Guião de estudo - Pessoa Ortónimo (1)
Guião de estudo - Pessoa Ortónimo (1)
Guião de estudo - Pessoa Ortónimo (1)
Contextualização
Fernando, (a) Pessoa
Poeta modernista, Fernando Pessoa tornou as suas palavras ecos da época em que vivia, plena
de euforia, sinónimo de progresso e de rutura, semeadora da dúvida e do questionamento,
impulsionadora da crise da razão e da consciência, da crise do próprio poeta.
Este é Pessoa, ele próprio, sedento de tudo e de nada, na procura incessante do seu ser: um ser
de espírito inquieto, sempre lúcido e racional, condenado ao vício de pensar, obstáculo à verdadeira
felicidade e promotor de uma existência angustiada. O Sonho e a Infância surgem, consequentemente,
como os únicos espaços onde o poeta se pode refugiar, o primeiro em busca de uma felicidade relativa,
o segundo onde, e porque sendo inconsciente, era feliz.
Fingimento Artístico
Segundo a arte poética pessoana, um poema não é um produto direto da emoção, mas sim
produto de uma construção mental, sendo que a sua elaboração se confunde com um «fingimento»
(uma simulação). O poeta assume-se como «fingidor», não sendo alguém que, desonestamente, mente,
mas alguém que simula uma emoção, que encena no seu intelecto uma situação imaginária
representativa da «dor que deveras sente», isto é, intelectualiza e pensa essa dor. O poema
«Autopsicografia» é uma espécie de tratado, em que se explica o processo de criação artística
(poética). Toda a arte é assim perspetivada como resultado de um processo intelectual, em que a
emoção constitui apenas um estímulo.
O poeta não rejeita os sentimentos sinceros e reais, mas sente a necessidade de os recriar por
meio da imaginação e do intelecto. A verdadeira emoção é intransmissível (é impossível verbalizar
com exatidão o que sentimos). Com efeito, o poeta, ao utilizar as palavras para a expressar, está
automaticamente a adulterá-la, a transfigurá-la, a criar convenções, fruto do que está a experienciar
no momento em que a pretende comunicar. A função do poeta não é «sentir» no poema; é provocar o
«sentir» em quem o lê.
Dor de pensar
A atitude permanente de intelectualização das emoções e o estado consciente não só da
incapacidade de aceder a um «eu» que dorme profundamente em si (o inconsciente), mas também da
efemeridade da vida e de que nela tudo passa, fazem com que o poeta não consiga usufruir dos
momentos que esta lhe oferece. A consciência da realidade que o envolve, da sua pequenez em relação
a ela e das suas limitações e fragilidades impedem-no de ser feliz.
Em poemas como «Ela canta pobre ceifeira», «Gato que brincas na rua» ou «Não sei ser triste
a valer», o sujeito poético inveja a «alegre inconsciência» daqueles seres que vivem instintivamente
e que são felizes, porque não questionam a realidade nem a existência, porque estão/são «viúvos» da
consciência, porque são assim, profundamente «inteiros». O que neles «é florescer», obedecendo às
«leis fatais/ Que regem pedras e gentes», no sujeito lírico «é ter consciência» da sua fragmentação,
da sua impossibilidade de autoconhecimento total, situação, que, de tão angustiante que é, o faz
desabafar.
Por vezes, afirma que o seu desejo é sentir, no entanto, e de forma paradoxal, ambiciona
igualmente estar consciente desse estado inconsciente que lhe traria felicidade, facto que também lhe
causa frustração, pois compreende que tal feito é impossível.
Nostalgia da infância
Dececionado com a vida e desfragmentado pela angústia que o invade e por essa excessiva e
alucinante «dor de pensar», Pessoa refugia-se, momentaneamente e pela memória, no tempo da
infância. A infância representa o tempo da inocência e o momento em que todos somos felizes, porque
inconscientes, porque mais próximos dos nossos instintos e da nossa condição animal, porque mais
próximos da essência do gato, que brinca descontraidamente na rua.
O poeta remete-nos para uma infância que, recuperada pela memória e reconstruída pela
imaginação, é idealizada como um paraíso perdido, um porto de abrigo, o único momento possível
de felicidade. A infância surge, pois, como uma época recordada com saudade e nostalgia, podendo
até não corresponder à infância vivida pelo poeta, mas na qual ele era feliz sem o saber. Convém
também salientar que a memória, ao recuperar as vivências passadas, também as reconstrói: nunca o
que se recorda corresponde inteiramente ao que se viveu.
Sonho/ Realidade
A dor de pensar e a angústia existencial que dilaceram o «eu» fazem com que este se tente
evadir através do Sonho. A dimensão onírica surge, assim, como uma tentativa de fuga à realidade
que oprime e causa sofrimento em Pessoa. O poeta cria uma outra realidade, imaginando-se outro,
um ser capaz de ultrapassar as suas inquietações, um ser realizado.
No entanto, o sonho não dissolve as frustrações e insatisfações do poeta, porque não passa de
uma ilusão, de um estado de felicidade efémera. Tendo consciência desse fracasso, desse «impossível
jardim», feito do calor dos trópicos (o sul do «eu», o inconsciente), o poeta volta à realidade
quotidiana, (ao Norte frio do «eu», a sua consciência), mas onde reencontra, desnorteado, as suas
dores e ansiedades, intensificando-se assim o seu estado de desilusão, a sua angústia existencial.
São utilizados diferentes recursos que imprimem ritmo e musicalidade ao texto poético
pessoano, marcando com expressividade as ideias apresentadas. Vejamos esses recursos.
- metáfora
- antítese
- comparação
- repetição
- gradação
- interrogação retórica
- apóstrofe
- personificação
- anáfora