moraesunesp,+6439-20844-1-CE
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COGNITIVAS
Resumo: Este artigo investiga o papel que o conceito de representação mental teve no
desenvolvimento das ciências cognitivas. Entendemos que estas ciências apresentam três
paradigmas centrais que se distinguem, principalmente, pela consideração que fazem sobre a noção
de representação mental. O paradigma cognitivista fundamenta-se sobre o entendimento de que a
mente opera sobre um conjunto de representações simbólicas armazenadas e manipuladas em
processos funcionalmente computacionais. O paradigma conexionista descreve a mente como um
sistema de processamento paralelo e distribuído que realiza operações sobre representações
subsimbólicas. O paradigma dinâmico da cognição estuda a mente por outras abordagens, inclusive
não computacionais, que questionam a necessidade explicativa da noção de representação mental.
Um dos modelos mais discutidos na literatura, com relação ao debate entre as visões
representacionalistas e as não-representacionalistas, é o Watt’s Governor, um mecanismo de
autorregulação para caldeiras à vapor. Por um lado, argumenta-se que o Watt’s Governor é um
sistema não-representacional de autocontrole; por outro lado, postula-se que o aparato é um sistema
representacional. Haselager et al. (2003) discutem esse embate e concluem que a ubiquidade da
representação enfraquece este conceito e expõe a falácia de se considerá-la como condição
necessária na explicação de fenômenos mentais. Nesse sentido, discutimos as conclusões desses
autores e abordamos a hipótese de que a semiótica pode oferecer contribuições interessantes às
ciências cognitivas, em suas considerações sobre os tipos e formas das representações.
Abstract: This paper investigates the role that the concept of mental representation has had in
cognitive science development. We understand that cognitive science has three main paradigms
which are distinguished mainly by considerations about the notion of mental representation. The
(classical) cognitivist paradigm bears the understanding that mind operates upon a set of symbolic
representations stored and manipulated by functionally computational processes. The connectionist
paradigm describes mind as a system of parallel and distributed processing which instantiates
operations upon sub-symbolic representations. The dynamical paradigm of cognition studies the
mind by means of other approaches, including non-representational ones, that put under scrutiny the
notion of mental representation as an explanatory necessity. One of the most known and discussed
models in literature, considering the debate between representational and non-representational
points of view, is Watt’s Governor, a self-regulating mechanism used in steam machines. On the
one hand, it can be argued that a Watt’s Governor is a non-representational self-controlling system;
on the other hand, it can be postulated that such device is a representational system indeed.
Haselager et al. (2003) discuss that argument and conclude that the ubiquity of representation
undermines this very concept and exposes the fallacy of considering it as a necessary condition in
1
Docente do Curso de Música, Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul – UFMS. Mestre em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UNESP/Marilia em
2003. E-mail: luis.felipe@ufms.br
https://doi.org/10.36311/1984-8900.2016.v8.n17.06.p85
O debate sobre o representacionalismo nas Ciências Cognitivas
explaining mental phenomena. Thus, we bring that conclusion into question and suggest the
hypothesis that semiotics could offer interesting contributions to cognitive science, in its
considerations about the sorts and forms of representations.
1. Introdução
2
[…] the entire field of control and communication theory, whether in the machine or in the animal.
4
If we take one of the foundational assumptions of cognitive science to be that the mind/brain is a
computational device the mental representation bearer will be computational structures or states. The specific
nature of these structures or states depends on what kind of computer the mind/brain is hypothesized to be. To
date, cognitive science has focused on two kinds: conventional (von Neumann, symbolic, or rule-based)
computers and connectionist (parallel distributed processing) computers. If the mind/brain is a conventional
computer, then the mental representation bearers will be data structure […]. If mind/brain is a connectionist
computer, then the representation bearers of occurrent mental states will be activation states of a connectionist
nodes or sets of nodes.
cronológica, ainda que apresente uma certa linearidade temporal, e o surgimento dos
paradigmas mais recentes não substituiu ou eliminou os mais antigos. Isto é, muitas das
teorias postuladas nas ciências cognitivas assumem, implícita ou explicitamente, a visão
computacional da mente. Em áreas ou subáreas de estudos cognitivos que estão mais
distantes desse debate filosófico sobre representação mental, muitas vezes se assume o
pressuposto da visão computacional tout court.5 Não iremos, neste trabalho, apresentar uma
cronologia do debate sobre a representação mental nas ciências cognitivas, nem das teorias
envolvidas e postuladas nesse debate, nem iremos considerar historicamente todas as
abordagens que vinculam-se a esta ou aquela visão; iremos, diferentemente, apresentar
sinteticamente a discussão da representação mental nas ciências cognitivas, examinando os
três paradigmas que mencionamos, e, posteriormente, discutir um caso em particular no que
se refere às considerações sobre a existência ou não de representações ou de sua
necessidade explicativa, em termos cognitivos. Por fim, indicaremos que o debate sobre as
representações mentais nas ciências cognitivas pode ser bastante elucidado por
considerações advindas da semiótica peirceana.
A célebre frase sem verbos de Jerry Fodor (1975, p. 31) é emblemática com respeito
a como ciência cognitiva tradicionalmente vê a mente humana: “sem representações, sem
computação. Sem computação, sem modelo.”6 Trata-se do mote cognitivista, da máxima
que inúmeros estudos sobre a mente humana carregam, como dissemos, implícita ou
explicitamente. Segundo Pitt (2013, aspas do autor), “a noção de uma “representação
mental” é, argumentativamente, em primeiro lugar, um constructo teórico da ciência
cognitiva.” E o autor, corroborando a máxima de Fodor, continua, dizendo que a
representação mental “é o conceito básico da Teoria Computacional da Mente, de acordo
com a qual estados e processos cognitivos são constituídos pela ocorrência, transformação e
armazenamento (na mente/cérebro) de estruturas informacionais (representações) de um
5
Confira, neste sentido, a crítica de Oliveira (2014) sobre a ausência de debate sobre os modelos mentais
tradicionalmente empregados nos estudos em cognição musical.
6
No representations, no computations. No computations, no model.
tipo ou de outro.”7 Como nos coloca Haugeland (1991) uma representação é algo que está
no lugar de outra coisa e, portanto, a representa; aquilo que ela representa é, então, seu
conteúdo. Esse conceito geral de representação, pode ser adaptado ao conceito mais
específico da representação mental: uma representação mental é algo que está na
mente/cérebro de um organismo e que representa outra coisa — como objetos do mundo
externo, outros seres, outros pensamentos, ideias abstratas etc — e, portanto, a representa;
aquilo que ela representa é, então, seu conteúdo.
Dentro do paradigma cognitivista, a representação mental é vista como um símbolo,
um objeto que não tem nem relação causal nem formal com aquilo que representa, assim
como as palavras da linguagem natural não possuem relações de causalidade ou de
semelhança formal com os objetos do mundo aos quais se referem, ou como um
7
The notion of a “mental representation” is, arguably, in the first instance a theoretical construct of cognitive
science. As such, it is a basic concept of the Computational Theory of Mind, according to which cognitive
states and processes are constituted by the occurrence, transformation and storage (in the mind/brain) of
information-bearing structures (representations) of one kind or another.
8
Sloboda (idem, ibidem) diz que “A natureza desta representação interna, e as coisas que ela permite que o
ouvinte faça com a música é a matéria-prima central da psicologia cognitiva da música.”
9
If, in principle, syntactic relations can be made to parallel semantic relations, and if, in principle, you can
have a mechanism whose operations on formulas are sensitive to their syntax, then it may be possible to
construct a syntactically driven machine would be just what’s required for a mechanical model of the
semantical coherence of thought; correspondingly, the idea that the brain is such a machine is the foundational
hypothesis of classical cognitive science.
10
[…] the semantics of both language and thought is compositional: the content of a complex representation
is determined by the contents of its constituents and their structural configurations.
11
A physical system if thought to realize a particular computational model when there is a one-to-one
mapping between the computational states and their formal structure on the one hand and the physical states
and their physical-causal structure on the other hand.
Porém, a visão do isomorfismo entre estados mentais e cerebrais não implica que
apenas cérebros podem realizar o tipo de computação que cérebros realizam, já que existe,
ao mesmo tempo, no argumento cognitivista, a crença de que esse sistema possa ser
funcionalmente
ionalmente equivalente de outro sistema computacional que não seja implementado em
um cérebro, mas em uma máquina. Em outras palavras, o nível funcional de análise é
diferente da, e não pode ser exclusivamente identificado com a, realização física específi
específica
— o que precisa haver, ao contrário, é uma correspondência isomórfica.
12
ntify the [mental] state in question with its physical or chemical realization would be quite
[…] to identify
absurd, given that the realization is in a sense quite accidental, from the point of view of psychology, anyway.
[…] It is as if we met Martians and discovered thatthat they were in all functional respects isomorphic to us, but
we refused to admit that they could feel pain because their C fibers were different.
revolução conceptual que assinala o advento das ciências cognitivas, e não sua origem,”
mesmo porque os primeiros modelos computacionais como aqueles desenvolvidos por
McCulloch e Pitts (1943) ou mesmo a máquina de Turing (2004) ainda não tinham essa
distinção funcional.
A visão funcionalista da mente associa-se, normalmente, a um entendimento
internalista, “pelo qual se pensa que os conteúdos representacionais [e seus poderes
causais] são determinados apenas pelas propriedades intrínsecas do indivíduo” (PITT,
2013, Seção 7), ou então se postula, em uma visão menos radical, que se pode distinguir
entre conteúdos representacionais em sentido estrito ou lato, sendo que em sentido estrito
os conteúdos são governados pela estrutura sintática do sistema e indiferentes e invariáveis
ao contexto externo, enquanto que os latos são determinados pelos conteúdos estritos
associados a fatores externos. De qualquer forma, o pensamento é um processo (interno) de
geração, manipulação (por um conjunto de regras sintaticamente estruturadas) e
armazenamento de representações internas cujos conteúdos tem poder causal sobre o
comportamento e as ações. Para o cognitivismo clássico o conteúdo e a manipulação das
representações mentais não dependem, causalmente, do ambiente externo justamente
porque as representações representam as características importantes desse ambiente, como
afirmado por Haugeland (1991, p. 62):
13
A sophisticated system (organism) designed (evolved) to maximize some end (e.g., survival) must in general
adjust its behavior to specific features, structures, or configurations of its environment in ways that could not
have been fully prearranged in its design ... But if the relevant features are not always present (detectable),
then they can, at least in some cases, be represented; that is, something else can stand in for them, with the
power to guide behavior in their stead. That which stands in for something else in this way is a representation;
that which it stands for is its content; and its standing in for that content is representing it.
que uma pode fazer, a outra pode fazer, e reciprocamente), que pode ser
considerada em sua estrutura e em seu comportamento uma idealização da
anatomia e da fisiologia do cérebro. Este resultado, na mente de
McCulloch pelo menos, constitui um avanço decisivo, já que não é mais o
cérebro em sua função (a mente), mas também o cérebro em sua estrutura,
o cérebro material, natural, biológico, que é assimilável a um mecanismo
e, mais precisamente, a uma máquina de Turing. É assim que o
cibernético julga resolver o velho problema da alma e do corpo, ou, em
seus próprios termos, do “embodiment of mind.” O cérebro e a mente são
um e outro uma máquina, e a mesma máquina. O cérebro e a mente,
portanto, são um só. (DUPUY, 1996, p. 59, grifo nosso, aspas do autor)
14
Como diz Putnam (1980, p. 134): “We could be made of Swiss cheese and it wouldn’t matter.”
15
Descrever minuciosamente o funcionamento de uma rede neural artificial está fora do escopo deste trabalho
e essa descrição visa apenas oferecer ao leitor não familiarizado com a computação conexionista uma
ilustração. Sugere-se, para maiores esclarecimentos sobre redes neurais, a leitura dos textos técnicos de
Haykin (2008) e Kung (1993), ou a discussão mais conceitual de Churchland e Sejnowski (1992).
Figura 2: A imagem (a) ilustra uma unidade de processamento de uma rede neural típica, com as conexões de entrada Sn,
os pesos de cada entrada Wn, a função de ativação E e a conexões de saída So. A imagem (b) ilustra um exemplo de
arquitetura de rede neuralartificial multilayer do tipo feedforward. (Imagens retiradas de GONZALEZ, 1991)
16
Neste sentido, dos modelos conexionistas, é interessante observar que muita plausibilidade biológica pode
po
não ser apropriado para o estudo da mente pois ““models models that are excessively rich may mask the very
principles the models where built to reveal. In the most extreme case, if a model is exactly as realistic as the
human brain, then the construction and th thee analysis may be expensive in computational and human time and
hence impractical”” (CHURCHLAND; SEJNOWSKI, 1992, p. 137). Acreditamos que eles, os modelos
realistas, seriam interessantes na medida em que se quer construir uma mente artificial, mas para exp
explicações
científicas sem esta pretensão, esses autores dizem que o importante é “[…] make the model simply enough to
reveal what is important, but rich enough to include whatever is relevant to the measurements needed” (idem,
ibidem).
Figura 3: Exemplo de reconhecimento de padrões por processos de aprendizagem supervisionada para duas classes de
categorias, a partir da decomposição de um sinal acústico em vetores de entrada. (Imagens retiradas de GONZALEZ,
1991)
conexões) que representa ao mesmo tempo cada um um dos padrões. Observe na Fig. 3 que
todos as unidades são conectadas a todas as demais unidades. Outra característica
importante de ser destacada nas arquiteturas computacionais conexionistas é que a
população neuronal é sempre a mesma para diferentes representações, fato que van Gelder
(1991) chama da sobreposição (no caso do exemplo da Fig. 3 as duas categorias que a rede
classifica são representadas nos mesmos neurônios da camada de entrada e intermediária).
Em outras palavras, nenhum objeto ou conteúdo ou característica de um objeto é
representado por um único neurônio (van GELDER, 1992).17 Em segundo lugar, outra
característica fundamental das representações distribuídas é que elas apresentam
redundância, visto que várias unidades representam a mesma coisa. A redundância
representacional relaciona-se, ainda, à robustez do sistema quanto a falhas, já que a perda
de uma ou algumas unidades neuronais não implica na eliminação completa de informações
ou representações (ao contrário, se cada unidade armazenasse exclusivamente um símbolo
ou token, sua inoperância resultaria na perda desse código, invariavelmente).
17
Com relação a esta última afirmação, Churchland e Sejnowsky (1992, p. 165) discordam parcialmente:
“[…] in some instances, the vector components may correspond to features such as the color, shape, motion,
etc. of an object, but in other cases there may be no identifiable microfeature corresponding to any
component.
Entretanto, até hoje essa orientação alternativa não tem um nome bem
estabelecido, sendo mais um guarda-chuva que cobre um grupo
relativamente pequeno de pessoas trabalhando em diversos campos.
Propomos como nome o termo enacionismo, para enfatizar a convicção
crescente de que a cognição não é representação de um mundo
preestabelecido por uma mente preestabelecida, mas, ao contrário, é a
atuação de um mundo e de uma mente sobre as bases de uma história da
variedade de ações que um ser executa em um mundo. (VARELA;
THOMPSON; ROSCH, 1991, p. 9)19
As abordagens da cognição adotadas e propostas por este grupo sem nome, que
Varela et al. chamam de enacionistas, nós abarcaremos no que chamamos de paradigma
dinâmico da cognição. Entendemos que, tratando da questão da representação mental, na
18
Associada a esta afirmação existe uma considerável e interessante (e datada) discussão sobre máquinas
serem ou não sistemas dotados de estados mentais, i.e., se máquinas computacionais são apenas modelos da
mente ou se, de fato, elas realizam estados mentais. Neste sentido, Searle (1980), por exemplo, distingue entre
o que chama de inteligência artificial forte e fraca. Esta discussão ultrapassa os limites deste trabalho e, aqui,
estabelecemos o pressuposto (i), acima, em termos epistemológicos nos estudos da cognição e, portanto, não
consideramos e não iremos discutir a tese forte da inteligência artificial.
19
As yet, however, this alternative orientation does not have a well-established name, for it is more an
umbrella that covers a relatively small group of people working in diverse fields. We propose as a name that
term enactive to emphasize the growing conviction that cognition is not the representation of a pregiven world
by a pregiven mind but is rather the enactment of a world and a mind on the basis of a history of the variety of
actions that a being in the world performs.
Se quisermos ser mais pontuais e mais precisos em apontar razões específicas para
esse descontentamento, podemos verificar quais são as ‘dores de cabeça’ que a noção de
representação mental infligiu aos pesquisadores vinculados aos paradigmas
20
First, this claim highlights the fact that our cognitive system is essentially grounded in the brain as it is
integrated with our body. Much of the nature of our cognitive processes is determined by the specific action
possibilities afforded by our body. That is, our cognitive system is not an independent information-processing
system, but a system that is essentially embodied. Second, the dynamical approach emphasizes the fact that
cognition and behavior are the result of the interaction between our cognitive system and its immediate
environment. As such, it stresses the fact that cognition and behavior are embedded in a causal web that
encompasses brain, body, and environment. In all, the dynamical approach entails a framework in which
cognition and behavior are taken to result from complex dynamical interactions between brain, body, and
environment.The advent of the dynamical approach coincides with a growing discontent with the prevailing
approaches to cognition. In particular, there is serious doubt about, and sometimes strong dissatisfaction with,
the traditional view that cognition should be defined in terms of computational transformations over internal
representations.”
Ao contrário de ações que podemos fazer em domínios tais quais esse mundo
cristalino do jogo de xadrez, as ações diárias que realizamos parecem ser melhor explicadas
sem a mediação da representação mental e do processamento de informação
necessariamente requerido. Gibson (1979, 1966) propôs a teoria da percepção direta, e a
21
Encontra-se, muitas vezes, variações na grafia deste termo, que ora se apresenta como representacionalismo
e ora como representacionismo. Tratamo-os como sinônimos.
22
This [symbolic] approach to cognition as problem solving works to some degree for task domains in which
it is relatively easy to specify all possible states. Consider for example the game of chess. It is relatively easy
to define the constituents of the “space of chess:” there are positions on the board, rules for movements, turns
that are taken, and so on. The limits of this space are clearly defined; in fact, it is an almost crystalline world.
It is not surprising, then, that chess playing by computer is an advanced art.
chamou de direta por que explica a relação entre percepção e ação sem a mediação de
representação mental, especialmente nessas questões vinculadas ao problema do frame.
Gibson explica as ações estabelecendo uma ligação causal não-mediada entre percepção e
ação, porque, como colocam Michaels e Carello (1981, p. 47), “para a percepção ser válida
(e valiosa), ela deve estar manifesta em ações apropriadas e efetivas em um ambiente. E,
por sua vez, porque ações, para serem efetivas e apropriadas, devem estar restringidas por
percepções precisas do meio ambiente.”23
O problema da estrutura representacional diz respeito a forma adequada de
representação para explicar os processos cognitivos. Vimos, neste trabalho, que o modelo
de representação simbólica, apesar de dominante dentro das teorias cognitivas propostas,
limita-se, em seu alcance explicativo a certos domínios; por outro lado, que o advento do
conexionismo possibilitou a superação de falhas dos modelos clássicos, embora também
apresente limitações em seu alcance explicativo. Encontra-se na literatura uma considerável
quantidade de artigos de proponentes de ambos os modelos, com réplicas e tréplicas que
visavam estabelecer os limites dos modelos explicativos. Haselager (2004, p. 4) nos
esclarece que o problema mais preocupante é que ambos os lados estão certos:
23
For perception to be valuable, it must be manifested in appropriate and effective actions on the
environment. And, in turn, for actions to be appropriate and effective they must be constrained by accurate
perception of the environment.
24
Among computational adaptive methods, Evolutionary Computation (EC) is the one inspired into the
biological strategy of adapting populations of individuals, as initially described by Charles Darwin. EC is
normally used to find the best possible solution to problems when there is not enough information to solve it
through formal (deterministic) methods.
Quando van Gelder (1998), em seu seminal artigo, formula a hipótese dinâmica do
estudo da cognição ele assume que sistemas cognitivos podem ser ontologicamente
sistemas dinâmicos ou podem ser descritos enquanto tal. Um dos modelos mais populares
na discussão
ão dinâmica da cognição, tanto pelo lado daqueles que defendem esta abordagem,
quanto pelo lado dos que continuam a estudar processos cognitivos pelos paradigmas
computacionais, é o Watt’s governor ou controlador centrífugo, o qual Tim van Gelder
(1995) já havia vinculado à questão da cognição em termos não computacionais.
não-computacionais.
Figura 4: Representação ilustrativa de um Watt’s governor, um dispositivo de finais do século XVIII empregado para
controlar a pressão de admissão de vapor em máquinas de tecelagem.
A Fig. 4 ilustra esse dispositivo que foi criado por James Watt para controlar a
pressão de admissão de vapor para máquinas de tecelagem. Tal dispositivo pode ser visto
como um sistema que controla (ou autocontrola) a pressão de vapor pelo acoplamento
físico com uma máquina movida a vapor. A rotação do motor é transmitida por uma correia
ao eixo vertical no lado esquerdo da Fig. 4. Por influência da força centrífuga, em oposição
à força da gravidade, a velocidade da rotação transmitida a este eixo faz com que as massas
cilíndricas movimentem-se centrífuga ou centripidamente. Articulado às massas, liga-se um
eixo de conexão que movimenta a válvula de admissão de vapor do motor. Dessa forma,
fecha-se um círculo de causalidade que autorregula a velocidade de rotação do motor em
função da manutenção da pressão de admissão de vapor.
Tim van Gelder, assim como todos os dinamicistas que o seguem analisando o
controlador centrífugo, entendem que se trata de um sistema que consegue se autorregular
sem envolver a noção de representação. O paradigma dinâmico da cognição traz à luz
diversos conceitos da teoria dos sistemas dinâmicos aplicados ao domínio da cognição,
como a auto-organização, propriedades, estruturas e comportamentos emergentes,
acoplamentos informacionais e a crítica recorrente o emprego da representação mental
como condição necessária para explicações da cognição e, por extensão, de sistemas que
apresentam comportamentos autônomos, mesmo se não o considerarmos, de fato, sistemas
cognitivos. Se voltarmos às origens cibernéticas da ciência cognitiva é possível entender
que este aparato de controle tem muito em comum com os interesses daqueles
pesquisadores (mecanismos de autocontrole com a utilização de feedback em relações
causais e/ou informacionais). Parece, então, que a ciência cognitiva, em suas próprias
origens, optou por enxergar os fenômenos que estudava sempre pelo viés da representação
interna; esquecendo-se que, em muitos casos, possam existir outras explicações, às vezes
mais simples e diretas — lembremos da questão da dependência. Haselager (2004, p. 6)
traduz a solução que van Gelder diz ser aquela que um cientista cognitivo tipicamente
apresentaria para solucionar a regulação das máquinas de tecelagem a vapor:
Figura 5: Análise diagramática de Betchel (1998) do controlador centrífugo (a), e como sistema representacional (b),
onde X é o objeto ou evento representado, Y o objeto ou evento representando e Z o sistema que usa Y para coordenar o
comportamento com X.
6. Considerações finais
Referências
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SHELLARD, M., OLIVEIRA, L. F., FORNARI, J. E., and MAZOLLI, J. Abduction and
meaning in evolutionary soundscapes. In: Model-based reasoning in science and
technology. Berlin: Springer, v. 314, n. X, 2010.
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2008.
TURING, A. M. Computing machinery and intelligence. In: COPELAND, B. J. (Ed.). The
Essential Turing: Seminal Writings in Computing, Logic, Philosophy, Artificial
Intelligence, and Artificial Life, Plus the Secrets of Enigma. New York: Oxford University
Press, 2004.
VARELA, F. J.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. The embodied mind: cognitive science and
human experience. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1991.
WIENER, N. Cybernetics or Control and Communication in the Animal and the Machine.
2. ed. Cambridge, MA: MIT Press, 1961.