Direitos e responsabilidade civil ambiental (parte 2)
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Continuação da parte 1
Dando seguimento à coluna anterior sobre o tema, publicada neste espaço em 17/3/2023, apresentaremos
mais algumas linhas mestras do sistema de responsabilidade civil por danos ambientais na ordem
jurídico-constitucional brasileira, que, ao fim e ao cabo, serve ao propósito — juntamente com outros
instrumentos e institutos — de dar a máxima eficácia e efetividade ao direito fundamental à proteção de
um meio ambiente saudável e equilibrado.
Spacca
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Por sua vez, a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), que dispõe sobre a responsabilização administrativa
e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira,
igualmente reforça o regime jurídico da responsabilidade civil ambiental, notadamente em relação à sua
natureza solidária e no que diz com a reparação integral dos danos causados, inclusive na caracterização
da responsabilidade solidária entre as sociedades controladoras e controladas, conforme previsão do seu
artigo 4º, § 2º [1].
Spacca
o STJ, na Súmula 652, reconheceu inclusive a responsabilidade solidária do Estado, ao estabelecer que
"a responsabilidade civil da administração pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua
omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária". Nada obstante
tratar da responsabilidade do Estado pelo dano ambiental, a Súmula 652 reconhece expressamente,
inclusive em relação aos entes estatais, a natureza solidária da responsabilidade civil ambiental.
Além disso, é de se agregar que a responsabilidade solidária dos poluidores (direitos e indiretos) não
obsta o exercício do direito de regresso entre eles, a depender da maior ou menor contribuição para a
ocorrência do dano ambiental.
Outro desenvolvimento de grande importância a ser aqui referido, é o de que a doutrina e jurisprudência
brasileiras são pacíficas na adoção da denominada "Teoria do Risco Integral" para a responsabilidade
civil ambiental, de modo a não admitir a alegação de qualquer excludente de ilicitude (caso fortuito,
força maior, culpa exclusiva de terceiros, culpa exclusiva da vítima etc.) para isentar o poluidor
ambiental de sua responsabilização. No âmbito da jurisprudência do STJ, conforme julgamento já
reportado anteriormente no Recurso Repetitivo Tema 707, tal entendimento está consolidado.
De acordo com o julgado, em passagem que tomamos a liberdade de transcrever, a responsabilidade civil
ambiental tem como
"pressuposto a existência de atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, sendo
o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato que é
fonte da obrigação de indenizar, de modo que, aquele que explora a atividade econômica coloca-se na
posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão
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sempre vinculados a ela, por isso descabe a invocação, pelo responsável pelo dano ambiental, de
excludentes de responsabilidade civil e, portanto, irrelevante a discussão acerca da ausência de
responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro ou pela ocorrência de força maior" [2].
A aplicação da Teoria do Risco Integral alcança tanto a reparação dos danos ambientais propriamente
ditos (ou danos difusos, tal como consagrado na legislação brasileira) quanto os danos individuais
homogêneos ou danos individuais ocasionados a partir do mesmo evento de degradação ecológica.
Nesse sentido também tem julgado o STJ, prevendo a aplicação da Teoria do Risco Integral a todos os
danos ambientais (inclusive danos individuais e individuais homogêneos), tanto patrimoniais quanto
extrapatrimoniais, ocasionados a partir do mesmo evento:
Outro avanço digno de nota no campo — não só, mas também da responsabilidade civil ambiental — é a
consolidação, há mais de década, na jurisprudência do STJ, do entendimento favorável à inversão do
ônus da prova nas ações ambientais.[4] Mais recentemente, o nosso Tribunal da Cidadania, por decisão
da sua Corte Especial, em 24 de outubro de 2018, aprovou a Súmula 618: "a inversão do ônus da prova
aplica-se às ações de degradação ambiental". De modo complementar, assinala o ministro Herman
Benjamin no seu voto-relator no Recurso Especial 1.071.741/SP:
"(…) qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro
a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida
pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura,
e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre
as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental (…)" [5].
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Tal entendimento se revela ainda mais significativo, se tomarmos como parâmetro que, na absoluta
maioria das vezes, o polo passivo da demanda é ocupado por entes públicos e empresas privadas de
grande porte (inclusive multinacionais, como é a praxe no campo das empresas do setor de energia e
mineração), a inversão do ônus probatório se revela como sendo essencial para equalizar a relação
jurídica processual, tendo em conta a não raras vezes brutal desigualdade em termos econômicos,
técnicos, informacional, jurídico, etc., que em geral se verifica nos litígios ambientais, como, por
exemplo, em ações civis públicas ajuizadas por organizações não-governamentais ou mesmo ações
populares ajuizadas por indivíduos. A inversão do ônus da prova é, portanto, condição sine qua non
para assegurar a paridade de armas na relação jurídica processual e salvaguardar de forma adequada os
direitos fundamentais (ao meio ambiente) em jogo, com a adequada e integral reparação dos danos
ambientais (individuais e coletivos) em favor das vítimas e da própria sociedade no seu conjunto.
Outro ponto a ser destacado, é o da natureza multidimensional do dano ambiental, uma vez que, a partir
de um mesmo evento de degradação ecológica, é possível identificar um universo amplo de vítimas e
diferentes interesses e direitos violados. Um mesmo episódio, como verificado no caso de diversas
tragédias ambientais de grande monta ocorridas no Brasil, pode ocasionar a caracterização tanto de dano
ambiental em sentido estrito (coletivo ou difuso) quanto de dano ambiental individual (por ricochete ou
correlato). Na doutrina e jurisprudência [6], por sua vez, é possível encontrar a distinção entre dano
ambiental público e dano ambiental privado para diferenciar tais categorias. Dito de outro modo, o
mesmo fato pode ensejar a ocorrência cumulativa de danos materiais e de danos extrapatrimoniais (como
no caso do dano moral, tanto individual quanto coletivo).
Na esfera da legislação infraconstitucional, o artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81 é taxativo no sentido de
obrigar o poluidor ambiental a reparar os "danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade". Não apenas o dano ambiental em sentido estrito (ex. poluição hídrica) deve ser reparado
integralmente, mas também todos os demais danos individuais e coletivos provocados a terceiros e
decorrentes do mesmo episódio fático, aplicando-se a todos o tratamento jurídico especializado da
legislação ambiental no âmbito da responsabilidade civil.
Também a Lei da Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei 12.334/2010), a partir das alterações
inseridas pela Lei 14.066/2020, passou a prever importante regramento para a caracterização dos
múltiplos danos decorrentes de episódio relacionados a tais empreendimentos e atividades (ex.
rompimento), conforme segue: "Art. 2º (…) VII – dano potencial associado à barragem: dano que pode
ocorrer devido a rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento de uma barragem,
independentemente da sua probabilidade de ocorrência, a ser graduado de acordo com as perdas de
vidas humanas e os impactos sociais, econômicos e ambientais; [8] (…)XIV – desastre: resultado de
evento adverso, de origem natural ou induzido pela ação humana, sobre ecossistemas e populações
vulneráveis, que causa significativos danos humanos, materiais ou ambientais e prejuízos econômicos e
sociais".
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No sentido de aplicar o regime especial da responsabilidade civil ambiental tanto em relação ao dano
ambiental público (lesão ao meio ambiente propriamente dito), quanto ao dano ambiental privado
(ofensa a direitos individuais), destaca-se o julgamento proferido pela 3ª Turma no Recurso Especial nº
1.373.788/SP, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino:
"A responsabilidade civil por danos ambientais, seja por lesão ao meio ambiente propriamente dito (
dano ambiental público), seja por ofensa a direitos individuais (dano ambiental privado), é objetiva,
fundada na teoria do risco integral, em face do disposto no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, que
consagra o princípio do poluidor-pagador. A responsabilidade objetiva fundamenta-se na noção de
risco social, que está implícito em determinadas atividades, como a indústria, os meios de transporte de
massa, as fontes de energia. Assim, a responsabilidade objetiva, calcada na teoria do risco, é uma
imputação atribuída por lei a determinadas pessoas para ressarcirem os danos provocados por
atividades exercidas no seu interesse e sob seu controle, sem que se proceda a qualquer indagação
sobre o elemento subjetivo da conduta do agente ou de seus prepostos, bastando a relação de
causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a situação de risco criada pelo agente" [9].
Note-se, ainda, que o regime jurídico aplicado aos danos individuais e coletivos pode apresentar alguma
distinção apenas no que diz respeito à incidência, ou não, da prescrição em relação ao dever de
reparação, o que, contudo, será objeto de desenvolvimento na próxima coluna sobre o tema.
[2] STJ, REsp 1.374.284/MG, 2ª Seção, rel. min. Luis Felipe Salomão, j. 27.08.2014, Recurso Repetitivo
Tema 707.
[3] STJ, REsp 1.346.430/PR, 4ª Turma, rel. min. Luis Felipe Salomão, j. 18.10.2012.
[4] STJ, REsp 972.902/RS, 2ª Turma, rel. min. Eliana Calmon, j. 25.08.2009.
[5] STJ, REsp 1.071.741/SP, 2ª Turma, rel. min. Herman Benjamin, j. 24.03.2009.
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[6] STJ, REsp 1.373.788/SP, 3ª Turma, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 06.05.2014.
[7] STJ, REsp 1.180.078/MG, 2ª Turma, rel. min. Herman Benjamin, j. 02.12.2010.
[8] Redação anterior do dispositivo: "VII – dano potencial associado à barragem: dano que pode ocorrer
devido a rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento de uma barragem".
[9] STJ, REsp 1.373.788/SP, 3ª Turma, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 06.05.2014.
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