Ecologia de Comunidades SUBUNIDADE INTERAÇÕES

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 20

Herbert Souza e Silva

Jhonathan de Oliveira Silva


Mário Marcos do Espírito Santo

ECOLOGIA DE
COMUNIDADES

CIêNCIAS BIOLÓGICAS
5º PERÍODO
Os organismos crescem, se reproduzem, migram e morrem. São
ainda afetados pelas condições impostas pelo meio e pelos recursos que
obtêm. Além disso, organismos não vivem isolados. Cada um, pelo menos em
parte de sua vida, é membro de uma população que interage com outras
populações.
As populações interagem principalmente através de relações
alimentares. Essas relações podem ser diretas, como, por exemplo, quando
dois predadores se alimentam de presas (predação), ou indiretas, quando
duas populações dividem um recurso comum (competição interespecífica).
Geralmente, uma comunidade biológica consiste de muitas populações, que
interagem e são muitas vezes mantidas juntas por relações alimentares.

2.1 TIPOS DE INTERAÇÕES ENTRE POPULAÇÕES

O processo das interações entre espécies pode ocorrer através das


mais variadas formas, mas existem basicamente três efeitos nas populações
envolvidas:
1. Aumento na sobrevivência, crescimento e fecundidade;
2. Decréscimo na sobrevivência, crescimento e fecundidade;
3. Sem efeitos
Transformando estes efeitos em símbolos matemáticos, como “+”
para uma interação positiva, “-“ para uma interação negativa e “0” para uma
interação neutra, observam-se basicamente oito tipos possíveis de interações
entre populações.

Tipo de interação Efeito nas espécies Natureza da


interação
A B
Neutralismo 0 0 Sem efeitos
Comensalismo + 0 Hospedeiro não
afetado
Amensalismo - 0 A é inibida, B não é
afetada
Mutualismo + + É obrigatória
Protocooperação + + É facultativa
Predação + - B é consumido por A
Parasitismo + - B é explorado por A
Competição - - Inibição mútua
Tabela 3. Tipos de interações ecológicas e seus benefícios ou prejuízos para as espécies
associadas.
Fonte: Modificado de Cornelissen & Fernandes (2003).
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

O termo simbiose significa literalmente “viver junto” e indica uma


associação próxima entre indivíduos de pares de espécies que não se
prejudicam. A simbiose inclui:
- Neutralismo: é uma relação na qual as espécies envolvidas não
teriam efeitos recíprocos, ou seja, o resultado da interação é nulo. Não
existem exemplos desse tipo de relação, sendo provavelmente inexistente ou
rara na natureza.
- Comensalismo: nesta interação, apenas uma das partes
envolvidas se beneficia; a outra nada perde ou nada ganha. Exemplos dessas
interações são as plantas chamadas epífitas que utilizam suas plantas
hospedeiras somente como suporte, assim como algumas espécies de fungos
e suas plantas hospedeiras (Figura 15).

Figura 15: Epífitas encontradas no Parque Santa Elena, Costa Rica. O epifitismo é
algo comum nas florestas tropicais, nas quais a competição por luz e espaço não
permite que plantas herbáceas prosperem sobre o solo. Dessa forma, certas espécies
que conseguiam germinar sobre a casca das árvores, crescem acima do nível do solo,
mas sem prejudicar a planta hospedeira.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Epiphytes_costa_rica_santa_elena.jpg
Acessado em 20 set. 2010.

- Mutualismo: é uma relação obrigatória que envolve benefício


mútuo para as espécies envolvidas. Os exemplos clássicos de mutualismo
são os liquens – associação estreita entre fungos e algas – e a associação entre
ruminantes e microrganismos que digerem celulose.
- Protocooperação: é uma relação facultativa que envolve benefício
mútuo para as espécies envolvidas. Um exemplo são pássaros que comem
invertebrados e ectoparasitas (carrapatos) do dorso de vertebrados, que
ficam livres dos parasitas (Figura 16).

32
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

Figura 16: Aves se alimentando de ectoparasitas no dorso da Gazela-de-thompson


africana (Gazella thomsonii), também conhecida como impala.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Impala_mutualim_with_birds2.jpg.
Acessado em 20 set. 2010.

Outras interações não simbiônticas são:


- Predação: neste tipo de interação, uma espécie (presa) é ingerida
pela outra (predador). Alguns autores incluem nessa categoria a herbivoria,
ou seja, herbívoros podem ser considerados predadores quando ingerem
suas presas (plantas) de uma só vez (por exemplo, quando ingerem uma
semente matando o embrião). A herbivoria pode ser ainda considerada
parasitismo, quando herbívoros ingerem partes de suas plantas hospedeiras,
sem destruí-las, mas causando-lhes redução na performance (Figura 17).

Figura 17: A predação pode ser visualizada (a) pelo consumo de peixes pela ave
(Nycticorax nycticorax) ou (b) pelo consumo de sementes vegetais pelo cão de pradaria
(Cynomys leucurus).
Fonte http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bihoreau_Gris.jpg. Acessado em 20 set.
2010.

- Parasitismo: nesta relação, um organismo (parasita) obtém


nutrientes ou qualquer outro recurso de outro organismo (hospedeiro).
Apesar de não levar diretamente à morte do hospedeiro, na maioria dos
casos, o parasitismo leva à diminuição da performance (crescimento,

33
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

sobrevivência, fecundidade do hospedeiro). O próprio parasitismo apresenta


limites imprecisos, principalmente onde ele se confunde com a predação.
Porém, enquanto um predador em geral consome uma pareou todo o
corpo de muitas presas individuais, um parasito normalmente obtém seus
recursos de um ou de poucos hospedeiros e raramente mata o seu
hospedeiro imediatamente, se é que chega a matá-lo (Figura 18).

Para compreender a ecologia


e evolução das relações de
predação, mutualismo e
parasitismo entre insetos e
plantas, acesse o artigo de
Cornelissen & Fernandes
(2003): Insetos herbívoros
em plantas: de inimigos a
parceiros? Ciência Hoje, vol.
32, nº 192, 24-30p. Figura 18: Algumas aves, como o chopim (Molothrus bonariensis,) colocam os seus
Fonte: (http://www.icb.ufmg. ovos no ninho do tico-tico (Zonotrichia Capensis). Estes, por sua vez, chocam os ovos
br/big/leeb/publicacoes/2003. e cuidam do filhote da outra espécie como se fosse sua prole. Tal relação é conhecida
como parasitismo de ninhada.
CORNELISSEN.FERNANDES. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:(Molothrus_bonariensis)_e_(Zonotri-
pdf). Acessado em 2 de out. chia_Capensis).jpg. Acessado em 20 set. 2010.
2010.

- Competição: é uma interação entre dois organismos (ou duas


espécies) em que o uso ou defesa de um recurso reduz sua disponibilidade
para outros organismos. A diminuição de recursos causada por A leva a
um menor crescimento, menor número de descendentes e maior risco de
mortalidade da espécie B, e vice-versa. Essa competição pode ser designada
como intraespecifica (entre indivíduos da mesma espécie) e interespecífica
(entre indivíduos de espécies diferentes).

2.2 INFLUÊNCIA DAS INTERAÇÕES NA ESTRUTURA DE COMUNIDADES

Uma única espécie pode influenciar de diversas formas a composição


de uma comunidade. Algumas espécies fornecem uma gama de recursos
que são utilizados por um grande número de espécies consumidoras
(predadores e parasitos). Por exemplo, Copaifera langsdorffii, a copaíba (ver
Unidade I) pode ter grande influência na determinação da composição e
comunidade da qual faz parte. Essa planta hospeda uma alta riqueza de
insetos indutores de galhas sobre suas folhas, caule, pecíolos, etc. Tais
insetos competem por recursos da planta (competição) e podem ser
consumidos por algumas espécies de aves (predação). A oferta de

34
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

recursos por essa planta também pode variar ao longo do tempo. Em folhas
novas, substâncias açucaradas denominadas nectários extraflorais são ativos
e atraem diferentes espécies de formigas predadoras. Tais formigas
patrulham a planta em busca desse recurso e espantam os organismos que
encontram em seu caminho. Dessa forma, as formigas protegem a planta
hospedeira do ataque de herbívoros. Além disso, as diferentes espécies de
formigas apresentam diferentes horários de picos de atividades, trocando
de turno durante o dia, como uma forma de evitar a competição. Como
explicaremos a seguir, as interações ecológicas como competição, predação
e parasitismo exercem forte influência na estrutura da comunidade.

2.2.3 Predação e estrutura da comunidade

A maioria das espécies é tanto consumidoras de recursos como


recursos para outros consumidores. Torna-se importante questionar se as
populações são limitadas pelo que elas comem (efeito da competição) ou
por quem essas populações são comidas (efeito da predação).
A predação é um processo importante, uma vez que pode restringir
a distribuição ou a abundância das presas e influenciar na organização das
comunidades. Os primeiros testes empíricos dos modelos de relação entre
presas e predadores foram realizados por Gause (1934). Ele colocou o
protozoário Paramecium caudatum (presa) e Didinium nasutum (predador)
em meio nutritivo. Nesses experimentos iniciais, D. nasutum sempre
exterminava o P. caudatum e depois morria por falta de alimento (Figura
19 a). Gause, então, introduziu uma complicação no sistema: utilizou um meio
nutritivo que continha “sedimentos” formados por fios de lã (Figura19 b).
P. caudatum que entrava nos sedimentos ficavam salvos da predação por D.
nasutum. Assim, Gause adicionou um refúgio para suas presas num sistema
bem simples. Nesse sistema, D. nasutum passa fome e é extinto emcinco dias,
enquanto P. caudatum, escondidos nos sedimentos, crescem em
abundância. Gause propôs outro experimento: a cada cinco dias ele
introduzia e removia alguns indivíduos de presa e predador alcançando,
assim, o chamado ciclo presa-predador, um modelo de equilíbrio estável
(Figura 19 c).
O trabalho de Gause demonstrou, ainda, que no sistema
Paramecium-Didinium as oscilações estáveis no número de presas e
predadores não eram propriedades inerentes das interações presa-
predador, e, sim, que as oscilações ocorriam como resultado de constantes
interferências de cracterísticas externas aos sistemas, como as migrações.

35
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

Figura 19: Interação entre presa e predador nos experimentos


de Gause. a) meio sem sedimentos; b) meio com sedimentos; c)
meio sem sedimentos com imigrações.
Fonte: Modificado de Krebs (1994).

A lebre da neve (Lepus artic) e o lince (Felis lynx) revelam flutuações


regulares cíclicas de grande magnitude (Figura 20). Cada ciclo tem duração
aproximada de dez anos, e os ciclos das duas populações apresentavam-
se altamente sincronizados (Figura 21), com picos de abundância do lince
tendendo a seguir os picos de abundância das lebres, com distâncias de um
ou dois anos. Entretanto, assim como no experimento de Gause, alguns
autores argumentam que o ciclo presa-predador pode estar sendo gerado por
características externas ao sistema lebre-lince, como, por exemplo, a
qualidade nutricional das gramíneas das quais as lebres se alimentam.

36
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

Figura 20: a) Lebre-da-neve (Lepus artic) e b) lince (Lynx canadensis).


Fonte: wikimedia commons, http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Arctic_hare.jpg.
Acessado em 28 mai. 2010.

Figura 21: Ciclo lebre-lince, com oscilações regulares em intervalos de aproximada-


mente dez anos.
Fonte: Modificado de Ricklefs (2006).

Como regra geral, os predadores são capazes de levar populações


de presas à extinção somente em sistemas simples de laboratórios, ou
quando a população de predadores é mantida em altas densidades pela
disponibilidade de alguma presa alternativa menos preferida.
Generalizando, a predação seletiva favorece a diversidade se a espécie
mais predada é uma espécie dominante. No entanto, se a espécie presa
preferida é uma de menor habilidade competitiva, a predação pode tornar
a população de tal espécie reduzida e até mesmo localmente extinta,
reduzindo, assim, o componente riqueza da diversidade.
Estudos pioneiros foram realizados por Robert Paine (1966) em zona
entre marés da costa do Pacífico nos EUA, sobre a influência de um
carnívoro de topo de cadeia – a estrela do mar Pisaster ochraceus – na
estrutura de comunidades. Tal carnívoro alimenta-se de organismossésseis,
como mexilhões do gênero Mytilus e cracas do gênero Acorn (Figura 22).
Paine removeu, experimentalmente, todas as estrelas do mar de certo
número de retângulos experimentais ao longo de alguns anos. Em intervalos
regulares, ele monitorou ainda a densidade de invertebrados,bem como o
percentual de cobertura de algas, nesses costões rochosos. Havia ainda uma
área adjacente que permaneceu intocada, monitorada frequentemente, e
que funcionou como controle do experimento.

37
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

Figura 22: (a) Predador-chave, a estrela do mar (Pisaster ochraceus), (b) crustáceos mari-
nhos sésseis, craca (balanus glândula) e (c) o mexilhão (Mytilus californicus).
Fonte: ttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ochre_sea_star.jpg. Acessado em 21 set.
2010.

Paine observou que a remoção da estrela do mar P. ochraceus


provocou mudanças dramáticas na estrutura da comunidade. Dentro de
poucos meses, a craca balanus glandula se estabeleceu com sucesso e, a
seguir, cedeu lugar ao mexilhão Mytilus californicus que, finalmente, tornou-
se dominante. Praticamente todas as espécies de algas desapareceramdevido
à falta de espaço adequado para seu crescimento. No geral, a remoção da
estrela do mar causou a extinção de sete espécies na área experimental,
reduzindo a riqueza de quinze para oito espécies ao fim do experimento. Ao
que parece, a influência básica da estrela do mar nesta comunidade era a
manutenção da área razoavelmente limpa, tornando o espaço disponível para
que espécies competitivamente inferiores pudessem se estabelecer.

Camuflagem versus coloração de advertência


As adaptações das presas também são inúmeras. Existem várias
formas de defesa na natureza. Alguns usam a velocidade, outros voam,há
aqueles que se escondem em ocos de árvores, buracos escavados nosolo,
ou em recifes de coral. Entretanto, um tipo muito especial e curiosode
defesa dá àquele que o usa a possibilidade de defender-se sem sair do lugar.
É o uso da cor de advertência ou aposemática.
A coloração críptica (camuflagem) é encontrada em animais que
evitam a predação imitando a cor ou a forma do substrato onde se localizam
(Figura 23). Exemplos são encontrados no bicho-pau, aranhas, esperanças,
entre outros. Por outro lado, a coloração de advertência geralmente é
encontrada em animais que produzem ou acumulam substâncias tóxicas
nocivas e demonstram-nas na forma de cores notáveis (preto, laranja,
vermelho e amarelo) Figura 24.

38
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

Figura 23: Alguns predadores podem imitar a cor do substrato onde se localizam
(camuflagem), a fim de não serem percebidos por suas presas, como é o caso de
aranhas encontradas sobre o tronco de árvores em florestas secas.
Fonte: Arquivo pessoal (Jhonathan O. Silva)

Figura 24: Muitos organismos impalatáveis, como alguns sapos e lagartas,


desenvolveram coloração de advertência ou aposemática.
Fonte: http://www.photographyontherun.com/CategoryView,category,pho
tographyinsects.aspx. Acessado em 20 set. 2010.

Por fim, há adaptações como o mimetismo, que conferem vantagens


aos mímicos, como coloração e forma. Um exemplo é encontrado entre
espécies de borboletas que mimetizam a borboleta monarca, que é
notavelmente tóxica. Essas outras espécies não acumulam substâncias
nocivas aos predadores, mas são evitadas por possuírem coloração
semelhante àquela das monarcas. O mesmo fenômeno tambémé observado
entre a falsa coral e a verdadeira (Figura 25).

39
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

Para complementação de
seu estudo a respeito do
mimetismo, pesquise sobre os
tipos de mimetismo: batesiano
e mülleriano. Leia o
arquivo: Estudos do mimetismo
em Lycidae (Insecta:
Coleoptera). Disponível em:
Figura 25: (a) Serpente de coral verdadeira (Micrurus tener) e
http://pgentomologia.ffclrp. (b) seu mímico totalmente inofensivo, coral falsa (Lampropeltis
usp.br/pdf/2010/Elynton%20 triangulum).
alves%20do%20Nascimento_ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Micrurus_tener.
DO.pdf, apresentado como jpg. Acessado em 25 set. 2010.
tese de doutorado em
entomologia pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de 2.2.4 Competição e estrutura da comunidade
Ribeirão Preto – USP. Acessado
em 10 de nov. 2010.
Existem razões para acreditar que a competição interespecífica
seja importante para moldar as comunidades, uma vez que ela pode
determinar quantas e quais espécies podem coexistir. Atualmente, a ideia
ainda prevalecente devido a fatores estocásticos (aleatórios) e distúrbiosna
estruturação de comunidades naturais. A questão central refere-se à
determinação da importância da competição nas comunidades naturais,
já que se sabe que algumas vezes esse processo é importante, outras vezes
não. Assim, na prática, em que casos a competição é uma força ativa? A forma
mais direta de responder a essa questão é através de experimentos de
adição e remoção de espécies e monitoramento das respostas dos indivíduos.
O ecólogo russo G. F. Gause (1934) estudou a competição em
experimentos de laboratório, utilizando três espécies de protozoários
(Paramecium caudatum, P.aurelia e P. bursaria). Todas as três espécies
cresciam bem isoladamente, alcançando capacidades de suporte estáveis
em tubos com um meio líquido. Quando Gause cultivou P. aurelia e P.
caudatum juntas, P. caudatum foi reduzida até o ponto de extinção, ficando
apenas P. aurelia (Figura 26a). Ao contrário, quando P. caudatum e P. bursaria
foram cultivados juntas, nenhuma delas sofreu um declínio até a extinção –
elas coexistiram. Porém, suas densidades estáveis foram muito mais baixas
do que quando cresceram isoladamente (Figura 26b).
Esses resultados levaram ao Princípio da Exclusão Competitiva,
que prediz que, se duas espécies existem em um ambiente estável, elas se
fazem por diferenciação de seus nichos realizados. Entretanto, se não existe
tal diferenciação, então, um dos competidores irá eliminar o outro. Não há
dúvida que exista alguma verdade no princípio segundo o qual as espécies
competidoras podem coexistir. Porém, cada espécie, quando examinada
de forma pormenorizada, apresenta seu próprio e único nicho. As espécies

40
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

coexistentes em condições naturais poderão não estar competindo por nada


e poderão nunca tê-lo feito em sua história evolutiva. No exemplo anterior, a
exclusão foi proporcionada pela manipulação experimental. Porém, na
natureza, tais recursos podem não ser limitantes e/ou as espécies podem
apresentar tolerância e exigência dos recursos de forma distinta dos
fornecidos experimentalmente.

Figura 26: Competição de Paramecium. (a) No mesmo meio de cul-


tura, P. aurelia provoca a extinção de P. caudatum; e (b) no mesmo
meio de cultura, P. caudatum e P. bursaria coexistem.
Fonte: Begon et al. (2006).

Em parte, outro problema é que, embora em condições naturais, as


espécies possam não estar competindo atualmente, mas seus antecessores
poderão tê-lo feito, de tal forma que a marca da competição interespecífica
tenha ficada registrada nos nichos, comportamento ou morfologia de seus
descendentes atuais.
Um exemplo que mostra a importância da competição em estruturar
comunidades foi registrado por Diamond (1975) estudando pássaros que
vivem em ilhas na Nova Guiné. Esse pesquisador encontrou distribuições
espaciais negativamente relacionadas. Nesse estudo, duas ou mais espécies
ecologicamente similares não ocorrem juntas, como demonstradas para as
espécies de cuco Macropygia mackinlayi e M. nigrirostris, que não ocorriam
juntas em ilhas muito próximas (Figura 27). Esse tipo de distribuição é
denominado “tabuleiro de damas” como uma alusão à separação das casas
brancas e pretas em um tabuleiro de jogo de damas.

41
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

Nenhuma das espécies

Nova Guine

Figura 27: Distribuição do tipo “tabuleiro de damas” de duas espécies de cuco


nas ilhas Bismarck. Ilhas cuja fauna de cucos é conhecida são designadas por
círculo preto (M. mackinlayi residente), círculo verde (M. nigrirostris residente)
ou circulo branco (nenhuma das duas é residente). Note que a maioria das
ilhas possui apenas uma espécie, nenhuma ilha tem as duas, e algumas ilhas
têm nenhuma delas.
Fonte: Begon et al. (2006).

Um argumento dos defensores da “importância da competição


na estruturação de comunidades” muitas vezes se baseia na chamada
competição remota. A idéia é que as espécies podem não estar
competindo agora pelo fato de que a seleção no passado agiu por meio da
diferenciação de nichos, de modo que no presente não mais se observam
os efeitos da competição. A esse fenômeno Connell (1980) atribuiu o
nome de ‘ghost competition’ (fantasma da competição no passado). A
dificuldade em aceitar tal argumento parte da dificuldade de se comprovar
eventos passados, que, muitas vezes, não deixam registros fósseis.
Um caso de competição interespecífica entre espécies não
aparentadas foi realizado em deserto no sudoeste dos EUA envolvendo
formigas e roedores granívoros. Nos locais amostrados, somente esses dois
organismos consomem sementes. Com base no estudo, tais organismos
diferiram quanto ao tamanho das sementes que consumiam. As formigas
comeram uma proporção maior de sementes menores (Figura 28). Através de
experimentos de exclusão em campo, roedores foram capturados e isolados
por uma cerca para garantir que somente as formigas tivessem acesso às
sementes (tratamento 1). No tratamento 2 , as formigas foram excluídas
através da aplicação de inseticidas. No tratamento 3, tanto as formigas
quanto os roedores foram excluídos. Finalmente, no controle (tratamento 4),
não houve manipulação. Quando uma das duas espécies estava ausente,
houve um aumento numérico estatisticamente significativo no número de
indivíduos. Além disso, quando os roedores foram removidos, as formigas
comeram tantas sementes quantas foram comidas por roedores e formigas
em conjunto. Portanto, ambas as espécies consomem menos e atingem níveis
menores de abundância do que elas poderiam atingir se o outro competidor
não estivesse presente. Isso indica que, embora coexistam no mesmo habitat,
roedores e formigas competem interespecificamente.

42
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

Figura 28: Sobreposição das dietas de roedores e formigas: tamanho das


sementes colhidas por formigas e roedores, em coexistência no deserto
do Arizona, EUA.
Fonte: Begon et al. (2006).

Alguns pesquisadores têm criticado o exagero nas tentativas de


explicar padrões observados nas comunidades baseando-se puramente na
competição. Mesmo no caso de existirem evidências de competição,deve-se
questionar: Como seria aquela comunidade caso não houvesse competição?
Nesse sentido, foram propostos os chamados Modelos Neutros. Estas
análises tentam seguir um enfoque geral da investigação científica,
denominada construção e teste da hipótese nula. A ideiaé a seguinte:
como os dados deveriam ser na ausência do fator sob investigação, como, por
exemplo, a competição interespecífica. Os modelos neutralistas geralmente
têm as seguintes características: (i). não incluem interações biológicas; (ii).
são paralelismos da ideia da hipótesenula usada em estatística, e baseiam-
se na ideia salutar de imaginar como seria o sistema se o fenômeno sob
investigação não tivesse qualquer relevância para este sistema; e (iii). são
modelos úteis porque permitem ao seu usuário raciocinar da seguinte
maneira: pode-se provar algo que seja estatisticamente diferente de outro,
mas é impossível provar que algo seja estatisticamente similar a outro. Tais
modelos têm tido grandes aplicações na ecologia não somente na teoria de
competição basicamente porque lidam com a ideia elegante de que a
hipótese nula é geralmente a mais simples.

43
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

2.2.5 Coevolução e mutualismo

Quando as populações naturais de duas ou mais espécies interagem,


cada uma pode evoluir em resposta àquelas características da outra que
afetam o seu ajustamento evolutivo. Esse processo é denominado
coevolução. Frequentemente, esse processo é associado em relações
antagonistas (hospedeiro-patógeno) que desenvolveram em respostas
mútuas. Em geral, pressões seletivas favoreceram relações positivas para
cada espécie de mutualista. O padrão geral é a redução dos impactos
negativos e reforço nas relações positivas. Assim, acredita- se que o
mutualismo evolui a partir de relações negativas entre espécies,
provavelmente a partir do parasitismo.
O termo mutualismo foi utilizado pela primeira vez em 1875
pelo pesquisador belga Pierre van Beneden, em seu livro intitulado Les
Commensaux et les Parasites. Nesse trabalho, van Beneden afirma que:

(...) algumas espécies desenvolvem interações de be-


nefício mútuo que não podem ser classificadas como
parasitismo ou comensalismo. Consideramos mais
apropriado chamá-las de Mutualistas, e então o mu-
tualismo passa a ser mais uma categoria de intera-
ções, ao lado das duas demais.

Discussões mais aprofundadas sobre o tema começaram a ocorrer


poucos anos depois, mas só recentemente, a partir da década de 1970,
a comunidade científica passou a investigar as relações mutualísticas de
forma tão intensiva quanto outros tipos de interações, como competição
e predação.
Partindo dessas definições, podemos ter uma ideia do quanto são
frequentes e importantes as relações mutualísticas na natureza.
Praticamente todas as plantas que dominam os campos e florestas possuem
suas raízes associadas a fungos, a maioria das fanerógamas é polinizada por
insetos e outros animais que se alimentam de néctar ou pólen, um grande
número de animais depende de microorganismos em seus sistemas
digestivos, muitas plantas fornecem néctar a insetos em troca de proteção,
entre muitos outros exemplos que podem ser citados.
Um exemplo clássico de mutualismo é o de cerca de 900 espécies de
vespas Agaonidae e das 900 espécies de figos (Figura 29). Cada espécieé
polinizada pela sua única espécie de vespa. As flores do figo estão inseridas
em um receptáculo fechado chamado sinconia. Na realidade, é um falso
fruto. Uma sinconia madura emite fragrâncias que atraem fêmeas já
acasaladas de agaonídeos. Essas fêmeas carregam pólen em estruturas
especiais de seu corpo. Ao chegar à sinconia, elas penetram pelo ostíolo de

44
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

onde jamais saem. O pólen trazido pela fêmea é, então, pulverizado sobre
as flores do figo, enquanto ovos são colocados em alguns ovários (aqueles
com estigma mais curto). Em seguida, a fêmea morre. As larvas que emergem
dos ovos induzem galhas nos ovários. Algumas larvas se tornam machos que
são ápteros, e, portanto, nunca deixam os frutos. Outras se tornam fêmeas
que acasalam, fazem túneis nas paredes da sinconia e voam para uma nova
sinconia madura levando pólen. Ambos, planta e polinizador, sofreram
inúmeras adaptações comportamentais e morfológicas ao longo de vários
milhões de anos que culminaram com uma dependência extrema, mas uma
alta eficiência polinizadora e evolutiva (ver Price 1984).

Figura 29: Fêmea da vespa do figo, Ceratosolen arabicus, depositando seus ovos em uma
flor de Ficus sycomorus e extraindo pólen.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Syconium_ficus_glomerata.JPG. Acessado
em 21 set. 2010.
Um exemplo bastante estudado de mutualismo e coevolução é a
relação curiosa de polinização entre as plantas da iúca (Yucca, um membro da
família dos lírios) e a mariposa do gênero Tegeticula (Figura 30). As fêmeas
adultas da mariposa-da-iúca carregam bolas de pólen entre as flores por meio
de suas partes bucais especializadas. Durante o ato da polinização, a
mariposa faz cortes no ovário da flor e deposita os seus ovos. Após a
ovoposição, a mariposa rasteja para o topo do pistilo da flor e deposita
um pouco de pólen no estigma. Isso garante que a flor seja polinizadae
que os filhotes da mariposa tenham sementes desenvolvendo sobre as quais
se alimentarem. A relação entre mariposa e a iúca é um mutualismo
obrigatório. As larvas de Tegeticula não podem crescer em nenhum outro
lugar, e a Yucca não tem outro polinizador. Assim, a planta tolera as larvas da
mariposa que se alimentam de suas sementes, ocorrendo uma pequena
perda de reprodução potencial. Tal flor regula número de ovos postos pela
mariposa. Caso muitos ovos sejam colocados em seus ovários, a flor é
abortada e as larvas da mariposa morrem. Por ser o mutulismo da Tegeticula
e da Yucca tão ajustado, acredita-se que essa relação se desenvolveu como
resultado de uma coevolução entre as duas.

45
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

Figura 30: (a) A iúca-de-mohave (Yucca shidigera) é polinizada apenas pela (b)
mariposa-da-iúca do gênero Tegeticula. A relação entre essas duas espécies é um
mutualismo obrigatório.
Fonte: Ricklefs (2006).

BEGON, M., HARPER, J. L. & TOWNSEND, C. R. 2006. Ecology: Individuals,


Populations and Communities. 4ª Ed. Blackwell Science, Oxford. 1068 pp.

CONNELL, J. H. 1980. Diversity and the coevolution of competitors,or


the ghost of competition past. Oikos, 35: 131–138.

CORNELISSEN, T. G & FERNANDES, G. W. 2003. Insetos herbívoros em


plantas: de inimigos a parceiros? Ciência Hoje 32(192): 24-30p.

DIAMOND, J.M. 1975. Assembly of species communities. In: Ecologyand


Evolution of Communities (CODY, M. L. & DIAMOND, J. M., eds), Belknap,
Cambridge, MA. 342–444p.

GAUSE, G. F. 1934. The struggle for existence. Williams & Wilkins,


Baltimore (reprinted 1964 by Hafner, New York).

KREBS, C. J. 1994. Ecology: the experimental analysis of distribution and


abundance. New York: Addison Wesley Longman Educational Publishers,
801p.

ODUM, E. P. 1988. Ecologia. Rio de Janeiro, Guanabara. 434p.

PAINE, R. T. 1966. Food web complexity and species diversity. American


Naturalist, 100: 65–75.

46
Ecologia de Comunidades UAB/Unimontes

PRICE, P.W. 1984. Insect ecology. 2ª Ed. New York, Wiley, 607p.

RICKLEFS, R. E. 2006. A Economia da Natureza. 5ª ed. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 503 pp.

TOWNSEND, C. R., BEGON, M., & HARPER, J. L. 2005. Fundamentos em


Ecologia. 2ª. Ed. Artmed-Bookman, Porto Alegre-RS. 592 pp.

Sites:

CORNELISSEN, T & FERNANDES, G. W. 2003. Insetos herbívoros em


plantas: de inimigos a parceiros. http://www.icb.ufmg.br/big/leeb/
publicacoes/2003.CORNELISSEN.FERNANDES.pdf. Acessado em 15 out.
2010.

NASCIMENTO, E. A. 2009. Estudos do mimetismo em Lycidae (Insecta:


Coleoptera). Tese de doutorado em entomologia pela Faculdade deFilosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP. Disponível em:
http://pgentomologia.ffclrp.usp.br/pdf/2010/Elynton%20alves%20do%20
Nascimento_DO.pdf. Acessado em 10 de nov. 2010.

47
Ciências Biológicas Caderno Didático - 5º Período

48

Você também pode gostar