Breve histórico da cultura jurídica brasileira. _ Jusbrasil

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17 de Outubro de 2024

Breve histórico da cultura jurídica


brasileira.
.
Publicado por Gisele Leite há 8 anos

O texto se propõe a narrar a grande influência do direito pri-


vado no desenvolvimento jurídico brasileiro e, ainda, a analisar
ao longo da evolução os acertos, desacertos, incongruências e
anacronismos na aplicação do Direito, pois apesar de sensíveis
progressos da técnica judicial, a formação do jurista brasileiro
bem como a produção de literatura jurídica ainda continua dis-
sociada dos reclamos da realidade fática-social, restando ainda,
sob a égide enigmática de arcaísmo jurídico bem peculiar de
uma sociedade individualista e retrógrada.

Sem dúvida, apontar o desenvolvimento das Ciências


Jurídicas[1] no Brasil, evidencia a influência de estudos jurídi-
cos que sofreram influência dos textos codificados, principal-
mente de Direito Civil. É possível mesmo perceber a relação
existente entre a evolução da legislação civil e o aprimoramento
da doutrina bem como o crescente prestígio da jurisprudência
pátria.

A verdade é que o Direito Privado dominou por bastante tempo


a mentalidade dos juristas em todo mundo. E, essa forma de se
enxergar o fenômeno jurídico, na ótica privatista, veio se modi-
ficar recentemente. Através de um fenômeno chamado de
constitucionalização[2] do Direito Privado.

Até meados do século XIX, dominavam no cenário doutrinário,


os autores de formação civilista, com raras exceções, como é o
caso do constitucionalista Pimenta Bueno também conhecido
como Marquês de São Vicente que pertenceu ao período monar-
quista e, foi autor de grande obra que analisou a Constituição do
Império Brasileiro.

Enfim, em regra, a ciência jurídica era mesmo identificada pelos


trabalhos acadêmicos do Direito Privado. Tal fatídica herança
deu enorme enfoque aos Códigos e a legislação codificada.

Com a clareza de sempre, Pontes de Miranda nos ensinou que o


direito lusitano se dividiu em oito épocas distintas, a saber:
1. Direito costumeiro puro;

2. Direito romano e direito costumeiro;

3. Direito do Código Visigóticos, Codex Legum ou Lex Wisi-


gothorum, elaborado pelo XII Concílio de Toledo e, confirmado
em 693 pelo XVI Concílio, e direito costumeiro;

4. Direito costumeiro, tradições romano-visigóticas, forais (res-


peito de origem árabe à propriedade individual da terra);

5, direito costumeiro, oriundo dos forais e leis gerais (influência


do direito justinianeu);

6. Ordenações Afonsinas (1443), reforma dos forais pelo go-


verno central (1500), sob D. Manuel e as Ordenações Manueli-
nas; De 1446 até 1769 preponderaram, na subsidiariedade das
fontes do direito, as glosas de Acúrsio e de Bártolo de
Saxoferrato;

7. Ordenações Manuelinas (1521); Leis posteriores reunidas por


Duarte Nunes de Leão (Alvará de 14 de fevereiro de 1569), Or-
denações Filipinas (1603), iniciadas e concluídas pelos reis es-
panhóis e revalidadas em 1643;

8. Lei de 18 de agosto de 1769 que definiu a Boa Razão[3].

Tais vetustas leis lusitanas (nos interessam mais de perto, as


Ordenações Filipinas), que foram iniciadas por Filipe I e publi-
cadas por Filipe II, dois reis espanhóis e, que foram no Brasil
confirmadas como vigentes mesmo com a Independência do
país[4], e, mesmo após a República, resistindo às mudanças po-
líticas e sociais.
As referidas Ordenações chegaram até nós por conta da unifica-
ção ibérica. Eram divididas em cinco livros, a exemplo do que já
ocorria com as ordenações anteriores (de D. Afonso V e D. Ma-
nuel) sendo que o livro quarto era o consagrado especificamente
ao direito privado. Após o fim da dominação espanhola, Portu-
gal veio a confirmar sua vigência pela lei de janeiro de 1643. No
início do século XVII, já se mostravam antiquadas posto que
buscassem afirmar a tradição jurídica dos compiladores, de
modo que acabaram por ser uma mera atualização das Ordena-
ções Manuelinas, que por sua vez, já tinham sido atualizadas
pelas Ordenações Afonsinas.

Uma de suas características era a incompletude diante de novas


e cada vez mais frequente aparecimento de situações jurídicas
surgidas por tempos burgueses. As próprias ordenações, no en-
tanto, fixavam de forma clara, o modo de preencher as eventu-
ais lacunas, a saber: deveria ser usado o direito romano e as ma-
térias que envolvessem pecado deveriam preferencialmente ser
resolvidas pelo direito canônico. Havia, ainda, a referência ex-
pressa ao uso da Glosa de Acúrsio e das Opiniões de Bártolo,
desde que não fossem contrariadas pela opinião comum dos
doutores (communis opinio doctorum).

De fato, no Brasil as Ordenações Filipinas estiveram em vigor


até o ano de 1916, perfazendo o total de trezentos e treze anos
de vigência. Nota-se que as referidas Ordenações, portanto, re-
geram nosso país por muitos anos, mesmo após sua revogação
em terras lusitanas.

A propósito, a Constituição Brasileira de 1891, a republicana,


em seu artigo 83 in litteris: “Continuam em vigor, enquanto não
revogadas, as leis do antigo regime, no que explícita ou implici-
tamente não for contrário ao sistema de governo firmado pela
Constituição e aos princípios nela consagrados”.
Evidentemente as Ordenações Filipinas representam o retrato
de uma era pré-científica, e sofrera ferrenhos ataques de doutri-
nadores de seu tempo, por seus paradoxos e incongruências,
conforme salientou Coelho da Rocha[5] que já comentava sobre
o vício de julgar pelos arrestos e casos julgados, sem examinar
escrupulosamente a identidade da espécie, nem os motivos le-
gais da sentença, que se trazia para exemplo.

Tais Ordenações não teriam tamanha longevidade conforme


apontou Ascarelli[6], se a cultura jurídica portuguesa que, nesse
caso, constituía um mesmo e único tronco com relação ao di-
reito brasileiro, se não tivesse sofrido grandes e significativos
impactos que tornariam a aplicação dessa antiga legislação em
algo mais permeável e adaptável aos novos tempos.

Singraram o Oceano Atlântico os hábitos de aplicar as leis em


Portugal, chegando às terras brasileiras e, aportando com todos
os vícios a que tinha direito por herança ou por desídia. A mecâ-
nica citação de textos e de julgados valia mais por sua quanti-
dade do que por seu conteúdo, o que veio a exigir na época, a in-
tervenção forte do Marquês de Pombal, que então editou a cha-
mada Lei da Boa Razão que dentre outras determinações man-
dou que se atendesse ao espírito da lei e que as glosas e opiniões
de Acúrsio[7] e Bártolo[8] fosse desconsideradas em juízos, o
que também, gerou severas críticas.

A mudança pombalina deixou a jurisprudência pátria em campo


arbitrário e deu amplo poder, já que as decisões estavam, deixa-
das literalmente ao arbítrio da boa razão[9] de cunho iluminista
e humanitário, porém tão vaga como imprecisa.

O que se consignou, nesse período, fora uma doutrina e um mé-


todo de aplicação de lei que se revelam primitivos. Essa boa ra-
zão deveria ser procurada nas "verdades essenciais", intrínsecas
e inalteráveis que a ética dos mesmos romanos havia estabele-
cido e que o direito humano e divino formalizaram para servi-
rem de regras morais para o cristianismo. Mas, ainda sendo
possível ainda buscar outras regras que de unânime consenso
estabelecessem o direito das gentes, para a direção e governo de
todas as nações civilizadas.

Cumpre registrar que foi a Lei da Boa Razão que determinou


que o direito canônico deixasse de ser aplicado de forma subsi-
diária nos tribunais civis, e finalmente veio suprimir a aplicação
da Glosa de Acúrsio e de Bártolo (que eram fontes subsidiárias
das ordenações).

E para garantir a aplicação desse conteúdo reformador foram


publicados em 1772 sob inspiração pombalina, os novos estatu-
tos universitários. E, tal reforma do ensino se mostrou como o
complemento indispensável às reformas na legislação, tais
como a obrigatória introdução no ensino de ideias jusnaturalis-
tas e do usus modernus pandectarum[10] que tornaram possí-
vel a incursão de nova mentalidade às novas gerações de juris-
tas, principalmente no que se refere aos métodos de interpreta-
ção e integração de lacunas.

O que gerou a formulação de assentos doutrinais nos tribunais


superiores de Portugal e que tinham valor normativo na ativi-
dade dos juízes que se caracterizavam pela preocupação em for-
mular princípios gerais de interpretação e aplicação das leis vi-
gentes. O que fora realmente renovador tanto na cultura jurí-
dica lusitana como na brasileira.

Convém ainda ressaltar como as contradições apontadas nas


Ordenações Filipinas, conforme frisou Pontes de Miranda que a
legislação penal prevista, ainda que mais branda que suas con-
temporâneas, previam penas violentas tais como a pena de
morte, o açoite, o confisco, o degredo, a mutilação, a marca de
ferro, o fogo e as penas atrozes a arbítrio, além do tormento e da
tortura, ainda que essas últimas devessem ser aplicadas com
cautela[11].

Com a independência brasileira, paradoxalmente proclamada


por um príncipe português, em 1822, impunha-se a iniciativa de
ter uma legislação própria que reconhecesse definitivamente a
soberania do Brasil em relação a Portugal.

Daí se deu a convocação por Dom Pedro I, de uma constituinte,


mediante decreto de 03 de junho de 1822. Em 12 de novembro
de 1823, o imperador proclamou sua dissolução, devido às preo-
cupações políticas contra as facções liberais mais ortodoxas e
exasperadas. Assim, a nossa primeira Carta política, que veio a
ser a Constituição do Império do Brasil, de 11 de dezembro de
1823, só foi a nós outorgada, em 25 de março de 1824, dia em
que foi jurada pelo Imperador.

Depois em seguida, surgiu o Código Criminal que fora promul-


gado em 16 de dezembro de 1830, cujo projeto fora elaborado
por Bernardo Pereira de Vasconcelos. E, tal diploma legal veio a
revogar o Livro V das Ordenações Filipinas, ainda em vigência
àquela época, implantando, nos termos do art. 179 da Constitui-
ção Imperial[12], a pessoalidade das penas, a abolição de açoi-
tes, tortura, marca de ferro quente e demais penas cruéis[13].

O Código Criminal do Império[14] manteve tipificadas as figu-


ras delituosas as práticas previstas nos artigos 276 e 277, que
proibiam a celebração de cultos de outra religião que não a cató-
lica e a zombaria de culto estabelecido no Império. Também era
crime propagar as doutrinas que destruíssem ou ameaçassem as
verdades fundamentais da existência de Deus (art. 278).
Ressalte-se a possibilidade criada pelo referido código de justifi-
car o crime praticado pelo marido contra a mulher adúltera,
para a defesa da própria pessoa, ou de seus direitos, incluindo a
liberdade, a honra, a vida e a fortuna.

Com a abdicação de Dom Pedro I, foi promulgado o Código de


Processo Criminal de 1832[15], cujo projeto fora de autoria de
Manuel Alves Branco e trazia importantes inovações incluindo a
instauração de um Conselho de Jurados[16] (Tribunal de Júri) e
o recurso de habeas-corpus. Também desapareceram os méto-
dos investigatórios criminais de inspiração no direito anterior,
tais como a devassa, de cunho inquisitorial, e substituído por
um juizado de instrução, fundado no contraditório e sob a dire-
ção de um juiz de paz, leigo e eleito.

Em 1850 surgiu o Código Comercial[17] e fora projeto de auto-


ria de José Antônio Lisboa, Inácio Ratton, Lourenço Westin e
Guilherme Midosi. Até o surgimento do Código Civil, o Código
Comercial serviu como lei de Direito privado comum, já que tra-
tava de assuntos como as nulidades, as disposições sobre a ma-
neira de interpretar acordos.

Nesse mesmo ano, despontou o Regulamento n.737[18], que


serviu de lei processual, até o aparecimento do CPC de 1939. Na
realidade, o regulamento não trouxe significantes inovações,
porém, proporcionou sistematicidade e coerência ao ordena-
mento processual.

Nos meados do século XIX era opinião predominante entre os


doutos e doutrinadores a necessidade de ter legislação própria
brasileira, pois era esparsa e desordenada, além de conter nu-
merosas leis conflitantes. A solução inicialmente encontrada foi
consolidar o direito vigente. E, tal missão foi confiada a Teixeira
de Freitas, que representava o maior doutrinador do direito pri-
vado no Brasil do século XIX.
Sua monumental obra de racionalização do direito vigente fora
concluída em 1857, com a publicação da Consolidação das Leis
Civis[19]. Sem dúvida, o grande crédito de Teixeira de Freitas
fora perceber a mudança da estrutura política do país, que pas-
sou de Império ao Estado de Direito Constitucional, o que im-
plicou em mudança das leis civis do país.

Teixeira de Freitas[20] veio a eliminar milhares de regras jurí-


dicas que conflitavam com a nova ordem constitucional, a Con-
solidação, apesar de não ter se tornado um código no sentido
estrito da palavra, exerceu, nos meios jurídicos nacionais, uma
enfática influência.

Nas palavras de Miguel Reale[21], a Consolidação das Leis de


Teixeira de Freitas fora em verdade um código ainda que sem
formalismos, onde se depuro aquilo que era o direito substan-
cial do Brasil na época imperial.

Após a consolidação das leis civis, veio evoluir a noção de cu-


nhar-se um código constituído de leis civis genuinamente brasi-
leiras. Inicialmente a tarefa fora entregue a Teixeira de Freitas
que deveria preparar um Projeto de Código Civil[22], mas não
foi levado a cabo, devido às inúmeras dificuldades que abalaram
a sua saúde mental.

Mesmo assim, surgira uma obra que serviu por muitos anos de
vetor-guia do pensamento jurídico brasileiro, que era o seu fa-
moso Esboço que continha cinco mil artigos, tendo alcançado
países estrangeiros e significado uma forte influência em boa
parte da legislação latino-americana (principalmente a
argentina).

Vieram então, as tentativas de codificação de Nabuco de Araújo


e Felício dos Santos[23], seguidos pelo projeto de Coelho Rodri-
gues até que chegamos enfim a última tentativa que fora o pro-
jeto de Clóvis Beviláqua[24], que se transformou com sucesso,
em Código Civil que muito tempo esteve em vigor no Brasil.

Uma polêmica histórica deve ser suscitada e instaurada pelo


grande Rui Barbosa, em relação ao projeto de código de autoria
de Clóvis Beviláqua, que foi por ele atacado de forma duríssima.
Pois destacou o Águia de Haia que o trabalho de Clóvis não ob-
servara as regras corretas da gramática que considerava essen-
ciais para obras dessa natureza.

O que rendeu interessantes discussões gramaticais, mas não ti-


nham nenhum interesse propriamente jurídico. Conforme des-
tacou Pontes de Miranda, preocupados com a forma, se esque-
ceram do fundo.

Sobre a opinião crítica de Pontes de Miranda[25]: "Se, com a re-


visão de Rui Barbosa ganhou, em forma literária, o Código Civil
perdeu, às vezes, em fundo”. Afinal o grande orador brasileiro
tinha as palavras em seus discursos, como elementos de decora-
ção tais como pedaços de puzzle, de que sua facúndia tirava
efeitos maravilhosos, ou bem os tratava, nas suas campanhas
advocatícias e políticas como simples grampos vistosos para se-
gurar os raciocínios demagógicos da mais pujante capacidade
sofística, na raça latina, dos últimos anos de então.

Por isso, na revisão do Código, aparece insensível ao que dizem,


dentre, os artigos; só os vê por fora.

Quanto um dos erros de linguística, só a título de exemplifica-


ção, houve um grave: pôr o (artigo definido masculino) antes de
usucapião, como se masculino fosse o instituto que é feminino
em todas as línguas e também no latim (usucapio), que o trans-
mitiu aos Códigos e às próprias línguas. Abandonando-se as
controvérsias léxicas e gramaticais, a verdade é que o Código de
Beviláqua trazia uma admirável síntese e continha boa adequa-
ção ao seu tempo, mas refletiva uma sociedade patriarcal, de
economia basicamente agrária e bem diversa da sociedade
atual, tecnológica e eivada de valores transitórios ou líquidos
como expressou Bauman[26].

Existiram muitas controvérsias sobre a reforma do anterior Có-


digo Civil de 1916. Juristas como Orlando Gomes[27] eram con-
tra a ampla substituição da legislação civil, preferindo as mu-
danças graduais e paulatinas, com a introdução de leis esparsas
no ordenamento jurídico.

O vigente Código Civil, o de 2002, apesar das polêmicas que


gravitaram ao seu redor, é mais contemporâneo conjunto de
normas de natureza privada, e trouxe vários pontos muito posi-
tivos, benéficos e avançados.

O vigente Código Civil brasileiro está em pé de igualdade, com


mais contemporâneos corpos legislativos dos chamados países
do Primeiro Mundo.

Para o famoso civilista que destacava as contradições da civili-


zação industrial da época, a substituição total de um Código Ci-
vil soava como anacronismo, sendo de inutilidade prática e
sendo desaconselhável até mesmo pelos países mais avançados
da Europa.

Mas, venceu a tese reformista, com a revogação do Código Civil


de Clóvis Beviláqua, quando se deu a aprovação do Código em
1975, no Senado Federal.

Com o desenvolvimento do processo de criação de leis codifica-


das de direito privado, deu-se o correlativo progresso dos estu-
dos doutrinários.
Sem dúvida, o principal objeto do estudo da doutrina que são
leis positivadas, causa, direta e indiretamente, as modificações
em seu próprio método, podendo se afirmar a existência de uma
relação e influência recíproca entre o observador (doutrina) e o
objeto estudado (leis).

Não é questionável a grande influência que as normas de direito


privado tiveram sobre a nossa cultura jurídica no decorrer dos
anos. Toda a matéria de relevância objeto de estudo da doutrina
privatista, chama-se Teoria Geral do Direito[28] ou Filosofia do
Direito.

E, a melhor identificação é possível encontrar nas normas da


Lei de Introdução ao Código Civil, que é lex legum, ou seja, um
conjunto de normas sobre normas, que se constitui um direito
sobre direito, um direito coordenador de direito, tendo uma di-
mensão normativa que transcende ao campo do direito privado,
que fora, por longo tempo, matéria própria para os estudos dos
civilistas.

Assuntos como a própria natureza do Direito, a questão de suas


fontes, sua obrigatoriedade, além de assuntos como preenchi-
mento de lacunas normativas foram, tradicionalmente, estuda-
dos por civilistas.

Assim, a década de 70, do século XIX, acabou sendo um marco


de modificação nos estudos jurídicos brasileiros. Foi com a cha-
mada “geração da Ilustração Brasileira[29]” é que se começou a
superar o jusnaturalismo tradicional, herdado do velho direito
português que vigorava até então.

A explicação para isso se deve ao fato de que, com a indepen-


dência do país, nos separamos de Portugal e, por consequência,
deixamos para trás o único centro de cultura do mundo de lín-
gua portuguesa, a Universidade de Coimbra[30].
Relevante recordar que a primeira geração de juristas e legisla-
dores brasileiros formou-se exatamente nessa instituição. Di-
ante da inexistência de uma universidade local, foi necessária a
instauração de cursos jurídicos brasileiros, o que de fato ocor-
reu pela Carta de Leis de 11 de agosto de 1827.

As primeiras faculdades de Direito foram a de São Paulo e a de


Olinda e, posteriormente transferida para Recife (Decreto
1.286, de 1854). Registre-se que em 1854 houve uma importante
reforma de ensino, na qual, através de decreto fora inserida a
obrigatoriedade do ensino do Direito romano que tentou dar
uma ao menos cunho prático ao ensino que então se lecionava
nos cursos brasileiros.

A cultura jurídica brasileira da primeira metade do século XIX


era, portanto composta por um grupo de filhos das elites com a
formação na Universidade de Coimbra e, outro contingente,
pouco significativo de estudantes formados a partir da década
de trinta nos jovens e pragmáticos cursos de Direito de
Recife[31] e São Paulo. O que nos faz entender que não era pos-
sível esperar por forte consciência científica na recepção da tra-
dição do código civil francês.

Apesar de que nossas faculdades de Direito tenham surgido por


volta de 1827, se passaram alguns anos, até que se constituísse
uma original geração de jurista de formação nacional, os juris-
tas desenvolveram uma espécie de autodidatismo.

Não obstante, eram das duas faculdades de Direito que surgi-


ram os nomes mais representativos da cultura e da política naci-
onal daquela época, como atestaram os nomes de Gonçalves
Dias, Álvares de Azevedo, José de Alencar, Castro Alves, Ruy
Barbosa, Monteiro Lobato, Joaquim Nabuco, Tobias Barreto,
Clóvis Bevilácqua, Sylvio Romero, Casimiro de Abreu entre
tanto outros.
De toda forma, aquela forma de aprendizado jurídico e, ipso
facto, a produção doutrinária, fora marcada pelas peculiares ca-
racterísticas do século XIX, no qual predominavam técnicas pe-
dagógicas ainda nascidas no seio do Direito público e da Teoria
Geral do Direito.

A disputa política e ideológica sobre os cursos de Direito, após a


Reforma Francisco Campos de 1931. Nesse período, o Curso de
Direito fora finalmente contemplado com cursos de pós-gradua-
ção (Doutorado), com a finalidade de se criar um curso regular
de formação de professores, específicos para a área jurídica,
com a estrutura acadêmica própria, que não existia desde a fun-
dação dos próprios cursos jurídicos de 1827.

Sublinhe-se que na época ocorreu um enorme conflito ideoló-


gico entre os juristas e educadores de tendências diversas. Entre
os chamados conservadores estavam Francisco de Campos[32],
Haroldo Valladão[33] e Gustavo Capanema[34]; entre o grupo
denominado de vanguarda estavam Anísio Teixeira, Hermes
Lima[35], Levi Carneiro e San Tiago Dantas[36].

Era uma disputa, no fundo, entre os que apoiavam a ditadura


Vargas e os que se opunham a esta. Era na verdade, a disputa
travada entre o ensino conservador caracterizado por uma uni-
versidade estatal e burocratizada, própria de um regime autori-
tário e, um ensino mais moderno e libertador, preocupado com
a resolução de problemas sociais de sua época.

Pontes de Miranda já afirmava que ainda na República Velha,


deveriam ser evitadas as normas que não representasse o pro-
duto das necessidades existenciais de um povo. Portanto, a lei
deveria limitar-se à codificação do costume. E, ainda, segundo o
mesmo doutrinador, a democracia seria um transplante malsu-
cedido, eis que os costumes apontavam para outro tipo de re-
gime, o aristocrático.
Acredita-se, no entanto, que o fundamento do pensamento aris-
tocrático de Pontes de Miranda, deva ser creditado mais ser an-
tropológico, e correspondente ao mito da autoridade que de-
fende que a crença na posse de um saber técnico, científico ou
filosófico garante o exercício do poder.

Esse mito ainda latente na cultura jurídica pátria, emerge em


momentos de autoritarismo, como foi o caso de Francisco Cam-
pos, autor da Carta Constitucional de 1937, imposta por Getúlio
Vargas no golpe em que instaurou o Estado Novo.

Já o segundo golpe de Estado de Getúlio Vargas apenas teria se-


guido uma tradição nacional. E, nessa época triunfava o fas-
cismo europeu, que como ideia importada e contrária aos direi-
tos humanos, mas que agradava ao discurso jurídico da época, e
encontrou muitos adeptos na cultura jurídica brasileira, mesmo
entre os que se poderia chamar de internacionalistas (é o caso
de Levi Carneiro).

O resultado de tudo fora um ensino de grade curricular inflexí-


vel e fechado, ainda baseado em antigos padrões e atrelado às
concepções ideológicas ultrapassadas. De sorte que a formação
do jurista brasileiro persistia em ser dissociada dos problemas e
da realidade social de seu tempo e espaço. Vigorava o modelo de
currículo fechado e ditado ortodoxamente pelo Estado.

Apesar de estarmos em pleno século XXI[37], poucas coisas


mudaram nesse âmbito. Pois ainda há a forte influência de ar-
caísmos jurídicos peculiares de uma sociedade individualista, li-
beral e agrária.

Com a instituição de uma monarquia constitucional brasileira


apesar de traços visivelmente autoritários, o recém-criado Es-
tado brasileiro passou a possuir profusa gênese legislativa, pro-
curando regulamentar, pela primeira vez uma legislação pró-
pria, as várias relações privadas.

E, foi nesse ponto, aliás, onde as tradições jurídicas portuguesas


e brasileiras se divorciam, enquanto que a antiga metrópole, a
partir de 1822, sofreu a forte influência do pensamento liberal,
como uma consequência do Code Civil napoleônico de 1804 (o
que culminou com a promulgação do código civil português de
1867, com nítida inspiração francesa), a antiga colônia persis-
tirá a aplicar a velha legislação herdade dos tempos coloniais,
sem proceder a grandes e radicais rupturas, adaptando-se às
tradições específicas dos brasileiros e à cultura jurídica ainda
em formação e, sobretudo, aos interesses econômicos das elites
agrárias brasileiras.

Percebe-se, por exemplo, que apesar do teor liberal[38] da


Constituição Brasileira de 1824, a escravidão implantada na en-
tão colônia pelos portugueses vai viger no Brasil até 1888 (até
um ano antes do fim do Império brasileiro), demonstrando de
forma clara, que a odiosa prática de reduzir a pessoa à coisa, a
renitência das estruturas arcaicas nas próprias instituições polí-
tico- jurídicas, que se somaram, a cada passo das transforma-
ções institucionais brasileiras, como uma forma peculiar de
adaptação dos princípios liberais advindos principalmente da
França e dos EUA, sempre adequados aos interesses das elites.

Assim, a coexistência da monarquia constitucional brasileira


com a escravidão, ou ainda, a convivência da mesma escravidão
com um de liberdades individuais tão meramente copiadas da
Constituição Francesa de 1791, demonstrando já a incidência de
princípios jurídicos no Brasil que desde o início se caracterizou
por uma flexibilidade conveniente e por uma adaptabilidade
oportuna. Eis aí o berço encantado do famoso e
popular"jeitinho brasileiro".
E o aprendizado nas escolas de Direito ainda provém das práti-
cas de obras escritas como o Código de Napoleão[39] e importa-
das ao nosso contexto sem as devidas adaptações culturais e
temporais.

É certo que as técnicas judiciais tenham progredido no sentido


de criar formas mais adequadas e eficientes de resolução de
conflitos, como por exemplo, a mediação, a conciliação, a arbi-
tragem e mesmo as ações coletivas com efeito erga omnes. Mas,
ainda assim, o processo judicial ainda é encarado como mero
instrumento a serviço primordialmente de interesses individu-
ais, bem como serviçal das premissas do direito privado.

Crucial problema também é quanto aos métodos de ensino jurí-


dico praticados nas faculdades de Direito que na maioria das ve-
zes se revelam ser meras repetições de textos legais, cuja origem
remonta há mais de cem anos. Tal método herdado da escola de
exegese francesa[40], também não atende mais aos interesses
da sociedade contemporânea e a necessidade de se evocar o
pensamento reflexivo.

E comprovando essa dificuldade estão os elevados índices de re-


provação dos exames de ingresso para a OAB. A cultura jurídica
brasileira vivencia um difícil período de transição de onde parte
de uma prática adversarial para a prática colaborativa de diá-
logo, com a resolução de conflitos pautada em métodos
consensuais[41], buscando além da justiça social, também a jus-
tiça restaurativa.

O objetivo da cultura jurídica é mais técnico do que filosófico,


onde há a prevalência de princípios essenciais à elaboração e
concretização de direitos, mas também o cumprimento de deve-
res correspondentes a uma concepção humana, onde o sentido
espiritual não deve ser o último a ser considerado.
Conclui-se que o principal caminho para melhor se compreen-
der a peculiar cultura jurídica brasileira desde seu nascimento
até o desenvolvimento entre meados do século XVIII até o início
do século XX forçosamente passa por um ambiente histórico em
que existem renitentes permanências do direito comum na or-
dem jurídica privada, mas por outro lado, que sofre importantes
descontinuidades[42] no tempo.

Referências:

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ALMEIDA, Candido Mendes (Org. E Comentador). Auxiliar


jurídico servindo de appendice a 14. Ed., do Código
Philippino ou Ordenações do Reino de Portugal recopi-
ladas por mandado de El-Rey D. Philippe I. A Primeira
Publicada no Brazil (1869). V. II., Série Cultura Portuguesa,
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985.
JÚNIOR, Walter Guandalini; FOGAÇA, Everton. O Sujeito de
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COSTA, Alexandre Araújo. Capítulo VII Ciências Jurídicas.


Disponível em: http://www.arcos.org.br/livros/introdução-ao-
direito/vii-ciencias-juridicas Acesso em 01.02.2017

[1] Há multiplicidade possível da ciência jurídica, que não se


traduz apenas no estudo de um objeto, mas sob uma determi-
nada perspectiva. E, no caso da sociedade brasileira seja um ob-
jeto específico, a sua análise sob um enfoque sociológico, vai ge-
rar um conhecimento diverso de um estudo que tenha perspec-
tiva econômica. Portanto, o direito pode ser estudado a partir de
várias perspectivas, e cada uma destas, gerando um determi-
nado conjunto de conhecimentos. Cada um desses conjuntos
constitui uma ciência jurídica diversa, das quais destacamos: a
história do direito, a sociologia jurídica, a teoria geral do direito,
a dogmática jurídica e a filosofia do direito.

Assim, são várias as ciências jurídicas analisam o direito a partir


de pontos de vistas específicos, o que nos leva a compreensão
profunda sobre o Direito que é um fenômeno complexo e multi-
facetado, e que só pode ser alcançada por meio de enfoque
interdisciplinar.

[2] O movimento de constitucionalização do Direito Privado é


um fenômeno recente e adotado pelos países de tradição ro-
mano-germânica a partir da Revolução Francesa quando se pas-
sou a perceber a nítida distinção entre a ideia de público e
privado.

Uma das maiores mudanças de paradigma ocorridas ao longo


do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status
de norma jurídica. Superando-se assim, o modelo vigorante na
Europa até os meados do século XIX no qual a Constituição era
vista como documento essencialmente político, sendo um con-
vite à atuação dos Poderes Públicos.

Portanto, a constitucionalização do Direito surgiu como forma


de se enxergar a sociedade solidarizante cujos ideais comuns se
sobrepõem aos anseios individuais. Não se trata da desintegra-
ção do individualismo humano, mas sim, do primado do bem
comum sobre a necessidade individual. Consagra-se no plano
axiológico uma complementariedade que denota o estágio so-
cial-democrático da sociedade em contraposição ao estágio do
apogeu do liberalismo que tanto norteou o Código Civil de 1816
entre os outros dispositivos legais.

[3] Por atuação do Marquês de Pombal (1699-1782) que sofrera


influência de correntes doutrinárias que estavam construindo a
essência político-jurídica da Europa moderna, isto é, o Estado
iluminista que fora caracterizado pelo absolutismo do monarca
e pelas reformas política, social, cultural, econômica e até
mesmo religiosa, com o fito de reorganizar a sociedade em con-
formidade com normas racionais. Assim Nesse processo trans-
formador surgiu a Lei da Boa Razão elaborada em plena re-
forma pombalina e redefiniu a teoria das fontes do direito, tor-
nando-se um documento principal para a compreensão do ba-
charelismo liberal na cultura jurídica brasileira do século XIX e
que tem consequências até hoje.
[4] Convém consignar que em 1872 já nos últimos anos do Im-
pério brasileiro apenas dezesseis por cento da população era
alfabetizada.

[5] Manuel Antônio Coelho da Rocha (1793-1850) Em 1822 co-


meçou a exercer o múnus de professor na Faculdade de Leis.
Neste mesmo ano Portugal ganhava uma constituição que ado-
tava princípios liberais, dentre eles o deslocamento da sobera-
nia do rei para a nação. O conceito de lei que traduzia a vontade
do monarca é agora a “vontade dos cidadãos declarada pela
unanimidade ou pluralidade dos votos de seus representantes,
juntos em Corte, precedendo discussão pública”. (art. 104º da
Constituição Portuguesa de 1822).

Entretanto, Coelho da Rocha nessa época foi perseguido por


suas ideias consideradas demasiadamente inovadoras, motivo
pelo qual se recolheu à sua cidade natal para o exercício da ad-
vocacia e da prédica.

Juntamente com outros juristas, defendia, como fonte subsidiá-


ria do Direito Português a utilização de preceitos dos recém-for-
mados códigos europeus, notadamente o francês e o prussiano,
e não as obras concernentes ao usus modernus pandectarum,
como se acreditava na época.

No ano de 1838, encontrava-se o autor na regência da cadeira


de Direito Civil na Universidade de Coimbra. Sentiu Coelho da
Rocha a necessidade de escrever um manual de direito civil que
pudesse substituir as célebres Institutiones Iuris Civilis Lusi-
tani, cum publici, tum priuati, de Paschoal José de Mello
Freire.

[6] Ascarelli, Tullio. Ossevazioni di direitto comparato privado


brasiliano in Studi in diritto comparato e in tema di interpeta-
zione. Milano: Giuffrè, 1952.
[7] Francesco Accursio ou em latim Acursius (1182/5 - 1260/3)
Foi considerado renovador do direito romano, influente profes-
sor da Universidade de Bolonha, e com ele se encerrou a série
de glosadores. Sua obra que comenta o Codex, as Institutas e o
Digesto fora editada sob o título de Glossa ordinaria magna ou
Magistralis. Suas glosas foram aceitas como regras supletivas
do Código Manuelino. Tendo composto a Magna Glosa sobre o
Corpus Iuris Civilis que fora obra importante para interpreta-
ção e consulta de leis e doutrina até à Idade Moderna.

[8] Bártolo de Sassoferrato (131-1357) foi jurisconsulto medie-


val, um dos mais notáveis comentadores do Direito Romano.
Sendo considerado o maior jurista da Idade Média. Depois de
sua morte surgiu o adágio: nemo bonus jurista nisi bartolista,
ninguém é bom jurista se não for bartolista.

[9] A Lei da Boa-Razão reformulou os princípios basilares de


toda a jurisprudência, reafirmando o direito natural e o das gen-
tes, reservou um lugar subsidiário ao direito romano através do
usus modernus e sobrevalorizou o direito pátrio. Segundo o
próprio texto da Lei: “consiste nos primitivos Princípios, que
contém verdades essenciaes, intrínsecas, e inalteráveis, que a
ethica dos mesmos Romanos havia estabelecido, e que os Direi-
tos Divino, e Natural formalisarão para servirem de regras Mo-
raes, e Civis entre o Christianismo: ou aquela boa razão, que se
funda nas outras regras, que de unanime consentimento estabe-
leceo o Direito das Gentes para a direcção, e governo de todas as
Nações civilisadas: ou aquella boa razão que se estabelece nas
Leis Politicas, Economicas, Mercantis, e Maritimas, que as mes-
mas Nações Christãs tem promulgado com manifestas utilida-
des, do socego público, do estabelecimento da reputação, e do
augmento dos cabedaes dos Povos, que com as disciplinas des-
tas sabias, e proveitosas Leis vivem felizes á sombra dos Thro-
nos, e debaixo dos auspicios dos seus respectivos Monarchas, e
Principes Soberanos (...)”. Lei da Boa-Razão, § 9, contida e co-
mentada no: ALMEIDA, Candido Mendes (Org. E Comentador).
Auxiliar jurídico servindo de appendice a 14. Ed., do Código
Philippino ou Ordenações do Reino de Portugal recopiladas por
mandado de El-Rey D. Philippe I. A Primeira Publicada no Bra-
zil (1869). V. II., Série Cultura Portuguesa, Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1985, p. 454.

[10] O usus modernus pandectarum ou literalmente o uso mo-


derno das Pandectas de Justiniano constituíram movimento
cultural ocorrido, sobretudo na Alemanha do século XVII que,
colocando em questão a vigência global e preferencial do direito
romano, propôs a ideia da recepção prática do legado justinia-
neu, segundo a qual o direito romano deveria ser compatibili-
zado com os novos direitos dos reinos.

[11] Convém ainda alertar que o pensamento conservador que


condena os direitos humanos em nome de suposta identidade
nacional, acusando-os de estrangeirismo, atua da seguinte
forma: a) inventa essa identidade nacional, escolhendo, na his-
tória, o traçado da chibata, da opressão, e não os espaços de re-
sistência; b) deseja congelar essa identidade, para que não haja
mudanças, ou que elas não ocorram em sentido libertário.

[12] José Murilo de Carvalho apud Fonseca aponta que na época


imperial os direitos civis existiam sós no texto da lei, tornando
as pessoas comuns naquilo que ele denominava de cidadãos em
negativo. Noutras palavras na estrutura social agrária, maciça-
mente rural, predominantemente analfabeta, patriarcal e com
significativa presença escrava (estimava-se em torno de trinta
por cento do total da população, na época da independência do
Brasil).

[13] O fato é que esse dispositivo da Constituição imperial foi


cumprido apenas parcialmente, pois o código criminal foi pro-
mulgado apenas em 1830 e o código comercial em 1850. E, o có-
digo civil brasileiro teve que esperar até o ano de 1916, em plano
século XX e na vigência da república.

O que comprova que a tradição jurídica lusitana herdada ainda


dos tempos coloniais e, ipso facto, com relação às Ordenações
Filipinas se prolongou mais que em sua própria origem. Apesar
de que tal continuidade deve ser entendida com reservas em
face da Lei da Boa Razão que veio atualizar a envelhecida legis-
lação portuguesa.

[14] O Código Criminal de 1830 foi o primeiro código penal bra-


sileiro e fora sancionado pouco antes da abdicação de Dom Pe-
dro I, em 16 de dezembro de 1830. Vigorou desde 1831 até 1891,
quando fora substituído pelo Código Penal dos Estados Unidos
do Brasil, imposto pelos Decretos 847, de 11 de outubro de 1890
e 1.127, de 6 de dezembro de 1890.

Crimes segundo o código criminal de 1830:

Públicos: crimes contra o Império, contra a tranquilidade in-


terna do Império, contra a administração, o tesouro e a proprie-
dade pública;

Privados: contra a liberdade e a segurança individual, contra a


propriedade particular;

Policiais: contra as normas policiais e regras públicas (posturas


municipais).

Penas: proporcionalidade entre o crime e a pena, as penas ti-


nham que ter proporcionalidade entre o crime cometido e a
pena; a pena exclusiva do condenado, não poderia ultrapassar
ao infrator, não podendo ser estendida aos seus familiares; hu-
manização da pena de morte, sem a tortura; proibição das pe-
nas cruéis, sem enforcamentos e decapitações, etc. Persistência
das penas de degredo, banimento, galés, multas, privação dos
direitos políticos, desterro (exílio) ainda persistem algumas pe-
nas das ordenações Filipinas.

[15] A Reforma do Código de Processo Criminal brasileiro foi


sancionada após a abdicação de Dom Pedro I, em 29 de novem-
bro de 1832. Conferiu maior autonomia aos proprietários rurais
das províncias que passaram a poder escolher seus representan-
tes políticos que eram os juízes de paz, que eram a autoridade
judiciária dos municípios.

A primeira parte do Código de Processo Criminal tratou da nova


organização judiciária, que manteve nas províncias do Império
as divisões em distritos de paz, termos e comarcas. No distrito,
constituído por, no mínimo, setenta e cinco casas, haveria um
juiz de paz eleito nas localidades, que contava, para auxiliá-lo,
com um escrivão, inspetores de quarteirões e oficiais de justiça.
O juiz de paz dividiria o distrito em quarteirões, contendo, no
mínimo, vinte e cinco casas habitadas e escolheria também um
inspetor entre as pessoas bem conceituadas e maiores de vinte e
um anos para atuar nos limites dessa jurisdição, sendo nomea-
dos pela câmara municipal. No termo haveria um juiz munici-
pal, auxiliado pelos oficiais de justiça, um conselho de jurados,
um promotor público e um escrivão das execuções. Em cada co-
marca haveria um juiz de direito, nomeado pelo imperador, po-
dendo chegar até o número de três nas cidades de maior densi-
dade demográfica. Foram extintos os cargos de ouvidores de co-
marca, os de juízes de fora e ordinários. O Código de Processo
Criminal manteve a distinção, já presente no Código Criminal,
no procedimento das ações penais que seriam promovidas pelo
promotor público quando os crimes fossem públicos e por
quaisquer cidadãos quando fossem particulares.
[16] Infelizmente não existe em doutrina um entendimento pa-
cífico sobre a origem do Tribunal do Júri. Alguns doutrinadores
que entendem que já no Direito Processual romano pode ser en-
contrado o instituto dos jurados, tais como o Manzini. Já Ro-
berto Lyra, vislumbra até que na ceia do Senhor há um Conse-
lho de jurados.

Entre muitos fatores, os que geraram tamanha disparidade dou-


trinária são os seguintes: 1. O instituto do júri está relacionado
às origens do direito e quase sempre acompanham quaisquer
aglomerações humanas, desde as mais antigas, dificultando o
estudo do referido instituto; 2. O fato de não se conseguir desta-
car um traço mínimo essencial à identificação de sua existência,
para se poder afirmar a sua presença em determinado momento
da história.

De maneira poética, Carlos Maximiliano define o sentimento de


imprecisão da seguinte forma:" as origens do instituto, são tão
vagas e indefinidas, que se perdem na noite dos tempos "(Co-
mentários à Constituição brasileira).

[17] O Código Comercial tem por missão regular e disciplinar os


direitos e obrigações das empresas e suas relações. Diploma le-
gal fundamental do direito comercial. Desde 2003, o referido
diploma legal só continua em vigor no que se refere ao Direito
Comercial marítimo, tendo sido nos demais assuntos revogados
pelo Código Civil Brasileiro de 2002.

Foi o primeiro código comercial brasileiro e fora criado pela Lei


556, de 25 de junho de 1850, depois de quinze anos tramitando
no Congresso Brasileiro. E foi baseado nos Códigos de Comércio
de Portugal, França e Espanha.

[18] Neste sentido, João Bonumá aborda:


“O Regulamento 737, pelo tempo em que foi promulgado e pela
influencia que exerceu na formação de nosso processo, constitui
o mais alto e o mais notável monumento legislativo processual
do Brasil. Reformulou profundamente o processo anterior, sim-
plificando-lhe os termos, sem diminuir-lhe em nada as garan-
tias das fórmulas processuais, e, por tal maneira o fez que, ainda
hoje, quase um século após, mudadas muitas vezes as condições
sociais e políticas do país, não foi possível elaborar um código
processual civil que não fosse, em grande parte, calcado sobre
os dispositivos do sábio regulamento”.

Em matéria de execução, o regulamento instituía duas espécies,


a expropriativa de sentenças líquidas e ilíquidas, que tratava de
condenações pecuniárias, e a execução das sentenças sobre ação
real ou coisa certa ou em espécie, referia-se às obrigações de dar
coisa, diferente de dinheiro.

[19] Cumpre perceber que o trabalho de Teixeira de Freitas que


fora meramente de sistematização de uma legislação já exis-
tente, acabou cumprindo a função de perpetuar a permanência
de um direito antigo. E, tal função conservadora, não deve levar
a equívocos, pois não significa a imobilidade da legislação e nem
a renitência constante de uma legislação medieval. O que veio a
afastar a tendência majoritária no mundo de se adotar a forma
de código na legislação civil brasileira.

[20] Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883) foi um juriscon-


sulto do império brasileiro. Sua obra constitui objeto de profun-
dos estudos acadêmicos e até mesmo os dias atuais, tanto no
Brasil como no exterior.

Formado pela Faculdade de Direito de Olinda — atual Facul-


dade de Direito do Recife —, mas tendo estudado também em
São Paulo, Teixeira de Freitas foi o responsável pela extraordi-
nária Consolidação das Leis Civis brasileiras, de 1858, e autor
da primeira tentativa de codificação civil do Brasil: seu"Esboço
de Código Civil", feita por encomenda do imperador D. Pedro II,
por meio de decreto de 11 de janeiro de 1859. Foi uma obra com
aproximadamente 5.000 (cinco mil) artigos, que apesar de não
ter sido diretamente utilizada no Brasil, inspirou trabalhos pos-
teriores no país, tal como o que resultou no Código Civil de
1916, de Clóvis Beviláqua, como também influenciou profunda-
mente os processos de codificação no Paraguai, no Uruguai, no
Chile, na Nicarágua e, principalmente, na Argentina, onde ser-
viu como modelo ao Código Civil elaborado por Dalmacio Vélez
Sarsfield.

[21] O pensamento filosófico adotado por Miguel Reale que foi o


Coordenador do Código Civil de 2002 é o culturalismo que cor-
responde a uma corrente do pensamento filosófico que usa a
noção de cultura como paradigma central. Trata-se de vertente
filosófica derivada do neokantismo, que traçou modelo com-
plexo originado da escola alemã e que encontra muitos seguido-
res no Brasil. Em verdade, o culturalismo corresponde à tradu-
ção de um longo processo social, consubstanciado em fatos his-
tóricos que estabelecerão o sentido da norma.

[22] Um dos fatores justificadores da ausência da vontade codi-


ficadora presente no império brasileiro reside no aspecto que,
na realidade, se coloca como um dos reversos da ausência de
uma autêntica cultura jurídica brasileira, particularmente na
primeira metade do século XIX, que era a inexistência no Brasil
de um verdadeiro padrão de cidadania e, portanto, a carência de
identificação entre as garantias jurídicas asseguradas pela legis-
lação oficial, de um lado e, o atendimento das necessidades do
povo, de outro.

[23] As tentativas frustradas de codificação civil e muito menos


célebres foram tentadas ainda no Brasil Imperial com os proje-
tos de Nabuco de Araújo em 1872 e a de Felício dos Santos em
1881 cujos projetos muito deviam ao Esboço de Teixeira de Frei-
tas, mas que acabaram barradas seja pela rejeição do Ministério
da Justiça e do parlamento, quer pelo final do regime imperial
em 1889. Mesmo assim o Esboço embora não aproveitado no
país, acabou sendo inspirador em algumas das codificações oi-
tocentistas, particularmente na América Latina.

[24] Clóvis Beviláqua (1859-1944) jurista, legislador, filósofo e


historiador brasileiro. Estudou na Faculdade de Direito do Re-
cife. Dentre várias carreiras jurídicas atuou como promotor pú-
blico, membro da Assembleia Constituinte do Ceará, secretário
de Estado, consultor jurídico do Ministério do Exterior. Foi um
dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e membro do
Instituto Histórico e Geográfico.

Em 1883 publicou no Recife A filosofia positivista no Brasil, de-


clarando-se um" monista evolucionista ", formando, com outros
da Escola do Recife, a corrente estritamente científica do positi-
vismo, contra a tendência mística e religiosa, então forte no
Brasil. Neste livro faz menção à transformação do positivismo
em evolucionismo no norte do país, onde se começava a buscar
inspiração mais em Spencer e em Haeckel do que em Comte,
enquanto que no sul aquela filosofia se mantinha ainda orto-
doxa. Também se encontra colaboração da sua autoria na Re-
vista de Estudos Livres (1883-1886) dirigida por Teófilo Braga,
principal impulsionador do positivismo em Portugal.

Professor dos mais respeitados, crítico literário com vários en-


saios publicados e uma produção na área jurídica das mais sóli-
das, principalmente em livros de Direito Civil e Legislação Com-
parada, Clóvis Beviláqua era conhecido e respeitado nacional-
mente quando foi convocado para ser sócio fundador da Acade-
mia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira catorze, cujo pa-
trono era Franklin Távora. Essas mesmas condições levaram-no
a ser chamado, em 1899, pelo então Ministro da Justiça Epitá-
cio Pessoa, para escrever o projeto do Código Civil Brasileiro.
Clóvis redigiu o projeto, de próprio punho, em apenas seis me-
ses, porém o Congresso Nacional precisou de mais de quinze
anos para que fossem feitas as devidas análises e emendas.
Sendo promulgado em 1916, passando a vigorar a partir de 1917
(apenas recentemente substituído pela lei 10.406 de 10 de ja-
neiro de 2002), pode-se afirmar que o Código Civil Brasileiro
imortalizou Clóvis Beviláqua no cenário jurídico e intelectual.

[25] Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892-1979) Foi


um jurista, filósofo, matemático, advogado, sociólogo, professor
universitário e magistrado e diplomata brasileiro.

Começou a escrever o Tratado de Direito Privado em 1914, bus-


cando livros da Rússia, Índia e de outros países. Colecionando
mais de três mil monografias, Tratados de Direito Civil, de Di-
reito Criminal e de Direito Antigo. Lançou o Tomo I do Tratado
de Direito privado somente em 1954.

Em sua produção bibliográfica, 144 volumes dos quais 128 estu-


dos jurídicos, destaca-se seu Tratado de Direito Privado, obra
com 60 volumes e mais de 30 mil páginas, concluído em 1970.
Suas primeiras obras - À margem do direito (1912) e A moral do
futuro (1913) - foram à época elogiada pelos juristas Clóvis Bevi-
láqua, Ruy Barbosa e pelo crítico literário José Veríssimo.

Por duas vezes foi premiado na década de 1920 pela Academia


Brasileira de Letras, da qual se tornou membro em 1979. Seus
prêmios: Prêmio da Academia Brasileira de Letras (1921) por A
Sabedoria dos Instintos e Láurea de Erudição (1925) por Intro-
dução à Sociologia Geral.

É considerado o parecerista mais citado na jurisprudência bra-


sileira. Sua biblioteca pessoal (16.000 volumes e fichário) hoje
integra o acervo do Supremo Tribunal Federal. Paulatinamente,
desde a década de 1990, suas obras estão sendo atualizadas e
retornando ao mercado editorial brasileiro, através de várias
editoras. Autor de influência alemã, introduziu novos métodos e
concepções no Direito brasileiro, nos ramos da Teoria Geral do
Direito, Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito In-
ternacional Privado, Direito Civil, Direito Comercial e Direito
Processual Civil. Em 10 de Fevereiro de 1981 foi agraciado a tí-
tulo póstumo com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública de
Portugal.

[26] Vide o artigo da presente autora Modernidade Líquida e in-


certezas sólidas, disponível em:
http://www.beevoz.net/2017/01/12/modernidade-liquidaein-
certezas-solidas/

[27] Orlando Gomes (1909-1988) foi jurista brasileiro. Teve


toda a vida consagrada ao Direito, sua prática, magistério e es-
tudo. Autor de dezenas de livros, deixou um legado doutrinário
que se faz leitura obrigatória para o estudo jurídico no Brasil,
nos campos do Direito Civil, Trabalhista e ainda da Sociologia
jurídica. Em 1961 foi Diretor da Faculdade de Direito, quando
em sua gestão foi construída a sede atual desta instituição de
ensino jurídico.

Foi membro da Academia de Letras da Bahia, tendo sido eleito


no ano de 1968. Em 1983, juntamente com demais juristas da
Bahia, foi membro fundador da Academia de Letras Jurídicas
da Bahia, ocupando até seu falecimento, em 1988, a cadeira 13.

[28] A teoria geral do direito diferencia-se da dogmática jurí-


dica, em primeiro lugar, pelo seu objeto. Enquanto a Jurispru-
dência estuda um direito positivo específico, a teoria geral do
direito não se prende a um ordenamento jurídico determinado.
Essa ciência tem buscado fazer uma descrição dos aspectos uni-
versais do direito, dos elementos que estão presentes em todos
os ordenamentos positivos, dos conceitos que perpassam todas
as teorias dogmáticas. Como bem resumiu Miguel Reale," a teo-
ria geral do direito tem por fim, como se vê, a determinação das
estruturas lógicas da experiência jurídica em geral "; Todavia, as
grandes dificuldades de se desenvolver uma teoria abrangente
como essa levam os teóricos atuais a fazer-lhe uma série de res-
salvas, questionando a possibilidade de que desse projeto possa
resultar um conhecimento útil. E é por esse motivo que, ao tra-
tar dos objetivos clássicos da teoria geral do direito, Karl Larenz
fala no passado e não no presente.

Anteriormente cogitava-se de uma teoria geral do direito e en-


tendia-se por tal uma doutrina acerca da estrutura lógica da
norma jurídica, acerca de certos conceitos fundamentais for-
mais que podem encontrar-se em todos os ordenamentos jurídi-
cos desenvolvidos (como, por exemplo, lícito e ilícito, dever ser,
ter a faculdade, poder, comando, proibição, permissão, sujeito
jurídico e objecto de direitos) e sobre as relações lógicas destes
conceitos fundamentais entre si e os modos de pensamento da
Jurisprudência. Procurava-se neste campo chegar a conheci-
mentos respeitantes ao direito, universalmente válidos e não so-
mente válidos face a um determinado ordenamento positivo.

[29] É preciso compreender que a produção conceitual cons-


truída pela geração da Ilustração Brasileira adveio da ideia de
virtude cívica do indivíduo, levado em conta de forma abstrata,
descolando-o do contexto histórico.

Na transição entre a decadência do Império e surgimento da


República brasileira estabeleceram-se traços de uma cultura po-
lítica que os historiadores da cultura, como Roque Spencer de
Barros e Antônio Paim, chamaram de ilustração brasileira. As
expressões políticas de autores participantes da cultura da ilus-
tração são muito contraditórias, a ponto de se ter dificuldade de
definir a ilustração brasileira (período que iria, grosso modo, de
1870-1914), como um campo de cultura política à semelhança
do que foi afirmado para o Império e para a República. Para Rui
Barbosa, a concepção abstrata de indivíduo, que justifica o cará-
ter pretérito da educação para o direito à cidadania.

[30] Apenas para apontar um dado, entre os anos de 1772 e


1872 passaram pela Universidade de Coimbra 1.242 estudantes
brasileiros, enquanto na América espanhola nesse mesmo pe-
ríodo 150 mil estudantes passaram pelas universidades. Os cur-
sos jurídicos no Brasil somente foram inaugurados, após longos
debates legislativos, no ano de 1827, com uma Faculdade esta-
belecida em Olinda (e transferida para Recife em 1854) e outra
em São Paulo. Pode-se dizer, portanto, que é somente a partir
daí que vai se formando, de modo lento e gradual, uma cultura
jurídica tipicamente brasileira.

[31] Outro fator relevante foi o fato de que a incipiente cultura


jurídica brasileira notadamente da segunda metade do século
XIX, sofreu mais impacto da cultura alemã do que o das in-
fluências francesas. Tal fato é curioso, uma vez que em outros
âmbitos culturais que não o jurídico, e inclusive o filosófico, a
influência francesa e, particularmente, do positivismo de Comte
apresentou-se como predominante no Brasil. Tanto assim que a
denominada Escola do Recife ficou conhecida por esse movi-
mento da cultura jurídica capitaneado por Tobias Barreto e
também por Silvio Romero e Clóvis Beviláqua, que mais tarde
viria ser o autor do Código Civil de 1916, que demonstrara a
franca orientação cultural alemã.

[32] Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968) foi um advo-


gado, professor, jurista e político brasileiro, e foi responsável
entre outras obras pela redação da Constituição brasileira de
1937, do AI-1, do golpe de 1964 e dos códigos penal e processual
brasileiro que, mesmo com as subsequentes reformas, continua-
ram em vigor. A doutrina jurídica de Campos costuma ser clas-
sificada, não sem alguma dificuldade, como antiliberal e autori-
tária. São de sua autoria jurídica e exprimem seu raciocínio
constitucional fórmulas publicadas em várias revistas de direito
nas bibliotecas do Brasil: (RF 73:229) “Diretrizes Constitucio-
nais do Novo Estado Brasileiro” (entrevista concedida pelo sr.
Francisco Campos, Ministros da Justiça, ao Jornal do Comércio,
em 16 de janeiro de 1938); assevera o jurista mineiro sobre a
Carta/37, com razão, “O mundo jurídico, que é essencialmente o
mundo da segurança e da ordem, se baseia, além do postulado
da justiça, nos dois postulados da certeza e da duração”.

[33] Haroldo Teixeira Valladão (1901-1987) foi jurista brasileiro


que ocupou os cargos de Consultor Geral da República em 1947-
1950, Procurador Geral da República (1967) e Consultor Jurí-
dico do Ministério das Relações Exteriores (1961-1971). Autor
de vasta bibliografia jurídica e especialmente voltada para o
ramo do direito internacional privado. Foi professor catedrático
da matéria na Universidade do Brasil (atual UFRJ) e na PUC-
Rio. Sua obra máxima foi Direito Internacional Privado, em três
volumes, publicada a partir de 1968 e reeditada sucessivamente.
Entre 1950 a 1952 foi presidente do Conselho Federal da OAB.

[34] Gustavo Capanema Filho (1900-1985) foi político brasi-


leiro. Foi Ministro da Educação que maior tempo ficou no cargo
em toda a história do Brasil, de 1934 até 1945, ou seja, por onze
anos contínuos. No ministério, Capanema foi o principal artífice
da construção da Lei brasileira de preservação do patrimônio
histórico e cultural, sancionada em 30 de novembro de 1937.

[35] Hermes Lima (1902-1978) foi político, jurista, jornalista,


professor e ensaísta brasileiro.

Foi ministro do Gabinete Civil da Presidência da República, mi-


nistro das Relações Exteriores, presidente do Conselho de Mi-
nistros, durante a breve experiência parlamentarista ocorrida
no governo João Goulart, e ministro do Supremo Tribunal Fe-
deral. Foi, também, membro da Academia Brasileira de Letras.
Uma de suas mais caras defesas durante a vida foi a do"Estado
de Direito"- durante o Regime Militar viu como única forma de
preservar a integridade física do amigo a quem tanto admirava
Anísio Teixeira, (de quem aliás, fez uma extensa biografia) seria
fazendo dele um imortal da A. B. L. - lançando assim a sua can-
didatura. Anísio morreu, em 1971, de forma misteriosa, justa-
mente quando realizava sua última visita protocolar.

Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em dezembro de


1968, ocupando a cadeira 7, e em janeiro de 1969 foi aposentado
do Supremo Tribunal Federal pelo Ato Institucional nº 6. Foi o
primeiro presidente da Academia Brasiliense de Letras.

[36] Francisco Clementino de San Tiago Dantas (1911-1964) foi


jornalista, advogado, professor e político brasileiro. Assume a
cátedra de Direito Civil na Faculdade Nacional de Direito em
1940, na qual ganha a alcunha de" catedrático-menino ". Apesar
das dificuldades iniciais na docência, em razão dos seus méto-
dos diferentes e da pouca idade, supera a crítica dos alunos e
firma-se como professor na escola em que se graduara. Suas au-
las entre 1942 e 1945 foram taquigrafadas pelo estudante Victor
Bourhis Jürgens e tornam-se referência no estudo do direito ci-
vil brasileiro. Sua aula inaugural na Faculdade Nacional de Di-
reito, em 1955, é até hoje referência nos debates sobre a educa-
ção jurídica no Brasil.

[37] Observa-se que a cultura jurídica brasileira é fortemente


relacionada à instituição do jeito, que deita raízes em seu pas-
sado colonial e sobre a forte influência imperial portuguesa.
Pois além de servir de grande óbice para o desenvolvimento do
país, é visto como um modo de se evitar os conflitos sociais, até
que se encontre a solução consensual adequada.
Já faz parte do senso comum a noção de que o brasileiro age ha-
bitualmente por meio do jeito, como forma de atenuar os rigo-
res da lei ou mesmo acelerar demandas frente à burocrática ad-
ministração pública. É algo muito intrínseco à nossa cultura e
que persiste até os dias atuais. Na prática, esse moldar de leis e
regulamentos para fim de atingir os objetivos práticos não torna
nosso país, um caso singular ou raro, pois é fenômeno encon-
trado em diversos países. E, exemplifica-se com os EUA, com a
plea bargaining (negociação da pena) e em decisões na área da
falência. Mas, o jeito no Brasil se tornou uma instituição parale-
gal que é invocada para atuar em muitas áreas, como regra,
norma e até exceção.

De qualquer maneira a origem do jeito na cultura jurídica brasi-


leira decorreria de seu legado ibérico e pela forte influência do
Direito Romano, pelo pluralismo legal, pelo catolicismo durante
a formação do Estado lusitano, também teriam moldado e con-
tribuído a relação brasileira com o sistema jurídico. Ademais, há
cinco traços característicos culturais portugueses legados ao
Brasil, a saber: a alta tolerância com corrupção; a inexistência
de responsabilidade cívica; a enorme desigualdade socioeconô-
mica; o sentimentalismo e por fim, a disposição para chegar a
um acordo.

[38] O liberalismo recebido pelo Brasil sofrera várias adapta-


ções e" jeitinhos "para atender e servir de estofo a estrutura so-
ciopolítica autoritária e escravagista vigente, de maneira que os
princípios contidos na Carta Constitucional de 1824 podiam
conviver de forma razoavelmente harmoniosa com a desigual
sociedade imperial brasileira.

Aliás, a expressão já consagrada a respeito da peculiar e custo-


mizada recepção dos princípios liberais no Brasil é aquela que
se refere às" ideias fora do lugar ", entenda-se a convivência de
princípios liberais com uma cultura lastreada no favor, con-
forme se constata em SCHWARTZ, Roberto. Ao vencedor as ba-
tatas. 4. Ed., São Paulo: Livraria Duas cidades, 1992, apud FON-
SECA, Ricardo Marcelo. In: A Cultura Jurídica Brasileira e A
questão da codificação Civil no século XIX.

[39] Código Civil francês, chamado originalmente de Code Civil


ou Code Napoléon foi outorgado por Napoleão Bonaparte e en-
trou em vigor em 21 de março de 1804. Aborda somente as
questões de direito civil, como as pessoas, bens e a aquisição de
propriedade. Outros códigos posteriormente publicados abor-
dando direito penal, direito processual penal e direito comer-
cial. Não foi o primeiro código legal a ser estabelecido numa na-
ção europeia, tendo sido precedido pelo Codex Maximilianeus
bavaricus civilis (Reino da Baviera, 1756), pelo Allgemeines
Landrecht (Reino da Prússia, 1792) e pelo Código Galiciano
Ocidental (Áustria, 1797). Embora não tenha sido o primeiro a
ser criado, foi considerado o primeiro a ter sucesso irrefutável e
influenciar muito os sistemas legais diversos de outros países.

[40] Escola da exegese igualmente conhecida como Escola filo-


lógica, foi uma das primeiras correntes doutrinárias juspositi-
vista, nascendo na França, no início do século XIX, a partir do
advento do Código Napoleônico, tendo, entretanto, ultrapas-
sado as fronteiras francesas e disseminando-se por toda a Eu-
ropa continental e América Latina. Ainda hoje, exerce influência
no ensino e na prática jurídicas dos países da família romano-
germânica. As origens da Escola remontam ao quadro existente
na França após a Revolução Francesa. Com as modificações tra-
zidas pela revolução liberal ao Estado, à sociedade e ao Direito
levaram à necessidade de novas concepções jurídicas que aten-
desse à nova realidade.

A mudança das funções do jurista, não mais responsável por


criar o direito, devido à alteração de concepção das fontes de di-
reito, mas lhe cabendo à tarefa de sistematizar o direito legis-
lado através de sua exegese, que não era nada mais do que a
descoberta do sentido do direito expresso em suas normas le-
gais pela vontade do legislador. Preconizava a multiplicação de
codificações, de modo a eliminar todas as lacunas da lei, com
uso de analogia, para descobrir a norma oculta dada pela von-
tade do legislador, mas não aparente no texto legal. Pregava a
interpretação mecânica baseada no silogismo.

[41] Vide o art. 6º do CPC/2015 que prevê a audiência de


conciliação/mediação.

[42] O Brasil apresenta uma nota específica que o diferencia de


outras nações da América Latina e, dentre esta, se encontra a
continuidade em relação à cultura jurídica portuguesa que tem
como principal característica à convivência com uma infinidade
de direitos espontaneamente gerados na sociedade. Nessa pers-
pectiva de herança e continuidades da cultura jurídica europeia,
evidencia-se que os sujeitos são de grande importância para a
compreensão dos rumos que o ordenamento jurídico brasileiro
em formação.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/breve-historico-da-cultura-juridica-


brasileira/437359784

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