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Tradução:
Claudio Carina
Para Jane, que sem dúvida esperava um tratado em
três volumes sobre a pesca de baleias no século XIX.
Título original:
How We Got to Now
(Six Innovations That Made the Modern World)
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para o historiador robô, os pontos críticos que traçam a linha direta até
o presente. Explicava De Landa:
porque tudo está relacionado em algum nível, mas está além da nossa
capacidade analisar essas conexões ou, até mesmo mais difícil, prevê-las.
No entanto, o que sucede com a flor e o beija-flor é algo muito diferente:
embora sejam organismos muito diversos, com distintas necessidades e
aptidões, para não mencionar os sistemas biológicos básicos, a flor cla-
ramente influencia as características do beija-flor de maneira direta e
compreensível.
Parte deste livro trata dessas estranhas correntes de influência, o “efeito
beija-flor”. Uma inovação, ou um conjunto de inovações em dado campo,
acaba provocando mudanças que parecem pertencer a um domínio com-
pletamente diverso. Efeitos beija-flor vêm em uma variedade de formas.
Algumas são bastante intuitivas: aumentos de ordens de grandeza na parti-
lha de energia ou informações tendem a pôr em marcha uma caótica onda
de mudanças que rompem limites intelectuais e sociais. (Basta olhar para
a história da internet nos últimos trinta anos.) Contudo, outros efeitos
beija-flor são mais sutis, deixam marcas menos evidentes.
Avanços em nossa capacidade de medir um fenômeno – tempo, tem-
peratura, massa – frequentemente abrem novas oportunidades que, à
primeira vista, parecem independentes. (O relógio de pêndulo ajudou a
equipar cidades fabris na Revolução Industrial.) Às vezes, como na história
de Gutenberg e da lente, uma inovação aponta uma deficiência ou fraqueza
em nossa caixa de ferramentas natural, nos mostrando uma nova direção,
gerando novos instrumentos para corrigir um “problema” que já era em
si uma espécie de invenção. Algumas vezes novas ferramentas reduzem
barreiras naturais e limites ao crescimento humano, como a invenção do
ar-condicionado, que tornou possível aos seres humanos colonizar lugares
quentes do planeta em uma escala que teria estarrecido nossos antepas-
sados de apenas três gerações atrás. Às vezes essas novas ferramentas nos
influenciam metaforicamente, como na ilação do historiador robô entre
o relógio e a visão mecanicista do início da física, o Universo como um
“sistema de engrenagens e roldanas”.
Observando os efeitos beija-flor ao longo da história, fica evidente que
transformações sociais nem sempre são resultado direto da ação humana ou
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eficiência das enquetes (junto com outros serviços on-line) esvaziou a car-
teira de publicidade dos jornais locais nos Estados Unidos. Quase ninguém
notou o que estava acontecendo, nem os fundadores do Google.
Você pode argumentar – eu provavelmente usaria esse argumento – que
essa troca valeu a pena, que o desafio do Google vai acabar desencadeando
melhores formas de jornalismo, elaboradas em torno de oportunidades úni-
cas que a internet propicia, mas a imprensa, não. Contudo, há um fator a
ser ressaltado: a ascensão da publicidade na internet em geral tem sido uma
evolução negativa na utilidade pública essencial do jornalismo impresso. O
mesmo debate é furiosamente travado sobre quase todos os avanços tecno-
lógicos: os carros nos conduzem pelo espaço de forma mais eficiente que os
cavalos, mas será que valem o custo para o ambiente ou de vivermos em
cidades onde não se pode caminhar? O ar-condicionado nos permite viver
no deserto, mas quanto isso custa para nosso suprimento de água?
Este livro é decididamente agnóstico sobre as questões de valor. Con-
jeturar se achamos que a mudança é melhor para nós a longo prazo não
é o mesmo que imaginar como essa mudança ocorreu no início. Os dois
tipos de especulação são essenciais para dar sentido à história e mapear
nosso caminho para o futuro. Precisamos ser capazes de entender como
a inovação acontece na sociedade; precisamos ser capazes de prever e en-
tender o melhor que pudermos os efeitos beija-flor que irão afetar outros
campos depois que cada inovação se enraíza; e, ao mesmo tempo, precisa-
mos de um sistema de valor para decidir quais esforços incentivar e quais
benefícios não valem os custos tangenciais.
Tentei explicar toda a gama de consequências das inovações pesquisa-
das neste livro, para o bem e para o mal. O tubo de vácuo ajudou a levar
o jazz para um público de massa e também a amplificar os julgamentos
de Nuremberg. Como se sentir em relação a essas transformações – afinal,
estamos melhores graças à invenção do tubo de vácuo? –, isso vai depender
do sistema de convicções políticas e sociais de cada um.
Gostaria de mencionar mais um elemento central no livro: o “nós”, no
texto e no título, em grande parte é o “nós” de norte-americanos e europeus.
A história de como a China ou o Brasil chegaram até aqui seria diferente e
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Eu tenho um amigo que é artista e às vezes adota uma visão com a qual
não concordo muito. Ele segura uma flor e diz “Veja como ela é bonita”, e
eu concordo. Então ele diz: “Eu, como artista, posso ver como ela é bonita,
mas você, como cientista, desmonta tudo isso e a transforma numa coisa ma-
çante”, e aí eu acho que ele é meio biruta. Antes de qualquer coisa, a beleza
que ele vê está disponível para outras pessoas e também para mim, acredito.
Embora talvez eu não seja tão esteticamente requintado como ele, … posso
apreciar a beleza de uma flor. Ao mesmo tempo, vejo muito mais na flor do
que ele. Eu poderia imaginar suas células, as complicadas ações em seu in-
terior, o que também tem sua beleza. O que eu quero dizer é que não existe
beleza apenas nessa dimensão, em um centímetro; também existe beleza
em dimensões menores, na estrutura interna, também nos processos. O fato
de as cores da flor terem evoluído a fim de atrair insetos para a polinização
é interessante; significa que os insetos conseguem enxergar as cores. Isso
acrescenta uma pergunta: será que esse sentido estético também existe nas
formas inferiores? Por que é estético? Essas são perguntas interessantes, que
mostram que um conhecimento científico só aumenta a emoção, o mistério
e o respeito a uma flor. É um acréscimo. Não entendo como poderia subtrair.²