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AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2698775 - MT (2024/0268192-0)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA


AGRAVANTE : ALCEMIR ALVES
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO
AGRAVADO : MINISTERIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

DECISÃO

Trata-se de agravo interposto por ALCEMIR ALVES, em adversidade à


decisão que inadmitiu recurso especial manejado com fundamento na alínea "a" do
permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso.

Consta dos presentes autos que, denunciado o ora recorrente como incurso no
delito previsto no artigo 121, § 2º, incisos III e IV, do Código Penal (e-STJ fls. 8/9), esse
foi impronunciado pelo Juízo de primeiro grau, com fundamento no artigo 414, do
Código de Processo Penal (e-STJ fls. 476/484).

Irresignados, o Parquet e a defesa interpuseram recursos de apelação (e-STJ


fls. 523/534 e 554/568), tendo o Tribunal a quo negado provimento ao apelo defensivo e
dado provimento ao recurso ministerial, para pronunciar o ora recorrente como incurso no
crime tipificado no artigo 121, § 2º, incisos III e IV, do Código Penal, nos termos do
acórdão cuja ementa é a seguinte (e-STJ fls. 620/621):
APELAÇÃO CRIMINAL – HOMICÍDIO QUALIFICADO – PRETENDIDA
PRONÚNCIA – PERTINÊNCIA – PLEITO DEFENSIVO DE ABSOLVIÇÃO
SUMÁRIA – INVIABILIDADE – RECURSO MINISTERIAL PROVIDO E
DEFENSIVO DESPROVIDO.
“A decisão interlocutória de pronúncia é mero juízo de admissibilidade da
acusação. Não é exigida, neste momento processual, prova incontroversa da
autoria do delito; basta a existência de indícios suficientes de que o réu seja
seu autor e a certeza quanto à materialidade do crime” (STJ, AgRg no AREsp
2209043/SP).
Descabe falar em absolvição sumária quando não for possível estabelecer
juízo de certeza acerca da incidência de uma das hipóteses do artigo 415 do
Código de Processo Penal.

Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 647/656), alega a parte recorrente

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violação do artigo 121, § 2º, incisos III e IV, do Código Penal e dos artigos 155, 413 e
414, todos do Código de Processo Penal.

Sustenta, em síntese, o restabelecimento da impronúncia do recorrente, sob o


argumento de que os fundamentos relativos aos indícios de autoria delitiva se basearam
exclusivamente em elementos colhidos na fase inquisitiva, consistindo em confissão
extrajudicial e testemunhos indiretos (de ouvir dizer) não confirmados em juízo, o que
não se admite.

Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 661/665), o Tribunal local inadmitiu


o recurso especial (e-STJ fls. 667/670), dando ensejo à interposição do agravo ora
apreciado (e-STJ fls. 674/684).

O Ministério Público Federal, instado a se manifestar nesta instância, opinou


pelo conhecimento do agravo para negar provimento ao recurso especial (e-STJ fls.
707/711).

É o relatório. Decido.

Preenchidos os requisitos formais e impugnados os fundamentos da decisão


agravada, conheço do agravo.

Passo, então, à análise do recurso especial.

Na espécie, o Juízo sentenciante impronunciou o ora recorrente, com amparo


no art. 414, do CPP, consignando para tanto o seguinte (e-STJ fls. 479/484):
[...]
Acerca da questão, dispõe o art. 141, caput e parágrafo único, do Código de
Processo Penal, senão vejamos:
Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência
de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz,
fundamentadamente, impronunciará o acusado.
Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade,
poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.
No caso, embora demonstrada de forma inconteste a materialidade, conforme
Boletim de ocorrência n. 2014.257386 (fls. 13/14); laudo pericial n.
1.9067.1.2014.63569-01 (fls. 55/76); laudo pericial n. 2.6.2014.1822-01
(local - fls. 86/103); relatório IP n. 3323/2014/DEHPP/MT (fls. 113/116),
entendo que não foram angariados elementos mínimos que permitam aferir
a autoria ou a participação do acusado no delito lhe imputado.
O Il. Promotor afirma que as testemunhas asseguraram que o denunciado
seria o autor do delito, contudo, com a devida vênia, ao ouvir as referidas
testemunhas, as mesmas relataram o que apenas “ouviram dizer”.
Vejamos.
A testemunha Renata Silva Rocha, em juízo, contou que ficou sabendo da
morte da vítima através do programa de televisão “Cadeia Neles”.
Ouviu dizer que Alcemir quem teria ceifado a vida de Roberthe.
A testemunha Roberto Soares Duarte, em juízo, disse que quem matou seu

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filho foi o acusado Alcemir, mas conta que não presenciou o crime. Sobre
os fatos, conta que ficou sabendo foi que a vítima e mais alguns amigos
estariam no rio. Com relação ao acusado, contaram que ele estava
escondido atrás de um muro e saiu atacando a vítima.
Pois bem.
Analisando os autos, muito embora se extraia dos depoimentos em sede
inquisitorial, indícios de que o acusado possa ser o autor do crime, durante
a instrução criminal, nenhum elemento de prova foi colhido para sustentar
a referida versão, tendo Pablo [sic] negado autoria.
Constata-se que nenhum dos depoentes presenciou o crime. Assim,
destaque-se que a jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça se
firmou no sentido de que “não é possível fundamentar a pronúncia em
depoimento classificado como indireto, também conhecido como testemunho
de "ouvir dizer" ou hearsay testimony, no qual a testemunha não presenciou
os fatos, mas tão somente relata o que terceiro lhe contou, conforme a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. (Informações
Complementares à Ementa do REsp 1916733/MG, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe 29/11/2021)
E no caso dos autos, sopesa, contra o denunciado, apenas relatos indiretos e
carentes de probabilidade mínima que exige a decisão de pronúncia.
[...]
Com relação a confissão do acusado perante autoridade policial, de acordo
com artigo 197, do Código de Processo Penal “O valor da confissão se
aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a
sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância."
Para o Superior Tribunal de Justiça, “elementos informativos não se
confundem com provas. Essas são produzidas com a observância do
contraditório em juízo, que serve como condição de sua existência e validade,
assegurado o direito de ampla defesa. Aqueles, por sua vez, são produzidos
na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Por
esse motivo, elementos de informação não podem, isoladamente, subsidiar um
juízo positivo de admissibilidade no caso do Tribunal do Júri, tampouco uma
condenação.” (REsp n. 1.932.774/AM, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz,
Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021.)
E muito embora não seja obrigatório, a confissão anexada nos autos foi
realizada sem a presença de um defensor constituído. Não compete a este
magistrado quando proferir decisão de pronúncia, avaliar o nível de
comprometimento que a prova colhida nos autos irá atingir o agente
denunciado, mas, tão somente, averiguar se existe um mínimo de coerência
entre o acervo probatório com a imputação delitiva formulada pelo
Ministério Público.
Conforme preceitua o art. 413, §1º, do Código de Processo Penal, o
legislador deixou didaticamente assentado que os fundamentos a serem
inseridos na decisão de pronúncia limitam-se à indicação da materialidade
do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação do agente,
particularidades essas que, desautorizam o Juiz Sumariante a realizar uma
avaliação meticulosa das provas hábeis a ensejar eventual decisão de
pronúncia.
Desta forma, verifica-se que a suposição inicial, baseada nos depoimentos e
investigação realizada em sede inquisitorial, não restou confirmada por
elementos concretos colhidos em juízo, a fim de justificar a pronúncia do
acusado.
[...]
O fato é grave, mas sua apuração judicial é expressivamente insuficiente, o
que se lamenta.
Sendo assim, embora não se ignore que o juízo sumariante se limita à

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admissibilidade, bastando, nos termos do art. 413, do CPP, indícios mínimos
de autoria ou participação, no caso em tela, verifico que estes não se
apresentam.
Ante o exposto, julgo inadmissível a denúncia para IMPRONUNCIAR com
fundamento no art. 414, do Código de Processo Penal, o acusado ALCEMIR
ALVES.
[...]. - grifei

O Tribunal a quo, por sua vez, deu provimento ao apelo ministerial para
pronunciar o ora recorrente como incurso no delito do art. 121, § 2º, incisos III e IV, do
CP e submetê-lo a julgamento perante o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, sob as
seguintes razões de decidir (e-STJ fls. 622/625):
Conforme consta da r. sentença, a comprovação da materialidade foi
claramente reconhecida pelo juízo singular. Todavia, equivocadamente,
entendeu que os elementos probatórios não mostram-se aptos a caracterizar
os indícios de autoria, veja-se:
“No caso, embora demonstrada de forma inconteste a materialidade,
conforme Boletim de ocorrência n. 2014.257386 (fls. 13/14); laudo
pericial n. 1.9067.1.2014.63569-01 (fls. 55/76); laudo pericial n.
2.6.2014.1822-01 (local - fls. 86/103); relatório IP n.
3323/2014/DEHPP/MT (fls. 113/116), entendo que não foram
angariados elementos mínimos que permitam aferir a autoria ou a
participação do acusado no delito lhe imputado” (ID 181483208, p. 4).
É cediço que, para fins de pronúncia, conforme o caput do artigo 413 do
Código de Processo Penal, quanto à autoria ou participação, não se exige
que o juiz tenha certeza, bastando que conste dos autos elementos
informativos ou de prova que permitam afirmar a existência de indício
suficiente, portanto, a probabilidade de autoria; pressuposto sobejamente
demonstrado in casu.
Embora tenha permanecido em silêncio em juízo, ouvido em sede policial, o
acusado confessou com detalhes a autoria delitiva, sustentando, inclusive,
tese de legítima defesa, ao argumento de que a vítima teria lhe ameaçado
com uma faca, in verbis:
“QUE afirma ser o autor deste crime; QUE o interrogando afirma que
não conhecia a vítima; QUE naquela data do fato, por volta das 14hs, o
interrogado foi até o rio no Osmar Cabral, sozinho, com sua bicicleta
(vermelha, monark), para pescar; QUE neste local, já realizando sua
pesca, algum tempo depois chegou esta vítima acompanhado por mais
um rapaz; QUE estes dois subiram rio acima, e logo retornaram,
quando passaram a ameaçar o interrogando com uma faca querendo
sua bicicleta; QUE era esta vítima quem portava a faca; QUE então o
interrogando correu daqueles, jogou uma pedra contra eles, e acabou
deixando sua bicicleta para trás; QUE antes de passar por uma cerca,
viu que aqueles fugiram com sua bicicleta; QUE o declarante por medo
se escondeu num terreno baldio nas proximidades de onde ocorreram
estes fatos; QUE logo o declarante viu que esta vítima e o outro que o
acompanhava passou na frente deste terreno; QUE neste terreno o
interrogando encontrou uma foice, e pegou este instrumento a fim de se
defender; QUE quando ia saindo deste terreno baldio, encontrou com
aqueles dois que vinham transitando na rua da frente do terreno em sua
bicicleta; QUE aqueles pararam e ameaçaram ir para cima do
interrogando, esta vítima, ainda portando a faca; Que neste momento o
declarante usou a foice e golpeou esta vítima, não se recordando neste
momento em que parte do corpo esta vítima foi atingida; QUE após, o

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interrogando deixou a foice no local e fugiu, sendo que o outro rapaz
deixou a bicicleta no local e fugiu a pé; QUE não se recorda da feição
do outro rapaz; QUE afirma que não conhecia nenhum dos dois
rapazes; QUE não lembra desta vítima, não recorda de tê-lo visto no
bairro Novo Milênio; QUE morou por no bairro Novo Milênio por
cinco meses, na rua 03, próximo à Padaria Paradão do Pão; QUE até
a data de ocorrência dos fatos em apuração o interrogando ainda
morava neste endereço, após isto, já separado de fato da sua ex mulher,
deixou de vez aquela casa; QUE há aproximadamente oito a nove
meses o interrogando deixou o presídio Pascoal Ramos, onde cumpria
pena pelo Tráfico de entorpecente; QUE volta a afirmar que não
conhecia a vítima, nem mesmo de vista, logo não teve contato com este
quando esteve no presídio; QUE neste ato, visto pelo interrogando o
instrumento apreendido no local do crime, afirma que reconhece este
instrumento, esta foice, como sendo aquela que usou para golpear a
presente vítima”(ID 181483218, p. 3).
Roberto Soares Duarte, pai da vítima, alegou durante a fase administrativa
que o crime teria sido motivado por um desentendimento prévio entre a vítima
e o apelante, veja-se:
“[...] QUE na data do crime, 16/09/2014, seu filho saiu de casa de
manhã, por volta das 10hs, saía e não falava par onde ia; QUE
ROBETHE voltou no horário do almoço, fez sua refeição e por volta
das 14hs saiu novamente, sozinho, e novamente não falou para onde ia;
QUE por volta das 16h10min o declarante recebeu a notícia, por uma
vizinha, que haviam acabado de matar o Roberthe; QUE o declarante
foi até o local do crime, próximo ao campinho de futebol, a umas
quatro quadras da residência do declarante; QUE no local surgiram
poucos comentários; QUE comentavam que uma senhora da
vizinhança, que o declarante ainda não sabe quem é, teria visto que a
vítima vinha caminhando e o suspeito veio por trás, com a foice na
mão, agrediu a vítima com aquele objeto, jogou a arma no local, saiu
correndo até uma certa distância e em seguida um outro rapaz de
moto teria dado fuga a ele, sem mais detalhes desta informação; QUE
outro comentário indicava que o autor de crime era a pessoa
conhecida por THOR, o qual já foi morador da mesma rua do
declarante, numa casa que era constantemente alugada; QUE naquela
tarde ROBERTHE teria ido ao Rio Coxipó com os colegas
(proximidades do bairro Novo Milênio) MAICON, FELIPE e
JEFINHO; QUE neste rio aqueles, a vítima e o suspeito estavam
brincando um de bater no outro, e MAICON acabou se desentendendo
com o THOR, e por isto este teria ameaçado de matar o Maicon e todos
os seus colegas, ou seja, a vítima, Felipe (irmão de Macion [sic]) e
Jefinho; QUE quando os quatro, a vítima, Maicon, Felipe e Jefinho,
vinham do rio caminhando em direção às suas residência, o THOR veio
por trás com a foice, e Maicon, Felipe e Jefinho correram e a vítima
ficou sozinha e foi o único agredido; QUE THOR estava morando no
mesmo bairro (Novo Milênio), próximo da Padaria "Paradão do Pão",
porém após o crime ele foi visto apenas uma vez, na mesma data do
crime, no período da noite, na casa dele, onde pegou alguns pertences,
a companheira e filho pequeno e foi embora, até a presente data não foi
mais visto na região; QUE THOR é alto e moreno, corpo normal "nem
magro nem gordo", QUE afirma que não há outros comentários sobre
outras possíveis motivações; QUE Roberthe era muito calado e nunca
comentava nada com o declarante sobre a vida dele, logo nunca
comentou sobre possíveis ameaças que ele teria recebido; QUE
Roberthe apenas dormia em casa e passava o dia todo nas ruas; QUE
acrescenta que quando THOR morava de aluguel na rua do declarante

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andava só de calças e camisa, com a bíblia na mão, se dizia evangélico,
e quando ele mudou daquela rua aqueles rapazes, MAICON, FELIPE E
JERNHO [sic] o auxiliaram na mudança; QUE também não viu mais
aqueles três colegas da vítima (Maicon, Felipe e Jefinho) [...]”(ID
181483227, p. 5-6).
Mantendo a versão apresentada na fase judicial, a referida testemunha
declarou em juízo que:
“[...] o recorrente é o autor do delito de homicídio; que tomou
conhecimento de que seu filho estava com algumas gurizadas, sendo
que o implicado ficou escondido atrás de um muro e depois apareceu
na frente de todo mundo, sendo que todos correram, menos seu filho;
que quando chegou ao local seu filho ainda estava meio vivo,
respirando um pouco, contudo, não chegou a pronunciar nada,
apenas olhava; que sabe que seu filho tinha ido para um rio com o
recorrente e mais algumas pessoas e foi lá onde ocorreu a confusão;
que até hoje não sabe o porquê o recorrente matou o seu filho; que se
recorda que falaram mesmo que estavam brincando de baterem um no
outro lá no rio, sendo que seu filho até estava com uma bola; que o
recorrente fugiu após o crime e tomou conhecimento de que ele tinha
fama de ser bastante agressivo; que as pessoas que presenciaram os
fatos é que lhe contaram sobre o homicídio” (ID 181483227, p. 6-7).
Em sede policial, Renata Rocha, ex-companheira do acusado, afirmou que
soube, através da proprietária do imóvel (Vera) em que residiam, que este
teria matado a vítima “por causa de uma bicicleta”, in verbis:
[...] QUE afirma que antes de entregar a chave da casa, conversou com
a dona do imóvel (Vera), explicando sobre suas dificuldades,
oportunidade que ela lhe contou sobre este homicídio e que a suspeita
recaía sobre o Alcemir; QUE segundo a Vera, os comentários sobre a
motivação seria por causa de uma bicicleta, e que Alcemir teria ido a
um rio onde também estava esta vítima, e na vinda vinham brincando
um de bater no rosto do outro, e o Alcemir matou o rapaz com uma
foice; [...] QUE afirma ainda que no dia seguinte ao fato, o Alcemir
ligou para declarante e questionou a ele sobre o que tinha acontecido,
e ele apenas falou que já tinha uma desavença com aquele rapaz (a
vítima) e naquele dia esta vítima estava com uma faca e o ameaçou
dizendo "é dentro do presidio você queria bancar o peitudo", então
Alcemir matou aquele rapaz, até mas a declarante não perguntou
como teria matado o rapaz; QUE Alcemir esteve preso no Presídio
Pascoal Ramos, por Tráfico de Drogas, por um período de onze meses,
e saiu em dezembro/2013 [...]” (ID 181483227, p. 6-7).
Em juízo, Renata ratificou que o denunciado é o autor do homicídio que
teria ocorrido “por causa de uma bicicleta”, todavia, negou que conversou
com seu ex-companheiro sobre este fato.
Jefferson Aparecido Magalhães de Almeida, afirmou na fase investigativa
que Maicon e Felipe, os quais presenciaram o crime, lhe informaram que o
acusado é de fato o autor do delito, veja-se:
"[...] QUE então o declarante foi até o local do fato e deparou com a
vítima já em óbito; QUE a vítima foi atingida por golpes de foice na
região da cabeça, inclusive a foice se encontrava ao lado do corpo de
TUCANO; QUE no local tinham bastante populares; QUE MAICOM e
FELIPE estavam no local, tendo o declarante perguntado para os
mesmos o que havia acontecido, tendo os dois dito que eles estavam no
rio brincando de "lutinha de boxe", tendo a vitima em dado momento
jogado uma faca na direção de um menino, o qual estava de bicicleta,
tendo esse menino dito que a vitima poderia ficar com a bicicleta dele e
saiu, mas logo depois esse mesmo voltou até o rio com uma foice e
golpeou a vitima; QUE MAICOM e FELIPE não disseram o nome do

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menino, somente no dia seguinte ao crime que o declarante ficou
sabendo que o menino tratasse do vulgo "THOR"; QUE o declarante
não conhece ""THOR", mas teve conhecimento de que o mesmo morava
lá no bairro; QUE o declarante afirma que não presenciou o crime em
tela, pois se encontrava trabalhando na Padaria no bairro Pedra
Noventa, próximo ao Posto de Saúde; QUE MAICOM e FELIPE após o
fato mudaram do bairro, acreditando o declarante que o motivo seria
por eles estarem com medo, pois eles presenciaram o crime [...]”(ID
181483218, p. 7-8).
Assim, embora tais declarações sejam provenientes de testemunhas indiretas
(hearsay), foram submetidas ao crivo do contraditório e corroboram a
confissão extrajudicial realizada pelo denunciado, configurando elementos
suficientes para pronunciar o réu, especialmente porque não se pode exigir
do julgador, na fase de pronúncia, um convencimento absoluto quanto à
autoria delitiva, tarefa a ser desempenhada pelo Tribunal do Júri.
[...]. - grifei

Acerca da matéria, é firme o entendimento desta Corte Superior no sentido de


que o amparo probatório da decisão de pronúncia deve ser bastante para demonstrar a
materialidade do fato e indicar a existência de indícios suficientes de autoria ou
participação, cabendo ao juiz, nesse momento processual, analisar e dirimir dúvidas
pertinentes à admissibilidade da acusação. Assim, eventuais incertezas quanto ao mérito
devem ser dirimidas pelo Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para o
processamento e julgamento de crimes dolosos contra a vida.

Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE HOMICÍDIO
QUALIFICADO. PRONÚNCIA BASEADA APENAS EM ELEMENTOS
COLETADOS NA FASE INQUISITORIAL E NA PROVA EMPRESTADA.
INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal - CPP, a
sentença de pronúncia configura um juízo de admissibilidade da acusação,
não demandando a certeza necessária à sentença condenatória, uma vez que
eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade -
in dubio pro societate.
2. No caso em análise, conforme afirmado na decisão impugnada, diferente
do que aponta a defesa, a sentença de pronúncia não teve por base apenas
elementos coletados na fase inquisitorial.
[...]
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 765.810/RS, Rel. Ministro
JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 8/5/2023, DJe
10/5/2023).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


HOMICÍDIO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA E
PROVA DA MATERIALIDADE. SÚMULA N. 83 DO STJ.
1. Válida é a pronúncia do réu quando o Tribunal de origem conclui pela
presença dos indícios de autoria e prova da materialidade, assentando, com
base na prova dos autos até então produzida, afirmando que "existem sim, no
caso em análise, fortes indícios de autoria delitiva por parte dos recorrentes,
pelos depoimentos das testemunhas arroladas, quer seja na fase inquisitiva,
quer seja em juízo. É entendimento consolidado que o juiz pronunciante

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deixará um juízo de suspeita para os jurados, visto que a pronúncia não deve
invadir o mérito. Daí, a imprescindibilidade do Conselho de Sentença
proceder com a devida análise meritória dos fatos e provas colacionados nos
autos".
2. Esta Corte Superior já decidiu que "a etapa atinente à pronúncia é regida
pelo princípio in dubio pro societate e, por via de consequência, estando
presentes indícios de materialidade e autoria do delito - no caso, homicídio
tentado - o feito deve ser submetido ao Tribunal do Júri, sob pena de
usurpação de competência" (HC n. 471.414/PE, relatora Ministra Laurita
Vaz, Sexta Turma, julgado em 6/12/2018, DJe 1º/2/2019).
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 2.172.160/CE, Rel.
Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador Convocado do TJDFT),
SEXTA TURMA, julgado em 18/4/2023, DJe 24/4/2023).

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. INSUFICIÊNCIA
PROBATÓRIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. REVERSÃO DO
JULGADO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A decisão de pronúncia tem natureza interlocutória e não encerra o
processo de apuração dos crimes dolosos contra a vida. Também não se pode
dizer que tal decisão encerra juízo a respeito da responsabilidade criminal do
acusado, mas apenas atesta a presença de indícios suficientes para autorizar
ou não a continuação do feito perante o Tribunal do Júri.
2. Neste caso, a decisão de pronúncia não teve somente amparo em elementos
informativos produzidos na fase pré-processual, mas também em provas
judicializadas, sobretudo nos depoimentos prestados por testemunhas, que
contrariaram a versão apresentada pelo agravante, que, segundo o
magistrado responsável pela decisão interlocutória, restou isolada nos autos.
3. Diante do quadro delineado pelas instâncias antecedentes, não é possível
desconstituir as conclusões do Tribunal de origem sem verticalizada
reincursão no conjunto probatório, providência não suportada pelos estreitos
limites cognitivos do habeas corpus, conforme consolidada jurisprudência
desta Corte.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 804.024/GO, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado
em 14/3/2023, DJe 17/3/2023).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO


QUALIFICADO TENTADO. PRONÚNCIA CONFIRMADA PELO
TRIBUNAL A QUO. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS
SUFICIENTES DE AUTORIA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS IDÔNEOS.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É amplamente dominante no Superior Tribunal de Justiça que, no rito
especial do Júri, na fase de pronúncia, aplica-se a regra probatória do in
dubio pro societate, uma vez que compete ao Conselho de Sentença se
manifestar sobre o mérito da ação penal dos crimes dolosos contra a vida,
limitando-se o Juiz Sumariante à prova da materialidade e aos indícios
suficientes de autoria ou participação.
2. O Tribunal a quo além de fundamentar a prova da materialidade no laudo
pericial, também fundamentou os indícios suficientes de autoria na confissão
extrajudicial do Acusado e no depoimento de seu irmão na fase judicial.
Portanto, há indício mínimo de autoria, pois os elementos probatórios
indicados pelo Julgador estabelecem um liame entre o Réu e a tentativa de
homicídio cuja prática lhe é imputada na denúncia.
[...]
6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1905653/SP, Rel. Ministra

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LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/9/2021, DJe 4/10/2021).

Como é sabido, a absolvição sumária somente é possível quando houver prova


unívoca de excludente de ilicitude ou culpabilidade, ao passo que a impronúncia depende
do não convencimento do julgador quanto à materialidade do fato ou à existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação, o que, conforme asseverado pelo
Tribunal local, não é o caso dos autos.

Ocorre que, consoante se extrai da sentença e do acórdão recorrido, na


hipótese vertente, os únicos indícios de autoria consistem na confissão extrajudicial e em
depoimentos vagos, prestados por testemunhas indiretas (de ouvir dizer), sem indicação
da fonte da informação, que apontavam o ora recorrente como autor do delito.

Sobre o tema, esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no


sentido de que "a legislação em vigor admite como prova tanto a testemunha que narra o
que presenciou, como aquela que ouviu. A valoração a ser dada a essa prova é critério
judicial, motivo pelo qual não há qualquer ilegalidade na prova testemunhal indireta"
(HC 265.842/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro
NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/8/2016, DJe 1º/9/2016).

A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
HOMICÍDIO QUALIFICADO DESCLASSIFICAÇÃO. PRESENÇA DE
ELEMENTOS AUTORIZADORES DA PRONÚNCIA. REVISÃO INVIÁVEL.
REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. A decisão de pronúncia não exige a existência de prova cabal da autoria
do delito, sendo suficiente a mera existência de indícios da autoria, devendo
estar comprovada, apenas, a materialidade do crime.
2. O Tribunal estadual concluiu pela presença de indícios de autoria e
materialidade a fim de sustentar a decisão de pronúncia, considerando os
elementos produzidos durante a instrução, sobretudo os depoimentos
testemunhais.
[...]
4. "A legislação em vigor admite como prova tanto a testemunha que narra o
que presenciou, como aquela que ouviu. A valoração a ser dada a essa prova
é critério judicial, motivo pelo qual não há qualquer ilegalidade na prova
testemunhal indireta" (HC 265.842/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 16/08/2016, DJe 01/09/2016).
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1446019/RJ, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/6/2019, DJe
2/8/2019).

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.


ESTUPRO. CONDENAÇÃO. PROVAS COLHIDAS DURANTE O
INQUÉRITO POLICIAL E JUDICIALMENTE. TESTEMUNHAS
INDIRETAS. VALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

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1. Estando a condenação amparada em outras provas, além das colhidas na
fase inquisitorial, não há falar em violação do artigo 155 do Código de
Processo Penal.
2. "A legislação em vigor admite como prova tanto a testemunha que narra o
que presenciou, como aquela que ouviu. A valoração a ser dada a essa prova
é critério judicial, motivo pelo qual não há qualquer ilegalidade na prova
testemunhal indireta." (HC 265.842/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 16/08/2016, DJe 01/09/2016).
3. A prova testemunhal, mesmo que indireta (ouviu da vítima o relato),
produzida em juízo, mediante o contraditório e a ampla defesa, que, de
maneira coerente e harmônica, ratifica o depoimento da vítima na fase
inquisitorial, é suficiente para a condenação.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1387883/MG, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2017,
DJe 25/10/2017).

Em que pese a ausência, no ordenamento jurídico pátrio, de impedimento legal


a esse tipo de depoimento (testemunha indireta, de "ouvir dizer" ou, "hearsay rule"), o
grau de confiabilidade do depoimento indireto, sem a indicação da fonte direta da
informação trazida pela testemunha e não corroborado minimamente por outros
elementos, não é o mesmo daquele prestado pela testemunha que depõe pelo que sabe per
proprium sensum et non per sensum alterius, na medida em que os relatos podem se
alterar quando passam de boca a boca, impedindo que o acusado refute, com eficácia, as
imputações.

Nesse sentido, HELIO TORNAGHI leciona que “não se pode tolerar que
alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe
constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta” (in
Instituições de processo penal. v. 4. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 461).

Sob essas premissas, a jurisprudência desta Corte Superior se consolidou no


sentido de não admitir que a pronúncia esteja fundada, tão somente, em depoimentos de
"ouvir falar", sem que haja indicação dos informantes e/ou de outros elementos que
corroborem tal versão, tampouco que seja baseada exclusivamente em elementos colhidos
na fase inquisitiva da persecução penal. Afinal, não se pode impor ao denunciado o ônus
de se defender na esfera penal, com todas as consequências daí decorrentes, sem que haja
lastro probatório mínimo a ensejar o início da persecução criminal.

Nesse sentido, mutatis mutandis, os seguintes julgados desta Corte Superior:


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. CRIMES DE HOMICÍDIO
DUPLAMENTE QUALIFICADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. DECISÃO
DE IMPRONÚNCIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACOLHIDO
EM SEGUNDO GRAU. PRONÚNCIA BASEADA, APENAS, EM

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DEPOIMENTOS COLHIDOS NA FASE POLICIAL. ILEGALIDADE.
DEPOIMENTO DE "OUVI DIZER" (HEARSAY TESTIMONY). RELATOS
INDIRETOS. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA SUBMISSÃO DO
ACUSADO AO JÚRI. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. Segundo entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, o testemunho
de "ouvir dizer" ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a
pronúncia, não podendo esta, também, encontrar-se baseada exclusivamente
em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do
CPP.
2. Cumpre destacar, a propósito, que: "Configura perda da chance
probatória, a inviabilizar a pronúncia, a omissão estatal quanto à produção
de provas relevantes que poderiam esclarecer a autoria delitiva,
principalmente quando a acusação se contenta com testemunhos indiretos e
depoimentos colhidos apenas no inquérito" (AgRg no AREsp n.
2.097.685/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em
16/8/2022, DJe de 22/8/2022).
3. Na hipótese dos autos, impõe-se o restabelecimento da decisão do Juízo de
primeiro grau que impronunciou o paciente, de modo que, conforme foi
suficientemente consignado na origem, não há como se aceitar o
prosseguimento de uma ação penal com fundamento, unicamente, em
testemunhos indiretos, de insuficiente valor probatório, bem como em uma
confissão extrajudicial que não foi ratificada em juízo, oportunidade em que o
réu disse não ter participação no crime.
4. Ressalta-se, por fim, que não é necessário revolver o material fático-
probatório para restabelecer a decisão de impronúncia, uma vez que, no
caso, os fatos incontroversos já estão delineados nos autos e os indícios de
que o ora paciente teria participação no crime em apuração foram descritos
pela Corte local com base em depoimentos da fase policial, não confirmados
em juízo, e em um relato informal de um informante anônimo, que apenas
reproduziu comentários de terceiro sobre a autoria delitiva.
5. Agravo regimental do Ministério Público do Estado de Santa Catarina a
que se nega provimento. (AgRg no HC n. 771.973/SC, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
7/2/2023, DJe 13/2/2023).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL


E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA.
TESTEMUNHA DE "OUVIR DIZER". INFORMES ANÔNIMOS.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. O art. 413 do Código de Processo Penal exige, para a submissão do réu a
julgamento pelo Tribunal do Júri, a existência de comprovação da
materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria ou participação.
2. Conforme o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, "muito
embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente
pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de
Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por
ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a
julgamento pelo Tribunal Popular" (REsp 1.674.198/MG, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 12/12/2017).
3. No caso, as instâncias ordinárias fundamentaram a pronúncia apenas em
uma testemunha que "ouviu boatos" sobre a autoria dos fatos e na menção
genérica de alegados "informes anônimos", cuja veracidade não foi
confirmada por nenhuma diligência posterior.
4. A menção a boatos e informes anônimos caracterizam-se, no máximo, como

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frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a
jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não se constituírem
em fundamentos idôneos para a submissão da acusação ao Tribunal do Júri.
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1.628.052/RO, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/8/2020, DJe
1º/9/2020).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


HOMICÍDIO QUALIFICADO E DELITOS CONEXOS. DESPRONÚNCIA
PELO TRIBUNAL FUNDAMENTADAMENTE. SUBMISSÃO DO ACUSADO
AO TRIBUNAL DO JÚRI COM BASE EXCLUSIVAMENTE EM
DEPOIMENTOS INDIRETOS (POR "OUVIR DIZER"). IMPOSSIBILIDADE.
MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO
IMPROVIDO.
1. É firme o entendimento nesta Corte de que não se pode submeter alguém a
julgamento pelo Tribunal do júri, com base exclusivamente em depoimentos
indiretos (por "ouvir dizer"). Precedentes.
2. Tem-se, pois, como devidamente justificado o afastamento da pronúncia
pelo Tribunal de origem, porquanto embasada exclusivamente em
depoimentos indiretos, proferidos por parentes da vítima, que teriam ciência
por terceiros, não inquiridos, no sentido de que o acusado teria,
supostamente, ordenado a morte da vítima, dirigindo-se à sua residência
portando armas de fogo.
3. A revisão do conjunto fático-probatório assentado no acórdão para
concluir de forma diversa é vedada em recurso especial, nos termos da
Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1681538/RS, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/8/2020, DJe
17/8/2020).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO.


INDÍCIOS INSUFICIENTES DE AUTORIA. IMPRONÚNCIA. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o
objetivo de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o
acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (iudicium accusationis)
funciona como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas,
viáveis, plausíveis, idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa
(iudicium causae).
2. Logo, muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja
feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu,
dada a sua carga decisória, fundamentada exclusivamente em testemunha que
ouviu dizer, sem menção à fonte da qual teria partido a informação sobre a
autoria do homicídio.
3. Na hipótese, de acordo com as premissas postas no acórdão impugnado,
não há como submeter o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri com base em
seu depoimento perante a autoridade policial (alterado posteriormente em
juízo, sob o fundamento de que haveria sofrido tortura na fase inquisitorial) e
em uma única declaração - diga-se, colhida apenas no inquérito -, de uma
pessoa que soube por meio de comentários no bairro quem teria sido o autor
do delito.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1734734/MT, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
17/12/2019, DJe 3/2/2020).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE IMPRONÚNCIA MANTIDA

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PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DE
PROVA. SÚM. 7/STJ.
I. A decisão de pronúncia é decisão interlocutória mista, que julga admissível
a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Não devem
seguir a Júri os casos rasos em provas, fadados ao insucesso, merecedores de
um fim, desde logo.
II. No caso, a impronúncia foi mantida pois "os agentes públicos limitaram-se
a relatar o ouvido em diligências efetuadas na comunidade, sem, contudo,
individualizar os informantes. Trata-se de testemunhas indiretas, 'por ouvir
dizer'.
III. Aferir acerca da melhor versão debatida nos autos demandaria o exame
aprofundado do material fático-probatório, vedado em recurso especial,
tendo em vista o óbice da Súmula n. 7 desta Corte Superior de Justiça.
IV. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp
1207244/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 20/2/2018, DJe 28/2/2018).

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA


FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM BOATOS E TESTEMUNHA DE
OUVIR DIZER. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E,
NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
1. A decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação,
sem exigência, neste momento processual, de prova incontroversa da autoria
do delito - bastam indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza
quanto à materialidade do crime.
2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita
somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado
Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em
testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para
submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular.
3. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe per
proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas -
como o norte-americano -, o depoimento da testemunha indireta, por ouvir
dizer (hearsay rule). No Brasil, ainda que não haja impedimento legal a esse
tipo de depoimento, "não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox
publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu,
sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta" (Helio
Tornaghi).
[...]
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para
reformar o acórdão recorrido de modo a despronunciar os recorrentes nos
autos do Processo n. 0702.08.432189-3, em trâmite no Juízo de Direito da
Vara de Crimes contra a Pessoa da Comarca de Uberlândia, sem prejuízo do
oferecimento de nova denúncia em eventual superveniência de provas. (REsp
1674198/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 5/12/2017, DJe 12/12/2017).

Na hipótese vertente, o restabelecimento da decisão do Juízo de primeiro grau


que impronunciou o ora recorrente é medida que se impõe, porquanto inviável admitir-se
o prosseguimento de uma ação penal com fundamento, unicamente, em elementos de
informação produzidos na fase policial, consistentes na confissão extrajudicial (na fase
judicial, o réu permaneceu em silêncio) e em testemunhos indiretos, de insuficiente valor

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probatório, não ratificados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (testemunhas
Renata Rocha e Jefferson Aparecido Magalhães de Almeida), em afronta ao art. 155, do
CPP, ou sem indicação clara da fonte da informação (testemunha Roberto Soares Duarte).

Ora, "configura perda da chance probatória, a inviabilizar a pronúncia, a


omissão estatal quanto à produção de provas relevantes que poderiam esclarecer a autoria
delitiva, principalmente quando a acusação se contenta com testemunhos indiretos e
depoimentos colhidos apenas no inquérito" (AgRg no AREsp n. 2.097.685/MG, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 16/8/2022, DJe
22/8/2022), como na hipótese dos autos.

Ressalto, por fim, a prescindibilidade de revolvimento do conjunto fático-


probatório para restabelecer a decisão de impronúncia, haja vista que, no caso, os fatos
incontroversos já estão delineados no acórdão recorrido e os indícios de que o ora
recorrente teria cometido o crime em apuração foram descritos pela Corte local com base
na confissão extrajudicial e em testemunhos indiretos colhidos na fase policial, não
confirmados em juízo, que apenas reproduziram comentários de terceiros sobre a autoria
delitiva.

Ante o exposto, com fundamento no art. 932, inciso VIII, do CPC, c/c o art.
253, parágrafo único, inciso II, alínea "c", parte final, do RISTJ, conheço do agravo para
dar provimento ao recurso especial, para restabelecer a decisão de impronúncia
proferida pelo Juízo de primeiro grau (e-STJ fls. 476/484).

Intimem-se.

Brasília, 25 de setembro de 2024.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA


Relator

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