Ambrosia - CN Crawford_241216_214956
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C932a Crawford, C. N.
1.ed. Ambrosia : o reino Unseelie e a corte das
lamentações, vol. 2 / C. N. Crawford ; tradução
Nathalia Marques. – 1.ed. – Rio de Janeiro : Alta
Books, 2024.
ePub3.
Título original: Ambrosia
ISBN: 978-85-508-2396-6
1. Ficção de fantasia. I. Marques, Nathalia. II.
Título.
U m ano depois.
É claro que eu dormiria até tarde no dia do meu
casamento. Por que eu ia querer acordar quando dormia ao
lado de Torin todas as noites, entrelaçada em seus braços?
Mas ele não estava ali. O seu lado da cama estava vazio, e
tudo o que eu tinha era a lembrança dele me beijando por
toda parte, sua mão repousando levemente em volta do meu
pescoço, acariciando meu rosto enquanto ele me penetrava. O
seu cheiro ainda estava impregnado em mim, e eu sentia o
poder de sua magia pairando no ar, mas ele não estava ali ao
meu lado como de costume.
Esfreguei os olhos, e então congelei de surpresa ao ver
uma segunda árvore em seu quarto, ao lado da macieira
Sangue do Avon. Banhada na luz matinal cor de âmbar, essa
árvore tinha uma casca azulada e folhas com pontas
vermelhas, assim como as árvores da Corte das Lamentações.
Eu a encarei. Será que eu estava sonhando?
Esfreguei os olhos novamente, tentando me forçar a
acordar.
Já se passara um ano desde que Torin e eu havíamos
livrado este lugar da maldição, e a nova luz de Feéria ainda
parecia mágica para mim — raios dourados e cor de mel que
atravessavam o teto de vidro. Quando cheguei em Feéria, eu
sentia como se até mesmo as pedras deste lugar estivessem
me rejeitando. Como se o próprio castelo soubesse que eu era
Unseelie. Mas agora eu me sentia em casa.
Eu me deitei de volta no travesseiro, colocando o braço
sobre os olhos. Às vezes, ainda tinha pesadelos com o dia em
que matamos Moria e Modron. Nos meus dias mais
silenciosos e sombrios, eu ainda era assombrada por seus
espíritos tristes e inquietos. Mas a luz brilhante da primavera
era um lembrete de que zemos o que era preciso para Feéria.
Nós a livramos da maldição que a estava matando.
Quando abri os olhos novamente, a árvore ainda estava
ali, as folhas roçando na macieira. E se me concentrasse nela,
poderia me fundir com o seu corpo e sentir a luz alimentando
as folhas…
Enquanto eu a encarava, a porta se abriu com um rangido.
Torin entrou. Ele vestia um terno preto de couro e veludo, e
trazia duas xícaras de café, mas sua expressão sombria fez
meu coração acelerar.
— O que houve? — perguntei.
A tristeza reluzia em seus olhos claros enquanto ele me
entregava uma das xícaras.
— Sua mãe e seu irmão chegaram para o casamento. —
Ele se sentou na cama ao meu lado, olhando xamente para a
frente, como se tivesse acabado de sobreviver a uma guerra.
— Só isso? — Eu não sabia ao certo se estava ansiosa ou
aliviada com sua a rmação. Além do convite de casamento, eu
não havia conversado adequadamente com eles desde que
deixamos a Corte das Lamentações. — Achei que alguém
tinha morrido — falei casualmente, tentando disfarçar meu
próprio nervosismo.
Mesmo que tivessem bons motivos, eu não achava que
Torin os perdoaria totalmente por me torturarem em uma
masmorra e amaldiçoarem Orla. Ele não se importava muito
com o tratamento que ele mesmo recebeu em suas mãos, mas
era um protetor incansável de sua irmã e de mim.
— Torin, você percebe que, de certa forma, Mab e
Morgant são um pouco como você? Eles fariam uma viagem
só de ida até o inferno pelas pessoas que amam. Mab me disse
que conseguia sentir o peso e o fardo da árvore que
sustentava seu castelo. Disse que ela era a própria árvore. Ela
carrega o fardo do amor e a dor de seus lhos, mas não
mudaria nada nisso. Ela não queria se livrar do peso que
carregava. — Dei um gole no café, um pouco de creme e sem
açúcar, exatamente como eu gostava.
— Eu sei. E entendo por que ela me odeia. É claro que me
sinto terrível pelo que aconteceu ao lho dela depois que
enviei os assassinos. — Ele passou a mão pelo cabelo. — Mas
Orla nunca fez nada contra ela, e Mab ainda poderia remover
a maldição.
— É o dia do nosso casamento. Talvez hoje seja o dia
perfeito para perguntar. — Olhei para a árvore de folhas
vermelhas. — Torin, por que tem uma árvore nova no nosso
quarto?
— Achei que seria um bom presente de casamento. Algo
da sua terra natal. — Ele franziu a testa enquanto dava um
gole no café. — Acho que eu deveria ter perguntado. Não
estou acostumado a perguntar antes de fazer as coisas.
Sorri para ele.
— Eu amei. Talvez os galhos das duas cresçam juntos.
Torin se inclinou sobre o meu braço recém-tatuado,
deixando uma sensação quente nos rastros de seu toque.
Na tradição Seelie, um casamento real sempre envolvia
uma cerimônia de tatuagem. Eu escolhi vinhas sinuosas e
espinhosas enrolando-se em meus braços — um símbolo do
lugar onde nasci.
Torin beijou meu pulso.
— É linda. Por você, eu faria meu reino arder em chamas e
levaria uma lâmina no coração novamente, criança trocada.
Eu viajaria para o mundo dos mortos e ouviria o lamento das
almas atormentadas se isso te zesse feliz. — Ele ergueu os
olhos e encontrou os meus com um sorriso torto. — E, da
mesma forma, eu suportarei um casamento público com
ambas as nossas famílias presentes, mesmo depois de
passarmos uma vida inteira aterrorizando uns aos outros.
Ergui a xícara de café, sorrindo ironicamente para ele.
— Agradeço o seu sacrifício.
Ele se levantou da cama.
— Madame Sioba está vindo. Eu não deveria estar aqui
enquanto ela estiver te arrumando. Ela caria muito irritada.
— Ele se virou para olhar para mim, os olhos brilhando. — Eu
te amo, criança trocada.
Antes que eu pudesse responder, Madame Sioba abriu a
porta, carregando longos tecidos que cintilavam à luz do sol.
Ela semicerrou os olhos para Torin.
— Pedi para que não estivesse aqui. Vossa Alteza —
acrescentou ela em um tom quase sarcástico.
Com um sorriso divertido, Torin saiu do quarto.
As orelhas pontudas de Madame Sioba se projetavam por
entre seus cabelos grisalhos e ásperos. Havia manchas escuras
sob seus olhos, mas seu vestido era, como sempre,
deslumbrante — longo, prateado e perfeitamente ajustado às
suas curvas.
— Suba na cama — disse ela rispidamente.
Em outra vida, Madame Sioba poderia ter sido uma
dominatrix muito requisitada. Olhei para baixo. Eu estava
usando somente uma camisola na e roupa íntima. Mas eu
sabia que era melhor não me preocupar com modéstia na
frente de Madame Sioba.
— Inacreditável — resmungou ela. — Já era ruim o
su ciente quando eu achava que você era uma feérica comum.
Agora é um demônio. — Ela fez um som de reprovação. —
Nunca pensei que teríamos uma coisa dessas aqui. Demônios
no trono. Depois de tudo o que zeram.
Cruzei os braços.
— Não foram os Unseelie que amaldiçoaram este lugar.
Todo mundo já sabe disso.
Ela abriu a boca e fechou, então endireitou a postura,
alongando os ombros.
— Leva tempo para se acostumar. Só isso. Estamos sendo
receptivos a todo tipo de gente aqui. — Ela suspirou. — Até
aos monstros mais desleixados.
— Você sabe que eu vou ser rainha, não é?
Ela olhou para os tecidos em seus braços.
— Bem, já que você vem do reino dos demônios, esta seda
é de lá. Pensei que seria uma gentileza. — Sua expressão se
tornou mais alegre. — Eles têm aranhas gigantes, sabia? Eu
nunca conseguiria tanta seda antes de abrirmos o comércio
entre os reinos. Nem tenho certeza se aqueles simplórios
conhecem o seu verdadeiro valor. — Ela pegou um tecido
verde-claro. — O que acha deste?
O verde-água era deslumbrante, mas me lembrava muito
do verde que eu usava quando Torin me congelou por
acidente. Eu queria algo novo. Meu olhar foi atraído por uma
seda anil, da cor das árvores e vinhas da Corte das
Lamentações.
Apontei para ela.
— Essa. A azul.
Ela me olhou de cima a baixo.
— Ótimos quadris. Bons para gerar lhos. Esse é o
trabalho de uma rainha.
— Podemos seguir? — retruquei, desesperada para sair de
perto dela.
Com um grunhido, Sioba fez um movimento no pulso, e
então eu estava envolta em chamas. Cerrei os dentes,
reprimindo um gritinho de surpresa. Eu já havia passado por
tudo isso antes, e desta vez, na verdade, aproveitei as
esponjas mágicas mornas que passeavam sobre minha pele,
esfregando meu cabelo. A água quente percorreu meu corpo, e
tentei não pensar nas consequências disso para nossa cama.
A água parou e um ar quente começou a soprar sobre
mim, secando a mim mesma e a cama sob meus pés. Eu me
perguntei se algum dos convidados do casamento conseguia
ver meu traseiro despido pela janela.
Quando ela terminou, meu cabelo verde pendia sobre
meus ombros em ondas sedosas como o tecido Unseelie. Ela
estendeu a mão e soprou no ar, e roupas íntimas, brancas e de
seda, utuaram em uma brisa fantasmagórica para envolver
meus quadris.
Olhei para a minha xícara de café e me perguntei se eu
conseguiria pegar outra antes da cerimônia. Mas enquanto eu
olhava, o tecido anil envolvia meu corpo, transformando-se
em um vestido com um decote profundo nas costas. Contas
delicadas e escuras corriam pelo material, formando desenhos
de vinhas e folhas retorcidas, e sapatilhas prateadas surgiram
em meus pés. A empolgação tomou conta de mim. Precisei de
um minuto ou dois para acordar, mas agora eu me sentia
incrível. A sensação da seda Unseelie era divina contra minha
pele, como se meu corpo tivesse esperado a vida inteira para
usá-la.
No momento em que a costureira estava nalizando o
trabalho, escutou-se uma batida na porta.
— Não! — rugiu Sioba.
— Quem é? — perguntei.
Sem responder, Shalini empurrou a porta, os olhos
brilhando de alegria.
— Pelos deuses, Ava! Você está incrível.
Tecnicamente, os casamentos Seelie não tinham damas de
honra. Nem uma gura paterna para conduzir a noiva até o
altar… mas eu havia crescido entre os humanos, então
mudaria algumas coisinhas nas tradições feéricas.
Shalini havia escolhido o próprio vestido — de seda em
um tom de ouro rosê que estava deslumbrante contra sua pele
acobreada — e uma coroa oral repousava sobre os cabelos
escuros.
— E o buquê? — perguntou ela.
Desci da cama.
— Posso fazer um.
Ela assentiu.
— Ah. Sim. Tipo, literalmente.
— Acho que não sou mais necessária, não é mesmo? —
murmurou Sioba. — Por nada.
Enquanto Sioba saía do quarto às pressas, Shalini sorriu
para mim.
Não pude deixar de sorrir de volta.
— Você parece feliz de novo.
— Claro que estou. É o casamento da minha melhor
amiga. E Aeron e eu acabamos de fazer ponche com ambrosia,
e é incrível. Vai resolver todo aquele problemão de família
sobre quem matou quem.
— Realmente, só magia vai resolver.
Ela arregalou os olhos.
— Eu os vi lá fora. Sua mãe e seu irmão, e mais alguns
Unseelie com asas. Todo mundo estava olhando pra eles. Acho
que estavam intrigados.
— As pessoas já estão lá fora?
— É o casamento real. Entre um Seelie e uma Unseelie.
Todo mundo apareceu antes do amanhecer pra conseguir o
melhor lugar na oresta.
Senti um nó no estômago. Havia duas pessoas que eu
queria ver antes do início da cerimônia.
Ava