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Cintia Leticia Hames Liz de Campos

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A INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MUNDO DO TRABALHO:

REFLEXÕES A PARTIR DA LEGISLAÇÃO VIGENTE

Cíntia Letícia Hames Liz de Campos1


Cláudio Adão da Rosa (Orientador)2

Resumo

Atualmente, devido às lutas de movimentos sociais das próprias pessoas com


deficiência (PcD), a sociedade vem sendo desafiada a superar alguns preconceitos e
reconhecer a pluralidade dos sujeitos que a compõem. Nesta perspectiva, este artigo
tem o objetivo de analisar a inclusão de pessoas com deficiência no mundo do
trabalho a partir de percepções de atores envolvidos diretamente no processo. Para
tanto, por meio de uma abordagem qualitativa, foi desenvolvida uma pesquisa
exploratória, com a aplicação entrevistas com uma representante do setor de
recursos humanos (RH) de uma empresa, uma assistente social de uma associação
de PcD e uma pessoa com deficiência. Os resultados mostraram importantes
diferenças de percepções entre os envolvidos no processo, tendo como destaque as
interpretações da representante do RH da empresa, que vão de encontro com o que
estabelece as legislações, sobretudo em relação às exigências das empresas em
tornarem seus ambientes de trabalho acessíveis e valorizarem as potencialidades
dos trabalhadores com deficiência.

Palavras-Chave: Pessoas com deficiência. Direito ao trabalho. Inclusão Social.

1 INTRODUÇÃO

O interesse pela temática abordada surgiu durante uma experiência


profissional da autora deste artigo com turmas de Qualificação e Iniciação
Profissional da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) localizada no
planalto norte catarinense, no Município de Canoinhas, que possui uma população
de 51.631 habitantes, sendo que 15.817 indicam possuírem algum tipo de

1
Acadêmica do curso de Especialização em Educação e Diversidade do IFSC – Câmpus Canoinhas.
2
Professor do curso de Especialização em Educação e Diversidade do IFSC – Câmpus Canoinhas
2

deficiência no último Censo do IBGE (IBGE, 2010).


A Apae de Canoinhas/SC atende em torno de 212 usuários e tem por
finalidade prestar atendimentos nas áreas de educação, saúde e assistência social à
população com deficiência intelectual e múltipla, transtorno do espectro autista (TEA)
e atraso global do desenvolvimento, buscando assegurar-lhes o pleno exercício da
cidadania, o desenvolvimento de suas potencialidades, a preparação para o mundo
do trabalho, a melhoria da qualidade de vida e a integração da família, escola e
comunidade (CAESP, 2020).
A partir desta experiência profissional foi possível observar que, mesmo com
o direito da inclusão das pessoas com deficiência (PcD) no mundo do trabalho
garantido pela Lei n.º 8.213/1991 (BRASIL, 1991), também conhecida como Lei de
Cotas, e outras regulamentações nacionais e internacionais, na prática, esse público
ainda sofre exclusão e enfrenta dificuldades para ser valorizado e ter as suas
potencialidades reconhecidas.
Outra observação importante foi a exigência por qualificação profissional que
o mercado globalizado coloca sobre os trabalhadores, fato que compromete a
inclusão das PcD no mundo de trabalho, já que, muitas vezes, elas têm o ciclo de
escolarização interrompido por diversas barreiras que são impostas ao longo de
seus percursos formativos. Desse modo, muitas dessas pessoas não têm
oportunidades de ter outra renda além do Benefício de Prestação Continuada3
(BPC), a não ser oportunidades degradantes de subempregos, sem perspectiva de
crescimento pessoal e profissional.
Atualmente, devido às lutas de movimentos sociais das próprias PcD, a
sociedade vem sendo desafiada a superar alguns preconceitos e reconhecer a
pluralidade dos sujeitos que a compõem. A partir desses movimentos, cada vez mais
as PcD conquistam seus direitos de cidadãos garantidos na Constituição Federal
(BRASIL, 1988), como o de trabalhar e estudar, por exemplo. No entanto, para que
isso, de fato, aconteça, as empresas, as escolas, e os demais espaços públicos em
geral, precisam romper com paradigmas excludentes e garantir a inclusão de todos

3
O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Fonte:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm.
3

os cidadãos, com deficiência ou não.


Considerando que a construção de uma sociedade justa e solidária se dá, em
grande parte, por meio de políticas públicas que possibilitem a todas as pessoas
uma vida com acesso aos seus direitos, que o direito ao trabalho é garantido a todas
as pessoas, e que as empresas têm uma função importante na inclusão social das
pessoas com deficiência, o presente artigo tem como objetivo analisar a inclusão de
pessoas com deficiência no mundo do trabalho a partir de percepções de atores
envolvidos diretamente no processo.
Para chegar ao objetivo, por meio de uma abordagem qualitativa, foi
desenvolvida uma pesquisa exploratória, com a aplicação de um questionário
direcionado a uma profissional responsável pelo setor de recursos humanos de uma
empresa, a uma assistente social representante de uma associação de PcD que
trabalha com a mediação dos processos de inclusão no mundo do trabalho e a uma
pessoa com deficiência. Os resultados são analisados articulando os entendimentos
de cada segmento representado com a fundamentação teórica construída neste
artigo e com a legislação atual sobre cotas para pessoas com deficiência nas
empresas.

2 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O DIREITO AO TRABALHO

Os dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) realizado em 2010 mostram que 45,6 milhões de pessoas possuem alguma
deficiência, representando 23,9% da população brasileira. O conceito de deficiência
é reconhecido pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(CDPD) da ONU como um conceito complexo que está em evolução (ONU, 2006).
Ao longo dos anos, os entendimentos sobre o que é ou não deficiência, e sobre
quem a possui ou não, vão sendo alterados, fato que suscita mudanças nas
organizações das práticas sociais direcionadas a essa população.
Atualmente a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI)
(BRASIL, 2015), em seu Art. 2º, considera pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Esse
entendimento vai ao encontro do que foi estabelecido na CDPD (ONU, 2006) e que
4

foi introduzido ao ordenamento legislativo no Brasil por meio do Decreto n.º


6949/2009 (BRASIL, 2009).
No entanto, no Brasil, em geral, as definições legais sobre quem pode usufruir
dos direitos como PcD estão contidas no Art. 3° do Decreto n.º 3.298/99 (BRASIL,
1999), que traz a definição de deficiência como perda ou anormalidade de uma
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para
o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser
humano. Em seu art. 4°, com redação atualizada pelo Decreto n.º 5.296/2004
(BRASIL, 2004) define as categorias das deficiências como

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais


segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função
física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia,
monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro,
paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou
adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam
dificuldades para o desempenho de funções;
II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um
decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ,
1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;
III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor
que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que
significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor
correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual
em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea
de quaisquer das condições anteriores;
IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior
à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas
a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho;
V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Verifica-se uma diferença conceitual entre os entendimentos de deficiência


apresentados pela CDPD (ONU, 2006) e LBI (BRASIL, 2015) com os trazidos pelos
Decretos n.º 3.298/99 (BRASIL, 1999) e n.º 5.296/2004 (BRASIL, 2004). O primeiro
grupo, e mais atual, conceitua a deficiência como uma relação de interação dos
sujeitos que possuem algum impedimento com as barreiras impostas por uma
sociedade pouco acessível, e pode ser entendido como modelo social de
5

entendimento das deficiências. Já o segundo grupo, conceitua a deficiência


considerando apenas a condição biológica da pessoa. Este pode ser entendido
como modelo médico de entendimento das deficiências.
Os movimentos sociais que lutam pelos direitos das PcD vêm tentando fazer
a sociedade superar este modelo médico que responsabiliza apenas as próprias
PcD por não conseguirem participar da sociedade, ao invés de responsabilizar a
falta de acessibilidade da sociedade. Além desses movimentos, autores como Diniz
(2007) reforçam que esse modelo médico impõe uma responsabilização sobre essa
população que, muitas vezes, se converte na supressão de recursos e serviços
sociais básicos ocasionados pelo preconceito e discriminação, conceituados como
capacitismo quando destinado à PcD.
O preconceito pode acontecer quando há opiniões formadas baseadas
apenas em estereótipos, sobretudo em relação a grupos historicamente
marginalizados como, por exemplo: pessoas com deficiência, negros, homossexuais
e mulheres. Em geral, o preconceito pode gerar uma crença de que determinados
grupos sociais são incapazes de exercer algumas funções na sociedade, interferindo
diretamente nas oportunidades de emprego. Embora muitos movimentos sociais
lutem para mudar alguns preconceitos, sem dúvidas, ainda vivemos em uma
sociedade que trata determinados grupos com indiferença e inferioridade.
As PcD, assim como todos os cidadãos brasileiros, têm seus direitos básicos
garantidos na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Mais especificamente
em relação à inclusão dessas pessoas no mundo do trabalho, existem ainda outras
leis, como: Lei n. 7.853/89 (BRASIL, 1989), Lei de Cotas n.º 8.213/91 (BRASIL,
1991), Decreto n.º 3.956/2001 (BRASIL, 2001) e Lei n.º 13.146 (BRASIL, 2015).
Também existem normas internacionais, como a Convenção Internacional do
Trabalho 159 de 1983 (OIT, 1983).
Essa Convenção, realizada em Genebra no dia 1º de junho de 1983,
determinou que todos os países membros deveriam considerar a finalidade da
reabilitação profissional permitindo que a PcD acesse o mundo do trabalho,
garantindo também a promoção e progressão, para que a inserção das pessoas com
deficiência aconteça na sociedade (OIT, 1983). Em 1991, esta Convenção foi
ratificada no Brasil por meio do Decreto n.º 129/1991 (BRASIL, 1991).
Com o mesmo objetivo, a Convenção Interamericana Para Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra Pessoas Portadores da Deficiência
6

Convenção de Guatemala (OEA, 1999), que foi promulgada pelo Decreto n.º
3.956/2001 (BRASIL, 2001), confirma que as PcD têm os mesmos direitos que
outras pessoas, inclusive de não serem discriminadas, dando proteção legal e
garantindo a inserção social.
A Lei n.º 7.853/1989 discorre sobre a integração social das PcD dizendo que
possuem os mesmos direitos constitucionais de igualdade da pessoa humana
(BRASIL, 1989). Todos esses direitos foram recentemente reforçados pela Lei
Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), inclusive o direito
ao trabalho em condições de igualdade, conforme apresentado no capítulo VI

Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre
escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas.
§ 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho,
incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor.
§ 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer
discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de
recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e
periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação
profissional, bem como exigência de aptidão plena.
§ 5º É garantida aos trabalhadores com deficiência acessibilidade em
cursos de formação e de capacitação.
Art. 35. É finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego
promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com
deficiência no campo de trabalho (BRASIL, 2015, Art. 34).

Especificamente sobre as obrigações das empresas com a inclusão e a


reserva de vagas para PcD, em 1991 foi criada a Lei n.° 8.213/1991 (BRASIL, 1991),
conhecida como Lei de Cotas, que pode ser considerada uma das mais importantes
iniciativas para promover a inclusão das PcD no mundo do trabalho. Ela estabelece
o seguinte percentual de reservas de vagas:
● até 200 colaboradores - 2%
● 201 a 500 colaboradores - 3%
● de 501 a 1.000 colaboradores - 4%
● a partir de 1.001 colaboradores - 5%

Essa lei é fiscalizada por auditores do Ministério do Trabalho e Ministério


Público do Trabalho, e o não cumprimento é punível com multa. No entanto, os
desafios da inclusão no mundo do trabalho ainda são inúmeros devido às diversas
barreiras de acessibilidade vivenciadas pelas PcD e o capacitismo sofrido de parte
de alguns empregadores, sobretudo em relação à aptidão para desempenhar
7

determinadas funções e pela exigência que colocam em relação à qualificação


profissional dessa população.
Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do
Ministério da Economia, a participação de PcD no mundo do trabalho ainda é
extremamente baixa. Em 2018, entre os 46,6 milhões de empregos formais, apenas
486,8 mil eram ocupados por trabalhadores com deficiência, representando um total
de 1,04%. No ano de 2019, houve um pequeno aumento de ocupação, onde, entre
os 47,5 milhões de empregos formais, 523,4 mil eram ocupados por trabalhadores
com deficiência, revelando que a participação de PcD no mundo do trabalho
representava 1,1% do total. Neste sentido, as regulamentações que tratam da
inclusão de PcD no mundo do trabalho são fundamentais para, ao menos, ter
parâmetros legais para cobrar os ajustes necessários por parte das empresas e da
sociedade em geral para tentar aumentar esses números.
Outra análise que pode ser feita é entre Inclusão e Integração, enquanto a
integração se refere à necessidade de modificar a PcD tornando-a “normal” para que
ela possa ser inserida na sociedade, a inclusão por sua vez tem a função de incluir a
todos sem distinção, exigindo da sociedade a mudança.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta pesquisa foi desenvolvida por meio de uma abordagem qualitativa que,
conforme Minayo (2001) trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis.
Quanto aos objetivos, conforme Gil (2002) a pesquisa caracteriza-se como
exploratória, pois propõe uma melhor familiarização com o problema pesquisado
para torná-lo mais claro. Este tipo de pesquisa pode envolver o levantamento
bibliográfico e entrevistas para melhor compreender os fatos.
Os sujeitos da pesquisa são: uma pessoa com deficiência, uma representante
do setor de recursos humanos de uma empresa e uma assistente social
representante de uma associação. A escolha por esse público justifica-se por
estarem diretamente envolvidos com a temática central do trabalho. As
características das participantes estão no quadro 1.
8

Quadro 1: características dos participantes da pesquisa


Gênero Idade Formação Acadêmica Profissão Grupo da Pesquisa

Feminino 31 Ensino Superior em Administração Recursos Representante de


Humanos Empresa

Feminino 37 Ensino Superior em Serviço Social Assistente Representante de


com Especialização em Educação, Social Associação de PcD
Diversidade e Redes de Proteção

Feminino 18 Ensino Médio Completo Estudante Pessoa com Deficiência


Fonte: Autoria própria com base nos dados coletados durante a pesquisa.

A profissional representante da empresa trabalha no setor de recursos


humanos e é responsável pela contratação dos novos funcionários. Tem curso
superior em Administração. A Associação pesquisada atua no município desde
2006, atende a pessoas com deficiência física, visual e auditiva. Atualmente tem 621
associados cadastrados dos municípios de Bela Vista do Toldo, Canoinhas, Major
Vieira e Três Barras. A representante da associação de PcD é responsável por fazer
a mediação entre empresas e PcD no processo de inclusão dessas pessoas no
mundo do trabalho. A pessoa com deficiência participante é uma mulher de dezoito
anos, com deficiência física, usuária de cadeira de rodas, que já concluiu o ensino
médio e ainda não teve experiência profissional.
Os dados foram coletados por meio de uma entrevista que inicialmente foi
planejada para ser de forma presencial, mas, devido ao cenário da atual pandemia
do coronavírus, precisou ser realizada por meio de aplicação de um questionário
enviado por e-mail, com três questões abertas. Segundo Gil (2002), a entrevista
possibilita captar explicações e interpretações dos respondentes por meio de
técnicas que possibilitam a obtenção de grande quantidade de dados em curto
espaço de tempo. As análises ocorreram de forma descritiva, articulando as
respostas das participantes com a fundamentação teórica apresentada no artigo,
incluindo as legislações.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo, cada resposta das participantes é analisada de forma


individual, e as respondentes são identificadas como: Representante de Empresa
(RE); Representante de Associação de PcD (RA); e Pessoa com deficiência (PcD).
9

A primeira pergunta abordou o entendimento sobre a lei de cotas, como segue.

1) Qual sua visão sobre a lei n.º 8213/1991 que obriga as empresas com mais
de 100 funcionários a contratarem de 2% a 5% dos seus cargos com
beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência?
RE: Acho interessante, porém a família também precisa ser trabalhada nesta questão.
RA: Compreendemos que esta Lei é importante, pois oportuniza a inserção da pessoa com
deficiência ao mercado de trabalho, proporcionando o direito à inclusão, autonomia e dignidade
humana.
PcD: Muito bom, pois nos ajuda a entrar no mundo do trabalho mais fácil.

As respostas obtidas nesta pergunta permitem observar algumas diferenças


de entendimento sobre a deficiência entre os entrevistados. A RA e a PcD
consideram importante a Lei de Cotas, pois tem potencial de contribuir com a
inclusão no mundo do trabalho, reconhecendo as PcD como pessoa de direitos,
como prevê a lei n.º 7.853/89 (BRASIL, 1989) e reforça a lei n.º 13.146/2015
(BRASIL, 2015) quando dizem que todas as pessoas têm os mesmos direitos
constitucionais de igualdade de condições.
Já a RE destaca a necessidade de que as famílias sejam trabalhadas, nem
cita as próprias PcD, como se não tivessem condições de tomar suas próprias
decisões de forma independente. Ela também não menciona as responsabilidades
que a empresa tem em relação ao cumprimento da lei de cotas e a consequente
organização de um ambiente de trabalho acessível. De certo modo, sua resposta
revela uma tentativa de passar a responsabilidade da empresa para outro segmento,
como se não tivesse relação com a inclusão.
A lei n.º 7.853/89 (BRASIL, 1989) que dispõe sobre o apoio e inclusão social
das PcD, além de definir que deve haver reserva de vagas para as PcD nas
entidades da Administração Pública e do setor privado, também regulamenta a
responsabilidade da sociedade como um todo em tornar todos os espaços mais
acessíveis, e isso inclui as empresas e os empregadores. No entanto, verifica-se
que, possivelmente por falta de informação, a RE não sente que sua empresa tem
responsabilidades na promoção da inclusão.
Segundo Goffman
Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de
que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se
encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até,
de uma espécie menos desejável [...]. Assim deixamos de considerá-
la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e
diminuída. Tal característica é estigma, especialmente quando o seu
10

efeito de descrédito é muito grande [...] (GOFFMAN, 1975, p. 12).

Quando acontece uma contratação de PcD por uma empresa, fica evidente
que não basta apenas integrá-las ao seu quadro de funcionários para cumprir com a
legislação, faz-se necessário que ela assuma sua responsabilidade na eliminação
das barreiras para tornar estes postos de trabalho acessíveis, de forma que essas
pessoas possam trabalhar em condição de igualdade com os demais e terem
expectativas de crescimento de desenvolvimento pessoal. Para além de evitar
multas às empresas, essa atitude inclusiva pode fazer com que a economia melhore,
considerando que essas pessoas podem ter uma melhor renda, do que a recebida
pelo Estado por meio do BPC.

2) Quais são os desafios e barreiras observados por você no processo de


inclusão das pessoas com deficiência no mundo do trabalho?
RE: Aceitação da família, aceitação do próprio futuro trabalhador.
RA: No caso da ACD, as empresas solicitam pessoas com deficiência que tenham poucas limitações,
e que não comprometam a produtividade da empresa. Outra situação seria a falta de qualificação,
escolaridade e perfil. E o principal fator observado em nossa Instituição é a questão dos benefícios
previdenciários, onde as pessoas com deficiências optam por não se inserir no mercado de trabalho
para não perder o benefício.
PcD: Que muitas empresas querem escolher pessoas que não possuem deficiências tão severas.

Na segunda questão as respostas da RA e da PcD permitem observar a


percepção de no momento em que uma empresa procura por uma pessoa com
deficiência ela quer alguém que não “prejudique” sua produtividade, que tenha uma
deficiência leve, indicando que há um processo de preconceito e exclusão já na
seleção dos candidatos. Embora a Convenção de Guatemala diga que as PcD têm
os mesmo direitos que qualquer pessoa (OEA, 1999), nota-se nessas falas que a
discriminação pode ocorrer mesmo entre o próprio grupo, e não somente entre PcD
e pessoa sem deficiência.
Na visão da RE, os desafios e as barreiras para a inclusão das PcD no mundo
do trabalho estão relacionados com a aceitação da sua família e da própria pessoa
em relação ao futuro profissional. Ela não menciona barreiras, desafios, e nem o que
a empresa precisa fazer para promover a inclusão. Novamente a responsabilidade é
passada para a PcD e sua família. Lembrando que, como quaisquer pessoas, PcD
também podem tomar suas decisões de forma independente, sem, obrigatoriamente,
consultar a família. A fala da RE nessa resposta indica um entendimento de que
11

essas pessoas precisam ser constantemente supervisionadas em suas atividades e


decisões cotidianas. Situação que pode ser interpretada como uma forma de
inferiorização desse grupo.
Como qualquer cidadão, é importante que as PcD sejam reconhecidas como
sujeitos que possuem direitos e deveres. Se as empresas almejam desenvolver, de
fato, um ambiente de trabalho inclusivo e acessível, é fundamental que valorizem os
potenciais dessas pessoas, dando-lhes responsabilidades e possibilidades de
qualificação profissional para desempenhar suas funções. Se essas pessoas estão
na empresa como contratadas, então fazem parte da equipe, precisam ser tratadas
como os demais enquanto profissionais.

3) Em sua percepção, quais estratégias poderiam ser desenvolvidas para


qualificar o processo de inclusão das pessoas com deficiência no mundo do
trabalho?
RE: Desenvolver as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, e juntamente fazer um trabalho
com a família deles.
RA: Fazer com que as empresas voltem seu olhar humanizado e com atitude empática as pessoas
com deficiência, observando as competências e aptidões dessas pessoas e não apenas a deficiência
por si só.
PcD: Empresas procurarem associações de pessoas com deficiência para contratar.

Na última questão, a RA relata que as empresas precisam ter empatia com as


pessoas com deficiência, focando na sua capacidade e não na sua limitação. Isso
mostra a necessidade dos contratantes das empresas mudarem seus pensamentos
em relação às PcD, e, nesse sentido, é importante que as empresas criem ações
que superem as barreiras existentes, seja por falta de conhecimento, preconceito ou
resistência.
A Convenção de Guatemala veta todas as formas de discriminação baseadas
nas deficiências, mental, física ou sensorial, e que elas têm os mesmos direitos da
dignidade e igualdade que qualquer pessoa (OEA, 1999). Ainda nesse sentido, a Lei
Brasileira de Inclusão reforça que está garantido às PcD o direito de escolha de
ambientes acessíveis e inclusivos, com igualdade de oportunidades inclusive de
salários com os demais, destaca-se também que não é permitida a discriminação no
momento da admissão, exames e periódicos, bem como na promoção profissional,
qualificação e planos de carreira (BRASIL, 2015).
Como ocorreu nas anteriores, observa-se na resposta da RE a tentativa de se
eximir de suas obrigações, passando para as famílias e a própria PcD a
12

responsabilidade sobre o processo de inclusão no mundo do trabalho. Desde a


Convenção Internacional do Trabalho n.º 159 (OIT, 1983) já aparecem nos textos
legais que tratam sobre o direito das PcD ao trabalho a responsabilidade das
empresas em tornar seus ambientes acessíveis e inclusivos. Portanto, não há
justificativa para se eximir desse compromisso, como se a inclusão fosse somente
responsabilidade de outras instâncias sociais ou do próprio funcionário com
deficiência.
A PcD, em sua resposta, indica a estratégia das empresas procurarem
associações que atendam esse público como uma forma de qualificar o processo de
inclusão no mundo do trabalho. Sobre este ponto, a Lei 13.146/15 prevê no seu art.
37 a oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição
de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclusive atitudinais
(BRASIL, 2015). As Instituições especializadas podem prestar importantes apoios às
empresas para se tornarem mais preparadas para receber esses funcionários, no
entanto, desde o início, a barreira atitudinal por parte dos empregadores deve ser
eliminada para que esta parceria aconteça.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises desenvolvidas neste artigo revelaram importantes barreiras que


as PcD precisam enfrentar para conseguir ocupar seus espaços na sociedade. No
caso do acesso ao trabalho, embora a Lei de Cotas venha contribuindo com esse
processo, ela, por si só, não é capaz de eliminar todas as barreiras. É necessário
ressaltar que, neste trabalho, uma das barreiras que ficou evidente foi a atitudinal
por parte da RE, ao não assumir a responsabilidade sobre o papel da empresa na
promoção da inclusão.
Foi possível verificar a necessidade de construção de entendimentos junto às
empresas sobre deficiência e sobre suas obrigações em relação à inclusão e
permanência das PcD no trabalho. Neste sentido, é fundamental que elas busquem
capacitação com especialistas e criem estratégias de contratação efetivas,
reconhecendo as PcD como colaboradores produtivos, e não simplesmente como
número de contratações necessárias para evitar multas.
As barreiras atitudinais, estabelecidas, sobretudo, pela falta de conhecimento
em relação às potencialidades das PcD, neste trabalho, mostraram-se como um dos
13

principais fatores que impossibilitam a inclusão dessas pessoas no mundo do


trabalho. Os empregadores, ao não reconhecerem seus trabalhadores como
pessoas que podem assumir responsabilidades e tomar suas próprias decisões, sem
necessariamente consultar suas famílias, por exemplo, acabam por inferiorizá-los
entre o coletivo de funcionários, tirando suas possibilidades de crescimento pessoal
e profissional.
Por fim, considera-se que o objetivo do trabalho foi alcançado ao conseguir
trazer à tona percepções de atores envolvidos na inclusão de PcD no mundo do
trabalho e articulá-las com as regulamentações legais que tratam do assunto.
Entende-se que esta pesquisa tem potencial de ser continuada futuramente
envolvendo outros aspectos que podem influenciar na garantia do direito ao trabalho
por esta população. Espera-se que, cada vez mais, a sociedade seja mais acessível
e que consiga valorizar as potencialidades de todas as pessoas, inclusive das PcD.
14

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 04
de abr. 2020.

BRASIL. Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos


10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento das pessoas
que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas
gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras
de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>.
Acesso em 12 de set. 2020.

BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção


Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: <
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