EBOOK_Educacao-Geografica

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Educação Geográfica:

possibilidades e desafios contemporâneos


2
Daniel Rodrigues Silva Luz Neto
Juanice Pereira Santos Silva
Maria Solange Melo de Sousa
(Organizadores)

Educação Geográfica:
possibilidades e desafios contemporâneos

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Copyright © Autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.

Daniel Rodrigues Silva Luz Neto; Juanice Pereira Santos Silva; Maria Solange
Melo de Sousa [Orgs.]

Educação Geográfica: possibilidades e desafios contemporâneos. São


Carlos: Pedro & João Editores, 2024. 155p. 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-265-1184-8 [Impresso]


978-65-265-1185-5 [Digital]

1. Geografia. 2. Educação ambiental. 3. Ensino. 4. Educação básica. I. Título.

CDD – 900/370

Capa: Luidi Belga Ignacio


Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB – 8-8828
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Editorial da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil);
Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida
(UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello
(UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luís Fernando Soares
Zuin (USP/Brasil); Ana Patrícia da Silva (UERJ/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2024

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AGRADECIMENTO

Esta obra é fruto de um esforço coletivo do grupo de


Pesquisadores de Geografia do Distrito Federal (PGEODF), que
reúne professores-pesquisadores do Distrito Federal e de outros
Estados. A partir dos encontros realizados para estudos, o projeto
se concretizou. Por isso, o agradecimento vai para todos(as) que
participaram direta e indiretamente deste primeiro volume. Nele,
constam as reflexões relacionadas ao ensino de Geografia da
Educação Básica e do Ensino Superior.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9

CAPÍTULO 1: HORIZONTE DA EDUCAÇÃO 13


AMBIENTAL NO BRASIL: REFLEXÕES E
PERSPECTIVAS
Anderson Muzzolon

CAPÍTULO 2: A UTILIZAÇÃO DAS TDICS NAS 33


AULAS DE GEOGRAFIA E A FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES
Carliane Alves da Silva

CAPÍTULO 3: ENSINO DE GEOGRAFIA E 49


SABERES DIDÁTICOS
Daniel Rodrigues Silva Luz Neto
Maria Solange Melo de Sousa

CAPÍTULO 4: ATORES DA GEOGRAFIA 61


ESCOLAR: A BNCC, OS PROFESSORES E OS
ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Fabiana Pegoraro Soares

CAPÍTULO 5: ANÁLISE DOS ESPAÇOS 83


GEOGRÁFICOS CULTURAIS DA UNB SOB O
OLHAR DAS OBRAS DE ATHOS BULCÃO E
JAIME GOLUBOV
Fábio da Silva
Ana Paula de Rezende Navarro

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CAPÍTULO 6: O USO DE ÁREA VERDE DA 103
CIDADE PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA
Juanice Pereira Santos Silva
Maria Solange Melo de Sousa
Daniel Rodrigues Silva Luz Neto

CAPÍTULO 7: AS CONTROVÉRSIAS E 125


ADVERSIDADES DO ENSINO MÉDIO COMO
ETAPA FINAL DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Maria Solange Melo de Sousa
Daniel Rodrigues Silva Luz Neto

AS AUTORAS E OS AUTORES 151

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APRESENTAÇÃO

O capítulo 1, intitulado de Horizonte da educação ambiental


no Brasil: reflexões e perspectivas, de Anderson Muzzolon,
oferece uma análise substancial referente à evolução da Educação
Ambiental no Brasil. O objetivo principal reside na realização de
uma análise crítica abrangente sobre a trajetória e as diferentes
abordagens adotadas pela Educação Ambiental no contexto
brasileiro. Para isso, recorremos à hermenêutica de renomados
autores que se destacam nesse campo de estudo. O propósito é não
apenas mapear o percurso histórico, mas também compreender as
nuances, os desafios e as transformações que permeiam essa área,
visando a oferecer contribuições substanciais para a compreensão
e o avanço da Educação Ambiental no país.
O capítulo 2, com o título de A utilização das TDICS nas aulas
de geografia e a formação continuada de professores, de Carliane
Alves da Silva, tem por objetivo analisar a quantidade de trabalhos
publicados na plataforma de Periódicos da CAPES que tratam da
utilização das Tecnologias Digitais da Informação e da
Comunicação (TDICs) nas aulas de Geografia e da formação
continuada de professores. Para alcançar o objetivo proposto, fez-
se uma revisão sistemática de literatura e concluiu-se que existem
poucas pesquisas no campo da formação continuada de
professores sobre o uso das TDICs nas aulas de Geografia.
No Capítulo 3, intitulado de Ensino de geografia e saberes
didáticos: uma reflexão teórico-prática no ensino superior, de
Daniel Rodrigues Silva Luz Neto e Maria Solange Melo de Sousa,
discute a mediação didático-pedagógica do professor-pesquisador
com estudantes dos cursos de licenciaturas de Geografia na
Universidade de Brasília (UnB), no segundo semestre de 2022. O
estudo partiu da seguinte questão norteadora: afinal, para que
serve a didática na prática do professor de Geografia? Para

9
responder à questão problematizadora, objetiva-se refletir sobre a
importância dos fundamentos da didática com os estudantes da
licenciatura em Geografia da Universidade de Brasília (UnB), no
semestre de 2022. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica e se
efetuou a mediação didático-pedagógica com os estudantes. Os
resultados evidenciaram que os conhecimentos didático-
pedagógicos têm grande relevância na formação dos estudantes,
pois eles orientam os estudantes (futuros professores) para um
conjunto de operações por meio dos conhecimentos para a prática
docente.
O capítulo 4, com o título Atores da geografia escolar: a
BNCC, os professores e os estudantes de educação básica, de
Fabiana Pegoraro Soares, é redigido para propor reflexões frente às
alegações de uma necessidade de superação da fragmentação das
políticas educacionais, de fortalecimento do regime de colaboração
entre as três esferas do governo e de um documento balizador da
qualidade da educação (Brasil, 2018a). Recentemente, o currículo
escolar brasileiro sofreu uma grande revisão, resultando na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC). Considerando que o ensino
da Geografia deve contribuir para a formação de cidadãos que, por
meio do olhar e do raciocínio geográfico, reflitam sobre sua
situação, a sociedade e o espaço ao seu redor e atuem como agentes
transformadores, este trabalho tem como objetivo discutir as
tendências presentes na BNCC de Geografia do Ensino
Fundamental e o papel de professores e estudantes diante delas.
Como metodologia, foi realizada uma análise documental da
BNCC, além de um levantamento bibliográfico e leitura de textos
críticos, bem como de textos sobre a importância da Geografia
escolar e o ensino de Geografia. Os resultados da análise e a
fundamentação teórica que lhe serviram de base permitiram
reflexões acerca das características da BNCC de Geografia, da
formação dos professores de Geografia no Brasil e sobre a
importância da Geografia escolar na formação dos estudantes.
O capítulo 5, cujo título é Análise dos espaços geográficos
culturais da UnB sob o olhar das obras de Athos Bulcão e Jayme

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Golubov, dos autores Fábio da Silva e Ana Paula de Rezende
Navarro, nasceu do interesse de promover uma reflexão da
Geografia sobre a temática do patrimônio, visto como referência
cultural associada a conhecimentos transdisciplinares. Esses
conhecimentos que se articulam, interagem e dialogam na
dimensão geográfica da cultura com experiências participativas em
Educação e Patrimônio Cultural, principalmente, sobre a Arte (com
maiúscula mesmo, porque estamos tratando de uma área do
conhecimento!) e a memória a partir das obras dos artistas Athos
Bulcão e Jaime Kerbel Golubov que se encontram nos espaços do
campus da Universidade de Brasília (UnB) acessíveis aos seus
usuários e espectadores. Tais aspectos contribuem para que os
professores possam utilizar esses conhecimentos em sua prática
pedagógica, para a promoção da educação geográfica em uma
perspectiva disciplinar e transdisciplinar junto aos discentes.
O capítulo 6, intitulado de Ensino de geografia em área verde
urbana da cidade, de Juanice Pereira Santos Silva, Maria Solange
Melo de Sousa e Daniel Rodrigues Silva Luz Neto, busca analisar a
prática de campo de participação ativa dos estudantes no ensino de
Geografia. O trabalho teve o objetivo de aplicar conceitos
geográficos e de conscientização ambiental ao implantar um jardim
de frutos do cerrado em área verde da cidade de Gama-DF. Para
isso, utilizou-se a metodologia qualitativa. Os resultados
apontaram que é possível incluir essa prática no ensino de
Geografia e mobilizar a comunidade, em especial, as escolas, para
a manutenção do cerrado nas áreas verdes urbanas.
O capítulo 7, intitulado de Controvérsias e adversidades do
Ensino Médio como etapa final da educação básica, de Maria
Solange Melo de Sousa e Daniel Rodrigues Silva Luz Neto, aborda
os estudos relacionados ao Ensino Médio mostram características
de crise contínua e estrutural desde a sua implantação no Brasil. Ela
se manifesta em forma de controvérsias e de adversidades na
escola. É a partir dessa análise que o artigo se estrutura e faz uma
reconstrução histórica dessa última etapa da educação básica. O
recorte temporal vai da década de 1930 do século passado às duas

11
primeiras décadas do século XXI. O objetivo das discussões é
analisar o impacto do Novo Ensino Médio para o projeto de vida
da geração que está cursando essa etapa da educação básica. A
metodologia é constituída por uma abordagem qualitativa e tem
como instrumentos de investigação a pesquisa bibliográfica e a
análise documental e traz autores como Dantas (2015), Frigoto
(2005), Libâneo (2012), Santos (1994, 2014), Saviani (2004), Sousa
(2019, 2021, 2023) para fundamentar as discussões apresentadas. A
partir das análises realizadas na pesquisa, conclui-se que desde a
sua origem, a estrutura do Ensino Médio brasileiro se caracteriza
pelo modelo dualista de escola propedêutica para rico e utilitária
para pobre e que essa opção corrobora os problemas que o Ensino
Médio enfrenta no decorrer de sua história.

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CAPÍTULO 1: HORIZONTE DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL:
REFLEXÕES E PERSPECTIVAS

Anderson Muzzolon

Introdução

A aceleração dos fluxos econômicos e do consumismo,


incentivados pela reprodução do capital, apresenta uma ameaça
sem precedentes à diversidade da vida na Terra, ao mesmo tempo
em que agrava as desigualdades sociais. É fundamental repensar o
mundo de forma a alcançar um progresso social e econômico que
priorize a qualidade de vida e o bem-estar da população, visando
a solucionar a crise ambiental global (Flores; Reyes, 2010).
Um dos caminhos para enfrentar essa crise é capacitar os
indivíduos a atuarem colaborativamente na busca por um mundo
mais equitativo e sustentável, reconhecendo o impacto profundo
de cada ação individual na transformação global. Essa crise, sendo
um desafio global, transcende fronteiras, abrangendo desde esferas
governamentais e empresariais até os contextos locais onde cada
pessoa habita. É justamente nesse âmbito, no terreno das
subjetividades individuais, que a Educação Ambiental emerge
como uma ferramenta poderosa para impulsionar mudanças
significativas nos hábitos, atitudes e valores, direcionando-nos a
uma convivência mais sustentável e viável com o meio ambiente.
Este artigo se justifica pela necessidade de compreender as
diferentes possibilidade de se promover uma Alfabetização
Ambiental dentro das escolas, somente assim poderemos oferecer
uma resposta eficaz à crise ambiental e às desigualdades sociais,
desenvolvendo nos sujeitos a capacidade para agir de maneira
colaborativa e transformadora em direção a um mundo mais

13
sustentável e equitativo. Assim como uma gota d’água que cria
ondulações por toda a superfície, cada ação que realizamos tem um
alcance muito maior do que imaginamos (Crespo, 1998).
O objetivo aqui é refletir sobre as diferentes abordagens e o
surgimento da Educação Ambiental como um meio de promover
uma consciência ambiental mais ampla e ativa, enfatizar a
diversidade da Educação Ambiental e sua conexão com ações
políticas para lidar com desigualdades sociais, visando à
construção de uma sociedade comprometida com a consservação
da vida em sua totalidade.
A Educação Ambiental desempenha um papel crucial na
resolução dos desafios inerentes à modernidade. As práticas
pedagógicas podem ser direcionadas para despertar uma
consciência global e local, promovendo relações humanas mais
harmoniosas com a natureza. Contudo, essa contribuição poderia
ser mais efetiva, pois os conteúdos ainda são abordados de maneira
fragmentada e ocasional, muitas vezes relegados a disciplinas
específicas, como Geografia e Ciências Naturais. Isso faz com que
dependa mais da iniciativa individual do professor do que de um
programa estruturado. Para que a Educação Ambiental ganhe
maior impacto, é necessário institucionalizar seus conteúdos como
parte integrante do currículo, prevendo-os como elementos
essenciais (Andrade, 2000).
É importante ressaltar que as atividades ligadas à Educação
Ambiental, como pesquisa acadêmica, ensino e ações de extensão,
frequentemente carecem de uma base teórica sólida, resultando em
uma abordagem dispersa e, por vezes, fundamentada no senso
comum. Assim, estruturamos este trabalho em três seções distintas:
a primeira aborda a metodologia empregada; a segunda oferece
uma retrospectiva sobre a origem e discussões iniciais do termo
Educação Ambiental em âmbito global; e a terceira seção explora
as principais abordagens de autores brasileiros relacionadas ao
ensino de Educação Ambiental.

14
A metodologia hermenêutica na Educação Ambiental: uma
perspectiva analítica

A metodologia é o trajeto que o pesquisador percorre,


envolvendo os métodos e estratégias utilizados para compreender
de forma eficiente o problema de estudo. A abordagem
metodológica para a condução deste artigo foi a hermenêutica,
proposta por Gadamer (2003), que possibilitou atuar como um
processo dinâmico e esclarecedor das questões em análise.
A perspectiva hermenêutica possibilita a interpretação de
como os estudos e práticas no campo da Educação Ambiental vêm
se desenvolvendo. Ela não apenas contribui para o enriquecimento
dessas pesquisas, mas também desempenha um papel
fundamental no refinamento da prática de elaborar conhecimento.
Essa abordagem específica da hermenêutica não se limita a um
mero processo de instrução; ela propõe uma dinâmica ativa de
busca e compreensão do conhecimento, seguida por uma análise
crítica profunda (Gadamer, 2003).
Ao fazer isso, não só incentiva uma compreensão mais
profunda dos temas abordados na Educação Ambiental, mas
também estimula um processo de investigação contínua e
evolutiva, com um olhar sempre atento e questionador sobre as
questões relacionadas ao ambiente e à nossa interação com ele. A
hermenêutica relaciona-se diretamente com a interpretação e com
a compreensão dos fenômenos, das atitudes e dos comportamentos
humanos, dos textos e das palavras.
Segundo Gadamer (2003, p. 407), “atualmente a hermenêutica
é a teoria metodológica da investigação das ciências do espírito”. O
que há de verdadeiramente comum e consensual a todas as formas
de hermenêutica é que “o sentido que se deve compreender
somente se concretiza e se completa na interpretação”
(GADAMER, 2003, p. 436)
Nessa perspectiva compreendemos a importância de se
considerar os quatro pilares para uma estrutura básica de
compreensão sugeridos por Gadamer (2005): o horizonte, a

15
circular, o diálogo e mediação. O horizonte refere-se ao conjunto de
pressupostos, experiências e conhecimentos prévios que cada
indivíduo possui, moldando sua compreensão do mundo. A
compreensão não é linear, mas sim, circular, envolvendo um
diálogo constante entre o texto ou objeto a ser interpretado e o
horizonte do intérprete. Esse diálogo não busca um ponto final ou
uma verdade absoluta, mas sim, uma fusão de horizontes, em que
o entendimento é construído por meio do processo dialógico entre
passado e presente, experiência e compreensão. A mediação
desempenha um papel crucial nesse processo, permitindo a
interconexão entre diferentes horizontes e a busca por uma
compreensão mais ampla e enriquecedora.
Ao seguirmos a perspectiva gadameriana, mergulhamos na
análise de diversos textos produzidos por acadêmicos renomados
no campo da Educação Ambiental. Durante essa investigação, nos
deparamos com uma riqueza de interpretações e entendimentos
desses autores sobre questões intrincadas ligadas ao ambiente, à
educação e à interseção entre ambos os campos.
Observamos como os horizontes desses autores influenciam
profundamente suas abordagens e visões sobre os desafios
ambientais contemporâneos, bem como sobre as metodologias e
práticas educativas para lidar com tais questões. A circularidade do
diálogo entre esses textos e nossos próprios horizontes
interpretativos revela a dinâmica e a complexidade envolvidas na
compreensão dessas problemáticas e, ao mesmo tempo, ressalta a
importância da mediação entre diferentes perspectivas para um
entendimento mais amplo e enriquecedor no campo da Educação
Ambiental.

Do passado ao presente: Educação Ambiental como resposta à


crise global

A Educação Ambiental emerge como um campo que se


concentra no indivíduo (afinal se compartilha conhecimento de
pessoa para pessoa), procurando incutir ideias e valores centrados

16
na busca por equidade social e preservação ambiental sustentável.
Ela surge na segunda metade do século XX como uma proposta
necessária para enfrentar o problema da crise que se passa no meio
ambiente (Flores; Reyes, 2010). No entanto, suas raízes podem ser
encontradas em movimentos sociais e filosofias antigas, que
reconheciam a interdependência entre os seres humanos e a
natureza.
A busca pela valorização dos recursos da natureza vem de
longa data, mas o termo Educação Ambiental foi utilizado pela
primeira vez no ano de 1965, durante a Conferência de Educação
da Universidade de Keele, na Grã-Bretanha, passando a ser
recomendada na formação educacional de todos os cidadãos. A
expressão surgiu após a percepção de que o ambiente global estava
sendo severamente afetado, por isso era preciso um plano de ação
para conter os efeitos de catástrofes que vinham ocorrendo com
maior frequência (Flores; Reyes, 2010).
A partir desse momento, a Educação Ambiental começou a se
desenvolver como um campo de estudo e prática que visa a
sensibilizar as pessoas sobre a importância da conservação
ambiental, promovendo uma compreensão mais ampla das
interações entre os seres humanos e o meio ambiente. Desde então,
ela evoluiu para incluir não apenas questões de conservação, mas
também aborda aspectos sociais, econômicos e políticos
relacionados ao meio ambiente, visando a promover a
sustentabilidade e a uma mudança de comportamento em direção
a práticas mais responsáveis em relação ao ambiente.
No ano de 1968 ocorreu uma reunião entre cientistas, a qual
ficou conhecida como o Clube de Roma. Oliveira e Santos (2009, p.
35) afirmam que esse encontro teve por objetivo discutir “o
consumo, o crescimento da população mundial e as reservas de
recursos naturais não renováveis”. Nesse evento foi produzido um
relatório intitulado: “Os limites do crescimento”, mostrando que
moramos em um planeta com recursos finitos que não poderia
suportar um crescimento infinito da população e da economia.

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Estimativas mostravam que no ano de 2068 o planeta atingirá esses
limites, ou seja, 100 anos após o encontro.
A Conferência de Estocolmo, realizada na Suécia, em 1972,
representou um marco significativo na busca por soluções para a
crise ambiental em âmbito global, reunindo 133 países. No entanto,
o evento destacou as diferentes perspectivas e interesses dos
participantes, como foi o caso do Brasil, que defendeu
veementemente a industrialização de seu território, mesmo que
isso implicasse na preservação ambiental. A emblemática frase
“Venham as indústrias, poluem, mas venham” ilustra essa postura
nacional (Oliveira; Santos, 2009, p. 37).
A atitude brasileira na conferência influenciou
significativamente as direções das discussões e das políticas
ambientais futuras, introduzindo o conceito de desenvolvimento
social. Ficou evidente que a preservação por si só não era suficiente;
era imprescindível considerar o bem-estar das populações. Como
resultado desse encontro, foram estabelecidos 26 princípios
orientadores que deveriam nortear as ações dos países
participantes.
Na conferência de Tbilisi, realizada na União Soviética, em
1977, foram produzidos documentos que servem de parâmetro até
hoje. Segundo Teixeira, Silva e Alves ( 2014, p. 2), “o evento
apontou para a Educação Ambiental como meio educativo pelo
qual se pode compreender de modo articulado as dimensões
ambientais e sociais, problematizar a realidade e buscar as raízes
da crise civilizatória”, de modo a considerar a participação de
todos, contextualizando com as comunidades, gerando
transformações reais que contribuam para os objetivos globais de
se ter um planeta viável para a continuidade da existência da
espécie humana.
Em 1987, foi publicado o Relatório de Brundtland, com o lema
“Nosso Futuro Comum”, trazendo discussões referentes ao
conceito de desenvolvimento sustentável. De acordo com o
relatório, esse conceito busca “satisfazer às necessidades presentes,
sem comprometer as necessidades das gerações futuras” (Oliveira;

18
Santos, 2009, p. 42). Tal conceito recebeu duras críticas por não ter
como principal foco a redução das desigualdades sociais que
imperam no mundo, dando a ideia errônea de que a pobreza gera
a degradação ambiental. Trata-se de um tema bastante atrelado às
questões econômicas, sendo subordinado à racionalidade
capitalista atual, que tem como retórica a exploração dos recursos
naturais sobre a premissa da produtividade com vistas ao
crescimento econômico infinito.
No ano de 1992, ocorreu, no Brasil, a II Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano,
conhecida como RIO 92. “Entre os acordos estabelecidos destacam-
se: a Convenção sobre Mudança do Clima, que entrou em vigor em
1994 e a Agenda 21, considerado o documento mais importante do
evento” (Oliveira; Santos, 2009, p. 46).
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO), no ano de 2005, instituiu a década da
educação para o desenvolvimento sustentável (2005-2014.).
Entretanto, não foram notados avanços significativos na questão da
Educação Ambiental. Apesar de haver um grande movimento
global pela implementação da Educação Ambiental, de modo geral,
ela se apresenta de modo tímido, com algumas iniciativas
regionais. Muitos países encontram ainda grandes dificuldades em
questões sociais básicas, o que dificulta a implementação.
A implementação da Agenda 2030, concebida em Nova
Iorque, em 2015, pela Organização das Nações Unidas (ONU),
desempenha um papel fundamental na configuração de grande
parte dos currículos escolares no Brasil. Ao incorporar os princípios
e metas dessa agenda nas diretrizes educacionais, é possível
proporcionar aos estudantes uma compreensão mais abrangente e
integrada dos desafios globais contemporâneos, fomentando uma
consciência crítica e responsabilidade social desde as fases iniciais
da educação. Os temas abordados pelos 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), como a erradicação da
pobreza, a promoção da saúde e do bem-estar, a garantia de uma
educação de qualidade e a igualdade de gênero, podem ser

19
integrados de maneira transversal nos currículos, contribuindo
para uma educação mais alinhada com os ideais de
sustentabilidade e preparando os estudantes para um papel ativo
na construção de um futuro equitativo e sustentável.
No Brasil, nossa Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988),
estabelece a Educação Ambiental como um compromisso
fundamental, conforme descrito no artigo 225, 1º inciso VI. Essa
medida visa promover a conscientização pública e oferecer
instrução sobre temáticas ambientais em todos os níveis de ensino.
Essa diretriz constitucional enfatiza a importância de uma
abordagem abrangente da conservação ambiental, inserindo-a nos
currículos educacionais. Isso assegura que a sociedade seja não
apenas consciente, mas também ativa na proteção e conservação do
meio ambiente, abrangendo todos os domínios da educação, dando
novos passos a fim de melhor utilizar os recursos e sua
conservação.
A Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999 (Brasil, 1999), também
conhecida como a “Lei da Educação Ambiental”, é um marco na
legislação brasileira. Ela estabelece princípios, objetivos, diretrizes
e instrumentos para promover a Educação Ambiental em todos os
níveis de ensino e em diferentes instâncias da sociedade. Essa lei
define a Educação Ambiental como um componente essencial do
processo educativo, visando à conscientização e à sensibilização da
população sobre a importância da preservação ambiental. Ela
propõe a integração da Educação Ambiental nos currículos
escolares de todos os níveis de programas educacionais. Segundo a
redação dessa lei federal, “a educação ambiental não deve ser
implantada como disciplina específica no currículo de ensino”
(Brasil, 1999), orientação esta que vem sendo questionada com
alguns projetos para implementação de um disciplina específica
para a área. Além disso, a lei estimula parcerias entre entidades
governamentais, organizações não governamentais e empresas
para o desenvolvimento de projetos e ações voltados à
conscientização ambiental e à sustentabilidade.

20
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental (Brasil, 2012), estabelece orientações cruciais para a
Educação Ambiental ao sublinhar a necessidade de incorporar essa
temática de maneira transversal em todas as disciplinas. Nesse
contexto, a Educação Ambiental se propõe a promover a
conscientização e a estimular ações sustentáveis, englobando não
apenas questões ambientais, mas também aspectos sociais,
econômicos e culturais. Essa abordagem visa a moldar indivíduos
mais conscientes e comprometidos com a preservação e a
conservação ambiental, capacitando-os para se tornarem cidadãos
ativos e responsáveis pela construção de um futuro sustentável.
Apesar de um histórico longo e de uma legislação sólida sobre
os assunto, sabemos que abordagens voltadas para a Educação
Ambiental ainda dependem da postura e da trajetória dos
professores em sala de aula. Algumas disciplinas, como Ciências,
Geografia e Biologia, frequentemente abordam temas ambientais
de forma mais direta. No entanto, outras disciplinas, como
História, Matemática e Literatura, podem também integrar
aspectos da Educação Ambiental, seja explorando questões
históricas relacionadas ao ambiente, analisando dados ambientais
em contextos matemáticos, seja refletindo sobre questões
ambientais por meio de textos literários. A interdisciplinaridade é
uma abordagem que permite a integração de conteúdos e reflexões
sobre questões ambientais em várias áreas do conhecimento,
contribuindo para uma compreensão mais ampla e holística da
relação entre sociedade e meio ambiente.

Sustentabilidade escolar: construindo espaços de diálogo e


participação ambiental

A escola é um dos espaços mais importantes para buscar a


criação de consciência ambiental. Entretanto, é necessário que os
sujeitos que passam pela escola sejam estimulados a levar seus
conhecimentos, habilidades e atitudes para além de seus muros,

21
tornando a Educação Ambiental presente em todos os lugares,
passando para uma abordagem transdisciplinar.
O ambiente escolar, ao se reproduzir, exerce um impacto
significativo (Andrade, 2000), demandando uma abordagem mais
ampla e integrada nas práticas pedagógicas. Transformar a escola
por meio de estudos na dimensão ambiental vai além da simples
implementação de estruturas físicas, como a separação de resíduos
ou a criação de espaços verdes. É crucial promover uma abordagem
horizontal entre os indivíduos, fomentando a participação ativa em
tomadas de decisão, proporcionando espaços de diálogo em todos
os ambientes escolares e incentivando a comunidade escolar a se
envolver em discussões, planejamentos e ações voltadas ao meio
ambiente.
Segundo Sato (2004), existem duas principais perspectivas da
Educação Ambiental nas escolas que merecem atenção: a
perspectiva natural, que se concentra predominantemente no meio
físico e na análise ecológica do ambiente; e a perspectiva cultural,
que focaliza os aspectos humanos, investigando as interações e
relações dos indivíduos com seu entorno. O destaque dado a uma
ou outra perspectiva é moldado pela formação e pela jornada de
vida de cada professor envolvido. As experiências pessoais e
profissionais influenciam na ênfase dada a essas abordagens,
determinando a maneira como a Educação Ambiental será
abordada e desenvolvida com os alunos.
A prática escolar deve se entrelaçar com iniciativas políticas
destinadas a enfrentar desigualdades sociais, visando a construir
uma sociedade que valorize a vida em toda a sua plenitude. Tendo
por objetivo formar indivíduos emancipados, capazes de enxergar
as diversas formas de coexistência e de transformar o mundo de
maneira construtiva e colaborativa, as abordagens práticas da
Educação Ambiental nas redes pública e privada de ensino do
Brasil “chama a atenção a enorme diferença entre percepções,
leituras, análises, projetos e práticas tratando do meio ambiente.
Não há absolutamente unanimidade ou consenso entre conceitos,
técnicas, meios e fins” (Casciano, 2017, p. 79).

22
Essa grande diversidade de abordagens acaba sendo positiva
por ter maior amplitude e mostrar diferentes pontos de vista sobre
o tema, pois estamos envoltos pela natureza, a modificamos a todo
instante. Nesse sentido, os estudos do ambiente devem levar em
consideração diferentes enfoques dados tanto para as ações
antrópicas como para estudos dos meios bióticos como abióticos,
essas discussões e análises ambientais pressupõem considerar o
homem como parte envolta pelo processo (Sato, 2002).
Para Reigota (1998, p. 34)

A Educação Ambiental não está vinculada somente à transmissão de


conhecimentos sobre a natureza, mas sim, à possibilidade de ampliação da
participação política dos cidadãos. Nela está inserida a busca da
consolidação da democracia, a solução dos problemas ambientais e uma
melhor qualidade de vida para todos.

Um dos desafios para a operacionalização de modo formal da


educação ambiental é o fato de ela não se encaixar perfeitamente
em nenhuma área disciplinar tradicional do currículo. Sua natureza
é interdisciplinar e multidisciplinar, fazendo com que, muitas
vezes, ela seja marginalizada na escola. Para que isso não
aconteça, é preciso “ser considerado no projeto como um todo, e
que deve estar claro para todos os envolvidos, é o fato de que as
mudanças na escola devem acontecer de forma contínua e
progressiva, a partir das possibilidades de serem levadas adiante”
(Andrade, 2000, p. 5).
Segundo Casciano (2017, p. 67),

Os professores e educadores em geral expressam sua compreensão a partir


de uma leitura imediata e linear do próprio termo interdisciplinaridade,
reduzindo-o a uma prática de “cruzamento” de disciplinas, ou melhor, de
partes dos conteúdos disciplinares, que eventualmente ofereçam pontos de
contato nas atividades letivas.

É necessário superar os modelos simplistas, compreendendo-os


como uma forma de constante pesquisa e reconstrução de conceitos,
pois se trata não apenas de trabalhar no sentido da

23
complementaridade entre as disciplinas, mas considerando as
diferenças inerentes de cada uma, de modo que se somem. As
diferenças e as incertezas devem estar presentes, os caminhos
sempre devem ser corrigidos em um processo dialógico (Casciano,
2017).
Nesse sentido, Oliveira e Santos (2009, p. 66) destacam que

Mediante a complexidade da questão ambiental, entende-se que a mesma


não deve ser trabalhada de forma fragmentada, por meio de uma única
disciplina, pois o conhecimento (estando ou não relacionado às questões
ambientais), não se justapõem, mas se relacionam a outros pré-existentes.
Desse modo, para compreender a amplitude da problemática ambiental e
alcançar os seus objetivos é necessário uma visão complexa e
interdisciplinar.

Trabalhar com essa abordagem pressupõe ir além dos objetivos


das disciplinas, considerando o que está programado, de modo
geral, para o curso, utilizando o princípio da horizontalidade entre
os sujeitos envolvidos e buscando trabalhar com as diferentes áreas
do conhecimento, sem um nível de hierarquização que possa sugerir
que uma é mais valorosa que outra. Criar novas utopias, novos
sonhos e metas faz parte da construção desse processo. “Em EA,
sempre se disse que o fundamento para o desenvolvimento de toda
prática é sua característica interdisciplinar”(Casciano, 2003, p. 72).
A escola figura como um dos cenários fundamentais na
promoção da consciência ambiental, abrigando profissionais de
variadas formações. Contudo, é vital incentivar aqueles que
transitam por esses espaços a expandirem seus conhecimentos,
habilidades e atitudes para além dos limites institucionais,
infundindo a Educação Ambiental em todos os contextos. Existem
múltiplas maneiras de abordar esse tema, refletidas em uma vasta
diversidade de trabalhos. Nesse sentido, Sato (2002, p. 12) ressalta
que “não há uma única resposta certa ou errada; há diversas
perspectivas na Educação Ambiental,” todas são valiosas e dignas
de serem exploradas e enriquecidas.

24
Sementes da consciência verde: marcas de pensadores na
Educação Ambiental do Brasil

O desenvolvimento da Educação Ambiental no Brasil foi


profundamente influenciado por uma gama diversificada de
pensadores e pesquisadores locais, cujas contribuições foram
cruciais para a consolidação e o avanço desse campo. Vários
autores trouxeram reflexões importantes sobre a interseção entre
educação, sociedade e meio ambiente, estabelecendo bases sólidas
para compreender as complexidades ambientais e integrar essa
temática nos processos educativos (Figura 1).

Figura 1 – Linha do tempo com algumas reflexões sobre a Educação Ambiental

Fonte: Elaborado pelo autor (2024)

Sorrentino (1995) se destaca em suas obras sobre Educação


Ambiental ao adotar uma abordagem crítica e reflexiva, que analisa
as relações entre sociedade e meio ambiente, destacando os
impactos das ações humanas. O autor valoriza a

25
interdisciplinaridade ao reconhecer a importância da integração
entre diferentes áreas do conhecimento para enfrentar os desafios
ambientais. Destaca-se em sua obra a prática como elemento
central no processo educativo, conectando teoria e a prática,
incentivando a participação dos estudantes na resolução de
problemas ambientais, destacando a necessidade de uma Educação
Ambiental engajada na transformação social, impulsionando a
adoção de práticas mais sustentáveis e justas em benefício do meio
ambiente e da sociedade.
Em sua obra “Alfabetização Ecológica: a educação ambiental
em questão”, Crespo (1998) propôs uma abordagem educativa que
vai além da transmissão de informações ambientais, enfatizando o
desenvolvimento de habilidades, valores e atitudes críticas diante
dos problemas ambientais. Sua contribuição destaca a importância
de capacitar os indivíduos a compreenderem e a lidarem com
questões ambientais de forma consciente e responsável,
promovendo uma leitura crítica da realidade ambiental e
engajamento ativo na busca por soluções sustentáveis.
As reflexões teóricas elaboradas por Sato (2002) trazem uma
abordagem crítica e interdisciplinar, colocando a práxis e a ação
coletiva como pilares essenciais. Sua visão estimula uma educação
ambiental crítica e libertadora, formando as pessoas para uma
participação consciente e ativa na solução de questões ambientais.
Além disso, ela ressalta a relevância da dimensão cultural e
contextual na abordagem dos desafios ambientais e enfatiza a
busca pela sustentabilidade e justiça ambiental. Seu foco não se
limita à preservação do meio ambiente, mas se estende para
garantir equidade e inclusão nas políticas e ações direcionadas ao
meio ambiente. A interdisciplinaridade é fundamental na prática
escolar, pois vai além das disciplinas, ocorrendo
fundamentalmente na natureza da realidade (ontológico), no
conhecimento (epistemológico) e em como os atores (ideológico)
que estão envolvidos atuam (metodológico) no processo.
Nos trabalhos desenvolvidos por Layrargues (2004), é possível
identificar três macrotendências na Educação Ambiental. Essas são

26
perspectivas teóricas e práticas que direcionam a Educação
Ambiental para uma abordagem mais ampla e engajada,
promovendo a conscientização, a participação e a transformação
social em relação às questões ambientais. O autor classificou a
Educação Ambiental em três macrotendências (Quadro 1).

Quadro 1 – Classificação das macrotendências da Educação Ambiental


Macrotendência Características:

Pragmática Foca na resolução de problemas concretos do meio


ambiente. Valoriza a aplicação prática de soluções
imediatas para questões ambientais, priorizando ações
e resultados visíveis.

Conservadora Tende a preservar valores e comportamentos existentes,


muitas vezes buscando manter a ordem social e
ambiental estabelecida. Geralmente se alinha a visões
tradicionais e conservadoras em relação à natureza.

Crítica Enfatiza a importância das estruturas de poder na


relação com o meio ambiente. Propõe uma abordagem
que considera as relações de poder na construção das
questões ambientais e incentiva a participação cidadã
na tomada de decisões.
Fonte: Layrargues (2004)

Layrargues (2004) defende a importância de uma Educação


Ambiental que seja participativa, plural e que considere as
diferentes perspectivas e saberes presentes na sociedade. Ele
enfatiza a necessidade de uma abordagem política, reflexiva e
engajada, capaz de estimular não apenas a conscientização, mas
também a ação coletiva para a transformação social e ambiental.
Sua visão propõe uma Educação Ambiental crítica, voltada para a
emancipação dos sujeitos e para a construção de uma sociedade
mais justa e sustentável.
Cada uma dessas abordagens deve ser reconhecida em sua
singularidade, valorizando suas contribuições individuais, mas
também é essencial considerar suas sobreposições e interconexões.

27
Esse reconhecimento possibilita uma abordagem mais dinâmica,
abrindo espaço para a inclusão de novas perspectivas que, por
vezes, escapam dos modelos tradicionais, enriquecendo, assim, a
compreensão do campo da Educação Ambiental. É importante
ressaltar a complementaridade entre essas diferentes tendências,
evitando vê-las como exclusivas entre si. Em vez disso, evidencia-
se que abordagens diversas podem se entrelaçar, formando um
mosaico que promove uma Educação Ambiental mais abrangente
e integrada. Apesar das limitações inerentes a essa classificação, ela
oferece uma estrutura valiosa para compreender e debater a
diversidade de perspectivas presentes nessa área.
Segundo Iared (2015), alguns enfoques educacionais que se
autodenominam críticos estão sendo questionados devido à sua
perspectiva centrada no ser humano e à adesão à divisão
cartesiana, que separa mente-corpo e sociedade-meio ambiente. A
verdadeira educação crítica estimula a reflexão e uma postura
crítica no dia a dia. A importância de as práticas educacionais terem
o potencial de transformação e libertação na sociedade ainda é
reconhecida, embora haja mais flexibilidade na escolha de
referências teóricas e métodos para atingir esses objetivos. Enfatiza-
se que a sensibilidade desempenha um papel fundamental não
apenas na revisão dos fundamentos do conhecimento, mas também
no desenvolvimento de uma abordagem educacional pós-crítica
em relação ao meio ambiente e na mudança emocional, corporal e
ontológica.
A educação ambiental de hoje é composta de uma grande
pluralidade de perspectivas. Existem várias formas de
compreender o tema. Nesse sentido, Sato (2002, p. 12) salienta que
“não existe o ‘certo’ ou ‘errado’, temos diferentes abordagens da
EA e essa riqueza precisa ser valorizada e ampliada”. Assim, ela
deve estar vinculada às ações políticas que visem ao enfrentamento
das desigualdades sociais, de modo a construir uma sociedade
comprometida com a vida em toda a sua amplitude. Precisamos
formar sujeitos emancipados, que compreendam as diversas

28
possibilidades de conviver, transformando o mundo de forma
propositiva e colaborativa.
De modo geral, as abordagens teóricas acima citadas
ressaltaram a necessidade de uma valorização da Educação
Ambiental Crítica, destacando-se as dimensões políticas e sociais
envolvidas na relação entre ser humano e meio ambiente. Esses
pensadores não apenas ofereceram contribuições teóricas, mas
também influenciaram diretamente políticas educacionais e
práticas pedagógicas, moldando significativamente o curso e a
consolidação desse campo no Brasil.

Considerações finais

A preocupação com o meio ambiente permeia diversas áreas


da educação, incluindo o planejamento dos estudos, a capacitação
dos professores, as investigações acadêmicas e a instrução em todos
os níveis. Existe um consenso consolidado acerca da importância
da Educação Ambiental e sua inclusão nos programas escolares,
seja como uma disciplina independente ou como parte integrante
em diferentes abordagens educacionais
Embora a Educação Ambiental esteja presente em programas
educacionais, muitas vezes ela se limita à transmissão de
conhecimentos científicos socionaturais, buscando sensibilizar
para mudanças individuais frente aos desafios ambientais. No
entanto, destaca-se a necessidade de expandir essas práticas,
considerando perspectivas teóricas que possam formar sujeitos
capazes de realizar uma crítica e subverter as práticas postas,
diretrizes e interesses diversos, para orientar efetivamente a busca
por soluções diante dos problemas ambientais.
A macrotendência crítica desempenha um papel significativo
na transformação social dos estudantes, dado que destaca a
importância da compreensão histórica na interação humana com o
meio ambiente e suas possibilidades de transformação. Essa
abordagem reconhece a relevância histórica das questões
ambientais e a interconexão inseparável entre os elementos sociais

29
e a Educação Ambiental, transcendendo a mera análise dos
comportamentos individuais.
Na busca por um futuro mais sustentável, é essencial
reconhecermos o papel fundamental da Educação Ambiental como
um caminho para a transformação. Ao nos educarmos em
comunhão (Freire, 1996) com os princípios da preservação
ambiental, não apenas adquirimos conhecimento, mas também
cultivamos uma consciência coletiva sobre a importância da
interdependência entre nós e o ambiente. A frase “nos educamos
em comunhão” ressoa como a ideia de que nossas ações individuais
e coletivas estão intrinsecamente ligadas à saúde e ao equilíbrio do
planeta. Assim, ao abraçarmos a Educação Ambiental como um
pilar essencial na formação de cidadãos conscientes, fortalecemos a
conexão entre educação, sociedade e natureza, construindo um
caminho mais sustentável para as gerações futuras.

Referências

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escolas: uma reflexão. In: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO GRANDE. Revista Eletrônica do Mestrado
em Educação Ambiental, v. 4. out./nov./dez. 2000.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília (DF): Diário Oficial da União, 1988.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a
Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação
Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 28
abr. 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 15 de junho de 2012.
Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 jun. 2012.
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30
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rcp002_12.pdf. Acesso em:
3 nov. 2023.
CASSIANO, K. F. D. A trajetória discursiva das diretrizes
internacionais e brasileiras para a educação ambiental:
emergência, influências e princípios estilísticos do discurso dos
organismos multilaterais. 2017. XXf. Tese (Doutorado) –
Universidade. Goiânia, UFG. 2017.
CRESPO, S. Educar para a sustentabilidade: a educação ambiental
no programa da agenda 21. In: NOAL, F. O.; REIGOTA, M.;
BARCELOS, V. H. L. Tendências da educação ambiental
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FLORES, R. C.; REYES, L. H. Estudio sobre la percepciones y la
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del Estado de México Toluca, 2010 p. 227-249.. Disponível em:
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prática educativa. 2.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GADAMER, H. G. Verdade e método. 5 ed. Tradução de Flávio
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Tese (Doutorado em Ecologia e Recursos Naturais) –
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015. Disponível
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20 nov. 2023.
LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da Educação Ambiental
Brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004.
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31
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A
EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Bases sólidas:
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Brasília: UNESCO, Ed. Moderna, 2007.
REIGOTA, M. O que é educação ambiental. vol. 292, 6ª edição.
São Paulo: Brasiliense, 1998. (Coleção Primeiros Passos).
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SORRENTINO, M. Educação Ambiental e a universidade: um
estudo de caso. 1995. XXf. Tese (Doutorado) – Universidade
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TEIXEIRA, C.; SILVA, A. L. F. da; ALVES, J. M.
Interdisciplinaridade e transversalidade na educação ambiental:
uma análise da REMEA (2010-2012). Educação Ambiental em
Ação, Novo Hamburgo, v. 13, n. 48, jun./ago. 2014.

32
CAPÍTULO 2: A UTILIZAÇÃO DAS TDICS NAS
AULAS DE GEOGRAFIA E A FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES

Carliane Alves da Silva

Introdução

O ensino da Geografia é fundamental para o desenvolvimento


e a construção do raciocínio geográfico dos estudantes, pois é por
meio dela que os discentes têm a compreensão sobre as suas
relações e transformações que ocorrem com o tempo. Além disso,
o ensino da Geografia proporciona o desenvolvimento de
habilidades, como a observação e a análise de processos
socioespaciais, entendimento da organização social e econômica do
país e do mundo. Nesse sentido, os recursos tecnológicos podem
ser utilizados como ferramentas para complementar o processo de
ensino e aprendizagem.
As Tecnologias da Informação e da Comunicação (TDICs) no
ensino de Geografia podem proporcionar experiências de
aprendizagem visuais e interativas, que contribuem para a análise
e a compreensão dos conceitos geográficos. Com isso, o uso desses
recursos em sala de aula tem aumentado muito nos últimos anos
em todas as etapas da educação básica. De acordo com Martins
(2017, p. 125), “a presença das tecnologias digitais de informação e
comunicação é indispensável para o aprendizado nesses novos
tempos e espaços contemporâneos”, principalmente para a
Geografia, que vem se beneficiando muito com a utilização desses
recursos. Assim, dentre os aspectos mencionados, percebe-se a
importância das ferramentas digitais para o ensino de Geografia,
saindo da forma mecanizada das aulas apresentando uma gama de
opções para que ocorra a assimilação dos conteúdos. Camargo

33
(2018, p. 61) enfatiza que “o uso de aplicativos em contextos
educacionais é capaz de proporcionar diferentes possibilidades de
trabalho pedagógico de modo significativo”, levando o estudante a
se envolver com as aulas. Assim, percebendo a importância das
TDICs nas aulas de Geografia, questiona-se sobre a formação
continuada dos professores em relação à utilização de recursos
tecnológicos.
Com isso, o objetivo deste artigo é analisar a quantidade de
trabalhos publicados na plataforma de Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que tratam
sobre o uso das TDICs nas aulas de Geografia e a formação
continuada de professores. Como objetivos específicos, busca-se
enfatizar a importância da utilização das TDICs nas aulas de
Geografia e entender como se dá o processo de formação
continuada de professores no que se refere à utilização das
tecnologias nas aulas de Geografia. Esta pesquisa se fez necessária,
visto que a publicação de pesquisas científicas se torna
indispensável a fim de contribuir para a melhoria no ensino da
Geografia. Além disso, as publicações se tornam base para novas
experiências no campo educacional.
Para tanto, este artigo está dividido em três seções. A primeira
seção apresenta uma revisão de literatura, com a qual se busca
trazer as contribuições das TDICs para o ensino da Geografia e a
evolução da integração dos recursos digitais no processo de ensino.
A segunda seção descreve o percurso metodológico utilizado na
pesquisa, detalhando a maneira como os dados foram coletados e
os resultados obtidos, permitindo encontrar aportes para as
reflexões trazidas pelo estudo. Na terceira seção, são apresentadas
reflexões sobre a formação continuada dos professores e a
utilização das TDICs nas aulas de Geografia. Além disso, nessa
seção são trazidos os principais desafios enfrentados pelos
professores para a integração das TDICs na sala de aula.
As Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDICs ) no ensino da Geografia

34
A evolução das redes de tecnologia e das redes de
comunicação impulsionou o surgimento de novos modos de
paradigmas na área educacional. Com essa evolução, cria-se a
cultura digital, que de acordo com Levy (1999, p. 15), “se constrói e
se estende por meio da interconexão das mensagens entre si, por
meio de sua vinculação permanente com as comunidades virtuais
em criação que lhes dão sentidos variados em uma renovação
permanente”. Atualmente, a sociedade utiliza recursos e meios
digitais em praticamente todas as atividades diárias, e isso inclui
atividades na área da educação. O uso de tecnologias em sala de
aula possibilita a construção de novas possibilidades no processo
de ensino e aprendizagem

A tecnologia contribui para orientar o desenvolvimento humano, pois opera


na zona de desenvolvimento proximal de cada indivíduo por meio da
internalização das habilidades cognitivas requeridas pelos sistemas de
ferramentas correspondentes a cada momento histórico (Lalueza; Crespo;
Camps, 2010, p. 51).

Dentre muitas formas, a prática docente tende a beneficiar-se


com o uso das tecnologias seja com os computadores, programas,
jogos, softwares, desde que adaptados com objetivos específicos.
O ensino de Geografia é a oportunidade para os alunos
compreenderem o mundo através das suas próprias experiências,
mas as aulas desse componente curricular ainda continuam
seguindo modelos tradicionais. Os livros didáticos são os recursos
frequentemente mais utilizados para a elaboração e implementação
dessas aulas. O livro didático “é um objeto de estudo [...] que reflete
conhecimentos científicos e características culturais de uma
determinada sociedade em determinado período histórico e espaço
geográfico”, conforme afirma Vitiello e Cacete (2021, p. 6). Para
Prado e Carneiro (2017, p. 987), o livro é componente de uma
cultura educacional e um “aliado às atividades didático-
pedagógicas, subsidiando os processos de ensino e de
aprendizagem na sala de aula”. Assim, o livro didático permite a
sistematização dos conteúdos, além de ser utilizado como apoio

35
para os professores por oferecer sugestões de atividades
diferenciadas. Na Geografia, contribui para a organização do
conteúdo geográfico de forma estrutural e sequencial, traz recursos
de imagens, mapase paisagens que ajudam os estudantes a
compreender os conceitos geográficos abstratos e trazê-los para a
realidade.
Para a construção do conhecimento na área da Geografia, a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz, em uma de suas
competências específicas de Geografia para o Ensino Fundamental,
o que o estudante deve

desenvolver e utilizar processos, práticas e procedimentos de investigação


para compreender o mundo natural, social, econômico, político e o meio
técnico-científico e informacional, avaliar ações e propor perguntas e
soluções (inclusive tecnológicas) para questões que requerem
conhecimentos científicos da Geografia (Brasil, 2018, p. 366).

Alcançar essa competência exige da escola e dos professores


aulas mais dinâmicas e interessantes, que chamem a atenção dos
estudantes e façam com que eles sejam mais participativos,
desenvolvendo a construção do saber geográfico. Para isso, é
extremamente importante inserir novas metodologias e novos
recursos para o ensino da Geografia. Nessa perspectiva, surgem
novas possibilidades, nas quais se podem agregar as tecnologias
digitais ao ensino, melhorando, assim, a dinâmica das aulas. De
acordo com Martins (2017, p. 125), “a presença das tecnologias
digitais de informação e comunicação é indispensável para o
aprendizado nesses novos tempos e espaços contemporâneos”,
principalmente para a Geografia, que vem se beneficiando muito
com a utilização desses recursos.
A utilização de recursos tecnológicos para o ensino da
Geografia favorece uma aprendizagem significativa, interativa e
não muito distante da realidade da maioria dos estudantes, pois
eles estão sempre conectados. Dessa forma,

36
educar para a inovação e a mudança significa planejar e implantar propostas
dinâmicas de aprendizagens, em que se possam exercer e desenvolver
concepções sócio-históricas da educação- nos aspectos cognitivo, ético,
político, científico, cultural, lúdico e estético- em toda a sua plenitude e,
assim, garantir a formação de pessoas para o exercício da cidadania e do
trabalho de liberdade e criatividade (Kenski, 2015, p. 67).

Utilizar algum tipo de recurso tecnológico no ensino de


Geografia vai além do que está proposto nos currículos ou livros
didáticos, o que favorece uma visão geográfica maior, como aponta
Martins (2017, p. 146): “As tecnologias para a geografia [...]
contribuem para trabalhar com questões da geografia do lugar, a
geografia urbana e do território, a geografia das paisagens e do
espaço geográfico”. Dessa forma, permitem a articulação de
diferentes conceitos e conteúdos pertinentes a essa ciência de forma
dinâmica, atrativa, lúdica, interativa, colaborativa, não linear e,
principalmente, comunicativa (Martins, 2017).
Dentre os aspectos mencionados, percebe-se a importância das
ferramentas digitais para o ensino de Geografia, saindo, assim, da
forma mecanizada das aulas apresentando uma gama de opções
para que ocorra a assimilação dos conteúdos. Kenski (2008) enfatiza
que o uso das TDICs pode contribuir para a inovação do ensino,
mas isso vai depender da maneira como será apropriada e
intermediada por professores e alunos e, principalmente, a
informação. Com isso, Carmo (2016) ressalta a necessidade de a
formação continuada dos professores ser considerada prioridade
nas instituições de ensino que buscam integrar práticas
educacionais inovadoras.
No ensino da Geografia existem grandes possibilidades da
utilização de recursos tecnológicos e digitais para implementação e
enriquecimento das aulas. Na pesquisa realizada por Freitas, Sousa
e Fialho (2020), foi constatado que de um total de nove professores
de Geografia utilizavam algum tipo de recurso tecnológico em suas
aulas. No entanto, o recurso utilizado era o projetor. O computador
é utilizado apenas para projetar imagens. Como recurso digital,
apenas um professor utilizou o Google Maps na aula de Geografia.

37
As possibilidades de utilização das TDICs nas aulas de Geografia
são infinitas, porém, o professor deve ter condições e conhecimento
de como utilizar os recursos de maneira benéfica para o ensino.
Com isso, “o uso de aplicativos em contextos educacionais é capaz
de proporcionar diferentes possibilidades de trabalho pedagógico
de modo significativo” (Camargo, 2018, p. 61), levando o estudante
a se envolver com as aulas. Além disso, existem ainda sites
interativos, quiz, vídeos, filmes e muitos outros recursos
tecnológicos que favorecem o ensino da Geografia.
O mundo mudou, passou por grandes alterações nos últimos
anos, e o ensino da Geografia tende a acompanhar essas mudanças,
pois o papel da Geografia no sistema escolar nada mais é do que
tentar deixar claro sobre o mundo em que se vive, ajudando o
discente a compreender a realidade espacial na qual ele vive e da
qual é parte integrante (Vesentini, 1996). A tecnologia é parte
integrante dessa mudança. Além disso, é a realidade de muitos
estudantes que estão conectados, que se utilizam da internet e de
outros recursos digitais em seucotidiano. Assim, “com as novas
tecnologias de informação, com os avanços nas pesquisas
científicas e com as transformações no território, o ensino de
Geografia torna-se fundamental para a percepção do mundo atual”
(Brasil, 2006, p. 43).

Metodologia

Optou-se por utilizar a abordagem quantitativa, pois esse tipo


de pesquisa “permite a determinação de indicadores e tendências
presentes na realidade, ou seja, dados representativos e objetivos”
(Mussi et al., 2019, p. 418), pois o intuito é conseguir analisar a
quantidade de trabalhos publicados sobre a formação continuada
de professores relacionada ao uso das TDICs nas aulas de
Geografia nos bancos de dados do periódicos da CAPES. Com isso,
fez-se a Revisão Sistemática (RS) de literatura.

38
RS é uma investigação científica menos dispendiosa, é um artigo de
investigação com métodos sistemáticos pré-definidos para identificar
sistematicamente todos os documentos relevantes publicados e não
publicados para uma questão de investigação (Donato; Donato, 2019, p. 227).

O período escolhido foi de 2012 a 2022. As expressões


utilizadas foram: “Formação Continuada de professores e o uso de
tecnologias”; “Formação Continuada de Professores e o uso das
Tecnologias nas aulas de Geografia”; “TDICs nas aulas de
Geografia e a Formação Continuada de Professores” e, por fim, a
expressão “Tecnologias da Informação e da Comunicação nas aulas
Geografia e a Formação Continuada de Professores”.

Resultados e discussões

A análise foi conduzida utilizando-se a busca no Periódico da


CAPES, com o emprego de expressões referentes ao uso de
tecnologias e a formação continuada de professores. Em relação à
formação continuada de professores, é necessário que o

curso de formação precisa deixar de ser uma oportunidade de passagem de


informação para ser a vivência de uma experiência que contextualiza o
conhecimento que o professor constrói, oferecendo condições para que o
professor saiba recontextualizar o aprendizado e a experiência, vividas
durante a sua formação para a sua realidade de sala de aula,
compatibilizando as necessidades de seus alunos e os objetivos pedagógicos
que se dispõe a atingir (Martins Júnior; Martins, 2021, p. 20 apud Valente;
Almeida, 2006, p. 8).

Com isso, as pesquisas em periódicos podem contribuir para


que ocorram as trocas de experiências, nas quais há vivências,
experiências e comprovações científicas. Em relação ao ensino de
Geografia, para Callai (2005, p. 245), “por meio da geografia [...],
podemos encontrar uma maneira interessante de conhecer o
mundo, de nos reconhecermos como cidadãos e de sermos agentes
atuantes na construção do espaço em que vivemos”. No mundo
totalmente tecnológico, é fundamental que as aulas de Geografia se

39
aproveitem dos recursos que colaboram para o aprendizado dos
estudantes. Em suma, no Quadro 1 a seguir, os resultados

Quadro 1 – Trabalhos publicados entre 2012 e 2022


Trabalhos publicados entre 2012 e 2022
Expressão utilizada Quantidade de trabalhos publicados-
CAPES
Formação Continuada de 380
professores e o uso de tecnologias
Formação Continuada de 37
Professores e o uso das Tecnologias
na Geografia
TDICs nas aulas de Geografia e a 00
Formação Continuada de
Professores
Tecnologias Digitais da Informação 19
e da Comunicação nas aulas
Geografia e a Formação Continuada
de Professores
Fonte: Elaborado pela autora (2023)

No Quadro 1, nota-se a quantidade de trabalhos encontrados


referentes a cada expressão utilizada. Inicialmente, fez-se uma
busca com a expressão “Formação Continuada de professores e o
uso de tecnologias”, cujo resultado foi um total de 380 trabalhos
publicados. Ressalta-se que nessa primeira expressão, não se
especificou nenhuma disciplina. A expressão “Formação
Continuada de Professores e o uso das Tecnologias nas aulas de
Geografia” teve um total de 37 trabalhos encontrados, sendo 1
dissertação e 36 artigos. Apesar de no resultado aparecerem 37
trabalhos, ao analisar os resumos, somente 10 trabalhos estavam
relacionados ao tema pesquisado (Quadro 2).
Ao utilizar a expressão “TIDCs nas aulas de Geografia e a
Formação Continuada de Professores”, não foram encontradas
pesquisas publicadas.
Por fim, a expressão “Tecnologias Digitais da Informação e da
Comunicação nas aulas Geografia e a Formação Continuada de

40
Professores” resultou em um total de 19 trabalhos publicados,
destes somente três estavam relacionados ao tema específico.

Quadro 2 – Quantidade de trabalhos publicados/relacionados ao tema


Quantidade de trabalhos publicados/ relacionados ao tema
Expressão utilizada Trabalhos Relacionados ao tema
publicados
Formação Continuada de 37 10
Professores e o uso das
Tecnologias na Geografia
Tecnologias Digitais da 19 3
Informação e da Comunicação
nas aulas Geografia e a
Formação Continuada de
Professores
Fonte: Elaborado pela autora (2023)

Observa-se nos Qquadros 1 e 2 que há baixa quantidade de


trabalhos publicados no Periódico da CAPES sobre o uso das
TDICs e a formação continuada de professores de Geografia. Nota-
se ainda que, mesmo quando se encontram trabalhos com a
expressão utilizada, eles nem sempre se referem ao que se busca.
Essa conclusão deu-se pela leitura dos resumos dos trabalhos
encontrados, pois ao fazer a análise, constatou-se que se tratava de
outras disciplinas, como Matemática e Química.

A formação continuada de professores e a utilização das TDICs


nas aulas de Geografia

O processo de ensino permeado pelas tecnologias digitais


redimensiona os papéis de todos os envolvidos. Para que ocorra o
aprendizado, é necessário que os professores saibam os objetivos
que desejam alcançar, a metodologia que será utilizada e quais os
melhores recursos para o ensino. Dessa forma, “devem, portanto,
refletir e repensar sua prática e vivência em sala de aula, com a
mudança e a incorporação de novos temas no cotidiano escolar”

41
(Brasil, 2006, p. 43). Isso exige que o professor tenha uma formação
continuada em todas as etapas da educação básica.
A formação continuada dos professores é de suma relevância,
pois ele desenvolve competências em todos os componentes
curriculares. Nesse sentido,

a formação continuada de professores há muito vem sendo pauta de


discussões em diferentes instituições formadoras, por diferentes
pesquisadores, redes de ensino, secretarias de educação e, inclusive, pelas
políticas educacionais como forma de não só qualificar a docência, mas
também enriquecer o trabalho pedagógico promovido na escola da educação
básica (Martins Júnior; Martins, 2021, p. 20).

Com a formação continuada, os professores podem repensar


sua prática. Para que haja uma melhor utilização dos recursos
tecnológicos nas aulas de Geografia, se faz necessária uma
formação continuada que leve o professor a repensar e atuar em
um contexto de mudanças. Assim, de acordo com Martins Júnior e
Martins (2021, p. 4), “é preciso romper com um modelo de ensino
ancorado em práticas somente analógicas, para que seja possível
criar outros caminhos metodológicos para a construção de novos
saberes”. Dessa forma,

A formação de qualidade dos docentes deve ser vista em um amplo quadro


de complementação às tradicionais disciplinas pedagógicas e que inclui,
entre outros, um razoável conhecimento de uso do computador, das redes e
de demais suportes midiáticos [...]. É preciso saber utilizá-los
adequadamente. Identificar quais as melhores maneiras de usar as
tecnologias para abordar um determinado tema ou projeto específico ou
refletir sobre eles, de maneira a aliar as especificidades do “suporte”
pedagógico [...] ao objetivo maior da qualidade de aprendizagem do aluno
(Kenski, 2015, p.106).

Percebe-se que a formação continuada auxiliará o professor no


processo de ensino, nas mudanças e ajustes na metodologia e da
prática. Como enfatiza Freire (1996, p. 18), é “na formação
permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente na prática

42
de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Assim, o ensino
da Geografia, principalmente nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, deve ser repensado, pois os professores, em sua
maioria, são pedagogos e não têm licenciatura em Geografia, o que
pode se tornar um grande desafio para o ensino desse componente
curricular.
O ensino da Geografia nos anos iniciais do Ensino
Fundamental é voltado para o pensamento espacial e o raciocínio
geográfico, com a intenção de que o estudante perceba a sua relação
com o meio em que vive. Desse modo, “por meio da Geografia, nas
aulas dos anos iniciais [...] podemos encontrar uma maneira
interessante de conhecer o mundo, de nos reconhecermos como
cidadãos e de sermos agentes atuantes na construção do espaço em
que vivemos” (Callai, 2005, p. 245). Nas outras etapas da educação
básica, o ensino da Geografia desempenha o papel de aprofundar
os conceitos desenvolvidos nos anos iniciais, visando a alcançar o
conhecimento do estudante em diversos eixos, integrando a
realidade dos alunos às aulas, ainda mais em um espaço onde as
informações chegam com tanta facilidade.

Num mundo em que a informação é veloz e atinge a todos, em todos os


lugares, no mesmo instante, não se pode fechar as possibilidades em um
estudo a partir de círculos hierarquizados. Ainda com relação à velocidade
da informação, deve-se considerar que não é a distância o que vai impedir
ou retardar o acesso à informação, mas condições econômicas e/ou culturais,
inscritas num processo social que exclui algumas (ou muitas) pessoas
(Callai, 2015, p. 230).

As TDICs não são apenas ferramentas tecnológicas, que


podem ser utilizadas como um recurso visual, elas podem também
ser consideradas agentes de mudanças capazes de transformar as
práticas pedagógicas. Por isso, existe a necessidade de o professor
desmitificar-se e buscar utilizá-las como auxílio no processo de
ensino e aprendizagem. Para isso, faz-se necessária a formação
docente (Schuartz; Sarmento, 2020). Professores capacitados a
utilizar as TDICs tendem a criar novas experiências e vivências

43
para aprendizagens significativas, com maior participação e
interação dos alunos.
Ao se questionar a utilização das TDICs na sala de aula e no
ensino de Geografia, vale ressaltar que os professores enfrentam
uma série de desafios, pois além de requerer formação inicial e
continuada, necessita-se também de que a escola tenha
infraestrutura adequada, como internet, computadores, datashow,
ou seja, um ambiente que favoreça a aprendizagem significativa
com a utilização de tais recursos como mencionam (Nicacio;
Almeida; Silveira, 2021, p. 4), que “é importante que exista uma
infraestrutura tecnológica apropriada, para que essa integração
atenda às especificidades do processo de aprendizagem requerido
pelos diferentes componentes que fazem parte do currículo
escolar”. Assim, o maior desafio dos sistemas educacionais reside
em desenvolver estratégias que integrem as necessidades
educacionais e os novos papéis que se revelam no cenário escolar,
para estudantes e professores” (Souza; Schneider, 2016, p. 422).
Esse desafio é maior ainda para os docentes, visto que eles precisam
buscar meios e estratégias para alcançar os objetivos propostos.
Além disso, propor reflexões sobre o uso dessas tecnologias nas
aulas e com a segurança dos próprios estudantes.
Apesar dos benefícios trazidos pelo uso das TDICs nas aulas
de Geografia, outros desafios relevantes devem ser observados,
como a resistência por parte dos professores, até mesmo por
questões culturais. Há ainda a questão de alinhar os objetivos das
aulas de Geografia com a integração das tecnologias ao currículo e,
por fim, às desigualdades socioeconômicas entre os estudantes.

Considerações finais

O uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação


nas aulas de Geografia pode contribuir para o processo de
aprendizagem dos estudantes. No entanto, para que tenha
eficiência, é necessário que o professor esteja adaptado às inovações
tecnológicas e seja capaz de explorá-las de forma significativa,

44
aproveitando assim toda a potencialidade das diversas ferramentas
para a formação significativa dos alunos. Com isso, a formação
continuada de professores é um momento importante para a
educação, visto que é o momento de reflexão do docente sobre sua
prática. A baixa quantidade de trabalhos encontrados nos
periódicos da CAPES referentes à formação continuada de
professores e o uso das TDICs nas aulas de Geografia revelam que
ainda existem muitas lacunas nesse campo.
Foi possível constatar ainda que existem vários desafios para
a implementação das TDICs nas aulas de Geografia, porque além
da falta de formação dos professores, ainda há a falta de
infraestrutura nas escolas e questões socioeconômicas dos
estudantes. A Geografia é um componente muito importante no
universo da criança, pois é a realidade vivida e experienciada, é o
cotidiano, e o seu ensino não deve ser alheio ao que se vive. O
estudante deve ter o direito de aprender e ver sentido no que está
aprendendo. O uso das TDICs favorece a implementação de uma
aula significativa, mas não quer dizer que seja a solução de todas
as questões do ensino de Geografia. Ao buscar artigos nas bases de
dados da CAPES, o intuito foi analisar a quantidade de trabalhos
publicados, refletindo também na ajuda que os professores têm
sobre o tema, pois ao pesquisar, eles buscam saber se as
experiências deram certo, que tipo de aplicativo utilizar.

Referências

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Curricular. Brasília, 2018.
BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências
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46
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24782021260013.

48
CAPÍTULO 3: ENSINO DE GEOGRAFIA E
SABERES DIDÁTICOS

Daniel Rodrigues Silva Luz Neto 1


Maria Solange Melo de Sousa

Introdução

A formação de professores é tema de grande relevância social


porque capacita sujeitos para atuarem em espaços formativos
formais e informais, como escolas, universidades e outros espaços,
como museus, parques, cidade e campo. A formação inicial, nesse
cenário, contribui para orientar as práticas educativas dos
estudantes que atuarão na educação básica, principalmente para a
sua formação crítica.
Nesse contexto, este trabalho é fruto da experiência teórico-
prática na formação inicial de professores de Geografia na
Universidade de Brasília, no ano de 2022. Na ocasião, ministrou-se
a disciplina de Didática Fundamental para estudantes do curso de
Geografia e ciências afins da Universidade de Brasília (UnB), no 2º
semestre de 2022. Dada a aplicação dessa disciplina, o presente
trabalho tem como objetivo analisar a relação teórico-prática dos
estudantes de Geografia da graduação e o desenvolvimento das
atividades.
O trabalho está organizado em três partes. Na primeira, traça-
se a metodologia da pesquisa; na segunda, discute-se a função da
escola na perspectiva emancipadora; na terceira, analisa-se a
relevância social da Geografia na escola e a importância das

1A primeira versão deste trabalho foi apresentada no XV Encontro Nacional de


Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, realizado em Palmas (TO). Esta é uma
versão atualizada da primeira versão do evento.

49
metodologias de ensino para o desenvolvimento do pensamento
geográfico dos estudantes.

Metodologia

A metodologia utilizada neste trabalho é a abordagem


qualitativa, do tipo pesquisa-ação. A pesquisa-ação, de acordo com
Thiollent (2022), é um tipo de investigação em que o pesquisador
participa diretamente das ações a fim de intervir em situações-
problema para sanar ou propor soluções. Para operacionalizar esse
método de pesquisa, utilizou-se dos procedimentos de pesquisa
bibliográfica e de intervenção didático-pedagógica em campo na
disciplina Didática Fundamental, ofertada pelo Departamento de
Geografia da Universidade de Brasília. Na oportunidade, o
professor-pesquisador atuou como regente das aulas, intervindo,
coletando dados, analisando-os e discutindo-os.

Função da escola: papel para a aquisição do conhecimento


poderoso

Afinal, para que servem as escolas? A escola é uma instituição


secular que tem a função de propiciar condições de promoção do
conhecimento poderoso que emancipa os sujeitos para atuar em
sociedade. Para responder a essa pergunta inicial, Young (2017, p.
1294) faz a seguinte afirmação: “Portanto, minha resposta à
pergunta ‘Para que servem as escolas? É que elas capacitam ou
podem capacitar jovens e adultos a adquirir o conhecimento que,
para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua
comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho”.
O autor defende a escola como locus de aquisição do
conhecimento, o quão pode ser conhecimento dos poderosos ou
conhecimento poderoso. O conhecimento dos poderosos é aquele
em que a formação busca a manutenção do status quo e não gera
transformação para a sociedade. Nesse sentido, defende-se que a
escola seja um espaço-tempo de promoção do conhecimento

50
poderoso, que é o conhecimento científico sistematizado e operado
didático-pedagogicamente junto a escolares com o intuito de
desenvolver as capacidades mentais superiores que os levam a
pensar teórico-conceitualmente sua realidade.
Na mesma linha de tendência pedagógica progressista de
Young (2007), Freire (1987) defende que a educação deve ser
libertadora e libertar o aluno para se emancipar. Mas, para isso, os
alunos devem ser sujeitos e não vasilhas vazias, como é a concepção
de uma educação tradicional bancária. Nesta, o aluno é visto como
recipiente vazio, e o professor vai despejando todo o conteúdo para
a cognição dos sujeitos. Segundo Freire (1987), a educação bancária
usa o processo de transmissão de informações mecânicas, o qual ele
caracteriza como educação bancária, porque os alunos se tornam
depósitos de informações.

O bingo geoambiental como possibilidade no percurso formativo


do professor de Geografia

A didática é um corpo teórico e prático que busca criar


condições sociais para que os docentes organizem os processos de
ensino que levem à promoção da aprendizagem dos sujeitos
(Libâneo, 1994).
Com relação aos conhecimentos didático-pedagógicos, dentre
esses saberes, hoje, segundo Araújo, Santos e Silva (2019), as
inovações tecnológicas têm levado ao desestímulo dos alunos para
assistir às aulas presenciais. No contexto das Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs), faz-se necessário utilizá-las para
tornar o ensino menos enfadonho e mais atrativo, com atividades
lúdicas que potencializam a aprendizagem, deixando a aula mais
prazerosa. Assim, o uso de novas tecnologias, aliado a outros
recursos didáticos, pode atrair os estudantes para as aulas de
Geografia, como, por exemplo, os bingos educativos,
especificamente, o bingo ambiental.
No planejamento das aulas, construiu-se um protótipo, sendo
aperfeiçoado e aplicado em sala de aula. Desse modo, utilizou-se

51
recursos digitais, como mostra a Figura 1 a seguir, para elaborar o
game, e material impresso a fim de que os recursos didáticos
pudessem ser operados pela turma.

Figura 1 – Construção de bingo geoambiental digital

Fonte: Elaborado pelo autor (2023)

Após a orientação aos alunos, foi realizada a segunda parte, a


de elaboração e resolução do jogo. Para isso, os recursos utilizados
foram: lápis de cor, papel A4, caneta, régua, borracha e lápis. Os
graduandos foram orientados a produzir suas cartelas do bingo
geoambiental em folha A4, a fim de estimular a capacidade criativa
e a autonomia de escolhas, pois tais ações podem contribuir para
que os sujeitos entendam que as suas escolhas podem trazer
resultados não esperados e que se deve buscar meios para
solucionar os problemas que surgem.
A terceira etapa da atividade foi a aplicação da metodologia
de ensino com os licenciandos, cujo conteúdo proposto foi o de
bacias hidrográficas. Sendo assim, a cada rodada do jogo, foi
possível discutir os elementos constituintes do conteúdo
supracitado e sua relação com o cotidiano (Ver Figura 2).

52
Figura 2 – Estudante produzindo sua cartela

Figura: Acervo pessoal do autor (2023)

Com isso, a cada elemento do conteúdo geográfico sorteado,


era discutida a temática com os estudantes, possibilitando assim a
mobilização dos conhecimentos geográficos ao se analisar
geograficamente os aspectos das bacias hidrográficas. Após a
finalização da ação pedagógica, foi solicitado que dois estudantes
avaliassem a atividade. O Estudante 1 (2023) disse que “a atividade
é muito interessante, pois permite trabalhar com vários temas da geografia.
Como o professor disse, cada um sozinho daria uma aula. Dá pra focar em
temas só da geografia física, geografia humana. Até mesmo de um
paradigma sozinho” (ESTUDANTE 1, 2023). O Estudante 2 afirmou
que “a dinâmica foi divertida e tem muito potencial pedagógico, pode ser
utilizada para a aplicação de diversos conteúdos; além de possibilitar
debates acerca de variados temas. Também seria uma boa estratégia
avaliativa, caso fossem utilizadas perguntas no lugar de conceitos”.
Portanto, a prática pedagógica com o bingo geoambiental
mostrou o potencial didático para a mobilização dos
conhecimentos da geografia. Desse modo, possibilitou a
problematização dos conteúdos e permitiu que os alunos
operassem com os saberes da geografia de forma ativa e
propositiva ao serem estimulados pela mediação do professor-
pesquisador.
Outro elemento relevante para a atividade foi o planejamento, o
qual foi conduzido com a participação ativa dos graduandos. Para

53
Delgado Junior (2022), o planejamento é o momento central para
melhor aproveitar os conteúdos na atuação docente, seja na educação
básica ou na superior. De acordo com o autor, muitos dos professores
com os quais ele estudou tiveram dificuldades de fazer o plano de aula
para traçar as ações, escolher os materiais e avaliá-los.
Nesse sentido, ao perceber que o planejamento poderia ser
uma adversidade no desenvolvimento do trabalho, destinou-se um
momento para que os próprios estudantes elaborassem uma aula e
a aplicassem na própria turma, a fim de entender os elementos de
uma aula: descrição do objetivo, conteúdo, métodos e técnicas,
recursos didáticos, avaliação e referência bibliográfica (Figura 3).

Figura 3 – Alunos do curso de Geografia elaborando aulas

Fonte: Acervo pessoal do autor (2022)

A ação didática do professor-pesquisador teve a seguinte


estratégia: a turma foi dividida em grupos, indicando-se alguns
conteúdos com temas transversais que perpassam pela Geografia
(fome, diversidade étnico-racial, sustentabilidade, inclusão), cada
grupo escolheu o seu. Por fim, foi proposto aos discentes que
planejassem uma aula de acordo com o conteúdo selecionado pelo
grupo. Desse modo, os alunos montaram as suas apresentações,

54
utilizando slides (ver Figura 3) que continham os elementos do
plano de ensino que eles produziram nas aulas. Ancorados nesses
elementos, os alunos conseguiram elaborar e apresentar na aula
seguinte seus temas de forma muito segura e embasados
teoricamente.
Assim como afirma Delgado Junior (2022), o ato de planejar foi
central e relevante para que se verificasse o bom rendimento e a
potencialidade da ação didático-pedagógica realizada, desde que
ela esteja conectada à realidade dos estudantes. Desse modo, o
plano pedagógico entra como uma ferramenta metodológica
essencial no processo de elaboração e condução das aulas no curso
superior. Diante do exposto, entende-se que mesmo que o plano de
aula seja previsível, flexível às mudanças, ele, sem dúvida, é um
instrumento poderoso para que as aulas sejam exitosas no processo
de construção dos conhecimentos científicos e na autonomia do
modo de pensar dos estudantes.
Além disso, ao planejar, o professor entende o que é
significativo e relevante para o processo de ensino e aprendizagem.
Considera-se ainda que, em um plano de ensino bem elaborado, o
docente deve superar os métodos tradicionais de aula, como, por
exemplo, a leitura de textos exclusivamente para a resolução de
exercícios, sem a mediação do professor.
Em contraponto aos métodos tradicionais, Delgado Júnior
(2022) ressalta que hoje o ensino está sendo orientado para outra
direção, principalmente com os avanços tecnológicos, e que os
dispositivos não podem ser negociados para o ensino.
A partir do contexto apresentado, Oliveira, Kuenzer e Teixeira
(2019) trazem discussões sobre as metodologias ativas para o ensino
de Geografia no Ensino Médio, como ações inovadoras. O objetivo dos
autores é utilizar as metodologias para estimular a aprendizagem com
foco no protagonismo juvenil, por meio de intervenções didático-
pedagógicas, pois eles consideram que as aulas, muitas vezes,
aparentam estar descontextualizadas com a realidade dos estudantes,
além de estarem muito presas às metodologias tradicionais de ensino,

55
em que o professor não se apropria das novas ferramentas, como
satélites, GPS, mapas e globos.
Assim, a proposta das metodologias ativas é uma
possibilidade com potencial para o ensino (Oliveira; Kuenzer;
Teixeira, 2019). Elas são uma forma de combinar desafios e
informações contextualizadas. Desse modo, as aulas são planejadas
para que os alunos sejam mais protagonistas e ativos no processo
de ensino e aprendizagem, como é o caso, por exemplo, da
metodologia de sala de aula invertida.
A sala de aula invertida é uma proposta que não é recente, mas
muitos autores, como Freire (1987), por exemplo, já a utilizavam,
não com o nome de metodologia ativa, mas como pedagogia da
libertação, que se opunha à educação bancária, em que os
estudantes eram sujeitos passivos. Segundo Freire (1987), a
educação bancária preza pela manutenção do status quo e tem
algumas características na sua realização, como, por exemplo, o
aluno é visto como vasilhas vazias, em que o professor vai fazer
depósitos de informações em vez de educá-los. Nesse método
tradicional, o professor faz um comunicado, ele sempre será aquele
que sabe, e os educandos, os que não sabem, entre outras. Logo, na
educação bancária, os sujeitos são direcionados para a adaptação,
o ajustamento.
A partir do exposto, Freire (1987) defende a educação
libertadora, que emancipe os sujeitos. Essa perspectiva faz com que
o aluno seja ativo, pois ele tem como elemento norteador a
educação como prática da liberdade, o diálogo como caminho para
que os homens ganhem significação sobre a realidade discutida, a
relação professor aluno é horizontal, entre outras. Nessa orientação
didático-pedagógica ativa, a educação dialógica promove a
transformação de forma sistematizada. Além disso, são
acrescentados aos sujeitos elementos mais sofisticados de
elaboração para que promovam a transformação da realidade.
Desse modo, durante as aulas, foi estimulado o diálogo e a
construção coletiva de possibilidades didático-pedagógicas, como
a ideia de unidade entre os povos da educação formal, escola e a

56
universidade, como foi o caso do uso de uma dinâmica de grupo
para desenvolver essa capacidade de diálogo e de trabalho na
dimensão da coletividade (Ver Figura 4).

Figura 4 – Metodologia de ensino

Fonte: Acervo pessoal do autor (dez 2022)

A Figura 4 mostra a importância desse modelo metodológico


com o aluno ativo, pois ele participa do processo de discussão e de
debate coletivo. Desse modo, de acordo com Oliveira, Kuenzer e
Teixeira (2019), as metodologias ativas são aplicadas quando os
alunos participam dos processos interativos de construção dos
conhecimentos, de análise, de investigação e de estudos e tomadas
de decisões coletivas e individuais. As metodologias com o uso de
tecnologias, a aprendizagem por situações-problema e o estudo do
meio são exemplos de práticas educativas inovadoras.

Considerações finais

A didática é uma disciplina a qual muitos profissionais na área


da educação desconsideram. O presente trabalho mostrou que a
disciplina de didática é aplicada na forma teórica e prática no
Ensino Superior a fim de capacitar os futuros professores de

57
Geografia para atuar nas escolas de forma mais autônoma e com
planejamento. Diante do exposto, a didática consiste em auxiliar os
docentes a criar estratégias pedagógicas que corroboram para
facilitar o processo de ensino e aprendizagem, pois um profissional
com boa formação na licenciatura entende que não há aula com
qualidade sem planejamento.
Logo, o artigo apresentou um projeto realizado com alunos do
curso de licenciatura em Geografia, mostrando as possibilidades de
se desenvolver ações pedagógicas que estimulem os discentes a
desenvolver práticas inovadoras diferentes das metodologias
tradicionais. Assim, o trabalho propôs o uso de novas tecnologias e
metodologias ativas que visam a criar ações pedagógicas por meio
de situações de simulação de aula que poderão ser aplicadas no
ensino de Geografia. As ações mostraram suas potencialidades
para atuação crítico-reflexiva e propositiva dos futuros professores
de Geografia em sala de aula.

Referências

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Caduda; DA SILVA, Maria do Socorro Ferreira. A ludicidade no
processo de ensino e aprendizagem: o bingo geoambiental como
ferramenta pedagógica na Geografia. Geosaberes: Revista de
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Geografia no Ensino Médio como estímulo ao protagonismo
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YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? Educação &
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59
60
CAPÍTULO 4: ATORES DA GEOGRAFIA ESCOLAR:
A BNCC, OS PROFESSORES E OS ESTUDANTES
DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Fabiana Pegoraro Soares2

Introdução

A educação escolar é formada por diversas frentes, sendo que


uma das mais importantes é o currículo. Goodson (1997, p. 17), na
obra A construção social do currículo, aponta que “o currículo escolar
é um artefato social, concebido para realizar determinados
objetivos humanos específicos”, sendo o “testemunho público e
visível das racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das
práticas escolares” (Goodson, 1997, p. 20).
No Brasil, sob a alegação de uma necessidade de superação da
fragmentação das políticas educacionais, de fortalecimento do
regime de colaboração entre as três esferas do governo e de um
documento balizador da qualidade da educação (Brasil, 2018a), o
currículo escolar sofreu uma grande revisão, finalizada em 2018. O
resultado foi a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
documento normativo que deve servir de referência para as
propostas curriculares estaduais e municipais no Brasil.
A BNCC era prevista na Constituição Federal (Brasil, 1988), na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB) (Brasil, 2018b)
e no Plano Nacional de Educação (PNE) (2014-2024) (Brasil, 2014).
Apesar das muitas críticas e questionamentos surgidos nos debates
organizados pelo Conselho Nacional de Educação, além de uma
mudança de equipe e três versões, a Base teve o trecho referente às

2Trabalho parcialmente extraído de tese de doutoramento defendida em outubro


de 2022.

61
etapas da Educação Infantil (EI) e do Ensino Fundamental (EF)
aprovado e homologado em dezembro de 2017, e o trecho referente
ao Ensino Médio (EM) homologado em dezembro de 2018. Antes
dela, o documento norteador do currículo brasileiro eram os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (Brasil, 1997), que
serviam como um referencial para as diferentes disciplinas e temas
transversais e não tinham caráter normativo.
O principal objetivo apresentado pela BNCC é servir de
“referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas
e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares”
(Brasil, 2018a, p. 8), permitindo um alinhamento de políticas e
ações “referentes à formação de professores, à avaliação, à
elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta
de infraestrutura adequada” (Brasil, 2018a, p. 8). Para tanto, o
documento adota como foco o trabalho para o desenvolvimento de
competências e afirma seguir a abordagem e as orientações das
avaliações do Programa Internacional de Avaliação de Alunos da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(PISA/OCDE) e do Laboratório Latino-americano de Avaliação da
Qualidade da Educação para a América Latina, ligado à
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) (Brasil, 2018a).
Pensando essa discussão sob o ponto de vista da Geografia,
surgem as questões: como a BNCC de Geografia incorpora e
apresenta as ideias de um currículo padronizado voltado para o
desenvolvimento de competências? Qual o papel dos professores
diante desse contexto? Qual o papel da Geografia escolar? Partindo
do princípio de que o ensino da Geografia deve contribuir para a
formação de cidadãos que, por meio do olhar e raciocínio
geográficos, reflitam sobre sua situação, a sociedade e o espaço ao
seu redor e atuem como agentes transformadores, este trabalho tem
como objetivo discutir as tendências presentes na BNCC de
Geografia do EF e o papel de professores e estudantes diante delas.

62
Como metodologia, foi realizada uma análise documental da
BNCC, além de um levantamento bibliográfico e leitura de textos
críticos a ela, bem como de textos sobre a importância da Geografia
escolar e o ensino de Geografia. Também foram assistidas palestras
ministradas por uma das integrantes técnicas da comissão de
elaboração da Base. Por se tratar de uma pesquisa no campo da
Geografia, apesar de não se ter aqui a pretensão de discutir a
Geografia como ciência, foi dispensada uma atenção especial à
parte do documento relacionada a essa ciência no EF, incluindo
uma entrevista com uma de suas autoras. Além disso, ressalta-se
aqui que este trabalho foi parcialmente extraído e adaptado da tese
de doutoramento da autora (Soares, 20223), defendida em outubro
de 2022.
Os resultados da análise e a fundamentação teórica que lhe
serviram de base são apresentados neste texto, organizado em três
partes, sendo que a primeira, denominada A Geografia da BNCC,
apresenta brevemente as principais características da BNCC de
Geografia (etapa do EF); a segunda, intitulada A Geografia dos
professores de Geografia, traz um panorama sobre a formação dos
professores de Geografia no Brasil e características destes
profissionais; e a terceira, nomeada A Geografia para os estudantes,
apresenta a importância da Geografia escolar na formação dos
alunos como agentes transformadores da realidade. Nas
considerações finais, são apresentadas as correlações entre as três
seções, além de algumas reflexões sobre elas.

A Geografia da BNCC

Muito se discute sobre os objetivos da Geografia escolar, sendo


enfatizada por vários estudiosos do tema a importância da
construção de conceitos a partir do espaço vivido e a aprendizagem
significativa (Callai, 20005; Cavalcanti, 2013; Pontuschka;

3Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.8.2022.tde-24022023-133016 Acesso


em: 20 out. 2023.

63
Paganelli; Cacete, 2009). Assim, entende-se aqui que o ensino da
Geografia na educação básica contribui para a formação de
cidadãos que, por meio do olhar e raciocínio geográficos,
desenvolvam um pensamento espacial que permita enxergar e
refletir sobre a sua situação, a sociedade e o espaço ao seu redor e
atuem como agentes transformadores.
O texto introdutório da BNCC de Geografia afirma que
“estudar Geografia é uma oportunidade para compreender o
mundo em que se vive” (Brasil, 2018a, p. 359), tendo como eixo
central o conceito de raciocínio geográfico, explicado no trecho a
seguir:

O raciocínio geográfico, uma maneira de exercitar o pensamento espacial,


aplica determinados princípios para compreender aspectos fundamentais
da realidade: a localização e a distribuição dos fatos e fenômenos na
superfície terrestre, o ordenamento territorial, as conexões existentes entre
componentes físico-naturais e as ações antrópicas (BRASIL, 2018a, p. 311).

Os princípios do raciocínio geográfico (considerados na


BNCC, analogia, conexão, diferenciação, distribuição, extensão,
localização e ordem) são descritos a partir das referências teóricas
apresentadas no Dicionário de Geografia Aplicada, de José Alberto R.
Fernandes, Lourenzo L. Trigal e Eliseu S. Spósito (2016), e dois
textos de Ruy Moreira (1982, 1999). Há ainda uma nota de rodapé
na mesma página esclarecendo que:

[…] essa concepção, que valoriza a capacidade dos jovens de pensar


espacialmente por meio do raciocínio geográfico, é compartilhada por
propostas curriculares de diversos países, como o Reino Unido, Portugal,
Estados Unidos da América, Chile e Austrália (Brasil, 2018a, p. 311).

A BNCC ainda afirma que:

Essa é a grande contribuição da Geografia aos alunos da educação básica:


desenvolver o pensamento espacial, estimulando o raciocínio geográfico para
representar e interpretar o mundo em permanente transformação e
relacionando componentes da sociedade e da natureza (BRASIL, 2018a, p. 358).

64
Ao longo do texto, a BNCC determina que os principais
conceitos da Geografia contemporânea, que devem servir de base
para a Geografia escolar, são: espaço, território, lugar, região,
natureza e paisagem (não há a apresentação de definição ou
discussão teórica sobre esses conceitos). Os conteúdos da Geografia
(denominados na BNCC como objetos de conhecimento) foram
organizados em cinco unidades temáticas para o Ensino
Fundamental, a saber: (1) O sujeito e seu lugar no mundo; (2)
Conexões e escalas; (3) Mundo do trabalho; (4) Formas de
representação e pensamento espacial; e (5) Natureza, ambientes e
qualidade de vida.
Apesar de não apresentar uma problematização, o documento
traz uma caracterização de cada uma dessas cinco unidades, sendo
que em O sujeito e seu lugar no mundo, descreve que é esperado
que “as crianças percebam e compreendam a dinâmica de suas
relações sociais e étnico-raciais, identificando-se com a sua
comunidade e respeitando os diferentes contextos socioculturais”
e que “ao tratar do conceito de espaço, estimula-se o
desenvolvimento das relações espaciais topológicas, projetivas e
euclidianas” (Brasil, 2018a, p. 362) (o texto não define para o
professor os conceitos de topológico, projetivo ou euclidiano).
A unidade Conexões e escalas enfoca as relações e interações
multiescalares entre pessoas e espaços (cita os níveis local e global),
além da conexão entre os componentes da sociedade, do meio físico
natural e “entre quaisquer elementos que constituem um conjunto
na superfície terrestre e que explicam um lugar na sua totalidade”
(Brasil, 2018a, p. 362).
Na unidade Mundo do trabalho, observa-se a ênfase nas novas
tecnologias como um fator transformador da realidade,
considerando-as “fator desencadeador de mudanças substanciais
nas relações de trabalho, na geração de emprego e distribuição de
renda em diferentes escalas” (Brasil, 2018a, p. 361). As reflexões
sobre a desigualdade na distribuição de renda e sobre o fato de
essas mudanças não serem resultado de uma suposta

65
transformação natural e espontânea da sociedade (Dardot; Laval,
2016; Hayek, 1990) ficam a cargo do professor.
A unidade Formas de representação e pensamento espacial
destaca a leitura e interpretação de mapas, gráficos, esquemas e
imagens utilizados pela Geografia e as habilidades que devem ser
desenvolvidas: localizar, correlacionar, diferenciar e até elaborar
mapas temáticos e outras representações espaciais. A noção de
extensão também é mencionada.
Por fim, a unidade Natureza, ambientes e qualidade de vida
destaca a importância da articulação entre a Geografia Física e
Humana, com ênfase nos processos físico-naturais do planeta,
considerando a extração de recursos, os impactos socioambientais
e as suas dimensões socioeconômicas e políticas. Apesar de
mencionar os fundamentos naturais do planeta, nota-se no trecho
explicativo uma certa tendência à visão de natureza como recurso:
“destacam-se as noções relativas à percepção do meio físico
natural e de seus recursos"; "inúmeras possibilidades de uso ao
transformá-la em recursos"; “conhecer os fundamentos naturais
do planeta e as transformações impostas pelas atividades
humanas na dinâmica físico-natural, inclusive no contexto urbano
e rural” (Brasil, 2018a, p. 364).
É possível perceber a preocupação, em diversos trechos da
Base de Geografia, de inserir o aluno em uma posição de cidadão
ativo na transformação individual, sobretudo de sua própria
realidade. O texto também sugere ideias como alteridade,
solidariedade e criticidade, como pode ser visto no excerto:

Além disso, pretende-se possibilitar que os estudantes construam sua


identidade relacionando-se com o outro (sentido de alteridade) […] Dessa
forma, o estudo da Geografia constitui-se em uma busca do lugar de cada
indivíduo no mundo, valorizando a sua individualidade e, ao mesmo
tempo, situando-o em uma categoria mais ampla de sujeito social: a de
cidadão ativo, democrático e solidário (Brasil, 2018a, p. 362).

A Base também sugere a aplicação dos conhecimentos de


Geografia para o exercício da cidadania e fala em alunos que

66
atuem em regras de convivência e proponham ações de
intervenção na realidade “visando à melhoria da coletividade e
do bem comum” (Brasil, 2018a, p. 364). Além disso, propõe que os
alunos dos anos finais do EF “compreendam os processos que
resultaram na desigualdade social, assumindo a responsabilidade
de transformação da atual realidade, fundamentando suas ações
em princípios democráticos, solidários e de justiça” (Brasil, 2018a,
p. 364).
O texto se encerra evidenciando a importância do exercício da
cidadania e da ação individual como ferramenta social concreta:
“ao observar e analisar essas ações, visando a interesses individuais
(práticas espaciais), espera-se que os alunos estabeleçam relações
de alteridade e de modo de vida em diferentes tempos” (Brasil,
2018a, p. 365), ou seja, parte-se da ideia de transformação
individual para se atingir uma transformação coletiva.
Ao final dos textos explicativos, a BNCC traz quadros nos
quais relaciona as unidades temáticas, os objetos de conhecimento
e as habilidades a serem desenvolvidas em cada ano do EF, como
pode ser visto no exemplo a seguir (Figura 1).

67
Figura 1 – Unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades para o 6º
ano na BNCC

68
Fonte: Brasil (2018a, p. 384-385)

Ao longo da leitura e da análise dos quadros que contêm as


habilidades e os objetos de conhecimento a serem trabalhados pela
Geografia durante o EF, é possível observar que as abordagens
teóricas e ideológicas ficam a cargo do professor e/ou dos autores
de materiais didáticos. Além disso, em uma perspectiva crítica, os
pesquisadores Hugo Camilo Costa, Phelipe Rodrigues e Guilherme
Stribel (2019) lembram que o olhar individual dos sujeitos
envolvidos sobre os conceitos da Geografia é subjetivo, e por isso,
o pragmatismo do desenvolvimento de habilidades ou de um saber
fazer fundamentado na transmissão de conteúdos não seria
condizente com a essência da disciplina.

69
Assim, é importante que, junto à lista de habilidades e objetos
de conhecimento que a BNCC apresenta, os professores de
Geografia considerem a realidade dos seus estudantes, o espaço
ocupado pela escola e pela comunidade escolar e que, a partir de
identificações e análises do espaço vivido e conhecido, sejam
desenvolvidos processos de aprendizagem que envolvam os
conceitos da Geografia, suas definições e aplicações, evitando um
possível esvaziamento de conteúdos.

A Geografia dos professores de Geografia

Seria de grande inocência considerar que a reformulação,


padronização e normatização do currículo escolar sejam suficientes
para garantir uma educação de qualidade. Outros fatores, como
investimento em infraestrutura e valorização e formação inicial e
continuada dos professores, também são de extrema importância
para essa qualificação.
Girotto e Mormul (2019, p. 422) lembram a importância da
formação inicial do professor e que “a presença de um profissional
formado na área ao mesmo tempo que qualifica o ensino, também
atribui maior status para a profissão e o referido campo científico”.
É importante lembrar que, no Brasil, a Geografia escolar surgiu
antes da Geografia acadêmica – os primeiros professores de
Geografia do país eram pessoas com formação em áreas como
Direito ou Engenharia – sendo os cursos universitários de
Geografia criados apenas a partir da década de 1930 (Girotto;
Mormul, 2019; Rocha, 2000). Os autores apontam que, até 1934,
quando foi criado o curso de Geografia na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo:

[...] os programas escolares de estudos geográficos existentes no Brasil


apresentavam uma visão compartimentada dos conteúdos, cheios de
definições conceituais vagas e de cunho predominantemente teórico, na qual
prevalecia o uso da memória. […] Além disso, no início do século XX, a
Geografia ensinada teve um caráter eminentemente patriótico e seus
conteúdos serviam para a consolidação do almejado projeto de modernização.

70
A Geografia propagava que o bom cidadão era aquele que não se opunha à
afirmação do Estado vigente (Girotto; Mormul, 2019, p. 422).

A depreciação e a necessidade de valorização da formação


profissional docente em Geografia, comparando a outras
profissões, foi apontada pelo docente pioneiro no curso de
Geografia da Universidade de São Paulo, Pierre Monbeig (1954, p.
12), que chamou a atenção:

Ninguém pode improvisar-se professor. Salvo casos excepcionais, aquele


que exerce uma certa profissão não está, só por isso, apto a ensinar uma
disciplina científica, da qual nada aprendeu desde a juventude. Nenhum
professor de geografia pensaria em improvisar-se engenheiro ou advogado.
A recíproca deveria ser verdadeira. É quase lugar comum comparar o ensino
a um apostolado, mas ninguém pensaria em improvisar-se padre, e os
padres que se dedicam ao ensino realizam estudos especializados e
rigorosos. A qualidade do ensino lucrará com o severo preparo dos
professores em cada especialidade e a proibição absoluta de ensinar toda e
qualquer disciplina ao indivíduo que não recebeu esta formação científica e
didática.

Evidencia-se ainda maior desvalorização da Geografia escolar


no período de ditadura militar no Brasil (1964-1985), quando a
Geografia teve sua grade horária reduzida e foi associada à
História, compondo a disciplina chamada Estudos Sociais. Além
disso, nesse período, a formação de professores (de qualquer
disciplina) poderia se dar pelos cursos de licenciatura curta, em
período de dois anos, acelerando o processo de formação docente,
conforme previa a LDB da época, Lei nº 5.692, de 11 de agosto de
1971 (Brasil, 1971) – a situação foi alterada apenas pela aprovação
da nova LDB em 1996, que passou a exigir licenciatura plena obtida
em curso com, no mínimo, 3.200 horas (Brasil, 2018b).
Como consequência dessas políticas de desvalorização,
Girotto e Mormul (2019) apresentam um panorama atual da
profissão. De acordo com os autores, em estudo realizado com base
no Censo Escolar, em 2017 existiam 75.476 docentes com
licenciatura plena em Geografia atuando na educação básica no

71
Brasil (EF – anos finais e EM), estando a maioria concentrada nos
Estados do Sudeste e Nordeste do país. O mesmo estudo revelou
que a maioria dos professores de Geografia não participa de
programas de formação continuada, especialização, mestrado ou
doutorado, conforme mostra a Figura 2.

Figura 2 – Licenciados em Geografia em atuação na educação básica que, em


2017, não realizaram cursos de formação continuada com, no mínimo, 80 horas
de duração, por estado

Fonte: Girotto e Mormul (2019, p. 431)

Ainda de acordo com o levantamento de Girotto e Mormul


(2019, p. 432), os dados do Censo Escolar apontam também que, no
Brasil, em 2017, dos 154.379 docentes que ministraram aulas de
Geografia no EF (anos finais) e no EM, 78.903 (51%) não possuíam
licenciatura na área, sendo a maioria formada em História e
Pedagogia, “descumprindo, portanto, os requisitos mínimos
previstos na legislação educacional brasileira para o ingresso na
carreira docente”.

72
A atribuição de aulas de Geografia a profissionais não
formados na área traz perdas conceituais e metodológicas para o
processo de aprendizagem e para a formação dos estudantes.
Como Girotto e Mormul (2019, p. 424) apontam, o cenário em que
professores de Geografia formados em outras áreas, “que não
dominam os conteúdos, os processos de ensino e aprendizagem,
elementos inerentes à formação do profissional professor de
Geografia, é uma situação indesejável”, pois cada área do
conhecimento “possui especificidades que precisam ser
respeitadas”.
Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009) ressaltam que, entre as
especificidades que são esperadas nos professores de Geografia,
estão uma sólida formação acadêmica, pedagógica e humanista que
garantam um domínio do conhecimento científico, a atuação
individual e em grupo (cooperação), a preocupação contínua de
articulação teórico-prática e o princípio da interação entre ensino e
pesquisa perante as demandas da Geografia. As autoras ainda
pontuam que:

O trabalho pedagógico na disciplina Geografia precisa permitir ao aluno


assumir posições diante dos problemas enfrentados na família, no trabalho,
na escola e nas instituições que participa ou poderá vir a participar,
aumentando seu nível de consciência sobre as responsabilidades, os direitos
sociais, a fim de efetivamente ser agente de mudanças desejáveis para a
sociedade (Pontuschka; Paganelli; Cacete, 2009, p. 26).

Segundo a pesquisadora Marina Avelar, no Brasil, a validação


ou resistência frente à construção e implementação do currículo
escolar é intensificada pela formação permeada pelas ideias
humanistas de Paulo Freire (1967, 1987), da maioria dos professores
e educadores que atuam nas escolas atualmente, gerando, assim,
um conflito entre “uma formação para a liberdade e a compreensão
do entorno social versus uma formação centrada em habilidades e
competências aplicáveis ao trabalho” (Avelar, 2019, p. 80). Cabe
ressaltar que, apesar do intenso reconhecimento nacional e
internacional, muitos grupos políticos e de empresários brasileiros

73
enxergam as ideias freirianas como ultrapassadas e esquerdistas, e
que as novas políticas para formação de professores apresentadas
na Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores
da Educação Básica (BNC-Formação4), têm foco nos pressupostos
de competência que envolvem a BNCC.
Deixar de lado ou secundarizar a formação humanista do
professor para enfatizar uma formação voltada para o
desenvolvimento do trabalho com competências deve ser visto com
muito cuidado, em especial com relação à Geografia, considerando-
se que metade dos professores atuantes não é formada na área.
Valorizar a formação docente, inicial e continuada, bem como sua
práxis, é fundamental. A formação do professor em sua área de
atuação promove o reconhecimento do conhecimento acadêmico-
científico, do saber sistematizado, do saber escolar, e uma formação
humanista para a autonomia e para a liberdade é imprescindível
para o estabelecimento definitivo de uma educação para a
transformação social.

A Geografia para os estudantes

Nas discussões sobre educação, é comum se deparar com o


argumento de que todas as disciplinas das ciências humanas
contribuem para a formação do cidadão consciente e agente de
mudanças e que este não seria, necessariamente, um papel
exclusivo da Geografia. Porém, ressalta-se que a Geografia propicia
análises relacionadas ao pensamento espacial (a partir de
categorias como espaço, território, lugar, região, paisagem e
natureza) e ao desenvolvimento dos princípios do raciocínio
geográfico, para olhar, desvendar, descrever, registrar e analisar o

4O parecer nº 22, de 7 de novembro de 2019, conhecido como BNC-Formação, e a


Resolução CNE/CP nº 1, de 27 de outubro de 2020, conhecida como Base Nacional
Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-
Formação Continuada), dispõem sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a formação de professores com base na BNCC.

74
espaço vivido (Callai, 2005; Castellar, 2017). Como apontado pelo
pesquisador Hugo de Carvalho Sobrinho (2017, p. 2),

todas as disciplinas escolares dispõem da possibilidade de uso do lugar


como significação aos conhecimentos, mas a Geografia teria um papel
especial nessa questão pois, o lugar constitui-se via de compreensão para
noções abstratas características dessa disciplina, como, por exemplo, a
organização espacial.

Autores respeitados nos estudos da área defendem a


importância da Geografia escolar. Ruy Moreira (2013, p. 105)
enfatiza que a “educação escolar é um processo no qual o professor
e seu aluno se relacionam com o mundo através das relações que
travam entre si na escola e nas ideias”. Nesse sentido, a Geografia
contribui para diferentes análises e leituras de mundo. Além disso,
concorda-se aqui com a professora Lana Cavalcanti (2011, 2013)
quanto à importância das abordagens teórico-práticas relacionadas
à ciência geográfica e sua relevância na formação das capacidades
intelectuais dos estudantes.
Cavalcanti (2013) ainda aponta a importância da abstração, da
construção da capacidade de análise para a apreensão da dimensão
da espacialidade das coisas do mundo e da relação dialética entre
sujeito e objeto, superando assim o empirismo e o mero ensino dos
fatos, ainda muito presentes na Geografia escolar. Com base em
Young (2011) e Charlot (2009), a autora atenta que “as escolas
devem tratar o mundo como um ‘objeto de pensamento’, não como
‘lugar da experiência’” (Cavalcanti, 2013, p. 53). A autora ainda
aponta que:

A conclusão a se chegar é a de que a análise geográfica que se faz de um


objeto é o que torna a paisagem ou lugar, por exemplo. Esse é o exercício a
ser feito na Geografia. Essa é a sua contribuição no desenvolvimento
intelectual dos alunos, proporcionando instrumentos simbólicos que
permitem uma visão particular da realidade. Essa é a aprendizagem em
Geografia, quando se tem como meta formar para o desenvolvimento um
tipo de pensamento, que é capaz de 'ver' para além do real visível
(Cavalcanti, 2013, p. 54).

75
Dessa maneira, segundo Cavalcanti, a Geografia abre caminho
para a atividade intelectual “no sentido de construir conhecimentos,
que extrapolam a experiência, o imediato e o visível, e que é capaz
de estabelecer relações e conexões entre diferentes aspectos e
manifestações do real” (Cavalcanti, 2013, p. 57).
Para que isso seja possível no âmbito escolar, é preciso que haja
uma formação docente contínua e de excelência, atrelada aos
programas de pesquisa e extensão das universidades, que resulte
em profissionais atualizados e questionadores e materiais didáticos
adequados a essa visão de educação. Como aponta Cavalcanti
(2013, p. 59), a importância do ensino de Geografia, para o
estudante e seu desenvolvimento, “não é algo dado, é necessário
que o professor tenha clareza de que ele deve fazer um esforço
intelectual no sentido de demonstrar ao aluno as possibilidades do
pensamento teórico-científico para a vida cotidiana”.
A categoria “lugar” também é de extrema importância para a
aprendizagem significativa no que se refere à Geografia escolar.
Nesse sentido, a professora Helena Callai (2005, p. 234) aponta:
“Como ler o mundo da vida? Sem dúvida, partindo do lugar,
considerando a realidade concreta do espaço vivido”. A autora
ainda destaca que ler a paisagem exige critérios, como a escala de
análise, a leitura e o estudo do lugar, a construção e apropriação de
conceitos, o desenvolvimento de habilidades de análise geográfica,
o reconhecimento da cultura e identidade e a
alfabetização/letramento cartográficos, por exemplo. Carvalho
Sobrinho (2017, p. 5), complementa:

o lugar do indivíduo pode contribuir para a construção de significados dos


conteúdos de Geografia [...] a Geografia, como ciência e como disciplina
escolar, ao pensar o espaço do homem, fornece um amplo campo de
reflexões, que podem conduzir à compreensão da sociedade, no sentido de
identificar seus problemas, contradições e soluções, bem como o papel do
indivíduo/sociedade nesse contexto.

Assim, a Geografia escolar contribui para a atividade


intelectual do estudante, para o desenvolvimento do

76
olhar/raciocínio geográfico e para que os estudantes desenvolvam
a capacidade de reflexão sobre a sua situação, sobre as relações
espaciais ao seu redor e sobre seu papel social. Além disso, colabora
para que essa reflexão possa resultar em cidadãos transformadores
da própria condição e da sociedade, que saibam lutar pela defesa
da democracia, da solidariedade e da justiça social e ambiental.

Considerações finais

Nos últimos anos, no Brasil, a discussão sobre a elaboração e a


implantação da BNCC ganhou adeptos e críticos. Envolvidos
diretamente nessa discussão, mas quase sempre sem serem
ouvidos, estão os professores de educação básica e os estudantes.
No caso da Geografia escolar, disciplina historicamente pouco
valorizada, a questão curricular passa diretamente pela formação,
inicial e continuada dos professores e pela clareza destes quanto à
importância de se ensinar e aprender Geografia na escola.
A Geografia, enquanto componente escolar, contribui para a
leitura de mundo, para o entendimento das espacialidades dos
fenômenos, para a reflexão e atitude transformadora da realidade.
Espera-se, de maneira geral, que esta leitura possa contribuir para
reflexões sobre a qualidade da Geografia escolar no Brasil. Não se
pode desconsiderar as profundas desigualdades socioeconômicas
do país e as desigualdades presentes nas escolas.
Portanto, considera-se que atrelar a redução dessas
desigualdades à implantação de um currículo unificado, pura e
simplesmente, sem repensar investimentos, estrutura das escolas,
formação e valorização profissional dos educadores, entre outros
fatores essenciais à educação de qualidade, é uma proposta
simplista e bastante distante de se mostrar uma real solução para
os problemas da educação brasileira. Que a Geografia escolar possa
contribuir para uma educação democrática e emancipadora.

77
Referências

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políticas educacionais. In: CÁSSIO, Fernando. Educação contra a
barbárie. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 76-83.
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81
82
CAPÍTULO 5: ANÁLISE DOS ESPAÇOS
GEOGRÁFICOS CULTURAIS DA UNB
SOB O OLHAR DAS OBRAS DE ATHOS BULCÃO E
JAIME GOLUBOV

Fábio da Silva
Ana Paula de Rezende Navarro

Introdução

Apesar de morarmos em uma cidade como Brasília, que de certa


maneira se apresenta como um museu moderno ao ar livre, a
população e alunos da Universidade de Brasília (UnB) têm
informações insuficientes a respeito dos murais dos artistas Athos
Bulcão e Jayme Golubov, no Campus Darcy Ribeiro. A cultura
humana está ligada à capacidade de aprender. A definição de
Paisagem Cultural foi apropriada pela “Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura” (UNESCO), em
1992, para representar bens patrimoniais de relevância
internacional no qual se revelava uma atuação clara e mútua entre
a ação humana e o meio ambiente.
Esperamos que este artigo possa ampliar o conhecimento e
aprendizado em geografia no que diz respeito à dinâmica da
paisagem cultural na UnB com as obras de Jayme Golubov e Athos
Bulcão, que estão integradas à arquitetura e à paisagem,
proporcionando diferentes leituras e estimulando a pensar sobre a
atual realidade das obras, criando oportunidade de aprendizagem
ao longo da vida e reflexão sobre a preservação do patrimônio da
UnB, consolidando um vínculo afetivo e simbólico da memória de
Golubov e Athos Bulcão.

83
O objetivo geral deste artigo é reconhecer as obras e os artistas
Athos Bulcão e Golubov e os espaços integrados à arquitetura e
paisagem no campus Darcy Ribeiro a fim de promover a
aprendizagem em Geografia. Esta pesquisa busca promover
facilitadores para divulgação dos artistas e possibilita a
oportunidade de um conhecimento mais aprofundado das obras
que se encontram no campus da UnB. De forma específica, projeta-
se criar possibilidades de ação para preservação e conservação do
patrimônio que lá se encontra; dar visibilidade e reconhecimento
às memórias dos artistas; sensibilizar o público e proporcionar o
desenvolvimento de um olhar diferenciado para o lugar. Desse
modo, os autores mergulharam sob este artigo com o propósito de
responder se a comunidade da UnB e os brasilienses em geral
reconhecem os autores dos murais que estão no campus Darcy
Ribeiro e, como isso, poder contribuir para a educação geográfica

Espaços geográficos culturais da unb como espaço para educação


geográfica

Este artigo vem contribuir com a Geografia Cultural e com a


análise de um espaço urbano cuja história, vivências e tradições
merecem registro e reflexão em relação aos mais variados aspectos
que possam caracterizar a identidade cultural de Brasília, a partir
de obras já publicadas e de referências teóricas que contextualizam
o espaço geográfico da cidade.
O espaço urbano tem como gerador a economia, mas é
socialmente experimentado tanto em ações pensadas quanto em
ações afetivas, e a paisagem representativa da UnB é uma interação
dialética formada pela paisagem do espaço geográfico, repleto de
visões de mundo, mediações culturais e afetividade.
Segundo Shishito et al. (2017), “pensar o espaço urbano é, antes
de tudo, entender que a cidade é um organismo com uma
multiplicidade de significados: é o lugar de todos os trabalhos,
desejos e experiências humanas”. Os autores deste artigo validam
esse conceito de Shishito (2017), e ao considerarmos que a Arte e a

84
Geografia são ciências, sendo que ambas lidam com a imagem e o
espaço, acreditamos que um trabalho multi e interdisciplinar entre
ambas as áreas de conhecimento pode colaborar para a leitura do
mundo dos estudantes.
Para Gil Filho (2003, p. 5), “a espacialidade seria construída a
partir do imbricamento do movimento tríade do espaço percebido,
concebido e vivido”. Esse tema na Geografia pode ser encontrado
na Nova Geografia Cultural proposta por Cosgrove (1998), em sua
obra "A geografia está em toda parte” .
As obras de arte analisadas neste artigo são patrimônios
culturais de Brasília e da UnB, que cumprem a função de
representar simbolicamente nossa identidade e memória, de
acordo com Oliveira (2008). Acreditamos que elas podem ser
usadas para a educação geográfica porque podem colaborar para o
ensino de Geografia.
Para o desenvolvimento deste artigo, foram utilizadas
pesquisas bibliográficas realizada por Silva (2009) e Navarro (2020),
que focaram na categoria memória; abordaremos o pensamento de
Halbwachs (1990), para quem os espaços físicos são fundamentais
para a reconstrução da memória, seja ela individual ou coletiva,
uma vez que a memória coletiva é o resultado do reconhecimento
e da reconstrução das lembranças comuns.
A Universidade de Brasília é o recorte espacial da pesquisa
porque possui como pilar uma educação humanista e
independente. Está localizada na Asa Norte de Brasília, centro da
capital do Brasil, e seu campus leva o nome do seu criador, Darcy
Ribeiro. O lugar possui um valioso patrimônio arquitetônico e
artístico que cativa e conecta toda a comunidade. Na instituição,
localizamos as obras de Athos e Golubov, que estão integradas à
arquitetura e à paisagem cultural no campus Darcy Ribeiro.
No edifício da Fundação Fiocruz e no Instituto de Artes (IDA)
existem murais de Athos Bulcão. Já os murais de Golubov se
localizam no posto Petrobrás e no Centro de Vivência do Campus
Darcy Ribeiro, como pode ser visto no Mapa 1 a seguir.

85
Mapa 1 – Localização de obras

Fonte: Américo e Navarro (2021)

Distribuição das obras no campus Darcy Ribeiro

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

O terreno onde se encontra o campus Darcy Ribeiro


corresponde a Gleba A e foi cedido pela UnB, sendo incorporado
em um vasto projeto de cooperação que abrangeu inúmeras
instituições. A partir de 2010, ela expande suas atividades
pedagógicas, pesquisas, comunicação e assessoria em saúde
pública. O conjunto da Fiocruz em Brasília abrange uma área de
11.317m2, composto por 4 blocos, cercado por jardins arborizados e
espelho d’água, que trazem conforto e paz para os usuários e
funcionários (Navarro, 2021).

86
Instituto de Artes (IdA)

Está localizado na gleba A - SG1 do Campus Darcy Ribeiro.


Foi concebido como espaço de formação, experimentação, difusão
e produção de artes, curadoria, público e educação. Planejado em
1997 e inaugurado em 2002 para fazer parte do Complexo das
Artes, acomoda além da galeria, o Departamento de Artes Cênicas
e o Teatro Helena Barcellos. É um espaço de contato dos estudantes
do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais com graduandos,
a comunidade universitária e o público externo. O projeto, de 1997,
integraria um conjunto de novas edificações denominado
Complexo das Artes, porém somente o Oficinas Especiais foi
construído. O espaço é repleto de jardins internos, ampla
iluminação, espaços amplos revestidos por vidro e em volta um
gramado com árvores antigas (Navarro, 2021).

Posto Ecológico

Está localizado na gleba A do Campus Darcy Ribeiro e


construído por volta de 1990. Sua construção foi patrocinada pela
Petrobras com uma área construída de 1.240m2 . O conjunto
arquitetônico supera a importância funcional. A construção tem
uma grande cobertura em aço, delimitado por um espelho d’água.
O posto resultou em um importante local de encontro da
comunidade acadêmica, pois é agradável, repleto de plantas,
jardins e do lado se encontra o Centro de Convivência Negra
(Navarro, 2021).

Centro de Vivência

Localizado na parte central, Gleba A do Campus Darcy Ribeiro


ao do restaurante universitário (RU), com uma área de 1.015m2
construída em 1992, com uma estrutura de concreto armado
independente e tem como traço a simplicidade dos acabamentos. O
centro foi planejado em módulos funcionais e abrange vários

87
serviços, como livraria, café, atendimento bancário e é rodeado por
jardins e uma área verde ampla e agradável (Navarro, 2021).

Arte e memória

De uma forma geral, a arte pode contribuir para a educação


geográfica porque informar e entreter ao mesmo tempo estimula a
nossa percepção, expressão, sensibilidade, cognição e a
criatividade dentro da dimensão tanto temporal quanto espacial.
Ela exerce sua função social, pois tem a capacidade de reinserir
pessoas e de ampliar os horizontes dos cidadãos. Desse modo, a
relação arte e Geografia é importante para a formação dos sujeitos
na educação escolar.
Considera-se que a força da arte está nas mais variadas formas
de demonstração, na música, no desenho, na pintura, na escultura,
na dança e na interpretação. Como função social, a arte transmite
ideias e informações, levando ao desenvolvimento do senso crítico
e de uma melhor expressão oral e comunicativa.
A função e a razão da arte estão em constante transformação.
A arte é condicionada pelo seu tempo e sua história e representa a
humanidade conforme as ideias e aspirações de acordo com a
situação histórica. A tensão e a contradição dialética fazem parte da
arte. A natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural.
A arte também tem uma função ambiental, que está baseada na
alfabetização estética, ou no ensinar o homem a organizar formas,
luzes e cores, garantindo equilíbrio e harmonia a sua vida. Ainda
ajuda a manifestar as qualidades étnicas e psíquicas de uma nação
e expõe sentimentos e anseios individuais.
A arte, que para nós é uma das formas concretas e necessárias
da ação do homem, na criação de uma natureza propriamente
humana, Ruskin a transformou num sentir eterno e imutável, de
imobilidade total.
A arte implica mudança. O homem anseia por unir a arte ao
seu eu e por tornar social sua individualidade. O desejo do homem
de se desenvolver e completar indica que ele é mais que um

88
indivíduo. Desse modo, muitas vezes, ao fazer arte o homem
propõe mudar a vida e não a interpretar.
O belo é o que agrada universalmente o seu conceito de
educação ao juízo do gosto. Para isso acontecer, requer o
conhecimento da História, consciência histórica, a politização do
sujeito inserido na sociedade. Nesse ínterim, a Geografia, ao se unir
à arte, ganha elementos novos para sua forma de analisar a
realidade.
Em favor da Educação Patrimonial a arte promove vínculos
vitais de pertencimento e cuidado. Durante o Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) (1931), na
Conferência de Atenas, já se concluía que a melhor garantia de
conservação de monumentos e obras de arte vem do respeito e
interesse do próprio povo.
Halbwachs (1990) enfatiza a força dos diferentes pontos de
referência que estruturam a nossa memória e que se inserem na
memória da coletividade a que pertencemos. Dessa forma,
acreditamos que a memória coletiva pode desenvolver e aflorar a
partir de ações desenvolvidas pela educação como ponte entre o
passado, o presente e o futuro, estimulando o conhecimento, a
apreciação, a apropriação e a valorização da herança cultural com
instrumentos para fortalecer sentimentos de identidade, laços
sociais e responsabilidade para a sustentabilidade dos bens
patrimoniais. O patrimônio da UnB está relacionado à nossa
herança cultural da comunidade, individual e coletiva. O fato é que
a memória não conserva o passado, mas o reencontra, o reconstrói,
sempre a partir do presente.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) externou a importância da realização de ações educativas
como estratégia de proteção e de preservação patrimonial. Um dos
objetivos de se propor a Educação Patrimonial no ensino de
Geografia é (re) construir o sentido de pertencimento do
patrimônio local. Apesar dos debates sobre o patrimônio, ter o
ensino da Geografia com a Educação Patrimonial e pesquisar o
lugar é muito importante como possibilidade de construção de

89
identidade e de pertencimento, e o papel dessa área do
conhecimento é apresentar possibilidades efetivas de promover a
Educação Patrimonial na universidade. Como exemplo, podemos
ouvir o que os universitários pensam sobre o seu entorno, pois isso
dá suporte para o conhecimento e a valorização da cultura que se
encontra no espaço geográfico.
Quanto às experiências participativas em educação e
patrimônio cultural a partir dos trabalhos de Athos Bulcão e
Golubov, no Campus Darcy Ribeiro, ambos os artistas são
referência e constituem um marco de identidade da Universidade
de Brasília.
Os painéis de azulejo criado por Athos Bulcão e os painéis de
Jaime Golubov são obras que possuem um papel simbólico e
consistem em tornar perceptível uma imagem para que os cidadãos
se apropriem dela e desenvolvam um sentido de pertencimento ao
lugar, à coletividade social. Além disso, são condições inerentes à
memória da UnB. Os murais aqui apresentados, além do caráter
simbólico, melhoram a qualidade do espaço público e,
consequentemente, a qualidade de vida dos seus utilizadores,
porque são democráticos e oferecem reflexões estéticas, apreciação
a um público amplo, que pode ou não ter costumes ou acessos a
museus e galerias.
Em ambos os painéis não encontramos nenhuma identificação
dos autores das obras, e acreditamos que se faz necessária a
identificação, pois quando nos deparamos com algumas obras de
arte que não conhecemos, ao lermos sua placa de identificação,
podemos aprender um pouco sobre a arte, a confecção e o autor. A
identificação adequada das obras permitirá ao público diferentes
leituras a fim de propiciar um estímulo para se pensar a realidade
atual, sendo esse o papel da arte, ou seja, como um dos caminhos
de oportunidade de aprendizagem ao longo da vida e reflexão
sobre a preservação do patrimônio.

90
Vida e obra de Athos Bulcão e Jaime Golubov

a) Athos Bulcão

Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro, no dia 2 de julho de


1918. Atuou como pintor, cenógrafo e desenhista. Um dos aspectos
mais marcantes dos seus trabalhos é a integração da arte com a
arquitetura, cuja articulação se efetivou com dois dos principais
arquitetos do Brasil, Oscar Niemeyer5 e João Filgueiras Lima6
(Lelé), este último criador do projeto que deu origem ao Hospital
Sarah Kubitschek7.

Figura 1 – Athos Bulcão

Fonte: https://www.fundathos.org.br/athos-bulcao

5 Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho foi um arquiteto brasileiro,


considerado uma das figuras-chave no desenvolvimento da arquitetura moderna.
6 João da Gama Filgueiras Lima foi um arquiteto brasileiro conhecido pelos

projetos desenvolvidos junto à Rede Sarah de hospitais. A maioria de suas obras


encontra-se fora do eixo Rio-São Paulo, especialmente nos Estados da região
Nordeste do país e em Brasília.
7 Hospital de referência para tratamento neurológico.

91
Athos Bulcão tem como marca a utilização de azulejos nas suas
criações, com formas geométricas, e em alguns momentos uma
filosofia artística que deixava os operários trabalharem livremente
para que a montagem e o resultado dos trabalhos tivessem um
aspecto lúdico, capaz de interferir na interpretação e compreensão
da realidade, sem perder de vista a inovação e a suavidade, o novo
e em outro preparava um espelho, orientações que os operários
deveriam seguir (Silva, 2009).
Suas criações se contextualizam entre a arte e a arquitetura e
se inserem na década de 1950, momento em que surge a
arquitetura moderna no Brasil. Em 1958, chegou a Brasília com
Oscar Niemeyer e sua equipe e criou os azulejos da Igrejinha
Nossa Senhora de Fátima e do Brasília Palace Hotel. Em 1965,
leciona no Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília.
Na sua aproximação com o campo da educação, pôde realizar os
murais para duas Escolas Classes em Brasília, na 407/408 Norte e
315/316 Sul (Silva, 2009).

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

O azulejo criado por Athos Bulcão para a decoração da sede


regional da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no campus Darcy
Ribeiro da UnB, foi o último desenhado pelo artista plástico em
2007, vindo a falecer em julho de 2008.

92
Figura 2 – Mural da Fiocruz

Fonte: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br

Figura 3 – Mural da Fiocruz

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/938370/fiocruz-ceplan-plus-coga-
arquitetura

93
Os azulejos têm as formas das colunas do Palácio da Alvorada
porque Athos Bulcão quis homenagear o centenário do arquiteto
Oscar Niemeyer. O responsável por assentar os azulejos é o
pedreiro João Alves dos Santos. Quando chegou a Brasília, João
Santos foi ao Congresso Nacional ver um dos painéis de Athos. O
pedreiro estudou a obra e recebeu orientações para a montagem do
painel da diretora-executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria
Cabral. O mestre azulejeiro tem uma oficina no Rio de Janeiro e
trabalhou com o artista plástico por mais de 30 anos (Silva, 2009).
O mural da Fiocruz de Athos Bulcão atinge uma parede de
25m de largura por 5m de altura, sendo composto por azulejos
bicromáticos e brancos de 64 módulos de 56 azulejos cada. O prédio
conta com jardins, árvores e bancos, sendo um lugar muito
agradável.

Figura 4 – Mural da Fiocruz

Fonte: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br

Fachadas do edifício de Oficinas Especiais do Instituto de Artes


(IdA) UnB

O painel de azulejos é esmaltado nas cores azul e verde,


estampado sobre fundo branco, com 600m quadrados. O painel é
composto por azulejos de 20cm x 20cm, formado por dois tipos de
peças de mesmo padrão geométrico e cores diferentes. Os
elementos que estão em azul (nº 52 na escala cromática de Athos

94
Bulcão) no primeiro padrão estão em verde (nº 64 na escala
cromática de Athos Bulcão) no segundo e vice-versa.
O padrão consiste nas figuras geométricas de triângulos, arcos
e semicírculos, nas cores verde e azul, estampadas sobre fundo
branco. O semicírculo está situado no centro de um dos lados da
peça e apresenta seu contorno destacado. Os outros dois elementos
– um arco formado por quatro linhas e um triângulo – estão
localizados na outra metade do azulejo. Um dos vértices do
triângulo toca a extremidade do arco.

Figura 5 – Fachada do IDA (UnB)

Fonte: http://maiscultura.unb.br/oficina1

A obra apresenta composição abstrata obtida a partir da


repetição das peças, que foram dispostas em sentidos variados e de
forma aleatória. O edifício está rodeado por verde, todo gramado e
na proximidade grandes árvores.

95
Figura 6 – Fachada do IDA (UnB)

Fonte: http://maiscultura.unb.br/oficina1

b) Jayme Kerbel Golubov

Figura 7 – Jayme Kerbel Golubov

Fonte: Acervo particular Golubov (1997)

96
Nasceu no Rio de Janeiro, em Ipanema, em 1940. Filho de Isaac
Golubov e Rosa Golubov. Pai de Thaiz Aquino Golubov, Arthur
Aquino Golubov e Letícia Tootington.
Como artista, era desafiador. Escreveu, esculpiu, viveu e lutou
a favor da arte, e nesse processo, encantou-se pelo conhecimento
da geometria, cujo domínio lhe propiciou uma grande
compreensão do universo (Navarro, 2021). Estava em constante
busca pela relação entre universalidade, homem, matemática,
geometria e funcionalidade. Escreveu, esculpiu, desenhou, se
tornou arquiteto geômetra.
Formou-se em 1966, na FAU/UnB, na 1ª turma. Foi aluno de
Athos Bulcão, Elvin Donald Mackay Dubugras, Luis Humberto
Martins Pereira.

Mural do posto BR – Campus da UnB

Figura 8 – Mural do posto BR

Fonte: Danielle Lelis (Navarro, 2021).

O mural de Golubov, que se encontra no posto BR – Petrobrás,


na paisagem urbana do campus da UnB, é dotado de uma memória
especial com a história da criação e construção da universidade,

97
frente ao surgimento da própria fundação da cidade de Brasília. O
mural é composto de azulejaria integrada à arquitetura, vinculada
ao contexto social e cultural da universidade e, consequentemente,
da cidade de Brasília e à força desses lugares (Assman, 2011).
O mural é composto por cerâmica 7cm X 7cm em branco e
amarelo, com uma área total 25m². Esse mural faz parte de um
intenso estudo de Golubov relacionado à geometria descritiva e
matemática, voltado para a integração da arquitetura, um conjunto
arquitetônico marcado por rigor estético. O posto serve como uma
escola de treinamento, com normas de garantia da qualidade do
combustível.

Mural a Maré

Está localizado no Centro de Vivência. A obra é de 1996.

Figura 9 – Mural a Maré

Fonte: Regina Celes (Navarro, 2021)

Hoje o mural se encontra danificado, com a falta de alguns


azulejos. É um painel abstrato geométrico composto a partir de um
só elemento. O azulejo mede 15cm x 15cm e é dividido na diagonal,
formando 2 triângulos, um vazio e outro cheio, dando vida a uma
composição, com distintas formas geométricas. Estão presentes
nessa composição volume, profundidade, movimento, que em

98
alguns momentos nos remete a um “labirinto tridimensional”, e
possui equilíbrio simétrico, pois na obra existe a mesma
quantidade de vazios e cheios.
O azulejo que compõe o mural é peça única, bidimensional,
abstrato geométrico e que através da monocromia, linhas e formas
torna-se um movimento perceptivo vibratório. É um mural objetivo
e inteligente, onde o criativo e o receptivo, o I Ching, o Tao, o Mao
Tsé, o louco do tarô, o Tai-Chi, o tabuleiro de xadrez, estão
presentes. “A lógica, a matemática, a definição do universo regido
pelas leis da teoria combinatória, o mega byte e a computação
possibilitaram o afloramento deste trabalho” (Golubov,1996). Essa
relação entre universalidade, homem, matemática, geometria e
funcionalidade se torna uma equação fundamental para o design e
a arquitetura. Na história da luta que o homem vem travando com
a natureza, a técnica e a arte caminham juntas, quando não se
confundem (Navarro, 2021).
Platão, ao igualar arte e intenção, levanta o véu sobre o que mais
tarde virá a acontecer com a nossa linguagem. Ela será desenho,
mas também desígnio, intenção. Pois a arte é obra do homem e não
da natureza, um significado e uma semântica, dinâmicos, que
agitam a palavra pelo conflito que ela carrega consigo ao ser a
expressão de uma linguagem para a técnica e de uma linguagem
para a arte.
Nos painéis de Athos Bulcão, muitas vezes, quem assentava os
azulejos acabava participando da obra. Nesse caso, não posso
afirmar que houve o mesmo procedimento. Parto da hipótese de
que não, pois o produto é elaborado com profundidade e nos
remete à sensação de tridimensão, portanto acredito que quem
assentou os azulejos recebeu um esquema, espelho da forma e
posicionamento de como qual deveria ser colocado.
Após apreciarmos os quatro murais, podemos observar que os
princípios geradores dos trabalhos de Golubov e Athos Bulcão
eram os mesmos. Os trabalhos de ambos os artistas são referência
e constituem um marco de identidade da UnB no campus Darcy
Ribeiro, pois o patrimônio cultural está relacionado à herança

99
cultural de um povo, de uma comunidade, seja ela individual ou
coletiva.
Reconhecemos os murais como pontos de referência, como
lugares de memória sugeridos por Nora (1981), que afirma que “a
memória se estende a lugares, como a história em acontecimentos”.
A arte é e sempre será necessária, pois o homem busca conhecer e
mudar o mundo. O homem anseia unir na arte o seu “EU”, com
uma existência humana coletiva e por tornar social a sua
individualidade (Fischer, 1976, p. 13). Sendo essa a definição da
arte como meio de tornar-se um com o todo da realidade.

Considerações finais

Este estudo teve como propósito divulgar e caracterizar as


obras e os artistas que as produziram. Supõe-se que a partir do
problema levantado, a falta de identificação das obras, pode ser
resolvido com a confecção de placas identificando as obras
contendo autor, ano, material e dimensões, isso pode ajudar no
reconhecimento, possibilitando um olhar diferenciado para a arte
integrada à arquitetura e ao ambiente.
Ao associarmos os dois artistas, Athos Bulcão e Jayme Kerbel
Gulobov, é possível mostrar a integração de suas obras com a
arquitetura e trazer à luz os movimentos artísticos, as
manifestações da arte abstrata, com suas peculiaridades, o uso de
figuras geométricas e a composição geral guiada por princípios
matemáticos.
O posto de gasolina e o edifício da Fiocruz não são
caracterizados apenas por fatores funcionais, produtivos ou
tecnocráticos, mas sim por valores imateriais, como a
representação, os símbolos, a memória, os desejos e os sonhos.
Este artigo contribui para o debate referente à educação
geográfica e ao patrimônio moderno, despertando um olhar de
reconhecimento e uma consciência de preservação dos bens
culturais existentes na nossa cidade.

100
Com a publicação deste artigo, desejamos estimular a
memória coletiva, que nos parece adormecida, esquecida, abrindo
novas possibilidades e interesses para futuras pesquisas voltadas
para o tema. Pretende-se, também, desenvolver nas pessoas o
respeito à preservação das obras dos artistas e que o acervo seja
disponibilizado ao público.

Referências

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102
CAPÍTULO 6: O USO DE ÁREA VERDE DA CIDADE
PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA8

Juanice Pereira Santos Silva


Maria Solange Melo de Sousa
Daniel Rodrigues Silva Luz Neto

Introdução

A cidade abriga a paisagem integrada dos elementos culturais


e dos elementos físicos naturais (clima, água, solo, flora, fauna) que
se encontram em constante estado de transformação. Efeito
causado pela relação social nos diversos espaços da cidade, nos
lugares concretos ou nos imaginários das pessoas que ocupam o
espaço urbano ou campo da cidade. Haja vista o processo de
modificação da paisagem urbana, que decorre da ocupação do
espaço concreto, da atuação do sistema sociocultural, do
crescimento populacional, dos empreendimentos urbanos, serviços
de infraestrutura e setores produtivos, que correspondem aos
exageros da ação humana sobre o meio natural.
As áreas verdes urbanas, na maioria das vezes, são pequenas
e dividem o espaço entre muros, condomínios, prédios, casas,
calçadas, ciclovias, ruas, veículos automotivos, estacionamentos,
habitantes e animais. A substituição crescente das áreas verdes
(áreas com vegetação urbana) por empreendimentos e
infraestrutura no espaço das cidades se dá como consequência do

8 O texto apresenta recortes da pesquisa de doutorado em andamento sob a


orientação da professora Dra. Ruth Elias de Paula Laranja “O USO DE MODELOS
DE IMPRESSÃO 3D INTEGRADO COM PRÁTICA DE CAMPO VIRTUAL NO
ENSINO DE GEOGRAFIA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO ENSINO
FUNDAMENTAL”.

103
processo de urbanização, devido à corrida rumo à modernização,
que rompe a relação homem-natureza.
O presente trabalho trata da utilização de uma área verde
urbana da Região Administrativa (RA) do Gama Distrito Federal
para o ensino de Geografia, e tem como objetivo analisar o
resultado da atividade prática de campo desenvolvida em aulas de
Geografia, com ação ativa dos estudantes na implantação de um
jardim de frutos do cerrado, no espaço da área verde urbana da RA
Gama-DF e o seu impacto na comunidade local. A ação perpassa
pela tentativa de manter vivo na memória do estudante o
conhecimento das espécies nativas do bioma cerrado da região e
dos conceitos geográficos dialogados em aulas teóricas com ênfase
na ação.
Ressalta-se que dar importância às áreas verdes dos espaços
urbanos da cidade está diretamente ligada à intenção educativa do
ensino de Geografia nos espaços não formais de aprendizagem.
Dessa maneira, o que justifica este trabalho é a premissa de
desenvolver a percepção ambiental dos sujeitos, por meio da
valorização e conservação da vegetação urbana.
A atividade foi realizada com estudantes do 6º ano do Ensino
Fundamental de uma escola pública e com pessoas da comunidade
local. Utilizou-se a metodologia qualitativa de caráter exploratório
com a participação ativa da pesquisadora. Como instrumentos de
pesquisa, foram aplicados questionários e realizadas entrevistas
semiestruturadas com os sujeitos participantes da pesquisa. Nesse
contexto, percebe-se a necessidade de a escola se apropriar das
áreas verdes urbanas enquanto espaços públicos para desenvolver
diferentes aprendizagens com os estudantes, as quais
potencializam a compreensão da dinâmica da cidade e suas
significâncias, no sentido cartográfico, do biogeográfico e de
relações sociais em lugares informais de ensino.
A existência desses espaços na malha urbana em contraste com
as edificações pode ser considerada uma vantagem de se viver em
cidades, explorar e aprender no cotidiano dela. Conforme
Cavalcanti (2008), a cidade pode ser pensada como lugar de

104
formação, decorrente da complexidade e dos fenômenos
geográficos intrínsecos nos espaços da cidade. Esses locais podem
ser vistos como locais de encontro com pessoas e de estudantes em
experiências escolares, que podem estudar a biota do bioma
regional e apreciar a vegetação exótica em locais públicos que estão
integrados no seu lugar de vivência. Segundo Souza e Chiapetti
(2012, p. 7),

Utilizar o trabalho de campo como uma estratégia no ensino de Geografia é


uma forma significativa de integrar os conteúdos ministrados pelos
professores, visto que o mesmo proporciona a compreensão da realidade
vivida pelos alunos e a apreensão de outros espaços geográficos externos ao
seu cotidiano, ampliando as fontes de conhecimentos que os levam à
reflexão e à tomada de consciência sobre a organização do seu espaço
geográfico.

Por fim, a pesquisa está organizada em três partes: a primeira


trata da metodologia utilizada; a segunda se refere ao
desenvolvimento da atividade prática de campo junto aos
estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola
pública do Gama-DF em aulas de Geografia; na terceira,
apresentam-se as considerações finais.

Metodologia

Utilizou-se a metodologia de abordagem qualitativa de caráter


exploratório, com aplicação de questionários e de entrevistas
semiestruturadas para coleta de dados empíricos, com a finalidade
de apurar as concepções dos participantes quanto ao seu
posicionamento, suas análises, reflexões, compreensões e
interpretações de significados. De acordo com Lakatos e Marconi
(2008, p. 269, 277),

A metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos


mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano.
Fornece análise mais detalhada de investigações, hábitos, atitudes,

105
tendências de comportamento etc. [...] com o objetivo de fazer os indivíduos
compreenderem a importância da investigação sem ocultar o seu objetivo.

Com esse propósito, o estudo empregou ações de pesquisa


participante, na qual se realizou a atividade pedagógica em três
etapas: primeiro, a fundamentação teórica a respeito da temática;
segundo, a orientação e a mobilização dos estudantes para a
realização de plantios de mudas frutíferas nativas do bioma cerrado
na área verde urbana e a pesquisa empírica dos conhecimentos
relacionados ao tema junto à comunidade local; terceiro, a análise e
a discussão com os estudantes referentes ao estudo.

Resultados e discussão

O artigo apresenta os resultados da ação ocorrida no ano de


2023, realizada com estudantes de uma escola pública localizada na
cidade de Gama-DF, participantes da pesquisa de doutoramento de
um dos autores do texto, sendo um total de 40 estudantes,
juntamente com a professora regente de Geografia e pessoas da
comunidade local.
Para melhor apreensão teórica do tema pelos estudantes,
dinamizou-se o processo de ensino com uma atividade prática de
campo, utilizando-se metodologias ativas a fim de despertar a
curiosidade dos discentes. De acordo com Moran (2018 p. 16), o uso
de metodologias ativas é uma “possibilidade de transformar aulas
em experiências de aprendizagem mais vivas e significativas para
os estudantes” no desenvolvimento de prática de campo. Souza e
Chiapetti (2012, p. 18) argumentam que “o trabalho de campo ajuda
na compreensão dos conteúdos geográficos, além de tornar as aulas
mais dinâmicas e interessantes e contribuir com a relação teoria
versus prática”, propiciando aos estudantes o envolvimento como
pesquisadores na descrição, na análise e no levantamento de
questionamentos do espaço geográfico em que vivem.
A pesquisa permitiu que os sujeitos analisassem o problema de
sua realidade cotidiana, cujo desdobramento operacional do estudo

106
se deu em três momentos, a saber: planejamento da ação,
fundamentação e discussão mediada, aplicação dos conhecimentos
no campo e avaliação dos obstáculos, com vistas a alcançar a
consolidação dos objetivos do estudo. Para a efetivação do estudo,
foram aplicadas aulas teóricas de Geografia no espaço escolar e uma
aula prática de campo no centro da cidade local, no total de 10 aulas.
O primeiro momento se desenvolveu com o planejamento da
ação e com a compreensão dos fundamentos teóricos junto aos
estudantes, com pesquisa preliminar e discussão em sala de aula;
no segundo momento desenvolveu-se a atividade prática e a
avaliação; na sequência, mobilizou-se os estudantes para entender
a problemática, os fenômenos geográficos e ambientais no contexto
da cidade, de forma crítico-reflexiva. De acordo com Straforini
(2018, p. 175), o ensino crítico e reflexivo tem como intenção
“possibilitar aos escolares a compreensão da espacialidade dos
fenômenos, de modo que possam operar os conhecimentos
geográficos em sua vida cotidiana e produzir práticas espaciais
insurgentes” de forma que, a partir da análise de suas realidades
sociais, históricas e culturais, eles sejam capazes de criar
possibilidades reais para transformá-las.
Desse modo, se elencou a vegetação do cerrado no contexto da
cidade do Gama e a valorização da vegetação existente nos espaços
das áreas verdes urbanas pela comunidade e pelos sujeitos
envolvidos no processo de pesquisa. Nesse contexto, os
participantes envolvidos na condução da pesquisa contribuíram
tanto para a coleta de dados quanto para a análise dos resultados.
Este estudo se desdobra com as demais técnicas de ensino,
como aulas dialogadas e expositivas, uso de recursos tecnológicos,
como maquete 3D da RA Gama-DF, Tecnologias Digitais da
Informação e comunicação (TDICs), como o Google Earth, para
explorar e mapear a área de estudo, a área verde urbana localizada
na parte leste da cidade, fazendo uso da técnica de plantio de
mudas nativas do cerrado.
Para isso, fundamentou-se os conteúdos estudados conforme
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Geografia do 6º ano

107
do Ensino Fundamental para o estudo do cerrado. As unidades
temáticas: Conexões e escalas; Natureza, ambientes e qualidade de
vida, suas respectivas habilidades; (EF06GE04B) identificar os
componentes da morfologia das bacias e das redes hidrográficas,
analisar as relações com a cobertura vegetal, a topografia e a
ocupação do solo urbano e rural; (EF06GE05) relacionar padrões
climáticos, tipos de solo, relevo e formações vegetais; (EF06GE11)
analisar como as sociedades interagem com a natureza, incluindo a
transformação da biodiversidade local.

Figura 1 –Estudo dos conceitos geográficos habilidade (EF06GE11)

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2023)

No desenvolvimento das habilidades temáticas, conforme a


ocorrência da abordagem dos temas, os estudantes foram
organizados em grupos, analisaram e discutiram os conceitos
geográficos, anotaram suas impressões e expectativas em evidência
à ação no campo, como pode ser observado na Figura 1 (registro
feito em aula), no estudo da habilidade (EF06GE11). A dinamização
da aula corrobora com Freire (1967), no que tange a tornar o sujeito
autônomo, capaz de construir suas percepções e saber desenvolver
determinada temática. Os grupos, compostos por cinco estudantes,
foram incumbidos de executar a atividade prática de campo,

108
investigando um dos seguintes temas: solo, hidrografia, relevo,
cartografia, vegetação e interação da sociedade local com o cerrado.
Dessa forma, os estudantes, orientados pela professora e a
pesquisadora, prepararam o plano de execução da atividade
prática de campo, com a elaboração de mapa da área para
mapeamento das mudas frutíferas do cerrado, selecionadas com
critério de importância para alimentação das aves silvestres da
região; elaboração de questionário para coletar informações da
comunidade local a respeito dos conhecimentos sobre o bioma
cerrado e suas subjetividades em relação à percepção ambiental;
produção de gotejadores; solicitação de adubo junto a
administração da cidade e aquisição por parte da pesquisadora de
mudas frutíferas do cerrado.
No decorrer do primeiro momento, percebeu-se que o uso de
imagens projetadas por meio do datashow motivou os sujeitos a se
atentarem às aulas expositivas referentes à biodiversidade do
cerrado, composição do solo, do relevo e hidrografia constituintes
do DF. Também se percebeu o pouco de familiaridade dos
estudantes no uso de geotecnologias, como o Google Earth, para
percorrer virtualmente lugares e saber verificar a localização
geográfica, a escala da área a ser desenvolvida na atividade prática.
Nesse viés, compreende-se que a utilização das (TDICs) são
importantes ferramentas para o ensino de Geografia,
possibilitando um ensino mais atraente, de maior interação virtual
com o tema estudado. Observa-se que [...] a BNCC (Brasil, 2018)
ressalta a utilização de tecnologias na educação básica para
desenvolver as habilidades no tratamento tecnológico para a
formação cidadã dos sujeitos:

5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e


comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas
práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e
exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (Brasil, 2018, p. 9).

109
Com isso, também se observou o engajamento e o
envolvimento dos sujeitos durante os questionamentos levantados
em relação às áreas verdes urbanas. Eles concordaram que a
arborização urbana, em específico, com a manutenção da vegetação
do cerrado, é pertinente por melhorar o clima na área local e por
proporcionar à comunidade conhecer algumas espécies do cerrado
que se adaptam bem ao ambiente urbano. Logo, a constatação,
segundo Moran (2018 p. 16), corrobora

Para impulsionar o engajamento dos estudantes nos processos de ensino e


aprendizagem é premente recontextualizar as metodologias de ensino
diante das suas práticas sociais inerentes à cultura digital, ou seja, integrar
as mídias e as TDIC no desenvolvimento e na recriação de metodologias
ativas.

Nessa perspectiva, se utilizou um modelo 3D da RA Gama


para favorecer aos sujeitos a observação da variação do relevo local
e poder pensar e interagir com o material de estudo, possibilitando
a compreensão do relevo com os demais componentes físicos
naturais. A motivação e o interesse dos estudantes no processo de
aprendizagem foram evidenciados no primeiro momento, pois
também se verificou o desejo de esclarecer dúvidas conceituais
antes da aplicação da atividade, apesar da dispersão de alguns. No
entanto, compreende-se que essa atitude é recorrente entre
adolescentes.
Para os sujeitos identificarem a área antes da atividade e
entender as mudanças na paisagem, orientação e escala, foram
utilizadas imagens coletadas pelo Google Earth para explorar os
conceitos da cartografia, tais como a topografia e a compreensão da
representação gráfica do relevo, da análise das curvas de níveis e
verificação de áreas íngremes. Utilizou-se ainda mapas
hipsométricos e a maquete 3D (Modelo Topográfico),
possibilitando aos estudantes entender como esses recursos são
usados para identificar locais específicos na Terra.
No segundo momento do estudo, a aplicação dos
conhecimentos no campo se caracterizou pela exploração da área

110
verde urbana por meio da atividade prática de campo e instruções
de realização da técnica de plantio de mudas. A técnica de plantio
de mudas é bastante utilizada para a recuperação de áreas urbanas
degradadas. De acordo com Neto et al. (2004, p. 72),

Plantio de mudas – Método utilizado na recuperação de áreas de pequeno a


grande porte, fazendo-se uso de espécies arbóreas, arbustivas e ervadas.
Permite uma mais rápida formação da vegetação, com consequente proteção
do solo em um período de tempo menor.

Assim sendo, os estudantes receberam instruções sobre a


técnica de plantios de mudas e da importância dessa técnica
aplicada no reflorestamento de áreas urbanas degradadas.
Organizados em grupos temáticos, os alunos executaram as
seguintes ações: adubação do solo; plantio de mudas frutíferas
nativas do cerrado (manga ubá, araçá roxo, araçá amarelo,
bacupari, ingá, jatobá, jerivá, goiabinha do cerrado, dentre outras
espécies); instalação de gotejadores nas mudas; identificação e
mapeamento das mudas plantadas.

Figura 2 – Orientações gerais para execução da atividade com estudantes e


comunidade

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2023)

111
Os materiais utilizados pelos grupos de estudantes para a
execução da atividade podem ser vistos na Figura 3 a seguir. O
material nº 1, Mapa da área de estudo contendo o mapeamento com
a indicação por pontos enumerados para os plantios das mudas de
frutíferas do cerrado para ser usado pelo grupo cartografia; o nº 2,
Adubo orgânico para ser usado pelos grupos solo e relevo; o nº 3,
21 garrafas pet contendo água (gotejadores de plantas) para serem
instalados nas mudas frutíferas do cerrado após os plantios, usadas
pelo grupo hidrografia; o nº 4, Mudas de frutíferas do cerrado
(selecionadas) para ser usadas pelo grupo vegetação.

Figura 3 – Exposição de materiais usados nos grupos de estudantes: 1 –-


cartografia e 2 – solo; 3 – hidrografia e 4 – vegetação

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2023)

A Figura 4 mostra estudantes dos grupos de cartografia e


vegetação com a professora regente de Geografia. Na ocasião, os
estudantes do grupo de cartografia indicaram e conferiram o ponto
de se plantar a muda frutífera do cerrado com os estudantes do
grupo vegetação. No entanto, os dois grupos de estudantes
receberam orientações de outros estudantes componentes do grupo
relevo. Nessa troca de informações, os sujeitos puderam
correlacionar os conceitos discutidos em aula à prática, permitindo

112
que houvesse reconstrução dos saberes na prática sob a supervisão
da professora.

Figura 4 – Orientação para o plantio de mudas, segundo a localização


cartográfica

Fonte: Arquivo pessoal das autoras (2023)

A organização por grupos de execução favoreceu a aplicação


dos conteúdos teorizados e a troca de experiências entre os sujeitos,
considerando que, mobilizados, puderam construir novos
conhecimentos na prática, em interação dialógica de
compartilhamento e reconstrução de saberes. No entanto, a
sistematização apresentou lacunas, pois houve relatos de
estudantes com afirmações de que a divisão da atividade prática de
campo por grupos de execução os impediu de vivenciar todas as
experiências na ação.
A sistematização, conforme Souza (1997), “pode ajudar a
desenvolver a capacidade de invenção, de criação, de cultivo da
inteligência crítica, de revolucionar as relações sociais privilegiando
a dignidade do ser humano”. No entanto, realizar uma prática de
campo escolar necessita de engajamento do corpo docente, pois
ratifica a complexidade do trabalho colaborativo. Na concepção de
Morin (2005 p. 35), “a complexidade coincide com uma parte de

113
incerteza, seja proveniente dos limites de nosso entendimento, seja
inscrita nos fenômenos”. Incertezas e posicionamentos
contraditórios à prática docente podem impedir a operacionalização
de projetos no ambiente escolar. Nesse contexto, algumas
interferências foram superadas para o estudo não se interromper e,
de fato, acontecer no corrente ano letivo.
Em decorrência, a atividade prática de campo no contexto
escolar, se planejada com antecedência, é integrada às demais
práticas pedagógicas, desenvolvida com outras disciplinas.
Segundo Souza e Chiapetti (2012), a aula de campo proporciona aos
alunos a oportunidade de se envolverem como pesquisadores,
sujeitos ativos e participantes na construção do conhecimento,
descrevendo, analisando, refletindo e questionando o espaço
geográfico em que vivem junto à comunidade.
Além do contexto mencionando, verificou-se desafios
relacionados à aquisição e utilização de materiais tecnológicos e o
uso de metodologias ativas por parte do corpo docente da escola;
adversidades quanto à efetivação da aprendizagem dos conceitos
teóricos quando aplicados na prática com alguns sujeitos, os quais
explicitam as fragilidades conceituais contidos no currículo do 5º
ano, observando assim a necessidade de maior interesse e
compromisso com os estudos por parte dos estudantes.
Desse modo, o professor precisa estar aberto para superar os
desafios da prática de campo, como preconiza Moran (2015 p. 18):
“Os desafios bem planejados contribuem para mobilizar as
competências desejadas, intelectuais, emocionais, pessoais e
comunicacionais”. Logo, faz-se necessário entender os aspectos
relacionados à motivação dos estudantes, se aprofundar no uso de
metodologias que ativam a aprendizagem e focar no
desenvolvimento da autonomia da construção do conhecimento
dos alunos no contexto de suas vivências. Conforme pondera Freire
(1967, p. 93), “[...] que implica numa inserção na realidade, num
contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo e
vivê-lo plenamente, praticamente” e ativamente.

114
O processo da atividade prática de campo incentiva os
estudantes a pensar criticamente sobre o mundo e a desenvolver
suas próprias ideias e perspectivas sobre os fenômenos geográficos
e ambientais. Em suma, o trabalho de campo é essencial na
educação geográfica, pois oferece oportunidade de explorar e
entender o lugar de maneira significativa e refletir o mundo.
O terceiro momento se desdobra com a avaliação dos
obstáculos e a pontuação das chances de alcançar a consolidação
do objetivo do estudo, realizado em duas aulas seguintes, em que
os estudantes organizados em grupos, expuseram relatos, que
comprovam a mobilização do pensamento reflexivo-crítico, a
apreensão dos conceitos geográficos e o interesse por se
comprometer e se responsabilizar pela causa ambiental.
Como resultado da ação, apresenta-se relatos de sujeitos de
cada grupo de trabalho. Por questões éticas, eles serão identificados
com a inicial do grupo de trabalho, preservando a identidade dos
participantes da ação pedagógica. Assim, os dados coletados pelos
sujeitos em entrevista se registram pela inicial do tema pesquisado
pelo sujeito, da seguinte maneira: sujeito “R”, relevo; Sujeito “H”,
hidrografia; Sujeito “S”, solo; Sujeito “V”, vegetação e, por fim,
Sujeito “C”, cartografia. Os dados coletados em entrevistas
realizadas pelos sujeitos junto à comunidade local com a temática
cerrado serão apresentados em um outro artigo.
O Sujeito “R” expressou a seguinte consideração: “entendi que
o lugar que fomos para a aula com a turma, tem uma inclinação do relevo,
dava para ver que algumas mudas foram plantadas em lugares mais altos
e outras em lugares mais planos. Pareceu um mini mapa do Gama, me
lembrei da "Maquete” (Modelo Topográfico) “que a professora usou na
aula para explicar o relevo do Gama”. Logo, essa afirmação comprova
a teoria na prática, de acordo com CODEPLAN (2020, p. 22):

O relevo do DF caracteriza-se pelo padrão plano a suave ondulado, relevos


inclinados, que se estendem da base das chapadas e dos morros residuais
em direção aos vales, e relevos dissecados, ao longo dos rios Paranoá, São
Bartolomeu, Preto, Maranhão e Descoberto.

115
Dessa forma, entende-se que a utilização de materiais
tecnológicos proporciona a mobilização da memória, facilita os
sujeitos recordarem a teoria apresentada no material concreto da
maquete 3D, a singularidade da paisagem e a altimetria da cidade
do Gama-DF, assim como a consciência espacial e a compreensão
de escala. A partir da análise de imagens do Google Earth, foi
possível produzir um mapa constando o mapeamento de toda a
área plantada e identificar a localização das mudas. Ressalta-se que
a tecnologia permite integrar todos os espaços e tempos. Nessa
linha de raciocínio, Moran (2015 p. 16) retrata

O ensinar e aprender acontece numa interligação simbiótica, profunda,


constante entre o que chamamos mundo físico e mundo digital. Não são dois
mundos ou espaços, mas um espaço estendido, uma sala de aula ampliada,

Nesse sentido, a experiência de integração espacial ajuda os


sujeitos a tornar conscientes alguns processos, a estabelecer
conexões não percebidas, a superar etapas mais rapidamente,
conforme o relato do Sujeito “H”: “A aula na área verde pode ajudar a
compreender a que a vegetação do cerrado, mesmo sendo resistente nos
períodos de seca, precisa de água, e a instalação dos gotejadores ajudou a
hidratá-las constantemente, aos poucos ajudará as mudas a sobreviverem
no período de seca”.
No diálogo, o Sujeito “H” também explicou a teoria discutida
em sala, na qual se argumenta que a água consumida pela
população da cidade do Gama é proveniente das bacias dos rios
Descoberto e Corumbá, e aplicando sua reflexão crítica, mencionou
que “é necessário o consumo responsável por toda a população e as mudas
plantadas farão parte da vegetação que ajudará a proteger as nascentes
próximas da área urbana, contribuindo para a conservação dos recursos
hídricos”. Os comentários do sujeito “H” corroboram com o
pensamento de Souza e Chiapetti (2012, p. 6): “A percepção efetiva
das consequências da apropriação da natureza revelada aos alunos
necessita ser feita de tal forma que possibilite sua atuação como
agentes de mudança”. Porque foi possível perceber que os sujeitos
sentiram-se pertencentes à natureza, como elementos integrantes

116
do meio em que vivem ao se preocuparem em mudar a atitude
comportamental a fim de contribuir para evitar a escassez hídrica
e garantir o equilíbrio da vida no planeta.
O sujeito “S” demonstrou preocupação ao temer que as áreas
verdes da cidade sejam cogitadas para a implantação de espaços
públicos de uso comum, como quadras poliesportivas e quiosques.
Ele relatou que se preocupa com a relação homem-natureza diante
do avanço do processo de urbanização da cidade: “A implantação do
jardim frutíferas do cerrado pode trazer uma boa relação homem com a
natureza, porque depois que adubamos o solo, ele vai melhorar a
composição”. Acrescentou ainda que “o plantio das espécies nativas do
Cerrado nas áreas íngremes podem trazer diversos benefícios ao relevo do
gama-DF, como a melhoria da qualidade do solo, contribuindo para a
fixação de nutrientes”.
A ação foi muito importante para o sujeito “V”, identificada na
afirmação “ajudamos a transformar o espaço e criamos um ambiente de
convivência climaticamente agradável, limpo e bonito. Isto é saudável para
a convivência das pessoas. Além disso, o plantio de espécies nativas ajuda
a preservar a biodiversidade do Cerrado, as raízes das plantas ajudam a
fixar o solo, prevenindo a erosão, que é um problema comum em áreas
íngremes”. Haja vista que a valorização da paisagem urbana
promove na comunidade a sensação de bem-estar e eleva a
qualidade de vida. Neto et al. (2004, p. 66) salienta que

É notória a necessidade que o ser humano tem de dispor de áreas urbanas


vegetadas, seja na forma de arborização de acompanhamento viário, praças,
parques, bosques, jardins públicos, alamedas e bulevares. Essa necessidade
decorre do modo de vida cada vez mais estressante a que se está submetido,
associado à degradação ambiental. A simples presença desses espaços nas
cidades concorre, de forma significativa, à melhoria da qualidade de vida.

Usar a área verde urbana para o ensino de Geografia


proporciona a atuação dos sujeitos na relação antrópica (positiva), e
a ação de reflorestar esse espaço com a vegetação nativa do cerrado
pode se constituir um instrumento metodológico de ensino, com
resultados altamente satisfatórios. Dessa forma, destaca-se a

117
afirmação do Sujeito “V”, que se sentiu pessoa importante da cidade
pelo fato de plantar mudas nativas: “Futuramente veremos árvores com
frutas no lugar onde poderia ocorrer erosão”. Ele poderá acompanhar o
desenvolvimento das mudas e, com isso, perceber que a paisagem
desse espaço urbano foi modificada.
O uso de mapas para localizar a área de plantio e a marcação da
localização em que cada muda deveria ser plantada auxiliou a
aplicação prática dos conceitos cartográficos, como topografia,
orientação e escala, direção e sistema de coordenadas. Dessa forma,
a estratégia de elaborar os mapas com os sujeitos em sala a partir de
imagens de satélite contribuiu para que eles analisassem a área antes
e depois do plantio, ajudando a entender as mudanças na paisagem.
A argumentação mencionada no parágrafo anterior pode ser
comprovada com a afirmativa do Sujeito “C”: “A professora usou uma
imagem de 2016 do Google Earth e não tinha nenhuma vegetação, além de
brita no lugar que plantamos. Marcamos os lugares com piquete, e para
calcular a distância de uma muda para outra ela explicou que precisava ler
a escala”. O fato de os sujeitos fazerem essa observação evidencia que
os conceitos geográficos foram mobilizados com maior eficácia, em
contato direto com os problemas da realidade dos sujeitos, além de
proporcionar momentos de descontração entre eles.
Os sujeitos do grupo Tema interação da sociedade local com
o Cerrado que aplicaram o questionário às pessoas da comunidade
que transitavam no local no ato da atividade prática de campo,
relataram os resultados parciais da análise do questionário. Nos
seus relatos se percebeu que os investigados da comunidade
carecem de conhecimento a respeito do bioma cerrado e do manejo
das mudas frutíferas nativas. Na análise, foi possível perceber que
alguns investigados demonstraram interesse em contribuir com o
cuidado do jardim implantado na área verde urbana da cidade e a
disponibilidade de compreender os elementos naturais, o solo, a
vegetação e o clima do cerrado.
Nesse terceiro momento foi possível estender diálogos com
reflexões críticas com cada grupo de trabalho, alinhando-se às suas
experiências, as quais colaboraram para mobilizar a aprendizagem

118
dos conteúdos estudados. A partir do exposto, e analisando-se as
afirmação de Straforini (2018 p. 179), na qual ele destaca a
importância de mobilizar os conhecimentos geográficos ensinados
na escola “de modo que possam ser úteis em suas práticas espaciais
cotidianas, considerando as demandas sociais e individuais
produzidas no contexto da globalização”, são necessárias ações
cotidianas de sensibilização ambiental na comunidade local.
A partir do contexto apresentado, evidenciou-se que as ações
pedagógicas desenvolvidas por meio de metodologias ativas, em
atividades práticas de campo que investigam os problemas da
realidade dos estudantes, contribui para desenvolver melhor a
aprendizagem na dimensão intelectual, social e afetiva, além de
aguçar as diferentes habilidades humanas. Logo, é possível realizar
ação pedagógica ativa e significativa na prática docente cotidiana.
Com isso, o estudo atingiu o objetivo de promover nos sujeitos
uma tomada de consciência relacionada às questões geográficas e
ambientais e se apropriar do espaço urbano no desenvolvimento
da ação educativa de Geografia, constatados nos desdobramentos
dos momentos da ação, na interação ativa dos sujeitos e da
pesquisadora.
Por fim, é importante destacar que uma prática pedagógica
diferente do convencional com ações propositivas de ensino ativo
e criativo beneficia o trabalho docente, segundo Cavalcanti (2005,
p. 87), “procedimentos de restauração da prática geográfica na
escola”. Nesse sentido, recontextualizar as metodologias de ensino
diante das práticas sociais dos sujeitos aprofunda a reflexão. Moran
(2015, p. 18) pondera que “as metodologias ativas são pontos de
partida para avançar em processos mais avançados de reflexão, de
integração cognitiva, de generalização, de reelaboração de novas
práticas” e reforça que a escola precisa repensar os objetivos e
métodos educacionais aplicados no ensino.

119
Considerações finais

Compartilhar a construção de conhecimentos científicos


geográficos entre escola e sociedade é fundamental para que a
população tenha suporte para interagir e construir suas
identidades e memórias, ao mesmo tempo em que desenvolvem a
responsabilidade ambiental.
Portanto, atividades práticas de campo no ensino de Geografia
em espaços urbanos podem ser uma alternativa para qualificar o
ensino e contribuir para a tomada de consciência dos estudantes e
comunidade quanto às questões ambientais relacionadas às áreas
verdes urbanas.
A prática é eficaz na geografia por permitir que os estudantes
desenvolvam uma compreensão mais profunda do mundo ao seu
redor, de sua cidade, percebendo que os componentes físicos
naturais não são isolados, mas apresentam-se em constante
interação entre eles e com a humanidade. Assim, os estudantes
podem observar e analisar as características físicas e culturais do
lugar e refletir sobre como esses recursos se integram para moldar
o ambiente.
No entanto, as discussões não se encerram aqui, pois há
necessidade de novas pesquisas no campo do ensino de Geografia
e de áreas correlatas que analisam a apropriação pela escola dos
espaços urbanos do meio social dos estudantes e suas
representações simbólicas como prática espacial de aprendizagem
escolar e suas contribuições no processo formativo dos estudantes,
visto que a escola precisa se aprofundar no desenvolvimento de
metodologias que proporcionam aplicar a teorização na prática, na
exploração concreta do espaço das cidades, provocar sociedade e
governo na busca de soluções de problemas socioambientais.

120
Referências

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Base Nacional Comum


Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2018a. Disponível em:
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121
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Acesso em: 28 jan. 2024.

122
CAPÍTULO 7: AS CONTROVÉRSIAS E
ADVERSIDADES DO ENSINO MÉDIO COMO
ETAPA FINAL DA EDUCAÇÃO BÁSICA9

Maria Solange Melo de Sousa


Daniel Rodrigues Silva Luz Neto

Os problemas que afetam a escola pública são estruturais na


educação brasileira e se manifestam em forma de controvérsias e
de adversidades no chão escolar. Segundo Sousa (2021), a crise tem
diversas escalas de análise, tais como: a dimensão macro, que se
refere às políticas públicas adotadas pelo país por meio do
Ministério da Educação; a dimensão regional, relacionada à
normatização do ensino público adotado pelas Secretarias de
Estado de Educação e Secretarias Municipais de Educação e,
também, na dimensão de instituição de ensino, cujo desempenho
sofre interferência direta da atuação das anteriores.
Para melhor compreensão das controvérsias e adversidades, é
importante uma análise do histórico do Ensino Médio brasileiro e
entender como as características de uma concepção dualista de escola
para rico e escola para pobre reflete no modelo de ensino médio
existente nas instituições públicas atuais. Esse pensamento é
compartilhado por Libâneo (2012, p. 16), que escreve: “[...] a escola
assentada no conhecimento, na aprendizagem e nas tecnologias,
voltada para os filhos dos ricos, e, em outro lado, a escola do
acolhimento social e da integração social voltada aos pobres [...]”.

9O artigo traz discussões apresentadas na dissertação de mestrado da autora e que


foi publicado na obra "A escola e seus jovens: lugar de controvérsias e perspectivas",
ed. Dialética, SP, 2021; no artigo “O projeto de vida da geração Z: perspectivas
para além do ensino médio”, publicado na Revista Consenso da SEEDF, 2023; nas
análises realizadas no ENANPEGE 2023.

123
No primeiro caso, pode-se ter, como exemplo, a escola
propedêutica, em que se prioriza a formação por meio do
conhecimento científico, pela aprendizagem significativa e tem por
finalidade conduzir o estudante ao Ensino Superior. Essa escola é
voltada, prioritariamente para as elites. O segundo caso pode ser
definido como a escola utilitarista, destinada às camadas menos
favorecidas socialmente, cujo conhecimento prioriza a formação
para o trabalho, isto é, o ensino profissionalizante, ou valoriza a
função social.
A partir do exposto, o objetivo do texto é analisar o impacto
do Novo Ensino Médio para o projeto de vida da geração que está
cursando essa etapa da educação básica. Assim, o artigo tem a
intenção de mostrar que, desde a sua origem, a estrutura do Ensino
Médio implantando no Brasil foi baseada no modelo dualista, e que
essa opção adotada para a última etapa da educação básica
colabora para os problemas que ela enfrenta atualmente.
O recorte temporal a ser apresentado abrange o período entre
a década de 1930 até ao modelo em vigor a partir da implantação
do Novo Ensino Médio (NEM), por meio da Lei nº 13.415, de 16 de
fevereiro de 2017 (Brasil, 2017). Esse intervalo de aproximadamente
80 anos possibilita o entendimento de como as mudanças ocorridas
na sociedade brasileira refletiram na organização e estruturação da
educação pública, e, em particular, no Ensino Médio.
Entende-se que a nova Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017
(Brasil, 2017), foi implantada com desconfianças e críticas pelos
sujeitos envolvidos no processo educacional, como especialistas em
educação, professores, pesquisadores e estudantes. Eles
consideram que o Novo Ensino Médio foi imposto pelos
governantes sem discussões aprofundadas e para atender a
organizações econômicas internacionais e empresários que
consideram a educação mercadoria.
Dessa forma, faz-se necessário discutir e analisar se a Lei nº
13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017), tem apresentado
benefícios para o processo educacional, tem melhorado o
desempenho dos estudantes e diminuído a evasão escolar,

124
cumprindo assim a sua proposta inicial, quando da sua
implantação ou se, ao contrário, acentuou mais ainda as
desigualdades vivenciadas pela educação dualista à qual Libâneo
(2012) se refere.
O artigo está organizado em três partes em que a primeira faz
uma reconstrução histórica do Ensino Médio ao longo do século XX;
a segunda parte analisa as mudanças trazidas pelo NEM; e, por fim,
no terceiro momento, as discussões envolvem o NEM no contexto
educacional, tendo como recorte espacial o Distrito Federal.

Uma reconstrução histórica do Ensino Médio no Brasil

Nas últimas oito décadas, o Brasil passou de uma mentalidade


agroexportadora para a sociedade urbano-industrial e, ao longo
desse período, consolidou a modernização da sociedade brasileira,
o processo desenvolvimentista de industrialização, de urbanização
e, nas últimas décadas, do avanço das novas tecnologias. Nessa
nova concepção de sociedade, a necessidade de ampliar o acesso à
educação tornou-se meta de governo, mesmo não alcançando o
caráter universal proposto pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996.
A história da escola pública inicia-se com a criação dos grupos
escolares, em 1890 (Saviani, 2004), mas era uma escola às quais as
camadas mais baixas da sociedade brasileira não tinham acesso.
Até a década de 1930, o Brasil era um país rural, e poucas pessoas
frequentavam a escola. As poucas instituições existentes até aquela
década eram frequentadas por filhos de famílias ricas, pertencentes
à elite social.
A partir da década de 1930, a educação brasileira passou por
uma profunda transformação. Logo no início do seu governo, o
então presidente Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação, e
em 1931, emitiu um conjunto de decretos que ficaram conhecidos
como Reformas Francisco Campos (Saviani, 2004). As reformas
trouxeram grandes novidades, como a criação do Conselho
Nacional de Educação e dos ensinos secundário e comercial.

125
Em 1932, foi lançado o “Manifesto dos Pioneiros da Nova
Educação”. O documento faz uma análise da situação da educação
no Brasil e representou um grande legado para a história do ensino
no país. Saviani (2004, p. 4) escreve sobre o manifesto:

Como documento de política educacional, o Manifesto expressa a posição de


uma corrente de educadores que busca se firmar pela coesão interna e pela
conquista de hegemonia educacional diante do conjunto da sociedade
capacitando-se consequentemente, ao exercício dos cargos de direção da
educação pública tanto no âmbito do governo central como dos Estados
federados .

Como princípios iniciais, o manifesto propunha novas ideias


para a educação brasileira. Ele defendia a modernização do sistema
educativo e da sociedade brasileira (Vidal, 2013). A laicidade, a
gratuidade, a obrigatoriedade do ensino também eram princípios
defendidos pelos “escola-novistas”. No manifesto, constava que o
Estado deveria ser o responsável pela expansão da educação
brasileira e, além disso, pretendia-se a organização científica da
escola (Vidal, 2013).
Com o movimento dos educadores e com as iniciativas do
governo, a educação brasileira avançou de forma significativa.
Com isso, houve um grande crescimento do ensino primário,
secundário e a multiplicação das escolas técnicas.
Na década de 1940, as Reformas Capanema criaram o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) (1942) e o Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) (1946), visando a
atender à demanda de uma economia baseada no desenvolvimento
industrial. As novas reformas promoveram alterações na estrutura
do Ensino Médio, que foi organizado verticalmente em ciclos: o
ginasial e o colegial, enquanto a organização horizontal estabeleceu
dois ramos: o secundário e o técnico profissional.
Segundo Frigotto (2005), especialmente na década de 1940,
quando a educação foi organizada por leis orgânicas, o dualismo
ganhou caráter estrutural. Nesse período, os cursos
complementares foram extintos e foram criados os cursos médios

126
de 2º ciclo, os chamados cursos colegiais (Científico e Clássico).
Corso e Soares (2014) esclarecem que esses cursos tinham duração
de três anos e a finalidade de preparar os estudantes para o Ensino
Superior. Os cursos de formação profissional (normal, agrotécnico,
comercial técnico e industrial técnico), também com duração de três
anos, não asseguravam o acesso ao Ensino Superior.

Contudo, abria-se uma possibilidade de acesso ao nível superior, por meio


de exame de adaptação que lhes davam o direito de participar dos processos
de seleção para o ensino superior. Porém o acesso ao ensino superior, já se
dava pela avaliação de conteúdos gerais (letras, ciências, humanidades) o
que acabava, de certa forma, reforçando, mais uma vez, a dualidade
curricular presente nessa tentativa de articulação entre as modalidades –
profissional e propedêutica (Corso; Soares, 2014, p. 4).

Quando se analisam as mudanças realizadas na educação nas


décadas de 1930 e 1940, observa-se que “a regulamentação do
ensino ia sendo feita conforme as urgências definidas pelos grupos
que assumiam o controle político do país” (Saviani, 2004, p. 5).
A partir da década de 1960, o Brasil passou por um processo
acelerado de desenvolvimento econômico e industrial, que havia se
iniciado na década de 1950, com o governo do então presidente da
República Juscelino Kubitschek (JK) e o seu Plano de Metas. A
urbanização intensificou-se no país. No campo educacional,
ocorreu a “unificação da regulamentação da educação nacional
abrangendo as redes pública nas três instâncias, municipal,
estadual e federal, e privada que, direta ou indiretamente, foram
sendo moldadas segundo uma “concepção produtivista de escola”
(Saviani, 2004, p. 2).
A primeira Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
(LDBN), Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (Brasil, 1961), foi
elaborada após a queda do Estado Novo (1937-1945), em um contexto
de redemocratização do país, mas só foi aprovada em 1961.

[...] As críticas em relação a primeira LDB era a que ela apresentava dois
projetos pedagógicos distintos para atender as necessidades definidas pela
divisão técnica e social do trabalho: instrumental e intelectual; o que nos

127
permite aferir a equivalência da Lei 4.024/61 não supera a dualidade
estrutural, embora possa ter sido considerada um grande avanço para o
processo de democratização do ensino (Corso; Soares, 2014, p. 4).

Em um contexto de processo acelerado de desenvolvimento


econômico e industrial, a educação não é apenas um bem de consumo,
mas também um bem de produção, denominada de “concepção
pedagógica produtivista”. Segundo Saviani (2005, p. 13):

Essa concepção começou a se manifestar no Brasil na passagem de 1950 para


1960, estando presente nos debates que se travaram na tramitação da nossa
primeira LDB: Santiago Dantas, na sessão da Câmara dos Deputados,
realizada em 04 de junho de 1959, preconizou a organização do sistema de
ensino em estreita vinculação com o desenvolvimento econômico do país.
Nas duas leis subsequentes (5.540/68 e 5.692/71), essa concepção já se
manifestou com plena clareza, erigindo, como base de toda a reforma
educacional, os princípios da racionalidade e produtividade tendo como
corolários a não duplicação de meios e fins idênticos e a busca do máximo
de resultados com o mínimo de dispêndio.

A LDB de 1961 foi formulada em um momento em que havia


amplo debate teórico em defesa da modernização da educação
brasileira. Após o Golpe Militar de 1964, o novo governo não
formulou uma nova legislação, uma vez que a LDB de 1961
contemplava a garantia da continuidade da ordem
socioeconômica, defendida pelo Governo Militar, mas precisava de
ajustes para organizar o ensino de acordo com a nova situação
(Saviani, 2004).
A Lei nº 5.692/1971 (Brasil, 1971), alterou os ensinos primário
e médio, que passaram a ser denominados de primeiro e segundo
grau (Saviani, 2004). Em relação ao primeiro grau, a lei ampliou de
quatro para oito anos a obrigatoriedade do ensino, e com isso,
determinou o fim do exame de admissão que os estudantes
concluintes do primário precisavam fazer para dar continuidade
aos estudos.
Nesse período, a legislação priorizava a formação profissional
para atender à demanda por força de trabalho qualificada, em nível

128
técnico (Corso; Soares, 2014). No Ensino Médio, instituiu-se um
curso de segundo grau de três anos, unificado, de caráter
profissionalizante por meio do modelo tecnicista (Saviani, 2004).
Segundo Dantas (2015), a Lei nº 5.692 de 1971 (Brasil, 1971),
modificou a estrutura do curso Normal, que passou a ser oferecido
apenas no 2º grau e, também, adquiriu o caráter, exclusivamente,
profissionalizante. As mudanças relacionadas à docência
provocaram deficiência na formação do professor das séries
iniciais, o que foi reforçado com a hierarquização dentro das
escolas a partir do aparecimento da figura do especialista (Dantas,
2015). Dessa forma, “[...] os especialistas usufruíam de melhores
salários [...] do que os professores normalistas, desqualificando
assim o trabalho docente e proletarizando o professor.

A indicação de diretores, supervisores e orientadores de escolas por


legendas partidárias situacionistas impossibilitava um diálogo democrático
com a comunidade escolar. Esta prática de indicação de especialista nas
escolas servia também como importante estratégia de vigilância do trabalho
do professor, tendo em vista o momento histórico da repressão militar [...]
(Dantas, 2015, p. 102).

A LDB de 1971 também alterou a área de conhecimento que


discutia criticamente a situação social, política e econômica do país
(História, Geografia e Filosofia), que foram incorporadas pela área
de Estudos Sociais (Dantas, 2015).
Dantas (2015) argumenta que a Lei nº 5.692/71 provocou a
precarização do Ensino Médio, uma vez que o ensino
profissionalizante de 2º grau, além de ser caro, não atendia às
necessidades reais do modelo produtivista vigente, haja vista que
o governo não criou escolas, novas salas de aula, espaços culturais,
bibliotecas ou laboratórios. Assim, por meio da Lei nº 7.044/1982
(Brasil, 1982), o ensino profissionalizante no 2º grau deixou de ser
obrigatório.
A década de 1980 foi marcada por discussões envolvendo a
educação brasileira. Os embates entre progressistas e
conservadores clamavam por uma nova LDB (Corso; Soares, 2014)

129
mais coerente com o período de redemocratização pelo qual
passava o país.
Com a promulgação da Constituição de 1988 (Brasil, 1988),
houve grande mobilização da comunidade educacional e dos
movimentos sociais para a formulação de uma nova LDB, que
defendia a libertação da educação da política. Entretanto, esse
projeto tão ousado não seguiu adiante. Em seu lugar foi aprovado
o projeto de Darcy Ribeiro, a Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional, a Lei 9.394/1996 (Brasil, 1986).
A partir da década de 1990 ocorreu no país um amplo
programa de reformas educacionais. Em relação ao Ensino Médio,
o Banco Mundial recomendou a separação entre Ensino Médio e
educação profissional, reforçando assim a dualidade estrutural
(Corso; Soares, 2014). O discurso vigente na época que valorizava
o modelo econômico neoliberal colocou o setor privado de ensino
como protagonista para a oferta da educação profissional.
Apesar de não ser tão revolucionária quanto pretendiam a
comunidade escolar e os movimentos sociais, a LDB de 1996 trouxe
grandes avanços para a educação brasileira. A lei representou um
grande legado do século XX e foram instituídas mudanças
significativas. Segundo Saviani (2004, p. 8):

As mudanças instituídas requeriam regulamentação ou aprovação de lei


específica, destaca-se o Plano Nacional de Educação pela sua importância no
que se refere ao diagnóstico da educação no país. O estabelecimento de
metas e, especialmente, quanto à previsão de recursos relativos ao
financiamento da educação que é, com certeza, o aspecto mais relevante da
política educacional. O Plano Nacional de Educação foi instituído pela Lei
10.172/2001.

A Lei de Diretrizes e Bases consolidou o Ensino Médio como


educação básica. Com isso, sua obrigatoriedade foi efetivada em
2009 pela Emenda Constitucional nº 59. Entretanto, a
obrigatoriedade de oferta não significou, necessariamente, a
universalização nem a democratização, uma vez que apenas a
oferta de vagas não caracteriza a permanência e o sucesso do

130
estudante no ambiente escolar. A escola ainda não atendia às
múltiplas necessidades dos estudantes do Ensino Médio, pois
muitos jovens não se identificavam com a escola na qual estavam
matriculados e os conteúdos ofertados não alcançavam a dimensão
intelectual do trabalho produtivo e dos anseios socioculturais.
No que dizia respeito às finalidades para o Ensino Médio, a
LDB (Art. 35) pretendeu consolidar e aprofundar os conhecimentos
adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o
prosseguimento de estudos, a preparação básica para o trabalho, a
formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual, o
pensamento crítico dos educandos e a compreensão dos
fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos
(Brasil, 1996), pois a LDB (Brasil, 1996), em seu título segundo, que
trata “Dos Princípios e Fins da Educação Nacional”, em seu artigo
2º, estabelece que “a educação tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1996, p. 8).
Como é possível observar, a organização do Ensino Médio
brasileiro no período entre a década de 1930 e a LDB de 1996 foi sendo
moldado para atender às políticas de governo que eram implantadas
no país, sem maiores preocupações com a qualidade pedagógica.
A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 não significou
uma revolução na educação brasileira. Algumas de suas diretrizes
ainda não foram contempladas, e os recursos destinados à educação
ainda são insuficientes para promover mudanças significativas. Para
especialistas, os investimentos não atendem a todos por causa dos
anos em que a educação não foi prioridade no país.

Apesar de investir em educação 5,7% do Produto Interno Bruto – PIB, um


percentual maior do que a média dos países desenvolvidos, o Brasil gasta,
em comparação, pouco por aluno. O US$ 4.450 anuais aplicados por
estudante na rede pública são 54% menor do que a média dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE
(FUNDACRED10, 2019).

10 Fundação de Crédito Educacional – FUNDACRED é uma instituição sem fins

131
Quando se compara os investimentos brasileiros em educação
com o de países desenvolvidos, levando-se em consideração o PIB,
é preciso cuidado. Os países desenvolvidos têm, geralmente, um
PIB muito superior ao do Brasil. Além disso, as desigualdades
sociais existentes no Brasil requerem maior investimento em
educação para superá-las. Assim, é necessário que o Brasil invista
mais em educação e gaste com eficiência.

O Novo Ensino Médio na sociedade técnico-científica-


informacional

Os resultados alcançados pelo Ensino Médio mostram mais


uma vez que a crise na educação é contínua e estrutural e que os
projetos elaborados no decorrer dos anos para superá-la têm
colaborado para que a segregação em relação à “escola para ricos e a
escola para pobres” (Libâneo, 2012) se estabeleça e comprometa a
qualidade do ensino. No entanto, os graves problemas relacionados
ao desempenho dos estudantes podem ser percebidos tanto nas
escolas destinadas à elite quanto nas escolas destinadas às classes
sociais menos favorecidas. A busca por soluções imediatas para
superar a crise da educação e atender ao clamor da sociedade faz
com que algumas políticas públicas sejam adotadas, muitas vezes de
forma equivocada, sem discussões profundas em relação à sua
viabilidade, como, por exemplo, a reforma do Ensino Médio.
A reforma do Ensino Médio, estabelecida pela Lei nº 13.415, de
16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017), foi gestada sob críticas de
parte da sociedade civil e de especialistas em educação. Ao
estruturar o currículo em itinerários formativos11, apresentar
características newtoniana-cartesianas em relação ao conhecimento
e aos aspectos de dualidade estrutural do ensino (propedêutico e

lucrativos que atua há 47 anos no setor de crédito educacional.


11 Mesmo os itinerários formativos sendo mais associados à educação profissional,

eles têm uma compreensão de ensino acadêmico (Brasil, 2017, p. 467). Na Lei nº
13.415, eles devem ser voltados ao empreendedorismo, à investigação científica e
à mediação e intervenção sociocultural.

132
profissional) fez com que os críticos à reforma considerassem que
ela contraria a abrangência de finalidades estabelecidas na LDB nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996).
Na nova reforma do Ensino Médio, o currículo estruturado em
itinerários formativos é normatizado no Art. 4 da nova lei. Nele, há
a determinação de mudança do texto original do Art. 36 da Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996) (LDB), passando a
vigorar a seguinte redação:

Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional
Comum Curricular e por itinerários formativos que deverão ser organizados
por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância
para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I – Linguagens e suas tecnologias;
II – Matemática e suas tecnologias;
III – Ciências da natureza e suas tecnologias;
IV – Ciências humanas e sociais aplicadas;
V – Formação técnica e profissional (Brasil, 2017).

Para Ramos e Heinsfeld (2018), a abordagem newtoniana-


cartesiana é apresentada como uma visão tradicional focada no
método científico, na valorização dos conteúdos, na fragmentação
das disciplinas – embora a nova reforma organize o currículo por
área de conhecimento – e na linearidade de ensino e aprendizagem,
em contradição com o que propõe a mesma legislação, pois, de
acordo com o Art. 35-A da Lei nº 13. 415, de 16 de fevereiro de 2017
(Brasil, 2017):

§7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral


do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu
projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e
socioemocionais.

Apesar de propor no discurso a formação integral do aluno, na


Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017), alguns
conhecimentos científicos permanecem mais valorizados do que
outros, como, por exemplo, Português e Matemática, havendo, com

133
isso, maior estímulo para determinadas áreas. A nova reforma
valoriza os itinerários formativos e, com isso, os conhecimentos da
área de ciências humanas perdem espaço, comprometendo assim o
desenvolvimento dos conteúdos de Geografia e de História.
Quanto à Filosofia e Sociologia, que se tornaram obrigatórias pela
Lei nº 11.684 de 2008 (Brasil, 2008), não aparecem na nova lei, pois
a reforma priorizou disciplinas como Português e Matemática.
A dualidade propedêutica e profissionalizante representa o
modelo seletivo tão criticado no passado. Nesse modelo, há riscos
de que o Ensino Médio permaneça com a concepção de fase
transitória e preparatória para o Ensino Superior ou de formação
para o mercado de trabalho, não atendendo, assim, aos princípios
e finalidades estabelecidas na LDB. A escola que enfrenta
dificuldades para a permanência do estudante por ser
conservadora e não conseguir se conectar com a cultura juvenil
corre o risco de ser um ambiente mais hostil ainda.
Partindo da compreensão de que a educação utilitarista tem
por finalidade a formação técnica, ela é compreendida como uma
possibilidade de o estudante ter mais acesso ao mercado de
trabalho, por isso ela é voltada para certos segmentos da sociedade,
no caso, as classes sociais menos favorecidas. No entanto, há que se
analisar o fato de que essa possibilidade também pode
comprometer o avanço desses estudantes ao Ensino Superior, uma
vez que, o jovem que concluiu o Ensino Médio e se inseriu no
mercado de trabalho dificilmente dará seguimento aos estudos.
O modelo propedêutico, que valoriza o conhecimento
científico e o objetivo é, também, preparar o jovem para o Ensino
Superior, e ainda se destina às camadas mais abastadas da
sociedade brasileira. São esses jovens que conquistam as vagas nas
melhores universidades, dão continuidade aos estudos, alcançando
de forma exitosa a graduação e, muitas vezes, a pós-graduação.
Portanto, tal modelo dualista pode interferir nos resultados e na
qualidade do Ensino Médio, contribuindo assim para a crise na
educação do país.

134
Além disso, o mundo passa por mudanças profundas, e a
escola precisa se adequar a essas mudanças. Ela não pode preparar
a juventude para uma realidade inexistente, em que o próprio
trabalho, com suas características formais, está em crise. O mundo
vive uma nova era, denominada de técnico-científica-
informacional, e nesses novos tempos, “o trabalho se torna cada vez
mais científico [...]” (Santos, 1994, p. 140). Nesse sentido, há que se
analisar se a dualidade estruturante que sempre caracterizou o
Ensino Médio ainda pode prevalecer nesses novos tempos. Santos
(1994, p. 121) argumenta que “para ter eficácia, o processo de
aprendizagem deve, em primeiro lugar, partir da consciência da
época em que vivemos”.
As políticas públicas precisam estar antenadas para promover
reformas na educação que sejam coerentes com a sociedade
informacional e em que:

[...] podem formar cidadãos conscientes, capazes de atuar no presente e de


ajudar a construir o futuro. Por isso, longe da ambição, que, aliás, escapa à
nossa competência de fornecer um formulário de técnicas de ensino ou um
programa pedagógico acabado, preferimos empreender uma tentativa de
reconhecimento dos aspectos principais de nossa época, alinhando fatos e
problemas que caracterizam e que, por isso mesmo, devem fazer parte de
um plano de estudos que levem em conta a modernidade, sua realidade
concreta e sua existência sistêmica[...] (Santos, 1994, p. 121).

A ideia de Santos (1994) traz à reflexão do quanto é necessário


repensar o modelo de educação que foi adotado no Brasil ao longo
dos tempos, compreendendo que a crise estrutural tem dimensão
muito maior do que aquela que se apresenta no interior da escola,
e que projetos idealizados para dar respostas rápidas à sociedade
não se sustentam, pois é preciso que eles sejam “[...] tão dinâmicos
quanto a realidade em movimento e reconheça o comportamento
sistêmico das variáveis novas que dão uma significação à
totalidade” (Santos, 1994, p. 122). O jovem da sociedade atual tem
comportamento e pretensões que foram sendo modificados ao
longo das últimas décadas.

135
Por isso, a concepção dualista estruturante que foi apresentada
na reconstrução histórica do Ensino Médio deve ser encarada como
uma controvérsia a ser discutida no âmbito dos macroproblemas
enfrentados pela escola no século XXI. Esse modelo é mais coerente
com um período em que o país passava por transformações
profundas. O agrário era substituído pelo urbano; não havia ainda,
no Brasil, uma sociedade capitalista e consumista consolidada e o
meio científico e informacional ainda era uma realidade distante.
Portanto, há de se questionar se tal modelo não representa um dos
gargalos que comprometem a qualidade do ensino nessa etapa da
educação básica.
As redes sociais mostram para a juventude o glamour da
exposição, dando aos estudantes uma dimensão de mundo que eles
podem vislumbrar e conquistar, nem sempre por meio da
educação, mesmo que isso não seja uma realidade objetiva e
institucionalizada (Berger; Luckmann, 2004). Portanto, os meios de
comunicação transformam o sujeito em ator e fantoche, fortemente
influenciados pela realidade que se constrói nas redes sociais e que
é divulgada na mídia alienante. O ensino ofertado nas escolas
públicas, definitivamente, não contempla a realidade social e
cultural da juventude atual.

As adversidades vivenciadas no Novo Ensino Médio e o projeto


de vida como itinerário formativo

Os indicadores de avaliação da educação pública como o


Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), disponíveis no site
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) foram consultados. Eles são importantes nas
discussões relacionadas à qualidade e ao desempenho da educação
pública por meio dos resultados das avaliações de larga escala.
Na sociedade contemporânea, as ideias de Han (1915) e Santos
(1994) mostram que o mundo vive uma nova realidade e exige da
escola mudanças profundas. Mesmo que se estimule o trabalho e o

136
consumo, a disputa acirrada por uma vaga no mercado de trabalho
deixa o sujeito esgotado por ter que cobrar de si mesmo
produtividade e desempenho, e quando ele não conquista aquilo
que a mídia lhe vende como símbolo de sucesso e prosperidade, com
o discurso da meritocracia, o sujeito sente-se fracassado e deprimido.
Nesse sentido, o jovem que está no Ensino Médio ainda não tem
dimensão do que lhe será cobrado em um futuro próximo.
Possivelmente, ele tem a percepção de que, com a conclusão do Ensino
Médio ele estará preparado e capacitado para o ingresso no mercado
de trabalho ou para a continuidade dos estudos, em alguma
universidade pública ou privada, mas nem sempre isso se concretiza.
A formação escolar, muitas vezes, é insuficiente no que se refere à
qualidade do ensino e à capacitação para o mundo do trabalho.
Diante do que foi exposto no parágrafo anterior, o modelo de
educação produtivista com ênfase no dualismo estruturante não é
o mais adequado para superar a crise da educação no Brasil, ele já
foi experimentado e não promoveu mudanças na educação, ao
contrário, consolidou-se a máxima de crise permanente.
Há de se considerar as controvérsias vivenciadas
cotidianamente na escola e as ações pedagógicas promovidas para
que se alcance as perspectivas dos jovens. No entanto, faz-se
necessário compreender se a significação da formação escolar é de
fato do jovem ou de um modelo de sociedade dominante que insere
a educação na totalidade. Santos (2014, p. 32) argumenta que “o dado
global, que é o conjunto de relações que caracterizam uma dada
sociedade, tem um significado particular para cada lugar, mas esse
significado não pode ser apreendido senão no nível da totalidade”.
Portanto, a compreensão da totalidade está relacionada à
questão de que a educação no Brasil representa um problema a ser
superado. O projeto deve ser na dimensão de política de Estado. É
a partir da análise do desempenho da educação que organismos
internacionais direcionam investimentos para os países, como, por
exemplo, o Banco Mundial12.

12 O Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) atua

137
O Banco Mundial é parceiro do Brasil há mais de 60 anos, e já apoiou o
Governo brasileiro, estados e municípios em mais de 430 financiamentos,
doações e garantias, que somam quase US$50 bilhões. Anualmente, são
realizados em média US$3 bilhões em novos financiamentos, em áreas como
gestão pública, infraestrutura, desenvolvimento urbano, educação, saúde e
meio ambiente (Brasil, 2019).

O Brasil, como país que está inserido na totalidade, se ajusta


às orientações impostas por essas agências internacionais, pois as
doações e os investimentos exigem contrapartidas. Quando se
definiu a qualidade do ensino no país, ela passou por um processo
de avaliação que segue as regras estabelecidas por organismos
internacionais, como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE)13, também conhecido como
“Clube dos Ricos”, mesmo que tais diretrizes não sejam adequadas
para a realidade de um país tão desigual quanto o Brasil.
A OCDE observa fatores que possam influenciar no campo
social, dentre eles, o sistema educacional. A partir das informações
adquiridas, por meio de coleta de dados, os resultados são
discutidos nas reuniões propostas pela organização com o objetivo
de propor políticas públicas que favoreçam a melhoria na
qualidade da educação. A OCDE faz parceria com o Ministério da
Educação (MEC) e realiza:

A promoção de políticas públicas que visam a melhor a qualidade da


educação no país é o principal objetivo dessa relação. A fim de auxiliar na
análise do sistema educacional, criou-se em 1997 o Programa |Internacional
de Avaliação de Estudantes (PISA). O programa representa um exame
aplicado a cada três anos que avalia leitura, matemática e ciências. O Brasil
ingressou no PISA no ano de 2000, quando foi aplicado o primeiro exame
(Sousa, 2019).

como cooperativa de países, que disponibiliza recursos financeiros para a redução


da pobreza e das desigualdades.
13 Os países-membros apoiam a democracia representativa e a economia de

mercado.

138
Embora a OCDE, por meio do seu Comitê de Políticas
Educacionais, coordene ações com o objetivo de alcançar um ensino
de qualidade, ela é uma organização que privilegia a economia de
mercado, e sua análise baseia-se em dados estatísticos. Segundo
Debord (2013, p. 197), “ouve-se dizer que agora a ciência está
sujeita a imperativos de rentabilidade econômica; isso sempre foi
verdade”. Assim, é pouco provável que seus objetivos alcancem
uma compreensão de que a escola pública tem também uma função
social e que, além da qualidade, ela precisa possibilitar aos jovens
oportunidades de superação das adversidades vivenciadas no seu
cotidiano.
Os resultados referentes à educação no país são divulgados
pelos meios de comunicação são baseados nos dados do SAEB, que
segue os modelos propostos pela OCDE e PISA. No Brasil, a
avaliação é realizada a cada dois anos.

O Saeb permite que as escolas e as redes municipais e estaduais de ensino


avaliem a qualidade da educação oferecida aos estudantes. O resultado da
avaliação é um indicativo da qualidade do ensino brasileiro e oferece
subsídios para a elaboração, o monitoramento e o aprimoramento de
políticas educacionais com base em evidências (Brasil, 2019).

O indicativo da qualidade da educação brasileira é construído


a partir da análise das médias de desempenho dos estudantes, que
são apuradas pelo SAEB, juntamente com as taxas de aprovação,
reprovação e abandono, coletadas no Censo Escolar. Esses
elementos compõem o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB) (Brasil, 2019). A reforma do Ensino Médio foi uma
proposta de política pública para tentar superar a baixa qualidade
da educação brasileira apontada pelo IDEB.
É preciso analisar a eficácia dessa política de avaliação para
que se possa comprovar se ela é coerente com a realidade brasileira.
Cada vez que o MEC divulga os resultados, a sociedade manifesta
sua insatisfação, e a educação cai em descrédito. Os meios de
comunicação dão mais ênfase a esses resultados negativos e à
indisciplina dos estudantes, por exemplo, do que às ações

139
desenvolvidas nas escolas, que buscam superar os seus problemas
e que vão muito além de dados estatísticos baseados em avaliações
de Português, Matemática e Ciências.
Contudo, mais sério é imaginar que os meios de comunicação
fortalecem a ideia de crise permanente e estrutural da educação –
sem considerar as particularidades que as cercam – como um projeto
intencional de interesses ligados a uma elite de lógica
mercadológica. “Ao contrário da pura mentira, a desinformação – e
é nisso que o conceito é interessante para os defensores da sociedade
dominante – deve fatalmente conter uma certa dose de verdade, mas
deliberadamente manipulada [...]” (Debord, 2013, p. 202).
Além do questionamento em relação à quantidade de escolas
públicas avaliadas pelo SAEB, outro ponto a ser discutido diz
respeito às disciplinas avaliadas pela prova. No Ensino Médio, são
apenas Português e Matemática. Considerar o desempenho dos
estudantes baseando-se em dois componentes curriculares não
alcança as várias habilidades que eles possam ter nas várias outras
áreas de conhecimento, como propõe a LDB.
Na prova do SAEB não há questões que abrangem as
aprendizagens da área de conhecimento das Ciências Humanas. A
BNCC propõe habilidades para que os estudantes possam ter o
domínio de conceitos e metodologias próprias dessa área. Além
disso, de acordo com a BNCC, as Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas têm como desafio desenvolver a competência dos
estudantes de estabelecer diálogos entre indivíduos, grupos sociais
e cidadãos de diversas nacionalidades, saberes de culturas
distintas. Portanto, avaliar a educação sem considerar as
particularidades das várias áreas de conhecimento que compõem
as aprendizagens do Ensino Médio não é confiável.
Os dados apresentados conduzem à reflexão quanto à
existência de uma crise na educação que justifique mudanças no
Ensino Médio, mesmo porque as propostas de mudanças
apresentam características de retrocesso por querer resgatar o
modelo utilitarista, que não se mostrou eficaz em um passado
recente. A nova reforma no Ensino Médio (NEM) privilegia

140
Português e Matemática, justamente as disciplinas que, segundo os
dados do SAEB, precisam avançar na qualidade, e desvalorizam as
demais disciplinas como, por exemplo, a Geografia.
No NEM, a construção de aprendizagens que estimulam o
conhecimento científico e acadêmico dos estudantes e que é
pautada no cognitivo perde importância para o ensino utilitarista.
Nessa nova configuração pedagógica, apenas Português e
Matemática são componentes curriculares obrigatórios em todas as
séries do ensino médio. A Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017
(Brasil, 2017), propõe que a escola deve dar ênfase a um currículo
que considere a formação integral do aluno e que seja voltado para
a construção do seu projeto de vida, por isso privilegia os
itinerários formativos.
O projeto de vida é apresentado “como estratégia de reflexão
sobre trajetória escolar na construção das dimensões pessoal,
cidadã e profissional do estudante” e deve incidir em sua formação
integral (Brasil, 2018). Diante disso, é pertinente procurar entender
se um jovem consegue definir o que pretende enquanto projeto de
vida, uma vez que eles estão em processo de transição da vida
escolar para a vida acadêmica, ou para o mercado de trabalho ou
até mesmo sem pretensão alguma.
O Currículo em Movimento do Novo Ensino Médio, quando
trata do projeto de vida indica que:

[...] o projeto de vida tem a potencialidade de motivar e despertar o interesse


dos estudantes para a construção do que esperam para si no futuro. Visa,
portanto, a apoiá-los no desenvolvimento de habilidades cognitivas e
socioemocionais capazes de orientá-los, a partir de um continuum crítico-
reflexivo, em suas escolhas de vida (SEEDF, 2020, p. 37).

Desse modo, faz-se necessário definir quais são as projeções


que o currículo do NEM estabelece para que os estudantes
conquistem as metas propostas para o seu projeto de vida de forma
eficaz e que viabilizem o sucesso na vida acadêmica, no mercado
de trabalho ou na formação de um cidadão crítico-reflexivo. Para
Silva, Sobrinho e Leite (2017, p. 133):

141
A prioridade dada ao novo Ensino Médio é que o aluno adquira a
capacidade de ler, escrever, interpretar e calcular no âmago do ensino da
língua portuguesa e matemática, simplesmente. Os conteúdos relacionados
a outras áreas do conhecimento, constituintes do atual currículo, que nem
sequer foram mencionados, parecem não ter relevância no processo
formativo das novas gerações.

De acordo com os autores supracitados, têm-se a impressão de


que no NEM, apesar de propor a educação integral, aparecem
lacunas que impedem que ela se concretize. Pois é por meio das
ciências humanas que “[...] o aluno é capaz de adquirir
conhecimentos que o qualifique e o instrumentalize a apreender e
interpretar as realidades sociais, sejam elas atuais ou passadas
(Silva; Sobrinho; Leite, 2017, p. 132). Além disso,

A escola (e esta é a função dela) deve se aprimorar para preparar os


indivíduos para a vida, isto é, para viverem neste mundo, segundo os seus
complexos arranjos organizacionais. Com isso, ela deve primar pela justiça,
criticidade, ética, solidariedade e pela transformação social, de forma que o
indivíduo contribua na construção de um mundo menos desigual e mais
democrático (Silva; Sobrinho; Leite, 2017, p. 132).

Diante do exposto, compreende-se que o aprofundamento dos


conhecimentos por meio das ciências humanas corrobora o projeto
de vida dos jovens. Mas, com a carga horária reduzida, há prejuízo
pedagógico nessa dimensão de alcance da formação para a
cidadania. Com isso, a formação integral é prejudicada.
No Novo Ensino Médio, por meio das unidades curriculares
eletivas orientadas – que fazem parte dos itinerários formativos –
os estudantes têm acesso a parte diversificada do currículo, cuja
proposta é elencar diretrizes para o seu projeto de vida.
A crítica em relação às unidades curriculares eletivas
orientadas se faz por entender que os professores não foram
capacitados para atuar nessa concepção, e é comum perceber que
elas estão se transformando apenas em componentes curriculares
que se destinam a completar a carga horária dos professores. Os

142
docentes criam projetos sem eficácia e que pouco significado tem
para o projeto de vida dos estudantes.
Além disso, para os jovens que idealizam experiências ligadas
aos recursos digitais – eles vislumbram as novas formas de trabalho
disponíveis nas redes sociais como: youtuber, digital influencer ou
blogueiros – é contraditório perceber que a escola não é capaz de lhes
oferecer a formação adequada para o mundo informacional e,
talvez, seja aquele que contemple o seu projeto de vida.
Quando o currículo propõe que quase metade de sua carga
horária se destine às unidades curriculares eletivas, mostra que o
conhecimento necessário para a formação integral não é
contemplado, pois compromete o projeto de uma educação que
trabalhe temas na transversalidade e na interdisciplinaridade ao
estabelecer horários específicos destinados a temas específicos. De
acordo com o Currículo em Movimento:

Eixos Transversais no currículo diz respeito à compreensão que os


estudantes necessitam ter para vivenciar e experimentar as diversas
questões em suas relações sociais que ora não devem ser esquecidas ou
silenciadas na escola (SEEDF, 2020, p. 23).

Quanto à compreensão de interdisciplinaridade, é relevante


se apropriar da análise de Frigotto (1995, p. 26), para quem a
interdisciplinaridade se impõe em função do “homem se produzir
enquanto ser social e enquanto sujeito e objeto do conhecimento
social”.
A partir do contexto apresentado, questiona-se a importância
e a efetividade das unidades curriculares eletivas ofertadas nas
escolas e que pretendem atender ao projeto de vida desses jovens.
De acordo com Sousa e Peluso (2019, p. 111):

Os paradoxos relacionados à qualidade da educação, as intencionalidades


do poder público e os objetivos da formação escolar não podem
desconsiderar o principal protagonista, o estudante. É justamente o
estudante que sai da educação básica sem ter um norte de qual o caminho a
seguir dali em diante, pois ele, supostamente, sai de uma escola que
apresenta precárias condições de infraestrutura; sua formação foi deficiente;

143
o currículo não atende às necessidades para uma qualificação satisfatória e
coerente ou para o mercado de trabalho, ou para educação continuada ou
para a formação cidadã.

Por isso as críticas em relação ao Novo Ensino Médio, pois


algumas áreas de conhecimento perderam carga horária para que
fosse necessária a inclusão dos itinerários formativos, cujo objetivo
era uma educação integral. No entanto, sem implantar a educação
em tempo integral, ela se torna, praticamente, inviável e
compromete a formação plena do estudante, como mencionado por
Sousa e Peluso (2019).
Quando o governo cria leis para promover mudanças na
educação pública, é preciso cuidado, uma vez que as realidades
vivenciadas nas escolas são diversas. Sousa e Peluso (2019, p. 114)
analisam que:

Para os estudantes de regiões carentes e que convivem diariamente com a


miséria e com a ausência do Estado, o que é visível na escola, é que ali há um
espaço de convivência social e, também pode representar possibilidades de
conquistar estágios ou empregos. Muitas famílias são assistidas por
programas sociais do governo e que, para mantê-los, necessita-se que o filho
esteja matriculado em uma escola. Nessas comunidades o invisível é que a
educação e o acesso ao conhecimento é algo muito maior do que as suas
percepções, ela pode ser transformadora e libertadora.

Ao considerar os argumentos mencionadas por Sousa e Peluso


(2019), pode-se ter como exemplo a quantidade de estudantes que
estão cursando o Ensino Médio e que buscam oportunidades no
mercado de trabalho como estagiários ou como jovens aprendizes.
O objetivo é obter uma renda que colabore com as despesas da
família. Essas experiências profissionais transformam esses jovens
em mão de obra precarizada, porque é comum as empresas
contratá-los para substituir trabalhadores formais. Segundo Sousa
e Peluso (2019, p. 114):

Em uma escola pública de Ensino Médio em que há diversidades cultural, social


e econômica entre os estudantes, é possível fazer uma análise de como esses
jovens vislumbram suas expectativas futuras diante de uma sociedade com

144
profundas transformações no mundo do trabalho e que cobram excesso de
produtividade e analisar também se essa nova configuração é visível e possível.

Além disso,

É preciso que o estudante do século XXI tenha a capacidade de analisar o


que se propõe para a educação brasileira evitando assim que esse indivíduo
se transforme em alguém que age por estímulos determinados pela
sociedade da produtividade, em que o excesso de hiperatividade,
característico do excesso de desempenho se transforme em uma falsa ilusão
de liberdade (Sousa; Peluso, 2019, p. 114).

Mesmo que a inclusão do projeto de vida para os discentes


possa ser considerado um ponto positivo, caso ele tenha um
sentido emancipador coletivo, ao se ministrar as aula dos
Itinerários Formativos, observa-se que os estudantes não estão
satisfeitos como o NEM, pois eles consideram que o conteúdo
trabalhado não contempla as expectativas, não há inovação. Eles
são matriculados em disciplinas que não atendem aos seus
objetivos, eles nem sempre têm autonomia para escolher o que
pretendem estudar e são matriculados em componentes que são
disponibilizados pela escola dentro das vagas disponíveis.
O resultado da insatisfação dos alunos é que nos dias de aulas
em que se ofertam os Itinerários Formativos, muitos não se
dispõem a ir para a escola, e quando estão presentes, não se
habilitam a realizar as atividades propostas. Dessa forma, a aula se
torna improdutiva, pois alguns estudantes não cumprem a carga
horária exigida e a evasão escolar aumenta.
Após as várias discussões e Audiências Públicas, o Governo
Federal enviou para o Congresso o Projeto de Lei (PL) de Diretrizes
para a Política Nacional do Ensino Médio, propondo alterações no
NEM. O PL foi aprovado com algumas alterações na Câmara dos
Deputados, em 20 de março de 2024 e segue para análise no Senado
Federal e ainda poderá sofrer novas alterações, antes que as
mudanças na lei se efetivem.

145
O Jornal online Agora Litoral14, em sua edição de 23 de
outubro, apresenta uma síntese do que está contido no PL. A
reportagem apresenta as principais mudanças propostas no
projeto, das quais consta a mudança na carga horária das
disciplinas obrigatórias, que era 1.800 horas, e se propõe aumentar
para 2.400 horas, sem integração com o curso técnico; carga de 1.200
horas para os itinerários formativos, áreas de conhecimento ou
curso técnico escolhidos pelos estudantes; as disciplinas de língua
portuguesa, língua inglesa, língua espanhola, arte, geografia,
história, matemática, biologia, física, química, serão obrigatórias
em todo o ciclo do Ensino Médio.
Além das propostas listadas no parágrafo anterior, o PL propõe
a revogação dos Itinerários Formativos e a criação do Percurso de
Aprofundamento e Integração de Estudos, aliados a pelo menos três
áreas de conhecimento; a proibição de ofertar a parte de Formação
Geral Básica por meio da educação a distância e, também, impede
que profissionais de notório saber ministrem aulas.

Considerações finais

O texto procurou analisar se as mudanças promovidas no


Ensino Médio, por meio da Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017
(Brasil, 2017), são capazes de superar as adversidades que
caracterizam o Ensino Médio brasileiro desde a década de 1930. A
etapa final da educação básica sofreu mudanças no decorrer desse
período, mas manteve a estrutura dualista de escola do
conhecimento e a utilitarista.
A sociedade da contemporaneidade prioriza sujeitos proativos
e preparados para serem inseridos no mundo subordinado ao
conhecimento técnico-científico-informacional (Sousa, 2021). Cabe
ao poder público criar políticas que possibilitem espaços e capital

14Governo envia ao Congresso projeto com mudanças no Novo Ensino Médio.


Reportagem divulgada em 23 de out./2023. Disponível em: https://agoralitoral.
com.br/noticias/governo-envia-ao-congresso-projeto-com-mudancas-no-novo-
ensino-medio/. Acesso em: 8 nov. 2023.

146
humano favoráveis ao desenvolvimento de um projeto de
educação de formação integral, que contemple os anseios da
sociedade e do mundo do trabalho.
A partir dos argumentos apresentados, é notório que o NEM
apresenta incoerências e falhas que precisam ser ajustadas, dentre
elas, pode-se considerar a carga horária destinada aos Itinerários
Formativos, que retira horas das Formação Geral Básica, o que
compromete o desenvolvimento dos conteúdos da área de algumas
áreas de conhecimento, como a de Ciências Humanas. Além disso,
observa-se ainda a quantidade de disciplinas que são disponibilizadas
para os professores, que precisam planejar as aulas com cargas
exaustivas de conteúdo, afetando assim a sua prática pedagógica.
Entende-se que o Novo Ensino Médio ainda é recente e que
qualquer avaliação mais profunda pode ser uma análise prematura.
No entanto, já é possível apresentar algumas possíveis falhas no
currículo da nova lei. Dentre elas, a forma como se organizou a
operacionalização das aprendizagens ao propor uma grande carga
horária para os Itinerários Formativos, que nem sempre atendem ao
projeto de vida dos estudantes e compromete a carga horária dos
conhecimentos necessários para formação integral dos discentes.
Dessa maneira, a aprovação do Projeto de Lei que propõe
alterações no NEM é urgente e necessário, pois ele foi discutido
pela sociedade civil por meio de audiências públicas e com a
participação de profissionais envolvidos com o processo
educacional. Portanto, ele vai na contramão da forma impositiva e
pouco democrática que caracteriza a implantação da Lei nº 13.415,
de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017).

Referências

BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da


realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 24ª ed. Editora
Vozes, Petrópolis, 2004

147
BRASIL. BNCC – Base Nacional Curricular Comum.. Disponível
em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase. Acesso em:15
set. 2018.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
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BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 1.432, de 28 de
dezembro de 2018., Estabelece os referenciais para a elaboração
dos Itinerários Formativos conforme preveem as Diretrizes
Nacionais de Ensino Médio. Republicada no DOU nº 66, de 5 de
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150
AS AUTORAS E OS AUTORES

Anderson Muzzolon
Anderson Muzzolon é professor da
Secretaria de Educação do Distrito
Federal, bacharel e licenciado em
Geografia pela Universidade Estadual do
Centro-Oeste - UNICENTRO-PR (2005 e
2010), pós-graduado em Gestão Social,
pelo grupo BAGOZZI (2009); mestre em
Geografia pelo Programa de mestrado
Universidade Estadual do Centro Oeste -
UNICENTRO-PR (2012). Licenciado em História pelo Centro
universitário de Maringá - UNICESUMAR (2022). Doutorando em
Geografia pela Universidade de Brasília, UnB (2023).
E-mail: anderson_muzzolon@yahoo.com.br
Orcid: 0009-0007-1673-5633
Lattes: https://lattes.cnpq.br/5756501628810240.

Carliane Alves da Silva


Possui graduação em Pedagogia pelo
Centro Universitário Euro-Americano
(2011). Graduação em Geografia pelo
Centro Universitário Leonardo da Vinci
(2023). Atualmente é professora da
Secretaria Municipal de Educação de
Luziânia (GO). Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Ensino
Fundamental I. Especialista em Educação
Ambiental. Especialização em Educação Digital pela UNEB (2023).
Mestranda em Geografia pela Universidade de Brasília (UNB).
Tutora em Geografia pela Universidade Aberta do Brasil (UAB) na
Universidade de Brasília - UAB/UnB

151
E-mail: carly.silva@hotmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1395-9774
Lattes: https://lattes.cnpq.br/4289657494871987

Daniel Rodrigues Silva Luz Neto


Doutor e mestre em Geografia pela
Universidade de Brasília (UnB),
Graduado em Geografia pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE),
Graduação em Pedagogia, Especialista
em Gestão Educacional. É professor
substituto de Geografia na Universidade
Estadual do Goiás (UEG) desde 2023; foi professor substituto no
Departamento de Geografia da Universidade de Brasília entre 2022
e 2023; foi professor da Educação Básica na rede pública e
particular por 13 anos (de 2009 a 2022). É membro do Núcleo de
Ensino e Pesquisas em Educação Geográfica (NEPEG-UFG).
Coordena o GT Fundamentos teóricos e o ensino de Geografia do
NEPEG/UFG e Grupo de pesquisadores de Geografia do Distrito
Federal (PGEODF). Áreas de pesquisa: ensino de Geografia e
Geografia Humana.
E-mail: daniel.neto@ueg.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6326-4906
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4209547032778929

Fabiana Pegoraro Soares


Doutora em Geografia Humana pela
Universidade de São Paulo, na linha de
pesquisa de Geografia Política,
Planejamento e Recursos Naturais, sob
orientação do prof. Dr. Wagner Costa
Ribeiro. Membro do Grupo de Pesquisa
em Geografia Política e Meio Ambiente
do Laboratório de Geografia Política do
Departamento de Geografia da USP. Possui bacharelado e

152
licenciatura plena em Geografia pela Universidade de São Paulo
(1998) e mestrado em Geografia (Geografia Física), também pela
Universidade de São Paulo (2008). Além disso, é graduada em
Pedagogia pela Universidade Nove de Julho (2009). Atualmente é
coordenadora de Geografia de Ensino Fundamental (anos finais) e
Ensino Médio no Colégio Rio Branco (SP) e pós-doutoranda no
Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.
Possui mais de 25 anos de experiência na área de educação,
atuando como docente e na formação de professores.
E-mail: fabianapegorarosoares@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9238-830X
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7519262033756091

Juanice Pereira Santos Silva


Professora da Secretaria de Estado e
Educação do Distrito Federal – SEEDF
desde 1999, componente curricular
Biologia. Graduada em Ciências
Biológicas pelo Centro Universitário de
Brasília - UniCEUB (1997). Especialista
em Educação Ambiental e Educação
Inclusiva. Mestra em Geografia pela
Universidade de Brasília – UnB e Doutoranda do Programa de Pós-
graduação da Universidade de Brasília, na linha de pesquisa de
Análise de Sistemas Ambientais. Membro do Grupo de Pesquisa
Inteligência Cooperativa em Redes Sociais Complexas, registrado
no CNPq. Pesquisadora e autora de livros e artigos científicos.
Concentra pesquisas nas áreas de análise de sistemas ambientais e
urbana, ensino de Geografia, educação ambiental e educação
inclusiva. Atualmente é membro e coordenadora do Grupo de
Pesquisa em Geografia do Distrito Federal - PGEODF e especializa-
se em Tecnologias Digitais para uma Educação Empreendedora.
EMAIL: juanice.ahss@yahoo.com.br
LATTES: https://lattes.cnpq.br/8240178711097731
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6411-0669

153
Maria Solange Melo de Sousa
Doutora pelo Programa de Pós-
Graduação de Geografia da Universidade
de Brasília (UnB), com mestrado em
Produção do Espaço Urbano, Rural e
Regional, também pela UnB,
especialização em EaD e graduada em
Geografia. Professora aposentada da
Educação Básica da Secretaria de Estado
de Educação do Distrito Federal (SEEDF), onde exerceu ainda as
funções de vice-diretora, supervisora e coordenadora Pedagógica.
Lecionou, também, em escolas privadas no Ensino Fundamental e
Médio. Atualmente, participa do programa do Governo Federal
Universidade Aberta do Brasil (UAB/UnB), no qual atua como
professora formadora e tutora nos cursos de licenciatura de EaD do
Departamento de Geografia. Pesquisadora e autora de livros,
artigos científicos, concentra sua área de pesquisa na análise
urbana, políticas públicas em educação, ensino de Geografia e
formação de jovens para o mercado de trabalho.
E-mail: solangemelosousa@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1996346183136521
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4362-7845

Fábio da Silva
Doutorando em Geografia (posgea/UnB),
mestre em Arquitetura e Urbanismo
(FAU/UnB), especialista em Educação
Artística Aplicada - Artes Plástica
(FSL/SP) e graduado em Educação
Artística - História da Arte (FE/UERJ).
Professor de Arte da Secretaria de Estado
de Educação do Distrito Federal.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2082676655712353
E-mail: fabiosidneyster@gmail.com
ORCID: https://0000-0001-8271-7555

154
Ana Paula de Rezende Navarro
Mestre em Arquitetura e Urbanismo
(FAU/UnB), especialista em - Artes e
graduado em Educação Artística – Artes
Plásticas. (FA-Dulcina de Moraes).
Professora de Arte da Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/04847959826
7646487
E-mail: anapaulanavarro@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6447-2136

155

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