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ANTROPOlógicas

2018, nº 14, 14-24

Os crimes em contexto futebolístico dos membros


das claques portuenses e os discursos que os legitimam

Daniel Alves Seabra


Universidade Fernando Pessoa
Portugal

RESUMO
Este texto resulta de uma investigação efetuada sobre quatro claques da cidade do Porto e identifica e caracte-
riza os crimes praticados pelos membros dos grupos estudados. Os discursos de legitimação que eles apresentam
para justificar as ações levadas a cabo foram também contemplados neste texto. Os resultados obtidos através
do recurso à observação-participante, à realização de entrevistas semi-diretivas e de inquéritos por questionário
permitiram refletir sobre a pertinência e as limitações das perspetivas teóricas que foram elaboradas para a com-
preensão do hooliganismo e das claques de clubes de futebol.

PALAVRAS-CHAVE: claques; crime; violência; hooliganismo

ABSTRACT
This text is the result of one investigation carried out about four ultra groups of the city of Porto and identifies
and characterizes the crimes practiced by the members of the studied groups. The legitimating discourses that
they present to justify the actions carried out were also contemplated in this text. The results obtained through
the use of participant-observation, semi-directive interviews and surveys allowed to think about the pertinence
and the limitations of the theoretical perspectives which were elaborated for the understanding of hooliganism
and football ultra groups.

KEYWORDS: ultra groups; crime; violence; hooliganism

Introdução

As claques que apoiam os clubes de futebol conti- Esta abordagem, marcadamente etnográfica e, so-
nuam a marcar forte presença nos estádios portugue- bretudo, fenomenológica, conduziu a investigação
ses e diferenciam-se da generalidade dos adeptos pela que deu suporte aos resultados apresentados no pre-
forma ativa e colorida como incentivam as equipas. sente texto. O estudo sobre grupos organizados de
Uma claque pode assim ser definida como sendo um adeptos de futebol no contexto urbano da cidade do
“grupo simpatizantes de uma determinada equipa, Porto, bem como a etnografia interpretativa dos cri-
com nome próprio, que se concentra na mesma zona mes praticados pelos membros das claques e os dis-
do estádio incentivando os jogadores através de cân- cursos com que estes os legitimam, centraram-se nos
ticos próprios, bandeiras e cartazes, […] etc.” (Pereira grupos Alma Salgueirista, Colectivo Ultras 95, Pan-
2002, p. 41). teras Negras e Super Dragões e foram elaborados a
Mas apesar de ser esta a sua função manifesta, as cla- partir de vários anos de observação-participante le-
ques são, sobretudo, noticiadas pelos seus efeitos per- vada a cabo no seio das claques mencionadas, mas
versos. Na verdade, a violência, os atos de vandalismo, também através do recurso a entrevistas semi-direti-
os furtos e os roubos que são perpetrados por alguns vas e à administração de inquéritos por questionário.
dos seus membros constituem crimes e foram sempre Foi, assim, possível observar os comportamentos dos
objeto de notícia por parte da comunicação social. elementos das claques mencionadas e registar os dis-
O presente texto tem como primeiro objetivo carac- cursos acerca dos atos perpetrados.
terizar as ações levadas a cabo por alguns membros de A múltipla informação recolhida permitiu também
claques e que configuram a prática de crimes à luz do uma breve reflexão sobre a pertinência e as limitações
Código Penal português vigente à data da sua reda- das quatro principais dimensões teóricas que visam
ção. Pretendeu-se também dar a conhecer os discursos explicar o hooliganismo e a violência nas claques de
de legitimação para os crimes que são proferidos por futebol, contribuindo estas para uma melhor com-
aqueles que os praticam. preensão dos crimes cometidos.

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1. Os furtos e os roubos Esta não é, contudo, a única forma de ação por parte
dos membros das claques portuenses que pretendem
O Código Penal português, no seu artigo 203.º, levar a cabo furtos. São diversos os casos em que não
considera existir a prática de um furto quando al- se verifica qualquer tipo de descrição e os objetos são
guém “com ilegítima intenção de apropriação para subtraídos à vista de todos.
si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia”. Miguel descreveu a forma como tais situações ocor-
Por sua vez, o artigo 210.º do mesmo Código permite rem: “É fácil. É entrares, pegares e andares. Não tem
considerar a prática de um roubo quando uma pes- nada que saber.” Mas por vezes estas situações assu-
soa, “com ilegítima intenção de apropriação para si ou mem contornos mais ousados. Luís, que confessou o
para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seu envolvimento em alguns furtos, referiu que, por
seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violên- vezes, os membros das claques chegam a entrar no
cia contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminen- balcão, tomam conta da área de serviços e servem toda
te para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a a gente. Na sequência de tal ação, Luís lembrou que
na impossibilidade de resistir.” “os funcionários encostam-se. A gente também não
Tendo em conta a sua definição, tais crimes foram, está ali para agredir ninguém.”
por diversas vezes, observados durante o trabalho de Tais situações resvalam muitas vezes para o crime
campo efetuado no seio das claques portuenses e são de roubo. Savedra realçou a existência de casos “em
reconhecidos pelos seus membros. Importa até subli- que se rapa tudo. Se for preciso até se bate nas pessoas
nhar que, dificilmente, se encontra nas palavras des- das lojas. São gente habituada a fazer essas coisas.”
tes a distinção jurídica entre furto e roubo que é feita Por isso Tojal lembrou que “os problemas é quando
pelo Código Penal português. A palavra roubo é quase começam a vandalizar, quando começam a roubar a
sempre empregue indistintamente para designar, não caixa registadora, a bater quando as pessoas estão lá
só os atos que à luz da Lei podem ser efetivamente a fazer o trabalho delas, estão a ver que são roubadas
classificados como tal, mas também os atos que são, e ainda são agredidas.” Em tais situações, estamos pe-
face à mesma, apenas furtos. rante o crime de ofensa à integridade física que será
Estes podem assumir contornos diversos e os ob- considerado posteriormente.
jetos furtados são também variados. Alguns dos fur- Os objetos furtados ou roubados são diversos. Há
tos ocorrem de forma muito discreta e nem sequer os menção a equipamentos desportivos, perfumes, reló-
acompanhantes daqueles que os perpetram dão con- gios, jogos eletrónicos, peluches, ouro e até a um pato
ta do ocorrido. Na verdade, e durante a observação vivo que esvoaçava dentro de um autocarro (Bastos
participante efetuada, foi possível acompanhar vários 2005, pp. 28-29, 45, 51-52, 57-59, 91-92, 143-144). O tra-
elementos das claques portuenses em vários estabe- balho de campo permitiu, ainda, constatar o roubo de
lecimentos comerciais durante todo o tempo em que objetos de uma “sex shop”, uma arca de gelados, bo-
nestes permaneceram. No entanto, só após o abando- necos de peluche, talheres e uma imagem de Nossa Se-
no das lojas foi possível confirmar que alguns tinham nhora de Fátima. Alimentos e bebidas são, contudo, os
praticado furtos, sem que estes tenham sido observa- produtos mais visados pelas ações de alguns membros
dos pelo investigador, apesar da proximidade. das claques. As sandes, os gelados e ainda as bebidas
Para destacar a habilidade de alguns membros das são os produtos mais furtados, ainda que tenham sido
claques para levar a cabo furtos com a maior descri- mencionados leitões e presuntos.
ção, João1, membro de uma claque portista, relatou Para muitos elementos das claques portuenses, a
assim uma situação concreta: prevalência dos alimentos e bebidas como alvos das
ações criminosas de alguns é compreensível à luz da
“Fomos dezoito a Peniche ver o hóquei. Parámos na insuficiência de recursos financeiros. Sendo tais claques
estação de serviço e deviam estar para aí quatro ou cinco principalmente compostas por jovens que ainda percor-
pessoas. Depois fomos às sandes. Trouxeram sandes, su- rem a carreira estudantil e que são oriundos dos setores
mos e ninguém reparou. Ninguém viu nada. Chegámos desfavorecidos da classe trabalhadora, não surpreende
ao autocarro e o motorista ficou parvo. No regresso o mo- que estes não disponham de dinheiro suficiente para
torista virou-se para nós e disse: “Pessoal: eu vou com pagar viagens, bilhetes para assistirem aos jogos de fu-
vocês para ver como é que fazem.” O motorista estava no tebol e ainda a alimentação. Armanda sublinhou este
nosso meio. A estação de serviço estava vazia. Éramos só aspeto quando, sobre aqueles que praticam furtos e/ou
nós. Entrámos. Saímos. O motorista abriu o autocarro e roubos, alvitrou: “Eles têm a mesma paixão do que eu.
chegou-se ao pé de nós: “afinal é só paleio. Vocês roubam, Só que eu posso ter a sorte de levar cinco euros no bolso
roubam, roubam, mas afinal não roubam nada.” Quando e comprar qualquer coisa para comer.” Perante poucos
começámos a abrir os casacos o motorista ficou branco. recursos financeiros, são muitos os que optam por apli-
Não se acreditava no que estava a ver. Nem o motorista car o dinheiro na compra das viagens e do bilhete em
que estava no nosso meio viu.” detrimento da alimentação. Armanda, apesar de não
ter necessidade de o fazer, confessou que “preferia não
comer, comer no dia seguinte, do que não poder ir a um
jogo por não ter dinheiro para comer.”
A escassez de dinheiro para a alimentação é a ra-
1 Todos os nomes próprios apresentados neste texto são fictícios. zão que levou Jorge a diferenciar, nos termos que se

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seguem, as ações levadas a cabo por alguns membros “porque é a tal coisa; no meio de cinquenta, se ficares
das claques: sozinho, pareces a ovelha negra.” Outro elemento re-
cordou ainda: “no futebol eu queria fazer coisas que
“Há dois tipos de roubos. Há um roubar que é por não podia fazer durante a semana. Então eu levava di-
puro prazer em roubar coisas de qualquer espécie, desde nheiro, mas fazia parte. Queria roubar uma sande. Era
um simples par de óculos a uma pastilha elástica, só pelo impossível no meio de um grupo daqueles alguém ir
prazer de roubar e muitas vezes desaproveitar e roubar pagar fosse o que fosse, porque ficava mal.”
pessoas inocentes. Isso condeno. Já não condeno da mes- Importa, por fim, mencionar outra razão que ele-
ma forma aquele rapaz que se calhar gastou cinquenta mentos das claques apresentam para justificar os
euros no bilhete e mais dois na viagem, vai para fora e roubos. Alguns praticam furtos e roubos para, dos
para numa estação de serviço e quando não está ninguém mesmos, tirarem proventos financeiros. Um deles con-
a ver, está cá fora e tira uma sande e vai comer.” fessou tal intenção ao afirmar claramente: “ia fazer as
viagens para me governar.”
Esta posição expressa por Jorge é perfilhada por Na verdade, alguns continuam, no seio das claques,
muitos membros das claques que reprovam os rou- a reproduzir uma carreira de delinquência já presente
bos e a violência que aos mesmos está inerente, mas no quotidiano. Esta é favorecida por uma configuração
desculpabilizam e justificam o furto de alimentos, sen- social semelhante à que foi delineada pelos sociólogos
do este olhado de outra forma. Costa considerou que da universidade de Leicester que estudaram o contexto
“roubar para comer não é pecado.” Para Olavo nem social e urbano inglês do qual eram provenientes mui-
sequer deveria ser crime. Simas, por sua vez, conside- tos hooligans (Dunning 1992, pp. 327-354; Dunning
rou que alguns furtos de alimentos ocorrem porque, et al. 1992, pp. 368-382). Um processo de socialização
nas áreas de serviço, “os preços são elevados. Se os primária em que o castigo físico está presente, e que
preços fossem razoáveis ninguém se ia preocupar a es- decorre sob influência de um modelo de masculinida-
tar a fazer o que quer que seja.” Na verdade, os preços de hegemónica que decorre da autoridade do pai sobre
praticados nas áreas de serviço são a principal razão a mãe – por vezes exercida com o recurso à violência
que, aos olhos dos membros das claques portuenses, – contribui para um alto limiar de tolerância a esta
desculpabilizam e justificam os furtos. Jorge lembrou por parte dos jovens. Esta é uma dimensão relevante
que “as estações de serviço já ganham milhões” e Ro- da configuração social delineada por este grupo de
lão considerou mesmo que “as bombas de gasolina sociólogos. Outra importante dimensão resulta, preci-
[…] também nos roubam.” Por isso mesmo, Carla con- samente, de um fraco controlo parental, o que possibi-
siderou que, face aos preços que praticam, “as áreas de lita uma socialização com o grupo de pares no seio da
serviço até merecem ser roubadas.” comunidade local. Para além destas duas dimensões,
A falta de dinheiro como justificação para os furtos as dificuldades decorrentes dos parcos recursos finan-
é, no entanto, criticada por vários membros das claques ceiros de famílias que se enquadram na classe social
que consideram antes a diversão e o prazer de furtar e mais desfavorecida são também outra característica
roubar como a principal razão para tais crimes. Mesmo desta configuração social que foi destacada pelos so-
Jorge, depois de considerar que roubar para comer não ciólogos de Leicester, mas também por Robson (2000)
é pecado, não deixou de lembrar que “há indivíduos que investigou os Hooligans do Millwall, sobretudo
que são capazes de roubar tabuleiros, sandes e crois- provenientes da zona sudeste de Londres. Segundo
sants, para chegarem cá fora e começarem a atirar uns estes autores, configurações sociais deste tipo são ca-
contra os outros”. Sobre tais atos afirmou: “acho isto racterísticas de certo tipo de contextos espaciais subur-
ridículo”. Manuel sempre entendeu que “não é o pre- banos – os bairros – também estes desfavorecidos, com
cisar”, mas sim “o gozo”. O gozo é “pegar nas coisas e elevados níveis de violência e sob deficiente controlo
vir embora sem pagar”. Marcelo, um dos fundadores estatal (Murphy et al. 1994, pp. 125-159; Dunning 1992,
de uma claque portuense, afirmou que roubava “por- pp. 327-354; Dunning et al. 1992, pp. 368-382).
que era a diversão e era a festa”. Nelo mencionou a O trabalho de campo permitiu constatar que este
“adrenalina” que os roubos lhe davam. A diversão pela tipo de configuração social e urbana está também pre-
prática de atos entendidos como negativos não deixa sente em alguns bairros da cidade do Porto e a sua
de conferir alguma relevância a uma perspetiva teóri- influência é reconhecida por vários elementos das cla-
ca que acentua, sobretudo, uma dimensão geracional ques portuenses. Um líder de uma claque portuense
como elemento explicativo para os atos perpetrados. A afirmou o seguinte: “Os roubos a que assisti são pre-
esta perspetiva se voltará no final deste texto. dominantemente de pessoas dos bairros, porque se ca-
O prestígio e a afirmação no grupo é outra razão lhar eles próprios, mesmo fora do universo da claque,
reconhecida por alguns membros das claques por- acabam também por roubar. Mais fácil é ainda, porque
tuenses como sendo conducente aos roubos e aos fur- estão cobertos pela claque.” Um dos membros de uma
tos. Mariano destacou isso mesmo referindo isto: “por claque portuense que reside num bairro social expres-
uma questão de afirmação no seio da claque ‘ó pá, eu sou a seguinte opinião: “O pessoal não tem um curso,
é que sou bom. Vou mostrar a estes gajos que eu é que mas já tem a vida. Já roubou muitas vezes, não só na
sou o mau da fita, que é para esses gajos terem res- bola, mas com o pessoal do bairro.”
peito por mim’”. Um dos membros revelou que não Moreira, habitante de um dos bairros problemáticos
tinha vergonha de dizer que praticou furtos na claque da cidade do Porto, justificou nestes termos os roubos

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levados por aqueles que são oriundos deste tipo de lo- chegaram mesmo a invadir um treino dos jogadores
cais da cidade do Porto: do Futebol Clube do Porto para pedir explicações aos
atletas acerca daquilo que consideravam ser o pouco
“Eu em parte cresci um bocadinho nisso, porque nós, empenhamento destes na defesa da camisola do clube
quando íamos para as aulas […] nós lanchávamos. Agora durante os jogos.
lanchávamos, era do género a passar a correr em frente Este tipo de exigência não deixa de surgir em con-
à mercearia do tio Joaquim e o que viesse à mão a gen- sequência da importância que o resultado dos jogos
te comia. […] Uns lanchavam porque iam à pasta e tira- assume para os membros das claques. Estes conside-
vam o lanche que a mãe lá punha. […] Enquanto os que ram que as vitórias dos seus clubes são também vitó-
não têm, precisarem de certas coisas, eles vão tê-las das rias deles, pois contribuíram para as mesmas com o
maneiras…, digamos assim…, menos próprias. Eu tinha seu apoio ativo. Taylor (1971, pp. 359-360) considerou
conhecimento de algumas situações de famílias muito mesmo que a vitória do clube é desejada como com-
mais problemáticas do que a minha.” pensação para a ausência de êxito noutras esferas da
vida social. Assim se compreende um grafíti pintado
Um dos líderes de uma claque teve também em na estação dos Caminhos de Ferro da Trofa, cidade da
conta o contexto em que sempre residiu para destacar região metropolitana do Porto, que referia “Mágico
a principal razão para os roubos. Atente-se, pois, nas Porto, vence por nós”.
suas palavras: Voltando aos furtos e aos roubos, importa sublinhar
que o discurso legitimador de tais crimes que se centra
“É pessoal com mais dificuldades de dinheiro […]. na pobreza não recebe a concordância de todos. Mon-
Pessoal que no seu dia a dia está habituado a roubar e teiral, antigo elemento da claque Super Dragões, lem-
que também rouba para comer e o seu quotidiano é esse. brou que tais atos são feitos por “pessoal dos bairros,
Depois chegam ali e fazem a mesma coisa. Lembro-me mas há muita gente que não é dos bairros e também
de muitos amigos que não tinham o que lanchar. Eu não faz”. Por sua vez, Armanda constatou: “Temos muitos
tinha que me queixar e às vezes ia por arrasto roubar es- meninos bonitos, ditos betinhos como eles lhes cha-
sas coisas. Muitos ali queriam comer uma peça de fruta, mam, e que são muito piores. Fazem pela calada”.
comer um bolo e não tinham dinheiro para isso. […] Al- Esta dimensão da realidade evidencia as limitações
guns estão na claque.” da perspetiva proposta por Dunning e seus colegas
do grupo de Leicester já anteriormente enunciada. Na
Este tipo de discurso de legitimação confere perti- verdade, não são apenas indivíduos provenientes do
nência à perspetiva teórica sobre o hooliganismo de- tipo de configuração social e urbana sumariamente
senvolvida por Taylor (1971, 1982a, 1982b). Segundo enunciada que praticam este tipo de atos. O facto de
este autor, a generalidade dos atos de violência e van- a violência ser prática não exclusiva dos indivíduos
dalismo que caracterizam o fenómeno do hooliganis- pertencentes à classe trabalhadora reforça também as
mo e que são, predominantemente, levados a cabo por limitações da interpretação defendida por Taylor.
indivíduos oriundos da classe trabalhadora, podem
ser entendidos como um protesto simbólico contra a
perda do poder de participar nas decisões dos clubes 2. A ofensa à integridade física
em consequência do aburguesamento dos clubes. É e participação em rixa
neste quadro que a violência é considerada por Taylor
(1971, pp. 361-362, 1982b, pp. 154-158) como uma via As diversas confrontações físicas, nas quais parti-
de reposição de uma cultura tradicional do futebol em cipam os membros das claques, consubstanciam ou-
que a opinião dos adeptos era levada em conta. tro tipo de crimes levados a cabo pelos elementos das
Sobre este aspeto importa salientar que a ânsia de claques portuenses. Podem ocorrer com elementos de
opinar sobre a equipa de futebol e sobre a gestão do claques que apoiam clubes adversários ou até com
clube é bem visível, sobretudo quando os resultados os adeptos destes e são também, à luz do código pe-
do clube são muito negativos. Durante o trabalho de nal, passíveis de serem classificadas como crimes. De
campo efetuado foi possível observar vários protes- acordo com o artigo 143.º do Código Penal português,
tos levados a cabo por todas as claques investigadas. pratica o crime de ofensa à integridade física simples
Estes visaram os dirigentes dos clubes, mas também todo aquele que “ofender o corpo e a saúde de outra
diversos jogadores. Para além de alguns grafítis de pessoa”. Se de tal ofensa à integridade física resultar o
protesto e até da exibição nos estádios de frases críti- tipo de lesões previstas nas alíneas a, b, c e d do artigo
cas visando jogadores e dirigentes escritas em faixas, 144.º do mesmo Código, estaremos perante um crime
alguns membros das claques investigadas chegaram grave de ofensa à integridade física. Os combates en-
mesmo a protestar veementemente e a invetivar os tre membros das claques podem configurar também
atletas, quando eles abandonavam os estádios após os outro crime que o Código Penal português classifica,
jogos. Estas “esperas” aos jogadores chegaram a estar no seu artigo 151.º, como sendo a participação em rixa.
próximas do confronto físico. Algumas palavras que Este ocorre quando, da rixa, resultar a morte ou ofensa
neste contexto de protesto são proferidas, configuram à integridade física grave.
crimes de injúria e ameaça que serão posteriormente Os confrontos físicos que ocorrem com elementos
abordados. Alguns membros da claque Super Dragões das claques portuenses e que são suscetíveis de confi-

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gurar tais crimes, tendo em conta a melhoria das con- tos assume para os membros das claques portuenses
dições de segurança dos estádios de futebol português foi possível registar uma declaração relevante de um
e as medidas de prevenção tomadas, ocorrem hoje, e importante elemento da claque Panteras Negras. Se-
sobretudo, nas zonas circundantes aos mesmos ou lo- gundo este, as pessoas que se envolvem neste tipo de
cais próximos. violência, “durante a semana são obrigados a andar de
Disso é bom exemplo o combate ocorrido na Aveni- fato. Mas ao fim de semana, para deixar o stress sair,
da Fernão de Magalhães e na antiga Praça Velasquez pegam, vão para a claque. É um alívio. É um refúgio.
entre a claque No Name Boys, apoiante do Sport Lis- Partem tudo. E são ricos.”
boa e Benfica, e a claque Super Dragões, que incentiva Reitera-se que esta referência à capacidade finan-
o Futebol Clube do Porto. O confronto entre estas duas ceira de alguns dos membros das claques que se en-
claques é muito recordado pelos membros dos Super volvem em confrontos violentos é pertinente, uma
Dragões, sobretudo devido à violência. Um dos parti- vez que é reveladora das limitações da perspetiva de
cipantes recordou assim este evento: Taylor já enunciadas no presente texto. Com efeito, o
envolvimento em atos de violência está longe de se
“Aquilo era uma autêntica batalha campal. (…) Caça confinar aos elementos das claques portuenses que
ao homem. Eu lembro-me dessa imagem. Palavra de hon- são provenientes das classes mais desfavorecidas. As
ra que me vai ficar sempre na memória. Eles a subirem a declarações sobre o alívio do stress que o envolvimen-
Avenida Fernão de Magalhães, a entrarem na Praça Vel- to em confrontos físicos permite são também muito
asquez, (…) eles rodeados do corpo de intervenção e no relevantes no plano teórico, uma vez que confirmam
outro extremo da praça nós à espera deles, onde tem a a perspetiva teórica de Kerr acerca do hooliganismo.
Gelataria Estádio. Tudo Super Dragões à espera deles. E Segundo este autor, as práticas de violência caracterís-
há uma altura em que alguém diz: “É agora.” E o pessoal, ticas do hooliganismo proporcionam um sentimento
desde o Monte Aventino, dos muros a lançar objetos. (…) de libertação (Kerr 1994, p. 63).
A polícia não podia fazer nada. Eles a fugir e nós atrás A defesa da honra do grupo, do território, do clube
deles. (…) Eles levaram um enfardamento total.” e da cidade do Porto é outra razão que é muitas vezes
evocada pelos membros das claques para justificar a
Este confronto é tido pelos membros da claque Su- sua participação em atos de violência. Um elemento
per Dragões como um dos mais violentos. Foi também de uma claque considerou mesmo que, por vezes, é
possível presenciar um confronto entre as claques uma inevitabilidade. Para João, “chega a determinada
benfiquistas e a claque Panteras Negras, tendo este altura e temos que os enfrentar, porque, para além do
ocorrido mesmo à saída do estádio do Bessa. Alguns grupo, está em jogo também o clube e a região.” Na
membros da claque boavisteira atacaram membros da mesma linha de pensamento esteve também o Simão
claque benfiquista com tijolos e com uma trave de ma- ao declarar que a violência ocorre, por vezes, para “de-
deira, tendo os elementos das claques benfiquistas res- fender a zona, a cidade, o clube… é tudo. É uma ques-
pondido com pedras. A rápida intervenção policial não tão de honra. O querer ficar sempre por cima.”
impediu o roubo de faixas da claque benfiquista leva- A pertinência da honra enquanto argumento legiti-
do a cabo por um membro da claque Panteras Negras. mador da violência foi já constatada por Armstrong no
São distintas as razões apresentadas pelos membros seu estudo sobre os hooligans do Sheffield United. Este
das claques portuenses para justificar a participação antropólogo destacou que o resultado de um jogo de fu-
neste tipo de combates. Muitos afirmam ter na legí- tebol não deve ser entendido, simplesmente, como uma
tima defesa, perante ataque de membros de claques vitória ou derrota, mas sim na perspetiva simbólica
e adeptos do clube adversário, a única razão que os mais alargada que remete para a dualidade domínio/
levaria a participar num confronto. Todavia, o envol- submissão e, ainda, para a dualidade honra/vergo-
vimento nestes confere prazer a alguns membros das nha. Foi também neste enquadramento que Armstrong
claques investigadas. Um dos membros mais antigos analisou os combates entre hooligans, destacando-se,
de uma claque afirmou: “Dá grande pica. E sincera- assim, a honra e o domínio sobre o adversário como
mente é o que eu mais curto na bola.” Outro ainda elementos que justificam a participação nos confrontos
confessou: “Eu medo não tenho. Vontade de partici- (Armstrong e Harris 1991; p. 436; Armstrong 1998, pp.
par… estou sempre lá. Não é vontade. Dá-me um bo- 234, 259; Giulianotti e Armstrong 2002, p. 217)
cado de prazer.” A importância do sentimento de honra para a com-
Alguns membros das claques portuenses encon- preensão dos confrontos entre hooligans foi também
tram nestes confrontos uma forma de aliviar o stress. considerada por King. Os que participam nos confron-
São vários os que o confessam. Um deles olha para a tos e pertencem aos grupos que dos mesmos emergem
participação na violência como “momentos que liber- como vitoriosos aumentam o seu “status”, a sua honra
tam o stress.” Outro, por sua vez, afirma o que repre- e o seu orgulho (King 2001, pp. 572-573).
senta para ele ir a um jogo de futebol. Atente-se nas Retomando as anteriores palavras de Simão, impor-
suas palavras: “Eu vou ver um jogo fora e vou para ta conferir destaque à alusão que o mesmo fez à cidade
uma guerra. […] Mas é bom. Digo-te já. Um gajo ali- do Porto, pois a defesa desta é muito evocada como
via o stress. Pelo menos vai o stress todo embora e justificação bastante para que os confrontos se estabe-
já dá para trabalhar a semana toda calminho.” Sobre leçam. Santos, elemento da claque Panteras Negras,
esta função catártica que a participação nos confron- sublinha que a cidade representa “tudo” para ele e,

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por isso, tem a honra de ter nascido no Porto. Por isso em que o Sport Lisboa e Benfica se deslocava à cidade
afirmou: “Tenho honra e vou continuar a defender os do Porto ou a outra localidade próxima desta. As cla-
tripeiros da cidade”. Relativamente a Lisboa, este ele- ques portuenses suspendiam as rivalidades entre si e
mento dos Panteras Negras referiu: “já não é Portugal. alguns dos seus elementos conjugavam esforços numa
Não são parecidos com ninguém. Parece gente de ou- participação conjunta em confrontos contra adeptos e
tro país. É outra nacionalidade aquilo. Não têm espí- elementos das claques benfiquistas. Alguns pronuncia-
rito de entreajuda, não têm nada. São uma vergonha. ram-se sobre esta união para a justificar. Disso são bom
Uma vergonha.” exemplo as declarações que se seguem. Um elemento
Na verdade, o orgulho em serem portuenses – tri- da Alma Salgueirista recordou este tipo de situações:
peiros é também um termo que a todos envaidece – as-
socia-se à hostilidade em relação a Lisboa e seus dois “Antigamente o Benfica vinha aqui jogar contra o Sal-
principais clubes. Esta dualidade é consequência de gueiros – no Bessa ou Maia – e os gajos do Porto e do
representações sociais que radicam numa longa histó- Boavista juntavam-se a nós. Nunca mais me esquece que
ria e que se reproduzem e reforçam por várias gera- os gajos do Porto iam lá para a Maia e depois andávamos
ções. Da História de Portugal vem o orgulho da cidade todos à porrada com a claque do Benfica. Isto porquê?
ter dado o nome a Portugal. O facto de a expansão do Nós não vamos defender o Porto clube, mas sim a nossa
país ter ocorrido de norte para sul, conquistando terri- cidade, o nosso orgulho, é mesmo de sermos tripeiros.”
tório aos denominados ‘mouros’, é hoje razão bastan-
te para que os adeptos do Sport Lisboa e Benfica e os Discurso idêntico teve também outro membro da
habitantes da cidade de Lisboa e do sul do país sejam claque Panteras Negras ao referir: “Somos amigos da
ainda classificados como tal. Ainda no que às cidades cidade do Porto. Isso penso que é indiferente do clube
do Porto e Lisboa diz respeito, persiste e reproduz-se que temos. Na questão norte/sul penso que as pessoas
no seio das claques portuenses a representação social do Porto são muito mais unidas do que as do sul”.
de uma cidade de trabalho e de produção de riqueza.
No entanto, e apesar disso, Lisboa é olhada como a
cidade que continua a receber benefícios e investimen- 3. Os crimes de dano, dano com
tos do poder político nas mais diversas áreas, sempre violência, atentado à segurança de
em detrimento do Porto e do norte de Portugal. transporte rodoviário e lançamento
Não surpreende, pois, que o quadro formado por es- de projétil contra veículo.
tas representações sociais acentue, no contexto futebo-
lístico, a rivalidade com os clubes de Lisboa, em espe- Importa destacar que estes confrontos não se limi-
cial o Sport Lisboa e Benfica. Esta ainda é agravada na tam aos crimes de ofensa à integridade física e par-
sequência do predomínio de outra representação social ticipação em rixa. Por vezes, o contexto em que tais
que aponta este clube como tendo sido sempre benefi- crimes ocorrem, bem como as consequências que têm,
ciado pelos no período ditatorial do Estado Novo.2 favorecem e são conducentes a outros crimes. Há,
Estas representações sociais estão muito presentes pois, a considerar os crimes de dano, dano com vio-
nos discursos com que muitos membros das claques lência e o crime de atentado à segurança do transporte
portuenses legitimam os confrontos com elementos rodoviário. O artigo 212.º do Código Penal português
das claques que apoiam clubes de Lisboa e adeptos considera que “quem destruir, no todo ou em parte,
destes. Um elemento da claque Super Dragões – mui- danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa
to respeitado no seio do grupo não só pela antiguida- alheia” comete um crime de dano. Se, como refere o
de, mas também pela sua coragem e pela forma como código aludido no seu artigo 214.º, tais atos “forem
sempre se dedicou à claque, afirmou: “Mouros. Fute- praticados com violência contra uma pessoa, ou amea-
bol é isto. Há rivalidades. Quero mais é que eles se ça com perigo iminente para a vida ou a integridade
fodam. Não gosto deles. Não quero saber deles para física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir”, es-
nada. São um clube de merda”. Um influente elemen- taremos perante um crime de dano com violência.
to da claque Panteras Negras referiu: “Com o Benfica Para uma melhor compreensão do âmbito e das si-
não há equilíbrio possível. Eu só não aceito que os rou- tuações em que os crimes de dano e dano com violên-
bem. Agora bater-lhes? Na boa, até ajudo”. cia ocorrem, é fundamental voltar a ter em conside-
A hostilidade para com este clube da capital não se ração as declarações de alguns membros das claques,
confina, portanto, aos membros das claques portistas. pois elas denotam que alguns dos que perpetram rou-
Ela é perfilhada pelos elementos da claque boavistei- bos fazem-no também praticando o crime de ofensa à
ra e salgueirista. Tal era patente, sobretudo, nos dias integridade física anteriormente referido, bem como o
crime de dano e dano com violência. Da concomitân-
cia destes crimes já nos deu conta a seguinte declara-
2 Sobre as representações sociais acerca do Sport Lisboa e Benfica ção do Tojal: “Os problemas é quando começam a van-
e da cidade de Lisboa cf. Seabra, D. (2017). Portoan Ultra Group dalizar, quando começam a roubar a caixa registadora,
Members’ Social Representation of Lisbon and Sport Lisboa and a bater quando as pessoas estão lá a fazer o trabalho
Benfica and its Influence on the Discourses and Practices of the
Portoan Ultra Groups and Their Members. Physical Culture and
delas, estão a ver que são roubados e ainda são agredi-
Sport: Studies and Research 73(1): pp. 5-14. Disponível em 10.1515/ dos”. Esta declaração confirma a associação do crime
pcssr-2017-0005. de dano e do crime de dano com violência, não apenas

19
aos confrontos entre os membros de claques, mas tam- todo […] A camioneta no mesmo sítio e nós todos de pau
bém ao crime de roubo. pela cidade. Essa foi uma tourada…”
Relativamente ao crime de atentado à segurança de
transporte rodoviário, este verifica-se, segundo o artigo Ataques deste tipo dirigidos aos elementos das
290.º do Código Penal português, sempre que alguém claques benfiquistas enquadram-se, obviamente, nas
motivações e nos discursos de legitimação já anterior-
“atentar contra a segurança de transporte rodoviário mente apresentados. Sublinhe-se, porém, que este tipo
a) Destruindo, suprimindo, danificando ou tornando de crimes não se verificam apenas em situações em
não utilizável via de comunicação, material circulante, que estão presentes as claques do Futebol Clube do
obra de arte, instalação ou sinalização; Porto e Sport Lisboa e Benfica.
b) Colocando obstáculo ao funcionamento ou à cir- Em consequência de vários anos de competição di-
culação; reta pelos lugares da classificação que davam acesso
c) Dando falso aviso ou sinal; ou às competições internacionais organizadas, bem como
d) Praticando acto do qual possa resultar desastre; das várias divergências entre Valentim Loureiro, presi-
e) criar deste modo perigo para a vida ou para a integ- dente do Boavista Futebol Clube, e Pimenta Machado,
ridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alhei- presidente do Vitória Sport Clube da cidade de Gui-
os de valor elevado.” marães, foram vários os confrontos entre as claques
dos dois clubes.
Por sua vez, e conforme estabelece o artigo 293.º Santos recordou um deles. Apesar do jogo se dispu-
do código mencionado, “quem arremessar projétil tar no estádio do Bessa, e para se furtarem ao controlo
contra veículo em movimento, de transporte por ar, policial, alguns membros da claque boavisteira foram,
água ou terra” comete o crime de lançamento de pro- como disse este elemento do grupo, “a Guimarães dar-
jétil contra veículo”. lhes porrada.” Por isso reforçou: “Já fomos lá dar-lhes
A observação participante efetuada permitiu cons- mesmo uma sova.” Ferreira, ainda a propósito deste
tatar e registar algumas situações em que estes crimes confronto, foi um pouco mais comedido nas distân-
ocorreram. Das mesmas se apresentam alguns exem- cias, mas não deixou de lembrar que “há dois anos eles
plos que evidenciam o crime em causa. vieram cá e nós preparámos uma emboscada e tentá-
Recordam-se os vários incidentes que se verifica- mos massacrá-los desde Santo Tirso e Santo Tirso fica
ram em 2010 aquando da disputa de uma final da Taça logo à beira de Guimarães. E de lá até ao Bessa foram
da Liga no Estádio do Algarve, em Faro, jogada entre massacrados. E depois até Guimarães.” Ferreira foi
o Futebol Clube do Porto e o Sport Lisboa e Benfica. mais específico a propósito destes confrontos:
Já na localidade de Paderne, a deflagração e arre-
messo de petardos, bem como o arremesso de pedras “Tudo e mais alguma coisa até ao ponto de – eles param
e outros objetos contra pessoas, carros particulares e sempre em Santo Tirso (pelo menos antigamente paravam)
autocarros marcaram os confrontos entre elementos – irmos ter com eles à área de serviço para lhes darmos por-
das claques portistas e benfiquistas. rada e logo a seguir – tem viadutos sucessivos – mandar pe-
A visita do Sport Lisboa e Benfica a Paços de dras para as camionetas. Tudo o que eles nos fazem a gente
Ferreira foi também razão para que alguns membros faz-lhes ainda pior. Nós fizemos uma brincadeira que foi
das claques portuenses se escondessem em zonas cir- pendurar um boneco na Via de Cintura Interna com a cara
cundantes da autoestrada que liga esta cidade ao Porto do Pimenta Machado e a dizer “Ides morrer”, que era para
para, aquando da viagem após o jogo, pudessem arre- os intimidar e, depois, no fim do jogo, foi a loucura total em
messar objetos ao autocarro que transportava a equipa relação a isso – a loucura pelo lado negativo. Não era atirar
benfiquista. Tal como foi noticiado, desses arremessos calhaus. Era, mesmo, chegar à beira deles com calhaus e es-
resultaram danos consideráveis numa viatura em que petar-lhes pela cabeça abaixo, porque ficamos ali na rua da
viajava o presidente do clube lisboeta. frente ao Bessa e encontraram-se as duas claques e aí foi do
Outro confronto que envolveu as claques destes pior mesmo. Nem a polícia conseguiu separar. Teve de var-
dois clubes e que está presente nas recordações de rer tudo e todos ao mesmo tempo até à Avenida da Boavista
muitos elementos das claques portistas verificou-se e, mesmo assim, na avenida houve bastante violência. […]
em Coimbra, após uma finalíssima da Supertaça. Tojal Foi tudo planeado. Em Santo Tirso juntaram grupos. Nós
descreveu assim os incidentes ocorridos: vamos para aqui e vocês vão para ali.”

“Nesse jogo fomos apedrejados. Partiram-nos a camio- Alguns elementos da claque Panteras Negras têm
neta. Foram lá os filhos da puta. Foi o grupo Manks de Co- também presentes os ataques de que são alvo por par-
imbra que nos partiu a camioneta. Saímos da camioneta e te das claques que apoiam o Vitória Sport Clube. Um
metemo-nos por uma viela e apanhámos mais lampiões. deles recordou: “Acabava o jogo, tínhamos que vir
Apanhámos um gajo num carro. Os otários, em vez de es- embora. Éramos cercados por tudo quanto era sítio”.
tarem calados… […] Um gajo a perguntar: ‘ó amigo você Jordão sublinhou: “Por acaso nunca morreu lá nin-
viu quem atirou pedras à camioneta?” E o gajo: “Não vi guém, mas as pessoas vinham de lá com os vidros das
e acho muito bem.’ Esse levou logo na tabuleta […]. Cor- camionetas partidos, com as cabeças rachadas; coisas
remos para uma rotunda e um gajo com um Mini a gritar partidas e alguns eram agredidos com pedras e paus.
‘Benfica, Benfica’ São gajos malucos. Partiram-lhe o carro Com o que houvesse à mão eram agredidos.” Também

20
Tonel reconheceu a valentia dos membros das claques frontos diretos entre claques rivais. O planeamento
e dos adeptos vitorianos quando afirmou: do trajeto que as claques visitantes deverão percorrer
desde o local em que abandonam os seus meios de
“Meteram-nos num bairro. Como se sabe, o Guimarães transporte e até à chegada ao estádio, a denominada
é como a cidade do Porto. Também são duros. São pes- “caixa de segurança” (o ‘cordão’ formado por polícias
soas do norte como nós somos e passámos ali um mau bo- que cerca o grupo) na qual a polícia envolve as cla-
cado. Tivemos algumas baixas, mas eles também tiveram. ques, enquanto estas percorrem o percurso definido e
Mas éramos também cerca de mil ou mil e quinhentos, ainda a bancada do estádio onde as claques ficam po-
mas éramos todos duros, porque se não não sei se hoje sicionadas são medidas de segurança muito comuns
não teria havido… porque havia polícia a fugir. A própria que reduziram bastante a possibilidade de confrontos
polícia a fugir. E as pessoas foi de ferros, de tábuas de entre claques.
passar a ferro, era tudo. Eram coisas inimagináveis. Era No entanto, estas medidas implicam um maior grau
tudo até chegarmos ao estádio.” de interação entre os elementos das claques e a polí-
cia. Para a compreensão desta interação é pertinente
Encontramos nos membros da claque Panteras Ne- retomar a perspetiva teórica de Kerr já mencionada
gras um discurso legitimador destes confrontos que no presente texto. Como destacou o autor, esta intera-
parece aproximar-se do ódio. Um deles confessou: ção tende a ser conflituosa, pois decorre entre agentes
“contra o Guimarães, eu já vou a pensar que vou dar com estados motivacionais diferentes. Por um lado,
porrada, porque é raiva. Não os suporto ver.” As pa- os membros das claques encontram nas atividades do
lavras de Maciel denotaram um sentimento similar: grupo uma forma de diversão e excitação que rompe
“Para mim já não existem. A gente quando lhes bater, com um quotidiano considerado aborrecido e desin-
trucida-os. Nós fomos daqui a Coimbra quando o Gui- teressante (Kerr 1994: pp. 48-52). O vandalismo, que
marães jogou com a Académica. Fomos trucidá-los. E neste texto assume a classificação de crime de dano
conseguimos. Alguns deles foram mesmo trucidados”. ou dano com violência, é entendido por Kerr, à se-
Um dos líderes da claque falou mesmo nos termos que melhança da violência, como uma forma de procurar
se seguem: “os grandes problemas que surgem é sem- excitação, pois constitui um hedonismo negativo – o
pre Benfica. É chiná-los. E Guimarães. É matá-los”. prazer de destruir – que assume a função libertado-
ra e catártica já aludida (Kerr 1994, p. 63). Todavia, e
por outro lado, os polícias têm por dever funcional a
4. Os crimes de injúria e ameaça manutenção da ordem pública. Encontram-se no de-
sempenho da sua atividade profissional e esta colide
Este tipo de hostilidade extrema contra as claques e conflitua com uma busca de excitação (Elias 1992)
que apoiam clubes rivais e seus membros marca pre- que tende para a desordem e para a rutura com o quo-
sença nos diversos desempenhos das claques portuen- tidiano e sua ordem (Kerr 1994, pp. 67-71). Estas duas
ses e até no seu material é possível encontrar toda uma definições de situação diferentes e conflituantes de-
retórica injuriosa, depreciativa e estigmatizante. sencadeiam injúrias e ameaças e, por vezes, confrontos
Não surpreende, portanto, que durante as confron- entre os elementos das claques portuenses e as forças
tações referidas neste texto, assim como durante os policiais e os consequentes crimes que daí decorrem.
roubos perpetrados por alguns membros das claques
portuenses, sejam também praticados o crime de injú-
ria e o crime de ameaça. O primeiro, de acordo com o 5. As condições predisponentes para
artigo 181.º do Código Penal português, ocorre quan- os crimes e a teoria social revisitada
do alguém injuria “outra pessoa, imputando-lhe fac-
tos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe A perspetiva teórica proposta por Kerr para com-
palavras, ofensivos da sua honra ou consideração”. preender o hooliganismo enquadra-se numa dimensão
Por sua vez, o crime de ameaça sucede, segundo o teórica que privilegia o jogo do futebol, assim como o
artigo 153.º do Código mencionado, quando alguém contexto em que o mesmo ocorre, como elementos gera-
“ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a dores de tensão, sendo esta uma condição predisponente
vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liber- e facilitadora do conflito e dos confrontos entre adeptos.
dade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais Um jogo de futebol estabelece uma unidade de espaço,
de considerável valor, de forma adequada a provocar- de tempo e ação muito particular em que duas equipas
lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberda- procuram jogar para ganhar, recebendo ambas o apoio
de de determinação”. de adeptos. Este quadro é, na verdade, gerador de uma
No caso concreto dos crimes de roubo, eles são, excitação que é procurada enquanto contexto de rutura
muitas vezes, levados a cabo precisamente com recur- com a ordem do quotidiano. É, por isso, denominado
so à ameaça. Nos crimes que geralmente decorrem das por Elias como “ilha de descivilização”, pois permite
situações de confronto entre claques, as mais diversas viver alguma excitação e libertação num processo civi-
injúrias mútuas, assim com as ameaças de ataques e lizacional orientado para o controlo da violência e dos
agressões físicas, estão sempre presentes. impulsos agressivos (Elias 1992, pp. 101-256).
Na atualidade, a maior eficácia do trabalho das for- A relevância do contexto em que decorre um jogo
ças policiais muito tem obstado à ocorrência de con- de futebol como fator predisponente foi também des-

21
tacada no quadro da Psicologia Ambiental por inves- levados a cabo por membros das claques estudadas
tigadores como Finn (1994) e Canter et al. (1989). Me- que, ao invés de pertencerem a uma classe social
rece ainda destaque a perspetiva teórica desenvolvida desfavorecida e/ou a uma configuração social e ur-
pelo grupo de psicólogos da Universidade de Oxford bana similar à delineada pelo grupo de sociólogos
que investigou o hooliganismo. Para estes, os confron- da Universidade de Leicester, são antes provenientes
tos entre hooligans não são absolutamente caóticos. da classe média ou alta. Por outro lado, é fundamen-
Decorrem segundo um conjunto de regras implícitas tal destacar que são muitos os membros das claques
que os participantes nos mesmos deverão conhecer. portuenses que pertencendo à classe social mais des-
Estas implicam que os combates ocorram entre gru- favorecida, e não obstante terem crescido no contex-
pos compostos por um número idêntico de membros e to social descrito por Dunning et al. (1992), têm um
que estes cessem os combates quando o oponente está comportamento correto no seio das claques e não se
ferido. Não responder a um desafio para o combate ou envolvem em qualquer tipo de crime, reprovando de
fugir durante este será sempre entendido como uma forma veemente quem os pratica. Tais aspetos da rea-
derrota (Marsh et al. 1980, pp. 58-61, 86-91, 102-110). lidade, ao que tudo indica, não poderão ser explica-
A obrigação de defesa dos territórios do clube e das dos no quadro destas duas perspetivas.
claques são também razão bastante para o dever de Há, porém, uma outra perspetiva que abrange a di-
participar nos confrontos e os membros das claques versidade de classes sociais presentes nas claques por-
que têm já uma carreira de envolvimento em confron- tuenses. A idade e a consequente condição juvenil é en-
tos adquirem um maior prestígio no grupo (Marsh et tendida por alguns investigadores como um elemento
al. 1980, pp. 18-19, 66). que confere alguma unicidade às diferentes classes so-
Todo este código implícito confere, segundo o gru- ciais e às áreas residenciais de onde são provenientes
po de Oxford, uma dimensão “ritual” aos confrontos os elementos destes grupos. Emerge, assim, uma di-
entre hooligans e é também nesta perspetiva que pode mensão geracional que também se revela importante
ser interpretada a retórica injuriosa, agressiva e estig- para entender o envolvimento nos crimes descritos.
matizante que as claques adotam nos estádios e fora O prolongamento da carreira escolar, e a consequen-
deles para visar as claques e os adeptos que apoiam te inserção mais tardia no mercado de trabalho, não
os clubes adversários (Marsh et al. 1980, pp. 121-122). deixaram de estabelecer uma fase de transição mais
Esta perspetiva evidencia, porém, algumas limita- longa para a condição social de adulto, caracterizan-
ções. Se é verdade que alguns membros das claques por- do-se esta pela assunção de responsabilidades profis-
tuenses conhecem tais regras, é certo também que nem sionais e familiares. Este limbo de passagem da infân-
todas são respeitadas por alguns elementos dos grupos. cia para a idade adulta deu espaço ao surgimento de
A fuga aos combates, a perseguição e agressões sem li- subculturas juvenis às quais os jovens aderiram, pois
mites de alguns membros das claques portuenses a ele- estas não deixaram de lhes conferir uma identidade
mentos de claques e adeptos das equipas adversárias, (Clarke et al. 1998, pp. 13-14 e Revilla 1996, p. 25). Al-
são prova de que os confrontos não se confinam a uma gumas das subculturas juvenis caracterizam-se não só
dimensão ritual, tendo consequências nefastas e reais. por determinadas preferências, mas também por um
Ainda sobre a capacidade que o jogo de futebol e conjunto de práticas e uma dinâmica de contestação e
o seu contexto têm para gerar tensão e predispor os rebeldia que estabelecem uma relação de tensão com
espetadores para a agressividade, e sem desconsiderar a cultura e a sociedade dominante que ainda não os
a importância desta tensão como elemento que pode integra na forma que estes pretendem (Costa, et al.
levar espectadores à prática da violência, há que reco- 1996, p. 27). É, portanto, nesta perspetiva teórica que
nhecer que perante um mesmo jogo e, por conseguin- alguns investigadores procuraram entender as práti-
te, perante o mesmo contexto, os adeptos poderão ter cas criminais levadas a cabo pelos hooligans e pelos
perceções e interações diferentes consoante a influên- membros de claques de futebol (Revilla 1996; Clarke
cia das outras dimensões consideradas neste texto. É et al. 1998, pp. 9-79; Clarke 1978, pp. 37-60).
por isso que nem todos os elementos das claques se As declarações de vários membros das claques in-
envolvem nos crimes tipificados neste texto. vestigadas que são mais velhos e que já constituíram
A classe social da qual provêm aqueles que perpe- família revelam que esta dimensão geracional é ade-
tram os crimes enunciados constitui, pelas razões já quada à realidade. Das mesmas são exemplo as pala-
aduzidas, uma dessas dimensões. Como se aludiu, a vras do Mariano. Num olhar retrospetivo sobre o seu
perspetiva de Taylor desenvolvida para explicar o hoo- passado numa das claques, afirmou sobre o envolvi-
liganismo, revela-se pertinente para a compreensão mento em crimes: “Eu acho que não há necessidade.
das práticas criminais de alguns elementos das claques Na altura um gajo é mais novo e quer é brincadeira.
estudadas e alguns dos discursos dos próprios tenden- Acho que muita gente faz isso por uma questão de
tes à sua legitimação. O mesmo ocorre a propósito da afirmação no seio da claque.”
já mencionada perspetiva configuracionista proposta Mas esta fase de juventude já passou para muitos
pelo grupo de sociólogos da Universidade de Leicester. daqueles que, ao longo dos anos, foram compondo as
Todavia, o trabalho de campo efetuado permitiu claques portuenses. Hoje, são vários os que assumem
constatar aspetos da realidade social que infirmam, já uma posição crítica face aos crimes. João, um dos
em parte, estas perspetivas teóricas. Por um lado, e membros mais antigos da Alma Salgueirista, referiu:
tal como foi referido, os atos criminosos são também “Atualmente somos todos homenzinhos e mesmo os

22
membros mais jovens a gente tenta controlá-los para como legítimas. Outros reconhecem que os furtos e os
que isso não aconteça. Já temos pais na claque. Já te- roubos são consequência da reprodução de uma car-
mos pessoas casadas na claque e com responsabilida- reira de delinquência que visa obter lucros pessoais.
des e tentamos evitar isso.” Muito significativas foram Em consequência dos confrontos que se verificam
também as declarações de Marcelo. Recordando os na via pública podem também ocorrer crimes de aten-
tempos em que fundou e liderou uma claque portis- tado à segurança de transporte rodoviário. Constatou-
ta, disse: “Eu agora tenho dois filhos. Estou casado e se, ainda, que são muitas as situações em que os cri-
penso que fazia coisas completamente irracionais. Eu mes referidos são praticados, em simultâneo, com os
não sei como é que é possível.” Questionado sobre se crimes de injúria e ameaça.
tinha, à época, consciência dos danos que causava, Os resultados das pesquisas de que este texto dá
Marcelo respondeu assim: “Na altura não. Agora sim. conta são também reveladores da pertinência – mas
Porque eu tenho um estabelecimento e se me assal- também das limitações – das quatro grandes perspe-
tassem a ourivesaria era tudo corrido à pistola. Ando tivas teóricas que emergiram do trabalho dos vários
sempre armado. […] Quando caio em mim… O mal é investigadores que estudaram a problemática do hoo-
que eu na altura não caía em mim. Tinha os outros que liganismo e das claques de futebol. A diversidade dos
não me deixavam cair em mim.” crimes cometidos, dos seus autores e das situações em
Sem prejuízo das diversas afirmações recolhidas, que os mesmos ocorrem não deixa de apelar à realiza-
que são idênticas às citadas e que conferem, por isso, ção de novas investigações de cariz comparativo, espe-
pertinência à dimensão geracional para a compreensão rando-se que estas possam contribuir para a reformu-
das práticas criminais encetadas por alguns membros lação do quadro teórico existente e para o surgimento
das claques estudadas, há que reconhecer também a de novas propostas teóricas e conceptuais tendentes a
sua principal limitação. É ainda significativo o núme- uma melhor compreensão das claques de futebol.
ro de elementos das claques portuenses, que apesar de
terem já assumido responsabilidades profissionais exi-
gentes, continuam a levar a cabo os crimes enunciados, Bibliografia
por vezes até de forma mais premeditava e afastando-
se mesmo das claques com o intuito de se furtarem a Armstrong, G. (1998). Football Hooligans. Knowing the Score.
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razões. O ódio, a raiva e o prazer obtidos com a liber- Resistance through Rituals, London, Routledge, pp. 9-86.
tação destes impulsos durante os confrontos físicos Costa, P., Tornero, J., Tropea, F. (1996). Tribus urbanas. El
com membros de claques e adeptos de alguns clubes ansia de identidade juvenil: entre el culto a la imagen y la
adversários, assim como o alívio do stress, são razões autoafirmación através de la violência. Barcelona, Buenos
aduzidas para legitimar o envolvimento na prática Aires: Paidós.
dos crimes referidos. A defesa da honra do clube e da Dunning, E. (1992), “As ligações sociais e a violência no
cidade, bem como a hostilidade à cidade de Lisboa e desporto”. In N. Elias, A busca da Excitação, Lisboa, Difel,
seus clubes, são razões evocadas. pp. 327-354.
Os crimes contra a propriedade são também prati- Dunning, E., Murphy, P, Williams, J. (1992), “A violência dos
cados por membros das claques portuenses. Os furtos espectadores nos desafios de futebol: para uma explicação so-
e os roubos ocorrem, sobretudo, quando os elementos ciológica”. In N. Elias, A busca da Excitação, Lisboa, Difel. pp.
do grupo visitam estabelecimentos comerciais. Destes, 355-388.Elias, N. (1992). A Busca da excitação. Lisboa: Difel.
bem como dos confrontos já aludidos, também podem Fin, G. (1994), “Football violence. A societal Psychological
resultar os crimes de dano e dano com violência. A perspective”. In R. Giuliaotti, N. Bonney, M. Hepworth (eds),
falta de dinheiro e os altos preços praticados pelos es- Football, Violence and Social Identity, London e New York:
tabelecimentos comerciais visados são as razões mais Routledge, pp. 90-127.
evocadas para os furtos e para os roubos. No entan- Giulianotti, R., Armstrong. G. (2002), Avenues of contestation.
to, a mera diversão, a excitação da prática do crime Football hooligans running and ruling urban spaces in Social
e a tentativa de conseguir notoriedade no grupo são Anthropology. The Journal of the European Association of
razões que alguns membros das claques entenderam Social Anthropologists 10(part 2): pp. 211-238.

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