestesia olfativa e gustativa), característico e assim pôde diferenciar o papel. Note-se que
de modo que pode bastar uma só gôta de alguma substância
misturada na sopa para torná-la intolerável. Hiperestesia
4 bis — BINET, A., e FéRé, C.: “Le magnétisme animal”, Pa­
visual pode ser observada em muitos neurópatas, vendo pe­ ris, Alcan, 1887, pág. 166.
quenos objetos distantes como se usassem binóculos. Hi-
A FACE OCULTA DA MENTE HPERESTESIA DIRETA
50 51

os experimentadores que soubessem o lugar que ocupava estes indivíduos eram capazes (na medida em que pode se
o papel em questão, na maioria das experiências estavam falar de consciente nos indivíduos hipnotizados) 3.
ausentes para não guiar êles mesmos com gestos involun­
tários a pessoa histérica. Hiperestesia na hipnose
Que se tratava de hiperestesia e não de telepatia ou al­ Note-se que nas experiências que acabamos dc citar,
gum outro fenômeno extra-sensorial, paranormal, pode-se embora no comêço se usasse o hipnotismo para dar as su­
confirmar, como o fêz o Dr. BERNHEIM, da escola de hip­ gestões, o reconhecimento do papel se fazia estando acor­
notismo de NANCY, utilizando sujeitos menos sensíveis: dado o paciente. Por conseguinte, mesmo no estado de
BERNHEIM repetiu a experiência de CHAUGOT em vigília, existe ou pode existir uma hiperestesia assombrosa
vários sujeitos. Entre êles, por exemplo, uma empregada do­
no homem.
méstica de dezoito a vinte anos, convalescente no Hospital. Com hipnotizados cspecialmcnte sensitivos (assim se
Acordada da hipnose reconheceu imediatamente o papel em chamam, repetimos, as pessoas que manifestam a hipereste-
questão, vendo seu retrato. Um exame minucioso do papel sia), é mais fácil experimentar a que graus de hiperestesia
mostrou a presença de alguns sinais ou defeitos, muito peque­ pode chegar o homem em certas circunstâncias. Com efeito,
mos, que poderiam ter servicu de orientação. Para comprovar ;i manifestação da acuidade dos sentidos chega a limites in-
esta suspeita, BERNHEIM resolveu fazer sinais semelhantes
:u «peitados.
nos outros papéis. Não obstante, a sonâmbula continuou* a Não só com os olhos semi-fcchados mas inclusive com os
distinguir “seu” papel. BERNHEIM mandou fazer então, exa­ olhos completamente cerrados, alguns hipnotizados sentem
tamente, conscienciosamente, idênticos sinais em todos os pa­ os raios luminosos com tal nitidez, que conseguem ver (visão
péis. Desta vez a sonâmbula desorientou-se repetidas vezes. autêntica) até objetos sumamente distantes, impossíveis de
Ainda BERNHEIM fêz outro tipo de experiência que nos
serem percebidos (conscientemente) por outra qualquer pes­
soa, cm estado normal e com os olhos abertos.
interessa aqui. “Um dos meus sonâmbulos imitava os meus
\ovimentos sem os ver, quando me colocava atrás dêle para
. .xeeutá-los. Quando eu fazia movimentos de rotação com os r> — De fato, a inibição com respeito a.o que se ]>assa ao redor,
n iiida á percepção (consciente) de sinais mínimos. Mas as experiên-
braços, punha-se também algum tempo depois a agitá-los, * ’ i •'i .*» e a conclusão de BERNHEIM parece-nos que devem ser comple-
embora sem conseguir imitação perfeita do movimento que i idan ou explicadas. Em primeiro lugar a concentração explicaria os
eu executava. . . Em breve convencemo-nos de que o sonâm­ • • • ilc>a dos sujeitos em questão e de outros não muito bons sensitivos.
Mas dai não se pode deduzir que melhores sensitivos não poderiam
bulo ouvia o barulho dos nossos braços e dos nossos pés e i" « i lar onde fracassaram os sujeitos experimentados por BERNHEIM.
que a idéia do movimento a ser executado era-lhe transmi­ T« mos outras muitas experiências e casos espontâneos, como iremos
tida ao cérebro pelo ouvido, pois bastava executar o movi­ '•♦•ndo, que mostram que a hiperestesia não tem limites tão estreitos.
i o» oiilra parte, a concentração (e inibição) explica os casos de hipe-
mento sem qualquer ruído, isto é, sem tocar a roupa, para • ♦ ilr.íi.i. consciente, mostrando que de fato não há aumento da sensi-
que êle ficasse imóvel.” biiid.tdo em si mesma mas simples aumento da manifestação no cons-
♦ h nie da capacidade de sensação. Penso que a inibição consciente
BERNHEIM, analisando profundamente as experiên­ o iM oleio a hiperestesia inconsciente: veremos, com efeito, que inclu^
cias que realizou, chegou à conclusão de que não havia •■•'♦ quando o consciente atende fortemente a outra coisa, o incons-
i" nh* espia mínimos estímulos: é realmente hiperestésico até limite:;
exaltação propriamente dita, aumento da acuidade dos In n .pMil;i<lo:s.
sentidos, mas apenas da atenção, concentrando-a num Numa palavra, a concentração (e inibição conseqüente). *ariam
ponto determinado. Não é aumento da hiperestesia ♦ miii (|n<- o consciente perceba mais, não se referindo ao inconsciente,
mas só manifestação, no consciente, da hiperestesia de que •iu«- sj« nipiv seria hiperestésico.
52 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA DIRETA
53

A Academia de Ciências de Paris nomeou uma Comis­ que repetiu com algumas modificações experiências anterio­
são para o estudo de alguns fenômenos do então nascente res do Cel. De ROCHAS 10. Na realidade, nada há que
“magnetismo” ou hipnotismo. A Comissão, científica e séria, prove essa exteriorização da sensibilidade. Não suspeitaram
após cinco anos de estudos, concluía na proposição 24: aquêles cientistas que, com só movimentar uma agulha e
“Vimos dois sonâmbulos distinguir, de olhos fechados, aproximá-la a dez ou vinte centímetros do corpo, o hipno­
objetos colocados diante dêles, designar a côr c o valor de tizado fôsse capaz de notá-lo no próprio corpo pela ondu­
cartas de baralho sem mexer nelas, ler palavras escritas à lação do ar, pelo barulho imperceptível do movimento.. .
mão ou algumas linhas de livros que lhes eram abertos ao Outros, segundo BRAID, chegavam a mais, pois podiam sen­
acaso. E estes fenômenos se davam, mesmo quando, com os
tir o movimento da mão a quinze metros de distância.
dedos, se lhes fechavam rigorosamente as pálpebras.” 6 Insistimos: se na hipnose pela força da sugestão é pos­
Já BRAID, para citar um exemplo dos pioneiros da hip­ sível manifestar tanta hiperestesia, é sinal de que a hipe-
nose, relata o caso de um paciente que não possuía bom ou­ restesia aí está, sinal de que os nossos sentidos, ao menos
vido, mas, sugestionado, percebia o que se lhe dizia em co­ inconscientemente, são sumamente agudos.
chichos, estando de costas e a mais de cinco metros de dis­ Mais do que sensibilidade, a hiperestesia parece, às
tância. Quem normalmente não ouvia o tique-taque de um vezes, uma exacerbação alérgica, exagerada, da sensibili­
relógio senão à distância ma '■ima de um metro, ouvia-o niti­ dade. Não só se percebe, mas “se aumenta”, parece, a in­
damente, em hipnose, a dez metros de distância 7. fluência do objeto. É como se todo o corpo estivesse em
O Dr. BREMANT observou um hipnotizado em estado de carne viva e muito excitável; não pode ser tocado, nem com
sonambulismo que, do gabinete médico, seguia perfeitamente, suavidade, sem dor. Em definitivo, isto mostra-nos como as
através dos vidros da janela, um diálogo mantido cm voz terminações nervosas são sensíveis e excitáveis ao máximo
baixa no outro extremo da rua 8.
por estímulos mínimos, e como inconscientemente podemos
“exagerar”, como caixas'de ressonância, os estímulos.
Certos hipnotizados queixam-se quando uma agulha é , O Dr. AZAM li colocava a mão ã distância de quarenta
aproximada a uns 20 cm. dêles. Por isso, acreditaram alguns centímetros do dorso descoberto duma hipnotizada. Esta não
investigadores que a sensibilidade saía do corpo formando só sentia o calor da mão mas até se curvava para diante,
uma capa ao redor. Assim, por exemplo, o Dr. BOIRAC6 7 8 9, queixando-se de grande calor. O contrário sucedia por causa
do frio quando um pedaço de gélo cra pósto ã boa dis­
6 — A Academia rejeitou apriorlsticamcnte tôdas as conclusões
tância: o pouco frio que podia chegar até ela impressionava-a
da Comissão. Surpreendida pelo que lhe parecia impossível, apesar
de não tê-lo observado, recusou-se a publicar «as conclusões de cinco tanto que tremia todo o corpo e mostrava a clássica reação
anos de sério e científico trabalho da Comissão. Nem sequer quis “carne de galinha” (pele hanserina).
discuti-las, motivo porque permaneceram como autógrafo. Hoje, po­
rém, devem ser incorporadas à ciência. Seria interessante poder delimitar até onde chega ou
7 — BRAID, James: “Neurypnology, or the Rational Nervous pode chegar a hiperestesia do homem; isto, no entanto, pa­
Sleeps”, Londres e Hedimburgo, 1813. Tradução francesa de SIMON, ri re-nos impossível. Acreditamos que os sentidos podem ser
Jules: “Neurypnologie. Traité du sommeil nerveux on Hypnotisme”, impressionados, ao menos inconscientemente, pelos meno-
1883, tradução que leva um “apêndice” com o resumo dos trabalhos
de BRAID aparecidos até 1860 (ano de sua morte) e com um prefácio i■<*:; estímulos. A bússola é um delicado instrumento. Pois
de BROWN-SEQUARD. O mesmo livro, pràticamente, é: WAITE, lu m: o corpo humano sente também o magnetismo terrestre,
A. E.: “Braid on Hypnotisme”, London, George Redway, 1899.
8 — Citado por CASTELLAN, Yvone: “La Metapsíquica”, Buenos H> — ROCHAS, Albert de: “L/exteriorisation de la sensibilité”,
Aires, Paidós, 1960, pág. 95. r.in.i, Ohamanuel, 1894 (houve edição posterior em 1909).
9 — BOIRAC, Emile: “La Psychologie inconnue”, Paris, Alcan, 11 AZAM, E.: “L'Hypnotisme et le dé doublement de la per-
1912 (3.a ed., 1908), págs. 252, 264, 271. .«miiialité”, Paris, Baillière, 1887; Paris, Alcan, 1892.
IliiipM miijiibjmíJíIH^ jjjm

54 A FACE OCULTA DA MENTE KIPERESTESI á. DIRETA


55

ao menos inconscientemente. Sensitivos excepcionais até do relógio por trás do sonâmbulo, e só o observavam depois
do sonâmbulo ter dito a hora marcada 13.
conscientemente podem sentir a influência magnética. Os
O professor LOMBROSO encontrou uma histérica que,
sensitivos observados por REICHENBACH reagiam violen­
em ataques sonambúlicos de hipnotismo espontâneo, perdia
tamente em presença de ímãs, tanto mais violentamente
quanto mais potente fôsse o ímã. Não podiam dormir senão completamente a visão pelos olhos, vendo entretanto quase
no sentido do meridiano magnético, cabeça ao norte. Nou­ com o mesmo grau de acuidade pelo lóbulo da orelha esquerda.
tra posição experimentavam uma sensação de inquietação Não só distinguia as côres, senão também os caracteres duma
e mal-estar físico. Em plena escuridão percebiam certos ob­ cartia chegada havia pouco. Mais ainda, se o experimentador
jetos pela “aura” luminosa que desprendiam, por exemplo, concentrasse, com uma lente, alguns raios de luz sôbre o
os cristais c os ímãs 12. lóbulo da orelha esquerda, ressentia-se ela vivamente e gri­
tava, sacudia e cobria com o braço a orelha como farüa com
Aliás, os drs. FRIEDMAN e BACHMAN, dos E.U.A., após os olhos se êstes fôssem feridos com uma luz intensa de­
uma série de observações e experiências, qualificaram a cer­ mais. (Igual transposição dava-se com o olfato. A amónia
tos sensitivos como sendo “bússolas humanas”. Numerosas e a íissafétida aplicadas ao nariz não davam reação alguma.
observações realizadas com os primitivos de Austrália Cen­ Aplicadas ao queixo faziam espirrar e obrigavam á doente
tral confirmaram o fato, segundo depoimentos apresentados a afastar a cabeça em sinal de náusea e desagrado) 14.
no último Congresso Internacional de Biomagnetismo. Foi famosa a menina Giselle COURT. Os esposos DTJ-
Muitos dos tipos de experiências anteriormente des­ PORT, camponeses da Gironda, na França, retiraram-na da
critas e outras semelhantes podem ver-se nos bons tratados assistência pública quando ainda tinha três anos. Após uma
de hipnotismo como coisa relativamente freqüente. perturbação nervosa, a pequena ficara cega. Pouco a pouco,
com o exercício e a vontade de vencer, foi hiperestesiando
A chamada visão para-óptica as extremidades dos dedos até conseguir distinguir as côres
com só aproximar e deter os dedos sôbre elas 15.
Os conhecimentos obtidos por hiperestesia podem ser
tão nítidos que alguns autores chamaram a este fenômeno
“visão para-óptica, hiperóptica ou cutânea”. Visão para-óptica em vigüía
Paul JAGOT encontrou (melhor dito, encontraram seus Mesmo em pessoas em estado normal, realizam-se êstes
discípulos e o levaram ao mestre) um sujeito que, hipnoti­ fenômenos de aparente transposição de sentidos. Expres-
zado, lia perfeitamente as horas num relógio colocado sobre sando-nos com mais perfeição: possivelmente êstes fenôme­
a sua cabeça. Não se tratava de sinais inconscientemente da­ nos chamados de transposição de sentidos (na realidade hi­
dos pelos investigadores, pois êstes trocavam os ponteiros perestesia) dão-se em todas as pessoas, ao menos incons­
cientemente. Há, porém, algumas pessoas nas quais o cap-
12 — REICHENBACH, Karl von, tradução de LACOSTE, Ernest,
prefácio de ROCHAS, Albert de: “Les phénomènes odiques ou recher- 13 —- JAGOT Paul Clément: “Méthode moderne scientifique de
ches physiques et psycologiques sur les dynamides du magnétisme, de Magnétisme, Hypnotisme, Suggestion”, Paris, Ed. Dangles, s/d. Tra­
1’élétricité de la chaleur, de le lumiére, de la cristalisation et de l’af- dução port.: “Magnetismo, Hipnotismo e Sugestão”, São Paulo, Mestre
finité chimique considérés dans leurs rapports avec la force vitale”, J°‘J, s. d. Trad. esp.: “Magnetismo, Hipnotismo, Sugestión”, Barcelona,
Paris, 1904. Há também tradução inglesa, com prefácio e notas de Ed. y Publ. Ibéria, s. d. (1956).
ASABURNER, John M. O.: “Physico-physiological Researches. ..”, ^4 — LOMBROSO, Cesare: “Ricerce sui fenomeni ipnotici e spi-
Londres, 1851. Do mesmo autor, sôbre êstes temas, podem-se consul­ i itiei”, Turim, 1909. Nós utilizamos a tradução francesa de ROSSIG-
tar, tradução de CAGNET: “Lettres odiques-magnetiques”, Paris, Bail- NEUX: “Hypnotisme et spiritisme”, Paris, Flammarion. 1922.
lière, 1856; “Les phénomènes odiques”, Paris, Flammarion, 1907; “Der •15 — OLIVEIRA, Martins: “Magia do Hipnotismo”, 2.a ed., Pôrto,
Sensitive Mensch und Sein Verhalten zun Od”, Stutgart, Cotta 1855. Progredior, 1959, pág. 58.
56 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA DIRETA 57

tado inconscientemente, aflora ao consciente. São os com o pano descido até o meio. Colocou-se então no fundo da
chamados “sensitivos”, como já dissemos 16. caixa uma carta de baralho e inverteu-se o aparelho, a fim
de que, apresentado à senhora, fôsse a fronte, e não os olhos,
O cronista científico Jean LABADIE, por exemplo, des­
a que pudesse “ver”. Após uns segundos de exame a senhora
creve dois casos extraordinários e muito bem comprovados
identifica a carta. E assim uma e outra vez.. . Dir-se-ia
por êle mesmo, da chamada “transposição de sentidos” ou
que enxergava pela fronte.
“visão para-óptica” (um tipo de hiperestesia), cm pessoas
normais. Como resultado da publicação destas experiências, os in­
O primeiro sujeito observado era uma senhora da me­ vestigadores receberam um dia uma carta postada em Nay
lhor sociedade de Paris. Além de Jean LABADIE, mais seis (Baixos Pirineus). O senhor Raymont SIMONIN informava
pessoas fiscalizaram a experiência. que três sobrinhas suas, de 11, 13 e 14 anos, apresentavam
Colocaram uma primeira faixa horizontal de tafetá sobro
o mesmo fenômeno com uma regularidade pasmosa. Junta­
as fendas das pálpebras fechadas e sobrepuseram a seguir
mente com a carta vinha um atestado científico publicado
urna faixa vertical. Uma terceira, muito larga, foi posta
num jornal pelo Dr. SOUN, professor de Física no Liceu de
ainda sôbre ambas e uma grande porção de algodão em rama
Bordcaux.
aplicada depois a tôda a superfície dos globos oculares. Fi­ Não obstante ter realizado o Dr. SOUN severamente as
nalmente, uma venda preta e opaca completou a rigorosa comprovações, Jean LABADIE trasladou-se ao local para
obturação. comprovar o fenômeno por si mesmo.
Não obstante, a senhora identificou, após alguns momen­ Fêz-se acompanhar por um operador cinematográfico
tos de observação, tudo aquilo que lhe foi apresentado: de­ para filmar tôda a prova c assim poder depois analisar, com­
senhos, letras, algarismos, abjetos.-. provar, evitar possíveisi auto-sugestões...
Numa outra série de experiências, para evitar-se ainda Repetiram-se muitas vezes as experiências. Não cabia
mais a hipótese duma fraude inconsciente ou irresponsável dúvida da realidade do fenômeno 17.
(tão difícil de evitar nos sensitivos ou metagnomos), recor-
reu-sc a um controle geométrico. Visão para-óptica ou DOP
De uma caixa em forma de paralelepípedo retangular,
tirou-se a metade duma das paredes. O que ficou formou, Numerosas e muito rigorosas experiências sôbre a “vi­
pois, uma espécie de palco de teatro em pequeno tamanho * 12 são para-óptica” estão sendo realizadas sob a direção do
Dr. Gregory RAZRAN no Instituto de Neurologia de Moscou,
lf, — Os sensitivos, porém, podem ser pessoas comuns, normais,
cspecialmente com a sensitiva Rosa KULESHOVA, e sob a
perfeitamente integradas na sociedade, embora sejam mais freqiientes direção do Dr. Richard P. YOUTZ no Bernard College
os sensitivos entre os mais ou menos anormais. de New York, especialmcnte com a sensitiva Patrícia
Não obstante, essa normalidade é só com referência ao aspecto STANLEY.
pejorativo da palavra anormal. Porque noutros aspectos sempre será
possível encontrar nos sensitivos “normais” alguma falha ou lesão Tanto os especialistas russos como os norte-ameri­
orgânica, algum desequilíbrio psíquico... Ãs vezes pode bastar uma canos, na sua maioria, consideram “nova” esta antiga des­
excessiva emotividade, cansaço habitual, etc. coberta e inventaram um novo nome: “dermo-optical per-
12 certo que fomentar e pretender desenvolver a “sensibilidade” (a ception” (DOP).
hiperestesia ou qualquer fenômeno extraordinário-normal, como tam­
bém paranormal) é muito perigoso. Ser sensitivo (ou metagnomo como A novidade nestas experiências talvez seja unicamente
se chamam as pessoas que manifestam freqiientes fenômenos para- constatar que podem se captar inclusive os raios infra ver-
normais) não é uma qualidade mas um defeito. Tanto mais notável
defeito quanto mais freqiientes sejam os fenômenos manifestados. 17 — OLIVEIRA, Martins, o. c., págs. 45 ss.
pjiiM#iií-4tkii liJiiiiiiiiiiihiiisbJi vimnm li mmm h i m ati! .l j jj íiuíií j=n d lí! h b m\^ \.

53 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA DIRETA 59

melhos. A importância da captação de raios lumínicos so­ dulares, antigos ou recentes nos sensitivos (ou metagno-
bre outros possíveis estímulos (calor...) foi comprovada mos) o que pode ser significativo se levarmos em conta a
com filtros, superposição de papéis transparentes amarelos especial relação cpigástrio-medula espinhal. Os “magneti-
e azuis com os quais se capta côr verde como na visão reti­ zadores” deram especial importância a esta região. Alguns
niana. místicos sentiram enorme calor no epigástrio durante ou
Mas isto não é novidade: na mesma Rússia, o Dr. após os êxtases. Os hindús em geral, e os yoguis em parti­
díOWRIN, em 1894, comprovara o influxo das cores com­ cular, consideram de capital importância o plexo solar
plementares nas experiências que estudaremos no capítulo 8. (“chakra umbilical” ou “manipura chakra”) como sede do
“prana”, i. é, a vitalidade ou faculdades normais, extraordi­
A visão “dermo-óptica” observada em alguns sensitivos nário-normais ou paranormais, usando nossa nomenclatura.
é tão perfeita c a tanta distância como a visão retiniana. Os pseudo-possessos do espiritismo, da demonologia, da bru-
Os investigadores russos calculam que há no homem 10 ‘ ‘foto- xomania, freqüentemente afirmam, como vimos, que sentem
rcceptores” para cada 6 cm2 de pele. Sem precisar a por­ o “intruso” na boca do estômago e os que se crêem vítimas de
centagem, já em 1920 FARIGOULE afirmava que tínhamos feitiço, freqüentemente acrescentam que têm um “embrulho”
^olhinhos” por todo o corpo 17 bis. no estômago. Por isso, tomou-se clássico que as pessoas que
A captação não retiniana dos raios lumínicos é, pois, pretendiam fazer um pacto com o demônio ou com os espí­
um tipo importante, mas não único, da hiperestesia humana. ritos, engolissem o papel do “contrato”. As faculdades para-
PÉTÉTIN, BOIRAC, etc., contam casos de leitura pelo psicológicas “têm sua sede no epigástrio e no plexo solar”
estômago. chegou a concluir GÕRRES em 1837 19.
PÉTÉTIN deslizava uma a uma cartas de baralho escon­
didas na palma da mão por ^ebaixo das cobertas da cama
Oiiitros tipos de hiperestesia
onde repousava uma doente. A senhora podia ler pelo epi­ O que sucede com o sentido da visão (voltando ao
gástrio as cartas. Só após a “leitura” feita pela senhora, a
tema), sucede com os outros sentidos, constituindo o para-
carta em questão era mostrada às testemunhas 18.
ouvido, o para-olfato...
E a propósito dêste caso de leitura pelo epigástrio, per- PÉTÉTIN, por exemplo, descreve uma sonâmbula hip­
mita-sc-me uma digressão. A importância do epigástrio nótica que reconhecia pelas pontas dos dedos o sabor de
deve ser destacada em Parapsicologia. A hiperestesia é es­ várias substâncias: biscoitos, carneiro assado, carne de vaca
pecialmente freqüente nesta região do corpo. Tanto que já cozida, pão de leite. .. Estudou e descreve casos de pessoas
chamou, cm épocas passadas, a atenção dos filósofos, mais que não ouviam pelo ouvido mas faziam-no quando se lhes
do que outros tipos de hiperestesia. KANT e HEGEL, por sussurrava palavras nas pontas dos dedos ou no epigástrio.
exemplo, falam da “leitura pelo estômago”. Sabe-se quantos
pseudo-possessos acreditam ouvir vozes ou sentir o “demô­ Mas basta o que dissemos a respeito da visão, não preci­
nio” ou o “espírito”, etc., no estômago. Tem-se constatado samos nos deter na hiperestesia de outros sentidos.
freqüentemente a existência de lesões ou traumatismos me- 17 18 Os fenômenos de hiperestesia durante o sonambulismo
hipnótico poder-nos-iam explicar certos casos de sonambu­
17 bis — FARIGOULE, L.: “La Vision extrarétinienne et le sens lismo durante o sono natural. Regra geral, quando um
paroptique”, Paris, Nouvelle Revue, 1920. Sôtore as observações e
experiências de hoje sôbre a visão “para-óptica” ou “dermo-óptica”,
no “Life International” de junho de 1964 se fêz uma resenha muito 19 __ GÕRRES: “Die Christliche Mystik”, Regensburg, 1837. Nós
satisfatória. citamos da ed. francesa, trad. por ST. FOI, Charles: “La mystique
18 — PÉTÉTIN, J. H. D.: “L*Eléctricité animale”, Lyon, 1803. ilivine, naturelle et diabolique”, Paris, 1854-1862, tomo III, pág. 347.
jiJdiiipi: :l lí.lJi lli' ii llil M ih il:Mil !i| . :!i'.ii'l !liii.:ili! :Ili,|L|jJ:li :i!|.J:ii- = I| - ■ H J : H;;||l|!.liJ.i: ÍI ; UIHj|.;:|i:i M l lüiri.i :hj =!..|s , j , | i | | ^

!!

60 A FACE OCULTA DA MENTE

sonâmbulo caminha com os olhos fechados por lugares co­


nhecidos, é porque a memória inconsciente guarda com todo
o detalhe as distâncias, obstáculos, etc. Mas em certos casos,
os sonâmbulos caminham com os olhos fechados por lugares
desconhecidos e obscuros ou por lugares conhecidos mas
evitando obstáculos novos. A explicação nestes casos não
pode ser a memória, mas a hiperestesia da escassíssima re­
flexão luminosa, do reflexo sonoro, da reflexão do ar. ..
Muitos conhecimentos “extraordinários”, “inspirações”,
“pressentimentos”, etc., têm origem na hiperestesia. Emissão hiperestésica.
Uma esperança para os cegos EXPRESSÃO MÍMICA INCONSCIENTE
DO PENSAMENTO
Em Bangkok (Tailândia) uma equipe de cientistas sob a
direção do dr. Rhun Vichit SUKHAKARN está tratando de
controlar a chamada “visão para-óptiea” para que os pri­ O corpo publica os segredos da alma.
vados da vista possam ver sem empregar os olhos. Trata-se
na realidade de aproveitar a hiperestesia. — Pensamos até com os pés. Possível

fundamento sensorial de muitas adivinha­


O único avanço poderia ser o intento de sistematizar
o exercício. O hipnotismo aumenta a concentração e a con­ ções do peiisamento.
fiança, a fim de conseguir a manifestação da hiperestesia
mais ràpidamente.
| § MA pergunta se impõe pelo seu interesse prático. Será
As experiências começaram quando um viajante expôs que os sentidos podem captar o pensamento de outra
a um médico de Bangkok as teorias sôbre a hiperestesia pessoa? Diretamente, é claro que não, porque o pensamento
que ouvira de um velho monge budista tailandês. em si é algo imaterial, que escapa aos sentidos. Mas,
Em Bangkok procuram que se manifeste a DOP nas indiretamente, não poderá ser captado o pensamento?
maçãs do rosto, com o que se dará a impressão de que de Esta pergunta, de enorme transcendência, pode substituir-
fato os cegos “veem”, porque voltam a cabeça para o objeto. se por esta outra: o pensamento humano se traduz em al­
gum sinal fisiológico, externo, embora mínimo? Se assim
Mas, por enquanto, por própria confissão do Dr. SUKHA­ fôr, logo aparece a possibilidade de que por hiperestesia
KARN “nossas experiências só conseguiram êxito com se possa indiretamente captar o pensamento humano... Se­
sujeitos muito jovens e aptos para a hipnose”. ria o que chamamos “hiperestesia indireta do pensamento”.
Há no homem sinais externos, fisiológicos, correspon­
dendo ou acompanhando aos atos psíquicos? (Pois tomamos
Somos capazes de perceber, por meie dos a palavra “pensamento” em representação de todos os atos
nossos sentidos (ao menos inconscientemente), psíquicos).
estímulos mínimos e inclusive de “exagerá-los
Ds primeiros passos da investigação
Esta extraordinária capacidade de sensação cha­
ma-se, tecnicamente, “hiperestesia”. A descoberta científica dos movimentos involuntários e
inconscientes correspondentes às idéias foi acolhida na ciên-
. i l l i íj I :li:ÍÍ*í*Í i : líli i Jil-i i lji ÜÍ-.Í ili :,i. | :l j|il :i i Í t .í^il :| ,i,Uj|.i i l íü, I . U-iJí | ‘ Í , . « M í J U l jl^líU

52 A FACE OCULTA DA MENTE EMISSÃO HIPERESTÉSICA 63

cia com grande alvoroço. Foi em 1853 que “Le Journal des e inconscientes3. Recentemente, as experiências de PAV-
Débats” publicava uma carta do Dr. CHEVREUL para o LOV4 sôbre os tão conhecidos reflexos incondicionados e
Dr. AMPÈRE sôbre o assunto. A carta já tinha sido publi­ condicionados aprofundaram e explicaram os automatismos
cada 20 anos antes na “Revue des Deux Mondes”, porém no seu aspecto de movimentos involuntários e inconscientes
não teve a devida repercussão entre os especialistas. E o em resposta a “sinais” externos, ou seja, em definitivo, em
assunto da carta ainda se referia a umas experiências feitas resposta às idéias e imagens conscientes ou inconscientes.
pelo autor, CHEVREUL, outros 20 anos antes, em 1813. Um interessante estudo sôbre os movimentos inconscientes
Só cm 1853, com a publicação da carta em “Le Journal foi realizado por JUNG5.
des Dcbats”, dar-se-ia a máxima atenção ao assunto por Há, pois, movimentos, ações, sinais mínimos correspon­
trazer grande luz sôbre as acaloradas discussões a propósito dendo às nossas idéias, aos nossos sentimentos, etc., sem
das mesas girantes, varinha adivinha, pêndulo do radieste- que tenhamos vontade nem consciência de que os fazemos.
sista, etc.
Na famosa carta, CHEVREUL descrevia a AMPÈRE Relação entre idéia e movimentos inconscientes
as experiências por ele realizadas, e concluía: “o pensamento
duma ação a produzir pode mover nossos músculos sem que Quantas idéias se refletem cm movimentos externos?
tenhamos nem a vontade nem o conhecimento deites mo­ Em algumas pessoas mais imaginativas e impulsivas,
vimentos”. Pouco depois, com novos estudos, CHEVREUL há movimentos reflexos das idéias sumamente amplos. “Um
publica uma monografia l. cego os veria”, poderíamos dizer.
Como não é raro que aconteça, descobriu-se o que já Mas do ponto de vista da “adivinhação” do pensamento
estava descoberto dois séculos antes, embora ninguém li­ não são êstes sinais os que mais nos interessam, pois a
gasse para as observações e experiências que se julgaram “adivinhação” não teria mérito. Queremos saber se existem
de pouca transcendência prática, publicadas em 1646 pelo outros sinais mais sutis, só perceptíveis, quando muito, por
Pe. Atanásio KIRCHER, S. J., em Colônia, e pouco depois, hiperestesia.
em 1645, em Roma2. Já em 1908, Ernesto NAVILLE defendia: “penso que
Após a segunda publicação da carta de CHEVREUL a todo fenômeno psíquico de qualquer ordem que seja tem seu
AMPÈRE, a ciência interessou-se com entusiasmo pela des­ correspondente fisiológico”à Evidentemente, essa corres­
coberta. No mesmo ano, 1853, ARAGO dissertou sôbre os pondência fisiológica tinha que ser mínima, pois não se per­
movimentos involuntários e inconscientes na “Academie de cebia à primeira vista.
Sciences” de Paris, e FARADAY na “Society Regai” de
Londres. Logo apareceram as publicações de BABINET na 3 — JANET, Pierre, publicou de um ANÔNIMO: “Seconde lettre
“Revuc des Deux Mondes” e do Pe. MOIGNO em “Cosmos”. do Gros-Jean à son Eveque au surjet des Tables Parlantcs, des Pos-
Por fim, Pierre JANET, em 1855. publicou os resultados das .".c.ssions et Autres Diableries”, Paris, 1855. Veja-se também do mesmo
autor: “L'automatisme psycologique. Essai de psychologie experimen­
suas investigações, com o que ficou suficientemente estabe­ to le sur les formes inferieures de Factivité humaine” (Thèse de
lecido e conhecido o fenômeno dos movimentos involuntários doetorat ès lettres), Paris, Alcan, 1903 (mas a primeira ed. data
do 1889).
1 — CHEVREUL: Carta a AMPÈRE, em “Le Journal des Dé- 4 — PAVLOV, Yvan Petrovich: “Condiciones Reflexes”, New
bats”, 13 de maio de 1853. “De la baguette divinatoire du pendule York, Oxford Univ. Press, 1934.
explorateur et des tables toumantes”, Paris, Mallet-Bachelier, 1854. r> — JUNG, C. G., em “Les phénomènes occultes” (Alma, morte,
2 — KIRCHER, S. J., Atanásio: “Ars Magna Lucis et Umbrae”, oviiea nos espíritos: três estudos), Paris, Aubier, 1938.
Colônia, 1646. Do mesmo autor: “Magnas sive de Magnética Arte Libri 6 — NAVILLE, Emest, em “Archives de psychologie”, outubro
Tres”, Roma, 1654.
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64 A. FACE OCULTA DA MENTE EMISSÃO HIPEKESTÉSICA


65

Em 1929, Charles BAUDOIN, diretor do “Instituto In­ dos reflexos inconscientes e involuntários, como tradução
ternacional de Psicagogia”, de Genebra, descobria o modo fisiológica das idéias e imagens. Escreve o especialista da
de ampliar os movimentos reflexos das idéias, a fim de fazê- Enciclopédia “Espasa”: “A realidade dos movimentos in­
los perceptíveis. Partindo das experiências antes aludidas de conscientes e involuntários correspondente a todos os atos
AMPÈRE e CHEVREUL, instituiu uma série de experiên­ internos ou de consciência deve ser admitida por todos, pois
cias novas altamente demonstrativas7. tem sido muito bem estudada pela Psicologia Experi-
Eis uma destas experiências destinada a aumentar os mental” 8.
movimentos inconscientes de modo que sejam perceptíveis:
Sobre uma folha de papel traça-se um círculo, e cortan­ Não só a alma pensa, mas também o corpo
do-o, duas linhas perpendiculares entre si. O sujeito da ex­
Tão íntima é a relação entre a imagem mental e re­
perimentação mantém sôbre o círculo um pêndulo não exces­ flexo fisiológico “visível” externo, que TASSY pôde escrever
sivamente pesado, segurando-o pelo extremo do cabo com as que a “imagem e sua expressão são um só fenômeno,, 9.
pontas dos dedos.
Nesta posição, o sujeito pensa em qualquer dos desenhos
A tal ponto são “um só fenômeno” o ato de consciên­
que há sôbre o papel: o círculo, uma das linhas ou a outra
cia e a sua expressão que não é só o ato de consciência que
perpendicular. Suponhamos que pensa no circulo, ou melhor,
provoca a “mímica” externa, mas também dá-se o inverso:
que pensa que o pêndulo se movimenta em círculo, da direita
a “mímica”, o gesto, a atitude, etc., tendem a provocar a
para a esquerda. O sujeito não deve fazer nada, consciente­
idéia, a imagem, o sentimento... Ou melhor, provoca-os no
mente, para mover o pêndulo. Não obstante, após alguns
inconsciente e daí tende a surgir no consciente.
segundos, muito poucos, se o pêndulo é das devidas dimen­ O Dr. GRASSET tem um interessante e extenso artigo
sões e o sujeito não está mudando continuamente de pensa­ sôbre o tema “Os que choram porque estão tristes e os que
mento, veremos que o pêndulo está oscilando em círculo, da estão tristes porque choram” lü.
direita para a esquerda. A o.-^ação irá aumentando cada vez DUGALD Stewart escreveu a passagem: “Se damos à
mais em amplitude. nossa fisionomia uma expressão violenta acompanhada de
Estando o pêndulo em pleno movimento, se o sujeito muda gestos análogos, sentiremos em algum grau a emoção cor­
de pensamento, escolhendo agora, por exemplo, uma das respondente à expressão artificial imprimida às nossas fei­
perpendiculares, o pêndulo começará a variar de direção, ató ções, do mesmo modo que tôda emoção da alma produz um
seguir perfeitamente a linha pensada. Se pensa depois na (‘feito sensível sôbre o corpo”.
outra linha, o pêndulo se acomodará docilmente ao pensa­ Quando CAMPANELLA, célebre filósofo e fisionomista,
mento. Concentrando-se na idéia de que o pêndulo fica imó­ queria saber o que se passava no espírito de outra pessoa, ob-
vel consegue-se rápidamente a mais completa imobilidade. Ncrvava-a atentamente com a sua capacidade técnica e expe­
O curioso é que o sujeito não faz nada (conscientemen­ rimental e procurava imitar ao máximo cm si próprio a atitu­
te) para provocar os movimentos, mas não pode evitar que de o fisionomia dela. Então, analisando seus próprios senti­
o pêndulo se acomode perfeitamente ao pensamento. mentos deduzia os da outra pessoa. São Francisco de SALES
e Santo Inácio de LOYOLA aconselham, para os momentos de
Experiências de outros tipos, às vêzes engenhosíssimas, secura espiritual, adotar uma posição e atitude piedosa.
são muito numerosas, demonstrando plenamente a realidade
x - - “Enciclopédia Ilustrada Europeo-Americana”, Madrid-Bar-
7 — BAUDOIN, Charles: “Suggestion e Autosuggestion”, Gene­ r«‘lonat Espasa-Calpe, artigo “Telepatia”, pág. 577.
bra, 1929. Possuímos também a tradução espanhola: “Sugestión y 9 TASSY: “Proprietés du fait mental”, pág. 198.
autosugestión”, Barcelona, Victória, 1948. io GRASSET, J.: “Province Medicai”, n.° 2.
66 A FACE OCULTA DA MENTE
EMISSÃO HIPERESTESICA
07
Extensão da tradução fisiológica das idéias quase fechada e fechada completamente no indivíduo que
pensa, operando-se sempre a respiração pelo nariz.
Em virtude das leis de associação, ao suscitar-se na
mente uma idéia ou imagem qualquer, mesmo as mais abs­ Os resultados obtidos foram equivalentes nos três tipos
tratas, surgirão no cérebro, simultaneamente, as imagens de experiências, havendo só 25% de fracassos completos;
fracassos que podem explicar-se pelo fato de não tratar-se,
visuais, auditivas e motoras a elas correspondentes. Estas
evidentemente, de sensitivos extraordinários. A pessoa que co­
imagens, por sua vez, porão em movimento, embora normal­
locava o ouvido no foco de um dos espelhos ouvia o que pensa­
mente isto seja imperceptível, os músculos da fonação, da
va a outra pessoa que estava colocada no foco do outro espelho.
ação, da mímica e todos os músculos que concorrem ao com­
plicado mecanismo da linguagem falada e escrita em deter­ Houve, pois, articulação de palavras correspondentes aos
minadas circunstâncias. (Eis o fundamento da psicografia pensamentos, fossem êstes coisas abstratas ou concretas,
ou escrita automática). Será uma tentativa, como um co­ imagens, números, etc., apesar de que não houve movimento
meço de falar, etc. nenhum visível externamente. (Sem espelhos, por hiperestesia
inconsciente, todos captariam aquelas palavras pronunciadas
Todos êstes movimentos são de tal maneira caracterís­
inconscientemente pela pessoa pensante; mas só nos sensiti­
ticos das diversas idéias, que constituem como que uma lin­
vos o captado subiria ao consciente). A análise acústica do fe­
guagem subterrânea, mínima, porém perfeita, e que acom­ nômeno revelou haver redução e alteração das consoantes
panham tôdas as representações mentais. como sucede na ventriloquia. Os sons, pois, provinham da
Tão inseparável é esta tradução fisiológica, também laringe, principalmente, pois não excluímos outros sinais.
externa, que STRUCKER tentou demonstrar experimental- São movimentos reflexos involuntários e irreprimíveis.
mente que “é impossível ter a representação mental sequer Devemos citar as numerosíssimas experiências do Dr.
de uma só letra, sem que se tenha simultâneamente um mo­ CALLIGARIS, professor de Ncuropatologia da Universidade
vimento nos músculos que servem p°ra articular essa letra, de Roma. Numa série de livros por êlc publicados aparece
e não só os músculos da fonação ou outros diretamente in­ a relação delas * 7 * * * * 12. Por essas pesquisas, observou como todo
teressados, mas todos os músculos do organismo participa­
rão de alguma maneira na modificação” n. 12 — CALLIGARIS, Giuseppe: “Lo catene dei cor;|'/o e dello spi-
ritu davanti alia diagnóstica. II cancro”, IJdinc, Instituto delle Edi-
O movimento dos órgãos da fonação, por exemplo, ou 7*ioni Academiche, 1936. E sob o mesmo titulo geral, indicado pela
melhor, a emissão muito ténue das palavras internas com reticência:
que pensamos, foi demonstrado experimentalmente. "... La delinguenza malatia mentale”, Brescia, Vaunini, 1942.
u... La fábrica dei sentimenti sul corpo delVuomo”, Roma, Poz-
Os doutores LEHMANN, diretor do laboratório de Psi- zi, 1932.
cofísica, e seu colega, C. HANSEN, ambos da Universidade “Le catene lineari dei corpo e dello spiritu”, Roma, Pozzi, 1928.
de Copenhague, colocaram frente a frente dois grandes espe­ “Le catene liniari secondarie dei corpo e dello spiritu”, Roma,
Pozzi, 1930.
lhos côncavos metálicos a uma distância de dois metros um do “... Le meraviglie dellautoscopia”, Roma, Pozzi, 1933.
outro. No foco de um dêsses espelhos uma pessoa punha a “. .. Le meraviglie delPeteroscopia”, Roma, Pozzi, 1934.
bôea enquanto pensava alguma coisa, e no foco do outro “ ■. . Le meraviglie delia Metafisiologia”, Brescia, G. Vannini, 1944.
espelho outra pessoa colocava o ouvido. As experiências fo­ . . . Malattie infettive”, Udine, Instituto delle Edizioni acade-
niirho, 1938.
ram feitas de três maneiras diferentes: bôea semi-fechada, “.. . Malattie mentali”, Milano, Fratelli Bocca, 1942.
“. . . Nouve ricerche sul cancro”, Milano, Fratelli Bocca, 1940.
11 — Citado por CASTELLAN, Yvonne: “La Metapsíquica”. Bi­ • Telepatie e radio-ondecelebrali”, Milano, Hoepli, 1934, e
i-nviria, Vannini, 1945.
blioteca dei Hombre Contemporâneo, volume 49, Buenos Aires, Paidós,
1960, pág. 100. “ . . Telepatia e Telediagnóstisi”, Udine, Instituto delle Edizlone
Ai nilrmiehe, 1935.
68 A FACE OCUI/1A DA MENTE

ato psíquico, consciente ou inconsciente, normal, extraordi­


nário-normal ou paranormal, tem seu reflexo inclusive epi­
dérmico, especialmente em determinadas zonas particulares
próprias para tal ato psíquico, zonas que ele chamou “pla­
cas” ou “campos”. As experiências são numerosíssimas.
Êste fato viria a confirmar, inclusive elevando-o a alta
potência, o que já antes afirmava o Dr. KLAUDER, de Fi­
ladélfia: “Está fora de toda dúvida que a pele é um impor­
tante órgão de expressão, comparável aos olhos na expres­ Cu mber landis mo
são das emoções” 13.
Outros tipos de “emissões” foram também observadas ADIVINHAÇÃO POR CONTATO
e demonstradas u. Mas basta o já dito. E provavelmente há
“emissões” que ainda desconhecemos...
Animais que respondem “inteligente­
mente”. Certas pessoas “tocam” o pen­

samento alheio. Experiências científicas.



A Psicologia moderna e a Parapsicologia
formulam a existência e extensão dos movimen­
tos involuntários e inconscientes que acompa­
nham toda idéia ou imagem, seaundo a Lei de \ / IMOS no capítulo anterior que todo ato psíquico tem a
BA1N: “Todo fato psíquico determina um refle­ ^ sua expressão característica em sinais externos, embo­
ra mínimos. Vimos que certas pessoas manifestam assombro­
xo fisiológico e esse reflexo se irradia por todo
sa hiperestesia, capaz de captar, inclusive como que aumen-
o corpo e cada uma de suas partes”. iados, mínimos estímulos. Parece que todos, inconsciente­
Ê múltiplo o reflexo fisiológico externo dos mente ao menos, seríamos hiperestésicos. Todos incons­
atos psíquicos. cientemente poderíamos perceber o reflexo fisiológico dos
Podemos, pois> dizer que pensamos, que sen­ pensamentos de outra pessoa. . .
timos, imaginamos, com todo o corpo, traindo Dessas bases surge uma conclusão lógica: captando por
nossas experiências internas por mais secretas hiperestesia os reflexos fisiológicos do pensamento de outra
que as acreditemos. pessoa, pode-se captar, indiretamente, o mesmo pensamento
por secreto que seja, contanto que o “pensante” esteja em
presença do “adivinho”, ou pelo menos não à excessiva dis-
hmeia. Desta maneira não precisaremos recorrer ao paranor-
M i . i l , ao extra-sensorial, para explicar tais “adivinhações”.

13 — KLAUDER: “Psychogenie aspects skin diseases”, em Em 1908, Ernest NAVILLE lançava a idéia: “Creio que
“Journal of nervous and mental diseaae”, vol. 84, setembro, 1936. lodo fenômeno psíquico tem seu correspondente fisiológico,
1-1 — Veja-se, por exemplo, o excelente artigo de LERNER, *• admito. . . que um sábio ideal conhecedor de tôda a psico­
Marcelo: “Sugestión e Hipnose a través dei concepto de psicoplasia”, logia e tôda a fisiologia... poderia ler como num livro afoer-
em “Acta Hipnológica Latinoamericana”, março, 1960, págs. 38 ss.

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70 A FACE OCULTA DA MENTE CUMBERLANDISMO 71

to os fatos psíquicos produzidos num indivíduo” l. Êste tramento de Animais, estudou detidamente o caso, com o
“sábio automático” seria o inconsciente dos sensitivos. concurso também de oficiais de cavalaria, assim como do
Além da conclusão lógica, é necessário comprovar expe­ diretor do Jardim Zoológico e do diretor do circo Busth.
rimentalmente se por hiperestesia indireta se pode captar o A comissão só chegou à conclusão de que o caso devia ser
pensamento humano. Falamos aqui preferentemente do pen­ tomado muito a sério e que se deveria investigar cientifica­
samento mais ou menos consciente. mente e devagar, pois talvez se chegasse a conclusões que
revolucionariam os postulados até então admitidos sôbre o
Animais que respondem "inteligentemente” comportamento animal.
Um mês mais tarde, em outubro, nova comissão cien­
O comportamento extraordinário de certos animais cha­ tífica, nomeada pelo Ministério de Educação, estudava o ca­
mou muito a atenção dos cientistas no começo do século: valo Hans, já conhecido em todo o mundo como "der kluge
Em 1892 um velho oficial alemão, aposentado, Wilhelm Hans” (o João inteligente).
von Ostem, adquiriu um cavalo russo chamado “Hans”, ao
qual ensinou a fazer diversas operações aritméticas por meio
A comissão científica, presidida pelo Dr. C. STUMPF,
diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de Berlim,
de quilhas e depois de números. Adições, subtrações e até
declarou, depois de metódicos estudos, que o fenômeno era
extração de raízes quadradas foram feitas. A pergunta fazia-
devido simplesmente à percepção hiperestésica por parte do
se verbalmente; o cavalo respondia batendo com o pé no chão
cavalo, de movimentos inconscientes realizados por seu dono
um número determinado de vêzes, segundo fôsse o resultado
ou os assistentes, movimentos não percebidos pelo homem. O
do problema.
cavalo Hans batia no chão ininterruptamente tão logo perce­
Mais ainda: perguntado sobre algum problema simples bia que se lhe fazia uma pergunta, até que algum espectador
da vida ordinária, o cavalo batia no chão tantas vêzes quan­ lhe fizesse o sinal de deter-se, sinal, repetimos, mínimo e
tas fossem os números do lugar que oc/^avam no alfabeto inconsciente.
as letras necessárias para escrever a resposca.
Já antes, em 1903, Albert MOLL, presidente da Socie­
OSTEM, excêntrico, considerado por muitos como au­ dade de Psicologia de Berlim, chegara à mesma conclusão.
têntico maníaco, não conseguia chamar a atenção do mundo Agora, porém, PFUNGST, que com HORNBOSTEN era
científico sôbre seu "inteligente” cavalo. Desesperado, anun­ assistente do Dr. STUMPF, demonstrava experimentalmente
ciou num jornal as fabulosas qualidades de Hans, prome­ os movimentos que ninguém enxergava e que todos negavam
tendo aos compradores umas demonstrações gratuitas das produzir. PFUNGST imaginou e construiu um aparelho de
qualidades do animal. Foi assim que o major Eugen ZOBEL, amplificação de movimentos muito engenhoso. Amplificados,
escritor, profundo conhecedor de hipologia, começou a pu­ os movimentos ficavam registrados sôbre um cilindro. Sem
blicar artigos sôbre o "talento” do cavalo Hans. A partir ouvir êle próprio a pergunta, o professor percebia o momen­
de então, o n.° 10 da rua Griebenow, em Berlim, viu-se as­ to exato em que o cavalo deveria parar de golpear.
sediado continuamente por curiosos, e também por sábios
que queriam investigar o prodígio. Vimos no capítulo anterior que a linguagem fisiológica,
os sinais hiperestésicos correspondentes às idéias, são auto­
Em 1904, no mês de setembro, uma primeira comissão máticos, inevitáveis. Assim não será de estranhar que, tanto o
científica composta de professores de Psicologia, Fisiologia, cavalo como o profesor PFUNGST com seu aparelho, respon­
Zoologia, Veterinária e especialistas em Equitação e Ades­ dessem inclusive as perguntas que não eram formuladas
vorbalmente, mas só pensadas. A idéia implica sinais incons­
i — NAVIEUS, Ernest, em “Archives de Psychologie”, outubro. cientes externos que, captados ou ampliados pelo aparelho,
1908, pág. 8. ‘•ram percebidos pelo prof. PFUNGST ou pelo cavalo Hans
72 A FACE OCULTA DA MENTE CUMBERLANDISMO 73

e por êles se guiavam. O cavalo, com os olhos vendados, Ora, deu-se que um destes cavalos realizou, certa vez,
não dava a resposta exata: batia com o pé até cansar-se2. seus “cálculos” e deu as respostas na ausência de todos, sen­
Ruiu o mistério: von OSTEM morria, abatido e desi­ do só observado por uma pequena janela. O Dr. MAETER-
ludido, em 1909. LINCK observou o cavalo Muhamet em completa escuridão.
E além de tudo, o cavalo Barto era cego! Como admitir
aqui a explicação por sinais inconscientes dados pelos es­
Os cavalos de Elberfeld pectadores?
Os cavalos, porém, que verdadeiramente revolucionaram Experiências conduzidas com o mais severo controle
o mundo científico, foram os famosíssimos cavalos de El- científico concluíram, é verdade, pela existência da fraude
berfeld 3. O Dr. CLAPARÊDE, da Universidade de Genebra, em algumas ocasiões, quando, por exemplo, um cuidador
qualificou o surpreendente fato como “o mais sensacional dos animais se ocultava dos investigadores, ficando, porém,
acontecimento jamais surgido na Psicologia”. visível ou perto dos cavalos. RICHET6 * protestou contra tôda
O rico industrial Karl KRALL, que em 3900 recebeu de suposição de fraude inconsciente ou consciente, baseando-se,
presente o cavalo Ilans, decidiu ensinar a outros cavalos como argumento principal, em que a resposta às vezes se
as mesmas operações que realizara Hans, mas cm condi­
dava em poucos segundos. O melhor calculador não poderia
ções mais espetaculares. Empregem muito tempo, «hnhoiro e
encontrar tão rapidamente a raiz quadrada de 456 776 ou a
engenho. Conseguiu no fim que quatro cavalos parecessem
raiz cúbica do 15 376 como os cavalos fizeram em certas oca­
inteligentes. Eram dois cavalos árabes, Muhamet e Zarif; um
siões diante do Dr. CLAPARfiDE. Ora, esta objeção de RT-
pônei, Hanschen, e um velho cavalo oego, chamado Ba rio.
CHET, seria mais um argumento em prol da fraude: não va­
mos supor mais inteligência nos cavalos do que no homem . . .
A literatura e as polêmicas que surgiram por causa des­
tes cavalos, mormente após o livro publicado pelo seu pro­ O cálculo das raízes
prietário4 5, é enorme. Os mais famosos zrábios da época
foram a Elberfeld para estudar a “inteligência” dos cavalos \ Como calculavam estes, superando em velocidade aos
Muitos sábios e comissões científicas chegaram a defender sábios? Há métodos especiais para extrair as mais compli­
essa inteligência ou, ao menos, a telepatia nos cavalos, para cadas raízes, métodos que desafiam os melhores matemáti­
explicar o fenômeno. cos e superam inclusive as máquinas calculadoras. Métodos
especiais, reservados aos “iniciados”, mas sem truque.
2 — “Annalles des Sciences Psychiques”, 1904, pág. 384; 1906 O Dr. MAETERLINCK ficou surpreendidíssimo ao com­
pág. 781. "Arehives générales de médicine”, 1&05, pág. 145.
3 — VESME, C. de: “Les chevaux pensants d’Elberfeld”. em provar que uma voz em que o cavalo Muhamet não respondeu,
“Annalles de Sciences Psychiques”, 1912, ,p&gs. 352-363. “Toujours les era porque o número que lhe propunha não tinha raiz qua­
chevaux, d'Elberfeld”, ibidem, 1913. págs. 117 ss. CLAPARÈDE, Ed., drada exata. Ora, isto mesmo sucede aos “iniciados”, que
“Archives de Psycologie”, Gênova, 1912, XII, págs. 236 ss.; 1913, XIII, só podem extrair, nelos seus métodos, raízes dos números
págs. 243-285. que a têm exata. Dos demais, só por aproximação, ou com
4 — KRALL. K,: “Dekende Thiere”, Leipzig, 1912. Com o mes­
mo título KRALL apresentou um relatório ao Congresso de Investi­ métodos mais complicados e menos rápidos sem que por isso
gações Psíquicas de Paris. deixem de ser espetaculares.
5 — Cito por ordem alfabética alguns dos sábios mais conhe­
cidos dentre os que consta que examinaram o prodígio: ASSAGIOLI, <le Darmstadt; HARTKOTF, de Colônia: KRAEMER, de Stuttgard;
de Florença; BESREDKA, do Instituto Pasteur; BÜTTEL-REEPEN, MACKENZIE William, de Gênova; OSTWALD, de Berlim; SARA-
de Holdemburg; CLAPARÈDE, da Universidade de Genebra; o emi­ S.1N, de Basiléia; SCHOELLER. de Berlim: ZIEGLER. de Stuttgard...
nente neurologista EDINGER, de Frankfurt; FERRARI, de Bolonha; 6 — RICHET, Charles: “Traité de Métapsychique”, 2.a Ed., Pa­
FREUDENBERG, de Bruxelas; GEHRKE, de Berlim; GOLDSTFJN. rts. Alean, 1923, págs. 308 ss.
^

74 A FACE OCULTA DA MENTE CUMBERLANDISMO 75

Devemos notar que a atividade aritmética é na reali­ Que o método não é muito difícil de aprender, se com­
dade bastante simples, alheia à inteligência pôsto que pode preenderá sabendo que para minhas palestras públicas é
ser realizada por máquinas. Mas não quer dizer que os ani­ sempre um menino a quem ensino a extrair raízes cúbicas
mais sejam capazes de extrair raízes quadradas. Simples­ e quintas de números até dez bilhões e que o menino as
mente queremos dizer que não seria difícil ao rico senhor extrai de cor e com tal rapidez que nem tempo dá a que
KRALL encontrar alguma pessoa que conhecesse este me­ escrevem os números que lhe ditam. No Brasil e Argentina
canismo simples, que é guardado com desvelo pelos ilusio­ apresentei os irmãos Paulo César e Gerson SPERB SCHE-
nistas e “iniciados”. RER, de 12 e 11 anos (em 1961), de São Leopoldo (RS).
Podia dar-se o caso, inclusive, de que algum preparador
dos cavalos tivesse descoberto êste sistema intuitivamente. Outras dificuldades
(No capítulo 11 falaremos do talento do inconsciente).
O caso atrás mencionado, em que o cavalo foi obser­
O método pode ser descoberto inclusive por idiotas, in­ vado através de uma janela, não oferece dificuldade inso­
conscientemente. Depois o método pode subir ao consciente lúvel. Estamos precisamente falando da percepção hiperes-
ou permanecer no inconsciente. Ao consciente poderia subir tésica de sinais. Aqueles animais eram muito sensíveis.
só o resultado do cálculo inconsciente sem que a pessoa saiba Captar os sinais através de uma pequena janela não é aumen­
por que lhe “ocorreu” esse resultado. tar excessivamente a dificuldade, pôsto que os sinais incons­
FLEURY, cego, degenerado, quase idiota, era capaz de cientes se difundem por todo o corpo e cada uma das suas
calcular num minuto (um minuto e quinze segundos exa- partes. Fica pelo menos todo o rosto do observador para trans­
tamente) o número de segundos que há em trinta e nove mitir o sinal visual. Para sinais auditivos, por exemplo, a di­
anos, três meses e doze horas, sem esquecer os anos bissex­ ficuldade é ainda menor. E há outros tipos de “emissões’'. . .
tos. Igualmente aprendeu a extrair raízes quadradas de cor, E o cavalo Muhamet que foi observado por MAETER-
tão logo lhe disseram o que era uma raiz quadrada, embora LINCK em grande escuridão? Se a escuridão não era o bas­
não lhe ensinassem o método clássico. tante para impedir as observações de MAETERLINCK, me­
Êle descobriu instintivamente, inconscientemente, o nos impediria as observações do cavalo. E não se trata só de
método simplificado dos “iniciados” 7. ver, mas também de ouvir, sentir, etc...
Com talento e um pouco de sorte, o método pode ser E o cavalo Barto, velho e cego? E’ maravilhoso, mas
descoberto inclusive conscientemente. R. QUINTON, filó­ a questão é que a cegueira, mormente de nascença, não im­
sofo, como conseqüência de uma acalorada discussão a pro­ pede a “visão”, como já estudamos no capítulo anterior.
pósito dos cavalos de Elberfeld descobriu êste método sim­ (Não se trata de vista propriamente dita, mas de tôda classe
plificado a que aludimos. E, em 1912, extraía êle mesmo, de sensação hiperestésica. . .).
de cor, em dois segundos, as raízes de números de muitís­
simos algarismos diante dos membros da Faculdade de Fi­ Mais animais “inteligentes”
losofia de Paris. Os sábios filósofos acreditavam que se
tratava de um calculador prodigioso, mas o mesmo QUIN- Conhecida ou suspeitada a solução das dificuldades, já
TON explicou que se tratava simplesmente de um método, foi fácil reproduzir o fenômeno 8. Alguns preparadores ãe
muito reduzido, e que sozinho chegara a descobrir com base
no que conhecia dos cavalos. 8 — Além da bibliografia já citada sôbre os cavalos de Elberfeld,
onde também se citam os animais a que vamos aludir, cfr., para
7 — Citado por SILVA MELLO, A. da: “Mistérios e realidades iiquêles cavalos e para êstee outros animais: MACKENZIE, William:
dêste e do outro mundo”, Rio de Janeiro, J. Olímpio, 1949, pág. 359. "INhiove rivelazioni delia psiche animale", Gênova, Formiggini, 1914.
3001

76 A FACE OCULTA DA MED TE


CUMBERLANDISMO 77
cavalos conseguiram amestrá-los até igualar e inclusive
superar os cavalos de Elberfeld. Houve vários, mormente Pouco depois far-se-ia também famoso um chimpanzé do
nos Estados Unidos. Fizeram-se assim famosos os cavalos jardim zoológico de Frankfurt, o chimpanzé Basso. Compro­
Lady e Black-Bear. vou-se de nôvo que tudo se devia aos sinais inconscientes e
mínimos fornecidos pelo guarda e dos quais o próprio guarda
O cavalo Lady também dava respostas corretas às per­
não tinha conhecimento: o treinamento do animal, feito ao
guntas feitas em chinês.
começo talvez conscientemente, foi-se fazendo cada vez mais
O preparador do pônei Black-Bear fê-lo realizar, vim insensivelmente, até terminar por surpreender ao próprio
dia, uma brincadeira. Perguntou ao cavalo a raiz quadra­ treinador.
da de 841. Respondeu 49. Ora, sabe-se que a resposta exata
E* verdade que o primeiro animal que chamou a aten­
teria sido 29. Notado isso, o cavalo aproximou-se do seu
ção dos cientistas foi Hans. Mas não se pense que o fenô­
treinador e, batendo para designar letras, formou a frase;
meno seja absolutamente nôvo.
“Você me amola”.
Já o filósofo LE GANDRE, por exemplo, nos fala de um
tòste pônei, porém, não foi ensinado mais do que a aten­
outro cavalo exposto na feira de Saint Germain em 1832 e que
der a sen treinador. Morto o preparador, o cavalo perdeu
depois percorreu outras feiras na França. O escritor GUER,
suas “misteriosas” qualidades.
que também refere o fato, descreve como o cavalo reconhecia
O Dr. BECHTEREF, o mais tarde o Dr. FLEXOR do cartas de baralho, somava os pontos dos dados, indicava as
Moscou, estudaram um cachorro fox-terrier e outro são-ber- horas e minutos de um relógio, somava o valor das moedas
nardo. Numa ocasião o cachorro realizou a ordem prevista que se lhe apresentavam . ..
para a experiência seguinte! (Como veremos nos capítulos 22 O sistema, como cm Elberfeld, era o de bater com a
e 23, este curioso fato de aparente precognição se expli­ pata no chão para dar as respostas.
caria por hiperestesia por parte do cachorro dos reflexos O filósofo LE GANDRE já dava então a solução. O
fisiológicos provocados pela idéia da exper;Ãncia que logo cavalo era guiado pelos sinais mínimos dados pelo seu dono
pensava fazer, idéia excitada no inconsciente do experimen­ ou pelos assistentes ao “prodígio”, apesar de que os assisten­
tador por associação). tes mesmos (c disto se maravilhava LE GANDRE) não per­
Foram também muito famosos uma gata chamada Daisy cebiam esses sinais.
e os cachorros Rolf, Lola, Zou, Awa, etc. Todo o assunto da inteligênica dos animais calculadores,
Já na época mesma do cavalo Hans, uma cadelinha cha­ de telepatia, mediunismo e quantas outras teorias se aduzi-
mada Nora conseguia rivalizar com o cavalo. Emílio REN- ram para explicar os fatos, hoje deve ficar soterrado. O
DICH. um inteligente pintor italiano que vivia em Berlim e fenômeno só interessa aos artistas dos circos. Marcei SIRE,
acompanhara admiradíssimo as experiências com Hans, ter­ em 1954, com estilo violento concluía assim a questão: “Aí
minou por suspeitar da explicação. Com paciência, conse­
não há mais do que tolices e pilhérias de espertalhões. Hoje
guiu fazer aparentar que sua cadelinha Nora era capaz de
é difícil compreender como homens sérios deram prova de
tão pouco talento” O próprio entusiasta dono dos cavalos
ler, reconhecer as notas musicais, dar respostas inteligentes
do Elberfeld, embora começasse as “lições” pretendendo de­
por meio de latidos.
mostrar a inteligência dos cavalos, teve de reconhecer, de­
Ninguém percebia os sinais inconscientes, automáticos, cepcionado, que eram absolutamente incapazes de toda in­
que RENDICH dava à cadela. Foi precisamente RENDICH venção própria, só reproduzindo o que tinham treinado. Nem
que orientou com estas experiências o Dr. STUMPF e os
seus colaboradores para decifrar o mistério do cavalo Hans. 9 — SIRE, Marcei: “La inteligence des anirnaux”, Paris, Ha-
« iHíl le, 1954, pág. 208.
78 A FACE OCULTA DA MENTE CUMBERLANDISMO 79

Eis um caso típico: trata-se, de encontrar um relógio


se esforçam nem calculam, só enxergam ou sentem. E mes­
mo o alcançável pelo treino, tem um limite curto demais 10. que foi escondido no bôlso do casaco do terceiro espectador
da fileira oito. O ilusionista estava ausente, de costas ou com
Marcei SIRE no seu livro cita a HACHET-SOUPLET os olhos vendados cuidadosamente, quando se escondia o re­
que descreve o modo geralmente empregado para treinar ca­ lógio. O ilusionista pega a mão de uma testemunha qualquer,
valos a fazerem as mesmas provas dos cavalos de Elberfeld. preferentemente uma criança. “Concentre seu pensamento na
Conduz-se o cavalo, embora sem fama, para o meio da direção que devo tomar paia encontrar o relógio”. . . O ar­
pista. Um auxiliar agita aveia dentro de um recipiente, ao tista anda sóbre as pontas dos pés, e sempre com a mão da
tempo que diz algumas palavras em tom de pergunta. Outro testemunha entre as suas, balança suavemente o corpo. De
auxiliar impede que o animal avance paia comer. O cavalo repente, e precisamente ao chegar ã fileira oito, pára. Manda
se impacienta e começa a bater no chão sem cessar. Re­ uma vez mais à testemunha que concentre bem seu pensamen­
compensa-se então o cavalo. Aos poucos adquire o hábito to na direção a tomar. Sem hesitação entra pela fileira oito.
do começar <a bater tão logo o treinador formula unia per­ Ao passar por diante do espectador número três, pára de nôvo,
gunta e sem que seja preciso mexer a aveia. como atingido por uma rápida inspiração. Com a mão da tes­
Depois se lhe ensina a cessar a um sinal que consiste, temunha sempre segura passeia a sua mão sôbre as vestes do
primeiro, em um movimento de retrocesso do mestre, c vai- espectador. Reclama conünuamente a concentração do pen­
se atenuando cada vez mais o sinal. O cavalo 6 sempre samento no lugar onde se acha o relógio. Por fim. ante a es­
recompensado imediatamente depois de obedecer a êstes si­ tupefação do público, o artista pega o relógio e o mostra.
nais. . . Quando se pode deter o movimento do cavalo com
um movimento “invisível”, provocado só pela idéia do trei­ Pessoalmcnte, tenho realizado muitas vezes experiências
nador sem se movimentar conscientemente, pode-se já exibir públicas semelhantes, como demonstração prática, quando
o cavalo como calculador. falo dêste fenômeno.
De tudo o que foi dito, há uma conclusão interessantís­ A prova baseia-se nos movimentos involuntários e in­
sima para nós: por hiperestesia os animais podem chegar conscientes, mínimos, correspondentes ao pensamento da
a captar, indiretamente, certos pensamentos de uma nessoa, testemunha cuja mão o ilusionista mantém segura.
dar respostas a perguntas inclusive muito difíceis e até mes­ Claro está que em muitos casos não pode ser excluída
mo que não cheguem a ser formuladas. E isto, no escuro, a participação de outros sinais, como fonéticos, epiteliais,
observados através de uma janelinha pequena, mesmo um etc., inconscientemente emitidos, e inconscientemente perce­
cavalo velho e cego. bidos, mas influindo na conduta do ilusionista: Eu errei algu­
Poderão também alguns homens captar o pensamento mas vêzes por interpretar mal os pensamentos do “colabora­
dos seus semelhantes por hiperestesia indireta? dor” e outras vêzes tenho acertado por ser guiado inconscien­
temente pelo público quando o “colaborador" estava errado.
As pessoas que “tocam” o pensamento O mais curioso é a admiração do próprio colaborador
Cumberlandismo é um sistema de “adivinhação” curiosís- inconsciente, que até jurará não ter êle indicado nada.
simo. O nome provém de Stuart CUMBERLAND, talvez o
primeiro que o descobriu, estudou e praticou em exibições Experiências de cumberlandismo
públicas de Ilusionismo (É sabido que nem tudo o que
se exibe em Ilusionismo é truque. O cumberlandismo é uma Entre 1910 e 1920, o professor Gilbert MURRAY, da
das provas espetaculares que não precisa ser trucada). Universidade de Oxford e Presidente da S. P. R. de 1915 até
1917, fez em sua casa experiências de cumberlandismo, pen­
10 — Citado por RICHET, Ch., o. c., pág. 310. sando tratar-se de telepatia extra-sensorial. Qualquer dos
CUMBERLANDISMO 81
80 A FACE OCULTA DA MENTE

bora êle, com escassos conhecimentos das possibilidades da


membros da família, gcralmcnte sua filha, senhora TOYN- hiperestesia preferisse, erradamente, inclinar-se pela telepa­
BEE, escrevia num papel alguma coisa escolhida livremente.
Fazia-se entrar então ao Dr. MURRAY que tinha permane­ tia extra-sensoriall2 13.
cido ausente. O doutor tomava pela mão a pessoa que pen­
sava, e outra testemunha tomava nota palavra por palavra Na Rússia
das declarações do doutor. Por exemplo: O dr. Naum KOTIK fêz experiências com a menina So-
A senhora TOYNBEE pensou “no início de um trecho de phia STARKER «
DOSTOIEWSKY, no qual o cachorro de um pobre homem Sop. hia ficava com os olhos rigorosamente fechados, as
morre num restaurante”. orelhas obturadas com algodão. O pai ficava de costas. Nestas
Chamado o I)r. MURRAY, pegou a mão da senhora condições qualquer um dos assistentes escrevia alguma coisa
TOYNBEE, c disse: “Parece-me que é um-a coisa tirada no papel que apresentava ao pai. O pai pegava então, sem
de um livro. Diria que se trata de um livro russo. Um volver-sc, a mão da menina e esta freqücntcmcnte adivinha­
homem muito pobre. Parece-me que se trata de algo rela­ va, mais ou menos completamentc, o que se escrevera.
cionado com um cachorro. Um cachorro muito infeliz. De
repente me ocorro que é dentro de um restaurante e que Não queiramos pensar, como pensou o Dr. KOTIK, em
as pessoas brigam, depois regressnm e se esforçam por ser telepatia, entre outras razões pelo fato de que as expe­
bons, não estou seguro. . . Tenho u impressão de que ó al­ riências levadas a efeito pelo próprio Dr. KOTIK, com o
guma coisa -assim como Gorki (por DOSTOIEWSKI). Te­ mesmo objetivo estando pai c filha em quartos separados,
nho a impressão de que é alguma coisa da Rússia”. não tiveram êxito nem com os olhos c ouvidos da menina
livres. Se fosse telepatia e não simples cumberlandismo, o
No total das experiências, 505, houve 60% de acertos. fenômeno ter-se-ia reahzado igualmente à distância. Trata-se
Não precisamos aqui da telepatia, que igualmente teria dado pois unicamente de transmissões de sinais inconscientes hi-
resultado, a quilômetros de distância. Além dos sinais com­ perestésicos.
pletamente cumberladísticos, podem-se admitir alguns outros
sinais, auditivos ou de outra espécie, inconscientemente emi­ Exjpmênoiiats «especiais
tidos. Esta possibilidade da explicação por cumberlandismo
ou mais em geral por hiperestesia de diversos sinais, já foi Outras experiências de laboratórios que pela engenhosi-
vista pelo próprio Dr. MURRAY, assim como pelo Dr. VER- dade ou novidade do método devem ser citadas, são as do
RALL que assistiu também às experiências ll. Dr. ABRAMOWSKI em Varsóvia 14.
Anos mais tarde, em 1931, o mesmo Dr. MURRAY fez “Dizia-se ao sujeito um certo número de palavras, três
experiências semelhantes com o Sr. e a Sra. SALTER. Os ou cinco, segundo as experiências. Eu escolhia uma dessas
resultados também desta vez confirmam a capacidade de adi­
vinhação por meio do cumberlandismo com maior ou menor 12 —- As relações destas novas experiências apareceram em:
reforço de outros tipos de hiperestesia, como de nôvo o mes­ “Journal of the Society for Psychical Research”, XXXII, págs. 29 ss.
mo Dr. MURRAY teve que admitir a título de dúvida, em- 13 — KOTIK, Naum: “Die Emanation der Psychophysichen ener-
gien”, Wiesbabl, Bergmans, 1908 (original: Moscou, 1908). Uma mag­
nífica análise em resumo do livro feita, por SUDRE, René, pode-se
11 — As relações completas dessas experiências foram publi­ ver em: “Revue Metapsychique”, 1923, II, págs. 104 ss.
cadas em: “Proceedings of the Society for Psychical Research”, 14 — Pensou que se tratava, na realidade, de telepatia, o que
XXIX, págs. 46 e ss., e XXXIV, págs. 212 ss.
achamos errado, dadas as circunstâncias das experiências. Excluindo
A propósito do problema de outros tipos de hiperestesia nas ex­ o cumberlandismo ou condições aptas rara a hiperestesia, as expe­
periências do Dr. MURRAY (como reforço do cumberlandismo prò- riências fracassaram.
priamente dito), pode se ver: “Revue Metapsychique”, 1925, I, ABRAMOWSKI: “Le subconscient normel”, Paris, Alcan, 1918.
págs. 45 ss.
* $ $>!S-S.

82 A FACE OCULTA DA MENTE CUMBERLANDISMO 83


palavras como objeto da atividade telepática. Eu escolhia Osip FELDMAN, por exemplo, chegou a tal perfeição
dentre elas a que eu pensaria intensamente. O sujeito de­ no cumberlandismo consciente, que podia, inclusive em ex­
veria dizer qual era a palavra escolhida por mim. periências públicas de Ilusionismo (sem truque), captar o
Noutras experiências apresentava ao sujeito vinte pa­ pensamento de um expectador através de várias pessoas ig­
lavras que êle lia uma só vez em voz alta. Após a leitura norantes do que se deveria 44adivinhar”. TOdas essas pes­
escrevia êle as palavras que tinha lido e retido na memória, soas estavam unidas pelas mãos.
esforçando-se mesmo para lembrar. Dentre as palavras
esquecidas eu escolhia uma como objeto da transmissão". Experiências deste tipo de cumberlandismo "em L” não
são excessivamente raras entre os profissionais do palco.
Nas experiências, ABRAMOWSKI segurava a mão do
Deveriam, porém, ser mais repetidas em laboratório. Se o
sujeito. Com a mesma técnica realizou transmissões cuni-
fato «se confirmasse, a explicação parece que seria a seguin­
bcrlandísticas de desenhos ou de movimento dos dedos.
te: as pessoas interpostas captariam só inconscientemente
Sobre 324 experiências obteve êxito cm 156, quase 50%, as idéias do "pensante” (inconscientemente todos somos hi-
inexplicável pelo simples acaso. perestésicos) e transmitiriam os sinais inconscientemente
captados. Osip FELDMAN, no fim da "corrente”, os in­
Nem é preciso sempre que o operador faça esforço ou terpretaria e os faria conscientes. FELDMAN tem muita
se tenha exercitado em captar os sinais inconscientes. Po­ fama no mundo dos ilusionistas.
dem-se também captar inconscientemente, o que nos interes­
sa especialmente do ponto de vista da "adivinhação”. O Outro tipo de cumberlandismo "em L” ou "a três”, que
operador pode inclusive executar ações inconsciente e auto­ também precisaria de mais experiências de laboratório para
maticamente. Diversos tipos de experiências têm-se feito. ser confirmado, é o experimentado, entre outros, pelo Dr.
Talvez uma das mais fáceis de repetir seja a de fazer que BOIRAC.
uma pessoa, boa sensitiva, completamente distraída, falando Uma histórica “lia”, segurando uma mão de BOIRAC,
de outras coisas que a absorvem, faça alguma ação que por um livro sobre o qual BOIRAC grassava as pontas dos
cumberlandismo se lhe sugira. O "sujeito” da experimenta­ dedos ifí.
ção, tendo operado como um autômato, não saberá dizer, ao Seria hiperestesia direta (visão para-óptica, "dermo-
ser perguntado, nada do que realizou. Hipnotizado, porém, optical perception”) em BOIRAC c a histérica interpretaria
ás vezes lembrará tudo o que se lhe fez realizar automática o que captava em BOIRAC por cumberlandismo sôbre o pen­
c inconscientemente 15 *. samento inconsciente. A "adivinhação” do pensamento
Embora nos capítulos 22 e 23 falaremos da "adivinha­ inconsciente excitado por outros tipos de hiperestesia direta
ção” do pensamento inconsciente, devemos aludir aqui a um tem sido amplamente comprovada, como veremos no capí­
tipo especial de cumberlandismo. Em quase todos os fenô­ tulo 23.
menos parapsicológicos de conhecimento encontramos o que
poderíamos chamar mecanismo indireto ou "em L” ou "a Digressões práticas
três” ou "por procuração”: o "adivinho” capta no consulente O cumberlandismo, como se vê, pode dar preciosas indi­
o que o próprio consulente sabe, de ordinário só inconscien­ cações aos médiuns espíritas, na hipersensibilidade do transe.
temente, de outra pessoa ou de um objeto externo. A corrente ou cadeia que os espectadores formam em algu­
mas sessões, seria o veículo pelo qual o interessado estaria
15 — GRASSET, J.: “L/ocultisme hier et aujourd hui. Le Mer-
veilheux préscientifique”, 2.a ed., Montpellier, Coulet, 1908 (l.a ed.,
Paris, Masson, 1907) pág. 123. 16 — BOIRAC, Êmile: “La Psichologie inconnue”, Paris, Alcan,
1912 (l.a ed., 1908), págs. 252, 264, 271.
84 A FACE OCULTA DA MENTE

manifestando ao inconsciente do médium as idéias a comu­


nicar.
Muitas revelações, das feitas por um hipnotizado, por
exemplo, podem explicar-se perfeitamente por cumberlandis-
mo, sem necessidade de recorrer a conhecimentos paranor-
mais... Um dos primeiros passos que se costuma dar, para
desenvolver a “lucidez” nos hipnotizados, é precisamente
puro cumberlandismo. O hipnotizado, para diagnosticar uma
doença, por exemplo, põe as mãos sobre a fronte do consu-
lente ou. pegando entre as suas uma mão do paciente per­
Hiperestesia indireta 8
corre lentamente os membros com possibilidade de estarem LEITURA SENSORIAL DO PENSAMENTO
doentes.
Por cumberlandismo pode um “adivinho" fazer observa­
ções sobre o estado fisiológico, caráter, tendências, passado As pessoas que “veem” o pensamento.
clínico imediato e inclusive futuro iminente, isto é, aquele — Crianças prodigiosas que sabem tudo
cujas causas já estão agindo no organismo. sem estudar. — Famosas experiências da
Pelas causas antes indicadas, os manuais de hipnose I Rússia.
previnem o hipnólogo principiante a não fiar-se muito na­
quilo que o hipnotizado revele sobre a outra pessoa com a
qual está em contato. Freqüentemente não dirá ma,.is do que NTERESSA-NOS espccialmonte a “adivinhação" sem
aquilo que esta mesma pessoa pensa de si própria, talvez
erradamente 17. I contato. Pode-se, a certa distância, captar a linguagem
fisiológica mínima, i. é, os reflexos externos da .idéia, de
modo que se possa, indiretamente, como que “ver” o pen­
samento de outra pessoa?
Os reflexos fisiológicos externos do pensa­ É possível. Até mesmo para apresentações no palco.
mento de uma pessoa podem ser sentidos por Seria isso um “cumberlandismo sem contato". E pode-se
chegar a extremos maravilhosos, como o ilusionista MA-
outra, havendo contato corporal. Por este meio
RION, por exemplo.
pode-se conhecer o pensamento mesmo de outra
MARION encontrava os objetos escondidos pelos especta­
pessoa. Isto, porém, não quer dizer que todos dores mesmo quando a testemunha que inconscientemente o
os sinais sejam transmitidos precisamente por dirigia se escondia dentro de uma caixa, só aparecendo
contato. os pés.
MARION observava nestes casos as mínimas modifica­
Êste fenômeno da u adivinhação por contato”
ções inconscientes na marcha do espectador que se tinha
chama-se tecnicamente cumberlandismo. prestado à experiência.

O Dr. SOAL (um dos melhores investigadores da mo­


derna Parapsicologia) estudou detidamente as provas rea­
17 — Veja-se, por exemplo, JAGOT, Paul Clément: “Magnetis­ lizadas por MARION. SOAL chegou à conclusão de que,
mo, Hipnotismo, Sugestão”, São Paulo, Mestre Jou, s. d., pág. 167. não obstante as maravilhosas provas, MARION não possuia
86 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA INDIRETA 87

sentidos mais desenvolvidos que o comum das pessoas (o que Esta hiperestesia dos sinais dados inconscientemente
confirma mais uma vez que todos somos hiperestésicos no pelo “transmissor” exagera-se às vêzes, tanto quanto vimos
inconsciente), mas que ele tinha aperfeiçoado seu dom de se exagerava em certos hipnotizados.
observador com o que descobria sinais que pareceriam im­ O Dr. GRASSET transcreve a carta que lhe escreveu o
perceptíveis, normalmente \ Mas êsses sinais que até cons­ Pe. D'AIX: “Encontro sempre com a maior facilidade o ob­
cientemente se podem perceber com muito exercício de ob­ jeto que me escondem. Com os olhos vendados, sem ver. ..
servação, o inconsciente já os tinha percebido antes. Quantas Dirige-mc por detrás de mim o sr. M. . ., concentrando-se
pseudotelepatias, pseudocomunicações do além, não serão fortemente no pensamento que me quer fazer executar. . .
mais do que o subir ao consciente dos sensitivos desses si­ Sinto, positivamente sinto, uma pressão sôbre as costas, na
nais inconscientemente captados!1 2 3 *.
parte direita sujerior quando me quer fazer dar a volta.. .
Fizeram-se famosas as experiências do Dr. LAURENT. Ê uma pressão doce, algo de sôpro e de ímã, que se exerce,
Repetindo as cio Dr- PICKMANN, o Dr. LAURENT “pôde não diretamente sôbre meu cérebro, mas sôbre minhas cos­
executar, à distância de quatro metros mais ou menos, as tas. . . Eu estou sempre a menos de dois metros dele.”
ordens dadas mentalmente por certas pessoas, ordens muito Na mesma carta o Pe. D’AIX descreve mais claramente
simples, evidentemente, tais como a escolha de um objeto “o exagêro”, a ampliação automática do mínimo estímulo,
sôbre a mesa” 3. acrescentando: “às vêzes, quando o senhor M . . . quer que
eu me incline, sinto na cintura um pêso extraordinário...
Isto não é telepatia, mas o que chamamos hiperes- dir-se-ia que suporto um pêso dc 50 quilos...”4.
tesia indireta do pensamento. O “transmissor”, ao pro­
curar transmitir ao receptor o que deve realizar, não pode
evitar que seu pensamento se reflita em sinais inconscientes. Condenado por liiperestósico
Èstes, e não diretamente a ordem mental, são os captados. O
mesmo Dr. LAURENT acrescenta: “Bem analisado o fenô­ Um caso interessantísimo é o de Ludwig KAHN. Tinha
meno em mim mesmo, tenho constatado que se tratava de sido condenado pelo tribunal de Karlsrube, acusado de atri­
hiperacusia (hiperestesia do ouvido) em mim, ou percepção buir-se dolosamente um dom de “lucidez”. KAHN para rea­
de ordens, como que pronunciadas inconscientemente: à di­ bilitar-se, recorreu ao Dr. SCHOTTELIUS pedindo que o sub­
reita, à esquerda, sim, não”. metesse a quantas provas e as mais rigorosas que quisesse
para comprovar a veracidade do seu dom de “leitor do pen­
samento”.
1 — SOAL, S. G.: “Preliminary Studies of a Vaudeville Tele-
pathise”, Londres, U. of London Council for Psychical Research, III, SCHOTTELIUS colocou KAHN no vestíbulo e êle pró­
1937. prio fechou-se no seu gabinete de trabalho. Escreveu em
CCr. do mesmo autor: “My Thisty Years of Psychical Research”, três papéis, diferentes frases. Depois os dobrou “em oito”
em “Proeeeding of Psychical Research”, CLXXXIII, págs. 80 ss. e apertou um dos papéis na mão direita bem fechada, outro
2 — Já BINET chamava a atenção sôbre esta possibilidade e papel na esquerda e o terceiro deixou-o bem à vista, diante
aduzia muitos casos confirmativos no seu:
BINET, Alfred: “Le Magnétisme Animal”, Paris, 1887. de si sôbre a mesa.
3 — LAURENT: “Les Procedes des Lisseurs de Pensée. Cum- Mandou então que trouxessem KAHN, e êste, a metro
berlandisme sans contat”, em “Journal de Psychologie Normal et Pa- e meio do professor, levantou os olhos ao teto e logo disse
thologie”, Paris, t. II, n.° 6, pág. 481. Êste tipo de experiências tor­
nou-se clássico entre os hipnotizadores. O divulgador Paul CLEMENT as frases que estavam escritas nos papéis.
JAGOT, por exemplo, nas págs. 53 ss. do seu livro “L’influence a dis-
tance” (Paris, Dalgles, 1925) ensina o modo de treinar os sujeitos A - GRASSET, J.: “UOccultisme hier et aujourd’hui. Le mer-
para chegarem a realizar estas experiências inclusive fora da hip­ vcilheux préscientifique”, 2.a ed., Montpellier, Coulet, 1908 (l.a ed.,
nose, em vigília. Paris, Masson, 1907), pág. 394.
88 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA INDIRETA 89

Outras experiências semelhantes foram realizadas pelo fenômeno era, pois, sensorial; era o que chamamos hiperes-
Dr. SCHOTTELIUS, assim como já antes as tinham reali­ tesia indireta do pensamento8 * *.
zado outros doutores eminentes chegando, como êle, à con­
clusão de que o fenômeno de ‘‘visão sem a ajuda dos olhos Crianças prodigiosas
corporais’' (em frase de SCHOTTELIUS) é incontestável \
Além dos médicos em condições de experimentação ri­ Os casos que vamos citar, entre outros, talvez não se­
gorosa, também os metapsíquicos observaram KAHN. Depois jam mais importantes que outros casos de “adivinhos”, pro­
de umas experiências de orientação, de sondagem, que co­ fissionais ou não. Mas os casos que citamos têm a vantagem
de terem sido muito bem investigados. Aliás, por tratar-se
meçaram cm Paris em 1925 no Instituto Metapsíquico Inter­ de crianças ingênuas, atrasadas mentais, prestam-se menos
nacional, realizaram experiências tanto mais rigorosas quan­ a uma explicação por fraude. ..
to mais assombrosos pareciam aos investigadores os êxitos
de KAHN. Mas ao fim tiveram que reconhecer “que estamos Muito conhecida se fôz a menina ILGA K., de Trapcne
perante um fenômeno limpo e irrefutável” segundo a expres­ (Letônia). De pais sadios, teve um desenvolvimento físico
são do diretor do Instituto, Dr. OSTY (\ normal, mas intclcctualmente ficou muito retardada. Aos
oito anos tinha o linguajar de uma criança de dois. Nunca
Mas as experiências do Instituto Metapsíquico Interna­ conseguiu aprender a ler nem calcular. Não passou do co­
cional terminaram de chôfre porque de nôvo em 1931, um nhecimento isolado das letras c dos algarismos. Pois bem,
tribunal de Paris condenou a KAHN como falsário. O tri­ aos 9 anos (em 1935), apesar de ser incapaz de calcular
bunal não podia admitir tal capacidade humana de conhe­ e de lei-, ILGA “lia" qualquer parágrafo em qualquer língua,
cimento. . . 5 6 7. inclusive latim, e resolvia problemas matemáticos, contanto
Em tôdas estas experiências e outras que se poderiam que a mfic estivesse em sua presença, lendo mentalmente o
citar, trata-se evidentemente de percepção hiperestésica dos mesmo parágrafo, ou pensasse na solução -do problema. Numa
ocasião, em vez de 42 ILGA disse 12, mias se perguntou à
sinais inconscientes, emitidos pelo “pensante”: Diríamos
mãe e comprovou-se que a mãe tinha confundido o número
cumberlandismo, mas sem contato. Algumas pessoas facil­
4 com o t, pela maneira como estava escrito.
mente podem pensar que se trata de telepatia, como pensa­
ram SCHOTTELIUS, OSTY e quantos observaram a KAHN, A menina não “lia” o papel mas apenas sentia o aue a
som refletirem, entre outros vários detalhes, que era neces­ mãe lia. Um médico do lugar, o radiologista Dr. KLEIN-
sária a presença do experimentador que tinha escrito a frase BERGER, comprovou o caso e avisou ao Dr. NEUREITER,
ou feito o desenho. Com a ausência dêle, nada sucedia. O professor de Medicina Legal na Universidade de Riga. ILGA
foi examinada por especialistas como os Drs. ROCHACKER
e MENSHING (de Bonn), DUBICSCHFF (de Berlim), etc.
5 — “Annalcs des Sciences Psychiques", 1914, março, pág. 65.
6 — OSTY, Eugcne: “Um homme doué de connaicensse paranor- Segundo as atas das experiências, “parece” que alguma
male, E. Ludwig KAHN", em “Revue Métapsychique", 1925, II, vez se realizaram estas estando a mãe e filha separadas por
págs. 65 ss.; III, págs. 132 ss. uma porta fechada. Mesmo com a porta fechada, é possível
7 — Não queremos dizer com isto que KAHN nunca fraudasse. a hiperestesia em bons sensitivos. A porta fechada não pode
Quem nunca frauda não é sensitivo. Não é sensitivo quem do­
mina seu inconsciente até tal ponto que não se veja impelido
a fraudar, ao menos inconscientemente, quando o fenômeno que 8 — Experiências parecidas, geralmente mais simples, são re­
se espera não sai autêntico. O que afirmamos é que muitas das lativamente freqüentes e é freqüentíssimo que os hipnólogos as con­
experiências realizadas por êle foram muito bem conduzidas para siderem devidas a um fenômeno paranormal, ao que chamam “suges­
evitar tôda a fraude. O fenômeno em muitas ocasiões é incontestável tão mental", “telepatia"... A “sugestão mental", paranormal, nessas
para qualquer pessoa que conheça as experiências realizadas. condições é suunamente difícil, como veremos nos capítulos 24, 25 e 26.
90 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA INDIRETA 91

impedir que. pelos interstícios, cheguem ao sensitivo os sons comissão, aliás, fêz que, durante algumas experiências, se
emitidos pelas cordas vocais, o movimento do ar, os reflexos gravassem em discos os sons no mesmo tempo em que máqui­
de luz, etc. nas cinematográficas iam filmando todos os movimentos,
Após as experiências de NEUREITER e a publicação comprovando desta maneira que nem sempre houve movi­
do seu livro a respeito 9, foi nomeada pelo Ministério de Ins­ mento dos lábios da mãe, antes, nem ao tempo da menina
trução Pública uma primeira comissão sob a presidência do dizer o que a mãe pensava. Nestas ocasiões, como compro­
Dr. DALE, diretor do Laboratório de Psicologia Experimen­ vou uma segunda comissão de especialistas lituanos, o “co­
tal da Universidade de Riga, comissão que incluía psiquia­ chicho” da mãe era interno, nas cordas vocais e demais
tras, psicólogos, físicos, especialistas em Fonética, cm Pe­ “órgãos motrizes da linguagem” internos.
dagogia para surdos-mudos, etc. Uma outra anotação interessa-nos nesse caso. Ê que,
Além disso, a menina ficou durante 11 meses sob a como já noutra ocasião temos indicado, os sensitivos o são
observação de uma especialista em Psicologia e Pedagogia. porque podem manifestar no consciente o que todos capta­
Os resultados das investigações da comissão foram publi­ mos só inconsciontemente. Referindo-nos ao caso concre­
cados pelo Dr. Hans RENDER do laboratório do Psicologia to da menina ILGA, a sua audição consciente era absoluta-
da Universidade de Friburgo 10. mente normal, como demonstraram vários testes auditivos.
A conclusão da comissão parece-nos acertadíssima: “não As Academias de Medicina de Paris e Angers, estuda­
se trata de telepatia, a não ser de maneira episódica”, mas ram o caso dc LUDOVICO, caso idêntico ao de ILGA. Muitas
de hiperestesia indireta do pensamento, cspecialmonte do revistas dc Medicina e Psicologia, dentro e fora da França,
natureza auditiva: ILGA percebia os “cochichos involuntá­ ocuparam-se do caso. O Dr. FARGTJES publicou um rela­
rios” da mãe, para expressar-me pelos mesmos termos dos tório interessantíssimo a esse respeito n.
investigadores; “cochichos” que passavam imperceptíveis ás Esta qualidade, porém, punha LUDOVICO cm circuns­
testemunhas, por não serem sensitivas. tâncias difíceis para a vida. Quando sua mãe procurou en­
siná-lo a ler, compreendeu que era impossível. “Adivinhan­
Por ser hiperestesia preferentemente auditiva, se explica
do", o menino nfio exercitava nem o juízo nem a memória.
que pudesse captar o que lia ou pensava a mãe, apesar de
esta estar detrás de uma cortina ou detrás de uma porta, Alarmada, a família teve de sQ"tfirar LUDOVICO da mãe,
para que pudesse receber uma educação normal. Na ausên­
mas não percebia nada se a mãe ficava dentro do estrito iso­
cia da mãe o menino deixou de destacar-se como “adivinho".
lamento da sala de transmissão da emissora radiofônica de
Riga, apesar de que ILGA via a mãe através dos vidros. Se fôsse telepatia, como afirmam as Academias e pro­
Nesta ocasião, a menina (retardada mental) gritou à mãe: fessores que estudaram o caso 11 12, o fenômeno se produziria
“não ouço nada!”. exatamente igual na ausência da mãe, pois no conceito de te­
“Os lábios da mulher — moviam-se simultaneamente lepatia se inclui que o fenômeno prescinde da distância. É a
com as expressões da menina”, mas ninguém, exceto a sen­ hiperestesia a que requer, evidentemente, a presença do
sitiva ILGA, podia ouvir nada absolutamente, além de oue “transmissor”. Aliás, a telepatia não se poderia provocar à
às vezes, como expressamente se diz nas atas, a menina dizia vontade, menos ainda com a pasmosa regularidade com que
a palavra antes de que os lábios da mãe se mexessem. A LUDOVICO captava as idéias da mãe.
9 — NEUREITER, Ferdinand Von: “Wissen um Fremdes Wis- 11 — FARGUES, Mgr. Albert.: “Les phénomènes mystiques dis-
sen, auf umbekannten Wege erwobe”, Gotha, 1935. tingués de leurs contrefaçons humaines et diaboliques", Paris, Bonne
10 — BENDER, Hans: “The Case of liga K. Report of a phe- Presse, 1920. págs. 410 ss.
nomenon of unusual perception”, em “Journal of Parapsychology", II, 12 — Ver, por exemplo, ROCHAS, Albert, em “Cosmos”, XLV,
1938. págs. 240 ss.
92 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA INDIRETA 93

Também se fêz muito famoso o menino BO, de onze ta ausência de adivinhação com respeito a outras pessoas,
anos, retardado mental. A mãe, precisamente pelo pouco explica-se muito bem por poucas noções que se tenham de
proveito que o menino tirava na escola, dava-lhe aulas em Reflexologia. Os meninos, por afetividade, ou treino natu­
casa. E descobriu que BO dizia espontaneamente para ela ral, tinham-se condicionado aos sinais reflexos característi­
palavras, números, coisas que ela só tinha pensado. BO, que cos dentro da invidi vi dualidade da mãe. Ora, o inconsciente
era incapaz de desenhar um quadro ou de repetir uma das tem, ou pode alcançar, uma grande delicadeza para diferen­
frases que no teste de BINET se marcam para meninos de ciar os diversos estímulos. PAVLOV 13 14 15 * conseguiu condicionar
cinco anos, era capaz, porém, de revolver qualquer problema, uns cachorros para um som (“sinal condicionado”) de 250
dar qualquer resposta, por difícil que ela fôsse, se a solução vibrações. Os sons imediatamenbe superiores e inferiores,
era conhecida pola mãe. não constituíam sinal para os reflexos condicionados, ape­
O Dr. DRAKE, do Wesleyan College, de Geórgia, estudou sar de parecerem ao consciente absolutamente indiferen-
o caso e fêz experiências cora. o menino Mais uma vez, ciáveis u\
não se tratava de telepatia, como pensou o Dr. DRAKE. A Outros sensitivos, porém, não se condicionam tão espe­
telepatia, extra-sensorial, não precisa da presença do agente. cificamente âs características individuais, mas apenas cap­
Dizem expressamente as atas: “Era capaz de dar respostas tam os sinais comuns de toda a espécie humana ou de quase
maravilhosas sempre que estas estivessem na mente da mãe, todos os homens, não só os de uma única pessoa. Os ca­
mas não podia jazer absolutamente nada se ela o deixava chorros de PAVLOV, em geral eram condicionados mediante
sòzinhoyy, ou “o menino não pode ler se alguém não está luzes ou qualquer som de apito ou de campainha sem que
sentado perto dêle olhando o livro. Então lê bem, mas, se o distinguissem os diversos matizes do som ou voltagem da luz.
deixam sozinho não pode”. Captam-se, pais, sinais sensoriais.
É um caso de hiperestesia indireta do pensamento. Uma aplicação prática
Acerta, pois, plenamente PALMÉS, quando, referindo-
Nem sempre se chega a tais extremos de precisão como
se precisamente ao caso do menino LUDOVICO, escreve já nos casos citados ou outros semelhantes. Compreende-se que
em 1928, antes do nascimento da Parapsicologia: “Os fatos certos “adivinhos” ou sensitivos consigam adivinhar nos
aduzidos se diferenciam do cumberlandismo propriamente seus consulentes alguns dados c não outros complementares.
tal, em que. . . falta o contato muscular. As impressões cor­ O “adivinho” simplesmente revela os pensamentos, os temo­
respondentes aos fenômenos mentais transmitidos, seriam res dos consulentes. Um consulente, por exemplo, pode estar
sinais acústicos ou visuais. Pode-se também recorrer à per­ com mêdo infundado, de ser doente do fígado. O “adivinho”
cepção tátil das distintas emissões de ar produzidas incons­ pode confirmá-lo no êrro, com perigosas conseqüências.
cientemente pelos órgãos fonéticos do transmissor. . . Tudo
isto parece a explicação mais lógica nos casos em que o
receptor está a curta distância do transmissor” l1. 15 — PAVLOV, Ivan Petrovich: “Conditioned Reflexes”, New
York, Orford Univ. Press, 1934.
A regularidade com que o menino LUDOVICO, ou BO Das traduções hispano-americanas pode se ver: “Los reflexos
ou ILGA captavam o pensamento da mãe e a quase absolu- condicionados aplicados a la patologia y psiquiatria”, Montevidéu,
Pueblos Unidos, 1955, ou em “Obras Escogidas”, México, Ed. Quet-
zal, 1960.
13 — DRAKE, R. N.: “An unusual case of ESP”, em “Journal
of Parapsychology”, II, 1938. 16 — A assombrosa capacidade de diferenciação de estímulos
ou sinais condicionados de que o inconsciente é capaz é, por si mes­
14 — PALMÉS, Fernando Maria: “Telepatia”, em “Enciclopédia ma, uma grande hiperestesia, como já sugerimos nos dois capítulos
Ilustrada Europeo-Americana”, Madrid-Barcelona, Espasa-Calpe, 1928,
LX, pág. 577. anteriores.
94 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA INDIRETA 95

Escreveram-se cartas em caracteres tão finos que não se


A miai chamada criptoscopia podiam distinguir senão com uma lupa. As cartas eram
Criptoscopia, com propriedade de linguagem só pode to­ postas em envelopes, que, uma vez fechados, eram pintados
mar-se em sentido fisiológico. com anilina negra para fazê-los mais opacos. Algumas vêzes
meteram-se também nos envelopes papéis fotográficos sen­
Criptoscopia fisiológica seria a visão verdadeira atra­ síveis para descobrir se por acaso os envelopes eram abertos
vés dos corpos opacos: visão autêntica, ocular, impressão furtivamente. Não obstante tôdas as precauções, a doente
retiniana por qualquer tipo de raios lumínicos, ou outros des­ descreveu o conteúdo das cartas em experiências repetidas
conhecidos como queriam alguns metapsíquicos. Não seria umas quarenta vêzes.
criptoscopia propriamente a visão alucinatória, “adivinha­
ção”, hipercstesia indireta do pensamento, telepatia... Os investigadores concluíram que a doente lia as car­
Criptoscopia, fisiológica, para os especialistas cm Pa­ tas através dos envelopes opacizados pela anilina e através
rapsicologia, é só um aspecto da hiperestesia direta estuda­ dos papéis fotográficos. . . Em primeiro lugar estas expe­
da no capítulo 5. Visão retiniana através dos corpos riências cai ram também no defeito fundamental de estarem
relativamente opacos, opacos só para as pessoas normais, presentes à prova as mesmas pessoas que escreveram e le­
não verdadeiramente opacos para os sensitivos. ram as cartas. Isto bastaria para explicar o fenômeno, por
hiperestesia indireta do pensamento.
Alguns metapsíquicos, porém, acreditaram que havia
verdadeira visão através de corpos verdadeiramente opacos! Mas nas atas das experiências temos argumentos que
Tal criptoscopia neste sentido estrito, isto é, visão através apoiam a explicação, por hiperestesia indireta. Com efeito,
de corpos verdadeiramente opacos, não tem base nenhuma, não sc podia supor visão através dos corpos opacos, por­
científica. Ê por isto que escrevemos no título: “A mal que Sofia ALEXANDROVNA não olhava para os envelopes,
chamada criptoscopia”. como expressamente se afirma numa experiência que diri­
giram os Drs. TROITZKI e SPERANSK.
Tratando de demonstrar a visão através dos corpos opa­
cos, por êrro nas condições de experimentação, fizeram-sc Outro dado muito significativo: se não sempre, ao me­
muitas e magníficas experiências de hiperestesia indireta, nos freqüentcmcntc não se “lia” o texto mesmo da carta;
isto é, de captação do pensamento de outra pessoa por meio descreviam-se as imagens correspondentes.
de sinais inconscientes por ela emitidos. Nas experiências Por exemplo, numa carta escrita pelo Dr. ANDREOFF
estava presente a pessoa que sabia o que havia sob o objeto dizia-se: “No deserto da Arábia erguem-se três palmeiras,
opaco. . . 17. entre as quais flui um manancial murmurante". ALEXAN­
Grande fama alcançaram as magníficas experiências DROVNA diz: “Um grande espaço. GÊ um areal branco como
na Rússia com Sofia ALEXANDROVNA. Foram dirigidas a neve, mas não é neve. Três árvores muito altas. Nunca
pelo Dr. CHOWRIN, diretor do Asilo de Alienados, de vi nada semelhante. Poucas folhas, folhas compridas. Um
Tambow. manancial, cujo murmúrio se ouve claramente".
Com a ajuda de diversos colegas da Sociedade Médica É a alucinação típica provocada reflexamente pelos si­
de Tambow, o Dr. CHOWRIN tomou precauções, engenho- nais captados inconscientemente por hiperestesia. Não se
síssimas, para se pôr a resguardo das fraudes assombrosas leu a carta: eaptaram-se as idéias ou imagens.
a que irresponsàvelmente pode chegar uma histérica. Noutra experiência tinha-se escrito: “Sofia ALEXAN­
DROVNA está na sua cama e olha para a parede". A doente
17 — Cfr., por exemplo, ABELOUS: “Sur une observation de Vi­ diz sem olhar para a carta: “Enxergo uma cama, sou eu
sion extrasensoriale. Metanges biologiques pour le jubilé de Ch. Ri-
chet”, Paris, Alcan, 1913, págs. 1-5. que estou na minha cama, com fitas atadas ao queixo".
A FACE OCULTA DA MENTE
96 HIPERESTESIA INDIRETA 97

Não se lia a carta por criptoscopia, i. é., visão retiniana ramente opacos os materiais empregados). Menos ainda
através dos corpos opacos. Captava-se o pensamento dos provam a clarividência ou telepatia parapsicológica, extra-
assistentes: “É você tal como está na cama. . sensorial. São, porém, de alto valor em prol, uma vez mais,
Que não se trata de telepatia ou clarividência parapsi- da hiperestesia indireta do pensamento, isto é, adivinhação
cológicas, extra-sensoriais, é claro, entre outras razões, por­ do pensamento dos assistentes por meio dos sinais incons­
que não se precisaria a presença dos experimentadores ou cientemente emitidos por êles 19 20 *.
da carta. . .
A explicação por hiperestesia indireta do pensamento, O mecanismo db captação do sinais
supõe que a doente fôsse hiperestésica. Era-o em grau sumo. Sabe-se que há certas emissões de sinais corresponden­
Como temos descrito a propósito de alguns cegos, também tes aos atos internos embora seja difícil determinar em cada
Sofia ALEXANDROVNA distinguia as côres pelo tato. Pelo caso quantos e de que tipo são os reflexos fisiológicos ex­
tato (ou pelo olfato, etc.) distinguia também os sabores. ternos, os sinais emitidos.
Oh investigadores tio Tambow enchiam garrafas com so­ Sabe-se também que o homem pode captar esses míni­
luções de soda, de cloreto de sódio, de oloridrato de quinina, mos sinais ou reflexos fisiológicos externos correspondentes
do sulfato de zinco. Dor oi s umedeeiam pequenos fragmentos ao pensamento de outra pessoa presente, pois o homem é hi-
de papel mima destas soluções. perestésico ao monos no inconsciente.
ALKXANDHOVNA, em contato com os papéis, sentia
A HIP (hiperestesia indireta do pensamento) é a cap­
imediatamente o gôsto do sal, do ácido, do adstringente ou
tação e .interpretação, gcralmcntc inconsciente, dêsses sinais.
do amargo is. Nos sensitivos essa interpretação passa ao consciente sem
Tomaram aqui a precaução de que umedecesse o panei que o consciente, gcralmcntc, saiba donde veio essa “adivi­
alguém que depois não assistiria à prova com Sofia ALE­ nhação”, pelo que freqüentemcnte foi atribuída ao “além’-.
XANDROVNA. Os investigadores, pois, não sabiam que O Dr. CALLIGARIS, professor de Neuropatologia na
solução era a empregada. Esta precaução não a tomaram Universidade do Roma, em numerosas passagens de um dos
nas experiências com cartas. Por quê? Não seria porque seus livros 2(\ afirma, após numerosas experiências, que o re­
se estava ausente o conhecedor do escrito, a experiência flexo fisiológico das idéias passa às pessoas presentes como
fracassava? Mas, diante dos papéis impregnados, a sensi­ por ressonância ou consonância. A idéia, sentimento, etc.,
tiva não precisava de sinais inconscientes dos assistentes; não só tem repercussão fisiológica em determinadas e mí­
bastava a hiperestesia direta do olfato, do gôsto ou do tato nimas “áreas” ou “campos” cutâneos dessa mesma pessoa,
sôbre os objetos. senão que a mesma repercussão experimentam por resso­
Sendo a doente extraordinária hiperestésica, como de­ nância as “áreas” ou “campos” correspondentes das pessoas
monstram estas últimas experiências com papéis impreg­ presentes.
nados, não será de estranhar que, por hiperestesia dos si­
nais inconscientes, captasse indiretamente os pensamentos 19 — RICHET (“Traité de Métapsychique”, 2.a ed., Paris, Alcan,
dos assistentes. As experiências de Tambow, como se vê. não 1923, pág. 235) inclina-se pela clarividência paranormal, embora admi­
provam a clarividência fisiológica, isto é, visão retiniana ta a possibilidade remota de se explicar os fatos por hiperestesia direta,
i. é, criptoscopia fisiológica através dos envelopes. Com efeito, é enor­
através dos corpos opacos (supondo que fossem verdadei- me a dificuldade de explicar os fatos por hiperestesia direta. Mas, na
hiperestesia indireta do pensamento, não pensou o célebre metapsi-
18 CHOWRIN, N.: “Experimentelle Untersuchungen auf dem quico, como também não os investigadores de Tambow.. .
Gebiete des ráumlichen Hellsehens, der Kryptoscopie und inadáquaten
Sinneserregung”, Munich, Reinhardt, 1919. 20 — CALLIGARIS, Giuseppe: “Le Mereviglie delia Metafisio-
logia”, Brescia, G. Vanini, 1944.
98 A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA INDIRETA 99

Com certas técnicas pode-se aumentar essa repercussão fundamento as suas observações, quando afirma que o que
fisiológica. na realidade sucede na quase totalidade dos casos é que
Essa ressonância ou repercussão seria em definitivo o o sonâmbulo capta, indiretamente, o pensamento consciente
que nós chamamos hiperestesia, percepção inconsciente dos ou inconsciente do observador presente.
sinais. Seria uma hiperestesia cutânea, que se viria a acres­ Uma experiência fácil, inspirada no livro de JULIO
centar à hiperestesia visual, auditiva. . . Por muitos cami­ MARIA22, tem comprovado inúmeras vezes que a hiperes­
nhos o reflexo fisiológico das idéias de outra pessoa passaria tesia indireta do pensamento é mais fácil e freqüente que
a nós ou às pessoas presentes. a telepatia. Os leitores podem repetir a experiência com fa­
E como tais reflexos se identificam com a idéia, como cilidade.
idéia e reflexo são apenas dois aspectos diferentes de um só Se a um adivinho, médium, radiestesista, etc., se apresen­
fenômeno, compreender-se-á que, se inconscientemente são ta uma série de perguntas escritas e guardadas num envelope,
reproduzidos em nós êsses reflexos fisiológicos de outra pes­ o “adivinho", com alguma freqüêneia, será capaz de dizer o
soa, também teremos captado a idéia inconscientemente. conteúdo do envelope. Mas so não fomos nós mesmos que es­
Se, com técnicas especiais, ou pelo treino espontâneo crevemos as frases dos envelopes, mas um amigo que nô-las
ou provocado, ou em circunstâncias especiais esta ressonân­ enviou por correio (c isto é mais seguro do que a entrega pes­
cia é aumentada em certas pessoas, compreender-se-á por­ soal para se evitar tôda a hiperestesia inconsciente em nós),
que, nessas pessoas, o que só era “adivinhação” inconsciente comprovaremos que só rarlssimamente, e só muito bons “adi­
pode fazer-se consciente. Nos sensitivos, este exagero, esta vinhos" serão capaz.cs de dizer-nos o conteúdo do envelope.
passagem do inconsciente ao consciente, é mais frequente, ou
Esta experiência, ou semelhantes, provam pcrfeit.amente
até regular. que no primeiro caso, .i. ó., quando a consulta é feita pela
própria pessoa que escreveu, é mais fácil acertar, por tratar-
Aplicações práticas se de hiperestesia indireta do pensamento. Mas no segundo
Em primeiro lugar deve-se destacar a importância da caso onde não pode haver sinais inconscientes, os acertos
hiperestesia indireta do pensamento. Ela é muito mais fre- são mais difíceis e raros por tratar-se de telepatia ou co­
qüente que a telepatia ou qualquer outro fenômeno paranor- nhecimento extra-sensorial.
mal, extra-sensorial. Já PUYSÊGUR, um dos primeiros in­ Muitas vêzes é o espectador que se trai a si mesmo,
vestigadores do hipnotismo, advertia os hipnotizadores con­ ao consultar a um “adivinho” ou nas sessões mediúnicas.
tra o êrro de considerar como telepatia muitos atos que não O médium ou “adivinho” não sabe mais do que aquilo que
o são, tanto que chegou PUYSÊGUR a afirmar expressa- o consulente lhe diz na linguagem dos sinais inconscientes
mente que “era erro pensar que, por meio de um sonâmbulo e involuntários. O estado de transe do médium, ou de de­
(hipnotizado) clarividente, se pudesse adivinhar o pensa­ lírio, narcotismo, histeria em que entram natural ou ar­
mento de uma pessoa ausente, pois o único que se obtinha tificialmente muitos “adivinhos”, ajuda evidentemente à
em tais ocasiões era inspirado inconscientemente pelo pró­ hiperestesia. Por outra parte, a corrente de certas sessões
prio observador” 21. espíritas favorece a hiperestesia do pensamento de tipo cum-
berlandismo. Cumberlandismo e HIP em geral, combinados,
PUYSÊGUR exagera e erra ao não admitir a possibi­ podem, é claro, chegar a limites insuspeitados em pessoas
lidade da telepatia, mas está certo, e só para isso tinham especialmente “dotadas” e especialmente treinadas.

21 — Citado por SILVA MELLO, A. da: “Mistérios e realidades 22 — JULIO MARIA: “Os segredos do espiritismo", 4.a ed.,
dêste e do outro mundo", Rio de Janeiro, J. Olímpio, 1949, pág. 232. Petrópolis, Vozes, 1950, pág. 186.
A FACE OCULTA DA MENTE HIPERESTESIA INDIRETA 101
100
\/'V
Ê^^esultàdo, repetimos uma vez mais, pode ser só o Não poderia ser fingimento por parte do hipnotizado, por­
de confirmar o Vonsulente na sua idéia talvez errada. Já no que como poderia um hipnotizado “analfabeto” saber qual
seu tempo dizia RICHET: 4‘Se eu conheço a palavra Marga­ o sentimento que se deve excitar nesta ou naquela zona?
rida que o médium deve dizer, e mormente se o médium tem Êste raciocínio vem já dos primeiros estudiosos do hip­
dúvidas, eu lhe fornecerei, muito ingênuamente, as indica­ notismo. Assim BRAID segundo uma citação do Dr. MLIR-
ções que precisar, retificarei seus erros, serei seu cúmplice PHY demonstrava a frenologia com a seguinte obser­
involuntário...” \ vação :
Dentro do âmbito da hipnose, são muitas as conside­ TJm paciente quando se lhe estimulou a zona da cordia­
rações práticas que se podem tirar do que temos exposto so­ lidade o o afeto, abraçava, o médico; ao ter estimulado o órgão
bre a hiperestesia indireta do pensamento. Entre estas está, da. combatividade no lado contrário da cabeça, com o braço
por exemplo, a do perigo que podem ter sugestões só pensa­ correspondente golpeou dois cavalheiros que imaginou que
das pelo hipnotizador e não manifestadas. Pacientes muito iam agredi-lo, de tal forma, que quase deixou um dêlcs esten­
sensitivos ou treinados podem captá-las por hiperestesia in­ dido no chão; enquanto isso, com o outro braço continuava,
direta do pensamento. Como aquelas sugestões não foram a abraçar o médico da maneira mais afetuosa.
dadas expressamente, se o hipnotizador não as retira, em
certos casos podem depois trazer complicações. E assim com outras zonas. Mas o argumento não ser­
Já em 1784, PUYSÉGUR descobria que, com um de seus ve: O hipnotizado, por hiperestesia indireta do pensamento,
pacientes, não tinha necessidade de falar para dar as su­ poderia adivinhar as idéias preferidas do experimentador e
gestões “magnéticas” (hipnóticas, diríamos hoje). acomodar-se a elas nas manifestações.
“E« pensava, simplesmente, na sua presença e êle me A mesma falha de argumentação têm cometido muitís­
compreendia e me respondia. . . Quando êle se mostrava dis­ simos investigadores da hipnose. Alguns experimentadores
posto a dizer mais do que eu julgava prudente deixar enten­ querem provar suas teorias sobre o hipnotismo bascando-sc
der, eu, »ó com o pensamento, interrompia imdiatamente suas nas descrições dos hipnotizados, incultíssimos nas teorias
idéias, cortando as frases no meio de uma palavra e modifi­ hipnóticas. Outros experimentadores provam teorias dife­
cava completamente seu curso” 2 i. rentes, aduzindo êste mesmo argumento das descrições los
hipnotizados incultos. . .
Por não suspeitarem da hiperestesia indireta do pen­
samento, muitos investigadores tiraram consequências infun­ No entanto, poderia ser que os hipnotizados, apesrr dc
dadas nas suas experiências com hipnotizados. Assim, por não saberem nada de hipnose teórica, captassem, por hipe­
exemplo, quiseram provar a frenologia servindo-se das ma­ restesia indireta do pensamento do seu hipnotizador, as teo­
nifestações de pessoas submetidas à hipnose. Diziam: se es­ rias preferidas do mesmo hipnotizador. . .
timulamos uma determinada zona do crânio e o hipnotizado Um dos erros mais lamentáveis e frequentes é o daque­
reage segundo o sentimento correspondente à zona freno- les que procuram provar uma regressão da idade até o óvulo
lógica excitada, isto prova evidentemente que a frenologia es­ fecundado e inclusive até o espermatozóide. . . Como pode­
tá certa quando diz que “Cada sentimento. . . tem uma sede ria o hipnotizado, sendo inculto, descrever perfeitamente o
no crânio e o estímulo destas zonas provoca o sentimento”. espermatozóide, a evolução do óvulo, etc.? O hipnotizado

23 — RICHET, o. c„ pág\ 77. 25 — MURPHY, Gardner: “Historial Introduction to Modern Psy-


24 — PUYSÉGUR, oarta de 8 de março de 1784, citado por chology”, New York, Harcourt Brace and Co., 1949; e Londres, Rout-
Cond.a C. de Se- DOMINIQUE no seu livro “Animal magnetism”, tedge and Kegan Paul, 1949. Tradução espanhola: “Introducción his­
Londres, 1874. tórica a la Psicologia contemporânea”, Buenos Aires, Paidós, 1960.
.tíL ...

^02 A FACE oculta da mente

não o sabia, mas aí está o médico hipnotizador que o sabe e


que deseja que o hipnotizado confirme suas teorias de re­
gressão da idade até aqueles estados iniciais da vida.
As conseqüências práticas que poderíamos tirar do que
chamamos “hiperestesia indireta do pensamento” são nume­
rosíssimas.

Pantomnésia
Os reflexos fisiológicos ou sinais correspon­ O INCONSCIENTE SE LEMBRA DE TUDO
dentes a todos nossos atos psíquicos são sentidos
pelas pessoas que se encontram presentes.
Provavelmente todas as pessoas presentes Lembrou-se do que vira quando bebê.
captam e interpretam, ao menos inconsciente- — Um analfabeto aprende abras literárias
mente, esses sinais externos ou reflexos, e a par­ só de ouvi-las uma vez. — Graças à memó­
tir deles se interpreta ou capta o pensamento que ria do inconsciente recupera-se uma fortuna.
os motivou.
— O nosso inconsciente não esquece nada.
A este fenômeno de “adivinhação” sensorial
chamamos “hiperestesia indireta do pensamen­
to” ( H I P ) .
FILÓSOFO DELBOEUF sonhou que no pátio da casa
Uma grande maioria das “adivinhações”
não são paranormais, mas simplesmente H I P . O encontrara duas lagartixas enterradas na neve e rígidas
pelo frio. Tomou-as, aqueceu-as nas mãos e colocou-as numa
grCta do muro. Depois colocou ao lado delas umas ervas que
lá cresciam. Ainda em sonho pronunciou o nome da planta:
“Asplenium ruta muralis’* (sic). O nome se lhe apresentou
como algo familiar. DELBOEUF não se lembrava de quase
nenhum dos nomes técnicos das plantas apreendidos na época
de estudante. Como, pois, era possível aquele conhecimento
técnico? Após 16 anos encontrou casualmente a explicação:
em casa de um amigo encontrou um pequeno álbum de flôres
sêcas, no qual estava escrito, por seu próprio punho: “Asple­
nium ruta muraria”. O mesmo DELBOEUF o escrevera muito
tempo antes, depois de consultar um botânico. DELBOEUF
,i:NMini Miijliiillijijj ;!. . . . . . . I i Imm-iIímiíIIÍ ukLbllL •tUii.UlIu i ...líhjLl^ililUjll it

104 A FACE OCULTA DA MENTE PANTOMNJSSIA 10Ó

já nem se lembrava de que sua irmã presenteara aquêle Mais ainda, tem-se comprovado também que a lembran­
álbum ao amigo, única variante: ‘‘muraria” por “muralis” 1. ça pode-se referir inclusive àquelas sensações que se teve
quando criança de colo!
Casos semelhantes são bastante freqüentes. Isto nos
prova, evidentemente, que se guardam no nosso psiquismo RIGNANO, p. cx., cita no seu “Ensayo do síntesis cien­
antigas lembranças que o consciente já esquecera completa- tífica” o seguinte caso:
mente. Surge, po.is, a pergunta: até que ponto chega a me­ Uma jovem, ao chegar a um lugar “onde nunca estivera”,
mória do inconsciente? As respostas dá-las-emos por partes. conhecia tudo perfeita mente. Impressionado, pesquisou, des­
cobrindo que quando criança de poucos meses fôra levado
Época infantil para aquêle lugar pela ama.

Para saber até onde chega o poder mnésico do incons­ O inconsciente arquivara todos os detalhes. Agora, em
ciente, um primeiro passo importante é, sem dúvida, cons­ presença do lugar, a lembrança brotou.
tatar que o nosso inconsciente lembra-nos coisas que conhe­ Uma família estava confusa pelo acontecido com uma
cemos quando ainda não tínhamos uso da razão. Êste fato das filhas.
tem-se comprovado inúmeras vêzos. Trata-se de urna jovem de 16 anos. Um dia fôra a um
O Dr. MAURY, por exemplo, conta que uma noite so- grupo escolar 0 percebera que “já o conhecia, apesar de nun­
nliou que era menino e que vivia num povoado de Trilport. ca ter estado nele!” As professoras do centro, impressionadas
Lá imaginou ver um homem fardado que dizia chamar-se pelo fato, fizeram naquele mesmo momento algumas experiên­
“fulano”. MAURY gostava de analisar seus sonhos. Embora cias c, com efeito, a. jovem descrevia as salas ants de abri­
não tivesse a menor idéia daquele homem nem daquele po­ rem-se as portas. Só uma falha: disse que uma sala era o
voado, onde pensava não ter vivido nunca, havia no sonho gabinete da diretora e, na realidade, o aposento era de uso
uma vaga sensação de “já visto”. Passado algum tempo en­ da encarregada da limpeza. Os familiares da jovem esta­
controu-se com a antiga ama sêca. A aia disse-lhe que, sendo vam angustiados, porque alguns espíritas tinham-lhes dito
êle muito criança, foram à mencionada localidade, onde o pai naquele colégio numa roenearnação .anterior ( ? I ) , teoria que
devia construir uma ponte, e que havia lá um policial com que isso era prova evidente de que a menina, tinha estado
o mesmo nome que lhe tinha sido dito no sonho 2. êlcs, como católicos, não podiam admitir.

Foi essa uma impressão de “já visto” que, contra tôda As averiguações que sc realizaram comprovaram, em
verossimilhança, se confirmou ?. primeiro lugar, que só durante o primeiro ano dc funciona-

Muitas vezes, com efeito, essa impressão de lembrança se deve a


1 -- Citado, entre outros muitos autores, por SILVA MELLO, A. diversas ilusões: “Já vi aquilo” e na realidade nunca, o viu mas o ima­
da: “Mistérios e realidades deste e do outro mundo”, Rio de Janeiro, ginou ou sonhou. . . (contra a opinião que nos parece insustentável,
José Olímpio Editôm, 1049, pág. 312. como veremos, de LEONARD, que nega a corrente de união, ou lem­
2 — MAURY, Alfred: “Le sommeil et les rêves. Études psycho- brança de sonho a sonho). Outras vezes a ilusão é que na realidade
logiques sur ces phénomòncs et les divers états que s'y rattachent”, vimos alguma coisa parecida mas não a mesma e frequentemente ha­
a
4 ed., Paris, 1878, pág. 92. verá ilusão completa, uma “falsa lembrança”, ou o distúrbio psíquico
3 — Pela memória do insconsciente explicaram-se muitos casos chamado em Psicologia “lembrança do presnte”. (Cfr. BERGSON, H.:
de “já visto”. Esta memória pode referir-se a antigas sensações in­ “L’Energie spirituelle”, Paris, Alcan, 1924, pág. 117, assim como
conscientes ou impressões conscientes já esquecidas. As antigas im­ “Revue philosophique”, 1908, 12).
pressões (conscientes ou inconscientes) podem ter sido causadas não A sensação de “já visto” pode se dever também nalgum caso, à
pelo mesmo objeto de que agora a pessoa se lembra, senão por lembrança de uma “precognição” tida antes, “precognição” que pode
uma fotografia, cinema, descrição. . . Mas não queremos dizer com ser meramente inconsciente. Das precognições reais e aparentes, fa­
isto que não haja outras explicações para outros casos de “já visto”. laremos amplamente nos capítulos 15 16 17 18 e 19.
i- ÍhÍÍÍ!!'!Í'!íÍ'i'-|!.'^ IhiüÍJíi ■ ilvlllllilill |ll ji| lill .,1 U| |ij |ll -I.i !i|,i|il'|| ui I I , , ............................ ................. ................ ..

106 A FACE OCULTA DA MENTE PANTOMNÉSIA 107

mento do grupo aquele quarto que a jovem designava como seu consciente estavam verdadeiramente registrados (pelo in­
gabinete da diretora o fora de fato. Atualmente nenhuma consciente). A prova é que, espontâneamente, ela conseguiu
das professoras do colégio sabia disto, pois tôdas eram mais lembrá-los de noite, no sonho. Mandamos que fôsse observada
recentes na casa. E foi precisamente naquele ano da inaugu­ por dois vizinhos de cama e comprovamos assim que ela fre-
ração que uma tia da jovem estêve visitando o grupo, levan­ qiientemente sonha alto e que nos seus sonhos faz, às vêzes,
do-a no colo, então uma criancinha de um ano de idade 4. alusão aos acontecimentos. . . que é incapaz de fazer reviver
no estado de vigília. Mas a prova de que o inconsciente se
Têm-se feito algumas experiências, de ler para um me­ lembra de tudo está, especialmente, no fato seguinte: esta
nino, às vêzes mesmo de poucos dias, um longo parágrafo mulher, que conseguimos hipnotizar, encontra durante a hip^
de um livro, e passados vários anos, fazer-lhe repetir, em nose, todos os fatos sucedidos até o presente momento, e tô­
hipnose, o mesmo parágrafo que só uma vez ouviu, e que das as lembranças revivem associadas, sistematizadas, inin­
nem mesmo era capaz de entender. O inconsciente, até de terruptas, de modo que formam uma trama contínua e como
criancinha, é um ótimo “gravador”. que um segundo “eu”, que contrasta estranhamente com o
“eu” oficial, do qual todos conheceis a amnésia profunda’' 5.
Lembra-se até do “não percebido” Os parênteses são nossos.

® um passo a mais para compreendermos até onde che­


ga a memória do inconsciente. O inconsciente aprende imediatamente coisas complexas
Muitos são os aspectos e casos que se poderiam anali­ Entre os casos espontâneos é clássico o referido por
sar sobre a lembrança do “não percebido”. Com efeito, co­ MICHEA e citado por muitos autores.
mo vimos, o inconsciente lembra-se do que só ouviu em tenra Um jovem açougueiro, num acesso de mania, recitava
idade. Ê um tipo de “não percebido”, já que as criancinhas páginas inteiras da “Fedra” de Racinc. Curado da sua ma­
“não prestam atenção”. São freqüentes os casos de lem- nia, por mais esforços que fizesse, não conseguia recordar-se
brar-se do que se ouviu completamente distraído; eis outro do um verso sequer. Declarou ter ouvido urna só vez a leitu­
tipo do que chamamos “não percebido”. Podemos lembrar- ra dessa tragédia, quando pequeno
nos até daquilo que jamais poderia perceber o consciente,
lembrança de sensações hiperestésicas e inconscientes como Poucas coisas são tão complexas quanto as línguas. O
veremos neste e no próximo capítulo. próximo capítulo intitula-se “O .inconsciente, a melhor esco­
Agora queremos indicar outro aspecto: possivelmente la de línguas”. Ê por isso que não nos deteremos no tema
não existe algum estado tal de “desmemorização” que possa da complexidade dos dados que pode arquivar o inconsciente.
inclusive atingir o inconsciente. O exemplo típico é dado por
CHARCOT numa das suas famosíssimas aulas na Salpetriére. A extensão qualitativa da memória
Uma doente, depois de violenta crise provocada por uma Mede-se a memória não só pelo tempo durante o qual
emoção, esquece tudo, desde um mês antes da crise (amnésia retém os dados aprendidos (extensão temporal, de que logo
retrógrada), e depois não pode fixar nada nem guardar ne­ falaremos), nem tão pouco só pela quantidade de dados 5 6
nhuma lembrança (amnésia atual). CHARCOT, o célebre in­
vestigador do hipnotismo em doentes, analisa assim o caso 5 — CHARCOT, J. M.: “Sur un cas d’amnésie rétroantérograde
na aula: “Na realidade, os fatos que ela esquece tão ràpida- probablement cVorige hystérique”, em “Revue de Médicine”, 1892,
mente no estado de vigília, e que não pode fazer aparecer no XII, pág. 81.
6 — Citado, entre outros autores, por LAPPONI, José: “Hipnotis­
mo e Espiritismo”, trad. da segunda ed. italiana por VIEIRA, Baptista
4 — Consulta e averiguações do autor no Rio Grande do Sul. Manoel, São Paulo, Falcone, 1907, pág. 227.
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108 A FACE OCULTA BA MENTE PANTOMNÉSIA 109

que é capaz de armazenar (extensão quantitativa ou com­ tes. Os sermões, lia-os em voz alta do comêço ao fim com os
plexidade, à qual acabamos de aludir e da qual todo o pre­ olhos fechados! Corrigia as passagens de que não gostava.
sente capítulo vem a ser um comentário); mede-se também O Arcebispo, suspeitando que o sonâmbulo talvez enxergasse
pela minuciosidade dos detalhes que chega a conservar. Isto através das pálpebras fechadas, interpôs obstáculos, como fô­
vem a ser a extensão qualitativa. lhas de papelão diante do sonâmbulo, quando este “lia”. O
Em matéria de detalhes, isto é, no aspecto qualitativo, padre continuava lendo oalmamente, imperturbável. Outras
vétees o Arcebispo substituía as folhas escritas por outras
o inconsciente chega a limites insuspeitados.
fôlhas de igual formato, pêso etc., e o padre “lia” sôbre as fo­
Desde BOTTLEY, são relativamente freqüentes na hip­ lhas em branco o que estava traçado nas outras Também cor­
nose experiências como a seguinte: rigia nas em branco os erros ou frases menos felizes, sôbre
“Coloca-se sob os olhos do sonâmbulo uma série de fôílhas os lugares exatos correspondentes aos das outras fôlhas h.
de papel superpostas e ordena-se-lhe que escreva, à medida Como se vê por estas manifestações, a minuciosidade da
que se vai ditando. Após ter escrito algumas linhas sóbre a memória do inconsciente é assombrosa.
primeira fftlha, esta é retirada subitamente, e éJc prossegue
escrevendo sóbre a segunda, caso nâo tenha notado a falta da O toirçpo iiia memória inconsciente
primeira, para o que se pode fazer alguma sugestão direta.
Opera-se da mesma forma com a segunda, depois com a ter­ Eis outro fator de grande importância. Três aspectos
ceira c a quarta fôlha, ficando escritas sóbre cada uma delas que na realidade se interpenetram, podem scr aqui conside­
apenas algumas linhas. Em cada página, o sonâmbulo é capaz rados: ate que idade anterior podem retroceder nossas lem­
de retomar sempre o ponto em que havia parado na anterior. branças; até que idade avançada se arquivam no inconscien­
Finalmente, quando termina a quarta folha, coloca-se-lhe nas te; c por quanto tempo se conservam.
mãos a quinta, ordenando-lhe que releia em voz alta tudo o que
“Até que idade anterior podem retroceder nossas lem~
escreveu e que coloque a pontuação nos lugares necessários.
Êle pode executar tudo isto com extraordinária exatidão, não
braças?”. Já apontamos alguns casos de memória de fa­
omitindo nenhuma palavra e fazendo as correções nos devidos
tos sucedidos antes do uso da razão e inclusive na primei­
lugares das quatro folhas retiradas” 7. Sôbre a fôlha em
ra infância. Tais casos são relativamente frequentes.
branco! Mais ainda: um tipo de experiência é apresentado sob
o aspecto e denominação de “regressão" na idade. O hipno­
O fenômeno pode ser reproduzido aproveitando-se ou­ tizado é levado pela fôrça da sugestão a anos passados, re­
tros estados de inconsciência, diferentes da hipnose, como, produzindo então critérios, gestos, linguagem, ocupações ou
p. ex., o sonambulismo espontâneo, durante o sono natural. jogos próprios da idade sugerida.
O Arcebispo de Bordeaux refere o seguinte caso: um jo­ Alguns autores que não têm considerado suficientemen­
vem sacerdote, durante o sono, levantava-se, sonâmbulo, para
te o assunto defendem a “regressão” a um estágio uterino
escrever sermões e compor música. O Arcebispo acompanhou
anterior à mielinização, ou, inclusive, pré-uterino. Os me­
o sonâmbulo várias noites seguidas. Com precisão matemáti­
lhores especialistas evidentemente contestam esse fato. Tais
ca, o jovem, de olhos fechados, apanhava todo o material ne­ “regressões” são puramente fictícias. O paciente, subme­
cessário. Quando compunha música, traçava primeiro as pau­
tido a sugestão, é bem capaz de criar magníficas fantasias.
tas com uma régua. As notas e o texto eram perfeitos, e, se
havia erros, ao “reler”, corrigia-os nos lugares corresponden-
É verdade que, em alguns casos, o inconsciente poderá re­
velar fatos ocultos, e que depois se comprova corresponde-
7 y- Citado, por exemplo, por SILVA MELLO, A. da: o. c., pág. 324. 8 — “Encyclopédie Française” no artigo “Sonambulisme”.
.. A-

110 A FACE OCULTA DA MENTE PANTOMNESIA 111

rem a épocas de pré-mielinização ou pré-uterinas sugeridas. samente nos moribundos que o inconsciente parece aflorar
Não se trataria nestes casos de autêntica lembrança do mais, surgindo lembranças “até dos primeiros anos de vida”.
inconsciente, mas apenas, em última análise, de conheci­
mento atual paranormal. Geralmente será mera projeção Os velhos, com freqüência, lembram até conscientemen­
ao passado de conhecimentos atuais conscientes ou incons­ te os seus primeiros anos, a sua infância, a sua juventude,
cientes. e continuamente falam deles.
Está claro que, na '‘regressão” hipnótica, não se trata São muitos os casos em que pesoas muito velhas mani­
de verdadeira regressão do tempo e que, por tanto, não se festam de repente por qualquer associação de imagens, lem­
pode esperar uma acomodação total da personalidade à ida­ branças do inconsciente, lembranças tão antigas, tão esque­
de sugerida como esperavam alguns hipnólogos menos avi­ cidas pelo consciente, que ninguém as reconhece como tais
sados. O inconsciente toma do seu arquivo inúmeras lem­ dando origem a interpretações âs vezes supesticiosas. Tor-
branças, para fingir a “regressão” que se lhe impõe, mas nou-se clássico em Psicologia Experimental o seguinte caso:
nem por isso se desprende da personalidade adulta presente. Uma anciã, ao passar por um lugar “no qual nunca esti­
•Há pessoas que “regridem” a idades infantis, e, subme­ vera”, “adivinhou” de repente que naquele local tinha havido
tidas ao teste de RORSCHACH, procedem aparentemente plantações de violetas. Fato surpreendente, porque aquêle lo­
com psicologia infantil, o que demonstra a memória do in­ cal, edificado e central, não poderia sugerir absolutamente
consciente. Mas um psicólogo experimentado descobrirá logo tais plantas anteriores. Mas a senhora, sem poder explicar
detalhe de madureza, o que demonstra que a regressão é só o motivo, estava convencida do que afirmava. Fizeram-se
aparente. averiguações c comprovou-se que de flato, mais de trinta
anos antes, naquele local se tinha derrubado um edifício,
Um homem desenhou uma árvore com traços e ingenui­
tendo ficado acertado que, até nova construção, o terreno
dades próprias da idade sugerida de seis anos, mas não serviria para plantações de um famoso jardineiro- A senhora,
omitiu as raízes, detalhe que, aos seis anos de idade autênti­ porém, ignorava absolutamento esta circunstância.
ca, teria omitido. Outro indivíduo, depois de aceitar a suges­
O tempo encarregou-se de elucidar a questão. O marido
tão de que tinha quatro anos, perguntado repentinamente
da senhora, intrigado também, pensou muitas vôzes no assun­
sôbre que horas eram, não conseguiu reprimir um gesto de
to. Um dia, quase de repente, lembrou-se de que, pouco antes
consultar o relógio de pulso.
do ser vendida a propriedade, êle mesmo comprara lá um ra­
Êsses e outros exemplos, mostram que se trata de me­ malhete do violetas para sua espõsa, então convalescente de
mória (e imaginação...). uma doença. Então a espõsa se lembrou de que seu marido,
ao dar-lhe as flôres, lhe dissera onde as comprara io.
Outros autores, como BUTLER9, querem ver no ins­
tinto, animal ou humano, uma memória inconsciente her­ Ambos haviam se esquecido, mas o inconsciente “não
dada. Mas será que os primeiros animais e os primeiros esquece nada”. Ao passarem por aquêle lugar, trinta anos
homens não tinham instintos? Em todo o caso, o instinto, após, efetuou-se a associação das idéias e brotou a miste­
reflexos ineondicionados, fatores hereditários do caráter e riosa lembrança.
outros, só num sentido muito lato poderão ser chamados “Por quanto tempo o inconsciente conserva as lembram
“memória”, uma espécie de memória inconsciente de épocas
ças?” Implicitamente esta questão está já respondida nos
passadas, transmitidas de pais a filhos. itens anteriores: desde a infância até a velhice parece que
“Até que idade avançada se arquivam as lembranças?” o tempo não afeta a memória do inconsciente.
Parece que até a morte. Mais ainda; como é sabido, é preci­
10 — “Enciclopédia Ilustrada Europeo-Americana”, Madrid-Bar-
9 — BUTLER, Samuel: “Unconsciouf Memory”, 1910 (l.ft ed., 1880). celona, Espasa-Calpe, no artigo “Vaticinio”, pág. 382.
A FACE OCULTA DA MENTE PANTOMNÉSIA
113

A «corrente da memória BERNHEIM, depois de fazer muitas experiências corro­


borando o fenômeno de que pelo hipnotismo se podem re­
Para sabermos até quo ponto chega a memória é im­ lembrar fatos que pareciam totalmente esquecidos ou nunca
portante mais um dado. Já temos visto como as coisas su­ percebidos, passou nas suas experiências ao fenômeno de
cedidas cm estado consciente arquivam-se no inconsciente. que agora tratamos. Demonstrou à saciedade como, duran­
Arquivam-se também no inconsciente as coisas sucedidas du­ te a hipnose, podem ser lembrados todos os fatos que em
rante os mesmos estados de inconsciência. E a passagem anteriores hipnoses haviam realizado, mas com a sugestão
de um estado a outro de inconsciência não está fechada para pós-hipnótica (eficaz, portanto, só para o consciente) de que
a memória do inconsciente. Por exemplo, o sucedido du­ depois fossem esquecidas 12. Pede-se a um hipnotizado que
rante a .inconsciência de uma crise histérica surge na hip­ descreva o que se lhe mandou esquecer e é curioso compro­
nose. O sucedido na hipnose surge à tona, por exemplo, no var quão perfeitamente se lembra de tudo o que, quando
desdobramento da escrita automática. O sucedido durante o consciente, se chega pensar que não viu, nem sentiu.
sonho é lembrado, por exemplo, na alucinação quando se fi­
xam os olhos numa bola de cristal, etc. Tudo parece indicar, Umas coniclusõos prátídas
pois, que a memória do inconsciente forma “uma trama con­
tínua, ininterrupta”, segundo a frase de CHARCOT já citada. A sugestão pós-hipnótica para esquecimento não é eficaz
no inconsciente. Sugestões pós-hipnóticas de esquecimento,
Eis um caso de lembrança, no sonho natural, dc algo por exemplo, de traumas para cura de psiconcurose, muitas
realizado na inconsciência da sugestão pós-hipnótica. vezes não corresponderão ao método mais indicado, pois,
O Dr. VOJttlN hipnotiza um homem. Feito isto, angere- passado algum tempo, por efeito de associações ou certas
lhe que ao acordar, cm vigília, deverá assassinar uma mulher contradições espontâneas, o trauma “esquecido” pode surgir
que então estava deitada num leito próximo, e sugere também
de nôvo à tona.
que deve esquecer tudo. Acordado do sono hipnótico, sem sa­ Não se deve pensar, outrossim, que certas sugestões,
ber por que o indivíduo dirige-se à cama que estava perto c até ridículas, não são perigosas pelo simples fato de que
sem hesitar apunhala um manequim de mulher, perfeitamen­ depois se dão sugestões pós-hipnóticas dc esquecimento; o
te dissimulado. Os magistrados, diante dos quais se realizava esquecimento não é total e algum dia poderia influir no com­
a experiência, não conseguiram do suposto assassino nem a portamento do paciente. 15 este um dos perigos da hipnose
confissão do crime nem a descrição do ato, nem o nome do de palco.
cúmplice que o sugerira. Era uma ação em vigília mas ime-
dkitamente esquecida por efeito da sugestão pós-hipnótica. Pantomnésia ou hiporomnésia?
Três dias depois, o homem volta à Salpetriére. Sua fisiono­
Se somos pantomnésicos (do grego “mnésis = memória,
mia mostra as marcas do sofrimento moral intenso e de insfr-
e “pantom” = de tôdas as coisas) lembramos tudo, absoluta-
nia pertinaz. Queixa-se de ver tôdas as noites, assim que
mente tudo. Se somos hiperemnésicos (do grego “hiper” =
adormece, uma mulher que o acusa de tê-la assassinado com
sôbre, extraordinária; e mnésis — memória) então nossa me­
uma faca. Acorda sempre excitadíssimo. Rejeita o sonho
mória inconsciente seria, sim, admirável, superaria tudo o
como absurdo, mas conciliando novamente o sono, surge o
que geralmente se pensa, mas não seria precisamente me­
mesmo sonho da trágica aparição. Os médicos tiveram mória de tudo.
então de explicar-lhe tudo para que o pobre homem não
ficasse louco n.
O dilema é antigo. Foi RICHET que propôs o têrmo
“pantomnésia”: “Para indicar — escreve — que a memória
11 — VOISIN, Auguste: “Les suggestions criminelles posthyp- 12 — BERNHEIM, H.: “Hypnotisme, suggestion, psychotèrapte”,
notiques”, em “Revue de rhypnotisme”, 1891, V, pág. 382. Paris, 1891, págs. 133 ss.
114 A FACE OCULTA DA MENTE PANTOMNÉSIA 115

não esquece nada e que tudo o que impressiona nossos sen­ Em todo caso, embora houvéssemos de conceder que
tidos (acrescentamos nós: ou nossa inteligência, vontade,, talvez possa se apagar alguma coisa da nossa memória in­
imaginação...) permanece fixado no cérebro inconsciente, consciente, o fato indiscutível é que o inconsciente arquiva
eu proporia a palavra pantomnésia. Pela sua etimologia, muito mais do que ordinariamente se poderia suspeitar.
significa que nenhum vestígio do nosso passado cognoscitivo
se apaga” E na Parapsicologia, se algum fenômeno pode explicar-
se por memória inconsciente, é evidente que não devemos
Não é possível provar experimentalmente que não se recorrer a outras explicações mais “misteriosas” como os
esquece absolutamente nada. fenômenos paranormais, e muito menos a explicações ultra-
Mas a pantomnésia parece lógica. O que se poderia es­ terrenas ou reencarnacionismo, como já RICHET formulou
quecer mais facilmente? Os casos espontâneos e experiên­ no lugar que acabamos de citar: “Provavelmente, todos so­
cias que se têm logrado realizar e que fomos expondo ató mos pantomnésicos. Em todo caso, na apreciação dos fenô­
aqui, mostram precisamente que as coisas que mais facil­ menos metapsíquicos, devemos admitir que não esquecemos
mente se esqueceriam, também se guardam no inconsciente; apsolutamente nada.”
são os fatos captados na época infantil antes do uso da ra­
zão, o os fatos não captados, por serem insignificantes ou A pantonunévSia ma vida quotidiana
por distração, inclusive em pessoas que padecem dc amnésia A memória ó como um dêsses enormes blocos de gêlo
(falta de memória) total, no consciente. As coisas mais que os ingleses chamam “iceberg”. Só uma pequena parte
complexas, ou mais detalhadas e minuciosas c em pasmosa aparece sobre a superfície do mar, a memória consciente,
quantidade, são arquivadas imediatamente. O passar do tem­ a memória atual se é que podemos empregar essa expressão.
po não parece influir na memória do inconsciente, nem pa­ Mas, da superfície pode-se ver também uma pequena parte
rece haver barreiras que impeçam a passagem da vida cons­ do “iceberg”, contanto que queiramos olhar para baixo: é a
ciente ao arquivo do inconsciente, nem que separem os memória preconsciente. São tôdas essas lembranças que
diversos estados de inconsciência. Forma-se assim uma tra­ temos arquivadas e às quais agora, por exemplo, quando
ma do “eu” único perfeitamente unido e ininterrupto que estamos lendo estas linhas, não prestamos atenção. Mas
nada pode esquecer. basta que queiramos e nos lembraremos como é o nosso
Não temos falado diretamente nos dados recebidos por nome e o dos nossos parentes, c onde moramos, em que oca­
vias paranormais, pois teríamos antes de explicar o para- sião fizemos uma viagem de avião pela última vez, etc. Basta
normal difícil de ser compreendido aqui. Mas também as olharmos para baixo, sob a superfície do mar, ao precons­
percepções paranormais são arquivadas. ciente.
Os casos observados e as experiências feitas autorizam- Há outra zona do “iceberg” que não vemos nem mesmo
nos a deduzir que nada se esquece no nosso inconciente. Já se olharmos para ela. Mas se o “iceberg” se inclinar um
no início da invetigação metapsíquica, numerosos autores, pouco, essas lembranças irão emergir. Isto acontece porque
tais como JANET, FLOURlNOY, RICHET e outros, defen­ as circunstâncias (associação de idéias inconscientes) pro­
diam a pantomnésia contra a hiperemnésia. curaram ou reclamaram tal lembrança.
Não nos detemos muito nas provas dêste capítulo por­ Muitas das chamadas “intuições” ou “inspirações” do mo­
que grande parte do próximo capítulo servirá para provar ou mento” são, no todo ou em parte, lembranças do que ouvi­
confirmar a memória do inconsciente. mos, lemos, pensamos em ocasiões anteriores. Mas passam
quase sempre despercebidas no seu aspecto de lembranças.
13 — RICHET, Charles: “Traité de Métapsychique”, 2.a ed., Pa­ Podemos fomentar a associação de imagens e excitar o
ris, Alcan, 1923, pág. 59. inconsciente, fazendo, assim, trabalhar o arquivador.
116 A FACE OCULTA DA MENTE PANTOMNESIA 117

Conta-se na biografia do sábio espanhol AMOR RUI- obter excelente ajuda para a vida prática, sob a direção de
BAL que sua prodigiosa memória consciente (preconsciente) algum médico técnico em hipnotismo, com o que reduziremos
permitia-lhe encontrar sem fichário o que precisava na sua ao mínimo o perigo de fomentar o automatismo e outras
confusa biblioteca pessoal. Um dia, porém, a memória cons­ decorrências perigosas.
ciente falhou e apesar de emçr regar várias horas não encon­ Um conhecido especialista em hipnose refere-nos o se­
trou um folheto raro sobre o Código de HAMMURABI. guinte caso.
Encarregou alguns auxiliares de vasculharem livro por
A Srta. W. procurava encontrar uma oarta comercial
livro, dependénria por dependência, pasta por pasta, para
muito imf ortante, que perdera um ano antes da nossa entre­
encontrar o folheto. Inútil. Profundamente contrariado e
vista... Em estado hipnótico, e em resposta a perguntas
preocupado, {pois precisava com urgência do folheto, deitou-
específicas, disse, primeiro, quando recebera *a rarta; depois,
se aquela noite e em sonhos viu o folheto em determinado
em que oportunidade a utilizara; e por último, quando a vira
lugar inesperado. Acordou cedo. Ràpidamente foi ao lugar
pela última vez. Foi no quarto para hóspedes, de sua tia, em
para constatar se era verdade... Lá estava o folheto ex­
Boston, enquanto preparava a mala para viajar.
traviado H.
— “Não a colocou na mala?”
O inconsciente, aguçado pelo desespero da situação, — “Não”.
“trabalhou no sou arquivo” tôda a noite, até encontrar a — “Desde então não a viu mais?”
lembrança desejada. — “Não”.
Às vézes é bem longo o tempo empregada pelo arqui­ Acordando-a, informei-a de que deixara a carta no quarto
vador, até encontrar a lembrança que procura. para hóspedes em Boston. (Em vigília ela afirmara que a
BROCKELBANK, por exemplo, perdera um canivete de última vez que tinha visto a carta fôra num. escritório de
estimação. Procurava-o em vão. Conscientemente decidiu New York). Ela não acreditava ser isso possível, mas disse
não pensar mais no assunto. Mas o inconsciente ficou alerta. que o comprovaria escrevendo para sua tia. Algumas sema­
Certa noite, seis meses mais tarde, o inconsciente conseguiu nas mais tarde, fui informado de que a investigação confirma­
encontrar a lembrança arquivada. BROCKELBANK sonhou ra a revelação feita durante a hipnose. A carta fôra encon­
então que usava umas calças velhas, há muito tempo aban­ trada em Boston. Felizmente, sua tia a tinha guardado” i*.
donadas, e que lá se encontrava o canivete. Por que sonhou
isto? Intrigado, quis ver se era verdade e foi em busca das
Por meio da hipnose ou associações, testes, drogas, etc.,
calças. No bôlso com o qual sonhara estava o canivete 15.
o psiquiatra poderá obter algumas vêzes do inconsciente, lem­
branças que o auxiliem na recuperação do paciente. O advo­
MAURY, esforçava-se por lembrar determinada coisa gado poderá obter dados preciosos para a reconstituição dos
interessante antes de deitar-se à noite. E assim muitas fatos do seu cliente, etc.
noites ia ‘"provocando’’ o arquivador. Em sonhos, com al­ Pela hipnose chegou-se por vêzes a bastante profundi­
guma freqüência, vinham lembranças e mais lembranças. dade do arquivo. Uma experiência quase de rotina é a compro­
Método quase idêntico, embora admita melhor técnica, vação da memória do inconsciente durante a hipnose. “Em
é o da hipnose. Pela hipnose, em alguns casos, podemos conseqüência, a imaginação exalta-se também, dando à lin­
guagem dos pacientes um brilho e um colorido notável; a
14 — GOMEZ LEDO, A.: “Amor Ruibal o la sabiduría con sen- memória reproduz com notável precisão, cenas e pormeno-
cillez”, Madrid, 1949, pág. 40.
15 — MYERS, Frederic W. H., tradução francesa de JANKE- 16 — RHODES, Rafael H., tradução de NOVELL A, Domingo
LEVTCH: “La personalité humaine. La survivance, ses manifesta- Juan: “Hipnosis, teoria, prártica y aplicación”, 2.a ed., México, Agui-
tions siífra-normales”, Paris, Aloan, 1919. lar, 1958, pág. 146.
118 A FACE OCULTA DA MENTE

res que, em estado de vigília, estão completamente esque­


cidos ou jamais fixados” 11.

A Criptomnésiia
Para chegar às capas mais profundas do ‘‘iceberg” não
há técnicas viáveis. Tratar-se-ia simplesmente de causar uma
tempestade, um profundo desarranjo no psiquismo. Diría­
mos dar a volta ao psiquismo, ou fazer explodir o “iceberg”,
excidir a personalidade de forma que, consciente e incons­
ciente “se apresentem em público” conjunta ou sucessiva- Xe noglossia 10
mente: dupla personalidade, tríplice, etc.
O INCONSCIENTE, A MELHOR
Às vezos, estes profundos desarranjos surgem como re­ ESCOLA DE LÍNGUAS
sultado de graves traumas físicos ou psíquicos, assim como
doença, acidente, golpes na cabeça, desgraças, mêdos. ..
Espccialmentc estas manifestações do inconsciente mais Uma jovem aprende quatro línguas
profundo sempre se apresentaram nimbadas de mistério,
porque só recentemente se descobriu a origem na memória diferentes em apenas quatro dias. — “Após
do inconsciente. E* por isso que a memória do inconsciente a morte”, uma húngara esqueceu o húngaro
foi chamada também “criptomnésia”, que etimològicamente e começou a falar espanhol. — O inconscien­
significa “memória de coisas ocultas”. Explicando o con­ te poliglota.
ceito diríamos que é memória sem aparecer como tal, sem
se saber que se trata de lembranças.
Uma grande parte do próximo capítulo poderia ser adu­ li ALAR línguas estrangeiras sem tê-las aprendido . . . O
zido aqui, como exemplo de “lembranças ocultas”, resultado * fenômeno foi chamado por RICHE 1 xenoglossia (do
de profundo desequilíbrio psicofísico. grego xenos = estrangeiro, e gloto = falar). Fora da ciên­
cia experimental o fenômeno é mais comumente chamado
“glossolalia” (falar línguas) ou “dom das línguas”.
Os atos psíquicos, provàvelmente todos os
atos psíquicos normais, extraordinário-normais, A fraude é a primeira explicação
paranormais, conscientes ou inconscientes, arqui­
vam-se para sempre na memória inconsciente Houve um caso que se tornou famoso por ter sido obser­
vado por RICHET.
desde a mielinização dos nervos.
“Uma senhora, de uns trinta anos de idade, desconhecia
A memória do inconsciente chama-se em absolutamente o grego. Apesar disso esrreveu na minha pre­
Parapsicologia “ pantomnésia”: memória de tudo, sença compridas frases em grego. .. Encontrei depois de al­
nada se esquece.
1 — RICHET, Charles: “Traité de Metapsychique”, 2.a ed., Paris,
Alcan, 1923, pág. 261. Tradução espanhola juntamente com outro
17 — “Enciclopédia Ilustrada Europeo-Americana”, o. c., no ar­ livro de RICHET: “Tratado de Metapsiquica y Nuestro Sexto Sen­
tigo “Hipnotismo", pág. 1692. tido", Barcelona, Araluce, 1923.
120 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 121

gumas investigações... os livros dos quais a mesma senhora cluindo que, provàvelmente, tratava-se mesmo de fraude; só
extraíra as frases. . . o dicionário grego-francês e francês- em última hipótese é que se poderia falar numa represen­
grego de BYZANTIUS e COROMELAS (Atenas, 1851, 2.a tação visual memorizada por pantomnésia inconsciente4.
edição), a Apologia de SÓCRATES, o Fédon de PLATAO e
o Evangelho de São JOAO...” Outra observada, Helena SMITH, deu também mostras
de xenoglossia fraudulenta por fraude inconsciente, isto é,
O interessante é que algumas frases se arreavam muito não com a vontade deliberada e consciente de enganar.
bem às circunstâncias. Uma tarde, por exemplo, ao cair do
sol, a senhora escreveu em grego uma frase que se encontra Helena SMITH, afirmou, durante um transe que, numa
no dicionário citado: “Quando está no seu nascimento ou no reenoarnação anterior (! ?), fôra a rainha Antonieta e antes
seu ocaso, a sombra projeta-se longe”. A frase é transcrita ainda Simandini, filha de um cheique árabe e espôsa do prín­
sem arentos e com um pequeno êrro: um alfa por um ípsilon. cipe hindu Sivrouka NAYAKA senhor de Kanara. Mora­
vam na fortaleza de Tschandraguiri, construída por seu es-
RICHET considerou importante o caso desta senhora. pôeo em 1401. . .
Ela escrevera em grego um total de vinte linhas, 622 letras,
Todo o esplendor e luxo do mundo oriental era descrito de
com somente 6% de erros, além da ausência de acentos 2 3.
modo meio fantasmagórico por Helena. Descreveu também
Supondo que a senhora conhecesse o abecedário grego, fatos históricos da época. E o surpreendente, ou, ao menos,
o esforço da memória não seria grande, dado que as frases o que mais nos interessa: numa ocasião, em transe, escreveu
foram escritas em pequenas “doses”, em diversas ocasiões.
uma linha em árabe c empregou palavras em sânscrito. Foi
Era fácil que as fôsse aprendendo. E, se a senhora não
só após muito trabalho que professôres da Universidade con­
conhecia as letras gregas, para aprendê-las necessitaria no
seguiram verificar que a linha em árabe e as palavras em
máximo de uma hora. Da acentuação grega, mais difícil de
lembrar, ela esquivou-se. Quanto ao significado das frases, sânscrito eram reais, como também os fatos históricos a que
no dicionário de BYZANTIUS e COROMELAS constava cer­ ela aludiu.
tamente o significado, depois das frases gregas. Na França, O Dr. FLOURNOY, fingiu-se espírita, para poder in­
não são freqüentes as edições apenas em grego da Apologia, vestigar com plena liberdade o assunto H. SMITH. Após
do Fédon e dos Evangelhos: costuma-se fazer edições bilín-
gües. Nestas condições é facílimo estudar, para cada sessão, vários anos de observação da médium e pacientíssimos estu­
algumas frases curtas e inclusive aplicá-las às circunstân­ dos, chegou à conclusão clara e indiscutível, de que tudo era
cias, principalmente se se escreve espontaneamente e não em fraude, inconsciente, mas fraude. Todos os dados, perso­
resposta a perguntas. nagens, acontecimentos históricos a que Helena aludia, pro­
vinham de um livro francês (única língua que ela conhecia),
A hipóteses da fraude não foi excluída, no caso, admi- muito raro em Genebra, publicado em 1828. A frase árabe
tvndo-se que poderia se tratar de uma dessas fraudes incons­ tinha sido incluída por um médico na dedicatória com que
cientes ou ao menos irresponsáveis, muito freqüentes. RI- oferecia a um amigo o livro escrito por êle em Genebra
CHET afirmara “que se trata claramente de visão mental mesmo.
de vários fragmentos de livros”; reconhece, porém, que não
se pode rejeitar a hipótese da fraude. Justas críticas fêz o Quanto às palavras em sânscrito, comprovou-se que
Dr. DESSOIR, defendendo a explicação por fraude5. A Helena SMITH folheara uma gramática e um dicionário
“Society for Psychical Research” discutiu o assunto, con­ sânscritos.

2 — RICHET, Charles, o. c., págs. 263 ss. 4 — “Journal of Society for Psychical Research”, Londres, julho,
3 — DESSOIR: “Vom Jenseit der Seele”, 4.a ed., Berlim, 1920. 1906, págs. 276 ss.
122 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 123

Não se tratava de ler e falar “o sânscrito”, como com CARDOSIO (sic). Daí as tinha tomado o médium, sem
exagero pouco sincero tem-se afirmado. FLOURNOY diz suspeitar que no livrinho encontravam-se dois erros: o no­
que eram unicamente algumas palavras em sânscrito, es­ me do médico não edo “B.” e sim “Fernando”, e o sobre­
critas ou pronunciadas. FLOURNOY sugere a explicação: nome não era “CARDOSIO” e sim CARDOSO. Comprovou-
“Um dos membros da Sociedade de Investigações Psíquicas se também que outras frases xenoglóssicas, empregadas pelo
de Genebra, o sr. J., tinha estudado alguma coisa deste mesmo médium noutras ocasiões, foram tiradas do mesmo
idioma, raro na Suíça, e possuía uma gramática do mesmo livro. O médium foi desmascarado 7.
(Harler, C. de: “Grammaire pratique de la langue sans- Os médiuns espíritas que se fizeram mais famosos em
crite”, Paris, Louvain, Bonn, 1878 )no próprio aposento em xenoglossia, foram EGLINTON e VALIANTTNI, sem contar
que se faziam as sessões; nessa casa, H. SMITH esteve fa­ H. SMITH na xenoglossia imprópria de inventar línguas.
zendo sessões durante um ano inteiro, precisamente o que EGLINTON e VALIANTINI em repetidas sessões falaram
precedeu à erupção da fantasia hindu” 5. várias línguas 8. VALIANTINI, porém, é mais do que sus­
Em matéria de xenoglossia a fraude mais singela pode peito por ter sido apanhado em fraude com demasiada fre-
ser dc um efeito altamente surpreendente como mostra o qüência. A respeito de EGLINTON, escreve o próprio
caso seguinte, entre outros muitíssimos que se poderiam RICHET, geralmente muito entusiasta: “A sinceridade de
citar. EGLINTON é bem problemática”9.
Numa sessão de psicopatia, um médium escreveu as A fraude, portanto, talvez inconsciente ou ao menos
palavras: “Einek Habacoha” c assinou “B. Cardosio” (sic). irresponsável, explica muitos casos de xenoglossia “apa­
Perguntado, o ignorante médium explicou aos sábios que as rente”.
palavras significavam “Vale de lágrimas”, acrescentando qnue
se encontravam uma única vez no Antigo Testamento 6. Após Xenoglossia impropriamente dita
várias investigações descobriu-se que existira um médico por­
tuguês, chamado Fernando CARDOSO, que tinha abraçado Um outro tipo de pseudo-xenoglossia, seria o de inventar
a religião judaica. O ignorante médium não podia saber pala­ línguas novas, mesmo perfeitas. E’ o caso, por exemplo, da
vras hebraicas nem seu significado. O caso foi tido pelos
famosa médium espírita Helena SMITH, da qual falaremos
espíritas como manifesta intervenção do “espírito” do mé­
no próximo capítulo. Inventar línguas como o fêz Helena
dico que ninguém conhecia e menos ainda no seu judaísmo.
SMITH, prova o talento do inconsciente, mas não é xenoglos­
Descobriram-se mais tarde as obras de CARDOSO no “Bri- sia propriamente dita.
tish Museum”, cheias de citações hebraicas: nôvo “argumen­ Também não é xenoglossia entender línguas, embora
to” em prol da intervenção do “espírito”. geralmente os autores incluam no conceito de xenoglossia
o fenômeno de entender línguas desconhecidas.
O argumento parecia insofismável, e não obstante era
um simples truque como se desvendou depois, ao encontrar- Eis um caso bastante antigo, do século XVII, mas bem
se num pequeno livro alemão de provérbios e sentenças as comprovado e que se tomou clássico.
palavras: “Hemek Habaccha = Vale de lágrimas”, com a 7 — AKSAKOFF, Alexandre Nicolaevich, tradução alemã: “Ani-
indicação de serem o mote do médico português judeu B. mismus und spiritismus; Versuch einer kritischer prtifung der medium-
nistischen phaenomene”, 4.a ed., 2 vol., Leipzig, Mutze, 1901 (l.a ed.
em 1890). Tradução francesa: “Animisme et ardritisme”, Paris, Li­
5 — FLOURNOY, Th.: “Nouvelles observations sur un cas de braria des Sciences Psichologiques, 1895. Tradução espanhola: “Ani­
somnambulisme avec glossolalie” em “Archives de Psychologie”, 1902, mismo y Espiritismo”, Barcelona, Carbonell y Esteva, s/d.
I, pág. 213 (o artigo: págs. 100-255). 8 — BONI (de), G.: “Metapsichica, scienza deli'anima”, Verona,
6 — Salmo LXXXIII, 7. Mas a moderna exegese científica põe 1946, págs. 123 ss.
“Vale árido” e não “Vale de lágrimas”. 9 — RICHET, Charles: “Traité...”, o. c., pág. 265.
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124 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 125

A sra. RAINPAING ficou viúva. Um " médico-bruxo Não é estranho que, com os escassos conhecimentos da
chamado POIROT, pediu-a em casamento. Não foi ouvido. época e ambiente de demonologia e bruxaria, o caso fôsse
Deu-lhe então estranhos “filtros”, para conquistar-lhe o amor. tido como indubitável possessão diabólica. Mas disso não
Inútil. Dirigiu então tôda a “bruxaria” no sentido da vin­ havia nada.
gança, abalando a saúde da Sra. RAINFAING. Depois suce­
deram coisas tão estranhas a esta senhora, que a julgaram Interessa-nos, e foi no que insistiram os exorcistas, o
possessa do demônio. Os médicos declararam nada entender fato de que entendera a língua, mas já sabemos que, mesmo
do seu estado e a recomendaram aos exorcismos da Igreja. ignorando completamente as línguas estrangeiras com que
Por ordem do Sr. de PORCELETS, bisro de TOUL, fo­ se dirigiam a ela, a Sra. RAINFAING podia captar o sen­
ram nomeados exorcistas o Pe. VIARDIN, doutor em Teo­ tido das perguntas e ordens por hiperestesia indireta do pen­
logia e Conselheiro de Estado do Duque de Lorena, e mais samento. Logo mais insistiremos nisto.
outro jesuíta e um capuchinho. No decorrer dêsses exorcis­ Pouco importaria agora, saber se a Sra. RAINFAING
mos, intervieram também muitos religiosos e padres de entendeu diretamente a frase estrangeira que ouviu, ou se
Nancy, inclusive o bispo de TRIBOLI, o sufragante de Es­ somente captou as idéias do doutor, sem entender direta­
trasburgo, o embaixador do Rei da França c o bispo de Ver- mente as frases estrangeiras. Afirmamos que bastaria a
dun. Foram também enviados dois doutores da Sorbonne. percepção da idéia, por hiperestesia indireta do pensamento
A Sra. RAINFAING foi “exorcizada” várias vêzes em consciente ou inconsciente. A importância dos sinais foné­
hebraico, só com o movimento dos lábios, sem pronunciar-se ticos provavelmente deve, no caso, reduzir-se, porque a lín­
uma palavra. E a suposta possessa entendeu- perfeitamente gua empregada era desconhecida para a sensitiva. Mas há
a fórmula do “exorcismo”. O Dr. GARNIER, Doutor da Sor- outros muitos sinais comuns a tôda a espécie humana, como
bonne, deu-lhe várias ordens e perguntas em língua hebraica. indicamos no capítulo da hiperestesia indireta do pensamento.
Ela respondeu que só falaria em francês, acrescentando:
“Não é bastante que eu lhe mostre entender o que diz?” Por hiperestesia indireta do pensamento, podia a Sra.
O mesmo Dr. GARNIER, falando-lhe em grego, errou
RAINFAING captar os pensamentos dos interlocutores. Po­
distraidamente na declinação de uma palavra. A “possessa’^
dia, portanto, responder em francês, sua própria língua, de
lhe disse:
acordo com o que diziam a ela em hebraico, grego ou latim.
— Você errou. Amesma coisa se diga do êrro que denunciou: por
— Mostra-me em quê — exigiu ainda em grego o doutor. hiperestesia captou a reação (talvez só inconsciente) do cé­
— Contente-se — respondeu a Sra. RAINFAING — com rebro do Dr. GARNIER, percebendo indiretamente que o
que denuncie seu êrro. Não falarei mais dêle. doutor errara.
Em grego, pediu o doutor que ela se calasse. Em vão:
— Ordena-me que me cale, mas eu não me calarei.
Nem sequer era preciso recorrer à percepção paranor-
mal, extra-sensorial, do pensamento de seus interlocutores.
E assim outras frases semelhantes foram feitas pelos
Bastava, pôsto que estavam presentes, a hiperestesia.
exorcistas, seguidas de respostas mais ou menos confusas
da Sra. RAINFAING. . . 10. * E’ curioso que um ocultista como Elíphas LEVÍ, dê li­
ções de senso comum àqueles “homens tão sérios”, que atri­
10 — CALMET, Augostin: “Dissertations sur les aparitions des buíam o fenômeno ao demônio. Assim se expressa o famoso
anges, des démons et des sprits, et sur les revenants et vampires de ocultista: “Admiro-me de que homens tão sérios não tives­
Hongrie, de Boheme, de Moravie et de Silésie... Nouvelle éditions sem notado a dificuldade que teve o pretenso demônio em
revue, corrigée et augmentée par 1'auteur”, Paris, “Chez de Bure 1’ainé
quai des Augostins à lTmage S. Paul”, 1756. Tradução para o inglês lhes responder numa língua estranha à da doente. Se o
por CHRISTMAS, Henry, sob o título: “The Phantom Wold, or the interlocutor fôsse o demônio, não somente teria entendido
Philosophy of Sprits, Apparitions, etc...”, 2 vol. Londres, 1850. o grego (latim ou hebraico), mas teria falado em grego
^6687019

126 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 127

(latim ou hebraico). Uma coisa não custaria mais do que a — Pois chamem o chinês.
outra a um espírito tão sábio como maligno” 11 12. Os parên­ Após algum tempo, chegaram dois chineses em vez
tesis são nossos. de um.
— Vocês ouviram esta menina falar? — perguntei-lhos.
Casos semelhantes são relativamente freqüentes. Um dos chineses fêz um sinal afirmativo...
— Pergunte em chinês quais as flores da Califórnia (lá
Xenoglossia propriamente dita sucedeu o fato), de que ela mais gosta.
Falando com propriedade, xenoglossia é empregar lín­ Um dos chineses fêz a pergunta, e a menina desatou a
guas desconhecidas pelo consciente. falar com extraordinário desembaraço. A princípio os chi­
neses começaram a sorrir, mas depois ficaram muito sérios.
Usamos o termo empregar para incluir a xenoglossia — - Que foi que ela disse? — perguntei. Um dos chineses
falada, escrita, pelos movimentos da mesa, ou qualquer outro rés)* ondeu:
sistema de expressão. — Duas toalhas de mesa, três fronhas, seis pares de
A xenoglossia escrita, ctc., não se diferencia da xenoglos­ meias, três lenços... — e calou-se.
sia falada. A única diferença é meramente extrínseca. Mais — Não disse mais nada? — insisti. Um dos chineses
ainda: a escrita automática, etc., facilita a manifestação da não quis responder, mas o outro, vendo que eu tirara a car­
xenoglossia, ficando tudo no âmbito do inconsciente l\ teira para recompensá-los se me dissessem tudo, acrescentou:
— Disse outras coisas muito feias que não me atrevo a
Neste capítulo vamos tratar unicamente da xenoglossia repetir!” 13.
propriamente dita.
O Pe HERÉDIA não teve dificuldades para achar a
Xenoglossia traumática explicação do prodígio. A pobre menina tinha ouvido dos
chineses a lista de peças a lavar e além disso outras pala­
Uma menina de dez anos sofrera uma fratura de crânio
vras que não designavam roupa, nem flores da Califórnia
por causa de uma queda. “Veio ter conosco — escreve o Pe. propriamente ditas... O inconsciente arquivou tudo o que
HERÉDIA, S. J. — uma mulher, muito aflita, temendo que ouviu e o estado de inconsciência provocado pela lesão cra­
a filhinha estivesse possessa do diabo, pois falava chinês... niana fêz com que tudo aflorasse à superfície. Consciente­
Fomos ver a menina. Efetivamente, por momentos punha-se mente, a menina não seria capaz de repetir uma só palavra
a falar numa língua desconhecida para nós. em chinês.
— Como souberam vocês que é chinês o que ela fala? Ãs vêzes, é muito difícil encontrar a origem pantomné-
— perguntamos. sica da xenoglossia, como mostra o seguinte caso de xeno­
— Padre, é porque um chinês que lava a roupa a ouviu glossia também traumática.
falar e disse que é chinês...
Uma velha, num acesso de bronco-pneumonia, começou
de repente a exprimir-se num idioma desconhecido por todos
11 — LEVI, Elíphas (CONSTANT, Alphonse Louis): “Dogma e os presentes. Depois se comrrovou que era o industani. A
Ritual de Alta Magia”, tradução de CAMAYSAR, Rosabis, 7.a ed., São velha desconhecia absolutamente aquela língua.
Paulo, O Pensamento, 1955, pág. 364.
12 — As idéias inconscientes expressam-se inconscientemente por
meio de movimentos reflexos automáticos, da mão que segura o 13 — HEREDIA (de), S. J., Carlos Maria: “Los fraudes espiri­
lápis (ou pêndulo, copo, mesa, etc.). O fenômeno em si é simples. tistas y los fenómenos metapsíquicos”, 5.a ed., Montevidéu, Mosca,
O “mistério” da psicografia e fenômenos afins, provém de outro fe­ 1945, pág. 249. Tradução portuguêsa: “As fraudes espíritas e os
nômenos que explicam donde vêm as idéias, estilo, etc., manifestados. fenômenos metapsíquicos”, 3.a ed., Petrópolis (R.J.), Vozes, 1958,
Êstes fenômenos de conhecimento são os que explicamos neste tomo. pág. 214.
128 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 129

Foram necessárias longas e laboriosas investigações para Uma mulher em estado de sonambulismo (hipnótico) re­
comprovar, depois de muito tempo, que até a idade de quatro citou, sem hesitar, longos capítulos da Bíblia hebraica, apesar
anos, aquela senhora vivera na ÍNDIA. Desde aquela data de, acordada, não conhecer uma única palavra dessa língua.
haviam passado 60 anos 14. Descobriu-se que ela simplesmente repetia o que ouvira de um
Como diz DWELSHAUVERS no seu “Traité de Psycho- rabino que tinha o hábito de ler a Bíblia em voz alta e do
logie” ao referir um caso quase idêntico ao que acabamos qual fôra empregada quando môça 16.
de mencionar: “O cérebro funcionou como um fonógrafo”. Durante o estado hipnótico o inconsciente apresentou
Casos semelhantes são relativamente freqiientes, espe­ com tôda exatidão e vivacidade tudo quanto ouvira uma só
cial monte em países de imigração. Só um mês após a minha vez anos atrás sem nada entender e, possivelmente, ouvido
estada em São Paulo já me apresentaram três doentes “en­ por sensações hiperestésicas.
demoninhados” (?) que falavam nas suas crises línguas que
não conheciam conscientemente. Quando, após breve tra­ Ura ouso discutido
tamento, consegui reequilibrar um pouco o sistema nervoso
destes três pacientes, o “demônio” (?) foi expulso... Um jovem professor, inicialmente por curiosidade, e,
A pantomnósia tem sido comprovada como a explicação rum grande surpresa, depois já por necessidade mórbi­
mais frequente da xenoglossia. Êste fato de observação fa­ da, dedicou-se meses e meses, quase sem interrupção, ao
cilitou a experimentação do fenômeno. perigoso exercício da escrita automática ou psicografia.
Conseqüência: o equilíbrio psíquico dêtese jovem rompeu-se,
Xenoglossia experimental originando fácil mente desdobramento da personalidade e au­
tomatismo notável.
Não é muito raro que, no sonambulismo hipnótico, sur­
jam espectaculares xenoglossias, mais ou menos provocadas O Pc. CARO, Cônego da Catedral de Nancy, e mais
pelo hignólogo. A inconsciência da hipnose é bastante pa­ outros seis sacerdotes quiseram presenciar pessoalmente o
recida com outros estados de inconsciência, nos quais o fenô­ fenômeno que julgavam inacreditável. Chamaram o jovem,
liste, que era católico, acedeu imediatamente. “Entregaram-
meno surge espontâneamente: febre, transe, narcótico, trau­
lhe um papel e lápis, convidando-o a responder a algumas
matismo psicofísico.
perguntas encerradas num envelope fechado que estava sôbre
Uma môça, quase analfabeta, posta artificialmente em a mesa”. O jovem escreveu as respostas adequadas. Uma
estado de sonambulismo hipnótico, recitou um longo trecho delas em latim. Frase feita, não original. Tinha, porém, sen­
oratório em latim, língua da qual ela não sabia sequer uma tido de acordo com a pergunta.
palavra. Comprovou-se, seguindo as orientações dadas pela
O Cônego GARO e os outros seis padres não tiveram
mesma hipnotizada, que anos atrás um tio da jovem recitara
dúvidas: respondera em latim quem ignorava completamente
um dia aquele mesmo trecho perto do quarto de dormir da o latim. Só podia ser obra do demônio.. .! E levantaram
môça, que então se achava doente 15. * * * * * a ses3ão imediatamente.

14 — FREEBORN, H.: “Temporary reminiscence of a long for- Foi a primeira teoria explicativa.
gotten langage during the delirium of broncho-pneumonia”, em “Lan-
cet”, 14 de junho de 1902. 16 — BRAID, James: “Neurhypnology, or the rationale of ner-
15 — LAPPONI, José, tradução da segunda edição italiana ror vous sleeps”, Londres. 1843. Èste livro foi incluído p^steriormente,
VIEIRA, Batista Manoel: “Hipnotismo e Espiritismo”, São Paulo, como já temos indicado, no livro de WAITE, A. E.: “BRAID on hip-
Falcone, 1907, pág. 226. notism”, Londres, George Redwai, 1889.
A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 131
130

Logo apareceu outra teoria: “Seriam os espíritos”. E Hiperestesia indireta do pensamento


o caso foi publicado na “Revue Spirite” 17, embora uma tes­
temunha, o comunicante, não estivesse seguro de se tratar Entre as causas da xenoglossia, como explicação total,
de um fenômeno espírita. “Li — escreve o articulista, leigo ou como explicação parcial completando a pantomnésia, pa­
— grande número de obras sôbre o Espiritismo e confesso rece que a hiperestesia indireta do pensamento (ou a telepa­
que ainda não existe clareza sôbre o assunto. .. tôdas as tia, em último caso) é o fenômeno parapsicológico que mais
frequentemente intervém.
afirmações são hipóteses sem nenhuma justificação”.
Hoje, com o avanço da ciência, o caso aparece simples, O espírita Ernesto BOZZANO, atacando um livro de
SUDRE 18, afirmou: “Para compreender uma língua, não é
podendo ter duas explicações fáceis e naturais. necessário que o médium a conheça, porque lhe basta o pen­
Os mesmos padres ali presentes haviam formulado as samento do consulente. Não assim quando se trata de falar
perguntas contidas no envelope. Não seria difícil ao jo­ (“inteligentemente”, de acordo com as circunstâncias): Nes­
vem, notável mente hiperestésico e treinado, cantar dos pa­ te caso é taxativo e necessário que o médium conheça a lín­
dres o conteúdo do envelope. Hiperestesia indireta do pen­ gua. A clarividência (ou hiperestesia indireta do pensa­
samento. mento, ou telepatia) é impotente para fazê-la conhecer, e tal
O conhecimento das perguntas, ao que parece pelo teor impotência deriva do fato de que a estrutura orgânica de
da relação, foi inconsciente no jovem. Inconscientes parece uma língua é pura abstração e, em conseqüêneia, não se pode
que foram também as respostas, facilitadas aliás pela psico- ver nem perceber no cérebro de outrem” 19 20. Os parênte­
grafia. Nem houve necessidade de se passar ao campo da ses são nossos.
consciência. Isso facilita muito o fenômeno. Se, pois, o médium não conhece uma língua e a fala, o
Mas uma das respostas fora dada em latim. . . Não há fenômeno se deveria aos espíritos, segundo BOZZANO.
nada de estranho em que um professor católico ouvisse fra­ O Pe. BALDUCCI, depois de conceder que entender lín­
ses em latim. Todos as ouvem, na Igreja. Nada há de guas é fenômeno natural, acrescenta: “Nos livros ou no cére­
estranho que soubesse, ao menos inconscientemente, o sig­ bro de outrem poder-se-ão, quando muito, ler frases em língua
nificado de algumas frases latinas ouvidas, ou porque o estranha, mas não (para usá-las) entendendo o seu signi­
significado fôsse compreensível, ou porque lhe tivesse sido ficado, coisa que pressupõe o conhecimento abstrato da lín­
explicado. Mesmo que não se lembrasse conscientemente gua. E’ êste o argumento principal que dá um valor absoluto
dessas frases e do seu significado, o inconsciente não esquece à nossa afirmação” (de que a xenoglossia inteligente se
nada, é pantomnésico. Pois bem, a uma das perguntas feitas deveria ao demônio) 2Ü. Os parênteses são nossos.
pelos padres, inconsciente e hiperestèsicamente captadas Há fatos e experiências, que refutam essas teorias: não
pelo jovem, se associou mais fàcilmente uma frase latina. . . apenas palavras e frases, mas também significados, senti -
Onde estaria o mistério?
Mas propomos outra explicação mais verossímil. Os 18 — SUDRE, René: “Introduction à la Métapsychique Humaine”,
padres tinham formulado as perguntas. Para elas coincido Paris, Payot, 1926. (Modernizado e aumentado em “Traité de Pa-
com a solução anterior. Para as respostas mantemos a rapsychologie”, Paris, Payot, 1956).
mesma linha: respostas inconscientemente formuladas pelos 19 — BOZZANO, E.: “Per la defiesa dello spiritismo. A pro­
padres e captadas nos mesmos. Tudo se reduz à hiperestesia pósito delia “Introduction à la Métapsychique Humaine” di René SU­
DRE”, pág. 92. Trad. de FRANCO, Araújo: “A propósito da introdução
indireta do pensamento dos padres, tanto para as pergun­ à Metapsíquica humana. Refutação do livro de René SUDRE”, 2.a ed.,
tas, como para as respostas, incluindo a resposta em latim. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s. d. (1960), pág. 107.
20 — BALDUCCI, Corrado: “Gli Indemoniati”, Roma, Colleti,
17 ‘Revue Spirite”, Paris, 15 de janeiro de 1886. 1959, pág. 325.
A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 133
132

mentos, .idéias, conceitos abstratos, etc., podem ser captados excitado) 21 22 23 *. Tal seria o caso, por exemplo, das conversas
hipci estesica ou paranormalmente. em grego mantidas por Laura.
Os mesmos BOZZANO e BALDUCCI se contradizem: Laura era filha do Juiz EDMONDS, presidente do Senado
afirmam que se podem captar frases no cérebro do in­ e membro da Côrte Suprema de Justiça de New York. Laura
terlocutor. Afirmam que se podem entender as frases conhecia (além do inglês, sua lingua nabal) só rudimentos
do francês. Não nos interessa agora o fato cie que sendo só
estrangeiras ouvidas, “lendo” o pensamento de quem as pro­
nunciou. Por que então mão se pode entender o significado rudimentos para o consciente, o conhecimento dessa língua
dessas frases captadas? Por que só se entendería o ouvido era tão completo para o inconsciente que, cm estado de so­
e não o captado? Em ambos os casos é “ler” o pensamento. nambulismo espontâneo, falava perfeitamente o francês. In­
teressa-nos agora que ela podia falar o grego corretamente,
E mesmo que BALDUCCI e BOZZANO tivessem razão, segundo as circunstncias da conversa com o Sr. EVANGE-
que necessidade há de entender para falar? Êles concebem LIDES, que era grego^.
que o sensitivo pode captar frases na mente do interlocutor.
Testemunha o juiz EDMONDS: “Negar o fato é impos­
Pois bem : Se o interlocutor conhece a resposta, é evidente
sível; c demasiado evidente. Não posso negar que o sol nos
que no seu cérebro se associa automaticamente a frase-res­
alumia! O fato sucedeu em presença de 8 a 10 pessoas,
posta adequada a cada pergunta consciente. O sensitivo pode
todas instruídas e inteligentes. Não tínhamos visto jamais
captar e pronunciar automaticamente essa /rase-resposta,
o Sr. EVANGELIDES. Foi-nos apresentado por um amigo
mesmo sem entendê-la. A resposta será de acordo com as
naquela mesma tarde. Como pêkle Laura falar c compreender
circunstâncias, “inteligente”. Parece que BOZZANO e BAL-
o grego, língua que jamais ouvira?” r*.
DUCCI se esqueceram de que a xenoglossia, a resposta, pode
ser “inteligente”, sem que o sensitivo entenda o sentido do
que diz... 21 — Suponhamos que eu aprendi juintas as palavras “relógio”
e “caneta” ao estudar português. Quando, depois, numa crloeriência
Já falamos, quando se tratou da hiperestesia indireta do de transmissão do pensamento, queira transmitir a palavra “relógio”,
pensamento, no caso dos meninos ILGA K. e LUDOVICO. o sensitivo especializado em hiperestesia indireta (ou telepatia) do
inconsciente excitado (TIE) captará, não a palavra “relógio” mas
Apesar de ainda não ter começado as primeiras lições a palavra “caneta”. O pensamento (aqui consciente) da palavra
elementares, ILGA “lia” de cor ou recitava qualquer trecho “relógio” excitou a palavra “caneta” que estava associada no incons­
ciente. Há outras musas de excitação de determinadas idéias, sen­
de escritos ou discursos em qualquer língua, contanto que
timentos, etc., do inconsciente. Estudaremos isto nos capítulos 22 e 23.
sua mãe fôsse na sua presença lendo mentalmente ou pen­
22 — RICHET Charles: “Traité. o. c., pág. 272. Cfr. também
sando o mesmo trecho. O menino LUDOVICO, falava inglês, “Annalles des Sciences psychiques”, Paris, 1905, XV, págs. 317-353 e
espanhol e, inclusive, um pouco de grego (além do francêls, “La xenoglossie de Miss Laura Edmonds”, ibidem, 1907, XVII, pág. 603.
sua línigua pátria) justamente as línguas que conhecia a 23 — Laura nunca ouviu falar o grego? O pai o afirma, mas em
mãe. E na ausência da mãe só sabia francês. New York... Quanto tempo precisa o inconsciente de ouvir falar o
grego, ouvir talvez só com sensações inconscientes, para aprendê-lo
Se as mães pensavam inteligentemente nessas línguas, de modo a formar ao menos algumas frases com sentido dentro da
a xenoglossia dos filhos era inteligente. conversa? iÊ por isso que semelhantes casos às vezes se tornam muito
difíceis de serem, classificados. As sensações inconscientes podem de­
O pensamento captado por hiperestesia indireta, pode sempenhar um papel inesperado. No caso de Laura e semelhantes a
ser o pensamento (sentimento, lembranças. . .) inconsciente. explicação por hiperestesia (ou telepatia) do inconsciente excitado, é
muito provável; mais ainda: é impossível que não se dê alguma vez
Aliás, é mais frequente captar o pensamento inconsciente xenoglossia por êste meio. Mas, na prática, quase sempre ficará uma
do eme o pensamento consciente, como veremos ao falarmos porta aberta em ordem a serem classificados êsses cases como pan-
da TIE (telepatia ou hiperestesia indireta do inconsciente tomnésia de sensações inconscientes.
XENOGLOSSIA 135
134 A FACE OCULTA DA MENTE

Laura anunciou, em grego, que o filho do Sr. EVANGE- A Sra. de WRIEDT, médium profissional 25, consultada
LIDES acabava de morrer. Ninguém sabia ainda. Posterior­ uma vez pelo Sr. MITOVITCH, diplomata sérvio, disse-lhe
de repente, e pronunciado em sérvio, o nome da sua mãe.
mente, confirmaram-se as declarações de Laura.
Naquela ocasião palestrou "inteligentemente” em croata (em­
bora num croata muito imperfeito) com um dos amigos do
A notícia evidentemente é fruto de um conhecimento diplomata, o advogado Sr. HINKOVITCH, que era croata 26.
paranormal, dada a enorme distância. Em quem? É Laura
que paranormalmente capta o sucedido? Temos por muito E assim por diante. Há muitos casos de xenoglossia
pouco provável esta hipótese. por hiperestesia indireta do inconsciente excitado (ou do
consciente, embora assim o caso seja menos “misterioso”).
Parece-nos muito rna^s provável que o Sr. EVANGE- Logo voltaremos ainda à xenoglossia “inteligente”.
LIDES inconscientemente captasse a morte do filho. Evi-
dontomonte, há muito maior motivo para se estabelecer uma Pluiixenoglossla
relação telepática entre pai e filho ou parentes assistentes
â agonia, do que entre estes e Laura. . . Dizemos que há monoxenoglossia quando se fala (ou
emprega) uma só língua que o consciente desconhece. Pluri-
Mas o pai, não sendo metagnomo, só inconscientemente xenoglossia, é quando se empregam várias línguas desconhe­
capta a desgraça. Laura capta a notícia no inconsciente do cidas. O fenômeno tem uma enorme espetacularidade.
Sr. EVANGELIDES por hiperestesia indireta do pensamen­ A pantomnésia e a hiperestesia, direta ou indireta, bas­
to inconsciente excitado (ou em último termo por telepatia tam para explicar muitos desses casos.
sôbre o inconsciente excitado). Um caso de plurixenoglossia, foi muito bem observado
Laura captou a notícia no inconsciente do Sr. EVANGE- pelo Dr. CADELLO, de Palermo.
LIDES. É lógico, pois, que no inconsciente do Sr. EVAN- Tratava-se de uma jovem de 17 anos, Ninfa FILITUTO,
GELIDES captasse as expressões gregas. siciliana. Padecia uma forte crise de histerismo com sonam­
bulismo espontâneo. No primeiro dia da crise assegurava
Claro está que Laura, por hiperestesia indireta do in­
que era grega, e escrevia com letras gregas, mas frases ita­
consciente excitado, não captou o grego, tôda a língua
lianas. 35 de notar que desconhecia em absoluto o grego.. .
grega, de modo que pudesse falá-la independente das circuns­ No dia seguinte, falava corretamente o francês, conhecendo
tâncias atuais. Captava só as frases que vinham ao caso, es­ desta língua, em estado normal, sò os rudimentos. No ter­
tando elas associadas no inconsciente do Sr. EVANGELIDES ceiro dia falava algo de inglês. No quarto dia da crise, a
às perguntas ou idéias que tinha no consciente. E assim, Lau­ doente falava corretamente o italiano, que normalmente fa­
ra podia conversar em grego, automaticamente, na presença lava bastante mal e com muito sotaque. Durante êsses quatro
do Sr. EVANGELIDES. Pouco interessa se entendia o que dias esqueceu, no consciente, completamente o siciliano, seu 25 26
dizia ou que lhe perguntavam. O mesmo juiz EDMONDS
afirmará depois: “Minha filha. . . (ao falar xenoglòssicamen- 25 — Tôda desconfiança é pouca perante os "adivinhos”, e mé­
te) freqüentemente não compreende o que diz, mas o consu- diuns "profissionais”. O truque, talvez inconsciente, é sempre possível.
Vários autores fizeram constar sua desconfiança a respeito da Sra.
lente lhe compreende sempre as palavras” 24. Tais palestras WRIEDT, médium "profissional”. A Dra. BARRET, porém, da "So-
“automáticas” não são xenoglossia “inteligente”? ciety for Psychical Research” de Londres, defendeu vigorosamente a
médium nestes casos de xenoglossia que referimos no texto.
26 — "Deux extraordinaires scéances avec la médium Mad.
24 — EDMONDS, W.: "Letters and Tracts”, New York, 1855, WRIEDT à Londres”, em "Annalles des Sciences Psychiques”, junho,
pág. 198. 1932, pág. 161. Ver também: "Light”, 8 de junho de 1912.
^

136 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 137

dialeto natal. No quinto dia, porém, passada a crise, recobra da “Divina Comédia”. O fenômeno vinha acompanhado, coisa
o dialeto siciliano esquecendo por completo os assombrosos aliás freqüente nestes casos, de ligeira ventriloquia.
progressos feitos em grego, francês, inglês e italiano 27.
O caso explica-se por simples pantomnésia.
“Desconhecia absolutamente o grego...”, mas consta A xenoglossia misturando as línguas não impede às vê­
que, pouco antes da crise, esteve folheando uma gramática zes a “inteligência” da frase: as palavras empregadas per­
grega. Pouco tempo é necessário para aprender o vocabulá­ tencem a várias línguas, conservando o conjunto um sentido
rio grego, inclusive conscientemente, como tenho comprova­ “inteligente”, segundo as circunstâncias do momento ou da
do com meninos. Para o inconsciente, pantomnésico, basta conversa. Alguns destes casos podem atribuir-se à pantom­
muito menos tempo. nésia e talento do inconsciente; outras vêzes, porém, são o
“Do francês, só conhecia em estado normal, os rudi­ resultado de hiperestesia indireta do pensamento (em última
mentos”. “Falava corretamente o italiano, que normalmen­ análise, da telepatia).
te falava mal e com muito sotaque”. O estudo do francês e Esta difícil xenoglossia, raríssimas vêzes se manifesta
a prática diária de falar italiano e conviver com italianos, verbalmente. Ê menos rara sem deixar de sê-lo, quando é
foram suficientes para que o inconsciente, pantomnésico, facilitada polo “planchet", copo. mesa garante, escrita auto­
aprendesse a falar corretamente essas línguas. mática, etc. São êstes, modos de manifestar automaticamente
“Falava algo de inglês”. O Dr. CADELEO, assegura a atividade interna inconsciente.
que ela nunca ouviu falar inglês. Duvidamos dessa afirma­ Servindo-se destas “pragmáticas” ou “maneias” e com
ção, pois na Itália, país de turismo, haverá alguém que nunca, um pouco do sorte, às vêzes, é até possível provocar experi­
ouviu falar inglês? O Dr. HANN 2R fez uma crítica muito mentalmente o fenômeno. Suponhamos um francês, um
acertada a esta afirmação temerária do Dr. CADELLQ. alemão c um sírio, os três com boa sensibilidade. Segredemos
a cada um dêles, na sua própria língua, uma pergunta, que
Mistura xenoglóssica seja a mesma para todos. Esperemos a resposta, segundo
um alfabeto convencional, por meio dos movimentos da mesa
A plurixenoglossia geralmente é a plurixenoglossia co­ sobre a qual êles apoiam as mãos. B possível obter, desta
mum que acabamos de ver. Palam-se várias línguas, mas um maneira, uma plurixenoglossia, ou mistura das três línguas,
dia uma língua, e outro dia outra. Ãs vêzes, porém, a plurixe­ nos movimentos da mesa.
noglossia apresenta um aspecto diferente: empregam-se vá­ Não é preciso que algum dos participantes na expe­
rias línguas misturando-as numa mesma conversa ou até riência chegue a captar, ainda que inconscientemente, as
numa mesma frase. palavras estrangeiras em que pensam os colegas. Basta que
Tal é o caso, por exemplo, de Alfredo, menino de 7 anos, o cada um dos participantes por sensação inconsciente capte
maior dos chamados “endemoninhados (! ?) irmãos PAUSINI”. a ordem de cessar, dada através do movimento da mesa,
Uma tarde, ao voltar de uma sessão espírita, desequilibrado e automática e inconscientemente, por algum outro dos parti­
psiquicamente contagiado, entrou espontâneamente em transe cipantes. As diversas ordens seriam dadas, sucessivamente,
e começou a falar numa mistura de grego, latim e francês pelos diversos participantes na experiência, para formar
(êle era italiano), além de recitar de cor compridas passagens alguma palavra na própria língua. Quando tivermos a sorte
de que a iniciativa do automatismo reflexo vá passando
27 — CADELLO: “Storita di un caso d histerismo con signatione
sucessivamente de um a outro dos participantes, teremos
spotina”, Palermo, 1853. como resultado uma frase plurixjenoglóssica “inteligente”.
28 — HANN, em “Annalles des Sciences Psychiques”, 1901, pégs. Eu tive êx^to uma vez dirifirmdo a experiência com quatro
meninas no Rio Grande do Sul.
138 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 139

Xenoglossia inteligente e íiabitual lonês. Ainda criança passara a viver na Alemanha. Chegou
a esquecer completamente o polonês. Seus filhos testemu­
Ao inconsciente hiperestésico, chegam inúmeros dados nham que, pelo espaço de 30 anos, evidenciou-se que êle
linguísticos. Os fenômenos paranormais de atividade incons­ esquecera por completo o polonês. O mesmo assegurava
ciente que estudaremos na 2.a parte, evidentemente que po­ freqüentemente êle aos filhos que o testemunham. Não
dem colaborar no descobrimento e apresentação de dados. obstante, quando teve de submeter-se a uma operação ci­
A pantomnésia conserva para o inconsciente esses dados, rúrgica, sob o efeito do clorofórmio, durante duas horas
como também os dados captados por “vias normais”, cm rezou, cantou, falou, contou e descreveu mil coisas, sòmente
número imensamente maior do que pode conservar o cons­
em polonês. Após haver passado totdlnwnte o efeito do
ciente. E o inconsciente, como veremos no próximo capítulo,
clorofórmio, voltou a esquecer completamente êsse idioma.
possui um assombroso talento: pode elaborar complicados
raciocínios, fazer descobertas prodigiosas, comparar e com­ Semelhantes casos não são por demais raros. A língua
binar dados, etc., numa proporção que o consciente dificil­ eme alsnma vez se aprendeu, mesmo após muitos anos de
mente pode alcançar. O resultado de tudo isto em determi­ esquecimento pode ressurgir, até com plenitude.
nadas circunstâncias, é uma xenoglossia verdadeiramente
“inteligente”, às vezes de freqüente uso e inclusive habitual. Xemoglossia só <lo inconsciente
Veiamos alguns casos que refutam totalmente as teorias de
BOZZANO, BALDUCCI c seus seguidores. Uma criança precisa do alguns anos para aprender no
consciente a falar a língua pátria. TJm adulto pode precisar
Línguas renascidas de menos tempo, inclusivo sem estudar. Precisa-se de tempo,
porque é preciso ouvir e assimilar muitas palavras e dados
Não nos referiremos, por agora, ao caso em que só o dessa língua; como acontece de se esquecerem certas coisas
inconsciente aprende a língua. Disso falaremos depois. freqüentemente, esses elementos devem ser ouvidos outras
Referimo-nos, de momento, a um fenômeno menos espeta­ tantas vezes. Não poderá o inconsciente hiperestésico (e pa-
cular, porém mais freqüente: quando também o consciente ranormal), pantomnésico, inteligentíssimo, aprender línguas
aprendeu a língua, esquecendo-a depois completamente. em menos tempo do que o consciente?
Lembrar-se, talvez, de poucas palavras não é lembrar-se Vários dos casos já citados poderiam ser incluídos aqui:
de uma língua. Essa língua esquecida, agora é língua desco­ segundo os dados do relatório, parece, por exemplo, que era
nhecida. Se, pois, em determinado momento, surge de nôvo, corrente o industani que falava a velha senhora, já citada;
temporária ou habitualmente, com pleno sentido, “inteligen- ela sabia industani no estado de crise. Só o inconsciente tinha
tomente”, o fenômeno pode chamar-se “falar línguas desco­ aprendido o industani nos quatro primeiros anos de vida,
nhecidas”, ou xenoglossia.
embora o consciente não o aprendesse; assim, ela conscien­
BENEDIKT, por exemplo, refere o fato de um oficial temente, não se lembrava de uma só palavra.
inglês que hipnotizado, se exprimiu corretamente em dialeto
“walis”, da Polinésia. Aprendera-o quando muito criança, Um caso extraordinário
esquecendo-o depois completamente 29.
E muito citado o caso do velho que nascera e vivera Cito um caso maravilhoso e bem comprovado, de xe-
alguns anos na fronteira polonesa, falando somente o po- noglo^sia habitual como resultado duma aprendizagem in­
consciente.
29 — Citado, entre outros autores, como também o caso que descre­ A Srta. íris, de 16 anos, filha do engenheiro químico
vemos em continuação, por SILVA MELLO, A. da: “Mistérios e reali­ Gero FARCZADY, de Budapest, “morria” em agosto de 1933.
dades deste e do outro mundo”, Rio, J. Olimpio, 1949, pág. 307. Poucos instantes após a “morte”, porém, começava de nôvo
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140 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 141

a respirar, recuperam os sentidos e terminava por sarar com­


pletamente. Mas, agora, dizia ser Lucí-a ALTARES de Salvo,
para línguas, ou melhor, a sua capacidade invulgar de aco­
espanhola que acabava de morrer em Madri, rua Obscuro,
modar todo o mecanismo cerebral da fala a uma nova língua:
n.° 1, que tinha 40 »anos e era mãe de 14 filhos.. . Foi à Holanda: depois de quatro meses, comprovou-se que
íris esquecera completamente o húngaro, sua língua mater­
íris (ou Lueía) falou perfeitamente o espanhol de en­ na (só o entendia); mas falava agora perfeitamente o ho­
tão em diante, e continuou falando sempre e em tõda parte. landês, como se fôsse holandesa de nascimento.
Embora para os próprios espanhóis o espanhol falado por
Quando o caso Iris-Lucía já tinha revolucionado o mun­
íris mio fôsse tão perfeito como julgavam os húngaros, não
do, o comissário de polícia de Budapest teve que se ocupar
deixaram dc considerá-lo bom. O embaixador da Espanha
da jovem. O embaixador espanhol desejava saber se Iris-
na Hungria, assim como a esposa e filhas (espanholas) do
Lucía não seria uma das três meninas que tinham desapare­
cônsul geral húngaro em Barcelona, reconheceram que o es­
cido em Madrid.
panhol de Lueía era bastante bom, mas não o do uma verda­
deira espanhola. Segundo os dados encontrados pela Polícia, íris nunca
tinha estado na Espanha, mas ouvira muito falar espanhol,
Outros espanhóis, ausentes da Espanha por algum tem­
po, como o empregado de circo Sr. Tadeo BTTSQUEL, com
quando resid;a. ainda criança, na Holanda, e até dissera
o qual Iris-Lucía falou “com pasmosa velocidade” durante
algumas palavras e pequenas frases. Ao voltar, criança
ainda, para a Hungria, esqueceu completamente o pouco es­
mais de uma hora e meia, nem repararam que ela, que se
panhol que aprendera. Assim sc explica que ninguém, nem
apresentava como espanhola, não o era na realidade. () mes­
familiares, nem professoras, nem colegas a ouviram jamais
mo aconteceu com o Dr. PAFfi, espanhol, professor do lín­
proferir palavras em espanhol.
guas em Budapcst. ..
E, não obstante, antes dia “morte” íris não sabia ab­ O professor Rudolf HOUTI explicou na Delegacia de
solutamente nada de espanhol, como testemunham todos os* Polícia ser possível que o espanhol que íris gravara na
seus parentes, professoras e colegas do Colégio. memória infantil e conservara por pantomnésia inconsciente,
surgisse aos 16 anos de idade à consciência por ocasião da
Êste caso marcante de xenoglossia foi considerado e de­ grave doença sofrida. Perfeita a consideração do Dr. HOU-
fendido como manifesta “transmigração da alma dum corpo TT. O inconsciente não teria aprendido espanhol?
a outro”!30.
Tenha-se em conta, aliás, que íris, evidentemente, teve
Investigações posteriores do Dr. ROTHY 3l, porém, for­ que ouvir muito espanhol: na Hungria há muitos espanhóis,
necem os dados necessários para considerar o caso como especialmente judous-sefarditas, que em épocas passadas fo­
plenamente natural. ram expulsos da península. ..
Comprovou-se. em primeiro lugar, que íris tinha uma Outros dados apareceram, fortalecendo a explicação. O
extraordinária facilidade para línguas. Já nos primeiros anos Dr. Zoltán VÉGH, professor de espanhol no Colégio Madrách,
no Colégio Sta. Margarida (Filhas do Redentor Divino), as­ reconhecera-a como sua antiga aluna de aulas particulares
sombrou às professoras pela disposição para o francês. Pos­ de espanhol. Posteriormente, pressionado por um irmão de
teriormente, aos 14 anos, demonstrou de nôvo sua facilidade Iris-Lucía, o Dr. VÉGH se retratou.
30 — VESME, C. de: “Transmigration cPâme d'un corps à autre”, Uma curiosa coincidência, porém, fica: o Dr. VÉGH
em “Revue Métapsichique”, Paris, julho-agôsto, 1935, págs. 334 ss. costumava ensinar conjuntamente as palavras “calle” (rua)
31 — ROTHY, Charles, num suplemento de “Neue Licht”, Víerna,
ano XIV. Tradução francesa do “Institut Métapsychique Internacio­
e “obscuro”, contando uma anedota, extraída de um jornal
nal”, em “La Métapsychique 1940-1946”, artigo: “Un cas de change- de Madri. Ora, a personalidade espanhola de Iris-Lucía,
ment de personalitée avec xenoglossie”, Paris, Presses Universitaires assegurava ter morrido em Madri na “CaUe Obscuro”. Se
de França, s. d. (1947), págs. 121 ss. de fato o Dr. VÉGH não deu aulas a Iris-Lucía, isto de­
142 A FACE OCULTA DA MENTE XENOGLOSSIA 143

monstra que Iris-Lucía conheceu por meios normais, hipe- gênios? São a mais difícil natureza: um gênio morre jovem
restésicos, ou paranormais alguma coisa do espanhol ensi­ (e ela fingiu a morte aos 16 anos). Para o gênio ser compre­
nado pelo professor. Êstes conhecimentos somaram-se ao endido, deveria rebaixar-se a lutar sozinho contra a multidão.
espanhol aprendido inconscientemente quando criança e dos O gênio avança vários séculos, enquanto os outros ficam no
judeus-sefarditas, etc. Ê claro que “um espírito transmigra- presente. Essa é a razão do desacordo que existe (eis o que
do” da Espanha não iria utilizar justamente esta anedota do lhe doía. . .) e que só a posteridade compreenderá”. Os pa­
Dr. VÉGH. Mas isso explica porque o inconsciente fingiu um rênteses são nossos. Considerava o mundo indigno dela e
espírito madrilenho, “desencarnado” na Calle Obscuro. por isso a personalidade íris finge retirar-se do mundo: caso
O mesmo investigador, Dr. ROTHY, presidente do Co­ característico em Psicopatologia.
mité Nacional e do Congresso Internacional de Investigações O caminho para a maravilhosa aparição da personali­
Psíquicas chegou à conclusão possível de que íris, com a dade Lucía, arquivada no inconsciente de íris, foi se prepa­
irresponsabilidade própria de uma doente psíquica, tivesse rando e aplainando por muito tempo. Cada vez mais a
aperfeiçoado o espanhol que falava, após a crise, estudando personalidade íris fugia para longe; com mais freqüência e
em segredo, ajudada pela sua disposição para línguas. Ba- por mais tempo, era substituída por outras personificações
seava-se o Dr. ROTHY no fato de ir-se aperfeiçoando aos* do inconsciente: anjos c demônios, sêres de outros planetas,
poucos o espanhol de Iris-Lucía; analisou variações imnor- famosas personagens modernas e ainda vivas, ou antigas,
tantes no vocabulário e na pronúncia. Êste fato não obriga, como XERXES, LEÔNIDAS, LEILA uma das esposas de
porém, a pensar no estudo secreto. Não é raro o afloramento ARTAXERXES, etc. Raramente um “João-ninguém”: me­
paulatino dos dados armazenados no “arquivo” do incons­ galomania característica desses casos.
ciente. Além disso, o exercício e conversas com espanhóis Tais mudanças de personalidade foram, no começo, de
evidentemente ajudariam para esse progresso. poucos minutos, mais adiante de algumas horas e, últimamen­
Comprovou-se também que a personalidade de Lucía era te, uma personalidade espanhola conhecida pelo nome de
completamente imaginária. Em Madri não viveu nenhuma LETÍCIA permaneceu durante tôda uma semana. Quando
Lucía ALTARES de Salvo. Em Madri não existiu nunca íris acordou, depois de tôda esta semana de fuga da reali­
uma rua chamada Calle Obscuro. Lucía dizia que em Madri dade, não se lembrava de nada do ocorrido. Em 1932 as
tinha uma irmã casada com o cabeleireiro Emílio ANDRO, “fugas” foram muitas. Em 1933, já quase seguidas. Até que,
que morava na Rua da Virgem, n.o 23: tudo absolutamente em agosto dêste mesmo ano de 1933, a fuga da realidade
falso, pura imaginação. Lucía também citou o nome da insuportável para íris, já estava suficientemente preparada
escola onde estudavam três dos seus 14 filhos. Nem a escola e apareceu definitivamente a personificação altamehte com­
nem os filhos foram encontrados em Madri. .. pensadora de Lucía ALTARES de Salvo. . .
Como confirmação basta indicar aqui que a persona­ O inconsciente solucionou definitivamente o drama de
lidade de íris não desapareceu totalmente, mas unicamente íris, que agora se movia docente num mundo irreal.
da superfície. Não “desencarnou” nem “transmigrou” a alma
de íris, para expressar-se em têrmos de reeneamacionistas. Possibilidade dtef outras causas
Assim se explica como entendia o húngaro anesar de não o
falar. O Sr. Dido KASSAL teve a acertada idéia de hipnoti­ Fenômenos parapsicológicos idênticos ou muito pareci­
zar a Iris-Lúcia. Então aflorou à superfície a personalidade dos, requerem frequentemente explicações diversas.
“desaparecida” de íris e até nos deu a explicação psicológica Penso que esta versatilidade nas explicaçõs foi um dos
de como íris não queria mais ser íris e o inconsciente pro­ principais motivos pelos quais a ciência demorou tantos sé­
gramou tôda a “novela” da Lucía espanhola: “Ninguém me culos em abrir caminho pela emaranhada selva dos fenôme­
compreendia. Na escola me chamavam gênio. E que são os nos de aparência paranormal. Os cientistas acostumados à
XENOGLOSSIA 145
144 A FACE OCULTA DA MENTE

tigadores reconheceram que ignoravam várias das palavras


imutabilidade e regularidade das causas no mundo físico, e expressões empregadas na psicografia, palavras ou expres­
não compreenderam a versatilidade, espontaneidade, incon- sões já fõra de uso, ou raras.
trolabilidade, variedade e, às vezes, complexidade das causas
nos fenômenos psíquicos. O comportamento do homem pode Interpretação? Os próprios protagonistas, apesar dos
ser diamctralmente diferente do comportamento da matéria. escassos conhecimentos psicológicos da época, compreende­
Nas páginas anteriores, já vimos xenoglossias nas quais, ram que a teoria “da presença. . . de indivíduos falecidos, de
além da pantomnésia, intervinha a fraude inconsciente, o nenhum modo tinha cabimento nessas escritas”.
talento do inconsciente, a hiperestesia direta ou indireta, etc., A explicação é complexa, mas clara. Em primeiro lugar,
além de outros efeitos colaterais como ventriloquia, psico­ como quase sempre na xenoglossia, devemos conceder bas­
grafia, movimentos de mesa, etc.
tante participação no fenômeno à pantomnésia: BOND e
Há outras causas da xenoglossia. Vejamos só algumas. ALLAYNE eram sábios possuidores de um sólido conheci­
Pareceria necessário adiantar os outros capítulos deste to­ mento de tudo quanto se tinha escrito sôbre a abadia de
mo, isto é, demonstrar que existem os fenômenos paranor- Glastombury. Evidentemente, muitas das palavras raras em
mais do conhecimento que vamos indicar como causa possí­ latim ou expressões desconhecidas em inglês medieval,
veis da xenogloss;a. . . Mas não é necessário adiantarmos (assim como muitos outros dados linguísticos ou arqueológi­
essas provas. Bastará uma pequena idéia em notas, porque cos) , surgiam do seu próprio inconsciente pantomnésico. Êlcs
focalizamos esta parto do ponto do vista “teórico”, expomos tinham lido muitos manuscritos cm latim e inglês medieval
as causas como “possíveis”, visando fazer ver aos que dão
explicações sobrenaturais (demônios, espíritos. . .) que antes que tinham sido redigidos pelos antigos monges moradores
deveriam excluir positivamente, além das causas já estuda­ da abadia. A identificação dos diversos monges, de cujos
das, também outras causas naturais “possíveis” e portanto manuscritos os investigadores obtiveram os dados conserva­
mais “lógicas” de serem a verdadeira explicação. dos por pantomnésia, seria possível, analisando os diversos
tipos de letra. A psicografia, com efeito, como sucede com
O Dr. Frederick Bligh BOND, juntamente com o seu freqüência, imitava, às vêzes, o tipo dc letra do autor ori­
amigo o Dr. John ALLAYNE, preparava-se para dirigir as ginal, onde o psicógrafo se tinha inspirado.
escavações nos terrenos da antiga abadia de Glastombury.
ALLAYNE era um bom sensitivo exercitado em psicografia. Mas, de acordo com os Drs. ALLAYNE e BOND, muito
BOND formulava uma pergunta a respeito de problemas das provàvelmente no caso havia complemento de outras causas,
escavações. O inconsciente traçava então frases e desenhos inclusive paranormais, de diversos tipos. Em primeiro lugar,
psicografados. Quando a psicografia tinha passagens ilegí­
ALLAYNE poderia captar certos dados do inconsciente de
veis ou fornecia informações pouco precisas, tentavam nova BOND. Algum outro dado poderia ser captado por BOND e
psicografia complementar. Realizaram estas provas no ano ALLAYNE, não só por hiperestesia direta, mas também por
de 1907-1908, antes de se começarem as escavações. Obti­ clarividência32 extra-sensorial, ambas sôbre a realidade ocul­
veram assim numerosos dados: a localização exata e as di­ ta sob os seus pés e sob longínquos livros ou manuscritos. Por
mensões de uma capela, croquis e planos, desenhos de cor­ retrocognição33 poderiam captar dados lingüísticos e arqueo­
nijas esculpidas e outros adornos de pedra, etc., embora os lógicos da época mesma na qual a abadia era habitada. In-
desenhos psicográficos não fossem um modêlo de arte. No
ano seguinte, 1908-1909, realizadas as escavações, comprovou- 32 — Telepatia é o fenômeno pananormal com que se capta ou
se a veracidade de muitos dados obtidos pela psicografia. se transmite o pensamento ou conteúdo de um ato psíquico. Clari­
vidência se diz quando é captada a realidade física.
Mas o que agora nos interessa é que a psicografia era 33 — Seria retrocognição o conhecimento paranormal com o qual
xenoglóssica: em latim e em inglês medieval. Os dois inves­ conhecemos o passado.
^ iiáláií liljÉiâiUiiililyiliiliilililiijlliiikliiiylikilLíijiiili

146 A FACE OCULTA DA MENTE

clusive por precognição34 o inconsciente estaria captando


algo do que um ano mais tarde seria descoberto.
Todos êsses fenômenos paranormais e_xistem. Pelo me­
nos os autores “sobrenaturalistas” deverão admitir que são
“possíveis”. Se, pois, para um caso concreto não basta como
explicação a pantomnésia, HIP, etc., ainda deverão excluir
positivamente a explicação por todos êsses fenômenos enu­
merados como causas talvez possíveis.
No caso que acabamos de analisar como exemplo, deve-se Talento do inconsciente
ter em conta que ALLAYNE era um bom sensitivo e metag-
nomo. Os mesmos protagonistas, analisando seu próprio caso,
UM GÊNIO DESCONHECIDO
estavam convencidos da participação da fenomenologia para-
normal, embora empregassem a terminologia da época assim
como certos conceitos errados ou ainda não confirmados cien­
tificamente sôbre o mecanismo daqueles fenômenos **>. O inconsciente é mais inteligente que
o consciente. Mais freqüentes e mais im­

portantes os inventos inconscientes. Am­ —

Xenoglossia é um fenômeno parapsicológico biente, língua, etc., descritos após viagem


que consiste em empregar sem fraude línguas interplanetária feita pelo inconsciente. —

reais que o consciente não conhece. Aproveitamento prático do inconsciente.


São mais frequentes os casos de xenoglossia
meramente “mecânica”, com a repetição de pala­
vras guardadas, como o faria um gravador de fita. UANTAS vezes as pessoas procedem de maneira esqui­
Mas há também xenoglossia “inteligente’',
empregando-se em diversas circunstâncias ou até
Q sita “sem saber porque”. Quantas vêzes muitas pes­
soas estão tristes e não sabem o motivo! Às vêzes, há causas
fisiológicas, mas numa boa porcentagem dessas ocasiões uma
ordinàr iamente, uma língua ou línguas desconhe­ análise profunda da alma descobriría os motivos inconscientes
cidas do consciente. de ordem intelectual. Sensações inconscientes, fatos arquiva­
A xenoglossia fundamenta-se principalmente dos no inconsciente, se associam, dando origem a imagens in­
na pantomnésia e em segundo lugar na hiperes- conscientes e sentimentos, dos quais o consciente só se aper­
cebe depois pelos efeitos: está triste, procede por impulsos,
tesia indireta do pensamento ( H I P ) , mas admite não sabe os motivos de seus atos, etc.
também outras explicações extraordinário-nor­
Na fase sonambúlica da hipnose comprova-se facilmen­
mais e paranormais. te a associação inconsciente. Sabemos já que a memória
se exalta reproduzindo com pasmosa exatidão cenas, por­
menores, conhecimentos que pareciam totalmente esquecidos.
—- A precognição é o conhecimento paranormal do futuro. A imaginação, por sua vez, aviva-se também, a linguagem
35 — BLiIGH BOND, Frederick: “The gate of remembranee”, 2.a atinge um brilho e colorido notáveis. Nada, pois tem de
ed., Oxford, 1918. estranho que a atividade intelectual inconsciente se exalte
148 A FACE OCULTA DA MENTE TALENTO DO INCONSCIENTE 149

também ao máximo. Os casos que o comprovam são nume­ ligência bastante cultivada e sutil”. Em continuação, re­
rosíssimos, como se pode constatar em qualquer tratado de fere um exemplo dentre os sucedidos a êle mesmo.
hipnotismo. CARAMUEL sonhava que assistia a uma discussão so­
Para citar um caso concreto, eis, tomado ao acaso o que lene. Nela, convidado a impugnar as teses defendidas, o fêz
refere RENAUD. com todo vigor e eficiência e com argumentos inéditos. Ao
No estado de sonambulismo hipnótico um parente do acordar, impressionado, examinou os argumentos emprega­
próprio RENAUD resolvia fácil e elegantemente um pro­ dos no sonho. Comprovou que eram perfeitos e certamente
blema de trigonometria. Antes e também depois da hipnose, inéditos.
porém, via-se embaraçado com o problema, na realidade O inconsciente, com os conhecimentos do sábio teólogo
difícil i. e filósofo, os elaborara. Em vigília dificilmente teria con­
O .inconsciente estava atualizado e combinava mais da­ seguido esse resultado. A carta conclui: “Tem-se, portan­
dos, resolvendo o problema com notável facilidade. to, que o entendimento do homem dormindo não descansa,
mas trabalha sempre c, às vezes, perfeitissimamente; mais
Dormindo sonms mais inteligentes do que acordados ainda, com mais perfeição do que na vigília” 1 2 3 4 5.
O descobrimento do talento do inconsciente é, pois, mui­
O talento do inconsciente é, ás vêzcs, tão grande, que to anterior a FREUD. E inclusive antes de CARAMUEL o
alguns autores foram levados erroneamente a atribuir res­ descobrira PLATÃO, eomo veremos. Depois de FREUD, o
ponsabilidade ao sono FREUD \ o fez, por exemplo, e reconhecimento do talento nos sonhos é bastante geral. As­
GRÜNEWALD \ sim, por exemplo, Erich FROMN concluía nas suas aulas no
O problema já é antigo. O famoso teólogo e filósofo Instituto de Psiquiatria William A. WhUc e no Bonnington
CARAMUEL endereçava em Wurzburg no ano 1645, uma College de New York que “nos sonhos produzem-se opera­
carta sôbre o assunto ao famoso cientista da época. Pe. KIR- ções intelectuais superiores às que realizamos estando acor­
CHER S. J., professor da Universidade Gregoriana. De­ dados” (\
fendia a responsabilidade nos sonhos, “porque havia ne­
les inteligência” (!). O aspecto da inteligência é o que Intuições
nos interessa: “examinando muitos sonhos meus e de outros,
encontro circunstâncias nas quais não se pode descobrir A intuição é uma visão intelectual que parece vir do
imaginação ou fantasia; ainda mais: nêles se percebe inte­ fundo da alma, uma revelação provinda do interior e que mão
depende do esforço mental. De repente, percebemos algu­
ma coisa que, depois, frequentemente comprovamos ser pre­
1 — Citado por LAPPONI, José, tradução da 2.a ed. italiana por
VIEIRA, Baptista Manoel: “Hypnotismo e Espiritismo”, São Paulo, ciosa e verdadeira.
Falcone, 1907, pág. 105. PASTEUR dizia que as grandes intuições só eram da­
2 — Os loucos podem ser muito inteligentes. São, porém, irres­ das aos que se preparavam para recebê-las. Na maioria dos
ponsáveis, porque a responsabilidade depende principalmente da von­
tade e liberdade.
casos é assim. Digo na maioria, pois pode haver outros
3 — FREUD, Sigmund: “Traumdeutung”, tradução espanhola de tipos de intuições, até paranormais, como veremos. O inves-
XjóPEZ BALLESTEROS em “Obras completas” de FREUD, Buenos
Aires, Rueda, 1943. A edição inglêsa: “Interpretation of dreams”, 5 — “Revista de Filosofia”, tomo 12, n. 44, págs. 101-147.
London, Allen and Unwin, 1925, e New York, MacMillan Co., 1933 6 — FROMM. Erich: “The Forgotten Language”. Nós citamos
(l.a ed., 1913). da tradução espanhola de CALÉS, Mario: “El lenguaje olvidado. In-
4 — GRÜNEWALD, num artigo publicado em “Wiener Zeitsohrift terpretación de los suenos, mitos e cuentos de badas”, Buenos Aires,
für Praktiske Psychologie”, julho, 1950, págs. 117 ss. Hachette, 1953, pág. 48.
150 A FACE OCULTA DA MENTE TALENTO DO INCONSCIENTE 151

tigador, o experimentador, o filósofo, têm de repente uma A versificação latina e grega é muito complicada. . .
intuição genial, sem saber de onde proveio, mas antes tinham Mais ainda: LA FONTAINE e CONDILLAC escreveram
empregado muito tempo e energia em procura da solução trabalhos inteiros de noite, sonâmbulos, sem deixar de dor­
que agora se apresenta súbita, “irracional”, “sem lógica”. O mir. COLERIDGE afirmou ter escrito o “Kugla Khan” en-
Dr. LANGMUIR disse: “Freqüentementc subestimamos a quando dormia. Do mesmo modo, um filósofo estóico escreveu
importância da intuição. Em quase todos os problemas livros em várias etapas, segundo nos afirma o historiador
científicos, inclusive naqueles que nos tomaram dias e meses
DIÕGENES Laertius.
de trabalho, a solução final se apresentou ao nosso espírito
numa fração de segundos, por um processo que, consciente­ Trata-se do uma obra literária e de outras filosóficas:
mente, não deve nada ao raciocínio” 7. Ê o resultado de precisa-se grande trabalho intelectual.
um raciocínio inconsciente.
VOLTAIRE relata que um canto inteiro da sua “Hen-
PERSIGOUT. matemático, demonstrou que DESCAR­ riade” lhe ocorreu durante um sonho: “No meu sonho eu
TES, como KEPLER, PASCAL e outros deveram uma gran­ disse coisas que dificilmente teria pronunciado na véspera.
de parte das suas descobertas ao trabalho do inconsciente8. Passavam-me pela mente pensamentos concebidos sem que
eu tivesse tomado parte (consciente) nêles. Não tendo nem
Iiitcligentns walfcaçõcs do inconsciente vontade nem liberdade (no mecanismo do sonho) combinei
idéias inteligentes e até com certa genialidade” (os parên­
Eis em rápidas pinceladas alguns dos muitos casos de teses são nossos).
manifestações inteligentes do inconsciente recolhidos em di­
versos autores: Trata-se dc idéias até geniais!
ZWINGER refere o caso de dois senhores que, cie noite, O investigador francês FEHR assinalou que os sábios
se levantavam dormindo e escreviam versos. “Um dêllcs, es­ mais produtivos da sua época realizaram de 75 a 100 por
creve VORONFF, traduzia-os do alemão para o latim; o cento de suas descobertas c invenções durante o sono.
outro, professor de poesia grega, fatigado por ter passado
escrevendo o dia todo versos gregos, deixou a poesia por Um caso muito conhecido de descoberta durante o se­
nho é o da cadeia benzínica. O descobridor tinha durante
concluir. Qual não seria, porém, a sua surpresa na manhã
muito tempo procurado inutilmente a fórmula química da
seguinte quando, levantando-se para terminar a sua obra,
benzina. Uma noite a viu em sonho. Teve sorte de lembrar-
descobriu que o trabalho já estava concluído e com a sua
se dela ao acordar.
própria letra!”. Da mesma maneira escreveu também ver­
sos gregos Woehmer von GÕTTINGEN. O médico canadense F. G. BANTING trabalhou ardua­
mente no assunto da diabete. Estudou as mais diversas so­
7 — LANGMUIR, Irving, no discurso pronunciado a 16 de de­ luções que a medicina apontava para explicar e dominar o
zembro do 1942 ao deixar o cargo de presidente da “American Asso- mal. Nada o satisfazia. Um dia trabalhou desesperadamente
eiation for the Advancement of Science”. para encontrar uma solução. Inútil. Cansado, esgotado já,
8 — PERSIGOUT, G.: “X novembris 1919: Rosacrucisme et foi dormir de mau humor porque no dia seguinte devería
Cartésianisme”, Paris, ed. La Paix, 1938. Este livro é um ensaio
de exegese hermética do “Songe de Descartes” e mormente dos três pronunciar uma conferência sobre a diabete e lamentava não
sonhos de 10 de novembro de 1619, que tantas influências tiveram poder oferecer uma solução satisfatória, embora pressentisse
em DESCARTES. Esforça-se PERSIGOUT por demonstrar que DES­ que esta solução tinha que existir. Durante a noite, sonâm­
CARTES era um iniciado do Rosacrucianismo, mas fica muito longe bulo, levantou-se e escreveu numa beirada de papel estas
de conseguir demonstrá-lo. Demonstra ünicameste que de fato DES­
CARTES foi um grande intuitivo e que muito deve ao trabalho do palavras: “Ligar o conduto deferente do pâncreas de um cão
seu inconsciente- de laboratório, esperar algumas semanas até que a glândula
152 A FACE OCULTA DA MENTE TALENTO DO INCONSCIENTE 153

se atrofie, cortar, lavar e filtrar a secreção’'. De manhã não biente, contágio psíquico, às vêzes desde a infância, treino
tinha a menor idéia de ter-se levantado nem de ter escrito, durante anos, etc., quebraram cada vez mais o equilíbrio
nem sequer de ter encontrado a solução que procurava. Só psíquico de forma a facilitar muito a manifestação do in­
ao ver a anotação compreendeu o que se passara. Assim foi consciente.
como o mundo ganhou a insulina.
É o desconhecimento das possibilidades do inconsciente,
que levou tantas pessoas a atribuir tais fenômenos a mani­
Estado crepuscular festações do “além”.
O trabalho do inconsciente aparece ou se exerce tam­ “Possuídos” pelo inconsciente
bém freqüentemente no período de desdobramento da per­
sonalidade ou cm qualquer outro estado, inclusive de vigília, Particularmente os grandes poetas, pintores, músicos,
que obnubile mais ou menos o consciente em benefício do etc., devem muitas das suas melhores obras de arte ao in­
inconsciente. consciente.
Todos conhecemos êsse estado de semi-inconsciência, A este respeito, um interessante estudo foi feito recen­
estado crepuscular, que medeia entre a vigília e o sono. Nem temente por Francesco EGIDI l(). O autor expõe como os
dormimos nem estamos acordados. Estamos simplesmente grandes músicos sentem freqüentemente uma espécie de or­
num estado de transição. O transe espírita, o sono hipnótico, questra mental dentro de si, sendo notável o caso de
etc., são às vezes um estado similar. Pois bem, este estado, BEETHOVEN que sentia zumbidos nos ouvidos e uma “mú­
em que o consciente deixa em suficiente liberdade o incons­ sica infernal” na cabeça quando compunha suas melodias.
ciente, é muito favorável às elucubrações do inconsciente. A atividade inconsciente do gênio era acompanhada por es­
É o caso típico da Srta. Frank MILLER. Escreve FLOUR- tímulos do centro auditivo do cérebro.
NOY: ‘‘Médium espírita, a Srta. MILLER acreditaria, sem Noutros artistas, como Frei ANGÉLICO, a atividade
sombra de dúvidas, ser a roencarnação de uma princesa da inconsciente chegava a tal ponto que desaparecia total mente
antiguidade histórica e pré-histórica e não teria deixado de o consciente: pintava em arroubos de êxtase, em transe.
dar-nos interessantes revelações sobre a sua pré-existência A atividade inconsciente dominava as energias tomando conta
egípcia, assíria ou inclusive asteca” 9. da “máquina humana”, na sua totalidade física e psíquica.
Muitas pessoas espantam-se freqüentemente com esta Dir-se-ia (como se falou em “musas”, “gênios”, etc., c
classe de fenômenos do talento do inconsciente, realizados mais tarde “espíritos”) que os grandes artistas são influídos
nas suas sessões por “médiuns” em transe. Sabem elas quan­ por inteligências estranhas; na realidade é somente o incons­
tos dados capta e armazena o inconsciente, mesmo de uma ciente, inconsciente estranho e, por vêzes, contrário ao cons­
pessoa inculta? ciente. Neste sentido o escultor Ernesto BIONDI conside­
Aliás devemos ter em conta que ainda nos falta por ex­ rava os artistas como “médiuns, possuídos do seu próprio
por todo o conhecimento paranormal, conhecimento que pode inconsciente”.
também somar-se aos outros conhecimentos arquivados no
inconsciente dos médiuns. Todos estes conhecimentos podem Uma viagem a Marte
ser combinados, elaborados, dando como resultado magníficas
“revelações” intelectuais. Isso acontece especia1 mente nos Mas para que verdadeiramente se possa ver até onde
médiuns, onde as disposições herdadas ou adquiridas, am­ chega o inconsciente nas suas elaborações, usando dados
10 — EGIDI, Francesco: “Studio dei diségno e delia pittura me-
9 — FLOURNOY, Th., em “Arquives de Psychologie”, 1906, V, tapaichica”. em “Luce e Ombra”, nos três números do primeiro se­
mestre, Milan, Bocca, 1953.
154 A FACE OCULTA DA MENTE TALENTO DO INCONSCIENTE 155

armazenados na sua memória colossal, combinando-os com bre o telhado; um berço que no lugar de cortinas tinha anjos
assombroso talento, acredito que o caso da médium espírita de ferro com as asas estendidas. As pessoas, que eram como
Helena SMITH seja dos mais significativos, ao menos por nós, salvo nas roupas, iguais para ambos os sexos: umas
ser dos mais estudados. calças muito amplas e uma comprida blusa apertada à cin­
tura e recamada de desenhos.
A médium Helena deu umas sessões espíritas sob o con-
írôle do Dr. LEMAITHE11. Numa vasta sala de conferêincias, encontrou, na primeira
fileira dos ouvintes, ALEXIS, o filho da senhora que assistia
Assistia às sessões uma senhora que tinha perdido seu
às sessões mediúnicas de Helena.
filho, ALEXIS, três anos antes. Pediu-se então a Helena
que evocasse o espírito do filho, ALEXIS. Helena deu algu­ Ora, ALEXIS (cujo nome em Marte era ESENALE)
mas respostas, como se proviessem de ALEXIS; nada, po­ estava ouvindo uma conferência em marciano. Lógico, por­
rém, de notável. tanto, que quando mais adiante falou, por meio de Helena,
sabia fazê-lo em marciano. O inconsciente de Helena pre­
Aconteceu um dia, no entanto, que o professor LE­
cisava tempo para ir elaborando, devagar, a língua dos mar­
MAITRE falou a um parente de Helena sôbre o interésse
cianos. Mas no fim o êxito foi completo e ALEXIS falou
•'m se saber o que havia nos outros planetas e concreta­
mima difícil língua, desconhecida na Terra. Era a língua de
mente em Marte. Um mês miais tarde já o inconsciente
Marte. ALEXIS, no comêço, falava francês, mas de repente
de Helena começava a dar os primeiros sinais de suas ela­
passou a entender apenas e falava exclusivamente o mar­
borações de aventuras marcianas.
ciano.
Numa sessão, Helena, durante o transe, viu ia grande
As sessões seriam emocionantes se não fôsse o trágico
altura uma luz resplandescente, afirmando que se sentia
engano! Numa ocasião, a verdadeira mãe de ALEXIS ajoe­
oscilar; logo se sentiu penetrando numa nuvem muito es­
lhou-se soluçando diante de Helena, por meio da qual falava
pessa, primeiro azul, depois côr de rosa brilhante, depois
seu filho. ALEXIS, então, consolou-a em marciano, com
cinzenta, por fim, preta. Sentiu-se flutuando no espaço.
gestos tão doces e inflexões de voz tão ternas que a pobre
Logo depois via uma estréia que ia aumentando, até ficar
“maior que uma casa”. Helena sentia que ia subindo; no mãe se sentiu enlevada.
começo sentia os incômodos da viagem, agora começava V. HENRY e principal monte FLOURNOY estudaram a
a sentir-se melhor. Distinguiu três grandes globos; um fundo a língua marciana de Helena SMITH 12.
dêilcs era muito bonito. “Para onde caminho?” — perguntou
a médium — e, servindo-se de um vocabulário convencional
Analisaremos a língua marciana, ligando as frases
por movimentos de mesa, responderam-lhe “os espíritos” ( ?!):
mesmas usadas pelos investigadores: “o inconsciente tinha
“Para uma outra terra (sic), Marte; LEMAITRE, é o que
elaborado uma linguagem propriamente dita”. “Para enten­
tu desejavas tanto!”. dê-la era preciso estudá-la, para traduzí-la precisava-se de
um dicionário, no qual cada palavra tinha seu significado
Helena descreveu as saudações quando da sua chegada
liróprio”.
a Marte: Gestos barrocos das mãos e dos dedos, estalos
duma mão sôbre a outra; golpes ou aplicações dêstes ou “O marciano era uma língua completa, tinha sua escrita
daqueles dedos sôbre o nariz, os lábios, o queixo, reve­ especial, combinação especial de caracteres”. “Estudado a
rências contorcidas, e rotações dos pés sôbre o chão. Des­
creveu tudo o que via: carros de cavalos sem cavalos nem 12 — FLOURNOY, Th.: “Des Indes à la Planéte Mars. Etude
rodas, deslizando e produzindo faíscas; casas com ondas sô- sur un cas de somnambulisme avec glossolalie”, Gênova. Atar, 1900;
Genebra, Eggiman, 1900; Paris, Alcan, 1900; e “Nouvelles observa-
tions sur un cas de somnambulisme avec glossolalie”, em “Arquives
11---------- LEMAITRE. Augusto: “Arquives de Psychologie”, 1908,
de Psychologie”, 1902, I, págs. 100-255; HENRY, Victor: “Le langage
VII, págs. 63 ss. LOMBAR, E.: ibidem, págs. 1 ss. martien”, Paris, 1901.
156 A FACE OCULTA DA MENTE TALENTO DO INCONSCIENTE 157

fundo logo se via que não se tratava duma simples gíria ou “Nas frases, a ordem das palavras é absolutamente a
algaravia de sons quaisquer, ditos ao acaso. Eram palavras, mesma em marciano e francês. E isto até nos detalhes”; a
palavras que expressavam idéias e a relação entre palavras separação, por exemplo de “ne pas”. Até a introdução de
e idéias era constante, sendo constante a sua significação”. uma letra em certas circunstâncias fonéticas: “Quand re-
viendra-T-il ?” em francês; “Kevi berinmi-M-eb?” em mar­
O marciano tinha, como todas as línguas, 4 'consoantes ciano.
prediletas, sotaque característico, letras predominantes. Ti­
nha, por exemplo, superabundâniia de “e” abertas e fecha­ “O procedimento de criação do marciano parece consistir
das, abundância de “i” e escassez de ditongos e nasais”. simplesmente cm pegar as frases francesas tal qual são e
substituir cada palavra por outra” qualquer fabricada a esmo,
Desveiula-sc o mistério mas freqüentissimamente com “o mesmo número de sílabas
e letras”. O resultado de tudo isto é que as frases são, sim,
Tal foi o prodígio que muitos, ao terem notícias dele diferentes das francesas, mas na sua estrutura interna, fo­
chegaram a pensar que era de fato uma linguagem extra- nética, sintática e gramatical são idênticas. FUOURNOY
terrena. Mas precisos e pacientes estudos demonstraram que previu “a necessidade de um dicionário não porém, de gra­
sc tratava só de uma modificação, inconsciente, do francês. mática", nem de sintaxe, nem do fonética.
Irei ligando as frases usadas pelos investigadores.
O desenvolvimento da médium
Em primeiro lugar comprovou-se que “o marciano se
compunha de sons que, tanto consoantes como vogais, exis­ O inconsciente precisa geralmente, algum tempo para
tem todos em francos”. Ora, nas línguas reais, isto não existe “ir abrindo a porta do desvão” onde está escondido c ma­
jamais; por mais parecidas que sejam as línguas e por mais nifestar-se. Em regra se manifesta gradativamente. No
próximos que estejam geograficamente os que as falam, sem­ comêço das manifestações é fácil aos especialistas descobrir
pre possuem algum som próprio. “A língua do planeta Marte1? as explicações dos fenômenos. Quando um “mago” já “se
não se permite a mínima originalidade fonética”, o mesmo desenvolveu”, i. é quando o inconsciente já tem bastante ou
acontecendo com a escrita. “Todos os caracteres marcianos totalmente “aberta a porta”, pode resultar dificílimo ao in­
e todos os caracteres franceses se correspondem dois a dois”. vestigador explicar as manifestações a não ser por compa­
ração com outros casos semelhantes observados do comêço.
“Um considerável número de palavras marcianas” “re­
produz de modo suspeito o número de sílabas ou mesmo de No caso Helena SMITH teria sido difícil aos .investiga­
letras de seus correspondentes franceses e imita às vezes dores explicar a aventura e mormente a língua marciana se
até a distribuição das consoantes e as vogais”. não tivessem acompanhado os acontecimentos do comêço. A
elaboração foi progressiva. No comêço “o marciano é uma
Com admirável paciência, FLOURNOY reproduziu, tra­ linguagem muito imperfeita, rudimentar”, “um pseudomar-
duziu e analisou quarenta e um textos marcianos demons­ ciano”, “um quebra-cabeças desordenado” “uma pueril imi­
trando que as regras da gramática e sintaxe marcianas não tação do francês do qual conserva em cada palavra o mesmo
são mais do que “um decalque ou uma paródia das regras número de sílabas e certas letras principais”.
do francês”. Assim, por exemplo, em francês, os sons aná­
logos “á” e “a”, preposição e verbo respectivamente, tra­ “Só meio ano depois o inconsciente tinha elaborado uma
duzem-se em marciano pelos sons “é” e “e”. A palavra linguagem propriamente dita”.
francesa “que” tem muitos empregos; em marciano tem O inconsciente precisou tempo para manifestar parte
as mesmas funções a palavra “Ke”. “Le”, artigo e prono­ das suas possibilidades. Mas após a aventura marciana já
me francês, correspondente ao marciano “ze”, também ar­ temos um inconsciente bastante “desenvolvido”, “a porta”
tigo ou pronome, etc. já está bastante aberta. O tempo necessário para novas elu-
158 A FACE OCULTA DA MENTE TALENTO DO INCONSCIENTE 159

cubrações é cada vez menor, o talento inconsciente de uma Dramaturgo e novelista às vezes até ao exagero
pessoa inculta aparece cada vez mais prodigioso.
Outro aspecto do trabalho do inconsciente é o do au­
Somente dezessete dias depois de umas objeções de mento da dramatização e simbolização, a partir de estímulos,
FLOURNOY, Helena manifesta novamente o prodigioso ta­ às vêzes mínimos, imperceptíveis, talvez só hiperestèsica-
lento do inconsciente. Os novos costumes e a nova língua mente captados.
são agora localizados num outro planêta sem nome e des­
conhecido”. É o ciclo chamado “ultramarciano”. O fenômeno foi provocado experimentalmente por A.
‘‘Eu tinha acusado — escreve FLOURNOY — a qui­ MAURY, um dos melhores investigadores dos sonhos, neste
mera marciana de não ser mais do que uma imitação, aspecto 13 *. A. MAURY fazia que, quando adormecido, outra
envernizada com brilhantes cores orientais, do meio ci­ pessoa lhe causasse diferentes excitações pequenas. Compa­
vilizado que nos rodeia. Agora (no nôvo ciclo ultramar- rando depois o sonho com o pequeno estímulo, era possível
ciano), aparecia um mundo de uma extravagância medonha, à base de muitas experiências deduzir o comportamento do
com chão preto onde tôda a vegetação era eliminada e os inconsciente.
seres, grosseiros, mais pareciam bêstas do que homens. Eu Assim, por exemplo, se lhe faziam cócegas, delicada­
tinha insinuado que as coisas e os habitantes de Marte de­ mente, com uma pena de ave nos lábios ou no nariz, MAURY
veriam ser de dimensões e características diferentes das sonhava que o estavam submetendo a um horrível suplício,
nossas, e eis que os habitantes do nôvo globo eram verda­ que lhe colocavam uma máscara de pixe na face e que de­
deiros anões, com cabeças duas vezes mais largas do que pois a arrancavam violentamente, levando juntamente a pele
altas, e as casas em proporção. Salientei a riqueza do mar­ dos lábios, do nariz e do rosto.
ciano em “i” e em “e”, incriminei o som “ch’\ a sintaxe em Em outra cxpcriclncia, a certa distância do seu ouvido,
geral. . . tomados do francês. E eis uma língua absoluta­ riscava-se suavemente uma pena de aço com uma tesoura.
mente nova, de um ritmo todo particular, extremamente Êle sonhava então que ouvia o barulho de sinos, que aos
rica em “a”, sem nenhum “ch” e cuja construção era tão poucos aumentava <até converter-se num toque ensurdece­
diferente da nossa que não havia meio de encontrar seme­ dor. Acreditava estar na revolução francesa de 1848.
lhança. Tudo em só 17 dias! Ainda na mesma ordem de coisas: destampava-se um
E logo novas manifestações cada vez em menos tempo. vidro de água de colônia perto do cientista. Sonhava então
A “porta” cada vez mais aberta. Já basta uma semana, três que se achava numa perfumaria do Cairo, onde lhe sucediam
dias, um dia só! “Tinha eu feito alusão à existência possí­ aventuras as mais pitorescas.
vel (!) de outras línguas” em outros planêtas, sugere Ou então acendiam perto dâle um fósforo, o que fazia
FLOURNOY, e com essas novas sugestões aparecem novas sonhar que estava no mar, no meio de um vento violento,
viagens à Lua, Urano, Júpiter, Neptuno, etc. com suas cor­ e que um raio fazia explodir o depósito de munições do
respondentes línguas. barco, pondo a tripulação em extremo perigo.
Falando em Buenos Aires com o Diretor Nacional da
Sociedade Espírita Constança que agrupa o espiritismo mais Na literatura onírica é célebre o seguinte sonho produ­
culto de Argentino, dizia-me êle depois de assitirmos a uma zido casualmente por um estímulo externo.
sessão: “Professor, não é certamente um argumento incon­ MAURY estava na cama, doente. Sonhou que se en­
testável da incorporação dos espíritos nos médiuns o fato contrava em meio dos terrores da revolução francesa. De-
de que êsses médiuns até analfabetos tenham feito discursos
inteligentes e dado conselhos acertados?”. Limitei-me a per­ 13 — MAURY L. F. Alfred: “Le sommeil et les rêves. É tu des
guntar por minha vez: “Sabe o senhor do que é capaz o psychologiques sur ces phénomènes et les divers états qui s y ratta-
talento do inconsciente, mesmo de um analfabeto?”. chent”, 4.a ed., Paris, 1878.
778224

160 A FACE OCULTA DA MENTE TALENTO DO INCONSCIENTE 161

•pois de cenas terríveis, era conduzido perante o tribunal Uma menina, passeando um dia com seu irmão, perdeu um
revolucionário, para um amplo e angustioso interrogatório. canivete de muita estimação para ela. Passado algum tempo,
Condenado ?i morte, entre uma imensa multidão levavam-no êste irmão morre. Uma noite a menina sonha quo seu irmão
ao cadafalso. Vi-a com calafrios os preparativos da guilho­ a leva pela mão ao lugar exato onde está o canivete. A meni­
tina. Atado ao cêpo, sobe a lâmina, cai, e MAURY sente na acorda, vai ao lugar sonhado e encontra o canivete.
como a cabeça se afasta do tronco. Em terrível angústia
acorda, e compreende a origem do sonho. Mexendo-se quando Compreende-se — acrescenta o Dr. GRASSET — que
dormia, tinha feito com que um dos suportes das cortinas difícil será convencer esta menina de que não se trata de
da cama caisse sôbre seu pescoço. uma revelação de ‘‘além-túmulo”. E não obstante é um
singelo caso dc lembrança inconsciente n.
Um simples estímulo externo foi assombrosamente dra­ Em geral tôdas as elucubrações do inconsciente se pres­
matizado. tam a superstições. Podem produzir resultados tão extraor­
dinários, dc aparência tão completamente nova, de origem
“Aparições” tão inconsciente, com funcionamento em plena independên­
Em certos ambientes, a dramatização tipo “aparições cia da vontade e advertência do “mago”, que facilmente se­
dos mortos” é bastante frequente. A difusão do espiritismo rão tomados como comunicações de “além-túmulo”. Que na­
provavelmente é a causa de que o inconsciente adote este tural o raciocínio de Helena SMITH atribuindo a verdadei­
tipo de dramatização, dado a tendência que tem o incons­ ros habitantes de Marte tudo o que seu inconsciente lhe
ciente de acomodar-sc ao meio ambiente. manifestava durante o transe. ..
Como bem adverte FLOURNOY, “o eu inconsciente das
Um jovem lembrava-sc de que seu defunto pai tinha
médiuns é plenamente capaz de inventar um conjunto tão
comprado c pago um pequeno terreno, mas não tinha podido
perfeito que tenha as melhores aparências dc comunicações
êle herdá-lo por não possuir os documentos legais nem saber
do “além”. Verdade demasiado esquecida em certos ambien­
onde poderiam estar arquivados. Em processo judicial esta­ tes : pessoas perfeitamente normais c sadias quanto se queira,
vam-lhe disputando a posse, com manifesto perigo dc perder ao menos em aparência, pelo simples fato de entregar-se às
êle o terreno. Preocupado dormia na véspera do julgamento, práticas mediúnicas, podem romper facilmente o seu equilí­
que, sonhando, viu seu pai, que lhe dizia estarem os do­ brio psíquico e dar lugar a uma atividade automática. Os
cumentos em casa de certo tabelião aposentado. Acordado, resultados do automatismo simulam da mais perfeita maneira
quis comprovar se era certo, e com efeito lá estavam os comunicações de “além-túmulo” não sendo na realidade mais
documentos com os que venceu o pleito 14. do que resultados do funcionamento inconsciente das facul­
Trata-se do que chamávamos criptomnésia, i. é., “me­ dades ordinárias” 15 16.
mória do oculto”. Tão oculto, tão esquecido, que quando Deve destacar-se a sensação de absoluta independência
se lembra não parece lembrança. O inconsciente, excitado entre consciente e inconsciente. O Pe. ALMIGNANA a custo
pelo perigo de perder o terreno, encontrou a lembrança arqui­ conseguia responder às invectivas que seu inconsciente lhe
vada e manifestou em sonhos que o pai tinha falado no as­ dirigia e que com sua própria mão escrevia em movimentos
sunto. Em sonhos o caso é dramatizado como se tratando automáticos. O padre não conseguia explicar como podiam
de uma aparição.
15 — GRASSET, J., o. C-, pág. 146.
14 — LHERMITTE, Jean: “Le Sommeil”, Paris, A. Colin, 1931. 16 — FLOURNOY. Th.: “Gcnese de quelques prétendus messa-
Nós citamos da tradução espanhola: “Los suenos”, Barcelona, Salvat, ges sprrites” em “Revue Philosophiquc”, pág. 200; e ver também em:
1953, pág. 85. “Annulea des Sciences Psychiques”, 1899, pág. 216.
162 A FACE OCULTA DA MENTE

encontrar-,se nele mesmo, dois “eu”, o “eu” inconsciente e o


“eu” consciente, tão abertamente contrários um ao outro.
É esta sensação de estranheza, de modo especial, a que
em épocas antigas levou as gentes a pensar que alguns so­
nhos eram mensagens do “além” (oniromancia).
Ainda não há muitos anos era frequente atribuir o so­
nambulismo hipnótico ao demônio, etc., não podendo expli­
car-se nem o talento do inconsciente, nem a independência
e até aparente aspecto contraditório, na realidade comple­
mentar, entre consciente e inconsciente.

Não só “o inconsciente pode fazer tudo o que


o consciente faz” , mas inclusive supera ao cons­
17

ciente amplamente em inteligência.


O inconsciente, aliás, tende a dramatizar
segundo as próprias idéias; frequentemente tam­
bém amplia mínimos estímulos e os interpreta;
às vezes recorre a dramatizações ou símbolos tão
exagerados que podemos dizer que se converte
em caixa de ressonância.
A este conjunto de notáveis qualidades cha­
mamos “talento do inconsciente”.

Fenômenos
"Paranormais"
17 — RICHET, Charles: “Traité de Metapsychique”, 2.a ed., Paris,
Aloan, 1923, pág. 78. de Conhecimento
‘'Adivinhação” 12
A CIÊNCIA LANÇA-SE À INVESTIGAÇÃO

História que há na lenda e lenda que


há na história. — Coleções científicas de co­
nhecimentos “ inexplicáveis— Uma doen­
te u v e y o que seu médico faz numa cidade
distante. — Esforços experimentais dos cien-
tintas.

TK agora viemos falando de fenômenos maravilhosos


* * de conhecimento, a que dávamos uma explicação mais
ou menos próxima das margens conhecidas pela Ciência tra­
dicional. Eram fenômenos ‘‘extraordinário-normais”. De­
viam-se a faculdades e sentidos tradicionalmente conhecidos,
embora a manifestação em tais graus seja própria de pes­
soas especiais (chamadas “sensitivos”) ou de circunstâncias
especiais.
Agora a questão é outra: há de fato fenômenos de co­
nhecimento paranormais? Existem fenômenos de conheci­
mento impossíveis de serem explicados pelo funcionamento
dos sentidos e faculdades tradicionalmente conhecidos?
A crença popular em adivinhos, cartomantes, etc., ou em
comunicações telepáticas, transmissão do pensamento, etc.,
a crença popular no conhecimento “além da fronteira dos
sentidos tradicionais” é tão antiga como a humanidade mesma.
166 A FACE OCULTA DA MENTE ADIVINHAÇÃO' 167

Esta crença é científica? Todos temos essa faculdade riência”, para alguns não bem à par dos conceitos filo­
“desconhecida” tradicionalmente pela Ciência clássica? As sóficos, implicaria também relação com os sentidos. É por
pessoas que manifestassem essa faculdade paranormal se­ isso que preferiríamos a expressão “comportameto extra-
riam chamadas “metagnomos” (chamar “sensitivos” aos que sensorial”.
manifestam essa possível “percepção extra-sensorial” seria Os termos “percepção extra-sensorial” e suas siglas ESP
uma contradição nos termos). ou também GESP (percepção extra-sensorial em geral, pois
como veremos há subdivisões) foram oficializados no primei­
Luz na nomenclatura ro Colóquio Internacional de Parapsicologia celebrado em
1953 na Universidade de Utrecht, Holanda.
•Há imensa barafunda de nomes para designar o conhe­
cimento paranormall 2 3 * * *. Mas estes, como outros nomes que recebera o conheci­
mento paranormal, incluem uma explicação ou teoria do fe­
A escola do grande parapsicólogo moderno RHINE, pre­ nômeno, o que poderia ser molesto aos cientistas que de fora
feriu a expressão “percepção extra-sensorial” e sua sigla da Parapsicologia ouvissem falar desses termos. Era pre­
ESP?. RHINE “inventou” o eme já em 1870 tinha inventado ferível esperar a que se divulgassem os motivos antes que
Richard BURTON. TISCHNER' prefere o nome “experiên­ a nomenclatura. Ê por isso quo no primeiro Colóquio
cia extra-sensorial” melhor do que “percepção extra-senso­ Internacional do Parapsicologia, oficializou-se. seguindo a
rial”, apesar de que RHINE e seus colaboradores não querem sugestão dos doutores WTESNER e THOULESS \ a ex­
indicar com a palavra “percepção”, nada parecido com a pressão PST-GAMMA (PC), que designa e nada exphca.
percepção normal, sensorial. Mas a mesma palavra “expe­ Trata-se das primeiras letras gregas da expressão “psico-
gnose” = conhecimento psíquico. Mas foram escolhidas de-
1 — RICHET chamou o conhecimento paranormal, se de fato exis­
tir, “criptestesia”, i. é, “sensação do oculto”, pois acreditava que o fe­ libcradamente duas letras gregas e não a mesma expressão
nômenos se deveria a algum tijpo de vibração ou emissão nnafcrims des­ psico-gnoso pelos motivos apontados. Escrevem os autores
conhecidas. Ainda não se tinha demonstrado que essa faculdade fôsse, da expressão PC: “Êste símbolo simples não comporta ne­
ao menos em parte de sua atuação, espiritufW, extrn,-sensorial. Então nhuma implicação relativa ao processo paranormal nem im­
falava-se também em “sexto sentido” (RICHET, Charles, “Traité de
Métapsychique”, 2 a ed., Paris, Alcan, 1923, pág. 3. Tradução espanho­
plicação alguma relativa à identidade ou multiplicidade do
la: “Tratado de Metapsíquica y Nuestro Sexto Sentido”, Barcelona, processo” \
Araluce, 1923). BOIRAC preferiu as palavras “metagnomia.” (conhe­ A expressão PST-GAMMA já está muito difundida. Seria
cimento além do normal) e diapsique (através dia psique) em contra­
posição aos sentidos físicos (BOIRAC. Émile: “Lavenir des Sciences de desejar que so fizesse geral.
psychiques”, Paris, Alcan, 1917. pág. 223. MAXWELL os chama fe­ Mas existe de fato faculdade PG? Nós, neste tomo,
nômenos “intelectuais” (MAXWELL. Joseph: “Les phénomenes psy­ não entraremos diretamente em discussão sôbre a essência
chiques. Recherches observation, méthodes”, Paris. Alcan, 1914, que da faculdade e de suas manifestações, apesar de que sus­
é a edição que nós utilizamos, mas a edição original é de 1903 . Van
RIJNBERK, da Universidade de Amsterdam, os chama fenômenos tentamos. como a Parapsicologia moderna mais representati­
“receptores” (RIJNBERK, Gérad van: “Les métasciences biologi- va, que a faculdade seria extra-sensorial, espiritual, ao menos
ques”, Paris, Adyar, 1952, pág. 161). Etc. Não anotamos aqui a em parte de sua atuação. Por enquanto tomamos a facul-
nomenclatura não cientifica.
2 — RHINE. Joseph Banks: “Extra-sensory perception”, Boston, 4 — WIESNER, B. P., e THOULESS, R. H., “The Present position
Bruce Humphries, 1934, e Boston, B.S.P.R., 1934- of experimental research into telep-aty and related phenomena” em
3 — TISCHNER, Rudolf: “Einführung in den Okkultismus und “Proceeding of the Society for Psychical Research”, 1942, XLVII,
Spiritismus”, Munich, 1921, pág. 5. Cfr. do mesmo autor, tradução págs 1-19.
francesa de LAMORLETTE: “Introduction à la Parapsychologte”, 5 — WIESNER. B. P„ e THOULESS, R. H.: “Thougth transfe-
Paris, Payot, 1952, pág. 54. Tradução espanhola: “Introducción al rence and related phenomena”, em “Journal of Parapsicology”, 1952,
estúdio dt la Parapsicologia”, Buenos Aires, Obregón, 1957. março, pág. 30.
168 A FACE OCULTA DA MENTE “ADI VINTT \ C AO” 169

dade PSI-GAMMA simplesmente como uma faculdade de co­ Dos fatos histórico-lendários é, como dissemos, muito
nhecimento diferente do que pode atribuir-se aos sentidos. difícil de se julgar. Não raro, não obstante, aparecem
Seria uma faculdade nova (no sentido de que só agora teria alguns nos quais parece difícil duvidar da boa fé da tes­
sido descoberta pela Ciência, em outra ordem de coisas, a temunha cu da exatidão do relato. Talvez devamos dar
faculdade teria existido sempre, todos a teríamos; unicamen­ razão a OLIVIER quando afirma que só sendo verdade a
te a manifestação seria própria de pessoas ou circunstâncias existência do conhecimento paranormal, pode-se explicar que
especiais. estas lendas tenham-se mantido ao longo da história 7 8. Mas
é mais fácil c segura a verificação dos casos mais recentes.
Lenda e história
Os inquéritos
Como já temos sugerido, a crença popular e não raro de
pessoas cultas, na faculdade PG (interpretada supersticiosa- Em 1882 fundava-se em Londres a “Society for Psychi-
mente ou não) é de todos os povos e de tôdas as épocas. Onde cal Research” para investigar se de fato existia o conheci­
acaba a lenda e onde começa a história nestes relatos antigos mento extra-sensorial. Os metapsíquicos recolheram um ca­
é muito difícil de se <?aber. Em todo caso, perante todos os bedal abundantíssimo de casos que já se julgavam inexplicá­
fatos julgados lendários ou históricos de épocas passadas, veis a não ser por uma faculdade paranormal do conheci­
será muito útil um profundo conhecimento dos dados cientí­ mento. A coleção principal, a mais abundante e ao mesmo
ficos que rocentomente tom dado a Parapsicologia. Assim se tempo a mais severa é a da “Society for Psychical Research”.
poderá atribuir-lhe uma possibilidade ou uma inverossimi­ Já aos dois anos de fundação desta sociedade, os inqué­
lhança fundamentada e não tão arbitrária como geralmonto ritos por ela dirigidos tinham chegado a 50 000 pessoas, re­
foi até hoje. colhendo-se 5 705 casos. Sob o critério rigoroso da sociedade,
Como exemplo entre os casos lendário-históricos, ci­ e após uma constatação quase policial, foram selecionados
taremos um que refere HERÕDOTO, caso no que já apa­ o publicados 688 H. Sem interrupção, a sociedade continuou
rece um intento de verificação, diriamos de experimentação. a recolher e investigar casos espontâneos de conhecimento
paranormal 9.
CRESO, rei da Líbia, queria escolher um entro todos os
oráculos da Grécia e da Líbia. Envia-lhes deputados com o Era 1894 publica SIDGWICK 170 casos escolhidos e bem
encargo de perguntar “que fazia neste dia CRESO, filho do controlados 10, e o mesmo autor, outra coleção em 1923 11.
ALYATE, rei da Líbia?”. A pitonisa do oráculo de Dclfos
respondeu em versos hexámetros: “Eu conheço o número dos 7 OLIVER, O. W.: “Analisys of Magic and Witchcraft”, Lon­
grãos de areia das praias do mar; eu compreendo a lingua­ dres, 1028-
gem do mudo; eu ouço a voz de quem não fala; meus senti­ 8 GURNEY, E.: MYERS, F. W.: o PODMORE, F.: “Phantasms
dos estão impressionados pelo cheiro de uma tartaruga que se of the living”, 2 vols.. Londres. Tnibner. 1880-1887. Tradução fran­
mandou cozinhar juntamente com a carne de um cordeiro nu­ cesa resumida por MARTLLIER: “Les Hallucinations Télépatiques”,
Paris, Alean, 1801.
ma caldeira de bronze com tampa também de bronze”.
9 — “Journal of Society for Psychical Research” (S. P. R ), pas-
CRESO escolheu o oráculo de Delfos como sendo o único sim. “Proeccdings of Society for Psychical Research” (“Proc. S.P.R.”),
que acertou e perfeitamente, pois êle tinha “imaginado a coisa passim. Sôbrc as precauções tomadas, mormente nos últimos tempos
mais difícil de imaginar e conhecer, e tinha partido em peda­ da Metapsíquica, Cfr. WEST. D. J.: “The Investigation of Sponbaneous
Cases”, cm “Proc. S.P.R-”, XLVIII, págs. 290 ss.
ços uma tartaruga e um cordeiro e fêiz que os cozinhassem
juntos nurma caldeira de bronze com tampa do mesmo metal”*», 10 — SIDGWICK. Henry: “Report on the Census of Hallucina­
tions”, em “Proc. S.PR.”, 1894, págs. 26 ss.
11 — SIDGWICK, Henry: em “Proceedings of S.P.R.”, 1923,
6 — HERODOTO: “História”, tomo I, ns. 46-48, págs. 86 ss.
B669C

170 A FACE OCULTA DA MENTE ‘ADIVINHAÇÃO" 171

Por parte da “Society for Psychical Research” da Amé­ Várias revistas especializadas recolhem outros inume­
rica do Norte, destaca-se o inquérito de Walter Franklin ráveis casos 17.
PRINCE atingindo 10 000 pessoas, 430 casos, publicando-se Que dizier dêste conjunto enorme de casos espontâneos ?
a coleção a partir de 1928 depois de séria, crítica e paciente Evidentemente que nem tudo supera o “extraordinário-
investigação u.
normal”. Há, porém, muitíssimos casos espontâneos que
Enfim, outros inquéritos notáveis são os dois de Cam- sugerem com muita fôrea a existência de uma faculdade
mille FLAMMARION, mormente o primeiro, em que se re­ paranormal de conhecimento. De muitos dêstes casos nos
colhem 4 280 respostas: 1824 pessoas pensam ter experi­ ocuparemos mais adiante por diversos motivos. Impossível
mentado casos de conhecimento paranormal, publicando determo-nos aqui na análise dos casos espontâneos. Como
FLAMMARION 778 cartas com 1 030 casos escolhidos I3, dos exemplo, eis apenas um relato tomado ao acaso.
quais a “Society for Psychical Research” com seu rigoroso "Annales dc Sciences Psychiqucs" analisa o fenômeno
critério só aceita uns 50. RICHET seleciona após inquéritos
sucedido durante um ataque de sonambulismo histérico numa
entre militares 14, 40 casos interessantes 13 e mais outros o
doente de 14 anos dc idade. Quando o ataque sobreveio, o
Dr. OSTY entre as famílias dos militares ]C\
Dr. TERRIEN, presidente da Sociedade de Medicina de Nan-
Finalmente, citaremos um amplo inquérito recente dos tes estava ausente. A doente, que estava costurando em
fenômenos paranormais durante a Segunda Guerra Mundial, companhia da esposa do doutor, começa de repente no seu
inquérito que foi dirigdo pelo professor de Parapsicolo­ delírio a dizer que o doutor estava fazendo uma visita pro­
gia da Universidade de Friburgo (Suiça), Dr. Hans BEN- fissional na cidade de Cliaché, «a 8 km. Lã diversos doentes
DER ir> 1>is. Verdadeira gama de meios foram postos ii dispo­ o detinham (contra tôda suposição), entre êles um menino
sição do Dr. BENDER para a reunião e verificação dos fe­ que, tendo caído dc uma escada de mão, acabava de quebrar
nômenos espontâneos de aparência paranormal. Trata-se um joelho. A espôsa do doutor TERRIEN fêtz questão de
sem dúvida de uma contribuição importante para a Parapsi­ anotar tôdas estas manifestações da histérica. A volta do
cologia, embora a Parapsicologia moderna não atenda tanto doutor, confirmou-so totalmente a história iR.
a casos espontâneos, preocupada como está. como veremos
mais adiante, na experimentação de laboratório, sem dúvida Que hiperesteaia ou que provisão normal seria possível
mais importante. de fatos que estão sucedendo a 8 km de distância, fatos
casuais e concretos, como o do menino que acaba de cair
de uma escada de mão quebrando um joelho?
12 — PRINCE, Walt.er Franklin: "Noted Witnesscs for Psyehic
Occurences”, Boston, B.S.P.R. Press, 1928. “Human Experiences" em Milhares de casos semelhantes serão suficientes para
"Boston S.P.R.", setembro de 1931 e 'abril de 1933. demonstrar a existência do conhecimento paranormal?
13 — FLAMMARION, Camille: "La mort et son mystère”, 3 vol.,
Paris, E. Flammarion, 1920-1921. Tradução anônima: "A morte e o
seu mistério", 3 vols., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira 17 — "Journal of Society for Psychical Research" (índice Geral
(FEB), s. d. (1955). "LTnconnue et les Problemes Psychiqucs", 2 para os tempos da Metapsíquica no vol XLI, 1932-1933, dos "Proc.
vols., Paris, E. Flammarion, 1900- Tradução de S. THIAGO, Arnaldo: S.P.R."). "Procecdings of Society for Psychical Research” (Cfr. ín­
"O desconhecido e os problemas psíquicos”, Rio de Janeiro, FEB, 1954. dice citado). Igualmente a "sucursal" americana, com os correspon­
14 — RICHET, Charles: Inquérito formulado em "Bullctin des dentes: "Jnl. of American S.P.R." desde 1907. "Proc. of Amcr. S.P.R.”
Arméos”, 10 de janeiro de 1917. desde 1923. Também as revistas: "Luce e Ombra" desde 1900. "Revue
15 — RICHET. Charles: Casos publicados em: "Annales des Metapsychique" ("R.M.”) desde 1920. Assim como as iá desapareci­
Sciences Psychíques” ("A.S.P.”), 1892-3, págs. 17 ss. das: "Annales des Sciences Psvchioues” ("A.S.P.”). "Bulletin of the
16 — OSTY, Eugène: Casos publicados em "Revue Metapsychi- Boston S.P.R.”. "Bulletin de ITnstitut Général Psychologique”. "Le
que”. 1932, n. 4. págs. 236 ss. Psychique tttudient”. "Religio-Philosophical Journal". E com freqüên-
16 bis — BENDER, Hans, em "To-Morrow", New York, vol. 4, cia também em: "Light", "Banner of Light" e outras.
v» o -i ftKC
18 — "A.S.P.", 1914, julho, págs. 198-203.
3656

172 A FACE OCULTA DA MENTE “ADIVINHAÇÃO” 173

Já em 1891 FOUILLÉE afirmava: “Ê possível que haja, freqüencia provocaram-se, mais ou menos diretamente, ex­
mais ainda, é impossível que não haja, modos de comuni­ periências que sugeriam uma faculdade paranormal de co­
cação através do espaço” de uns homens com os outros |t;. nhecimento.
E Jules BOIS: “A luz em vibração se comunica de estrela MESMER fala já do “sexto sentido”19 20 21 22; PUYSÉGUR
a estrela. Uma alma não pode comunicar-se com outra provocou muitos casos que ele chamou “leitura do pensa­
alma de modo semelhante?” 2(). Mais ou menos semelhante? mento” PÉTÉTIN dedica uma obra póstuma a numero­
Pouco depois, ante o número sempre crescente de ca­ sas experiências de “visão à distância” realizadas com sete
sos que se iam recolhendo e comprovando, muitos cientis­ doentes diferentes 1 ‘; DELEUZE consagra tôda uma obra à
tas, embora enfrentando a apreensão de outros sábios mais “clarividência” só de um jovem sensitivo 2<5; DU POTET, ba­
recatados, afirmavam que a existência do conhecimento para- seando-se em inúmeras experiências próprias e do Dr. CA-
normal não se podia negar: “A faculdade de visão à distân­ HAGNET, considera a lucidez ou “vista interna” como uma
cia, de pressentimento — escrevia, por exemplo, PELLE- fase do sonambulismo hipnótico 26, etc.
TIER — não se pode negar hoje, tão grande é o número de Enfim, ê frequente entre os livros dos antigos “magne-
exemplos que se têm encontrado” ?1. tizadores”, encontrar experiências que indicam uma facul­
dade de conhecimento paranormal. Especialmente o fenô­
No gabinete do médico-Iiipnólogo meno que eles chamavam “viagem telepática”, surge com
freqüencia nas experimentações do “magnetismo”.
As coleções de casos espontâneos impulsionaram o tra­ Passada a época do “magnetismo”, com o nascimento da
balho de laboratório. Era necessária a experimentação do hipnose moderna é muito frequente encontrar aqui e ali,
laboratório â procura de uma base mais firme, para aceitar
ou para “pôr entre parênteses” o conhecimento paranormal 22 MESMER, Fra.ii/, Antmi, obra confeccionada por CAULET
até épocas futuras, cm que talvez fôsse possível um juízo ilc Vcawnorul: “Aphorismes do M. Mosmer, dietés n. rasscmblée de
definitivo. .sos f;lò ves”, 3.n. ecl., Paris, 1785, Cfr. especial mente os ns. 18.'» e 184.
Veja-,sc do mesmo autor: “System der Wechselwirkungcn Thcorie
Não podemos deter-nos aqui na exposição nem sequer und Anwcndung ThcorisoJion Magnetismus ais dio aUgemeine Heil-
sumaríssima, de tantas e tão variadas experiências. kunde zur Erha.lt ung des Menschon”, Berlim, Herausgcgebcn von Wol-
fart, 1814. “Memoirc sur la Découvcrt du Magnétisme Animal”, Ge­
Muitos dos fenômenos sucedidos durante o “sono mag­ nebra, 1779.
nético” (ou hipnótico), idênticos a muitos outros que antes 2.°» PUYSJ&GUR, Armand Marc Jacques Chastcnet du (Mar­
quês) : “Du Magnétisme animal, eonsidéré dans ses rapports <avec dil-
tinham sido considerados como “extraterrenos”, foram con­ ferents branches de la physique”, Paris, Dentu, 1807, passim. “Memoires
siderados como naturais pelas descobertas dos magneti- pour servir 1’histoire du magnétisme animal”, Paris, Dentu, 1784,
zadores. O mesmo poderíamos dizer de muitos fenômenos passim. “Rechcrches, experiencos et observàtions physiologiques sur
acontecidos durante certos ataques de histeria, por exem­ riiomme dans l’état de somnambulisme naturel et dans le somnam-
bulismc provoque par 1’acte maghétique”, Paris, Dentu, 1811, passim.
plo, que antes foram considerados como possessões diabó­ 24 PBTETIN, J. H. D.: “L Electricité Animale”, Lyon, 1803.
licas. Nesta mesma época de entusiasmo pelo estudo e 25 - DELEUZE, J. P. F-, com comentários de MAILLE: “Me-
experimentação do “magnetismo” (hipnotismo), com muita moire sur la Facultó de Prévision”, Paris, Chochard, 1836. Cfr. “His-
toire Critique du Magnétisme Animal”, 4 volumes, Paris, Hipolyte
Bailliére, 1819, passim.
19 — FOUILL32E, Alfred, em “Revue des deux Mondes”, 15 de 26 —- POTET, Raron du: “Manuel de L/Étudent Magnetiseur”,
maio de 1891. 8.a ed., Paris, Alcan, 1903 (l.a cd. 1846L Cfr. também: HUDSON:
20 — BOIS, Jules: “Le Miracle Moderne”, Paris, Ollendorff, 1907. “Experiences Publiques sur le Magnétisme Animal faites à 1'Hotel-Dieu
de Paris par J. Dupotet” ,2.a ed., Paris, 1820. BERSAND, Alexandre:
21 —- PELLETIER. Javier, em “Echo du Merveilleux”. 1900, “Du Magnétisme Animal em Fnance”, Paris, Bailliére, 1826, págs. 259 ss.
pág. 274.
174 A FACE OCULTA DA MENTE “ADIVINHAÇÃO 175

nos diversos autores, experiências de um possível conheci­ no seu item 10 afirma como comprovada por eles em algu­
mento paranormal, tal como em ROCHAS D’AIGLUN e sua mas pessoas imersas em sonos provocados, certa manifes­
“exteriorização da sensibilidade” 27, REICHENBACH e seu tação de conhecimento paranormal.
“fluido ódico-magnético” 28, etc. Já os fundadores da hip­ A reação da Academia é uma das páginas mais ver­
nose encontraram o fenômeno: BEAUNIS, colaborador de gonhosas da história da ciência. Os acadêmicos, que não
BERNHEIM (fundador da escola hipnótica de Salpetriére) tinham estudado, rejeitaram “por incríveis” as conclusões de
realiza várias “transmissões de pensamento" 29. E o mesmo mais de cinco anos de trabalho de uma comissão sária. . . 31.
consegue LIÉBEAULT, o fundador da outra escola de hip­ A Academia, que nada viu, que nada investigou a res­
nose, a de Nancy 30. peito, tinha direito a esmagar a comissão, que com tanto
Depois dos fundadores, com relativa freqüência os se­ trabalho demorado e rigoroso investigara o que agora era
guidores de ambas escolas encontraram nas suas experiên­ apresentado? “Não duvidamos da boa fé dos comissiona­
cias casos que parecem não se poderem explicar sem supor dos. Cremos, porém que foram vítimas de várias habili­
dades...”. Por que acreditavam no engano da comissão?
no homem uma faculdade de conhecimento extra-sensorial. Só porque o conhecimento paranormal e fenômenos seme­
Já em 1831, época do “magnetismo", uma comissão no­ lhantes “são incríveis”? É justificado tal proceder? O re­
meada pela Academia de Medicina da França, apresentava latório foi rejeitado o ficou em manuscrito. A comissão
seu relatório depois de quase seis anos de trabalho intenso, trabalhou cinco anos para ao final receber completa humi­
minucioso, verdadeiramente científico. A erudita comissão lhação . . .
Os “magnetizadores" e hipnotizadores, salvo raras ex­
27 — ROCHAS, Albert de: “Les fitais Profonds de 1’Hypnose”, ceções, não abordaram “ex professo" a experimentação da
5.0. cd., Paris, Charconac, 1904 (l.a ed., Paris, Chamuel, 1892). “Les percepção extra-sensorial.
fitats Supcrficicls de 1’Hypnose”, nova edição. Paris, Charconac, 1902
(l.a cd. 1893). “I/Êxtériorisaüon dc Ia Scnsibilité”, Paris, Churnuel, O conjunto dessas experiências, porém, têm uma for­
1894. ça muito grande em prol da existência de PSI-GAMMA. Eis
28 - - REICHENBACH, Karl von: “Der Scnsitive Mensch nnd um exemplo, colhido absolutamente ao acaso:
scin Verhalten zun Od”, Stutgart, Cotta, 1855- “Kleine Schriften IJber
Sensitivitat und Od”; tradução inglesa: “Psyco-Physiological Resear- O Dr. JANET hipnotiza sua célebre paciente Léonie B.
ehes on the Dynomica of Magnctism, Electricity, Light, Crystalisa- Estavam no Havre e JANET diz à hipnotizada que vá com o
tion and Chemistry, and Their Relations to Vital Force. With the ad- pensamento a Paris aonde o ajudante de JANET, o Dr. GI-
diction of a preface and criticai notes by John Asaburner, M. D.”, Lon­
dres, 1851 (mas a primeira edição foi em Brunswick, 1841); tradução 31 — A comissão bem sabia que as suas conclusões eram “novas
francesa de LACOSTE, Ernest, com prefácio de ROCHAS, Albert de: na ciência” e tratou de preparar o caminho dos seus colegas para se
“Les phénomènes odiques ou recherches psychiques et physiologiques dobrar ante a realidade: “Antes de dar por concluído êste relatório
sur les dynamides du magnétisme et de 1’électricité de la chaleur, de a comissão perguntou a si mesma muitas vozes se, com as pre­
la lumière, de la cristallisation et de 1’affinités chimique considérés cauções que multiplicou para evitar qualquer surprêsa, o sentimento
dans leurs rapports avec la force vitale”, Paris, 1904. Do mesmo autor, constante de desconfiança com que sempre procedeu e o escrupuloso
tradução de CAGNET: “Lettres Odiques-Magnétiques”, Paris, Baillié- rigor observado em todos os exames que efetuou, teria plenamente
re, 1865. ROCHAS, Albert de: “Le fluide des magnetiseurs” (resu­ satisfeito todas as exigências que as circunstâncias reclamavam e de­
mo dos trabalhos de REICHENBACH), Paris, Michel Cãrré, 1891. sempenhado acertadamente o trabalho que se lhe tinha confiado. . .
29 — BEAUNIS, H.: “Le somnambulisme provoqué”, Paris, Doin, O nosso íntimo, senhores, respondeu altivameste a estas perguntas
1886, passim. afirmando-nos que vossas excelêtncias nada poderiam ter a esperar
da comissão que nós não tivéssemos feito. . . Nossas convicções sôbre
30 — LIÉBEAULT, A. A.: “Les sommeil Provoqué”, Paris, Doin, a realidade dos fenômenos que presenciamos e que VV. EE. não vi­
1889, passim, mormente cfr. págs. 296 ss. ram nem estudaram, como nós estudamos e vimos...”.
' I, Ljlili

176 A FACE OCULTA DA MENTE ADIVINHAÇÃO 177

BERT, tinha viajado para fazer uma visita ao Dr. RICIIET. "A sua potente faculdade clarividente era conhecida em
De repente Léonie exclama: "Isto se incendeia!". JANET tôda a Europa. .. Alexis via as coisas ocultas como nós
trata de acalmá-la. Mas ela cada vez mais se rebela, dizendo vemos com a visão ordinária; a constância do seu poder cla­
com insistência: "Mas Dr. JANET, eu vos asseguro que rividente era extraordinária e ainda mais maravilhosa sua
aquilo sc está incendiando”. Com efeito, naquele mesmo dia, duração e continuidade. Chegava a tal grau, que podia quase
15 de novembro, às 6 horas da manhã, o laboratório do Dr. habitual mente completar as suas famosas partidas de cartas
RICHET na rua Vauquelin tinha sido destruído por um in­ com os olhos rigorosaniente vendados. Em tais circunstân­
cêndio. Convém acrescentar que o incêndio do laboratório foi cias, jogava corretamente a partida, conhecendo em todo mo­
visto, cm sonhos, por dois íntimos amigos de RICIIET, IJcnry mento não só as cartas que tinha na mão mas também as
FERRARI e J. HERICOURT, independentemente um do ou­ que estavam na mão do adversário. O célebre prestidigitador
tro quando dormiam naquela manhã a grande distância do HOUDIN, chamado a intervir na experimentação para des­
lugar do incêndio. Os três perceberam distintamente as gran­ cobrir a fraude eventual, ficou francamente admirado do
des chamas e que se tratava do laboratório do Dr. RICIIET 32. fenômeno a que assistia, do qual não lograva dar explicação
por meio da sua arte. A chamada "leitura em livros fe­
Caberia explicação que não fôsse a paranormal? Os chados" era uma experiência corrente para Alexis DIDIER
milhares de experiências e observações realizadas pelos como tinha demonstrado a muitos experimentadores” 34.
“magnetizadores” e hipnólogos são suficientes para pro­
var a existência de PSI-GAMMA? Não o seriam, nem so­ Muito se escreveu sobre Alexis, nos jornais da época,
mando-se à “tradição" histórica e às coleções dos meta- com profunda admiração. Cito, entre outros muitos, os
psíquicos? Drs. PÊTÊTTN, LA FONTAINE, FRAPART e BERTRAND.
DELEUZE escreveu um livro dedicado só a Alexis 34 35 36. FLAM-
A experimentação metapsíquica MARION foi sou defensor entusiasta v>.
Deu provas do seu “conhecimento paranormal” diante
Devemos renunciar a analisar tantas e tão variadas ex­ dos sábios numa série de 14 sessões realizadas cm Brighton.
periências c observações que realizaram os metapsíquicos di­ Para RICHET “é impossível pôr em dúvida as faculdades
retamente encaminhadas à comprovação do conhecimento metapsíquicas extraordinárias de Alexis DIDIER” 37.
paranormal. Lamentavelmente, a experimentação c obser­
Realmente, teria sido um caso extraordinário. . . Tra-
vação direta dos metapsíquicos ê menos importante do que
o exposto ató agora, apesar do entusiasmo da maioria dos tar-se-ia de um autêntico fenômeno paranormal? Mas a pró­
autores... pria Parapsicologia ficaria assombrada ante um fenômeno
paranormal tão regular, tão constante...
Um “vidente supremo” Com risco de “escandalizar” a muitos autores, é pre­
ciso advertir que o caso DIDIER parece suspeito e, em
O metapsíquico mais famoso, RICHET, escreve: “Depois todo o caso, enormemente exagerado pela propaganda. Em
das experiências de Alexis DIDIER. . . estão sobretudo as
realizadas com OSSOVIESTZKI, caso que é decisivo” 34 — BONI, G. de: "Met&psichica scienza deli’anima", Verona,
G. de BONI resume, admirado, o poder "paranormal” 1946, págs. 91-92.
de Alexis com estas palavras: 35 — DELEUZE: "Le sommeil Magnétique expliqué par le som-
nambule Alexis en état lucidité”, Paris, 1856.
36 , FLAMMARION, Camille: "La mort. . .", o. o., vol. I, págs.
32 — RICHET, Charles: "Traité...”, o. c., pág. 153. 209-223, da tradução portuguesa, o. c., págs. 173-189.
33 — RICHET, Charles: “Traité.. .", o. c., prefácio, pág. IV. 37 — RICHET, Charles: "Traité...”, o. c., págs. 142-143.
178 A FACE OCULTA DA MENTE
“ ADIVINHAÇÃO 179
primeiro lugar, das provas aduzidas, só dois tipos seriam
autênticos fenômenos paranormais caso não se evidencias­ mento sem os sentidos, poderia objetar que, por pouco que
sem fraudulentas. Essas provas convincentes seriam: ver possa parecer, um buraco de alfinête talvez deixe passar
os objetos guardados em cofres e ler num livro fechado. alguma luz. Mesmo que as quatro folhas fossem perfeita­
Porque, para jogar baralho com os olhos vendados, conhe­ mente opacas, deixariam assim de sê-lo: a hiperestesia fi­
cer não só as cartas próprias mas também as do adver­ caria muito facilitada...
sário, não se precisa empregar a faculdade paranormal: a Quinto: não se leu um livro, nem sequer uma linha;
luz incide nas cartas, os assistentes as conheciam. . . O fe­ leram-se unicamente 4 palavras (uma linha normal tem de
nômeno, pois pode ficar reduzido a um caso de hiperestesia 9 a 12 palavras). PG, ou a faculdade de conhecimento
direta ou indireta. extra-sensorial, é tão “incrível” que muitos preferirão per­
Vejamos o fenômeno da leitura num livro fechado. guntar: a hiperestesia não é suficiente para explicar a lei­
Seria susceptível de ser paranormal, mas deve-se considerar tura de duas palavras de cada lado do buraco do alfinête?
que, no assunto, houve muita publicidade. RICHET, em­ Entre essas palavras, alguma, necessariamente, será artigo
bora sugestionado pela “propaganda”, ao falar da “leitura ou preposição, com o que não se afastam tanto do buraco. . .
em livro fechado” de DIDIER descreve a realidade muito Aliás, não é necessário ler a palavra inteira para deduzi-la...
diversa: Mas não termina aqui tudo (e insistimos, porque o caso
“Robert HOUDIN que foi eertameiitc um dos mais há­ Alexis é um argumento exagerado por alguns autores).
beis prestidigitadores de todos os tempos, constatou e teste­ Dá-se muita íôrça à intervenção de Robert HOUDIN. RI-
munhou a clarividOtncia de Alexis. R. HOUDIN tirava um CHET afirma que HOUDIN constatou e testemunhou a cla­
livro da sua algibeira e abrindo-o, pedia a Alexis que lesse rividência de Alexis e em confirmação cita o volume segun­
uma linha, numa altura determinada, porém 8 páginas adian­ do de um dos livros do mesmo HOUDIN: “Confidences dhm
te. O clarividente afundava um alfinête para marcar a linha prestidigitateur”, embora não cite a página. Depois de
e lia quatro pdtovrais, que foram encontradas na linha cor­ RICHET, uma porção de autores cita o mesmo dado. Uns
respondente, mas de 8 páginas adiante”. Robert HOUDIN autores copiam os outros e o assunto toma corpo. Na ver­
assina esta declaração na* atas da experimentação: “Afirmo dade, que houve? Já lemos pessoalmente não só o tomo
que os casos relatados acima são escrupulosamente exatos”. segundo das “Confidencias”, mas também o primeiro38, e
ainda todos os outros livros publicados por Robert HOU-
Vejamos. Em primeiro lugar não se trata de um livro DIN39, não encontrando tal confirmação. (Parece que HOU-
fechado: afirma-se expressamente que o livro está aberto. DIN só falaria disso em cartas ao Marquês de MIRVILLE
Segundo: Trata-se unicamente de 8 páginas mais adiante; e ao Dr. LEE).
8 páginas são somente 4 folhas; 4 folhas não são completa­
mente opacas. .. Mesmo não havendo truque, não haverá Que, de fato, Alexis conhecia as cartas, lia palavras da
página coberta de um livro, nomeava os objetos encerrados
alguém que queira explicar o fenômeno por hiperestesia? num cofre, ninguém o nega.
Por que não lera o vidente, palavras de um livro situado a
quilômetros de distância e de que ninguém dos presentes
tivesse conhecimento? 38 — HOUDIN, Robert, tradução de MARTÍNEZ, Avelino: “Con­
fidencias de un Prestidigitador. Una vida de artista”, dois tomos, Va­
Em terceiro lugar afirma-se expressamente que Alexis lência, Aguilar, 1894.
se aproximou... E Alexis era prestidigitador! 39 — HOUDIN, Robert, tradução de PALANCA y LITA: “Arte
de ganar en todos los juegos”, 2 tomos, 3.a ed., Biblioteca de Juegos,
Em quarto lugar, afundou um alfinête na linha cor­ Prestidigitación e Ilusionismo, volumes XXXVIII e XXXIX, Barcelona,
respondente, com o pretexto desnecessário de marcar a Sintes, 1959. “Los Secretos de la Prestidigitación y de la Magia”, 2
linha. Quem não quiser admitir a faculdade de conheci­ volumes, Biblioteca de..., volumes XXXV e XXXVI, Barcelona, Sin-
180 A FACE OCULTA DA MENTE “ADIVINHAÇÃO” 181

O que se trata de saber é se era ou não truque. E se Quanto às partidas de cartas, em última hipótese, não
o era, não seria certamente HOUDIN quem diria. Se Alexis seriam resultado de fenômeno paranormal, mas hiperestesia
tivesse sido um jogador chantagista que aproveitasse suas direta sobre as cartas ou hiperestesia indireta do pensamento
habilidades para esvaziar os bolsos dos demais ou para fun­ dos participantes.
damentar alguma superstição, certamente que Robert HOU-
DIN trabalharia para o desmascarar. Desmascarou outros HOUDIN, além dos dois tomos com os títulos “Arte
muitíssimos na sua qualidade de assessor técnico em ques­ de ganar en todos los juegos” com cartas, explica como
tões de truques perante o tribunal de Justiça do Sena. se podem conhecer as cartas de um baralho novo sem tocá-
Mas Alexis não era um espertalhão, era um ilusionista. las pessoalmente, à distância. Conta que, quando um joga­
Jamais explorou alguém, nem se fez passar por médium ou dor “afortunado” começou, na França, a servir-se dêsse sis­
por santo. Apresentou seu poder como humano, desta terra, tema, os mais destacados espertos renunciaram a descobrir
naturalíssimo. Que importava, se se enganaram os sábios? o truque, ou negaram que êle existisse. Êle mesmo,
files eram os que se enganavam. Não queriam investigar HOUDIN, empregou nisso vinte dias de laboriosos exames,
científicamente? Pois que investigassem quanto quisessem. chegando a abandonar também êle o assunto; “decididamen­
O mesmo Robert HOUDIN gostava muito, como todo te não há truque”, concluiu. E então, por mera casualidade
bom ilusionista, de ser considerado possuidor de poderes (mas devemos ter em conta o magnífico preparo técnico
extraordinários, mas humanos. Não se podia esperar de de HOUDIN), descobriu o truque, como amenamente conta
Robert HOUDIN, autêntico cavalheiro, “o ilusionista dos e explica no tomo primeiro das suas “Confidências” 4(). E
reis e o rei dos ilusionistas”, que descobrisse ao público os isto pode-se fazer com os olhos vendados como se diz de
truques inocentes de um ilusionista que não abusava de sua Alexis. Quanta literatura sôbre “vendagens” há entre os
habilidade. ilusionistas. . .! Na mesma capa do tomo segundo de “Ar­
Enganar os sábios não tira a inocência ao truque, dá- te de ganar en todos los juegos” da edição citada, está
lhe mérito. Que certos homens sejam tidos como extraor­ desenhado um ilusionista jogando cartas com os olhos
dinariamente dotados é simplesmente uma ilusão, não uma vendados. . .
superstição. Se se pensasse mais em super-homens, em ca­ O curioso é que o mesmo RICHET no seu entusiasmo
pacidade c poderes extraordinários, pensar-se-ia menos em por DIDIER afirma: “Evidentemente, os testemunhos de
intervenção dos espíritos, demônios, etc. Alphonse KARR e Vitor HUGO são insuficientes, tratando-
Robert HOUDIN não desmascarou a Alexis, mas os tru­ se de uma partida de cartas jogada com Alexis mesmo que
ques lhe eram conhecidos. As mesmas experiências as rea­ êle tivesse os olhos vendados, porque, em matéria de cartas,
lizava êle magistralmente. Nos seus livros para ilusionistas os prestidigitadores fazem o que querem” íl.
descreve, com ameníssimo estilo, sem nomear a DIDIER, os
truques que se podem empregar para realizar as mesmas Era coisa de perguntar a RICHET se acredita que os
provas que DIDIER realizava. Chama a atenção a perfeita prestidigitadores não são capazes de fazer com livros ou com
identidade das provas que os sábios descrevem como para- cofres truques semelhantes aos que fazem com cartas.
normais de A. DIDIER e as experiências que, por meio de E assim passamos a outra prova; diz-se que Alexis des­
truques eram realizadas por HOUDIN. Parece seja isto crevia os objetos fechados em cofres. . . * * *
uma alusão ao caso Alexis. Se era isto o que RICHET es­
perava que encontrássemos nos livros de HOUDIN estou 40 — HOUDIN, Robert: “Confidencias. . o. c., vol. I, págs.
de acordo, salvo num ponto: HOUDIN não defende a 320-328. Ao comêço pensou que não era truque. Isto explica as
paranormalidade das provas de Alexis DIDIER, mas as ex­ cartas que FLAMMARION cita (cf., nota 36).
plica como podendo ser conseguidas por meio de truques. 41 — RICHET, Charles: “Traité...”, o. c., pág. 143.
6510 6814
^

182 A FACE OCULTA DA MENTE ‘ADIVINHAÇÃO” 183

Quantas coisas poder-se-iam dizer do ilusionismo com do o truque não estava preparado ou não dava certo, bastava
cofres! Poucos truques são tão difíceis de se descobrir como assegurar que, “como não havia truque”, o fenômeno “natu­
os truques de “clarividência”. ral e espontâneo” não acontecia aquela vez O próprio G. de
Os espectadores de HOUDIN (coisa que não faziam com BONI, entusiasta defensor de Alexis, reconhece que êste po­
Alcxis) tinham, antes das sessões, conciliábulos nos que dis­ dia realizar as experiências “quase habitualmente” 43.
cutiam quais os objetos que seriam os mais difíceis de adi­ Temos insistido no caso de Alexis porque nos parece
vinhar, para com êles pôr em prova a pasmosa clarividên­ lamentável que se apresente como o caso mais importante. . .
cia” do ilusionista. Eram medalhas antigas, minerais, livros
escritos em caracteres diversos (turcos, gregos, hebraicos),
Não excluímos a possibilidade de que, alguma vez, rara,
objetos envolvidos, atados e selados, as pastas dos módicos
DIDIER tivesse alguma manifestação de autêntico conheci­
com seus instrumentos especializados, etc. O “clarividente”
mento paranormal. Èstes fenômenos paranormais se devem a
HOUDIN, ou seu filho de poucos anos, adivinhavam tudo e
faculdades que todos temos. Não se pode negar a Alexis a
ainda designavam o objeto com o nome técnico. O filho de
possibilidade de alguma manifestação. Mas não é certa­
HOUDIN, com os olhos vendados e à distância, averiguava,
mente Alexis o caso mais notável. Nem com êle é que se po­
por exemplo, que se tratava de uma moeda antiga; mais
de demonstrar a existência da faculdade PSI-GAMMA.
ainda, a descrevia, dizia seu nome, sob que reinado tinha Já nos tempos em que a fama do Alexis ainda cobria
sido cunhada e qual o seu valor intrínseco, mesmo que a moe­ toda Europa, I1YSEOP escrevia, negando a clarividência e
da estivesse gasta. Averiguava e nomeava tecnicamente ob­ mesmo qualquer faculdade parapsicológica de Alexis 44 45 46 *.
jetos raríssimos em mineralogia, pedras preciosas, antigui­
dades ou curiosidades. Tratando-se de um relógio, dizia, Outros líderes
estando êste fechado, o nome do relojoeiro gravado no inte­
rior, o número de rubis, etc. 42. “Depois das experiências de A. DIDIER. . . estão sobre­
tudo as realizadas com OSSOVIESTZKI, caso que é decisi­
E tudo era feito por truques, em desafio ao público, som vo”, dizia RICHET, e acrescenta:4^ “As experiências feitas
poder dizer nunca: “Hoje não estou em forma”. com Stephani OSSOVIESTZKI são de tal modo decisivas que
O “Diário de Palácio” da côrtc da Inglaterra, referindo- não parece poder-sc permitir a mais leve incerteza a respeito
se a uma sessão celebrada perante a Rainha Vitória c tôtía da criptestesia” 4r>.
a nobreza, refere: “A Rainha ficou admirada da admirável RICIIET se refere assim ãs experiências com OSSO-
clarividência do filho de Robert HOUDIN. . . Os objetos mais
VIESTZKI: “Tenho constatado o fenômeno da criptestesia
complicados tinham, sido preparados de antemão.. . sairam
em todo seu esplendor com um indivíduo notável, não profis­
vitoriosos dêiste combate intelectual e fizeram abortar todos
sional”. “Os Drs. GELEY, LANGE e eu tivemos, em Var­
os projetos”. Na França, sua alteza real a Duquesa de Or-
sóvia, em abril de 1921, a ocasião de observá-lo cuidadosa­
leans dou de presente a HOUDIN um alfinête de ouro com
mente. Temo-nos dado perfeita conta de que os fatos atri-
diamantes por tê-lo “visto” em desafio, dentro do estòjo
fechado que a Duquesa escondia entre as mãos.
43 — BONI, G. de: “Metapsichica. . .”, o. c., págs. 91-92.
Alexis não tinha que suportar desafios intelectuais de 44 — HYSLOP, J.: “Enigmas of Psychical Research”, Boston,
ninguém nem tinha que sair sempre vitorioso da prova. Quan- 1906, pág. 274 ss.
45 — RICHET, Charles: “Traité...”, o. c., prefácio, pág. I (al­
42 — HOUDIN, Robert: “Confidencias...”, o. c., vol. 2.o, capí­ garismo romano).
tulos I, II, III e VI, passim. Mesmo que concedamos, como é opinião 46 — Como se recordará, RICHET chamava “criptestesia” ao fe­
comum entre os ilusionistas, que HOUDIN exagere nos próprios nômeno que hoje chamamos PSI-GAMMA (PG), isto é, ao conhe­
louvores.. . cimento por “vias” diferentes dos sentidos conhecidos.
^

184 A FACE OCULTA DA MENTE ADIVINHAÇAO’ 185

buídos ao Dr. OSSOVIESTZKI não eram de modo nenhum fala numa senhora que tem um. nome maia alemão do que
exagerados” 47. francês; convida-o para ir lá, onde ela mora, às margens
do mar- Êle tem intenção de vir a Paris. E OSSOVIESTZKI
OSSOVIESTZKI era engenheiro na Polônia. Pertencia
acrescentou diversos dados, ou de tipo geral, ou errados” 48.
a uma família na qual vários membros tinham se destacado
como ‘‘clarividentes”. Para orientar-se não bastaria a hiperestesia direta, isto
é, através do envelope? Depois, ditas as primeiras palavras,
Continua RICHET: não bastaria a hiperestesia indireta do pensamento (HIP),
“Depois do jantar, LANGE, muito longe do lugar onde captando os movimentos inconscientes delatores dos pensa­
estava o Dr. OSSOVIESTZKI, escreve algumas palavras sô- mentos de RICHET já sabedor da carta de que se tratava?
bre um pedaço de papel, mete-o num envelope e fecha-o. O
Dr. OSSOVIESTZKI lhe diz, pegando o envelope e sem abri- Com mais facilidade explica-se outra experiência feita
lo : “Está escrito em inglês.. . Enxergo uma letra iso­ pelo Dr. GELEY, pois trata-se de um só escrito. OSSO­
lada, depois “Cons...” e depois “vendredi”. O Dr. LAN­ VIESTZKI não precisava escolher entre dois como com
CE tinha escrito em inglês: I (a letra isolada) consider RICHET.
(percebeu só o comêço: cons...) that you are (disto não RICHET acrescenta outras experiências considerando-as
captou nada) wonderful” (confundindo-o com vendredi; de menos importantes, pôsto que as apresenta quase só enume­
fato, algumas letras comuns). (Os parênteses são nossos). radas. Muitas outras experiências fizeram outros investi­
Êste fenômeno não poderia explicar-se por hiperestesia gadores com o mesmo sensitivo 4<). A tôdas podemos fazer
direta através do envelope, ou melhor por hiperestesia indi­ as mesmas críticas: não se exclui plenamente a HIP. Em
tôdas essas experiências estavam presentes as pessoas cujos
reta do pensamento, captando os sinais inconscientes emi­ pensamentos devia OSSOVIESTZKI “ler”. A HIP, por ou­
tidos pelo Dr. LANGE, pôsto que estava em presença do
‘ 'adivinho”? tra parte, estava facilitada pelo estado de auto-hipnose em
que OSSOVIESTZKI caía sempre. A mesma descrição que
Em continuação, conta RICHET outra experiência seme­ do fenômeno faz OSSOVIESTZKI nos mostra os traços do
lhante, concluindo assim: “Resultado admirável que, porém que poderia ser simplesmente hiperestesia indireta: “Eu não
pode tornar-se um pouco incerto, porque rigorosamente OS- me ocupo do papel... De nada serviria olhá-lo. . ., a fina­
SOVIESTZKI poderia, inconsciente e imperfeitamente ver lidade é pôr-me em relação com a pessoa. . . Quando o 48 49
o que eu tinha escrito”. Mais um título além da hiperestesia
direta e a indireta do pensamento (HIP) para não se poder 48 — RICTTET, Charles: “Traité.. .”, o. c., págs 250 ss.
considerar como decisivas estas experiências. 49 —- GELEY, Gustavo: “Un Voyage cTfitudes Métapsychlques â
Varsovie”, em “Revue Métapsychique”, 1921, págs. 281 ss.
“Esta objeção não é válida para a experiência seguinte” RICHET, Charles: “Rapports des Expériences avec M. Ossovies­
— continua RICHET. tzki”, em. “Revue Métapsychique”, 1922, págs. 158 ss. As obser­
vações da S.P.R. em “Proc. S.P.R.”, XLI, págs. 345 ss. GELEY,
“Tinha eu recebido duas cartas na antevéspera e, estan­ G. e DINGWALL: “Une Sensationalle Expérience de M. Ossoviestzki
do a sós no meu quarto, coloquei-as cuidadosamente, cada au Congrès de Varsovie”, em “R. M.”, 1923, págs. 31 ss. —
uma num envelope fechado; depois peguei ao acaso uma GELEY, G.: “Un Clairvoyant Extraordinaire”, em “R. M.'\ 1920,
dessas cartas, ignorando se era a carta A ou a carta B e págs- 275 ss. — “Nouvelles Expériences de Clairvoyance avec Osso­
viestzki, ibidem, 1921, págs. 420 ss. — “Clairvoyance de M. Osso­
dei-a a OSSOVIESTZKI, quando êste chegou. Disse-me en­ viestzki, ibidem, 1922, páigs. 247 ss. — CHAUVET, Stephen: “Lea
tão: 32 uma carta em francês, que não vem de Paris; ó Possibilités Mystérieuses de 1’Home”, ibidem, págs. 302 ss. — A
uma resposta a uma carta sua; um senhor de cinqüenta anos respeito do contrôle, muito bom (salvo a falha de não excluir a
hiperestesia possível), cfr.: OSTY, Eugène (testemunha das expe­
riências) : “Télépathie Spontanée et Télépathie Expérlmentalle”, ibi­
47 — RICHET, Charles: “Traité...”, o. c., págs. 249 ss. dem, 1922, págs. 305 ss.
i lí LyiiiUui, i ii iilli llíl

186 A FACE OCULTA DA MENTE “ADIVINHAÇÀO” 187

fenômeno está para realizar-se parece-me que sou esta mes­ Apresentavam-se nos tempos da metapsíquica como
ma pessoa e então é que se apresenta em meu espírito, como ideais para a experimentação uma longa série de exigências 53.
uma lembrança, o que ela pensou, o que escreveu... O Estas exigências foram observadas ao pé da letra pela senho­
importante é que eu me ponha em relação com essa pessoa. ra Henry SIDGWICK entre outros vários: experimentou com
Com ela tudo é fácil, sem ela nada se produz. Com algu­ cartas de baralho para facilitar o cálculo de probabilidades.
mas pessoas vai tudo bem, com outras é impossível” 50. As cartas eram bem embaralhadas, depois extraídas uma a
uma, sem que ninguém as olhasse, antes que o sujeito tivesse
Como se vê, é necessária a presença da pessoa que es­ dito seu prognóstico, então, olhava-se a carta e se anotava,
creveu: isto é claramente a favor de HIP e contra PG no tanto o prognóstico como a carta em questão; não se dizia se
caso OSSOVIESTZK. havia êrro ou não; repetiam-se as experiências em pequenas
Mas RICHET nem sempre é constante nas suas afirma­ doses para evitar a fadiga mas até alcançar em conjunto um
ções. Em outra parte, parece dar a liderança ao caso da número muito elevado para fugir claramente do acaso. Nes­
senhora PIPER. Escreve RICHET: “A senhora PIPER, do tas condições (com mais outros requisitos acidentais) realizou
Boston, possui poderes que sobrepassam provavelmente to­ a senhora SIDGWICK 2 585 provas; destas, o sujeito acertou
dos os que até agora se têm observado. . . Mesmo se não 149 vêzes a carta cm questão, ou, mais exatamente, 189, con­
houvesse mais do que o caso da senhora PIPER no mundo, tando as vêzes em que, falhando a primeira tentativa, acer­
seria suficiente para que a criptestesia estivesse cientifica­ tou a segunda. Três vêzes mais do que pode atribuir-se ao
mente estabelecida” 5l. acaso, segundo o cálculo de probabilidade M.
Não precisamos nos deter em analisar as experiências Ora, essas condições de experimentação julgadas ideais,
com PIPER. O mesmo RICHET nos dispensa disso quando são suficientes para constituir uma prova definitiva? Evita-
escreve: “Ãs pessoas que vêm visitá-la, ela diz em seguida, se a possibilidade de acertos por outras causas diferentes de
quase sem hesitação...” Ora, mesmo que o conhecimento PSI-GAMMA? Não totalmente: entre outras coisas há um
da senhora PIPER fôsse paranormal, êste detalhe (averiguar defeito fundamental: as cartas, embora não se enxerguem,
coisas das pessoas que estão presentes) vimos que impossi­ são tiradas do pacote uma a uma, cm presença do sujeito.
bilita a conclusão certa, pois podería bastar a HIP para ex­ Nestas condições, mesmo com os olhos vendados (exigência
plicar o fenômeno. que às vêzes se empregou) um bom sensitivo não poderia
nomear a carta por hiperestesia direta sôbre elas?
Enfim, poderíamos ir fazendo críticas a tôdas as expe­
riências dos metapsíquicos, ou melhor, a quase tôdas. O mesmo investigador, por hiperestesia direta (DOP ou
visão para-óptica) poderia saber .inconscientemente a carta
Embora a HIP (principalmente) não seja excluída em que separava, e o sensitivo a captaria no inconsciente do in­
muitos casos, contudo parece pouco possível em outros. Alóm vestigador por HIP, conheceria a carta pelo fenômeno que
disso é tão grande o número de experiências realizadas pelos chamamos em “L” (como veremos nos capítulos 22 e 23,
metapsíquicos que o conjunto é verdadeiramente sugestivo. .. a hiperestesia indireta sôbre o inconsciente é mais fácil e
O Dr. RHINE estudou 3 600 634 experiências em 145 séries freqüente do que sôbre o consciente).
diferentes, realizadas só pelos metapsíquicos da Society for
Psychical Research de Londres52. Acrescentam-se as expe­ Como se vê, em geral eram mais importantes, muito mais
riências realizadas por outros metapsíquicos. sugestivas, as observações dos “magnetizadores” e hipnólo-
gos, assim como as coleções de casos, do que as experiências
50 — OSTY, Eugène, art. cit., pág. 311.
dos metapsíquicos, salvo exceções.
51 —■ RICHET, Charles: “Traité.. o. c., pág. 39.
52 — RHINE, Joseph Banks: “Extra-Sensory Perception after 53 _ RICHET, Charles: “Traité.. o. c., págs. 114 e 163.
Sixty Years”, New York, Hold, 1940, cap. IV e apêndice 17. 54 — SIDGWICK, Sra. Henry, em “A.S.P.”, 1891, págs. 157 ss.
183 A FACE OCULTA DA MENTE

Conclusão
Dá-nos-la o mesmo RICHET. Ao final da época da
Metapsiquica poderia repetir o que escrevera no prólogo para
o livro em que GURNEY, MYERS e PODMORE recolhem
centenas dos melhores casos espontâneos analisados e com­
provados pela S.P.R. de Londres 55.

Psi-gamma 13
ABERTA AO CONHECIMENTO A
FRONTEIRA EXTRA-SENSORIAL
u A convicção que dão semelhantes narrações
(casos expontâneos) é frágil. . . Pela sua parte
as demonstrações experimentais são suficiente­ A nova era da investigação. — Os cien­
mente débeis para que seja perfeitamente lícito tistas se dividem. — Milhões de experiências.
ser incrédulo. . . Têm-se dado muitos belos re­ — A demonstração definitiva.

sultados que, por minha parte, tenho como pro-


bativos, sem pretender porém que sejam defini­
tivos. . . A experiência crucial ninguém a produ­ moderna Parapsicologia encararia de nôvo o proble­
ziu ainda. Há notáveis experiências, tentativas
que têm sido quase um êxito, mas que, apesar dos
resultados, têm deixado sempre lugar a certo ce­
A ma da existência do conhecimento por “vias” dife­
rentes dos sentidos conhecidos.
Na investigação sistemática, podemos considerar como
ticismo e à incredulidade como um Ucaput mor- precursor o Dr. Joseph Rhodes BUCHANAN, de Boston, o
tuuri', na expressão dos alquimistas, que permite primeiro cientista que aborda com absoluta dedicação a ex­
perimentação dos fenômenos paranormais; isto foi feito sè-
a dúvida e impede a absoluta convicção '. 7
riamente, não como até então, de passagem, nem como uma
espécie de “hobby”. BUCHANAN experimenta os fenôme­
nos paranormais por si mesmos, não pela sua relação com
o “magnetismo”; apresenta uma classificação da fenomeno-
logia paranormal, além de procurar distinguir experimen­
talmente entre o que é paranormal e o que não o é, entre um
tipo de fenômeno paranormal e outro. Dedicou-se especial­
mente a um assunto, a psicometria (PG “inspirando-se” em
objetos do “consulente”) e, neste ponto, deteve-se com in­
teira dedicação.
55 — GURNEY, MYERS e PODMORE, o. c., prólogo por RI- BUCHANAN é, verdadeiramente, o precursor de uma
CHET, pág. VIII. nova era. Contudo, seus erros são numerosos, especialmen-
190 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA 191

te quando sai do campo experimental sem que isto queira cientistas e recolher todas as possíveis críticas ao método
dizer que não tivesse também grandes acertos. de experimentação. Eram, pois, experiências com a exclu­
siva finalidade de sondagem. Mas seriam, de fato, as que
O entusiasmo de BUCHANAN pela nova era que se apro­ começariam a “nova era”. ..
ximava foi “otimista” demais. Chamava à psicometria a
'‘ciência divina” 1 e a seu próprio livro “Aurora de uma nova Foram conduzidas assim: O Dr. PRATT, então estudante
civilização” 2. de Parapsicologia, diplomado em Psicologia, manipulava um
pacote de cartas de baralho especial, no atual edifício da
Os trabalhos anteriores a RHINE, concretamente o
Faculdade de Ciências da Universidade Duke. Entrementes,
período de 1900 até 1930, podem ser considerados como de
preparação. o sensitivo Dr. Hubert PEARCE, então também estudante
de Parapsicologia diplomado em Teologia estava em outro
Analisando o positivo e o negativo dos sistemas anterio­ edifício, no atual gabinete de leitura, nos fundos da biblioteca
res, o Dr. RHINE elaborou novos métodos de investigação da Universidade, isto é, a uma distância de uns cem metros.
absolutamente científicos. No seu trabalho percebe-se o in­ Antes de dirigir-se cada qual para seu gabinete, sincroniza­
fluxo dos ensaios dos antigos, especialmente de RICHET 3, vam seus relógios. Já nos gabinetes respectivos, o Dr. PRATT
BRUGMANS 4, ESTABROOKS 5, Ina JEPHSON6 e outros. baralhava as cartas com cuidado e logo colocava o baralho
Uma das principais modificações introduzidas pela Pa­ no ângulo esquerdo da mesa. No momento combinado para
rapsicologia foi a de aplicar matematicamente a estatística o eomêço chi prova o Dr- PRATT pegava a primeira carta e,
matemática à avaliação dos resultados obtidos. sem olliã-la, punha-a com a figura para baixo sôbre um livro
colocado no meio da mesa. Esperava assim um minuto. De­
Primeiros passos da Parapsicologia pois retirava a carta, sem olhá-la e passava-a ao ângulo direi­
to, sempre com a figura para baixo. Imediatamente as mes­
Em 1934 saía o primeiro livro de Parapsicologia: “Extra- mas manobras eram feitas para a carta seguinte, até passar
sensory Perception” 7. O Dr. RHINE publicava suas primei­ 25 cartas do baralho especial. Cada prova, pois, durava 25
ras séries de experiências, só para conhecer a opinião dos
minutos.
O Dr. PRATT anotava depois a ordem das cartas em
1 — BUCHANAN, Joseph Rhodes: “Science Divine”, em “Jour­
nal of Man”, Boston, 1849, I, n. 3- duplicata e enviava uma das cópias em envelope fechado e
2 — BUCHANAN, Joseph Rhodes: “Aurore d’une nouvelle civi- selado ao Dr. RHINE antes de reunir-se com o metagnomo
lization. M;muel de Psychométrie”, Boston, 1849. (i. é., o sujeito das experiências ixavanormais)f Dr. PEARCE.
3 — RICHET, Charles, em “Proceedings of Society for Psychi- O Dr. PEARCE, no gabinete do outro edifício, tinha consig­
cal Research”, 1889, VI. nado na sua fôlha de registro, a cada minuto, o símbolo da
4 — BRUGMANS, H. J. F. W.: “Une comunioation sur des carta que a seu parecer o Dr- PRATT tinha retirado nesse
expériences télépathiques au laboratoire de Psychologie à Gromin-
gen, etc.”, em “Premiér Congrés International des Researches Psychi- minuto. Ao final de 25 minutos êle também fazia uma comu­
ques”, 1922. nicação em dôbro e antes de mais nada, mandava uma das
5 — ESTABROOKS, G. H.: “A contribution to experimental te- cópias, selada, ao Dr. RHINE. O Dr. RHINE, pois, conferia
lepathy”, em “Boston Society for Psychical Research Bulletin”, também os resultados independentemente dos Drs. PRATT e
V, 1927-
PEARCE.
6 — JEPHSON, L: “Evidence for Clairvoyance in Card Gues-
sing”, em “Procedings of Society for Psychical Research”, 1928, Estas operações faziam-se só duas vêzes por dia para
XXXVIII.
evitar a fadiga do Dr. PEARCE. No conjunto de 300 in­
7 — RHINE, J. B.: “Extra-Sensory Perception”, Boston, Bruce tentos, o Dr. PEARCE acertou 119 vêzes.
Humphries, 1934; também: Boston, S.P.R., 1934.
192 A FACE OCULTA DA MENTE
PSI-GAMMA 193

Tratava-se só, como já disse de experiências, de sonda­ Enfim, talvez possa ajudar-nos a ter uma idéia dês-
gem a fim de que os sábios julgassem se havia algum defeito ses números “astronômicos” empregados no cálculo de pro­
de experimentação. Podiam se explicar os resultados, na­ babilidades, lembrar que o maior número de protões calcula­
quelas condições por algo diferente do PSI-GAMMA, se fosse dos para todo o universo (!) é 1079.
excluído o acaso? Como se vê o resultado obtido por PEARCE é absolu­
Ora, os resultados estavam sugerindo que se avizinhava tamente inexplicável pelo acaso. A que atribuí-lo então na­
uma verdadeira revolução no campo das investigações psíqui­ quelas condições de experimentação, senão a PSI-GAMMA?
cas. Só tinham sido feitas 12 séries de experiências, com
um total de 300 provas. Mas o lógico era esperar, por acaso, Dois anos mais tarde, publicava-se outra série de expe­
em 300 tentativas 60 acertos; o Dr. PEARCE, porém, tinha riências de sondagem 9, desta vez com 1 550 tentativas, nas
obtido 119 acertos, mais da metade das cartas. A possibili­ quais se obteve uma razão crítica de 6,87.
dade de tal resultado, segundo as estatísticas, está expressa A expressão “razão crítica” ou CR (Criticai Ratio) é
por uma fração de 1 sôbre a unidade seguida de 15 zeros. muito empregada na estatística matemática aplicada à Pa­
Para que os não habituados a expressões estatísticas rapsicologia. Em Física ou Química é considerada como
possam dar-se conta do que significam expressões como cientificamente provatória uma possibilidade entre 100 ou
“fração da unidade sobre a unidade seguida por 15 zeros” 1/100. i. é, uma razão crítica (CR) 2,33. As razões críticas
ou 1/10n que é exatamente a mesma expressão, bastará in­ que nós tomaremos em conta neste volume são muito su­
dicar o seguinte: o denominador IO1' equivale ao número de periores. Uma CR de somente (!) 5 equivale a uma possi­
minutos que a terra tem de existência. . . bilidade contra mais de três milhões (3 480 000) c a CR 6
equivale a 1 contra cem milhões. Como sc vê, uma só uni­
Se, de experiências concixítas como as que acabamos de dade a mais na CR supõe uma diferença enorme no signi­
citar, ou as de SOAL com SHACKLETON, dizemos que a ficado por ela expressado.
possibilidade é 1/10'\ é tanto quanto dizer que se os 11000
ensaios destas últimas experiências estivessem repetidos uma Anos de luta
vez por minuto desde que o mundo é mundo ainda seria mui­
to improvável, de uma improbabilidade de fantasia, obter uma Como resultado da publicação destas primeiras séries
vez um resultado que se parecesse um pouco a êsse resultado de sondagem, surgiu a mais ardente controvérsia que se
obtido por SHACKLETON. Como bem observa o prof. THOU- conhece no campo da Psicologia na América. Alguns psicó­
LESS, para conseguir por simples acaso semelhantes resulta­ logos profissionais lançaram-se já a admitir o conhecimento
dos, precisar-se-ia de um tempo muito maior do que permite paranormal; outros negavam-no por causas muitas vêzes
a história do mundo (e mesmo assim podemos assegurar mais pessoais do que científicas. A polêmica foi muito in­
sem mêdo nenhum de errar que não se conseguiria) 8. flamada. RHINE c seus colaboradores, só estiveram atentos
Poderemos então imaginar que significarão expressões para ver se podiam colhêr alguns reparos aos seus métodos
como 1/103S que se obtiveram noutras experiências de SOAL de investigação. Nos seus livros dava RHINE toda classe de
com a colaboração da senhora GOLDNEY e com o mesmo detalhes sôbre as precauções e sistemas, que empregava e os
sensitivo Basil SHACKLETON? E ainda êstes algarismos que pensava empregar em experiências posteriores.
foram ultrapassados pelas experiências posteriores do mes­ O período 1937-38 foi decisivo. A polêmica cresceu por
mo doutor SOAL com a sensitiva senhora STEWART! um motivo insignificante: algumas cartas do baralho espe­
cial para experimentação, cuja edição foi autorizada por
8 — THOULESS. R. H : “Thought transference and related phe-
nomena”, em “Proceedings of Royal Instit. Great Britain”, 1951, 9 — RHINE, J. B.: “Some Selected Experiments in ESP”, em
XXXIV. “Journal Abnormal and Social Psychology”, 1936, XXXI, págs. 216 ss.
194 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA 195

RHINE, tinham defeito de fabricação susceptível de favore­ ções nestes desenhos. O Dr. C. R. CARPENTER. do Collegc
cer a hiperestesia, se não havia outras rigorosas garantias Bard, e seu colega, o matemático H. R. PHALENG compli­
na experiência, porque eram um pouco transparentes. Com caram as cartas ZENER, pintando-as com cinco côres.
esse motivo renovaram-se velhas críticas. Foi uma faísca Impossível enumerar tôdas as precauções que se fo­
que provocou um novo incêndio. Numerosos Congressos de ram introduzindo. Já indicamos algumas ao descrever as
Psicologia se fizeram eco da discussão, às vêzes bem larga- experiências preliminares e pouco a pouco iremos indicando
mente. Mas houve uma vantagem: a Associação de Psicolo­ outras. Agora só indicamos algumas precauções mais ge­
gia Americana organizou um debate de comitê no seu Con­ rais como a de fechar, às vêzes, cada carta num grosso
gresso de Columbus (Ohio) em fevereiro de 1938. Decidiu- envelope opaco e selado; às vêzes todo o baralho, em bloco,
se que três opositores destacados e três defensores das téc­ era conservado numa caixa completamente opaca, devendo
nicas empregadas na investigação da ESP apresentariam seus o pcrcipiente averiguar a ordem em que estavam colocadas
relatórios e depois seria aberta uma discussão geral. Houve as cartas no bloco. Para baralhar mais “a consciência”
uma afluência verdadeiramente excepcional de psicólogos antes da prova, inventaram-se aparelhos mecânicos especiais ;
profissionais. Apesar da tensão reinante, o debate foi leal e trocavam-se frequentemente as condições particulares de ex­
o auditório foi respeitoso para todos os pontos de vista apre­ perimentação, a fim de evitar todo possível influxo no resul­
sentados. Os oradores deixaram os rodeios e entraram ime­ tado. Enfim, saía-se ao encontro de mil críticas, freqüente-
diatamente nos temas fundamentais. mente só para aquietar os adversários mais acérrimos.
O Congresso de Columbus foi um acontecimento decisi­ Uma modificação fundamental, a diferença dos metapsí-
vo na história da investigação de PG. As objeções desa­ quicos, foi a de repetir as experiências até alcancar números
pareceram. Desde então bem poucas críticas de importân­ “astronômicos” a fim de poder aplicar o cálculo de probabili­
cia surgiram e as poucas que surgiram tinham, em regra, dades com plena garantia. Com efeito: baseando-se num
perdido seu caráter agressivo. O principal fruto do Con­ pequeno jornal intitulado “Mônaco” que publica o resultado
gresso de Columbus foi que os Parapsicólogos puderam pôr de tôdas as partidas da roleta de Montecarlo, o Dr. Karl
a serviço de um esforço construtivo uma grande soma de PEARSON demonstrou que poucas dezenas não são suficien­
energia que antes tinha sido consagrada à atitude defensiva. tes para aplicar com garantias o cálculo de probabilidades.
PEARSON comprovou que o número de vêzes que caíram
Os preparativos da grande ofensiva cada um dos 37 números, incluindo o zero, diferia em algo
do que se podia esperar pelo acaso 10.
Vários parapsicólogos de tedo o mundo lançaram-se ao O jôgo da roleta não será acaso? Não era esta a conse-
trabalho seguindo as normas de RHINE ou com as varian­ qüência. senão que o número de vêzes que saía cada número
tes introduzidas depois de tôdas as críticas. O trabalho numa semana não era suficientemente grande para aplicar-se
conjunto de todos seria o que haveria de demonstrar defi­ como garantia o cálculo de probabilidades. É por isso que os
ni tivamente se existia ou não PSI-GAMMA. parapsicólogos não se contentaram com poucas dezenas, nem
Para facilitar os cálculos usaram-se, geralmente, cartas sequer com poucas centenas. No afã de uma prova crucial
de um baralho especial. Tratava-se de 25 cartas com cinco chegaram a somar milhares de provas, muitos milhares.
tipos de desenhos: estrela, retângulo, cruz, círculo e linhas Somando as provas de uns e de outros chegaram a muitos
onduladas. O baralho era conhecido universalmente com o milhões. Com quantidades grandes o cálculo de probabili­
nome de cartas ZENER (o inventor) ou cartas ESP (pois dades tem valor absolutamente científico.
se destinavam ao estudo da ‘ ‘Extra-sensory Perception”),
ou cartas RHINE ou cartas DUKE (a Universidade onde 10 — Citado por CARINGTON, Whately, trad. de PLANIOL:
nasceram). De tempo em tempo fizeram-se ligeiras varia­ “La télépathie, faits, théories, implications”, Paris, Payot, 1948.
196 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA 197

Os resultados? Evidentemente que, se eram favoráveis, Os resultados dos cinco primeiros anos, 1934-39, foram,
estaria demonstrada PSI-GAMMA, fechando tôda possibili­ porém, julgados nulos ll. Mas isto foi um êrro por não
dade de crítica; e se não eram significativos, havia grandes observar o chamado “efeito de deslocamento” 12.
possibilidades de que PSI-GAMMA fôsse um mito, po.is os
resultados eram negativos quando em circunstâncias severas Advertido pelo Dr. W. CARINGTON desta possível fa­
de experimentação. lha, SOAL, depois da Segunda Guerra Mundial, voltou à ex­
perimentação com um sujeito excepcional, o senhor Basil
Os vcncrdnnes SHACKLETON. Neste sujeito de experimentação tinha-se
De 1034 a 1940 fizeram-se, só na Universidade DUKE, observado um notável efeito de deslocamento nas experiên­
2 966 348 tentativas, com resultados altamente satisfatórios cias anteriores. Realizaram-se agora com êle 3 879 intentos.
segundo o cálculo de probabilidades. Os resultados, corrigida a falha de observação, foram tão
significativos que a possibilidade de obtê-los por acaso está
RHINE fêz questão de que a avaliação estatística fôsse expressa por um contra a unidade seguida de 35 zeros, 1/10 v\
analisada por especialistas: Drs. J. A. GREENWOOD pro­ Não há dúvida que o “cético empedernido” Dr. SOAL se
fessor dc estatística da Universidade DUKE, S. G. SOAL converteu num paladino da faculdade PSI-GAMMA.
professor da Universidade de Londres, FISHER professor
também, em Londres... Abertamente cético era também, o Dr. RIESS. Depois
Às experiências de RHINE o seus colaboradores é pre­ de ter feito apaixonadas críticas contra PSI-GAMMA numa
ciso acrescentar as realizadas por outros parapsicólogos. das suas aulas do Huntor College dc New York, foi desafiado
Citarei apenas algumas das mais famosas dentre as pioneiras por um estudante conhecedor dos resultados obtidos a estu­
nas diversas técnicas de experímentação o de caráter mais dar por si mesmo o problema. O Dr. RIESS aceitou con­
geral. Das experiências com finalidade mais particular nos fiante o desafio, pretendendo assim demonstrar que a acei­
ocuparemos ao tratar, mais adiante, dos aspectos particula­ tação de PSI-GAMMA polos cientistas tinha sido sem
res de PSI-GAMMA. fundamento.
O matemático inglês S. G. SOAL era um cético, decla­ RIESS optou polo conhecido sistema cie relógios sincro­
rado e impenitente. Tinha realizado para comprovar as afir­ nizados, estando experimentador c percipiente cm edifícios
mações dos metapsíquicos uma série de experiências desde diferentes a 1/2 lcm de distância. O próprio Dr. RIESS foi
1927 a 1929 com resultados nulos. Estudou todas as con­ o experimentador. O sujeito era excepcional, uma jovem de
dições de experimentação da escola de RHINE, acrescentou grande fama como percipiente. A sua especial faculdade se
as que sua desconfiança lhe sugeriu depois de longo e pro­ devia, sem dúvida, ao seu peculiar estado dc saúde. A doença
fundo estudo, e lançou-se a investigar por sua conta, visando declarada obrigou-a a interromper as experimentações. Res­
desacreditar a Parapsicologia. tabelecida, deixou de destacar-se como percipiente. Os resul­
Pôsto que RHINE afirmava que a faculdade PSI-GAM- tados anteriores â febre foram fantásticos: uma vez acertou
MA se encontrava em todos os homens, seria lógico alguma todas as cartas do pacote de 25 e várias vêzes conseguiu
manifestação maior ou menor, se se experimentara com passar de 20 acertos. A média obtida em 1 850 tentativas
bastantes pessoas. SOAL investigou com 160 sujeitos não foi de 18 acertos em cada baralho de 25 cartas.
escolhidos. As suas experiências, metódicas, nacientes. cons­
cienciosas, mereceram que Robert AMADOU qualificasse 11 — SOAL, S. G., publicou essas primeiras experiências em:
SOAL como * ‘modelo de experimentador científico”. A Uni­ “Proc. S.P.R.”, 1940, XL, págs. 165 ss., e XLVI, págs. 152 ss.
versidade de Londres lhe outorgou, por estas experiências, 12 — Não se averigua a carta “alvo” mas se averigua sistema­
ticamente a carta seguinte, ou a carta colocada dois, três, etc. postos
o título de doutor em ciências. além da carta “alvo”.
193 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA 199

O que se podia esperar, segundo o cálculo de probabi­ qualquer outra explicação que não a ESP resulta ridícula
lidades, seria cinco acertos em cada 25 cartas. A razão crí­ e impossível.
tica é de 53,57 ( I I ) . É a melhor média obtida até o pre­ O Dr. CRESSAC fêz desde 1946, 1 000 tentativas, em
sente em experiências sistemáticas 13. Não é preciso dizer duas séries. Utilizou o baralho comum de 40 cartas, 10 sím­
que o cético Dr. B. F. RIESS converteu-se também num de­ bolos e 4 cores. Experimentou com 57 sujeitos. Êstes de­
fensor da ESP. veriam tentar coincidências por meio do que René WAR-
O recorde de paciência e investigação deu-se na Univer­ COLLIER chamou de '‘reencontro telepático”. Pois bem,
sidade do Colorado. A jovem parapsicóloga, Srta. Dorothy as coincidências perfeitas, em símbolo e cor, foram 109 a
mais do que se esperava segundo o cálculo de probabilida­
MARTIN e a matemática Sra. Francis P. STRIBIC foram as des 15. E, considerando só as coincidências de cor, obti-
protagonistas. As experiências duraram três anos. Expe­
rimentaram com 332 estudantes voluntários, fizeram 300 000 veram-se 850 coincidências a mais das previsíveis pelo
acaso u\
tentativas, das quais 87 000 com um mesmo sujeito desta­
cado entre os demais estudantes como melhor percipiente, São interessantíssimas as experiências do Dr. Whately
embora não excepcional. CARINGTON.
A paciência dos experimentadores foi assombrosa, não A partir de 1939, às 7 horas da noite, CARINGTON de­
ró pelo número de experiências, mas mormente pela lentidão senhava alguma coisa simples com tinta preta sôbre um
c meticulosidade com que se efetuavam os controles. papel branco. O desenho era fixado na sua mesa de trabalho
e lá ficava até às 9 honas da manha seguinte. Para que o
Para cada experiência de 25 tentativas controlava-se
motivo do desenho não se pudesse suspeitar por outras vias,
duas vezes o baralho. Durante a experiência o baralho estava
escolhia-se assim: tirava-se ao acaso um número de uma
escondido sob uma espécie de “abat-jour” opaco, devendo o tabela; depois abria-se um dicionário na página correspon­
sujeito adivinhar a ordem de todo o baralho colocado alea­ dente ao dito número; a primeira palavra apta a ser dese­
toriamente em bloco. Depois de cada experiência controla­
nhada era escolhida. Os pereipientes, quando lhes aprouvesse
va-se o i^esultado duas vezes: primeiro obtendo-sc o cálculo entre essas horas, desenhavam alguma coisa, tentando, por
positivo e depois se fazia o cálculo negativo. absurdo que lhes parecesse a prova, reproduzir o desenho
A paciência teve sua recompensa científica. Embora só que o Dr. CARINGTON conservava no seu escritório.
existissem estas experiências, a ESP tinha que ser admitida Ê claro que sc tomaram todas as precauções imaginárias
como provada. Em tão grande número de experiências, o para impedir qualquer fraude pois, tratando-se de bons me-
cálculo de probabilidades tem um valor incontestável; o acaso tagnomos, esta poderia ser inconsciente ou ao menos irrespon­
nos acertos fica determinado matemàticamente por uma mé­ sável. Sete séries principais foram feitas com 741 sujeitos
dia de cinco acertos em cada 25 cartas. Ora, aqueles su­
jeitos não escolhidos deram uma média em 300 000 intentos 15 — CARINGTON, W., o. c., pág. 173.
de 5.83 completamente impossível de explicar-se sem admi­ 16 — CRESSAC traçou a curva dos desvios positivo e negativo.
tir a ESP. No melhor sujeito, que não era excepcional, deu- Esta curva, se influisse apenas o acaso, deveria tender a aproximar-se
se uma média de 6,85 em 87 000 intentos 14. Cientificamente, assintòticamente à direita dos reencontros prováveis. A curva, porém,
ia afastando-se regularmente, o que prova sem dúvida alguma a
intervenção da faculdade PSI-GAMMA. CRESSAC, Visconde Ber-
13 — RIESS, Bernard F.: “A Case of High Scores in Card Gues- trand de: “La Démonstration Expérimentale de la Telépathie”, em
sing at a Distance”, em “Journal of Parapsychology” (“Jnl. P”), 1937, “Sciences Métapsychiques”, 1946, I, págs. 7 ss., e II, págs. 3 ss. —
I, págs. 260 ss. “Cahiers Métapsychiques”, 1950, II, págs. 9 ss.; III, págs. 1 ss.; IV,
14 — MARTIN, D. R., e STRIBIC, F. P.: “Studies in ESP”, em págs. 4 ss. Resposta a diversas objeções, ibidem, 1951, V, págs.
“Journal Parapsychology”, 1938, II, págs. 23 ss. e 287 ss. 7 ss.; VI, págs. 9 ss.
826476713057^076^734^5247231

200 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA 201

e uma oitava série com 430: um total, pois, de 5 617 tenta­ Cada carta representava a esfera de um relógio e uma
tivas (só contando as principais experiências e prescindindo agulha indicava uma das doze horas. O baralho constava,
das outras, de preparação, também significativas, até um pois, de 12 cartas diferentes, correspondentes a cada hora
total de 53 270). Os desenhos, original e imitação, eram en­ do relógio. 17 pessoas tentaram adivinhar a ordem aleatória
tregues a árbitros especializados. Os resultados foram cla­ cm que se tinham colocado as cartas-relógio num pacote se­
ramente positivos 17. Voltaremos mais adiante a algumas lado. Entre essas pessoas, só apareceu um sujeito “dotado” 2o.
destas experiências. A probabilidade de obter o êxito alcançado pelo metag-
Merecem citar-se também, pela originalidade do método, nomo senhor S. M. numa série de 240 tentativas está ex­
as experiências do Dr. FISK com as chamadas “cartas-reló­ pressada pela fração 1/300 000.
gio”. As primeiras experiências do Dr. FISK foram feitas Em experiências posteriores20 21 de 20 sujeitos, 10 não
segundo os métodos tradicionais da escola de RHINE. O Dr. obtiveram mais resultados do que o esperado pelo acaso,
FISK contou com a colaboração dos Drs. WEST e MIT- enquanto os outros 10 obtiveram o êxito expressado por uma
CHELT-i. Na procura de sujeitos especialmente dotados, con­ possibilidade contra 6 000.
vidou durante dois anos (1949-50) quantas pessoas quises­ Temos citado só as experiências mais destacadas das
sem realizar experiências de ESP da maneira mai^ familiar. pioneiras em diversos aspectos. Poderíamos citar milhares
Enviaram-lhe por correio os baralhos especiais, folhas para de outras experiências ou outros muitos métodos também ple­
registro dos resultados e quantas instruções precisassem.
Aprontaram-se para o trabalho 235 pessoas nuo se julgavam namente científicos.
aptas. No final uma só, Sra. M. B., foi escolhida, destacada
entre tôdas as demais 18. Valorização do método empregado
Com a senhora M. B. continuou as experiências o Dr. Ao estabelecer as condições científicas de experimenta­
MITCHELL, membro da S.P.R. Nas quatro primeiras sé­ ção, a Parapsicologia teve a preocupação de fazer consultas
ries de experiências, até um total de 400 tentativas, a se­ cuidadosas c submeter-se não só às exigências de toda classe
nhora M. B. obteve uma média de 12 acertos sôbre 25 de cientistas, mas também de matemáticos qualificados e es­
cartas: probabihdade de l/5xlOu. E, de repente, a facul­ pecialistas cm estatística22. Estas duas armas vitoriosas,
dade psigâmica da senhora M. B. deixou de atuar, voltando
ao nível da probabilidade nas experiências seguintes 1Q. (PSI- 20 — FISK, G. W., e MITCHELL, A. M. J.: “ESP Experiments
in Clock-Cards”, cm “Journal of Society for Psychical Research”.
GAMMA é incontrolável e inconstante.) 1953, XXXVII, págs. 1 ss. e págs. 95 ss.
Depois destas experiências, e para determinar o chama­ 21 — WEST, O. J., c FISK, G. W.: “A dual Experiment ESP
with Clock-Cards”, cm “Journal of Society for Psychical Research”,
do “efeito de deslocamento” o Dr. FISK comecou um tipo 1953, XXXVII, págs. 185 ss.
nôvo de experimentação, à base de “cartas-relógio”. 22 — Sôbre os métodos estatísticos empregados em Parapsico­
logia, cfr. principalmente: RHINE, J. B.: “Extra-Sensory. . . Years”,
17 — CARINGTON, W.: Uma série de artigos em “Proceedings o. c., eaps. II, VII, VIII e IX (devidos ao matemático da Universidade
of Society for Psychical Research”, XXIV, págs. 3 ss.; XLII, págs. Duke, Dr. J. A. REENWOOD). FISCHER, R. A.: “Statistical Mc-
173 ss.; XLIII, págs. 319 ss.; XLIV, pgs. 189 ss. e 223 ss.; XLVI, thods for Research Workers”, nova edição, Londres, Oliver and Boyd,
págs. 34 ss. e 227 ss. 1948. E em “Proceedings of Society for Psychical Research”, 1924,
XXXIV, págs. 181 ss. PRATT e BIRGE: “The Appraisal of Ver­
18 — FISK, G. W.: “Home Testing ESP Experiments”, em “Jour­ bal Test Material”, em “Journal of Parapsycliology”, 1948, XII, págs.
nal of Society for Psychical Research”, 1951, XXXVI, págs. 369 ss. 236 ss.
e 518 ss. Sôbre o cálculo de probabilidades em casos espontâneos, cfr.:
19 — MITCHELL, A. M. J.: “Home Testing ESP Experiments”, SALTMARSH e SOAL: “A Method of Estimating the Supranormal
em “Journal of Society for Psychical Research”, 1953, XXXVII, págs. Contents of Mediumnistic Communication”, em “Proceedings of So-
115 ss. eiety for Psychical Research”, 1930, XXXIX, págs. 266 ss.
202 A FACE OCULTA DA MENTE
PSI-GAMMA 203
a estatística e as condições de experimentação, foram reco­
nhecidas como absolutamente eficazes. Vejamos. Talvez BROWN chame séries longas as que em Parap­
sicologia se chamam séries curtas, séries, por exemplo, de
Aspecto estatístico 200 provas. Em séries pequenas é evidente que se o metag-
nomo acerta, por exemplo 41 ou 42 vêzes em vez de 40
Fizeram-se famosas entre os adversários de PG as possíveis por acaso, o êxito é suspeito. Não provaria. Não
críticas que Georges Spencer BROWN fêz em emissões radio­ se pode exigir que o ideal teórico do cálculo de probabilidades
fônicas. se adapte à prática tão estreitamente. Mas (novamente se­
^ A crítica de BROWN sugere que a teoria das probabili­ gundo SOAL), se em vez de acertar 40 cartas, acerta 55 ou
dades, fundamentada sôbre a noção de distribuição casual, 70 “o resultado não casual, mesmo num número de ensaios
nem sempre se aplica à prática. As séries de resultados for­ tão pequeno (200), é mais evidente do que na maioria das
necidos pela roleta, os seletores eletrônicos e outros, nem experiências realizadas em Biologia ou em Psicologia”. Com
sempre se conformam ao cálculo ideal de probabilidades. efeito, o resultado de 77 sôbre 200, por exemplo, não possui
mais do que uma chance sôbre 500 000 de ser obtido, se
Objeta também BROWN que o “superavit” sôbre o aca­ só o acaso entra em jôgo. Como esse exemplo concreto en­
so obtido pelos metagnomos só apareceria quando se fazem tre as experiências do Dr. SOAL, poderíamos citar também
enormes quantidades de provas, mas tal “superavit” passa­ experiências semelhantes de TYRRELL, MARTIN, STRI-
ria desapercebido na experimentação científica ordinária, que BIC, etc.
não faz tão grande número de experiências. Com grandes
quantidades esse aparente “superavit” dever-se-ia ünicamen- Noutros ramos da ciência admitem-se estatisticamente
te a “singularidades matemáticas”. como incontrovertíveis resultados muito menores: milhares
de trabalhos publicam-se cada ano em livros e revistas que
Mas tais críticas não têm fundamento.. . A BROWN repousam numa possibilidade sôbre algumas centenas ou no
só lhe 'poderíamos conceder razão, como observa o Dr. máximo sôbre mil. Spencer BROWN não encontrou motivo
SOAL23 *, quando a probabilidade de obter por acaso seme­ para protestar. Os especialistas em estatística matemática
lhantes resultados é uma fração pequena: uma possibilidade têm provado que tal cálculo é absolutamente válido.
sôbre 100 ou sôbre 200.
Spencer BROWN não pretendeu atacar certamente o
A crítica antes citada, de que só aparece o “superavit” valor científico do cálculo de probabilidades. Suas críticas
em séries muito altas de provas, é francamente desconcer­ jamais poderiam fazer frente ás contracríticas dos especia­
tante. É precisamente então que o cálculo de probabilida listas cm estatística. Acreditou, supomos nós, que os re­
des é de uma força irrefutável, mesmo que o “superavit”,
em média, seja bastante pequeno: uma média de seis acer­ sultados obtidos em Parapsicologia eram outra coisa. . . Foi
tos, por exemplo, sôbre 25 cartas, em vez de 5 sôbre 25. urn cochilo do eminente colaborador na Universidade de Ox­
Êste “superavit” aparentemente pequeno, em séries muito ford para investigações estatísticas: “Quandoque bonus dor-
grandes só tem uma chance sôbre trilhões, isto é, não pode mitat Homerus” (“também ás vêzes cochila o bom Ho­
dever-se ao acaso. mero”).
Mas os resultados obtidos em Parapsicologia eram outra
23 — SOAL, S. G.: “L/ESP est-elle une singularité statistique?”, coisa, muito diferente do que supôs BROWN.
trabalho apresentado ao I Colóquio Internacional de Parapsicologia,
de Utrecht, e resumido por AMADOU, Robert, em: “La Science et le
Em 1937 o Congresso Internacional de Estatística Ma­
paranormal. Le l.cr Colloque International de Parapsychologie temática, reunido em Indianópolis, estudou a fundo e apro­
(Utrecht, 1953). Les entretiens de Saint-Paul-de-Vence (1954). Comp- vou sem reservas, os métodos estatísticos que se estavam
tes rendus et rapports publiés et présentés par Robert AMADOU”, empregando e iam empregar-se na investigação parapsico-
lógica.
204 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA 205

Um ano mais tarde, de nôvo se discutia a fundo o pro­ BROWN, como é que seriam influenciados pela mudança das
blema no Instituto de Estatística Matemática: o seu presi­ condições de experimentação?25 *.
dente, Dr. Burton H. CHAMP conclui, resumindo o sentir Continuando com as observações do Dr. SOAL: a mesma
dos seus colegas: “As investigações do Dr. RHINE têm influência nos resultados se percebe quando se muda o tipo
dois aspectos: o experimental e o matemático. E’ evidente de metagnomo. Assim o Dr. B. M. HUMPHREY compro­
que nós, os matemáticos, não somos competentes para o vou, cm seis séries de experiências, que os sujeitos “expan­
aspecto experimental. Mas, com relação ao aspecto esta­ sivos’", “extrovertidos”, obtinham médias positivas na adi­
tístico, nosso trabalho matemático concluiu que. . . a aná­ vinhação de imagens contidas em envelopes fechados, e os
lise estatística é completamente válida. Se as investigações sujeitos “compreensivos”, “introvertidos” obtinham resulta­
de RHINE devem ser lealmente atacadas, poderá ser em dos negativos. As diferenças entre os resultados dos “ex­
outro terreno, mas não no matemático”2*. trovertidos” e dos “introvertidos” foram tão significativas
Aliás, os parapsicólogos modernos consideram e pos­ que só tinham uma chance entre 300 000 de serem causadas
suem outros argumentos experimentais em prol do valor pelo acaso. Explica-se que a personahdadc tinha influxo na
de seus métodos de cálculo. manifestação da faculdade parapsicológica, mas como se pode­
ria explicar que uma simples singularidade matemática se aco­
Modificadas as condicões de exnerimentacão, modificam- modasse tão marcadamente aos dois temperamentos diversos?
se os resultados. MARTIN, STRIBIC, TYRRELL», STE- Sem dúvida, influem os diversos agentes telepáticos:
WART, SOAL, etc., comprovaram o fato nas suas experiên­ SHACKLETON obtinha êxitos constantemente com 3 agen­
cias. Assim por exemplo o Dr. SOAL com seu sujeito, B. tes e fracasso constante com os outros 11 que experimenta­
SHACKLETON, foi alternado, desde 1945 até 1949, expe­ ram. O outro metagnomo do Dr. SOAL, a senhora STE-
riências com agentes telepáticos e suprimindo o a crente te­ WART, com as mesmas listas aleatórias empregadas com
lepático. Foram feitas desta maneira 26 séries de 200 tenta­ seu colega, obtinha êxito constante com 15 pessoas ensaiadas
tivas cada uma. Pois bem, Basil SHACKLETON, quando não como agentes, e fracassava com as outras 15. Como explicar
havia agente telepático, isto é, quando ninguém olhava as sc fõsse tudo mera singularidade matemática?
cartas que êle devia adivinhar, obtinha uma média visivel­
mente próxima à provável pelo acaso; no total, estando as­ Se tudo fosso uma propriedade da distribuição estatís­
sinalados pelo cálculo de probabilidades 520 acertos, obteve tica, como explicar que com metagnomos se obtenham êxitos
509: diferença, 25. Mas quando intervinha o asrente telepáti­ empolgantes e a maioria das pessoas não ultrapassem o
co os resultados superavam nitidamente o atribuível ao aca­ acaso? A estatística distingue entre as pessoas? Deve-se
so: em vez de obter 520 acertos marcados pelo cálculo de recordar que, em 1934-1939. S. G. SOAL submetia 160 pes­
probabilidades, obteve 707 acertos. Há uma chance sôbre soas a testes PG com cartas ZENER e verificou que os re­
1019: impossível dever-se ao acaso... Se os resultados obti­ sultados de mais de 120 000 tentativas estavam em exce­
dos se devessem a uma singularidade matemática como queria lente acordo com o esperável pelo acaso. Ora, uma sin­
gularidade estatística não poderia certamente fazer diferen­
ça entre pessoas e, não obstante, duas daquelas 160 pessoas,
24 — Os trabalhos apresentados ao Instituto de Estatística Ma­ precisamente as duas pessoas que afrmavam ter realizado
temática, foram publicados nas revistas de Parapsicologia: “Journal
of Parapsychology”, 1937, I, págs. 191 ss. e 305 ss. (aqui sc fenômenos paranormais antes de serem testadas, obtinham
encontram as conclusões formuladas pelo Presidente Sr .Burton H. em 1936 resultados muito elevados em relação à média
CHAMP, que temos citado); ibidem, págs. 206 ss. (trabalho do Dr. provável.
CREENWOOD); 1938, II, pájgs. 247 ss. (trabalho do Dr. T. N. E.
GREVILLE); 1949, I, págs. 4 ss. (trabalho do Dr. T. N. E. GRE-
VILLiE). “Revue Métapsychicme”, 1938, VI, pág. 361 ss. (trabalho 25 _ SOAL, S. G. (AMADOU, Robert) : “La Science...”, o. c.,
do Dr. SOAL, resumido por WARCOLLIER). pág. 104.
206 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA 207

E é ainda mais inexplicável, segundo a teoria de Spen- recolhidas na lista de 500 000, teria que aparecer uma clara
cer BROWN, que SHACKLETON e a senhora STEWART, diferença entre a lista de 5 000 000 e a de 500 000, compara­
testados de nôvo alguns anos mais tarde, tenham continuado das ambas com as cartas “alvo”. Houve, de fato, uma di­
ambos, semana após semana, ano após ano, superando as ferença de 2,008 sôbre cada 25 cartas. Desta maneira, con­
leis do acaso com razões críticas sempre crescentes. Se a firmava-se a avaliação feita antes pelos estatísticos, que ti­
teoria do senhor Spencer BROWN fosse exata, seria de es­ nham marcado naquelas experiências um êxito ao redor de
perar que alguma vez tôdas as 158 outras pessoas, tives­ 2 (sôbre 5) para cada 25 cartas. As cartas, pois, tinham
sem produzido semelhantes ‘‘milagres experimentais”. -se comportado com perfeita precisão, segundo os pressu­
‘‘Esta persistência dos resultados não imputáveis ao postos do cálculo de probabilidades 27 28 29 *.
acaso que se descobre em algumas raras pessoas, é ilustrada Como se vê, êste trabalho do Dr. GREENWOOD é da
pelo estudo de MARTIN e STRIBIC. Êstes experimenta­ máxima importância para acabar de uma vez por tôdas
dores têm constatado que, sôbre 322 pessoas testadas, três com as críticas. O trabalho de GREENWOOD confirma
somente continuavam a manifestar o efeito ESP num período mais uma vez que a estatística é um sistema de controle de
de vários meses ou de anos” 26. absoluta fôrça científica c que os resultados obtidos, de
Poder-se-iam apresentar mais considerações, tiradas da modo nenhum podem ser uma “singularidade matemática".
análise das próprias experiências. O Dr. SOAL. as apresenta Uma outra contraprova importante fizeram as Uras.
na sua contracrítica à crítica precipitada do Dr. BROWN, MARTIN c STRIBIC. Seu excelente metagnomo, C. JENCKS,
tantas vezes repetida sem conhecimento de causa. estava sentado de um dos lados de um painel. No outro lado
se colocava o experimentador. Dez jogos de cartas baralha­
Contraprovas experimentais das ZRNRR eram postas numa fileira. Um dêstcs jogos ou
pacotes, era então isolado dos outros e colocado junto ao
A Parapsicologia, como ciência experimental, acudiu cm painel no meio da borda inferior. O metagnomo JENCKS,
diversas ocasiões à contraprova experimental de que o cál­ que não havia visto nenhum dos pacotes, procurava no­
culo de probabilidades empregado nas experiências que re­ mear as cartas dc alto a baixo (método DT 2S). Termi­
ferimos é de absoluto valor. nada esta prova retirava-se o pacote e colocava-se outro.
O Dr. GREENWOOD, estatístico e matemático da Uni­ Desta maneira foram isolados 110 pacotes 29.
versidade DUKE, embaralhou e cortou trinta pacotes de O senhor JENCKS obteve uma média de 8.17 acertos sô­
25 cartas e foi anotando os resultados até fazer uma lista bre 25 cartas em vez de 5 sôbre 25: um total de 349 acertos
de 5 000 000 de símbolos ZENER. Depois, foi comparando além do aue sc esperava pela matemática, isto dando uma
essa lista com outra lista de 500 000 respostas de 100 séries razão crítica de 16.
de experimentações de RHINE. Seria casual qualquer coin­
cidência entre as 500 000 respostas dos sujeitos e a lista Pois bem, comparando a resposta do sujeito em cada
de 5 000 000, pôsto que esta lista não fôra proposta aos me- prova com as cartas dos outros 109 pacotes, a média ãe
tagnomos. E, com efeito, segundo o cálculo de probabilida­
des, a média de coincidência devia ser ao redor de 5 em 27 — GREENWOOD, J. A.: “Analysis of a Large Chance Con-
•trol Serie of ESP Data”, em “Journal of Parapsychology”, II, 193S.
cada 25 cartas, e assim foi: as coincidências deram uma págs. 138-146.
média de 4.9745. Por outra parte, se os sujeitos de experi­ 28 — Método DT, i. é, “down through” em, inglês, que significa
mentação tivessem atuado “psigâmicamente” nas experiências “para abaixo e através”.
29 — MARTIN. D. R., e STRIBIC, F. P.: “A Review of all Uni-
versity of Colorado Experiments on ESP”, em “Journal of Parapsy­
26 — SOAL, S. G. (AMADOU, Robert) : “La Science../’, o. c., chology”, IV, 1940. Cfr. também: SOAL, S. G. (AMADOU, Robert):
págs. 110 ss. “La Science...”, o. c., págs. 108 s.
208 A FACE OCULTA DA MENTE
PSI-GAMMA 209

coincidência sôbre cada 25 cartas é de somente 5,02 (con­ Especialistas de catorze países analisaram as condições
forme ao acaso) enquanto que os acertos ou coincidências de experimentação sob todos os pontos de vista. Teólogos,
com respeito a cada pacote isolado foi, como dissemos, de
uma média de 8,17. Esta diferença mostra evidentemente filósofos, físicos, químicos, médicos, psicólogos, psicanalis­
que é impossível aplicar-se aqui a "‘singular” teoria das tas, psiquiatras, engenheiros, matemáticos, etc. Especialistas
‘"singularidades matemáticas” 30. escolhidos participaram do Congresso ou enviaram suas co­
municações e estudaram o problema com vivo interêsse.
O doutor SOAL refere-nos sua própria contraprova expe­
rimental, tanto nas experiências com SHACKLETON como O resultado da análise é bem exprimido pelas palavras do
com a senhora STEWART. Os metagnomos superavam o Dr. SCHAEFER, professor de Fisiologia e Diretor do Labo­
acaso, muito notoriamente durante longas séries até 33 500 ratório Fisiológico da Universidade de Heidelberg (Alema­
intentos, visando em cada série acertar a ordem da corres­ nha) que participou no colóquio: ‘"As experiências de RHINE
pondente lista aleatória. Mas, aplicando esses ""palpites” (e seus continuadores, acrescentamos nós) estabeleceram a
não h lista proposta em cada prova, mas às outras listas existência dos fenômenos paranormais” 31 de conhecimento.
aleatórias, não visadas então, o seu resultado é o esperado O psicólogo de Cambridge, Dr. THOULESS, é ainda mais
polo acaso. Como se explicaria isto segundo as teorias de expressivo, ao manifestar a conclusão do Congresso: “As
que tudo era uma ""singularidade matemática”? Se hou­ recentes experiências de RHINE, de seus colaboradores, de
vesse qualquer ""singularidade matemática” aplicável ao caso SOAL, de TYRRELL, W. CARINGTON. . . fazem desapa­
infalivelmente se verificaria na contraprova. recer tôda dúvida. . . sôbre a realidade do fenômeno. . . As
provas a favor da realidade do fenômeno (PSI-CAMMA) são
O aspecto estatístico, pois. nas experiências parapsico- agora tão decisivas que só a ignorância dos resultados exr
lógicas é completamente científico, é inabalável, como tes­ perimentais pode explicar o ceticismo” 32.
temunham os especialistas em estatística matemática reuni­
dos em congressos; como demonstram diversas considerações Mais uma coisa devemos ter cm conta: como veremos
das mesmas experiências parapsicológicas; como, por fim, mais adiante, a emolividade, a importância dos objetos, afei­
demonstram também as contraprovas experimentais feitas. ção ou parentesco entre agente e percipiente, etc., são fato­
res que influem muito em PSI-GAMMA. Pelo contrário, a
O aspecto experimental frieza das experiências de laboratório, a banalidade do ob­
jeto desenho, cartas ZENER, etc.), as relações acadêmicas
O aue se deve dizer do aspecto experimental propria­ entre metagnomo c experimentador, dificultam a experimen­
mente dito, depreende-se claramente das precauções que se tação. Mas precisamente esta consideração dá maior valor
tomaram e que nós temos descrito sumarissimameute. Mas aos resultados obtidos; se nessas condições tão sumamente
também estas foram estudadas e aprovadas expressamente. desfavoráveis o resultado tem sido tão surpreendente, quan­
Em agosto de 1953, realizou-se na Universidade de Utrecht to maior seria se as condições de experimentação pudes­
(Holanda) o Primeiro Colóquio Internacional de Paransi- sem ser mais favoráveis à manifestação de PG!
colop-ia. sob a presidência do Dr. H. H. H. PRICE, da Uni­
versidade de Oxford. 31 — SCHAEFER, Hans: Relatório apresentado ao I Colóquio
Internacional de Parapsicologia (Utrecht, 1953). Os relatórios do con­
30 — Nestas experiências talvez não se exclua completamente a gresso foram publicados por: OSBORN, Edward e ZORAB, George,
hiperestesia, embora esta seja muito pouco provável se consideramos Edição da Universidade Real de Utrecht, Utrecht, 1954 (edição in-
que, além do painel separador, as cartas estavam colocadas em bloco; glêisa). Nós usamos a edição francesa: AMADOU, Robert: “La Scien­
como não se misturariam qualquer tipo de “emanações” físicas pro­ ce. . o. c., na qual o relatório de SCHAEFER está nas págs. 23 ss.
vindas das cartas? Mas, aqui, o que nos interessa é o aspecto esta­
tístico para o qual evidentemente não importa que se trate de hi­ 32 — THOULESS, R- H.: Os seus comentários sôbre o Congres­
perestesia ou de PG. so do Utrecht foram publicados em: “British Journal of Parapsycho-
logy”, 1942, XXXIII, julho, parte I.
210 A FACE OCULTA DA MENTE

Somemos agora os milhares de casos espon­


tâneos recolhidos nos inquéritos e revistas cientí­
ficas, as experiências no gabinete do médico mag-
netista ou hipnotista, bastantes observações e ex­
periências dos metapsíquicos, os milhões de expe­
riências dos parapsicólogos. . . Poucas verdades
da Física ou da Biologia estarão tão demonstradas
Psi-gamma e distância 14
como que existe no homem uma faculdade de co* - PG ABRAÇA TODO MUNDO
nhecimento diferente de quanto a ciência pode
atribuir aos sentidos. Poucos metros são o mesmo que muitos
Esta faculdade tem sido cientificamente de­ quilômetros. — Experiências a distâncias in­
monstrada e cientxficamente reconhecida. tercontinentais. — E até Marte?
Como nome científico e oficial dessa facul­
dade de conhecimento paranormal, nova na ciên­ CABAMOS dc ver que o homem possui uma faculdade
cia, pode se usar: “Percepção extra-sensoriaVf ou
a sua sigla “ESP” mas, preferentemente “ PSl-
9
A de conhecimento capaz de ultrapassar os limites do
conhecimento sensoriaL Da índole mesma de PSI-GAMMA
surgiu a incógnita: esta faculdade estaria condicionada pela
GAMMA” ou a sua sigla “PG”. distância como os fenômenos físicos, ou não?

Os casos espontâneos
No exame consciencioso de milhares de casos espon­
tâneos, os parapsicólogos da Duke não encontraram nenhu­
ma vinculação entre a distância e o resultado psigâmico.
Teremos ocasião de ver muitos casos espontâneos bem com­
provados, em que os fenômenos psigâmicos, tanto à curta
como à grande distância, dão resultados iguais. Agora re­
duzir-nos-emos a umas poucas experiências de laboratório.

Experiências isoladas
Experiências feitas à distância de poucos metros exis­
tiam em grande quantidade. Não aparecia diferença siste­
mática entre os resultados obtidos. Note-se que a média
mais alta obtida experimentalmente na Parapsicologia, 18
acertos sôbre 25 cartas, num total de 1 850, nas experiências
já referidas do Dr. RIESS, foi obtida a uma distância de
44412058

PSPGAMMA E DISTANCIA 213


212 A. FACE OCULTA DA MENTE

tas, num total de 900 intentos; a 100 m. de distância, sobe


500 metros. Tornava-se, no entanto, preciso experimentar a 9 acertos em cada 25 cartas, sôbre um total de 750 in­
à distância de quilômetros. tentos; a 250 m., sôbre um total de 1100 intentos, a média
SINCLAIR experimentou a 50 Km. entre agente e per- desce a 7, e aumenta a 8 ao aproximar-se mais.
cipiente. A Sra. SINCLAIR deveria averiguar qual o de­ Por sua parte, a metagnoma senhorita TURNER conse­
senho que tinha na mão seu marido ausente. Realizou 290 gue uma média de 8 acertos a 2 ou 3 m. de distância da
tentativas, com 65 êxitos completos, 155 êxitos parciais e só agente, Srta. OWNBEY; e a 400 quilômetros, aumenta a
70 fracassos. Ê assombrosa a semelhança, entre os desenhos
originais de Upton SINCLAIR e as reproduções telepatica­ média a 10 acertos entre cada 25 cartas, sôbre um total
mente realizadas pela esposa b de 200 tentativas. Em experiências posteriores, verificou-se
uma declinação paulatina, apesar de não se modificar a dis­
Já antes, os Drs. USHER e BURT experimentaram com tância, que sempre fôra de 400 quilômetros 4 *. Os declínios
êxito na distância entre Bristol e Londres e depois, de ou aumentos, modificando-se as distâncias, acomodam-se ao
Braga a Londres, isto é, à distância de uns 180 e 380 quilô­ observado geralmente em experiências sem modificação das
metros, respectivamente. As provas foram poucas: só 30.
Os experimentadores compreenderam que os resultados eram distâncias. É impossível estabelecer variações sistemáticas
significativos, mas reconheceram a dificuldade em avaliar devidas â distância.
matematicamente a semelhança ou dissemelhança dos de­ Vimos que um dos sujeitos do Dr. SOAL, Sra. STE-
senhos 1 2 3. Mais tarde, W. CARINGTON, com os modernos WART, obteve êxitos altamente significativos a poucos me­
sistemas estatísticos estabeleceu a possibilidade de 1 contra tros de distância entre agente e percipiente. O mesmo metag­
178 ■*. Não muito significativa. Mas o interessante é que nomo, Sra. STEWART, estando cm Anvcrs (Bélgica), en­
não houve diferença apreciável entre os resultados obtidos quanto os experimentadores, Drs. SOAL e BATEMAN fica­
a 180 quilômetros e os obtidos a 380 quilômetros. Em outras vam na Inglater ra, obteve em quase 1 000 provas tal êxito,
experiências antigas não aparecem diferenças sistemáticas, que só haveria uma “chance” contra 100 bilhões do dever-se
nem comparadas entre si, nem com as experiências de PSI- ao acaso. A mudança de lugar do agente ou do objeto-alvo,
GAMMA dos modernos parapsicólogos. não modificou cm nada o resultado das experiências \
Na Universidade de Harvard, o Dr. KAHN dirigiu um
Experiências comparativas conjunto dc 43 278 intentos com 100 sujeitos diferentes. Os
São especialmente significativas as experiências com­ sujeitos estavam separados dos objetos-alvo por distâncias
parativas dos parapsicólogos PEARCE-PRATT e TURNER- que oscilavam entro 2 e 750 quilômetros. A razão crítica mé­
OWNBEY. A um metro de distância, o metagnomo Dr. dia foi de 3,14, equivalente a uma possibilidade sôbre 2 000.
PEARCE obteve uma média de 8 acertos para cada 25 car- E, consideradas isoladamente as experiências feitas a maior
distância, há uma chance sôbre o acaso de 1 para 10 000.
1 SINCLAIR, Upton: “Mental Radio, does it work and how ”, Notemos que, nestas experiências, os resultados eram regis-
Los Angeles, 1929.
Estas experiências, realizadas por amadores, foram, porém, cien-
tifieamente analisadas: “The SINCLAIR Experiments Demonstruting 4 — RHINE, J. B. : “The Reach of the Mind”, New York, Sloa-
Telepathy”, em “B.S.P.R.”, 1932, XVI, abril. nes, 1948 (e Londres, L. Faber, 1948). Tradução espanhola: “El al­
2 — USHER, F. L., e BURT, E. L. : “Quelques expériences de cance de la Mente”, Buenos Aires, Paidós, 1956- Citamos o resumo
transmission de pensée à grande distance”, em “A.S.P.”, 1910, I. dessas experiências, que referimos no texto, da tradução por SUDRE.
3 — CARINGTON, Whately: “Telepathy, and Outline of its Facts, René: “La Double Puissance de 1’Esprit”, Paris, Payot, 1952, págs. 58 s.
Theory and Implications”, Londres, Methuen and Co., 1945. Nós ci­ 5 — SOAL e BATEMAN. em “Jnl. S.P.R.”, 1950, XXXV, págs.
tamos da tradução francesa de PLANIOL: “La Télépathie, faits, théo-
ries, implications”, Paris, Payot, 1948, págs. 29 ss.
214 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA E DISTÂNCIA 215

trados automaticamente por máquinas eletrônicas, para evi­ nião, ou outros fatores, influíssem em prol dos sujeitos mais
tar-se tôda falha acidental ou intencional irresponsável {\ afastados.
Um grupo de investigadores do Tarkio College (Missou-
ri) e da Universidade Duke, realizaram experiências com di­ Alguns dos metagnomos que colaboraram nestas expe­
versos sujeitos, espalhados por diversos lugares dos E.U.A. riências eram os mesmos de experiências anteriores com o
mesmo Dr. CARINGTON. Êste comparou os resultados ob­
Os investigadores freqüentemente desconheciam os su­ tidos com os que essas mesmas pessoas obtiveram antes. Não
jeitos com quem experimentavam. Eram enviadas as instru­ se encontrou diferença sistemática atribuível à distância.
ções pelo correio e pelo correio se recebiam as respostas.
Os símbolos ZENER eram expostos a intervalos convencio­ Outra série de experiências a enorme distância foi diri­
nados nos gabinetes dos investigadores. Os sujeitos deveriam gida pelo Dr. Cario MARCHESI, em 1939. Por um lado o
tratar de averiguar (e anotar imediatamente) as cartas que Dr. MARCHESI de seu Laboratório em Zagreb (Iugoslávia)
julgassem que estavam expostas em cada momento 7. procurava adivinhar as cartas do baralho ZENER que se
expunham na Universidade Duke. Por outra parte, diver­
Em todo êsse conjunto de experiências, que oscilavam sos metagnomos da Universidade Duke tratavam de averiguar
de poucos metros até mil e mais quilômetros, os resultados as cartas que eram expostas pelo Dr. MARCHESI, em Za­
se mostram independentes da distância, apreciavelmente idên­ greb. Apesar da enorme distância (6 500 quilômetros), os
ticos entre si e idênticos aos outros resultados obtidos em resultados foram altamente significativos. Esta vez os ame­
experiências de Laboratório. Mais ainda, até pareceria que ricanos foram muito inferiores, em conjunto, aos europeus,
a distância favorecia a percepção psigâmica, o que evidente­ ao contrário do que sucedeu aos sujeitos de CARINGTON...
mente pode dever-se a outros fatores. Novas experiências
na Duke confirmaram êsses resultados s. Em 1947, o Dr. MARCHESI realizou outra série de ex­
periências do mesmo tipo, continuando as anteriores, inter­
Em dois Continentes rompidas pela Segunda Guerra Mundial. Com esta nova série
confirmaram-se plonamente os resultados anteriores 6 7 * 9 10.
Cabia, porém, a possibilidade de que, a distâncias ainda
maiores, variassem os resultados. O Dr. CARINGTON, en­
tão, executou uma longa série de experiências com diversos PSI-GAMMA prescinde dos obstáculos
sujeitos, espalhados por outras nações da Europa c em di­ Não precisamos dizer, pois é consequência lógica do que
versos pontos dos E.U.A. O resultado foi o mesmo. No­ foi dito, que os obstáculos físicos, tais como paredes, monta­
tou-se, não obstante, que os sujeitos dos E. U. A., mais nhas, etc., que possam interpor-se entre o sujeito e o objeto
distantes, portanto, dos desenhos-alvo, que estavam na não dificultam o funcionamento da ESP. Assim, também, os
Inglaterra, obtiveram melhores resultados do que os su­ vínculos físicos, fios por exemplo, ligando sujeito e objeto
jeitos europeustalvez as circunstâncias de clima ou opi­ ou agente, não favorecem os resultados, a não ser que o sis­
tema empregado seja uma espécie de cumberlandismo que
6 — KAHN, David: “Studes in ESP, Experiments Utilizáng an favoreceria a comunicação hiperestésica, não a psigâmica.
Electronic Scoring Device”, em “Proceedings of American Society for
Psychical Research”, 1952, XXV, outubro.
7 — RHINE, J. B.: “The Effect of Distance in ESP Tests”, em PSI-GAMMA prescinde da distância
“Journal of Parapsyehology”, 1937, setembro, págs. 172 ss.
g — RHINE, J. B.; PR ATT, J. G.; SMITH, B. H.; STEWART, Concluímos, pois, com as mesmas palavras do Dr.
C E., e GREENWOOD, J. A.: “Extra-Sensory Perception after sixty RHINE: “Comparando os resultados obtidos a diferentes
Years”, New York, Holt, 1940, págs. 309 ss.
9 — CARINGTON, W.: “Experiments with Paranormal Cogni-
tion of Drawing”, em “Journal of Parapsyehology”, 1940, IV, janeiro, 10 Citamos do resumo feito por RHINE, J. B.: “The Reach...”,
págs. 1-129. trml franc.: “La Double...”, o. c.} pág. 61.
216 A FACE OCULTA DA MENTE

distâncias, desde alguns quilômetros (ou metros) até muitos


milhares de quilômetros, tem-se a impressão nítida de que a
distância e os obstáculos não têm nenhuma influência so­
bre os resultados. A única coisa que parece influir no caso
é a própria faculdade de percepção extra-scnsorial do sujeito
(ou a sua capacidade de manifestação) nas diversas circuns­
tâncias’- 11. (Os parênteses são nossos.)

Além cio âmbito da Terra?


Temo-nos referido sempre às diversas distâncias dentro
dos limites da Terra. Não falamos de distâncias siderais.
Psi-gamma e tempo 15
Os casos espontâneos de conhecimento paranormal tratam CLASSIFICAÇÃO
sempre de “algo” de nosso planêta. Nenhum dado admissível
cicnfificamente tem sido proporcionado pelos metagnomos do Conhecimento do passado, problema in­
que se passa em outros planêtas, descontando casos imaginá­
rios como o de Helena SMITH. Será que as distâncias su­ solúvel. — Conhecimento do presente, pro­
periores ao âmbito da Terra impossibilitam PST-GAMMA? blema muito difícil. — Conhecimento do fu­
PG, como todo poder humano, seria limitado, não in­ turo, único problema viável.
finito no seu próprio alcance dimensional. Possivelmente,
essa limitação na distância se deve também a que PST-
GAMMA é uma faculdade' “existencial”, isto é, nitidamente p SI-GAMMA com relação ao tempo pode ser dividida ar-
humana, relacionando homens com homens, ou homens c obje­ * tificialmente e com fins práticos em: SIMULCOGNI-
tos direta c mais ou menos intimamente ligados ao homem. ÇÃO, RETROCOGNIÇÃO e PRECOGNIÇÃO.
Mas ainda não se pode dar uma resposta com absoluta SIMULCOGNIÇÃO é a faculdade de conhecer direta-
certeza experimental a respeito da distância “ilimitada”. As mente um acontecimento que, nesse mesmo instante, está su­
experiências de laboratório a distâncias “ilimitadas são im­ cedendo, existe ou está sendo pensado .. . A maioria das
possíveis, ao menos por agora. Esperemos que os GAGA- experiências e casos espontâneos que deixamos referidos no
RIN, SHEPARD, TITOV, etc., nos permitam experimentar capítulo anterior, classificar-se-iam pràticamente como si-
êste problema. mulcognições. O objeto do conhecimento e o conhecimento
são simultâneos.
A relação da faculdade paranormal de conhe­ RETROCOGNIÇÃO é o que se dá quando se conhece
cimento com as leis da distância, ao menos por diretamente, em determinado momento, um acontecimento
agora, só pode ser formulada com uma restrição do passado. O objeto do conhecimento é anterior ao conhe­
cimento.
final: “PSI-GAMMA prescinde das leis da dis­
tância dentro (ao menos) do nosso planeta' \ PRECOGNIÇÃO é a faculdade de se conhecer direta­
mente. em determinado momento, o que sucederá no futuro.
O objeto do conhecimento é posterior ao conhecimento.
11 — RHINE, J. B.: “The Reach...”, tracl. franc. : “La Dou- Dizemos udiretamente,> porque é evidente que não seria,
ble...”, o. c., pág\ 60. por exemplo, precognição conhecer um acontecimento pre­
218 A FACE OCULTA DA MENTE PSI-GAMMA E TEMPO 219

sente e, a partir dêle, deduzir por cálculo, por análise das Talvez o mesmo metagnomo tenha sido contemporâneo
causas que já se conhecem, o resultado futuro. do acontecimento. Como saber que é agora que conhece
diretamente o passado e não que se deu então uma simulcog­
Dissemos também “classificação artificial para fins prá­ nição, mesmo paranormal mas inconsciente, que só agora se
ticos” porque certamente a retrocognição é uma classifica­ manifesta? l.
ção prática mas em grande parte arbitrária: nunca se pode
saber se uma suposta retrocognição o é de fato, ou não. E, Ocorre a morte, a 1 000 km de distância, de uma pessoa
embora com menos lógica, podemos dizer algo semelhante amiga. Não temos notícias normais do fato. Passado algum
da simulcognição. Só a precognição se poderia, em certos tempo, vemos em sonho o morto que nos comunica a triste
notícia. Pode simplesmente ser uma simulcognição para­
casos, classificar cientificamente como verdadeira precog­ normal com manifestação retardada. Ou uma simulcognição
nição.
da notícia que outra pessoa tem atualmente daquela morte. . .
Com efeito, a retrocognição (ou pós-cognição) é, segun­ Voltemos às duas hipóteses. Na segunda hipótese, isto
do me parece, um dos problemas mais difíceis, talvez insolú­ é, se o acontecimento não deixou nenhum “vestígio” de ai,
vel, apresentado à Parapsicologia no campo da experimen­ não fica nenhuma testemunha, nenhum contemporâneo, ne­
tação paranormal. Ê certo que milhares de casos espon­ nhum escrito que fale daquilo. . . Então, como poderemos
tâneos e experiências de laboratório aduzidos pelos defenso­ saber que o conhecimento que o metagnomo tem agora da­
res da retrognição são de conhecimento paranormal. Tam­ quele fato é verdadeiro? Se há comprovante, há “vestígio”;
bém é certo que esses conhecimentos paranormais parecem não havendo “vestígio”, não há comprovante. E sem com­
retrocognições. Mas no campo da experimentação, direta- provante o caso não 1om valor nenhum; pode ser mera aluci­
mente não podemos ir além disso: “parecem” retrocognições, nação. ..
“talvez” sejam realmente retrocognições, “seria lógico” que Com máquinas que conservassem só em símbolos os “ob­
PSI-GAMMA pudesse conhecer o passado, se pode conhecei’ jetos-alvo” e que no futuro interpretariam os palpites dos
o presente e o futuro. metagnomos registrando automaticamente só “êxitos” e
E, como nisto não sigo a maioria dos autores, vou fazer “fracassos”, talvez algum dia possamos demostrar. direta­
uma consideração lógica que me parece inegável. Vejamos. mente a retrocognição. ..
De duas uma: Ou êsses acontecimentos passados deixaram A retrocognição, porém, até hoje, não foi experimen­
algum “vestígio” de si mesmos, ou não. talmente provada apoditicamente. Isto, porém, não é negar
Êsses 1 ‘vestígios” podem ser os efeitos, os restos, os a retrocognição.
livros que daquilo falam, ou o conhecimento talvez incons­ Alguma coisa parecida talvez pudesse ser dita, embora
ciente (talvez só paranormal inconsciente), que daquilo, ou rebuscadamente, da simulcognição. Nunca poderíamos saber
do mesmo “vestígio” tem na atualidade alguma pessoa, ou em pleno rigor científico se uma suposta simulcognição é de
a lembrança, talvez só inconsciente, que guarda hoje quem fato conhecimento de uma coisa que sucede nesse momento
foi testemunha daquilo, mesmo que só o conhecesse para- e não talvez manifestação de uma precognição tida em época
normalmente, etc. anterior que “casualmente” se manifesta quando o fato está
acontecendo.. . Muito rebuscado certamente. . .
Se deixaram “vestígios”, como saber, em pleno rigor
experimental, que o metagnomo averigua agora diretamente
1 — São freqüentes as sensações (ou mesmo fenômenos paranor­
o passado e não o atual? Como saber se êle não “vê” apenas mais de conhecimento) absolutamente inconscientes que afloram ao
os “vestígios”, e deles, por talento do inconsciente, deduz consciente só após algum (ou muito) tempo. A êste respeito já vimos
o passado? bastantes casos, por exemplo, quando tratamos da “pantomnésia”.
7275198638

220 A FACE OCULTA DA MENTE

Só contra a precognição, conhecimento direto do futuro,


não ee podem pôr objeções do ponto de vista da classificar
ção; e só conhecemos êste caminho, hoje, para saber com
rigor científico se PSI-GAMMA prescinde do tempo: prog-
nostica-se para o futuro alguma coisa completamente desli­
gada do presente, e, quando chegar aquele futuro, poderemos
comprovar aquele prognóstico.
A divisão, pois, em simulcognição, retrocognição e pre­
cognição, só no que se refere à precognição foi até hoje
susceptível de ser cientificamente comprovada. Com respeito
à simulcognição e mormente à retrocognição, tratar-se-ía
somente de uma divisão “lógica e prática”. Os casos para-
Pseudo - precognições - 16
normais que “parecem” simulcognições ou retrocognições são
classificados na prática como tais. CAUSAS “NORMAIS” DAS
A existência da simulcognição e da retrocognição, em­ PRECOGNIÇÕES APARENTES
bora não foi ainda científica e apoditicamente provada, mas
certamente são hipóteses muito lógicas, pois se a faculdade Como se averigua o sexo da criança que
PG prescinde do tempo tanto que pode conhecer diretamente vai nascer. — Ê possível profetizar usim”
o futuro, lógicamente também poderia conhecer o presente c e étnão” ao mesmo tempo e errar ambas as
o passado. Pelo dito, e aliás, pelo seu maior interesse, vamos
estudar com especial destaque a precognição. coisas. — Suicídios e crimes devidos a falsos
adivinhos.
fj evidente que se. em determinado caso, ignoramos se
de fato conhecemos esse futuro dirctaincnte ou só indireta-
mente, tal conhecimento não deve ser clasifieado como pre­ A literatura mais ou menos especializada, o fenômeno
cognição, a não ser numa “classificação prática”, como di­ 1 ^ paranormal de conhecimento do futuro recebe vários
zíamos da simulcognição e da retrocognição.
nomes l. Preferimos os nomes prognosis ou precognição
(gnósis em grego e cognitio em latim = conhecimento; pró
epre = antes) que simplesmente denotam o fato do conheci­
mento antecipado de um acontecimento futuro.
1 — Alguns destes nomes são pouco felizes. Falar, por exemplo,
em adivmhação e profecia ó pressupor untes de provado que todos
esses fenômenos são devidos a Deus ou deuses (adivinhação = a divinis,
proveniente dos deuses) ou quaisquer outras entidades reve­
ladoras do futuro (um dos significados etimológicos do têrmo “pro­
fecia’' é: falar em nome de outro). O mesmo podemos dizer de pre­
monição (pre=antes; monitio=aviso) que sugere alguém q.ue avise.
Telestesia temporal, ao contrário, sugere que a explicação do fenô­
meno seja uma excitação dos sentidos (tele=longe; estesia=sensa­
ção), hipótese que de nenhum modo pode admitir-se hoje para os fe­
nômenos paranormais em geral e menos «ainda para o conhecimento
paranormal do futuro. O têrmo pressentimento, no conceito vulgar,
sugere que se trataria de um fenômeno normal ou extraordinário-
nornial, não propriamente paranormal do futuro.
222 A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - I 223

O problema vão reclamar, o “mago” lhes apresenta o livro onde consta


“menina”. Os pais, ante a segurança e fama do esperto
Tanto mais rigorosamente deve ser provada uma tese “mago” e a contundência da prova, lamentam o engano que
quanto mais inverossímil parece. E poucas coisas, em épo­ padeceram e convertem-se em propagandistas não menos in­
cas de materialismo (quando ruía a Metapsíquica e nascia condicionais.
a Parapsicologia), pareciam tão inverossímeis como a pre-
cognição. Os grandes adivinhos recorrem (consciente ou incons­
São muitos os fatores que podem explicar o conhecimen­ cientemente) ao artifício de prognosticar com grande es­
to do futuro sem que tal conhecimento seja verdadeira pre- perteza de estilo ambos os extremos contrários. Mas pode
cognição. suceder, por inesperado que pareça, que resultem falsos
ambos os prognósticos contrários.
Truques Miguel de NOSTRADAMUS fêz a Catarina de MÉDI-
CIS o horóscopo de cada um dos seus 11 filhos.
A fraude (consciente ou inconsciente) deve ser sempre De CARLOS IX prognosticou que seu reinado se veria en­
a primeira hipótese. volto em grandes guerras. Não era preciso ser vidente para
Um “mago” pode anunciar que sucederá o que êle, em prever, a curto prazo, guerras, pois os acontecimentos que
seguida, se encarregará de fazer. Ou pode apresentar como se iam desenvolvendo anunciavam as guerras de religião a
profecia aquilo que se planeja realizar e de que êle se in­ qualquer pessoa medianamente avisada. Mas NOSTRADA­
teirou antes da notícia se espalhar. MUS fêz também o prognóstico contrário, influenciado tal­
Um notável exemplo de truque para garantir uma “pro­ vez pelo ambiente do simpatia que despertou o gentil e jovem
fecia" foi dado por NOSTRADAMUS, o Jovem, filho do rei que cingiu a coroa aos dez anos de idade. Sem negar o
famosíssimo metagnomo Miguel de NOSTRADAMUS. pessimista horóscopo anterior, prognosticou em seguida que
CARLOS IX seria um grande e afortunado rei até chegar à
Tinha NOSTRADAMUS, o Jovem, anunciado, no exercício grandeza do seu homônimo CARLO MAGNO, sem nada de­
de sua “profissão” de astrólogo, que a cidade de Pouzin seria
ver-lhe em grandes fortuna e qualidades 2.
pasto das chamas. Mas não previu que ale mesmo seria
morto naquela ocasião. Aconteceu que SAINT-LUC, chefe NOSTRADAMUS se equivocou em ambos os prognósti­
das forças que cercavam a cidade, o surpreendeu em flagran­ cos: o reinado de CARLOS IX não teve tempo de ver-se
te, pondo fogo a Pouzin para garantir sua profecia. Loucos cheio de espantosas guerras, embora tenha havido revoluções.
ocultos e irresponsáveis. .. E não emulou a CARLO MAGNO. . .: CARLOS IX morreu
aos vinte anos de idade, sem ter realizado nada de notável.
Esperteza Teria sido afortunado ao menos psiquicamente? O jovem
rei morreu de asco, horror e remorso, como resultado duma
É clássico o sistema de predizer o sexo da criança que espantosa experiência de adivinhação:
vai nascer. Não falha nunca.
A pedido de sua mãe, a supersticiosa Catarina de MÉ-
Os pais consultam, confiados, êstes “magos”. O “mago”
DICIS, o rei permitiu que um adivinho, monge apóstata,
começa por inteirar-se astutamente do que os pais querem:
degolasse um menino e pusesse sôbre a sagrada mesa do
menino? Prognostica então, com tôda segurança, “menino”,
mas no seu livro de registros escreve “menina”. Nascida a
criança, se é de fato menino, os pais convertem-se logo em 2 — BRANTÔME, “Oeuvres Complétes”, Paris, Ed. Societé d'His-
propagandistas do “mago”. Se, pelo contrário, é menina e loire de France, tomo V, págs. 240-287.
PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - I 225
224 A FACE OCULTA DA MENTE

altar a cabeça ensangüentada para realizar a adivinhação. Todo o mundo já “previa” isto antes que a senhora THÊ-
Assegura-se que as últimas palavras de CARLOS IX foram: BES o anunciasse. Ela, astutamente, nos deixa definitiva-
“Tirai essa cabeça, tirai essa cabeça". mente sem saber se a guerra na Bélgica seria na primeira
ou na segunda parte do ano, ou se de fato haveria guerra
Um prognóstico afirmando os dois extremos contrários ou somente temor de guerra em situação perturbada.
e os dois falhos. De nada serviu a esperteza.
Mas, de fato, sucedeu o que menos se esperava: não
Golpes de astúcia como os citados são frequentíssimos. houve guerra com a Bélgica nem grandes perturbações, nem
Os “adivinhos” profissionais fazem longos “estudos” para a Bélgica “pôs mais fogo na Europa do que os famosos
ospecializar-se nêles. Balcãs”.
Imprecisão do estilo Noutros casos, a lógica se realiza mais ou menos, e
então todo o vaticínio é considerado como um acerto em­
Na confecção das profecias, misturam-se frcqüentemcn- polgante e inegável. O vidente é considerado como possui­
te generalidades que nada dizem, com dados mais ou menos dor dc poderes extraordinários.
concretos e pouco comprometedores, que deem ao conjunto
a aparência de prognósticos bem definidos. Casualidades
Mestra na confecção e famosa na especialidade foi a
Sra. de THÈBES. O seu estilo é sempre imitado pelos São tantos os vaticínios que se fazem, que seria impos­
modernos cultivadores dos “vaticínios para o ano cntrante”. sível errarem sempre. Não se consideram nunca os inume­
ráveis fracassos e só se pensa nos êxitos, sem pensar que,
Lô-sc, por exemplo, num dos almanaques da Sra. THI5- muitos deles, são mera casualidade.
BKS: “Durante a primoira parte do 1905 os soberanos farão
falar de si mais do que de costumo e podo sor quo as sobe­ Que alguma vez a “revelação” coincida com a realidade,
ranas não os imitem. Temo que no comttço de 1905 lios nada tem de estranho. O estranho seria sc nunca coincidisse
vejamos açoitados por uma terrível guerra. Será um ano nem por casualidade. Mas para o “aprendiz de adivinho” o
vermelho, seguindo o ano cinzento. A Inglaterra terá a sua assunto não tem dúvida: esquece as “revelações” que não se
parte de angústias. A Alemanha também terá tristezas. realizaram e apresenta satisfeitíssimo as que coincidiram
1905 nos oferecerá a compensação do uma nova vitória no com a realidade
campo da ciência". Grande sensação de angústia experimentou uma espôsa
em Montpellier, prognosticando a morte trágica e próxima de
Como se vê, fora do anúncio vago de uma possível guer­ seu marido, soldado. O prognóstico se realizou com efeito
ra que podia ser plenamente previsível (contra a Bélgica), poucos dias depois, na fronteira leste da França.
nada de concreto foi dito: difícil será um ano em que essas
generalidades não se cumpram perfeitamente. Magnífico, mas ninguém fala das horas de angústia an­
Para prestigiar seu vaticínio, a vidente apresenta, mas teriores e durante as quais a senhora teve o pressentimento
sem se comprometer, dados mais ou menos concretos daquilo da morte próxima do seu marido sem que se realizasse.
que ela deduz (talvez inconscientemente) da observação da
situação:
3 — Claro está que a casualidade não deve ser invocada quando
Na segunda parte do ano, haverá perturbações inten­ a “ precognição” é bem detalhada e se cumpre em todos seus deta­
sas na Bélgica, o porvir é sombrio. Êste pequeno país porá lha; cspecificantes, como perfeitamente tem esclarecido BERGSON,
11 : “L énergie spirituele", Paris, Alcan, 1924, pág. 74.
mais fogo na Europa do que os famosos Balcãs.
226 A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - I 227

Mais ainda, essa mesma senhora teve também o pressen­ remnésia: acreditou-se que se realizou o vaticínio porque se
timento de que não veria mais seu filho. Êste acabava de realizou o detalhe menos importante dêle, esquecendo-se os
partir para uma ausência bastante longa. Apesar de ser a outros detalhes, presentes ou ausentes, que realmente seriam
senhora de avançada idade, o pressentimento não se realizou. os característicos.
Na família (a família do Dr. GRASSET) conta-se o pressen­
timento que a senhora teve da morte do esposo. Só o Dr. Lendo-se muitos casos dos que se apresentam como
GRASSET contou os pressentimentos falhos dessa senhora “precognições”, logo se percebe um fato típico, geral: as
e, especialmente, o de que não veria mais seu filhoA. “precognições” escritas “post factum” parecem empolgantes;
escritas, porém, ante factum”, é necessária uma dose enor­
ParcmnésiíL me de boa vontade, para ver nelas algum êxito, mesmo que
tais “precognições” sejam depois contadas por pessoas fide­
Os mesmos casos que se contam, de êxito na prceogni- dignas. Aplica-se, simplesmente, aqui uma lei de psicologia
ção, muitas vezes nem foram êxitos, se considerarmos bem humana da que não é nada fácil livrar-se.
os detalhes. “Ê necessário examinar os relatos até o extremo. E im­
Poderíamos definir a paremnésia aplicando-a ao nosso portante suspeitar das paremnósias, que fazem acreditar, com
assunto como lembrança das coincidências mínimas e esque­ tôda boa fé, que não se trata de um acontecimento diferen­
cimento das divergências mais importantes. te. . . Às vêzes, a alteração da memória é tão intensa que afir­
ma haver tido uma premonição não havendo nada disso” 6.
Ao monsenhor LANGÊNIEUX, quando tinha sete anos
de idade disse urna mulher: “Menino, você será bispo e sa­
grará o rei”. Inibição
Analisemos o prognóstico: prever que certos meninos Deu-sc grande importância ao caso do senhor JUTTET.
serão padres não tem importância nenhuma. Se um dêsses ftle tinha dito: “Tenho medo dos automóveis. Tenho o
meninos é notadamente inteligente, etc., não ó muito difícil pressentimento de que morrerei num acidente dc automóvel”.
prognosticar com alguma probabilidade que chegará a ser E assim foi 7.
bispo. O risco correr-se-ía anunciando que seria bispo dc
Tarbes, concretamente, ou ao menos que chegaria a arce­ Ora, para julgar o valor deste fato, seria necessário,
bispo, pois o foi de Reims. Mas a adivinha não deu nenhum em primeiro lugar, pô-lo em confronto com o número imen­
dêstes dados concretos. so de pessoas que tiveram semelhantes pressentimentos
com respeito ao automóvel, trem ou avião e que nunca se
Um detalhe arriscado há no vaticínio: “Você sagrará o realizaram. Em segundo lugar devemos ter em conta o
rei”. Se, por casualidade se tivesse cumprido, o vaticínio papel da inibição.
seria apresentado como empolgante. Mas Mns. LANGÉ-
NIEUX não sagrou nenhum rei... A uma consulente minha “um espírito” ( ?) anunciara,
entre outras coisas, que morreria a começos de 1964 em aci­
Apesar de tudo, o vaticínio é considerado como impor­ dente automobilístico. A consulente, uma senhorita de 22
tante 4 5. Na realidade só é importante como prova da pa-
anos, A. M., de S. Paulo, ficava materialmente rígida, imóvel,
cada vez que cruzava por diante de um automóvel.

4 — GRASSET, J.: “L/Occultisme hier et aujourcVhui. Le Mer-


veilleux préscientifique”, 2.a ed., Montpellier, Coullet, 1908 (l.a ed., 6 — RICHET, Charles: “Traité de Métapsychique”, 2.a ed., Paria,
Paris, Masson, 1907), págs. 335 e 338. Alcan, 1923, pág. 456.
5 — “Echo de Merveilleux”, 1904, pág- 451. 7 — “Echo de Merveilleux”, 1905, pág. 377.
02487326583446010208

228 A FACE OCULTA DA MENTE


F3EUDO-PRECOGNIÇOES - I 229

Felizmente consegui liberá-la de outros sintomas pato­ honra merecer a simpatia de Vossa Majestade. Mas não
lógicos (achava-se “possuída pelos espíritos” (!?), falava consigo tirar da cabeça uma profecia, que me fizeram de
línguas estrangeiras desconhecidas para ela, padecia fortes que devo mudar de terra. Gostaria que essa profecia nunca
crises de angústia. . .), e assim consegui também que se se realizasse, pois não quero abandonar a minha pátria”.
sobrepusesse à inibição que quase fêz “conseguir” que a
Algum tempo depois, INGIMUND já não mais podia re­
profecia se cumprisse. Já estamos a fins dc 1964, novem­
bro, com o que o medo desapareceu por completo da jovem, sistir. Sem motivo nenhum plausível estava convencido de que
aliás, agora gozando de perfeita saúde. não poderia deixar de ir à Islândia para cumprir a profecia.
Deu um grande banquete de despedida, explicando que parti­
ria “não por vontade própria, mas pela dura e desagradável
Sugestão ou auto-sugestão
fôrça do destino”. Dava liberdade a todos os seus súditos
Uma velha lenda islândica explica-nos perfeitamente o para seguí-lo ou não. Muitos o seguiram com suas famílias-
caso das aparentes precognições que na realidade são somen­ A todos êles deve a Islândia a origem da sua agricultura.
te sugestões para o futuro.
A lenda encerra uma grande parte da realidade histó­
Havia uma grande festa em honra de INGIMUND. Numa rica. Em todo caso, na lenda se reflete bem como muitas
espécie de trono elevado e ricamente adornado estava, urna profecias não são verdadeiramente conhecimento direto do
'adivinha para predizer o futuro dos homens presentes que futuro mas uma sugestão que chega a ser obsessão e depois
quisessem aproximar-se dela para riste passatempo De to­ convulsão obrigando a realizar o que não deveria ter-se
dos os homens presentes só INMÍMUND c seu amigo INM- realizado, se a profecia tivesse sido feita a uma pessoa me­
JALI), precisamente por serem talvez os mais sugestioná­ nos impressionável, ou se vivesse em outro ambiente onde
veis o temerosos da, adivinhação, eonsei varam-se afastados não se teria deixado arrastar pela crença generalizada na
da, adivinha. fôrça do destino.
A adivinha perguntou porque INMÍMUND não indagava
Muitas adivinhações, horóscopos, destinos lidos nas li­
seu futuro, sendo precisamente ôle o homenageado naquela
festa. Respondeu INMÍMUND que não tinha empenho em
nhas da mão, ou nos astros, ou nas cartas, realizam-se, não
saber seu futuro e que também não queria saber se as profe­
porque os adivinhos prognosticassem realmcnte o futuro,
cias dela dariam ou não certo. Mas a adivinha, talvez
mas porque os consulontes (quase diriamos “as” consu-
ressentida, prognosticou sem ser perguntada: “INGIMUND
lentes) tôlamente deixaram-se arrastar a cumprir cies mes­
cultivará as abandonadas terras da Islândia, tomar-se-á cé­
mos o prognosticado.
lebre, morrerá velho. Os seus descendentes também serão O destino não está feito, nós o fazemos.
famosos na Islândia”.
INGIMUND quase riu da loucura anunciada pela adi­ Suicídios por auto-sugestão
vinha: iria êle abandonar suas produtivas e extensas terras
para ir cultivar outras terras abandonadas e distantes? Denize BLANC era uma jovem de dezoito anos e de boa
Houve uma acalorada discussão entre INGIMUND e a adi­ saúde. Insistia em que tirassem uma fotografia dela, pois
vinha, não terminando em tragédia porque INGIMUND deci­ morreria logo. Precogniçao ?
diu dominar-se, em atenção ao dono da casa. Estando ela um dia no seu aposento, fora se dá o sinal
No ano seguinte INGIMUND começava a dar mostras de alarme: “fogo! fogo!” Ao lado da casa, separado por um
de uma psieoneurose obsessivo-convulsiva, como resultado das pequeno pátio, havia uma oficina de cestaria. Ê lá onde pe­
palavras da adivinha. Após o seu casamento disse perante o gou o fogo, mas o extinguem logo e não causa danos sérios.
rei: “estou muito contente com a minha sorte e é grande O pânico, porém, de Denize é tão grande que se sente im­
pressionada, perturbada. Tem que fioar de cama. Aos poucos
230 A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - I 231

vai se debilitando, presa de uma enfermidade mal definida um ano de vida. A predição foi repetida várias vêzes, sem­
atribuída ao “terrível” susto de um incêndio insignificante... pre assinalando como data da morte da secretária o fim do
Após dois meses morre. ano. Em dezembro concretiza-se mais: “ela não virá para
nós de uma maneira natural, mas será certamente no fim
Não temos necessidade nenhuma de ver aqui um caso do ano. Julia”. Passou-se, porém, o mês de dezembro sem que
de precognição. O grito de alarme que ouvira foi a escusa apesar da sua delicada saúde, morresse a secretária.
que procurara o inconsciente para realizar o seu prognóstico.
No dia dez do janeiro, fora já do prazo, a secretária
Nenhum detalhe significativo foi previsto. Aliás um alarme
teve que guardar o leito mais uma vez. O médium escreve
semelhante não causa tão grande pânico nem h mulher mais
então automáticamente: “Eu (Júlia) posso cquivocar-me por
assustadiça, mas só a quem, inconseientemente, está a es­
aiguns dias, mas tudo que tenho dito é verdade: dize-lhe
pera de qualquer escusa para ocasionar uma cena. Não hou­
adeus”. O médium vai, com efeito, despedir-se. No ato, para
vesse incêndio, o mesmo teria acontecido por um menino que
explicar porque o faz, 10 à sua secretária tôdas as mensagens:
gritasse, por uma voz ouvida na rua, por um prato que caisse
“Ela não virá para nós de uma maneira natural.. . Posso equi­
ao chão, por qualquer coisa. . .
vocar-me por alguns dias, mas tudo o que disse ‘é verdade. .
Dois dias depois a doente se joga pela janela, matando-se R.
Crimes per hetero-sngestão
Precognição? O caso tem explicação natural muito ló­
Desgraçadamente, os quiromantes, astrólogos, adivinhos, gica e fácil. Nada tem de estranho que o médium manifeste
cartomantes, etc., possuem um nível intelectual muitas vezes sua antipatia para com a secretária, escrevendo auiomàtica,-
não sufi ci en t em ente elevado para dar-se conta das consequên­ mente um vaticínio anunciando a morte. Todos os dias, nos
cias que podem ter os seus prognósticos; não sabem, nem sus­ consultórios psiquiátricos, encontram-se em muitos pacientes
peitam, que duma simples sugestão pode depender a felicidade dramatizações semelhantes em sonhos, por exemplo. E ple­
e até a vida dum ser humano. Com tanta ignorância como, namente explicável também, psicologicamente, que STEAD
às vezes, boa fé, chegam até a predizer ano, mês. e dia da vendo que passavam os meses sem que o vaticínio sc cum­
morte do consulentc. A uma pessoa perfeitamente sadia anun­ prisse, dramatizasse o desejo inconsciente e irresponsável
ciam também até da doença que morrerá. Resultado: por de provocar a morte: morrerá “não de uma maneira natu­
sugestão, o inconsciente, se é de pessoa sensitiva, pode ficar ral”. Como por pura telepatia não se obteve êxito, o incons­
suficientemente inteirado e impressionado para provocar a ciente de STEAD recorre em última instância ao expediente
doença anunciada e a morte no momento assinalado. Não é de ler para ? doente as “mensagens recebidas do espírito de
precognição, é crime, embora realizado às vezes com abso­ Júlia” (!?). Compreende-se que o psiquismo da doente, que
luta boa intenção. E isto é pior, pois não é fácil castigar e aliás acreditava sinceramente no espiritismo, ficasse impres­
corrigir. Os casos abundam. sionado. “Não de uma maneira natural. . . Tudo é verda­
notável como o inconsciente do “mago1' se esforça, às de ... ” E a doente se suicidou. . .
vezes, por vencer a resistência que a realidade lhe oferece A êste e outros casos de morte devem-se acrescentar
à realização do crime irresponsável. casos de menores, mas graves consequências, como doenças,
A secretária do médium espírita W. STEAD era de saúde acidentes, matrimônios infelizes, noivados frustrados, deses­
delicada, e de humor desagradável ao menos para STEAD. peros de almas, etc. Isso acontece, principalmente com gente
crédula e sugestionável, muito numerosa, aliás, como demons­
Um dia o médium, pela escrita automática recebe uma tram as repetidas e assíduas consultas a adivinhos de qual-
mensagem “assinada por Júlia, seu espírito guia” (?!): “Te­
nha paciêlncia, ela virá fazer-nos companhia no fim do ano”.
8 — STEAD: “My experience in automatic writing”, Borderland,
Isto era escrito em Janeiro- Davam, pois à secretária quase IKÍM. tomo II, págs. 43 ss.
821536

232 A FACE OCULTA DA MENTE

quer espécie. O “vidente” não se perturba com isso. Êle,


ignorante dos danos que pode acarretar, continua suas “triun­
fantes” viagens de cidade em cidade, explorando e enrique­
cendo-se à custa dos infelizes e atormentados que a êle
acodem.
Êstcs irresponsáveis tiveram até o atrevimento de pôr-
se contra a ciência, aconselhando doentes a não consultar
médicos nem psicólogos, etc., e abandonar os tratamentos.
Pseudo-precogniçoes - II 17
CAUSAS PARAPS ICO LÓGICAS DAS
PRECOGNIÇOES APARENTES
Há muitas causas “normais’ de aparentes
precogniçoes. A hiperestesia salva muitas vidas. — Os
Citamos algumas, talvez as principais entre que veem sua própria morte. — As pseudo-
as causas “normais’*: fraude, astúcia, imprecisão profecias de SÓCRATES. — PSI-GAMMA e
do estilo, casualidade, paremnésia, inibição, auto- a política. — Psicanálise das pseudo-pre~
sugestão e hetero^sugestão. cogniçóes.
Neste capítulo prescindimos das causas ex­
1

traordinário-normais e par anormais. O capítulo anterior vimos algumas explicações “nor­


N mais” das aparentes precogniçoes. Tais causas “nor­
mais” são evidentemente as mais frcqiient.es. Há, porém, mui­
tos casos que não se explicam por essas causas “normais”.
São rcalmente precogniçoes ou conhecimento direto do futu­
ro ? Devemos também ter presentes os fenômenos parapsico-
lógicos extraordinário-normais e inclusive paranormais, que
poderiam explicar muitas aparentes precogniçoes.

Hiperestesia
O senhor Vicente SASSAROLI. diretor dum grupo de
músicos na cidadezinha de Sartano, anunciou um dia que o
local dos ensaios iria ruir. Era a casa do cônego BACHERI-
NI. SASSAROLI, completamente convencido do que anun­
ciara, insistiu para que um arquiteto competente examinasse
a casa. Não se encontrou nada de anormal, e foi ridicula­
rizada a estupidez e covardia de SASSAROLI. Um dia, SAS­
SAROLI repetiu sua predição com certa solenidade. Riram-
234 A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - II 235

se dêle, taxando-o de visionário. Mas logo que os músicos Mesmo os indivíduos normais sentem, ao menos incons­
sairam à rua, depois do ensaio, a casa desmoronou. Há cientemente, os menores sintomas dos seus órgãos. Nada
uma relação abundante e detalhada de testemunhas do fato 1. de estranho, pois, que sob o fundamento da autoscopia pro­
SASSAROLI não podia determinar o ponto fraco da priamente dita (com alucinação visual) ou impropriamente
casa, nem sequer sabia que estava fraca em alguma parte. dita (só sensação inconsciente dos sintomas internos) pos­
Simplesmente o inconsciente captava vibrações esquisitas, sam alguns sensitivos prognosticar sua futura doença, que
barulhinhos mínimos, os sintomas do próximo desmorona­ imperceptivelmente já começa, ou a morte, da mesma forma
mento da casa, surgindo apenas no consciente uma idéia vaga que um médico poderia prognosticá-la se pudesse conhecer
de ameaça de desabamento, sem se concretizar o dia. esses mínimos dados que só o inconsciente capta hipcrestèsi-
Para se entender este e outros casos semelhantes, bas­ camente.. . Tais supostas precognições podem às vezes ser
tará lembrar que, por exemplo, cavalos salvaram a vida de empolgantes pelos detalhes.
seus donos porque se punham nervosíssimos até ter o dono O grande pintor Giovanni SEGANTINI, por exemplo,
que tirá-los do estábulo. Pouco depois afundava-se toda a casa. sentia mas só inconscientemente, os sintomas mórbidos da
Tudo induz a crer que, em certos casos, vários animais doença que começava, impossível ainda de ser percebida pelo
tinham pressentido o terremoto que se avizinhava. módico. Isto lhe inspirou um quadro alegórico: Desenhou um
alegro “ehalet” num planalto admirável, para simbolizar n
Muitos insetos e outros animais são tão sensíveis a mu­ alegria, a saúde aparente. Mas diante do “chalet” o pintor
tações elétricas ou de qualquer gênero, que isso lhes permite desenhou um ataúde: a morte era a realidade que aeultava
tomar atitudes pelas quais os homens podem deduzir que se aquela «aparência...
aproximam tais ou tais outros acidentes meteorológicos.
TTm dia, sonhou o pintor que ele próprio estava no ataú­
Há pessoas que sentem com bastante antecedência vir de, o mesmo ataúde, o mesmo “chalet”, o mesmo planalto.
a chuva, mudança de tempo, etc. O inconsciente intensificava seus avisos, que lamcntAvelmente
Há muitas pessoas especialmente sensitivas. Casos de não foram compreendidos.
sensações inconscientes, de estímulos mínimos, são muito Com efeito, poucos dias depois, se declara uma perito-
freqüentes, como indicamos ao falarmos da hiperestesia. nite aguda, que ooultnmente vinha minando o pintor. Não
houve remédio, era já demasiado tarde. Treze dias após o
Compreende-se perfeitamente que, pelo simples fato de
sonho, Giovanni SEGANTINI morria.
serem inconscientes as sensações que possibilitam o prognós­
tico, seja fácil atribuir êstes casos a faculdades paranormais
ou ao influxo do sobrenatural. . . Eautoscopia
Autoscopia A visão alucinatória do próprio interior projetado no
exterior chama-se “eautoscopia" (scopeo = ver; eautós = a
Certos indivíduos hipnotizados, anormais, etc., ou mais mim mesmo).
em geral certos sensitivos, têm a noção visual dos seus pró­ O seguinte caso de eautoscopia é muito parecido ao que
prios órgãos internos. Uma sensação inconsciente e hiperesté- citamos de autoscopia.
sica com alucinação visual. Fenômeno a que se chamou “au­ O Sr. HURTINGTON, uma noite, apesar de sua boa
toscopia”, visão de si mesmo (de scopeo = ver; autós = a
saúde, vê em sonho seu próprio esqueleto, que de fora do
si mesmo).
seu corpo olha para êle fixamente, depois levanta o cobertor
1 — FLAMMARION, C.: “La mort et son mystère”, 3 vol., Paris; e se deita no seu próprio lugar, isto é. dentro do seu cor­
E. Flammarion, 1920-1921, pág. 530. po.. . O Conde HURTINGTON sente que aquilo é anúncio
PSEUDO-PRECOGNIÇÓES - II 237
236 A FACE OCULTA DA MENTE

do que sc sucederá em breve, mas ri com a sua espôsa: Se­ doença futura, essa idéia inconsciente tem seu reflexo fisioló­
gundo o sonho, ela havia dormido essa noite ou dormiria gico externo. Por hiperestesia indireta do pensamento, outra
após algum tempo com um esqueleto. Quinze dias depois o pessoa pode captar em nós os sintomas ou idéias da futura
Conde HURTINGTON era enterrado. Ninguém poderia sus­ doença. . . Portanto, a partir da heteroscopia, real (com alu­
peitar isto no dia do sonho, dada a magnífica saúde aparente cinação visual do órgão interno de outra pessoa) ou só em
de que desfrutava o Conde, mas a esposa nunca pôde tirar fundamento (hiperestesia, direta ou indireta, sem alucina­
da cabeça o sonho do seu marido. ção), pode-se chegar a uma precognição aparente.
Tornou-se famoso um caso determinado, por ter suce­
Para oxplicar o caso basta uma dramatização incons­ dido a um médico de absoluta seriedade científica e que,
ciente dos sintomas dc doença grave captados também in~ “ante factum”, tomou as providências necessárias para ga­
conscientemente. Não nos vemos obrigados a admitir por rantir o caso.
esses casos a prccognição autêntica.
Em étete médico o Dr. de SEMYN, que viu, em sonho,
que seu filhinho, de quatro anos, caia no fogão e morria car­
Heteroscopia bonizado. Acordou horrorizado e, sem poder evitá-lo, correu
ao quarto do filho. “Graças a Deus” — exclamou ao encon­
Ê evidente que além da autoscopia e eautoscopia, deve­ trai* o filho dormindo placidamente “não é mais do que
mos considerar também a heteroscopia como causa de muitas um sonho”.
aparentes precognições. A heteroscopia é a visão alucina­
tória dos órgãos internos de outra pessoa (scopeo ~ ver; O menino passou a noite e a manhã seguinte perfeita­
hetero — outro). mente rrms, ao meio-dia, foi tomado de febre altíssima. O
pui, médico, horrorizou-sc, compreendendo que seu nítido e
Os sintomas externos duma doença ainda normalmcnto estranho sonho fôra uma dramatização inconsciente, prog­
imperceptíveis, mínimos, podem ser captados hiperestèsica- nosticando a febre que agora padecia seu filho. Compreendeu
mente por outra pessoa. que seu filho estava, perdido, apesar de um colega chamado,
Há um fato curioso nos anais da Medicina que dá uma assegurar que a doença não era grave. O pai estava con­
pequena idéia do que são essas aparentes precognições basea­ vencido do desenlace fatal. Com efeito, a doença se agravou
das na hiperestesia. Tem-se podido, com efeito, alguma vez, rada vez mais e o menino morreu de bronco-pneumonia ge­
descobrir por meio de ampliações cm fotografias coloridas, neralizada 2.
pequenas erupções vermelhas no rosto de pessoas ligeira­ Certos sintomas captados hiperestèsicamente pelo incons­
mente febris. A visão normal não descobriria absolutamente ciente do pai médico permitiriam o prognóstico, seja captando
nada. Pouco depois se declaravam nessas pessoas as erup­ diretamente os sintomas, ou captando os sinais refletidos
ções da varíola ou do sarampo. pelo inconsciente do próprio menino.
Com mais razão e acuidade do que a fotografia pode Os casos poderiam multiplicar-se. São numerosíssimos
o inconsciente captar por heteroscopia (ou só por seu fun­ os recolhidos nas coleções e centros especializados.
damento. a hiperestesia) sintomas da doença de outra pessoa,
originando o que pode, erradamente, ser tomado por precog- Hiperestesia indireta do pensamento
nição paranormal.
Eis um caso concreto, clínico, embora não se deem os
Mais ainda: sabemos que tôda idéia, inclusive incons­ nomes reais para guardar o segredo profissional.
ciente, que ocupa o nosso cérebro se reflete em sinal exter­
no. . . Assim, quando o nosso inconsciente capta os primeiros 2 — Citado por RICHET, Charles, “Traité de Métapsychique", 2.a
sintomas ou primeiros pródromos de uma doença, ou chega «hI., Paris, Alcau, 1923, pag. 465.
já, a partir daí, a deduzir êle mesmo a manifestação de uma
238 A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - XI 239

“A” se entrevista com “B” para discutir uma futura Sabemos já (em alguns dos exemplos recentemente ci­
associação comercial. Pica muito favoràvelmente impressio­ tados temos uma confirmação), que o inconsciente dramatiza
nado c decide tomar a “B” como sócio. Aquela noite tem com freqüência suas mensagens e que tem uma grande capaci­
o seguinte sonho: “Vejo “B” no escritório, repassando os dade de dedução, um grande talento. Isto nos leva a uma
livros e examinando os números para ocultar um desfalque das mais interessantes explicações da aparente precognição.
que tinha dado, como desvio de grande quantia”. Acorda, e Em muitos casos, “predizer” significa só inferir incons­
como está acostumado a prestar atenção >aos sonhos espe­ cientemente o acontecimento futuro baseando-se no conheci­
ciais, fica um pouco intrigado. Depois pensa que muitos so­ mento do presente. “Predizer” é expôr a conseqüência dum
nhos são a expressão de nossos desejos irracionais segundo raciocínio inconsciente mais ou menos complicado.
algumas teorias. O sonho, pensa, só indica o seu próprio
caráter propenso à concorrêtncia com matizes de hostilidade. Ê por isso que nos livros de hipnotismo, por exemplo,
Tenta convencer-se de que isso e nada mais ó que o levou previne-se freqüentemente o experimentador contra o que
a pensar mal de seui sócio. E rejeita o seu sonho irracional. pode parecer precognição autêntica não o sendo 4 *.
Noutras ocasiões, em sonhos e acordado, sente suspeitas As precognições aparentes mais propícias a superstições
semelhantes. Rejeita-os de nõvo como irracionais; seu sócio, ou falsas interpretações são as que se referem aos efeitos
tudo o demonstra, é um modêlo de probidade. Assim, com que chamamos fortuitos. Prever uma morte como resultado
repetidos sonhos e suspeitas de desfalque e de emenda nos de uma doença oculta admite-se com mais facilidade como
livros, vão passando os anos. Até que, por fim, um dia des­ fenômeno meramente natural; mas prever um acidente de
cobre que “B” tinha desviado realmente enormes quantidades automóvel, por exemplo, resulta mais inexplicável, por acre­
de dinheiro c que tinha ocultado a malversação com falsos ditar-se que o inconsciente não pode ter dados para suspeitar
assentos nos livros de contas. o que é casual, inesperado, repentino. Mas na realidade nem
tudo o que chamamos fortuito é complctamente fortuito.
A análise clínica dos sonhos o associações do incons­
ciente de “A” demonstrou que o inconsciente tinha percebido, LAPLACE afirmou no seu “Essai analitique sur les
já no primeiro encontro, facetas suspeitas no caráter de “B”, probabilités”: “se houvesse uma inteligência que pudesse
mas no consciente não só desaparecia esta impressão desfavo­ conhecer todas as forças de que a natureza está anima­
rável, mas aparecia totalmente o contrário. No decorrer dos da e a situação respectiva dos seres que a compõem, se
anos, no convívio contínuo com o sócio, foi manifestando-se por outra parte essa inteligência fôsse suficientemente capaz
em freqüentes avisos a hiperestesia indireta do pensamento 3. para submeter todos êstes dados a análise. . ., nada haveria
de incerto para ela, o porvir como o passado estariam abertos
Compreende-se que a hiperestesia indireta do pensa­ ao seu olhar”.
mento, ao menos uma hiperestesia inconsciente, pode ser
uma das mais importantes causas de aparentes precognições. Prescindindo do evidente exagêro desta afirmação, o cer­
to é que as causas inteiramente livres e sucessos inteiramente
O talento do inconsciente imprevisíveis são em muito menor número do que suspeitamos.
Por conseguinte, quem conhecesse todos os matizes dos carac­
É evidente que poderíamos também falar em “talento do teres, inclinações, hábitos, quem conhecesse perfeitamente
consciente” mas neste caso ninguém cairia no êrro de pensar toda a Física, a Mecânica, etc., até o último detalhe, saberia
que se tratara de precognição autêntica.
4 — Cfr., por ex., JAGOT, Paul Clément: “Méthode moderne scien-
3 — FROMM, E.: “The forgotten language”. Usamos a tradução tifique de Magnétisme, Hipnotisme, Suggestion”, Paris, Editions Dan-
espanhola de: CAL.ÉS. Mario: “El lenguaje olvidado. Interpretación gles, s. d. Tradução espanhola: “Magnetismo, Hipnotismo, Sugestión”,
de los suenos, mitos y cuentos de hadas”, Buenos Aires, Hachette, 1957, Barcelona, Ibéria, s- d. Nós citamos da tradução portuguesa: “Magne­
pág. 45. tismo, Hipnotismo, Sugestão”, São Paulo, Mestre Jou, s. d., pág. 45.
A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - II 241
240

quase com certeza como procederia em determinadas circuns­ Existia de fato tal Gênio, que avisava a SÓCRATES do
tâncias cada causa livre ou determinaria a possibilidade de que aconteceria? Evidentemente que não. SÓCRATES, da­
cada acontecimento casual. dos os escassos conhecimentos da época, não sabendo a
que atribuir os resultados das rápidas elucubrações do seu
Mas, para que haja precognições aparentes, não se pre­ inconsciente, acreditou que eram revelações dum Gênio,
cisa conhecer tudo. O inconsciente, porém, conhece muito, duma divindade.. .
pois não esquece nada do que consciente ou inconscicntemen-
te, normal, extraordinária ou paranormalmente penetrou no No caso de TíMARCO, não era especialmente difícil
seu “fichário”. compreender o processo: era a primeira vez que TI-
MARCO tentava cometer um crime. Em consequência,
Em determinadas circunstâncias pode o inconsciente pouco dono de si mesmo, indicava com a agitação ex­
manejar inumeráveis dados desse “fichário”, combiná-los, terior a turbação do seu coração. SÓCRATES passava por
analisá-los e dar-nos uma dedução “insuspeitada” em forma um esperto fisionomista, estava acostumado a observar pro­
do empolgante mas só aparente precognição. fundamente os acontecimentos e os homens. Um conviva
Na história vemos prestigiosos casos de intuição, de que se levanta da mesa contra todas as normas de cortesia
precognição, que são apenas deduções inconscientes. e com a agitação refletida no rosto, não podia passar desper­
cebido a SÓCRATES.
Conta CÍCERO 5 que, depois da batalha de Dolos, SÓ­
CRATES e LAQUES fugiram através dos campos com al­ Apesar da facilidade com que PLUTARCO aceita tudo
guns soldados. Chorudos a uma encruzilhada, SÓCRATES o que é maravilhoso, não pode deixar de reconhecer, no livro
disso de reponte: “Não devemos continuar polo caminho que escreveu sobre o Gênio familiar de SÓCRATES 6, que não
deste lado; meu (íénio familiar me anuncia que por ai pa­ havia no caso mais do que uma clara penetração, profun­
deceremos alguma desgraça. LAQUES e alguns outros se­ do conhecimento dos homens, inteligência absolutamente ex­
guiram o conselho do “(íénio" que SÓCRATES acreditava traordinária. XENOFONTE 7 8 e mesmo o discípulo predileto
Jxeqiiontomonte ouvir. Os que seguiram pelo caminho oposto de SÓCRATES, PLATÃO a, estão de acordo. Ê curioso cons­
foram Jogo massacrados pela cavalaria inimiga. tatar como descrevem o inconsciente, tantos séculos antes
Noutra ocasião, estava SO( Mi ATES jantando num ban­ de FREUD, embora não empregassem, claro está, a palavra
quete com TíMARCO. Ora, TÍMARCO, de acordo com FI- “inconsciente”.
LEMON, pensava em assassinar aquela mesma noite um Não é fácil que uma mesma pessoa tenha, com tanta
inimigo seu. O jantar prolongou-se bastante: chegou a hora freqüência como SÓCRATES, aparentes precognições e es­
marcada. TíMARCO levantou-se, rogando aos convivas que pecialmente tão empolgantes e difíceis ao ponto de induzi-la
o desculpassem pois tinha que ausentar-se. SÓCRATES se a pensar que está sendo assistida por um Gênio (!).
interpôs, alegando que seu “Gênio” (anunciava uma desgraça.
Talentos como o de SÓCRATES só uma vez em vá­
Pouco depois TíMARCO tentou de novo sair. De nôvo SÓ­
CRATES o impediu. Por fim TíMARCO burlou a vigilância
rios séculos aparecem no mundo.
de SÓCRATES, saindo sem ser percebido. Desta vez, o “Gê­ Não obstante, aparentes precognições isoladas, menos
nio” não avisou SÓCRATES da saída de TíMARCO. . . “inexplicáveis”, podem ser relativamente freqüentes em de­
Presos antes de realizar o crime, tanto TíMARCO como terminadas pessoas. Uma ou duas dar-se-ão fàcilmente em
FILiEMON foram condenados à morte por cicuta. TíMARCO, quase tôdas as pessoas...
antes de bebê-la, lamentava não ter obedecido ao “Gênio” de
SÓCRATES. . . 6 — PLUTARCO: “Vida de grandes homens”, XX: “Sôbre o
Gênio de Sócrates”.
7 — XENOFONTE: “Apologia de Sócrates”.
5 CÍCERO, Marco Tulio: “Opera onmia”, tomo XIII: “De di-
vinatioiié" (dividido em dois livros ou partes), Edie. Taiu\, 1831. 8 — PLATÀO: “Theageto”.
242 A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇÕES - II 243

Ê evidente que no caso de SÓCRATES não podemos ex­ esperanças. Todos os prognósticos da França se dividiam
cluir esporadicamente algumas precognições devidas não só entre os deputados BRISSON e DUPUY. Depois das aulas
ao talento do inconsciente mas também à hiperestesia, etc., os quatro estudantes brincando com as pretensões de profeta
e inclusive a algum fenômeno paranormal isolado... de GALLET entraram no café para esperar o resultado das
eleições. Qual não foi a surpresa quando chegou a notícia!
Possibilidades de outras causas
De 485 deputados votantes, 4*1 (número exato anunciado
Está dito tudo a irespeito das precognições aparentes? por GALLET) tinham votado no Sr. CASIMIR-PERIER
Para muitos metapsíquicos, sim. Escreve, por exemplo, contra todas as esperanças.
o Dr. CRASSET: “não pode haver pressentimentos su­ RICHET vê nestes casos uma verdadeira precognição da
periores aos baseados nos raciocínios inconscientes mais ou publicação da notícia, “incontestavelmente um dos mais belos
menos complicados. Nenhum caso publicado sob o nome de casos que possuímos” n.
adivinhação ou profecia 9 me parece capaz de contradizer este
asserto’'10. Mas, GALLET tinha sido possuído pela idéia do triunfo
Nos tempos de GRASSET ainda não tinha avançado do deputado CASIMIR-PERIER com o número exato de
suficientemente a investigação psíquica... Hoje, a Para­ votos às 11 da manhã do dia 27 de junho de 1894. Nesse mo­
psicologia tem demonstrado a existência de PG, faculdade mento já estavam bem definidas no Parlamento as tendên­
que nos tempos de GRASSET, ele e muitos outros ainda não cias dos deputados. Portanto, é permitido diagnosticar o
admitiam. A faculdade PSI-GAMMA não poderá explicar caso como dc simulcognição.
casos “superiores aos baseados nos raciocínios inconscien­ O caso de GALLET se realizou durante a vigília, o que
tes?”. o faz muito mais notável. Durante o sonho, ou qualquer
outro estado de maior inconsciência, os casos são mais fre-
Síimdcognição paranormal qüentes e podem alcançar detalhes mais importantes.
O jovem GALLET, estudante dc Medicina em Lião, pre­ E?s outro exemplo, tradicionalmente catalogado como
parava no seu quarto os exames de doutorado. Eram onze precognição autêntica (a nosso ver erradamente) e que se
da manhã. Dc repente, sentiu-se obscsionado por um pensa­ tornou muito célebre, pelas personagens que nêle intervieram.
mento que lhe impedia estudar. O Exmo. Sr. Joscph dc LENYI, Bispo de Grossvarden,
Era dia de eleições no Parlamento francês. GALLET sonha uma manhã que vê sobre a mesa de trabalho uma
quis rejeitar o pensamento que o assaltou c continuar estu­ carta com bordas pretas em sinal de luto, com o timbre do
dando. Impossível. Surpreendido pela insistência e fôrça do Arquiduquc ALBERTO, de quem o senhor Bispo tinha sido
pensamento que o perturbava, escreveu no seu caderno de professor dc húngaro. No sonho o Bispo crê abrir a carta e
notas de Anatomia: “O Sr. CASIMIR-PERIER 6 eleito Pre­ ver desenhada uma rua, da qual parte um pequeno desvio.
sidente da República por 451 votos”. Mostrou, intricado, o Vê ainda o Arquidtique, sentado com a esposa num automó­
escrito ao colega, VARAY, que estudava no mesmo aposen­ vel. Um general os acompanha, e na frente, junto com o
to. Depois do almôço, foi à aula da Universidade. No cami­ chofer, um oficial. Ao redor do automóvel, uma multidão
nho encontrou dois colegas, BOUCHER e DELORME, que enorme.
se riram: a candidatura de CASIMIR-PERIER não tinha De repente saem dentre a multidão dois jovens que dis­
param sobre as altezas imperiais.
9 _ Sem nos referirmos às profecias bíbMcas e semelhantes que O Bispo não vê mais o episódio, mas sonha que a carta
são manifestamente de outra ordem. Expressamente GRASSET faz está redigida nos seguintes termos: “Eminência, querido
esta ressalva.
10 — GRASSET, X, o.c., pág. 331. 11 — RICHET, Charles, o. c., págs. 495 s.
244 A FACE OCULTA DA MENTE
PSEUDO-PRECOGNIÇOES - II 245
sr. DENYI: Comunico-vos que acabo de ser vítima com mi­
nha espôsa dum crime político em Sarajevo. Encomendamo- A retrocognição
nos às vossas orações. Sarajevo, 2 de junho de 1914, às qua­ Consideramos a retrocognição como classificação prá­
tro horas da manha". Neste momento acorda impressionado tica. Mais ainda, englobamos neste item todo o conhecimento
s senhor Bispo. Ainda não eram quatro e meia. atual de “profecia” feita anteriormente. Além da retrocog­
Tomou êle, então, a louvável precaução, em proveito nição, incluímos, pois, também a pantomnésia ou lembrança
da ciência, de escrever todos os dados e detalhes do seu arquivada do conhecimento anterior da “profecia” mesmo se
sonho, reproduzindo até, o melhor possível, a 1 orai a das le­ esta “profecia” foi conhecida apenas inconsciente e para-
tras que lhe haviam aparecido na carta que sonhou como normalmente.
recebidas do Arquiduque. Às vezes, o mecanismo psicológico não aparece claro à
Quando, às seis da manhã, chega o empregado, encontra primeira vista, mas um estudo experimentado pode mostrá-lo
o senhor Bispo tremendo e rezando o têrço. O Bispo manda com facilidade. Para expormos com mais clareza a possível
chamar sua mãe e um hóspede e conta-lhes o estranho sonho. influência da “retrocognição”, escolhemos de propósito um
Durante o dia recebe um telegrama referindo o atentado. exemplo no qual o fundamento são precisamente certos acon­
tecimentos anteriores, conservados por pantomnésia incons­
Todos estes detalhes foram escritos pelo próprio Bispo ciente.
numa carta que escreveu a seu irmão, o padre jesuíta Eduar­
Um jovem sonha que vê de certa altura numerosas cúpu-
do LENYI, que os publicou.
Jas de uma cidade, tendo a sensação nítida de que é Kicv.
O Dr. GRABINSKI investigou todos os detalhes apon­ Ao mesmo tempo tem a sensação de uma presença feminina
tados confirmando-os todos 12. Monsenhor LENYI sonhou atrás de si. Naquele tempo, êle não tinha a menor idéia de
que dois jovens disparavam contra os arquiduques. Na reali­ que poderia ir à Rússia.
dade foram lançadas duas bombas de pequena potência. Mes­ Alguns anos mais tarde, um dos seus antigos colegas
mo assim, o caso é admirável e perfeitamente autenticado. começa o estudo da língua russa para seguir a carreira di­
Como se sabe, este frustrado atentado c outro fatal pouco plomática e fala da Rússia ao jovem de modo que êle logo
depois deram origem à Primeira Guerra Mundial. se interessa por êste país. Decidem ir lá juntos durante as
Precognição da carta que haveria de receber como é tra­ férias. Dá, visitam diferentes cidades e chegam a Moscou.
dicionalmente interpretado? Penso que esta interpretação é Em Moscou se desentendem e decidem continuar viagem se­
arriscada demais. Os detalhes todos garantem com evidência paradamente. Enquanto um dêles se dirige para Nijni-Nov-
que se trata duma simulcognição telepática: Monsenhor LE- gorod, o outro desce para Kiev.
NYI capta todo o pensamento do arquiduque quando êste es­ Há já alguns dias que o jovem está em Kiev quando,
crevia a carta, inclusive a angústia ou lembrança da cena do vendo de um lugar alto o panorama da cidade, tem a im­
atentado e não só o breve comunicado, até o dado de dois jo­ pressão de reconhecer seu sonho. Constata então que desde
vens disparando simultâneamente, que era provavelmente a sua chegada a Kiev se fêz acompanhar por uma jovem,
erro do mesmo arquiduque que não percebera bem os fatos. irmã de um colega de estudo, e que se encontrou sozinho
O envelope de bordas pretas pode ser dramatização incons­ no resto do tempo.
ciente por parte do arcebispo do perigo que houve de morte.
Esta explicação da precognição por meio da simulcog­ O sonho pareceria precognição, pareceria conhecimen­
nição é muito frequente nos casos em que se deva exigir to direto de um futuro sem nenhuma ligação com o presente,
uma explicação paranormal. pôsto que foi tido quando nem se pensava em viagem à Rús­
sia e menos ainda em panoramas com numerosas e caracte­
12 Tsychische Studien", 1918, XLIV, págs. 324 e 465. rísticas cúpulas de igirejas e ainda o caso da jovem que o
acompanha e que agora está atrás dele.
0870131630 ^

246 A FACE OCULTA DA MENTE PSEUDO-PRECOGNIÇOES - II 247

Mas uma análise clínica foi feita do caso, aparecendo o cognição propriamente tal, deve insistir (como veremos) em
seguinte: O jovem apaixonara-se na sua infância por um prognósticos de acontecimentos mecânicos, de seres inani­
romance intitulado “As Aventuras Extraordinárias de um mados que não poderiam inverter o processo.
Sábio Russo”, adornado com numerosos desenhos de cúpulas,
Outro caminho seria experimentar com um tipo de acon­
e de fotografias da heroína, uma jovem. Êste romance foi a
sua primeira leitura e lembrou-se dessa leitura com insis­ tecimento em que interviessem muitas pessoas... A com­
tência durante vários anos. Averiguou-se também que o jo­ plexidade e multidão independente evitaria a influência do
vem, na sua infância, fôra colecionador de selos e que rece­ prognóstico, mas êste caminho, como se compreende, seria
bera uma dessas estampilhas de correio carimbada em Kiev sumamente lento, difícil para a investigação, para o contro­
como presente de uma jovem com a qual êle brincava algu­ le, etc.
mas vezes e que era naquele momento sua melhor amiga.
Todos estes fatos explicam porque êle tivera aquêle sonho. Em conclusão
Assim se compreende como a representação mental de Como se vê, as explicações “normais” e parapsicológicas
Kiev tinha para êle uma grande importância emotiva em que tomam a pirecognição apenas aparente, são muitas. E
conexão com uma figura feminina. Compreende-se também estamos longe de haver enumerado tôdas as explicações pos­
porque se deixou impressionar logo pela idéia de viajar à síveis. Os fenômenos parapsicológicos de efeitos mistos e
Rússia. Compreende-se porque preferiu separar-se de seu físicos, de que não falamos neste livro, também poderiam ser
colega para ver Kiev que lhe interessava mais por impulso aduzidos aqui como explicações de muitas pseudo-precogni-
inconsciente do que Niini-Novgorod. Compreende-se porque ções.
no seu passeio pela cidade procurou um alto do qual pudesse
ver o conjunto das cúpulas das igrejas. Um impulso incons­ Os melhores e mais equilibrados autores na época da Me-
ciente igualmentc o levou a procurar a companhia da jovem tapsíquica achavam que o homem só era capaz de pseudo-
cujo endereço conhecia e sem a qual poderia ter realizado precogniçõcs, nunca de precognições autênticas. Em conse­
seu turismo perfeitamente. Quanto ao reconhecimento dos quência, a Metapsíquica, a que sc devem as melhores c mais
lugares, o mesmo jovem assegurou depois destas comprova­ abundantes coleções de “precognições”, nunca, como veremos,
ções que só era uma semelhança de conjunto 13. tratou de experimentar a prccognição verdadeira. Assim, o
A viagem, pois, procedera, como o sonho, das mesmas im­ Dr. GRASSET, por exemplo, concluía: “Creio poder dizer que
pressões arquivadas no inconsciente desde a infância. o dom da adivinhação ou profecia não tem sido cientifica­
É da máxima importância êste fator, que explica muitas mente estabelecido em ninguém, deixando de lado o sobre­
aparentes precognições; como se vê, será sempre muito natural; e isto é verdade para todos os estados de transe,
difícil determinar se tal ou qual proceder de uma pessoa, de hipnose, etc. Nem o hipnotismo, nem o sonambulismo,
proceder que tenha sido prognosticado, não foi na realidade nem a mediunidade desenvolvem ou fazem nascer esta fa­
resultado de uma iretrocognição ou da lembrança, ao menos culdade em ninguém” 14.
inconsciente, da “profecia” a respeito, mesmo que a “profe­
cia” tivesse sido conhecida só paranormal e inconscientemente. A enumeração de causas de aparente precognição não
prova precisamente que seja impossível a precognição ver­
Prognosticou-se porque anos depois haveria de realizar- dadeira, mas únicamente que, se não se demonstrar o con­
se, ou se realizou por que anos antes tinha-se prognosticado? trário, os casos devem ser interpretados como pseudo-pre-
Por essa razão a experimentação parapsicológica da pre-
cognições.
13 — ALLENDY, René: “Le probléme de la destinée”, Paris, Galli-
mard, 1927, págs. 150 ss. 14 — GRASSET, J., o.c., pág. 333.
iiijillliilillji jjiiiijii

248 A FACE OCULTA DA MENTE

Por conseguinte, a negação por parte de muitos até da


possibilidade de existir a precognição verdadeira, natural,
não deve impedir (e de fato não impediu) a investigação.
Temos afirmado que muitas precognições são só apa­
rentes; não negamos que possa existir no homem a precog­
nição verdadeira. O que de fato já se provou, ou não, a
respeito da precognição verdadeira pertence aos próximos
capítulos.
Rrecogn içao 18
CONHECIMENTO DIRETO DO FUTURO

São muitas as explicações parapsicológicas A tragédia do “Titanic” estava prognos­


de aparentes precognições. ticada. — Empolgantes profecias de NOS-
TRADAMUS. — Tocando numa cadeira, sa-
Citamos algumas, talvez as principais:
be-se quem se sentará nela. — Um sábio in­
hiperestesia direta, autoscopia e heteroscopia, hi-
glês demonstra irrefutavelmente o poder
perestesia indireta do pensamento, talento do
profético do homem. — Na Universidade
inconsciente, pantomnésia, simulcognição para-
realizam,-se milhares de experiências e se
normal, rctrocognição. ..
comprova que o nosso inconsciente é profeta.
Tenda presentes também as causas “nor­
mais” vistas no capítulo anterior e possíveis cau­
sas de efeitos mistos e físicos, compreender-se-á DEFINIÇÃO de precognição formulada por RICHET
* *• em 1921 e geralmente repetida por parapsicólogos
que, excluir num caso concreto todas as causas e metapsíquicos parece-nos suscetível de aperfeiçoamento.
de aparente precognição, é sumamente difícil. RICHET disse: “Precognição é a indicação, pelo sujeito,
Mas, com isso, não negamos a possibilidade dum fato que ainda não se realizou e que nenhuma sagaci­
da verdadeira precognição como faculdade hu­ dade, nenhuma perspicácia permitia prever” h
mana, faciddade que, como vimos, seria em todo Na definição tradicional não se excluem claramente
caso de manifestação muito rara. muitos casos de precognição aparente. Por exemplo, quando
o metagnomo prognostica o futuro apesar de não conhecê-
lo direta e paranormalmente, e depois provoca o fato
prognosticado, mesmo paranormal e inconscientemente.
Precognição, no sentido estrito, é o conhecimento direto
do futuro.

i - RICHET, Charles, em “Revue Metapsychique”, 1921, I,


pág. 20.
250 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇAO 251

A preeognição espontânea de sucessos emotivos Pois bem, já desde o dia 23 do mês anterior, o Sr. J. O"
CONNOR tinha reserva de passagem para si e família nesta
Chamamos espontâneos àqueles casos de preeognição viagem. Mas, uns dez dias antes da data assinalada para a
realizados fora dos laboratórios de Parapsicologia. Nos saída do navio, 0”C0NN0R sonhou que “via o navio com a
últimos anos tem-se reconhecido milhares de casos espontâ­ quilha ao ar e a bagagem e os passageiros flutuando ao
neos de conhecimento paranormal do futuro 2 * * *. redor”.
Evidentemente, muitos dêstes casos não resistem a uma Entretanto, 0’CONNOR, para não assustar seus fa­
análise séria; como vimos no capítulo anterior, não são pre- miliares e amigos, não contou nada aos mesmos. Ora, o
cognições estritas. Mas outros casos espontâneos parecem, sonho se repetiu na noite seguinte. Ainda assim, 0’CONNOR
quando menos, sugestivos em prol da preeognição autêntica. E ocultou-o. Tendo, então, recebido notícias da América de
assim como sempre houve adversários da preeognição, assim que poderia retardar sua viagem porque não era urgente,
houve também sempre, em todos os povos e épocas, a crença decidiu prestar ouvido ao sonho e mandou cancelar sua re­
na preeognição. serva no “Titanie”. Somente então contou o sonho a seus
amigos, como explicação de porque não viajava. Não queria
Tragédia correr riscos, uma vez que a viagem não era urgente 3.
As tragédias ou mortes coletivas, naturalmente são O caso foi referido pelo próprio protagonista â S. P. R.
mais emotivas em geral do que as mortes particulares e, pelo de Londres. Além disso, enviaram à mesma sociedade seu
mesmo motivo, desequilibram mais, facilitando a manifesta­ testemunho em carta assinada, três dos amigos a quem
ção da preeognição. O’ CONNOR contou, uma semana antes da partida do na­
Como 6 sabido dc todos, o famoso navio “Titanie” nau­ vio, os sonhos que tivera. CVCONNOR apresentou, aliás,
fragou trágicamente, na noite de 14 para 15 de abril do 1912. como comprovantes, os passaportes e a reserva de pas­
sagens.
2 —-A principal coleção de casos espontâneos dc preeognição é
formada pelos casos recolhidos e comprovados pela “Society for Fsy- Terremoto
chical Research” (S.P.R.) dc Londres e pela “sucursal” americana,
embora nestas coleções nfio se recolham só casos de preeognição mas Os notáveis casos de prognósticos de tremor de terra
cm geral de qualquer tipo de PSI-GAMMA. Veja-se GURNEY, MYERS com freqüência poderão explicar-se por hiperestesia. Há
e PODMORE: “Phantasms of the Living”, Londres, Trubner, 1891, dois
volumes. Existe tradução francesa, mais divulgada, abreviada por: alguns casos, porém, que “sugerem” a existência da pre-
MARILLIER: “Les allucinations télépathiques”, Paris, Alcan, 1891. cognição. É famoso e bem comprovado o caso do Sr. LUS-
Essa magnífica coleção da S.P.R., está continuamente comnletan- TENEU, um gentil-homem francês.
do-se nas publicações periódicas da Sociedade: “PROCEEDINGS of
the Society por Psychical Research” e “JOURNAL of the Society for Anunciou LUSTENEU a Lady Esther STANHOPE, em
Psychical Research”, assim como nos correspondentes americanos: 1882, uma catástrofe sísmica em Alep e Antióquia. Pouco
“PROCEEDINGS of the American Society for Psychical Research” depois, em Alep, num banquete, o Sr. BARKER brincava
e “JOURNAL of the American Society for Psychical Research”. com os senhores WOLFF, LESSEPS e MASEYK, cônsul da
Há também coleções de grande riqueza de autores que têm reco­ Dinamarca, a propósito de uma carta em que Lady STA­
lhido exclusivamente casos de preeognição:
NHOPE pedia ao Sr. BARKER que não fôsse a Alep porque
SALTMARSH, H. F.: “Foreknowledge”, Londres, Bell, 1938.
estava próxima a destruição da cidade. Todos riram. Alguns
ZORAB, G.: “Proscopie Het Rassel der Tockmst”, Haia, Leo-
pold, 1853. dias depois, um terrível terremoto destruía Alep e Antió-
BOZZANO, Ernesto: “Dei fenomeni premonitori”, Roma, 1914.
Trad. franc.: “Des phénoménes prémonitoires”, Paris, A.S.P. (Annales 3 — “Journal of Society for Psychical Research”, 1912, XV,
des Sciences Psychiques), 1914. págs. 265-268. ........ L—ikU
252 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇAO 253

quia, causando 60 000 mortes. O Sr. BARKER salvou a vida gar: “As premonições acidentais são mais interessantes; são,
quase milagrosamente 4. em geral, mais notáveis e também mais numerosas do que as
Uma dama da aristocracia romana, no dia 2 de dezem­ premonições experimentais... Chamo acidentais as premo­
bro de 1909 anunciou que viu em sonhos a cidade de Messina nições que se dão em sujeitos normais sem que haja tenta­
sacudida por um tremor de terra com invasão do mar, e que tiva nenhuma de experimentação” 7 8.
tinha sentido que este cataclismo teria lugar no dia 8, 18 As precognições espontâneas costumam, porém, dar-se
ou 28 do mesmo mês, sem que pudesse lembrar-se qual des­ em circunstâncias especiais, como durante o sono natural,
tas datas exatamente era a sonhada. Escreveu a êsse res­ ou em delírios causados pela febre, etc.
peito uma carta ao rei da Italia pedindo-lhe que tomasse
providências. O Dr. SANTI, contemporâneo que refere o Analisando as coleções de precognições espontâneas,
caso afirma que tomou a precaução de corroborar o de­ constata-se também, de imediato, que a preeognição é mais
talhe da carta escrita “ante eventum”. Pois bem, Messina foi fácil (ou menos difícil) e mais freqüente (ou menos rara)
destruída por um terremoto no dia 28 de dezembro 5. com referência a acontecimentos fortemente emocionantes:
terremotos, suicídios, duelos, mortes, acidentes, ou impres­
Concedemos que muitos casos de tremor de terra se sionantes em sentido inverso: coroações de reis, bodas faus­
tem prognosticado e não se realizaram. .. Mas os deta­ tosas, vitórias após duras guerras. Os sucessos menos emo­
lhes concretos de lugar e data não terão sido suficiente- cionantes não conseguem desequilibrar a qualquer “adivi-
mente significativos? nho” para permitir que se manifeste PSI-GAMMA precog-
nitiva. .. Contudo, há prognósticos detalhados de sucessos
Preeognição espontânea de indiferentes, de acontecimentos intranscendentes ou de pouca
acontecimentos ín transcendentes importância. E é precisamente a pouca importância do
prognosticado o que dá enorme importância ao prognóstico.
Em primeiro lugar, damos ao termo “espontânea” todo
o sou possível alcance. Corre entre o grande público a idéia Por exemplo, a senhora Z. sonha que está no par­
de que é no espiritismo ou em sessões de adivinhação, qui­ que Richmond com a irmã. Lá, sôbre uma cadeira, en­
romancia, etc., que se dão com mais frequência e precisão contram um medalhão de alfinete, de adorno, que de­
as precognições (ao menos apairentcs). Isto é falso. pois a sra. Z. dá à sua camareira. Ao amanhecer ela conta
Os casos mais empolgantes c freqüentes são espontâneos. a outrem seu sonho. Horas depois, esquecida já, vai ao par­
E não só por serem de fora do laboratório (neste sentido se que Richmond. E encontra na cadeira em que vai sentar-se
toma a expressão ‘'casos espontâneos” em Parapsicologia), um grande medalhão de alfinete igual ao que sonharas.
mas também por surgirem completamente de improviso. Não Como se compreenderá, o mais significativo dêste caso
é o homem que vai à procura da preeognição, é a precogni- é precisamente a insignificância do que se prevê. Será sim­
ção que encontra o homem e o surpreende. ples simulcognição do medalhão já abandonado no banco?
O próprio RICHET, o pai da Metapsíquica, que tanto A senhora Z. seria levada ao parque por um impulso in­
apreciava a experimentação com “sujeitos” em “transe es­ consciente? Mas como explicar então que o inconsciente
pírita” (embora rejeitasse o espiritismo), afirmava: “As soubesse que ninguém encontraria antes do que ela o me­
premonições na hipnose e no espiritismo são menos freqüen­ dalhão? Ao menos é um caso “sugestivo”.
tes que as premonições casuais” 6. E acrescenta em outro lu-
6 — RICHET, Charles: “Trate de Métapsychique”, 2.a ed., Paris,
Alcan, 1923, pág. 467.
4 _ HOWITT, William: “History of the supernatural”, tomo II, 7 — RICHET, Charles: “ T r a i t é . . . o . c., pág. 481.
pág. 26.
8 — RICHET, Charles: “Traité...”, o. c., pág. 515.
5 — BOZZANO, Ernesto, o. c., caso CCCXXXV.
254 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 255

Também sonhando, a senhora JOHNSON vê-se saindo PG prescinde dos obstáculos, mesmo das montanhas, que
duma loja vazia com sensação de encontrar-se num país possam estar diante ou sobre o objeto; PG prescinde da dis­
estrangeiro. Diante dela vê-se um enorme chapéu de palha­ tância, ao menos dentro do nosso planêta, mesmo tratando-se
ç o . . . A senhora JOHNSON sabe que é especialmente “do­ de milhares de quilômetros; para PG dois, três atos, é igual
tada”, tendo o costume recomendável (do ponto de vista do que um só ato, i. é, é simples, sem partes; PG é extra -
científico, mas em certos casos perigoso para a saúde) de sensorial, etc. Numa palavra, PG é uma faculdade espiritual,
anotar todos os seus sonhos, algo estranhos. segundo opinião unânime dos parapsicólogos de hoje (embora
Pois bem, algum tempo depois a Sra. JOHNSON parte nós, neste livro, não nos tenhamos detido a demonstrar di­
inopinadamente em viagem para a Riviera. Lá entra na loja retamente este aspecto). O tempo, pelo contrário, é ma­
de um florista. Fica surpreendida: aquela loja é conhecida terial. . . PG, por conseguinte, “deve” prescindir do tempo.
para ela, apesar de nunca ter estado lá. De repente entra Claro está que são necessárias certas condições para
um senhor — era carnaval — que se inclina diante dela em eme os casos espontâneos de precognição tenham alguma
grotesca reverência: sobre a cabeça o chapéu vermelho de fôrça científica. Assinalamos três cond:ções principais: os
palhaço. Antes da entrada do bufão a loja estava vazia. Só casos devem sor analisados por especialistas, bem compro­
então a Sra. JOHNSON lembrou o sonho que tinha anotado, vados e suficientemente numerosos.
cujas detalhes tinham-se realizado todos *>. “Analisados por especialistas”, para não se confundirem
os casos que seriam de precognição psigâmica com casos de
Detalhes, como se vê, complefamcnte intranscendontes. outras faculdades não propriamente precognitivas.
Poderíamos multiplicar os exemplos dc semelhantes casos “Bem comprovados”, isto c, referidos por pessoas dig­
om sonhos. Prccognição autêntica? nas de créd;to, registrados preferentemente por escrito e
“ante eventum”, referidos pelos mesmos protagonistas ou
O valor dos casos espontâneos testemunhas, etc. Muitos casos dos que se referem nas co­
Evidentemente, contra todos os casos espontâneos pode- leções científicas foram, aliás, comprovados “policialmente”
sc objetar que entre a imensa quantidade dc prognósticos especialmente por membros da “Society for Psychical Re­
é impossível que algum não se realize: é impossível errar search”.
sempre. Seria proeso demonstrar cientificam ente que não E, por fim, “suficientemente numerosos”: em outras
cabem outras explicações. . . matérias poucos casos podem ser suficientes, não em Para­
psicologia, onde são tantas e tão graves as dificuldades de
Uma coisa, porém, é certa. Têm-se recolhido milhares observação e análise. Quando citamos um exemplo, é mesmo
de casos espontâneos. Muitos dêles foram controlados, di­ um exemplo entre muitos que se poderiam citar. O valor
ríamos policialmente, por especialistas na observação do principal não reside no exemplo concreto, mas no fato de
paranormal. .. Há casos que não “parece” possam explicar- representar outros muitos.
se senão por uma faculdade estritamente precognitiva... Só com essas condições têm fôrça científica os ca­
Sempre é necessária uma grande dose de desconfiança sos espontâneos em prol de um aspecto (precogmtivo) de
diante de qualquer suposta faculdade paranormal. Esta uma faculdade já demonstrada cientificamente (PSI-
desconfiança, porém, deve diminuir algo, ou bastante, com GAMMA).
respeito à prccognição. Com efeito, a precognição não seria
mais do que um aspecto de PSI-GAMMA que hoje está cien­ Adivinhos “profissionais”
tífica e absolutamente demonstrada. Esta classe de adivinhação constitui uma classificação
intermediária entre os casos espontâneos e a experimen­
9 — BOZZANO, Ernesto, o. c., caso CXXI. tação. Não são experimentações de laboratório e poderiam
A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO
256 257

catalogar-se entre os casos espontâneos; mas tais adivinhos E, com efeito, houve um duelo singular: em conseqüén-
“profissionais” buscam provocar e controlar as precognições, cia do tratado de Chateau-Cambresis, que q:ôs fim à guerra
o quo seria um tipo dc experimentação. Poderíamos citar mi­ ontre Espanha e França, organizaram-se grandes festas em
lhões de casos. . . Como exemplo, bastará muito pouco. Paris. Houve um grande torneio: uma classe de duelo.
NOSTRADAMUS e GUARICO ganharam ainda em vida. “em champ bellique par singulier duelle.
reputação como adivinhos por acertos empolgantes, corno, Deux classes, une. ..”
por exemplo, o prognóstico da morte de HENRIQUE II que
No torneio, o Rei HENRIQUE II quis lutar contra o
ambos fizeram.
O célebre adivinho GUARICO “predisse-mc — escre­ condestável MONTGOMERY. Segundo os comentaristas, tra­
via, incrédulo, o mesmo Rei — que eu morreria em tava-se dos dois leões indicados por NOSTRADAMUS, o
duelo. Predisse que o Sr. de GUISA seria morto pelas cos­ leão, signo astrológico de França e seu Rei, e o leão herál­
tas e que um coice de cavalo esmagaria a cabeça de DéS- dico da Escócia sob cujo brasão combatia MONTGOMERY,
CARS. O Sr. de GUISA preocupou-se com aquela predição, então lugar-tenente da guarda escocesa na côrte de França.
como se lhe tivesse sido anunciado que era um covarde. “Le lyon jeunne le vieux surmontera.”
DfiSCARS também não íicou satisfeito ao saber que teria
No torneio, MONTGOMERY, o jovem leão, levado por
de morrer de morte tão trágica... Não sei o que ocorrerá
seu ardor juvenil, golpeou com violência a couraça do Rei, o
ao Sr. de GUISA e a DfiSCAUS, mas não parece verdade
leão velho. A arma quebrou c uni estilhaço dc madeira pene­
que eu morra cm duelo. Acabamos de fazer as pazes o*
trou t ela viseira do elmo do Rei, que brilhava como ouro.
Rei da Espanha e eu c embora não as tivéssemos feito,
duvido muito que eu o mandasse chamar como o Rei, meu “dans cage d’or les yeux lui crévera”.
pai, mandou chamar a CARLOS V". Como consequência, morria pouco depois o rei HEN­
RIQUE II.
Além da carta do Rei, tomos como testemunho a pro­ “puis mourir, mort cruelle”.
fecia mesma dc GUARICO, impresa “ante eventum”, em 1552.
O prognóstico realizou-se plenamente, no que se refere São prognósticos detalhados, por escrito, “ante even­
a de GUISA e a DÉSCARS 10. tum”, com sete anos de antecedência o de GUARICO e com
cinco o de NOSTRADAMUS n.
Quanto ao rei HENRIQUE II, quando cm 1555 apare­
ceram as Centúrias de NOSTRADAMUS, cncontrou-se uma NOSTRADAMUS fêz também outro prognóstico em­
quadra que imediatamente foi tomada como confirmação do polgante, completando uma vez mais um de GUARICO.
prognóstico de GUARICO: GUARICO tinha anunciado a Catarina de MftDICIS que
“O jovem leão ao velho tem de vencer seria rainha, quando nada podia dar esperanças a tal prog­
no campo de honra em duelo singular, nóstico, pois o delfim, D. FRANCISCO, gozava de excelente
em gaiola de ouro seus olhos cravará. saúde. O prognóstico se cumpriu, sendo o espôso dc Ca­
Duas classes: uma. Depois a morte, morte cruel.” tarina dc MÊDICIS, HENRIQUE II, filho de FRANCISCO I,
(“Le lyon jeune le vieux surmontera que herdou o trono 12.
en champ bellique par singulier duelle, NOSTRADAMUS anunciou mais: que Catarina não
dans cage d’or les yeux lui crévera. só seria rainha, mas que, além disso, veria feitos reis 11 12
Deux classes, une: puis mourir, mort cruelle.”)
11 — BRANTÔME: “Oevres completes”, Paris, “Societé d’histoire
10 — GARÇON, Maurice, na revista “Histoire”, Paris, Dezem­ de France”, T.V., págs. 387 ss.
bro, 1953. 12 — BRANTÔME: “Oevres...”, o. c., T.V., págs. 291 ss.
258 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 259
todos os seus filhos, menos LUÍS, Duque de Orleans.
E, com efeito, foram reis FRANCISCO II, CARLOS IX, HEN­
ziam alarde da separação entre ciência e religião. No
RIQUE III e o senhor de Alençon, não pròpriamente Rei,
fundo, sem dúvida, porque a precognição seria um argu­
mento poderosíssimo de que há alguma coisa espiritual no
mas senhor absoluto dos Paises Baixos. Além disso, foram
homem, espiritualidade que os materialistas “científicos
rainhas as filhas: ISABEL, casada com FELIPE II da Es­
oficiais” de fins do século passado e começos do presente,
panha em 1559 e MARGARIDA, casada com HENRIQUE de nenhum modo queriam admitir...
de NAVARRA, depois HENRIQUE IV da França. LUÍS,
porém, segundo o prognóstico, nunca foi rei, morrendo muito Mas, fôsse qual fôsse a causa da omissão, o fato é que
jovem D.
a experimentação científica da precognição é uma reali­
dade contemporânea.
Casos semelhantes são bastantes. Poderíamos supor
que os adivinhos “obrigaram” os acontecimentos, tão deta­ Experiências qualitativas
lhados e complicados? Não seria supor demais? O Dr. W. H. C. TENHAEFF, professor de Parapsicolo­
A crítica talvez só fosse lógica com respeito à quadra gia na Universidade de Utrecht, fêz experiências com o me-
de NOSTRADAMUS, que foi aplicada à morte de HENRI­ tagnomo Gcrard CROISET.
QUE II. Poderia ser “mérito” de interpretação, já que O Sr. Gcrard CROISET é um dos mais famosos me-
NOSTRADAMUS não disse que ela se referisse a HENRI­ tagnomos da atualidade. A sua fama nascera com fenô­
QUE II e, de fato, o mais consciencioso e profundo intér­ menos PSI-GAMMA de simulcognição pela técnica chamada
prete moderno aplica esta quadra a Terceira Guerra Mun­ criptestesia pragmática, psicometria parapsicológica, ou
dial que estaria prevista por NOSTRADAMUS (!?) 13 14. melhor, metagnomia táctil, isto é, tomando como pon­
to de inspiração objetos que tenham alguma relação com
A experimentação cie lalxvratório a pessoa sobre a qual versa a “adivinhação”. Em pre­
Apesar de estar já demonstrada PSI-GAMMA, a pre- sença dos objetos, CROISET descreve com alguma fre-
cogmção pelo sou particular aspecto exigia uma experi­ qüência seus “donos” com detalhes particulares: tal pes­
mentação específica. soa é sensível a objetos de lã, perdeu tal dedo da mão es­
querda, tomou recentemente um susto com um carro de bois,
A comissão que estudou e fêz experiências com nume­ tocou recentemente uma sonata de BEETHOVEN num pia­
rosos sujeitos “magnetizados” (hipnotizados), concluiu pela no horrivelmente desafinado. .. As comprovações confirmam
existência da precognição. Mas a Academia de Medicina de as afirmações de CROISET com muito mais freqüência do
Paris rejeitou, como sabemos, as conclusões e negou todo que permite o acaso.
o valor às experiências da comissão!
Pois bem, com êste famoso sujeito, o Dr. TENHAEFF
Os metapsíquicos não experimentaram a precognição. realizou 150 experiências de precognição pelo método cha­
Isto talvez se deva, como opma RHINE 15 *, ao fato de ser mado “cadeira vazia”. Os resultados foram sempre positi­
sempre considerado o problema da precognição como de vos. Eis um exemplo:
âmbito religioso. Isto deteria os metapsíquicos, que fa­
Era o dia 17 de janeiro de 1952. Numa sala de Rotter-
13 _ BRANTôME: “Oevres. .. ”, o. c., T.V., págs. 294 ss.
dam deveria realizar-se uma reunião no dia 20 (três dias
14 — LTOEOTX do la COMBE Cdt.r “La troisiòme guerre mon- depois). Havia 30 lugares. Por acaso se escolheu o número 18
diale. D’aprés les préditions de Nostradamus”, Bordeaux. Imprimerie e se preguntou ao Sr. CROISET quem haveria de sentar-se
Samie, 1961-62, pág. 270. Inclinamo-nos a não aceitar esta interpre­ naquela cadeira. “Depois de alguns instantes, o Sr. CROI-
tação, como ex' oremos no capítulo 19. SET me disse — escreve o mesmo DR. TENHAEFF •—
15 — RHINE, Joseph Banks, pref. e trad. de SUDRE, René:
“La double puissance de Tesprit”, Paris, Payot, 1953, pág. 68. que não recebia nenhuma impressão e pediu que indicasse
260 A FACE OCULTA DA MENTE
PRE COGNIÇÃO 261
outra cadeira. Foi o que fiz. Revelou-me então CROISET
que nesse lugar se sentaria uma senhora com cicatrizes no O Sr. CROISET, pois, não só teria prognosticado quem
rosto, conseqüencia dum acidente automobilístico durante se sentaria em determinada data futura numa cadeira, mas
uma temporada na Itália. Com relação à senhora, lembrou também teria preconhecido, como em segunda etapa, o que
a “Sonata ao luar” (“sonata al chiaro di luna”). no futuro aconteceria com essa pessoa.
No dia 20 de janeiro, às 20,45 horas, verificou-se que Experiências parecidas foram também realizadas pela
dos 28 convidados à reunião só vieram 27 e que precisa­ “Sociedade Argentina de Parapsicologia” 17 18 19. As experiências
mente o assento 18 (no qual CROISET não tinha experi­ dos parapsicólogos argentinos foram realizadas com o per-
mentado reação) ficou desocupado. No outro lugar pelo que ceptivo Conrado CASTTGLIONE, na sala do Teatro Buenos
se perguntara a CROISET sentou-se a senhora dum médico: Aires.
tinha cicatrizes na face, resultado dum acidente de automó­
vel durante as férias na Itália (cicatrizes que a afetavam mui­ Numa experiência concreta sôbre 45 dados obtiveram-se
to). O marido afirmou que, de fato, a “sonata ao luar" in­ 37 acertos. Os detalhes de identificação, em geral, não eram
comodava muito à senhora porque se associava a uma ques­ generalidades aplicáveis a vários.
tão íntima da vida dela i<>. Já antes, na época da Mctapsíquica, o Dr. OSTY reali­
Também o Dr. Hans BENDER, professor do laborató­ zara duas experiências de “cadeira vazia” com o Sr. FOR-
rio de Parapsicologia da Universidade dc Friburgo (Suíça) TUNY. O êxito foi notável V).
fêz experiências semelhantes até um total de 450 com o mes­ Mas, nos primeiros casos referidos, poder-se-ia supor que
mo percipiente. CROISET não conheceu o futuro, senão o presente: as pes­
Com o Dr. BENDER, uma vez o Sr. CROISET deu um soas convidadas. Depois, ainda, cabe supor que, no dia 20,
formidável exemplo de precognição ‘‘em duas etapas”: o inconsciente de CROISET fizesse que algum convidado
Da senhora que se sentaria em determinada data futura (ou êste sugestionado inconsciente e telepaticamente pela
numa cadeira, CROISET afirmou: “A pessoa que se sentará
profecia feita), terminasse por deixar vazia a cadeira 18 e
nesta cadeira fraturou um braço recentcmcnte, porque quan­
pelo mesmo motivo noutra cadeira prevista se sentasse a
do «acompanhava um enterro dum amigo, caiu numa sepul­
espôsa do médico. Esta inversão do processo é sempre ob-
jetável nas experiências que têm por objeto ações humanas.
tura”. As investigações demonstraram ser absohitamente
falsos estes dados. Porém, o fracaso durou apenas 4 dias, Semelhantes explicações caberiam para os outros casos
porque, após êsse tempo, a citada senhora foi realmente ao en­ citados e outras experiências parecidas realizadas nos Es­
terro dum amigo, caiu numa sepultura e quebrou o braço 17. tados Unidos e Inglaterra.

16 — TENHAEFF, W.H.C., em “Tijdschift voor Parapsychologie”, 17 — BENDER. H.: “Parapsychologie, ihre Ergebnisse und Pro-
Haia, 1954. bleme”, Bremen, 1954, págs. 31 ss. Cfr. também a nota anterior.
Estas experiências do Dr. TENHAEFF, juntamente com outras 18 — MUSSO, J. Ricardo: “En los limites de la Psicologia. Des­
idênticas (às quais em seguida aludiremos) dirigidas pelo Dr. BEN­ de el Espiritismo hasta la Parapsicologia”, Buenos Aires, Périplo,
DER, foram relatadas por êiste último no Congresso de Utrecht: “Pre- 1954, págs. 317-320.
cognition in the qualitative experiment”, relação n.° 38. Um resumo 19 — OSTY, Eugène: “Pascal Fortuny”, Paris, Alcan, 1962, págs.
desta relação foi publicado por AMADOU, Robert: “La Science et le 102 e 135.
paranormal. Le I Colloque International de Parapsychologie (Utrecht,
1953). Les Entretiens de Saint-Paul-de-Vence (1954). Comptes rendus* Para observações anteriores: OSTY, Eugène: “La conaissance
et rapports publiés et présentés par Robert Amadou”, Paris, Instituto supranormale” Paris, Alcan. 2.a ed. revisada, 1925.
Met. Int., 1955, pág. 5. sumamente interessante e ilustrativa a excelente análise sôbre
Cfr. também a relação inglêsa do Congresso: OSBORN, Edward, os fenômenos de FORTUNY, embora não se trate sempre de fenômeno
e ZORAB, George, Utrecht, edições da University Royal, 1954. precognitivo, realizada por: MOUTIER, F., em “Revue Métapsychi-
que”, 1935, fevereiro, págs. 138 ss.
764583842651 2482256812608610489^430192437620
58826782 ^

262 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 263

Estas experiências, mormente se reunidas tôdas, impres­ indicadora da carta que haveria de olhar, era guiado in­
sionam certamente, fazem pensar, mas não são totalmente conscientemente por simulcognição do prognóstico dado já
incontestáveis. pelo sujeito. Seria, de nôvo, inversão do processo apesar do
“controle” inanimado.
Experiências quantitativas Esta hipótese, como em casos semelhantes, oferece vá­
rias dificuldades, entre outras a de atribuir o mérito prin­
Havia, pois, que experimentar tomando como objeto se­ cipal do conhecimento psigâmico ao experimentador (alhu­
res inanimados nos quais não se pode supor que, “sugestio­ res reconhecido como mau metagnomo), tirando mérito do
nados”, invertam o processo... destacado metagnomo. Contudo, tôda hipótese não pre-
O Dr. S. G. SOAL realizou uma série de tentativas com cognitiva deve ter-se em conta...
160 metagnomos a partir de 1934. Tratava-se, na mente de
SOAL, de experiências de simulcognição paranormal sobre Experiências irrefutáveis
objetos inanimados como “controle”. Após estes resultados “demonstrativos” obtidos sem
O "sujeito” tratava de adivinhar para qual das cartas pretendê-lo, o Dr. SOAL quis continuar experimentando di-
dum baralho especial estava olhando outra pessoa, em de­ iretamentc a precognição. Procurou os dois metagnomos que
terminado momento, num quarto vizinho. Para garantir o tinham obtido êxito. Só poderia continuar experimentando
acaso na escolha da carta que deveria olhar-se em cada o Sr. Basil SHACKLETON.
momento, usou-se um método engenhoso: numa taça havia B. SHACKLETON, fotógrafo de profissão, não se tinha
peças ou pedras de 5 côres diferentes. Cada côr indicava o dado conta de seus “dotes” até a idade de 23 anos, quando
lugar de ondo se deveria pegar a carta a pensar. acertou “de um modo raro” os ganhadores numa corrida
Os resultados, porém, não superam o atribuível ao aca­ de cavalos.
so segundo o cálculo de probabilidades. A manifestação especial da capacidade para o conheci­
Mas essas experiências se tomaram significativas em mento paranormal de B. SHACKLETON deve-se, sem dú­
vida, ao menos em parte, a seu delicado estado de saúde.
prol da precognição. Com efeito: o Dr. SOAL comprovou Na época das experiências o Sr. Basil SHACKLETON aca­
que dos 160 sujeitos, dois, a Sra. STEWART e o Sr. Basil bava de se aposentar por doença.
SHACKLETON, tinham acertado com muita freqüência, não
a carta que em determinado momento se olhava, mas a Ê notável, por outra parte, a total falta de entusiasmo
que deveria olhar-se no momento seguinte, carta que ainda pelas experiências parapsicológicas que demonstrou sem­
não estava escolhida pela sorte. Aplicado o cálculo de pre êste notável metagnomo. Qualificava as experiências
probabilidades a êste curioso “efeito de deslocamento”, com­ de “monótonas, aborrecidas, e sem finalidade nenhuma”.
provou-se que os acertos superavam muito significativa­ Isto, acreditamos, pode dar mais valor aos resultados
mente o que se esperava pelo acaso. obtidos, pois cabe esperar que com menos “inibição” teria
obtido ainda melhores êxitos.
SOAL analisou o “deslocamento” por sugestão do Dr.
CARINGTON que tinha observado nas próprias experiências A partir de janeiro de 1941, SOAL inaugurou outra série
o mesmo deslocamento precognitivo. Idêntico deslocamento de experiências importantíssimas com Basil SHACKLETON.
obteve posteriormente o Dr. Charles E. STUART. Por sua excepcional importância deveremos deter-nos mais
na exposição destas experiências.
Mas nessas experiências de SOAL e semelhantes, poder- Experimentou-se com um baralho todo especial: os sim-
se-ia pensar em outras explicações sem necessidade com­
bolos tradicionais do baralho ZENER foram substituídos pe­
pleta de recorrer à precognição propriamente dita. Por
los desenhos de um leão, zebra, girafa, elefante e pelicano,
exemplo, cabe supor que o experimentador, ao pegar a peça
264 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 265
com a finalidade de dar mais interesse aos símbolos, de cuja
insipidez se queixava o sujeito. resultados pelo acaso deu uma razão crítica, segundo o
cálculo de probabilidades, de 13,2, isto é, uma probabilidade
As cartas eram “baralhadas" para cada experiência. O
de 1 sôbre a unidade seguida de 35 zeros.
sistema de “baralhar" era bem original, procurando garantir
o acaso plenamente. O Dr. SOAL escrevia numa ordem Acelerando o ritmo da experiência, em lugar de adivi­
complctamcntc aleatória (servindo-se de dados, por exemplo) nhar a carta do momento seguinte, acertava a que deveria
os algarismos de 1 até 5 (tantos quantos símbolos diferentes cscolher-se duas tentativas mais adiante20.
tinha o baralho), formando uma lista de 50 números (tantos
quantas tentativas se faziam em cada prova). Críticas e contra-críticas
A lista se fixava diante da senhora GOLDNEY e Estas experiências de SOAL são consideradas como
se renovava para cada experiência. Além da lista de 50 nú­ decisivas, demonstrando a precognição apoditicamente: tal
meros a senhora GOLDNEY tinha entre as mãos 5 cartões é a opinião geral dos parapsicólogos e de quantos outros
numerados de 1 até 5. cientistas têm estudado o assunto.
Por outra parte, diante do agente se colocavam as car­
Certamente, qualquer outra explicação diferente da
tas viradas para baixo, de modo que não se podiam ver
precognição é sumamente improvável, até ridícula. Com
seus desenhos. Estas cartas estavam colocadas ao acaso em efeito, o mecanismo que precisaria o metagnomo para dedu­
cinco repartições ou pequenos compartimentos. O agente e zir, só por simulcognição, a carta que haveria de pensar-se
a senhora GOLDNEY sentavam-se frente a frente, mas não no momento seguinte é complicado demais e ilógico. O meta­
podiam ver-se por estar entre êlcs, sôbre a mesa, um painel gnomo deveria conhecer por simulcognição o número se­
separador. A Sra. GOLDNEY ignorava as cartas que havia guinte na lista de 50, deveria também conhecer em que
cm cada compartimento dos 5 que estavam diante do agente. forma o cartão numerado correspondia com o compartimen­
Durante a experiência, a Sra. GOLDNEY apresentava to em que se achava a carta e, por fim, saber que cartas
ao agente por uma abertura “ad hoc" do painel um cartão havia em cada compartimento. Tudo isto seria por conhe­
dos numerados de um até cinco. Não apresentava um car­ cimento da mesma realidade externa21 *.
tão qualquer, mas o que correspondia para cada tentativa, Não é lógica tal objeção neste caso, pois Basil SHAC­
segundo a ordem da lista de 50 algarismos. KLETON era telepático e não clarividente. Com efeito:
O agente, pela sua parte, logo que via o número do
Numa série de experiências se suprimia o agente tele­
cartão que se lhe apresentava, pegava uma carta da re­
pático, isto é, o agente, Srta. R. E., não olhava a carta mas
partição correspondente ao número do cartão e durante al­
só a apontava com o dedo, sem virá-la.
guns instantes ficava olhando aquela carta. Depois a reco­
locava no seu lugar. O percipiente, Sr. Basil SHACKLETON, 20 — SOAL, S.G.: “The experimental situation in Psychical Re­
estava numa outra sala, controlado pelo mesmo Dr. SOAL. search", Londres, S.P.R., 1947.
Pois bem, o Sr. SHACKLETON não devia “adivinhar" Para a relação detalhada das experiências:
SOAL, S.G. e GOLDNEY, D.M.: “Experiments in precognitive
a carta que a cada momento olhava e pensava o agente, mas telepathy", em “Proceedings of the S.P.R., XLV, págs. 165 ss. e XLVIX,
a carta que olharia e pensaria no momento seguinte. pâgs. 21 ss. Cfr. também a carta de SOAL-GOLDNEY publicada em
“Journal of Parapsychology", Dezembro, 1944, pág. 318; assim como
O sistema de “baralhar” como se vê era tão original na pág. 321: “Comments on Soai and Goldney", e nas páginas 311-315:
eomo complicado, mas garantia a casualidade na designa­ “A note on negative devition".
ção do desenho que deveria ser pensado pelo agente. 21 — O conhecimento da realidade externa chama-se, em Parapsi­
cologia, “clarividência"; o conhecimento paranormal dos pensamentos
O êxito foi rotundo. Fizeram-se 3 789 tentativas. A pre- ou atos psíquicos alheios chama-se “telepatia", como estudaremos no
cognição foi tão constante que a possibilidade de obter tais capítulo 20.
266 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 267

Então B. SHACKLETON não obtinha resultado nem em Uma outra confirmação feita posteriormente: Denys
simulcognição nem em precognição. PARSON utilizou uma máquina destinada a excluir toda a
Noutra ocasião foi-se alternando aleatoriamente o sis­ captação de pensamento; Basil SHACKLETON não obteve
tema de olhar o agente a oarta e o de só apontar com o resultado sôbre o acaso em 882 intentos 23.
dedo sem olhá-la. Evidentemente Basil SHACKLETON estava condicio­
Basil SHACKLETON obteve resultados significativos nado a captar pensamentos futuros (telepatia precognitiva),
quando se olhava a carta, acertando precognitivamentc, não a conhecer a realidade externa nem futura nem pre­
não a carta que se olhava em cada momento, mas a que sente (clarividência). A crítica, pois, de que os resultados
deveria olhar-se no momento seguinte (ou do.is momentos poder-se-íam explicar por simulcognição clarividente vai
contra os resultados experimentais.
posteriores, acelerando o ritmo de experimentação); em
compensação, não superou o acaso quando deveria acertar Poder-se-ía contestar estas famosíss;mas experiências
as cartas que só se apontavam com o dedo, sem conhecê-las sob o ponto de vista da telepatia? Basil SHACKLETON po­
o agente telepático. deria captar no subconscietne da Sra. GOLDNEY o número
seguinte da lista de 50 ou o colocado dois lugares mais
Em março de 1941, substituiram-se as cartas que leva­
adiante nas experiências a ritmo mais rápido: A Sra. GOLD­
vam o desenho dos 5 animais por cartas com só as iniciais
NEY, ao procurar um número na lista de 50 veria tam­
dos mesmos; para o agente telepático era a mesma coisa,
bém, embora não reflexamente, o número seguinte ou ainda
com as iniciais saberia em que animais deveria ,pensar.
outro posterior e assim podería, nela, conhecê-lo B. SHA­
Basil SHACKLETON não foi advertido até depois de pre­
CKLETON. O Dr. SOAL, por sua parte, já que êle pró­
enchidas 4 fôlhas de registro. prio tinha confeccionado a lista de 50 números, certamente
Os resultados não foram afetados. Basil SHACKLE­ que a conservaria no inconsciente por pantomnésia. Nêle
TON captava pois o pensamento futuro do agente, não as também a poderia captar Basil SHACKLETON. Além disso
cartas mesmas, as iniciais neste caso. deveria conhecer também na mente dos experimentadores
que os números da lista se relacionavam com os cartões,
Outra inovação foi que o agente pensasse nos animais deveria captar a correspondência dos cartões numerados
dos quais só se lho apresentava um símbolo: tromba (por com os compartimentos e, no agente, teria que conhecer de
elefante), juba (por leão), bico (por pelicano), listras (por antemão as cartas correspondentes a cada compartimento.
zebra), e pescoço (por girafa).
Apesar do complicado desta crítica, SOAL e GOLD­
SHACKLETON nem se apercebeu; os resultados con­ NEY a enfrentaram, introduzindo uma importante modifi­
tinuaram idênticos (exceto numa primeira série em que os cação nas experiências.
resultados foram nulos, fato que evidentemente pode depen­ Baseando-se no método das ,rlimeiras experiências rea­
der de outros fatores) 22. lizadas pelo mesmo SOAL antes da Segunda Guerra Mun­
dial, como já indicamos, nestas novas experiências recorre­
22 — Além da bibliografia do próprio SOAL citada na nota 21. ram também ao arbítrio de substituir a lista de 50 números
cfr.: HUMPHREY. Betty: “Soai and Goldney precognitive telepathy
experiments”, em “Journal of the American S.P.R.”, 1944, setembro, por um saco ou recipiente onde houvesse grande quantidade
págs. 139 ss., tradução francesa pelas Sra. CLARY e Sita. GALI- de pedras, discos ou fichinhas de 5 côres diferentes. Cada
NIER: “Expericnc.es de télépathie precognitive”, em “La Métapsichi- côr indicaria o número escolhido. As fichinhas eram bem
que 1940-1946”, Paris, P.U.F.; s.d. (1947), págs. 133 ss. misturadas e se tiravam uma a uma ao acaso.
RHINE. J. B. e HUMPHREY, B. H.: “Position effécts in the cogni-
tive telepathy. Experiments of Soai and Goldney”, em “Journal of 23 — SOAL, S. G. e GOLDNEY, D. M., em “Journal of Parapsy­
Parapsychology”, VIII, 1944, setembro, págs. 187 ss. chology”, VIII, 1944, junho.
PRECOGNIÇÃO 269
268 A FACE OCULTA DA MENTE

Aqui é manifestamente impossível que GOLDNEY já


Na maior parte destas experiências era a mesma Sr a.
estivesse em contato com a pedra correspondente a dois in­
GOLDNEY quem pegava e mostrava as pedras coloridas ao
tentos mais tarde, pôsto que ia alternando as mãos.
agente. Expressa-se assim: “Eu arranjava o saco, de tal
sorte que os números fôssem facilmente acessíveis, depois Os resultados de tôdas estas experiências foram idênti­
colocava alternativamente cada mão e mostrava um número cos aos obtidos quando se fazia a experiência com a lista dos
na abertura do painel com u'a mão, enquanto que a outra 50 números. Evidentemente, pois, Basil SHACKLETON cap­
mão se afundava no saco para pegar o número seguinte. tava diretamente o futuro e não os mecanismos interpostos.
Dc tempo em tempo, eu parava para sacudir rapidamente Era precognição e não simulcognição.
o saco, durante bastante tempo e sempre pegava o número Atribuir o êxito dêstes novos métodos de experimen­
dc todos os cantos, acima e em baixo, a fim de evitar a tação a um processo inverso, isto é, pensar que GOLDNEY"
saída dos mesmos números. . . Os resultados parecem indicar seria guiada inconscientemente na escolha da pedra pelo co­
que Basil SHACKLETON conhecia qual seria a carta se­ nhecimento simulcognitivo ou retrocognitivo do prognóstico
guinte, mesmo antes dc que o algarismo que a assinalaria já feito por SHACKLETON, é uma hipótese ridícula: como,
tivesse sido pêgo.” de repente, uma pessoa reconhecidamente não metagnoma,
Note-se que, por várias passagens das atas, inclusivo iria igualar, numa experiência tão difícil, um dos melhores
no texto que citamos pelas frases que grifamos, a Sra. metagnomos que já encontraram os parapsicólogos?
GOLDNEY não pegava o número seguinte (somente sa­ Idêntica a esta crítica seria a de supor que Basil
cudia, removia as pedras), até passado o momento desti­ SHACKLETON dirigiria GOLDNEY por um efeito psicociné-
nado ao intento anterior. Se u\a mão já tivesse pego tico (PK) ou qualquer outro modo de influenciar a atuação
a pedra “seguinte” enquanto a outra mostrava a pedra “an­ da Sra. GOLDNEY. Devo dizer, em primeiro lugar, que esta
terior”, não se teria evitado a clarividência simulcognitiva. contra-hipótese que, de fato, alguns parapsicólogos sugeri­
Magníficos experimentadores, como SOAL e GOLDNEY, ram a SOAL e GOLDNEY, vai contra tudo o que sabemos
não iam cair nesta falha tão ingênua, prcc'samcnte em da influência noutras pessoas (sugestão telepática, subjuga­
experiências feitas para destruir contra-hipóteses de simul­ ção tclcpsíquica, faculdade PK influindo em sêres anima­
cognição, apesar de que toda clarividência deveria des­ dos. . .). Porque, na realidade, o processo dessa possível in­
prezar-se em tais experiências com B. SHACKLETON, que fluência não parece que seja no sentido que a crítica supõe.
era claramente um telepata. Não é o metagnomo (feiticeiro, etc.) quem me sugere, sub­
Nestas mesmas experiências com números no saco, há juga, movimenta meus órgãos. ..; seria o meu mesmo in­
também o fator importantíssimo da aceleração no ritmo. consciente que captaria o pensamento, melhor diríamos o de­
Êste fator exclui tôda a possibilidade de simulcognição, e sejo ou o sentimento grandemente emotivo do “mago”. Meu
inclusive se exclui essa “ingênua” crítica de que talvez já próprio inconsciente é o fator principal. Eu mesmo deveria
estaria a Sra. GOLDNEY pegando o número seguinte.. . ser metagnomo. Portanto, esta crítica se reduz a uma mera
modificação verbal da crítica anterior e a resposta poderia
Habitualmente, as experiências se produziam a um ritmo ser a mesma: não se compreende como a Sra. GOLDNEY,
de dois segundos e meio para cada tentativa. Agora, du­ reconhecidamente má metagnoma, poderia igualar, e menos
rante quase três meses, se experimentou à máxima velo­ ainda regularmente durante meses, os resultados magníficos
cidade possível na complicada técnica: um segundo para de um dos melhores metagnomos do mundo.
cada intento (exatamente um segundo e um quarto de se­
gundo). E SHACKLETON acertava não a carta que se pen­ SOAL e GOLDNEY fizeram também experiências dessas
saria no segundo seguinte, mas a carta que se pensaria dois contra-hipóteses. Trataram intencionalmente de inverter o
segundos mais tarde (exatamente dois segundos e meio). processo:
rr-~. n 1+
1630916876

270 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 271


SHACKLETON se esforçaria por influenciar a Sra. nho já escolhido, mas o próximo, que não tinha ainda sido
GOLDNEY na escolha dos números, ou a Sra. GOLDNEY desenhado nem sequer escolhido 24.
trataria dc acomodar-se aos desejos de Basil SHACKLETON.
Nestas experiências, todos os outros participantes permane­ Com o sistema usado pelo Dr. CARINGTON, qualquer
ciam nos seus postos habituais. Algumas vezes, Basil outra explicação diferente da precognição se torna impossível.
SHACKLETON pensava numa cifra seguindo a ordem da No resultado do cálculo de probabilidades, qualquer in­
lista de 50 números, outras vêzes assinalava com o dedo, a fluência de preferência na escolha dos desenhos no dicionário,
livre escolha, uma pedra colorida. A Sra. GOLDNEY deve­ ou de severidade ou de indulgência por parte dos juízes,
ria escolher ou tirar do saco o mesmo número. foi expressamente evitada, por um método peculiar de cál­
culo de probabilidades cuja justificação matemática se deve
Pois bem, nunca obtiveram resultado positivo, nem na ao especialista em estatística Dr. STEVENS.
escolha do número em questão nem com deslocamentos ao
algarismo seguinte. Tudo correu perfeitamente segundo as O Dr. SOAL fêz uma crítica sumamente severa destas
leis do acaso . .. experiências. Deduz que o deslocamento precognitivo nas
experiências dc CARINGTON não chega a ser segura e com­
Como se vê, não se pode fugir à explicação por precog­ pletamente significativo, do ponto de vista estatístico. É
nição nas experiências de SOAL-GOLDNEY com Basil possível. No entanto, como disse muito bem o Dr. J. WEST,
SHACKLETON, nem procurar explicações complicadas... os trabalhos de CARINGTON, se não são apodíticos, ao me­
nos têm enorme força em prol da precognição 25.
Além disto, em Parapsicologia, tanto nos casos espontâ­
neos como nos experimentais, parece claro que o alvo ou Jhiko ooirw^ça as» pesquisas
objeto da faculdade PSI ou melhor, o que pode se manifestar,
nunca é tão complexo c complicado como as contra-hipótcscs Os primeiros passos no Laboratório de Parapsicologia
reclamariam. da Univetrsidade Duke em Durham (N. C., E.U.A.) foram
lentos e difíceis. Só após grandes esforços de engenho e
A precognição propriamente dita 6, pois, a única expli­ longas horas de medição, chegaram a encontrar o sistema
cação admissível nestas experiências. perfeito de experimentação.
A precognição de desenhos A investigação partiu dum êrro. Depois de ter demons­
trado que PSI-GÁMMA prescinde da distância, o Dr. RHINE
Fizemos alusão antes ao efeito de deslocamento precog- e alguns dos seus co^boradores pensaram que, em conseqüên-
nitivo observado por outros experimentadores. Penso que eia. prescindia também do tempo. Porque — diziam êles —
neste sentido as experiências à base de desenhos realizadas EINSTEIN demonstrou que o tempo é uma quarta dimensão
pelo Dr. CARINGTON, são muito dignas de destaque. do espaço. Mas a doutrna do espaço-tempo na teoria da re­
latividade de EINSTEIN é um formalismo matemático, que
O Dr. CARINGTON escolhia, ao acaso, um número duma pouco tem a ver com o espaço e tempo ireais. Mas êste êrro de
tabela. Depois, abria um dicionário na página correspondente
ao dito número e nela tomava a primeira palavra capaz de 24 — CARINGTON, Whately: “Telepathy, an outline of its facts,
fornecer, razoàvelmente, objeto para um desenho. Os “su­ theory and implications”, London, Methuen and Co., 1945. Nós utili­
jeitos’' residentes a quilômetros de distância procuravam zamos a tradução franc. de PLANIOL: “La télépathie. faits théories,
implications”, Paris, Payot, 1948, págs. 46 ss. Para a descrição de­
averiguar psigâmicamente e reproduzir êsses desenhos. Ori­ talhada das experiências: “Proceedings of the Society for Psychical
ginais e reproduções eram entregues a diversos árbitros Research”, XLII, págs. 173 ss. e 227 ss. “Proceedings of the Ameri­
especializados. Em vários sujeitos observou-se significativa­ can Society for Psychical Research”, XXIV, págs. 3 ss.
25 — WEST, J.: “Psychical Research Today”, Londres, Duckworth,
mente o deslocamento precognitivo: desenhavam não o dese- 1954, pág. 109.
272 A FACE OCULTA DA MENTE
PRECOGNIÇÃO 273
interpretação animou a RHINE e a seus colaboradores, que
se lançaram com entusiasmo e constância admiráveis à con­ Era necessário abandonar o sistema de baralhar as car­
firmação experimental de que a precognição existia. tas com a mão. A lógica exigia baralhar mecânicamente.
Outros colaboradores foram melhor encaminhados ao As máquinas fora da Duke
pensarem que, posto que PG é extrasensorial, espiritual, tem
que prescindir do tempo, já que o tempo é dependente da Um notável conjunto de experiências com a colaboração
matéria. da máquina realizou-se fora do âmbito da Universidade
Duke. Foram as realizadas na Inglaterra pelo Dr. TYRREL,
Baralhando à mão presidente da “Society for Psychical Research” de Londres.
A iprimeira série de experiências foi uma simples modifi­ Para evitar qualquer outro tipo de PSI-GAMMA não pu­
cação das experiências de simulcognição psigâmica. Em vez ramente precognitiva, o Dr. TYRREL excogitou um método
de dizer a ordem em que estavam as cartas do baralho ZE- engenhosíssimo.
NER, o metagnomo tinha que prognosticar a ordem em que- Numa máquina completamente automática havia um
ficariam depois de serem baralhadas conscienciosamente. dispositivo de cinco caixinhas. Posta a máquina a funcionar,
uma luz se acendia, após algum tempo, numa das cinco cai­
Os resultados foram satisfatórios. A possibilidade de xinhas. Ninguém por vias normais podia saber que caixinha
obtê-los por acaso era de 1 contra 1 400 000. seria iluminada, visto que um misturador automático ia mo­
Poder-se-ia perguntar até que ponto a percepção simul- dificando a ordem. Deve ter-se em conta que a máquina
cognitiva por parte do experimentador dos prognósticos já era posta cm funcionamento apcrtando-sc qualquer dos cinco
formulados pelo metagnomo poderia influir no baralhamento botões diferentes. O Dr. TYRREL apertava ora um, ora outro
das cartas. Mas, como já dissemos, não se compreende como dos cinco botões ao acaso. Segundo fôsse apertado um ou
um experimentador reconhecidamente mau metagnomo have­ outro botão, variava a mistura causada pelo aparelho
ria de levar o principal mérito dos acertos, negando-o ao me­ misturador. Numa palavra, as lâmpadas sc acendiam nu­
tagnomo destacado. Mais difícil de compreender é como esto
ma “ordem” completamonte desordenada, complicadíssima,
conhecimento inconsciente poderia influir no modo de bara­
imprevisível. Entre o momento cm que a máquina começava
lhar, a fim de que as cartas se acomodassem â ordem presta-
belccida pelo metagnomo. Como se vê, a objeção que a si a funcionar e o acender-se a lâmpada, havia tempo de sobra
mesmos se puseram os investigadores, era complicada demais. para que o sujeito levantasse a tampa da caixinha que êle
Contudo, fizeram a contraprova: julgasse seria iluminada. Um aparelho automático re­
gistrava os erros e fracassos, mas de nenhuma maneira a
Instituiram uma série de experiências cm que o sujeito-
“ordem” em que as lâmpadas se acendiam.
deveria procurar baralhar as cartas com a intenção de que
finassem como num outro baralho que êle não tinha visto Após algumas séries de experiências infrutíferas em
e que, por percepção simulcognitiva poderia conhecer. procura de “metagnomo” 27, a Srta. JOHNSON obteve êxito
Os resultados não superaram o acaso 26. As primitivas notabilíssimo num conjunto de 4 200 tentativas. O resultado
experiências de precognição tinham, pois, valor. deu uma proporção, com respeito ao acaso, de 1 sobre
100 000 000 000 .28

Mas Duke queria afastar plenamente, sc fôsse possível,


até a 'possibilidade de crítica. 27 — TYRREL, G. N. M., em “Journal of Society for Psychical
Research”, XX, págs. 294 ss.
26 — RHINE, J. B.: “Experiments bearing on the Precognition 28 — TYRREL, G. N. M., em “Journal of Parapsychology”, II,
Hypotesis”, em ‘‘Journal of Parapsychology”, II, 1938, págs. 38 ss. e 1938, Junho.
119 ss. Para a relação detalhada das experiências: “Proceedings of the
Society for Psychical Research”, XLIV, 1937, parte 147, págs. 99 ss.
53681935023527235831273127902751065106451345165113014405445044230298231058105824902451455

274 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 275

Que se poderia objetar? Será que estas experiências depois que os “braços mecânicos" as tivessem baralhado de­
não garantem que o homem pode conhecer paranormal e di­ tidamente 29.
retamente o futuro? Pois bem, os resultados das experiências, de novo, indi­
E preciso reconhecer que as objeções que se fizeram a si caram sôbre base bem firme a existência da precognição;
mesmos os parapsicólogos estão muito perto do ridículo: o cabe objeção alguma?
Dr. TYRREL, na escolha do botão a apertar, guiar-se-ia, Este conjunto de milhares de experiências com máqui­
apesar de não ser metagnomo, por simulcognição do prog­ nas na Inglaterra (TYRREL) e E.U.A. (RHINE e seus
nóstico que já estaria pensando fazer a Sr ta. JOHNSON colaboradores), terminou em 1940. Era um fato demons­
Mas para poder apertar o botão certo teria que conhecer, trado que a faculdade PSI-GAMMA prescinde do tempo:
ele, não metagnomo, todo o complicado movimento do apa­ certos metagnomos podem conhecer o futuro paranormal-
relho modificador da “ordem” em que se deveriam acender mente, diretamente o futuro.
as lâmpadas! Já fazia tempo que os cientistas não parapsicólogos
O aparelho modificador era complicadíssimo: como não faziam objeções coim conhecimento de causa. Os pa­
TYRREL ou a Srta. JOHNSON poderiam conhecê-lo por si­ rapsicólogos, porém, não se deram por contentes ainda. Que­
mulcognição, assim como seu complicado funcionamento? riam tirar todo possível ceticismo, ainda ridículo ou apai­
Estas objeções estão contra as características que se co­ xonado. As objeções foram procuradas pelos próprios parap­
nhecem da faculdade PSI-GAMMA. PS1-GAMMA, como já sicólogos com mais entusiasmo que o que tinham empre­
indicamos, manifesta o conhecimento de coisas particulares, gado na demonstração.
concretas, dados simples, não coisas complexas e desenvol­ Contra as experiências com máquinas objetaram que
vimentos complicados. talvez os metagnomos influíssem e dirigissem “com a força do
Parece, pois, necessário admitir que se averiguava por seu pensamento” as máquinas mesmas ou os movimentos das
precognição diretamente a lâmpada que se acenderia; não cartas apesar do impulso da máquina. Tudo se deveria à
parece possível que se manifestasse por simulcognição a sé­ chamada psicoquinesc, telequmésia ou, mais modernamente,
rie de conhecimentos complicados c entrelaçados entre si que PSI-KAPPA. Mas dirigir uma máquina ou as cartas em
supõem as objeções apresentadas. movimento com tanta precisão. . .! ? Onde haveria base, expe­
rimental ou dos casos espontâneos, para supor tal precisão
As máquinas na Duke nas manifestações PK?
Havia, porém, que eliminar também este subterfúgio. *
Na Universidade Duke realizaram-se 4 séries indepen­
dentes de experiências, também com o auxílio da mecânica. 29 — RHINE. J. B.: “Experiment.s of the Precognition” em
A primeira série de experiências foi dirigida por C. E. “Journal of Parapsychology", V, 1941. págs. 1 ss. Não sei com que fun­
STUART; a segunda pela Srta. Lois HUTCHINSON; a ter­ damento Robert AMADOU (“La Parapsichologie”, o. c., pág. 227) afir­
ceira pelos Drs. J. C. PRATT e Betty M. MURPHY, e a quar­ ma que estas experiências não foram estatisticamente significativas.
O próprio RHINE, nos artigos antes citados afirma o contrário e
ta pelo mesmo RHINE com a ajuda de E. P. GIBSON. expressamente o repete em “La double puissance de 1’esprit",
o. c., pág. 73: “Toutes quatre (refere-se às quatro experiências
Utilizou-se todo o baralho ZENER (25 cartas). Para cada de que falamos) donnèrent des résultats significatifs”. AMADOU
prova as cartas eram baralhadas por “braços mecânicos" acrescenta no lugar citado: “Et aucun succcs n’a été de nouveau enre-
especialmentc arquitetados para esta finalidade. Os metag- gistré à Duke de précognition”. Como veremos imediatamente, pos­
nomos deveriam prognosticar por escrito, antes de começar teriormente houve na Duke mais experiências de precognição e foram
demonstrativas. Esta última afirmação, pois, sugere que a afirmação
& funoionar as máquinas, a ordem em que ficariam as cartas anterior foi talvez também uma falsa informação.
276 A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇÃO 277

Experimentação com o clima tados não foram empolgantes, tratando-se de sujeitos quase
Aquela nova objeção era difícil de solucionar. RHINE e “normais”. Mas a chamada “co-variação das taxas de emer­
seus colaboradores, após madura reflexão, adotaram em gência” demonstrou, em ambas as séries de experiências, a
1941 o sistema seguinte: existência da precognição ?0. Segundo o cálculo de probabili­
dades o acaso estava determinado em cada uma das séries
Escolhia-se, por exemplo com dados, uma data futura, de experiências pela fração 1/500.
suficientemente distante para evitar uma previsão normal a
respeito dela. As temperaturas máxima e mínima daquela Contra esta confirmação da precognição, cabe algum
data futura, segundo fossem indicadas pelos jornais, seriam
ceticismo? Ünicamente, talvez, que os resultados estatísti­
cos não foram muito elevados, embora significativos. Em
as que determinariam em última instância a ordem das car­
Biologia ou Química, uma possibilidade sôbre 200 já é con­
tas. Para isso, primeiramente se misturariam as cartas me­
siderada como cientificamente não devida ao acaso...
canicamente e depois se dariam ao pacote cortes de acôrdo
com as ditas temperaturas.
Contra uma objeção fantástica
Para as experiências escolhiam-se sujeitos ingênuos:
Mas os parapsicólogos da Universidade Duke, no con­
crianças e adolescentes. Mostravam-se-lhes os símbolos do
tínuo anseio de encontrar métodos cada vez mais apodíticos
baralho ZENER. Entregava-se-lhes uma fôlha com 25 espa­ de experimentação, fizeram-se a si mesmos uma objeção que
ços em coluna (tantos espaços como cartas compõem o ba­ parece até indigna da seriedade científica duma Universi­
ralho). Dizia-se-lhes que mais adiante seriam escritos sím­ dade. Quiseram fazer frente à objeção fantástica do que
bolos à direita destas colunas. Êles deveriam escrever à os “ingênuos” sujeitos não escolhidos entre os melhores,
esquerda os símbolos como pensassem que mais adiante se­ ou talvez os experimentadores mesmos reconhecidamente
riam escritos á direita. Não se lhes dizia nada sobre o mé­ não metagnomos, poderiam influir sôbre os aparelhos regis­
todo que seria empregado para estabelecer a ordem nos sim- tradores de temperatura!30 31.
bolos que após .10, 12 ou mais dias seriam estritos à direita.
De fato. o Dr. CHARI prefere cm todos os casos a expli­
Escolhcndo-se os sujeitos por razão da ingenuidade prin- cação por PK à precognição, o aduz em prol da sua tese vá­
cipalmentc, e só em segundo termo por razão da capacidade rios outros autores 32. Claro está que não nos convencem. Nem
psigâmica, tinha-se a vantagem de que êles não discutiriam se vê como seria menos inverossímil a precognição do que
o método nem o considerariam absurdo. Assim sc evitava uma faculdade PK tão notável e inteligente como teria que
que a inibição por preconceitos influísse nos resultados. ser a PK defendida por CHARI e seus partidários. Não seria
Repetidas vêzcs se tinha comprovado a influência deletéria, ruim uma demonstração tão fácil de um PK tão notável. ..!
inibitória, do preconceito. Mas esta vantagem vinha acom­ Como não compreendem êstes autores que se nunca se têm
panhada duma desvantagem: não se dispunha de metagnomos
30 *— RHINE, Joseph Banks: “Evidence of precognition in cova-
excepcionais. RHINE, porém, e seus colaboradores considera­ riation of salience ratios”, em “Journal of Parapsychology”, VI, 1942,
vam esta desvantagem só relativa: se obtinham algum págs 111 ss. HUMPHREY, B. M., e RHINE, J. B.: “A confirmatory
êxito, seria mais significativo por tratar-se de metaguornos study of salience in precognition tests”, em “Journal of Parapsycho­
pouco escolhidos. Aprofundando nesta consideração, fizeram logy", VI, 1942, págs. 192 ss.
questão de não procurar sujeitos notadamente de qualidades A medida empregada no cálculo de probabilidades neste caso,
chamada “co-variação das taxas de emergência", descreve-se também
paranormais, bastando que fossem ligeiramente ‘‘dotados”. nesses trabalhos.
Sobre estas bases fizeram duas séries de experiências 31 — RHINE, J. B.: “Precognition reconsidered" em “Journal of
Parapsychology", IX, 1945, págs. 264 ss.
dirigidas pelo mesmo Dr. RHINE a primeira, e a segunda 32 — CHARI, C.T.K.: “A note on precognition", em “Journal of
pela Dra. HUMPHREY, então ainda estudante. ‘ Os resul­ Society for Psychical Research", 1952, págs. 46 ss.
A FACE OCULTA DA MENTE PRECOGNIÇAO 279
278

obtido experiências tão significativas quando se pretendia Conhecimento direto do futuro


experimentar PK é porque, de fato, a manifestação de PSI- Notemos o especial significado das experiências de pre-
GAMMA prccognitiva é ao menos maus frequente do que a cognição: apesar das complicações interpostas e da intrans­
manifestação de PSI-KAPPA? ponível barreira intelectual, os resultados são apreciàvelmen-
A objeção, em todo caso, de influir sobre a temperatura te^ idênticas sem se encontrar diferenças sistemáticas atri­
e aliás tão inteligentemente, tão controladamente é, como buíveis a essas complicações. Isto acontece porque PSI-GAM-
se vê, absolutamente fantástica, poderíamos dizer absurda MA atinge diretamente o objeto (as cartas) que se lhe propõe
no mais completo sentido da palavra. Mas a Universidade para “adivinhar” e não as barreiras nem os passos inter­
Duke queria uma demonstração totalmente irrefutável até médios. Quando os objetos são simples como as cartas do
baralho ZENER, os êxitos são numerosos e precisos. À
para os mais céticos e imaginativos adversários. medida que o objeto se complica, por exemplo nas provas
E fizeram frente a essa objeção. com desenhos do Dr. CARINGTON, o conhecimento psigâ-
Ao sistema de cortar o baralho (depois de ser mistu­ mico obtido vai diminuindo em número e precisão. Por­
tanto, quando o objeto é sumamente complicado (como seria
rado pelas máquinas), de acordo com as temperaturas duma
distante data futura, ainda se agrega uma complicação enor­
por exemplo o mecanismo e funcionamento das máquinas, in­
clusive do Dr. TYRREL, ou a “barreira” que acabamos de
me, uma espécie de intransponível barreira intelectual. As
descrever) não se pode conhecer no seu conjunto ou êste co­
cifras das temperaturas, antes de serem aplicadas ao corte nhecimento não se pode manifestar. Após esta considera­
do maço de cartas, serviam, de base para complicadas ope­ ção, podemos concluir sem temor de errar: PSI-GAMMA
rações de altas matemáticas que deviam, ser efetuadas por pode conhecer diretamente um objeto futuro: há precogni-
máquinas de calcular. A. operação mesma, complicadíssima ção no estrito sentido da palavra.
e longa, efetuava-se de acórdo com regras fixas, de modo
que o experimentador não era livre para escolher os cálculos A grande força, ou a máxima fôrça da demonstração
que inconsciente e x>aranormalmente julgasse convirem em está no conjunto das experiências e casos espontâneos bem
cada, caso ( ! ) . Quando, finalmentc, as máquinas de calcular analisados. Âs vezes supúnhamos críticas forçadas, às vêzes
davam os resultados das operações, tinha-se produzido en­ quase absurdas. Depois da demonstração científica da pre-
tre a leitura da temperatura c os c ortes no baralho uma bar­ cognição, não é lógico acudir a explicações forçadas, inve­
reira intelectual completamente sôbrc-hiimana. Tôda possibi­ rossímeis, complicadíssimas.
lidade de PSI-KAPPA ou PSI-GAMMA diferente da pre­
Conclusão
cognição mesma ficava completamente excluída.
Hoje em dia a precognição é um fato indiscutível. Ne­
Com este sistema começaram longas séries dc expe­ nhum parapsicólogo, nem cientista algum com conheci­
riências. Pois bem, “a proporção de acertos (precognitivos) mento de causa pode propor a menor objeção à precognição.
não tem sido alterada pela agregação destas medidas dc pre­ No capítulo em que expúnhamos as observações parapsico-
caução” 33. lógicas sôbre PSI-GAMMA em geral, aduzíamos o testemu­
nho da Ciência que se referia também à precognição.
33 — RHINE, J. B.: “New world of the mind”, New York, W. Os sistemas empregados na experimentação, do ponto
Sloane, 1957. Nós utilizamos a tradução de Dora Jonisky de KREI- de vista estatístico, foram analisados por especialistas em
MAN: “El nuevo mundo de la mente*', Buenos Aires, Paidós, 1958, pág.
95. Em recente carta da Dra. Dorothy H. POPE, do laboratório de estatística matemática, especialmente no Congresso Interna­
RHINE, tivemos confirmação dos êxitos rccém-obtidos na continuaçãc cional de Indianópolis e no “Instituto Internacional de Es­
dessas experiências. tatística Matemática”.
280 A FACE OCULTA DA MENTE

O aspecto parapsicológico mais diretamente experimen­


tal (condições, controle, legitimidade das consequências, etc.)
foi estudado por destacadas personalidades de todos os ra­
mos do saber no “I Colóquio Internacional” de Utrccht. Não
precisamos repetir aqui os testemunhos.
Igualmcnte o aspecto filosófico foi estudado no Con­
gresso de Saint-Paul-de-Vence (1954) numa comissão es­
pecial, “Filosofia e Parapsicologia” sob a presidência dos
Drs. H. H. PRTCE da Universidade de Oxford c do conhecido
filósofo católico Gabriel MARCEL. Entre as destacadas O prazo existencial 19
personalidades de oito países estava também o excelente
filósofo e teólogo Rvdo. Pc. Aloys WIESINGER, cistcrciense OS LIMITES TEMPORAIS DO
austríaco. Os filósofos ficaram todos de acôrclo em que não CONHECIMENTO EXTRA-SENSORIAL
se podia pôr objeção à realidade da demonstração da pre­
cognição verdadeira. A precognição verdadeira 6 um fato 34.
Poucas verdades da Química, da Física ou de outras ma­ As maravilhas do oráculo de Delfos. —
térias estarão tão bem demonstradas como a verdade de
que existe a precognição parapsicológica. Empolgante história dos livros sibilinos. —
Os papas segundo a profecia de São MALA-
Há casos espontâneos que não parece pos­ QUIAS. — O grande profeta NOSTRADA-
sível que se possam explicar senão por uma fa­ MUS. — A Terceira Guerra Mundial. — A
culdade paranormal de conhecimcíUo direto do data do fim do mundo.
futuro.
E, o que e mais importante, fizeram-se mi­
lhares de experiências de laboratório cientifica­
I Ia retrocognição, se é que existe, como parece mais lógico,
e da precognição que certamente existe, se deduz evi­
mente arquitetadas que demonstram sem ne­ dentemente que PSÍ-GAMMA vence a barreira do tempo. É
nhum gênero de dúvida que de fato existe no ho­ de se compreender, no entanto, a curiosidade geral sobre se
mem esta faculdade. a maior ou menor distância no tempo influem na atuação
A Ciência internacional examinou de todos da faculdade psigâmica.
os pontos de vista os resultados obtidos, manifes­ Para responder experimentalmente a esta pergunta, a
tando em sucessivos Congressos que de fato está precognição é caminho mais viável do que a retrocognição,
cientificamente demonstrada a existência, no ho­ como já sabemos.
mem, da faciádade paranormal de conhecimento
Resultados em laboratórios
direto do futuro.
A senhorita HUTCHINSON, doutora da Universidade
34 — Um resumo dos trabalhos e conferências desta comissão de
Duke, fêz experiências comparativas de precognição com
Filosofia poder-se-á encontrar em: AMADOU, Robert: “La Science antecipações desde um até dez dias. Os resultados pa­
et le paranormal... ”, o. c., págs. 257-264. receram demonstrar que a diferença de tempo influía em
282 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 283

PSI: os sujeitos obtiveram resultados melhores quando prog­ rença de interesse, etc., comprova-se, com efeito, que as pre-
nosticavam com poucos dias de antecipação e, à medida que cognições com dias ou meses de antecedência são tão nu­
o intervalo aumentava, os resultados diminuíam. Mas o Dr. merosas quanto as feitas horas ou minutos antes da realiza­
RHINE comprovou um erro no método da experimentação: ção dos fatos. E umas e outras tendo em conta os fatores
a Dra. HUTCHINSON, para animar seus sujeitos, comuni­ extrínsecos antes indicados, são igualmente detalhadas, ní­
cava-lhes os resultados das experiências o mais cedo possível. tidas, etc.
Isto poderia ocasionar que os metagnomos tivessem mais inte­
resse nas experiências com poucos dias de intervalo, c que per­ Conclusão precipitada?
dessem toda a curiosidade se o intervalo entre o prognóstico e
a constatação dos resultados se distanciava vários dias. A Do fato mesmo da precognição, das experiências
diferença de interesse podia explicar os resultados melhor de laboratório e da análise dos casos espontâneos, dedu­
que as diferenças de tempo. ziu a maioria dos parapsicólogos que “o tempo não influi na
percepção extra-sensorial”, “PSI-GAMMA prescinde do tem­
Por conseguinte, o Dr. RTTTNE, com a colaboração da po”, “a ESP não é influenciada pela maior ou menor
Dra. HUMPHREY começou outra dupla série de experiên­ distância no tempo do fato preconhecido”, ou fórmulas se­
cias, nas quais os resultados não se comunicavam aos sujeitos melhantes.
até terminar o prazo mais longo. Estabeleceu-se a compara­
ção entre os prognósticos com dois dias dc antecedência e Acho que, do exposto, se deduz que PSI-GAMMA pode
os de dez dias. Desta vez os resultados foram sensivelmente conhecer o que sucederá amanhã, com a mesma “facilidade”
semelhantes. com que pode conhecer o que sucederá depois dc dois meses.
Mas, será que pode conhecer com igual “facilidade”, ou
Numa segunda dupla série os metagnomos não sabiam mesmo será que pode conhecer o que sucederá por exemplo
que experiências pertenciam ao prazo mais curto e quais ao depois de cinco séculos?
prazo mais longo. Os resultados de novo foram idênti­
cos, mais ainda, até um pouquinho superiores os resultados Quando falávamos da distância na ESP esclarecíamos:
dos prognósticos com dez dias de antecedência 1 “a faculdade PSI-GAMMA prescinde da distância (ao me­
nos) dentro dos limites do nosso planeta”. Não teremos
As diferenças de tempo nas experiências citadas c em que fazer uma ressalva semelhante, falando do tempo. À
outras semelhantes não tinham influências sistemáticas nos primeira vista aparece uma clara distinção entre o que po­
resultados.
deríamos chamar “prazo curto” ou “existencial” (mais ou
menos dois séculos ou 5 gerações incluindo o que o metag-
Casos espontâneos
nomo conhece diretamente do passado e do futuro) e o “lon­
Analisaram-se também os casos espontâneos, com idên­ go prazo” (claramente mais de dois séculos).
tica conclusão. Prescindindo dos casos que podem explicar-se Comecemos por analisar os casos espontâneos, o que
por outras causas não especificamente precognitivas e le­ aproveitaremos para ampliar a visão panorâmica da “adivi­
vando também em conta as circunstâncias excitantes, dife­
nhação” na história.
1 — RHINE, Joseph Banks: “The reach of lhe minei", New York,
W. Sloane, 1948 e Londres, L. Fabel, 1948. Nós citamos da tradução Na antiguidade remota
francesa por SUDRE, Rcné: “La double puissance de Tesprit”, Paris,
Sabemos que, nas civilizações antigas se atribuía a cer­
Payot, 1953, págs. 75 ss. Conhecemos também a edição italiana com tas pessoas o poder “sobrenatural” da “adivinhação”. Mas
prefácio do excelente parapsicólogo SERVADIO, Emílio: “I poteri dello
spirito”, Roma, Astrolábio, 1949, e a edição espanhola: “El alcance
em todo o acervo de “adivinhações” da mais remota an-
de la mente”, Buenos Aires, Paidós, 1956. tigüidade, nada há que sugira uma possível faculdade huma-
A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 285
284

na de precognição a longo prazo. A quase totalidade dos tara-se mais uma e até duas. Procuravam-se entre as fa­
dados que possuímos são gerais, sem relatórios concretos. mílias pobres e deviam ter vivido em plena ignorância. Além
Seguramente, inclusive, a maioria dessas “adivinhações” não disso se escolhiam entre as mulheres que sofriam doenças
se referiam ao futuro. As poucas relações que possuímos nervosas, preferentemente histéricas ou neuróticas que com
de precognições fora do contexto nitidamente religioso (pro­ facilidade padecessem convulsões e proferissem gritos in-
fetas bíblicos), são a curto prazo como, por exemplo, os controlados e incoerentes.
sonhos “premonitórios” do FARAÓ, de JOSÉ e dos colegas A Pítia mascava folhas de loureiro e bebia água gelada
de cárcere, etc. na fonte de Castália que brotava ao pé do rochedo Nimpea,
perto do templo. Coroada de louros era conduzida ao templo
JÜpoca clássica e colocada na trípode sobre a abertura do abismo. Com a
A mesma confiança foi depositada na “adivinhação”, sua propensão doentia, influenciada pelas emanações de gás
durante a culta idade clássica greco-romana. Muitos escrito­ fria e embriagadora, começava a agitar-se, revirava os olhos,
res e testemunhos históricos nos falam dessa classe de fe­ lançava olhares como possuída pelo pânico. Um forte tre­
nômenos. mor percorria-lhe todo o corpo, lançava gritos estridentes,
A fé nos “adivinhos” era tão profunda que, sem con­ perdia totalmente os sentidos. E, entre as convulsões, pro­
sultá-los, os poderes públicos não se atreviam a empreender feria vozes ou sons incoerentes, que interpretados pelos sa­
uma guerra, uma colonização, qualquer ação importante. cerdotes do tempo (“prophctcs”), constituíam os oráculos ou
Organizavam-se esplendidas embaixadas com suntuosos vaticínios.
presentes a Dodona, a Delfos ou a qualquer dos famosos Após ter pronunciado suficiente número de palavras ou
santuários onde os “deuses” falavam por meio dos oráculos proferido sons ininteligíveis, a Pítia era retirada da trípode
ao povo. A adivinhação era mais apreciada que qualquer e conduzida a uma cela. Durante alguns dias procurava
outra ciência. Os adivinhos guiavam os exércitos: foram restabelecer-se do terrível acesso provocado pelas emana­
famosos CALCAS, MELÂMPIOS, TIRFSTAS, ARTSTANDRO ções. Segundo testemunha LUCANO, o resultado dêsse
de Telmcses (“adivinho” nada menos que de ALEXANDRE ministério costumava ser uma morte prematura.
Magno), etc. Os príncipes estrangeiros iam consultar os
oráculos nacionais da Grécia. Mais adiante, contra tôda esperança, deixou para sem­
pre de brotar o vapor nefítico na primavera. O Conselho
A pitonisa cie Delfos teve que treinar as Pítias para fingirem as antigas convul­
sões e espasmos.
O oráculo sem dúvida mais famoso foi o de Delfos, cidade Foi o começo do fim. Por outra parto, os partidarismos
da Grécia. Era dedicado a APOLO, o deus da “adivinhação”. políticos, e os interesses econômicos de Delfos motivaram
Na parte posterior do templo encontrava-se a bôea dum com freqüência, desavenças e represálias.
abismo, da qual subia na primavera uma corrente de ar ge­ Com o motivo das “guerras santas” os generais fócios
lado e narcotizante; sobre o abismo, na estreita abertura, FILOMENO, ONOMARCO e FALERO, saquearam o tesouro
estava instalado uma trípode de ferro com um assento. Nele do templo. Mais tarde o rei FILIPE de Macedônia apoderou-
sentava-se a sacerdotisa a quem chamavam Pítia. se do patronato do oráculo, fazendo com que se ditassem os
Do nome Pítia proveio o nome pitonisa que depois se oráculos a seu gôsto. SILA e NERO levaram, pouco de­
generalizou para designar toda classe de “adivinhas”. pois, os restos do que fora riquíssimo tesouro. CONSTAN-
A Pítia era cuidadosamente escolhida. No princípio só TINO, o Grande, saqueou finalmente o já esgotado templo.
havia uma, mas quando as consultas aumentaram, acrescen- Por fim, TEODÕSIO, o Grande, em fins do século IV, o
286 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 287

declarou oficialmente extinto e fechado. Lá se levanta hoje a.C. depositou-se esta coleção no reconstruído templo Capi-
a mísera aldeia de Castri2. Eis a história da mais perfeita tolino. Quinze intérpretes (“quindecimviri”) foram nomeados
organização de “adivinhação”. Os modernos “magos” de­ oficialmente para interpretá-los em nome do Estado nas
vem contentar-se em agir individualmente e às ocultas. circunstâncias necessárias.
O imperador AUGUSTO mandou depois revisá-los, pois
Os livros sibilinos corria o rumor de que se tinham introduzido nêles interpo­
As Sibilas ou a Sibila não são seres reais. São a per­ lações “post factum”, a fim de garantir as interpretações
sonificação dos deuses pagãos inspiradores dos oráculos, que se tinham dado. Os livros assim revisados, foram então
assim como as Musas ou a Musa são a personificação da ins­ depositados no templo de APOLO, no Palatino.
piração artística. Entre o público, porém, circularam sempre as mais va­
A inspiração profética, o transe em que caíam as pito­ riadas coleções, com muitas emendas e interpolações. Por
nisas, chamava-se “mania” que, etimològicamente, significa fim, no século VI da nossa era, sob o imperador JUSTINIA-
“furor”. Inclusive entre os cristãos, alcançou grande pres­ NO, fêz-sc uma ordenação definitiva. O investigador, desco­
tígio a “divina mãntica” dos pagãos, especialmente os livros nhecido, recolheu 4 232 versos. O seu manuscrito foi publi­
proféticos chamados “livros sibilinos”. cado na imprensa em 15453 e depois reproduzido em Paris
no ano de 1566. Filólogos competentes dedicaram-se a fazer
Segundo a lenda, o rei TARQU1NIO de Roma, por volta edições críticas4 * *.
do ano 500 a. C., recebeu um dia a visita cie uma misteriosa
mulher. A mulher ofereceu ao rei 9 livros que continham o
Crítica da mãntica pagã
futuro de Roma, nuus o preço era exorbitante e o rei os
recusou. Pela segunda vez a mulher ofercccui, pelo mesmo Do todo o imenso acervo de adivinhações da época clás­
preço, agora só seis dos nove livros, tendo queimado os sica, do ponto de vista da precognição a longo prazo, a única
outros três. Recusou o rei de nôvo. A mulher queimou mais coisa que poderia entrar em questão é a dos livros sibilinos.
três livros, oferecendo só os três livros restantes pelo mes­ Todo o restante da mãntica na época clássica que se refira
mo preço que no começo pedira pelos nove. O rei, impres­ ao futuro, são espertezas, como a quase totalidade das adi­
sionado pelo estranho proceder, comprou os três livros res­ vinhações de Delfos, ou não se conserva, ou são dados exces-
tantes pagando o enormo prêço estabelecido. sivamente gerais para podermos fazer um juízo. Em todo
caso, se trataria de precognição a prazo curto.
De fato houve três livros sibilinos. Mas os três perece­
ram num incêndio no ano 83 antes de Gris to. Os romanos ten­ Nos livros sibilinos estaria contido- não só o futuro de
taram reconstruir os livros sibilinos. Enviaram mensageiros Roma, como acreditavam os pagãos, mas, segundo alguns,
aos lugares de origem das pitonisas que tinham proferido também o futuro do mundo inteiro até a consumação dos
aquêles oráculos. Foram recolhidos fragmentos ou trechos séculos.
sem crítica, formando-se uma coleção de mil versos. No ano 73
3 — BETULEYO, Sixto, Basilea, 1545.
4 — As melhores são as de: S. GALLAEUS, Amsterdam, Galland,
2 — GOTLE: “Das delphisch Orakel in seinem politisch-religiõsen 1689 (8 livros que então se conheciam; os restantes livros, até 14, fo­
und sittichen Einfluss auf die Alte Wclt”, Leipzig, 1839. MOMMSEN, ram descobertos mais tarde na biblioteca de Milão pelo cardeal MAIA:
A.: “Delphika”, Leipzig, 1878. FOUCART, P.: “Mémoire sur les “Sibyllae liber XIV cnm livro VI et octavi parte”, 1817, e “Collectio
ruines et rhistoire de Delphes” em “Missions scientifiques”, Paris, scriptorum veterum”, 1825-1828: livros VII até XIII). ALEXANDRE,
1865. PONTOW: “Beitrage zur topographie von Delphi”, Berlim, 1889. Paris, 1840. FRIEDLIEB, J. H., Leipzig, 1852. Também são boas
HOMOLLE (com muitos colaboradores): “Fouilles de Delphes”, Pa­ as duas edições de DIDOT (1841 e 1846) e a edição de B. BADT
ris, Ecole française dAthènes, 1892-1901. em 1878.
288 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 289

Dos três livros sibilinos originais hoje conservamos (ou Nos livros VI e VII a alusão a CRISTO é claríssima,
deveríamos conservar) 14! Faltam os livros IX e X que existindo até um hino a JESUS. E, no livro VII (versos
talvez nunca tenham existido; dos livros IV, VI, VII e XII 217-430), aparece o nome “JESUS CRISTO” com todas as
só apareceram fragmentos. suas letras em forma de acróstico (isto é, com cada letra da
palavra JESUS CRISTO iniciando outras tantas estrofes se­
O mais importante de todos é o livro III, que talvez guidas). Fala-se da Encarnação, Redenção e Ressurreição
date do século II antes de CRISTO, anterior portanto ao com bastante clareza. Afirma-se que, graças à intervenção
incêndio no qual pereceram os livros sibilinos originários. Con­ da Virgem, se concediam ao mundo sete séculos. O fim do
tém 829 versos em dáctilos latinos. Fala da história bíblica mundo, pois, supondo que a profecia fôsse original da Sibila
da tôrre de Babel, gloria-se das grandezas de Israel e amal­ do século V antes de CRISTO, deveria ter sido já no século
diçoa a idolatria no seu estilo “profético”. Acreditam alguns segundo depois de CRISTO!
autores que continham algum elemento messiânico e pre­
tendem demonstrar que VIRGÍLIO tirou daí os versos da Precognição a longo prazo? Hoje, com os modernos
Êgloga VI na qual, segundo parece, anuncia o MESSIAS. estudos e descobertas, todos os eruditos estão de acordo em
que essas aparentes profecias cristãs são hábeis interpola­
Será que há, cm tudo isto, algo de precognição a longo ções e modificações feitas pelos primeiros cristãos. Falsi­
prazo? ficando os livros sibilinos, pensaram alguns cristãos que
Esta Sibila, certamente nfio seria a dos livros originais poderiam vencer a enorme resistência que ofereciam os pa­
do século V antes de CRISTO: todos os filólogos estão de gãos ao Cristianismo7.
acordo em que este livro, se não é posterior a CRISTO, Aliás, em lodo caso, os livros sibilinos em que aparecem
quando muito seria do século II antes de CRISTO, concreta- elementos cristãos, datam de épocas muito imediatas e até
mente, do tempo dos MACABEUS, i. é, da segunda metade contemporâneas do aparecimento do cristianismo. Por con­
do século II antes de CRISTO. Tudo, por conseguinte, prova­ seguinte, seriam prccognições a muito curto prazo, simul-
velmente dentro do prazo curto ou “existencial”.** cogniçõcs e até rctrocogniç.õcs.
Em segundo lugar, a opinião geral hoje é de que todos
êstes elementos judaicos foram uma hábil interpolação dos Primeiros séculos do cristianismo
judeus de Alexandria para servir-se das Sibilas nas suas O cristianismo, desde o começo, apesar do “respeito” tri­
discussões com os pagãos6. butado aos livros sibilinos dos pagãos, adotou clara posição
Em todo caso, não se trataria de precognição a longo contra inúmeras superstições que se introduziam entre os
prazo, nem sequer precognição, porque os elementos judai- cristãos, e mormente contra a prática da metagnomia8.
zantes do terceiro livro sibilino nada acrescentam ao que já
dizia a Bíblia. Por conseguinte, em último têrmo, bastaria 7 — Sobre êste ponto particular das interpolações dos cristãos,
uma simulcognição das profecias bíblicas escritas ou da cfr., além dos autores já citados: PARMENEDER no “Dicionário En­
tradição judaica para que a Sibila pudesse “prognosticar”. ciclopédico de Teologia Católica”, de Welzer e Welte.
8 — De agora em diante preferimos abandonar o têrmo “adivi­
nharão” (= proveniente dos deuses). Éste têrmo estava bem emprega-
5 — EWALD: “Entstchung, Inhalt und Werth der Sibyll”, Bü- iin ao falarmos da época pagã, pois os pagãos atribuíam êste fenô.
ninio aos deuses, geralmente. Nas épocas posteriores, porém, o
cher, Gõtingen, 1960. BOUCHfi-LECLERQ: “Histoire de la divina- Iti><ligio foi mais geralinente atribuído a revelações de diversas enti-
tion dans VAntiquité”, Paris, 1879-1882, Tomo II, págs. 133 ss. <l "i|*a como demônios, almas dos mortos, maatmas, etc.; inclusive,
6 — Além dos autores citados n<a nota anterior, Cfr.: B. BADT: ,"1 nliibiiído a sêres imaginários, independentes: fadas, gnomos, ondi-
“De oraculis sibyllinis. . Breslau, 1869. ima, elementares... Todos êstes sêres foram o resíduo da diviniza-
A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL
290 291

Talvez as mais famosas sessões de metagnomia fossem Não diminuiu no Renascimento o interesse pela “magia”.
as da heresia montanista. Era a continuação com formas apa­ Alcançaram fama universal as “profecias” de MALA-
rentes de cristianismo, das pitonisas e sibilas dos pagãos. QUIAS e NOSTRADAMUS, indubitavelmente os mais repre­
No século III, FILÓSTRATO, na apologia que fez de sentativos, depois dos clássicos até hoje. Seus escritos con­
APOLÔNIO de Tiana consagrou-o como o mais admirável têm muitos prognósticos a longo prazo. Por isso, e por serem
profeta.9 Com aquele panegírico, conseguiu-se que APO­ os mais importantes, nos deteremos especialmente neles.
LÔNIO de Tiana fosse colocado junto de ABRAÃO c de
JESUS CRISTO (!), na capela privada de JíiLia MÂNEA, A profecia do MALAQUIAS
mão do imperador Alexandre SEVERO 10. A célebre profecia do MALAQUIAS se atribui ao santo
Não há dúvida de que APOLÔNIO de Tiana foi sim­ bispo irlandês São MALAQUIAS, falecido aos 2 de novembro
plesmente um filósofo e “moralizador”, morto no ano 97, e de 1148. Porém, não foi publicada até 1595. Foi um monge
que nada linha do profeta. Ás profecias que lhe atribui beneditino, Amoldo WION, de Douai, quem a incluiu numa
FILÓSTRATO foram intcgralmentc inventadas 11. obra em latim 12. Não diz onde a tinha encontrado, onde
No século IV, talvez o mais famoso astrólogo fosse ficavam os originais, que provas tinha de que fôsse, na reali­
PRISCILIANO, bispo hereje de Ávila, na Espanha. dade, de São MALAQUIAS.. . Simplesmente diz: São MA-
LAQUIAS “passa por ter escrito alguns opúsculos, mas dêle
Da metagnomia nos primeiros séculos do cristianismo não conheço mais do que uma profecia sobre os soberanos
nada podemos tirar em prol da prccogniqão a longo prazo. pontífices. Como é breve e não foi ainda impressa, a repro­
Os metagnomos daqueles tempos c as pessoas que os consul­ duzo aqui para satisfazer o desejo do muitos”. Isto é quan­
tavam só se interessavam, ao que parece, pela metagnomia to se nos diz sobre as origens da profecia dc São MALA-
mais prática c imediatista. QUIAS.
A profecia de MALAQUIAS compreende um total de
Idade Média e Renascimento 111 lemas, correspondentes a outros tantos Papas a partir
Na Idade Média há uma verdadeira epidemia de feiti­ de CELESTINO II, que reinou de 1143 até 1144.
ceiros, bruxas, endemoninhados que enchiam o ambiente de WION afirma que a profecia foi escrita antes do pri­
mistério e prodígio. Entre esses prodígios destaca va-se a meiro papado designado com lema, isto é, antes de 1143. Mas
metagnomia. é claro que foi escrita muito depois, pelo ano 1595, ano da
publicação da “profecia** lõ apócrifa.
ção pagil dos astros, olemontos e leis da natureza. Tais erros ainda
perduram cm muitos ambientes. Com toda evidência aparece a ingenuidade com que se
Adotaremos o termo “metagnomo” e “metagnomia”, isto 6, co­ fizeram os lemas para os Papas que já tinham reinado an­
nhecimento além do normal, paranormal. Ainda não se tem adotado tes de 1595.
oficialmente um têrrno técnico para designar o “sujeito", o “perci- O Papa HONORIO IV, por exemplo, tinha no escudo de
piente”, a pessoa mesma que tem o conhecimento paranormal. Penso
que o têrmo “nictagnonio” 6 o mais indicado. O termo “sensitivo" armas uma rosa sustentada por dois leões. O lema em con­
reservar-se-ía paia a pessoa que experimenta fenômenos extraordiná­ sequência diz: “Ex rosa leonina". BONIFÁCIO VIII tinha
rio-normais, já que são devidos aos sentidos, principalmente. por nome de batismo “BENEDICTO" e no seu escudo de ar_
9 — PHILóSTRATUS: “De vita Apollonii", Londres. 1860. mas havia ondas; o lema foi: “Ex undarum benedictione”.
10 —- REV1LLE: “Le Christ paien du Ilíe. siòcle”, Paris, 1865.
< >s BõRGIA tinham no seu escudo um boi; o primeiro dos
11 — CHASSANG, M.: “Le merveilleux dans 1’antiquitc. Apol-
lonius de Tyane, sa vie, ses voyages. ses prodiges par Philostrate,
et ses lettres", Paris, 1862. FIEPPEL: “Le roman d’Appollon(, de I'.’ WION, Amoldo: “Ligmim vitae, ornamentum et decor Ec-
Tyane", em “Revue Contemporaine”, 1860. rl. :i|;i, Vi-IIOMI, 1595.
292 A FACE OCULTA I)A MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 293

Papas Bórgia, CALIXTO III, foi designado com as palavras: inteligência. O pseudo MALAQUIAS nem sequer a prazo
“Bos pasccns” e seu sobrinho, ALEXANDRE VI, por “Bos
curto era metagnomo.
albanus in portu”.
"Undosus vir” é o lema para LEAO XI. Não reinou
E assim os demais Papas. Só se fala em nomes (de fa­ senão 21 dias. Nem no nome nem no escudo há nada
mília, de batismo, ou do título cardinalício) c do escudo de que corresponda ao lema. Mas não faltaram comentaristas
armas. Ainda em Pontificados tão ilustres como os de que lograssem explicar o lema. Êsse Papa suou muito quan­
INOCÊNCIO III, NICOLAU V, LEÃO X, não se faz a mínima do se dirigia a São João de Latrão num dia de muito calor.
alusão a fatos do seu pontificado. Uma corrente de ar frio passou rapidamente. Como resul­
JÔ também significativo como o farsante autor da “pro­ tado do resfriado, pouco depois morria o velho pontífice. Foi
fecia” copia os erros a respeito dos Papas, proveniente do precisamente a transpiração a que previu “MALAQUIAS”:
um historiador do seu tempo. “Undosus vir”: (varão aquoso ou com ondas!).
Assim, por exemplo, nos lemas do pueinlo-MALAQUIAS, BENEDICTO XIV, o grande Papa do século XVIII, sábio
não aparecem mais do que dois aatipapas. E isto porque o e erudito de primeira linha, acreditado canonista, foi cm tudo
historiador PANVINJIU (ou PANVÍNÍO) só nomeia dois o oposto <lo lema que lhe corresponde: “Animal rurale”. Mas
antipapas. O mesmo hisl.oriu.dor tinha escrito que ET.JOB- os comentaristas até encontraram duas explicações desta vez.
NIO IV pertenci :i à ordem dos (Vlestinos, o que era falso Assim, corno Santo TOMAS de Aqui no foi chamado “o boi
pois não foi celestino mas agosl iniano. Na “profecia,” apa- de Sicília”, assim BENEDICTO XIV mereceu o lema dc “Ani­
reoe o erro: “Lupa celestina”. PANVÍNK) tinha afirmado mal do campo”. Outra explicação: diz a Escritura que chegará
que .!(>À() XXII. ora filho dum sapateiro oh amado OSSA. um dia em que o homem não reconhecerá seu Criador e será
Na realidade o pai de JOAO XXÍJ não era sapateiro nem se como os animais do campo. A isso alude “MALAQUIAS”: o
chamava OSSA: simplesmente pertencia á família DUESSE pontificado de BENEDICTO XIV coincidiu com o Enciclope-
(ou PIIEISSE). Na “proferia” se diz: “de suture Osseo” dismo, século de incredulidade! Embora BENEDICTO XIV
(do sspateiro OSSA). só vivesse 8 anos desse século. . •
LEAO XTI é designado como “canis et colubcr”. Para
Como se vé, é evidente que o autor da “profecia” se ser­ um comentarista o “cachorro” indica vigilância, a “serpente”
viu da história de PANVÍNÍO, o fica bem claro que a “profe­ a prudência: é o menos que se pode esperar de um Papa!
cia” é apócrifa; 6 muito _ 51 ‘ irior à data que se lhe atribuía, Para outro comentarista, LEAO XII era muito amigo de um
pois não podem atribuir-se a São MALAQUIAS os erros dum cachorrinho muito inteligente: compreende-se que “MALA-
historiador que havia de viver quatrocentos anos depois, pre­ QUIAS” previsse alguma luta do cachorrinho com uma ser­
cisamente pela ópoca na qual se publicou a “profecia”. pente. . .!
Aos Papas anteriores a 1095 se dá sempre um lema com­
posto, como vimos, do nome (nome de batismo ou da família Em fim, poderíamos multiplicar os exemplos. Aparece
ou cardinalício ou de ordem religiosa.. .) c do escudo. Dados claro como é fácil encontrar não uma, mas várias explica­
fáceis de serem conhecidos pelo autor de 1595. A partir de ções para cada um desses lemas, que parecem dizer muita
1595, porém, tudo muda: a “profecia”, da época da publica­ coisa e que na realidade não dizem nada.
ção em diante, vai às tontas. Em estilo autênticamente si- Além do estilo sibilino uma outra consideração se impõe
bilino, os lemas geralmente não tem relação nenhuma com na análise das precognições a longo prazo: a casualidade.
os nomes nem com os escudos. Para interpretar estes lemas E um dos fatos que têm contribuído muito à duração do
da segunda parte, os comentaristas partidários da autetici- pmdigio dos pseudo-profetas, quando não se consideram as
dade da “profecia” têm que fazer enormes malabarismos de coisas serenamente.
294 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 295

“MALAQUTAS”, disse de PIO VI que seria “Pcregrinus Se PIO XI, por fazer frente ao nazismo e ao comunismo
apostolicus”, e com efeito, PIO VI realizou uma viagem de­ incipiente foi chamado “Fé intrépida”, com não menos
sacostumada num Papa: foi a Viena para entrevlstar-sc com intrepidez os combateu PIO XII. Também pode ser chamado,
o imperador JOSJ3 II, que se intrometia demais nos assun­ como JOÃO XXIII, pelas suas legações quando cardeal “Pas­
tos eclesiásticos* Mais ainda, como se sabe, PIO VI foi le­ tor et nauta”, e “Peregrinas apostolicus” como PIO VI e
vado prisioneiro por BERTHIER para o outro lado dos Alpes. “Aquila rapax” como Pio VII, pelas sublimes alturas da sua
Extenuado da viagem, aos 82 anos, chegou a Valencc para doutrina em tão abundantes encíclicas e alocuções, etc.
morrer no dia 2Í) de agôsto de 1790, precisa mente quando
Ao contrário, o lema de PIO XII, “Pastor angelicus”,
o Diretório acabava de decretar que o Papa fÔsse levado a
acomoda-se melhor talvez a JOÃO XXIII pela sua pater­
Dijon: “Peregrino apostólico”.
nidade e bondade, e a São PIO X...
Outro acerto assombroso sc referia ao Papa seguinte. Enfim, todos os lemas para cada Papa e todos os Papas
IMO VII foi chamado na “profecia”, “Aquila rapax”. Com para cada lema. De todas as formas a casualidade e um
efeito, NAPOLEAO, imperador das conquistas, cra mma pouco dc habilidade na interpretação oferecem acertos igual-
“águia rapace” e mais rapace por ter roubado o ipiróprio mente empolgantes 13.
Papa levando-o prisioneiro para (Jrenoble. Depois, passou
de nôvo os Alpes, para Savona, onde o deixou confinado anos 13 A bibliografia, pró o contra, é amplíssima. Só citamos
inteiros. Por fim o levaram para Eont.ainoblau. NAPOLEAO as principais obras que temos usado.
queria instalar o papado em Paris. Só com a queda do im­ Em defesa da profecia: GERMANO, Giovanni: “Addizionc apo-
pério o Papa voltou a Roma. Por Asses dados os Intérpretes logetico-istorica alia pmlizione clrca i Romani Pontifici”, Nápoles,
ficam multo satisfeitos com o lerna “Aquila rapax”. 1075. GRAFE, Petrus: “Dlsqulsltio histórica de successionibus Pon-
tiflcum roímvnorum, secundum seriem pracnotationum Malachiae, hy-
berno adseriptam”, Mnrburgi. 1077. G. MORDER, Daniel: “Disser-
Em realidade, o lerna teria que sor aplicado a NA- tatio histórica de Mahtohin, propheta pontifício”, Altorf, 1706.
POLEÂO e não ao Papa cativo, que de “Aquila rapax” não KRÜGER, Thoodoms: “Oonnnentntio histórica secundum vaticinia
tinha nada. Malaquiae archiepiscopi Armaghani, a dubiis Claudii Francisci Me-
Mais ainda. Quase por entretenimento temos trocado, nestrierii, Carricrii aliorumquc vindicata”, Wittcmbcrg, 1723.
ao acaso, todos os lemas dos Papas do segundo período, e Impugnando a “profecia”: MENESTRIER, Claude François: “Re-
futation des prophétics faussenient attribuécs à S. MALACHIE sur
até temos aplicado todos os lemas a um mesmo Papa esco­ les elections des Papes”, Paris, 1689; obra muito recomendável.
lhido também ao acaso. Os acertos de interpretações são CARRIEJRE Franciscus: “Historia chronologiea Pontificum ro-
igualmente freqüentes c fáceis: é a grande vantagem do manorum cum praesignationc futurorum ex 9. Malachta”, Lyün* 1'6Ü2,
estilo sibilino, quando o estilo sibilino está feito por um 1663, 1694; Veneza, 1697.
“mago” dc categoria. De caráter mais geral, isto é, nfl/o diretamente polCmico, são as
seguintes obras entre as mais notáveis: CUCHERAT, F.: “La pro-
PIO XII, por exemplo, pode perfeitamente ser chamado phétie de la succession des Papes depuis le XII siòcle ]usqu'à la fin
“Varão religioso” igual ou melhor do que PIO VIII; pode ser du monde: son auteur, son authenticité et son explication”, Grenoble,
chamado também “Fogo ardente” como PIO X pelo zelo 1873. MAITRE, Jos.: “Ra prophétie des Papes attribuée à S. Malachie”,
apostólico, ou pela guerra terrível que presenciou (pois os Paris, 1902. THURSTON. S. J., Herbert: “The so called Prophecy
intérpretes dão ambas explicações tratando de São PIO X); <>f Saint Malachy”, Londres, The War and the Prophets, 1915. NOE,
I >e la Tour de (tradução espanhola da 20.a ed. francesa, por Bra.
como LEÃO XIII, também PIO XII pode ser chamado “Luz Fe. Pbo.): “El fin dei mundo después de los diez Papas futuros, de
no céu” pelas grandes Encíclicas; “Religião devasta­ fr.nis ardens a Petrus secundus”, Toulouse, 1895. PIJOÁN, Rafael:
da”, melhor do que BENEDICTO XV porque no seu tem­ "10! slglo XX y el fin dei mundo, según la profecia de San Malaquias”,
po á cristandade se digladiava com milhões de cadáveres. Rurcrhma ,1914.
296 A TACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL, 297

E se isto pode dizer-se da “profecia” do pseudo-MALA- As Centúrias, no ambiente misterioso e supersticioso da


QUIAS, a mais concreta de todas as profecias a longo prazo, época, logo alcançaram o mais rotundo êxito, não só na
por referir-se sempre a personagens determinadas, que não França, mas também no estrangeiro. Foi considerado e esti­
se poderá dizer das “profecias” nas quais não se determinam mado como o astrólogo mais sábio de todos os tempos. Ple­
as personagens, ou as datas, ou os lugares? beus e nobres rivalizavam em honrá-lo.
Em conclusão: a “profecia de Malaquias” não é auten­ Um ano após a publicação das Centúrias, a fama de NOS­
tica metagnomia a longo prazo e nem sequer a prazo curto. TRADAMUS chegou aos ouvidos do rei HENRIQUE II, que
É farsa. o mandou chamar, conversou com êle longamcnte e o cumu­
lou de presentes.
NOSTRADAMUS Quando CATARINA de Médicis conduzia uma de suas
O mais célebre dos metagnomos de todos os tempos foi filhas à fronteira de Espanha para ser recebida lá como
NOSTRADAMUS. Era dc ascendência judaica, tanto por rainha, desviou o itinerário para passar por Salon-de-Crau
via materna como por via paterna, da família de ISACAR. Em e consultar NOSTRADAMUS. O jovem rei CARLOS IX,
consequência do edito de LUÍS XI ameaçando confiscar os que no ano anterior (1503) tinha sido declarado maior de
bens dos judeus da Provença se não se convertessem ao cris­ idade, deu a NOSTRADAMUS as maiores mostras de afeto,
tianismo, os antepassados de NOSTRADAMUS se fizeram e nomeou-o módico e conselheiro real (títulos só honoríficos).
batizar. Foi então quando trocaram os nomes judeus pelos NOSTRADAMUS estava já muito envelhecido c débil.
do NOTRE-DAME os antepassados paternos, e SAINT RE- Dois anos após a visita do rei, “afligido pelo artritismo
MY (do lugar onde habitavam) os antepassados maternos. e pela gota”, prognosticava a sua morte próxima, escre­
vendo misteriosa mente nas Efemérides de João STÁDIUS:
Na vila de Saint Remy nasceu Miguel NOSTRADAMUS,
“Hic prope mors est” (Está próxima a morte). Um mês
o grande metagnomo, no ano dc 1503, numa quinta-feira, 14
mais tarde, e horas antes de morrer, teve o seu último diag­
dc dezembro, perto do meio-dia (a exatidão dos dados se
nóstico do futuro ao dizer para seu amigo Jean-Aimes de
deve ao mesmo NOSTRADAMUS, pelo cuidado que pôs de­ CLAVIGNY, doutor em Direito e Teologia: “Não me verá
pois em averiguá-lo afim de fazer seu próprio horóscopo). com vida a saída do sol”. Com efeito, pouco antes do ama­
Era filho de Jacob NOSTRADAMUS, notário do lugar, c de nhecer morria Miguel NOSTRADAMUS 15.
Renata SAINT REMY.
Ainda hoje, na Igreja do Cordelliers, cm Salon-de-Crau,
Recebeu o gosto pela astronomia de seu bisavô materno, pode ler-sc o seguinte epitáfio que traduzimos do latim: “Aqui
assim como o gôsto pelas matemáticas e a medicina o herdou repousam os ossos de Miguel NOSTRADAMUS, cuja pena
dos seus avós. quase divina tem sido julgada por todos digna de transmitir
NOSTRADAMUS guardou algum tempo seus livros de aos homens os acontecimentos futuros de tôda a terra se­
profecias, as Centúrias, sem querer publicá-las, por medo gundo os influxos dos astros. Faleceu em Salon-de-Crau,
de que o atrevimento da matéria lhe suscitasse imaledicen-
cias e calúnias. Por fim, instado pelos admiradores, as deu a Nostradamus, de 1600 a l’an 2000”, Amsterdam, Jean Janson, Ed.,
conhecer manuscritas em 1555, “número perfeito” que pres­ 1011; livro reeditado om 1678 e que se conserva na Biblioteca
sagiava êxito 14 15. Nacional de Paris. As datas 160-0 até o ano 2000 são interpretações
do editor. Há muitíssimas edições posteriores, traduções e comentários.
15 — CHAVIGNY, Jean Aimes: “Bref discours sur la vie du
14 — Em 1555 publicou 7 Centúrias com o título “Almanache”. Mr. M. Notredame... ”, Lyon, Roussin, 1594. HAITZE: “Vie de M.
Em 1558 acrescentou mais 3 Centúrias. Outras frações foram acres­ Nostradamus”, Aix, 1712. JAUVERT: “Vie de Nostradamus”, Ams-
centando-se em diversas datas. Propriamente só foram editadas IonIam, 1656. TRONG do Condoulet: “Abrégé de la vie de M. Nog-
em 1611: “Texte original et coxnplet des prophéties de Michol l' •idainiis”, s.d. RARESTE: “Nostradamus”, Paris, 1842.
298 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 299

Provença, no ano da graça de 1566, no dia 2 de julho, ao.s as estrofes que lhe parecem mais fáceis e deixa as demais,
sessenta e dois anos, seis meses e dezessete dias. O suces­ o período 1933-1955 foi especialmente interessante para
sores, não toqueis suas cinzas, zelosos do seu repouso”. NOSTRADAMUS.
Precognições a longo prazo? Como dissemos, referimo- Para a primeira metade do período, isto é, de 1933 até
nos especialmente a NOSTRADAMUS, como antes a MALA- 1947, NOSTRADAMUS tinha previsto a guerra civil espa­
QUIAS por serem os mais importantes. As observações, nhola; previu HITLER, MUSSOLINI, o primeiro fracasso da
poróm, são a modo de exemplos concretos, devendo-se apli­ Sociedade das Nações; predisse a queda da terceira Repúbli­
car a tôdas as demais “profecias” a longo prazo. Tôdas as ca francesa, a guerra sino-japonesa, a abdicação de EDUAR­
precognições a longo prazo tem características semelhantes, DO VIII; a Segunda Guerra Mundial estava também prevista
c diferentes das autenticas precognições a curto prazo. E es­ com tõda clareza, e o armistício de 1940 e o regime do ma­
sencial o estilo genérico, obscuro, como nos livros sibilinos. rechal P15TAIN. Com idêntica clareza estava prevista a
NOSTRADAMUS escreve, por exemplo: “Paia <■ mãos resistência inglesa, a campanha da Itália, a queda de MUS-
mortos, lotos infinitos, mulhoros oin luto, pestilência enorme. SOLINI, o govOrno de DE OATTLLE cm Londres, os bom­
O grande já não é mais, todo o mundo termina”. bardeios, a morte de ROOSEVELT, o fim do govêrno de
Viclty, a chegada de DE GAULLE ã França...
Prediz o fim do mundo? Uma grande guerra? Nes­
tes versos os interpretes viram uma profecia da catás­ As pessoas que leram o livro no ano da publicação,
trofe de Courriòres. Eis como se interpretam, no prodígio 1947, devem ter ficado impressionadas por tantas “predi­
de engenho as palavras de NOSTRADAMUS: ções” cumpridas. Aceitariam pouco menos que como evi­
dentes os prognósticos que se faziam para os anos seguin­
“A palavra luto (“douil”) dins vflzes empregada, 6 um tes até 1955. Em 1904, podemos criticar o que o comenta­
jflgo de palavras: quer dizer que haverá um grande luto rista, escrevendo cm 1947, esperava até 1955.
na.M nmrgen.s do “Doule”, rio que passa a oin quilôme­ Evidentemente, o comentarista põe, para esta segunda
tro de Courriêres. A “pestilência uiitniKi" indica, (jue have­ parte do período, uma série dc generalidades, visto que nem
rá muitos cadáveres. “O grande não c mais” se refere a LO- êle mesmo podia interpretar “as mais claras” palavras de
BET, que concluiu seu mandato. 4<Todo o mundo termina” NOSTRADAMUS:
é a Câmara (!!) que terminou também seu mandato.
“Continuação da crise económica”, “dificuldades para as
Ora, como se vê, êstes versos podem aplicar-sc, com mais subsistências”, “confusão na política”...
facilidade inclusive, também à guerra russo-japonêsa, à Como se vê, generalidades infalíveis. Outras coisas não
guerra dos Setenta, á catástrofe de Martlnica, á perda do tão gerais, apesar de parecerem prováveis quando o comenta­
“Lutin” ou a explosão do ‘Tona”, para nomear só algumas rista escrevia, resultaram plcnamènte falhas: “o final dô su-
das catástrofes que sucederam mais ou menos na mesma cialismo”, “extermínio do comunismo”, “final da república
época que a de Courières. E se quiséssemos incluir outra francesa”. Tudo antes do 1955! NOSTRADAMUS teria va-
época? O mais consciencioso intérprete moderno, LIGEOIX ficinado também, com toda clareza e infalibilidade, a res­
de la COMBE o aplica à Terceira Guera Mundial! peito do papado:
Analisamos um recente comentário das Centúrias 16, pu­ A PIO XII sucederia um Papa jovem (JOAO XXIII
blicado em 1947. Segundo este intérprete que, aliás, escolhe subiu ao trono pontifício com 77 anos). Êste Papa jovem
fugiria de Roma e se refugiaria em Avignon. Então os
16 — XX: “Texte original des Prophéties de Michei Nostrada- revolucionários nomeariam nôvo Papa, mas o jovem e verda­
imis”. Paris, 1947. deiro Papa voltaria a Roma, protegido pelas armas francesas.
300 A FACE OCULTA. DA. MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 301

Todo o mundo temia a Terceira Guerra Mundial... A Pois bem, LIGEOIX começa por provar sem contesta­
descrição que dela faz NOSTRADAMUS é muito concreta e ção possível que as Centúrias de NOSTRADAMUS ou «e
detalhada segundo o comentarista que escrevia em 1947. referem só à Terceira Guerra Mundial ou não se referem
a nada. . . Somente quatro décadas a partir de 1960, isto
A Rússia, aliada aos muçulmanos, começaria por ata­
é, preparativos, desenrolar e consequências da Terceira Guer­
car a Itália. Depois, a França deveria ser invadida duas
ra Mundial estariam visados por NOSTRADAMUS. Se as
vtizes. A destruição de Paris seria total. Depois, viria a
Centúrias de NOSTRADAMUS não se referissem à Terceira
invasão da Espanha. Barcelona (Espanha) e Marselha Guerra Mundial somente, não deveriam ser tidas em conta
(França) seriam ocupadas pelas forças muçulmanas. Surgi­ para nada; não haveria prccognição de nenhuma classe.
ria, porém, um grande chefe fratures que, aliando-sc com as
forças recrutadas pelo Papa, dos E.U.A. e da Espanha faria
Mas o mesmo NOSTRADAMUS afirmava que eram
fugir os inimigos até o Oriente Médio...
profecias da história do mundo até o ano 3797, como vere­
mos! Um êrro de interpretação do próprio NOSTRADA­
Esta terrível guerra, mais terrível que tôdas as anterio­ MUS? (O consciente do metagnomo não tem porque ser o
res, deveria terminar em 1954! melhor intérprete das prccognições do seu inconsciente. ..).
O trabalho de LIGEOIX de la COMBE parece-nos da
A Terceira Guerra Mundial maior importância científica.
Deve-se destacar em primeiro lugar o acerto de ter-se
Falando da Terceira Guerra Mundial, não podemos dei­
xar de destacar um intérprete contemporâneo, extraordiná­ entregue aos investigadores o livro antes dos acontecimen­
rio modelo de método o tenacidade para desvendar o misté­ tos que estariam anunciados. Desta maneira se exclui a
possibilidade de atribuir os acertos, se os houver, à inter­
rio das profecias de NOSTRADAMUS. Estamo-nos referin­
do ao comandante LIGEOIX dc la COMBE. pretação “post factum”.
Além disso, a interpretação de LIGEOIX não recorre,
fàste investigador trabalhou ativamente durante 10 anos como tôdas as até hoje apresentadas “ante eventum”, a
sôbre as profecias de NOSTRADAMUS. O resultado do tra­ generalidades e interpretações quase tão sibilinas como as
balho exaustivo acaba dc sor publicado num elegante volume Centúrias mesmas. Não. A interpretação de LIGEOIX é
de 500 páginas. assombrosamente clara, concreta até o extremo: lugares,
Do livro só se fizeram 100 exemplares que foram entre­ nomes, datas, episódios nitidamente descritos... Tudo num
gues às melhores bibliotecas, sociedades parapsicológicas e trabalho “exegético” perfeito, aliás permitindo perfeitamente
alguns parapsicólogos particulares, para a conservação da a comprovação na leitura. O livro está disposto em duas
obra até que a época supostamente visada por NOSTRA-* colunas e em duas tintas, à esquerda e em vermelho as
DAMUS tenha passado. O livro não poderá ser entregue ao expressões de NOSTRADAMUS, à direita e em prêto a
público. As consequências 'poderiam ser fatais e dc influ­ interpretação de LIGEOIX, e em letra pequena ao pé de
ência imprevisível na vida e até nos destinos de algumas rada quadra as razões “exegéticas” pelas quais se dá tal
nações... 17. interpretação, sendo precisamente nestas razões apresenta­
das que aparece claramente o enorme trabalho e valor cien-
17 — Devo agradecer ao autor, cm meu próprio nome e no dos líliro da interpretação de LIGEOIX.
meus leitores, o presente de vários exemplares do seu precioso livro
e por ter-me autorizado a fazer algumas públicas referências ao con­ O livro de LIGEOIX é uma completa refutação cien-
teúdo do mesmo. Esta, autorização é mais de agradecer por ser a fU im das interpretações anteriores de todos os que quise-
única outorgada. ram vm* mil acertos, aplicando as expressões das Centúrias
302 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 303

a qualquer acontecimento da história. Seriam resultado do e finalmente “Petrus romanus”. Após êste lema, a “profe­
estilo sibilino, disquisições dos interpretes, sem valor obje­ cia” se encerra com eatas palavras: “...PEDRO de Roma
tivo nenhum. apascentará suas ovelhas em meio de muitas tribulações;
depois a cidade das sete colinas (Roma) será destruída e o
Não 6 possível, naturalmente, fazer nenhuma antecipa­ terrível juiz julgará seu povo”.
ção dos acontecimentos que se prognosticariam, além de por
outras razões óbvias, por razões científicas. Deve-se pre­ Por conseguinte, de PAULO VI até o juizo final só há
tender só a investigação científica sem outras metas, políti­ quatro Papas; o fim do mundo, pois, não andará muito
cas ou de outra qualquer espécie, o para este trabalho o longe do ano 2000, segundo o pseudo-MALAQUIAS.
melhor 6 esporar os acontecimentos. Está reservado aos
parapsicólogos do século XXI comprovar se de fato o prog­ Talvez influenciados pelo prognóstico de “MALAQUIAS”
nosticado foi realizado ou não. So os prognósticos não a maioria dos intérpretes de NOSTRADAMUS asseguram
se realizarem, então se deverá considerar como desapare­ que nas Centúrias também se prognostica o fim do mundo
cido perante a ciência o mito “NOSTRADAMUS, metagno- para a mesma época, ou mais concretamcntc para o ano 1999.
mo a longo prazo”.
O mesmo NOSTRADAMUS, porém, contesta essa in­
Pessoalmente acreditamos num rotundo fracasso de terpretação. Não nas Centúrias, mas numa apresentação
NOSTRADAMUS. A análise das Centúrias nos dá uma im­ que delas faz, NOSTRADAMUS diz expressamente: “.. .te­
pressão tão nítida de meras ou quase meras elucubrações, de nho composto livros dc profecias, cada um dos quais con­
fantasmagorias do inconsciente, que não esperamos nada tém cem quadras de profecias astrológicas as quais qu:s
de precogniçao autêntica. Maravilhoso talento do incons­ empalmar um pouco escuramente e são vaticínios perpétuos
ciente, isto sim, verdadoi ram ente maravilhoso estilo sibilino,
que vão de agora até o ano 3797” 18 19. Os intérpretes não co­
que poderíamos chamar “paranormal” no mais admirável nheciam estas palavras de NOSTRADAMUS que durante
sentido da expressão. Mas não precognições a longo prazo. muito tempo permaneceram cm manuscrito. Essas pala­
Enfim, no século XXI se discutirá o assunto com conheci­ vras evidentemente significam que segundo NOSTRADA­
mento de causa 1K. MUS o mundo chegará pelo menos até o ano 3797.
Como vemos os dois “profetas” mais célebres de “a lon­
O fim cio umrnlo
go prazo”, estão em franco desacordo nos prognósticos cla­
Numa ocasião NOSTRADAMUS falou com clareza em ros, e em desacordo com infinidade de outras “profecias”
prognósticos a longo prazo. O mesmo prognóstico, e tam­ segundo as quais o mundo já deveria ter acabado muitas
bém claro fez “MALAQUIAS”. Ambos os vaticínios claros vezes.
(até certo ponto), se referem ao fim do mundo. Talvez as mais célebres datas, marcadas para o fim do
A “profecia” do pneudo-MALAQUJAS põe apos o atual mundo, tenham sido o ano 999, o dia 13 de outubro de 1736
pontificado de PAULO VI, “Fios Floram”, os seguintes lemas: o o ano 1-881.
“De medictate lunae”, “De labore solis”, “De gloria olivac” Em 999 milhares de peregrinos foram para Jerusalém
onde esperavam ver o Juízo Final. Queriam que o Juiz Di­
18 — Para a crítica dos prognósticos de NOSTRADAMUS, em vino os encontrasse esperando lá o seu Advento. Muitíssi­
geral, Cfr. além das obras já citadas: ADELUNG: “Historia de Ia mos venderam todos os seus bens antes de partir e distri-
locura humana” (tradução espanhola), Leipzig, 1785. BOUYS: “Nou-
velles considérations sur les Sibylles et les Prophétes et particuliére-
ment sur Nostradamus”, Paris, 1806. LEROUX: “La clef de Nos- ií> NICOULLAUD, Charles: “Nostradamus et ses prophéties”,
tradamus”, Paris, 1710. Ruis, IViTin, 1914, pág. 69.
304 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 305

bui ram logo o dinheiro da venda em esmolas. Muitas casas — “Mestre, quando acontecerá isto?... JESUS res­
ruiram porque estando iminente o fim de tôdas as coisas pondeu :
teria sido loucura repará-las... — Vêde que não sejais enganados. Muitos virão em
meu nome dizendo: Sou eu e o tempo está próximo. Não
Mas o mundo continuou ‘‘rodando”.. . sigais após Cies!” 2<í.
No dia 13 de outubro de 1730, uma multidão enorme — “Dize-nos quando hão de suceder estas coisas?...
abandonou Londres para poder, da campina vizinha, observar JESUS pôs-sc então a dizer-lhes:
a destruição da cidade.
— Cuidado que ninguém vos engane. ..” 25.
Rcccntcmcnte aconteceu um caso parecido na Itália, — “Quanto àquele dia e àquela hora ninguém o sabe,
caso de que falaram todos os jornais do mundo. nem mesmo os anjos do céu, mas sòmente o Pai” 26.
Durante o reinado de HENRIQUE VIII (1509-1347), Alguns manuscritos trazem ainda “nem mesmo o Fi­
época em que se dizia que viveu a Madre SHIPTON, apa­ lho” no sentido de que nem CRISTO na sua qualidade de
receram umas profecias atribuídas a ela. A fama das pro­ MESSIAS enviado por Deus estava autorizado a revelar o
fecias percorreu o mundo no século seguinte zo. As profe­ dia do fim do mundo. Quanto menos os “magos” e falsos
cias corriam de bOea em bôea e eram recolhidas em milhares
Cristos...!
de edições diferentes com interpolações, modificações, etc. 21.
A data marcada para o fim do mundo, pelas profecias Ainda aqueles “magos” que não consideram JESUS
da suposta Madre SHIPTON, era o ano de 1881. A medida CRISTO como Deus deveríam ter mais respeito por quem
que se ia aproximando essa data, o nervosismo aumentava consideram como o mais poderoso “mago” que já houve.
entre muitas pessoas supersticiosas c crédulas. Como se ve, dc tôda a Idade Média nada há que sugira
Por sorte, oito anos antes da data marcada para o a precognição a longo prazo, se prescindimos de NOSTRA-
cataclismo, se descobriu que muitas das edições das profe­ DAMUS em possibilidade remota, muito remota mesmo. . . /
cias da Madre SHIPTON tinham sido modificadas e a data
do fim do mundo era uma dessas interpolações evidentes 20 21 22. Idade Moderna e contemporânea
Ainda no começo do ano “fatal” apareceu um livrinho com Começaremos por citar os famosíssimos profetas das
aguda crítica ridicularizando a profecia. Mostrava quan­ Cevennes.
tas outras profecias já se tinham feito marcando data para O edito de Nantos dera certa liberdade aos protestantes
o fim do mundo “sem que o mundo se desse por inteirado, na Fiança. A posterior revogação do edito foi acolhida pelos
continuando a girar pelo espaço...” 23 *.
protestantes com grande revolta. O protesto se converteu
Para os adivinhos, nfio tem importância que nem o pró­ em exaltação e a exaltação degenerou em numerosos surtos
prio JESUS CRISTO estivesse autorizado a revelar-nos o de histeria. Quando os protestantes se reuniam à noite,
fim do mundo: no campo, era comum que alguma mulher caísse subitamen­
te retorcendo-se pelo chão, tremendo, e pondo-se a pregar
20 — HEAD, Richard: "Histoire de la Vie et des Prophéties histèricamente e a fazer “profecias”. Logo, outras pessoas,
de Mòre Shipton”, Paris, 1641. principalmente mulheres, seguiam o exemplo, psiquicamente
21 — Uma edição que parece mais crítica é: “Prophesies of
Mother Shipton”, Londres, 1662.
22 — HEUING, Daniel W.: “Foibles and Fallacies of Science”, 24 — LUCAS, XXI, 7-9.
4.a ed., New York, 1932 (l.a ed., 1924), pág. 218. 25 — MARCOS, XIII, 4-5.
23 — HARRISON, William H.; “Mother Shipton Investigated”,
Londres, 1881. 26 — MATEUS, XXIV, 36.
A FACE OCULTA DA MENTE
306 O PRAZO EXISTENCIAL 307
contagiadas. As reuniões terminavam numa orgia de tre­
mores, convulsões, gritos... e “profecias”. Tudo isto sucedia
tistas se consideraram na obrigação de estudar as qualida­
des da grande metagnoma” 28.
principalmente nas Cevennes, onde os protestantes eram mais
numerosos e onde chegaram até a levantar-se em armas con­ Celebraram-se congressos dos profissionais das predi­
tra a revogação do edito. ções. O primeiro congresso de que temos notícia, celebrou-
se já em maio de 1906, em Londres, no Exter Hall, e na
O Mal. de VILLARS que em nome do govêmo foi às mesma época houve um truste de tiradores de sorte, na
Cevennes para reprimir a revolta armada, expressasse assim: província de Bari, em Molfetta.
“Vi coisas nas quais não teria acreditado, caso não tivessem No congresso de Londres, a maioria dos metagnomos de­
passado sob meus olhos: uma cidade inteira, na qual tõdas cidiu que o mundo terminaria no dia 3 de maio de 1929. Os
as mulheres c tõdas as moças, sem exceção, pareciam pos­ menos pessimistas, em alarmante minoria, determinaram,
suídas do diabo, tendo tremores e fazendo profecias pelas ao contrário, que acabaria o mundo no dia 9 de abril de 1931.
ruas”. O truste de tiradores de sorte, por sua parte, terminou
com a intervenção da policia, que desvendou nesta ocasião
“fòsscs possessos acreditavam que, pelo espírito, podiam
134 trajKiças das quais tinira denúncia. Um verdadeiro museu
perceber à distância os seus perseguidores, lendo-lhes os pen­
foi feito com os objetos confiscados aos participantes do
samentos e desmascarando os traidores. (3 profeta mais
truste: cartas de baralho, limões espetados com agulhas, fi­
célebre dentre eles foi uma mõça de 10 para 17 anos, que
tas pretas, barrilzinhos dc alcatrão ou de poeira, garrafas de
recebeu o nome de PASTORA DE CLET e que se tornou ob­
álcool, ervas de todo gênero, cabelos, unhas de homens e de
jeto de romaria, até jwira gente vinda de muito longe. Em animais. Enfim, inumeráveis objetos “misteriosos” e esqui­
vez de apresentar convulsões, parecia antes adormecida. sitos 29.
Nesse estado, ora de absoluta insensibilidade, nenhuma exci­
tação, nenhuma dor, nenhuma tortura seria capaz dc faze-la Em tôdas as grandes cidades do mundo houve e há
estremecer. Falava em francês muito correto e exprimia-se infinidade de prognosticadorcs do futuro, mais ou menos
também cm latim proferindo, segundo diziam, orações admi­
permitidos ou controlados pela polícia. Somente em Paris,
no ano de 1960, existiam mais de 14 000 “adivinhos” ficha­
ráveis. Quando saía do estado sonambúlieo, não Se lembrava
dos pela polícia. Só os metagnomos que se declaram ocul-
do nada do que havia dito ou feito, afirmando que havia
tistas (prescindindo, pois, de tôdas as outras espécies: es­
dormido” 27. píritas, teósofos, etc.) realizam em Paris uma média de
Nem é preciso dizer que muitas dessas profecias não 50 000 consultas diárias, ganhando por volta de 100 000
se confirmaram. E muitas delas não eram autênticas pre- dólares diários. Isto apesar dos “adivinhos” estarem proi­
bidos pela lei na França.
cognições. Em todo caso se referiam a um futuro imediato,
a prazo bem curto. * Tenho revisado milhares das principais preeognições de
metagnomos “profissionais” e outros casos espontâneos,
São freqüentes ainda os almanaques e horóscopos, que («orno já dissemos, a principal coleção é formada pelos casos
gozaram de tanto prestígio nos fins do século passado e co­ (entre os quais há muitos dc preeognições) recolhidos e
meços do presente. Todos os anos alguém que se considera comprovados pela “Society for Psychical Research” (S.P.
bom metagnomo publica os prognósticos para o ano se­ K ), dc Londres e da “sucursal” americana. Há também
guinte. Foi famosíssima a Sra. de THÈBES. Até os cien- 27
v.s - Veja-se, por exemplo, a revista: “Echo du Merveilleux”
págs. 447 ss.
27 — Citado por SILVA MELLO, o.c., pág. 437. V9 “Annales des Sciences Psychiques”, 1906, págs. 259 ss.
A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL, 309
308

coleções de grande riqueza de outros autores que se têm Contudo, as possíveis retrocognições confirmam a nos­
esforçado por reunir só casos de precognição. sa tese de que PG parece prescindir do tempo só dentro dos
Pois bem, não tenho encontrado nenhum caso que su­ limites que chamamos “a prazo curto”.
gira a precognição parapsicológica a longo prazo. Todos O Dr. OSTY, com efeito, analisou milhares de casos es­
os casos com “possível” explicação “extraordinária” de que
pontâneos e experiências científicas, comprovando que as
tenho notícia são de precognições a prazo curto. Os mo­
dernos e contemporâneos têm pouquíssimas precognições a “retrocognições” só se aprofundam num passado relativa­
longo prazo. Interessam-se por precognições próximas e uti­ mente muito próximo 30. É uma excelente confirmação de
litárias. Aliás, as precognições a longo prazo dos contem­ nossa tese.
porâneos, — ainda que não fossem sibiünas, — como com­ O Dr. OSTY não só analisou as “retrocognições”, mas
prová-las ? comprovou também que “o maior ou menor tempo (futuro)
até a morte de uma pessoa não influi absolutamente nos
Conclusão
dados que sobre ela pode obter um clarividente” 31 32. Podería­
Tendo presente tôda a história da “adivinhação” espon­ mos formular a mesma verdade de outro ponto de vista: o
tânea, achamos que na tese parapsicológica “PG prescinde inconsciente de uma pessoa pode conhecer tudo o que suce­
do tempo”, se deve incluir a restrição “dentro dum prazo der a essa pessoa, desde o nascimento até a morte. Um
curto”. Só assim essa tese poderá ser corroborada pelos ca­ metagnomo poderia captar nessa pessoa qualquer aconteci­
sos espontâneos de precognição desde a mais remota anti­ mento dentre aquilo que ela inconscientemente conhece.
guidade até os nossos dias. Êstc prazo curto nunca excede
dois séculos, pouco mais ou menos, somando-se a rctrogni- Desta maneira o prazo curto assinalado por OSTY, na
ção e a precognição. realidade coincide coim o prazo de cinco gerações que nós
assinalamos: mais ou menos dois séculos. Uma pessoa po­
Nenhuma experiência de laboratório deria captar no inconsciente do avô tudo o que sucedeu com
ele desde que êle nasceu c essa mesma pessoa poderia cap­
A Parapsicologia tem demonstrado que PG pode co­ tar no inconscinte dos netos tudo o que sucederá a eles, até
nhecer o futuro. Mas as experiências científicas não nos êles morrerem. Para tudo isto, bastaria que essa pessoa
autorizam a formular, sem restrições, “PG prescinde do coexistisse durante algum tempo com o avô e os netos.
tempo”. As primeiras experiências parapsicológicas come­ Evidentemente, falamos em avô «e netos para representar
çaram em 1934; portanto, não houve tempo de experimen­
tar a longo prazo. Ainda que os metapsíquicos tivessem as diversas gerações ou períodos de tempo.
experimentado a precognição (o que não fizeram), também O Dr. MURPHY comprovou que o objeto do conheci­
não teriam passado ainda o prazo curto: a Metapsíquica mento paranormal jamais é algo “indiferente, mas sempre
nasceu em 1882. está intimamente ligado a uma pessoa viva” 3‘.
Confirmações
30 — OSTY, Eugène: “La connaissance supra-norxnalc”, 2.a ecl.,
Tratando da relação PG-tempo, só falamos até agora Paris, Alcan, 1925 (l.a ed. em 1923).
do tempo futuro. porque, como já dissemos, a retrocog- 31 — OSTY, Eugène, em “Revue Métapsychique”, VI, 1936.
nição (ou posteognição) não passa de uma classificação 32 — MURPHY, Gardner: “Telepathy and Clairvoyance”, em
lógica e prátioa... “The Journal ot Parapsychology”, X, 1946, março, págs. 35 ss.
310 A FACE OCULTA DA MENTE O PRAZO EXISTENCIAL 311

Temos encontrado casos de conhecimento paranormal ocultistas vestiram as suas doutrinas, vemos que também
de coisas “relacionadas indiferentemente”, permita-se-nos a eles estão de acordo em afirmar que PG só prescinde do
expressão 33. As palavras de MURPHY (“intimamente liga­ tempo, tanto nas retrocognições como nas precognições, den­
do a alguma pessoa”) não devem ser estritamente interpre­ tro do prazo curto de mais ou menos 5 gerações. O metag­
tadas. Pode bastar uma relação nada íntima, como simples­
nomo captaria “no círculo de luz astral” do avô “tudo o que
mente ter ouvido falar do fato, tê-lo visto alguma vez
inconscientemente. Deve tratar-se, porém, como sublinha lhe sucedera desde o nascimento”, e assim também captaria
MURPHY, de uma pessoa viva. no “círculo de luz astral” do neto (ou qualquer pessoa coetâ­
nea do noto) “tudo o que lhe sucederá até a morte”. Cinco
As observações do Dr. MURPHY, pois, confirmam o que
já antes considerávamos: suposta a coexistência durante al­ gerações.
gum tempo, com o avô e os netos (ou coetâneos dêles), o Quando falávamos da distância em PG, terminávamos
prazo curto, “existencial”, alcançado por um metagnomo com estas palavras: “PG prescinde da distância ao menos
poderia abarcar cinco gerações, mais ou menos dois sé­ dentro do nosso planêta”. Esta delimitação na distância é
culos 34. também uma possível confirmação ao menos lógica da limi­
Como veremos no próximo capítulo, todo conhecimento tação que defendemos com respeito ao tempo. O maior ou
psigâmico parece que nos vem através do conteúdo mental menor “afastamento” no tempo é uma espécie de “distância”.
de outra pessoa, conteúdo que pode ser absolutamente in­
Não nos interessa aqui o conhecimento indireto, isto
consciente e inclusive precognitivo. Ao menos, para que PG
possa chegar â realidade física, é necessário que essa reali­ é, através dos conhecimentos “culturais”. Está claro que, por
dade física esteja relacionada com uma pessoa, E neces­ este conhecimento indireto, se poderíam saber coisas muito
sário que uma pessoa “ilumine” o objeto físico do conhe­ afastadas no tempo, sem limites de nenhuma classe. Desde
cimento paranormal. Essa tese confirma de novo o prazo que haja alguma pessoa que saiba, por exemplo por tê-lo
curto ou existencial de mais ou menos dois séculos, cinco estudado, o que sucedeu há 3 ou 10 séculos, um metagnomo
gerações. poderia captar por simulcognição na mente desta pessoa
Os ocultistas não possuem métodos científicos. Pcrmita- aquele fato antiquíssimo. Igualmcnte de restos arqueoló­
sc-nos, porém, citar o que durante séculos observaram. Um gicos se podería deduzir alguma coisa antiquíssima.
dos representantes mais destacados da escola neo-oeultista, Tendo isto presente não deixariam de estar dentro do
Eliphas LEVI afirma: “a alma do homem pode, de uma só prazo curto os conhecimentos manifestados em certas expe­
intuição no círculo de luz astral em que cada qual se movi­ riências como as de CALLIGARIS, onde o sujeito, em con­
menta, abarcar tudo o que a um homem sucedeu desde seu tato com uma página, desenho, fotografia, manuscrito, de
nascimento e tudo que lhe sucederá até o momento da mor­ pessoas antiquíssimas (HORÃCIO, VIRGÍLIO, etc.) se teria
te.. . Prescindindo da roupagem imaginária com que os pôsto a falar dessas pessoas ou teria “visto” seu rosto ou
“ouvido” sua voz... Tudo isto, ainda que o experimentador
33 — Cfr. no capítulo 18 o ítem “precognição espontânea de não saiba a que pessoas se referem os objetos “estímulo” 55.
acontecimentos intranscendentes”.
34 — Seria mais amplo o prazo curto em épocas antigas, quan­
Na realidade não se conheceria diretamente o passado anti-
do os homens viviam mais de cem anos e até mais de novecentos,
segundo expressões da Bíblia? Talvez, no entanto, essas expressões 35 — CALLIGARIS, Giuseppe: “Le Catene dei corpo e dello
da Bíblia só querem dizer que a vida dessas pessoas foi cheia de •i pi rito. Le Meravigle delia Metafisiologia”, Brescia, Giulio Vannini,
méritos. Ou outras interpretações... 10 M, pág. 240.
312 A FACE OCULTA DA MENTE

quíssimo, mas as idéias (verdadeiras ou simples suposições)


que daquela pessoa antiga tem o mesmo sujeito ou o experi­
mentador ou alguma pessoa viva. Não é conhecimento do
passado, mas do presente.

Tanto pela análise dos casos espontâneos


como por comprovações e estudos de laborató­
rio, a relação entre PG e o tempo só pode ser
formulada com uma restrição final: PG prescin­
de do tempo, mas só dentro do prazo curto ou
“existencial”, isto ó, pouco mais ou menos dois
séculos entre retro- e precocjnição.

Fenômenos
T elepáticos
Telepatia e clarividência
UM DESAFIO À INVESTIGAÇÃO

O apriorismo dos cientistas antigos. —


O.s modernos trabalham freneticamente em
vão. — Curioso modo de passar nas saba­
tinas, empregado por São João BOSCO.
— Lê o telegrama antes de recebê-lo. —
Um ataúde entre cinco mortos.

NTRE inumeráveis casos semelhantes citamos, a modo

E de exemplo, um tomado ao acaso entre os recolhidos e


comprovados pela “Society for Psychical Research” (S. P.
R.) de Londres 1:
Uma menina de dez anos vai por uma vereda lendo um
livro do Geometria. De repente tudo que a rodeia se desva­
nece para ela e aparece claramente sua mãe que parece morta,
jazendo sôbre o chão de um quarto que não era usado na
sua casa. A visão é nítida e detalhada: a menina percebe
um lenço bordado de renda que está no pavimento, a pouca
distância da mãe. Tão real era a aparição que, logo que

1 — GURNEY, E.; MYERS, W. H., e PODMORE, F.: “Phantasms


of the living”, 2 volumes, Londres, Tmbner, 1886-7. Tradução fran­
cesa, resumida, por MAKILLIER: “Les Hallucinations Télépathiques”,
Paris, Alcan, 1891.
316 A FACE OCULTA DA MENTE TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 317

desaparece, a menina, em lugar de voltar para casa, corre O primeiro a usar a palavra “telepatia” foi, ao que pa­
em procura de um médico. rece, o Dr. W. H. MYERS em 1883, quando observava os
A menina não pode dar muitos detalhes ao médico, por­ casos de conhecimento de aparência paranormal recolhi­
que a mâe, na realidade, estava cm perfeito estado de saúde dos pela S.P.R. de Londres e publicados no livro citado.
e naquele momento, deveria estar ausente de casa. Mas
lhe conta a visão e o convence a ir com ela até a casa. O Telepatia significa, a rigor, etimològicamente, “sofri­
médico vai, mais para tranqiiilizar a menina do que por ou­ mento à distância”: MYERS comprovou que era por oca­
tra coisa. sião de acontecimentos tristes que, com mais freqüência
Chegam correndo e encontram o pai na porta, muito
sucedia o conhecimento de aparência paranormal. Mas logo
tmnqiiilo. O pai estranha a chegada do médico, t^io apres­
a palavra “telepatia” se tomou no sentido mais geral de
“sensação à distância, percepção à distância”.
sado, e pergunta o que se passa, “E a mamãe”, responde a
menina e conduz pai e médico ao quarto abandonado. IA, Prevalecera, quase que inconscientemente, o conceito
exatamente como tinha visto c descrito a menina, encon­ de que a telepatia era a percepção à distância do pensa­
tram a mãe, deitada no chão, o lenço de renda perto. A mento de outra pessoa. O Dr. MYERS a definia assim: “a
pobre senhora tinha sofrido uni ataque cardíaco. O médico transmissão de impressões de qualquer gênero entre um
declara que, se não ti vesse chegado imediata mente, o desen­ cérebro e outro, independentemente de tôda a via sensorial
lace teria sido fatal. reconhecida”.
Supomos quo o caso tenha sido hem observado. Seria au­ Já alguns autores da época da Metapsíquica chegaram
tentico conhecimento psigâmico. Foi clarividência ou te­ expressamente ao conceito de telepatia como conhecimento
lepatia? do pensamento; por exemplo, o Dr. Charles RICHET2, o
mais famoso metapsíquico.
Clarividência 6 o conhecimento psigâmico do coisas
objetivas, físicas: no caso, a menina teria “visto”, â dis­ Mas claro está que a expressão de RICHET, assim
tância, a realidade mesma do quarto abandonado, a mâe como as de outros muitos autores mais ou menos especia­
desfalecida, o lenço de renda no chão.. . Fm contraposi­ listas, de que a telepatia fazia só referência ao pensamento
ção à clarividência está a telepatia. A telepatia consiste não é exata. Seria reduzir demais o âmbito da telepatia.
em conhecer não diretamente a realidade física, mas o Seria telepatia qualquer conteúdo dos atos do espírito de
conteúdo de um ato psíquico, subjetivo: os pensamentos, uma pessoa, diretamente conhecido por via paranormal, coimo
imaginações, sentimentos ou desejos duma pessoa. A me­ pensamentos, imagens, sofrimentos, lembranças, estado de
espírito, etc. É por isso que pouco antes definíamos a te­
nina teria conhecido o pensamento (consciente ou incon- lepatia como “a percepção paranormal do conteúdo de um
cicnte) que a mãe tinha do sou estado, lugar cm que es­ ato psíquico”. A transmissão do pensamento ou a adivinha­
tava, etc. Conhecimento diretamente do ato psíquico, ção do pensamento é só um aspecto da telepatia, não abran­
e só indiretamente da realidade física objeto deste pensa­
mento. gendo todos os tipos de telepatia.
A clarividência é designada hoje, â proposta do Dr. A telepatia e o vulgo
RHINE, com a sigla PC (pura clarividência), e a telepatia
com a sigla PT (pura telepatia). Ambas as siglas foram Em todos os tempos existiu crença de que o homem,
oficializadas no “Colóquio Internacional de Utrecht”. ou certos homens, tinham o poder de conhecer os mais pro­
fundos segredos dos seus semelhantes, de conhecer os atos
E muito freqüente ver confundidas a clarividência e a
telepatia nos livros dos não especialistas. Outros autores, 2 — RICHET, Charles: “Traité de Métapsychique”, 2.a ed., Pa­
ao contrário, sempre fazem questão de distinguir. ris, Alcan, 1923, pág. 791.
318 A FACE OCULTA DA MENTE TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 319

internos do espírito humano. Com explicações “naturais” culo de probabilidades. A maior parte dessas experiências
ou “sobrenaturais” o certo é que todos reconheciam em se realizaram na Inglaterra, algumas na América, e um nú­
certos homens o fenômeno. mero considerável na Europa continental, principalmente na
França; mas também Suécia, Polônia, Alemanha, Rússia en­
A telepatia e a metapsíqiiica viaram relações de experiências que não duvidaram em qua­
A tentativa de experimentar cientificamente a cha­ lificar de “telepáticas”.
mada telepatia e fenômenos afins é, como sabemos, Muito O método geralmente empregado era à base de baralhos
recente. As experiências de cunho científico mais antigas de jogo ou à base de números. O experimentador ia olhando
que se conservam, datam da época do hipnotismo (mesrme- cartas ou números e o percipiente tratava de averiguar-lhe
rismo). Certos experimentadores, já na época do mesme- o 'pensamento. Algumas destas experiências se realizaram
rismo descobriram, com efeito, que parte dos sujeitos da­ estando experimentador e percipiente em quartos diferen­
vam respostas a perguntas ainda não formuladas mas que se tes, para evitar todo influxo sensorial. Êste método tinha a
pensavam formular. Logo, sem mais comprovações, atri­ vantagem de se poder usar a matemática no cálculo de
buíram êstes fenômenos à telepatia. Na realidade poderia probabilidades.
dcver-sc também, por exemplo, à hiperestesia indireta do Houve também experiências com métodos diferentes.
pensamento. Por exemplo, Oliver LODGE, professor de Física na Uni­
Chegou-se mais adiante a pensar que a telepatia era versidade de Liverpool, com a ajuda de vários colaborado­
um estado ou grau da hipnose. res, realizou experiências de “telepatia” servindo-se de dese­
Partindo desta hipótese, fizeram-sc muitas experiências nhos. Nenhum método adquiriu o monopólio.
de “telepatia” com hipnotizados. São exemplo disso as rea­ À medida que se iam divulgando êstes problemas, cres­
lizadas pelo Dr. E. AZAM (telepatia de idéias) e, sobretudo, cia no grande público o interêsse pela “telepatia”. Entre os
as realizadas pelos Drs. Pierre JANET, o eminente psiquia­ sujeitos mais bem dotados, tanto aparecia um menino de 12
tra da Sorbonne e Edmond GURNEY, da Universidade de anos como uma velha de 70; entre os experimentadores, ob­
Cambridge (telepatia de sensações). tinham tanto êxito um camponês simples como um catedrá­
Também com hipnotizados, já recentemente, o Dr. Hen- tico de Universidade, embora, como é de supor, o controle
ry SIDGWIC e senhora fizeram uma longa série de expe­ e por conseguinte o valor científico não fosse o mesmo.
riências na mesma Universidade de Cambridge.
O hipnotizador olhava um número de dois algarismos,
O apriorismo em prol da telepatia
tirado ao acaso, enquanto o hipnotizado, noutro aposento, Mas tudo isto provou realmente a telepatia, PT, conhe­
tratava de adivinhai* o dito número (através do pensamento cimento do pensamento ou conteúdo de um ato psíquico?
do agente). Por incrível que pareça, nunca pensaram os investigadores
Os acertos superaram significativamente o cálculo das na possibilidade de PC (clarividência), nas experiências que
probabilidades. A todas estas experiências e a outras muitas faziam para provar a telepatia. No espírito dos investigado­
já nos temos referido. res a possibilidade de PC era uma possibilidade longínqua
que podia ser negligenciada. Como vários dêstes investiga­
RICHET parece que foi o primeiro a experimentar a dores, e outros muitos teóricos da questão eram mestres na
“telepatia” sem concurso de hipnotismo. ciência americana e européia, ninguém se atreveu a pôr em
^ Depois de RICHET, como já vimos, se fizeram nume­ dúvida a legitimidade da experimentação como telepatia
rosíssimas experiências sem se servir da hipnose. Os resul­ pura: “Dificilmente se encontrará — diz RHINE — um
tados eram também altamente significativos, segundo o cál­ exemplo melhor da influência sutil que o apriorismo pode
320 A FACE OCULTA DA MENTE TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 321

exercer no juízo crítico. Se a preferencia pela clarividência superando o acaso, segundo o cálculo de probabilidades, muito
houvesse sido mais forte, o mesmo gênero de experiências significativamente 4.
teria servido, igualmente bem, para demonstrá-la” 3. RHINE acreditou que assim se provava PT.
Em todas as experiências havia uma carta, um desenho, Pode admitir-se como a explicação mais provável e ve­
um objeto, além do agente que olhava. É verdade que se rossímil; mas nunca como prova definitiva de PT. Pensou
aconselhava ao percipicnte que procurasse captar os pensa­ RHINE que, escrevendo o símbolo depois de ter-se “com­
mentos do agente; mas tinham argumento para afirmar com prometido” o sujeito, PT ficava garantida; mas não podia
certeza que o sujeito captava o pensamento e não o objeto o sujeito prognosticar por PC precognitiva sobre a anotação
mesmo ? posterior do experimentador?
Em 1946 se publicaram novas séries de experiências,
Uma falha na investigação moderna
engenhosíssimas, realizadas pela Dra. Elisabeth MAC
Depois de 50 anos de experiências “telepáticas”, era ne­ MAHAN visando também a prova crucial de PT.
cessário começar de novo. A fim de evitar a clarividência precognitiva, falha das
Façamos a análise das principais experiências de PT experiências antes citadas da Universidade Duke, agora se
na nova época, começando pelas realizadas na Universida­ compôs um código para significar as cartas. O código foi com­
de Duke. posto duma maneira completa mente subjetiva. Nem se escre­
veu nem se falou dessa correspondência código-carta. “Ouvir”
Empregavam-.ne símbolos do baralho ZENER, mas som
cxtra-sensorialment.e (clariaudiência), seria um tipo do que
se usarem as cartas: «6 se pensava nos símbolos. Nem havia
entendemos por PC. Convinha, porém, para garantir o con­
anotação dos símbolos escolhidos monta-lmonte. Só quando
trole, que outra pessoa conhecesse também o código: foi êle
o sujeito tinha prognosticado e escrito o seu prognóstico, o
comunicado à Dra. Gertrud SCHMEIDLER, fazendo alusão
experimentador escrevia o símbolo que tinha pensado para a lembranças comuns de caráter subjetivo. Assim, segundo
poder aplicar depois ao conjunto o cálculo de probabilidades. se pensou, no caso de que o percipiente, por conhecimento
O agente era antes treinado cm pensar nos diversos sím­ paranormal, averiguasse o símbolo do código e seu significa­
bolos numa ordem impossível de sor calculada normal mente: do, o conhecimento do significado só poderia ser telepático.
inventaram-so sistemas simples de “baralhar” mentalmcnte, A Srta. MAC MAHAN pensava uma carta ZENER. O
evitando-se os hábitos pessoais, repetições características,
percipiente fazia seu “diagnóstico” e o escrevia, para poder
etc.
aplicar-se depois o cálculo de probabilidades; a Srta. MAC
No comêço se realizaram estas experiências estando MAHAN, porém, não escrevia a carta que tinha pensado,
agente e percipiente num mesmo local, mas depois se con­ mas só o símbolo do seu código.
tinuaram, instalando-se sucessivamcnto em diferentes quar­
Terminada a longa série, a Dra. SCHMEIDLER com­
tos do mesmo edifício, depois em diferentes edifícios e, por
provava também os resultados, que não superaram o cálculo
fim, em locais muito distantes entre si.
de probabilidades!!!5. Claro está que seria ilógico ver
Visavam nessas experiências, além de evitar a hiperes- neste fato uma demonstração de que não existe PT.
tesia, estudar também o influxo da distância. Os resulta­ E se os resultados tivessem sido significativos? Seriam-
dos foram pràticamente idênticos em tôdas as experiências, no só de PSI-GAMMA e não de PT, pois não se tinha evi-
3 — RHINE, J. B.: “The Reach of the Mind”, Londres, L. Fa-
ber, 1948; citamos da tradução francesa por SUDRE, René: “La double 4 — RHINE (SUDRE, tradutor), o. c., pág. 50.
Puissance de 1’Esprit”, Paris, Payot, 1952, pág. 49. Há também tra­ 5 — MAC MAHAN, Elisabeth: “Telepathic Experiments”, em
dução espanhola: “El alcance de la mente”, Buenos Aires, Paidós, 1956. “Journal of Parapsychology”, X, 1946, págs. 224 ss.
^05201103268

322 A FACE OCULTA DA MENTE TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA oor*


oZo

tado com todo rigor a clarividência: certamente, o sujeito É verdade, como já no capítulo anterior deixamos indi­
só poderia conhecer as cartas pensadas (ou em último têrmo, cado, que Basil SHACKLETON era abertamente “telepático”
o significado dos símbolos do código) por PT; mas fica uma e não “clarividente”, isto é, em experiências nas quais se
dificuldade embora menos provável: a experimentadora não excluía o agente, não obtinha resultado além do acaso.
poderia guiar-se nos seus pensamentos por clarividência pre- O mesmo fato tem-se observado em outros metagno-
cognitiva do prognóstico do sujeito? Passaria ela a ser per- mos, como, por exemplo, na senhora Eileen J. GARRET,
cipientc e o pcrcipiente passaria a ser agente: uma inversão atual presidente da “Parapsychological Fondation” de New
da direção de PSI-GAMMA. A objeção é pouco lógica, mas
York, antes de perder a faculdade de manifestação de fe­
impede considerar o método empregado como incontestável. nômenos parapsicológicos.
Experiências excepcionais Mas claro está que êste fato em pleno rigor não signi­
fica que não intervenha a clarividência.. . Pode o fato ser
As mais famosas experiências de “telepatia” (precogni- explicado por outras causas como, por exemplo, que deter­
tiva) são as realizadas pelos Drs. S. G. SOAL e J. L. GOLD- minados metagnomos estão condic;onados ao tipo de expe­
NEY6. riências de aspecto PT e não ao de PC, ou ainda a outros fato­
O sujeito, Basil SHACKLETON, identificava a carta e res, corno ser a experimentação de aspecto PT mais emo­
anotava seu prognóstico antes de que o experimentador ex­ tiva, mais existencial, por razão da presença do agente, etc.
traísse dentre um grande número, uma ficha colorida. Se­
gundo a cor da ficha, o experimentador deveria pensar uma Uma dificuldade insolúvel
ou outra carta do baralho.
Mas, ainda que não suponhamos inversões de processos,
Escolher a carta a pensar por meio de fichas coloridas ainda que o pcrcipiente (c não só o agente) escrevesse seus
xavorcce o acaso, e além disso, segundo os inventores do prognósticos num código só conhecido por êle, ainda que
método, excluiria a clarividência: sendo o simbolismo de não se escrevesse nada; ainda, enfim, que se tomassem as
cada cor conhecido só mentalmente pelo experimentador e precauções mais engenhosas já imaginadas, não conheço nem
desconhecido pelo pcrcipiente, ainda que esse averiguasse posso imaginar um sistema de experimentação plenamente
por clarividência precognitiva a cor da ficha, o prognóstico demonstrativo de PT. Sempre haverá uma dificuldade que
da carta só poderia fazê-lo por telepatia. Com esta longa impossibilitará, acreditamos, a exclusão da possibilidade de
série de experiências, os Drs. SOAL c GOLDNEY acredita­ PC nas experiências de PSI-GAMMA: os movimentos ou
ram ter demonstrado PT. sinais reflexos são essa dificuldade.
Apesar de algumas contraprovas que se fizeram, como Todo pensamento humano, por íntimo, por abstrato
já indicamos ao falar destas experiências no capítulo de­ que seja, tem sempre uma tradução fisiológica inclusive ex­
zoito, poderíamos insistir na possibilidade, menos lógica, de terna, suscetíveis portanto de serem captados por PC. Será
uma inversão dc processo PSI-GAMMA: o experimentador, possível excluir nas experiências o conhecimento por PC
ao escolher a ficha, poderia guiar-se por clarividência pre­ desta realidade física? Essa realidade física, esses sinais
cognitiva do prognóstico que o sujeito escreveria depois ou fisiológicos ser.iam captados por clarividência. Interpreta­
da própria comprovação dos resultados obtidos. Precogni- dos depois reflexa e inconscientemente, originariam no re­
ção, sim; telepatia talvez não. ceptor as idéias correspondentes às do agente que motiva­
ram tais sinais, de modo análogo a como são captados por
6 — SOAL, S. G. e GOLDNEY, J. L.: “Experiments in Precog- hiperestesia indireta as idéias, imagens, pensamentos de
nitive Telepathy" em "Proceedings of Society for Psychical Research", qualouer pescoa que esteja em presença dum bom sensiti­
XLVII, 1943, págs. 21-150. vo. Se, por hiperestesia indireta (sôbre os sinais fisiológi-

nrnnnBffiiBfiinnisraiiíriiBaFii iiEiDiEicnin iimri:! nriiriEi muiiHi3ii3iininiMi iinsnviiriiiiiTiFniíui liMIlliíM


^42668

324 A FACE OCULTA DA MENTE


TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 325
cos involuntários c inconscientes), alguns sensitivos podem
captar até com certa regularidade inclusive os mais insigni­ Os sinais inconscientes são algo físico, externo, sen­
ficantes pensamentos das pessoas presentes, nada poderá sível; portanto, o seu conhecimento paranormal deve ser
estranhar que às vezes possa haver conhecimento PSI-GAM- considerado, evidentemente, clarividência, como considera­
MA tendo por objeto-base esses mesmo sinais reflexos. mos clarividência o conhecimento de qualquer outro sinal ou
IÕ de suma importância que se atendam esses pcquenps objeto diferente do próprio pensamento ou ato psíquico.
índices sensoriais, capazes de explicar (cm todos os casos) Ninguém consideraria telepatia o conhecimento paranormal
por PC os conhecimentos psigâmioos de aparente PT. de um amplo gesto com o qual alguém acompanhasse seu
“A realidade dos movimentos reflexos involuntários c in­ pensamento. Se do gesto diretamente conhecido, o perci-
conscientes correspondentes a todos os atos internos ou de piente deduz a idéia que motivou aquêle gesto, o fenômeno
consciência, deve ser admitida por todos, po:s têm sido muito não deixará de ser por isso clarividência para converter-se
bem demonstrada pela Psicologia Experimental” 7 8 9. em telepatia. O mesmo devemos, pois, dizer a respeito dos
E mesmo que algum experimentador de PT não qui­ sinais inconscientes e involuntários, “gestos” mínimos com
sesse admitir para determinados casos a existência dêstos que acompanhamos as nossas idéias.
movimentos e sinais, ao menos deverá admitir a possibilidade E claro está que, admitida a possibilidade de conhecer
dêles. Só demonstrando cientificamente a ausência de tais uma coisa física como os sinais reflexos, aparecerá bem
reflexos fisiológicos em deternvnadas ocasiões, se poderia mais lógica a possibilidade de se conhecerem outras coisas
excluir a possibilidade de PC em determinadas experiêmvas físicas, i. é, aparecerá lógica a existência de PC em
que se apresentassem em prol de PT. E isto cortamonte nin­ geral.
guém o fez, por mais decidido partidário que seja de PT.
Esta é a razão principal (não a única) pela qual julgo Robert AMADOU criticou RHINE quando este pensou
muito difícil, provavelmente impossível, a demonstração que PC era mais freqüente do que PT. Mais adiante, Robert
plenamente satisfatória de PT. AMADOU escreveu: “A telepatia está perfeitamente com­
provada. A clarividência não o está” l0. Acreditamos, pelas
Quando RHTNE se defendia dos ataques que contra as razões expostas, que Robert AMADOU se precipitou um
experiências de PC lhe dirigiram vários parapsicólogos, ele pouco.
mesmo at acou a possibilidade de demonst rar PT H. Os argu­
mentos de RHINE contra PT foram rebatidos com mais ou Como explicação da sua afirmação, AMADOU acrescen­
menos verdade pelos partidários dessa modalidade de PG: ta: “A pessoa humana é seguramente o objeto mais comum
PARSONR, GOTjDNEY, TYRREU, SOAI,, THOUUESS, e, talvez, o objeto único da função paranormal. Por meio
CARINGTON, WEST e MURPHY foram os p;onoiros da dela e através dela, tal como ela os sente e os interpreta,
discussão Mas ninguém ainda apresentou o modo de ex­ é que o pcrcipiente, na maioria dos casos, senão em todos,
cluir a possibilidade da explicação por PC â base dos sinais toma conhecimento dos acontecimentos objetivos”. Estou
inconscientes correspondentes âs idéias nas experiências em conforme com essas palavras de AMADOU no sentido de
que se pretendia demonstrar PT. que PSI-GAMA c nitidamente “existencial”, humana, que re­
laciona vivos com vivos, ou com coisas relacionadas com os
7 — “Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-Americana”, Ma- vivos, como já frisei no capítulo anterior. Mas isto não sig­
drid-Barcelona, Espasa-Calpe, artigo “Telepatia", pâg. 577. nifica que PSI-GAMMA seja necessàriamente PT.
8 — RHINE. J. B.: “Telepathy and Clairvoyance reconsidered",
em “Journal of Parapsychology", X, 1946, setembro.
9 — Um resumo dos argumentos dos parapsicólogos citados pode 10 — AMADOU, Robert: “La Parapsychologie”, Paris, Denõel,
ver-se em “Journal of Parapsychology", X, 1946, março, págs. 36 ss. 1954, pág. 218. Há tradução espanhola: “La Parapsicologia", Buenos
Aires, Paidós, 1957.
326 A FACE OCULTA DA MENTE TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 327

Casos espontâneos de clarividência vras, vão elas se apagando até tornar impossível a leitura
completa. Ainda pôde distinguir nitidamente e descrever
PC tem. seus próprios “argumentos”. Em primeiro lu­ característicos desenhos do papel imaginário em que se lia. Em
gar, os casos espontâneos que sugerem PC talvez sejam tão seguida desaparece tudo.
íreqüentes quanto os que sugerem PT. Tomamos ao acaso Algum tempo depois o engenheiro recebia um telegrama
alguns exemplos, sem que sejam os mais significativos. com a grata notícia. As primeiras palavras eram com efeito
&uo João BOSCO foi um rnctagnorno notável. Km duas as lidas por THOULET imaginàriamente, e o que é mais im­
ocasiões, sendo ainda menino, sonhou o ditado que o pro- portante, os desenhos característicos do papel no qual vinha
iessor lhe haveria de fazer no dia seguinte. A primeira vez, o telegrama eram os vistos e descritos na alucinação.
ao suspeitar do que ,se tratava, pulou da cama e escreveu o “Não tenho nenhuma prova material a fornecer — es­
que, sonhando, tinha. lido. Como era latim e não estava certo
creve o Dr. THOULET —. Se alguém me contasse esta his­
da ortografia, levou o texto a um sacerdote para ser revisado.
tória eu não acreditaria, não obstante me vejo obrigado a
Assim pôde ir à aula com a “sabatina” feita de antemão.
convencer-me a mim mesmo de que é verdadeira” 12.
Noutra ocasião, o professor preparou o ditado na vés­
pera. O pequeno BOSCO, aquela noite sonhou que o lia e, Coimo se vê, êste caso torna muito inverossímeis as ex­
acordando emocionado, escrevcu-o de princípio a fim com plicações por PT. Poder-se-ia pensar, a rigor, que as pala­
todos os detalhes. No dia seguinte, o professor, por falta de vras fossem lidas sobre o pensamento da esposa ao ditá-las.
tempo ditou só a metade. Ao corrigir as composições, ficou Mas, e os desenhos do telegrama? O papel, no qual se im­
o professor pasmado ao comprovar que João BOSCO tinha primiu a mensagem na Itália, não era conhecido pela esposa,
escrito não só a parte ditada senão também, e com exatidão, na França (a não ser por precognição telepática da leitura
a outra parte que pensava ditar. BOSCO lhe teria subtraído que faria o marido!). Será que foi sugestão telepática moti­
o caderno? A conduta de João, não permitia tal suspeita. vada pelo agente de correios? Poderia ser, mas evidente­
Chamado a dar explicações respondeu simplesmente dizendo mente esta explicação é muito menos verossímil do que PC,
que sonhara com o texto 11. dado que o agente de correios não parecia ter vinculação
(‘motiva nenhuma com o Dr. THOULET nem com o enge­ í1
A rigor, sc poderia dizer que João BOSCO sonhou, não nheiro. Isto torna mais inverossímil uma relação telepática
a página do caderno ou do livro, mas o que o professor reti­ entre êles. Será, pois, mais lógica a clarividência?
nha na memória. Por pantomnésia o trecho estaria inteiro
no inconsciente do professor. Mas esta explicação, possível Durante a guerra da Espanha, uma família sofreu, um
evidentemente, parece mais complicada do que PC. dia, uma dessas inspeções, tão freqüentes, que realizavam os
comunistas em Madrid. Levaram preso o chefe da casa, um
O Dr. THOULET, professor da Faculdade de Ciências de
jovem casado. Todos tiveram o pressentimento de que o
Nancy, sendo ainda estudante estava na Itália ajudando a
fuzilariam, porém não podiam estar seguros, porque alguns,
um engenheiro, francês também. A mulher do engenheiro
em casos idênticos, eram levados a trabalhos forçados e não
tinha ficado em Toulon. Certa noite, o Dr. THOULET acor­
á morte. A família avisou imediatamente ao pai do jovem
da de repente; com bastante nitidez, vê diante de si um
prêso. Quando o pai chegou ao povoado em que residiam,
telegrama imaginário que até pôde ler. O Dr. THOULET
disse, ao entrar em casa: “Já sei porque me chamastes.
vai ao quarto contíguo que é o do engenheiro e lhe diz:
Sim, não dissimuleis. Mataram meu filho”. Os de casa o
“Você acaba de ter uma filha: o telegrama diz...” e começa
ignoravam. O pai insistiu: “Sim, fuzilaram-no. Eu o vi
a ler o telegrama; porém, depois de lidas as primeiras pala-
em sonhos com outros cinco fuzilados. Êle era o único que
11 — FIERRO, Rodolfo, S. D. B.: “Biografia y escritos de San
Juan Bosco”, Madrid, B. A. C., 1954, pág. 57. 12 — “Annales des Sciences Psychiques”, I, 1891, janeiro.
328 A FACE OCULTA D A MENTE TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 329

tinha ataúde”. Alarmada a família féz averiguações. Com Parece mais verossímil explicar por PC o fato de en­
efeito: tinham-no fuzilado com outros cinco; êle era o único contrar o agente, descrever a rua e a distância, o fato de que
que recebeu ataúde porque um tio da vítima, ao saber que passaria uma senhora levando o cachorro perdido, etc. 14
iam matá-lo, féz levar um ataúde para seu sobrinho. O
Os sucessores de MESMER, apesar do nome que deram
padre jesuíta que descreve o caso, estava naquela casa 13.
ao fenômeno, confirmam a explicação por PC ao experimen­
PT ou PC? PT parece improvável: a família não sabia de tar o que chamavam “viagens telepáticas”, às quais já temos
nada. O tio não sabia que havia outros cinco fuzilados. A ví­ aludido. Realizaram experiências científicas fazendo que um
tima poderia saber que ia ser fuzilada, ainda que tivesse sujeito hipnotizado se projetasse mentalmente em lugares
sido fuzilada, pois, entre a descarga e a morte real, há al­ afastados, contando o que lá sucedia, acontecimentos que
gum tempo; mas como poderia transmitir o fato de estar depois eram comprovados.
no ataúde e, especialmente, de que os outros fuzilados não Como os dados obtidos eram desconhecidos de todos
tinham ataúde? O caso sugere verdadeiramente, c com os presentes, as experiências podem ser atribuídas à clari­
força, PC: o pai viu por PSI-GAMMA clarividente a rea­ vidência e não ã telepatia. Claro que uma explicação tele­
lidade de seu filho fuzilado e enterrado com ataúde entre pática dêste fenômeno não fica plenamente excluída. Sim­
outros cinco cadáveres sem ataúde. plesmente afirmamos que “sugerem” PC e não PT.
Poder-sc-íam citar inúmeros casos semelhantes e melho­
res, em prol de PC. Expori ênoiiíis decisivas ?

Experiênchus metapsíqnicas As experiências com máquinas são freqüentcmente su­


gestivas em prol de PC. Por exemplo, as de precognição do
Na hipnose, sao relativamcntc freqiientes experiências Dr. T1RREL descritas no capítulo 18. Mas...: Estando já
que, embora também nao de modo definitivo, sugerem com acesa uma lampadinha, o psiquismo da Srta. JOHNSON
energia tratar-sc de experiências de PC e não dc PT. Já poderia conhccê-lo por hiperestesia. As experiências pode­
MESMER comprovou vários casos que parecem dc PC. riam ser, pois, de precognição do ato psíquico, e não pre­
“Graças a sua sensibilidade interna, escreve, o sonâm­ cognição da realidade física. . . Precognição, sim; PC tal­
bulo pode ver o passado e o porvir.,, vez não.
MESMER conta como uma das suas doentes, cm sono A rigor, PC é sumamente difícil de se demonstrar apo-
‘‘ínesmérico” (hipnótico) vô um cachorro que tinha perdido diticamente. Entre as experiências de PSI-GAMMA, e de
o pelo qual tinha muito carinho. Estando em sono hipnótico, precognição em particular, há muitas que sugerem PC. Mas
a doente chama sua doméstica e a manda buscar imediata­ uma demonstração crucial, definitiva, de PC. ..
mente o guarda que está na esquina da rua. Quando chegar Para obter uma evidência convincente de PC, seria
lá deve a criada pedir ao guarda que a acompanhe até de­ necessário obter resultados significativos com um mate­
terminada rua, a um quarto de hora de distância. Lá en­ rial de experimentação de natureza desconhecida de todos
contrarão uma senhora levando um cachorro, que o guarda no mundo; não apenas haveria de sê-lo no momento da
deverá reclamar. E' o cachorro perdido. Com efeito, tudo experiência, mas também deveria manter-se desconhecido
se realizou como a sonâmbula tinha previsto. até passar o prazo curto, no qual PG prescinde do tem­
po. De outra maneira não fica excluída a PT precognitiva...
13 — MESEGUER, S. J., Pedro: “El secreto de los suenos. Psi­ Ora, como fazer e comprovar semelhantes experiências? A
cologia, Metapsíquica. Teologia”, Coleção “Psicologia, Medicina, Pas­
toral”, vol. XI, Madrid, Razón y Fé, 1956, págs. 144 ss. 14 — Citado por RHINE: “La double...”, o.c., pág. 35.
330 A FACE OCULTA DA MENTE TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 331

demonstração definitiva, evidentemente, não foi possível, pe­ (portanto PC, ao menos em grande parte) é conhecido pelo
lo menos até o momento. nosso inconsciente e que alguns destes conhecimentos em de­
terminadas circunstâncias (dotados, emotividade...) po­
Há, sim, séries de experiências que sugerem fortemente dem surgir à consciência ou projetar-se reflexamente na
a existência de PC e que, com a mesma energia, fazem su­
mamente inverossímil, no caso, PT. pele: “Tudo quanto existe na natureza pode ser visivelmente
projetado sôbre o corpo humano porque na sua subconsciên-
Em primeiro lugar, queremos advertir que parece pouco cia está representado”, “no nosso subconsciente está proje­
lógico explicar por precognição telepática qualquer fato que tado e depositado todo o universo; disso estou convencido e
possa explica;r-se por clarividência simulcognitiva. A mani­ sustento firmemente” l6 17. “A antena ul trapo tente, que é o
festação de precognição parece mais difícil, mais rara do corpo do homem, reflete tudo, o que está perto e o que está
que a simulcognição. Embora não apodítica, a explicação longe, tudo o que se vê e o que não se vê” ,7.
por simulcognição clarividente sempre será mais lógica do Sem chegar a tanto como “tudo quanto existe”, pare­
que a explicação por precognição telepática. cida teoria (tudo o relacionado, “iluminado” pelo homem),
As experiências mais sugestivas em prol de PC talvez sorriu sempre a muitos investigadores, tanto antigos como
sejam as do tipo chamado “teste de emparelhamento” modernos; o nosso inconsciente possui, ao menos, um núme­
(“matching test”), das quais já contamos alguns exem­ ro de dados muito maior do que é possível pensar, dados que
plos em capítulos anteriores. Entre elas queremos desta­ só em determinadas circunstâncias surgirão à tona.
car agora, por via de exemplo, as experiências realizadas por
PR ATT-WO ODRUFF: E, já postos no plano das teorias, é defendida por mui­
tos a teoria de que as faculdades paranormais, ou melhor,
Um baralho ZGNEIt era. misturado. O experimentador o a manifestação das faculdades paranormais, é o [resíduo
mantinha, som olhar as cartas, do trás de um painel. O me- do extraordinário poder que possuía a natureza humana
tagnomo, do outro lado do painel, ia apontando um dos cinco quando foi criada, poder que desfrutaria no “Paraíso Ter­
símbolos de ZENER postos diante de si, visando acertar a or­ restre”. A natureza caída que hoje temos, não pode mani­
dem em que estavam colocadas as carias do baralho, que êle festar este poder (a não ser em muito pequena escala) sem
não via. A medida que êle dava os seus palpites, o investiga­ que “arrebente” o organismo; mas o poder aí estaria, no in­
dor, não via o símbolo assinalado pelo metagnomo, só vendo o consciente, atuando continuamente. Ora, quantos admitam
lugar assinalado, ia colocando as cartas do baralho sem olhá- esta teoria (cm outro tomo exporemos os poderosos argumen­
las no lugar correspondente ao apontado pelo metagnomo r>. tos que militam a seu favor, sendo esta a teoria hoje pràtica-
Nestas condições, se o sujeito procurasse prognosticar mente unânime entre os parapsicólogos que estudaram o pro­
blema com suficiente conhecimento de causa) deverão, em
por telepatia precognitiva, adiantando-se ao momento em
que o experimentador viria consultar o baralho visado, perce­ consequência, admitir PC, pois nada nessa teoria sugere que
beria que, nesse momento, já estava comprometido, sua res­ a faculdade de conhecimento extra-sensorial haveria de li­
posta já estava dada e ‘"controlada”. Experiências deste tipo mitar-se aos atos psíquicos do homem.
se fizeram muitas, como já sugerimos no capítulo 18. Também a seu devido tempo deveremos estudar os di­
versos tipos da faculdade PK, a faculdade de atuação do
Outros argumentos
16 — CALLIGARIS, Giuseppe: “Le Meraviglie delia Metafisio-
O já várias vezes citado DR. CALLIGARIS, após as suas logie”, Brescia, G. Vannini, 1944, págs. 112 ss.
inumeráveis experiências, afirma que todo o nosso mundo 17 — CALLIGARIS, Giuseppe: “L’Universo representato sul cor­
po deiruomo”, Bréscia, G. Vannini, 1945. pág. 247. A respeito do mes­
15 — Cfr. um magnífico resumo destas experiências feito por mo assunto se pode ler também do mesmo autor: “Telepatia e Radio-
AMADOU, Robert, o.c., pág. 171. onde cerebrali”, Milano, Hoepli, 1934.
332 A FACE OCULTA DA MENTE
TELEPATIA E CLARIVIDÊNCIA 333

psiquismo sobre a matéria. Ora, admitindo a psico-quinese no dia em que um sujeito não “estava disposto” para PC
também não o estava para PT, ou vice-versa. O efeito das
(PSI-KAPPA) dever-se-á admitir PC: evidentemente, se o
drogas era o mesmo nos dois casos. Um sedativo, como o
psiquismo pode atingir os objetos até o ponto de movimen­ amital, fêz descer muito os resultados de PC, e se constatou
tá-los, etc., mais facilmente os poderá atingir para conhe­
cê-los. mais adiante que o mesmo sucedia para PT. Pelo contrário,
a cafeína teve um efeito favorável para ambos os tipos de
Consequentemente, PC, em contraposição a PT, pode ser experiências.
considerada, se não um fato científico, pois não possuímos Os dois tipos de experiências alcançaram o recorde. Na
uma demonstração inteiramente definitiva, pelo menos uma prova de PC, apareceu um metagnomo excepcional que deu,
teoria verdadeiramente provável. uma vez, no meio de uma série de experiências menos notá­
Em outras palavras: é um fato certamente provado que veis, 25 acertos em 25 intentos: resultado completamente ex­
PSI-GAMMA atua às vezes como se fôsse PC, o que, para traordinário. Pois bem, noutra ocasião, outro metagnomo
uma classificação prática do caso, nos basta. Êsse aspecto notável alcançou o mesmo recorde em experiências que su­
prático é o que mais nos interessa. gerem PT: 25 acertos em 25 intentos.
Mais ainda: as aparentes PC e PT, atuando conjunta­
PT o PC frente à frente mente, não conseguem mais do que separadamente. Os re­
sultados, nas séries de experiências de aparente PC, são os
Vimos que PT não parece que possa ser demonstrada mesmos que os de aparente PT e os mesmos da combinação
nunca. PC, porém, talvez sim. O Dr. Hélio R. SANTOS, do de ambas as faculdades 18.
Rio de Janeiro, planejou um método de experimentação a
base de máquinas automáticas, tanto para marcar os objetos Já vimos como a maioria das experiências que os anti­
alvo, como para interpretar os “palpites” dos metagnomos, gos metapsíquicos acreditavam que fossem de PT, na reali­
como para expressar a porcentagem de coincidios. O “Ins­ dade eram de PC e PT conjuntamente, pois se tratava de
tituto Brasileiro de Parapsicologia,, está interessado neste averiguar cartas reais, além de pensadas. As experiências
modernas de tipo PC e PT por separado são eqüivalentes
método, com a colaboração do Dr. Hélio R, SANTOS. nos resultados a êsse combinado de PC e PT dos metapsí­
Na Universidade Duke continuamente se comparavam quicos.
os resultados de aparente PC e de aparente PT. O sujeito Não eram, pois, necessárias novas comprovações, mas
que dava resultados sensacionais em PC era passado em se fizeram modemamente séries de experiências comparati­
nova série de experiências para PT. Em 8 dos 9 metagnomos vas entre as formas aparentemente puras e a ambígua.
excepcionais escolhidos pela Duke, o êxito foi o mesmo, exa­
minando-se o conjunto de cada tipo de experiências. O sujeito Nesse sentido, talvez as mais importantes séres sejam
número 9, uma senhora, deu sempre melhores resultados em as realizadas pela Dra. Margaret PEGRAM I9. Empregou
PT do que em PC. A diferença, porém, parece ter uma como metagnomos um grupo de meninos. Foi alternando os
explicação extrínseca: esta senhora manifestou repetidas diversos tipos de experiências. Obteve uma boa quantidade
vezes que preferia trabalhar com uma pessoa, um agente, de resultados significativos, que foram pràticamente idên­
para procurar averiguar seu pensamento, porque lhe era ticos para os três tipos de experiências. Somando os re­
muito monótono tratar de averiguar frias e mortas sultados de tôdas as séries de cada tipo, a soma total é
cartas de baralho; aliás, sempre tinha experimentado ínti­ pràticamente igual para os três tipos. Sendo soma de mi-
ma repugnância pelos jogos de cartas.
18 — RHINE, J. B.: “La double...", o. c„ págs. 50-52.
Prescindindo desta senhora, ainda as flutuações de
19 — Citado por RHINE, J. B.: “La double...”, o.c. pág. 52.
dias particulares eram iguais em cada tipo de experiências:
334 A FACE OCULTA DA MENTE

lhares, a diferença é de dezenas ou unidades. Isto é, não


há diferença apreciável, segundo o cálculo de probabilidades.
Ainda que absuirdamente quiséssemos dar valor a essas
mínimas diferenças, paradoxal mente provariam que não há
diferença de possibilidades cognoscitivas entre PC e PT.
Com efeito, a soma menor é a de “clarividência”, depois vem.
a de “conjunto” e a maior soma é a de “telepatia”. Ora, esto
resultado seria totalmente absurdo se PC e PT fossem dife­
rentes nas suas possibilidades, pois então a soma maior de­
veria ser o combinado, maior pelo dôbro ou ao menos por Divisões de telepatia
notável vantagem. A única coisa que seria provada por esta
diferença ó que o tipo PT resultou em alguns meninos algo CLASSIFICAÇÕES PRÁTICAS
mais interessante (ou menos desinteressante) do que o
tipo PC, o que é bem lógico. Por esta mesma razão e, em
geral, por ser nmis emotiva, se explicaria que pareçam
mais frcqücntcs os casos espontâneos de aparente PT. TELEPATIA tem várias divisões práticas. A nomen­
Como acabamos de ver, a divisão do PSI-GAMMA em
PC e PT é meramente relativa à classificação prática, som
A clatura empregada nestas divisões práticas não foi,
ao menos por agora, oficializada. E também não há unani­
midade de interpretação entre os autores que empregam a
que tenhamos fundamento absolutamente demonstrativo. mesma nomenclatura. Nós adotamos a nomenclatura mais
O caso experimental ou espontâneo que pareça conhecimen­
to direto da realidade física, será classificado como PC; ao lógica ou mais frequente entre os autores.
contrário, classificaremos como PT o caso que â primeira Chamamos a atenção sobre as três últimas divisões
vista pareça conhecimento direto da atividade 'psíquica de práticas da telepatia, três divisões importantíssimas, tradi­
outra pessoa. cionalmente descuidadas ou pouco conhecidas. Empregamos
para elas siglas novas.
A divisão de PSI-GAMMA em clarividên­ Evidentemente, não esgotamos o tema. Pomos só as
cia ( P C ) e telepatia ( P T ) é uma divisão prática, divisões que consideramos mais importantes:
para classificar os casos que apresentem um des­ a) “Adivinhação do pensamento”: Quando o sujeito
ses aspectos. pretende, quer, “se esforça” por captar o conteúdo de um
ato psíquico consciente de outra pessoa. Esta parece não
Mas a demonstração científica de que exis­ intervir no fenômeno.
ta PT e PC como tais não está feita e talvez não b) “Transmissão do pensamento”: Quando parece ha­
se possa fazer nunca. ver atividade de ambos os participantes. O agente “traba­
Com RICHET podemos resumir dizendo lha” para transmitir seus pensamentos ou conteúdo do ato
“que parece mais prudente não adotar outra hi­ psíquico ao percipiente e êste “se esforça” por captar o que
pótese a não ser a de. . . que se pode saber o que lhe querem transmitir. Ê também no âmbito do consciente.
existe, seja um pensamento ou seja um objeto” 2<). c) “Telepatia sobre o inconsciente excitado” (TIE).
Suponhamos, por exemplo, que eu, ao estudar português,
tratei de aprender simultâneamente as palavras “caneta” e
20 — RICHET, Charles, o.c., pág*. 240. “relógio”. Ambas as palavras ficaram associadas no meu
336 A FACE OCULTA DA MENTIS

inconsciente. Quando, posteriormente, queira numa expe­


riência transmitir a um metagnomo a palavra “caneta”, é pos­
sível que o metagnomo capte “relógio”. Ao pensar a palavra
“caneta”, excitei no meu inconsciente a palavra “relógio”
que, no meu inconsciente, está associada à palavra “caneta”.
Não teria sido uma experiência de transmissão de pensa­
mento, c sim uma experiência de telepatia sobre o inoonsccnte
excitado, neste caso por associação dc idéias no inconsciente.
d) A “sugestão telepática” (ST): Sugerir paranormal-
mente a outra pessoa, idéias, sentimentos, etc. O porcipion-
tc capta “cspontâncamente” a idéia ou o sentimento. . . Na
TIE espontânea 22
pessoa que parece agente há um desejo consciente ou incons­ PSI-GAMMA PERSCRUTA OS MAIS
ciente ou inclusive interpretativo de comunicar-se com o per- OCULTOS SEGREDOS
eipiente.
e) O fenômeno PG, mais temido (sem razão), é
o classificado como subjugação telepsíquica” ou IIT (Hip­
nose Telepática). Ê um domínio, às vêzes despótico, à dis­ Perguntam sobre o presente e averi­
tância, sobre a mento o, através dela, às vôzes também sobre guam o passado. — Crianças prodigiosas
o corpo, a sensibilidade ou mesmo a vida de outra pessoa. que respondem às mais difíceis questões. -—*
K como uma hipnose paranormal podendo ser, como a hip­ Telepatia por procuração ou intermediá­
nose, de diversos tipos, graus e eficiências. A subjugação rio. — Uma extraordinária médium espírita,
telepsíquica é a ma\s empolgante e “misteriosa” causa (não
a única) dêsse fenômeno popularmente chamado feitiço, extraordinàriamente anti-espírita.
coisa feita, mau olhado, malefício. . .
Pode ser negativa (para o mal), positiva (para o bem, I J MA senhorita me consultava muito impressionada por-
curandeirismoj ou indiferente. que, numa sessão espírita à qual seu pai tinha assis­
Da “adivinhação do pensamento” e da “transmissão do tido, a médium lhe revelou coisas a respeito da infância dêle,
pensamento” temos visto já numerosos casos espontâneos c coisas de que êle já não se lembrava mais e que depois com­
mormente exper;ênc:as de laboratório nos capítulos anterio­ provou serem verdadeiras.
res. Não dedicaremos a êstes dois tipos de telepatia nenhum Disse-lhe simplesmente que não se tratava de modo al­
capítulo especial. gum de comunicações dos espíritos e sim de telepatia, facul­
Também não falaremos neste volume do feitiço por ter dade bem natural e humana. A senhorita não podia com­
outras várias causas que não se enquadram dentro de PG. preender que fôsse telepatia e protestou: “Mas meu pai não
A própria “subjugação telepsíquica” ou HT é fenômeno mis­ se lembrava daquilo!”.
to. pois, freqüentemente, é em parte, ou ao, menos está inti- Este conceito errado de que só há telepatia sobre o
mameute relacionado, com os fenômenos de efeitos físicos consciente está muito estendido. Muitos sabem que a tele­
(PSI-KAPPA). Neste tomo tratamos unicamente dos fenô­ patia é uma realidade e não uma “crendice”, mas ignoram
menos de efeitos psíquicos. que precisamente a “telepatia sôbre o inconsciente excitado”
é muito mais freqüente que a adivinhação ou a transmissão
do pensamento consciente.
A FACE OCULTA DA MENTE TIE ESPONTÂNEA
338 339

Em rigor científico, eu não deveria ter dito à senhorita ciente excitado: as perguntas do consulente, as circuns- j
que se tratava de telepatia e sim do hipcrestesia indireta das tâncias da consulta ou da sessão, etc., aparecem suma­
idéias excitadas no inconsciente do pai. Mas, agora, tra­ mente aptas para provocar na mente do consulente a asso­
taremos como se fossem uma mesma coisa a telepatia e a ciação inconsciente de idéias, avivando assim as vivências
hipcrestesia indireta, ambas sôbre o inconsciente excitado. adormecidas e até talvez esquecidas mas conservadas por
O efeito é o mesmo. O leitor avisado sabe já perfeitamente pantomnésia. Essas vivências são as que o “mago” revela.
que se trata de telepatia sôbre o inconsciente excitado (TIE)
quando há percepção extra-sensorial, e que, ao contrário, será Analisemos um caso, a modo de explicação do mecanis­
hipcrestesia sôbre o inconsciente excitado (HIE) quando a mo do fenômeno.
percepção é sensorial, a partir dos reflexos fisiológicos causa­ O Dr. RHINE foi consultado sôbre o seguinte caso: Uma
dos pela excitação no inconsciente de alguma ideia, sentimen­ senhora tinha saído para passar o fim de semana com uns
to, etc. Quando falarmos em TIE, entenderemos, de agora amigos que viviam no campo, a várias milhas de distância.
em diante, tanto telepatia como hiperestesia indireta, ambas O marido ficou em casa, ligeiramente indisposto. A senhora,
sôbre o inconsciente excitado. já ao cair da tarde, experimentou de repente um impulso
O mecanismo interno da telepatia sôbre o inconsciente, incoercível de voltar para casa. Os amigos se opunham:
ou TIE, seria o seguinte: o consciente da pessoa que parece a hora era desapropriada. A senhora, aliás, nâo podia dar )
agente (ou qualquer outro fator ou circunstância) reaviva, nenhuma explicação racional de seu súbito e absurdo desejo.
ilumina, excita uma idéia ou conteúdo psíquico do próprio Só experimentava a impressão geral de que algo não ia bem
inconsciente. O inconsciente de outra pessoa, o perceptor, com o marido. Voltou. Ao chegar encontroui a casa em
capta essa idéia. chamas, devido, segundo se investigou, a uma faísca que
tinha pulado da lareira. O marido dormia no andar superior
As lições dos casos espontâneos totalmente alheio ao que sucedia. Tivesse demorado a se­
nhora, e o acidente teria sido fatal 2.
A “TIE” parece mais fácil e frequente do que a
adivinhação do pensamento consciente. Já FLOURNOY, Tudo indica que devemos classificar êste caso como
estudando as coleções de casos de “adivinhação”, verificou TIE, telepatia sôbre o inconsciente excitado: o pequeno
que as idéias reveladas com mais frcqüencia pelos “médiuns” cheiro, barulho, etc., do incêndio que começava no andar
são as que estão em estado latente ou cvanesccntc no espí­ térreo, sendo captado mais ou menos hiperestèsicamente, ex­
rito dos presentes à sessão. citou o inconsciente do homem adormecido. A idéia do esposo
Após consultar um médium ou outro “adivinho”, mui­ inconscientemente excitado pelo perigo foi captada pela es­
tas pessoas man;'jstam, mais com admiração do que com posa, preocupada, que pôde chegar a tempo de evitar a ca- ;
decepção, que o “mago” nada lhes tinha dito sôbre o que tástrofe. j
realmente as preocupava e acerca do que perguntaram, re­ Casos semelhantes ao referido, nos quais a excitação í
velando-lhes, entretanto, outros fatos mais ou menos rela­ do inconsciente foi provocada por pequenos cheiros, dará en­
cionados com o tema consultado, fatos nos quais não cogi­ 1
sejo, como veremos no próximo capítulo, à experimentação
tavam l *. do fenômeno. !
Analisadas todas essas relações, vê-se que estamos
diante de casos do tipo de telepatia sôbre o incons-
2 — RHINE, Joseph Banks: “New World of the Mind”, New
York, W. Sloane, 1937. Utilizamos a tradução espanhola de Dora
1 — FLOURNOY, Th.: “Esprits et Médiums”, Genebra, Kundig, Joninsky de KREIMEN: “El Nuevo Mundo de la Mente”, Buenos Ai­
-1911. res, Paidós, 1958, pág. 20.
340 A FACE OCULTA DA MENTE TIE ESPONTÂNEA 341

A nebulosidade, a sensação indefinível experimentada vel que a percepção clarividente ou telepática fôsse realizada
pela receptora, é característica frequente, especialmente na pelo inconsciente do industrial. Todos temos no inconsciente
recepção em estado de vigília. É o inconsciente que capta
a mensagem e não é fácil em pessoas normais que essa per­ a faculdade PG (embora a manijestação seja difícil).
cepção inconsciente suba até o consciente. Por isso a ne­ A faculdade psigâmica do industrial captou o fato, o
cessidade, em muitos casos, de alguns dos sistemas de ma­ aviso, mas não sendo metagnomo, a percepção psigâmica
nifestação: escrita automática, pêndulo, mesa giratória... ficou no inconsciente: Foi lá que a captou SWEDENBORG
Em sonhos, porém, e em outros estados nos quais está mais que, sendo sumamente ‘ "dotado”, a passou para o consciente.
“aberta a porta” do inconsciente, como no transe, hipnose, No caso, possivelmente não será exato dizer telepatia
histeria, delírio, etc., pode alcançar-se uma claridade quase a três, devendo-se dizer hiperestesia indireta sôbre o incons­
fotografia na alucinação correspondente à percepção da ciente telepaticamente excitado. Mas como já dissemos,
mensagem telepática. neste trabalho consideramos tais fenômenos conjuntamente.
TIE a três Nos sensitivos ou metagnomos que podemos chamar
profissionais (adivinhos, médiuns, otc.), esta explicação por
Na telepatia sôbre o inconsciente frequentemente aparece telepatia (hiperestesia) a três parece bastante freqüente.
o mecanismo “em L” ou “a três”. Não se averiguam direta- Como dizia Renê WARCOLLIER 4 * “é muito provável que
mente os pensamentos de uma pessoa, mas podem ser ave­ todos os. . . que tenham experimentado com sujeitos clari­
riguados através de outra terceira pessoa intermediária: os videntes (metagnomos, diríamos melhor) estão obrigados a
meus pcnsaimentos podem ser descobertos não só diirctamen- reconhecer que muitos destes entram com extrema facili­
tc em mim, mas captados no inconsciente de outra pessoa, dade em relação psíquica com pessoas mais ou menos dis­
de minha família por exemplo, mesmo que este familiar nun­ tantes, mormente sc estas sáo conhecidas do experimenta­
ca tenha conhecido conscientemente esses meus pensamen­ dor”: TIE (ou HIE) “em T/\
tos, mas só inconscientemente. Expondo o /mesmo conceito
de outro modo: o percipionto capta em meu inconsciente Um dos casos mais espetaculares que se contam de
idéias que eu captei ineonscientemente cm outra pessoa ou TEOBALDO, um dos mal chamados endemoninhados de II-
na realidade física. furt, é precisamente um exemplo simples de telepatia (ou
hiperestesia) “a três” ou “em L".
Foi notabilíssimo o sensitivo snéco Emanuel SWKDKN-
Um dia, quando várias pessoas se encontravam no apo­
130RG. Em estado absolutamente normal, ao menos aparen­
sento, TEOBALiDO começou a fazer o gesto de quem puxa
temente, em vigília, enquanto jantava com um industrial,
a corda de um sino, como tocando a defuntos.
SWEDENBORG anuncia a seu anfitrão que a fábrica sc esta­
va incendiando. Comprovoit-se imediatamente que o aviso era •— Por quem tocas a defuntos? — perguntaram.
exato e oportuno 3. — Por Gregório KUNEGEL — respondeu TEOBALDO
sem hesitar.
Probabiiissimamente, foi o próprio industrial quem cap­ A filha de KUNEGEL estava presente e, espavorida,
tou inconscientemente o sinistro: a desgraça interessava a gritou:
êle, não a SWEDENBORG; os amigos do industrial que as­
— Trapaceiro! Meu pai está passando bem e trabalha
sistiam ao incêndio tinham o pensamento voltado para o in­
de pedreiro na construção do seminário-menor.
dustrial, não para SWEDENBORG, etc. Parece muito razoá­

4 — WARCOLLIER. René: “Polypsychisme spontané”. em “La


3 — Citado por RHINE, J. B., o. e., pág. 21. Métapsychique 1940-1916”, Paris, P. Ú. F., s. d. (1947), pág. 66.
342 A FACE OCULTA DA MENTE TIE ESPONTÂNEA 343

— Estava muito bem, mas deves saber que caiu e, se Um dos mais famosos médiuns do Brasil é CHICO XA­
não o crês, vá comprová-lo. VIER. Certo espírita desejava homenagear D. PEDRO II,
A pobre môça correu ao lugar e teve que constatar mas não comunicou a ninguém a sua idéia. No mesmo dia
que seu pai caíra de um andaime e quebrara a coluna ver­ que tivera a singular idéia, encontra-se com CHICO XA­
tebral. Ninguém ainda cm Ilfurt sabia a desgraça quando VIER. O médium escreve uma mensagem, na qual D. PE­
TEOBALDO a anunciara 5. DRO II agradece a homenagem projetada7.
Noutra ocasião, CHICO XAVIER assina uma mensa­
Como se poderá compreender, o fenômeno não se de­ gem com o nome de Abel GOMES. Na mensagem, "o mor­
ve ao demônio. .. Foi a rapariga quem captou paranormal- to” nomeia três pessoas presentes à sessão, parentes dele,
mente a desgraça do pai. A môça e não dirctamcnte TEO- e alude a coisas só dessas pessoas conhecidas, coisas que
BALDO, dado que era a ela que interessava o fato, de uma ninguém então pensava8.
forma verdadeiramente “existencial” (\ Mas, não sendo a
jovem boa metagnoma, a '‘mensagem telepática” ficou in­ "Como seria telepatia, se ninguém pensava naquilo?*9.
consciente, sendo no inconsciente excitado da jovem onde Precisamente por isso o fenômeno é mais fácil. Embo­
TEOBALDO captou a mensagem por hiporestesia indireta ra naquele momento não pensassem conscientemente nem
sobre o inconsciente excitado. em D. PEDRO II nem no parente rcccntcmente faleci­
do, as circunstancias (presença de um famoso médium, am­
Evidentemente, se o autor da mensagem tivesse sido o biento dc evocação dos mortos...) logicamente excitaram
demônio, como querem os partidários desta interpretação no inconsciente daquelas pessoas tais idéias; CHICO XA­
sobrenatural, o demônio deveria saber que não se tratava dc VIER, inconscientemente, as captou por TIE e as revelou
morte, não havia por que tocar a defuntos. . . Esse erro aci­ por psicografia. A psicografia facilita a manifestação do
dental seria lógico em fenômenos parapsicológicos, mas fenômeno porque tudo fica no âmbito do inconsciente. Só
inexplicável no demônio. . . vendo o escrito o consciente o conhece.
TEOBALDO e os contemporâneos dele, no ambiente de
dcmonologia em que viviam, dramatizaram as manifestações Uma médium espírita extraordinária
paransicológicas como devidas ao demônio. Vivessem na
atual América Latina, especialmente no Brasil, e as teriam Muitos médiuns chegam facilmente a um desequilíbrio
dramatizado como devidas ao espírito do morto. Mas aqui psicológico pronunciado de modo aue apareçam entre eles
o pai não morrera. .. bons meta gnomos. O médium espírita mais famoso em fe­
nômenos de conhecimento, entre os observados pelos meta-
Espiritismo o telepatia psíquicos, foi a norte-americana Eleonora PIPER.
A TIE (ou HIE) presta-se muito a interpretações su­ “Entre os médiuns... do ponto de vista subjetivo (isto
é, de efeitos psíquicos) com manifestações de criptestesia
persticiosas.
(=PG) intensa, podemos afirmar que o mais poderoso foi
certamente a Sra. PIPER”, escreve RICHET9 e acrescenta
5 — Utilizamos a tradução italiana: SUTTER, Pablo: “II dia-
volo. L»e sue parole, i suoi atti nei due indemoniati di Ilfurt (Alsnzia)
secondo documenti storioi”, Torino, 1935, págs. 60-61. Existe também 7 — IMBASSAÍ, Carlos, em “O Reformador”, revista da Federa­
tradução espanhola: “El diablo”, Barcelona, 1925. ção Espírita Brasileira (FEB), 1944, novembro.
6 — O fenômeno paranormal na jovem é o classificado como 8 — IMBASSAÍ. Carlos, ibidem.
“sugestão telepática” talvez o fenômeno paranormal mais freqücnte. 9 _ RICHET, Charles: “Traité de Métapsychique”, 2.a ed., Paris,
Descrevê-la-emos amplamente nos capítulos 24, 25 e 26. Alcan, 1923, pág. 166.
344 A FACE OCULTA DA MENTE TIE ESPONTÂNEA 345

em outro lugar: “A Sra. PIPER, superior a todos os mé­ e esses dados estavam no inconsciente de BRIGG relaciona­
diuns ... é, sem contestação possível, de todos os médiuns, das com KALUA, por quem perguntou.
a que tem dado as provas mais numerosas, as mais estranhas A Sra. BLODGETT interroga a Sra. PIPER. Esta asse­
e as mais decisivas” (de conhecimento parapsicológico) 10. Os gura, na inconsciência do transe, que está possuída pelo espí­
parênteses são nossos. rito (! ?) de Hannah WILD, falecida há dez anos, irmã da Sra.
A força principal dos fenômenos da Sra. PIPER está no BLODGETT, a consulente. Ora. Hannah WILD tinha deixado
grande número. entre seus papéis uma carta que ninguém tinha lido. Nada,
Sábios eminentes, embora da antiga escola metapsíqui- absolutamente nada do conteúdo desta carta foi manifestado
ca, observaram a Sra. PIPER. Especial valor deve concc- pela médium, apesar de ser interrogada a respeito. Em
der-se ao testemunho do Dr. HUDGSON 11, da Socioty for compensação, inúmeras lembranças da Sra. BLODGETT a
Psychical Research que, como se sabe, foi um dos que respeito da irmã falecida foram ditas pela médium com no­
desmascararam as fraudes de BLAVATSKI, fundadora tável precisão 14.
do Tcosofismo. HISLOP, W. JAMES, RICHET, etc., usa­
ram também o controle possível naquela época. Outros Como se vê, não conseguiu desvendar mais do que es­
muitos metapsíquioos analisaram as atas das experiências tava no inconsciente da pessoa viva. O que só a r.iorta
realizadas com a Sra. PIPER, ficando todos convencidos das conhecia, permaneceu desconhecido, embora a médium em
suas qualidades parapsicológicas 12 13 *. transe assegurasse que era. a mesma morta quem falava.
Claro está que, por outros fenômenos paranormais (PC, pre-
O Sr. Vernon HRJGG, que tinlm estado cm Honolulu, cognição telepática de quando abririam o envelope, etc.), se
interrogou a Sra. PIPER a respeito cie K ALIJA, jovonzinho poderia averiguar o conteúdo da carta; a Sra. PIPER, po­
indígena que êle tinha trazido consigo ã América. PIPER rém, estava especializada em telepatia ou hiperestesia sôbre
responde com estas palavras na língua original das ilhas o inconsciente excitado, não em outros fenômenos. As espe­
Kawai: “Aloka” (saudações) e “Lei” (grinalda de flOres). cializações entre sensitivos e meiagnomos são freqüentes.
Esta xenoglossia “paneis verbis” tem o detalhe caraterístico
de revelar a notória afeição do pequeno KALTTA pela con­ A Sra. PIPER dá gcralmcnte daclos a propósito de lem­
fecção de grinaldas de flõres. O sr. BRIGG pergunta também branças antigas da pessoa que a consulta. Freqüentemente
cm que ilha morou o pequeno KALTJA. A Sra. PIPER res­ são necessárias longas averiguações para compreender que
ponde: “Tawai”; automãticamente, porém, escreve “Kawai’': tais dados foram tirados do inconsciente pantomnésico do
os indígenas pronunciam “Tawai”, mas se escreve “Kawai” 13. consulente:
O Dr. HISLOP, por exemplo, pede dados sôbre seu pai.
Fenômeno claramontc classificável como telepatia (ou A Sra. PIPER diz onde seu pai tinha deixado seus óculos
hiperestesia) sôbre o inconsciente excitado. Essas palavras
ao morrer, fala dum boné de ponto, dum canivete de cabo
escuro com o qual o pai tinha o costume de limpar as
10 — RICHET, Charles, o.c., pág. 175.
unhas, menciona diversos bastões que êle possuía: um bas­
11 — JAMES, William, e IITTDGSON, Richard, coleção e tradução
por SUDRE, René: “Études et réflexions d’un psychiste”, Paris, Payot, tão com um anel, outro com um inseto dourada (uma figura
1924, pág. 42.
12 — SIDWICK, Sra. de, resume maravilhosamente e põe exce­
lente bibliografia sobre todos as experiências feitas com a Sra. PI­ 14 — SAGE, M.: “Madame Piper et la Société anglo-americaine
PER, em “Proceedings of the Society for Psychical Research”, pour les recherches psychiques”, 4.a ed., Paris, Leymarie, 1902. Quem
XXVIII, 1915, parte 71. não puder consultar os relatórios originais das experiências com a
13 — HISLOP, J. H.: “Science and a Future Life”, Borton, 1905, Sra. PIPER, encontrará nesta obra, de fácil leitura, um bom resumo
pág. 179. e bastante completo.
346 A FACE OCULTA DA MENTE TTE ESPONTÂNEA 347

de escaravelho), mais um outro com o cabo curvado até mas está doente. Com a menina há uma mulher chamada
que quebrou. Da maior parte destes detalhes o Dr. HISLOP KATE que o senhor chama de KITTY”. Na realidade, DAISY
não se lembrava 15. não estava doente, era surda. Kate era aia dos filhos do
doutor, e êste, de fato, costumava chamá-la Kitty.
Mas, sem dúvida, que os conheceu, tendo assistido
à morte do seu pai (teve por conseguinte que ver onde Hiperestesia sôbre a contínua preocupação subconsciente
êle tinha deixado os óculos antes de morrer), e sendo dum pai que tem uma filhinha encantadora, que é surda,
os outros detalhes tão característicos e habituais no proce­ assistida por uma aia dedicada, à qual o doutor está muito
der paterno. HISLOP não se lembrava conscientemente, mas agradecido.
evidentemente tudo aquilo tinha que estar no inconsciente
por pantomnésia. Análise de PIPER
LODGE, que também experimentou com PIPER, reco­
nheceu (antes de que o rude golpe não superado da morte de A mesma Sra. PIPER que foi espírita durante muitos
seu filho lhe debilitasse o senso crítico e o fizesse aderir à anos, no fim, vendo as experiências que com ela se faziam,
teoria espírita) que, evidentemente, os conhecimentos extra­ refletiu c declarou: “eu não disse jamais nada, durante o
ordinários obtidos por PIPER em estado de transe, são, geral­ meu estado hipnótico, que não pudesse estar latente na
mente, do conhecimento de alguma pessoa presente à sessão, minha memória ou na memória da pessoa que se me apro­
embora, não raro, já completamente esquecidos. Caso tão ximava com a intenção de comunicar-se com o além, ou
certo é que, ás vezes, foi muito difícil obter a con­ (mtão na memória de algum dos assistentes; enfim, na me­
firmação posterior de que aqueles fatos tinham sido alguma mória de alguma pessoa viva em alguma parte do mundo”.
vez conhecidos por aquela pessoa. E, durante a reação que estas palavras suscitaram, a Sra.
PIPER insiste: “não acredito que os espíritos dos mortos
As experiências de LODGE foram engenhosas, envian­ falem por meu intermédio, quando estou em estado de tran­
do ás vezes a PIPER pessoas sob falsos nomes. Essas ex­ sí' .. . A telepatia me parece mais plausível e a mais justa
periências vêm mais uma vez confirmar que a Sra. PIPER, solução do problema” 17.
na realidade, era hiperestésica, (hiperestesia indireta sobre
o inconsciente excitado), pois os conhecimentos que mani­ Como já indicamos, uma grande parte, a quase totali­
festava eram os que estavam no inconsciente das pessoas dade ou talvez todos os fenômenos de conhecimento realiza­
presentes e não das ausentes, como poderia ter acontecido se dos pola Sra. PIPER, devem ser classificados como de hi­
ela fôsse paranormal e não só hiperestésica. A mesma fre­ perestesia indireta sôbre o inconsciente excitado, com ex­
quência, aliás, do fenômeno está já a indicar que ora só clusão de outros fenômenos parapsicológicos.
hiperestesia e não PSI-GAMMA. Ela mesma, como vimos, auto-analisando-se, afirma que
Eis um caso dos dirigidos por LODGE, entre muitos que tudo quanto percebe está na memória inconsciente de alguém.
nos refere num de seus livros 15 16. Êsse alguém, salvo casos difíceis de comprovar, sempre é
alguma pessoa presente.
Um módico de Liverpool foi apresentado, sob o nome de
Dr. JONES. A Sra. PIPER, sem mais dados, lhe fala duma Durante anos se mostra dotada para descrever fatos
de suas filhas, chamada DAISY. Diz que “ela é encantadora, ou dados sôbre a vida e caráter das pessoas que lhe apre­
sentam, ainda que antes nunca tivesse visto essas pes-
15 — MANGIN. Marcei: “La vie aprés la mort”, em “Annales
des Sciences Psychiquee”, XII, 1902, págs. 218 ss. 17 — Estas declarações, assim como tôda classe de referências
16 — LODGE, Sir Oliver: “La Survivance humaine”, Paris, Al- a respeito das mesmas, foram publicadas por VESME. C. de, em
can, 1912. “Revue des Êtudes Psychiques”, 1901, novembro, págs. 854 §s.
A FACE OCULTA DA MENTE TIE ESPONTÂNEA 340
348

soas. Mas, submetida a testes que seriam FC, ou T1E Por razoes de método, a análise dos aspectos mais
(sôbre pessoas ausentes), ou prccognição, fracassa com abso­ profundos, das últimas causas dos fenômenos parapsi-
luta regularidade durante todos os anos que foi controlada cológicos, deixamo-la para quando falemos das teorias em
outro tomo. Por agora, faremos apenas algumas conside­
pelos metapsíquicos: jamais, por exemplo, soube averiguar o rações a respeito dos aspectos mais superficiais que inter­
conteúdo de um envelope, se a pessoa que o escrevera estava vêm na classificação prática TIE, tal como se pode deduzir
ausente. do estudo das causas espontâneas.
Nada paranormal em Eleonora PIPER, embora no in­ O fenômeno evidentemente está ligado, em muitíssimas
consciente dos consulcntes ela captase às vezes dados que o
consulcnte tinha captado paranormalmcntc, mas inconscien- ocasiões, com a pantomnésia. Os dados que se arquivam no
inconsciente são excitados por diversas causas, e esta exci­
temonte: tratar-se-ia neste caso do que chamamos percepção
tação possibilita que sejam captados pelo metagnomo ou
“a três1’, sendo telepatia entre o consulcnte e terceira pessoa
ou coisa, e só hiperestesia entre o consulcnte e PIPER. sensitivo.
Uma das mais frequentes causas de excitação do incons­
Devemos ressaltar estas considerações porque as julga­ ciente é a associação de idéias. A maioria dos casos que cita­
mos de importância para a reta inteligência da maioria des mos podem servir de exemplo para confirmá-lo. Trata-se
meta gnomos: na quase totalidade das adivinhações de mé­ de averiguar uma coisa e na realidade se averigua outra que
diuns, adivinos profissionais, radiestesistas, quiromantes, está inconscientemente associada a ela. A idéia consciente
enfim de todas as pessoas que se dedicam à “adivinhação” excita a idéia inconsciente à qual está associada.
trata-se por parte delas de simples hiperestesia indireta so­
bre o inconsciente excitado dos consulcntes, adivinhando nos? Dentro da associação de idéias, no mais amplo sentido
consulcntes o que eles inconscientemente conhecem por meios da mesma, devemos dar importância, para a excitação in­
consciente, à emotividade. Isso porque devemos ter em conta,
normais, extraordinários ou paranormais. O conhecimento
paranormal e inconsciente nestes últimos casos dá-se só no em primeiro lugar, que a associação de idéias é de muito
consulcnte, só para êlc tal conhecimento é emotivo. mais alcance do que pode parecer. O nosso psiquismo, é in­
divisível, “uno”, com uma unidade perfeita, simples, sem
Esta reta compreensão do fenômeno da telepatia (ou hi­ partes. Ê lógico até à evidência, portanto, que qualquer
perestesia) “a três” é muito importante também para a atuação do psiquismo, é de todo o psiquismo, qualquer
compreensão do fator “existencial” que várias vezes temos idéia consciente está pois indissoluvelmente unida, radical-
assinalado como importante em PC. mente, a tôdas as outras idéias arquivadas no inconsciente.
Desta maneira se explica também a regularidade, maior Cada ato particular do psiquismo está unido a todo o psi­
ou menor, de tais adivinhações: ordinariamente não é PG no quismo.
“adivinho” e sim somente hiperestesia indireta sôbre o in­ Mais ainda, cada ato particular do psiquismo está unido
consciente excitado. A atuação só inconsciente de PG pode a todo o homem psíquico e físico pois a união entre alma e
ser regular e constante, mas não a manifestação. A ma­ corpo não é como de compartimentos isolados, mas substan­
nifestação da hiperestesia é que pode ser “regular” em de­ cial, na expressão dos filósofos, isto é, formando uma uni­
terminadas pessoas. dade perfeita, inseparada. Estas verdades da Psicologia Ra­
cional, filosófica, têm sido recentemente confirmadas tam*
Análise interna da TIE bém empiricamente pela Psicologia Experimental e a Fisio­
logia como já vimos ao falarmos da hiperestesia no capítu*
Incluímos na TIE tanto o fenômeno paranormal como lo 6. Assim, por exemplo, CHAUCHARD escreve: “quan­
o hiperestésico. do atendemos a um signo sensorial de certa natureza, quan­
A FACE OCULTA DA. MENTE TIE ESPONTÂNEA 351
350

do a nossa atenção se dirige para determinado movimento, na pele de outra pessoa presente). Em cada caso poderão
não somente o fazemos com a nossa consciência, mas tam­ manifestar-se aquêles dados que, por associação ou emoti­
bém com todo nosso inconsciente. Além da imagem cons­ vidade, sejam mais excitados.
ciente do corpo está a representação cortical inconsciente Às vezes, a excitação se deverá simplesmente a alguma
de todo o organismo; a lembrança que se fixará no instan­ percepção emotiva recente. Quem inconscientemente acaba
te presente não o fará unicamente na organização cortical de inteirar-se de que, por exemplo, a centenas de quilôme­
do campo consciente, mas em toda a crosta inconsciente, tros de distância, está ardendo uma propriedade sua, eviden­
constituindo um certo equilíbrio de todo o organismo. A temente sofre uma excitação inconsciente, excitação que pos­
lembrança surgirá depois, tanto por reflexos condicionados sibilita a um bom “dotado” a atuação da TIE (ou HIE)
inconscientes, como pelos reflexos conscientes. Assim, o “a três”.
cérebro humano dirige não somente o comportamento ex­
terior e o psiquismo, mas também dirige o equilíbrio orgâ­ A importância, aliás lógica, de ambos os fatores, as­
nico” (mais exato seria dizer que o cérebro é dirigido pelo sociação e emotividade, além da maior frequência da TIE (ou
psiquismo, ou ao menos que atuam conjuntamente o cére­ HIE), já a suspeitou FREUD. No seu livro “New Introducto-
bro como parte secundária sendo o psiquismo a parte prin­ ry Lcctures on Psychoanalysis” 19, depois de analisar todos os
cipal desse conjunto). (Os grifos o parênteses são nossos.) casos chegados a seu conhecimento, conclui que as idéias que
provável mente assumem atividade telepática na mente do
“E inversamente, sem que o conheça a consciência, o agente, são, ou as idéias preconscientes por associação (isto
visceral está presente no centro do psíquico e o psíquico no é, as que, por razão da sua ligação com as idéias que nesse
centro do visceral, através de inumeráveis relações víscero- momento ocupam o consciente, estão “perto” do consciente),
corticais e cortico-viscerais” 18. ou as idéias inconscientes afetivamente carregadas, pensa­
Pois bem, suposta esta união, podemos dizer que todo mentos ou complexos reprimidos e disfarçados no incons­
ato de consciência excita todas as outras idéias que a pes­ ciente, precisamente por sua forte carga afetiva. FREUD,
soa possui no inconsciente. Na seleção para a manifesta­ porém, exagera pensando que só há adivinhação sôbre o
ção por TIE, são fatores principais a conexão e a emoti­ inconsciente.
vidade; isto quer dizer que aquelas idéias que estão mais
vinculadas, mais estreitamente associadas, ou que são mais De que maneira passará a idéia excitada do agente
emotivas, “vivas”, serão as que nesse momento ficam mais ao percipiente? Como já temos afirmado, a maior parte
excitadas ou como que iluminadas no inconsciente, de modo das vêzes o “consulente” está em presença do sensitivo. A
que possam ser percebidas por TIE (ou HIE). excitação do inconsciente tem sua repercussão fisiológica
externa, e é esta repercussão fisiológica que o sensitivo
Já vimos que, segundo o Dr. CALLIGARIS (que tem a capta por hiperestesia indireta do pensamento inconsciente,
simpatia de muitos autores, em várias teorias e especial­ do mesmo modo, (certamente bastante “misterioso” e com­
mente nesta) tudo o que acontece na nossa terra, tudo o plexo) como explicávamos ao tratar da hiperestesia indire­
que é humano ou tem relação com os homens, está sendo ta do pensamento consciente (capítulos 5 e especialmen­
continuamente captado por nosso inconsciente e pode ser te 6, 7 e 8).
refletido na pele (e, como que por ressonância, repercutir Outras vêzes, mais raras, a percepção de parte do
metagnomo será paranormal, extrasensorial, espiritual, e
18 — CHAUCHARD, Paul: “La Médecine psychosomatique”, Co­
leção “Que sais-je”, Paris, Presses Universitaires de France, 1958
(l.a ed. 1955). Nós citamos da tradução espanhola por NOVICK, 19 — FREUD, S.: “New Introductory Lectures on Psychoanaly-
Ernesto José: “La medicina psicosomática”, Buenos Aires, Paidós, sis”, Londres, Hogarth Press; Tradução espanhola: “Nuevas aporta-
1960, pág. 46. ciones al psicoanalisis”, Madrid, Biblioteca Nueva, 1948.
A FACE OCULTA DA MENTE

pode também ter sido paranarmalmente recebida pelo in­


consciente do consulentc a notícia que vai ser revelada. Co­
mo se dá esta percepção extra-sensorial é assunto que dei­
xamos, como dissemos, para quando falemos das teorias
explicatórias de PG em geral.

Da observação e análise dos casos espontâ­


neos pode-se deduzir, portanto, que:
“ A d i v i n h a r a s idéias excitadas no incons­
TIE experimental 23
ciente de outra pessoa é mais fácil e frequente A PARAPSICOLOGIA DESVENDA
do que adivinhar as idéias conscientes. O MISTÉRIO

A excitação no inconsciente pode dever-se a


associação de idéias, emotividade, percepção in­ O fracasso dos metapsíquicos foi um
consciente mesmo paranormal, etc. completo êxito. — Um jesuíta revela e repro­
A captação por parte do percipumtc pode duz o “misterioso prodígio— As angústias
ser paranormal, embora frequentemente seja só de um cirurgião. — Experiências no Rio de
hiperestesia indireta do pensamento. Sendo, po­ Janeiro.
rém, o aspecto externo do fenómeno idêntico, am­
bos os tipos de captação são reunidos por nós na
classificação TIE (ou I I I E ) “Telepatia (ou Iíipe- í ls metapsíquicos não suspeitaram a freqüência da
telepatia sobre o inconsciente excitado (TIE). Dizía­
restesia) sobre o Inconsciente Excitado\ mos que este tipo de telepatia parece mais fácil e freqüente do
A TIE freqiientemente é “a três" ou em “L" que a adivinhação ou transmissão do pensamento consciente.
isto é, quando se capta numa pessoa o que esta Analisando as séries de experiências de transmissão de pen­
samento com bons sujeitos, encontramos muitas, julgadas
pessoa captou em outra ou na realidade física.
pelos metapsíquicos como fracassos, que, na realidade, de­
monstram a telepatia sôbre o inconsciente excitado.
No “Journal of Society for Psychical Research", por
exemplo, refere-se a seguinte experiência: O transmissor
pensa no nome “Maria", a pessoa que lhe escreveu uma carta
recebida naquela manhã. O percipiente, porém, escreve
“João". A prova é considerada como fracasso. Ora, poucas
linhas mais abaixo o experimentador conta, sem que saiba
tirar partido do fato, que naquela manhã tinha recebido duas
cartas, uma de Maria e outra de João.
A FACE OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAI. 355
354

A experiência, pois, não foi fracasso. O nome “Maria”, Fracasso na hiperestesia ou transmissão do consciente;
uma das pessoas de quem tinha recebido a carta naquela êxito, porém, na hiperestesia sobre o inconsciente excitado,
manhã, excitou no inconsciente por associação de idéias o fenômeno mais fácil.
nome da outra pessoa de quem também tinha recebido carta
O Dr. KLEINBERGER escondeu um objeto sob uma
naquela manhã. Não se captou o consciente, mas só o in­
almofada. Quando chegou a menina, tratou de transmitir-
consciente “iluminado” por associação de idéias. É mais
lhe o lugar preciso onde se achava o objeto. ILGA disse:
fácil. “O relógio está debaixo da almofada”, mas como havia vá­
O Pc. HEREDIA tratou um dia do fazer uma experiên­ rias na sala, foi levantando uma almofada após a outra ató
cia de transmissão do pensamento (consciente). Tratava-se encontrar o relógio.
de transmitir o nome da marca de cigarros que naquele
momento estava a fumar. Com tôda a intensidade consciente Não tinha, pois, captado o pensamento consciente (o
pensava: "Restina, Restina...”. O pereipiento escreve auto- lugar preciso onde estava escondido o objeto) mas captou
màticamente: “La”, nada mais. O padre pensou que a ex­ a idéia primitiva que já se não pensava: “escondamos o
periência tivesse falhado. Mas ao voltar para casa e ao to­ relógio sob uma almofada”, isto é, captou a idéia excitada
mar outro cigarro para fumar, nota com surpresa que o no inconsciente.
nome completo da marca era “La llcxtina” 1.
TIE e transmissão de pensamento
O pcrcipiente não captou o consciente, “Restina”, mas
somente “La”. O artigo o padre tinha esquecido, mas es­ Em 10 de outubro de 1928, WARCOLLIER e BESTER-
tava associado no inconsciente ao substantivo. MANN experimentam com a metagnoma senhora K., que
Da menina ILGA K. de Trapene (Lituânia), retardada antes nunca tinham visto. Tratava-se de que ela descobrisse
mental, já vimos cm outro capítulo que era urna magnífica o nome da esposa de Rcné WARCOLLIER: Germaine. A me­
sensitiva, averiguando hiperestòsicamente muitas coisas que tagnoma fita os olhos de WARCOLLIER e escreve primeiro
na sua presença pensava a mãe. Foi publicado um livro C, depois K, por fim se corrige e escreve certa a primeira
com as experiências que com ela realizaram professores de letra do nome da cspôtsa, G, mas não consegue continuar.
Medicina 1 2. A senhora K. diz que WARCOLLIER não serve para
O Dr. NEUREITER tomou o lugar da mãe. Com gran­ transmissor de pensamento, que prefere tentar com BES-
de concentração começou a ler mcntalmcntc um trecho dum TERMANN. Fazem então sair da sala a metagnoma e, então,
poema. A menina ILGA, porém, não descobriu nada. Mas WARCOLLIER diz muito baixinho a BESTERMANN o nome
acontece que o Dr. NEUREITER, enquanto sc esforçava por da espôsa, Germaine. Entra a metagnoma e fita os olhos
transmitir as palavras do poema, observou, de passagem, de BESTERMANN. Após uns instante escreve: “Genriet-
uma palavra, que filològicamentc o intrigou. Pois bem esta te”. Foi grande a surprêsa dos experimentadores: A pri­
palavra, na qual o doutor reparou como entre parênteses, meira letra G e talvez a segunda correspondiam ao nome
foi precisamente a única que a menina captou. Germaine da espôsa de WARCOLLIER, mas o curioso é
que as outras letras, NRIETTE, correspondiam ao nome
da espôsa de BESTERMANN, nome no qual ninguém pen­
1 — HEREDIA, S. J., Carlos Maria: “Loa Fraudes Espíritas y
los fenómenos metapsíquicos”, 5.a ed., Montevidéu, Mosca, 1915, pág. sava então 3.
357. Existe tradução portuguesa: “As fraudes espíritas e os fenô­
menos metapsíquicos”, Petrópolis (RJ), Vozes, 1958. 3 — WARCOLLIER, René: “Théorie du polypsychisme”, em “La
2 — NEUREITER, Ferdinand von: “Wissen um fremdes Wissen Métapsychique”, Paris, “Institut Metapsychique International”, núme­
auf unbekanntem Wege erworben”, Gotlia, 1935. ro extraordinário de 1940-1946, págs. 54 ss.
356 A FACE OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAL 357

Os experimentadores viram que tinha acontecido al­ penetrando em parte no envelope, saia de nôvo, formando
guma coisa “rara” dentro do âmbito da telepatia. O que assim uma fechadura. Cobri as pontas que saiam do alfi­
na realidade sucedeu foi uma mistura de TIE (ou HIE), nete com um amplo sêlo de cêra prêta sôbre a qual pus, como
experiência que nâo se intentava fazer mas que, sendo mais carimbo, o escudo da família (carimbo pessoal).. . Êste
fácil, surgiu espontaneamente, com um pouquinho de trans­ envelope fechado, juntamente com uma carta, foi posto
missão do pensamento consciente, experiência que se tratava noutro envelope maior, e enviado tudo pelo correio »ao Dr.
fazer e para a qual a metagnoma se esforçava. Evidente­ FERROUL, em Narbonne’'. Os parênteses são nossos.
mente, BESTERMANN, ao pensar no nome da esposa de Dois dias mais tarde o Dr. GRASSET recebe carta do
WARCOLILER, excitou no seu inconsciente o nome da sua Dr. FERROUL, na qual lhe comunica como tinha lido a carta
própria esposa: Henrictte. a êle dirigida sem abrir o envelope prêto pequeno que se
incluía para a experiência. Quando o Dr. FERROUL foi pro­
curar o extraordinário sujeito, Anna BRIOU, para convidá-
A verdadeira explicação duma experiência discutida
la a fazer a experiência às quatro horas, a mulher disse que
A telepatia sôbre o inconsciente excitado, como todo não precisava estar em presença do envelope, que podia ler
fenômeno PG, evidentemente prescinde da distância. Assim através dos corpos opacos a muita distância. Ora, “o domi­
hoje podemos explicar perfeitamente o caso, tão discutido cílio dessa mulher — escreve o Dr. FERROUL — estava dis­
nos começos do século, da grande metagnoma Anna BRIOU. tante do meu trezentos metros, no mínimo... Apoiados os
Estavam em pleno apogeu as experiências de criptoscopia dois sôbre a borda da mesa passei minha mão perto dos olhos
(com as quais queriam demonstrar a visão, autêntica visão, do sujeito (um tipo dc pragmática) e eis o que êle me disse:
através dos corpos opacos). Os sábios andavam â procura — Você abriu o envelope.
de uma prova crucial desta qualidade, na qual acreditavam. — Sim, mas a carta que você tem que ler está embaixo
Não diferenciavam bem os campos, e estavam sendo enga­ dêsse envelope, noutro envelope fechado.
nados por outros fenômenos que nada tinham a ver com a — Aquele de bordas pretas?
visão através dos corpos opacos. — Sim, lê".

Em 1897, o Dr. FERROUL falou ao Dr. GRASSET de Até aqui tudo pode ser simplesmente, por parte de An­
Anna BRIOU, como uma metagnoma das mais dotadas. O na, hiperestesia indireta do pensamento do Dr. FERROUL.
Dr. GRASSET decidiu comprovar por si mesmo aqueles Mas Anna BRIOU acrescentou:
elogios. — “Há um papel de estanho... Eis o que está escrito: Le
Escreve o mesmo Dr. GRASSET: “Quando voltei de ciei profond reflète en étoiles nos larmes car nous pleurons
Narbonne a Montpellicr não tinha dito nada de minhas in­ le (em vez de “ce”) soir de nous sentir (omite “trop”) vivre.
tenções ao Dr. FERROUL, que ficava em Narbonne com o Depois há letras assim. .. Ela me mostra a ponta do dedo,
sujeito. Escrevi numa fôlha as seguintes palavras: Le ciei um centímetro pouco mais ou menos: D. E. K... Depois
profond rcflòlc cn étoiles nos larmes car nous pleurons ce um nome que não sei, em letras menores... Depois: Mont­
soir de nous sentir trop vivre. Aqui uma palavra russa, uma pellier, 28 octobre 1897.
palavra alemã, uma palavra grega. Depois, Montpellier, 28 Eis, querido mestre — termina o Dr. FERROUL — o
octobre 1897. O papel, dobrado em dois (o escrito ficava na relatório da experiência. .. Durou, quando muito, um minuto
parte interior), foi completamente envolto numa fôlha de papel e meio. Incluo na carta seu envelope. Dr. FERROUL”. Os
de estanho dobrado nas bordas. O conjunto foi metido num parênteses são nossos.
envelope comum, de luto (tarjado), e depois de fechado o O Dr. GRASSET comenta: “Compreender-se-á minha
envelope, ainda passei (pela parte gomada) um alfinete que, admiração. O envelope fechado volta intacto... O êxito
358 A FACF- OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAL 359

é completo. Creio que existe a leitura (ou visão) através patia na experiência dos Drs. GRASSET-FERROUL6. O
dos corpos opacos, e inclusive à distância.. 4.
Pe. Dr. Lucien ROURE nega no sujeito tanto a criptosco­
Essa experiência não fundamenta a conclusão do Dr. pia como a telepatia. Baseia-se em que, se a telepatia ou
GRASSET entendida ao pé da letra, como se tratando de a criptoscopia existissem em Anna BRIOU, ela não teria
visão autêntica, criptoscopia fisiológica; trata-se de TIE, falhado, nem recorrido ao truque nas experiências com a
como veremos logo mais. comissão científica7.
Dois meses mais tarde, em dezembro de 1897, a Aca­ Hoje, penso que se pode esclarecer muito este discutido
demia dc Ciências e Letras de Montpcllicr nomeou uma co­ caso. Evidentemente, não se trata de criptoscopia, autêntica
missão científica para estudar o caso Anna BRIOU. visão retiniana, através duma caixa fechada, ou de um
A experiência foi dupla: num envelope, colocou-se, em envelope protegido com papel de estanho e apesar dos di­
plena escuridão, um papel escolhido ao acaso entre vários,
versos obstáculos interpostos ou a 300 metros de distância.
com diversas palavras sem conexão nenhuma. Outro papel
Nada provou tal visão, como já sabemos. A conseqüência,
po;s, tirada pelo Dr. GRASSET, não tem fundamento real.
com uma frase, escolhido também ao acaso entre vários simi­
lares, é pôsto numa caixa, juntamente com uma placa foto­ Mas nenhuma crítica se fêz, nem se pode fazer direta-
gráfica, que delataria a fraude se a caixa fOsso aberta. Aliás, mento, contra a experiência mesma dos Drs. GRASSET e
a caixa estava selada. Os experimentadores não sabiam o FERROUL. Que demonstra essa experiência magnífica?:
conteúdo nem do envelope nem da caixa. Não deveriam, além quando Anna BRIOU revelou, h distância, o que estava
disso, deixá-la em nenhum momento, files mesmos a leva­ escrito dentro do envelope do Dr. GRASSET, não leu o es­
riam a Narbonne. crito por criptoscopia mas o ineonsc:ente do Dr. GRASSET.
No primeiro caso, Anna não forneceu senão indicardes
“Inconsciente” porque, evidentemente, o Dr. GRASSET,
julgadas ubsnlutamente erradas. No segundo caso, ela con­
ignorando o momento da experiência, estava ocupado
em outras atividades; de nenhuma maneira estava
seguiu indicai" mais exatamente algo do conteúdo da caixa,
êle pensando em transmitir, pois êle mesmo esperava uma
embora de uma maneira incompleta. Mas a caixa foi, por
experiência dc criptoscopia e não de telepatia. Mas o incons­
diversas circunstâncias, abandonada polos experimentadores
ciente estaria “cm vigília”, esperando o resultado da prova.
sem vigilância, Quando depois da experiência foi examinada
A telepatia sôbre o inconsciente excitado prescinde da dis­
pelos membros da comissão comprovaram-se tragos evidentes
tância, podia pois muito bem realizar-se à distância de Nar­
da fraude: sclamentos rasgados e recompostos, placa foto­ bonne até Montpellier.
gráfica impressionada pela luz 5.
Sendo, por outra parte, todo fenômeno PSI-GAMMA ir­
Nas polêmicas, por ocasião do caso Anna BRIOU, a regular, inconstante, incontrolável, é lógico que algumas ve­
comissão científica nega que a visão através dos corpos zes tivesse êxito Anna BRIOU e outras não. Mas todo bom
opacos tenha sido realizada alguma vez em Anna BRIOU. metagnomo é impulsionado à fraude, quando o fenômeno
O Dr. DARIEX defende como provável algum tipo de tele- “não sai”, fraude inconsciente ou irresponsável: naquelas
condições por não poder agir a TIE, na que estava especia­
4 — GRASSET, J.: “Une expérience dc lecture à travers les lizada, é lógico que não tendo êxito perante a Comissão
corps opaques”, em “Semaine Medieale”, Dezembro, 1891, N.° í»6, Científica nas provas decisivas Anna BRIOU se visse impul­
págs. 443 ss.; “A. S. P.”, 1896, págs. 196 ss.; 1897, págs. 326 ss.; “Rc-
vue Spirite”, Janeiro, 1898.
6 — DARIEX, em “Annales des Sciences Psychiques”, Janeiro,
5 — Bureau de Semaine Medieale: “Rapport de la Commission de 1898.
1’Académie des Sciences et Lcttres de Montpellier sur la vue à travers 7 — ROURE, S. J., Lucien: “Le merveilleux spirite”, 7.a ed., Pa­
les corps opaques”, Paris, 1S98. ris, Beauchense, 1931, pág. 173.
360 A FACE OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAL 361

sionada convulsivamente ao truque. Todo metagnomo pode Vento e tempestade. Estou segura de que é isto... Enxergo
ser um magnífico modelo de honestidade na sua vida pri­ com pouca nitidez, são idéias vagas mas a impressão que
vada, e não obstante será com freqüencia um falsário quan­ sinto é muito forte” «.
do em “transe”. Como se vê é lógico que fossem excitadas no incons­
O caso Anna BRIOU, por conseguinte, tão discutido no ciente da agente as cenas do Calvário pela idéia consciente
começo do século, é hoje abertamente uma experiência a do oratório e do crucifixo nêle existente. O raio de luz
mais em prol da telepatia sôbre o inconsciente excitado, de que bate no oratório é lógico que se associe no inconsciente
TIE a longa distância. A experiência dos Drs. GRASSET com o sol. Mais ainda: depois da experiência se comprovou
e FERROUL estava perfeitamente controlada. E assim que, embora não pensasse nela, durante a experiência a agen­
outras com a mesma metagnoma. te via no horizonte uma ventoinha girando. Sol, cenas do
Calvário, ventoinha girando... são evidentemente idéias vi­
Outros pseudo-fracassos vas no inconsciente da agente ao tempo em que o consciente
Por exemplo, as experiências realizadas com a colabo­ pensava no raio de luz batendo no oratório. A percipiente
ração da Srta. Clarissa MILES, pela Dra. RAMSDEN. captou só o inconsciente. Uma experiência considerada como
A mesma doutora era a pcrcipientc. fracasso, era na realidade um êxito notável em prol da tele­
patia sôbre o inconsciente excitado.
Coneenlra-se a Srta. MILES na fraso “a vida futura e
Noutro dia, concretamcnte a 27 de outubro, das 4 até às
tôdas a.s coisas espirituais”. A Dm.. RAMSDEN capta prefe-
6 horas da tarde, a Srta. MILES procura pensar o mais con-
rentemente síinholos do espiritualidade ou coisas relaciona­
tinuarnente possível nos óculos estranhos que leva um senhor
das do tflda ordem: “uma cal ondula, um cisne, um símbolo
sentado ao lado. Uma hora mais tarde, quando a Srta. MILES
maçónico, os t;rf\s triângulos entrelaçados, um par do asas
está tratando de transmitir outra coisa, a Dra. RAMSDEN
de anjos, urna ponto, uma flor do lis...”.
capta então a imagem dos estranhos óculos V.
Não se capta a idéia que a agente tem no consciente,
mas as idéias que no inconsciente estão associadas com a Uma vez mais não é captada a idéia consciente, mas
idéia de coisas espirituais c vida futura. a idéia que uma hora antes se tratava de transmitir e que
agora irepousa no inconsciente excitado pela tentativa de
Noutra prova a Srta. MILES pensa num relógio. A transmitir.
Dra. RAMSDEN crê ver um medalhão. Comprovou-se que,
na experiência anterior, procurara-se transmitir a idéia de Como se vê, em tôdas estas experiências como em ou­
um medalhão. tras muitas tidas como fracassos, há na realidade um no­
tável êxito a respeito do fenômeno psigâmico que chama­
Houve uma associação inconsciente? O intento de trans­ mos TIE.
mitir “relógio” como que iluminou a outra idéia a transmi­
tir, o medalhão, idéia que repousava no inconsciente. Origem da experimentação direta
Trata-se de transmitir “um raio de sol sôbre o oratório”.
A Dra. RAMSDEN descreve: “Lá está o sol com seus raios. O Pe. HEREDIA instituiu uma série de experiências qua­
No meio deles aparece uma coisa que dá voltas.. . como uma litativas muito significativas. O sábio jesuíta espanhol (re­
roda. Duas coisas que parecem fundir-se numa, vejo como sidia no México), dedicou quase tôda a vida ao estudo,
um moinho de vento... sôbre uma colina onde se faz sombra
e o vento sopra com fôrça. Há nuvens escuras. Agora chega 8 — RAMSDEN, Hernine, em “Annales des Sciences Psychi-
ques”, 1906, págs. 272 ss.
a crucifixão. Vejo as três cruzes à esquerda da colina, a
9 — RAMSDEN, H., em “Annales des Sciences Psychiques”, 1906,
cruz central está inclinada para a direita fazendo sombra. págs. 656 ss.
362 A FACE OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAL 363

que lhes tinham servido um prato temperado com alho,


observação, discussão e experimentação dos fenômenos de
foram a uma farmácia lavar a boca com “listerina”. Só de­
aparência paranormal. Em 1922, publicou nos E.U.A., os
pois foram a casa do sensitivo para as experiências. O sen­
primeiros resultados das suas investigações 10 11. "Depois, re­
sitivo, de inteira confiança, depois de uns escritos automá­
dobramos os nossos estudos — escreve ele mesmo — con­
sultamos inúmeros autores, e tratamos a matéria (da tele­ ticos em inglês, começou de repente a desenhar automati­
patia sôbre o inconsciente excitado, segundo nossa nomen­ camente: enquanto conversava com os assistentes, deixava
clatura) com as pessoas que nos E.U.A., se têm dedicado ao inconsciente a mão esquerda que segurava o lápis.
com mais empenho ao estudo dos fenômenos metapsíquicos, Desenhou um grupo de mulheres... O amigo do Pe. HE­
completando as nossas investigações com repetidas experiên­ REDIA ficou admiradíssimo! Aquêle desenho tinha sido visto
cias, a nosso juízo bastante satisfatórias” n. HEREDIA por êle alguma vez.. . Pediu, então, ao Pe. HEREDIA, que
descobriu e empregou um sistema de provocar experiências, lhe permitisse levar consigo aquêle desenho.
concretamente do fenômeno que agora estudamos de tele­ No dia seguinte, o amige chegou emocionadíssimo, tra­
patia (ou h:perestesia) sôbre o inconsciente excitado. O Pe. zendo um livro, juntamente com o desenho automático. O
HEREDIA deve figurar entre os pioneiros da investigação desenho era uma exata reprodução duma vinheta do livro.
parapsicológica, espedalmente no campo da TIE (ou HIE). “Veja, padre, este livro conta a história do homem sem pole­
gares das Mil e Uma Noites... Conta-se que o espôso da
O Pe. HEREDIA tinha estudado experimentalmente a favorita da sultana ZOBETDA assistiu a um grande ban­
influência do olfato na memória: certos odores fortes cau­ quete no qual serviram, entre outros pratos, um preparado
sam frequentemente amnésia; ao contrário, outros fortale­ com alho. Julgando-o saboroso, o recém-casado comeu grande
cem a memória e, o que é mais interessante para os fins quantidade dêle o, ao terminar o banquete, esqueceu de
visados por HEREDIA, é notabilíssima a influência dos odo­ lavar as mãos e enxugar a bf>ca. .. Ao ir ter com a espôsa,
res para reavivar lembranças esquecidas. Os odores têm esta, cm vingança da falta de educação e do pouco asseio
também fôrça tôda especial para provocar associação de do seu mal-cheiroso marido, mandou que lhe cortassem os
idéias. polegares depois de havê-lo açoitado pessoalmente. Êste
Com esta base o Pe. HEREDIA pensou que produzindo açoitamento é o que a gravura do livro e o desenho automá­
um cheiro muito suave, capaz de ser percebido só hiperes- tico representam”.
tèsicamcnte ou em sensação inconsciente, poderia provocar A explicação do fenômeno nos é fornecida pelo Pe. HE­
a associação de idéias só no inconsciente. Assim, ficaria REDIA com as palavras do amigo: “Não se lembra que
facilitada a experimentação do que chamamos TIE (no ontem à noite jantamos um guisado com alho e fomos depois
caso, HIE).
fazer bochechos? Pois isto deve ter-me excitado na memó­
A primeira experiência surgiu quase por casualidade. ria inconsciente essa história que eu tinha lido anos atrás, e
Foi em Boston. Um amigo, interessado pola Metapsíquica, devo ter sido eu quem, inconscientemente, a transmití por te­
pediu ao padre que lhe permitisse assistir a uma experiên­ lepatia. . . ” 12.
cia de psicografia (escrita automática) que realizava com um
notável sensitivo. Antes, porém, de ir ter com o sensitivo,
Tinha-se realizado, sem pretendê-lo diretamente, uma
foram jantar num restaurante. Terminada a janta, notando
experiência sumamente interessante de TIE. (Repetimos:
tôdas estas experiências de HEREDIA que neste capítulo
descreveremos são mais exatamente hiperestesia indireta
10 — HEREDIA, S. J., C. M.: “Spiritism and Common Sense”, sôbre o inconsciente excitado). O percipiente tinha captado
1922, tradução portuguesa: “O espiritismo e o Bom Senso”, Petró-
polis (R.J.), Vozes, 1938. inconscientemente a imagem da gravura no inconsciente do
11 — HEREDIA, S. J., Carlos Maria: “Los fraudes...”, o. c.,
pág. 324. 12 — HEREDIA, S. J., C. M.: “Los Fraudes. ..”, o. c., págs. 334 ss.
364 A FACE OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAL 365

observador e tinha-a manifestado pelo desenho automático. perestèsicamente pelo inconsciente) havia-me excitado na
A imagem estava tão funda no inconsciente do observador memória (inconsciente) aquela antiga lembrança e, por te­
que só depois de um demorado processo mental durante o lepatia, eu a tinha transmitido ao perceptor que a tomou
sono noturno conseguiu ele, no dia seguinte, lembrar onde consciente por meio da escrita automática” 1J. Os parên­
tinha visto aquêle desenho e porque estava ele relacionado teses são nossos.
com o cheiro do alho.
Outra experiência também não pretendida diretamente, A experimentação direta
confirmou ao Pc. HEREDIA que andava na pista da “tele­
patia sôbre o inconsciente excitado’’ (nomenclatura nossa). HEREDIA decidiu fazer experiências diretas do fenô­
Foi muito tempo depois. meno. “Como se sabe, os diversos cigarros fabricados nos
Tratava-se também de experiências de escrita automá­ E.U.A., têm gôsto especial (flavour) conforme a marca,
tica. Entre vários escritos cm inglês, veio um em espanhol: o que é devido a diversas substâncias que são misturadas ao
“El Aguila de Oro, Luis G. PÉREZ CANO". O Pc. HERE­ fumo com o intuito de que o consumidor, acostumando-se
DIA ao ler o que se escrevera automàtieamcnte, ficou pas­ com o gôsto especial, não compre outras marcas diferen­
mado. tes. Sabendo isto, ocorreu-nos fazer a seguinte expe­
“Havia na cidade do México, minha pátria, uma famo­ riência”.
sa casa de comestíveis chamada EL AGTTLLA DE ORO... O “Compramos cinco maços de cigarros de marcas dife­
dono era Ruis PfiREZ CANO. . . Eu conhecia bem esta casa rentes que antes nunca tínhamos fumado, e fumamos
porque, quando criança, ia lá com meu pai de oito em oito um a um em diversas ocasiões, repetindo ao mesmo tempo
dias paia comprar um barrilzinho de azeitonas de Sevi- o nome da marca com o fito de que o gôsto c o cheiro espe­
lha. . . Ora, entre os assistentes experiência não havia cial de cada cigarro ficassem na nossa memória associados
nenhum que tivesse estado no México, incapazes, pois, de
ao nome da marca... Guardamos depois um cigarro de cada
conhecerem aquela antiga easa de comestíveis nem o seu
classe envolto em papéis iguais e numerados, anotando à
falecido proprietário; também não havia quem falasse es­
parte o nome da marca correspondente ao número do envol­
panhol, sendo todos norte-americanos. Forçosamente fui cu
tório de cada um.
o transmissor; mas que impressão terei recebido que veio
causar-me um desequilíbrio no inconsciente, excitando aque­ Teriam passado uns ti‘ês meses e já nos tínhamos es­
las antigas imagens, já completamentc esquecidas?... quecido dos cigarros, quando encontramos um sensitivo no­
tável. Quisemos então realizar a experiência. Tomamos pois
Ao terminar as experiências, a dona da casa convidou-
o cigarro com o número três no envoltório e começamos a
nos a passar à sala de jantar... Mal chegara à porta da sala
fumá-lo, não tendo a menor idéia do nome da marca. Passou-
de jantar quando a senhora disse: tem o senhor aqui azeito­
se um bom lapso de tempo. Restando uma pontinha (do ci­
nas de Scvilha... Quisemos fazer-lhe uma surpresa c meu
garro), o sensitivo escreveu automàticamente e com tõda cla­
espôso comprou SPANISH OLIVES num armazém espanhol
reza ROY TAN. Repetimos que não tinhamos a menor idéia
em Perle Street (New York)... aqui estão. E mostrava um
do nome da marca do cigarro que estávamos fumando. Re­
barrilzinho, em tudo parecido com os que, no seu armazém
corremos logo ao memorandum que tínhamos na carteira, e
EL AGUILA DE ORO, vendia antigamente na cidade de
encontramos: número três, Roy Tan" H.
México o Sr. Luis G. FÊREZ CANO...".

O mesmo HEREDIA explica: “O cheiro (normalmente) 13 — HEREDIA, S. J., C. M.: “Los Fraudes.. .", o.c., págs. 347 ss.
imperceptível (à distância em que estavam), mas perfeita­ 14 — HEREDIA, S. J., C. M.: “Los Fraudes...", o.c., págs.
mente característico das azeitonas de Sevilha (captado hi- 358 s.
A FACE OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAL 367
3(56

instrumento de cirurgia na mão, mandou que colocassem a


Outras experiências parecidas realizou o Pe. HEREDIA mesa mais perto de uma janela alta e não muito grande. Um
com bons sensitivos, obtendo resultados positivos em mais jovem bastante pálido, loiro, de bigude, põe sobre o rosto do
de 70%. enfermo um pano e começa a deitar-lhe umas gotas até que
Claro está que não só com odores se pode excitar o in­ o enfermo parece adormecido. Faz o cirurgião uma incisão
consciente. Eis outra experiência diferente realizada perante abdominal e o enfermo dá sinais de dor. Mais clorofórmio,
500 pessoas em Nova Orleans. diz o operador. O jovem derrama mais liquido do que é de­
“Tínhamos marcado num papel, o nome espanhol de uma vido ... O doente parece asfixiar-se. O cirurgião tem que
erva desconhecida nos E.U.A., Bcldrocfja, juntamente com deixar a operação e tomar umas tenazes, introduzi-las na
a sua tradução em inglês (Furslanc). Vários meses depois bóca. do enfermo para puxar-lhe a língua. .. Ouvem-se gri­
Unhamos esquecido eompletamcnte o nome inglês da rara tos ... chamando a Pierre. Entra um homem de idade e
erva”. Numa conferência pública “a mais de trinta pessoas toma o lugar do jovem páiido que administrara o clorofórmio.
que se julgavam especialmente sensitivas, foi fornecido papel Ao sair, o jovem, nervosíssimo, assegura que nunca mais
c lápis”. Então, o padre pensou cm espanhol na palavra administrará clorofórmio para ninguém.
“Beldroega”, sem dizê-la. Antes mesmo de voltar a si o percipiente, o velho cirurgião
Após algum tempo, levantou-se um jovem dizendo: “Sem exclamou iinpressionadissimo: ‘Tsto é admirável. O pereep-
saber o que escrevia, escrevi uma palavra que não conheço” o tor fez a descrição exata do que me sucedeu na França, ha
entregou-lhe o papel, no qual, com traços muitos claros, vinha mais dc 50 anos, a primeira e última vez que ministrei clo­
escrita a palavra DnrsUvnc. De tal modo est ava esquecida no rofórmio. Daquele dm em diante nunca mais o fiz, embora
consciente do Pe. líEREDIA a tradução inglesa da palavra tenha feito milhares de operações. Aquela impressão foi
espanhola proposta, que teve que recorrer ao memorandum terrível para mim. Não sei como o perceplor pode fazer uma
para confirmar se aquela era a verdadeira tradução 15. descrição tão detalhada e tão minuciosa... Já fazia muitos
anos que não me lembrava daquilo” 16.
O pensamento consciente da palavra espanhola excitara,
por associação no inconsciente, a tradução inglesa. O pensa­ Mais uma experiência admirável:
mento inconsciente excitado foi captado por telepatia (hipe- Em outra ocasião, prevendo a presença de um especia­
restesia).
lista em diabetes, deitaram antecipadamente no chão umas
gotas de acetona. Ê sabido que os diabéticos em último gráu
As experiências durante o “transo”
emitem um hálito como de acetona resultado do envenena­
O Pc. HEREDIA sabia que, determinado dia, devia assis­ mento do sangue. O resultado foi admirável. O perceplor,
tir às suas experiências um certo cirurgião com mais de 50 também esta vez em “transe”, escreveu automàticamente uma
anos dc prática. HEREDIA deitou, antecipadamente, algu­ fórmula de remédio para os diabéticos que o especialista tinha
mas gõtas, muito poucas, dc éter e clorofórmio no chão. usado muitos anos antes. A fórmula era conhecida só dêle,
Passados alguns minutos, o cheiro era, para o consciente, to­ sendo preparação própria dêle. Tendo deixado de usá-la ha­
talmente imperceptível. Quando, algum tempo depois, chegou via muito tempo, tinha-a esquecido completamente. Só
o cirurgião e começaram as experiências, o sensitivo, que quando a viu escrita se lembrou dela novamente 17.
tinha caído em “transe” hipnótico, começou a falar: descre­
via um quarto bem estreito, tendo no centro uma mesa sobre Outras muitas experiências análogas fêz o Pe. HERE-
a qual dois homens colocavam um doente que se queixava. DIA. Bastam porém as já descritas. Como se vê, em todas
Como a luz não fôsse suficiente, um dos assistentes, com um
16 — HEREDIA, S. J., C. M.: “Los F r a u d e s . . o . c., págs. 349 s.
17 — HEREDIA, S. J., C. M.: “Los Fraudes...”, o. c., pág, 350.
15 — HEREDIA, S. J., C. M.: “Los Fraudes. . o. c., págs. 359 s.
368 A FACE OCULTA DA MENTE TIE EXPERIMENTAL 369

elas se prova a TIE (HIE). Não se captou o pensamento cons­ Tal demonstração teve lugar numa terça-feira aproxi­
ciente e sim o pensamento excitado no inconsciente por asso­ madamente às 22 horas. Pois bem, algum tempo depois, o
ciações provocadas pelos cheiros hiperestèsicamente capta­ doutor que tinha fornecido o nome do seu paciente, escrevia
dos. •ao hipnotizador, Dr. Osmard Andrade de FARIA, comuni­
cando-lhe que, precisamente no dia da experiência, ao redor
Experiências de TIE “em L” das 22 horas, o Sr. DOMINGOS dava entrada na Sta. Casa
de Rezende, atacado de uma forte nevralgia ocular 19.
Há também experiências em que aparece muito claro o
conhecimento “a três” ou “cm L”. As experiências que vou O caso como se vê, é, com toda probabilidade, mais um
descrever creio que foram mal interpretadas pelos experi­ exemplo de telepatia (hiperestesia) sobre o inconsciente ex­
mentadores que as realizaram. Escolho-as como exemplo citado, das que chamamos ‘‘a três” ou “em L”. O médico que
porque se fizeram no Brasil onde escrevo. Entre elas sele­ forneceu o nome do doente que o preocupava, captava psigâ-
ciono as que, por vários fatores, são mais importantes. micamente, mas só inconscientemente, a crise dolorosa que
No dia 3 de junho de 1958, o Dr. Osmard Andrade de nesse momento o doente sofria. Evidentemente, o doente
FARIA realizava umas experiências no Hospital Central dos tinha seu pensamento pôsto no médico ausente cuja ciência
Marítimos do Rio de Janeiro, dentro de um curso dc hipnose buscava para o alívio da crise. A relação psíquica médico-
médica. O caso seguinte (“o mais importante dc quantos já doente é evidente, muito mais “existencial” do que a relação
vi” — escreve o mesmo Dr. FARIA) foi testemunhado por sujeito-doente. Não sendo o médico um bom metagnomo, a
comunicação paranormal se manteve no inconsciente. O hip­
23 doutôres em medicina 18: notizado leu por TIE (HIE) o que tinha captado o doutor
C) sujeito, em hipnose, foi o Dr. Milton Segnhi P Al JUS­ inconscientcmcnte.
TO, "dotado”. SiiKore-.se ao sujeito que éle ó agora o Sr. DO­
A experiência seguinte é ainda mais curiosa. Casos se­
MINGOS, 42 anos, residente em Rezende. I medi atam ente, o
melhantes, espontâneos, são relativamente freqüentes.
sujeito aperta vivamente as pálpebras, esfrega os olhos com
os dedos c entra cm grande agitarão seguida de um pranto O Dr. Sílvio Roberto BARBOSA de Oliveira hipnotiza
ao Dr. Ulisses MENDONÇA, regular sensitivo, no consul­
copioso. Foi impressionante o seu sofrimento a ponto dc todo
tório do Dr. Tarcísio Martins RIBEIRO, que também assiste
o auditório levantar-se e pedir ao hipnotizador que retirasse a
à experiência. Fornece-se ao hipnotizado o nome da doente
sugestão. O módico que tinha fornecido ao hipnotizador o
Luciane Q. FARIA, 4 meses de idade, residente no Rio de
nome do doente, confirma o diagnóstico: cegueira por atro­
Janeiro. O hipnotizado diagnostica: "Pé direito torto”. Como
fia do nervo óptico, informando que o doente vivia naqueles
o experimentador sabia que a doente tinha, em realidade,
dias rcalmcnte momentos de agitação c inadaptação à reali­
tortos ambos os pés, não só o direito, insiste para que o hip­
dade. Mas pensa que a crise do doente não é tão forte como
notizado verifique o pé esquerdo. O hipnotizado insiste: "não,
a apresentada pelo hipnotizado.
só está torto o direito; o esquerdo está normal”. A expe­
riência foi considerada como de meio fracasso. Mas no dia
18 — Drs. Lia ASSIS, Camilo CASTRO, Cunha CAMPOS, Afon­
so LIGÓRIO, Francisco Martins KRAUSE, Luís de Souza MATTOS, seguinte, com grande surpresa, ouviram do pai da menina:
José RIOS, Hélcio RODRICUES, Moacyr VENTURA, Aladir SAN­ "ela está passando bem, felizmente. O pé esquerdo já está
TOS, Luís Antônio NOVAIS, Luís Carlos Ribeiro NUNES, Shingiro completamente normal. Apenas o direito, devido a acidentes
NAKAHISHI, Emílio NIEMEYER, Licínio CARDOSO, J. I. Costa contínuos com os aparelhos gessados, continua defeituoso” 20.
SANTOS, Edir GODINHO, Agenor CONRADO, Jorge DUARTE, Juér-
cia BRANDAO, Henrique GARROFE Jr., Roberto Rodrigues GON­
ÇALVES e Airton Geraldo BARRETO, além do doutor que fêz de 19 — FARIA, Osmard Andrade de: "Hipnose e Letargia”, Rio
sujeito e do Dr. FARIA que dirigia a experiência. A outras expe­ de Janeiro, Ateneu, 1949, págs. 232 ss.
riências assistiram mais alguns doutôres. 20 — FARIA. O. A., o . C . , pág. 234.
370 A FACE OCULTA DA MENTE

Parapsicològicamente analisadas estas e semelhantes ex­


periências devem, logicamente, ser catalogadas em classifica­
ção prática, como TIE ‘‘em L”, mais exatamente como HIE:
hiperestesia sôbre percepção paranormal inconsciente. A co­
municação inconsciente paranormal (salvo nos casos em que
pode bastar o talento do inconsciente, etc.) dá-se entre médico
e doente. A comunicação entre sensitivo e módico é só hipe-
restésica. Nessas e semelhantes experiências não se trata,
como pensavam os experimentadores, de telepatia entre su­
jeito e doente. ST espontânea-1 24
APARIÇÕES DOS MORTOS OU
A T I E ( o u H I E ) , simples ou “a três”, tem FENÔMENO PARAPSICOLÓGICO?
sido corroborada experimentalmente.
No tempo da Metapsíquica fora?n rejeitadas
Os mortos comunicam-se com os vivos?
inúmeras experiências como nulas, sendo na reali­ — Inumeráveis fantasmas de vivos e mor­
dade excelentes provas da telepatia (ou hiperes­ tos. — Durante a agonia está mais viva a
tesia indireta) do inconsciente excitado, fenómeno Sugestão Telepática. — A ST por procura­
mais “recôndito” no qual os metapsíquicos não ção. — Aparições dos “mortos” antes de
pensavam suficientemente. morrerem.
Foi HEREDIA quem desvendou abertamen­
te e experimentou com mais nitidez êste interes­
sante fenômeno. NEM descuidar por completo a análise de outros aspectos
^ da sugestão telepática, neste capítulo faremos considera­
Inclusive modernamente, se têm realizado ções especiais sôbre a interpretação da “aparição dos mor­
muitas experiências que provam a TIE (ou H I E ) , tos” por ST, fundamentando-nos nos casos espontâneos.
embora raramente os experimentadores se te­ O nome sugestão telepática, ST, indica mais ou menos
nham dado conta desta realidade. bem o aparente mecanismo desta função psigâmica. Trata-se
da sugestão paranormal de idéias (ou sentimentos, etc.) a
outra pessoa. A pessoa que parece agente tem desejo de
comunicar-se com o percipiente.
Ao desejo de comunicar-se à distância o Dr. Jules BOIS
chamou “telebulia”.

Obmibilação no agente
Estando em estado normal ambos participantes, agente
e percipiente, a ST é raríssima. Um pouco menos raros são
372 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - I
373

os casos de ST se o agente está em estado “especial”, ape­ Durante a “agonia” sem morte
sar do percipiente estar normal.
A Srta. MAY, lendo uma tarde no seu quarto, tem a
Durante a Primeira Guerra Mundial, um menino de três sensação súbita de que alguém entra no aposento. Não en­
anos e meio deteve-se um dia de repente, quando brincava, xerga nada, mas de repente sente um longo e terno beijo
como se tivesse sido sacudido por uma súbita inspiração, e sôbre a fronte. A Srta. MAY levanta a cabeça e vê detrás da
exclamou:
cadeira seu noivo, ainda inclinado para abraçá-la. Depois,
— “Meu pai se afoga, caiu num poço c não pode ver."
tudo desaparece. Ela teve tempo de distinguir tôda a figura
Aparição de um morto? Os parentes do menino fica­
dêle, o alto porte, largura de tórax. .. Aquêle mesmo dia,
ram muito espantados. As cartas que recebiam do pai
longe de lá, o Sr. LICHFIELD, o noivo, cra vítima de um
não confirmavam o triste comunicado. Mas ao regressar
acidente de cavalo.
o pai da França, ficou comprovado que, precisamente naquele
dia 7 de novembro de 1918, cm que o menino captou o fato, Aparição do morto? O Sr. LICHFIELD não morrera.
o pai Unha sido atacado com gases na trincheira e, como Ficou várias horas inconsciente. Durante a “agonia” dis­
resultado, tinha ficado cego durante três semanas i. se: “minha pequena MAY, que eu não morra sem voltar a
O caso parece ter todos os requisitos para ser classifi­ ver-te” (eis a telebulia). Como resultado do acidente, ficou
cado como de ST: é lógico supor que o pai da criança, no durante vários dias entre a vida e a morte, mas, ao fim, se
desespero de acreditar-se cego, pensasse no filhinho, a quem restabeleceu c depois casou com a Srta. MAY 2 3.
nfio poderia mais ver. Êste pensamento, durante a inconsciên­
Uma senhora escreve de manhã numa agenda, a 15 de
cia da asfixia na trincheira, atuaria como a telebulia neces­
março: “Noite deste dia”; conta, a seguir, como tinha visto
sária no fenômeno psíquico que classificamos como ST.
a cabeça e o peito de um homem destacando-se, como que
Fui consultado sôbre o seguinte caso: dentro de uma nuvem. Ela escreve: “Era o Cap. W.”. O
Uma jovem, cm Campinas (S. Paulo), acorda de súbito capitão estava então em Nova Zelândia e havia prometido
e verifica no relógio de cabeceira serem 6,35 da manhã.
(telebulia) à senhora que lhe apareceria se chegasse a mor­
Ao sentar na cama vê no espelho do guarda-roupa
rer antes que ela. A aparição coincide exatamente com o mo­
refletida a imagem dc seu noivo, que deveria estar então
mento de um violentíssimo acidente automobilístico, sofrido
a 300 quilômetros.
pelo capitão. Ficou longo tempo sem conhecimento, mas
Verificou-se que o mòço sofrera um acidente dc cami­
não morreu 3.
nhão, sendo quase atropelado. Seu relógio quebrara-se no
momento do acidente; marcava exatamente 6,35 da manha. Caso semelhantes, apesar do percipiente estar em vi­
gília, não são tão raros. A ST aconteceu no que podería­
Um caso de ST percebido durante o sono e projetado
depois, quando em vigília, ou que fêz acordar a percipiente mos considerar “agonia" do agente, não sendo propriamente
projetando-se então a percepção inconsciente sôbre o espelho isso ünicamente porque não se chegou à morte.
(as superfícies lisas e brilhantes, água, espelhos, bolas de
cristal, etc., facilitam a projeção da percepção inconsciente). 2 — “Dicionário de Ciências Ocultas”, Coleción Esotérica Uni­
versal, Buenos Aires, Cayni, 1949, pág. 337.
3 — GURNEY, E.; MYERS, F. W., and PODMORE, F.: “Phan-
1 — RHINE, Joseph Banks: “New Frontiers of the Mind”,
New York, Sloanes, 1937; Citamos da tradução espanhola por KREI- tasms of the Living”, 2 volumes, Londres, Trubner, 1886-7. Tradu­
MAN, Dora Joninsky de: “El nuevo mundo de la mente”, Buenos ção francesa, resumida por MARILLIER: “Les Hallucinations Té-
Aires, Paidós, 1958, pág. 21. lépathiques”, Paris, Alcan, 1891, pág. 184.
374 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - I 375

Comunicam-se os mortos com os vivos? tologia; quem as padece, experimenta-as em geral com fre-
Temos referido casos nos quais o “agente” não morre. qüência, e são muito tenazes: muitos doentes vivem com suas
São mais numerosos, como veremos, os casos em que certas personagens imaginárias. Ao contrário, nas alucinações por
pessoas chegam ao conhecimento da morte do ser que­ sugestões telepáticas os sujeitos gozavam ao menos de rela­
rido. Morre o “agente”. Às vezes, o conhecimento sobrevem tiva boa saúde (24 pessoas ligeiramente doentes sôbre 409
bastante tempo depois da morte do “agente”... A ST foi casos investigados); o fenômeno foi excepcional e geral­
antes ou depois da morte? Haveria comunicação fácil dos mente único na vida do sujeito, sendo ainda fugaz duração
“desencarnados” com os vivos? de poucos segundos a poucos minutos como máximo.
Para quem conhece filosofia esta comunicação supera Pois bem, das respostas dignas de se ter em conta, de
as forças materiais. Faria Deus tantos milagres cm prol das acordo com o rígido critério da “Society for Psychical Re­
almas dos mortos? Seria intervenção do mesmo Deus? search” (relatos de primeira mão, alucinações visuais cor­
Mas neste tomo só consideramos o problema do ponto de respondentes comprovadamente à realidade de um fato im­
vista fenomenológico. Do ponto de vista da análise dos previsível, etc.) 21 tratavam da percepção alucinatória da
casos espontâneos, qual c a resposta da Parapsicologia? morte por acidente de um ser querido. Ora, tendo em conta
A primeira resposta já está dada. O mesmo fenômeno a taxa dc mortalidade na Inglaterra naquela época, segundo
existe entre vivos, durante a inconsciência ou “agonia” sem o cálculo de probabilidades, para cada uma dessas alucinações
morte. Não há necessidade de atribuí-lo a forças do “além”. “verdadeiras”, deveriam ter sucedido 16 590 alucinações fal­
sas ! Por conseguinte, os casos que militam em prol duma su­
Numerosas aparições de “mortos” gestão telepática com conteúdo de morte de uma pessoa queri­
da, superam nitidamente o que se poderia esperar pelo acaso 4.
Km 1886, sob a autoridade (lo ITonry STDWJCK, na In­
glaterra; do Williams JAMES, nos E.U.A., c Leon MA.UIL- Durante a agonia do agente
LIER na França, Bélgica c Suíça, sc difundiu pela imprensa
o seguinte questionário: '‘De l.o dc janeiro de 1874 até hoje, A Sra. BISHOP, via jando pelas montanhas Rochosas, tra­
ocorreu ao senhor o fato dc experimentar a impressão nítida vou intima amizade com um mestiço chamado Jim MOUN-
de ver um ser humano e de ser tocado por ôlc, sem que se TAIN. "Numa conversa êle me disse — escreve a mesma
possa relacionar essa impressão com nenhuma causa ex- Sra. BISHOP — "Eu irei ver-te, quando morrer". Dez anos
torna (normal) ? Nessas condições escutou uma voz huma­ mais tarde, estando em Interlagos, de manhã, escrevendo no
na? Sòmente nos referimos a impressões experimentadas, meu leito (cm vigília), por volta das seis horas, vejo a
quando o senhor ostava completamente acordado" (Percep­ MOUNTAIN diante de mim, seus olhos estavam fixos sôbre
ção cm vigília, únicos casos de que até agora falamos, apesar m i m . . . êle me diz em voz baixa mas muito distinta: "Eu
de serem menos frequentes). vim, como tinha prometido". Depois, êle me fêz um aceno com
Em 1 T)00 000 exemplares de jornais apareceu a pergun­ a mão e me disse: "Adeus". A Sra. KER, que estava no mes-
ta, sòmente na Inglaterra (prescindimos das outras nações,
porque para exemplo basta uma). Calculam-se em 300 000 4 — GURNEY, E.; MYERS, F. W., and PODMORE, F.: "Phan-
os inglêses cientes da pergunta. Houve 5 705 respostas afir­ tasms of the Living", 2 volumes, Londres, Trubner, 1886-7. Servi­
mativas na Inglaterra. mo-nos do resumo das conclusões tiradas por GURNEY, realizado
por: CASTELLAN, Yvonne, original: "La Métapsychique", da coleção
O Dr. GURNEY começou por estabelecer a diferença "Que sais-Je", vol. 671, Paris, Press Universitaires de France, 1955.
Citamos da tradução espanhola de DUVAL, Carlos A.: "La metap-
entre alucinações por sugestão telepática e meramente sub­ síquíca", "Biblioteca dei Hombre Contemporâneo", Vol. 49, Buenos
jetivas. A alucinação subjetiva é coisa dc doentes, de pa­ Aires, Paidús, 1960.
376 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÀNEA - I 377

mo quarto e eu, tomamos nota do acontecimento, escrevendo a campanha de 1848 (assédio de Moultan), cai gravemente
a data e a hora. A notícia da morte do Jim MOUNTAIN nos ferido. Ouve a voz do espôso que diz: “Tire esta aliança
chegou mais tarde” 5. do meu dedo para mandá-la à minha mulher”. Pouco mais
ou menos à mesma hora, às 21 horas, o general, gravemente
No caso, há um dado muito significativo: O registro do ferido, rogava ao major LOYD, a quem entregava o coman­
falecimento de Jim MOUNTAIN indica que ele morreu em do: “Tire esta aliança do meu dedo e envie-a à minha mu­
“Fort Collins” (Colorado) naquele mesmo dia (7 de setem­
lher”. Mas o gen. RICHARDSON, contra o que ele próprio
bro) às três horas da tarde, hora que corresponde às dez
esperava, sobreviveu ao ferimento (\
horas da manhã em Interlagos. Ora, a Sra. BISHOP diz, e
tomou nota, que viu a MOUNTAIN às seis da manhã. Por ÉÜ mais fácil e freqüente a ST, estando ambos os partici­
conseguinte a mensagem foi captada quatro horas antes da pantes em estado especial. Se, além disso, o conteúdo tele­
imorte de MOUNTAIN. A ST, que neste caso terminaria em pático é “morto” (mesmo que seja êrro), as condições para
morte, realizou-se durante a agonia, não foi comunicação do os fenômenos são ideais. Especialmcntc a emotividade tem
morto. . . Tem-se comprovado bastantes vezes esta diferença sido comprovada como de especial importância na manifes­
de horário. tação dos fenômenos parapsicológicos. Nada tão emotivo
A telebulia por outra parte aparece clara, pois o Sr. como a morte de um ser querido.
MOUNTAIN tinha prometido visitar, ‘‘depois de morto”, a Foi prccisamcnte nestes casos, que os antigos metapsí-
Sra. BISHOP. Lógico, portanto, que durante a agonia pen­ quicos se basearam para defender, como irrefutável, o co­
sasse, consciente ou inconscientemente, na promessa feita. nhecimento paranormal. Os metapsíquicos descobriram que
Só que a promessa se realizou por sugestão telepática antes os casos ST de “morte”, estando o percipiente “dormindo”
dele morrer... e o agente em agonia, superavam em muito o acaso segundo
Eis, pois, outra resposta da Parapsicologia: a maior o cálculo de probabilidades.
freqiiência de ST com mensagem de morte deve-se a que No inquérito antes aludido, realizado na Inglaterra, E.U.A.,
a agonia (ou inclusive o estado que medeia entre a morte França, Bélgica e Suíça, sôbre o qual se trabalhou desde 1883
aparente c a real) é um estado “mais especial” do que qual­
até 1890 perguntava-se também: “Depois de primeiro de ja­
quer outro estado de obnubilação o mesmo agonia sem mor­ neiro de 1874 sonhou você alguma vez com a morte duma
te: deixa em mais liberdade a alma (ou a faculdade PSI, etc.) pessoa querida? Impressionou-se com êste sonho? Ficou-lhe
para realizar o fenômeno. Mas o fenômeno é humano, exis­ esta impressào penosa durante uma hora, ao menos, depois
tencial, deste mundo. de ter-se levantado?” Pois bem, as mensagens captadas em
sonho referentes a mortes foram muitas. Dos 668 casos se­
ObnubUação também do percipiente lecionados, com o rigor da “Society for Psychical Research”,
e descritos na obra de GURNEY antes citada, 339 eram
Se além do estado muito “especial” do agente, o estado sôbre morte por acidente de um ser querido.
do percipiente é também de inconsciência ou ao menos de
certa obnubilação da consciência, o fenômeno fica muito fa­ Ora, as estatísticas de morte por acidente na população
cilitado, é muito mais frequente. masculina (únicos casos analisados) davam então na Inglater­
A Sra. RICHARDSON, na Índia, sonha que seu marido, ra uma proporção só de 5%. Segundo o cálculo de proba­
major general que lutava a 150 quilômetros de lá, durante bilidades, tomam-se totalmente incompreensíveis tantas coin­
cidências entre sonho e morte por mero acaso.
5 — RICHET, Charles: “Traité de Métapsychique”, 2.» ed., Pa­
ris, Alcan, 1923, pág. 372. 6 — GURNEY..., o. c., trad. franc., pág. 144.
378 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - I 379

Recentemente, Whately CARINGTON féz um inquérito çar a mãe, depois de uma prolongada ausência e tantos
semelhante. Pediu sòmente casos nos quais os sonhos (esta­ perigos na guerra e, de repente, o ensejado momento
mos falando de casos com obnubilação da consciência também se frustra porque o avião se incendeia e está caindo sem
no percipicnte), coincidiram com um fato real imprevisível. esperança de salvação. Tais são as idéias que logicamente
Escreve CARINGTON: “Se eu sonho que meu primo enchiam o consciente ou inconsciente da vítima.
Jorge toma, no desjejum, um ôvo com presunto e este so­ Que a ST se realiza durante a agonia (ou mesmo du­
nho resulta comprovado, nem por isso deveremos tê-lo por rante a morte aparente) aparece claro em muitíssimos casos:
telepático pois esse desjejum, pelo menos na Inglaterra, é Miss JONES, enfermeira que prestava serviços de noite,
demasiado previsível. Mas, nos casos imprevisíveis, podemos dormia durante o dia. Uma tarde, quando dormia, ouviu
supor que a mente do agente enviou uma mensagem à mente muito distintamente que a chamavam pelo nome que tinha
de quem sonha. Ora, no conjunto dos sonhos, os sonhos sobre em família: “Margarida, Margarida!” (e não Miss JONES).
a morte estão em proporção muito pequena... O inquérito A impressão foi tão nítida que acordou e saiu ao corredor,
tem demonstrado que a coincidência com a morte tem sido para ver quem a chamava. Não havia ninguém. Olhou o re­
24 vêzes mais freqüente do que se poderia esperar segundo
lógio. Eram cinco e meia da tarde. Poucos minutos antes
o cálculo de probabilidades” 7 8.
ouvira a voz.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, unia mulher da
Durante o jantar perguntou quem a tinha chamado,
Flórida acordou uma noite superexcitada, gritando e cho­
pouco antes das 5,30 e estiveram brincando com ela por
rando. Tinha visto em sonhos seu filho cair dum avião in­
esse motivo.
cendiado. O marido não logrou convoneô-la de que se tratava
dum pesadelo sem fundamento, pois a guerra tinha ter­ Naquela noite recebeu um telegrama que lhe anun­
minado c, aliás, o filho não servia nas fOrças aéreas. Cha- ciava que inesperadamente tinha falecido sua sobrinha,
mou-sc ao médico, que deu um calmante à senhora. No dia também Margarida, com a qual cra unida por especial
afeto. Foi à casa. de seus irmãos. Ao lhe contarem a morte da
seguinte recebeu-se uma animadora carta do filho: mani­
festava satisfação pela. vitória e anunciava a. sua, rápida vol­ menina disseram-lhe que pouco antes de morrer, ela chamava:
ta á casa. A mãe ficou tranquila. Mas, cinta) noites depois, “Margarida, Margarida!”, o que motivou um comentário dos
pais sôbre se chamaria a sua querida tia ou se dizia seu pró­
repetiu-se o mesmo sonho, c desta vez a visão foi Ião clara.,
prio nome 9.
o convencimento tão profundo, que o sedativo administrado
pelo médico foi ineficaz. Tão absurdo pareceu o sonhe O Pe. FIELD, dormindo, ouve que o chamam: “Harry,
e o comportamento da mãe que foi internada num hospital Harry!”. Reconhece com absoluta nitidez a voz da sua mãe.
de psicopatas. No dia seguinte ao segundo pesadelo, chegou Nessa mesma hora, em Londres, a mãe do Pe. FIELD
a notícia oficial: o jovem tinha sido repatriado do Extremo repetia ao morrer: “Harry, Harry!” e não Henry como tinha
Oriente, num avião que se incendiara e caira na mesma noite por costume io.
em que a mãe tivera o primeiro sonho. Não perceberam que
Que diferença essencial há entre êstes casos, nos quais
a carta recebida depois cra de data anterior.. . 8.
o agente chega a morrer e aquêles outros, anteriormente
Todos esses casos são classificados como de sugestão citados, nos quais o agente sobrevive? Ünicamente que é
telepática. No caso concreto referido, é lógico supor a mais especial o estado do agente e também mais emotiva
telebulia: o soldado está voltando para casa, para abra­ a mensagem. O fenômeno, porém, é dêste mundo.
7 — CARINGTON, Whately, tradução francesa de PLANIOL: 9 — EHRENWALD, Jan: “Telepathic and Medicai Psychology”,
“La Télepathie. faits, theories, implications”, Paris, Payot, 1918. Londres, 1947, págs. 85 ss.
8 — RHINE, o. c., trad. espanhola, págs. 102 ss. 10 — “Annales des Sciences Psychiques”, 1892, pág. 175.
380 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - 1 381

A ST e a precognição O acidentado, talvez já durante a morte aparente, tinha


A ST é um fenômeno psigâmico. Por conseguinte a telebulia evidente de comunicar o acidente à esposa. Só
prescinde das leis do tempo, dentro de certos limites como que a percepção foi precognitiva. PG prescinde do tempo.
já vimos.
O Sr. SAVÉLLI (de Cos ba. na Córsega) passa, com um A S T e a retro cognição
amigo, diante duma casa da qual parecem sair gritos e la­
Se a faculdade PSI-GAMMA do homem pode “a^ian-
mentações. Depois, tudo passa... O Sr. SAVÉLLI e sou
tar-se” aos fatos, mais fácil será que se atrase não havendo
amigo percebem que não acontece nada. Mas sua admiração
inibição para a manifestação da retrocognição. O fenômeno,
foi maior no dia seguinte: passando pelo mesmo enderCço,
que na prática classificamos como retrocognição, é muito
ouvem os mesmos gritos e gemidos. Mas desta vez eram
reais. Um menino, presa de erupe, acabava de morrer, com
mais numeroso na sua manifestação do que a precognição.
o consequente desespero da mãe n. A Sra. PAGET, por exemplo, às 22 horas, desce à cozi­
nha e de repente vê seu irmão Miles que entra e se dirigo
Êstc caso, analisado nos relatos originais, aparece
como caso de precognição causado pela sugestão telepá­ a ela, sentando-se perto. Tinha o uniforme de marinheiro, e
tica: a mãe que perde um filhinho atacado de erupe, pede um pouco de água brilhava sôbre a sua camisa e capacete.
auxílio, possível ou absurdo, a quem quer que seja. Esta Ela supõe que a chuva o tivesse molhado e grita: “Miles, de
telebulia basta para provocar, na forte emoção das circuns­ onde é que você vem?”, file responde, com sua voz habitual,
tâncias, a sugestão telepática, captada por alguns caminhan­ mas muito depressa e excitado: “Por amor de Deus, não di­
tes próximos. A percepção foi prccognitiva. gas que eu estou aqui”. E desaparece... “Cheia de pânico,
No caso citado (entre outros que se poderiam citar) escrevi a data numa íõlha de papel”.
o agente era a mãe. Que diferença haveria se o agente ti­ Miles, Maquele dia, sofreu um acidente no pôrto de Mel-
vesse sido o filho? Estes casos explicam outros semelhan­ bourne. As datas coincidem; tendo, porém, em conta a dife­
tes ao seguinte: rença de longitude, a aparição se verificou com um atraso de
Em 1963 uma senhora, quando costurava meio adorme­ 10 horas sòbre a hora do acidente.
cida, teve de repente a impressão de assistir a um acidente.
Seu marido aparecia atropelado por um cairo de praça em Comunicação de um morto? Não houve morte. Três
São Paulo. A senhora observou nitidamente o corpo do cs- meses mais tarde Miles volta à casa e conta a irmã que quase
pôso, o sangue correndo sobre os paralelepípedos, o carro; se tinha afogado no porto de Mclbourne e que tinha ficado
leu o número da placa, presenciou a conversa do policial com sem conhecimento l\
o motorista, ouviu o nome dêste... Logo tudo desapareceu. A irmã 0 viu inclusive ainda molhado. No acidente,
Fôra uma alucinação: seu esposo estava lá com ela lendo Miles, ao menos inconscientemente, pensaria na única pa-
tranqüilamente o jornal. renta, desejaria voltar para junto dela. Por associação de
Dois meses mais tarde, porém, acontecia o acidente com idéias inconscientes, acreditar-se-ia surpreendido como fu­
todos os detalhes previstos 12. 11 gitivo do serviço militar: “Por favor não digas a ninguém
11 — FLAMMARION, C.: “La mort et son mystère”, 3 vols.,
que eu estou aqui”. Os pensamentos inconscientes do “afo­
Paris, E. Flammarion, 1920-22, V. I, pág. 114. Trad. portuguêsa: gado” constituem a telebulia.
“A morte e o seu mistério”, Rio de Janeiro, F. E. B., s. d. (1955, os O caso e outros semelhantes, sem morte, explicam aque­
3 vols.), V. I, págs. 94 s.
12 — O caso me foi referido pela interessada e família em São les em que pareceria que a mensagem provinha do morto:
José dos Campos. Não tendo tomado nota do fato imediatamente,
talvez algum pequeno detalhe tenha sido modificado. 13 CURNEY, 0. c., trad. íranc., pág. 317.
382 A FACE OCULTA D A MENTE ST ESPONTÂNEA - I 383

trata-se de “retrocognições”, ou manifestação retardada de soa. Ê o inconsciente do perceptor quem se encarrega de


uma sugestão telepática. “Retardada”: no caso citado, Miles dramatizar a notícia, como se se tratasse da aparição dum
não ficou dez horas desacordado, molhado... “espírito desencarnado”.
Pode ser interessante, com respeito à relação tempo-ST, A condêssa TOUTSCHKOFF, espôsa de um general rus­
citar as palavras de RICHET que, por sua vez, cita MY- so, sonha que seu pai, vivo, vem até ela trazendo pela mão
ERS: “O tempo de latência entre o acontecimento mesmo o neto mais velho, filho da condêssa, e que lhe diz: “A tua
e a monição (percepção) é variável. Fr. MYERS supõe que felicidade terminou. Teu marido caiu em Borodino”. Êsse
a impressão telepática é imediata (nesses casos de apa­ sonho se repete três vêzes. Ela, sem se preocupai- porque seu
rente rctrocognição), mas que esta impressão fica latente marido está em casa, mas algo intrigada, pergunta a seu es­
no espírito do percipiente, não emerge na sua consciência poso onde fica Borodino. O general não conhece o nome
senão após certo intervalo. Traçando-se a curva, segundo o déste povoado que, aliás, não encontraram no mapa.
tempo, da frequência das aparições depois da morte, consta­ Alguns meses após, o general parte para a guerra.
tar-se-á que seu número vai em decréscimo, rapidamente, até E, com eleito, um dia, entra o pai da condêssa levan­
resultar quase nulo, ao têrmo de alguns dias”. do peia mão seu filho maior e lhe comunica, após alguns
E, no que respeita ás precognições, ao menos aparentes, rodeios, a triste noticia: “A tua felicidade terminou. Teu
“cm quase todos êsses casos (deixa pois, como se vê, uma maridoicaiu
*
cm Borodino” 15.
porta aberta para autênticas precognições em alguns casos)
nos quais o fantasma precedeu à morte, é porque houve Trata-se duma precognição do momento em que o pai
doença.. . E então a agonia com seu coma, suas convulsões, da condêssa se aproximaria, pensando como comunicar-lhe
antes da parada definitiva do coração, isto é, antes da morte, a notícia. O fenômeno psigâmico foi evidentemente com
pode ocasionar a comunicação telepática precedendo, em con­ relação ao pai da condêssa c não ao morto. Em muitos ou­
sequência, (o fantasma) á morte”. tros casos, o inconsciente dramatiza a notícia indireta, apre­
sentando-a como notícia direta provinda do “desencarnado”,
Tanto RICHET como MYERS destacam o problema
da precognição de acidentes. Fazem notar que, “nos casos sem que o “jogo” do inconsciente apareça tão claro como
de acidentes, a visão é quase sempre consecutiva à mor­ no caso citado.
te”; simulcognição simples ou simulcognição com latência O Pe. DONTAZ, vigário de Domdidier, na Suíça, quando
por algum tempo da mensagem recebida. Esta compro­ ainda tinha 18 anos, sonhou duas vêzes seguidas que via sua
vação era, aliás, de esperar porque, evidentemente, nos aci­ irmã à morte; isso, de fato, acontecia.
dentes não há doença prévia. Não obstante, os citados auto­
Era sugestão telepática direta provinda da moribunda?
res entre os casos de antecipação do fantasma à morte por
acidente, aludem expressamente a um caso com explicação Se tudo tivesse fieado aí, pareceria que sim. Mas...:
sob precognição autêntica u. Houve depois um sonho mais completo: apareceu-lhe o
pai, vivo, e lhe disse: “Tua irmã Josefina está morrendo;
Aparições por procuração mas tua mãe não sabe disto”. Na manhã seguinte, quan­
do o jovem se dirigia ao Liceu, recebeu um telegrama do
Muitas vêzes, a alucinação de aparição pode inspirar-se
não na própria pessoa que aparece, mas numa terceira pes­ 15 — BOZZANO, Ernesto: “Dei fenomeni premonitori”. Roma,
1914. Tradução francesa: “Des phénomènes prémonitoires”, Paris,
14 — RICHET, o. c., págs. 330 ss. A. S. P., 1914, caso LXX.
384 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - I 385

pai, que lhe dizia: “Sua. irmã Josefina está morrendo em Abrindo o armário, o doutor vê as roupas que vestia
Paris. Tua mãe não sabe disto” n>. a menina que o chamara. Estavam sêcas e à temperatura
ambiente: não podiam ter estado uns minutos antes expos­
O exemplo é muito significativo. Mostra firmemente tas à neve e ao ar gelado da noite 17.
que a primeira visão da irmã morrendo não foi causada di-
retamente pela moribunda, mas pelo pai, ao escrever as tris­ Aparece clara a telebulia, talvez só inconsciente, da
tes palavras do telegrama. Quando, pela terceira vez, o viúva que se encontra gravemente doente e sozinha: “Se
jovem capta a triste notícia, a percepção telepática mais ao menos estivesse aqui a minha filhinha para ir chamar
nítida e completa evita o engano de tomar a notícia como o médico. ..!”
proveniente da moribunda, aparecendo o verdadeiro agente, De fato o médico captou esta telebulia, perfeitamente
o pai. A “porta” de passagem do inconsciente ao consciente dramatizada e completada.
foi abrindo-se aos poucos.
A mensagem telepática, no caso, gozou de boas condi­
Muitas notícias da morte de uma pessoa (ou qualquer ções pela emotividade e pelo estado psicofisiológico todo espe­
outra mensagem), dramatizada como vinda do espírito dos cial da agente, assim como pelo sono do percipiente. De­
mortos, na realidade provem telepaticamente duma pes­ vemos levar em conta também que o inconsciente do mé­
soa viva, sem que o pcrcipiente chegue a perceber que se dico teria já ficado de sobreaviso, ao se deitar, com receio
trata de mensagem por “procuração”. Compreende-se que, do que algum doente precisasse de seus auxílios profissio­
sendo a notícia da morte tão emotiva, seja mais frequente nais justamente numa noite tão desagradável como aquela. ..
do que outras mensagens.
O doutor comprovou na volta da casa da doente que
Os “adornos” na ST não existiam as pegadas da menina na neve. A esposa e
empregada não ouviram a campainha (os efeitos físicos são
Tanto o agente como o pcrcipiente podem “adornar”, raros, trata-se, cm geral, unicamente de projeção alucina­
associar à mensagem outros elementos. Neste sentido pode tória). O mesmo devemos dizer das roupas: nem sagram do
ser muito expressivo o seguinte caso, de cuja autenticidade armário, nem foram materializadas! Tudo foi dramatização
é difícil duvidar: inconsciente da mãe doente completada pelo inconsciente do
O Dr. Mittchell S. WEIR, de Filadélfia, estava já dor­ doutor. Um pastor protestante contava-me que quando êle
mindo, corta noite, quando foi acordado pela campainha da vivia nos E.U.A., foi protagonista de um caso quase idêntico.
porta de entrada. Levanta-se, abre a porta e encontra uma Cruzou-se com um policial noturno... Ao voltar de atender
menina desolada que lhe diz: “Minha mãe está muito doente, o doente, o pastor perguntou ao policial. O policial vira pas­
doutor. Rogo-lhe que venlia, por favor". sar o pastor falando sozinho! Só o pastor vira a “aparição”,
Eia uma noite de inverno, a neve caia a turbilhões e so­ não estava esta de fato materializada. Casos semelhantes
prava um vento gracial. O doutor se agasalha e segue a me­ são relativamente freqüentes.
nina. Encontra a mãe gmvemente doente de pneumonia. Salvo raríssimas exceções, as aparições dos “mortos” são
Depois de prodigar-lhe seus cuidados, antes de dospedir-se fenômenos naturais. No livro dedicado às teorias, estuda­
felicita a mãe pela filha tão inteligente c corajosa que tem. remos expressamente os argumentos e provas experimentais
Responde a mulher: “Minha filha morreu, há já um mês. de que não há comunicação entre vivos e mortos, mas só
Suas botas e seu sobretudo estão neste armário". entre vivos (e só entre mortos?). Seria preciso provar o
16 — FLAMMARION, Camille: “La mort et son mystère", 3.0
17 — CHERRIE, C. K.: “Dark Trails, Adventures of a Natu-
Vol. Paris, E. Flammarion, 1920-21, pág. 192. Tradução inglesa:
“Death and its Mystery; Before Death", Century, 1921. ralist", caso reproduzido em “Reader's Digest", julho, 1938, pág. 40.

mmm amem!»
386 A FACE OCULTA DA MENTE

contrário, positiva e evidentemente, em algum caso concreto


e raríssimo, um caso entre muitos milhões. Nos dois pró­
ximos capítulos já não aludiremos mais ao erro de inter­
pretar sobrcnaturalmentc os casos de ST.

Pela sugestão telepática ( S T ) , não raramen­


te se realiza de modo paranormal o desejo (tele­
bulia) de comunicação entre o agente e o perci- ST espo nt ân ea - 11
piente, especialmerite (piando o consciente está
“ obnubilado”. SUGESTÕES TELEPÁTICAS
A ST, mal interpretada, tem contribuído SUBMETIDAS À ANÁLISE
muito para a superstição espírita, pois os casos
que comunicam alguma morte são especialmen­ Um sonho salvei ', ealmente a vida de uma
te frequentes. jovem. — Socorro mútuo a quilômetros de
As comunicações de mortes não se devem na distância. — O mesmo “fantasma” aparece
realidade aos “desencarnados”, mas a outros fa­ ao mesmo tempo em diversos lugares. —
tores: a ST ó facilitada pela maior emotividade e “Falando do diabo.. ”, ditado científico.
pela agonia ou estado entre a morte aparente e a
real; a ST pode, por precognição, adiantar-se à O capítulo anterior vimos casos de ST preferencial­
morte e é mais frequente a ST retrocognitiva; ou­
tras vezes pode ser ST antiga captada inconscien­ N mente em mortes. São os casos mais numerosos. Pa-
iralelamente ao grupo anterior devemos mencionar outros
que, na análise dos casos espontâneos, logo chamam a
temente, que só algum tempo após a morte do ser atenção.
querido surge ao consciente do percipiente; a no­
tícia pode provir, sem que o percipiente se dê A telebulia interpretativa
conta sempre, de uma terceira pessoa; etc.
Não é necessário que a telebulia seja consciente e reflexa.
O inconsciente tanto do agente como do per­ Pode ser até inconsciente e interpretativa. Vê-se tal coisa
cipiente pode dramatizar magistralmente o con­ claramente, em casos como o seguinte, entre outros muitos:
teúdo telepático. Um soldado de aviação está retido no hospital por uma
afecção pulmonar. Uma noite, a febre causa-lhe um acesso
de sonambulismo. Sem deixar de dormir, êle se levanta e
caminha até o pátio, onde acorda. Ia sonhando que viajava
num avião. Voando, chegava até Scleishein, onde encontrara
de sentinela um seu amigo. Sonhou que o amigo, ao vê-lo,
começara a tremer de horror.
388 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - II 389

— Não me reconheces? — pergunta o aviador.


sonho do estudante. O sonho deste corresponde ao momento
— Ah! Es tu, José! — responde o amigo —. Que vens
real em que ela caminha perto daquele quarto no alto da esca­
fazer aqui? da. O noivo, pela sua parte, acrescentaria o desejo (reali­
O aviador doente escreveu, então, ao seu amigo senti­ zado no sonho) de abraçá-la, sonho que por ST resulta aluci­
nela, cruzando-sc a carta com outra que o sentinela havia es­ nação, com visos de realidade para a noiva.
crito ao aviador. No carimbo postal havia a mesma data para
Casos semelhantes são relativamente freqüentes.
ambas as cartas. O sentinela contava, na sua mensagem,
como viu ciaramente e ouviu distintamente a voz de seu ST entro o animal o o hciinom?
amigo que lhe perguntava: “Não me reconheces?” 1.
Parece que certos animais, à distância, perceberiam
O sentinela tomou a alucinação telepática causada pelo mensagens provindas dos seus donos, mormente quando os
doente que sonhava como se fôsse visita autêntica, até que donos passam por circunstâncias extremamente críticas.
a figura do aviador se esvaísse. Pela sua parte, o sentinela,
no estado dc pânico, fêz sugestão telepática ao amigo doente. Sem dúvida, todos têm ouvido falar, ou têm talvez pre­
senciado algum dêsses numerosos casos era que os cães emi­
Uma sugestão telepática mútua: uma conversa “telefô­ tem um estranho e lúgubre uivo quando' seu dono está a
nica” sem telefone, por ST pela simples telebulia, interpreta- morrer, ainda que a morte do dono suceda num longínquo
tiva, de dirigir cada um o seu pensamento, ou palavra, ao hospital. Que há de objetivo no fundo dêsses casos de obser­
amigo distante. Não precisamos nestes casos supor efeitos vação popular?
físicos. Basta a projeção alucinatória do captado pelo psi­
quismo. Existem casos interessantíssimos e bastante abundantes
nos quais nenhum dos presentes sabia sequer da doença do
Km 185-1 o pastor protestante NEWHAM, então estu­ ser querido, e foi precisamente a conduta do cachorro que
dante em Oxford, sonha que estã passando uns dias na casa os levou a suspeitar da morte.
da família da sua noiva. Sonha que, estando 61e no quarto
O aviador Mario CALLI, por exemplo, tinha um cão
que costumavam reservar para élc, ouve os passos de sua noi­
pastor, Wamar, partieuJarmente esperto. Quando o aviador
va no alto da escada. Corre para ela c a abraça. Nesse mo­
loi para a guerra da Etiópia, deixou o animal em Turim.
mento acorda. Na manhã seguinte escreve uma carta ã noi­
Passou algum tempo. Um dia, de repente, o cachorro come­
va contando-lhe o sonho. Uma carta da noiva se cruza com
çou a se mostrar muito nervoso, farejando o ar com inten­
a dêle contando-lhe como ela, naquela noite, ãs dez horas,
sidade. Logo saiu correndo, subiu ao quarto do dono e aco­
no alto da escada, sentiu com tôda “realidade" como cra
corou-se ao pé da cama. Foi impossível tirá-lo dali. Não
abraçada por êle 2. aceitou mais comida. Acudiu-se ao veterinário, em remédio
A simples telebulia, “interpretativa”, de pensar a noi­ para a situação, mas sem resultado. Lá morreu o cachorro
va no jovem estudante quando se aproxima do quarto de inanição e tristeza. Pouco depois chegava a notícia de
que sc reservava para êle, provocaria por ST o início do que, precisamente aos 27 de junho de 1936, o dia cm que
o cachorro começara aquela estranha conduta, o avião do
1 .— “Psychike Studien”, número XLIV, pág. 350. Cap. GALLI era atingido em combate, causando a morte do
2 — HART, Hornell: “La projection de Fcsp”, trabalho apre­ aviador.
sentado no I Congresso International de Utrecht e resumido por
AMADOU, Robert: “La Science et le paranormal. Le I Coloque In­ O caso foi muito bem observado e investigado, com in-
ternational de Parapsychologie (Utrecht, 1953). Les entretiens de forme detalhadíssimo, peia professora Rosa CAGGERO1 2 3.
Saint-Paul-de-Vence (1954). Comptes rendus et rapports publiés et
présentés par Robert Amadou”, Paris, Ins-titut Métapsychique In­ 3 — Citado por OMEZ, O. P., Réginald: “Peut-on communiquer
ternational, 1955. avec les morts?”, Paris, Fayard, 1955, págs. 94 ss.
8276488210336876419230376408

390 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - II 391

O caso, que é apenas um entre muitos, pode ser classi­ A telebulia nestes casos é evidente: o inconsciente não
ficado como Sugestão Telepática. Parece, com efeito, ló­ deseja unais, nessas circunstâncias, do que pedir auxílio.
gico supor que o Cap. GALLI, no momento da morte ou
acidente, pensasse na sua família. Essa telebulia ou essa ST salvadora e mútua
vontade, ao monos inconsciente, de comunicar a desgraça Um jovem viajava num submarino. O comandante ordena
aos seres queridos foi captada paranormalmente em casa. imersão de manhã, imediatamente depois do café. Tinha-se
Foi comunicação direta GALLI-cachorro? Os casos decidido ficar em imersão «até às dez da noite.
apresentados nunca provaram definitivamente a ST entre A exceção de um só homem que ficava de guarda, a tripu­
animais c homens. É mais possível que o cachorro captasse lação, depois de uma noite de trabalho, adormeceu. Um mari­
só por hiperestesia sobre as pessoas da família do aviador nheiro sonhou que muitas mulheres, numa fábrica de muni­
alguma consequência da sugestão telepática entre GALLI ções, estavam enchendo cartuchos com explosivo. Em sonho,
e seus familiares captada inconscientemente por estes. via sita irmã dormindo numa repartição, em cuja porta, atra­
vés dos vidros, via-se o letreiro “Inspetor”. De repente, uma
Que farejava o cão no ar? Não precisamos supor um grande língua de fogo pareceu lamber todo o piso, depois
efeito físico. No caso basta uma simples manifestação reflexa ouvindo-se uma explosão. O marinheiro acordou como se
do cão (resultado, não meio de percepção) ou, quando muito, tivesse sido sacudido.
meio de comunicação hiperestésica (não psigâmica) dos fa­ Sentindo-se meio desfalecido, olhou o relógio: eram dez
miliares para o cão. horas, hora na qual já deveriam estar emergindo. Viu então
que o homem de guarda estava dormindo. Com grande es­
Por enquanto, nos inclinamos decididamente a pensar forço, conseguiu acordar três colegas que, como êle, estavam
que com os animais só haveria hiperestesia reservando-se o
quase asfixiados pelas emanações de petróleo e falta de
paninormal extra-sensorial, só para o homem. Casos como
oxigênio. Os quatro conseguiram fazer subir o subma­
o citado, ou a orientação de certos animais, ou animais ‘‘in­
rino à superfície. Ao subirem, viram que já era dia. Eram
teligentes”, etc., apresentados em prol de PG nos animais,
têm muitos pontos fracos. 10 da manhã, não da noite. Tinham passado mais de 24 ho­
ras submersos. O comandante admite que os quatro mari­
nheiros tinham salvo a vida de todos.
ST sailvado ra. De retôrno à base, o marinheiro recebe uma carta da
Um pastor protestante, ausente cie sua cidade, sonha que sua irmã (a inspetora do sonho) que lhe anuncia que uma
vêi um incêndio e um de seus filhos em meio das chamas. terrível explosão no departamento de enchimento de cartu­
Acordando, não pôde evitar o impulso violento de voltar. chos tinha matado 36 mulheres. O acidente tinha se produ­
Ainda durante a viagem do pastor, declara-se o incêndio na zido às dez horas, quando a môça deveria estar no local
fazendo a ronda de inspetora; tendo ela, no entanto ador­
sua casa. O pastor chega justamente a tempo de socorrer o
mecido na sua repartição, salvara-se. Contava mais, que o
filho, que no meio da confusão tinha sido esquecido pelos
vira em sonhos, a êle e a todos os seus colegas do submarino,
criados numa situação bem perigosa 4.
mortos. Mas um sentimento inexplicável, durante o sonho,
ST salvadora por precognição. Éstes casos em demanda lhe dizia que ainda se poderiam salvar, e foi então que ela
de auxílio são relativamente freqüentes. tentou acordá-lo, sacudindo-o. Neste momento, foi acorda­
da pela explosão 5.

4 — D ALE OWEN, Robert: “Footfalls on the Boundary of ano- 5 — SCOTT, Ivan, em “Blackwood Magazine”, caso reprodu­
ther World”, Londres, 1861, págs. 99, 109.
zido em “Reader's Digest”, janeiro, 1940.
392 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - II 393

O inconsciente do marinheiro, percebendo o perigo, de­ mente o fenômeno psigâmico mais frequente, pode-se reunir
sejava auxílio... A irmã, ligada a êle pelos laços do afeto, um respeitável número de casos com alucinação auditiva.
casualmente em estado especial que facilitava a recepção
(adormecida) captaria o SOS inconsciente do irmão. Isto Um ancião de 84 anos, Sr. SAUNDERS, era muito sur­
suposto, inverter-se-ia o processo psigâmico, passando agora do. No dia 8 de janeiro, às 7,30 horas da tarde, não obstante
a irmã a sugerir telepaticamente ao irmão, o próprio desejo a enorme surdez, ouviu nitidamente (por ação da percepção
dramático de acordá-lo, assim como o conhecimento que interna, alucinação sem fundamento externo normal) uma
nesses mesmos momentos adquiria sobre o fogo e a explosão. voz que lhe dizia “Tom chega hoje”. Tom estava durante
Êstes casos são, como dizíamos, uma espécie de conversa a guerra, como soldado, na França. Na véspera da alucinação
telefônica (mútua) na qual o papel de telefone é desempe­ o velho tinha recebido uma carta de Tom na qual anunciava
nhado pela faculdade psigâmica. voltar a escrever em seguida. Não era, pois, lógico esperar a
chegada de Tom em pessoa. Poucas horas depois de ter perce­
A ST de aproximação bido o velho a sugestão telepática auditiva, chegava ‘*om 7.

Seriam significativos, precisamente por terem um con­ As condições para a ST nestes casos não são boas (men­
teúdo insignificante e serem percebidos e “emitidos” em ple­ sagem não muito emotiva, estado de vigília...). Por isso di­
na vigília, certos casos que têm chegado a formar um grupo zemos, a porcentagem de alucinação visual, e mormente audi­
típico: “ST de aproximação”, aqueles que anunciam a che­ tiva, é mínima na ST de aproximação.
gada duma pessoa, preferentemente de uma pessoa querida.
Mas sem nitidez ou sem alucinação, a ST de aproxima­
O Ccl. BTGGE ve um doa seus colegas, vestido à ma­ ção é fenômeno freqüente. Parece excessivamente freqüente
neira dos pescadores, com utensílios de pesca. Distingue per- para que possamos pensar que só se trata de mera casuali­
feitumente tudo, inclusive certos apetrechos de pesca que êle dade. Os provérbios de todos os países fazem alusão
assegura desconhecer absolutamente. Nunca, aliás, tinha visto ao fenômeno: “falando do diabo, já aponta o rabo”, “ha-
seu colega com aquela roupa. Dez minutos depois, esperando blando dei rey de Roma, por la puerta asoma”, “si mur­
dar uma surprêsa ao coronel, chegava o colega exatamente muras de la comadreja, le verás la oreja”; “quand on parle du
como fora visto na alucinação 6. loup, on en voit la queue”, “speak of the devil, and he will
appear”, “quando si parla dei sole, il sole spunta”, etc.. .
Êstes casos de “aproximação”, podem scr classificados
como sugestões telepáticas, pois ó lógico supor que o agente Êste fenômeno não só tem chamado a atenção do povo
é a pessoa mesma que se aproxima com a leve telebulia de que o classificou nos provérbios, mas interessou também vi­
pensar no amigo ou parente a cujo encontro caminha e a vamente a alguns metapsíquicos que discutiram amplamente
quem espera dar uma agradável surpresa. o assunto; assim, por exemplo: RICHET7 8, MYERS9, G. C.
FERRARI10 11, defendem a explicação paranormal; o Dr.
Nestes casos, são mais freqüentes as alucinações visuais, ROCH n, o Dr. GRASSET 12 e outros, mantém-se indecisos.
como as descritas, do que as auditivas. As alucinações audi­
tivas, são, na ST de aproximação (e em geral em PG), de
7 — “Journal of S. P. R.”, tomo XIX, págs. 30 ss.
uma porcentagem mínima. Contudo, sendo a ST provàvel- 8 — RICHET, o. c., págs. 734 ss.
9 — MYERS. o. c.. trad. frane.. pág. 229.
6 — MYERS, Frederic W. H.: “Human personality and its sur- 10 — FERRARI, G. C.: “Prévision ou prémonition à rappel”, em
vival of boodily death”, 2 vol. Londres, Longmans, 1902-3. Tradu­ “A. S. P ”, tomo XV, págs. 585 ss.
ção francesa de JANKELEVITCH: «La personnalité humaine. La 11 — ROCH: “Note sur les prévisions de rencontre”, em “Archi-
survivance, les manifestations supra-normales”, Paris, Alcan, 1919, ves de Psychologie”, tomo V, pág. 149.
pág. 229. Tradução espanhola: “La personalidad humana", Buenos 12 — GRASSET, J.: “L’Occultisme hier et aujourd’hui; Le Mer-
Aires, Saros, 1958; Paris-México, Vda. Ch. Borret, 1906. veilleux préscientifique”, 2.» ed., Montpellier, Coulet, 1908, págs. 336 ss.
394 A FACE OCULTA DA MENTE ST ESPONTÂNEA - II 395

Não pretendo, ao menos por enquanto, definir o assunto, parte, a interferências do próprio inconsciente, de acordo
que precisaria ser analisado e experimentado com uma série com as diversas personalidades.
de precauções não fáceis de se tomar. Um caso de percepção coletiva da ST circunstancial­
De fato é evidente que muitíssimos destes fatos são sim­ mente descrito, comprovado e estudado, é o do Dr. ISNARD.
plesmente normais ou dos que chamamos “extraordinário- Quando o Dr. ISNARD, professor no Val-de-Grace, era
normais” em expressão um tanto antinômica. Contudo, parece ainda estudante, teve uma visão que ao mesmo tempo foi
muito difícil excluir completamente desses casos a explica­ captada por sua irmã e um amigo. Os três fizeram um com­
ção por sugestão telepática: o agente seria a pessoa que pleto testemunho.
está vindo, pensando nas pessoas que vai visitar (telebu- A mãe do Dr. ISNARD estava gravemente doenfe
lia). Devido, porém, às péssimas condições de conteúdo e em Paris, rua Jacob. Havia já quatro meses que estava
estado psicofisiológico do agente c percipiente, a ST só seria na cama, e repousava no quarto vizinho à sala de jantar, no
captada inconscientemente, provocando nos percipientes o qual estavam os três jovens. De repente, estes viram a porta
fato de começarem a pensar e inclusive a falar do agente. escancarar-se. Apesar de estarem todas as janelas fechadas,
sentiram uma corrente de vento. Entre os umbrais havia
A percepção coletiva iima sombra, um fantasma de mulher, pequena, arqueada, a
cabeça inclinada, os braços cruzados sôbre o peito. Um véu
Um primeiro tipo de percepção coletiva: quando duas grisácco como poeira parecia cobrí-la. Avançou lentamente
ou mais pessoas, em diferentes lugares, captam um mesmo pela sala; deslizando sôbre o assoalho “passa perto de
fato.
nós, contorna a porta aberta e desaparece...”.
Durante a guerra napoleónioa, um inglês, Sr. SWITHIN- A descrição o as palavras transcritas são do Dr. IS-
BANK, estava na guarnição em Doiivres com dois filhos. NARD. Também sua irmã e seu amigo, Sr. Menou CORNEUT,
Os outros membros da família encontravam-se cm Bradford, testemunharam ter visto idêntica aparição. A senhora IS-
no Yorkshire. Cada um dos três soldados estava alojado NARD, mãe do doutor, ainda demoraria alguns dias para
em barracas diferentes espalhadas pelo acampamento. Uma morrer. . . B.
manhã, após a parada militar, o pai disse a um dos filhos:
“Tive hoje à noite um sonho esquisito”, ao que respondeu Não vou deter-me neste tomo na explicação sôbre os
um dos filhos: “Eu também”. Então, o segundo filho as­ fenômenos da porta que se abre, o vento misterioso, etc. No
sombrou-os dizendo: “Eu tive hoje um terrível pesadelo: so­ fundo de tudo há uma sugestão telepática: a doente, do leito
nhei que mamãe tinha morrido”. Os três tiveram o mesmo no quarto vizinho, estava ouvindo a alegre conversa dos
sonho na mesma noite em que morria a Sra. SWITHIN- filhos e do amigo. O inconsciente e benévolo desejo de le­
BANK 13.
vantar-se, abrir a porta e assistir à conversa, ou a irritação
“subterrânea” pela alegria da família em meio à própria
Mas como percepção coletiva da ST entende-se comu- dor, e conseqüente desejo de entrar e repreendê-los, cons­
mente aquele fenômeno em que os percipientes estão reuni­ tituem a telebulia que provocou a sugestão telepática.
dos e todos captam a mesma mensagem, prescindindo de
certas diferenças acidentais devidas, ao menos em grande O tempo na ST
Como é natural e já indicamos no capítulo anterior, a
13 — GURNEY, E.; MYERS, F. W., e PODMORE, F.: “Phantasms ST prescinde das leis do tempo dentro do prazo “existencial”.
of the living”, 2 volumes, Londres, Trubner, 1886-7, volume 2.°, pág. 382.
Tradução francesa resumida por MARILLIER: “Les hallucinations
Télépathiques”, Paris, Alcan, 1891. 14 — “Annales des Sciences Psychiques”, tomo I, págs. 193-202.
396 A FACE OCULTA DA MENTE

O Sr. NAPOLEÃO, sargento aposentado, passava um dia


com um amigo diante de duas casas isoladas. Era noite.
De repente se ouvem golpes surdos, como se estivessem ba­
tendo com um martelo. Mas nada sucedia. Dois dias depois,
no mesmo endereço, êles ouvem os mesmos golpes, agora
reais. O marceneiro do povoado fazia apressadamente um
caixão para um pastor, falecido na véspera 15.

ST precognitiva, coletiva e com alucinação auditiva (!),


ST experimental 26
apesar de não haver ligação afetiva nenhuma entre agente DO LABORATÓRIO TENTA-SE DIRIGIR
e percipiente. Único elemento favorecedor da ST era a
emotividade do marceneiro, impressionado pela morte repen­ OS PLANOS ALHEIOS
tina do pastor e receoso de que os golpes pudessem incomo­
dar alguém (eis a telebulia interpretativa).
Ida e volta de Paris a Buenos Aires
numa noite. — Como influir, à distância, nos
O.s casos espontâneos demonstram que o fe­ planos do c h e f e . — À distância, um cientista
nômeno classificado como ST é o mais frequente dirige o sonho de uma criança. — Dois cien­
entre os fenômenos psigâmicos. tistas conseguem, repetidas vezes, comuni­
car-se telepaticamente.
A ST admite muitas subdivisões: salvadora,
mútua, de aproximação, de percepção coletiva. . .
A ST prescinde das leis da distância e do ÃO se podem criar situações autêntica e fortemente
tempo como todo fenômeno psigâmico. N emotivas. Os participantes na experiência, aliás, deve­
riam estar “inconscientes”. . . A experimentação deve ser
abordada em más condições para a realização do fenômeno.
Isto porém, oferece um possível lado vantajoso: se há algum
êxito em más condições, é lógico esperar que o fenômeno
fôsse mais freqüente em melhores condições, confirmando
© observado nos casos espontâneos.
Escreve RHINE: “Há outro tema que espera considera­
ção dos investigadores e que pode ter grande importância.
E’ o de saber se é possível a sugestão telepática e sob que
cond;ções. Em caso afirmativo, qual é o efeito, se há, da
comunidade de experiências, de conhecimento, de amizade, de
amor, de barreiras lingüísticas, de dúvida e muitos outros
fatores? Trata-se de um fenômeno que tem considerável im­
portância em muitos aspectos, principalmente no da saúde
15 — FLAMMARION, Camille: “La mort et son mystère”, 3 vo­
lumes, Paris, E. Fl-ammarion, 1920-1, pág. 114. Trad. portuguêsa: mental, e cujo estudo os parapsicólogos ainda não se deci­
“A morte e o seu mistério", Rio de Janeiro, F. E. B., s. d. (1955, os diram a abordar. Mas o problema não pode ser preterido
3 vols.), v. I, pág. 95. indefinidamente... Muitos psiquiatras têm sugerido que
398 A FACE OCULTA DA MENTE ST EXPERIMENTAL, 399

existem possibilidades construtivas e saudáveis que devem Só depois de passado um mês é que recebeu uma carta
ser exploradas em interesse da psicoterapia e da higiene da pessoa sôbre a qual ela tinha querido atuar: “Ontem fui
mental” l. ao baile do Sr. E. . . De repente, houve um instante no qual,
A possibilidade da ST, condições, fatores, qualidades, encontrando-me rodeado de senhoras numa pequena sala, ouvi
etc., a que alude RHINE, são justamente os temas deste e dos a sua voz muito conhecida e agradável que me dizia: “Eu
dois capítulos anteriores. Das pragmáticas ou possíveis téc­ também estou... ”. Virei-me com presteza palpitando meu co­
nicas de provocar e controlar o fenômeno, falaremos em outro ração e vi você, minha amiga, recostada no parapeito de uma
tomo, assim como da Subjugação Telepsíquica que RHINE janela, sorrindo com doçura e picardia. Vestia um traje
inclue na Sugestão Telepática. branco (camisola de dormir?). Oh! Vi você, acredite, não é
conto, posso afirmá-lo, e minha surpresa foi tão grande que
Experiências fora do laboratório uma senhora me perguntou: “Aconteceu-lhe alguma coisa?
Encontra-se mal?” A visão foi rápida, fugiu com rapidez
A ST não foi abordada em experiências quantitativas, no dos meus olhos... Se para crer nessa visão precisa você
estilo da escola de RHINE. Há, porém, experiências quali­ minha palavra de honra, dou-lha”.
tativas. O caso seguinte é experimental por ser resultado
de tentativas, mas não é de laboratório. Além do estado de inconsciência no agente, havia, ainda,
“Certa senhora entrepara-se, havia muito tempo, ao laços de profunda amizade entre a agente e o percipiente.
estudo e prática dos fenômenos espiritualistas... Quis ten­ Em idênticas circunstâncias, procurou a mesma senhora
tar uma experiência própria... Encontrava-se, naquela realizar outras sugestões telepáticas. Assim se expressa ela
época, ern Paris, e havia deixado alguns bons amigos numa mesma, em carta ao ocultista PAPUS:
grande cidade da América do Sul. Resolveu, pois, aparecer “Passo às vossas mãos a cópia duma parte da carta de
a alguns deles, e para isto concentrou firmemente a sua von­ que vos falei. O amigo que a escreveu não desconfiava que
tade durante alguns dias, neste desejo” (telebulia). No pró­ eu quisesse aparcccr-lhe. Tenho o original da carta, que está
prio dia cm que pensava realizar a experiência “ela se en­
ao seu dispor. Quanto à outra carta do mesmo gênero, não
tregou a trabalho muito fatigante, indo ao ponto de colher tomei a encontrá-la. Fôra enviada por minha mãe (de nôvo,
batatas num campo durante várias horas, a fim de quebrar,
pois, o percipiente é um ser querido), que achando-se em
pelo cansaço, tõcla a resistência do corpo físico, deixando
Leningrado e encontrando-me eu em Buenos Aires conta ter
por conseguinte, em maior liberdade o corpo astral ou peris-
visto minha pessoa no quarto dela, uma noite; tão assustada
pírito. (Segundo as expressões inexatas dos ocultistas, ficou que me pedia encarecidamente para não repetir tal
espíritas, etc., que estudaremos em outro tomo).
experiência com ela. Das 10 experiências que fiz até hoje,
Pelas 9 horas da noite, foi deitar-se, depois de ter, mais só estas duas foram bem sucedidas” 2.
uma vez, concentrado toda a sua vontade sôbre a própria
aparição que queria provocar à distância. Dormiu profun­
Poder-se-iam aduzir mais casos...
damente. Estando em vigília o agente e só o percipiente em incons­
No dia seguinte, ao acordar, não guardava a menor lem­ ciência, é mais fácil fazer e controlar a experimentação em­
brança do que pudesse ter acontecido. Ignorava por com­ bora as condições para o fenômeno sejam piores. Possuí­
pleto se a experiência tinha ou não sido coroada pelo êxito. mos experiências bastante mais numerosas, tanto de ama-

1 — RHINE, Joseph Banks: “New frontiers of the mind”, New 2 — PAPUS (pseudônimo de Gérard Anaclet Vincent ENCAUS-
York, Sloanes, 1937. Citamos da tradução espanhola por KREIMAN, SE); “L#e Traité élémentaire de magie pratique”. Usamos a tradu­
Dora Joninsky de: “El nuevo mundo de la mente”, Buenos Aires, Pai- ção portuguésa: “Tratado Elementar de Magia prática”, 3.* ed. São
dós, 1958, págs. 101 s. Paulo. O Pensamento, 1949, págs. 482 ss.
400 A FACE OCULTA DA MENTE ST” EXPERIMENTAL 401

dores como de laboratório. Das experiências de amadores, Naquela noite eu e meus irmãos estávamos estudando
não de laboratório, por serem menos importantes só citarei na sala. Mamãe já estava deitada fazia bastante tempo. Lá
dois exemplos, um antigo e outro contemporâneo. pelas 23 horas, ela veio queixando-se de forte dor de
O agente era um destacado metagnomo, que tinha dado cabeça. Tivera um “sonho” esquisito: vira um rapaz (baixo,
mostras surpreendentes de precognição espontânea, convicto gordo.. .) num canto do quarto que lhe dizia: “Eu sou Ivan,
conhecedor do ocultismo. Teve, em certa ocasião, de susten­ colega de Jorge. Êle me pediu que viesse avisá-la de que
tar uma luta ingente para levar adiante negócios de alta im­ esteve doente, mas já está bom e virá para casa sábado”.
portância para ôlc. Mas tôdas as probabilidades lhe pressa­ Depois êle desapareceu.
giavam um fracasso completo. Ficamos surpresos com a chegada do meu irmão justa­
Decidiu servir-se de um fenômeno “oculto” para conven­ mente no sábado. Meu irmão fêz questão de que minha mãe
cer a pessoa de que dependia o bom êxito no negócio. O fosse a Piracicaba para ver se era Ivan o jovem que ela
ocultista sabia que aquela pessoa costumava deitar-sc cedo. vira em sonho. Era o mesmo.”
Durante as duas primeiras horas do sono daquele senhor, o Êste caso, entre outros vários de conhecimento para-
ocultista concentrou o pensamento e a vontade: pensava com normal experimentados pela sua mãe, foram-me contados por
força no adormecido e advogava, pouco a pouco, com suavi­ uma senhorita universitária de Lins (São Paulo). F=z ques­
dade de expressão mas com força de concentração mental sua tão de que algumas pessoas conhecidas me corroborassem os
própria causa e defendia seu ponto de vista. Poucas ideias, fatos e pedi que me escrevessem todos os detalhes que eu
uma só intensamente pensada com intenção de que fôsse aqui resumi.
aceita pelo outro senhor (telebulia). Assim tôdas as noites.
O ocultista notou que ia conseguindo que o citado senhor
Destas experiências fora do laboratório temos bastantes,
não se mostrasse t ão terrivelmente decidido contra seu ponto
como disse. Em certos ambientes se intentam experiências
do vista. Não passou muito tempo, quando aquela pessoa
semelhantes e quase de contínuo. Claro que os êxitos são
“espontânoamente” determinou a execução de uma. medida
rclativamcnte poucos, por falta dc bons pcrcipicntcs e cir­
abortamento cm oposição â sua primitiva e irredutível ma­
cunstâncias aptas, além de escasso conhecimento científico
do fenômeno c excesso de superstição. Aliás, o paranormal
neira de ver as coisas, mas altamente favorável ao ocultista
não é fácil de se submeter ao controle da vontade.
e de acordo eom os planos deste. Ninguém podia esporar
semelhante resultado; todos, exceto o ocultista, ficaram sur­
Os começos da experimentação científica
preendidos com tal determinação.
Nos primeiros anos do século, realizou-se uma série de
Êste caso antigo é referido por PAPUS na obra citada experiências de laboratório com excelentes resultados. O
acima. Entre os casos contemporâneos, de amadores, cito investigador, porém, desanimou. . . As experiências nem
um do meu repertório. sequer foram publicadas. Faltou-lhe coragem para afrontar
“Em dezembro de 1961, meu irmão Jorge adoecera em a crítica materialista que tanto estava impedindo as investi­
Piracicaba (onde cursava o último ano de Agronomia). Um gações dos metapsíquicos. Conhecemos as experências por
amigo, Ivan, que se dedicava ao estudo das forças do pen­ uma carta que o investigador chefe, Dr. HEYMANS, da
samento, perguntou a meu irmão se queria mandar um re­ Universidade de Gomingem (Holanda) escreveu ao Dr.
cado para a mãe, que êle tentaria. Meu irmão zombou: RICHET 3.
“Larga de bobagem, Ivan, eu não acredito nisso”. Ivan in­
sistiu. Meu irmão, ao fim, deu o seguinte recado: “Estive 3 — RICHET, Charles: “Traité de Métafsychique”, 2.a ecl., Pa­
doente, mas já estou bom e irei para casa sábado”. Ivan ris, Alcan. 1923. págs. 211 ss.
RHINE, Joseph Banks: “The reach of the mind”, New York,
perguntou a que horae costumava deitar minha mãe. Sloanes, 1948 e Londres, L. Faber, 1948. Tradução espanhola: “El
402 A FACE OCULTA DA MENTE ST” EXPERIMENTAL 403
O Dr. IIEYMANS, professor ele Filosofia, segundo RI- Continua HEYMANS: 4 A casinha em questão (proba
CHET, de Psicologia (Racional) segundo concretiza RHINE,
bilidade de 1/48) foi indicada 32 vezes em 80 experiências”.
escreveu: “Nossas experiências de telepatia foram executa­
das em duas salas superpostas, do meu laboratório. Na sala A possibilidade, segundo o cálculo de probabilidades,
inferior, que está iluminada, sc encontra o sujeito (um estu­ de obter estes 32 acertos está expressa por uma fração ab­
dante da Universidade que tinha dado mostras de ser exce­ solutamente astronômica: 1/10 21.
lente para o caso), com os olhos vendados, e colocado dentro
duma espécie de armário fechado, que tem na parede da As experiências se repetiram noutra ocasião. Obtive­
frente uma abertura pela qual o sujeito passa a mão. Esta ram-se 60 acertos sobre um total de 187 tentativas, sendo
mao pode-se mover por cima duma tábua horizontal dividida que, segundo as leis do acaso só se deveriam ter obtido 4
(como um tabuleiro de xadrez) em 6x8 . : 48 compartimen­ acertos.
tos quaciranguhircs. No teto da sala (construída de cimento Estas experiências, à primeira vista, poderiam ser classi­
armado) há uma janela de vidro. Por essa janela, um de nós ficadas como “Transmissão do Pensamento”, supondo “es­
(concretamente, o Dr. H. J. F. W. BRUGMANS), que se forço” mútuo do agente para sugerir e do percipiente para
estende no chão da sala superior, enxerga o tabuleiro e a captar. Classificamo-las, porém, como de ST, porque o
mão do sujeito através duma janelinha de vidro grosso e percipiente adotava uma atitude meramente passiva. De
trata de dirigir, mentalmente, esta mão ao compartimento fato, o fracasso foi completo quando o sujeito se esfor­
determinado de antemão pela sorte. Como o aposento su­ çou por averiguar. Os investigadores concluíram que a
perior está, durante as experiências, em escuridão, o sujeito vontade, por parte do sujeito, de obter êxito, extinguiu
não poderia ver nada do que ali se passa ainda que estivesse por completo a faculdade de que tinha dado provas quando
com os olhos desvendados c não estivesse dentro do armário * atuava com uma cspccic de convencimento de que o estavam
(os parênteses são nossos). O som também nao r odor ia submetendo a experiências absurdas. Há outro detalhe em
passar: ainda gritando era impossível fazer-se ouvir, como prol da ST e contra a transmissão do pensamento: quando
se comprovou. o sujeito estava num estado de menos consciência, por
Ddormina-se por sorto o compartimento a sugerir. ^ Se exemplo, por ter ingerido alguma quantidade de álcool, o
não sc fizesse por sorte, poder-sc-ia supor, numa longa série êxito era superior.
de experiências, que ao menos o inconsciente do sujeito ter­ É famosa uma série de experiências de sugestão telepáti­
minaria por dar-se eonta do mecanismo psicológico do expe­ ca, realizadas também estando ambos os participantes cm es­
rimentador na eleição dos compartimentos. tado normal. Ou melhor, o estado do percipiente podemos con­
Havia dois sacos contendo fichas ou pedras de jogo. As siderá-lo até certo ponto de “crepuscular”. Com efeito, o Dr.
de um saco marcadas do A até H, as do outro saco nume­ Emílio DESBEAUX, o percipiente, se instalava o mais como­
radas de 1 até 6, acomodando-se á numeração do tabulei­
damente possível, de plena inatividade, diríamos uma incons­
ro. Eram misturados continuam ente. O Dr. BRUGMANS
tirava uma pedra de cada saquinho para determinar a ca­
ciência artificial, esperando que algum sonho lhe aparecesse
sinha do tabuleiro que se deveria sugerir ao sujeito para ser
como vindo de fora, espontâneo, não provocado de maneira
assinalada com o dedo.
alguma por sua própria imaginação e vontade. É êsse estado
de plena inatividade no percipiente que nos autoriza a cata­
logar as experiências como ST e não TP (Transmissão do
alcance de la mente”, Buenos Aires, Paidós, 1956. Nós utilizamos Pensamento).
de preferência a tradução francesa por SURRE René: “Ra double
puissance de 1’esprit”, Paris, Payot, 1952, págs. 29 ss. Nêste livro Escreve o mesmo Dr. DESBEAUX: “Meu amigo, o Dr.
RHINE acrescenta detalhes que não estão no livro de RICHET. Léon HENRIQUE (o agente) achava-se em Ribemont (Ais-
404 A FACE OCULTA DA MENTE ST” EXPERIMENTAL 405

me) e eu (percipiente) estava em Paris, isto é, a uma dis­ pois vi aparecer algumas nuvens tênues procurando tomar
tância de 171 kms. Era meia-noite e trinta”. forma; por fim uma última nuvem fosforescente condensou-se
formando uma bola, uma esfera cheia e luminosa. Decorrido
Imediatamente após cada experiência, agente e perci­
certo tempo, que calculei de seis a dez minutos, nada mais vi”.
piente fariam o relatório e o mandariam ao correio. As car­
tas, pois, se cruzavam. De nôvo, êxito significativo: prescindindo das nuvens,
Na primeira experiência, escreveu o agente: “enquanto que parecem ser um mecanismo de captação (aliás não raro
esperava a hora da comunicarão, adormeci. Ã meia-noite e noutras experiências e casos espontâneos), o percipiente viu
quarenta acordei bruseainente. Decidi que você veria a mi­ uma bola, uma esfera cheia de luz, durante mais ou menos
nha lâmpada.. . Queria que ela lhe aparecesse em casa, o tempo todo em que o agente concentrou seu pensamento
para onde guiei meu pensamento. A lâmpada tinha um tratando de sugerir a lâmpada iluminada.
abajur japonês, no qual se achavam desenhados, de um lado
Passaram-se quase três semanas e no dia 6 de julho rea­
um martim pescador sobre um graveto, de outro lado um
lizavam a terceira experiência.
buquê de flores. A lâmpada estava apagada, mas perto dela
uma lamparina fazia transparecer as flOres. Concentrei mi­ “Incluo aqui a palavra que procurei fazer com que você
nha vontade durante perto de seis minutos... ”. v i s s e . . I n c l u í um papel no qual estava escrito em grandes
caracteres a palavra “DEUS”.
Antes de receber a carta do agente, o percipiente co­
municava: “o relógio marca meia-noite o cinqüenta e cin­ O percipiente escreveu: “Parece-me distinguir o resul­
co minutos e aí vai o que acabo de ver. A meia-noite e tado de cada um dos seus esforços: são nuvens fosfores­
trinta mo instalei na poltrona. . . ao cabo de certo tempo centes que se sucedem com muita rapidez, parecendo que
vejo um “V” brilhante e grande, depois umas nuvens muito querem tomar forma cada vez mais precisa; de repente nada
tênues, semelhantes a uma fosforescência cintilante que mais se vê, dir-se-ia que seu esforço está esgotado.. . Nas
aparecem, desaparecem, tomam a aparecer, sem forma apre­ primeiras nuvens, apenas esboçada, uma forma, um círculo
ciável. Segue-se uma interrupção. De repente vejo brilhante, corno de cobre do qual escapam raios metálicos; depois a
muito visível, durante dois segundos apenas, um buquê, uma figura se torna mais brilhante conservando a forma estre­
braçada de flôrcs. Espero na mesma posição ainda bastante lada; dir-se-ía que o espaço entre os raios está guarnecido
tempo. Nada mais, porém, me aparece...” de diamantes. Tenho então a impressão confusa de uma
jóia, de um broche de mulher ornado de pedrarias. Nunca
Tinha captado um “V” grande e brilhante, que^parecia experimentei, porém, tão viva sensação e tão apreciável de
corresponder ao abajur iluminado pela luz da lâmpada. uma idéia (“éidolon”) a me penetrar na mente”.
Percebeu também, nitidamente o desenho brilhante do buquê
Os experimentadores consideram a experiência como
de flores. completo fracasso. Está certo. Mas não deixa de chamar
Uma semana mais tarde, no dia 18 de junho, faziam a a atenção o fato de que é só agora que se sente a sensação
segunda experiência: forte de uma idéia. Só agora, a única vez que se transmite
“Na hora combinada pego uma lâmpada e coloco-a sobre um ser espiritual, e não um objeto material...
a minha mesa, em plena luz, sob o abajur. Meu pensamento Um mês mais tarde, 2 de setembro, realizaram a última
vai até sua sala. . . Começo a querer que minha lâmpada experiência da série.
seja vista por você. Durante dez minutos persisto nesta “Tratava-se de saber se as imagens telepáticas se apre­
idéia...” sentariam contra a minha vontade. Procurei isolar a sua
O percipiente escreveu: “sentado numa poltrona vi logo pessoa, isto é, desembaraçá-la das preocupações ambientais.
ama pequena ampola de vidro desenhar-se nitidamente; de­ Quis que você estivesse só, inteiramente só mentalmente.”
408 A FACE OCULTA DA MENTE ST" EXPERIMENTAL 407

Eis o fragmento da carta que se cruzou com a que aca­ êxito seria, evidentemente, muito mais freqüente e empol­
bamos de ler: “Durante meia hora meus olhos esperaram a gante. Esta consideração é o grande valor probatório que
mcnsngcm telepática e não vi coisa alguma! Nada a não têm as experiências em condições deficientes. As melhores
ser a escuridão! Não estarei suficientemente treinado? Dar- condições ainda não se conseguiram na experimentação e pa­
se-á o caso de que você se tenha esquecido do assunto? Es­ rece difícil que se possam conseguir, por razões óbvias.
pero suas notícias" 4.
Experiências durante o sono do percipiente
Que eu saiba, estes autores não publicaram novas séries
de experiências que possam catalogar-se de ST. Fêz, sim, o Parece que o sono fisiológico é até melhor estado do
Dr. DESBEAUX experiências que êle e outros acreditavam de que a hipnose, para a percepção da ST.
sugestão telepática com os conhecimentos da ópoca, mas que Entre 1892 e 1893 organizou o italiano Dr. G. B. ERMA-
hoje não cabem dentro da ST. O experimentador não excluía o CORA uma série de experiências de alto valor científico. As
influxo da hiperestesia, cujas enormes possibilidades ao pa­ precauções tomadas são dignas da moderna Parapsicologia.
recer, nem suspeitava. Tanto a sala do percipiente como a do agente estavam
fechadas com chave, seladas e carimbadas, e a distância con­
Possuímos várias outras experiências isoladas de ST em siderável uma da outra, a fim de se evitar qualquer hiperes­
vigília, realizadas por diversos investigadores. Os êxitos nun­ tesia ou truque inconsciente ou irresponsável.
ca são muito numerosos, dadas as péssimas condições cm que
Fechado com o percipiente estava um controlador, para
tentaram o fenômeno.
ver se de fato o percipiente estava dormindo, etc., mas êste
São sintomáticas as palavras do experimentador Cel. controlador não sabia que sonho se sugeria ao adormecido.
Alberto de ROCHAS a respeito dum sujeito, aliás bastante O percipiente, aliás, deveria ignorar inclusive que era ob­
bom: “obteve uma vez, uma só, à distância de vários quilô­ jeto de experiências; assim se conseguia, entre outras coisas,
metros, sôbre esta senhora, acordada, uma comunicação de diferenciar em classificação prática estas experiências de ST,
pensamento muito característica” (ST). O característico das de transmissão do pensamento (intenção telepática cons­
do pensamento comunicado mostra que houve de fato ST; ciente do agente e do percipiente) c das de adivinhação do
mas que o fenômeno nestas condições é muito difícil, bem o pensamento (intenção telepática só do percipiente). Para
indica a insistência de ROCHAS de que foi “uma vez, que êste não estranhasse que se lhe pedisse com tanta fre-
uma só” 4 5. qüência o relato de seus sonhos, vindo assim a suspeitar que
era objeto de experiências, era preciso experimentar com
uma criança. A pessoa que controlava o menino deveria
Um passo à frente na experimentação perguntar-lhe o sonho, e deveria anotá-lo num papel, antes
Em tôdas as experiências que até agora temos contado, de sair da sala.
apesar de não serem favoráveis as condições para a ST, hou­ Com o agente, cm outra sala distante, havia também
ve alguns êxitos notáveis. Isto garante que, se se pudessem um controlador, que não diria ao agente nem escolheria
empregar na experimentação as condições ideais que recla­ êle mesmo o sonho a transmitir, senão quando a porta já
mam os casos espontâneos para esta classe de fenômeno, o estivesse fechada e selada.
Foi escolhida para percipiente, entre muitos, Angélica
4 — “Annales des Sciences psychiques”, 1893, págs. 115 as. CAVAZZONI, de 5 anos, exatamente 4 anos e três meses
5 — ROCHAS, Albcrt: “Les états profonds de riiypnose”, arti­ no começo das experiências que duraram 7 meses. Angé­
go-resumo dum livro com o mesmo título em “LTnitiation", Paris, lica, já antes das experiências, tinha-se destacado como ex­
1904. celente metagnoma.
40S A FACE OCULTA DA MENTE “ST" EXPERIMENTAL 409

Fez o papel de agente o mesmo Dr. ERMACORA, numa — “Cachorros com chifres? — perguntou a confiden­
longa série de experiências. Os resultados foram absoluta- te—, seriam as orelhas."
mente nulos. —- “Não — respondeu a menina — eram chifres de
verdade."
Não se podendo duvidar das excelentes qualidades pa-
rapsicológicas da menina, alhures demonstradas, o Dr. ER­ O detalhe de julgar que eram cachorros com chifres
MACORA deu-se conta de que talvez o fracasso se devesse deve-se considerar como especialmente demonstrativo, pois
ao agente. De fato, o estado especial no agente 6 também im­ a menina conhecia os chifres das vacas, conhecia também os
portante. Lamentavelmente, não se podia conseguir um es­ cachorros, mas nunca tinha visto cabras 7. Os telepatas re­
tado de plena inconsciência no agente, pois nesse caso seria ceptivos traduzem com freqüência à sua pessoal linguagem
dificílimo dirigir as experiências. Por outra parte, o conteú­ imaginai a mensagem que recebem.
do a sugerir telepaticamente não podia ser forte e autênti­ Recentemente, o Dr. Wilfried DAIM, entre outros, re­
ca mente emotivo. novou semelhantes experiências em sonhos, com igual êxito.
Foi escolhida para agente Maria MARZTNT, uma pessoa Caprichou impecavelmente nas condições de tempo, distân­
de forte vida inconsciente com frequentes crises de sonam­ cia, agente, receptor, objeto da sugestão, protocolização dos
bulismo espontâneo, grande facilidade para a escrita auto­ resultados, etc. Sendo experiências semelhantes às do Dr.
mática e, alem disso, doente e prostrada na cama. Desta vez ERMACORA, bastará a citação. Unicamente, para reforçar
o êxito foi notável: das cem provas que se fizeram, 54 foram o que já está afirmado, deve-se notar que o Dr. DAIM, nas
completamente concludentes; 21, ainda, de êxito parcial; só 25 suas impecáveis análises, comprovou como o percipiente,
provas de resultado nulo. Deve ter-se em conta ainda que quando é surpreendido pela mensagem telepática em meio
dessas 25 provas nulas, 21 fizeram-se cm momentos nos quais ao sonho próprio, incorpora freqüentemente o nôvo elemento
o agente estava em notável melhoria na sua doença e do seu ao seu próprio sonho, sentindo, porém, uma indefinível es­
automatismo, além de outras condições desfavoráveis para tranheza ante o nôvo elemento intruso 8.
a produção do fenômeno * S 6.
Eis, como exemplo, uma experiência escolhida entre as O efeito de reforço dos agentes
de êxito parcial. Dcver-se-ia sugerir o seguinte sonho, bastan­
te complicado por razões óbvias de análise qualitativa: a me­ Multiplicando-se os agentes, parece que o fenômeno
nina deveria sonhar que era pastôra, que estava cuidando pode surgir com maior facilidade, mesmo quando as demais
dc cabias num monte. Perceberia que faltavam três cabras condições são péssimas.
do rebanho. Iria procurá-las c, ao voltar sem tê-las encon­ Uma experiência muito interessante me foi contada pelo
trado, lhe apareceria uma senhora, vestida de azul, com uma próprio experimentador-chefe. Por razões evidentes, não me
sombrinha na mão, que lhe diria que as três cabras tinham julgo autorizado a dar nomes. O experimentador foi um je­
caido no rio. suíta argentino, um padre destacado naquele país, mormen­
Quando a menina acordou, foi interrogada pela contro­ te no campo do ensino universitário.
ladora, Sra. AUNETTA, que, repetimos, não sabia nunca
qual era o sonho sugerido. A menina contou que tinha so­ 7 — Além das relações citadas na nota anterior, pode-se ver
nhado estar num lugar alto com um pau na mão, cuidando nm bom resumo das experências de ERMACORA em SIEGMUND,
Geor: “Der Traum", Eulda, 1949, págs. 88 ss. O exemplo concreto
de “muitos cachorros com chifres".
que acabamos de citar no texto está descrito nas págs. 67 ss.
S — DAIM, Wilfried: “Ueber expeiimentalle Traum telepathic”,
6 — ERMACORA, G. B., em “Annales des Sciences Psychiques”, em “Neue Wissenschaft" (Zürich), II, caderno 14-15, novembro-
1895, págs. 332 ss, e 1896, págs. 154 ss. dezembro, 1953, págs. 430-443.
410 A FACE OCULTA DA MENTE ST” EXPERIMENTAL 411

Certo professor protestante fazia uma campanha “du­ O Dr. MURRAY adotava a atitude mais passiva possível.
vidosa” entre os universitários. O professor era cie absoluta Ê êste um fator importante para a classificação das expe­
joa fé, mas igualmcnte inegável era a sua aversão à Igreja riências como ST.
Católica. Com um grupo de universitários, começou então o
padre, a título dc experiência, a seguinte manobra: todos os Deve-se notar que o resultado era menor quando a moça
dias, à hora em que sabia que o professor se recolhia a des­ não fazia parte do grupo, e era nulo quando só atuava a
cansar, um grupo de vinte congregados marianos, cada um filha do agente. Isto quer dizer que, se a intervenção da
da sua casa, pensava., com “intenção telepatizantc”, no pro­ filha estabelecesse um contato emocional muito conveniente,
fessor em questão, tratando de sugerir-lhe que reconsiderasse também o reforço que trazia o grupo era um fator impres­
>ua posição perante o catolicismo. cindível para ela, pois sozinha não tinha “força telepática”
suficiente. Poderíamos repetir eom OSTY, quando estuda o
Pois bem, poucos dias depois, o professor entrava cm tal poder paranormal do grupo: “há um produtor predominante,
crise religiosa que o padre teve que mandar suspender ime­ embora com seu poder dependendo... do seu grupo: trans­
diatamente a experiência, pois havia perigo de que o profes­ plantado ... perde sua capacidade” 10.
sor ficasse abalado dos nervos. Suspendida a experiência, o
professor conseguiu reequilibrar seu sistema nervoso.
Poderíamos citar, em confirmação do efeito de reforço, a
tese fundamental do Círculo Esotérico da Comunhão do Pen­
Seria interessante repetir em série, experiências pare­ samento (embora os métodos do Círculo geralmente não sejam
cidas, embora menos comprometedoras. científicos). Segundo o Círculo, o pensamento, como tal, pode
ser emitido e existe fora da nossa mente como força real,
Devem eitar-se, porém, as experiências do Dr. Gilbcr que pode ser dirigida pela intenção do emitente. Esta fôrça
MURRAY, distinto humanista da Universidade dc Oxford e pode aumentar conjugando-se eom a fôrça mental de outra
Presidente da S. P. R. de 1915 até 1917. Os agentes eram pessoa, de forma que tanto maior será a fôrça mental re­
diversos grupos de membros da S. P. R. de Londres, entre sultante quanto maior fôr o círculo de pessoas que emite ao
eles a famosa metapsíquica Dra. STDGWICK. mesmo tempo e numa mesma direção seus pensamentos.
Era lamentável, mas inevitável, que os agentes estives­ Prescindimos dos ressaibos panteístas com que é formulada
sem cm estado normal. Concentravam-se os agentes, com a esta tese, do materialismo subreptício de considerar a fôrça
intenção de sugerir um sucesso histórico ou uma cena clás­ 'psíquica como sendo na realidade física, da pretensão de ser
sica. Impossível conseguir conteúdos telepáticos profunda­ controlável esta fôrça, etc. O conteúdo fundamental desta
mente emotivos. Mas os acontecimentos históricos e cenas tese é exato: o maior número de agentes reforça a mani­
clássicas eram um pouco mais “emotivos” que cartas de ba­ festação das faculdades parapsicológicas em geral e, concre­
ralho ou números. Em contrapartida era difícil a compro­ tamente, da ST.
vação dos resultados e a aplicação do cálculo de probabili­
dades aos resultados obtidos. Posição plenamente científica
O percipiente era o mesmo Dr. MURRAY, que estava
também em estado normal. Concluímos o tema da Sugestão Telepática com con­
siderações semelhantes às que poderíamos fazer ao terminar
O êxito, quando entrava em algum dos grupos a filha o tema de qualquer fenômeno de conhecimento parapsicológi-
do Dr. MURRAY, “foi tão evidente que compensava sobe­ co: em pleno rigor científico não sabemos ainda até onde
jamente a falta de avaliação matemática”, segundo a expres­
são do Dr. RHINE 9. 10 — OSTY, E.: “Pouvoirs psychiques paranormaux de groupes et
do couples”, em “Revue Métapsychique”, 1934, janeiro, págs. 15 ss. A
9 — RHINE, tradução francesa: “La double. . .”, o. c., pág. 26. citação que fazemos está tomada das páginas 16-17.
412 A FACE OCULTA DA MENTE ST” EXPERIMENTAL 413

chega o papel do que chamamos agente e do que chamamos


percipiente: sou eu quem transmito a minha idéia ou é o Os numerosíssimos casos espontâneos de ST
inconsciente dele que vem procurar em mim? Ou as dua3 foram confirmados experimentalmente, não só em
coisas? Até onde vai o papel de cada um?
experiências de fora de laboratórios, mas também
Segundo a nomenclatura, pareceria que a totalidade ou, em experiências com o máximo controle científico.
ao menos, o principal do fenômeno ST se deve ao agente, ao
que sugere a mensagem. Na realidade parece ser o contrá­ Parece que o papel preponderante, talvez ex­
rio. O papel primordial, talvez, inclusive, único na atividade, clusivo na realização da sugestão telepática, como
é o do percipiente. A causa do fenômeno é o percipiente. O em todo fenômeno parapsicológico de conhecimen­
agente não passaria, ao que parece, de mera condição ex­ to é do percipiente, sendo o agente mera condição
trínseca, mero “objeto” da atividade paranormal do perci­ ou “ilurninador” da realidade (física ou psíquica),
piente.
a scr apreendida pelo percipiente. O agente, e
A faculdade de sugestão telepática, como de qualquer portanto o iéobjeto'’ telepático, pode ser mais ou
outro fenômeno parapsicológico de conhecimento, equivaleria, menos apto seguindo a emotividade, estado psi~
no âmbito do paranormal, às outras faculdades ou sentidos cofisiológico, etc., podendo também ser “reforça­
no âmbito do normal, como a visão, por exemplo. Quem não
tem a vista em bom estado, ou não tem todo o resto dos re­ do" por outros agentes.
quisitos psicofísicos da visão suficicntcmcnte desenvolvidos
e em bom estado, c cego ou mais ou menos deficiente na
Terminamos glossando o primeiro parágrafo do prólo­
visão. Da mesma maneira, quem não fôsse metagnomo, se­
go. Temos exposto só os fenômenos parapsicológicos de co­
ria cego para captar, ou ao menos p ira manifestar, o con­ nhecimento. Ficam muitos temas relacionados com os fe­
teúdo do que chamamos sugestão telepática. O agente faria nômenos estudados. E ficam outros muitos fenômenos e ou­
unicamente o papel de objeto externo, em si mesmo extrín­ tros muitos temas. Isto é, ao leitor médio, ficam-lhe muitas
seco à atividade paranormal.
dúvidas. Temos o plano, de acordo com as “Edições Loyola”
O objeto externo cm ordem à visão, porém, deve encon­ c grandes especialistas, de ir publicando uma Coleção de Pa­
trar-se em adequadas circunstâncias de luz, proximidade, etc. rapsicologia na qual se tratarão, de maneira sistemática, os
Da mesma maneira no âmbito paranormal, o “objeto” deve principais fenômenos da Parapsicologia c os temas com ôles
estar dotado de algumas qualidades c fatores suscetíveis de relacionados.
serem apreendidos pela faculdade paranormal do percipiente:
telebulia, emotividade, estado preferentemente de inconsciên­
cia e até, ao que parece, excitação da própria fôrça para­
normal do agente que precisaria, inclusive, de reforço em
certos casos. O papel do agente é “iluminar” o objeto a ser
apreendido pelo percipiente.
O nome, pois, de ST, provàvelmente não corresponde
bem à realidade, mas sim ao aspecto externo do fenômeno.
Trata-se, de fato, duma classificação prática, consideração à
primeira vista...

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