2022-06-08-Tema II Relacao Juridica Roteiro

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Universidade de Brasília – UnB - Faculdade de Direito

Disciplina: Teoria Geral do Direito Privado


Professora: Ana Frazão

ROTEIRO 2

A RELAÇÃO JURÍDICA NA VISÃO DA TEORIA GERAL DO DIREITO


PRIVADO

1. O conceito de relação jurídica


• Antecedentes no direito romano e no direito canônico medieval.
• Kant (Doutrina do Direito) → a relação de direito apenas pode ser a relação
do homem a homem, por ser relação entre seres que têm direitos e deveres.
Daí já fazer a separação entre direitos pessoais e direitos reais → a prestação
e o dever geral de abstenção.
• Somente com Savigny e a Pandectística, o conceito de relação jurídica
tornou-se o elemento básico do sistema jurídico.
• Relação jurídica de direito privado: a dicotomia com o direito público.
• Savigny (Sistema de Direito Romano Atual) → relação jurídica como relação
de pessoa a pessoa determinada por uma regra jurídica que confere a cada
indivíduo um domínio no qual a sua vontade reina independentemente de
qualquer vontade estranha (íntima conexão com o conceito de direito
subjetivo).
• Savigny → a relação jurídica se compõe de dois elementos: (i) a relação em
si mesma (o elemento material, o fato) e (ii) a idéia de direito que regula essa
relação.
• Classificação das relações humanas de Savigny: (i) relações que estão
inteiramente dominadas pelas regras do direito, da qual a propriedade seria
um exemplo; (ii) relações que estão parcialmente dominadas pelas regras do
direito, da qual o matrimônio seria um exemplo e (iii) relações que estão
inteiramente fora do direito, como é o caso da amizade.
• A relação jurídica pode ser vista como o vínculo ou o nexo jurídico que o
direito estabelece entre pessoas ou grupos, atribuindo-lhes poderes e deveres.
Representa a situação jurídica de bilateralidade que se estabelece entre os
sujeitos que estão em posição de poder e os que estão em posição de dever
diante de um determinado objeto.
• Moreira Alves a define como a relação estabelecida entre o titular do direito e
o titular do dever. Para Francisco Amaral, é, em termos abstratos, “a relação
social disciplinada pelo direito” e, em termos concretos, “uma relação entre
sujeitos, um titular de um poder, outro, de um dever.”
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• Controvérsias quanto ao conceito de relação jurídica: (i) confusão com o


conceito de direito subjetivo, (ii) relação com o individualismo (alta
abstração) e (iii) discussões sobre a possibilidade de existir relações jurídicas
entre pessoas e coisas.
• Outras abordagens formalistas da relação jurídica: (i) relação jurídica como
relação entre dois centros de interesses (ou situações subjetivas) e (ii) relação
jurídica como vínculos entre as pessoas e o ordenamento jurídico.
• O problema das chamadas “relações de fato” (sociedades de fato, uniões
estáveis, etc.).
• As relações simples e as complexas.
• O problema dos animais como sujeitos de direito
• O problema dos robôs como sujeitos de direito

2. A dinâmica da relação jurídica: aquisição, modificação e extinção de direitos


• A relação jurídica e os direitos nela contidos nascem, modificam-se e
extinguem-se por efeitos de certos acontecimentos que o direito considera
importantes e que, por isso, lhes dá eficácia jurídica. São os fatos jurídicos.
• A aquisição do direito é a ligação do direito à pessoa em uma relação jurídica,
enquanto o título de aquisição é o fato jurídico correspondente.
• Distinção entre aquisição do direito e nascimento do direito → a aquisição
originária e a derivada e importância da distinção.
• Principais discussões sobre direitos adquiridos.
• Modificação das relações jurídicas: alteração dos sujeitos ou objeto, sendo
que a alteração deste pode ser quantitativa (diminuição da dívida pelo
pagamento parcial, destruição parcial da coisa), como qualitativa (cessão de
crédito, assunção de dívida, etc).
• Extinção da relação jurídica e extinção do direito.

3. Os direitos subjetivos

3.1. Os desdobramentos principais


• Desdobramento ético (filosófico) → legitimidade
• Desdobramento técnico → categoria metodológica que permite ao jurista
atuar com economia, clareza e rapidez no processo de realização do direito.

3.2. As principais teorias


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• Teoria da vontade (poder da vontade) → normalmente atribuída a Savigny,


Puchta e Windscheid. Segundo Moreira Alves, “é o poder de exigir algo de
alguém decorrente da ordem jurídica”.
• Teoria do interesse (interesse juridicamente protegido) → Jhering (segunda
fase) e a superação dos inconvenientes da teoria da vontade (incapazes e
direitos indisponíveis)
• Teorias mistas, como a de Jellinek → direito subjetivo como interesse
tutelado pela lei mediante o reconhecimento de uma vontade individual. Para
Orlando Gomes, “é o poder atribuído à vontade do sujeito para a satisfação
dos seus próprios interesses protegidos legalmente”. Para Francisco Amaral,
é o “poder que a ordem jurídica confere a alguém de agir e exigir de outrem
determinado comportamento para a realização de um interesse.”

3.3. A necessária existência do dever correspondente


• ao direito subjetivo contrapõe-se o dever jurídico → necessidade de observar
certo comportamento positivo ou negativo. Daí Moreira Alves definir a
relação jurídica como “a relação estabelecida entre o titular do poder o
titular do dever, sendo que o primeiro pode ter deveres e o segundo direitos.”
• Diferença entre dever, obrigação e ônus.
• Conforme a extensão subjetiva (e não a intensidade!) do dever, fala-se em:
(i) direitos absolutos e (ii) direitos relativos.

3.4. A formação dos direitos subjetivos


• os direitos subjetivos podem formar-se de forma instantânea ou gradativa.
Limongi França fala ainda de aquisição complexa.
• Enquanto ele não se forma, existe a chamada expectativa, que pode ser de
fato ou de direito. É de fato quando corresponde à mera esperança
(expectativa que os filhos têm de suceder aos pais quando estes morrerem). É
de direito quando já se iniciou a sua aquisição, como ocorre com o possuidor
de coisa, aguardando o prazo para usucapião.
• A expectativa de direito é mais complicada, principalmente para efeitos do
direito intertemporal. CF, art. 5º, XXXVI e a proteção ao direito adquirido.
• De acordo com o sistema subjetivo, ao qual o Brasil se filia, somente o direito
adquirido é protegido. Uma das consequências é a inexistência de direito
adquirido a regime jurídico (exemplo da discussão sobre a contribuição
previdenciária de inativos).
• Vantagens do sistema objetivo e a importâncias das leis de transição no
sistema subjetivo (equilíbrio entre justiça e segurança).
• Algumas válvulas de escape: não há direitos adquiridos contra a Constituição,
não há direitos adquiridos a institutos jurídicos, dentre outros.
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3.5. A pretensão
• Pretensão é o direito que o titular do direito subjetivo tem de exigir de outrem
o cumprimento do seu dever.
• O conceito foi introduzido por Windscheid, “que trouxe para o direito
material a actio do direito romano” (Francisco Amaral). No entanto, a
pretensão não se confunde com a ação: ambas têm um âmbito de
convergência, mas têm âmbitos autônomos.
• Windscheid → o direito subjetivo é uma realidade primária, enquanto que a
possibilidade de sua imposição por via de ação – a pretensão – é uma
realidade secundária.
• Embora seja apenas um dos aspectos do direito subjetivo, é considerado por
muitos como o principal. Thon define o direito subjetivo a partir da proteção
jurídica, como sendo uma expectativa de pretensão.
• A pretensão nasce no momento em que se pode exigir a prestação, o que nem
sempre coincide com o nascimento do direito subjetivo. O novo CC deixa
claro que a pretensão nasce com a violação do direito: “violado o direito,
nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição.” (art.
189).
• Moreira Alves e a “pretensão hibernada”.
• O conceito de pretensão pressupõe, pois, o direito subjetivo, o dever e a
exigibilidade. Daí porque é incompatível com os direitos potestativos.
• Para Moreira Alves, o direito sem pretensão seria um direito enfraquecido →
continua sendo um título jurídico válido, que justifica o objeto da pretensão
desde que esta seja cumprida espontaneamente.
• A questão da pretensão resistida.

3.6. Limites
• Pela teoria clássica, apenas os previstos na lei.
• Atualmente se fala em: (i) limites intrínsecos, que derivam da própria
natureza do direito, quanto ao seu objeto e conteúdo e (ii) limites que derivam
de cláusulas gerais, como a boa-fé e a função econômico-social do direito.

3.7. Faculdades
• São os poderes de agir contidos no direito subjetivo. Exemplo: as faculdades
clássicas da propriedade são as de usar, gozar e dispor da coisa.
• As faculdades não têm autonomia e dependem dos direitos subjetivos → são
desdobramentos deste.
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• As faculdades podem tornar-se independentes e constituírem um novo direito


subjetivo → é o que ocorre com os direitos reais limitados.
• A falta do exercício das faculdades não prejudica a existência do respectivo
direito, salvo nas exceções legais, como usucapião.

4. Os direitos potestativos
• O direito subjetivo, para ser atendido, pressupõe o cumprimento do dever.
Isso não acontece nos direitos potestativos, que produzem efeitos jurídicos
mediante declaração unilateral de vontade do titular, suficiente para
constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.
• Não são suscetíveis de violação e não geram a pretensão. A eles se aplicam as
regras da decadência.
• Ao invés do dever, existe a sujeição do que está no pólo passivo da relação
jurídica. O exemplo clássico seria o direito do patrão de despedir o
empregado. Daí a definição de Goffredo Telles Jr.: “é o poder que a pessoa
tem de influir na esfera jurídica de outrem sem que este possa fazer algo que
não se sujeitar”.

5. Os poderes jurídicos
• Também chamados de potestas pela doutrina italiana, representam situações
híbridas que não podem ser reconduzidas às situações subjetivas
tradicionalmente definidas.
• O direito é, ao mesmo tempo, um dever exercido no interesse de outrem.
• Exemplos: poder familiar, curatela, poder de controle.

6. As situações jurídicas
• Seriam, em essência, os pólos da relação jurídica, cada qual com os seus
respectivos direitos e deveres.
• Hoje, em razão da função social dos direitos, muitos consideram que a
categoria dos direitos subjetivos foi suplantada pela categoria das situações
jurídicas.
• A evolução da responsabilidade civil tem ampliado situações jurídicas dignas
de tutela e criado outras novas (cláusula geral da personalidade, perda de uma
chance, dentre outros) → as preocupações são hoje mais com a essência e
menos com os conceitos.

7. As liberdades e os interesses legítimos


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8. Perspectivas e limitações da regulação jurídica: o direito entre a sociedade, a


economia e a tecnologia

FÓRUM DE DISCUSSÕES Nº 2

Discussões gerais

• O que é a relação jurídica?


• É possível dizer que toda relação jurídica é uma relação social, mas a
recíproca não é verdadeira. Por quê?
• Qual é a diferença entre relação jurídica e direito subjetivo?
• Relações de fato (como as sociedades de fato, as uniões estáveis) podem
ser consideradas relações jurídicas? Por quê?
• Qual é a diferença entre as relações jurídicas simples e as complexas?
• É possível a existência de relação jurídica entre pessoas e coisas? E entre
pessoas e lugares?
• Os animais podem ser titulares de direitos? E as árvores? E o meio
ambiente como um todo? Quais são as vantagens de se ter os animais e os
meio ambiente como sujeitos de direitos? E as desvantagens?
• O meio ambiente pode ser visto como objeto de direito? Quem titulariza
esse direito? Qual é a natureza dele?
• Qual é a diferença entre os direitos pessoais e os reais?
• O que são os fatos jurídicos?
• Qual é a diferença entre a aquisição originária e a aquisição derivada de
direitos?
• Qual é o fundamento dos direitos subjetivos? Quais são as principais
teorias a seu respeito?
• O que é pretensão e quais são os efeitos da sua perda? Em que a
pretensão se diferencia do direito material? Em que a pretensão se
diferencia do direito de ação?
• Por que se diz que o Brasil, para efeitos do direito intertemporal, filia-se
ao sistema subjetivo? Qual é o papel das regras de transição no contexto
brasileiro?
• O que são direitos potestativos e quais as suas principais diferenças em
relação aos direitos subjetivos?
• O que são potestas ou poderes jurídicos?
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• O que são as situações jurídicas?

Discussões sobre direitos dos animais


• O que essa imagem nos diz sobre a sensibilidade dos animais?

• Quais são os limites para pesquisas científicas com animais?


• É possível entrar com ações judiciais em defesa dos direitos dos animais?
http://www.gazetadopovo.com.br/justica/animais-quase-gente-acoes-tentam-
reconhecer-direitos-dos-nao-humanos-e9mktqqxs4auuen87edwu8844
• É possível habeas corpus em favor de macaco?
https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/chimpanze-argentina-consegue-
habeas-corpus-para-ir-para-santuario-brasileiro-21162673
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/04/justica-nao-concede-habeas-
corpus-chimpanze-morador-de-zoo-no-rj.html
• Gatos podem ajuizar uma ação?
https://macedogarcia.com.br/gatos-podem-ajuizar-uma-acao/
• Animais podem ter direitos?
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https://www.economist.com/international/2018/12/22/gradually-nervously-courts-
are-granting-rights-to-animals
• É possível se cogitar de direitos de imagem de um animal?
Grumpy Cat, gata emburrada estrela na internet, ganha R$ 2,2 milhões em
ação por direitos de imagem (http://www.bbc.com/portuguese/internacional-
42823294)

• Animais podem ser titulares de direitos de autor?


https://g1.globo.com/mundo/noticia/disputa-em-torno-de-selfie-de-macaco-chega-ao-
fim.ghtml
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• É possível acionar o SUS para custear tratamento de cadela doente?


http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/09/1810929-familia-pede-na-justica-
que-sus-de-remedio-caro-para-cadela-doente.shtml
• Animais podem ter deveres e ser acionados na justiça?
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/04/na-franca-um-galo-responde-a-acao-
na-justica-e-gera-discussao-sobre-vida-no-campo.ghtml
• Quais são os limites da lei estadual no intuito de proteção aos direitos dos
animais?
Questionadas leis do RJ e AM que proíbem teste com animais para indústria cosmética
A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) está
questionando leis dos Estados do Rio de Janeiro e do Amazonas que proíbem a utilização de animais
para desenvolvimento, experimento e teste de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes,
limpeza e seus componentes. A entidade ajuizou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs)
5995 e 5996 pedindo a declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos atacados em cada uma
delas.
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Nas duas ações, a associação afirma que já se posicionou expressamente contra testes em animais.
Entretanto, defende a necessidade de garantir a segurança jurídica às empresas que operam no setor.
Entre outros pontos, sustenta que a Lei Federal 11.794/2008 não só permitiu a conduta como também
estabeleceu os procedimentos necessários para o uso científico de animais. Argumenta ainda que as
normas estaduais incorrem em inconstitucionalidade formal por violação das regras de competência
legislativa da União previstas nos artigos 22, inciso I, e 24, incisos V, VI e parágrafos 1º a 4º da
Constituição Federal.
Na ADI 5995, a associação ataca a integralidade do artigo 1º da Lei 7.814/2017 do Rio de Janeiro que
proíbe não apenas o uso de animais para testes, mas também a comercialização de produtos derivados
da realização de testes em animais. A ação ainda questiona o artigo 4º da lei fluminense, segundo o
qual a indústria deverá indicar nos rótulos de seus produtos que, de acordo com a lei estadual, não
foram realizados testes em animais para a sua elaboração.
Segundo a entidade, a lei fluminense usurpou a competência da União para estabelecer normas gerais
sobre fauna, conservação da natureza e proteção do meio ambiente e também sobre produção e
consumo e direito civil e comercial. O relator da ADI 5995 é o ministro Gilmar Mendes, que adotou o
artigo 12 da Lei 9.868/1999 para dispensar a análise da liminar e levar a ação para julgamento
definitivo pelo Plenário.
Já na ADI 5996, a entidade contesta a integralidade da Lei 289/2015 do Amazonas, nos mesmos
moldes da ação ajuizada contra a lei do RJ. O relator é o ministro Alexandre de Moraes, que também
adotou o rito abreviado.
AR/CR
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=389491

• Como a jurisprudência estrangeira tem visto os direitos dos animais?


https://www.economist.com/international/2018/12/22/gradually-nervously-courts-
are-granting-rights-to-animals
• Há direito de visita em relação a animais depois da separação?

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL.


ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO
RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL.
DIREITO DE VISITA. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.

1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a


entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a
ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-
modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da
afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como
mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade").

2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por
conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo
dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na
forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da
entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza
jurídica.

3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando


sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de
propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando
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suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto
que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade.

4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por
essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o
direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação,
notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se
trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos
deveres inerentes ao poder familiar.

5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com
seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato,
cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que
prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar
pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua
dignidade.

6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e,


como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades
biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado.

7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao


animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução
deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando
para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo
com o animal.

8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da


união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de
estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido.

9. Recurso especial não provido.

(REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 19/06/2018, DJe 09/10/2018)

• É possível sacrifício de animais nos cultos das religiões de matriz


africana?
STF declara constitucionalidade de lei gaúcha que permite sacrifício de animais em
rituais religiosos
Por unanimidade de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a lei do Rio
Grande do Sul que permite o sacrifício de animais em ritos religiosos é constitucional. O
Plenário da Corte finalizou nessa quinta-feira (28) o julgamento do Recurso Extraordinário
(RE) 494601, no qual se discutia a validade da Lei estadual 12.131/2004.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, registrou que todos os votos foram proferidos no
sentido de admitir o sacrifício de animais nos ritos religiosos e observou que as divergências
dizem respeito ao ponto de vista técnico-formal, relacionado à interpretação conforme a
Constituição da lei questionada. O Plenário negou provimento ao RE, vencidos parcialmente
o ministro Marco Aurélio (relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que admitiam a
constitucionalidade da lei dando interpretação conforme.
A tese produzida pelo Supremo é a seguinte: “É constitucional a lei de proteção animal que, a
fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de
religiões de matriz africana”.
Histórico
O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra
decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-RS) que negou pedido de declaração de
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inconstitucionalidade da Lei estadual 12.131/2004. A norma introduziu dispositivo no


Código Estadual de Proteção aos Animais (Lei 11.915/2003) – que veda diversos tratamentos
considerados cruéis aos animais – para afastar a proibição no caso de sacrifício ritual em
cultos e liturgias das religiões de matriz africana. No STF, entre outros argumentos, o MP-RS
sustentou que a lei estadual trata de matéria de competência privativa da União, além de
restringir a exceção às religiões de matriz africana.
O julgamento do recurso teve início em agosto do ano passado e foi suspenso por pedido de
vista do ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, o ministro Marco Aurélio (relator) votou
no sentido de dar interpretação conforme a Constituição à lei estadual para fixar a
constitucionalidade do sacrifício de animais em ritos religiosos de qualquer natureza, vedada
a prática de maus-tratos no ritual e condicionado o abate ao consumo da carne.
Em seguida, adiantando seu voto, o ministro Edson Fachin reconheceu a total validade do
texto legal e votou pelo desprovimento do RE. Para ele, a menção específica às religiões de
matriz africana não apresenta inconstitucionalidade, uma vez que a utilização de animais é de
fato intrínseca a esses cultos e a eles deve ser destinada uma proteção legal ainda mais forte,
uma vez que são objeto de estigmatização e preconceito estrutural da sociedade.
Voto-vista
Na sessão desta quinta-feira (28), o ministro Alexandre de Moraes leu seu voto-vista pelo
provimento parcial do recurso, conferindo à lei do Rio Grande do Sul interpretação conforme
a Constituição para declarar a constitucionalidade de todos os ritos religiosos que realizem a
sacralização com abates de animais, afastando maus-tratos e tortura. Ele acompanhou o voto
do relator, porém entendeu que a prática pode ser realizada independentemente de consumo.
No mesmo sentido votou o ministro Gilmar Mendes.
Maioria
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do ministro Edson Fachin. Barroso
afirmou que as sustentações orais contribuíram para o fornecimento de informações e para a
melhor compreensão da matéria. Ele ressaltou que, de acordo com a tradição e as normas das
religiões de matriz africana, não se admite nenhum tipo de crueldade com o animal e são
empregados procedimentos e técnicas para que sua morte seja rápida e indolor. “Segundo a
crença, somente quando a vida animal é extinta sem sofrimento se estabelece a comunicação
entre os mundos sagrado e temporal”, assinalou.
Além disso, o ministro destacou que, como regra, o abate não produz desperdício de
alimento, pois a proteína animal é servida como alimento tanto para os deuses quanto para os
devotos e, muitas vezes, para as famílias de baixo poder aquisitivo localizadas no entorno dos
terreiros ou casas de culto. “Não se trata de sacrifício para fins de entretenimento, mas para
fins de exercício de um direito fundamental que é a liberdade religiosa”, concluiu.
A ministra Rosa Weber também negou provimento ao RE. Ela entendeu que a ressalva
específica quanto às religiões de matriz africana está diretamente vinculada à intolerância, ao
preconceito e ao fato de as religiões afro serem estigmatizadas em seus rituais de abate. “A
exceção atende o objetivo que as próprias cotas raciais procuraram atingir”, afirmou. No
mesmo sentido, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que a lei gaúcha é compatível
com a Constituição Federal e que eventuais abusos são abrangidos na legislação federal
aplicável ao caso.
Também o ministro Luiz Fux considerou a norma constitucional. Segundo ele, este é o
momento próprio para o Direito afirmar que não há nenhuma ilegalidade no culto e liturgias.
“Com esse exemplo jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal vai dar um basta nessa
caminhada de violência e de atentados cometidos contra as casas de cultos de matriz
africana”, salientou.
Da mesma forma, a ministra Cármen Lúcia considerou que a referência específica às
religiões de matriz africana visa combater o preconceito que existe na sociedade e que não se
dá apenas em relação aos cultos, mas às pessoas de descendência africana. Ele citou, como
exemplo, o samba, que também foi objeto de preconceito em razão de quem o cantava. O
presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, acompanhou a maioria dos votos pela
desprovimento do RE.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=407159
• É possível práticas como a vaquejada?
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326838
13

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=374075

Discussões sobre personalidade a robôs ou sistemas de inteligência artificial


• É possível se cogitar de personalidade jurídica para robôs? Para que
finalidades?
• É possível casar com um robô? Quais os efeitos desse “casamento”?
https://g1.globo.com/planeta-bizarro/noticia/engenheiro-chines-se-casa-com-
mulher-robo-construida-por-ele-mesmo.ghtml
https://epoca.globo.com/tecnologia/experiencias-
digitais/noticia/2017/11/casamento-com-robos-sera-legal-em-torno-de-2050-
diz-autor-de-sexo-com-robos.html
• Quais as consequências do sexo com robôs?
https://www.wired.com/story/sex-robot-ethics/
https://www.businessinsider.com/ai-sex-robots-are-selling-well-realdoll-
regulated-2020-6
• Qual é o sentido de se atribuir cidadania a um robô?
https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2017/10/arabia-saudita-
torna-se-primeiro-pais-conceder-cidadania-para-um-robo.html
https://www.techtudo.com.br/listas/2018/08/nove-curiosidades-sobre-sophia-
a-primeira-robo-cidada-do-mundo.ghtml

Discussões sobre relações meramente de fato e relações jurídicas no plano existencial


• Quais são as consequências jurídicas da amizade ou do amor? Como
você julgaria o problema abaixo?
Cássio Fernandes x Modesto Fernandes
Cássio processou o seu pai Modesto alegando que este sempre foi um pai
omisso, o que lhe trouxe abalos psicológicos consideráveis. Em razão disso,
requereu indenização por danos morais em razão do abandono afetivo. Em
sua contestação, o pai alegou que o amor não pode ser uma obrigação
jurídica e que, da sua parte, sempre procurou dar ao filho o suporte material
e psicológico necessário, o que comprovou com extratos bancários atestando
as vultosas quantias que empregava no custeio de despesas do filho, que
sempre viveu luxuosamente. Alegou igualmente que o filho nunca o amou e
nunca o tratou com carinho, motivo pelo qual estaria incorrendo em
verdadeiro tu quoque ao exigir indenização por abandono afetivo. Por fim,
sustentou que o filho não comprovou nenhum tipo de abalo psicológico e
que, ainda que estivesse falando a verdade, o direito não pode obrigar
ninguém a amar e muito menos substituir o amor por uma indenização em
dinheiro, especialmente porque o amor jamais poderá ser quantificado
monetariamente. Em sua réplica, Cassio argumentou que o pai realmente lhe
dava amparo material, mas insistiu na tese da ausência de suporte afetivo e
psicológico, afirmando que os transtornos psicológicos decorrentes desse
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tipo de situação são óbvios e não precisam de prova específica. Alegou


também que a indenização, nesses casos, tem um caráter punitivo e
pedagógico, a fim de dar uma resposta a um comportamento não admitido
pelo direito.
• Namoro é uma relação meramente de fato ou uma relação jurídica? Por
que hoje se fala em contrato de namoro?
• Ruptura de noivado gera algum tipo de consequência jurídica?
• Existe estelionato sentimental? Ele dá margem à indenização por danos
morais?

Vítima de estelionato sentimental receberá indenização de ex-parceiro. O


homem recebeu mais de R$ 23 mil reais em presentes. A Justiça do DF
determinou que ele devolva esse valor à vítima e, ainda, pague danos morais.
https://www.migalhas.com.br/quentes/357795/vitima-de-estelionato-
sentimental-recebera-indenizacao-de-ex-parceiro

• É possível união estável simultânea ao casamento ou várias uniões


estáveis simultâneas?
• É possível união poliafetiva no Brasil?
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87073-cartorios-sao-proibidos-de-fazer-escrituras-
publicas-de-relacoes-poliafetivas

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DIREITO CIVIL – FAMÍLIA Preexistência de casamento ou união estável e
reconhecimento de novo vínculo - RE 1045273/SE (Tema 529 RG) TESE FIXADA
“A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes,
ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o
reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins
previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia
pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.
Em que pese ao fato de o art. 226, § 3º, da Constituição Federal (CF) ter afastado o
preconceito e a discriminação à união estável, que não mais faziam sentido frente à
evolução da mentalidade social, constata-se que, em determinadas situações, a união
não pode ser considerada estável, mas, sim, concubinato, quando houver causas
impeditivas ao casamento, previstas no art. 1.521 do Código Civil (CC). O Direito
brasileiro, à semelhança de outros sistemas jurídicos ocidentais, adota o princípio da
monogamia, segundo o qual uma mesma pessoa não pode contrair e manter
simultaneamente dois ou mais vínculos matrimoniais, sob pena de se configurar a
bigamia, tipificada inclusive como crime previsto no art. 235 do Código Penal (CP).
Por esse motivo, a existência de uma declaração judicial de existência de união
estável é, por si só, óbice ao reconhecimento de uma outra união paralelamente
estabelecida por um dos companheiros durante o mesmo período, independentemente
de se tratar de relacionamentos hétero ou homoafetivos. Com esses fundamentos, o
Plenário, por maioria, apreciando o Tema 529 da repercussão geral, negou
15

provimento ao recurso extraordinário. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto


Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio.
(INFORMATIVO STF 984)
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