Tese de Doutorado - prescrição fundo de direito

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 281

JULIO GONZAGA ANDRADE NEVES

A Prescrição no Direito Civil Brasileiro: Natureza Jurídica e Eficácia


Tese de doutorado
Orientador: Professor Associado Dr. Cristiano de Sousa Zanetti

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


FACULDADE DE DIREITO
São Paulo - SP
2019
JULIO GONZAGA ANDRADE NEVES
A Prescrição no Direito Civil Brasileiro

Tese apresentada à Banca Examinadora do


Programa de Pós-Graduação em Direito,
da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, na área de concentração de
Direito Civil, sob orientação do Professor
Associado Dr. Cristiano de Sousa Zanetti

Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo
São Paulo - SP
2019
RESUMO

Julio Gonzaga Andrade Neves. A Prescrição no Direito Civil Brasileiro: Natureza


Jurídica e Eficácia. 2019. 281 páginas. Doutorado – Faculdade de Direito, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2019.

O estudo é dedicado à investigação da figura da prescrição, protagonista dentre os


institutos de afetação do Direito pela passagem do tempo. A pesquisa lança bases
dogmáticas sobre a natureza jurídica da prescrição, seus pressupostos, efeitos,
fundamento legal e axiológico, e (excepcional) controle constitucional. Faz-se reiterado
recurso aos ordenamentos de nações próximas à tradição brasileira, sem, contudo, cuidar-
se de estudo comparatista. O objetivo da tese é aclarar, sobretudo diante da letra do
Código Civil e das mudanças por ele promovidas, o que é a prescrição, sobre quê incide,
o que acarreta e como esses efeitos podem ser modificados, pela lei ou pelas partes.

Palavras-chave: prescrição; pretensão; ação; natureza jurídica; eficácia.

RIASSUNTO
Julio Gonzaga Andrade Neves. La prescrizione in diritto civile brasiliano: natura giuridica
ed efficacia. 2019. 281 pagine. Dottorato di Ricerca - Facoltà di Giurisprudenza,
Università di São Paulo, São Paulo, 2019.

Lo studio è dedicato alla ricerca della figura della prescrizione, protagonista tra gli istituti
di incidenza dal passare del tempo sul Diritto. La ricerca stabilisce le basi dogmatiche
sulla natura della prescrizione, presupposti dell'incidenza, effetti, fondamenti giuridici e
assiologici e (eccezionale) controllo costituzionale. È frequente il ricorso agli ordinamenti
di nazioni vicine alla tradizione brasiliana, senza tuttavia occuparsi il testo dello studio
propriamente comparativo. Lo scopo della tesi è quello di chiarire, soprattutto in
considerazione della lettera del Codice Civile e dei cambiamenti da essa promossi, cosa
è la prescrizione, quale il suo oggetto, cosa causa e come questi effetti possono essere
modificati, dalla legge o dalle parti.

Parole chiave: prescrizione; pretesa; azione; natura legale; efficacia.


SUMMARY
Julio Gonzaga Andrade Neves. Prescription in the Brazilian Civil Law: Legal Nature and
Effects. 2019. 281 pages. PhD - Faculty of Law, University of São Paulo, São Paulo,
2019.

The study is devoted to investigation of prescription (limitation of actions), the


protagonist amongst institutes affecting the Law based on the passage of time. The
research establishes dogmatic bases on the legal nature of prescription, its requirements,
effects, legal and axiological foundation, and (exceptional) constitutional control. The
study frequently resorts to foreign legal systems with close ties to the Brazilian tradition,
but it does not entail a comparative analysis. The purpose of the thesis is to clarify,
especially in view of the letter of the Civil Code and the changes promoted by it, what is
prescription, what is its subject matter, what effects it produces and how these effects can
be modified, by law or by the parties.

Keywords: prescription; claim; action; legal nature; effects.

* * *

4
DEDICATÓRIA

A minha esposa, Renata, e meus filhos, Bianca e Francisco, dedico-lhes essa pesquisa,
por darem brilho à minha vida, e por todo o peso que suportaram, com candura, para que
esse estudo nascesse. As palavras lidas, pensadas e escritas, que se põem na espinha dorsal
do estudo, custam horas, dias, semanas, meses, anos. Todos foram entregues por mim,
mas pagos por vocês, mesmo quando o olhar infantil não facultava compreender o porquê
da ausência. Tudo de bom que tenho, ou terei, vem do amor de vocês.

Aos meus pais, Ronaldo e Maria Antonia, dedico-lhes essa pesquisa, por terem dado tanto
de sua vida para que eu pudesse, na minha, colecionar sonhos realizados. As palavras das
páginas que seguem, se aprovadas pela banca, me farão o primeiro doutor de nossa
família. Elas não nasceram por acaso. Cada dia de expediente bancário, ou portuário, cada
marcha passada no vai-e-vem diário do transporte escolar, cada mês em que a escolha
prioritária da educação se refez, é uma palavra, é uma vírgula, é um ponto lançado aqui.
A falta de experiência me impedia de enxergar que esse caminho, em teoria, não me era
dado. E então o percorri sem pensar. Hoje, com o tempo, ficou claro que vocês decidiram
que ele me seria dado. E como não o era, realmente, deram-no a mim, à força.

A tese é de vocês, antes de ser minha.

5
AGRADECIMENTOS

Agradeço, antes de tudo, e antes de todos, a Cristiano de Sousa Zanetti. O exemplo do


professor de dedicação monástica às turmas, do orientador franco e zeloso, do jurista
metódico e com rigor, e do espírito técnico e sem vaidade, valem mais do que eu jamais
poderia dizer. Prof. Zanetti me abriu as portas do Largo São Francisco, com o que se
mudou o curso de minha vida acadêmica e profissional; e Prof. Zanetti fê-lo pela mesma
razão que pisa nos tablados semanalmente há anos: amor à cátedra. Das muitas
comemorações que se espera ao cabo de um doutorado, há esse lamento. Acostumei-me
a dizer que «Professor Zanetti é meu orientador», e a defesa da tese encerra essa ocupação
formal. Continuarei a usar a frase, porque o significado amplo da última palavra é mais
verdadeiro que o estrito. Obrigado, Professor.

A José Fernando Simão e a Otavio Luiz Rodrigues Junior, agradeço a generosidade típica
dos professores mais vocacionados: assim trataram esse trabalho, já na fase de
qualificação, e assim trataram esse aluno, nos sete anos que mediaram o ingresso no
mestrado e a saída ao fim do doutorado. Pela crítica franca e orientada ao crescimento,
nunca à ruína, me fizeram, espero, pesquisador melhor, e têm minha gratidão e admiração.

Aos meus companheiros de academia, Fabio Floriano Melo Martins (rectius, Ronaldo),
Gustavo Haical e Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke, agradeço pelo companheirismo
nas reflexões, pelo material dividido, pela amizade em todas as horas, e pela paciência
que só a fraternidade traz. Caminhamos e caminharemos juntos.

A Mariana Alves Pereira de Assumpção, Eva Letícia Ricciardi de Paula, Deborah Cristina
dos Santos Nery, Camila Franco de Moraes Bariani e Caio Hunnicutt Fleury Moraes,
agradeço pelo apoio incansável, pela torcida e pela ajuda fiel na tarefa dura de conciliar
academia e advocacia. Minha maior ambição na advocacia foi me cercar de gente melhor
que eu; vocês são a prova do meu sucesso.

6
ÍNDICE

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................9
CAPÍTULO I NATUREZA JURÍDICA: EXCEÇÃO ......................................... 23
I.1 Necessário excursus processual: prescrição como defesa material indireta.. 25
I.2 De volta ao Direito Privado: a sobrevivência da exceção em sentido amplo, a
histórica exceptio .................................................................................................................30
I.3 Prescrição como exceção em sentido próprio....................................................... 37
I.4 Irrelevância da possibilidade de conhecimento de ofício da prescrição pelo
magistrado. .................................................................................................................42
CAPÍTULO II CAMPO DE INCIDÊNCIA ............................................................. 53
II.1 Direito subjetivo ......................................................................................................... 53
II.2 Ação de direito processual e ação de direito material ........................................ 63
II.3 Pretensão (e, impropriamente, exceção) ............................................................... 73
II.3.1 Pretensões, direitos reais, direitos absolutos ........................................................... 83
II.3.2 Pretensões e nulidades................................................................................................ 93
II.3.3 Quando nascem as pretensões. A relevância meramente incidental da violação
ao direito. Enfeixamento e sucessão de pretensões. ........................................................ 95
CAPÍTULO III PRESSUPOSTOS PARA A INCIDÊNCIA DA
PRESCRIÇÃO ........... ....................................................................................................... 102
III.1 Existência de um direito subjetivo de crédito exigível ..................................... 102
III.2 Inércia vs. ciência, capacidade, caso fortuito e força maior............................ 115
III.3 Decurso do prazo previsto em lei .......................................................................... 131
III.3.1 O prazo corre, em regra, pela simples exigibilidade, independentemente da
violação..................................................................................................................................132
III.3.2 A «prescrição da execução» ............................................................................. 135
III.3.3 A «prescrição postergada» ............................................................................... 144
III.3.4 Concorrência de pretensões e contagem do prazo ....................................... 147
III.4 Inocorrência de uma das causas de impedimento, suspensão e interrupção
previstas em lei; ou sua superação.................................................................................. 153
CAPÍTULO IV EFICÁCIA E DESEFICACIZAÇÃO DA PRESCRIÇÃO .... 173
IV.1 Efeitos................. ....................................................................................................... 173
IV.2 Deseficacização a reboque de extinção da exceção: renúncia à prescrição . 182
IV.3 Negócio jurídico prescricional: modulação de eficácia vedada por lei......... 188
IV.4 Deseficacização por recurso à boa-fé ................................................................... 198
CAPÍTULO V CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
FUNDAMENTO PRESCRICIONAL E INSTABILIDADE JUDICIÁRIA. ........ 205

7
V.1 O desacerto dos fundamentos «naturais», ou de «imposição da ordem das
coisas como são»........ ......................................................................................................... 207
V.2 O equívoco de supor que os meios ou efeitos são o fundamento da
prescrição............... ............................................................................................................. 209
V.3 A fragilidade – e imprecisão – das presunções como fundamento ontológico de
institutos................. ............................................................................................................. 212
V.4 Dormientibus non succurrit jus. A punição ao credor negligente e seu
descompasso com o estado da arte do Direito Civil. ................................................... 215
V.5 Fundamento válido: princípio fundante da segurança jurídica. Status
constitucional e vetores de insegurança contemporâneos ......................................... 219
V.5.1 Conteúdo dogmático da segurança jurídica e a falácia do dever de assegurar
decisões previsivelmente justas ....................................................................................... 221
V.5.2 Segurança jurídica e Constituição. Prescrição e Constituição. Controle de
constitucionalidade v. Pamprincipiologismo neoconstitucional ............................... 228
V.5.3 A experiência brasileira: imprescritibilidade de danos por tortura entre
controle de constitucionalidade e inovação legislativa por atividade
jurisdicional............ ............................................................................................................ 237
CONCLUSÃO....... ............................................................................................................. 246
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................ 263

8
INTRODUÇÃO

«Não pode ser justo, aplicando o direito, quem não


no sabe. A ciência há de preceder ao fazer-se justiça
e ao falar-se sôbre direitos, pretensões, ações e
exceções.»
PONTES DE MIRANDA

A bem da segurança e da pacificação social, não é oportuno que alguns direitos


perdurem, eficazes e plenos, indefinidamente. Ao revés, convém à sociedade reduzir
(mutilar) ou mesmo exterminar essas posições jurídicas subjetivas, passado
determinado lapso de tempo e observadas determinadas circunstâncias prefixas em lei.
Assim é que o tempo vai alçado, pelo Direito, a elemento central de diversos de
institutos voltados à estabilização das relações 1 . Em um confessado reducionismo,
esses institutos são as «datas de validade de direitos», ou, por vezes, «datas de validade
de certas porções dos direitos». Os exemplos são vários. No direito processual, a
doutrina tradicionalmente alude à preclusão (em sua modalidade temporal;
CPC, art. 507) e à decadência (exemplo clássico do mandado de segurança, abraçado
pelas cortes superiores com grande relevância para contagem dos prazos2). No Direito
Civil, o tempo incide essencialmente sobre o termo (CC, arts. 131 a 135), a usucapião
(CC, arts. 1238 a 1244), perempção (CC, art. 1.485); a decadência (CC, art. 207 a 211)
e o objeto central deste estudo: a prescrição (CC, art. 189 a 206).
Existente desde Roma como figura da vida forense no processo formulário3, e
passados milênios de seu amadurecimento, é em alguma medida impressionante que
não se tenha alcançado para a prescrição consenso sobre pontos fundamentais. O que é

1 A doutrina portuguesa esclarece que «são três as fontes do tempo nas relações jurídicas: lei, cláusula

negocial e decisão judicial», para complementar que a prescrição releva à «eficácia do tempo, enquanto
facto jurídico involuntário ou simples, nas relações jurídicas», com o que se situa a matéria no plano da
teoria do fato jurídico. Parece válido como enunciado introdutório, sendo certo que, em análise mais
completa, constatar-se-á que as condutas voluntárias têm, também elas, papel relevante na dogmática da
prescrição (basta pensar nos atos de interrupção da fluência do prazo, na renúncia e – fora do país – nos
negócios jurídicos prescricionais) (ANTUNES, Ana Filipa Morais. Prescrição e caducidade. Anotação
aos artigos 296o a 333o do Código Civil (O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas).
Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 10).
2 Por todo, STJ, AgInt no RMS 46839/AM, rel. Min. Luís Felipe Salomão, 4ª turma, j. em 18 de maio de

2017.
3 «Na literalidade, præscriptio significa aquilo que vem escrito antes (præ = antes; scriptio = ação de

escrever), pois, no processo formulário romano, a præscriptio vinha antes demonstratio e da intentio.»
(SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 90).

9
(natureza jurídica), para quê serve (função; teleologia), sobre o quê atua (campo de
incidência), o quê produz (eficácia específica)? Sobre cada um destes pilares
dogmáticos centrais, haverá viva controvérsia a relatar, debater, posicionar-se. Sob
pena de se condenar o estudo a um indesejado gigantismo – a longa história e viva
importância do tema criam, de fato, esse risco – impõem-se limitações claras do ponto
de vista histórico; geográfico; e, finalmente, dogmático. Convém dedicar algumas
palavras a cada um desses cortes, colhendo o ensejo do último para apresentar um voo
rasante do plano de exposição do estudo.
De uma perspectiva histórica, o trabalho não realizará um apanhado da origem
romana do instituto. Ainda que não se trate de um pressuposto lógico do sistema
jurídico, e conquanto avilte ao senso de justiça do leigo em muitas oportunidades, a
presença da prescrição no direito luso-brasileiro é contínua, desde as mais remotas
notícias legislativas ao Código Civil vigente. Mirar em uma análise compreensiva de
todo esse arcabouço implicaria desnaturar o estudo de uma investigação dogmática para
uma outra, histórica. Para os fins dogmáticos, como disciplina formativa, a história será
naturalmente útil, apenas não protagonista4. O estudo foca sua atenção na legislação
vigente e se permite, com esse viés ilustrativo, referências pontualíssimas a Roma, e
outras mais frequentes que se concentram no século XIX e seguintes.
Do ponto de vista geográfico, o estudo concentrará seus esforços no direito
brasileiro e nas nações que sobre este exerçam considerável influência. A proposta
sobre o rol destas nações compreende principalmente Portugal, Itália, França e
Alemanha. Há razões particulares para cada um dos países. O Direito Civil português
e o brasileiro se desenham em um “Y” histórico, um tronco hoje diviso, porém de base
comum, dada a colonização desta nação por aquela. Voltar à raiz do pensamento
jurídico brasileiro implica, por isso mesmo, necessária e logicamente, atravessar o
caminho aos estudos lusitanos. Isso será verdade para qualquer ponto da disciplina
civilista, porém, em particular, para a prescrição, dado seu caráter longevo. A França
experimentou recente reforma da disciplina prescricional5 e exerce ainda relevante peso

4 «A opinião adoptada neste curso é a de que a história do direito é, de facto, um saber formativo; mas

de uma maneira que é diferente daquela que o são a maioria das disciplinas dogmáticas que constituem
os cursos jurídicos. Enquanto que as últimas visam criar certezas acerca do direito vigente, a missão da
história do direito é antes a de problematizar o pressuposto implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas
(...)» (HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia. Síntese de um milênio. Mem
Martins: Publicações Europa-América, 2003, p. 15).
5 CALZOLAIO, Ermanino, La riforma della prescrizione in Francia nella prospettiva del diritto privato

europeo, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, v. 65 (n.o4), p. 1087–1106, 2011; LICARI,
François-Xavier, Le noveau droit français de la prescription extinctive à la lumière d’expériences
étrangéres récentes ou en gestation (Lousiane, Allemagne, Israél), Revue internationale de droit

10
na formação do pensamento jurídico brasileiro. Mesmo que dita reforma tenha deixado
a desejar em pontos importantes (v.g., por manter a referência insistente à usucapião
como prescrição aquisitiva, ou a manutenção da prescrição liberatória sob a rubrica
atinente a meios de aquisição de propriedade), é impossível negar seu peso na cena
europeia e, a reboque, latino-americana6. Na Itália e Alemanha repousam fundamentos
influenciadores de ambos, Portugal e Brasil, na origem mais remota e
desenvolvimentos mais recentes do instituto. A Itália, por exemplo, partilha com
Portugal a figura da prescrizione presuntiva e do rito do giuramento para sua superação
(Codice, art. 2.959; CCPort., art. 312 a 314º7). Da Alemanha, vem nada menos que o
conceito de pretensão (Anspruch8), a par da rica mudança na reforma do Direito das
Obrigações em 2001 (Schuldrechtsmodernisierungsgesetz) – grande influenciadora,
diga-se, do movimento francês apenas noticiado.

comparé, v. 4, p. 739–784, 2009; e sobre o cenário precedente à reforma, BANDRAC, Monique, Les
tendences recentes de la prescription extinctive en droit français, Revue internationale de droit
comparé, v. 46 (n.o 2), p. 359–377, 1994.
6 «Compared with the position prevailing at present, the Avant-project further dissociates the two

institutions by providing very different periods: three, as opposed to ten or twenty years. None the less,
the draftsman of the new rules blandly states: “...il convient de conserver . . . l’unité des prescriptions”.
No reasons are given. It must be the force of tradition that has prevailed: obviously, the structure of the
code was to be affected as little as possible by the reform. As a result, prescription (including extinctive
prescription!) continues to be regarded as a way of acquiring ownership (because it continues to be dealt
with in title XX of book III of the Code civil). / Confrontado à posição atualmente predominante, o
Avant-projet dissocia ainda mais as duas instituições, fornecendo períodos muito diferentes: três, em
oposição a dez ou vinte anos. No entanto, o autor do projeto das novas regras declara: "... convém
preservar (...) a unidade das prescrições'. Não são dadas razões. Essa deve ser a força da tradição que
prevaleceu: obviamente, a estrutura do código deveria ser afetada o mínimo possível pela reforma. Como
resultado, a prescrição (incluindo prescrição extintiva!) continua a ser considerada como uma forma de
adquirir a propriedade (porque continua a ser tratada no título XX do livro III do Código civil).»
(ZIMMERMANN, Reinhard. Extinctive prescription under the Avant-projet. European Review of
Private Law, v. 6, p. 805–820, 2007, p. 819).
7 Do Código Português: Prescrições Presuntivas. Art. 312º. (fundamento das prescrições presuntivas).

As prescrições de que trará a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento. Art. 313º.
(Confissão do devedor) 1. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só poder ser ilidida por
confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão. (...)
Art. 314º (Confissão tácita). Considera-se confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a
prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Do Codice: Art. 2.959. Ammissioni di colui che oppone la prescrizione. L'eccezione è rigettata, se chi
oppone la prescrizione nei casi indicati dagli articoli 2954, 2955 e 2956 ha comunque ammesso in
giudizio che l'obbligazione non è stata estinta. / Art. 2.959. Admissão da pessoa que opõe a prescrição.
A exceção é rejeitada se aquele que a opõe nos casos indicados nos artigos 2954, 2955 e 2956 admite,
no entanto, em juízo, que a obrigação não foi extinta.
8 «Actio è quindi l’espressione per indicare ciò che si può pretendere da un altro; se noi cerchiamo di

caratterizzare brevemente questo fenomeno, possiamo dire opportunamente: actio è l’espressione per
indicare la pretesa.» / «Actio é, portanto, a expressão para indicar o que se pode pretender de outro; se
tentarmos caracterizar este fenômeno brevemente, podemos dizer de forma oportuna: actio é a expressão
para indicar a pretensão.» (WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor. Polemica intorno all’actio
(com introdução de Giovanni Pugliese). Trad. Giovanni PUGLIESE. Florença: Stabilimenti
Tipolitografici Vallecchi, 1954, p. 12).

11
A prescrição é dado comum aos ordenamentos de civil law e common law (sob
a designação de prescription e também de statutes of limitations ou limitation of
actions, o que, em tradução literal, levaria a designação de «estatuto das limitações» ou
«limitação das ações»). Não será o caso, contudo, de ter ordenamentos dessa natureza
em conta com maior profundidade neste estudo. As diferenças estruturais fundamentais
– a começar pelo manejo do conceito de direito subjetivo – desaconselham esforços
comparatistas nesta sede9.
Auxiliarão a reflexão, por fim, os tratados e textos de softlaw produzidos no
esforço de unificação do direito das obrigações. Far-se-á referência, dentre outros, aos
regimes da Convenção das Nações Unidas sobre a Prescrição na Venda Internacional
de Bens; dos Princípios de Direito Europeu dos Contratos (Principles of European
Contract Law – PECL, capítulo 14); dos Princípios Unidroit para Contratos Comerciais
Internacionais (Unidroit Principles of International Commercial Contracts – PICC,
capítulo 10); Quadro de Referência em Direito dos Contratos (Draft Common Frame
of Reference, capítulo 7); Estudo de Viabilidade para futuro diploma de Direito
Europeu dos Contratos (Feasibility Study for a future instrument in European Contract
Law – FS, Parte VIII, capítulo 19); e finalmente a Proposta de Lei Comum Europeia
para Compra-e-Venda (Proposal for a Common European Sales Law – CESL, Parte
VIII – Capítulo 18). Esses elementos conferirão substrato crítico para que (i) se
desconstruam algumas «verdades absolutas» de que a doutrina brasileira cuida, o que
será oportuno para afastar interpretações feitas de lege ferenda e sob falso assento de
se cuidar de communis opinio doctorum; (ii) se identifiquem influxos de convergência
internacional na disciplina que ajudem a divisar pontos carentes de desenvolvimento
no Brasil.
No viés dogmático, a tese investigará exclusivamente a teoria geral da
prescrição em direito privado. Isso pré-exclui do espectro de análise do estudo temas
importantes de sede pública como a prescrição em Direito Administrativo e Direito
Tributário, cujas particularidades recomendam investigação em sede própria. No direito
privado, coerentemente, a disciplina é pesadamente ancorada na Parte Geral do Código
Civil10, que receberá, por isso mesmo, atenção maior. O recurso à legislação privada
extravagante, em direito civil, empresarial, trabalho e do consumidor, será importante,

9 Para um estudo que inclua considerações anglo-saxãs, v. ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative

foundations of a European law of set-off and prescription, Cambridge: Cambridge University Press,
2004.
10 TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Esboço do Código Civil. Brasília: Fundação da Universidade de

Brasília - UnB, 1983, p. 143 e ss.

12
mas periférico, a bem de se pontuar as exceções que complementam o quadro da teoria
geral (v.g., a expressa previsão de ciência sobre o dano e sua autoria, como condição
para fluência do prazo prescricional para pretensão indenizatória por fato do produto
ou do serviço, a teor do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor).
Ainda sob a lente do direito privado, haverá algumas limitações interna
corporis. Sobre direito internacional privado, o silêncio será total. No campo do direito
privado nacional, as hipóteses e os prazos específicos de prescrição serão aventados
apenas quando se prestarem a ilustrar o debate da teoria geral dos referidos institutos,
sendo esta última o cerne da pesquisa. Não se cuidará, portanto, de investigar cada um
dos prazos estabelecidos no art. 206, mas, antes, esses estarão à mão quando deles
advier dado dogmático útil para um perfil abstrato da prescrição. O foco recairá, como
título enuncia, sobre a natureza jurídica da prescrição e sobre sua eficácia.
O primeiro capítulo buscará aferir a natureza jurídica, ou seja, o que é a
prescrição. São muitas as possibilidades, em tese, de como se pode operar a prescrição
para fins de mutilação de dada posição jurídica de vantagem. É possível que a
prescrição se incorpore como posição jurídica à esfera jurídica do devedor, com eficácia
defensiva; é possível que simplesmente incida sobre a posição jurídica de vantagem do
credor, mutilando-a ex lege e à revelia do devedor (ainda que em sua vantagem); e é
possível que gravite entre um e outro extremo, em regime híbrido. As recentes
modificações na disciplina, que criaram a possibilidade de reconhecimento de ofício
pelo magistrado (CC, art. 194, revogado; CPC, art. 487, II e p.u.), a enunciação
categórica do art. 189 (a pretensão «se extingue, pela prescrição, nos prazos a que
aludem os arts. 205 e 206») e sua interação com a disciplina da renúncia expressa ou
tácita (CC, art. 191) dão azo a fundada dúvida sobre a real natureza da prescrição no
Brasil. Esse será, então, o tema do CAPÍTULO I. Dada sua frequente referência na
disciplina, a pesquisa se dedicará em particular ao conceito de exceção,
majoritariamente aceito na tradição romano-germânica, e sua interface com a noção
mais ampla de defesa do devedor. Ou, talvez fosse melhor dizer, se dedicará aos
conceitos de exceção, porque o consenso doutrinário não existe a esse propósito.
Definida «o que é» e, em alguma medida, «onde reside» a prescrição, avançar-
se-á ao CAPÍTULO II para apurar sobre o quê o fenômeno incide. Cuida-se do primeiro
e fundamental passo para o aclaramento da segunda proposta investigativa da tese, qual
seja, a precisão da eficácia do fenômeno prescricional. Sem saber a matéria prima
fundamental, o núcleo do suporte fático do fenômeno, é impossível saber exatamente
quais as cores que sua incidência tinge na realidade. As categorias cogitadas a propósito

13
desse campo de incidência serão aquelas do direito subjetivo em sentido estrito, da
pretensão em sentido material, da ação de direito material e da ação de direito
processual.
Ainda que a lei brasileira faça – corretamente – expressa referência à
pretensão, entendeu-se imprescindível que a matéria fosse retomada por duas razões.
Em primeiro lugar, porque autores de indiscutível peso alimentaram a controvérsia até
pouco tempo. A seu sentir, haveria incongruência científica na conceituação legal. No
Brasil, advogou-o CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA 11 , em debate inexplicavelmente
suprimido da atualização de suas Instituições12; na Itália, CESARE MASSIMO BIANCA13;
em Portugal, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO14 – nomes centrais da civilística do
eixo latino europeu. Assim como as referências legais (que permanecem, fora do
Código) à prescrição da «ação» receberam justa crítica, também a referência à
«pretensão» não está livre do escrutínio da comunidade científica. Em segundo lugar,
porque fragmentos da lei, da doutrina e da prática forense continuam a comunicar
pressupostos tipicamente processuais à dogmática prescricional (violação a direito, por
exemplo, que vai promiscuamente invocada como pressuposto prescricional e condição
da ação, por interesse de agir, sob mesma rubrica de actio nata), o que o ordenamento
(lido integralmente, como sistema) e a melhor dogmática mostram nem sempre ser
certo ou oportuno15
É nesse ponto que o trabalho se confrontará com algumas barreiras duras da
dogmática prescricional. A propósito da prescritibilidade de exceções (item II.3, parte
final), será preciso tomar particular análise do art. 190 do Código Civil – «a exceção
prescreve no mesmo prazo em que a pretensão» –, para lhe esclarecer o exato conteúdo.
Navegando entre exceções próprias e impróprias, dependentes e autônomas16, o desafio
da investigação consistirá em determinar quais as exceções passíveis de fulminação
pela prescrição e, neste sentido, com particular atenção, que exceções dependentes
podem sobreviver à prescrição das pretensões fundadas em direitos que as lastreiem.

11 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002,

p. 589-590.
12 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil (atualizado por Maria Celina Bodin

de Moraes), 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 677 e ss.


13 BIANCA, Cesare Massimo, Istituizioni di diritto privato, Milão: Giuffrè Editore, 2014, p. 878 e ss.
14 MOTA PINTO, Carlos Alberto da, Teoria geral do Direito Civil, 4 (2a reimpressão). Coimbra:

Coimbra Editora, 2012, p. 373.


15 THEODORO JUNIOR, Humberto, Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos lícitos.

Dos atos ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2), p. 154.
16 TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina; BARBOZA, Heloísa Helena, Código

Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 356 e ss; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 6, 2. ed.
Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, pp. 3 a 15 e, em seguida, pp. 24 e ss.

14
A propósito da prescritibilidade de pretensões derivadas de posições jurídicas
subjetivas reais («prescrição de direitos reais»; item II.3.1), a investigação cuidará de
pretensões oriundas de direitos reais em geral e da propriedade em particular. Isso é
relevante para perguntas ainda sem resposta definitiva na prática brasileira, como, por
exemplo, quanto à prescrição na pretensão de reivindicação e de petição de herança.
Finalmente, encerrando essa rubrica de pontos controvertidos a propósito da pretensão,
o estudo cuidará da interação entre pretensão, prescrição e a disciplina das nulidades
no Direito Civil, i.e., da «imprescritibilidade das nulidades» (item II.3.2). O brocardo
segundo o qual quod ab initio vitiosum est, non potest tractu temporis convalescere
denuncia que o tema não é novo, mas tem, felizmente, recebido atenção da moderna
dogmática17. Será o ensejo para se cotejar a diferença entre a declaração da nulidade e
a pretensão de recomposição patrimonial, bem como divisar seus regimes.
O capítulo se encerrará com um breve panorama sobre o momento do
nascimento das pretensões, dado que o Código, em erro parcial, mas inescusável,
alocou à violação do direito essa causação (item II.3.3). Essa precisão será relevante
para fixar a regra de que a prescrição, em geral, flui do nascimento da pretensão, e criará
a fundação para demonstrar, no capítulo subsequente, que o Direito brasileiro
contempla ampla gama de exceções, pelas quais a prescrição também flui antes ou
depois do surgimento da pretensão.
Definido o escopo de incidência da prescrição, será o momento de enfrentar,
no CAPÍTULO III, os pressupostos para que dita incidência se dê. O estudo cuidará em
primeiro lugar da existência de pretensão (i.e., de posição jurídica subjetiva com
conduta exigível de outrem), que é regra para fluência da prescrição (item III.1). Poder-
se-ia objetar e afirmar se tratar de um truísmo. Se o art. 189 determina a incidência da
prescrição sobre a pretensão, pareceria óbvio que o fenômeno precisa, por lógica
fundamental, que pretensão haja desde logo. É nesse ponto que se cuidará das hipóteses
alternativas cogitadas pela lei: a prescrição pode fluir antes do surgimento de direito
subjetivo ou pretensão. Para esse caso, a investigação proporá a designação de
«prescrição de eficácia antecipada», ou «prescrição antecipada», que se afirmará
positivada e majoritariamente ignorada na doutrina contemporânea (por exemplo,
CC, art. 206, §1º, II, «a»). O capítulo demonstrará, ainda, que o reconhecimento de
ofício da prescrição pelo magistrado antes (ou independentemente) de apurar a
existência de posição jurídica subjetiva exigível não infirma o pressuposto dogmático

17DICKSTEIN, Marcelo. Nulidades prescrevem? Uma perspectiva funcional da invalidade. Rio de


Janeiro: Lumen Juris, 2015.

15
de sua existência, respondendo, ao revés, a uma exigência pragmática de celeridade na
tutela jurisdicional.
Avançando sobre os pressupostos prescricionais, o estudo analisará a inércia
do titular (item III.2). Em estrita ligação com o debate de fundamentos da prescrição
(sobretudo o atinente à punição do titular, no item V.4), será recusada a ideia de que a
inércia que alimenta a prescrição seria o mesmo que tolerância à insatisfação da posição
jurídica subjetiva do titular 18 . O esforço será por classificar a conduta omissiva do
titular na teoria geral dos fatos em direito privado (inércia como ato-fato; tolerância
como negócio jurídico) para poder diferenciar entre inação relevante e irrelevante à
dogmática prescricional. O capítulo será importante para (i) sublinhar a posição de que
o princípio de «contra non valentem agere nulla currit praescriptio» não tem força
normativa autônoma ampla no Brasil (posição minoritária, antecipe-se, a que o estudo
aderirá19); e (ii) acenar à disciplina da inércia provocada exclusivamente pelo sujeito
beneficiário da prescrição, cujo exame pormenorizado será remetido à porção dedicada
à boa-fé (item IV.4).
A lista de pressupostos à produção dos efeitos da prescrição avançará,
porquanto é preciso que se cumule a inércia com a fluência do prazo previsto pela
norma, dado que o regime temporal de estabilização por prescrição é tabelado ex ante
pelo legislador (item III.3). A fluência não é, por sua vez, fenômeno alheio a
interferências externas, queridas ou não pelas partes interessadas na operação da
prescrição, de modo que aproveita à adequada compreensão do fenômeno identificar e
delimitar essas interferências. Os desafios da disciplina, aqui, serão muitos. Quanto à
prescrição da execução (item III.3.2), por exemplo, contatar-se-á que o legislador
dificultou a estabilização de pretensões em sede executiva com regra especial para
interrupção e suspensão (CPC, arts. 802, 921, III, §§ 1º, 4º e 5º), mas não ofereceu
resposta sobre a concorrência de prazos substantivos e processuais de prescrição – o
que leva a dificuldades, por exemplo, na individuação da normativa incidente à
execução individual de sentenças coletivas. Por outro lado, quanto ao tratamento da
pretensão no tempo, a análise se desdobrará no fenômeno de encadeamento de posições

18 Sobre o perfil dogmático do ato de tolerância v. PATTI, Salvatore. Profili della Toleranza nel Diritto

Privato. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1978.


19 Em sentido contrário, antecipe-se desde logo: MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o dies a quo

do prazo prescricional. Revista Eletrônica Ad Judicata, v. I, 2013. Disponível em:


http://www.oabrs.org.br/arquivos/file_527a3f8877059.pdf; e LICARI, François-Xavier; JANKE,
Benjamin West. Contra non valentem in France and Louisiana. Revealing the parenthood,
breaking a mith. Louisiana Law Review, v. 503, p. 1–39, 2011; SIMÃO, José Fernando. Prescrição e
decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 277.

16
jurídicas e pretensões (mutabilidade funcional da pretensão; item III.3.4) e respectiva
contagem de prazo. É certo que as relações jurídicas mudam e, a seu reboque, as
posições jurídicas subjetivas mudam no curso do tempo. Com umas e outras, mudam
também as pretensões. Pode suceder que mudem porque uma única pretensão se agrupa,
linearmente, a tantas outras, em um feixe pretensional oriundo de uma mesma relação
jurídica (contratos de duração; contratos de trato sucessivo). Pode, de outro giro, mudar
porque uma única pretensão se altera substancialmente diante de novas circunstâncias,
para que seu objeto de exigência seja outro (v.g. a obrigação cujo cumprimento
específico já não é possível, e que agora contempla tutela pelo equivalente ou por
perdas e danos). É preciso apurar que impacto essas mutações têm na disciplina
prescricional, para aferir se (i) há vaso-comunicação da prescrição para pretensões
oriundas de uma mesma relação jurídica (pretensão de fundo de direito), e (ii) o que
sucede à prescrição já iniciada, mas não completada, quando a posição jurídica
subjetiva se modifica por fato superveniente20.
Para encerrar a listagem de pressupostos prescricionais, a incidência da figura
se dará com a não ocorrência de uma das hipóteses moduladoras do prazo
(impedimento, suspensão e interrupção), ou com sua oportuna superação (item III.4).
Sob um viés de teoria geral de cada categoria, o trabalho se ocupará de diferenciar uma
das outras e cotejá-las com a recente figura da «extensão» ou «prorrogação», criada
pela legislação estrangeira e ainda não incorporada ao ordenamento nacional.
Superadas as dúvidas sobre o objeto de incidência e caminho de pressupostos
para dita incidência, a investigação cuidará de divisar o que a prescrição faz. Vale dizer:
qual é, enfim, seu núcleo duro de eficácia. Para tanto, tomar-se-á em conta, em primeiro
lugar, a relação fundamental dos sujeitos da relação jurídica no contexto da qual
exsurgiu a pretensão vulnerada (dita eficácia interna), para então se cuidar do desbordo
dos efeitos da prescrição sobre a esfera jurídica de terceiros (dita eficácia externa do
fenômeno prescricional). Esse será o início do CAPÍTULO IV, mas não seu fim,
porquanto a eficácia da prescrição não é, necessariamente, plena e perpétua. Se é
verdade que a prescrição mutila a pretensão, é igualmente verdadeiro que ela própria,
prescrição, pode ser vulnerada por fontes variadas, de matriz legal ou negocial.
Construída a eficácia, será preciso ter em conta a deseficacização da prescrição,
investigando-se (i) a renúncia à prescrição, expressamente permitida por lei
(CC, art. 191); (ii) a extensão da vedação ao negócio jurídico prescricional no Brasil,

20LONGOBUCCO. Raporti di durata e divisibilità del regolamento contrattuale. Napoli: Edizioni


Scientifiche Italiane, 2012, p. 48; 54-55.

17
sobretudo diante da disciplina do termo e das condições resolutivas (CC, arts. 135, 127
e 128); e (iii) o papel da boa-fé na disciplina prescricional. A investigação proporá
resposta aos problemas do credor afetado pela prescrição (nas modalidades
prescricionais que reclamam ciência de violação a direito, que sucede ao titular de
direito que não sabia, mas deveria saber do curso do prazo prescricional?), seja ainda
pelo devedor por ela beneficiado (que sucede ao devedor que induz a verificação da
prescrição, inclusive por ocultar o ilícito por si praticado, ou impedir, diretamente, o
exercício da pretensão pelo titular do direito?).
No derradeiro capítulo, o trabalho se fechará pela busca do fundamento da
prescrição. Será interessante observar, no silêncio da lei, como a doutrina tem se
inclinado à coleção de fundamentos em um apanhado histórico acrítico que acaba por
obscurecer a real e contemporânea utilidade do fenômeno prescricional21. Ao não fazer
escolha definitiva sobre o fundamento, não se pavimenta nenhum caminho claro para
o papel que a disciplina deve desempenhar, abrindo-se espaço a abstrações axiológicas
que pouco ou nenhum contato deveriam ter com a disciplina prescricional. Para
enfrentar essa realidade, o capítulo dedicará seu último título ao suposto fundamento
constitucional da prescrição e a influência que esse status exerceria sobre a dogmática
da figura no Direito Civil. Sem avocar ao estudo a investigação plena da inter-relação
entre Direito Privado e Constituição22, o estudo buscará (i) demonstrar o equívoco de
supor seja a prescrição civil disciplina constitucional, ou civil-constitucional; e
(ii) delimitar o pequeno, porém muito relevante papel que a Constituição exerce sobre
a disciplina prescricional no Brasil. O cotejo entre a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça e aquela de cortes europeias (inclusive a Corte Europeia de Direitos
Humanos) será particularmente útil à construção do raciocínio.

21 V.g., «[i]sto a lei faz da seguinte maneira: estipula um prazo considerado suficiente para que a
pretensão seja exercida, de maneira satisfatória, conferindo-lhe todo amparo do poder estatal e, com
isso, atende aos desígnios de justiça. Além do termo desse prazo, se o credor não cuidou de fazer valer
a pretensão, dando ensejo a supor renúncia ou abandono de direito, negligência em defendê-lo, ou até
mesmo presunção de pagamento, a preocupação da lei volta-se, já então, para os imperativos de
segurança e as exigências da ordem e paz sociais (...)» (THEODORO JUNIOR, Humberto.
Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e
da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 165. Grifos nossos)
22 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet;

Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Direito civil
contemporâneo: estatuto epistemológico, Constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2019.

18
É essa, em síntese, a pesquisa proposta e suas limitações.

* * *

O estado da arte nacional em matéria de prescrição não é alvissareiro ao


pesquisador ou ao aplicador do Direito. A disciplina prescricional foi em grande medida
renovada no Brasil em 2002, com a edição do Código Civil. Justificadamente, festejou-
se a circunstância de que o Código (i) incorporou a teoria alemã para não mais se referir
a «prescrição da ação de direito processual» e sim afetação da pretensão
(Anspruchsverjährung)23; e (ii) os prazos foram substancialmente reduzidos. Não há
dúvidas de que o tratamento de prescrição civil como tema afeto ao direito material e
não mais (ou não unicamente, como se verá no item II.2) à temática processual
representa uma vitória técnica. É, além disso, um oportuno alinhamento à tendência
mundial24. O mesmo se pode dizer da redução de prazos.
À época da edição do Código Bevilaqua, em um Brasil rural e com os recursos
parcos (quer tecnológicos, quer ainda de acesso à justiça), estabeleceu-se um prazo
geral de 30 (trinta) anos para «ações» pessoais e de 10 (dez) a 20 (vinte) anos para
«ações» reais, respectivamente conforme corressem entre presentes e ausentes. Por
presente ou ausente a doutrina sempre entendeu, sem dificuldades, os residentes na
mesma cidade25. Já em 1955 (mas com entrada em vigor em 1º de janeiro de 1956), a
reforma introduzida pela Lei 2.437 reduziu os prazos pessoais para 20 (vinte) anos e os
reais, entre ausentes, para 15 (quinze) anos. Os prazos reais entre presentes seguiram
na marca de 10 (dez) anos. Com o Código atual, aplica-se o prazo geral de 10 (dez)
anos indistintamente para pretensões originadas de posições jurídicas pessoais ou reais,

23 «Na Parte Geral do Código Civil, alude-se, apenas, aos prazos de prescrição (arts. 214 e 215); os de

decadência deverão ser colocados na Parte Especial. Ademais - e para evitar a controvérsia sobre se a
ação prescreve - adota o art. 215 do Anteprojeto a tese da prescrição da pretensão (Anspruch; pretesa).”
Em nota de rodapé número 13, vai adiante: “Essa proposta não foi acolhida, de início, pela Comissão
Elaboradora e Revisora, motivo por que, no Anteprojeto de 1972, persiste a alusão de prescnçao da ação.
Mais tarde, quando da última revisão do Anteprojeto (que se transfonnou no Projeto encaminhado ao
Congresso), vingou a tese sustentada, no texto, de que o que prescreve é a pretensão (Anspruch).»
(MOREIRA ALVES, José Carlos, A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. Com análise
do texto aprovado pela Câmara dos Deputados, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 82).
24 CANARIS, Claus-Wilhelm. O novo direito das obrigações na Alemanha. Revista da EMERJ, v. 7,

p. 108–124, 2004; para a referência, p. 111; ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of


a European law of set-off and prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 69.
25 «[P]rescrevem em 10 anos entre presentes (pessoas residentes no mesmo município) e 15 anos entre

ausentes (residentes em municípios diversos) os direitos reais (PEREIRA, Caio Mário da Silva,
Instituições de Direito Civil, vol. I, 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.)

19
entre presentes ou ausentes. Usar o prazo geral, contudo, é uma exceção no cotidiano.
O Código elenca vinte e uma regras especiais, abrangendo tudo desde a reparação civil
ao enriquecimento sem causa, da cobrança de alugueis aos valores líquidos previstos
em instrumento público ou particular. O prazo geral é soterrado de especiais e, aqui,
começam as razões para crítica ao texto legislativo.
Como se disse na primeira linha desse estudo, a prescrição tem seus pés
fincados na segurança jurídica. Não casualmente, o esforço legislativo geral é de
simplificação de seu regime, a bem do adequado planejamento do particular. O Código
se distancia muito desse objetivo quando (i) cria duas dezenas de regras específicas em
seu corpo central, ainda mais do que as 18 (dezoito) positivadas em 191626; e (ii) as
cumula, sem esclarecer o regime defluente dessa ligação, com outras regras
prescricionais insertas em diplomas de grande relevância como o Código de Defesa do
Consumidor (art. 27), Decreto n.º 20.910/32 (art. 1º a 10º) e Lei das S.A. (v.g., art. 287).
Esse problema se agrava quando se tem em conta que figuras centrais do Direito
Privado foram referidas em matéria de prazos especiais, sem delimitação exata de seu
espectro normativo. Apenas para exemplificar, o Código cogita de (i) prazo trienal de
«reparação civil» (CC, art. 206, §3º, V) sem esclarecer se cuidar apenas de
responsabilidade aquiliana (como faz com nitidez o Codice, art. 2.94727); e (ii) prazo
igualmente trienal atinente a «enriquecimento sem causa» (CC, art. 206, §3º, IV) sem
explicar se a disciplina repousa apenas sobre a figura excepcional da parte especial
(CC, art. 884 e ss.) ou sobre todos os desdobramentos normativos naturais decorrentes
do enriquecimento injustificado, como a tutela restitutória de pagamento indevido
(CC, art. 876 e ss)28.
Uma lei com esses traços só pode ser sólida com um intenso trabalho
doutrinário – trabalho esse que claudica no país. Os monografistas centrais do século

26 Excluídos, na contagem, os prazos que tecnicamente não são prescricionais e que vieram

impropriamente listados a reboque do estado da arte juscivilista da época. Dentre eles, v.g., casos típicos
de decadência (CC16, art. 178, §1º, em uma das incontáveis notas históricas normativas misóginas, para
dispor prescrever «em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio
contraído com mulher já deflorada»), ou ainda ações com tutela puramente declaratória e, por isso,
irrelevantes à prescrição (CC16, art. §6º, V, para dispor prescrever em um ano a «ação de nulidade da
partilha; contado o prazo da data em que a sentença da partilha passou em julgado»).
27 Art. 2947. Prescrizione del diritto al risarcimento del danno. Il diritto al risarcimento del danno

derivante da fatto illecito si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il fatto si è verificato. /
Art. 2947. Prescrição do direito à indenização por danos. O direito à indemnização por danos resultantes
de um fato ilícito prescreve no prazo de cinco anos a contar do dia em que o fato se verificou.
28 Em atenção à limitação de escopo de que se tratou nessa rubrica introdutória, o presente trabalho não

se ocupará de enfrentar cada um desses pontos de controvérsia dos prazos em espécie, restringindo-se,
ao revés, aos prazos em geral.

20
passado em matéria de prescrição29 não foram atualizados sob o novo Código. Apenas
recentemente novos trabalhos monográficos do tema foram registrados, com objetivos
investigativos específicos: assim se deu em sede de tese livre docência dedicada ao
tema espinhoso do início do prazo prescricional 30 , mas que também ofereceu
contribuição histórica e a outros pontos centrais da dogmática, ou em obra dedicada à
interação entre prescrição e nulidades31. Esforços coletivos ajudam a manter o tema
vivo 32 . Os debates dos manuais, acessados pelos operadores no cotidiano, seguem
marcados por um processualismo profundamente desatualizado, em um círculo vicioso
de reflexões superadas. As obras mais úteis tornaram-se os comentários ao Código, com
as limitações naturais desse tipo de publicação. A ausência de diálogo com a produção
romano-germânica moderna evitou a incorporação de críticas necessárias e reproduziu
debates adormecidos. O resultado desse cenário é um corpo jurisprudencial – em
particular, do Superior Tribunal de Justiça – forçado a carregar um peso que deveria
recair sobre a doutrina33. Esperar das cortes uma construção dogmática holística da
prescrição (ou de qualquer instituto de Direito Privado) é sempre um erro; esperá-lo de
cortes superiores brasileiras, com o nível de sobrecarga que a sociedade impõe a esses
julgadores, é um erro especialmente grave. Passados anos de Código Civil, os pontos
centrais da dogmática prescricional seguem sem solução.
O fenômeno não é exclusivo do Brasil. O mesmo se noticiou na Alemanha34 e
na França 35 pré-reforma – problema lá enfrentado com o remédio da intervenção

29 CARPENTER, Luiz Frederico Sauerbronn. Da prescrição (artigos 161 a 179 do Código Civil). 3.

ed., Rio de Janeiro: Editôra Nacional de Direito, 1956; CÂMARA LEAL, Antonio Luis da. Da
prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
30 SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013.
31 DICKSTEIN, Marcelo. Nulidades prescrevem? Uma perspectiva funcional da invalidade. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2015.


32 A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019.
33 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina

em nosso tempo). In: Doutrinas Essenciais de Direito Civil, vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 829–872.
34 «Antes da reforma, havia toda uma série de disputas acadêmicas cujo propósito era, unicamente,

modificar a duração dos prazos prescricionais. Assim, os tribunais tinham elaborado interpretações da
doutrina – algumas inclusive muito estranhas – com o simples objetivo de introduzir emendas em relação
à questão dos prazos. Isso acarretou distinções extraordinariamente sutis, às vezes até incompreensíveis,
e, por conseguinte, a perda da precisão legal. Justamente, esse estado insatisfatório da lei constituía uma
das principais razões da reforma. Logo, era evidente e lógico abordar diretamente a raiz do problema,
fazendo da prescrição o ponto de convergência da reforma.» (CANARIS, Claus-Wilhelm. O novo direito
das obrigações na Alemanha. Revista da EMERJ, v. 7, p. 108–124, 2004; no trecho, p. 110)
35 «Mais d’autres causes d’insatisfaction se sont ajoutées depuis cent ans, parmi lesquelles un

pullulement des délais spéciaux aux champs d’application parfois délicats à délimiter, si bien que la
prescription extinctive est devenue elle-même un objet de litige, ce qui est pour le moins paradoxal pour
une institution présentée comme la mère de la sécurité juridique» / Mas outras causas de insatisfação se
somaram ao longo de cem anos, incluindo uma proliferação de prazos especiais por vezes com escopos
delicados para definir, de forma que a prescrição extintiva tornou-se, ela própria, um objecto de litígio,

21
legislativa que, entre nós, segue de candente necessidade e pouca atratividade
parlamentar. No mesmo ambiente, aliás, anotava-se o contrassenso de se transformar a
prescrição, instituto de estabilização de relações jurídicas, em um vetor de demandas a
assoberbar as cortes36.
Supor que uma única pesquisa em sede doutoral pudesse colmatar essa lacuna
reflexiva seria esperar que de um tijolo faça-se um muro. É por isso, que, reitera-se, o
trabalho não tem pretensões exaustivas. Muitos dos temas lacunosos acima referidos
não são objeto da pesquisa. Espera-se, nada obstante, que os temas centrais tomados –
natureza jurídica; eficácia – recebam relevante e inovadora contribuição, para merecer
a consideração crítica da comunidade civilista.

* * *

o que é um tanto paradoxal para uma instituição apresentada como a mãe da segurança jurídica»
(LICARI, François-Xavier. Le noveau droit français de la prescription extinctive à la lumière
d’expériences étrangéres récentes ou en gestation (Lousiane, Allemagne, Israél). Revue internationale
de droit comparé, v. 4, p. 739–784, 2009; no trecho, p. 741).
36 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 80.

22
CAPÍTULO I NATUREZA JURÍDICA: EXCEÇÃO

A prescrição é historicamente referida como uma exceção 37 e um meio de


defesa38, mais especificamente de defesa indireta contra exigências envelhecidas feitas
por credores descurados de seus próprios interesses. Recentemente e diante de sua
cognoscibilidade de ofício pelo Poder Judiciário brasileiro, essas classificações
sofreram, diante de parcela relevante da doutrina brasileira, abalos que merecerão
atenção nesse capítulo inicial. Saber o que faz a prescrição depende, em larga medida,
de se definir antes o que ela é aos olhos da ciência jurídica.
As duas referências feitas acima – exceção e defesa – servem bem a ilustrar,
pela primeira de muitas vezes que sucederão ao longo do estudo, zonas fronteiriças
entre direito material (exceção) e direito processual (defesa indireta) que demandarão
esforço para precisão de conceitos. Já a Consolidação das Leis Civis afirmava, com
inegáveis notas adversariais, que «a prescripção deve ser alegada pelo devedôr», na
medida em que este «póde querer desonerar-se dessa obrigação»39. A alegação, e não
simples «oposição» ou «exercício», dá discernível contexto forense às palavras de
TEIXEIRA DE FREITAS que vão bem ao sabor da tradição brasileira. Os primeiros
monografistas do tema punham a prescrição no limiar do processo, como
inquestionável «fenômeno extintivo das ações» 40 . Celebrado autor fez renome ao

37 «Concebida como exceção, como sempre o foi no direito romano, a prescrição aproveita, também, ao

devedor, ainda quando êle sabia e sabe que deve. Tal proteção não é ipso iure. A exceção pode deixar de
ser oposta, o que dá ao seu titular a faculdade de não na opor, - ficando bem, assim, com a sua
consciência. (...) A expressão moderna, técnica, “prescrição” corresponde à præscriptio temporis,
temporalis præscriptio, isto é, exceção de tempo. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti,
Tratado de Direito Privado, t. 6, 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 104); «A prescrição, em si,
mesmo depois de consumada pela exaustão do prazo legal, não extingue de imediato a pretensão. Apenas
faculta ao devedor usá-la, por meio de defesa (exceção), para provocar a neutralização da pretensão
exercida pelo credor. O que inibe a pretensão, de tal sorte, é a “exceção de prescrição” e não propriamente
a prescrição» (THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do CPC. São Paulo: ADBR
Editora, 2006, p. 48); PATTI, Salvatore. Prescrizione. In: Digesto delle Discipline Privatistiche. 4. ed.
Turino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1999, v. XIX, p. 722–730, referência a pp. 722-723.
38 «O mecanismo não é, porém, tão simples. A ação pode ser proposta e atingir seu fim se o interessado

na prestação não invocá-la. Esta é, essencialmente, um meio de defesa.» (GOMES, Orlando, Introdução
ao Direito Civil, 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Grifos no original, a denotar a relevância do
conceito no pensamento do autor); «Prescription, in other words, constitutes a defence which the debtor
may or may not choose to raise. / A prescrição, em outras palavras, constitui uma defesa que o devedor
pode escolher opor ou não.» (ZIMMERMANN, Reinhard. The New German Law of Obligations.
Historical and comparative perspectives. Oxford University Press: Nova Iorque, 2005, p. 129).
39 TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto, Consolidação das Leis Civis, t. I, Brasília: Senado Federal,

Conselho Editorial, 2003, p. 853, nota ao art. 853.


40 CÂMARA LEAL, Antonio Luis da, Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil,

4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 8.

23
propor «critério científico para distinguir prescrição da decadência e para identificar
ações imprescritíveis41».
A impressão digital desse fenômeno de aproximação de áreas e, por vezes,
tendente promiscuidade conceitual, se faz perceber na polissemia endêmica das
disciplinas: noções como pretensão, ação, prescrição e exceção terão, cada qual,
conceitos materiais e processuais cunhados sob mesmo signo, mas de matiz técnica
diversa42. Essas zonas cinzentas podem parecer de consideração antiquada aos sabores
contemporâneos, afinal, desde o século XIX43 é dado assente à comunidade jurídica a
autonomia da ciência processual frente àquela material, ou, para formular a mesma
verdade e por ângulo mais concreto, a autonomia do direito processual de ação frente
ao direito substantivo que se afirma ter, em juízo ou fora dele. A superação desse inicial
dissabor talvez se dê com uma reformulação da premissa: não é tanto desde o século
XIX que esse é o estado da arte, mas apenas desde o século XIX. Institutos muitos, e a
prescrição não é diferente, foram talhados pelo cinzel dos milênios. Se não é dado ao
jurista a confusão entre direito material e processual – e obviamente não lhe é, de fato,
dado incorrer nesse erro técnico –, igualmente não lhe é recomendado supor que a
adequada compreensão de conceitos contemporâneos possa se dar isoladamente e sob
as modernas classificações, quando a história mostra que nasceram de único ventre.
Esse desafio classificatório, ou demarcador de fronteiras, será retomado em
sua plenitude para se definir se a prescrição é instituto pertinente ao direito processual
de ação, no CAPÍTULO II. O olhar de pássaros sobre as proximidades das áreas que se
fez acima se presta a fim bastante mais estrito. Contextualiza-se a decisão de que ambos

41 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e identificar

as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744 (originariamente publicado no vol 300), p. 725-
750 (RT Online p. 1–20), 1997.
42 Toda vez que se referir a esses fenômenos sem consideração ulterior nesse estudo, tem-se por feita

referência ao seu aspecto material; aqueles processuais serão sempre acompanhados da locução «de
direito processual», ou expressão análoga, para fins de clareza.
43 A origem mais remota do desafio contemporâneo consiste em que a tradição romano-germânica se

ancorava no conceito de actio como elemento misto entre o que, hoje, se bipartiu entre direito subjetivo
material e direito à tutela jurisdicional. No século XIX, o trabalho genial de WINDSCHEID apontou para
o conceito de pretensão (Anspruch) como ponte entre uma e outra dimensões do ordenamento (. A
definição de WINDSCHEID (WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor, Polemica intorno all’actio
(com introdução de Giovanni Pugliese), Florença: Stabilimenti Tipolitografici Vallecchi, 1954)
ganhou status de letra expressa do BGB, ainda que no contexto reflexo de definição de objeto da
prescrição. É o que se vê no §194 (1), segundo o qual a pretensão é o direito de exigir que alguém faça
ou deixe de fazer algo (Das Recht, von einem anderen ein Tun oder Unterlassen zu verlangen (Anspruch),
unterliegt der Verjährung). A doutrina processual se abriu com a notícia da ruptura dogmática formal
entre direito substantivo e adjetivo, vale dizer, com a superação das teorias unitárias entre direito e ação.
A partir dela, surgiram doutrinas dualistas e, dentre elas, concretistas, abstratas e mistas. Tudo será objeto
de analise mais cuidadosa no capítulo subsequente, bastando, aqui, o registro fundamental do momento
desse cisma dogmático (SICA, Heitor Vitor Mendonça, O direito de defesa no processo civil brasileiro.
Um estudo sobre a posição do réu, São Paulo: Atlas, 2011, p. 9 e ss).

24
os critérios classificatórios – exceção e defesa indireta – serão objeto de consideração
nessa rubrica, porque, como se verá, é impossível compreender adequadamente o
conceito de exceção em sentido lato sem se ter presente a noção de defesa indireta.
É o que se passa a analisar, na sequência, para comparar, entender e esclarecer
essas clivagens conceituais.

I.1 Necessário excursus processual: prescrição como defesa


material indireta

Defesa não é posição jurídica subjetiva, ou seja, não é termo que denote «a
posição que cada sujeito ocupa no contexto da relação jurídica», tomando por certo
que «essa se estabelece normalmente entre dois sujeitos, e sob ela um há o dever de se
comportar de certo modo e o outro tem um poder no confronto ao primeiro, para que
se comporte daquele modo44». Defesa é conduta de quem se defende e, por pressuposto
lógico, se defende de algo. A prerrogativa de fazê-lo é direito fundamental, corolário
do devido processo legal45.
Defesa processual, por prescrição ou por outro fundamento, é conduta bem
delimitada pela dogmática processual. Seu ato central é a resposta do réu, pelo qual
resiste à pretensão (em sentido processual46) deduzida em juízo pelo autor da ação (em
sentido processual47). Note-se e reitere-se: não é posição jurídica subjetiva. A posição
jurídica é a de «réu» – i.e., sujeito passivo da relação jurídica processual, exposto à
formulação petitória apresentada pelo sujeito ativo, autor. Dentre os efeitos que se

44 No original, com amplitude um pouco maior do excerto: «La situazione giuridica soggettiva è la
posizione che ciascun soggetto occupa nel contesto del rapporto giuridico: questo si stabilisce
normalmente tra due soggetti, di cui uno ha il dovere di comportarsi in un certo modo e l’altro ha un
potere nei confronti del primo perché si comporti a quel modo». (LUMIA, Giuseppe, Lineamenti di
teoria e ideologia del diritto, 3a. Milão: Giuffrè Editore, 1981, p. 109).
45 «O direito de defesa, assim como direito de ação, é assegurado constitucionalmente. O art. 5º, LV, da

CF, afirma que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes» (MARINONI,
Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, vol. 1.
Teoria Geral do Processo Civil. 2a. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 355).
46 Externada no processo por meio do pedido, ou seja, «aquilo que, em virtude de causa de pedir, postula-

se ao órgão julgador (...) [O] pedido tem duas faces essenciais, diz-se que o pedido divide-se em pedido
imediato e pedido mediato – o primeiro concerne à técnica processual, ao passo que o segundo diz
respeito à tutela do direito» (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO,
Daniel. Curso de Processo Civil, vol. 2. Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. 2a.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 162).
47 «Direito subjetivo público de ação nasce no exato momento em que é estabelecido o monopólio da

jurisdição pelo Estado, ou seja, quando da própria constituição deste (...) Embora com reservas aos
conceitos, entendemos por ação o exercício do direito subjetivo público perante o Estado, com o objetivo
de que este preste a tutela jurisdicional”.» (SILVA, Ovídio Batista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do
processo civil. 3a. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 133).

25
irradiam da posição de réu, lista-se a faculdade de agir, para expor em juízo das razões
pelas quais a ação contra si aforada não pode prosperar, e o direito de ter essas razões
tomadas em conta pelo julgador. A dogmática processualista cuida em detalhe e a
contento das formas que se pode articular a defesa. Diz-se, fundamentalmente, que pode
ser defesa direta ou defesa indireta. A classificação de uma defesa entre direta e indireta
toma em conta a narrativa por si articulada do ponto de vista do direito material em
debate nos autos.
Na defesa direta, nega-se que o Autor tenha, ou jamais tenha havido, o direito
que postula em juízo. Isso pode se dar pelas diversas etapas da construção do fenômeno
jurídico, ou seja, pode-se atacar a posição jurídica e correlata pretensão (em sentido
processual) por todos os ângulos que a fenomenologia jurídica consente divisar. É a
«negativa dos fatos constitutivos do direito do autor, ou da consequência jurídica por
ele propugnada48».
Toda posição jurídica surge da incidência da norma sobre fatos, ditos jurídicos.
Para dar talvez o exemplo trivial de Direito Civil: o acordo de vontade de «Sujeito A»
e «Sujeito B», por meio do qual reciprocamente acordem a transferência da propriedade
de coisa, em troca de paga pecuniária, faz surgir entre eles uma compra e venda pela
incidência do art. 481 do Código Civil. Dessa incidência irradiam-se efeitos jurídicos,
matéria prima que molda as relações jurídicas e respectivas posições jurídicas
subjetivas, incorporando às partes prerrogativas variadas. A relação jurídica que surge
é a obrigacional por fonte contratual; as posições jurídicas são a de vendedor e
comprador; as prerrogativas são o recebimento do preço e da coisa. Esse feixe de
prerrogativas que a posição jurídica incorpora à esfera jurídica do titular é designado
«limite intrínseco do direito»49; é a cerca que divide o campo do «direito» e o campo
do «não-direito» por si titularizado50. Receber o preço está dentro da cerca; receber um

48 SICA, Heitor Vitor Mendonça, O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um estudo sobre a

posição do réu, São Paulo: Atlas, 2011, p. 82. Em mesmo sentido, MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, vol. 2. Tutela dos Direitos
Mediante Procedimento Comum. 2a. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 189.
49 Sustentamos, em outra sede, que «Exercício é a conduta do sujeito frente às potencialidades para as

quais a titularidade do direito lhe faculta legitimidade e o limite intrínseco do direito arrola. ‘Exercer
significa assumir um comportamento’ frente às prerrogativas que o direito em questão oferece.
Titularidade, por sua vez, é o vínculo que liga o sujeito ao direito, incorporando este ao patrimônio
daquele; é o que faz um direito ser seu, e não de outrem ou de ninguém; é o que põe a seu dispor as
prerrogativas que emanam do direito, como efeitos deste. Por fim, limite intrínseco do direito é a sua
fronteira, seu conteúdo; é o rol de prerrogativas que a lei confere ao titular, porque titular. (ANDRADE
NEVES, Julio G., A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil, São Paulo: Almedina, 2016, p. 55).
50 «Limites do conteúdo. É obvio que dentro dos limites do conteúdo dos direitos, pretensões, ações e

exceções, é que esses se devem exercer. Se o exercício os excede, não mais é exercido: em ‘exercício”
há ex, mas, também, orcem, pôr tapume, fechar; é ação dentro de cerca, e não por fora. Seria invasão,

26
desempenho de serviço não. Pode suceder que essas prerrogativas sejam moduladas,
retardadas por determinações inexas 51 variadas, que lhe sirvam de barreira de
surgimento ou de exercício. No primeiro caso (surgimento), com exemplo das
condições, difere-se no tempo e acrescenta-se peso de incerteza à incorporação das
prerrogativas da posição jurídica à parte que a titulariza. Venderei o «Objeto O» se e
somente se sua cotação em bolsa superar o «Preço P». Antes de o Preço P se verificar,
os próprios direitos ao recebimento da coisa e ao pagamento do preço não surgiram,
tolhidos que estão de suporte fático fundamental (CC, art. 125). No segundo caso
(exercício), não há incerteza sobre o se, mas apenas se deve esperar o quando. Contratei
em 1º de janeiro, receberei o «Preço P» em 10 de janeiro e entregarei o «Objeto O» em
20 de janeiro. Os direitos à coisa e ao preço já estão consolidados, mas seu exercício
depende de que o relógio bata os marcos acordados (CC, art. 131).
Para opor defesa direta, então, o Réu pode demolir o edifício da posição
jurídica subjetiva alegada em juízo por qualquer de seus andares, ou até mesmo por
todos, e em atenção ao princípio da eventualidade e ao caráter total da contestação.
Posto de forma mais clara, o Réu pode (i) negar os fatos que servem de suporte fático
ao pleno surgimento da posição jurídica a exercer (nunca acordei a compra e venda;
ou a cotação ao Preço P que é condição à compra e venda não se verificou); (ii) negar
que a pretensão (em sentido processual) apresentada esteja em conformidade com a
posição jurídica ostentada e, por isso, não é «direito» que integre a esfera jurídica do
titular (não acordei vender essa coisa, por esse preço); e/ou (iii) apontar que a posição
jurídica em que se funda a pretensão (em sentido processual) não está madura ao
exercício, porque não se superou alguma barreira à sua plena eficácia (o dia da entrega
ainda não chegou). Tudo isso consistirá em defesa direta: o Autor diz «A»; o Réu
demonstra que «-A».
A defesa indireta se põe em posição diversa. O Réu admite que os fatos
descritos pelo Autor e sua ordinária eficácia, aceita que o Autor poderia ostentar
condição de pedir precisamente aquilo que pede, porém, já não mais. A defesa se põe
então calcada em fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor. O
campo de exemplos é vasto. Não posso ser demandado pelo «Preço P1» porque (i) já o

ultrapassar de linhas. Ora, o exercício do direito, da pretensão, da ação, ou da exceção, é como dentro de
arca (...). Onde se vai além dos limites, o ato já não é exercício, é ato ilícito ou ato ineficaz (e.g., a
denúncia do contrato pelo que não pode denunciá-lo, o protesto pelo que não pode protestar)». (PONTES
DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 6, 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi,
1955, p. 80).
51 Nomenclatura feliz de PONTES DE MIRANDA (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti,

Tratado de Direito Privado, t. 5, 2a. São Paulo: Borsoi, 1952, p. 93 e ss).

27
paguei ao credor primitivo antes de notificado a propósito da cessão do crédito, por si,
ao Autor da demanda (CC, art. 290 e 292); (ii) tenho crédito, oriundo de outra relação
jurídica, ainda superior, e exerci meu direito à compensação (CC, art. 368 e 369); ou
(iii) posso negar o pagamento do «Preço P1» porque o prazo fixado pela lei para essa
exigência, igualmente, já foi superado (CC, art. 206, §5º, I, pressupondo se cuidasse de
preço líquido, e não por arbitrar, previsto em instrumento escrito), operando-se
prescrição.
Com relação às defesas indiretas, houve quem nelas enxergasse utilidade
demais, e houve quem nelas divisasse utilidade de menos.
Errando para cima, parte da doutrina afirmou serem índice seguro para
diagnosticar matérias cognoscíveis apenas por iniciativa da parte, e não de ofício, pelo
magistrado 52 . Sem razão. Adimplemento é fato extintivo de direito de crédito e é
matéria cognoscível sem necessária provocação do réu. Basta imaginar ação com
pretensão (em sentido processual) condenatória a obrigação de dar, porque o autor-
credor reputou ser imprestável o bem entregue originariamente pelo réu-devedor em
pagamento. Mesmo revel o réu-devedor, o magistrado nada obstante conclui, pela só
leitura dos autos, que a percepção do autor-credor sobre a falta de qualidade do bem é
equivocada, desarrazoada, e que o adimplemento se deu a contento. Ninguém poderá
ter dúvidas de que os magistrados não carregam a toga a bem de caprichos creditícios,
mas sim para satisfazer pretensões (em sentido processual) conformes ao ordenamento.
Tendo por bom o pagamento, o Juízo o reconhecerá mesmo no silêncio do Réu e julgará
improcedente a demanda, no mérito. A decadência, de igual forma, é fato extintivo do
direito potestativo. Se o autor demanda para postular a anulação de negócio jurídico
feito sob coação e, do relato, se extrai cuidar-se de ameaça cessada mais de quatro anos
antes do ajuizamento, é poder-dever do magistrado julgar improcedente a demanda, de
ofício (CC, art. 210) e no mérito (CPC, art. 487, II)53.
Exemplos análogos poderiam teriam destino oposto. No primeiro caso,
cogitando-se de favorecer o devedor uma causa legítima de recusa da prestação de dar,

52 ROSENVALD, Nelson, Prescrição: da exceção à objeção, in: Questões contemporâneas de Direito,


Belo Horizonte: Arraes, 2010, p. 139–154, em especial p. 145.
53 «O direito ao desfazimento do ato jurídico, com nulificação ou anulação, rescisão, resolução ou

modificação do contrato, é direito formativo ou potestativo a ser exercitado por ação constitutiva
negativa, destinada à desconstituição, por nulidade ou anulação, ou à modificação do contrato
impugnado. Esse direito, porque desacompanhado de pretensão, não sofre a prescrição (que atinge a
pretensão), mas é atacado pelo fenômeno da decadência.» (AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Indenização
por perdas e danos. Decadência do direito de anulação do contrato. Prescrição da ação de
responsabilidade civil prevista na lei societária. Atendimento do critério da razoabilidade no
cumprimento do contrato. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 27, p. 184-203
(RT Online p. 1–11), 2005. Excerto na p. 6.

28
como exceção de retenção por benfeitorias ou exceção de contrato não cumprido, e não
simples adequado adimplemento, o acolhimento demandaria invocação. No segundo,
cuidando-se de exercício de direito potestativo de origem convencional e não legal,
igualmente, o acolhimento reclamará tenha a parte interessada exercido sua posição.
Todos os cenários imaginados enfeixam hipóteses de defesa indireta com regras
diversas a propósito da cognoscibilidade de ofício, do que sucede ser imprópria a
superposição entre natureza indireta da defesa e vedação à cognição de ofício.
Errando para baixo, outro setor da doutrina reputou que a classificação
importaria apenas para fins probatórios54. Está correto afirmar que o caráter direto ou
indireto influi nesse ponto: «o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato
constitutivo de seu direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor» (CPC, art. 373, I e II). Essa é a regra geral: o excipiente
prova a prescrição, que modifica, por deseficacização, a pretensão do excepto; o
excepto prova as causas de impediência, suspensão ou interrupção da fluência do prazo,
que objetam – e não excepcionam – a existência de exceção de prescrição invocada
pelo excipiente. Incorreto é afirmar que apenas neste ponto a classificação releva. A
oposição de defesa indireta pelo réu inaugura concessão específica de prazo e faculdade
de produção de prova pelo autor (CPC, art. 350). Para além da oportunidade de falar,
tem-se concedida em seu benefício exceção à regra (dulcificada pela jurisprudência55)
de que as provas documentais do pedido preexistentes à propositura devem acompanhar
a petição inicial (CPC, art. 320, c/c arts. 434 e 435).
O erro de perspectiva parece mais agudo quando se tem em conta que a
ordenação de categorias de defesas releva a que possa o magistrado decidir o necessário
dos autos, e apenas ele. Ela é didática, nesse ponto, e aumenta a eficiência da prestação
jurisdicional. O caminho a seguir é o inverso ao da fenomenologia jurídica substancial.

54 SICA, Heitor Vitor Mendonça, O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um estudo sobre a

posição do réu, São Paulo: Atlas, 2011, p. 132.


55 «Locação de imóveis - Despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança aluguéis - Decisão

agravada que afastou preliminares de inépcia da inicial e ilegitimidade ativa e aceitou juntada posterior
de documentos - Decisão mantida. Com alicerce no art. 397 do C.P.C., a jurisprudência tem adotado uma
posição menos rígida quanto à possibilidade de serem juntados documentos novos, a qualquer tempo. E
documento novo não é visto somente como aquele que necessariamente antes não existia, mas também
o documento obtido posteriormente ou, até mesmo, todo aquele que não foi juntado anteriormente.
Agravo improvido.» (TJSP, AI 9001621-74.2003.8.26.0000, rel. Cristina Zucchi, 10ª do Segundo TAC,
j. em 28 de maio de 2003); «Agravo de Instrumento - Decisão que determina desentranhamento de
documentos juntadas na fase de apelação – Documentos que apenas complementam outros juntados por
ocasião do ajuizamento – Observância do contraditório – Possibilidade da juntada tardia – Decisão
reformada – Recurso provido.» (TJSP, AI 2094289-66.2015.8.26.0000, rel. Irineu Fava, 17ª Câmara de
Direito Privado, j. em 3 de agosto de 2015.

29
Se há fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito postulado pelo autor, pouco
importa ao julgamento se o direito afirmado na demanda de fato existe, ou existiu.
Tendo o réu impugnado a própria existência do direito e, subsidiariamente apenas,
articulado defesa calcada em sua extinção, o magistrado cuidará de apreciar a extinção
antes e, apenas superada, a existência do direito de fundo, depois. É em alguma medida
uma biografia do direito que se inicia pela morte, porque corta caminhos rumo à
adjudicação de jurisdição apropriada.
Sempre do ponto de vista processual, ninguém terá dificuldade em admitir que
prescrição é por excelência matéria de defesa indireta, historicamente dependente de
invocação pela parte e, hoje, cognoscível de ofício pelo magistrado 56 . Quem argui
prescrição afirma que fato superveniente mutilou a posição jurídica subjetiva do
adversário: admite, por pressuposto lógico, ainda que em sede eventual, a preexistência
do direito subjetivo de malfadado exercício. Coerentemente, o Código de Processo
Civil a presume inserta nesse contexto em múltiplas passagens57.
Prescrição é defesa indireta. Fechem-se os parênteses processuais e torne-se,
com boa base, ao Direito Privado.

I.2 De volta ao Direito Privado: a sobrevivência da exceção em


sentido amplo, a histórica exceptio

O processo formular romano é o berço histórico da exceptio. Sua dinâmica era


dual, mas não particularmente complexa: o pretor organizava a disputa, com sua
ordenação em um esquema lógico preestabelecido (in iure); e o juiz colhia do limite
objetivo fixado naquele esquema para proferir a decisão (in iudicio)58. Na primeira fase,
o pretor inseria o suporte fático da demanda (demonstratio) e a postulação do autor
(intentio), bem como a investidura de força de condenação ao iudex (condemnatio)59.

56 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel, Curso de Processo
Civil, vol. 2. Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum, 2a. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 189.
57 Por exemplo: «Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde

pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: (...) IV - o juiz acolher
a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor», ou, com particular clareza por listar
muitas defesas indiretas, «Art. 525. (omissis) § 1o Na impugnação, o executado poderá alegar: (...) VII
- qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação,
transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.»
58 CANNATA, Carlo Augusto, Profilo istituzionale del processo privato romano. Il processo

formulare, Turino: G. Giappichelli Editore, 1982, p. 3 e ss; SIMÃO, José Fernando, Prescrição e
decadência: início dos prazos, São Paulo: Atlas, 2013, p. 89-93, em especial p. 90.
59 A adiudicatio, também possível em tese, não importa ao estudo aqui conduzido.

30
A defesa do demandado era introduzida por uma de duas formas: a praescriptio (aqui,
pro reo) e a exceptio60. Por aquela, veiculava-se teor de objeção legal, inclusive, mas
não apenas com o sentido contemporâneo de óbice temporal. Esta, por outro lado, nasce
com ares de juízo equitativo de adequação ao rigor da letra fria das normas ao caso sob
julgamento; um vetor importante de flexibilização do formalismo romano.
Flexibilização, diga-se, que navegou livremente entre matérias hoje relegadas ao direito
processual e ao direito material. Do pactum de non petendo, cuja constitucionalidade
61 62
contemporânea reviveu debates processuais , à exceptio dolis generalis ,
sobrevivente na tradição continental até hoje com sombras lançadas sobre o moderno
abuso de direito; tudo interessava à exceptio. A exceptio do processo formulário romano
era, então, um pressuposto negativo à condenação postulada pela actio63, mas nunca
uma objeção pura e simples ao direito postulado. Se provada, a exceptio levava à
absolvição do demandado e à ruína do demandante, não por falta do direito per se, mas
por efeito interveniente da exceptio concretamente relevada. Não seria correto afirmar
se tratar, àquela época, de um instituto processual, porquanto – como se disse há pouco
– a fronteira entre direito material e processual se traçou muitíssimo depois.

60 «La exceptio es una derogación de los presupuestos regulares de la condena en el proceso formulario
romano, que el pretor a petición del demandado y para su protección incluía en la fórmula. Tal ampliación
de la fórmula de la acción era necesaria para que la alegación de demandado pudiera ser tenida en cuenta
por el iudex; puesto que el iudex estaba vinculado al programa del litigio fijado por el pretor, el
demandado debía alegar sus exceptiones antes de la litis contestatio, que ponía fin al procedimento ante
el magistrado. En la segunda fase, apud iudicem, debía el demandado probar el fundamento de su
alegación, según la regla ‘reus in exceptione actor est’, del mismo modo que en el Derecho moderno el
demandado tiene que hacer valer expresamente la prescripción / A exceptio é uma derrogação dos
pressupostos regulares da condenação no processo formulário romano, que o pretor, a pedido do
requerido, e para a sua proteção, incluía na fórmula. Tal extensão da fórmula da ação era necessária para
que a alegação do réu pudesse ser levada em conta pelo iudex; como o iudex estava adstrito ao programa
do litígio estabelecido pelo pretor, o réu deveria opor suas exceptiones antes da litis contestatio, que
punha fim ao procedimento perante o magistrado. Na segunda fase, apud iudicem, o réu deveria provar
o fundamento de sua alegação, de acordo com a regra “reus in exceptione actor est”, da mesma forma
que na lei moderna o réu tem que invocar expressamente a prescrição». (WACKE, Andreas, La exceptio
doli en el derecho romano clásico y la Verwirkung en el derecho alemán moderno, in: Derecho romano
de obligaciones: homenaje al profesor José Luis Murga Gener, Madri: Centro de Estudios Ramón
Areces, 1994, p. 977–997. No trecho, p. 977).
61 MENDONÇA NETO, Delosmar Domingos de; GUIMARÃES, Luciano Cezar Vernalha, Negócio

jurídico processual, direitos que admitem autocomposição e o pactum de non petendo, Revista de
Processo, v. 272, p. 1157–1176, 2017; TRIGO, Alberto Lucas Albuquerque da Costa, Pactum de non
petendo parcial, Revista de Processo, v. 280, p. 19–39, 2018.
62 WACKE, Andreas, La exceptio doli en el derecho romano clásico y la Verwirkung en el derecho

alemán moderno, in: Derecho romano de obligaciones: homenaje al profesor José Luis Murga
Gener, Madri: Centro de Estudios Ramón Areces, 1994, p. 977–997; VELASCO, Ignacio M. Poveda,
A boa-fé na formação dos contratos (direito romano), in: Doutrinas Essenciais: Obrigações e
Contratos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 3, p. 755–765.
63 SERPA LOPES, Miguel Maria de, Exceções substanciais: exceção de contrato não cumprido

(exceptio non adimpleti contractus), Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1959, p. 75.

31
Essa fluida origem explica, mas não justifica a confusão atual. Quer no cenário
internacional, quer no brasileiro, é dado assente que reina, por décadas, a confusão de
tratamento da categoria, ou, antes das categorias, porque da árvore da exceptio
penderam incontáveis exceções. «Em face do Direito moderno, a palavra ‘exceção’
carece de uma significação precisa», disse a doutrina civilista em 195964; «um dos
pontos mais negligenciados no estudo da prescrição, ou, dito melhor, com maior
superficialidade, em seu enfrentamento é o da teoria das exceções» disse a doutrina
civilista em 201465, em ambos os casos com indiscutível razão. É preciso desenhar, em
categoria abstrata confiável, o que restou de operativo da velha figura que o
concretismo romano arrolava em casos múltiplos. Para tanto, convém excluir do escopo
de reflexão do Direito Privado todos os sentidos estritamente processuais de exceção.
Exceção como defesa em geral; exceção como modo indireto de resistência tipicamente
processual; exceção ritual66 – todas essas são categorias úteis à ciência processual, mas
apenas a ela, irrelevantes ao fenômeno que aqui interessa. As exceções processuais
dizem apenas ao próprio processo, haja ou não exceção substancial. As exceções
substanciais se operam de igual forma, haja ou não ação processual 67 . Reconduzir
exceções de direito processual e exceções substanciais a uma categoria una, uma
espécie de guarda-chuva conceitual, é se perder em artificialismos contemporâneos
para guardar simetria de conceitos históricos.
O primeiro sentido substancial de exceção, dita exceção em sentido amplo (ou
sentido histórico, ou ainda sentido impróprio), se conecta à ciência processual apenas
de forma indireta, e sem com ela se confundir. Uma amostragem das referências a
exceções no Código Civil é sempre bom início para a construção desse raciocínio68.

64 SERPA LOPES, Miguel Maria de de, Exceções substanciais: exceção de contrato não cumprido

(exceptio non adimpleti contractus), Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1959, p. 11.
65 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz, Exceções no Direito Civil: um conceito em busca de um autor?,

in: Prescrição e decadência: estudos em homenagem a Agnelo Amorim Filho, 1. ed. Salvador:
JusPodium, 2014, p. 411–422.
66 SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um estudo sobre a

posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011, p. 94 e ss, em especial pp. 95-101, sob a rubrica de «diversas
acepções do termo exceção para a ciência processual civil».
67 «A exceção pode ser exercida tanto em juizo quanto fora dêle. Levou-se longo tempo até se

compreender que, pelo conceito de exceção de direito material, não poderia ela ser dependente de
intentação de pleito. A exceção é res in iudicium deducta, se há processo; se não há, opõe-se cá fora, na
vida extrajudicial.» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 6,
2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 16).
68 Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anulável, nos termos dos arts.

172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor. /
Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. / Art. 273. A um dos credores
solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros. / Art. 274. O julgamento
contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes,
sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles. /

32
Exceção em sentido amplo pode implicar inexistência de direito, porque
extinto: é o que franqueia a disciplina da fiança, quando autoriza ao fiador a invocação
das exceções «extintivas da obrigação que competem ao devedor principal»
(CC, art. 837). A inexistência pode igualmente derivar do surgimento de novo direito
incompatível com o anterior, como na usucapião (STF, súmula 23769). Exceção em
sentido amplo pode se fundar, ainda, invalidade de negócio jurídico do qual se extrai a
posição jurídica a exercer, como, v.g., nos títulos de crédito ao portador, em que se
admite «opor exceção fundada (...) em nulidade de sua obrigação» (CC, art. 906). A
interface entre invalidade e exceção não se confina às nulidades, ditas invalidades
absolutas, mas se estende às anulabilidades, ditas invalidades relativas. Isso se confirma
pela letra da lei, quando estabelece que a confirmação – negócio jurídico de expurgação
do defeito subjacente ao negócio anulável – remove da esfera jurídica do usuário todas
«as exceções de que contra ele [o negócio] dispusesse o devedor» (CC, art. 175).
Exceção em sentido amplo pode por fim se conectar à eficácia da posição jurídica
exercida, ou, talvez fosse melhor dizer, resistida pelo excipiente. É o caso da exceção

Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as comuns a
todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor. / Art. 294. O devedor pode opor
ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter
conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. / Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as
exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo. / Seção III. Da Exceção de Contrato não
Cumprido. Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua
obrigação, pode exigir o implemento da do outro. Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier
a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa
a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela
satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la. / Art. 788. Nos seguros de
responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador
diretamente ao terceiro prejudicado. Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o
segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação
deste para integrar o contraditório. / Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem
pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem
simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor. / Art. 906. O devedor
só poderá opor ao portador exceção fundada em direito pessoal, ou em nulidade de sua obrigação. /
Art. 915. O devedor, além das exceções fundadas nas relações pessoais que tiver com o portador, só
poderá opor a este as exceções relativas à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsidade da própria
assinatura, a defeito de capacidade ou de representação no momento da subscrição, e à falta de requisito
necessário ao exercício da ação. / Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os
portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título,
tiver agido de má-fé. / Art. 917. (...) § 3o Pode o devedor opor ao endossatário de endosso-mandato
somente as exceções que tiver contra o endossante. / Art. 918. (...) § 2o Não pode o devedor opor ao
endossatário de endosso-penhor as exceções que tinha contra o endossante, salvo se aquele tiver agido
de má-fé.
69 «O usucapião pode ser argüido em defesa.» Em variação dessa modalidade, pode-se enxergar a

existência de outro direito que, defrontado com a pretensão deduzida, tenha sobre ela prevalência. Era o
caso da polêmica exceptio domini do art. 505 do Código Civil anterior. Nesse caso, a exceção consiste
em apontar, a rigor, limitação intrínseca à pretensão exercida pelo possuidor, e não propriamente extrair
uma eficácia de resistência específica do direito de propriedade (LOTUFO, Renan, Exceção de domínio
no direito possessório brasileiro, in: CAHALI, Yussef Said (Org.), Posse e Propriedade. Doutrina e
jurisprudência, São Paulo: Saraiva, 1987, p. 687–730, em especial p. 693)

33
de inseguridade, pela qual o contratante poderá «recusar-se à prestação que lhe
incumbe» sempre que a outra parte sofrer «diminuição em seu patrimônio capaz de
comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou», mas apenas «até
que aquela satisfaça a [prestação] que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la» (CC, art. 477).
Em todos esses casos, o postulado civilista das exceções lista hipóteses
idênticas àquelas que os processualistas designam defesas indiretas 70 . Extinção,
invalidade, ineficácia, são exemplos, sob ótica estritamente material, dos fatos
impeditivos, modificativos ou extintivos de posição jurídica subjetiva. Dada a origem
remota da exceptio, não surpreende a confluência, nem que o nome exceção tenha
sobrevivido para ilustrar o fenômeno. A realidade que emerge desse coser entrecortado
histórico de direito civil e direito processual civil não é, como as linhas até agora talvez
sugiram, que os ramos cuidam da mesma matéria com promiscuidade técnica, e sob
nomes diferentes (defesas indiretas vs. exceções em sentido lato). Cuidam, sim, do
mesmo fenômeno, mas suas perspectivas e regras bastante são em todo diversas.
Ao cuidar de defesas indiretas, a dogmática processualista elenca o modo como
dados aspectos do direito material serão deduzidos, em juízo, em socorro de quem os
invoca (e, como se disse, isso tem relevantíssimas repercussões práticas). Poder-se-ia
dizer que, senão por uma reminiscência histórica, o Direito Civil jamais precisaria
invocar o conceito de exceções em sentido lato: quem pagou, compensou, anulou, pode
se firmar em cada um desses institutos por si sós, sem nenhuma utilidade na recondução
a uma categoria tão ampla quanto essa. Quando muito, ela confundiria o operador
contemporâneo, por turvar, sob esse signo geral, hipóteses de inexistência, ilicitude em
sentido amplo, invalidade ou ineficácia. Seria a referência às exceções, então, uma
daquelas impropriedades consentidas pelo sabor da tradição. Quem falasse em exceção
em sentido amplo, portanto, não ignoraria se remeter à envelhecida exceptio, ainda que,
concretamente, soubesse cuidar (i) no plano material, de uma universalidade de
posições jurídicas subjetivas de matiz bastante variada, com eficácia impeditiva,

70 «Como se sabe, a exceção substancial é uma defesa indireta que o réu opõe ao autor. Diz-se que é

indireta porque, quando o réu oferece a exceção, não nega (pelo contrário, até a admite implicitamente)
a existência da relação jurídica na qual se fundamentou o autor; apenas procura êle, por meio da exceção
(e conforme o caso), modificar ou extinguir aquela relação jurídica. Há, por conseguinte, um direito
subjetivo potestativo, que o réu opõe ao direito do autor.» (AMORIM FILHO, Agnelo, As ações
constitutivas e os direitos potestativos, in: Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. II, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 25–44, em especial p. 35).

34
modificativa e extintiva; e que fossem traduzíveis (ii) no plano processual como defesas
indiretas.
Não parece seja esse o caso. Não parece que a recondução desses variados
institutos impeditivos, modificativos ou extintivos das posições jurídicas a um único
signo, universal, tenha apenas o peso da tradição e nenhuma utilidade prática. Ao
contrário, aproveita ao legislador manter vivo o conceito como instrumento para
esclarecer casos de legitimação (ou deslegitimação) para se «invocar benefícios», pelo
exercício, de certas posições jurídicas, sobretudo nos confrontos decorrentes de
pluralidade subjetiva.
Por cautela apenas, e a bem da clareza terminológica, esclareça-se não haver
confusão entre legitimidade em sentido processual, legitimidade em sentido material e
legitimação. Legitimidade em sentido processual é condição da ação, aptidão subjetiva
concretamente considerada para demandar ou ser demandado em juízo (CPC, art. 17).
Legitimidade em sentido material é a possibilidade, tomada pelo ângulo subjetivo, de
participação em negócio jurídico; a ilegitimidade é, portanto, um impedimento à
realização de determinados negócios, por determinadas pessoas, em razão de fato que
a circunde ou relação jurídica que tenha71. Legitimação, por fim, é a aptidão específica
para extração de efeitos de determinada posição jurídica subjetiva, por meio do
exercício72.
Alguns exemplos ajudam a dar cores mais vivas à questão.
Pense-se na pluralidade de sujeitos que convivam na relação obrigacional. A
disciplina da solidariedade nas obrigações é tão complexa quanto útil. Ainda que seja

71 A doutrina a define como «uma situação de exceção, em que, por força de relação jurídica ou fática

entre o declarante e outra pessoa, o ordenamento cria um obstáculo para a realização de um negócio
jurídico. É um impedimento». O mesmo autor exemplifica com as restrições a alienação de ascendentes
para descendentes. (JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio, Negócio jurídico e declaração negocial
(noções gerais e formação da declaração negocial), Titularidade, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1986, p. 154).
72 «Resta da dire del collegamento tra il diritto soggettivo e il soggetto del diritto. L’appartenenza di un

diritto ad un soggetto determinato si dice titolarità. Il potere di esercitare un diritto che compete a chi ne
è titolare dà luogo alla figura della legittimazione. (…) [L]a capacità di agire riguarda l’astratta capacità
di esercizio dei diritti, mentre la legittimazione consiste nel potere di esercitare un diritto che
concretamente compete a chi ne è titolare. / Resta tratar do elo entre o direito subjetivo e o sujeito do
direito. O pertencimento de um direito a um sujeito específico é chamado de titularidade. O poder de
exercer um direito que compete a seu titular dá origem à figura da legitimação. (...) [A] capacidade de
agir diz respeito à capacidade abstrata de exercer direitos, enquanto a legitimação consiste no poder de
exercer um direito que concretamente pertence ao titular.» (LUMIA, Giuseppe, Lineamenti di teoria e
ideologia del diritto, 3a. Milão: Giuffrè Editore, 1981, p. 115). Sem razão, no ponto, a doutrina que
restringe legitimação ao poder de disposição, sendo este apenas uma das muitas facetas da concreção de
efeitos das posições jurídicas (JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio, Negócio jurídico e declaração
negocial (noções gerais e formação da declaração negocial), Titularidade, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1986, p. 156-157; e MELLO, Marcos Bernardes de, Teoria do fato jurídico. Plano da
validade, 4a. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 29).

35
desejável no tráfego comercial – e não à toa é comuníssima, dominada mesmo pelo
leigo –, não é simples laçar vínculos ordinariamente separados, para cuidar em bloco
de credores e/ou devedores, e depois cuidar-lhes, entre si, internamente dos arranjos de
prerrogativas recíprocas. No caso de solidariedade ativa, poder-se-ia perguntar o que
sucede quando o devedor cobrado por um único credor pudesse, legitimamente, recusar
a prestação a outro credor integrante do polo ativo. Sendo o caso de solidariedade
passiva, poder-se-ia igualmente perguntar se o um devedor demandado poderia recusar
a prestação, se outro devedor tivesse razão legítima para fazê-lo (CC, art. 281).
Tome-se, de outro giro, a circulação de posições jurídicas. No caso de cessão
de crédito, é absolutamente razoável indagar se o devedor que poderia legitimamente
recusar a prestação ao credor originário segue a poder recusá-la ao novo credor
(cessionário), ainda que este motivo de recusa aparentemente em nada se conecte com
este. Ou, olhando a mesma questão do ângulo inverso da assunção de dívida, se poderia
o novo devedor recusar a prestação com lastro em razões que legitimariam o devedor
primitivo a fazê-lo (CC, art. 302). Com redobrada complexidade pelos atributos de
autonomia relacional, essas são questões que se põem diante da circulação de títulos de
crédito (CC, art. 915 a 918).
Em todos esses casos, há menos uma questão de dogmática e mais uma questão
de política legislativa a resolver: até que ponto se quer entrelaçar o caminho dos sujeitos
conectados pelas relações jurídicas, vaso-comunicando efeitos de posições jurídicas
que lhe são, a princípio, solitárias. Para retomar um exemplo ao fim específico de
enunciação da questão: importa menos o porquê de o devedor primitivo poder, ele
apenas, recusar a prestação específica (fá-lo-ia por ineficácia, por invalidade, por
inexistência calcada em extinção, o que for), e mais o querer ou não o legislador
entregar ao novo devedor o exercício dessa prerrogativa do devedor primitivo.
Para esse fim, ou seja, para premiar o novo devedor com esse plexo de
potencialidades do devedor primitivo, o legislador com sabedoria fugiu das listagens
de posições jurídicas admissíveis em tese e optou por invocar um vocábulo
historicamente conglobante dessas múltiplas e diversas realidades: exceptio, exceção,
em sentido amplo. O devedor pode recusar a prestação a um credor solidário, pelo
motivo que legitimamente a recusaria a outro (CC, art. 274); o devedor solidário não
pode recusar a prestação invocando fundamento pessoal de outro (CC, art. 281); o
devedor retém as variadas causas de recusa ante o novo credor (cessionário)
(CC, art. 294); mas o novo devedor não conserva as causas de recusa do devedor
primitivo (CC, art. 302). Se essas causas eram fundadas em direito de compensar, ou

36
de anular, ou de deseficacizar por aspecto específico da interação relacional daqueles
sujeitos originários, isso pouco importa à escolha legislativa, que é, repita-se, ampla e
conglobante de todos esses cenários, e quaisquer outros que o ordenamento lhes venha
a agrupar. A exceção é o atalho à enumeração, sempre imperfeita, de posições jurídicas;
é o atalho que o legislador manteve para colher milênios de tradição jurídica que
afastam qualquer dúvida.
É por isso – vale dizer, pela outorga de clareza na legitimação, ou não, de
exercício de posições jurídicas no contexto de pluralidade de sujeitos – que o conceito
de exceção de direito material em sentido amplo sobreviveu à cisão de Direito Civil e
Direito Processual Civil. O recurso ao gênero exceção em sentido amplo, fora desse
contexto, seria imprestável à dogmática civilista; nele, é decisivo. Poder-se-ia então
ponderar, em sede final: se exceção em sentido amplo e defesa indireta se referem aos
mesmos institutos de direito substancial, por que não abolir um dos termos e adotar
apenas o outro, unitariamente, para direito civil e processual civil? Aqui a escolha é
menos técnica e mais de oportunidade, e parece oportuno preservar a dualidade
nominal. O motivo é simples: com o recurso a um ou outro termo, desloca-se o olhar
do operador diretamente ao ponto dogmático relevante. Ao ler a referência primária a
exceção lato sensu, o jurista saberá cuidar-se de debate sobre casos específicos de
legitimação; ao ler em primeiro lugar a referência a defesa indireta, saberá cuidar-se de
debate a propósito do tratamento processual das teses. Anote-se que, mesmo sem apoio
do movediço terreno doutrinário, o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado a
terminologia em exato alinhamento com o aqui sustentado73.

I.3 Prescrição como exceção em sentido próprio

Coisa diversa sucede com uma espécie particular de posições jurídicas


subjetivas, que se recortam dentre o rol amplo e diverso das exceções em sentido lato.
São as chamadas exceções em sentido próprio ou estrito, que já tivemos o ensejo de
definir como «direito de resistência incorporado à esfera jurídica do sujeito passivo,
por meio do qual obsta (encobre) direito, pretensão e ação (de direito material) do

73 «Civil e processo civil. Exceptio non adimpleti contractus. Efeito processual. A exceção de contrato

não cumprido constitui defesa indireta de mérito (exceção substancial); quando acolhida, implica a
improcedência do pedido, porque é uma das espécies de fato impeditivo do direito do autor, oponível
como preliminar de mérito na contestação (CPC, art. 326). Recurso especial conhecido e provido”. (REsp
673.773/RN, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado
em 15.03.2007, publicado no DJ de 23.04.2007, p. 256).»

37
sujeito ativo de dada relação jurídica 74 ». Quem excepciona não nega direito, não
afirma ilicitude da conduta do titular que o exerce, nem invalidade do eventual negócio
que o dê origem, nem ineficácia da posição cuja concretude se busca dar por meio do
ato de exercício. Confirma tradicional doutrina, atestando que a «exceção não ataca o
ato jurídico, nem o direito em si-mesmo75». Antes o contrário: admitindo que há direito,
que há licitude, que há validade, que há eficácia, e que o exercício é possível, afirma
que tem, ele próprio, sujeito passivo frente ao direito exercido e titular da exceção a
exercer, uma razão jurídica que legitima sua recusa em atender aos reclamos de sua
contraparte.
São muitos os exemplos do Código Civil, e dar concretude à hipótese ajuda à
compreensão do fenômeno. Imagine-se que uma pessoa passe a ocupar a chácara de
sua falecida mãe. A de cujus residira na chácara pelos três anos precedentes à sua morte,
havendo-o adquirido com as economias de vida. O herdeiro, já no ingressar, toma as
providências imprescindíveis a boa valência do bem: conserta telhado infestado por
cupins na casa principal; constrói armazém e coxia no campo; instala sistema de
irrigação para horta e pomar. No ano seguinte, com o cultivo e manejo em perfeita
operação, o verdadeiro proprietário da chácara se apresenta e demonstra, de forma
inequívoca, que a de cujus, pessoa simples, a comprara de quem não era dono: um
conhecido grileiro da região. Não se cuidava de hipótese de excepcional eficácia de
venda a non domino; não socorria ao herdeiro a aquisição por usucapião, porque o
quinquênio legal não se operara (CC, art. 1.239). Ninguém duvidará que o proprietário
tem, com relação à coisa, o «direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha» (CC, art. 1.228). Posto diretamente: o herdeiro tem
o dever de restituir o bem ao proprietário; e o proprietário tem o direito de exigi-lo. Em
paralelo a esse feixe obrigacional, o possuidor tem direito a indenização pelas
benfeitorias que fez, por ser sua posse de boa-fé (aqui, subjetiva, porque cria ser sua
falecida mãe dona, e porque cria, ela, haver comprado do dono) e por serem as
intervenções necessárias (reforma do telhado) e úteis (melhoras da exploração
econômica do bem). Tudo vai a teor de letra expressa de lei (CC, art. 1.219).
A mesma lei vai então além e cria um outro direito em favor do herdeiro:
«poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis».
(CC, art. 1.219, parte final). Aqui, o herdeiro já (ou ainda) não exige seu crédito pelas

74 ANDRADE NEVES, Julio G., A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil, São Paulo: Almedina,

2016, p. 65.
75 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 6, 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 3.

38
benfeitorias; nem objeta o direito de reaver a coisa típico da posição de proprietário.
Em espectro muito mais restrito afirma: por ora, não a devolvo. O ordenamento suporta
sua recusa, aqui, potencialmente temporária: se e enquanto não forem indenizadas as
benfeitorias, ele poderá recusar a devolução (que é, repise-se, coisa diversa de cobrar
as benfeitorias). Esse direito de obstar (encobrir a eficácia) da pretensão reivindicatória
do proprietário é exceção em sentido próprio, em modalidade bastante comum da
tradição romano-germânica, exceção de retenção por benfeitorias.
É, sem dúvidas, o caso da prescrição. Assim como o herdeiro não nega seja
sua contraparte o real proprietário, o prescribente não nega seja sua contraparte titular
de pretensão (como se verá, com maior vagar, no capítulo CAPÍTULO II). Assim como
o herdeiro não nega dever restituir; o prescribente não nega dever prestar. Não nega
dever, mas se recusa a fazê-lo. E o faz justificadamente, porque – ainda que por
fundamento absolutamente diverso, de segurança jurídica pela estabilização de relações
(v. CAPÍTULO V) – o ordenamento secunda sua recusa. Mas nem só por diverso
fundamento se dá a diferença entre uma e outra modalidade de exceção em sentido
próprio, de modo que é preciso atenção em sua classificação, sem a qual o
enquadramento da prescrição como espécie do gênero exceção não estará completa.
A classificação das exceções em sentido próprio, também ela, tem provocado
equívocos graves na doutrina. Convém então divisá-las dentre duas subcategorias
relevantes ao presente estudo76, ancoradas, respectivamente, em sua autonomia e em
sua eficácia.
No que diz respeito à autonomia, as exceções podem ser dependentes
77
(autônomas) ou independentes (não-autônomas) . Exceções independentes (a
prescrição é uma delas) têm em seu suporte fático fatos, mas não posições jurídicas:
elas existem por si sós, independentemente de ter o excipiente titularidade sobre outra
posição jurídica que assuma, frente à exceção, caráter de pressuposto fundamental.
Exceções dependentes têm relação de acessoriedade frente a outra posição jurídica
subjetiva, que ordinariamente (mas não necessariamente) corresponde a um direito
subjetivo de crédito. Com isso se quer dizer que no suporte fático sobre o qual incide a

76 A terceira possível classificação dentro do espectro do direito privado é entre exceções próprias e

impróprias, que já vai realizada pelo cotejo dessa rubrica com aquela precedente. Poder-se-ia cogitar,
ainda, da separação de exceções substanciais e processuais, porém, como se registrou acima, é posição
assumida do estudo que o cotejo parte de uma unidade científica artificial, equivocada, explicável – mas
não justificável – apenas pelo espectro amplo da exceptio romana, superado pelo ramificar do Direito
promovido, sobretudo, pelo movimento da pandectística oitocentista.
77 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 6, 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 12.

39
norma criadora da exceção há, de forma solitária ou dentre outros elementos, uma
posição jurídica subjetiva da qual depende o surgimento (e mantença) da exceção na
esfera jurídica do beneficiado. Subtraída a posição jurídica principal, tolhe-se o suporte
fundamental da exceção e tomba, ela própria, por consequência. Já se deu acima
exemplo de exceção dependente: a de retenção por benfeitorias. O direito do possuidor
de recusar a entrega do bem ao proprietário vive apenas enquanto este não se
desincumba do dever de indenização pelas benfeitorias. Feito o pagamento, a exceção
se extingue, por acessoriedade ao direito subjetivo de crédito principal. O mesmo se
pode dizer de outra famosa exceção: a de contrato não cumprido (CC, art. 476, de
infeliz redação). O devedor em contrato bilateral pode recusar o cumprimento de sua
prestação, enquanto a contraparte não adimplir sua prestação. Desempenhada a
prestação, cai o fundamento do direito à recusa. O devedor deve, ele próprio,
igualmente prestar, sob pena de incumprimento ilícito.
Duas observações são de registro oportuno desde logo, porque impactam a
disciplina da prescrição de que se cuidará nos capítulos subsequentes.
A primeira: a exceção é dependente de direito subjetivo de crédito e não o é
da pretensão a ele coligada senão se a lei expressamente o determinar. O direito de
receber e reter em sua esfera jurídica prestação positiva ou negativa, de dar, fazer ou
não fazer (direito subjetivo em sentido estrito) não se confunde com o direito de exigir
o desempenho desta prestação (pretensão). Como potencialidade de mera resistência,
parece de fato pouco natural que o legislador a atrelasse a poderes dinâmicos de
exigência. A melhor doutrina nunca duvidou78.
A segunda: exceção dependente não é o mesmo que exceção imprópria, ou em
sentido amplo. Parte da doutrina se deixou levar pela falsa identidade79 e até mesmo o
colegiado de doutores das Jornadas de Direito Civil incorreu no deslize. A propósito do
art. 190 do Código Civil («a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.»),
afirmaram que a norma «refere-se apenas às exceções impróprias (dependentes/não
autônomas). As exceções propriamente ditas (independentes/autônomas) são
imprescritíveis» - ou seja, trataram como idênticos os critérios classificatórios
inconfundíveis.

78 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 6, 2. ed. Rio de


Janeiro: Borsoi, 1955, pp. 260-261.
79 «A solução do impasse [da prescritibilidade das exceções] está na distinção entre exceção

independente (ou autônoma) e dependente (ou não-autônoma). É que há exceções que pressupõem uma
pretensão a ser exercida pelo titular, e outras que são desvinculadas de qualquer pretensão.»
(THEODORO JUNIOR, Humberto, Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos lícitos.
Dos atos ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2), p. 185).

40
Como se confia extrair do quanto já dito, dependência ou independência diz
com o suporte fático para o nascimento da exceção, conforme haja ou não posição
jurídica subjetiva como condição sine qua non à titularidade da posição defensiva.
Propriedade ou impropriedade diz com o conteúdo da exceção. Exceção em sentido
impróprio sequer é posição jurídica, mas grupo, universalidade de posições jurídicas
com eficácia impeditiva, modificativa ou extintiva; exceção em sentido próprio é
posição jurídica subjetiva com eficácia paralisante de pretensão. Não há entre um e
outro critério classificatório qualquer sobreposição conceitual, menos ainda identidade.
No que diz respeito à eficácia, as exceções em sentido próprio são dilatórias
ou peremptórias80. Dilatórias são aquelas que encobrem a pretensão do excepto por
período limitado, ainda que incerto. Peremptórias são aquelas que encobrem a
pretensão por período ilimitado. A exceção de contrato não cumprido é dilatória:
oposta, não se deve prestar até que, e apenas até que, a contraparte em contrato bilateral
o tenha feito. A exceção de prescrição é peremptória: oposta, não se deve prestar nunca.
Em ambos os casos, a eficácia pode ser diversa daquela que, tendencialmente, se
esperaria pela categoria da exceção. Se a contraparte jamais prestar, por exemplo, a
ponto de encerrar o interesse útil do credor em contrato bilateral, os efeitos da exceção
de contrato não cumprido terão se produzido por toda a existência da relação. Se o
excipiente em prescrição renunciar a ela, cai a posição jurídica e não há pós-eficácia,
de modo que a pretensão é desvelada e retomada a exigibilidade subjacente.
Maltratado que seja pela doutrina, a ponto de se negar qualquer utilidade81, o
conceito é fundamental. Saber quando o sujeito passivo pode, frente à pretensão,
encobri-la, sustando exigibilidade, é pedra de toque para aferir se há ou não mora por
decorrência da não-prestação. Se a exigibilidade foi encoberta, não há mora
(CC, art. 394 e 396). A partir da mora, o civilista poderá atestar se são indenizáveis os
danos decorrentes da não-prestação (CC, art. 395), sobre quem repousa o risco da
impossibilidade da prestação, mesmo por caso fortuito ou força maior (CC, art. 399); e
se incide o regramento próprio à onerosidade excessiva.
É claro que uma irrefutável classificação da prescrição só se completa com a
integralidade do estudo. Para afirmar ser exceção em sentido próprio, por exemplo, é
preciso excluir que ela seja modo de extinção de direito, o que se fara no item II.1; para

80 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 6, 2. ed. Rio de


Janeiro: Borsoi, 1955, p. 14 e ss; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz, Exceções no Direito Civil: um
conceito em busca de um autor?, in: Prescrição e decadência: estudos em homenagem a Agnelo
Amorim Filho, 1. ed. Salvador: JusPodium, 2014, p. 411–422, em especial p. 414.
81 SICA, Heitor Vitor Mendonça, O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um estudo sobre a

posição do réu, São Paulo: Atlas, 2011, p. 132.

41
se afirmar ser autônoma, é preciso ainda atestar inexistir posição jurídica subjetiva no
suporte fático, o que só se fará nos itens III.1 a III.4. De toda forma, o benefício da
clareza de enfrentar a classificação basilar supera o inconveniente – de resto, inevitável
– de referências cruzadas na construção de um pensamento que é, em si, uno, e aqui,
artificialmente fragmentado para fins didáticos. Com a ressalva desses saltos, a
conclusão segura que desde logo se enuncia é de ser a prescrição, no plano material,
uma exceção em sentido estrito, autônoma e peremptória. A prescrição apenas encobre
eficácia da pretensão; não depende de outra posição jurídica subjetiva do excipiente; e
não tomba com o só fluir do tempo ou conduta do excepto.

I.4 Irrelevância da possibilidade de conhecimento de ofício da


prescrição pelo magistrado.

Há um último óbice ainda por superar à classificação aqui proposta. Ele


decorre da escolha legislativa de tornar a prescrição cognoscível de ofício pelo
magistrado, em uma ruptura clara com a tradição nacional e internacional da disciplina
(CC, art. 194, revogado pelo Lei 11.280/2005; CPC73, 219, §5º, revogado pelo CPC,
art. 487, II).
Não se tem notícia, nas nações com que nosso ordenamento dialoga com maior
proximidade, de dado normativo paralelo. Todos dirão sem pensar que a prescrição
depende de arguição pelo devedor para irradiar seus efeitos (deseficacizantes); todos
dirão que as exceções (em sentido próprio) são posições jurídicas em regra dependentes
desse ato de exercício de vontade: assim em Portugal (art. 303º 82 ), na Itália
(art. 2.938 83 ), na França (art. 2.247 84 ). O mesmo se pode dizer da Convenção das
Nações Unidas sobre a Prescrição na Venda Internacional de Bens (art. 2485); e PICC,
(capítulo 10, art. 10.9.2 86 ). Historicamente, também a regra brasileira foi essa: «a

82 CCPort., Art. 303º. (Invocação da prescrição) O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta

necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita,
pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.»
83 Codice, Art. 2.938. Non rilevabilità d’ufficio. Il giudice non può rilevare d’ufficio la prescrizione non

opposta». / Não conhecimento de ofício. O juiz não pode conhecer de ofício a prescrição não oposta.
84 Code, Art. 2.247. Les juges ne peuvent pas suppléer d'office le moyen résultant de la prescription. / Os

juízes não podem suprir de ofício os efeitos resultantes da prescrição.


85 Convenção das Nações Unidas sobre a Prescrição na Venda Internacional de Bens, Art. 24. Expiration

of the limitation period shall be taken into consideration in any legal proceedings only if invoked by a
party to such proceedings. / A expiração do prazo da prescrição será levada em consideração em
processos apenas se invocada por uma parte do processo.
86 PICC, Art. 10.9.2) L’expiration du délai de prescription n’a d’effet que si le débiteur l’invoque comme

moyen de défense. / A expiração do prazo de prescrição não produz efeitos senão após sua oposição,
pelo devedor, como meio de defesa.

42
prescripção deve sêr allegada pelo devedor, não póde sêr supprida pelo Juiz.» –
comentava TEIXEIRA DE FREITAS a propósito da Consolidação das Leis Civis 87 . O
Código Beviláqua igualmente afirmava que «o juiz não pode conhecer da prescrição
de direitos patrimoniais, se não foi invocada pelas partes» (art. 166). A prescrição de
direitos não-patrimoniais se coligava em verdade com casos hoje sabidos de
decadência, como não escapou à doutrina especializada contemporânea88. O Código
atual repetiu parcialmente a regra por três anos de vigência (CC, art. 19489), até a edição
da reforma da Lei 11.280/200690.
O rompimento com a tradição impressionou a doutrina, que reagiu com
violência à iniciativa do legislador. «Não creio que a doutrina e jurisprudência venham
a compactuar com semelhante obra demolitória»91, anotou um autor. Acompanhou-lhe
voz segundo a qual «esta é uma modificação amalucada ou, como disse no título que
atribuí ao presente estudo, descabeçada. Penso, e o digo aqui sem qualquer pudor, que
o legislador brasileiro demonstra, agora, que perdeu totalmente o juízo92.» Afirmou-
se, com maior especificidade:
(i) haver o legislador tomado para si matéria tipicamente privada;
(ii) se cuidar de regra incompatível com ser a prescrição renunciável93, arguível a
qualquer tempo e de ser a prestação voluntariamente adimplida impassível de repetição
(respectivamente, CC, art. 191, 193 e 882)94;
(iii) ser a norma letra morta, já que a necessária introdução da matéria pelo Juízo
nos autos antes de sua decisão (sob pena de violação ao contraditório, por decisão-
surpresa), seguida do silêncio do credor, implicaria renúncia tácita95; e

87 TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto, Consolidação das Leis Civis, t. I, Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2003, p. 511, nota de rodapé ao art. 853.
88 SIMÃO, José Fernando, Prescrição e decadência: início dos prazos, São Paulo: Atlas, 2013, p. 234.
89 CC, art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a

absolutamente incapaz.
90 Para além da revogação do art. 194, o Código de Processo Civil deu o comando expresso ao Código

de Processo Civil, cujo art. 219, §5º, afirmava que «[o] juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.»
91 THEODORO JUNIOR, Humberto, As novas reformas do CPC, São Paulo: ADBR Editora, 2006, p.

54.
92 CÂMARA, Alexandre Freitas, Reconhecimento de ofício da prescrição: uma reforma descabeçada e

inócua, disponível em
http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm.%20Acesso%20em%2002/12/2007, p. 1.
93 ROSENVALD, Nelson, Prescrição: da exceção à objeção, in: Questões contemporâneas de Direito,

Belo Horizonte: Arraes, 2010, p. 139–154, em especial p. 147.


94 CIANCI, Mirna, A prescrição na lei 11.280/2006, Revista de Processo, v. 148, p. 32–45, 2007, em

especial p. 37.
95 CIANCI, Mirna, A prescrição na lei 11.280/2006, Revista de Processo, v. 148, p. 32–45, 2007, em

especial p. 37-38; e, especificamente sobre a renúncia tácita por não arguição, mas, é claro, não sobre a
reforma que sucedeu décadas depois de seu falecimento, CÂMARA LEAL, Antonio Luis da, Da
prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 94.

43
(iv) ter a prescrição passado a extinguir a pretensão, e não mais lhe sustar a eficácia,
assumindo sob a ótica processual a natureza de objeção e não mais exceção96.
No que diz respeito ao legislador ter invadido terreno tipicamente privado, a
doutrina afirma que a prescrição, no que tange à produção de efeitos, deve ser matéria
que repousa integralmente à consciência do devedor. A escolha do legislador inaugurou
regra inovadora, é verdade, mas o direito brasileiro não foi agora apresentado à
cognoscibilidade prescricional de ofício. Disse-se acima, e não casualmente, que o
Código Civil reproduziu apenas parcialmente essa máxima, porquanto o revogado
art. 194 facultava a atuação ex officio do magistrado quando a prescrição beneficiasse
parte absolutamente incapaz. A exceção não era pequena: àquela época, pretérita à
desconfiguração normativa promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência - EPD,
os absolutamente incapazes encampavam menores de 16 anos, os enfermos ou
deficientes mentais, bem como os privados da expressão de sua vontade por causa
transitória ou definitiva (CC, art. 3º, redação original). A norma igualmente rompia com
a tradição romano-germânica. O que se positivou alhures foi apenas – e em menor
medida que o Código Civil brasileiro – medidas protetivas do incapaz vulnerado pela
prescrição (v. a esse respeito as considerações do item V.4, abaixo). A ruptura
legislativa é, como se nota, menor do que se alardeou, ainda que expressiva.
O porquê dessa decisão legislativa se faz claro da exposição de motivos da Lei
11.280/2006. Escreveu o então Ministro da Justiça MARCIO THOMAZ BASTOS que «sob
a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária
a alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e
celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao
contraditório e à ampla defesa.» Os objetivos da lei são racionalidade e celeridade na
prestação jurisdicional; as preocupações são a preservação do contraditório e da ampla
defesa. Constatando indícios eloquentes de prescrição, o magistrado antes nada poderia
fazer diante do silêncio das partes. O magistrado estava, portanto, antes da reforma,
refém de suposições. Supunha que a prescrição se tivesse operado, mas não poderia
sabê-lo, sem contraditório que esclarecesse se houve causa impeditiva, suspensiva ou
interruptiva do prazo. Supunha houvesse sido deliberadamente ignorada pelo
demandado, mas não poderia sabê-lo, porque a não arguição poderia decorrer de
ignorância. Supunha – a reboque dessa presumida inércia deliberada do demandado –
que sua intervenção no núcleo meritório era de fato necessária, porque indesejada a

96ROSENVALD, Nelson, Prescrição: da exceção à objeção, in: Questões contemporâneas de Direito,


Belo Horizonte: Arraes, 2010, p. 139–154.

44
resolução da matéria pela prescrição. São suposições estritamente coerentes com o
desenho institucional da prescrição na tradição e na vida contemporânea; não são certas
ou erradas, mas convenientes se admitido o pressuposto de ser socialmente desejável
que a matéria prescricional seja de eficácia deflagrada apenas pelo seu beneficiário.
Esse não é, contudo, o único caminho possível, nem é de forma absoluta,
inquestionável, o mais desejável à realidade brasileira. É sempre útil relembrar o
truísmo de que o legislador brasileiro não legisla para a Alemanha, nem para França,
nem para a Itália, mas sim para o Brasil. No Brasil, a Meta 1 do Conselho Nacional de
Justiça para a Justiça Estadual em 2018 foi «julgar quantidade maior de processos de
conhecimento do que os distribuídos, excluídos os suspensos e sobrestados no ano
corrente»97. Em 2017, no Estado de São Paulo, olhando apenas para demandas cíveis
em primeiro grau, mas sem Juizados Especiais, esse número de distribuições
correspondeu a 2.623.495 novos casos. Incluídos os Juizados, foram mais 1.335.659
casos98. Nacionalmente, em 201699, o acervo médio por magistrado de primeiro grau
foi de 7.192 casos, dos quais julgou-se em média 1.788 causas ao longo do ano.
Pause-se para ter o dado na dimensão que merece: cada juiz de primeiro grau
julgou em média 1.788 causas por ano. São mais de 7 sentenças por dia útil, para além
dos deveres de reflexão e condução dos casos não maduros a julgamento. É claro que
essa bizarra situação, socialmente patológica, não tem uma causa única, nem solução
simples. Isso não obstante, parece quando menos merecedora de consideração, do ponto
de vista de política legislativa, a tese de que seria benéfico à tessitura judiciária
brasileira expandir (insista-se, não criar) a competência de ofício do magistrado para
conhecimento da prescrição, pacificando litígios pela solução mais simples, porque
prejudicial ao núcleo mérito (sempre de desvendamento mais espinhoso).
A tutela desse interesse público não é estranha à prescrição, nem desnatura seu
caráter privado. O dualismo entre normativa de ordem pública e regramento dispositivo
está na espinha dorsal do instituto. Faz-se notar no caráter legal e tipificado das causas
impeditivas, suspensivas e interruptivas do prazo, bem como na impossibilidade (caso
do Brasil) ou limitação (no cenário internacional) da pactuação de seu termo. Ao se ter
a prescrição por cognoscível de ofício, o legislador menos operou uma revolução e mais
deu-lhe um novo contorno, tipicamente nacional, para que se torne um pouco menos

97 http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/justica-estadual, acesso em 4 de julho de 2018.


98 http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/02/ba324a411888691c8d54ebcd1dcb7426.pdf,
acesso em 4 de julho de 2018.
99 http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf,
acesso em 4 de julho de 2018.

45
atinente aos interesses particulares e um pouco mais voltada à pacificação social. Não
se tem notícia de um único precedente em que o devedor se tenha insurgido contra esse
conhecimento de ofício, o que sugere, se não prova, que as cogitações de que esse ajuste
tenha aviltado à consciência social são mais fundadas em dores dogmáticas pela perda
do regramento tradicional do que em um toque concreto com a realidade. A história já
sugeria fosse assim: os primeiros monografistas do Código noticiavam como a não
cognição de ofício dera azo a agudas injustiças sob a complexidade das ordenações100,
e é de pensar o que poderiam anotar diante da avalanche de lides, possivelmente de
igual efeito, que hoje se tem por normal.
Quanto a se tratar de regra incompatível com a renúncia (art. 191), arguição a
qualquer tempo (art. 193) e impossibilidade de repetição da prestação voluntariamente
adimplida (CC, art. 882), bastiões do «compromisso do sistema coma disponibilidade
do direito101», igualmente não assiste razão aos críticos.
Exatamente como sucede hoje, a renúncia à prescrição tem como pressuposto
positivo a completude do prazo e nada mais (o que é um truísmo, como se verá no item
IV.2). A eliminação da exceção da própria esfera jurídica independe de haver ou não
ação processual, de haver sido relevada, de ofício ou por iniciativa das partes, a
prescrição, e de haver sido ela acolhida ou rejeitada. A prescrição se opera
integralmente no plano de direito material: assim nasce, por suporte complexo, assim
morre, pela renúncia. Pode-se renunciar à prescrição antes, durante ou depois de
processo em que haja sentença de improcedência da demanda do credor, fundada
exatamente em dita prescrição. A sentença reconhece o dado que lhe é contemporâneo:
há exceção de prescrição. Se, depois, há renúncia, isso implica modificação
superveniente de estado que não vulnera a coisa julgada (CPC, art. 505, I). A confusão
entre ser a matéria relevável de ofício e ser disciplina de ordem pública, intangível pelo
poder de disposição das partes, foi cometida nesse debate tanto por civilistas102 quanto

100 «No direito anterior ao Código os textos referentes à prescrição das ações se achavam de tal maneira
esparsos que, aos próprios advogados, muita vez, escapava a alegação de prescrição; e, por isso, devido
a tal omissão era condenado e executado o réu. Os casos eram tanto mais freqüentes e as injustiças tanto
mais repetidas, porque os juízes não podiam, como ainda hoje não podem (!), conhecer da prescrição,
desde que não invocada pela parte (art. 166 do Cód.).» (CARPENTER, Luiz Frederico Sauerbronn. Da
prescrição (artigos 161 a 179 do Código Civil). 3. ed. Rio de Janeiro: Editôra Nacional de Direito,
1956, p. 12).
101 CIANCI, Mirna, A prescrição na lei 11.280/2006, Revista de Processo, v. 148, p. 32–45, 2007, p. 37.
102 «Não será mais possível a renúncia da prescrição pelo devedor, pois em se tratando agora de matéria

de direito indisponível, perderá o réu a possibilidade se efetuar a renúncia. A prerrogativa de ordem


pública de predominância do interesse coletivo sobre o interesse individual impede que o particular tenha
ingerência sobre o direito, ainda que possua natureza patrimonial» (ROSENVALD, Nelson, Prescrição:
da exceção à objeção, in: Questões contemporâneas de Direito, Belo Horizonte: Arraes, 2010, p. 139–

46
por processualistas 103 , sem que resista, contudo, a análise técnica apropriada 104 . O
enunciado 295 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal apontou,
com acerto, na direção oposta aos críticos105.
A repetição de prestação voluntariamente adimplida também não tem conexão
com a atuação do magistrado. Ser ou não bom o pagamento se coliga a haver direito
subjetivo de crédito subjacente que o lastreie e não haver causa específica autorizativa
de repetição. Se é verdade que a prescrição não extingue o direito106 (v. item II.1), e é
igualmente verdadeiro que a hipótese não se amolda às autorizações de restituição por
pagamento indevido (CC, art. 876 e ss), não há porque seu reconhecimento pelo
magistrado ser incompatível com o regime de retenção da prestação pelo credor. Ato
contínuo à sentença que reconheça a prescrição, o devedor pode prestar. Se o fez antes,
pode já não haver prescrição a reconhecer, porque tacitamente renunciada
(CC, art. 191); e mesmo que ignorasse a prescrição, adimpliu o que devia, pelo que não
há causa a embasar o retorno da prestação voluntariamente adimplida107.

154, p. 145).
103 «[C]riou-se um modelo em que o devedor fica impedido de cumprir uma obrigação a que está

eticamente vinculado porque sua excelência, o juiz, reconheceu de ofício a prescrição» (CÂMARA,
Alexandre Freitas, Reconhecimento de ofício da prescrição: uma reforma descabeçada e inócua,
disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm.%20Acesso%20em%2002/12/2007,
p. 5).
104 «Mas esta modificação legislativa transformou a prescrição em uma questão de ordem pública?

Aparentemente não. Tratando-se de figura do direito material, sua natureza não se altera por pura e
simples mudança legislativa. Na ânsia de conferir efetividade ao processo, o legislador, neste caso
específico, outorgou mais poderes ao juiz do que deveria, e este excesso pode representar a origem de
diversos problemas. Primeiro porque a prescrição admite renúncia, expressa ou tácita. Se admite
renúncia, obviamente que possui um marcante componente de disponibilidade, incompatível com a
matéria de ordem pública. (...) Dadas as características gerais do instituto, suas origens históricas e o fato
de subsistirem diversas normas que demonstram claramente o caráter da disponibilidade desta figura, é
a lei processual que deve ser influenciada. Sua interpretação deve ser feita de forma a relativizar estes
poderes do juiz, que deverão ser exercitados com muita parcimônia.» (APRIGLIANO, Ricardo de
Carvalho, Ordem pública e processo. O tratamento das questões de ordem pública no direito
processual civil, São Paulo: Atlas, 2011, p. 123 e ss, dedicadas à relação entre ordem pública processual
e cognição judicial ex officio.) Em mesmo sentido, citou-se a cognição apenas mediante provocação e a
preclusão temporal como aspectos processuais «não são essenciais aos contradireitos: compõem apenas
o seu regime jurídico-processual, cabendo ao direito positivo discipliná-lo; são características
contingenciais, portanto. Não há desnaturação do contradireito se, por exemplo, o legislador autorizar
o seu reconhecimento de ofício pelo juiz ou se permitir o seu exercício a qualquer tempo, durante o
processo.» (DIDIER JUNIOR, Fredie, Contradireitos, objeto litigioso do processo e improcedência,
Revista de Processo, v. 38 (n. 223), p. 87–100, 2013, citação na p. 90).
105 Enunciado 295. A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006, que determina ao

juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida
no art. 191 do texto codificado.
106 Mesmo os defensores da extinção do direito como efeito da prescrição não negam a possibilidade de

retenção da prestação voluntariamente adimplida, mas, antes, dão a esse traço do ordenamento
explicação dogmática diversa. Para mais, v. item II.1.
107 «A irrepetibilidade do cumprimento espontâneo da obrigação prescrita não se funda numa renuncia

consciente à prescrição. (...) Não interessa se há, ou não há, consciência, por parte do devedor que
cumpre a obrigação prescrita, de que poderia ter invocado a prescrição» (VASCONCELOS, Pedro Pais
de, Teoria geral do Direito Civil, 8a. Coimbra: Almedina, 2015, p. 340).

47
Não é verdade, ainda, que essa a não-oposição da exceção mediante
provocação do magistrado implicaria sua renúncia tácita (CC, art. 191). Isso
significaria ser o conhecimento de ofício em alguma medida ilusório, já que (i) a regra
geral é de que o magistrado ouça as partes antes de pronunciar a prescrição (CPC,
art. 487, p.u., parte final); e (ii) mediante a provocação, ou bem a parte interessada
oporia a exceção, hipótese em que o reconhecimento se daria após exercício pelo titular,
ou bem a parte interessada renunciaria à exceção, quer pelo silêncio, quer
expressamente. A uma, é de se relembrar a renúncia depende de comportamento
absolutamente incompatível com a prescrição (CC, art. 191), e o silêncio não importa
manifestação de vontade salvo quando a lei, as circunstâncias ou os usos o autorizarem.
A duas, para o titular renunciar por ato de seu advogado e não próprio, seria preciso
que o patrono estivesse investido de poderes de disposição, o que não ocorre, ao menos
em regra, pela cláusula ad judicia (CPC, art. 105). A três, o Código Civil expressamente
admite a invocação da prescrição em qualquer grau de jurisdição (CC, art. 193), o que
parte da doutrina estende, inclusive, à fase de cumprimento de sentença108, do que se
pressupõe ainda exista (ou persista) não só após a primeira oportunidade de defesa, mas
também à sentença condenatória. São inconfundíveis, aliás, a possibilidade de a parte
opor a prescrição em qualquer grau, que toca à preclusão, e a possibilidade de o
magistrado fazê-lo de ofício, que toca ao modo como a matéria, não preclusa, é
introduzida nos autos. O silêncio é, portanto, irrelevante.
Finalmente, ter a prescrição passado a extinguir a pretensão ope legis,
assumindo a natureza de objeção109, é menos crítica e mais proposta de readequação
doutrinária frente à mudança legislativa.
É claro que dizer que o conhecimento de ofício vem a reboque de uma
irradiação de efeitos automática, de caráter extintivo, não é impossível. É talvez fruto
do raciocínio mais primário (e nisso não há crítica, mas constatação): o magistrado nega
a tutela do direito porque já não é exigível à luz da lei, por si só. A prescrição deixaria
a esfera jurídica do devedor, como posição jurídica subjetiva com eficácia de
resistência, para habitar o plano do direito objetivo. Assim como o juiz conhece o não
vencimento do termo, ou o caráter de obrigação natural, ou o não implemento de

108 MALUF, Carlos Alberto Dabus. A prescrição poder ser usada em qualquer fase processual. Revista

dos Tribunais, v. 87 (n.o 755), p. 156–158, 1998. Referência na p. 156.


109 DEL SIGNORE, Giovanni, Contributo alla teoria della prescrizione, Padova: CEDAM - Casa

Editrice Dott. Antonio Milani, 2004, p. 150, cogitando, em tese, do impacto que teria a transmutação da
prescrição em matéria relevável de ofício pelo magistrado. O regime italiano, reitere-se, depende da
arguição da exceção.

48
condição, poderia também atestar os efeitos já irradiados da normativa da prescrição.
Mesmo no desenho normativo anterior, de necessidade de oposição do devedor, houve
quem fosse ao extremo de sustentar ser esse o caso: o regime prescricional se operaria
por força de lei, mas o juiz estaria constrito a decidir equivocadamente em caso de não
provocação110. A redação do art. 189 do Código Civil reforçaria o ponto: não se fala
em direito defensivo, nem em oposição, mas sim que a pretensão «se extingue, pela
prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206».
Admitir que o fenômeno prescricional tenha sido subtraído da esfera jurídica
do devedor-excipiente cria pelo menos um embaraço direto e um indireto.
O embaraço direto reside na previsão legal, não revogada, de ser a exceção de
prescrição renunciável pelo titular (CC, art. 191). Em atenção a um mínimo de boa
técnica, só se pode renunciar àquilo que se tem: o negócio jurídico unilateral abdicativo,
que rompe vínculo de titularidade jurídica, tem que se prestar a cortar o liame entre a
esfera jurídica do titular e algo. A estar a prescrição fora dessa esfera jurídica, a corda
a ser cortada pelo ato de renúncia ligaria alguém a coisa nenhuma; um contrassenso
teórico que a lei inauguraria, de negócio jurídico de objeto inexistente.
Alternativamente, poder-se-ia falar em «renúncia da tutela legal de prescrição», em
confessada, mas não inédita atecnia. Ocorre que se cogitar de «renúncia à tutela lei»,
no caso da prescrição, teria contornos particularmente gravosos. Admitindo-se que (i) a
pretensão fosse extinta ope legis e (ii) a renúncia posterior a dita extinção autoriza o
exercício da pretensão; seria preciso concluir que (iii) dita pretensão foi repristinada
pelo negócio jurídico de renúncia, afinal, o titular não poderia exercer pretensão (plano
da eficácia) terminada por fenômeno legal (plano da existência). Vale dizer: a renúncia
referida pela lei produziria um efeito criativo, exatamente o oposto de seu significado
técnico, em leitura da lei de grande contrariedade, essa sim, inédita, à dogmática111.
O embaraço indireto reside, por sua vez, em se subtrair os efeitos da prescrição
do espectro do abuso do direito sob a cláusula geral do art. 187 do Código Civil. Ainda
que o histórico de interação entre prescrição e boa-fé seja marcado por desencontros
(v. item IV.4), há razoável consenso na doutrina internacional de que a prescrição (o
Direito, a bem da verdade) não se presta a tutelar golpes, esquemas, oportunismo do
excipiente que cause arrepio ao decoro social a despeito da observância da letra da

110 MOTA PINTO, Carlos Alberto da, Teoria geral do Direito Civil, 4 (2a reimpressão). Coimbra:

Coimbra Editora, 2012, p. 373.


111 No mesmo sentido, para afastar a tese de operação ipso iure e acolher a eficácia ope exceptionis,

GERARDO, Michele; MUTARELLI, Adolfo. Prescrizione e decadenza nel diritto civile: aspetti
sostanziali e strategie processuali. Turino: G. Giappichelli Editore, 2015, p. 59.

49
norma. Precisamente para a correção dessa patologia, i.e., para obstar a extração de
efeitos de posições jurídicas subjetivas que seja contrária à boa-fé, aos bons costumes
ou a seu fim econômico ou social, que a cláusula geral do ilícito funcional foi inserida
no Código. Para a prescrição como fenômeno automático da lei, naturalmente, poderia
haver outro fundamento – talvez principiológico – que desse resposta aos casos
disfuncionais, mas sem a certeza e lastro normativo claros que o abuso confere. Essa
cláusula geral, vai sem dizer, estaria fora do manejo do civilista: só pode abusar do
exercício de direito quem tem direito a exercer, e se a prescrição se desenrola toda ope
legis, o devedor por ela liberto em nada pode ser censurado, porque nada fez.
A cognoscibilidade de ofício pelo magistrado da prescrição não impõe,
necessária e logicamente, que ela se opere como fenômeno exclusivamente legal e não
como direito incorporado definitivamente à esfera jurídica do sujeito passivo (e, como
tal, fosse por ele renunciável). A preservação de status de exceção implica, a bem da
verdade, uma via bifurcada, da qual apenas um caminho poderá ser perquirido. A
primeira via enxergaria no fenômeno um exercício do direito defensivo pelo
magistrado, municiado de excepcional legitimação pelo texto de lei. O segundo
percurso vê na exceção de prescrição uma espécie sui generis transmutada para ser apta
a irradiar automaticamente seus efeitos defensivos, ressalvada a hipótese de sua
cessação pela extinção facultada pela renúncia. Sob esta última ótica, a prescrição
passaria a ser uma exceção própria e peremptória, cuja arguição pelo interessado é
desnecessária, porque de eficácia automática. Desejando, contudo, despojar-se deste
direito, poderia fazê-lo, por meio de renúncia expressa ou tácita. As duas hipóteses são
possíveis em tese, mas apenas a primeira, de excepcional atuação do magistrado, parece
de adoção oportuna.
Ao se considerar que o direito potestativo de exceção irradiaria efeitos
automáticos, conquanto ainda residente na esfera jurídica do excipiente, lançar-se-ia
mão de uma desnecessária transmutação no conceito de exceção – criando-se uma
extravagante complexidade no sistema – e cair-se-ia na dificuldade de operacionalizar
o controle da prescrição sob o art. 187 a que acima se referiu quando da recusa à tese
da eficácia ope legis pura. É mais coerente ao sistema civil (e, nesse caso, processual
civil) reconhecer que o magistrado possa, ele próprio, extrair efeitos substantivos de
determinadas posições jurídicas, quando a lei expressamente o autorize em razão de

50
elevados interesses sociais112. É claro que se cuida de uma trinca na inércia. Identifica
a exceção de prescrição, a introduz nos autos extraindo seus efeitos substantivos, e ato
contínuo a acolhe para extinguir a demanda com exame do mérito. Mas não é uma
trinca sem precedente, nem sem justificativa113.
Dois exemplos auxiliam a reflexão. Até a recentíssima reforma trabalhista, era
regra geral de que as execuções pudessem ser promovidas de ofício pelo magistrado
(CLT, art. 878, redação precedente à Lei 13.467/2017114). Ou seja: no silêncio da parte
interessada, o magistrado não exercia apenas um direito defensivo como a prescrição,
mas punha em marcha – no lugar do advogado – direito subjetivo de crédito, para que
se sucedessem atos de constrição, avaliação, praceamento e satisfação. A razão para
tanto nunca foi questionada pela doutrina: a importância de se assegurar tutela de verbas
alimentares 115 . Com a reforma trabalhista, essa proteção se tornou menor, porém,
contraditoriamente, mais clara: a execução se dá de ofício apenas quando o trabalhador
estiver desassistido de advogado (CLT, art. 878, redação atual) – ou seja, o juiz senta
na cadeira de patrono para voltar à de magistrado, sucessivamente, rumo à satisfação
do crédito. Sob a ótica civil, há um dever (material, substantivo) de indenização por
danos decorrentes de ato ilícito processual consistente em litigar de má-fé (CPC,
art. 79). Como casos de responsabilidade civil em geral, esse direito subjetivo de crédito
por ato ilícito deveria, ordinariamente, ser aviado por demanda, por iniciativa de seu

112 No direito anterior, disse-se: «[a] dívida dita prescrita é dívida exposta a ser encoberta, na pretensão,

nas ações ou exceções; não é, desde já, dívida a que se encobriu a eficácia. Ainda quando se trate de
pretensões não-patrimoniais, cuja prescrição, no direito brasileiro, pode ser declarada de ofício. Aliás,
a melhor construção para essa particularidade do direito brasileiro é a do exercício do direito de
exceção pelo próprio juiz. O Estado tem interêsse próprio em tais exceções, e o art. 166 permite ao juiz
e aos membros do Ministério Público que as invoquem, exercendo o direito de exceção, que, a respeito
de tais obrigações, também cabe ao Estado» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado
de Direito Privado, t. 6 (atualizado por Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson
Carús Guedes). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 418).
113 Como a doutrina processual não duvida, «não se deve confundir imparcialidade com passividade do

julgador durante o desenvolvimento do processo. Principalmente quando se trata do exercício de


poderes que a lei lhe confere de forma inequívoca» (BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes
instrutórios do juiz, 5a. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 121).
114 Art. 878. A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz

ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.


115 «O inicio da execução de ofício pelo juiz era uma das peculiaridades do processo do trabalho. A

natureza alimentar das verbas trabalhistas, aliada à ausência de rigor formal como princípio do processo
do trabalho, norteava a regra insculpida no art. 878 da CLT que, em sua redação original, assim dispunha:
“A execução poderá́ ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou
Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.” A execução trabalhista, apesar de
ser tratada por alguns doutrinadores como processo autônomo, até a alteração em estudo, havia
restringido a inércia da jurisdição apenas ao processo de conhecimento, dispondo como regra geral a
possibilidade de início da execução de ofício ou a requerimento das partes (art. 878 da CLT)»
(GONTIJO, Anna Carolina Marques, A reforma trabalhista e o fim da execução de ofício pelo juiz como
regra geral. Efeitos, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região, v. Edição especial
(nov/2017), p. 143–152, 2017. No excerto, p. 144).

51
titular, para posterior acolhimento pelo magistrado em ordem condenatória. Não é isso,
contudo, que diz a lei. Reabrindo os limites objetivos da lide posta sob seus cuidados,
o magistrado pode e deve, de ofício, identificar o ilícito processual, divisar a existência
de direito de crédito à indenização, introduzir a matéria nos autos e condenar a parte
culpada ao pagamento (CPC, art. 81). Apenas a execução (rectius, cumprimento de
sentença) ficará a cargo do interessado; até esse ponto, o magistrado exerceu todo o
direito material de fundo em benefício do titular, na arena processual. O interesse social
da regra é igualmente claro: dar máxima eficácia às regras de conduta perante o Poder
Judiciário e coibir o comportamento malicioso na jurisdição.
A prescrição agora se perfila a essas hipóteses. No interesse social de pacificar
relações, estabilizar demandas e dar eficiência à prestação jurisdicional, a prescrição
passa a ter uma hipótese excepcional de legitimação a exercício quando a pretensão
tenha sido objeto de demanda: o magistrado extrai a eficácia da exceção, para encobrir
a pretensão e extinguir o feito. O forte viés público da lei – verdadeira ferramenta de
administração da Justiça, confiada a agente público – e sua inserção na lei de regência
do processo estatal não deixam margens à dúvida de que igual prerrogativa não vai
estendida ao árbitro, que segue, tal qual no regime anterior, adstrito à oposição da
prescrição pela parte 116 . Resta integralmente preservada, portanto, a tradicional
natureza jurídica do instituto.

* * *

116 Corretas as considerações da doutrina especializada, quando afirma que «as coisas não ocorrem da

mesma maneira [com cognoscibilidade de ofício] quando o tema é prescrição, que é ato-fato jurídico
que leva à perda (rectius: paralisação) da pretensão, ou seja, do poder de exigir a satisfação de um
direito (art. 189 do CC). Ocorrida a prescrição, o titular do direito não pode projetar a pretensão
(exigir) o cumprimento do dever; não obstante, seu direito subsiste e, caso seja satisfeito
voluntariamente pelo devedor, não pode ser objeto de repetição. O reconhecimento da prescrição, de
ofício, é assinalado ao juiz (art. 332, § 1º, e art. 487 do NCPC), não ao árbitro. Assim, sem alegação
das partes, prevalece o contrato de arbitragem que impõe ao árbitro a aplicação do direito material –
que reconhece a renúncia expressa ou tácita à prescrição e que impede que o árbitro a declare caso não
haja alegação de uma das partes nesse sentido». (ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. O árbitro é (mesmo)
juiz de fato e de Direito? Análise dos poderes do árbitro vis-à-vis os poderes do juiz no novo Código de
Processo Civil brasileiro. Revista de arbitragem e mediação, v. 54, p. 79-122 (1–35 na plataforma
RTOnline), 2017, excerto na p. 14.

52
CAPÍTULO II CAMPO DE INCIDÊNCIA

No capítulo precedente, concluiu-se que a natureza jurídica da prescrição em


direito brasileiro é aquela de exceção substancial (ou de direito material), independente
e peremptória. Exceção substancial, por sua vez, foi compreendida (em sentido próprio
ou estrito) como a posição jurídica subjetiva ativa que encerra o poder de
unilateralmente sustar (suspender, encobrir) a eficácia da pretensão exercida por
outrem. Com essa qualificação, em boa medida, já se permitiu antever que o estudo se
filia, quanto à eficácia da exceção prescricional do ponto de vista dogmático, à opção
normativa do art. 189 do Código Civil: a prescrição afeta a pretensão.
Afirmar que a pretensão é o objeto de incidência da prescrição é, em alguma
medida, lugar comum na doutrina brasileira contemporânea. Dir-se-ia sem maior
receio, contudo, que esse lugar comum se dá menos por reflexão e mais por empuxo da
repetição do texto normativo. A propósito do sentido correto de pretensão e da real
eficácia da prescrição, segue vivo o desencontro da doutrina brasileira – apesar de
subterrâneo, oculto nas rachaduras de lições doutrinárias esparsas pela produção
bibliográfica nacional. O propósito desse capítulo é, pois, deixar a superfície e explorar
essas fendas, para nelas divisar qual é o locus de eficácia da prescrição, i.e., sobre que
verdadeiramente incide, direta ou reflexamente. Os conceitos centrais que reclamarão
atenção são aqueles de direito subjetivo em sentido estrito, ação (em sentido processual
e material) e, finalmente, pretensão (em sentido material).

II.1 Direito subjetivo

O primeiro e necessário ponto de parada já faz antever a dificuldade da


reflexão, pois é, talvez, o mais central e controvertido conceito do direito privado: o
direito subjetivo. Como já ocorreu acima, e ocorrerá outras vezes neste estudo, a
expressão é polissêmica no vocabulário jurídico. É preciso então, em primeiro lugar,
divisar de que se fala quando se cogita direito subjetivo como objeto de incidência do
fenômeno prescricional e, ato contínuo, tratar da pertinência (ou, antes, impertinência)
dessa propalada incidência.
Já nas primeiras linhas de formação do jurista, o direito subjetivo é referido
em cotejo a direito objetivo, sendo este a norma posta (direito em abstrato, como
previsto pelo ordenamento) e aquele a projeção individual da norma geral (direito em
concreto, de alguém, i.e., do sujeito – daí, subjetivo –, como outorgado pelo

53
ordenamento, após a incidência sobre o suporte fático)117. A abstração é naturalmente
estranha a origens romanas118, e na pandectista se travou debate acirrado entre correntes
que buscavam nesse feixe de prerrogativas individuais ancoragem ora na vontade, ora
no interesse juridicamente tutelado, ora em pontos mistos de um ou outro extremo119.
A noção de que os indivíduos, sejam entes de existência concreta ou ideal, possam ser
titulares («donos») de direitos é uma conquista civilizatória. No rol de direitos
subjetivos, assim amplamente concebidos, estão enfileiradas posições jurídicas
subjetivas caras ao senso mínimo de justiça da contemporaneidade: direito à vida,
direito à dignidade. Como a doutrina aponta, o direito subjetivo, longe de ser um
arabesco técnico afeto a gabinetes de reflexão jurídica, é um marco teórico
representativo de uma trincheira de resistência da pessoa frente ao Estado, de cujo
apetite para intervenção e controle a história, antiga e recente, é sempre fiel
testemunha120.
Um inconveniente, ou talvez apenas uma necessária característica, dessa
primeira designação, é sua demasiada amplitude e consequente pouca operatividade. A

117 «Rigorosamente, o direito subjetivo foi abstração, a que sutilmente se chegou, após o exame da

eficácia dos fatos jurídicos criadores de direitos. A regra jurídica é objetiva e incide nos fatos; o suporte
fático torna-se fato jurídico. O que, para alguém, determinadamente, dessa ocorrência emana, de
vantajoso, é direito, já aqui subjetivo, porque se observa do lado dêsse alguém, que é o titular dêle.»
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 5, 2a. São Paulo:
Borsoi, 1952, p. 225); «Na sua plurivalência semântica, a palavra direito ora exprime o que o Estado
ordena, impõe, proíbe ou estatui, ora significa o que o individuo postula, reclama e defende. Quando
alguém se refere ao preceito emanado da autoridade, chama-o direito, porque aí enxerga a norma de
conduta, revista de autoridade. Quando alude à projeção individual da norma, ou ao seu efeito,
igualmente lhe dá o nome de direito. Para distinguir um e outro sentido, qualifica-o, no primeiro caso,
como direito objetivo, traduzindo o comando estatal, a norma de ação ditada pelo poder publico, e é nesta
acepção que se repete secularmente que ius est norma agendi. (...) No segundo caso, acrescenta-lhe outro
adjetivo para denomina-lo direito subjetivo, abrangendo o poder de ação contido na norma, a faculdade
de exercer em favor do indivíduo o comando emanado do Estado, definindo-se ius est facultas agendi».
(PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, vol. I, 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 10).
118 «A princípio os juristas trabalhavam com os conceitos, sem os precisar, e quase lhes bastava aludir a

estados: ‘tem direito’, ‘teve direito’, ‘terá direito’, ‘cessou o seu direito’. A despeito de sua extraordinária
finura, os juristas romanos não desceram no fundo do problema». (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 5, 2a. São Paulo: Borsoi, 1952, p. 225/226). Em mesmo
sentido: BONALDO, Frederico, Consistência teórica do direito subjetivo de propriedade. Uma
leitura à luz da história do pensamento jurídico, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2009, p. 49 e
ss, em interessante análise da obra de Michel Villey; MOREIRA ALVES, José Carlos, Direito subjetivo,
pretensão, ação, Revista de Processo, v. 47, p. 109-123 (plataforma RT Online, 1-12), 1987.
119 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil, t. 1. Introdução.

Fontes do Direito. Interpretação da Lei. Aplicação das Leis no Tempo. Doutrina Geral. 4a. Coimbra:
Almedina, 2012, p. 873 e ss.
120 «O direito subjetivo é sentido, na nossa cultura, não como uma mera instrumentacaotecnica, a

manipular pelos juristas, mas antes como uma vantagem pessoal, a conquistar, a preservar e a defender.»
(MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil, t. 1. Introdução.
Fontes do Direito. Interpretação da Lei. Aplicação das Leis no Tempo. Doutrina Geral. 4a. Coimbra:
Almedina, 2012, p. 892).

54
norma geral, projetada individualmente, gera posições de vantagem as mais variadas121,
como o direito a receber de outrem uma prestação positiva ou negativa (comprador
que tem direito à entrega da coisa – CC, art. 481; dono da obra que tem direito ao
trabalho de reforma – CC, art. 610 e ss); o direito a modificar a esfera jurídica de
outrem (titular de preferência que tem direito a fazer surgir, por seu desígnio, o contrato
de compra e venda em si – CC, art. 513 e ss, ou Lei do Inquilinato, art. 33; vítima de
ardil que, havendo contratado por dolo, pode anular o negócio – CC, art. 171, II); ou o
direito a obter uma vantagem mediante um sacrifício (reduzir a prestação por si
titularizada, equitativamente, para preservar o negócio jurídico cujo sinalagma genético
ou funcional tenha sido turbado – CC, art. 157, §2º e 479, , respectivamente), direito de
tomar decisões por outrem, no interesse de outrem (genitor(a) determina como se
desenrolarão aspectos variados da vida da prole – CC, art. 1.634) dentre tantas outras.
A cada uma dessas posições corresponde uma perspectiva de efeitos jurídicos
radicalmente diversa, e um único «direito subjetivo» como regra enfeixa diversas
dessas prerrogativas, simultaneamente, sob mesmo manto relacional. Para essas
prerrogativas, o direito subjetivo serve como um «complexo unitário (e unificante) 122»,
ou ainda «uma exigência de economia mental: (...) uma fórmula abreviada, por assim
dizer estenográfica, com a qual se denota uma constelação de posições jurídicas
elementares que se apresentam habitualmente coligadas 123 ». Aproveita a clareza,
então, que se delimite os conceitos mais circunscritos aos quais o estudo se filiará.

121 «O direito subjetivo corresponde a uma situação jurídica compreensiva: dado pela História e pela

cultura do Direito, ele tem uma presença efetiva nos planos teórico e prático, englobando diversas
realidades menores.» (MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil,
t. 1. Introdução. Fontes do Direito. Interpretação da Lei. Aplicação das Leis no Tempo. Doutrina
Geral. 4a. Coimbra: Almedina, 2012, p. 871).
122 «Il diritto soggettivo si presenta come un complesso unitario (e unificante) di situazione giuridiche

elementari: esso indica un insieme di facoltà, pretese, poteri e immunità che si trovano in un stato di
abituale e costante collegamento, e che ineriscono ad un determinato soggetto in relazione a un
determinato oggetto. / O direito subjetivo se apresenta como um complexo unitário (e unificante) de
posições jurídicas elementares: ele indica um aglomerado de faculdades, pretensões, poderes e
imunidades que se encontram em um estado habitual de constante coligação, inerentes a um determinado
sujeito frente a um determinado objeto» (LUMIA, Giuseppe, Lineamenti di teoria e ideologia del
diritto, 3a. Milão: Giuffrè Editore, 1981, p. 112).
123 «La figura giuridica del diritto soggettivo risponde in buona sostanza ad una esigenza di economia

mentale: essa è nient’altro che una formula abbreviata, per così dire stenografica, con la quale si denota
una costellazione di situazioni giuridiche elementari che si presentano abitualmente collegate. Il diritto
soggettivo si identifica con la totalità delle situazioni giuridiche elementari che lo costituiscono, e in esse
si risolve senza residui. / A figura jurídica do direito subjetivo responde, em boa medida, a uma exigência
de exonomia mental: essa é nada senão uma fórmula abreviada, por assim dizer estenográfica, com a
qual se denota uma constelação de posições jurídicas elementares que se apresentam habitualmente
coligadas. O direito subjetivo se identifica com a totalidade das situações jurídicas elementares que o
constituem, e nessas se exaure, sem resíduos» (LUMIA, Giuseppe, Lineamenti di teoria e ideologia del
diritto, 3a. Milão: Giuffrè Editore, 1981, p. 113).

55
Direito subjetivo em sentido estrito, ou direito subjetivo de crédito, é o direito
de receber de outrem uma prestação positiva ou negativa, de dar, fazer ou não fazer,
incorporando definitivamente a seu patrimônio as vantagens dessa prestação124. Não se
ignora se cuide de categoria, ainda, profundamente ampla. Direitos subjetivos em
sentido estrito podem ser originados de posições jurídicas pessoais ou reais – não estão,
portanto, propriamente ao lado, mas sob essas classificações125. Preferível dizer, aliás,
não que direitos de crédito surgem de posições pessoais ou reais, mas, antes, de
posições relativas ou absolutas. Insistir em uma clivagem exclusiva entre direitos
pessoais e reais é, em alguma medida, um eco contemporâneo a arranjos categoriais de
actio romana126, arranjos que enfrentam embaraço quando se adensa a reflexão com
espécimes de eficácia atípica como direitos da personalidade, do autor, ou, em geral,
direitos pessoais com eficácia real. Para fins de análise sob a lente da prescrição, neste
momento, é despicienda a precisão de todas essas nuances: por ora, basta que se
constate esse traço comum a todas as hipóteses de direito subjetivo em sentido estrito,
ou direito subjetivo de crédito: o sujeito passivo deve se comportar de determinada
forma prescrita para satisfação da prestação a que faz jus o sujeito ativo.
Parte relevante da doutrina vê na eficácia paralisante da prescrição uma força
extintiva do próprio direito subjetivo. Com variações, essas posições são lastreadas pela
percepção difusa de haver uma contradição intrínseca em se admitir a existência de
direito subjetivo ao sujeito ativo, de um lado, e a absoluta impossibilidade de sua
imposição ao sujeito passivo, de outro. A doutrina comparatista europeia

124 Interligando créditos e pretensões, sem confundi-los, PONTES DE MIRANDA ensinou que «desde que,
com a incidência da regra jurídica, alguém deve, ou deve e é obrigado a prestar a outrem, há, da parte
dessoutro, direito de crédito, ou direito de crédito e pretensão. Ao direito e ao dever chama-se,
respectivamente, crédito e débito (ou dívida). O poder exigir a prestação é a pretensão; aquêle a quem
ela se dirige é o obrigado.» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito
Privado, t. 5. 2a. São Paulo: Borsoi, 1952, p. 247).
125 Sem razão, então, a doutrina que afirma que «os termos das modalidades dos direitos subjetivos

quanto ao seu regime implicam, para serem conhecidos e apreciados, uma antecipação das regras
aplicáveis (...) [P]ode-se indicar o elenco mais impressivo, que distingue: direitos de crédito; direitos
reais; direitos de família; direitos das sucessões, conforme se lhes apliquem as regras próprias das
quatro correspondentes disciplinas civis. À tetrapartição referida haveria que acrescentar, pelo menos,
os direitos das pessoas [no Brasil, direitos da personalidade], como abrangendo aqueles que se rejam
pelas normas que (...) formarm um conjunto jurídico próprio.» (MENEZES CORDEIRO, António
Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil, t. 1. Introdução. Fontes do Direito. Interpretação da
Lei. Aplicação das Leis no Tempo. Doutrina Geral. 4a. Coimbra: Almedina, 2012, p. 901).
126 A mais importante partição da actio, segundo WINDISCHEID – e, mesmo em Roma, com rachaduras

eficiais que forçavam a criação de subcategorias (como actio pessoal com contraparte indeterminada e,
nesse sentido, in rem) (WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor. Polemica intorno all’actio
(com introdução de Giovanni Pugliese). Trad. Giovanni PUGLIESE. Florença: Stabilimenti
Tipolitografici Vallecchi, 1954, p. 16 (sobre a relevância da classificação) e p. 23 (sobre as dificuldades
classificatórias).

56
oportunamente batizou essa posição de strong substantive approach127. A despeito de
não ser a posição extraível do seu conjunto normativo128, é a letra do Code, que mesmo
reformado se refere à extinção de um direito129. Também o PICC se refere amplamente
a «rights», e não a «claims» - que seria a linguagem restritiva preferida do soft law
europeu –, mas não é possível filiá-lo ao strong substantive approach 130 porque o
mesmo dispositivo fala em refreamento do exercício desses direitos, e não extinção
deles próprios131.
Sem que haja nesta observação uma crítica aos defensores da teoria, essa é
uma retórica que tem largo apelo ao leigo. Se alguém tem direito, ou bem tem proteção,
força de exigência com tendência à coerção, ou bem tem um simulacro de direito que
já não merece o nome. Fica encampado pelo próprio conceito de direito subjetivo em
sentido estrito a possibilidade de exigi-lo, o tegumento protetor estatal. «Só há direito
subjetivo, se o Estado tutelar o titular desse poder contra violação 132 », afirma
autorizada doutrina, a quem fez coro parte da civilística internacional133 e nacional ao

127 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and


prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 73.
128 ZIMMERMANN, Reinhard. Extinctive prescription under the Avant-projet. European Review of

Private Law, v. 6, p. 805–820, 2007, em especial pp. 812-813. Para considerações mais amplas sobre o
projeto, inclusive nas porções propriamente afetas ao direito das obrigações, v. FAUVARQUE-
COSSON, Bénédicte; MAZEAUD, Denis. L’avant-projet français de réforme du droit des obligations et
du droit de la prescription. Uniform Law Revue - Revue de Droit Uniforme - UNIDROIT, v. 11,
p. 103–34, 2006 e, em interessante proposta comparatista com a legislação do Estado da Louisiana,
v. JANKE, Benjamin West; LICARI, François-Xavier. The French revision of prescription: a model for
Louisiana? Tulane Law Review, v. 85, 2010.
129 Code, Article 2219. Modifié par Loi n°2008-561 du 17 juin 2008 - art. 1. La prescription extinctive

est un mode d'extinction d'un droit résultant de l'inaction de son titulaire pendant un certain laps de temps.
/ Artigo 2219. Modificado pela Lei n.º2008-561, de 17 de junho de 2008, art. 1º. A prescrição extintiva
é um modo de extinção de um direito resultante da inação de seu titular durante um certo lapso de tempo.
130 A doutrina esclarece que a referência ampla a direitos quer abranger outras posições jurídicas não

tipicamente reconduzíveis à prescrição (quando menos não diretamente), como o direito de rever o valor
da prestação, ou o direito de extinguir o contrato (ZIMMERMANN, Reinhard. The new German law
of obligations. Historical and comparative perspectives. Nova Iorque: Oxford University Press, 2005,
p. 128).
131 PICC, Article 10.1. (Scope of the Chapter). (1) The exercise of rights governed by the Principles is

barred by the expiration of a period of time, referred to as “limitation period”, according to the rules of
this Chapter. (2) This Chapter does not govern the time within which one party is required under the
Principles, as a condition for the acquisition or exercise of its right, to give notice to the other party or to
perform any act other than the institution of legal proceedings. / Artigo 10.1 (Âmbito do capítulo) (1) O
exercício dos direitos regidos pelos Princípios é barrado pela expiração de um período de tempo,
denominado “prazo de prescrição”, de acordo com as regras deste Capítulo. (2) Este Capítulo não regula
o tempo dentro do qual uma parte é obrigada, nos termos dos Princípios, como uma condição para a
aquisição ou exercício de seu direito, a notificar a outra parte, ou a realizar qualquer ato que não seja o
ajuizamento de uma ação.
132 MOREIRA ALVES, José Carlos, Direito subjetivo, pretensão, ação, Revista de Processo, v. 47,

p. 109–123 (plataforma RT Online, 1–12), 1987, p. 4/5.


133 «La prescrizione è un modo di estinzione dei diritti che sono trascurati nel tempo dai loro titolari, e

non corrispondono più ad un loro rilevante interesse. / A prescrição é uma forma de extinção de direitos
que são negligenciados ao longo do tempo por seus donos, e não correspondem mais a um interesse
relevante de sua parte.» (BIANCA, Cesare Massimo. Le garanzie real; la prescrizione. Milão: Giuffrè

57
afirmar que «esdrúxulo se nos afigura (...) que o ordenamento legal reconheça o
direito, afirme a sua vinculação ao sujeito ativo, proclame sua oponibilidade ao sujeito
passivo, mas recuse os meios de exercê-lo eficazmente. (...) Com o perecimento da
ação, extingue-se efetivamente o próprio direito (...)» 134 . Dando um passo além, a
posição faz lembrar (a contrario sensu) a máxima positivada no art. 75 do Código
Beviláqua, segundo a qual «a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura».
O conceito proposto acima para direito subjetivo de crédito deveria então ser revisto,
para se lhe enunciar como «o direito de receber de outrem uma prestação positiva ou
negativa, de dar, fazer ou não fazer, incorporando definitivamente a seu patrimônio as
vantagens dessa prestação, bem como de exigi-la e obtê-la forçosamente com
intervenção do Estado, se preciso.»
Há, contudo, alguns pontos de embaraço para essa posição. Todos se
reconduzem a uma realidade: poder exigir a satisfação da prestação que lastreia o
direito subjetivo é apenas uma das formas de reconhecimento, pelo ordenamento, dessa
posição jurídica subjetiva. É falacioso dizer que quem não pode exigir, não pode nada.
Quem pode exigir tem a melhor tutela, mas, por exemplo, quem pode legitimamente
receber e reter também está no espectro de proteção estatal. Reconheça-se: está posto
com menos força, porque depende da prestação espontânea inicial que os dotados da
prerrogativa de exigir podem superar; porém sem dúvidas tem mais força que
aqueloutros despidos quer do poder de exigir, quer do poder de reter, postos que estão
definitivamente de fora de qualquer proteção do ordenamento.
Não se pretende aqui cuidar da posição jurídica típica da «exceção de
retenção». Essa já foi usada como exemplo no capítulo precedente e será, novamente,
invocada como objeto dos itens II.3 e IV.1, abaixo, quando se cuidará da adequação do
conceito de exceção de direito material ao espectro de incidência da prescrição e da
eficácia da prescrição. Aqui, de maneira mais ampla, refere-se não à exceção, mas
apenas à prerrogativa do titular de direito subjetivo de manter consigo a prestação que
lhe era devida e foi efetivamente adimplida, recusando sua restituição ao devedor. Essa

Editore, 2012, p. 508).


134 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2002, p. 435. O mesmo professor aceita a premissa da pretensão nos comentários ao art. 189 do Código
Civil, mas, aqui, sua doutrina parece ter escopo diverso: comentários práticos e em formato sumário à
lei (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Comentários ao Código Civil de 2002, vol. I. Parte geral, arts.
1o a 232 (com atualização legislativa de Cristiano de Sousa Zanetti e Leonardo de Campos Melo).
Rio de Janeiro: GZ Editora, 2017, p. 193). Quer-se crer, portanto, que a posição original, enfática e
extensa, em sede de manual, nunca foi abandonada, ainda que suprimida, sem razão aparente, ou sem
nota que desse satisfação de tanto, nas edições do manual atualizadas por terceiros.

58
é uma prerrogativa que o titular de direito subjetivo de crédito alvejado pela prescrição
mantém por expressa letra de lei (CC, art. 882), como o mantém, igualmente, o credor
em obrigação natural. Essa não é, note-se, prerrogativa de que desfrute qualquer sujeito
que tenha recebido espontânea prestação de outrem, o que por óbvio esvaziaria o
discurso aqui proposto: «todo deslocamento patrimonial há de ter uma causa que o
direito reconheça como tal; do contrário, exsurge a obrigação de restituir135». Mas
aqui, como se vê, obrigação de restituir não há. E se o que há é essa prerrogativa de não
restituir, de incorporar definitivamente a vantagem ao patrimônio, prerrogativa não
genérica, mas específica, é preciso dizer qual o seu lastro, sua explicação última no
ordenamento se não a existência (ou resistência) do direito subjetivo à prescrição.
Há aqui dois campos de explicação, ambos igualmente possíveis, mas não
igualmente oportunos.
A primeira explicação prestigia o strong substantive approach e afirma que a
impossibilidade de se compelir o credor a restituir a prestação espontaneamente
adimplida se coliga a uma espécie de tutela moral juridicamente reconhecida,
constituindo uma causa autônoma de justificação do deslocamento patrimonial esse
senso de satisfação à moralidade pela conduta do devedor de pagar a dívida extinta pelo
tempo 136 . Não é um absurdo propor que razões de moralidade, juridicamente
reconhecidas, justifiquem a retenção de prestações sem que houvesse relação
obrigacional e direito subjetivo a justificá-las (o mesmo se diga de um comum senso de
justiça, ou ainda de pura política legislativa137). Aliás, o Código é expresso ao afirmar
que o devedor que dá coisa para fim imoral não pode obter sua repetição, parecendo
coerente propor que o ordenamento pudesse agasalhar a assertiva análoga de que a
obrigação deliberadamente adimplida para fim moral não comportaria, de igual forma,
repetição. Essa seria então a ratio, senão a letra do já mencionado art. 883 do Código
Civil. Pelo ordenamento, há juízos de valor que obstam a repetição, mesmo quando o
pagamento já se faz sem dívida; há, em suma, valores elevados per se ao status de causa
suficiente ao deslocamento patrimonial. Como se antecipou, a explicação é
dogmaticamente possível, apenas não a mais oportuna, ou, talvez fosse melhor dizer,

135 MARTINS-COSTA, Judith; HAICAL, Gustavo, Direito Restitutório. Pagamento indevido e

enriquecimento sem causa. Erro invalidante e erro elemento do pagamento indevido. Prescrição.
Interrupção e dies a quo, Revista dos Tribunais, v. 956, p. 257-295 (RTOnline 1–24), 2015, excerto na
p. 2.
136 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito subjetivo, pretensão, ação. Revista de Processo, v. 47,

p. 109-123 (plataforma RT Online, 1-12), 1987, p. 5-6.


137 Por exemplo: o credor cambiário recebeu pagamento, por erro, de quem não lhe devia e, confiante na

quitação da dívida, abriu mão das garantias que lhe assistiam. Essa piora em sua posição, por si só, será
causa de retenção de pagamento a que nunca fez jus (CC, art. 880).

59
talvez não a melhor diante do propósito do instituto da prescrição e do panorama geral
do ordenamento jurídico a propósito da tutela de direitos.
Enfrente-se a questão um ponto por vez.
O capítulo CAPÍTULO V, abaixo, cuidará de enfrentar os diversos
fundamentos que a doutrina lista para a prescrição. Lá, se verá em detalhe que o
fundamento da segurança jurídica é partilhado por todos, em verdadeira communis
opinio doctorum. Seria indesejável que o devedor se visse surpreendido pela exigência
de desempenho de uma prestação encoberta pela poeira do tempo, muitas vezes tornada
onerosa pelo acúmulo dos consectários legais. É verdade que não apenas ao devedor
mira o instituto, mas a toda a sociedade: por isso mesmo a tradição romano-germânica
limita severamente a pactuação negocial de prazos prescricionais ex ante e a lei
brasileira a exclui como um todo (CC, art. 192; a propósito, veja-se o item IV.3,
abaixo). Isso, porém, é questão atinente ao regime de prescrição não verificada em
concreto, ou seja, não operada. Em matéria de prescrição verificada, pende a balança
ao interesse individual do devedor, admite-se-lhe a renúncia da exceção (CC, art. 191;
veja-se o item IV.2, abaixo) e retorno do credor ao status de higidez plena de sua
posição. Em tal cenário, i.e., em um quadro de proteção do devedor da surpresa da
exigência da satisfação, faz mais sentido enxergar a prescrição como circunscrita a essa
exigência (cujos contornos se verá logo adiante) do que amplamente incidente sobre
todo o direito que, relembre-se, o devedor pode desejar genuinamente satisfazer, e
efetivamente satisfazer a reboque desse direito. Reputar a prescrição como fonte
extintiva de direito seria, por assim dizer, matar o mosquito com canhão, tutelar mais
do que o tutelado reclama.
Poder-se-ia objetar a esse ponto com a retomada da afirmação inicial do strong
substantive approach: «só há direito subjetivo, se o Estado tutelar o titular desse poder
contra violação138». Essa aparentemente desnecessária morte do direito subjetivo seria
então derivação de sua própria natureza, incindível com a exigibilidade e tutela
coercitiva consequente. Ocorre que a coerção estatal não é regra da realidade social dos
direitos subjetivos e é incidental do ponto de vista teórico. Já disse a doutrina que «o
protecionismo envolve dois aspectos inaceitáveis. Por um lado, ele postula, no Direito,
sempre ou em primeira linha, medidas de proteção jurisdicional ou – pois disso no
fundo se trata – de coação. Ora, na grande maioria dos casos, tudo se passa sem
necessidade de intervenção dos tribunais e, menos ainda, sem qualquer aplicação, pela

138 MOREIRA ALVES, José Carlos, Direito subjetivo, pretensão, ação, Revista de Processo, v. 47,
p. 109–123 (plataforma RT Online, 1–12), 1987, p. 4-5.

60
forca, de sanções. Procurar definir o direito subjetivo com base no esporádico é tomar,
por regra, a exceção, numa orientação que deforma toda a realidade a definir. Acresce
ainda que – como é sabido – vastas áreas jurídicas não assentam na coação, enquanto
se desenha, em todo o Direito Civil, uma tendência salutar para, progressivamente,
abolir quaisquer manifestações de força: nada disso põe em causa o direito
subjetivo»139. A paisagem do Direito Privado se ilustra de direitos nascidos, mas não
tuteláveis; e direitos não-nascidos, mas tuteláveis. A correlação de direito e tutela (no
sentido cogitado por esse segmento da doutrina, de atuação positiva para satisfação) é
intuitiva, mas não necessária.
O art. 131 do Código Civil é inequívoco ao dispor que «o termo inicial
suspende o exercício, mas não a aquisição do direito». Se for admitida a premissa de
exercício como conduta positiva ou negativa destinada a extrair, ou prevenir a extração,
de efeitos concretos de uma determinada posição jurídica subjetiva140, sucede, logica e
necessariamente, pôr-se a questão do exercício (suspenso) no plano da eficácia. A parte
que entabula negócio com termo inicial é titular; apenas não está em condição de pôr
em movimento o direito que já tem. O vendedor que contrata hoje para receber o preço
em um ano é credor, hoje, ainda que o calendário se interponha entre si e a
concretização, por sua iniciativa, dos efeitos de sua posição. Dizer que da circunstância
de que o vendedor não poder exigir (e obter tutela, que são coisas diversas) o preço
desde logo não implica dizer que o crédito inexista, aos olhos do Direito. Se o

139 E segue: «para além do desvio que sempre implica um sobrevalorizar da proteção coativa, as

tendências protecionistas incorrem na critica de não alcançarem o essencial do direito subjetivo.


Perante esta figura, o titular pode air em certos molders, que a ele cabe escolher. O proteciosnismo não
refere tal aspecto, nem,menos, diz o que pode fazer o titular apenas afirma o que os outros não devem
fazer. Não há equivalência entre a posição positiva do titular e as posições negativas dos não-titulares:
o primeio desfruta de múltiplas possibilidades, ditadas pela natureza do objeto do direito e pelas regras
aplicáveis, enquanto os segundos se devem remeter a simples abstenções.» (MENEZES CORDEIRO,
António Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil, t. 1. Introdução. Fontes do Direito.
Interpretação da Lei. Aplicação das Leis no Tempo. Doutrina Geral. 4a. Coimbra: Almedina, 2012,
p. 886 para ambos os trechos).
140 «Todo direito, tôda pretensão, tôda ação e tôda exceção tem seu conteúdo. O ato, positivo ou negativo,

do titular, segundo êsse conteúdo, é o exercício do direito, da pretensão, da ação ou da exceção. Se


figurássemos qualquer dêles como espaço limitado, seria como o ato de andar dentro dêsse espaço».
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1955, p. 71); «Em sentido estrito, o exercício traduz a concretização, por uma pessoa,
de uma situação, ativa ou passiva, que lhe tenha sido conferida pelo Direito. O exercício está moldado,
em termos paradigmáticos, sobre a atuação que se desenvolva no âmbito de um direito subjetivo. (...) O
exercício jurídico implica uma decisão do agente». (MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha
e. Tratado de Direito Civil, t. V. Parte geral, exercício jurídico. 2a. Coimbra: Almedina, 2015, p. 21);
«Exercício é a conduta do sujeito frente às potencialidades para as quais a titularidade do direito lhe
faculta legitimidade e o limite intrínseco do direito arrola. “Exercer significa assumir um
comportamento” frente às prerrogativas que o direito em questão oferece.» (ANDRADE NEVES, Julio
G. A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil. São Paulo: Almedina, 2016, p. 55).

61
comprador dispõe de bens a ponto de se lançar à insolvência, ninguém duvidará que o
vendedor poderá anular os negócios firme na disciplina da fraude contra credores, por
meio de ação pauliana, mesmo sob pressuposto de que «só os credores que já o eram
ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles» (CC, art. 158, §2º). De igual
forma, correndo os prazos presumivelmente em favor do devedor (CC, art. 133,
segunda parte), se o comprador deposita em conta bancárias os valores, a obrigação
será extinta por pagamento. Obrigação extinta é apenas aquela coligada a direito
subjetivo de crédito existente; direito subjetivo, contudo, despido de força para
exercício coercitivo imediato. Exemplos análogos poderiam se dar a partir de
obrigações naturais como aquelas decorrentes de jogo ou aposta. (CC, art. 814). O
ordenamento reconhece crédito, mas não admite exercício coercitivo.
Na ponta oposta da linha de raciocínio aqui exposta – mas apontando aos
mesmos resultados –, o Código também é claro ao estabelecer que a condição
suspensiva impede a aquisição do direito141. Em dúvida sobre a produtividade de dada
fazenda, o comprador pactua com o vendedor que a adquirirá se e somente se a safra
do ano seguinte superar a marca de Y toneladas. No momento da assinatura do contrato,
o comprador não tem direito subjetivo à fazenda, nem o comprador o correlato dever
de transferir a propriedade; o vendedor não tem a pretensão, nem o comprador a
correlata obrigação (em sentido próprio). Na realidade, o comprador não tem senão
direito expectativo142, i.e., um protodireito, direito a incorporar à sua esfera jurídica o
direito à fazenda, se e somente se o suporte fático da condição suspensiva se
implementar (ou se tiver por implementado, a teor do CC, art. 129, primeira parte). Isso
não obstante, tem tutela para preservar esse direito sequer nascido. O art. 130 do Código
Civil dá conta de que «ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva
ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.» Se no curso da
colheita a fazenda for invadida por grileiros, o comprador – que sequer é, de fato,
comprador, mas protocomprador – pode agir como se proprietário fosse e buscar tutela
para repelir os invasores. O mesmo se diria de cessionário de crédito sob condição
suspensiva, que poderia, por exemplo, interpelar o devedor para pagamento para fins
de interrupção do prazo prescricional (CC, art. 202, V), ou, ainda, opor embargos de
terceiro contra penhora que recaísse sobre o crédito objeto da cessão condicionada, ou

141 Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não
verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.
142 «O direito expectativo, em caso de condição suspensiva, é direito a adquirir, ipso iure, outro direito,

ao se cumprir a condição. O direito, que se adquire, em virtude daquele, é outra coisa (crédito,
propriedade, herança, legado)» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito
Privado, t. 5. 2a. São Paulo: Borsoi, 1952, p. 174).

62
sobre bem que o garantisse (CPC, art. 674). Em todos esses casos, não há direito
subjetivo, mas há tutela ativa posta à disposição daquele que, apenas eventualmente,
poderá se tornar titular de efetivo direito.
Se é verdade que o ordenamento lista exemplos de direitos subjetivos sem
tutela ativa e exemplos outros de tutela sem direitos subjetivos, parece mesmo
demasiado artificial a posição que coligue aprioristicamente direito e pretensão e, a
reboque disso, afirme por princípio que se deve ter por extinto o direito subjetivo em
sentido próprio quando se lhe abata a prescrição. O strong substantive approach faz
sentido em tese, mas não faz tanto sentido quanto suas alternativas. Não surpreende,
portanto, tenha caído em amplo descrédito no cenário nacional e internacional. O
art. 189 do Código Civil segue a linha da Alemanha, onde a letra expressa do §194 (1)
do BGB aponta para a pretensão (Anspruch) como objeto da prescrição; os PICC
afirmam textualmente que «the expiration of the limitation period does not extinguish
the right143» (artigo 10.9). Coerentemente, a doutrina comparatista dá igual relato de
perda de relevo144.
A explicação para que a prestação voluntariamente adimplida à luz da
prescrição seja irrepetível é, portanto, a mais simples: a prescrição não se ocupa do
próprio direito de crédito. Resta investigar, adiante, do quê se ocupa a prescrição.

II.2 Ação de direito processual e ação de direito material

A literatura romano-germânica em geral, e brasileira em particular, apontou


por décadas e sem titubeio as ações como objeto de incidência da prescrição. Assim em
todos e cada um dos clássicos145, em posição que permaneceu intocada por séculos na
tradição brasileira. Por consequência, a questão da prescrição se punha em saber não se
eram as ações as vítimas de sua vulneração (dado tido por evidente), mas sim quais
ações o eram. AGNELO AMORIM FILHO saltou anos de dogmática em um único artigo,
quando propôs que ações declaratórias eram imprescritíveis, condenatórias prescritíveis

143 «O transcurso do prazo prescricional não extingue o direito».


144 BONEL, Michael Joachim. Limitation periods. In: HARTKAMP, Arthur; HESSELINK, Martijn;
HONDIUS, Ewoud; et al (Orgs.). Towards a European Civil Code. 3a. Haia: Kluwer Law International,
2004, p. 528.
145 CARPENTER, Luiz Frederico Sauerbronn. Da prescrição (artigos 161 a 179 do Código Civil). 3a.

Rio de Janeiro: Editôra Nacional de Direito, 1956, p. 12, ainda que a integralidade de sua obra aponte a
tendências de ter a ação o efeito último de extinguir o próprio direito, mesmo que reflexamente;
FRANCO, Ary Azevedo. A prescrição extintiva no Código Civil brasileiro, doutrina e
jurisprudência. 3a. Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 16; GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Prescrição
e decadência. 2a. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 105.

63
e constitutivas subordinadas ao regime da decadência – com o que anteviu, ainda que
entre cortinas processuais, que apenas a pretensão, traduzível em condenações, seria
objeto próprio do regime prescricional146 (o ponto será retomado no subitem seguinte).
Essa confusão de conceitos a história explica e o estudo superou, em parte.
Como já se sentiu por ensejo da reflexão sobre as exceções, a origem romana
da prescrição cria um natural embaraço na importação (mormente na importação
acrítica) do instituto pelos milênios que medeiam seu nascimento e os tempos presentes.
O Direito oferece a tentação hermenêutica da identidade ou das semelhanças fonéticas
e o intérprete açodado não se atentará ao fato de que texto e contexto são igualmente
importantes. Ao navegar pelas fontes, o estudioso do século XXI não pode ler «ius»,
«actio» e «praescriptio» como hoje lê direito subjetivo, ação e prescrição. A
organização do direito romano e o notável senso prático daqueles pensadores ignorava
categorias abstratas que hoje parecem triviais e de existência perpétua. Coube a
BERNHARD WINDSCHEID (e seu debatedor THEODOR MUTHER), em acesa polêmica,
desvelar que (i) os conceitos de direito e ação eram mesclados no ordenamento romano,
que não reconhecia direitos variados e ações abstratas, mas atribuía actio para a tutela
específica de direito material que visava consagrar; e (ii) a actio antiga melhor
corresponderia à moderna pretensão (Anspruch), i.e., à capacidade de exigir de alguém
dado comportamento – o que se dá em juízo ou fora dele –, e não à ação (Klage)
concebida como direito abstrato, dirigido ao Estado-Juiz, de obter prestação
jurisdicional 147 . Esse o grande salto de WINDSCHEID frente aos romanistas de seu
tempo: o divorciar ação de actio, para propor a Anspruch como categoria que melhor
traduziria a actio em tempos modernos. Na linguagem do BGB, «o direito de exigir que
alguém faça ou deixe de fazer algo», que nada tem que ver com ação, ou, antes, apenas
incidentalmente tem, já que a exigência pode se dar em juízo ou fora dele148.
A ação de direito processual passou a ser identificada como direito autônomo,
dirigido pelo postulante contra o Estado-Juiz e já não contra sua contraparte. Não se

146 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e identificar

as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744 (originariamente publicado no vol 300), p. 725-
750 (RT Online p. 1–20), 1997.
147 WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor. Polemica intorno all’actio (com introdução de

Giovanni Pugliese). Trad. Giovanni PUGLIESE. Florença: Stabilimenti Tipolitografici Vallecchi, 1954,
p. XIV.
148 «Há direitos sem pretensão porque há direitos que não podem ser exigidos. Há direito só sem ação

porque há direitos que sòmente podem ser exigidos fora da ação. Há direitos que sòmente podem ser
exigidos pela ação: a pretensão dêles e, pois, êles-mesmos, em sua eficácia, foram canalizados»
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 5. 2a. São Paulo:
Borsoi, 1952, p. 458).

64
quer, aqui, dar a falsa impressão de um mar sem ondas entre a dogmática
processualista149. A superação da doutrina imanentista ou unitária, que enclausurava o
direito de ação processual no direito substantivo, é de enorme consenso 150 . A
concordância para aqui. Desse ponto, há doutrinas dualistas as mais variadas,
agrupadas, comumente, sobre as rubricas de concretistas, abstratas e mistas. As
doutrinas concretistas indicam que a ação seria direito a proteção, mediante decisão
favorável151. As doutrinas abstratas, por outro lado, tratam o desfecho de mérito como
absolutamente irrelevante à perspectiva processual. As doutrinas mistas, por fim,
atraem o exame de mérito à relevância da ação, mas com temperamentos: qualquer
exame de mérito satisfaria, subordinado a condições ao regular processamento do
feito152.
Qualquer que seja a corrente a que se adira, e desde que preenchidas as
condições para exercício desse direito, o Estado-Juiz se encarregará de angularizar a
demanda, trazendo o demandado à relação e, ao final, ouvidas as considerações ambos,
decidir. A intervenção estatal pode se dar para declarar o estado das coisas; para
condenar (ordenar) alguém a fazer ou deixar de fazer algo, inclusive nos casos ditos
mandamentais, imbuídos de autossuficiência executiva; para executar a prestação
positiva ou negativa devida (i.e., já não ordenar, porém, descumprida a ordem, forçar
fisicamente o cumprimento); para criar, modificar, ou extinguir relação jurídica, nos
casos em que a lei exige participe o magistrado dessa atividade; ou ainda apenas para

149 Para citar apenas um nome de inquestionável relevo, Cândido Rangel Dinamarco, quando afirma que
«(...) toda essa justificação do entendimento da ação como direito público subjetivo só teria aplicação à
ação civil e jamais à penal (...), e isso já é suficiente para destruir a unidade do conceito, no plano da
teoria geral do processo, pois oferece uma justificação e um conceito à ação civil e permite que se encare
de outro prisma a penal. Do ponto de vista técnico-jurídico o conceito da ação como direito subjetivo
não explica os casos em que o próprio Estado é titular da ação, pois estabelece uma situação em que se
confunde o titular ativo do ‘direito’ com seu titular passivo (...) A ação é um poder e com base nela é que
o interessado estimula o Estado-juiz ao exercício de sua função específica, com vista aos resultados
preparados através do processo» (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 353).
150 SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um estudo sobre

a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011, p. 9. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio
Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, vol. 1. Teoria Geral do Processo Civil. 2a. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 191.
151 «Ação, no sentido material, e não processual, é a tutela que o Estado assegura, por meio dos órgãos

judiciais, ao titular de qualquer direito material ameaçado ou lesado (Constituição, art. 5º, XXXV). Nesse
sentido, dispunha o art. 75 do Código Beviláqua: ‘A todo direito corresponde uma ação, que o assegura’»
(THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos.
Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 181).
152 SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um estudo sobre

a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 9-15.

65
assegurar futura ação, posta em risco pelas circunstâncias153. Salvo pelas lentes das
correntes concretistas, quem tem razão, no mérito, é irrelevante para se aferir se houve
direito de ação154 . Mesmo nesse extremo, dir-se-á que houve assegurado direito de
acesso à jurisdição, ou direito à administração da Justiça, para se receber de forma
completa, após due process, e com fundamentação, as razões da negativa155.
Se é irrelevante ao direito processual (por direito de ação, na maioria; por
direito de acesso à jurisdição, aos demais) quem tem sua postulação acolhida, é
igualmente irrelevante ao direito material, no caso de direitos subjetivos de crédito,
saber como se deu a satisfação da prestação devida. Pode suceder que a exigência do
titular, pela pretensão, só se torne efetiva (=só seja satisfeita) quando ele se tenha valido
da intervenção do Estado-Juiz, por meio de ação de direito processual. O direito
material seguirá a enxergar apenas a dualidade prestação desatendida vs. prestação
satisfeita, qualquer que tenha sido o caminho percorrido para sair de um a outro estado.
Se o devedor inadimpliu por um ano e depois prestou voluntariamente, ou se inadimpliu
por um ano e depois prestou porque o Estado-Juiz o compeliu a fazê-lo, tudo segue
igual no plano material: a mesma exata obrigação, pelo mesmo exato valor, foi extinta
no mesmo exato momento. A ação de direito processual é tecnicamente irrelevante,
ainda que faticamente possa ter causado à satisfação da prestação156.
Saindo do geral ao específico, para se ter em vista o fenômeno prescricional,
já não se tem dúvida de que a só-recusa de tutela Estatal ao titular de direito (rectius,
pretensão) vulnerado pela prescrição não toca o direito de ação processual (o que não é
verdade nos países de common law157). Via de regra, o titular de pretensão em sentido

153 THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos.
Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 182.
154 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 5a. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011, p. 36.


155 SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um estudo sobre

a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011, p. 13.


156 Poder-se-ia objetar e afirmar que na satisfação judicial o devedor deverá responder por outros valores,

como custas e honorários de sucumbência (CPC, arts. 85 e 86). A objeção seria equivocada: os créditos
referidos surgem não da relação de direito material tutelada por meio da ação processual, mas sim da
própria relação processual; são créditos inteiramente novos, a inaugurar relação de direito material
inteiramente nova, reunida à relação primária quando de eventual cumprimento forçado por força de
lógica (e de necessária economia processual).
157 «The functional equivalent to ‘extinctive’ prescription in English law is ‘limitation of actions’. As the

term suggests, the English institution is procedural in nature: limitation does not affect the right (i.e., the
substantive ‘cause of action’) but merely the ability to pursue that right in court. / O equivalente funcional
à prescrição 'extintiva' na lei inglesa é 'limitação de ações'. Como o termo sugere, o instituto inglês é de
processual: limitações não afetam o direito (ou seja, a "causa de pedir" substantiva), mas apenas a
capacidade de exercer esse direito em juízo.» (ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations
of a European law of set-off and prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 69.)

66
material buscará que o Estado-Juiz ordene o adimplemento (caso em que exercerá sua
pretensão com o auxílio do Estado-Juiz, em tutela condenatória) ou que o Estado-Juiz
force o cumprimento (aqui, tutela executória)158. Se o Estado-Juiz concluir que não há
pretensão (ou que ela foi deseficacizada), recusará a condenação, ou a execução, e o
jurisdicionado terá recebido integralmente a prestação jurisdicional, no mérito 159 ,
porque a exigência material de satisfação foi feita por quem, também no plano material,
já não poderia exigir. Não é mesmo desafiador pré-excluir, do escopo do direito de ação
processual, o fenômeno de que cuidam os arts. 189 e seguintes do Código Civil: em
nenhum dos casos de prescrição, sucede logica e necessária a afetação de posições
jurídicas subjetivas processuais. Mas daí a dizer que prescrição e ação de direito
processual não se toquem jamais, é um salto que a lei não parece consentir. Aqui, em
particular, encontra-se um ponto de adstrição ao estudo: a investigação civilista não
pode senão acenar a fenômenos expressamente designados prescricionais, alheios a si,
e que a processualística nacional não ignora.
A Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65) é clara no sentido de que «a ação
prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos» (art. 21), período após o qual o cidadão
não mais «será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade
de atos lesivos ao patrimônio da União» e demais entes públicos listados (art. 1º). A
jurisprudência aplica o prazo rotineiramente e sem dificuldades, obstando o manejo de
ações até a decisão de núcleo meritório, e se inclina, mais ainda, por comunicar o prazo,
por analogia, à ação civil pública160. A Lei de Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009)
afirma que «o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120
(cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado» (art. 23).
Em nenhum dos casos há afetação do direito subjetivo de crédito de fundo, nem quanto
à sua exigência, nem quanto à pretensão que lhe seja ancilar.

158 É claro, a pretensão – exigência de comportamento – pode se buscar tutelar indiretamente, por

exemplo, em via cautelar orientada a viabilizar futura demanda que a satisfaça.


159 Os temperamentos a essa afirmativa serão cuidados no capítulo CAPÍTULO V, abaixo, para os casos

de prazos prescricionais mínimos. Para essas hipóteses de prazos ditos irrisórios, a doutrina tem
sustentado que o due process e seu corolário de assegurar ao jurisdicionado seu «day in court» devem
garantir razoável chance de ter o núcleo do mérito da postulação deduzida em juízo analisada. Posto de
outra forma: não poderia o ordenamento obstar o caminhar da parte em juízo por um cipoal de matérias
preliminares ou prejudiciais que impeçam efetiva tutela jurisdicional. Chamou-se essas considerações de
temperamentos e não exceções à afirmativa de que «ao direito de ação pouco importa a favor de quem
se decidiu quanto ao plano material», e não sem razão: matérias que impeçam qualquer efetivo debate
são um vício do sistema processual; o Direito não se analisa pela patologia.
160 «Ressalvada a hipótese de ressarcimento de dano ao erário fundado em ato de improbidade, prescreve

em cinco anos a ação civil pública disciplinada na Lei 7.347/85, mormente quando, como no caso, deduz
pretensão suscetível de ser formulada em ação popular. Aplicação, por analogia, do art. 21 da Lei
4.717/65.» (STJ, REsp 764.278/SP, 1º turma, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 22 de abril de 2008).

67
Na ação popular, a própria União ou os demais entes referidos pela lei podem
postular, em nome próprio, a decretação de nulidade, ou a anulação, e, em qualquer
caso, o correlato crédito (restituitório e indenizatório, conforme as circunstâncias). No
mandado de segurança, o mesmo particular poderá se insurgir contra a autoridade
pública em sede de ação pelo procedimento comum. Curiosamente, o legislador acenou
com a prescrição no primeiro caso; no segundo caso, a linguagem extintiva sugere se
cuidar de decadência, classificação que é verdadeiro lugar-comum da disciplina161, com
ares chiovendianos quanto à dimensão potestativa de se demandar162.
Em um ou outro caso, seja a posição correta a de prescrição ou de decadência
(resposta que depende da investigação processualista, de fundo, sobre a natureza
jurídica da posição jurídica afetada, e sua extensão), manejam-se institutos de vocação
substantiva em um ambiente exclusivamente processual. No caso da ação popular, a
porta franqueava legitimidade extraordinária 163 ao cidadão para tutela do interesse
estatal; no mandado de segurança, a porta franqueava rito de notável celeridade e
blindado dos ônus, nem sempre leves, do eventual insucesso do impetrante de boa-fé
(LMS, art. 25). Não se trata de simples preclusão processual, porque não é ato, mas o
processamento de toda a demanda que perece; não se trata, de outro lado, da prescrição

161 «A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que ‘o art. 23 da Lei 12.016/2009 estabelece que
'o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados
da ciência, pelo interessado, do ato impugnado’ (...) Na hipótese, a aludida Lei entrou em vigor em
26/5/2006, momento em que surgiu a pretensão dos autores e, assim, deu início à contagem do prazo
decadencial para a impetração de mandado de segurança. Tendo sido o presente writ impetrado somente
em 9/6/2016, é de ser reconhecida a decadência da presente impetração.» (STJ, AgInt no RMS
55820/GO, rel. Min. Francisco Falcão, 2ª turma, j. em 21 de agosto de 2018).
162 O autor italiano conceituava ação como «un diritto contro l’avversario, consistente nel potere di

produrre di fronte a questo l’effetto giuridico dell’attuazione della legge», i.e., «um direito contra o
adversário, consistente no poder de produzir, frente a este, o efeito jurídico da incidência da lei»
(CHIOVENDA, Giuseppe. L’azione nel sistema dei diritti. In: Saggi di diritto processuale civile. 3. ed.
Milão: Giuffrè Editore, 1993, p. 14).
163 «Substituto processual é a pessoa que recebe da lei ou do sistema legitimidade para atuar em juízo no

interesse alheio, como parte principal, não figurando na relação jurídico-material controvertida. Atuar
como parte é fazê-lo em nome próprio, ou seja, não como representante. O representante não é parte no
processo, mas o substituto processual o é (supra, nn. 439-440). A locução substituição processual, muito
usual em doutrina, não indica a sucessão de partes nem traz em si qualquer ideia de um movimento
consistente em pessoa que sai e pessoa que entra na relação processual (supra, n.531): substituto
processual é o legitimado extraordinário. Diz-se extraordinária essa legitimidade, em oposição à
legitimidade ordinária, porque ela é outorgada em caráter excepcional e não comporta ampliações.
Compete ao legislador e não ao juiz a determinação dos casos em que se concede essa legitimidade (CPC,
art. 6º) e ele o faz sempre em virtude de alguma espécie de relação entre o sujeito e o conflito. Sempre,
o substituto processual é o destinatário de algum benefício indireto associado à iniciativa que tomar –
porque, sem esse benefício e, portanto, sem poder esperar qualquer utilidade do provimento que pede,
não haveria por que instituir sua legitimidade ad causam. É expressivo, a esse propósito, o emprego do
vocábulo interessado pelo Código Civil e pelo de processo civil, com a intenção de outorgar legitimidade
a certos sujeitos que não são titulares da própria relação jurídica controvertida (CC, arts. 168, 177 etc. –
CPC, arts. 487, inc. II, 988, inc. IX, etc.)163» (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito
Processual Civil, vol. II, 6ª Edição. Malheiros Editores: São Paulo, 2009, p. 317/318).

68
ou decadência civis, porque não se mutila o direito material deduzido em juízo. Não se
trata, por fim, de direitos subjetivos de crédito e pretensões no plano civil, que possam
ter tutelas diversas e concorrentes, ora com força executiva, ora sem. É o que parte da
doutrina sustenta seja o caso das pretensões creditícias oriundas de título de crédito,
que abrem porta para via executiva, e aquelas lastreadas na relação causal ou em
enriquecimento sem causa, que não a abrem, mas seriam invocáveis quando da
prescrição das primeiras 164 . Essas mudanças processuais são reflexas, meramente
incidentais, e não no núcleo do fenômeno prescricional.
É objeto da dogmática processualista, ainda não enfrentado sistematicamente,
submeter à comunidade científica o que são, quais os efeitos e disciplina geral dessas
aparentes prescrições e decadências de direito processual, ou, talvez fosse mais claro
dizer, dessas prescrições e decadências processuais civis.
Há, ainda, um derradeiro ponto de necessário enfrentamento. Se a prescrição
civil não toca o direito de ação processual, e se pode haver prescrições e decadências
processuais civis típicas, é de se indagar o que se pode dizer da interface entre a
prescrição civil e a ação de direito material. Também aqui a doutrina processualista se
dividirá em posições extremadas. Com a indiscutível liderança de PONTES DE

MIRANDA 165 , parte dos estudiosos dirá que o acolhimento do mérito em tutela
jurisdicional (que designa «ação», sempre entre aspas) pressupõe tivesse o autor o

164 Na jurisprudência brasileira, v. o amplo apanhado dos debates atinentes à disciplina cheque

promovidos em sede de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 1.101.412/SP,
rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, j. em 11 de dezembro de 2013). Analisando o contexto franco-
italiano, SIRENA leciona que: «[p]er lo meno in base alla loro interpretazione giurisprudenziale, il
contenuto precettivo delle due disposizioni codicistiche risulta coincidente e può essere riassunto in
questi termini: ‘La proponibilità dell’azione generale di indebito arricchimento […] postula
semplicemente che non sia prevista nell’ordinamento giuridico altra azione tipica a tutela di colui che
lamenti il depauperamento, ovvero che la domanda sia stata respinta sotto il profilo della carenza ab
origine dell’azione proposta, per difetto del titolo posto a suo fondamento’. A tale proposito, si parla di
sussidiarietà ‘in astratto’ dell’azione generale di arricchimento senza causa. L’art. 1303-3 Cod. Nap.
ha avuto cura di precisare che tale regola si applica anche quando l’altra azione tipica spettante a colui
che lamenti il depauperamento ‘se heurte à un obstacle de droit, tel que la prescription’. / Quando menos
por sua interpretação jurisprudencial, o conteúdo preceptivo das duas disposições codificadas é
coincidente e pode ser resumido nestes termos: ‘A admissibilidade da ação geral de enriquecimento sem
causa simplesmente [...] postula que não haja no ordenamento legal outra ação típica para proteger
aquele que lamenta o empobrecimento, ou que o pedido tenha sido rejeitado por carência ab origine da
ação proposta, por defeito do título em que se fundava. A este respeito, fala-se de subsidiariedade ‘em
abstrato’ da ação geral de enriquecimento sem causa. O artigo 1303-3 do Code tomou o cuidado de
especificar que esta regra também se aplica quando a outra ação típica concernente a quem lamenta o
empobrecimento ‘tenha sido obstada por um obstáculo de direito, como a prescrição'» (SIRENA, Pietro,
La sussidiarietà dell’azione generale di arrichimento senza causa, Rivista di diritto civile, v. 2, p. 379–
405, 2018, p. 398.)
165 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 5. 2a. São Paulo:

Borsoi, 1952, p. 481 e ss.

69
direito de, no plano material, agir sobre o réu para compeli-lo àquilo que o Estado-Juiz
assegura166.
Para retomar o sempre oportuno recurso ao direito subjetivo de crédito – e aqui
as linhas-mestras daquela doutrina já vão intermeadas com os pensamentos deste estudo
–, o plano material se fatiaria em três camadas. A primeira camada reside em ter direito
a receber a prestação e definitivamente incorporar dita prestação a seu patrimônio
(direito subjetivo de crédito). A segunda camada consiste em ter direito a exigir
(ordenar, comandar) a conduta positiva ou negativa de outrem que instrui a prestação
devida (pretensão em sentido material). A terceira camada consiste em ter direito a agir
sobre a pessoa para proteger aquele direito ou aquela exigência (ação em sentido
material). Separada dessa camada, e apenas quando a lei o requeresse (seja porque
houve resistência da contraparte e a autotutela é exceção nos Estados de Direito; seja
porque a intervenção do Estado-Juiz é ordenada por lei, mesmo sem resistência), o
titular se valeria do ferramental processual tendente a usar a mão do Estado para, em
seu nome, fazer valer a ação à esfera jurídica da contraparte (ação de direito
processual). A ação de direito processual seria o vetor, o invólucro, o cabo da flecha
cuja ponta é a ação de direito material: esta, a própria res in judicium deducta com força
de acolhimento; aquela, o mecanismo provocador da resposta estatal de acolhimento167.

166 Como descreve o autor, o titular atua em «reminiscência do ato de realização ativa [sublinhe-se, não

mais passiva, como nos cenários ordinários] dos direitos e pretensões» (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 5. 2a. São Paulo: Borsoi, 1952, p. 481). No mesmo
sentido, a doutrina que afirma que «o autor que vê rejeitada a ação (de direito material) exerceu ‘ação’
(processual), sem ter direito (material!), conseqüentemente sem ter actio (pretensão de direito material).
Mas isto nada nos diz sobre os pressupostos que legitimaram o autor sucumbente a exercer o direito (!)
à jurisdição. Ele somente exerceu a ‘ação’ processual porque – estando sob a proteção de um Estado
juridicamente organizado – tivera ‘direito’ a ser ouvido perante um tribunal, para, através da ‘ação’
processual, demonstrar ‘o que lhe parecera ser seu direito material’.» (BATISTA, Ovídio A. Direito
material e processo. Academia Brasileira de Direito Processual. Disponível em:
<http://www.tex.pro.br/home/artigos/65-artigos-mai-2008/5999-direito-material-e-processo>. Acesso
em: 19 nov. 2017, pp. 19-20). E, ainda em mesmo sentido, em estudo recente: «[A] ação de direito
material é ineliminável do sistema jurídico, porquanto não é possível conceber-se que o sujeito A possa
exigir, do Estado-juiz (ou do juízo arbitral), atos que determinem efeitos de direito material na esfera
jurídica de outro jurisdicionado (b), sem prever um poder, titulado por A e dirigido a B, sujeitando este
último aos efeitos pretendidos por A com a realização da prestação jurisidicional (e já previstos, antes
desta realização). Há aqui, manifestamente, duas relações jurídicas distintas: uma entre A e B, e outra
entre A (agora como jurisdicionado) e o Estado, levando à necessária concepção de duas posições
jurídicas, necessariamente distintas pelas relações em que se inserem e, como visto, distintas também
pelos respectivos sujeitos passivos, e pelas respectivas naturezas jurídicas». (FARATH, George
Ibrahim. Um ensaio sobre a ação de direito material. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014, p.
99).
167 «[A atividade de execução forcada, por ato de justiça de mão própria, foi em parte substituída, porque

permaneceu a exigência de se exercer a ação, pôsto que tivesse de ser exercida – por cima,
envolventemente – a pretensão à tutela jurídica, isto é, a pretensão a que o Estado faça o que se fazia, no
passado, por atos de justiça de mão própria. A ação e essa pretensão são inconfundíveis. Existem
separadamente, com os seus próprios pressupostos. Não se trata de substituição da ação pela ‘ação’ (no

70
A ação de direito material se permitiria ver, com maior clareza, nos casos em que a
tutela estatal não é requerida, porque o titular declara haver direito, comanda o seu
atendimento e, resistindo a contraparte, de mão-própria toma para si o que a lei lhe
assegura. É o caso do proprietário de imóvel invadido que, imediatamente e por uso
moderado da força, põe porta afora os invasores (CC, art. 1.210, §1º); é o hospedeiro
que toma a bagagem como garantia para a estada e alimentos (CC, art. 1.469 e 1.470);
é o credor titular de garantia fiduciária que interpela, consolida a propriedade, vende,
satisfaz a dívida e restituir o que sobejar ao devedor (CC, art. 1.364; Lei 9.514/1997,
art. 26) – em todos os casos, sem que o Poder Judiciário cogite dessa fervilhante
movimentação sucedida no plano material. Aqui, a olhos vistos, o titular fez mais do
que receber ou exigir; aqui, o titular fez valer, de fio a pavio, o que o ordenamento lhe
conferira.
A corrente oposta vê nessas cogitações, quando há ação de direito processual,
uma absoluta ficção. Quando há autotutela, veem não o desvelar de um direito sempre
presente, porém oculto quando intervém o Estado-Juiz, mas sim um novo e separado
direito (o direito à autotutela), que em nada toca o direito processual civil168. O mais
seria um eco inexplicável das correntes imanentistas do direito de ação, que punham,
como se viu, o direito processual como vassalo ou, talvez fosse melhor dizer, apêndice
do direito material. Reconhecendo-se que a diferença releva mais ao plano dogmático
que ao concreto (uma e outra corrente darão as mesmas soluções finais aos mesmos
casos), é em alguma medida curioso que a corrente que impugna a existência da ação
de direito material não explique – ou não o faça a contento – quem é o titular de
prerrogativas com repercussão material exercidas em juízo. Pense-se em uma execução.
Penhorar e pracear um bem é direito do credor frente ao réu. Quando o credor pede ao

sentido processual), de modo que as ações passassem a ser sòmente a atividade em juízo, nem, tão-pouco,
se pusesse em lugar do exercício da ação o exercício da pretensão à tutela jurídica:
Pretensão à tutela jurídica Exercício
(‘ação’)
Ação (de direito material) Exercício
(res in iudicium deducta)
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. 25. 2. ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1959, pp. 196-197)»
168 «A formulação de Pontes, defendida por Ovídio Baptista da Silva, não identifica corretamente o

fenômeno de comunicação entre o direito material e o processo. Inexiste ação de direito material fora
das hipóteses (raríssimas, aliás) previstas em lei. O que há, no máximo, são pretensões que, uma vez
resistidas, geram o interesse na busca da tutela jurisdicional. E a busca da tutela jurisdicional estatal se
dá com a ação processual, que ensejará o emprego, pelo juiz, de diferentes técnicas de tutela jurisdicional,
de acordo com as necessidades e peculiaridades do direito subjetivo material tutelado e do caso
concreto.» (AMARAL, Guilherme Rizzo do. A polêmica em torno da ação de direito material.
Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponível em:
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/guilherme%20rizzo%20amaral%20-formatado.pdf>. Acesso
em: 2 jul. 2018, p. 12-13).

71
Estado-Juiz que assim proceda, o pedir é modo polido de emoldurar o estado das coisas.
O Estado-Juiz não pode recusar, se o bem responde pela dívida, a penhora e o
praceamento são conforme a lei. O credor em verdade manda ao Estado-Juiz que, em
seu interesse e em seu benefício, penhore e praceie o bem. O Estado-Juiz, para cumprir
seu dever, em nome e em benefício do credor, exerce um poder: penhora e praceia o
bem. A legislação processual civil medeia como o credor leva essa ordem ao Estado-
Juiz e como o Estado-Juiz cumpre seu dever de efetiva a ordem frente ao devedor, mas
é sem dúvidas credor exerce suas prerrogativas em todo momento: o credor tem direito
de invadir – agir sobre – o patrimônio do devedor, fisicamente, materialmente, para
satisfazer sua dívida. Se esse direito se faz ora judicialmente (regra), ora
extrajudicialmente (exceção), segue, parece seguro dizer, o mesmo direito.
Os civilistas de regra não têm dificuldade de ver como o mesmo direito se faz
valer ora em juízo, ora fora dele, sem mácula à sua natureza jurídica material. O direito
potestativo de resolver um negócio jurídico é sempre de natureza material, nada
obstante seu exercício possa se dar em juízo (se a cláusula resolutiva for tácita) ou fora
dele (se for expressa – CC, art. 474). O direito de anular, no Brasil se exerce em juízo;
na Alemanha, fora (CC, art. 177; BGB, §143(1)169). O direito de se divorciar, rompendo
vínculo e sociedade conjugal, ora se exerce em juízo, ora fora dele (CPC, art. 733).
Seguem os mesmos direitos, qualquer seja o meio de exercício170.
Para os defensores da ação de direito material, a prescrição é repetidamente
descrita como incidente sobre direito subjetivo, pretensão, ação ou exceção171. Não
parece acertado, contudo, senão reflexamente, ter a ação de direito material por afetada
pelo fenômeno. Todos os casos de prescrição se coligam a uma conduta positiva ou
negativa, de dar, fazer ou não fazer, que primeiramente se fazia exigir pelo titular, e
depois não mais, se resistida pelo devedor. A ação em sentido material que releva à

169 BGB, § 143 Anfechtungserklärung. (1) Die Anfechtung erfolgt durch Erklärung gegenüber dem
Anfechtungsgegner. / §143. Declaração de anulação. A anulação se efetiva pela declaração à contraparte.
170 No mesmo sentido: «O alvitre, de resto, não é novo. Já Andreas von Tuhr havia defendido a

inexistência de declaração e constituição fora do processo, opinião que, de resto, mereceu a seguinte e
irrepreensível resposta de Ovídio Araújo Baptista da Silva: ‘mesmo aceitando que as pretensões
declaratória e constitutiva não se possam realizar fora do processo, isto não terá a menor relevância
para demonstrar que elas não existam antes ou fora do processo. Ignora-se, quando se argumenta deste
modo, a distinção básica entre ‘carecerem de processo’ para realizarem-se e ‘não existirem’ fora, ou
antes dele. Mesmo porque, quando dizemos que a declaração necessita do processo para realizar-se,
estaremos, por força de uma contingência lógica, proclamando que essa declaração, enquanto ‘direito
exigível’ (pretensão), existia antes do processo! Tanto existia antes, que o processo fora concebido para
realizá-lo». (MITIDIERO, Daniel, Polêmica sobre a teoria dualista da ação (ação de direito material -
“ação” processual): uma resposta a Guilherme Rizzo Amaral, Revista de Processo, v. 124, p. 283–290,
2005, p. 286).
171 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 102.

72
disciplina prescricional seria aquela tendente a satisfazer a exigência do titular, mas a
realidade é que o titular, já um passo antes, não pode exigir. E se não pode exigir, por
pressuposto natural, não pode agir em benefício da exigência. Não se quer dizer que
inexista ação – quer em sentido material, quer em sentido processual – sem pretensão,
porque pode haver (no plano material, v.g., ação para desconstituição de negócios; no
plano processual, v.g., ação por denunciação da lide, para regresso em dano só adviria
da condenação da lide principal). O que se afirma é que a ação que releva para a reflexão
prescricional – a tendente a compelir o atendimento à exigência da conduta prestacional
–, essa sim, só reflexamente tem seu destino meritório afetado pela exceção de
prescrição. Um ponto de contato tangente e insuficiente para que se lhe atraia ao palco
dos objetos da prescrição, como se nota sem dificuldade.

II.3 Pretensão (e, impropriamente, exceção)

No subitem precedente, e em trechos esparsos antes dele, adiantou-se que o


conceito de pretensão foi divisado por BERNHARD WINDSHEID no século XIX e
traduzido em letra de lei pelo Código Civil alemão. O §194 (1) do BGB é claro ao
afirmá-la como objeto de incidência da prescrição e defini-la como «o direito de exigir
que alguém faça ou deixe de fazer algo»172.
No Brasil, o art. 189 do Código Civil abraçou essa Anspruchsverjährung
quando afirmou «[v]iolado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206» – com o que
conseguiu mais errar que acertar. A pretensão (pretesa; Anspruch 173 ) é a posição

172 No original: «(1) Das Recht, von einem anderen ein Tun oder Unterlassen zu verlangen (Anspruch),
unterliegt der Verjährung.»
173 Sobre a centralidade do conceito de Anspruch na dogmática alemã, a doutrina contemporânea afirma:

«Le point de rattachement de la prescription en droit allemande est le droit matériel en soit et non pas
"l’actio" de nature processuelle comme en droit romain classique, seule possibilité de faire une action
en justice. La notion de "Anspruch" qui marque le droit privé allemand a été développée au 19e siècle
de manière fondamentale par Windscheid. Une bonne traduction n’est pas aisément possible. Nous
utilisons ici le terme de "prétention", on pourait aussi simplement parler du "droit". La distinction entre
"prétention" et "action" en droit allemand est la suivante : la prétention est la position pure et simple du
créancier de pouvoir revendiquer quelque chose du débiteur. L’action c’est la façon procédurale
comment on fait valoir ce droit en justice. Le déloppment de la notion matérielle de l’Anspruch devait
apporter des avantages dogmatiques importants. Cette notion a permis ainsi de donner le fondement
dogmatique à une institution telle que la cession de créance ("Abtretung"). La notion de "Anspruch” est
également utile comme élément entre le droit subjectif e la protection du droit (par exemple en droit de
propriété comme droit subjectif et les prétentions qui en découlent, comme celles du §985 BGB ou du
§1004, al. 1 BGB). / O ponto de inserção da prescrição no direito alemão é o direito substantivo em si
e não a "actio" de natureza processual como no direito romano clássico, única via de recurso à justiça.
O conceito de "Anspruch", que marca o direito privado alemão, foi desenvolvido no século XIX de
maneira fundamental por Windscheid. Uma boa tradução não é facilmente possível. Nós usamos o termo
"pretensão" aqui, nós também poderíamos simplesmente falar de "direito". A distinção entre "pretensão"

73
jurídica subjetiva autorizativa de exigência, de pessoa a pessoa, de uma conduta
positiva ou negativa, de dar, fazer ou não fazer (prestação) 174 . A pretensão é
potencialidade de exigência lícita, ainda que não haja, presentemente, efetiva exigência.
O ato de exigir é o exercício da pretensão, sua concreção volitiva com variada eficácia
normativa (por exemplo, interrupção do prazo prescricional, a teor do CC, art. 202, II
e III, dentre outros).
Tentando entreolhar sua disciplina pelas lentes privatistas, a doutrina
processualista não enxergou essa basilar distinção, afirmando ser ato (conduta) e não
posição jurídica, traduzível na «exigência de subordinação do interesse alheio ao
próprio» 175 O plano da existência do direito (com a delineação de seus limites
objetivos) vai confundido com aquele outro da eficácia, em conceito que não se
sustenta. Colecionando erros ainda mais graves, chegou-se a dizer que o movimento
pandectista trataria o conceito como «direito de obter em juízo o bem devido» e, a partir
dessa premissa equivocada, afirmou-se ser a figura uma antiquada remissão à teoria
imanentista da ação. O correto, sob o mesmo doutrinador, seria afirmar que «pretensão
é um estado de espírito que exterioriza em atos de exigência»176. Como não se tardou

e "ação" na lei alemã é a seguinte: a pretensão é a pura e simples posição do credor de exigir algo do
devedor. A ação é a maneira processual em que este direito é levado à justiça. A delicadeza da noção
material do Anspruch trouxe importantes vantagens dogmáticas. Essa noção tornou possível dar a base
dogmática a uma instituição como a assunção de dívida ("Abtretung"). O conceito de "Anspruch"
também é útil como um elemento entre o direito subjetivo e a proteção do direito (por exemplo, no direito
de propriedade, como direito subjetivo, e as pretensões dele decorrentes, como aquelas do BGB §985
ou §1004, 1)» (LORENZ, Stephan. La prescription en droit allemand. In: La prescription extinctive.
Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 845–863, excerto nas pp. 847-848).
174 «Pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa.»

(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 5. 2a. São Paulo:
Borsoi, 1952, p. 451); «A impressão que se colhe desde logo é a de que a lei aderiu à concepção da
pretensão como poder de exigir, não como pura exigência. (...) Na perspectiva do Código Civil, só
mereceria o nome de pretensão a pretensão fundada, aquela que se baseie num genuíno poder de exigir»
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre pretensão e prescrição no sistema do Novo Código Civil
Brasileiro. Revista trimestral de direito civil: RTDC, v. 11, p. 67/77, 2002, p. 71).
175 CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil, vol. II. São Paulo: Servanda, 1999, p.

73.
176 «A doutrina de raízes pandectistas emprega o vocábulo pretensão em sentido bastante diferente, para

designar o direito de obter em juízo o bem devido. O apego a esse conceito, que constitui veste
aparentemente moderna da actio romana (jus quod sibi debeatur in judicio persequendi), desconsidera
toda a evolução por que passou o processo civil a partir do século XIX, quando se proclamou sua
independência científica pelos caminhos da autonomia conceitual e da autonomia do próprio processo e
da ação. Constitui incoerência afirmar a autonomia da ação, dizendo que ela não constitui inerência do
direito subjetivo como antigamente se pensada e hoje todos negam peremptoriamente (infra, nn. 646-
647), mas por outro lado sustentar esse estranho conceito, que mistura, em uma só massa sincrética, o
direito subjetivo ao bem o direito a obter o pronunciamento judicial a respeito da aspiração a obtê-lo.
Pretensão é um estado de espírito que se exterioriza em atos de exigência, não uma situação do sujeito
perante a ordem jurídica. Aquela pretensão de direito material é um conceito, além de conflitante com
a moderna ciência jurídica, inteiramente dispensável no sistema: onde dizem ter pretensão ao bem diga-
se ter direito subjetivo a ele e ter condições de pleiteá-lo em juízo (pleitear não é necessariamente obter).
Mas o Código Civil emprega o vocábulo nada menos que vinte e três vezes nesse seu significado

74
a notar, a crítica partia de erro sobre o que a pandectística afirmara ser pretensão177, já
que (i) a pretensão se exerce em juízo ou fora dele; (ii) estados de espírito – o que quer
que sejam, na espécie, porque o conceito não restou claro – estão fora do suporte fático
da exigibilidade; e (iii) a exteriorização em atos de exigência não autoriza confundi-los
com a posição jurídica de fundo, que ditos atos pressupõem, sem haver nisso identidade
ou sobreposição conceitual (a janela pressupõe a parede, mas janela não é parede; a
concreção de efeitos por exercício pressupõe o direito, mas já é coisa diversa do direito).
A pretensão circunda o direito subjetivo de crédito, é periférica ao direito
subjetivo de crédito, mas com ele não se confunde. A doutrina erra com frequência
nesse ponto. Afirmou-se que a pretensão (i) englobaria «o direito do devedor de
apresentar a prestação devida»178; (ii) englobaria, igualmente, «o direito do credor de
ficar com a prestação devida»; (iii) seria sobreposta ao próprio conceito de direito
subjetivo de crédito, porque todo direito de crédito é direcionado a alguém em
particular, que é o devedor179.
No que diz respeito à primeira afirmação, o devedor constrito a solver no
interesse do credor tem, ele próprio, reconhecido interesse (e direito) de se exonerar do
vínculo obrigacional que o ordenamento tutela. O direito de adimplir (que se contrapõe

pandectista, especialmente no trato da prescrição (arts. 189, 190, 206 etc.). Ao dizer que, ‘violado o
direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os
arts. 205 e 206’, insensivelmente está seu art. 189 reproduzindo as vetustas fórmulas francesas do século
XIX, que tratavam a ação como le droit casqué et armé pour la guerre. Pura teoria imanentista da ação
(infra, n. 646).» (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II. 6a.
São Paulo: Malheiros, 2009, p. 129). Em mesmo sentido, em agudo desvio de perspectiva histórica e
dgomática, FIUZA, César. A incidência da prescrição em face da autonomia do direito processual.
Revista Brasileira de Direito Processual, v. 21 (n.o 81), p. 29–46, 2013.
177 «Fica patente de sua lição, porém, que Cândido Rangel Dinamarco não compreendeu e não

compreende a diferença crucial existente entre pretensão de direito material e pretensão processual. Ora,
ao referir que no conceito de pretensão de direito material se ‘mistura, numa massa só, o direito subjetivo
ao bem e o direito a obter o pronunciamento judicial’ nosso processualista dá provas irrefutáveis de que
ignora completa e cabalmente que a pretensão de direito material, acaso existente (lembre-se que apenas
se afirma direito, pretensão e ação materiais no processo – quaisquer deles podem muito bem não existir),
tem como esteio uma situação jurídica material que a funda, ao passo que a pretensão processual tem
como arrimo o direito à tutela jurídica, cujo título está estampado, entre nós, no art. 5º, XXXV da
Constituição Federal». (MITIDIERO, Daniel. Polêmica sobre a teoria dualista da ação (ação de direito
material - “ação” processual): uma resposta a Guilherme Rizzo Amaral. Revista de Processo, v. 124,
p. 283–290, 2005, no trecho, p. 283).
178 FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2002,

p. 10.
179 «Então, dizia WINDSCHEID: ‘O Direito subjetivo, nem sempre é um poder condicionado, dirigido a

alguém’. Essa direção, que se dá ao Direito subjetivo não é propriamente o Direito subjetivo, mas um
elemento que serve de ponto de ligação, entre o Direito subjetivo e o que hoje nós chamamos de direito
de ação. E, então, dizia ele, com relação aos direitos de crédito, que todo direito de crédito envolve uma
pretensão, porque todo direito de crédito é um poder que se dirige contra alguém, que é o devedor. É,
portanto, um poder direcionado contra alguém. Daí ser a pretensão um elemento fundamental do
direito ao crédito, que nasce com ele. No momento em que nasce o direito de crédito, esse direito de
crédito já é uma pretensão.» (MOREIRA ALVES, José Carlos, Direito subjetivo, pretensão, ação,
Revista de Processo, v. 47, p. 109-123 (plataforma RT Online, 1-12), 1987, no trecho, p. 7-8).

75
ao dever de o credor receber a prestação devida e outorgar quitação), tem sede própria
no regramento civil (CC, art. 334 e ss.) e processual civil (CPC, art. 539 e ss.). Esse
direito não se confunde, de forma alguma, com a possibilidade de o credor destinatário
da prestação ter pretensão, i.e., poder exigi-la ou tê-la, concretamente, exigido. O
direito de solver pode incidir sobre prestação subordinada a termo que o devedor tenha,
em boa hora, decidido solver antecipadamente, sob a regra geral do prazo fixado em
seu proveito (CC, art. 133). Nesse caso, o titular sequer tem pretensão, mas o devedor
(i) tem pretensão (i.e., pode exigir a conduta de fazer) quanto à aceitação da prestação
e outorga da quitação que, se resistida; e (ii) franqueia consignação que pode se exercer
como ação de direito material pura (CPC, art. 539, §1º e ss.) ou por meio de ação de
direito processual (CPC, art. 539, caput e 542 e ss.). A compreensão do fenômeno
reclama temperança, porque o «direito de adimplir» existe apenas enquanto e na medida
em que houver direito subjetivo de crédito: se o credor recusa a prestação e nisso, em
hipótese-limite, se consubstancia renúncia tácita, ou expressa, já não há mais prestação
devida e, por sucessão lógica, já não há mais a obrigação creditícia acessória e dúplice
de aceitação e outorga de quitação.
No que diz respeito à segunda afirmação, o direito do credor de ficar com a
prestação devida igualmente não se confunde com o direito de exigir a conduta
prestacional. Desse tanto já deram conta as considerações feitas acima a propósito do
strong substantial approach (item II.1): o direito de incorporar definitivamente a
prestação à sua esfera jurídica é parte do próprio direito subjetivo de crédito, e segue
parte dele, ainda que mutilado. O titular de direito vulnerado pela prescrição, ou de
obrigação natural, não é obrigado a restituir o que se lhe prestou (CC, arts. 882 e 814,
para exemplificar).
No que diz respeito à terceira afirmação, é verdade na premissa (todo direito
de crédito é dirigido contra alguém) e errada na conclusão de que nasce o crédito
umbilicalmente conectado à pretensão, que, assim, com ele se confunde em alguma
medida. Como já se demonstrou repetidamente no item precedente, há casos variados
de direitos subjetivos de créditos inexigíveis, seja porque ainda assim sejam (termo),
seja porque é esse seu estado natural (obrigações naturais), seja ainda porque foram
mutilados por fenômeno externo (prescrição). O ser o direito direcionado a sujeito
passivo individuado e não universal em nada muda essa realidade, que é atinente não
ao vetor de coligação do direito com outrem, mas à força que subjaz dito vetor, qualquer
que seja sua direção.

76
A doutrina especializada não só não teve dificuldade em compreender a
independência conceitual da pretensão e do direito subjetivo de crédito, como também
não tardou a reconhecer que seu exercício, excepcionalmente, não está restrito ao
titular 180 . Por meio de representação legal ou negocial, é o próprio titular que age,
exerce a pretensão, ainda que pela mão de outrem, notadamente, seu representante.
Quando a lei o facultar181, contudo, surge legitimação extraordinária para exercício de
pretensão de outrem em nome próprio, mas no interesse do titular.
Por enxergar a atuação pelos vitrais processuais, fala-se com frequência que
legitimidade extraordinária do Ministério Público, da Defensoria, dos Entes
Federativos, das pessoas jurídicas de direito público e das associações para propositura
de ação civil pública na defesa das mais variadas posições jurídicas (Lei 7.347/1985,
art. 5º; CDC, art. 82), o que traduz visão limitada do fenômeno. Antes de legitimidade,
há legitimação, que, como já se definiu nesse estudo, é aptidão específica para extração
de efeitos de determinada posição jurídica subjetiva, por meio do exercício (v. item
I.2). Quando o Ministério Público interpela sociedade empresária que viola
sistematicamente prerrogativas de consumidores, ou trabalhadores, ou do Erário, para
determinar que se abstenham de assim proceder e reparem o dano que causaram, age
exclusivamente no plano material. Exerce pretensão, no viés de exigir abstenção à
violação de posição jurídica e exigir reparação pelos danos defluentes do ilícito. A
legislação processual faculta antever essa realidade, quando reconhece legitimação para
transigir em compromisso de ajustamento de conduta (instrumento que a praxe batizou
termo de ajustamento de conduta, ou TAC): é contrato que se faz, em nome próprio e

180 FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2002,
p. 33 e ss.
181 Em parecer com rico cotejo ao Direito Civil alemão, lecionou Clóvis do Couto e Silva: «No Direito

alemão, por força da abstração dos atos jurídicos dispositivos em geral e da disposição do § 185 do
BGB, são possíveis vários tipos de negócio jurídico de cessão. Assim, admitem-se a cessão fiduciária de
um crédito, a "autorização para a cobrança" (Einziehungsermächtigung) – embora haja uma longa,
acirrada e não resolvida discussão jurisprudencial e doutrinária - e, por fim, o mandato sem
representação. (...) As diferenças estão nas relações subjacentes. Se fosse possível, entre nós, atribuir a
alguém o direito de agir em nome próprio sem mandato, não agiria ele sob as ordens de outra pessoa,
no caso, o mandante. Faria o que bem entendesse, pois estaria em situação igual à de credor, ainda
quando não fosse titular do direito. (...) Em suma, no Direito brasileiro é absolutamente impossível a
cisão entre o direito subjetivo, a pretensão e a ação, e muito menos se admite, sob o ângulo do Direito
Processual, que alguém possa convencionalmente atribuir a outrem o direito de agir em nome próprio,
porquanto a esse efeito somente se pode chegar através da competente procuração» (COUTO E SILVA,
Clóvis, Cessão de crédito. Cisão do direito subjetivo. Reserva da pretensão e do direito de ação ao cedente
inadimissível, por inviável no direito brasileiro. Ilegitimidade deste para propositura de execução.
Violação do art. 6o do CPC. Falta de condição da ação. Hipótese de ausência ou carência da pretensão a
executar, que pode e deve ser declarada de ofício pelo juiz antes da penhora ou da propositura de
embargos, Revista dos Tribunais, v. 638, p. 10–14, 1988). Ressalve-se que por meio da competente
procuração não se alcançaria o efeito que a lição sugere, mas aqueloutro de que o representante exercesse,
por ato próprio, mas em nome do representado, a pretensão.

77
no exercício de pretensão de outrem (a sociedade como um todo, um grupo prejudicado
em particular), cujo desdobramento processual se dá por eficácia executiva
extrajudicial (Lei 7347/1985, art. 5º, §6º).
O Código Civil também oferece exemplo que confirma a máxima. Na
estipulação em favor de terceiro, por letra expressa da norma, o estipulante «pode exigir
o cumprimento da obrigação» (CC, art. 436). Pode fazê-lo sem ser credor, porquanto
o crédito é, desde sempre, e plenamente, o terceiro beneficiário 182 , em legitimação
extraordinária para exercício da pretensão. Pode fazê-lo antes mesmo que o terceiro
beneficiário saiba da existência de seu direito subjetivo de crédito, e antes mesmo que
tenha, ele próprio, incorporado definitivamente à sua esfera jurídica a prerrogativa de
exigência da prestação por meio da concordância (=não rejeição) aos termos do negócio
(CC, art. 436, p.u.).

* * *

A pretensão é, com decisiva segurança, a melhor hipótese científica e a escolha


legal deliberada para a incidência do fenômeno prescricional.
Entre nós, a semente ao avanço foi lançada, por via transversa, na década de
sessenta, pelo artigo clássico AGNELO AMORIM FILHO, o «Critério científico para
distinguir a prescrição da decadência e identificar ações imprescritíveis183». Diz-se
por via transversa porque o autor expressamente invocava as ações, e não a pretensão,
como objeto de incidência da prescrição184. Era à época moeda corrente no país dizê-

182 «A pretensão do promissário é a que o promitente preste ao terceiro. Uma vez que tem a mesma
pretensão o terceiro, há duas pretensões de conteúdo igual, exercíveis por duas pessoas diferentes. (...)
O terceiro tem pretensão a que o promitente preste. O promissário tem pretensão a que o promitente
preste ao terceiro. O conteúdo da pretensão do promissário é a que satisfaça a pretensão do terceiro.»
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito privado, t. 26, atualizado por Ruy
Rosado de Aguiar Júnior e Nelson Nery Jr. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, § 3.160, p. 396);
«As pretensões exercitáveis pelo terceiro e pelo promissário têm idêntica natureza jurídica, de modo que,
em verdade, são dois os legitimados em direito material e processual a exercer a pretensão de cumprir
ou ainda, se o caso, executar, contrato que seja reconduzível à espécie da estipulação a favor de terceiro.»
(Comentários do atualizador em PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito
privado, t. 26, atualizado por Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Nelson Nery Jr. – São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, § 3.160, p. 396)
183 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e identificar

as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744 (originariamente publicado no vol 300), p. 725-
750 (RT Online p. 1–20), 1997.
184 «No Direito brasileiro a questão ainda se torna mais complexa e eriçada de obstáculos, pois o nosso

Código Civil engloba indiscriminadamente, sob uma mesma denominação e subordinados a um mesmo
capítulo, os prazos de prescrição e os prazos de decadência, dandolhes, conseqüentemente, tratamento
igual. Por vêzes, ainda, o mesmo Código faz uso de terminologia absolutamente inadequada em face dos
pronunciamentos da jurisprudência e da doutrina: é quando se refere à prescrição do direito (arts. 166,
167 e 174, I, CC/1916), embora prevaleça o ponto de vista segundo o qual é a ação, e não o direito, que

78
lo, mas, como se viu acima, a Alemanha já colecionava décadas de lei e doutrina com
produção tecnicamente mais acurada em sentido diverso. Ao divisar, contudo, que tipo
de ações seriam pela prescrição vulneradas, o autor acabou por segregar com notável
precisão o remédio processual típico para exercício de pretensões tendentes à satisfação
dos direitos subjetivos de crédito de fundo. Seu raciocínio foi no sentido de que (i) as
ações condenatórias veiculam pedidos de tutela de pretensões (em sentido material)
para satisfação de prestações; (ii) a prescrição corre da violação do direito185; (iii) os
únicos direitos passíveis de violação são aqueles que dependem das prestações a serem
desempenhadas pela contraparte; logo (iv) apenas as ações condenatórias
prescrevem 186 . Com base nas mesmas lentes processuais, o estudo concluía serem
imprescritíveis as ações constitutivas e as declaratórias. As primeiras, por tutelarem
direitos potestativos – notadamente, objeto do fenômeno diverso da decadência. Por
isso, ou bem teriam prazo (decadencial) previsto em lei, que as vulneraria indiretamente
por extinguir o direito potestativo de fundo; ou bem seriam perpétuas. As segundas, por
apenas conferirem certeza jurídica diante do estado de determinados fatos: o que não é
nem exercer pretensão, nem direito sujeito a decadência187.

prescreve.» (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e
identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744 (originariamente publicado no vol
300), p. 725-750 (RT Online p. 1–20), 1997, p. 1.
185 Esse estudo cuidará de demonstrar que não é verdade que (i) a pretensão surja da violação, e (ii) a

prescrição corra sempre da violação à pretensão. O primeiro ponto será enfrentado nesse capítulo. O
segundo, no capítulo subsequente.
186 «Lança-se mão da ação condenatória quando se pretende obter do réu uma determinada prestação

(positiva ou negativa), pois, ‘correlativo ao conceito de condenação é o conceito de prestação’. Dêste


modo, um dos pressupostos da ação de condenação é ‘a existência de uma vontade de lei que garanta
um bem a alguém, impondo ao réu a obrigação de uma prestação. Por conseqüência, não podem jamais
dar lugar a sentença de condenação os direitos potestativos’ (Chiovenda, op. cit., p. 1/267). (...) Dêste
modo, fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo prescricional são fatos correlatos,
que se correspondem como causa e efeito, e articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos
formulada por Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só́ os direitos da primeira
categoria (isto é, os direitos a uma prestação), conduzem à prescrição, pois sòmente êles são suscetíveis
de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente demonstrado. Por outro lado, os da segunda
categoria, isto é, os direitos potestativos (que são, por definição, direitos sem pretensão, ou direitos sem
prestação, e que se caracterizam, exatamente, pelo fato de serem insuscetíveis de lesão ou violação), não
podem jamais, por isso mesmo, dar origem a um prazo prescricional. Por via de conseqüência chegar-
se-á, então, a uma segunda conclusão importante: só as ações condenatórias podem prescrever, pois são
elas as únicas ações por meio das quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão, isto é, os da primeira
categoria da classificação de Chiovenda.» (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir
a prescrição da decadência e identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744
(originariamente publicado no vol 300), p. 725-750 (RT Online p. 1–20), 1997, p. 6 no primeiro trecho;
p. 9 no segundo)
187 Reunindo-se as três regras deduzidas acima, tem-se um critério dotado de bases cientificas,

extremamente simples e de fácil aplicação, que permite, com absoluta segurança, identificar, a priori, as
ações sujeitas a prescrição ou a decadência, e as ações perpétuas (imprescritíveis). Assim: 1.a – Estão
sujeitas a prescrição: tôdas as ações condenatórias e sòmente elas (arts. 177 e 178 do CC/1916); 2.a –
Estão sujeitas a decadência (indiretamente), isto é, em virtude da decadência do direito a que
correspondem): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3.a – São

79
Nenhum civilista, hoje, dará resposta diversa daquela de AGNELO AMORIM
FILHO com relação à solução concreta de uma disputa posta diante de si. Onde seu
estudo apontasse prescrição, hoje reconhecer-se-á prescrição; onde apontasse
decadência, hoje reconhecer-se-á decadência; onde apontasse a não incidência de um e
outro fenômeno, hoje igualmente tê-los-emos não incidentes. E por que erra, nada
obstante, na dogmática? Porque aceita o sintoma, i.e., o remédio processual
desenvolvido para tutela do direito, como mais relevante do que a própria posição
jurídica de fundo que desengatilha toda a fenomenologia. O arremate teórico necessário
à tese foi dado pelo projeto e, depois, pelo Código Civil vigente, mas o peso deste
estudo de referência ainda se faz sentir em referências (já inaceitáveis no estado da arte,
mas não raras) às ações condenatórias, constitutivas ou declaratórias como filtros de
investigação à prescrição188.
Com a aceitação da pretensão como objeto central da prescrição, todos os
óbices que embaraçam o strong substantial approach e as teorias de coligação ao
direito de ação (processual ou material) perdem força. Não há embaraço para se
reconhecer o porquê de haver pagamento eficaz de direito subjetivo de crédito após a
prescrição, porque apenas o poder de exigência vai afetado e o direito de receber a
prestação definitivamente segue intacto. Não há embaraço na movimentação judiciária
inexitosa, qualquer que seja a teoria da ação abraçada, porque o Estado-Juiz outorgará
decisão final de mérito reconhecendo que o direito, existente que pudesse ser, não era

perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em
lei; e b) tôdas as ações declaratórias. (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a
prescrição da decadência e identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744
(originariamente publicado no vol 300), p. 725-750 (RT Online p. 1–20), 1997, p. 20).
188 «Como a ação declaratória não tem por objeto fazer cessar o estado de fato contrário ao direito, e sim

visa declarar qual o estado de fato conforme o direito, conclui-se que não há na declaratória aquele
elemento básico da prescrição» (CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008, p. 85).

80
municiado pela posição jurídica coligada de exigibilidade. Não supreendentemente, a
doutrina comparatista internacional189 e nacional190 noticiam a prevalência da posição.
Nem tudo foram acertos, contudo, na letra da lei. A pretexto de resolver antiga
controvérsia, o Código foi infeliz quando apresentou uma aparente (e apenas aparente)
coirmã à pretensão para fins da incidência do fenômeno prescricional. Fê-lo no art. 190,
quando dispôs que «a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão». Pondo
camadas adicionais ao erro inicial, a doutrina afirmou que não seria qualquer exceção
a fenecer ante a prescrição, mas apenas aquelas dependentes de direito subjetivo de
crédito, o que acabou por se traduzir em enunciado do Conselho de Justiça Federal, em
sede das Jornadas de Direito Civil191. É forçosa, aqui, a remissão às considerações feitas
no CAPÍTULO I, em particular itens I.2 e I.3.
O único objeto de incidência da prescrição é a pretensão. Em um primeiro
momento, o titular do direito subjetivo de crédito poderia exigir a prestação; no segundo
momento – momento de operação da prescrição –, o sujeito passivo da relação creditícia
(e ativo da posição jurídica de defesa, exceção de direito material) pode encobrir esta
pretensão, deseficacizando-a. Essa a prescrição, em seu sentido próprio: manejo de
exceção substancial, em sentido igualmente estrito, para obstar pretensão. Ocorre que
– como também já se fez consignar – as pretensões são, um sem-número de vezes,
manejadas como formas de «contra-ataque» no contexto relacional. São, nesse

189 «But even if a legal system regards prescription as a matter of substantive law, it may take what is

often dubbed a ‘weak’ or a ‘strong approach’. Once the period of prescription has run out, the claim may
be held to have ceased to exist (strong effect); or the debtor may merely be granted a right to refuse
performance (i.e., a defence on the level of substantive law; weak effect). (…) [I]t is the weak effect of
prescription that has been gaining ground internationally. This is not surprising in view of the fact that it
would appear to be most appropriate in view of the aims pursued by the law of prescription. For there is
no reason for a legal system to foist its protection upon a debtor who is willing to pay and who can thus
be taken to acknowledge that he is under an obligation to do so; and the public interest (‘ut sit finis
litium’) is not adversely affected if a debtor is allowed to pay even after the period of prescription has
run out. / Mesmo quando um sistema legal toma a prescrição como objeto de direito material, assume
aquilo que frequentemente se designa uma ‘abordagem fraca’ ou ‘abordagem forte’. Uma vez que o
termo de prescrição se tenha expirado, o direito pode se considerar extinto (efeito forte); ou o devedor
pode apenas receber o direito de recusar o desempenho da prestação (i.e., uma defesa de natureza
material; efeito fraco). (...) [É] o efeito fraco que vem ganhando terreno internacionalmente. Isso não é
surpreendente, porque parece mais apropriado à luz dos objetivos da legislação de prescrição. Não há
razão para um sistema legal outorgar proteção a um devedor que esteja disposto a pagar, e se reconheça
obrigado a tanto; e o interesse público (‘ut sit finis litium’) não é adversamente afetado se ao devedor é
facultado prestar depois de expirado o prazo prescricional.» (ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative
foundations of a European law of set-off and prescription, Cambridge: Cambridge University Press,
2004, pp. 73-74).
190 NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 64 e ss.
191 THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos.

Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 185. / Enunciado 415: «O art. 190 do Código Civil refere-se apenas às exceções
impróprias (dependentes/não autônomas). As exceções propriamente ditas (independentes/autônomas)
são imprescritíveis.»

81
contexto, fatos jurídicos instrumentalizados para o fim de obstar, modificar ou extinguir
outro direito subjetivo de crédito manejado contra si – e, nesse contexto, recaem no
amplo guarda-chuva conceitual da exceção de direito material em sentido amplo.
Dentro dessa matriz, se enfeixarão também, como subespécies, direitos subjetivos de
crédito e pretensões instrumentalizadas a um fim defensivo.
Quando o fim defensivo se der por exigência da prestação subjacente a esse
direito subjetivo (exercício da pretensão), esse uso está sujeito ao regime prescricional,
da mesma forma que estaria se o manejo se desse em um contexto não reciprocamente
adversarial. Por exemplo, se (i) Paulo cobra de Cesar e Cesar promove compensação,
em defesa, exerceu sua pretensão, porque a compensação tem na exigibilidade do
crédito contraposto suporte fático fundamental (CC, art. 369, confundindo pressuposto
incidental e consequência, ao falar de dívidas vencidas e não exigíveis); ou (ii) Cesar
simplesmente cobra a dívida de Paulo, sem que Paulo tivesse cobrado de si antes, isso
em nada altera a natureza e regime prescricional. A exceção – rectius, o manejo da
pretensão em contexto de demandas reciprocamente formuladas, em modalidade de
exceção em sentido impróprio – prescreverá no mesmo prazo em que a pretensão,
concebida por si só, prescreveria192.
Como já se afirmou, «exceção dependente não é o mesmo que exceção
imprópria, ou em sentido amplo», já que «dependência ou independência diz com o
suporte fático para o nascimento da exceção, conforme haja ou não posição jurídica
subjetiva como condição sine qua non à titularidade da posição defensiva. Propriedade
ou impropriedade diz com o conteúdo da exceção.» (item I.3). Há exemplos fartos de
exceção dependente e em sentido próprio: são dependentes do direito subjetivo de
crédito subjacente a exceção de contrato não cumprido (CC, art. 476), a exceção de
inseguridade (CC, art. 477) e a exceção de retenção do credor anticrético (CC,
art. 1.423), ou por benfeitorias do possuidor de boa-fé (CC ,art. 1.219).
Em nenhum desses casos o direito subjetivo de crédito é objeto de exigência
pelo excipiente. Da mesma forma que deste direito subjetivo de crédito pode derivar
uma posição jurídica subjetiva dinâmica, de afronta, que é a pretensão tendente ao
recebimento, pode dele igualmente surgir – e a lei assim o faz em todos esses casos –
uma posição jurídica subjetiva estática, de resistência, que é a exceção em sentido
próprio. Imaginá-las, ditas exceções, como vetores de exercício de pretensão

192Sobre a controvérsia a propósito da afetação da compensação pela prescrição, v. item IV.1, abaixo.
Nem sempre, no cenário internacional, a oposição de compensação demanda exigibilidade presente do
crédito; no Brasil, sim.

82
vulneráveis pela prescrição apenas porque derivam daquele remoto direito subjetivo de
crédito é por as coisas em inexplicável confusão. O direito subjetivo integra o suporte
fático de ambos os fenômenos, pretensão e exceção, mas estes, orientados por vetores
diametralmente opostos (exigência própria; recusa da exigência alheia), não se tocam.
Em síntese, as pretensões veiculadas em exceções impróprias prescrevem,
sejam dependentes ou independentes; e as exceções próprias são alheias ao espectro
normativo do art. 190, porque não veiculam pretensão, sejam dependentes ou
independentes. Era esse, crê-se, o propósito do legislador, como relatou a comissão
revisora193; na indesejada amplitude da linguagem empregada, é na doutrina que se
estreita a via interpretativa possível.

II.3.1 Pretensões, direitos reais, direitos absolutos

O equívoco de tomar usucapião como «prescrição aquisitiva», contrapondo-


se-lhe à «prescrição extintiva», é antigo. Antigo, também, o consenso doutrinário194 de
que a dualidade não faz sentido e sobrevive, por tradição ou inércia, em fósseis de

193 MOREIRA ALVES transcreve o essencial: «Este artigo do Projeto (ele foi incluido justamente para

attender a críticas que se fizeram ao Anteprojeto) visa a suprir uma lacuna do Código Civil, e que tem
dado problema na prática: saber se a exceção prescreve (havendo quem sustente que qualquer exceção é
imprescritível, já que o Código Civil é omisso), e, em caso afirmativo, dentro de que prazo. Ambas as
questões são solucionadas pelo artigo 188 do Projeto, que, data vênia, não encerra qualquer deformação
terminológica (os termos técnicos nele usados são do domínio comum da ciência do direito), nem
distanciamento da melhor doutrina, pois o que se quer evitar é que, prescrita a pretensão, o direito com
pretensão prescrita possa ser utilizado perpetuamente a título de exceção, como defesa. Note-se esta
observação de Hélio Tornaghi (Instituições de Processo Penal, vol. I, pág. 353, Ed. Forense, Rio de
Janeiro, 1959): ‘quando a exceção se funda em um direito do réu (por ex,: a compensação se baseia no
crédito do réu contra o autor), prescrito este, não há mais como excepciona-lo.’ Se a exceção não
prescrevesse, perduraria ad infinitum» (MOREIRA ALVES, José Carlos. A Parte Geral do Projeto de
Código Civil Brasileiro. Com análise do texto aprovado pela Câmara dos Deputados. São Paulo:
Saraiva, 1986, p. 152).
194 «The bracketed qualification [the Author is referring to the term ‘extinctive prescription’] is intended

to make clear that we are not dealing here with acquisitive (or positive) prescription: the acquisition of
title to property as a result of lapse of time. This was the historical root of the notion of longi temporis
praescriptio which was extended only in the post-classical period to the limitation of actions. Under the
older ius commune the Roman term was still used in a broad sense to cover that was usually referred to
as ‘acquisitive’ and ‘extinctive’ prescription. (…) Predominantly, however, the combination of both legal
institutions under one and the same doctrinal umbrella is no longer regarded as helpful today as since
they are largely governed by different rules. The modern approach gained ground in nineteenth-century
codifications» / «A qualificação entre colchetes [o Autor está se referindo ao termo ‘prescrição
extintiva’] pretende deixar claro que não estamos lidando aqui com prescrição aquisitiva (ou positiva): a
aquisição de título a propriedade como resultado do lapso de tempo. Essa foi a raiz histórica da noção de
longi temporis praescriptio que foi estendida apenas no período pós-clássico à ‘limitação de ações’. Sob
o antigo ius commune, o termo romano ainda era usado em um sentido amplo para se referir ao que era
usualmente referido como prescrição 'aquisitiva' e 'extintiva'. (…) Predominantemente, no entanto, a
combinação de ambas figuras sob um único guarda-chuva doutrinário não é mais vista como útil hoje,
porque regidas, em grande medida, por regras diversas. A abordagem moderna ganhou terreno nas
codificações do século XIX» (ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European
law of set-off and prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, pp. 69-70).

83
transição normativa deixados em legislações pontuais. É o caso do Code, que manteve
a prescrição no título XX (de la prescription extinctive; da prescrição extintiva), no
impertinente Livro III (des différentes manières dont on acquiert la propriété; das
diferentes formas de aquisição da propriedade), ao lado da impropriamente designada
prescrição aquisitiva do título XXI (de la possession et de la prescription acquisitive;
da posse e da prescrição aquisitiva). A doutrina, é claro, não tardou a criticar195.
A linha de fundo comum entre um e outro institutos, modernamente, é a
segurança jurídica, por meio transformação da transgressão envelhecida em
conformidade nova ao Direito 196 . Isso pode levar – e concretamente levou –
legisladores a vaso-comunicar os institutos, não por dogmática, mas por política
legislativa. É o caso do Codice, que afirma que «l'azione di rivendicazione non si
prescrive, salvi gli effetti dell'acquisto della proprietà da parte di altri per
usucapione197» (Codice, art. 948, parte final). Nesses casos, ainda que não se tenha a
confusão entre prescrição e usucapião, apontou-se que, para determinadas pretensões,
não incidiria o regime prescricional, mas o direito subjetivo de fundo (a propriedade,
no caso do regime italiano) poderia ser vulnerado por fenômeno diverso (usucapião, na
espécie) de efeito similarmente estabilizador no tecido social. No Brasil, a sobreposição
é restrita às causas que obstam, suspendem ou interrompem a fluência dos prazos
(CC, art. 1.244). Desde a preparação do Código revogado já se tinha claro: a prescrição
incide sobre pretensões geradas por quaisquer relações; a usucapião apenas sobre
direitos reais198.

195 «Compared with the position prevailing at present, the Avant-projet further dissociates the two
institutions by providing very different periods: three, as opposed to ten or twenty years. None the less,
the draftsman of the new rules blandly states: ‘...il convient de conserver . . . l’unité des prescriptions’.
No reasons are given. It must be the force of tradition that has prevailed: obviously, the structure of the
code was to be affected as little as possible by the reform. As a result, prescription (including extinctive
prescription!) continues to be regarded as a way of acquiring ownership (because it continues to be dealt
with in title XX of book III of the Code civil). / «Confrontado à posição atualmente predominante, o
Avant-projet dissocia ainda mais as duas instituições, fornecendo períodos muito diferentes: três, em
oposição a dez ou vinte anos. No entanto, o autor do projeto das novas regras declara: "... convém
preservar (...) a unidade das prescrições'. Não são dadas razões. Essa deve ser a força da tradição que
prevaleceu: obviamente, a estrutura do código deveria ser afetada o mínimo possível pela reforma. Como
resultado, a prescrição (incluindo prescrição extintiva!) continua a ser considerada como uma forma de
adquirir a propriedade (porque continua a ser tratada no título XX do livro III do Código civil).»
(ZIMMERMANN, Reinhard. Extinctive prescription under the Avant-projet. European Review of
Private Law, v. 6, p. 805–820, 2007, p. 819).
196 SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 159.
197 «A ação de reivindicação não prescreve, ressalvados os efeitos da aquisição da propriedade por de

outrem pela usucapião».


198«Incontestavelmente o methodo preferível é expor, na parte geral, os preceitos sobre a prescripção

propriamente dicta, pois que não se applicam eles somente a uma classe especial de relações jurídicas,
mas a todas, privando-as do remédio juridico que as garante contra as violações. A usucapião
(conservemos o nome romano, que nos ajudará a evitar a ambiguidade reinante) ocupa seu posto natural

84
Não é possível, dessas escolhas tópicas, afirmar que os direitos reais não gerem
pretensões ou não sejam, nessas pretensões, sujeitos ao regime prescricional. Quando
se afirma que – por exemplo – a propriedade não prescreve pelo não uso, porque tende
à perpetuidade 199 , confundem-se designações de espectro amplo (proprietário,
usufrutuário) com posições jurídicas subjetivas primárias (titular de direito subjetivo de
crédito, ou, como se prefira, de direito subjetivo em sentido estrito). Dizer que alguém
é proprietário não é dizer, ou, para ser preciso, não é apenas dizer que todos têm um
dever de abstenção de tomar a coisa para si, ou de danificá-la, ou de obstar sua boa
fruição pelo dono (ou seja, dizer que há, na propriedade, direito subjetivo de crédito por
prestação de não fazer). Isso é periférico, secundário, na lei e na prática. A linguagem
do art. 1.228 é feliz nesse ponto: a primeira enunciação é de que «o proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa». Todas essas posições não desafiam
pretensão, porque decorrem de exercício direto do proprietário sobre a coisa tida. Não
há direito subjetivo de crédito subjacente aos atos de usar, gozar e dispor da coisa, não
há contraparte, não há prestação a receber e, por isso mesmo, não há exigência a
formular (pretensão a exercer). Pouco importa à prescrição se o titular efetivamente
usou, fruiu ou dispôs da coisa: à míngua da pretensão, não há prescrição sobre as
posições jurídicas subjetivas derivadas de direito real exercitáveis diretamente pelo
titular.
É na segunda parte do mesmo art. 1.228 que se desvela outra realidade, ao
afirmar que o proprietário tem o direito de reaver a coisa do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha. O comando normativo deixou um cenário de
fisiologia do direito real – o proprietário tem a coisa, para dela fazer o que bem aprouver
– e adentrou uma cena de patologia. Injustamente (= em violação à lei), a coisa está
sob poder de terceiro, que a detém ou possui em agressão ao direito de propriedade do
titular. Nesse caso, não se está em um difuso campo de dever geral de abstenção de
ofensa ao direito real de alguém, mas em situação diversa, em que alguém tem o dever

entre os modos de adquirir a propriedade. Esse foi o methodo adoptado pelo código civil alemão, que
aliás não realisou uma innovação, como é facil verificar consultando os civilistas.» (BEVILAQUA,
Clóvis. Em defeza do projecto de Codigo Civil Brazileiro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1906, pp.
86-87).
199 «O direito de propriedade é insuscetível de perda pela prescrição; a ação de reivindicação é

imprescritível.» (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002,
p. 497). Na página seguinte da mesma obra, anotando, em comentário, afirma HUMBERTO THEODORO
JUNIOR: «A propriedade é imprescritível, de sorte que o não uso não é capaz de extingui-la, por mais
longa que seja a inércia do dono. Mas, a posse prolongada do terceiro pode gerar o usucapião, criando
nova propriedade sobre o mesmo bem, em prejuízo do antigo dono (Cód. Civil, art. 550). Em tal
conjuntura, a causa da extinção não foi a inércia do dono, mas a ação do usucapiente. Por isso, continua
válida a afirmação de que a prescrição, por si só, não afeta o direito de propriedade. E enquanto
subsistir o domínio, possível será o recurso às ações que o protegem».

85
específico de restituir a coisa que já tomou para si. Há, do lado do titular, direito
subjetivo de crédito para (i) prestação de fazer consistente na restituição da coisa; e
(ii) a obrigação de reparar eventuais danos decorrentes da posse ou detenção injusta,
quer (ii.1) especificamente, por meio de prestação de fazer de reconstituição do status
anterior; quer (ii.2) por prestação pecuniária pelo equivalente ou pelas perdas e danos.
Para cada uma dessas prestações, há pretensão ancilar, porquanto a exigibilidade é
simultânea à prática do ilícito. Se o titular não exigiu a prestação de restituição da coisa,
não exigiu a prestação de desfazimento do dano, ou prestação pecuniária, ou seja, se
não exerceu as pretensões, será vulnerado pela prescrição. É o que reconhece, v.g., em
letra expressa, os direitos francês e alemão (Code, art. 2.227 200 ; BGB, §197, «1»,
n.º 2201).
Antes da violação (ou, como se verá adiante, antes da iminência de violação),
em regra nenhuma pretensão é concretamente exercitável e não-incidência da
prescrição; depois da violação (iminência de violação), há pretensão concretamente
exercitável e, sobre esta, incidência da prescrição. Assim para os direitos reais, assim
para os direitos absolutos de forma geral. Para explicar esse particular fenômeno, parte
da doutrina afirmou tal se dá «porque, neste caso o direito real se transforma num
direito pessoal, num direito de crédito do titular do direito real, contra aquele que o
violou e, portanto, passou a ser devedor ou de uma restituição ou de uma
indenização202.» Não está correto. Essa dificuldade de enxergar a natural nascença de
pretensões a partir de posições jurídicas reais vem, em alguma medida, de uma
concepção superada do que seja a eficácia erga omnes dos direitos reais, vis-à-vis a
eficácia relativa das posições jurídicas pessoais. É sem dificuldade que se verá em
doutrina referências a que «do carácter absoluto do direito real resulta o facto de existir
um dever genérico de respeito desse direito por parte dos outros sujeitos, aos quais o
titular do direito pode sempre opor eficazmente o seu direito. (...) É neste sentido que

200 Code, Art. 2.227. Le droit de propriété est imprescriptible. Sous cette réserve, les actions réelles
immobilières se prescrivent par trente ans à compter du jour où le titulaire d'un droit a connu ou aurait
dû connaître les faits lui permettant de l'exercer. / Art. 2.227. O direito de propriedade é imprescritível.
Sem embargo, as ações reais imobiliárias prescrevem em trinta anos, a contar do dia em que o titular de
um direito conheceu, ou deveria conhecer os fatos que autorizativos de seu exercício.
201 § 197 Dreißigjährige Verjährungsfrist. (1) In 30 Jahren verjähren, soweit nicht ein anderes bestimmt

ist, (…) 2. Herausgabeansprüche aus Eigentum, anderen dinglichen Rechten, den §§ 2018, 2130 und
2362 sowie die Ansprüche, die der Geltendmachung der Herausgabeansprüche dienen / § 197. Prazo de
prescrição de trinta anos. (1) Salvo disposição em contrário, são prescritos(as) após trinta anos: (...) 2.
pretensões para restituição com base em propriedade ou outros direitos reais, § 2.018, 2.130 e 2.362, bem
como medidas para viabilizar as pretensões de restituição.
202 MOREIRA ALVES, José Carlos, Direito subjetivo, pretensão, ação, Revista de Processo, v. 47,

p. 109-123 (plataforma RT Online, 1-12), 1987, p. 8.

86
se exprime que os direitos reais têm carácter absoluto, na medida em que são oponíveis
a qualquer pessoa que se pretenda ingerir no domínio reservado ao seu titular203». É
evidente que apenas o sujeito passivo da obrigação é vinculado a adimpli-la. Disso não
decorre, contudo, que apenas nos direitos reais haja uma garantia abstrata de
incolumidade, ou seja, de não ingerência, dano, infringência tendente à morte do direito
por terceiros, que é coisa diversa de sua satisfação obrigacional. Como a moderna
doutrina nacional já concluiu sem dificuldades, «nos termos amplos do artigo 186 do
Código Civil, a ilicitude consiste na violação de direito, seja ele de propriedade, de
personalidade ou até mesmo de crédito, o qual, conjugado com o artigo 927 do Código
Civil, possibilita a responsabilização de terceiro 204 .» A diferença entre direitos
pessoais e reais está fundamentalmente nos filtros para essa responsabilização. Nos
direitos pessoais, o sarrafo a saltar é alto, ordinariamente fundado em culpa ou dolo;
excepcionalmente, há objetivação (v.g., nos deveres anexos da boa-fé205). Nos direitos
reais, o sarrafo é baixo, e apenas excepcionalmente a boa-fé do ofensor lhe servirá de
salvaguarda206.
Qualquer que seja a posição jurídica de fundo injustamente violada (ou na
iminência de injusta violação), a resposta do ordenamento sob essa garantia geral de
incolumidade dos direitos é a mesma. Assim na parte final do art. 1.228, a propósito da
propriedade; assim na agressão a direito de autor; assim no que tange a direito da
personalidade; assim no que se refere a direito de crédito. Para cada um destes direitos,
descortina-se pretensão que espelha a natureza do direito subjetivo de fundo (pessoal
ou real). Em todo e qualquer caso, há direito a prestação específica de abstenção e
direito à reparação do dano decorrente da ilegal atuação; e há direito a exigir (e não

203 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Direitos reais. 5a. Coimbra: Almedina, 2015, p. 44.
204 MARTINS, Fábio Floriano Melo. A interferência lesiva de terceiro na relação obrigacional. São
Paulo: Almedina, 2017, p. 219.
205 Sob a rubrica de «princípio da incolumidade das esferas jurídicas», JUDITH-MARTINS COSTA ensina

que: «(...) do princípio da boa-fé não surgem obrigações de prestação para com terceiros, estranhos à
relação contratual. Mas pode haver é a imposição de deveres de proteção, sob forma negativa (abster-
se; não lesar), e positiva (agir para minimizar o dano; comunicar; averbar; etc.) como decorre de
construção doutrinária acolhida pela jurisprudência mormente em face de certas espécies contratuais
que atingem, comumente, interesses transindividuais (...). Como está bem firme na jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, há complementariedade, não oposição, entre o princípio da relatividade
dos efeitos dos contratos, entendido como “restrição genérica a que a lesividade contratual inter partes
se projete extra partes”, e o princípio da boa-fé objetiva.» (MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no
Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 605).
206 Como sucede, v.g., na aquisição de bem móvel por mão de vendedor a non domino em leilão ou

estabelecimento comercial, por oferta geral ao público, em circunstâncias aptas a induzir a erro o
comprador probo (CC, art. 1.268). Mas não é o que é sucede com a compra de bem imóvel com base em
registro ulteriormente cancelado (CC, art. 1.247, p.u.).

87
meramente receber e incorporar definitivamente a seu patrimônio) essa prestação. Há
pretensão e, onde houver pretensão, ordinariamente haverá prescrição207.
Se o proprietário de um terreno o vê invadido por outrem, que o toma para si
como se dono fosse, correm, no direito brasileiro, dois relógios tendentes à
estabilização dessa situação patológica. Sob ângulo prescricional, nasce direito
subjetivo de crédito à restituição da coisa, posição esta acompanhada de pretensão,
ambas de natureza real (CC, art. 1.228). Diversamente do que sucedia no Código
Beviláqua (CC16, art. 177208), inexiste prazo especial no rol do art. 206 do Código Civil
para pretensões reais, de modo que a questão se põe sob o prazo geral de dez anos do
art. 205209. Ao cabo do decênio, a prescrição terá outorgado ao invasor exceção em
sentido próprio, meramente defensiva, que lhe dará direito de recusar a devolução do
bem, se tanto lhe for exigido do dono – que segue, nada obstante, dono. Sob ângulo da
usucapião, a posse com animus domini iniciará a contagem do prazo para aquisição
originária da coisa. Não havendo oposição à posse, no prazo de dois a quinze anos (a
depender do restante do suporte fático incidente na espécie, cf. arts. 1.238 e ss), surgirá
novo direito de propriedade que extinguirá e se substituirá ao anterior. A doutrina

207 Também na doutrina portuguesa houve controvérsia, superada, contudo, no sentido aqui advogado.
Feita a opção legislativa abrangente em 1966, para que a prescrição se regrasse como «figura geral em
matéria de eficácia do decurso do tempo nas relações jurídicas», constatou-se que «a doutrina nacional
perspectiva, de forma unânime, a prescrição como instituto geral de direito», e não restrito a direitos
pessoais (ANTUNES, Ana Filipa Morais. Prescrição e caducidade. Anotação aos artigos 296o a 333o
do Código Civil (O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas). Coimbra: Coimbra Editora,
2008, p. 23).
208 Art. 177. As ações pessoais prescrevem ordinariamente em trinta anos, a reais em dez entre presentes

e, entre ausentes, em vinte, contados da data em que poderiam ter sido propostas. A partir da Lei
2.437/1955: Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez,
entre presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas.
209 A jurisprudência vacila. Ecoando tantas vezes as máximas de perenidade de direitos reais, afirma que

«a ação reivindicatória não prescreve, uma vez que se trata de demanda específica para a defesa do
domínio sendo, este, perpétuo.» (TJRS, Apelação 70055035208, rel. Gelson Rolim Stocker, 17ª
câmara cível, j. em 31 de outubro de 2013). Por outro lado, reconhece prescrição pelo prazo geral para
execução de ação reivindicatória, tendo-a, por isso, imprestável a obstar a usucapião (TJPR, apelação
9111240, rel. Carlos Mansur Arida, 18ª Câmara Cível, j. em 14 de novembro de 2012).

88
nacional registrou o acerto como posição minoritária210; a internacional não duvidou da
conclusão211.
É importante registrar, ainda, que as pretensões de fundo real não surgem só
dessa infringência à garantia geral de incolumidade das posições jurídicas, aqui
consideradas as absolutas. Os direitos reais são muito mais complexos e plurais do que
um simples corte entre benefício pelo poder direto sobre a coisa vs. dever de respeito a
tal posição. Quando se designa uma dada posição jurídica subjetiva como um direito
real, ou direito subjetivo de natureza real, não há dualidade ou contraposição com os
conceitos repetidamente invocados para fins de prescrição, quais sejam, direito

210 «[A]s afirmações de que ‘o domínio perdura, até que passa a terceiros em virtude da usucapião’ e de

que ‘a ação de reivindicação não prescreve nos prazos do referido art. 177’ [hoje, art. 205] são contra
legem, contra o art. 177, e não têm qualquer base em ciência jurídica. A insistência do Supremo Tribunal
Federal em proclamá-lo não empresta foros de verdade a tese tão desgarrada dos princípios. Vai contra
a letra da lei, contra a tradição de direito luso-brasileiro e contra a doutrina. A usucapião é alegação de
domínio, de posse durante trinta anos (art. 550) (...). A prescrição das ações reais, inclusive a de
reivindicação, é outra coisa, – é alegação para encobrimento da pretensão real do titular do domínio, se
ainda o é: a prescrição é, sempre, de dez anos (...). O réu, na ação de reivindicação, pode alegar que é
dono, por ter adquirido a propriedade, e.g., por usucapião, e aí o que alega é objeção ao pedido do autor;
ou alegar prescrição da pretensão real do autor, o que não significa reconhecer-lhe o domínio, e aqui o
que alega é exceção» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t.
6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 298-299). Explicando as ações reais a que se referia o art. 177
do Código Beviláqua, a doutrina esclareceu ser «a que tem origem no direito de propriedade em qualquer
de suas manifestações» (FRANCO, Ary Azevedo. A prescrição extintiva no Código Civil brasileiro,
doutrina e jurisprudência. 3a. Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 140). Contra, pela imprescritibilidade
da reivindicação, VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Direitos reais
(vol. 16). 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 583. Com relato da controvérsia, mas sem posição
decisiva a respeito, THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos
jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 169 e 170.
211 «[La prescription] empêche bien la réalisation de la prétention, tandis que le droit que soutient la

prétention reste cependant entier. Ceci a son importance dans le domaine des droits absolus, comme le
droit de propriété. En tant que droit absolu la propriété confère un droit sur une chose qui, comme telle,
n’est pas soumise à la prescription. Mais les prétentions qui en découlent, comme par exemple le droit
de revendication de la chose du propriétaire contre le possesseur de la chose (§985), sont soumises par
contre à la prescription (trentenaire, voir §197, al. 1, n. 1 [aqui há erro de grafia e o n.º2 seria correto]).
Le droit allemand accepte de cette façon la situation d’un droit vidé de son contenu, puisque ce droit peut
être séparé durablement de la possession (dominus sine re). / [A prescrição] impede a realização da
pretensão, enquanto o direito que sustenta a pretensão permanece, sem embargo, inteiro. Isso é
importante no campo de direitos absolutos, como o direito de propriedade. Como direito absoluto, a
propriedade confere o direito a uma coisa que, como tal, não está sujeita à prescrição. Mas as pretensões
que surgem a partir dele, como o direito de o proprietário reivindicar a coisa do possuidor (§ 985), estão
sujeitas à prescrição (trinta anos, ver §197, parágrafo 1, n. 1 [há, aqui, de grafia e o n.º 2 seria correto]).
A lei alemã aceita assim a situação de uma propriedade esvaziada de seu conteúdo, já separada
duradouramente da posse (dominus sine re)» (LORENZ, Stephan. La prescription en droit allemand. In:
La prescription extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 845–863, trecho na
p. 849). Na Espanha, sob ângulo da posse, a doutrina debateu se a natureza seria prescricional ou
decadencial, mas, diante da letra expressa da lei, que fixa prazo ânuo não apenas para fins de liminar,
mas para fins de tutela possessória como um todo, não pendeu dúvida sobre a afetação real pela fluência
do tempo, ao largo da usucapião (ALBALADEJO GARCIA, Manuel. El plazo de la accion para recobrar
la posesion. Es de prescripcion o de caducidad? Revista de Derecho Privado, p. 551–560, 1990).

89
subjetivo em sentido estrito (ou direito subjetivo de crédito) e pretensão, mesmo em um
cenário fisiológico e não patológico.
Direito a prestação e pretensão estão imbrincados no plano primário das
relações jurídicas. É o átomo, é a célula-tronco, a partir da qual se formam moléculas
das posições jurídicas subjetivas complexas. Direito subjetivo real é, a exemplo de
direito subjetivo tout court, uma fórmula estenográfica, como quis a genialidade de
GIUSEPPE LUMIA212, para traduzir uma dessas posições jurídicas subjetivas complexas,
conglobante de um sem número de posições jurídicas subjetivas. É uma etiqueta
lançada sobre um amplo e variado feixe de posições jurídicas subjetivas, laceadas em
conjunto pela incidência da norma em um suporte fático determinado. Nesses feixes,
podem-se extrair prerrogativas de uso livre (propriedade, CC, art. 1.228; usufruto,
art. 1.394); de uso apenas para fins de habitação (direito real de habitação,
CC, art. 1.225, VI); de disposição livre (propriedade, CC, art. 1.228), de disposição
para o fim específico adimplemento de vínculo obrigacional (hipoteca, penhor,
propriedade fiduciária, CC, arts. 1.419 e 1.364). E podem-se também extrair
naturalmente direito a prestações específicas, de dar, fazer ou não fazer, devidas por
pessoa específica.
Para dar exemplo trivial e lastreado em letra expressa da lei: o usufrutuário
tem obrigações de fazer e obrigações pecuniárias diversas. Deve inventariar os bens
que receber, prestar caução, conservar o bem e restituí-lo ao fim do usufruto
(CC, art. 1.400); deve pagar as deteriorações não decorrentes do uso regular da coisa
(CC, art. 1.402, a contrario sensu); deve informar ao dono atentados à posse ou aos
demais direitos do dono (CC, art. 1.406); deve pagar as contribuições do seguro sobre
a coisa (CC, art. 1.407). Em todos esses casos, o vínculo real organicamente faz surgir
créditos e débitos, pretensões e obrigações (em sentido estrito), entre o sujeito ativo
(dono da coisa) e o sujeito passivo (usufrutuário). Já era claro na Alemanha oitocentista,
quando o conceito de pretensão vinha cunhado da doutrina213; não é possível se admitir
siga obscuro para o Brasil contemporâneo.

212 LUMIA, Giuseppe. Lineamenti di teoria e ideologia del diritto. 3a. Milão: Giuffrè Editore, 1981,
pp. 112-113.
213 «Ho già detto che il tener ferma la partizione romana in actio in rem e actio in personam non solo

non è opportuno, ma può nuocere. (…) I diritti non sono di una sola specie, esse sono o reali o personali,
o come si voglia altrimenti esprimere questa contrapposizione. Anche dai primi risultano obbligazioni
(…)» / «Já afirmei que manter a partição romana em actio in rem e actio in personam não só não é
oportuno, mas pode ser prejudicial. (...) Os direitos não são de uma única espécie, são reais ou pessoais,
ou como se queira expressar esse contraste. Também dos primeiros surgem obrigações (...)
(WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor. Polemica intorno all’actio (com introdução de
Giovanni Pugliese). Trad. Giovanni PUGLIESE. Florença: Stabilimenti Tipolitografici Vallecchi, 1954,
p. 31).

90
Há mesmo direitos que a lei expressamente consagra como reais (ainda que
com duvidosa técnica) e que repousam, fundamentalmente, em uma prestação positiva
de outorga de manifestação de vontade. É o caso do direito do promitente comprador,
diz a lei com clareza, «pode exigir (...) a outorga da escritura definitiva de compra e
venda (...) e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel»
(CC, art. 1.418). Se a exigência não for formulada, i.e., se não for exercida a pretensão,
opera-se a prescrição no prazo decenal.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu como pretensões de fundo real e
sujeitas a prazo prescricional geral (vintenário no Código Beviláqua, decenal no atual)
aquelas ligadas a danos decorrentes de restrição legal ao uso de área com potencial
econômico214 e reivindicação fundada em retrocessão, i.e., desvio de finalidade pública
de bem desapropriado 215 . O mesmo se diga da pretensão de petição de herança
(CC, art. 1.824), de há muito sumulada pelo Supremo Tribunal Federal 216 como
prescritível, em posição secundada pelo Superior Tribunal de Justiça 217 . A posição
oposta, pela imprescritibilidade em razão de ser perene o status de herdeiro, parte do
equívoco, já não escusável nos dias correntes, entre (i) suporte fático da norma criadora
da aquisição da propriedade por herança (ser herdeiro); e (ii) consequências da inércia
no exercício de persecução da propriedade adquirida, que injustamente seja possuída
ou detida por terceiros.
Equivocados, contudo, são os posicionamentos (i) que condicionam a fluência
do prazo de usucapião sobre bens herdados à expiração da prescrição da petição de
herança, e (ii) subordinam a fluência do prazo prescricional ao prévio reconhecimento
judicial do status de herdeiro. Com relação à primeira posição, seria possível à lei
coligar efeitos da prescrição e da usucapião, como já se referiu, acima, a exemplo do
Codice e de passagem diversa do próprio o Código Civil. Nessa coligação de efeitos, é
claro que se poderia enfeixar prazos, para que a usucapião corresse a partir da operação
da prescrição, apenas. Fazê-lo poderia, inclusive, ser positivo, para dar clareza à ordem

214 STJ, Recurso Especial n.º 193.251/SP, 2ª turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 20 de março
de 2006.
215 STJ, Recurso Especial 623.511/RJ, 1ª turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 19 de maio de 2005.
216 S. 149: É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.
217 «Controvérsia doutrinária acerca da prescritibilidade da pretensão de petição de herança que restou

superada na jurisprudência com a edição pelo STF da Súmula n.o 149: ‘É imprescritível a ação de
investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.’. Ausência de previsão, tanto no Código
Civil de 2002, como no Código Civil de 1916, de prazo prescricional específico para o ajuizamento da
ação de petição de herança, sujeitando-se, portanto, ao prazo geral de prescrição previsto em cada
codificação civil: vinte anos e dez anos, respectivamente, conforme previsto no art. 177 do CC/16 e no
art. 205 do CC/2002.» (STJ, Recurso Especial n.º 1.368.677/MG, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
3ª turma, j. em 5 de dezembro de 2017).

91
e aos níveis de estabilização: com a prescrição, cairia primeiro a exigibilidade; depois,
com a usucapião, a propriedade como um todo, frente à aquisição originária do
herdeiro-possuidor. Mas tal não se fez, na lei, como posta. Parte da doutrina advoga
haver, nisso, uma incompatibilidade lógica que a dogmática supera, já que (i) o herdeiro
não postula bens específicos, mas sim a persecução de um quinhão hereditário,
universalmente considerado218, contra os receptores da partilha (herdeiros em menor
medida, ou não-herdeiros, conforme o caso), e (ii) o possuidor pro herede, tendo
igualmente posse universal, não poderia adquirir por usucapião bens individualmente
considerados219. Ocorre que a diferenciação entre possuidor pro herede (possuidor a
título sucessório) e pro possessore (sem título universal) é relevante para divisar que a
extensão da pretensão contra si dirigida, e não a qualidade de sua posse – que se exerce,
após a partilha, sobre cada bem individualmente considerado – para fins de usucapião.
O herdeiro aparente é imitido na posse da coisa e se apresenta ao mundo, com animus
domini, tal qual dono da coisa. Sua posse é ad usucapionem e flui o prazo para
aquisição, desde a partilha. No exato mesmo momento, o herdeiro aparente viola a
propriedade do verdadeiro herdeiro, e flui a prescrição pela pretensão reivindicatória
(petitória de herança). Que fenômeno se operará primeiro depende do objeto da
herança (móveis ou imóveis terão diverso prazo do Código para usucapião, mas o
mesmo para reivindicação) e da duração da posse (que, cessada, temporária ou
definitivamente, interromperá o prazo da usucapião, mas não o da prescrição, porquanto
a prestação de restituição não se satisfez).
Com relação à segunda posição, o Superior Tribunal de Justiça tem
reiteradamente afirmado que «nas hipóteses de reconhecimento 'post mortem' da
paternidade, o prazo para o herdeiro preterido buscar a nulidade da partilha e
reivindicar a sua parte na herança só́ se inicia a partir do trânsito em julgado da ação
de investigação de paternidade, quando resta confirmada a sua condição de

218 «A prescrição da ação da petição de herança apresenta problemas técnicos de grande relevância: ou

a) o sistema jurídico desconhece a pretensão à herança, a hereditatis petitio, e então não há de pensar-se
que em pluralidade de pretensões singulares, sem laço, cada uma delas referente à violação do direito do
herdeiro a determinado objeto ou a determinados objetos; ou b) há a concepção da herança universalidade
de direito (...), portanto, necessàriamente, a da pretensão unitária à herança (= a petição de herança). A
solução do direito brasileiro é, evidentemente, a última, com a incidência, também, do art. 1.572 do
Código Civil. (...) Há, portanto, pretensão unitária à herança, a que corresponde prescrição unitária»
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. 55. 2. ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1968, p. 144).
219 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações, vol. 7. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1978, pp. 276-277.

92
herdeiro220». Ocorre que a posição de herdeiro deriva diretamente da lei e a medida
judicial tendente a reconhecê-la em nada modifica essa realidade: cuida-se de espelho
do status de que o postulante, se correto, sempre desfrutou. Na posição de herdeiro,
pela saisine, era desde sempre dono e, sendo-o desde sempre, desde sempre lhe assistiu
a pretensão petitória 221 . As interferências de tutela judicial na fluência do prazo
prescricional são um dado da tessitura normativa brasileira (v.g., interpelação e
citação), mas não são divisáveis ad hoc, conforme o senso de conveniência de cada
caso. Fazê-lo afronta a uma só vez o regime fundamente calcado em segurança jurídica
(são em numerus clausus as regras de contagem do prazo – v. item III.4) e a dogmática
que divisa posições processuais e substantivas.

II.3.2 Pretensões e nulidades

«O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce


com o decurso do tempo», é a letra do art. 169 do Código Civil. Talvez um dos traços
mais marcantes da diferença entre as nulidades (invalidades absolutas) e as
anulabilidades (invalidades relativas) seja este: a gravidade por detrás da infringência
ao Direito é tamanha que o ordenamento tem, para o negócio, a sentença de morte
definitiva, incidente de forma automática pela só autoridade da lei. As partes não podem
salvá-lo por negócio jurídico remediador, a confirmação, que se lhe expurgue a pecha
da invalidade; o tempo é igualmente incapaz de fechar a ferida que a infringência do
ilícito invalidante causou.
Esse caráter permanentemente danificado do negócio jurídico nulo pode ser
reconhecido sem limitação de tempo. Em juízo ou fora dele, de própria voz ou por
sentença que reverbere essa realidade, a parte pode declarar o negócio nulo como tal.
Ele é um dado perene do horizonte jurídico: nasceu nulo, e seguirá sempre assim, dizê-
lo é segurar o espelho diante do fenômeno, e nada mais. As opiniões diversas, que
aplicavam à invalidade absoluta limitador temporal, inclusive sob a rubrica de
prescrição, ignoraram que o dizer que o negócio é nulo (pronúncia da nulidade) não se

220 STJ, REsp 1.368.677/MG, 3ª turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 5 de dezembro de
2017.
221 Mesmo na Itália, em que reivindicação não prescreve, a pretensão de herdeiro esbarra, por parte da

doutrina, na aplicação analógica do prazo para aceitação da herança. O debate que gira em torno da
nulidade de testamentos – caminho diverso para o mesmo problema aqui proposto – ignora a precedência
de decisão judicial que declare o herdeiro como tal. Antes, subtrai interesse de agir na demanda, se há
prescrição, de fundo, com relação aos bens herdados (GABRIELLI, Giovanni. Invalidità delle
disposizioni testamentarie e prescrizione. Rivista di diritto civile, v. 57, p. 1–13, 2011, p. 10 e ss).

93
coliga ao poder de exigir nada de ninguém, logo, é alheio à pretensão e à prescrição222.
Pode-se dizer que o negócio é nulo por si só (declaração a bem de certeza jurídica);
pode-se dizer que o negócio é nulo para negar desempenho de prestação (declaração
como pressuposto de defesa, para objetar, apontar inexistência de direito subjetivo de
crédito e pretensão pela contraparte); e pode-se dizer que o negócio é nulo para reclamar
prestação voluntariamente desempenhada e/ou reparação pelas perdas por decorrência
direta desta invalidade. É neste último ponto que dizer tout court que «nulidades não
prescrevem» pode franquear erros relevantes.
Quem presta, voluntariamente, a partir de negócio jurídico nulo, seguiu um de
dois caminhos: ou fez novo negócio, absolutamente diverso, que dá lastro válido ao
deslocamento patrimonial, ou «prestou no vácuo», sem fundamento jurídico que
justifique dito deslocamento. Se o caso é o primeiro, não há direito à restituição, nem
pretensão que o fortaleça. Se o caso é o segundo, há direito à restituição que, nas
nulidades, é dotado de pretensão desde a realização do deslocamento patrimonial (e das
anulabilidades, a partir da anulação, que, por sua vez, depende de sentença judicial –
CC, arts. 177 e 182).
Aqui já não se cuida de convalescença ou não da invalidade, mas, antes,
afetação ou não da pretensão de direito subjetivo de crédito (direito à restituição)
surgido por ato posterior ao nascimento negócio jurídico nulo (desempenho de
prestação não devida). Esse direito subjetivo e essa pretensão são regidos por normativa
diversa; como de regra sucede com as pretensões, ela está subordinada ao regime
prescricional. Tudo se opera à moda do pagamento indevido ou do enriquecimento sem
causa, ainda que sejam, esta e aquelas, modalidades diversas de direito restitutório223.
Precisamente por serem modalidades diversas, não se cogita de prazo trienal, mas sim

222«Ao dizer que o negócio jurídico nulo não convalesce pelo decurso do tempo, o Código lançou um
princípio que reza nos termos da velha parêmia: quod nullum est nullo lapsu temporis convalescere
potest. Ele, porém, reza às testilhas com o art. 189. Dispõe este que, violado o direito, nasce para o titular
a pretensão, mas esta extingue-se nos prazos previstos no Código (arts. 205 e 206). Vale dizer: o Direito
pátrio, tal como vigorava no Código de 1916, não conhece direitos imprescritíveis. Sendo a prescrição
instituída em benefício da paz social (...), não se compadece esta em que se ressucite a pretensão, para
fulminar o ato. Estão, pois, um contra o outro, dois princípios de igual relevância social: o não
convalescimento do ato nulo tractu temporis, e o perpétuo silêncio que se estende entre os efeitos do
negócio jurídico, também tractu temporis. E, do confronto entre estas duas normas, igualmente apoiadas
no interesse da ordem pública, continuo sustentando que não há direitos imprescritíveis, e, portanto, a
declaração de nulidade prescreve em dez anos.» (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Comentários ao
Código Civil de 2002, vol. I. Parte geral, arts. 1o a 232 (com atualização legislativa de Cristiano de
Sousa Zanetti e Leonardo de Campos Melo). Rio de Janeiro: GZ Editora, 2017, pp. 172/173).
223 MARTINS-COSTA, Judith; HAICAL, Gustavo. Direito Restitutório. Pagamento indevido e

enriquecimento sem causa. Erro invalidante e erro elemento do pagamento indevido. Prescrição.
Interrupção e dies a quo. Revista dos Tribunais, v. 956, p. 257-295 (RTOnline 1–24), 2015, p. 4;
NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 244 e ss.

94
decenal, sob a regra geral do Código Civil (art. 205) 224. Sem razão, portanto, o Superior
Tribunal de Justiça quando baldeia todos os casos de direito restitutório em uma só
rubrica, como se o enriquecimento sem causa da parte especial do Código não fosse
instituto subsidiário 225 e pudesse se plasmar à noção de qualquer enriquecimento
injustificado.
Hipótese diversa é aquela de quem teve seu patrimônio vulnerado por danos
emergentes ou lucros cessantes decorrentes do negócio nulo, e cuja nulidade é
imputável a outrem, a invocar tutela de responsabilização civil (naturalmente, a
nulidade por si provocada não desafia tutela alguma). Aqui surge direito à reparação
por força da cláusula geral de ato ilícito (CC, art. 186 c/c 927), no momento em que o
suporte fático (conduta, culpa, nexo, dano) se aperfeiçoa. O fenômeno tem como
pressuposto a nulidade, mas é dela separado, e os direitos subjetivos de crédito e
respectivas pretensões seguem a fenomenologia que lhes é típica. A pretensão
ressarcitória, contudo, tem prazo especial, de modo que é maculada pela prescrição no
prazo trienal (CC, art. 206, §3º, V).

II.3.3 Quando nascem as pretensões. A relevância meramente


incidental da violação ao direito. Enfeixamento e sucessão de
pretensões.

A pretensão não nasce da violação, senão incidentalmente. O art. 189 comete


erro técnico quando supõe a necessária coincidência, mas o desfazimento dessa
perspectiva limitada reclama pouco esforço. A doutrina já não o ignorava décadas antes
do Código226, o que torna tanto mais difícil compreender que o texto tenha passado com

224 DICKSTEIN, Marcelo. Nulidades prescrevem? Uma perspectiva funcional da invalidade. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 116; MARTINS-COSTA, Judith; HAICAL, Gustavo. Direito Restitutório.
Pagamento indevido e enriquecimento sem causa. Erro invalidante e erro elemento do pagamento
indevido. Prescrição. Interrupção e dies a quo. Revista dos Tribunais, v. 956, p. 257-295 (RTOnline 1–
24), 2015, p. 9.
225 SIRENA, Pietro, La sussidiarietà dell’azione generale di arrichimento senza causa, Rivista di diritto

civile, v. 2, p. 379–405, 2018, p. 397-399.


226 «Pois bem, diante dêsse quadro, e para expressar essa direção pessoal, essa tendência que todo direito

possui de sujeitar ao seu império a vontade alheia, mesmo quando não violado, porém, mais
enfàticamente manifestada diante da violação, WINDSHEID usou o termo Anspruch; traduzido na Itália
por pretesa, e, daí, para pretensión nos países hispânicos, e para pretensão em Portugal e no Brasil.»
(FREIRE, Homero. Da pretensão ao direito subjetivo. In: Estudos de direito processual in memoriam
do Ministro Costa Manso. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965, p. 59–113); «Ação é aquilo que os
romanos denominavam jus persequendi in judicio. A ação é, ora o próprio direito violado, clamando pela
reintegração, ora o direito não violado, mas exigível, clamando pela realização» (CARPENTER, Luiz
Frederico Sauerbronn. Da prescrição (artigos 161 a 179 do Código Civil). 3. ed. Rio de Janeiro: Editôra
Nacional de Direito, 1956, p. 98). É preciso ter em conta que o mesmo autor definia Anspruch – hoje,

95
o defeito que a ciência já resolvera a contento. Como se fez anotar no item II.3.1, acima,
toda posição jurídica subjetiva encerra uma prerrogativa fundamental de não agressão
por terceiros. Já se pensou que isso fosse verdade apenas para direitos subjetivos reais
ou posições de vocação absoluta (direitos da personalidade; direitos de autor), mas a
doutrina evoluiu para estender essa prerrogativa mínima de não-agressão, essa garantia
de incolumidade, mesmo a posições pessoais, tipicamente relacionais, subordinadas
nada obstante a pressupostos de proteção e filtros de responsabilidade diversos227.
Essa teoria tem por base no Código Civil o art. 186, segundo o qual «aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.» Não direito
real apenas, ou direito de autor apenas, ou direito da personalidade apenas, mas direito.
Esse direito a não-agressão das posições jurídicas opera como uma garantia
fundamental difusa não apenas até que alguém o viole, mas até que alguém
iminentemente tencione violá-lo, momento em que se opera a individuação para fins de
exigência concreta e dual (titular-potencial ofensor) de abstenção. Quando alguém
retrai o braço erguido e cerra os punhos para desferir o soco; quando alguém põe o pé
sobre a cerca para saltar; quando alguém desliza a mão bolsa adentro para subtrair a
carteira; quando alguém inicia tratativas para captar para si prestador exclusivo de
outrem, não há pedido de abstenção da vítima, nem sugestão genérica de observância à
lei, ou ao contrato, mas ordem, comando, exigência específica (pretensão titularizada
e exercida) de quem brada para que baixe o braço, retroceda no caminho, guarde os
dedos para si e deixe o prestador em paz. Se a pretensão não é satisfeita, o titular pode
agir, em juízo (CRFB, art. 5º, XXXV, ao tutelar pelo Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito) ou fora dele (CC, art. 188, I, primeira parte: legítima defesa; CC, art. 1.210,
§1º, com desforço possessório para mantença da posse). Não só o direito precede a
violação, o que é truísmo, por se tratar do objeto da violação, mas a pretensão pode
igualmente precedê-la e, mais adiante ainda, a ação de direito material e a ação
processual. O direito e a exigibilidade que sucedem à violação, aqui, são não mais à
abstenção (logicamente), mas à remediação da violação (quando houver tutela
específica), à outorga de prestação equivalente ou à indenização.

unanimemente, traduzida como pretensão – como uma das formas de «ação em sentido subjetivo». (idem,
p. 122).
227 MARTINS, Fábio Floriano Melo. A interferência lesiva de terceiro na relação obrigacional. São

Paulo: Almedina, 2017, p. 219; MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e, Tratado de
Direito Civil, t. 1. Introdução. Fontes do Direito. Interpretação da Lei. Aplicação das Leis no
Tempo. Doutrina Geral, 4a. Coimbra: Almedina, 2012, p. 867.

96
A realidade é que apenas (i) para essa prerrogativa fundamental de
incolumidade fundada na cláusula geral do ato ilícito, ou (ii) nas obrigações de não
fazer relativas (porque estão em satisfação contínua da prestação, em seu estado natural,
de modo que não há, de início, o que exigir), essa ameaça a direito é pressuposto da
pretensão228. É fácil compreender a confusão do legislador, que se deixou impressionar
por uma ocorrência incidental e frequente. Pense-se em direitos pessoais de cunho
negocial: o momento em que a prestação se tornará exigível (i.e., municiada de
pretensão) é no mais das vezes conhecido antecipadamente pelas partes. No momento
exato em que a dívida vence e ganha contornos de exigibilidade, vale dizer, no exato
momento em que o titular incorpora a pretensão à sua esfera jurídica, a dívida segue
um de dois caminhos: ou morre pelo adimplemento, e com ela morre a pretensão, ou é
violada pelo incumprimento. Como o poder de exigir o comportamento é irrelevante
quando se cuide de adimplemento espontâneo, o legislador fixou seu olhar na hipótese
alternativa: violado o direito, surge a pretensão. Exigibilidade-pretensão e
incumprimento surgem com uma imbricação umbilical, o que enevoa a dogmática. Isso
não quer dizer que a pretensão nasça da violação.
Há muitos outros casos, todos traduzíveis em exemplos cotidianos, que põem
abaixo a pressuposição equivocada do legislador. Quem empresta livro sem fixar prazo
para devolução e, cansado de aguardar notícias do comodatário, o interpela
extrajudicialmente (por mensagem, por ligação, face-a-face, como for) para devolução,
exige restituição da coisa, mas é apenas após o exercício da pretensão restituitória, e
precisamente por causa dele, que se dá a violação moratória (CC, art. 397, p.u., c/c
art. 581 e 582). Quem comparece perante seguradora com apólice de seguro de vida em
uma mão (CC, art. 758) e atestado de óbito em outra não sugere pagamento, mas exige,
e não há violação porquanto o pagamento da indenização pressupõe essa exigência,
para que se participe à seguradora o implemento do sinistro. Ou ainda: quem, diante de
promessa de recompensa, preenche a condição ou faz o serviço, comparece perante o
promitente para exigir a recompensa, sem que violação tenha havido (é a literalidade
do CC, art. 855, pelo qual «quem (...) fizer o serviço, ou satisfizer a condição (...)
poderá exigir a recompensa estipulada»). E isso é verdade no caso específico do
seguro, ou da promessa de recompensa, mas é igualmente verdadeiro a quem quer que,

228 «Que é a violação do direito que o transforma em ação, é sempre verdade em se tratando de direitos
reais.» (CARPENTER, Luiz Frederico Sauerbronn. Da prescrição (artigos 161 a 179 do Código Civil).
3. ed. Rio de Janeiro: Editôra Nacional de Direito, 1956, p. 124). Como se anotou, o autor usa ação (em
sentido subjetivo) como sinônimo de Anspruch, pretensão.

97
sendo credor de obrigação quesível (por isso, recebível apenas no domicílio do devedor,
por iniciativa do credor), regra e não exceção no direito brasileiro (CC, art. 327),
comparece para recebimento, exige e não sugere o adimplemento da dívida vencida,
mas violação, por imposição lógica, não pode ter havido229.
O Enunciado 14 do Conselho de Justiça Federal, editado a propósito da I
Jornada de Direito Civil, deu conta de parte desse fenômeno e corrigiu, nessa parte, a
penada enviesada do legislador. Disseram os doutores ali reunidos que «1) O início do
prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da
exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão
nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não
fazer». Silenciou, e aqui se complementa, para acrescer ao rol as obrigações por termo
incerto e as obrigações quesíveis (equiparáveis a estas aquelas que, pagáveis que sejam
no domicílio do credor, resultem em mora ex persona). O que se percebe de todos esses
casos é que a precedência da pretensão à violação é regra. E mais: satisfeita
espontaneamente a prestação, extinguir-se-ão direito subjetivo de crédito e pretensão
de uma só tacada, sem que de violação se tenha cogitado.

* * *

Pode suceder que as pretensões não surjam de maneira unitária, monolítica,


singular no curso de uma relação jurídica. De uma mesma relação jurídica, ou mesmo
de um único evento no curso de uma relação jurídica, emanam-se por vezes posições
jurídicas subjetivas variadas. Essas posições jurídicas, por fatos posteriores, com ou
sem violação a direito, podem ser afetadas. As pretensões podem, assim, se enfeixar
sequencialmente ou se modificar, sucedendo pretensões novas a pretensões antigas.

229SAAB, Rachel. Prescrição. Função, pressupostos e termo inicial. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p.
124 e ss., sobre obrigações a termo incerto e quesíveis; «Que é a violação do direito que o transforma
em ação, é sempre verdade em se tratando de direitos reais. Em se tratando, porém, de direitos pessoais
ou de crédito, o direito pode transformar-se em ação, mesmo antes de ter sido violado. Na verdade, todo
o direito pessoal, mesmo antes de vencida a dívida, se é violado, se transforma em ação. Mas, vencida a
dívida, só por êsse fato do vencimento, da exigibilidade judicial, o direito se transforma em ação,
independentemente de qualquer ato de violação. Nem se diga que o não pagamento de uma dívida
vencida é já um ato de violação por parte do devedor. Porquanto, é lícito convencionarem devedor e
credor que, vencida a dívida, vá este cobrá-la nas mãos daquele, no lugar do pagamento, forrando-se
assim o devedor à obrigação de andar no encalço do credor: posi bem, dada uma tal convenção, vencida
a dívida, logo o direito do credor se transforma em ação (actio nata est) de maneira que, dêsse momento
começa a correr o prazo da prescrição liberatória, prazo que se completa, consumando-se a prescrição
extintiva, se o credor omite de propor, dentro nêle, sua demanda para cobrança do débito. E, no entanto,
não se deu ato algum de violação por parte do devedor.» (CARPENTER, Luiz Frederico Sauerbronn. Da
prescrição (artigos 161 a 179 do Código Civil). 3. ed. Rio de Janeiro: Editôra Nacional de Direito,
1956, pp. 124-125).

98
Uma vez mais, exemplos tornarão claro o que a enunciação não consegue divisar com
simplicidade.
Em uma relação jurídica de trato sucessivo, como por exemplo um aluguel de
imóvel, não há um único direito subjetivo de crédito para cada polo da relação (direito
de usar o imóvel ao inquilino; direito de receber os aluguéis ao senhorio), nem uma
única pretensão subjacente, mas, a cada novo ciclo, um novo direito subjetivo de crédito
(aquele aluguel; aquele período de uso) e uma nova pretensão (a prerrogativa de exigir
aquele aluguel; a prerrogativa de exigir o uso naquele período). O caminho fisiológico,
natural, é que o adimplemento ocorra a cada ciclo, de modo que o novo fluxo
prestacional encontre satisfeitas e, por isso, extintas as posições creditícias e de
pretensão precedentes. É claro que isso nem sempre ocorre: o inquilino pode ter sido
injustamente privado do uso do bem por diversos períodos prestacionais
(indisponibilidade da casa, por riscos estruturais, por um trimestre); o senhorio pode ter
sofrido com a falta de pagamento (alugueis inadimplidos por meses a fio). Nesse caso,
os direitos subjetivos de crédito e as pretensões não se confundem, nem se comunicam:
cada qual surge no período aquisitivo que lhe compete, e é extinto individualmente,
quando houver suporte fático autorizativo dessa eficácia. As pretensões se enfeixam
sequencialmente no tempo, mas não se sobrepõem, nem se substituem: a circunstância
de que tenham nascido de uma só relação jurídica é indiferente. O mesmo crédito e a
mesma pretensão surgiriam, e viveriam sem vaso-comunicações, se houvesse múltiplas
relações, absolutamente independentes entre si, a vincular as mesmas partes.
O incumprimento culposo das obrigações também dá azo a consequências
diversas, ora alternativas, ora cumulativas, de natureza jurídica variada e subordinada
a filtros de estabilização independentes. Aqui, também, o suporte fático comum não
implica consequências compartilhadas, vale dizer, uma só linha de partida não precisa
redundar em uma única linha de chegada. Deste incumprimento abre-se um leque de
prerrogativas: se houver interesse útil, o direito de o credor demandar o cumprimento
específico, mais perdas e danos; se não houver interesse útil, o direito potestativo de
resolver a demanda, cobrando perdas e danos; ou direito subjetivo de demandar o
cumprimento pelo equivalente, em qualquer caso com cumulação por perdas e danos
(CC, art. 402). Esses direitos, alinhados a princípio apenas em abstrato e contrapostos
a obrigações alternativas do devedor, se concretizam pela escolha do credor sobre como
proceder (CC, arts. 395 e 475 do Código Civil). Pode ocorrer, no entanto, que em dado
momento o interesse útil inicialmente existente desapareça, transformando a mora

99
relativa em inadimplemento definitivo230; ou pode suceder que o credor se convença da
imprestabilidade da execução pelo equivalente, e tenha por bem perseguir apenas
perdas e danos.
Nesses casos, parte da doutrina afirma que se cuida de uma mesma pretensão,
mudando apenas a ação que lhe tutela231. Tudo se operaria como se pretensão fosse
uma espécie de exigibilidade em abstrato, permeadora da posição jurídica relacional
(credor, polo ativo) e não uma exigibilidade específica, vinculada a uma prestação
concretamente devida, naquele momento, sob o manto daquela relação jurídica. Não
parece correto afirmar que as coisas caminhem assim. Os direitos subjetivos de crédito
para cumprimento específico, cumprimento pelo equivalente, indenização por perdas e
danos decorrentes do interesse positivo ou indenização por perdas e danos decorrentes
do interesse negativo (defluente da resolução) estão embasados em prestações
objetivamente diversas. O conteúdo do vínculo obrigacional muda conforme os fatos
se sucedam (perda do interesse útil de forma absoluta), ou conforme o titular exerça os
direitos potestativos que lhe compitam (concentração nas obrigações alternativas
defluentes do incumprimento pela escolha do art. 475 do Código Civil; ou
transformação, na conversão de uma a outra modalidade). Não é logicamente possível
dizer que alguém poderia exigir conduta positiva ou negativa, de dar, fazer ou não fazer
(i.e., teria pretensão) antes que o direito subjetivo de crédito que cria título para essa
prestação se houvesse formado. Nesses casos, a cada suporte fático transformativo da
prestação devida, surgem novo direito subjetivo de crédito e nova pretensão, que
substitui a anterior.

* * *

Em um esforço de síntese, e com rol meramente exemplificativo de hipóteses


cotidianamente enfrentadas, pode-se dizer que a pretensão surge:

230 «A mora pressupõe que a prestação ainda possa ser cumprida, de maneira a satisfazer o interesse
subjacente à celebração do Contrato. Não é por acaso, portanto, que o capítulo destinado a discipliná-la
termine justamente com as regras atinentes à chamada purgação da mora (...). A interpretação sistemática
evidencia que somente o inadimplemento absoluto permite a resolução da relação jurídica contratual.
Afinal, a mora coporta emenda e, assim, permite que o interesse útil do credor seja satisfeito. (ZANETTI,
Cristiano de Sousa. A transformação da mora em inadimplemento absoluto. Revista dos Tribunais,
v. 942, p. 117–139, 2014, excertos às pp. 130 131).
231 «Se A deve a B a coisa a, e advém impossibilidade culpsa, continua B com a pretensão, que tinha,

mas, devido ao fato da impossibilidade com culpa, a ação é para perdas e danos» (PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 5. 2a. São Paulo: Borsoi, 1952, p.
469).

100
(i) nas modalidades do negócio jurídico: para as prestações avençadas, na ausência de
termo inicial ou condição suspensiva, e ainda que com pacto de termo resolutivo ou
condição resolutiva, quando do nascimento do negócio jurídico (CC, art. 134); no
termo inicial, quando de seu implemento (depois do direito subjetivo de crédito, que
precede o termo; CC, art. 131); na condição suspensiva, quando de seu implemento
(junto do direito subjetivo de crédito; CC, art. 125); no encargo, para as prestações
avençadas, desde o nascimento do negócio jurídico (CC, art. 136);
(ii) nas obrigações periódicas ou de trato sucessivo, para as prestações avençadas, a
cada novo ciclo, mantida a independência das pretensões nada obstante sua origem
comum;
(iii) no direito restitutório, seja por ato unilateral ou por incidência do regime das
nulidades, ineficácias, do pagamento indevido e do enriquecimento sem causa, para a
restituição, desde o deslocamento patrimonial prestacional (CC, art. 169, 876 e 884);
no regime das anulabilidades, para a restituição, desde a anulação por ordem judicial,
supondo haver-lhe precedido desempenho da prestação (CC, art. 177);
(iv) para as posições jurídicas decorrentes do exercício de direito potestativo (a já citada
anulação, a resilição, a resolução, opção de compra, direito de preferência): desde que
eficaz a criação, modificação ou extinção da relação jurídica por força do exaurimento,
em exercício, do direito potestativo, em juízo ou fora dele, conforme o pressuposto
legal específico; e
(v) no direitos geral de incolumidade extraível da cláusula geral do ato ilícito (com
especial relevância para posições absolutas, mas não apenas para elas) e nas obrigações
de não fazer com eficácia relativa: para a inibição do ilícito, desde o tencionamento ao
ilícito (CRFB, art. 5º, XXXV e, para exemplificar apenas, CC, art. 130; CPC, art. 497,
p.u.), e para a reparação, desde a verificação do dano (CC, arts. 186 ou 187 c/c art. 927).
Como se cuidará de detalhar no capítulo seguinte, em regra, o prazo
prescricional flui desde quando surge a pretensão, haja ou não violação ao direito
subjetivo de crédito. Esse rol poderia, então, sugerir-se como mapa de termos iniciais
de fluência da prescrição. Seria um grave equívoco assim proceder, porquanto o
ordenamento brasileiro tem menos um fio e mais um tear de exceções a essa regra geral,
que, se muito, tem a utilidade de esteio como norma de fechamento ao sistema. A
fluência do prazo prescricional pode se dar antes, simultaneamente ou depois do
surgimento da pretensão.
É tempo, então, de olhar mais de perto a mecânica exata de operação do
fenômeno prescricional, para detalhar seus pressupostos de incidência.

101
CAPÍTULO III PRESSUPOSTOS PARA A INCIDÊNCIA DA
PRESCRIÇÃO

III.1 Existência de um direito subjetivo de crédito exigível

A existência de um direito subjetivo exercitável é tida como pressuposto


lógico à incidência da prescrição. A plena eficácia da prescrição (= exaurimento de sua
eficácia, com sua oposição, pela parte ou pelo magistrado, para encobrir a pretensão) é,
de fato, dependente desse pressuposto fundamental, por corresponder à própria essência
da exceção: é preciso que haja obrigação a compelir o devedor, ou seja, que haja
pretensão, prerrogativa de exigir a satisfação de uma prestação, para que a exceção de
prescrição tenha a que resistir, encobrir, deseficacizar. E, para tanto, é preciso, antes,
que haja dívida de prestação: é preciso, em outras palavras, que um sujeito seja titular
do direito de receber conduta positiva ou negativa, de dar, fazer, ou não fazer, para
satisfação de interesse seu, incorporando-a definitivamente a seu patrimônio.
A questão não é, contudo, tão simples quanto essa máxima pode sugerir. É
preciso resistir ao impulso de, transformando silogismo em sofisma, dizer que onde
houver direito subjetivo de crédito e pretensão, haverá necessariamente fluência de
prazo tendente à consolidação da prescrição; ou dizer, de outro lado, que onde houver
prescrição (= aquisição, por alguém, da titularidade da posição jurídica subjetiva de
exceção prescricional), haverá desde logo direito subjetivo de crédito e pretensão contra
os quais a opor. Dois são os caminhos a que se deve atentar, já que:
(i) a prescrição pode não se operar (= não ser outorgada exceção de prescrição ao
devedor), ainda que presentes direito subjetivo de crédito e pretensão; e
(ii) a prescrição pode se operar (= ser outorgada exceção de prescrição ao devedor)
antes mesmo de haver consolidação do direito subjetivo de crédito, ou de sua
exigibilidade.
Cada hipótese merece consideração, em apartado.

* * *

A primeira prova de equívoco reside em se constatar que o ordenamento pode


(e, dir-se-á, deve) pré-excluir do escopo de incidência do fenômeno posições jurídicas
cuja preservação perpétua seja essencial à sociedade. Isso é coisa diversa de identificar
hipóteses de posições jurídicas subjetivas materiais (ou, menos ainda, de pedidos

102
judiciais) incompatíveis em tese com a prescrição. Quando se declara nulidade ou
inexistência, quando se anula, quando se resolve, ou quando se resile, não se exigiu
nada de ninguém, de modo que de prescrição não se falará – ainda que da declaração232,
anulação, resolução ou resilição possam advir posições jurídicas flanqueadas por
pretensões, essas sim, prescritíveis. Igualmente já se demonstrou, acima, que a suposta
incompatibilidade com direitos reais não é senão uma artificialidade (item II.3.1),
porque deles advém pretensões reais prescritíveis – o que não impediria que o legislador
criasse a ponte onde a dogmática não a erigiu, e não impediu, concretamente, o
legislador italiano de fazê-lo (Codice, 948233).
A lei pode erigir verdadeiras imprescritibilidades, ainda que seja recomendado
ao legislador grande moderação e ao intérprete, redobrada. São pretensões como que
blindadas ao regime prescricional. Dizem os tribunais ser esse o caso de pretensões de
remediação e indenização no direito ambiental234, ou na reparação de danos ao Erário
decorrentes de ato de improbidade235. Na primeira hipótese, fazem-no sem nenhum
assento legal e com base em cogitação principiológica; na segunda, confirmada pelo
Supremo Tribunal Federal em julgamento turbulento, enxergando eloquência
normativa em trecho simples da Constituição da República236.

232 Daí não haver dúvida sobre o erro do Código, no art. 1.601, quando afirma que «[c]abe ao marido o

direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.»
Sendo a ação voltada a declarar a inexistência de vínculo de parentesco, não há direito subjetivo de
crédito, nem pretensão e, por isso mesmo, a prescrição deveria ser incogitável. A herança da atecnia vem
do Código Beviláqua, que, em regime ainda pesadamente marcado pela classificação de filhos, buscava
fechar as portas para essa mudança de status com o emprego de prazos brevíssimos de impugnação.
Mesmo na legislação anterior, o caminho oposto já se tinha por imprescritível (rectius, não sujeito à
prescrição), como a súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça previra, sem descurar da prescritibilidade
– como se sustentou aqui – da pretensão por petição de herança. (SILVA, Regina Beatriz Tavares da.
Código Civil Comentado. 7a. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1598-1599).
233 Codice, art. 948. (...) Azione di rivendicazione. L'azione di rivendicazione non si prescrive, salvi gli

effetti dell'acquisto della proprietà da parte di altri per usucapione. / Art. 948. (...) Ação de reivindicação.
A ação de reivindicação não prescreve, ressalvados os efeitos de aquisição da propriedade por terceiros
pela usucapião.
234 «O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está

protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e
essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.» (STJ, REsp
1.120.117/AC, 2ª turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. em 10 de novembro de 2009).
235 Fixou-se, por ensejo do julgamento do Recurso Extraordinário 852475/SP, a tese proposta pelo relator

Min. Edson Fachin, segundo o qual «são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas
na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa». Fechando os olhos ao efeito
prático direto e necessário da decisão, registrou-se que «a imprescritibilidade constitucional não implica
injustificada e eterna obrigação de guarda pelo particular de elementos probatórios aptos a demonstrar
a inexistência do dever de ressarcir, mas na confirmação de indispensável proteção da coisa pública».
236 CRFB, art. 37. (omissis). § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por

qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento.

103
Em ambos os casos, parecem ter as Cortes cruzado linhas importantes ao tomar
opções normativas graves, sem que o legislador constitucionalmente legitimado tenha
a tanto assentido, e não tardará a que novos critérios discricionários, ou arbitrários
(v.g., insignificância da ofensa, suposta estabilização de fato pelo curso do tempo, as
apostas vão abertas) sejam invocados para fechar os evidentes efeitos inconvenientes
que a opção à perpetuidade das pretensões realizou (a esse respeito, v. item V.5). Ou
bem isso, ou bem alguém cogitará ser conforme o ordenamento que a acusação de
derrubada de uma árvore protegida possa ser imputada ao tetraneto do ofensor, ou um
ilícito licitatório imputado a uma pessoa de vinte anos possa ser razoavelmente
defendido, por ela, em juízo, aos oitenta. A imprescritibilidade é escolha séria e que
não comporta saídas casuísticas.
Fora do Brasil, refere-se à imprescritibilidade de direitos indisponíveis
237 238
(Codice, art. 2.934, «2» ; Código Civil Português, art. 298º, «1» ). A
disponibilidade não parece fio condutor seguro, quando menos em abstrato, para aferir
a prescritibilidade. A operação da prescrição não depende de ato de disposição do titular
do direito vulnerado: o fenômeno se opera à revelia de sua vontade e se opera,
igualmente, sem remoção de sua esfera jurídica de qualquer direito que seja. Antes,
incorpora-se à esfera jurídica do devedor nova posição jurídica subjetiva,
deseficacizante da pretensão, mediante exercício, em forma de exceção. Não se trata,
portanto, de incompatibilidade lógica ou técnica entre direitos subjetivos de crédito
indisponíveis, de um lado, e prescrição, de outro, mas de uma aposta feita pelo
legislador: direitos indisponíveis em regra correspondem a um relevante interesse
social subjacente, de modo que, ao fundo, ter-se-ia a não-estabilização desses valores

237 A doutrina lista como tais, ora com base em lei especial, ora em princípios gerais, os direitos
personalíssimos, os direitos da personalidade, o usufruto legal, direito a alimentos, direito do trabalhador
a descanso semanal remunerado e férias, direito à aposentadoria, direito à paridade de tratamento
econômico entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, direito de tratamento aos tuberculosos,
domínio público, direitos e ações de estado, e direitos fundados por razões de ordem pública
(GERARDO, Michele; MUTARELLI, Adolfo. Prescrizione e decadenza nel diritto civile: aspetti
sostanziali e strategie processuali. Turino: G. Giappichelli Editore, 2015, p. 35). A lista, como se vê,
entrecorta direitos pessoais e reais, e cuida de hipóteses em que não há manejo de pretensão, com rigor
dogmático reduzido.
238 Codice, Art. 2934. Estinzione dei diritti. Ogni diritto si estingue per prescrizione, quando il titolare

non lo esercita per il tempo determinato dalla legge. Non sono soggetti alla prescrizione i diritti
indisponibili e gli altri diritti indicati dalla legge. / Art. 2934. Extinção de direitos. Cada direito extingue-
se por prescrição, quando o proprietário não o exerce pelo tempo determinado por lei. Os direitos
indisponíveis e outros direitos indicados por lei não estão sujeitos à prescrição; CCPort. Art. 298º.
(Prescrição, caducidade e não uso do direito) 1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante
o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare
isentos de prescrição.

104
caros à coletividade 239 . O interesse público incide para que o titular deles não se
desfaça, e incide, em camada diversa, para que o titular deles não descure, ou, ainda
que não descurando, não perca sua exigibilidade por inércia – uma opção de política
legislativa perfeitamente válida, mas não de técnica civilista que se imponha
universalmente. Não há dispositivo análogo no Brasil, de modo que vai sem dizer que,
aqui, direitos indisponíveis geram pretensões em regra prescritíveis.
Há, contudo, um único e razoável consenso, sobre incidir a prescrição apenas
sobre pretensões de cunho patrimonial – originário ou derivado 240 –, e não sobre
posições jurídicas subjetivas de natureza existencial em sede de tutela específica241. A
prescrição cuida da segurança jurídica (v. item V.5, abaixo): segurança do devedor que
não possa razoavelmente se defender de uma pretensão envelhecida; e segurança da
sociedade frente à estabilização de situações patológicas, estabilização esta em que
todos, gradativamente, passam a confiar no seu trato negocial cotidiano. Nada disso
parece remotamente se conectar com a agressão tendencialmente perpétua, porque
irresistível coercitivamente, do nome, imagem, integridade psicofísica – em suma,

239 ANTUNES, Ana Filipa Morais. Prescrição e caducidade. Anotação aos artigos 296o a 333o do
Código Civil (O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas). Coimbra: Coimbra Editora, 2008,
p. 22.
240 «Submetem-se (...) aos efeitos da prescrição as pretensões que decorrem de direitos indisponíveis,

como as de reclamar prestações alimentícias e as de exigir reparação pelo dano moral oriundo de ofensa
ao direito da personalidade (embora sejam, em si, inalienáveis e imprescritíveis o direito de alimento e
o direito à honra» (THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos
jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 167). Também firme pela imprescritibilidade de direitos da
personalidade, mas com imprópria aproximação italiana, CAHALI, Yussef Said. Prescrição e
decadência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 82. Em sentido minoritário, parte da doutrina se
distancia dessa barreira-limite da prescrição, para entender que sequer pretensões patrimoniais
decorrentes de posições existenciais prescrevem, ora com base em invocação genérica da dignidade da
pessoa humana (TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 2. 5a. São Paulo: Método, 2010, p. 230), ora com
recurso artificial à suposta perenidade do dano (TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria
Celina; BARBOZA, Heloísa Helena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da
República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 361). Com relação ao primeiro ponto, dinheiro por
ofensa à pessoa não é o mesmo que a própria pessoa. Com relação ao segundo, a afirmação de que «a
violação não se regenera, afastando-se a tríade, típica das relações jurídicas patrimoniais: dano-
reparabilidade-prescrição» ignora que a permanência do dano e, a reboque, do direito subjetivo à sua
indenização, são pressupostos de qualquer prescrição por pretensão indenizatória, e não com ela
incompatível. Com razão, rechaçando ambas as teorias, SIMÃO, José Fernando. Prescrição e
decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 231).
241 MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Imprescritibilidade do exercício das situações jurídicas

existenciais. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo,
2019, p. 541–553; BERNARDES, Júlio César. A prescrição e a decadência no Código Civil de 2002 -
Apontamentos sobe as alterações efetivadas. Revista da Faculdade de Direito - Universidade Federal
de Minas Gerais, v. 63, p. 377–413, 2013, em especial p. 407. HUMBERTO THEODORO JUNIOR concorda
em parte, mas extrapola o limite do direito brasileiro e adota a posição italiana, citando TRABUCCHI. Não
esclarece, no entanto, que lá a posição é espelho de letra expressa de lei, e não como a incorporação se
faz, no sistema brasileiro, à revelia de regra idêntica (THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários
ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência.
Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 166).

105
daquilo que seja direta e especificamente coligado com a natureza do homem, por sua
dignidade, em sede de tutela específica (não reparatória). «En un Estado de derecho
democrático y respetuoso con la dignidad del ser humano, nadie puede ser nunca
definido como no persona242» - sintetizou bem a doutrina. Como a dignidade humana
é assentada no texto constitucional, o ponto ganhará mais densidade adiante, sob a
rubrica da (restrita, mas importante) relevância da normativa da Constituição da
República sobre a disciplina da prescrição.

* * *

A segunda prova de equivoco reside em que a prescrição pode,


excepcionalmente, preceder a existência do direito subjetivo de crédito e da pretensão.
Pode suceder haver direitos subjetivos ainda não criados, ou criados, mas ainda não
exigíveis, porém, inexigíveis por fatos exclusivamente atribuíveis a seu titular, que
segue por isso não-satisfeito naquela que é sua «pretensão ainda nascitura».
Afirmou-se no capítulo anterior que a pretensão só surge «para as posições
jurídicas decorrentes do exercício de direito potestativo (a já citada anulação, a
resilição, a resolução, opção de compra, direito de preferência): desde que eficaz a
criação, modificação ou extinção da relação jurídica por força do exaurimento, em
exercício, do direito potestativo, em juízo ou fora dele, conforme o pressuposto legal
específico». Nesses casos, não há, ainda, direito subjetivo de crédito, menos ainda
pretensão que lhe seja ancilar. O exercício do direito potestativo cria, modifica ou
extingue relação jurídica e, a partir dessa nova, modificada ou extinta relação jurídica
primária, exsurgem, em irradiação eficacial, direitos subjetivos de crédito novos,
imediatamente exigíveis243. Resolvo o contrato definitivamente incumprido e, por isso,
e partir daí, tenho direito a indenização. Exerço a opção de compra e, por isso, e partir
daí, tenho crédito à coisa e pretensão à sua entrega. Anulo o negócio e, por isso, e partir

242 GONZÁLEZ RAMÍREZ, Isabel et al. La media prescripción frente al delito de desaparición forzada
de personas. Incumplimento de la normativa internacional en materia de crímenes de lesa humanidad?
Revista Direito GV, v. 10, p. 321–346, 2014. Excerto à p. 342, usado pelos autores no cotejo de crimes
de lesa humanidade e prescrição penal, em máxima, sem embargo, traduzível sem dificuldade para
qualquer ramo do Direito.
243 «Há direitos formados e direitos formativos. (...) Há os direitos formativos que tendem à criação

(direitos formativos criadores, ou geradores), à modificação (direitos formativos modificadores), ou à


extinção dos direitos (direitos formativos extintivos). (...)», e segue para afirmar que «[à]s vêzes, ao
direito formativo extintivo junta-se direito formativo gerador ou modificativo; ou ao efeito daquele,
efeito gerador ou modificativo. Com a resolução, em virtude de exercício de direito formativo gerador,
surge a pretensão à restituição das prestações pagas» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 305 e 307).

106
daí, tenho direito à restituição da prestação outrora satisfeita. O exercício do direito
potestativo é fagulha criativa das posições jurídicas subjetivas subsequentes; enquanto
não exercido o direito potestativo, não entram no mundo do direito as posições dele
derivadas, nem sua exigibilidade tem lugar. Poder-se-ia imaginar, então, que o
fenômeno prescricional só seria chamado à baila quando desse exercício. Sucederia
logicamente que o prazo prescricional deveria fluir, sempre, a cada novo surgimento de
pretensão, descartado o prazo precedente. O suporte fático é novo, do que redunda nova
incidência e nova eficácia do fenômeno prescricional.
Essa posição evitaria perplexidades pelos eventuais desencontros de prazos
que ocorreriam se fosse admitida a fluência do prazo prescricional independentemente
do exercício, pelo titular, do direito potestativo criador da pretensão. Imagine-se
contrato feito sob dolo (CC, art. 145), em que a parte vitimada prestou voluntariamente
no mesmo dia da avença. Seu prazo para anular o negócio é de quatro anos
(CC, art. 178), mas a indenização por perdas e danos trienal (e sem dúvidas, já que o
ilícito do dolo é absoluto e não relativo; art. 206, §3º, V). Fluindo o prazo prescricional
indenizatório, e sendo o dano contemporâneo à prestação, sucederia que, ao ajuizar
ação anulatória, a vítima já teria visto prescrever a pretensão indenizatória.
Sobreviveria, ainda, não mutilada, apenas a pretensão restituitória, que é decenal
(CC, art. 205). Ocorre que a posição aqui cogitada – fluência da prescrição a partir da
pretensão, pretensão a partir do exercício efetivo do direito potestativo – tem, também
ela, graves inconvenientes. Graves ao ponto que a melhor leitura da lei parece
desaconselhá-la.
Com efeito, admitindo-se a fluência prescricional a partir do efetivo
surgimento do novo direito subjetivo de crédito e subjacente pretensão, tem-se que (i) a
possibilidade de coercitivamente se restituir sobreviveria por até quatorze anos, sendo
quatro para que se anulasse o negócio e dez para que se exigisse, depois, a restituição;
e (ii) a possibilidade de coercitivamente se indenizar sobreviveria por até sete anos,
sendo novamente quatro para anulação e três para exigir a reparação. Levada a rigor
dogmático extremo, a posição tornaria impossível precisar a data de estabilização.
Afinal, a anulação só se dá com o trânsito em julgado da sentença desconstitutiva
(CC, art. 177), o que poderia postergar o prazo inicial da prescrição para as posições
jurídicas derivadas da anulação para anos, quiçá décadas, depois. Não é difícil
contemplar a hipótese concreta em que o negócio haja sido entabulado e adimplido no
ano 1, para ser ajuizada ação de anulação no ano 5, julgada definitivamente procedente
no ano 15, com ajuizamento de nova ação indenizatória no ano 18, ou exigência de

107
efetiva restituição de prestações, em cumprimento a efeito necessário da sentença, no
ano 25. Se as pretensões derivarem de resolução, o problema se agrava, porque não há
prazo expresso em lei para exercício desse direito potestativo, o que fez a doutrina,
andando mal, enxergar uma eficácia atípica da prescrição para extinguir o direito de
resolver como meio de evitar a perpetuidade do exercício dos direitos dele
decorrentes 244 . Que o legislador imagine um prazo trienal que, concretamente, se
desvele em dezoito anos passados; ou um prazo decenal, que concretamente se opere
um quarto de século depois; ou ainda um instituto incidente sobre pretensões, a abarcar
direitos potestativos, deveria servir, por si só, como forte indício de que algo na
interpretação da lei não vai bem. Não se pode dar, contudo, a esse sentimento
demasiado prestígio: cuida-se de indício, mas não prova, porque poderia suceder que a
lei fosse apenas indesejavelmente mal concebida nesse ponto.
Ocorre que há mais a dizer. Excluir a incidência imediata da prescrição (vale
dizer, antes mesmo do exercício do direito potestativo) criaria graves paradoxos lógicos
no sistema privatista, já que:
(i) estaria municiado com a exceção prescricional o devedor que deliberadamente
descurasse de satisfazer a prestação constituída; estaria, contudo, privado de idêntica
vantagem o devedor que poderia desde sempre ser demandado, mas não o foi, e não
poderia espontaneamente satisfazer a pretensão, porque o direito potestativo precedente
à criação da dívida e da obrigação não fora exercido pelo credor;
(ii) estaria protegido por mais tempo o titular de posição jurídica mais descurado de
seus interesses, que houvesse, por nenhuma razão ou por malícia, feito esticar a corda
da contagem dos prazos até o limite legal; estaria, contudo, vulnerado pela prescrição
o titular que houvesse com rapidez exercido o direito potestativo e definido o caminho
a perseguir, pelas novas prestações, doravante; e
(iii) na disciplina das invalidades, estariam protegidas por menos tempo as partes
vitimadas por hipóteses de nulidade, por definição mais grave, e com surgimento
imediato ex lege de posições jurídicas, e protegidas por mais tempo as partes vitimadas
por hipóteses de anulabilidade.
Tudo isso parece apontar para que seja esse refrear do prazo prescricional fruto
de uma interpretação radicalmente contrária às exigências do bem social e ao
propósito da lei (LINDB, art. 5º), premiando o credor que fez menos e onerando o
credor que fez mais, protegendo menos a vítima da ilegalidade grave e mais aquela da

244 A esse respeito, v. as considerações sobre eficácia da pretensão entre as partes, no item IV.1.

108
ilegalidade menos grave; laureando o devedor pior comportado daquele obstado à
satisfação. Não parece seja esse o caso, ou, quando menos, não parece seja esse
necessariamente o caminho a seguir.
A relevância meramente incidental da violação a posições jurídicas já fez
relevar a premissa de que o prazo prescricional flui, como regra, da só exigibilidade da
prestação. Para fins de fluência de prazo, a possibilidade desse exercício não deve ser
compreendida apenas como a pretensão incorporada à esfera jurídica do titular, mas
sim como o momento em que o titular da posição jurídica pudesse, por sua só vontade,
a ela proceder, ainda que sua vontade se desdobre em planos dogmáticos de relevância
diversa. Vale dizer, não haveria diferença, para fins de estabilização prescricional, se o
titular pudesse (i) exercer direito potestativo que crie direito subjetivo de crédito e
outorgue imediata pretensão, ou (ii) exercer diretamente pretensão, já sendo titular de
direito subjetivo de crédito. Em ambos os cenários, a relação entre credor e devedor (ou
potenciais credor e devedor, porque mediados, ainda, por direito potestativo não
exercido) está posta sob o desígnio creditício de exercício de posições jurídicas. Não
há pretensão, mas há exercibilidade concreta da pretensão pela dualidade de sua criação
e exercício 245 . A doutrina do século passado já o reconhecia, ao dizer que «se a
pretensão ainda não nasceu, mas já poderia ter nascido, distinguem-se as espécies em
que estava in potestade do futuro titular nascerem, e as que dêle não dependia o
nascimento. Quanto àquelas é que se enuncia a regra Toties prascribitur actioni
nondum natae, quoties nativitas eius est in potestate creditoris246».
Por fim, há casos em que a lei, por discricionária política legislativa, antepõe
a fluência do prazo prescricional à existência do direito subjetivo de crédito, ou da
pretensão. Suponha-se que um segurado seja demandado civilmente por um acidente
em que se envolveu. Convencido de sua irresponsabilidade, oferece defesa, mas não

245 Se assim não é possível, no exemplo antes tratado, salvaguardar a pretensão indenizatória expirada

no terceiro ano, sucedida da propositura de ação anulatória no quarto, não será nada obstante correto
afirmar que dita anulação seria imprestável: a par da restituição decenal, a anulação preserva a utilidade
liberatória para prestações ainda devidas. Em mesmo sentido, aprofundando a análise italiana entre
impedimentos de fato e impedimentos de direito ao manejo da pretensão, a doutrina incluiu na esfera
prescritível, ordinariamente reservada aos impedimentos de fato, aqueles de direito contornáveis pelo só
esforço do titular, inclusive para fazer nascer o crédito (CAPONI, Remo. Gli impedimenti all’esercizio
dei diritti nella disciplina della prescrizione. v. 42, p. 721–761, 1996, em particular 756-761).
246 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 148. O autor segue na página seguinte: «as pretensões que se adquirem
mediante exercício de direito de impugnação, denúncia ou reclamação, começam a prescrever desde o
momento em que a impugnação, denúncia ou reclamação é admissível, sem se indagar de quanto o que
poderia impugnar, ou reclamar, conhecia, ou não, o direito de fazê-lo. O mesmo se dá em caso de
anulabilidade.»

109
denuncia a lide à seguradora, limitando-se a participá-la da existência da ação
(CC, art. 786, §§ 1º e 3º). A defesa é conduzida com esmero; a despeito disso, sobrevém
a derrota final. O segurado tem direito subjetivo de crédito contra a seguradora, pelo
custeio das despesas decorrentes da condenação pelo risco segurado. O direito subjetivo
de crédito a que se refere surgiu com a efetiva perda financeira do segurado, e não no
início da narrativa247. Nada obstante, quando o direito subjetivo de crédito surge, a
pretensão já foi subordinada aos efeitos liberatórios da prescrição. No Código, o
art. 206, §1º, II, «a», determina que a prescrição do segurado contra o segurador por
dano tem seu prazo de um ano contado «da data em que é citado para responder à ação
de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com
a anuência do segurador». O segurado já tem ação contra o segurador, mas ainda não
tem pretensão, já que o pedido de tutela processual em sede de denunciação é marcado
por profunda condicionalidade: «se o risco de meu contrato de seguro se materializar,
então, e apenas então, condene a seguradora garantir o pagamento tempestivo dos
danos». O importante é que prevalece, há décadas, amplo consenso sobre a irrelevância
da denunciação da lide (providência de viés processual) no plano material (direito de
regresso)248. Isso é verdade inclusive nos casos de seguro. O segurado não tem o dever
de denunciar a lide para manter a cobertura. Tanto assim é que o prazo para denunciação
é aquele da contestação (em regra quinze dias úteis), ao passo que a pretensão tem prazo
de exercício ânuo. O que causa espécie ao olhar desatento, ou atrelado à dogmática
tradicional da prescrição liberatória, é que o termo a quo de prazo prescricional – por
definição, atinente ao plano material – seja um evento processual a ela apenas
remotamente conectada. No item III.4, cuidar-se-á da ordem de citação como causa da
interrupção do prazo prescricional. Lá, contudo, cuida-se de escolha apenas natural do
legislador, dado que aquela citação é ato processual que vem a reboque do exercício da
pretensão creditícia material, por meio da intervenção da prestação jurisdicional. A
ordem de citação é, portanto, um eco mediato da movimentação do credor no plano

247 A confusão faz sugerir, mutatis mutandi, porque lá o debate era de responsabilidade civil e não de

incumprimento, a confusão da parte da doutrina entre ofensa a bem jurídico e crédito ressarcitório, no
que se chamou a dualidade dano-evento e dano-prejuízo (JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio.
Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 33).Como a doutrina especializada
bem divisa, «[n]o seguro de responsabilidade, o interesse do segurado é o risco que se pretende cobrir»,
risco designado de risco de dano indireto, pela «finalidade de resguardar o segurado perante as
consequências patrimoniais de danos causados por ele» (SOUZA, Bárbara Bassani. Seguros:
beneficiários e suas implicações. São Paulo: Editora Roncarati, 2016, p. 81).
248 Por todos: «[s]egundo a jurisprudência sólida do STJ, a denunciação da lide justificada no art. 70,

inciso III, do CPC [revogado] não é obrigatória, sua falta não gera a perda do direito de regresso e,
ademais, é impertinente quando se busca simplesmente transferir a responsabilidade pelo bem litigioso
ao denunciado.» (STJ, AgRg no AREsp n. 26.064/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª turma, julgado
em 11 de fevereiro de 2014).

110
material. Isso não ocorre no caso da prescrição antecipada, em que a citação ecoa
pretensão de terceiro – a vítima – contra o potencial credor da seguradora, em pretensão
alheia ao vínculo securitário.
Como se constatou, o direito a ressarcir-se pelo risco concretizado não surgiu.
A correlata pretensão, então, também não surgiu, e a prescrição excepcionalmente
precede a toda esta fenomenologia como forma de criar um ambiente de maior
segurança jurídica em dado contexto relacional. No caso da singular solução do
legislador brasileiro, não há dúvidas de que o propósito é de facultar a intervenção da
seguradora no processo de reconhecimento do crédito da vítima em juízo. A medida
aumenta as chances de a seguradora intervir em tempo hábil e influenciar positivamente
(para si, é claro) o desfecho da demanda, seja para excluir a responsabilidade do
segurado, seja para reduzir o valor da indenização, seja ainda para evitar as fraudes que
tão frequentemente assolam este mercado. Fosse o caso de silêncio normativo, a
interpretação permissiva da disciplina da denunciação da lide do CPC73, positivada no
NCPC (art. 125, §1º249), relegaria aos filtros de conduta do abuso do direito um eventual
refreamento à pretensão ressarcitória do segurado que desatendesse às melhores
práticas frente à seguradora (CC, art. 187) – filtro excepcional e restrito.
A estabilização das demandas indenizatórias por meio de um inovador
desenho prescricional oferece a grande vantagem de aumentar a segurança jurídica dos
exploradores dos segmentos tutelados. Na mesma medida, é claro, as medidas oneram
as contrapartes desses agentes (seguradoras), o que, é claro, não quer necessariamente
dizer haja nisso impossibilidade jurídica ou inconstitucionalidade. É preciso, aqui,
interpretar cum grano salis a máxima de que se deve dar aos titulares de direito chance
razoável de exercer suas pretensões. A questão é apurar se em concreto os valores
tutelados e sua forma de tutela são tais que sua sobreposição àqueloutros contrapostos,
sacrificados, não aponta a tout court expropriar o particular (CRFB, art. 5º, caput) ou
violar o princípio implícito da razoabilidade (v. CAPÍTULO V). O ordenamento é livre
para promover e proteger valores em particular, pessoas em particular e setores de
atividade econômica em particular. O setor da aviação civil, por exemplo, é pródigo em
diplomas normativos que limitam «artificialmente» o direito à indenização. Sob a
Convenção de Montreal, internalizada no Brasil por meio do Decreto 5.910/2006, as
companhias de aviação respondem objetivamente pelo dano morte até o limite de
100.000 Direitos Especiais de Saque (art. 21). Se é dado ao ordenamento limitar o

249Art. 125. § 1o O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for
indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

111
direito subjetivo em sentido estrito (crédito), reduzindo a zero o direito indenizatório
para parte das perdas que pode ser relevante, com muito maior razão ser-lhe-á dado
preservar aquele direito, tolhendo, apenas, sua exigibilidade após dado lapso de tempo
– se e na medida em que isso se mostre útil à tutela dos valores eleitos pelo legislador.
A essas modalidades – direito subjetivo de crédito e pretensão cujo nascimento
dependente de exercício direito potestativo pelo credor; e direitos subjetivos de crédito
e pretensões eleitas pelo legislador, em política protetiva discricionária – propõe-se
designar prescrição de eficácia antecipada, ou, simplesmente, prescrição antecipada.
A fluência do prazo tendente à incidência do fenômeno prescricional flui
independentemente da existência concreta de direito subjetivo de crédito e pretensão; a
oposição da exceção, à luz de sua eficácia defensiva, segue naturalmente reservada ao
momento em que ditas posições jurídicas tenham adentrado ao mundo do Direito250.
A despeito do que cogite a jurisprudência a propósito, não se incluem na
modalidade de prescrição antecipada aquela liberatória da responsabilidade civil de
oficiais registrais. A imprecisa letra da lei não instituiu ordem protetiva quando por
determinou que «prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o
prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial» (Lei 8.935/1994, art. 22, p.u.).
Veja-se: poderia, em tese, ter sucedido essa mudança legislativa, a deslocar a fluência
do prazo prescricional para antes mesmo da verificação do direito subjetivo de crédito
e pretensão correlatos, mas tal não se deu. Tome-se a questão por partes.
Para adequadamente enquadrar o problema, suponha-se que uma Sociedade
Imobiliária deseje adquirir lotes para ulterior incorporação e, para esse fim, prospecte
potenciais locais com o auxílio de corretor. Localizado o terreno, o corretor apresenta
à sociedade imobiliária dois funcionários do proprietário que conduzem a negociação.
Tudo caminha a contento: os documentos atinentes ao terreno parecem conformes, e a
sociedade imobiliária deseja «fechar negócio». Os funcionários produzem então
procuração pública com poderes especiais e expressos para alienação do imóvel.
Lavram, primeiro, instrumento particular de promessa de compra e venda: a sociedade
imobiliária paga sinal e parcelas, quitando, ao final de dois anos e meio, o preço. Lavra-
se então escritura pública de compra e venda, com aposição de cláusula de quitação a
refletir os pagamentos feitos sob a vigência da promessa, e procede-se ao registro. Esse,
contudo, resta frustrado, porque a procuração pública fora lavrada com base em

250Não sobreposta ao conceito de prescrição de pretensão nondum nata de Pontes de Miranda, que exclui,
dela, as hipóteses de rescisão e resolução (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de
Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 151 e 152).

112
documentos falsos: em verdade, o proprietário outorgante falecera anos antes. Com os
funcionários do proprietário desparecidos, porque evidentes golpistas, a sociedade
imobiliária se volta contra o oficial titular do tabelionato que lavrou a procuração. O
ato de lavratura do documento falso – suponha-se, em culpa do notário – ocorreu há
mais de três anos; o direito subjetivo de crédito e pretensão pelas perdas sofridas, a cada
pagamento, todos, contudo, há menos de três anos. Quid iuris: há ou não prescrição?
Tomada a literalidade da norma e entendida como norma de proteção setorial,
a fluência do prazo prescricional seria deslocada de seu locus natural (dano) para o
momento da conduta do oficial (conduta ilícita tendente à causação do ano). Não há
direito subjetivo de crédito a pagamento pela só prática do ilícito, na medida em que a
violação da lei, isoladamente considerada, não desafia indenização. Ilícito e dano, como
é cediço, incidentalmente se sequenciam, e não se sobrepõem. Aqui, em casos-limite,
a prescrição tiraria qualquer chance de reparação frente aos oficiais, bastando para tanto
que o dano sobreviesse em três ou mais anos da prática do ilícito, ou, como se queira,
«da lavratura do ato registral ou notarial». A regra poderia ser assim enunciada: os
ilícitos praticados pelos oficiais e notários só serão aptos a gerar obrigação de indenizar
por três anos; após esse prazo, verificação de danos gerará dever de indenizar, mas não
obrigação (exigibilidade) de assim proceder. Sem enfrentar o resultado último da sua
leitura da lei, foi o que entendeu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no caso
acima descrito, a que designaremos Caso da Procuração Falsa251. Rejeitando se pudesse
cogitar de fluência de prazo prescricional a partir da ciência da fraude (para mais sobre
o tema, v. item III.2), a Corte contou o prazo prescricional objetivamente a partir da
data da lavratura da procuração, como a literalidade da norma sugere.
O dispositivo controverso não é contemporâneo à Lei dos Cartórios; foi
introduzido pela muito debatida (fora do Congresso252) e extremamente veloz (dentro
do Congresso 253 ) Lei 13.286/2006. A norma tinha o propósito de esclarecer que a

251 TJSP, Apelação n.º 1099416-22.2017.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Paulo
Alcides, j. em 25 de outubro de 2018. A decisão não precisa as datas dos danos efetivamente sofridos,
de modo que o histórico acima proposto, para facultar exercício completo, colmata essa lacuna. O caso
também debate a responsabilidade civil do corretor – o que se ignorou, deliberadamente, porque
irrelevante à reflexão proposta na tese.
252 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. A responsabilidade civil de notários e registradores sob a

égide da Lei 13.286/2016. Revista de Direito Imobiliário, v. 81, p. 363-381 (disponível na RTOnline,
p. 1-13), 2016; CASTRO, Demades Mario. A responsabilidade civil dos notários e registradores e a
edição da Lei 13.286, de 10 de maio de 2016. Revista de Direito Imobiliário, v. 81, p. 337–361, 2016.
253 O projeto de lei 235/2015 foi apresentado pela Deputada Erika Kokay em 9 de fevereiro de 2015. Em

maio de 2016, era norma publicada no Diário Oficial da União. Na Comissão de Constituição e Justiça,
o texto recebeu modificativo e foi aprovado em um mês e meio, com apresentação pela mesa da Câmara
em mais um mês.

113
responsabilidade dos oficiais, como delegatários de serviço público, não seria objetiva
(a teor da CRFB, art. 37, §6º, e da controversa aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor254) e sim subjetiva (na forma do Código Civil). Já no curso da tramitação
pela Comissão de Constituição e Justiça, colheu-se o ensejo para modificar o texto
original, com o propósito exclusivo e declarado de replicar o regime trienal do Código
Civil255. Esse propósito de importar o regime do Código Civil evidencia que o caso não
é de inauguração de regime excepcional de tutela, mas de eco de atecnia do art. 189
daquele diploma. O legislador confundiu ato ilícito e dano, violação de dever
preexistente e surgimento de direito subjetivo de crédito à indenização, com correlata
pretensão. «Violado o direito, nasce para o titular a pretensão» e flui a prescrição,
disse-se lá; lavrada a escritura ou registrado o ato contra a letra da lei, nasce para o
titular a pretensão e flui a prescrição, disse-se cá. Idêntico erro, que toma hipóteses
específicas (pode suceder que o dano seja concomitante ao ato ilegal do oficial) como
regras gerais; idêntico tratamento, para aplicar a normativa da prescrição a partir do
efetivo surgimento da pretensão (junto ao ato, quando também ali se der o dano; ou
depois, quando o dano sobrevier).

* * *

Finalmente, é impertinente à dogmática do instituto a ponderação de que pode


se decretar a ocorrência da prescrição, independentemente da efetiva verificação a
propósito da existência do direito subjetivo de crédito e da pretensão, como ocorre no
cotidiano forense. A objeção que se refuta, aqui, poderia ser sumarizada na seguinte
indagação: se é verdade que a prescrição só se opera diante de pretensão, como é
possível que se profira sentença acolhendo a prescrição antes mesmo que se apure se,
de fato, há direito subjetivo de crédito e pretensão? A resposta é simples e põe os olhos

254 ALVES, Sonia Marilda Péres. Responsabilidade civil de notários e registradores: a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor em suas atividades e a sucessão trabalhista na delegação. Revista de
Direito Imobiliário, v. 53, p. 93-101 (disponível na RTOnline, p. 1-8), 2002.
255 O relator do projeto na CCJ, Dep. Gonzaga Patriota, assim explicou sua posição: «[e]ntendemos,

todavia, necessário aperfeiçoar a redação do projeto em tela, para acrescentar dispositivo que replique
no dispositivo o prazo prescricional de três anos disposto pelo art. 206, §3o, V do Código Civil, Lei n
10.406/02. Em face do exposto, nosso voto é pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica
legislativa e, no mérito, pela aprovação do PL no 235, de 2015, com a emenda em anexo.» Lia-se, então,
no anexo: «EMENDA No 1. Acrescente-se ao art. 22 da Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994,
alterado pelo art. 2o do projeto em epígrafe, os seguintes parágrafos: ‘Art. 22 (...) Parágrafo único.
Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato
registral ou notarial. (NR)’».

114
no pragmatismo, porque o como funcionam institutos de direito material nem sempre
vai de mãos dadas com o como trabalham os magistrados ou árbitros na sua aplicação.
Juízes podem (devem; poder-dever) declarar a prescrição que fulmine a
pretensão do direito do demandante em sede prejudicial, na primeira oportunidade em
que isto esteja inequivocamente configurado, dando cabo à demanda. Isso pode, sim,
suceder antes mesmo que se tenha chegado à conclusão sobre a existência do direito
que subjaz: a Vítima demanda contra o Causador do Dano em disputa que reclama
perícia para apuração do pressuposto fundamental da culpa, mas, em sede de decisão
saneadora, o juízo proclama a prescrição; o Credor demanda o Devedor pelo pagamento
da dívida, mas, antes mesmo de ordenar a citação, o juízo extingue a demanda com base
na prescrição. Isso se dá por um mínimo senso de praticidade: ausente a renúncia à
prescrição, seria inútil perseguir a certeza sobre a existência do direito subjetivo, porque
inexigível, impassível de força coercitiva fundamental à procedência da demanda.
Como processo é fim prático de tutela e não meio de satisfação de interesses
acadêmicos, perfeita a solução da súbita extinção, ainda que antes da certeza sobre a
existência do direito subjetivo o caminho tecnicamente ideal fosse a terminação sem
exame do mérito, por perda superveniente do interesse de agir, ausente a utilidade da
continuação da tutela jurisdicional, dada que fadada à improcedência (por ausência do
direito, ou por prescrição da pretensão).

III.2 Inércia vs. ciência, capacidade, caso fortuito e força maior

Todos os regimes prescricionais tomam em conta, como fator central da


verificação do instituto, que o titular da pretensão não a exercite qualificadamente256
por determinado lapso de tempo257. Podendo, em tese, exigir a prestação, em satisfação
ao direito subjetivo de crédito, o titular deixa de fazê-lo. Os valores em jogo por detrás

256 Como se verá, não é qualquer exercício que redunda em afetação, a bem do titular, do regime

prescricional, mas apenas as modalidades de exercício elencadas expressamente em lei. Soberana entre
elas, com penetração em todos os ordenamentos de matriz romano-germânica, está a movimentação da
pretensão em juízo, por meio da ação de direito processual.
257 «An obligation is a legal tie which binds a debtor to the necessity of making some performance. If

such performance is not forthcoming, the creditor may bring an action. But he may not wait indefinitely
before he chooses to enforce his right. All legal systems today recognize certain temporal limitations, be
it under the name of (negative, or extinctive) prescription, or limitation of actions. / Uma obrigação é um
laço legal que vincula um devedor à necessidade de desempenhar alguma prestação. Se tal prestação não
for satisfeita, o credor pode propor uma ação. Mas ele não pode esperar indefinidamente antes de decidir
impor seu direito. Todos os sistemas legais de hoje reconhecem certas limitações temporais, seja sob o
nome de prescrição (negativa ou extintiva), ou limitação de ações» (ZIMMERMANN, Reinhard.
Comparative foundations of a European law of set-off and prescription. Cambridge: Cambridge
University Press, 2004, p. 62).

115
dessa inércia podem mudar, e concretamente mudam, de regime a regime, de
ordenamento a ordenamento, ainda que uma linha mestra subjacente seja comum: posto
de maneira deliberadamente vaga – e que será retomada ao se cuidar do fundamento da
prescrição (tema do capítulo final) –, o legislador procura desenhar um regramento que
crie margem razoável de exercício de pretensões pelos seus titulares e margem razoável
de segurança jurídica aos devedores-obrigados (ou, como se queira, pelo ângulo
inverso: sem irrazoável proteção do credor, nem irrazoável salvaguarda debitória)258.
A inércia do titular é tomada nessa equação como um elemento relevante e
sopesado, na política legislativa, com algum juízo de valor, mas não com protagonismo
valorativo. Explica-se. Tradicionalmente se afirma que a inércia deliberada, fundada na
negligência259, terá como sanção a prescrição260. Com base nisso, parte da doutrina
pretendeu enxergar como pressuposto absoluto da prescrição que a inércia lastradora
da fluência do prazo viesse de decisão consciente e livre do titular da pretensão, livre
de interferências externas. Ainda que raramente se precise a natureza jurídica que
recairia sobre a inércia, admitindo-se esse postulado, pareceria correto afirmar que ela
seria, aí, ato jurídico em sentido estrito, ou seja, conduta defluente da vontade humana
para fins de sua realização (quero agir ou, no caso, não agir), cujos efeitos são
predeterminados por lei, independentemente da vontade humana. Para haver
prescrição, seria preciso constatar que o titular desejaria não exigir o crédito, e a eficácia

258 Por um lado, «[a] prescription regime which bites too hard would ultimately lead to the fundamental
inconsistency that the legal system takes away with one hand what it gives with the other (…) Were he
[the debtor] allowed to resort to the defence of prescription when the law could reasonably expect him
to raise whatever other defence may be available to him, his protection would, as it were, overshoot the
mark»; mas, por outro lado, «that well-founded claims me be defeated is, of course, the necessary price
a legal system has to pay if it wishes to provide the debtor with an easy means to defeat unfounded ones».
/ Por um lado, «um regime de prescrição muito agressivo acabaria levando à inconsistência fundamental
que o sistema legal tirasse com uma das mãos o que deu com a outra (…) Se a ele [o devedor] se
permitisse recorrer à defesa da prescrição quando a lei pudesse razoavelmente esperar que se levantasse
qualquer outra defesa disponível, sua proteção, por assim dizer, foi dosada em exagero»; mas, por outro
lado, «o fundamento que me alega ser derrotado é, evidentemente, o preço necessário que um sistema
jurídico tem de pagar, se quiser fornecer ao devedor um meio fácil de derrotar os infundados»
(ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and
prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 77-78). No mesmo sentido da parte final
de ZIMMERMANN, a feliz síntese nacional de que «há um momento em que é preciso que a última palavra
seja dita, em que a incerteza do direito é mais dolorosa que a injustiça» (SIMÃO, José Fernando.
Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 137).
259 Os ecos históricos, aqui, são fortes. As Ordenações Manuelinas (L. IV, tit. LXXX) e as Filipinas (L.

IV, tit. LXXIX), além da Consolidação das Leis Civis (art. 854), se referiam expressamente à negligência
do credor.
260 «Tanto no passado quanto no presente, a função primordial e imediata da prescrição é punir a inércia,

como traduzido nos arcanos adágios: Dormientibus non sucurrit jus e iura scripta vigilantibus.»
(MARTINS-COSTA, Judith. O “princípio da unicidade da interrupção”: notas para a interpretação do
inciso I do art. 202 do Código Civil. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de
Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 185–200, excerto da página 186).

116
de fluência do prazo tendente ao nascimento da exceção de prescrição seria dada então
pela lei, quisesse ou não titular produzir esse efeito261. A questão se postaria algo um
degrau abaixo da tolerância, reconduzida à categoria de negócio jurídico, porque
exculpante das consequências da infringência da posição jurídica (tolero que alguém
use bem de minha propriedade, o que, por decorrência de minha vontade, pré-exclui
medidas de reprimenda ao ato)262.
Essa máxima tradicionalmente conduz à conclusão de que a ciência ou dever
de ciência do titular a propósito da pretensão a exercer seria um pressuposto implícito
à configuração da inércia relevante para fins de prescrição263. Inércia ignorante é só ato-
fato, ou seja, conduta humana objetivamente considerada, independentemente da
vontade qualificada de quem age 264 . Inércia conscienciosa, deliberada e, por isso,
descurada dos próprios interesses do titular, pressupõe domínio dos fatos e da pretensão
posta à sua disposição. É preciso ir além, porque uma inércia verdadeiramente
deliberada demanda afirmar que essa ciência e qualidade de escolha de inação se
fundam em uma mente apta a compreender o panorama da própria esfera jurídica e,
sobretudo, desejando, agir em exercício da pretensão. Inércia qualificada pressuporia,
portanto, capacidade. Finalmente, de nada valeria saber ter pretensão, e ter capacidade
de exercê-la, se concretamente dito exercício fosse obstado por fatos externos e
irresistíveis. A fluência do prazo prescricional pressuporia, então, por fim, a
inexistência de caso fortuito ou força maior que obste o exercício da pretensão.

261 A doutrina comparatista traduz esse sentimento ao afirmar que «it would be manifestly unjust to hold
a creditor accountable for not bringing an action against his debtor if he either was unable or could not
reasonably be expected to do so» (ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a
European law of set-off and prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 78).
262 PATTI, Salvatore. Profili della Toleranza nel Diritto Privato. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio

Jovene, 1978, p. 176.


263 «Efetivamente, a incidência da prescrição, como punição da inércia que é, só se justifica quando o

lesado podia agir e não agiu, seja porque não tinha ciência da lesão, ou de suas consequências, seja
porque devia aguardar o desenrolar de trâmites legal ou contratualmente determinados. É óbvio que se a
vítima não pode exigir, não há inércia punível com o encobrimento da pretensão, pela prescrição. E, sem
essa ausência de uma atividade que poderia ter sido levada a efeito, mas não o foi, não há prescrição.»
(MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o dies a quo do prazo prescricional. Revista Eletrônica Ad
Judicata, v. I, p. 1–24, 2013. Disponível em:
<http://www.oabrs.org.br/arquivos/file_527a3f8877059.pdf>, excerto na p. 19).
264 «Ato humano é o fato produzido pelo homem; às vêzes, não sempre, pela vontade do homem. Se o

direito entende que é relevante essa relação entre o fato, a vontade e o homem, que em verdade é dupla
(fato, vontade-homem), o ato humano é ato jurídico, lícito ou ilícito, e não ato-fato, nem fato jurídico
stricto sensu. Se, mais rente ao determinismo da natureza, o ato é recebido pelo direito como fato do
homem (relação “fato, homem”), com o que se elide o último têrmo da primeira relação e o primeiro da
segunda, pondo-se entre parêntese o quid psíquico, o ato, fato (dependente da vontade) do homem, entra
no mundo jurídico como ato-fato jurídico» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado
de Direito Privado, t. 2. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 373).

117
Seja consentido começar pelo fim para afirmar que todas essas construções
são possíveis em tese, porém, em concreto, contrárias ao ordenamento jurídico
brasileiro. A inércia no sistema nacional é considerada objetivamente, em regra: diante
da pretensão, tomada como exercitável em abstrato, fluirá o prazo prescricional, ainda
que, em concreto, o titular não saiba tê-la, não possa exercê-la ou, podendo em tese,
265
concretamente se veja obstado . É ato-fato, conduta humana tomada sem
considerações de qualificação volitiva266. Isso não quer dizer que ciência, capacidade e
concreta exercibilidade, ou, para formular de maneira mais ampla, uma apreciação
meritória dos «porquês da inércia», seja dado irrelevante ao direito privado brasileiro.
Já se afirmou acima que a inércia é tomada «com algum juízo de valor». Diligência e
negligência, ou, em espectro mais amplo, razoável tutela creditícia e razoável proteção
debitória, são valores que o legislador brasileiro tomou em conta para talhar, no
ordenamento, sulcos protetivos a bem daqueles que a sociedade tenha por bem
salvaguardar da prescrição. Não são, sem embargo, pressupostos dogmáticos
invocáveis quando da aplicação da disciplina prescricional. A irrelevância da ciência –
quando menos, com força fundante, central à operação da prescrição no Brasil – quem
faz ver é o Código Civil.
Rompendo o silêncio do Código Bevilaqua a esse respeito, o Código Civil
descreve o fenômeno prescricional para afirmar que «violado o direito, nasce para o
titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os
arts. 205 e 206». A lei não afirma o requisito da ciência, ou dever de ciência, do titular,
sobre a pretensão, como pressuposto para verificação do prazo prescricional, mas,
antes, apenas que haja pretensão e passe o tempo. Somar pressupostos onde a lei
silencia é, parece, legislar e não interpretar a lei. Poder-se-ia, a isso, objetar para dizer
que o dispositivo também não fala de muitas outras coisas de relevo à prescrição, v.g.,

265 «Para que nasça a pretensão não é pressuposto necessário que o titular do direito conheça a existência
do direito, ou a sua natureza, ou validade, ou eficácia, ou a existência da pretensão nascente, ou da sua
extensão em qualidade, quantidade, tempo e lugar da prestação, ou outra modalidade, ou quem seja o
obrigado, ou que saiba o titular que a pode exercer» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 117).
266 «Entrando no mundo jurídico o suporte fáctico, temos, nesse mundo, mais um fato jurídico, que

havemos de considerar ato-fato jurídico, devido ao ato humano negativo, talvez involuntário, que é de
mister ao suporte fático» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado,
t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 112). No panorama italiano, a propósito da inércia, afirmou-
se igualmente que «l’orientamento interpretativo largamente maggioritario sostiene che il tempo
decorra ai fini prescrizionali indipendentemente dall’indagine in ordine alla sfera volitiva del titolare
del diritto / A orientação interpretativa largamente majoritária sustenta que o tempo corre para fins de
prescrição, independentemente da investigação sobre a esfera volitiva do titular do direito» (SPINA,
Giulio. I presupposti della prescrizione. In: Prescrizione e decadenza. Come farle valere in giudizio e
relative strategie processuali (a cura di Luigi Viola, coordinamento di Michelle Filippelli). Vicenza:
Wolters Kluwer e CEDAM, 2015, p. 58).

118
os casos em que a pretensão surge antes da violação (sobre os quais se falou, com maior
vagar, no capítulo precedente), ou mesmo a inércia, ou ainda as hipóteses em que a
conduta positiva do titular servirá a afetação do prazo. Essa seria, contudo, uma objeção
equivocada. O surgimento da pretensão antes da violação de direito tem autoridade em
dispositivos expressos da mesma lei, que a reconhecem, e com base na autoridade
destes artigos que se afirma que a cláusula geral de prescrição conta uma história, senão
completamente errada, quando menos substancialmente incompleta. A relevância da
inércia, igualmente, se constrói por quebra-cabeças, porque a lei exclui a fluência do
prazo prescricional, para os inertes, nas causas de impedimento ou suspensão do prazo
prescricional (CC, art. 197 a 201); e a lei restitui a integralidade do prazo uma vez para
aqueles que rompem a inércia em dadas circunstâncias (CC, art. 202 204), e diversas
vezes para aqueles que rompem a inércia pela ação em juízo (CC, art. 202, p.u.).
O ponto que se quer fazer é, aqui, bastante objetivo. O recorte de relevância
da inércia, e das potenciais qualificadoras da inércia, exatamente como sucede com a
violação, ou com o que mais se cogite ao regime prescricional, precisa ter arrimo no
corpo da lei e não nas cogitações que o intérprete repute poderia ser um regime de
razoável exercício ao credor e razoável proteção ao devedor (e sem irrazoável exercício
do credor e irrazoável proteção do devedor). As opções possíveis, para tanto, são as
mais variadas, mas a opção feita pode ser apenas uma.
No regime central de direito privado, apenas (i) as pretensões fundadas em
fatos que reclamam investigação criminal (CC, art. 200; LSA, art. 288 267 ); e (ii) o
contrato de seguro têm expresso reclamo de ciência da pretensão (CC, art. 206, §1º, b).
O contrato de seguro não atrai desafio interpretativo, mas apuração no juízo criminal
merece ao menos breves considerações. Como bem pontuou a jurisprudência, do
referido dispositivo, pode-se extrair a necessidade «de haver uma relação de
subordinação entre o fato a ser provado na ação penal e o desenvolvimento regular da
ação cível»268. É eco prescricional da vinculação sobre autoria de fatos, pelo juízo cível,
àquele criminal (CC, art. 935); ainda que haja evidências desde logo, a ciência
(= certeza da vinculação quando do exercício da pretensão material civil) advém apenas
da decisão criminal transitada em julgado. Apuração não implica ajuizamento de ação
penal. Estão incluídos nesse escopo (i) a só existência do inquérito policial, que a rigor

267 É de se notar que no regime societário não apenas a apuração criminal é tomada em conta, como há
intercâmbio de prazos, para se assegurar que a prescrição privada nunca seja inferior à penal. Assim as
lições de EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada (vol. 3). São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 618
e ss.
268 STJ, AgRg no REsp 1320528/SP, 3ª Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, disponibilizado no DJe em

4 de setembro de 2012.

119
não é conduzido perante o juízo criminal, mas depende de decisão judicial para
homologação de seu arquivamento (CPP, art. 18) e tem, em dito arquivamento,
relevante juízo cognitivo de mérito, a ponto de obstar a propositura de ação penal sem
novas provas (STF, súmula 524); e o (ii) ato infracional, que a rigor não corre perante
juízo criminal, mas implica persecução pela autoridade mediante o mesmo inquérito
policial (CPP, art. 15), tendente à imputação de responsabilidade por ato descrito como
crime ou contravenção penal a quem, incidentalmente, seja menor (ECA, art. 103).
Apuração igualmente não reclama condenação, porque, diversamente do
Codice, não se exige que o ato efetivamente constitua crime, não se equiparam os
prazos prescricionais civil e criminal, e não se afasta a incidência da norma em caso de
absolvição, por prescrição, do juízo criminal (art. 2.947269). O direito brasileiro reclama
apenas que haja gravidade para, concretamente270, se deflagrar a apuração criminal,
para voltar a fluir do trânsito em julgado da sentença. Se o indiciado for exculpado pelo
arquivamento, ou o réu for absolvido, por motivos típicos de imputação penal (v.g.,
legítima defesa, ou prescrição, como a Lei das S.A. cogita expressamente), mas a
autoria dos fatos ensejadores da pretensão civil lhe for sem embargo imputada, fluirá o
prazo igualmente da sentença final (nesse caso, absolutória ou homologatória,
conforme o caso)271. Finalmente, como o Superior Tribunal de Justiça já decidiu com
acerto, a lei não exige correspondência subjetiva necessária entre investigado, ou
eventual condenado, e devedor prejudicado pela não-fluência do prazo prescricional:

269 Codice, Art. 2947. Prescrizione del diritto al risarcimento del danno. (...) In ogni caso, se il fatto è
considerato dalla legge come reato e per il reato è stabilita una prescrizione più lunga, questa si applica
anche all'azione civile. Tuttavia, se il reato è estinto per causa diversa dalla prescrizione o è intervenuta
sentenza irrevocabile nel giudizio penale, il diritto al risarcimento del danno si prescrive nei termini
indicati dai primi due commi, con decorrenza dalla data di estinzione del reato o dalla data in cui la
sentenza è divenuta irrevocabile. / Art. 2947. Prescrição do direito à indenização por danos. (...) Em
qualquer caso, se o fato é considerado pela lei como um crime e para o crime uma prescrição mais longa
é estabelecida, esta também se aplica à ação civil. No entanto, se a infração for extinta devido a uma
causa diferente da prescrição, ou houver uma sentença imodificável no juízo criminal, o direito à
indemnização por danos é prescrito nos termos indicados nos dois primeiros parágrafos, a partir da data
da extinção do crime ou da data em que a sentença se tornou imodificável.
270 Em caso de acusação por falsificação de receituário médico, apurado apenas por órgão ético

profissional, o Superior Tribunal de Justiça corretamente declinou de aplicar o art. 200 do Código Civil
(STJ, REsp 1.660.182/GO, 3ª turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 20 de março de 2018. A doutrina
igualmente não duvida que a só possibilidade, em tese, de apuração, não atrai a incidência do art. 200
(MATIELI, Louise Vago. Análise funcional do art. 200 do Código Civil. In: A juízo do tempo: estudos
atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 231–271, em especial p. 247 e ss).
271 O Superior Tribunal de Justiça reputou que a pretensão de indenização por morte de menor em piscina,

dirigida a associação mantenedora de clube, seguiu suspensa no curso de ação criminal que apurou
responsabilidade de seu presidente – presidente este, ao final, absolvido. (STJ, AgInt. no REsp
1.720.865/CE, 3ª turma, rel. Marco Aurélio Belizze, j. em 22 de maio de 2018).

120
em casos de responsabilidade solidária, a investigação contra o autor dos fatos impedirá
a fluência do prazo para toda a cadeia de corresponsáveis272.
Esse cotejo entre a letra dos dispositivos e aquela do caput do art. 189 é, em
alguma medida, eloquente: houvesse o legislador silenciado sobre ciência em todo o
Código, alguém poderia cogitar (ainda assim, sem razão) cuidar-se de um pressuposto
dogmático consolidado. O argumento já não se sustenta quando o legislador, que exclui,
pelo silêncio, a ciência da regra fundante do sistema, a reconhece em hipóteses de
ilícitos particularmente graves (dada a natureza excepcional da tutela criminal) e em
tipo contratual particular. E não apenas aí o faz, mas também, já fora do Código, no
art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, quando afirma que se inicia «a contagem
do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria». Aqui já não se cogita
apenas do saber-se titular, mas, concretamente, ter domínio sobre a integralidade da
relação jurídica: credor, crédito e devedor, em hipótese de responsabilidade civil por
fato do produto ou do serviço. Natural que assim seja, no ambiente mais protetivo da
lei especial consumerista.
É interessante notar que a escolha da relevância da ciência não é dada, pelo
legislador, no regime de tudo-ou-nada, vale dizer, sabe-se ou não dos fatos subjacentes
da pretensão e, partir daí, corre ou não o prazo prescricional. Para entes de existência
ideal, no campo do direito societário, o legislador diversas vezes recorre a eventos em
que potencialmente se tomaria ciência de determinados fatos e, mais ainda, em alguns
casos, se debateria sobre ditos fatos no seio social, pelo conclave dos órgãos
competentes a dita análise. É o que sucede, por exemplo, com a responsabilidade civil
dos administradores, que corre da apresentação, aos sócios, do balanço do exercício em
que a violação haja sido praticada, ou da reunião ou assembleia que dela deva tomar
conhecimento (CC, art. 206, §3º, VII). Regra análoga, com sutil diferença, incide sobre
essas pessoas no regime das sociedades anônimas, quando a fluência do prazo, também
trienal, se dará já não da apresentação do balanço ou da reunião ou assembleia, mas da
publicação da ata que aprovar dito balanço (LSA, art. 287, II, «b»). É evidente que o
legislador quis, aqui, condicionar a fluência do prazo ao momento em que, com alguma
probabilidade, o suporte fático do direito subjetivo de crédito e da pretensão navegaria
as entranhas da sociedade para desembocar nas suas porções decisórias, em um

272 É o que sucede, por exemplo, em inúmeros precedentes que consideram suspenso o prazo
prescricional em desfavor de transportadora, enquanto a responsabilidade criminal do motorista é
apurada em juízo criminal (por todos, pela análise particularmente profunda: STJ, REsp
n.º 1.135.988/SP, 4ª turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 8 de outubro de 2013).

121
contexto de adequada organização societária273. É possível, nada obstante, que a ciência
efetiva se dê antes; é possível, alternativamente, que a sociedade siga ignorante a
propósito de sua pretensão, depois. Ou ainda: é possível que se saiba sofredora de uma
perda, mas não saiba seu causador274. Nada disso deve relevar, porque o legislador deu
clareza, em política legislativa positivada, ao ponto de partida único da prescrição. Esse
ponto de partida é superável apenas se a sociedade deixar de realizar o conclave
deflagrador do prazo, já que, como se expôs antes (v. item III.1), a ausência de conduta
do titular da pretensão tendente à deflagração do prazo prescricional não pode militar
em seu favor. Nesses casos, não é difícil concluir, a fluência se dá da data-limite,
legalmente instituída, para a prática do ato tendente à tomada de conhecimento do
suporte fático ensejador da pretensão.
O equívoco de supor que o filtro subjetivo da ciência seja um pressuposto
dogmático da prescrição, ou de imaginar que o regime se dê, necessariamente, em
formato de tudo-ou-nada, é tornado ainda mais nítido por um olhar ao direito
estrangeiro. O regime italiano é objetivo: a prescrição flui do momento em que a
pretensão se pode fazer valer, o que a doutrina e jurisprudência não duvidam se julgue
em abstrato, e não tomando em conta se o titular, concretamente, sabia e poderia fazê-
la valer275. O mesmo sucede com o regime português, que se vale da mesma locução e

273 «A LSA estabelece, na Assembleia Geral Ordinária, um momento solene, em que são submetidas para

aprovação assemblear não só as demonstrações financeiras como as contas da administração. Pela


importância que lhe é atribuída, a LSA cerca este momento com procedimentos específicos e detalhados,
desde a documentac’ào necessária, presença obrigatória de administrador, fiscal e auditor e ainda
prescrevendo a proibição de voto dos administradores, por si ou como procuradores (v. §§ 262-267).
Tudo isso se justifica pelos efeitos que podem decorrer da Assembleia Geral Ordinária, sendo os mais
eloquentes deles as aprovações das demonstrações financeiras e das contas dos administradores».
(CAMPOS, Luiz Antonio de Sampaio. Conselho de administração e diretoria. Direitos e
responsabilidades. In: Direito das Companhias, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1084–1262,
excerto na p. 1252)
274 A doutrina não o ignora, tratando amiúde da hipótese de propositura de ação de responsabilidade

depois de se haver aprovado contas em erro, com o correlato efeito liberatório dos administradores. Não
só a prescrição flui nessa hipótese, como a busca por segurança jurídica põe ainda outra barreira à frente
do credor: a decadência do direito de anular a quitação resultante do conclave assemblear. (ROSMAN,
Luiz Alberto Colonna; BULHÕES-ARIERIA, Bernardo A. de. Prazos prescricionais em espécie. In:
Direito das Companhias, vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 2093–2116, matéria tratada nas pp.
2181 e ss).
275 «Secondo una tradizionale e consolidata interpretazione giurisprudenziale quella che impedisce il

decorso della prescrizione è solo l’impossibilità giuridica di far valere il diritto, riscontrabile
esclusivamente in presenza di impedimenti giuridici (…) La principale ipotesi di impossibilità di fatto
dell’esercizio del diritto è rappresentata dall’ignoranza del titolare circa l’esistenza del suo diritto.
Trattandosi di un impedimento di fatto si afferma communente che essa non preclude la decorrenza della
prescrizione / Segundo uma tradicional e consolidada interpretação jurisprudencial, a impossibilidade
que impede o decurso da prescrição é só aquela jurídica de fazer valer o direito, localizável apenas na
presença de impedimentos jurídicos (...) A principal hipótese de impossibilidade de fato de exercício do
direito é representada pela ignorância do titular acerca da existência do seu direito. Tratando-se de um
impedimento de fato, afirma-se comumente que não impede a decorrência da prescrição» (BIANCA,
Cesare Massimo. Le garanzie real; la prescrizione. Milão: Giuffrè Editore, 2012, pp. 505-506).

122
ignora o filtro da ciência (CCPort., art. 306º, (1) 276 ), fato igualmente aceito com
naturalidade pela doutrina local277. O ordenamento francês é misto, porque (i) o ponto
de partida da prescrição é o momento em que o titular conhece os fatos que autorizem
seu exercício, temperado, contudo, dito subjetivismo (ii) com a fluência alternativa do
prazo a partir do momento em que o titular devesse conhecer ditos fatos (Code,
art. 2.224 278 ; no mesmo sentido, o PECL, art. 14:301 279 ; e (iii) com a limitação
puramente objetiva do prazo prescricional ao teto de vinte anos (Code, art. 2.232280).
Essa introdução de dois prazos, um subjetivo, mais breve, e um objetivo, mais longo,
recebeu da doutrina internacional a alcunha de «short stop - long stop», e é inovação
alemã que ganha força no cenário romano-germânico como um todo 281 . O regime
alemão propõe, como regra, que dois prazos prescricionais fluam simultaneamente: um
objetivo, desengatilhado pelo nascimento da pretensão (BGB, §199, (1), «1»), outro
subjetivo, desengatilhado pela ciência ou dever de ciência (aplicado ao dever de ciência
o filtro de culpa grave, bastante benéfico ao titular da pretensão) (BGB, §199, (1), «2»).
Os prazos não fluem, em um ou outro caso, do momento em que ditos fatos (surgimento

276 CCPort., Artigo 306º. (Início do curso da prescrição). 1. O prazo da prescrição começa a correr quando
o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir
decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
277 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil, t. V. Parte geral,

exercício jurídico. 2a. Coimbra: Almedina, 2015, p. 203.


278 Code, Article 2.224. Les actions personnelles ou mobilières se prescrivent par cinq ans à compter du

jour où le titulaire d'un droit a connu ou aurait dû connaître les faits lui permettant de l'exercer. /
Art. 2.224. As ações pessoais ou mobiliárias prescrevem em cinco anos a contar do dia em que o titular
do direito sabia, ou deveria saber dos fatos que o permitiriam exercer.
279 PECL, Article 14:301: Suspension in case of ignorance. The running of the period of prescription is

suspended as long as the creditor does not know of, and could not reasonably know of: (a) the identity
of the debtor; or (b) the facts giving rise to the claim including, in the case of a right to damages, the type
of damage. / Artigo 14:301: Suspensão em caso de ignorância. A fluência do prazo de prescrição fica
suspensa enquanto o credor não souber e não puder razoavelmente saber: (a) a identidade do devedor;
ou (b) os fatos que originaram a pretensão, incluindo, no caso de um direito a indenização, o tipo de
dano.
280 Code, Article 2.232. Le report du point de départ, la suspension ou l'interruption de la prescription ne

peut avoir pour effet de porter le délai de la prescription extinctive au-delà de vingt ans à compter du
jour de la naissance du droit. (...) / Artigo 2.232. O ponto de partida do termo, a suspensão ou a
interrupção da prescrição não pode ter o efeito de estender seu prazo para além de vinte anos a contar do
dia de nascimento do direito.
281 «Prescription must not be deferred indefinitely; at some stage, the parties have to be able to treat an

incident as undoubtedly closed. This is why a relative period (the running of which is tied to the
discoverability criterion) must be supplemented by a maximum period (long stop), tied to an objective
criterion, at the expiry of which prescription occurs in any way. / A prescrição não deve ser adiada
indefinidamente; em algum momento, as partes devem poder tratar um incidente como indubitavelmente
superado. É por isso que um prazo inicial (cuja fluência está vinculada ao critério da descoberta) deve
ser complementado por um prazo máximo (long stop, limite longo), vinculado a um critério objetivo, ao
fim da qual a prescrição ocorre de qualquer forma.» (ZIMMERMANN, Reinhard. Prescription. In: The
Max Planck Enclyclopedia of European Private Law, vol. II. Oxford: Oxford University Press, 2012,
p. 1306–1310, excerto na p. 1308). Em mesmo sentido, PATTI, Salvatore. Certezza e giustizia nel diritto
della prescrizione in Europa. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, v. 64, p. 21–36, 2010,
em especial p. 27

123
da pretensão, ciência ou dever de ciência) se verifiquem, mas sim de forma diferida, a
partir do fim do ano em que ditos fatos se verifiquem (BGB, §199, caput), e a prescrição
se dará como verificada quando o primeiro destes prazos se completar (BGB, §199,
(3)282).
O Brasil está, como regra geral, com a Itália e Portugal, e não com Alemanha
e França. Mesmo as soluções de compromisso, que restringem o pressuposto da ciência
a hipóteses fixadas por regime de presunções, não satisfazem, parece correto dizer, a
letra da lei283. Como se antecipou pontualmente acima, e se retomará no item III.4,
abaixo, as causas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição são as bitolas
do sistema para mitigar proteger o credor, nada obstante inerte, em diversas situações
julgadas pelo legislador socialmente relevantes. A ciência não está listada dentre elas,
o que não avilta a posição do ordenamento brasileiro no mapa romano-germânico,
como faria crer a doutrina resolutamente subjetivista; antes, apenas o situa com clareza
nesse eixo. Parecem sem razão, dado o contexto de extrema litigiosidade da realidade

282 BGB, § 199 Beginn der regelmäßigen Verjährungsfrist und Verjährungshöchstfristen. (1) Die

regelmäßige Verjährungsfrist beginnt, soweit nicht ein anderer Verjährungsbeginn bestimmt ist, mit dem
Schluss des Jahres, in dem 1. der Anspruch entstanden ist und 2. der Gläubiger von den den Anspruch
begründenden Umständen und der Person des Schuldners Kenntnis erlangt oder ohne grobe
Fahrlässigkeit erlangen müsste. (2) Schadensersatzansprüche, die auf der Verletzung des Lebens, des
Körpers, der Gesundheit oder der Freiheit beruhen, verjähren ohne Rücksicht auf ihre Entstehung und
die Kenntnis oder grob fahrlässige Unkenntnis in 30 Jahren von der Begehung der Handlung, der
Pflichtverletzung oder dem sonstigen, den Schaden auslösenden Ereignis an. (3) Sonstige
Schadensersatzansprüche verjähren 1. ohne Rücksicht auf die Kenntnis oder grob fahrlässige
Unkenntnis in zehn Jahren von ihrer Entstehung an und 2.ohne Rücksicht auf ihre Entstehung und die
Kenntnis oder grob fahrlässige Unkenntnis in 30 Jahren von der Begehung der Handlung, der
Pflichtverletzung oder dem sonstigen, den Schaden auslösenden Ereignis an. Maßgeblich ist die früher
endende Frist. / § 199. Início do período de prescrição padrão e prazos máximos de prescrição. (1) A
menos que outro início de prescrição seja previsto, o prazo padrão de prescrição começa no final do ano
em que: 1. a pretensão surgiu e 2. o credor tem conhecimento das circunstâncias que originaram a
pretensão e da identidade do devedor, ou teria obtido tal conhecimento se ele não tivesse mostrado
negligência grosseira. (2) Os pedidos de indenização por danos causados à vida, ao corpo, à saúde ou à
liberdade, independentemente da forma como surgiram e apesar do seu conhecimento ou falta de
conhecimento grosseiramente negligente, prescrevem trinta anos a contar da data do ato, violação do
dever ou outro evento que causou o dano ocorrido. (3) Outros pedidos de indenização por perdas e danos
prescrevem 1. sem conhecimento ou negligência grosseira, dez anos depois de surgirem e 2.
independentemente de como surgiram e de conhecimento ou falta de conhecimento grosseiramente
negligente, trinta anos a data em que o ato, violação do dever ou outro evento que causou o dano ocorreu.
O período que termina primeiro é aplicável.
283 Parte da doutrina recorre a ditas presunções para afirmar que (i) a fluência do prazo prescricional

ocorre quando o devedor deveria se saber titular de sua pretensão; (ii) esse dever nunca ocorre em ilícitos
absolutos, mas sempre ocorre no caso de pretensões oriundas de negócios jurídicos, pelo que (iii) a
responsabilidade aquiliana dependeria do filtro subjetivo da ciência e, por presunção de violação ao dever
de saber, a responsabilidade contratual fluiria do surgimento da pretensão (SIMÃO, José Fernando.
Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 217). A exemplo do que se disse
a propósito do filtro subjetivo como um todo, essa variante parece, ao estudo, igualmente possível em
tese, mas não conformável ao texto do Código Civil em concreto.

124
brasileira, as críticas que reclamam um «recorte ético» de abrandamento desse traço do
sistema nacional284.
A matéria de capacidade, no direito brasileiro, tem expressa solução legal e
demanda, por isso mesmo, menor esforço argumentativo. Para os menores impúberes
não corre a prescrição (CC, art. 198, I, c/c art. 3º)285; para os relativamente incapazes,
corre a prescrição, independentemente de terem a seu dispor curadores, tutores ou,
conforme o caso, apoiadores para tomada de decisão apoiada (CC, art. 1.783 e ss). A
lei deixa sem proteção deficientes mentais; deixa sem proteção menores púberes que,
nada obstante cientes e desejosos do exercício da pretensão, não possam fazê-lo por
conta própria. A ausência de subordinação da prescrição a uma concreta possibilidade
de exercício salta aos olhos: a inércia é tomada objetivamente, pois, ainda que o
relativamente incapaz se saiba titular, será vulnerado se permanecer inerte por restrição
da lei, ou por força de sua imaturidade. O regime brasileiro não destoa completamente
do cenário internacional, apesar de ser, por força das mudanças do Estatuto da Pessoa
com Deficiência - EPD, o mais rigoroso dos regimes aos doentes mentais: v.g., na
França algumas pretensões são prescritíveis para incapazes (Code, art. 2.235)286; na

284 ROSENVALD, Nelson. Prescrição: da exceção à objeção. In: Questões contemporâneas de Direito.

Belo Horizonte: Arraes, 2010, p. 139–154, p. 141.


285 A norma protetiva é ampla e não ressalva, como ocorre em outros países, sua eficácia ao momento de

constituição de representante legal. Por isso, sem razão o Superior Tribunal de Justiça quando restringe
o benefício que a lei outorga ao incapaz, para determinar que «o exercício da pretensão de indenização
do seguro obrigatório (DPVAT), nos casos do absolutamente incapaz, fica postergado para o momento
do suprimento da incapacidade, assim reconhecido por sentença judicial de interdição e nomeação de
curador transitada em julgado, contando-se a partir de então a prescrição» (STJ, REsp
n.º 1.595.136/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, decisão monocrática, j. em 28 de novembro de 2017).
Como o art. 195 deixa claro, apenas os relativamente incapazes têm regresso contra seus representantes,
porque é apenas contra eles, e não contra os absolutamente incapazes, que corre a prescrição. O ponto
foi objeto de debate legislativo e a comissão revisora tornou o ponto inequívoco, como a doutrina explica:
«Propôs-se, ainda, por meio da emenda n. 256, que se estendesse aos absolutamente incapazes o
benefício (atual art. 195) que têm os relativamente incapazes, ou seja, “ação contra os seus assistentes
... que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamento”. Em sentido contrário, manifestou-
se a Comissão Revisora, verbis: “A emenda visa a incluir, no artigo 193, o absolutamente incapaz. Alega
a justificativa que se deve manter o disposto no art. 164 do Código atual que diz respeito aos incapazes
em geral e não somente aos relativamente incapazes. Há equívoco nessa afirmação. Os comentadores
do artigo 164 do Código atual salientam que esse dispositivo só diz respeito aos relativamente incapazes,
pois, pelo artigo 169, I, do Código vigente, não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, e
a responsabilidade a que alude o artigo 164 do Código Civil só se dá se os representantes ‘derem causa
à prescrição’. Vide, a propósito, Clóvis Beviláqua, Comentários, vol. I, 9ª ed., pág. 465, Rio de Janeiro,
1951, e Eduardo Espínola, Breves Anotações ao Código Civil Brasileiro, vol. I, pág. 476, Bahia, 1918.
Pelo Projeto (196, I), também não corre prescrição contra absolutamente incapaz”» (MOREIRA
ALVES, José Carlos. A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. Com análise do texto
aprovado pela Câmara dos Deputados. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 153-154).
286 Code, Article 2235 . Elle ne court pas ou est suspendue contre les mineurs non émancipés et les

majeurs en tutelle, sauf pour les actions en paiement ou en répétition des salaires, arrérages de rente,
pensions alimentaires, loyers, fermages, charges locatives, intérêts des sommes prêtées et, généralement,
les actions en paiement de tout ce qui est payable par années ou à des termes périodiques plus courts. /
Art. 2.235 Não corre ou suspende-se contra os menores não emancipados e os maiores em tutela, exceto

125
Alemanha, os prazos fluem livremente se o incapaz ou relativamente incapaz tem
representante e, se não tem, fluem igualmente, porém, têm seu termo final estendido
para até 6 (seis) meses depois de adquirirem plena capacidade, ou se constituir
representante (BGB, § 210 287 ). Avessa à rigidez do regime nacional, a doutrina
tergiversou, para afirmar que o contra non valentem non currit praescriptio teria
fundamento legal porque «para além da ampla aceitação doutrinária, o adágio pode
ser extraído, como princípio geral, da própria lógica que inspira as causas obstativas,
inclusive (mas não apenas) em face do incapaz288» – o que é naturalmente impossível,
porque doutrina não é lei e princípio geral se aplica à ausência de lei (LINDB, art. 4º),
mas lei há, e com rol taxativo. Como se nota, quer da leitura da lei nacional, quer da
comparação própria com o direito estrangeiro 289 , a concreta exercibilidade de

para as ações em pagamento ou em repetição de salários, em atraso de anuidade, pensão alimentícia,


aluguéis, arrendamentos, encargos de aluguel, juros dos montantes emprestados e, geralmente, ações em
pagamento de tudo o que é pagável em anos ou em períodos periódicos mais curtos.
287 BGB, § 210 Ablaufhemmung bei nicht voll Geschäftsfähigen. (1) Ist eine geschäftsunfähige oder in

der Geschäftsfähigkeit beschränkte Person ohne gesetzlichen Vertreter, so tritt eine für oder gegen sie
laufende Verjährung nicht vor dem Ablauf von sechs Monaten nach dem Zeitpunkt ein, in dem die Person
unbeschränkt geschäftsfähig oder der Mangel der Vertretung behoben wird. Ist die Verjährungsfrist
kürzer als sechs Monate, so tritt der für die Verjährung bestimmte Zeitraum an die Stelle der sechs
Monate. (2) Absatz 1 findet keine Anwendung, soweit eine in der Geschäftsfähigkeit beschränkte Person
prozessfähig ist. / § 210. Suspensão do termo do prazo de prescrição no caso de pessoas sem capacidade
plena para contratar. (1) Se uma pessoa incapaz de contratar ou com capacidade limitada para contratar
não tiver representante legal, um período de prescrição em seu benefício ou detrimento não termina até
seis meses após o momento em que a pessoa adquire capacidade ilimitada de contratar ou falta de
representação é remediada. Se o prazo de prescrição for inferior a seis meses, o período especificado
para a prescrição substitui o período de seis meses. (2) A subseção (1) não se aplica na medida em que
uma pessoa com capacidade limitada para contratar seja capaz de processar e ser processada.
288 SOUZA, Eduardo Nunes de; SILVA, Rodrigo da Guia. Incapacidade civil e discernimento reduzido

como causas obstativas da prescrição e da decadência. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre
prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 39–94, excerto à p. 67. Às pp. 93-94, à guisa de
conclusão, os autores abordam de forma ainda mais direta sua proposta de desprendimento do texto da
lei, para propor «em perspectiva funcional, uma releitura das causas suspensivas e interruptivas da
prescrição, mais concreta à realidade do titular do direito e sua eventual vulnerabilidade (...). Em
perspectiva civil-constitucional, impõe-se mitigar o rigor estruturalista dos referidos institutos, em
busca de uma lógica funcional e valorativa, que sugere a revitalização [contra legem, anote-se, porque
a lei revogou o texto que o fazia] do critério do discernimento em matéria de incapacidade civil e uma
maior valorização do termo inicial de fluência como parâmetro decisivo para a proteção dos interesses
das partes sujeitas à prescrição e decadência, matérias aqui identificadas como problemas de
merecimento de tutela em sentido estrito. Não devem prosperar, nesse sentido, os entendimentos que
findem, direta ou indiretamente, por fazer da prescrição e da decadência institutos infensos à tábia
axiológica constitucional.» Com os autores, nada obstante reconhecendo a necessidade de reforma
legislativa, AFFONSO, Filipe José Medon. Caminhos para a verdadeira proteção e igualdade: uma
releitura do art. 198 do Código Civil. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de
Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 95–112.
289 Mesmo nos regimes mais protetivos, os impedimentos absolutos de agir – pelo ângulo da ciência ou

por qualquer outro – são tornados irrelevantes pela incidência dos prazos de segurança, em formato long-
stop. Nesse sentido, v.g., na França, a doutrina esclarece que «l’article 2.232 du Code Civil fixe um délai
butoir bidécennal au-delà duquel toute action est prescrite, peu importante les causes de suspension ou
d’interruption ayant pu l’affecter. Ce délai continue donc en principe à courrir contre celui qui est dans
l’impossibilité absolute d’agir» / o artigo 2.232 do Código Civil fixa um prazo prescricional bidecenal
ao fim do qual toda ação está prescrita, pouco importando as causas de suspensão ou interrupção que

126
pretensões – ou, por ângulo diverso, a qualidade motivacional da inércia – é tomada
como fonte de inspiração para estabelecimento de regras, nunca, ela própria, como
regra absoluta.
O mesmo se poderia dizer da força maior ou do caso fortuito: sua relevância é
possível ao desenho do regime, mas, concretamente, tem relevo normativo apenas a
impossibilidade de manejo de ação de direito processual imputável ao Estado-Juiz.
Explica-se melhor. O Código Civil cuida da incidência do caso fortuito e da força maior
para fins de rompimento causal de conduta, ou imputação de responsabilidade
extraordinária, em diversas oportunidades. Fá-lo para restringir sua eficácia no regime
obrigacional por coisa incerta, antes da escolha (CC, art. 246); para excluir sua
relevância indenizatória, salvo em caso de expressa assunção desse risco extremo pelo
devedor (CC, art. 393), e para inverter essa regra nos casos de mora (CC, art. 399); para
alocar o risco em hipótese particular de compra-e-venda por coisa incerta, no ato de
especificação (contagem, marcação ou assinalação; CC, art. 492, caput e §1º); para
impor o risco da coisa ao locatório em mora (CC, art. 575); para impor o risco da coisa
ao comodatário que privilegie a salvação de suas coisas, em detrimento daquelas do
comodante (CC, art. 583); para extremar a responsabilidade do mandatário por atos
daqueles substabelecidos contra ordem do mandante (CC, art. 667. §1º); e para fixar a
responsabilidade do gestor de negócios que aja contra vontade manifesta ou presumível
do interessado, que conduza operações arriscadas ou que privilegie seus interesses
sobre os negociais (CC, art. 862 c/c 868).
Com relação à prescrição, contudo, o Código não cuida do fortuito ou da força
maior como dados abstratamente relevantes ao surgimento, a bem do devedor, da
exceção prescricional. Vale dizer: na balança entre tutela pela inércia compreensível
(afinal, o titular não exerceu pretensão porque não podia) e a segurança jurídica (afinal,
o devedor não contribuiu para a impossibilidade de exercício da pretensão), a escolha
pende para esta em detrimento daquela 290 . A doutrina internacional dá panorama
internacional com variados graus de proteção para força maior291; às vezes como regra

se lhe poderiam afetar. Esse prazo continua então em princípio a correr contra aquele que se encontre
em impossibilidade absoluta de agir» (BIGUENET-MAUREL, Cécile. Dictionaire de la prescription
civile. 2a. Levallois: Editions Francis Lefebvre, 2014, p. 418).
290 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 172. O autor diverge, contudo, quanto à relevância da suspensão do
funcionamento judiciário, restringindo às diligências do credor-autor para a citação a eficácia dilatória
de prazos pelo fechamento forense.
291 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 129 e ss.

127
absoluta (Code, art. 2234 292 ; Código Civil de Quebec, art. 2904 293 ); às vezes com
eficácia restrita a períodos mais ou menos extensos de avizinhamento ao prazo
prescricional fatal (BGB, §206294 e CCPort., art. 321, I295). A hipótese mais vizinha à
brasileira é a Suíça, em que a lei ressalva apenas o impedimento judicial – e lá, como
aqui, a interpretação é disputada296.
Uma única exceção tem tradicional acolhida jurisprudencial: o fechamento do
fórum que impeça a propositura de ação de direito processual – por excelência,
providência necessária para interrupção retroativa da fluência do prazo prescricional,
por força da citação (CC, art. 202, I, c/c CPC, art. 240). Com a migração do processo
civil brasileiro para a era digital, a concreta operação física dos fóruns se torna e se
tornará, cada vez mais, irrelevante. A questão merece análise cuidadosa, sem embargo,
porque (i) o problema segue existente; e (ii) seu racional se traduz com fluidez para as
hipóteses não raras de «indisponibilidade de sistema», falhas técnicas que obstam o
ajuizamento de ações com a mesma força das antigas portas fechadas.
Parte da jurisprudência se refere ao art. 132, §1º, do Código Civil para afirmar
que os prazos civis não vencem em feriados (incluídos, aqui, dias não úteis em geral),
e sim no primeiro dia útil subsequente297. O recurso é sem dúvidas correto, porque
prescrição é tema de direito material, mas resolve apenas parte das controvérsias: uma

292 Code, Art. 2234. La prescription ne court pas ou est suspendue contre celui qui est dans l'impossibilité

d'agir par suite d'un empêchement résultant de la loi, de la convention ou de la force majeure. / Art. 2234.
A prescrição não corre ou é suspensa contra aquele que se encontre impossibilitado de agir por um
impedimento resultante da lei, da convenção ou de força maior.
293 CCQuébec, art. 2904. La prescription ne court pas contre les personnes qui sont dans l’impossibilité

en fait d’agir soit par elles-mêmes, soit en se faisant représenter par d’autres. / art. 2904. A prescrição
não corre contra as pessoas que impossibilitadas de fato de agir, seja por iniciativa própria, seja por seus
representantes.
294 BGB, § 206 Hemmung der Verjährung bei höherer Gewalt. Die Verjährung ist gehemmt, solange der

Gläubiger innerhalb der letzten sechs Monate der Verjährungsfrist durch höhere Gewalt an der
Rechtsverfolgung gehindert ist. / § 206. Suspensão de limitação em caso de força maior. A prescrição
fica suspensa enquanto, nos últimos seis meses do prazo de prescrição, o credor for impedido de exercer
seus direitos por força maior.
295 CCPort., art. 321º (Suspensão por motivo de força maior ou dolo do obrigado) 1. A prescrição

suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo
de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.
296 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 130.


297 Parte da doutrina exclui a incidência do dispositivo, para considerar que os prazos prescricionais

vencem ainda que em feriados, ou dias não-úteis em geral. Não está correto dizê-lo: os prazos iniciais da
prescrição são ditados pela sua disciplina específica; sobre os finais, a lei não cuida, de modo que é
apenas natural que se recorra, para dita normativa, à regra de contagem inserta na parte geral do Código.
Parece, com efeito, fazer pouco sentido que o vencimento da obrigação e sua exigibilidade não-corram
de dias não-úteis, mas o exercício da pretensão encontre óbice «terminativo» nestas datas, especialmente
quando a lei diz que o regramento genérico muda apenas em caso de «disposição legal ou convencional
[aqui, proibida, pelo art. 192] em contrário». (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado
de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 194).

128
segunda-feira de greve forense é, nada obstante a inatividade do ofício distribuidor, um
dia útil para fins do Código Civil. O impedimento de propositura nesse cenário não
deveria – a se seguir a regra geral – impedir a aquisição de defesa prescricional pelo
devedor que, uma vez mais, nada tem que ver com os impedimentos materiais
eventualmente sofridos pelo credor titular da pretensão.
Parte da jurisprudência toma então em consideração as regras para prática de
atos no Código de Processo Civil para admitir o deslocamento do termo fatal
prescricional no primeiro dia de funcionamento forense subsequente àquele do
ordinário vencimento298. Para a legislação processual, não há dúvidas de que dia sem
expediente forense é o mesmo que feriado (CPC, art. 216), e apenas atos excepcionais
se praticam em dias não-úteis (CPC, art. 212, caput e §2º, c/c art. 214). Ocorre que o
prazo aplicável é o material e não processual civil, sendo certo que o Código Civil
ignora expedientes forenses para fins de aferição de feriados. Mais: praticar ato
processual é coisa diversa de pretender afetar, por meio de dito ato processual, posição
jurídica de direito material. A ausência de possibilidade de prática de ato no último dia
do prazo é mais chocante ao olhar do titular porque não resta margem de manobra para
salvaguarda de sua pretensão; esse choque, contudo, não basta por si só e se dilui
quando se toma em conta que o titular pode ter substancialmente menos tempo para o
concreto exercício de sua pretensão se houver prolongadas greves forenses no início,
ou no meio do prazo, mas não ao final – hipóteses em que ninguém cogitará de
prorrogação de contagem. As causas de impedimento e suspensão de prazos
prescricionais, salvaguardas últimas a que poderia o titular recorrer, igualmente não
socorrem seus interesses nesse caso. Em uma hipótese de greve particularmente
prolongada, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo levou esse raciocínio ao
extremo para declarar operada prescrição em desfavor de credores que,
comprovadamente, tentaram ajuizar ação, sem sucesso299.

298 «Como qualquer outro prazo processual, o prescricional está submetido à determinação do art. 184, §
1º, I do CPC, que determina a prorrogação do prazo para o dia imediatamente posterior quando a data
final do prazo for em dia em que não houver expediente forense.» (STJ, REsp 1.543.961, rel. Min.
Napoleão Maia Nunes Filho, decisão monocrática proferida em 31 de março de 2016).
299 «[A] ação de execução por título extrajudicial ajuizada em 22 de setembro de 2004, demonstra a

ocorrência da prescrição da nota promissória. Ainda que o Conselho Superior da Magistratura, diante do
movimento paredista dos funcionários do Poder Judiciário ocorrido em 2004, tenha publicado o
Provimento n° 377/2004 que determinou a suspensão dos prazos processuais a partir do dia 30 de junho,
até ulterior deliberação, referida suspensão não pode ser aplicada à hipótese destes autos. A suspensão
limita-se ao prazo processual, não amparando o direito material a ser exercido pelo ajuizamento de ação.»
(TJSP, Apelação n.º 0004117-25.2009.8.26.0000, rel. Des. Maia da Rocha, 38ª Câmara de Direito
Privado, j. em 2 de setembro de 2009). No mesmo sentido: «Execução por quantia certa - Cheques -
Prescrição reconhecida - Inocorrência de suspensão do prazo por forca da greve dos funcionários do

129
Se é verdade que (i) ausência de expediente forense não implica feriado para
fins civis; (ii) o prazo prescricional é civil e se opera livremente, mesmo com fóruns
fechados; e (iii) não há causa de impedimento ou suspensão do prazo incidente à
espécie, apenas um permissivo legal que criasse a ponte entre o funcionamento
judiciário e a prescrição civil autorizaria a proteção do credor. E dito dispositivo existe:
é o art. 240, §3º, do Código de Processo Civil. A norma está inserida no regramento de
providências para citação do devedor-réu e sua eficácia retroativa à data do ajuizamento
para fins de interrupção do prazo prescricional (CPC, art. 240, §1º); nesse contexto,
afirma que «a parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao
serviço judiciário». Nada sugere que a demora no recebimento da petição inicial em
sede de distribuição mereça tratamento diverso da ordem citatória, uma vez distribuída
a ação: cuida-se de uma cadeia unitária de providências em tríade, i.e., propositura,
despacho citatório, efetiva citação, não propriamente desafiadora para uma
interpretação teleológica que ponha o credor-autor em posição de guarida idêntica.
O sistema brasileiro com relação a caso fortuito e força maior pode, portanto,
ser assim sintetizado: como regra geral, a prescrição se opera ainda que o exercício da
pretensão haja sido obstado, no prazo fatal, por caso fortuito ou força maior. Se o
impedimento de exercício consistir em óbice a propositura de ação de direito
processual, e se dito impedimento for imputável exclusivamente ao Poder Judiciário, o
prazo será prorrogado até o primeiro dia útil de ordinário funcionamento forense. A
experiência internacional sugere que temperamentos legais seriam bem-vindos para se
estruturar um sistema mais equilibrado, como sugere o olhar internacional acima
relatado. Até que dita alteração legal sobrevenha, contudo, o sistema é claro e
vinculante, com pouca tutela creditícia no momento extremo de impedimento.
Tudo isso vem a corroborar a qualidade puramente objetiva da inércia, tomada
para fins prescricionais. Salvo quando a lei a qualificar300, julgando-a merecedora de
proteção por razões de política legislativa variada, a inércia no sistema brasileiro é puro
ato-fato. Ciência, capacidade, casos fortuitos ou eventos de força maior têm

Judiciário, visto que no caso o prazo não era processual, mas de direito material, pois destinado ao
exercício de direito por meio de ação judicial - Recurso não provido. (Apelação n° 7.285.164-4, Rel.
Gilberto dos Santos, 11ª Câmara de Direito Privado, DJ de 6 de novembro de 2008).
300 Não há, como quis parte da doutrina, um princípio geral do qual se possa deduzir a regra (TESCARO,

Mauro. Decorrenza della prescrizione e autoresponsabilità. La rilevanza civilistica del principio


contra non valentem agere non currit praescriptio. Padova: CEDAM - Casa Editrice Dott. Antonio
Milani, 2006, p. 233; BONIFFACY, Émile. De la règle “contra non valentem agere non currit
praescriptio” et de ses applications en matière civile. Paris: Librairie Nouvelle de Droit & de
Jurisprudence, 1901, p. 203). Há escolhas legislativas, bastantes variadas entre si, e nenhum ordenamento
de tradição romano-germânica que a positive de maneira absoluta. A possibilidade concreta de valência
é, portanto, um valor relevante, mas não um pressuposto.

130
limitadíssima influência no curso do prazo, limitada dita influência às expressas
previsões legais e tal propósito, e nunca extraível abstratamente, por traço dogmático
geral incidente sobre o fenômeno prescricional.

III.3 Decurso do prazo previsto em lei

Sistemas de common law estão familiarizados com flexibilizações de prazos


prescricionais fundadas não apenas em impedimentos absolutos, mas em atrasos que
tenham justa causa301. Não é o caso do sistema brasileiro, nem de países de tradição
romano-germânica. O art. 189 é claro, como, de resto, são todos os demais assentos
legais de prescrição no sistema brasileiro: os prazos são certos e determinados, em
meses ou anos. A prescrição só se opera com a integralidade do prazo: apenas com a
contagem do último dia, e ato contínuo ao seu expirar, a exceção de prescrição se
incorpora, integralmente, à esfera jurídica do devedor. No segundo precedente ao fim
do prazo, não há nada que não expectativa de direito; no segundo subsequente, há
direito adquirido302. Isso tem repercussões relevantes para a operatividade do instituto.
Não é possível afastar a prescrição, por vontade, antes de o prazo se operar
(CC, art. 191). Por outro lado, é possível mudar a lei de regência da prescrição para
pretensões com prazos em curso, mas não para devolver prazo expirado ao titular, o
que implicaria expropriação do direito adquirido à exceção prescricional (CRFB,
art. 5º, XXXVI).
A regra no direito privado brasileiro é que apenas um prazo seja deflagrado
por pretensão. Aqui, como já se teve o ensejo de registrar neste estudo, o Brasil se
distancia de recentes inovações franco-tedescas que deflagram prazos sobrepostos – um
de viés objetivo, contado do surgimento da pretensão; outro subjetivo, calcado na
ciência ou dever de ciência do titular sobre sua pretensão – criados para extrair o melhor
de ambos os filtros de estabilização. A hipótese análoga mais próxima de que se dispõe
no ordenamento privado está no Direito do Trabalho, em que a pretensão por créditos

301 A doutrina comparatista noticia que a jurisprudência inglesa, nada obstante a possibilidade ampla,
ordinariamente restringe essa outorga de prazos suplementares a hipóteses de danos pessoais.
(HONDIUS, Ewoud. La prescription en droit néerlandais. In: La prescription extinctive. Études de
droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 961–972, p. 969) Para disputa contra decisão de extensão
em sede de adjudicação comunitária, v. COUR EUROPÉENE DES DROITS DE L’HOMME. Affaire
Hoare v. United Kingdom (Application no. 16261/08). 2011. Disponível em:
<http://hudoc.echr.coe.int/eng#{“dmdocnumber”:[“884673”],“itemid”:[“001-104608”]}>. Acesso em:
18 jul. 2017.
302 «§689. Nascimento da exeção de prescrição. Atingido o último momento do prazo prescricional,

nasce a exceção de prescrição, que é permanente.» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.


Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 245).

131
decorrentes da relação se expira em cinco anos, contados de seu nascimento, ou dois
anos, contados do término do contrato, o que vier primeiro (CRFB, art. 7º, XXIX) –
com a diferença de serem ambos filtros objetivos.
A contagem dos prazos obedece à regra do art. 132 do Código Civil, também
ela bastante clara e com pouca margem a dúvida. O primeiro dia da contagem dos
prazos prescricionais é o dia seguinte ao aperfeiçoamento do suporte fático que o
deflagre, e não o próprio dia em que se der dito aperfeiçoamento (diz a lei ser «excluído
o dia do começo»). O último dia do prazo não conta com igual benesse, sendo
prorrogado apenas se não se cuidar de dia útil (CC, art. 132, §1º)303. A contagem dos
prazos fixados em meses e anos não se dá não por dias, mas por saltos de
correspondência do calendário: verificado o suporte fático autorizativo da fluência do
prazo prescricional ânuo no dia 1º de janeiro do ano de 2018, o prazo se inicia no dia 2
de janeiro de 2018 e se expira no dia 2 de janeiro de 2019 (CC, art. 132, §3º). Se não
houver correspondência, migra-se ao dia subsequente: iniciando-se a contagem de
prescrição ânua no dia 29 de fevereiro, portanto, o prazo se expira em 1º de março;
iniciando-se a contagem de prescrição semestral em 31 de março, na ausência de 31 de
setembro, a prescrição se opera em 1º de outubro. O inverso não é verdadeiro:
iniciando-se a prescrição no dia 1º de março de ano que preceda calendário bissexto, a
expiração se dará nada obstante no 1º de março subsequente, e não no dia 29 de
fevereiro, com ganho de um dia ao titular da pretensão.
Essas são, como se disse, matérias algo bem estabelecidas em lei. A
dificuldade maior está em definir o pressuposto destas contagens: quando está
verificado o suporte fático autorizativo da fluência do prazo prescricional. Os dois
primeiros passos já foram dados nos títulos antecedentes, mas é preciso ir além,
dialogando com o art. 189, para definir esse ponto de partida para pretensões em
situações diversas.

III.3.1 O prazo corre, em regra, pela simples exigibilidade,


independentemente da violação.

No item II.3.3, acima, o estudo desnudou-se o equívoco do art. 189 do Código


Civil ao afirmar que «violado o direito, nasce para o titular a pretensão». A pretensão

303 É serena a interpretação de que feriado, aqui, abrange qualquer dia não útil. Por todos: «[o]s prazos

cujos termos finais correspondam a dias não úteis, sejam eles feriados ou domingos, serão prorrogados
até o primeiro dia útil subsequente» (TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina;
BARBOZA, Heloísa Helena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol.
I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 261).

132
nasce em cenários os mais variados, a depender do direito subjetivo de crédito
subjacente, e apenas incidentalmente fá-lo em contexto de violação de direito. Poderia
suceder, contudo, que a violação fosse irrelevante à nascença da pretensão, mas pudesse
ter sido desejada como pressuposto à fluência do prazo prescricional. Vale dizer: as
pretensões nascidas antes da violação só poderiam ser afetadas pela exceção de
prescrição se, e na medida em que, os devedores-obrigados a infringissem
deliberadamente.
Não parece ser esse o caso304. A uma, porque a lei não fala «corre o prazo da
violação», e sim «nasce para o titular a pretensão», o que sugere equívoco dogmático
que o próprio Código Civil desmente (refere-se, aqui, aos muitos artigos invocados no
mesmo item II.3.3), e não escolha normativa. A duas, porque há trecho expresso da lei
que confirma essa conclusão, na medida em o art. 199 – inserto nas causas que
impedem ou suspendem o fluir do prazo prescricional – afirma não correr a prescrição
pendendo condição suspensiva (inciso I), não estando vencido o prazo (inciso II) ou
pendendo ação de evicção (inciso III). O legislador fez, aqui, um rol das hipóteses
técnicas de impedimento da fluência do prazo que lhe ocorreram, para espancar dúvidas
do operador. A contrario sensu, corre a prescrição quando do implemento de condição
suspensiva, vencido o prazo ou julgada a ação de evicção. Em nenhum desses casos há,
necessariamente, violação, mas sim tout court exigibilidade305. O prazo vencido pode
se dar em dívida quesível, i.e., pagável no domicílio do devedor, e o credor pode não
haver ali comparecido para o recebimento; e a ação de evicção pode ter redundado na
perda do bem sem que o alienante o saiba, ou tenha sido interpelado à necessária
indenização. Em todos esses casos, expressamente listados com amplitude pelo
legislador como subordinados à fluência do prazo prescricional, não há violação306, mas
há prescrição. Em todos esses casos, e diversamente do que os exercícios teóricos
creditícios normalmente cogitam, para haver violação, é preciso que se deflagre
primeiro um estender de mão do credor tendente à satisfação, para que apenas depois
seja descurado o dever debitório de prestar, e efetivamente se infrinja o direito subjetivo
de crédito e a pretensão. O credor poderia desde sempre exigir; o devedor só poderia

304 ALVES, Vilson Rodrigues. Da prescrição e da decadência no novo Código Civil. Campinas:

Servanda, 2006, p. 89 e ss.


305 «Dentre as consequências do termo quanto à exigibilidade do direito, salientam-se: (...) b) a prescrição

começa a fluir do momento em que o direito se torna exequível» (GOMES, Orlando. Introdução ao
Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 314).
306 Se o credor não interpela, não há mora. No caso de prestações no primeiro caso, porque ela só se

constituiu com a interpelação por letra expressa de lei (CC, art. 331 c/c 397, p.u.); no segundo, porque
o conceito brasileiro de mora, superior aos europeus, disciplina que satisfação se deve dar no lugar
pactuado (CC, art. 394)

133
violar depois da exigência; e a prescrição se foca no primeiro fenômeno, não no
segundo. Os exemplos pontuais de fluência pela só-exigibilidade, a confirmar a regra
geral, são inúmeros (CC, art. 206, §1, II, «b», e IV; LSA, art. 287, II, «a», entre outros).
Também do ponto de vista teleológico (LINDB, art. 5º), a interpretação
antiliteral que emprestasse força adicional à violação não seria boa. Ao se condicionar
a fluência do prazo prescricional à violação, pôr-se-ia a descoberto o devedor de boa-
fé, que jamais violara direito exigível e não exigido pelo titular, e proteger-se-ia, ao
mesmo tempo, o devedor que houvesse agido em violação, em conduta por óbvio mais
gravosa e menos merecedora de prestígio. Tomar um instituto que outorga segurança
jurídica e protege o devedor de pretensões envelhecidas para, por um recorte
interpretativo, privilegiar os devedores que se tenham pior comportado, seria um
contrassenso que a lei – felizmente – não autoriza promover. A doutrina internacional
é bastante serena quanto ao desacerto do legislador brasileiro. Na Itália já se registrou
que «il principio generale è che la prescrizione comincia a decorrere dal giorno in cui
il diritto può essere fatto valere307», ao passo que em Portugal é doutrina corrente que
«quanto ao tempo, este começa a contar-se desde o momento em que a obrigação que
se extingue podia ser exigida; isto é, desde que o credor podia intentar a acção para a
exigir e deixa de exercer seu direito308.» É a letra da lei, cruzando fronteiras. No Brasil,
com redação precisa, as Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal
editaram o enunciado 14, que, em sua primeira parte, igualmente afirma que «o início
do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da
exigibilidade do direito subjetivo». Porção substancial da doutrina adere à posição, para
afirmar que «em se tratando de prescrição, esta se inicia ao nascer a pretensão,
portanto, desde que o titular do direito pode exigir o ato ou a omissão.309».
Em suma: o dado fundamental à prescrição é a pretensão, que independe de
violação. Como regra geral, onde há pretensão, há base para fluência da prescrição,
porque é necessário estabilizar as demandas (as exigências às prestações) como forma
de pacificação social e outorga de segurança ao tráfego jurídico. Fluem os prazos,
portanto, como regra, da só-existência de pretensão, e não de sua violação pelo devedor-
obrigado. A exceção são os casos de pretensões fundadas na garantia geral de
incolumidade dos art. 186 e 187, ou para as obrigações de não fazer com eficácia

307 VIOLA, Luigi, Prescrizione e decadenza, Padova: CEDAM - Casa Editrice Dott. Antonio Milani,
2009, p. 471.
308 CABRAL DE MONCADA, Luís, Lições de Direito Civil, 4. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1995,

p. 734–735.
309 SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 207-

208.

134
relativa. Para essas, afirmou-se acima que a pretensão à inibição do ilícito surge desde
que o ofensor tenciona ofender a posição jurídica, logo, antes da efetiva violação. O
prazo prescricional para a pretensão inibitória para exigência de cessação da ofensa não
se confunde, sem embargo, com a pretensão pura de abstenção. A pretensão de
cessação da ofensa surge quando da prática do ato ilícito, e apenas dela, e com essa
dualidade de violação-surgimento da pretensão se abrem as portas do prazo
prescricional. O legislador poderia ter poupado o esforço hermenêutico seguindo as
diretrizes europeias que regulam a matéria com clareza muitíssimo superior à brasileira,
mas não há, como se nota, prejuízo que se eleve ao ponto de efetiva lacuna normativa.
Novamente, o enunciado 14 acerta na matéria, porque afirma, na segunda parte, que «o
art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação
do direito absoluto ou da obrigação de não fazer».

III.3.2 A «prescrição da execução»

«Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação», afirmou o


Supremo Tribunal Federal, em 1963, ao aprovar a súmula 150. O posicionamento,
assumido décadas antes do giro material da prescrição (i.e., da migração para a
Anspruchsverjährung alemã), refletia o estado da arte da época. Se era verdade que
(i) ações de direito processual prescreviam e (ii) ação de conhecimento e ação de
execução de sentença eram autônomas310, sucedia logicamente que (iii) essas diferentes
ações poderiam receber, da lei, prazos diversos para exercício. Mesmo sob a ótica
substantiva, havia aceso debate sobre uma eficácia substitutiva da sentença, que criaria,
com sua força particular, uma nova pretensão311.
A lógica desde então mudou radicalmente: a prescrição se opera em desfavor
da pretensão, e não da ação de direito processual, sob a letra firme do art. 189 do Código
Civil; e mesmo a ação de direito processual enevoou as fronteiras entre cognição e
execução, para extrair, da mesma pretensão substantiva, efeitos processuais diversos.
Esse novo terreno poderia sugerir a irrelevância do modo de manejo da pretensão para

310 A dita «fase do cumprimento de sentença» foi introduzida no Direito Processual Civil brasileiro
apenas pela lei 11.232/2005 e, depois, incorporada ao texto do Código de Processo Civil vigente.
311 A doutrina reconhecia, aqui, prescrição incidente sobre pretensões de natureza diversa: a pretensão

substantiva, regida pelos prazos específicos do Código Civil, e a prescrição da pretensão executiva, de
natureza pública, processual, com modificação da obrigação, sujeita ao prazo geral (PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955,
p. 303 e ss). Sobre a possibilidade de prescrição de direitos subjetivos processuais, de natureza pública,
não se aplicam, contudo, as regras do Código Civil (v. item II.2). Da perspectiva internacional,
ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and
prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 112 e ss.

135
fins de aferição do prazo prescricional que, sobre ela, se abata. Se a pretensão é
veiculada em juízo ou fora dele, ou se, veiculada em juízo, o é em sede de cognição ou
de cumprimento forçado, nada disso teria conexão com os prazos prescricionais civis
que, repise-se, tomam a pretensão (por si só, e onde quer que esteja) como figura
central. Se isso poderia ser verdade por dogmática, como tantas vezes sucede na
prescrição, deixa de sê-lo por razões de política legislativa facilmente compreensíveis.
Reservado o debate do fundamento da prescrição para o capítulo oportuno (em
particular, item V.5), é nota comum dos regimes da prescrição que se tome como baliza
o envelhecimento das pretensões, um senso social de intempestividade creditícia que
tem como lado avesso da moeda uma compreensível surpresa debitória. A doutrina
internacional dá o relato da percepção universal de que a existência de uma decisão
cognitiva final que afirme a existência do direito subjetivo de crédito, afirme sua
exigibilidade e promova a efetiva condenação do devedor ao pagamento, é dado que
afasta de forma muito eloquente a calmaria que a prescrição pressupõe312.
Como o legislador trata a repercussão social desse fato é dado normativo que
pode variar – e, com efeito, varia – muito de sistema a sistema. Na Alemanha, por
exemplo, o ajuizamento de ação de direito processual não interrompe o prazo
prescricional, mas apenas suspende sua fluência (BGB, §204, (1), «1»313); uma vez
reconhecida a procedência em decisão final (BGB, §201 314 ), contudo, pareceu
equilibrado ao legislador catapultar a prescrição do prazo ordinário para o extremo do

312 «[T]here are also good policy reasons to subject claims established by a judgment to a fairly long

prescription period. (…) A claim established by judgment is as firmly and securely established as is
possible and is thus affected by ‘the obfuscating power of time’ to a very much lesser extent than other
claims. / [T]ambém há boas razões de política legislative para sujeitar pretensões reconhecidas por um
julgamento a um período de prescrição razoavelmente longo. (…) Uma pretensão reconhecida por
julgamento está tão firme e seguramente estabelecida quanto é possível, e é, portanto, afetada pelo 'poder
ofuscante do tempo' em uma extensão muito menor do que outras pretensões» (ZIMMERMANN,
Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and prescription. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004, p. 113)
313 BGB, § 204. Hemmung der Verjährung durch Rechtsverfolgung. (1) Die Verjährung wird gehemmt

durch 1. die Erhebung der Klage auf Leistung oder auf Feststellung des Anspruchs, auf Erteilung der
Vollstreckungsklausel oder auf Erlass des Vollstreckungsurteils / §204. Suspensão de limitação como
resultado de exercício de direitos (1) O prazo de prescrição é suspenso por: 1. a propositura de uma ação
para cumprimento, ou para a declaração da existência de uma pretensão, para a concessão de uma ordem
de execução ou para a emissão de uma ordem de execução.
314 BGB, §201 Beginn der Verjährungsfrist von festgestellten Ansprüchen. Die Verjährung von

Ansprüchen der in § 197 Abs. 1 Nr. 3 bis 6 bezeichneten Art beginnt mit der Rechtskraft der
Entscheidung, der Errichtung des vollstreckbaren Titels oder der Feststellung im Insolvenzverfahren,
nicht jedoch vor der Entstehung des Anspruchs. § 199 Abs. 5 findet entsprechende Anwendung. / § 201.
Início do prazo de prescrição para pretensões reconhecidas. O prazo de prescrição para pretensões do
tipo mencionado no §197 (1), n. 3 a 6, começa na data em que a decisão se torna definitiva e absoluta, o
título executivo é firmado ou o pedido é reconhecido no processo de insolvência, mas não antes de a
pretensão surgir. O §199 (5) aplica-se no que couber.

136
teto legal, fixado em trinta anos (BGB, §197, (1), «3»315). No Brasil, não há mudança
de prazo: a tutela superior do credor-exequente é feita com base em hipóteses especiais
de suspensão do prazo prescricional. A deferência legislativa à autoridade jurisdicional
foi bastante menor, mas, reconheça-se, registrou avanço legislativo recente com a
edição dos artigos 921 e 922 do Código de Processo Civil316.
No regime da lei anterior, a jurisprudência nacional caminhava de lege ferenda
(para dizer o mínimo) ao dizer que a contagem do prazo de prescrição (i) restava
suspensa toda vez que a execução fosse suspensa por ausência de bens penhoráveis; e
(ii) tornava a correr apenas após intimação pessoal do credor, para que se lhe desse
andamento317. Era hipótese de prescrição «da execução» intercorrente, vale dizer, com
prazo corrente entre atos do processo executivo. Do ponto de vista dogmático, o
insucesso do credor na localização de bens, ou a impossibilidade de fazê-lo, não eram
previstos na legislação como causas de suspensão. As decisões tomavam como
fundamentos um juízo etéreo de equidade por ausência de desvalor na inércia creditícia
(afinal, o que poderia fazer, se bens penhoráveis não há?), para conferir, com ares de
contra non valentem agere non currit praescriptio, a paralisação do relógio
estabilizador. A solução criava, de outro lado, algumas perplexidades, duas das quais
são mais facilmente delineáveis: o devedor depauperado acabava por enfrentar regime
temporal de obrigação mais oneroso do que o devedor com patrimônio mais robusto, e
tendencialmente se criavam execuções de décadas – bastando, para tanto, que o
processo fosse deixado aos escaninhos do Poder Judiciário sem a intimação pessoal do
credor, o que a experiência mostra não ser hipótese rara.

315 BGB, § 197 Dreißigjährige Verjährungsfrist. (1) In 30 Jahren verjähren, soweit nicht ein anderes
bestimmt ist, (…) 3. rechtskräftig festgestellte Ansprüche / § 197. Prazo de prescrição de trinta anos. (1)
Salvo disposição em contrário, são prescritos(as) após trinta anos: (...) 3. As pretensões que tenham sido
declaradas definitivas e absolutas.
316 Não há norma que trace diferença com base na origem do título. Por isso, a pretensão que se exerça

em execução iniciada por sentença arbitral está subordinada ao mesmo espectro normativo (NUNES,
Thiago Marinho. Arbitragem e prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 288).
317 «A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não

prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda
caminhe em direção ao fim colimado. 2. No tocante ao início da contagem desse prazo na execução,
vigente o Código de Processo Civil de 1973, ambas as Turmas da Seção de Direito Privado sedimentaram
a jurisprudência de que só seria possível o reconhecimento da prescrição intercorrente se, antes, o
exequente fosse devidamente intimado para conferir andamento ao feito (...) 7. Na hipótese, como o
deferimento da suspensão da execução ocorreu sob a égide do CPC/1973 (ago/1998), há incidência do
entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que não tem curso o prazo de prescrição
intercorrente enquanto a execução estiver suspensa com base na ausência de bens penhoráveis (art. 791,
III), exigindo-se, para o seu início, a intimação do exequente para dar andamento ao feito» (STJ, REsp
1.620.919/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª turma, julgamento em 10 de novembro de 2016).

137
Ainda que se pudesse debater se era a mais conveniente do ponto de vista de
política legislativa, a solução correta sob o regime revogado era diversa: o credor tinha
o dever de impulsionar a execução em busca de bens penhoráveis ao menos uma vez a
cada lapso de prazo prescricional, para assegurar nova interrupção a teor do art. 202,
p.u., do Código Civil. Não havia, fora disso, caminho legalmente possível, quando se
aceita a premissa (de resto, inafastável) de que os prazos de impedimento, suspensão e
interrupção dos prazos prescricionais têm regime taxativo318. Considerando a amplitude
dos prazos (meses; anos), a simples providência de peticionamento não era
particularmente onerosa, e o regime funcionaria melhor sem o descaminho alternativo
que a jurisprudência, neste ponto, pavimentou. A bem da segurança jurídica, interveio
o legislador, e extraiu acerto do erro. Entrevendo o mérito de proteção de credor
municiado de pretensão judicialmente reconhecida, o legislador processual criou uma
hipótese expressa de suspensão de prazo prescricional por inexistência de bens
penhoráveis.
Essa nova suspensão foi assentada no art. 921, III, c/c §1º a 5º, do Código de
Processo Civil, inclusive para execuções aforadas antes da lei (CPC, art. 1.056). O
regime claro e bem ordenado da lei, felizmente, cria pouca demanda de intervenção
doutrinária. Inexistindo bens penhoráveis, a execução é suspensa pelo magistrado
(CPC, art. 921, III). Se o executado tiver bens penhoráveis à época da suspensão e
silenciar, não poderá, depois, impugnar a suspensão do prazo. A suspensão deriva do
ato do magistrado que constata a inexistência de bens e, para este ato, o devedor é
chamado pela lei a participar colaborando ao bom andamento do processo e indicando
bens penhoráveis, aptos à satisfação da dívida (CPC, art. 774, V). Se não o fez, sendo
por definição quem mais conhece de seus próprios pertences, é sua, mais do que do
credor ou do juiz, a responsabilidade pela suspensão prescricional que lhe desfavorece,
e não poderia se valer da torpeza da omissão para benefício de aceleração (rectius, não
retardamento) da operação da prescrição. A não localização do devedor, que é coisa
diversa da não-localização de bens penhoráveis, não dá ensejo à suspensão. Decretada
a suspensão da execução por ausência de bens (fato processual), dela advém a
suspensão da prescrição (fato material, derivado do fato processual).
A suspensão, contudo, não é perpétua, mas limitada ao prazo de um ano
(CPC, art. 921, §1º), findo o qual os autos vão arquivados (idem, §2º) e o prazo volta a

318MARTINS-COSTA, Judith. O “princípio da unicidade da interrupção”: notas para a interpretação do


inciso I do art. 202 do Código Civil. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de
Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 185–200, em especial p. 190 e ss.

138
correr imediatamente (idem, §4º). Localizados bens no período ânuo de suspensão, o
credor o noticia ao juízo e o desarquivamento se procede desde logo (idem, §3º); o ato
de impulsionamento resultará em interrupção do prazo antes suspenso (CC, art. 202,
p.u.). Se a hipótese for de inércia, e se a inércia se estender por todo o prazo
prescricional, o Código de Processo Civil assegurará contraditório para dar ao juízo
base segura de decisão (CPC, art. 921, §5º), findo o qual poderá, ele próprio, e
independentemente de oposição pelo devedor, acolher a exceção de prescrição (idem,
§5º c/c art. 924, V; sobre a cognição de ofício, v. o item I.4).
As hipóteses de suspensão da execução lançadas no art. 922 e no art. 916 do
mesmo código não implicam suspensão do prazo prescricional, mas repercutem no
plano material da obrigação e, a reboque, também no prazo prescricional. Diz o
primeiro dispositivo mencionado que «convindo as partes, o juiz declarará suspensa a
execução durante o prazo concedido pelo exequente para que o executado cumpra
voluntariamente a obrigação». Essa convenção implicará efetiva alteração objetiva no
vínculo obrigacional de base, i.e., mudança do feixe prestacional, para diferir no tempo
o que já era exigível, por definição, quando da propositura da execução. Com a
mudança do vencimento, subtrai-se pretensão (CC, art. 199, II, a contrario sensu); com
o novo vencimento, a (nova) pretensão surgirá e, com ela novo prazo prescricional. Não
há que se falar em suspensão, mas em nova prescrição, diante da exigibilidade desse
reestruturado direito subjetivo de crédito. Reestruturado não implica dizer novado,
porque a modificação objetiva pode suceder sem ânimo de trocar uma relação por outra
(CC, art. 361).
O mesmo raciocínio se aplica ao art. 916 do diploma processual. Por ele, o
devedor tem direito potestativo modificativo da dívida exequenda, desde que
preenchidos os pressupostos (ônus) de depósito de 30% (trinta por cento) do valor em
execução, acrescido de custas e honorários de advogado319. A circunstância de que a lei

319 Parece equivocado o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual «não obstante
a controvérsia doutrinária acerca de constituir o parcelamento um direito potestativo do devedor,
assumindo caráter vinculativo do juízo e dispensando, assim, a manifestação do credor, penso não ser
essa a solução mais justa, inclusive como forma de compatibilizar a nova norma processual com a
material, apenas mitigando, desse modo, as regras previstas nos arts. 313 e 314 do CC (...) Ademais,
deve-se considerar também a possibilidade de o devedor utilizar tal prerrogativa de má-fé, como, por
exemplo, se o executado for um banco ou instituição sem nenhuma dificuldade de liquidez. Assim, deve
o Juízo ouvir o exequente, que pode impugnar a solicitação de parcelamento, desde que apresente motivo
justo e relevante e de forma fundamentada. De toda sorte, ainda que com a oposição do credor, pode o
juiz, analisando o caso concreto, deferir o parcelamento se verificar atitude abusiva do credor, por
pretender, injustificadamente, tornar a execução mais onerosa para o devedor (...)» (STJ, REsp
1.264.272/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª turma, j. em 15 de maio de 2012). Chamar de
«mitigação» da regra substantiva de que ninguém é obrigado a receber coisa diversa da que pactuou, ou

139
fale em poder o executado «requerer lhe seja permitido pagar» não afasta a
objetividade do exercício dessa prerrogativa, nem sua natureza potestativa: a vítima de
dolo, erro ou coação requer sua anulação ao Poder Judiciário, mas não há margem para
negativa se presentes os pressupostos legais, e o direito potestativo apenas se exerce em
juízo. A doutrina processualista que fala em direito ao parcelamento, genericamente,
também não afasta a classificação da posição como direito potestativo, porque o
fenômeno vai olhado por ângulos radicalmente diversos: frente ao devedor, tomando
em conta a relação substantiva, o devedor tem o poder de modificar unilateralmente a
data de vencimento e os encargos incidentes sobre o quantum debeatur (=direito
potestativo de matriz privada); frente ao juiz, o devedor tem direito de obter tutela
jurisdicional que materialize seu direito potestativo (=direito subjetivo de matriz
pública, à prestação jurisdicional adequada), ou seja, não é faculdade do magistrado
apreciar a conveniência da modificação320.
Finalmente, e de maneira bastante objetiva porque os pontos não desafiam
maior aprofundamento, nas hipóteses de suspensão por:
(i) inércia creditícia após praça frustrada (CPC, art. 921, IV), correrá sem
afetação o prazo prescricional intercorrente, já que incumbente ao credor-exequente o
impulsionamento do feito, negligenciado a ponto de relegar o arquivamento dos autos;
(ii) outorga de efeito suspensivo aos embargos à execução, ou na paralisação da
pretensão por motivos variados de ordem processual (CPC, art. 921, I e II, com
exceção à remissão ao CPC, art. 313, II), restará suspenso o prazo porque sustada a
exigibilidade por ordem judicial, faltando, portanto, pressuposto para a ordinária
fluência da prescrição (v. item III.1). Com a efetiva defesa em juízo, por parte do
credor-embargado, do direito subjetivo de crédito e de sua exigibilidade, interrompe-se
o prazo (CC, art. 202, p.u.; v. item III.4); e

em partes, se assim não assentiu, nada mais é um modo mitigado de reconhecer que a prestação mudou.
Para atender às preocupações justas do acórdão – abuso de um lado a outro da mesa, quer para exercer o
direito a parcelamento, que para a ele se opor –, não era preciso afastar sua natureza potestativa, porque
potestativo e absoluto são predicados diversos. Se o exercício do direito potestativo ao parcelamento
fosse manifestamente contrário à boa-fé, bastaria o recurso ao art. 187 do Código Civil para deseficacizá-
lo, na medida necessária a afastar dita manifesta ofensa (nesse sentido, o enunciado 617 do Conselho de
Justiça Federal, nas Jornadas de Direito Civil, segundo o qual «[o] abuso do direito impede a produção
de efeitos do ato abusivo de exercício, na extensão necessária a evitar sua manifesta contrariedade à
boa-fé, aos bons costumes, à função econômica ou social do direito exercido»).
320 «Preenchidos os pressupostos legais, o executado tem direito ao parcelamento. O juiz não pode

indeferi-lo (...) Atendidos todos os pressupostos, tem o juiz o dever de deferir o parcelamento. Nesse
contexto, tem o executado direito ao parcelamento do valor em execução» (MARINONI, Luiz
Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 716).

140
(iii) na hipótese de suspensão convencional do processo (CPC, art. 921, I, c/c
art. 313, II), a prescrição corre livremente, porque o pacto meramente processual não
implica a efetiva modificação da exigibilidade da prestação (CC, art. 199, I ou II), nem
tratativa em sede de mediação (v. item III.4).

* * *

Antes que se possa dar o ponto por encerrado, é preciso retomar a matéria da
prescrição de direito processual civil de que se cuidou no item II.2, acima, para
enfrentar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual «no âmbito
do Direito Privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da
execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em ação civil
pública321.» Trata-se de evidente eco da súmula 150 do Supremo Tribunal Federal;
contudo, quer pelo o momento da decisão (2013), quer pelo contexto normativo
específico (dualidade entre tutela coletiva e exercício individual da pretensão), o
julgado merece atenção.
Ao se cuidar do objeto sobre o qual incide a prescrição, chamou-se a atenção
para o fato de que o sistema processual brasileiro subtrai posições jurídicas processuais
diversas dos litigantes, no curso de tempo predeterminado, com base em sua inércia,
em fenômeno positivado ora sob a rubrica de prescrição, ora sob a rubrica de
decadência. Assim, disse-se lá, e repete-se sumariamente, aqui, (i) o cidadão perde a
legitimidade extraordinária para defesa do Erário em juízo se não o fizer no quinquênio
subsequente ao suporte fático ensejador de sua postulação (Lei da Ação Popular,
art. 21); o (ii) o particular, cidadão ou não, perde todo o rito célere do mandado de
segurança se não o impetrar nos cento e vinte dias subsequentes à violação de seu direito
líquido e certo (LMS, art. 23). No que diz respeito à primeira hipótese, a jurisprudência
tradicionalmente a amplia, para dizer que há irradiação eficacial extraordinária da
norma prescricional inserta em lei especial, para operar tal e qual lei geral, pairando
sobre e incidindo nas modalidades de tutela coletiva como um todo. As ações civis
públicas, portanto, estariam igualmente subordinadas ao prazo de um quinquênio. O
capítulo não se propôs a dissecar o fenômeno para além disso, i.e., para além de apontar
que todas essas operações de lei se dão exclusivamente no plano processual. Isso
desvelou que a criação da prescrição da pretensão (CC, art. 189), definitivamente civil

321STJ, Recurso Especial n.º 1.273.643/PR, Segunda Seção, rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 27 de fevereiro
de 2013.

141
e substantiva, não subtraiu os estudos dos processualistas sobre a matéria; antes, criou
uma espécie de cisma ou diáspora prescricional, prescrição civil e prescrição
processual civil, a última carente de estudos monográficos próprios.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça foi confrontada com as
possíveis antinomias desse cisma quando da apreciação de exceção de prescrição
oposta no bojo de execução individual sacada de autos de ação civil pública aviada em
defesa de direitos de consumidores 322 . Para os fins deste capítulo, uma pergunta
fundamental foi respondida: no caso de exercício de pretensão em via executiva pelo
titular do direito, vale o prazo civil-consumerista (que incidira em disputas
individuais), ou vale o prazo quinquenal típico das ações civis públicas? Como se
antecipou, a tese prevalente – diga-se, em longo julgamento pelo rito dos recursos
repetitivos – foi de que o prazo da ação civil pública prevaleceria. Parte da doutrina
agravou a confusão entre as linhas material e processual, afirmando que haveria uma
nova pretensão, uma espécie de pretensão individual homogênea, subordinada ao
regime prescricional quinquenal presente tanto no Código de Defesa do Consumidor
quanto (analogicamente) na Lei de Ação Civil Pública 323 . Há, aqui, importantes
distinções a tecer.
O prazo para manejo de posições jurídicas processuais em sede de ação civil
pública é, sem dúvidas, matéria de prescrição processual civil, alheia ao Código Civil
ou ao Código de Defesa do Consumidor. Diversamente do que ocorre com as
prescrições civis, não há prazo geral para prescrição processual civil: a regra é que a
propositura de ações possa ser feita perpetuamente, e a estabilização, no mérito apenas,
se dê por meio da incidência da prescrição (civil) ou decadência (civil) sobre o direito
deduzido em juízo. Apenas excepcionalmente a própria possibilidade de se valer
utilmente de procedimento é vulnerada, carecendo, para tanto, de norma específica que
se lhe abata. É preciso que a doutrina processualista se dedique a apurar se e em que
medida a prescrição processual civil assentada no art. 21 da Lei de Ação Popular se
transfere à ação civil pública e, dentro dela, se dito prazo incide sobre a atuação do
substituto e do substituído, indistintamente. No que releva à dogmática da prescrição
civil, parece desde logo equivocados o fundamento legal de extinção do feito e a
dicotomia de prazos de que se ocupou o colegiado. Explica-se.

322 STJ, Recurso Especial n.º 1.273.643/PR, Segunda Seção, rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 27 de fevereiro

de 2013.
323 NERY, Nelson. Prescrição da pretensão individual homogênea. In: Soluções práticas (vol. 4). São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1455-1488 (RTOnline 1–22), p. 16 e ss.

142
O julgamento procedeu para que, «julgando-se o caso concreto, dá-se
provimento ao Recurso Especial para declarar prescrita a ação e extinto o processo
(CPC, art. 269, IV)» (hoje, art. 487, II). O fundamento legal, ancorado no Código de
Processo Civil revogado, é de extinção com resolução de mérito fundada em prescrição,
i.e., com análise do direito substantivo deduzido em juízo. Mas não foi esse o caso,
como é fácil constatar. A Lei da Ação Popular e, a seu reboque, a Lei da Ação Civil
Pública (com a interação com a porção procedimental do Código de Defesa do
Consumidor) não cuidam de prazos para exercício da pretensão no plano material, mas
apenas limitam o exercício de posições jurídicas processuais. Qualquer que seja a
natureza jurídica da prescrição processual civil, ela certamente não implicará outorga
de exceção substantiva em sentido estrito, para encobrir eficácia de pretensão (em
sentido material) autoral, que reclame julgamento de mérito.
Essa primeira constatação leva à segunda, que é da falsa dicotomia entre se
aplicar à espécie a prescrição processual civil ou a prescrição civil, já que se cuidam,
por pressuposto, de fenômenos de matriz diversa (pública vs. privada) incidentes sobre
posições jurídicas diversas (direito subjetivo ao processamento de ação em dado rito
vs. exigibilidade do crédito). A hipótese é, portanto, de incidência concomitante, com
efeitos estabilizadores divorciados. Em voto vencido nos debates, parte do colegiado
ponderou que «se a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos se justifica
unicamente por motivos instrumentais, portanto sem a modificação do direito
subjetivo, individual, de cada interessado, não se pode admitir que a suposta
facilitação de acesso à justiça venha a ter efeito inverso e perverso, impondo
desvantagens a esses interessados». Correta a primeira parte, porque não há
modificação de direito subjetivo (e pretensão) que retire a incidência da prescrição civil;
incorreta a segunda, porque isso pode se dar em prejuízo ao credor-exequente, se o
prazo incidente à espécie for (como com frequência é) inferior ao quinquênio
procedimental. Na hipótese de se cuidar de pretensão prescritível em período superior
ao quinquênio das ações civis públicas, a solução resultaria em não poder o particular
veicular sua pretensão em sede executiva individual (porque perecida sua posição
pública de valência do procedimento, segundo a Corte), mas poder fazê-lo em sede
individual (porque conservada sua pretensão, dedutível pela imprescritível via
ordinária). É o que parece ter concluído em obiter dictum o colegiado, quando, nada
obstante algum ruído terminológico na construção, se registrou que «não estamos
prejudicando em nada o direito do consumidor de, durante vinte anos, entrar com sua
ação individual. O voto da Ministra Nancy Andrighi bem reconhece que aqueles que

143
não tiverem exercido a pretensão de executar a sentença na ação coletiva em cinco
anos podem dar andamento às suas ações individuais, caso elas tenham sido ajuizadas
no prazo vintenário. Só não está amparada a situação daqueles que deixaram exaurir
os vinte anos sem entrar com uma ação individual e, além disso, deixaram exaurir os
cinco anos sem executar a sentença coletiva.»
A independência das esferas prescricional e prescricional processual civil se
faz sentir com clareza ainda maior em exemplo diverso: se o Ministério Público ajuizar
ação civil pública para exigir o pagamento de indenização securitária a grupo de
consumidores, qual o prazo incidente? Sob a ótica processual civil, como se registrou,
é firme a jurisprudência que atrai o art. 21 da Lei de Ação Popular para limitar a cinco
anos o prazo para fazê-lo. Sob a ótica civil, paralela, o prazo será ânuo, contado, da
ciência do fato gerador (rectius, suporte fático) da pretensão. Se a ação foi proposta no
sexto ano depois de fato notório que gere a pretensão indenizatória de forma simultânea
à comunidade de substituídos, a ação deve ser extinta, por prescrição processual civil,
sem exame do mérito. Se foi proposta no terceiro ano, deve ser processada
regularmente, mas julgada improcedente, no mérito, por operação da prescrição civil.
Se foi proposta no primeiro semestre, deve ser conhecida e julgada procedente, porque
exigível o direito subjetivo de crédito de fundo. No ano seguinte ao trânsito em julgado,
os substituídos deverão dar início ao cumprimento forçado, sob pena de, no plano
material, surgir à seguradora exceção de prescrição. No quinto ano do trânsito em
julgado, segundo o Superior Tribunal de Justiça, também o plano material pereceria,
vedando-se o próprio recurso à via executiva individual, independentemente do mérito.
A imbricação dos institutos reforça o que se ponderou acima e, com particular
ênfase, no item II.2: é preciso que a dogmática processual civil tome nota, divise e
ordene o instituto das prescrições processuais civis – escopo que, vai sem dizer, não
pode receber senão esse breve aceno no corpo destas reflexões de direito privado.

III.3.3 A «prescrição postergada»

No item III.1, este estudo propôs que a prescrição civil tenha, no Brasil, uma
espécie excepcional de eficácia liberatória antecipada, dependente de previsão expressa
em lei. Essa eficácia antecipada redundaria na incorporação de exceção de prescrição à
esfera jurídica do devedor antes mesmo que houvesse, na esfera jurídica do credor, o
direito subjetivo de crédito ou a pretensão cuja eficácia dita exceção é apta a encobrir.
Os casos de prescrição antecipada seriam fundamentalmente de dois tipos: direitos

144
subjetivos de crédito e pretensões cujo nascimento seja dependente de exercício direito
potestativo pelo credor; e direitos subjetivos de crédito e pretensões
discricionariamente protegidos pelo legislador. A escolha de alocação da explicação
sobre essa espécie de prescrição na rubrica do primeiro pressuposto de incidência do
fenômeno – direito subjetivo de crédito exigível – veio a reboque da constatação de
que, mais do que modular a contagem do prazo, essas espécies subvertem o suporte
fático da prescrição como um todo.
Aqui, no reverso da moeda da prescrição antecipada, a dita prescrição
postergada, o caso é outro. Há hipóteses em que, nada obstante desde logo existentes
direitos subjetivos de crédito e pretensão, o legislador difere a fluência do relógio
prescricional para fatos ulteriores à exigibilidade. A alocação dessa nota sob a rubrica
do pressuposto do exaurimento do prazo, portanto, pode pecar pela falta de clareza
(talvez prescrição antecipada e postergada, lado-a-lado, tivessem um efeito didático
relevante a desvelar o pensamento do estudo), mas prima pela acuidade dogmática
(porque prescrição antecipada e postergada, a rigor, se conectam a pressupostos
diversos do fenômeno prescricional).
Já se mencionou, antes, ao menos um exemplo de prescrição que tem sua
fluência de prazo postergada: aquela atinente à responsabilização dos administradores
de sociedades. Por força de letra expressa de lei, o prazo prescricional corre da
apresentação, aos sócios, do balanço do exercício em que a violação haja sido praticada,
ou da reunião ou assembleia que dela deva tomar conhecimento (CC, art. 206, §3º, VII);
ou da publicação da ata que aprovar o balanço do exercício em que a violação se deu
(LSA, art. 287, II, «b»). Seria impreciso dizer que o exemplo é recorte isolado do
panorama legislativo societário, porque o legislador não foi tímido em atrelar a fluência
prescricional a atos de conclave formais. A prescrição postergada tem o efeito
muitíssimo benéfico de elevar a segurança jurídica da contagem do prazo a níveis
jamais cogitáveis para a dinâmica ordinária, sobretudo para casos em que (i) a fluência
do prazo careça da ciência do titular a propósito de sua pretensão, dado cuja prova
defensiva, pelo devedor-excipiente, é sempre de ônus pesadíssimo; e (ii) a pretensão
seja derivada de direitos absolutos ou obrigações negativas, em que o momento exato
do surgimento da pretensão inibitória ou reparatória pode igualmente se mostrar
enevoado no enredo probatório. Assim é que a pretensão dos credores não pagos contra
sócios ou acionistas e liquidantes flui da publicação da data de encerramento da
liquidação da sociedade, ainda que, por suposto, o pagamento pelo liquidante se
devesse dar antes de dito encerramento (CC, art. 206, §1º, V). Não casualmente, os

145
mesmos liquidantes respondem pela violação à lei e ao estatuto não a partir do ilícito,
que é quando surge a pretensão, mas a partir da primeira assembleia geral que lhe
suceder (CC, art. 206, §3º, VII, «c»). Fora do direito societário, mas com idênticas
preocupações de segurança, dispôs a lei que a fluência da pretensão relativa à tutela só
corre da data da aprovação das contas (CC, art. 206, §4º, IV), ainda que a pretensão do
tutelado exista, sem margem para dúvidas, desde que o tutor haja se apropriado de
recursos, malversado o patrimônio ou de qualquer forma infringido o rígido padrão de
conduta que a lei lhe impõe.
Os ganhos de segurança jurídica pela prescrição postergada são de tal ordem
que, no cenário internacional, o legislador alemão fez deles regra. Para fluência do
prazo trienal geral, o §199(1) do BGB elegeu o fim do ano em que a pretensão surja e
seja conhecida, ou devesse ser conhecida324. Para fins do prazo de filtro subjetivo, o dia
em que se deu a ciência é posto de lado e o ano em que o fato se deu – dado muitíssimo
mais facilmente demonstrável em muitos casos – releva, para a contagem se inicie na
virada ao ano novo. Por esse e por variados motivos de política legislativa, para ganho
de certeza e aumento de operabilidade do sistema prescricional, seria desejável que o
legislador ampliasse as hipóteses dessa natureza. À revelia dele, nunca, em hipótese
alguma, pode o intérprete promover sponte propria esse deslocamento para um
momento ulterior que, ainda que por analogia (que, relembre-se, pressupõe lacuna
inexistente no ordenamento; LINDB, art. 4º), se lhe afigure mais justo e équo.
Se o devedor jamais adota a providência que deflagra seu prazo (tutor que
nunca presta contas), a não-estabilização de relações é preço que paga, por direta
consequência de sua conduta contrária à lei, não importa quanto tempo transcorra. Não
há prazo geral, de fundo, de fluência simultânea, que sirva de anteparo máximo (long-
stop) como na disciplina franco-tedesca ilustrada acima (v. item III.3.1). No caminho
contrário, contudo, não será demais lembrar que a postergação é feita pela lei, a bem
do credor, para momento certo, e não para subordinar a fluência do prazo a humores ou
caprichos creditícios. Assim é que se a providência deflagradora do prazo couber ao
credor e não ao devedor, e não for adotada tempestivamente pelo credor, a fluência do

324 BGB, § 199 Beginn der regelmäßigen Verjährungsfrist und Verjährungshöchstfristen. (1) Die

regelmäßige Verjährungsfrist beginnt, soweit nicht ein anderer Verjährungsbeginn bestimmt ist, mit dem
Schluss des Jahres, in dem 1. der Anspruch entstanden ist und 2. der Gläubiger von den den Anspruch
begründenden Umständen und der Person des Schuldners Kenntnis erlangt oder ohne grobe
Fahrlässigkeit erlangen müsste. (...) / § 199. Início do período de prescrição padrão e prazos máximos de
prescrição. (1) A menos que outro início de prescrição seja previsto, o prazo padrão de prescrição começa
no final do ano em que: 1. a pretensão surgiu e 2. o credor tem conhecimento das circunstâncias que
originaram a pretensão e da identidade do devedor, ou teria obtido tal conhecimento se ele não tivesse
mostrado negligência grosseira. (...).

146
prazo correrá da data em que a inércia creditícia se verificar. E isso, uma vez mais, se
dá como interpretação da lei calcada no seu objetivo de facultar ao credor razoável
exercício de sua pretensão (LINDB, art. 5º), parecendo um contrassenso que o credor
que descure da conduta prescrita em lei receba, como prêmio, regime prescricional mais
largo do que o credor que cure das providências deflagradoras do prazo prescricional.

III.3.4 Concorrência de pretensões e contagem do prazo

No item II.3.3, cuidou-se da possibilidade de pluralidades das pretensões. Ali,


afirmou-se que «pode suceder que as pretensões não surjam de maneira unitária,
monolítica, singular no curso de uma relação jurídica. De uma mesma relação
jurídica, ou mesmo de um único evento no curso de uma relação jurídica, emanam-se
por vezes posições jurídicas subjetivas variadas. Essas posições jurídicas, por fatos
posteriores, com ou sem violação a direito, podem ser afetadas. As pretensões podem,
assim, se enfeixar sequencialmente ou se modificar, sucedendo pretensões novas a
pretensões antigas». É o caso de analisar cada um dos cenários – i.e., enfeixamento e
sucessão de pretensões – de forma segregada.

* * *

O enfeixamento sequencial de pretensões não é difícil de imaginar, porque


ligado a relações contratuais de execução diferida no tempo, e tanto mais evidentes nos
casos em que a execução se dá por trato sucessivo. No curso da mesma relação jurídica,
portanto, imaginada uma linha do tempo, vão-se marcando, ponto após ponto,
compassadamente, o surgimento de novos direitos subjetivos de crédito e pretensões.
Esse surgimento pode se dar pelas mais variadas razões: seja porque mês a mês se
disponibilizou o bem dado em aluguel, seja porque trimestralmente firmou-se um
contrato específico (compra de bens) para dar concretude a contrato-quadro (de
distribuição), a cada novo ciclo, diante de cada novo concreto direito subjetivo de
crédito, firmou-se a posição de que surgiria nova pretensão, mantida a independência
das pretensões nada obstante sua origem comum (novamente, item II.3.3).
Isso não quer dizer – ou não quer, necessariamente, dizer – que o prazo de
fluência de prescrição siga a mesma lógica, i.e., opere-se prescrição separadamente,
com contagens igualmente independentes, para cada pretensão surgida no curso do
tempo, em feixe, de uma mesma relação. Nestes casos, o legislador tem diante de si
uma via dupla: contar um prazo prescricional para cada prestação que, individualmente,

147
se deixe de satisfazer (prescrição de espectro pontual ou singular); e/ou contar um
único prazo prescricional após o qual, presentes os pressupostos, toda a relação será
dada por pacificada, prescritas a um só golpe todas as pretensões, pretéritas e/ou futuras
(prescrição de fundo de direito).
A independência prescricional parece ser a solução do sistema diante da
ausência de regra específica. A rigor, não há diferença estrutural entre (i) dois alugueis
sucessivamente vencidos, numa relação locatícia simples; e (ii) duas prestações, sendo
uma por aluguel de equipamento e outra por prestação de serviços, igualmente
pactuadas no bojo de uma única operação econômica. Em ambos os casos, sob título
comum, em um único negócio, duas prestações pecuniárias se tornaram líquidas, certas
e exigíveis – o que leva à prescrição de cada uma delas, consideradas individualmente,
se e quando transcorrido o tempo previsto em lei sem as devidas providências de tutela.
Não seria diferente para as demais formas de afetação das obrigações, inclusive com
resultados mais gravosos, porque efetivamente extintivos: poderia suceder que apenas
uma fosse quitada, perdoada, compensada. Nascem as pretensões na mesma
maternidade (i.e., no contexto da mesma relação jurídica), mas não são necessariamente
gêmeas idênticas, e menos ainda siamesas. Vivem, para estender a figura ao limite, e
morrem independentemente umas das outras325.
A circunstância de que assim seja do ponto de vista estrutural não implica dizer
o mesmo filtro seja universalmente aceito, para qualquer fim de direito. Para colher o
exemplo fácil, a doutrina não duvidará que a satisfação de uma pontual prestação
poderá em nada socorrer o devedor, por exemplo, para fins de adimplemento (efetiva
satisfação de interesses creditícios) em um contrato de duração. De nada serve ao
fornecedor que o distribuidor revenda seus produtos uma única vez, sem
desenvolvimento do mercado local e incremento gradual da clientela cativa 326 . O
Direito pode, portanto, moldar a eficácia de cada pontual dupla de crédito-dívida,
pretensão-obrigação, para torna-la menos relevante (o contrato de distribuição segue
inadimplido, nada obstante a específica venda haja sido adimplida) ou mais relevante
(o encobrimento de eficácia de uma única pretensão contaminará as demais, para

325 LONGOBUCCO. Raporti di durata e divisibilità del regolamento contrattuale. Napoli: Edizioni

Scientifiche Italiane, 2012, p. 48). No Brasil: «o conteúdo pode ser diferente, embora idênticos os outros
elementos. Cada prestação, uma pretensão. Não importa se a relação jurídica é a mesma, ou se o mesmo
o titular, ou se o mesmo o direito. O direito aos alugueres, que tem o locador da coisa, é um só; a cada
mês de locação nasce a pretensão» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de
Direito Privado, t. 5. 2a. São Paulo: Borsoi, 1952, p. 466).
326 LONGOBUCCO. Raporti di durata e divisibilità del regolamento contrattuale. Napoli: Edizioni

Scientifiche Italiane, 2012, p. 55.

148
estabilizar a relação jurídica como um todo). É o que fez o legislador português. Sob
a rubrica de «prestações periódicas», o art. 307º do Código Civil lusitano dispôs que
«tratando-se de renda perpétua ou vitalícia ou de outras prestações periódicas
análogas, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da
primeira prestação que não for paga». O legislador reconhece na relação jurídica de
base (e não em cada prestação exigível, i.e., municiada de pretensão) o vetor de
percepção social de instabilidade; coerentemente, por artifício da norma, enfeixa em
único enlace todas as pretensões, existentes e futuras, atinentes a prestações vencidas e
vincendas, e outorga ao devedor defesa prescricional universal, «de fora a fora». A
circunstância de que uma pretensão sequer nascida (porque, obviamente, não exigível
a prestação vincenda, a teor do CC, art. 131) tenha sido vulnerada pela prescrição não
deve causar espécie ao jurista. É evidente que essa não será a regra, mas, a bem da tutela
de dados valores, o legislador pode assim proceder pontualmente, mediante expressa
disposição legal.
A questão é que não há, no Direito Civil brasileiro, uma tal regra. É apenas
com base em um injustificado estrangeirismo, ou por má compreensão da dogmática,
que se aplica o conceito no ordenamento pátrio. A jurisprudência vacila. Em matéria
de cobrança de diferenças remuneratórias de Fundo de Garantia de Tempo de Serviço
(FGTS), por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento sumulado no
sentido de que «a prescrição da ação para pleitear os juros progressivos sobre os
saldos de conta vinculada do FGTS não atinge o fundo de direito, limitando-se às
parcelas vencidas» (súmula 398). Para explicar o entendimento, a Corte decidiu que
«não há prescrição do fundo de direito de pleitear a aplicação dos juros progressivos
nos saldos das contas vinculadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço-FGTS,
porquanto o prejuízo do empregado renova-se mês a mês, ante a não-incidência da
taxa de forma escalonada327».
Correta a conclusão, tortuoso o caminho percorrido. Não é o prejuízo do
empregado que se renova mês a mês – ou, antes, não é isso o essencial –, mas sim
sucessivos créditos, sucessivos direitos subjetivos pessoais ao recebimento daquele
acréscimo porcentual, que se sucedem periodicamente, enfeixados a partir de um lastro
causal comum, porém com marcada independência após dito nascimento.
Importante ter igualmente em conta o desacerto da jurisprudência, quando
considera que a extensão da recusa de reconhecimento de direito pela parte devedora

327 STJ, REsp 794.004/PE, rel. Min. Castro Meira, 2ª turma, j. em 4 de abril de 2006.

149
(ou, antes, o fundamento desta recusa) seja relevante para fins de se determinar a
diferença entre prescrição de prestação e prescrição de fundo de direito. A súmula 443
do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, afirma que «a prescrição das prestações
anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes
daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta».
Assim também o fez o Superior Tribunal de Justiça, editando a súmula 85, segundo a
qual «nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como
devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição
atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da
ação» (contra legem, diga-se, porquanto o art. 3º do Decreto 20.910/1932 afirma sem
ressalvas a eficácia progressiva da prescrição sobre as prestações328).
O fundamento arguido pela parte culpada da violação de direito é dado
subjetivo absolutamente alheio ao fenômeno prescricional, como o é, aliás, às demais
consequências advindas da lei. Se existe entre as partes contrato de locação imobiliária,
ninguém duvidará que, mês a mês, o locador deve ao locatário a disponibilização útil
do vem e o locatário deve ao locador o aluguel. Se o locatário deixa de adimplir – i.e.,
satisfazer o direito de crédito do locador –, isso é indiferente à fenomenologia de
nascimento deste direito. O inadimplemento pressupõe tenha o direito nascido e, nato
o direito, municiado da pretensão quando for exigível, tem-se o dado fundamental ao
desengatilhar da prescrição. Pouco importa se o inadimplemento ocorreu porque o
locatário (i) sabia dever e desejava pagar, mas não conseguiu porque se tornou
desempregado, (ii) sabia dever mas optou por extinção ela via da compensação,
supondo-se credor do locador por fundamento diverso, em quantia igual (CC, art. 368);
(iii) supunha-se não devedor, porque nulo o contrato de locação por simulação,
cuidando-se em verdade de comodato (CC, art. 167); ou ainda (iv) supunha-se não
devedor, porque se cria proprietário por usucapião (CC, arts. 1238, caput e p.u., 1239,
1240 ou 1240-A). A motivação do locatário é indiferente ao direito: não tendo razão
nos fundamentos dos itens «i» a «iv», o direito subjetivo de crédito não foi satisfeito e
virá acompanhado dos consectários da responsabilidade (CC, art. 389), sempre da
mesma forma. O art. 403 do Código Civil, aliás, é categórico ao afirmar a propósito da
responsabilidade que «ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e

328 Em sentido diverso, pela legalidade da súmula, v. CUNHA, Leonardo Carneiro da. A prescrição e as

pretensões e ações formuladas em face da fazenda pública. In: Prescrição e decadência: estudos em
homenagem a Agnelo Amorim Filho. 1. ed. Salvador: JusPodium, 2014, p. 319–341, em especial
p. 325-327.

150
danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e
imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual».
O mesmo se diga para direitos creditórios de sede ilícita. Pouco importa se o
homicídio a tiros de arma de fogo se deu porque o assassino desejava se livrar da vítima,
supunha agir em legítima defesa para se defender de agressão (CC, art. 188, I), ou
culposamente alvejou o instrutor no stand de tiros (CC, art. 186). Em qualquer dos
casos, a tutela advinda passa ao largo do propósito do ofensor, sob a régua de liquidação
do art. 948, I e II, da mesma lei (tratamento, funeral e luto, além de alimentos). Como
se viu, a própria existência de violação ao direito é dado meramente incidental à
fenomenologia prescricional. O art. 189, que errou neste ponto, não incorreu no erro
subsequente de buscar no propósito do devedor relevância à existência de direito
subjetivo ou pretensão, ou ao modo de seu exercício, ou ainda ao prazo para tal.
Supõe-se que a raiz do erro repouse na perpétua confusão, em sede de direito
brasileiro, entre direito, pretensão, ação de direito material e ação judicial, com seus
diversos pressupostos. Se o devedor nega que haja título que lastreie o crédito, em todas
as suas prestações, o credor tem interesse de pedir em juízo declare seu status de credor
global (tutela declaratória), além de pedir o pagamento de cada verba individual (tutela
condenatória), ao passo que se o caso é de simples incumprimento de crédito
confessado, apenas esta é, a rigor, necessária e possível. Daí a que se faça, no primeiro
cenário, uma nebulosa leitura de actio nata para o todo e não só para a prestação
descumprida em particular, há uma distância inexplicável que apenas o enevoamento
de conceitos explica, mas não justifica. O mau uso jurisprudencial dos conceitos não
deve, contudo, gerar uma resistência injustificada à prescrição de fundo de direito. À
míngua de regra geral como a trabalhista, não há, no Brasil, prescrição de fundo de
direito em abstrato para o Direito Civil, o que não implica incompatibilidade do
conceito com o direito privado brasileiro, em concreto, mediante intervenção legal
casuística.

* * *

A evolução da pretensão pode, também, seguir caminho diverso, não


cumulativo, mas transformativo. O regime aqui será diverso conforme o titular da
pretensão tenha, ou não, papel a desempenhar nessa transformação.
Já se cuidou, acima, da hipótese de modificação prestacional por incidência de
direito potestativo que crie, modifique ou extinga a relação jurídica precedente. O

151
negócio jurídico feito em dolo, erro ou coação vale e dele, em um primeiro momento,
se irradiam posições de crédito e dívida, pretensões e obrigações, para execução
específica do pactuado. Sucede, portanto, supondo que o negócio fosse contrato
bilateral, que a parte vítima do dolo, erro ou coação emerge em um momento inicial
credora da prestação A e devedora da prestação A’. Pode, inclusive, sendo credora e
devedora, receber e prestar valida e eficazmente, parcial ou totalmente. Se o negócio é
anulado, contudo, esgarça-se o vínculo obrigacional original e, posto abaixo o feixe
prestacional que a vontade (defeituosa) erigira, a relação das partes passa a derivar
diretamente da lei e não do negócio. O cumprimento de A e A’ está fora de questão; se
as partes prestaram, o dever recíproco é restituitório de A e A’; se não prestaram, a
eficácia é meramente liberatória da dívida. Se houve danos causados pelo negócio
viciado, há direito à indenização B.
O contrato validamente constituído também pode mudar no curso do tempo.
Resolvido o contrato, pode entrar em cena a indenização B. Pode ser, contudo, que o
credor não queira repudiar a avença, e sim fazer substituir a prestação A pela prestação
equivalente A’, cumulável com indenização (já diversa) B’.
Em todos esses cenários, há novo direito subjetivo de crédito e nova pretensão,
em irradiação eficacial gerada mediatamente da mesma relação jurídica primitiva, e
imediatamente do direito potestativo exercido. A resposta a propósito do tratamento
prescricional já foi sustentada sob a rubrica de prescrição antecipada, para se afirmar
que a concreta exercibilidade da pretensão, mediada ou não por direito potestativo, tem
o mesmo regime legal: o prazo prescricional flui desde que a pretensão fosse exercitável
ou criável, à escolha do titular, e não desde que haja sido concretamente criada ou
exercitada (v. item III.1).
Coisa diversa sucede quando a modificação não decorreu de ato de vontade do
titular. Se a prestação A se tornar impossível por culpa do devedor, há direito a
restituição da contraprestação A’ e direito à indenização B. Se o mesmo se der sem
culpa, já não cabe direito à indenização B. Em ambos os casos, o fundamento será a
resolução do contrato por direta incidência da lei. Aqui, não há como cogitar de
exercibilidade pretensão a justificar a precipitação da contagem do prazo prescricional.
O credor é jogado de posição pelo ordenamento e, diante de novo cenário, tem novo
direito subjetivo de crédito e nova pretensão, com prazo igual, superior ou inferior à
precedente, contado desde que dita nova posição jurídica haja sido consolidada por
incidência da lei. Se o credor faz jus à prestação A de dar coisa certa que, tornada
impossível, dá ensejo à prestação A’ de pagamento de valor líquido e certo fixado em

152
cláusula penal, o prazo prescricional é o decenal enquanto a prestação de dar for
possível (CC, art. 205), e quinquenal quando a lei a substituir pelo dever de pagar a
multa (CC, art. 206, §5º, I).

III.4 Inocorrência de uma das causas de impedimento, suspensão


e interrupção previstas em lei; ou sua superação

As causas de impedimento e suspensão de um lado, e interrupção, de outro,


são as bitolas de moderação da contagem do prazo em atenção a valores que o
ordenamento queira salvaguardar frente ao regime prescricional. Como a prescrição é
calcada fundamentalmente na segurança jurídica, e como o modelo legal brasileiro é
integralmente de normativa tarifada, o que se poderia esperar é o máximo de recato
frente à lista de regras com esta eficácia. Lista taxativa329; não é assim tratada sempre.
Aproveita à clareza conceituar os fenômenos individualmente, e pontuar desafios que
praxe pôs para cada uma dessas frentes.

* * *

Causas de impedimento e suspensão sustam a fluência do prazo prescricional.


O fenômeno é comumente lastreado nos mesmos suportes fáticos (CC, art. 197 a 201),
posto apenas em momentos diversos: o prazo não se inicia (impedimento) ou para de
correr (suspensão). Superada a causa de impedimento ou suspensão, o prazo torna a
correr de onde parou. As causas de suspensão não se confundem com as causas de
extensão do prazo prescricional 330 , inexistentes no Código Civil e frequentemente
tratadas com promiscuidade conceitual pela legislação estrangeira: verificadas estas, o
prazo segue a fluir mas não pode se adquirir a exceção de prescrição mesmo que se
complete o período legal; superadas as causas de extensão, assegura-se, nada obstante

329 CÂMARA LEAL, Antonio Luis da. Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 164. No exterior, dando notícia da ausência de controvérsia na
doutrina contemporânea sobre a taxatividade da lista e impossibilidade de recurso à analogia:
BUFFONE, Giuseppe. Sospensione ed interruzione. In: Prescrizione e decadenza. Come farle valere
in giudizio e relative strategie processuali (a cura di Luigi Viola, coordinamento di Michelle
Filippelli). Vicenza: Wolters Kluwer e CEDAM, 2015, p. 193; TRABUCCHI, Alberto. Istituizioni di
Diritto Civile. Padova: CEDAM - Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 2005, p. 243.
330 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 136.

153
o prazo ordinário já expirado, um breve prazo adicional (estendido) para o exercício da
pretensão, após o qual se opera a prescrição331.
Essa coincidência preponderante de hipóteses de impedimento e suspensão
não implica regra necessária, ou seja, é fruto de política legislativa e não da natureza
das coisas. É possível, portanto, que dado suporte fático enseje apenas a suspensão, e
não o impedimento do prazo, e vice-versa. Possível em tese e verificado em concreto,
diga-se. A não existência de bens penhoráveis resultante no arquivamento de execução
implica suspensão da prescrição pela pretensão de pagamento de dinheiro (CPC,
art. 921, III; v. item III.3.2, acima), mas o mesmo estado de miserabilidade não
impedirá a fluência do prazo. Se houver pretensão e o titular não a tutelar judicialmente,
deixando de aforar demanda processual, o prazo fluirá sem afetação. De outro lado, a
necessidade de apuração criminal impedirá a fluência do prazo prescricional (CC,
art. 200; v. item III.2, acima), mas, por pressuposto lógico, diante da impossibilidade
de retroação de lei penal em desfavor do réu, não poderá suceder que os fatos apenas
posteriormente tornem-se passíveis de investigação criminal, suspendendo com isso a
fluência do prazo de início deflagrado.
As causas de impedimento ou suspensão podem responder a escolhas
legislativas de razões as mais variadas. Concretamente, tendo em vista as previsões
legais, as hipóteses centrais do ordenamento privado brasileiro são ligadas (i) à relação
havida entre as partes, cuja harmonia não se quer perturbar com o exercício da
pretensão; (ii) ao prestígio outorgado pelo ordenamento ao credor, merecedor de tutela
extraordinária; (iii) a motivos técnicos, a rigor de explicitação desnecessária, mas com
conveniente reforço explícito da legislação; e (iv) à compreensão legislativa pelo não
exercício da pretensão, por motivos alheios à vontade do credor, por intervenção estatal
ou por razões reputadas dignas de tutela pelo ordenamento.
No que diz respeito à relação havida entre as partes, não correrá a prescrição
ou, se, já fluente, suspender-se-á, entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; e entre tutelados e
curatelados vis-à-vis seus tutores e curadores, durante a tutela ou curatela (CC, art. 197,
I a III). A ideia é preservar os desgastes da exigência nestas relações íntimas, de
confiança e dependência. Os casos mais controvertidos, porque de litigância mais

331 Por exemplo, é o que sucede na Alemanha, com o § 210 do BGB. Se um incapaz não tem
representantes legais, flui o prazo prescricional, mas a prescrição só se opera se a pretensão não for
exercida nos seis meses subsequentes à constituição do representante. Se o prazo original for inferior aos
seis meses de extensão, concede-se o prazo menor.

154
frequente, se dão quanto ao matrimônio. Parte da doutrina internacional sustentou que
a demanda frente a terceiros, mas que pudesse impactar o patrimônio do cônjuge, ficaria
igualmente suspensa332. pense-se A sociedade conjugal se dissolve (i) pela morte, caso
em que torna a correr a prescrição em desfavor do espólio e, depois, pelos herdeiros
nos limite das forças da herança, salvo, é claro, se estiverem também estes subordinados
a causas de impedimento e suspensão (v.g., se forem filhos do cônjuge credor, sob poder
familiar); (ii) pelas raríssimas nulidade (CC, art. 1.548, II) ou anulação do casamento
(CC, art. 1.550; c/c 1.556 e ss.), sendo certo que, diversamente do regime geral de
invalidades, a prescrição correrá desde sempre em desfavor do cônjuge de má-fé, e
apenas após a produção de efeitos pela sentença, no caso do cônjuge de boa-fé
(CC, art. 1.561) 333 ; (iii) pela separação judicial (CC, art. 1.571, III), extrajudicial
(CPC, art. 733) ou pelo divórcio (CC, art. 1.571, IV), a partir da eficácia da sentença
ou da lavratura da escritura.
Com relação ao último ponto – cessação da causa de impedimento ou
suspensão por dissolução da sociedade conjugal –, foram de espectro
desnecessariamente genérico as palavras do Superior Tribunal de Justiça quando
afirmou, ao analisar o regramento do Código Beviláqua, que «a razão legal, portanto,
da subsistência da causa de suspensão ou de impedimento da prescrição, enquanto não
dissolvido o vínculo conjugal, reside na possibilidade reconciliatória do casal, que
restaria minada ante o dilema do cônjuge detentor de um direito subjetivo patrimonial
em face do outro», e que «essa possibilidade de reconciliação do casal é razão
suficiente para a subsistência da causa impeditiva ou suspensiva da prescrição nas
hipóteses em que unicamente separados os cônjuges»334. A posição poderia ser tomada
por subsunção: no Código antigo, a suspensão se dava «na constância do matrimônio»
(CC, art. 168, I), que, se interpretada como existência do vínculo matrimonial, não seria
tocada pela só-separação. A melhor doutrina já apontava, contudo, que a interpretação
do Supremo Tribunal Federal era de que o bem jurídico salvaguardado pela lei era o
convívio familiar efetivo, que a dissolução da sociedade conjugal já rompera335. No
novo Código, a suspensão depende expressamente apenas da sociedade conjugal. A

332 LLOVERAS, Nora. La suspensíon de la prescripción entre cónyuges. Revista de la Facultad de

Derecho y Ciencias Sociales. Universidad Nacional de Córdoba, v. 6, p. 441–482, 1998, em especial


pp. 467-474.
333 LLOVERAS, Nora. La suspensíon de la prescripción entre cónyuges. Revista de la Facultad de

Derecho y Ciencias Sociales. Universidad Nacional de Córdoba, v. 6, p. 441–482, 1998. Sobre os


efeitos da nulidade na prescrição, p 463.
334 STJ, REsp 1.202.691/MG, 3ª turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 7 de abril de 2011.
335 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 178 e 179.

155
afirmação que, repise-se, era talvez inconveniente sob o Código Beviláqua, e contrária
à doutrina e jurisprudência prevalentes, seria objetivamente contra legem se
transportada ao Código vigente, cuja opção legislativa é literal. Felizmente, a
expectativa é de que o racional não se traduza em novos precedentes, parecendo mais
correto alocar a retórica acentuada da decisão ao senso de inconformismo pela lesão
sofrida no caso concreto, que envolvia senhora ludibriada pelo então marido, que, como
se repetiu sucessivamente no acórdão, não negava o estratagema.
Ignorando o comando constitucional de prestígio à formalidade do casamento
(CRFB, art. 226, §3º, parte final), cuja maior conveniência em termos de segurança
jurídica a terceiros é manifesta, o Supremo Tribunal Federal reputou
inconstitucional336, por violação ao princípio da igualdade, qualquer diferenciação entre
a normativa atinente ao casamento e à união estável (CRFB, art. 226, §3º, parte inicial).
Estabelecida a enérgica premissa, o cotidiano forense tratará companheiros como
sujeitos a igual proteção, no curso da união estável – com apoio do Conselho da Justiça
Federal, que editou correspondente enunciado na IV Jornada de Direito Civil337. Uma
vez mais, da informalidade da criação (e dissolução) do vínculo advém o lado negativo
da equiparação: o início da contagem, ou recontagem, se dará no mais das vezes pela
fixação meramente aproximada de data de fim de vinda comum pelo magistrado. Não
é preciso elaborar extenso raciocínio para constatar a insegurança que advém de
subordinar o regime prescricional à prova de qual o momento em que uma crise aguda
de relacionamento amoroso, com eventual saída do lar comum (por si só, desnecessário,
porque não há dever de coabitação no companheirismo), se converteu em efetivo fim
de união estável. A decisão, não a tomou o legislador nacional338, que bem clivou os
ônus e bônus dos regimes formal e informal, mas errou o Poder Judiciário, que enevoou
as fronteiras.
O curioso é que com isso se criou benefício não previsto pela lei, mas, talvez
inadvertidamente, atraiu-se às uniões estáveis um fator de risco ínsito à regra. A causa
de suspensão foi pensada para casamentos únicos, que duravam até a morte de um dos

336 A tese fixada, para fins de repercussão geral quando do julgamento conjunto do Recursos
Extraordinários n.º 646.721 e 878.694, foi a seguinte: «[n]o sistema constitucional vigente é
inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser
aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.»
337 Enunciado 296. Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância da união estável.
338 Para fins de clareza, registre-se que a crítica aqui feita tem duas dimensões. A uma, reputa-se incorreta

a aplicação, frente à letra da lei brasileira. A duas, reputa-se inconveniente a equiparação, que é ponto de
opinião sobre política legislativa, e não de aferição científica. Nessa segunda vertente, a inclinação do
estudo é minoritária, já que a tendência internacional é pela inclusão da união estável no rol das causas
de suspensão, ainda que mediante expressa reforma legislativa, e não extensão jurisprudencial. Assim na
Argentina (CCArg., art. 2543, «b»), França (Code, art. 2.236) e Alemanha (BGB, §207, «1», (1)).

156
cônjuges e deixavam, de regra, prole comum. Com isso, preservava-se a paz do
casamento e assumia-se o risco, diga-se, bastante moderado, de que um dos herdeiros
manejasse a pretensão recebida causa mortis contra o próprio genitor. Com a
popularização do divórcio e bodas sucessivas, contudo, a causa de suspensão acabou
por assegurar à prole das primeiras núpcias pretensão contra o segundo cônjuge, em
uma relação que a experiência infelizmente ensina ser menos marcada pelo afeto e
moderação do que aqueloutra, fruto da consanguinidade. Tão marcado é o problema
que a doutrina francesa debate, em sede do casamento, a conveniência de abolir a regra
e confiar o não manejo de pretensões entre cônjuges à constrição natural que a vida em
comum impõe339.
No que tange às partes especialmente protegidas pelo ordenamento, não
correrá a prescrição contra os menores; ausentes do País em serviço público da União,
Estados ou Municípios; e militares em tempo de guerra (CC, art. 198, I a III). Por razões
diversas, o legislador, aqui, colheu como razoável o não exercício da pretensão, e
merecedores de tempo adicional seus titulares. No primeiro caso, por inexperiência
traduzível em incapacidade civil; no segundo e no terceiro, pela dedicação aos
interesses da nação. A interpretação estrita do rol taxativo, uma vez mais, impede
extrapolações, por vezes com efeitos perversos.
A retirada legal dos enfermos mentais do rol de absolutamente incapazes pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência subtraiu a proteção que essa camada da população
recebia. Ainda que se possa, por extensão dos poderes de curador, buscar a proteção de
pessoa com deficiência em nível próximo ao do regime anterior (CC, art. 1.755-A), a
tradução desse benefício em salvaguarda prescricional demandaria previsão expressa
de lei, e o que se teve, expressamente, foi a revogação de dita previsão. Assim é que,
hoje, no Brasil, por atuação equivocada do legislador, o enfermo mental sofre com
prescrição nunca impedida ou suspensa, tenha ou não curador nomeado, naquele que é
o pior regime da tradição romano-germânica na matéria (v. a respeito, as considerações
feitas sob o item III.2, acima). A redação atinente a serviço público, contrariamente, é
ampla, de modo que não é preciso ser servidor público ou empregado público, mas
apenas estar, a mando dos entes federativos, em serviço público no exterior.
Contrariamente ao que supôs parte da doutrina, emissários de autarquias, empresas
públicas ou sociedades de economia mista – porque não se confundem com a União,

339 MEKKI, Soraya Amrani. Les causes d’interruption et de suspension. In: La prescription extinctive.

Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 474–505, em especial p. 480.

157
Estados e Municípios – não podem, sob pena de transformar a letra da lei, receber
idêntico benefício 340 . Ausente é residente no exterior, e não casual emissário para
viagem de trabalho; e o prazo não torna a correr, coerentemente, em caso de pontual
reingresso no país 341 . Por fim, sobre aqueles que estejam em serviço nas Forças
Armadas, em tempos de guerra, não é necessário que haja deslocamento ao estrangeiro,
nem que se cuide de militar de carreira. Qualquer um «chamado a prestar serviço em
defesa da Pátria» (Decreto-Lei n.º 1.187/1939) como decorrência de declaração de
guerra (CRFB, art. 21, II c/c 84, XIX) está encoberto pela proteção, até que cessem,
alternativamente, o serviço ou a guerra. Estado de defesa e estado de sítio (CRFB,
art. 136 e ss, e art. 137 e ss), por si sós, não se equiparam a cenário de guerra. Os
militares empregados em missão de paz no estrangeiro, igualmente, não estão cobertos
por essa proteção, mas recaem na regra geral de impedimento e suspensão àqueles que
estejam ausentes em serviço público a bem da União342.
As causas ditas técnicas de impedimento ou suspensão – implemento da
condição suspensiva, verificação do termo suspensivo, perda do bem por evicção
(CC, art. 199, I a III) – poderiam, a rigor, ser dispensadas em um sistema bem ordenado.
Sua clareza, contudo, segue bem-vinda porque a qualidade do sistema prescricional se
mede, em grande medida, pela certeza de sua operação. Não corre a prescrição
pendendo condição suspensiva porque há, aí, mero direito expectativo, e não o direito
subjetivo de crédito (CC, art. 125). É apenas o implemento da condição, ou seu óbice
malicioso (CC, art. 129), que implica incorporação do direito subjetivo de crédito à
esfera jurídica do titular, junto à ancilar pretensão, para atender ao pressuposto
primordial à fluência da prescrição (v. item III.1, acima). Não há pretensão na
pendência de termo suspensivo, porque, por igual força expressa de lei, o exercício (da
pretensão, inclusive) é suspenso (CC, art. 131) – uma vez mais, a vulnerar o pressuposto
primeiro da prescrição. Finalmente, não há prescrição no curso da ação de evicção
porque, até então, há risco de evicção e não dano efetivamente sofrido pela perda do
bem. A posições jurídicas emergentes da evicção são direitos subjetivos de crédito à
indenização pelo valor da coisa da coisa, pelos frutos que se houver restituído, pelas

340 Em sentido contrário, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado,

t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 187, para as autarquias estatais.


341 TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina; BARBOZA, Heloísa Helena. Código

Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.
372.
342 TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina; BARBOZA, Heloísa Helena. Código

Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.
372.

158
despesas de contratos e prejuízos derivantes da evicção, e pelas custas judiciais,
somadas aos honorários de advogado (CC, art. 450), admitida a mitigação da
responsabilidade (CC, art. 448 e 449). Se os prejuízos forem sofridos já no curso da
ação, e apenas confirmados ao final, a prescrição nada obstante fluirá apenas do trânsito
em julgado da ação de evicção, em eficácia postergada da prescrição. É conveniente
que assim seja, porque se a decisão final for favorável ao adquirente, é do terceiro autor
da demanda de evicção a responsabilidade pelos danos (CPC, art. 302) e não do
alienante, que, na ausência de lei ou estipulação contratual, não se pode ter por solidário
(CC, art. 265).
Finalmente, as razões de salvaguarda do não exercício da pretensão por
motivos alheios à vontade do credor, por intervenção estatal ou por razões reputadas
dignas de tutela pelo ordenamento, servem como uma rubrica genérica, de fechamento,
para o relato aqui realizado. A necessidade de apuração de fato no juízo criminal
(CC, art. 200), por exemplo, já foi abordada no item III.2, ao qual se remete, e se coliga
à conveniência de ter clareza sobre fatos graves que possam – possam, apenas, e não
devam – repercutir na responsabilidade do plano civil. Para evitar uma indesejável
sobreposição de atuação das esferas, o legislador dá ao credor o conforto da espera.
Igualmente já explorada foi a suspensão do prazo pela inexistência de bens penhoráveis
(CPC, art. 921, III; item III.3.2), que tutela a inércia creditícia por imprestabilidade dos
esforços de execução. Aqui, a exceção digna de nota dogmática é a limitação da
suspensão por um ano (CPC, art. 921, §2º). É um caso raro de fixação de termo certo
para eficácia da causa de suspensão; no silêncio da lei, a causa se estende por tempo
indeterminado, porque não há regra brasileira que crie barreira final de sobrevivência
das pretensões (Code, art. 2.232)343. Igual compreensão pela inércia se dá no contexto
de tentativas amigáveis de negociação com o devedor que se traduzam em
procedimento de mediação (Lei 13.140/2015, art. 17, p.u.). A existência de
procedimento de mediação, e não simples tratativa entre as partes344, é da essência da
suspensão, que susta o andamento do prazo entre a primeira reunião (idem, art. 17,
caput) e o que primeiro ocorrer dentre a lavratura de termo final, declaração do

343 Code, Article 2.232. Le report du point de départ, la suspension ou l'interruption de la prescription ne
peut avoir pour effet de porter le délai de la prescription extinctive au-delà de vingt ans à compter du
jour de la naissance du droit. (...) / Art. 2.232. O ponto de partida do termo, a suspensão ou a interrupção
da prescrição não pode ter o efeito de estender seu prazo para além de vinte anos a contar do dia de
nascimento do direito.
344 Ponderando que as negociações não podem servir de armadilha prescricional, ZIMMERMANN,

Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and prescription. Cambridge:


Cambridge University Press, 2004, p. 142. O tema é enfrentado no item IV.4, abaixo.

159
mediador ou declaração de qualquer das partes dando conta do fim do esforço de
composição (idem, art. 20)345. A doutrina internacional viu no pactum de non petendo
hipótese análoga, de efeitos suspensivos da fluência do prazo346, conclusão que não se
aplica ao Brasil. Não bastassem as dúvidas sobre a constitucionalidade da avença e a
ausência de previsão legal de sua eficácia suspensiva, tem-se que, se o credor se
compromete a não exercer a pretensão, é sua vontade que lhe obsta, i.e., a mesma
vontade que, se dirigida à inércia pura e simples, impulsionaria o prazo prescricional.
A solução é a mesma, com a fluência não-perturbada do prazo. Finalmente, também a
decretação de insolvência civil (CPC73, art. 777), de falência ou deferimento de
processamento de recuperação judicial suspende o curso da prescrição, com relação, no
caso desta última, aos créditos sujeitos ao procedimento (LFRJ, art. 6º e 71, p.u,),
tornando a correr o prazo da sentença de extinção do respectivo procedimento
(respectivamente, CPC73, art. 777 e LFRJ, art. 157). Faz sentido que assim seja,
porque, em todos os casos, os credores são reconduzidos ao procedimento concursal,
subtraída sua autonomia de exercício da pretensão.
Esse voo rasante sobre as hipóteses de impedimento e suspensão da fluência
do prazo tem muito menos o propósito de exaurir, verticalmente, as controvérsias delas
surgidas, como talvez fosse oportuno a um manual, ou tratado de prescrição, e muito
mais o objetivo de dar, no coser progressivo das regras, um senso mais robusto da
profunda cautela que teve o legislador ao introduzir modulações ao regime estabilizador
da prescrição. Ao fazê-lo, alinhou-se com a tradição nacional (as hipóteses ecoam do
Código Beviláqua e, dele, da tradição luso-brasileira) e internacional. Todo o equilíbrio
do sistema repousa em que esses sulcos protetivos na dura barreira prescricional sejam
contidos, e não virem, pela mão não-legitimada do aplicador, rachaduras que,
crescendo, desbordem em quebras. Mas as quebras vieram na praxe brasileira, e
algumas delas já foram denunciadas nos capítulos precedentes: as considerações sobre
a suspensão da execução antes do Código de Processo Civil vigente, e o tergiversar a
propósito de casos fortuitos e de força maior, são provas de que a fluência do prazo
vem, por assim dizer, marcada por um relógio diverso daquele que fabricou o relojoeiro.
Nenhum exemplo será mais eloquente da maleabilidade com a qual um sistema rígido
vem sendo tratado do que o campo dos seguros.

345 O regime é análogo ao francês. A esse respeito, v. BIGUENET-MAUREL, Cécile. Dictionaire de la

prescription civile. 2a. Levallois: Editions Francis Lefebvre, 2014, p. 424.


346 TESCARO, Mauro. Decorrenza della prescrizione e autoresponsabilità. La rilevanza civilistica

del principio contra non valentem agere non currit praescriptio. Padova: CEDAM - Casa Editrice
Dott. Antonio Milani, 2006, p. 232.

160
Desde 1999, e com base em precedentes contemporâneos ao nascimento da
Corte, a súmula 229 do Superior Tribunal de Justiça afirma que «o pedido do
pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o
segurado tenha ciência da decisão». Nos arestos indexados como lastradores do
verbete, a história da posição se desvela. A letra da lei era desde sempre clara: o 178,
§6º, II, do Código Beviláqua dispunha prescrever em um ano «a ação do segurado
contra o segurador e vice-versa, se o fato que a autoriza se verificar no país, contado
o prazo do dia em que o interessado tiver conhecimento do mesmo fato»; e o prazo
dobrava para fatos passados no exterior (art. 178, § 7º, V).
De início constritas pela natureza taxativa das causas de impedimento e
suspensão, as instâncias ordinárias buscaram aliviar o regime dos segurados com
ancoragem em algum permissivo legal. A tese que ganhou tração afirmava ser a recusa
pela seguradora condição suspensiva à ação securitária. O acórdão paulista que deu
origem ao paradigma fundante do Superior Tribunal de Justiça demonstra bem a
confusão entre pretensão, no plano material, e interesse de agir em juízo, por
necessidade de tutela, ao afirmar que «o prazo de prescrição para ação do segurado
não pode ter o seu termo inicial na data em que ocorrido o evento danoso, quando
aquele solicita junto a esta a indenização que entende haver direito, isto porque,
enquanto aguarda ele a resposta, fica o seu direito subordinado à condição suspensiva,
impossibilitando o acesso, desde logo, a via judicial (...) Aplica-se, pois, em tal
hipótese, o princípio da actio nata, segundo o qual, enquanto não nasce a ação, não
pode ela prescrever 347 ». Como a condição suspensiva era, também sob o Código
Beviláqua, causa de impedimento da fluência do prazo (CC16, art. 170, I), tinha-se por
resolvida a questão. O equívoco, contudo, era evidente, porque a eficácia do negócio
jurídico em nada se coliga com as condições da ação; actio nata é pretensão exigível e
não ação de direito processual cognoscível.
Confrontado com o erro, o Superior Tribunal de Justiça não poderia ignorar a
inexistência de condição suspensiva, e com efeito não o ignorou. Afastados o
impedimento e a suspensão, constatou igualmente o tribunal que «a reclamação
administrativa também não é causa interruptiva de prescrição, pois não se insere em
nenhuma das previsões do artigo 172 do Código Civil, nem lei especial assim a
conceitua». A conclusão poderia ser apenas uma: é a interpretação estrita do artigo, de
resultado declarativo, que rege a disciplina. Restou, contudo, ao órgão julgador, a

347Conforme transcrito no acórdão do STJ, REsp 8770/SP, 4ª turma, rel. Min. Athos Carneiro, j. em 16
de abril de 1991.

161
perplexidade da brevidade do prazo, já que «poderia o segurador, em procrastinando
na solução do pedido indenizatório, levar o segurado de boa-fé, e confiante em que a
reclamação estaria bem encaminhada, à perda de seu direito pelo transcurso da
prescrição anual.» Note-se o dado curioso de que não havia alegação de malícia
relatada no caso: o sinistro se dera em 30 de abril de 1987; o pedido em 30 de julho; a
negativa em 17 de agosto; e o ajuizamento da demanda em 12 de junho de 1988. A
seguradora demorou menos a responder que o segurado a pedir; o segurado demorou
então dez meses para judicializar o pedido. Esse receio abstrato de mal proceder,
contudo, foi o bastante para que a Corte superasse o exercício da busca pelo fundamento
legal impeditivo, suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional, para proclamar tout
court que «tenho por razoável e correto sustentar que o prazo prescricional não deverá
correr, ficando portanto suspenso, durante o tempo gasto pelo segurador no exame da
comunicação feita pelo segurado, em cumprimento ao artigo 1457 do Código Civil».
O artigo cuida do ônus de o segurado de avisar com brevidade ao segurador sobre o
sinistro, sob pena de perder a cobertura348. Não é preciso tergiversar: o julgamento se
deu por equidade e contra legem. É apenas na relação com o Estado que a consulta
administrativa implica suspensão da prescrição por expressa disposição de lei (Decreto
20.910/32, art. 4º 349 ). O problema do devedor malicioso que induz a prescrição,
enfrentaram-no doutrina e jurisprudência por toda a tradição romano-germânica (v.
item IV.4, abaixo), mas isso tem nada que toque à simples contagem de um prazo breve,
em caso sem indício de malícia. As referências à razoabilidade da posição permearam
os julgados subsequentes350, até que a posição alcançasse autoridade sumular.
Do topo, o racional de se julgar a modulação da prescrição por equidade se
espraiou. Em casos de seguros por vícios construtivos, a Corte tradicionalmente
entendia que, a cada dano que tornasse aparente o vício, haveria nova pretensão
indenizatória. Deu-se daí, recentemente, salto para considerar que «os danos

348 CC16, art. 1.457. verificando o sinistro, o segurado, logo que saiba, comunicá-lo-á ao segurador.
349 Aqui, parece sem razão CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA quando afirma, em parecer, que a suspensão
pelo exercício administrativo da pretensão (não-inércia creditícia) diante do Estado deriva, primeiro, de
princípios gerais e, depois, da lei. É só da lei que vem essa autoridade e, na prescrição, com relação às
taxativas causas de suspensão, nem mesmo seu silêncio desafia recurso a princípios gerais de direito
(PEREIRA, Caio Mário da Silva. Prescrição suspensão do prazo prescricional na pendência de processo
administrativo. Distinção da interrupção. In: Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 6. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 41–43. Referência à p. 43).
350 Por todos: «mais condizente com a natureza do contrato e com as obrigações das partes é o

reconhecimento de suspensão do decurso do prazo, por não ser razoável negar os direitos oriundos de
contrato, em vista do sinistro e, ademais, encontrar fato anterior à vida do contrato no meio pelo qual
incumbe ao contratante proceder, para adequadamente cumpri-lo.» (STJ, REsp 807/RS, 4ª turma, rel.
Min. Bueno de Souza, j. em 16 de novembro de 1992, grifos ausentes do original).

162
decorrentes de vício da construção se protraem no tempo e, por isso, não permitem a
fixação de um marco temporal certo, a partir do qual se possa contar, com segurança,
o termo inicial do prazo prescricional para a acabo indenizatória correspondente a
ser intentada contra a seguradora. Dessa forma, considera-se irrompida a pretensão
do beneficiário do seguro apenas no momento em que, comunicado o fato à
seguradora, esta se recusa a indenizar351.» Vale dizer: diante da dificuldade se provar
o prazo que a lei fixa para a fluência do prazo prescricional, desloca-se-lhe ao momento
discricionário da recusa à indenização. Parte da doutrina aplaude a posição, e o faz por
fundamentos diversos, mas igualmente sem solidez.
Nesse sentido, afirmou-se que (i) a pretensão indenizatória estaria subordinada
à condição suspensiva da regulação, i.e., verificação do implemento do sinistro pela
seguradora, o que seria causa de impedimento da fluência do prazo (CC, art. 199, I)352;
e (ii) a comunicação imediata do sinistro à seguradora, para que se proceda à regulação,
seria dever do segurado, sob pena de decadência do direito subjetivo de crédito
subjacente353. Nenhuma das teses – que são, aliás, mutuamente excludentes, apesar de
defendidas pelos mesmos autores – se sustenta.

351 STJ, AgInt. nos EDcl no REsp 1.496.990/SP, 4ª turma, rel. Min. Raul Araújo, j. em 23 de outubro de

2018.
352 «Daí porque, para exigir a indenização não basta ao segurado ter suportado as consequências do

sinistro. É preciso que este seja levado ao conhecimento do segurador, para sofrer, de sua parte,
averiguação e análise, de tal modo que “a indenização somente ocorra depois que este esteja convicto de
que realmente o dano atingiu o bem segurado e se deu na conformidade com os termos e condições da
cobertura securitária”. (...) Ocorrido o sinistro, o segurado (ou o beneficiário) não pode imediatamente
exigir a indenização. Cabe-lhe, antes, comunicar ao segurador a ocorrência do fato danoso, para que este
cumpra a obrigação de tomar conhecimento do dano e de cotejá-lo com os termos do contrato de seguro.
Trata-se de uma atividade investigatória necessária dentro do sistema do contrato de seguro, que incumbe
ao segurador desempenhar, como parte de suas obrigações contraídas nesse tipo de negócio jurídico.
Aplicando-se tal sistemática ao contrato de seguro, conclui-se que enquanto não ultimado o
procedimento regulatório não se pode cogitar de prescrição, por inexigibilidade da indenização do
sinistro. A regulação do sinistro, dentro do processo obrigacional, é parte integrante da prestação devida
pelo segurador. É condição de sua exigibilidade, pois sem ela não se sabe se o segurado tem realmente
direito à indenização, nem quanto é o montante a ser cumprido pelo segurador. Por conseguinte, a dívida
derivada do contrato de seguro só se vence, efetivamente, após concluída a regulação. Somente a partir
de então se colocará o segurado sujeito aos efeitos da prescrição. (...) Antes disso, o direito do segurado
está sob condição suspensiva, isto é, não foi ainda por ele adquirido. Cumprido o aviso de sinistro, não
pode o segurado, só com isso, se considerar como titular de pretensão exercitável em juízo contra o
segurador. Não terá, enquanto não encerrado o procedimento regulatório, sofrido violação em seu direito
subjetivo.» (THEODORO JUNIOR, Humberto. Contrato de seguro. Ação do segurado contra o
segurador. Prescrição. Revista dos Tribunais, v. 924, p. 79-107 (RT online 1–15), 2012, pp. 5 e 10,
grifos ausentes no original).
353 «Se esse for o quadro abusivo construído de má-fé pelo segurado, caberá à seguradora defender-se

por meio da exceção de caducidade do direito à indenização (art. 771 do CC/2002) e não pela de
prescrição da pretensão (art. 206, § 1.o, II, b, do CC/2002).» (THEODORO JUNIOR, Humberto.
Contrato de seguro. Ação do segurado contra o segurador. Prescrição. Revista dos Tribunais, v. 924,
p. 79-107 (RT online 1–15), 2012, p. 9). / «O legislador corretamente, embora sem a clareza que toda
mudança de paradigmas sempre exige, fixa nessa norma (art. 771) um prazo curtíssimo de decadência
do direito à indenização (‘sob pena de perder o direito à indenização o segurado participará o sinistro ao

163
A condição suspensiva é evento futuro e incerto ao que se subordina a
aquisição do direito expectado pela parte a que ela, a condição, beneficia (CC, art. 125).
Nem sempre os devedores sabem, desde logo, que o suporte fático para sua dívida se
aperfeiçoou: a verificação da existência efetiva da dívida é uma medida de prudência
em geral e particularmente cuidadosa no mercado de seguros em particular, mas isso,
vale dizer, o constatar-se devedor como um ato de autorresponsabilidade antes de
proceder ao pagamento, por uma insofismável obviedade, pressupõe a dívida e não a
constitui. Assim para seguradoras; assim para quem oferte uma promoção pública a
clientes que satisfaçam dada condição (promessa de recompensa; CC, art. 854 e ss.) e
veja comparecer um deles em busca do prêmio; assim para genitores que sejam
demandados por danos supostamente causados por seus filhos, ou empregador ou
comitente por seus prepostos (CC, art. 932, I e III); assim para o proprietário do gado
que rompa cerca e danifique o pasto do rancho contíguo (CC, art. 936); ou para o
condômino que seja procurado por seu vizinho com a notícia de que o vaso que lhe caiu
da janela danificou o teto do veículo estacionado abaixo (CC, art. 938). Em qualquer
desses casos, o surgimento do direito subjetivo de crédito e a correta exigibilidade se
deu à revelia dos devedores, que buscarão se certificar do suporte fático antes de
proceder à quitação. Mas inexiste evento futuro ou incerto de reconhecimento, ou
negativa, para fins de surgimento ou vencimento da dívida. A vontade do devedor, ou
a declaração de sua percepção do estado das coisas, não está listada no suporte fático
de nenhum desses casos, nem consta, nas hipóteses negociais, de cláusula que a eleve
a tal status. O fato gerador (rectius, suporte fático) para a dívida securitária é o
implemento da condição contratualmente estabelecida, ou seja, a verificação do
sinistro, e nenhum outro.

segurador, logo que o saiba, (...)’) e na regra prescricional (art. 206, § 1.o, II, b) fixa o prazo ânuo que
fluirá a partir da violação do direito que se constituirá com a negativa (art. 189). A regulação do sinistro,
assim, não suspende a prescrição. Não há mais base, nem há necessidade das Súmulas do STJ (Súmulas
229 e 278). Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, finalmente. O segurado que deixar de
comunicar o sinistro ‘logo que o saiba’ perderá o direito à indenização. Comunicando, não perde. Cabe
à doutrina e ao Judiciário destrinchar o que seria o ‘logo que o saiba’, aplicando os instrumentais à
disposição para que o tema não seja tão diabólico, pois uma coisa é acontecer o fato e dele ter-se
conhecimento, outra é conhecer o dano, outra a classificação desse dano e sua potencialização como
sinistro para efeito de seguro. De todo modo o segurado não poderá demorar a vida toda para comunicar
um sinistro, pena de decair do direito à indenização. A regulação do sinistro também deixa de conter a
prescrição como ‘arma secreta’ que veio sendo muito utilizada por seguradores menos sérios para
surpreender seus segurados. Esta (a prescrição) somente começará a fluir da negativa.» (TZIRULNIK,
Ernesto. Ornitorrinco securitário. A prescrição da pretensão indenizatória. Disponível em:
<http://www.ibds.com.br/artigos/ornitorrinco-securitario-a-prescricao-da-pretensa-indenizatoria.pdf>.
Acesso em: 3 maio 2018).

164
Se a regulação fosse condição suspensiva, sucederia logicamente não poder
ser sua instauração dever do credor. A condição suspensiva não é obrigação; aquela se
põe no plano das determinações inexas do negócio jurídico que modulam a eficácia354,
esta se põe no eixo prestacional central (em sentido estrito, contrapondo-se à
pretensão), e é resultado da irradiação eficacial já realizada. São conceitos mutuamente
excludentes. E se é obrigação do segurado a comunicação (CC, art. 771), sucede
logicamente não poder ser subordinada à decadência, porque (i) obrigação pressupõe
prestação, que se coliga a dívida (posição subjetiva passiva) a que se contrapõe direito
subjetivo de crédito (posição ativa); e (ii) decadência só vulnera direito potestativo
(posição ativa) que por definição pré-exclui prestação, e se finca no poder de criar,
modificar ou extinguir relações jurídicas – poder inexistente na espécie, porque a
relação segue como pactuada originariamente. Essa porção doutrina, que chegou ao
ponto de designar o Código Civil um ornitorrinco nessas normas 355 , entrecortou
categorias bem estabelecidas pela doutrina e incorreu em erros técnicos profundos que
levaram à incompreensão da normativa simples e direta da lei.
Estivessem corretas essas premissas doutrinárias e jurisprudenciais, facultar-
se-ia perguntar: a mesma ratio se aplica ao credor por promessa de recompensa, que,
igualmente, domina solitariamente o suporte fático gerador do crédito, e deve comparti-
lo com o devedor, para averiguação? Em casos subordinados a condição suspensiva
implementada, e carente de verificação pelo devedor, a consulta administrativa
igualmente suspenderá o prazo? Considerando que as causas impeditivas e suspensivas
vigem indefinidamente – o casal que completa bodas de ouro terá pretensões
correspectivas preservadas por todo esse tempo –, poderiam também os filhos ou netos
do segurado, constatando que a seguradora jamais respondeu ao pedido administrativo,
demandar? Em caso negativo, por que não? Porque não seria razoável, alguém diria,
comprovando que um sistema calcado na segurança jurídica não admite atalhos, e que
o arremate feito ao largo da lei cobra seu preço no desequilíbrio global.

* * *

354 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 5. 2a. São Paulo:
Borsoi, 1952, p. 93 e ss.
355 TZIRULNIK, Ernesto. Ornitorrinco securitário. A prescrição da pretensão indenizatória. Disponível

em: <http://www.ibds.com.br/artigos/ornitorrinco-securitario-a-prescricao-da-pretensa-
indenizatoria.pdf>. Acesso em: 3 maio 2018.

165
Causas de interrupção da contagem do prazo prescricional não sustam a
fluência, como as causas de suspensão, para posteriormente lhe retomar de onde haja
parado. Mais incisivamente, essas causas cortam o prazo onde quer que esteja, fazendo-
o retornar ao dia inicial. Renovam-no356. Aqui e alhures, a tradição a reconduz a duas
hipóteses: tutela da pretensão pelo credor de formas específicas da lei, ou
reconhecimento de dívida pelo devedor357.
Qualquer interessado pode promover a interrupção da prescrição em lugar do
credor (CC, art. 203), assim entendidos os terceiros que tenham interesse sobre a
prestação (credor pignoratício, usufrutuário, promitente adquirente) 358 ou sobre o
estado patrimonial do credor, i.e., os credores do credor359. Não podem estes, contudo,
promover a interrupção que dependa de intervenção judicial, se não ostentarem, como
ordinariamente não sustentam, legitimidade para atuação em juízo em nome do titular
da pretensão em via de prescrição. O que o art. 203 do Código outorga é legitimação
para exercício no plano material, e não legitimidade para representação ou
substituição no plano judicial (v. sobre legitimidade e legitimação, o item I.2).
Ainda do ponto de vista subjetivo, a regra é a separação de pretensões e o
princípio da incontagiabilidade dos atos360 . Isso significa que a interrupção por um
credor não aproveita aos demais, nem aquela contra um devedor prejudica os demais
(CC, art. 204). Novamente, a lei põe exceções cuja clareza permite a só-enunciação:
(i) se houver vínculo de solidariedade ativa ou passiva, há comunicação (idem, §1º);
(ii) se a interrupção for contra herdeiro do devedor solidário, há comunicação apenas
se a prestação for indivisível; e (iii) a interrupção contra o devedor principal prejudica
o fiador (idem, §3º), mas já não o avalista e o responsável subsidiariamente a título
diverso, nem a interrupção contra o fiador terá eficácia contra o devedor principal361.
Do ponto de vista objetivo, a separação e a incontagiabilidade implicam que a
interrupção da prescrição quanto a uma pretensão não se transporta, sem mais, a todas

356 O termo renewal é usado pela doutrina comparatista para descrever o fenômeno. (ZIMMERMANN,

Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and prescription. Cambridge:


Cambridge University Press, 2004, p. 125).
357 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 125.


358 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, vol. 1. 3a tiragem (histórica) da

1a edição. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1955, p. 499.


359 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 243.


360 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 242.


361 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Código Civil Comentado. Prescrição, Decadência, Prova. Artigos

189 a 232. São Paulo: Atlas, 2009, p. 84; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 13a.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 135.

166
as outras pretensões, contemporâneas ou futuras, geradas da mesma relação jurídica.
Apenas se a lei o permitir, o exercício de uma pretensão beneficia o de outras: é o que
sucede com a ação que tiver por cumprimento obrigações em prestações sucessivas,
que são implicitamente incluídas no pedido por autoridade do art. 323 do Código de
Processo Civil.
Cuidando em voo panorâmico das espécies de interrupção, e tendo em conta
que a prescrição fundamentalmente protege o devedor, parece mesmo natural que a lei
repute menos carente de proteção quem se reconheça em dívida. O reconhecimento de
dívida pelo devedor não tem forma prescrita, desde que seja fundado em «ato
inequívoco, ainda que extrajudicial». Se houver declaração de reconhecimento, cuida-
se de ato jurídico em sentido estrito362. Segue por isso livre a forma, mesmo que o
reconhecimento toque pretensão real (CC, art. 108). A conduta deve ser voluntária, mas
o desejo de interromper o prazo prescricional é irrelevante, fixado diretamente pela lei,
sem intermediação das partes. A declaração, portanto, não precisa ser feita com
referência à prescrição, nem mesmo dirigida ao credor, por não se tratar de negócio
jurídico receptício363. Consentir negociar com o credor não é reconhecer dívida, porque
a transação pode se dar para prevenir litígio (CC, art. 840) sem concordância com a
posição da contraparte. Como o Superior Tribunal de Justiça bem reconheceu, pedir
prazo para análise de documento que lastreia cobrança, igualmente, não tem condão
interruptivo364. Formular proposta de pagamento ou pedir a tolerância do credor para
pequeno atraso é coisa diversa, e interrompe o prazo365.

362 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 220.


363 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 218 e 219.


364 «O pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados pela recorrida apenas

poderia ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de
receber) apenas se fosse destinado ao pagamento de valores, mas nunca para analisar a existência do
próprio débito, como ocorreu na hipótese em julgamento. Da mesma forma que a interrupção do prazo
prescricional, sua renúncia somente pode ocorrer por meio de ato igualmente inequívoco, devendo ser
interpretado restritivamente, por equivaler a uma confissão» (STJ, REsp 1.677.895/SP, rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª turma, j. em 6 de fevereiro de 2018).
365 «Se o devedor, inequivocamente, reconhece o direito do credor, interrompe a prescrição. Pode

consistir em reconhecimento judicial ou extrajudicial. Pode ter a finalidade explícita de interrompê-la,


ou induzir-se pelo seu comportamento, como uma carta, um pedido de tolerância ou um favor, como
ainda um pagamento parcial de juros» (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Comentários ao Código Civil
de 2002, vol. I. Parte geral, arts. 1o a 232 (com atualização legislativa de Cristiano de Sousa Zanetti
e Leonardo de Campos Melo). Rio de Janeiro: GZ Editora, 2017, p. 208). Em mesmo sentido: PONTES
DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi,
1955, p. 233.

167
Cuidando de pessoa física, só a declaração de quem é capaz de se obrigar
vincula366; cuidando-se de pessoa jurídica, a declaração só pode vinculá-la se quem a
emitiu a representa. A declaração pode, inclusive, estar embutida em contexto maior,
como, por exemplo, na publicação de balanço, de prospecto a potenciais investidores,
de informações prestadas à Comissão de Valores Mobiliários, ou de fato relevante
publicado ao mercado: reconhecendo-se a dívida, interrompe-se a prescrição. A só
provisão para contingências futuras, como lida com risco, e não com opinião sobre
acerto subjacente ao risco, não interrompe o prazo367. O pagamento, diversamente, pode
ou não implicar reconhecimento de dívida368: sendo ato-fato, pode ser feito por quem
não pode se obrigar, mas, aí, a eficácia não pode ser tal de reconhecer convicção que,
diretamente externada, não vincularia. Mesmo sendo de parte capaz de se obrigar, pode
ser realizado com protestatio contra factum proprium, i.e., «l’ipotesi (…) in cui al
contegno concludente di un soggetto venga apposta una riserva con cui l’autore
dichiara di non voler realizzare gli effetti verso cui la propria azione sembra
rivolta 369 ». Aqui, a vontade não atua para modular efeitos da conduta, o que seria
incompatível com a classificação de ato jurídico em sentido estrito acima proposta. A
declaração apenas esclarece que a conduta não desvela vontade de reconhecer a dívida;
faltando esse dado suporte fático, não sucede a eficácia interruptiva. Muitos podem ser
os cenários em que isso se dá. Em exemplo trivial, paga-se uma parcela de dívida para
evitar protesto, com ressalva de se poder postular repetição em juízo; ou paga-se apenas
a parte da dívida reconhecida, inexistindo eficácia interruptiva ao restante; ou realiza-
se depósito elisivo para evitar a decretação de quebra, ao mesmo tempo que se nega
haver dívida, ou haver obrigação (exigibilidade; LFRJ, art. 98, p.u.).
Mudando de espectro, para sair da conduta do devedor àquela do credor, tem-
se que a interrupção se dará no contexto (i) de tutela judicial da pretensão, seja qual for
o procedimento (ação de conhecimento com pedido condenatório, cautelar, produção

366 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1955, p. 223 e 224.
367 «Uma provisão é um passivo de prazo ou valor incertos. (...) Uma contingência passiva é: (a) uma

possível obrigação presente cuja existência será confirmada somente pela ocorrência ou não de um ou
mais eventos futuros, que não estejam totalmente sob o controle da entidade; ou (b) uma obrigação
presente que surge de eventos passados, mas que não é reconhecida porque: (i) é improvável que a
entidade tenha de liquidá-la; ou (ii) o valor da obrigação não pode ser mensurado com suficiente
segurança». (Deliberação CVM 489, de 3 de outubro de 2005).
368 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 222.


369 «[A] hipótese (...) na qual o comportamento concludente de um sujeito é realizado com reserva, com

a qual o autor declara não querer produzir os efeitos aos quais sua ação ordinariamente pareceria ser
dirigida» (GABRIELLI, Enrico. La consegna di cosa diversa. Napoli: Jovene, 1987, p. 198).

168
de provas ou exibição de documentos370, execução, atuação em inventário ou concurso
de credores; CC, art. 202, I, II, IV, V); (ii) de tutela arbitral da pretensão (LArb, art. 19,
§2º); e (iii) tutela extrajudicial da pretensão, por protesto cambial (CC, art. 202, III). As
controvérsias mais acesas surgem do exercício jurisdicional da pretensão (itens «i» e
«ii»), e, aqui, são oportunas algumas colocações.
O ordenamento é muito tolerante quanto ao modo de se travar a resolução
jurisdicional: ainda que não se cuide de modo adequado, ou ainda que não se cuide de
direto exercício da pretensão, tem-se o prazo prescricional por interrompido. Com
efeito, a interrupção (i) em sede judicial se dá com o despacho de citação, mesmo que
por juiz incompetente, seja dita competência relativa ou absoluta (CC, art. 202, I; CPC,
art. 240, caput); e (ii) em sede arbitral, se dá com a instituição do tribunal (LArb,
art. 19, caput), seja ou não a jurisdição arbitral competente. Se o meio adequado de
solução de controvérsia for a arbitragem, e não a ação judicial, ou vice-versa, a
prescrição igualmente se dá por interrompida porque o princípio é que a movimentação
jurisdicional rompe a inércia e afasta a estabilização que lastreia a prescrição; se a ação
foi ulteriormente extinta, ou teve competência deslocada, de juízo ou de meio de
adjudicação jurisdicional, nada disso releva à prescrição371.
A interrupção tem dinâmica curiosa, quer em juízo, quer na arbitragem. Em
juízo, lei diz que se interrompe com o despacho citatório (CC, art. 202, I), mas nunca
admite que a eficácia da interrupção seja contemporânea ao despacho. Isso porque o
ato interruptivo tem suporte fático complexo, e se dá apenas «se o interessado a
promover no prazo e na forma da lei processual». O prazo é de dez dias e, cumprida
essa segunda etapa, a interrupção produz seus efeitos não desde o despacho, mas desde
a propositura da demanda (CPC, art. 240, §2º). Como a demora do Poder Judiciário não
é imputável à parte (CPC, art. 240, §3º), não é preciso que a citação se dê em dez dias,
mas apenas que a parte interessada haja se desincumbido de todos os ônus para que o
Poder Judiciário pudesse promovê-la. Isso significa declinar adequadamente a
qualificação da parte na petição inicial (CPC, art. 319, II), na maior extensão a si
disponível, e recolher adequadamente as custas de citação. Na arbitragem,
analogamente, a instauração é o suporte fático de que se irradia a eficácia interruptiva,
que, no entanto, não lhe é contemporânea e retroage à data do requerimento de

370 O que a doutrina designou interrupção por medidas de instrução in futurum (MEKKI, Soraya Amrani.
Les causes d’interruption et de suspension. In: La prescription extinctive. Études de droit comparé.
Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 474–505, em especial p. 489).
371 MARTINS-COSTA, Judith. O “princípio da unicidade da interrupção”: notas para a interpretação do

inciso I do art. 202 do Código Civil. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de
Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 185–200.

169
instauração (LArb, art. 19, §2º). Note-se que a referência ao despacho citatório e à
instauração não são, por esse descompasso temporal, despiciendas: se a medida
jurisdicional for patológica ao ponto de não desafiar ordem de citação, ou instauração,
o resultado será a não-interrupção. Se a citação se der depois do prazo por culpa da
parte interessada, é dela que se terá por interrompido o prazo prescricional, e não mais
do despacho372.
A interpretação ao art. 202, caput e p.u., suscitou controvérsia tão acesa quanto
à do precedente art. 173 do Código Beviláqua373. Duas são as dúvidas: quantas vezes
pode se dar a interrupção do prazo prescricional, e quando volta a correr o prazo
prescricional, uma vez interrompido.
A primeira dúvida é criada pela linguagem do caput do art. 202, que afirma
que a interrupção «somente poderá ocorrer uma vez». A disposição, isoladamente,
poderia levar a crer que o credor que houvesse interrompido a prescrição por protesto
(CC, art. 202, II), v.g., não mais a poderia interromper com a propositura da ação
principal (CC, art. 202, I), e quedaria, com isso, condenado a ver surgir a exceção
defensiva a seu adversário se o processo não se encerrasse dentro do prazo
prescricional. Como não escapou à doutrina, a interpretação seria teratológica374. O
caput deve ser lido em conjunto com o parágrafo único, que afirma que a prescrição
torna a correr do último ato do processo para a interromper. «Para a interromper» refere-
se a ato, não a processo375; é ato para a interromper, no bojo do processo; e não último
ato do processo que haja, este, o processo, interrompido a prescrição. A só existência
de processo não interrompe nada: a ordem de citação ou a instauração, que são atos,
inauguram, na via judicial e na arbitral, a interrupção. A lei admite que a interrupção

372 «Tem efeito interruptivo a citação fora do prazo legal; (...) o que não tem eficácia interruptiva, embora

valha e tenha outras eficácias, é o despacho» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado
de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 234).
373 CC16, Art. 173. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do

último do processo para a interromper.


374 MARCATO, Antonio Carlos. Interrupção da prescrição: o inciso I do artigo 202 do Novo Código

Civil. In: Prescrição no novo Código Civil: uma análise interdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2005,
p. 14–24 (preocupado, este autor, não com a repetição, mas com a potencial sujeição do autor à
morosidade do Poder Judiciário em geral); MARTINS-COSTA, Judith. O “princípio da unicidade da
interrupção”: notas para a interpretação do inciso I do art. 202 do Código Civil. In: A juízo do tempo:
estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 185–200, em especial p.
185-186.
375 «Enquanto só há uma espécie de interrupção punctual, ou instantânea, há duas de interrupção lineal:

e.g., ou se alude a todos os atos do processo em que êle pode parar, e se diz que do último (não do
derradeiro) se conta, o que nos dá interrupção lineal discontínua, ou se alude aos atos inicial e final do
processo, estabelecendo-se que durante esse lapso não corre. (...) A palavra “último” está em sentido
próprio, que não é o de derradeiro. O ato derradeiro, final, do processo é a sentença; o último pode ser
qualquer abertura de vista, ou fim de prazo» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado
de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 236).

170
pela via jurisdicional comporta múltipla ocorrência, porque só pode haver último se há
sucessivos. Supor pudesse haver apenas dois atos (inicial, citação; final, trânsito em
julgado), ignora a disciplina de prescrição intercorrente no contexto da execução, que
é com essa leitura incompatível (v. item III.3.2). Qualquer outra leitura é contra legem,
não apenas em teleologia, mas também na só letra da norma376.
A segunda dúvida é sobre que atos interrompem a prescrição, e por quanto
tempo a prescrição resta interrompida. Os atos que interrompem a prescrição são
aqueles do credor, nos autos, em defesa de sua pretensão. Toda vez que se abrir a
oportunidade ao credor de se manifestar nos autos, corre prazo processual e corre prazo
substantivo, de fluência prescricional. Praticado o ato do credor, e interrompida a
prescrição, ela ordinariamente tornaria a correr. Ocorre que a demora do Poder
Judiciário não prejudica o credor em matéria prescricional (CPC, art. 240, §3º) e, com
isso, a prescrição só voltará a correr quando couber novamente, ao credor, tutelar sua
pretensão mediante manifestação em juízo. Quando a não-interferência da morosidade
judicial na prescrição não era lei, a doutrina se dividiu a esse respeito, chegando a
cogitar de prescrição com autos conclusos para apreciação de pedido do credor377; agora
já não pode haver dúvida que esse cenário não enseja prescrição. O prazo não torna a
andar quando o processo para; torna a andar quando o credor deveria defender sua
pretensão, mas não o fez, e é novamente interrompido, quando novamente a defender.
Esse panorama não preocupa, ordinariamente, em ações cautelares ou de conhecimento,
porque a marcha processual será mais ágil que a marcha prescricional, forçando
sucessivas interrupções. Preocupa menos ainda se a jurisdição é arbitral, em que
cronogramas são costumeiramente fixados pelas partes e tribunal, ou relegados pelos

376 «O entendimento que parece ser o correto é o de que a interrupção, que só pode ser feita uma vez,
refere-se à interrupção fora do âmbito do processo (ainda que, concordemos que poderia ser
aparentemente argumento contrário, o de que no inc. I do ali. 202 se trata de interrupção no processo,
previsão essa que está no mesmo patamar e com aparente identidade de função relativamente às outras
hipóteses). Entendemos que a interrupção feita fora do processo é que pode ser feita somente uma vez,
mesmo porque a interrupção em si mesma não conduz a eventual resultado útil. Sendo assim,
interrompida a prescrição no caso do inc. IlI, por protesto cambial, pode ser promovida a ação de
execução, e, com a citação, será, novamente, interrompida a prescrição, e, no curso do processo, aplicar-
se-á o parágrafo único, do art. 202, 2ª parte ("A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato
que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper"). De resto, parece curial que a
interrupção realizada fora do processo destina-se, exata e precisamente, a que, ainda que correndo
novamente a prescrição, possa se promover processo judicial. Outro raciocínio, por isso mesmo – na
imensa maioria das hipóteses –, reduziria à inutilidade essa interrupção ocorrida fora do processo, e, esse
entendimento não está abrigado pelo texto.» (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Da prescrição
intercorrente. Revista Forense, v. 415, p. 3–26, 2012. Excerto às pp. 16-17).
377 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 235.

171
regulamentos das câmaras, a assegurar cadência apropriada378. Isso não quer dizer que
(i) hipóteses-limite não possam vulnerar créditos de forma intercorrente nesses
cenários; e (ii) execuções, cuja marcha responde muito mais a iniciativa creditícia, são
não raro colhidas em meio ao abandono. Por exemplo: se o credor-autor deixar de
interromper a prescrição em réplica, o prazo torna a fluir, e só será interrompido quando
novamente se manifestar nos autos. Se a manifestação se der mais de um ano depois, e
a pretensão for securitária, há prescrição intercorrente.
Um último ponto merece atenção. A semente à sua referência foi lançada
acima, ao se dizer que «ainda que não se cuide de direto exercício da pretensão, tem-
se o prazo prescricional por interrompido». Com efeito, quando a lei fala do último ato
do processo para interromper a fluência do prazo, refere-se a ato de ataque ou defesa,
de exigência do crédito ou de sua conservação. O despacho citatório, que é listado no
inciso I do artigo 202, é só o primeiro ato interruptivo possível do processo. Se o credor
não for autor, a contestação (v.g., em ação declaratória de inexistência, ou de nulidade,
ou de ineficácia, ou ação anulatória) interrompe o prazo prescricional, como o fazem
todos os atos subsequentes de oposição à postulação do devedor.
Note-se o equívoco do enunciado 416 do Conselho de Justiça Federal, ao
afirmar que «a propositura de demanda judicial pelo devedor, que importe impugnação
do débito contratual ou de cártula representativa do direito do credor, é causa
interruptiva da prescrição». A propositura de demanda nunca interrompe prescrição, e
a citação do credor-réu, por iniciativa do devedor-autor, por não implicar defesa, não
milita em desfavor do devedor que busca exoneração. O credor revel não interrompeu
a prescrição, de modo que o devedor, no curso da lide, pode se descobrir titular de
exceção material que reforce sua posição. É o ato para defesa, o ato de resistência, que
pode interromper, e não a inércia ao ato de ataque da contraparte, que antes de afastar
o fenômeno prescricional, torna mais evidente a inércia que o lastreia. Por fim, e com
maior razão, se a conservação se dá por iniciativa do credor, em sede cautelar, ainda
que não haja propriamente exigência, há preservação da e preparação para a
exigibilidade, com igual efeito interruptivo.

* * *

O que não quer dizer, é claro, seja impossível se cogitar de prescrição intercorrente em sede arbitral.
378

Não há incompatibilidade técnica que preexclua a incidência do fenômeno (NUNES, Thiago Marinho.
Arbitragem e prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 278).

172
CAPÍTULO IV EFICÁCIA E DESEFICACIZAÇÃO DA
PRESCRIÇÃO

IV.1 Efeitos

No momento em que os pressupostos de incidência da prescrição (suporte


fático complexo) descritos no CAPÍTULO III são verificados, nasce a exceção de
prescrição379. O momento é estático e não dinâmico: as relações havidas entre as partes
seguem, até então, exatamente como antes. O credor segue titular de direito subjetivo
de crédito e de pretensão. Eventualmente, titular de ação. O devedor segue vinculado
por dívida e obrigação. À sua esfera jurídica, incorporou-se apenas uma posição jurídica
subjetiva de eficácia latente: a exceção, cuja força consiste em encobrir, sustar,
suspender a eficácia da pretensão380, mediante exercício do titular ou do juiz.
Mediante ato de exercício, externado pela declaração de vontade de opor a
prescrição, a eficácia específica da pretensão é encoberta. Antes, o titular do direito
subjetivo de crédito poderia (i) receber a prestação e, recebendo-a, incorporá-la
definitivamente ao seu patrimônio, e (ii) exigir que a prestação fosse desempenhada;
após, pode apenas receber e incorporar, mas não mais exigir. Não há extinção da
pretensão, mas simples encobrimento, sustação de eficácia, deseficacização. As razões
para tanto já foram expostas acima, quando se sustentou que a natureza da prescrição
segue aquela de exceção em sentido estrito (v. item I.3 381 ). A exceção vige com

379 «Atingido o último momento do prazo prescripcional, nasce a exceção de prescrição, que é

permanente (...) A prescrição nas nascer o direito de exceção, tão-só isso» (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por Otávio Luiz Rodrigues
Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 405 e
416); «O efeito da prescrição é, na verdade, uma exceção que se confere a alguém, contra o qual não se
exerceu, durante determinado prazo, fixado por regra legal, sua pretensão (THEODORO JUNIOR,
Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da
Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 179).
380 «A prescrição, em si-mesma, é apenas o suporte fáctico de ato-fato jurídico, de que resulta o direito

de exceção. (...) Por si só, a prescrição não extingue a pretensão, ou a ação, nem encobre a eficácia da
pretensão, ou da ação. A oposição da exceptio é que tem o efeito de encobrir a eficácia da pretensão ou
da ação» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6
(atualizado por Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 416). Sem razão, em sentido diverso, a doutrina que afirma que
«a prescrição é o fim (extinção) da pretensão (Anspruch)», sem explicar (e nem se poderia) como a
renúncia à exceção faz repristinar a pretensão supostamente extinta (MARQUES, Cláudia Lima;
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor. 5a. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, comentários ao art. 27 acessados na plataforma
RTOnline).
381 De essencial, sustentou-se, ali, que «o embaraço direto [de se sustentar a extinção] reside na previsão

legal, não revogada, de ser a exceção de prescrição renunciável pelo titular (CC, art. 191). Em atenção
a um mínimo de boa técnica, só se pode renunciar àquilo que se tem: o negócio jurídico unilateral
abdicativo, que rompe vínculo de titularidade jurídica, tem que se prestar a cortar o liame entre a esfera

173
tendência à perenidade; é peremptória382. Sua eficácia preclusiva se estende, portanto,
até que o titular se lhe renuncie, ou se subtraia eficácia por alguma causa prevista em
lei.
Se o pagamento for feito espontaneamente, isso toca ao direito subjetivo de
crédito e não à pretensão, de modo que o pagamento é irrepetível383 (CC, art. 882).
Pouco importa, para esse fim, se quem pagou ignorava haver prescrição384 e, nesse
sentido, errou385 ao decidir pagar. Quem atende a dever, não erra, para o Direito, ainda
que possa fazê-lo para seus planos pessoais.
O adimplemento da dívida prescrita não toca a eficácia da prescrição, e é ato
lícito. Mais que isso, porque a licitude no direito privado engloba tudo o quanto não é
proibido, pode-se dizer: o pagamento de dívida prescrita é lícito e devido, apenas não
obrigatório. O ato de pagamento de dívida prescrita não implica fraude contra credores,
mesmo que não reste garantia suficiente aos demais credores (v. item IV.2). A uma,
porque pagamento é ato-fato e não negócio jurídico, e só negócio jurídico pode
defraudar credores e ser anulado. Para além disso, o marco para alienação fraudulenta
de que cogita a norma não é o ato de transferência em si, mas sim o da criação do dever
de alienação386, do vínculo pessoal, que se dá no momento em que firmado o negócio

jurídica do titular e algo. A estar a prescrição fora dessa esfera jurídica, a corda a ser cortada pelo ato
de renúncia ligaria alguém a coisa nenhuma; um contrassenso teórico que a lei inauguraria, de negócio
jurídico de objeto inexistente. Alternativamente, poder-se-ia falar em «renúncia da tutela legal de
prescrição», em confessada, mas não inédita atecnia. Ocorre que se cogitar de «renúncia à tutela lei»,
no caso da prescrição, teria contornos particularmente gravosos. Admitindo-se que (i) a pretensão fosse
extinta ope legis e (ii) a renúncia posterior a dita extinção autoriza o exercício da pretensão; seria
preciso concluir que (iii) dita pretensão foi repristinada pelo negócio jurídico de renúncia, afinal, o
titular não poderia exercer pretensão (plano da eficácia) terminada por fenômeno legal (plano da
existência). Vale dizer: a renúncia referida pela lei produziria um efeito criativo, exatamente o oposto
de seu significado técnico, em leitura da lei de grande contrariedade, essa sim, inédita, à dogmática.»
382 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por

Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 416.
383 O que é verdade para obrigações prescritas, naturais e quaisquer outras judicialmente inexigíveis,

locução ampla, de fechamento, inserida por ensejo da entrada em vigor do Código vigente (LUCCA,
Newton de. Comentários ao Novo Código Civil. Dos atos unilaterais. Dos títulos de crédito. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 94).
384 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por

Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 416.
385 Erro, aqui, é motivo que autoriza repetição, por pagamento indevido, e não vício. Como esclarece a

doutrina, «[a] disciplina do erro invalidante (inserida, não por acaso, em capítulo da parte geral
denominado “Dos defeitos do negócio jurídico”) reporta-se aos negócios jurídicos. O erro, elemento do
pagamento indevido, ao contrário do erro como defeito na formação do negócio jurídico, refere-se ao
motivo jurídico da prestação.» (MARTINS-COSTA, Judith; HAICAL, Gustavo. Direito Restitutório.
Pagamento indevido e enriquecimento sem causa. Erro invalidante e erro elemento do pagamento
indevido. Prescrição. Interrupção e dies a quo. Revista dos Tribunais, v. 956, p. 257-295 (RTOnline 1–
24), 2015, p. 6).
386 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Introdução, Parte Geral e Teoria dos

Negócios Jurídicos (vol. 1). 7a. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, p. 409; THEODORO JUNIOR,

174
e não no momento do adimplemento (CC, art. 158, §2º). O ato de pagamento também
não implica fraude em execução, pelos mesmos motivos387. Se o caso é de insolvência
ou violação à paridade que marca os concursos universais, o problema se põe em direito
falimentar e as regras são diversas. O único terceiro que pode influir na dinâmica
prescricional, antes e não depois, é o credor do credor, ou titular de direito sobre a coisa
devida, para impedir a operação da prescrição em seu desfavor (CC, art. 203;
v. item III.4).
O direito à compensação segue também, de início, intocado pelo fenômeno
prescricional. As dívidas prescritas podem «líquidas, vencidas e de coisas fungíveis»
(CC, art. 369). Mesmo quando se incorpora a justa crítica à letra do Código, de que
dever-se-ia dizer exigíveis em lugar de vencidas 388 , segue compensável o crédito
prescrito contra dívida não prescrita, porque, até o exercício da exceção de prescrição,
o crédito segue exigível. Não desperta nenhuma perplexidade, igualmente, que o titular
de crédito não prescrito o oponha, em compensação, a dívida prescrita – a prescrição,
aqui, a ele aproveitaria, mas concretamente não aproveitou porque não se lhe opôs e
preferiu a extinção correspectiva389. A lei brasileira silencia sobre a questão mais difícil,
atinente à possibilidade de o titular de crédito exigível recusar a compensação, por opor
exceção de prescrição ato contínuo à comunicação de compensação feita por titular de
contra-crédito prescrito 390 . Na Alemanha e em Portugal, v.g., a doutrina sustenta a
possibilidade de compensação quando não há prescrição contemporânea à verificação
do suporte fático autorizador da compensação391. Isso se dá a despeito de ambos os
sistemas recusarem a compensação contra o crédito manejado para esse fim for sujeito
a exceção (CCPort., 847, 1., «a»; BGB, §390392). O que afasta esse óbice é o princípio

Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da
Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 1). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 326.
387 «A fraude à execução constitui ato atentatório à dignidade da Justiça (art. 774, I, CPC) e ilícito

penal. Trata-se de manobra do executado que visa a subtrair à execução bem de seu patrimônio».
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de
Processo Civil Comentado. 2a. São Paulo: Saraiva, 2016, comentários ao art. 792, p. 1 da visualuzação
na plataforma RTOnline). No pagamento de dívida prescrita, validamente constituída, não há manobra
mas atendimento a dever, e o esvaziamento de patrimônio é apenas consequência necessária, ou efeito
colateral, da satisfação do credor.
388 MESQUITA, Euclides de. A compensação no direito civil brasileiro. São Paulo: Leud, 1975, p. 92
389 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 412.


390 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 412.


391 COSTA, Mário Júlio Almeida. Direito das Obrigações. 12. ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 1100.
392 CCPort., Artigo 847º (Requisitos). 1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor,

qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor,
verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele
excepção, peremptória ou dilatória, de direito material. / BGB, §390. Keine Aufrechnung mit

175
da retroatividade da compensação, positivado naqueles sistemas (CCPort., art. 854;
BGB, §389)393, que faz que a eficácia da compensação preexista àquela da oposição da
exceção de prescrição. No caso português, a legislação é tão bem-posta que esclarece,
em norma expressa, a aplicação da regra em caso de prescrição (CCPort., art. 850º394).
Aqui, o princípio não tem abrigo. Não há nada que ponha a compensação para
trás no tempo, na lei ou na dogmática. Para sustentar que a compensação, que se opera
por declaração do credor, sobrevive à prescrição, é preciso dizer que (i) a existência de
direitos de crédito correspectivos, líquidos, vencidos e com recíproca fungibilidade faz
surgir, instantaneamente, direito formativo de compensação; e (ii) o ulterior
encobrimento da eficácia de uma das pretensões não afeta, porque preexistente, esse
direito formativo. Parte da doutrina o faz 395 . Ocorre que o exercício do direito de
compensar é ato de extinção lastreado na exigibilidade, que está na essência, ela
396
própria, do direito formativo . Subtraindo-se exigibilidade, tomba o direito
potestativo de compensar, da exata mesma forma que subtraído o crédito cai a exceção
dependente. É precisamente por isso que a tradição germano-românica, para fugir a
essa operação dogmática, cria a ficção de que a compensação se exauriu antes de essa
subtração do suporte fático se dar. Sem a ponte legal autorizativa da ficção, a solução,
no Brasil, é forçosamente outra. Não é, também, inédita. Há normativa que, inclusive,
amplia a eficácia prescricional para os direitos oriundos da relação, construindo ponte
oposta, a barrar também outros direitos potestativos como os direitos de resolução ou
redução do preço (PICC, art. 10.1397)

einredebehafteter Forderung. Eine Forderung, der eine Einrede entgegensteht, kann nicht aufgerechnet
werden. / §390. Impossibilidade de compensação por crédito sujeito a exceção. Um crédito sujeito a uma
exceção não pode ser compensado.
393 CCPort., artigo 854º (Retroactividade). Feita a declaração de compensação, os créditos consideram-

se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis; BGB, § 389. Wirkung der Aufrechnung.
Die Aufrechnung bewirkt, dass die Forderungen, soweit sie sich decken, als in dem Zeitpunkt erloschen
gelten, in welchem sie zur Aufrechnung geeignet einander gegenübergetreten sind. / §389. Efeito da
compensação. O efeito da compensação é a extinção das obrigações na extensão em que se
corresponderem, ao tempo em que aptas a se compensarem.
394 CCPort., artigo 850º (Créditos prescritos). O crédito prescrito não impede a compensação, se a

prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis.
395 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 412. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. II.
19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 294.
396 «Since set-off amounts to a form of enforcement of the cross-claim, the cross-claim has to be

enforceable (exigible, durchsetzbar, afdwingbaar). / Como a compensação se equipara a uma forma de


excussão forçada do contra-crédito, esse contra-crédito deve ser exigível (exigible, durchsetzbar,
afdwingbaar).» (ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off
and prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 50).
397 ZIMMERMANN, Reinhard. The new German law of obligations. Historical and comparative

perspectives. Nova Iorque: Oxford University Press, 2005, p. 128.

176
Essa consideração dá ensejo a outra importante reflexão a propósito da matéria
prescricional, porquanto é moeda corrente no Brasil que o direito de resolver contratos
– por definição, potestativo, com viés extintivo – seria reflexamente afetado pela
prescrição. Doutrina e jurisprudência o reconheceram 398 , mas a solução vem com
sacrifício da técnica: em nenhum lugar, na lei ou na dogmática, se encontrará uma
solução com conformação científica de conceitos que dê conta de porquê a prescrição
(i) pode afetar qualquer coisa que não a pretensão (CC, art. 189); (ii) em afetando coisa
diversa da pretensão, recairia sobre direito potestativo, que há décadas se reconduz
serenamente ao fenômeno vizinho da decadência; e (iii) afastaria, nessa atípica
incidência, a regra segundo a qual os direitos potestativos não regrados por decadência
legal ou convencional podem ser exercidos perpetuamente, à falta de prazo geral de
decadência no direito privado brasileiro399. Mesmo quando se lhe afirma dependente
do crédito, a questão não muda, porque crédito há, intacto, após a prescrição.
O receio natural é de que exsurjam novas posições jurídicas do exercício de
uma há muito envelhecida resolução. Passados trinta, quarenta, ou cinquenta anos do
incumprimento, o credor, desmuniciado de qualquer exigibilidade quanto ao feixe

398«A ação de resolyção não tem “limite de tempo” para ser proposta, porquanto a lei não estabeleceu
prazo para a adecadência do direito formativo-extintivo de resolver. Porém, estando o direito formativo
conexo com o direito de crédito do autor, a prescrição da ação e da pretensão creditícia deixam sem base
a ação de resolução, a qual tem por pressuposto a vigência da relação a que está afeta» AGUIAR JR.,
Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE,
2004, p. 196; em mesmo sentido, DE ASSIS, Araken. Resolução do contrato por inadimplemento.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 127. No Poder Judiciário, igualmente: «[A] vendedora decai
do direito de pleitear a resolução do contrato de compra quando se extinguir o direito de crédito que
lhe resulta do contrato. Como não há na lei prazo fixando o tempo da decadência desse direito
potestativo de resolver, há de se entender que o direito persiste enquanto não encoberta a pretensão de
haver o crédito. Nesse caso, sendo de vinte anos o prazo de prescrição da pretensão de crédito, esse é o
tempo a considerar na hipótese dos autos» (STJ, REsp n.º 208.492/DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
4ª turma, j. em 2 de agosto de 2001); e «como a lei não estabelece o prazo extintivo desse direito
potestativo de resolver o negócio jurídico, deve ser entendido que o direito persiste enquanto não
satisfeita a pretensão de haver o crédito. Desse modo, aplica-se à hipótese o prazo de prescrição da
pretensão de crédito, que é de vinte anos, regulada, pois, pelo art. 177 do CC/16» (STJ, REsp
770.746/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª turma, j. em 5 de setembro de 2006).
399 «Com referência àqueles direitos potestativos para cujo exercício a lei não achou necessário fixar um

prazo especial, fica prevalecendo, então, o princípio geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade (os
direitos não se extinguem pelo não-uso), pois não há dispositivo estabelecendo um prazo geral para que
os direitos potestativos sejam exercitados sob pena de extinção. Relativamente a tais direitos só há prazos
especiais. Já o mesmo não acontece com os direitos da outra categoria (os direitos a uma prestação da
classificação de Chiovenda): as ações por meio das quais êstes direitos são protegidos, ou estão
subordinadas a prazos especiais no art. 178 do CC/1916, ou estão subordinadas aos prazos gerais do art.
177 do CC/1916, pois êste último artigo só se aplica às ações condenatórias, conforme já acentuamos.»
(AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e identificar
as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744 (originariamente publicado no vol 300), p. 725-
750 (RT Online p. 1–20), 1997, excerto à p. 10). Sem razão a doutrina que condiciona essa perpetuidade
aos «direitos potestativos decorrentes da lei que fossem considerados fundamentais», porque o critério
é de lege ferenda e abre espaço a voluntarismos ou à tautologia, porque não se esclarece, com o
enunciado, o que seja fundamental para fins de imunidade à decadência (GUIMARÃES, Carlos da
Rocha. Prescrição e decadência. 2a. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 184).

177
obrigatório principal, transmutá-lo-ia pelo esgarçamento do vínculo contratual. A partir
da resolução, ter-se-ia novos créditos (à restituição; à indenização diversa do
incumprimento) e novas pretensões, sujeitas a novos prazos prescricionais. Mas isso já
foi objeto de tratamento quando se cuidou da prescrição de eficácia antecipada, no item
III.1. Se o nascimento da pretensão depende de exercício de direito potestativo do
credor, a prescrição se conta desde esta mediata exercibilidade, ainda que,
imediatamente, a pretensão inexista. Preservar o direito à resolução não expõe a
contraparte, devedora da dívida prescrita, a nenhum risco. Preserva, sem embargo, a
possibilidade de repúdio justificado, pelo credor, ao vínculo obrigacional insatisfeito.
Imagine-se que prestações correspectivas estipuladas para prestação simultânea sejam
mutuamente incumprida: o comprador não pagou o preço; o vendedor não entregou a
coisa. Passados seis anos, o comprador exige a coisa ao vendedor. Operou-se prescrição
em desfavor do vendedor, porque a pretensão para exigir quantia líquida prevista em
instrumento particular deu-se no ano cinco (CC, art. 206, §5º, I); não operou-se a
prescrição em desfavor do comprador, porque a pretensão para exigir entrega de coisa
cerca se opera no prazo geral de dez anos (CC, art. 205). Quid iuris?
Ninguém duvidará que a referência imprópria à prescritibilidade de exceções
do art. 190 do Código Civil não vulnerará as exceções próprias (v. item II.3). A exceção
de contrato não cumprido é própria e dependente. Com ela, «não se discute o mérito
pròpriamente dito do direito pretendido. Ao contrário, o réu excipiente não nega a
obrigação; repele, porém, a sua exigibilidade, por um fundamento ínsito à própria
relação vinculativa 400 »; não implica exercício de pretensão, mas pura sustação dos
efeitos da pretensão manejada pela contraparte. É dependente não da pretensão
subjacente ao contradireito de crédito, mas sim ao próprio direito subjetivo – que
sobrevive. A doutrina não titubeia em reconhecê-lo401 (o mesmo se poderia dizer de
qualquer outra exceção de mesma natureza: retenção por benfeitorias; inseguridade). A
conclusão é, assim, segura: o vendedor pode recusar a entrega da coisa até que o
comprador preste (CC, art. 476). Admoestado por quem não cumpriu para além do
imaginado, e não compelido, ele próprio, a prestar, é compelido a se manter vinculado?
Por que razão o direito potestativo lastreado no incumprimento – que permanece, e é
base da exceptio universalmente aceita –, alheio a qualquer exigência, seria, ele

400 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Exceções substanciais: exceção de contrato não cumprido
(exceptio non adimpleti contractus). Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1959, p. 135.
401 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por

Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 95; BIAZI, João Pedro de Oliveira de. A exceção de contrato não cumprido no
Direito Privado brasileiro. Dissertação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 215-216.

178
também, afetado pela prescrição? Não há, parece, boa razão. O credor vulnerado pela
prescrição tem, mais que qualquer outro, base sólida para repudiar o vínculo contratual.
Não pode exigir a prestação, que raramente se lhe vem extemporaneamente satisfeita
de bom grado pelo devedor de longa data; não há interesse útil em manter vivo vínculo
contratual imprestável. A manutenção, que no exemplo prosaico é inconveniente, pode
ser em concreto tormentosa. Se, desejoso de vender a coisa a outrem, recebe pedido de
declaração formal de que o contrato não viola direito de outrem, já não pode declará-
lo: a nova venda viola o direito subjetivo de crédito do comprador anterior, que segue
vivo. O contrato novo vai impedido de nascer pela sobrevivência, por aparelhos, do
contrato anterior longamente incumprido.
A prescrição do crédito não afeta, também, a vinculação da coisa dada em
garantia real. O Superior Tribunal de Justiça incorreu em confusão quando afirmou que
a hipoteca se extinguiria pela prescrição do crédito pessoal subjacente, porquanto isso
significaria haver extinção da obrigação principal, para fins do art. 1499, I, do Código
Civil. Nas palavras da corte, «declarou-se a prescrição da própria pretensão de
cobrança nascida da obrigação principal. Por isso, no presente caso, reconhecida a
prescrição da pretensão principal do credor hipotecário, deve-se declarar também a
extinção da garantia real acessória incidente sobre o imóvel»402.
O acórdão invocou estudo cuja transcrição, pela relevância na formação da
opinião da corte, convém ter em mãos. Disse-se que «como toda pretensão nasce do
inadimplemento de alguma obrigação, a do credor hipotecário sujeita-se aos efeitos
da prescrição, uma vez vencida a dívida e não exigida a sua satisfação dentro do prazo
previsto em lei (CC, art. 189), o qual pode variar de acordo com o tipo de obrigação
principal garantido pela hipoteca. Esse prazo, portanto, diz respeito à pretensão de
receber o valor da dívida a que se vincula a garantia real. Desde que extinta a
pretensão à cobrança judicial do referido crédito, extinta também estará a pretensão
de excutir a hipoteca dada a sua natureza acessória»403.
Alguns dos muitos equívocos do trecho já foram esclarecidos, antes, neste
estudo, e merecem registro apenas para que a crítica central não dê a falsa impressão
de que as observações ancilares não se fariam necessárias. Em primeiro lugar, a
pretensão não nasce, necessariamente, do incumprimento (v. item II.3.3); em segundo

402 STJ, REsp n.º 1.408.861/RJ, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª turma, j. em 20 de outubro de

2015.
403 THEODORO JUNIOR, Humberto. A extinção da hipoteca pelo decurso do tempo no regime do

Código Civil de 2002. Revista da Faculdade de Direito - Universidade Federal de Minas Gerais,
v. 53, p. 165–176, 2008. Excerto na pág. 169.

179
lugar, não é extinta pela prescrição, mas apenas encoberta (deseficacizada) (referência
sumária no começo deste item, e mais alongada no item I.3); em terceiro lugar, a
pretensão não é à cobrança judicial, mas à exigência, em juízo ou fora dele (itens II.3,
para o conceito de pretensão, e II.2, para a interface entre ação e prescrição). O equívoco
central do excerto, acolhido pelo julgado, diz com a matéria já tangenciada da relação
entre prescrição e direitos reais. No item II.3.1, cuidou-se do exsurgimento de
pretensões reais e sua prescritibilidade, à revelia da disciplina de usucapião; restou o
enfrentamento da relevância da prescrição de direitos pessoais e aqueloutros, reais, de
garantia, de que a doutrina e precedentes acima transcritos se ocuparam, para enxergar,
na acessoriedade, a chave da solução. Não parece correto o caminho assumido.
O caso julgado cuidava de dívida de dinheiro. Dessa relação, no plano pessoal,
o credor tinha contra o devedor (i) um direito subjetivo de crédito, a que se contrapunha
dívida de prestar com a entrega do dinheiro; (ii) pretensão igualmente pessoal,
autorizativa de exigir a entrega do dinheiro, a que se contrapunha obrigação de entregá-
lo; e (iii) ação para, insatisfeita a prestação, compelir o devedor a fazê-lo. Essa
pretensão é vulnerável por prescrição: cuidando-se de dívida líquida prevista em
instrumento particular, o regime atual aponta para o prazo quinquenal (CC, art. 206,
§5º, I). Operada a prescrição, o devedor, ou o juiz, podem opor a exceção de prescrição,
deseficacizando a pretensão, que restará, então, paralisada.
Ocorre que a dívida de dinheiro inaugurou, em paralelo, e sem dúvidas em
caráter acessório, outra relação, desta vez de natureza real, com efeitos muito diversos
daqueles de cunho pessoal. O titular de hipoteca tem outra pretensão, outro poder de
exigência, que é a exigência de venda da coisa para sua satisfação (CC, art. 1.422).
Satisfação não da pretensão pessoal, porque pretensão real não satisfaz pretensão
pessoal (não há pretensão à pretensão), mas sim satisfação do direito subjetivo de
crédito subjacente a ambas (porque há pretensão à prestação). A pretensão pessoal, ao
exigir conduta do devedor, e a pretensão real, ao exigir a venda do imóvel hipotecado,
são vassalas do mesmo senhor, que é o crédito pecuniário. Ambas têm vidas separadas,
enquanto houver senhor comum a servir: podem ter prazos iguais, ou díspares; na
disparidade, pode suceder que a pretensão pessoal tenha vida maior ou menor que a
real. Nada disso toca, sequer remotamente, a extinção do crédito, que é o norte dos
vetores de exigência de ambas as frentes pretensionais. Bastaria recorrer às lições de
PONTES DE MIRANDA, citado, também ele, no acórdão, para constatar que essa

180
independência das pretensões é tradição luso-brasileira desde as ordenações 404 . Na
espécie, como se antecipou, a prescrição pessoal é quinquenal, mas a real, à míngua de
regra específica, é a geral (CC, art. 205). Pode-se, portanto, sem nenhum embaraço
legal, se executar a hipoteca de dívida pessoal prescrita, enquanto não prescrita a
hipoteca ela-mesma.
Mas é preciso dizer mais, porque nem mesmo a prescrição decenal faria
extinguir a hipoteca. Tomando-se em conta a só fluência do tempo, é a perempção
trintenária que cuidaria de fazer tombar a hipoteca (CC, art. 1.485)405. O que sucederia,
então, no lapso de tempo, no limite vintenário, que medeia a prescrição da pretensão de
venda e a extinção da própria garantia? A resposta é simples, porque todas as demais
prerrogativas irradiadas da posição real sobre o imóvel permanecem. A preferência no
recebimento é preservada, dirigida que é a outros credores e não ao devedor principal,
nem ao proprietário da coisa (CC, art. 1.422, parte final), e é não apenas possível, mas
comum que credores alheios à relação hipotecária façam alienar bens que ofereçam
substanciosa sobre-garantia. A regra, aliás, vale para penhores, hipotecas e anticreses.
Na hipótese de perecimento do imóvel – ou, novamente, da coisa dada em garantia,
porque a norma também é ampla –, o titular da garantia se sub-roga na indenização do
seguro, ou no ressarcimento do dano (CC, art. 1.425, §1º). Sub-rogação legal é mudança
de polo ativo de relação obrigacional, por força de norma alheia às partes, por definição
campo alheio à prescrição, por não haver, no fenômeno, traço de pretensão. Por fim,
deixando o caso julgado para ilustrar com a lei o desacerto das considerações do
acórdão em geral, há direito de retenção do imóvel ao credor anticrético (CC, art. 1.423)
e a coisa móvel ao credor pignoratício (CC, art. 1.433, II), posições subjetivas de
exceção própria, também elas, por natureza, alheias à pretensão e à prescrição.

404 «A ação hipotecária prescreve em dez anos, entre presentes, ou vinte, entre ausentes. A presdrição da
pretensão garantida é sem qualquer repercussão sobre a ação hipotecária: o art. 849, VI [sem
correspondente atual] só se refere à prescrição da ação hipotecária, e não à da obrigação principal, nem
a essa se refere o art. 849, I, pois a prescrição não extingue a obrigação. A prescrição oriunda do crédito
pessoal pode prescrever antes ou depois de prescrever a ação hipotecária, que é real. (...) O Código Civil
não inovou: o art. 177 incide como incida a regra jurídica das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 3,
§1º, onde se puseram regras jurídicas sobre prescrição da ação de reivindicação e da ação real de garantia
que não coincidiam com as da usucapião, recebidas do direito romano, por jurisprudência de tempos
imemoriais». (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6
(atualizado por Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 474).
405 «A hipoteca convencional é válida por vinte anos da data do contrato hipotecário. As partes são livres

para estipulação do prazo Atingido este, dá-se a perempção. (...) [N]ada obsta que as partes, de comum
acordo, prorroguem a hipoteca. No silêncio, dá-se a perempção, perdendo o credor o direito de excutir o
imóvel. (...) [P]ode ocorrer a perempção, mas isso não significa que a obrigação garantida tenha sido
alcançada pela prescrição.» (VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao Novo Código Civil. Dos
Direitos reais (vol. 16). 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 822).

181
IV.2 Deseficacização a reboque de extinção da exceção: renúncia
à prescrição

Como posição jurídica subjetiva patrimonial que é, a exceção de prescrição


pode ser, de regra, renunciada. O mesmo não é verdade para o regime da prescrição,
em abstrato, como fixado em lei. É o que se extrai do art. 191 do Código Civil, quando
admite o negócio abdicativo para «depois que a prescrição se consumar», mas não
antes. Guarda-se com isso coerência com a vedação de negócio jurídico de modificação
de prazo prescricional (CC, art. 192): até que se opere a prescrição, o pêndulo se inclina
ao interesse público406; depois de operada, pende-se ao interesse privado do titular do
ius excepciones407. Como já se teve o ensejo de observar (v. item I.4), a regra não é
incompatível com a cognoscibilidade de ofício da prescrição pelo magistrado: em juízo
ou fora dele, antes ou depois do reconhecimento pelo magistrado, a prescrição é
renunciável.
A renúncia é negócio jurídico abdicativo, não receptício, que demanda
capacidade e poder de disposição 408 . Isso quer dizer que não podem renunciar a
prescrição o absolutamente incapaz, independentemente de declaração judicial (CC,
art. 3º, c/c 166, I); o falido, desde que decretada a falência (LFRJ, art. 103); e o
insolvente civil, desde que decretada a insolvência (CPC/73, art. 752, mantido em
vigor) 409 . O relativamente capaz, assistido, pode renunciar; não assistido, pode
igualmente, mas o negócio é anulável (CC, art. 171, I)410.

406 A renúncia antes de operada a prescrição pode sobreviver, em eficácia reduzida, para interromper a
fluência do prazo, uma vez, por reconhecimento da dívida. Se já houve reconhecimento anterior, a
eficácia que sobrevive é nenhuma.
407 «[E]nquanto não é alegada, ou depois disso, a prescrição pode ser objeto de renúncia: renuncia-se ao

direito de exceção, que já existe (art. 161); e não se ofende, com tal renúncia, o interêsse público, porque
o interêsse público está em que haja prazos prescrepcionais, e não em que se exercá o drireito de exceção
(...)» (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado
por Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, p. 416).
408 «A renúncia pode ser conceituada como ato unilateral, independente de aprovação ou aceitação de

terceiro, por meio do qual ocorre a extinção de um direito por seu titular. Lembra-se que o agente desse
ato deve ser plenamente capaz» (LOTUFO, Renan. Código Civil comentado, vol. 1. Parte geral
(arts. 1o a 232). 3a. São Paulo: Saraiva, 2016., p. 604). Em mesmo sentido, PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por Otávio Luiz Rodrigues
Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 434.
409 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por

Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 434; THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos
Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2).
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 194.
410 CÂMARA LEAL, Antonio Luis da. Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil.

4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 92.

182
Parte da doutrina sustentou que o cônjuge não pode renunciar à prescrição com
relação à pretensão oriunda de negócios cuja entabulação dependesse de outorga uxória
(CC, art. 1.647)411, o que não parece apropriado. A outorga uxória é pressuposto para
que o cônjuge crie a dívida (para si; crédito para a contraparte) da qual surgirá a
obrigação (para si; pretensão para a contraparte). A exceção de prescrição opera na
ponta oposta, e pela metade: não toca a dívida, mas apenas, quando exercida, encobre
a pretensão. Da exata mesma forma que o cônjuge não demanda autorização para pagar
dívida, esteja prescrita ou não, não se pode demandar para renunciar a exceção de
prescrição para que apenas siga obrigado. Seguir obrigado é a chave da questão: a
outorga evita que o cônjuge irresponsavelmente se obrigue à revelia do outro, mas a
renúncia à prescrição não obriga, nem re-obriga, mas apenas não desobriga, i.e.,
mantém obrigado como desde sempre se esteve.
A renúncia da prescrição pode ser feita por representante. O representante
legal do incapaz nunca poderá fazê-lo, porque a disposição se lhe escapa os poderes
ordinários de administração, mas nem mesmo a autorização judicial supre a lacuna,
como bem observou a doutrina, porque o negócio deve ser em benefício do
representado (CC, art. 1.691, caput e p.u.; 1.741, 1.749 e 1.781) 412 . Para que o
representante por via convencional possa renunciar à prescrição, é preciso que haja
poderes especiais e expressos nesse sentido (CC, art. 661, §1º), ou seja, é preciso que o
instrumento especifique o poder de renunciar, e a que exceção de prescrição se refere413,
sob pena de ser ineficaz o ato de renúncia414. O advogado não pode, ordinariamente,
renunciar à prescrição que beneficia seu cliente, porque a cláusula ad judicia não inclui
poderes de disposição (CPC, art. 105); se a cláusula incluir, e o cliente expressamente
o autorizar, o patrono pode promover a renúncia.
No que diz respeito à forma, a renúncia pode ser expressa ou tácita
(CC, art. 191, primeira parte), pouco importando a natureza da relação que fez surgir a
pretensão por si oposta. Vale dizer: a renúncia independe de forma mesmo que a

411 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por
Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 434.
412 THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos.

Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 194.
413 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 699.
414 NETO, Soriano. Pareceres (Separata da Revista Academica da Faculdade de Direito do Recife -

XLIX). Recife: Faculdade de Direito do Recife, 1943, p. 121

183
pretensão seja real, ou que a pretensão pessoal seja originada de negócio formal415. Isso
se dá porque a exceção de prescrição não deriva do contrato, mas da diretamente da lei,
que pode, por isso mesmo e com autonomia, lhe fixar modo de disposição
independente. Para que a renúncia tácita se opere, não basta silêncio ou não oposição,
mas sim conduta do devedor que seja absolutamente incompatível com a conservação
da exceção de prescrição. O silêncio do advogado em juízo nunca implicará renúncia
tácita, porque a lei resguarda a oposição da exceção em qualquer grau de jurisdição e
isso afasta a incompatibilidade absoluta que a renúncia reclama (CC, art. 193). As
considerações feitas a propósito do reconhecimento interruptivo se aplicam, mutatis
mutandi, à interpretação da conduta do devedor para fins de renúncia tácita. Pode haver
renúncia tácita no ato de pagamento, se o pagamento for consciencioso da existência
de exceção de prescrição e incompatível com sua ulterior invocação – o que não sucede,
v.g., no depósito elisivo de falência 416 . O só reconhecimento da dívida e, por
consequência lógica, do direito subjetivo de crédito a ela contraposto, por outro lado,
não implica renúncia da prescrição, porque de fato dívida há. Seria preciso que o
devedor fosse além, para se reconhecer obrigado, compelido ao pagamento. Na dúvida,
não se reconhece a renúncia; na dúvida sobre sua extensão, interpreta-se-lhe
restritivamente (CC, art. 114 417 ). Incorreta, por isso, a doutrina que supõe que o
pagamento parcial possa significar, presumivelmente e pelo filtro de percepção social,
renúncia à prescrição para o restante da dívida. É confundir esferas de atuação dos

415 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por
Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 437.
416 Sobre a autonomia do pagamento espontâneo frente à renúncia tácita, inteligente a ponderação da

doutrina de que, fossem as figuras sobrepostas, o erro lhe deveria afetar, o que não ocorre na tradição
romano-germânica. Disse-se, alhures, sobre a irrepetibilidade, que «si l’on analyse le paiement de la
dette prescrite comme une renonciation tacite, ce qui constitue la deuxième espèce d’explication de
l’irrepetibilité du versement ainsi fait, la solution devrait être inverse. La renonciation étant um acte de
volonté, l’erreur devrait le détruire, de sorte qu’il aurait bien eu versement l’indu / se o pagamento da
dívida prescrita for analisado como uma renúncia tácita, o que constitui o segundo tipo de explicação
para a irrepetibilidade do pagamento assim efetuado, a solução deveria ser a inversa. Sendo a renúncia
um ato de vontade, o erro deveria destruí-lo, de modo que incidiria o pagamento indevido» (STOFFEL-
MUNCK, Philippe. La prescription extinctive: le rôle de la volonté et du comportement des parties
(rapport français). In: La prescription extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010,
p. 384–402, p. 389)
417 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por

Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, nota dos atualizadores à p. 439. No mesmo sentido: «a renúncia tácita precisa ser
veemente, isto é, não pode deixar marghem a dúvida quanto à intenção do prescribente de despojar-se
do benefício da prescrição. Havendo dúvida deve-se excluir a hipótese de renúncia, porque ela não é
regra, mas sim a exceção» (RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
334).

184
institutos do pagamento e da prescrição, e é estender sem lastro a suposta renúncia
feita418.
A lei ressalva que a renúncia à prescrição, expressa ou tácita, não pode se dar
em prejuízo de terceiro (CC, art. 191). A lei não explica, contudo, quem seria esse
terceiro, qual o prejuízo e qual a consequência de sua causação. A doutrina não duvida
que se tratem, ditos terceiros, dos demais credores do devedor titular da exceção de
prescrição, pela renúncia reduzido à insolvência 419 . Com relação aos credores com
garantia geral sobre o patrimônio do devedor, o remédio contra a renúncia seria a ação
pauliana, que anula o negócio abdicativo; com relação aos credores com garantia
específica sobre o bem vulnerado pela renúncia à prescrição, a hipótese seria de mera
ineficácia420. Fora do país, a conexão entre a coletividade de credores e a exceção de
prescrição é bem traduzida no texto da lei. Em Portugal, v.g., a lei expressamente
autoriza aos demais credores invocarem a prescrição renunciada pelo devedor frente a
um credor em particular, espelhados, para tanto, os pressupostos da ação da pauliana
(CCPort., art. 305º, 2421). A lei brasileira não consente idêntica interpretação. Valem,
aqui, em grande medida, as considerações feitas a propósito do pagamento de dívida
prescrita – ainda que o pagamento seja ato-fato e não se ponha, como quis parte da
doutrina, no mesmo plano da renúncia422.
Para que haja fraude contra credores, é preciso que o devedor insolvente, ou
pelo negócio viciado reduzido à insolvência, transmita gratuitamente seus bens ou
perdoe dívidas (CC, art. 158). Se a insolvência for conhecida pela contraparte, ou se for

418 DI PAOLA, Luigi. Brevi note in tema di pagamento parziale del debito prescrito e di rinuncia tacita
alla prescrizione. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, v. 99,
p. 143–166, 2001, em especial p. 161-162.
419 VIANA, Marco Aurélio S. Código Civil comentado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.

594; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Comentários ao Código Civil de 2002, vol. I. Parte geral, arts.
1o a 232 (com atualização legislativa de Cristiano de Sousa Zanetti e Leonardo de Campos Melo).
Rio de Janeiro: GZ Editora, 2017, p. 196; TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina;
BARBOZA, Heloísa Helena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol.
I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 359. Fora do país, STIJNS, Sophie; SAMOY, Ilse. La prescription
extinctive: le rôle de la volonté et du comportement des parties (rapport belge). In: La prescription
extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 341–383, em especial p. 374; e
GERARDO, Michele; MUTARELLI, Adolfo. Prescrizione e decadenza nel diritto civile: aspetti
sostanziali e strategie processuali. Turino: G. Giappichelli Editore, 2015, p. 132 – com a nota de que,
na Itália e na França, os credores do renunciante recebem da lei legitimação para opor a exceção.
420 THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos.

Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 197. Sobre a tese da ineficácia apenas: PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman
Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 438.
421 CCPort., artigo 305º (Oponibilidade da prescrição por terceiros) (...) 2. Se, porém, o devedor tiver

renunciado, a prescrição só pode ser invocada pelos credores desde que se verifiquem os requisitos
exigidos para a impugnação pauliana.
422 CIANCI, Mirna. A prescrição na lei 11.280/2006. Revista de Processo, v. 148, p. 32–45, 2007, p. 8,

nota de rodapé n.º 7.

185
notória, o regime é mais pesado: ainda que a transmissão de bens seja onerosa, o
negócio é viciado (CC, art. 159). A consequência, em um ou em outro caso, é a
anulabilidade (CC, art. 171, II). Por outro lado, para que haja fraude em execução,
demanda-se alienação, gratuita ou onerosa, ou oneração de bem (i) pendente ação real
averbada no respectivo registro público, quando houver, (ii) pendente execução, ou
existente hipoteca judiciária, em qualquer caso averbadas no registro do bem;
(iii) pendente ação capaz de reduzir o devedor à insolvência, ou quando mais a lei o
especificar (CPC, art. 792). A consequência, aqui, é a ineficácia (CPC, art. 790, V). O
racional da lei parece de simples precisão: o patrimônio, que é garantia universal dos
credores, não pode ser constrito, ou reduzido, por quem já não mostre vigor suficiente
para fazer frente às suas obrigações presentes.
Em todos esses casos, é o nascimento da dívida ou da garantia específica que
a lei repudia, porque a parte agride aquilo que por si só já não se punha de pé. No caso
da prescrição já operada, nada disso sucede, ou, antes, nada disso necessariamente
sucede. Por pressuposto, o direito subjetivo de crédito e a pretensão preexistem ao ato
dispositivo, e não são aumentados, nem agravados, pelo ato da renúncia da prescrição.
A exceção de prescrição, que é aquilo a que se renuncia, por si só não paralisa a
pretensão nem beneficia automaticamente os demais credores. É preciso exercê-la para
que dita paralisação suceda, e o devedor tem a faculdade, mas não o dever de fazê-lo.
No Brasil, diferente de Portugal, os demais credores não são partes legítimas a opor
prescrição (CC, art. 193; a legitimação ampliada é apenas para fins de interrupção,
cf. CC, art. 203); e mesmo o juízo, se informado do propósito de não-oposição (que não
é o mesmo que renúncia423), não pode dela conhecer. Anula-se a renúncia, ou se lhe
tem por ineficaz, e o que sucederá? Volta ius exceptiones ao patrimônio do devedor,
que pode de novo não o exercer. A tutela é inútil. E se, não o exercendo, faz pagamento
(i) tomando-se por aplicável a fraude contra credores, ordenar-se-lhe-á a restituição, a
bem da reconstituição do patrimônio e garantia dos demais credores? Como sustentá-
lo, se a lei diz sem ressalvas que a dívida prescrita paga é irrepetível (CC, art. 882), e
pagamento de dívida válida e eficaz, por pressuposto lógico, é ato lícito de extinção de

423 Mesmo a retirada da alegação, passo ulterior, não implica necessariamente renúncia (PONTES DE

MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por Otávio Luiz
Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 433). «[E]xercido o direito de exceção, pode o titular dêle retirar a alegação; a declaração de
vontade, que é vox, fica revogada. A alegação de prescrição, que produziu efeito, perde-o, ex tunc».
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por
Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 416).

186
obrigações (CC, art. 304)?; ou (ii) tomando-se por aplicável a fraude à execução, ter-
se-á como penhorável o bem transferido ao patrimônio do credor? Como sustentá-lo,
se é lugar comum da doutrina que ele preserva o direito subjetivo de crédito, e esse
direito consiste precisamente em receber a prestação e retê-la definitivamente em seu
patrimônio? Não haverá resposta satisfatória para qualquer das questões.
Se a exceção de prescrição e sua disponibilidade não tocam diretamente os
demais credores do devedor-excipiente, o mesmo não se pode dizer dos devedores
solidários. A esses, interessa diretamente, e de forma aguda, a preservação da posição
jurídica subjetiva defensiva comum. Por isso é que, se o devedor solidário renuncia à
prescrição, os demais devedores seguem, nada obstante, titulares de exceção de
prescrição oponível em prejuízo do credor424. A norma inaugura importante ruptura no
regime prescricional, porque a regra é que os devedores solidários sejam
reciprocamente afetados: quando se interrompe a fluência do prazo prescricional contra
um, estende-se a eficácia interruptiva ope legis a todos (CC, art. 204, §1º, parte final).
Quando se remove a barreira da exceção que beneficiava a um, pela renúncia, não se
lhe remove contra os demais (CC, art. 191). O garante não tem igual sorte. Os fiadores
só podem opor as (impropriamente designadas) exceções extintivas que competem ao
devedor principal, dentre as quais não se lista a prescrição (CC, art. 837); os donos de
bens empenhados ou hipotecados, por sua vez, têm prescrição própria a opor, contra a
pretensão real de excussão, que não se confunde com a prescrição que vulnera a
pretensão pessoal de prestação (v. item IV.1, logo acima).
Finalmente, quanto à eficácia, o efeito da renúncia é extinguir a posição
jurídica subjetiva de exceção de prescrição. Se não tiver sido oposta, nada muda, em
concreto, ao credor: antes, tinha pretensão, segue tendo-a. Apenas deixou de ser
encobrível por ato futuro de oposição da exceção que, com a renúncia, já não há. Se a
prescrição houver sido oposta, desfazem-se imediatamente os efeitos de encobrimento
da exigibilidade. O credor beneficiado pela renúncia torna a poder exigir e, insatisfeita
a prestação, legitimamente agir para compelir à satisfação. Se houver diversos credores
solidários, nada impede que o devedor renuncie com relação a apenas um425. O novo
prazo prescricional torna a correr imediatamente, para que, expirado, incorpore-se ao

424 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, vol. 1. 3a tiragem (histórica) da
1a edição. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1955, p. 351.
425 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por

Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 438.

187
patrimônio do devedor nova exceção de prescrição. Se houve interrupção da primeira
contagem prescricional, dentro ou fora de juízo, pode haver novas interrupções,
igualmente dentro ou fora de juízo. O dito «princípio da unicidade das interrupções»
não se aplica, porque é de nova contagem prescricional que se trata, e não repristinação
de contagem antiga426.

IV.3 Negócio jurídico prescricional: modulação de eficácia


vedada por lei

Vige no Brasil regra segundo a qual os prazos prescricionais não admitem


convenção. O Código o diz no art. 192, ao dispor que «os prazos de prescrição não
podem ser alterados por acordo das partes». Se é verdade que a função da prescrição
é a pacificação social, em benefício da segurança jurídica, convém, ao juízo do
legislador, não se relegue integralmente ao particular o controle do elemento central do
fenômeno: o tempo. O pêndulo do regramento do Direito Privado se inclina à
coletividade427, sem embargo de uma certa dulcificação individualista do regime por
meio da possibilidade de renúncia posterior (v. IV.2, acima). O regime não é o melhor.
Internacionalmente, tem-se consentido a espaços de tolerância ao ajuste de prazos em
relações paritéticas, com limites mínimos que assegurem possibilidade razoável de
exercício de pretensão pelo credor, e máximo que assegurem razoável proteção ao
devedor diante do efeito do tempo – uma aproximação, como a doutrina rapidamente
notou, com o regime da decadência, com tradicional acomodabilidade de influências
de fonte negocial428. Assim é na França, por exemplo, em que o prazo mínimo por
acordo é de um ano, o máximo dez anos e as partes podem criar causas de suspensão e
interrupção429; ou na Alemanha, em que as partes podem elevar a até trinta anos os

426 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por
Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 437; THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos
Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2).
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 195.
427 «O prazo de prescrição não pode ser diminuído, nem aumentado, por meio de negócio jurídico. Só a

regra jurídica por aumentá-lo, ou ou diminuí-lo. Nem o negócio jurídico pode pré-excluir causa de
suspensão, ou interrupção. A sanção contra cláusulas, que aumentem ou diminua o prazo, ou criem ou
pré-excluam causas de suspensão, ou de interrupção, é a nulidade» (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6 (atualizado por Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman
Quarch e Jefferson Carús Guedes). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 446).
428 PATTI, Salvatore. Certezza e giustizia nel diritto della prescrizione in Europa. Rivista trimestrale di

diritto e procedura civile, v. 64, p. 21–36, 2010. Referência na p. 36.


429 Code, Article 2254. La durée de la prescription peut être abrégée ou allongée par accord des parties.

Elle ne peut toutefois être réduite à moins d'un an ni étendue à plus de dix ans. Les parties peuvent
également, d'un commun accord, ajouter aux causes de suspension ou d'interruption de la prescription

188
prazos prescricionais430. A velocidade da economia já inspirou reformas para redução
de prazos; a vida moderna criou, contudo, uma situação de dificuldade. Para uma start
up ou para um trader da bolsa de valores, falar-se em um prazo trienal ou quinquenal
para que uma pretensão creditícia seja manejada é se referir a um futuro inimaginável
diante realidade daquelas práticas. Para um investidor em um projeto greenfield, por
outro lado, pode haver duas décadas de relações enfeixadas, entremeadas, sob uma
única lógica econômica. Se antes essas diferenças eram enfrentadas pelo legislador com
tabelamento de prazos brevíssimos para uns tipos contratuais, e outros longos para tipos
diversos, hoje será uma ilusão de fácil quebra imaginar a capacidade de arrolamento
legislativo dessas hipóteses merecedoras de tratamento particular. Melhor seria,
mesmo, dar margem de manobra às partes em pé de igualdade. Mas não se deu. Bom
ou não, o regime é posto e não admite contornos argumentativos.
As partes no Brasil, ainda que paritéticas, não podem, portanto, criar novos
prazos, maiores ou menores, não podem inovar às causas de suspensão ou interrupção
da lei, e não podem criar causas de extensão do prazo. A doutrina chegou a cogitar se
pudesse, com relação à pretensão já nascida, formular acordo para extensão do prazo
até o dobro do limite legal. O racional para tanto é de que «se uma das partes pode,
unilateralmente, interromper o curso da prescrição e reiniciá-la – o que pode, na
prática, dobrar o prazo prescricional –, com muito mais razão deve-se admitir que os

prévues par la loi. Les dispositions des deux alinéas précédents ne sont pas applicables aux actions en
paiement ou en répétition des salaires, arrérages de rente, pensions alimentaires, loyers, fermages,
charges locatives, intérêts des sommes prêtées et, généralement, aux actions en paiement de tout ce qui
est payable par années ou à des termes périodiques plus courts. / Artigo 2254. O prazo da prescrição
pode ser encurtado ou alongado por acordo das partes. No entanto, não pode ser reduzido para menos de
um ano nem estendido para mais de dez anos. As partes podem também, por acordo mútuo, acrescentar
às causas de suspensão ou interrupção da prescrição previstas em lei. O disposto nos dois parágrafos
anteriores não se aplica às ações em pagamento ou em repetição de salários, rendas, pensões alimentares,
aluguéis, juros dos valores emprestados e, em geral, a ações para pagamento de tudo o que é pagável
anualmente ou em períodos periódicos mais curtos.
Na Bélgica, por outro lado, a extensão é vedada e não há limite para expresso para a abreviação, que não
deve, contudo, ser tal que obste o razoável exercício da pretensão (STIJNS, Sophie; SAMOY, Ilse. La
prescription extinctive: le rôle de la volonté et du comportement des parties (rapport belge). In: La
prescription extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 341–383, em especial
p. 348).
430 BGB, § 202 Unzulässigkeit von Vereinbarungen über die Verjährung. (...) (2) Die Verjährung kann

durch Rechtsgeschäft nicht über eine Verjährungsfrist von 30 Jahren ab dem gesetzlichen
Verjährungsbeginn hinaus erschwert werden. / § 202. Inadmissibilidade de acordos sobre prescrição. (...)
(2) O prazo de prescrição não pode ser estendido, por acordo, para além de um período de trinta anos,
contados do início do termo legal de prescrição. Na doutrina, DELLE MONACHE, Stefano. Profili
dell’attuale normativa del codice civile tedesco in tema di prescrizione. In: Studi in onore di Cesare
Massimo Bianca. Milão: Giuffrè Editore, 2006, p. 363–391, em especial p. 376.

189
contratantes, de comum acordo, alcancem o mesmo resultado431». Não está correto,
contudo. A uma, a parte não pode livremente interromper o curso da prescrição, mas
apenas nos modos exatos previstos na lei. O credor não pode, com interpelação
extrajudicial 432 , interromper o prazo. O devedor não pode renovar o prazo sem
reconhecer a dívida – o que poderia desejar, por exemplo, para viabilizar negociações
transacionais –, ainda que assim o deseje e formalmente declare. Não há liberdade na
interrupção, mas tipicidade. A duas, para que o prazo na prática, dobre, é preciso que
a interrupção se dê no último dia de sua fluência, e não desde que nascida a pretensão.
Em nenhum cenário, a eficácia interruptiva ato contínuo ao nascimento da pretensão
tem o efeito concreto de dobrar o termo legal, mas sim, apenas, de acrescê-lo em um
dia. A três, supondo que as partes conviessem no último dia do prazo, com efeito prático
de dobrá-lo, ainda assim não haveria negócio jurídico prescricional. Se o devedor
externasse, nesse contexto, desejo de interromper o prazo por reconhecer a dívida, a
interrupção se daria por força do art. 202, VI, do Código Civil, sendo despicienda a
concordância do credor. Se não a reconhecesse, como se anotou logo acima, a hipótese
seria típica de modificação vedada pelo art. 192. Não há – infelizmente, reitere-se,
porque seria salutar haver – espaço contornos à ampla proibição legal.
Saindo da doutrina ao foro, são poucos os precedentes que esbarram na letra
do art. 192 do Código Civil, o que poderia levar à conclusão pela natural penetração da
vedação legal na praxe comercial: vez que não é dado aos particulares pactuarem a
propósito da prescrição, não o fazem; em não o fazendo, resulta inexistirem disputas
em número relevante a que emerjam do tecido social à malha judiciária e, dentro desta,
às cortes superiores. Parece, contudo, ser essa uma visão simplista do fenômeno. A
primeira indicação, quem dá é um solitário debate sucedido do Superior Tribunal de
Justiça, atinente à prescrição de cheques pós-datados (na praxe do comércio, já
morrente pelo avanço tecnológico, chamados pela expressão oposta de cheques pré-
datados). Como a lei deixa claro, «o cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita
qualquer menção em contrário» (Lei do Cheque, art. 32). A praxe comercial brasileira
ignorou a letra da lei: para pactuar pagamento diferido no tempo, ordinariamente em

431 TERRA, Aline de Miranda Valverde; BUCAR, Daniel. Autonomia privada e prazos prescricionais.
In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 273–
302, excerto à p. 302.
432 Na Espanha, anote-se a título de observação, o regime é diverso e a doutrina discute apenas se a

declaração extrajudicial interruptiva tem caráter receptício ou não, inclinando-se pela primeira opção.
Sustentando a segunda, em interessante apanhado, v. ALBALADEJO GARCIA, Manuel. Si la
reclamacion extrajudicial interrumpe la prescripcion desde que se hace o cuando la recibe el
prescribiente. Revista de Derecho Privado, p. 523–534, 1996.

190
parcelas sucessivas, o emitente sacava múltiplos cheques inserindo datas futuras no
campo em que deveria constar a data de emissão. A jurisprudência não afastou a
exigibilidade presente do cheque; temperou-se essa posição apenas para reconhecer que
a promessa violada de exercício postergado do crédito comportaria tutela indenizatória
(Súmula 370433).
A dúvida que restou, e o Superior Tribunal de Justiça resolveu434, foi sobre a
eficácia da pós-datação nos prazos de apresentação à instituição financeira sacada e, a
partir daí, prescrição. Para resolver a questão, a corte fez a diferenciação entre pós-
datação cartular e extra-cartular. Sob Tema 945, determinou-se que «a pactuação da
pós-datação de cheque, para que seja hábil a ampliar o prazo de apresentação à
instituição financeira sacada, deve espelhar a data de emissão estampada no campo
específico da cártula». Vale dizer: o cheque pós-datado com inserção da data futura no
campo da cártula preparado para escrita da data presente postergará os prazos legais de
apresentação e, daí, de prescrição. Se, no entanto, a inscrição da data futura se der no
verso, ou em qualquer outro local da cártula, comumente acompanhada da expressão
«bom para», a solução é outra. Isso porque «como a lei especial de regência estabelece
que o prazo prescricional para a perda da pretensão para a execução cambial do titulo
deve ser contado a partir da data de emissão constante do campo próprio da cártula,
a alteração casuística (extra-cartular) do prazo de apresentação do cheque pós-datado
implicaria a dilação do prazo prescricional do título (que se conta a partir da data
estampada como de emissão), situação que deve ser repelida, visto que infringiria o
artigo 192 do Código Civil.»
A posição se apoia, em boa medida, em posição doutrinária segundo a qual
«toma-se o cheque pós-datado como qualquer outro cheque, e é pagável à vista, a
despeito da alegação e prova da pós-data e, até, da apresentação antes da data inserta
(= qualquer que seja a data, o cheque é pagável à vista (...)», mas que rejeita que
«alegado e provado ter havido a pós-data, descontam-se ao prazo da apresentação os
dias aumentados à data da criação435.» Preservado o prazo da apresentação; preserva-
se, por consequência necessária, o prazo da prescrição.
Não parece a melhor posição. A inserção de data futura é costume contra
legem; valesse a regra geral, o caso era de nulidade por simulação (CC, art. 167, §1º,

433 Súmula 370. Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.
434 STJ, REsp n.º 1.423.464/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, j. em 27 de abril de 2016.
435 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 37 (atualizado por

Rodrigo Xavier Leonardo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 135-137.

191
III), mas o regime especial apenas reputa não-escrita a referência futura (Lei do Cheque,
art. 32). Fora a hipótese rara de criação e emissão diferidas (o passador cria o cheque
com data futura, guarda, mas o põe em circulação apenas na data correta)436, o cheque
pós-datado e emitido é cheque com data presente. Se é certo que a exigibilidade, por
apresentação, é presente (e é, nada obstante a pós-datação), sucede, salvo norma em
sentido contrário, que a prescrição tome como referencial de fluência o tempo presente
e não outro apenas desejado pelas partes. Dizer o contrário é afirmar que a pretensão
desde sempre havia, mas a fluência do prazo se diferiu por avença das partes –
claramente, uma ofensa ao art. 192 do Código Civil. Precedentes anteriores, vencidos
no debate do julgamento do recurso repetitivo, alinhavam-se com a posição aqui
assumida437. Se quem recebe o cheque o porta de má-fé (= sabendo-o pós-datado), não
poderá, depois, opor réplica de dolo (v. item IV.4) para obstar a exceção de prescrição
cambiária fundada na data real da cártula. Não há boa-fé na boa intenção de se adstringir
à apresentação ulterior em respeito à palavra empenhada no comércio, ainda que o
compromisso seja de apresentação posterior à data de prescrição, tomando-se como
referencial o dia da emissão. Não há boa-fé na infringência deliberada de lei; a oposição
da exceção de prescrição é risco que se corre nessa infringência. O atendimento do
prazo dialoga apenas com o negócio jurídico subjacente ao cheque, com as suas
consequências extra-cambiárias438. Se houve endosso, tudo muda, porque a abstração e
a cartularidade protegerão o endossatário de boa-fé, fazendo tomar a literalidade da
cártula por boa.
Esse debate jurisprudencial se presta, senão a bem resolver a questão, quando
menos a indicar que a praxe negocial interempresarial tem, sim, e muito, a preocupação
de balizar temporalmente o exercício de posições jurídicas subjetivas no programa
contratual. Isso serve não apenas para artificialmente estender os prazos, como no
precedente apenas criticado, mas, em incontáveis oportunidades, para abreviá-los, em
desenhos contratuais nos quais o exercício de pretensões é subordinado a estrita
procedimentalização (de notificações formais, exibições de documentos, contraditório),
limitado aos moldes de um cronograma com força preclusiva. A verdadeira questão

436 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 37 (atualizado por

Rodrigo Xavier Leonardo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 137.
437 «A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo

prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil.
Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do
lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes». (STJ, AgRg no Ag 1159272/DF, rel.
Min. Vasco Della Giustina, 3ª turma, julgado em 13 de abril de 2010).
438 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 37 (atualizado por

Rodrigo Xavier Leonardo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 145, nota do atualizador.

192
posta por detrás do art. 192 não é se a pactuação prescricional é proibida, porque
obviamente é, mas se e em que medida cláusulas que não se referem expressamente à
prescrição podem, em concreto, incorrer na censura do dispositivo.
Três são as estratégias comumente aplicadas pelas partes para estabilizarem o
exercício de pretensões. Convém pensar com concretude, para dar clareza ao raciocínio.
O exemplo de que se passa a cuidar vai no contexto bastante comum de alienação de
controle societário, referida na praxe como operação de M&A, da sigla americana
Mergers & Acquisitions 439 . O vendedor se obriga a indenizar o comprador por
quaisquer desembolsos decorrentes de disputas em que a «sociedade alienada» (Target)
se envolver, até um determinado limite. Essa obrigação de indenização valerá apenas
para os litígios que surgirem nos cinco anos subsequentes à efetiva transferência das
ações (no jargão, Closing). Para ganhar ordenação e previsibilidade às demandas, o
vendedor deseja ainda uma segunda limitação: deve ser notificado dos créditos para
pagamento em até um mês de sua constituição, sob pena de se fecharem as portas da
indenização. Disse-se com terminologia deliberadamente frouxa, «se fecharem as
portas da indenização», porque esse é o ordinário formato do pedido da parte a seu
advogado no momento da redação do contrato, e os caminhos a seguir a partir daí são
variados. A praxe indicará três desses caminhos como favoritos das negociações. O
primeiro caminho é o de subordinar a aquisição do direito de crédito à condição
suspensiva de notificar o vendedor no mês subsequente ao sofrimento patrimonial
decorrente de uma contingência. A redação para esse caso seria:
Cláusula X. Indenização por contingências. O Vendedor se obriga a
indenizar o Comprador por toda perda sofrida em decorrência de uma
Contingência Indenizável. Contingência Indenizável significa todo
processo administrativo, judicial ou arbitral (i) existente ou iniciado nos
cinco anos subsequentes à Closing Date; (ii) referente a fatos
precedentes à Closing Date; e (iii) de que resulte uma condenação com
perdas patrimoniais, seja por danos emergentes ou lucros cessantes;
desde que (iv) dita condenação seja comunicada ao Vendedor, na forma
da Cláusula Y, no prazo máximo de trinta dias a contar da efetivação da
perda patrimonial.
O segundo caminho é o de subordinar o direito subjetivo de crédito a termo
resolutivo, ou condição resolutiva, que lhe subtraia eficácia. A redação, poderia, então,
ser alterada para afirmar que:

439 Para controvérsias atinentes à cláusula de indenização em operações de M&A, v. DE NOVA, Giorgio.

Il Sale and Purchase Agreement: un contratto commentato. 2a. Turim: G. Giappichelli Editore, 2017,
p. 202 e ss. Para uma abordagem mais ampla, na perspectiva do direito brasileiro, BUSCHINELLI,
Gabriel Saad Kik. Compra e venda de participações societárias de controle. São Paulo: Quartier
Latin, 2018.

193
Cláusula X. Indenização por contingências. O Vendedor se obriga a
indenizar o Comprador por toda perda sofrida em decorrência de uma
Contingência Indenizável. Contingência Indenizável significa todo
processo administrativo, judicial ou arbitral (i) existente ou iniciado nos
cinco anos subsequentes à Closing Date; (ii) referente a fatos
precedentes à Closing Date; e (iii) de que resulte uma condenação com
perdas patrimoniais, seja por danos emergentes ou lucros cessantes. A
Contingência Indenizável será objeto de indenização pelo Vendedor
pelos trinta dias subsequentes à efetivação da respectiva perda
patrimonial, período após o qual, ausente comunicação do Credor, na
forma da Cláusula Y, o direito à indenização será extinto.
O terceiro e último caminho é de extrair, do não exercício da pretensão
indenizatória, manifestação de vontade com ela, e com ele, incompatível. Poder-se-ia
pensar, então, na seguinte redação:
Cláusula X. Indenização por contingências. O Vendedor se obriga a
indenizar o Comprador por toda perda sofrida em decorrência de uma
Contingência Indenizável. Contingência Indenizável significa todo
processo administrativo, judicial ou arbitral (i) existente ou iniciado nos
cinco anos subsequentes à Closing Date; (ii) referente a fatos
precedentes à Closing Date; e (iii) de que resulte uma condenação com
perdas patrimoniais, seja por danos emergentes ou lucros cessantes.
Caso o Comprador não notifique o Vendedor para pagamento de uma
Contingência Indenizável, na forma da Cláusula Y, no prazo máximo de
trinta dias a contar da efetivação da perda patrimonial decorrente da
referida Contingência Indenizável, seu silêncio representará declaração
formal, irrevogável e irretratável no sentido de que [versão 1] renuncia
ao crédito relativo a essa Contingência Indenizável. [versão 2] outorga
ampla, irrestrita, irrevogável e irretratável quitação para referida
Contingência Indenizável. [versão 3] concorda não se tratar, aquele
processo, de Contingência Indenizável nos termos dessa Cláusula X».
A boa técnica recomenda que normas restritivas da autonomia privada sejam
interpretadas sem recurso à extensão, ou à analogia440. Uma interpretação estrita da
proibição do art. 192 deixaria fora de seu escopo nulificante todos os três caminhos
acima cogitados e, no último, todas as três variantes a si outorgadas, porque em caso
algum há propriamente outorga de exceção de prescrição de fonte negocial a uma das
partes. Na primeira hipótese, a aquisição do direito subjetivo de crédito não se deu. A
notificação é condição suspensiva que lhe impede a aquisição (CC, art. 125); o
comprador não tem senão um protodireito de crédito, direito expectativo, direito a ter
direito de crédito, desde que notifique como prescreve a avença. Não há limitação
temporal da pretensão, mas apenas limitação temporal da aquisição de crédito
municiado de pretensão. O termo resolutivo (CC, art. 135) de trinta dias (i) se soma à

440 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 20a. Rio de Janeiro: Forense, 2011,
p. 181.

194
condição, na primeira hipótese, para tornar impossível seu implemento depois desse
tempo; e (ii) extingue o próprio direito subjetivo de crédito, na segunda hipótese,
afetando apenas reflexamente a pretensão. Por fim, na última hipótese, de declaração
pela inércia, o próprio Código admite que se extraia do silêncio efeito declarativo em
hipóteses excepcionais (CC, art. 111). Nenhuma norma impede, igualmente, que a parte
outorgue quitação tacitamente (CC, art. 320), ou expresse sua concordância com dada
interpretação dos fatos, ou ainda renuncie a dada posição jurídica. A circunstância de
que a renúncia se interprete restritivamente (CC, art. 114) não cria forma necessária à
sua validade.
Antes de haver regra expressa sobre a proibição de negócio jurídico
prescricional, e quando reinava a controvérsia sobre a legalidade de sua abreviação441,
a doutrina concordou com essa leitura. Ponderou-se que «uma das razões para se não
admitir a regra jurídica da diminuibilidade está, outrossim, em se poderem alcançar
os mesmos resultados práticos, sem inconvenientes, com a inclusão de têrmo final ao
crédito, ou à pretensão, ou condição resolutiva ao seu exercício. Tão-pouco seria de
admitir-se prazo de preclusão para as demandas, se bem que seja possível inserir-se
cláusula de condição resolutiva do crédito, ou da pretensão442». Ou seja: nada obstante
seja inquestionavelmente proibido reduzir prazos prescricionais, seria possível se
chegar ao exato mesmo resultado da norma por uma estruturação diversa do negócio.
Não parece que a norma possa ser assim tomada em operação, ou, em verdade,
em não-operação, de forma absoluta. Dizer que as pretensões podem ser descartadas
por filtro exclusivamente temporal, desde que não se lhe afastem pela outorga de
exceção, é cortar a serventia de metade da proibição, para permitir apenas o não-
alargamento do prazo prescricional. A bem da verdade, ainda que com maior raridade,
poder-se-ia imaginar também dito alargamento, dizendo-se que dado crédito, nada
obstante tenha seu suporte fático perfeitamente divisado, se adquire e se torna exigível
apenas mediante notificação ao devedor, nos dois, três, dez, ou vinte anos subsequentes
àquele que seria o ponto natural de exigibilidade. É contornar a norma, para esvaziá-la
de propósito. A própria doutrina que o admite afirma se tratar dos mesmos resultados
práticos; a semelhança é tanta que, internacionalmente, um dos caminhos acima

441 CÂMARA LEAL, Antonio Luis da. Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 53-55.
442 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de

Janeiro: Borsoi, 1955, p. 280.

195
cogitados, da quitação presumida, é tipificado (impropriamente, é verdade) como
espécie de prescrição443.
O afirmar a potencial nulidade de pactuações à luz do art. 192 não é coisa
desimportante, de modo que convém temperá-lo com limitações claras. A posição
sustentada é a de defesa do espectro normativo proibitivo do legislador, e não de
intromissão, sem mais, na autonomia privada das partes. Via de regra, condições
suspensivas ou resolutivas, termos resolutivos e manifestações tácitas de vontade
valem. Na dúvida sobre seu escopo normativo, frente ao art. 192, valem. Se recaírem
sobre posições jurídicas subjetivas diversas dos direitos subjetivos de crédito (e, a
reboque desses, pretensões), valem. Afetam-se assim, portanto, sem embaraços,
direitos potestativos (escolha de prestações alternativas, ou facultativas; opções de
compra e opções de venda – put options, call options –; direito de preferência), até

443 A dificuldade de provar o adimplemento é um dos problemas que a prescrição resolve. Segundo a
«prescrição presuntiva», (i) transcorrido determinado lapso de tempo sem o exercício da pretensão, e
desde que (ii) o sujeito passivo afirme que o direito de crédito foi extinto por qualquer modalidade
legalmente prevista; (iii) outorga-se a dito sujeito passivo o poder de criar, mediante expressa invocação
dessa prerrogativa, a presunção legal de quitação. Seu regramento sob a rubrica prescricional tem uma
explicação pragmática que não convence a boa dogmática. O pragmatismo aponta ao fato de que os
pressupostos para a contagem do prazo (exigibilidade do direito, inércia, etc.) e sua modulação
(impedimentos, interrupções, suspensões) são compartilhados à prescrição presuntiva, atraindo-a ao
«guarda-chuva» da figura-mãe da prescrição liberatória. A presença como espécie de prescrição milita,
portanto, a favor da «importação» da disciplina de contagem do prazo para surgimento dessa prerrogativa
do devedor. Do ponto de vista dogmático, contudo, a aproximação mais atrapalha que ajuda. A prescrição
liberatória dá ao devedor o direito de encobrir a pretensão, ainda que ele se afirme como tal, i.e., confesse
jamais ter adimplido a dívida. A única eficácia possível da confissão de inadimplemento – ou, pelo
ângulo inverso, reconhecimento da higidez da pretensão exercida – é a interrupção, em uma
oportunidade, da fluência do prazo prescricional (CC, art. 202, VI). Se já operado o prazo, a eficácia da
confissão é nenhuma e a prescrição segue hígida. A «prescrição» presuntiva não encobre pretensão, mas
sim faz surgir prova da extinção de todo o direito subjetivo subjacente à pretensão, pelo fenômeno da
quitação. Note-se: ela sequer extingue o direito subjetivo, o que a poderia aproximar de parte da doutrina
que sustenta ser esse o real resultado do fenômeno prescricional, mas apenas cria, por vontade do sujeito
passivo, uma presunção legal relativa de que o adimplemento se deu. Se o titular dessa particularíssima
posição confessa o débito, não há interrupção do prazo, mas afastamento da prerrogativa de inversão de
ônus da prova de quitação (Codice, art. 2959; CCPort., art. 313º). Isso é bastante evidente, já que, sob a
raiz romano-germânica, brasileira inclusive, a confissão constitui prova do débito e retira sentido em
manter, artificialmente, a presunção protetiva em sentido diverso (CC, art. 212, I; Codice, art. 2730;
CCPort., art. 352º). A outra forma de afastar a presunção criada por poder do devedor é compeli-lo a
comparecer em juízo para jurar haver adimplido, valendo a recusa como confissão tácita (CCPort.,
art. 314; Codice, art. 2.960). Finalmente, dada sua diversa eficácia (insista-se, por se cuidar de prescrição
imprópria), a prescrição presuntiva é cumulável com a extintiva. Vale dizer: se ao prazo da prescrição
presuntiva sobrevier aquele da extintiva, sempre com inércia do titular, o devedor terá (i) o poder de
invocar a presunção relativa de quitação e (ii) o poder de paralisar o exercício da pretensão, pela via de
exceção. Eventual confissão ou recusa ao juramento impactará o levantamento da presunção, mas apenas
inequívoca renúncia removerá a barreira da exceptio de verdadeira prescrição e deixará a pretensão livre
para exercício. Como se nota com facilidade, o real locus ontológico da prescrição presuntiva não é a
disciplina prescricional, mas sim aquela probatória sob aspecto material. TEIXEIRA DE FREITAS andou
melhor: nos arts. 374 e 375 da Consolidação das Leis Civis, previu-se que o contrato se teria por provado
quando uma das partes (i) jurasse haver contrato, (ii) convocasse a outra parte para fazer o mesmo em
juízo, e (iii) essa não o fizesse, na dita «acção de juramento d’alma». Cuidava-se de medida elencada,
por óbvio, dentre as provas lícitas em Direito Civil.

196
porque vulneráveis por decadência convencional, faculdades, ônus, entre outros. Se
aparentemente recaírem ditas limitações sobre direitos subjetivos de crédito, deve-se
indagar se sua pactuação recai sobre a posição havida pela parte no negócio e com
relação a sua eficácia futura, ou sobre direitos subjetivos de crédito dela já emanados.
O exemplo trivial de um contrato de locação socorre, para fins de clareza: é por óbvio
lícito afirmar que José locará seu imóvel a Maria por três anos (termo resolutivo), ou
até que torne a residir no Brasil (condição resolutiva). Nesses casos, o feixe relacional
que fará surgir direito de José de haver alugueis, e Maria de haver a coisa, sobreviverá
apenas pelo período avençado, e depois não mais. «O ato terá vigor jurídico até uma
época determinada ou desde essa época444», como bem se definiu. Coisa diversa é dizer
que, nos três anos de locação, mês a mês, conforme concretos direitos subjetivos de
crédito locatício emanem do negócio a José, terá ele, com relação àqueles, dois meses
para realizar cobrança, sob pena de extinção dos termos por termo resolutivo. Conforme
se navega da posição de eficacização ou deseficacização do negócio, do vigor jurídico
do ato a que se referiu ESPÍNOLA, para a eficacização ou deseficacização dos créditos
decorrentes do negócio, ou de parte deles, sai-se da legalidade para a ilegalidade, frente
ao art. 192 do Código Civil.
Há um último caso que merece tratamento, porque atinente às declarações
tácitas de vontade potencialmente infringentes ao art. 192 do Código. Haverá hipóteses
de negócios em que a análise do credor sobre a prestação a si ofertada, ou sobre seu
crédito em geral, ou sobre determinado estado de fato, será ponto de inflexão para que
o programa contratual avance, ou não. Ainda uma vez mais, exemplos triviais socorrem
a percepção do problema. Em um contrato de empreitada, é natural que o empreiteiro
obtenha a vistoria e aprovação do dono da obra sobre cada etapa crítica dos trabalhos,
antes que se avance à próxima. A relevância dessa aprovação vai para muito além da
só-segurança ordinária a propósito do exercício do direito de crédito do dono da obra;
refazer ou consertar uma etapa da obra pode ser simples ou um pouco custoso,
enquanto desfazer todas as eventuais etapas subsequentes desnecessariamente erigidas
para atender à especificação da etapa inicial pode ser impossível, ou ruinoso. Aqui não
se cuida de simples limitação de exercício de crédito do dono da obra, mas, antes, de
atendimento a uma obrigação de vistoria e validação (ou reclamação) no curso da
execução do contrato, pactuada pelas partes. A relevância das vistorias, aliás, é de tal

444 ESPÍNOLA, Eduardo. Parte Geral do Direito Civil. Estrutura do Direito, vol. 2. 4. ed. Rio de

Janeiro: Conquista, 1961, p. 301.

197
ordem que o Código as erige na única hipótese positivada de surrectio445. Para essa
declaração, pode se pactuar a forma tácita, que valerá sem ressalvas e receberá, da Parte
Geral, as limitações típicas para as manifestações expressas. Sendo lançada, será
irrevogável e irretratável, mas não escapará ao filtro excepcional das nulidades e
anulabilidades (inclusive por erro), porque quem declara nulo ou decreta anulado não
retrata, nem revoga, e sim tem por inválido.

IV.4 Deseficacização por recurso à boa-fé

A boa-fé do devedor deixou de ser pressuposto à aquisição da exceção de


prescrição ainda no Direito Civil pré-codificado. CÂNDIDO MENDES446 e TEIXEIRA DE
FREITAS447 noticiam a controvérsia antiga sobre a matéria, ante a expressa previsão nas
Ordenações de vedação à prescrição para o devedor de má-fé (L. 4, t. 79). A norma,
contudo, foi expurgada do ordenamento por seu fundamento canônico448 (vedação à
tutela do pecador449), o que não admitia a Lei da Boa Razão (Lei de 18 de agosto de
1769, §12). Não surpreende fosse assim: o modelo brasileiro ainda era, àquele ponto,
com relação à boa-fé, mais próximo àquele francês, reservada na América Latina a
partida inovadora ao Código Bello no Chile 450 . Ecoando esse dado normativo, a
doutrina, pelo século subsequente, repetiu o mantra de ser a boa-fé irrelevante à
prescrição451.

445 ANDRADE NEVES, Julio G. A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil. São Paulo: Almedina,
2016, p. 78 e, com pontual divergência, para enxergar suppressio, ANDRIGHI, Fátima Nancy; BENETI,
Sidnei; ANDRIGHI, Vera. Comentários ao novo Código Civil. Das várias espécies de contrato (vol.
9). Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 330, em especial nota de rodapé 101.
446 ALMEIDA, Cândido Mendes de; CORREA TELLES, José Homem, Auxiliar jurídico (apêndice às

Ordenações Filipinas), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 579.


447 TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto, Consolidação das Leis Civis, t. I, Brasília: Senado Federal,

Conselho Editorial, 2003, p. 511.


448 Sobre boa-fé e direito canônico, com ligações particulares à disciplina da usucapião e dos contratos

consensuais, v. MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua


aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 90.
449 «É que a cultura canônica conferirá à boa-fé uma conotação fortemente subjetiva e ligada, de modo

estreitíssimo, à moral cristã (...). Esse conúbio entre moral cristã e exigências práticas da vida regulada
pelo direito deslizará para uma “pluralidade de significantes”, passando-se a recorrer “à boa-fé e à
misericórdia em contraposição ao pecado”, entre outros significados subjetivados e moralizantes».
(MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018, p. 90).
450 Para estudo sobre a evolução do conceito e sua penetração na América Latina, v. CARDILLI,

Riccardo. A boa-fé como princípio do Direito dos Contratos: Direito Romano e América Latina. In:
Sistema jurídico romanístico e subsistema jurídico latino-americano (coord. Sandro Schipani e
Danilo B. dos Santos G. de Araújo). São Paulo: FGV Direito SP, 2015.
451 «[N]ão cabe indagar-se se o devedor prescribente está ou não de boa-fé. Ao contrário do nosso direito

pré-codificado, que não a reconhecia ao devedor de má-fé, o direito moderno não entra nesta pesquisa
subjetiva» (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Comentários ao Código Civil de 2002, vol. I. Parte geral,
arts. 1o a 232 (com atualização legislativa de Cristiano de Sousa Zanetti e Leonardo de Campos

198
A questão não é tão simples. A própria doutrina oitocentista contemplava
hipótese de violação à boa-fé, traduzida por propósito fraudulento de conluio entre o
devedor e credor vulnerado pela prescrição, em prejuízo de terceiro-credor. Disse-se, a
esse respeito, que «[s]e (...) de má fé não allega a prescripção, para ser condenado á
pagar de combinação com o credôr, e vir este depois disputar preferência na execução
de outro credôr; póde esse outro credôr oppôr a fraude, póde alegar que a divida está
prescripta 452 ». Viu-se, então, naquele tempo, a boa-fé como causa de legitimação
extraordinária de terceiros para oposição da exceção de prescrição.
Internacionalmente, afasta-se a fluência do prazo prescricional em casos de
ocultação maliciosa do direito subjetivo de crédito e da pretensão, pelo devedor, aos
olhos de seu credor453. É o caso do Codice, que estabelece que a prescrição se suspende
«tra il debitore che ha dolosamente occultato l’esistenza del debito e il creditore, finché
il dolo non sia stato scoperto454». A doutrina comparatista invoca o princípio geral de
direito segundo o qual fraus omnia corrumpit455, mas a regra não é mera sanção pela
má-fé. Pressupõe-se, para a suspensão, de acordo com unânimes doutrina e
jurisprudência, que (i) o ato fraudulento tenha sido dirigido diretamente a ocultar a
existência do crédito e (ii) tenha obstado, de forma absoluta, a possibilidade de
exercício da pretensão, e não apenas criado embaraço, ainda que relevante, ao credor456.
Em um ordenamento no qual a ignorância do credor de regra não obsta a fluência do
prazo prescricional, o comando do artigo tem ares de exceção pelo desvalor subjacente
à causação da ignorância, e não, insista-se, vocação abstrata e absoluta para sancionar

Melo). Rio de Janeiro: GZ Editora, 2017, p. 194); «O decurso do tempo é elemento essencial do suprote
fáctico, que se torna, entrando no direito, o fato jurídico da prescrição; não no é a boa fé, que vemos
eventualmente ligada ao elemento tempo, e.g., nos cômputos para a usucapião. Nas Ordenações Filipinas
(Livro IV, Título 79, pr.), por influência do direito canônico, incluía-se a boa fé; mas já a Lei de 18 de
agosto de 1769, §12, as derrogara (cf. Teixeira de Freitas, Consolidação das Leis Civis, nota 2 ao
art. 854), o de que não se deram conta alguns juristas e juízes. (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 277).
452 TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto, Consolidação das Leis Civis, t. I, Brasília: Senado Federal,

Conselho Editorial, 2003, p. 511, nota de rodapé ao art. 853.


453 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 145.


454 Codice, art. 2.941. La prescrizione rimane sospesa: (…) 8) tra il debitore che ha dolosamente occultato

l’esistenza del debito e il creditore, finché il dolo non sia stato scoperto. / art. 2.941. A prescrição se
suspende: 8) entre o devedor que ocultou maliciosamente a existência da dívida e o credor, até que a
fraude tenha sido descoberta.
455 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 145; AYMERIC, Nicolas. L’incidence
du comportement du débiteur sur la prescription. Revue trimestrielle de droit civil, v. 3, p. 519–538,
2013, em especial p. 535.
456 DI LORENZO, Giovanni; GAMBINO, Alberto Maria; LA PIETRA, Monica; et al. Il Codice Civile.

Commentario. La prescrizione (tomo secondo; Artt. 2941-2963), a cura di Paolo Vitucci e Saviero
Ruperto. Milão: Giuffrè Editore, 2014, p. 12.

199
a má-fé (v. item III.2). Na prática, estende-se o prazo prescricional pelo período da
malícia.
Na ponta oposta do problema, «abreviando o prazo prescricional457», doutrina
e jurisprudência alemãs recorreram à cláusula geral de boa-fé para obstar o exercício
de pretensões após inércia creditícia que houvesse despertado investimento de
confiança, pelo devedor, na certeza de não mais ser demandado. Foi o nascimento da
Verwirkung, ou, na linguagem proposta pela doutrina portuguesa 458 , suppressio. A
figura se espalhou pelo cenário europeu459 e, no Brasil, teve boa aceitação, merecendo
das cortes e da doutrina tratamento no final do século XX460 e começo do XXI461. Parte
da doutrina pretendeu enxergar, aqui, óbice à aplicação da boa-fé quando houvesse
prazo prescricional breve 462 , ou quando houvesse qualquer prazo prescricional 463 .
Como tivemos o ensejo de defender, não parece correto assim proceder, porque (i) a
brevidade de prazos prescricionais se coliga apenas à legitimidade da formação da
confiança do devedor, a reduzir, mas não eliminar o espaço à suppressio; e (ii) a
existência de prazo em curso apenas reforça a liberdade de manejo da pretensão cujo
controle funcional, pelo filtro do abuso, a lei impõe464.

457 TESCARO, Mauro. Decorrenza della prescrizione e autoresponsabilità. La rilevanza civilistica

del principio contra non valentem agere non currit praescriptio. Padova: CEDAM - Casa Editrice
Dott. Antonio Milani, 2006, p. 220.
458 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra:

Almedina, 2007, p. 797 e ss; MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para
a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 710 e ss.
459 PATTI, Salvatore. Verwirkung. In: Digesto delle Discipline Privatistiche, t. XIX. 4. ed. Turino:

Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1999, p. 722–730; RANIERI, Filippo. Rinuncia Tacita e


Verwirkung. Tutela del affidamento e decadenza da un diritto. Padova: CEDAM - Casa Editrice
Dott. Antonio Milani, 1971; BUFFONE, Giuseppe. Sospensione ed interruzione. In: Prescrizione e
decadenza. Come farle valere in giudizio e relative strategie processuali (a cura di Luigi Viola,
coordinamento di Michelle Filippelli). Vicenza: Wolters Kluwer e CEDAM, 2015, pp. 244-246;
ASTONE, Francesco. Ritardo nell’esercizio del credito, Verwirkung e buona fede. Rivista di diritto
civile, v. 6-Ano LI-parte seconda, 2005.
460 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa. A Verwirkung, a renúncia tácita, e o direito brasileiro. In:

Estudos em homenagem ao Prof. Washington de Barros Monteiro. São Paulo: Saraiva, 1982.
461 ANDRADE NEVES, Julio G. A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil. São Paulo: Almedina,

2016; DICKSTEIN, Marcelo. A Boa-fé Objetiva na Modificação Tácita da Relação Jurídica:


Surrectio e Suppressio. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
462 SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório. Tutela da confiança e

venire contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 183-185.
463 SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 156

e ss.
464 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed.

São Paulo: Saraiva, 2018, p. 712; ANDRADE NEVES, Julio G. A Suppressio (Verwirkung) no Direito
Civil. São Paulo: Almedina, 2016, p. 90-91; QUEIROZ, João Quinelato de. A aplicabilidade da
suppressio na vigência de prazos prescricionais. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição.
Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 323–342, em especial p. 329. No direito estrangeiro, concluiu-
se reiteradamente que «bien que le délai de prescription soit encore en cours, un créancier peut se voir
refuser l’exercise de son droit subjectif parce qu’il a, par son comportement passé, créé chez le débiteur
la confiance légitime que ce droit ne serait pas exercé de la manière visée actuellement par le créancier,

200
Isso não obstante, o fato é que o Código segue sem listar a boa-fé como
pressuposto prescricional, o que mantém viva a pergunta: pode-se levar em conta a boa-
fé, de forma ampla, quando da aplicação da disciplina da prescrição? A resposta é
afirmativa. Não se deve confundir o debate sobre a antiga boa-fé subjetiva das
ordenações, de viés historicamente canônico, ser ou não integrante do suporte fático da
aquisição da exceção da prescrição (por óbvio não é), com a ponderação contemporânea
bastante diversa, de ser a boa-fé objetiva filtro de licitude para a conduta do devedor-
excipiente, no ato de oposição da exceção prescricional. O primeiro caso cuida do
nascimento da exceção, da linha que divisa o incorporar, ou não, da exceção, à esfera
jurídica do devedor; o segundo caso cuida do poder de o devedor extrair, da exceção já
incorporada, o efeito de encobrimento da pretensão creditícia que dela ordinariamente
se esperaria.
Em sua função de conformação de exercício de posições jurídicas, a boa-fé
encontrou na cláusula geral de vedação do abuso do direito assento de amplo espectro
normativo. Pressuposta a aquisição da posição jurídica, seu exercício passará, nada
obstante, pelo filtro funcional de licitude absolutamente diverso da adequação (rectius,
não inadequação manifesta) à boa-fé, bons costumes, e função econômica e social da
posição jurídica exercida. Como a doutrina não duvida, esse é filtro de licitude que se
ocupa inclusive de direitos formativos, historicamente reconduzidos a um espectro de
discricionariedade quase ilimitado465. Não há qualquer razão para a prescrição, exceção
substantiva, tenha seu exercício subtraído da normativa do art. 187466. Como já se disse,

par application de la théorie de l’abus de droit / embora o prazo de prescrição ainda esteja pendente,
pode-se negar ao credor o exercício de seu direito subjetivo porque ele, por seu comportamento passado,
criou a expectativa legítima do devedor de que esse direito não seria exercido da maneira atualmente
pretendida pelo credor, pela aplicação da teoria do abuso de direito» (STIJNS, Sophie; SAMOY, Ilse.
La prescription extinctive: le rôle de la volonté et du comportement des parties (rapport belge). In: La
prescription extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 341–383, excerto à p.
374).
465 «A noção de ilicitude recobre, portanto, o direito em qualquer de suas formas. Ilicitude é a lesão a

interesse juridicamente protegido (...) Situado no art. 187 como uma das balizas ao exercício jurídico
lícito, o princípio da boa-fé atua no plano da eficácia, pois atua como fator de conformação do exercício
de direitos subjetivos ou de direitos formativos ora determinando a ineficácia, ora a eficácia apenas
parcial, ora a eficácia indenizatória, ora apanhando, inclusive, hipótese de perda ou de «paralisação» do
direito subjetivo para além dos casos tradicionais de prescrição e decadência, nos casos de suppressio e
surrectio.» (MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 667-668).
466 «On ne met plus en doute que l’exercice du droit du débiteur à invoquer la prescription est, comme

tout autre droit, limité par l’application de la théorie qui interdit l’abus du droit / Não há mais qualquer
dúvida de que o exercício do direito do devedor de invocar o prazo de prescrição é, como qualquer outro
direito, limitado pela aplicação da teoria que proíbe o abuso do direito» (STIJNS, Sophie; SAMOY,
Ilse. La prescription extinctive: le rôle de la volonté et du comportement des parties (rapport belge). In:
La prescription extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 341–383, excerto à
p. 377); WACKE, Andreas. La exceptio doli en el derecho romano clásico y la Verwirkung en el derecho

201
com grande razão, «raising a defence of prescription is a legal act which is, like any
other legal act, subject to the requirements of good faith»467. E é de fato tão simples
quanto isso: uma exceção oposta de maneira disfuncional terá sua eficácia paralisante
obstada pela lei. Tudo se opera à moda de uma réplica, uma quase replicatio doli, que
libera o manejo da pretensão tal e qual a exceção de prescrição não houvesse sido
oposta, ou, para dizê-lo melhor, não houvesse sido oposta de forma manifestamente
contrária à boa-fé.
O recurso à cláusula geral de vedação do abuso do direito é superior às
soluções tópicas que a lei possa reconhecer. Ainda que estas tenham a seu favor a
clareza da subsunção e o menor esforço de densificação normativa, a amplitude do
abuso alberga (i) a tutela do devedor, contra o credor que tenha conservado sua
pretensão apenas por atentar de maneira grosseira a qualquer senso de probidade; e
(ii) a tutela do credor vulnerado por hipóteses de ignorância fraudulenta e tantas outras,
como aquelas fundadas no uso da ameaça468 ou malícia469. Do ponto de vista creditício,
sempre foi melhor interpretação aquela segundo a qual a lei que exige a ciência sobre
a pretensão para fazer fluir o prazo prescricional pretende, com isso, albergar a
ignorância não-culposa, e não promover a apatia ímproba470 . Ainda que esse óbice
pudesse ser superado, o manejo da pretensão reprovavelmente conservada passaria a
esbarrar no filtro funcional de exercício do abuso. Do ponto de vista debitório, a boa-
fé (e, ao lado dela, convém repisar, os bons costumes e a função econômica e social)

alemán moderno. In: Derecho romano de obligaciones: homenaje al profesor José Luis Murga
Gener. Madri: Centro de Estudios Ramón Areces, 1994, p. 977–997, em particular 993; ANDRADE
NEVES, Julio G. A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil. São Paulo: Almedina, 2016, p. 90.
467 «Opor a exceção de prescrição é um ato jurídico que, como qualquer ato jurídico, está sujeito aos

postulados da boa-fé» (ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of


set-off and prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 146).
468 «Force and fear can be equally relevant. And even in cases where there has been neither fraud, nor

force, nor fear, a debtor may in certain situations be barred from invoking prescription: particularly where
he has promised not to do so. / Força e medo podem ser igualmente relevantes. E mesmo nos casos em
que não houve fraude, nem força, nem medo, um devedor pode em certas situações ser impedido de
invocar a prescrição: particularmente se ele prometeu não o fazer» (ZIMMERMANN, Reinhard.
Comparative foundations of a European law of set-off and prescription. Cambridge: Cambridge
University Press, 2004, p. 147).
469 ANDRADE NEVES, Julio G. A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil. São Paulo: Almedina,

2016, p. 90.
470 O filtro de razoável conhecimento (ou não-grosseira ignorância) a propósito da existência de

pretensão a exercer tem sido, na doutrina e jurisprudência internacionais, reconduzido (i) à ordinária
diligência esperada de um indíviduo na mesma posição do titular, cumulada com (ii) o nível de
conhecimento científico disponível à época dos fatos, vedado ao aplicador, no caso, perder-se em
cogitações de cunho puramente psicológico (MURGO, Caterina. Il tempo e i diritti. Criticità
dell’istituto della prescrizione tra norme interne e fonti europee. Turino: G. Giappichelli Editore,
2014, p. 189). No mesmo sentido, DI LORENZO, Giovanni; GAMBINO, Alberto Maria; LA PIETRA,
Monica; et al. Il Codice Civile. Commentario. La prescrizione (tomo secondo; Artt. 2941-2963), a
cura di Paolo Vitucci e Saviero Ruperto. Milão: Giuffrè Editore, 2014, p. 12.

202
poderá servir como ultima ratio impeditiva da operação da eficácia preclusiva da
exceção, barrando-a ope legis. Sem recorrer a esse fundamento471, histórico parecer
afastou a prescrição de pretensão indenizatória manejada contra o Banco Central
(BACEN) por sociedade financeira ruinosamente administrada durante período de
liquidação. O dado decisivo do estudo repousou em não se cuidar inércia de dado
casual, mas sim de dado causado pelo BACEN, titular da exceção de prescrição, que
nomeou administradores incompetentes e subtraiu da sociedade-vítima órgãos que se
lhe pudessem fazer representar, em juízo ou fora dele, em defesa de seu crédito472.
Assim é que se o contador «maquia» os livros e é bem-sucedido em ocultar
seus desvios por anos, apenas para ao fim ser desmascarado por auditoria473; ou se o
empregador reduz o empregado a condição análoga de escravo, albergando-o contra
dívidas crescentes em posto remoto; ou ainda se o devedor finge realizar pagamento e
envia recibo falso ao credor, às vésperas da operação do prazo prescricional, induzindo-
o à inércia até que este se tenha operado; em todos esses casos haverá subjacente ao
manejo do ius exceptiones o senso de manifesto avilte aos valores subjacentes ao
art. 187 que autorizará se ter por não oposta a prescrição. Isso não será verdade de
maneira perpétua, i.e., não será verdade para a prescrição oposta a qualquer tempo,
porque o abuso do direito não tem eficácia caducificante, não conduzindo à perda do
direito abusivamente exercido. A questão se põe no plano da eficácia, que será tolhida
apenas para a prescrição oposta com base no lapso de tempo objetiva e diretamente
criado pela conduta debitória contrária à boa-fé (cf. Enunciado 617 do Conselho de
Justiça Federal, das Jornadas de Direito Civil474).
Dizer que o lapso de tempo criado pela má-fé deve ser tomado em conta não
significa afirmar que, para cada dia perdido por decorrência da ignorância induzida, ou
da força empregada, será outorgado um dia de prazo prescricional ao final, à moda de
uma causa de suspensão. A solução constitui regime legal possível, como se viu, porém
diverso do brasileiro. O ordenamento, aqui, lida com naturalidade com a perda de dias,

471 Por enxergar, em dissenso ao sustentado no item III.2, força geral ao princípio de que contra non
valentem agere non currit praescriptio.
472 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Obrigações e Contratos. Pareceres de Acordo com o Código Civil

de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 118.


473 Note-se que não basta, aqui, haver desvio; é preciso haver desvio e haver ocultação maliciosa, com

causação da ignorância do titular. A solução para desvios puros e simples não escapou à antiga doutrina,
que sem receios, reconheceu a prescrição operada (CAMPOS, Francisco. Direito Civil. Rio de Janeiro:
Livraria Freitas Bastos S/A, 1956).
474 Enunciado 617. O abuso do direito impede a produção de efeitos do ato abusivo de exercício, na

extensão necessária a evitar sua manifesta contrariedade à boa-fé, aos bons costumes, à função
econômica ou social do direito exercido.

203
meses ou anos de prazo, mesmo por força de atuação de fatores não atribuíveis ao titular
da pretensão, e por ele irresistíveis.
Assim é que o julgador deverá divisar na espécie se (i) o tempo remanescente
ao prazo prescricional, se houver, era razoavelmente apto a facultar o exercício
tempestivo da pretensão pelo titular; e (ii) em caso de resposta negativa, recusar a
exceção de prescrição e ter por operante a pretensão manejada no lapso de tempo
subsequente ao termo prescricional legal, porém razoavelmente bastante a dito manejo
pelo titular. Não se ignora, e nem poder-se-ia fazê-lo, que são balizas abstratas estranhas
à certeza que a prescrição ordinariamente confere. Em ponderação, deve-se registrar
que o caso é de hipóteses-limite, em que o relógio é o do abuso e não o da prescrição.
Nesta, para fixação da eficácia preclusiva, navega-se sempre com a precisão de
satélites, naquele, pela fluidez da cláusula geral, com a vagueza da localização por
estrelas. É um preço a se pagar – e no cenário internacional, quando à míngua de norma,
o desafio é idêntico475 – para que o regime não premie a malícia, mas não se transforme,
inadvertidamente, a tutela protetiva da parte vítima de abuso em tutela promocional,
que a ponha em posição melhor do que ordinariamente desfrutaria476.

* * *

475 «Sans doute ne s’agit-il là, en grande partie, que d’une application de la maxime plus générale Fraus

omnia corrumpit. Mais l’exigence de certitude du régime de la prescription impose de rappeler son
application en matière de délai butoir, non seulement pour définir les hypothèses susceptibles d’en
relever mais également pour en préciser les conséquences. Dans de telle circonstances en effet, la
neutralisation du délai butoir devrait avoir pour conséquence, non pas d’en nier l’existence, mais de
relever de forclusion le titulaire du droit en lui permettant d’agir, malgré l’expiration du délai butoir,
dans un laps de temps relativement court – qui pourrait par exemple être fixé à six moins ou un an – à
compter de la découverte de la fraude ou de la dissimulation. Aussi la neutralisation du délai butoir serait
conditionnée à l’existence e à la fois d’un comportement frauduleux du débiteur et d’un comportement
diligent du créancier / Sem dúvida, trata-se apenas de uma aplicação da máxima mais geral de que Fraus
omnia corrumpit. Mas a exigência de certeza do regime da prescrição impõe recusar-se sua aplicação em
matéria de prazo, não apenas para definir as hipóteses suscetíveis de sua arguição, mas também para
especificar as consequências. Nestas circunstâncias, a neutralização do prazo deve ter como
consequência não negar a sua existência, mas excluir a preclusão do titular do direito, permitindo-lhe
agir, apesar do fim do prazo prescricional, num período de tempo relativamente curto – que poderia, por
exemplo, ser fixado em seis meses ou menos – a partir da descoberta de fraude ou da ocultação. Desse
modo, a neutralização do prazo seria condicionada à existência de um comportamento fraudulento do
devedor e de um comportamento diligente do credor.» (KLEIN, Julie. Le point de départ de la
prescription. Paris: Economica, 2013, p. 527).
476 ANDRADE NEVES, Julio G. A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil. São Paulo: Almedina,

2016, p. 189.

204
CAPÍTULO V CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
FUNDAMENTO PRESCRICIONAL E
INSTABILIDADE JUDICIÁRIA.

Compreendida a dinâmica dogmática da prescrição, seu objeto de incidência,


seus pressupostos e seus efeitos, tem-se a reflexão madura o bastante para o capítulo
expositivo derradeiro. A estrutura está posta; falta-lhe o leme, sua razão de ser, seu
fundamento último. Com base nele, será possível testar o acerto ou desacerto do que a
jurisprudência tem feito ao manejar, em casos extremos, o instituto da prescrição.
Essa cogitação – por que se abateu um mal sobre a posição jurídica – não é
vazia ou despicienda. Da definição da teleologia advirão, em fechamento do círculo
expositivo do estudo, impactos relevantes à dogmática, afinal, o instituto deve render
menor homenagem à estrutura que naturalmente lhe seria incidente do que à função que
dele socialmente se espera. É essa, aliás, a letra da lei, para além da comezinha lição
doutrinária: na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum 477 . Para além disso, é de se esperar seja o fundamento
racional subjacente à prescrição sólido, consistente. Como a doutrina internacional
sedimentou com clareza, a prescrição é em tudo equiparável a um ato de
expropriação478, ainda que seu desenho dogmático seja de diversa natureza. Em um
Estado de Direito, o mutilar da esfera jurídica tem que ostentar justa causa.
Ocorre que, diferentemente do que poderia suceder com outros institutos, a
busca do fundamento da prescrição não é exercício que se possa resolver (ou, quando
menos, iniciar) com recurso à constatação ex facto do papel social e econômico do
instituto. Explica-se melhor. A prescrição é figura jurídica que se poderia designar de
terceiro grau. É um instituto jurídico de existência ideal (puramente abstrata, em sua
força deseficacizante de pretensões), que recai sobre posições jurídicas de existência
igualmente ideal (puramente abstratas, i.e., as pretensões atreladas a direitos subjetivos

477 A referência deve ser entendida com comedimento, i.e., como um aceno à teleologia como norte da
aplicação dos institutos, prevalente sobre uma dogmática seca, sem vetores funcionais, ou reduzida à
infértil literalidade dispositiva. Se é verdade, de um lado, que todos os institutos, inclusive privados, não
podem ser imaginados atomisticamente no seio social, é igualmente verdadeiro que as exigências
genéricas do bem comum não têm, via de regra, nenhuma relevância nas relações intersubjetivas
privadas. (CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang
SARLET; Paulo Mota PINTO. Coimbra: Almedina, 2003, p. 37).
478 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 63. Dando notícia histórica no mesmo
sentido, Simão pondera seguir a prescrição um «instituto necessário para a estabilidade de todos os
direitos» (SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013.
P. 137).

205
em sentido estrito), que recaem, finalmente, sobre objetos e condutas concretamente
verificáveis no tecido social (as condutas de dar, fazer, ou não fazer, e os bens jurídicos
a elas atrelados, como objeto que anima a prestação vinculada a um direito subjetivo
em sentido estrito).

Esse marcado distanciamento do plano técnico ao tecido social torna o


fundamento da prescrição mais maleável aos gostos de cada tempo, lugar, estado da
arte juscientífico. Para quê serve uma compra e venda? O mais simples dos homens o
constatará a olho nu, na rua, sem cogitar do ordenamento: alguém deseja uma coisa e
aceita por ela pagar dinheiro; alguém deseja dinheiro e aceita por ele entregar uma
coisa; e para conformar esses interesses (no sentido de desejos) confluentes entabulam
a transmissão do domínio contra a justa paga. O Direito cria a compra e venda como
arquétipo normativo juridicamente tutelável a reboque de tê-lo feito a sociedade, como
prática econômica corrente de papel empiricamente desenhado. Para quê servem as
normas de tutela da dignidade humana, em sua dimensão psicofísica, e a autorização
de legítima defesa? Basta ter um corpo para saber, pelo mais primordial dos instintos,
por que se quer protegê-lo do mal e poder revidar, com agressão, contra quem se lhe
atente à integridade.
Pois bem, e para quê serve a prescrição? Para quê se presta o perecimento da
pretensão que lastreia o direito subjetivo em sentido estrito, cuja prestação subjacente
seja reconhecida como exigível pelo ordenamento? Para quê serve o não ter um direito,
ou não o ter mais como antes, pelo fluir do tempo? A prescrição não tem fim claro em

206
si mesma; é preciso beber de fonte alheia para se explicar e, em continuidade umbilical,
se justificar479.
Nos subitens seguintes, o estudo cuidará de agrupar – e rejeitar, pelas razões
que serão declinadas – diversos fundamentos historicamente ofertados à prescrição. Ao
final, restará apenas um, que, adiante-se, balizará todo o desenrolar do trabalho: a tutela
da segurança jurídica. É a estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas que
explica a afetação de posições jurídicas há muito não exercidas; e apenas ela.

V.1 O desacerto dos fundamentos «naturais», ou de «imposição da


ordem das coisas como são».
As pretensões não são sentidas, constatadas. Não há pretensões nas praças,
nem nos pontos de ônibus. Tolhendo-as, ninguém sangra. Para uma figura de contornos
absolutamente abstratos, por óbvio, não convêm explicações concretas (ou
concretistas). Isso não quer dizer, contudo, que a dogmática não o tenha tentado.
Encontrar-se-á, com enorme facilidade, referências biológicas no sentido de
que tudo na vida nasce, vive e morre, bem como materiais, de que o tempo tem ação
destruidora sobre todas as coisas, não podendo, em um ou outro caso, ser diferente com
os direitos. No Brasil, se disse que «se o homem não escapa da morte, as relações
jurídicas não escapam da extinção»480, ou que «a prescrição tem a sua base na própria
natureza humana, ao mesmo tempo em que é reclamada pela organização das
sociedades civilizadas (...) sendo sua existência absolutamente indispensável em
qualquer sociedade bem organizada»481. Na Holanda, de forma quase idêntica, entre
ao final do século XVII, popularizou-se a máxima segundo a qual «ne autem lites
immortales essent, dum litigantes mortales sunt», ou seja, não podem as disputas ser
imortais, se os litigantes são mortais482.
Alusões desta natureza flertam com ser a prescrição filha da ordem natural das
coisas. Esse tipo de discurso é em grande medida potencializado pela longevidade e
linearidade do instituto. Nada obstante, a tentativa de reconduzir o fenômeno

479 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 63.


480 SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 137;

Em mesmo sentido: CÂMARA LEAL; AGUIAR DIAS, Da prescrição e da decadência: teoria geral
do direito civil, p. 14.
481 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Código Civil Comentado. Prescrição, Decadência, Prova. Artigos

189 a 232. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 1 e 8.


482 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 64.

207
prescricional a um imperativo físico, lógico ou moral, a um ser porque obviamente o é,
é um sofisma. Há posições jurídicas subjetivas para as quais o consenso indica a
imprescritibilidade; no campo de institutos puramente ideais, salvo disposição em
sentido contrário, as pessoas jurídicas «vivem» com tendência à perpetuidade.
A circunstância de que a um determinado grupo de posições jurídicas
subjetivas, em um dado ordenamento, se determine parcial ou total perecimento pelo
decurso sem exercício por dado lapso de tempo, é uma escolha de política legislativa e
não um imperativo de qualquer natureza. Ótima política legislativa porque oferece
segurança e estabilidade, e por isso está presente há séculos, mas apenas isso: uma
escolha flutuante de cada sociedade.
O que deve prevalecer – a tutela da posição jurídica ou a segurança advinda
de sua estabilização – é um sopesar de valores personalíssimo de cada povo, a cada
tempo. Tanto assim é que as imprescritibilidades (aqui assumidas em sentido amplo,
i.e., causas que pré-excluem, impedem, suspendem ou interrompem a fluência do prazo
prescricional) variam amplamente de país a país.
Comprove-se o afirmado com um exemplo trivial. No Brasil, a prescrição não
corre contra menores de dezesseis anos (CC, art. 198, I, c/c art. 3º). Na Itália, a norma
beneficia os menores de dezoito anos, mas apenas se esses menores não tiverem
representantes, perdurando o impedimento pelos seis meses subsequentes à nomeação
do representante ou completude da maioridade (Codice, art. 2.942, caput e item “1”).
Na França, beneficia-se os menores, exceção feita para casos que a lei pontua
(pagamentos devidos por prestações anuais ou períodos mais curtos, salários, alugueis,
empréstimos, entre outros) (Code, art. 2.235). Qual destes países terá agido de maneira
contrária à ordem natural das coisas, tendo por imprescritível o que, como o corpo dos
homens, deveria perecer com o tempo, ou privilegiando o titular que deixou de colher
no tempo de colher? É evidente que uma tal cogitação é despropositada. Diante de um
mesmo problema a sensibilizar os legisladores – menores reclamam cuidados especiais
–, cada qual desenhou o regime de não-prescritibilidade que melhor lhe aprouve diante
de seus padrões sociais de conduta.
O que se diz para determinados direitos poder-se-ia dizer para todos. Não é
inimaginável uma sociedade em que as posições jurídicas subjetivas não sofram a ação
do tempo. Na civilização ocidental contemporânea capitalista, a importância do tráfego
comercial e a necessidade de segurança e previsibilidade tornam uma tal abolição
profundamente indesejável, mas não ontologicamente impossível.

208
A questão é menos de opinião técnica e mais de constatação histórica. Se
parece evidente hoje, em uma sociedade global pós-industrial, que a prescrição é uma
ferramenta desejável, o mesmo não se poderia dizer de tempos passados. Na Alemanha
pré-recepção, dizia-se que o errado por cem anos não pode ser certo nem por uma hora.
No período clássico de Roma, a actio era em regra imprescritível; na Inglaterra,
primeira prescrição data do sec. XVII; na África do Sul, um brocardo Xhosa afirmava
«dívidas nunca apodrecem».483
Como já está claro, cogitações naturalistas ou concretistas em nada socorrem
a apuração do fundamento da prescrição. É preciso, portanto, seguir para apurar que
valores seriam esses cuja tutela a prescrição se presta.

V.2 O equívoco de supor que os meios ou efeitos são o fundamento


da prescrição
Há uma segunda ordem de equívocos quando o tema é o fundamento
ontológico e o propósito teleológico da prescrição: confundir caminho com fim (modo
de tutela com bem jurídico efetivamente tutelado), ou, ainda, tomar uma consequência
meramente incidental com finalidade central do instituto.
Não são raras as notas doutrinárias que assim procedem. Diz-se que a
prescrição tem como função presumir quitadas as obrigações, dispensando o devedor
de fazer a difícil prova do pagamento; a prescrição tem por função genericamente
adequar o direito à realidade de fato, porque o titular não se comporta como tal; a
prescrição tem por fundamento reduzir o número de demandas no seio social484.
A tautologia da primeira proposta é bastante evidente. A prescrição tem como
função presumir quitadas as obrigações e o faz... por meio da presunção de quitação. A

483 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 62.


484 «Além disso, se não existisse esse meio liberatório, impor-se-ia indefinida conservação de todos os

papéis, livros, documentos e recibos. Bem se pode imaginar, dentro de muito pouco tempo, a extensão
do arquivo de uma grande organização (...)». (MALUF, Carlos Alberto Dabus. Código Civil
Comentado. Prescrição, Decadência, Prova. Artigos 189 a 232. São Paulo: Atlas, 2009, p. 7); «O
instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de
todos os direitos. Dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame
do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite no tempo.» (GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito Civil Brasileiro. 13a. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 516). Em mesmo sentido,
ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and
prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 64.; CÂMARA LEAL, Antonio Luis
da. Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982,
p. 14.

209
conclusão se iguala à premissa, o fundamento ao efeito, em um círculo vazio de
argumentação. A realidade é que a presunção de quitação das prestações lastradoras da
pretensão que a prescrição atinge é apenas um dos modos de operar a prescrição no
Direito estrangeiro (como na impropriamente nominada prescrição presuntiva485).
Supor pudesse ser essa especialíssima eficácia presuntiva fundamento do
fenômeno prescricional como um todo é um equívoco, ainda, por outra razão. Isso
porque não há eficácia de presunção em modalidades de prescrição liberatória, para não
falar da impropriamente designada prescrição aquisitiva (usucapião). Como poderia a
presunção de quitação ser fundamento de prescrição e não estar presente, em concreto,
em tantas manifestações da figura referidas em doutrina? Não poderia, naturalmente.
Melhor sorte não têm as considerações sobre a diminuição de demandas, ainda
que por diversas razões. O fundamento goza de grande prestígio; na Inglaterra, talvez
pelos ares ainda processualistas que marcam a disciplina prescricional, é tido como
fundamento central sob a máxima de «interest rei publicæ ut sit finis lituim»486.
O erro aqui repousa em sequer ser ela, a redução, um valor em si. O acesso à
justiça é um antigo objetivo e paradigma dos processualistas que pressupõe o aumento
de demandas como algo positivo. Os esforços recentes de fomento de métodos
alternativos de solução de controvérsias apontam para a autonomia privada como atriz
central da capacidade de as partes comporem seus interesses de forma não litigiosa
(conciliação; mediação) ou submeter suas demandas a julgadores especializados fora
do Poder Judiciário (arbitragem), nunca à deseficacização tout court de posições
jurídicas. Replicar a esta refutação com o argumento de que apenas as demandas
merecedoras de limitação seriam excluídas (porque exacerbadoras de um limite
razoável para exercício e, por isso, desnecessariamente causadoras de insegurança
jurídica, ou porque desnecessariamente custosas487) é a uma só vez uma tautologia e
uma remissão, indisfarçada, à necessidade ao fundamento central da segurança jurídica
de que se cuidará mais adiante.
Por fim, no que tange à adequação do Direito à realidade, tem-se que a
sistemática da ciência jurídica pressupõe o contrário do que se propõe. É o Direito que
incide sobre a realidade, colorindo-a com os efeitos jurídicos, e não o contrário, em
uma subsunção às avessas em que os fatos concretos travestem e transmutam o

485 GERARDO, Michele; MUTARELLI, Adolfo. Prescrizione e decadenza nel diritto civile: aspetti
sostanziali e strategie processuali. Turino: G. Giappichelli Editore, 2015, p. 339-358.
486 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 64.


487 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 64.

210
arquétipo jurídico ideal. Direito é dever-ser e não ser. Não socorre a esta proposta a
circunstância de que, em excepcionais recortes fáticos, o Direito se amolde a uma
percepção de realidade consolidada, outorgando-lhe prestígio de tutela jurídica. Poder-
se-ia listar nessa argumentação, para além dos institutos já mencionados nestas linhas
introdutórias (prescrição, decadência, suppressio, usucapião), as hipóteses de tutela da
aparência, inclusive legalmente positivadas.
Se um devedor paga ao falso credor que por tudo em tudo parecia verdadeiro
(putativo), o pagamento produzirá efeitos sobre o verdadeiro credor não-participante
do ato (CC, art. 309). Se o casamento nulo ou anulável foi contraído de boa-fé,
produzirá efeitos até a sentença que o reconheça inválido, a bem do cônjuge ignorante
e da prole (CC, art. 1561). Pagamento ruim feito bom, casamento ruim feito bom,
porque assim aparentavam. Ocorre que nesses casos não se verifica um bem que deflua
da adequação por si só, e sim da proteção daqueles que foram reputados merecedores
de tutela, porque se conduziram conforme os ditames da boa-fé.
Houve quem enxergasse no fenômeno prescricional situação análoga àquelas
acima descritas, na medida em que a longa inércia do titular da pretensão poderia
despertar, por si só, a confiança do devedor de que o exercício não mais se daria488. É
duvidoso que essa seja uma confiança merecedora de tutela489. Ainda que assim não
fosse, é marcante o caráter incidental de se constatar no fenômeno prescricional uma
conduta deliberada de não-exercício. Sobram exemplos de não exercício por
ignorância, ou por razões compreensíveis, ou, sobretudo, sem que se tenha dado
margem a dúvidas ao devedor sobre o propósito de futuro exercício. Se é verdade que
a confiança imaginada por parte da doutrina não está presente em diversos casos de
prescrição, sucede, logicamente, que essa «adequação meritória» do Direito à realidade
fática não pode servir de fundamento ao instituto.
Repise-se, então, a questão. O espelhamento da realidade sobre o Direito, por
excepcional abertura sistemática, rende vassalagem a esses elevados status que o
ordenamento busca albergar do rigor seco da norma. No caso da boa-fé, sem dúvidas,
há um espelhamento da realidade fática (não exercício de posição jurídica) sobre o
Direito (parcial deseficacização desta mesma posição jurídica). O que o
posicionamento aqui criticado não responde é o fundamental: que valor subjacente se

488 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 78.


489 ANDRADE NEVES, Julio G., A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil, São Paulo: Almedina,

2016, p. 84 e ss. e, mais adiante, 106 e ss.

211
procura privilegiar, na prescrição, para que a realidade se sobreponha à pré-estruturação
jurídica? Segue sem resposta questão.

V.3 A fragilidade – e imprecisão – das presunções como


fundamento ontológico de institutos.
No item precedente foi afastada a ideia de que a presunção de quitação pudesse
operar como fundamento para a prescrição porque, a uma, este é um efeito e não a razão
de ser do instituto, e a duas, a presunção de quitação só se amoldaria a uma das
modalidades de prescrição (a impropriamente dita prescrição presuntiva, não prevista
no ordenamento brasileiro). É preciso expandir, ainda que um pouco, esta ordem de
considerações. Isso porque, para além da presunção de pagamento, a presunção de
renúncia ou abandono é comumente invocada como fundamento da prescrição civil. A
censura da correlação equivocada entre fundamento e efeito poderia ser reiterada, com
a crítica adicional, porém, de que o efeito da prescrição sequer seria adequadamente
descrito por este recurso.
Para entendê-lo, é preciso definir o que seja o destino (rectius, qual a
fenomenologia exata) de uma posição jurídica dita renunciada ou abandonada. Em
primeiro lugar, convém ter em conta se cuidam de institutos diferentes, ainda que
ontologicamente vizinhos.
Abandono é palavra polissêmica no Direito. Sempre coligada ao sentido vulgar
de deixar à própria sorte, abandonar tecnicamente pode significar (i) o ato ilícito
caducificante de contumaz desatenção aos deveres oriundos do status de genitor frente
ao menor (CC, art. 1.638, II); (ii) o ato ilícito indenizativo de privilegiar, o
comodatário, a salvação de seus bens frente àqueles dados em comodato, caso em que
responderá por sua perda, mesmo que por fortuito ou força maior (CC, art. 583); (iii) a
situação (fato jurídico em sentido estrito) do álveo cujo curso d’água seque ou se desvie,
para fins de aquisição da propriedade pelos ribeirinhos (álveo abandonado; CC,
art. 1.252); (iv) a violação ao dever de coabitação do cônjuge (CC, art. 1.566, II), a
ensejar, inclusive, usucapião, se observados os demais elementos do suporte fático da
figura (CC, art. 1.573, IV). Nenhum desses sentidos se conecta à prescrição com
clareza.
No campo das coisas, com sentido mais próximo daquele aqui buscado, o
abandono (dito derrelicção) é modalidade de perda da propriedade (CC, art. 1.275, III).
O proprietário deixa de exercer todas as prerrogativas inerentes à propriedade,

212
desatende à coisa como um todo, comporta-se como se não o bem não fosse mais seu,
lançando a coisa definitivamente à própria sorte. Externamente, rompe-se,
necessariamente, a relação com o corpus da coisa (antes) tida490. A eficácia é a extinção
do domínio, como diz a letra expressa do Código, abrindo campo para a aquisição
iniciada pela ocupação de terceiro particular, ou pela arrecadação pelo Erário
(CC, art. 1.276). A lei recorre, ainda, ao abandono como meio de o titular do direito
real cortar o mal pela raiz em caso de se avolumarem as dívidas juridicamente
conectadas ao bem (ditas propter rem). Assim é que o dono do prédio serviente pode
abandonar a propriedade em benefício do dominante, para não custear suas obras de
mantença (CC, art. 1.382); o adquirente do imóvel hipotecado pode exonerar-se da
hipoteca abandonando-o (CC, arts. 1.479 e 1.480).
A doutrina ponteana aproxima o abandono da prescrição ao classificá-lo como
ato-fato 491 . A prescrição não é ato-fato (é exceção com excepcional irradiação de
eficácia ope legis; v. CAPÍTULO I), mas inclui o ato-fato da inércia do titular do direito
subjetivo como pressuposto para seu surgimento, em seu suporte fático complexo
(v. CAPÍTULO III, em especial item III.2). Trata-se de uma aproximação muito tênue,
secção delicada dos institutos, e, ainda assim, aparentemente equivocada. O elemento
volitivo qualificado, i.e., o propósito firme do titular do domínio em deixar de sê-lo por
pessoa capaz (animus derelinquendi492) é estranho à categoria dos atos-fatos, que, como
afirma a própria dogmática ponteana, torna a qualidade da vontade do agente
absolutamente irrelevante à fenomenologia jurídica. A pessoa com avançado estado de
demência que habita a casa deixada pelo cônjuge falecido sem dúvidas exerce, por ato-
fato, o direito de habitação, ainda que sequer saiba que ali mora (ou menos ainda o
deseje; CC, art. 1.831). A mesma pessoa que, sendo proprietária, deixe com ânimo
definitivo seu lar, não o terá abandonado porque sua vontade de nada valerá ao
ordenamento.
A controvérsia se desenrola em doutrina mais entre ser o abandono ato jurídico
em sentido estrito ou negócio jurídico. A doutrina portuguesa reconhece se tratar de
«cessação da relação material com a coisa (corpus) em virtude de um acto intencional

490 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, Direitos reais, 5a. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 237.
491 Para fins de clareza: o autor não o faz expressamente; i.e., não é doutrina de PONTES DE MIRANDA
sejam prescrição e abandono institutos análogos ou sobrepostos. Diz-se feita a aproximação pelo só
recurso à categoria única dos atos-fatos (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de
Direito Privado, t. 14, 2a. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, p. 131 e ss).
492 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, Direitos reais, 5a. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 237;

PEREIRA, Caio Mário da Silva; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo (revisor e atualizador),
Instituições de Direito Civil, vol. IV, 18a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 232-233.

213
do seu titular dirigido à extinção da sua propriedade», mas, em parte, nega status de
negócio jurídico por ausência de margem à disposição493. Em sentido contrário vai o
melhor entendimento, para o qual é clara a natureza de negócio jurídico unilateral494.
Os efeitos abdicativos se produzem apenas porque e na medida em que queridos pelo
agente. A ausência de margem à disposição denuncia apenas a tipicidade estrita do
negócio de abandono, bem como a efetiva ruptura do contato com o corpus uma forma
particularíssima de manifestação tácita de vontade.
De outro lado, sobre a renúncia não pende disputa. É negócio jurídico
unilateral e abdicativo. O titular declara sua vontade de não mais sê-lo, observando a
forma prescrita em lei conforme a natureza do direito titularizado. Se for bem móvel
(CC, art. 82) ou direito a ele equiparado (CC, art. 83), em regra, a forma será livre. Se
for bem imóvel (CC, arts. 79 e 81) ou direito a ele equiparado (CC, art. 80), a forma
será pública se tiver valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário-mínimo vigente
no país (CC, art. 108). Se for bem imóvel sujeito a registro, a renúncia é eficaz apenas
após o registro (CC, art. 1.245495).
Qualquer que seja o posicionamento doutrinário sobre a matéria, abandono e
renúncia trazem uma carga de protagonismo ao desígnio do titular da posição jurídica
subjetiva que a prescrição desconhece. Pode suceder que a pretensão prescreva porque
o titular, conquanto muito desejoso de perseguir a prestação, julgou haver melhor custo-
benefício em aplicar seus recursos alhures, em frentes mais prementes que
demandavam sua atuação. Lamentou não poder atender à pretensão. Exerceu-a
extrajudicialmente (interpelou: ligou; cobrou), porém, em modos que não lei não
prestigia para óbice da fluência do prazo. Pode suceder que a pretensão prescreva,
ainda, porque o titular ignorava absolutamente a existência do fenômeno. Soubesse a
mutilação que se avizinhava, teria agido; constatando-a, lamentou. Nada disso é
compatível com abandono ou renúncia, que exigem propósito inequívoco de ruptura do
vínculo de titularidade entre sujeito e direito subjetivo.
É evidente que as presunções poderiam justamente se prestar a cimentar essa
lacuna. Sendo absolutas, criariam a vontade para fins legais, onde vontade de fato não

493 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, Direitos reais, 5a. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 237;

TELES, Inocêncio Galvão, Manual dos Contratos em Geral, 4a ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2002,
p. 126-127; e FERNANDES, Luís Carvalho Fernandes, Da renúncia nos direitos reais: in Estudos em
homenagem ao Professor Doutor José Dias Marques, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 571-592, em
particular 577 e ss.
494 PEREIRA, Caio Mário da Silva; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo (revisor e atualizador),

Instituições de Direito Civil, vol. IV, 18a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 232-233.
495 GOMES, Orlando; THEODORO JUNIOR, Humberto (atualizador), Direitos Reais, 18a. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2001, p. 185.

214
havia. Mas esses são sempre fundamentos teóricos frágeis, um atalho para adequar os
pressupostos concretamente verificados (porque faltantes) àqueles teoricamente
cunhados, o que a boa técnica repudia. Se a teoria geral da prescrição está disposta a
manter a eficácia prescricional quando falte elemento anímico de abandono ou
renúncia, é porque há – deve haver – alguma razão outra que alimente a ratio do
instituto.
Faça-se um último registro. Se no campo dos pressupostos (suporte fático) o
recurso à dupla renúncia-abandono é falho, melhor sorte não lhe assiste na ponta oposta,
dos efeitos. Como se verá com maior vagar no CAPÍTULO IV, o impacto da prescrição
civil repousa (por escolha normativa) no plano da eficácia: a pretensão antes exercitável
deixa de sê-lo, mas o direito subjetivo em sentido estrito segue preservado, conquanto
inexigível. A renúncia e o abandono têm efeito muito diverso: eliminam o próprio
direito, extirpando-o da esfera jurídica de seu titular como um todo.
Se prescrição, de um lado, e renúncia ou abandono, de outro, têm naturezas
jurídicas diversas, pressupostos diversos e efeitos diversos, parece pouco apropriado se
afirme – quanto mais pelo movediço caminho das presunções – sirvam estas como
fundamento daquela.

V.4 Dormientibus non succurrit jus. A punição ao credor negligente


e seu descompasso com o estado da arte do Direito Civil.
Muitíssimo popular dentre estudiosos496 é a referência ao castigo ao credor
negligente como base do fenômeno prescricional. O apelo ao correlato brocardo latino

496 «O mesmo acontece com o credor negligente. Podia ele exigir o crédito e não o fez. Sua prolongada
inatividade extermina a relação jurídica; a prescrição é então reconhecida actio negligentiae, non favore
prescribentis.» (MALUF, Carlos Alberto Dabus. Código Civil Comentado. Prescrição, Decadência,
Prova. Artigos 189 a 232. São Paulo: Atlas, 2009, p. 8) / «Há também, de certa forma, uma punição ao
titular de uma pretensão que lhe quedou inerte, não lhe dando efetividade» (TEPEDINO, Gustavo;
BODIN DE MORAES, Maria Celina; BARBOZA, Heloísa Helena. Código Civil interpretado
conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 355) / «Se o titular
deixar escoar tal lapso temporal, sua inércia dará origem a uma sanção adveniente, que é a prescrição. A
prescrição é uma pena ao negligente.» (DINIZ, Maria Helena, Prescrição e decadência no novo direito
de família: alguns aspectos relevantes, in: Prescrição no Novo Código Civil: uma análise
interdisciplinar, CIANCI, Mirna (coord.) – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 79) / «Isto a lei faz da seguinte
maneira: estipula um prazo considerado suficiente para que a pretensão seja exercida, de maneira
satisfatória, conferindo-lhe todo amparo do poder estatal e, com isso, atende aos desígnios de justiça.
Além do termo desse prazo, se o credor não cuidou de fazer valer a pretensão, dando ensejo a supor
renúncia ou abandono de direito, negligência em defendê-lo, ou até mesmo presunção de pagamento, a
preocupação da lei volta-se, já então, para os imperativos de segurança e as exigências da ordem e paz
sociais(...)» (THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos
jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed.

215
(dormientibus non succurrit jus) como forma de sustentar o raciocínio, com algum ar
de nobreza histórica, é igualmente frequente. Já se cuidou do tema, em alguma medida,
no item III.2, acima, mas o retorno à matéria, ainda que em aceno mais breve, aproveita
à coerência deste capítulo.
É preciso ter clareza histórica: o castigo à negligência já foi letra expressa da
legislação luso-brasileira. Rompendo o silencio das Ordenações Afonsinas
(aprox. 1448), as Ordenações Manuelinas (aprox. 1512) eram claras: «paffado o dito
tempo, nom poderam mais demandar por effa diuida, por quanto por fua negrigencia
que em todo o dito tempo teue em nom demandar fua diuida, Auemos por bem que a
nom poffa mais demandar» (L. IV, tít. LXXX). As Ordenações Filipinas (1595)
igualmente diziam igualmente que «passados os ditos trinta annos, não poderá mais
ser demandado por essa cousa, ou quantidade; por quanto por negligencia, que a parte
teve, de não demandar em tanto tempo sua cousa, ou divida, havemos por bem, que
seja prescripta a aução, que tinha para demandar.» (L. IV, t. LXXIX). O julgamento
moral era bilateral, porquanto não prescreviam as ações contra devedor de má-fé, «por
não se dar occasião de peccar, tendo o alheio indevidamente.» Na doutrina da época
de sua vigência a explicação é acachapante: «[h]e a razão da prescripção extinctiva, e
pena imposta ao credor que não cuidou de seu direito497». A mesma linha se manteve
quando da minuta da Consolidação das Leis Civis, no art. 854, segundo o qual «nesta
prescrição, só motivada pela negligência do credor, não se-exige o requisito da bôa
fé».
Crê-se, contudo, que há nessa ótica uma importante confusão. A circunstância
de que a disciplina prescricional não atinja, idealmente, um credor probo que tenha
exercido regularmente sua pretensão – i.e., a circunstância de que uma boa disciplina
prescricional outorgue, como regra, chance razoável de exercício da pretensão498 –, não
implica, necessaria e automaticamente, que (i) todo credor alvejado pela prescrição
tenha sido negligente; ou (ii) seja esse – sancionar a negligência – o propósito que
presentemente explique melhor o fenômeno prescricional, e não outros que apenas
reflexamente acenem nessa direção. Não é esse, ponha-se de outra forma, um dado

Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 165); «Assim, conclui-se que os fundamentos basilares da prescrição
são realmente dois: segurança jurídica e negligência do titular do direito» (SIMÃO, José Fernando.
Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 142).
497ALMEIDA, Cândido Mendes de, Codigo Philippino, ou, Ordenações e leis do Reino de Portugal :

recopiladas por mandado d’El-Rey D. Philippe I, vol. 4, 14. ed. Rio de Janeiro: Typ. do Instituto
Philomathico, 1870, p. 897.
498 ZIMMERMANN, Reinhard, Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription, Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 77.

216
ontológico da prescrição, mas um reflexo casual dos sistemas, quando não for uma
escolha expressa do legislador.
Inicie-se pela primeira afirmação: nem todo credor vitimado pela prescrição
foi negligente. Esse é um ponto central porque se o sancionar da negligência se pretende
apresentar como fundamento prescricional, é preciso que subjaza, sem vacilação, a
todas as apresentações do fenômeno – o que, como se antecipou, não é verdadeiro.
Alguns exemplos se extraem com facilidade da letra expressa do Código Civil. Já se
aludiu, acima, à disciplina prescricional atinente aos relativamente incapazes. A
combinação entre os arts. 195 e 198, I, não deixa margem a interpretações
tergiversantes: o relativamente incapaz sofre os efeitos da prescrição, havendo, a seu
socorro, exclusivamente a direito a reparação contra seus assistentes. Está-se a falar,
aqui, de jovens entre 16 e 18 anos, cujo direito a exercer pode, inclusive, ter sido
constituído quando eram ainda impúberes. Da imaturidade natural da idade – que atrai
disciplina específica do ordenamento – não se pode extrair da inércia desleixo, ou
tolice, ou ainda qualquer predicado que vindique repulsa ou sanção. Ao contrário: o
sentimento social e o aparato legal usualmente dedicado aos relativamente incapazes
são tendentes à proteção e promoção, compreendendo seu estado intermédio de
desenvolvimento. Isso nada obstante, a prescrição sobre si se abate, como se maduros
fossem, e podem tão somente se voltar àqueles que deixaram de atuar na defesa de seus
interesses.
Eleve-se o tom do exemplo uma oitava, para que se satisfaça aos espíritos mais
rigorosos frente os relativamente incapazes. Ainda que esse jovem tenha por si só
(i) apurado a existência de direito a exercer e (ii) compelido seu assistente a promover
a movimentação da pretensão, pode ter sucedido que, por inércia deste, aquele sofra a
mutilação do direito deixado não-exercido. Nesse caso, nenhuma possível negligência
se terá por parte do titular, em curso de amadurecimento que estivesse. Repita-se, isso
nada obstante, que a prescrição sobre si se abaterá.
Eleve-se ainda mais o tom, para apontar ainda que pessoas com doenças
mentais que as privem de discernimento não são mais incapazes a teor da redação do
art. 3º do Código Civil, promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência - EPD,
para o qual os adjetivos de crítica jamais serão duros o suficiente. De acordo com o
art. 6º, «a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (...)». Pudesse haver
alguma dúvida sobre a inclusão da deficiência mental grave nesse comando, ela se
dissiparia pelo art. 114 do Estatuto, que revogou o II do art. 3º do Código Civil, segundo
o qual eram absolutamente incapazes «os que, por enfermidade ou deficiência mental,

217
não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos». No açodar típico
dos projetos legislativos não debatidos com a comunidade jurídica, o diploma
supostamente protetivo removeu o fundamento legal para preexclusão da prescrição às
pessoas com doença mental grave. Com efeito, esse excepcional prestígio advinha da
interação entre o art. 198, I («também não corre a prescrição contra os incapazes de
que trata o art. 3º») e o antigo art. 3º, II, que listava tais pessoas dentre os tutelados
pela disciplina protetiva da incapacidade absoluta.
Resulta da aplicação da lei por simples subsunção admite se abata prescrição
sobre quem não tem, a seu favor, sequer o parcial amadurecimento social que marca o
estado mental médio daqueles jovens entre 16 e 18 anos de idade. Como, então, se
poderia supor seja a punição à negligência fundamento oportuno, se inimputável o
suposto agente negligente? Não se pode, é claro; não, ao menos, sem se ignorar uma
relevante porção da dogmática do instituto cujo fundamento se pretende explicar.
Os exemplos poderiam se seguir por páginas a fio. No direito societário, tem-
se que (i) a pretensão contra peritos pela avaliação (errada) dos bens integralizados ao
capital se dá em um ano da publicação da ata da assembleia que aprova o laudo
(CC, art. 206, §1º, IV); (ii) as pretensões contra administradores por violações a lei ou
ao contrato se mutila três anos passados da apresentação do balanço ou da assembleia
geral competente para delas conhecer (CC, art. 206, §3º, VII, «b»). Tudo isso se dá, e
aqui a lei é inequívoca, sem qualquer consideração a propósito de terem as assembleias
agido com negligência na consideração das matérias postas sob seu exame. Pode
suceder, perfeitamente, que o ilícito se ocultasse mesmo dos olhares atentos e fosse
apurável apenas por meio de perícia. Ninguém poderá – ao menos não sem renunciar
ao princípio de não se argumentar contra a letra da lei – dizer que a ciência (e, a reboque
dela, a negligência da inércia) é fundamental e se sobrepõe à data indicada ao início do
prazo.
Um último exemplo aproveita ao debate. Nas recentes reformas em matéria
prescricional na Europa, Alemanha e França adotaram um sistema dual de prazos (v.,
com mais detalhes, o debate a propósito no CAPÍTULO III.3) 499 . A prazos curtos,

499Na síntese claríssima de CANARIS: «O legislador encontrou essa solução [para redução de prazos
prescricionais] introduzindo o sistema subjetivo de prazos prescricionais. O antigo direito das
obrigações alemão orientava-se pelo sistema objetivo. Segundo este, a prescrição começa a contar a
partir do momento em que nasce o direito de pleitear, independentemente de o credor ter ou não
conhecimento do fato ou poder ou não ter esse conhecimento. Em oposição, no sistema subjetivo, o início
do decurso de prazo depende desse conhecimento ou, respectivamente, da possibilidade de obtê-lo. De
acordo com a nova lei, a prescrição só começa a correr quando o credor toma conhecimento ou deveria
tomar conhecimento, com exceção dos casos de negligência grosseira, das circunstâncias que

218
indexados por balizas de subjetividade (saber ou dever saber da pretensão exercitável),
somam-se outros, longos, de caráter estritamente objetivo: o que primeiro se operar,
estabiliza a pretensão. Na Itália, sem que sequer haja prazos longos dessa natureza, há
grande consenso doutrinário sobre ser irrelevante a ciência do titular para o operar da
prescrição 500 , o que, por óbvio, afasta a necessidade de negligência e desvalor na
conduta do titular afetado.
A realidade é que a conduta do titular será reprovável apenas em alguma
medida, em alguns casos de prescrição; igualmente, mas pelo ângulo oposto, a boa
conduta do titular evitará a prescrição na maior parte dos casos, mas não sempre, e nem
mesmo quase sempre. Disso se extrai que, nada obstante seja imprescindível haver, na
lei prescricional, uma razoável oportunidade de exercício de pretensão em abstrato, o
desvalor da conduta do titular não é um fundamento válido à prescrição como hoje
positivada.

V.5 Fundamento válido: princípio fundante da segurança jurídica.


Status constitucional e vetores de insegurança contemporâneos

Existe um grande consenso acerca de repousar a prescrição sobre o


fundamento da segurança jurídica, tendo como função a pacificação de disputas, por

constituem a reclamação e a identidade do devedor (§199, I do BGB). Isso permite uma redução drástica
da duração do prazo – especificamente, para um período de três anos (§195 do BGB). No entanto, esse
modelo apresenta uma deficiência, qual seja, que o início da prescrição não é certo, podendo ser
postergado indefinidamente. Como consequência, o sistema subjetivo deve ser complementado pelo
sistema objetivo. Isso significa que o prazo de prescrição, que começa com o conhecimento do credor,
tem de estar relacionado a outro prazo que começa assim que nasce o direito de pleitear. Esse prazo
objetivo adicional na nova legislação alemã é de dez anos (§199, III do BGB). Logo, de modo geral, o
pleito prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor toma conhecimento da sua
existência, ou não o faz devido a uma negligência grosseira, havendo porém um prazo máximo de dez
anos a contar da data em que passa a existir o direito de pleitear.» (CANARIS, Claus-Wilhelm. O novo
direito das obrigações na Alemanha. Revista da EMERJ, v. 7, p. 108–124, 2004; no trecho, p. 111.
Grifos no original). Em mesmo sentido, v. MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e, Da
Modernização do Direito Civil. I - Aspectos gerais, Coimbra: Almedina, 2004, p. 85 e ss.; STEINER,
Renata, A ciência do lesado e o início da contagem do prazo prescricional, Revista de Direito Privado,
v. 50, p. 73–92, 2012.
500 «Secondo una tradizionale e consolidata interpretazione giurisprudenziale quella che impedisce il

decorso della prescrizione è solo l’impossibilità giuridica di far valere il diritto, riscontrabile
esclusivamente in presenza di impedimenti giuridici (…) La principale ipotesi di impossibilità di fatto
dell’esercizio del diritto è rappresentata dall’ignoranza del titolare circa l’esistenza del suo diritto.
Trattandosi di un impedimento di fatto si afferma communente che essa non preclude la decorrenza della
prescrizione. / Segundo uma tradicional e consolidada interpretação jurisprudencial, a impossibilidade
que impede o decurso da prescrição é só aquela jurídica de fazer valer o direito, localizável apenas na
presença de impedimentos jurídicos (...) A principal hipótese de impossibilidade de fato de exercício do
direito é representada pela ignorância do titular acerca da existência do seu direito. Tratando-se de um
impedimento de fato, afirma-se comumente que não impede a decorrência da prescrição» (BIANCA,
Cesare Massimo. Le garanzie real; la prescrizione. Milão: Giuffrè Editore, 2012, pp. 505-506).

219
meio da estabilização de prerrogativas emergidas dos direitos subjetivos501. Tem-se,
portanto, fundamento (segurança jurídica), utilidade (pacificação) e ferramenta para
este fim (estabilização). A correlação é tão estreita que a doutrina italiana, invocando a
autoridade dos trabalhos preparatórios do Code na vizinha França, afirmou se tratar do
instituto de direito privado mais importante à ordem social502.
Não se trata de fundamento desimportante: a segurança jurídica é reconduzida
à própria essência do conceito de Direito. Sendo certo que o Direito deve se ordenar
cientificamente, e sendo certo, ainda, que a ciência deve oferecer critérios claros para
resultados previsíveis, um Direito incerto milita em verdade pelo arbítrio. Não é casual
que, ao lançar os pressupostos fundamentais para seu «Pensamento Sistemático e
Conceito de Sistema na Ciência do Direito», CANARIS coligue a noção de sistema
(pressuposto do Direito como ciência) àquela de segurança jurídica, designada por ele
um «valor supremo» e invocada «em todas suas manifestações», i.e., «seja como seja
como determinabilidade e previsibilidade do Direito, como estabilidade e
continuidade da legislação e da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade
da aplicação do Direito503.»
As cinco matrizes invocadas pela doutrina alemã (determinabilidade;
previsibilidade; estabilidade, continuidade; praticabilidade) dão, já no início dessa
rubrica, um perfume do que seja a segurança jurídica, leme da disciplina prescricional.

501 «[É] opinião tranquila que a prescrição atende à satisfação de superior e geral interesse à certeza e à

segurança no meio social e, assim, se coloca entre os institutos de ordem pública.» (THEODORO
JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos
Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008, p. 162); «(...) o fundamento principal, senão único, para sustentar o instituto da prescrição é,
mesmo, o da segurança das relações jurídicas(...)» (THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao
Novo Código Civil. Dos Atos jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da Prescrição e da Decadência.
Da Prova (vol. 3, tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 164); «Assim, conclui-se que os
fundamentos basilares da prescrição são realmente dois: segurança jurídica e negligência do titular do
direito» (SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013,
p. 142); «A estabilidade das relações sociais e a segurança jurídica compõem, portanto, o fundamento da
prescrição.» (TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina; BARBOZA, Heloísa Helena.
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar,
2004, p. 354).
502 PATTI, Salvatore. Certezza e giustizia nel diritto della prescrizione in Europa. Rivista trimestrale di

diritto e procedura civile, v. 64, p. 21–36, 2010. A referência está na p. 23.


503 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.

2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 22. Diz o autor., na íntegra: «[O]utro
valor supremo, a segurança jurídica, aponta na mesma direcção. Também ela pressiona, em todas as
suas manifestações - seja como determinabilidade e previsibilidade do Direito, como estabilidade e
continuidade da legislação e da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade da aplicação do
Direito – para a formação de um sistema, pois todos esses postulados podem ser muito melhor
prosseguidos através de um Direito adequadamente ordenado, dominado por poucos e alcançáveis
princípios, portanto um Direito ordenado em sistema, do que por uma multiplicidade inabarcável de
normas singulares desconexas e em demasiado fácil contradição umas com as outras. Assim, o
pensamento sistemático radica, de facto, imediatamente, na ideia de Direito (como o conjunto dos
valores jurídicos mais elevados). Ele é, por consequência, imanente a cada Direito positivo (...)».

220
Para se ter como cumprida a missão propedêutica da investigação do fundamento do
instituto, será preciso ir um pouco além para responder a três perguntas fundamentais.
São elas:
(i) tem a segurança jurídica (e, a seu reboque, a prescrição) um caráter imanente de
justiça, i.e., deve o princípio assegurar decisões não apenas controláveis
(determináveis, previsíveis, estáveis, contínuas e praticáveis), mas também justas?
(ii) tem a segurança jurídica (e, a seu reboque, a prescrição) assento constitucional?
(iii) estão corretos os precedentes que divisam imprescritibilidades principiológicas no
texto constitucional, à revelia de lei específica?

V.5.1 Conteúdo dogmático da segurança jurídica e a falácia do


dever de assegurar decisões previsivelmente justas

Sobre o conteúdo normativo do princípio da segurança jurídica, em geral e


especificamente para fins da disciplina prescricional, recente doutrina brasileira tem
sustentado que o conceito de segurança jurídica «seja ladeado por outros, que
permitam a formulação de soluções não só previsíveis, mas previsivelmente justas504».
Avança-se para dizer que «a mera segurança formal gera aquilo que PÉREZ LUÑO
chama de seguridad de la inseguridad, a afirmação formal de certezas que não são
consentâneas com ideias de justiça. Desse modo se afirmam os totalitarismos505.» A
articulação para, como se vê, a um curto passo antes da reductio ad hitlerum, e conclui
pela necessidade de uma «segurança afirmadora de valores, dinâmica, capa de
responder a necessidades constitucionalmente privilegiadas». Tudo caminha em
grande medida à ponderação de valores atinentes à prescrição pelo juízo, na pergunta
atinente ao controle jurisdicional referida sob item «iii», e que será oportunamente
enfrentada. É preciso, aqui, não pôr o carro na frente dos bois, sob pena de sacrificar o
raciocínio científico.
Segurança jurídica e justiça não são a mesma coisa. Difícil, aliás, antever
benefício em abraçar o mundo com as pernas e dar à segurança jurídica a missão (de
Sísifo) de implementar a justiça no Direito, problema de que se ocupam milênios dos
maiores pensadores sem solução definitiva. A verdade é que o Direito pode ser
perfeitamente seguro – i.e., previsível e permissivo de adequado planejamento pelos

504 NEVES, Gustavo Kloh Müller. Prescrição e decadência no Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris, 2006, p. 41.


505 NEVES, Gustavo Kloh Müller. Prescrição e decadência no Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris, 2006, p. 42.

221
cidadãos – e profundamente injusto. Um traficante que adentre a Indonésia dificilmente
terá dúvidas sobre seu destino, se flagrado pelas autoridades. Terá, à toda probabilidade,
inclusive cobrado remuneração que compense o risco por si assumido, que, como é
cediço, é risco de morte. Para aqueles que acreditam no valor supremo da vida humana
(o estudo, é claro, se perfilha à crença) e, a reboque disso, na impossibilidade de penas
de morte ou cruéis, o Direito indonésio é manifestamente injusto. Sem embargo, é certo.
Seguro, claro, a permitir o planejamento dos cidadãos com a certeza elevada dos efeitos
da incidência da lei.
Quer-se, com isso, dizer que o Direito Indonésio não merece crítica, repúdio
ou reforma? É evidente que não. Quer-se dizer apenas que o locus do problema é
diverso: não é preciso que a segurança jurídica resolva todos os problemas do Direito;
é preciso que resolva os problemas que tenham para consigo pertinência objetiva – o
que já é dizer muito, na medida em que um direito injusto pode ser seguro, mas um
direito inseguro nunca poderá ser justo506. Atentará, em sua incidência randômica, a
outro valor fundante do Estado de Direito, que é a igualdade asseguradora de soluções
idênticas a casos idênticos no curso do tempo (o que, por imperativo lógico, cria o rastro
da previsibilidade ínsito à segurança jurídica507).
A fuga, ou, talvez fosse melhor dizer, a pulverização da segurança jurídica
para um caleidoscópio de valores constitucionais, com a alusão aos predicados de
dinamismo e afirmação de valores tornam impossível não recordar as advertências de
doutrina nacional que, estatuindo as bases da resistência ao neoconstitucionalismo de
ramificações privadas, denunciou que a grandiloquência do discurso não oculta a
508
ausência de ferramental dogmático , a indisfarçada superação de limites

506 «[A] segurança jurídica é uma condição da justiça - præter justitiam, disse Luño Peña, sed pro

justitia-, e ela também, a exemplo da justiça, interessa ao bem comum político. Não surpreende,
portanto, que, reconhecida a segurança jurídica como algo de essencial à vida política - um seu
princípio, valor, ou ambas as coisas-, ela se formule como um direito fundamental» (DIP, Ricardo Henry
Marques. Sobre a crise contemporânea da segurança jurídica. Revista de Direito Imobiliário e
Registral, v. 54, p. 11–33, 2003, p. 13).
507 «Direito seguro nem sempre é direito justo. (...) Mas certo é que um direito inseguro é, por regra,

também um direito injusto, porque não lhe é dado assegurar o princípio da igualdade». (SILVA, José
Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Org.). Constituição
e segurança jurídica. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em
homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2a. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 15–30;
no trecho, p. 16). Para abarcar o conceito de justiça, o Autor lança a ideia de segurança do direito –
reflexão à qual o presente estudo não pode se filiar, por criar um tertium genus híbrido, sincrético, que
não agrega conteúdo dogmático à dualidade justiça e segurança, mas apenas enevoa, com prejuízo à
operabilidade, seus contornos e papeis.
508 «Seria esse o novo limiar de um Direito Civil humanista, pluralista, democrático e social. Adjetivos,

discursos hiperbólicos e afirmações panfletárias não faltam para descrever esse Direito Civil pós
moderno. Muito bem. Mas, é imprescindível a realização de delimitações para se analisar toda essa
enxurrada retórica em torno dessa nova visão do Direito Civil.» (RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz.

222
interpretativos e escolhas valorativas claras do ordenamento509. A crítica encontra, para
alento do Direito Privado nacional, ecos progressivamente mais ressonantes na
dogmática brasileira510.
Reconduzir a segurança jurídica à concretização de soluções subjetivamente
justas e não objetivamente adequadas é renunciar a seu conteúdo fundamental. Diga-
se de outra forma: previsibilidade é conceito unívoco; justiça material (fora da escolha
legislativa, expressa ou implícita), não511. A doutrina denuncia a falácia de se arguir a
máxima de que todos querem, sempre, uma solução justa à despeito do que a lei
objetivamente diga: algumas camadas de investigação para conferência de concretude
à resposta e surgirão a elas conteúdos radicalmente diversos, e muitas vezes igualmente
legítimos, gestados pelos grupos sociais heterogêneos que são a marca da sociedade
contemporânea hipercomplexa512.

Estatuto epistemológico do Direito Civil contemporâneo na tradição de civil law em face do


neoconstitucionalismo e dos princípios. O Direito (Lisboa), v. 143, p. 43–66, 2011, p. 48).
509 «Esse modelo de utilização discricionária e contra legem dos textos normativos, inclusive da

Constituição dá margem a graves desvios lógicos. Invoca-se a Constituição, certos “princípios” ou


“valores constitucionais” para desfazer de regras de inquestionável univocidade semântica. Esse abuso
chega ao extremo de se voltar contra a própria Constituição. (...) Assim agir, é estender o alcance desses
vetores interpretativos para além de seus próprios limites ou mesmo criar, assim do nada, princípios ou
técnicas que permitam essas práticas» (RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Estatuto epistemológico
do Direito Civil contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos
princípios. O Direito (Lisboa), v. 143, p. 43–66, 2011, pp. 54-55).
510 «Ao mesmo tempo que se bate pela dignidade da pessoa humana como fundamento máximo do

ordenamento, em qualquer de seus segmentos, adota-se, também, nos mais diversos setores do direito,
mesmo nos que constituem o chamado direito privado (onde deveria reinar a autonomia e a vontade
soberana do indivíduo, em nome da liberdade, sem a qual não se pode pensar em dignidade de homem
algum), a defesa ostensiva da supremacia do público sobre o privado, do interesse social sobre o
individual. Ergue-se aos poucos um leviatã que ninguém consegue definir com precisão e cujo
desenvolvimento não se tem como antever aonde chegará. Para servir a esse indecifrável senhor cuja
identificação se contenta com rótulos apenas (social, coletivo, público etc.), o indivíduo – razão de ser
da sociedade, do estado e o direito – cada vez mais se anula e mais apreensivo e inseguro se torna.»
(THEODORO JUNIOR, Humberto, A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o
princípio da segurança jurídica, Revista de Processo, v. 136, p. 32–57, 2006, p. 32).
511 ARCOS RAMÍREZ, Federico. Rule of law, seguridad jurídica y justicia. Cali: Universidade

Autónoma de Occidente, 2014, p. 206.


512 «La fisionomía de las actuales sociedades occidentales no permite hablar de una expectativa de

Seguridad Jurídica amplio sensu. No es posible hallar en ellas un consenso moral fáctico que permita
supeditar la certeza jurídica a la coincidencia entre los criterios morales manejados por el operador y el
destinatario de sus decisiones. Una Seguridad Juridica que contenga como uno de sus elementos básicos
la correspondencia entre las decisiones jurídicas y la consciencia jurídica material (Ross), esto es, entre
aquellas y las expectativas de los interesados, vale sólo en la hipótesis – hoy no muy frecuente – de una
homogeneidad relevante en la base social del sistema jurídico, con la presencia en la misma de fuertes
elementos comunitarios, o de una sociedad ideal del tipo de la sociedad bien ordenada de Rawls, en la
que todos los ciudadanos comparten una misma concepción de la justicia y la aplican como guía de su
comportamiento social» (ARCOS RAMÍREZ, Federico. Rule of law, seguridad jurídica y justicia.
Cali: Universidade Autónoma de Occidente, 2014, p. 208). / «As teorias dos direitos fundamentais não
oferecem respostas razoáveis aos problemas de aplicabilidade, pois terminam sendo teorias da justiça ou
teorias da idealidade dos direitos fundamentais, causando um déficit de dogmaticidade, além de não
captarem a pluralidade teórica de uma sociedade hipercomplexa. No mundo hipercomplexo, a busca por
segurança jurídica requer mais dogmática, mais certeza e mais efetividade (...).» (BELLO FILHO, Ney
de Barros, Teoria dos direitos fundamentais, Revista dos Tribunais do Nordeste, v. 4, p. 71–94, 2014;

223
Tem-se, pois, que segurança jurídica em sentido próprio tem pouco que ver
com o teor material das normas e decisões e mais com sua conformação a um estado
controlável das coisas que o rodeiam. A doutrina se valerá de descrições introdutórias
sempre muito próximas em significado: a doutrina portuguesa invoca «certa segurança
para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida»513; no
Brasil, fala-se de «tranquilidade e aquietação» 514 ; ou ainda de «cognoscibilidade,
confiabilidade e calculabilidade» sobre seu procedimento frente ao Direito515. Com
ares ainda mais abstratos, a Suprema Corte Americana referiu-se à paz de espírito
(peace of mind516). Poder-se-ia ir adiante por páginas a fio na mesma toada517.
Isso não quer dizer, contudo, que a segurança jurídica não tenha sido objeto
de enquadramento preciso. Antes o contrário: tem-se sustentado com boa razão que o
princípio da segurança jurídica assegura leis claras (subprincípio da determinabilidade
das leis, com leis claras e densas) e leis estáveis ao cidadão (subprincípio da confiança,
«traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas
da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos
jurídicos518»). A doutrina tem enorme consenso a propósito dessas balizas519, somando-

no trecho, p. 94).
513 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6a. ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1993, p. 371.
514 COMPARATO, Fábio Konder. Democratização e segurança. In: Doutrinas Essenciais de Direito

Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 2, p. 943–960; em especial p. 943.
515 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito

Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 250 e ss.


516 Supreme Court of the USA. Walker v. Armco Steel Corp., 446 U.S. 740 (1980), n. 78-1862,

julgamento em 2 de junho de 1980.


517 «A manutenção da segurança jurídica passa pela possibilidade de o direito poder ser reconhecido,

calculável e confiável. Esse é o seu conteúdo mínimo. Não passa, portanto, pela remoção, por meio da
jurisdição constitucional, da liberdade conformadora do legislador frente aos direitos fundamentais.»
(DUQUE, Marcelo Schenk. Configuração de direitos fundamentais e segurança jurídica. Revista dos
Tribunais, v. 887, p. 9–35, 2009).
518 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6a. ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1993, p. 371-373.
519 O dever do legislador é «expressar objetivamente uma complexa relação de fatos e valôres, destinada,

em princípio, a atender a exigências sociais de certeza e de segurança, dentro de um dado ambiente


histórico-cultural» (REALE, Miguel. O Direito como experiência (introdução à epistemologia
jurídica). 2a. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 247); «Objetividade das leis, primeiro, na sinalização
daquilo que é justo em princípio: a segurança do direito, que se obtém com o ditame prévio
correspondente; segundo: como garantia de aplicação do direito - e, quando o caso, da força - contra os
perigos que turbam a vida social: é a segurança pelo direito; terceiro, e por fim, objetividade das leis para
atuar como garantia contra suas modificações arbitrárias. Essa objetivação disciplinar, pois, embora
cumpra o primeiríssimo papel de sinalizar a res justa - conclusiva ou determinativamente, conforme o
caso -, assim interessando à virtude da justiça, também apresenta uma vertente gnosiológica e
psicológica, o que se chama segurança de orientação: os homens precisam, nós precisamos, com efeito,
saber em que nos fiar, a que nos ater, quais são as regras do jogo, as regras da vida jurídica em concreto.
Isso é indispensável para que possamos exercitar o direito de observância de nossos deveres de justiça e
de exigir que, a nosso próprio respeito, se observem também os deveres jurídicos que correspondam»
(DIP, Ricardo Henry Marques. Sobre a crise contemporânea da segurança jurídica. Revista de Direito

224
se, por algumas vozes, um elemento importante para um sistema de civil law como o
brasileiro, sob forte ataque do ativismo pretoriano: a estabilidade judiciária520.
Ciosa dos limites do possível em matéria de ciências sociais aplicáveis, parte
da doutrina521 pondera que cognoscibilidade não implica certeza absoluta, porque o
conteúdo é sempre sujeito a interpretação; confiabilidade não implica imutabilidade
plena; e calculabilidade não implica perfeita e absoluta previsão de efeitos, mas a
conjunção desse ferramental, deficiente que possa ser, é valiosa ferramenta de
resistência aos apetites da perniciosa ilusão da presunção de avanço do direito novo.
Frente à vocação universal de acerto material da decisão, pode parecer que a
pauta detalhada por esses autores seja modesta. Essa é uma impressão que se deve
desfazer desde logo. A previsibilidade e confiabilidade de um sistema jurídico é central
a seu sucesso, e assim o é há milênios. A doutrina alemã celebra a normatividade clara
(ainda que não científica, porque, vai sem dizer, o método científico nasceria do
iluminismo, séculos depois) como o elemento chave para o sucesso do funcionamento
do império romano, noticiando a adesão àquela normativa, «e de muito bom grado», de
habitantes de províncias que não eram reconhecidos como cidadãos, nem titulares de
direitos tipicamente romanos 522 . Verdade em Roma; verdade hoje. É ainda da

Imobiliário e Registral, v. 54, p. 11–33, 2003; no trecho, p. 12); «Ora, sob o aspecto da certeza de
aplicação da norma, a segurança é uma dimensão essencial do Direito. Indagar do fundamento último da
segurança jurídica (em razão de que existe ela?) equivale a perquirir o próprio fundamento do Direito.»
(COMPARATO, Fábio Konder. Democratização e segurança. In: Doutrinas Essenciais de Direito
Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 2, p. 943–960; no trecho, p. 944).
520 «Não se deu, todavia, a devida atenção a um outro ingrediente necessário e indispensável ao

desenvolvimento, que é a segurança jurídica, abrangendo duas vertentes que são, respectivamente, a
estabilidade legislativa e a estabilidade judiciária» (WALD, Arnoldo. A estabilidade do direito e o custo
Brasil. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 4, p. 159–165, 1999; no trecho, p. 161).
Em mesmo sentido caminhou CARLOS MAXIMILIANO, para afirmar que «(...) sem estudo sério, motivos
ponderosos e bem-examinados, não deve um tribunal superior mudar a orientação dos seus julgados;
porque da versatilidade a tal respeito decorre grande abalo para toda a vida jurídica da circunscrição
em que ele exerce autoridade. E preciso que os interesses privados possam contar com a estabilidade:
judex ab auctoritate rerum perpetuo similiter judicatarum, non facile recedere debet – ‘não deve o juiz
com facilidade afastar-se da autoridade dos casos constantemente julgados de modo semelhante’.» E
segue para advertir do risco oposto: «Não menos desviados do bom caminho se nos deparam os do
extremo oposto, os entusiastas do misoneísmo, que não querem saber de ideias novas, doutrinas
recentes, e se gabam de haver sempre decidido da mesma forma uma questão de Direito.»
(MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do Direito, 20a. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011, p. 151-152).
521 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito

Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 250 e ss.


522 «O que chama atenção na ordem jurídica romana é que ela também se encontrou em condições de

funcionar com base nos fundamentos do Direito Privado, mesmo quando ela, a partir do século I d.C.,
disse respeito a um império mundial que se caracterizava pela heterogeneidade. Esse império não era
multicultural no sentido moderno (...), mas seguramente heterogêneo do ponto de vista cultural. O
sistema funcionou, porque, por meio do trabalho dos juristas, a ordem normativa foi assentada de
modo claro. Resulta disso uma manifesta segurança jurídica geral, que acabou por representar a ideia-
chave para o sucesso do sistema de dominação romana. O charme irradiado pela garantia de segurança
jurídica é atestada pelo fato de que também os habitantes da província, que não possuíam direitos de

225
Alemanha a afirmação de que «uma coexistência pacífica de pessoas sob leis jurídicas
que assegurem a cada um “o que é seu” só é possível quando está garantida a
confiança indispensável523. Uma desconfiança total e de todos conduz à eliminação
total de todos ou ao domínio do mais forte, quer dizer, ao oposto de um ‘estado
jurídico’»524; no Brasil, viu-se-lhe como fundamental não apenas à estruturação social,
mas ao desenvolvimento socioeconômico525.
A segurança – não apenas jurídica, mas também ela – é letra expressa na
Declaração da Independência dos Estados Unidos da América também de 1776526; na
França, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789527; na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948528; no Pacto de San José da Costa
Rica de 1969529; e, com especial importância para um estudo brasileiro, na Constituição
de 1988 (tema de que se ocupa o item seguinte). Com especial felicidade, o Relatório
da XV Mesa Redonda Internacional do Anuário Internacional de Justiça Constitucional
colheu na lição alemã a síntese de que «o princípio de segurança jurídica é um elemento
essencial, com a justiça (Gerechtigheit), do princípio do Estado de direito e tem, por
conseguinte, como todos os elementos estruturadores da noção do Estado de direito,
um valor constitucional. Isto decorre de uma concepção teórica mais global da

cidadãos romanos, muito frequentemente, e de muito bom grado, se valiam da possibilidade desse
utilizarem do Direito Romano.» (CHIUSI, Tiziana. A dimensão abrangente do Direito Privado romano
- Observações sistemático-teoréticas sobre uma ordem jurídica que não conhecia “Direitos
Fundamentais”. In: PINTO MONTEIRO, António; NEUNER, Jorg; SARLET, Ingo Wolfgang (Orgs.).
Direitos fundamentais e direito privado. Uma perspectiva de direito comparado. Coimbra:
Almedina, 2007, p. 11–40; no trecho, pp. 33-34).
523 Reforça-se, aqui, a observação já feita acima de que é a justiça material que depende de segurança, e

não o oposto.
524 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian,

2005, p. 679.
525 Previsibilidade é fator de progresso, e deve qualificar tanto o ambiente da realização do investimento

quanto o de solução de eventuais disputas que ele venha a ensejar. (...) É esta previsibilidade que dá
estabilidade às relações jurídicas; é esta estabilidade que oferece aos cidadãos em geral e aos empresários
de maneira especial a segurança jurídica que faz crescer a economia do país. (CARMONA, Carlos
Alberto. Superior Tribunal de Justiça, segurança jurídica e arbitragem. Revista de arbitragem e
mediação, v. 34, p. 97–106, 2014; no trecho, p. 98).
526 «(...) [T]o institute new government, laying its foundation on such principles and organizing its

powers in such form as to them shall seem most likely to effect their safety and happiness. / Instituir um
novo governo, lançando as suas bases e organizando seus poderes de tal forma a asegurar a efetivação
de sua liberdade e segurança.»
527 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789. Art. 2. Le but de toute association

politique est la conservation des droits naturels e imprescriptibles de l'homme. Ces Droits sont la liberté,
la propriété, la sûreté, et la résistance à l'oppression. / Art. 2º. O objetivo de toda associação política é a
conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a
propriedade, a segurança, e a resistência à opressão.
528 Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. 3º. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade

e à segurança pessoal.
529 Pacto de San José da Costa Rica, Art. 7º. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança

pessoal.

226
liberdade individual e da sociedade liberal que é aquela onde se nutre a democracia.
No seio desta sociedade onde a liberdade individual se determina a ser um valor de
referência e onde o Estado de direito se empenha a ser a garantia, a segurança jurídica
aparece como um componente essencial de tal proteção530».
Parece induvidoso afirmar que a prescrição se coliga apenas a essa segurança
jurídica em sentido próprio, formal e dogmático. Prescrição é mutilar direito existente,
presumivelmente justo, a bem da estabilidade. É firme a posição da doutrina que a partir
da prescrição demandas perfeitamente justas possam ser vulneradas, alijadas à
adequada tutela, pelo só fato de que o ordenamento escolheu remover dúvida sobre seu
desfecho. É «um pequeno preço a pagar»531.
É claro que o regime prescricional também se presta (ou, antes, pode se
prestar) à proteção do devedor por cobranças injustas. É um efeito desejado, porém
colateral e não fundamental do instituto. Nesse caso, em concreto, somar-se-ia à
previsibilidade um elemento importante de justiça material. O devedor que
efetivamente pagou a dívida poderia se ver em sérias dificuldades de provar a extinção
da obrigação se demandado mais de uma década anos depois. Se a prescrição paralisa
a pretensão de direito material – o que pressupõe haja direito –, é verdade que, na
prática, nesses casos, sua arguição acaba por obstar o não-direito. Aqui a atuação não
é verdadeiramente de mutilação (não se pode mutilar o que não existe), mas de
facilitação de resistência a pleito extrajudicial ou judicial que seria materialmente
injusto.
Seria um grande erro, contudo, enxergar nisso um fundamento prescricional,
porque puramente incidental e impassível de verificação. Como política legislativa, é
possível e provável que tais casos ocorram e é desejável que a proteção contra pedidos
calcados em não-direito (em nada, portanto) sejam refutados. Na vida prática, a
prescrição jamais investigará se concretamente a pretensão «afirmada» pelo credor era
ou não existente. A prescrição não analisa, não se importa, não admite argumentação
com base na justiça ou injustiça da sua incidência: respeitados os pressupostos
legalmente estabelecidos, a porta ao debate se fecha tout court.

530 ZIMMER, Willy. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em

setembro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique, in Annuaire Internacional de Justice


Constitutionnelle, XV, 1999. Paris: Economica, 2000, p. 91.
531 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 78.

227
V.5.2 Segurança jurídica e Constituição. Prescrição e Constituição.
Controle de constitucionalidade v. Pamprincipiologismo
neoconstitucional

A importância do tema é de tal ordem que o Constituinte se permitiu uma


salutar repetição normativa (sobretudo diante dos anos precedentes à democracia).
Assim é que a Constituição se refere à segurança em seu preâmbulo532; no caput do
centralíssimo art. 5º, inaugurando, portanto, o rol de direitos fundamentais 533 ; e no
caput do art. 6º, para desfiar a lista de direitos sociais534, para não se referir a institutos
a si umbilicalmente coligados como o due process of law (CRFB, art. 5º, LIV)535 e
vedação de retroação das normas quando em ofensa ao direito adquirido536, ato jurídico
perfeito e coisa julgada (CRFB, art. 5º, XXXVI).
Em um Estado Democrático de Direito, é livre de dúvidas que a referência
ampla de segurança engloba sua manifestação na ciência jurídica537; trata-se, aqui, aliás,
de communis opinio doctorum: a segurança jurídica tem status constitucional no
ordenamento jurídico brasileiro538. Isso não quer dizer, contudo, que a prescrição o

532 Preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte

para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção
de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
533 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à


igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...).
534 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos


desamparados, na forma desta Constituição.
535 A coligação é apontada por BARROSO, que indica, ainda, com precisão, sua origem genética na Quinta

Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América (BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do
passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo código civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes (Org.). Constituição e segurança jurídica. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa
julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2a. ed. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2009, p. 137–156; em particular p. 139).
536 Essa proteção incide, na prescrição, após completo o prazo e incorporada a exceção ao patrimônio do

devedor; antes, o legislador é livre para modificar o regramento (SANTOS, Thiago Rodovalho.
Prescrição e decadência no âmbito do Código Civil brasileiro. Campinas: Copola, 2003, p. 149-150).
537 SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes

(Org.). Constituição e segurança jurídica. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2a. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum,
2009, p. 15–30; com pertinência particular à referência do texto, v. pp. 16-17.
538 THEODORO JUNIOR, Humberto, A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o

princípio da segurança jurídica, Revista de Processo, v. 136, p. 32–57, 2006; na espécie,


especificamente p. 35; SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen
Lúcia Antunes (Org.). Constituição e segurança jurídica. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e
coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2a. ed. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2009, p. 15–30; com pertinência particular à referência do texto, v. pp. 29-30;

228
tenha – e seguramente não o tem, como instituto em abstrato –, porque a
constitucionalização do fundamento não implica vaso-comunicação de status
constitucional ao vetor legal de sua concretização. A eficácia ordinária de normas
constitucionais no direito privado é indireta e fraca, ordinariamente carente de
mediação legislativa539. É ínsito à atividade do legislador ordinário testar o terreno da
sociedade, tatear entre erros e acertos históricos para pavimentar caminhos de
concretização de valores e princípios que a Constituição fixa, inclusive em sede de
direitos fundamentais. Em uma frase: é natural que o legislador ordinário continue o
trabalho do constituinte, mas isso não outorga ao fruto do esforço daquele o status
hierárquico da obra deste.
Com isso não se quer dizer que a Constituição desconheça a prescrição, ou que
a prescrição seja imune ao texto constitucional. Iniciando esse esclarecimento «de cima
para baixo», constata-se que a Constituição se ocupou da prescrição em sete
oportunidades: três referências criminais, para considerar imprescritíveis crimes de
racismo (art. 5º, XLII) e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e a
democracia (idem, XLIV), além de suspender a prescrição por crime de que seja
acusado parlamentar, cometido após a diplomação e objeto de ação de andamento
sustado pela casa respectiva (CRFB, art. 53, §5º); duas referência privatistas, sendo
uma de direito do trabalho, para fixar o prazo prescricional de cinco anos para créditos
resultantes do contrato de trabalho, limitadamente a dois anos após a extinção do
vínculo (art. 7º, XXIX), e uma para reputar imprescritíveis os direitos indígenas sobre
suas terras (art. 231, §4º); uma referência administrativo-criminal, quando delega à lei
o estabelecimento de prazo prescricional aos ilícitos redundantes de danos ao erário,
ressalvada a pretensão indenizatória (art. 37, §5º)540; e uma referência tributária, para

BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o
novo código civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Org.). Constituição e segurança jurídica.
Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo
Sepúlveda Pertence. 2a. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 137–156; com pertinência à
referência do texto, p. 139.
539 «É indispensável a filtragem dos direitos fundamentais pelo Direito Civil. Esse é um dos postulados

da doutrina da eficácia indireta. Esse postulado é defensável por argumentos de variegada ordem, ao
exemplo destes: (a) preservação do espaço democrático e respeito à separação de poderes;
(b) previsibilidade do Direito; (c) restrição à transferência total do nível decisório da autonomia privada
para o âmbito judicial.» (RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Direito civil contemporâneo: estatuto
epistemológico, Constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019,
p. 315). Fugindo dessa «bengala metodológico-principiológica» civil-constitucional (idem, p. 321), e
restringindo a comunicação de ramos, preserva-se a higidez dogmática e a coerência sistemática da
prescrição.
540 Com lentes fazendárias de leitura, a ressalva é entendida majoritariamente como indicativa de

imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, ainda que a Constituição apenas tenha dito,
parece mais apropriado concluir, que a prescrição da sanção imputável ao agente não redundasse,

229
delegar a lei complementar a legislação sobre prescrição desse ramo do direito (art. 146,
III, «b»). Fora desse escopo restrito, prescrição é matéria em que a lei é competente,
com amplíssima discricionariedade, mas não absoluta discricionariedade. Afirmá-lo é,
em alguma medida, um truísmo, já que não há norma legal que, ainda atendendo a seu
fundamento constitucional, possa tornar tabula rasa disposições outras de hierarquia
superior à sua.
São alguns os pontos de tensão entre o regime prescricional e direitos
constitucionalmente assegurados. Prestigiado estudo comparatista equipara a
prescrição a um ato expropriatório, potencialmente colidente com o direito de
propriedade541. Não existe, aqui, confusão entre prescrição e usucapião, divisão que o
autor não ignora: a propriedade lato sensu engloba o direito de o particular titulariza
posições subjetivas de crédito e a mutilação prescricional, conquanto não as elimine,
remove-lhes substancial valor. A par da propriedade, a igualdade também pode ser
vulnerada, se (i) a prescrição cria bolsões de privilégio creditício injustificáveis, caso
em que se terá por inconstitucional o benefício (ver-se-á, logo adiante, exemplo a esse
propósito); ou (ii) se a interpretação cria dicotomias facultadas pelo texto, mas não
lastreadas pela tradição jurídica. A esse último respeito, v.g., recente precedente do
Superior Tribunal de Justiça filiou-se a parte da doutrina542 para enxergar vulneração à
isonomia na interpretação que cindia prazos prescricionais por responsabilidade civil
contratual (10 anos, art. 205) e extracontratual (3 anos, art. 206, §3º, V) 543 . O

automaticamente, na prescrição ressarcitória.


541 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and

prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 63.


542 TEPEDINO, Gustavo. Prescrição aplicável à responsabilidade contratual: crônica de uma ilegalidade

anunciada. Revista trimestral de direito civil: RTDC, v. 37, n. Podval, p. 1–3, 2009. Disponível em:
<http://www.tepedino.adv.br/wp/wp-content/uploads/2012/09/RTDC.Editorial.v.037.pdf>. Acesso em:
11 jan. 2015.
543 «A propósito, o Prof. Gustavo Tepedino, em artigo no qual analisa com percuciência o prazo

prescricional aplicável às pretensões de reparação civil, leciona que não se justificam os argumentos
trazidos pela doutrina e jurisprudência para aplicação diferenciada do prazo geral decenal às hipóteses
de reparação civil derivada de inadimplemento contratual em detrimento do lapso trienal previsto no
inciso V do §3º do art. 206 do Código Civil de 2002, que se destina, em respeito ao princípio
constitucional da igualdade (art. 5º, II, da CF/88), a todas as pretensões de reparação civil, sejam
decorrentes de responsabilidade extracontratual, seja de responsabilidade contratual, sempre que não
houver previsão legal específica. Pondera: ‘(...). No contrato, assim como na responsabilidade civil
objetiva, a prova (que exclui a responsabilidade pelo inadimplemento) há de ser feita pelo réu. (...).
Seria razoável imaginar que o réu pudesse colher a prova indispensável para excluir sua
responsabilidade nove anos após o evento danoso? A resposta negativa se impõe, justificando-se, assim,
a opção do prazo trienal do codificador civil, cuja aplicação indistinta às responsabilidades contratual
e extracontratual mostra-se consentânea com o princípio da isonomia. (...) É preciso resistir a este
conjunto de interesses que convergem para a consagração deste equívoco anunciado, que viola preceito
expresso do Código Civil e o princípio constitucional da igualdade’». (STJ, REsp 1.281.594/SP, 3ª
turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 22 de novembro de 2016).

230
posicionamento recebeu dura crítica doutrinária, firme nas múltiplas diferenças entre o
regime negocial e aquele de matriz aquiliana, a afastar, sem sacrifício da boa técnica, o
dever de tratamento igualitário544. A vedação a privilégios aos entes públicos impôs se
entendesse bilateral, e não unilateral, o benefício exoneratório no prazo quinquenal do
Decreto 20.910/32545
A experiência internacional é bastante rica em contestações dessa natureza.
Dadas as águas turvas de pampricipiologismo 546 por que tem navegado o Direito
Privado brasileiro, esclarece-se: rica porque contam-se alguns casos debatidos, e
número ainda menor efetivamente acolhido, em décadas de experiência sobre esta
excepcionalíssima matéria. Assim é que, para responder à última pergunta – estão
corretos os precedentes que divisam imprescritibilidades principiológicas no texto
constitucional, à revelia de lei específica? –, o estudo colherá de parênteses
estrangeiros mais amplos do que o costumeiro, confiante em que esse procedimento

544 «Ao disciplinar a responsabilidade contratual, o Código Civil prevê prazos prescricionais que variam
de um a dez anos. Nos contratos de hospedagem e seguro, o prazo é de um ano, nos termos do art. 206,
§1º, incs. I e II; nos contratos de locação, constituição de renda e mútuo, de três anos, conforme disposto
no art. 206, §3º, incs. I, II e III; nos contratos celebrados com instrumento particular que prevejam a
cobrança de dívida líquida e nos contratos celebrados com profissionais liberais em geral, cinco anos, a
teor do art. 206, §5º, incs. I e II. Por que os profissionais liberais dispõem de um prazo cinco vezes maior
para exigir o cumprimento da prestação que lhes é devida do que o segurado ou o segurador? Porque
legem habemus. Não se compreende, desse modo, como a previsão de regras diferentes para disciplinar
institutos distintos e destinados a tutelar necessidades práticas tão diversas poderia violar o princípio da
isonomia previsto no art. 5º, caput, da Constituição da República, como afirma o julgado, forte na lição
do jurista que cita. A dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual é tradicional e
encontra abrigo na legislação brasileira. Seu reflexo na disciplina da prescrição deve, assim, ser
respeitado.» (MARTINS-COSTA, Judith; ZANETTI, Cristiano de Sousa. Responsabilidade contratual:
prazo prescricional de dez anos. Revista dos Tribunais, v. 979, p. 215–241, 2017).
545 «A jurisprudência desta Corte preconiza que o prazo para a cobrança da multa aplicada em virtude de

infração administrativa ao meio ambiente é de cinco anos, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, aplicável
por isonomia por falta de regra específica para regular esse prazo prescricional» (STJ, REsp 1115078/RS,
rel. Min. Castro Meira, 1ª Seção, j. em 24 de março de 2010); «É de cinco anos o prazo prescricional
para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do
momento em que se torna exigível o crédito (artigo 1º do Decreto nº 20.910/32). 2. Recurso especial
provido» (STJ. REsp 1105442/RJ, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª Seção, j. em 9 de dezembro de
2009).
546 A expressão é inserta na duríssima crítica de STRECK: «A despeito dos limites semânticos da

Constituição, tem se difundido um recurso teórico metodológico espúrio: o pamprincipiologismo, que


fundamentaria tudo que o intérprete quisesse. Diz-se qualquer coisa sobre qualquer coisa. Não por
acaso, o Código Civil está refém da subjetividade judicial. Veja-se, por exemplo, a elevação da
afetividade a ‘princípio’ normativo. No caso do reconhecimento do concubinato adulterino, cogitou-se
a utilização de um ‘novo’ princípio ad hoc; respondeu-se com o suposto ‘princípio constitucional da
pluralidade de entidades familiares’. Mas, mesmo que se concedesse tal invenção normativa, no sentido
da diversidade de arranjos familiares contemplados pelo Texto Fundamental, daí vai um longo caminho
até o reconhecimento de direitos patrimoniais a vínculos conjugais simultâneos. Caminho que pode até
ser feito, mas não pelo Judiciário.» (STRECK, Lênio Luiz. O ativismo, o justo e o legal: crítica ao
pamprincipiologismo a partir do caso das “famílias paralelas”. Revista de Direito Civil
Contemporâneo, v. 1, p. 151–160, 2014; no trecho, p. 153).

231
pavimentará, pela comparação, inclusive, o caminho para uma reflexão mais madura
logo adiante.
Na Bélgica, a Corte Constitucional (Arbitragehof) julgou inconstitucionais,
precisamente por violação à igualdade, as regras que (i) tornavam prescritíveis
civilmente, de forma seis vezes mais rápida, danos decorrentes de ato criminoso vis-à-
vis aqueles decorrentes de mera culpa civil (um raro contrassenso normativo); e
(ii) favoreciam a prescrição em favor do Estado, sob filtro objetivo (data de início a
contar do dano). Como a doutrina daquele país anotou:
The Arbitragehof/Cour d’arbitrage generally speaking uses the same
standard in reviewing discrimination as the European Court of Human
Rights and the Court of Justice of the European Community. The
standard is also repeated in the Judgment of 21 March, 1995; just like
any other inequality, different prescription rules have to be based on
objective criteria and reasonably justified, taking into account the
purpose and the effects of the challenged provision: the means used
(unequal treatment) have to be proportional to the purpose of the rule
(…). The proportionality principle is therefore the key to constitutional
review as such547.

Na Itália, duas questões semelhantes foram postas ao exame da Cassazione,


com anos de intervalo. O art. 28 do Regio Decreto de 17 de agosto de 1935 previa, em
matéria de seguro obrigatório, que os beneficiários do segurado falecido por doença ou
acidente do trabalho tinham apenas 30 dias, contados da morte para postular a correlata
indenização. O art. 22 da Lei 990 de 1969, por sua vez, previa prescrição de 60 dias
para a pretensão à indenização por acidente de trânsito, igualmente em campo de seguro
obrigatório.
No caso dos trabalhadores mortos, a Cassazione entendeu que (i) o art. 24 da
Constituição Italiana outorga ao legislador ordinário autoridade para regrar o acesso à
justiça, excluindo apenas a imposição de ônus absurdos ao ponto de comprometer,
irremediavelmente, a tutela do direito material de fundo; (ii) o prazo de 30 dias se
mostrava contrário a essa premissa, i.e., inadequado aos fins legítimos esperados na

547 «O Arbitragehof / Cour d'arbitrage, em termos gerais, utiliza o mesmo padrão que Tribunal Europeu

dos Direitos do Homem e o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia para análise de atos de
discriminação. O padrão também é repetido no julgamento de 21 de março de 1995; como em qualquer
desigualdade, prescrições diversas devem ser baseadas em critérios objetivos e razoavelmente
justificados, levando-se em conta o propósito e os efeitos da regra questionada: os meios usados
(tratamento desigual) devem ser proporcionais ao objetivo da norma (...). O princípio da
proporcionalidade é, portanto, a chave para revisões constitucionais dessa natureza» (STORME,
Matthias E.; MCGEE, Andrew; POZZO, Barbara. Constitutional review of disproportionately different
periods of limitation of actions (prescription). European Review of Private Law, v. 1, p. 79–100, 1997;
o trecho transcrito consta das pp. 85-86).

232
fixação dos prazos prescricionais, ante às repercussões compreensíveis que o evento
morte tem sobre a família do trabalhador; e (iii) ainda que os beneficiários soubessem
do direito a exercer (o que não é pressuposto à fluência do prazo prescricional em sede
italiana), o prazo não seria suficiente. Para tomar de empréstimo as lições alemãs548,
não haveria razoável oportunidade de exercício do direito em abstrato – o que subtrai a
base do interesse social estabilizador subjacente à prescrição549. No caso do seguro
obrigatório por acidentes de trânsito, a conclusão foi inversa: breve que seja o prazo de
60 dias, ele responde a um regime de contratação próprio e sem natureza impeditiva ou
injustificadamente discriminatória (frente aos seguros contratados, de prazo mais
longo) dada a multiplicidade de diferenças nos regimes de base550.
No Reino Unido, foi o caso Stubbings v Webb que fez balançar as convicções
a propósito do regramento prescricional. A controvérsia se punha nos seguintes termos:
a persecução de indenização por ilícito de intentional trespass to the person (agressão
dolosa contra a pessoa) estava sujeita a prazo prescricional de 6 (seis) anos, contados
da maioridade quando a vítima fosse menor, não sujeitos a prorrogação de qualquer
natureza; aquela por indenização de personal injuries (danos à pessoa em geral, por
culpa), por sua vez, tinha o prazo menor de 3 (três) anos, prorrogável
discricionariamente pelo julgador diante de circunstâncias que reputasse relevantes à
demora na submissão da pretensão a julgamento551.
Ocorreu que a Sra. Leslie Stubbings, nascida em 29 de janeiro de 1957, sofreu
violência sexual infantil e foi compelida à prática de atos lascivos por sua mãe adotiva,
Sra. Webb, entre dezembro de 1959 e dezembro de 1971, i.e., entre os sete e os quatorze
anos de idade. Desnecessária grande cogitação para compreender que esse inferno
abusivo lhe causou transtornos mentais brutais, cuja compreensão plena, contudo, se
deu, segundo a vítima, após haver recebido tratamento psicológico adequado em
setembro de 1984, quando já contava com 27 anos.

548 ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off and


prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 77.
549 Ainda que, em concreto, essa oportunidade muitas vezes inexista, é preciso, para que prescrição não

seja expropriação, haver um sistema que ofereça, em abstrato, razoável oportunidade de exercício da
pretensão pelos particulares.
550 Cort. Cost. 1 de março de 1973, n. 24; e Cort. Const. 15 de julho de 1968, n. 85. (para comentários

sobre os arestos, v. STORME, Matthias E.; MCGEE, Andrew; POZZO, Barbara. Constitutional review
of disproportionately different periods of limitation of actions (prescription). European Review of
Private Law, v. 1, p. 79–100, 1997; v. pp. 92 e ss.)
551 STORME, Matthias E.; MCGEE, Andrew; POZZO, Barbara. Constitutional review of

disproportionately different periods of limitation of actions (prescription). European Review of Private


Law, v. 1, p. 79–100, 1997; v. em particular p. 90 e ss.

233
Tendo-se (adequadamente) enquadrado o caso em intentional trespass to the
person, a contagem do prazo prescricional expirou em 29 de janeiro de 1981 – anos
antes do recebimento de tratamento e da propositura da ação, que se deu em 18 de
agosto de 1987 apenas, aos 30 anos. Dramáticas que fossem as circunstâncias de
origem, a House of Lords guardou aderência à lei e rejeitou a pretensão indenizatória.
Como o Reino Unido não tem constituição, nem, por consequência, corte
constitucional, o caso foi levado por Leslie à Corte Europeia de Direitos Humanos por
violação ao seu direito de «a fair and public hearing within a reasonable time by an
independent and impartial tribunal established by law» (Convenção Europeia de
Direitos Humanos, art. 6º) 552 . Ainda que se cuide, a rigor, de regra processual, a
demanda foi recebida porque (i) há notável fluidez entre regimes que encaram a
prescrição como matéria de direito processual e de direito material e (ii) a interpretação
ampla do artigo assegura não só o recebimento formal da demanda, mas sua efetiva
análise meritória, o que a prescrição, naturalmente, impede.
O caso foi rejeitado, por ampla maioria, pela Corte. Profundamente sensível à
situação em exame, o Tribunal cogitou que essas pretensões pudessem ser objeto de
reformas legislativas, mas não enxergou (como de fato não havia) uma supressão
indireta do direito material pela regra de acionabilidade por seis anos a contar da
maioridade:
On prend de plus en plus conscience depuis quelques années de tous les
problèmes que causent les sévices sexuels à enfants et de leurs effets
psychologiques sur les victimes ; il est possible que des États membres
du Conseil de l’Europe aient, dans un proche avenir, à amender les règles
sur la prescription des actions qu’ils appliquent afin d’édicter des
dispositions spéciales pour ce groupe de plaignants. Toutefois, comme
il n’a pas été porté atteinte à la substance même du droit d’accès des
requérantes et que les restrictions dont il s’agit poursuivaient un but
légitime et lui étaient proportionnées, la Cour n’a pas à substituer sa
propre appréciation à celle des autorités internes quant à la meilleure
politique à adopter à cet égard. 57. Partant, compte tenu en particulier
des buts légitimes que visent les délais de prescription en litige et la
marge d’appréciation reconnue aux États quant à la réglementation de
l’accès à un tribunal (paragraphes 50-51 ci-dessus), la Cour estime qu’il
n’y a pas eu violation de l’article 6 par. 1 de la Convention pris isolément
(art. 6-1)553.

552 Cour Européene des Droits de L’homme. Affaire Stubbings et autres e. Royaume-Uni (Requête n.

22083/93; 22095/93). 1996. Disponível em: <http://hudoc.echr.coe.int/fre#{“itemid”:[“001-62638”]}>.


Acesso em: 13 jan. 2017.
553 Tradução livre: «Nos últimos anos, tem-se tomado cada vez mais consciência de todos os problemas

causados por abuso sexual infantil e seus efeitos psicológicos sobre as vítimas; é possível que os Estados
membros do Conselho da Europa, no futuro próximo, ponham-se a alterar as regras de prescrição de

234
Não por acaso, foi precisamente isso – uma revisão do ordenamento interno –
que se deu na sequência do caso. A sociedade inglesa constatou que a proteção a si
outorgada a vítimas de abuso sexual não era satisfatória. Na sequência da Law
Comission de 2001554, a House of Lords overruled o precedente de Stubbings v Webb e
passou a submeter o juízo discricionário da High Court a apreciação sobre o tempo
tomado para submeter a pretensão a juízo. Curiosamente, dessa vez foi um condenado
a pagamento de indenização nesses termos que levou o novo substrato do ordenamento
inglês à Corte Europeia de Direitos Humanos, alegando-se expropriado de seus bens a
reboque de uma mudança jurisprudencial. Nesse segundo caso, o Sr. Hoare foi

ações, para adoptar disposições especiais para este grupo de requerentes. No entanto, como não foi
afetada a substância do direito de acesso dos requerentes [a um tribunal] e as restrições em causa visam
um objetivo legítimo e proporcional, o Tribunal não pode se fazer substituir às autoridades internas
quanto à melhor política a se adotar a esse respeito. Portanto, particularmente à luz dos objetivos
legítimos almejados pela prescrição e a margem de discricionariedade conferida aos Estados na
regulação do acesso a um tribunal (ver parágrafos 50-51 acima), o Tribunal considera que não houve
violação do artigo 6, §1, da Convenção, individualmente considerado (art. 6-1)» (Cour Européene des
Droits de L’homme. Affaire Stubbings et autres e. Royaume-Uni (Requête n. 22083/93; 22095/93). 1996.
Disponível em: <http://hudoc.echr.coe.int/fre#{“itemid”:[“001-62638”]}>. Acesso em: 13 jan. 2017, p.
16).
554 «1.5 Traditionally, the limitation period has started from the date the cause of action accrued, whether

or not the claimant knows of the potential claim. This caused injustice where the injury suffered by the
claimant did not become apparent for several years. Provision has been made for such cases of latent
damage in actions for personal injuries, under the Consumer Protection Act 1987 and in some other
cases. However, the provision for latent damage does not extend to most causes of action. Outside the
areas of personal injuries and consumer protection, the limitation period will only run from the date the
claimant knows the relevant facts if the claim is brought in negligence. Even where the claim is for
personal injuries, provision for latent damage does not extend to deliberately caused injuries. Here the
limitation period remains six years, running from the date of accrual of the cause of action. This has led
to the anomalous result that a claimant who has been sexually abused by her father may have longer to
bring a claim for damages against her mother for negligently failing to prevent the abuse than to bring a
claim against her father for actually committing the abuse. 1.6 It is necessary to balance the interests of
the claimant (who wishes to have as long as possible to bring a claim) and the defendant (who must be
protected from stale claims) in setting a limitation period. It will never be possible to achieve complete
fairness between the parties (indeed the imposition of any limitation period could be regarded as doing
‘rough justice’ to the claimant). However the balance struck under the present law does not give sufficient
recognition to the interests of the claimant». / «1.5 Tradicionalmente, o prazo de prescrição começa a
partir da data em que a causa da ação foi adquirida, independentemente de o requerente sabê-lo ou não.
Isso causa injustiça nos casos em que o prejuízo sofrido pelo requerente não se torna evidente por vários
anos. Foram previstos casos de danos latentes em ações por danos corporais, nos termos da Consumer
Protection Act de 1987 e em outros casos. No entanto, a previsão para danos latentes não se estende à
maioria das causas de ação. Fora das áreas de danos pessoais e proteção do consumidor, o prazo de
prescrição só corre da ciência do direito quando o fundamento do pedido indenizatório for a negligência.
Quando o pedido é para reparação de danos pessoais, a normativa para danos latentes não se estende a
ferimentos causados deliberadamente. Aqui, o prazo de prescrição permanece seis anos, a partir da data
de aquisição do direito. Isso levou ao resultado anômalo de que um requerente que foi abusado
sexualmente por seu pai pode ter mais tempo para reclamar uma indemnização por parte de sua mãe, por
negligência ao não prevenir o abuso, do que trazer um pedido contra seu pai por ter cometido o abuso.
1.6 É necessário equilibrar os interesses do requerente (quem deseja ter o maior tempo possível para
apresentar um pedido) e o requerido (que deve ser protegido de reclamações envelhecidas) ao estabelecer
um prazo de prescrição. Nunca será possível alcançar uma justiça completa entre as partes (de fato, a
imposição de qualquer prazo de prescrição pode ser considerada como "justiça dura" para o requerente).
No entanto, o saldo atingido pela presente lei não dá reconhecimento suficiente aos interesses do
requerente».

235
condenado e a prescrição afastada porque sua vítima, Sra. A (nome oculto por segredo
de justiça), (i) havia escolhido não o processar por danos civis em 1989, quando o
Sr. Hoare foi condenado penalmente por abuso, mas era insolvente; e (ii) ajuizou a
demanda em 2004, quando seu estuprador ganhou 7 milhões de libras esterlinas – o que
a corte britânica entendeu como justa causa para demora. A Corte Europeia rejeitou o
pedido do abusador (reputando-o, aliás, inadmissível na origem), tendo-se por boa
(lícita e coligada a interesses legítimos) a guinada normativo-jurisprudencial anglo-
saxã555.
Antes que se avance à experiência nacional, merece desde logo a anotação da
grande deferência dedicada pelas cortes, quer a inglesa ou a europeia, às escolhas
normativas realizadas pelo ordenamento e a necessidade de respeito às mesmas, ainda
no cenário flagrante de necessidade de mudança. É essa, como se viu, a raiz e o núcleo
do princípio da segurança jurídica como um todo, mas também (quiçá sobretudo) em
matéria prescricional. O mesmo se constata em outro ordenamento de common law, o
norte-americano, em que – ao contrário do que o lugar comum da maior autoridade
judicial poderia sugerir – a superação de prazos prescricionais previstos em lei é restrita
a casos pontuais de análise rigorosa.
A doutrina americana 556 lista apenas quatro cenários em que a superação
prescricional é possível: (i) recoupment, instituto vizinho à compensação que autoriza
o uso de pretensão prescrita para obstar cobrança oriunda do mesmo contrato (no Brasil,
sendo correspectivas as prestações, a questão se resolve por exceção de contrato não
cumprido); (ii) o reconhecimento da dívida pelo devedor (que, aqui, redundaria apenas
interrupção do prazo prescricional, sendo fato a-jurídico se ocorrida após a prescrição,
salvo no caso de reconhecimento por pagamento); (iii) equitable estoppel, para casos
em que o devedor induz decisivamente o não exercício da pretensão, sob a máxima de
que «deceit should not be rewarded» (questão que, aqui, atine à boa-fé); e (iv) renúncia,
antes ou depois da operação da prescrição, sujeita à variada regulamentação dos estados
(aqui, válida apenas após a verificação da prescrição).
Como as observações nacionais insertas entre parênteses permitem antever,
não há nenhuma solução afeta a considerações de ordem abstrata ou metafísica, nem
qualquer diferença central (senão mudanças tópicas) frente à normativa brasileira. O

555 Cour Européene des Droits de L’homme. Affaire Hoare v. United Kingdom (Application no.
16261/08). 2011. Disponível em:
<http://hudoc.echr.coe.int/eng#{“dmdocnumber”:[“884673”],“itemid”:[“001-104608”]}>. Acesso em:
18 jul. 2017.
556 CHAPLIN, Micheal E. Reviving contract claims barred by the statute of limitations: and examination

of the legal and ethical foundation for revival. Notre Dame Law Review, v. 75, p. 1571–1595, 2000.

236
afastamento prescricional legalmente estatuído é uma viela de raríssima passagem, e
não uma avenida, onde quer que se lhe busque, porque a segurança jurídica que subjaz
à prescrição é uma necessidade contemporaneamente acentuada em todo o mundo.

V.5.3 A experiência brasileira: imprescritibilidade de danos por


tortura entre controle de constitucionalidade e inovação
legislativa por atividade jurisdicional

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ou, mais especificamente,


de sua 1ª Seção, teve o ensejo de defrontar-se com desafio análogo àqueles da
experiência internacional quando do debate a propósito da prescritibilidade da
pretensão reparatória por danos materiais e morais decorrentes da perseguição política
praticada pelo regime militar brasileiro.
O Caso Hélio da Silva v União foi objeto de uma decisão na 1ª Turma557, e de
nova deliberação pelo colegiado ampliado da 1ª Seção558. A conclusão foi resumida
pela ementa do segundo acórdão de forma direta, afirmando-se que «as ações
indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de tortura ocorridos
durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis.»
Ninguém poderá dizer que o problema da prescritibilidade de danos dessa
matriz fosse problema fácil na sequência imediata da redemocratização. Quando o
causador sistemático do dano é o mesmo Estado que, sob a vertente de Estado-Juiz,
deveria se encarregar de sua apreciação e julgamento, há um empecilho evidente ao
exercício da pretensão. Essa circunstância – i.e., o impedimento absoluto do exercício
da pretensão por força da conduta de seu potencial beneficiário – não é ignorada pela
doutrina que, de forma consistente, afasta o benefício prescricional em tais hipóteses
(v. item IV.4). Igualmente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não
ignorava o problema, como os próprios debates no caso acima referido dão conta. A
questão dificílima a apurar dentre a fluidez fática transicional entre um regime militar
de exceção para um regime civil de transição e, finalmente, um regime democrático, é
saber quando se pode ter por levantada a mão de ferro com a qual o Estado-torturador
impedia o exercício de pretensões indenizatórias.
Ocorre que a evolução legislativa democrática resolveu em grande medida
essas agruras. Com a edição da lei 9.140/95, o Estado brasileiro (i) reconheceu como

557 STJ, REsp 816.209/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 1ª turma, j. em 10 de abril de 2007.
558 STJ, EREsp 816.209/RJ, rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, j. em 28 de outubro de 2009.

237
mortas as pessoas desparecidas em contexto político entre 2 de setembro de 1961 e 5
de outubro de 1988, listadas exemplificativamente no Anexo I da norma (art. 1º);
(ii) criou Comissão Especial com poderes investigativos para apurar as práticas do
regime de exceção (a popularmente referida «Comissão da Verdade»; art. 4º) e com
atribuição de reconhecimento de desaparecidos políticos não constantes do Anexo I; e
(iii) fixou indenização aos familiares, a ser requerida no prazo de cento e vinte dias a
contar da publicação da Lei (caso dos falecidos listados) ou da data do reconhecimento
pela Comissão Especial (caso dos não listados) (arts. 10 e 11). Em demonstração de
empenho reparatório, os prazos foram reabertos sem ressalvas em duas oportunidades:
em 2002 (Lei 10.536/02, art. 2º) e em 2004 (Lei 10.875/04, art. 2º).
Três anos depois da última movimentação legislativa, o Superior Tribunal de
Justiça, por sua 2ª Turma e sob relatoria do Min. João Otávio de Noronha, reconheceu
na Lei 9.140/1995 (conforme emendada) o marco inicial para a fluência do prazo
prescricional à pretensão indenizatória 559 . A questão pôs-se, aí, adequadamente
resolvida. Com o encerramento definitivo do prazo prescricional em novembro de
2004, i.e., dezesseis anos e um mês após a promulgação da Constituição democrática,
o Estado realizou sua mea culpa e conferiu razoável oportunidade de exercício da
pretensão indenizatória aos familiares dos desaparecidos políticos. Se em 1979 houve
muita dúvida sobre a exercibilidade da pretensão, ou se em 1995 houve alguma dúvida,
ninguém poderá dizer que em 2004 ela remanescia.
Em 2009, e para desconstruir essa realidade de 2004, a Corte retomou o
superado cenário de 1979 e teceu considerações hipotéticas sobre qual deveria ser sua
decisão, se a legislação de 1995 não houvesse sido editada. Transcreva-se a bem da
clareza:
À luz desse dispositivo [art. 1º do Decreto 20.910/1932], as ações de
reparação por dano material praticado durante a ditadura militar no
Brasil estariam prescritas, todas elas, até l985, considerando-se a
possível prática de tortura ou desrespeito aos direitos humanos
ocorridos, presumivelmente, até 1979, quando teve fim o regime militar
no país. Pergunta-se então: será que em 1979 as condições políticas e
jurídicas então existentes no Brasil, permitiam o exercício integral do
direito de reparação dos danos sofridos? O País ainda estava regido pela
Emenda Constitucional 1/1969 à Constituição Federal de 1967 e
continuava sob à égide das leis de Segurança Nacional. (...)
Por mais coerente que esse critério possa parecer, entendo que não é
possível sua aplicação a todos os casos que envolvam atos de tortura,
por exemplo, quando não houver lei posterior reconhecendo práticas de
violação a direitos humanos. Poderíamos nos perguntar: se não tivesse

559 STJ, REsp 651.512/GO, 2ª turma, rel. min. João Otávio de Noronha, j. em 10 de abril de 2007.

238
sido editada a Lei 9.140/1995 estaria perdido o direito de postular a
reparação?

Da enunciação de problemas puramente hipotéticos – afinal, a legislação de


1995 existe e o termo a quo de 1979 nunca foi invocado – saltou-se à conclusão:
Assim, entendo plausível que, na hipótese de ofensa aos direitos
fundamentais, como o que ocorre com a tortura – um dos mais
hediondos e abomináveis delitos –, estejamos diante de pretensão
indenizatória imprescritível.

Finalmente, deu-se alguns passos para trás para reforçar a fundamentação


pelas afirmações de que:

(i) a despeito de o afastamento da prescrição depender de previsão legal, o direito à


reparação por tortura está «protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar
de direito inerente à vida, fundamental e essencial a afirmação dos povos,
independentemente de estar expresso ou não em texto legal»;

(ii) o Pacto de San José da Costa Rica garante que ninguém será submetido à tortura
(art. 7), bem como assegura a «toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos
no presente Pacto tenham sido violados, possa [valer-se] de um recurso efetivo, mesmo
que a violência tenha sido perpetra por pessoas que agiam no exercício de funções
oficiais»; e

(iii) a Constituição proíbe a tortura, razão pela qual «reconhecer como imprescritível o
pedido de indenização por danos, sejam morais ou materiais, decorrentes dos atos de
tortura arbitrariamente ministrados por agentes do regime ditatorial brasileiro, é uma
das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito,
assegurando proteção e, sobretudo, reparação à dignidade do ser humano».

O item «ii» pode ser mais rapidamente superado porque, a rigor, já em boa
medida foi objeto de consideração. Que ninguém possa ser submetido à tortura é
pressuposto da ilicitude da conduta estatal que lastreia o direito à indenização e isso
não tem, por óbvio, nenhuma pertinência normativa para fins de preexclusão da
disciplina prescricional. Substitua-se a vedação da tortura por aquela atinente a
qualquer ilícito, coligado ou não a direitos fundamentais. Quid iuris? Segue a incidência
da normativa prescricional, geral ou especial, como posterius necessário desse prius
normativo. Por outro lado, que o acesso à justiça possa guardar dimensão material já
foi objeto de análise no item anterior (v. V.5.2), mas dezesseis anos de regime

239
democrático tornam a cogitação da efetividade dos remédios um desafio argumentativo
robusto (e não desincumbido) pelos defensores da imprescritibilidade.
Os itens «i» e «iii» são mais próximos entre si. Eles não se limitam a repetir a
regra proibitiva (não se pode torturar alguém), mas vão além: extraem uma proteção
adicional à pretensão indenizatória decorrente dessa ofensa à dignidade, em razão de
sua gravidade. O Tribunal se substitui ao legislador para tomar em análise os valores
subjacentes ao jogo prescricional – segurança jurídica pela estabilização de demandas
vs. satisfação material do direito pela preservação da pretensão – e concluir que a
indenização por tortura é «direito inerente à vida, fundamental e essencial a afirmação
dos povos», razão pela qual será imprescritível «independentemente de estar expresso
ou não em texto legal», para que se dê «efetividade à missão de um Estado Democrático
de Direito, assegurando proteção e, sobretudo, reparação à dignidade do ser
humano.»
O acórdão tem o mérito da franqueza e clareza de raciocínio. O colegiado não
recorreu a um expediente recente e típico da fundamentação decisória em sede de
ativismo, consistente na fabricação de lacunas. Sempre que houver um mínimo espaço
gramatical para recusa da aplicabilidade da norma (ainda que dogmaticamente
irrelevante, e por vezes mesmo sem que haja tal espaço), declara-se que o ordenamento
não responde àquele caso específico. Confere-se então carte blanche para o qual o
recurso aos princípios. Não os gerais de direito, decantados por séculos de tradição
jurídica, mas aqueles cogitados ou intuídos pelo julgador como pertinentes à espécie.
O resultado é a solução contra legem de mais difícil enfrentamento, porque encoberta
por essas finas camadas de distorção descritiva metodológica, cuja remoção, uma a
uma, torna cansativo e pouco atraente ao leitor o trabalho exegético de correção,
mormente frente ao discurso corrente impregnado de termos de forte apelo moral
(dignidade; humanismo; superação das amarras positivistas...), ainda que descurados,
no ato decisório, de contornos operativos controláveis do ponto de vista científico.
A prescrição não faculta um tal recurso hermenêutico. Com efeito, a prescrição
é estruturada na tradição romano-germânica com recurso a um prazo geral que recai
sobre todas as pretensões; é apenas quando há norma específica que esse prazo se altera
para se restringir em detrimento do titular, expandir-se em seu privilégio, ou, ainda no
limite máximo da tutela, excluir a pretensão da disciplina prescricional como um todo.
Esse foi um exercício que, como se pontuou acima, o constituinte originário não
ignorou. Em suma, respeitados os pressupostos de que se cuidou acima (v. CAPÍTULO
III): se há prazo especial, ele se aplica; se não há prazo especial (vale dizer, se a lei

240
silencia), o prazo é o geral; e se a lei expressamente exclui a prescrição, então – e apenas
então – a pretensão vive perpetuamente.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu essa realidade. Divisou, sem
margem de dúvidas, a resposta correta do ordenamento: o prazo prescricional para
pretensão a indenização postulada contra a União é o quinquenal, a teor do art. 1º do
Decreto 20.910/32. Como ter dúvida da subsunção do dano material ou moral a dito
prazo, ainda que decorrente de tortura, quando a lei afirma ser quinquenal o prazo para
«todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, (...) seja qual for a sua
natureza»? Se essa redação não é bastante a uma regra de fechamento, pergunta-se, o
que seria? É com base nessas perguntas sem resposta que se afirmou – com uma dureza
inevitável – que o Tribunal se substituiu ao legislador. A decisão é contra legem e não
de lege ferenda. E assim o é confessadamente, porque registra que «sabemos que a
regra é a prescrição, e que o seu afastamento deve apoiar-se em previsão legal. É o
caso da imprescritibilidade de ações de reparação dos danos causados ao patrimônio
público, regra prevista na Constituição Federal de 1988, no art. 37, § 5º». Leu-se e
interpretou-se a resposta do ordenamento, mas se lhe descartou, olvidando-se que (i) as
regras de transição democrática não se deram de afogadilho, mas com efetiva
legitimidade na sociedade brasileira560 ; e (ii) quer na Constituição anterior, quer na
vigente, o tribunal carece de legitimidade para legislar.
Mais explícito nesse desidério é precedente subsequente, de 2010, da mesma
corte e sobre mesmo tema. Nele, o descarte da lei como posta, com assento à equidade,
é declarado com todas as letras:
Ad argumentantum tantum, as assertivas de que a Constituição Federal
faz expressamente constar todas as hipóteses de imprescritibilidade,
sendo que, dentre elas, não está prevista a indenização pelos atos
praticados no regime de exceção, é inarredável. Sucede que essa questão
deve ser relegada a segundo plano, já que a nova ordem de interpretação
principiológica da Lei Fundamental, à luz do pós-positivismo, sinaliza
que a solução do litígio, principalmente em se tratando de direitos
fundamentais, deve estar voltado para a quaestio apresentada, e não para
a norma em si. Dessa forma, tendo em vista a gravidade do crime

560 A limitação à indenização por tortura também é letra de lei na França. Code, art. 2226. L'action en

responsabilité née à raison d'un événement ayant entraîné un dommage corporel, engagée par la victime
directe ou indirecte des préjudices qui en résultent, se prescrit par dix ans à compter de la date de la
consolidation du dommage initial ou aggravé. Toutefois, en cas de préjudice causé par des tortures ou
des actes de barbarie, ou par des violences ou des agressions sexuelles commises contre un mineur,
l'action en responsabilité civile est prescrite par vingt ans. / Art. 2226. Uma ação por danos resultantes
de um evento que resulte em lesão corporal, sofrida pela vítima direta ou indireta do evento, é prescrita
em dez anos a partir da data da consolidação do dano original ou de seu agravamento. No entanto, em
caso de dano causado por tortura ou atos de barbárie, ou por violência ou agressão sexual cometida contra
um menor, a ação de responsabilidade civil prescreve em vinte anos.

241
perpetrado e o bem a que se visa tutelar, não se pode interpretar a Carta
de 1988 em numerus clausus561.

Como a experiência estrangeira referida na rubrica anterior facultou antever,


ninguém duvidará que (i) os tribunais podem e devem controlar a constitucionalidade
das regras prescricionais; e (ii) há naturais pontos de tensão entre a disciplina
prescricional e regras constitucionais, inclusive e sobretudo em sede de direitos
fundamentais (igualdade; due process; propriedade). Não foi isso que se deu nos
precedentes acima referidos, cujo teor gravemente patológico é papel da doutrina
denunciar sem meias palavras. A Corte escolheu ignorar a lei.
Os julgados analisados não divisam o teor dogmático da dignidade para
entendê-la ou, antes, entender os danos por sua violação ontologicamente
imprescritíveis frente às balizas de eficácia de direitos fundamentais (i.e., quer por
proibição de intervenção ou um imperativo de proteção, como quis celebrada tese
alemã 562 ). Sequer se cogitou da diferença entre fazer cessar o ato de violação à
dignidade e a consequência patrimonial reparatória, incumbente tanto à vítima quanto
a terceiros (sucessores dos mortos) afetados pelos atos de perseguição – exercício que
a doutrina atinente a direitos de personalidade, matéria distinta, porém vizinha,
consolidou em trabalhos acadêmicos de grande densidade563.
A realidade é que, sob a declaração de julgar o caso, julgou-se com casuísmo,
que é coisa diversa. Se é verdade que a dignidade lastreou imprescritibilidade
indenizatória em ao menos um outro caso de tortura já no regime democrático564, a
Corte, reconhecendo ou não a prescrição em concreto, admitiu prescritíveis pretensões
indenizatórias dirigidas ao Estado (i) por lesões a preso decorrentes de ataque sexual
sofrido em prisão565; (ii) homicídio doloso praticado por policial militar566; (iii) vítima
de homicídio em quartel 567 ; e (iv) vítima de lesões corporais incapacitantes para
trabalho decorrentes de brutalidade policial em condução de prisão de forma ilegal568.

561 STJ, AgRg no REsp 1056333/RJ, rel. min. Denise Arruda, rel. para acórdão Benedito Gonçalves, 1ª

turma, j. em 25 de maio de 2010.


562 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet;

Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003.


563 MIRANDA, JORGE; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato. Principais

problemas dos direitos da personalidade e estado-da-arte da matéria no direito comparado. In: Direitos
da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2012; DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità. Milão:
Giuffrè Editore, 1950; SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011.
564 STJ, REsp 1454807/SP, rel. min. Herman Benjamin, 2ª turma, j. em 5 de março de 2015.
565 STJ, REsp 982811/SP, rel. min. Francisco Falcão, 1ª turma, j. em 2 de outubro de 2008.
566 STJ, AgRg no AREsp 242520/SP, rel. min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª turma, j. em 19 de março de

2013.
567 EDcl no REsp 1109303/RS, rel. min. Luiz Fux, 1ª turma, j. em 15 de outubro de 2009.
568 REsp 1116842/PR, rel. min. Luiz Fux, 1ª turma, j. em 14 de outubro de 2009.

242
É absolutamente nebuloso o que faz a dignidade brilhar mais forte naqueles casos e
menos nestes; tortura, execução sumária, violência sexual, brutalidade policial parecem
integral um rol vexatório de ofensa ao fundamental do universo civilizado em pé de
igualdade, parelhos insultos ao «direito inerente à vida, fundamental e essencial a
afirmação dos povos», sem, contudo, que idêntica eficácia protetiva se dê à tutela
pecuniária reparadora. É duvidoso se a pretensão puramente reparadora desfrutaria, em
qualquer cenário, de uma preexclusão prescricional por infringência a direito
fundamental, mas é induvidoso que a solução de compromisso alcançada não satisfaz
qualquer dos lados da balança reflexiva.
O debate faz lembrar a advertência doutrinária colombiana quanto ao dever de
racionalidade residual frente à escolha valorativa da lei569; ou, no Brasil, as ponderações
sobre o ressurgimento perigoso da doutrina do direito livre a que alertava570; ou ainda,
de forma ainda mais clara, lição alemã categórica lançada já tantas décadas passadas:
[O] limite do desenvolvimento judicial do Direito radica aí onde a
resolução exigida já não pode ser fundamentada só em considerações
jurídicas, mas exige uma decisão política, orientada a pontos de vista de
oportunidade. Encontrá-la, é, no Estado democrático, em princípio,
matéria do legislador. Os tribunais carecem de competência para
promover a conformação social.
569 «La Seguridad Jurídica exige que las decisiones judiciales estén basadas siempre en reglas generales
y, dentro de éstas, exige una presunción a favor de las reglas legales. Los jueces deben actuar, en la
mayor medida posible, de acuerdo con las categorías y prescripciones contendidas en las leyes. (…) Y
deben aceptar, además, más como una ficción que como una idea regulativa, que en casi todos los casos
la ley es más sabia que ellos, por lo que han de estar dispuestos a someter a ella su propia inteligencia y
sentido de la justicia. Radbruch hablaba al respecto de un sacrificium intellectus del juez, aunque quizá
sea más correcto afirmar que éste ejerce una ‘racionalidad residual’ respecto a la de la ley.» (ARCOS
RAMÍREZ, Federico. Rule of law, seguridad jurídica y justicia. Cali: Universidade Autónoma de
Occidente, 2014, p. 219-220).
570 «A concepção amplamente difundida que afirma serem os princípios constitucionais a consagração

de valores éticos e morais que o desenvolvimento social legou ao Direito. Nessa toada, afirmam,
equivocadamente, que o juiz não pode mais ficar inerte e simplesmente “reproduzir” o discurso
legislativo, e que ele deve valorar as circunstâncias do caso de modo a encontrar a “melhor solução” com
base na ponderação dos princípios colidentes. Essa menção a valores – cujo ranço neokantiano parece
evidente – já aparecia nos movimentos antissistemáticos do início do século XX como fica claro nessa
passagem de Losano: É efetivamente a alma da filosofia neokantiana que plasma suas ideias, como
específica Radbruch em 1905: o problema da influência dos juízos de valor sobre as sentenças pode hoje
ser indicado como a questão mais candente da filosofia do direito. Assim, antes de tocarmos num caso
recente que envolve certa retomada das teses do movimento do direito livre pelo Judiciário brasileiro, é
importante ressaltar que não podemos admitir que, ainda nessa quadra da história, ainda sejamos levados
por argumentos que afastam o conteúdo de uma lei – democraticamente legitimada – com base em uma
suposta “superação” da literalidade do texto legal. Insisto: literalidade e ambiguidade são conceitos
intercambiáveis que não são esclarecidos numa dimensão simplesmente abstrata de análise dos signos
que compõem um enunciado. Tais questões sempre remetem a um plano de profundidade que carrega
consigo a “dobra da linguagem”, vale dizer, o contexto no qual a enunciação tem sua origem. Esse é o
problema hermenêutico que devemos enfrentar! Problema esse que argumentos despistadores, como o
da “superação” da literalidade da lei, só fazem esconder e, o que é mais grave, com riscos de macular o
pacto democrático.» (STRECK, Lênio Luiz. As várias faces da discricionariedade no Direito Civil
brasileiro: o “reaparecimento” do Movimento do Direito Livre em Terrae Brasilis. Revista de Direito
Civil Contemporâneo, v. 8, p. 37–48, 2016; no trecho, p. 40 e ss.)

243
Os tribunais deveriam tomar muito a sério este limite, no interesse da
sua própria autoridade. De outro modo, haverá o perigo de que os seus
juízos sejam interpretados como tomada de partido ante a divergência
de opiniões políticas e de que já não sejam aceites como enunciados
fundados no Direito. É desnecessário dizer que, com isso, o Estado de
Direito cairia numa crise de confiança. Em toda a louvável
disponibilidade para desenvolver o Direito de modo criador, os tribunais
deviam ter sempre presente este perigo, para não defraudarem o limite
da sua competência que, em concreto, não é, com frequência, facilmente
cognoscível571.

Não há espaço, hoje, para que alguém se avoque o título subjetivo de


personificação do Estado, ou, absurdamente, sob o manto da jurisdição, de vanguarda
iluminista572, transformando Direito em opinião ou em decisão política desprendida de
controle político (que é o Direito quando nasce, em parte) ou científico (que é o Direito
que vive, sempre). A se seguir essa via, o que se descobrirá é que «conceitos fluidos,
argumentos cambiantes e crescente mobilização do Direito impedem o repasse crítico
do que são e para que servem os elementos teóricos a eles associados. A função do
Direito, que é resolver conflitos, é esvaziada por força da hipercomplexidade de
soluções que não precisariam mobilizar a Constituição e os direitos fundamentais573».
O resultado não será bom, como já não tem sido, para a ciência e para o país.
A prescrição é por excelência o assento da segurança. Em um duro sopesar
legislativo, mutila o que inquestionavelmente era direito da parte. Essa característica –
qual seja, a de mutilar direito, sem que o titular tenha violado o ordenamento e, como
se viu acima, sem que haja necessariamente negligência de sua parte – causa por vezes
espécie ao leigo, mas a essencialidade da ferramenta se reafirma por sua unânime
aceitação legislativa. Fora dos extremos rigores de uma intervenção corretiva de matriz

571 LARENZ, Karl, Metodologia da Ciência do Direito, Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian,

2005, p. 679.
572 «IV. O papel iluminista 22. Por fim, em situações excepcionais, com grande autocontenção e

parcimônia, cortes constitucionais devem desempenhar um papel iluminista. Vale dizer: devem
promover, em nome de valores racionais, certos avanços civilizatórios e empurrar a história. São
decisões que não são propriamente contramajoritárias, por não envolverem a invalidação de uma lei
específica; nem tampouco são representativas, por não expressarem necessariamente o sentimento da
maioria da população.» (BARROSO, Luis Roberto, Contramajoritário, representativo e iluminista: os
papéis das cortes constitucionais nas democracias contemporâneas, palestra disponível em
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI231089,81042-Ministro+Barroso+E+preciso+ir+buscar+
solucoes+e+respostas+originais.)
573 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Direito civil contemporâneo: estatuto epistemológico,

Constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019, p. 332.

244
constitucional, às Cortes cabe, sem que nisso redunde menoscabo algum, aplicar e não
revisar essas escolhas.

* * *

245
CONCLUSÃO

O estudo delineado na Introdução e desenvolvido nos cinco capítulos centrais


autorizam a enunciação de algumas teses finais. Como toda síntese, essa rubrica final
sofre pela pobreza vis-à-vis o raciocínio completo do texto; e como toda síntese, nisso
precisamente resulta sua utilidade, porque força que o essencial, e apenas ele, venha à
superfície. Concluiu-se que:
(i) o tempo tem importância central em institutos de direito público e de direito
privado. A bem da segurança jurídica (e outros bens jurídicos, conforme a figura em
questão), é preciso limitar direitos, para afetá-los a partir de certo marco. A prescrição
se inclui e lidera essas figuras de estabilização temporal, com destaque histórico;
(ii) do ponto de vista processual, a prescrição é uma defesa indireta de mérito,
exercitável pela parte, ou cognoscível e exercitável de ofício pelo magistrado. O
excipiente não objeta à titularidade de direito, pelo autor. Não se nega a existência de
seu direito subjetivo de crédito, nem de sua pretensão (= poder de exigi-lo), mas argui-
se fato modificativo, que é o encobrimento da eficácia da pretensão pela oposição da
exceção de prescrição;
(ii.a) o ônus da prova sobre a ocorrência da prescrição incumbe
ordinariamente ao excipiente. O ônus da prova sobre a ocorrência causas de
impediência, suspensão ou interrupção do prazo recai ordinariamente sobre o excepto;
(iii) a prescrição é exceção substancial (de direito material) em sentido amplo;
(iii.a) exceção substantiva em sentido amplo é toda defesa indireta, tomada
exclusivamente do ponto de vista do direito material. O uso dessa classificação – que
abrange fatos impeditivos, modificativos e extintivos, navegando por planos do direito
material diversos – releva ao legislador contemporâneo para conferir legitimação de
exercício destas posições jurídicas a terceiros por ela beneficiáveis;
(iv) a prescrição é também exceção substancial (de direito material) própria (em
sentido estrito), autônoma (independente) e peremptória.
(iv.a) a exceção em sentido próprio releva apenas à eficácia. O excepto tem
direito a receber a prestação de dar, fazer ou não fazer, e tem pretensão (= poder de
exigi-la), mas a oposição, pelo excipiente, desta posição jurídica (a exceção), encobre
a eficácia da exigência. Esvazia-a. Fica então legitimada pelo ordenamento a recusa de
prestar. Trata-se, portanto, de posição jurídica subjetiva ativa que encerra o poder de
unilateralmente sustar (suspender, encobrir) a eficácia da pretensão exercida por
outrem;

246
(iv.b) a prescrição existe por si só, vale dizer, não depende de outra posição
jurídica, que a fundamente. Por isso, diz-se ser autônoma, ou independente. Outras
exceções dependem da preexistência de posições jurídicas, sem a qual a exceção não
nasce, e dependem de sua contínua existência, sem a qual a exceção não vive. São ditas
exceções dependentes (ou não-autônomas). Comumente, mas não necessariamente,
essas posições jurídicas principais são direitos subjetivos de crédito (mas não
pretensões), como sucede na exceção de contrato não cumprido, exceção de
inseguridade e exceção de retenção por benfeitorias;
(iv.c) a prescrição é exceção peremptória porque sua eficácia paralisante da
pretensão tende à perenidade. Não há providência que o credor, excepto, possa adotar
para pô-la de lado. Exceções dilatórias, por ouro lado, encobririam a pretensão por
tempo incerto, mas tendencialmente finito, porque o tempo lhes infirma ou são
superáveis pelo credor excepto. A exceção de prescrição oposta pode (I) ter sua
alegação retirada, caso em que cessa a produção de efeitos paralisantes, mas se mantém
a posição jurídica; (II) ser renunciada, caso em que cessam ditos efeitos porque deixa
de existir a exceção; ou (III) ter sua eficácia modulada, ou suprimida, por haver sido a
oposição feita em abuso de direito – hipóteses que merecerão, adiante, conclusões
próprias;
(iv.d) para a classificação da prescrição como exceção em sentido próprio, é
irrelevante que a prescrição seja cognoscível de ofício em juízo. Em situações pontuais,
para bens jurídicos diversos, o ordenamento admite que o magistrado exerça direitos,
com viés defensivo ou não, em nome da parte. Os bens jurídicos tutelados pela cognição
de ofício da prescrição são a celeridade na adjudicação jurisdicional, com razoável
duração do processo, e a otimização da administração da Justiça. Supor fosse a
prescrição causa de extinção da pretensão ope legis (I) forçaria a distorção do conceito
de «renúncia à prescrição», para admitir renúncia de objeto inexistente (porque não
haveria posição jurídica defensiva, mas simples incidência da norma) e sua eficácia
repristinatória da pretensão; e (II) subtrairia a exceção da prescrição do âmbito
operativo da regra de vedação de abuso do direito, por inexistir exercício da exceção;
(iv.e) a cognição de ofício não é regra incompatível com a renúncia da
prescrição, porque o devedor excipiente pode renunciar à prescrição antes da cognição
de ofício, caso em que esta fica impedida, ou depois, caso em que o efeito da oposição
pelo magistrado cessa, ainda que que a decisão tenha transitado em julgado. A cognição
é compatível, também, com a regra da impossibilidade de repetição da prestação
voluntariamente adimplida: reconhecida ou não a prescrição, em juízo ou fora dele, o

247
devedor pode prestar e não pode, depois, exigir se repetir a prestação, para reintegrá-la
a seu patrimônio. Ainda, a regra não é vazia de conteúdo prático, sob argumento de que
o silêncio do devedor, mediante provocação do magistrado, implicaria renúncia tácita.
Não há renúncia tácita nestes casos: simples não-exercício e definitivo abandono da
posição jurídica não se confundem; o advogado, intimado, ordinariamente não tem
(pela cláusula ad judicia) poder de disposição pressuposto para o negócio abdicativo; e
a lei afasta a disciplina da preclusão, para admitir a oposição de prescrição em qualquer
instância – o que supõe sua não oposição, antes, não na tenha extinguido. Esta regra
(oposição em qualquer grau), por fim, fica igualmente mantida, porque preclusão em
prejuízo da parte e iniciativa do magistrado em introduzir defesa nos autos são aspectos
não-sobrepostos do processo;
(iv.f) a regra de cognição de ofício da prescrição não se aplica aos árbitros.
Isso é verdade quer pela inserção no Código de Processo Civil, cuja normativa não rege
aquelas disputas, quer pela mens legis, de viés público e não pertinente à jurisdição
arbitral;
(v) a prescrição não atinge o direito subjetivo.
(v.a) direito subjetivo é expressão polissêmica nas ciências jurídicas.
Compreendida em sentido estrito, como posição primária de crédito (direito subjetivo
de crédito), pode ser descrito como direito de receber de outrem uma prestação positiva
ou negativa, de dar, fazer ou não fazer, incorporando definitivamente a seu patrimônio
as vantagens dessa prestação – o que pode exsurgir de posições jurídicas subjetivas
pessoais ou reais;
(v.b) não tem razão a doutrina que enxerga na prescrição extinção do direito
subjetivo de crédito, por crer que posições jurídicas despidas de exigibilidade seriam
uma contradição em termos, ou uma anomalia científica. A prerrogativa de receber e
incorporar prestação ao patrimônio é superior ao estado de inexistência de crédito, que
admite, pela falta dessas prerrogativas, repetição da prestação, sob a máxima da que os
patrimônios são inertes, salvo causa jurídica que lastreie os deslocamentos de valor;
(v.c) a explicação de que razões morais justificariam, como causa autônoma,
esses deslocamentos prestacionais, é possível em tese, mas inoportuna em concreto. A
uma, porque a extinção tem efeito maior do que a prescrição pretende tutelar: os
embaraços de uma cobrança intempestiva se resolvem integralmente com o afastamento
da obrigação (efeito passivo da pretensão), sem toque à dívida (efeito passivo do
crédito). A duas, são múltiplas as hipóteses de posições jurídicas não-tuteláveis por

248
exigência com vetor coercitivo, sendo a doutrina majoritária por isso mesmo firme pela
incidentalidade, e não essencialidade, da coerção, ao conceito de direito subjetivo;
(vi) a prescrição objeto deste estudo não atinge a ação de direito processual,
qualquer que seja a teoria da ação adotada. Em todo caso, o credor-autor da demanda
recebe prestação jurisdicional plena, que resulta em improcedência no mérito, por haver
o devedor-réu direito a recusar a prestação que configura, na arena judicial, a res in
judicium deducta. A prescrição civil afeta a relação entre as partes da relação jurídica
substantiva; o direito de ação, de natureza pública, toca a relação entre o credor e o
Estado-Juiz;
(vi.a) sem embargo da conclusão «(vi)», há na legislação brasileira fenômeno
de afetação de posições jurídicas tipicamente processuais lastrado em inércia do titular
e decurso do tempo, ora nominado prescrição (caso da ação popular, em regramento
aplicado por analogia à ação civil pública), ora nominado decadência (caso do mandado
de segurança). É possível que dessa fenomenologia exsurja o estudo de uma prescrição
processual civil, de incidência cumulativa à prescrição civil, porque atinente a objetos
diversos. A pesquisa sobre esse instituto escapa ao escopo deste estudo;
(vii) a prescrição atinge apenas reflexamente a ação de direito material,
compreendida como a possibilidade de o credor, por si ou pelo Estado-Juiz, fazer valer,
pela coerção, a exigência que lastreia sua pretensão. Sem poder exigir o crédito, seu
titular não poderá, a reboque disso, agir para assegurar efetividade à exigência;
(viii) a prescrição, uma vez oposta a exceção que dela exsurge, incide sobre a
pretensão, sendo esta seu único real objeto de afetação;
(viii.a) a pretensão é posição jurídica subjetiva autorizativa de
exigência, de pessoa (credor) a pessoa (devedor), de uma conduta positiva ou negativa,
de dar, fazer ou não fazer (prestação). Não é, como pensou parte da doutrina, o direito
do devedor de apresentar a prestação devida, que é direito subjetivo de se exonerar,
superando a injusta recusa causadora de mora creditícia; não é direito do credor de reter
a prestação, que é eficácia do próprio crédito; e não se confunde com o crédito
simplesmente por se dirigir ao devedor, porque pretensão se dirige ao devedor para
exigir a prestação, e crédito para criar, sem exigir, o dever de prestar;
(viii.b) pretensão não se confunde com exceção, e apenas pretensão
prescreve. Quando o Código se refere à prescritibilidade de exceções no mesmo prazo
das pretensões, refere-se a exceções em sentido amplo, impróprio, que veiculem, em
viés defensivo, eventuais pretensões que o devedor disponha contra seu credor;

249
(viii.c) exceção dependente não é o mesmo que exceção imprópria, ou
em sentido amplo. Dependência ou independência diz com o suporte fático para o
nascimento da exceção, conforme haja ou não posição jurídica subjetiva como condição
sine qua non à titularidade da posição defensiva. Propriedade ou impropriedade diz
com o conteúdo da exceção. Exceções dependentes e próprias (exceção de contrato não
cumprido; exceção de retenção por benfeitorias) sobrevivem, em plena eficácia, à
oposição da exceção de prescrição;
(viii.d) as pretensões podem surgir de posições jurídicas pessoais (v.g.,
contratos, promessa de recompensa) ou reais (v.g., propriedade, usufruto). As
pretensões reais, no direito brasileiro, prescrevem no prazo geral decenal. É o caso das
pretensões reivindicatória e de petição de herança. As posições jurídicas reais de fundo
podem ser extintas por fenômenos diversos (usucapião, perempção), sem incoerência
com a incidência da disciplina prescricional. A única ligação entre as disciplinas no
Brasil reside nas causas que obstam, suspendem ou interrompem a fluência dos prazos.
Não é correta, por isso, a subordinação da fluência do prazo de usucapião de bens
herdados à prescrição da petição de herança. Não é correto, ainda, condicionar a
fluência do prazo prescricional da pretensão de petição de herança à ciência do status
de herdeiro, ou seu reconhecimento judicial, porque o filtro subjetivo integra o suporte
fático da prescrição apenas quando a lei o determinar;
(viii.e) as nulidades são operadas ex lege, independentemente do
exercício de direito pela parte interessada. Não há pretensão a si subjacente, de modo
que não se afeta pela prescrição o direito de declará-las. Coisa diversa sucede com
pretensões surgidas de forma periférica à nulidade, como aquelas ancilares aos direitos
subjetivos de crédito por indenização ou por repetição de prestações eventualmente
satisfeitas, em observância a negócio nulo. Para estas, incide a prescrição,
respectivamente, no prazo trienal e decenal;
(viii.f) as pretensões não surgem da violação do direito subjetivo de
crédito. Há pretensões anteriores e posteriores à violação, sem qualquer necessária
correlação entre um e outro dado. Apenas a pretensão à cessação de ilícito e a pretensão
à sua remediação surgem com a violação – o que é tanto mais claro nas pretensões
ancilares a direitos absolutos, ou obrigações de não fazer. Ainda nestes casos, a
pretensão à abstenção se concretiza com o só tencionamento ao ilícito;
(viii.g) as pretensões surgem, nas modalidades do negócio jurídico: para
as prestações avençadas, na ausência de termo inicial ou condição suspensiva, e ainda
que com pacto de termo resolutivo ou condição resolutiva, quando do nascimento do

250
negócio jurídico; no termo inicial, quando de seu implemento (depois do direito
subjetivo de crédito, que precede o termo); na condição suspensiva, quando de seu
implemento (junto do direito subjetivo de crédito); no encargo, para as prestações
avençadas, desde o nascimento do negócio jurídico;
(viii.h) as pretensões surgem, nas obrigações periódicas ou de trato
sucessivo, para as prestações avençadas, a cada novo ciclo, mantida a independência
das pretensões nada obstante sua origem comum;
(viii.i) as pretensões surgem, no direito restitutório, seja por ato
unilateral ou por incidência do regime das nulidades, ineficácias, do pagamento
indevido e do enriquecimento sem causa, para a restituição, desde o deslocamento
patrimonial prestacional (CC, art. 169, 876 e 884); no regime das anulabilidades, para
a restituição, desde a anulação por ordem judicial, supondo haver-lhe precedido
desempenho da prestação (CC, art. 177);
(viii.j) as pretensões surgem, para as posições jurídicas decorrentes do
exercício de direito potestativo (a já citada anulação, a resilição, a resolução, opção de
compra, direito de preferência), desde que eficaz a criação, modificação ou extinção da
relação jurídica por força do exaurimento, em exercício, do direito potestativo, em juízo
ou fora dele, conforme o pressuposto legal específico; e
(viii.k) as pretensões surgem, no direitos geral de incolumidade
extraível da cláusula geral do ato ilícito (com especial relevância para posições
absolutas, mas não apenas para elas) e nas obrigações de não fazer com eficácia relativa,
para a inibição do ilícito, desde o tencionamento ao ilícito, e para a reparação, desde a
verificação do dano;
(ix) o primeiro pressuposto à incidência da prescrição é a existência de direito
subjetivo de crédito municiado com pretensão;
(ix.a) a prescrição não incide sobre todas as pretensões ancilares a direitos
subjetivos de crédito. Posições jurídicas existenciais, em sua execução específica, como
emanações da dignidade, não são passíveis de estabilização temporal. Não há caminho,
no Estado de Direito, de se legitimar a recusa em atender àquilo que emana do núcleo
da pessoa; tratá-la, e segui-la tratando, como não-pessoa. O mesmo não vale para
pretensões de lastro patrimonial, reflexamente surgidas no contexto de infringências a
essas posições. Essas são prescritíveis;
(ix.b) não há imprescritibilidade de lege ferenda. À míngua de autoridade
normativa no ordenamento para afastar a incidência da prescrição, ela recairá sobre
toda pretensão. Pretensões emanadas de posições jurídicas subjetivas indisponíveis são,

251
por isso mesmo, prescritíveis no Brasil, ainda que seja forte na tradição romano-
germânica sua exclusão do espectro de incidência do fenômeno prescricional;
(ix.c) a prescrição (= incorporação de exceção de prescrição à esfera jurídica
de alguém) pode preceder a existência do direito subjetivo de crédito e da pretensão.
São os casos de prescrição de eficácia antecipada, ou simplesmente prescrição
antecipada;
(ix.c.1) quando o surgimento da pretensão depende de conduta do
titular, v.g., para exercício de direito potestativo tendente a criar o direito subjetivo de
crédito que a lastreie, a prescrição flui desde a possibilidade de exercício deste direito
potestativo, e não quando do efetivo nascimento da pretensão. Essa interpretação se dá
para que a prescrição atinja o propósito da lei e promova o bem social, evitando que
(I) haja pretensões manejáveis perpetuamente (no sentido de se fazerem nascer e, daí,
exercer), o que não parece ser o propósito do legislador; (II) o devedor de pior conduta
(porque vinculado a dívida e obrigação criados, mas não satisfeitos) seja municiado de
exceção de prescrição antes do devedor de melhor conduta (que não satisfez dívida e
obrigação porque não poderia, já que não criadas); (III) haja proteção mais longeva das
pretensões de partes vitimadas por anulabilidades (invalidades menos graves) frente
àquelas vitimadas por nulidades (invalidades mais graves). Não há pretensão, mas há
exercibilidade concreta da pretensão pela dualidade de sua criação e exercício – e é daí
que flui o prazo;
(ix.c.2) por razões de política legislativa, igualmente, o ordenamento
pode criar prescrições cujo marco inicial de fluência preceda direito subjetivo de crédito
e pretensão. É o que sucede com a pretensão do segurado contra a seguradora, nos casos
de responsabilidade civil, cuja prescrição ânua pode fluir da citação daquele, em ação
movida pela vítima – anos antes de haver, do segurado frente à seguradora, efetivo
crédito e pretensão ressarcitória. Não é o que sucede com a responsabilidade civil dos
oficiais registrais, a despeito da infeliz redação da lei a esse propósito;
(ix.d) a circunstância de que a prescrição é analisada, em juízo, antes de se
aferir se há direito subjetivo de crédito e pretensão (em sede prejudicial ao mérito), não
afeta em nada a premissa de que sua operação pressuponha sua existência. A ordenação
invertida do exame mira na celeridade da prestação jurisdicional e eliminação de
análises despiciendas: se haveria exceção de prescrição, mesmo tendo-se crédito,
sucede que em concreto «não importa se há crédito». Releva, portanto, descobri-lo com
prioridade, em inversão do raciocínio a bem da eficiência do juízo;

252
(x) o segundo pressuposto à incidência da prescrição é a inércia do titular da
pretensão;
(x.a) a inércia que lastreia a prescrição é ato-fato, i.e., conduta humana
tomada objetivamente, independentemente da vontade de seu titular. Isso significa que
(I) a ciência do titular da pretensão sobre sua existência, ou demais fatos relevantes a
seu exercício; (II) a capacidade do titular; e (III) a existência de caso fortuito ou força
maior a obstar o exercício da pretensão relevam apenas se e na medida em que a lei o
preveja;
(x.b) o ordenamento toma a inércia com algum juízo de valor, para criar
sulcos protetivos de proteção ao titular inerte de pretensão. Isso se dá, ordinariamente,
pelas causas de impedimento, suspensão e interrupção da fluência dos prazos
prescricionais, que elegem valores elevados ao ponto de afastar o benefício de
segurança jurídica que adviria da prescrição;
(x.c) no caso do art. 200 do Código Civil, em que a fluência do prazo civil
depende de apuração criminal, (I) a prescrição não corre se houver inquérito, ação por
crime, ou ação por ato infracional; (II) não é necessário haver condenação, mas simples
apuração, ainda que absolutória; e (III) não é necessária correspondência subjetiva entre
investigado na esfera penal e responsabilizado na esfera civil, bastando haja, para a
responsabilidade deste, pertinência em tese da imputação àquele. Se poderia haver
apuração criminal, mas concretamente não houve, o prazo flui não afetado;
(x.d) nos casos em que a lei aponta a fluência do prazo para eventos
posteriores à pretensão, em que, ordinariamente, poder-se-ia esperar haja ciência a seu
propósito (v.g., assembleias para fins de responsabilização no âmbito do direito
societário), é destes marcos que flui a contagem do prazo, ainda que a efetiva ciência
lhes preceda. A fluência não se dá depois destes marcos, ou da data em legalmente
deveriam ser realizados, ainda que concretamente não o sejam, porque admiti-lo
esbarraria nas mesmas perplexidades sistemáticas de que se cuidou na tese «(ix.c.1)»;
(x.e) os absolutamente incapazes estão excluídos do regime prescricional,
tenham ou não representante legal. Os relativamente incapazes sofrem os efeitos da
prescrição, igualmente tendo ou não assistente a seu dispor. Os doentes mentais são
capazes por força do Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPD e, por isso, foram
subtraídos da proteção legal contra a operação de prescrição;
(x.f) o caso fortuito e a força maior só relevam, no Brasil, em caso de óbice
judiciário ao exercício da pretensão;

253
(xi) o terceiro pressuposto à incidência da prescrição é a fluência do prazo prefixo
em lei;
(xi.a) a exceção de prescrição se incorpora ao patrimônio do devedor com a
completude integral do prazo. Antes dela, há mera expectativa de direito; depois, direito
adquirido, não vulnerável por lei posterior a respeito do prazo;
(xi.b) pode haver mais de um prazo, com pressupostos ancilares diversos, para
a mesma pretensão. Fora do Brasil, recentes reformas tornaram esse fenômeno regra
geral, com um prazo objetivo (i.e., com fluência independente da ciência a propósito
da pretensão, pelo titular) e outro subjetivo;
(xi.c) a contagem dos prazos prescricionais exclui o dia de início e inclui o
último dia da contagem. A prescrição não termina em dia não-útil. Os prazos fixados
em meses e anos terminam na data correspondente do calendário, e não por contagem
diária. Se não houver correspondência, migra-se ao dia seguinte;
(xi.d) como regra, a contagem do prazo se dá da existência de pretensão
exercitável, e não da violação ao direito subjetivo de fundo;
(xi.e) a pretensão reconhecida em decisão judicial ou arbitral, apta a lastrear
cumprimento forçado, mereceu do legislador brasileiro regra especial protetiva. Por um
ano, contado do arquivamento dos autos, a prescrição fica suspensa por inexistência de
bens penhoráveis. Expirado o prazo suspensivo (haja ou não bens) ou se localizados
bens, ope legis, torna a correr o prazo prescricional. Se as partes convencionam prazo
para cumprimento espontâneo, por outro lado, há novo termo, por força de negócio
jurídico modificativo do crédito originário, e nova pretensão, com novo prazo
prescricional. Se o executado se vale do direito de parcelar a dívida, igualmente, há
novo termo, mas por incidência de direito potestativo seu – e aqui, igualmente, haverá
nova pretensão e novo prazo prescricional. A inércia creditícia por praça frustrada ou
por suspensão convencional do processo não afetam os prazos prescricionais; a inércia
forçada por efeito suspensivo outorgado a embargos à execução, diversamente, obsta a
fluência do prazo, por retirar exigibilidade – pressuposto primeiro da prescrição;
(xi.e.1) a prescrição quinquenal reconhecida pelo Superior Tribunal de
Justiça para execução individual de sentença proferida em sede de ação civil pública
tem natureza processual civil, e não civil. Ela não afasta, portanto, a incidência do prazo
prescricional específico da pretensão cujo exercício, em juízo, se pretende, nem
prejudica o manejo da pretensão por outros remédios processuais que não
especificamente o cumprimento individual;

254
(xi.f) em caso de enfeixamento sequencial de pretensões, com surgimento
espalhado no tempo a partir de uma mesma relação jurídica, a fluência do prazo
prescricional atinente a cada pretensão surge desde seu nascimento. Há independência
entre os prazos, pouco importando se as pretensões são idênticas entre si, ou se a recusa
de uma faria supor, por coerência, ou por expressa declaração, a recusa de todas. Não
há, salvo norma expressa, prescrição de fundo de direito no Brasil. A regra é que a
prescrição opere sob espectro pontual, ou singular;
(xi.g) quando ocorre modificação da pretensão, por exercício de direito
potestativo, a fluência do novo prazo prescricional se dá desde quando a transformação
era possível, i.e., desde que o direito potestativo era exercitável. Se a transformação se
deu não por vontade do titular, mas por incidência da lei, a fluência do prazo parte desde
que a lei opere dito efeito transformativo;
(xii) o quarto pressuposto à incidência da prescrição é a inocorrência de uma causa
de impedimento, suspensão e interrupção do prazo, ou sua superação;
(xii.a) a lista legal de afetação da fluência do prazo é taxativa e não
exemplificativa;
(xii.b) causas de impedimento e suspensão sustam a fluência do prazo
prescricional, para que corra (caso das primeiras) ou torne a correr (caso das segundas),
superado seu suporte fático. Normalmente, mas não necessariamente, essas causas são
sobrepostas: causas de impedimento são de suspensão, e vice-versa. Na experiência
brasileira, dividem-se entre causas fundadas nas relações havidas entre credor e
devedor; na especial proteção que o credor mereça aos olhos do ordenamento, por
predicados pessoais; em razões técnicas atinentes à pretensão; ou na compreensão
legislativa pela inércia por motivos alheios à vontade do credor, por intervenção estatal
ou por razões reputadas dignas de tutela pelo ordenamento;
(xii.b.1) a prescrição não corre (I) contra menores, haja ou não
representantes legais; (II) contra pessoa a serviço do país, no exterior, assim
compreendida a pessoa que preste serviço público oficial, seja servidora ou não, que a
compila a residir no estrangeiro, pouco importando se há pontuais reingressos no país;
e (III) contra quem sirva as Forças Armadas em tempo de guerra, seja militar de carreira
ou não, dentro ou fora do Brasil – situação a que não se equiparam estado de defesa ou
de sítio, ainda que haja conflito armado;
(xii.b.2) não corre prescrição na pendência de condição
suspensiva porque não há pretensão, mas mero direito expectativo; não corre prescrição
na pendência de termo suspensivo porque não há pretensão, mas apenas direito

255
subjetivo de crédito inexigível; e não corre prescrição na pendência de ação de evicção
porque a tutela defluente da perda da coisa depende que haja sido a coisa perdida, e não
que corra, a seu respeito, demanda;
(xii.b.3) não corre a prescrição na pendência de apuração
criminal; de mediação (e não simples tratativa), desde a reunião inicial até o termo final,
ou declaração de frustração emitida por qualquer parte, ou pelo mediador. Não corre,
igualmente, da decretação de insolvência civil, da falência ou do deferimento de
processamento da recuperação judicial, até o cabo de ditos procedimentos;
(xii.b.4) é ilegal a súmula 229 do Superior Tribunal de Justiça,
que afirma suspensa a prescrição durante o período de análise administrativa do pedido
de pagamento de indenização (regulação) pela seguradora. A análise da seguradora não
implica condição, nem termo a modular o surgimento da pretensão. Ilegal, também, e
pelas mesmas razões, a linha de jurisprudência mais recente que condiciona a fluência
inicial da prescrição em seguro de dano imobiliário à negativa da seguradora;
(xii.c) causas de interrupção do prazo prescricional renovam-no, para que
corra desde o início. Normalmente estão coligadas a um particular modo de exercício
da pretensão, ou uma atitude confirmadora de submissão do devedor a dita pretensão;
(xii.c.1) tem legitimação para interromper a prescrição o titular da
pretensão, seus credores e terceiros que tenham interesse legítimo sobre a prestação
(credor pignoratício, usufrutuário, promitente adquirente);
(xii.c.2) o princípio é da incontagiabilidade de atos: a interrupção
promovida por um credor não aproveita os demais, nem a feita em desfavor de um
devedor prejudica os outros. Se houver solidariedade ativa ou passiva, há comunicação
de efeitos; se a interrupção for contra herdeiro de devedor solidário, apenas há
comunicação de efeitos se a prestação for indivisível. Se há interrupção contra o
devedor principal, há efeito contra o fiador, mas o inverso não é verdadeiro, nem se
traduz igual dinâmica para o caso de aval;
(xii.c.3) o reconhecimento da dívida, pelo devedor, de modo
inequívoco, interrompe o prazo prescricional. Pouco importa se a pretensão é pessoal
ou real: o reconhecimento não demanda forma, e pode se dar em juízo ou fora dele. A
declaração é ato jurídico em sentido estrito: a vontade deve se restringir ao
reconhecimento da dívida, e não releva o desejo de interromper a prescrição, que deriva
diretamente da lei. Não se cuida de ato receptício: pode advir reconhecimento de
publicação de balanço ou fato relevante, por exemplo, mas a simples notícia de
demanda e provisão para contingências não importa reconhecimento. Pode, ainda, o

256
reconhecimento advir de pedido de proposta para pagamento, mas não de simples
negociações para transação. Em qualquer caso, imaginando-se haver dúvida sobre o
propósito da declaração, a parte prudente pode se valer de protestatio contra factum
proprium para evitar a interpretação tendente à interrupção. Por fim, o pagamento é
ato-fato e não significa, necessariamente, reconhecimento de dívida;
(xii.c.4) a citação em processo judicial ou instauração de
procedimento arbitral interrompe o prazo prescricional. Pode se tratar de medida
cautelar, antecipação de tutela autônoma, processo de conhecimento ou de execução. A
interrupção se dá ainda que o juízo seja incompetente, pouco importando o desfecho da
demanda. A interrupção se faz pela citação ou pela instituição do tribunal,
condicionando-se a retroação à propositura quando, em juízo, as providências tendentes
à citação (indicação de dados das partes, com o máximo de informação disponível;
recolhimento de custas) forem adotadas pelo autor em dez dias. A demora do Poder
Judiciário nunca será imputável ao autor, nem obstará a retroação do efeito citatório.
Se a citação demorar, por culpa do autor, é dela que fluirá o prazo prescricional;
(xii.c.5) a interrupção extrajudicial se dá apenas uma vez, com
eficácia pontual. A interrupção em juízo se dá com a citação, para tornar a correr quando
couber ao autor nova providência. Todos os atos de impulsionamento subsequentes
interrompem, novamente, a prescrição, até o último ato do processo. O ato interruptivo
pode ser de exercício da pretensão ou de defesa da pretensão, como, por exemplo,
sucede com a apresentação de defesa em ação declaratória de inexistência do crédito;
(xiii) operados os pressupostos da prescrição, incorpora-se à esfera jurídica do
devedor a exceção de prescrição, que, exercida pelo titular ou pelo juízo, encobre a
eficácia da pretensão contra si dirigida. O direito subjetivo de crédito segue inabalado.
Há crédito e dívida; há pretensão e há obrigação, mas a oposição encobre a pretensão e
susta a obrigação;
(xiii.a) o pagamento espontaneamente feito, no todo ou em parte, de
dívida prescrita, vale, porque toca ao direito subjetivo de crédito. O ato de pagamento
não implica fraude contra credores, porque (I) é ato-fato, que não desafia a disciplina
das invalidades; e (II) o negócio que lastreia o pagamento, se anterior à insolvência, é
válido. O motivo «(II)» afasta, igualmente, a ineficácia por fraude à execução;
(xiii.b) o direito à compensação sobrevive à incorporação da exceção ao
patrimônio ao patrimônio do devedor, mas não à sua oposição. Diversamente do que
sucede em outros ordenamentos, não importa se a prescrição se deu antes ou depois de
se verificarem os demais requisitos autorizadores da compensação. Dívida prescrita,

257
com eficácia da pretensão suspensa por oposição da exceção, não é apta a promover
compensação. Se a parte beneficiada pela prescrição instrumentaliza crédito e pretensão
seus para extinguir dívida prescrita, não há desconformidade com o ordenamento e a
compensação se dá, com plenos efeitos;
(xiii.c) o direito a resolver contratos sobrevive à oposição de exceção de
prescrição. É direito potestativo que, não limitado por prazo decadencial, não se
extingue com o curso do tempo. O credor vitimado pela mora pode repudiar, cortar o
vínculo relacional com o devedor. A prescrição para as pretensões decorrentes do ato
resolutório é de eficácia antecipada, vale dizer, corre desde que houvesse a
possibilidade de se resolver a avença, com a perda do interesse útil. Na dúvida, a
aferição a esse propósito deve privilegiar, tanto quanto possível, o credor;
(xiii.d) a prescrição pessoal não afeta aquela, diversa, real, de exigir a
venda do bem dado em garantia para satisfação da prestação. O prazo de prescrição das
pretensões reais de garantia é decenal, qualquer que seja a prescrição incidente sobre a
pretensão pessoal. A oposição de exceção de prescrição contra pretensão de satisfação
pela via real não afasta as demais eficácias da garantia constituída, como, v.g., sub-
rogação em direitos indenizatórios e prelação em caso de venda por terceiro;
(xiii.e) a renúncia à prescrição se dá apenas quando há exceção de
prescrição definitivamente incorporada ao patrimônio do devedor-excipiente. A
renúncia é negócio jurídico abdicativo, não receptício, que demanda poder de
disposição. Não podem renunciar à prescrição o absolutamente incapaz,
independentemente de declaração judicial; o falido, desde que decretada a falência; e o
insolvente civil, desde que decretada a insolvência. O relativamente capaz, assistido,
pode renunciar; não assistido, pode igualmente, mas a renúncia é anulável. O cônjuge
pode renunciar à prescrição independentemente de outorga uxória, ainda que o negócio
que originou a pretensão dependesse de dita outorga. Feita por representante, a
prescrição demanda do representante convencional poderes especiais e expressos –
poderes ausentes, v.g., na cláusula ad judicia. A forma pode ser expressa ou tácita,
ainda a pretensão se origine de negócio formal, mas a vontade tácita deve ser
inequívoca, absolutamente incompatível com a manutenção da exceção, e sua
interpretação restritiva;
(xiii.e.1) a renúncia não pode prejudicar terceiros. A doutrina se
equivoca quando afirma que esses terceiros são os demais credores do devedor comum.
Os credores não são prejudicados pela renúncia de prescrição: o devedor comum estava,
e segue, em dívida, até que adimpla, e o adimplemento é lícito. Os credores não

258
poderiam, em lugar do devedor, opor exceção de prescrição para blindar seu patrimônio
da pretensão e de ação manejadas pelo credor vulnerado. A anulação ou ineficácia da
renúncia apenas retornaria à esfera jurídica do devedor a exceção de prescrição, sem
eficácia automática de encobrimento da pretensão. Os únicos terceiros protegidos da
renúncia são os codevedores solidários, e não os garantidores, seja por vínculo pessoal
(que não têm, para si, prescrição) ou real (que têm prescrição própria);
(xiii.e.2) a eficácia da renúncia é a de extinguir a exceção de
prescrição. Ato contínuo, novo prazo prescricional torna a fluir. Se já houvera oposição
da exceção, a eficácia de encobrimento da pretensão cessa; se não houvera, a pretensão
segue como antes, desimpedida. A eficácia pode ser modulada em benefício de um
credor, ou alguns dentre os credores solidários;
(xiii.f) é vedada a modificação de prazos prescricionais por negócio
jurídico. A vedação abrange a diminuição ou a extensão dos prazos, bem como a
criação, ou afastamento, de hipóteses de interrupção ou suspensão do prazo
prescricional. Não podem, também, criar casos de extensão de prazo prescricional –
que o direito brasileiro desconhece;
(xiii.g) o óbice ao exercício de pretensões, pela via negocial,
ordinariamente ocorre de forma transversa. Criam-se condições suspensivas
consistentes na participação, ao devedor, da potencial existência de crédito, limitando
a possibilidade de dita notificação no tempo; criam-se termos resolutivos, puros, após
os quais o direito subjetivo de crédito se extingue; e criam-se manifestações tácitas de
vontade, pelo não-exercício, com tendência abdicativa do credor, ou declaratória de
exoneração do devedor (renúncia; quitação; declaração de inexistência de crédito).
Como regra, condições, termo e declarações tácitas valem. Se recaem sobre posições
jurídicas contratuais, das quais emergem os créditos, valem. Se recaem sobre os
créditos já emergidos da relação, com eficácia concreta de antecipar, com maior
gravidade, os efeitos destruidores do tempo, não valem, sob pena de esvaziar totalmente
de conteúdo a vedação ao negócio jurídico de tempo prescricional;
(xiii.h) a boa-fé do devedor não é pressuposto à aquisição da exceção de
prescrição; não há filtro subjetivo no fenômeno, nem standard de probidade a seguir
para receber, da lei, a exceção.
(xiii.h.1) o exercício da exceção de prescrição está, como qualquer
posição jurídica, subordinado aos filtros de ilicitude funcional eleitos pela vedação
geral ao abuso do direito: boa-fé, bons costumes, função econômica e social da posição.
São afetados por esses filtros, pelo ângulo da boa-fé, v.g., o devedor que

259
maliciosamente induz o credor a não exercer a pretensão, ou obsta dito exercício por
ameaça, e o devedor que oculta o crédito, ou a pretensão, do credor. O exercício da
pretensão também esbarra nesses filtros: o credor que impeça a aquisição de exceção
de prescrição por sua má-conduta é afetado pelo filtro do abuso. Isso se dá, por
exemplo, nos casos em que sua ciência a propósito da pretensão é requerida por lei para
que corra o prazo prescricional, e o credor, por negligência, sem escusa, ignora dita
existência;
(xiii.h.2) excepcionalmente, em caso de manifesta contrariedade à
boa-fé, incide suppressio sobre pretensões e exceções não manejadas, ainda que haja
prazo prescricional em curso, e ainda que este prazo seja breve;
(xiii.h.3) deseficacização promovida pela incidência da disciplina
do abuso do direito não suprime toda a eficácia da exceção da prescrição. O julgador
deve divisar se a conduta ilícita foi determinante ao não exercício tempestivo da
pretensão e, em sendo, deve fixar prazo em que o exercício da pretensão não é
vulnerável pela exceção. Não se cuida de restituição integral de dias, mas de óbice ao
efeito paralisante da prescrição pelo prazo mínimo necessário ao manejo da pretensão;
(xiv) o único fundamento da prescrição é a segurança jurídica, compreendida como
certeza e previsibilidade do Direito. Na prescrição, a certeza incide a propósito do não-
manejo de pretensões existentes, ou imprópria formulação de demanda por pretensões
não-existentes, depois de determinado lapso de tempo;
(xiv.a) a prescrição não é um reflexo natural dos efeitos do tempo nas
posições jurídicas. No silêncio da lei, os direitos sobrevivem aos seus titulares,
perpetuamente. A prescrição é fruto de política legislativa, ferramenta artificial e
abstrata voltada à pacificação social;
(xiv.b) os meios e os efeitos da prescrição não são seu fundamento. A
prescrição não presume quitadas as obrigações, porque o crédito lhe sobrevive; nem
tem por fundamento a redução de disputas, que é apenas seu efeito indireto e não é um
valor em si, na medida que demandas justas e necessárias devem ser incentivadas; nem
adequa o Direito à realidade, porque não há realidade jurídica fora do Direito, e o
Direito é dever-ser e não ser;
(xiv.c) a prescrição não é fundada em presunções, quer de pagamento,
renúncia ou abandono. As presunções são a ferrugem do pensamento científico. Sempre
que possível, devem ser evitadas. Na prescrição, a par de indesejáveis, são
impertinentes. O pagamento e a renúncia redundariam em extinção do crédito, que não
há, na espécie. O abandono (derrelicção) igualmente redunda em extinção, com a

260
particularidade de se adstringir a direitos reais, escopo menor que aquele da prescrição.
Ainda, no abandono e na renúncia, a vontade de abandonar e renunciar é fundamental;
na prescrição, a vontade do credor vulnerado não releva;
(xiv.d) a punição ao credor negligente igualmente não fundamenta a
prescrição. É possível, e desejável, que o ordenamento confira razoável oportunidade
de exercício da pretensão aos credores. Isso não significa que a prescrição apenas se
operará contra quem se porte, frente ao próprio crédito e pretensão, de forma indiferente
ou leviana. Nos ordenamentos de matriz romano-germânica, mesmo nos mais
protetivos, há prescrição que vulnera o credor diligente. É uma escolha de política
legislativa, para fechar as portas ao exercício de pretensões em dado momento. Se há
prescrição sem negligência, ela pode ser um valor relevante à elaboração da lei, mas
não é fundamento do instituto;
(xiv.e) a segurança jurídica não pressupõe decisões justas, mas decisões
lastreadas de certeza e previsibilidade. Não se pode afastar a prescrição por não se lhe
apreciar o resultado, sem autoridade normativa para a decisão. Não há justiça fora da
ciência, e não há ciência fora da lei. A estabilidade judiciária e o acatamento do
ordenamento pelo julgador têm, aqui, papel central;
(xiv.f) a segurança jurídica é princípio de assento constitucional no
Brasil. A eficácia da Constituição e dos direitos fundamentais nas relações privadas é
indireta e fraca, de regra carente de mediação do ordenamento. A ninguém é dado,
portanto, recusar a aplicação da disciplina por uma genérica referência à Constituição,
ou a concretização de valores outros, respeitáveis que se afigurem. A normativa
prescricional pode ter sua eficácia recusada por inconstitucionalidade, se sua eficácia
de fato suprimir direito constitucional como a igualdade, a propriedade ou o devido
processo legal (compreendido o direito de razoável oportunidade de assegurar exame
de núcleo meritório da pretensão em juízo); e
(xiv.g) a pretensão a indenização por danos materiais ou morais
decorrentes de ato de tortura, antes ou depois do regime de exceção ditatorial que se
instalou no Brasil, é prescritível. A legislação democrática que regula o modo de
pagamento destas indenizações, criando exceção prescricional, é conforme a
Constituição.
Essas são, enfim, as teses defendidas.

* * *

261
262
BIBLIOGRAFIA

AFFONSO, Filipe José Medon. Caminhos para a verdadeira proteção e igualdade: uma
releitura do art. 198 do Código Civil. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre
prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 95–112.

AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do
devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2004.

AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Indenização por perdas e danos. Decadência do direito
de anulação do contrato. Prescrição da ação de responsabilidade civil prevista na lei
societária. Atendimento do critério da razoabilidade no cumprimento do contrato.
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 27, p. 184-203 (RT Online
p. 1–11), 2005.

ALBALADEJO GARCIA, Manuel. El plazo de la accion para recobrar la posesion. Es


de prescripcion o de caducidad? Revista de Derecho Privado, p. 551–560, 1990.

ALBALADEJO GARCIA, Manuel. Si la reclamacion extrajudicial interrumpe la


prescripcion desde que se hace o cuando la recibe el prescribiente. Revista de Derecho
Privado, p. 523–534, 1996.

ALMEIDA, Cândido Mendes de, Codigo Philippino, ou, Ordenações e leis do Reino
de Portugal : recopiladas por mandado d’El-Rey D. Philippe I, vol. 4, 14. ed. Rio
de Janeiro: Typ. do Instituto Philomathico, 1870.

ALMEIDA, Cândido Mendes de; CORREA TELLES, José Homem. Auxiliar jurídico
(apêndice às Ordenações Filipinas). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

ALVES, Sonia Marilda Péres. Responsabilidade civil de notários e registradores: a


aplicação do Código de Defesa do Consumidor em suas atividades e a sucessão
trabalhista na delegação. Revista de Direito Imobiliário, v. 53, p. 93-101 (disponível
na RTOnline, p. 1-8), 2002.

ALVES, Vilson Rodrigues. Da prescrição e da decadência no novo Código Civil.


Campinas: Servanda, 2006.

AMARAL, Guilherme Rizzo do. A polêmica em torno da ação de direito material.


Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponível em:
<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/guilherme%20rizzo%20amaral%20-
formatado.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2018.

263
AMORIM FILHO, Agnelo, As ações constitutivas e os direitos potestativos, in:
Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. II, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 25–44.

AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da


decadência e identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 744
(originariamente publicado no vol 300), p. 725-750 (RT Online p. 1–20), 1997.

ANDRADE NEVES, Julio G., A Suppressio (Verwirkung) no Direito Civil, São


Paulo: Almedina, 2016.

ANDRIGHI, Fátima Nancy; BENETI, Sidnei; ANDRIGHI, Vera. Comentários ao


novo Código Civil. Das várias espécies de contrato (vol. 9). Rio de Janeiro: Forense,
2008

ANTUNES, Ana Filipa Morais. Prescrição e caducidade. Anotação aos artigos 296o
a 333o do Código Civil (O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas).
Coimbra: Coimbra Editora, 2008.

APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho, Ordem pública e processo. O tratamento das


questões de ordem pública no direito processual civil, São Paulo: Atlas, 2011

ARCOS RAMÍREZ, Federico. Rule of law, seguridad jurídica y justicia. Cali:


Universidade Autónoma de Occidente, 2014.

ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Da prescrição intercorrente. Revista


Forense, v. 415, p. 3–26, 2012.

ASTONE, Francesco. Ritardo nell’esercizio del credito, Verwirkung e buona fede.


Rivista di diritto civile, v. 6-Ano LI-parte seconda, 2005.

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização


no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

AYMERIC, Nicolas. L’incidence du comportement du débiteur sur la prescription.


Revue trimestrielle de droit civil, v. 3, p. 519–538, 2013.

BANDRAC, Monique, Les tendences recentes de la prescription extinctive en droit


français, Revue internationale de droit comparé, v. 46 (n.o 2), p. 359–377, 1994.

BARROSO, Luís Roberto, Contramajoritário, representativo e iluminista: os papéis das


cortes constitucionais nas democracias contemporâneas. Palestra disponível em
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI231089,81042-

264
Ministro+Barroso+E+preciso+ir+buscar+ solucoes+e+respostas+originais.) Acesso
em 3 de janeiro de 2017.

BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito


intertemporal e o novo código civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Org.).
Constituição e segurança jurídica. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa
julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2a. ed. Belo
Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 137–156.

BATISTA, Ovídio A. Direito material e processo. Academia Brasileira de Direito


Processual. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/home/artigos/65-artigos-mai-
2008/5999-direito-material-e-processo>. Acesso em: 19 nov. 2017

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 5a. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011.

BELLO FILHO, Ney de Barros, Teoria dos direitos fundamentais, Revista dos
Tribunais do Nordeste, v. 4, p. 71–94, 2014.

BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. A responsabilidade civil de notários e


registradores sob a égide da Lei 13.286/2016. Revista de Direito Imobiliário, v. 81,
p. 363-381 (disponível na RTOnline, p. 1-13), 2016.

BERNARDES, Júlio César. A prescrição e a decadência no Código Civil de 2002 -


Apontamentos sobe as alterações efetivadas. Revista da Faculdade de Direito -
Universidade Federal de Minas Gerais, v. 63, p. 377–413, 2013.

BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, vol. 1. 3a tiragem
(histórica) da 1a edição. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1955

BEVILAQUA, Clóvis. Em defeza do projecto de Codigo Civil Brazileiro. Rio de


Janeiro: Francisco Alves, 1906.

BIANCA, Cesare Massimo; BIANCA, Mirzia Rosa. Istituzioni di diritto privato.


Milão: Giuffrè Editore, 2014.

BIANCA, Cesare Massimo. Le garanzie real; la prescrizione. Milão: Giuffrè Editore,


2012, p. 508.

BIAZI, João Pedro de Oliveira de. A exceção de contrato não cumprido no Direito
Privado brasileiro. Dissertação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

265
BIGUENET-MAUREL, Cécile. Dictionaire de la prescription civile. 2a. Levallois:
Editions Francis Lefebvre, 2014.

BONALDO, Frederico, Consistência teórica do direito subjetivo de propriedade.


Uma leitura à luz da história do pensamento jurídico, São Paulo: Editora Juarez de
Oliveira, 2009.

BONEL, Michael Joachim. Limitation periods. In: HARTKAMP, Arthur;


HESSELINK, Martijn; HONDIUS, Ewoud; et al (Orgs.). Towards a European Civil
Code. 3a. Haia: Kluwer Law International, 2004.

BONIFFACY, Émile. De la règle “contra non valentem agere non currit


praescriptio” et de ses applications en matière civile. Paris: Librairie Nouvelle de
Droit & de Jurisprudence, 1901.

BUFFONE, Giuseppe. Sospensione ed interruzione. In: Prescrizione e decadenza.


Come farle valere in giudizio e relative strategie processuali (a cura di Luigi Viola,
coordinamento di Michelle Filippelli). Vicenza: Wolters Kluwer e CEDAM, 2015.

BUSCHINELLI, Gabriel Saad Kik. Compra e venda de participações societárias de


controle. São Paulo: Quartier Latin, 2018.

CABRAL DE MONCADA, Luís. Lições de Direito Civil. 4. ed. Coimbra: Livraria


Almedina, 1995.

CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008.

CALZOLAIO, Ermanino, La riforma della prescrizione in Francia nella prospettiva del


diritto privato europeo, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, v. 65 (n.o4),
p. 1087–1106, 2011.

CÂMARA LEAL, Antonio Luis da. Da prescrição e da decadência: teoria geral do


direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

CÂMARA, Alexandre Freitas, Reconhecimento de ofício da prescrição: uma reforma


descabeçada e inócua, disponível em
http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm.%20Acesso%20em%2002/12/2007.

CAMPOS, Francisco. Direito Civil. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1956.

266
CAMPOS, Luiz Antonio de Sampaio. Conselho de administração e diretoria. Direitos
e responsabilidades. In: Direito das Companhias, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 1084–1262.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo


Wolfgang Sarlet; Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003.

CANARIS, Claus-Wilhelm. O novo direito das obrigações na Alemanha. Revista da


EMERJ, v. 7, p. 108–124, 2004.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na


ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

CANNATA, Carlo Augusto, Profilo istituzionale del processo privato romano. Il


processo formulare, Turino: G. Giappichelli Editore, 1982.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6a. ed. Coimbra:


Livraria Almedina, 1993.

CAPONI, Remo. Gli impedimenti all’esercizio dei diritti nella disciplina della
prescrizione. v. 42, p. 721–761, 1996.

CARDILLI, Riccardo. A boa-fé como princípio do Direito dos Contratos: Direito


Romano e América Latina. In: Sistema jurídico romanístico e subsistema jurídico
latino-americano (coord. Sandro Schipani e Danilo B. dos Santos G. de Araújo).
São Paulo: FGV Direito SP, 2015.

CARMONA, Carlos Alberto. Superior Tribunal de Justiça, segurança jurídica e


arbitragem. Revista de arbitragem e mediação, v. 34, p. 97–106, 2014.

CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil, vol. II. São Paulo:


Servanda, 1999.

CARPENTER, Luiz Frederico Sauerbronn. Da prescrição (artigos 161 a 179 do


Código Civil). 3. ed., Rio de Janeiro: Editôra Nacional de Direito, 1956.

CASTRO, Demades Mario. A responsabilidade civil dos notários e registradores e a


edição da Lei 13.286, de 10 de maio de 2016. Revista de Direito Imobiliário, v. 81,
p. 337–361, 2016.

CHAPLIN, Micheal E. Reviving contract claims barred by the statute of limitations:


and examination of the legal and ethical foundation for revival. Notre Dame Law
Review, v. 75, p. 1571–1595, 2000.

267
CHIOVENDA, Giuseppe. L’azione nel sistema dei diritti. In: Saggi di diritto
processuale civile. 3. ed. Milão: Giuffrè Editore, 1993.

CHIUSI, Tiziana. A dimensão abrangente do Direito Privado romano - Observações


sistemático-teoréticas sobre uma ordem jurídica que não conhecia “Direitos
Fundamentais”. In: PINTO MONTEIRO, António; NEUNER, Jorg; SARLET, Ingo
Wolfgang (Orgs.). Direitos fundamentais e direito privado. Uma perspectiva de
direito comparado. Coimbra: Almedina, 2007, p. 11–40.

CIANCI, Mirna, A prescrição na lei 11.280/2006, Revista de Processo, v. 148, p. 32–


45, 2007.

COMPARATO, Fábio Konder. Democratização e segurança. In: Doutrinas Essenciais


de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 2, p. 943–960.

COSTA, Mário Júlio Almeida. Direito das Obrigações. 12. ed. Coimbra: Almedina,
2009.

COUTO E SILVA, Clóvis, Cessão de crédito. Cisão do direito subjetivo. Reserva da


pretensão e do direito de ação ao cedente inadmissível, por inviável no direito
brasileiro. Ilegitimidade deste para propositura de execução. Violação do art. 6o do
CPC. Falta de condição da ação. Hipótese de ausência ou carência da pretensão a
executar, que pode e deve ser declarada de ofício pelo juiz antes da penhora ou da
propositura de embargos, Revista dos Tribunais, v. 638, p. 10–14, 1988.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A prescrição e as pretensões e ações formuladas em


face da fazenda pública. In: Prescrição e decadência: estudos em homenagem a
Agnelo Amorim Filho. 1. ed. Salvador: JusPodium, 2014, p. 319–341.

DE ASSIS, Araken. Resolução do contrato por inadimplemento. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 1991.

DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità. Milão: Giuffrè Editore, 1950.

DE NOVA, Giorgio. Il Sale and Purchase Agreement: un contratto commentato.


2a. Turim: G. Giappichelli Editore, 2017.

DEL SIGNORE, Giovanni, Contributo alla teoria della prescrizione, Padova:


CEDAM - Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 2004.

DELLE MONACHE, Stefano. Profili dell’attuale normativa del codice civile tedesco
in tema di prescrizione. In: Studi in onore di Cesare Massimo Bianca. Milão: Giuffrè
Editore, 2006, p. 363–391.

268
DI LORENZO, Giovanni; GAMBINO, Alberto Maria; LA PIETRA, Monica; et al. Il
Codice Civile. Commentario. La prescrizione (tomo secondo; Artt. 2941-2963), a
cura di Paolo Vitucci e Saviero Ruperto. Milão: Giuffrè Editore, 2014.

DI PAOLA, Luigi. Brevi note in tema di pagamento parziale del debito prescrito e di
rinuncia tacita alla prescrizione. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto
Generale delle Obbligazioni, v. 99, p. 143–166, 2001.

DICKSTEIN, Marcelo. A Boa-fé Objetiva na Modificação Tácita da Relação


Jurídica: Surrectio e Suppressio. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

DICKSTEIN, Marcelo. Nulidades prescrevem? Uma perspectiva funcional da


invalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

DIDIER JUNIOR, Fredie, Contradireitos, objeto litigioso do processo e improcedência,


Revista de Processo, v. 38 (n. 223), p. 87–100, 2013.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 6ª


Edição. Malheiros Editores: São Paulo, 2009.

DINIZ, Maria Helena, Prescrição e decadência no novo direito de família: alguns


aspectos relevantes, in: Prescrição no Novo Código Civil: uma análise interdisciplinar,
CIANCI, Mirna (coord.) – São Paulo: Saraiva, 2005.

DIP, Ricardo Henry Marques. Sobre a crise contemporânea da segurança jurídica.


Revista de Direito Imobiliário e Registral, v. 54, p. 11–33, 2003.

DUQUE, Marcelo Schenk. Configuração de direitos fundamentais e segurança jurídica.


Revista dos Tribunais, v. 887, p. 9–35, 2009.

EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada (vol. 3). São Paulo: Quartier Latin, 2011.

ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. O árbitro é (mesmo) juiz de fato e de Direito? Análise
dos poderes do árbitro vis-à-vis os poderes do juiz no novo Código de Processo Civil
brasileiro. Revista de arbitragem e mediação, v. 54, p. 79-122 (1–35 na plataforma
RTOnline), 2017.

ESPÍNOLA, Eduardo. Parte Geral do Direito Civil. Estrutura do Direito, vol. 2.


4. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1961.

FARATH, George Ibrahim. Um ensaio sobre a ação de direito material. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 2014.

269
FAUVARQUE-COSSON, Bénédicte; MAZEAUD, Denis. L’avant-projet français de
réforme du droit des obligations et du droit de la prescription. Uniform Law Revue -
Revue de Droit Uniforme - UNIDROIT, v. 11, p. 103–34, 2006.

FERNANDES, Luís Carvalho Fernandes, Da renúncia nos direitos reais: in Estudos


em homenagem ao Professor Doutor José Dias Marques, Coimbra, Almedina, 2007,
pp. 571-592.

FIUZA, César. A incidência da prescrição em face da autonomia do direito processual.


Revista Brasileira de Direito Processual, v. 21 (n.o 81), p. 29–46, 2013.

FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002.

FRANCO, Ary Azevedo. A prescrição extintiva no Código Civil brasileiro,


doutrina e jurisprudência. 3a. Rio de Janeiro: Forense, 1956.

FRANCO, Ary Azevedo. A prescrição extintiva no Código Civil brasileiro,


doutrina e jurisprudência. 3a. Rio de Janeiro: Forense, 1956.

FREIRE, Homero. Da pretensão ao direito subjetivo. In: Estudos de direito


processual in memoriam do Ministro Costa Manso. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1965.

GABRIELLI, Enrico. La consegna di cosa diversa. Napoli: Jovene, 1987.

GABRIELLI, Giovanni. Invalidità delle disposizioni testamentarie e prescrizione.


Rivista di diritto civile, v. 57, p. 1–13, 2011.

GERARDO, Michele; MUTARELLI, Adolfo. Prescrizione e decadenza nel diritto


civile: aspetti sostanziali e strategie processuali. Turino: G. Giappichelli Editore,
2015.

GOMES, Orlando; THEODORO JUNIOR, Humberto (atualizador), Direitos Reais,


18a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 13a. ed. São Paulo: Saraiva,
2015.

GONTIJO, Anna Carolina Marques, A reforma trabalhista e o fim da execução de


ofício pelo juiz como regra geral. Efeitos, Revista do Tribunal Regional do Trabalho
da 3a Região, v. Edição especial (nov/2017), p. 143–152, 2017.

270
GONZÁLEZ RAMÍREZ, Isabel et al. La media prescripción frente al delito de
desaparición forzada de personas. Incumplimento de la normativa internacional en
materia de crímenes de lesa humanidad? Revista Direito GV, v. 10, p. 321–346, 2014.

GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Prescrição e decadência. 2a. Rio de Janeiro: Forense,


1984.

HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia. Síntese de um milênio.


Mem Martins: Publicações Europa-América, 2003.

HONDIUS, Ewoud. La prescription en droit néerlandais. In: La prescription


extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 961–972.

JANKE, Benjamin West; LICARI, François-Xavier. The French revision of


prescription: a model for Louisiana? Tulane Law Review, v. 85, 2010.

JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio, Negócio jurídico e declaração negocial


(noções gerais e formação da declaração negocial), Titularidade, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1986.

JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio. Estudos e pareceres de direito privado. São


Paulo: Saraiva, 2004.

KLEIN, Julie. Le point de départ de la prescription. Paris: Economica, 2013.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Coimbra: Fundação Calouste


Gulbenkian, 2005.

LICARI, François-Xavier; JANKE, Benjamin West. Contra non valentem in France


and Louisiana. Revealing the parenthood, breaking a mith. Louisiana Law Review,
v. 503, p. 1–39, 2011.

LICARI, François-Xavier. Le noveau droit français de la prescription extinctive à la


lumière d’expériences étrangéres récentes ou en gestation (Lousiane, Allemagne,
Israél). Revue internationale de droit comparé, v. 4, p. 739–784, 2009.

LLOVERAS, Nora. La suspensíon de la prescripción entre cónyuges. Revista de la


Facultad de Derecho y Ciencias Sociales. Universidad Nacional de Córdoba, v. 6,
p. 441–482, 1998.

LONGOBUCCO. Raporti di durata e divisibilità del regolamento contrattuale.


Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2012.

271
LORENZ, Stephan. La prescription en droit allemand. In: La prescription extinctive.
Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 845–863.

LOTUFO, Renan, Exceção de domínio no direito possessório brasileiro, in: CAHALI,


Yussef Said (Org.), Posse e Propriedade. Doutrina e jurisprudência, São Paulo:
Saraiva, 1987, p. 687–730.

LOTUFO, Renan. Código Civil comentado, vol. 1. Parte geral (arts. 1o a 232). 3a.
São Paulo: Saraiva, 2016.

LUCCA, Newton de. Comentários ao Novo Código Civil. Dos atos unilaterais. Dos
títulos de crédito. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

LUMIA, Giuseppe, Lineamenti di teoria e ideologia del diritto, 3a. Milão: Giuffrè
Editore, 1981.

MALUF, Carlos Alberto Dabus. A prescrição poder ser usada em qualquer fase
processual. Revista dos Tribunais, v. 87 (n.o 755), p. 156–158, 1998.

MALUF, Carlos Alberto Dabus. Código Civil Comentado. Prescrição, Decadência,


Prova. Artigos 189 a 232. São Paulo: Atlas, 2009.

MARCATO, Antonio Carlos. Interrupção da prescrição: o inciso I do artigo 202 do


Novo Código Civil. In: Prescrição no novo Código Civil: uma análise
interdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel.


Curso de Processo Civil, vol. 1. Teoria Geral do Processo Civil. 2 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel.


Curso de Processo Civil, vol. 2. Tutela dos Direitos Mediante Procedimento
Comum. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil


comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno.


Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5a. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.

MARTINS-COSTA, Judith; HAICAL, Gustavo, Direito Restitutório. Pagamento


indevido e enriquecimento sem causa. Erro invalidante e erro elemento do pagamento

272
indevido. Prescrição. Interrupção e dies a quo, Revista dos Tribunais, v. 956, p. 257-
295 (RTOnline 1–24), 2015

MARTINS-COSTA, Judith; ZANETTI, Cristiano de Sousa. Responsabilidade


contratual: prazo prescricional de dez anos. Revista dos Tribunais, v. 979, p. 215–241,
2017.

MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: critérios para a sua


aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o dies a quo do prazo prescricional. Revista


Eletrônica Ad Judicata, v. I, p. 1–24, 2013. Disponível em:
<http://www.oabrs.org.br/arquivos/file_527a3f8877059.pdf>.

MARTINS-COSTA, Judith. O “princípio da unicidade da interrupção”: notas para a


interpretação do inciso I do art. 202 do Código Civil. In: A juízo do tempo: estudos
atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 185–200.

MARTINS, Fábio Floriano Melo. A interferência lesiva de terceiro na relação


obrigacional. São Paulo: Almedina, 2017.

MATIELI, Louise Vago. Análise funcional do art. 200 do Código Civil. In: A juízo do
tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019,
p. 231–271.

MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do Direito, 20a. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2011.

MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Imprescritibilidade do exercício das situações


jurídicas existenciais. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de
Janeiro: Editora Processo, 2019, p. 541–553.

MEKKI, Soraya Amrani. Les causes d’interruption et de suspension. In: La


prescription extinctive. Études de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 474–
505.

MELLO, Marcos Bernardes de, Teoria do fato jurídico. Plano da validade, 4a. São
Paulo: Saraiva, 2000.

MENDONÇA NETO, Delosmar Domingos de; GUIMARÃES, Luciano Cezar


Vernalha, Negócio jurídico processual, direitos que admitem autocomposição e o
pactum de non petendo, Revista de Processo, v. 272, p. 1157–1176, 2017.

273
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e, Da Modernização do Direito
Civil. I - Aspectos gerais, Coimbra: Almedina, 2004.

MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da Boa Fé no Direito Civil.


Coimbra: Almedina, 2007.

MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil, t. 1.


Introdução. Fontes do Direito. Interpretação da Lei. Aplicação das Leis no Tempo.
Doutrina Geral. 4a. Coimbra: Almedina, 2012.

MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil, t. V.


Parte geral, exercício jurídico. 2a. Coimbra: Almedina, 2015.

MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Direitos reais. 5a. Coimbra: Almedina,
2015.

MESQUITA, Euclides de. A compensação no direito civil brasileiro. São Paulo:


Leud, 1975.

MIRANDA, JORGE; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato.


Principais problemas dos direitos da personalidade e estado-da-arte da matéria no
direito comparado. In: Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2012.

MITIDIERO, Daniel, Polêmica sobre a teoria dualista da ação (ação de direito material
- “ação” processual): uma resposta a Guilherme Rizzo Amaral, Revista de Processo,
v. 124, p. 283–290, 2005.

MOREIRA ALVES, José Carlos, Direito subjetivo, pretensão, ação, Revista de


Processo, v. 47, p. 109-123 (plataforma RT Online, 1-12), 1987.

MOREIRA ALVES, José Carlos. A Parte Geral do Projeto de Código Civil


Brasileiro. Com análise do texto aprovado pela Câmara dos Deputados. São Paulo:
Saraiva, 1986.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre pretensão e prescrição no sistema do


Novo Código Civil Brasileiro. Revista trimestral de direito civil: RTDC, v. 11,
p. 67/77, 2002.

MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria geral do Direito Civil. 4 (2a reimpressão).
Coimbra: Coimbra Editora, 2012.

MURGO, Caterina. Il tempo e i diritti. Criticità dell’istituto della prescrizione tra


norme interne e fonti europee. Turino: G. Giappichelli Editore, 2014.

274
NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.

NERY, Nelson. Prescrição da pretensão individual homogênea. In: Soluções práticas


(vol. 4). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1455-1488 (RTOnline 1–22).

NETO, Soriano. Pareceres (Separata da Revista Academica da Faculdade de


Direito do Recife - XLIX). Recife: Faculdade de Direito do Recife, 1943.

NEVES, Gustavo Kloh Müller. Prescrição e decadência no Direito Civil. Rio de


Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006.

NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e prescrição. São Paulo: Atlas, 2014.

OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa. A Verwirkung, a renúncia tácita, e o direito


brasileiro. In: Estudos em homenagem ao Prof. Washington de Barros Monteiro.
São Paulo: Saraiva, 1982.

PATTI, Salvatore. Certezza e giustizia nel diritto della prescrizione in Europa. Rivista
trimestrale di diritto e procedura civile, v. 64, p. 21–36, 2010.

PATTI, Salvatore. Prescrizione. In: Digesto delle Discipline Privatistiche. 4. ed.


Turino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1999, v. XIX, p. 722–730.

PATTI, Salvatore. Profili della Toleranza nel Diritto Privato. Napoli: Casa Editrice
Dott. Eugenio Jovene, 1978.

PATTI, Salvatore. Verwirkung. In: Digesto delle Discipline Privatistiche, t. XIX.


4. ed. Turino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1999, p. 722–730.

PEREIRA, Caio Mário da Silva; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo (revisor
e atualizador), Instituições de Direito Civil, vol. IV, 18a. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Comentários ao Código Civil de 2002, vol. I. Parte
geral, arts. 1o a 232 (com atualização legislativa de Cristiano de Sousa Zanetti e
Leonardo de Campos Melo). Rio de Janeiro: GZ Editora, 2017.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. 19. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I (atualizado por
Maria Celina Bodin de Moraes). 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

275
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. II. 19. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Obrigações e Contratos. Pareceres de Acordo com


o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Prescrição suspensão do prazo prescricional na


pendência de processo administrativo. Distinção da interrupção. In: Doutrinas
Essenciais de Processo Civil, vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 41–
43.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, t. 5, 2a.


São Paulo: Borsoi, 1952.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito privado, t. 26,


atualizado por Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Nelson Nery Jr. – São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações, vol. 7. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1978.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6


(atualizado por Otávio Luiz Rodrigues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús
Guedes). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. 55.


2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1968.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 2.


2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 37


(atualizado por Rodrigo Xavier Leonardo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,
p. 135-137.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. 6.


2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955.

QUEIROZ, João Quinelato de. A aplicabilidade da suppressio na vigência de prazos


prescricionais. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro:
Editora Processo, 2019, p. 323–342.

276
RANIERI, Filippo. Rinuncia Tacita e Verwirkung. Tutela del affidamento e
decadenza da un diritto. Padova: CEDAM - Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1971.

REALE, Miguel. O Direito como experiência (introdução à epistemologia jurídica).


2a. ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz, Exceções no Direito Civil: um conceito em busca


de um autor?, in: Prescrição e decadência: estudos em homenagem a Agnelo
Amorim Filho, 1. ed. Salvador: JusPodium, 2014.

RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Direito civil contemporâneo: estatuto


epistemológico, Constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2019.

RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da


vocação da doutrina em nosso tempo). In: Doutrinas Essenciais de Direito Civil, vol.
1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 829–872.

RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Estatuto epistemológico do Direito Civil


contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos
princípios. O Direito (Lisboa), v. 143, p. 43–66, 2011.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

ROSENVALD, Nelson, Prescrição: da exceção à objeção, in: Questões


contemporâneas de Direito, Belo Horizonte: Arraes, 2010, p. 139–154.

ROSMAN, Luiz Alberto Colonna; BULHÕES-ARIERIA, Bernardo A. de. Prazos


prescricionais em espécie. In: Direito das Companhias, vol. 2. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 2093–2116.

SAAB, Rachel. Prescrição. Função, pressupostos e termo inicial. Belo Horizonte:


Fórum, 2019.

SANTOS, Thiago Rodovalho. Prescrição e decadência no âmbito do Código Civil


brasileiro. Campinas: Copola, 2003.

SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório. Tutela da


confiança e venire contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011.

SERPA LOPES, Miguel Maria de, Exceções substanciais: exceção de contrato não

277
cumprido (exceptio non adimpleti contractus), Rio de Janeiro: Livraria Freitas
Bastos S/A, 1959.

SICA, Heitor Vitor Mendonça, O direito de defesa no processo civil brasileiro. Um


estudo sobre a posição do réu, São Paulo: Atlas, 2011.

SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes (Org.). Constituição e segurança jurídica. Direito adquirido, ato jurídico
perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence.
2a. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.

SILVA, Ovídio Batista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3a. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Código Civil Comentado. 7a. São Paulo: Saraiva,
2010.

SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas,
2013.

SIRENA, Pietro, La sussidiarietà dell’azione generale di arrichimento senza causa,


Rivista di diritto civile, v. 2, p. 379–405, 2018.

SOUZA, Bárbara Bassani. Seguros: beneficiários e suas implicações. São Paulo:


Editora Roncarati, 2016

SOUZA, Eduardo Nunes de; SILVA, Rodrigo da Guia. Incapacidade civil e


discernimento reduzido como causas obstativas da prescrição e da decadência. In: A
juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro: Editora Processo,
2019, p. 39–94.

SPINA, Giulio. I presupposti della prescrizione. In: Prescrizione e decadenza. Come


farle valere in giudizio e relative strategie processuali (a cura di Luigi Viola,
coordinamento di Michelle Filippelli). Vicenza: Wolters Kluwer e CEDAM, 2015.

STEINER, Renata, A ciência do lesado e o início da contagem do prazo prescricional,


Revista de Direito Privado, v. 50, p. 73–92, 2012.

STIJNS, Sophie; SAMOY, Ilse. La prescription extinctive: le rôle de la volonté et du


comportement des parties (rapport belge). In: La prescription extinctive. Études de
droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010, p. 341–383.

278
STOFFEL-MUNCK, Philippe. La prescription extinctive: le rôle de la volonté et du
comportement des parties (rapport français). In: La prescription extinctive. Études
de droit comparé. Bruxelas: Bruylant, 2010.

STORME, Matthias E.; MCGEE, Andrew; POZZO, Barbara. Constitutional review of


disproportionately different periods of limitation of actions (prescription). European
Review of Private Law, v. 1, p. 79–100, 1997.

STRECK, Lênio Luiz. As várias faces da discricionariedade no Direito Civil brasileiro:


o “reaparecimento” do Movimento do Direito Livre em Terrae Brasilis. Revista de
Direito Civil Contemporâneo, v. 8, p. 37–48, 2016.

STRECK, Lênio Luiz. O ativismo, o justo e o legal: crítica ao pamprincipiologismo a


partir do caso das “famílias paralelas”. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 1,
p. 151–160, 2014.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 2. 5a. São Paulo: Método, 2010.

TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto, Consolidação das Leis Civis, t. I, Brasília:


Senado Federal, Conselho Editorial, 2003.

TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Esboço do Código Civil. Brasília: Fundação da


Universidade de Brasília - UnB, 1983.

TELES, Inocêncio Galvão, Manual dos Contratos em Geral, 4a ed., Coimbra,


Coimbra Editora, 2002.

TEPEDINO, Gustavo; BODIN DE MORAES, Maria Celina; BARBOZA, Heloísa


Helena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

TEPEDINO, Gustavo. Prescrição aplicável à responsabilidade contratual: crônica de


uma ilegalidade anunciada. Revista trimestral de direito civil: RTDC, v. 37,
n. Podval, p. 1–3, 2009. Disponível em: <http://www.tepedino.adv.br/wp/wp-
content/uploads/2012/09/RTDC.Editorial.v.037.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2015.

TERRA, Aline de Miranda Valverde; BUCAR, Daniel. Autonomia privada e prazos


prescricionais. In: A juízo do tempo: estudos atuais sobre prescrição. Rio de Janeiro:
Editora Processo, 2019, p. 273–302.

TESCARO, Mauro. Decorrenza della prescrizione e autoresponsabilità. La


rilevanza civilistica del principio contra non valentem agere non currit
praescriptio. Padova: CEDAM - Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 2006.

279
THEODORO JUNIOR, Humberto, A onda reformista do direito positivo e suas
implicações com o princípio da segurança jurídica, Revista de Processo, v. 136, p. 32–
57, 2006.

THEODORO JUNIOR, Humberto. A extinção da hipoteca pelo decurso do tempo no


regime do Código Civil de 2002. Revista da Faculdade de Direito - Universidade
Federal de Minas Gerais, v. 53, p. 165–176, 2008.

THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do CPC. São Paulo: ADBR


Editora, 2006.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Atos


jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3,
tomo 2). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos atos


jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da Prescrição e da Decadência. Da Prova (vol. 3,
tomo 1). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Contrato de seguro. Ação do segurado contra o


segurador. Prescrição. Revista dos Tribunais, v. 924, p. 79-107 (RT online 1–15),
2012.

TRABUCCHI, Alberto. Istituizioni di Diritto Civile. Padova: CEDAM - Casa


Editrice Dott. Antonio Milani, 2005.

TRIGO, Alberto Lucas Albuquerque da Costa, Pactum de non petendo parcial, Revista
de Processo, v. 280, p. 19–39, 2018.

TZIRULNIK, Ernesto. Ornitorrinco securitário. A prescrição da pretensão


indenizatória. Disponível em: <http://www.ibds.com.br/artigos/ornitorrinco-
securitario-a-prescricao-da-pretensa-indenizatoria.pdf>. Acesso em: 3 maio 2018.

VASCONCELOS, Pedro Pais de, Teoria geral do Direito Civil, 8a. Coimbra:
Almedina, 2015.

VELASCO, Ignacio M. Poveda, A boa-fé na formação dos contratos (direito romano),


in: Doutrinas Essenciais: Obrigações e Contratos, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, v. 3, p. 755–765.

VIANA, Marco Aurélio S. Código Civil comentado: parte geral. Rio de Janeiro:
Forense, 2009.

280
VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao Novo Código Civil. Dos Direitos reais
(vol. 16). 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

VIOLA, Luigi. Prescrizione e decadenza. Padova: CEDAM - Casa Editrice Dott.


Antonio Milani, 2009.

WACKE, Andreas, La exceptio doli en el derecho romano clásico y la Verwirkung en


el derecho alemán moderno, in: Derecho romano de obligaciones: homenaje al
profesor José Luis Murga Gener, Madri: Centro de Estudios Ramón Areces, 1994,
p. 977–997.

WALD, Arnoldo. A estabilidade do direito e o custo Brasil. Revista do Instituto dos


Advogados de São Paulo, v. 4, p. 159–165, 1999.

WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor, Polemica intorno all’actio (com


introdução de Giovanni Pugliese), Florença: Stabilimenti Tipolitografici Vallecchi,
1954

ZANETTI, Cristiano de Sousa. A transformação da mora em inadimplemento absoluto.


Revista dos Tribunais, v. 942, p. 117–139, 2014.

ZIMMER, Willy. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-


Provence, em setembro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique, in
Annuaire Internacional de Justice Constitutionnelle, XV, 1999. Paris: Economica,
2000.

ZIMMERMANN, Reinhard. Comparative foundations of a European law of set-off


and prescription. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

ZIMMERMANN, Reinhard. Extinctive prescription under the Avant-projet. European


Review of Private Law, v. 6, p. 805–820, 2007.

ZIMMERMANN, Reinhard. Prescription. In: The Max Planck Enclyclopedia of


European Private Law, vol. II. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 1306–1310

ZIMMERMANN, Reinhard. The New German Law of Obligations. Historical and


comparative perspectives. Oxford University Press: Nova Iorque, 2005.

281

Você também pode gostar