The_coup_detat_of_1964_and_the_Brazilian
The_coup_detat_of_1964_and_the_Brazilian
The_coup_detat_of_1964_and_the_Brazilian
3 novembro – 20 dezembro
2014
Brasil
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR
Setor Comercial Sul - B, Quadra 9, Lote C
Edifício Parque Cidade Corporate, Torre A, 10º andar
Brasília – Distrito Federal – CEP 70308-200
Telefone: (61) 2027-3900
http://www.direitoshumanos.gov.br
MostrA CoMpetitivA
Muestra Competitiva/ Competitive Shows 20
ACessibiLidAde
Acessibilidad/ Accessibility 206
deMoCrAtizAndo
Democratización/ Democratization efforts 212
Créditos
Creditos/ Credits 216
Presidenta da rePública Federativa do brasil Ministério da Cultura
Dilma Roussef
Ministra de estado da cultura
Marta Suplicy
Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República secretária executiva do Ministério da cultura
Ana Cristina Wanzeler
Ministra de estado cheFe da secretaria
de direitos huManos da Presidência da rePública secretário do audiovisual
Ideli Salvatti Mário Henrique Costa Borgneth
secretário executivo da secretaria de direitos huManos diretor de Gestão de Políticas audiovisuais
da Presidência da rePública João Batista da Silva
Claudinei do Nascimento coordenador-Geral de inovação, converGência
secretário de Gestão da Política enovas PlataForMas
de direitos huManos Leonardo Barbosa Rossato
Gleisson Cardoso Rubin coordenadora-Geral do centro técnico
secretária nacional de ProMoção audiovisual da secretaria do audiovisual
e deFesa dos direitos huManos Liana Bathomarco Corrêa
Patricia Barcelos
secretária nacional de ProMoção dos direitos Universidade Federal Fluminense
da criança e do adolescente
reitor da universidade Federal FluMinense
Angélica Moura Goulart Professor Roberto de Souza Salles
secretário nacional de ProMoção dos direitos vice-reitor
da Pessoa coM deFiciência
Sidney Luiz de Matos Mello
Antônio José Ferreira
cheFia de Gabinete
coordenação da 9ª Mostra cineMa
Martha de Luca
e direitos huManos do heMisFério sul
Patricia Barcelos diretor do instituto de artes e coMunicação
Teresa Labrunie Calmon Soares Professor Leonardo Guelman
cheFe do dePartaMento de cineMa e vídeo
Professora Índia Mara Martins
Gestora adMinistrativa e Financeira
Fundação Euclides da Cunha
KUMÃ – Laboratório de Experimentação
e Pesquisa em Imagem e Som
Apresentação
A 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul compõe uma das estratégias do Governo
Federal para consolidação da cultura de respeito aos Direitos Humanos. A Mostra é uma política de
Educação fundamentada no reconhecimento da linguagem cinematográica como instrumento efetivo
na sensibilização para temas de Direitos Humanos. Lançado em 2006 para celebrar o aniversário da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, o projeto tem se sedimentado nacionalmente como espa-
ço de relexão sobre ideais de liberdade e de igualdade e sobre a luta por direitos.
Em sua primeira edição, a Mostra aconteceu em seis cidades brasileiras. Ano a ano, o projeto vem
sendo ampliado. A 9ª edição chegará a todas as capitais, além de mil locais de exibição em todo o país
(inscritos por intermédio do projeto Democratizando), em unidades do sistema socioeducativo e em
embaixadas brasileiras no exterior. A contínua ampliação do projeto vai ao encontro da ideia de difusão
da cultura de Direitos Humanos.
Em 2014, a Mostra também aumentou seu alcance no que diz respeito à origem dos ilmes exibidos.
A 9ª edição veiculará uma seleção com 32 ilmes realizados em países de todo o Hemisfério Sul. O fes-
tival propiciará uma leitura atual da maneira como os Direitos Humanos são compreendidos e retratados
em países que, como o Brasil, identiicam-se na noção geopolítica de Hemisfério Sul.
Por ocasião dos 50 anos do golpe militar, que inaugurou uma etapa da história marcada por sistemáti-
cas violações de Direitos Humanos no país, a 9ª edição da Mostra terá como temática o Direito à Me-
mória e Verdade. Com o intuito de reairmar o repúdio aos abusos cometidos no período, e assim evitar
a repetição, e de rememorar a heroica resistência de quem lutou pela democracia, serão exibidos, em
quatro sessões, cinco ilmes que retratam os acontecimentos políticos da época.
Ainda como menção aos 50 anos do golpe, a 9ª Mostra homenageará a cineasta Lucia Murat. Serão
exibidos quatro longas-metragens da diretora que, em sua obra, aborda de forma corajosa e sensível
a temática dos Direitos Humanos. Além do reconhecimento da sua relevância para o cinema brasileiro,
ela recebe nossa homenagem em virtude de sua trajetória de luta política.
Um dos princípios que norteiam a Mostra é o da inclusão. Assim como nas edições anteriores, as sessões se-
rão gratuitas. Além disso, todos os ilmes serão exibidos com closed caption, possibilitando o acesso de pes-
soas com deiciência auditiva e também sessões com audiodescrição para pessoas com deiciência visual.
5
A 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul é uma realização da Secretaria de Direitos Hu-
manos da Presidência da República (SDH/PR) e do Ministério da Cultura (Minc) produzida pela Universida-
de Federal Fluminense (UFF) com apoio da Empresa Brasileira de Comunicações (EBC) e com patrocínio
da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os ilmes exibidos
foram selecionados por uma curadoria que reuniu especialistas em cinema e em Direitos Humanos.
Compreendendo que, para avançar na realização progressiva dos Direitos Humanos, é necessário
aprofundar o debate social sobre a temática – e esperando que esta mostra contribua para a constru-
ção de uma cultura de respeito e valorização das diferenças – damos as mais calorosas boas-vindas a
todo o público da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul!
Presentación Presents
Presentación La 9ª Muestra Cine y Derechos Humanos en el The 9th Exhibition Cinema and Human Rights in the Southern
Hemisferio Sur forma parte de una de las estrategias del Go- Hemisphere is part of the strategies of the Federal Govern-
bierno Federal para la consolidación de la cultura de los De- ment to cement the culture of Human Rights. The Exhibition
rechos Humanos. La Muestra es una política de Educación stands as an efort of an Education policy grounded on the
basada en el reconocimiento del lenguaje cinematográico recognition of the motion picture language as an efective
como instrumento efectivo en la sensibilización para temas tool to raise awareness on Human Rights issues. Launched
de Derechos Humanos. Lanzado en 2006 para celebrar el in 2006 to celebrate the anniversary of the Universal Decla-
aniversario de la Declaración Universal de los Derechos Hu- ration of Human Rights, this project has been establishing its
manos, el proyecto gana fuerzas nacionalmente como es- national status as a forum for relection about the ideals of
pacio de relexión sobre ideales de libertad y de igualdad y freedom and equality and the struggle for rights.
sobre la lucha por derechos.
In its irst edition, the Exhibition was staged in six Brazilian
En su primera edición, la Muestra tuvo lugar en seis ciudades cities. Year after year, the project has been expanding its
brasileñas. Cada año, el proyecto está ampliándose. La 9ª scope. The 9th edition will be held in all capitals, in addition
edición llegará a todas las capitales, además de mil lugares to the one thousand screening points all over the coun-
de exhibición de todo el país (registrados a través del pro- try (which were registered in the Project Democratization
yecto “Democratizando”), de unidades del sistema socioe- Eforts (“Democratizando”)), in social and educational esta-
ducativo y de embajadas brasileñas en el extranjero. La con- blishments and Brazilian embassies abroad. The continuous
tinua ampliación del proyecto está de acuerdo a la idea de widening of the project is concordant with the purpose of
difusión de la cultura de Derechos Humanos. disseminating the culture of Human Rights.
En 2014, la Muestra también aumentó su alcance en lo que se In 2014, the Exhibition also enlarged the reach of the mo-
reiere al origen de las películas exhibidas. La 9ª edición divul- vies screened. The 9th edition will screen 32 movies made
gará una selección con 32 películas producidas en países de in countries of the entire Southern Hemisphere. The festival
Ideli Salvatti_ Ministra Jefe de la Secretaría de Derechos Ideli Salvatti_ Chief of the Secretariat for Human Rights
Humanos de la Presidencia de la República (SDH/PR) of the Presidency of the Republic (SDH/PR)
APRESEntAção 7
Cinema, Direitos Humanos e Educação
Ao participar de uma mostra de cinema dessa abrangência, a Universidade assume o papel de po-
tencializar o debate acerca dos problemas e conlitos relacionados aos Direitos Humanos, apresen-
tados pelos ilmes. Isso se dá através de uma grande produção intelectual que se traduz em textos,
debates, aulas, encontros e nos mais variados modos de relexão sobre o cinema e sua importância
na experiência social.
A Universidade, cumprindo o seu papel, coloca-se, com esta Mostra, no centro de questões funda-
mentais para o entendimento do nosso presente, a memória do nosso passado e as perspectivas para
o nosso futuro.
São iniciativas como esta que nos mantêm focados no nosso compromisso com a comunidade onde
somos inseridos e com a sociedade de uma forma geral. A Mostra Cinema e Direitos Humanos no He-
misfério Sul nos oferece uma oportunidade ímpar de efetivar nossa presença em todo o país.
9
Cine, Derechos Humanos y Educación Cinema, Human Rights and Education
La colaboración de UFF con la Secretaría de Derechos Hu- The partnership between UFF and the Secretariat for Hu-
manos de la Presidencia de la República, iniciada en 2013, man Rights of the Presidency of the Republic, established
extendió la actuación de nuestra Universidad a los demás in 2013, expanded the eforts of our University to other sta-
estados brasileños. Actualmente, contamos con estudiantes, tes in Brazil. Currently, we have students, professors and
profesores y técnico-administrativos de todas las regiones
administrative technicians coming from all of the country’s
del país. La trayectoria recorrida por esta Muestra sigue un
regions. The path trodden by this Exhibition follows a low
lujo que irradia de este centro al resto del país, en un en-
emanating for the center to the rest of the country, encoun-
cuentro con una gran diversidad y singularidad.
tering a huge diversity and singularity.
Al participar en una muestra de cine de esta amplitud, la
Universidad asume el papel de potenciador del debate By participating in a movie screening of this reach, the Uni-
acerca de los problemas y conlictos relacionados a los versity takes the lead in furthering the debate about the
derechos humanos, presentados por las películas. Esto se problems and conlicts connected to human rights, which
logra a través de una gran producción intelectual que se are portrayed by the movies. This happens by means of an
traduce en textos, debates, clases, encuentros y en los más ample intellectual produce, including texts, debates, lectu-
variados modos de relexión sobre el cine y su importancia res, meetings and the most diverse relections about the
en la experiencia social. cinema and its importance as a social experience.
La Universidad, cumpliendo su papel, se pone junto a esta With this Exhibition, the University accomplishes its role and
Muestra, en el centro de cuestiones fundamentales para el is at the center of discussions which are germane for un-
entendimiento de nuestro presente, la memoria de nuestro derstanding the present time, the memory of our past and
pasado y las perspectivas para nuestro futuro.
the perspectives on the future.
Son iniciativas de este tipo que nos mantienen enfocados
In point of fact, this efort underlines our sense of belonging
en nuestro compromiso con la comunidad en la que esta-
and commitment with the local community and the society at
mos insertados y también con la sociedad en general. La
Muestra Cine y Derechos Humanos en el Hemisferio Sur large. The Exhibition Cinema and Human Rights in the Sou-
nos ofrece una oportunidad única de hacer realidad nuestra thern Hemisphere allows us a unique chance to emphasize
presencia en todo el país. our presence all over the country.
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) apoia, pela sexta vez, a Mostra Cinema e Direitos Humanos,
em um gesto de incentivo às produções cinematográicas da América do Sul, com abordagem de te-
mas inéditos para o público brasileiro.
O Prêmio “Democratizando”, da TV Brasil, concedido para os melhores ilmes, selecionados entre lon-
gas, médias e curtas, é o reconhecimento ao trabalho de formação cultural das pessoas em Direitos
Humanos. Mais que isso. É um apoio aos que dedicam suas vidas e suas obras a uma missão idêntica
à da EBC, de criar e difundir conteúdos que contribuam para a formação crítica das pessoas.
Nesse sentido, as equipes de jornalismo, produção e programação dos veículos de comunicação geri-
dos pela EBC - nove emissoras das Rádios Nacional e MEC, TV Brasil e TV Brasil Internacional, Agência
Brasil e Portal da EBC - têm se empenhado na abordagem cotidiana de todos os assuntos relacionados
aos direitos humanos. Desde o cuidado com os recursos de acessibilidade para pessoas com deiciên-
cia até a priorização de pautas, coberturas temáticas e produção de programas especiais.
Este ano, além da programação especial que izemos por ocasião do aniversário de 50 anos do Golpe
Civil Militar que interrompeu a democracia brasileira em 1964 (séries “Resistir é Preciso”, “Advogados
contra a Ditadura e Militares pela Democracia”, entre outros), estamos iniciando duas novas séries com
essa temática na TV Brasil: “Exílio e Canções” e “Mais Direitos, Mais Humanos”. Este último em parceria
com o Instituto Vladimir Herzog e TV dos Trabalhadores, tem a ambição de tornar-se uma referência
em formato e conteúdo de programa para a juventude reletir sobre as ações cotidianas que podem
fazer diferença para nos tornarmos uma Nação mais consciente, compreensiva e respeitosa com as
diferenças e a diversidade humana.
11
Temos a satisfação de ver esse empenho progressivamente reconhecido com vários prêmios recebi-
dos nos últimos anos pelos nossos proissionais que têm apostado nesse diferencial para fazer a dife-
rença. Reconhecimento que retribuímos com esse incentivo aos participantes da 9ª Mostra de Cinema
e Direitos Humanos no Hemisfério Sul, que a cada edição se consolida mais como referência na difusão
de conteúdos audiovisuais engajados em causas humanitárias.
El Premio Democratizando, de TV Brasil, concedido a las The Democratization Eforts Award (Prêmio Democratizan-
mejores películas, seleccionadas entre largos, medios y do), promoted by TV Brasil, bestowed to the best movies,
cortometrajes, es el reconocimiento al trabajo de formación chosen from feature, medium-length and short ilms, recog-
cultural de las personas en Derechos Humanos. Más que nizes the development of the people’s cultural background
eso. Es un apoyo a los que dedican sus vidas y sus obras a on Human Rights. More than this, it acknowledges those
una misión idéntica a la de EBC, de crear y difundir conteni- who dedicated their lives and works to a mission identical
dos que contribuyan a la formación crítica de las personas. to that of EBC, which is to devise and disseminate contents
that enhance the critical background of people.
En este sentido, los equipos de periodismo, producción y
programación de los vehículos de comunicación administra- In this sense, the journalism, production and scheduling
dos por la EBC - nueve cadenas de las Radios Nacional y stafs of the media outlets managed by EBC – nine broad-
APRESEntAção 13
Fortalecimento de identidades e
reairmação de panoramas da diferença
A realização da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos do Hemisfério Sul, com produção integral do
Departamento de Cinema e Video da UFF, reairma a trajetória recente da Universidade na ampla pers-
pectiva internacional da cooperação sul-sul, neste caso como mecanismo crescente de fortalecimento
de identidades e de reairmação de panoramas da diferença.
É motivo de grande satisfação constatar o alcance desse processo com a presença da Mostra em 27
capitais do país, fator de importante relação entre a produção audiovisual e o estímulo ao olhar e à
atitude cidadã potencializados pela arte. Ao mesmo tempo, a extensão desse processo com a distribui-
ção de kits de material audiovisual para cerca de 1.000 pontos do país, entre universidades, instituições
artísticas e ONGs, amplia e capilariza o acesso à linguagem indissociada de uma perspectiva crítica no
campo da realidade social.
15
Fortalecimiento de identidades Strengthening identities
y reairmación de panoramas and underlining panoramas of diversity
de la diferencia
The execution of the 9th Exhibition Cinema and Human Ri-
La 9ª Muestra Cine y Derechos Humanos del Hemisferio Sur, ghts in the Southern Hemisphere, fully produced by the
con producción integral del Departamento de Cine y Video UFF’s Department of Cinema and Video, reassures the Uni-
de UFF, reairma la reciente trayectoria de la Universidad en versity’s presence in the ample international scenario of
la amplia perspectiva internacional de la cooperación sur- Southern cooperation, in this case as an instrument to fur-
sur, en este caso como mecanismo creciente de fortaleci- ther the development of identities and underscore panora-
miento de identidades y de reairmación de panoramas de mas of diversity.
la diferencia. It is a matter of deep satisfaction to witness the reach of this
Es una gran satisfacción percibir el alcance de este proceso process, as the Exhibition is staged in 27 capitals of Brazil,
con la presencia de la Muestra en 27 capitales del país, fac- which is the evidence of the important relationship between
tor de importante relación entre la producción audiovisual y the audiovisual production and the invitation to reine our
el estímulo a la mirada y la actitud ciudadana mejorados por regard and enhance our citizenship awareness through the
el arte. Al mismo tiempo, la extensión de este proceso con art. Meanwhile, the ramiication of this process by distribu-
la distribución de kits de material audiovisual para aproxima- ting audiovisual kits to around 1,000 points in the country,
damente 1.000 en el país, entre universidades, instituciones including universities, arts centers and NGOs, widens and
artísticas y ONGs, expande el acceso al lenguaje insepara- diversiies the access to a language that cannot be disenga-
ble de una perspectiva crítica en la realidad social. ged from a critical view about the social reality.
Desde que recebemos a missão de produzir a Mostra Cinema e Direitos Humanos, icou clara a radica-
lidade dos desaios. Realizar uma mostra em todo o território nacional, mobilizando produtores locais,
espaços de exibição, instituições, patrocinadores, apoiadores e público, sem dúvida, requer esforços
hercúleos. Tão claro quanto esses desaios é a certeza de que uma mostra desse porte só pode ser
feita com a dedicação e trabalho de um imenso número de proissionais, engajados na produção e
motivados pela pauta dos Direitos Humanos, atravessada e alimentada pelo cinema.
Chegamos, agora, à 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos, pelo segundo ano à frente da produção,
vendo a concretização de algumas ações que sonhávamos realizar. Entre elas, o alargamento do es-
copo de ilmes, antes restrito aos países da América Latina, para um recorte político das nações que
desenham um hemisfério sul feito pelos ilmes que compõem a Mostra Competitiva, assim como a
ampliação das discussões com a sociedade na promoção de debates como parte integrante de nos-
sa programação. Expressamos especialmente através do projeto Democratizando o nosso desejo e
convicção de que é por meio da capilarização do alcance da Mostra e da democratização do acesso
à cultura, que avançamos para uma forma mais igualitária de realizar um evento cultural como esse.
A aproximação dos continentes imaginada na arte gráica desta edição reverbera os encontros que a
mostra promove: diretores, debatedores, professores, alunos, cidadãos, todos com os olhares voltados
para as questões que compõem o horizonte dos Direitos Humanos. Pensar o cinema dentro e fora des-
sa pauta, discutindo o mundo através da linguagem audiovisual, nos dá a clareza do que pode a arte.
A beleza dos encontros está no cintilar de nossas diferenças e semelhanças, através da ideia de que
esta seja, sempre, uma mostra para todos, sem exceção.
17
Por una Estética de los Encuentros Developing an Aesthetics of Encounters
Así que recibimos la misión de producir la Muestra Cine y From the moment we were charged with the responsibility to
Derechos Humanos, nos demos cuenta de la radicalidad de produce the Exhibition Cinema and Human Rights, we were
los retos. Producir una muestra en todo Brasil, movilizando aware of the fact that it meant a serious and radical challen-
productores locales, espacios de exhibición, instituciones, ge. Needless to say, organizing a movie screening in the en-
patrocinadores, apoyadores y públicos , sin duda, exige gran- tire national territory, mobilizing local producers, screening
des esfuerzos. Sin embargo, estos retos nos aseguran de que rooms, institutions, sponsors, supporters and audiences, is
una muestra de este tipo sólo se puede hacer con dedicación a herculean task. The unambiguousness of the challenges
y trabajo de un gran número de profesionales, comprometi- posed is as undisputed as the fact that an exhibition of this
dos con la producción y motivados por el tema de los Dere- magnitude may only be accomplished with the dedication
chos Humanos, abordado profundamente por el cine. and work of a huge number of professionals, engaged in
the production, and motivated by the Human Rights agenda,
Ahora, en la 9ª Muestra Cine y Derechos Humanos, por el
underlined and elevated by the motion pictures.
segundo ano al frente de la producción, vemos la realiza-
ción de algunas acciones que sonábamos realizar. Entre This is the 9th Exhibition Cinema and Human Rights, and
ellas están la ampliación del alcance de las películas, antes the second year we spearhead the production eforts, wit-
restringido a los países de Latinoamérica, para un enfoque nessing the realization of some dreams fancied in the past,
político de las naciones que diseñan un hemisferio sur he- including the extension of the scope of movies, which was
cho por las películas que están en la Muestra Competitiva, once limited to Latin America, but now puts in practice a po-
así como la ampliación de las discusiones con la sociedad litical map that draws a diferent Southern Hemisphere, and
en la promoción de debates como parte integrante de nues- enlarges the reach of the Competitive Screening. Moreover,
tra programación. Expresamos, especialmente a través de the discussions about the society are broadened as debates
proyecto Democratizando, nuestro deseo y convicción de are included in the project’s deliverables. Especially through
que es a través de la mejor distribución del alcance de la the Project Democratization Eforts, we express our drive
muestra y de la democratización del acceso a la cultura que and conviction that only by branching out the exhibition’s
avanzamos para una forma mas igualitaria de producir un reach and disseminating the access to culture we can deve-
evento cultural de este tipo. lop a cultural event punctuated by egalitarianism.
La aproximación de los continentes pensada en el arte grái- The nearness of the continents conjured by the graphic de-
co de esta edición releja los encuentros promovidos por la signers in this edition verberates the encounters entailed by
muestra: directores, debatedores, profesores, estudiantes, this exhibition: principals, speakers, teachers, students, citi-
ciudadanos, todas las miradas dirigidas a las cuestiones que zens, all of them geared toward the questions in the horizon
componen el horizonte de los Derechos Humanos. El análi- of Human Rights. Relecting about the cinema within and be-
sis del cine dentro y fuera de esta pauta, con la discusión del yond this agenda and discussing the world through the audio-
mundo a través del lenguaje audiovisual, nos permite ver la visual language are the passkeys for the prowess of art. The
capacidad del arte. La belleza de los encuentros está en el bri- beauty of encounters lies in the radiance of our diferences
llo de nuestras diferencias y similitudes, a través de la idea de and similarities, testifying the ideal that this is and will always
que esta siempre sea una muestra para todos, sin excepción. be an exhibition for each and everyone, without distinction.
Rafael de Luna Freire_ Coordinador General Rafael de Luna Freire_ General Coordinator
Profesor del Departamento de Cine y Video de la UFF Professor of the Cinema and Video Department of theUFF
Alexandre Guerreiro_ Coordinador de Producción Alexandre Guerreiro_ Production Coordinator
Doctorando en Comunicación por la UFF PhD student at the Social Communication Graduate Program of UFF
Isaac Pipano_ Coordinador de Comunicación Isaac Pipano_ Communications Coordinator Professor of
Profesor del Departamento de Cine y Video de la UFF the Cinema and Video Department of the UFF
Nesta 9˚ edição da Mostra Cinema e Direitos Humanos, pela primeira vez abrimos a seleção competitiva
para ilmes do Hemisfério Sul. Nosso entendimento do hemisfério sul privilegia um corte mais político do
que uma simples divisão feita pela Linha do Equador. Com isso, trazemos ilmes do Egito, da Índia, da Jor-
dânia e de diversos países latino-americanos. A diversidade e a qualidade dos ilmes este ano é especial-
mente impactante. Nesta Mostra Competitiva ilmes fortemente políticos, no documentário e na icção, nos
mostram a diversidade de formas que o cinema inventa para trabalhar temas difíceis, violentos e polêmicos.
Neste ano, o universo infantil e juvenil está presente com ilmes que tratam de assuntos diversos,
frequentemente com humor e poesia, como 6 Cups of Chai, de Laila Khan, da Índia; As Crianças de
Chocó, de Rolando Vargas, da Colômbia; Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, do Brasil;
Growing, de Tariq Rimawi, da Jordânia; Galus Galus, de Clarissa Duque, da Venezuela; Sanã, de Marcos
Pimentel, do Brasil; Sophia, de Kennel Rógis, Meu Amigo Nietzsche, de Fáuston da Silva, Requília, de
Renata Diniz, do Brasil e Rio Cigano, de Julia Zakia, do Brasil. Junto ao prazer de encontrar esses ilmes
nas salas, imaginamos que muitas das questões que nos são caras, como os direitos dos moradores de
rua, os direitos indígenas, os direitos dos portadores de deiciência e a diversidade sexual, poderão ser
discutidos entre os jovens, em escolas e quebradas.
Nos alegra ainda apresentar uma seleção com tantos e excelentes ilmes de icção, alguns deles já con-
sagrados em festivais, outros praticamente inéditos no Brasil. Filmes que estética e narrativamente repre-
sentam, antes de tudo, o nosso direito à invenção e à heterogeneidade de formas de se falar e inventar
o mundo com o cinema. A Vizinhança do, Tigre de Afonso Uchoa, do Brasil; La Jaula de Oro, de Diego
Quemada-Diez, do México; Yvy Maraey, Las Tierras Sin Mal, Juan Carlos Valdívia, da Bolívia; Jessy, de
Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge e Tejo Mar, de Benard Lessa, ambos do Brasil. Nas suas diversi-
dades temáticas, trabalham formas singulares de relação com os atores e com o ambiente que retratam.
Tomou Café e Esperou, de Emiliano Cunha, do Brasil, com sua delicada forma narrativa completa uma
seleção em que, com a icção, descobrimos fronteiras e limites que reduzem as possibilidades de vida de
sujeitos e comunidades, ao mesmo tempo em que nos deparamos com formas de vida que não param de
resistir às violências institucionais e econômicas, por vezes com gestos mínimos.
Por im, a Mostra desse ano traz oito documentários marcados por um desejo de verdade e reparações,
com ampla diversidade temática e formal. A Morte de Jaime Roldós, de Lisandra I. Rivera e Manolo
21
Sarmiento, uma co-produção do Equador e da Argentina; Cesó la Horrible Noche, de Ricardo Restrepo,
da Colômbia; Mohamed Mahmoud... Herald dos Revolucionários, de Ines Marzouk, do Egito; e os brasi-
leiros: Ameaçados, de Júlia Mariano; Mataram Meu Irmão, de Cristiano Burlan; O Mercado de Notícias,
de Jorge Furtado; Polinter, de Dafne Capella e Quilombo da Família Silva, de Sérgio Valentim.
Nesses documentários, move-se uma inquietação com certos estados de coisas ou com a própria his-
tória que escrevemos. Neles, o cinema aparece como forma de interrogar os poderes, a mídia, o estado
e a burocracia. Um mapa que vai do Egito ao Rio Grande do Sul, instigado pelas mesmas inquietações
que nos levam a fazer essa Mostra: nosso desejo de que os direitos de homens e mulheres sejam para
todos e qualquer um.
Cezar Migliorin_ Curador de la Muestra Competitiva Cezar Migliorin_ Curator of the Competitive Screening
Mostra Competitiva 23
Filmes da Mostra Competitiva
24
R Antariksh Jain
F Sayak Battachariya
E Arkav Bannerjee
EP Brainworks Picture Company
EL Ved Dharmendra, Harshiv Dave
6 cups of Chai
Laila Khan, Índia, 2014, 7’
Dharavi, um menino que trabalha como ven- Dharavi, un chico que trabaja como vendedor de té y vive en
barrio pobre de Mumb ai. Dharavi tiene un simple deseo: ir
dedor de chá e mora na favela mais pobre de a la escuela como los demás niños.
Mumbai. Dharavi, tem um simples desejo: ir para *suburbio; ciudad; niñez; trabajo infantil
a escola como as outras crianças.
Dharavi, a boy who works as a tea seller and lives in the
*periferia; cidade; infância; trabalho infantil poorest slum of Mumbai. Dharavi, has a simple desire: going
contato: lailakhan84@gmail.com to school like the other children.
*outskirts; city; childhood; child labor
25
Entrevista com Laila Khan é a conexão entre o trabalho infantil e a pobre-
(6 Cups of Chai), por Felipe Fernandes za. Paradoxalmente, embora o índice de pobre-
za na Índia tenha decrescido lentamente com
Apesar das políticas públicas dedicadas ao as iniciativas de programas de erradicação da
direito à educação e ao combate contra o tra-
pobreza promovidos pelo Estado e a socieda-
balho infantil, ele ainda assombra o Brasil. No
ilme, essa discussão é apresentada de uma de civil, a incidência do trabalho infantil ainda
maneira muito sensível. Como você avalia o é alta. Em uma recente visita ao país, descobri
atual contexto indiano do trabalho infantil e de que a maior parte das crianças (de áreas rurais)
onde veio a motivação de representar a infân- eram forçadas a trabalhar, em vez de estudar,
cia no ambiente de trabalho?
para ajudar na subsistência de suas famílias. Mi-
A despeito das instâncias de ratiicação dos nha crença mais irme é a de que todas as crian-
direitos das crianças de instituições internacio- ças devam ter assegurado o direito à educação
nais, como a Organização das Nações Unidas, básica e, por isso, senti que deveria trazer essa
a questão é uma fonte de preocupação para as questão à tona por meio de um ilme.
sociedades civis dos países em desenvolvimen-
Nos poucos momentos de comunicação verbal
to, além de ser reletida no discurso sobre pa-
do ilme, a voz que se ouve é a da opressão e
radigmas desenvolvimentistas. De acordo com comando do empregador da criança. Por que
o mais recente relatório da Organização Inter- escolher silenciar o garoto e como foi o processo
nacional do Trabalho (OIT), em escala mundial, criativo desse personagem e sua relação com a
há atualmente 250 milhões de crianças traba- cidade, por meio das imagens e dos sons?
lhando. Com respeito à situação na Índia, as es- Foi uma decisão criativa ter o mínimo de diálogo
timativas do número de crianças que trabalham no ilme porque eu queria explorar as emoções
variam de acordo com os dados reunidos por do protagonista. Foi desaiador para o ator, já
diferentes órgãos. No entanto, o número de tra- que aquela era a sua primeira experiência com
balhadores infantis com menos do que 15 anos a câmera, mas ele estava coniante e realizamos
encontrados nas áreas rurais somava mais que algumas oicinas para ajudá-lo.
89% em 1991. Um estudo empírico mostra que a
Mesmo manuseando as seis xícaras de chai,
emigração de crianças das áreas rurais incluía
o protagonista consegue apanhar um esto-
crianças pertencentes a famílias sem terra, de-
jo de instrumentos geométricos, sabendo que
monstrando claramente que a incidência do tra- pertencia a dois garotos uniformizados que o
balho infantil é maior nas áreas rurais. Um outro procuravam na rua. O objeto alude à infância,
importante fator deduzido de diversos estudos em especial ao ambiente escolar, ausente na
retoras, que vêm fazendo um bom trabalho, mas En los pocos momentos de comunicación verbal de la pe-
lícula, la voz que se escucha es la de la opresión y control
infelizmente os homens ainda dominam o setor. del empleador del niño. ¿Por qué silenciar el niño y cómo
Espero que um dia as mulheres representem fue el proceso creativo de este personaje y su relación con
la ciudad, a través de las imágenes y de los sonidos?
50% da produção.
La opción por el diálogo mínimo fue una decisión creativa
en la película porque mi objetivo era explorar las emociones
Entrevista con Laila Khan (6 Cups of Chai), del protagonista. Fue un gran reto para el joven actor, ya
que era su primera experiencia con la cámara, pero se mos-
por Felipe Fernandes tró coniado y los talleres que hicimos lo ayudaron.
A pesar de las políticas públicas dedicadas al derecho a Mientras el personaje principal maneja las seis tazas de
la educación y la lucha contra el trabajo infantil, él todavía chai, el protagonista recoge un estuche de instrumentos
existe en Brasil. En la película, esta discusión se presenta geométricos, aunque sabía que pertenecía a dos mucha-
de una manera muy sensible. ¿Cómo evalúa el actual con- chos de uniforme que estaban buscando al estuche por las
texto indiano del trabajo infantil y de dónde ha surgido la calles. El objeto tiene relación con la niñez, sobre todo con
motivación de representar la niñez en el entorno laboral? el ambiente escolar, ausente en la historia. Aunque la so-
Mostra Competitiva 27
ciedad condene el robo, la película no juzga ni castiga la bour and poverty. Paradoxically, though the poverty level in
acción del niño. ¿Cuál es la relevancia de esta elección y la India has come down slowly over the years through the efort
posición asumida en el contexto de un Observatorio de los of poverty eradication programs by the state and civil society,
Derechos Humanos? incidence of child labour has remained high in India. On my
El estuche de geometría es un símbolo de la educación/ recent visit to India, I discovered most children (from rural
aprendizaje o algo relacionado con el ambiente escolar, y areas) were forced to work rather than study to help support
esta es la razón por la que se utilizó en la película. Fue una their families. I strongly believe every child has a right to ba-
manera sutil de retratar la inclinación del niño para apren- sic education thus I felt it was important to spotlight this issue
der, aunque él no sabía que se trataba de un estuche de through the medium of ilm.
geometría o estaba familiarizado con su contenido. A prime- In the few moments of verbal communication on the movie,
ra vista, él está fascinado por el estuche amarillo brillante e it is a voice of oppression and order, represented by the
interesado por su contenido, como se ve en la última esce- child’s employer. Why did you chose to silence the boy and
na en la que ve el transportador como el volante de manejo how was this character’s creative process and his relation
de un coche y siente el olor de fruta del caucho. to the city, through images and sounds?
¿Cómo evalúa la participación femenina en el cine indiano? It was a creative decision to have minimal dialogue in the
ilm because I wanted to play on the emotions of the main
Hay un número cada vez mayor de mujeres directoras, que
character. It was challenging for the young boy since he was
están haciendo un buen trabajo, pero infelizmente los hom-
facing the camera for the irst time but he was conident and
bres todavía dominan la industria. Espero un día que las mu-
I did a few workshops with him which helped.
jeres representen el 50% de la producción.
Whilst the main character is handling the six cups of chai, he
collects a box of geometric instruments, although he knew
Interview with Laila Khan (6 Cups of Chai), it belonged to two uniformed boys who were searching for
by Felipe Fernandes it in the street. The object alludes to childhood, especially,
to school environment, which is absent in the story. Though
Despite the public policies dedicated to educational rights society condemns robbery, the ilm does not judge nor pu-
and the ight against children labour, it still haunts Brazil. In nishes the child’s action. What’s the relevance of this choice
the movie, this discussion is presented in a very sensitive and the position it stablished in the context of a Human Ri-
way. How do you evaluate India’s current situation on the ghts Watch?
issue of children labour and where did the motivation of re- The geometry box is a symbol of education/learning or so-
presenting childhood in working environment came from? mething related to a school environment hence it was used
In spite of instances of ratiication by international institutions in the ilm. It was a subtle way of showing the boy’s inclina-
like the United Nations on the Rights of the Child, the issue tion to learn although he didn’t know it was a geometry box
becomes a source of worry in developing societies and in nor was he familiar with its contents. At irst sight, he is fas-
the discourse of developmental paradigms. According to the cinated by this bright yellow box and is intrigued by its con-
latest report estimated by International Labour Organization tents, as shown in the last scene where he sees a protacter
(ILO), there are 250 million working children in the world to- as a car steering wheel and the fruity smell of the rubber etc.
day. As far as the Indian condition is concerned, estimates of How do you evaluate women’s participation in Indian cinema?
the number of working children varies with data collected by
diferent agencies. Albeit, the number of child workers found Female directors are growing in the industry and doing a
good job of it but sadly, it still remains a male dominated
in rural areas under the age of 15 amounted to over 89 per-
industry. I hope someday women own 50% of it!
cent in 1991. An empirical study shows that child migration
from rural areas consisted of children belonging to landless
families. It clearly shows that the incidence of child labour
has occurred more in rural areas. Another important factor
drawn from several studies is the linkage between child la-
29
Entrevista com Lisandra Rivera morte desse jovem líder latino-americano, além
Ramirez e Manolo Sarmiento dos aspectos meramente emocionais de seu de-
(A Morte de Jaime Roldós), saparecimento repentino. Por isso, era necessá-
por Luana Farias rio destacar o aspecto mais relevante de seu
curto governo, a política de defesa dos direitos
Pela primeira vez, temos um ilme do Equador humanos e de solidariedade com os povos da
na Mostra Cinema e Direitos Humanos no He- América Latina que viviam em regimes militares
misfério Sul, que acontece há nove anos no
fascistas. Essa perspectiva permite olhar para a
Brasil. Gostaria que comentasse sobre seu il-
me no cenário do cinema equatoriano. política regional e continental, inclusive a geopo-
lítica mundial, a partir do ponto de vista desse
No Equador, há uma década, houve um renas-
pequeno país sul-americano. É como buscar o
cimento gradual do cinema documentário e do elo perdido da história desses anos, a história da
cinema político. Em parte, foi importante o pa- luta pela democracia e da resistência contra a
pel desempenhado pelo festival “Encontros do repressão. O olhar dos ilhos de Roldós e, espe-
Outro Cinema”, do qual sou diretor, onde docu- cialmente, de seu ilho Santiago, permite ao
mentaristas encontraram um espaço de diálogo mesmo tempo uma conexão com o presente e
e aprendizagem. Esse ilme é o resultado do com as inquietações das novas gerações.
relacionamento que Lisandra e eu desenvolve-
O Golpe Militar de 1964 no Brasil completou 50
mos com o universo dos documentários, como
anos em abril. Qual é a importância da construção
programadores e como realizadores. A história da memória sobre as ditaduras militares na Amé-
de Jaime Roldós é a história do retorno à demo- rica Latina por meio do cinema e do audiovisual?
cracia em 1979, um processo pouco estudado, É muito importante porque o audiovisual é um ter-
portanto sujeito a muitas mistiicações e meias reno de grandes ocultações e silêncios, parado-
verdades. O ilme propõe uma releitura desse xalmente. Construir um olhar faz parte do proces-
processo, a partir da perspectiva do cinema. so de memória, pensar em como olhamos, o quê
Com o ilme, é possível conhecer um pouco da olhamos, a partir de quais interesses olhamos.
história do Equador e sua relação com toda a A busca de arquivos, a descoberta de mensa-
América Latina. Gostaria que tecesse uma análise gens cifradas para o presente, isso tudo nos aju-
sobre as opções de construção audiovisual para da a construir um novo universo visual, capaz de
promover esse vínculo com os espectadores. nos inquietar e de nos conectar com o passado.
O nosso desaio era que os espectadores rele- A produção desses ilmes é de suma importância,
tissem sobre o signiicado histórico e político da além de possibilitar um emocionante processo.
Mostra Competitiva 31
ding the global geopolitics, from the standpoint of this small
South American country. It is like searching for the missing
link with the history of these years, the history of the ight
for democracy and the resistance against oppression. The
views of the sons of Roldós and, especially, his son named
Santiago, allows making a connection with the present and
the concerns of the new generations.
The 50th anniversary of the Coup D’état of 1964 in Brazil
falls in April. How important it is to build up the memory
about the military governments in Latin America through
cinema and audiovisual productions?
It is quite important, insofar as the audiovisual is, paradoxi-
cally, the land of major concealments and silencing. Further-
more, developing a view on something is part of the memory
process, which entails thinking of how we look at something,
what we are looking at and which the interests behind our
views are. In this sense, searching for iles and stumbling
upon encrypted messages to the present help us build a new
visual universe, capable of vexing us and connecting us with
the past. The production of these movies is crucially impor-
tant; it is our passkey to a thrilling path that is worth travelling.
A Vizinhança do Tigre
Afonso Uchoa, Brasil, 2014, 95’
Juninho, Menor, Neguinho, Adilson e Eldo são Juninho, Menor, Neguinho, Adilson y Eldo son jóvenes que
viven en el barrio Nacional, suburbio de Contagem (Minas
jovens moradores do bairro Nacional, periferia Gerais). Divididos entre el trabajo y la diversión, el crimen y
de Contagem (MG). Divididos entre o trabalho la esperanza, cada uno de ellos deberá encontrar formas de
superar las diicultades y controlar sus impulsos.
e a diversão, o crime e a esperança, cada um
*negro; suburbio; violencia
deles terá de encontrar modos de superar as di-
iculdades e domar o tigre que carregam dentro Juninho, Menor, Neguinho, Adilson and Eldo are young dwel-
das veias. lers of a neighborhood called Nacional, in the outskirts of the
city of Contagem, in the State of Minas Gerais. In a friction
*população negra; periferia; violência between work and entertainment, crime and hope, each of
them will have to devise inventive ways to overcome the obs-
contato: thiagomcorreia@gmail.com tacles and tame the beast they carry within.
*black people; outskirts; violence
33
Entrevista com Afonso Uchoa sentia que o ilme seguiria bem, sentei e pensei
(A Vizinhança do Tigre), nos personagens de cada ator. Há no ilme uma
por Felipe Fernandes grande mistura entre o improviso e a direção
iccional. São poucas as cenas em que há puro
Apesar de ser frequentemente classiicado improviso, sem direção e algum grau de elabora-
como um documentário, você airmou em de-
ção dos diálogos. Em geral, repetíamos muito as
bate que A Vizinhança do Tigre trata-se de um
ilme de icção. Essa dimensão iccional predo- cenas. As de diálogos, principalmente, com ce-
minante é facilmente notada, sobretudo pela nas que eram ilmadas durante vários dias e com
rígida decupagem das cenas – é icônica a se- mais de 70 takes, por vezes. Eles faziam o pri-
quência do duelo à la velho oeste. Como foi o meiro take de modo mais livre e eu ia pegando
processo da construção iccional do ilme e qual esse texto mais improvisado com criações deles
foi o papel dos personagens nessa concepção?
junto das informações que eu instruía e íamos
A construção do ilme sempre foi pontuada pela moldando a cada take. Até que icasse bom ou
mistura da vida (documento) e da invenção (ic- a luz do sol acabasse e era hora de ir embora.
ção). Me interessava fazer um ilme sobre a vida
Um dos traços que mais acho interessante em
daqueles garotos e mostrar, através dele, a vida
A Vizinhança do Tigre é a intimidade com a qual a
no meu bairro. Com isso, evidentemente, eles câmera se aproxima daqueles personagens e dos
também contariam a sua própria história e senti espaços que estão inseridos. Não há moralismo na
que o mais honesto que eu poderia ser com eles, abordagem, muito menos um olhar distante e clíni-
seria se contasse a história deles junto deles, e co do que se ilma. Como você analisa esse dife-
não ilmar a vida deles como algo que existia por rencial na abordagem que o ilme carrega acerca
si mesma. O processo de construção do roteiro, dos debates relacionados aos Direitos Humanos?
de certo modo, foi o próprio processo de reali- A Vizinhança do Tigre é um ilme marcado por um
zação do ilme. A Vizinhança do Tigre começou princípio político: ilmar os pobres, os derrotados
sem roteiro algum, apenas visitando algumas na vida. Ao ideal político o ilme somou um ideal
pessoas que me interessavam no bairro, alguns ético: é preciso ilmar os pobres para lhes dar voz
deles meus amigos, e estudando seus cotidia- e não silenciá-los com preconceitos e paternalis-
nos. Ao repetir os encontros e intensiicando mo. Nos últimos vinte anos o cinema brasileiro
a relação com eles, acabava por os conhecer apresentou algumas produções de grande desta-
mais e pensava em propor algumas ações, al- que que registram realidades precárias social e
guns diálogos, etc. Quando encontrei os atores economicamente. Porém, na maioria das vezes, o
com quem me interessava trabalhar, com quem olhar que esses ilmes lançaram à periferia é mar-
Mostra Competitiva 35
gre. Este razonamiento es reductor. El suburbio es más que strictly undirected improvisation and without some degree of
una tierra sin ley que hacen todos brutos y criminales. Tam- dialog improvement. We usually repeated the scenes quite a
bién hay sueños y luchas diarias en el suburbio. Hay historias deal, mainly the dialogs, which demanded several days and,
de vida y superación. Y es eso que “A Vizinhança do Tigre” se at times, more than 70 takes. In the irst take, the characters
esforzó para mostrar: el suburbio es la droga y la arma de used to talk of the cuf and, afterwards, I provided my inputs
fuego, pero también es el matrimonio y el trabajo. El suburbio and we built together each take. This would last until it soun-
es un lugar de perdición de los jóvenes, pero también es don- ded good or the sunlight faded and it was time to go home.
de sueñan los jóvenes, donde se divierten y construyen un One of the most interesting traits of A Vizinhança do Tigre is
futuro. El principal problema es que gran parte de las películas the intimacy with which the camera zooms in the characters
sobre el suburbio no ilmaba el suburbio, sino una imagen, un and the places where they are. Neither there was moralism
estereotipo del suburbio. Muy pocas películas y cineastas in the approach, nor a dispassionate and clinical eye for
buscan conocer verdaderamente a la cultura, al lenguaje y a what was being shot. What is your view about the movie’s
la dinámica vital del suburbio. Y más raros son los que piensan distinctive approach to human rights?
en transformarlo en una fábrica de creatividad e invención, y
A Vizinhança do Tigre is triggered by a political principle:
no sólo en una imagen de nuestra sociedad.
showing the poor and defeated in life. Additionally, the mo-
tion picture pursues the ethical purpose of depicting the
Interview with Afonso Uchoa, poor by giving voice to them, and not by squelching them
with prejudices and paternalism. Over the last twenty years,
(A Vizinhança do Tigre), by Felipe Fernandes the Brazilian cinema has been producing some remarkable
Although A Vizinhança do Tigre is typically rated as a docu- movies that cast light on socially and economically disadvan-
mentary ilm, during a debate, you asserted that, in fact, it taged realities. Nevertheless, their prevailing approach to pe-
is a ictional ilm. This predominant ictional nature is easily riphery is that of sociological victimization: these movies tend
perceived, mainly due to the strict scene decoupage – the to show violent characters and situations, which is in line with
their usual neglectful treatment by both the government and
Old West-style duel sequence, for instance, is iconic. How
the society, leading to a cruel environment and a bloodshed
was the process of ictional construction of the movie and
criminal reaction. This is a reductionist way of thinking. Peri-
how did the characters inluence this conception?
phery is more than a land without laws that induce people
The ilm’s construction has always been punctuated by a to brutalization and crime. Periphery is also made of dreams
combination between life (document) and invention (iction). and daily struggles. Life histories and triumph. That is what
I was predisposed to depict the lives of those boys in a mo- A Vizinhança do Tigre was dedicated to showing: the peri-
vie, which would also become the passkey for me to show phery harbors drugs and weapons, but also marriage and
the neighborhood’s reality. Needless to say that, through the work. The periphery may be a road to perdition for youngs-
motion picture, they would also show their own stories and, ters, but it may also be the place where they dream, have
hence, the fair thing for me to do was to tell my own story fun and build up the future. The question here is that most of
along with them. I could not picture their lives as if they were the movies about the periphery failed to depict the periphery
detached from mine. In some way, the script’s development itself, but a stereotype, a cliché of what it is. Few are the
was interwoven with the movie’s production process. To be- movies and ilmmakers that are really interested in knowing
gin with, A Vizinhança do Tigre had no script, it was all about the periphery’s culture, language and its vital dynamics. And
visiting people of my interest in the neighborhood – some even fewer are those who see in it a rich scope for creativity
were friends of mine –, and observing their routines. The and inventiveness, in spite of a mirror for our own society.
often meetings helped deepen my relationship with them,
know them better and think of actions or dialogs to propose.
When I found the actors with whom I wanted to work, and
deemed it for carrying out the project, I sat down and delved
into the characters. The movie interweaves a great deal of
improvisation and ictional direction. Few are the scenes with
Ameaçados
Júlia Mariano, Brasil, 2014, 22’
No Brasil profundo, onde lei e justiça dependem En Brasil, donde la ley y la justicia requieren nombre y apel-
lido, la lucha por un pedazo de tierra se convierte en una
de nome e sobrenome, a luta por um pedaço de cuestión de vida o muerte. La película muestra pequeños
terra vira uma questão de vida ou morte. Amea- agricultores del sur y sudeste de Pará que tienen el sueño
de conseguir una tierra para cultivar y una casa para vivir.
çados mostra pequenos agricultores do sul e
*direchos a la tierra; protección a los defensores los Dere-
sudeste do Pará que seguem no sonho de con-
chos Humanos
seguir terra pra plantar e uma casa para viver.
In the innermost part of Brazil, where law and justice depend
*direito à terra; proteção aos defensores de on one’s family name, the ight for a piece of land turns into
Direitos Humanos a matter of life or death. Ameaçados features small farmers
contato: osmoseilmes@gmail.com of the Southern and Southeastern areas of Pará that pursue
their dream to conquer a land to grow their food and and
build their home.
*land rights; protection of Humans Rights defenders
37
Entrevista com Júlia Mariano A escolha por colocar em foco os ameaçados
(Ameaçados), por Luciano Carneiro no tema do conlito agrário é uma tentativa de
humanizar a questão e trazer à tona uma veia
As questões da posse de terra e dos movimen- aberta que não para de jorrar sangue, apesar de
tos rurais no Brasil podem ser abordadas a par-
poucos de nós sabermos disso.
tir de diversos vieses. De onde surgiu a opção
de abordagem tomando como foco narrativo a Como se deu a sua aproximação com os perso-
questão dos trabalhadores rurais ameaçados nagem que vemos no ilme e como o encontro
de morte pelos grandes proprietários de terra? com essas pessoas fez parte do processo de
Eu desenvolvo um trabalho constante com a construção do documentário? Você partiu ao en-
contro dessas pessoas com um argumento já
CPT de Marabá desde 2010. Acompanho as ati-
fechado ou o ilme surgiu a partir das pesquisas?
vidades e as diiculdades que tanto os trabalha-
dores rurais enfrentam como os agentes da O encontro com os agricultores foi sempre me-
pastoral da terra. Estou há 2 anos tentando i- diado pela CPT, o que facilitou muito o processo.
nanciar um longa-metragem sobre o trabalho Como frequento o Pará constantemente desde
de José Batista, advogado da CPT de Marabá, 2010, alguns dos entrevistados eu já conhecia. Eu
que é uma das iguras chaves na luta agrária no sabia que as entrevistas eram mais do que apenas
norte do país. O Ameaçados surgiu da deman- “entrevistas para o ilme”, elas também são regis-
da da CPT e, eu o vi também como uma oportu- tro da resistência campesina. Portanto, não me li-
nidade para colocar em prática algumas ideias mitei à narrativa do ilme no encontro com os cam-
que tenho para o longa, uma espécie de estudo poneses e camponesas. Claro que eu seguia um
para o ilme. roteiro de perguntas, baseado em um pré-roteiro,
mas também deixava a conversa luir, muitas ve-
Acredito que nós brasileiros conhecemos muito
pouco sobre nós mesmos. Estamos sempre elo- zes para lugares não imaginados. Não era um set
giando os movimentos de esquerda em outros de ilmagem padrão e eu estava consciente disso.
lugares, seja no Chile, na Bolívia ou na Turquia, Essa liberdade imprimiu no material das entrevis-
mas desconhecemos a força da luta dos sem tas o quanto de vida e de resistência existe na luta
terra e os perigos do conlito agrário. Não sabe- agrária, o que foi essencial para a escolha narra-
mos que 77% da comida que chega às nossas tiva da vida em vez da morte pro ilme. E apesar
mesas é produzida por esses pequenos agricul- de um compromisso institucional com a CPT e o
tores, muitos deles ameaçados de morte pelos GAETE, eu tive uma liberdade criativa que ajudou
grandes fazendeiros e pelo agronegócio. também na construção do documentário.
Mostra Competitiva 39
iculties that both rural workers and pastoral land agents
face. For two years I have been seeking funding for a feature
ilm about the work of José Batista, a CPT lawyer in the said
city, who is one of the key players in the agrarian movement
in Northern Brazil. Ameaçados was inspired by the CPT’s
claims and I saw them as an opportunity to put in practice
some ideas, as a sort of etude for the ilm.
I believe that we Brazilians know very little about ourselves.
We are always praising the left-wing movements from all over,
be them in Chile, Bolivia or Turkey, but we are unaware of the
strength of the landless struggles and the perils of the land
conlict. I did not know that 77% of the foodstuf on our tables
is produced by these small farmers, many of them threatened
with death by large farm owners and agribusiness.
The choice to shed light on those endangered by the land
conlicts stands as an attempt to humanize the question and
expose an open vein, which is permanently gushing blood,
although only few of us are aware of it.
How did you approach the movie’s main character and how
meeting these people impacted the process for developing
the documentary ilm? Did you seek these people with a
plot in mind or was the movie build on the researches?
The meeting with the farmers has always been facilitated
by CPT, which made the process a lot easier. As I make fre-
quent trips to Pará since 2010, I already knew some of the
interviewees. I knew that the interviews were more than “in-
terviews for the movie,” they also recorded the peasants’
resistance. Therefore, the movie narrative was not only all
about inding the peasant farmers. Needless to say, I fo-
llowed a list of questions based on a draft script, but I also
let conversations low, and they often go to unsuspected
places. It was not a standard movie set and I was aware of it.
This lexibility left imprinted on the interviews how much life
and resistance there is in the agrarian movement, and was
essential for the narrative choice of placing a bet on life ins-
tead of death in the movie. In spite of the institutional commit-
ment with CPT and GAETE (Group for Interstate Advocacy on
the Combat against the Slave Labor), I was so free to create
that the documentary ilm’s montage was made a lot easier.
I had some points that should be addressed, such as the
obstacles faced by the peasant struggles and how they are
connected to the country’s development model, but I also
could build more experimental sequences, creatively mani-
pulating the sound and image. These sequences wound up
as the movie’s transition sequences.
I believe that Ameaçados blended the institutional viewpoint
and a more creative/experimental language to perfection.
As Crianças de Chocó
Rolando Vargas, Colômbia, 2014, 24’
Um olhar na vida de crianças indígenas na região Un análisis de la vida de los niños indígenas en la región
de Darién (Colombia-Panamá) que necesitan caminar todos
de Darién (Colômbia-Panamá) que precisam an- los días muchas horas hasta la escuela para obtener una
dar por horas até a escola todos os dias para educación en una cultura distinta. El documental explora la
motivación de los niños y cómo puede existir un equilibrio
conseguir educação em uma cultura diferente. complejo entre la tradición y la modernidad.
O documentário explora a motivação das crian- *población indígena
ças e como elas conseguem ter um equilíbrio
complexo entre a tradição e a modernidade. In a foray into the lives of Indian children in the region of
Darién (Colombia-Panama) who have to walk for hours for
*população indígena hours to get to their school every day to be educated by a
diferent culture, the documentary ilm delves into the chil-
contato: rvargas1@ucsc.edu dren’s motivation and how they manage to attain an intricate
balance between tradition and modernity.
* indian population
41
Entrevista com Rolando Vargas cionam com você. Poderia nos falar sobre a
(As Crianças de Chocó), sua relação com os personagens e sobre essa
opção de se fazer presente no ilme como um
por Luana Farias
personagem a mais?
Para começarmos, gostaria que comentasse Na fase de pesquisa, entendi que minha via-
como foi o processo de pesquisa para seu ilme gem para esse lugar e minha presença lá não
As Crianças de Chocó. eram neutras, eu não passava despercebido
Foi um longo processo de visitas à comunidade nem para a população Kuna, nem para a popu-
Kuna até que eles permitissem que uma pes- lação local. Também não era fácil pra mim estar
quisa fosse realizada na comunidade. O projeto ali, o clima, a umidade, a violência da região e
teve início em meados de 2012 e, desde então, ser visto como alguém de fora que se tornou
faço viagens constantes para a região. O incrível consciente dessa situação. Então, entendi que
é que depois que eles autorizaram o meu proje- eu devia estar presente ativamente no ilme e
to na comunidade, o trabalho luiu muito bem, a que isso ajudaria a criar um contraste com essa
colaboração deles foi total, e houve a demons- realidade. Também ajudaria a airmar o que de
tração de uma grande generosidade. Mas levou alguma forma todos sabemos, que não existe
um ano até que eu recebesse a autorização. um olhar neutro, e que todo olhar muda ativa-
mente o objeto de estudo.
Você escolheu narrar a história das crianças
andarilhas de Chocó com foco em sua rotina, a A questão dos Direitos Humanos está presente
hora de brincar, seu trabalho diário na aldeia, a em seu ilme. Gostaria que comentasse sobre
ida à escola e as atividades escolares. Por que essa presença e sua importância na luta pelos
fez essa opção? direitos dos povos originários na Colômbia.
A motivação inicial do documentário era pesqui- É difícil para o povo Kuna viver na Colômbia. Por
sar mais sobre o ato de andar, visto da perspec- um lado, algumas decisões legais no país re-
tiva das crianças. Com os Kuna, eu entendi que duziram o território Kuna, tratando ironicamen-
habitar o território Kuna envolve dinâmicas muito te de “proteger” algumas áreas declarando-as
particulares de andar e que, ao mostrar seu coti- como parques ou reservas naturais. Por outro
diano, eu poderia retratar bem essas dinâmicas. lado, a ilegalidade faz com que percam território
por causa do problema do narcotráico nessa
É possível perceber no ilme que sua posição
não é a de um observador, nem há uma inten- região. Dessa forma, e dos dois pontos de vis-
ção de ingir que não há uma câmera: você se ta, o legal e o ilegal, os Kuna não têm acesso a
relaciona com os personagens e eles se rela- territórios onde tradicionalmente exerciam sua
La motivación inicial del documental era investigar más so- It was a long process of visits to the community Kuna until
bre el acto de caminar visto desde los niños. Estando con they allowed our research in the community. The project star-
los Kuna entendí que el habitar el territorio Kuna implica ted in the middle of 2012 and, since then, I take regular trips to
unas dinámicas muy particulares del caminar y que al mos- the region. The amazing thing was that, after the authorization
trar su cotidiano mostraba muy bien estas dinámicas. of my project in the community, the work ran rather smoothly,
their collaboration was unrestricted, and they were quite ge-
Es posible percibir en la película que su posición no es la de nerous. But it took a year to attain their authorization.
un observador, ni hay una intención de ingir que no hay cá-
mara: usted se relaciona con los personajes y ellos con usted. Did you choose to tell the story of the walker children of
Podría comentar su relación con los personajes, y esta opción Chocó focusing on their routine, the play time, their daily
de se hacer presente en la película como un personaje más? activities in the village, their going to school and the school
En la etapa de investigación entendí que mi viaje a este lu- activities. Why did you make such an option?
gar y mi presencia allí no era para neutral, yo no pasaba The initial motivation for the documentary ilm was to further
desapercibido ni para la población Kuna ni para la población research the action of walking, from the children’s perspec-
local. Para mi tampoco era fácil estar allí, el clima, la hume- tive. With the Kunas, I understood that inhabiting a Kuna te-
dad, la violencia de la zona y el ser mirado como alguien rritory entails quite particular walking dynamics and that, by
de afuera me hacían muy consciente de esta situación. Así casting light on their routines, I could draw a good picture of
entendí que yo debía estar presente activamente en la pelí- these dynamics.
Mostra Competitiva 43
It is possible to see in the movie that neither have you stood
in the observer’s position, nor there has been an intention to
pretend that there was no camera: you have established a
relationship with the characters and they have established
a relationship with you. Could you speak more about your
relationship with the characters and about this option to ex-
pose yourself in the movie as one more of its characters?
During the research, I understood that my trip to this place
and my presence there was not neutral, and I would not re-
main unnoticed neither for the Kunas, nor for the local po-
pulation. Also, it was not easy for me to be there, with the
weather, the humidity, the region’s violence, and be seen as
an outsider who had become aware of this situation. Thus,
I decided that I should be actively present in the movie and
that this would help me build a contrast with the reality de-
picted. It would also allow me making a point that somehow
we all know that no view is unbiased, each view actively
changes the object viewed.
The human rights issue is present in your movie. I would like
you to speak more about this presence and its importance
in the ight for the rights of the native peoples in Colombia.
It is hard for the Kunas to live in Colombia. On the one side,
some legal decisions in the country made the Kunas’ terri-
tory shrink, but were ironically aimed at “safeguarding” some
areas, accrediting them as parks or natural reserves. On the
other hand, the illegality makes them lose their land to the
drug traicking in this region. This way, and from both points
of view, the legal and the illegal, the Kunas have no access
to the territories where their culture has been developed.
The Indian communities have unique needs, and the igno-
rance about their culture makes the decision to help them a
threat more than a blessing. The centralizing model of go-
vernment in my country is quite a menace to these peoples.
Durante mais de 65 anos o material fílmico de Por más de 65 años, el material fílmico de Roberto Restrepo
R. (1897-1956) se mantuvo olvidado. Hoy su nieto descubrió
Roberto Restrepo R. (1897-1956) permaneceu el material y, a través de sus imágenes y relatos, encontró
esquecido. Hoje seu neto descobriu o material un país lleno de sorpresas e incertidumbres. El documen-
tal presentará el pasado a través del archivo fílmico desta-
e encontrou, através de suas imagens e relatos, cando la actualidad de sus contenidos e invitando a los es-
um país cheio de surpresas e incertezas. O do- pectadores de hoy y del futuro para una profunda relexión
acerca de nuestro destino como una sociedad.
cumentário dará vida ao passado através do ar-
* democracia y Direchos Humanos; memoria y verdad
quivo fílmico, com ênfase à atualidade de seus
conteúdos, e convidando os espectadores de Over more than 65 years, movie records of Roberto Restre-
hoje e de amanhã, a uma profunda relexão so- po R. (1897- 956) remained in oblivion. Currently, his grand-
son discovered the material and found out, by means of the
bre nosso destino como sociedade. imagery and accounts, a country replete of surprises and
uncertainties. The documentary ilm will bring the past back
*democracia e Direitos Humanos;
to life by means of Roberto’s iles the currency of its con-
memória e verdade tents, and striving to prompt the present and future viewers
contato: rirehe@gmail.com to relect about the destiny of their society.
*democracy and Human Rights; dictatorship
45
Entrevista com Ricardo Restrepo que meu avô escrevera nessas datas fatídicas
(Cesó la Horrible Noche), de 1948. Havia também centenas de páginas de
por Daniel Nolasco artigos que redigiu como jornalista no La Patria
de Manizales, e ainda havia o legado de seus
Logo no início do ilme, surge uma questão pes- seis livros, onde ele retratou aspectos políticos
soal: como partir de uma história própria para
da Colômbia. Além disso, também havia a minha
contar um fato que atingiu um país inteiro (da
voz como neto que se dirige ao avô em busca
parte para o todo). Como enfrentou esse desaio?
de respostas inacessíveis. Após várias tentativas
De fato, um dos desaios mais difíceis para o di-
fracassadas para produzir o roteiro, decidi que
retor de qualquer ilme é chegar às pessoas que
partiria das sequências fílmicas para construí-lo, e
assistirão ao seu trabalho. Várias vezes, durante
não o contrário. Embora o diário no qual Roberto
o processo de montagem, eu me questionava havia escrito nos dias 9, 10, 11 e 12 de abril de 1948
se conseguiria, considerando que poucas pes- permanecesse quase intacto no ilme, me per-
soas sabem ou se lembram do que aconteceu miti editar o texto e organizá-lo de maneira que
na Colômbia nas ocasiões em que meu avô respondesse a uma pré-montagem do material
ilmou. Como alcançar as novas gerações que visual. As vozes são de um famoso ator colombia-
não sabem ao certo as origens de nossa barbá- no, além da minha própria voz, decisão que tinha
rie, e como fazer com que as outras gerações tudo a ver com o tom pessoal do documentário.
não se esqueçam desses terríveis acontecimen-
As imagens de arquivo preparam o espectador
tos em nosso país? Bem, a história de qualquer
para o conlito que deixaria Bogotá destruída,
sociedade está ligada às histórias pessoais, al- além de imagens da cidade em ruínas, mas não
gumas coincidentes, outras antagônicas, mas é há imagens do conlito. É como se houvesse um
a partir da menor das partes, da intimidade, que buraco na história, como se tivessem esqueci-
é possível falar da universalidade. do uma parte. Você acha que este é um exem-
plo sintomático da história da Colômbia?
No ilme, temos três narradores – uma narra-
ção em primeira pessoa, uma segunda voz em Sem dúvida, o esquecimento é um dos grandes
terceira pessoa e uma terceira voz que lê os desaios de uma sociedade que deseja cons-
artigos escritos por Roberto Restrepo. Como se truir a paz, o respeito pelos Direitos Humanos e
deu a construção narrativa e como essas três um país com igualdade social. De fato, o ilme
falas foram equilibradas? não mostra imagens explícitas da violência. Não
No início, a elaboração do roteiro foi um pro- há mortos. Somente a grande destruição de Bo-
cesso tortuoso: tinha como fundamento o diário gotá nos quatro dias em que o inferno durou.
Mostra Competitiva 47
Interview with Ricardo Restrepo city in ruins, but there are no images of the conlict itself.
(Cesó la Horrible Noche), It is like there is a hole in the history, as if a part of it were
forgotten. Do you think that this is a symptomatic example
by Daniel Nolasco of the history of Colombia?
Deinitely. The forgetfulness is one of the biggest challen-
Right in the movie’s opening, a personal question arises:
ges of a society that wants to develop peace, the respect
how to resort to your own history to talk about a fact that
of human rights and social equality. In fact, the movie does
impacted an entire nation (from the part to the whole). How
not display images of explicit violence. There are no dead
did you face this challenge?
people, only the massive destruction of Bogota on those
In point of fact, one of the toughest challenges for any movie four infernal days. First and foremost, my grandfather was
director is to reach the people who will watch his work. Many an ethical man. He went to the streets as a physician to as-
times during the montage process I wondered if I would be sist the injured persons with one of his hands, and ilmed
able to accomplish this, given that few people know or re- the disaster with the other one. But never has he thought of
member what happened in Colombia at the time my gran- zooming in the blood shed by his compatriots. And this was
dfather got the video shots. How to strike a chord with the not necessary. With the existing images, you can feel the
new generations, which are not aware of the origins of our death. Nowadays, the conlict in Colombia reached a point
barbarism, and how to prevent the generations to come of such degradation that not even the terrible images of the
from forgetting these terrible events in our country? Well, violence surprise the viewers anymore, especially because
the history of any society is interwoven with the personal the news sections and the soap operas transformed them in
histories, some of them are coincident, and others are oppo- inanimate, soulless, context-less objects.
sed to it, but the intimacy, the smallest of their constituents,
is what allows reaching the universal dimension.
In the movie, we have three narratives – one irst-person
narrative, a second third-person narrative, and a third voice
that reads the old written records of Roberto Restrepo. How
the narrative was constructed and how were these three
voices balanced?
In the beginning, the script development was a tortuous pro-
cess: it was based on the diary in which my grandfather recor-
ded these fateful events happened in 1948. There were also
hundreds of pages of articles that he penned as a journalist of
La Patria de Manizales, and the legacy left by his six books,
where he addressed political aspects of Colombia. In addition
to this, there is my voice as the grandson addressing his gran-
dfather in the pursuit for unattainable answers. After several
failed attempts to write the script, I decided that I would base
it on prior movie sequences, which is not the conventional
order. Although the diary in which Roberto wrote on April 9,
10, 11 and 12, 1948 remained barely unchanged in the movie, I
edited the text and organized so as to allow a pre-montage of
the visual material. The main voice-over was by a famous Co-
lombian actor, in addition to my own voice, decision that is to-
tally in line with the personal nature of the documentary ilm.
The archive images prepare the spectator for the conlict
that would devastate Bogota, in addition to images of the
Tal vez, algún día, tuvo una familia, fue amado, esperado y
Galus Galus deseado. Hoy es sólo una sombra entre las sombras del día
Clarissa Duque, Venezuela, 2013, 12’ que empieza y que nadie ve, que amanece en la acera y que
se mueve en la basura para ganar dinero con los envases
vacíos y así sobrevivir uno día más. Hasta que una mañana,
Talvez, alguma vez, teve uma família, foi amado, la vida se cruza en su camino. Junto llega la alegría de la
esperado e desejado. Hoje é só uma sombra amistad en medio de la basura, donde busca reliquias para
hacer poesía. ¿Cuáles fuerzas malignas podrán separar este
entre as sombras do dia que começa e que nin- hombre de su amigo iel?
guém vê, que amanhece na calçada e que re- *personas en la calle
mexe no lixo para ganhar uns trocados com as
Maybe some day he had a family, was loved, cherished and
embalagens vazias e assim poder sobreviver um there was someone waiting for him. Currently he is only a
dia mais. Até que uma manhã a vida cruza seu shadow of the day that rises but nobody sees, waking up
on a sidewalk and searching the trash for some bucks ex-
caminho. Chega a ele a alegria da amizade em
changed for empty packages, this way to make a living, one
meio ao lixo, onde procura relíquias para fazer more day. Until one morning when life crosses this way. He
poesia. Que forças malignas poderão separar is introduced to the joy of friendship amid the trash, where
he searches relics to turn into poetry. What malignant forces
este homem de seu amigo iel? could estrange this man and his loyal friend?
contato: amoreno@cnac.gob.ve
49
Entrevista com Clarissa Duque ram para observar esse caleidoscópio urbano,
(Galus Galus), por Luciano Carneiro com múltiplas facetas de diversas realidades.
Lá, à espera, onde ninguém olha, estão os men-
Como surgiu o desejo de fazer um ilme infantil digos. Eles são os olhos da rua que captam o
de animação sobre a questão da miséria e da
movimento retilíneo e uniforme que os tran-
população de rua nas grandes cidades?
seuntes traçam. Lá, onde as pessoas diuturna-
Desde pequena os mendigos me comoviam,
mente constroem os padrões de identidade da
eram personagens cheios de mistérios para mim,
cidade, é o local onde residem os mendigos.
não apenas por viverem nas ruas, mas pelas suas
necessidades afetivas. Quando cresci, continuei O olhar do mendigo nos mostra a cidade de Cara-
observando essas pessoas, e percebi que muitos cas e seus habitantes, mas nos mostra também que
trabalhavam com coleta de lixo, e, para mim, isso essas ruas são o seu lar. O mendigo transforma os
os transformava em médicos do planeta. A maio- espaços ao construir, no meio do caos, sua pequena
ria desses indigentes não estava sozinha, tinham bolha chamada lar, onde transforma lixo em poesia.
ao seu lado um bichinho de estimação com o qual Como funciona a produção de animações na
mantinham uma linda relação de amor e lealdade. Venezuela? Existem políticas públicas especíi-
Galus Galus foi inspirado por um mendigo de Ca- cas para esse tipo de produção?
racas, que tinha um cachorro como sua família. Na Venezuela, há alguns anos a produção de
Um dia encontrei esse mendigo comprando co- animações vem aumentando graças ao CNAC,
mida de cachorro num supermercado, aquele ho- Centro de Cinematograia Autônomo. Todos os
mem que não tinha nada para comer dava ao ca- anos, o CNAC lança editais abertos a qualquer
chorro todo o seu amor! Isso me comoveu de cidadão venezuelano que desejar enviar seus
uma forma que me fez escrever Galus Galus. projetos para inanciamento. Graças a esse
O personagem central do ilme é um mendigo apoio, tornou-se viável a realização de projetos
cujo melhor amigo é um galo, vive marginaliza- como Galus Galus, já que, sem o apoio econô-
do na cidade, mas não deixa de participar dela, mico, ele teria sido impossível, devido aos altos
coletando o lixo que encontra e criando novas custos dos projetos de animações.
narrativas. Poderia comentar o papel da cidade
no ilme, que isola e reprime, mas também aco-
lhe o personagem, que encontra seu espaço de Entrevista con Clarissa Duque
existência em meio ao caos? (Galus Galus), por Luciano Carneiro
De donde surgió el deseo de hacer una película infantil de
As cidades se movimentam rapidamente, no animación acerca del tema de la indigencia y de la pobla-
meio do confuso cotidiano. Poucas pessoas pa- ción en situación de calle de las grandes ciudades?
Mostra Competitiva 51
52 9a MostrA CineMA e diretos HuMAnos NO HEMISFÉRIO SUL
R tariq Rimawi
F Mahmoud Hindawi
E tariq Rimawi
EP Ma’amal think Factory612
Growing
Tariq Rimawi, Jordânia, 2013, 5’
Uma criança brinca com uma arma de brinque- Un niño se divierte con un arma de fuego de juguete y cre-
ce junto con ella.
do e cresce junto com ela.
*guerra; violencia; niñez
*vítimas da guerra; violência; infância
contato: t_rimawi@yahoo.com A child plays with a toy gun and grows with a gun in hands.
*war; violence; childhood
53
Entrevista com dânia por comunicação on-line, durante dez
Tariq Rimawi (Growing), meses, de maio de 2012 a março de 2013.
por Felipe Fernandes Como você avalia a atual produção de ilmes
na Jordânia, em especial a animação?
Growing é o seu primeiro ilme gravado na Jor-
dânia após a sua graduação em Animação no A maioria dos árabes ainda pensa que a anima-
Reino Unido. Como foi esse processo de retor- ção é só para crianças. Por isso, o setor de ani-
nar ao seu país e ilmar o novo ilme após o su- mação para séries de TV e aplicativos de jogos
cesso da animação Missing, de 2010, no circui- voltados para o público infantil é mais desenvol-
to internacional de cinema? vido na Jordânia, e nós ainda batalhamos para
Uma produtora de ilmes independentes na Jor- promover a animação como uma linguagem de
dânia, a Ma’amal Think Factory612, ofereceu cinema direcionada para toda a família. Mais do
apoio com as despesas do ilme, que é uma que isso, todo o inanciamento vai para ilmes
produção de baixíssimo orçamento. A Think Fac- em live-action/animação e documentários, e
tory612 incentiva a produção de ilmes, docu- não para animações sem atores reais.
mentários e outros projetos de arte visual que te- A relação entre a infância e a guerra não é
nham a capacidade de inluenciar as sociedades nova em seu trabalho. Em Growing, esses te-
árabes. Eles gostaram do anterior, Missing, e da mas são apresentados de uma maneira muito
história do novo ilme,Growing, e demonstraram mais sutil e metafórica. Como se deu a cons-
trução narrativa calcada em metáforas? Seria
interesse em patrocinar um curta que retratasse
uma forma de associar a temática do ilme com
a questão dos Direitos Humanos. Essa prática a atmosfera infantil?
mostra que a produção de curtas na Jordânia
Muitas crianças são assassinadas em guerras
é possível com baixo orçamento; tudo o que os
no Oriente Médio e noutros países do mundo
cineastas de animação precisam é de uma boa
por grupos terroristas ou soldados que decidem
história, proissionais talentosos e paciência.
por instituir esse tipo de comportamento antis-
Eu colaborei com seis talentosos artistas jorda- social e violência contra civis e crianças. É pos-
nianos, que trabalharam no roteiro desenhado, sível que elas tenham sido sugestionadas du-
desenvolvimento de personagens, fundo, mo- rante a sua infância pelas armas de brinquedo
delagem, animação e música. Esses artistas com as quais cresceram, e que desde então
contribuíram com suas sólidas experiências no decidiram transformar em armas reais. A violên-
campo da animação, e todo o trabalho foi pro- cia em ilmes de ação também pode ter inluen-
duzido à distância entre o Reino Unido e a Jor- ciado essas gerações. Portanto, o objetivo des-
ro de crimes violentos”. Acredito que esta seja ¿Cómo evalúa la actual producción de películas en Jorda-
nia, en especial la animación?
a melhor forma de reduzir a violência no país.
La mayoría de los árabes todavía piensa que la animación
Na Jordânia, já estou saturado com as notícias es sólo para niños. Por lo cual, el sector de animación para
sobre a violência e as guerras na região, que series de TV y aplicaciones de juegos dirigidos al público
infantil es más desarrollado en Jordania, y nosotros aún lu-
são transmitidas na televisão e em jornais. Além chamos para promover la animación como un lenguaje de
disso, é incômodo assistir às nossas crianças cine dirigido a toda la familia. Más que esto, todo el inancia-
miento va para películas en imagen real/animación y docu-
brincando com seu brinquedo favorito, as ar- mentales, y no para animaciones sin actores reales.
mas de brinquedo. Espero que um dia o gover- La relación entre la infancia y la guerra no es nueva en su
no jordaniano tome a decisão de banir a impor- trabajo. En Growing, estos temas son presentados de una
manera más sutil y metafórica. ¿Cómo se dio la construc-
tação e venda desse tipo de brinquedo para as ción narrativa basada en metáforas? ¿Sería una forma de
nossas crianças. asociar la temática de la película con la atmósfera infantil?
Mostra Competitiva 55
Muchos niños son asesinados en guerras en el Medio Orien- ring the ilm’s fees, which is in fact a very low budget ilm.
te y en otros países del mundo por grupos terroristas o sol- Think Factory612 enhances the production of ilms, docu-
dados que deciden instituir este tipo de comportamiento an- mentaries, and other visual art projects that have the ability
tisocial y violencia contra civiles y niños. Es posible que ellas to make an impact upon societies in the Arab region. They
hayan sido sugestionadas durante su niñez por las armas liked my previous ilm Missing and the story of the new ilm
de juguete con las cuales crecieron, y que desde entonces Growing and were interested in being a sponsor for a short
decidieron transformar en armas reales. La violencia en pe- ilm that contains a human rights issue. This practice shows
lículas de acción también puede haber inluenciado estas that making short ilms in Jordan can be done with a low
generaciones. Por lo tanto, el objetivo de este cortometraje budget; all the animation ilmmakers need is a good story,
de animación antiviolencia es difundir la relexión sobre los talented people and patience.
peligros de las armas de juguete y juegos electrónicos de I collaborated with six talented Jordanian artists who worked
guerra para los niños, recurriendo a la animación, conside- on the storyboard, character designs, background designs,
rada como el mejor lenguaje para la metáfora. La película modeling, animation and music. These artists have excellent
tiene como objetivo sensibilizar a niños y padres sobre el experience in the animation ield, and all the work was pro-
riesgo de estos juguetes, pues proporcionan paralelismos duced by distance between the United Kingdom and Jordan
de adultos en el desarrollo de los niños, incentivando para via online communication over ten months, from May 2012
que se vuelvan más violentas. Esta película puede hacer until March 2013.
que los espectadores, principalmente los padres, piensen
en cambiar estos juguetes por otros más útiles y educativos. How do you evaluate the production of movies nowadays in
Jordan, especially animation?
En Brasil, son frecuentes las discusiones sobre la posibili-
The majority of Arab people still think that animation is
dad de que algunos juguetes, como armas, sean una mala
just for kids. Therefore, there is a good animation industry
inluencia para los niños. ¿Qué piensa sobre esto y cómo
in Jordan for TV series and game apps that targeting the
este tema es retratado en Reino Unido y en Jordania?
children, but we still struggle with animation as cinema lan-
Un amigo me envió por correo electrónico un enlace del pe- guage which could target the whole family. Moreover, the
riódico The Guardian con el siguiente titular: “El gobierno bra- entire fund goes to live-action and documentary ilms, but
sileño prohibirá armas de juguete y réplicas en un intento de not animation ilms.
reducir el número de crímenes violentos”. Creo que esta sea la
mejor forma de reducir la violencia en el país. En Jordania, ya The relation between childhood and war is not new in your
estoy saturado con las noticias sobre la violencia y las guerras work. In Growing, this themes are brought up in a much
en la región, que son transmitidas en la televisión y en diarios. more subtle way, through metaphors. Could you please
Además, es incómodo asistir a nuestros niños jugando con su comment on this narration’s construction, based on meta-
juguete favorito, las armas de juguete. Espero que un día el phors and if it is part of an attempt to relate the movie’s
gobierno de Jordania tome la decisión de prohibir la impor- subject to childhood?
tación y venta de este tipo de juguete para nuestros niños. Many children are killed in wars in the Middle East and other
countries around the world, by terrorist groups or soldiers
who choose to enact this type of anti-social behaviour and
Interview Tariq Rimawi (Growing), violence against civilians and children. They might have
by Felipe Fernandes been afected during their own childhood by the toy wea-
pons they grew up with, and which they have since decided
Growing is your irst movie shot in Jordan after your gradua- to turn into real weapons. The violence in action movies, too,
tion in Animation in the UK. How was this process of coming may inluence such generations. Therefore, the aim of this
back to your country and shooting your new ilm after the anti-violence short animation is to deliver a message about
success of your previous animation, Missing (2010), at the the dangers of kids’ toy weapons and war video games by
international movie’s circuit? using animation which known that it is the best language of
A non-commercial ilm production company in Jordan, metaphor. The ilm seeks to inluence the children and their
Ma’amal Think Factory612, ofered cooperation by cove- parents to learn about the risk of using these toys; these
Mostra Competitiva 57
R Daniel Ribeiro
F Pierre de Kerchov
E Cristian Chinen
EP Lacuna Filmes
EL Guilherme Lobo, Fabio Audi,
tess Amorim
Leonardo, um adolescente cego, tenta lidar com Leonardo, un adolescente ciego, trata de lidiar con la madre
sobreprotectora mientras busca a su independencia. Cuan-
a mãe superprotetora ao mesmo tempo em que do Gabriel llega a la ciudad, nuevos sentimientos comien-
busca sua independência. Quando Gabriel che- zan a surgir en Leonardo, lo haciendo descubrir más sobre
sí mismo y su sexualidad.
ga na cidade, novos sentimentos começam a
*población LGBT; Juventud; personas con discapacidad visual
surgir em Leonardo, fazendo com que ele des-
cubra mais sobre si mesmo e sua sexualidade. Leonardo, a blind teenager tries to deal with his overpro-
tective mom, meanwhile pursues his independence. When
*população LGBT; juventude; Gabriel comes to his school, new feelings begin to come
pessoas com deiciência visual over Leonardo, who starts to ind out more about himself
contato: www.vitrineilmes.com.br and his sexuality.
*LGBT population; youth; visually impaired people
59
Entrevista com Daniel Ribeiro A ideia sempre foi não vitimizar o personagem,
(Hoje Eu Quero Voltar Sozinho), nem por conta da sua deiciência visual nem da
por Daniel Nolasco sua homossexualidade. Apesar da superproteção
dos pais, ele busca, o tempo todo, mostrar que é
A história e as personagens de Hoje Eu Quero capaz de ser independente e que sua deiciência
Voltar Sozinho são as mesmas do curta Eu Não
visual não é uma barreira para alcançar seus ob-
Quero Voltar Sozinho (2010). O curta teve uma
ótima carreira no circuito de festivais, além de jetivos. Eu achava importante que o espectador
ser um sucesso incontestável no canal on-line se relacionasse com os conlitos de Leonardo e,
You Tube. Por que voltar a essa história e per- por isso, tentei retratar aquilo que o personagem
sonagens que foram tão bem representadas e tem de comum com qualquer pessoa.
alcançaram um público considerável?
O homoerotismo das personagens não apare-
A ideia do longa surgiu ao mesmo tempo que o
ce como questão central. Desta forma, temos
curta. Quando pensei neste personagem cego em uma primeira análise, uma normatização do
que se descobria gay, eu queria que fosse a comportamento gay. Isso vem de encontro com
história do meu primeiro longa-metragem. Mas a naturalização de como o mundo do ilme e as
antes disso, resolvi experimentar no curta, para personagens que habitam e povoam o mesmo
que eu chegasse no longa entendendo melhor lidam com esse fato. Queria que você comentas-
se sobre este fato e quais as implicações quan-
os personagens, as questões narrativas e esté-
do o colocamos em confronto com a realidade
ticas. Nunca imaginei que o curta fosse fazer o
brasileira que, muitas vezes, diz o contrário.
sucesso que fez, então eu tive que mudar algu-
Apesar de ver claramente uma mudança positi-
mas coisas que estavam nas primeiras versões
va na visão da sociedade em relação à homos-
do roteiro do longa. Os conlitos e as curvas dra-
máticas eram mais parecidas com as do longa, sexualidade comparada com a época em que
por isso eu acabei trabalhando muito no roteiro eu era adolescente, é evidente que ainda temos
para que o ilme mantivesse a alma do curta, muito o que evoluir. O meu objetivo com o il-
mas que fosse surpreendente mesmo pra quem me, no entanto, não era criar um ilme realista,
já conhecia parte daquela história. que reletisse a sociedade atual. A ideia era re-
tratar um mundo possível, um mundo no qual
Apesar da questão da sexualidade de Leonar-
a homossexualidade não precisa ser um gran-
do ser sempre citada quando se fala do ilme,
a grande questão da personagem parece ser a de obstáculo a ser superado por quem está se
deiciência visual. Como foi a construção desse descobrindo gay. Acredito que é assim que o
personagem? mundo deveria ser.
Mostra Competitiva 61
positivo. Hoy es más difícil ver un personaje homosexual cast light on what the character could have in common with
caricaturizado, en el cual la homosexualidad sea objeto de any other person.
humor. Tal vez este personaje aún sea más común en la te-
The characters’ homoeroticism is not the main issue. Thus,
levisión, porque hay menos tiempo para la relexión acerca
in the irst place, we manage to normalize the gay behavior.
de este tipo de producto audiovisual. Me parece que, ac-
This is in line with how naturally the motion picture’s univer-
tualmente, cuando un director decide retratar un personaje
se and characters deal with it. I would like you to make an
homosexual en el cine, esto se hace con mucho cuidado y analysis about this issue and its implications in view of the
con un enfoque atencioso. Brazilian reality, which often says otherwise.
Though I can clearly see a positive change in the society’s
Interview with Daniel Ribeiro view on homosexuality compared to the time when I was a
(Hoje Eu Quero Voltar Sozinho), teenager, there is still much to evolve. With this movie, my
purpose was not to draw a realistic portrait about the current
by Daniel Nolasco society. My intent was to conceive a possible world, whe-
re homosexuality needed not to be a major obstacle to be
The story and characters of Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
overcome by those developing gay identities. I believe that
are the same of the short ilm Eu Não Quero Voltar Sozin-
this is how the world should be.
ho (2010). The short ilm carved out a successful career in
the ilm festival circuit, in addition to its undeniable success Besides this, you have two other short ilms with homo-
on the online YouTube channel. Why recreating a story and sexuals as main characters – Eu Não Quero Voltar Sozinho
characters that were so well portrayed and draw a conside- and Café com Leite (2007). What do you make of the depic-
rable audience? tion of gay characters in the contemporary Brazilian cinema?
The feature ilm was conceived at the same time as the short I believe that, currently, there is a huge diversity relating to the
ilm. When I thought of this blind character who would ind portrait of gay characters in the Brazilian movies (and in the
himself gay, I wanted this story to become my irst feature audiovisual production at large) and this is extremely positive.
ilm. But, before that, I decided to try out the short ilm, so Nowadays, caricatured gay characters, ludicrously represen-
that I could be suiciently acquainted with the characters ting homosexuality, are harder to ind. Maybe this type of cha-
and narrative and aesthetical issues when I started to pro- racter is more common in TV, as there is less time for relection
duce the feature ilm. Never have I imagined that the short in this sort of audiovisual product. I believe that, nowadays,
ilm would reach such success, which is why I had to make when a director decides to display a gay character in a motion
some changes to the feature ilm’s initial script drafts. The picture, he has to be more careful and considerate.
conlicts and dramatic intensity curves were more similar to
those of the feature-length, and, because of this, it took me
much work on the script to respect the soul of the short ilm,
although still springing surprise among those who already
new part of that story.
Although the Leonardo’s sexuality issue is always raised
when talking about the movie, the core theme is his visual
impairment. How was this character made up?
The idea was always to avoid depicting the character as a
victim, either of his visual impairment, or of his homosexua-
lity. Regardless of the overprotective parents, he is always
seeking to prove he is capable of being independent and
that his visual impairment stands as no obstacle between
him and his goals. It was important that viewers could relate
to the conlicts of Leonardo and, on account of this, I tried to
La Jaula de Oro
Diego Quemada-Díez, México, 2013, 108’
Três Jovens dos bairros baixos da Guatemala Tres jóvenes de los barrios bajos de Guatemala viajan a los
Estados Unidos en busca de una mejor vida. En el camino a
viajam aos EUA em busca de uma vida melhor.
través de México conocen a Chauk, un indígena de la sierra
No caminho para o México conhecem Chauk, de Chiapas que no habla español. Viajando juntos en trenes
um indigena da serra de Chiapas que não fala de carga, caminando en las vías del tren, pronto tendrán
que enfrentarse a la dura realidad.
espanhol. Viajando juntos em trens de carga,
*inmigración; violencia; niños y adolescentes
caminhando nas vias do trem, em breve terão
que enfrentar uma dura realidade Three teenagers from the slums of Guatemala travel to the
US in search of a better life. On their journey through Mexi-
*imigração; violência; crianças e adolescentes co they meet Chauk, an Indian from Chiapas who doesn’t
speak Spanish. Travelling together in cargo trains, walking
contato: Alberto Cicurel Levy
on the railroad tracks, they soon have to face a harsh reality.
facebook.com/cafcocicurelartilms?fref=ts
*immigration; violence; children and teenagers
63
Entrevista com Diego Quemada-Díez com suas políticas de livre comércio e seus sub-
(La Jaula de Oro), por Luana Farias sídios. Existe um problema estrutural do qual não
se quer falar a respeito, tudo vem de uma atitude
O processo migratório está relacionado com pós-colonial. Apenas são produzidas soluções
diferentes questões sobre o tema dos Direitos
de criminalização, prisão e de militarização de
Humanos. Gostaria que comentasse sobre a
relação entre seu ilme e esse assunto, assim fronteiras. Há uma origem para o problema. Os
como a importância que o cinema tem para Estados Unidos enviam armas, compram drogas,
uma relexão acerca dos Direitos Humanos. destroem nossas economias nacionais em favor
Como disse Thomas Berry, em El Sueño de la Tier- das multinacionais, em nome do livre comércio.
ra, em alguns casos, o tema dos direitos huma- Como não emigrar? É uma estratégia de opres-
nos implica uma visão antropocêntrica. Conside- são. E, com esse ilme, eu queria dar voz aos
rando o modelo neoliberal de desenvolvimento, oprimidos, mostrar a viagem e a situação através
é necessário reconhecer as causas econômicas de seu olhar para provocar a relexão, mostrar
e estruturais que provocam a desumanização, os a hipocrisia existente e, sobretudo, com esses
abusos, o sentimento de separação, a existência maravilhosos personagens criar pontes, inspirar,
de um inimigo frente às justiicativas. Criou-se um lembrar o que nos une. O sofrimento do outro
modelo agressivo e baseado na exploração do também é o nosso sofrimento. Tudo começou
ser humano, do planeta e das espécies com as em 2003, quando eu vivia em Mazatlán, Sinaloa,
quais convivemos. É necessária uma sensibiliza- sobre os trilhos do trem e todos os dias chega-
ção a respeito da interligação com outras espé- vam migrantes. As mulheres, as crianças e os
cies e com o planeta, o relacionamento respeito- homens me contavam sobre os abusos sofridos
so uns com os outros, o planeta e, portanto, os por parte das autoridades da América Central,
demais. Penso que o foco central é o respeito México, Estados Unidos, bem como da crimina-
e a coerência entre a palavra e a ação. No caso lidade e do crime organizado. E todos viajavam
especíico de La Jaula de Oro, a intenção era buscando uma vida melhor, buscando ajudar os
mostrar que, além das nacionalidades, raças, lín- seus entes queridos. Estavam dispostos a dar a
guas e classes sociais, todos nós somos seres sua própria vida por eles. Senti que eram heróis,
humanos, com necessidade e sonhos. Mostrar o pessoas com as quais eu podia aprender muito.
absurdo das fronteiras, de tudo o que foi criado Pediram-me que eu contasse sua história, que
para nos separar, enquanto as multinacionais e mostrasse aos demais para que soubessem a
o capital têm total liberdade de movimento. Os verdade, como me disse um migrante mexicano,
Estados Unidos e a Europa provocam a migração Juan Menendez López:
Mostra Competitiva 65
El cine es muy poderoso y como cineastas tenemos una problem. The United States send weapons, buy drugs, un-
responsabilidad, el cine puede tener una función más allá dermine our national economies for the furtherance of multi-
del espectáculo. En mi caso me gusta contar las historias national companies, in the name of the free trade. How can’t
de la gente, contar historias que tienen que ver con nuestra emigration be the last resort? It is an oppressive strategy.
realidad contemporánea. A partir de colectivamente vernos With this movie, I intended to give voice to the oppressed,
relejados hacemos consciente la sombra y entonces pode- show the journey and the situation from their standpoint, as
mos cambiarla. Si la negamos, la ocultamos, nos evadimos, well as encourage relection, unmask hypocrisy and, abo-
cada vez será más grande y más oscura, gritará para ser ve it all, with its wonderful characters, build bridges, inspi-
escuchada. Así como lo hace el cuerpo con las enferme- re, and recall what can bring us together. The sufering of
dades. Si tienes un problema en tu vida sólo enfrentándolo others is also our sufering. All of this started in 2003, when
con valentía podemos solucionarlo. El Arte transforma la I lived in Mazatlán, Sinaloa, on the railroad, and every day
Realidad. Observen cómo se sienten despues de escuchar the migrants would arrive. Women, children and men who
una música profunda y bella, una danza, un poema. used to tell me about the abuse to which they were subject
by authorities in Central America, Mexico, United States, in
addition that perpetrated by the criminality and the organi-
Interview with Diego Quemada-Díez zed crime. And all of them travelled in search for a better
(La Jaula de Oro), by Luana Farias standard of living, seeking to help their loved ones. They
were willing to sacriice their own lives for them. I felt that
The migratory process is connected to diferent human rights they were heroes, people who could teach me a lot. They
issues. I would like you to analyze the relationship between asked me to tell their stories, for everyone to know the truth.
your movie and this subject, as well as the importance of the Juan Menendez López, a Mexican migrant, said:
motion pictures in the relection about human rights. “We learn a lot along the way, we are all brothers here. We
As Thomas Berry stated, in “El Sueño de la Tierra,” in some all have the same need, and the important thing is to learn
cases, the human rights issue is undelined by an anthropo- to share. Only then we can carry on, only then we can get
centric vision. Given the neoliberal development model, one there, only united we can survive. As human beings we are
should be aware of the economic and structural aspects that not illegal anywhere.
lead to dehumanization, abuses, the feeling of segregation, Motion pictures are quite powerful and we, as ilmmakers,
and the existence of an enemy, in spite of the common jus- have the responsibility to explore the function of cinema
tiications. As a matter of fact, there is an aggressive model beyond the mere spectacle. For instance, I like to tell the
based on the exploitation of human beings, the planet and histories of other people, tell stories which are connected to
the species with which we live. The interconnection with the contemporary reality. From the moment we relect, we
other species and the planet needs to be widespread, not to are aware of the shadow, and empowered to change it. If we
mention the respectful relationship with the others and the deny it, hide it, run away from it, it will become bigger and
planet. I believe that respect and the consistence between darker, and it will go to extremes to be heard. This is how the
word and action are essential. In the speciic case of La Jau- body deals with diseases. If you have a problem in life, only
la de Oro, our intent was to show that, regardless of diferent by facing it bravely you will be able to solve it. Art transforms
nationalities, races, languages and social classes, we are all reality. Pay attention to the way you feel after exposed to a
human beings, with needs and dreams. Like everything else deep and pretty song, a dance, a poem.
that is designed to set us apart, having frontiers is quite un-
reasonable if we think that multinational companies and the
capital have total freedom of movement. The United States
and Europe hasten migration with their free trade policies
and subsidies. There is a structural problem that nobody is
willing to address, brought about by the post-colonial atti-
tude. The solutions proposed are all about criminalization,
prisons and frontier militarization. There is a source to the
turga e mulher, Paula conta com o apoio das *mujer; población LGBT
drag queens para resgatar Jéssica e realizar o Jessy is the short version of the documentary ilm Jéssica
desejo de ser transformista. O ilme de estreia Cristopherry, which was the name of all the personas of in
Paula Lice’s childhood make-believe. Actress, playwright and
da Buh!fu Filmes, parceria entre os artistas Rodri-
woman, Paula counts on the support of the godmothers Ca-
go Luna, Ronei Jorge e Paula Lice, documenta a rolina Vargas, Gina d’Mascar, Mitta Lux, Rainha Loulou and
construção de Jéssica e homenageia carinhosa- Valérie O’harah to rescue Jéssica and make the dream of
being a cross-dresser become true. The debut of Buh!fu Fil-
mente a cena transformista soteropolitana. mes, partnership between the artists Rodrigo Luna, Ronei
Jorge and Paula Lice, the movie depicts the transformation
*mulher; população LGBT of Jéssica and afectionately honors the cross-dressing sce-
contato: amadeu@movioca.com ne of the city of Salvador, State of Bahia.
*woman; LGBT population
67
Entrevista com Paula Lice (Jessy), O ilme tem uma construção narrativa muito
por Felipe Fernandes pautada na expectativa. No entanto, o ilme
rompe com essa lógica ao cortar a performan-
Como surgiu a ideia de resgatar Jéssica Cristo- ce de Jéssica no momento em que ela ergue
pherry e personiicá-la através do universo das o microfone e ouvimos as primeiras notas da
drag queens? Que relação existe entre a per- música. Por que romper com essa expectativa?
sonagem de infância de Paula Lice e o trans- Isso foi uma decisão tomada na fase de produ-
formismo? ção ou já no processo de montagem?
O nome era usado por mim toda vez que eu que- No processo de montagem. Investimos em al-
ria brincar de ser outra pessoa, ainda na infância. guns cortes, experimentando com e sem esse
Uma drag queen é uma materialização de uma inal e optamos por assumi-lo na versão em me-
igura feminina, em caráter de performance. Dar dia-metragem e suprimi-lo no curta. Como havia
vida a mulheres gigantes, maiores que a vida é a possibilidade de circular com os dois produ-
um desejo que me liga, desde muito cedo esses tos, essa diferença era, inclusive, interessan-
homens que veem em iguras femininas diversas te para fazer uma boa distinção entre os dois.
a inspiração de seus projetos de palco. O curta acabou tomando uma proporção de cir-
Ao assistir Jessy, noto uma forte dimensão per- culação e reconhecimento maior que o média-
formática presente em uma narrativa que lerta metragem, o que ressalta mais nossa intenção
com a icção. Gostaria que você comentasse de sublinhar o processo criativo, mais do que a
como foi o processo de construção do roteiro ideia de um resultado em si.
do ilme, um documentário onde você, uma das
próprias realizadoras, atua como personagem. Transformar uma mulher em uma drag queen
levanta uma série de questões relacionadas à
Bom, nós pensamos em alguns dispositivos que
expressão de gênero, dentre elas, a questão do
funcionariam como disparadores de ações. As empoderamento da mulher e as convencionais
drag queens ensaiando Jéssica para a apresen- noções de masculino e feminino. Como você
tação, a documentação de todo o processo de avalia a importância do ilme acerca dos deba-
maquiagem, cabelo, igurino, tudo isso foi impro- tes relacionados a essas convenções clássicas
visado em tempo real. Cenas mais manipuladas de gênero e performance?
oferecem esse ruído que provoca essa sensação Dentre as maneiras que leio o ilme, em rela-
limiar entre documentário e icção, que, ainal, ção com as várias leituras sobre isso que já me
não se distinguem tanto assim. O cruzamento in- chegaram, avalio que o ilme se localiza em um
tencional dessas duas esferas organizacionais já terreno delicado e de muitas camadas. O trans-
nem é mais uma novidade no cinema brasileiro. formismo das drags queens é sim, a rigor, um
Entrevista con Paula Lice (Jessy), Transformar una mujer en una drag queen plantea una se-
rie de cuestiones relacionadas con expresión de género,
por Felipe Fernandes
entre ellas, la cuestión del empoderamiento de la mujer
¿Cómo surgió la idea de rescatar a Jéssica Cristopherry y y las convencionales nociones de masculino y femenino.
personiicarla a través del universo de las drag queens? ¿Cómo evalúa la importancia de la película acerca de los
¿Qué relación existe entre el personaje de la niñez de Paula debates relacionados a estas convenciones clásicas de gé-
Lice y el transformismo? nero y performance?
Usaba el nombre toda vez que quería jugar ingiendo ser Entre las lecturas que existen de la película, con relación a
otra persona, todavía en la niñez. Una drag queen es una las diversas lecturas sobre esto que ya recibí, evaluó que
materialización de una igura femenina, en carácter de per- la película se encuentra en una situación delicada y de mu-
formance. Dar vida a mujeres gigantes, mayores que la vida chas capas. El transformismo de las drags queens es, es-
trictamente hablando, un espacio de empoderamiento de la
es un deseo que me conecta, desde mucho cedo, a estos
mujer, a través de los hombres, lo que no exenta del machis-
hombres que ven en iguras femeninas la inspiración de sus
mo, ni nombres, ni mujeres, que se relacionan con él. Por
proyectos de escenario.
muchas veces, los femeninos buscados por las drag queens
Al asistir a Jessy, percibo una fuerte dimensión performáti- no contribuyen a los debates contemporáneos sobre los en-
ca presente en una narrativa que tiene relación con la ic- durecimientos de los modelos y estándares de belleza, por
Mostra Competitiva 69
ejemplo, con los cuales mujeres y mujeres transfeministas some cuts, making experiments with and without this inale,
están en constante trabajo de lucha y re-signiicación. Hay and made a choice to include it in the medium-length ilm,
muchas drag queens considerando diferentes modelos de removing it from the short ilm version. As there was a pos-
mujer, lo que sólo colorea y diversiica las posibilidades de sibility of distributing both products to the movie theaters,
libre expresión del humano. La película propone el cruce this helped distinguish them. The short ilm ended up rea-
de cinco tipos de drag queens muy diversas entre sí con ching a larger screening circuit and was better recognized
una mujer que necesita crear un séptimo cuerpo, un cuerpo than the medium-length. This is a display of appreciation for
colectivo, una mujer que materialice el cruce de todas estas our intent to shed light on the creative process, and not on
ideas, sobre femenino y sobre mujer. the outcome.
Transforming a woman in a drag queen raises a number
Interview with Paula Lice (Jessy), of issues relating to the expression of gender, including the
women’s empowerment and the traditional notions of male
by Felipe Fernandes and female. What is your opinion about the movie’s rele-
How did you come up with the idea to rescue Jéssica Cristo- vance for touching on the classic conventions about gender
pherry and personify her in the drag queens universe? What and performance?
is the relationship between the childhood character of Pau- Comparing my readings of the movie to the interpretations
la Lice and cross-dressing? presented to me about it, I can assert that the movie treads
That was my childhood persona when I played make-belie- on a delicate and multilayered ground. Strictly speaking, the
ve. A drag queen is the materialization of a female igure for cross-dressing of drag queens entails the empowerment of
performance purposes. Bringing to life huge women, bigger women by men, but this does not rule out machismo, nei-
than life, is a desire that has always connected me to these ther for the women nor the men connected with it. At times,
men who ind in female igures the inspiration for stage per- the feminine values embraced by the drag queens do not
formance projects. contribute at any level to the contemporary debates, for
instance, about the ixity of models and patterns of beauty,
Watching Jessy, I could notice a poignant performance di- given the unremitting strife and resigniication efort of femi-
mension underlying its narrative, which lirts with iction. I nist women and trans-women in that respect. In fact, there
would like you to comment about the script development are many drag queens resorting to diferent female models,
of this documentary ilm where you, one of its ilmmakers, which only brings new colors and diversiies the possibilities
play a character. of free expression by human beings. The movie proposes
Well, we thought of some devices that would trigger the ac- the crossover of ive types of drag queens very apart one
tions. The drag queens helping Jéssica rehearse for a per- from another with a woman who needs a seventh body, a
formance, the recording of the entire make-up, hair and cos- collective body, a woman who embodies all of the ideas
tume process, all of this was made impromptu in real time. about what being feminine and a woman is.
More manipulated, some scenes create a noise that enkind-
les a borderline sensation between documentary and ictio-
nal movie. I believe that these modalities are not so diferent
after all. The intentional crossover between these two orga-
nizational realms is no news for the Brazilian cinema.
The movie has a narrative structure which is inherently
bound by expectation. However, the movie breaks with this
logic when it halts Jéssica’s performance by the time she
raises the microphone and we hear the irst song chords.
Why this expectation was broken? Was this a decision made
during the production or conceived in the montage process?
This was decided in the montage process. We invested in
periferia paulistana. Explorando as razões do Piecing together the details about the death of his brother,
envolvimento do irmão com drogas e roubo Rafael Burlan da Silva, 12 years ago, the ilmmaker Cristiano
Burlan sets of on a personal quest that leads to the heart
de carros, o diretor expõe partes de sua pró-
of a circuit of violence in the neighborhoods of the outskirts
pria história familiar, ouvindo parentes e amigos of São Paulo. Trying to ind out the reasons his brother’s in-
cujos depoimentos trazem à tona os destinos volvement with drugs and car stealing, the director expo-
ses parts of his own family history, listening to relatives and
de diversos personagens, mapeando o histórico friends whose accounts reveal the destinies of several cha-
de dolorosas feridas emocionais. racters, delineating the history of painful emotional wounds.
*outskirts; violence
*periferia; violência urbana
contato: contato@belailmes.com
71
Entrevista com Cristiano Burlan montagem como o processo mais dialético do
(Mataram Meu Irmão), fazer cinematográico, há que se ter como rea-
por Luciano Carneiro lizador uma humildade para que as potências
escondidas no material apareçam no ilme e não
Seu irmão Rafael Burlan foi assassinado em os devaneios estéticos do realizador. Caminhei
2001. De onde partiu o desejo de fazer um il-
sempre numa relação muito conlituosa entre
me que se debruça sobre esse caso onze anos
depois? ética e estética. É fácil perder um ilme na mon-
tagem. Acredito também que o ilme não é ape-
A minha vida é repleta de casos/mortes não solu-
nas sobre o meu irmão, tampouco sobre mim e
cionadas. Meu pai morreu de forma muito estra-
minha família, mas o que icou entre tudo isso,
nha e minha mãe, assim como meu irmão, foi as-
aquele espaço da memória em que encaramos,
sassinada. Todos os crimes estão impunes. Fazer
ou pelo menos tentamos encarar, o que eu acre-
o ilme foi ao mesmo tempo procurar algum sen-
dito ser a maior dor enfrentada pelo ser humano,
tido para aquela tragédia e, de alguma maneira,
uma dor da consciência da initude das coisas,
uma tentativa de reconstruir a imagem do meu
uma dor do tempo, uma dor do imponderável.
irmão, que pra mim já estava como uma fotogra-
ia desgastada pelo tempo. Ainda que matem a Mataram Meu Irmão, desde seu título, já nos in-
minha família, não posso deixar que eles morram. dica um ilme pessoal, um documentário de in-
vestigação familiar. No entanto, a partir do caso
Ao longo do ilme você, documentarista, sem- particular de seu irmão o ilme traça um quadro
pre se encontra fora de quadro; ou quando em de problematização da questão da violência
quadro, de costas, até um dos momentos inais urbana. Como você vê a importância do ilme
do documentário, quando sua igura inalmen- em compor uma mostra de cinema voltada ao
te aparece, em um momento emotivo e vulne- debate dos Direitos Humanos?
rável. Sobre essas opções, gostaria que você
comentasse o processo de montagem do ilme: É possível fazer um ilme se não for por um pris-
como foi rever esse material e a partir daí cons- ma pessoal? O documentário Mataram Meu Ir-
truir o ilme ao qual assistimos? mão tem uma importância não pelos prêmios
Nunca foi minha intenção ser personagem nes- que angariou, mas por abordar uma questão que
sa trama, o foco sempre foi o Rafael e o que hoje está banalizada. Permanecemos indiferen-
dele icou, eu fui apenas mediador nessa busca. tes diante da crueldade e da violência que as-
O processo de montagem foi muito rigoroso. Era saltam os nossos dias, principalmente quando
preciso revelar o que não foi dito e o que não ela acontece nas periferias das grandes cidades,
foi fotografado e isso foi o mais difícil. Encaro a lugares que costumam ser estigmatizados como
Mostra Competitiva 73
Along the movie, you, the documentarian, is always out of
the frame; or, when in the frame, on your back, until one
of the inal moments of the documentary ilm, when your
igure inally appears, at a point of deep emotion and vulne-
rability. As far as these options are concerned, I would like
you to speak further about the movie’s montage: how was
watching the material and building up the ilm’s inal cut?
I never intended to be a character in the plot, the focus was
always on Rafael and what was left of him, I was only a fa-
cilitator in this search. The montage process is quite rigid.
Unveiling what was left unsaid and out of the picture was
both necessary and the toughest part of the work. I see the
montage as the most dialectical process in the movie craft.
As an auteur, one should be humble enough to let the hid-
den potentialities appear in the movie, and not the aestheti-
cal fantasies of its auteur. I have always developed a rather
contentious relationship with ethics and aesthetics. It is easy
to lose sight of a movie in the montage stage. I also believe
that the movie is neither only about my brother, nor about
my family and I, but about what was left in-between all of
this, that space of memory in which we face – or at least we
try to face – the deepest pain I believe one human being can
experience, the pain of being aware of the initude of things,
the pain of time, the pain of the imponderable.
Mataram Meu Irmão, from what the very title suggests,
points to a personal movie, a documentary foray into the
family. Nonetheless, based on the particular case of your
brother, the movie draws a picture about urban violence.
How siginiicant is the movie in a movie screening about
Human Rights?
Is it possible to make a movie that is not from a personal
angle? The documentary ilm Mataram Meu Irmão is not per-
tinent for the awards it has carried of, but for touching on an
issue which became trite. We remain nonchalant about the
cruelty and violence that haunts our routines, mainly when
it happens on the outskirts of large cities, places that tend
to be stigmatized as pockets of poverty. It became a com-
monplace to see in the daily newspapers a huge amount of
youngsters being murdered by the police forces and, chiely
in São Paulo, law enforcers seem authorized to kill. We have
the most violent police force in the world. Assembling a mo-
vie screening earmarked for discussing the Human Rights is
of crucial importance as it awakens our regard for each and
everyone’s responsibility for these pockets of poverty, the
exclusion and the “sub-citizenship” which alicts our society.
O Mercado de Notícias
Jorge Furtado, Brasil, 2014, 94’
O ilme traz os depoimentos de treze importan- La película presenta los relatos de trece importantes
periodistas brasileños sobre el sentido y la práctica de su
tes jornalistas brasileiros sobre o sentido e a
profesión, los cambios en la forma de recibir las noticias,
prática de sua proissão, as mudanças na ma- el futuro del periodismo, y también sobre casos recientes
neira de consumir notícias, o futuro do jornalis- de la política brasileña, donde la cobertura periodística tuvo
un destacado papel .
mo, e também sobre casos recentes da política
*protección de los Defensores de los Derechos Humanos;
brasileira, onde a cobertura da imprensa teve libertad de expresión; democracia y los Derechos Humanos
papel de grande destaque.
The movie brings accounts of thirteen important Brazilian
* proteção aos defensores de direitos humanos; journalists about the signiication and practice of their pro-
liberdade de expressão; democracia fession, the changes to the way of receiving news, the fu-
e Direitos Humanos ture of journalism, along with recent cases of the Brazilian
politics, where the press coverage played a prominent role.
contato: casa@casacinepoa.com.br
* protection of humans rights defenders; freedom of speech;
democracy and Human Rights
75
Entrevista com Jorge Furtado naquela época a imprensa de tipos móveis, fez
(O Mercado de Notícias), por explodir o volume de informação circulante e
Daniel Nolasco e Felipe Fernandes também transformou profundamente as estru-
turas de poder, com o fortalecimento da clas-
O documentário utiliza vários recursos narra- se política, do parlamento e de uma burguesia
tivos para traçar um painel histórico e crítico com poder crescente, contrapondo-se ao poder
do jornalismo e da notícia. Gostaria que você
da nobreza. Fiz a tradução da peça com Liziane
comentasse como se deu o processo de reali-
zação do ilme. Kugland e iquei espantado com a atualidade
das críticas e observações de Jonson sobre a
O projeto nasceu de um sentimento de que o
imprensa recém nascida. Usei a peça como guia
jornalismo brasileiro entrou no século 21 em cri-
para uma pauta de entrevistas com grandes jor-
se, uma crise decorrente da revolução digital,
nalistas brasileiros.
que transformou tudo, e também da transforma-
ção política vivida pelo país, com uma nova for- Há no ilme uma clara discussão do poder e in-
luência da notícia sobre a política ou como o
ça política chegando ao poder e com a grande
jornalismo interfere no destino político do país.
imprensa assumindo, pela primeira vez em sua Qual a sua opinião sobre a forma que a grande
história, um papel fortemente oposicionista. O imprensa brasileira aborda o governo atual?
diploma de jornalismo deixou de ser obrigató- Uma das principais funções da imprensa é ser
rio, os jornais se encheram de colaboradores crítica aos governos, todos os governos. A ques-
não-jornalistas, houve queda na audiência dos tão é que a imprensa tem grandes interesses
grandes veículos, queda de circulação, o im de econômicos e políticos, e é muito mais crítica
alguns jornais e revistas, e uma profusão de mí- aos governos que se opõem ou limitam estes in-
dias e redes sociais. Tudo isso fez muita gente teresses, como é o caso dos governos Lula e
acreditar que o jornalismo estava com os dias Dilma. É impossível negar que a imprensa foi
contados. A mim, pareceu que o momento exi- muito mais generosa com os governos militares
gia a valorização da proissão, com seus crité- e neoliberais e muito mais crítica aos governos
rios técnicos e seus compromissos éticos. Na populares. Muitas vezes, as denúncias contra os
busca por entender o que estava acontecendo, governos populares foram publicadas com gran-
fui estudar a história do jornalismo e encontrei a de alarde e pouquíssimo rigor nas apurações e
peça de Ben Jonson, The staple of news, escrita veriicação das fontes, enquanto as denúncias
em 1625, que retratava um momento semelhan- contra os governos neoliberais eram tímidas,
te ao atual. A invenção de uma nova tecnologia, cautelosas e logo abafadas e esquecidas.
Mostra Competitiva 77
En la película hay una clara discusión del poder e inluen- y económicos por detrás de las noticias, de la noticia como
cia de la noticia sobre la política o cómo el periodismo in- entretenimiento de quien busca novedad sin criterio, del
teriere en el destino político del país. ¿Cuál es su opinión cotilleo y de la maledicencia como un placer cruel, de los
sobre la forma con que la gran prensa brasileña aborda el “folletos escritos por quien no sale de casa, sin cualquier
gobierno actual? verdad”. Todo eso me parece, infelizmente, muy actual.
Una de las principales funciones de la prensa es ser crítica a
los gobiernos, a todos los gobiernos. El problema es que la
prensa tiene muchos intereses económicos y políticos, y es
Interview with Jorge Furtado
más crítica con los gobiernos que se oponen o limitan estos (O Mercado de Notícias), by Daniel Nolasco
intereses, como es el caso de los gobierno Lula y Dilma. No se and Felipe Fernandes
puede negar que la prensa fue muy generosa con los gobier-
nos militares y neoliberales y más crítica con los gobiernos The documentary ilm resorts to diferent narrative resour-
populares. Muchas veces, las denuncias contra los gobiernos ces to draw a historical and critical picture of the Journalism
populares se publicaron con bombos y platillos y muy poco and the news. I would like you to speak more about the
rigor en la investigación y veriicación de las fuentes, mientras movie-making process.
las denuncias contra los gobiernos neoliberales eran tímidas, The project was inspired by a feeling that the Brazilian Jour-
cautelosas y rápidamente encubiertas y olvidadas. nalism entered the 21st century in crisis, which was trigge-
red by a digital revolution that transformed everything, be-
En O Mercado de Notícias, vemos mucho más de su rela-
sides the political transform occurring in the country, where
ción con los actores de la pieza que con los periodistas es-
a new political force seized the power and motivated the
cogidos para la película. ¿Cómo fue el proceso de elección
major mass media to take the opposition’s side for the very
de los periodistas?
irst time. The degree in Journalism ceased to be mandatory,
Sí, lo importante en el caso de los periodistas era darles voz, newspapers teemed up with non-journalists, the most impor-
hablar sobre su oicio, ya que son, irónicamente, una cate- tant media outlets lost audience, the circulation shrank, some
goría sin medios, pues hay poquísimo espacio para la dis- newspapers and magazines closed up, and a profusion of
cusión de este tema. He elegido periodistas de varios vehí- new social media and networks could be witnessed. All of this
culos de comunicación, periodistas cuyo trabajo acompaño made many believe that Journalism was on borrowed grace.
hace mucho tiempo, en los cuales reconozco capacidad y To me the moment was ripe for appreciating the profession,
honestidad intelectual, y que sabía acerca de sus opiniones casting light on its technical criteria and ethical commitments.
diferentes sobre diversos temas tratados. Mi objetivo princi- Seeking to better grasp what was going on, I delved into the
pal era provocar dudas y estimular la discusión. En el caso history of Journalism and found the play by Ben Jonson, The
de los actores, como siempre hice, el trabajo es colectivo. staple of news, written in 1625, which depicted a moment
Teatro es juego, colaboración. similar to the current one. The invention of a new technolo-
¿Cómo avalúa la actualidad del texto de la pieza original gy, the movable type printing press at the time, boosted the
de Ben Jonson? amount of information circulating and upheaved the power
structures by strengthening the political class, the parliament
Jonson era un gran comediante, dramaturgo y también un
and the bourgeoisie, which was holding increasingly more
sabio moralista. Quería transformar el mundo desde un es-
power, as the nobility declined. I translated the play with Li-
cenario. Él tiene como principio – explicitado en el epígrafe
ziane Kugland and was awed by the contemporary feel of the
del poeta Horacio que utiliza en su pieza – la idea de que
Jonson’s criticism and remarks on the newborn press. I used
el poema (el texto, la pieza) debe, al mismo tiempo, diver-
the play as a guide to interview major journalists in Brazil.
tir y enseñar: “El poema enseña o deleita. O ambos, y es
esto que vicia”. Su pieza tiene una moral clara, es didáctica, The movie brings an overt discussion about the power and
trata, entre otros temas, del sentido común en el uso de la inluence of the news on the politics or how the Journalism
riqueza (pecunia): “Ni esclava de placeres bobos, tampoco interferes with the political outcomes in Brazil. What is your
hechora de deseos justos”. Jonson critica la futilidad de los opinion about how the Brazilian major mass media shows
que quieren estar en las noticias, de los intereses políticos the current government?
Mostra Competitiva 79
R tatianne Pereira da Silva
F Andre Lavenere
E Fáuston da Silva
EL André Bezerra; Simone Marcelo;
Juliana Drummond
EP Fáuston Filmes Ltda
O improvável encontro entre Lucas e Nietzsche El improbable encuentro entre Lucas y Nietzsche será el
inicio de una gran revolución en la mente del niño, en su
será o início de uma grande revolução na mente familia y en la sociedad. Al inal, él no será más un niño. Será
do garoto, em sua família e na sociedade. Ao inal, una dinamita.
ele não será mais um menino. Será uma dinamite. *niñez
81
Entrevista com Fáuston da Silva à fotograia clássica em que Rée e Nietzsche,
(Meu Amigo Nietzsche), como asnos, puxam uma carroça sobre a qual
por Luana Farias vai Salomé. O primeiro nome de Salomé, Lou,
também aparece escrito no quadro negro ao
Comente sobre o processo de construção de lado do de Rée e dentro de corações. O nome
seu curta, Meu Amigo Nietzsche, desde a ela-
do diretor da escola é referência ao principal
boração do argumento até a inalização.
tradutor de Nietzsche no Brasil. Vemos na pa-
O argumento do ilme foi criado por minha espo- daria a logo da Copa da Alemanha de 2006. A
sa, Tatianne da Silva, e por mim durante o último música que abre o ilme é o Assim Falou Zara-
semestre do curso de cinema da Universidade tustra (também nome do livro de Nietzsche que
de Brasília. O ilme foi inanciado por um edital Lucas encontra) do compositor alemão Richard
do Ministério da Cultura e foi totalmente roda- Strauss. A música do inal do ilme é uma com-
do na periferia da capital brasileira, Brasília, com posição feita pelo próprio Nietzsche que air-
elenco composto principalmente por não atores. mou que ela deveria seu usada para lembrá-lo.
Já participou e venceu dezenas de importantes
Comente sobre as possibilidades de relexão
festivais de cinema no Brasil e no mundo.
acerca dos Direitos Humanos no Brasil que seu
O ilme tenta associar a periferia do Brasil a uma curta pode proporcionar.
ilosoia nascida muito longe daqui em termos O ilme Meu Amigo Nietzsche é uma comédia
de tempo (século XIX) e espaço (Alemanha). que aborda temas comuns aos grandes centros
Para isso, os elementos que já nos são familia- urbanos do Brasil e do mundo: o analfabetismo
res, os personagens, as ruas e casas brasileiras, funcional, a educação como elemento transfor-
o futebol, a escola, o lixão, etc., icam rodeados mador, a valoração intelectual de cada ser hu-
por elementos que fazem referência a Nietz- mano, a timidez das instituições de educação, o
sche e à Alemanha. Elementos como o número preconceito velado e a infância (com seu lúdico
da sala de aula de Lucas (na abertura do ilme) e sua inocência que não conhecem fronteira
1944, data de nascimento de Nietzsche. Um dos econômica). Além de tudo isso, o ilme tem Niet-
garotos que acompanham Lucas, o que acaba zsche e Marx. Esse conjunto de temas possibilita
vencendo a corrida da pipa, tem escrito Rée em uma extensa discussão sobre Direitos Humanos
sua camisa, amigo e arquirrival de Nietzsche no Brasil de uma forma menos abstrata. Lucas,
pelo coração de Lou Salomé. A palavra Salomé o garoto do ilme, personiica e materializa os
também aparece graitada em uma parede de milhares de brasileiros que não têm acesso a
rua ao lado de um desenho que é referência uma educação de qualidade, que vivem à mar-
Mostra Competitiva 83
elements with which we are already familiar, the Brazilian
characters, streets and houses, the soccer, the school, the
landill etc., are surrounded by elements alluding to Nietzs-
che and Germany. Elements such as the number of Lucas’
classroom (in the movie’s opening scene): 1944, the Nietzs-
che’s date of birth. One of the boys who hang around with
Lucas, who ends up winning the kite race, has the name
Rée printed on his shirt. Rée was a friend of Nietzsche, but
also his archenemy in the joust for the love of Lou Salomé.
The word Salomé also appears on the graiti writing on a
street wall by the side of a drawing that alludes to the classic
picture in which Rée and Nietzsche, like donkeys, drag a
wagon carrying Salomé atop of it. The irst name of Salomé,
Lou, also appears written on the chalkboard near the Rée’
name and inside hearts. The school’s principal is named af-
ter the Brazilian most renowned translator of the Nietzsche’s
books. In the baker’s, there is a logo of the 2006 FIFA World
Cup Germany. The song opening the movie is Thus Spake
Zarathustra (which is also the Nietzsche’s book Lucas stum-
bles upon), by the German composer Richard Strauss. The
ending movie song is a composition by the very Nietzsche,
who stated that it should be played in his memory.
Please comment on the possibilities of relection about Hu-
man Rights in Brazil that can be prompted by your short ilm.
Meu Amigo Nietzsche is a comedy that touches on subjects
which are close to the major urban centers in Brazil and
abroad: functional illiteracy, education as a transformational
tool, the intellectual appreciation of each human being, the
backwardness of educational institutions, concealed preju-
dice and childhood (with its playfulness and innocence that
know not of economic conines). Over and above, Nietzsche
and Marx are also characters of the movie. This array of the-
mes allows for a wide-ranging discussion on the Brazilian hu-
man rights in a less theoretical manner. Lucas, the boy in the
movie, personiies and embodies the thousands of Brazilians
bereft of access to quality education, on the margins of society
and who somehow are cast aside from the basic safety rights
enshrined in the Constitution. By giving voice to thousands of
Brazilians, the movie zooms in an often-neglected reality. With
it, the movie relects on the human rights in a straightforward
manner, which is quite closer to the audiences.
85
Entrevista com Ines Marzouk ferente da situação se comparadas ao que se
(Mohamed Mahmoud... costuma ver na grande mídia?
Herald dos Revolucionários), Os eventos em Mohamed Mahmoud ocorreram
por Felipe Fernandes de uma hora para a outra, num sobressalto. Não
havia muitos jornalistas presentes, em especial
Desde o início de seu ilme percebemos que dos meios de comunicação de massa. Eu esta-
o seu olhar sobre a revolução é apresentado
va lá porque pressentia que algo iria acontecer.
do ponto de vista subjetivo do diretor. Por que
escolheu adotar essa posição, em frente da E aconteceu. O lugar de onde estava ilmando
câmera, e como foi o processo de elaboração era muito próximo dos acontecimentos e, certa-
do ilme? mente, nada seguro. Era uma sacada bem pró-
Decidi que este seria o meu posicionamento xima, tinha gás e eu tive que usar máscara de
porque eu também fazia parte do que estava proteção. Além disso, as forças policiais dispa-
acontecendo no país naqueles dias. Era mais ravam tiros. Havia um dilema entre permanecer
fácil mostrar as emoções e os efeitos daque- na sua posição e ilmar ou participar. Achei que
les acontecimentos se estivesse na frente da seria mais útil ilmando os acontecimentos.
câmera. Também queria ter uma perspectiva Ao se expor no ilme, você também passa a
diferente. Durante as sublevações, eu traba- retratar a mulher em meio a uma revolução.
lhava para um jornal egípcio e tinha ilmado o Como você analisa a participação feminina no
atual cenário político egípcio?
que acontecia, de trás da câmera. Dessa vez,
eu quis produzir algo mais próximo e pessoal. As mulheres desempenharam um papel crucial
Para a preparação do ilme, primeiro eu escre- durante a revolução e atualmente ainda estão no
vi o meu testemunho sobre os acontecimentos centro da vida política do país. Na sociedade egíp-
em Mohamed Mahmoud. Depois, tentei encon- cia, as mulheres e o seu simbolismo são utilizados
trar algumas pessoas que foram captadas pela pelos diferentes partidos para alcançar os seus ob-
câmera. Por im, escrevi o roteiro e ilmei. jetivos políticos, mas elas também têm uma partici-
pação muito ativa e independente na política, inclu-
Em Mohamed Mahmoud... Herald dos Revolu-
sive sofrendo as consequências dessa atividade.
cionários, com maior frequência, as imagens
da revolução são ilmadas de cima, reservando As pichações nas paredes da rua Mohamed
um distanciamento seguro, e propondo uma vi- Mahmoud registram momentos importantes da
são geral dos fatos. Como cineasta e jornalista, história egípcia. Poderia nos falar mais sobre a
você acredita que as imagens que produziu da relação entre essa rua, arte urbana, revolução e
revolução conseguiram reproduzir um olhar di- as pessoas que circulam por ela cotidianamente?
Mostra Competitiva 87
I decided to take this position because I was also part of larly artistic expressions such as the graities in Mohamed
what was going on in the country during those days. It was Mahmoud and other streets in Cairo. This importance is hi-
easier to show the emotions and efects that those events ghlighted by the fact that most of the graities are regularly
had on me if I was in front of the camera. I also wanted to erased from the walls by the state institutions. But the walls
have a diferent perspective. During the uprisings I was wor- are painted again and again as a symbol of resistance. Ob-
king for an Egyptian newspaper and I had ilmed the events viously, in the case of Mohamed Mahmoud, the message is
from behind the camera. Now I wanted to do something clo- not only in the graities, but in the street itself.
ser and more personal. To prepare the movie I irst wrote my
testimony of the events in Mohamed Mahmoud. Then I tried
to ind some people who were in front of the camera. Finally,
I wrote the script and ilmed it.
In Mohamed Mahmoud... Herald of the Revolutionaries, the
images of the revolution are frequently shot from above,
from a safe, distante place, giving us a general vision of the
facts. As a ilm-maker and also as a journalist, do you think
that the images you produce of the revolution succeed in
showing a diferent regard from the situation comparing to
what people are used to see in the major mass media?
The events in Mohamed Mahmoud occurred suddenly, by
surprise. There were not many journalists present, particularly
from the mass media. I was there because I had the feeling
that something was going to happen. And it did. The place
from which I was ilming was very near to the events and for
sure not as safe as you think. I was in a balcony just there,
there was gas and I had no mask to protect me from it. And
also the police was shooting. There is always the dichotomy
between staying in your position and ilming or participating. I
thought I would be more helpful by shooting the events.
From the moment in which you reveal yourself in the movie,
you also reveal as a woman in the midst of the revolution.
How do you analyze women’s participation in Egyptian po-
litics nowadays?
Women played a crucial role during the revolution and nowa-
days they are still in the middle of the political life in the coun-
try. Women and their symbolism in this society are used by the
diferent parties to achieve their political goals, but they also
have a very active and independent participation in politics
and they are sufering the consequences of this activity.
The graities on Mohamed Mahmoud street walls they re-
cord meaningful moments os Egypt’s history. Could you tell
us a bit more about the relation between this street, urban
art, revolution and people who go there every day?
Urban art has played a very important role in the confron-
tation with power during and after the revolution, particu-
Polinter
Dafne Capella, Brasil, 2012, 56’
Na caçamba abafada de um camburão policial, En una cubeta de un furgón policial, se transieren prisio-
neros de una cárcel a otra. Arrestados, en su mayoría, por
prisioneiros são transferidos de uma penitenciá-
pequeños delitos o crímenes contra el patrimonio, ellos se
ria à outra. Detidos, em sua maioria, por peque- encuentran ahora en un limbo burocrático, compartiendo
nos furtos ou crimes contra o patrimônio, eles celdas muy llenas que no existen legalmente. Aunque pare-
zca una novela kakiana, se trata del día a día de Polinter, el
se encontram agora em um limbo burocrático, sistema penitenciario de Río de Janeiro.
compartilhando celas superlotadas que legal- *personas en la cárcel; Derechos Humanos y seguridad pública
mente não existem. Apesar de parecer um ro-
In the stufy truck of a police van, prisoners are transferred
mance Kakiano, trata-se do dia-a-dia da Polin- from a penitentiary to another. Arrested mostly by misdemea-
ter, o sistema prisional do Rio de Janeiro. nor or theft, they are now lost in the oblivion of red tape,
sharing overcrowded cells that do not exist according to the
*pessoas em situação prisional; Direitos Humanos law. Although it resembles a Kaka’s romance, it is only the
e segurança pública routine of Polinter, the correctional system of Rio de Janeiro.
contato: arteabrasiva@gmail.com *imprisoned people; Human Rights and public security
89
Entrevista com Dafne Capella ilmagem e passar por um processo de conven-
(Polinter), por Daniel Nolasco cimento. Primeiro, com o coletivo; e depois, indi-
vidualmente, com os entrevistados. Os policiais,
Como foi que Polinter começou? Como foi sua por sua vez, temiam mostrar o rosto, pois muitos
aproximação com o tema e com o universo que
vivem nas mesmas comunidades em que fazem
o documentário registra?
operações e tem medo de represálias se identii-
Eu trabalhei como fotógrafa na Assembleia Le- cados. A administração, foi desde o princípio, mui-
gislativa do Rio de Janeiro e frequentemente to solícita em explicar os mecanismos do sistema.
acompanhava a Comissão de Direitos Huma-
O ilme procura a todo momento mostrar dois
nos em visitas às carceragens da Polinter. Eram
universos dentro de uma Polinter: os funcioná-
todas superlotadas, havia celas em que cada rios de um lado, os detentos de outro. Manter
preso dispunha de 6 centímetros quadrados e a um equilíbrio entre esses dois mundos foi uma
temperatura passava de 50 graus Celsius. Saía preocupação durante a montagem?
dali e ouvia que “se prende pouco no Brasil”. O Creio que não se trata de dois universos, mas
ilme é parte de uma vontade de discussão so- de duas faces da mesma moeda. De um lado, os
bre o assunto. Não se prende pouco. A questão presos – pobres, em sua maioria negros, deti-
é quem se prende e por quê. dos por delitos leves e crimes contra o patrimô-
Uma das características do ilme é a proximida- nio – são o retrato de um abandono deliberado
de da câmera com as personagens, tanto com do Estado, com seus direitos violados desde
os detentos quanto os funcionários da Polinter. muito antes de entrarem na Polinter. Do outro
Como foi a aproximação com essas pessoas e lado, o policial, mal treinado, mal remunerado
quais diiculdades, neste sentido, você enfren- e que, na maioria das vezes, busca a proissão
tou ao longo das ilmagens?
por falta de opção, pela necessidade de um sa-
A preocupação comum a quase todos os presos lário ixo. Muitos cresceram e moram nas mes-
era ter sua imagem explorada e “escrachada” de mas comunidades que são obrigados a invadir
forma humilhante na televisão. Além disso, um em operações. A polícia brasileira é uma das
espaço com 400 homens coninados em más que mais mata no mundo, mas é também uma
condições, sem qualquer privacidade não é um das que mais morre. A vida de ambos vale muito
ambiente facilitador para que as pessoas iquem pouco ou nada nesse jogo. O que buscamos na
à vontade para contar suas histórias e se expor. montagem foi mostrar equilibradamente os di-
Quase todas as vezes que entrava nas carcera- ferentes ângulos de uma mesma realidade, e os
gens era necessário reairmar as intenções da mecanismos de funcionamento deste universo.
Mostra Competitiva 91
los prisioneros, queda obvia la ineicacia de este sistema, si At all time, the movie tries to show two universes inside Po-
consideramos el objetivo de resocialización. Pero, en rea- linter: on the one side, the employees, and the prisoners,
lidad, parece que la cárcel tiene un otro propósito para el on the other. Was keeping the balance between these two
cual es muy eicaz: servir como depósito de una parte de la worlds a concern during the montage?
sociedad que ya no tiene más utilidad en nuestro sistema I believe that these are not two diferent universes but two si-
económico. La policía entra como fuerza represora, parte de des of the same coin. On the one hand, the prisoners – poor,
esta lógica de exterminio. Y como corporación militar, repro- mostly black, arrested on petty thefts – are the most typical
duce bélicamente lo que hacemos socialmente: construye example of the deliberate neglect by the government, having
la idea de un enemigo a ser combatido, estigmatizado en la their rights infringed even before being admitted to Polinter.
igura del joven pobre y negro. On the other, the law enforcers are poorly trained, earn insu-
icient compensations and, most of the times, resort to this
occupation out of lack of options and the need for a ixed
Interview with Dafne Capella (Polinter), pay. Many grew up in the same communities they have to in-
by Daniel Nolasco vade during ield operations. The Brazilian law enforcers are
one of the world’s biggest killers, but also undergo one the
How Polinter started? How did you approach this subject highest number of casualties. The lives of both of them have
and the universe displayed by the documentary ilm? very little worth in this game, if any. The montage was targe-
When I worked as a photographer in the Legislative Assem- ted at evenly showing the diferent angles to the same reality,
bly of Rio de Janeiro, I used to accompany the Commission along with this universe’s operating mechanisms.
of Human Rights in visits to the prisons of Polinter. All of The Brazilian police and its prison system are severely criti-
them were overcrowded, there were cells with 6 square cized on corruption, poor conditions, ineiciency etc. What
centimeters for each prisoner, and a temperature as high as is your opinion about this?
50 degrees Celsius. I used to leave this correctional facility
When you talk to a boy like Luan, who, at the age of 19, has
and hear: “there are few detentions in Brazil.” The movie is
already been arrested 32 times, or when you simply review
part of the will to discuss this subject. There are not few de-
the statistics and see a recidivism index of 70% among the
tentions. The point is who is arrested and why.
prisoners, you are drawn to conclude that the system is un-
One of the movie’s characteristics is the nearness between deniably ineicient when it comes to reformation. Although,
the camera and the characters, both the prisoners and em- in truth, there is one absolutely convincing purpose: correc-
ployees of Polinter. How did you accost these people and tional facilities are depots where a part of the society ren-
which were the diiculties faced along the shooting? dered useless to our economic system is stored. The police
works as the repressive force on one end, and is part of the
The main concern of almost all prisoners was having their
extermination logic. It is like a military corporation, war-wise
image exploited and “ridiculed,” being showed in a humi-
reproducing what we do on the social side: it igures out the
liating manner in the TV. In addition to this, a space with
enemy to be defeated, stigmatized in the igure of the young
400 men conined in poor conditions, without any privacy,
and black individuals.
is not an environment conducive for people to be at ease
to tell their histories and expose themselves. Almost every
time I entered the correctional facility I had to reassure my
intentions to take the shots and undertake a process of
persuasion, irst collectively and, then, individually with
the interviewees. The law enforcers, in turn, were afraid to
show their faces, as many of them lived in the same com-
munities where ield operations were carried out and were
worried about possible reprisals. The administration has
been helpful since the beginning, and explained how the
system worked.
Este documentário conta a história do primei- Este documental cuenta la historia del primer quilombo ur-
bano reconocido e intitulado de Brasil, que se encuentra en
ro quilombo urbano reconhecido e titulado do una zona privilegiada, cerca del centro de Porto Alegre. La
Brasil, localizado em uma área nobre, próximo resistencia de este pueblo evoca los antepasados que lu-
charon por la libertad y que hoy luchan por sus derechos y
ao centro de Porto Alegre. A resistência desse por las tierras que habitan hace casi cien años.
povo evoca os antepassados que lutaram pela *población negra
liberdade e que hoje lutam pelos seus direitos
e pelas terras que habitam há quase cem anos. This documentary ilm tells the story of an urban quilombo
recognized and titled in Brazil, located in a noble area, near
*população negra downtown the city of Porto Alegre, in the State of Rio Grande
do Sul. The resistance of this people evokes the predeces-
contato: svjr@terra.com.br sors who fought for freedom and now struggle for their rights
and the lands where they have been living for almost one
hundred years.
*black population
93
Entrevista com Sérgio Valentim a sua história, essa música ecoava sempre na
(Quilombo da Família Silva), minha cabeça. Parece até que o Gonzaguinha
por Daniel Nolasco havia feito essa composição para este ilme. Pois
a música trata de uma família qualquer, a famí-
Como foi o processo de produção de Quilombo lia Silva, que como muitas famílias buscam as
da Família Silva? Como aconteceu o primeiro
grandes cidades atrás de melhores condições
contato com a Família Silva?
de vida, expressas pelo autor como sendo uma
O processo de produção deste documentário se
busca pelo pote de ouro, mas acaba como “mais
inicia com a minha participação no movimento
uma família a serviço da graça e do humor, da
quilombola através da Frente Nacional em De-
cultura e do descanso do telespectador”. Ven-
fesa dos Territórios Quilombolas do RS, da qual
do a cidade grande como um moedor de carne
o Quilombo da Família Silva faz parte. O docu-
que destrói com os sonhos dos Silvas. Mas os
mentário tem uma preocupação etnográica de
quilombolas da família Silva conseguiram deixar
mostrar o modo de vida quilombola que ainda
de ser uma família qualquer e tornaram-se um
permanece vivo nos dias de hoje e localizada no
grande exemplo para outros tantos quilombos
centro de Porto Alegre. Este documentário parte
que estão conseguindo garantir seus direitos e
da ideia da Frente Quilombola do RS que via o
ter o reconhecimento da sociedade.
documentário como uma forma de divulgar a luta
desta família e contribuir para o processo de re- Você acha que os conlitos gerados pelo fato
gularização do território que ainda está em curso. do Quilombo da Família Silva estar situado em
uma das regiões mais valorizadas de Porto Ale-
A Família Silva tornou-se uma referência na luta
gre, e as tensões sociais e raciais que essa pro-
quilombola no Brasil, sendo que a partir da sua ximidade provoca, pode ser interpretada como
conquista outros quilombos urbanos consegui- um microcosmo dos conlitos raciais dentro da
ram reconhecimento e titulação de suas áreas. capital gaúcha?
Quilombo da Família Silva começa e termina Sem dúvida pode e deve ser interpretada dessa
com a música “Uma Família Qualquer”, de Luiz forma. O Rio Grande do Sul vive muito esse con-
Gonzaga Jr. Por que a escolha dessa música? lito velado com as pessoas de pele negra, de-
Essa música já me era conhecida desde os tem- vido ao racismo ser ainda uma instituição muito
pos de criança. Meu pai, que era radialista e tinha forte na sociedade gaúcha e no mundo, na ver-
uma grande coleção de discos, gostava muito do dade. Ao contrário do que se difundiu por anos,
Luiz Gonzaga Jr. Quando fui pela primeira vez no os gaúchos são mais africanos que europeus
Quilombo da Família Silva e comecei a conhecer em vários aspectos culturais que apenas estão
Mostra Competitiva 95
Interview with Sérgio Valentim (Quilombo owing to the strong racism still present in their society and in
da Família Silva), by Daniel Nolasco the world. Diferently from what has been disseminated for
years, people in Rio Grande do Sul are more Afro-descen-
How was the production process of Quilombo da Família dant than European in several cultural aspects that are invi-
Silva? How was the irst contact with the Silva Family? sible or under a camoulage, as Porto Alegre, for instance,
has more African religion temples than Salvador. The city of
The production process of this documentary ilm starts with
Porto Alegre currently has ive urban quilombos with owner-
my participation in a maroon movement through the National
ship titles, which are duly accredited by government agen-
Front in Defense of the Quilombola Territories of the State of
cies. The Quilombola Front of Rio Grande do Sul estimates
Rio Grande do Sul, to which the Quilombo of the Silva Family that there are more than 500 quilombos all over the state,
belongs. The documentary ilm has an ethnographic concern given that 180 of them are under accreditation process and
to show the maroons’ way of living, which persists in living still deprived of a land title. The fact is that Quilombo of the
and is located in the heart of the city of Porto Alegre. This do- Silva Family is located in an overrated area, where rich and
cumentary is inspired by the idea of the Quilombola Front of white people live, with their overt displays of racism that, as
Rio Grande do Sul, which saw the ilm as an outlet for making the movie shows, are part of the maroons’ routines. For the
the struggle of this family public and as a way to contribute rich, that area may not be inhabited by poor black people.
to the registration of the territory, still underway. The Silva Fa- This logic exposes a very familiar trait of this social disease
mily became a reference for the maroons’ struggles in Brazil, that is called racism.
given that their achievement led other urban quilombos to
seek accreditation and ownership titles for their lands.
Quilombo da Família Silva stars and ends with the song
“Uma Família Qualquer”, by Luiz Gonzaga Jr. Why did you
choose this song?
I knew this song as a child as my dad, a radio host who had
a great record collection, liked Luiz Gonzaga Jr. very much.
When I went for the irst time to Quilombo of the Silva Family
and learned more about its history, this song kept on verbe-
rating in my mind. It even seems that Gonzaguinha compo-
sed it to the movie, as it describes an ordinary family, the
Silva family, which, like many other families, seek a better
standard of living in the large cities, expressed by the author
as being a pot of gold, but that ends as “one more family on
the mercy and humor, culture and carelessness of viewers.”
He sees the large city as a meat mincer that destroys the
dreams of the Silva family. But the maroons of the Silva fa-
mily managed to evolve from an ordinary family to a great
example to so many other quilombos, which are ensuring
their rights and the recognition from the society.
Do you think that the conlicts generated by the fact that
Quilombo of the Silva Family is located in one of the most
noble regions of Porto Alegre, and the social and racial ten-
sions that this nearness prompts, may be interpreted as a
microcosm for the racial conlicts within this city?
It undoubtedly can and should be seen this way. Rio Grande
do Sul harbors a concealed conlict with those of dark skin,
Requília
Renata Diniz, Brasil, 2013, 16’
Todos os dias, um garotinho de 7 anos pega o Todos los días, un niño de siete años toma el autobús para
la escuela con su niñera. En una mañana, encuentra en la
ônibus para a escola com sua babá. Numa ma- parada del autobús alguien diferente. El cortometraje Requi-
nhã, encontra na parada alguém diferente das lia cuenta la historia de una amistad inesperada entre per-
sonajes de distintas generaciones y clases sociales. En un
outras pessoas. O curta-metragem Requília conta
escenario de transición donde nadie interactúa, nace una
a história de uma amizade inesperada entre per- relación sutil, suave y hermosa. La niñez y la vejez y el re-
sonagens de diferentes gerações e classes so- cuerdo y el tiempo unen la historia.
se olha nem se fala, nasce uma relação sutil, leve Every day a small seven-year old boy catches a bus to school
e bonita. A infância e a velhice e a lembrança e o with his nanny. In one morning, he encounters somebody
diferent in a bus stop. The short ilm Requília tells the story
tempo costuram a história. of an unexpected friendship between characters of dispara-
te generations and social classes. In a place where people
*pessoas em situação de rua; infância
pass by but do not look or talk to the others, a delicate, light
contato: erico@cazailmes.com.br and pretty relationship is born. Childhood and old age are
interwoen with recollection and time to build this story up.
*people living in the streets; childhood
97
Entrevista com Renata Diniz bus acaba se personiicando, e sendo o cenário
(Requília), por Luciano Carneiro onde ninguém se olha, ninguém cria relações e
ainda se distancia do ser humano.
Assistindo a Requília podemos imaginar essa
mesma história se passando em outras gran- Requília é um ilme construído a partir de diver-
des cidades do Brasil, mas Brasília é um caso sos duplos opostos, como a questão geracional
particular por seu sério problema de população do velho e do novo, e também da classe social.
em situação de rua. Você partiu dessa realida- Esses elementos aparecem, por exemplo, nas
de para a construção do ilme? tecnologias que os dois personagens centrais
usam para ouvir música, o mp3 moderno e o
Também. A situação dos moradores de rua nas walkman encontrado no lixo. Como você acredi-
grandes cidades serviu literalmente como cená- ta que o encontro desses opostos se mostra in-
rio do ilme. A parada de ônibus representa isso: teressante para o debate dos Direitos Humanos?
o descuido, o “não olhar”, a situação que está Esse debate traz as diferenças, que muitas vezes
na nossa frente, mas não queremos enxergar. geram conlitos e descuidos. A grande questão
Há no ilme um sentido de nostalgia melancó- é como lidar com a diferença. Eu acho interes-
lica de um passado que não volta, personiica- sante a sintonia que essa diferença criou no il-
do no personagem do mendigo, que fala sobre me, onde dois mundos diferentes se encontram
os “velhos tempos” e sobre as charadas que já
e não produzem guerra, como vemos o tempo
não faz mais a seu ilho. Nesse sentido, como
todo ao nosso redor, e sim, amor.
se deu a construção desse personagem?
A ideia do ilme e do personagem surgiu de uma
Entrevista con Renata Diniz (Requília),
reportagem de jornal. A matéria contava a histó- por Luciano Carneiro
ria de um morador de rua que vivia numa para-
Asistiendo a Requília se puede imaginar esta misma realidad
da de ônibus na avenida conhecida como “Eixi- en otras grandes ciudades de Brasil, pero Brasilia es un caso
nho”. Mas o motivo dele viver assim é diferente particular por su grave problema de personas sin hogar. ¿La
construcción de la película se basó en esta realidad?
do que a maioria, que prefere ir para a rua do
También. La situación de las personas sin hogar en las
que icar em casa recebendo maus tratos, por grandes ciudades sirvió literalmente de escenario. La para-
exemplo, e são mais jovens. Na reportagem, ele da de autobús representa esta situación: el descuido, la “no
mirada”, la situación está ante nuestros ojos, pero no que-
escolheu essa vida por ter perdido entes que- remos verla.
ridos. Para construir o personagem, eu juntei Hay en la película un sentido de nostalgia melancólica por
essa história com a realidade em que vivemos un pasado que no vuelve, personiicado en el personaje del
mendigo, que habla de los “viejos tiempos” y sobre los jue-
hoje, o descuido e a situação dos moradores de gos con su hijo. En este sentido, ¿cómo fue la construcción
rua que são deixados de lado. A parada de ôni- de este personaje?
Mostra Competitiva 99
R Julia Zakia
F Adrian Cooper
E Ide Lacreta
EP Superilmes e Gato do Parque
EL Georgette Fadel, Silma
e Ciça Ferraz, Leuda Bandeira
Rio Cigano
Julia Zakia, Brasil, 2013, 80’
Uma cigana atravessa mundos para salvar sua Una gitana atraviesa mundos para salvar a su gran amiga de
los tiempos de niñez de una condesa sanguinaria.
grande amiga de infância de uma condessa
*mujer; niñez
sanguinária.
*mulher; infância A gypsy crosses worlds to save a great childhood friend
from a bloodthirsty countess.
contato: gatodoparque@gmail.com
*women; childhood
101
Entrevista com Julia Zakia mando os ciganos dos Balcãs, músicos maravi-
(Rio Cigano), por Daniel Nolasco lhosos, ciganos de outro hemisfério, do frio, da
neve, dos dias curtos de inverno.
Um dos fatos que mais chamam atenção em
Rio Cigano é o cuidado com a representação As principais personagens do ilme são mulhe-
dos ciganos. Qual é a sua ligação com esse res. Este fato, uma sociedade centrada em mu-
universo? lheres, é uma escolha narrativa ou é um relexo
da organização dos ciganos?
Há quase 10 anos conhecemos os ciganos da
As mulheres ciganas com as quais convivi são
família Ferraz, no sertão de Alagoas. Moramos
muito fortes, corajosas e responsáveis por qua-
alguns meses entre eles para ilmar Tarabata-
se todas as tarefas do dia-a-dia da comunidade:
ra (2007). Desde então voltamos a cada ano,
catar lenha na caatinga e barris de água nos açu-
perto da época de festas como o São João, a
des, cuidar das crianças, do rancho, da comida, ir
Quaresma, ou batizados e casamentos. A cada
à feira, mediar conlitos, etc. Apesar de toda essa
vez reforçando os laços, aprendendo a obser-
vitalidade, os ciganos vivem num sistema pa-
var e participar da vida cigana desta família de
triarcal bem visível. Nesse sentido não são como
Alagoas. Preparamos o longa-metragem Rio Ci-
no ilme, onde as mulheres estão no centro das
gano durante essa vivência intensa e íntima. Es-
decisões, como protagonistas. Quisemos tratar
crevendo e ensaiando, agregando as histórias
da história de um grupo liderado por uma ma-
narradas por eles às nossas fantasias e vonta-
triarca e cujos vetores de força atravessam ou-
des narrativas. Há pouca bibliograia sobre os
tras personagens femininas, com tanta ou mais
ciganos no Brasil. O que existe foi lido e relido,
inluência sobre a narrativa. A dupla infantil Kaia
anotado, comparado, invertido. Foi proveitoso e e Reka, a quem o destino separa e cuja saga do
importante estudar, mas o tom, a forma como reencontro acompanhamos, são exemplo disso.
pudemos cuidar da representação dos ciganos O ilme está com elas, é sobre elas, sua amizade,
no ilme veio através do contato com eles, em sua fantasia. O ilme fabula sobre as mulheres lo-
especial com as crianças, mulheres e o velho bas, sobre o duplo feminino, sobre o corpo, os
Francisco, patriarca do clã. Sem isso e sem a desejos e medos dessas personagens.
presença maciça deles todos como protagonis-
A magia, o místico e a fantasia são aspectos
tas e coadjuvantes, o ilme correria um enorme
muito fortes no ilme. Como foi realizar Rio Ci-
risco de ser artiicial onde não podia. Além da gano dentro de uma cinematograia em que a
experiência com os ciganos de Alagoas, morei tradição de ilmes com histórias fabulares prati-
um ano na Sérvia e na Bósnia, convivendo e il- camente não existe?
ta fantástico, incorporando o universo cigano e Los principales personajes de la película son mujeres. Este
hecho, una sociedad centrada en mujeres, ¿es una opción
a magia de sua trajetória errante. Para realizar narrativa o es un relejo de la organización de los gitanos?
ilmes com esse tom “dentro de uma cinemato- Las mujeres gitanas con las cuales conviví son muy fuertes,
valientes y responsables de casi todas las tareas del día a
graia em que a tradição de ilmes com histórias día de la comunidad: recoger leña y barriles de agua en las
fabulares praticamente não existe” foi bom olhar presas, cuidar los niños, el rancho, la comida, ir a la feria,
mediar conlictos, etc. A pesar de toda esa vitalidad, los gita-
para lugares onde isso existe, buscar as fontes
nos viven en un sistema patriarcal muy visible. En este sen-
de inspiração onde elas estão disponíveis, frutii- tido, no son como en la película, donde las mujeres están
cando. Assisti desde cedo muito Kusturica e seu en el centro de las decisiones, como protagonistas. Nuestro
objetivo era tratar de la historia de un grupo liderado por
cinema cigano fantástico. As animações japone- una matriarca y cuyos vectores de fuerza se involucran con
sas de Hayao Miyazaki, entre tantos outros. otros personajes femeninos, con mucha o más inluencia so-
bre la narrativa. El dúo infantil Kaia y Reka, a quien el destino
separa y cuya saga del reencuentro acompañamos son un
Entrevista con Julia Zakia (Rio Cigano), ejemplo. La película está con ellas, es sobre ellas, su amis-
tad, su fantasía. La película crea fábulas sobre las mujeres
por Daniel Nolasco lobas, sobre el dúo femenino, sobre el cuerpo, los deseos y
Uno de los hechos que más llaman la atención en Rio Gita- medos de estos personajes.
no es el cuidado con la representación de los gitanos. ¿Cuál La magia, el místico y la fantasía son aspectos muy fuertes
es su relación con este universo? en la película. ¿Cómo fue realizar Rio Cigano dentro de una
Hace casi 10 años conocemos los gitanos de la familia Fe- cinematografía en que la tradición de películas con histo-
rraz, en el sertón de Alagoas. Desde entonces vivimos al- rias fabulares prácticamente no existe?
gunos meses juntos para ilmar Tarabatara (2007). Desde Siempre me encanté por historias de fábula, tramadas con
entonces volvemos todos los años, próximo de las iestas elementos fantásticos y libertad cognitiva. Escuchaba muchas
como São João, Cuaresma, bautizados y matrimonios. Cada en mi niñez, la mayoría en un disco de cantigas e historias
vez más reforzando los lazos, aprendiendo a observar y par- luso-brasileñas cantado/narrado por Antônio Nóbrega y Elba
ticipar en la vida gitana de esta familia de Alagoas. Prepa- Ramalho. Al término del Curso de Audiovisual en USP dirigí un
ramos el largo metraje Rio Cigano durante esta experiencia cortometraje llamado A Estória da Figueira (2005), adaptado
intensa e íntima. Escribiendo y ensayando, incluyendo las de una canción de mismo nombre, escuchada muchas veces.
Sanã
Marcos Pimentel, Brasil, 2013, 18’
105
Entrevista com Marcos Pimentel pouco. Fomos entendendo que de autista ele
(Sanã), por Felipe Fernandes não tinha nada. Sanã se revelou um ser extre-
mamente performático. Nos surpreendia todos
Como começou o projeto do ilme? Como foi o os dias e fomos incorporando ao ilme tudo que
primeiro contato com Sanã e o processo de il-
eles nos presenteava. Então, o ilme icou com
mar no interior do Maranhão?
esta cara dele, é forma como ele experimenta e
No princípio, eu queria fazer um ilme sobre co- acessa aquele lugar, construindo ali seu univer-
munidades que vivem isoladas no meio daque- so particular.
les areais típicos do Maranhão. No entanto, na
A ausência – ou quase ausência – de diálogos
etapa de pesquisa, encontramos o garoto Sanã,
é recorrente em suas obras. Em Sanã, essa au-
que habita uma ilha de pescadores e tem uma sência dá lugar aos ruídos do vento, do fogo e
forma muito particular de se relacionar com o lu- do mar. Por que da ausência de comunicação
gar onde vive. Aí, tudo mudou, decidimos fazer verbal em seus ilmes e como foi pensar a pai-
um ilme de personagem, que acompanhasse sagem sonora de Sanã?
o cotidiano deste menino em suas buscas pela Normalmente, vou aos lugares disposto a não
imensidão da paisagem. entrevistar as pessoas. Opto por passar muito
Apesar dos aspectos contemplativos e obser- tempo observando personagens, lugares e si-
vacionais, Sanã constrói uma relação bastante tuações e por construir histórias que prescindem
subjetiva do menino com o mundo ao seu redor. do uso da palavra. É um processo um pouco na-
Como se deu esse processo de subjetivação tural, que fui experimentando ao longo da vida.
das imagens documentais, sobretudo em uma Como quase não existem palavras nos meus
região que você não habita?
ilmes, a banda sonora é sempre de fundamen-
Sou mineiro e nunca havia pisado no Mara- tal importância. Faço ilmes sem palavras, não
nhão antes de iniciar a pesquisa para este ilme. ilmes mudos. Lembro-me que pedi para que o
Quando encontrei Sanã, me interessei muito Pedrinho Aspahan, responsável pelo som direto,
por sua introspecção. Ele era a única criança captasse todas as formas de vento possíveis de
que brincava sozinha e tinha uma postura meio se encontrar naquela ilha. Depois, pedi ao David
autista que me atraiu desde o primeiro momen- Machado, responsável pela edição de som, que
to. Então, veio o desejo de não fazer um ilme escutássemos o vento de forma diferente em
“sobre ele”, mas fazer um ilme “com ele”. En- cada uma das sequências do ilme, como se ele
tregues às vontades do menino, passávamos também fosse personagem da história. Buscá-
muito tempo esperando e ilmávamos muito vamos construir uma certa musicalidade com os
Sophia
Kennel Rógis, Brasil, 2013, 15’
Na busca por entender melhor o universo de So- La búsqueda de una mejor comprensión del universo de So-
phia, Joana, madre dedicada, pasa por increíbles experien-
phia, Joana, mãe dedicada, passa por belíssimas cias sensoriales. Una historia sencilla de amor con poesía
experiências sensoriais. Uma singela história de visual y sonora.
amor cercada de poesia visual e sonora. *mujer; personas con discapacidad auditiva; niñez
*mulher; pessoas com deiciência auditiva; infância In a search for understanding the universe of Sophia, Joa-
contato: kennelpaulino@gmail.com na, her dedicated mommy, lives astonishing experiences.
A tender story of love surrounded by visual and sound poetry.
*women; people with hearing loss; childhood
109
Entrevista com Kennel Rógis Na vida real a mãe da criança era professora e
(Sophia), por Daniel Nolasco não costureira, a ideia de ambientar o univer-
so de Joana (interpretada pela atriz Joana Mar-
O ilme se encerra com uma cartela informando ques) numa fábrica de costura barulhenta foi
que é baseado em fatos reais. Queria saber um
essencial para o ilme; ainal, o som é um dos
pouco dessa história real e como foi a elabora-
ção do roteiro a partir dessa realidade. principais elementos para narrativa do curta. So-
phia é um ilme sobre descobertas, sobre amor
Estava dirigindo um vídeo institucional para uma
e comunicação, é uma busca de se colocar num
faculdade aqui do sertão paraibano, na ocasião
universo diferente do convencional, onde a be-
uma professora chamada Wolfraniad Pinheiro me
leza do sensorial é muitas vezes esquecida.
contou a história. Fiquei muito emocionado com o
relato dela sobre sua amiga, que passou por um É perceptível o cuidado com o som no ilme e
como o trabalho sonoro dialoga diretamente
processo parecido na busca por entender melhor
com a deiciência auditiva da personagem So-
a ilha pequena (como no ilme). Aquilo me tocou phia. Como foi a construção da paisagem so-
de tal forma que me despertou uma imensa von- nora do ilme?
tade de ilmar. Sophia foi minha primeira icção.
Queria que o espectador estranhasse o som do
A construção do roteiro veio logo após àquele ilme, que os ruídos incomodassem, mas que ao
dia, inalizei uma primeira versão e meses depois inal tudo se justiicasse. Sophia é muito ruido-
fui selecionado para o Laboratório Jabre, projeto so, o som (e a falta dele em certos momentos) é
onde 10 jovens da Paraíba são escolhidos para a alma do ilme, toda construção sensorial está
desenvolver seus roteiros com a colaboração pautada no desenho de som, na seguinte per-
dos cineastas Torquato Joel e Virgínia Gualber- gunta: como o espectador deveria ouvir cada
to, num hotel-fazenda na cidade do Congo, cariri cena? Por exemplo, na sequência em que Joa-
paraibano. O roteiro icou pronto em 2012. na mergulha, o espectador também mergulha,
Uma frase marcante no relato de Wolfraniad Pi- ouve o som subaquático. Outras cenas como a
nheiro (a professora que contou a história que do carro e a cena inal também foram pensadas
inspirou o ilme) foi a pergunta que a menina fez nessa perspectiva, muitas vezes recomendo um
a mãe, dizendo “mãe, o que você sente quan- bom equipamento de som ou o uso de fones de
do escuta o rádio enquanto arruma a casa?”. ouvido para o público do curta, pois as sensa-
A partir daí a mãe da criança começa uma via- ções podem icar bem mais interessantes.
gem para responder à ilha de uma forma ei- Apesar do ilme se chamar Sophia, a personagem
ciente a sensações dos sons. principal é a mãe. De certa forma, o ilme me pa-
Tejo Mar
Bernard Lessa, Brasil, 2013, 20’
João, um estudante português de teatro, está João, un estudiante portugués de teatro, está terminando sus
estudios en Rio de Janeiro. Es su última semana de este lado
terminando sua temporada de estudos no Rio
del océano y él descubre el Rio de Janeiro en el que ha
de Janeiro. É sua última semana deste lado do llegado hace 10 meses.
oceano e ele redescobre o Rio de Janeiro no *negro; inmigración
qual chegou há 10 meses.
João, a Portuguese theater student, is inishing his studies in
*população negra; imigração Rio de Janeiro. It is his last week. This is the last week at this
side of the ocean and he starts to rediscover Rio de Janeiro,
contato: lessabernard@yahoo.com.br where he arrive 10 months ago.
*black people; immigration
115
Entrevista com Bernard Lessa de fazer algo simples, com locações que esta-
(Tejo Mar), por Luciano Carneiro vam à mão, uma equipe bem reduzida e uma te-
mática na qual ele mesmo estava inserido, que
Tejo Mar surgiu a partir de um intercâmbio que apostasse no improviso. Nesse sentido, esse
você fez em Portugal. Qual foi a importância
personagem foi mesmo uma co-criação entre
dessa viagem para o processo de construção
do ilme? eu e ele. Encontrei, conhecendo-o, pontos de
contato entre esse momento dele e o momento
O intercâmbio em Portugal, especiicamente, foi
pelo qual passei nos últimos dias em Portugal.
fundamental para fomentar questões e provo-
Tínhamos muita coisa em comum: a relação vir-
car um distanciamento da minha realidade no
tual com as respectivas namoradas, a sensação
Brasil, permitindo que eu tivesse tempo para
de solidão pela distância das pessoas mais pró-
reletir e uma nova realidade sobre a qual pude
ximas, o impulso dúbio de viver o presente com
debruçar-me. O contato com o dia-a-dia da cul-
tanta bagagem sobre os ombros. Isso tudo foi
tura portuguesa me proporcionou entender um
jogado pra dentro do personagem. Pelo traba-
pouco mais do brasileiro, em sua pluralidade.
lho sem ensaios ou indicações que controlas-
Durante a realização, a presença portuguesa
sem o que teríamos a ser ilmado, assumindo o
foi a atriz Silvana Pinto, namorada na vida real e
acaso como motor do processo criativo, creio
na icção do ator Welket Bungué, que participou
que o personagem principal do Tejo Mar é um
de um Skype iccionado gravado para o ilme.
misto do brasileiro Bernard saindo de Portugal e
Além disso, a presença de Portugal no ator Wel-
do guineense Welket partindo do Brasil.
ket Bungué era latente, uma vez que o último
dia de ilmagem foi a dois dias de sua volta para Tejo Mar trata-se de seu curta-metragem de
Lisboa, e também se faz no personagem, no en- conclusão do curso de Cinema e Audiovisual.
redo e no oceano, que nos distancia e nos une. Como foram as condições de produção do il-
me e como você avalia a produção universitá-
O protagonista do ilme vive em condição es- ria brasileira atual?
trangeira no Brasil. Ele dança, bebe, lerta, mas
As condições de produção foram as mais sim-
nunca deixa de encarar o mar enquanto lem-
brança de um lugar e passado que deixou para ples possíveis, dada a urgência com que o pro-
trás. Como foi a troca de experiências sobre o jeto se apresentou e a rapidez do desenrolar
“estar estrangeiro” com o ator Welket Bungué da pré-produção para que tudo se desse em
no decorrer da realização do ilme? tempo. O ilme foi realizado com equipamentos
O processo criativo com o Welket foi muito intui- próprios, locações possíveis e muita força de
tivo. De cara, na escrita do projeto, iz questão vontade de uma equipe muito pequena e em
Carlos vai até a cozinha e prepara um café. Carlos va a la cocina y prepara un poco de café. El tiempo
que separa lo pasado y lo presente.
O tempo que separa o ontem do agora.
*ancianos
*pessoas idosas
contato: emilfc@gmail.com Carlos goes up to the kitchen and ixes some cofee. The
time severs yestarday and the present time.
*elderly population
119
Entrevista com Emiliano Cunha mos cerca de oito microfones espalhados pelo
(Tomou Café e Esperou), apartamento e queríamos captar os gestos e
por Luana Farias minúcias de intenções na espacialidade mais
natural possível. A parte imagética, com os ato-
Para começar, a escolha narrativa de um plano- res Milton Mattos e Vilma Loner, foi rodada no
sequência destaca o curta, sendo o movimento dia seguinte. Foram sete trabalhosos e cansa-
do plano o condutor do espectador pela histó-
tivos takes, captados com uma câmera DSLR,
ria. Fale-nos um pouco sobre a essa escolha.
que sempre diiculta planos em movimento.
Sou um grande apreciador da economia de pla- Devo muito à paciência e proissionalismo da
nos. Costumo pensar meus roteiros já em cima equipe e elenco para obtermos nosso take de
desta estrutura, desde que ela se relacione trabalho.
com o protagonista e com a fábula em si. Penso
O seu curta aborda a relação entre os idosos
o plano como um elemento de enorme potên-
e a morte; comente um pouco sobre esse tema
cia no cinema e que não deve estar necessa- a partir do modo que optou por construí-lo em
riamente a serviço da montagem. É, no fundo, seu curta.
um desejo pela presença ante a representação Sou ateu e bastante cético no que concerne
direta. Em Tomou Café e Esperou queria traba- à espiritualidade como um todo. Acredito no
lhar em cima do tempo e memória. Era preciso homem, no afeto e naquilo que construímos
dilatar aqueles últimos instantes entre Carlos e através de nossas relações. Assim, penso a me-
sua mulher; um tempo que ultrapassa sua for- mória como algo concreto, quase tangível, pois
ma real, se desdobrando em subjetividades tin- parte de verdades e sentimentos subjetivos e
gidas no apartamento, no corpo de Carlos, na únicos em suas formas. No ilme, era preciso
pele de sua esposa, nas insigniicâncias tão sig- que todas estas formas se tornassem visíveis
niicantes naquela hora. Por tudo isso, a espera através da relação de Carlos com aquele espa-
era fundamental: nossa e de Carlos. Não queria ço, com aquela mulher, com ele próprio. Queria
interferir naquele processo vivido por ele, e o ver as histórias vividas por aquele casal presen-
corte é sempre uma interferência. Rodamos o tes desde o jeito como eles costumavam arru-
curta em um dia e uma noite. Primeiro, o plano- mar o quarto, no jeito como ele olha para ela,
sequência foi apenas sonoro. Rodamos à noite, até no simples gesto de preparar um café - algo
com as atores mais jovens (Ana Maria Mainieri e para que Carlos apresenta certa inexperiência,
Marcos Verza) se deslocando pelo apartamen- possivelmente porque sua esposa o fazia. Os
to e experimentando variações de tons. Tínha- gestos, os silêncios, os ruídos do apartamento.
dades, é o ambiente onde se torna real o ima- Su cortometraje trata de la relación entre los ancianos y la
muerte; cuéntenos sobre este tema desde su construcción
ginário de um indivíduo e/ou grupo. É onde en su cortometraje.
este devir se materializa e passamos a ter con- Yo soy ateo y muy incrédulo cuando se trata de espirituali-
dad. Creo en el hombre, en el afecto y en lo que construi-
tato direto com o outro. E esse contato pode mos a través de nuestras relaciones. De esta manera, creo
ser desconfortável, fascinante, ou até insupor- que la memoria es algo concreto, casi tangible, pues surge
de verdades y sentimientos subjetivos y únicos en sus for-
tável, mas sempre provocador e fundamental mas. En la película, era necesario que todas estas formas
para a vida em sociedade. se hiciesen visibles a través de la relación de Carlos con
Um cineasta e um líder indígena viajam juntos Un cineasta y un líder indígena viajan juntos por los bosques
del sureste boliviano, con la intención de hacer una película
pelas lorestas do sudoeste boliviano, com a sobre la cultura guaraní. El punto de partida es un ilm de
intenção de fazer um ilme sobre a cultura gua- 1911 del explorador Erland Nordenskiöld. Pero el presente
muestra una realidad mucho más intensa que la nostalgia
rani. O ponto de partida é um ilme de 1911 do de un mundo perdido para siempre.
explorador Erland Nordenskiöld. Mas o presen- *población indigena
te mostra uma realidade muito mais intense que
a nostalgia de um mundo perdido para sempre. A Bolivian ilmmaker and a Guarani Indian travel together
through the forests of South Eastern Bolivia with the inten-
*população indígena tion of making a ilm about the Guarani People. The starting
point is a 1911 ilm by Swedish explorer Erland Nordenskiöld.
contato: mcordero@yaneramai.net But the today’s reality turns out to be much more intense
than the nostalgia of a world lost forever.
*indian population
125
Entrevista com Juan Carlos Valdívia uma porta para o mundo indígena. Eu não preci-
(Yvy Maraey, Tierra Sin Mal), sava deixar de ser eu mesmo. Quando criança,
por Luana Farias queria ser índio, e com Yvy Maraey eu realizo
esse sonho e me batizo de Perro Negro. Mas,
Gostaria que comentasse sobre sua atuação no inal, uma indiazinha fecha a porta na minha
no ilme e a construção do personagem.
cara e diz: “E como você pode saber como eu
Posso dizer que Yvy Maraey é um ilme holístico vejo as coisas?”
porque busca uma compreensão da cultura a
Gostaria que comentasse sobre a participação
partir da totalidade do ser, desde a vivência até a
de Elio Ortiz no processo de criação do ilme.
sua espiritualidade. Por isso, era importante que
eu não fosse um personagem, para evidenciar a Elio faleceu no dia 31 de julho devido a uma
qualidade performática do ilme. Sou eu mesmo pneumonia atípica. Foi uma grande perda para
no ilme, não estou representando. O ilme é a mim, para a Bolívia e para o mundo indígena.
encenação de uma viagem real que Elio Ortíz e Elio deixou uma importante produção intelec-
eu izemos. Cada um criou o seu personagem tual, tendo escrito diversos textos sobre sua
e, durante o processo, esses personagens se cultura e respondendo pela coautoria de uma
complementaram. Yvy Maraey explora a iden- obra monumental, “El Diccionario Etimológico
tidade e a importância do outro na imagem de de la Lengua Guaraní”. Foi comunicador, traba-
quem somos. Entretanto, passamos por uma lhou na rádio, tocava violino muito bem, além
fase de preparação para fazer a viagem. Traba- de cantar. Era um artista completo. Foi ele quem
lhamos com o artista de teatro boliviano, Diego me abriu as portas para este mundo maravilho-
Aramburo. Aprendemos a diferença entre atua- so que é o universo dos guaranis. Viajamos
ção e performance. Meu personagem carrega muito e acumulamos boas experiências. Rapi-
todo o simbolismo do homem branco ocidental damente, percebemos que não poderíamos
e, ao mesmo tempo, constitui uma airmação da fazer uma compilação de pesquisas sobre o
minha identidade de homem branco na Bolívia, tema, o ilme tinha que ser contemporâneo e
país em que se valoriza a interculturalidade, nós precisávamos contar ao mundo o nosso
mas não a miscigenação. Embora sejamos to- testemunho. Lamentavelmente, ele veio a fale-
dos mestiços culturais, a identidade reside no cer. No ilme, ele me salva da morte; na vida
que você se identiica. Elio me ensinou que, se- real, não pude fazer a mesma coisa. Mas Elio
cretamente, os indígenas valorizam e respeitam nos deixou um legado. Ele sabia que o ilme era
o homem branco. Quando descobri isso, achei para os jovens, para os que estão começando
130
Apresentação
Em 2014, cinquenta anos passados após o golpe de 1964, a 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos
no Hemisfério Sul não pode deixar de reletir sobre esse tema. Reunidos em quatro sessões, os cinco
ilmes que serão exibidos dentro da Mostra Memória e Verdade abordam de diferentes maneiras, sob
distintas molduras genéricas, fatos e narrativas relacionadas com esses acontecimentos políticos que
marcaram a segunda metade do século XX em nosso país.
Os ilmes, realizados em contextos diversos, trabalham a memória, nunca estanque e inerte, do que sig-
niicou aquele evento crucial, algo especialmente importante nos dias presentes. Ainal, quando uma
Comissão da Verdade constituída pelo Governo Federal está em atuação e quando grandes veículos
de comunicação são confrontados com suas próprias posturas e opiniões em épocas anteriores, o
passado, mais do que nunca, vira motivo de conlito sobre seus sentidos. A própria designação daquilo
que precipitou a ditadura que esteve no poder no Brasil durante duas décadas é, em si, uma arena
de confrontos. Como nomeá-lo? Golpe de Estado, revolução, contrarrevolução, golpe militar, golpe
civil-militar, golpe militar-empresarial, golpe civil-militar-midiático, ou o quê? Essas disputas para no-
mear e remodelar esse período de nossa História, porém, não podem jamais negar o fato dele ter sido
inegavelmente marcado não apenas por graves e severas restrições e abusos contra as liberdades
individuais e coletivas, como por vergonhosos atentados à dignidade humana. O cinema brasileiro re-
presenta importante testemunha dessa história, tendo ao longo dos anos revisto, criticado e intervisto
na interpretação do golpe de 1964 e suas consequências.
Através das sessões de ilmes e dos artigos reunidos nesse catálogo, a 9ª Mostra Cinema e Direitos
Humanos no Hemisfério Sul pretende evidenciar como o cinema foi, é e certamente continuará sendo
uma peça fundamental na construção e reconstrução da História de nosso país.
131
Presentación Presents
En 2014, cincuenta años después del golpe de estado de In 2014, ifty years after the coup d’état of 1964, the 9th Exhi-
1964, la 9ª Muestra Cine y Derechos Humanos en el He- bition Cinema and Human Rights in the Southern Hemisphe-
misferio Sur no deja de relexionar acerca de este tema. En re cannot retreat from relecting about this issue. Grouped
cuatro sesiones, las cinco películas que se exhibirán en la in four sessions, the ive movies that will be screened in the
muestra “Memoria y verdad” tratan de maneras distintas, exhibition “Memory and the truth” provide sweeping but dis-
bajo distintos marcos genéricos, los hechos y narrativas re- similar depictions of the facts, along with accounts about the
lacionados con estos acontecimientos políticos que marca- coup’s political events which marked the second half of the
ron la segunda mitad del siglo XX en nuestro país. 20th century in Brazil.
Producidas en varios contextos, las películas tratan de la me- Made in diferent contexts, the movies delve into the me-
moria, nunca ija e inerte, de los signiicados de este evento mory, never ixed and inert, of the meanings grasped from
crucial, algo especialmente importante en los días actua- that imperative event, something especially pertinent in the
les. Al in de cuentas, cuando una Comisión de la Verdad current days. After all, considering that there is a National
creada por el Gobierno Federal está en operación y cuando Truth Commission set up by the Federal Government in ope-
grandes medios de comunicación enfrentan a sus propias ration and given that four large media outlets have been put
posturas y opiniones en otras épocas, el pasado, más que on the spot for their postures and opinions in preceding si-
nunca, se convierte en fuente de conlicto sobre sus senti- tuations, the past, more than ever, is ventilated in a debate
dos. La propia designación de lo que precipitó la dictadura about its meanings. In point of fact, even the designation of
que estaba en el poder en Brasil por dos décadas es un the fact that hastened the military regime, which seized the
área de conlictos. ¿Cómo se puede designarlo? ¿Golpe de power in Brazil for two decades, is controversial. How can it
Estado, revolución, contrarrevolución, golpe militar, golpe be designated? Coup d’état, revolution, counter-revolution,
civil y militar, golpe militar y empresarial, golpe civil, militar y military coup, civil/military coup, military/business coup, me-
de los medios de comunicación? Estos desacuerdos sobre dia civil/military coup, or what? Withal, these discords about
cómo nombrar y rehacer este período de nuestra historia, how to name or to reshape this time of our History can never
sin embargo, nunca pueden olvidar el hecho de que han obliterate the fact that it has been undeniably distinguished
sido marcados no sólo por graves y severas restricciones y not only by severe and harsh restrictions and menaces to in-
abusos contra las libertades individuales y colectivas, como dividual and collective freedom, but also by shameful threats
también por vergonzosa amenazas a la dignidad humana. against human dignity. The Brazilian cinema is a privileged
El cine brasileño es un importante testigo de esta historia y, witness of this history, and has widely reviewed, criticized
a lo largo de los años, ha analizado, criticado e intervenido and meddled in the interpretation of the coup d’état of 1964
en la interpretación del golpe de 1964 y sus consecuencias. and its consequences.
A través de las sesiones de cine y los artículos contenidos With the movies screening sessions and the essays included
en este catálogo, la 9ª Muestra Cine y Derechos Humanos in this catalog, the 9th Exhibition Cinema and Human Rights
en el Hemisferio Sur tiene como objetivo mostrar cómo el in the Southern Hemisphere aims to evince that the cinema
cine fue y seguirá siendo una parte esencial en la construc- was and will certainly remain a keystone in the construction
ción y reconstrucción de la historia de Brasil. and reconstruction of the History of Brazil.
Rafael de Luna Freire_ Curador de la Muestra Rafael de Luna Freire_ Curator of the Exhibition
Memoria y Verdad Memory and the truth
Miguel, Paulo, Osvaldo e Elói, companheiros de Miguel, Paulo, Osvaldo y Elói, compañeros de lucha política,
encarcelamiento y tortura durante la dictadura, se encuen-
luta política, cárcere e tortura durante o regime tran después de 25 años para pescar. Miguel en esta oca-
militar, se encontram 25 anos depois para uma sión les dice a sus amigos que el hombre que les torturó en
la cárcel está vivo y les muestra una fotografía. Las reaccio-
pescaria. Miguel então revela aos amigos que
nes adversas y memorias se mezclan a revelaciones sobre
acredita que o homem que os torturou na prisão el pasado y un nuevo plan para el presente.
está vivo, e mostra uma foto. Reações adversas *memoria y verdade, dictadura; democracia y Derechos Hu-
e memórias se mesclam a revelações sobre o manos
passado e um novo plano para o presente. Miguel, Paulo, Osvaldo and Elói, fellows in political struggles,
imprisonment and torture during the military regime, meet
*memória e verdade; combate à tortura; 25 years ahead in time for ishing. On this occasion, Miguel
democracia e Direitos Humanos tells his friends that he believes that the man who tortured
them in prison is alive, and shows them a picture. Side ef-
fects and memories are mixed with revelations about the
past and a new plan for the present.
*memory and truth, dictatorship, democracy and Human Rights
133
O Golpe de 1964 e o Cinema quim Pedro de Andrade, Marcos Farias, Miguel
Brasileiro: Algumas Anotações, Borges e Leon Hirszman, 1962), o longa Cabra
por Rafael de Luna Freire Marcado para Morrer (1985), dirigido por Eduar-
do Coutinho, teve que ser interrompido às pres-
Atualmente pode ser contabilizada uma vasta sas com as prisões e o incêndio e fechamento
ilmograia que aborda, de diferentes formas, o da sede da UNE no Rio de Janeiro.
golpe de 1964 e a ditadura no Brasil. Somente Mas logo após o choque inicial com a ascensão
em relação aos documentários de longa e cur- da junta militar ao poder, a produção foi reto-
ta-metragem, podem ser enumerados mais de mada. O Desaio (Paulo Cezar Saraceni, 1965)
cem ilmes.1 Levando em consideração também tinha a intenção de fazer um balanço imediato
os ilmes de icção e as produções televisivas, daquele balde de água fria nas aspirações dos
esse número certamente multiplica. intelectuais de esquerda, enquanto curtas do-
Sem ter a pretensão de traçar um panorama cumentários como Universidade Em Crise (Re-
exaustivo e detalhado, este texto traz algumas nato Tapajós, 1965), Maioria Absoluta (Leon Hir-
impressões sobre o que seriam possíveis verten- szman, 1966) e Liberdade de Imprensa (João
Batista de Andrade, 1967) retomavam a agenda
tes e traços gerais dessa produção. Uma primei-
de temas sociais e políticos como a persegui-
ra questão é apontar que ilmes de diferentes
ção às agremiações de estudantes, a alienação
espectros ideológicos relacionados diretamente
da classe média frente ao alarmante analfabe-
com os acontecimentos que levariam ao gol-
tismo do país, e os interesses particulares e es-
pe já vinham sendo realizados antes de 1964.
trangeiros imiscuídos nos grandes veículos de
Exemplos óbvios são aqueles produzidos pelo
comunicação brasileiros. Tanto na icção quan-
Ipês (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e
to no documentário, são ilmes de urgência, fei-
os realizados pelos Centros Populares de Cul-
tos nas ruas, dando voz através de entrevistas
tura da União Nacional dos Estudantes (CPC da
em som direto a famosos e anônimos, ou mistu-
UNE), por exemplo. Aliás, o que seria o segundo
rando relexivamente realidade e encenação
longa-metragem do CPC após o ilme em episó-
como no caso da ida do personagem interpre-
dios Cinco Vezes Favela (Carlos Diegues, Joa-
tado por Oduvaldo Viana Filho ao espetáculo
1
Conferir a ilmograia levantada pelo Grupo de Pesquisa do CNPq “Opinião” em O Desaio.
“Cinema e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação”,
coordenado pelos professores Eduardo Morettin e Marco Napoli- Não tão agilmente quanto O Desaio, outros
tano, disponível em: http://historiaeaudiovisual.weebly.com/docu-
mentaacuterios-sobre-o-regime-militar-brasileiro.html longas-metragens vão fazer a relexão do golpe
2
Requiem for a massacre. Tempo, Indonesia, Oct. 1 through 7, S2012. p. 7. Avai-
lable at: http://theactokilling.com/wp-content/uploads/2012/09/TEMPO-UK
-Edition-HiRes.pdf
147
R Jorge Furtado, José Pedro
Goulart, Ana Luiza Azevedo,
Giba Assis Brasil
F Christian Lessage Música -
Augusto Licks
E Giba Assis Brasil
EL João Acaiabe, Pedro Santos, Zé
Adão Barbosa, Sirmar Antunes,
Luiz Emílio Straussburguer
Dorival chega em seu limite e resolve enfrentar Dorival está en su límite y decide enfrentar a todos para con-
seguir lo que quiere. Es un hombre en la lucha contra un
tudo e todos para conseguir o que quer, trata-se sistema sin lógica ni humanidad.
de um homem na luta desigual contra um siste- *espanhol memoria y verdade, personas en la cárcel; demo-
ma sem lógica nem humanidade. cracia y Derechos Humanos
*memória e verdade; pessoa em situação prisional; Dorival is on the edge and decides to confront everything
democracia e Direitos Humanos and everyone to get what he wants. He is a man facing the
unfair struggle against a system deprived of either logic or
sense of humanity.
*memory and truth, dictatorship, imprisoned people, demo-
cracy and Human Rights
R Sandra Moreyra
F Vinicius Brum
E Joana Collier
Setenta
Emilia Silveira, Brasil, 2013, 96’, Documentário
1970: Em plena ditadura militar, o embaixador 1970: En la dictadura militar, el embajador suizo en Brasil es
secuestrado. Tras cuarenta días de negociaciones, se cam-
suíço no Brasil é sequestrado. Depois de qua- bia el embajador Giovanni Bucher por setenta prisioneros
renta dias de negociações, o embaixador Gio- políticos que son desterrados para Chile. Hay un reencuen-
tro de estos personajes cuarenta años después. ¿Cómo vi-
vanni Bucher é trocado por setenta presos polí- ven? ¿Quiénes son? Cómo superaron la tortura, la cárcel, el
ticos que são banidos para o Chile. Setenta exilio y cómo reconstruyeron sus vidas.
reencontra esses personagens quarenta anos *memoria y verdade, dictadura; democracia y derechos hu-
manos
depois. Como vivem? Quem, são eles? Como
superaram a tortura, a prisão, o exílio e como 1970: In the midst of the military government, the Swiss ambas-
reconstruíram suas vidas. sador in Brazil is kidnapped. After forty days of dealings, the
ambassador Giovanni Bucher is exchanged for seventy politi-
*memória e verdade; combate à tortura; cal prisoners, who are banned for Chile. Setenta inds these
democracia e Direitos Humanos characters forty years after the said episode. How are they
doing? Who are them? How did they overcome torture, prison,
exile and how did they start their lives back from scratch?
*memory and truth, dictatorship, democracy and human rights
149
O regime militar no trânsito dos militantes políticos vinha somado ao terrí-
entre a memória e o esquecimento, vel sofrimento da dúvida. Uma vez sequestrada
por Reinaldo Cardenuto pelas forças policiais, a pessoa imediatamente
tornava-se uma ausência, uma memória soter-
À certa altura do romance “K.” (2011), escrito rada. Face à recusa do governo militar em ofe-
pelo jornalista e cientista político Bernardo Ku- recer quaisquer informações sobre o paradeiro
cinski, o protagonista do livro, um pai à procura de suas vítimas, deixando inclusive de assumir
da ilha desaparecida durante o regime militar, a responsabilidade pelos sumiços, restava aos
chega à dolorosa conclusão que a ditadura foi seus familiares lidar com a agonia da incerteza.
um “sumidouro de pessoas”. Imigrante judeu Muitas vezes sem respostas, as perguntas pro-
vindo da Polônia pré-Segunda Guerra, homem longam-se por anos e décadas: será que meu
que se dedica sobretudo à carreira como escri- ilho ou meu companheiro foi realmente captu-
tor na língua iídiche, o personagem compara a rado pelos órgãos de repressão? Terá sido tortu-
situação do nazismo com aquela vivida por ele rado? Fugiu para fora do país ou foi assassinado
no Brasil dos anos 1970. Por mais terrível que nos porões da ditadura? Se está morto, onde,
tenha sido a experiência do Holocausto, o ter- ainal, encontra-se enterrado o seu corpo?
ror do genocídio em massa, K. recorda que os
nazistas, além de tatuarem os braços de suas O martírio aqui descrito, o de uma tortura que
vítimas com um número, também registravam se inicia na vítima e se prolonga psicologica-
aqueles que eram exterminados nos campos mente na vida de seus familiares, é a condição
de concentração. Embora essa cruel obsessão enfrentada pelo protagonista do romance pu-
catalográica não apaziguasse a angústia do blicado por Kucinski. Utilizando como matéria
massacre, não diminuísse o luto pelos amigos de criação um caso verídico e autobiográico,
e parentes assassinados, em sua opinião ela ao o sequestro de sua própria irmã pelo regime
menos servia para identiicar o destino inal da- de exceção, o autor elabora uma narrativa em
queles que tombaram diante do horror estabele- torno da angústia que aligiu aqueles que tive-
cido em nome da supremacia racial de um povo. ram os seus parentes assassinados pela dita-
Já no caso da ditadura brasileira, a despeito da dura. Transitando entre o testemunho pessoal
dimensão da violência ter sido bem menor do e a invenção iccional, na tênue fronteira entre
que aquela enfrentada pelos judeus, o protago- a memória histórica e subjetiva, o livro começa
nista percebe a existência de uma perversidade quando Ana Rosa Kucinski Silva, professora do
outra. No regime autoritário, o desaparecimento departamento de Química da USP e militante da
diários, que inclui uma reconstituição iccional *memoria y verdade, democracia y Derechos Humanos e se-
guridad pública
do evento político que levou à sua morte. A viú-
va de João Pedro, Elizabeth, e outros campone- In 1964, the Popular Center of Culture of the Brazilian Stu-
dent’s Union (CPC/UNE) start to produce a movie about the
ses participam das ilmagens. Mas os trabalhos life of João Pedro Teixeira, the leader of the Peasant Lea-
são interrompidos por conta do golpe militar. 17 gue of the city of Sapé, in the State of (Paraíba), murdered
by plantation owners. His movie also undertakes a ictional
anos depois, Coutinho retoma o projeto e vai reconstitution of the political event which leads to his death.
atrás dos personagens, encontrando Elizabeth The widow of João Pedro, Elizabeth, and other peasant
farmers participate in the footage. However, the works are
na clandestinidade e sem contato com muitos interrupted by the coup d’état. Seventeen years later, Couti-
nho resumes the project and goes after the character, inding
de seus ilhos. Elizabeth in seclusion and estranged from many of her sons.
*memória e verdade; Direitos Humanos e *memory and truth, Human Rights and public security
segurança pública; democracia e Direitos Humanos
161
R Ana Paula Brasil
F Brian Walshe, Claisson Vidal
Linhares, Fernando Carvalho,
José Carlos Asbeg, Jorge
Mansur, Paulo Jacinto dos Reis,
Ricardo Lobo
E Pedro Asbeg
Cidadão Boilesen
Chaim Litewski, Brasil, 2009, 92’, Documentário
Através de diversos depoimentos, o documentá- En diversos relatos, el documental releva las relaciones de
Henning Albert Boilesen (1916-1971), presidente del grupo
rio revela as ligações de Henning Albert Boilesen Ultra, de Ultragaz, con la dictadura militar. Su apoyo inan-
(1916-1971), presidente do grupo Ultra, da Ultra- ciero, así como de muchos otros, al movimiento de repre-
sión violenta y también su participación en la creación del
gaz, com a ditadura militar. Seu apoio inanceiro, terrible Oban – Operación Bandeirante, un tipo de piedra
assim como de muitos outros empresários, ao fundamental del Doi-Codi.
movimento de repressão violenta e também a *memoria y verdade, dictadura; democracia y Derechos Hu-
sua participação na criação da temível Oban – manos
Operação Bandeirante, espécie de pedra funda- By means of several accounts, the documentary ilm unveils
mental do Doi-Codi. the liaisons of Henning Albert Boilesen (1916-1971), CEO of
group Ultra, of Ultragaz, with the military government, inclu-
*memória e verdade; combate à tortura; ding his inancial support to violent repression (along with
democracia e Direitos Humanos many other businessmen) and his participation in the esta-
blishment of the atrocious Oban — Operation Bandeirante, a
sort of pillar of DOI / CODI (Department of Information Ope-
rations / Center for Internal Defense Operations).
*memory and truth, dictatorship, democracy and Human Rights
163
Imagens da Ditadura: o que documentais para, a partir delas, narrar histó-
Desejam?, por Patrícia Machado rias possíveis do país. O que resta nos arquivos,
Eduardo destaca, “são apenas tênues vestígios
No im dos anos 60 e início dos anos 70 – pe-
do passado, cuja sobrevivência, muitas vezes
ríodo de endurecimento da repressão política no
quase miraculosa, não temos como explicar” 1.
Brasil – cineastas e cinegraistas independentes
usaram câmeras portáteis para registrar as as- Essas imagens soltas, que ora aparecem e ora
sembleias e a movimentação dos estudantes nas desaparecem, têm em comum a trajetória er-
universidades, as manifestações em que multi- rante que seguiram. Como imagens-espectrais,
dões tomavam as ruas pedindo o im da repres- mesmo desaparecidas ou esquecidas, elas con-
são, os personagens anônimos que davam corpo tinuaram a assombrar aqueles que um dia sou-
ao movimento das massas em protestos nas ci- beram da sua existência. É o caso do cineasta
dades brasileiras, os discursos inlamados de mi- Eduardo Coutinho, que em 1962 ilmou um pro-
litantes políticos que faziam de escadas e monu- testo de camponeses na Paraíba contra a mor-
mentos seus palanques urbanos improvisados, te de um líder e fundador da Liga Camponesa
os confrontos de manifestantes com a polícia, os local. O povo reunido no comício, a impotência
testemunhos de tortura de ex-presos políticos diante da morte, do irreversível, o baque nos
exilados em países da América Latina e Europa. camponeses que perderam seu líder davam pis-
tas sobre o período de terror que se aproximava.
Grande parte desses registros icou escondida, O cineasta dizia que as películas que estavam
perdida ou ainda se deteriora nos acervos pú- apodrecendo lhe convocavam a dar a volta por
blicos e privados. Em artigo publicado em 2003 cima no fantasma da ditadura2. O material bru-
na revista CPDOC 30 anos, o cineasta Eduardo to icou 20 anos escondido na Cinemateca do
Escorel chama atenção para imagens históricas, Museu de Arte Moderna do Rio antes de ser re-
produzidas no Brasil nos anos 60, cujo paradeiro tomado em Cabra Marcado para Morrer (1984)
permanecia desconhecido. Entre elas, o registro
que realizou no dia do enterro do estudante Ed- Diante dessas imagens de arquivo produzidas
son Luís, em março de 1968. No artigo, Escorel em lugares e por pessoas diferentes, que tiveram
faz uma crítica à falta de uma política de preser- que ser escondidas por conta da censura, que
vação dos arquivos no Brasil, ao sintoma de pre- 1
ESCOREL, Eduardo. Vestígios do passado. CPDOC 30 anos / Tex-
cariedade à qual a memória audiovisual brasilei- tos de Célia Camargo... [et al]. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getu-
lio Vargas/CPDOC, 2003, pg.46
ra está submetida e às diiculdades enfrentadas 2
COUTINHO, Eduardo. O real sem aspas. In: Eduardo Coutinho, Feli-
por aqueles que desejam recorrer às imagens pe Bragança (org.). Rio de Janeiro, Beco do Azougue, 2008, pg.25
4
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universi-
2
COUTINHO, Eduardo. O real sem aspas. In: Eduardo Coutinho, Felipe Bragança tária, 2010, pg.29
(org.). Rio de Janeiro, Beco do Azougue, 2008, pg.25 5
Artículo del periódico Folha de São Paulo. < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
3
MITCHELL, W.J.T. What do pictures want?. Chicago, The University of Chicago poder/58032-lista-oicial-de-mortos-pela-ditadura-pode-ser-ampliada.shtml>
Press, 2005. Acceso en junio, 2014.
1
COUTINHO, Eduardo. O real sem aspas. In: Eduardo Coutinho, Felipe Bragan- 2
MITCHELL, W.J.T. What do pictures want?. Chicago, The University of Chicago
ça (org.). Rio de Janeiro, Beco do Azougue, 2008, pg.25 Press, 2005.
3
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Univer-
sitária, 2010, pg.29
4
News Report of Newspaper Folha de São Paulo. < http://www1.folha.uol.com.
br/fsp/poder/58032-lista-oicial-de-mortos-pela-ditadura-pode-ser-ampliada.
shtml> Accessed in June, 2014.
170
Apresentação
Homenageada da 9ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul, a carioca Lúcia Murat
é uma das poucas cineastas brasileiras que estiveram profundamente envolvidas com os movimentos
políticos de resistência ao golpe. Presa em 1971, levou suas experiências com a tortura e o encarcera-
mento para as telas na carreira que viria a desenvolver após o im da ditadura.
Após essa premiada estreia, Lúcia seguiu produzindo e dirigindo ininterruptamente – atravessando, in-
clusive, a crise do governo Collor –, chegando a 2014 com um ilmograia notável. Mesmo marcada pela
diversidade de estilos e gêneros, transitando da icção ao documentário – e por complexos hibridismos
–, sua produção se destaca por alguns temas recorrentes. Na icção, suas personagens têm suas traje-
tórias deinitivamente marcadas por suas opções políticas, nunca gratuitas ou inconsequentes. Perso-
nagens femininos constituem-se em presenças fundamentais nos ilmes dessa diretora, que discutem
o papel das mulheres na sociedade como protagonistas, e não coadjuvantes. Nessa obra engajada
e humanista, o Brasil é uma marca constante na carreira de Lúcia Murat. Visto pela ótica estrangeira,
dissecado em sua História remota ou contemporânea, nosso país vem ganhando um retrato complexo,
amoroso e doloroso nos ilmes de uma cineasta que é mais do que merecedora desta homenagem.
Através da seleção de quatro longas-metragens realizados por Lúcia Murat ao longo das últimas quatro
décadas – além de seu já citado ilme de estreia, Doces Poderes (1996), Brava Gente Brasileira (2000)
e a Uma Longa Viagem (2011) –, além de homenagear a diretora, a 9ª Mostra de Cinema e Direitos
Humanos no Hemisfério Sul oferece ao público a oportunidade de conhecer ou rever parte da trajetória
de uma das mais interessantes cineastas em atividade no país.
171
Presentación Presents
Homenajeada de la 9ª Muestra Cine y Derechos Humanos Honored during the 9th Movie Screening and Human Rights
en el Hemisferio Sur, Lúcia Murat, nacida en Rio de Janeiro, in the Southern Hemisphere, Lúcia Murat, a director born in
es una de las pocas cineastas brasileñas que participaron Rio de Janeiro, is one of the few Brazilian ilmmakers who
activamente en los movimientos políticos contra el golpe were deeply engaged in the political movements against the
militar. Detenida en 1971, utilizó sus experiencias con la tor- military coup d’état. Arrested in 1971, she drew on her tortu-
tura y el encarcelamiento en el cine en la carrera que se re and imprisonment experiences to inspirit the movies she
desarrollaría después del in de la dictadura. directed in her post-dictatorship career.
Después de dirigir cortometrajes, documentales y progra- After directing short ilms, documentary ilms and television
mas de televisión, Lúcia debutó en el cine con Que Bom te shows, Murat debuted in the cinema with Que Bom te Ver
Ver Viva (1989), estableciendo una de las trayectorias más Viva (1989), setting about one of the most cemented trajec-
sólidas de una directora cinematográica en Brasil. No por tories of a ilmmaker in Brazil. Not by chance her debut with
casualidad, su debut en el largometraje coincidió con las a feature ilm coincided with the irst direct elections for pre-
primeras elecciones directas para presidente en Brasil en sidency in Brazil in more than three decades.
más de tres décadas. After her acclaimed premiere, Murat continued to produce
Después de su aclamada estrena, Lúcia continuó produ- and direct on an ongoing fashion — even breaking through
ciendo y dirigiendo continuamente – pasando, incluso, por the crisis ushered in by the Collor’s government —, achieving
la crisis del gobierno Collor –, llegando a 2014 con una no- a robust ilmography in 2014. Even marked by the diversity
table ilmografía. Incluso con la marca de la diversidad de of styles and genres, ranging from ictional to documentary
estilos y géneros, que va desde la icción a documentales ilms — and intricate hybridisms —, recurring subjects can be
– y por complejos hibridismos –, su producción tiene algu- singled out in her oeuvre. In the iction, her characters have
nos temas recurrentes. En la icción, sus personajes tienen their trajectories bound by political choices, never unaware
sus trayectorias muy marcadas por sus opciones políticas, or inconsiderate. Furthermore, female characters are funda-
nunca gratuitas o inconsecuentes. Los personajes feme- mental pieces in the director’s movies, discussing the role
ninos son presencias fundamentales en las películas de of women in society as protagonists, and not as supporting
la directora, ya que discuten el papel de las mujeres en la actors. In Murat’s engaged and humanist work, Brazil is an
sociedad como protagonistas, y que no coadyuvantes. En unremitting concern. Either seen from the foreigner’s stance
este trabajo comprometido y humanista, Brasil en una mar- or having its remote or contemporary history dissected, our
ca constante en la carrera de Lúcia Murat. Visto desde el country is richly, amorously and painfully portrayed in the
punto de vista extranjero, analizado en su historia remota movies of this more than laudable ilmmaker.
o contemporánea, nuestro país gana un retrato complejo, By means of the four feature ilms chosen from the Murat’s
amoroso y doloroso en las películas de una cineasta que es oeuvre over the last four decades — in addition to her de-
muy merecedora de este homenaje. but, Doces Poderes (1996), Brava Gente Brasileira (2000)
and Uma Longa Viagem (2011) —, besides acknowledging
A través de la selección de cuatro largometrajes realizados
the director’s work, the 9th Exhibition Cinema and Human
por Lucia Murat en las últimas cuatro décadas – más allá de
Rights in the Southern Hemisphere bestows the public with
su debut en el cine antes mencionado, Doces Poderes (1996),
the chance to know and remember part of the trajectory of
Brava Gente Brasileira (2000) y Uma Longa Viagem (2011)
one of Brazil’s most interesting ilmmakers.
–, además de rendir homenaje a la directora, la 9ª Muestra
Cine y Derechos Humanos en el Hemisferio Sur presenta al
Rafael de Luna Freire_ Coordinator of the 9th Exhibition
público la oportunidad de conocer y recordar parte de la tra-
Cinema and Human Rights in the Southern Hemisphere
yectoria de una de las más interesantes cineastas de Brasil.
Duas décadas depois, oito ex-presas políticas fa- Después de dos décadas, ocho ex prisioneras hablan de
la lucha y tortura durante el régimen militar brasileño y la
lam sobre a luta e a tortura vividas durante o regi- experiencia de la supervivencia. Entre los relatos, están de-
me militar brasileiro e a experiência de ter sobre- lirios y confesiones de un personaje anónimo que relexiona
acerca de la diicultad de haber seguido viva y con lucidez
vivido. Entre os depoimentos, delírios e conissões tras las torturas.
de uma personagem anônima, que relete sobre *mujeres, dictadura; democracia y Derechos Humanos
o peso de ter sobrevivo lúcida às torturas.
Two decades afterwards, eight ex-political prisoners talk
*mulheres; combate à tortura; democracia e about the ight and torture lived during the Brazilian military
Direitos Humanos regime and the experience of surviving it. Among the accou-
nts, the delusions and confessions of an unknown character
who relects about the weight of preserving the sanity after
the tortures.
*women, dictatorship, democracy and Human Rights
173
Que Bom Te Ver Viva, Não mencionamos outro elemento estilístico que
por Arthur Autran incomodou parte da crítica: trechos nos quais a
atriz Irene Ravache interpreta uma personagem
Primeiro longa-metragem dirigido por Lúcia que foi torturada, cujo texto é baseado nas expe-
Murat, esse documentário mantém a sua for- riências da própria diretora e também nas de ou-
ça passados vinte e cinco anos da premiação tras mulheres. A título de exemplo, pode-se men-
como melhor ilme no XXII Festival de Brasília, cionar a posição de André Forastieri, segundo o
em 1989. qual: “A parte iccional não traz a menor colabo-
ração para o que poderia ser um documentário
A estrutura narrativa de Que Bom Te Ver Viva de peso”1. Mas nem todos compartilharam dessa
baseia-se nos depoimentos de mulheres que opinião. Eduardo Escorel, em belo texto sobre o
participaram da militância política de esquerda ilme, entende que Irene Ravache tem “brilhante
no Brasil entre o inal dos anos 1960 e o início interpretação” e chama atenção para uma carac-
dos anos 1970 e foram torturadas após serem terística fundamental: a personagem “volta-se
capturadas pelas forças da Ditadura Militar. Há diretamente para o espectador”2. Da minha pers-
também depoimentos de parentes, amigos e pectiva, trata-se de algo esteticamente inovador
colegas, imagens que registram o cotidiano fa- para o documentário brasileiro moderno, até en-
miliar e/ou do trabalho contemporâneo à reali- tão pouco afeito à dramatização com a exceção
zação do ilme, bem como fotos e material jor- de algumas experiências como as de João Batis-
nalístico da época da repressão política. ta de Andrade nos anos 1970.
Certamente a força dos depoimentos dessas Note-se ainda que os trechos com a participa-
mulheres é a primeira característica que deve ção de Irene Ravache possuem iluminação bas-
ser destacada no ilme, ao descreverem as vio- tante trabalhada e em alguns planos há movi-
lências incomensuráveis pelas quais passaram, mentos de câmera bem elaborados, ao contrário
as diiculdades de se reconstruir para continuar dos depoimentos que são marcados pela ima-
a vida, as alegrias do presente e a incompreen- gem do vídeo e por uma decupagem tradicio-
são dos outros em relação a experiências tão nal. A postura mais contemplativa por parte da
duras. Filmados em primeiro plano, a emoção câmera diante dos depoimentos revela extremo
dos rostos e das falas é pungente. De forma ge-
ral, na repercussão crítica da época do lança- 1
FORASTIERI, André. Mostra competitiva começa fraca. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 25 nov. 1989. p. F3.
mento da película não houve quem deixasse de 2
ESCOREL, Eduardo. O que passou, passou? Jornal do Brasil, Rio
reconhecer a expressividade das entrevistas. de Janeiro, 22 out. 1989. p. 9.
La estructura narrativa de Que bom te ver viva gira en tor- Además, las intervenciones del personaje de Irene Ravache
no a los relatos de mujeres que participaron en la militancia complementan los relatos de dos formas, a saber, la exposi-
política de izquierda en Brasil desde inales de 1960 a prin- ción del tema de la sexualidad y el tono de enfrentamiento
cipios de 1970 y fueron torturadas después de capturadas en muchos momentos. La cuestión femenina nunca se da
por las fuerzas de la Dictadura Militar. Hay también relatos por hecha en los relatos, de lo contrario, en general surge
asociada con la maternidad, ya que casi todos os entrevis-
de familiares, amigos y colegas, imágenes que muestran el
tados abordan la importancia de ser madre – incluso en las
cotidiano de la familia y/o del trabajo contemporáneo para la
peores condiciones, ya que algunas tuvieron hijos cuando
producción de la película, así como fotografías y recortes de
todavía estaban encarceladas. El relato de Criméia de Al-
periódicos de la época de la represión política.
meida – que participó en la Guerrilla de Araguaia – es uno
Sin duda, la fuerza de los relatos de estas mujeres es el pri- de los más conmovedores, pues se vincula el embarazo a la
mer rasgo que se debe destacar en la película. Se describen libertad, como ella airma: “Incluso aquí [en la cárcel], donde
las violencias inconmensurables a las que estaban sujetas, tratan de eliminarme, donde tratan de eliminar a la gente, la
las diicultades de continuar la vida, las alegrías del presen- vida continúa. Sentí el nacimiento de mi hijo como si él es-
te y la incomprensión de los otros en relación con las expe- tuviera escapando del útero, [...] era un signo de libertad. Mi
riencias tan difíciles. Filmado en primer plano, la emoción en hijo, libre”. Sin embargo, la sexualidad casi no es expuesta
sus rostros y discursos es conmovedora. En general, en la por las entrevistadas; por eso la importancia de algunas de
repercusión crítica de la época del lanzamiento de la película, las participaciones del personaje interpretado por Irene Ra-
todos reconocieron la expresividad de las entrevistas.
No mencionamos otro elemento estilístico que molestó al- 1
FORASTIERI, André. Mostra competitiva começa fraca. Folha de S. Paulo, São
gunos críticos: partes donde la actriz Irene Ravache inter- Paulo, 25 nov. 1989. p. F3.
preta a un personaje que fue torturado, con la lectura de 2
ESCOREL, Eduardo. O que passou, passou? Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
un texto basado en las experiencias de la propia directora 22 out. 1989. p. 9.
Doces Poderes
Brasil, 1997, 93’, Ficção
A jornalista Bia Jordão aceita o cargo de chefe La periodista Bia Jordão acepta el cargo de jefe de la sucur-
sal de Brasilia de un gran canal de televisión. En la capital de
da sucursal de Brasília de uma grande rede de Brasil, la mayoría de los profesionales acabaron por trabajar
televisão. Na capital, a maioria dos proissionais en las campañas políticas por altos sueldos y Bia está bajo
fuerte presión para cubrir y transmitir las elecciones.
foi trabalhar em campanhas eleitorais por salá-
rios altíssimos e Bia se encontra sob forte pres- *memoria y verdade; democracia y Derechos Humanos
são na hora de cobrir e transmitir as eleições. The journalist Bia Jordão accepts the position of head of the
Brasília branch oice of a major TV channel. In the seat of
*memória e verdade; direito à participação política;
government, most professionals ended up working in politi-
democracia e Direitos Humanos cal campaigns for high pays and Bia inds herself under the
gun at the time of covering and broadcasting the elections.
*memory and truth, democracy and Human Rights
179
Mais que Um Jogo de Cartas a política deixa de ser pensada apenas sob a ló-
Marcadas, por Cyntia Nogueira gica da organização partidária para se encarnar
“nos corpos, nos gestos, nos desejos de cada
O cinema de Lúcia Murat pode ser visto, em mui- um”. É, também, aí que o ilme resiste à sua in-
tos sentidos, como uma forma de sobrevivência, vestida didática, que visa mostrar ao espectador
de resistir e não deixar esquecer as cicatrizes “o que a TV pode fazer com a sua opinião”.
que a prisão e a tortura promovidas pela Ditadu-
As relexões em voz of da personagem Bia (Mari-
ra Militar produziram em seu corpo e na história
sa Orth), que chega a Brasília durante as eleições
individual e coletiva de uma geração que travou
inúmeras lutas pela garantia dos direitos huma- para assumir a cheia de redação de uma impor-
nos no Brasil. tante emissora de TV, ressoam nos depoimentos
de jornalistas que, espremidos entre dilemas ideo-
Em Doces Poderes (1996), essas marcas se fa- lógicos, éticos e proissionais, abandonam a reda-
zem sentir a partir da relação entre mídia e po- ção para trabalhar em campanhas de candidatos
der. O ilme traz como tema central os mecanis- a governador em diferentes estados do país.
mos de construção das campanhas eleitorais e,
como motor de sua narrativa, o jogo especular A alusão à edição tendenciosa veiculada pela TV
entre a trajetória de vida da cineasta, seus posi- Globo do debate entre Collor e Lula nas eleições
cionamentos políticos e suas personagens. Ex- de 1989, determinante para a derrota do candi-
militante e ativista do MR-8, além de ex-jornalis- dato de esquerda e para a permanência no po-
ta, Lúcia Murat realiza um ilme que é o “balanço der das mesmas forças que apoiaram a Ditadura,
desagradável de uma vida ou de uma geração” constrói o pano de fundo do embate entre um
e, ao mesmo tempo, uma resposta do cinema candidato de direita conservador e corrupto, cria-
brasileiro à era Collor. do pelo marketing político e apoiado pela mídia,
e o candidato de esquerda, negro e operário, que
Se o ilme e o pensamento político que o engen-
defende os direitos à saúde, educação e cultura.
dra resistem à sua “ganga discursiva”, que com
freqüência submete a forma a um discurso que Entre a crença no “poder de fazer diferente”, “o
lhe é exterior, é porque seus personagens trans- gosto pelo poder” e a necessidade de nego-
mitem algo de pujantemente pessoal. É no que ciar esse “fazer”, Bia é a heroína capaz de re-
traz de indicial, de íntimo e de testemunho que sistir ao pragmatismo do sucesso inanceiro e
Doces Poderes ganha sua força, alcançando proissional e se manter iel aos seus valores.
esse lugar onde, de acordo com Didi-Huberman, O sentimento de fracasso está do lado de cá e
Em meados do século XVIII na região pantaneira, A mediados del siglo XVIII, en el Pantanal, soldados portu-
gueses escoltan el cartógrafo Diogo en su levantamiento to-
soldados portugueses acompanham o cartógra- pográico para la Corona. El grupo se dirige hacia el Fuerte
fo Diogo em seu levantamento topógraico para Coimbra, que se encuentra en estado permanente de guer-
ra con los indígenas. En medio del conlicto y la matanza,
a Coroa. O grupo se dirige ao Forte Coimbra, se crea un tercer mundo en el que los valores indígenas y
posto em permanente estado de guerra com os portugueses ya no existen.
indígenas ao redor. Em meio ao conlito e a car- *memoria y verdade, mujeres, populación indígena
niicina, se forma um terceiro mundo, onde os
In the middle of the 18th century, in the Pantanal wetland
valores indígenas e portugueses já não existem. area, Portuguese soldiers escort the cartographer Diogo in
his topographical survey for the Crown. The group heads
*memória e verdade; mulheres; população towards Forte Coimbra, which is in a permanent state of war
indígena; with the surrounding natives. Betwixt and between the con-
lict and the slaughtering, a third world is formed where the
Indian and Portuguese values no longer exist.
*memory and truth, women, indian population
185
Lúcia Murat – Astuto Ardil, luta popular na guerra civil da Nicarágua, pelas
por Tunico Amancio mulheres torturadas durante o regime militar,
pelas agruras do amor romântico na discussão
Le monde réel a ses bornes, do modernismo e pelas vicissitudes da imprensa
le monde imaginaire est inini1 em meio ao jogo parlamentar e político no pla-
(J.J.Rousseau)
nalto central. Desta experiência majoritariamen-
te urbana e cerebral, Lúcia Murat parte para o
1778 é o ano em que morre Jean-Jacques Rou-
ambicioso projeto de voltar-se para as emoções
sseau (1712-1778), cuja obra deine a natureza
de um passado longínquo, descentralizando o
positiva do homem – submetido às injunções
foco - a história se passa na região Centro-Oes-
sociais que provocam a cicatriz da desigualda-
te, de pouca visibilidade no imaginário brasileiro
de. 1778 é também o ano em que morre Voltaire
- e trazendo à luz uma coletividade que também
(1694-1778), um intransigente defensor das liber-
não deixou registrada de forma muito visível sua
dades civis e da liberdade religiosa. Também é o
inscrição na história. Um povo outrora Guaicuru,
ano do Tratado de El Pardo, assinado entre Maria
cujos descendentes, àquela altura da realização
I de Portugal e Carlos III da Espanha, pelo qual
do ilme, na virada do milênio, se chamavam Ka-
Portugal anexava ao Brasil territórios na América
diwéu e sobreviviam em número de apenas mil
do Sul, principalmente nos pampas. 1778 é, inal-
almas em uma reserva em Mato Grosso do Sul.
mente, o ano da fundação do Arraial de Nossa
Uma comunidade que participa intensamente
Senhora da Conceição de Albuquerque (Corum-
da fatura cinematográica do espetáculo, como
bá), maior entreposto da região, para impedir a
conselheira da diretora na embalagem antro-
arrancada dos espanhóis na sua busca do ouro
pológica que alimenta a narrativa, com rituais,
em terras brasileiras. É nesse tempo, região e
gestual e pintura corporal expressivos, dando-
contexto que se dá a história de Brava Gente
lhe um colorido particular que resulta num mo-
Brasileira (2000), um ilme produzido, escrito e
vimento deinitivo para a permanência de sua
dirigido por Lúcia Murat, que mantém neste seu
tradição. Um ilme sobre a resistência indígena
terceiro longa-metragem um olhar questionador
aos avanços do branco invasor com engenho-
sobre amplos aspectos da vida brasileira. Perma-
sas estratégias, banhadas de luz - pela beleza
nentemente engajada na busca de uma postura
da fotograia e das paisagens - e pela mitologia
ética e desmistiicadora, essencialmente políti-
clássica, referenciada no homérico cavalo de
ca, portanto, Lúcia havia antes trafegado pela
Troia, resultado de um estratagema indígena
1
Emile – Volume 1, Página 152, Jean-Jacques Rousseau – Poinçot, 1791 para minar o poder português por dentro, inva-
Através de cartas, entrevistas e depoimentos, Por medio de cartas, entrevistas y relatos se cuenta la his-
toria del más joven de tres hermanos, que fue enviado a
conta-se a história do caçula de três irmãos, en- Londres por la familia en 1969, para no seguir los pasos de
viado pela família para Londres em 1969, para su hermana mayor y unirse a la lucha armada contra la dic-
tadura. El joven viaja por el mundo, mientras su hermana
não seguir os passos da irmã mais velha e en-
es arrestada y torturada en Brasil. Décadas más tarde, la
trar para a luta armada contra a ditadura. O ra- muerte del tercer hermano motiva el rescate de la historia
paz viaja o mundo enquanto a irmã é presa e de estos viajes y las relaciones familiares.
terceiro irmão impulsiona o resgate da memória By means of letters, interviews and accounts, the story of the
dessas viagens e das relações familiares. youngest of three siblings is told. He is sent by the family to
London in 1969, not to follow in the older sister’s footsteps
*memória e verdade; crianças, adolescentes e and join the armed struggle against the dictatorship. The
juventude; direito à participação política; boy travels the world while his sister is arrested and tortu-
red in Brazil. Decades later, the death of the third brother
prompts the recollection of the memories of these trips and
the resumption of the family relationship.
*memory and truth, women, childhood
191
O Percurso da Memória, pois sua autoridade sobre a narrativa está clara.
por Marina Gurgel A estória é a dela e de seus dois irmãos, que
ela resolveu contar após a morte de um deles.
He looked at me eyes wide O outro colocou o pé na estrada muito cedo, e
and plainly said, is it true that
I’m no longer young?1 deu “a volta ao mundo duas vezes”, e é em cima
Lather, Jeferson Airplane dessas voltas que Lúcia faz o percurso do ilme.
Heitor Murat Vasconcellos escreveu centenas
Lutos e perdas precisam ser desenvolvidos e de cartas para sua mãe, para Lúcia e toda a fa-
superados, diz a psicologia. Trata-se, sem dú- mília enquanto viajava. E é através delas e de
vida, de um processo extremamente pessoal seus depoimentos que vamos viajando com ele
e, portanto, singular. No caso de Lúcia Murat, pela Europa, Estados Unidos, Austrália, Índia e
passa, quase que logicamente, por um proces- Caribe. Mas o nosso itinerário foi Lúcia quem fez,
so fílmico. Em sua ilmograia, sua própria igura e ela deixou de fora algumas coisas, como o pró-
não aparece pouco e nem por acaso. Lúcia se prio Heitor fala em determinado momento. Essa
expõe desde seu primeiro longa (Que Bom Te é uma das belezas do ilme e um de seus exem-
Ver Viva, 1989), quando uma atriz representou plos de autenticidade: os pequenos embates
angústias inspiradas na experiência da tortura
entre Lúcia e Heitor, na condução da narrativa,
vividas pela diretora, até o último (A Memória
pelo lugar de protagonista, que os dois dividem,
que me Contam, 2012), quando a mesma atriz
de certa forma. Ainal, a esta altura está claro
construiu um perfeito alter ego de Lúcia Murat,
que Lúcia é diretora mas também personagem.
lidando com o presente momento, carregando
as angústias e os prazeres de antes e outras Personagem de trajetória difícil, pois enquanto
mais. Em Uma Longa Viagem (2011), a exposi- Heitor foi bater perna pelo mundo, Lúcia perma-
ção tem um de seus momentos mais bonitos. neceu encarcerada. Mas esse mundo dá voltas,
Mergulhamos na realizadora de tal forma que e anos depois colocou Lúcia diante do dilema de
parecemos estar acompanhando seu luxo de encarcerar seu irmão, depois de um diagnóstico
consciência, ou o percurso de sua memória. psiquiátrico não favorável a suas andanças. Esta-
Mas não somos ingênuos para que a construção va aí talvez o maior embate da família até aquele
nos pareça invisível, e nem Lúcia deseja isso, momento: retirar do irmão andarilho sua autono-
mia e interná-lo. Os depoimentos em of de Lúcia
reiteram a diiculdade dessa decisão, e o peso
1
“Ele me olhou com olhos arregalados e disse simplesmente, é ver-
dade que eu não sou mais jovem?” dela na narrativa de nossos protagonistas.
está no Paquistão e escreve à sua mãe: “queri- Hay que experimentar y superar los lutos y pérdidas se-
da mãe, não há povo mais pacíico que o povo gún la psicología. Es, sin duda, un proceso muy personal y,
por lo tanto, único. En el caso de Lúcia Murat se trata, casi
do Paquistão! Há conversas de guerra por aqui, lógicamente, de un proceso fílmico. En su ilmografía, su
mas é pura bobagem. Aqui está tudo calmíssi- propia igura no se maniiesta pocas veces y tampoco por
casualidad. Lúcia se expone ya en su primer largometraje
mo”. Para em seguida Heitor do presente dizer à (Que Bom Te Ver Viva, 1989), cuando una actriz representó
Lúcia que “mentiu para mamãe” e dar uma risa- angustias inspiradas en la experiencia de la tortura experi-
mentada por la directora, hasta el último (A Memória que
da gostosa: o Paquistão enfrentava uma grande me Contam, 2012), cuando la propia actriz construyó un
guerra. Ao mesmo tempo, ica o confronto entre perfecto alter ego de Lúcia Murat, que trata del momento
presente, con los dolores y placeres del pasado y muchos
o Heitor que queria atravessar a Índia a pé e o
otros. En Uma Longa Viagem (2011), la exposición alcanza
Heitor que hoje não vai nem a Petrópolis (RJ). uno de sus momentos más bellos. Nos lanzamos de forma
tan profunda que parecemos estar presenciando su lujo de
Ao im e ao cabo, Heitor ansiava por liberdade, conciencia o el camino de su memoria.
precisava se encontrar solto, sem dever nada Pero no somos ingenuos para que la construcción nos pa-
rezca invisible, y Lúcia tampoco lo quiere, pues su autoridad
a ninguém, mas no fundo talvez essa falta de
sobre la narrativa es clara. Es su historia y de sus herma-
amarras quaisquer lhe izesse mal, a ausência nos que ella decidió contar tras la muerte de uno de ellos. El
otro hermano salió muy temprano y “viajó dos veces por el
de laços o tenha levado à solidão e à loucura.
mundo”, y estos viajes han inspirado Lúcia en la trayectoria
Mas Uma Longa Viagem, na verdade, não é de la película. Heitor Murat Vasconcellos escribió cientos de
só sobre Heitor e Lúcia; é sobre o mundo dos cartas a su madre, Lúcia y toda la familia durante el viaje. A
través de estas cartas y sus relatos viajamos juntos a Europa,
anos 1960-70, é sobre a resistência múltipla à Estados Unidos, Australia, India y Caribe. Pero nuestro itine-
ditadura, e, principalmente, é sobre a busca que rario fue organizado por Lúcia y ella no ha incluido algunas
cosas, como el propio Heitor revela en un determinado mo-
uma geração de jovens fez pelo seu mestre, seu
guia, diante justamente desse mundo louco dos 1
“Me ha mirado con los ojos bien abiertos y dijo, ¿verdad que ya no soy joven?
198
Inventar com a Diferença – cinema
e direitos humanos dentro e fora da sala de aula
Durante o primeiro semestre de 2014, cerca de 300 escolas públicas em todo o país vivenciaram uma
experiência singular com o cinema e a produção de imagens em seus distintos contextos de ensino,
mobilizadas pelo projeto Inventar com a Diferença – Cinema e Direitos Humanos. Com uma equipe
atuante em cada uma dos 27 estados brasileiros, o projeto agrega mais de 500 proissionais, entre
coordenadores, mediadores e professores, possibilitando a quase 4 mil estudantes ver e fazer cinema,
aproximando-se dos direitos humanos através do audiovisual.
Como parte do programa especial da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul, o
documentário Pelas Janelas, realizado por uma equipe de quatro estudantes de cinema da Universida-
de Federal Fluminense (UFF), traz algumas das experiências do projeto através do acompanhamento
de alunos e professores em seus cotidianos de ensino-aprendizado. Também integra este programa
uma pequena seleção da produção de ilmes-carta idealizados e executados por estudantes da rede
pública que participaram do Inventar com a Diferença nos municípios de Recife (PE), Pirenópolis (GO),
Florianópolis (SC), Niterói (RJ), Belém (PA), Conde (PB) e Aracaju (SE), apresentando um conjunto de
territórios, pontos-de-vista, imagens e sons bastante heterogêneo.
O que esses pequenos ilmes trazem em comum é a possibilidade do cinema como experiência de
alteridade, em tensão com questões ligadas aos Direitos Humanos e ao cotidiando destes estudantes,
permitindo-os encontrarem, de forma lúdica e prazerosa, uma forma de se colocar no mundo e de vi-
ver, dentro da estrutura educacional, uma situação de protagonismo junto aos seus professores. Essas
imagens, com toda precariedade e força que lhes compõem, revelam possibilidades na redeinição dos
lugares ocupados por professores, alunos, diretores, pais, e de todos os que formam a comunidade
escolar, dentro e fora dos muros dos nossos espaços de ensino.
199
Na escola, a noção de igualdade encontra um campo fértil para brotar com força, não apenas em sua
dimensão ideológica, mas como prática cotidiana. Escola como o lugar onde devem ser criados e
perpetuados os espaços e condições para que as inteligências e capacidades de crianças e jovens
possam se manifestar na total radicalidade de suas diferenças. Esses ilmes nos apresentam formas de
como pode o cinema se estabelecer como um desses espaços na educação.
En la escuela, la noción de igualdad encuentra un campo In the school, the notion of equality inds an abounding ield
fértil para lorecer con fuerza, no sólo en su dimensión ideo- to grow strong, not only in its ideological dimension, but in
lógica, pero como práctica cotidiana. Escuela como el lugar the daily practice. The school seen as the place for creation
donde deben ser creados e inmortalizados los espacios y and preservation of the spaces and conditions for the cog-
condiciones para que las inteligencias y capacidades de ni- nitive skills and other capacities of children and youngsters
ños y jóvenes puedan manifestarse en la total radicalidad
to live the diversity in all its radicalism. These movies display
de sus diferencias. Estas películas nos muestran formas de
the forms how the cinema can be cemented as one of these
cómo el cine puede establecerse como uno de estos espa-
cios en la educación. educational spaces.”
Cezar Migliorin, Luiz Garcia, Isaac Pipano, Cezar Migliorin, Luiz Garcia, Isaac Pipano,
Alexandre Guerreiro, Clarissa Nanchery, Fred Benevides Alexandre Guerreiro, Clarissa Nanchery, Fred Benevides
206
Garantir o acesso à cultura é antes
de tudo uma obrigação legal1
Está na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 215, que “O Estado garantirá a todos o pleno exer-
cício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e a difusão das manifestações culturais”. Compreender o alcance do “todos” implica em reconhecer
algumas limitações físicas e intelectuais de pessoas portadoras de deiciência; seja na sua locomoção,
seja nas suas capacidades auditivas ou visuais.
Apesar desse dispositivo constitucional, inúmeras barreiras precisaram ser superadas para se alcançar
nos anos 2000 uma legislação capaz de promover a igualdade preconizada na constituição, na edição
da Lei 10.098, de 19 de dezembro, e posteriormente na publicação do Decreto 5.296, de 2 de dezem-
bro de 2004 com normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
portadoras de deiciência.
Ao mesmo tempo em que se procurava superar barreiras físicas para uns, era preciso superar barreiras
tecnológicas para outros. É a partir desse referencial legal que se instituem no Brasil as primeiras expe-
riências com audiodescrição nos meios audiovisuais, quer em ilmes ou programas de televisão. Esses
dispositivos legais impõem ao Estado a obrigação de garantir e promover a acessibilidade deinida
pela Constituição Federal. Ou seja, antes de ser uma promoção social é uma obrigação legal.
Importante reconhecer que alguns festivais de cinema no Rio de Janeiro, em Gramado, São Paulo e
Brasília atuaram desde 2003 como propulsores dessa questão legal no tocante à adoção da audiodes-
crição como tecnologia assistiva para que deicientes visuais acessem obras cinematográicas. É nesse
contexto que a Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul se junta aos festivais Assim Vive-
mos, Festival Internacional de Filmes Sobre Deiciência, Festival de Gramado e de Festival Curtas-Metra-
gens de São Paulo, para novamente ampliar, cada vez mais, o acesso público à cultura cinematográica.
Adotar narrativas audiodescritivas capazes de interpretar com palavras imagens, pessoas, cenários, igurinos
e toda ordem de elementos visuais presentes nos ilmes é algo muito familiar para portadores de deiciência
visual nas suas visitas a espetáculos como teatro, exposições, ou na assistência televisiva doméstica.
1
Texto baseado na pesquisa desenvolvida pela aluna Paula Durand durante a elaboração da sua monograia de conclusão do curso de graduação
em Cinema pela UFF.
207
Analogamente, os deicientes auditivos carecem de uma narrativa descritiva dos elementos sonoros
que constituem o som do ilme. Essa narrativa, na Mostra de Cinema e Direitos Humanos no Hemisfé-
rio Sul, também é levada à legenda no canal de closed caption, de modo a requaliicar a simples le-
genda de diálogos.
Ainda que 30 ou 40 anos depois dos primeiros espetáculos audioassistidos dos EUA e do Reino Unido,
devemos salientar a necessidade de estudos sobre a adequação dos padrões instituídos para a elabo-
ração desses roteiros – uma vez que permanece presente o debate sobre o acesso irrestrito à cultura
a todos igualmente.
É com esse compromisso de ampliar, cada vez mais, o acesso autônomo e independente à cultura cine-
matográica que a SDH e a UFF compartilham o desaio de construir uma ampla rede de exibição para
a Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul com os ilmes audiodescritos listados abaixo,
selecionados para compor a Mostra este ano:
208
Asegurar el acceso a la cultura Adoptar narrativas audiodescriptivas capaces de interpretar
es una obligación legal1 con palabras imágenes, personas, escenarios, igurines y
todos los tipos de elementos visuales presentes en las pelí-
culas es algo muy familiar para personas con discapacidad
Está en la Constitución Federal de 1988, en el artículo 215, visual en sus visitas a espectáculos como teatro, exposicio-
que “El Estado asegurará a todos el pleno ejercicio de los nes o en la asistencia televisiva doméstica.
derechos culturales y acceso a las fuentes de la cultura na-
cional, y apoyará e incentivará la valoración y difusión de De modo semejante, las personas con discapacidad auditiva
las manifestaciones culturales”. Comprender el alcance del carecen de una narración descriptiva de los elementos so-
“todos” signiica reconocer algunas limitaciones físicas e noros que constituyen el sonido de la película. Esta narrativa,
intelectuales de personas con discapacidad; ya sea en su en la Muestra de Cine y Derechos Humanos en el Hemisferio
locomoción, ya sea en sus capacidades auditivas o visuales. Sur, también es transferida al subtítulo en el canal de closed
caption, para preparar nuevamente el subtítulo de diálogos.
A pesar de esta disposición constitucional, innumerables
barreras tuvieron que superarse para alcanzar en los años Aunque 30 o 40 años después de los primeros espectácu-
2000 una legislación para promover la igualdad prevista en los audioasistidos de los EE. UU. y de Reino Unido, es impor-
tante resaltar la necesidad de estudios sobre la adecuación
la Constitución, en la promulgación de la Ley 10.098, del 19
de los estándares establecidos para la elaboración de estos
de diciembre y, posteriormente, en la publicación del Decre-
guiones - una vez que todavía está presente en el debate
to 5.296, del 2 de diciembre 2004 con las normas generales
sobre el acceso irrestricto de todos a la cultura.
y criterios básicos para la promoción de la accesibilidad de
las personas discapacitadas. Es con este compromiso de ampliar, cada vez más, el acceso
autónomo e independiente a la cultura cinematográica que
Mientras se trataba de superar barreras físicas para algu-
SDH y UFF comparten el reto de construir una amplia red de
nos, era necesario superar barreras tecnológicas para otros.
exhibición para la Muestra Cine y Derechos Humanos en el He-
Es a partir de esta referencia legal que se establecieron en
misferio Sur con las películas audiodescritas relacionadas aba-
Brasil las primeras experiencias con audiodescripción en los
jo, seleccionadas para formar parte de la Muestra de este año:
medios audiovisuales, ya sea en películas o programas de
televisión. Estas disposiciones legales imponen al Estado la Hoje eu Quero Voltar Sozinho, Daniel Ribeiro, 95’
obligación de asegurar y promover la accesibilidad deinida
por la Constitución Federal. Es decir, antes de una promo- Uma Longa Viagem, Lucia Murat, 95’
ción social es una obligación legal. Cidadão Boilesen, Chaim Litewski, 92’
Es importante reconocer que algunos festivales de cine en
Pelas Janelas , Carol Perdigão, Guilherme Farkas,
Rio de Janeiro, Gramado, São Paulo y Brasilia han actua-
Soia Maldonado e Will Domingos, 35’
do desde 2003 como impulsores de esta cuestión legal en
cuanto a la adopción de la audiodescripción como tecnolo- Cabra Marcado para Morrer, Eduardo Coutinho, 119’
gía asistida para que personas con discapacidad visual ten-
A Vizinhança do Tigre, Afonso Uchoa, 95’
gan acceso a obras cinematográicas. En este contexto que
la Muestra Cine y Derechos Humanos en el Hemisferio Sur Rio Cigano, Julia Zakia, 80’
se une a los festivales “Assim Vivemos”, “Festival Interna-
Sophia, Kennel Rógis, 15’
cional de Filmes Sobre Deiciência”, “Festival de Gramado”
y “Festival Curtas-Metragens de São Paulo”, para ampliar Que Bom te Ver Viva, Lúcia Murat, 95’
nuevamente y, cada vez más, el acceso público a la cultura
cinematográica.
1
Texto basado en la investigación desarrollada por la estudiante Paula Durand
durante la elaboración de su monografía de inalización del curso de gradua-
ción en Cine por la Universidad Federal Fluminense (UFF). João Luiz Leocádio
Acessibilidade 209
Ensuring the access to culture is, above it which the visually impaired are quite familiar every time they
all, laid down in the law1 pay a visit to spectacles in theaters, exhibits, or watch TV.
Similarly, the people with hearing loss need for a descriptive
The Federal Constitution of 1988, in its Article 215, establi- narration of the sound elements in movies. This narration,
shes that “The State shall guarantee to every person the full in the Exhibition Cinema and Human Rights in the Southern
exercise of cultural rights and the access to national culture Hemisphere, is also reproduced in closed caption, so as to
products, and shall support and further the appreciation and enhance dialog subtitles.
dissemination of cultural expressions.” Understanding the Even if 30 or 40 years after the irst spectacles with audio
reach of “every person” implies recognizing some physical description in the USA and United Kingdom, we should
and cognitive restraints of people with special needs; whe- stress the need for researches about adjustments to patter-
ther in mobility, or due to any hearing and visual impairments. ns established for the production of these scripts — since
Regardless of this constitutional provision, countless obsta- the debate about the egalitarian access to culture is still
cles need to be overcome to reach, in the years of the 2000s, opportune.
a legislation capable of promoting the equality provided for tInspirited by this commitment to broaden even more the
in the constitution, in the Law no. 10098, dated December 19, autonomous and independent access to the cinema culture,
and, subsequently, in the Decree no. 5296, dated December SDH and UFF jointly undertake the challenge to create an
2, 2004, setting out general standards and basic criteria for ample screening network for the Exhibition Cinema and Hu-
ensuring the accessibility for people with disabilities. man Rights in the Southern Hemisphere, featuring, this year,
Meanwhile there was a struggle for quelling the physical the following movies with audio descriptions:
hardships endured by some, the technological restriction
experienced by other people should also be ruled out. This Hoje eu Quero Voltar Sozinho, Daniel Ribeiro, 95’
legal framework is the basis for the irst audio description Uma Longa Viagem, Lucia Murat, 95’
eforts for audiovisual media in Brazil, be them in movies or
TV shows. These legal devices impose on the State the obli- Cidadão Boilesen, Chaim Litewski, 92’
gation to guarantee and promote the accessibility set forth Pelas Janelas , Carol Perdigão, Guilherme Farkas,
in the Federal Constitution. In other words, it is a legal obli- Soia Maldonado e Will Domingos, 35’
gation before it is a social responsibility.
Cabra Marcado para Morrer, Eduardo Coutinho, 119’
It should be recognized that some cinema festivals in Rio de
Janeiro, Gramado, São Paulo and Brasília have been, since A Vizinhança do Tigre, Afonso Uchoa, 95’
2003, playing the role of advocates of this legal matter with
Rio Cigano, Julia Zakia, 80’
regard to the audio description as a technology earmarked
for the visually impaired to have access to motion pictures. Sophia, Kennel Rógis, 15
It is in this scenario that the Exhibition Cinema and Human
Que Bom te Ver Viva, Lúcia Murat, 95’
Rights in the Southern Hemisphere teems up with the festi-
vals “Assim Vivemos,” “Festival Internacional de Filmes So-
bre Deiciência,” “Festival de Gramado” and “Festival Cur-
tas-Metragens de São Paulo” to once more widen the public
access to the ilmmaking produces.
Providing audio descriptions capable of putting down in
words the images, people, sceneries, costumes and all sort
of visual elements present in the movies is something to
1
Text based on a research developed by the student Paula Durand as part of
her term paper for the Cinema Undergraduate Program at UFF João Luiz Leocádio
Se, no âmbito oicial, o número de salas de cinema teve um crescimento de 6,4% em relação ao ano
anterior, a expressiva cifra alcançada pelo Democratizando nos conduz para outro questionamento
com consequências impressionantes: quantas são (e quantas mais podem ser) as salas de cinema alter-
nativas em nosso país, adaptadas em escolas, universidades, associações de bairro, praças públicas,
ONG’s, vilas, centros sócioeducativos?
Um dos fatores responsáveis por essa extensão do projeto são os quase 500 pontos de exibição
que se dispuseram a exibir os ilmes do primeiro kit Democratizando. Por meio desse kit, ilmes foram
exibidos em praças de cidades isoladas em regiões do interior, aldeias indígenas, institutos prisionais,
escolas públicas, zonas rurais e numa série de locais que se tornaram um ponto de discussão sobre
Direitos Humanos, mobilizado pelo cinema.
Em 2014, ao desejarmos atingir a marca de 1.000 pontos de exibição, sabemos também que esse
número se revela ainda muito inferior às demandas continentais do nosso país, que carrega consigo
uma variação também gigantesca de desigualdades. No bojo dessa ação, como forma de ampliar e
potencializar o acesso aos ilmes, e minimizar algumas defasagens, o kit Democratizando deste ano,
além do sistema closed caption e audiodescrição em todos os títulos, apresenta legenda para cinco
idiomas: árabe, espanhol, inglês, francês e mandarim. Assim, criamos condições para que plateias
estrangeiras possam conhecer uma pequena amostra de nossa vasta cinematograia, representada
este ano pelos ilmes:
1
FONTE: Informe de acompanhamento de mercado - Segmento de Salas de Exibição. 1º semestre de 2014 - 03 de janeiro a 02 de julho de 2014
- ANCINE.
Democratizando 213
A Vizinhança do Tigre, Afonso Uchoa, 95’
Cabra Marcado pra Morrer, Eduardo Coutinho, 119’
Pelas Janelas, Carol Perdigão, Guilherme Farkas, Soia Maldonado e Will Domingos, 35’
Que Bom te Ver Viva, Lúcia Murat, 95’
Rio Cigano, Júlia Zakia, 80’
Sophia, Kennel Rógis, 15’
O gesto político que comporta a ação do Projeto Democratizando tem uma dimensão ideal que está
para além do que o próprio projeto é capaz de atender - permitir que cada comunidade, com seu con-
junto de moradores, possa criar com autonomia encontros e situações para ver ilmes e debater sobre
eles. Que esses 1.000 se multipliquem em todos.
De acuerdo con el informe de seguimiento de mercado ela- According to the market follow-up report published by AN-
borado por ANCINE (Agencia Nacional de Cine), el parque de CINE (National Film Agency), the Brazilian screening circuit
exhibición brasileño terminó el año de 213 con 2.678 salas de had, by the end of 2013, 2,678 screening rooms. In the
exhibición. En el mismo año, al menos 500 puntos en todo el same year, at least 500 points all over the country, charac-
país, con condiciones de infraestructura muy distintas entre terized by very dissimilar infrastructures, could temporarily
sí, se transformaron provisionalmente en un espacio de exhi- become ilm screening rooms through the Project Demo-
bición de cine a través del Proyecto Democratizando. cratization Eforts.
Si, oicialmente, el número de salas de cine tuvo un incremen- Whereas, at national level, the screening circuit posted a 6.4%
to del 6,4% si comparado al año anterior, la cifra expresiva increase in the number of rooms compared to the previous
alcanzada por el proyecto Democratizando nos lleva a otro year, the impressive igure achieved by the Project Democrati-
cuestionamiento con consecuencias impresionantes: ¿Hay zation Eforts prompts our thoughts, with puzzling consequen-
cuántas (y cuántas más pueden ser) las salas de cine alterna- ces: how many alternative screening rooms are there in Brazil
tivas en nuestro país, adaptadas en escuelas, universidades, and how many of them could be created by adapting rooms in
asociaciones de la comunidad, plazas públicas, organizacio- schools, universities, neighborhood associations, public squa-
nes no gubernamentales, villas, centros socioeducativos? res, NGOs, villages, social work education centers?
Democratizando 215
Créditos
créditos/credits
Créditos 217
entrevistas Inventar com a Diferença
Daniel Nolasco
idealização
Felipe Fernandes
Luana Farias Cezar Migliorin
Luciano Carneiro Isaac Pipano
Luiz Garcia
revisão
coordenação Geral
Caio de Freitas Paes
Júlia Schwarz João Luiz Leocadio
Isaac Pipano
tradução de texto
coordenação de Produção
Conceito Traduções
Alexandre Guerreiro
tradução Para o inGlês
consultoria
Márcio Pinheiro
Cezar Migliorin
tradução Para o esPanhol Adriana Fresquet
Aline Souza Eliany Salvatierra
site coordenação PedaGóGica
Ana Cecília Peron Clarissa Nanchery
Paulo Regis
coordenação técnica
vinheta Fred Benevides
Adriana Ferraz Bassei
Elena Meireles
Fred Benevides
Isaac Pipano
acessibilidade
CPL Soluções em Acessibilidade
Projeto GráFico
Aline Paiva
assistentes GráFicos
Laiane Araújo
Lucas Clarisse
Marca oFicial da Mostra
Arthur Fajardo
Cláudia Ranzini
Fajardo Ranzini Design
Fortaleza – ce reciFe – Pe
Patricia Baía Rosemary Lemos
Cesar Teixeira Camila Góes
Créditos 219
rio branco – ac Datas e Locais
Rose Farias
aracaju (se) de 27 de noveMbro a 03 de dezeMbro
Genilsa Silva
Museu da gente sergipana | auditório
salvador – ba Av. Ivo do Prado, 398 – Centro
Tarcicio Neto CEP: 49010-050 – Tel. (79) 3218.1551
Marcos Neves
beléM (Pa) de 4 a 9 de noveMbro
são luis – Ma Cine Libero Luxardo
Natália Maciel Av. Gentil Bittencourt, 650, Térreo
Isabel Guerra CEP:66035-340 – Tel. (91) 3202.4321
são Paulo – sP belo horizonte (MG) de 03 a 08 de dezeMbro
Leonardo Mecchi CCbb–bH
Lara Lima Praça da Liberdade, 450 – Funcionários
CEP: 30140-010 – Tel. (31) 3431-9400
teresina - Pi
Leide Sousa boa vista (rr) de 17 a 22 de noveMbro
Norma Soely Guimarães CinesesC abraHiM Jorge fraxe
R. João Barbosa, 143 A | B – Mecejana
vitória – es CEP: 69302-330 – Tel. (95) 3621.3939
Saskia Sá
Mariana Preti brasília (dF) de 03, 26 a 30 de noveMbro
Centro CuLturaL banCo do brasiL – saLa de CineMa
SCES, Trecho 02, Lote 22 – CEP: 70200-002
Tel. (61) 3108.7600
caMPo Grande (Ms) de 01 a 06 de dezeMbro
sesC Horto
Rua Anhanduí, 200 – Centro – CEP: 79002-031
Tel. (67) 3357-1200
cuiabá (Mt) de 18 a 23 de noveMbro
CinesesC arsenaL
R. 13 de Junho, s/nº – Porto – CEP: 78020-001
Tel. (65) 3616.6901
curitiba (Pr) de 14 a 19 de noveMbro
CineMateCa de Curitiba | saLa groff
R. Carlos Cavalcanti, 1174 – São Francisco
CEP: 80510-040 – Tel. (41) 3321.3252
Créditos 221
são luís (Ma) de 9 a 14 de dezeMbro
teatro da Cidade de são Luís
Rua do Egito, 244 – Centro – CEP: 65010-190
Tel. (98) 3232-8665
são Paulo (sP) de 4 a 7, 11 a 14, 18 a 20 dezeMbro
CineMateCa brasiLeira
Largo Senador Raul Cardoso, 207
Vila Clementino – CEP: 04021-070
Tel. (11) 3512-6111 / 229
teresina (Pi) de 17 a 22 de noveMbro
teatro do boi
R. Rui Barbosa, 3033 – Matadouro
CEP:64003-850 – Tel. (86) 3215-7829
vitória (es) de 17 a 22 de noveMbro
Cine MetrópoLis – ufes
Av. Fernando Ferrari, 514 – Goiabeiras
CEP: 29075-910 – Tel. (27) 3335.2376 | 2379