Feminicídio - Francisco Dirceu Barros
Feminicídio - Francisco Dirceu Barros
Feminicídio - Francisco Dirceu Barros
ISBN 978-85-7789-456-7
CDD 345.025
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Sobre os autores
RENEE DO Ó SOUZA
Junho, 2019.
Dos cinco fatores que fundamentaram a ratio legis para criação pelo
legislador do feminicídio, dois se tornaram os principais motivadores para
que os autores escrevessem o primeiro livro do Brasil com o tema exclusivo,
qual seja: feminicídio.
a) Os dois fatores são: Combater a impunidade: enseja os autores que
feminicidas não sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e
moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido “crime passional” ou
apenas sob o domínio de violenta emoção.
b) Prevenção geral positiva: o feminicídio é a instância última de
controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se
expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um
objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como
subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da
violência sexual associada ao assassinato; como destruição da
identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo;
como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou
a tratamento cruel ou degradante.2
CAPÍTULO 1
Qualificadora ou crime?
1 Introdução
1.1 O feminicídio em uma estatística alarmante
1.2 Terminologias
1.3 Conceito de feminicídio:
1.4 Razões de gênero ou por razões da condição de sexo feminino
CAPÍTULO 2
Espécies de feminicídio
1 As espécies de feminicídio
CAPÍTULO 3
Hediondez feminicista
1 Hediondez da qualificadora feminicista
1.1 Consequências da hediondez feminicista
CAPÍTULO 4
O princípio da igualdade no contexto do feminicídio
1 A qualificadora feminicista e a violação do princípio da igualdade
CAPÍTULO 5
Feminicídio e competência
1 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
2 Competência para julgar o homicídio no contexto do feminicídio
CAPÍTULO 6
A Natureza da qualificadora de Feminicídio
1 Feminicídio: qualificadora subjetiva versus objetiva
2 Feminicídio versus crime passional – a questão do privilégio
CAPÍTULO 7
Feminicídio e neocolpovulvoplastia
1 Feminicídio e neocolpovulvoplastia: As implicações legais do conceito de
mulher para os fins penais
2 A neocolpovulvoplastia e o feminicídio
3 O conceito jurídico de mulher para caracterização do feminicídio
4 As soluções do critério biológico
CAPÍTULO 8
Feminicídio e outras implicações legais
1 A majorante do feminicídio
2 A majorante do feminicídio e o princípio non bis in idem
3 Vigência e a irretroatividade da qualificadora e da majorante do
feminicídio
4 O crime de aborto versus a majorante do feminicídio cometido durante a
gestação
5 A mutatio libeli e a qualificadora do feminicídio
6 O quesito da qualificadora do feminicídio
7 Feminicídio praticado por mulher
8 Feminicídio e o descumprimento das medidas protetivas previstas na Lei
Maria da Penha
CAPÍTULO 9
Da persecução do feminicídio
CAPÍTULO 10
A comunicação das circunstâncias no contexto do feminicídio
CAPÍTULO 11
Protocolo de feminicídio
Noções gerais
As medidas que serão adotadas pelo Ministério Público de Pernambuco
REFERÊNCIAS
1 Introdução
A história da tutela penal da mulher é indissociável da própria evolução
histórico-cultural do seu papel social, o que explica o contexto em que leis de
enfrentamento à violência contra a mulher, como a Lei nº 13.104/2015, foram
editadas, fruto da conscientização do valor da mulher enquanto pessoa
humana, direito a uma vida livre de violência (doméstica, familiar e sexual) e
justificada na proteção mais eficiente por parte do legislador penal.
Realizando oportuno resgate histórico, Rogério Greco1 demonstra a
sequência de fatos que conduziram o legislador à inclusão da novel
qualificadora do feminicídio, senão observe-se: “Sob a ótica de uma
necessária e diferenciada proteção à mulher, o Brasil editou o Decreto nº
1.973, em 1º de agosto de 1996, promulgando a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em
Belém do Pará (conhecida como Convenção de Belém), em 9 de junho de
1994. Seguindo as determinações contidas na aludida Convenção, em 7 de
agosto de 2006 foi publicada a Lei nº 11.340, criando mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º
do art. 226 da Constituição Federal, que ficou popularmente conhecida
como ‘Lei Maria da Penha’ que, além de dispor sobre a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, estabeleceu
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência
doméstica e familiar, nos termos dispostos no art. 1º da mencionada lei. Em
9 de março de 2015, indo mais além, fruto do Projeto de Lei do Senado nº
8.305/2014, foi publicada a Lei nº 13.104, que criou, como modalidade de
homicídio qualificado, o chamado feminicídio, que ocorre quando uma
mulher vem a ser vítima de homicídio simplesmente por razões de sua
condição de sexo feminino.”
Segundo Amom Albernaz Pires: “O feminicídio constitui modalidade de
violência de gênero ou, conforme preceitua o art. 5º, caput, da Lei Maria da
Penha e o art. 1º da Convenção de Belém do Pará, violência “baseada no
gênero”. Nessa perspectiva, vale destacar as seguintes definições contidas
no art. 3º, alíneas c e d, da Convenção do Conselho da Europa para a
Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência
Doméstica – Convenção de Istambul, in verbis:
c) “Gênero” refere-se aos papéis, aos comportamentos, às atividades e
aos atributos socialmente construídos que uma determinada
d) sociedade considera serem adequados para mulheres e homens;
“Violência de gênero exercida contra as mulheres” abrange toda a
violência dirigida contra a mulher por ser mulher ou que afeta
desproporcionalmente as mulheres2”.
A ONU Mulheres estima que, entre 2004 e 2009, 66 mil mulheres tenham
sido assassinadas por ano simplesmente pelo fato de serem mulheres. No
Brasil, entre 2000 e 2010, 43,7 mil foram assassinadas, das quais cerca de
41% foram mortas em suas próprias casas, muitas pelos companheiros ou ex-
companheiros, com quem mantinham ou haviam mantido relações íntimas de
afeto e confiança. Entre 1980 e 2010, o índice de assassinatos de mulheres
dobrou no País, passando de 2,3 assassinatos por 100 mil mulheres para 4,6
assassinatos por 100 mil mulheres5. Esse número coloca o Brasil na sétima
colocação mundial em assassinatos de mulheres, figurando, assim, entre os
países mais violentos do mundo nesse aspecto.6
Os números alarmantes de violência contra a mulher indicam que o
feminicídio decorre de construções socioculturais plasmadas em um
inconsciente coletivo, que espelham relações desiguais e assimétricas de
valor e poder atribuídas às pessoas segundo o sexo. Essa desigualdade,
tratada no capítulo 04 desta obra, é o discrímen justificador da resposta penal
recrudescida na lei vigente. Mas as elevadas estatísticas de assassinatos de
mulheres indicam mais. O engajamento social na proteção das mulheres deve
ser tomado como verdadeira obrigação de qualquer pessoa, até o ponto de
todos compreenderem que, na eloquente frase de Cesar Danilo Ribeiro de
Novais, em uma mulher a única coisa que pode bater é o coração7.
1.2 Terminologias
a) Não se deve confundir as terminologias. Vejamos: femicídio: morte de
b)uma mulher8; feminicídio: morte de uma mulher por razões de gênero ou
pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, que é qualificadora
c)do homicídio9; uxoricídio: assassinato no qual o marido mata a própria
d)e)esposa; parricídio: assassinato pelo filho do próprio pai; matricídio:
f)g)matar a própria mãe; fratricídio: matar o próprio irmão; ambicídio:
quando as mortes decorrem de um pacto.
1 As espécies de feminicídio
Identificamos as seguintes espécies de feminicídio: a) Feminicídio
“intralar”; Ocorre quando as circunstâncias fáticas indicam que um homem
assassinou uma mulher em contexto de violência doméstica e familiar.
Cleber Masson22 defende que nem todo homicídio praticado contra a
mulher no contexto de violência doméstica ou familiar configurará a
qualificadora em questão. Segundo ele: “O inciso I do § 2º-A deve ser
interpretado em sintonia com o inciso VI do § 2º, ambos do art. 121
do Código Penal. Em outras palavras, o feminicídio reclama que a
motivação do homicídio tenha sido as “razões da condição do sexo
feminino”, e daí resulte a violência doméstica ou familiar”.
b) Feminicídio homoafetivo
Ocorre quando uma mulher mata a outra no contexto de violência
doméstica e familiar.
CASOS EXEMPLIFICADOS:
1- “Tício” atira em “Tícia” e acerta “Petrus”, que morre em
consequência do tiro. Solução?
Solução jurídica: “Tício” responde por homicídio doloso qualificado e
também majorado pelo feminicídio (como se o agente tivesse matado a
vítima virtual).
CASOS EXEMPLIFICADOS:
DISSENSO DOUTRINÁRIO
Alice Bianchini:
CONCLUSÕES PRÁTICAS
Sendo o feminicídio uma qualificadora subjetiva, haverá,
impreterivelmente, duas consequências:
CONCLUSÕES PRÁTICAS
a) Sendo a qualificadora de feminicídio de natureza objetiva, é possível
coexistir com as qualificadoras de motivo, seja torpe ou fútil. Por isso
que, nesse caso, parece ser incabível que, por meio de uma decisão
proferida pelo magistrado ou Tribunal de Justiça, ditas
exclusivamente jurídicas, sejam as qualificadoras excluídas. A
convivência das qualificadoras, além de serem juridicamente possível,
só pode ser excluída pelo Conselho de Sentença visto tratar-se de
circunstâncias fáticas.
b) Para essa posição é possível um “feminicídio qualificado
privilegiado”.
2 A neocolpovulvoplastia e o feminicídio
A cirurgia de redesignação sexual ou de transgenitalização consiste nos
procedimentos cirúrgicos denominados neocolpovulvoplastia e
neofaloplastia. Essa intervenção cirúrgica permite a mudança do aparelho
sexual importando apenas em alterações estéticas e não genéticas. A
neocolpovulvoplastia é a mudança da genitália masculina para a feminina,
consistindo, basicamente, em duas etapas: na primeira, o pênis é amputado e
são retirados os testículos do paciente e, em seguida, faz-se uma cavidade
vaginal. A segunda etapa é marcada pela constituição plástica: com a pele do
saco escrotal são formados os lábios vaginais. A operação inversa, ou seja, a
transformação do aparelho masculino para o feminino é denominada
neofaloplastia, mas ela está autorizada por uma Resolução do CFM ainda a
título experimental, tendo em vista as dificuldades técnicas ainda presentes
para a obtenção de bom resultado, tanto no aspecto estético como no
funcional destas.47
Tema muito novo, mas já antecipamos que haverá 3 (três) posições, pois
a doutrina elaborará 3 (três) critérios para identificar a mulher com escopo de
aplicar a qualificadora do feminicídio.
a) Hermafroditas:
Também chamadas de intersexuais ou sexo dúbio, são pessoas que
possuem órgãos sexuais dos dois sexos. Usando o critério biológico,
entendemos que a qualificadora do feminicídio só pode ser aplicada se o
órgão feminino for prevalente.
c) Vítima lésbica:
Haverá feminicídio, considerando que o sexo biológico seja feminino. Em
reforço prático traz-se à baila a posição firmada por Cleber Masson56. “Em
regra, o sujeito ativo é homem, mas nada impede que seja também uma
mulher, desde que o delito seja cometido por razões de condições de o sexo
ser feminino. É o que se dá, exemplificativamente, quando uma mulher mata
a sua namorada em uma discussão por considerar que esta última não tinha o
direito de desejar o rompimento do relacionamento amoroso.”
No mesmo sentido a posição de Rogério Grego: Merece ser frisado, por
oportuno, que o feminicídio, em sendo uma das modalidades de homicídio
qualificado, pode ser praticado por qualquer pessoa, seja ela do sexo
masculino ou mesmo do sexo feminino. Assim, não existe óbice à aplicação
da qualificadora se, numa relação homoafetiva feminina, uma das parceiras,
vivendo em um contexto de unidade doméstica, vier a causar a morte de sua
companheira”.
e) Vítima hermafrodita:
Pode haver feminicídio, dependendo da análise do sexo biológico
prevalente.
1 A majorante do feminicídio
Foi também criada uma nova majorante ao homicídio:
“§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores
ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60
(sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que
acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
(Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
(Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018) IV - em descumprimento das
medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art.
22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.771, de
2018);
A primeira questão que se coloca é quanto ao tempo do crime. As causas
de aumento incidem quando ocorre o resultado morte ou quando o
agente pratica a conduta? Diante do disposto no art. 4º do Código Penal,
que adotou a teoria da atividade, haverá aumento da pena se as circunstâncias
descritas no § 7º estiverem presentes no momento da ação.
A causa de aumento do inciso I determina o agravamento da pena quando
o delito for praticado durante o período de gravidez ou mesmo após o
nascimento da criança (três meses posteriores ao parto). Observe-se que
podem ocorrer quatro situações: a) morte do feto (em sentido amplo) e da
vítima; b) o feto sobrevive, mas a vítima falece; c) o feto morre e a vítima
sobrevive; d) tanto o feto quanto a vítima sobrevivem. Diante da falta de
condicionamentos ao resultado morte, independentemente do óbito, seja da
mulher, seja do feto, a pena será aumentada. Na segunda parte do mesmo
inciso, a lei determina o aumento da pena quando o crime for praticado nos
três meses posteriores ao parto, período esse em que a criança é mais
dependente da mãe.
A norma também determina o aumento da pena em razão da idade da
vítima (menor de 14 ou maior de 60 anos), ou por ser ela portadora de
deficiência.
No que se refere à idade da vítima, a majorante se justifica na maior
proteção penal em face de pessoas menores de 14 anos ou de avançada idade,
além da conduta do agente ser mais reprovável.
Quanto a pessoa com deficiência, deve-se reportar a legislação especial,
que serve de complemento à norma.
Por fim, o crime cometido na presença de ascendente ou de descendente
da vítima também acarreta o agravamento da pena, isso em razão do trauma
psicológico que provoca. Damásio de Jesus entende que a presença dos
parentes da vítima na cena do crime deve ser física, não havendo adequação
típica se eles vierem a tomar conhecimento por meio de contato virtual
(Skype, por exemplo) ou telefônico58. Rogério Sanches Cunha defende que
“ao exigir que o comportamento criminoso ocorra na ‘presença’, parece
dispensável que o descendente ou o ascendente da vítima esteja no local da
agressão, bastando que esse familiar esteja vendo (ex.: por Skype) ou
ouvindo (ex.: por telefone) a ação criminosa do agente59”, interpretação
condizente com a comunicação virtual ou telepresencial dos dias atuais.
Porém, o que parece estar fora do alcance da majorante é a exibição posterior
a distância do crime gravado, via vídeo ou outro sinal eletromagnético, visto
que é exigência da norma que o crime seja cometido “na presença”, o que
pressupõe atualidade.
Mesmo nessa situação, a fim de que não ocorra responsabilidade penal
objetiva, a presença do ascendente ou de descendente da vítima deve ser de
conhecimento do agente. Aliás, todas essas condições são objetivas e que são
aferidas a partir de condições ou qualidades da vítima, deverão ser de
conhecimento do agente (dolo abrangente), de modo que o erro quanto a elas
afasta o dolo e caracteriza erro de tipo (art. 20 do CP).
No caso de existência de uma ou mais causas de aumento podem ser
levadas em consideração pelo Magistrado para dosar o aumento da pena
dentro do limite legal (um terço até a metade).
Exemplo 2:
“O réu cometeu feminicídio, consistente em matar a vítima com
menosprezo à condição de mulher?
Exemplo 3:
“O réu cometeu feminicídio, consistente em matar a vítima por mera
discriminação à condição de mulher?
Exemplo 4:
“O réu assassinou a vítima em um contexto de violência
doméstica/familiar?
7 Feminicídio praticado por mulher
1 Noções gerais
Em Pernambuco, foi criado o “Protocolo de Feminicídio: Diretrizes
Estaduais para Prevenir, Investigar, Processar e Julgar as Mortes Violentas de
Mulheres com Perspectiva de Gênero”.
São um conjunto de medidas que vários setores da sociedade se
comprometeram em adotar com escopo de diminuir a violência contra as
mulheres.
Você pode receber o protocolo de feminicídio completo, com todas as
medidas propostas por várias entidades, enviando um e-mail para
fdirceub@gmail.com
CONCEITO,
- de feminicídio:, 24
- jurídico de mulher para caracterização do feminicídio, 67
NEOCOLPOVULVOPLASTIA E O FEMINICÍDIO, 66
P
PERSECUÇÃO DO FEMINICÍDIO, 87
PROTOCOLO DE FEMINICÍDIO, 97
- noções gerais, 97
Q
QUALIFICADORA, - feminicista e a violação do princípio da igualdade, 43
- ou crime?, 19