A_trajetoria_do_conceito_de_pessoa_no_Oc
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ISSN: 0120-3649
revistascientificasjaveriana@gmail.com
Pontificia Universidad Javeriana
Colombia
RESUMO
*
Este texto é o resultado de um estudo feito no grupo de pesquisa “Interfaces da antropologia
na teologia contemporânea”, ao longo dos anos 2010-2011, tendo sido concluído em 2012,
por ocasião de um estágio pós-doutoral em Paris, França. Recepção: 13-06-13. Avaliação:
13-11-13. Aprovação: 21-11-13.
**
Doutor e Mestre em Teologia, Facultés Jésuites de Paris, Centre Sèvres, Paris, França; Bacharel
em Filosofia e Teologia, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE, Belo Horizonte, MG,
Brasil. Atualmente é professor de Antropologia teológica e Escatologia cristã na FAJE, onde
é diretor do Departamento de Teologia e coordena o Programa de Pós-Graduação. Correio
eletrônico: geraldodemori@faculdadejesuita.edu.br
THEOLOGICA XAVERIANA – VOL. 64 NO. 177 (59-98). ENERO-JUNIO 2014. BOGOTÁ, COLOMBIA. ISSN 0120-3649
LA TRAYECTORIA DEL CONCEPTO DE PERSONA
EN OCCIDENTE
Resumen
El presente estudio retoma la historia del concepto persona en
el pensamiento occidental. Inicia con la lectura de la evolu
60 ción semántica de los términos que denotaron este concepto
en su origen, es decir, de las palabras persona, supuesto e
hipóstasis, mostrando su significado teológico, cristológico y
antropológico a la luz de la reflexión de algunos teólogos pa
trísticos. Posteriormente, analiza la evolución del concepto en la
filosofía latina, en especial con los aportes de Boecio y la teología
medieval. En un tercer momento, el artículo muestra cómo la
filosofía moderna y contemporánea ha abordado el concepto
y su relación con otros términos antropológicos, para finalizar
con una lectura de su significado en el pensamiento actual.
Palabras clave: Persona, supuesto, hipóstasis, relación, imagen.
Abstract
This study traces the historical development of the concept
of person in Western thought. It begins with an overview
of the semantic evolution of the terms originally assigned to
the concept, that is to say, the words person, prosopon and
hypostasis, showing their theological, christological and an
thropological meanings in the light of the reflection of some
Patristic theologians. The paper then analyzes the evolution
of the concept in Latin Philosophy, particularly with the con
tributions of Boethius in medieval Theology. Later, the study
shows the modern and contemporary philosophical approaches
to the concept and its relations with other anthropological
terms; finally, the current meaning of the term is discussed.
Key words: Person, prosopon, hypostasis, relation, image.
Persona
Originalmente persona, que deu origem a pessoa, não tinha sentido filosófico,
designando “papel” ou “personagem”, no contexto do teatro, “máscara”, no
século II a.C., as “pessoas do verbo”, no século I a.C. Este último significado,
segundo Meunier, já pode ter sido a tradução para o latim de prosôpon, tal
como o entendiam os gramáticos gregos.1
1
Meunier, “‘Persona’ en latin classique”, 23.
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Há um sentido jurídico também, que designa os indivíduos humanos,
objeto do direito, que tem a ver com pessoas, coisas e ações (personas, res, actio
nes). Em Cícero, persona é o ser humano do ponto de vista de seu papel social,
de sua condição socioprofissional.2 Em suas obras de oratória, o grande escritor
latino confere ao termo o sentido de “personagem”, próximo ao de “papel” de
teatro ou ao de “tipo” ou “figura”.
62
Nos tratados de retórica, ele fala da necessária consideração das pessoas,
embora estas sejam vistas por seus atributos, que podem ser físicos, sociais ou
profissionais, não tendo nada a ver com a interioridade e a subjetividade. Ele
evoca ainda o “personagem” social que nos impõem as circunstâncias (poder,
notoriedade, riqueza etc.), o que escolhemos (dedicar-se a uma profissão, cul-
tivar uma virtude etc.) e o que nos é próprio (características físicas, qualidades
morais).
Em Sêneca, persona também indica o papel social, ou, no contexto do
teatro, a “máscara”, que esconde a realidade, oposta a facies, o verdadeiro rosto.
Assim, no momento em que a fé cristã entra em cena da antiguidade, o termo
persona tinha vários sentidos, sendo utilizado em domínios diversos, embora
houvesse certa unidade ao redor do termo “personagem”, com seus significados
no plano social, literário e teatral, mas com um uso jurídico muito importante,
pois fazia de persona o sujeito responsável pelos seus atos. A noção permanece,
contudo, exterior, utilitária, não levando em conta o indivíduo enquanto tal.3
Tertuliano é o primeiro grande escritor cristão latino. Sua obra, do início
do século III, terá uma posteridade importante. Ele utiliza o termo persona em
sentido trinitário e cristológico, embora também nos sentidos usual, jurídico
e na exegese. A obra Adversus praxean, escrita por ele para opor-se à heresia
modalista4, o faz recorrer à regula fidei e à maneira como a Bíblia exprimia a
verdade divina.
2
Nédoncelle, “Prosôpon et persona dans l’antiquité classique. Essai de bilan linguistique”,
297-298.
3
Meunier, “‘Persona’ en latin classique”, 28.
4
A tese fundamental do modalismo é que há um só Deus, que se manifesta ora como Pai, ora
como Filho, ora como Espírito Santo. As distinções trinitárias são estritamente econômicas,
ou seja, têm a ver com a maneira como Deus se manifestou na história da salvação, não tocam,
portanto, o ser de Deus. Na cristologia, os modalistas não distinguiam Jesus do Cristo, a carne
do espírito, o homem de Deus.
5
Tertuliano, “Adversus praxean”, 7, 2-3.
6
Ibid., 7, 5.
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o teólogo africano os torna indissociáveis e irredutíveis em sua individualidade.
Do ponto de vista cristológico, ele sustenta, contra os modalistas, a distinção
das substâncias.
[Segundo ele], vemos duas substâncias, não confundidas, mas conjuntas numa
única pessoa, Deus e o homem, em Jesus [...] e, portanto, a propriedade de
cada uma das duas substâncias é conservada, de modo que o Espírito faz o que
64
é seu, os atos de poder, as obras e os sinais, e a carne prova o que lhe é próprio,
ela tem fome com o demônio, sede com a Samaritana, ela chora Lázaro, ela é
tomada de angústia até à morte e, enfim, ela morre.7
7
Ibid., 27, 11.
8
Bertrand, “’Persona’ dans ‘La Trinité’ d’Hilaire de Poitiers”, 71.
9
Quatrefages, “Augustin et ‘Persona’”, 73-99.
10
Agostinho. Epistola 127, 11.
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integrante de sua natureza.”11 Agostinho evitará doravante os termos “utilização”
e “mistura”: “Da mesma forma que o ser humano é uma pessoa, ou seja, alma
racional e carne, também o Cristo é uma pessoa, Verbo e homem.”12 De fato,
constituído de duas naturezas, o Cristo é um todo, um personagem (persona
visibilis) resultante da união. Isso é reiterado no Sermão 186:
66 O Verbo, ao se fazer carne, não deixou de ser Verbo, de tal modo que essas
duas naturezas não são confundidas, mas unidas na pessoa. Deus mesmo, que
é humano, e este homem, que é Deus, não o são pela confusão das naturezas,
mas pela unidade da pessoa.13
11
Idem. De natura et origine animae 3, 5.
12
Idem, Enchiridion 11, 36. No Tractatus in Iohannis XIX, 15, Agostinho retoma, nos mesmos
termos, o que ele afirma aqui: “Da mesma forma que a alma que tem um corpo não se torna
com ele duas pessoas, da mesma forma o Verbo que tem o homem não faz com ele duas pe-
ssoas, mas um só Cristo.”
13
Idem, Sermo 186,1.
Prosôpon
O termo prosôpon não se enquadra no mesmo campo semântico de persona,
já que seu significado primeiro é “rosto”, e persona nunca teve esse sentido.
Prosôpon designa o rosto humano, mas pode também indicar a fachada de um
14
Idem, De Trinitate VIII, 1.
15
Ibid., V, 7; V, 12.
16
Idem, Epistolae 170, 6.
17
Idem, De Trinitate IX, 1. In Idem.
18
Quatrefages, “Augustin et ‘Persona’”, 96.
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edifício ou a face de qualquer coisa. Homero e os trágicos do século V a.C,
sempre o utilizam nesse sentido, muitas vezes associando-o a “olhar”. Às vezes
prosôpon expressa sentimento (cólera, medo), quase nunca “máscara”. O mesmo
uso se encontra no corpus filosófico antigo, que nunca lhe deu sentido filosófico.
Já os gramáticos, a partir do século II a.C., recorrem a ele para dizer a
68 pessoa do verbo (eu, tu, ele), como o haviam feito os gramáticos latinos para
persona. Na época helenística prosôpon passa a designar ainda “personagem” e
“papel”, e isso também contribuiu para que se tornasse o equivalente de persona.
Na época pós-clássica, a retórica introduz um uso de prosôpon análogo ao de
persona: o de personalidade social e moral. Na Septuaginta prosôpon é um termo
chave, traduzindo vários termos hebraicos, sobretudo, panin: o “rosto”, a “face”.
Ele se aplica a Deus, podendo ainda designar a “face de” (Israel, da terra). Filo o
utiliza com esse sentido, mas conhece também o uso retórico de “personagem”.
Entre os autores cristãos dos primeiros séculos, prosôpon é utilizado, so-
bretudo, em citações bíblicas, com o sentido de “rosto”, “face”, “falar em nome
de”. Raramente designa “papel”, embora em alguns autores evoque “personagem”
e “indivíduo”. Só nos séculos III-V ganha sentido teológico.19
Em teologia prosôpon foi empregado em dois contextos: o trinitário, no
século III, para designar os três em Deus; o cristológico, no final do século IV,
para dizer que o Cristo é um, ou seja, um só prosôpon, em duas naturezas, a
divina e a humana. Nos dois casos seu uso foi associado ao termo hupostasis. A
seguir será mostrado como isso se deu e que autores tornaram possível seu uso
como termo técnico para designar pessoa.
Hipólito de Roma foi o primeiro a utilizá-lo no contexto anti-monar-
quianista.20 Contra os que afirmavam que o Pai, o Filho e o Espírito Santo
eram aspectos ou funções sucessivas do mesmo ser divino, Hipólito responde
dizendo que o Pai e o Filho têm uma existência distinta, sem ser dois deuses.
19
Meunier, “Le dossier ‘Prosôpon’”, 107-121.
20
O monarquianismo é a doutrina que enfatiza a unidade absoluta de Deus, contrária à doutrina
trinitária. Suas versões mais importantes foram o modalismo ou sabelianismo, que considera
que Deus é uma só pessoa, manifestando-se de vários modos como Pai, Filho e Espírito Santo,
e o adopcionismo, que diz que Jesus foi adotado por Deus, mas que ele não era Deus. Uma
de suas vertentes é o arianismo.
21
Hippolyte de Rome, “Demonstratio”, 14.
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hipóstase manifesta um prosôpon como o Pai, ou o Filho, ou o Espírito Santo;
pois dizemos, seguindo as definições dos padres, que a hupostasis, o prosôpon e
a particularidade (idiotès) são a mesma coisa.22
22
Teodoreto de Cyr. Eranistes I, 1. 11-16, 65.
23
Segundo Meunier, esta declaração foi feita no sínodo de Constantinopla de 448, e transmitida
nas atas do Concílio de Calcedônia, 1ª Sessão. Ver Meunier, “Le dossier ‘Prosôpon’”, 153,
Nota 2.
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vamente no sentido de individualidade. Já ousia é pouco fixado em Orígenes,
indicando ora o aspecto individual ora o aspecto comum em Deus.
O uso de hupostasis no século IV se dará no contexto da crise ariana.
Atanásio, por exemplo, o aproxima de ousia, enquanto os teólogos Capadócios,
sobretudo Basílio, lhe darão maior precisão conceitual.
72 De fato, em seus primeiros escritos.24 Basílio fala da semelhança de
substância (ousia) no Pai e no Filho, que se exprime pelo termo homoousios ou
pela expressão homoioskat’ ousian, e da distinção das hipóstases na igualdade
das pessoas. Ele busca ainda demonstrar que apesar de uma comunidade de
substância, cada um na Trindade tem propriedades (idiotès) distintas. O ter-
mo ousia não é o equivalente de hupostasis segundo ele, que evita por isso o
termo homoousios e recorre a vocábulos que expressam a ideia de comunidade,
comunhão (koinonia) de substância, pois permitem melhor distinguir as pessoas
na Trindade. Para falar das pessoas, ele não recorre nem a prosôpon, que ele
conhecia, nem a hupostasis.25
[Para ele], as propriedades (idiotès) como características (charactères) e formas
consideradas na substância, fazem uma distinção (idiazousi) no que é comum
(koinon) graças às características que as particularizam, mas elas não rompem a
conaturalidade (homophues) da substância. [...]. A divindade é comum (koinon),
mas a paternidade e a filiação são propriedades (idiômata); e da combinação
dos dois elementos, do comum (koinou) e do próprio (idiou), se opera em
nós a compreensão da verdade [...] tal é, de fato, a natureza das propriedades
(idiômata), de mostrar a alteridade (tèn heterotèta) na identidade (te tautotèti)
da substância.26
24
Saint Basile, “Lettre IX. À Maxime, Philosophe”, 39; Basile de Césarée, “Contre Eunome
I, 18, 9”, 236.
25
No “Contre eunome”, Basílio evita hupostasis para designar pessoa, mas não na “Lettre IX”.
Ver Bonnet, “‘Hupostasis’ et ‘prosôpon’ chez les Cappadociens au VIe siècle”, 188.
26
Basile de Césarée, “Contre eunome II, 28”, 117-123.
27
Isso aparece na “Lettre LII. À des religieuses”, 135, onde ele retraça a história da fórmula
de Niceia.
28
Basílio de Cesareia, “Lettre 210”, 5, T. 2, 195.
29
Gregoire de Nazianze, “Discurs 39”, 11.
30
Pseudo-Basile (Grégoire de Nysse), “Lettre 38”, 6.
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(phuseis); há um só Filho, antes e depois da encarnação, homem e Deus (...) e
não uma pessoa (prosôpon) para o Deus Verbo e outra para o homem Jesus.31
31
Apollinaire de Laodicée, Hè kata merospistis, 28, 177.
32
Meunier, “Le dossier ‘Prosôpon’”, 214.
33
Ibid., 235-242.
34
Boèce, Contre Eutychès et Nestórius, Prooemium, 67.
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Boécio apresenta a seguir o plano de seu tratado: uma parte metodológica
enunciando as definições dos termos natura e persona (c. 1-3); refutação das
heresias de Nestório e Eutiques (c. 4-6); exposição da solução, manifestando,
enfim, a via mediana entre as duas heresias (c. 7).
Boécio começa então definindo os termos natura e persona, que corres-
76 pondem respectivamente a ousia e hupostasis em grego. Ele mostra também que
persona é dita nas substâncias. Que tipo de substância? Segundo ele, existem
as substâncias corpóreas e as incorpóreas, as racionais (Deus, os anjos, o ser
humano) e as irracionais, e, mais precisamente, as individuais ou singulares.
Nessas definições persona aparece como um conceito que permite dife-
renciar as naturezas, não sendo, portanto, seu equivalente. Feito esse caminho,
Boécio chega ao seguinte conceito de pessoa: “...se a pessoa está somente nas
substâncias, e nas substâncias que são racionais, e se toda substância é uma
natureza estabelecida não nas universais, mas nas individuais, pode-se então
defini-la como substância individual de natureza racional” (naturae rationabilis
individua substatia).35
Segundo Boécio, “com esta definição determinamos o que os gregos
chamam hupostasin”.36 Após fazer a equivalência entre o grego hupostasis e o
latim persona, ele afirma que os gregos chamam de hupostasis a subsistência
individual (individua subsistentia). Ora –observa Bély–, antes Boécio tinha
definido persona como substantia individua.
O que significa a introdução do subsistentia? Que relação existe entre os
termos substantia e subsistentia? A substância enquanto suporte –diz Boécio– é
“sujeito por acidentes”, já a subsistência reenvia ao fato mesmo de existir, de
ser, independentemente dos acidentes: “subsiste o que em si mesmo, a fim de
poder ser, não tem necessidade de acidentes”37.
Estabelece-se assim uma espécie de intermediário entre o fato de existir
e perseverar no ser, independentemente dos acidentes, e a realidade das subs-
tâncias como suporte dos acidentes. Entre a essência universal e a substância
individual, se encontra a subsistência, a ousiôsis. Daí sua conclusão:
35
Ibid., 3.
36
Ibid.
37
Ibid.
38
Ibid.
39
Ibid., 7.
40
Bély, “‘Persona’ dans le traité théologique Contre Eutychès et Nestorius de Boèce”, 275-276.
41
Housset parece situar-se ao lado desse tipo de crítica. Ver, Idem. La vocation de la personne.
L’histoire du concept de personne de sa naissance augustinienne à sa redécouverte phénomé-
nologique, 102-124.
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Essa crítica não leva em conta que ele também propõe em sua obra sobre a
Trindade uma reflexão onde o Pai, o Filho e o Espírito não são afirmados
substancialmente da divindade, mas relativamente. Ele toma em conta a própria
relação, o Pai, o Filho e o Espírito são ditos ad aliquid, as relações internas que
exprimem suas relações se apresentam como uma forma de alteridade inédita,
pois não modifica em nada a simplicidade essencial do Deus uno.42 Este modo
78 de pensar a relação abrirá espaço para as reflexões da escolástica medieval.
42
Bély, “‘Persona’ dans le traité théologique Contre Eutychès et Nestorius de Boèce”, 276; Housset,
La vocation de la personne. L’histoire du concept de personne de sa naissance augustinienne à sa
redécouverte phénoménologique, 124.
43
Malet, André. Personne et amour dans la théologie trinitarie de Saint Thomas d’Aquin, 32-36.
44
Ibid., 37-42.
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comum aos três (o quod), abstraído das distinções pessoais, é a ousiosis. Se
considerarmos esse sujeito como tríplice, ou seja, como três sujeitos distintos,
chegamos à hipóstase ou à pessoa.
A hipóstase é a base de sustentação sem propriedade determinada, e a
pessoa é a hipóstase atingida por uma propriedade determinada presente numa
natureza racional. Hipóstase e pessoa não podem, portanto, fazer abstração das
80
relações ou propriedades, embora se relacionem com elas de modo distinto. A
hipóstase nada mais é do que uma relação à propriedade, enquanto a pessoa
engloba a relação ou a propriedade. Com isso a noção de pessoa atinge o ápice
da distinção: ela é da ordem do único, o extremo oposto de ousia, que é da
ordem do universal.
Alexandre propõe também uma reflexão sobre as processões divinas, cuja
raiz é o amor e o bem. Para o teólogo franciscano, a bondade é a principal razão
do número em Deus (processões), pois a glória do bem está na comunicação,
que é de um sujeito a outro. Por isso, onde há comunhão sempre há pluralidade
de pessoas.45
Boaventura (1221-1274) deve muito de sua reflexão sobre pessoa a
Alexandre, seu mestre. Para distinguir essência e pessoa ele retoma a diferença
entre quo e quod:
Em toda substância que tem o ser e o agir, é preciso distinguir a natureza e aquele
que a possui. Em Deus, afirmamos a natureza e quem a possui. Chamamos a
natureza de substância ou essência, e quem a possui de pessoa [...]. Como em
Deus a natureza possuída é numericamente una, só há uma substância ou essên-
cia, mas como há vários que a possuem, há várias pessoas.46
Boaventura assume também de Alexandre a afirmação de que a pessoa
é constituída pelas suas propriedades, mas distingue nelas dois momentos:
(1) propriedade de origem (a inascibilidade, a geração e a espiração ativa); (2)
propriedade de relação (paternidade, filiação e espiração passiva).47
Além desse acento dado a pessoa, que retoma a reflexão dos padres gregos,
em diálogo crítico com a definição de Boécio, a teologia medieval latina também
45
Ibid., 42-48.
46
Boaventura, I Sententiae, dist. 23, a. 2,1. 2.
47
Malet, Personne et amour dans la théologie trinitarie de Saint Thomas d’Aquin, 48-53.
48
Segundo Malet, isso aparece no Monologion, c. 38. 43. 79, mas também nos c. 63-64, que
tratam das processões divinas e do engendramento, conhecimento e amor em Deus. Ibid.,
57-59.
49
Boaventura, I Sententiae, dist. 23, a. 2, q. 2.
50
Housset, La vocation de la personne, 156.
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Um dos elementos conceituais da noção tomista de pessoa, segundo
Malet, é o termo suppositum ou subjectum (substrato ou sujeito).
– “Subpositum” é o fundamento último sobre o qual tudo repousa, aquilo
sob o qual não há mais nada, o princípio último de atribuição de tudo o que
constitui um ser. A composição metafísica do ser concreto é feita de diversos
82 elementos: forma, matéria, essência, acidentes, existência, mas todos pertencem
a uma realidade última na qual se estabelecem e que não pertence a nenhum
deles, já que se pertence a si mesma e existe em si, por si e para si.
– “Subjectum” tem o mesmo sentido: o que sustenta e está abaixo como
fundamento. O sujeito não tem nada sob si, sobre o que se apoiar, ele é o su-
porte último de todos os elementos constitutivos de um ser e, portanto, de seu
próprio substrato. É a propriedade de se sustentar no ser e de nele sustentar
todo o resto que constitui o mistério do substrato ou do sujeito. O sujeito é
sujeito porque é centro último de atribuição de tudo sem ser ele mesmo atri-
buído a nada. Ele assume tudo e não é assumido por nada, ele é princípio
último de assunção. Por isso, ele é “incomunicável”, ou seja, é individualidade
subsistente numa natureza.51
A incomunicabilidade –diz Housset– é a propriedade de um indivíduo
real, indiviso e distinto dos demais. Esta propriedade indica que cada pessoa
possui uma consistência real por si, incomunicável aos demais, que a torna
única em sua ipseidade.52
Em sua releitura da definição boeciana de pessoa, Tomás observa que há
que entender os termos desta definição da seguinte maneira: “substantia” deve
ser vista não no sentido de essência, mas de substrato ou sujeito, como o que
subsiste no gênero da substância. O adjetivo “individua” da definição marca
o caráter incomunicável e não atribuível da “substantia”.
Boécio fala ainda de “subsistentia”, termo que significa existir por si e não
por outro, e que é igualmente denominada “hupostasis”, enquanto suporte dos
acidentes. Ao invés de substância Tomás prefere subsistência, pois o primeiro
significa também a essência e se presta a equívocos. Quanto à pessoa, esse termo
51
Malet, Personne et amour dans la théologie trinitarie de Saint Thomas d’Aquin, 88.
52
Housset, La vocation de la personne, 203.
53
Aquino, I Sententiae, dist. 6, q. 2, a.I; dist. 19, q. 4, a 3, ad 3m.
54
Malet, Personne et amour dans la théologie trinitarie de Saint Thomas d’Aquin, 90.
55
Aquino, De potentia, q. 9,a, ad 4m; Idem, I Sententiae, dist. 23,a. 2, ad 2m.
56
Ibid.
57
Aquino, De potentia, q. 9, a. 3; id., a. 4.
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Assim, em Deus, a pessoa é um id quod que possui um id quo (ou na-
tureza) puramente espiritual e totalmente simples, ou seja, um substrato que
existe por si e possui uma natureza espiritual. Nesse sentido, a definição de
Boécio convém a Deus, desde que se entenda a expressão “rationalis naturae”
como natureza puramente espiritual e não discursiva, o termo “individua”
como incomunicabilidade, e o termo “substantia” como a existência por si.
84
Em Deus a pessoa se define também pela relação. Agostinho já havia
visto isso, mas sem o tematizar adequadamente. Segundo Tomás, a pessoa não
é um simples substrato de relações mundanas acidentais, ela não é um nó de
relações. A compreensão da Trindade dá acesso a outro tipo de relação, que
permite fundar a unidade da pessoa e a diversidade das pessoas, pois torna po-
ssível pensar uma diferença na unidade de essência, que não é simplesmente a
diferença entre o ser e a essência.
Esta nova forma de relação é não acidental, mas substancial. De fato, em
Deus podem-se distinguir três modos de existência sem pôr em causa a unidade
da essência. A pessoa, seja ela no homem ou em Deus, significa sempre o que
é distinto e que tem a ver com a substancialidade e a incomunicabilidade. O
modo de realização desta distinção, porém, não é idêntico no ser humano e em
Deus. De fato, a pessoa humana possui seus princípios de individuação próprios,
ligados a um corpo e a uma alma precisos, e isso não entra na significação co-
mum da pessoa.
Já em Deus não pode haver diferenças acidentais, pois nele só há distin-
ções em razão das relações de origem: as relações são reais sem dividir a unidade
de sua essência. Portanto, a categoria de relação não põe em questão a substância,
pois sua razão formal própria não se dá com relação ao sujeito no qual ela existe,
mas em relação a alguma coisa de exterior, ou seja, a relação é relação para.
Esse “para” introduz uma alteridade em Deus sem provocar uma ruptura,
ou seja, em Deus o ser das relações é necessariamente idêntico ao ser da essência,
mas sua razão formal, seu esse ad, constitui um laço entre as distintas pessoas.
É esta distinção entre o ser da relação e sua razão formal que conduz ao conceito
de “relação subsistente”, que permite pensar uma relação em Deus sem fazer
depender o absoluto do que ele não é:
...da mesma forma que a deidade é Deus, também a paternidade divina é Deus
pai, ou seja, uma pessoa divina. Assim, a “pessoa divina” significa a relação en-
quanto subsistente, ou, dito de outro modo, ela significa a relação pela maneira
58
Idem, Suma teológica I, q. 29, a.4.
59
Ibid.
60
Ibid., q. 31, a. 2, sol. 3.
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que a pessoa humana, como imagem de Deus, só possa ser verdadeiramente
pensada pelo reconhecimento de uma forma de pluralidade no ser, que faz
com que cada pessoa tenha sua vocação própria. Tomás de Aquino nos leva
então a pensar a relação como condição de possibilidade do si e de sua essencial
transitividade.61
61
Housset, La vocation de la personne, 209.
62
Guilluy, “Personne”, 48.
63
Locke, Essays II, 27, 9.
64
Kant, Le conflit des facultés, 841.
65
Idem, Critique de la raison pratique, I, 3, 701.
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como um fim e nunca simplesmente como um meio.”66 Tratar as pessoas como
um fim significa tratá-las como seres que devem poder conter em si mesmos
o fim pelo qual se age. O respeito devido ao outro nesta máxima não implica,
porém, nenhuma comunhão, que era a fonte mesma do conceito de pessoa que
se desenvolveu à luz da teologia trinitária na época precedente.
88 O século XIX exacerba ainda mais a afirmação do eu. Fichte, por exemplo,
tende a absorver no “eu” tudo o que tem o estatuto de “não eu”. Já Hegel, apesar
de pensar a saída de si e retomar vários pontos da doutrina trinitária, oculta
as relações interpessoais em Deus, na humanidade e nas relações entre Deus e
os seres humanos. Cada uma dessas relações é transformada em oposição su-
jeito-objeto, que, negada e ultrapassada, conduz à comunhão final e absoluta.
A síntese reúne a diversidade na unidade, além de ativar o estatístico no
dinâmico e fazer o relativo acedera o absoluto. Mas a comunidade interpessoal
dos seres humanos não chega à comunhão absoluta na intimidade interpessoal
trinitária de Deus. Na verdade, a Trindade não é mais em Deus relação
interpessoal de amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo, pois a natureza é
introduzida em seu seio como emanação da objetividade divina, substituindo a
filiação interpessoal do Verbo. Por sua vez, a humanidade não é mais a família
universal de múltiplas pessoas em comunhão entre si, criadas à imagem da
Trindade, já que a natureza se realiza e se completa numa humanidade histórica
e divina, mais coletiva que individual.67
Marx reage ao caráter abstrato do sistema de Hegel e propõe uma leitura
das relações que compõem a história concreta da humanidade, marcada por
interesses e por uma luta entre capital e trabalho. Contudo, a perspectiva do
materialismo dialético é a de um acesso ao humano pela fusão no coletivo,
visto como humanidade universal ou sociedade sem classes, perdendo-se a
unicidade do indivíduo e a dimensão interpessoal. Algo parecido ocorre com
o positivismo de Augusto Comte e sua crença na ciência, que tudo objetiva
e para isso deve abstrair do que é sentimento, crença e opinião, em benefício
de uma religião da humanidade, cujo deus não é pessoa, mas a razão abstrata.
66
Idem, Fondements de la métaphysique des mœurs, II, 150-151.
67
Guilluy, “Personne”, 51.
O personalismo
O século XX vê o surgimento do personalismo como reação ao esquecimen-
to de muitos aspectos constitutivos do eu pela modernidade. Max Scheler
(1873-1928), discípulo de Husserl, em sua reflexão sobre o arrependimento,
o pudor, o ressentimento e a simpatia, sublinha a ordem de valores e insiste
sobre a essência axiológica da pessoa, enquanto centro espiritual, originalmente
singular, de todos os nossos atos reais e possíveis. Para ele, a pessoa é ela própria
“essência singular de valor”, chamada a realizar “a imagem de valor”’, ou seja, a
vocação que não cessa de lhe propor o amor divino. Para realizar esta vocação
ela necessita unir-se aos outros num movimento de simpatia, que tem seu cume
na percepção da essência singular do outro como testemunha do absoluto. Por
isso, sublinha o filósofo alemão, a verdadeira comunidade das pessoas repou-
sa sobre o possível encontro de cada uma com a pessoa das pessoas que é o
próprio Deus.
Emmanuel Mounier é o principal filósofo do século XX a fazer do per-
sonalismo uma filosofia fundada na afirmação do valor absoluto da pessoa.
Segundo ele, a pessoa é “aquilo que em cada ser humano não pode ser tratado
como objeto”. Um dos temas fundamentais de sua reflexão é o da radical di-
ferença entre personalismo e individualismo, o primeiro sublinhando, contra
o segundo, a “inserção coletiva e cósmica da pessoa”.
Para ele, a pessoa é estreitamente solidária do mundo e da comunidade
dos seres humanos, enquanto o indivíduo é uma entidade abstrata, ser de razão,
68
Devaux, “Personalisme”, 25.
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cortado daquilo que lhe permite viver como humano. O que é próprio à pessoa
é sua capacidade de se destacar de si mesma, de se possuir, de se descentrar para
se tornar disponível aos demais. Ela vive de sua fidelidade Àquele que a constitui,
a saber, Deus, pessoa fundadora das pessoas e que as atrai continuamente para
que sejam pessoas.
69
Weill, “La personne et le sacré”, 11.
70
Ibid.
71
Ibid.
72
Zizioulas, Comunión y alteridad. Persona e Iglesia.
73
Housset, La vocation de la personne. L’histoire du concept de personne de sa naissance augus
tinienne à sa redécouverte phénoménologique.
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são ainda, seja porque, por razões físicas, intelectuais, econômicas ou sociais,
não o serão. Através do eugenismo e da eutanásia tais pessoas não são então
consideradas dignas de viver, pois não compartilham da dignidade da pessoa.74
Nesse contexto, propõe Housset, o diálogo entre filosofia e teologia deve
dar-se a partir de uma compreensão da pessoa como “criatura”. Tal diálogo não
92 poderá, porém, ater-se à definição da pessoa como indivíduo racional, que fa-
cilmente a reduz a um número, mas deve mostrar que cada pessoa possui uma
singularidade absoluta, que é indissociável de sua essência.
Uma reflexão teológica sobre a pessoa como criatura torna possível uma
reflexão propriamente filosófica, que pensa a pessoa em sua contingência e
aponta para seu caráter relacional. A ideia de contingência elimina a ideia de
acaso e indica que a existência pessoal é uma existência na qual o ser humano
é afetado, impressionado, comovido, ou seja, posto em movimento por outra
coisa que si mesmo.75
O paradoxo da pessoa humana é ser ao mesmo tempo “por si” e “por
outro”, sem que essas duas dimensões se recubram. Do ponto de vista filosófico,
a pessoa entendida como criatura pode ser vista como um ser que por si mesmo
não é nada. Essa experiência de seu nada é condição de sua realização como pe-
ssoa, pois a libera da ilusão da autarquia e lhe mostra que está necessariamente
referida a outras pessoas, mesmo antes de dizer “eu”. É o fato de sermos
chamados, pelas coisas, pelos outros, por Deus (para o crente), que nos dá o
ser e nos desperta para nossas possibilidades mais próprias. Nessa perspectiva,
pessoa é distinta de ser humano enquanto criatura racional.
De fato, a racionalidade é a essência de todo ser humano que se esforça por
realizar-se, enquanto a personalidade emerge na medida em que se é despertado
pelo outro, pelo mundo. Isso não elimina a definição da pessoa como domínio
de si, mas mostra que esse domínio não é autárquico, pois supõe primeiro o
ser provocado e convocado por uma alteridade.
Portanto, se a pessoa é um fim em si, como o mostrou Kant, este fim
não é posto por ela mesma, já que é recebido do mundo e do outro. A tensão
entre a determinação da pessoa como hipóstase racional que opera por si e a
74
Housset, “La persona como criatura”, 163.
75
Ibid., 164.
76
Ibid., 167-168.
77
Ibid., 172-173.
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Ser pessoa é ainda realizar-se na e através da história, que não se define
só pelo passado que recebemos como herdeiros, mas também por aquilo que
nossa liberdade é chamada a realizar num mundo comum. De fato, nosso ser
histórico não se reduz à recuperação do conjunto da vida passada e sedimentada,
presente em uma consciência reflexiva, mas é apelo a uma tarefa a construir
com outros. Por isso, a pessoa não é apenas a consciência de seu passado, nem
94 somente a evidência formal de seu dever em geral, mas a consciência daquilo
que ela é chamada a fazer num mundo histórico.
Uma última dimensão da definição da pessoa como criatura, segundo
Housset, é o amor. Este, mais que algo produzido por si próprio, é uma resposta
anterior ao “eu”. No amor a pessoa se descobre experimentalmente com a prova
da alteridade que destitui o “si” produzido pelo “eu”. Não há estranheza maior
em alguém do que a de amar. Por isso, há uma ligação entre pessoa e amor,
pois a pessoa é primeiramente uma subjetividade ferida, finita, passível, frágil
e humilde, que em sua debilidade pode receber a força de acolher o próximo.78
O amor é o modo de ser fora de si que é próprio à pessoa. Esta transcendência
na passividade é o que salva do fechamento do “eu”.
Por isso, o amor não é uma qualidade que é agregada à pessoa, mas a pe-
ssoa mesma compreendida como criatura. A pessoa amante é aquela que con-
sente em perder toda forma para amar ao próximo por ele mesmo. Isso significa
não considerá-lo apenas como um fim em si. Passando do respeito ao amor,
se passa do reconhecimento do valor absoluto de cada pessoa, e da igualdade
absoluta em dignidade de todas as pessoas, ao reconhecimento de que o outro
é inimaginável, incomparável, que não se assemelha a nenhum outro.
Este caráter incomparável, fundado na unicidade absoluta do próximo
funda uma igualdade muito mais essencial entre os seres humanos, que já não
emerge só da comum pertença a uma mesma espécie. A pessoa amada é aquela
que aparece como além de toda definição na luz do que aporta de única à beleza
e à realização do mundo: incompreensível, ela me põe em movimento, me faz
ser, pois requer meu próprio processo de personalização.
Desde então, se o “auto-manter-se”, a subsistência, é um caráter funda-
mental da pessoa, esta “mantência” não deve ser imediatamente vista como uma
78
Ibid., 176.
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79
Ibid., 175-177.
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