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NOTA CIENTÍFICA
3
Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade, Universidade Estadual de Santa Cruz, Rodovia
Ilhéus-Itabuna, km 16 /Salobrinho, Ilhéus, Bahia, Brasil
Apesar das condições peculiares de seu clima, a Essa iniciativa contribuiu significativamente para a
caatinga abriga uma rica diversidade biótica, desafiando redução do uso de inseticidas e de liberação de gases
os organismos a se adaptarem às condições do de efeito estufa na atmosfera, pois o comportamento
semiárido (Giulietti, 2004). Os besouros rola-bosta dos insetos de enterrar as fezes contribui ativamente
(Coleoptera: Scarabaeidae: Scarabaeinae) para a formação de estruturas no solo que armazenam
desempenham papéis vitais nesse ecossistema, uma carbono. Esse processo não apenas favorece a saúde
vez que são cruciais na ciclagem de nutrientes e na do solo, mas também desempenha um papel
bioturbação do solo, reduzindo a quantidade de esterco significativo na mitigação das emissões de gases de
bovino e diminuindo a proliferação de parasitas bovinos efeito estufa (Slade et al., 2016).
em áreas de pecuária (Miranda et al., 2000; Nichols O escarabeídeo D. gazella se destaca pela sua
et al., 2008). São classificados em três grupos notável prolificidade, uma vez que cada fêmea é capaz
funcionais baseados no tipo de uso de recursos de gerar até 80 descendentes por mês (Honer et al.,
alimentares: roladores (telecoprídeos), tuneleiros 1992). Essa elevada taxa reprodutiva confere à
(paracoprídeos) e residentes (endocoprídeos) (Nichols população uma notável flexibilidade para se adaptar e
et al., 2008). Sensíveis às mudanças ambientais, esses tirar proveito das variações sazonais na oferta de
besouros podem ser utilizados como indicadores recursos alimentares. Essa capacidade de ajuste é vital
ecológicos, fornecendo informações sobre a qualidade para a sobrevivência da espécie, permitindo que ela
ambiental (Barretto et al., 2023). Além disso, se adapte às condições adversas, evidenciando a
enriquecem o solo e reduzem a necessidade de complexidade das interações entre a fauna local e as
fertilizantes, desempenhando um papel crucial na variações ambientais (Koller et al., 1997). Diante disso,
manutenção da qualidade dos solos em diversos agro- o presente estudo teve como objetivo comparar as
eco-sistemas (Manning et al., 2016). populações resultantes da introdução dessa espécie
O besouro rola-bosta Digitonthophagus gazella exótica em dois sistemas de produção pecuária e na
(Fabricius, 1787), espécie paracoprídeo, originário da vegetação nativa do semiárido.
África, foi introduzida no Brasil a partir de uma O estudo foi conduzido em Jeremoabo, Bahia,
população criada nos Estados Unidos (Texas) em Brasil, em fevereiro de 2023, em três tipos de uso da
outubro de 1989, pela Empresa Brasileira de Pesquisa terra: Pasto Manejado, Pasto Sujo e Caatinga Arbórea
Agropecuária (EMBRAPA) (Nascimento et al., (Figura 1). Os dois tipos de pastos destinam-se à
1990). Sua introdução tinha como objetivo fundamental pecuária. O Pasto Manejado, de cerca 5 ha, é
realizar o controle biológico da mosca-dos-chifres dominado por capim exótico (Panicum maximum),
(Haematobia irritans Linnaeus, 1758), séria praga com escassa presença de árvores e herbáceas nativas.
da pecuária brasileira (Valério & Guimarães, 1982). O Pasto Sujo, de cerca 15 ha, apresenta uma mescla
a b c
Figura 1. Ambientes amostrados: (a) Pasto Manejado; (b) Pasto Sujo; (c) Caatinga Arbórea. Jeremoabo, Bahia.
Figura 3. Abundância de Digitonthophagus gazella em relação às demais espécies de rolas-bosta nos ambientes
de coleta. Jeremoabo, Bahia, fevereiro de 2023.
são especializados na dieta coprófaga, mas D. gazella, HONER, M. R.; BIANCHIN, I.; GOMES, A. 1992. Com
em particular, parece estar bem adaptada a ambientes besouro africano, controle rápido e
abertos e secos, com um aumento de população nítido eficiente. Sociedade Nacional de Agricultura (Rio de
em Pasto Manejado. Por sua vez, a Caatinga Arbórea Janeiro, RJ). Manual de controle biológico. Rio de
abriga uma maior diversidade local de rola-bosta Janeiro, ANDINA/SONDOTÉCNICA. pp.19-20,
(Scarabaeidae), fato parcialmente compartilhado com KOLLER, W. W. et al. 1997. Ocorrência e sazonalidade de
o Pasto Sujo que conta com recolonização parcial da besouros copro/necrófagos (Coleoptera;
vegetação nativa. Isso sugere que ambientes alterados Scarabaeidae), em massas fecais de bovinos, na região
de Cerrados do Mato Grosso do Sul. Embrapa Gado
são facilitadores da abundância de D. gazella enquanto
de Corte 48:1-5,
se tornam menos frequentes em ambientes em
processo de regeneração ou conservados. MANNING, P. et al. 2016. Functionally rich dung beetle
assemblages are required to provide multiple
ecosystem services. Agriculture, Ecosystems &
Agradecimentos Environment 218: 87-94,
MIRANDA, C. H. B.; SANTOS, J. C.; BIANCHIN, I. 2000.
Essa pesquisa recebeu o suporte financeiro da The role of Digitonthophagus gazella in pasture
Fundação Rufford (Rufford Small Grant, 36296-1). cleaning and production as a result of burial of cattle
I.S.Q. agradece ao CNPq pela bolsa de Iniciação dung. Pasturas Tropicales 22(1): 14-18.
Científica; a João Pedro Andrade Souza pelo auxílio NASCIMENTO, Y. A.; BIANCHIN, I.; HONER, M. R. 1990.
durante a coleta no campo. C.R. à CAPES pela sua Instruções para a criação do besouro africano
bolsa de Doutorado. J.H.C.D. à bolsa de pesquisa do Onthophagus gazella em laboratório. Comunicado
CNPq. técnico, n. 33. Embrapa Campo Grande. pp.1-5.
NICHOLS, E. et al. 2008. Ecological functions and ecosystem
Literatura Citada services provided by Scarabaeinae dung beetles.
Biological conservation141(6):1461-1474.
BARRETTO, J. W. et al. 2023. Population and movement SLADE E.M. et al. 2016. The role of dung beetles in reducing
ecology of two life history contrasting dung beetle greenhouse gas emissions from cattle farming.
species in a tropical human modified Scientific reports 6(1):18140.
landscape. Ecological Entomology p? VALÉRIO, J. R.; GUIMARÃES, J. H. 1982. Sobre a ocorrência
GIULIETTI, A. M. et al. 2004. Diagnóstico da vegetação de uma nova praga, Haematobia irritans (L.) (Diptera,
nativa do bioma Caatinga. Biodiversidade da Caatinga: Muscidae), no Brasil. Revista Brasileira de Zoologia,
Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação. v. 1, p. 417-418,