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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

IE – INSTITUTO DE ECONOMIA

TÉCNICAS DE PESQUISA EM ECONOMIA

A ARGENTINA E SUAS PERSPECTIVAS DE


CRESCIMENTO FRENTE À SUA DEPENDÊNCIA
EM RELAÇÃO À SOJA

Aluno: Bernardo Castañon Santos Valle


Nº de registro: 105093091
Bernardo.valle@hotmail.com

Orientador: Alcino Ferreira Câmara Neto


Alcino@ccje.ufrj.br

Setembro de 2010
2
Gostaria de agradecer à minha família, em especial à
minha mãe e à minha avó Sonia, que sempre me apoiaram
e me incentivaram. Um obrigado especial à minha
namorada, e futura esposa. Agradeço, também, ao meu
orientador, Alcino Ferreira Câmara Neto, pelo apoio e
compreensão.

3
Índice
Introdução..........................................................................................................................5

CAPÍTULO I: Revisão bibliográfica – países emergentes dependentes de exportações


de commodities..................................................................................................................6
1.1 Desenvolvimento “para dentro” e “para fora”................................................ 7
1.2 Exportações e seus impactos no balanço de pagamentos................................9
1.3 Exportações e o mercado internacional de commodities...............................11

CAPÍTULO II: A economia argentina............................................................................14


2.1 Macroeconomia argentina............................................................................. 14
2.1.2 O fim do modelo Neoliberal...........................................................18
2.2 O setor agroexportador..................................................................................20
2.2.1 O setor de maquinário agrícola...................................................................21

Capítulo III: Desenvolvimento não se copia, se cria.......................................................25


3.1 O Estado e o desenvolvimento...................................................................... 25
3.2 Os diferentes tipos de Estados.......................................................................26
3.2.1 Estados predatórios.........................................................................26
3.2.2 Estados desenvolvimentistas...........................................................27
3.2.3 Estados intermediários....................................................................28
3.3 O Estado argentino.........................................................................................29

Conclusão........................................................................................................................31

Bibliografia .....................................................................................................................32

4
Introdução

O objetivo principal desse texto é entender a estrutura da economia argentina


bem como avaliar as suas perspectivas de crescimento. Para tal serão apresentadas
algumas ferramentas, importantes para um melhor entendimento, bem como fatores
capazes de influenciar ou, até mesmo, impedir o tão esperado desenvolvimento.
No capítulo inicial, partimos de uma breve revisão bibliográfica onde serão
abordados alguns tópicos discutidos por renomados autores, tais como Raul Prebisch, e
por importantes instituições como a Cepal, que concernem à temática a ser abordada nos
capítulos seguintes. No segundo capítulo será feito um estudo a respeito da economia
argentina, onde se pode encontrar um recente período histórico, destaque para o governo
Menem, essencial para o entendimento da situação econômica dos dias de hoje bem
como alguns dados do setor agroexportador, atualmente o de maior importância. O
terceiro e último capítulo analisa diferentes formas de atuação dos Estados e como o
mesmo é capaz de determinar as trajetórias de desenvolvimento de diferentes países
bem como uma análise do caso argentino.
A idéia desse texto não é propor soluções para o desenvolvimento argentino,
mas compreendermos as possibilidades que dispõe. Ao final esperamos obter um bom
entendimento da economia argentina bem como vislumbrar o que a espera dentro de um
futuro próximo.

5
Capítulo 1: Revisão bibliográfica – países emergentes dependentes de exportações
de commodities

O objetivo central deste capítulo não é discutir formas alternativas para a


organização das estruturas econômicas dos países emergentes, mas tentar compreender
os resultados alcançados através de suas estruturas atuais, sem esquecer o tema central
deste trabalho – a economia argentina.

“O desenvolvimento econômico continua a ser um processo de transformação


da economia e da sociedade fundado na acumulação de capital, conhecimentos,
tecnologia, capacidade de gestão, e de organização de recursos, educação, e
capacitação da força de trabalho e na estabilidade e permeabilidade das
instituições, dentro das quais a sociedade negocia seus conflitos e mobiliza seu
potencial de recursos.” (FERRER, 2004 pp. 292)

Muito se pode discutir a respeito das distintas formas como uma determinada
economia pode se organizar, se sua produção vai se voltar para o mercado interno ou
externo, se vai produzir bens com elevado valor agregado e desenvolver novas
tecnologias ou se irá produzir bens in natura; se vai praticar o livre comércio abrindo o
mercado na tentativa de que importações relativamente mais baratas possam contribuir
para trazer novas tecnologias ou se vai aplicar elevadas taxas às importações, na
tentativa de proteger um incipiente setor produtivo nacional. São inúmeras as formas
através das quais um país pode se organizar e estruturar a sua economia para trilhar o
tão desejado caminho para o desenvolvimento. Dito de outra forma,

“De um ângulo estritamente econômico poder-se-ia entender por estilo de


desenvolvimento a maneira em que, dentro de um determinado sistema, se
organizam e se destinam os recursos humanos e materiais com o objetivo de
resolver as questões o que, para quem e como produzir os bens e serviços.” 1

1
Tradução livre. No original em espanhol: “Desde un ángulo económico estricto podría entenderse por
estilo de desarrollo la manera en que dentro de un determinado sistema se organizan y asignan los
recursos humanos y materiales con el objeto de resolver los interrogantes sobre qué, para quiénes, y
cómo producir los bienes y servicios.” (PINTO, 2008. pp. 78)

6
Evidentemente, duas das três questões introduzidas na citação anterior estão
intimamente ligadas, são elas: o que produzir e para quem produzir. O entendimento das
respostas a essas questões permite a compreensão de parte das escolhas feitas por
determinado país. Por outro lado, a resposta à terceira questão, como produzir, vem se
mostrando cada vez mais importante: como ser competitivo e manter boas práticas,
como o respeito ao meio-ambiente e aos direitos humanos, algo nem sempre encontrado
com a freqüência desejada.

1.1 Desenvolvimento “para dentro” e “para fora”

Por muitos anos a literatura sobre crescimento econômico disponibilizada pela


CEPAL, com destaque para Raul Prebisch, considerava o aumento de exportações como
sendo algo primordial para que fosse alcançado um nível de crescimento econômico
sustentável. Um fator limitante para o processo de industrialização era, em boa parte dos
casos, o fato de possuírem um reduzido mercado interno, e outro agravante era a
questão da restrição de divisas.
Diferentemente do encontrado anteriormente, as mais recentes idéias caminham
em um sentido um pouco diferente do modelo proposto pela Cepal. As relações de
causalidade entre exportações e crescimento econômico já não aparecem de forma tão
direta. Mais recentemente o debate tem se centrado no fato de um país poder ter o seu
crescimento liderado pelas exportações ou pelo mercado interno, ou, como se refere o
Banco Mundial, uma via “orientada para fora” e outra “orientada para dentro”, tal como
ocorrido na Ásia e América Latina, respectivamente. De acordo com Prebisch, o papel
das exportações para a expansão de uma determinada economia dependerá de inúmeras
características estruturais, contudo, estas sempre terão um papel de extrema importância
no relaxamento e financiamento das restrições externas, exceção feita aos Estados
Unidos, responsável pela emissão da moeda de circulação internacional. Desta forma, é
importante deixar claro o papel das exportações como facilitador para o financiamento
externo, independentemente de exercer uma influência mais ou menos relevante como
componente da demanda efetiva.
Ainda de acordo com Prebisch, as exportações são uma função do nível de
atividade e renda do resto do mundo, sendo totalmente indiferentes ao nível de atividade
doméstica, enquanto as importações são induzidas pelo nível de renda e produto interno.
Em inúmeros países, os bens exportados são produtos agrícolas, bens de baixa

7
elasticidade renda, enquanto os bens importados são bens industrializados, de elevada
elasticidade. Dessa forma, caso um país que apresente uma pauta de comércio como a
descrita acima queira exercer suas “vantagens comparativas”, isto é, exportar bens
agrícolas com baixa elasticidade e importar bens industriais de alta elasticidade, para
que a conta possa fechar, ele deverá apresentar, permanentemente, taxas de crescimento
econômico inferiores às apresentadas pelo resto do mundo.

“À medida que a renda real per capita ultrapassa certos níveis mínimos, a
demanda de produtos industriais tende a crescer mais do que de alimentos e
outros produtos primários. Não obstante, a situação dos países menos
desenvolvidos é muito distinta da dos centros, pois estes importam aqueles
produtos primários de menor elasticidade renda da demanda do que a dos
artigos industriais que a periferia importa dos centros. Para crescer sua renda
real, os países periféricos necessitam importar bens de capital cuja demanda
cresce com esta renda ao mesmo tempo em que a elevação do nível de vida se
manifesta em intensa demanda de importações de grande elasticidade que
tendem a crescer mais do que a renda” (PREBISCH, 1951 pp271)

É importante deixar claro que a solução para a restrição apresentada pela balança
comercial não deve ser restringir o comércio internacional, mas sim, uma política em
prol da industrialização. Seu papel seria o de aumentar as exportações e,
conseqüentemente, liberar o crescimento das importações, sem que tal economia deva
apresentar taxas de crescimento inferiores a do resto do mundo. Tal idéia tem sido vista
pela CEPAL como uma estratégia de desenvolvimento para a América Latina. Esses
países deveriam se integrar comercialmente de forma a possibilitar um ganho de escala
grande suficiente para que suas produções fossem viabilizadas.

“Não se trata certamente de autarquia, de perseguir a redução sistemática das


importações senão, pelo contrário, de importar o quanto se pode em virtude das
exportações e dos investimentos estrangeiros. (...) As possibilidades de crescer
de outra forma são muito limitadas, se bem que não se deva descuidar de modo
algum toda a possibilidade de se obter um crescimento satisfatório das
exportações.” (PREBISCH, 1951 pp251)

8
1.2 Exportações e seus impactos no balanço de pagamentos

Dois são os pontos sobre os quais devemos nos ater. Em primeiro lugar, o
impacto de cada medida no balanço de pagamentos e, por último, o efeito obtido sobre o
dinamismo do mercado interno. Algo importante de ser frisado é que quanto maior for a
produção de meios de produção internamente, menor será a propensão a importar
associada a uma determinada taxa de investimento, aliviando o balanço de pagamentos.
Além disso, no caso de maior utilização do setor doméstico de meios de produção o
componente autônomo da demanda final nos mercados de produção e emprego será
positivamente impactado. Caso a maior parte da produção se dê no exterior, esse efeito
acelerador ocorrerá nos países onde se realiza a mesma, isto é, a utilização do mercado
interno permite a ocorrência do efeito multiplicador em casos de expansões dos gastos
autônomos. Dessa forma, o crescimento do setor interno não seria, rapidamente,
pressionado, ou mesmo limitado, por restrições do balanço de pagamentos.
Ainda neste sentido, parece razoável analisarmos a relação entre exportações e
crescimento, isto é, o financiamento externo e a possibilidade de ocorrência de
crescimento econômico dado um constante déficit em conta corrente.
De acordo com o argumento utilizado por Mário Henrique Simonsen junto aos
técnicos do Fundo Monetário Internacional, sobre a crise da dívida externa brasileira
nos anos 1980, ao mostrar que não se tratava de uma “crise temporária de liquidez”, se a
taxa de crescimento das exportações for, permanentemente, inferior à taxa de juros
básica da economia, mesmo se o déficit comercial for pequeno, a razão passivo externo/
exportações cresce sem limites. Em algum momento um ajuste deverá ser feito, de
forma a gerar um superávit comercial capaz de inverter essa tendência ou, pelo menos,
capaz de estabilizar a expansão do passivo externo.

“O custo efetivo em divisas do financiamento via investimento seria até superior


ao de financiamento por dívida externa de longo prazo na medida em que as
taxas de lucro tendem a ser maiores que as taxas de juros e que o
“reinvestimento” dos lucros das transnacionais deve ser visto como novo fluxo
bruto de capital (implicando em novos direitos a futuras remessas) e portanto
não deve ser deduzido do custo do fluxo anterior.” (KREGEL, 1996 pp7)

9
A questão da sustentabilidade dos seguidos déficits deve ser percebida nos
fluxos sejam de dívidas de curto ou longo prazo sejam de investimentos diretos, sendo
que ambos seriam diferenciados, apenas, por seus custos.

“Também é provável que o custo de atrair capital externo através da abertura


de um diferencial expressivo entre as taxas de juros externas e internas através
do financiamento externo de fundos que, de uma forma ou de outra, estão
atrelados à dívida interna, esteja bem mais próxima ao valor em dólares da taxa
de juros doméstica do que da taxa de juros em moeda estrangeira a qual o país
capta financiamento no mercado internacional.” (SERRANO, 1998 pp16)

Ainda de acordo com as idéias de Serrano, dada a grande dificuldade de se


discriminar as diferentes taxas de retornos dos diversos tipos de passivos externos, um
bom indicador da evolução da trajetória de crescimento com déficit externo é a
evolução da razão déficit em conta corrente / exportações. Através da utilização desse
indicador também se pode conhecer os reflexos de impactos oriundos do aumento do
coeficiente e volume de importações, algo bastante recorrente nas experiências de
abertura comercial e financeira vividas, principalmente, por países emergentes ao longo
de toda a década de 90.
Deve-se observar, contudo, que ainda que trajetórias insustentáveis de
crescimento acompanhado de déficits estruturais levem a desacelerações nas taxas de
crescimento, nem sempre acarretarão em crises financeiras e cambiais, os ajustes podem
se dar de maneira não tão brusca. Na maioria dos casos, as crises ocorrem quando o
volume de vencimentos não refinanciados leva a um fluxo bruto de saída de capitais e,
conseqüentemente, a uma situação de insuficiência de reservas. Dessa forma, pode-se
estabelecer a relação passivos externos por vencer / reservas internacionais como uma
medida de crises.

“As condições relevantes para a ocorrência de uma crise cambial ou crise de


liquidez externa, dependem da magnitude dos passivos externos que estão para
vencer em relação às reservas externas.” (SERRANO, 1998 pp17)

Dito isto, podemos fazer uma diferenciação entre os passivos de curto e longo
prazo e os investimentos diretos. Estes, geralmente, não são acompanhados de

10
vencimentos, não se caracterizando, assim, por gerar pressões com obrigações externas.
No caso do financiamento externo, deve-se fazer clara distinção entre os de curto e
longo prazo. Os de longo prazo permitem um melhor controle para sua rolagem e,
conseqüentemente, uma melhor gestão da dívida. Os de curto prazo, por sua vez, são os
que geram maiores apreensões quanto aos seus vencimentos, sem qualquer garantia se
poderão ser rolados ou não, uma origem de pressões permanentes sobre as reservas
internacionais de seu país.
Evidentemente, à medida que cresçam os passivos externos de curto prazo,
maior será a fragilidade financeira e, conseqüentemente, maior o risco de uma crise de
liquidez. Por outro lado, quanto maiores os prazos dos empréstimos externos ou quanto
maior seja a parcela financiada por investimento direto, menores serão, relativamente,
as dificuldades enfrentadas por tal economia no curto prazo.

1.3 Exportações e o mercado internacional de commodities

Ao se pensar na exportação de produtos primários, duas são as questões centrais


a serem discutidas, em primeiro lugar, deve-se destacar a variação dos preços, e de que
forma a produção acompanha, ou não, a mesma, e, em segundo lugar, como o excedente
agrícola será utilizado tendo em vista a viabilização de uma política de desenvolvimento
nacional, sem que isso signifique planificação da economia.
Por muitos anos, discutiu-se que o mercado internacional de bens agrícolas não
era representativo, sendo, apenas, residual, pois a maior parte das transações era feita
num plano nacional, em função de excessivas regulações governamentais. Nos últimos
anos, com a ampliação do comércio mundial, a situação se inverteu, os mercados
internacionais estão cada vez maiores e, em função disto, já não conseguem passar ao
largo das forças especulativas dos poderosos hedge funds2 internacionais.
Em um primeiro momento os produtores não podiam ver nas elevações de
preços uma causalidade direta com um aumento de demanda, dada a sua pequena
representatividade. Hoje, porém, tampouco podem fazê-lo, pois os mercados se

2
São fundos de investimento alternativos, não regulados, que buscam diversificar suas carteiras nos mais
diversos mercados, dentre eles os mercados de commodities.

11
encontram extremamente influenciados por fatores não ligados, única e exclusivamente
à oferta e demanda3 de tais bens.
Por tudo isso, para os envolvidos no mercado produtivo é bastante complicado
entender os movimentos de preços, distinguindo forças especulativas de fundamentos
relacionados à produção, e realizar qualquer tipo de previsão em função deles. Tal falta
de entendimento, sem dúvida, dificulta, e muito, o posicionamento estratégico de muitos
países, trazendo, ainda mais, instabilidade aos mercados. Os efeitos de tais
instabilidades são bastante expressivos, comumente nos deparamos com um ano de
forte expansão do PIB, orientada por aumento das exportações de commodities, seguido
de outro de rápida e acentuada reversão desta tendência. As conseqüências desta
instabilidade são claras, nos anos de retração a balança comercial se torna deficitária, ou
pelo menos terá o seu superávit consideravelmente reduzido, acarretando em pressões
no mercado de câmbio e levando este a uma trajetória declinante. A outra face da moeda
também está presente, nos anos de forte expansão de exportações a balança comercial
aponta fortemente para cima, ocorrendo maciça entrada de capitais e forte apreciação de
moedas, em muitos casos, não tão fortes, o que tende a ser provocado exclusivamente
por razões de fluxo intensivo de entrada de divisas, tornando o câmbio bastante
desfavorável para o setor verdadeiramente produtivo e, em alguns casos, até mesmo um
entrave para o crescimento econômico de determinados países. Tal situação em que a
apreciação cambial chega a prejudicar o desempenho econômico de um dado país ficou
conhecida como doença holandesa4.
Como forma de tentar reduzir tais oscilações cambiais, origem de muitos
desequilíbrios macroeconômicos, e tornar a trajetória de crescimento econômico de um
dado país algo mais homogêneo, vem-se praticando expressivo aumento de reservas
internacionais. O Brasil, por exemplo, recentemente alcançou a impactante marca de
duzentos e cinquenta bilhões de dólares, segundo dados oficiais do Banco Central do
Brasil para o mês de junho de 2010 e a Argentina cerca de quarenta e cinco bilhões no
terceiro trimestre de 2009.

3
É bastante comum vermos variações bruscas nos preços internacionais quando se aproxima o período de
vencimento dos mercados de opção e futuro, sem que qualquer fato novo tenha sido acrescido ao cenário
de preços.
4
Convencionou-se chamar de doença holandesa os casos onde os países passam por um aumento
expressivo de receitas oriundas da exportação de recursos naturais e vêem seu câmbio passar por forte
apreciação, prejudicando, num segundo momento, as exportações de outros bens. A doença holandesa faz
referência à escalada do preço do gás nos anos 60 e aumento expressivo das receitas oriundas da
exportação do mesmo, levando à apreciação do Florim e fazendo com que, nos anos 70, as exportações
dos demais produtos caíssem bastante dada a sua perda de competitividade.

12
Um indicador de que os níveis de reserva vêm sendo utilizados como uma forma
de mostrar relativa estabilidade ao mundo é o fato de que os países com maiores níveis
são aqueles com uma trajetória recente de elevadas incertezas, como o caso dos BRICs5,
os quatro países estão entre os sete maiores detentores de reservas internacionais do
mundo, o que foi capaz de torná-los mais seguros perante os investidores internacionais.
As reservas servem como uma garantia de que em momentos de fraca entrada de
recursos e, por conseguinte, de reduzido financiamento internacional o país poderá se
financiar e, logo, sofrerá menos com pressões oriundas do mercado de câmbio,
evitando, assim, que sofra com situações de fuga de capitais e desvalorizações
excessivas no mercado de câmbio, acarretando em um pass through inflacionário e
necessidade de alta de juros.
A estabilização do mercado de câmbio é de vital importância para o setor
produtivo, de forma a permitir que este possa realizar suas previsões e, com base nas
mesmas, seus investimentos, preocupando-se, unicamente, com questões que
concernem ao lado produtivo, afastando a incerteza e, principalmente, garantindo que
fatores cambiais não possam transformar uma indústria viável em um custo afundado.

5
A expressão BRIC foi cunhada pelo economista Jim O’Neill (chefe de pesquisa em economia global do
Banco Goldman Sachs) para destacar aqueles que seriam os quatro principais países emergentes do
mundo: Brasil, Rússia, China e Índia.

13
Capítulo 2: A Economia argentina

2.1 Macroeconomia argentina

Neste capítulo, serão apresentados alguns dados macroeconômicos da economia


argentina bem como o peso do setor agroexportador, sabidamente o de maior relevância.
Historicamente conhecida como o celeiro do mundo, resta saber se os hermanos ainda
devem se apoiar nessa histórica vantagem comparativa como mola propulsora de seu
desenvolvimento ou se devem estimular novas formas de produção.
Desde o século XIX, quando a Argentina solicitou aos Estados Unidos que
realizassem a impressão de pesos argentinos6, com a intenção de diminuir as
falsificações, e passou a utilizar papel-moeda com a marcante presença de George
Washington no verso, já se podia perceber a vontade de o peso ser transformado em
Dólar.
Pode-se dizer que os rumos da história começaram a mudar no marcante 9 de
julho de 1989, quando o presidente Raúl Alfonsín entregou o cargo ao candidato eleito
Carlos Saúl Menem. Era a primeira sucessão constitucional desde 1928 e a primeira vez
desde 1916 que um presidente passava o poder para um candidato da oposição. Era a
confirmação de um efetivo restabelecimento do regime democrático que ressurgira em
1983. Contudo, tal feito foi obscurecido por uma grave crise de enormes proporções. A
hiperinflação iniciada no mês de abril de 1989 se prolongou até agosto do mesmo ano,
alcançando 200% em julho, em dezembro ainda se matinha em 40%. Os Austrais7 eram
trocados por dólares, lojas e supermercados eram saqueados e, como resultado, a
repressão foi responsável por inúmeras mortes.
O cenário para o novo governo era, sem dúvida, muito complexo e bastante
desanimador. Mudanças profundas deveriam ser feitas nas mais diversas áreas, de forma
a garantir a governabilidade e o ressurgimento de uma nação.

“Com um Estado em bancarrota, uma moeda arrasada, salários inexistentes e


violência social, ficou exposta a incapacidade que, naquele momento, o Estado
tinha para governar e até para garantir a ordem. A primeira coisa que o novo

6
Faz referência ao ano de 1822 quando o governo argentino solicitou aos Estados Unidos a impressão de
pesos.
7
Moeda corrente do período.

14
presidente deveria resolver era como recuperar os atributos do governo.”
(Romero, 2006 pp254)

A resposta a ser dada por parte do Estado argentino parecia ser simples, seguir o
novo senso comum dos economistas e governantes de todo o mundo. Isto é, facilitar a
abertura econômica de maneira a possibilitar a sua integração ao novo mundo
globalizado, além de desmontar qualquer tipo de mecanismo estatal intervencionista,
visto como oneroso e ineficiente. Os gastos deveriam ser reduzidos aos níveis das
receitas, sua participação na economia deveria ser retirada além de viabilizar uma
economia aberta à competição internacional. A crise de 1989 abria espaço para as
mudanças, permitindo uma completa transformação da economia argentina.

“Segundo o diagnóstico predominante, a economia da argentina era pouco


eficiente, devido à alta proteção que o mercado local recebia e aos subsídios
que, sob várias maneiras, o Estado concedia a diversos setores econômicos,
todos que na longa disputa distributiva tinham conseguido assegurar sua quota
de assistência. À ineficiência produtiva, que dificultava a inserção na economia
mundial globalizada, juntava-se o déficit crônico de um Estado excessivamente
pródigo, que, para saldar suas contas, habitualmente recorria à emissão
monetária, resultando na seqüela da inflação.” (Romero, 2006 pp255)

O novo governo urgia por obter resultados imediatos e espetaculares,


concentrando-se, assim, em um amplo processo de privatizações, maneira rápida de
retirar a “maléfica” participação do Estado além de garantir os fundos necessários para
o mesmo, destaque para as privatizações da Entel, empresa de telefonia, e das
Aerolineas Argentinas, empresa de aviação. Aceitou-se que o pagamento fosse feito
com títulos da dívida externa, através de seu valor de face8, forma encontrada pelo
governo para recuperar o apoio de seus credores, permitindo a troca de papéis com valor
e resgate incerto por ativos empresariais. Além disso, o governo tratou de garantir
amplas vantagens às empresa recém privatizadas, tais como elevados aumentos
tarifários, reduzida regulamentação além de situações de confortáveis monopólios por
longos períodos. Como reultado, em pouco mais de um ano o governo já havia

8
Valor muito inferior ao valor de Mercado.

15
privatizado boa parte de suas empresas, dentre elas, a rede viária, canais de televisão,
ferrovias e áreas petrolíferas, todos sob as mesmas condições vantajosas.
Além do amplo processo de privatizações, também foi dada grande importância
à abertura econômica, o que não pode ser considerado uma garantia de que a mesma
tenha sido feita de maneira mais criteriosa. Barreiras e cotas foram retiradas e tarifas
foram reduzidas. Os dois objetivos principais do processo de abertura econômica eram
em si contraditórios, reduzir a inflação, através da importação de produtos com menor
preço, e aumentar a arrecadação fiscal, com altas tarifas de importação.
Passada a década perdida9 e revertido o fluxo negativo de capitais para a
América Latina, o presidente Menen começou a modificar o rumo da economia
argentina, de forma a aproveitar o cenário internacional favorável que começou a se
delinear, seguindo à risca as determinações do Consenso de Washington10. Empresas
foram privatizadas, o mercado cada vez mais desregulamentado e a economia aberta.
Para resolver a questão da inflação, que estava na casa dos três dígitos, o ministro da
economia Domingo Cavallo criou um sistema de conversibilidade cambial. A paridade
peso-dólar trouxe equilíbrio e estabilidade, permitindo seguidos anos de forte
crescimento a taxas significativas.

“A redução geral das tarifas, que caíram em um terço do valor anterior, o que
concretizava a abertura econômica tantas vezes anunciada e mostrava a
seriedade com que o programa de reformas seria encarado. Os resultados
imediatos foram excelentes. O programa acabou com a fuga do capital nacional
para o dólar, provocou o reingresso de capitais emigrados, as taxas de juros
baixaram, a inflação caiu, houve um rápido reaquecimento da economia e a
arrecadação fiscal melhorou. Nesse contexto, e graças ao resgate de títulos da
dívida, feitos com as privatizações, no ano seguinte se chegou a um acordo com

9
Período que faz referência à década de 1980, quando as taxas de crescimento foram extremamente
baixas, os fluxos de capitais desapareceram e os países da América Latina foram assolados pela crise da
dívida.
10
O termo foi cunhado pelo economista John Wiliamson e faz referência ao receituário de políticas
neoliberais adotado pelo FMI em 1990. Tais políticas haviam sido definidas em novembro do ano anterior
por renomados economistas do Tesouro dos Estados Unidos, do Banco Mundial, do Fundo Monetário
Internacional além de outras importantes instituições, composto por dez regras básicas: discplina fiscal,
redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de Mercado, câmbio de Mercado, abertura
comercial, investimento estrangeiro direto, política de privatizações, afrouxamento das leis economicas e,
principalmente, trabalhistas e direito à propriedade intelectual.

16
os credores externos, dentro do Plano Brady: a Argentina recuperou a
confiança dos investidores.” (Romero, 2006 pp259)

Os primeiros anos da década de 1990 foram bastante promissores para a


economia argentina. Em meio a um cenário internacional de relativa calmaria,
observou-se considerável entrada de dólares, permitindo que o Estado saudasse boa
parte de seu déficit e que as empresas privadas se reequipassem. Dessa forma, imperava
o clima de otimismo e confiança, fazendo com que o governo passasse pelas eleições de
1991 sem grandes dificuldades. Tal clima de euforia mesclado com os bons resultados
econômicos obtidos em um período de tempo relativamente curto permitiu ao ortodoxo
ministro Cavallo rodear-se dos mais bem preparados economistas, e também ortodoxos,
em sua maioria com pouca experiência política.
Dessa forma, foi mantida a trajetória de reformas e privatizações. Privatizou-se
um dos maiores símbolos nacionais, a YPF, foi feita a reforma da previdência, reformas
trabalhistas, ainda que com pouco avanço e no campo fiscal. A economia argentina
vivia os seus anos dourados, o consumo se elevava, a inflação estava sob controle, o
PIB crescia a taxas robustas e o governo chegou a apresentar períodos de superávit, o
que escondia os resultados mais duros das reformas implementadas - o desemprego.
A onda de privatizações foi acompanhada por inúmeras demissões: agora sob
administração privadas, as inchadas empresas estatais foram enxugadas. Além disso,
como reflexo da acelerada abertura econômica, boa parte o setor produtivo nacional se
viu em situações bastante complexas em função da concorrência externa. A indústria
nacional foi obrigada a modernizar seu parque produtivo e, principalmente, a reduzir os
seus custos, o que, invariavelmente, era feito através de cortes de pessoal, sem falar no
alto índice de falências.
Durante a reforma da constituição, realizada no ano de 1994, já podia ser
percebida uma crescente dificuldade em função da elevação das taxas de juros
internacionais. Nesse contexto o ministro Cavallo lançou mão de mais um pacote de
reformas. A chamada Segunda Reforma do Estado, novas empresas foram privatizadas
e houve um rígido ajuste das transferências de fundos para as províncias. Juntamente
com isso, no início do ano de 1995 foram sentidos os efeitos “Tequila”, resultados da
crise mexicana, que culminou com a desvalorização do peso mexicano. Movimento que
poderia ter ocorrido com o peso argentino em função da ampla saída de recursos que

17
acabou por mergulhar a economia em um período recessivo, além da aceleração do
déficit fiscal e sem falar no desemprego que alcançou a marca dos 18%.
O governo atuou de maneira rápida e eficiente, gozando de amplo apoio de
instituições internacionais como o FMI e o Banco Mundial houve corte de gastos,
redução de salários estatais além de forte aumento de impostos. Como resultado a
economia não chegou a desmoronar mas teve de enfrentar uma prolongada recessão.

2.1.2 O fim do modelo Neoliberal

Aos poucos o sistema foi se mostrando concentrador de riquezas e de capitais,


sendo bastante maléfico às pequenas e médias empresas. Tais empresas eram
responsáveis por cerca de dois terços do PIB e 80% dos empregos. Ao longo dos anos
noventa o endividamento externo cresceu 150%, fazendo com que o sistema se tornasse
extremamente dependente do ambiente internacional.
Passados mais de cento e cinqüenta anos do pedido aos Estados Unidos para
impressão de sua moeda, constava na constituição que um peso deveria corresponder a
um dólar americano, missão que se mostrou bastante árdua para as autoridades
monetárias do país. Com a dolarização da economia, as importações se tornaram cada
vez mais atrativas e as exportações, por sua vez, se reduziam, o que acabou por conduzir
a um esvaziamento do parque produtivo da segunda economia da América do Sul. Além
disso, a crise dos Tigres11 em 1997 e a crise da Rússia serviram como catalizadores para
o conturbado período que vivia a Argentina e que se seguiria até os primeiros anos do
novo milênio. Com tudo isso, o fim da paridade seria apenas uma questão de tempo,
quatro anos se passaram até o fatídico dezenove de dezembro de 2001, quando a revolta
da população culminou com a saída do então presidente Fernando De La Rúa e do
ministro da economia Domingo Cavallo. O que se seguiu foram dias de caos e muita
incerteza, a capital federal foi, novamente, tomada por saques, além dos já conhecidos
inúmeros protestos, todos fortemente reprimidos pela polícia.
Entre o final de 2001 e o início de 2002 ocorreram mudanças extraordinárias,
tanto na situação política como financeira do país. A renúncia do presidente De La Rúa
foi seguida pela indicação de diversos presidentes pelo congresso, até que, finalmente,
Eduardo Duhalde pudesse conduzir o país às eleições, culminando com o triunfo de um

11
Faz referência a crise economica e financeira que assolou o grupo de países conhecidos como Tigres
Asiáticos e se expandiu para o resto do mundo.

18
candidato peronista, então governador de Santa Cruz, Nestor Kirchner, em abril de
2003.
As vésperas da implantação do corralito12 a situação econômica era caótica, a
paridade coexistia com niveis de reservas extremamente reduzido e uma crescente e
impagável dídiva externa. As reservas podiam garantir, apenas, 25% dos passivos do
sistema monetário, enquanto os juros da dívida representavam 50% do valor das
exportações e mais de 20% de todo o gasto público. Isto representava o pior
endividamento de toda a América Latina e mesmo do mundo.

“Num regime de fato dolarizado, a ausência de um prestamista de última


instância e o fechamento do acesso ao crédito internacional devido à explosão
do risco país desataram uma crise de desconfiança de caráter terminal. No
transcurso de 2001, registrou-se uma saída de capitais de 20 bilhões de dólares,
com a perda de metade das reservas internacionais.” (FERRER, 2004 pp. 299)

Passado o período da paridade peso-dólar a economia argentina, inicialmente,


seguiu mergulhada em uma grave crise, tanto econômica quanto política. Contudo, o
período que se seguiu à eleição do presidente Kirchner foi bastante positivo, sem que
nos esqueçamos, porém, que a base de comparação foi fortemente impactada por alguns
anos de desempenho extraordinariamente fraco.
Dados os excessivamente reduzidos níveis de reservas internacionais e o alto
endividamento, além da consequente explosão do risco país, ao longo de todo o ano de
2001 já se discutia se o não pagamento da dívida externa implicaria em rompimento das
relações internacionais, inclusive comerciais. Porém, diferentemente do imaginado, o
problema tendeu a limitar-se ao âmbito financeiro, e o impacto causado à economia real
alcançou níveis inferiores aos vistos na área financeira.

“No contexto de uma recessão econômica e um desemprego sem precedentes, as


desesperadas tentativas finais de reestabelecer a confiança, com o chamado
déficit zero, revelaram o desatino em que havia caído o modelo neoliberal. Este
abarcava um regime monetário insustentável e outras regras do jogo igualmente
incompatíveis com o desenvolvimento e os equilíbrios macroeconômicos. Entre

12
Nome dado ao bloqueio das contas bancárias imposto em dezembro de 2001 pelo governo do
presidente Fernando de La Rúa, termo cunhado pelo jornalista econômico Antonio Laje.

19
essas regras estavam a abertura do mercado interno com uma taxa de câmbio
supervalorizada, a radicação de filiais de empresas estrangeiras com enormes
déficits em suas transações com o exterior e uma reforma previdenciária que
subtraiu grande volume de recursos do setor público.” (Ferrer 2004 pp. 299)

Como saída à crise se fez necessária a desvalorização da moeda e a pesificação


da economia. Tal solução não foi facilmente aplicada dada toda a base econômica estar
baseada na moeda americana. Dessa forma, ao longo dos primeiros anos do novo século
imperou a desordem no âmbito financeiro, no orçamento público e no regime cambial.
Viu-se nova queda nos níveis de produção e aumento do desemprego, além do
reaparecimento de uma inflação mensal de dois dígitos, revelando ainda um forte
impacto do desmoronamento do sistema neoliberal sobre a economia real. Dado tal
cenário, prevaleciam todo tipo de previsões apocalípticas sobre o futuro imediato do
país.

2.2 O setor agroexportador

Dado o extraordinário aumento nos preços das commodities os países em


desenvolvimento, bastante beneficiados por tal movimento de preços, também viram
suas produções crescerem de forma considerável. No caso argentino houve um
espetacular aumento nas áreas do cultivo de soja. Se considerarmos todo o complexo
envolvido na sua produção, tais como cultivo, maquinário e processamento, este
conjunto de atividades representa 24,4%13, valor que apresenta trajetória ascendente
desde os anos 1980. O óleo de soja representa cerca de 33% das exportações do
conjunto, sendo responsável por 53% das exportações mundiais, ocupando o primeiro
lugar no ranking dos países exportadores, superando importantes países do setor como o
Brasil e os Estados Unidos. Contudo, o posto de destaque fica com a farinha e com os
pellets14, representando 42% das exportações deste conjunto e, aproximadamente, 45%
das exportações mundiais.
A crescente demanda por derivados da soja é oriunda da recente inserção de
países como China e Índia, que possuem uma enorme população e, juntamente com ela,

13
Valor referente ao ano de 2007 de acordo com o sítio de internet http://www.indec.gov.ar/ acesso em
11/03/2010
14
Nomenclatura inglesa que faz referência a pequenas porções de material aglomerado ou comprimido.

20
uma demanda bastante reprimida, principalmente por alimentos, além da, também
recente, utilização daqueles produtos para a fabricação de biocombustíveis

2.2.1 O setor de maquinário agrícola.

O setor de maquinário agrícola teve seu desenvolvimento fortemente marcado


pelo período de substituição de importações, tendo sido bastante estimulado pelo
mesmo. Este pode ser caracterizado, basicamente, por dois tipos de empresas, são elas:
filiais de empresas transnacionais e empresas de capital nacional. Pode-se fazer alguma
diferenciação entre elas já que as primeiras eram voltadas, principalmente, para o
mercado internacional enquanto as outras tiveram o seu processo de crescimento
orientado para o mercado interno. Até o final da década de 1970 as empresas de capital
nacional funcionavam, praticamente, como única fonte de abastecimento para o
mercado interno.
Com o passar dos anos e com eles o aumento de pressões por um setor interno
mais competitivo, inerente a uma economia globalizada, em conseqüência de um
mercado interno aberto, evidenciou-se a clara incapacidade do setor de se posicionar
frente a seus pares internacionais. Dessa forma, todo ele teve de passar por um amplo
processo de reestruturação, assim como redefinição de suas estratégias de atuação.

“Em função dessas mudanças, a participação do setor no mercado interno


alcançou os 35%, percentual superior, apenas, às primeiras décadas do século
XX.” (García 2008 pp. 22115

Ao longo de toda a década de 1980 ficou ainda mais evidenciado, dado um


cenário de alta competitividade, que o setor de maquinário agrícola já não tinha
capacidade de competir, tanto no mercado interno como no mercado externo. Dessa
forma, as empresas de capital nacional iniciaram um processo de reestruturação em um
ambiente de elevada incerteza e preços relativos que não eram capazes de estimular a
atividade produtiva.
Apesar de toda a conjuntura desfavorável, algumas empresas de capital nacional
iniciaram seus processos de expansão, principalmente as que fabricavam tratores e

15
"Tras esos cambios, la participación del sector en el mercado interno llegó a 35%, cifra apenas
superior a la exhibida en las primeras décadas del siglo XX.” (García 2008 pp. 221)

21
semeadoras. Impulsionadas pela abertura econômica e conseqüente globalização do
mercado interno, além dos avanços em direção à formação do MERCOSUL16. As
grandes e médias empresas incorporaram aos seus planos de desenvolvimento objetivos
como o aumento de suas exportações além de maior internacionalização de suas
atividades.

“O setor argentino de maquinário agrícola tem possibilidades de aumentar as


suas exportações e seguir rumo à internacionalização por vários motivos.
Primeiramente, o dinamismo dos mercados de produtos básicos está ampliando
a fronteira agrícola local e mundial e as empresas argentinas possuem as
condições necessárias para desenvolver e fabricar equipamentos adaptados aos
mais diversos modelos de agricultura. (...) Por outro lado, os mercados de
implementos agrícolas são dinâmicos. Em grande medida, em função da
diversidade de fontes que levam inovação aos produtos. Essas fontes têm a ver
com mudanças tecnológicas. (...) Isto implica que as barreiras a entrada são
baixas e que empresas de capital nacional poderiam ingressar e mostrar igual
ou melhor desempenho competitivo que as empresas já estabelecidas, incluindo
as transnacionais. Além disso, a sofisticação da demanda e a
internacionalização do mercado interno colocam as empresas de capital
nacional, especialmente as de tratores e colheitadoras, em competição com
grandes fabricantes de produtos que se encontram na fronteira tecnológica
mundial. Essa situação desafia a capacidade de desenvolvimento das empresas
locais e lhes oferece modelos de referência, além de incentivar o aprendizado:
os produtos que possam competir satisfatoriamente no mercado interno também
poderão fazê-lo em outros mercados.” (García 2008 pp. 236)17

16
Mercado Comum do Sul, constituído pelo Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991.
17
Tradução livre. No original em espanhol: “El sector argentino de maquinaria agrícola tiene
posibilidades de aumentar sus exportaciones y avanzar en su internacionalización por varios motivos. En
primer lugar, el dinamismo de los mercados de productos básicos del agro está ampliando la frontera
agrícola local y mundial y las empresas argentinas están en condiciones de diseñar y fabricar equipos
adaptados a distintos modelos de agricultura. (...) En segundo lugar, los mercados de implementos
agrícolas son dinámicos. En gran medida merced a la diversidad de fuentes que aportan a la innovación
en los productos. Esas fuentes tienen que ver con câmbios tecnológicos en las prácticas agronômicas
(...). Esto implica que las barreras a la entrada son bajas y que las pymes de capital nacional pordrían
ingresar y mostrar igual o mejor desempeño competitivo que las empresas ya establecidas, incluídas las
transnacionales. Em tercer lugar, la sofisticación de la demanda y la internacionalización del mercado
interno ponen a las empresas de capital nacional, especialmente las de tractores y cosechadoras, en
competencia con grandes empresas fabricantes de productos que se hallan en la frontera tecnológica
mundial. Esta situación desafía la capacidad de diseño de las empresas locales, les ofrece modelos de

22
Feita a reestruturação em um nível microeconômico, imagina-se que o
desempenho de longo prazo do setor dependerá de sua capacidade de adaptar-se a
mercados internacionais globalizados, sendo capaz de aumentar as suas exportações e
internacionalizar-se. Tal empreitada poderá ser feita com sucesso dadas certas
condições macroeconômicas, além do apoio de uma política “agro-industrial”.
Nos últimos anos, algumas empresas puderam alcançar o objetivo inicial de ser
competitivas em um âmbito internacional, principalmente aquelas que se vêem
assessoradas por instituições científicas, o que não significa, necessariamente, que tais
empresas tenham obtido grande sucesso em fazê-lo. Para que esse incipiente processo
de avanço rumo aos mercados internacionais possa ocorrer de forma mais veemente ele
deverá estar baseado em um maior apoio através de atividades e programas
governamentais, principalmente nas áreas de pesquisa.
Contudo, o crescimento das exportações e os avanços no processo de
internacionalização ainda esbarram em limitações, com destaque para a superação de
barreiras tecnológicas. Para tanto, a tranqüilidade nos cenários macroeconômico e
institucional é essencial para viabilizar a tomada de decisão em um âmbito de longo
prazo. Além disso, programas de incentivo, acesso a crédito, padrões de qualidade e etc.
poderiam garantir maiores escalas de produção e, conseqüentemente, maior
produtividade.
O setor de maquinário agrícola, além de prover toda a base para o
desenvolvimento da agricultura do celeiro do mundo pode representar o braço
tecnológico capaz de promover o desenvolvimento de novas áreas produtivas. Através
dele a Argentina poderia dar o tão esperado salto de qualidade, deixando de ser um país
tão dependente de suas exportações de produtos agrícolas, e de baixo valor agregado. A
expertise de uma agricultura de ponta pode viabilizar o desenvolvimento de maquinário
à altura e capaz de se tornar mais um produto na pauta de exportações, trazendo mais
dólares para a economia.
O aumento da participação do setor doméstico na produção de maquinário
agrícola seria responsável por dois importantes avanços. Primeiramente, como dito
anteriormente, ele seria capaz de impulsionar o desenvolvimento de novas tecnologias,
que poderiam se espalhar por outros setores, gerando inovaçoes e ganhos de

referencia e incentiva el aprendizaje: los productos que compitan exitosamente en el mercado interno
también podrán hacerlo en otros mercados.” (García 2008 pp. 236)

23
produtividade. Além disso, iria reduzir o coeficiente de importações da economia. Dessa
forma o multiplicador dos investimentos exerceria maiores efeitos sobre o setor interno,
isto é, a Argentina deixaria de exportar empregos, impulsionando o mercado doméstico,
além de reduzir as limitações de balanço de pagamento. A atual estrutura de exportações
de baixo valor agregado e importações de elevado valor agregado é bastante dependente
de financiamento externo, além de deixar o país bastante exposto a intempéries dos
mercados internacionais.
A reduzida produção interna de bens industrializados, sejam eles de consumo,
duráveis ou não-duráveis ou de capital, coloca a economia argentina em uma situação
semelhante à explicitada no capítulo inicial deste trabalho, exportações de produtos de
baixo valor agregado, e conseqüentemente, com reduzida elasticidade renda e
importações de todo tipo de produtos, com alta elasticidade renda. Como mostrado no
primeiro capítulo, tal modelo requer que tais economias cresçam a taxas inferiores as do
resto do mundo, o que acabaria por amplificar sua situação de atraso relativo, além de
funcionar como um freio a qualquer tentativa de desenvolvimento.
Como visto no modelo de desenvolvimento coreano, com apoio do governo,
através de um modelo de autonomia e parceria18, um país é capaz de alterar a sua
estrutura e desenvolver novas vantagens comparativas, sem perder de vista suas
características iniciais. A Argentina se beneficiaria de seu histórico de celeiro do
mundo, porém, o excedente agrícola seria utilizado de forma a criar economias de
escopo (colocar definição). Ao fazer referência ao modelo coreano não proponho que a
Argentina se torne uma plataforma de exportações ou que desenvolva setores de
tecnologia de ponta, ainda que possa, eventualmente, vir a desenvolvê-los. A proposta
consiste em ampliar os setores produtivos e transformar a economia em uma economia
mais diversificada. Quanto às importações, essas devem coexistir com o crescimento,
mas sem que representem limites ao mesmo.

18
Faz referência ao livro de Autonomia e Parceria onde o autor , Peter Evans, descreve um modelo de
atuação conjunta do Estado e do setor privado. Autonomia pois o Estado não está “preso” a amarras dos
setores mais tradicionais e parceria pois o mesmo atua como um parceiro do setor privado, gerando os
“desequilíbrios estimulantes” capazes de impulsionar os investimentos necessários ao desenvolvimento.

24
Capítulo 3: Desenvolvimento não se copia, se cria

3.1 O Estado e o desenvolvimento

Por mais que possamos analisar diversos modelos de diferentes países, com
maior ou menor êxito, não é possível afirmar que um determinado modelo obterá
sucesso ou não. As tão faladas vantagens comparativas já não possuem o mesmo
destaque, uma vez que, como comprovado pelo modelo coreano, uma política de
desenvolvimento bem executada é capaz de alterá-las. Ainda assim restam inúmeras
variáveis para serem entendidas: fatores históricos, geográficos, sociais, climáticos e,
até mesmo, fatores políticos influenciam o desempenho de um país.
Dito de outra forma, é pouco provável que dois países historicamente rivais, com
seguidos conflitos diplomáticos e, até mesmo, bélicos, em pouco tempo se tornem
importantes parceiros comerciais. Mesmo com todo o avanço observado no transporte
de mercadorias continua sendo mais vantajoso importar ou exportar para regiões mais
próximas, por mais que os custos venham se reduzindo a passos largos. Um país com
ampla consciência de seus direitos não verá os mesmos desaparecerem do dia para a
noite, isto é, como no caso do povo francês, estes não permitirão ter os seus amplos
direitos trabalhistas retirados facilmente, fator considerado, por muitas empresas, como
um impasse para o aumento de sua produção ou mesmo abertura de novas plantas. No
caso dos fatores políticos temos o exemplo do governo norte-americano que esteve
voltado para os setores de tecnologia bélica e de petróleo durante os governos Bush e,
atualmente, está mais voltado para os setores automotivos e de energias limpas. Os
fatores políticos podem, em maior ou menor escala se tornar entraves ao
desenvolvimento de um dado país, mas, impreterivelmente, determinam as diretrizes
que o mesmo irá seguir.
Dessa forma, não cabe discutirmos se haverá ou não interferência do Estado na
economia, o que devemos discutir é em que grau e de que maneira a mesma se dará. A
Argentina viu sua estrutura estatal ser desmontada e, como conseqüência, o escopo de
atuação do Estado bastante reduzido, culminando com o Corralito de dezembro de
2001. Desde então, com maior ou menor sucesso, os governos têm buscado aumentar
sua participação na economia, e, em muitos momentos, enfrentando, inclusive, forte

25
resistência popular em função da ampla difusão dos tão aceitos conceitos neoliberais
como verdades absolutas a serem seguidas.
Não será o Estado o único responsável pelo comportamento da economia nos
anos que irão se seguir, contudo, é evidente que a sua atuação receberá amplo destaque.
Os setores que ele buscará desenvolver, ainda que com forte participação do capital
privado, seja ele local ou estrangeiro, esses serão, certamente, os setores que, encontrão
maior facilidade para a obtenção do sucesso. Linhas de crédito, regulamentação,
incentivos fiscais, defesa comercial, negociações internacionais são apenas alguma das
formas como um setor pode ser apoiado pelo Estado, cabendo a ele decidir qual é a
maneira mais eficiente de fazê-lo.

3.2 Os diferentes tipos de Estados

Diferentes Estados possuem os mais variados instrumentos como forma de


atuação, sendo definidos por seus respectivos arcabouços institucionais. Apesar disso,
pode-se dizer que o principal fator a ser levado em conta é a determinação política de
seus governantes.
Um Estado deve possuir a independência suficiente para não estar “amarrado” e,
ao mesmo tempo, precisa trabalhar em parceria com o setor privado, um limite bastante
tênue. Tal atuação conjunta é uma marca dos Estados desenvolvimentistas, algo que
nem sempre pode ser encontrado nos Estados intermediários e, principalmente, nos
Estados predatórios.

3.2.1 Estados predatórios

Um Estado pode desenvolver características bastante nocivas ao


desenvolvimento econômico, como no caso do Zaire19, liderado por Mobuto, além de
inúmeros outros casos como as ditaduras da América Central e da África. O período sob
o governo Mobuto foi marcado por intensa atividade extrativista nas minas de cobre,
cobalto e diamantes, sem qualquer contrapartida para a população. O resultado foi um
estilo de vida luxuoso para os membros do governo, sem falar em mansões na Europa e
contas bancárias na Suíça.

19
Atual República do Congo.

26
“Após quinze anos sob o governo Mobuto, o sistema rodoviário, por exemplo,
havia “simplesmente desintegrado” (Kabwit, 1979 pp.402) – por uma
estimativa, restavam apenas 6 mil milhas do que havia sido uma rede de 90 mil
milhas (New York Times, 11 nov. 1979). Nos primeiros vinte e cinco anos sob o
governo Mobuto, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Zaire declinou
num índice de 2% ao ano (Banco Mundial, 1991 pp204), levando gradualmente
esse país rico em recursos naturais ao último plano na hierarquia mundial das
nações e deixando a população do país numa miséria tão ruim ou pior do que
aquela que sofreu sob o regime colonial belga.” (Evans 2004 pp. 75)

Como visto, existem alguns casos de Estados que retiram alta parcela dos
recursos disponíveis da população sem prover qualquer tipo de “bem coletivo”, maneira
pela qual eles retiram recursos que poderiam se tornar investimentos produtivos
inviabilizando o desenvolvimento de determinado país.
O caso zairense, contudo, não pode ser encarado como um simples mau exemplo
de atuação do Estado. Isto é, não é a burocracia que o torna um Estado predatório mas
sim a ausência da mesma. A ausência de burocracia, no sentido Weberiano da palavra,
permite aos detentores do poder atuarem de forma a enfraquecer qualquer intento
transformador por parte da população, o que permite uma clara distinção dos em relação
aos Estados desenvolvimentistas.

3.2.2 Estados desenvolvimentistas

Um Estado desenvolvimentista seria um Estado com uma burocracia organizada


e uma marcante atuação conjunta por parte dos governantes e da iniciativa privada de
forma a buscar, constantemente, o desenvolvimento econômico. Através de uma
burocracia eficiente, no sentido weberiano, um Estado será capaz de se equipar e se
organizar, possibilitando uma atuação pró-desenvolvimento.

“O “Estado desenvolvimentista” do Japão foi um elemento central na


explicação do “milagre econômico” pós-Segunda Guerra Mundial”. (Evans
2004 pp.80)

27
Destaca-se a atuação do MITI20 e do Japan Development Bank21, o primeiro
possuía a importante tarefa de pensar a economia japonesa, bem como entender a
melhor forma de atuação por parte dos agentes econômicos. O segundo, por sua vez,
deveria suprir as necessidades de capital das empresas em momentos nos quais o
mercado não pudesse realizá-lo, e elas não fossem capazes de obtê-lo por conta própria.
Além dessas importantes estruturas deve-se destacar, também, os rigorosos processos de
seleção, através de disputados concursos públicos, os bem definidos planos de carreira,
juntamente com remunerações condizentes com o setor privado, capazes de atrair os
melhores profissionais e, ainda, prestígio e status especial aos funcionários do governo.
Chalmers Johnson chegou a afirmar que o MITI seria, “sem dúvida, a maior
concentração de poder cerebral no Japão”
Além do bem sucedido exemplo japonês também é possível encontrar estruturas
semelhantes e resultados não menos excelentes na Coréia e em Taiwan. Na Coréia os
concursos públicos são realizados desde o ano de 788. Com algumas variações todos
possuem em comum uma “organização burocrática coerente e competente” (Evans 2004
pp.84).
Em comum destacamos as semelhantes, e bem sucedidas, estruturas do MITI
japonês, do EPB22 coreano e do CEPD23 taiwanês. Grosso modo eram instituições
voltadas para a política econômica, similares em competência e escopo de ação.

3.2.3 Estados intermediários

Feita a definição dos casos extremos é necessário observar os casos


intermediários, isto é, aqueles que não podem ser tratados como desenvolvimentistas
mas que, tampouco, podem ser caracterizados como predatórios. Sendo os exemplos
mais marcantes os Estados brasileiro e indiano.
Ambos Estados não apresentam em sua história recente longos períodos de
declínio do Produto Interno Bruto, como no caso do Zaire. A Índia apresentou elevadas
taxas de crescimento industrial nos anos 1950 e 1960 enquanto o Brasil alcançou
período conhecido como “Milagre Econômico”, entre o final da década de 1960 e início
da década de 1970.

20
Ministry International Trade and Industry
21
Equivalente ao Banco de Desenvolvimento do Japão
22
Economic Planning Board
23
Council on Economic Planning and Development

28
“Suas estruturas internas e suas relações com a sociedade são, como o seu
desempenho, difíceis de descrever sem ambigüidades. Dependendo do prisma do
analista, foram descritos como ”fortes” e “fracos” e podem parecer
“autônomos” ou “capturados””. (Evans 2004 pp.94)

No caso dos Estados intermediários o Estado não consegue atuar de maneira


autônoma, por vezes ele se vê preso meio aos diferentes interesses pessoais. Além disso,
tampouco ocorre a parceria, necessária para a alteração da estrutura econômica dos
Estados atrasados, as estruturas não são desenvolvidas a ponto de permiti-la.

“O equilíbrio contraditório da autonomia e parceria será difícil de se manter. O


desequilíbrio poderia tomar tanto a forma de um clientelismo excessivo quanto da
incapacidade de construir projetos conjuntos com as elites industriais potenciais. A
inconsistência é outra possibilidade”. (Evans 2004 pp.94)

Os casos brasileiro e indiano são marcado por ilhas de eficiência, ou como dito
por Peter Evans, “bolsões de eficiência”, em meio a inúmeros casos de extrema
ineficiência. No Brasil vemos a situação do Banco Central e do BNDES, importantes
agentes econômicos e que dispõem de vasta credibilidade.

3.3 O Estado argentino.

O Estado argentino muito provavelmente seria classificado como um Estado


intermediário, pecando fortemente na questão da parceria. Em função do longo período
de esvaziamento pelo qual passou ao longo dos governos de característica
marcadamente neoliberal, ele talvez possua relativa autonomia, mas não possui uma
estrutura desenvolvida a ponto de permitir-lhe praticar desenvolver uma situação de
parceria.
Ao longo dos últimos anos alguns avanços vêm ocorrendo no sentido trazer o
Estado de volta à cena, isto é, ele vem sendo reequipado e tem procurado participar de
maneira mais presente nas decisões econômicas do país. Obviamente essa não é uma

29
tarefa fácil de ser posta em prática, o Estado precisa adquirir a expertise necessária para
fazê-lo além de enfrentar forte resistência dos setores dominantes.
A idéia principal deste capítulo não é afirmar que caso a Argentina seguisse
modelos de sucesso como o Japão do pós-guerra ou mesmo a Coréia do Sul ela obteria
sucesso e se desenvolveria aceleradamente. É importante entender que as vantagens
comparativas pré-existentes são muito importantes, mas que novas podem ser criadas
mediante uma política de desenvolvimento bem aplicada. Isto não significa dizer que a
Argentina deve desenvolver a produção local de automóveis ou eletrodomésticos, os
setores que possibilitaram o desenvolvimento de um determinado país não
necessariamente apresentarão bons resultados para outro.
O Brasil também viu a sua estrutura ser alterada ao longo do século passado:
houve a implantação da indústria automobilística, a criação da siderúrgica nacional, da
Petrobras, da Embraer, entre outros.
O mais importante não é que a Argentina siga à risca um modelo de sucesso,
mas sim que entenda que uma política bem aplicada pode alterar os rumos da história, e
que esses não necessariamente implicam seguir o caminho que parece mais lógico,
afinal de contas, “desenvolvimento não se copia, se cria”.

30
Conclusão

Diferentemente de países como Chile e Nova Zelândia, a Argentina possui uma


população consideravelmente mais numerosa e um território mais extenso, razão pela
qual a soja não seria capaz de ser a única responsável pelo seu desenvolvimento,
diferentemente, por exemplo, do que ocorre com o Cobre no caso chileno.
A Argentina pode e deve se apoiar na soja como ponto de partida, mas não pode
tê-la como único caminho a ser seguido. Esta deverá atuar como uma importante fonte
de redução das restrições externas, contudo, caso seja a única fonte, as restrições
permanecerão, atuando como um limitador para o crescimento.
Dessa forma, não se defende que a Argentina desenvolva uma economia voltada
única e exclusivamente para o mercado externo, isto é, uma economia voltada “para
fora”. Por outro lado, também é bastante discutível se a economia argentina pode
desenvolver-se “para dentro”, porém, com a existência do MERCOSUL tal discussão
deixa de ser relevante, permitindo à Argentina vislumbrar maior possibilidades de
negócios e, principalmente, maiores mercados capazes de viabilizar produções
eventualmente inviabilizadas.
Como visto ao longo desse texto, dois são os pontos chave para o entendimento
de economias emergentes exportadoras de commodities, em primeiro lugar, as
exportações como importante via de financiamento externo, reduzindo as restrições de
balanço de pagamentos, e, em segundo lugar, a gama de produtos a serem produzidos e
comercializados. Isto é, uma economia com alta propensão a importar rapidamente se
verá em uma situação limite, com restrições de financiamento externo. Além disso, uma
economia que exporte produtos com baixa elasticidade renda e importe produtos com
alta elasticidade necessitará, permanentemente, crescer menos que o resto do mundo.
Para solução das duas restrições acima não é necessário que se pratique um
modelo de substituição de importações ou mesmo um modelo, como mencionado
anteriormente, voltado “pra fora”. É preciso que se tenha uma economia com equilíbrio,
que exporte, mas que também importe, proteja setores incipientes e abra a economia
para os demais setores e, principalmente, sem concentração excessiva em algum setor
específico.
O fato de a Argentina possuir uma população com um bom nível de
qualificação, um território extenso além de alguma disponibilidade de recursos naturais,
por si só já a coloca em boa situação perante outros países. Apesar dos últimos anos de

31
caos político e retrocesso econômico, através e de um completo desmonte de qualquer
tipo de estrutura estatal, a argentina vem conseguindo, com relativo sucesso, passar por
isso, além de ter atravessado o recente período de crise internacional sem ver a sua
economia ser envolta, novamente, em uma complicada situação econômica através de
novos anos de recessão. Diferentemente do que se poderia imaginar, a Argentina
apresentou crescimento econômico nos últimos trimestres.
Por tudo isso, é possível imaginar que a economia argentina esteja bem
preparada e encaminhada para um futuro melhor, sendo que este apenas poderia vir
através de uma atuação conjunta dos setores estatal e privado, nacional e internacional,
sem que algum desses esteja subjugado a outro.

32
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