Cerificação de HIDROGÊNIO

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Guilherme Dantas

Com diversos projetos de hidrogênio de baixa Certificação de


HIDROGÊNIO
emissão desenvolvidos ao longo dos últimos
anos, o Grupo AES Brasil se notabiliza pelo seu Guilherme Dantas
pioneirismo na busca da construção de uma
indústria de hidrogênio de baixa emissão no
Brasil que seja eciente e competitiva. Para
isso, acreditamos ser fundamental a criação de
regras de certicação e um arcabouço comer-
cial adequadas às características do sistema
elétrico brasileiro.

Certificação de
Este livro é parte integrante do projeto de
P&DI Habilitadores técnicos e regulatórios para É crescente o entendimento do papel central do hidrogênio de baixa emissão
no processo de transição energética, especialmente pela sua aptidão para uso

HIDROGÊNIO
a viabilização de um mercado de hidrogênio
verde síncrono no Brasil voltado para encontrar em setores de difícil descarbonização. Todavia, a utilização em larga escala
mecanismos de viabilização da produção de de hidrogênio de baixa emissão requer critérios transparentes e ecientes de
hidrogênio de baixa emissão sem subsídios. certicação. O entendimento das variáveis comerciais, geopolíticas e tecnológi-
cas envolvidas nesta dinâmica é fundamental para o correto posicionamento do

HIDROGÊNIO
Ao trazer luz à inuência dos interesses econô- Brasil nesta indústria. Guilherme Dantas
micos e geopolíticos internacionais nas regras
de certicação, a leitura deste livro permite Com uma abordagem didática, este livro oferece uma análise detalhada e
multidimensional sobre a certicação de hidrogênio de baixa emissão, abran-
Aspectos É Sócio Fundador da Essenz Soluções e Pesqui-

Comerciais,
uma melhor compreensão das variáveis em sador Sênior do CEBRI. Consultor no setor de
jogo. Adicionalmente, o livro explicita a impor- gendo desde estudos de caso, discussões geopolíticas, plataformas digitais de
infraestrutura desde 2006 com ênfase nas
Geopolíticos e
tância de plataformas digitais baseadas na certicação e comercialização de hidrogênio até o estudo da realidade brasi-
tecnologia blockchain para a certicação e leira e a proposição de um modelo comercial que busca otimizar a produção de áreas de energia, de biomassa e de sanea-
criação de um mercado dinâmico de hidrogê-
nio de baixa emissão.
hidrogênio síncrono. Prepare-se para uma jornada intelectual que desvenda os
segredos e as oportunidades do hidrogênio como vetor de transformação ener- Tecnológicos mento. Doutor em Planejamento Energético
gética. pela COPPE/UFRJ. Possui Mestrado em Econo-
Nestas bases, esta obra endereça pontos de mia e Política da Energia e do Ambiente pela
extrema relevância para que avancemos na Como prossional e entusiasta do uso sustentável dos recursos energéticos, Universidade Técnica de Lisboa e Graduação

Certificação de
construção de um marco normativo que possibi- recomendo fortemente esta obra. É uma leitura esclarecedora, que traz à tona em Economia pela UFRJ. Especialista em Eco-
lite colocar o Brasil em posição de destaque na os desaos e oportunidades da certicação do hidrogênio de baixa emissão.
Seja você um prossional da área ou simplesmente um interessado no assunto, nomia da Regulação, com ênfase em modelos
indústria de hidrogênio de baixa emissão atra-
vés da exploração de nossos diferenciais com- este livro proporcionará insights valiosos e uma compreensão mais profunda de remuneração por incentivos, estrutura tari-
petitivos. dos desaos inerentes à certicação de hidrogênio de baixa emissão e sobre o fária, impactos dos recursos energéticos distri-
papel do Brasil nesta nova indústria. buídos, redes inteligentes e modelos de merca-
Júlia Rodrigues do. Além disso, realiza estudos técnicos-
Gerente de Inovação do Grupo AES Brasil Rafaela Guedes
Senior Fellow do Núcleo de Energia do econômicos de projetos de tecnologias reno-
Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) váveis no setor elétrico e de biorrenarias
produtoras de biocombustíveis avançados
e/ou produtos químicos. Mais recentemente,
vem desenvolvendo trabalhos de análises
técnicas e econômicas de projetos de hidrogê-
nio e de eólica offshore.
9 786598 272111
Certificação de
HIDROGÊNIO
Aspectos
Comerciais,
Geopolíticos e
Tecnológicos
Guilherme Dantas

Certificação de
HIDROGÊNIO
Aspectos
Comerciais,
Geopolíticos e
Tecnológicos
Copyright © 2024 Guilherme Dantas
Todos os direitos desta edição reservados à Synergia Editora

Editor Jorge Gama


Editora assistente Isabelle Assumpção

Capa Equipe Synergia


Diagramação Flávio Meneghesso
Revisão Equipe Synergia

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

D192
Certificação de hidrogênio: aspectos comerciais, geopolíticos e tec-
nológicos / Guilherme Dantas. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Synergia, 2024.
148 p. ; 16 cm x 23 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-98272-11-1

1. Hidrogênio. 2. Energia - Fontes alternativas. 3. Fontes renováveis.


4. Transição energética I. Dantas, Guilherme. II. Título.

CDU 333.794

Conselho Editorial
Adilson de Oliveira Jane Celeste
Ana Lúcia Rodrigues da Silva José Eugenio Leal
Andrea Borges de Souza Cruz Leandro Mello Frota
Daniela Garcia Giacobbo Luiz Alfredo Salomão
Demétrios Christofidis Mara Behlau
Dorel Soares Ramos Marcos A. V. Freitas
Douglas Estevam Marcos Pereira dos Santos
Edmar Luiz Fagundes de Almeida Marcus Quintella
Edmilson Moutinho Maria João Rolim
Elbia Ganoum Mariana de Mattos Souza
Enio Fonseca Miguel Fernandez y Fernandez
Fabio Amorim da Rocha Monique Fonseca Rocha
Guilherme Sandoval Góes Romario de Carvalho Nunes
Guiomar de Grammont Ronald Carreteiro
Hirdan Katarina de Medeiros Costa Werner Grau Neto

Livros técnicos, científicos e profissionais

(21) 96627-3489 / www.synergiaeditora.com.br / comercial@synergiaeditora.com.br


Agradecimentos

Ao Grupo AES Brasil por acreditar no desenvolvimento do mercado


brasileiro de hidrogênio de baixa emissão de carbono e sua busca pela
construção deste mercado sem a necessidade de subsídios.
A todo corpo técnico e gerencial do Grupo AES envolvido com o
desenvolvimento deste projeto, em especial a Julia Rodrigues, a Pris-
cilla Ghisi, ao Eduardo Heraldo, a Ana Clara Rode e ao Alison Camargo.
A toda equipe da Essenz Soluções participante do projeto, em es-
pecial ao Murilo de Miranda, ao Francesco Gianelloni, a Gabriela da
Silva, ao Fabio Diuana e a Clarissa Bergman.
Ao amigo Guilherme Susteras de tantos trabalhos juntos ao longo
de minha trajetória no setor de energia, juntamente com Alexandra
Januário e Alexandre Bueno da Sun Mobi, pelas discussões acerca de
modelos comerciais e por terem desenhado as bases conceituais do
modelo comercial proposto neste livro.
Ao Amaro Pereira por ter acreditado no tema da minha pesquisa
de pós-doutorado.
Ao amigo Giovani Machado por tantas e tantas conversas (nas ho-
ras e dias mais inusitados) tratando dos interesses geopolíticos envol-
vidos na temática de certificação de hidrogênio de baixa emissão de
carbono.
A minha esposa Cristina Simm por toda paciência e parceria ao
longo da elaboração deste livro.

VI Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Apresentação

Este livro é um dos resultados do projeto “Habilitadores técnicos e


regulatórios para a viabilização de um mercado de hidrogênio verde
síncrono no Brasil”, realizado pelo Grupo AES Brasil e executado pela
Essenz Soluções em parceria com a Sun Mobi no âmbito do programa
de P&DI da Aneel.
Este projeto teve como objetivo investigar elementos viabilizado-
res da criação de um mercado de hidrogênio verde síncrono no Brasil.
Para isso, além da realização de estudos acerca de condicionantes téc-
nicas, econômicas e regulatórias, foi desenvolvido um software de oti-
mizar as condições para produção do H2 verde síncrono considerando
as restrições da cadeia de produção do hidrogênio.
Na medida que permite ao usuário escolher as regras de certifi-
cação ou criar suas próprias regras, a ferramenta poderá auxiliar na
identificação das melhores condições de operação das plantas de hi-
drogênio verde e seus impactos no desenvolvimento do mercado de
hidrogênio verde síncrono no Brasil.
Em paralelo, considerando todos os requisitos necessários para
a criação de um mercado de hidrogênio verde síncrono passível de
certificação, é notória a necessidade da adoção de tecnologias digitais
com vistas a monitorar e fazer a verificação de todos os fluxos físicos e
financeiros envolvidos.
Neste sentido, é importante ressaltar que este livro também é re-
sultado de parte trabalho de pós-doutorado do autor no Programa de
Planejamento Energético da Energético da COPPE/UFRJ sobre “Aplica-
ção da Tecnologia Blockchain como Viabilizadora de Certificação e de
Geração de Créditos de Energia Limpa no Sistema Elétrico Brasileiro”.´
Ao longo das páginas deste livro, o leitor irá se deparar com o de-
talhamento das condicionantes comerciais, geopolíticas e tecnológicas
da certificação de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Após a lei-
tura deste livro, acredita-se que o leitor estará apto para uma maior
compreensão dos elementos habilitadores do mercado de hidrogênio
de baixa emissão de carbono no Brasil, assim como, da complexida-
de dos interesses inerentes envolvidos nas regras de certificação e na
formação de um mercado internacional de hidrogênio de baixa. Boa
leitura!

VIII Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Prefácio I
Ao pensar em escrever este prefácio - um convite muito honroso que
recebi de meu querido amigo e grande profissional Guilherme Dantas
- fiquei refletindo sobre como o faria. Consultei minha memória e me
lembrei da primeira vez que ouvi falar sobre Hidrogênio de Baixo Car-
bono, em 2003, durante uma visita à Usina Nuclear de Angra. Um gru-
po de engenheiros nucleares, amigos meus, me explicava que o futuro
das moléculas estaria no hidrogênio. Confesso que achei aquela con-
versa muito futurística e inusitada, e, de alguma forma, estava correta.
Passados mais de vinte anos, o uso do hidrogênio tem sido em grande
escala, especialmente para aqueles com alto teor de carbono, e há uma
perspectiva de curto prazo para o hidrogênio produzido a partir de
fontes limpas e renováveis de energia.
Esse tema me interessou desde 2019, quando, na COP-24 em
Katowice, Polônia, voltei a ter contato com a questão e desde então
venho trabalhando fortemente para que o Brasil se posicione como
um grande produtor e importante consumidor no cenário global.
Minhas perspectivas otimistas, mas com alto grau de realismo, são
fundamentadas no fato de que o Brasil possui um dos maiores recursos
energéticos renováveis do mundo, especialmente na produção de
Hidrogênio Verde, com nossas abundantes e competitivas energias
eólica e solar, que respondem por cerca de 70% do custo de produção
do H2.
Temos testemunhado uma grande corrida global para a Economia
de Baixo Carbono, que enfrenta um dos principais desafios: o uso da
energia. Em termos globais, este setor responde por cerca de 80% das
emissões de CO2 equivalentes, o que nos coloca diante de um grande
desafio, principalmente no que se refere à produção e ao uso da mo-
lécula de energia. Em termos de emissões, a energia elétrica responde
por cerca de 26%, enquanto as moléculas têm o desafio de resolver
74% do problema.
Embora haja uma luta árdua pela produção e pelo consumo de
energia para que o mundo alcance efetivamente o Net Zero — ou seja,
emissões líquidas iguais a zero até 2050 —, a fim de atender aos re-
quisitos climáticos e reduzir os impactos das Mudanças Climáticas,
há também uma grande oportunidade para países ricos em recursos
naturais, como os da África, América Latina e Austrália. O Brasil, nes-
se sentido, reúne grandes condições para liderar esse processo e pro-
mover uma verdadeira transformação energética, tanto na economia
quanto na sociedade, já que possui uma matriz elétrica altamente re-
novável, com cerca de 93% da sua produção de energia proveniente de
fontes renováveis.
Neste contexto crucial e diante dessa grande oportunidade, o
mundo e cada país necessariamente lançarão mão de requisitos e re-
gras para a classificação do hidrogênio. Considerando o Hidrogênio
de baixa emissão de carbono, a grande questão que se coloca é como
classificar, como fazer essa taxonomia e diferenciação, o que realmen-
te não pode ser possível sem uma adequada certificação.
É nesse sentido que este livro se propõe a abordar, com rigor, as di-
versas facetas desse elemento que promete ser um pilar fundamental
na transição energética global. A certificação de hidrogênio de baixa
emissão de carbono, a economia internacional do hidrogênio, a impor-
tância das plataformas blockchain e os desafios e oportunidades para
o Brasil são aqui discutidos, oferecendo uma visão abrangente e deta-
lhada das questões mais prementes do setor.
Este livro é uma leitura essencial para profissionais, acadêmicos
e todos os interessados em compreender o papel crucial do hidrogê-

X Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


nio na construção de um futuro sustentável. O hidrogênio é frequente-
mente apontado como a chave para um futuro energético sustentável,
sendo uma solução promissora para a descarbonização de setores di-
fíceis de eletrificar.
O livro oferece uma análise detalhada e multidimensional sobre
o hidrogênio de baixa emissão de carbono, abrangendo desde a certi-
ficação até os aspectos econômicos e tecnológicos. Estudos de caso e
exemplos práticos são apresentados, proporcionando uma leitura en-
riquecedora para profissionais da área, estudantes e interessados no
tema. A tecnologia de produção do hidrogênio é razoavelmente antiga
e difundida; no entanto, sua mais recente forma de produção e consu-
mo a partir de fontes limpas e renováveis representa um importante
resposta para a redução das emissões globais e o impacto sobre o cli-
ma. Nessa jornada, nós, profissionais da Energia e da Transição Ener-
gética, temos caminhado em direção a um futuro mais sustentável e,
principalmente, para um planeta mais limpo.

Elbia Gannoum
Economista, Ph.D.
Presidente da Abeeolica.
Vice-chair do Conselho Global de Energia Eólica.

Prefácio I – Elbia Gannoum XI


Prefácio II
Após décadas sendo tratado como um vetor de energia de grande po-
tencial e tecnologia disruptiva para o futuro, o hidrogênio tornou-se
um objetivo estratégico de governos e empresas em todo o mundo
devido ao seu potencial de abatimento de emissões de gases de efei-
to estufa (GEE), quando produzido por rotas tecnológicas com baixa
emissão de GEE em seu ciclo de vida. Denomina-se hidrogênio de bai-
xa emissão de carbono esse novo vetor energético.
O hidrogênio de baixa emissão de carbono terá um papel impor-
tante na transição energética e para a descarbonização da economia
global. Especialmente, nos setores de difícil abatimento de emissões,
que têm muitos desafios para eletrificar diretamente. O desenvolvi-
mento do mercado de hidrogênio baixa emissão tem ganhado momen-
tum a partir de políticas energéticas pós-pandemia para a retomada
da economia e para acelerar a transição energética em diversos paí-
ses, bem como de debates e ações em todo o mundo para definição de
arcabouços institucionais, legais e regulatórios para os desenhos de
mercado.
O mercado global de hidrogênio alcançou US$ 150 bilhões em
2020, basicamente produzido a partir de combustíveis fósseis,
sobretudo gás natural. Espera-se que esse mercado, já com foco em
baixa emissão de carbono, multiplique por 4 até 2050, alcançando
US$ 600 bilhões, segundo projeções do Morgan Stanley publicadas
pelo Financial Times1. Quando toda a cadeia de valor relacionada
ao hidrogênio de baixa emissão de carbono é avaliada, os valores de
mercado podem superar US$ 10 trilhões em 2050, segundo estimativas
da Goldman Sachs2.
Não é por outro motivo que a discussão sobre certificação e ro-
tas tecnológicas de hidrogênio de baixa emissão de carbono tem sido
intensa e repleta de controvérsias em todo o mundo. Se trata de defi-
nir os arcabouços institucionais, legais e regulatórios de promissores
mercados nacionais e global, cujas cadeias de valor podem impactar
fortemente as perspectivas de crescimento econômico, geração de em-
pregos dos países e de influência geopolítica na economia global. Não
é só transição energética, é também a quarta revolução industrial e
a alteração de fluxos de comércio e investimentos globais (não só de
energia!).
Diferentes desenhos de certificação para o mercado global podem
alterar influenciar as potencialidades e as perspectivas de desenvolvi-
mento dos mercados nacionais e de suas cadeias de valor. Assim como
podem influenciar o tamanho e a robustez do mercado global.
Como destacado pelo ex-Embaixador dos EUA e atual Senior Vice
President for Global Energy and International Affairs da S&P Glo-
bal, Carlos Pascual, em sua publicação The New Geopolitics of Energy
(2015) para o Center on Global Energy Policy da School of International
and Public Affairs da Columbia University, energia e geopolítica sempre
estiveram intimamente ligadas, sendo que as mudanças vastas e acele-
radas no setor de energia no século XXI estão reescrevendo as relações
entre os dois campos. De tal forma que, à medida que novos recursos
são disponibilizados, novas ferramentas e oportunidades geopolíticas
são criadas. Por isso, é um erro fundamental divorciar a geopolítica
energética dos mercados de energia, afirma Pascual.
Ressalte-se que esse processo não é construído de uma única vez,
harmoniosa e monotonamente. Antes, é resultado das correlações

1
Vide: https://www.ft.com/content/7eac54ee-f1d1-4ebc-9573-b52f87d00240.
2
Vide: https://www.goldmansachs.com/insights/pages/gs-research/green-hydro-
gen/report.pdf.

XIV Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


de forças sociopolíticas e das relações internacionais, bem como de
avanços e retrocessos tecnológicos e de modelos de negócios que são
testados pela realidade. Não reconhecer os interesses econômicos e
geopolíticos que motivam as relações internacionais significa que es-
ses estão conduzindo tais relações. É a geopolítica por trás da confor-
mação dos mercados.
Por isso, esse livro de Guilherme Dantas é tão relevante para o
Brasil. Guilherme ousou não apenas discutir cores do hidrogênio, mas
também cores das bandeiras dos interesses geopolíticos no processo
de conformação dos mercados global, regionais e nacionais de hidro-
gênio de baixa emissão de carbono. Compreender como cores de ban-
deiras geram preferências de cores de hidrogênio independentemente
dos objetivos de descarbonização para gerar trancamentos tecnológi-
cos, é fundamental para conseguir traçar o mapa da jornada e buscar
os portos de apoio e de reabastecimento da nau, inclusive para lidar
com intempéries não previstas ou previsíveis. Planejamento não é
criar o caminho da certeza, é ter clareza dos objetivos e ter contingên-
cias e se dotar de capacidade de adaptação para lidar com as incer-
tezas. Não é só sobre navegar em águas calmas em planos perfeitos,
é sobre não naufragar em mar revolto e tempestades perfeitas para
superar desafios e aproveitar oportunidades.
O caminho para a consolidação do mercado global de hidrogênio
de baixa emissão de carbono não será traçado de forma linear e sem
contratempos. Será construído de pequenas jornadas, conquistas par-
ciais e insucessos, que gerarão aprendizados e inovações para atingir
objetivos progressivamente mais arrojados. Até que a constituição de
um mercado global se torne viável e robusta.
Similarmente, nas Grandes Navegações portuguesas, a rota para
as Índias não foi estabelecida de uma única vez, antes foi precedida
pelo Périplo Africano. Assim, Vasco da Gama conduziu sua embarca-
ção, inicialmente, em mares já navegados por diversos comandantes
como Gil Eanes, Diogo Cão e Bartolomeu Dias, cujos aprendizados
geraram inovações e novas abordagens na Escola de Sagres. Foi des-
sa maneira que Vasco da Gama aprendeu com experiências prévias e
transformou os desafios e insucessos anteriores em etapas e sucessos

Prefácio II – Giovani Machado XV


parciais para atingir a glória e o êxito no alcance dos objetivos, atingin-
do seu objetivo de aportar nas Índias e criar uma nova rota comercial
para as especiarias.
O Brasil pode construir seu caminho no mercado global de hidro-
gênio de baixa emissão de carbono, buscando cooperações com aque-
les que têm visões e estratégias parecidas (e não são poucos!). Assim
como o caminho para Índias começou na recusa por aceitar a posi-
ção de monopólio das rotas comerciais das especiarias pelo Império
Otomano e pelos intermediários italianos, o Brasil não precisa acei-
tar trancamentos tecnológicos e restrições de acesso a mercado como
destino. Muitas vezes, o sucesso da jornada se inicia na definição do
caminho alternativo ao dominante. Em sua contestação.
Não é fácil. Requer esforço, compromisso, persistência e resiliên-
cia. Mas é possível e é o caminho para ampliar graus de liberdade na
atuação global e criar estratégias e projetos de país que conduzam o
Brasil na transição energética justa e inclusiva.
Inserção global sem autonomia e adensamento de cadeias de va-
lor pode trazer sucesso para alguns grupos econômicos e sustentar
mais um ciclo de commodities do país, mas não terá força para um
projeto de país que contribua efetivamente para alterar o nível de de-
senvolvimento sustentável e de justiça social do Brasil. Não é se fechar.
Ao contrário, é se abrir com autonomia e se inserir nas cadeias globais
de valor de forma consciente e não subordinada, bem como usar seu
potencial e competitividade para influenciar o desenho do mercado
global de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Esse caminho abri-
rá enormes oportunidades para o mercado brasileiro e seus empreen-
dedores e investidores.
O Brasil está no caminho para desenvolver um mercado nacional
de hidrogênio de baixa emissão de carbono robusto e tem sido reco-
nhecido internacionalmente como ator relevante e com grande capa-
cidade de influenciar o desenho do mercado global de hidrogênio de
baixa emissão de carbono. Tem sido convidado a participar das dis-
cussões internacionais específicas sobre o tema e tem aproveitado sua
participação no G20, BRICS+, COP e diversas cooperações internacio-

XVI Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


nais para contribuir para esse desenho de mercado global de hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono. Pelo papel que pode ter nesse mer-
cado global, o Brasil é ouvido e mobiliza.
A Agência Internacional de Energia (IEA), recentemente, publicou
um relatório no qual critica a classificação por esquema de cores para
representar diferentes rotas tecnológicas e outros termos imprecisos
para indicar potenciais de emissões distintos3. Particularmente, a IEA
alerta que essas terminologias têm se mostrado sem aplicação práti-
cas como base para as decisões de contratação, dissuadindo potenciais
investidores. A IEA propõe usar a intensidade de emissões da produ-
ção de hidrogênio na definição de regulamentações nacionais sobre
hidrogênio, podendo facilitar a interoperabilidade regulatória e de
mercado em diferentes países. Esse já era o caminho traçado pelo Bra-
sil, inclusive nas negociações internacionais.
Assim, a IEA propõe a utilização do conceito de “hidrogênio de
baixa emissão de carbono” e foca seu enquadramento em termos
de intensidade de emissões. O Brasil já incorporou esse conceito na
Lei do hidrogênio de baixa emissão de carbono (Lei nº 14.948, de
02/08/2024), aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo
Presidente da República, bem como, anteriormente, na Constituição
Federal do Brasil (Art. 225, § 1º, VIII – redação dada pela Emenda
Constitucional nº 132, de 20/12/2023)4.
A IEA propõe ainda o esforço internacional para assegurar que os
diferentes padrões de certificação de hidrogênio que vem sendo esta-
belecidos em diferentes países e associações sejam intercambiáveis a
partir da construção de um “passaporte global” baseado nas metodo-
logias do IPHE (The International Partnership for Hydrogen and Fuel

3
Vide: https://www.iea.org/reports/towards-hydrogen-definitions-based-on-
their-emissions-intensity/executive-summary.
4
VIII - manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio
de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-
-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir
diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação à contribuição
de que trata o art. 195, V, e ao imposto a que se refere o art. 156-A.

Prefácio II – Giovani Machado XVII


Cells in the Economy)5, a qual está sendo utilizada como base para a
elaboração da norma ISO (International Organization for Standardiza-
tion) para a certificação da intensidade de emissões do hidrogênio.
O Ministério de Minas e Energia, o Ministério de Relações Exte-
riores e a Empresa de Pesquisa Energética têm atuado nessa linha,
buscando parcerias com países que têm abordagens similares como
os EUA, o Reino Unido, a Noruega e o Canadá e com outros países que
também têm interesses por outras rotas tecnológicas, além da do hi-
drogênio renovável de origem não-biológica (ou hidrogênio verde)6,
como a França, o Japão e o BRICS+.
Também têm participado ativamente das discussões com a União
Europeia em geral e com Holanda e Alemanha, em particular, alertan-
do para barreiras e riscos que desacelerarão o desenvolvimento do
mercado global de hidrogênio de baixa emissão de carbono, inclusive
por potenciais controvérsias no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e
Comércio na Organização Mundial do Comércio (GATT/OMC).
De fato, há regulamentos e normas propostos para o mercado de
hidrogênio renovável que alegam combater às mudanças climáticas,
mas que acabam criando barreiras não-tarifárias e impondo práticas
de comércio discriminatórias para obter vantagens geopolíticas. Esse
caminho dificultará o desenvolvimento de um mercado global de hi-
drogênio de baixa emissão de carbono ao desestruturar modelos de
negócios de diversos empreendimentos, por alocar riscos despropor-
cionalmente aos ofertantes e por segmentar o mercado em diversos
mercados boutiques, com baixa interoperabilidade e fungibilidade.
São trabalhos como os do Guilherme que permitem disseminar a
compreensão do que está em jogo, estabelecer ferramentas para facili-

5
Vide: https://www.iphe.net/iphe-wp-methodology-doc-nov-2022.
6
A União Europeia passou a denominar formalmente o hidrogênio renovável a partir
da eletrólise da água com base em renováveis outrora chamado de hidrogênio verde
como hidrogênio renovável de origem não-biológica. Para detalhes, vide: https://
www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2021-0116_EN.html https://oeil.
secure.europarl.europa.eu/oeil/popups/summary.do?id=1663379&t=e&l=en;
EUR-Lex - 32018L2001 - EN - EUR-Lex (europa.eu); EUR-Lex - 32023R1185 - EN
- EUR-Lex (europa.eu); e, Renewable hydrogen production: new rules formally
adopted (europa.eu).

XVIII Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


tar esse entendimento e atuação, e suas implicações para os diferentes
stakeholders e empreendedores. O livro do Guilherme contribui para a
formação de consensos sociopolíticos para embasar a construção de
estratégias nacionais, governamentais e empresariais, em uma transi-
ção energética justa e inclusiva, abrindo enormes possibilidades para
o mercado brasileiro e para o alcance da neutralidade climática global
até 2050.
Boa leitura!

Giovani Machado
Economista pela UFF, mestre e doutor em Planejamento Energético
pela COPPE/UFRJ. Capacitação robusta em planejamento, política
e desenho de mercado do setor de energia. Tem mais de 30 anos na
área de energia. Alta expertise em diversos temas de energia, como:
transição energética; planejamento, desenho de mercado, política
e regulação do setor energético; cenários, modelagem e projeção
de demanda de energia; geopolítica de energia; mercado e preços
de O&G; planejamento de infraestrutura de gás natural; mercado
de biocombustíveis; desenvolvimento sustentável, meio ambiente e
economia de baixo carbono; hidrogênio de baixa emissão de carbono;
eficiência energética; mercado de carbono; energia nuclear, inclusive
Pequenos Reatores Modulares (SMR). Assumiu diversas posições
de gestão na carreira, inclusive Diretor de Estudos Econômico-
Energéticos e Ambientais e Diretor Interino de Estudos de Energia
Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Atualmente, é
Assessor da Presidência da EPE.

Prefácio II – Giovani Machado XIX


Introdução

Notadamente, as mudanças climáticas consistem em um dos maiores


desafios, talvez o maior, do mundo contemporâneo. Esta assertiva é
baseada no diagnóstico que seus impactos tendem a causar danos de
grande magnitude nos mais diversos ecossistemas e comprometer di-
versas das atuais relações socioeconômicas. No limite, é possível falar
no risco da extinção da vida humana na Terra. Nestas bases, compre-
ende-se o crescente uso da expressão emergência climática.
Desde o início da década de 1990, o combate às mudanças climáti-
cas está na agenda política mundial. Entretanto, o efetivo cumprimen-
to de um acordo climático segue sendo extremamente difícil porque
sua efetividade requer uma solução em nível global e isso suscita mui-
tas questões geopolíticas.
No cerne desta problemática, estão as implicações da adoção de
soluções de mitigação de gases do efeito estufa na competitividade re-
lativa das economias dos diferentes países, vide a dotação de recursos
e o acesso a estas tecnologias não serem distribuídos de forma homo-
gênea entre os países1.
Embora no Brasil as emissões de gases do efeito estufa sejam ma-
joritariamente oriundas de mudanças de uso da terra e da agropecuá-
ria, em nível mundial essas emissões são advindas essencialmente do
setor energético. Logo, é compreensível a busca pela descarbonização
do setor energético ser vista como uma estratégia vital no combate às
mudanças climáticas.
Nesta busca pela transição energética, o hidrogênio vem sendo
tido como um elemento de enorme importância. Explica-se: o hidro-
gênio é um energético versátil com diversas aplicações. Mesmo sendo
tradicionalmente produzido a partir do gás natural, o hidrogênio pode
ser produzido através de fontes renováveis, sobretudo por meio da
rota da eletrólise2.
Neste contexto, são diversas iniciativas ao redor do mundo volta-
das para a implementação de projetos de hidrogênio de baixa emis-
são de carbono. Todavia, para que a indústria do hidrogênio de baixa
emissão de carbono se desenvolva, incluindo o desenvolvimento de
um mercado em nível internacional, é preciso o estabelecimento de
mecanismos de certificação que permitam atestar que este hidrogênio
de fato é de baixa emissão de carbono3.
Ao se examinar a experiência internacional, identifica-se que di-
retrizes de certificação estão sendo implementadas em diversas ju-
risdições. Os casos da União Europeia, do Reino Unido e dos EUA são
bastante ilustrativos a este respeito.

1
Apesar de atualmente alguns países em vias de desenvolvimento serem grandes
emissores de gases do efeito estufa, as mudanças climáticas em curso são majorita-
riamente causadas pelas emissões históricas dos países hoje tidos como desenvol-
vidos. Logo, existe toda uma problemática associada à discussão sobre responsabi-
lidades comuns, porém diferenciadas
2
Existem rotas de produção a partir da biomassa. Além disso, existem rotas passíveis
de serem adotadas para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono que
não utilizam fontes renováveis. O principal exemplo é a produção de hidrogênio a
partir da reforma a vapor do gás natural com captura de carbono.
3
Quando se fala da indústria de hidrogênio de baixa emissão de carbono, também
está se falando dos seus derivados. Por exemplo, amônia e metanol.

XXII Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Esta análise indica uma grande variabilidade nos regramentos no
que tange às tecnologias passíveis de serem certificadas, escopo e limi-
tes de emissões, correlação temporal e localização espacial dos proje-
tos. Dado que a realização de transações internacionais de hidrogênio
de baixa emissão de carbono requer a harmonização mínima destas
regras, é perceptível a complexidade destas questões.
A heterogeneidade dos critérios de certificação não é função ape-
nas de entendimentos técnicos divergentes. Também deve ser ressal-
tada a presença de questões geopolíticas condicionadas pela disponi-
bilidade de recursos e, muitas vezes, no interesse do desenvolvimento
de tecnologias específicas, em um contexto em que a promoção da in-
dústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono é vista como um
mecanismo indutor de crescimento econômico em muitos países.
De todo modo, independente do modelo de certificação, é preciso
a realização de atividades de verificação de emissões, as quais tendem
a ser muito intensivas em casos que a granularidade temporal requeri-
da é elevada. Além disso, é crescente o entendimento que a sustentabi-
lidade da produção não se restringe a respeitar os limites de emissões
e que métricas ESG devem ser avaliadas.
Com vistas a endereçar esta problemática, torna-se necessário o
desenvolvimento e a implementação de plataformas digitais capazes
de fazer este monitoramento de forma automatizada. Em especial, a
tecnologia blockchain assume grande relevância.
Em linhas gerais, plataformas blockchain podem ser tidas como
uma ferramenta confiável e rastreável com vocação para uso em sis-
temas descentralizados. Nestas bases, sua aplicação para certificações
de hidrogênio que envolvam vários atributos deverá ter grande impor-
tância. Trata-se da criação de tokens que venham a funcionar como
uma espécie de passaporte digital do hidrogênio de baixa emissão de
carbono.
Além de sua aptidão para certificação de hidrogênio de baixa
emissão de carbono, a tecnologia blockchain cria condições para a im-
plementação de mercados de transação de hidrogênio de baixa emis-
são de carbono entre os agentes sem a necessidade de intermediação.

Introdução XXIII
Conforme vai ser visto neste livro, modelos comerciais desta nature-
za podem vir a assumir grande importância no desenvolvimento de um
mercado dinâmico e competitivo de hidrogênio de baixa emissão de car-
bono, sobretudo no âmbito do hidrogênio produzido a partir da rota da
eletrólise.
No caso específico do Brasil, verifica-se que o Brasil possui condi-
ções de ofertar grandes montantes de hidrogênio de baixa emissão de
carbono em bases extremamente competitivas de custos. Esta aptidão
advém de sua grande dotação de recursos renováveis conjugada com a
presença de uma indústria extremamente bem estruturada.
Em especial, as fontes eólica e solar habilitam o país a produzir
grandes montantes de hidrogênio a partir da rota da eletrólise. Ade-
mais, a disponibilidade de biomassa e a experiência brasileira com
bioenergia também o credenciam para produção a partir de rotas
de hidrogênio a partir da biomassa. Ainda que não seja uma fonte de
energia renovável, deve ser mencionado que as reservas de gás natural
do Brasil tornam a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbo-
no, a partir da reforma a vapor do gás natural com captura de carbono,
uma alternativa que também deve ser considerada.
Observa-se, assim, que o Brasil possui totais condições de ser um
player relevante da indústria mundial do hidrogênio. Para isso, são
precisas diretrizes claras sobre a produção e uso do hidrogênio de bai-
xa emissão de carbono brasileiro.
Esta base normativa deve ser construída baseada nos objetivos
que o país almeja com o desenvolvimento do setor de hidrogênio de
baixa emissão de carbono. Ademais, também se faz necessário reco-
nhecer as questões geopolíticas e de comércio internacional presentes
na agenda do hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Em um primeiro momento, existiu uma grande expectativa do
Brasil se tornar um grande exportador de hidrogênio de baixa emissão
de carbono, sobretudo hidrogênio a partir da eletrólise para países da
União Europeia. Na ocasião, era comum se ouvir falar que o Brasil seria
a “Arábia Saudita do hidrogênio de baixa emissão de carbono”.

XXIV Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Todavia, na medida que o debate foi amadurecendo, começaram a
existir sérios questionamentos a esta estratégia voltada para a expor-
tação de um produto primário. Como consequência, foi se tornando
consenso o entendimento que o país deveria buscar o adensamento
tecnológico da cadeia do hidrogênio com o objetivo de produzir bens
de maior valor agregado.
Parte-se da premissa que o desenvolvimento da cadeia produtiva
do hidrogênio de baixa emissão de carbono será um vetor fundamen-
tal para reindustrialização do país através de investimentos em tecno-
logias verdes.
Este novo enquadramento do objetivo principal da promoção da
indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono requer a presen-
ça de um mercado interno forte. Para isso, é preciso se incitar a deman-
da da indústria de aço e dos setores petroquímico e de fertilizantes.
Além disso, é importante ressaltar as oportunidades nos segmentos
de combustíveis sustentáveis de aviação e de transporte marítimo por-
que são nichos em que o Brasil apresenta diferenciais competitivos.
Nestas bases, ressalta-se que marco normativo do hidrogênio
de baixa emissão de carbono no Brasil, dado pelo Projeto de Lei nº
2.308/2023 recentemente aprovado no Congresso Nacional, vai nessa
direção. Seu caráter abrangente e flexível cria as condições necessárias
para o país desenvolver a indústria do hidrogênio de baixa emissão de
carbono, aproveitando seus diferenciais competitivos, sem criar tran-
camentos tecnológicos nem restrições de mercado.
A partir deste marco normativo, uma série de medidas relativas
à regulamentação e à criação de estruturas de mercado serão neces-
sárias para o efetivo desenvolvimento da indústria do hidrogênio de
baixa emissão de carbono no Brasil.
No caso específico do hidrogênio produzido a partir da eletrólise, já
existem protocolos de certificação criados pela Câmara de Comerciali-
zação de Energia Elétrica (CCEE). Na medida em que as regras de certi-
ficação tendem a considerar critérios de correlação temporal, a questão
da sincronicidade da produção torna-se crítica e precisa ser endereçada.

Introdução XXV
Toda a discussão acerca da sincronicidade da produção de hidro-
gênio da rota da eletrólise precisa considerar as especificidades do Sis-
tema Interligado Nacional (SIN). Questões como o caráter condominial
do sistema de transmissão brasileiro, requisitos de conexão e uso da
rede, assim como, a problemática do constrained-off precisam integrar
a análise a ser realizada.
Com base no exame de todos os contornos do problema e iden-
tificação de oportunidades, é possível o desenho de mecanismos de
mercado que possibilitem o desenvolvimento de um mercado de hi-
drogênio a partir da eletrólise com produção em bases síncronas.
É sobre este universo de variáveis complexas e interdependentes
inerentes à produção e certificação de hidrogênio de baixa emissão de
carbono, especialmente do hidrogênio produzido a partir da eletrólise
de forma síncrona, que este livro trata.
Esta obra está estruturada em cinco capítulos.
O Capítulo 1 é dedicado a discussão sobre modelos de certificação
que vem sendo adotados ao redor do mundo. O objetivo deste capítulo
é explicitar as características diferentes destes modelos. Para isso, são
apresentados os modelos da União Europeia, do Reino Unido e dos EUA.
Na sequência, o Capítulo 2 aborda todas as nuances envolvidas
com aquilo que pode ser chamado de geopolítica do hidrogênio de
baixa emissão de carbono. Em sua primeira parte, o capítulo descre-
ve como historicamente variáveis geopolíticas e o setor de energia se
relacionam. Na sequência, é discutido como variáveis geopolíticas in-
fluenciam o desenvolvimento do mercado mundial do hidrogênio de
baixa emissão de carbono. Por fim, a última parte do capítulo é dedica-
da ao estudo de caso da contribuição brasileira por meio da Empresa
de Pesquisa Energética (EPE) na consulta pública da União Europeia.
Já o terceiro capítulo é voltado para o estudo de questões tec-
nológicas relativas à certificação de hidrogênio de baixa emissão de
carbono. Em síntese, o capítulo é voltado para apontar a necessidade
da adoção de plataformas digitais para a realização desta certificação.
Em especial, é enfatizada a importância da tecnologia blockchain, não

XXVI Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


apenas para a certificação, como também para a criação de mercados
descentralizados e dinâmicos.
Por sua vez, o Capítulo 4 apresenta o status quo da implementação
da indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil. Em
sua primeira parte, é feita uma revisão da evolução das discussões so-
bre o marco normativo brasileiro. Na sequência, são descritas as regras
da CCEE para a certificação do hidrogênio produzido através da rota da
eletrólise.
O Capítulo 5 trata das condicionantes e dos custos para o uso do
SIN visando a produção de hidrogênio síncrono. Na primeira parte,
o capítulo é dedicado a elucidar a natureza condominial do SIN e a
metodologia de cálculo das tarifas de uso do sistema de transmissão.
Em sua segunda parte, o capítulo apresenta as causas e implicações do
problema do constrained-off. Por fim, a última seção deste capítulo é
dedicada a descrição de um modelo comercial voltado para a produção
de hidrogênio a partir da eletrólise em bases síncronas.

Introdução XXVII
Sumário
1 – Certificação de Hidrogênio de baixa emissão de carbono.................... 1
1.1. União Europeia..................................................................................................... 3
1.2. Reino Unido........................................................................................................... 8
1.3. EUA.........................................................................................................................13
1.4. Casos Adicionais.................................................................................................19

2 – A Economia Internacional do Hidrogênio............................................23


2.1. A Geopolítica da Energia.................................................................................24
2.2. A Economia Internacional do Hidrogênio...................................................30
2.3. Estudo de Caso..................................................................................................37
2.4. Considerações Adicionais..............................................................................42

3 – A Importância das Plataformas Blockchain....................................... 45


3.1. Digitalização das Transações........................................................................47
3.2. Entendendo o Blockchain................................................................................51
3.3. Mercados a P2P..................................................................................................59

4 – Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil ...........................67


4.1. O Marco Normativo do Hidrogênio................................................................68
4.2. Regras de Certificação de Hidrogênio da Eletrólise no Brasil..............80

5 – Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional.. 93


5.1. A Natureza Condominial do SIN....................................................................95
5.2. A Problemática do Constrained-off........................................................... 103
5.3. Adoção de Modelo P2P...................................................................................109
Referências ................................................................................................115
1
Certificação de Hidrogênio
de Baixa Emissão de
Carbono
Notadamente, a criação de um efetivo mercado internacional de hi-
drogênio e derivados está associada ao estabelecimento de protoco-
los bem fundamentados e transparentes. Entretanto, as especificações
atreladas a um mecanismo de certificação são diversas e podem ser
abordadas de diferentes formas.
Em primeiro lugar, o enquadramento acerca das tipologias de
hidrogênio a serem considerados não é consensual, podendo variar
desde abordagens restritas ao hidrogênio advindo exclusivamente de
fontes renováveis de energia elétrica até aquelas em que o conceito é
de hidrogênio de baixa emissão de carbono de forma mais genérica.
Ao mesmo tempo, a abrangência das emissões a serem conside-
rados também é uma questão crítica. Embora a discussão ainda esteja
muito associada às emissões diretamente relacionadas ao processo de
produção, é crescente o entendimento da necessidade da adoção de
metodologias que considerem as emissões ao longo de todo o ciclo de
vida e daquelas inerentes aos processos de transporte e distribuição.
No caso específico do hidrogênio produzido a partir de fontes re-
nováveis de energia elétrica, ainda é preciso considerar critérios de
correlações temporal e espacial, incluindo as normas para aquisição
de energia a partir da rede, para o reconhecimento enquanto hidrogê-
nio verde.
Nestas bases, é notório que são inúmeros os protocolos de certifi-
cação de hidrogênio passíveis de serem estabelecidos. O exame de ex-
periências internacionais é bastante ilustrativo do quão os modelos de
certificação são heterogêneos em suas regras e apresentam diferentes
especificidades.
Observa-se, assim, um grande desafio inerente à necessidade de
padronização/compatibilização destas certificações para que o mer-
cado internacional de hidrogênio e derivados se consolide em bases
sustentáveis e movimente volumes em larga escala.
Na medida em que a perspectiva de uso em larga escala do hidro-
gênio de baixa emissão de carbono está atrelada a necessidade posta
de se mitigar emissões de gases do efeito estufa, é perceptível o caráter
mandatório da definição de normas de certificação capazes de atestar
que o hidrogênio produzido possui baixa intensidade de carbono.
Como o hidrogênio em si é uma molécula incolor e inodoro com
as mesmas características químicas independente do seu processo de
produção, a definição de regras que permitam certificar a baixa inten-
sidade de carbono é intrinsecamente difícil.
Se a homogeneidade das características físico-químicas do hidro-
gênio o credencia para ser comercializado enquanto commodity em
mercados internacionais, o enquadramento enquanto hidrogênio de
baixa emissão de carbono está sujeita a um conjunto de diretrizes que
possibilitem o rastreamento das emissões do hidrogênio.

2 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Trata-se de uma pré-condição para a criação de um mercado in-
ternacional de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Além da ne-
cessidade de definir normas técnicas, a criação de um arcabouço de
certificação também requer o estabelecimento de instrumentos de go-
vernança e fiscalização adequados.
Entretanto, o exame das diferentes certificações que estão sendo
estabelecidas ao redor do mundo aponta para uma grande variabilidade
de diretrizes. Dado que a compatibilidade das normas de certificação é
fundamental para o comércio internacional de hidrogênio, esta diversi-
dade de entendimentos consiste em um problema. Para o melhor enten-
dimento desta problemática, esta seção se dedica a uma análise com-
parativa dos principais modelos de certificação atualmente existentes.
Em síntese, o objetivo deste capítulo é examinar como as regras
de certificação vem evoluindo em nível internacional com ênfase nos
casos da União Europeia, do Reino Unido e dos EUA. Ademais, são fei-
tas considerações acerca de alguns casos adicionais na última seção
deste capítulo.

1.1. União Europeia

Os países membros da União Europeia apresentam metas bastante ou-


sadas de uso de hidrogênio de baixa emissão de carbono nos próximos
anos. Efetivamente, a União Europeia enxerga o hidrogênio como um
elemento central para setores tidos como de difícil descarbonização,
como é o caso do setor de transportes1.
Para efeito de dimensionamento, a União Europeia projeta uma de-
manda de hidrogênio de baixa emissão de carbono de 20 milhões de to-
neladas em 2030 em seus estados membros. Para efeito de comparação,
a demanda mundial de hidrogênio no ano de 2022 foi de 95 milhões de
toneladas, sendo atendida essencialmente por meio de fontes fósseis.

1
Também existe o entendimento que o hidrogênio será um importante mecanismo
de provimento de armazenamento sazonal para o setor elétrico europeu em um
contexto de crescente participação de fontes intermitentes no sistema.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 3


O conceito de hidrogênio verde na União Europeia está restrito ao
hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis de energia elétri-
ca e denominado como hidrogênio verde. Com vistas a atender metas
tão audaciosas, estima-se a necessidade de uma potência instalada de
80 GW em eletrolisadores, a qual pode vir a requerer uma capacidade
adicional de 240 GW em instalações de geração elétrica2.
Em função de limitações físicas e geográficas, não parece razoável
supor que a União Europeia será capaz de atender a demanda pros-
pectada apenas com produção interna. Logo, é compreensível a ex-
pectativa que aproximadamente metade do mercado de hidrogênio da
União Europeia seja atendido por meio de importações.
Neste contexto, além de ser uma necessidade inerente à dinâmi-
ca interna de rastreamento da intensidade em carbono do hidrogênio
produzido dentro do seu próprio território, as normas de certificação
da União Europeia acabam por pautar boa parte da discussão em nível
mundial em função da considerável participação prospectada dos pa-
íses membros da União Europeia no mercado mundial de hidrogênio.
Ao se examinar as normas da União Europeia, a já mencionada
delimitação de entender apenas o hidrogênio verde como sendo hi-
drogênio de baixa emissão de carbono passível de ser reconhecido nas
políticas de descarbonização, requer atenção. Este enquadramento
impossibilita, por exemplo, a comercialização com a União Europeia
de hidrogênio produzido a partir da reforma a vapor do gás natural
com captura de carbono. Até mesmo, a comercialização de hidrogênio
a partir da reforma a vapor da biomassa fica impossibilitada.
Dada a centralidade do hidrogênio verde enquanto vetor de des-
carbonização do setor energético dos países da União Europeia, a dis-
cussão acerca a certificação de hidrogênio está focada nos critérios de
garantia da origem renovável da eletricidade utilizada para a produção
de hidrogênio. Desta forma, questões como as regras de uso de energia

2
Considerando que grande parte da energia renovável para produção de hidrogênio
por meio da eletrólise irá vir de usinas eólicas e sistemas fotovoltaicos, os fatores
de capacidade limitados destas fontes fazem com que a capacidade instalada de ge-
ração de energia elétrica renovável seja significativamente maior que a capacidade
instalada dos eletrolisadores.

4 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


advinda da rede e de correlações temporal e locacional são tidas como
fundamentais na discussão europeia.
Com base na Diretiva 2018/2021 da União Europeia, parte-se da
premissa que é preciso o estabelecimento de regras claras, objetivas e
não discriminatórias no que tange ao enquadramento de quais com-
bustíveis podem ser tidos efetivamente como renováveis. Ademais, é
explicitado que as regras se aplicam independente da produção ter
ocorrido dentro ou fora do território dos seus países membros.
Considerando que o hidrogênio verde só é tido como renovável
e limpo quando produzido por meio de fontes renováveis de energia
elétrica, um primeiro apontamento relevante é o reconhecimento que
esta eletricidade renovável pode ser produzida junto à planta de hi-
drogênio ou ser oriunda da rede.
No caso de unidades de geração de energia elétrica renovável
conectadas diretamente a plantas de produção de hidrogênio e sem
conexão com a rede elétrica, a comprovação do caráter renovável é
imediata. Porém, caso estas unidades de geração de energia elétrica
renovável também apresentem conexão com a rede elétrica, deve exis-
tir a comprovação que a energia elétrica utilizada para a produção de
hidrogênio advém da conexão direta existente.
Ainda no que tange às regras de certificação para os casos em que
existe conexão direta entre a geração de energia elétrica renovável e a
planta de produção de hidrogênio, cabe ressaltar a norma que apon-
ta que a instalação de energia elétrica renovável precisa ter entrado
em operação em um horizonte temporal máximo de 36 meses antes
do início da produção de hidrogênio3. Esta regra visa assegurar que a
produção de hidrogênio efetivamente está agregando capacidade de
produção de energia renovável. Trata-se do princípio da adicionalida-
de também aplicados a projetos conectados à rede.
No caso dos projetos atendidas por energia oriunda da rede elétri-
ca, a certificação do hidrogênio requer o estabelecimento de contratos

3
O prazo de 36 meses foi estabelecido baseado na premissa que o caráter incipiente
da indústria traz consigo incertezas quanto ao cronograma de implementação dos
projetos. Logo, se justifica a existência de uma margem temporal.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 5


com centrais de geração renovável que, além do princípio da adicio-
nalidade mencionado no parágrafo anterior, também devem atender a
requisitos de correlação temporal e espacial.
Porém, caso o hidrogênio seja produzido com uso de eletricidade
de um sistema elétrico em que predomina fontes renováveis de ener-
gia, este hidrogênio deve ser enquadrado como verde.
Em termos estritos, a Diretiva 2023/1184 da União Europeia esta-
belece que zonas elétricas com uma participação de fontes renováveis
superior a 90% naturalmente garantem uma redução de emissões su-
perior a 70% e, portanto, se assume que se trata de sistemas predomi-
nantemente renováveis.
Logo, caso o número de horas de operação do eletrolisador não
seja maior que a participação de fontes renováveis na oferta, não exis-
te a necessidade de investimentos em novas instalações de geração de
energia elétrica renovável. Ou seja, não é preciso comprovar o princí-
pio da adicionalidade.
Dada a incessante busca da União Europeia pela otimização do uso
dos recursos renováveis, também é assumida como energia renovável
a energia advinda da rede nos casos em que o uso desta eletricidade
contribua para integração de fontes renováveis ao sistema, sobretudo
por meio da redução da necessidade de redespachos.
Ademais, em zonas elétricas onde o fator de emissão da matriz
elétrica é inferior 18 gramas de CO2eq/MJ, também é assumido que
a redução das emissões é superior a 70%. Para isso, é necessário que
o contrato de aquisição de energia trate de forma explícita o caráter
renovável da eletricidade transacionada, incluindo o tratamento de
correlações temporal e espacial. Novamente se dispensa o princípio
da adicionalidade.
Em termos da comprovação da correlação temporal, esta é bas-
tante abrangente e um dos principais tópicos da certificação de hidro-
gênio verde na União Europeia. Em linhas gerais, a problemática ad-
vém da necessidade de comprovar que o hidrogênio verde está sendo
produzido nos momentos em que existe a disponibilidade de energia
elétrica renovável. Esta correlação deve ser atestada por meio do cru-

6 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


zamento dos dados da curva de geração do sistema elétrica e os dados
da curva de carga do eletrolisador.
Em um primeiro momento, a correlação temporal requerida ocor-
re em base mensal. Ou seja, é preciso comprovar que o hidrogênio ver-
de foi produzido no mesmo mês civil vigente no contrato de aquisição
de energia elétrica renovável, sendo também considerada a possibili-
dade de a energia elétrica de origem renovável produzida no mês em
questão advir de mecanismos de armazenamento .
Todavia, na medida em que existam avanços nas tecnologias e in-
fraestruturas requeridas para um maior nível de sincronização entre a
geração elétrica renovável e a produção de hidrogênio verde, os crité-
rios de correlação temporal irão se tornar mais estritos. Neste sentido,
cabe ressaltar que a atual diretiva da União Europeia já estabelece a
necessidade de comprovação de correlação em base horária a partir
do ano de 2030.
Alternativamente, esta correlação pode ser comprovada por meio
da análise dos preços praticados no mercado atacadista de energia
elétrica. Explica-se: caso a produção de hidrogênio ocorra em momen-
tos em que o preço da energia seja inferior a 20 euros por MWh4, se as-
sume a premissa que a energia elétrica utilizada é de origem renovável
e, portanto, o hidrogênio pode ser enquadrado como verde. A lógica
desta premissa é que, em momentos de preços reduzidos de energia,
a energia elétrica ofertada tende a ser majoritariamente oriunda de
fontes renováveis.
Em termos de comprovação de correlação espacial da origem re-
novável da energia elétrica advinda da rede para a produção de hi-
drogênio, o critério central é que a planta de produção de hidrogênio
esteja na mesma zona elétrica em que está sendo produzida a energia
elétrica renovável utilizada. Porém, é possível se atestar correlação es-
pacial para casos em que exista a interconexão entre as zonas produ-
toras de eletricidade renovável e de hidrogênio.

4
Ou que o preço da energia elétrica esteja em um patamar inferior a 0,36 vezes do
valor de uma licença de emissão de CO2.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 7


Observa-se, assim, o caráter estrito das normas de certificação de hi-
drogênio de baixa emissão de carbono na União Europeia. Não bastasse
apenas o hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis de energia
elétrica ser enquadrado como de baixa emissão de carbono, foram esta-
belecidas normas acerca de correlações temporal e espacial, assim como,
de adicionalidade, as quais tendem a se tornar mais rigorosas ao longo
dos próximos anos.

1.2. Reino Unido

O hidrogênio é tido como peça central na promoção da economia de


baixo carbono e alcance do net zero no Reino Unido. Assim como em
outras jurisdições, a aposta no hidrogênio advém da sua capacidade
de ser usado em setores de difícil descarbonização, dentre os quais,
alguns segmentos industriais e o transporte de carga pesada.
Todavia, o Reino Unido enxerga o hidrogênio, não apenas como
um vetor promotor de descarbonização, como também como um ele-
mento indutor de crescimento econômico, especialmente em termos
de aquecimento do nível de atividade industrial.
Existe o entendimento que as potencialidades naturais do Reino
Unido, seu conhecimento técnico, sua capacidade inovativa, a capaci-
tação de sua mão de obra e sua experiência na indústria de energia, es-
pecialmente no segmento de gás natural, resultam em um conjunto de
diferenciais que possibilitam o Reino Unido estar bem-posicionado na
cadeia produtiva do hidrogênio. De forma explícita, a política britânica
aponta não haver interesse na posição de importador de hidrogênio.
Na busca pela efetiva implementação de uma economia do hidro-
gênio em seu território, o Reino Unido estabeleceu a meta de 10 GW de
capacidade de produção de hidrogênio até 2030. No horizonte tempo-
ral de 2050, existe o audacioso objetivo de o hidrogênio corresponder
por algo entre 20 e 35% do consumo final de energia do Reino Unido.
Para que estas audaciosas metas se materializem, vultosas quan-
tias financeiras necessitam ser dispendidas, tanto na estruturação de

8 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


negócios em parceria com a iniciativa privada voltados para investi-
mentos em capacidade produtiva, como em projetos de pesquisa e de-
senvolvimento focados em tornar a tecnologia mais competitiva.
Concomitantemente, a opção britânica vem sendo por trabalhar
com um espectro amplo de alternativas tecnológicas. A premissa ado-
tada é que a dimensão da economia do hidrogênio será função da dis-
ponibilidade de recursos e dos custos de produção. Na medida em que
existem diferentes rotas aptas a produzirem hidrogênio com baixa in-
tensidade em emissão de carbono, não é razoável sob a ótica britânica
previamente se preterir algumas destas tecnologias.
Nestas bases, em um claro contraste com a visão da União Europeia, a
abordagem britânica é mais abrangente no que tange ao enquadramento
do hidrogênio como sendo de baixa emissão de carbono. Efetivamente, o
Reino Unido não restringe esta classificação ao hidrogênio produzido a
partir de fontes de energia elétrica renováveis por meio do processo de
eletrólise.
A lógica britânica é voltada para o exame das emissões envolvidas
no processo de produção de hidrogênio e não na sua rota de produção.
Desta forma, as alternativas tecnológicas baseadas na reforma a vapor
do gás natural com captura de carbono, uso de biomassa e, até mesmo,
a produção de hidrogênio a partir da energia nuclear são tidas como
meios de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Notadamente, é preciso a plena compreensão dos processos de
produção e insumos utilizados para o exame da intensidade de emissão
de carbono destas tecnologias. Os estudos britânicos apontam para uma
emissão entre 16 e 20 gramas de CO2eq por MJ de H2 produzido a partir
da rota de reforma a vapor de gás natural com captura de carbono. No
caso da rota eletrolítica, estima-se uma emissão da ordem de 78 gramas
de CO2eq por MJ de H2 quando a produção ocorre por meio de energia
advinda da rede, sendo de apenas 0,1 gramas de CO2eq por MJ por H2
quando a produção ocorre a partir de plantas de geração renovável. Já a
produção a partir de biomassa com captura de carbono pode resultar em
emissões negativas de até 168 gramas de CO2eq por MJ de H2 produzido5.

5
A estratégia britânica para o hidrogênio de baixa emissão de carbono contempla o

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 9


Ao mesmo tempo, considerando a necessidade da oferta de hidro-
gênio de baixa emissão de carbono se apresentar de forma competiti-
va, é imperativo que se compare as estimativas de custos correntes e
de longo prazo destas tecnologias.
Neste sentido, cabe ressaltar que o Reino Unido trabalha com es-
tudos econômicos que apontam que o hidrogênio produzido a partir
da reforma a vapor do gás natural com captura de carbono apresenta
um custo nivelado atualmente 40% menor que o custo do hidrogênio
produzido por meio de fontes renováveis de energia elétrica. Mesmo
no horizonte de longo prazo, o hidrogênio de baixa emissão de car-
bono advindo do gás natural se manteria mais competitivo. O Reino
Unido trabalha na perspectiva que em 2025 este hidrogênio ainda será
mais de 15% mais barato que o hidrogênio da eletrólise.
Quando se analisa o hidrogênio produzido a partir da biomassa,
os resultados econômicos são muito sensíveis à precificação do carbo-
no. De todo modo, os estudos britânicos apontam que esta rota possui
condições de ser competitiva com as demais rotas tecnológicas.
Nestas bases, é perceptível o racional britânico de trabalhar com
um amplo espectro de rotas tecnológicas, seja em função da disponi-
bilidade de recursos e maturidade das tecnologias, seja por questões
econômicas. O desafio consiste em estabelecer regras de certificação
de um hidrogênio de baixa emissão de carbono que pode ser produzi-
do por meio de diferentes rotas tecnológicas.
Com o intuito de endereçar esta problemática, o governo britânico
optou por um processo amplo e participativo que permitisse definir as
diretrizes de enquadramento do hidrogênio enquanto hidrogênio de
baixa emissão de carbono.
Em linhas gerais, trata-se da necessidade de definir os limites de
emissões a partir dos quais o hidrogênio produzido pode ser clas-
sificado como hidrogênio de baixa emissão de carbono6. Associada

exame das perspectivas de outras rotas tecnológicas. Como já fora mencionado, até
mesmo rotas a partir da energia nuclear estão sendo avaliadas. Todavia, a opção
aqui foi por focar nas principais rotas.
6
Este enquadramento está restrito às emissões relativas ao processo de produção.

10 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


a esta discussão, está a busca pela construção de metodologias de
cálculo das emissões.
Considerando o contexto de programas e políticas de incentivos à
produção de hidrogênio, a existência de um arcabouço certificador da
baixa intensidade em carbono do hidrogênio é uma pré-condição para
que os projetos possam participar destes mecanismos de incentivos
e, de fato, se verificar uma expansão da produção de hidrogênio em
bases sustentáveis7.
Pelo fato do hidrogênio de baixa emissão de carbono ser uma in-
dústria nascente, é reconhecido o desafio da busca pelo equilíbrio en-
tre estabelecer rigorosos limites de emissões e a promoção de investi-
mentos que impulsionem o setor.
Concomitantemente, existe a ciência que é preciso se verificar na
prática os efeitos das diretrizes de certificação de hidrogênio de baixa
emissão de carbono. Nestas bases, o Reino Unido indica que estas nor-
mas precisarão ser revistas e aprimoradas na medida em que a indús-
tria se desenvolva e ganhe escala.
Desta forma, ficou estabelecido o limite de emissões de 20 gra-
mas de CO2eq por MJ de H28 para o enquadramento como hidrogênio
de baixa emissão de carbono, sendo este um limite válido para todas
as rotas tecnológicas sem qualquer tipo de distinção. Entretanto, as
diretrizes britânicas apontam para revisões deste limite conforme a
indústria e o atingimento das metas de emissões evoluam.
Para uma melhor compreensão do cálculo destas emissões, cabe
mencionar que as diretrizes britânicas consideram que a definição
destes limites é fundamental para correta comparação das emissões
das diferentes tecnologias de produção de hidrogênio de baixa emis-
são de carbono.

Ou seja, não se referem a emissões inerentes à transmissão, armazenamento e uso


do hidrogênio sobre as quais podem incidir regulamentações específicas.
7
Em especial, é preciso criar condições para participação dos projetos no Net zero
Hydrogen Fund e no Low Carbon Hydrogen Business Model.
8
Valor este baseado no poder calorífico inferior.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 11


Basicamente, são contempladas na metodologia de cálculo as
emissões inerentes à obtenção e transporte de matérias primas jun-
tamente com as emissões relacionadas às atividades do processo de
produção de hidrogênio propriamente ditas. Desta forma, além da
contabilização das emissões de suprimento de energia e de materiais,
fugitivas9 e de processo, também devem ser consideradas emissões as-
sociadas aos processos de purificação e compressão.
Mais especificamente no âmbito das emissões advindas do con-
sumo de energia elétrica, emissões especialmente importantes para
a rota do hidrogênio produzido por meio da rota da eletrólise, o arca-
bouço britânico reconhece as possibilidades desta eletricidade vir de
sistemas de geração renovável off-grid ou do grid com a comprovação
que a energia foi contratada de usinas de geração renovável.
No primeiro caso, a premissa é que a usina de geração off-grid está
diretamente conectada à planta de produção de hidrogênio em que a
energia elétrica será consumida. Apesar da associação imediata a fontes
renováveis de geração de energia elétrica, deve se ressaltada a possibili-
dade de a energia elétrica advir de outras fontes de baixo carbono.
Por sua vez, quando a energia elétrica advém do grid com contra-
tos de energia renovável, deve existir monitoramento em tempo real
das emissões da fonte de energia utilizada. Além de fontes renováveis,
esta energia também pode ser fornecida por outras tecnologias de bai-
xo carbono, dentre as quais, destaca-se a energia nuclear. Ademais, de-
vem ser consideradas as emissões derivadas das perdas nas redes de
transmissão e de distribuição.
Alternativamente, ainda existe a possibilidade da aquisição de
energia a partir do grid sem a existência de contratos que atestem o
caráter renovável da energia contratada. Neste caso, as emissões con-
tabilizadas tomam como base a emissão média do grid britânico. No-
vamente, ressalta-se a necessidade de considerar as perdas nas redes.
No que tange aos níveis de pressão e pureza, embora a compreen-
são seja que devem coexistir diferentes valores em função das caracte-

9
Estas emissões são relativamente importantes no caso da rota de produção de hi-
drogênio a partir da reforma a vapor do gás natural com captura de carbono.

12 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


rísticas do transporte e do uso do hidrogênio, adota-se o valor de refe-
rência de 3 MPa e de 99,9%, respectivamente, para a pressão e para a
pureza do hidrogênio produzido. A adoção de valores de referência se
deve ao fato destes parâmetros interferirem nas emissões10.
Já em termos de adicionalidade, apesar do reconhecimento que a
presença deste princípio tende a contribuir para expansão da produ-
ção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, a opção foi pela sua
não adoção enquanto condicionante para o enquadramento dos pro-
jetos enquanto hidrogênio de baixa emissão de carbono em função da
complexidade que esta restrição traria11.
Ressalta-se que isso não significa desconsiderar por completo o
princípio da adicionalidade. A opção britânica é tratar a adicionalida-
de como um mecanismo de incentivo. Ou seja, projetos que cumpram
este princípio são mais bem avaliados nos programas e políticas de
fomento ao hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Deve ser destacado que as diretrizes britânicas atuais não repre-
sentam critérios de certificação com vistas a participação em mercados
internacionais de hidrogênio. Efetivamente, é um regramento voltado
para participação nos programas e políticas de incentivos existentes
no Reino Unido. Porém, cabe mencionar que está em curso o desenvol-
vimento de um plano de certificação a ser concluído em 2025.

1.3. EUA

Em um contexto em que a mitigação das emissões de gases do efeito


estufa é imperativa com vistas a limitar os efeitos das mudanças cli-
máticas, os EUA possuem o hidrogênio como uma das partes centrais

10
O impacto nas emissões advém do consumo parasítico existente nas plantas. Por
exemplo, níveis mais elevados de pressão exigem maior dispêndios energéticos
com compressão.
11
Mais especificamente, acredita-se que o princípio da adicionalidade como um re-
quisito dos projetos pode vir a limitar a capacidade de projetos de hidrogênio verde
no curto e no médio prazo.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 13


de promoção de um setor energético sustentável, limpo e eficiente ao
longo das próximas décadas.
A partir deste reconhecimento, os EUA estão adotando estratégias
voltadas para o desenvolvimento da infraestrutura da economia do hi-
drogênio. Entretando, dado o diagnóstico que as rotas tecnológicas de
produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono ainda não são
competitivas com as rotas convencionais, a estratégia norte americana
também contempla vultosos investimentos em projetos de pesquisa,
desenvolvimento e inovação que possibilitem a redução dos custos de
produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono.
A meta dos EUA é chegar a um custo de produção de hidrogênio
limpo de 1 dólar por kg até o fim da década. Para isso, estão sendo
incentivadas parcerias entre a indústria, a academia e laboratórios de
pesquisa. Considerando o quão ambiciosos são os objetivos norte-a-
mericanos, é compreensível a opção por contemplar todos os tipos de
hidrogênio de baixa emissão de carbono em sua estratégia.
Efetivamente, estão sendo desenvolvidos projetos que buscam a redu-
ção de custos das mais diferentes rotas de produção de hidrogênio limpo.
Como ilustração, no caso da rota da eletrólise, o foco está no aumento de efi-
ciências dos eletrolisadores e, sobretudo na redução de custos da energia,
da infraestrutura de conexão à rede e de equipamentos acessórios.
Neste contexto, o hidrogênio de baixa emissão de carbono é o
destinatário de grande parte dos recursos financeiros dos programas
de incentivos a tecnologias de descarbonização nos EUA, destacando-
-se o Bipartisan Infrastructure Law (BIL), com 9,5 bilhões de dólares
destinados a projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono, e
o Inflation Reduction Act (IRA) que estabeleceu benefícios e incenti-
vos adicionais para economia do hidrogênio limpo, incluindo créditos
tributários que podem chegar a 3 dólares por kg de hidrogênio enqua-
drados como de baixa emissão.
Notadamente, o objetivo basilar da promoção de tecnologias de
hidrogênio de baixa emissão de carbono é a questão climática. Para
efeito de dimensionamento da importância concedida ao hidrogênio
nos EUA em sua agenda ambiental, existe a meta do hidrogênio res-
ponder por 10% da redução das emissões norte americanas até o ano
de 2050.

14 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Ao mesmo tempo, a promoção de investimentos na economia do
hidrogênio limpo também é tida como um meio de criação de cresci-
mento econômico e geração de empregos12. Em outras palavras, ex-
plicitamente a estratégia norte-americana para o hidrogênio de bai-
xa emissão de carbono também engloba objetivos macroeconômicos.
Ademais, também busca posicionar estrategicamente na dinâmica da
indústria internacional de energia limpa.
Concomitantemente a redução dos custos de produção de hidro-
gênio limpo, existe a necessidade da criação de demanda para alavan-
car esta indústria. A política norte americana tem como premissa que
o foco inicial deve ser o uso do hidrogênio em segmentos de difícil des-
carbonização. Dentre estes setores a serem priorizados, destacam-se
as indústrias siderúrgica, química e de refino, juntamente com apli-
cações do hidrogênio enquanto combustível em transporte pesado e
fonte de armazenamento sazonal de energia.
Visando acelerar o processo de ganho de competitividade do hi-
drogênio de baixa emissão de carbono e sua difusão em escala comer-
cial, os EUA buscam a construção de clusters regionais em que coexis-
tam produtores de hidrogênio juntos com nichos de demanda. Além
da criação de hubs de hidrogênio incitar a produção e o desenvolvi-
mento de infraestrutura, existe a premissa que serão criados ganhos
de aprendizado compartilhados que serão benéficos para todos os
agentes.
Nestas bases, é notório que os EUA possuem o interesse em desen-
volver sua indústria do hidrogênio limpo e não se tornar um importa-
dor deste insumo. Como consequência, embora questões relativas à
mensuração das emissões associadas ao hidrogênio também se façam
presentes, é uma lógica mais semelhante à britânica do que a da União
Europeia na medida em que o foco principal não é a criação de regras
de certificação para importação de hidrogênio de baixa emissão de
carbono.
Os critérios para o enquadramento do hidrogênio enquanto de
baixa emissão de carbono nos EUA estão reunidos no Clean Hydrogen
Production Standard (CHPS) desenvolvido pelo Department of Energy

12
Existe a meta da indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono criar 100.000
empregos nos EUA somente até 20230.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 15


(DOE). Na medida em que o atendimento às regras do CHPS é uma
condicionante à participação nos programas de incentivos governa-
mentais ao hidrogênio, a compreensão das diretrizes de mensuração
das emissões é um tema especialmente críticos para os investidores de
projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono nos EUA.
Inicialmente, a missão do CHPS é definir o conceito de hidrogênio
de baixa emissão de carbono. Em um primeiro momento, o enquadra-
mento estava associado à comprovação de emissões inferiores a 2 kg
de CO2eq por kg de H2 produzido13. Entretanto, em função do caráter
nascente da indústria e da necessidade de considerar um espectro
mais amplo de matérias primas e tecnologias, a partir da contribuição
de stakeholders por meio de consulta pública foi estabelecido o valor
de referência de 4 kg de CO2eq por kg de H2, sujeito a revisão em um
horizonte temporal de cinco anos.
Para um melhor entendimento destes valores, é preciso entender
quais as tipologias de emissões que estão sendo consideradas no
CHPS. A opção norte americana foi pela abordagem “well to gate” em
que são quantificadas as emissões totais da produção. Basicamente,
se trata das emissões associadas ao suprimento de matérias primas
para a produção de hidrogênio e às emissões diretamente associadas a
esta produção14. Em outras palavras, significa que as emissões de pro-
cessos upstream também são contabilizadas15. A Figura 1.1 a seguir
ilustra as tipologias de emissões a serem quantificadas no exame do
enquadramento do hidrogênio como sendo de baixo carbono16.
O valor de referência de emissões estabelecido possibilita a imple-
mentação de projetos de diferentes naturezas. Efetivamente, projetos

13
Além do CO2, também devem ser contabilizadas as emissões de N2O e de CH4.
14
Nesta abordagem, não são consideradas às emissões relativas à produção dos equi-
pamentos, construção de infraestrutura, distribuição e vazamentos.
15
No caso de plantas com captura de carbono, também devem ser contabilizadas
emissões de processos downstream relativos a esta captura.
16
Com vistas a evitar entendimentos equivocados acerca dos limites de emissões
norte-americanos, é preciso fazer uma ressalva quanto aos valores de referência
fixados no IRA. O limite previsto de 2 se refere às emissões estritamente relaciona-
das à produção de hidrogênio sobre as quais podem ser adicionadas emissões de
processos upstream e downstream.

16 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


baseados em combustíveis fósseis com captura de carbono, plantas
voltadas para a produção de hidrogênio a partir da biomassa ou siste-
mas de eletrólise a partir de fontes renováveis são capazes de produzir
hidrogênio com emissões inferiores a 4 kg de CO2eq por kg de H2.
Ao possibilitar o uso de diferentes tecnologias, a lógica do CHPS
é dotar os empreendedores de flexibilidade no desenho dos seus pro-
jetos visando a construção de sistemas otimizados e custo-efetivos no
atingimento da meta de produção de hidrogênio com emissões inferio-
res aos valores de referência.

Figura 1.1 Escopo das Emissões Mensuradas no CHPS

CO2 CO2

Generation
of electricity

Fuel combustion
fugitive Extraction of Feedstock H2 Production CO2 CO2
emissions feedstock delivery and CO2 capture Dellivery Sequestration

Fuel Fuel Fuel Fuel Potencial


combustion combustion combustion combustion for emissio/
compression, etc. leakage
Fugitive Fugitive Fugitive Fugitive
emissions emissions emissions emissions

Feedstock tretment Process


(e.g. Dryng. Purification, emissions
fertilize for biomass)

Net GHG emission associated Illustrative figure all potential pathways for H2
with producyion of biomass feedstock production not represented

Fonte: Adaptado a partir de DOE (2023).

No que tange à mensuração destas emissões, as mesmas devem


ser feitas com base em metodologia específica desenvolvida pelo Ar-
gonne National Laboratory. Além disso, visando garantir a prevalência
dos critérios de isonomia e transparência na avaliação, os valores de
referência pureza e de pressão do hidrogênio utilizados na quantifica-
ção das emissões são de, respectivamente, 100% e 20 bar17.

17
Quando o hidrogênio é produzido em outras condições de pureza e pressão, é pre-
ciso mensurar a variação de emissões associada aos processos que coloquem este
hidrogênio nas mesmas bases dos valores de referência. Por exemplo, caso o hidro-

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 17


De forma a propiciar ao leitor um melhor entendimento desta me-
todologia, a seguir será apresentado o racional da contabilização de
emissões das principais tecnologias de produção de hidrogênio de bai-
xa emissão de carbono de acordo com as diretrizes do CHPS:
1. Reforma a Vapor de Metano com Captura de Carbono: devem
ser informadas dados sobre o ano de produção, o tipo de me-
tano usado (gás natural ou biometano), o montante de metano
consumido para produção de hidrogênio, a quantidade e o tipo
da eletricidade consumida, o volume, a pureza, a pressão e as
impurezas do hidrogênio produzido. No que tange à captura
de carbono, é necessário disponibilizar informações referen-
tes à massa de carbono capturado em função da eficiência do
processo e de estimativas dos fluxos mássicos envolvidos;
2. Gaseificação: é preciso disponibilizar dados acerca do ano de
referência, as características matéria prima utilizada (carvão
ou o tipo de biomassa), a eficiência da produção de hidrogênio
e mensuração da quantidade de matéria prima utilizada, o tipo
de eletricidade usada, os montantes de eletricidade e de gás
natural consumidos, o volume, a pureza, a pressão e as impu-
rezas do hidrogênio produzido. Caso exista captura de carbo-
no, novamente se ressalta a necessidade de fornecer informa-
ções relativas à massa de carbono e os consumos de energia
existentes;
3. Eletrólise: informações acerca do eletrolisador, ano de refe-
rência da produção, quantidade de eletricidade consumida,
pressão, pureza, impurezas e volume de hidrogênio produzi-
do. Ademais, é preciso informar se existe a disponibilização de
oxigênio enquanto coproduto e em qual quantidade. No que se
refere especificamente às emissões da energia elétrica, a me-
todologia apresenta uma tabela com valores de referência para
emissões de cada tipo de fonte18. Os valores a serem contabi-

gênio produzido tenha uma menor pressão menor que 20 bar, é necessário quan-
tificar as emissões associadas ao processo de compressão requerido para que este
hidrogênio tenha uma pressão de 20 bar.
18
São contabilizadas emissões, não apenas da produção de energia elétrica, como

18 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


lizados vão depender da forma do suprimento, existindo duas
opções: (I) suprimento a partir de uma unidade de geração
ou conjunto de geradoras específicas, sendo necessário com-
provar o princípio da adicionalidade. Caso não exista conexão
direta com a planta de produção de hidrogênio, ainda será pre-
ciso comprovar correlações temporal e espacial; (ii) aquisição
de energia a partir da rede com as emissões sendo calculadas
conforme o mix médio de geração da rede;

1.4. Casos Adicionais

As seções anteriores deste capítulo trouxeram casos extremamente


relevantes de como a questão da certificação do hidrogênio de baixa
emissão de carbono vem sendo tratada na União Europeia, no Reino
Unido e nos EUA, ressaltando as diferenças de abordagens. Entretan-
to, é importante ressaltar que existem modelos de certificação sendo
construídos e implementados em outras jurisdições ao longo dos últi-
mos anos, como é o próprio caso do brasileiro a ser abordado no Capí-
tulo 4 deste livro.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que nem todo sistema
de certificação é criado por órgãos governamentais. Observa-se um
considerável número de mecanismos de certificação criados a partir
da esfera privada por meio de iniciativas de stakeholders interessados
em atestar a garantia de origem do hidrogênio produzido.
Concomitantemente, é preciso destacar que existem arcabouços
de certificação mandatórios e outros de natureza voluntária. Ressal-
ta-se que, apesar de muitos mecanismos de certificação estabelecido
pelo arcabouço governamental serem mandatórios, esta nem sempre
é uma realidade.

também relativas às perdas da rede. No caso da transmissão, se assume que as


perdas da rede totalizam 4,9% . Embora se reitere que emissões relativas a equi-
pamentos e infraestrutura não sejam contabilizadas, as emissões relativas às maté-
rias primas são consideradas.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 19


Em alguns casos, a adoção de um plano de natureza voluntário
pode servir como um período de teste do das diretrizes de certificação
que antecede a efetiva implementação das mesmas enquanto normas
legais. O caso australiano é bastante ilustrativo a este respeito.
No âmbito de sua estratégia para a promoção do hidrogênio de
baixa emissão de carbono, fora criado o Australia Clean Energy Regula-
tor Hydrogen Guarantee of Origin. Em sua primeira fase realizada entre
2021 e meados de 2023, este programa teve natureza voluntária pois o
objetivo australiano era avaliar sua adequação com vistas a sua adoção
enquanto instrumento mandatório previsto em lei.
Todavia, importante ressaltar que nem todo mecanismo voluntá-
rio é um experimento piloto para a adoção de um modelo de certifica-
ção mandatória. Efetivamente, existem esquemas de natureza volun-
tária liderados pelo setor industrial visando a definição dos valores de
referência das emissões do hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Por exemplo, pode ser mencionado o China Hydrogen Alliance
Standard and Assessment em que foram estabelecidos limites de emis-
sões de CO2 na produção de hidrogênio na China em iniciativa liderada
pelo setor industrial.
Em alguns casos, o mecanismo de certificação voluntária pode advir de
parcerias entre o poder público e privado. Este é o caso do Aichi Prefecture
Low-Carbon Hydrogen Certification existente no Japão. Basicamente, se tra-
ta de um programa de certificação estabelecido por meio de parceria entre
a Prefeitura de Aichi, o Governo de Chita e a cidade Toyota para atestar a
sustentabilidade ambiental do hidrogênio consumido na fábrica da Toyota.
Embora possuam natureza regional com diretrizes construídas a
partir de especificidades locais, a maior parte dos modelos de certifica-
ção busca reconhecimento internacional. De fato, conforme vem sendo
apontado de forma exaustiva neste livro, esta é uma pré-condição para
criação de um mercado internacional de hidrogênio de baixa emissão
de carbono. Porém, a profusão de diferentes modelos de certificação
traz consigo o desafio da harmonização de regras.
No âmbito dos sistemas voluntários, embora a lógica geral de cer-
tificação possa ser tida como semelhante, o detalhamento das diretri-
zes aponta para consideráveis divergências, a começar pelo enquadra-

20 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


mento do que pode ser classificado como hidrogênio de baixa emissão
de carbono.
Em síntese, os pontos críticos se referem às tecnologias a serem
consideradas, à abrangência da contabilização das emissões, `as fontes
de geração de energia elétrica passíveis de serem classificadas como
limpa e aos mecanismos regulatórios adotados.
A comparação de alguns modelos de certificação voluntárias em
nível internacional explicita esta problemática. Ao trazer as caracte-
rísticas de arcabouços de certificação voluntária presentes em países
regiões como Austrália, Japão, China e em países membros da União
Europeia, a Figura 1.2 é uma boa ilustração destas dificuldades.
Figura 1.2 Comparação de Regras de Certificação Voluntárias

EMISSIONS THRESHOLD POWER SUPPLY HIDROGEN CHAIN OF


TITLE LABEL BOUNDARY REQUIREMENT FOR PRODUCTION CUSTODY
(kgCO2eq/kgH2 ELECTROLYSIS PATHEWY MODEL
Australia
Smast energy council Renewable H2 No threshold Unclear
Zero carbon certification scheme
China Not specified
Renewable H2 4,9
China Hidrogen Alliance
Standard and Assessment for
Low-carbon Hidrogen, clean Clean H2 4,9 Not specified
Hidrogen, and renewable
Hidrogen energy Low carbon H2 14,5 N/a Not specified

European Union Green H2 4,4 B&C


CertifHy
Green and Low-carbon
Low carbon H2 4,4 B&C
Hidrogen Certification
Green H2
Germany (non-transport) 2,7 B&C
TÜV AÜD
CMS 70 Green H2 2,8 Mass
(transport)
Japan
Aichi prefecture
Low carbon H2 No threshold B&C
Low-Carbon Hidrogen
Certification
International
Green Hidrogen Organisation Green H2 1,0 Not specified
Green Hidrogen Standard
*Aligned with REDII methodology and may be updated once EU delegated act is finalised.
Hydrogen production pathway specified
Includes upstrean Power supply requirement
methane GO + additionality Solar, wind or hydro
To point of
Indicates GO required Nuclear
production Fossil SMR/ATR with
threshold value To point og use No GO/additionality specified Grid (or unspecified) Electrolysis carbon capture Iogas SMR

Note: ATR = autothermal reforming; B&C = book and claim; GO = guarantee of origin; SMR = steam methane reforming.

Fonte: IRENA (2022).

A divergência de critérios de certificação dos mecanismos voluntá-


rios também se faz presente no âmbito dos mecanismos mandatórios.
Dado que estas diretrizes são fixadas em normas legais, possivelmente
estas diferenças são ainda mais acentuadas na esfera mandatória.

Certificação de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono 21


A comparação dos modelos de certificação dos países da União
Europeia, do Reino Unido e dos EUA feita neste capítulo ilustra bem
esta problemática. Como fora apresentado, as divergências se iniciam
no próprio enquadramento do que pode ser considerado como hidro-
gênio de baixa emissão de carbono e vão até a definição dos limites de
emissões e das fontes de energia elétrica passíveis de serem utilizadas.
A partir do diagnóstico que estas certificações visam a criação de
um mercado internacional de hidrogênio de baixa emissão de carbono
e que, ao mesmo tempo, diversos países enxergam a promoção deste
hidrogênio como mecanismo de incentivo às suas atividades econô-
micas, é preciso contemplar variáveis geopolíticas nestas discussões.´
Desta forma, o próximo capítulo deste livro se dedica justamente a
examinar a geopolítica da economia do hidrogênio de baixa emissão
de carbono.

22 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


2
A Economia Internacional
do Hidrogênio
Historicamente, a indústria de energia e as disputas geopolíticas es-
tão intimamente relacionadas e podem ser tidas como interdependen-
tes. Neste contexto, as transformações trazidas pelas perspectivas de
descarbonização do setor energético mundial, sobretudo por meio da
produção e do uso de hidrogênio, tendem a serem impactadas e a im-
pactar as relações geopolítica entre diferentes países e regiões.
O presente capítulo pretender versar justamente sobre as condi-
cionantes inerentes à geopolítica do hidrogênio. Basicamente, identifi-
car variáveis críticas e relacioná-la com o setor de energia do Brasil vi-
sando identificar, não apenas riscos e oportunidades para o país, mas
como as variáveis geopolíticas impactam as discussões de certificação
de hidrogênio e, por consequência, podem interferir na competitivida-
de do hidrogênio brasileiro.
Este capítulo está dividido em quatro seções. Inicialmente, será
feita uma breve contextualização de como as questões geopolíticas in-
fluenciam e são influenciadas pelo setor energético. Na sequência, a
segunda parte do capítulo abordará as condicionantes, riscos e opor-
tunidades associados à geopolítica do hidrogênio, tendo a questão da
certificação como elemento central desta discussão. Já a terceira se-
ção será dedicada ao estudo de caso das contribuições brasileiras na
consulta pública da União Europeia para definição de suas regras de
certificação de hidrogênio. Por fim, a última parte do capítulo traz con-
siderações finais acerca das implicações das questões geopolíticas no
desenvolvimento da indústria do hidrogênio.

2.1. A Geopolítica da Energia

As variáveis geopolíticas ditam muitas das relações existentes no setor de


energia. Antes de mais nada, é preciso enfatizar que a energia, não apenas
é um insumo fundamental para o desenvolvimento socioeconômico dos
países, como também impacta a competitividade das economias e, desta
forma, possui implicações nos fluxos de comércio internacional.
Se por um lado a ordem política global influencia a dinâmica do
setor de energia, incluindo a configuração dos mercados, por outro
lado, a forma de funcionamento do setor energético e de seus merca-
dos acabam por impactar as relações de forças em nível internacional.
Em uma perspectiva histórica, dado que os combustíveis fósseis
respondem por algo em torno de 80% da oferta mundial de energia,
deve ser ressaltado que a distribuição heterogênea dos recursos fós-
seis ao redor do mundo, sobretudo de petróleo, tende a tensionar as
relações internacionais.
Uma breve revisão histórica dos últimos 120 anos mostra o quan-
to a posse de reservas de petróleo condicionou as relações de poder

24 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


em nível internacional. Enquanto países como EUA e Rússia possuem
suas reservas de combustíveis fósseis como um ativo geopolítico, os
países da Europa Ocidental possuem na dependência da importação
de combustível um sensível elemento de fragilidade em suas políticas
externas.
Adicionalmente, é preciso considerar as implicações do comércio
internacional de energia na balança de pagamentos dos países. Espe-
cialmente em momentos de alta nos preços do petróleo, os impactos
nas contas de países dependentes de importação podem ser extrema-
mente danosos.
Em contrapartida, a presença de reservas de petróleo permitiu um
grande acúmulo de receitas e reservas internacionais por parte de al-
guns países de menor porte e com economias modestas. Este acúmulo
de capital advindo da comercialização de petróleo não necessariamente
se transformou em desenvolvimento socioeconômico. Em realidade, boa
parte destes países segue apresentando grandes desigualdades sociais
e, comumente, são governados com base em regimes não democráticos.
Neste contexto, é compreensível o fato de o setor de energia ter
sido o estopim para diversas guerras ao longo dos últimos 120 anos.
Ainda que de forma velada, muitas das vezes travestida pela busca por
regimes democráticos e melhoria da garantia de vida de populações
locais, o acesso a reservas de energia esteve no centro de grande par-
te dos conflitos bélicos desde o início do Século XX, especialmente no
Oriente Médio e na África19.
O processo de transição energética traz consigo grandes modifi-
cações neste status quo. Explica-se: na medida que a dotação de fontes
renováveis apresenta uma natureza muito mais homogênea entre os
diferentes países e regiões quando comparada aos recursos fósseis, o
equilíbrio das forças geopolíticas mundiais tende a ser impactado pela
mudança da composição da matriz energética mundial.
Em contrapartida, também é preciso ressaltar que o jogo geopolíti-
co também interfere na dinâmica da transição energética. Neste sentido,

19
Para os leitores interessados em se aprofundar no assunto, recomenda-se a leitura
do livro “A Tirania do Petróleo” de autoria da escritora Antonia Juhasz.

A Economia Internacional do Hidrogênio 25


embora a promoção de fontes renováveis seja uma estratégia comple-
tamente meritória diante à emergência climática deparada pelo mun-
do, não devem ser desconsiderados os interesses geopolíticos no posi-
cionamento dos países, especialmente ao se considerar as implicações
de ordem econômicas associadas ao suprimento de energia.
Um exemplo concreto e recente ajuda a ilustrar esta realidade.
Tradicionalmente, os países da Europa Ocidental concedem grande
importância da transição energética em função da necessidade de mi-
tigar impactos ambientais. Todavia, com o advento da Guerra da Ucrâ-
nia, a defesa da transição energética como um mecanismo de redução
da dependência energética externa dos Estados-Membros da União
Europeia passou a ocorrer de forma explícita.
Em síntese, é natural que países historicamente dependentes da
importação de combustíveis fósseis tenham maior pré-disposição
para implementação de políticas a fontes renováveis quando compa-
rados a países autossuficientes energeticamente. O racional deste po-
sicionamento é aumentar o nível de segurança energética e reduzir os
impactos da importação de energia em suas contas externas. Entretan-
to, também é preciso fazer considerações acerca de competitividade
econômica.
Em um primeiro momento, fontes renováveis e alternativas são
mais custosas que fontes convencionais. Apesar da perspectiva de re-
dução de custos no médio prazo e os benefícios ambientais justifica-
rem a adoção de políticas de incentivos, existem impactos negativos na
competitividade da economia de países que promovem fontes renová-
veis em um primeiro momento.
Logo, visando que a dinâmica de transição energética seja neutra
em termos da competitividade relativa entre as economias, é compre-
ensível que estes países assumam posições internacionais em defesa
de metas mundiais para fontes renováveis. Reitera-se aqui que isso
não significa que realmente não exista comprometimento com a causa
ambiental por parte destes países. Apenas é importante fazer a ressal-
va que também existem interesses econômicos envolvidos.
É possível afirmar que a transição energética não eliminará a in-
fluência das variáveis geopolíticas no setor energético. Em realidade,

26 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


o que haverá serão transformações nestas relações, vide a indústria de
energia renovável ser mais dispersa e envolver um maior número de
agentes em sua cadeia produtiva.
Para efeito de dimensionamento da transformação prospectada, a
Figura 2.1 faz uma análise comparativa entre as composições da ma-
triz energética mundial dos dias atuais e da matriz projetada para dé-
cada de 2050.

Figura 2.1 análise entre da matriz energética mundial atual com a da matriz projetada
para década de 2050

Ammonia
Oil
Coal Methanol
Oil

Gas
Hydrogen

2020 2050
USD 1.5 trillion USD 1.6 trillion
Electricity

Methanol Bioenergy

Ademais, partir da constatação que a transição energética é intensiva


em materiais, um ponto de atenção é a necessidade de considerar o su-
primento de materiais nas análises geopolíticas a serem desenvolvidas,
incluindo o transporte por meios marítimos ou aéreos destes materiais.
Diante a transformações tão profundas em uma indústria com
efeitos transversais nos diferentes segmentos da economia mundial,
é muito provável que a dinâmica da transição energética impactará de
forma sem precedentes, não apenas o regime tecno-econômico vigen-
te, como também terá implicações socais.

A Economia Internacional do Hidrogênio 27


Na medida em que a transição energética é tida como um mecanis-
mo de promoção de crescimento econômico em diversos países, toda
esta problemática se acentua. Como ilustração, cabe mencionar alguns
dados recentes do Fundo Monetário Internacional. De acordo com o
estudo The Return of Industrial Policy in Data, das 2.500 novas po-
líticas industriais implementadas em 2023, aproximadamente 1.800
podem ser tidas como anticompetitivas.
O estudo ressalta que mais de 70% das medidas foram adotadas
por países desenvolvidos e, somente os países da União Europeia, a
China e os EUA, respondem por 48% destas medidas. Do montante de
1.800 práticas anticompetitivas, 15% foram iniciativas no âmbito da
transição energética.
O exame de casos concretos e de domínio público permitem um
melhor entendimento dos interesses envolvidos. Neste sentido, um
exemplo emblemático são as estratégias dos EUA nas discussões am-
bientais ao longo dos últimos 40 anos.
Tradicionalmente, os EUA vêm sendo refratário à imposição de
metas mandatórias nas discussões acerca de acordos climáticos. Esta
postura foi evidenciada em sua não ratificação do Protocolo de Quioto
e corroborada em suas estratégias políticas nas Conferências das Par-
tes ao longo dos últimos 25 anos.
Já no âmbito da adoção de medidas de combate à emissão dos gases
causadores do buraco da camada de ozônio na década de 1980, o compor-
tamento norte americano foi proativo na busca da resolução do proble-
ma. Notadamente, os EUA assumiram o protagonismo nas negociações da
Conferência de Viena que culminaram no Protocolo de Montreal.
As posições divergentes dos EUA nestes casos não significam que
estão concedendo importâncias distintas a estes problemas. A dife-
rença está no fato dos EUA terem a tecnologia de combate dos gases
causadores do buraco na camada de ozônio e, por consequência, en-
xergar uma oportunidade comercial que poderia trazer ganhos para
sua economia.
Nestas bases, qualquer avaliação acerca da descarbonização da
economia mundial precisa partir do reconhecimento que os países

28 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


apresentam muitas vezes interesses divergentes. A própria evolução
da agenda ambiental permite atestar esta assertiva.
A Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, é um grande mar-
co nas discussões dos impactos ambientais advindos do desenvolvi-
mento socioeconômico. Na ocasião, foram verificados posicionamen-
tos antagônicos entre os Países do Norte e os Países do Sul. Enquanto
os países desenvolvidos foram a conferência com uma pauta focada na
questão ambiental, os países em vias de desenvolvimento assumiram
a posição de defender que a promoção de desenvolvimento econômico
era sua prioridade em função da necessidade de combater a pobreza e
todas os problemas sociais associados.
Desta forma, é possível afirmar que a agenda climática não está
isenta da influência da esfera geopolítica. O cerne da complexidade da
implementação de acordos de redução de emissões são justamente as
implicações na competitividade relativa das economias. Caso se ignore a
influência de variáveis econômicas e geopolíticas nas discussões acerca
das medidas de mitigação das mudanças climáticas, está se cometendo
um equívoco e condenando a avaliação a ter resultados enviesados
Reitera-se que este reconhecimento não significa minimizar o
problema climático e a necessidade da adoção de medidas promoto-
ras da descarbonização do setor energético mundial, notadamente o
uso mais eficiente dos recursos energéticos e uma maior utilização de
fontes não emissoras de gases do efeito estufa.
No cerne da influência geopolítica na transição energética está a
escolha das alternativas tecnológicas a serem priorizadas. Embora se
reconheça que existe considerável nível de integração das cadeias pro-
dutivas globais e soluções sem replicabilidade em larga escala possam
ser questionáveis20, é preciso enfatizar que as escolhas tecnológicas
também são influenciadas por posições geopolíticas.
Observa-se, assim, a necessidade de considerar variáveis geopo-
líticas e suas implicações econômicas na elaboração de diretrizes de

20
Dentre as razões por esta integração, pode ser mencionado o fato de muitas compa-
nhias atuarem em diversos países. Ademais, é importante ressaltar que integração
das cadeias globais é relevante para países pobres dependentes de recursos exter-
nos e de transferência tecnológica.

A Economia Internacional do Hidrogênio 29


política energética, sobretudo quando se vislumbra a atração de inves-
timentos em tecnologias verdes como um elemento impulsionador de
crescimento econômico.

2.2. A Economia Internacional do Hidrogênio

Na medida em que permite a descarbonização de setores de difícil


abatimento de emissões, é crescente o entendimento da relevância do
uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados em
larga escala para a redução de emissões do setor de energia.
Porém, considerando os grandes volumes de hidrogênio que irão
ser demandados e a constatação que em muitos casos as regiões de
maior demanda não são as que apresentam as melhores condições de
produção de hidrogênio, é compreensível a busca pela construção de
um mercado internacional de hidrogênio.
Sob a ótica técnica, as questões relacionadas ao desenvolvimento
deste mercado se referem às formas de armazenamento e transporte
em função das dificuldades existente. Logo, além do exame da alterna-
tiva da conversão do hidrogênio para o estado líquido, é crescente o
interesse na produção de derivados como amônia e metanol como me-
canismo de transporte ou pela percepção que são insumos melhores
de serem utilizados no consumo final.
Já na esfera econômica, as condicionantes envolvidas transcen-
dem tradicionais análises de atratividade realizadas por meio de mo-
delos econômico-financeiros21. Notadamente, é preciso considerar as
diretrizes de certificação. Conforme apresentado no capítulo anterior,
a harmonização destas normas é vital para a criação de um mercado

21
Na esfera econômica, um ponto relevante é que as margens de lucro da indústria de
hidrogênio deverão ser menores que as margens tradicionalmente verificadas no
setor de óleo e gás. Este diagnóstico é baseado no fato do hidrogênio não ser uma
fonte primária de energia e sim um vetor energético advindo da transformação de
algum recurso energético primário. Logo, tende a ser uma indústria bastante com-
petitiva e, por consequência, com margens pequenas.

30 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


de hidrogênio. Ademais, estas regras impactam os preços de comercia-
lização do hidrogênio.
Nestas bases, é perceptível que a criação de um mercado mundial
de hidrogênio também será influenciada pela dimensão geopolítica.
Para um melhor entendimento desta dinâmica, inicialmente, é preciso
ressalvar que os países e regiões apresentam condições e interesses
heterogêneos na emergente economia do hidrogênio.
Para classificar os países, os critérios identificados como mais re-
levantes são os seguintes:
1. Demanda potencial por hidrogênio de baixa emissão de carbo-
no;
2. Potencial para produção de energia renovável;
3. Disponibilidade de água doce;
4. Infraestrutura de produção e de transporte de hidrogênio;
A partir destes critérios, os países foram classificados em quatro
tipos:
● Grupo 1: países de economias avançadas e diversificadas em
que se verifica demanda potencial por hidrogênio de baixa
emissão de carbono. Trata-se de países com relativa restrição
de terras e de água doce, não detentores de reservas significa-
tivas de recursos fósseis e com potencial de geração de energia
renovável aquém das regiões de maior potencial. Ademais, são
países com infraestrutura adequada para o desenvolvimento
da indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono. Para
atender suas demandas por hidrogênio de baixa emissão de
carbono, estes países deverão ser grandes importadores de hi-
drogênio no mercado internacional. Como exemplos de países
deste tipo, podem ser mencionados os Estados-Membros da
União Europeia e o Japão;
● Grupo 2: países desenvolvidos com demanda interna por hi-
drogênio. São países com aptidão para produção de hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono a partir de diferentes rotas
tecnológicas, incluindo rotas de biomassa e a possibilidade
da realização de reforma a vapor do gás natural com captura

A Economia Internacional do Hidrogênio 31


de carbono. Ademais, ressalta-se a presença de infraestrutura
compatível com as necessidades requeridas pela indústria do
hidrogênio. A problemática da disponibilidade à água doce é
uma questão menos crítica para estes países. É possível que
estes países, além do atendimento de seus mercados internos,
se tornem exportadores de hidrogênio;
● Grupo 3: países com abundância de fontes renováveis e dis-
ponibilidade de água, mas com potencial de demanda interna
para o uso de hidrogênio relativamente limitado. Logo, são pa-
íses que dependem da existência de um mercado internacional
robusto de hidrogênio para transformarem seus potenciais em
produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Haven-
do esta demanda internacional, a implementação de infraes-
trutura de produção e transporte de hidrogênio tende a ser
endereçada;
● Grupo 4: países com abundância de fontes renováveis para
produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono a partir
de diferentes rotas e disponibilidade de água doce. Embora
sejam países com razoável demanda interna por hidrogênio
de baixa emissão de carbono, a alavancagem da indústria é
dependente da dinâmica internacional. O impulso interna-
cional pode vir por meio da exportação de hidrogênio, de
derivados de hidrogênio ou da exigência de certificação de
produtos exportados, como é o caso do aço. Além disso, são
países que apresentam desafios quanto à infraestrutura de
suporte à indústria do hidrogênio em função de suas dimen-
sões geográficas e/ou distância para os grandes centros im-
portadores de hidrogênio de baixa emissão de carbono;
● Grupo 5: países com potencial significativo de fontes renová-
veis, mas como restrições no acesso à água e infraestrutura
limitada. Ao mesmo tempo, são países que tendem a não ser
grandes importadores de hidrogênio. Nestas bases, por mais
que possam existir exceções, se parte da premissa que estes
países não serão players relevantes na indústria do hidrogênio.

32 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


A Figura 2.2 a seguir apresenta o enquadramento dos países ao
redor do mundo com base nesta classificação:
Figura 2.2 Enquadramento dos Países na Economia do Hidrogênio22

Fonte: Elaboração Própria a partir de Pflugmann e Blasio (2020).

A partir deste diagnóstico, é possível fazer algumas análises da di-


nâmica prospectada para o comércio internacional de hidrogênio e a
influência das variáveis geopolíticas neste mercado.
No que tange aos países que tendem a ser importadores de gran-
des volumes de hidrogênio, notadamente os Estados-Membros da
União Europeia, permanece a questão da dependência energética. Na
medida em que historicamente estes países sofrem com a concentra-
ção de reservas de petróleo e gás natural em um conjunto restrito de
países, não é razoável supor que estes países estão dispostos a mera-
mente deixarem de ser dependentes de países produtores de combus-
tíveis fósseis para se tornarem dependentes de países com abundância
de geração renovável.

22
A inspiração para a elaboração desta figura é Pflugmann e Blasio (2020). Todavia,
foram adotadas premissas distintas para a realização da classificação dos países.

A Economia Internacional do Hidrogênio 33


Desta forma, são notórios os esforços destes países para atender
o máximo possível de sua demanda por meio de produção em seus
próprios territórios. Com este fim, é compreensível o posicionamen-
to destes países privilegiarem tecnologias que possuem aptidão para
produzir hidrogênio de baixa emissão de carbono.
De todo modo, dado o reconhecimento que uma considerável
parte das suas demandas será atendida por meio de importação, im-
portante frisar que países geograficamente próximos com potencial
de exportação apresentam vantagens competitivas por apresentarem
menores custos de transportes, podendo mesmo exportarem hidrogê-
nio por meio de gasodutos23.
Ademais, visando mitigar riscos inerentes à dependência energé-
tica externa, é interesse destes países a diversificação de fornecedores
de hidrogênio e seus derivados. Logo, embora a questão dos custos
de transporte acabe privilegiando exportadores próximos geografica-
mente, é razoável supor que existirá mercado para exportadores mais
distantes em função da necessidade de diversificação de fornecedores.
Em contrapartida, sob a ótica dos potenciais exportadores de hi-
drogênio de baixa emissão de carbono, é preciso ressaltar que haverá
competição acirrada pela inserção de seus produtos no mercado inter-
nacional. Para lidar com as pressões competitivas prospectadas, é vital
a exploração de diferenciais competitivos com vistas a disponibilizar
o hidrogênio de baixa emissão de carbono e/ou seus derivados ao me-
nor preço possível no ponto de entrega.
Visando explorar diferenciais competitivos, países com potencial
de exportação precisam ser proativos. Efetivamente, não basta ter dis-
ponibilidade de recursos naturais em condições favoráveis. É preciso
que também exista um bom ambiente de negócios fundamentado em
diretrizes regulatórias estáveis e consistentes com o intuito de mitigar
a percepção de risco dos investidores e, desta forma, reduzir o custo
do capital.

23
Alternativamente, podem ocorrer modelos de negócios em que se exporta energia
elétrica renovável por meio de linhas de transmissão e a produção de hidrogênio
ocorre no país importador desta energia elétrica.

34 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Este bom ambiente de negócios deve criar condições para a
construção de um ecossistema propício para inovações voltadas para
redução de custos e ganhos de competitividade. Nestas bases, o pro-
cesso tende a se retroalimentar com os ganhos de escala tornando a
produção de hidrogênio ainda mais competitiva. Associada a esta di-
nâmica, é fundamental que existam investimentos em infraestrutura,
especialmente de transporte e distribuição deste hidrogênio e/ou de
seus derivados.
Portanto, uma primeira conclusão é que a produção e uso em larga
escala de hidrogênio de baixa emissão de carbono, em detrimento ao
consumo de combustíveis fósseis, irá modificar o equilíbrio de forças
da geopolítica energética mundial.
Ao se observar os números de projetos anunciados e as metas de
produção de hidrogênio de baixo de carbono ao redor do mundo, é
perceptível que são muito maiores que a demanda prospectada para
este hidrogênio. O corolário desta situação é a morosidade na efetiva
implementação de projetos em função das incertezas existentes quan-
to ao mercado de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Neste contexto, a definição de “ganhadores” e “perdedores” irá
depender da estratégia de negócios de cada país. Dada toda a inter-
dependência entre as esferas energética e geopolítica, é importante
enfatizar que as discussões acerca de estratégias para o hidrogênio de
baixa emissão de carbono devem incluir a tomada de posição quanto
às regras de certificação e a busca por desenhos de mercado compatí-
veis com a lógica comercial destes países.
Esta é uma discussão que transcende o comércio de hidrogênio e
derivados. De fato, dado o objetivo de descarbonizar a economia glo-
bal, são crescentes as iniciativas de certificação da sustentabilidade
de produtos. Neste sentido, as discussões avançam para observar as
emissões ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos.
Como exemplo desta abordagem, pode ser mencionado o setor si-
derúrgico em que os requisitos de sustentabilidade do aço são cada
vez maiores. Considerando que algumas das alternativas principais
para produção de aço verde envolvem o uso de hidrogênio de baixa

A Economia Internacional do Hidrogênio 35


emissão de carbono, é perceptível a amplitude das diretrizes a serem
estabelecidas para certificação deste hidrogênio.
Adicionalmente, é importante ressaltar que os requisitos de
sustentabilidade são cada vez mais abrangentes, incluindo critérios
ambientais além da questão da emissão de gases do efeito estufa e
métricas de caráter social. Dentre as regras de comprovação de sus-
tentabilidade mais relevantes, se destaca o CBAM da União Europeia.
Nestas bases, apesar de se prospectar que a economia hidrogê-
nio terá envergadura e resultará em grandes fluxos internacionais de
comercialização de hidrogênio, as oportunidades a serem aproveita-
das irão depender do arcabouço normativo do comércio internacional.
Mais relevante que isso, é a constatação que a competição entre países
e assimetria de forças políticas farão com que os ganhos do comércio
internacional de hidrogênio não venham ser distribuídos de forma ho-
mogênea entre os agentes.
Como a economia do hidrogênio de baixa emissão de carbono ainda
é incipiente, ainda existem muitas incertezas acerca de como estas rela-
ções irão evoluir e das reais oportunidades que irão se apresentar. Neste
sentido, enquanto método analítico é possível a construção de alguns
cenários.
Em linhas com a necessidade mitigar as mudanças climáticas, exis-
te um cenário em que é estabelecido um grande acordo internacional
para produção e uso de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus
derivados onde se prioriza os diferenciais competitivos de cada país.
Trata-se de um cenário colaborativo em que o mercado internacional
de hidrogênio de baixa emissão de carbono se consolida. Porém, este é
um cenário em que se prospecta perda de poder por parte dos países
do Grupo 1 na medida que o centro de poder se move para os países
em vias de desenvolvimento.
Em contrapartida, é possível vislumbrar um cenário de tranca-
mentos tecnológicos em que um restrito grupo de países fazem exi-
gências custosas para produtores de hidrogênio e seus derivados por
meio do estabelecimento de normas de produção de hidrogênio bas-
tante estritas. Este é um cenário em que os países importadores de hi-

36 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


drogênio irão reunir forças visando reduzir ao máximo a necessidade
de importação de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Estes são apenas dois cenários possíveis para a o mercado inter-
nacional de hidrogênio sobre os quais podem ser construídos diversos
outros cenários intermediários. A questão central é a definição de estra-
tégias e posicionamentos em nível internacional que possibilitem ma-
ximizar os ganhos deste mercado sob o prisma da economia brasileira.

2.3. Estudo de Caso

Com vistas a ilustrar toda a problemática das relações entre o setor


energético e a esfera geopolítica a partir de casos reais, esta seção visa
apresentar os fundamentos e apontamentos das contribuições brasi-
leiras, realizadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), na con-
sulta pública da União Europeia acerca da Diretiva (UE) 2018/2001
do Parlamento Europeu e do Conselho, a qual estabelece as normas da
União Europeia sobre as regras de produção de combustíveis líquidos
e gasosos renováveis de origem não biológica.
Este é um caso concreto de posicionamento no debate internacio-
nal buscando evitar a criação de trancamentos tecnológicos. A impor-
tância de se impedir o estabelecimento de restrições excessivas é não
gerar ineficiências setoriais e barreiras à criação de um mercado inter-
nacional de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Ademais, dado que o foco principal deste livro é a economia do hidro-
gênio brasileira, este estudo de caso torna-se ainda mais relevante porque
aponta o posicionamento do Brasil nas discussões internacionais.
A contribuição da EPE reconhece o pioneirismo e a importância
da União Europeia na construção de um arcabouço normativo para o
hidrogênio de baixa emissão de carbono. Entretanto, é enfática quan-
to ao que considera como restrições desnecessárias que irão tornar a
indústria ineficiente e dificultar a construção de um mercado interna-
cional de hidrogênio de baixa emissão de carbono.

A Economia Internacional do Hidrogênio 37


Dentre as questões apresentadas pela EPE, os critérios para o
enquadramento como hidrogênio renovável são tidos como especial-
mente críticos porque tendem a limitar a oferta mundial de hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono. Como consequência, os preços deste
hidrogênio tendem a ser mais elevados e o mundo irá se deparar com
maiores dificuldades no processo de descarbonização. A EPE também
destaca que os critérios de adicionalidade da União Europeia são bas-
tante estritos, conforme pode ser visto na passagem abaixo:
The Proposal on Renewable Fuels of Non-Biological Origin (RFNBO)
sets criteria for products that fall into the “renewable hydrogen”
category, with the goal to accelerate the energy transition and the
decarbonization of the economy, as well as to ensure energy securi-
ty while shifting away from fossil fuels. However, the first proposal
(RFNBO) presents restrictive “additionality” criteria and excessively
restrictive conditions for granting the classification of renewable
hydrogen (defined as hydrogen derived only from renewable energy
sources other than biomass).

Trata-se de uma nítida discussão de natureza geopolítica movi-


da por interesses comerciais. Explica-se: o posicionamento da União
Europeia é compatível com as suas potencialidades e condicionantes
para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Entre-
tanto, sob a ótica técnica, a abordagem restritiva adotada carece de
fundamentação. Na medida que países como o Brasil conseguem pro-
duzir hidrogênio de baixa emissão de carbono por meio de outras
rotas renováveis24, como por exemplo a reforma a vapor do etanol, é
extremamente pertinente que existam questionamentos sobre o en-
quadramento estrito europeu.
Ainda no que tange a necessidade de garantir uma ampla oferta
de hidrogênio de baixa emissão de carbono em bases competitivas de
custos, a contribuição brasileira também ressalta as implicações nega-
tivas da legislação europeia desconsiderar mecanismos de flexibilida-
de. Para endereçar esta problemática, a recomendação da EPE é pelo

24
Em uma abordagem mais abrangente, até rotas não renováveis que produzam hi-
drogênio de baixa emissão de carbono deveriam ser consideradas, sendo este o
caso da reforma a vapor do gás natural com captura de carbono.

38 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


estabelecimento de normas que permitam a mistura de hidrogênio de
baixa emissão de carbono, de projetos de diferentes tipologias e a in-
tegração com mercados de carbono. A passagem abaixo apresenta os
argumentos da EPE a este respeito em sua contribuição:
It also lacks flexibility mechanisms, such as the blending of low car-
bon hydrogen from different projects in order to meet EU carbon
intensity regulation and/or compensation in the carbon market for
complying with the regulations. Those inflexibilities and inconsis-
tencies with the ultimate goal will bring unintentional consequen-
ces, such as i) raising barriers to foster low carbon hydrogen eco-
nomy; ii) losing competitiveness for renewable hydrogen; and iii)
preventing several renewable hydrogen projects worldwide (par-
ticularly, in Brazil and other Latin America Countries) of meeting
the proposal regulation and getting Final Investment Decision by
entrepreneurs thereby.

A presença de mecanismos de flexibilidade também é tida como


fundamental para lidar com a variação da geração renovável sem o
comprometimento da produção de hidrogênio de baixa emissão de
carbono. Trata-se de uma questão com implicações na atração de in-
vestimentos e na eficiência da produção de hidrogênio.
A contribuição da EPE aponta que, dado o contexto de crescente
imprevisibilidade climática e eventos extremos cada vez mais frequen-
tes, a ausência de mecanismos de flexibilidade tende a resultar em
uma postura conservadora por parte de investidores em projetos de
hidreletricidade. A partir da constatação que o caráter controlável da
geração hidrelétrica agrega muito valor aos sistemas de produção de
hidrogênio a partir da eletrólise, esta é uma temática relevante. Seus
impactos negativos atingem, não apenas o Brasil, como também em
diversos outros países ao redor do mundo. A passagem abaixo faz a
transcrição da posição brasileira este respeito:
Not incorporating flexibility mechanisms and/or more realistic re-
gulation to deal with practical and actual market conditions will
raise barriers to several investments in renewable hydrogen pro-
jects not only in Brazil but also worldwide. Some global developers
have already manifested their concerns about the impacts of the EU
proposals on their projects and, even, on the final investment deci-

A Economia Internacional do Hidrogênio 39


sion of relevant projects in Brazil, which are based on export-driven
business models (mainly to EU).

Conforme os apontamentos da contribuição brasileira, os requi-


sitos de correlação temporal da normativa da União Europeia são ex-
tremamente desafiadores de serem atendidos sem a presença de me-
canismos de flexibilidade. Esta assertiva é baseada no diagnóstico que
não é possível assegurar que não irão existir congestionamentos na
rede elétrica, vide o texto abaixo:
This will be even more challenging, if no flexibility mechanism be
created and the need for having renewable power generation at the
same time as the consumption and no electricity grid congestion
between both be adopted as EU regulation. Depending on the grid
topology and the distance between the electricity generation and
the hydrogen production facility, the developer won’t be able to en-
sure there will be no grid congestion at any time, as it depends on
the load variations and new connections (load or generation) in the
grid over the time (even years).

De acordo com a contribuição brasileira, mesmo que as plantas de


geração de eletricidade renovável e de hidrogênio estejam na mesma
bidding zone, o problema do congestionamento da rede pode ser veri-
ficado. A passagem abaixo traz um exemplo desta possibilidade:
Furthermore, the requirement of placing both in the same bidding
zone, does not necessarily solve the possibility of grid congestion. For
instance, in Brazil, we can have a wind farm in Bahia State (where
there are excellent wind conditions) and an electrolyser near Pecem
Port, in Ceara State (where many hydrogen projects are expected).
Both places are part of the same electricity submarket, with a single
spot price, but they are almost 2,000 km distant. Thus, it is possible
to face grid congestion at some time. Flexibility mechanisms are ne-
eded to deal with practical and actual market conditions.
Nestas bases, a contribuição brasileira buscou enfatizar que os
critérios de adicionalidade e de correlações temporal e espacial ado-
tados pela União Europeia podem ser muito pertinentes para a reali-
dade europeia. Porém, não são adequados a outros países e regiões.
Como consequência, os critérios europeus para uso da energia a partir
da rede podem trazer dificuldades para o estabelecimento de Power

40 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Purchase Agreement (PPA) em países com matrizes elétricas de base
hídrica, como é o caso do Brasil. Logo, fora reiterada a necessidade de
mecanismos de flexibilidade. A passagem a seguir apresenta a linha
argumentativa da EPE a este respeito:
In this sense, uncertainties about GHG emissions associated to the
grid in one or few specific years will bring additional challenges
for Power Purchase Agreement (PPA) and long-term contracts to
export renewable hydrogen due to EU regulations, if second propo-
sal be adopted without improvements. To deal with practical issues
and actual market conditions, flexibility mechanisms are essentials,
such as allowing blending from different projects and technologies
to meet the requirements of minimal emissions (any low carbon
hydrogen or BECCS like hydrogen from steam biomethane refor-
ming or pyrolysis of biomethane based on renewable electricity, for
instance) or carbon offset (by buying carbon credits in voluntary
markets, under verified additionality criteria, or carbon certificates
in carbon market such as ETS, for instance).
Adicionalmente, na medida em que podem ser vistas como discri-
minatórias e arbitrárias, as diretrizes da União Europeia são conflitan-
tes com premissas básicas da Organização Mundial do Comércio e nor-
mas do Acordo Geral Tarifas e Comércio, segundo a contribuição da EPE:
The proposal has several potential inconsistencies with GATT/WTO,
regarding the application of the Article XX, (b) and (g). It is useful
to recall that the application of measures under Article XX must not
constitute a “means of arbitrary or unjustifiable discrimination” or
a “disguised restriction on international trade”. It is fundamental
that any renewable hydrogen regulation respects the principle of
national treatment of GATT/WTO; the principal of most favorable
nation of GATT/WTO; and the GATT/WTO jurisprudence on “like”
products and production and processing methods (PPMs), with a
view to avoiding unjustifiable discrimination by processing me-
thods or technology. We agree that the fundamental goals are i) to
decarbonize the global economy and ii) to ensure the stabilization
of greenhouse gas concentrations in the atmosphere at a level that
would prevent dangerous anthropogenic interference with the cli-
mate system. Therefore, the inclusion of flexibility mechanisms in
the EU proposal should not be a problem, as it can help foster the re-
newable hydrogen economy (or, more widely, low carbon hydrogen,

A Economia Internacional do Hidrogênio 41


as in the Brazilian vision) as a strategy to prevent global climate
change, particularly in hard to abate sectors.

Embora deva se reconhecer que o movimento brasileiro não foi isola-


do e existiram outras contribuições na mesma direção, é possível afirmar
que a assertividade e fundamentação da contribuição realizada pela EPE
foram de grande relevância para alguns avanços nas diretrizes da União
Europeia acerca do tratamento do hidrogênio de baixa emissão de carbo-
no.
O principal aprimoramento realizado se refere ao critério de par-
ticipação de 90% de renováveis na energia da rede para o enquadra-
mento do hidrogênio produzido como de baixa emissão, sendo esta
regra especialmente para projetos a serem implementados no Brasil
por relaxarem as exigências de correlações temporal e espacial.
Adicionalmente, é importante mencionar a criação de um período
de transição na implementação do critério de correlação temporal. Ini-
cialmente, esta correlação deveria ocorrer em bases horárias. Porém,
ficou estabelecido um período de transição no qual a correlação pode
ser feita em bases mensais.
Portanto, este estudo de caso ilustra bem a importância da atu-
ação em nível internacional nas discussões sobre regulamentos da
indústria do hidrogênio. Com base em argumentos bem fundamen-
tados tecnicamente, iniciativas deste tipo possibilitam a defesa dos
interesses nacionais em meio ao complexo e disputado jogo geopolí-
tico existente.

2.4. Considerações Adicionais

Notadamente, o Brasil apresenta um enorme potencial e diversidade


de recursos energéticos. Ademais, o país apresenta elevados níveis de
maturidade tecnológica e capacitação profissional no setor energético.
Nestas bases, é perceptível que o Brasil possui uma posição confortá-
vel em termos de transição energética.

42 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Mais que a questão de redução de emissões onde o setor de energia
brasileiro já apresenta números bastante favoráveis, a questão central
é sua posição enquanto um polo atrativo para investimentos voltados
para a implementação de projetos em tecnologias de baixa emissão.
No entanto, conforme exposto ao longo das seções anteriores des-
te capítulo, é preciso contemplar as variáveis geopolíticas no desenho
de iniciativas para atração destes investimentos. Comumente, é possí-
vel identificar narrativas únicas que condenam tecnologias consagra-
das, eficientes e sustentáveis. Como ilustração desta problemática, po-
dem ser mencionadas as críticas exacerbadas ao aproveitamento dos
recursos hidrelétricos e da biomassa.
Em anos recentes, existiram diversos questionamentos sobre o
caráter renovável da geração hidrelétrica, especialmente por parte de
países sem potencial hídrico remanescente a ser explorado. Na medi-
da em que este entendimento possui consequências, até mesmo, na
obtenção de funding internacional para a construção de novos proje-
tos, esta discussão não pode ser resumida a mero capricho semântico.
Todavia, o reconhecimento da geração hídrica enquanto fonte
renovável voltou a assumir um caráter quase que consensual. Além
disso, entidades como a International Energy Agency (IEA)e a Interna-
tional Renewable Energy Agency (IRENA) vem enfatizando a enorme
importância do aproveitamento dos recursos hídricos na dinâmica de
descarbonização do setor energético, vide a aptidão da hidreletricida-
de no provimento de flexibilidade para os sistemas elétricos.
Concomitantemente, se tornaram comuns críticas em relação ao
aproveitamento da biomassa para fins energéticos em função de ques-
tões relativas ao uso da terra. Entretanto, é comum estas críticas des-
consideram as características das diferentes rotas de produção, sobre-
tudo as especificidades do cultivo agrícola desta biomassa.
O caso clássico de críticas infundadas à bioenergia foram ataques inter-
nacionais ao etanol de cana de açúcar brasileiro anos atrás. Os questiona-
mentos realizados demonstravam falta de conhecimento da lógica de pro-
dução de cana de açúcar no país e dos avanços industriais que permitem a
produção de etanol em larga escala em bases eficientes e sustentáveis.

A Economia Internacional do Hidrogênio 43


Ademais, dado que a mitigação das alterações climáticas irá requerer
emissões negativas de gases do efeito estufa ao longo das próximas décadas,
a biomassa precisa deter protagonismo no processo de transição energéti-
ca porque a bioenergia é a única alternativa de produção de energia com
emissões negativas por meio de tecnologias de captura de carbono.
Deve ser ressaltado que o Brasil não deve fazer escolhas desconec-
tadas da dinâmica internacional. Porém, é preciso que as trajetórias a
serem percorridas pelo país considerem as características da indús-
tria existente, especificidades e potencialidades locais.
A partir desta visão abrangente, será possível identificar as traje-
tórias capazes de efetivamente maximizarem a geração de desenvol-
vimento, renda e empregos nos Brasil. Caso contrário, o país estará
sujeito a trancamentos tecnológicos em rotas indesejáveis e/ou des-
mantelamento extremamente custosos de indústrias e cadeias produ-
tivas. tradicionalmente estabelecidas no país.

44 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


3
A Importância das
Plataformas Blockchain
Conforme discutido no Capítulo 1 deste livro, os padrões de certifica-
ção de hidrogênio de baixa emissão de carbono ainda são bastantes
heterogêneos no mundo. Neste contexto, são necessários avanços em
termos de padronização e harmonização de regras. Dentre as questões
ainda carentes de padronização, se destaca a problemática das meto-
dologias de mensuração de emissões.
A análise das melhores práticas internacionais permite identificar
um crescente entendimento da necessidade de fazer análise de ciclo
de vida. Neste sentido, ressalta-se que surgem demandas por Provas
de Sustentabilidade que considerem emissões de todas as fases da ca-
deia produtiva. Além disso, também começam a exigir requisitos de
sustentabilidade de outras naturezas, dentre os quais, de uso da água,
ESG em geral e, até mesmo, políticos.
Nestas bases, o uso de ferramentas de digitalização vem assu-
mindo importância no debate de certificação e verificação. Em linhas
gerais, a digitalização contribui para certificação de hidrogênio na
medida em que possibilita harmonização de normas e metodologias
de mensuração de emissões juntamente com medição em tempo real.
Além disso, digitalização irá permitir para uma melhor comunicação
entre os stakeholders25.
Em especial, é crescente o interesse em aplicações de plataformas
baseadas em blockchain em função de sua aptidão para uso descentra-
lizado, de forma confiável e rastreável. Busca-se a lógica de comerciali-
zar tokens com os diferentes atributos do hidrogênio.
Além de sua contribuição na certificação do hidrogênio de baixa
emissão de carbono, a tecnologia blockchain é um elemento viabiliza-
dor de arcabouços comerciais alternativos para produção de hidrogê-
nio de baixo emissão, sobretudo no que tange ao suprimento de ener-
gia elétrica de origem renovável.
Explica-se: plataformas blockchain criam condições para comer-
cialização de transações descentralizadas no setor elétrico com baixos
custos operacionais e de forma confiável, eficiente, rápida e compatí-
vel com as melhores práticas de compliance regulatório.
Ao possibilitarem a identificação das transações “par-a-par”
(P2P), esta tecnologia facilita desde a contratação de serviços descen-
tralizados por parte do operador da rede até a atuação da figura dos
agregadores, além da adoção de tarifas locacionais.
Este capítulo tem como objetivo principal apresentar a lógica
de funcionamento de plataformas blockchain com vistas a examinar
a pertinência de aplicação ao caso brasileiro. Para isso, o capítulo se
divide em três seções. Inicialmente, será discutida a importância de

25
Como ilustração de ferramenta digital passível de ser utilizada, pode se citar os
digitais twins que possibilitam a realização de simulações de ativos reais de forma
a permitir um melhor entendimento dos fluxos físicos da cadeia de produção.

46 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


ferramentas digitais para certificação, incluindo mecanismos de verifi-
cação, do hidrogênio de baixa emissão de carbono. Na sequência, será
descrita a tecnologia blockchain e trazidos exemplos de sua aplicação
no setor de energia com ênfase em projetos de hidrogênio. Por fim, a
terceira seção irá versar sobre a aplicabilidade de plataformas comer-
ciais que realizam transações P2P.

3.1. Digitalização das Transações

Definidos os critérios de certificação do hidrogênio de baixa emissão


de carbono, é notória a necessidade da existência de um arcabouço
de governança dotado de mecanismos que possibilitem se auferir o
cumprimento destes critérios por parte do hidrogênio que está sendo
transacionado.
Trata-se de uma condição básica para garantia que o comprador
está adquirindo hidrogênio condizente com os critérios de certificação
e, por consequência, alinhado com as diretrizes de descarbonização
das atividades econômicas do mundo. Logo, consiste em um pré-re-
quisito para a garantia de um comércio internacional de hidrogênio
de baixa emissão de carbono e seus derivados em bases sustentáveis.
Nestas bases, assume importância o processo de verificação que
é composto de várias atividades ao longo da cadeia produtiva26. Ao
se estabelecer uma metodologia de verificação, deve haver clareza e
transparência quanto ao método empregada em cada atividade da ca-
deia produtiva, incluindo definições de padrões, realizações de testes
e aplicação de técnicas de metrologia. Ademais, devem ser bem defini-
das as entidades responsáveis por esta comprovação27.
Dentre as questões mais relevantes acerca do rastreamento do
hidrogênio de baixa emissão de carbono, está a definição do modelo

26
O processo de verificação tende a tão mais complexo quanto maior o escopo das
emissões a serem consideradas na certificação.
27
A realização das auditorias deve ser feita por entidades independentes previamen-
te definidas.

A Importância das Plataformas Blockchain 47


de rastreamento a ser utilizado. Basicamente, existem dois modelos
passíveis de serem adotados:
● Book & Claim: os certificados podem ser transacionados se-
parados do produto físico. Ou seja, a oferta física de energia
e a emissão de certificação desta energia são tidas como di-
mensões independentes. Nestas bases, eventuais restrições
nas redes físicas não restringem o mercado de hidrogênio de
baixa emissão de carbono. Notadamente, trata-se de uma me-
todologia flexível.
● Mass Balancing: nesta abordagem, os certificados de susten-
tabilidade são contabilizados e comercializados de forma asso-
ciada aos fluxos físicos de energia. Esta associação física se faz
presente ao longo de toda a cadeia de valor da produção e uso
do hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Independente do modelo de rastreamento, é perceptível que se
trata de atividades muito intensivas em dados, sendo o volume de da-
dos proporcional ao número de critérios de sustentabilidade adotados
para a certificação do hidrogênio e de seus derivados. Ademais, a bus-
ca por harmonização das regras de diferentes países e regiões poten-
cializa ainda mais o desafio da governança de dados.
Em um contexto de crescente interesse na pegada de carbono dos
produtos28, é imperativo o monitoramento de toda a cadeia de produ-
ção do hidrogênio e de seus derivados29. Esta necessidade advém do fato
que os offtakers precisam considerar essas emissões em seus negócios
com implicações em suas estratégias e nos preços dos seus serviços.
Como já fora mencionado, existe um entendimento cada vez maior
que os indicadores de sustentabilidade dos produtos, incluindo o hi-
drogênio e seus derivados, não devem estar restritos a métricas de

28
Dada a necessidade de se contabilizar as emissões de outros gases do efeito estufa,
essa mensuração é feita com base no conceito de CO2 equivalente.
29
A contabilização das emissões deve incluir todos os processos assessórios e/ou
correlatos a produção de hidrogênio e seus derivados. Por exemplo, caso a água
utilizada na eletrólise seja oriunda de dessalinização, é preciso considerar todas as
emissões inerentes a este processo.

48 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


emissões. Logo, são crescentes os Key Performance Indicators (KPIs)
utilizados para avaliar os impactos socioambientais da produção e do
uso de hidrogênio, incluindo métricas de medidas de equidade de gê-
nero, qualificação e contratação de mão de obra da região do projeto,
investimentos em comunidades locais, nível de tratamento do esgo-
tamento sanitário e uso sustentável dos recursos hídricos, sendo este
último parâmetro especialmente relevante em regiões secas.
Todos os indicadores de avaliação de sustentabilidade da produ-
ção de hidrogênio e derivados, especialmente aqueles associados à
mensuração de emissões, devem respeitar os princípios da precisão,
da segurança e da transparência. Nestas condições, ressalta-se a ne-
cessidade de se trabalhar com dados acurados, auditáveis e inalterá-
veis por agentes não autorizados.
Ademais, é preciso garantir que estes indicadores não sejam cons-
truídos de forma viesada de forma a favorecer algumas rotas tecno-
lógicas em detrimento de outras. Com vistas a mitigar os riscos de
distorções deste tipo, é preciso que haja independência dos órgãos de-
finidores e fiscalizadores destes indicadores sem que exista qualquer
tipo de conflito de interesse.
Nestas bases, é perceptível o tamanho do desafio relativo à coleta
e gestão de dados. Notadamente, a questão de uma correta governança
de dados é crítica para que existam indicadores críveis, especialmente
ao se considerar a multiplicidade de stakeholders envolvidos.
Para lidar com esta problemática, a implementação de platafor-
mas baseadas em ferramentas digitais vem sendo tida como uma me-
dida fundamental para a extração e gerenciamento em bases seguras e
confiáveis destes dados30. Na medida em que possibilita ganhos de efi-
ciência, o uso de plataforma digitais contribui para que a certificação
ocorra com custos menores. Como consequência, um maior número de
players passa a ter condições de certificarem seus produtos com vistas
a realizar transações comerciais em diferentes mercados31.

30
Este entendimento já é consenso na União Europeia onde diversas iniciativas nesta
direção estão sendo desenvolvidas.
31
Na medida que devem coexistir diversas plataformas de certificação em nível mun-

A Importância das Plataformas Blockchain 49


Em grande medida, os ganhos de eficiência trazidos pela digitali-
zação são derivados da maior velocidade do registro de dados e pro-
cessamento de operações em função da automação das atividades. A
escalabilidade propiciada por esta automação deverá ser decisiva no
atendimento do volume crescente prospectado de cerificação de hi-
drogênio de baixo emissão.
Ao se usar plataformas digitais, busca-se a criação de tokens com
todas as informações cadeia produtiva do hidrogênio32. Desta forma,
esses tokens servem, não apenas para o atendimento dos regramentos
de certificação e do CBAM, como também para o eventual cumprimen-
to de outras legislações e/ou guias de boas práticas corporativas.
É importante enfatizar que muitas das atividades necessárias para
alimentar as plataformas digitais não são passíveis de automação. Ba-
sicamente se tratam de atividades de coleta de dados em campo e a da
realização de auditorias. Logo, não se está aqui falando de uma digita-
lização completa do processo de certificação. De todo modo, a partir
da reunião de dados em campo, reitera-se a relevância da adoção de
soluções digitais.
Explica-se: o monitoramento e o gerenciamento de dados e pro-
cessos por meio de meios digitais permite uma grande redução do
número de auditorias físicas requeridas e de esforços manuais. Logo,
além de possibilitar a economia de recursos, torna a dinâmica de cer-
tificação mais ágil.
Observa-se, assim, que a digitalização e, a automação associada a
ela, atuam como elementos habilitadores de todo o processo de padro-
nização dos critérios de certificação do hidrogênio em nível mundial
de forma precisa, rastreável e segura, sobretudo por realizarem inven-

dial, a questão da interoperabilidade técnica assume importância. Neste sentido,


ressalta-se a importância de os dados estarem organizados em linhas com padrões
internacionais.
32
Este rastreamento pode incluir a contabilização de dados relativos ao transporte
do hidrogênio e seus derivados. O cálculo destas emissões será função do tipo de
transporte utilizado, da distância percorrida, do vetor de carregamento, do fator de
utilização da capacidade, etc.

50 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


tários em tempo real. Logo, é vital para a criação de uma economia do
hidrogênio sólida e dinâmica sem a presença de greenwashing.
Nos moldes requeridos para a certificação de hidrogênio de baixa
emissão de carbono, as plataformas digitais aqui referidas são basea-
das na tecnologia blockchain. Notadamente, existe interesse crescente
na aplicação desta tecnologia no setor de energia, incluindo a esfera
do hidrogênio.
Para uma maior compreensão da aplicabilidade de plataformas
blockchain na indústria do hidrogênio, a próxima seção deste capítulo
é dedicada justamente à apresentação desta tecnologia e a discussão
de suas oportunidades de aplicação.

3.2. Entendendo o Blockchain

Em linhas gerais, plataformas blockchain consistem em uma rede geren-


ciada por nós distribuídos e independentes. A operação de plataformas
deste tipo requer o registro das transações recebidas pelos nós a partir
de protocolos de consensos que atestem sua legitimidade e permitam
sua integração em cadeia. Diante a desta lógica, alguns autores enun-
ciam que blockchain é um sistema em que as relações de confiança são
estabelecidas por meio da formação de consensos distribuídos.
Nestas bases, é possível definir blockchain como um livro razão
compartilhado de forma descentralizada33. Suas transações são regis-
tradas de forma imutável e armazenadas de forma segura. Ademais, é
importante enfatizar que esta tecnologia permite a execução automati-
zada de transações sem a presença de intermediários nem de uma au-
toridade central.

33
Seu caráter descentralizado impede a manipulação de dados porque, dado que
cada nó da rede possui uma cópia do blockchain, a tentativa de alteração do registro
da transação oriunda de um dos nós da rede precisaria ser validada pela maioria
dos demais nós da rede.

A Importância das Plataformas Blockchain 51


Em termos operacionais, cada transação é registrada em um bloco
de dados com informações sobre a transação34. Ao se observar um bloco
específico, identificam-se diversas transações porque novas transações
vão sendo adicionadas até um determinado limite em que o bloco é fe-
chado e um novo bloco é criado.
Cada um destes blocos é associado aos blocos anteriores de forma a
criar um registro imutável de todas as transações. Com vistas a manter
a integridade e segurança das informações registradas, cada bloco pos-
sui um registro único denominado hash. Na medida que o hash de um
determinado bloco é função das transações registradas naquele bloco,
alterações nas transações resultariam em um hash diferente. Daí surge o
caráter imutável das transações registradas em uma cadeia blockchain.
Além disso, a lógica do encadeamento dos blocos é um dos elemen-
tos fundamentais da garantia da segurança do blockchain. Explica-se:
cada bloco adicionado torna a segurança dos blocos anteriores ainda
maior porque alterar o código de um bloco exigiria o recálculo de todos
os blocos subsequentes.
Dentre as atividades chaves da tecnologia blockchain, a mineração
possui um papel central na lógica construtiva desta tecnologia. Basica-
mente, a mineração é o processo que permite adicionar novos blocos ao
blockchain. Logo, é notória sua relevância.
Tradicionalmente, a mineração ocorre por meio de um processo co-
nhecido como prova de trabalho (PoW). Neste processo, para adicionar
um novo bloco, os mineradores precisam resolver um problema mate-
mático de elevada complexidade por meio de poder computacional35.

34
O registro da transação requer que o agente utilize sua chave privada para efetuar
uma espécie de assinatura digital da operação. Ao mesmo tempo, por meio da chave
pública deste agente, os demais participantes do blockchain irão usar a chave pública
do agente que está registrando a operação para autenticar sua assinatura digital de
forma a garantir que a operação está sendo efetivamente realizada por ele.
35
Além do direito de adicionar um novo bloco, o primeiro minerador a resolver o
problema também recebe uma recompensa por ter resolvido o problema. Este é
o método de mineração utilizado na rede Bitcoin onde o minerador que resolve o
problema pode adicionar um novo bloco e é recompensado por meio do recebi-
mento de Bitcoins.

52 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Na medida em que a adição de um novo bloco exige a resolução de
um problema matemático complexo, o modelo PoW é um processo lon-
go e intensivo no uso de recursos computacionais e de energia. Em con-
trapartida, é esta complexidade requerida para adição de um novo bloco
que torna blockchains baseados no PoW seguros e confiáveis.
Esta questão do elevado consumo de energia é especialmente crí-
tica. Na medida em que o blockchain é tido como uma ferramenta fa-
cilitadora da descarbonização da economia mundial, pode existir uma
situação paradoxal. Neste contexto, já existem estudos avaliando se os
efeitos do uso de blockchain, enquanto um facilitador da promoção da
neutralidade de carbono, são positivos ou negativos36.
Todavia, é importante destacar que existem outros modelos de con-
senso a serem utilizados para mineração. Em especial, deve ser destaca-
do o modelo Proof of Stake (PoS) em que o direito a adicionar um novo
bloco é condicionado pela quantidade de criptomoeda de um determi-
nado nó e sua propensão a apostar seus recursos para adição de um
novo bloco37.
Por não exigir a resolução de um problema matemático de alta
complexidade, o modelo PoS apresenta um menor consumo de recursos
computacionais e energéticos. Porém, apresenta uma maior vulnerabili-
dade no que tange à segurança do sistema.
Com base no exposto até aqui, é possível afirmar que se trata de uma
tecnologia estruturalmente dotada de eficiência, segurança, confiança
e controle38. Desta forma, atrativa para otimização de processos e, por
consequência, viabilizadora de novas soluções de negócios. A partir des-

36
QIN et al. (2023) realizam uma detalhada análise sobre o uso de blockchain e seus
impactos no caso da busca da neutralidade de carbono na China.
37
Esta é uma abordagem utilizada pela Ethereum 2.0.
38
FERREIRA (2023) enfatiza que blockchain é algo mais amplo do que uma simples tec-
nologia. De acordo com o autor, trata-se de uma nova abordagem no tratamento das
questões de confiança, segurança e liberdade, vide as relações de confiança serem es-
tabelecidas por códigos computacionais em detrimento da lógica tradicional em que
estas relações são atestadas por entidades. Dito de outro modo, blockchain é uma nova
forma de organizar e validar informações com base em mecanismos digitais.

A Importância das Plataformas Blockchain 53


te diagnóstico, são compreensíveis as iniciativas inovadoras já em curso
no setor financeiro baseadas na aplicação da tecnologia blockchain.
É importante ressaltar que o uso de blockchains não está restrito a
criação de criptomoedas. Notadamente, existe uma abrangência de pos-
síveis aplicações muito mais ampla em função da aptidão desta tecnolo-
gia para a realização de transações e compartilhamento de informações
de forma segura e transparente, vide sua capacidade de garantir a inte-
gridade de documentos.
Nestas bases, é possível afirmar que a tecnologia blockchain deverá
atuar como uma ferramenta habilitadora da transformação digital em
curso. Em grande medida, esta transformação consiste na conversão de
direitos a ativos em ativos digitais negociáveis e acessíveis denominados
tokens. Dado que este processo de tokenização das atividades socioe-
conômicas é baseado em blockchain, é compreensível o caráter central
desta tecnologia na transformação digital já iniciada.
Associada a esta dinâmica, está a possibilidade da formatação e uso
de contratos inteligentes. Tratam-se de contratos programados compu-
tacionalmente que possibilitam a automação de processos em diferen-
tes indústrias. Ao possibilitar a substituição de arbitragem humana por
algoritmos computacionais, estes contratos inteligentes podem ser vis-
tos como muito atrativos em termos de confiança e de segurança.
Embora exista interesse crescente na aplicação de blockchain e de
contratos inteligentes nos mais diferentes setores, podendo ser mencio-
nados os de saúde, de finanças, de logística e de seguros, o interesse aqui
recai sobre o setor de energia.
Em termos mais gerais, é possível afirmar que a tecnologia block-
chain é vista como indutora do processo de descarbonização da economia
mundial. Neste sentido, considerando que a obtenção dos recursos finan-
ceiros necessários para a viabilizar a transição energética segue desafia-
dora e que mercados de carbono tendem a ser uma importante fonte de
recursos para viabilização de projetos de baixa emissão de carbono, cabe
mencionar a pertinência do uso de blockchain em mercados de carbono.
Apesar de algumas regiões do mundo, especialmente na Europa, mer-
cados de carbono não consistam em uma novidade e já operem há muitos

54 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


anos, constata-se que persistem questionamentos acerca da confiança,
da transparência e do racional de atualizações. Dada as características da
tecnologia blockchain já apontadas no início desta seção, é compreensível
os motivos pelos quais muitos especialistas enxergarem plataformas blo-
ckchain como um mecanismo promotor de mercados de carbono.
No caso estrito do setor de energia, especialmente no segmento de
eletricidade, as oportunidades são as mais diversas. Os estudos ao redor
do mundo apontam para aplicabilidade da tecnologia blockchain em di-
ferentes ramificações e necessidades da indústria de energia.
Existe o entendimento que o uso de blockchain contribui para ga-
nhos de eficiência setorial em função da maior capacidade de lidar com
a volatilidade inerente aos preços de energia, possibilitando a redução
dos riscos da atividade de comercialização. Em grande parte dos casos,
ações nesta direção são possibilitadas pelos contratos inteligentes.
Concomitantemente, plataformas blockchain podem contribuir
para câmaras de comercialização de energia elétrica e agências regula-
doras terem uma melhor gestão acerca das informações dos contratos
de energia39. Suas aplicações podem envolver atividades de medição,
faturamento e liquidação destes contratos. Na medida em que o cum-
primento de metas de emissão é uma temática cada vez mais relevante,
esta capacidade de sistematizar informações é de extrema relevância.
De todo modo, é importante enfatizar que o interesse em platafor-
mas blockchain advém de sua aptidão para lidar com sistemas elétricos
descentralizados em um contexto de difusão de recursos energéticos
distribuídos com a presença de prosumidores e consumidores com ge-
renciamento ativo dos seus consumos.
Notadamente, a implementação de plataformas blockchain vem
sendo tida como uma importante iniciativa para a comercialização dire-
ta de energia elétrica entre consumidores por meio de transações P2P
sem a necessidade de intermediários.

39
A literatura também aponta para possíveis benefícios da tecnologia blockchain caso
seja utilizado na gestão de redes elétricas e em sistemas de comunicação, contri-
buindo assim para a segurança do suprimento de energia elétrica.

A Importância das Plataformas Blockchain 55


A partir do diagnóstico que a difusão de sistemas energéticos
distribuídos compostos por redes inteligentes, geração distribuída,
módulos de armazenamento e veículos elétricos irá requerer novos
arcabouços comerciais, a tecnologia blockchain emerge como um ele-
mento facilitador da realização de transações comerciais neste novo
paradigma tecnológico.
Todavia, é importante reiterar que as aplicações de blockchain no se-
tor elétrico transcendem o uso em sistemas distribuídos. São observadas
oportunidades em gestão de ativos, carregamento de veículos elétricos,
novas modalidades de financiamento, modulação da demanda por meio
de medidas de eficiência energética e resposta da demanda, verificação
de normas regulatórias e, sobretudo, certificação de energia renovável.
Esta aplicação da tecnologia blockchain para certificação de ener-
gia é especialmente relevante porque está diretamente relacionada
à temática principal deste livro: certificação de hidrogênio de baixa
emissão de carbono. Dada as suas características, o uso de tecnologia
blockchain é compatível com os desafios relativos a tratar dados de di-
versas partes interessadas interrelacionadas de forma segura, rápida,
pouco custosa e escalonável.
Dentre as iniciativas já disponíveis para certificação de hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono com base na tecnologia blockchain,
deve ser mencionado o Clean Energy Certification da Siemens Energy.
Trata-se de um serviço digital capaz de realizar o rastreio dos impac-
tos ambientais da produção de energia e emitir certificados de forma
automatizada à prova de violação, sendo este um serviço provido em
um ecossistema aberto.
Para isso, a plataforma acopla os ativos físicos a uma plataforma
blockchain que contempla as regras dos sistemas de certificação40.
Nestas bases, é possível atestar se a produção de energia está aten-
dendo às regras de cada um dos modelos de certificação. A Figura 3.1
apresenta a lógica de funcionamento desta plataforma.

40
As funcionalidades e as características da plataforma blockchain possibilitam o
atendimento dos requisitos de verificação, interoperabilidade, autenticação e por-
tabilidade.

56 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Figura 3.1 Lógica de Funcionamento da Clean Energy Certificaton

Clean Energy Certification


Start with along the Power-to-X
CO2 free value chain Prove your
electricity product is greens

Fonte: SIEMENS ENERGY.

Com o intuito de escalonar a aplicação da ferramenta, a mesma


foi desenvolvida de forma a ser utilizada para certificar os mais dife-
rentes tipos de produção de energia renovável e de bens intensivos
em energia. Por exemplo, a ferramenta pode ser utilizada para atestar
a sustentabilidade de combustíveis sintéticos (e-fuels). A Figura 3.2
ilustra o processo de certificação da CEC para o caso da amônia verde.

Figura 3.2 Certificação de Amônia Verde na CEC

Clean Energy Certification proofing the sustainability (PoS)


is mandatory for using and trading e-ammonia as a commodity
Certification flow within the partner ecosystem,
complementary services availablle
Renowable
power generator Hydrogen producer Ammonia producer
NH3 Certificate
H2 Certificate
Certifield
ammonia

Tam per-proof, trusted, automated sustainability certification solution


Certification
issuing
Ammonia Ammonia
Certification Renewable Hydrogen
producer consumer/
transfer poer generator producer
Certification provider
devaluation Clean Energy Certification
Unrestricled Stemens Energy, 2023

Fonte: SIEMENS ENERGY.

A Importância das Plataformas Blockchain 57


Por sua vez a Acciona Energía desenvolveu a Greenchain para a
certificação de hidrogênio verde. Esta plataforma rastreia em tempo
real a origem da energia elétrica que está sendo utilizada para a pro-
dução de hidrogênio. Nestas bases, o usuário consegue monitorar e re-
gistrar todos os dados da oferta de energia utilizada em toda a cadeia
de produção.
Para isso, a ferramenta recebe dados de todas as fontes de energia
elétrica que estão suprindo a planta de produção de hidrogênio ver-
de. A análise destes dados considera as correlações entre as diferentes
fontes e realiza os balanços mássicos. Desta forma, é possível estimar
as emissões de cada kWh utilizado na produção de hidrogênio.
A ferramenta Greenchain permite o cálculo das emissões evitadas
pelo agente ao utilizar o hidrogênio verde que teve emissões mensura-
das na plataforma. Ademais, a ferramenta também apresenta aptidão
para considerar indicadores de natureza socioambientais, sobretudo
aqueles relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da
Organização das Nações Unidas (ODS-ONU). A Figura 3.3 a seguir apre-
senta a lógica de funcionamento da Greenchain.

Figura 3.3 Lógica de funcionamento da Greenchain

H2 generation plant
Client
GreenchainR

Data audit
H2 produced H2 consumed

Matching and
Renewable energy hourly
generation assignment

Fonte: ACCIONA ENERGÍA.

Deve ser destacado que as plataformas da Siemens Energy e da


Acciona Energía não são iniciativas isoladas no mercado. Efetivamen-

58 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


te existem outros desenvolvimentos na mesma direção, podendo ser
mencionadas as plataformas da Eneco com a Power Ledger e da Engie.
Portanto, é possível atestar que algumas iniciativas de certifi-
cação de hidrogênio com base em blockchain já estão em curso. Em
linhas gerais, estas plataformas visam a produção de tokens. com
múltiplas informações acerca de cada unidade de hidrogênio ou de
derivado de hidrogênio produzida41. O número de atributos de cada
token pode ser superior a 50. Não obstante, esses atributos cobrem
toda a cadeia produtiva.
Nestas bases, é fácil compreender como cada token é capaz de re-
presentar as especificidades do hidrogênio e/ou derivado de hidrogê-
nio transacionado e, por consequência, diferenciá-los em função dos
seus teores de emissão e demais aspectos ESG.
Além da importância da tecnologia blockchain na certificação de
hidrogênio de baixa emissão de carbono, existe uma outra aplicação
que pode contribuir para o desenvolvimento da economia do hidro-
gênio em nível mundial. Trata-se do seu uso enquanto habilitador de
transações P2P.
Possivelmente, este seja o principal uso de blockchain no setor de
energia. No caso específico da produção de hidrogênio a partir da ele-
trólise, este tipo de arcabouço comercial pode ser adequado para o
aproveitamento ótimo da geração de energia elétrica oriunda de fon-
tes renováveis caracterizadas pela variabilidade da produção.
Para um melhor entendimento desta aplicação, é preciso a com-
preensão prévia de mercados P2P. A Seção 3.3 deste capítulo vista jus-
tamente apresentar a lógica dessas transações.

3.3. Mercados a P2P

Diante à constatação que os sistemas elétricos estão se descentrali-


zando e é crescente a participação de fontes renováveis variáveis, é

41
Esta unidade pode estar mensurada em massa ou em conteúdo energético.

A Importância das Plataformas Blockchain 59


compreensível o aumento da complexidade operativa desses sistemas
com o padrão “geração segue a carga” sendo gradativamente substitu-
ído pela lógica “carga segue a geração” e presença de fluxos multidire-
cionais de energia.
Nestas bases, é notório que o paradigma operativo dos sistemas
elétricos precisa mudar para lidar com esta nova configuração tec-
nológica. Por exemplo, a operação das redes de distribuição irá se
tornar mais próxima do modelo tradicional da operação do sistema,
incluindo responsabilidades por despachos de recursos energéticos
distribuídos.
Concomitantemente, a nova realidade operativa também exige
novos desenhos comerciais. Nota-se a busca por mecanismos de co-
mercialização de energia e de balanceamento dos sistemas com níveis
cada vez maiores de granularidades temporal e espacial, vide a neces-
sidade de minimizar impactos na rede elétrica e, por consequência,
reduzir ou postergar investimentos.

Figura 3.4 Benefícios do Modelo P2P

Increased renewable deployment


and flexibility due to consumers’
and prosumers’ empowerment

$
Balancing and congestion
management through better opperation
of distributed energy resources

Peer-to-peer
Provision of ancillary services
electricity tradingr
to the main power grid

Improved energy acess for


comsumers in mini-grid set ups

Fonte: IRENA (2020).

60 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Na medida em que possibilitam a realização de transações comer-
ciais diretamente entre consumidores finais e prosumidores, o modelo
comercial P2P vem sendo visto como uma importante alternativa para
lidar com os desafios relativos ao gerenciamento dos sistemas elétri-
cos em meio a este novo paradigma operativo. Este diagnóstico advém
do fato destas transações incitarem a minimização dos desvios entre
geração e consumo de energia em nível local e habilitarem o provi-
mento de serviços para a rede elétrica, incluindo serviços ancilares,
por parte destes agentes. A Figura 3.4 sintetiza os benefícios da imple-
mentação de um modelo comercial par-a-par.
Logo, é compreensível o interesse em sua aplicação em sistemas
distribuídos compostos por consumidores com geração distribuídas,
mecanismos de armazenamento e veículos elétricos em função de
sua aptidão para realizar transações sem maiores necessidades de
intermediação.
As Figuras 3.5 e 3.6 comparam a lógica comercial, respectivamen-
te, de arcabouços convencionais e de modelos baseados em transações
par-a-par.

Figura 3.5 Lógica Comercial de Sistemas Convencionais

iff Tari
Tar k
Utility ff
i - Bac
Bu te
ra
Resident with solar Bui-Back
Resident with EV
rate
Tariff Tariff

Resident Resident with rooftop


ELECTRICITY FLOW solar and EV

Fonte: LIU et al. (2019).

A Importância das Plataformas Blockchain 61


Figura 3.6 Lógica Comercial do Modelo P2P

P2P
Resident with solar Resident with EV

P2P P
P2

P
P2
P2
P

P2P
Resident with rooftop
Resident solar and EV

Fonte: LIU et al. (2019).

Embora este modelo ainda seja incipiente, já é possível identificar


diversas iniciativas. Efetivamente, projetos voltados para a implanta-
ção de marketplace baseados em blockchain para a comercialização de
recursos energéticos distribuídos já podem ser vistos desenvolvidos
em diferentes jurisdições em nível mundial. Como ilustração, podem
ser mencionados os projetos Brooklyn Microgrid em Nova Iorque, Piclo
no Reino Unido e iniciativas P2P para comercialização de excedentes
de geração fotovoltaica em Sidney na Austrália.
Apesar de tipicamente o modelo comercial de transações P2P es-
tar associado a redes distribuídas, é preciso ressaltar que essa não é a
sua única aplicação. Qualquer sistema em que se deseja a realização de
transações diretas entre as partes, é possível a implementação de um
modelo de transações P2P.
Ao se observar a cadeia produtiva do hidrogênio oriundo da ele-
trólise da água e se constatar a importância da geração de energia elé-
trica a partir das fontes eólica e solar fotovoltaica para esta cadeia, é
possível se vislumbrar oportunidades para a implantação de um ar-
cabouço comercial P2P que otimize a produção de hidrogênio verde.
O racional desta assertiva advém da variabilidade de geração destas
fontes que traz desafio quanto à sincronicidade da produção.
A partir deste diagnóstico, a questão que se coloca é a necessidade de
compreensão dos requisitos técnicos, regulatórios e operacionais para a im-
plantação de um modelo comercial desta natureza de forma custo-efetiva.

62 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Neste sentido, é preciso ressalvar que qualquer arcabouço de co-
mercialização de energia elétrica deve ser compatível com os fluxos
de informações relativos à contabilização e ao faturamento da geração
e do consumo verificados nas redes de transmissão e de distribuição.
Ademais, é preciso respeitar os requisitos e os atributos físicos da rede.
O atendimento das condicionantes apresentadas no parágrafo an-
terior requer uma estrutura de medição que possibilite o correto mo-
nitoramento dos fluxos de energia em tempo real. Os dados coletados
precisam ser registrados de forma a permitir verificação de contratos
e protocolos de faturamento. Com base nestas informações, devem ser
realizados os mecanismos de liquidação das posições financeiras dos
diferentes agentes. A Figura 3.7 sintetiza esta dinâmica.

Figura 3.7 Relações Comerciais entre os Agentes do Setor Elétrico

Data structure
Meter Meter
measuring measuring
Matching buyers and sellers
electricity electricity
exported imported

Financial settlement of transaction

Fonte: BURGER e WEINMANN (2013).

Para lidar com o paradigma convencional do setor elétrico carac-


terizado por um conjunto restrito de agentes e transações, arcabouços
comerciais analógicos tradicionalmente exercem suas funções de for-
ma satisfatória, sobretudo no que tange ao impedimento parte de uma
mesma unidade de energia consumida estar lastreando o consumo de
mais de um consumidor42.

42
A responsabilidade pela contabilização e liquidações dos fluxos de energia e finan-
ceiros pertence a autoridades centrais (operadores do sistema, câmaras de comer-
cialização etc.) que asseguram a confiança dos agentes no modelo comercial.

A Importância das Plataformas Blockchain 63


Todavia, na medida em que os sistemas elétricos se descentrali-
zam e existe a multiplicação de agentes e transações, a lógica conven-
cional tende a não se mostrar eficaz. No caso da adoção de modelos co-
merciais P2P, o volume de transações aumenta de forma exponencial e
é perceptível a inaptidão dos modelos convencionais.
Nestas bases, é notório que a implementação de um modelo comer-
cial de transações P2P exige o desenvolvimento de uma plataforma digi-
tal em que consumidores e vendedores registrem suas posições comer-
ciais e fechem transações de forma automática em tempo real.
Observa-se, assim, que estas plataformas devem reunir e fazer o
tratamento dos dados coletados dos seus participantes de forma auto-
matizada. Para que isso seja possível, é necessário que a infraestrutura
disponibilizada contenha desde conexão controle remoto e automação
da rede e conexão em banda larga até dispositivos de inteligência na
medição física dos fluxos de energia e no tratamento dos dados.
Conforme apresentado na seção anterior, a base tecnológica de
plataformas de comercialização P2P é o blockchain em função de sua
adequação para operarem de forma eficiente mercados deste tipo, mi-
nimizando os custos das transações.
Basicamente, dada as características da tecnologia blockchain des-
critas na Seção 3.2, é possível realizar transações par-a-par de forma
segura e confiável sem a necessidade de uma autoridade central por
meio de contratos inteligentes43. Em síntese, este modelo facilita o re-
gistro e a realização das transações estando aberto a qualquer partici-
pante e sendo capaz de estabelecer consensos de forma automatizada
e segura.
Dado o caráter disruptivo do modelo de comercialização P2P, além
da infraestrutura técnica requerida, é preciso que existam avanços na
esfera normativa que viabilizem a implementação de arcabouços co-
merciais desta natureza.

43
Dada as estratégias definidas pelos participantes do mercado, o programa busca
matches entre as diferentes partes e realiza as transações de forma automática.

64 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Comumente, as alterações exigidas para viabilizar este modelo
transcendem a alçada das agências reguladoras. Efetivamente, podem
ser exigidas mudanças em nível legal em complemento às adaptações
necessárias no conjunto de diretrizes regulatórias vigente. O exame de
experiências internacionais é bastante ilustrativo de como esta discus-
são vem evoluindo.
O caso europeu é bastante representativo desta necessidade. No-
ta-se que países como Alemanha e França realizaram modificações em
seus respectivos marcos normativos visando possibilitar que a comer-
cialização direta de energia por meio de plataformas digitais seja viável.
As mudanças nestes países estão alinhadas com as disposições
trazidas pela Diretiva 2018/2001 da União Europeia versando sobre
promoção de fontes renováveis. Esta diretriz estabelece que transa-
ções P2P consistem na comercialização de energia renovável por meio
de contratos inteligentes. Ademais, a legislação da União Europeia en-
fatiza que não deve existir tratamento discriminatório para os agen-
tes que participam do mercado P2P44. O transcrito a seguir reproduz
como esta diretiva enquadra o modelo par-a-par:
…‘peer-to-peer trading’ of renewable energy means the sale of re-
newable energy between market participants by means of a con-
tract with pre-determined conditions governing the automated
execution and settlement of the transaction, either directly between
market participants or indirectly through a certified third-party
market participant, such as an aggregator. The right to conduct
peer-to-peer trading shall be without prejudice to the rights and
obligations of the parties involved as final customers, producers, su-
ppliers or aggregators;”

Desta forma, as diretrizes regulatórias e legais acabam por


delimitar e condicionar os termos de implementação dos mercado par-
a-par e, por consequência, o próprio desenho tecnológico da solução.
A Figura 3.8 busca representar esta lógica.

44
Nestas bases, deve haver a garantia do acesso às redes elétricas e a garantir que não
existirá a cobrança de tarifas, encargos e impostos desproporcionais aos volumes
de energia transacionados.

A Importância das Plataformas Blockchain 65


Figura 3.8 Desenho da Lógica de Sistemas de Comercialização P2P

REGULATION

PHISICAL LAYER
Grid connection Grid connection PLATFORM
Network stetup

Network stetup

Network stetup
Metering Metering

PARTICIPATING
PEERS

VIRTUAL LAYER
EMS system EMS system EMS system
PLATFORM
Pricing Market Information
mechanism operation system

Fonte: TUSHAR (2020).

66 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


4
Hidrogênio de Baixa
Emissão de Carbono
no Brasil
O uso em larga escala de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus
derivados em nível mundial consiste em uma grande oportunidade para
o Brasil. Esta assertiva tem como base as diferentes vantagens competi-
tivas que o país apresenta para estar bem-posicionado nesta indústria.
A privilegiada situação brasileira advém da abundância de fontes
passíveis de serem utilizadas para produção de hidrogênio de baixa
emissão de carbono e seus derivados em bases competitivas de custos
visando a inserção no mercado externo e uso na economia nacional.
Em grande medida, este potencial está associado a fontes renová-
veis de geração de energia elétrica, sobretudo eólica e solar fotovoltaico.
Porém, é preciso destacar que o Brasil possui condições de produções a
partir de rotas tecnológicas envolvendo o uso de biomassa. Ademais, a
disponibilidade de gás natural também permite se prospectar a produ-
ção de hidrogênio por meio de reforma a vapor e captura de carbono.
Esta disponibilidade de recursos ocorre em meio a um setor ener-
gético estruturado e com elevado nível de complexidade tecnológica
Efetivamente, o Brasil possui condições de agregar valor a cadeia do hi-
drogênio por meio de adensamento tecnológico.
Neste contexto, visando converter este potencial em negócios, é
perceptível a importância de um marco legal para o hidrogênio de baixa
emissão de carbono no Brasil capaz de definir conceitos e estabelecer
diretrizes de políticas públicas. Além disso, é preciso a presença de um
modelo de certificação de hidrogênio, especialmente para o hidrogênio
produzido a partir da eletrólise em função das especificidades do siste-
ma elétrico brasileiro.
Visando propiciar ao leitor uma maior compreensão acerca do sta-
tus quo e das perspectivas de hidrogênio de baixa emissão de carbono
no Brasil, este capítulo se divide em duas partes. Inicialmente, é apre-
sentada a evolução recente do marco normativo do hidrogênio no país.
Na sequência, é feito o exame das diretrizes brasileiras para certificação
do hidrogênio produzido a partir da eletrólise.

4.1. O Marco Normativo do Hidrogênio

Mais do que contribuir para trajetória brasileira de neutralidade de car-


bono até 2050, o hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus deriva-
dos podem representar uma oportunidade de desenvolvimento econô-
mico no país. Este suposto é fundamentado na constatação que o Brasil
apresenta todas as condições para ter uma participação significativa na
economia mundial do hidrogênio de baixa emissão de carbono.

68 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Entretanto, para que o potencial brasileiro seja materializado e
seja desenvolvido um mercado forte e competitivo, é preciso avanços
tecnológicos, sinais econômicos corretos e capacitação de mão de obra,
devendo todas estas frentes estarem bem fundamentadas em uma ade-
quada estrutura normativa.
Para endereçar estas questões, em 2021 foram criadas as Diretrizes
para o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), o qual foi oficialmente
instituído por meio da Resolução no. 6 de 2022 do Conselho Nacional de
Política Energética (CNPE). De acordo com esta resolução, o PNH2 deve
se basear nos seguintes princípios:
● Valorização do potencial nacional de recursos energéticos;
● O reconhecimento da diversidade de fontes energéticas e alter-
nativas tecnológicas disponíveis ou potenciais;
● A descarbonização da economia;
● A valorização e incentivo ao desenvolvimento tecnológico na-
cional;
● O desenvolvimento de um mercado competitivo;
● A busca de sinergias e articulação com outros Países;
● O reconhecimento da contribuição da indústria nacional.
Concomitantemente, o PNH2 definiu os seguintes eixos:
● Fortalecimento das bases científico-tecnológicas;
● Capacitação de recursos humanos;
● Planejamento energético;
● Arcabouço legal e regulatório-normativo;
● Abertura e crescimento do mercado e competitividade;
● Cooperação internacional.
De todo modo, a implementação e o desenvolvimento da econo-
mia do hidrogênio requerem a existência de um marco legal, sobretudo
diante à necessidade de dar segurança jurídica aos investidores quanto
à perenidade das regras do setor.
Neste contexto, compreende-se toda a ebulição em torno do esta-
belecimento das diretrizes para economia do hidrogênio no Brasil que

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 69


vem sendo vivenciada em tempos recentes. As discussões englobam
desde a definição de hidrogênio de baixa emissão de carbono e limites
de emissões até políticas de incentivos a projetos.
No segundo semestre do ano de 2023, o Poder Executivo, com base
em minuta elaborada pelo Comitê Gestor do Programa Nacional do Hi-
drogênio (COGES PNH2), estruturou o Projeto de Lei versando sobre a
criação do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono e do
Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio45. De acordo com o seu
texto:

Art. 2º São fundamentos desta Lei:


I – o reconhecimento da contribuição do hidrogênio de baixa emis-
são de carbono para a segurança energética, para a preservação
ambiental, para a promoção do desenvolvimento e para a inclusão
econômica e social na transição energética do País;
II – o respeito à livre concorrência no mercado de hidrogênio;
III – a necessidade de mitigação de emissões de GEE, em particular
em setores de difícil abatimento desses gases;
IV – o desenvolvimento da cadeia industrial do hidrogênio de baixa
emissão de carbono, por meio do fortalecimento das bases tecnoló-
gicas e de recursos humanos;
V – a modernização da indústria nacional, visando a maximizar a
participação desta no esforço de fornecimento de bens e serviços
necessários para a expansão da cadeia de valor do hidrogênio; e
VI – a cooperação internacional ampla para acelerar o desenvolvi-
mento da economia do hidrogênio no País.
No que tange aos seus princípios, constam os seguintes:
Art. 3º São princípios desta Lei:
I - previsibilidade para a participação do hidrogênio no mercado,
com ênfase na sustentabilidade da indústria de hidrogênio e na se-
gurança do abastecimento;
II - proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualida-
de e oferta de produtos;

45
Ademais, o projeto versa sobre a exploração e produção do hidrogênio geológico
em território nacional.

70 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


III - contribuição do hidrogênio de baixa emissão de carbono para a
mitigação efetiva de emissões de GEE;
IV - contribuição do mercado de hidrogênio para a geração de em-
prego e de renda e para o desenvolvimento regional, bem como para
a promoção de cadeias de valor relacionadas aos seus derivados;
V - aumento da eficiência energética, com o uso de hidrogênio nos
setores de transporte, industrial, energético, incluindo aqueles de
difícil abatimento de emissões; e
VI - inovação, visando a consolidar a base tecnológica do País, a
aumentar a competitividade do hidrogênio na matriz energética
nacional e como insumo industrial, bem como acelerar o desenvol-
vimento e a inserção comercial de seus derivados e aplicação em
novos usos e mercados.”
Uma questão de extrema relevância trazida por este projeto de lei
foi a definição abrangente do conceito de hidrogênio de baixa emissão
de carbono, conforme pode ser visto na passagem a seguir extraída do
seu Art. 5º:
X – hidrogênio de baixa emissão de carbono: hidrogênio produzido
com base em tecnologias e fontes de energia com baixa emissão de
GEE ao longo de seu ciclo de vida, ou com adoção de tecnologias de
remoção de carbono (como captura e estocagem de carbono – CCS),
inclusive carbono negativas, abrangendo:
a) fontes renováveis de energia, inclusive biomassa e biocombus-
tíveis;
b) combustíveis fósseis com captura, armazenamento ou uso de
carbono;
c) energia nuclear;
d) resíduos;
e) hidrogênio natural; e
f) fontes de energia que utilizem tecnologias de baixa emissão de
carbono (inclusive pirólise do gás natural e do biometano e micro-
-ondas de resíduos) e combinações de processos (processos híbri-
dos) ou mistura de quantidades que assegure a baixa emissão de
carbono (“blend”);

Ao optar por esta abordagem mais ampla, evita-se a criação de tran-


camentos tecnológicos. Desta forma, são criadas condições para o país
explorar de maneira eficiente todas as suas potencialidades por meio de

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 71


atração de investimentos nos projetos que venham a se apresentar mais
atrativos.
Em linhas com o exposto no Capítulo 1 deste livro, a criação de um
marco legal para o hidrogênio requer a definição de diretrizes de certi-
ficação do hidrogênio de baixo de carbono. Para isso, é preciso elaborar
a governança dos mecanismos de certificação. O Projeto de Lei do Poder
Executivo fez isso em sua Seção III transcrita a seguir:
Seção III
Da Certificação do Hidrogênio
Art. 14. Para os fins desta Lei, a certificação de hidrogênio adotará a
intensidade de emissões de GEE relacionada ao hidrogênio produ-
zido em território nacional como atributo, com base em análise do
ciclo de vida.
Parágrafo único. Os certificados de hidrogênio emitidos para o hi-
drogênio produzido em território nacional deverão resguardar a
integralidade ambiental, sendo assegurada a inexistência de dupla
contagem.
Art. 15. Selos de enquadramento para o hidrogênio produzido po-
derão ser emitidos pelas empresas certificadoras, conforme crité-
rios estabelecidos em regulamento.
Art. 16. A certificação do hidrogênio produzido em território nacio-
nal terá como referência o Padrão Brasileiro para Certificação do
Hidrogênio (PBCH2), o qual será estabelecido em regulamento e
deverá conter, minimamente:
I – o modelo de cadeia de custódia que será adotado;
II – o escopo das emissões de GEE que será considerado;
III – a fronteira do sistema de certificação;
IV – as unidades certificáveis que serão reportadas no certificado;
V – os critérios para suspensão dos certificados de hidrogênio emi-
tidos;
VI – os critérios para cancelamento dos certificados de hidrogênio
emitidos; e
VII – os instrumentos de flexibilidade que poderão ser adotados em
casos de perda temporária de especificação do hidrogênio.
Art, 17. A autoridade reguladora deverá prever mecanismos de in-
teroperabilidade e de harmonização junto a padrões internacionais

72 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


de certificação de hidrogênio, podendo estabelecer regras para
reconhecimento de certificado para o hidrogênio e derivados que
forem objeto de importação, observados os objetivos da política
energética nacional.

Na sequência do Projeto de Lei do Poder Executivo, as discussões


do arcabouço normativo do hidrogênio de baixa emissão de carbono se
intensificaram no Poder Legislativo. Finalmente, em julho de 2024 foi
aprovado o Projeto de Lei nº 2.308/2023 no Congresso Nacional insti-
tuindo o Marco Legal do Hidrogênio de baixa emissão de carbono46.
Além de estabelecer as bases do arcabouço normativo do hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono no Brasil, o PL 2.308/2023 fixa diretri-
zes da política nacional do hidrogênio de baixa emissão de carbono e de
incentivos para o desenvolvimento desta indústria47.
Parte-se do suposto que a promoção do hidrogênio de baixa emis-
são de carbono e seus derivados é uma medida alinhada com a promo-
ção da transição energética. Ademais, o aproveitamento das potenciali-
dades brasileiras seria indutor de desenvolvimento socioeconômico em
bases sustentáveis e geraria empregos.
Nestas bases, se justificaria a existência de políticas de incentivos
com o objetivo de acelerar o processo de implementação de projetos de
produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados
destinados, tanto para o mercado interno, como para a exportação.
Visando a inserção competitiva do hidrogênio de baixa emissão de
carbono na matriz energética brasileira, o PL nº 2.308/2023 reitera o
princípio da neutralidade tecnológica, não apenas na definição do en-
quadramento do conceito de hidrogênio de baixa emissão de carbono,

46
No momento da elaboração deste livro, a promulgação deste Projeto de Lei ainda
carecia de sanção presidencial.
47
O PL nº 2.308/2023 também define as responsabilidades pela atividade regulató-
ria, cabendo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
a autorização do exercício das atividades de produção e comercialização de hidro-
gênio e seus derivados e carreadores. Concomitantemente, ficou estabelecido que
a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) possui a atribuição de emissão de
declaração de utilidade pública relativa para implantação e operação de instalações
de transmissão e de distribuição de energia elétrica de uso exclusivo de projetos de
projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono.

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 73


como também na concessão de incentivos. Neste sentido, cabe a trans-
crição da passagem do texto que faz a definição do conceito de hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono:
Art. 4º
XII – hidrogênio de baixa emissão de carbono: hidrogênio com-
bustível ou insumo industrial coletado ou obtido a partir de fontes
diversas de processo de produção e que possua emissão de GEE,
conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual
a 7 kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equiva-
lente por quilograma de hidrogênio produzido).

Dado que o limite estabelecido originalmente no texto do PL nº


2.308/2023 era de 4 kgCO2eq/kgH248, o valor de 7 kgCO2eq/kgH2 vem
suscitando controvérsias e críticas, sobretudo ao se observar que se tra-
ta de um valor consideravelmente superior a valores de referência co-
mumente adotados em nível internacional. Todavia, é preciso fazer algu-
mas ponderações acerca do valor estabelecido para o enquadramento
enquanto hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que não é possível afir-
mar se um determinado valor de referência é alto ou baixo sem a defi-
nição de qual o escopo de emissões que está se avaliando. Por exemplo,
um valor de 4 kgCO2eq/kgH2 para emissões restritas ao processo de
produção de hidrogênio pode ser mais alto que um valor de 7 kgCO2eq/
kgH2 que, além das emissões do processo de produção de hidrogênio,
também considere emissões relativas à produção dos equipamentos,
construção de infraestrutura, distribuição e vazamentos.
A partir da constatação que não existe consenso sobre o escopo das
emissões a ser considerado, ressalta-se ser prudente não se definir um
valor extremamente restritivo em nível de lei, cabendo a regulamenta-
ção da atividade de produção de hidrogênio realizar o detalhamento
destes limites.
Além da questão da fronteira de emissão, a abordagem flexível dos
limites permitirá que os valores de referência possam ser adequados

48
Esta alteração ocorreu por meio de emenda parlamentar no âmbito das discussões
do PL 2.308/2023 no Senado Federal.

74 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


em função da dinâmica de mercado e da própria evolução das rotas tec-
nológicas. Neste sentido, os limites podem se tornar mais restritos se os
valores iniciais se mostrarem poucos restritivos.
Nestas bases, criam-se condições para atração de investidores e off-
takers capazes de alavancar a indústria de hidrogênio de baixa emissão
de carbono no Brasil. Esta assertiva parte do suposto que limites me-
nos estritos em um primeiro momento irão possibilitar um mercado de
maior dimensão e ganhos de competitividade mais rápidos49.
Observa-se, assim, que o limite estabelecido no PL nº 2.308/2023
é compatível com o objetivo do desenvolvimento do mercado brasileiro
de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Além disso, caso o hidrogê-
nio seja produzido visando a exportação, o limite de emissões relevante
é da região de destino deste hidrogênio, sendo uma discussão secundá-
ria o limite de emissões estabelecido pela legislação brasileira.
Nesta busca pela promoção da economia do hidrogênio de baixa
emissão de carbono no Brasil, é importante um melhor entendimen-
to dos incentivos trazidos pelo PL nº 2.308/2023. Estas iniciativas são
parte integrantes do Regime Especial de Incentivos para a Produção de
Hidrogênio de baixa emissão de carbono (Rehidro)50 e do Programa de
Desenvolvimento do Hidrogênio de baixa emissão de carbono (PHBC)51.
Em linhas gerais, o Rehidro consiste em um conjunto de medidas
de incentivos à produção e consumo de hidrogênio de baixa emissão de
carbono e seus derivados por meio de instrumentos fiscais e tributá-
rios52. Em termos de isenções tributárias, destaca-se a suspensão por

49
Estes ganhos de competitividade aumentará o número de offtakeres dispostos a
pagar pelo hidrogênio de baixa emissão de carbono e, por consequência, induzirão
o crescimento do mercado.
50
O Rehidro deverá ser regulamentado pelo Poder Executivo por meio de decreto e
de instrução normativa da Receita Federal do Brasil.
51
O PL nº 2.308/2023 também versa sobre as condicionantes da cooperação técnica
entre as esferas pública e privada para o desenvolvimento de pesquisas de novos
produtos, tecnologias e processos voltados para a produção de hidrogênio de baixa
emissão de carbono.
52
Estes benefícios se aplicam independente da produção ser destinada ao mercado
interno ou à exportação. Ademais, os incentivos do Rehidro não são concorrentes

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 75


cinco anos da incidência de PIS/PASEP e Cofins sobre a compra de ma-
térias primas, produtos, materiais e equipamentos requeridos para a
produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono53. Já na esfera dos
créditos fiscais, os benefícios estão atrelados à concessão de créditos fis-
cais da Contribuição de Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Ademais, como mecanismo de captação de recursos para implanta-
ção ou expansão de projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono,
é facultada aos participantes do Rehidro o direito de emitir debêntures
incentivadas nos termos da Lei nº 12.431/201154.
Em linhas com o compromisso do desenvolvimento tecnológico
nacional e a geração de renda em território brasileiro, cabe ressaltar a
busca do Rehidro de incentivar toda a cadeia produtiva do hidrogênio de
baixa emissão de carbono no Brasil. Para isso, o PL nº 2.308/2023, es-
tabelece em seu Art. 26 que a habilitação ao Rehidro passará pelo aten-
dimento de requisitos de percentuais mínimos de aquisição de bens e
serviços de origem nacional55 e de investimentos em pesquisa, desen-
volvimento e inovação.
No caso do PHBC, seu objetivo é a disponibilização de recursos para
o custeio de projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono volta-
dos para a promoção da transição energética no país por um período de
10 anos. Quanto às suas fontes de recursos, estes estão assim identifi-
cadas:
Art. 31. Constituem recursos do PHBC:
I – dotações consignadas na lei orçamentária anual da União e em
seus créditos adicionais;

nem conflitantes com os incentivos concedidos a empresas localizadas em Zonas


de Processamento de Exportação (ZPE). Ou seja, dada a busca por tornar competi-
tivo o hidrogênio de baixa emissão de carbono brasileiro, a opção foi pelo caráter
cumulativo dos benefícios.
53
Esta desoneração é extensiva aos serviços requeridos na construção da infraestrutura.
54
Esta modalidade de debênture possui isenção de imposto de renda para os ganhos
auferidos por pessoas físicas e tributação reduzida para pessoas jurídicas.
55
Nos casos em que comprovadamente não existirem bens e serviços de origem na-
cional com as características necessárias para o projeto, esta exigência será dispen-
sada.

76 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


II – recursos decorrentes de acordos, de ajustes, de contratos e de
convênios celebrados com órgãos e entidades da administração pú-
blica federal, estadual, distrital ou municipal;
III – doações realizadas por entidades nacionais e internacionais,
públicas ou privadas;
IV – empréstimos de instituições financeiras nacionais e interna-
cionais;
V – reversão dos saldos anuais não aplicados;
VI – percentual de lucros excedentes das agências financeiras ofi-
ciais de fomento do exercício anterior, a ser definido conforme re-
gulamento;
VII – resultados de aplicações financeiras sobre suas disponibilida-
des;
VIII – recursos extraordinários previstos nesta Lei; e
IX – outros recursos destinados em lei ao PHBC.

Em termos de aplicações dos recursos do PHBC, importante ressal-


tar que o PL nº 2.308/2023 estabeleceu limites aos valores passíveis de
serem concedidos a cada ano. Os montantes a serem disponibilizados
deverão ser compatíveis com as metas fiscais do país e alinhados com os
objetivos do programa56. Para o período compreendido entre os anos de
2028 e 2032, o art. 32. apresenta os seguintes limites:
Art. 32. A concessão de crédito fiscal observara o disposto neste ar-
tigo.
§ 1° Entre 2028 e 2032, os créditos fiscais referidos no caput deste
artigo serão limitados aos seguintes valores globais para cada ano-
-calendário:
I - 2028: R$ 1.700.000.000,00 (um bilhão e setecentos milhões de
reais);
II - 2029: R$ 2.900.000.000,00 (dois bilhões e novecentos milhões
de reais);
III - 2030: R$ 4.200.000.000,00 (quatro bilhões e duzentos milhões
de reais);

56
Os valores a serem disponibilizados devem estar previstos no projeto de Lei Orça-
mentária Anual a ser encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional.

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 77


IV - 2031: R$ 4.500.000.000,00 (quatro bilhões e quinhentos mi-
lhões de reais);
V - 2032: R$ 5.000.000.000,00 (cinco bilhões de reais).

No que tange à elegibilidade para a obtenção de recursos do PHB, o


PL nº 2.308/2023 destaca que produtores e compradores de hidrogênio
de baixa emissão de carbono estão aptos a pleitear créditos fiscais do
PHBC. Em termos de uso destes recursos, o PL nº 2.308/2023 estabele-
ce que empresas e consórcios que comercializam de hidrogênio de baixa
emissão de carbono e seus derivados a partir de projetos localizados em
território nacional são elegíveis à subvenção econômica do PHBC57 .
Cabe destacar que o acesso a esta subvenção ocorre por meio de
mecanismos concorrenciais sujeita à disponibilidade de recursos. No
âmbito desta dinâmica concorrencial, deve ser enfatizado que a aplica-
ção dos recursos do PHBC deve respeitar princípios de atratividade eco-
nômico-financeira, vide o art. 34 do PL nº 2.308/2023:
“Art. 34. A política de investimentos do PHBC tem por objetivo bus-
car a rentabilidade, a segurança e a liquidez de suas aplicações, bem
como assegurar sua sustentabilidade econômica e financeira para
o cumprimento dos objetivos definidos no parágrafo único do art.
30 desta Lei.”

Dentro desse processo concorrencial, a escolha dos projetos deverá


priorizar aqueles com soluções de menor intensidade de emissões de
gases do efeito estufa e/ou com maior potencial de adensamento das
cadeias produtivas nacionais58.
Como vem sendo reiterado ao longo deste livro, a criação de um
mercado internacional de hidrogênio de baixa emissão de carbono passa
pela questão da certificação. Logo, é compreensível o PL nº 2.308/2008

57
Ser participante do REHIDRO é um critério adicional de elegibilidade para produto-
res. No caso de compradores, esta elegibilidade exige que o hidrogênio seja adqui-
rido a partir de produtores enquadrados dentro do REHIDRO.
58
Como requisitos para cessão de créditos fiscais, o PHBC poderá prever o caráter de-
crescente dos montantes de créditos concedidos ao longo dos anos, apresentação
da relação entre o valor do crédito fiscal e a diferença entre o preço do hidrogênio
e o preço de bens substitutos, presença de garantia da implantação do projeto e
aplicação de penalidades em casos de não implantação de projetos.

78 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


conter as diretrizes do Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio
(SBCH2), incluindo sua estrutura, sua governança e suas competências.
Em linhas gerais, o SBCH2 visa criar o arcabouço de certificação
do hidrogênio de baixa emissão de carbono e derivados no Brasil por
meio da reunião de informações por parte de uma empresa reconhecida
como certificadora. As informações contidas no certificado se referem
essencialmente os dados de emissões.
Apesar da adesão ao SBCH2 por parte dos produtores de hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono ter natureza voluntária, suas regras de
governança são de cumprimento obrigatório para todos os agentes que
desejarem a emissão de certificados de produtos da cadeia de valor do
hidrogênio produzidos no Brasil59.
Em termos de estrutura, o art. 16 estabelece que o SBCH2 deve ser
composto por uma autoridade competente, uma autoridade reguladora,
uma empresa certificadora, uma instituição acreditadora, uma gestora
de registros, produtor e comprador.
No que tange às atribuições de cada órgão, a autoridade competente
caberá a responsabilidade por estabelecer as diretrizes relativas às po-
líticas públicas de certificação de hidrogênio. Já a autoridade reguladora
terá a função de supervisionar o SBCH2 com as seguintes atividades:
● Definir os regulamentos para a implantação das diretrizes para
a certificação de hidrogênio;
● Estabelecer padrões e requisitos mínimos para o processo de
certificação de hidrogênio;
● Estabelecer obrigações e responsabilidades das empresas certi-
ficadoras credenciadas;
● Fiscalizar a movimentação do hidrogênio comercializado visan-
do supervisionar sua adequação à certificação;
● Fiscalizar as empresas certificadoras credenciadas;
● Definir e aplicar sanções administrativas e pecuniárias quando
cabível conforme regulamento.

59
No caso de produtos importados, deverá haver regulamento específico versando
sobre as condicionantes da certificação adotada no território de origem.

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 79


Por sua vez, a instituição credenciadora deverá responder pelos
credenciamentos das empresas certificadoras60. Para um melhor enten-
dimento desta dinâmica, é preciso a compreensão das atribuições de
uma empresa certificadora.
Basicamente, são empresas privadas emissoras de certificados
de hidrogênio por meio de verificação de conformidades. As informa-
ções dos certificados devem ser enviadas para a gestora de registros da
SBCH2, a qual consiste no órgão responsável pela reunião da base de
dados nacional de registros de certificados de hidrogênio61.
Em termos de critério de certificação do hidrogênio, o art. 22 do
PL nº 2.308/2023 define que a intensidade de emissão de gases do
efeito estufa associada à produção de hidrogênio será o atributo de
certificação com base em análises de ciclo de vida62. No mais, as outras
diretrizes são baseadas no PBCH2 já presentes no PL do Poder Execu-
tivo e apresentadas no início deste capítulo.
Apesar do arcabouço normativa e a governança d SBCH2 ainda estar
em fase de implementação, é importante ressaltar que já existem dire-
trizes para certificação do hidrogênio produzido a partir da eletrólise. A
próxima seção deste capítulo é dedicada à apresentação destas diretrizes.

4.2. Regras de Certificação de Hidrogênio da


Eletrólise no Brasil

60
O Art. 19. do PL nº 2.308/2023 determina que estas instituições devem estabelecer
os procedimentos de credenciamento de empresas certificadoras, realizar o cre-
denciamento, disponibilizar lista atualizada de entidades certificadoras e auditar
os certificados emitidos por empresas certificadoras. s
61
A gestora de registros deverá facultar aos compradores o direito de verificar a au-
tenticidade do registro do certificado de hidrogênio emitido. Ademais, a gestora de
registros precisa manter sistema informatizado e plataforma eletrônica de caráter
público de acesso à base de dados.
62
Os certificados emitidos deverão respeitar o princípio da integralidade ambiental
visando assegurar a inexistência de dupla contagem.

80 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Dada a necessidade de comprovação e rastreamento dos atributos am-
bientais do hidrogênio, fora atribuída a Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica (CCEEE) a responsabilidade pela elaboração das ins-
truções e procedimentos necessários para a certificação do hidrogênio
produzido a partir da rota da eletrólise no Brasil.
Em sua versão inicial, embora contemple as devidas adequações ao
sistema elétrico brasileiro, o regramento criado pela CCEE está alinhado
com as diretrizes da União Europeia. Basicamente, as regras versam so-
bre cadastro, emissão, transferência e cancelamento do certificado.
O presente regulamento da CCEE tem abrangência limitada ao hi-
drogênio e com o escopo das emissões restrito às emissões do proces-
so de produção (incluindo as emissões da geração de energia elétrica).
Além disso, é importante ressaltar que a esta certificação não envolve
qualquer tipo de questão ESG.
Adicionalmente, fica definido que são passíveis de certificação, tan-
to projetos abastecidos por meio de energia elétrica advinda do SIN que
possuam contratos de aquisição de energia elétrica, como por meio de
autoprodução com conexão direta a uma planta de geração renovável.
Em termos de correlação temporal, a verificação da mesma ocorre-
rá em bases mensais ou trimestrais. Para isso, é preciso que os empre-
endimentos de produção de energia elétrica e de hidrogênio estejam em
conformidade com os requisitos de medição estabelecidos pela CCEE63.
Em termos operacionais, o primeiro passo a ser feito é o preenchi-
mento do cadastro inicial disponibilizado no próprio site da CCEE. Feito
este preenchimento, a CCEE irá proceder com a análise das informações
visando dar o parecer de aprovação ou de solicitação de ajustes. Caso a
decisão seja pela aprovação, a empresa solicitante estará apta a emissão
de certificados. Em contrapartida, no caso da solicitação de ajustes, a

63
Em situações em que a carga da planta de produção de hidrogênio e/ou a central
de geração fornecedora de energia elétrica não estejam modeladas na CCEE e exista
desacordo em relação às normas do Sistema de Medição para Faturamento (SMF)
previstas no PRODIST e/ou com Procedimentos de Rede, a medição deverá ocorrer
diretamente no medidor de forma individualizada, sendo dado à CCEE acesso ao
software de mediação, assim como aos equipamentos e as validações necessárias,
ressaltando-se a necessidade dos medidores serem certificados pelo INMETRO.

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 81


empresa deverá enviar documentos e informações adicionais requeri-
das pela CCEE e reiniciar o processo.
A Figura 4.1 a seguir ilustra o fluxo do cadastramento para requeri-
mento de certificação de hidrogênio na CCEE.

Figura 4.1 Fluxograma de Cadastramento para Certificação de Hidrogênio na CCEE

Preenchimento do Solicitação para


requerimento certificação

Análise da
documentação

Ajuste Decisão sobre


certificação

Produtor está apto


a emissão mensal ou
trimestral do certificado

Solicitante (Produtor de H2)


Certificadora (CCEE)
Fonte: CCEE (2023).

Deve ser ressaltado que o modelo de certificação adotado pela


CCEE não possui natureza binária, podendo o hidrogênio produzido
ser enquadrado como parcialmente renovável. Em linhas gerais, a clas-
sificação do hidrogênio como sendo de origem renovável ou como sen-

82 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


do parcialmente renovável irá depender da parcela de energia com-
provadamente renovável.
Para que seja possível definir a tipologia do certificado do hidro-
gênio, a CCEE irá examinar a origem da energia elétrica consumida
com o intuito de averiguar o atendimento de critérios de garantia de
origem. Basicamente, isso ocorre por meio da verificação da parcela
consumida de energia renovável por meio de contratos no Ambiente
de Contratação Livre (ACL) ou autoprodução e da parcela advinda do
SIN sem comprovação de ser renovável.
O processo de verificação da origem da energia elétrica utilizada
apresenta alguns critérios de priorização. Inicialmente, deve ser men-
surado o montante de energia gerada por meio de autoprodução para
a cobertura do consumo da planta de hidrogênio64.
Havendo consumo de energia não coberto pela planta de auto-
produção, a demanda remanescente deve ser atendida por meio de
contratos de geração renovável. Neste caso, é preciso que se apresente
vínculo com a usina que lastreia o contrato. Para isso, é preciso que
sejam informados o contrato registrado com dados do tipo de geração
e os perfis da geração e carga65.
Nestas bases, o consumo de energia a partir do SIN é calculado por
diferença. Ou seja, se trata da demanda remanescente após esgotados os
recursos de energia ofertados por meio de autoprodução e de contratos.
Como o intuito do regramento da CCEE é a certificação de hidro-
gênio, além dos dados acerca da energia elétrica utilizada, são neces-
sários dados sobre a produção de hidrogênio. Neste sentido, deverá
existir acesso à medição do hidrogênio, sendo também necessário o
cálculo do consumo específico de energia elétrica do hidrogênio em
um determinado período.

64
Caso o sistema off-grid, aqui denominado como autoprodução, tenha um arranjo
em que as plantas de geração de energia elétrica e de hidrogênio possuam titula-
ridades diferentes, deverá ser firmado e registrado contrato de energia entre as
partes.
65
Os perfis de geração e de carga se referem às características sazonais e de modula-
ção dos contratos.

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 83


Para elucidar estes diferentes cenários, o manual de certificação
apresenta os possíveis casos de suprimento de energia elétrica para o
atendimento de plantas de hidrogênio e apresenta suas implicações.
O primeiro caso é aquele em que o produtor de hidrogênio está co-
nectado ao SIN e apresenta um contrato de aquisição de energia elétrica
de origem renovável firmado no ACL, também podendo ser denomina-
dos Power Purchase Agreement (PPA). A Figura 4.2 ilustra este caso.

Figura 4.2 Suprimento de Energia Elétrica com PPA Renovável

Gerador ACL SIN Produtor H2

+ -

PPA Renovável
Fonte: CCEE (2023).

A partir das informações verificadas de forma periódica pela CCEE


sobre a energia elétrica utilizada na produção do hidrogênio, este hi-
drogênio poderá ser certificado como renovável se for atestado que
todo o consumo está lastreado em contratos de geração renovável.
Caso parte da energia elétrica utilizada para produzir hidrogênio não
esteja lastreada em contratos de energia renovável, o hidrogênio será
enquadrado como parcialmente renovável. A Figura 4.3 apresenta es-
tas possibilidades.

84 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Figura 4.3 Possibilidades de Certificação do Caso PPA Renovável

Z% Hidrogênio
de fonte parcialmente
renovável
100% Hidrogênio
de fonte renovável
X% Hidrogênio
de fonte renovável

Mês j Mês j + 1
Consumo de energia para produção de H2
Energia consumida com CCEAL de fonte renovável
Energia consumida sem comprovação renovável

Fonte: CCEE (2023).

O segundo caso é análogo ao primeiro, mas em vez de contrato de


energia renovável lastreando seu consumo, o produtor de hidrogênio
possui uma planta de autoprodução renovável, vide a Figura 4.4.

Figura 4.4 Suprimento de Energia com Autoprodução Renovável

Autoprodução Renovável SIN Produtor H2

+ -

AP Renovável
Fonte: CCEE (2023).

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 85


Figura 4.5 Possibilidades de Certificação do Caso Autoprodução Renovável

Z% Hidrogênio
de fonte parcialmente
renovável
100% Hidrogênio
de fonte renovável
Y% Hidrogênio
de fonte renovável

Mês j Mês j + 1
Consumo de energia para produção de H2
Energia consumida da Autoprodução renovável
Energia consumida sem comprovação renovável

Fonte: CCEE (2023).

Caso a planta de autoprodução tenha sido capaz de atender a toda


demanda da planta de produção de hidrogênio, o hidrogênio será cer-
tificado como renovável. Todavia, em situações em que a demanda da
planta por hidrogênio precise também precise consumir energia do
SIN sem que esteja lastreado em contratos de energia renovável, o hi-
drogênio será enquadrado como sendo parcialmente renovável. A Fi-
gura 4.5 apresenta estas possibilidades.
O terceiro caso é a situação em que a planta de hidrogênio é supri-
da, tanto por autoprodução a partir de fontes renováveis, como pelo
estabelecimento de contrato de aquisição de energia elétrica renová-
vel. A lógica deste caso é ilustrada por meio da Figura 4.6.

86 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Figura 4.6 Caso PPA Renovável + Autoprodução Renovável

PPA Renovável
Gerador ACL

SIN Produtor H2

Autoprodução

+ -

AP Renovável

Fonte: CCEE (2023).

Se a somatória da energia da autoprodução renovável com o las-


tro dos contratos de aquisição de energia renovável for suficiente para
garantir a cobertura da demanda por eletricidade da planta produtora
de hidrogênio, este hidrogênio poderá ser certificado como renová-
vel. Caso esta soma não seja suficiente e o produtor precise consumir
energia do SIN não lastreado em contratos de aquisição de energia re-
novável, o hidrogênio será tido como parcialmente renovável. A Figura
4.7 apresenta estas possibilidades.

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 87


Figura 4.7 Possibilidades de Certificação do Caso PPA Renovável + Autoprodução Renovável

Z% Hidrogênio
de fonte parcialmente
renovável
100% Hidrogênio
de fonte renovável
(X+Y)% Hidrogênio
de fonte renovável

Mês j Mês j + 1
Consumo de energia para produção de H2
Energia consumida com CCEAL de fonte renovável
Energia consumida da Autoprodução renovável
Energia consumida sem CCEAL de fonte renovável
Fonte: CCEE (2023).

Por fim, o último caso é aquele em que a planta de produção de


hidrogênio não está conectada ao SIN e é atendida exclusivamente por
uma usina de autoprodução de fonte renovável, conforme é ilustrado
na Figura 4.8.

Figura 4.8 Caso de Autoprodução Renovável Off-grid

Autoprodução Renovável Produtor H2

+ -

Fonte: CCEE (2023).

Por definição, existirá equivalência entre a produção de energia


elétrica e o consumo da planta de hidrogênio. Logo, todo o hidrogênio
produzido poderá ser certificado como renovável. Caso a produção de
energia elétrica se mostre aquém da requerida, o que acontecerá será

88 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


uma redução nas quantidades produzidas de hidrogênio. A Figura 4.9
apresenta estas possibilidades.

Figura 4.9 Possibilidades de Certificação do Caso Autoprodução Renovável Off-grid

100% Hidrogênio
de fonte renovável 100% Hidrogênio
de fonte renovável

Mês j Mês j + 1
Consumo de energia para produção de H2
Energia consumida da Autoprodução renovável
Fonte: CCEE (2023).

Apresentados estes casos, dada a necessidade de conhecer a in-


tensidade de carbono da produção de hidrogênio, cabe definir de for-
ma sucinta o que a CCEE quer dizer com hidrogênio 100% renovável e
com hidrogênio parcialmente renovável. No caso da certificação como
hidrogênio renovável, se assume que o teor de carbono é igual a zero.
Por sua vez, a intensidade de carbono do hidrogênio tido como par-
cialmente renovável será baseada a partir do fator de emissão do SIN.
No que tange ao modelo de rastreamento utilizado, a opção da CCEE
foi pelo modelo Book & Claim em função de sua maior versatilidade que
possibilita aplicação em um escopo mais diverso de modelos de negócios.
Desta forma, é facultado o direito de transferência do certificado
do hidrogênio entre diferentes agentes cadastrados no sistema de cer-
tificação da CCEE66. Basicamente, após o proprietário do certificado
fazer a solicitação da transferência do certificado, a CCEE irá avaliar a
viabilidade da transação67.

66
As bases da transação entre as partes não são compartilhadas com a CCEE. Da mes-
ma forma, a liquidação comercial da transação é de responsabilidade exclusiva das
partes envolvidas no negócio.
67
Dentre as informações a serem examinadas, está o registro do adquirente na CCEE,
a disponibilidade e a validade dos certificados solicitados para transferência. Além

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 89


A Figura 4.10 a seguir ilustra o processo de transferência de certi-
ficados de hidrogênio entre os agentes.

Figura 4.10 Procedimento de Solicitação de Transferência de Certificado

Análise da Aceitação do
*O proprietário CCEE adquirente
*Não tendo nenhum
do certificado impedimento o
irá solicitar a *Como certificadora *O adquirente
a CCEE irá analisar certificado estará terá até 5 dias
transferência de apto a ser
propriedade do se a transação é úteis para aceitar
válida e poderá transferido. a transferência.
certificado através
do formulário ser realizada.

Solicitação de Transferência
transferência do certificado

Fonte: CCEE (2023).

Concomitantemente, deve ser destacada a necessidade de solici-


tar o cancelamento do certificado do hidrogênio após o mesmo chegar
ao seu destino para ser consumido. Após este cancelamento, este cer-
tificado não pode ser mais utilizado ou transferido68.
Para que este cancelamento seja feito, o proprietário do certifi-
cado deverá preencher o formulário de cancelamento da CCEE com
informações acerca do destino e utilização deste certificado. Assim
como no caso da transferência de titularidade do certificado, a CCEE
irá avaliar a viabilidade da transação69.

disso, ressalta-se que que a transferência pode ser total em que a empresa adqui-
rente passa a ser a nova titular do certificado ou parcial em que a empresa transfere
apenas uma parcela do seu certificado para a empresa adquirente e permanece
sendo titular da parcela remanescente do certificado.
68
As bases da transação comercial e a responsabilidade pela liquidação financeira
com o consumidor não competem a CCEE.
69
O cancelamento do certificado pode ser total ou parcial. No segundo caso, apenas
a fração do certificado destinada ao consumidor é cancelada com a parte remanes-
cente permanecendo de titularidade da parte vendedora.

90 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


A Figura 4.11 apresenta a lógica do processo de cancelamento do
certificado de hidrogênio junto a CCEE.

Figura 4.11 Procedimento de Solicitação de Cancelamento de Certificado

Análise da
*O proprietário CCEE
*Não tendo nenhum
do certificado impedimento o
irá solicitar o *Como certificadora,
a CCEE irá analisar certificado será
cancelament do cancelado
certificado através se o cancelamento
de formulário é válido.

Solicitação de Cancelamento
cancelamento do certificado

Fonte: CCEE (2023).

Por fim, é importante mencionar que os certificados possuem pra-


zo de validade. Tipicamente, a validade dos certificados é de 12 meses.
A data de expiração consta no próprio certificado tendo como base a
data de emissão após a avaliação da CCEE. Notadamente, só podem ser
transferidos ou cancelados certificados não expirados.

Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono no Brasil 91


5
Condicionantes e Custos do
Uso do Sistema Interligado
Nacional
Apesar de ser possível produzir hidrogênio sem conexão com a rede
elétrica por meio de autoprodução de energia elétrica renovável, não é
razoável imaginar que este será o arranjo tecnológico predominante e
capaz de alavancar a economia do hidrogênio de baixa emissão de car-
bono por meio de projetos da rota da eletrólise no Brasil.
Esta assertiva tem como base o fato das principais fontes renováveis
para a geração de energia elétrica visando a produção de hidrogênio de
baixa emissão de carbono serem variáveis70. Para lidar com a variabili-

70
O caráter intermitente da geração é prejudicial à eficiência operacional dos ele-
trolisadores. Esta problemática é especialmente crítica no caso dos eletrolisadores
alcalinos que são os eletrolisadores mais utilizados em nível mundial.
dade das fontes eólica e solar, torna-se necessário à implementação de
sistemas de armazenamento.
Dado que as baterias permanecem tendo custos elevados, o supri-
mento de energia elétrica a partir da rede segue sendo uma alternativa
a ser priorizada. Esta opção é especialmente relevante no caso brasileiro
em função da oferta de energia elétrica do SIN ser majoritariamente de
origem renovável em anos típicos71.
Todavia, é preciso ressaltar que a engenharia financeira dos proje-
tos de hidrogênio de eletrólise a serem adotados no Brasil é muito sen-
sível aos custos com o uso do sistema de transmissão. Logo, a busca por
arranjos comerciais do uso do sistema de transmissão que considerem
as especificidades dos projetos de hidrogênio é bastante desejável.
Em contrapartida, considerando que os projetos de hidrogênio ele-
trolítico prospectados para o Brasil irão exigir vultosos investimentos
no SIN, é preciso também se examinar as implicações destes investi-
mentos nos custos de transmissão arcados pelos demais agentes.
Toda a discussão acerca do uso do sistema de transmissão para o
atendimento das necessidades das plantas de produção de hidrogênio
ocorre em meio à problemática do constrained-off. Efetivamente, trata-
-se de um problema com consequências extremamente negativas para
usinas eólicas e solar fotovoltaicas.
Como uma das principais causas do problema do constrained-off é a
falta de carga, a demanda de energia elétrica de origem renovável para o
atendimento da produção de hidrogênio eletrolítico pode ser vir a con-
sistir em uma estratégia de mitigação deste problema.
Nestas bases, o desenho de um modelo de uso da rede com tarifas
que otimizem o uso da rede e o aproveitamento da energia renovável
atualmente desperdiçada tende a ser atrativo. Na medida em que a tec-
nologia blockchain viabiliza transações P2P, são criadas condições para
que se avance em proposições nesta direção.

71
Em anos de hidrologias críticas, a participação renovável da matriz elétrica tende a
se reduzir de forma significativa em função da necessidade do despacho de usinas
termelétricas movidas a combustíveis fósseis.

94 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


O objetivo deste capítulo é justamente examinar as condicionantes
e os custos do uso da infraestrutura do SIN para o suprimento da de-
manda por energia elétrica renovável por parte das centrais produtoras
de hidrogênio. Com este intuito, o capítulo está estruturado em três se-
ções.
Inicialmente, a Seção 5.1 apresenta a natureza condominial do SIN
e a forma como são calculadas as tarifas do uso do sistema de trans-
missão. A Seção 5.2 discute a problemática do constrained-off verificada
atualmente. Por fim, a última seção deste capítulo é dedicada à proposi-
ção de um modelo alternativo que considere as especificidades dos pro-
jetos de hidrogênio eletrolítico.

5.1. A Natureza Condominial do SIN

O sistema elétrico brasileiro se expandiu e consolidou ao longo do Sé-


culo XX por meio da exploração do potencial hídrico do país. Dado o
caráter variável das afluências, este aproveitamento ocorreu por meio
da construção de usinas hidrelétricas com reservatórios de acumulação
associados visando regularizar a oferta da energia hidrelétrica ao longo
do ano72.
Em complemento, gradativamente foram sendo inseridas usinas
termelétricas na matriz elétrica brasileiro como energia de reserva e,
posteriormente, como fonte regulares de suprimento de energia. Por
esta razão, a lógica operativa do sistema elétrico brasileiro é tida como
hidrotérmica.
Mais recentemente, verifica-se um crescimento exponencial da par-
ticipação das fontes eólica e solar fotovoltaica na matriz elétrica brasi-
leira. Como ilustração, o somatório das suas capacidades instaladas já

72
Na medida em que o potencial hídrico em rios de planalto foi se esgotando e o po-
tencial hídrico remanescente passou a se limitar a regiões de planície, os projetos
hidrelétricos mais recentes são do tipo fio d´agua. Neste tipo de usina hidrelétrica,
os reservatórios são de compensação com capacidade de regularização da geração
de energia por apenas alguns dias.

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 95


representando mais de 30% da potência instalada do sistema elétrico
brasileiro73.
Embora esta mudança do perfil da matriz elétrica brasileira venha
trazendo desafios crescentes para a operação do SIN, é importante res-
saltar que a o racional operativo baseado na lógica hidrotérmica perma-
nece vigente.
Não bastasse sua função de fornecedora de energia elétrica, as usi-
nas hidrelétricas seguem sendo vitais para o provimento dos atributos
de flexibilidade e de controle de tensão requeridos pelo sistema em um
contexto de difusão de fontes de energia elétrica variáveis.
Para que isso seja possível, é preciso ressaltar que alguns efeitos
sistêmicos são essenciais. São estes efeitos a base da afirmação que é o
sistema e não o conjunto de usinas destes sistemas que atende a carga
do setor elétrico brasileiro.
O primeiro destes efeitos advém da regularização das afluências
possibilitada pela presença de diversas usinas hidrelétricas ao longo da
cascata de um mesmo rio74. O segundo efeito é derivado da presença
de usinas termelétricas. Na medida em que atuam como backup para
o parque hídrico, estas hidrelétricas possibilitam o esvaziamento mais
“agressivo” dos reservatórios para criação de espaço de reserva para
afluências futuras. Ademais, ainda é preciso considerar o efeito diversi-
dade propiciado pelas sinergias e complementariedades entre diferen-
tes regimes pluviais das regiões brasileiras.

73
Esta participação contabiliza a potência instalada dos sistemas de microgeração
e de minigeração solar fotovoltaica. Ao se considerar apenas as usinas conectadas
diretamente no SIN, em julho de 2024 a fonte eólica respondia por 13,5% da ca-
pacidade total do SIN com uma potência de aproximadamente 31 GW enquanto a
fonte solar fotovoltaica centralizada representava 6,2% da capacidade total do SIN
com uma potência instalada da ordem de 14 GW.
74
Este efeito advém da grande extensão de alguns rios brasileiros que permite a pre-
sença de diversas usinas hidrelétricas no curso de um mesmo rio. Como a presença
de reservatórios nas usinas a montante influenciam na geração das usinas a jusan-
te, passa a existir uma interdependência entre elas com implicações operativas e
comerciais. Maiores informações sobre esta dinâmica podem ser encontradas em
D’ARAUJO (2009).

96 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


No caso específico do efeito diversidade, sua exploração só é possí-
vel em função da existência de um robusto sistema de transmissão ca-
paz de conectar os diferentes subsistemas do SIN por meio de linhas de
grande distância. Logo, é possível afirmar que o sistema de transmissão
brasileiro também contribui para o atendimento da carga. Este entendi-
mento da natureza condominial do SIN é fundamental para a compreen-
são do racional por trás da tarifação pelo uso do sistema de transmissão.
Inicialmente, é preciso enfatizar que as diretrizes legais do setor
elétrico brasileiro garantem o acesso aos sistemas de transmissão e de
distribuição a todos os agentes mediante ao pagamento de tarifas defi-
nidas pela esfera regulatória75.
O marco normativo vigente estabelece que estas tarifas devem as-
segurar um tratamento não discriminatório dos agentes e o custeio dos
investimentos requeridos na expansão do sistema. Além disso, devem
ser capazes de induzir o uso racional da infraestrutura existente de for-
ma a minimizar a necessidade de novos investimentos.
Com vistas a entender a metodologia de tarifação pelo uso do sis-
tema de transmissão brasileiro, o primeiro passo é a ciência de como
é feita a remuneração das próprias infraestruturas que compõem este
sistema de transmissão.
Em linhas gerais, os ativos de transmissão a partir da Receita Anu-
al Permitida (RAP)76 definida no momento da contratação dos serviços
prestados77. Esta RAP deve ser capaz de cobrir, não somente a construção
do ativo de transmissão, como seus custos de operação e manutenção78.

75
A garantia do livre acesso às redes é uma necessidade oriunda das reformas liberali-
zantes dos setores elétricos a partir do final dos anos 1980. Considerando que estas
reformas visavam incitar a competição nos segmentos de geração e de comercializa-
ção de energia elétrica, o uso não discriminatório da rede é essencial. A reestrutura-
ção do setor elétrico brasileiro nos anos 1990, ao separar as atividades de compra e
venda de energia do uso da rede, também definiu os termos do acesso à rede.
76
A RAP pode ser descontada por meio de Parcelas Variáveis (PV) devido à indispo-
nibilidade na função de transmissão.
77
Esta contratação pode ocorrer por meio de processo licitatório ou ato autorizativo.
78
Também deve existir a cobertura de custos com o exercício de atividades adminis-
trativas.

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 97


Definida a RAP da rede de transmissão como um todo, seus cus-
tos devem ser alocados na proporção de 50% para pelo segmento de
geração e 50% pelo segmento consumo. Caberá a cada agente pagar o
encargo pelo uso do sistema de transmissão (EUST) com base no pro-
duto entre o seu respectivo montante de uso do sistema de transmissão
(MUST) e suas tarifas. O somatório dos EUST deve ser capaz de remune-
rar a totalidade da infraestrutura de transmissão79.
No que tange à metodologia de cálculo das tarifas, em linhas com o
marco normativo, ressalta-se que a mesma deve promover a eficiência
econômica por meio da correta sinalização do uso da rede forma a mini-
mizar a necessidade investimentos. Ademais, deve prevalecer o critério
da custo-reflexividade. Ou seja, quem imputa mais custos à rede deve
pagar mais pelo uso da rede. Por fim, deve se respeitar os princípios da
simplicidade, da transparência, da coerência e da isonomia.
A metodologia utilizada no Brasil é a nodal. Esta metodologia cal-
cula as tarifas do uso do sistema de transmissão para a geração e para a
carga em cada barra do sistema. Este cálculo é realizado por meio da va-
riação do custo da rede originada pelo incremento marginal de potência.
Basicamente, busca-se quantificar os impactos que cada usuário
nos custos de expansão de transmissão por meio de alterações na rede
para atender à demanda máxima prevista nos estudos de planejamento
da operação80.
A aplicação da metodologia nodal assume que é possível expandir
o sistema de transmissão a partir das rotas de transmissão existentes.
Esta premissa é baseada na hipótese que é possível se fazer acréscimos
marginais na capacidade de transmissão das rotas existentes. Adicional-
mente, trabalha-se com a rede tida como “ ideal de custo mínimo” que
é a rede necessária para o atendimento da demanda partir das usinas
existentes81.

79
O valor arrecado com os EUST também deve cobrir o custeio do Operador Nacional
do Sistema (ONS).
80
Toda a análise é feita baseada nas situações em que se exige carregamento máximo
do sistema de transmissão porque são estes casos que podem resultar na necessi-
dade de expansão do sistema.
81
Também é adotada a premissa da coincidência entre a capacidade de transmissão de

98 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Na prática, a parcela locacional da tarifa do uso do sistema de trans-
missão não é capaz de cobrir o custo total de remuneração dos ativos de
transmissão. Como consequência, existe a necessidade de um ajuste das
tarifas para a garantia da cobertura da RAP requerida para o custeio da
infraestrutura de transmissão. Este ajuste é feito por meio da cobrança
de uma parcela selo de natureza fixa, cobrada em R$/MW a ser somada
a parcela locacional82.
A lógica de cálculo das tarifas de uso do sistema de transmissão
pode ser sintetizada por meio da seguinte passagem do módulo 9.4 dos
Procedimentos de Regulação Tarifária da Aneel:
3. A metodologia para cálculo das tarifas e encargos nodais se baseia
na estimativa de custos que os usuários impõem à rede nos períodos
de exigência máxima, calculados a partir dos custos de investimento,
operação e manutenção da rede mínima capaz de transportar os flu-
xos ocasionados em tais pontos.
4. Os encargos são ajustados ao montante necessário para cobrir os
custos de serviço do sistema de transmissão ou de distribuição, por
meio de valor aditivo à tarifa de cada barra, de forma a preservar a
relatividade dos encargos entre os diversos agentes usuários.
5. Assim, metodologia nodal busca capturar a variação dos custos de
expansão da rede, decorrente de um incremento marginal de injeção
de potência, causados pelo crescimento da carga ou da geração, con-
siderando as condições de demanda em que os elementos de trans-
missão são utilizados em carregamento máximo.

Em anos recentes, existe uma grande discussão setorial acerca da


efetividade da lógica nodal de tarifação do uso de transmissão. A inter-
pretação da Aneel é que a metodologia descrita possui foco excessivo
nas redes dos subsistemas e, por consequência, distorce o sinal econô-
mico em nível nacional.

cada linha e de cada transformador da rede “ideal de custo mínimo” com o fluxo ve-
rificado na condição de demanda utilizada para o cálculo das tarifas de transmissão.
82
Historicamente, o sinal locacional é mais acentuado para a geração que para a carga.

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 99


Em suma, o entendimento da Aneel é que a metodologia atual não
está mais adequada. A distorção do sinal econômico fere os princípios
da custo-reflexividade e da otimização do uso da infraestrutura do SIN83.
Para lidar com esta questão, após a realização da Consulta Públi-
ca nº 039/2021, a Aneel propôs uma nova metodologia a ser adotada
para o cálculo das tarifas de uso do sistema transmissão que acentua o
sinal locacional. Apesar da proposição da Aneel ser a adoção gradativa
e escalonada ao longo do tempo, esta nova metodologia vem suscitando
grandes controversas84.
Explica-se: embora a nova metodologia irá reduzir a tarifa paga pe-
los consumidores de das regiões Norte e Nordeste caracterizadas por
grandes volumes de geração, a tarifa para os geradores irá aumentar
nestas regiões e isso terá implicações sobre a comercialização de ener-
gia nos mercados livre e regulado85.
No caso de projetos de geração de energias renováveis incentivadas,
existe uma previsão legal para descontos nas tarifas de uso dos sistemas
de transmissão e de distribuição86. Este desconto incide, tanto para as

83
Na medida em que a expansão do SIN ao longo dos últimos anos vem se caracteri-
zando por uma forte concentração de projetos de usinas eólicas e solares fotovol-
taicas na Região Nordeste, esta problemática tende a se acentuar.
84
A não diferenciação entre geradores já conectados à rede e novos geradores consis-
te no ponto mais crítico da discussão. Esta polêmica gerou um Projeto Decreto Le-
gislativo – PDL 365/2022 que susta e revoga as Resoluções Normativas publicadas
pela ANEEL, aprovado na Câmara dos Deputados e que está em análise no Senado
aguardando apreciação. Trata-se de uma pauta com alto potencial de judicialização.
85
No caso do ACL, deverá haver aumento dos preços pagados pelos consumidores na me-
dida que os geradores deverão repassar esse aumento de custos. Já no caso do Ambien-
te de Contratação Regulada (ACR), dada a impossibilidade de gerenciar o custo com o
pagamento do uso da rede de transmissão, haverá impacto na margem do gerador.
86
Estes descontos foram estabelecidos na Lei nº 9.427/1996 com objetivo de incenti-
var fontes renováveis na ocasião tidas como alternativas. A regulamentação destes
descontos foi feita pela Resolução Normativa nº 77/2004 da ANEEL. Ficou estabe-
lecido que projetos eólicos, solares, de biomassa e cogeração qualificada com ca-
pacidade menor ou igual a 30 MW e empreendimentos hidrelétricos com potência
inferior a 1 MW deverão ter um desconto de 50% em suas tarifas de uso da rede.
No caso de projetos que utilizem mais de 50% de biomassa oriunda de resíduos
sólidos urbanos e/ou de biogás de aterro sanitário ou biodigestores de resíduos
vegetais ou animais, assim como lodos de estações de tratamento de esgoto, o des-
conto a ser concedido é de 100%.

100 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


tarifas de uso da rede a serem pagas pelos geradores, como pelos con-
sumidores.
Sob a alegação que estas fontes ganharam escala e se tornaram com-
petitivas, passaram a existir questionamentos acerca da pertinência da
concessão destes descontos. Neste contexto, o Governo Federal editou a
Medida Provisória nº 998/2020 que, entre outras medidas, previu a ex-
tinção do subsídio para geradores e consumidores de fontes renováveis
de energia. Posteriormente, esta Medida Provisória foi convertida pelo
Congresso na Lei nº 14.120, de 202187.
Como consequência, houve um aumento expressivo do número de
pedidos de autorização para implantação de projetos de geração reno-
vável visando o aproveitamento do período de transição. Logo, o setor
passou a estar deparado com um problema de margem de escoamento.
Mesmo projetos que haviam solicitado autorização antes das mudanças
do marco normativo, passaram a ser passíveis de sofrerem penalidades
em função de atrasos na implementação88.
É diante a estas condicionantes do uso do sistema de transmissão
que os projetos de produção de hidrogênio a partir da rota da eletrólise
precisam ser implementados.

87
Medida Provisória do Governo Federal publicada no primeiro semestre de 2024
prorrogou em 36 meses o prazo de entrada em operação de empreendimentos que
solicitaram outorga nos prazos previstos pela Lei nº 14.120/2021 para manter o
desconto nas tarifas de uso da rede.
88
Com o intuito de equacionar este problema, a ANEEL propôs um mecanismo regu-
latório excepcional de desistência voluntária em que é possível fazer a revogação
da outorga de geração, com devolução das garantias de fiel cumprimento e isenção
de multas administrativas. Adicionalmente, existe o pedido de autorização junto ao
ONS para rescisão do Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) sem apli-
cação das multas rescisórias. Eram passíveis de pleitear este benefício os agentes
de geração sem inadimplência de encargos setoriais, que não possuíssem débitos
de EUST e a que não tivessem contratos de geração Ambiente de Contratação Regu-
lada. Estes agentes deveriam manifestar demonstração de interesse prévio (até 6
de junho de 2023). Além disso, era preciso assinar e apresentar termo com renún-
cia ao direito a ações judiciais, processos administrativos ou litígio arbitrais cujo
objeto trate de questionamento ao pagamento de EUST, multas rescisórias de CUST
e postergação da data de entrada em operação comercial. Por fim, também existia
o requisito de apresentar declaração da transmissora de que está ciente e concorda
com a rescisão desses contratos.

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 101


Considerando que os dispêndios com o uso da rede de transmissão
representam algo em torno de 10% do custo total de produção de hi-
drogênio baixa emissão de carbono via por meio da rota eletrolítica no
Brasil, é notório o quão importante é a minimização destes custos na
engenharia financeira dos projetos.
Todavia, dada a magnitude dos projetos que serão implementados,
a discussão econômica é precedida pela necessidade de avaliação da
infraestrutura disponível e investimentos requeridos para viabilização
destes projetos.
Como ilustração, pode ser mencionado o caso do Estado do Piauí
em que existem projetos de hidrogênio que totalizam uma potência de
aproximadamente 12 GW. Para efeito de dimensionamento, estes pro-
jetos representam mais de dois terços da demanda de ponta da Região
Nordeste. Logo, robustos investimentos em reforços e expansão de su-
bestações e linhas de transmissão tendem a ser necessários.
Ao se observar que os 62 projetos já anunciados para o Brasil totali-
zam mais de 40 GW de potência de instalada de eletrólise, é possível es-
timar que somente o atendimento a estes projetos por meio das fontes
eólica e solar fotovoltaica podem resultar em um aumento da capacida-
de instalada do SIN superior a 50%89.
Embora uma parte da potência requerida possa ser atendida por
projetos off-grid, a parte majoritária desta capacidade instalada estará
conectada à rede e exigirá reforços e investimentos na expansão da rede
elétrica de transmissão brasileira.
Dada a natureza condominial do SIN, a realização de investimentos
tão vultosos na infraestrutura de transmissão irá aumentar os custos de

89
O marco normativo do hidrogênio do Brasil não exige adicionalidade. Logo, em tese,
instalações de geração de energia elétrica existentes podem ser utilizadas para o
atendimento da demanda de plantas de hidrogênio. Todavia, embora atualmente o
sistema esteja sobreofertado, esta situação possui um viés conjuntural. Desta for-
ma, apesar de algumas plantas de hidrogênio poderem ser supridas por usinas de
energia elétrica já existentes, não é razoável supor que a indústria do hidrogênio
de baixa emissão de carbono por meio da rota da eletrólise irá se desenvolver sem
vultosos investimentos em nova capacidade instalada de produção de energia elé-
trica renovável.

102 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


todos os usuários do sistema. Ou seja, mesmo sem a concessão de des-
contos pelo uso da rede para produtores de hidrogênio de baixa emissão
de carbono de eletrólise, podem existir impactos para os demais consu-
midores.
Nestas bases, é notória a relevância de se pensar em desenhos alter-
nativos capazes de otimizar o aproveitamento da rede de transmissão
brasileira sem resultar em aumento de custos. Uma das oportunidades
existentes advém da problemática do constrained-off.
Desta forma, antes de apresentar as diretrizes de um arcabouço co-
mercial alternativo para o aproveitamento da infraestrutura de trans-
missão brasileira para a produção de hidrogênio, convém abordar a
questão do constrained-off no Brasil com todas as suas implicações.

5.2. A Problemática do Constrained-off

Conceitualmente, o constrained-off consite em uma frustração de gera-


ção por solicitação do ONS. Sua ocorrência advém de restrições na rede
ou por requisitos de reservas operacionais.
Trata-se de um problema que vem assumindo grandes proporções
na medida que fontes renováveis de natureza intermitente se expandem
na matriz elétrica brasileira, sobretudo na Região Nordeste onde a fre-
quência dos eventos de constrained-off vem aumentando de forma con-
siderável.
Mais recentemente, com a difusão acelerada de sistemas de micro-
geração e de minigeração solar fotovoltaica, a ausência de carga também
passou a ser uma relevante causa de constrained-off90 com relevantes
consequências para os agentes.
Ao determinar que as usinas promovam o corte da geração91, o ONS
produz um desvio um desvio em relação à programação previamente

90
Em grande medida, esta ausência de carga advém da difusão em ritmo acelerado
dos sistemas de microgeração e de minigeração solar fotovoltaicos conectados di-
retamente nas redes de distribuição.
91
Este corte pode ser parcial ou total. No caso em que o corte é total, se está diante a

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 103


definida. Dado que esse corte tem implicações nas posições comerciais
dos agentes, esta é uma temática bastante crítica. Em especial geradores
eólicos e solar fotovoltaicos são bastante sensíveis a ela e acabam por
lidar com grandes prejuízos financeiros.
Neste contexto, é compreensível o grande número de pleitos de
ressarcimento por parte de agentes que tiveram geração frustrada em
função de comando do ONS. Entretanto, esta pauta traz consigo algumas
questões: onerar Consumidores vs aumento da percepção de risco dos
investidores? Qual o nível de ressarcimento adequado? Quais devem ser
os critérios para se ter direito ao ressarcimento?
O início desta discussão remete ao ano de 2018. Historicamente, o
entendimento é que um pilar básico da regulamentação implementada
é garantir a proteção do consumidor quanto ao repasse de riscos ine-
rentes ao exercício das atividades dos agentes de geração. Neste sentido,
os eventos passíveis de ressarcimento por constrained-off devem estar
restritos a casos específicos.
Segundo o diretor-relator do processo do resultado do processo da
Consulta Pública nº 34/2019 da Aneel, Sandoval Feitosa:
Um importante ensinamento capturado na experiência internacional
sobre o tema é que temos de nos afastar do mais tentador de todos
os erros, qual seja, afastar todo e qualquer risco dos empreendedo-
res, repassando-os para os consumidores {...} Assim, caso decidamos
repassar todos os riscos aos consumidores, assegurando compensa-
ção por todo e qualquer “curtailment”, estaremos tratando o gerador
como um agente cuja remuneração é garantida e atrelada à simples
disponibilização de uma obra (usina), independentemente do serviço
que presta aos consumidores.

O relator prossegue em seu voto apontando que deve existir predi-


leção pela busca por soluções de mercado:
A discussão conceitual e a experiência internacional mostram que o
problema deve ser enfrentado, preferencialmente, com soluções de
mercado. Se há energia com custo marginal nulo sendo cortada, de-
vemos encontrar formas para aproveitar a parte dessa energia que

uma situação de curtailment.

104 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


faz sentido econômico injetar nas redes e ser entregue aos consumi-
dores, não simplesmente remunerar as empresas em detrimento dos
consumidores.

Considerando a decisão de agosto de 2019 de suspender os pleitos


de ressarcimentos por eventos de constrained-off de usinas eólicas, um
outro ponto de discussão regulatória foi o entendimento acerca do tra-
tamento retroativo a ser dado aos eventos ocorridos até a entrada em
vigor dos efeitos da Resolução Normativa nº 927/2021.
A Aneel decidiu restringir os ressarcimentos aos contratos firma-
dos no ACR. Ou seja, eventuais receitas variáveis das usinas e contratos
transacionados no ACL não seriam passíveis de ressarcimento.
Conforme o voto do relator, Sandoval Feitosa:
Na Regra de Comercialização que trata da Receita de Venda de CCE-
AR, Versão 2015.1, aprovada sob o comando da REN 637, há clara
previsão regulatória para tratamento de constrained-off de eólicas
no âmbito dos CCEARs. Comando similar constou das Regras de Co-
mercialização relativas à Contratação de Energia de Reserva, Versão
2015.1.0, também aprovada sob o comando da REN 647, de 2014.
Na seção da Regra que trata de “Contratação de Energia de Reser-
va - Fonte Eólica” há comando específico relativo à compensação por
constrained-off. Logo, as regras claramente previram a atenuação
por constrained-off para as usinas eólicas que comercializaram ener-
gia em CCEAR e CER. A compensação se daria por redução das com-
pensações a serem feitas por energia não fornecida. De outro lado,
nunca houve um caderno das Regras de Comercialização que previsse
o pagamento de constrained-off para o Ambiente de Contratação Li-
vre – ACL. Não havia, portanto, regra geral e abstrata que previsse a
compensação por constrained-off às eólicas do ACL.

Com vistas a não gerar assimetrias entre o ACR e o ACL, os ressarci-


mentos devem ser custeados com recursos de ESS, independentemente
do ambiente onde a energia tenha sido comercializada.
Conforme o voto do relator, Sandoval Feitosa:
A metodologia proposta buscou evitar subsídios cruzados entre am-
bientes de contratação ou tipos de contratos {...} Uma vez confirmado
o constrained-off, com causa sistêmica e passível de ressarcimento,

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 105


o mesmo deve ser pago com recursos de ESS, arcado por todo o seg-
mento de consumo, seja regional ou nacional. Caso contrário, tería-
mos o seguinte cenário: nos CCEAR e CER, os ressarcimentos seriam
compensados dentro dos contratos e, portanto, seriam pagos somen-
te pelas partes contratantes. No ACL, no entanto, o constrained-off se-
ria ressarcido com recursos do ESS, arcados por todos os consumido-
res. Nesse caso, teríamos o consumidor regulado pagando por todas
as compensações relativas a seus contratos (CER ou CCEAR) e ainda
ficaria responsável por pagar parte do constrained-off do ACL {...}.
Embora o tratamento de constrained-off por parte da ANEEL tenha
foco no caso concreto dos empreendimentos de geração de energia eóli-
ca, a Agência ressaltou que o entendimento pacificado por meio da REN
927/2021 era passível de ser estendido a empreendimentos solares, de
biomassa e de usinas hidroelétricas fio d’água.
Conforme o voto do relator Sandoval Feitosa:
{...} apesar de estarmos tratando de eólicas, sob o ponto de vista con-
ceitual, o mesmo entendimento pode ser estendido para as fontes so-
lar, biomassa e hidrelétricas a fio d`água, o que só aumenta a respon-
sabilidade que temos para tomar essa decisão.
Atualmente, o enquadramento regulatório do ressarcimento do
constrained-off é dado pela Resolução Normativa nº 1.030/2022, in-
cluindo tratamento específico para a fontes solar fotovoltaica.
Antes de mais nada, é preciso explicitar o entendimento normativo
vigente acerca das causas de constrained-off:
I - Razão de indisponibilidade externa: motivados por indisponibi-
lidades em instalações
externas às respectivas usinas ou conjuntos de usinas conforme de-
finições do art. 13.
II - Razão de atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica:
motivados por razões de confiabilidade elétrica dos equipamentos
pertencentes a instalações externas às respectivas usinas ou con-
juntos de usinas conforme definições do art. 13 e que não tenham
origem em indisponibilidades dos respectivos equipamentos.
III - Razão energética: motivados pela impossibilidade de alocação
de geração de energia na carga.

106 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


No caso de projetos eólicos, a Resolução Normativa nº 1.030/2022
estabelece as seguintes condições para ressarcimento92:
Art. 18. Somente eventos de restrição de operação por Constrained-
-off das usinas ou
conjuntos de usinas eolioelétricas classificados como razão de indis-
ponibilidade externa, conforme inciso I do art. 14, ocorridos a partir
de 1º de outubro de 2021, estarão sujeitos ao tratamento estabeleci-
do nos arts. 13 a 17 desta Resolução.
Parágrafo único. O disposto no caput terá efeitos econômicos a partir
do marco temporal nele estabelecido e efeitos financeiros a partir da
implantação dos dispositivos do Título XII desta Resolução no CliqC-
CEE.
Art. 19. Os eventos de restrição de operação por Constrained-off das
usinas ou conjuntosde usinas eolioelétricas, relativos ao Ambiente de
Contratação Regulada – ACR, ocorridos antes de 1o de outubro de
2021 serão tratados nos termos de Regra de Comercialização que
estabelece metodologia específica, a ser aprovada pela Superinten-
dência de Regulação da Geração – SRG, da ANEEL, que considere as
seguintes diretrizes:
I - limitado aos Contratos de Energia de Reserva - CER e Contratos de
Comercialização de
Energia no Ambiente Regulados – CCEAR;
II - são passíveis de apuração dos montantes de energia não forneci-
da somente os eventos provocados por restrições elétricas em instala-
ções externas às respectivas usinas eolioelétricas;
III - o período do evento e quais usinas eolioelétricas foram atingidas
pelas restrições deverão ser informados pelo ONS;
IV - os valores de energia não fornecida não podem superar o mon-
tante mínimo para tornar nulo o montante de ressarcimento previsto
nos contratos;
V - os valores de energia não fornecida devem ser apurados propor-
cionalmente ao fator de operação comercial das usinas eolioelétricas
e ao fator de comprometimento com o contrato; e
VI - os valores de energia não fornecida devem também ser aplicados
aos processos de reconciliação contratual.

92
Mesmo nos casos em que se caracterizar indisponibilidade por razão externa, o
ressarcimento só será possível se esta indisponibilidade for superior a 78 horas.

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 107


Já no caso de projetos solar fotovoltaicos, a Resolução Normativa nº
1.030/2022 resolução estabelece as seguintes condições para ressarci-
mento93:
Art. 20-F Somente eventos de restrição de operação por constraine-
d-off das Centrais
Geradoras Fotovoltaicas ou conjuntos de Centrais Geradoras Fo-
tovoltaicas classificados como razão de indisponibilidade externa,
conforme inciso I do art. 20-B, ocorridos a partir de 1º de abril
de 2024, estarão sujeitos ao tratamento estabelecido nos arts.
20-A a 20-E deste normativo. (Incluído pela REN ANEEL 1.073, de
12.09.2023)
Parágrafo único. O disposto no caput terá efeitos econômicos a par-
tir do marco temporal
nele estabelecido e efeitos financeiros a partir da aprovação dos
Procedimentos de Rede atinentes e da implantação dos dispositi-
vos do Título II-A desta Resolução no CliqCCEE. (Incluído pela REN
ANEEL 1.073, de 12.09.2023)
Art. 20-G Os eventos de restrição de operação por constrained-o-
ff das Centrais Geradoras Fotovoltaicas ou conjuntos de Centrais
Geradoras Fotovoltaicas, relativos ao Ambiente de Contratação Re-
gulada – ACR, ocorridos antes do marco temporal estabelecido no
art. 20-F serão tratados nos termos de Regra de Comercialização
que estabelece metodologia específica, a ser aprovada pela Supe-
rintendência de Regulação dos Serviços de Geração e do Mercado
de Energia Elétrica – SGM, da ANEEL, que considere as seguintes
diretrizes: (Incluído pela REN ANEEL 1.073, de 12.09.2023)
I – limitado aos Contratos de Energia de Reserva – CER e Contratos
de Comercialização de Energia no Ambiente Regulados – CCEAR;
(Incluído pela REN ANEEL 1.073, de 12.09.2023)
II – são passíveis de apuração dos montantes de energia não forne-
cida somente os eventos provocados por razão de indisponibilida-
de externa e razão de atendimento a requisitos de confiabilidade
elétrica, conforme art. 20-B, em instalações externas às respectivas
Centrais Geradoras Fotovoltaicas; (Incluído pela REN ANEEL 1.073,
de 12.09.2023)

93
Mesmo nos casos em que se caracterizar indisponibilidade por razão externa, o ressar-
cimento só será possível se esta indisponibilidade for superior a 30 horas e 30 minutos.

108 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


III – o período do evento e quais Centrais Geradoras Fotovoltaicas
foram atingidas pelas
restrições deverão ser informados pelo ONS; (Incluído pela REN
ANEEL 1.073, de 12.09.2023)
IV – os valores de energia não fornecida não podem superar o mon-
tante mínimo para tornar nulo o montante de ressarcimento previs-
to nos contratos; e (Incluído pela REN ANEEL 1.073, de 12.09.2023)
V – os valores de energia não fornecida devem ser apurados pro-
porcionalmente ao fator de operação comercial das Centrais Gera-
doras Fotovoltaicas e ao fator de comprometimento com o contrato.
(Incluído pela REN ANEEL 1.073, de 12.09.2023).

Notadamente, se tratam de condições muito restritas. Nestas bases,


é compreensível a busca por modelos comerciais que possibilitem a mi-
tigação deste problema.

5.3. Adoção de Modelo P2P94

Conforme fora tratado no Capítulo 3, o desenvolvimento de plataformas


blockchain podem servir, não apenas para a certificação de hidrogênio,
como também para a criação de um mercado de comercialização P2P que
ajude a dinamizar a indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono.
Feita esta constatação e considerando as condicionantes do sistema
elétrico brasileiro apresentadas ao longo deste capítulo, o objetivo desta
seção é propor um modelo alternativo capaz de incitar a produção de
hidrogênio da eletrólise otimizando a infraestrutura do SIN.
Notadamente, um dos pontos de criticidade é a questão da sincro-
nicidade entre a geração renovável e a produção de hidrogênio de baixa
emissão de carbono. De fato, existem períodos em que pode ser muito
difícil os agentes garantirem esta sincronicidade por meio de seus pró-
prios recursos de geração renovável.

94
Esta seção é baseada em reflexões e proposições realizadas por Guilherme Suste-
ras, Alexandra Januário e Alexandre Bueno.

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 109


Todavia, ao se observar o problema de forma sistêmica, é possível
explorar sinergias e complementariedades inerentes aos diferentes
perfis de geração e de dispersão espacial das usinas de geração reno-
vável aptas a atenderem as plantas de produção de hidrogênio. Logo, a
criação de um mecanismo que possibilite os produtores de hidrogênio
transacionarem sobras/déficits de geração de energia renovável dotará
os agentes de maior capacidade de atender aos requisitos de sincroni-
cidade.
Nestas bases, propõe-se a criação de um mercado secundário com-
posto por produtores de hidrogênio em que se comercialize sobras/dé-
ficits de geração elétrica renovável voltada para produção de hidrogênio
em bases síncronas. Esta flexibilidade no atendimento da sincronicida-
de contribuirá, não apenas para maximização da produção de hidrogê-
nio verde de forma síncrona, como também com a otimização do apro-
veitamento da infraestrutura do SIN.
A Figura 5.1 ilustra a lógica proposta.

Figura 5.1 Lógica do Mercado Secundário de Hidrogênio Eletrolítico no SIN

Agente 1 Agente 2
produção Sobras/Déficits de H2 Verde produção
H2 Verde com por período de certificação H2 Verde com
geração síncrona geração síncrona
aç de
So or p

fic er
br er

ão
p

rti 2 V
as ío
/D do

ce H
de s de
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ici e

do it
ts ce

ío fic
de rti

er Dé
H 2 fica

r p as/
Ve ção

po br
rd

So
e

Mercado Agente N
secundário de H2 produção
Verde para certificação, H2 Verde com
com geração de valor geração síncrona

Fonte: SUSTERAS et al. (2024).

110 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Em alguma medida, trata-se de uma iniciativa semelhante ao Meca-
nismo de Realocação de Energia (MRE) em que as usinas hidrelétricas
fazem a distribuição das sobras e déficits de geração visando a mitiga-
ção das implicações financeiras do risco hidrológico. Ou seja, consiste
em um mecanismo solidário através do qual os geradores hídricos mini-
mizam os desvios entre a geração realizada e suas posições comerciais.
Uma metodologia semelhante poderia ser adotada pelo certificador,
não com o objetivo de aplicar uma penalidade financeira para o agente
que não garantir a sincronicidade no período a ser certificado. O obje-
tivo é otimizar o mercado de hidrogênio de baixa emissão de carbono
eletrolítico, garantindo a certificação do produto, mas refletindo no cer-
tificado, de alguma forma, os momentos em que a produção de hidrogê-
nio de baixa emissão de carbono eletrolítico não foi feita de forma 100%
síncrona geração própria.
Apesar de sua similaridade com o MRE, é importante ressaltar que
o mecanismo proposto também possui diferenças marcantes. Por um
lado, cabe destacar que sua adesão por parte dos produtores de hidrogê-
nio através de eletrólise é voluntária. Concomitantemente, os períodos
de contabilização das sobras/déficits de geração tendem a ser menores.
No que tange à aplicação do modelo proposto, sua base será uma
plataforma P2P. Os agentes interessados em participar deste mercado
irão se cadastrar na plataforma apresentando dados técnicos do seu
projeto, sobretudo no que tange as suas respectivas demandas por ener-
gia elétrica renovável. Esses dados serão confrontados com as informa-
ções oriundas dos pontos de medição das usinas de energia renovável e
das plantas de hidrogênio participantes do mercado proposto95.
Havendo sobras e déficits, as transações serão feitas diretamente
entre os agentes por meio da lógica P2P. Estas transações serão fechadas
por meio de contratos inteligentes que operam de forma automática a
partir de informações previamente definidas.

95
Este acesso deve ocorrer na granularidade temporal previamente definida.

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 111


Adicionalmente, devem ser definidos fatores redutores para dife-
renciar geração síncrona in loco e comercializada e sobras e déficit co-
mercializados entre agentes com diferentes fronteiras.
O conceito de fronteira deve ser definido pela regulação. Algumas
das abordagens possíveis são as seguintes:
● “Distância elétrica”: agentes de produção de hidrogênio verde
que estão conectados no mesmo circuito elétrico > mesma su-
bestação > mesma distribuidora. Definição que mais prioriza o
conceito de sincronicidade;
● Submercado: agentes de produção de hidrogênio verde que es-
tão conectados no mesmo submercado > submercados vizinhos
> submercados distantes. Definição que mais se encaixa com o
que o mercado brasileiro já está acostumado;
● Distância geográfica: agentes de produção de hidrogênio verde
que estão distantes a um determinado raio de distância, com fai-
xas de raios definidas pelo certificador. Definição que mais faria
sentido para uma certificação internacional.
O exemplo a seguir ajuda a entender o método proposto.

112 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


Figura 5.2 Exemplo de Comercialização P2P de Hidrogênio no SIN

Fronteira 2 Fronteira 2

Fronteira 1 Fronteira 1

Agente 1 Agente 2 Sobras e Déficits de sincronicidade


produção produção por período e por agente - lista
H2 Verde com H2 Verde com divulgada pelo certificador
geração geração
síncrona síncrona Período Agente 1 Agente 2 Agente N

1 100 -120 30

2 80 70 -50

3 -70 20 30
Agente N
produção 4 -100 50 50
H2 Verde com
geração 5 120 60 -80
síncrona
Fatores redutores
Fronteira 1 Fronteira 1: 0,9
Fronteira 2 Fronteira 2: 0,7

Fonte: SUSTERAS et al. (2024).

Este exemplo permite dois estudos de caso.

Figura 5.3 Maximização de Sincronicidade Equivalente

Proposta de mercado de comercialização de sobras e déficit de sincronisidade para certificação de H2


Verde - Exemplo caso 1: Maximização de sincronicidade equivalente
• Nesse caso, os agentes realizaram a comercialização das sobras e déficit em cada período buscando a
otimização da sincronicidae equivalente, ou seja minimizar a penalização do seu H2 Verde no momento da
certificação. Assim, vemos que a comercialização entre ente os agentes 2 e N, que estão no limite da
fronteira 2 com os demais agentes.
• Essa priorização será definida por cada agente, com base na sua estratégia de certificação.

Agente 1 Agente 2 Agente N

Sobra/ Com- Preço Custo Sincro- Sobra/ Com- Preço Custo Sincro- Sobra/ Com- Preço Custo Sincro-
Déficit pra/ de da tran- nicida- Déficit pra/ de da tran- nicida- Déficit pra/ de da tran- nicida-
Venda Venda sação de equi- Venda Venda sação de equi- Venda Venda sação de equi-
valente valente valente

100 -90 50 -120 120 $7050 0,75 30 -30 85


80 30 70 -50 90 -50 50 $4500 0,9

-70 50 $5600 0,5 20 -20 100 30 -30 120

-100 100 $8750 0,7 50 -50 80 50 -50 95

120 -20 60 -60 110 -80 80 $6600 0,85

Contraparte priorizada pelo agente comprador

Fonte: SUSTERAS et al. (2024).

Condicionantes e Custos do Uso do Sistema Interligado Nacional 113


Figura 5.4 Minimização dos Custos

Proposta de mercado de comercialização de sobras e déficit de sincronisidade para certificação de H2


Verde - Exemplo caso 2: Minimização dos custos
• Nesse caso, os agentes realizaram a comercialização das sobras e déficit em cada período buscando a
otimização dos custos de transação, independentemente da penalização do seu H2 Verde no momento da
certificação. Assim, vemos que a comercialização entre ente os prioriza o menor preço, sem considerar a
fronteira do agente contraparte.
• Essa priorização será definida por cada agente, com base na sua estratégia de certificação.

Agente 1 Agente 2 Agente N

Sobra/ Com- Preço Custo Sincro- Sobra/ Com- Preço Custo Sincro- Sobra/ Com- Preço Custo Sincro-
Déficit pra/ de da tran- nicida- Déficit pra/ de da tran- nicida- Déficit pra/ de da tran- nicida-
Venda Venda sação de equi- Venda Venda sação de equi- Venda Venda sação de equi-
valente valente valente

100 -100 50 -120 120 6700 0,73 30 -20 85


80 -50 60 70 90 -50 50 3000 0,7

-70 50 5600 0,5 20 -20 100 30 -30 120

-100 100 8750 0,7 50 -50 80 50 -50 95

120 -80 75 60 110 -80 80 6000 0,7

Contraparte priorizada pelo agente comprador

Fonte: SUSTERAS et al. (2024).

Embora se assuma a premissa que não deve existir subsídios em


termos de uso da rede para produção de hidrogênio de baixa emissão de
carbono a partir da eletrólise no Brasil, é preciso reconhecer que o de-
senvolvimento da indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono
é uma política de interesse nacional.
Desta forma, é razoável a adoção de medidas conjugadas ao merca-
do P2P que contribuam para este desenvolvimento por meio de priori-
zação do SIN para produção de hidrogênio em situações específicas.
No caso da problemática das limitações de margem de escoamento,
que projetos de hidrogênio devem ser considerados e, até mesmo prioriza-
dos, nos estudos do planejamento da expansão do sistema de transmissão.
Já em termos do constrained-off, a recomendação é que sistemas
de geração cadastrados como provedores de energia síncrona para
produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono devem ser prio-
rizados na operação, sendo um dos últimos a serem desligados nos
casos de constrained-off por razão de confiabilidade elétrica e razão
energética.

114 Certificação de Hidrogênio ● Aspectos Comerciais, Geopolíticos e Tecnológicos


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Referências 117
Guilherme Dantas
Com diversos projetos de hidrogênio de baixa Certificação de
HIDROGÊNIO
emissão desenvolvidos ao longo dos últimos
anos, o Grupo AES Brasil se notabiliza pelo seu Guilherme Dantas
pioneirismo na busca da construção de uma
indústria de hidrogênio de baixa emissão no
Brasil que seja eciente e competitiva. Para
isso, acreditamos ser fundamental a criação de
regras de certicação e um arcabouço comer-
cial adequadas às características do sistema
elétrico brasileiro.

Certificação de
Este livro é parte integrante do projeto de
P&DI Habilitadores técnicos e regulatórios para É crescente o entendimento do papel central do hidrogênio de baixa emissão
no processo de transição energética, especialmente pela sua aptidão para uso

HIDROGÊNIO
a viabilização de um mercado de hidrogênio
verde síncrono no Brasil voltado para encontrar em setores de difícil descarbonização. Todavia, a utilização em larga escala
mecanismos de viabilização da produção de de hidrogênio de baixa emissão requer critérios transparentes e ecientes de
hidrogênio de baixa emissão sem subsídios. certicação. O entendimento das variáveis comerciais, geopolíticas e tecnológi-
cas envolvidas nesta dinâmica é fundamental para o correto posicionamento do

HIDROGÊNIO
Ao trazer luz à inuência dos interesses econô- Brasil nesta indústria. Guilherme Dantas
micos e geopolíticos internacionais nas regras
de certicação, a leitura deste livro permite Com uma abordagem didática, este livro oferece uma análise detalhada e
multidimensional sobre a certicação de hidrogênio de baixa emissão, abran-
Aspectos É Sócio Fundador da Essenz Soluções e Pesqui-

Comerciais,
uma melhor compreensão das variáveis em sador Sênior do CEBRI. Consultor no setor de
jogo. Adicionalmente, o livro explicita a impor- gendo desde estudos de caso, discussões geopolíticas, plataformas digitais de
infraestrutura desde 2006 com ênfase nas
Geopolíticos e
tância de plataformas digitais baseadas na certicação e comercialização de hidrogênio até o estudo da realidade brasi-
tecnologia blockchain para a certicação e leira e a proposição de um modelo comercial que busca otimizar a produção de áreas de energia, de biomassa e de sanea-
criação de um mercado dinâmico de hidrogê-
nio de baixa emissão.
hidrogênio síncrono. Prepare-se para uma jornada intelectual que desvenda os
segredos e as oportunidades do hidrogênio como vetor de transformação ener- Tecnológicos mento. Doutor em Planejamento Energético
gética. pela COPPE/UFRJ. Possui Mestrado em Econo-
Nestas bases, esta obra endereça pontos de mia e Política da Energia e do Ambiente pela
extrema relevância para que avancemos na Como prossional e entusiasta do uso sustentável dos recursos energéticos, Universidade Técnica de Lisboa e Graduação

Certificação de
construção de um marco normativo que possibi- recomendo fortemente esta obra. É uma leitura esclarecedora, que traz à tona em Economia pela UFRJ. Especialista em Eco-
lite colocar o Brasil em posição de destaque na os desaos e oportunidades da certicação do hidrogênio de baixa emissão.
Seja você um prossional da área ou simplesmente um interessado no assunto, nomia da Regulação, com ênfase em modelos
indústria de hidrogênio de baixa emissão atra-
vés da exploração de nossos diferenciais com- este livro proporcionará insights valiosos e uma compreensão mais profunda de remuneração por incentivos, estrutura tari-
petitivos. dos desaos inerentes à certicação de hidrogênio de baixa emissão e sobre o fária, impactos dos recursos energéticos distri-
papel do Brasil nesta nova indústria. buídos, redes inteligentes e modelos de merca-
Júlia Rodrigues do. Além disso, realiza estudos técnicos-
Gerente de Inovação do Grupo AES Brasil Rafaela Guedes
Senior Fellow do Núcleo de Energia do econômicos de projetos de tecnologias reno-
Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) váveis no setor elétrico e de biorrenarias
produtoras de biocombustíveis avançados
e/ou produtos químicos. Mais recentemente,
vem desenvolvendo trabalhos de análises
técnicas e econômicas de projetos de hidrogê-
nio e de eólica offshore.
9 786598 272111

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