Revista Egn v. 21 n. 1

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ISSN 1809-3191

1
NAVALE BELLUM NAUTIS DOCERE

v.21, n.1, janeiro / junho de 2015

INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO


DESENVOLVIMENTO DO BRASIL
Jaques Wagner

AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA


Rafael Duarte Villa
Thiago Rodrigues
Fabrício Chagas Bastos

A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA


CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE
CONFLITOS E PROTEÇÃOAOS CIVIS EM CONFLITO
ARMADOS
Marcelo M. Valença
Ana Paula Tostes

A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA
FORMAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
Luis Manuel Brás Bernardino

TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL


José Augusto Abreu de Moura

BASE INDUSTRIAL DE DEFESA


Vitelio Marcos Brustolin

RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR


Sandra Maria Becker Tavares

TEORIA NÃO OCIDENTAL & POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA


Mariana Kalil

A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN


Alexandre Rocha Violante

A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE


Márcio Saldanha Walker

A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO


PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI
Wilson Barbosa Guerra
Revista da Escola de Guerra Naval

Rio de Janeiro, v. 21, n.1, janeiro/junho 2015


ESCOLA DE GUERRA NAVAL

A Revista da Escola de Guerra Naval é um periódico especializado em Estudos


Estratégicos que tem o propósito de disseminar e promover intercâmbio, em
níveis nacional e internacional, de conhecimentos relativos à Defesa com
ênfase na área de Ciência Política e Relações Internacionais. Desta forma, tem
como objetivo proporcionar maior integração entre a Marinha do Brasil e a
sociedade, publicando artigos científicos, comunicações e resenhas.

COMANDANTE DA MARINHA:
Almirante-de-Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira

CHEFE DO ESTADO-MAIOR DA ARMADA:


Almirante-de-Esquadra Wilson Barbosa Guerra

DIRETOR DA ESCOLA DE GUERRA NAVAL:


Contra-Almirante Antonio Fernando Garcez Faria

ISSN 1809-3191

v. 21, n. 1, Janeiro/Junho de 2015

CORRESPONDÊNCIA:
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
CENTRO DE ESTUDOS POLÍTICO-ESTRATÉGICOS
Av. Pasteur, 480 - Praia Vermelha - Urca
CEP 22290-255 Rio de Janeiro/RJ - Brasil
(21) 2546-9394 revista@egn.mar.mil.br
Aos cuidados do Editor Executivo da Revista da Escola de Guerra Naval

Os trabalhos poderão ser apresentados em conformidade com as Instruções aos Autores,


contidas na última página de cada volume, para o e-mail: revista@egn.mar.mil.br

R. Esc. Guerra Naval Rio de Janeiro v. 21 n. 1 p. 1 - 302 jan./jun. 2015


A Revista da Escola de Guerra Naval é uma publicação semestral, editada pelo Centro de Estudos
Político-Estratégicos (CEPE) e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos
(PPGEM), sem fins lucrativos, que publica, prioritariamente, trabalhos originais e inéditos.
A política editorial da Revista estabelece que os artigos devem apresentar uma reflexão
inovadora e contribuir para o desenvolvimento de um pensamento estratégico autóctone em
matéria de Defesa, particularmente, no que se refere ao poder marítimo.

Todos os artigos para publicação estão condicionados ao processo de avaliação por pares e a
aprovação dos membros do Conselho Editorial ou do Conselho Consultivo.

Os artigos publicados pela Revista são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não
expressando, necessariamente, o pensamento da Escola de Guerra Naval nem o da Marinha
do Brasil.

Direitos desta edição reservados à EGN, podendo ser reproduzidos desde que citados a fonte e
informado à Escola de Guerra Naval.

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO EQUIPE EDITORIAL


Afonso Barbosa (EGN/CEPE, RJ, RJ, Brasil) Editor Científico:
Alcides Costa Vaz (UNB, DF, Brasil) Nival Nunes de Almeida (UERJ, RJ, RJ, Brasil)
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Lisboa, Lisboa, Portugal)
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RJ, Brasil)
Brasil)
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Reginaldo Gomes Garcia dos Reis (EGN/CEPE, RJ, Revisora Bibliográfica:
RJ, Brasil) Angélica Behenck Ceron
Rodrigo Fernandes More (UNIFESP, SP, SP, Brasil)
Auxiliar Técnico:
Vinicius Mariano de Carvalho (KING’S COLLEGE Augusto Davi Meirelles Neves
LONDON, UK)
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Qualis/CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


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ICAP - Indexação Compartilhada de Artigos de Periódicos
SUMARIOS - Sumários de Revistas Brasileiras

Revista da Escola de Guerra Naval. – v. 21, n. 1, (jan./jun. 2015). – Rio de Janeiro:


Escola de Guerra Naval, 1968 – v. ; 22 cm.
Semestral
ISSN 1809-3191

1. Brasil. Marinha – Periódicos. I. Brasil. Marinha. Escola de Guerra Naval. II. Título.
PALAVRAS DO DIRETOR

É com satisfação que participo aos leitores da Revista da Escola de Guerra


Naval (EGN) a elevação da classificação do nosso periódico pelo Comitê de
avaliação da Área de Ciência Política e Relações Internacionais da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do estrato B-5 (inicial)
para o B-1 (superior). Isso significa o reconhecimento por parte da comunidade
acadêmica da qualidade científica da Revista, colocando-a entre os principais
periódicos científicos nacionais na temática de Defesa.
Outro elemento que caracteriza a Revista é constituir-se em registro histórico
da evolução da política de defesa e da estratégia naval. Nesse sentido, este número
traz como artigo convidado a Aula Magna do Ministro de Estado da Defesa, Jaques
Wagner, para o Curso Superior de Defesa: “Inovações em prol da defesa e do
desenvolvimento do Brasil”, e, na seção comunicação, a Aula Inaugural dos cursos
de altos estudos militares da Escola de Guerra Naval: “A influência dos avanços
tecnológicos no Poder Naval brasileiro no século XXI”, proferida pelo Chefe do
Estado-Maior da Armada, Almirante-de-Esquadra Wilson Barbosa Guerra.
A seção artigos científicos é aberta com o artigo “América do Sul no Pós-
Guerra Fria: a guerra às drogas e o redimensionamento da agenda de segurança
estadunidense” que discute o espaço ocupado pela América do Sul na agenda de
segurança estadunidense, por meio da análise de sua guerra às drogas. Ainda nessa
seção, seguem 7 artigos nacionais e 1 internacional contemplando temas como:
a inserção internacional do Brasil, a formação das Forças Armadas de Angola,
evolução das prioridades navais, base industrial de defesa, responsabilidade cívico-
social e medicina militar, política externa brasileira, poder marítimo e logística.
Dessa maneira, como atesta a recente ascensão em sua classificação pela
CAPES, a Revista da EGN consolida-se como veículo especializado e qualificado
em temas relacionados à Defesa, contribuindo com o debate e o desenvolvimento de
um pensamento estratégico autóctone.

Desejo a todos uma boa leitura!

Antonio Fernando Garcez Faria


Contra-Almirante
Diretor
SUMÁRIO

ARTIGO CONVIDADO
INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO 15
DESENVOLVIMENTO DO BRASIL
Jaques Wagner

ARTIGOS
AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA: 33
A GUERRA ÀS DROGAS E O REDIMENSIONAMENTO
DA AGENDA DE SEGURANÇA ESTADUNIDENSE
Rafael Duarte Villa
Thiago Rodrigues
Fabrício Chagas Bastos

A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA POR 63


MEIO DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE
PREVENÇÃO DE CONFLITOS E PROTEÇÃO AOS
CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS
Marcelo M. Valença
Ana Paula Tostes

A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA FORMAÇÃO 83


DAS FORÇAS ARMADAS
Luis Manuel Brás Bernardino

TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL 111


José Augusto Abreu de Moura

BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE 141


INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL
Vitelio Marcos Brustolin
RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A 179
MEDICINA MILITAR
Sandra Maria Becker Tavares

TEORIA NÃO OCIDENTAL & POLÍTICA EXTERNA 197


BRASILEIRA: PROVOCAÇÕES DE UMA ANÁLISE
COMPARADA DAS MOTIVAÇÕES PARA A POSIÇÃO
COINCIDENTE BRASILEIRO-ARGENTINA EM TORNO
DA CRIAÇÃO DO CONSELHO SUL-AMERICANO DE
DEFESA
Mariana Kalil

TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN: 223


UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES
CONTEMPORÂNEOS.
Alexandre Rocha Violante

A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE 261


Márcio Saldanha Walker

COMUNICAÇÃO
A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS 283
NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI
Wilson Barbosa Guerra

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 299


SUMMARY

INVITED ARTICLES
INNOVATIONS IN SUPPORT OF BRAZILIAN 15
DEFENCE AND DEVELOPMENT
Jaques Wagner

ARTICLES
SOUTH AMERICA IN THE POST-COLD WAR ERA: 33
WAR ON DRUGS AND THE RESHAPING OF THE US
SECURITY AGENDA
Rafael Duarte Villa
Thiago Rodrigues
Fabrício Chagas Bastos

BRAZILIAN INTERNATIONAL INSERTION TROUGH 63


THE CONSOLIDATION OF NORMS OF CONFLICT
PREVENTION AND PROTECTIONS OF CIVILIANS
IN ARMED CONFLICTS: POSSIBILITIES FROM THE
RESPONSIBILITY WHILE PROTECTING.
Marcelo M. Valença
Ana Paula Tostes

PORTUGAL’S PARTICIPATION IN THE CREATION 83


OF THE ANGOLAN ARMED FORCES
Luis Manuel Brás Bernardino

THREE CICLES OF BRAZILIAN NAVY 111


José Augusto Abreu de Moura
DEFENSE INDUSTRIAL BASE: THE INTERNATIONAL 141
COMPETITIVENESS OF BRAZILIAN COMPANIES OF
INDIVIDUAL EQUIPMENT
Vitelio Marcos Brustolin

CIVIL SOCIAL RESPONSIBILITY AND THE MILITARY 179


MEDICINE
Sandra Maria Becker Tavares

NON-WESTERN THEORY & BRAZILIAN FOREIGN 197


POLICY: INCITEMENTS OF A COMPARATIVE
ANALYSIS OVER THE MOTIVATIONS BEHIND
THE BRAZILIAN-ARGENTINIAN COINCIDING
POSITIONS OVER THE CONSTITUTION OF THE
SOUTH AMERICAN DEFENSE COUNCIL
Mariana Kalil

MAHAN’S THEORY OF SEA POWER - A CRITICAL 223


ANALYSIS ACCORDING CONTEMPORARY
AUTHORS
Alexandre Rocha Violante

DEFENSE LOGISTICS INTEGRATED TO SOCIETY 261


Márcio Saldanha Walker

INAUGURAL CLASS
THE INFLUENCE OF THE TECHNOLOGICAL 283
ADVANCES IN THE BRAZILIAN NAVAL POWER IN
TWENTY-FIRST CENTURY

ARTICLES SUBMISSION GUIDELINES 299


AUTORES

Jaques Wagner
Governador da Bahia de 2007 a 2014 e Ministro da Defesa de 2014 a 2015.

Rafael Duarte Villa


Doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1997),
livre docência pela Universidade de São Paulo (2007) e pós-doutorado pela
Columbia University (EUA-2008). Possui graduação em Ciência Política
- Universidad de los Andes (Venezuela-1988), mestrado em Ciência
Política pela Universidade de São Paulo (1992). Atualmente é professor
associado da Universidade de São Paulo - no departamento de Ciência
Política (DCP-USP) e no Instituto de Relacões Internacionais (IRI-USP). O
pesquisador tem produção e pesquisa na Ciência Política, com ênfase nas
Relações Internacionais, Bilaterais e Multilaterais, atuando principalmente
nos seguintes temas: relações internacionais e política externa da América
Latina, política de segurança dos Estados Unidos para a América do Sul
e questões normativas de relacões internacionais, especialmente no tema
relacionado com atores não-estatais.

Thiago Rodrigues
Doutorado (2008) e mestrado (2001) e em Relações Internacionais pela
PUC-SP; com estágio doutoral, em 2007, no Institut des Hautes Études de
lAmérique Latine (IHEAL) da Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris
III). É professor no Departamento de Estudos Estratégicos e Relações
Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Na UFF é professor na Graduação em Relações
Internacionais e nos Programas de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos
da Defesa e Segurança (PPGEST) e Ciência Política (PPGCP). É, desde 1999,
pesquisador no Núcleo de Sociabilidade Libertária (Nu-Sol) do Programa
de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Pesquisador na
área de Relações Internacionais e Ciência Política, com ênfase em Conflito,
Guerra e Paz, atuando principalmente nos seguintes temas: narcotráfico,
teoria das relações internacionais, novos conflitos internacionais, segurança
internacional, relações internacionais da América Latina.
11

Fabrício H. Chagas Bastos


Doutorado pela Universidade de São Paulo. Research Fellow do Australian
National Centre for Latin American Studies da Australian National
University (ANU), financiado pelo Governo da Austrália com o Endeavour
Research Fellowship (2015-2016). Pesquisador Associado do Núcleo de
Pesquisa em Relações Internacionais da USP. Editor Associado da revista
Carta Internacional, publicada pela Associação Brasileira de Relações
Internacionais (ABRI). É colunista da versão on-line do Estado de São Paulo.

Marcelo M. Valença
Doutorado em Relações Internacionais pela PUC-Rio (2010). Professor
adjunto do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (PPGRI/UERJ), aonde também coordena o curso de graduação em
Relações Internacionais. Bacharel em Direito (PUC-Rio, 2003). Membro do
Comitê Executivo da Active Learning in International Affairs (ALIAS/ISA) e
sub-coordenador da Área Temática de Ensino e Pesquisa da ABCP. Seus temas
de pesquisa se concentram principalmente na área de Estudos de Guerra e de
Paz, Segurança Internacional e Direito Internacional, como economia política
do conflito, gestão de conflitos armados, intervenção humanitária, segurança
humana, política externa brasileira e integração regional.

Ana Paula Tostes


Doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ (atual IESP/UERJ) em 2001, Mestre
em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1995), Pós-Graduação em Filosofia, graduação
incompleta em filosofia e bacharelado em Direito. Possui Pós-doutorado
em Ciência Política pela USP (2007). Vice Coordenadora do Programa de
Pós Graduação em Relações Internacionais-PPGRI/UERJ, Professora do
Departamento de Relações Internacionais da UERJ e pesquisadora Prociência
da FAPERJ. Foi coordenadora do PPGRI (janeiro de 2013 a março de 2015),
professora em Michigan State University (MSU), membro do CLACS/MSU
(Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenho de Michigan State
University), PRODOC e professora visitante no Departamento de Ciência
Política e no curso de Relações Internacionais da USP. Foi pesquisadora do
Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP (NUPRI-USP) e
membro do GACint (Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP).
Luis Manuel Brás Bernardino
Doutorado em História dos Factos Sociais, Especialidade de Relações
Internacionais – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (2012);
Mestrado em Estratégia – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
(2007); Pós-Graduação em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações
Internacionais, integrado no Curso de Estado Maior (IESM) – Universidade
Autónoma de Lisboa (2007); Licenciatura em Ciências Militares, na
Especialidade de Infantaria – Academia Militar (1992).

José Augusto Abreu de Moura


Doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense
(2012). Doutor em Ciências Navais, pela Escola de Guerra Naval (1993).
É especialista em História Militar pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (2005) e instrutor da Escola de Guerra Naval desde
1994, tendo atuado principalmente em Estratégia Naval e professor do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra
Naval a partir de 2014.

Vitelio Marcos Brustolin


Doutorado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (UFRJ).
Professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da
Universidade Federal Fluminense (UFF), Fellow e Visiting Researcher
da Harvard Law School e do Harvard Department of the History of
Science, Lemann Fellow. Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento. Possui formação em Ciências Jurídicas (Direito) e
Ciências Sociais pela Universidade Regional Integrada - URI, bem como,
titulação em Comunicação Social – Jornalismo.

Sandra Maria Becker Tavares


Doutorado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva pela Fundação
Oswaldo Cruz (2014), mestre em Enfermagem pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (1995). É professora efetiva da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Saúde Coletiva e Defesa
Nacional atuando principalmente nas seguintes áreas: bioética, logística e
mobilização nacional e informação em saúde.
Mariana Kalil
Doutoranda em História das Relações Internacionais do Brasil pelo
Instituto de Relações Internacionais (IRel) da Universidade de Brasília
(UnB), Brasília, DF, Mestra em Política Internacional e Comparada pelo
mesmo Instituto, Representante da América Latina no Comitê Executivo
da International Studies Association (ISA), Nova Iorque, EUA, e
Professora Colaboradora do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da
Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ.

Alexandre Rocha Violante


Mestre em ciências Navais pela Escola de Guerra Naval, atual Mestrando
em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança (PPGEST) na UFF/INEST.
Especialista em Gestão Empresarial pelo Instituto COPPEAD/UFRJ (2013).
Especialista em Relações Internacionais pela PUC-RJ (2012). Especialista
em Direito Internacional e Direitos Humanos pela Universidade Cândido
Mendes RJ. (2011).

Márcio Saldanha Walker


Doutorando em Ciências Militares (IMM/ECEME), Major de Cavalaria,
Mestre em Operações Militares (EsAO), Aluno do Curso de Comando e
Estado-Maior do Exército (ECEME).

Wilson Barbosa Guerra


Almirante-de-Esquadra, Chefe do Estado-Maior da Armada e Doutor em
Ciências Navais, pela Escola de Guerra Naval.
Jaques Wagner 15

ARTIGO CONVIDADO

INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO


DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Jaques Wagner1

Senhoras e senhores,
Antes de mais nada, como o carioca que sou, gostaria de
compartilhar com os senhores o meu carinho por esta cidade e de fazer
menção ao seus 450 anos, que se completaram ontem com uma linda festa.
É com grande alegria que me junto a esta dileta audiência nesta
manhã para compartilhar ideias sobre a nossa política de defesa.
Quero falar-lhes não apenas dos rumos de nossa ação política no
campo da Defesa – o que deve ser a sua expectativa hoje.
Quero falar-lhes também de um conjunto de ações inovadoras que
vêm sendo empreendidas nos últimos anos e que serão continuadas ao longo
de minha gestão. Refiro-me a ações inovadoras não apenas no âmbito do
reaparelhamento com tecnologias de ponta, mas também, e principalmente,
a ações inovadoras diretamente relacionadas à interoperabilidade no
âmbito da formação de indivíduos e da administração de instituições.
Nosso Governo – os senhores bem sabem – elegeu a educação como
eixo de sua atuação nos próximos quatro anos, o que confere significado
especial a este evento.

1
Aula magna para os alunos do Curso Superior de Defesa da Escola Superior de Guerra

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


16 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Esta Conferência dá início aos trabalhos da 3ª edição do Curso


Superior de Defesa da Escola Superior de Guerra (ESG), inaugurado em
2013 com o objetivo de reunir conteúdos e atividades comuns aos cursos
de Altos Estudos das Forças Armadas e da própria ESG.
Temos também entre nós os alunos que iniciarão a 30a edição
do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da ESG (CAEPE), cuja
origem se confunde com a história da própria Escola.
Aliás, este ano marca o 30o aniversário do CAEPE em seu formato
atual: em 1985, em plena transição democrática, a Escola preocupou-se em
ajustar seus conteúdos aos novos tempos. Hoje, em seguimento a mais uma
das boas iniciativas de seu antigo Comandante, o Almirante Leal Ferreira,
a ESG ensaia nova modernização, mediante a criação de um programa de
pós-graduação stricto sensu que se juntará aos já estabelecidos na Escola de
Guerra Naval (EGN), na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
(ECEME) e na Universidade da Força Aérea (UNIFA).
O fato de estarmos todos aqui é, por si só, motivo de celebração e
simboliza a crescente interação de nossos oficiais superiores – um processo
que precisa se intensificar continuamente se quisermos bem defender
nossa Pátria.

FORMAÇÃO E INTEROPERABILIDADE

Somente por meio da plena interoperabilidade de nossas Forças


Armadas poderemos alcançar êxito em nossa missão constitucional. E me
parece óbvio que só poderemos chegar a esse resultado se nos conhecermos
bem. É óbvio, também, que esse processo requer a camaradagem tão
necessária para azeitar as estruturas de hierarquia e disciplina, sem as
quais Forças Armadas efetivas e profissionais simplesmente não podem
subsistir.
Há obviedades que devem ser ditas. Para manter o norte, com
frequência é preciso reconhecer e repisar o óbvio. Quem aqui já comandou
saberá do que estou falando. Saberá também que não se constrói
interoperabilidade por decreto. Estamos falando de um processo, que,
em alguns países, se estendeu por décadas. Felizmente, não precisamos
percorrer os mesmos caminhos nem cometer os mesmos erros – podemos
aprender com as experiências alheias.
Aliás, a presença de oficiais de nações amigas em nossos cursos de
altos estudos oferece boa oportunidade para fazê-lo.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Jaques Wagner 17

Saúdo, a propósito, os estagiários estrangeiros da Alemanha,


Equador, Líbano, Peru e Venezuela aqui presentes. Sejam bem-vindos
ao nosso convívio e desfrutem ao máximo. Ao mencionar sua presença,
abro parênteses para sublinhar a conveniência de se intensificar a presença
de oficiais de nações amigas em nossos cursos. Convém, principalmente,
continuar a ampliar a cooperação com os países do nosso entorno estratégico.
Precisamos compreender melhor as percepções e as ansiedades de nossos
amigos, para aprimorar nossa capacidade de reforçar continuamente os
laços de confiança, de forma criativa, solidária e duradoura.
Aplicada no nível regional, essa maior intimidade com nossos
vizinhos sul-americanos muito beneficiará nossa capacidade coletiva de
dissuasão contra possíveis ameaças vindas de fora. Sei que já existe um
fluxo consolidado de oficiais nos dois sentidos – tanto estrangeiros, que
recebem uma parcela de sua formação no Brasil, quanto brasileiros, que
participam de cursos e atividades educativas no exterior.
Quando avalio os aportes dessas experiências ao nosso
conhecimento do mundo e sua relevância para a nossa projeção
internacional como uma potência emergente, respeitada e pacífica, concluo
que deveríamos encontrar meios para ampliar ainda mais esse esforço.
Seja essa, desde logo, minha primeira sugestão para as próximas edições
desse curso. E, com isso, fecho os parênteses que abri. Volto ao que lhes
dizia sobre o processo de aperfeiçoamento de nossa interoperabilidade.
Os cursos que hoje se iniciam desempenham papel crucial nesse
processo. Nos últimos anos, o Ministério da Defesa logrou começar
a integrá-los: há conferências conjuntas, há conteúdos previamente
combinados, há trocas que se intensificam a cada ano, e isso tudo é muito
bom. Felizmente, já vai relativamente longe o tempo em que o conteúdo
e os trabalhos desses cursos evoluíam de forma paralela, e há um espaço
cada vez maior para que oficiais de cada Força participem de cursos
oferecidos pelas demais.
Essa prática tem trazido muitos benefícios para nossa nação,
permitindo intensificar os debates conjuntos das três Forças sobre temas da
atualidade e sobre os desafios e oportunidades da nossa defesa nacional.
Entre os benefícios dessa experiência, está o enriquecimento das análises
feitas pelos senhores, já que cada Força tende a abordar os problemas da
Defesa de seu ângulo específico.
Com base no que já pude observar desde que me tornei Ministro
da Defesa, tenho confiança para expressar que os olhares de cada Força

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


18 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

são também, em grande medida, complementares. Se os senhores


trabalharem mais intensamente uns com os outros, aprofundando essa
interoperabilidade no âmbito de suas formações, todos aprenderão mais.
E, simultaneamente, esse processo criará valiosas oportunidades
para fortalecer os vínculos fraternais que unem os oficiais da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica.Afinal, que outro lugar se presta melhor
à construção de sólidos vínculos de amizade e camaradagem do que os
bancos escolares?
Eis um belo desafio para as áreas de formação das três Forças,
para a ESG e para o MD – trata-se de uma oportunidade de inovar a gestão
da Defesa, que não podemos desperdiçar. Tenho certeza, ademais, de que
veremos um número cada vez maior de iniciativas de aperfeiçoamento e
modernização dos currículos de nossas academias militares em prol de
uma interface cada vez mais consistente e multifacetada com a sociedade
civil.
No âmbito do MD, estou seguro de que a Secretaria de Pessoal,
Ensino, Saúde e Desporto, a SEPESD, compreende bem esse desafio, e
confio em que o General Silva e Luna, com sua experiência, conseguirá
superá-lo continuadamente, valendo-se de instrumentos de que já dispõe,
como a Comissão Permanente de Interação do Ensino Militar – a CPIEM.
A Secretaria Geral do MD, por meio de sua recém-criada Comissão
Permanente de Ensino de Defesa – a COPEDE –, também estará pronta a
colaborar com esse objetivo maior da formação conjunta de nossos oficiais
superiores.

INTEROPERABILIDADE E INOVAÇÃO: VISÃO DE LONGO PRAZO


E EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

O processo de fortalecimento da interoperabilidade de nossas


Forças é crucial para garantir o seu emprego eficaz. Mas a interoperabilidade
é um meio; não é um fim em si mesma.
Ela é parte do aperfeiçoamento do preparo de nossos militares e
civis que trabalham em prol da defesa do Brasil. E o preparo é tradição
nas nossas Forças – uma tradição que os senhores têm, a partir de hoje, a
responsabilidade de aprimorar e transferir às próximas gerações.
Outra parte relevante na implementação interoperacional de
nossa política de Defesa consiste na obtenção dos meios necessários para o
emprego da força militar.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Jaques Wagner 19

Torna-se cada vez mais evidente que a interoperabilidade é


condição para o emprego eficaz e efetivo da força militar.
Mas o que nem sempre se nota é o fato de que ela pode aportar
eficiência à administração dos meios de que dispomos, via economias de
escala. Quero chamar sua atenção para um exemplo concreto: observem
que esses temas – orçamento e interoperabilidade – estão interligados.
Compras centralizadas de material comum, para dar um exemplo,
resultam em vultosas economias de recursos e de tempo.
Outras unidades do Poder Executivo já acumularam boas
experiências nesse campo. Podemos aproveitá-las na Defesa. As economias
auferidas nessas compras podem ampliar o orçamento de investimentos do
Ministério da Defesa, permitindo alcançar a condição de reaparelhamento
a que tanto almejamos.
Mas o principal não é sequer a economia de recursos, tão necessária
hoje em dia. O principal é prover aos nossos oficiais as condições para
destinar seu tempo e qualificação ao preparo e ao emprego das Forças, que
é sua missão precípua. Ao permitirmos que nossos oficiais se concentrem
nas atividades para as quais se prepararam durante toda a sua vida,
alocaremos de forma mais inteligente nossos recursos humanos, o que
nos permitirá dimensionar de modo mais apropriado os efetivos ideais no
presente e no porvir.
Parto desse exemplo concreto para mostrar-lhes que ações muito
específicas podem constituir inovações na gestão das políticas públicas
de defesa. Para citar mais exemplos concretos, refiro-me ao processo
logístico, acompanhado de perto pelo Brigadeiro Rossato, que culminará
na duplicação das capacidades do Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA) – um centro que é parte fundamental para a consecução de nossos
objetivos de atingir excelência no ensino e na área científico-tecnológica.
Releva mencionar ainda o histórico Instituto Militar de Engenharia
(IME), cuja tradição remonta à criação da Real Academia de Artilharia,
fortificação e desenho, na cidade do Rio de Janeiro, em 1792, por Dona
Maria I.
Suas tradição e renome seguem elevados através dos tempos
mercê de suas constantes evoluções e inovações. Sinto-me confiante que
assim continuará a ser, posto que conheço a atenção especial que o General
Villas Bôas devota à formação e ao aperfeiçoamento do pessoal de nosso
Exército.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


20 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Contudo, inovação não se faz apenas pela criação de equipamentos


modernos, capazes de ampliar a eficácia do emprego da força. Ela se
faz também na melhoria da capacidade de resposta, na ampliação da
eficiência logística, na alocação mais apropriada das competências de que
dispomos para atingir nossos objetivos e, assim, ampliar nossa capacidade
de dissuasão, em obediência à Estratégia Nacional de Defesa.
Cabe dizer que inovações não são obra do acaso. Elas se inscrevem
no marco de uma visão estratégica de permanente aprimoramento da
Defesa Nacional brasileira. Por meio delas, materializamos o processo
de reorganização do setor de defesa no Brasil, que se firma como um dos
eixos de promoção do desenvolvimento socioeconômico de nosso país.
Inovações políticas funcionam como pontes entre a Defesa que
temos e a que teremos em um futuro não muito distante. Funcionam
também como espaços de diálogo entre civis e militares envolvidos na
promoção da Defesa nacional. Instrumentalizam, ainda, a aprendizagem
coletiva, e favorecem nosso domínio sobre as tecnologias necessárias
para assegurar nossa autonomia política e acelerar o ritmo de nosso
desenvolvimento econômico.
Esse processo não é fácil. Nada que seja realmente importante
e valioso é fácil. Estamos falando de uma política de Estado, aberta aos
aperfeiçoamentos que os governos democraticamente eleitos aportam à
sua implementação. Uma política que se desdobra em quatro dimensões
principais: a atenção às transformações da conjuntura internacional; o
entorno estratégico; o cenário doméstico; e a dinâmica institucional da
Defesa Nacional
As duas primeiras, de que falarei primeiro, estão interligadas e
vinculam os ambientes internacional e regional, aprimoram a capacidade
dissuasória do Brasil e ampliam seu potencial de liderar ações em prol
da paz no cenário internacional. A terceira, que será tratada na sequência,
reafirma a relação indissociável entre Defesa e desenvolvimento nacional.
A quarta, mais palpável, será ilustrada por uma série de exemplos
de inovações institucionais nos documentos de defesa e no Ministério da
Defesa.
Juntas, essas quatro dimensões vêm reestruturando o setor de
Defesa em nosso país. É sobre isso que quero falar-lhes na parte final desta
nossa conversa.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Jaques Wagner 21

DIMENSÃO POLÍTICA – TRANSFORMAÇÕES NA CONJUNTURA


INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA

As profundas transformações nas conjunturas externa e interna


impõem a necessidade de adaptação de nossa política de defesa à uma
realidade em constante evolução.
Felizmente, os militares, assim como os políticos, estão habituados
a mirar em alvos móveis. Precisamos continuar preparando nosso país
para responder aos desafios e às potenciais ameaças à segurança nacional
de forma responsável, perspicaz e efetiva. No mundo de hoje, indivíduos
e comunidades políticas realizam importantes avanços nos níveis de bem-
estar, de justiça social e de acesso a oportunidades.
Entretanto, convivemos também, e muito de perto, com conflitos,
elevados níveis de violência e acentuada disputa por recursos naturais.
Acontecimentos recentes têm levado vários observadores a apontar que o
ambiente internacional no campo da defesa e da segurança passa por um
processo de mudança estrutural.
Tensões nos Mares do Sul e no Leste da China, conflitos étnicos
e religiosos com manifestações em todo o globo, crises humanitárias na
África, encruzilhadas como a que se vê hoje na Ucrânia, desequilíbrios
econômicos que põem em risco o projeto de integração europeu, tudo
aponta para a progressiva transformação da realidade unipolar dos
últimos 25 anos pós-Guerra Fria.
A instabilidade geopolítica contemporânea estende-se a regiões
da África que nos interessam particularmente. Por exemplo, a Nigéria,
que muito que tem sofrido com os ataques do grupo islâmico Boko
Haram, merece detida atenção: trata-se do maior produtor de petróleo do
continente, décimo do mundo e principal parceiro comercial africano do
Brasil.
Ainda na África, a deterioração da situação na Líbia para um
novo cenário de violento conflito civil traz especial preocupação, pois a
instabilidade no país tem transbordado para toda a região do Sahel. No
Oriente Médio, além dos históricos conflitos de Israel com o Hamas, em
Gaza, e com o Hezbollah, no sul do Líbano, a Síria enfrenta desde 2011 uma
guerra civil, hoje agravada pelo crescimento do poder do Estado Islâmico.
Paralelamente, assistimos ao acelerado progresso científico e
tecnológico, com destaque para as áreas da cibernética e da biotecnologia,

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


22 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

com vinculação imediata a atividades de natureza militar. E o terrorismo


– um fenômeno político ainda desprovido de conceituação jurídica
consensual no plano internacional – adquiriu feições preocupantes, como
ilustra o recente atentado contra a sede do jornal satírico francês Charlie
Hebdo, no coração de Paris.
Convivemos, igualmente, com mudanças cujas implicações para
o setor de Defesa ninguém consegue, ainda, estabelecer com segurança.
Cito algumas:
- A insegurança energética, a despeito da redução, pela metade,
dos preços do petróleo bruto no mercado internacional;
- A acelerada transformação nos mercados de trabalho;
- O aumento nos fluxos de migrações internacionais e
intrarregionais;
- A expansão do crime organizado transnacional;
- O crescimento dos movimentos ultranacionalistas e neonazistas;
- O risco de proliferação de armas de destruição em massa;
- O desafio de proteger a privacidade de informações sensíveis e
estratégicas na era digital;
- Os desequilibrados ritmos de crescimento demográfico em
diferentes países, gerando excesso de jovens carentes de qualificação
superior em alguns espaços e sociedades envelhecidas e sofisticadas em
outros;
- O desrespeito frequente aos princípios da não intervenção e da
autodeterminação por parte de algumas das grandes potências econômicas
e militares.
Nesse cenário estratégico novo, eleva-se o grau de competição e
rivalidade entre as grandes potências, o que nos lembra de que as antigas
ameaças permanecem presentes – como sempre. Essa nova realidade
internacional, cuja polaridade segue indefinida, carece, ainda, de
mecanismos de governança perfeitamente legítimos e eficazes.
Como resultado, é concreta a possibilidade de que diferentes regiões
do mundo venham a sofrer reflexos diretos e indiretos de acontecimentos
distantes, aparentemente isolados. Faço menção a tantos elementos de
instabilidade para compartilhar com os senhores algumas impressões
acerca da conjuntura internacional, ora em ebulição, e dos desafios que os
novos contornos da ordem internacional nos impõem.Mas, como sabemos,
grandes desafios oferecem grandes oportunidades. Pela primeira vez em

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Jaques Wagner 23

sua história, o Brasil está em condições de contribuir ativamente para a


reforma das instituições internacionais e para a reconfiguração da ordem
global. Somos uma das dez maiores economias do mundo e temos voz
ativa nos grandes foros decisórios internacionais. Mais do que isso, temos
sido capazes de renovar o processo decisório internacional, por meio
da consolidação de novos foros e mecanismos de concertação, como o
agrupamento BRICS, o Fórum IBAS e o G-20 comercial.
Vejam que é possível, e às vezes necessário, inovar também
no plano internacional. O Brasil deve, portanto, encarar o momento de
instabilidade e redefinição que vivemos no ambiente externo como uma
oportunidade histórica. Por um lado, podemos realizar mudanças que nos
fortaleçam a capacidade de defesa contra ameaças externas, reforçando
a posição de liderança regional que o país já detém – uma liderança
dedicada à promoção da paz, da cooperação e da estabilidade nas relações
internacionais.
Por outro lado, indefinições e vácuos políticos funcionam como
incentivo à nossa participação efetiva na construção de uma nova ordem
internacional, mais justa, próspera e sustentável.

DIMENSÃO POLÍTICA – ENTORNO ESTRATÉGICO

Nosso patrimônio nacional em termos de recursos naturais coloca


o Brasil em posição bastante privilegiada no cenário mundial. Possuímos
vastas reservas de água, de petróleo e de gás natural, além de importantes
riquezas minerais.
A produtividade agrícola e pecuária brasileira, resultado de
ingentes investimentos em pesquisa, tecnologia e inovação aplicadas ao
setor de commodities, contribui historicamente para a prosperidade do
país e para a segurança alimentar do mundo. A matriz energética brasileira
é significativamente diversificada, e possui o potencial de se diversificar
ainda mais, para além da exploração da Pré-Sal, em direção a novos nichos
de oportunidade alinhados aos imperativos ambientais do novo século.
É missão do Ministério da Defesa e das Forças Armadas
Brasileiras, respectivamente, articular e operacionalizar a proteção desse
patrimônio. É fundamental consolidar nossa capacidade de dissuadir
possíveis ameaças e de gerir a exploração de nossos próprios recursos com
autonomia. A abundância de recursos não é privilégio exclusivo do Brasil
em nosso entorno estratégico.

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24 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Por exemplo, a Argentina dispõe de terras muito férteis e de uma


riquíssima extensão de águas jurisdicionais. O Chile possui as maiores
reservas conhecidas de minério de cobre – que responde por 40% de suas
exportações.
A Colômbia possui carvão de grande qualidade, do qual, aliás,
carecemos.
A Venezuela possui a sexta maior reserva de petróleo e a nona
maior reserva de gás do planeta.
A Bolívia possui jazidas de gás duas vezes superiores às brasileiras.
O Paraguai conta com um dos maiores potenciais hidrelétricos do
mundo.
Não quero me estender citando as riquezas de cada um de nossos
vizinhos, mas não é ocioso lembrar que estão na América do Sul a maior
floresta tropical, o maior estoque de biodiversidade e as maiores reservas
de água doce do planeta. Temos todos, coletivamente, a responsabilidade
de proteger esse patrimônio.
A América do Sul é uma região extremamente rica em recursos
minerais, em energia, em potencial agrícola e em biodiversidade, marcada
por profundas assimetrias entre os Estados que a compõem. Isso a expõe
a riscos estratégicos que não podem ser negligenciados na formulação de
uma política de Defesa nacional e regional.
Ao mesmo tempo, salta aos olhos o baixo índice de conflitos
interestatais na América do Sul em comparação a outras regiões do mundo
– uma das características mais positivas das relações de segurança de nosso
subcontinente.
Ao longo das últimas duas décadas, dois grandes fatos contribuíram
para reduzir ainda mais as tensões, tanto no plano doméstico quanto nas
relações regionais dos países da América do Sul: a redução significativa da
desigualdade social e a consolidação do sistema democrático. As melhorias
nas condições de vida da população da região resultaram da adoção de
políticas públicas centradas em três pilares: maior proatividade do Estado
nas políticas de desenvolvimento; maior integração com os mercados
globais; e, sobretudo, inovação exemplar nas políticas sociais.
Ao consolidarem a UNASUL, os países da América do Sul
trabalham hoje na formação de um grande bloco de 17 milhões de
quilômetros quadrados e de mais de 400 milhões de habitantes. Esse
processo destina-se tanto a defender seus interesses estratégicos quanto
a promover seus interesses inalienáveis de desenvolvimento com justiça

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Jaques Wagner 25

social, preservando sua autonomia política e sua identidade cultural,


protegendo seu povo e suas riquezas.
Convém que continuemos a lançar um olhar mais apurado sobre
a América do Sul e sua importância política, econômica e estratégica
para o Brasil. A prioridade que o Brasil atribui à América Latina, e
particularmente à América do Sul, é uma realidade essencial não apenas
de nossa política externa, mas também de nossa política de defesa. Isso se
explica pelas características geopolíticas de nosso país, pelas circunstâncias
internacionais e pelo disposto no artigo 4º da Constituição Federal.
Por isso, aprofundaremos nossa cooperação sul-americana na área
de defesa, por meio do fortalecimento de canais institucionais regionais
como o Conselho Sul-Americano de Defesa e, agora, de sua recém-criada
Escola Sul-Americana de Defesa, a ESUDE. Compartilho com os senhores
minhas elevadas expectativas em relação à Escola e antevejo promissoras
oportunidades de cooperação entre ESUDE e não apenas a ESG e o Instituto
Pandiá Calígera, mas também a EGN, a ECEME e a ECEMAR.
Por essa via, será possível compartilhar com nossos vizinhos
nossas percepções sobre as mudanças políticas e estratégicas de interesse
da América do Sul e melhor conhecê-los, consolidando a identidade e a
cultura de defesa em nosso continente. Ao aproximarmos nossas visões
e nossa formação, transformaremos nossa cooperação internacional em
poderoso instrumento a serviço da defesa integrada na América do Sul.
Eu não poderia deixar de concluir essa menção à conjuntura
internacional contemporânea e ao nosso entorno estratégico sul-americano
sem me referir também à África e ao Atlântico Sul. Na já conhecida
expressão de Alberto da Costa e Silva, “um rio chamado Atlântico”, o
Atlântico Sul foi definido como um rio que une duas margens, mais do
que um oceano que separa dois continentes.
Eu tive o privilégio, de maneira muito especial, de vivenciar a
verdade dessa expressão por meio de minha vida na Bahia, principalmente
em Salvador, que é a mais africana das cidades brasileiras. Em fevereiro
do ano passado, estive na sede da União Africana, em Adis Abeba, para
entregar a declaração final do encontro “África e diáspora africana”, que
ocorreu em Salvador, em 2013.
A África é nosso continente irmão, e o estreitamento de laços por
meio da diáspora africana no Brasil demonstra que podemos vir a ser parte
de uma crescente integração africana. A cooperação com os países africanos
na área de defesa potencializa nossas capacidades compartilhadas de

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26 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

defender nossa região. Nenhum dos países ribeirinhos ao Atlântico


Sul pode, sozinho, protegê-lo. A própria natureza das ameaças que
enfrentamos impõe respostas baseadas em ações concertadas – eis porque
devemos robustecer nossa atuação no âmbito da ZOPACAS e da CPLP.
Ameaças contemporâneas internacionalizadas, como a pirataria,
o tráfico de ilícitos e a pesca ilegal geram instabilidade para toda a região
e ameaçam a segurança marítima dos países sul-atlânticos. O Atlântico
Sul nos une, ademais, à Antártida, que também integra nosso entorno
estratégico e encerra um enorme potencial em termos de riquezas naturais
e conhecimento.
Por meio da concertação regional, de exercícios conjuntos e do
fortalecimento das instituições regionais, o Atlântico Sul reafirmará sua
condição de zona de paz e cooperação, livre de armas nucleares e de
ameaças à segurança marítima.

DIMENSÃO POLÍTICA DOMÉSTICA – DEFESA E DESENVOLVIMENTO

Em pouco mais de dez anos, o Brasil viveu uma verdadeira


revolução em termos de inclusão social. Em especial as famílias com
crianças, os negros e os nordestinos, ou seja, alguns dos segmentos
de nossa população historicamente marginalizados pelo modelo de
desenvolvimento adotado em nosso país, deixaram a situação de pobreza
extrema.Segundo dados recentes do Banco Mundial, a pobreza mais severa,
considerada em suas diversas dimensões, e não apenas a renda, caiu de
8,3% da população, em 2002, para o equivalente a 1,1% dos brasileiros em
2013.
É para mim um orgulho e uma satisfação fazer parte desse projeto
político vencedor, que já legou ao Brasil uma guinada extraordinária – e
inovadora – em sua própria história. Mas isso também significa que temos
a responsabilidade de avançar ainda mais nessa direção, de reduzir as
privações que afligem esses mais de dois milhões de brasileiros.
Nosso cenário atual combina os avanços das políticas sociais a
um conjunto de ajustes econômicos e orçamentários – necessários para
recuperar o crescimento da economia o mais rápido possível, criando
condições para a queda da inflação e da taxa de juros no médio prazo.
Segundo nossa Presidenta, em mensagem enviada ao Congresso no início
de seu novo mandato, esses ajustes são necessários para manter o rumo
e ampliar oportunidades, preservando os programas de proteção social.
Algumas dessas medidas têm caráter corretivo, de modo que os

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Jaques Wagner 27

cortes parciais em benefícios como o seguro desemprego não configuram


medidas fiscais, mas, sim, aperfeiçoamento de políticas sociais. A
necessidade de contenção de gastos e despesas atinge, atualmente, todos os
Ministérios e órgãos do Estado brasileiro. Obviamente, essa necessidade
afetará o Ministério da Defesa e as Forças Armadas.
O que quero ressaltar aqui hoje é o meu compromisso de empregar
todos os meus esforços e o meu capital político em favor da preservação
dos programas prioritários e dos projetos estratégicos da Defesa, mesmo
nesse cenário restritivo. E farei isso no marco de ações inovadoras como as
que lhes expus há pouco.
Esse compromisso decorre, é claro, de minha franca intenção de
realizar uma boa gestão à frente do Ministério da Defesa. Mas, sobretudo,
esse compromisso resulta de minha crença pessoal na Defesa como
propulsora do desenvolvimento nacional e da inovação – uma crença que
se alinha perfeitamente à Estratégia Nacional de Defesa. Peço licença para
citar, na íntegra, um de seus trechos, que ilustra a condição da política de
defesa como uma política de Estado:

A estratégia nacional de defesa é inseparável da


estratégia nacional de desenvolvimento. Esta
motiva aquela. Aquela fornece escudo para esta.
Cada uma reforça as razões da outra. Em ambas,
se desperta para a nacionalidade e constrói-
se a Nação. Defendido, o Brasil terá como
dizer não, quando tiver que dizer não. Terá
capacidade para construir seu próprio modelo
de desenvolvimento.

Os projetos estratégicos das Forças Armadas trazem importantes


ganhos para o Brasil: além de promoverem pesquisa e desenvolvimento
de tecnologias nacionais, eles impulsionam a economia do país, aquecem o
mercado de trabalho e geram produtos exportáveis de alto valor agregado.
Foi com muita satisfação que recebi a notícia, no segundo mês de
minha gestão, de que o cargueiro KC-390, que é o maior avião já fabricado
pelo Brasil e substituirá os Hércules C-130 na Força Aérea Brasileira,
levantou voo pela primeira vez.
Estive na semana passada em Itaguaí, onde conheci o Estaleiro e
Base Naval que abrigam o Programa de Desenvolvimento de Submarinos
da Marinha, que está desenvolvendo o submarino de propulsão nuclear

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


28 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

brasileiro. Amanhã, embarcarei para Manaus, onde conhecerei mais


de perto a atuação do Exército na Amazônia, região prioritária que será
melhor monitorada à medida que se desenvolve o Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras – um dos Projetos Estratégicos do Exército.
Considero esses e outros Projetos Estratégicos das Forças Armadas
como estruturantes e prioritários, e é essa a orientação que recebi da
Presidenta Dilma.
Garantir a consecução desses projetos é garantir o desenvolvimento
de tecnologias e de equipamentos fundamentais para o Brasil, e é também
concretizar a capacidade do país de perseguir seus objetivos estratégicos
de médio e longo prazo.
Isso consolida, ademais, as ações políticas inovadoras que
implementamos ao integrar nossos programas aos dos Ministérios
da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior.

O PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO


DA DEFESA NACIONAL

Toda política pública necessita de instituições e normas para


prolongar seus efeitos no tempo. Quando se trata de políticas de Estado,
mais estáveis e de maturação mais longa, as instituições desempenham
papel ainda mais relevante.
Isso porque, por um lado, elas legitimam a própria substância
da ação política, ao servirem de veículo para a materialização da vontade
popular.
Por outro lado, instituições não podem ser mudadas facilmente,
razão pela qual conferem previsibilidade à ação do Estado no médio e longo
prazos. No campo da Defesa, em nosso país, o arcabouço institucional vem
mudando rápida e profundamente.
Neste ano, o Ministério da Defesa completará dezesseis anos. É
um período curto, especialmente se levarmos em conta dois processos
mais amplos, que condicionam a reorganização do setor de Defesa em
nosso País.
O primeiro deles consiste na sucessão de crises econômicas que
superamos – e estamos superando – com êxito. Um êxito que se deve, em
parte, ao fato de havermos promovido também uma massiva inclusão
social, ampliando o nível da renda nacional e reduzindo as desigualdades
socioeconômicas. O segundo é o processo de transição democrática, que

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Jaques Wagner 29

vem permitindo a reaproximação entre civis e militares com comunhão


de interesses e elevado grau de transparência. Em outras palavras,
meus senhores, mesmo em circunstâncias difíceis, logramos avançar
admiravelmente.
Algumas inovações institucionais internas ao Ministério da
Defesa também contribuíram bastante, nos últimos anos, para o processo
de consolidação da Defesa como uma política pública. Cito a criação do
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (BMCFA) , em 2010, e sua
recente reestruturação, que dotaram o Ministério de capacidade para
coordenar o emprego das Forças nos níveis tático e operacional.
Ao longo de seus primeiros quatro anos de atividades, o EMCFA
vem contribuindo para uma atuação cada vez mais integrada das Forças
Armadas, ao conduzir, com êxito, diversas operações, como a promoção
da segurança em grandes eventos, as operações Ágata e a elaboração do
Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED).
Paralelamente, a Secretaria-Geral do Ministério da Defesa, criada
em abril de 2013, constitui uma nova estrutura de comando, derivada da
visão de estreita articulação civil-militar contida na Política Nacional de
Defesa.
Em outras palavras, graças a essas medidas de reestruturação, o
Ministério da Defesa hoje dispõe de condições institucionais adequadas
para executar com sucesso as políticas que requerem o concurso de
suas dimensões civil e militar. Quero também sublinhar uma inovação
específica: a promulgação da Lei 12.598, em 2012, que conferiu consistência
e previsibilidade aos empreendimentos da indústria brasileira de produtos
de defesa, por meio da concessão de vantagens tributárias e de condições
especiais para sua produção.
Sob a égide dessa lei e por meio da Secretaria de Produtos de
Defesa, criada em 2010, o Ministério tem trabalhado ativamente em prol
da reorganização da indústria e da conquista de autonomia tecnológica
nessa área. Finalmente, cito a criação do Instituto Pandiá Calógeras, em
2013, que concluiu com êxito o projeto de instalar um instituto civil capaz
de engajar a sociedade em pesquisas sobre a defesa e de produzir análises
em apoio ao processo decisório no Ministério. Ao longo de seus quase
dois anos de atividade, o Pandiá logrou estabelecer-se junto à comunidade
acadêmica brasileira e internacional e promoveu cerca de vinte eventos,
internacionais em sua maioria, entre os quais se destaca o mais importante
encontro de defesa no Brasil em 2014, o VIII Encontro Nacional da

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30 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ENABED).


Quero dizer-lhes que, ao assumir a pasta da Defesa, muito
recentemente, me comprometi com a missão de dar continuidade, com
os devidos ajustes, ao trabalho e aos processos legados pelas gestões de
meus antecessores neste Ministério que, embora jovem, já logrou avanços
significativos em benefício da defesa do Brasil.
Em relação às normas, não posso deixar de fazer referência conjunta
aos três documentos da Defesa Nacional, atualizados recentemente, que
informam e comunicam nossas percepções e diretrizes na área de defesa. A
Política Nacional de Defesa (PND) estabelece os objetivos e diretrizes para
o preparo e emprego de nossas capacidades de defesa, com o envolvimento
de civis e militares, em todas as esferas de poder. A Estratégia Nacional de
Defesa (END) orienta, mediante diretrizes precisas e mensuráveis, o modo
como serão implementadas as ações e inovações destinadas a concretizar
nossas intenções no campo da Defesa.
Finalmente, o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), que o
Brasil elaborou pela primeira vez em 2012, utiliza análises prospectivas
para subsidiar a elaboração do planejamento e do orçamento da Defesa.
O processo de elaboração e atualização desses documentos contribui para
envolver a sociedade no debate sobre Defesa e para explicitar as sinergias
entre esta e outras áreas cruciais para promover o desenvolvimento
socioeconômico sustentável de nosso país, como ciência e tecnologia,
indústria e comércio exterior.
O vínculo entre defesa e desenvolvimento havia aparecido já na
primeira edição da Política de Defesa Nacional, em 1996, mas se consolidou
na de 2005 e, principalmente, na Estratégia Nacional de Defesa de 2008.
A Política de 2005 trouxe outras inovações, como a definição de
nosso entorno estratégico e o profundo envolvimento da sociedade em sua
preparação.
Esse diálogo muito se beneficiou de uma série de iniciativas do
Governo e da sociedade que contribuíram para adensar nossa comunidade
de especialistas em defesa nacional – nisso, também inovamos. A esse
respeito, destaco os resultados do Ciclo de Itaipava, o Pró-Defesa e a
criação da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).
Cada um desses documentos tem um papel específico, de modo
que eles se harmonizam e se complementam para imprimir sentido às
políticas públicas de defesa e para conduzir sua implementação de maneira
dinâmica e integrada.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Jaques Wagner 31

O fato de suas versões atualizadas haverem sido conjuntamente


aprovados pelo Congresso Nacional em setembro de 2013 reforça sua
legitimidade e constituiu uma inovação profunda para a comunidade de
defesa brasileira. Em certo sentido, ao resumirem nossa agenda, a Política
Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da
Defesa Nacional funcionam como pontes entre Governo e sociedade e
oferecem à sociedade melhores condições para acompanhar a execução da
política de defesa do Estado brasileiro.
Essa prestação de contas legitima nossas ações nesse campo e
fomenta a confiança com os países vizinhos, estabelecendo pontes para
futuras iniciativas de cooperação. Esses documentos servem, portanto,
para promover e também para integrar esforços com os países do nosso
entorno estratégico em prol do fortalecimento da condição pacífica da
América do Sul e do Atlântico Sul.
Ao juntar-se ao grande número de países que já divulga essas
informações por meio de livros brancos – nossa mais recente inovação –,
o Brasil compromete-se com sua própria sociedade e com a comunidade
internacional a imprimir transparência à execução de seus objetivos na
área de defesa, como convém a um Estado democrático de direito.
A política de defesa brasileira consolida-se, dessa maneira, como
uma política pública, no sentido mais amplo da palavra. Ela pertence aos
brasileiros, aos civis e aos militares que somam capacidades e esforços pela
defesa nacional, pelo fortalecimento da indústria nacional de defesa, pela
consolidação de nossa capacidade de dissuasão e pela cooperação na área
de defesa.

CONCLUSÃO

Quero concluir com uma mensagem positiva frente aos desafios


de nossa conjuntura atual – internacional e doméstica – porque acredito
que são ainda maiores as oportunidades que temos à nossa frente. O Brasil
protagonizou conquistas significativas nos últimos anos, e trabalharei à
frente do Ministério da Defesa para que essas conquistas se consolidem
ainda mais e para que defesa e desenvolvimento estejam mais interligados
a cada dia. Procurarei, para isso, superar os desafios conjunturais –
internacionais e internos – com a ação inovadora e integradora de que
venho falando essa manhã.
Os cursos que ora se iniciam são exemplos muito auspiciosos do
que considero uma ação inovadora e integradora, e estou muito feliz que

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


32 INOVAÇÕES EM PROL DA DEFESA E DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

minha primeira grande mensagem como Ministro da Defesa tenha sido


transmitida nesse contexto a uma audiência tão distinta.
Sei que tenho aqui, entre as senhoras e os senhores, grandes
formuladores, operacionalizadores e líderes no campo da Defesa Nacional.
Trabalhemos juntos por um Brasil mais forte, justo, desenvolvido e
soberano. Formulo, finalmente, meus votos de que o Curso Superior de
Defesa e os demais cursos que se iniciam na ESG e nas Escolas de Altos
Estudos neste ano sejam oportunidade de aprendizado, de aperfeiçoamento
e de fortalecimento de vínculos.
Eis o que as senhoras e os senhores têm diante de si: a possibilidade
de construir esses vínculos, de conhecer melhor as Forças irmãs, de
aproveitar o ambiente de aprendizagem oferecido por nossas tradicionais
escolas para se aperfeiçoar como marinheiros, soldados e aviadores e,
principalmente, como cidadãos patriotas. E, ao fazê-lo, de melhor se
prepararem para assumir as altas responsabilidades que os aguardam nos
próximos anos.

Muito obrigado a todos e sucesso!

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 15 – 32, jan/jun. 2015


Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 33

ARTIGOS

SOUTH AMERICA IN THE POST-COLD WAR


ERA: WAR ON DRUGS AND THE RESHAPING
OF THE US SECURITY AGENDA

Rafael Duarte Villa1


Thiago Rodrigues2
Fabrício Chagas Bastos3

ABSTRACT
The end of Cold War apparently put the South America
region out of the main concerns of the US security agenda.
After 9/11, such perception has gained importance
in literature, when US global strategy focused on an
otherness whose geographic position was nothing but

1
Rafael Duarte Villa is Associated Professor at the Department of Political Science and
the Institute of International Relations at the University of São Paulo. He is also Director
of International Relations Research Centre at the same university. Duarte Villa’s research
interests focus on Latin American Regional Security and IR Theory. Contact: rafaelvi@usp.br
2
Thiago Rodrigues is professor at the Institute of Strategic Studies (INEST) of the Fluminense
Federal University (UFF). Rodrigues got his PhD in International Relation at the Pontifical
Catholic University of São Paulo, Brazil, with a fellowship research period at the Université
de la Sorbonne Nouvelle, in France. He is an associated researcher at Nu-Sol/PUC-SP.
Rodrigues is head of the research project ‘Drug-Trafficking, Militarization and the National
Strategic Environment: lessons for Brazil’ supported by the Ministry of Defense and the
National Council for Research (CNPq). Contact: trodrigues@id.uff.br
3
Fabrício H. Chagas Bastos is Research Fellow at the Australian National Centre of Latin
American Studies at the Australian National University. Contact: fabricio.chagasbastos@anu.
edu.br.

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34 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

distant from the southern territories of the Americas.


Otherwise, this article general aim is to discuss the space
occupied by South America in the US current security
concerns and goals through the analyses of the US war
on drugs. We argue that the US counter-narcotics policy
is a local variation of its global security strategy. Through
a historical perspective, we present a transition from an
approach that associates the war on drugs with a Cold
War enemy, particularly the communist guerrillas,
toward another one that recognises the fight against
illegal drugs as itself a threat to the US national security
and a justification for the US intelligence and military
presence in South America.
Keywords: South America; U.S. War on Drugs; Post-Cold
War

AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA


FRIA: A GUERRA ÀS DROGAS E O
REDIMENSIONAMENTO DA AGENDA DE
SEGURANÇA ESTADUNIDENSE

RESUMO
O final da Guerra Fria aparentemente colocou a América
do Sul fora das preocupações centrais da agenda de
segurança dos Estados Unidos. Após os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001, essa avaliação
ganhou importância na literatura especializada, enquanto
a estratégia global estadunidense focava numa alteridade
cuja posição geográfica estava muito distante dos
territórios meridionais das Américas. Num outro sentido,
o objetivo central desse artigo é discutir o espaço ocupado
pela América do Sul nos atuais objetivos e preocupações
de segurança estadunidenses através da análise de sua

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 35

guerra às drogas. Argumentamos que, no novo século,


a política antidrogas dos EUA é uma variação local de
sua estratégia global de segurança. Por meio de uma
perspectiva histórica, apresentamos a transição de uma
análise que aproxima a guerra às drogas do inimigo da
Guerra Fria, em especial as guerrilhas comunistas, para
outra que reconhece a luta contra as drogas ilegais como
algo assumido pelos EUA como um tema de segurança
nacional e uma justificação para sua presença de
inteligência e militar na América do Sul.
Palavras-chave: América do Sul, guerra às drogas
estadunidense; Pós-Guerra Fria

INTRODUCTION

The assumption that South American region has been forgotten by


the US security agenda after the end of Cold War, and especially after the
11/09 terrorist attacks, has become a common argument in the specialized
literature on security studies. The main point would be the centrality
gained by the Middle East and the South Western Asia as major hot spots
regarding terrorist activities.
However, such affirmations must be sought in more accurate
lens, and this contribution exactly brings a different point of view. This
article bears two general aims. The first concerns the diplomatic rhetoric
regarding the role of South America in security issues, as well as what
is politically recognized as a threat by those countries when it comes to
their foreign affairs. The second is to debate Buzan and Wæver (2003), as
well as Mares (2012) assumption that, in the post-Cold War scenario, South
America is not absent from the United States Grand Strategy, although
it might have witnessed a gloomy attractiveness regarding its role as a
burning threat to the US National Security.
Under the first goal, this article addresses the common belief
behind part of the South American diplomatic rhetoric regarding the role of
this region in the agenda for peace and security in the twenty-first century.
These discourses, based on the assumption that the absence of weapons of
mass destruction within the region associated with the lack of huge border

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36 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

disputes, neglects the existence in the region of the so-called new threats
to international security. This traditional grasp of security issues carries
the covert intention to keep military extra-regional interference away from
the sub-continent – and so does the military-diplomatic concert of states
around the UNASUR’s South American Defence Council.
The intention to avoid the association with a broader political
instability related to entrenched fluxes of, for example, transnational
crimes, such as drug trafficking, could be easily understood. By denying
their own relevance in these matters, South America’s states implicitly
recognize that, far from being outside of Washington’s geopolitical
concerns, it is, on the contrary, a preferential area for the United States’
preventive, and perhaps even hasty, unilateral interference.
Since no other state-actor would militarily rise up against the US
Foreign Policy in the region, as would Russia and China in their immediate
neighbourhood, initiatives such as the referred South American Defence
Council intend to affirm regional capacity to preventively deal with
security issues. Cooperation with the US is not completely averted, as the
3+1 Initiative on Money Laundry for the Southern Triple Border (common
borders among Argentina, Brazil and Paraguay) exemplifies.
On the one hand, these interactions build mutual confidence
and provide a perspective of control to the over Brazil’s, Paraguay’s
and Argentina’s intentions regarding sensitive issues to the US National
Security. On the other hand, this agreement enlarges the region’s space for
autonomy in other security issues.
The specific goal of this article focuses on the first general aim as it
follows a narrative that introduces South America’s shortcomings on drug
trafficking into the connection between the so-called US War on Drugs
and the War on Terror in the twenty-first century. Aware of the political
consequences of both denying and accepting the fragility of international
security in South America, this article does not intend to prescribe better
Foreign Policy approaches. However, it offers a rather constructivist
exercise of perceptions, identity and interests from the US toward South
America.
In its first part, we offer an overall grasp of the US security
framework to South America in the last decades. In the second part, we
present the specific cases of Andean countries perceived as key players
on the drug trafficking supply stage through the recognition that the

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 37

US attitude toward those scenarios is as multidimensional as it overtly


encompasses the strategic elements of democracy, trade and security via a
militarized tactic.
Washington’s intention in dealing with these countries’ alleged
problems through a similar approach recently adopted in Mexico, and the
differences over what has actually been implemented in South America
might signalize to a success on the part of the previously mentioned
diplomatic rhetoric with the major exception of Colombia (where the
militarized approach is well rooted).
The following third bit of this narrative glances at the American
institutional structure for Anti-Drug Policies in the 1990s, providing the
construction of drug trafficking as a matter of public security as well as
national security to the United States. Then, we underline a few changes
to the United States’ doctrinaire spirit and policies regarding the role of
suppliers to the issue of drug trafficking.
Puritanism, epitomized by prohibition and repression, eventually
worked in favour of the concept of shared responsibilities, when
Washington recognized its own liabilities over drug consumption and the
generation of significant revenues to the illegal organizations that might
support other illegal activities, such as terrorism.
Once again, the Andean cases are brought to discussion,
especially Plan Colombia, because the post-9/11 Patriot Act allowed the US
government to identify FARC as a terrorist organization, raising the stakes
when it comes to the tactics applied to fight them, as well as to the urgency
to destroy them. Naturally, this linkage ends up creating more space to
repression and prohibition, in light of the burning need for structural shifts
in order to provide suppliers with plausible alternatives to their economies
and to the insertion of those alleged criminals in society.
Finally, in the fourth part, we clarify a shift in perception whose
trigger might hold tight connections to 9/11. This swing would have
entailed an overlap of the identities and interests of the war on drugs
and the war on terror, in a process related to the crossed securitization of
groups connected to the war on drugs and the combat against the leftist
guerrillas, especially in Colombia.

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38 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

MAPPING OUT US SECURITY INITIATIVES TOWARD SOUTH


AMERICA

Since the end of the Cold War, the United States’ hemispheric
security agenda toward South America enregisterd some remarkable
changes. Despite the historical pattern based on certain levels of
standardization toward Latin America, the new US security agenda
established subtle differences between sub-regions: in the Caribbean the
persistent Cuban issue; in Central America, the recurring bloody civil wars
initiated during the Cold War era; and, in South America, the reshaping of
the guerrilla threat into some sort of hybrid menace –the narco-guerrilla–
and the emergence of drug trafficking organizations with transnational
capacity and variable levels of institutional penetration. Included in the
negotiations under the first 1994 Summit of the Americas, in Miami, the
attention to the war on drugs bypassed both other elements in the US
broader strategy to Latin America.
This emphasis, however, had their roots during the last Cold War
decade, when the Ronald Reagan Administration (1980-1988) retook the
Richard Nixon’s ‘war on drugs’ discourse (launched in 1971) and gave to it
a new dimension (RODRIGUES, 2012). In 1985, Reagan signed the National
Security Decision Directive 221, called ‘Narcotics and National Security’,
in which he assumed that the ‘old communist’ threat – the Andean leftist
guerrillas such as the Peruvian Sendero Luminoso (Shining Path) and
the Colombian Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC;
Revolutionary Armed Forces of Colombia) – had been connected to the
drug trafficking. This connection represented, according to the document,
a threat both to the stabilization of ‘fragile democracies’ and to the US
homeland security due to the articulation with local drug gangs and local
drug use rates (MARCY, 2010).
Reagan reinforced the war on drugs logic stating that drug
trafficking must be considered an issue of national and regional security.
This conception of the problem meant that the repressive tone traditionally
given to the illicit drugs issue would be complemented with a militarized
approach focused on the interception of illicit drugs flows through
the US. This attack must be complemented by supporting other Latin
American military troops to fight their own illegal drugs organization
(CIMADAMORE, 1997). Despite of the fact that the strict distinction
among consumer and producers countries do not correspond exactly to

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 39

all kind of illicit drugs, the political economic distinction between these
two categories has proved powerful as a security discourse while it places
the US as simple victims of greedy foreign illegal groups. The success
of this discourse is embedded in the American long-term tradition that
relates xenophobia, racism and prejudice against certain types of drugs
(RODRIGUES, 2015).
The emergence of a ‘drug trafficking security agenda’ during the
Reagan years continued into George H. W. Bush’s office (1989-1993), with
new projects that tried to push through the militarization as a general
solution to address the drug production and trade in the Americas
(CARPENTER, 2015).
In this context, if South America insisted to highlight its
problems as State-based and State-solved, following a period of rapid re-
democratization, the relevance of its security issues for the US post-Cold
war agenda were to plunge. However, authors like Buzan and Wæver
(2003) and Mares (2012) do not share this opinion.
According to their perspective, although Latin America does not
have the same strategic importance in comparison to other regions, such as
the Middle East, Western Europe and Asia, the US has not left the region
entirely off its geopolitical radar, having kept it in their strategic calculation
via coherent, yet usually underdeveloped, security policy for the sub-
continent. This policy is based on a solid consensus among Democrats
and Republicans that guarantees the continuity of some general goals
focused on the maintenance of friendly governments that could keep safe
environments for investments and stable political environments in highly
unequal societies (MARES, 2012).
Thinking specifically on strategic matters, the US has to deal now
with several threat perceptions different from the Cold War ones. The old
threats such as Communist states, leftist parties or social movements are
not taken anymore as main menaces, but actors and processes, such as
drug traffickers, migrations, money laundry, and terrorism. In order to
address these challenges, since the 1990s, the US government has promoted
the signature of both anti-drug and anti-money laundry agreements in
the Inter-American system. At the same time, it has promoted military
initiatives as Plan Colombia and the installation of military bases, like
the Manta one in the Ecuadorian Pacific, and developed operation bases
(Forward Operating Locations; FOLs) as a way of advancing the support
to tactical operations against drug traffickers and other agents considered

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40 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

to be terrorists (LABROUSSE, 2010).


In this last case, Washington is also worried about the remainder
(mainly in Colombia and to a much lesser extent in Peru) of a very active
guerrilla such as the Forzas Armadas Revolucionarias de Colombia
(FARC). The decision makers of the Departments of State and Defense
suspect that these groups may occupy more strategic positions like what
happened at the end of the 1990s, when the FARC managed to control 40
per cent of Colombian territory.
The American unusual military activism in South America is
highly related to these decision-makers perceptions who describe those
groups as possible threats against US’s homeland security [reference]; and
since the 1990s, this manace perception is increasingly related to illegal
drug issues.
Right in the beginning of the 1990s, the US consumed fifty per cent
of total amount of cocaine while having only five per cent of the world’s
population (Hargraves, 1992). Although the United States government
admits, since the Clinton Administration (FALCO, 1997), that “producers”
and “consumers” must share responsibility, the predominant idea since
the 1980’s has been the based on training and selling military weaponry
and equipment to Latin American military anti-drug special units. The
Barack Obama’s support to the second phase of the militarized Iniciativa
Merida in Mexico (firstly negotiated by George W. Bush Administration in
2007) in a proper example of this continuity (BENÍTEZ MANAUD, 2010).
Thus, the policy of ‘going to the source’, that prevailed on the
beginning of the 1990s, continues to be very strong. The main argument
is that countries such as Bolivia and Peru produce 80 per cent of coca-
leaf while Colombian drug organizations are responsible for 80 per cent
of the world’s cocaine (MARCY, 2010). In Peru and Colombia, the strategy
adopted by the US has been the eradication of coca-leaf plantations.
Certainly, it has led the US government to invest resources in military
and technical aid. On the other hand, this kind of assistance has been
complemented with a program of substitution of plantation of coca by
alternative plantations (MARCY, 2010).
In sum, the US anti-drugs policy toward South America has
been based on a repressive formula that combines eradication of coca-
leaf plantations, military advice to dismantle the biggest cartels of drugs,
extradition of drug traffickers to the US and a certification policy to
countries that the Department of State considers non-cooperative in the

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 41

anti-drug initiative. The last stage of anti-drug policy that started under
Clinton’s second administration included an improvement of military
means in combating drugs. This phase was divided into two important
stages. The first one was the allocation of an enormous amount of financial
resources to purchase military equipment to be used in places like the
South of Colombia, where the large part of plantations and coca paste
processing labs are located, besides serving as a shelter for drug trafficking
groups. The second one was the installation of military bases that monitor
countries such as Ecuador, Panama, Paraguay and Venezuela; countries
considered escape routes for drug trafficking and money-laundry plazas.
The most significant movement that established the actualized
patterns of US militarism toward the drug-trafficking problem was the
Plan Colombia (DUARTE VILLA; OSTOS 2007). Negotiated in 1999
between President Clinton and Colombian President Andrés Pastrana, the
plan was thought as an anti-drugs package of US$ 1.2 billion. At first, the
plan aimed at deal only with drug trafficking organizations that remained
in operation after the dismantling of the Medellín and Cali “cartels” in the
first half of the 1990’s.
Seventy per cent of Plan Colombia’s resources was directed to
military aid, including purchasing of military equipment, training of troops
and eradication of coca-leaf plantations and cocaine processing labs (HERZ,
2006; SANTOS, 2011). Moreover, during Álvaro Uribe administrations
(2002-2010), the US took advantage of the political convergences between
both governments in security issues. Quoting Luis Alberto Restrepo (2004,
p. 50), “Uribe has put all the foreign policy to the service of the security.
And even though he has scored important political, financial and military
victories, on the other hand, his strategy complicated the Colombian
relations the neighbour countries”.
The 09/11 terrorist attacks also caused an impact in American
security policy toward South America. Indeed, one important change
after terrorist attacks was the emergence of conceptual and political shifts
in the way US decision makers perceived the relations between national
threats and terrorism. As part of its global strategy at that time, there
was a conceptual and practical overlapping between the “war on drug-
trafficking” and the “war on terrorism” both in the Americas and in the
South Western Asia, manly in Afghanistan (LABROUSSE, 2005). Therefore,
from the conceptual and practical perspectives, Colombian guerrillas, as
well as paramilitary groups, became synonyms of terrorists. President

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42 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

Uribe, elected with a strong security discourse, took advantage of it and


associated the internal efforts in combating the FARC and the Ejército de
Liberación Nacional (ELN; National Liberation Army) with the US global
‘war on terror’. Thus, issues such as drug trafficking, terrorism, military
assistance and economic aid started to be treated as linked to each other.
In this context, in 2001, George W. Bush government launched the Andean
Regional Initiative (HERZ, 2006). This program aimed to direct funds not
only to Colombia, but also to all the Andean countries, besides Brazil and
Panama. The American Congress approved a budget for this program,
renaming it as Andean Counterdrug Initiative. Repeating the budget
distribution of Plan Colombia, more than 70 per cent of the resources of
this new plan were allocated in the military use.
The militarized anti-drug plans came together with the widening
of the US military presence due the negotiation to establish FOLs in
some South American countries. In 1998, the Ecuadorian government
conceded the Manta air base in the Pacific Ocean to the US. This base was
strengthened by military logistic units in Larandia and Puerto Legizano
in south Colombia, units that supported sophisticated radars at Guaviare
and Leticia, both also located in Colombia.
The US negotiated in the beginning of the 2000’s the installation
of another base in Iquitos, deep down inside the Peruvian Amazon jungle.
The negotiations with Paraguay, in 2006, lead the Paraguayan Congress to
approve the temporary presence of US FOLs that included the acceptance
of immunity to the acts eventually committed by American troops.
In July 2009 the US and the Colombian governments signed an
agreement that allowed the allocation of seven FOLs in the Colombian
territory, even thought the agreement points out that the military will be
limited to use Colombian bases that is already installed.
That decision provoked the first important situation in UNASUR
(Union of South American Nations) after Brazilian President Lula da Silva
reacted badly to the fact that the Colombian government did not consult its
South American counterparts before signing the agreement (RODRIGUES,
2012).
In fact, it is possible that the displacement of troops and the
installation of bases in South America arise as a part of preventive policy
developed by US administrations since de 1990’s. Analysing the map of
South America, one can notice that the FOLs and troops allocated have
been set up close or inside countries of political instability in the last fifteen

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 43

years, such as Paraguay in the Southern Cone, and Ecuador, Colombia,


Peru and Venezuela in the Andean region. These countries also concentrate
incredible amount of natural resources. Besides of that, theses bases
establish a belt around Brazil, a country that has been leading the process
of defence cooperation within UNASUR and its Council of Defence.

DRUGS AND US SECURITY AGENDA: THE ANDEAN COUNTRIES’


CASE

Since the Reagan years (1980-1988) the drug-trafficking agenda


has been explicit securitized. If national security is a public problem – and,
in this sense, derived from what is perceived as a real ‘existential threat’
that demands public responses – securitization, following Buzan, Wæver
and De Jaap (1998) appointments, is a discursive resource that allows the
application of measures beyond the regular borders of the liberal regimes
constitutions. Since the Nixon’s administration, the identification of drug
trafficking as a source of public and national insecurity allowed the reform
of the US anti-drug apparatus and the increasing reform of legislation,
addressed especially by Reagan’s government, which authorized a
broader role to the military in counter-narcotics operations both in the US
and abroad (MARCY, 2010).
Indeed, the 1980’s phase of the “war on drugs” was developed
through the Bush Senior’s ‘Andean Strategy’ approved by the 1989
National Security Decision (NSD) No. 18. At the same year, the Bush
Administration launched the ‘National Drug Control Strategy’, which
“made explicit the externalization of fight through the use of foreign policy
[tactics]” (CIMADAMORE, 1997, p. 21). The Andean Strategy had three
main pillars. The first one was the strengthening of political institutions in
key countries taken as sources of illicit drugs (Bolivia, Colombia and Peru).
The second one was the operational strengthening of political
and military units in charge of combating all the economic circuit of drugs
(eradication of crops, trade of chemical precursors, laboratories destruction,
drug interdiction, routes identification and money laundry penalties), as
well as military and police advising to Andean countries for the dismantling
of drug cartels (Colombia) and firms (Peru). The third official goal was
commercial and fiscal assistance to those Andean countries, plus Ecuador,
to attenuate the social consequences that emerged, as they did, from the
privatization of subsistence means of local communities. In practice, the
first point of the Andean Initiative was neglected.

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44 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

There was no specific program aimed at strengthening democratic


institutions in the region. Among the thirteen programs toward South
America financed by the Department of State under the Initiative, only
one called ‘Transition Initiatives’ funds as aimed to the strengthening of
democratic institutions (HERZ, 2006).
As we will see, the subsequent plans, such as the Plan Colombia,
did not altered this situation: only 25 per cent of Plan Colombia funds
(equivalent to more than US$ 1,3 billion) are dedicated to the strengthening
of democratic institutions, as the judiciary and human rights NGOs.
Thus, it is possible to affirm that since the end of the Cold War,
the US ‘democratic discourse’ toward South America was subjected to
the reshaping of the US hemispheric strategy. This articulation combined
the evoking of the democratic clauses institutionalized by OAS since the
end of the 1980s with support for the militarization and securitization of
regional issues such as the drug trafficking and the guerrillas.
The US concentrated its attention on the second point of the
Andean Initiative: the operational strengthening of military and police
units in charge of combating the drug economic circuit. The militarized
approach, designed by Nixon and developed by Reagan and Bush settle the
basis to the general pattern of illicit drugs combat that is still, in the second
decade of the twentieth-first century, on the core of the US security agenda
toward South America. In addition to these policies aimed to reduce the
illicit drug offer, the US Counter-narcotics politics has been promoting two
fundamental measures related to the US diplomatic-military dispositif.
The first one is the mobilization of US Armed Forces to a foreign
territory action, with direct presence in some cases, especially in Bolivia
and Peru in the late 1980’s, but mostly through military consultancy and
training of local military forces. The second one is the use of a ‘punitive
diplomacy’, which, among various mechanisms, applies economic
sanctions, denies authorization for exports toward the United States and
exerts a strong pressure on international organisms looking forward to
boycott the country retaliated (PROCÓPIO; VAZ 1997; RODRIGUES 2012).
The US securitized perspective on the drug issue was reaffirmed
in the George W. Bush’s 2002 National Security Strategy that brought the
same general content of the Reagan’s NSDD 221 and Bush’s NSD 18: the
combination between national security menace and regional instability.
The document states that “parts of Latin America conflicts specially arising
from the violence of drug cartels and their accomplices. The conflict and the
unrestrained narcotics trafficking could imperil the health and security of

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 45

the United States” (NSS 2002, p. 15). George W. Bush’s drug strategy focused
on the militarization (technically called ‘interdiction of crops’) and the
eradication and fumigation of coca and poppy illegal crops. Interdiction
refers to the displacement of US troops and civilians (‘security advisors’)
in foreign bases and a straight cooperation with local security forces, with
the objective of identifying centres of drug production and detaining drug
loadings by terrestrial, maritime or aerial means. Eradication is related to
the use of herbicides (through ‘fumigation’ of fields) whose function is to
destroy as much as possible those illegal crops (ISACSON, 2005, p. 44).
As for the interdiction, as Bruce Bagley defends, the National
Defence Authorization Act (NDAA)4, approved in the first year of
Reagan government, authorized the raise in the American Armed Forces
participation in the anti-drug strategy, as well as permitted its action in
foreign territory (BAGLEY, 1993, p. 183-184).
The US military involvement was no strange to controversy among
the US military staff. Accordingly to Marcy (2010) many of the engagement
against transnational criminal organizations was not part of the main core
of the military functions; representing a deviance of purposes. Besides of
that there were legal constraints that needed to be faced.
The main question was the avoidance of the military engagement
in public safety issues inside US territory related to the Posse Commitatus
Act, approved in 1878, which aimed to prevent the use of the military
in periods of political disruption within American borders. The law was
revisited by Reagan in order to allow the increasing involvement of the
military in counter-drugs operations not only abroad but also alongside
(and within) American borders.

INSTITUTIONAL AND ANTI-DRUG POLICIES IN SOUTH AMERICA

The US interdiction and eradication policies in Andean countries


assumed a non-interventionist façade when, since Reagan’s Administration,
tried to co-opt local governments around the military repressive approach.
President Bush advanced that receipt when promoted two conferences
of Heads of State – Cartagena (1990) and San Antonio (1992) – aimed to
establish high level military coordination between military anti-drug
special troops (TOKATLIÁN, 1992).

4
This law is also known as Nunn Amendment because it was the Democrat Senator Sam
Nunn who proposed it to Congress.

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46 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

This effort continued during the Clinton years when the concept
of “Shared Responsibilities” was diffused within. Latin America and the
Caribbean. The ability of this discourse was clear: the Bush’s brutalized
proposition to constitute a continental multinational army lead by the US
military gave space for a softer one which didn’t eliminate the previous
defined military approach but overlaid it with a more acceptable discourse
(RODRIGUES, 2015).
The collaborative approach involved the participation of several
US federal agencies, in from the Department of State, and the Drug
Enforcement Administration (DEA). from the Department of Justice. The
participation of the Department of State, up to INC, in anti-drug strategies,
gave greater relevance to the theme in Washington and in the American
embassies located in the affected countries (FREEMAN et al, 2005). Despite
this growing role of the Pentagon (Defence Department or DOD) in anti-
drugs policies during the 1980s and 1990s, the INC5 continued to be the
main source of military and police assistance to all American countries
(FREEMAN et al, 2005).
Nevertheless, according to Bagley (1993, p. 168), the more
discrete role in the DOD’s ‘anti-drug war’ has been calculated: “for
its part, the Pentagon has systematically expressed its reluctance to get
involved in the war on drugs, in part because of concern that the drug
effort would divert funding away from its central mission of defending
US interests abroad, and in part out of concern that an expanded
military role might expose US armed forces to corrupting influences”.
However, DOD’s role is not irrelevant. After the promulgation of
the law’s Section No.124 (1988), which defines the role of Armed Forces in
the defence, DOD monopolizes activities such as controlling illegal drugs
traffic on the US by air and marine forces, and in this sense, it is authorized
by the Section to carry out drug interdiction operations, such as radar
installations, air reconnaissance, Navy Coast Guard maritime patrolling
and intelligence meetings throughout Latin America and Caribbean.
The Section No. 124 also allowed the presence of American militaries
in anti-drug operations led in Latin America. DOD’s power was even more
strengthened in 1991, when the Bush administration approved Section No.

5
INC is considered to be the more versatile institution of American government to combat
illicit drugs. It aims at funding interdiction and eradication operations, as well as promoting
economic and social assistance, which include alternative development programs in areas
of drug production, judicial reform programs and humanitarian assistance to victims of
conflicts related to drug traffic (FREEMAN et al, 2005).

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 47

1004 of NDAA, which allowed that the DOD uses its budget for different
types of military assistance (training, intelligence, equipment supply)
aiming to combat drug trafficking without the participation of the State
Department (ISACSON, 2005).
In turn, the DEA dedicates to investigative operations against
drug-trafficking organizations. Although its goal is to coordinate anti-drug
information and intelligence abroad, it does not have the legal authority to
put investigations and detentions in practice in other countries, its action
occurs only through bilateral agreements with intelligence and police
agencies from other countries willing to cooperate (FREEMAN et al, 2005).
Despite of this, there are many claims and suspicions of DEA
agents acting undercover and disguised as diplomatic personnel (Rocken
2004). Finally, the Andean Strategy supported specific programs of the
State Department such as the Military Assistance Program (MAP), the
Foreign Military Financing (FMF) and the International Military Education
and Training (IMET), which had their apogee in the 1990’s. Created in
the 1970s and 1980s, these three programs were the principal means of
US military assistance to transfer funds during the Cold War, including
the greater military programs of Reagan administration toward Central
America in the 1980’s (ISACSON, 2005).
This information is interesting in order to identify how the security
and strategic structures conceived during the Cold War were, at least
partially, reconverted to anti-drug operations since the end of the Cold
War. Thus, the coordination among US agencies led to the training and
equipping of military special forces, as it happened in the case of Bolivia
anti-drug force – Unity of Anti-Drug Fight (UMOPAR) –, as strategy
supported by the US government simultaneously to Plan Dignidad
(‘Dignity Plan’). This plan aimed to eradicate the production of coca leafs
during the Bolivian presidency of former general and dictator Hugo Banzer
(Hargraves 1992). Peru also created its own anti-drug force, the División
Nacional Anti-drogas (DINANDRO; Anti-drugs National Division),
besides promoting assistance to the National Intelligence Service (SIN). In
Colombia, before the Plan Colombia, the US’ funding was directed to the
National Police of Colombia, elite squads and spray herbicide campaigns.
Mainly in Peru and Colombia, the militarized emphasis of the 1990’s was
articulated to the their internal civil conflicts: the Alberto Fujimori’s war
against Sendero Luminoso and Tupac Amaru guerrillas and the Cesar
Gaviria’s, Ernesto Samper’s and Andrés Pastrana’s combat to FARC, ELN
and the ‘drug cartels’.

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48 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

DOCTRINAIRE SHIFTS AND POLICIES

The new millennium brought up important changes in the


doctrinaire aspect of the US war on drugs. In this sense, the document
titled The National Drug Control Strategy (2007), formulated during
President George W. Bush’s mandate – based on the Section No. 201 of
the Office of National Drug Control Policy Reauthorization Act (2006) –
is also the indicator that the original strategy was changing. This report
presented a strategy focused on three main pillars: (a) drug consumption
prevention; (b) intervention and recuperation of former consumers; and
(c) the disarticulation of the illicit drugs’ market.
The main actions that sustain the third point of the strategy
– eradicating illegal crops, interdicting illicit drugs’ circulation and
attacking illegal drug organizations – were conceived in order to reduce
the drug offer, inside and outside the country’s boundaries. However, the
main change observed was related to the first pillar – the objective was to
identify the drug consumption found in the US as a problem, once it gives
strength to this market.
Nonetheless, since Clinton’s ‘Shared Responsibility’ approach,
the American mea culpa as the consumption centre of the hemisphere
was part of a refashioned strategy that could not give up the repressive
perspective (which has been kept intact in the 2007’s third pillar).
The National Drug Control Strategy reinforced the evaluation that
the drug trafficking phenomenon is a transnational threat to security (both
to the US and to each of the Latin American countries, especially the South
Americans). Through interdiction and eradication initiatives, the counter-
drugs operations aimed to raise the costs of illicit trade for dealers and
consumers. In other words, this doctrine admits what was not admitted
in the Andean Strategy: the problem was not found solely in the source,
but also in American drug consumers. Nevertheless, it did not change
the general recommendation to face this “problem”: repression through
militarized approach and denial of any attempt to review the international
treaties on drug control (VIGGIANO, 2007).
Precisely, one of the most notorious trends observed on the war on
drugs is the creation of global programs, such as Plan Colombia since 2000,
and also a change on the attention directed to various Andean countries
in order to focus on the impact of Colombia’s internal conflict for the anti-
drug strategy. In Colombia’s particular situation, that of a fragmented
country in the end of the 1990’s, the US directed its strategy toward

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 49

greater financial and military involvement. Individual programs financed


by the Department of State, especially International Military Education
and Training, lost relevance. Others, like International Narcotics Control
and Law Enforcement and International Narcotics and Crime, have their
budgets diminished (as in the Bolivian case) or have been deactivated
(Youngers and Rosin 2005). This does not imply that the US has lost
interest in financing anti-drugs militarized mechanisms. Indeed, since
the end of the 1990’s, there has been a minor preoccupation regarding
isolated programs in agencies such the Department of State, and a stronger
attention toward initiatives with a global character such as Plan Colombia
and Anti-Drugs Andean Initiative.
On the other side, the US diplomacy evaluated that coca production
was controlled in Bolivia and Peru by the end of the 1990s. Then, they
turned their attention to Colombia. The multiplicity of actors engaged in
Colombian armed conflict made it clear that there were other problems for
US security, which were but dependent from the problem of illicit drugs
production and traffic (TOKATLIÁN, 2001).
Thus , the Clinton administration elaborated, in 1996, the National
Security Strategy of Engagement and Enlargement (NSSEE), supporting
the idea that in the post-Cold War era the US security was threatened by
various problems and, as a global power, the country should direct efforts
to combat them. An interesting aspect of NSSEE was the great importance
that it gave to a set of issues that were grasped as threats. Among these
problems, Clinton’s Doctrine mentioned ethnic-religious conflicts, the re-
emergence of nationalisms, environmental degradation, the accelerated
population growth, proliferation of arms of mass destruction, terrorism,
and drug-trafficking (HERSCHINGER, 2011).
According to Scheer (1996), Clinton’s anti-drug strategies were
not different from the former administrations: they used the demand and
offer reduction measures to fight drug trafficking. The limited success
of this general policy led to critiques in the domestic sphere, especially
in Congress – including Congressmen of the Democratic Party. Possibly
sensible to these critiques, Clinton approved stronger measures to
contain the illicit drugs trafficking which included his formal asking for a
Congressional authorization to use the International Emergency Economic
Powers Act6 , which permitted to block financial transfers that used to

6
IEEPA was approved in 1977 and allowed the President of the United States to announce the
existence of a threat to national security. It also gave to the American President the power to
block and freeze any transaction suspected to cooperate.

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50 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

benefit the organizations responsible for the drug trafficking. By the


end of the 1990’s , Colombia was pointed as a major cocaine, heroin and
marijuana supplier to the American consumer market, as well as a focus of
activity related to money laundry and international crime7 .
Besides of that, the US government alleged that multiple small
drug-trafficking organizations emerged after the dismantling of the
two major ‘drug cartels’ during the 1990s (Cali and Medellín ‘cartels’)
(PIZARRO, GAITÁN, 2006) and part of drug related activities would had
begun to be controlled by left guerrillas (PÉCAUT, 2010).
In that context, the US Congress approved the Plan Colombia in
1999 after a solid consensus between Democrats and Republicans. Projected
to count with US$ 7.5 billion, the Plan presented three components: a) the
approximation between the Colombian State and the population affected
by violence through social investments and the substitution of coca crops.
To achieve this goal, the Colombian State should raise US$ 4 billion; b)
American technical, military and financial anti-drug assistance in the
Andean region, especially in Colombia, supported by U$ 1.3 billion and c)
the European contribution for peace evaluated in US$ 1.7 billion (Tokatlián
2001, p. 81).
In fact, in 2000, US$ 329 million were directed to the neighbours
(Bolivia, Peru and Ecuador) to assist in the eradication of coca crops, in
the creation of areas of control alongside Colombian boundaries, in the
development of social programs and in the increase of local polices forces
and military equipment and training (RIPPEL, 2005).
However, “not all the financial resources of American assistance
will enter the country. A major part will be reserved to warcraft procurement
with American enterprises and hiring mercenaries from the United States
to go on combat in Colombian soil’ (ANZOLA, 2001, p. 79).
FARC (Pécaut 2010). This ambiguity existed because there were not
given proves that FARC troops produced and traded on cocaine. Besides
of that, the US Congressional consensus was around illegal drugs and not
on authorizing a broader combat against the guerrilla. This political and
juridical imbroglio ended sooner after Plan Colombia approval because of
the 09/11 events.

7
The INCSR are formulated anually by the INC of the Department of State, according to
the Foreign Aid Act (FAA). These INCSR contain information about the development of
programs and policies related to the drug combat, the American government assistance as
well as a outlook as regards the situation of the countries in this theme.

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 51

After de 2001 terrorist attacks, the US government started treating


the Colombian issue as a local problem with global connections, and not
something restricted to the Andean region. In concrete terms, the Bush
Administration, in an evolution of the Plan Colombia, implemented the
before mentioned Andean Regional Initiative.
Afterwards, renamed as Andean Counter-Drug Initiative (ACI),
the program was approved by the US Congress with a budget of US$ 700
million for 2003 and US$ 731 million for 2004. However, in both budgets
the priority given to Colombia was evident: 63 per cent of total amount
accounted for eradication and fumigation programs in large scale, as well
as for military training and equipping, while the rest of the funds were
shared between Peru, Bolivia and Equator, in this order.
In these years, Colombia reached the third position in the foreign
defence funding by the US, following Israel and Egypt (HERZ, 2006).
The political innovation of ACI could be understood as an attempt
to erase any trace of a differentiated strategy to combat the guerrillas,
paramilitaries (private groups originally organized to fight guerrillas and
after converted to drug trafficking activities) and drug-traffickers.
All these actors were equally qualified as terrorist groups. In that
sense, regarding Colombia, the war on drugs corresponded entirely to
the war on terror. The already mentioned 2002 National Security Strategy
refers specifically to the Colombian case as the recognition of “the link
between terrorism and extremist groups that challenge the security of the
state and drug trafficking activities that help to finance the activities of
such groups” (NSS, 2002, p. 34).
In such context, the ACI pointed to the new architecture of
regional security, whose elements could be already identified in the
George W. Bush Administration before 11/09 events and even before, since
the Clinton years. In this sense, according to a Centre for International
Policy document, before the 9/11, the George W. Bush Administration had
begun a “review process” which considered the possibility of transcending
security policies toward Colombia beyond anti-drug strategy, with the
objective to help Colombian government in their fight against guerrillas
and paramilitaries (VAICIUS; ISACSON, 2003).

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52 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

FROM WAR ON DRUGS TO FIGHTING AGAINST GUERRILLA


INSURGENCE

The constraints around authorizing a broad combat against drug


trafficking and the guerrillas ended after the legal innovations that followed
the 2001 terrorist attacks. The new exception legislations that followed the
Patriot Act, in November 2001, allowed the US state agencies to classify a
huge amount of non-state organizations worldwide as “terrorists”. It was
also applied to the Colombian guerrillas FARC and ELN.
The indistinct definitions among “threats” allowed a more open
and free use of the Plan Colombia funds to fight which both the US and
the Colombian governments considered the main menaces to the state
power in the countries: the guerrillas. Nevertheless, the global process of
securitization of transnational terrorism reached Colombia following its
own particularities
Some of the conceptual changes that led to a jointed treatment
of the guerrillas and drug-trafficking as terrorists had already been
developed before 2001. In 1985, for example, the former US ambassador
to Colombia Lewis Tambs stated that the Andean Region was facing a
new threat represented by the hybridization between leftist guerrillas and
the drug trafficking organizations. This ‘menace’ was then called ‘narco-
terrorism’ (RODRIGUES, 2006).
This term was also employed by the Gaviria administration to
name the attacks by Pablo Escobar’s ‘Cartel of Medellín’ against politicians,
journalists, civilians, and state facilities in late 1980’s and early 1990’s.
Since the mid-1990’s, both the US and Colombian governments have been
insisting in the straight links between Colombian guerrillas and drug
traffickers. In President Ernesto Samper’s (1994-1998) words, the FARC
and the National Liberation Army (ELN) were ‘narcotized’ (SAMPER,
1997, p. 96-97), meaning that they were allegedly supported from ‘the war
taxes’ and the payment for protection of crops, laboratories and shipments
of illegal drugs.
The George W. Bush Administration had made an alert, since the
beginning of his government, in 2001, regarding the lack of attention by his
predecessors toward the armed conflict in Colombia. Thus, it was clear for
him that US participation in this conflict should contribute to weaken the
Colombian drug trafficking industry, detain the guerrillas and put an end
to the violence in the region known as the ‘Radical Triangle’ (alongside
Colombia, Ecuador and Peru borders).

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The 2001 US Department of State’s world list of terrorist


organizations included four Latin American armed groups, all of them
located in South America: three from Colombia – FARC, ELN and the
paramilitary group United Self-Defense Forces of Colombia (AUC) –, and
one, the Sendero Luminoso, from Peru. Nevertheless, the two Colombia
guerrillas were included in the Department of State’s Foreign Terrorist
Organizations (FTOs) even before, since 1997(CRONIN, 2003).
Additionally, the military doctrine that recovered and readapted
the Cold War counter-insurgency procedures was combined with a new
legislation sphere in order to accomplish the “war on terror” purposes
which included, certainly in a peripheral position, the Colombian armed
conflict as a small component of a global strategic scenario.
The key for this change was the broad coordination of intelligence
operations between US agencies and Colombian security forces. Since
the beginning of George W. Bush first government, some groups inside
Department of State were notably critical to what they considered a lack
of clear links between drug-trafficking organizations and the guerrillas
(SCABOUROUGH, 2002).
The problem was to collect evidences to support that anti-drug
and counter-insurgent strategies were mixed in Colombia. Due to that,
after 2001, efforts were taken to adapt the US defence legislation in order
to consolidate that kind of connection.
The first sign of change came in August 2002, when, through the
HR-4775 approval, George W. Bush government demanded Congressional
antiterrorist funds to Colombia. This allowed the Colombian government
“to use all past and present counter-drug aid – all the helicopters,
weapons, brigades and other initiatives of the past several years against
the insurgents” to fight the guerrillas, simply named “narcoterrorists”
(VAICIUS; ISACSON 2003, p. 12).
Once this change in doctrine on the National Security Strategy
took place, George W. Bush Administration called for US Congress to
erase the division line between counter-terrorism and anti-drug programs.
This move enabled the security aid to be directed also to counter-guerrilla
and paramilitary activities.
In practice, as put by Ricardo Vargas Meza (2004, p. 25), if the
9/11, the non-declared fight against guerrillas was justified on the grounds
that guerrillas represented an obstacle to fight drug-trafficking (because
it depended on and protected this activity), after the terrorist attacks it
became “a legal extension of this aid to anti-terrorist activities”. Thus, the

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54 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

war on drugs in Colombia was connected to the global war on terror: “for
the Bush administration officials and their supporters in Congress the two
‘wars’ simply overlap” (VAICIUS; ISACSON 2003, p. 11).
In this direction, Andean countries – especially Colombia – were
identified as ground for the activity of this amplified concept of ‘terrorism’.
As the 2006 US Report on Terrorism pointed out, “terrorism in the Western
Hemisphere was primarily perpetrated by Foreign Terrorist Organizations
based in Colombia and by the remnants of radical leftist Andean groups”
(UNITED STATES OF AMERICA 2006, p. 12).
In this sense, the overlap between these two wars in the official US
diplomatic-military discourse was completed. In one hand, it provided the
push forward to the US to keep controlling this military bases in Colombia,
its main ally in South America and trampoline to project power over the
southern lands of the continent.
In the other hand, it gave the financial and political support for
the Álvaro Uribe Administration to strengthen this internal war against
the guerrillas, reversing the strategic situation that he inherited from
Pastrana’s. Uribe left to your successor – his previous Ministry of Defence
Juan Manuel Santos – a weakened FARC controlling less than 15% of
Colombian territory (PÉCAULT, 2010).
The drug-trafficking activities, however, did not cease. Instead,
the multitude of smaller groups – that arose after Medellín’s and Cali’s
fall – continued to produce coca leaf, cocaine and heroin. Nevertheless, the
impact of militarized repression over them displaced the centre of gravity
of the continental drug-trafficking economy to the Mexican cartels.
Then, the US started addressing the Mexico’s situation following
the same general recipe: the militarization of the fighting against ‘drug
cartels’. The Mexican history on the militarization of drug trafficking is
not new.

FINAL REMARKS: SOUTH AMERICA ON THE SECURITY MAP

When the Cold War ended in the beginning of the 1990’s, it became
a common sense among scholars that Latin America, and South America
in special, would not have any significance in terms of security or defence.
The drug-trafficking problématique would be the only exception according
the diplomatic-military discourse by George H. W. Bush Administration
and William Clinton Administration.

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Rafael Duarte Villa, Thiago Rodrigues e Fabrício Chagas Bastos 55

Nevertheless, this “security issue” would not assume a position


of relevance in comparison with the Middle East geopolitical problems,
the risen China superpower, or even the emergent trans-territorial
fundamentalist terrorism.
The drug-trafficking organizations of course could challenge
the stability of weaken states, especially the young new democracies
that arose from decades of authoritarian rule, but this kind of question
would interpose only collateral problems to the US national security. The
militarized approach to the drug-trafficking issue, drafted during Nixon
Administration, and deepened during Reagan’s and George H. W. Bush’s
had its roots in an old and very well settled tradition of prohibition and
repression against drug dealers and consumers.
This tradition is strong among the Americans, both from the
Northern and Southern portions of the continent. For that reason, the new
security approach after the end of the Cold War did not find difficulties to
mobilize politics within the US political, social and military levels and also
within their Latin American counterparts. In a sense, this shift made sense
because it was directly related to the old counter-communist policies.
According to Buzan and Wæver, in some extent the “war on drugs […]
pushes South American militaries back toward dealing with (new) internal
threats” (2003, p. 321), namely drug trafficking.
The previous ‘internal enemy’ –the communist, the subversive,
the guerrillero– could be easily be replaced by the ‘drug-trafficker’.
This substitution would be even more feasible in countries with extent
experience of internal conflict during the Cold War, and in which that were
expressive illicit drugs activities such as Colombia and Peru.
Authors like Mares (2012) agree with this interpretation, arguing
that the region is not a pacific field (just because the interstate conflicts
are rare) and also that Latin America is completely uninteresting for the
American defence policy. Our article tried to highlight precisely the fact
that Latin America, and especially South America, are not forgotten parts
of the world for the US geopolitical concerns.
The way we chose to suggest it is the analysis of how the “war on
drugs” issue assumed a relevant position in the US security agenda during
the 1980s and 1990s and, particularly, how this agenda was interconnected
to the main global security issue elected after the September 11 events: the
global “war on terrorism”.
We do believe that something relatively new happened in the
US security policy regarding South America in the beginning of the 21st

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56 AMÉRICA DO SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

century. The two new global initiatives here analysed, the Plan Colombia
and the Anti-drug Andean Initiative, could be taken as examples of this
shift, once they differentiate from the past policies because they are explicit
programs to fight by military means the guerrillas and the drug-trafficking
organizations taken as intertwined threats.
Above all, both initiatives, especially ACI, distinguish themselves
from the past ones for incorporating South America in the global strategy
of ‘war on terrorism’.It would be possible to support the general hypothesis
that South American is not a complete isolated area in terms of security
agenda for the US. The first element of this is the concrete connection
established between the “war on drugs” and the “war on terror”.
The second and subtler element is the conceptual and doctrinal
challenges put by this new kind of conflicts that involves non-state actors,
military private companies and military forces reshaped to face volatile
and agile targets. The French political philosopher Frédéric Gros (2010)
calls “states of violence” the current stage of conflicts in the world.
In his analysis the Clausewitzian way of warfare, based on fixed
temporalities, territorialities, jurisdiction and composition of fighters have
given path to undefined “states of belligerency” that do not present clear
beginnings and evident fighters.
A kind of global civil war emerges, mixing the ambiences of
security previously separated between the “internal security” and the
“international security”. The internal and the external has become
interconnected in a “continuum of security” (Bigo 2010) well represented by
the drug trafficking and the terrorism phenomena to their transterritorial,
both local based and transnational moved particularities.
This transnational character provokes an increasing process of
“policialization of the military” and the “militarization of police forces”
(RODRIGUES, 2012) to the fact that the enemies do not respect borders or
the traditional political limits of the nation-state.
In that sense, the inclusion of South America, through Plan
Colombia and the Andean Initiative – in the US security calculations would
not be seen as an odd movement. Instead, it would suggest how our region
is directly connected with the new security challenges of this century.
Our reflection stops on purpose when the relationship between
the ‘war on drugs’ and the “war on terror” was made by the US and the
Colombian diplomatic-military efforts. This process, nevertheless, did not
stop fifteen years ago. Instead, the general politics directed both to the drug-
trafficking issue and the terrorism still are militarized and securitized.

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Our pledge here is only an invitation to look at South America


as an interesting laboratory to analyse some of the main aspects of this
unclear and fugacious realm of the security challenges of our century and
of our region.

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Recebido em: 29/07/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 33 – 61, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 63

A INSERÇÃO INTERNACIONAL
BRASILEIRA POR MEIO DA
CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS
DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS E
PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS
ARMADOS: POSSIBILIDADES A
PARTIR DA RESPONSABILIDADE AO
PROTEGER.

Marcelo M. Valença1
Ana Paula Tostes2

RESUMO
Este artigo situa a proposta brasileira de uma
Responsabilidade ao Proteger (RwP) à luz dos objetivos de
longo prazo da política externa brasileira, revelando uma
coerente atuação política do país como um global player. A
Política Externa Brasileira (PEB) se caracteriza historicamente
pelo uso da diplomacia, o respeito ao direito internacional e o
1
Professor do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais (PPGRI), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de
Janeiro, RJ, Brasil. E-mail de contato: mmv@uerj.br
2
Professora do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação
em Relações Internacionais (PPGRI), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil. E-mail de contato: mmv@uerj.br

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 81, jan./jun. 2015


64 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

uso de meios não-violentos para a resolução de conflitos.


A inserção internacional brasileira tem sido marcada,
nesse sentido, por uma tensão entre elementos normativos
e capacidades não-materiais de poder para alcançar seus
objetivos de autonomia e relevância internacionais. O maior
envolvimento do Brasil no cenário internacional, em especial
no que se refere a temas de segurança, enquanto por um lado
fez ressaltar as limitações do país nas suas capacidades de
poder material, por outro lado encontrou relevância em uma
agenda de política externa que é coerente com seus princípios
e capacidades. Composto assim o cenário de convergência
entre a valorização do multilateralismo e da perspectiva da
segurança sob a ótica dos temas não-materiais de política
internacional e os princípios e estratégias da PEB, o Brasil
encontra condições propícias para a sua participação mais
ativa na política internacional.
Palavras-chave:PolíticaExternaBrasileira–Responsabilidade
ao Proteger – Proteção de Civis em Conflitos Armados –
Prevenção de Conflito

BRAZILIAN INTERNATIONAL INSERTION


TROUGH THE CONSOLIDATION OF
NORMS OF CONFLICT PREVENTION
AND PROTECTIONS OF CIVILIANS IN
ARMED CONFLICTS: POSSIBILITIES
FROM THE RESPONSIBILITY WHILE
PROTECTING.
ABSTRACT
This paper investigates the Brazilian proposal of a
Responsibility While Protecting (RwP) vis-à-vis the long-
term goals of the Brazilian foreign policy. It suggests a

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 82, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 65

coherent behavior that highlights Brazil’s involvement in


international politics as a global player.
Brazilian Foreign Policy (BFP) is historically marked by
preference for the use of diplomatic mechanisms, the
adherence to international law, as well as to non-violent
means to resolve disputes. Brazilian international insertion
is characterized, thus, by the tension between normative
aspects and non-material capacities of power to fulfill the
country’s goals of autonomy and international relevance.
Brazil’s increasing involvement in international politics,
especially regarding themes of security, may highlights
its limitations to use power to back up its claims, but it
also promotes the country’s values and principles. In that
sense, the importance of multilateralism and the growing
attention to non-material means to preserve international
security build the foundations to allow Brazil to promote a
more sustainable role in international politics.
Keywords: Brazilian Foreign Policy – Responsibility while
Protection – Protection of Civilians in Armed Conflits –
Conflict Prevention

INTRODUÇÃO

A história da inserção do Brasil nas relações internacionais se


caracteriza por um crescente envolvimento em novos temas de política
internacional nas últimas décadas. As condições criadas pelo fim da Guerra
Fria, pela estabilidade econômica alcançada a partir da segunda metade da
década de 1990, assim como o aumento da visibilidade internacional das
economias emergentes, concorreram para que o Brasil se estabelecesse como
potência regional e como player global. Ainda que esse papel seja compatível
com as aspirações de longo prazo brasileiras, ele levanta questionamentos
sobre como o país sustentará e consolidará esse novo status. Este artigo
introduz a ideia de que a posição brasileira no que tange à proteção a civis
em conflitos armados é parte importante do caminho rumo a um papel de
maior relevância na política internacional.
Nesse sentido, a proposição de uma Responsabilidade ao Proteger
(“Responsability While Protection”), uma releitura da Responsabilidade de

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 81, jan./jun. 2015


66 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

Proteger (“Responsability to Protect”), mostra-se coerente com os objetivos


de política externa brasileiros. Em primeiro lugar, ela reforça o compromisso
constitucional brasileiro quanto ao respeito ao direito internacional. Além
disso, e talvez mais importante, o princípio da RwP auxilia na redução
dos constrangimentos impostos pela limitação de componentes materiais
de poder que permitam ao Brasil atuar como uma potência global.
Desenvolvemos nosso argumento em três etapas
Na primeira apresentamos um panorama da política externa
brasileira, considerando-se elementos históricos e normativos. Nossa linha
argumentativa parte dos objetivos de longo prazo do país - autonomia e
relevância - e da lógica que sustenta as estratégias brasileiras para inserção
internacional, incluindo, mas não se limitando, ao RwP.
Na segunda seção apresentamos os dilemas enfrentados pelo Brasil
no que tange ao R2P e o cenário atraente que o RwP oferece aos países
emergentes. Aqui assumimos uma posição claramente solidarista para
localizar o R2P no debate sobre o papel do poder e das ideias na política
internacional, assim como nos debates político e teórico sobre o significado
da segurança.
Concluímos o artigo com a proposição de diretrizes para o debate
e para a atuação política brasileira. Mesmo considerando que a ideia de
RwP foi gradualmente sendo posta de lado, a sua proposição permite a
consolidação do papel do país na política internacional, vis-à-vis a atuação
histórica brasileira.

POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA: UM HISTÓRICO DE


PREFERÊNCIAS MULTILATERAIS

Os estudos de Política Externa Brasileira (PEB) consideram,


grosso modo, um modelo histórico descritivo que destaca as preferências e
estratégias diplomáticas utilizadas pelo Brasil para alcançar seus objetivos.
Em função dessa natureza descritiva, o uso de modelos e/ou abordagens
analíticas para explicar as escolhas e preferências dos agentes políticos
não é usual. As estratégias de política externa são estudadas baseadas no
seu alcance, nos seus mecanismos e impactos na formulação das agendas
internacionais, não por seu processo de formulação de decisões (SALOMON;
PINHEIRO, 2013).

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 82, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 67

A revisão da literatura do campo sugere que a forma mais comum


de analisar as estratégias de PEB consiste no que ficou conhecido como
abordagem paradigmática. Em suma, a análise paradigmática divide e rotula
tais estratégias e suas preferências em grupos conceituais - os paradigmas
- que evidenciam variáveis e observações empíricas para explicar interesses
e tendências ao longo do tempo (CERVO, 2003, p. 7 - 8; PINHEIRO, 2004,
p. 7; VALENÇA; CARVALHO, 2014, p. 69). Como consequência há pouca
preocupação com o desenvolvimento de um modelo que analise o
comportamento e/ou os impactos das estratégias políticas objetivando o
desenvolvimento de novas teorias ou abordagens conceituais para o campo.
Com isso, os Estudos de Política Externa têm pouco ou nenhum impacto na
PEB (SALOMON; PINHEIRO, 2013).
Os paradigmas mais recorrentes da PEB (americanista, globalista,
institucionalista pragmática e autonomista) são percebidos, em diferentes
níveis e momentos, desde o início do século passado e se entrelaçam no
processo decisório brasileiro (CERVO, 2003; PINHEIRO, 2004; SARAIVA;
VALENÇA, 2011; SILVA, 1995; VALENÇA E CARVALHO, 2014). Apesar de
fazermos referências ao enfoque paradigmático como forma predominante
de ler a política externa brasileira, não discutiremos os paradigmas
individualmente. Optamos por destacar dois elementos distintivos,
frequentemente mencionados naquele enfoque, que caracterizam a PEB
como forma de sustentar nosso argumento.
O primeiro é sua relativa continuidade. Ela é expressa a partir
da ideia de que a política externa brasileira é baseada em linhas gerais
e entendimentos relativamente estáveis sobre os interesses nacionais
brasileiros (VALENÇA; CARVALHO, 2014, p. 69). Os dois interesses
nacionais de longo prazo do Brasil são definidos a partir dessa continuidade.
São eles a busca por autonomia e relevância no plano internacional (Saraiva
e Valença, 2011, p. 99-100).
O primeiro se refere à ambição brasileira de atingir sua autonomia
internacional, nos planos político e econômico, enquanto o último se
refere à busca por um papel mais substancial nas relações internacionais
(VALENÇA; CARVALHO, 2014, p. 69). Cabe ressaltar aqui que, apesar dessa
relativa continuidade da política externa brasileira, os meios e estratégias
desenvolvidos pelos formuladores de decisão e prescritos por analistas para
atingir os dois objetivos são contingentes aos cenários políticos internacional

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 81, jan./jun. 2015


68 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

e doméstico. A segunda característica é a presença de componentes idealistas


e pragmáticos na formulação da política externa.
Esses componentes moldam e oferecem as condições subjacentes
para o desenvolvimento das estratégias de política externa e para o alcance
dos dois objetivos de longo prazo (HAMANN, 2012b, p. 72; KENKEL, 2012,
p. 6; MELLO, 2014, p. 111).
O componente idealista da política externa é percebido em discursos
e no apoio à ideia normativa e solidarista de uma sociedade internacional.
Esse componente enfatiza a importância da diplomacia, do estado de
direito e do compartilhamento de princípios internacionais para superar a
assimetria entre os Estados (MELLO, 2014, p. 111; WELSH et al., 2013).
Por outro lado, o componente pragmático da política externa
brasileira se refere às limitações materiais enfrentadas pelo país. Essas
limitações se encontram tanto na dimensão econômica quanto militar e
afetam as aspirações nacionais por um papel de maior destaque na política
internacional. Apesar das suas dimensões territoriais e de sua importância
como ator regional, o Brasil não apresenta as condições materiais
historicamente necessárias para se tornar um ator de maior destaque nas
relações internacionais. Eduarda Hamann aponta, por exemplo, que o
Brasil não se encontra entre os dez maiores países em nenhum ranking
internacional que mede a materialidade do poder, exceto no tamanho de sua
economia (HAMANN, 2012b, p. 72) atualmente a sétima maior do mundo.
Essas limitações, ainda que reconhecidas internamente por políticos e
analistas, pouco são mencionadas nos discursos políticos, que buscam
mascarar esse fato.
A síntese dos componentes idealista e pragmático reflete o
envolvimento limitado do Brasil em assuntos militares e relativos à
segurança internacional tradicional. Desde o final da II Guerra Mundial,
a única oportunidade em que o Brasil se engajou em conflitos armados não
ligados às operações de paz da ONU foi durante a Guerra da Coreia. Ainda
assim, o envolvimento brasileiro foi marginal e limitado (ALVES, 2007).
Uma visita breve à história da PEB evidencia um notável engajamento
brasileiro em questões de guerra, especificamente nas operações de paz da
ONU. O país ocupa atualmente o 12o lugar na lista dos países que mais
contribuem com tropas e o 28o lugar na lista de maiores contribuidores para
o orçamento do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 82, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 69

(HAMANN, 2012b, p. 74-75).


Note-se, no entanto, que o Brasil tem insistido na prática explícita de
envolvimento em operações caracterizadas como não-coercitivas, evitando
aquelas norteadas e/ou fundamentadas pelo Capítulo VII da Carta da ONU
(KENKEL, 2012, p. 12; VIOTTI et al., 2014, p. 22). Operações dessa natureza
comprometeriam as aspirações brasileiras, além de irem de encontro aos
valores e ideais do país.
Mesmo em sua própria região, a capacidade do Brasil de usar seu
poderio militar ou promover a deterrência é notadamente limitado. O
controle de suas fronteiras é particularmente problemático, especialmente
na região amazônica, dado que o Exército não possui as condições
materiais ou de pessoal necessárias para o efetivo patrulhamento da
região. De acordo com o Plano de Defesa Nacional (BRASIL, 2008), o crime
transnacional, o tráfico de armas e drogas e a imigração ilegal estão entre
as ameaças mais relevantes à segurança do país. Isso ocorre porque não há
ameaças militares tradicionais. O conceito de segurança hemisfério é útil
para explicar essa percepção de segurança. Se, de um lado, o Brasil propõe
que as diretrizes de segurança e defesa nacional se sustentam na premissa
de que “desenvolvimento é defesa”, por outro o impacto desse ideário na
capacidade brasileira de projetar poder sobre sua região é limitado.
A tensão entre os componentes idealista e pragmático também
explica a preferência histórica brasileira pela promoção de instituições
multilaterais e pela resolução não-violenta de disputas. O multilateralismo
possibilitaria “the legal guarantees obviated by the absolute definition
of sovereignty (…) to protect against interference from larger powers”
(KENKEL, 2012, p. 10). A partir daí podemos afirmar que os decisores
políticos e diplomatas brasileiros entendem que a participação do país em
instituições internacionais não apenas ocultaria sua limitação em termos
de componentes materiais de poder, mas também auxiliaria a promoção
dos valores e crenças do país. O envolvimento em arranjos multilaterais
funcionaria tal como um atalho para um papel de maior relevância para o
Brasil na política internacional (WELSH et al., 2013).
Essa importância dada ao multilateralismo explica o envolvimento
do Brasil na maior parte dos esforços internacionais para sua promoção
desde o final do século XIX. Esse envolvimento inclui, mas não se limita,
a participação nas conferências de paz de Haia e Genebra, em 1907 e 1919,

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 81, jan./jun. 2015


70 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

respectivamente, e na Liga das Nações. Desde a fundação da Organização


das Nações Unidas, o Brasil pleiteia um assento permanente no Conselho de
Segurança, sem sucesso. Durante a Guerra Fria a participação internacional
brasileira foi menos visível, o que não impediu o país de se envolver em
iniciativas importantes, tanto no nível global - como as reuniões de Breton
Woods - e regional. Nesse sentido, o Brasil participou de todas as iniciativas
de integração regional nas décadas de 1950 e 1960 (CAMARGO, 1993) e
promoveu esforços para esse processo nas décadas seguintes.
A mesma tendência se manteve após o final da Guerra Fria. O
encerramento das tensões entre as duas grandes superpotências proporcionou
o espaço político necessário para o Brasil aumentar sua participação em
instituições internacionais. A diplomacia brasileira projetou um novo papel
internacional para o Brasil que dependeria do seu envolvimento em arranjos
multilaterais. Isso inclui, mas não se limita a, o retorno do pleito por um
assento permanente no Conselho de Segurança, renovado formalmente em
1994 (MELLO, 2014, p. 116). Esse novo papel ficou, contudo, mais visível
a partir de 2005, conforme o ex-presidente Lula da Silva se engajava em
uma participação mais ativa em termos de política externa, ao menos no
nível retórico (HAMANN, 2012b). É importante destacar que o Brasil é,
juntamente com o Japão, o país com status de membro não-permanente a
participar pelo maior período de tempo no Conselho de Segurança (VIOTTI
et al., 2014, p. 5).
A consolidação das normas e princípios internacionais, o
fortalecimento dos instrumentos diplomáticos e dos arranjos multilaterais
se tornaram prioridades na agenda internacional brasileira (Viotti et al.,
2014; Welsh et al., 2013). Elas estão diretamente ligadas às diretrizes que
norteiam as relações internacionais brasileiras, listadas no parágrafo 4o
de sua Constituição Federal. Tais diretrizes ressaltam a importância do
estabelecimento de relações estáveis e pacíficas entre o Brasil e os demais
países da sociedade internacional, bem como refletem as preferências
assumidas pelo país.
Essas preferências refletem não só as tentativas brasileiras de atuar
como mediador entre o Norte e o Sul, especialmente no que toca à limitação
do uso da força na política internacional e na promoção do multilateralismo,
como também retratam o padrão de votos do país no Conselho de Segurança
da ONU (AMORIM NETO, 2011; VALENÇA, 2009).

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 82, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 71

Mesmo sofrendo com as limitações em suas capacidades materiais,


o Brasil, gradualmente, envolve-se com maior frequência em discussões
sobre guerra e paz. Exemplo disso foi o papel assumido pelo país no debate
acerca da intervenção na Líbia e na Síria e a proposta por uma solução
negociada para superar a crise regional (VIOTTI et al., 2014, p. 24). De
modo semelhante, o Brasil propôs uma solução negociada para o impasse
nuclear entre Irã e Estados Unidos (HAMANN, 2012b). A atuação brasileira
é marcada pela tentativa de relegar o uso da força e de meios militares para
uma dimensão marginal.
É importante, contudo, deixar claro que a limitação em termos de
capacidade material brasileira não explica, isoladamente, a preferência do
país por tais estratégias. Há evidências que corroboram a noção de que
tais preferências refletem a percepção do país quanto ao seu próprio papel
desde o início do século XX (PINHEIRO; GAIO, 2014, p. 89; Welsh et al.,
2013). A busca por estratégias para alcançar os objetivos de longo prazo de
autonomia e relevância são construídos a partir dessas linhas gerais e não se
limitam à atuação junto a ONU. “Brazil’s elites still regarded their country
as holding status distinct from that of other Latin American countries and
believed that further involvement with peace and war issues would enhance
its international position” (Valença e Carvalho, 2014, p. 77).
Atualmente o Brasil está envolvido na promoção de diversas ações
de inserção internacional, seja pela promoção de integração regional no
âmbito da América do Sul, por meio do Mercosul e da Unasul, seja para
integrar diferentes regiões em torno de objetivos em comum, como o fórum
IBSA, o G20 e o G77.
Essas iniciativas sugerem a preferência do país em assumir um
papel de liderança ao criar incentivos para arranjos regionais e sub-regionais
para a prevenção de conflitos e resolução de disputas pela da consolidação
de normas e procedimentos institucionais (HAMANN, 2012b, p. 73; VIOTTI
et al., 2014). Podemos afirmar, assim, que os valores e retórica política
assumidos pelo Brasil são compatíveis com sua atuação regional e sua
relação com seus vizinhos (HAMANN, 2012b, p. 73). Apesar desse papel
proeminente e da liderança ambicionada pelo Brasil enfrentarem a oposição
por parte de outros líderes regionais, especialmente Argentina e México, o
protagonismo brasileiro na América Latina é reconhecido tanto por seus
vizinhos, quanto por outros países.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 81, jan./jun. 2015


72 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

Essa abordagem analítica e histórica busca situar a trajetória


diplomática e política nas relações internacionais do Brasil. Nosso objetivo
aqui é oferecer o substrato explicativo para que a RwP seja entendida como
uma ferramenta para as aspirações internacionais brasileiras. O papel
internacional do país foi construído por suas elites políticas a partir de uma
abordagem normativa estruturada a partir de suas percepções, estímulos e
constrangimentos internacionais e dos valores e princípios que sustentariam
uma “visão solidarista” da sociedade internacional. A RwP seguiria essa
linha, ao mesmo tempo em que possibilitaria o alcance dos objetivos de
longo prazo da PEB.

AS ASPIRAÇÕES INTERNACIONAIS BRASILEIRAS E A


RESPONSABILIDADE AO PROTEGER

Como sugerido anteriormente, a política externa brasileira é


caracterizada por uma relativa continuidade que, em última instância, foca-
se em dois objetivos de longo prazo - autonomia e relevância. As estratégias
para atingir tais objetivos são moldadas conforme as tensões entre os
componentes idealista e pragmático e consistem em uma combinação de
normas, valores, ideias e limitação de capacidades materiais.
A síntese desses elementos indica uma dimensão normativa da
política internacional e uma percepção compartilhada de como o Brasil deve
se encaixar na sociedade internacional. Alguns analistas apontam que esse
entendimento da ordem internacional caracterizaria a política externa do
país como tendo um caráter grociano (FONSECA JR., 1998; KENKEL, 2012,
P. 12).
De forma similar às suas diretrizes de política externa, as relações
internacionais brasileiras são relativamente estáveis ao longo do tempo.
Os princípios e valores que guiam a atuação brasileira indicam uma visão
normativa da política internacional (LAFER, 2005). Por um lado, eles refletem
a forma como o Brasil se vê como ator político e como o país deve buscar e
defender seus objetivos de longo prazo. Por outro, eles prescrevem como a
ordem internacional deve ser, com particular ênfase no conjunto de normas
e valores que devem prevalecer. Dentre eles estão os princípios da não-
intervenção e soberania, o respeito e a proteção aos direitos humanos e a
preferência pela resolução pacífica de controvérsias. Como resultado, essas
diretrizes - listadas como princípios norteadores no Artigo 4o da Constituição
Federal - reforçam a busca por autonomia na política internacional, assim

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 82, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 73

como o locus de enunciação brasileiro, como um Estado com ambições globais


(LIMA, 1992; Saraiva e Valença, 2011). Nessas bases é possível argumentar
que as respostas da PEB aos eventos políticos dependem do quão compatível
forem as condições para que esses objetivos de longo prazo serem possíveis
de alcançar ou não. Isso pode não ser diferente da forma como outros
Estados lidam com seus interesses nacionais, mas o caso brasileiro evidencia
o dilema de uma potência regional tentando agir globalmente.
Nesse sentido podemos apontar um espaço de oportunidade
para a atuação brasileira sobre questões de proteção aos civis em conflitos
armados e prevenção de conflitos. Esse espaço de atuação surge com o
pronunciamento brasileiro junto ao Conselho de Segurança da ONU em
2011, quando se destacou a preocupação brasileira com o desvirtuamento
do conceito da R2P.
Pensado para, grosso modo, evitar a ocorrência de três cenários de
violência subsequentes de conflitos armados - genocídios, crimes de guerra,
limpezas étnicas e crimes contra humanidade -, a R2P nortearia a atuação
internacional para evitar crises humanitárias provocadas por Estados ou
grupos políticos, especialmente aquelas ocorridas nas duas últimas décadas.
Segundo o ex-ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, a perda
do significado original do R2P poderia levar à não-proteção dos civis em
conflitos armados e à busca por mudança de regimes políticos que não
fossem simpáticos às potências internacionais.
Um bom exemplo era o caso da Líbia, fundamentado na
responsabilidade coletiva internacional prevista no R2P, mas que gerava
dúvida quanto à sua adequação, tendo sido por isso motivo de críticas e
protestos em diferentes partes do mundo. Dessa forma, o suposto uso do
R2P demonstrava-se capaz de extrapolar objetivos de proteção nele contido,
passando a exigir que a comunidade internacional atuasse de maneira mais
responsável.
Nascia ali a ideia de RwP como um corolário capaz de abranger a
prevenção como ideal a ser buscado e para a garantia da proteção a civis e o
respeito à soberania quando legitimamente exercida pelos Estados. Tomando
a prevenção como melhor política para a garantia e manutenção da paz e
da segurança internacional, o RwP enfatiza a diplomacia preventiva e os
processos de mediação como forma de exercício coletivo de responsabilidade
na busca da paz. Nesse contexto, atende perfeitamente a responsabilidade e
dever da comunidade internacional de esgotar todos os meios pacíficos para
proteger civis em situações de violência antes de recorrer ao uso da força.

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74 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

E, mesmo quando esta for autorizada e tida como necessária, seu uso deve
produzir o mínimo de violência e instabilidade, de forma a não agravar a
situação já existente.
É possível notar aqui a tensão entre os componentes pragmático
e idealista da política externa. A proposição de uma PwP representa um
importante movimento da diplomacia brasileira em direção a um papel
de maior destaque na política internacional em um momento quando
as questões humanitárias estão em evidência e o espaço político para o
envolvimento de Estados em ascensão está em aberto (WELSH et al., 2013).
Isso porque reforça o entendimento brasileiro de como as relações
internacionais devem se estruturar, além da RwP atender a uma lógica
economicista de custo-benefício efetivo, especialmente se considerarmos
um país com recursos limitados para promover sua projeção internacional.
Tanto a R2P quanto a RwP estruturam a ação internacional em três
pilares. O primeiro aponta que o Estado é responsável primário por proteger
sua população dos atos de violência previstos. Caso não seja capaz de fazê-
lo, entraria em ação o segundo pilar. Neste é previsto que a comunidade
internacional tem papel de cooperar e assistir os Estados a desenvolver
suas capacidades para cumprir com as responsabilidades deles esperadas.
Finalmente, e em circunstâncias extraordinárias, o terceiro pilar prevê
que a comunidade internacional estaria autorizada a agir coletivamente
para proteger as populações em situações de risco, desde que as medidas
previstas nos dois primeiros pilares falhem.
A interpretação usual do terceiro pilar o considera equivalente ao uso
da força ou a intervenções unilaterais, o que não é correto. Primeiramente, a
prevenção é uma dimensão essencial ao terceiro pilar porque permite uma
série de ações coletivas de natureza não-coercitiva sob o Capítulo VI da
Carta da ONU (HAMANN, 2012a, p. 26).
Ademais, ações coletivas internacionais baseadas no Capítulo VII
da Carta não implicam, necessariamente, o uso da força. Pode-se falar,
nesse caso, em suspensão das relações diplomáticas ou sanções econômicas,
por exemplo. Hamann também ressalta que mesmo o emprego de forças
militares não significa o uso da força: ela pode ser empregada como apoio às
operações de paz ou para monitorar o contexto social.
A proposição da RwP, que abre espaço para novas estratégias além
do uso da força como mecanismo para coagir os Estados praticantes de
violência contra a sua população serve como espaço político para o Brasil
promover seus valores e reforçar sua agenda política enquanto busca

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 82, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 75

seus objetivos de longo prazo. Ela aparece como uma oportunidade para
o país consolidar sua posição internacional e dialogar, de forma mais
intensa, com as grandes potências a partir de elementos que são caros aos
países do Sul Global. Como sugerido, a forma como o Brasil entende suas
relações internacionais se baseia em princípios como o da não-intervenção,
normatividade legal, a resolução não-violenta de disputas e a abstenção
quanto ao uso da força.
Uma abordagem mais abrangente das normas de prevenção de
conflito, que reforce esses princípios e ideais, evidencia a compatibilidade e
coerência da RwP tanto com os princípios norteadores da PEB quanto com
o papel internacional imaginado pelos formuladores de política externa
brasileiros.
A proposta brasileira sugere o desenvolvimento de um conjunto de
critérios a ser aplicado às intervenções militares, além do fortalecimento de
estratégias globais para a prevenção de crises regionais e internacionais. Tais
critérios deveriam ser observados quando da implementação dos mandatos
outorgados pelo Conselho de Segurança da ONU, bem como levados em
consideração quando da renovação e avaliação desses mandatos. Dentre
esses critérios e aspectos a serem observados estão (i) o uso da força como
último recurso, (ii) a proporcionalidade, (iii) o não-causar danos, (iv) a
legitimidade da ONU e (v) a accountability.
Nesse sentido, a RwP refletiria a tradição do modelo de conduta da
PEB ao destacar a importância de mecanismos normativos, o emprego de
ações multilaterais para garantir a estabilidade internacional e a preferência
por ações preventivas em detrimento ao uso da força. Isso porque, mesmo
quando devidamente autorizado pela ONU, o uso da força deve ser o último
recurso. Como exposto por Jeniffer Welsh et al, a RwP não configuraria o
pacifismo, mas reforça que o uso da força deve ser evitado a menos que seja
absolutamente necessário (WELSH et al., 2013).
A consideração às tradições e mecanismos legais de respeito à
soberania e ao direito internacional público são importantes para o Brasil,
assim como quaisquer instrumentos que possibilitem a preservação dos
Estados da influência e da dominância de outros. Nesse sentido, e como
crítico feroz do R2P desde 2005, o Brasil é um costumeiro oponente das
intervenções internacionais pautadas por uma agenda humanitária no Sul
Global (KENKEL, 2013, p. 284). Ao mesmo tempo, o país se manifestou em
diversas ocasiões sobre sua intolerância à impunidade de violadores dos
direitos humanos (WELSH et al., 2013). Finalmente, podemos concluir que

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76 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

a proposição da RwP aparece como um importante recurso do Brasil para


seu envolvimento em temas políticos relevantes para a manutenção da paz e
segurança na ordem internacional, sem que se considerem ações coercitivas e
uso de recursos materiais de poder. Corroborando com a postura brasileira,
Kenkel (KENKEL, 2013, p. 7) ressalta que a não-intervenção é um aspecto
central às relações internacionais dos países da América Latina.
A defesa da dimensão preventiva no RwP limitaria a ânsia por
intervenções internacionais, permitindo o desenvolvimento de uma
dimensão solidarista na sociedade internacional, pautadas por normas e
valores, em convergência com a tradição da PEB.
O envolvimento brasileiro nas operações de paz da ONU reflete,
portanto, um claro posicionamento de um país que se vê como parte do
Sul Global, mas possui conexões estreitas com o Norte, interfere na ordem
global e defende mudança de valores e uma revisão da forma como a política
internacional é conduzida. Em outras palavras, pela RwP, o Brasil possibilita
a preservação de sua autonomia vis-à-vis a ordem internacional, ao mesmo
tempo em que progressivamente aumenta sua influência nas agendas
internacionais.
Em um cenário de adoção das ideias encampadas pela RwP, medidas
coercitivas que envolvessem o uso da força somente seriam possíveis se
devidamente autorizadas pelo Conselho de Segurança. De acordo com o
corolário do RwP, mesmo quando propriamente autorizadas, as intervenções
motivadas por fins humanitários não devem causar mais danos do que sua
autorização para prevenção permite. É mais uma preocupação do RwP que
evidencia a importância de medidas preventivas para a consolidação da paz
internacional.
Como as intervenções humanitárias requerem procedimentos
multilaterais, a proposição de ajustes e critérios que consolidem uma
ordem internacional multilateral e normativa seria reforçada, satisfazendo
as aspirações brasileiras. A política envolvida no processo de autorização
e realização das intervenções humanitárias seriam mitigadas por meio da
definição de um conjunto de critérios que as legitimaria (VALENÇA, 2014).
Esses critérios se assemelhariam à teoria da guerra justa e incluiriam
a noção de uso da força como absoluta última opção, proporcionalidade
e expectativas razoáveis de sucesso (HAMANN, 2012a; WELSH et al.,
2013). Isso é especialmente relevante para o Brasil porque ele não pode
ser considerado uma potência global, mas um player global. Seu papel
internacional cresceu consideravelmente nas últimas duas décadas, mas

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 82, jan./jun. 2015


Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 77

não pode ser considerado, ainda, comparável a potências como os EUA, a


China ou o Reino Unido. Isso limita consideravelmente sua capacidade de
influenciar agendas políticas internacionais.
Nesse sentido, o desenvolvimento e fortalecimento de uma ordem
internacional baseada no direito internacional e que impõe restrições ao
uso da força é de interesse direto do Brasil. Primeiro, porque a retirada da
dimensão militar das relações internacionais permitiria um diálogo mais
franco e aberto entre o Brasil e essas grandes potências. Segundo, porque o
fortalecimento de valores e instituições internacionais ajudaria a preservação
de arranjos multilaterais, aumentando os custos relativos incidentes sobre as
ações unilaterais.
Com isso, não apenas os objetivos de longo prazo da política
externa brasileira e a tensão entre os componentes idealista e pragmático
explicariam as estratégias brasileiras de política externa, mas também
enviariam mensagens contraditórias quanto às aspirações internacionais do
país.
De forma a superar essas contradições, o Brasil deve desenvolver
estratégias coerentes para se inserir entre as grandes potências. Pode-se
relacionar, portanto, a postura crítica brasileira quanto ao R2P e sua proposta
do RwP como uma consequência lógica da execução de seus valores e
possibilidades, na mesma forma e lógica que as suas escolhas e estratégias
de política externa.
Essa releitura da R2P, que enfatizaria a prevenção em todos os três
pilares e o comprometimento da comunidade internacional para prevenir
mudanças de regimes e outras interferências externas, converge com a
história da diplomacia brasileira e com os princípios e paradigmas da PEB.
Ademais, pode-se perceber uma transitividade política e cronológica à
sequência dos pilares, sendo o segundo pilar complementar ao primeiro, e o
terceiro uma ação suplementar, disponível apenas após provada a ineficácia
dos dois anteriores (HAMANN, 2012b; THAKUR, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre intervenção humanitária, prevenção de conflitos


e, marginalmente, sobre a proteção de civis em situações de conflito armado,
tem sido vista, ao mesmo tempo, como central e arriscada às aspirações
brasileiras. Por um lado, ela promove os valores éticos e a preocupação com
os direitos humanos e a autodeterminação dos povos que são centrais para a

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 81, jan./jun. 2015


78 A INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA ATRAVÉS DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DE PREVENÇÃO DE CONFLITOS
E PROTEÇÃO AOS CIVIS EM CONFLITOS ARMADOS

visão brasileira de sociedade internacional. Por outro, ela expõe as fraquezas


do Brasil quanto ao apoio às intervenções internacionais no caso de violação
maciça de direitos humanos. O Brasil sempre condenou tais violações, mas
sua posição diplomática histórica defende a preservação dos princípios da
não-intervenção e da resolução pacífica de controvérsias (HAMANN, 2012b;
KENKEL, 2012).
O uso da força é assunto delicado aos formuladores de decisão
brasileiros e, por isso, é posto como último recurso nas formulações de suas
agendas e posicionamentos internacionais. Casos como os de Ruanda e
Kosovo, evidenciam essa contradição, pois enquanto membro do Conselho
de Segurança o Brasil defendeu uma intervenção limitada no primeiro
e foi contrário à intervenção no segundo. Em outras ocasiões, no entanto,
o Brasil se absteve de votar, o que reduziu a pressão internacional para a
condenação de violações de direitos humanos. Essas contradições entre o
discurso e a prática política podem ter enviado sinais contraditórios aos
aliados brasileiros e à comunidade internacional como um todo.
Como o Brasil se comportaria caso todas as propostas não-violentas
fracassassem e a única alternativa que restasse fosse o uso da força? Diante
de tantas incertezas, o Brasil não pode e não deve depender apenas da
diplomacia para estabelecer e promover o diálogo entre atores internacionais
(HAMANN, 2012b, p. 76). A retórica política, por si, não leva à ação efetiva:
o direito de intervir não implica o dever de fazê-lo (VALENÇA, 2014). Por
outro lado, um maior envolvimento brasileiro na política internacional traria
consigo maiores responsabilidades (VALENÇA, 2009).
Mesmo se considerarmos que a R2P envolve mais do que o mero
uso da força, o Brasil não possui a credibilidade, tampouco os recursos, para
agir coercitivamente. Isso reforça a imagem de um player, não uma potência,
global. Não há evidências que suportem as aspirações para o Brasil se tornar
uma potência militar, especialmente porque seria contraditório com os
próprios valores e tradições nacionais (HAMANN, 2012b, p. 76).
Contudo, a ausência de componentes de poder material limitam
a efetividade da resposta do país para apoiar suas posições com ações
concretas. As melhores chances brasileiras encontram-se, portanto, no
engajamento em alternativas à tradicional política de poder para que se
aproveite a oportunidade de propor novas abordagens a essas questões em
uma seara que aumente sua influência global. Nesse cenário, a RwP, apesar
de constituir-se como uma releitura de princípios e regras já existentes, é vista
como uma estratégia coerente.Ao defender um padrão mais responsável
para ser aplicado em intervenções futuras, o Brasil pode contribuir para o

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Marcelo M. Valença e Ana Paula Tostes 79

fortalecimento do debate e da constituição de normas internacionais para


prevenção de conflitos. A própria defesa de critérios mais responsáveis
para a intervenção humanitária, considerando o respeito ao princípio da
soberania dos Estados e o princípio da não-intervenção, são bons exemplos
disso.
A RwP reforça a responsabilidade coletiva internacional de prevenir
e responder propriamente a crises humanitárias, bem como reforçaria o
posicionamento dobre o limite ao uso da força, para que seja encarado como
a única opção de ação coercitiva para prevenir a violência. Com isso, ações
arbitrárias e/ou unilaterais seriam constrangidas, considerando-se assim a
intervenção armada como último recurso.
A preocupação com o fortalecimento das normas de prevenção de
conflito também é percebida na proposição de que há uma responsabilidade
coletiva internacional para prevenir crises humanitárias. Há expectativa, não
a obrigação, de se intervir nesse tipo de crise (VALENÇA, 2014, p. 353), por
ser considerada uma ameaça aos princípios de uma sociedade solidarista.
Como a RwP amplia o rol de atores envolvidos e legitimados a intervir
- Estados, organizações internacionais, organizações-não-governamentais e
sociedade civil -, também a expectativa da não intervenção se concretizaria,
com a participação de atores não-estatais nas operações de paz.
Neste sentido, as limitações enfrentadas pelo Brasil em relação às
suas capacidades materiais de poder seriam mitigadas, pois a ação preventiva
tende a ser menos custosa e menos arriscada do que a intervenção militar
propriamente dita.
Pela da promoção de seus valores e princípios, o Brasil se torna capaz
de se engajar nessas iniciativas sem extrapolar suas limitações materiais de
poder e/ou capacidades militares, nem ferir sua tradição e objetivos de longo
prazo em tornar-se um player global. Como resultado, pode-se vislumbrar
que tal engajamento teria, tanto no âmbito regional quanto internacional, o
potencial de promover o aumento de visibilidade da atuação brasileira no
cenário internacional e junto a organizações internacionais multilaterais, em
especial às Nações Unidas.

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Recebido em: 10/08/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 63 – 81, jan./jun. 2015


Luis Manuel Brás Bernardino 83

A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA
EDIFICAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
ANGOLANAS

Luis Manuel Brás Bernardino*

RESUMO
Num período conturbado da História da República de
Angola, em que após alcançar a sua Independência e na
sequência dos Acordos de Bicesse, procura-se edificar umas
Forças Armadas nacionais, integradoras e agregando os
movimentos armados dos três Movimentos de Libertação,
o papel de Portugal e mais concretamente da Comissão
Conjunta Político-Militar revelou-se decisiva e fundamental
para criar o embrião do que são atualmente as Forças Armadas
de Angola. Este artigo histórico-conjuntural procura analisar
as vicissitudes de um processo político-militar ainda pouco
estudado e que contribui para percebermos como surgiu o
embrião do que são as Forças Armadas Angolanas e qual foi
o contributo de Portugal nesse processo.
Palavras-chave: Angola; Forças Armadas Angolanas,
Acordos de Bicesse, Comissão Conjunta Político-Militar.

*
Doutor em história dos factos sociais, pós-graduado em estudos de paz e da guerra nas
novas relações internacionais integrado, no Curso de Estado Maior (IESN) - Universidade
Autônoma de Lisboa (2007), Lisboa, Portugal.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 83 – 110, jan./jun. 2015


84 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

PORTUGAL’S PARTICIPATION IN THE


CREATION OF THE ANGOLAN ARMED
FORCES
ABSTRACT
During a troubled period of the History of the Republic
of Angola, in that after achieving its Independence and
following the Bicesse Accords, it seeks to build a national
Armed Forces, integrative and aggregating the armed
movements of the three Liberation movements, the role of
Portugal and more specifically the Joint Political-Military
Commission proved to be decisive and crucial to create
the embryo of what are currently the Angolan Armed
Forces.This article history-cyclical seeks to analyze the
events of a political-military process poorly studied
and that contributes to realize how awful the embryo of
what are the Angolan Armed Forces and what was the
contribution of Portugal in this process.
Keywords: Angola, Angolan Armed Forces; Bicesse
Agreement; Joint Political-Military Commission

…competia aos representantes das duas partes


[UNITA e MPLA] a decisão, por consenso, sobre
todas as matérias relativas ao processo de formação
das Forças Armadas e aos três Países assessores
a apresentação de propostas aceitáveis pelas duas
partes evitando a criação de situações de impasse
que inviabilizassem ou dificultassem o clima de bom
entendimento desejado…
Tenente-General Alípio Tomé Pinto, In “Relatório
Sumário de Fim de Missão”, 1992,p. 2-3

INTRODUÇÃO
Em meados de Junho de 1975, as novas Autoridades Portuguesas
saídas do processo revolucionário do 25 de Abril de 1974, tentaram

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 83 – 110, jan./jun. 2015


Luis Manuel Brás Bernardino 85

alinhar politica e ideologicamente o Movimento Popular de Liberação de


Angola (MPLA), União para Independência Total de Angola (UNITA) e
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), de forma a desistirem
da reclização ou adiarem as eleições legislativas previstas nos Acordos
de Alvor e que considerava a Independência de Angola como uma
possibilidade político-estratégica para unificar as partes em litígio,
e contribuir assim para edificar um sentimento de unidade nacional
multipartidária em Angola, pois todos os indícios políticos apostavam
para o reacender da guerra civil no país.
No início de Novembro de 1975, o Primeiro-ministro, Almirante
Pinheiro de Azevedo, havia ameaçado, segundo Glória Ramos, a sua própria
demissão e do VIº Governo, caso Portugal reconhecesse a Independência de
Angola declarada, unilateralmente, apenas por um dos três Movimentos de
Libertação, criando um problema político de difícil resolução (2000, 81).
No Conselho da Revolução em Lisboa acabaria por prevalecer, entre
as diferentes hipóteses estudadas, a que defendia que o Presidente da
República declarasse a Independência de Angola transferindo o poder para
o povo Angolano, sem reconhecer qualquer Governo ou força política ou
partidária (mesmo que provisório), o que viria a acontecer à zero hora do dia
11 de novembro de 1975.
Na cerimónia solene de transferência de autoridade realizada no
salão nobre do Palácio do Governo, perante a Comunidade Internacional, no
seu último discurso como Alto-Comissário e Governador-Geral de Angola,
o Almirante Leonel Cardoso, em nome do Governo Português, reconhecia,
implicitamente, que nenhuma das grandes metas assinadas nos Acordos [de
Alvor] iriam ser alcançadas e que cada Movimento de Libertação tinha as suas
próprias forças de natureza militar a serem desenvolvidas e posicionadas
numa luta pela posse geoestratégica do terreno e na materialização de
um único objetivo, o de se posicionarem para ganhar vantagem política (e
militar) que lhe permitisse celebrar a Independência em 11 de Novembro de
1975, e assim assumir a dianteira e a liderança do processo independentista
e de liderança politica, o que veio a caber ao MPLA1.

1
Portugal viria a reconhecer oficialmente no dia 22 de Fevereiro de 1976, a existência da
República de Angola e a legitimidade do Governo saído do processo de Declaração de
Independência em 11 de Novembro de 1975 (RIBEIRO, 2002, p. 391).

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 83 – 110, jan./jun. 2015


86 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

Referia a esse propósito no dia da transferência de autoridade


para as autoridades Angolanas, o Alto-Comissário que “… a única
recriminação que (Portugal) poderá aceitar é a de ter provas de extrema
ingenuidadepolítica quando concordou com certas cláusulas do Acordo de
Alvor. Daí em diante os acontecimentos foram progressivamente fugindo
ao seu controlo, à medida que o conflito se internacionalizava e melhorava
rapidamente a qualidade e aumentava a quantidade do material de guerra
que entrou em Angola por todos os meios…” e salientava ainda no seu
discurso que “…e assim Portugal entrega Angola aos angolanos, depois
de quase 500 anos de presença, durante os quais se foram cimentando
amizades e caldeando culturas, com ingredientes que nada poderá destruir.
Os homens desaparecem, mas a obra fica. Portugal parte sem sentimentos
de culpa e sem ter de que se envergonhar. Deixa um país que está na
vanguarda dos Estados Africanos, deixa um país de que se orgulha e de
que todos os angolanos podem orgulhar-se…”2 (RIBEIRO, 2002, p. 389).

Figura Nº 1 – Arriar da Bandeira Nacional Portuguesa - Luanda 11 de Novembro de 1975

Ainda assim, a UNITA, seria encorajada pelos Americanos


(essencialmente mas não só), nomeadamente pela ação do Presidente
Gerald Ford, a continuar a luta pelo poder em Angola, ao mesmo tempo
2
Discurso do Alto-Comissário de Angola, Almirante Leonel Cardoso no Palácio do
Governo em Luanda em 11 de Novembro de 1975. In, General Gonçalves Ribeiro, na obra
“A Vertigem da Descolonização. Da Agonia do Exôdo à Cidadania Plena”, 2002, 389.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 83 – 110, jan./jun. 2015


Luis Manuel Brás Bernardino 87

que Henry Kissinger, apoiava também indirectamente o movimento de


Jonas Savimbi, essencialmente na vertente de apoio logístico e financeira
por meio da ligação da CIA a Kinshasa (por intermédio de Mobutu Sese
Seko), apoiando também, em simultâneo, Holden Roberto e a sua FNLA,
ministrando instrução aos militares restantes do Exército de Libertação
Nacional de Angola (ELNA) na região do Bié (Capolo) (RAMOS, 2000, p. 81-85).
Entre 9 e 12 de Fevereiro de 1975, Jonas Savimbi iniciou a designada
“…longa marcha…” no intuito de concentrar forças militares para
reorganizar as suas Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA) (do
Bié para a região de Menongue) e recebeu os apoios dos EUA por meio da
acção da “Angola Task Force”, que lhe permitiu “ressuscitar e recuperar”
o braço armado da resistência da UNITA. As FALA viriam a ter, nessa
altura, cerca de 4000 apoiantes e preparavam-se para serem os principais
opositores do MPLA, pois em Fevereiro de 1976, a FNLA deixava de existir
como força de combate capaz de realizar operações militares consistentes.
No aspecto militar, o período entre 1975 e 1991, coincidiu com um
dos períodos mais conflituosos da região subsariana e de Angola, cerca de
16 anos de um conflito interno que teve de quase tudo e que segundo o
Brigadeiro Correia de Barros do Centro de Estudos Estratégicos de Angola
(CEEA), contribuiu para um atraso infra-estrutural que atualmente ainda se
procura recuperar e que apesar de ter criado dois grupos armados robustos
(MPLA e UNITA) e com uma boa experiência de guerra, serviu também
para multiplicar os diferentes agentes das cooperações técnico-militares,
levando a retrocesso no processo de criação das FAA (que viria a ressurgir
em outubro de 1991, por meio da junção das FAPLA e FALA). Politicamente
foi mais de uma década onde as lideranças de Agostinho Neto e a partir
de 10 de setembro de 1979 com José Eduardo dos Santos na liderança do
MPLA, e de Jonas Savimbi, por parte da UNITA, e ainda residualmente a
FNLA, de Holden Roberto, iam encontrando (aproximando ou divergindo
nos temas políticos) nas Cimeiras e encontros parcelares que proliferaram
nessa altura, criadas pelos líderes regionais ou por iniciativa própria, com
vista a definir os termos da paz para Angola, que tardava contudo em
chegar…
Nesse período (1975-1991) assistiu-se a dinâmicas nacionais,
regionais e mundiais, em torno da resolução do conflito interno Angolano,
passando a constar nas agendas regionais e internacionais para a
paz, em que o palco onde se haviam desenvolvido as “…guerras por
procuração…”, segundo o General Loureiro dos Santos, passava agora a

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88 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

ser palco das “…guerras das influências…”. Palco em que as ideologias


políticas, os interesses pessoais e económicos, a luta pelos recursos naturais,
o subdesenvolvimento social e humano da população, bem como outros
fatores de natureza social, de fronteiras e até culturais, tribais (raciais) ou
religiosos, contribuíam para arrastar a situação de conflito em Angola
até aos Acordos de Bicesse. Neste contexto, realizaram-se no período um
conjunto de Cimeiras (Alvor, Mombaça, Libreville, Nova Iorque, Bicesse e
Lusaka, entre outras) e foram assinados (e desrespeitados) um conjunto de
Memorandos, Compromissos ou Acordos, que ficou conhecido na História
recente de Angola, num período em que mais se comprometeu o diálogo
pela voz das armas.

O PAPEL DA COMISSÃO CONJUNTA PARA A FORMAÇÃO DAS


FORÇAS ARMADAS NA EDIFICAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
ANGOLANAS

Rubricado o Acordo de Paz para Angola em Bicesse em 1991 e


após a data oficial da assinatura formal e solene em Lisboa, deu-se início a
uma curta época de paz, de desenvolvimento e de bem-estar para o povo
Angolano. Contudo, precedeu a reunião de 31 de Maio de 1991, um encontro
“inesperado” a 15 de Maio desse ano, no Moxico (arredores de Luena na
nascente do Rio Cambongo) entre as principais chefias militares das Partes
em oposição com vista à cessação efectiva das hostilidades. Desse encontro
“secreto” viriam a participar os líderes militares das FAPLA e da FALA,
e levou à definição das principais linhas de acção politico-estratégicas dos
Acordos de Bicesse.
As estruturas do acordo de paz assinado previam, entre outros
aspetos, a operacionalização de uma designada “Comissão Conjunta para
a Formação das Forças Armadas” (CCFA), com a missão de criar umas
“novas” Forças Armadas e que permitissem a emancipação da Nação
Angolana, que tivessem um sentido de fraternidade conjunto e que fossem
o suporte elementar da unidade nacional e pilar de edificação do Estado.
Essa missão iria contribuir para o desenvolvimento do país e pretendia-se
que essas “novas” Forças Armadas fossem emanadas a partir dos elementos
armados dos extintos Movimentos de Libertação de Angola, constituindo-
se assim num referencial moral e ético-político e que permitisse a junção de
etnias, raças e religiões, contribuindo conjuntamente para o futuro do país
por meio da consolidação das suas Forças Armadas. Após Bicesse, a CCFA

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Luis Manuel Brás Bernardino 89

reuniu-se pela primeira vez em 24 de Junho de 1991 e considerou-se, nesta


data, que iniciou-se a 1ª Fase dos trabalhos, materializada na elaboração
das diferentes directivas produzidas, que se referiam fundamentalmente
ao “Sistema Normativo e Legislativo das Forças Armadas Angolanas”,
elementos indispensáveis ao levantamento das futuras Forças Armadas
Angolanas. Foi um trabalho realizado em equipa entre as lideranças político-
militares Angolanas e a Comunidade Internacional (liderada por Portugal)
em que num tempo muito curto, e apesar dos ideários de cada uma das
partes envolvidas (Governo/UNITA) se conseguiu suplantar as diferenças
político-ideológico-militares e a obra em comum começou a nascer, pois o
pilar da criação militar por meio da edificação de umas Forças Armadas
nacionais seria o suporte à materialização do ideal político, em que todos
tinham a plena consciência de que se a formação das FAA falhasse, todo
o processo político estaria comprometido, e o futuro de Angola em risco.
Em entrevista ao autor, o Brigadeiro Correia de Barros e o General
Alípio Tomé Pinto salientam o entusiasmo dos generais Pedro Maria
Tonha “Pedale”, Ministro da Defesa da República Popular de Angola, do
General António dos Santos França “Ndalu”, Vice-ministro da Defesa e
Chefe do Estado-Maior-General das FAPLA, do Coronel Francisco Higino
Lopes Carneiro (FAPLA) e do General Demóstenes Amós Chilingutila
(FALA), que representando, em permanência e em todo o tempo, cada
uma das partes dos Acordos, souberam com as suas equipas lançar as
principais “sementes” para que fosse possível, não só criar-se um sentido
de muita responsabilidade e compromisso, como alinhar a formulação dos
princípios e regras que deram origem às primeiras directivas orientadoras
para a constituição e organização das FAA.
Os grupos de trabalho constituídos integravam no conjunto
da própria Comissão, militares de Angola e assessores militares de
Portugal, do Reino Unido e da França. A coexistência de três países a
assessorar militarmente levou, naturalmente, ao surgimento de questões
e entendimentos diferenciados, não apenas por defesa de interesses
próprios, mas também por se seguirem doutrinas e estruturas militares
substancialmente diferentes.
Contudo, ao longo do tempo em que decorriam os trabalhos,
Portugal viria, naturalmente, a assumir a liderança do processo de assessoria
militar e formação das FAA pois, “...o trabalho de assessoria por parte de
Portugal e a facilidade de comunicação da Língua Portuguesa viriam a
ser fundamentais, como ponte de ligação entre interesses e conceitos

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90 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

divergentes mas unidos num sentimento nacional em prol da formação


de umas Forças Armadas...” (TOMÉ PINTO, 2010/2011). Nesse contexto,
o mesmo autor salienta ainda o esforço feito pela Comissão que tinha a
importante e decisiva missão de criar o embrião das FAA, sendo o trabalho
desenvolvido em equipas muito pequenas, mas que “…se entregaram de
forma sublime num momento de extraordinária importância e histórica
para Angola que era a edificação das suas Forças Armadas…” (TOMÉ
PINTO, 2010/2011). O principal problema foi garantir que o entusiasmo
não diminuísse ao longo do processo e que se soubesse encontrar, em
conjunto, as melhores soluções para criar umas FAA dignas e merecedoras
de respeito e orgulho da nação Angolana, o que veio a acontecer.
A 2ª Fase do processo trataria do levantamento do Exército
Nacional, conforme referia explicitamente a Directiva Nº 4 que versava
sobre o levantamento das Unidades do Exército, em que às FAPLA e
FALA estavam acometidas as principais responsabilidades dessa tarefa,
conjuntamente com os países assessores (com destaque para Portugal) que
dariam o melhor do seu apoio estrategico-militar, conscientes da grande e
decisiva importância da missão para o futuro de Angola.

Figura Nº 2: Directiva Nº 4

Um apoio significativo viria a ser prestado por Portugal por meio


do General Soares Carneiro, então General Chefe do Estado-Maior-General

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Luis Manuel Brás Bernardino 91

das Forças Armadas Portuguesas (CEMGFA), disponibilizando um conjunto


de meios (humanos e materiais) das Forças Armadas Portuguesas que seriam
estruturantes e decisivos para o levantamento, formação e consolidação das
FAA. A 2ª Fase iniciou-se em meados de Novembro de 1991 e foi prolongada
até às eleições legislativas de Setembro de 1992, tendo sido subdividida em
dois períodos: O 1º Período, que incluía a formação de Instrutores (até finais de
Fevereiro de 1992) e a que se seguiria um 2º Período, com o levantamento das
unidades (e estruturas) do Exército e dos outros Ramos, bem como do futuro
Ministério da Defesa Nacional (e seus órgãos anexos).
No entanto, vale a pena sublinhar que o levantamento decorreria
do grau de prontidão e preparação dos aquartelamentos, na época muito
degradados e onde era preciso intervir para recuperar e permitir que
pudessem acolher os militares que eram aí concentrados. E ainda dos próprios
condicionalismos político-ideológicos do processo de paz, factores que
ultrapassavam a esfera de ação político-militar da CCFA.
Todavia, as Forças Armadas Angolanas, se bem que tendo como seu
elemento mais numeroso o Exército (os Acordos de Bicesse estabeleciam 40 mil
homens) teria que absorver a Força Aérea (6.000) e a Marinha de Guerra (4.000),
que também, a partir dessa data, viriam a iniciar a sua fase de reestruturação
com a colaboração de assessores internacionais, nomeadamente de Portugal.
Os trabalhos de estudo e planeamento haviam começado nessas
estruturas e previam que em finais de Maio de 1992 pudessem estar já
subordinados ao comando superior unificado e conjunto das FAA, que havia
sido nomeado entretanto (14 de Novembro de 1991).Entendia-se que seria esse
o ponto sem retorno e em que se estabeleceria a unidade e a unificação plena
das FAA, sendo o período pós eleições o tempo adequado para a conciliação,
consolidação e para se alcançar o equilíbrio de todo o Sistema de Forças
Nacional, com reflexos directos na segurança e no bem-estar das populações.

Figura Nº 3 – Directiva Nº 5

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92 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

Contudo, como vimos, em 14 de Novembro de 1991 haviam sido


nomeados, numa cerimônia muito concorrida pela presença de órgãos de
comunicação social nacionais e internacionais, os Generais Comandantes
do Comando Superior das FAA, o General João Batista de Matos e o
General Abílio Kamalata “Numa”.
Na véspera da nomeação do comando superior das FAA, havia
chegado de Lisboa em avião C-130 (Lisboa - São Tomé - Huambo) a
primeira equipe de instrutores portugueses num efectivo de 18 militares
(alguns dos quais com especialidade Comandos) com equipamento
auxiliar para o apoio à instrução e também para a melhoria das instalações
dos aquartelamentos, onde se iria desenrolar a formação3 .
Foi na realidade uma odisseia ”…hoje impossível de se imaginar
face às deficientes condições que o Huambo vivia naquela época…”, mas
que demonstrou a vontade de um povo e a liderança dos seus militares e
confiança que depositavam nas suas Forças Armadas (Ibidem).
A 13 de Dezembro de 1991 dá-se início na Escola de Formação de
Oficiais (EFO) no Huambo ao primeiro curso de oficiais formadores (25
militares das FAPLA e outros tantos das FALA) e em 10 de janeiro de 1992,
viriam a ser nomeados os Chefes de Repartição do Estado-Maior General
das FAA e do Comando Logístico e de Infraestruturas. Mais tarde, a 18 de
Fevereiro teriam início o Curso de Estado-Maior ministrados por Oficiais
Superiores vindos de Portugal, com o apoio do Instituto de Altos Estudos
Militares (IAEM).
Em 26 de Fevereiro de 1992, por ocasião da visita do Ministro da
Defesa Nacional de Portugal (Fernando Nogueira), realizou-se na Escola de
Formação de Oficiais a primeira Guarda de Honra feita pelos militares das
FAA, e que constituiu um sucesso mediático em Angola e em todo o mundo.
Contudo, em 6 de Dezembro de 1991 as assessorias internacionais, em face
de algum impasse no processo, sentiam a necessidade de elaborar uma
recomendação às partes (Governo/UNITA) para as possíveis consequências
negativas do atraso do processo da formação das FAA, situação relembrada
em novo documento em Março de 1992 e que serviriam para impulsionar o
processo negocial e político. Entretanto, as diferentes Diretivas elaboradas
pela CCFA eram posteriormente submetidas e aprovadas pela Comissão
Conjunta Político-Militar (CCPM), que pela sua burocracia (e paralisia

3
Relatório da Missão refere que para além do equipamento administrativo e de construção
trazido de Portugal, salienta a utilização de uma Estação Purificadora de água que se revelou
de extrema utilidade para melhorar as condições de vida no Huambo.

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Luis Manuel Brás Bernardino 93

politico-estratégico) não permitiu um apoio adequado ao normal


processo de levantamento das FAA4 .
As Diretivas Estruturais entretanto produzidas para a criação e
edificação das FAA referiam-se especificamente a:
- Directiva Nº1 - Bases Gerais para formação das Forças Armadas
Angolanas, que incluía a definição da Missão das FAA. Princípios
definidores de Doutrina, Justiça e Disciplina Militar e a Estruturas de
Comando Superior das FAA (aprovada pela CCPM em 9 de Outubro de
1991);
- Directiva Nº2 - Definição dos critérios de selecção dos militares
para as FAA, em que era incluída a “Declaração Individual de Voluntário”
para a prestação de serviço nas FAA (aprovada pela CCPM em 9 de
Outubro de 1991);
- Directiva Nº3 - Exército Angolano: Definição da Missão, estrutura
orgânica e territorial (foram criadas 4 regiões e uma Zona Militar - Luanda)
e Estrutura do Sistema de Forças contendo ainda a constituição da Brigada
Ligeira de Intervenção (aprovado pela CCPM em 17 de Dezembro de 1991);
- Directiva Nº4 - Levantamento das Unidades do Exército e
incluindo o esquema geral de formação militar, Quadros Orgânicos
(provisórios) para cada unidade, matérias a ministrar nos vários cursos
(aprovado pela CCPM em 17 de Dezembro de 1991);
- Directiva Nº5 - Normas Básicas para a uniformização de
procedimentos nas FAA (recorda as diferentes origens doutrinárias das
duas forças). Lei e Ordem Militar, Vida Interna dos Quartéis, Normas
Protocolares, Ensino e Instrução Militar. Integrando ainda as “Normas
Básicas para a uniformização de procedimentos nas FAA” incluindo:
Normas Reguladoras da Disciplina Militar; Normas Reguladoras da
Justiça Criminal Militar; Normas de Serviço das Unidades; Normas de
Ordem Unida; Normas de Continências e Honras Militares e as Normas
de Preparação Física. Porém, sempre se considerou essencial para o
levantamento e criação das FAA, que se realizassem as seguintes condições:
ocupação dos acantonamentos nas áreas de localização pelos militares
das FAPLA e das FALA; definição das normas quanto ao destino a dar ao

4
Em 17 de Dezembro de 1991, só haviam sido rectificadas pela Comissão
Conjunta Político-Militar, as Diretivas (1, 2, 3 e 4) e continuavam em discussão
as Diretivas 5, 6, 7, 8, 9 e 10, que diziam respeito especificamente à organização
do Exército da Força Aérea e à Marinha de Guerra Angolana, o que constituiria,
em nossa opinião, um entrave político ao processo militar de formação das FAA.

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94 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

pessoal (indigitação dos que eram para incorporar nas FAA e aqueles
que seriam desmobilizados) e ao material (a distribuir pelos Centro de
Instrução e a transferir para Depósitos Centrais de Material); preparação
de aquartelamentos para receber e acolher de forma condigna os militares
integrantes das novas FAA (o que obrigava à recuperação urgente de
infraestruturas, constituindo um significativo entrave ao processo de início
da formação); definição de Doutrina, Normas e Programas de Instrução;
definição de novos uniformes e respectiva simbologia e a manutenção de
confiança e segurança, quer pessoal quer social, dos militares que passaram
a constituir as Forças Armadas Angolanas.
Também nesse contexto, viria a ser elaborado um Plano Logístico
“provisório” para alimentar o Sistema de Formação, pois era necessário
não condicionar as ações formativas dos militares, os quais representava
o eixo central para se conseguir a junção (e uniformização) das FAPLA e
FALA, procurando-se dar um sentimento e corpo comum às FAA. A essas
Directivas (com o valor de Lei) seguiram-se outras seis, dizendo respeito à
Força Aérea e à Marinha, em que a Directiva Nº 11 (última a ser elaborada
pela Comissão) definia a organização do Ministério da Defesa Nacional de
Angola.
Elaboraram-se ainda no decorrer do período de formação, vários
Despachos próprios (com a força legal de Decreto-Lei), tendo em vista a
consolidação da organização, formação das unidades, além de 38 actas das
reuniões parcelares (a última realizada em 8 de Setembro de 1992) que
continham orientações político-militares dos representantes do Governo e
da UNITA, obtidas nas múltiplas reuniões realizadas no período intenso
da edificação das FAA na sequência dos Acordos de Bicesse.
O processo de negociação, planeamento e execução, era contínuo
e imprevisível, e os trabalhos aconteciam em paralelo no terreno e nos
gabinetes, sob a dependência permanente da evolução do processo
político, em que nem sempre os militares de um e outro lado estavam de
perfeito acordo. Contudo, importa salientar ainda que os princípios que
iriam reger a constituição das “novas” Forças Armadas Angolanas foram
definidos numa proposta conjunta apresentada pela CCFA (24 de setembro
de 1991) e aprovada em 9 de Outubro de 1991 pela CCPM5 e que passou

5
Faziam parte na Comissão Conjunta para a Formação das Forças Armadas (CCFA), pelo
Governo, o Coronel Francisco Higino Lopes Carneiro e pela UNITA, o General Demóstenes
Amós Chilingutila. Na Comissão Conjunta Político-Militar (CCPM), pelo Governo Angolano
fazia parte o Tenente-General António dos Santos França “Ndalu” e pela UNITA, o
Engenheiro Elias Salupeto Pena.

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Luis Manuel Brás Bernardino 95

o seu designado por “Bases Gerais para a Formação das Forças Armadas
Angolanas”, constituindo a Directiva Nº 1.
Dava-se assim início ao processo de formação institucional das
FAA, onde tinha grande relevo os aspeto da Formação e da construção dos
normativos legais da Justiça e Disciplina Militar, e ainda aspectos logísticos
e de organização militar, que se constituiriam nos pilares da edificação das
“novas” Forças Armadas em Angola.

O que se constata na análise dos documentos que abordam nesse


contexto a intervenção de Portugal na criação das FAA, é que existiu uma
similitude e convergência organizacional entre o planeado no EMGFA (em
Portugal) no documento classificado de “confidencial”, designado por
“Um Conceito para as Forças Armadas de Angola” e que serviria de guia
para as conversações da equipa Portuguesa e passariam a consubstanciar
as “Bases Gerais para a Formação das FAA” (aprovados pela CCPM).
Essa convergência indicia que existiu uma cumplicidade entre os líderes
militares Angolanos e os assessores Portugueses, constatando-se que era
bem aceite a orientação estratégica de Portugal para a edificação das FAA.
Nesse contexto, os militares Portugueses serviram de assessores
e facilitadores (neutrais) do processo de edificação das FAA no contexto
da CCFA, como havia idealizou o seu Presidente. Salienta-se ainda que
o General Tomé Pinto recebeu pessoalmente do Presidente da República
Portuguesa (Mário Soares) a proposta da sua indigitação para a liderança

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96 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

da CCFA, tendo sido apontado pela sua experiência e carisma junto dos
militares Angolanos como a pessoa (militar) mais indicada para levar a
efeito tão importante tarefa para o futuro de Portugal e de Angola.

A ASSESSORIA JURÍDICA E A LEGISLAÇÃO MILITAR NAS FORÇAS


ARMADAS DE ANGOLA

No âmbito das atribuições da CCFA, a assessoria jurídica


proporcionada por Portugal para elaboração dos principais regulamentos
militares, nomeadamente das “Normas Reguladoras da Justiça Criminal
Militar” (1992) foram, no contexto da edificação das FAA, uma das áreas
mais debatidas e trabalhadas pelas Partes, pois se por um lado, não se
pretendia romper com um passado jurídico-legal que derivada das normas
jurídicas estabelecidas no “Programa do Conselho da Revolução da
República Popular de Angola”, que integravam as principais orientações
político-militares emanadas pela Procuradoria Militar das Forças
Armadas (Luanda, 4 de Maio de 1984), designadas também pelas “Duas
Leis da Revolução Angolana”. Pretendia-se por outro lado, acrescentar
valor e transformar (adequar) uma legislação que derivava das Leis nº
16/78 e nº 17/78, ambas de 24 de Novembro de 1978 (assinadas ainda por
Agostinho Neto) para outros paradigmas de modernidade jurídica, mais
condescendente com umas Forças Armadas modernas, num país que se
pretendia “novo” e mais desenvolvido…

Figura Nº 5 – Normas Reguladoras da Justiça Criminal Militar _ 1992

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Luis Manuel Brás Bernardino 97

Contudo, a forma como era entendida e exercida a justiça militar


era diferente entre o MPLA e a UNITA e caracterizava cada Movimento
de Libertação (facção militar), pela forma como era aplicada e pelas
orientações e normativos que integravam em muitos aspetos, orientações
dadas também pelos países que prestavam assessoria técnico-militar no
período pré-Bicesse.
Era, segundo o assessor português para a parte legislativa e
disciplinar, o jurista Caetano Castel-branco Ferreira, relativamente comum
na mesa das negociações, uma divergência entre as necessidades ditadas
pela guerra e a realidade da necessidade de administração da justiça em
tempo de paz. Refere ainda que não existiam capacidades em termos de
recursos humanos (com conhecimentos de Direito) para se poder fazer
melhor e avançar mais depressa com o processo de criação das leis e dos
normativos legais nas FAA.
Alguns aspetos que constavam nos Acordos de Paz para Angola,
assinados em Bicesse, nomeadamente no Protocolo do Estoril, passariam a
definir a formação das Forças Armadas e a forma como seria a Estrutura de
Comando das FAA, e qual o contributo da CCFA para o processo legislativo.
Nesse contexto, criou-se uma “Repartição de Justiça e Disciplina” no
Estado-Maior-General das Forças Armadas Angolanas (EMGFAA), que
teria entre as suas principais preocupações imediatas, formar um corpo de
juristas e de pessoas formadas nesse vertente para poderem administrar a
Justiça Militar aos “novos” militares das FAA.
Parecia evidente a necessidade de desenvolver a vertente da
Justiça Militar como a espinha dorsal da constituição das FAA6. Assim,
para além de possuir um estudo para o levantamento das Forças Armadas
Angolanas, preocupou-se em garantir a presença de um assessor específico
para a área da Justiça e do Direito Militar, tendo solicitado ao Gabinete do
CEMGFA de Portugal (General Soares Carneiro) a presença do seu assessor
jurídico principal, o jurista Caetano José Castel-branco Ferreira (membro
do recentemente criado (na altura) Centro de Estudos de Direito Militar)

6
Os Objetivos e Princípios gerais definidos para a formação das Forças Armadas
Angolanas, constante nos Acordos eram os seguintes: Garantir a Independência Nacional;
Assegurar a integridade do Território Nacional; Garantir o regular funcionamento
das instituições democráticas e a possibilidade da realização das tarefas fundamentais
do País; Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da
comunidade nacional, de modo a que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados
a qualquer agressão ou ameaça externa e salvaguardar a liberdade e a segurança
das populações, bem como a protecção dos seus bens e do património nacional. In
“Directiva Nº 1 - Bases Gerais para a Formação das Forças Armadas Angolanas”, 1991, 9.

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98 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

para proceder à elaboração e implementação da legislação e normativos


jurídico-militares referente aos futuros “Regulamentos Disciplinar e
Criminais das FAA”.
A participação da auditoria jurídica portuguesa no processo de
formação das FAA iniciou-se por Despacho do CEMGFA de Portugal em
26 de Agosto de 1991, estando inicialmente previsto para uma estada de
curta duração que acabaria por se estender até 13 de Setembro de 1991, tal
era a complexidade e dificuldade na obtenção de consensos entre as Partes.
Numa primeira avaliação, Castel-branco Ferreira, refere que em missiva
enviada ao CEMGFA de Portugal, que “…a limitada tarefa que “…a
limitada tarefa que me foi confiada em Lisboa cedo foi ultrapassada, pela
complexidade do contexto em que se inseria, cujos contornos nem sequer
tinham, até então, sido correctamente estimados…”, perspectivando-se
logo aí a morosidade e dificuldade implementação desses normativos
e quão seriam importantes para a edificação das FAA, como consta nos
“Documentos Estratégicos sobre a edificação das Forças Armadas de
Angola”7 (2007).
Para a definição do conceito de Justiça e Disciplina das Bases
Gerais para as FAA, a interação entre o General Tomé Pinto e o assessor
jurídico desenvolvia-se desde 24 de Agosto de 1991, tendo sido aprovado
em Angola por ambas as delegações, em 5 de Setembro de 1991, o
documento e as respectivas normas transitórias e, tendo ficado definido
que iriam vigorar transitoriamente três ordenamentos jurídicos, o que
regia as FAPLA, o que norteava as FALA e o que iria reger juridicamente
as FAA (que era diferente de ambos e que iria ser trabalhado de forma a
integrar as sensibilidades e orientações emanadas pelo escalão político-
militar).
Contudo, a relevância da participação do assessor Castel-
branco Ferreira deu-se pela solicitação apresentada em 28 de Agosto
de 1991, por ambas as partes, para iniciar e propor a redação do
futuro “Código da Justiça Militar das FAA”, pois era necessário
tecnicamente ultrapassar, segundo o entrevistado,“…o impasse
a que se chegara…pelo radicalismo das posições da UNITA que
rejeitava, por sistema, todas as propostas provindas do Governo…”,
dificultando o normal evoluir dos trabalhos (20 de Setembro de 1991).

7
Esta compilação de documentos está disponível na Obra do autor, designada por “A Posição
de Angola na Arquitectura de Paz e Segurança Africana. A Função Estratégica das Forças
Armadas Angolanas”, editado pela Editora Almedina (2013).

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Luis Manuel Brás Bernardino 99

Assim, acabaram por ser redigidos, num curto espaço de tempo as


“Normas Reguladoras da Disciplina Militar”, que viriam a ser aprovadas
pelas delegações, mas apenas até ao Artº 17º (inclusive), pois o “Comité
Permanente da Comissão Politica da UNITA” abandonara entretanto as
conversações com base na missiva enviada a partir da Jamba e que colocava
em questão o processo político dos Acordos de Bicesse, nomeadamente o
processo eleitoral, que tinha reflexos no trabalho desenvolvido pela CCFA,
nomeadamente no contexto jurídico e legislativo.
Nesse âmbito, o projeto idealizado das “Normas Reguladoras
da Justiça Criminal Militar”, entretanto elaborado, não viria sequer a ser
abordado e analisado pela Comissão Técnica, pois carecia de uma análise
mais pragmática da implementação e administração da Justiça Militar,
o que implicava resolver um conjunto de anacronismos (identificados
pelo assessor Português): referia-se nomeadamente à necessidade de ter
em Angola uma maior percentagem de tribunais militares territoriais
(definida no mínimo como um em cada região/zona) e implemento um
sistema jurídico-militar “misto” que carecia de Oficiais formados em
Direito Militar, desejavelmente na proporção de um para um (FAPLA-
FALA), o que não era possível na parte da UNITA (pois esta não dispunha
de qualquer estrutura jurídica, nem militares com esta formação).
E ainda que a acumulação entre cargos jurídicos e políticos era
(deveria de ser) contra a Lei do Estado de Direito, de forma a separar o
poder legislativo do poder jurídico, característico do Estado de Direito.
O assessor português viria a reconhecer (na documentação enviada para
Portugal) ser um processo de difícil resolução, mas que tinham tempo para
refletir e resolver com a colaboração das partes envolvidas, até porque ao
nível da conversação jurídica os progressos eram bem evidentes (o que não
era exactamente igual ao nível político) pensando-se que seria necessário
ter o “Sistema Jurídico Militar” a funcionar quando o “Sistema de Forças
Nacional” estivesse completamente implementado, e as FAA iniciassem as
suas atividades de formação e operacionais ao serviço de Angola.

A MISSÃO TEMPORÁRIA DE PORTUGAL JUNTO DAS ESTRUTURAS


DO PROCESSO DE PAZ EM ANGOLA E OS CONTRIBUTOS PARA A
EDIFICAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS DE ANGOLA

O Despacho Conjunto A-62/91-XI publicado no Diário da


República nº 124-II Série de 31 de Maio de 1991 cria a “Missão Temporária

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100 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

de Portugal Junto das Estruturas do Processo de Paz em Angola” (MTPJE-


PPA), com a incumbência de assegurar a representação de Portugal junto
da Comissão Conjunta Político Militar, da Comissão Mista de Verificação
e Fiscalização (CMVF), da Comissão Conjunta para a Formação das Forças
Armadas (CCFA) e ainda da Comissão Política.
Foi designado Chefe da MTPJEPPA, o Embaixador António
Monteiro, diretamente apoiado pelos Chefes das Representações
Portuguesas nas demais Comissões, nomeadamente: General Alípio
Tomé Pinto na CCFA, o Brigadeiro Pereira Bonito na Comissão Mista de
Verificação e Fiscalização do Cessar-Fogo e António Franco na Comissão
Politica (que assumiu ainda as funções de Observador Português na
CCPM), cabendo ao componente militar da missão a assessoria à CCFA e
ao CMVF e à componente civil, a assessoria à Comissão Política.
A componente militar da Missão, sob a chefia do General Tomé
Pinto, articulou-se de modo a garantir aos dois membros da CCFA e da
CMVF os apoios necessários e, quando se iniciou a fase da formação das
FAA foi reforçada com um grupo de instrutores constituído por 18 Oficiais
e Sargentos dos três Ramos das FAP, liderados pelo Brigadeiro Gonçalves
Aranha que (primeiro no Huambo e depois no Soyo, N’Dalatando,
Luanda, Benguela, Cabo Ledo e no Lubango) assessoraram os Cursos
de Formação dos efetivos incorporados no Exército, na Força Aérea e na
Marinha Angolana e assessoraram ainda a organização dos Centros de
Instrução, dos Órgãos da Estrutura Superior das Forças Armadas, dos
Quartéis-Generais das Regiões Militares/Zonas Militares, dos Regimentos,
bem como das Bases Aéreas e Navais que progressivamente foram sendo
levantados por todo o país conforme estipulava a Directiva Nº 1 para a
criação das FAA.
Nesse contexto, salienta-se que na fase inicial já estava definida
a criação de um “Corpo de Forças Especiais”, essencialmente formados
por militares “Comandos”, estruturado por meio da criação de quatro
Batalhões de Comandos, com cerca de 2800 operacionais que constituiu
o embrião das cooperação técnico-militar entre Portugal e Angola nesse
projecto específico.
A Directiva Operacional Nº9/91 do EMGFA de 6 de Junho de
1991 definia que “…o Chefe da Componente Militar depende do General
CEMGFA no âmbito militar e do Chefe da MTPJEPPA no respeitante à
orientação política geral…” e que a referida chefia era “…exercida pelo
Oficial General mais antigo…”. Esse documento foi elaborado de acordo

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Luis Manuel Brás Bernardino 101

com o que a doutrina nacional em vigor determinava e incluía as atividades


desenvolvidas pelos militares Portugueses no âmbito das suas funções de
assessores na CCFA e de observadores na CMVF.
Contudo, como vimos, nos termos dos Acordos de Paz de Bicesse
a CCFA, constituiu o órgão de transição entre o escalão político-militar e o
escalão militar (FAA) até à data das eleições e era formada por militares das
FAPLA e das FALA (em representação do Governo e da UNITA), assistida
por assessores militares de Portugal, do Reino Unido e da França, e tinha
como principal tarefa dirigir o processo de formação das FAA.
Internamente articulou-se do seguinte modo: Chefes das
Delegações do Governo (MPLA) e da UNITA; Grupo de Estudos e
Planeamento; Grupo de Trabalho Nº1 para a área da Organização e
do Pessoal; Grupo de Trabalho Nº2 para a área de Legislação e dos
Regulamentos; Grupo de Trabalho Nº3 para a área da Logística; Grupo de
Trabalho Nº4 para a Força Aérea; Grupo de Trabalho Nº5 para a Marinha
de Guerra Nacional Angolana e o Secretariado.
A assessoria portuguesa na CCFA, que tomou parte ativa tanto nas
38 reuniões realizadas pela Comissão, bem como nas que os vários Grupos
de Trabalho levaram a efeito, elaborou e desenvolveu todas as propostas
de Directiva apresentadas à CCPM e todos os Despachos com que a CCFA
regulou o exercício das funções cometidas ao Comando Superior das FAA,
além de ter assumido a responsabilidade pela elaboração das atas das
reuniões plenárias, tendo por esse motivo um papel central na edificação
das FAA no pós-Bicesse.
Nos termos dos Acordos de Paz de Bicesse, conforme refere o
“Relatório Sumário de Fim de Missão”, elaborado em finais de 1992,
referia que “…competia aos representantes das duas partes a decisão, por
consenso, sobre todas as matérias relativas ao processo de formação das
Forças Armadas e aos três Países assessores a apresentação de propostas
aceitáveis pelas duas partes evitando a criação de situações de impasse
que inviabilizassem ou dificultassem o clima de bom entendimento
desejado…”, o que explica as dificuldades sentidas no seio da CCFA
(Tomé Pinto,1992, 4). Contudo, desde o início que ambas as partes
fizeram saber que o ritmo “aceitável” para a formação das FAA estaria
intimamente ligado aos interesses políticos globais no processo de paz,
pelo que a intervenção dos assessores teve que ter em conta o ambiente
político-militar que em cada momento pautava as relações entre os
signatários do Acordo de Paz de Bicesse. O evidente constrangimento

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102 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

inicialmente existia entre as duas delegações membros da CCFA foi algo


esbatido à custa da permanente presença das assessorias em todo o tipo
de reuniões levadas a cabo, sendo evidente o papel que nesse campo a
Delegação Portuguesa pôde desempenhar, quer pelo conhecimento da
cultura Angolana, quer pela facilidade de entendimento e compreensão
que o uso da língua comum facultava, quer ainda pelos laços pessoais e de
amizade progressivamente criados, aspeto que as duas outras assessorias
não cultivaram face à frequente alteração dos elementos presentes, e ainda,
pelo facto de muitos dos principais chefes militares (dos dois lados) terem
prestado serviço no Exército Português e a Portugal estarem ligados por
laços familiares e de amizade.
As dificuldades de ordem logística desde logo pressentidas e
a curto prazo constatadas por meio das visitas aos aquartelamentos do
dispositivo territorial construído pela administração portuguesa foram
também factores determinantes no abrandamento da implementação das
medidas acordadas no âmbito dos Acordos de Bicesse para a formação das
FAA.
Embora a vontade de ambas as partes em concederem aos militares
escolhidos para as FAA condições de vida condignas, só a realização de
obras urgentes permitiu a reconstrução de alguns desses Quartéis sem
que, apesar disso, fosse possível garantir-se o fornecimento da água e
da luz, bem como o regular fluxo dos bens alimentares. A circunstância
de ter estado associada a formação das FAA ao complexo processo da
desmobilização e desarmamento, constituiu também fator limitativo à
consecução das ações programadas e depois, progressivamente adiadas.
Esse aspeto constituiu permanente barómetro das reais intenções das duas
partes interlocutoras, já que, sendo evidente que uma rápida e eficiente
desmobilização iria aligeirar as responsabilidades de ordem logística e
militar, o seu protelamento indiciou que a manutenção do poder militar
sob seu controlo era um pressuposto básico das duas filosofias políticas
em presença.
Apenas em 7 de julho de 1992 viria a ser acordada no seio da
CCPM, a dissolução das FAPLA e das FALA para antes das eleições, o que,
face às considerações emanadas pelas Partes, levou a que a atuação da
assessoria portuguesa pauta-se fundamentalmente pelas seguintes ideias
força: Respeito permanente pelas disposições contidas nos acordos de Paz;
Compreensão e respeito pelas vontades próprias das partes (Governo e
UNITA); Equidistância e isenção política; Entendimento da situação vivida

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Luis Manuel Brás Bernardino 103

em cada espaço de tempo, privilegiando o diálogo mútuo, quando a


tensão se instalava e acelerando as ações concretas quando o entendimento
reinava; Elaboração de propostas capazes de atender à experiencia das
partes, à realidade da Nação Angolana e à efetiva capacidade de serem
implementadas e ativadas; Organização de um todo coerente que, embora
respeitasse todos os pressupostos enunciados, se apoiasse em princípios
doutrinários testados e articulasse harmonicamente os níveis de comando
e decisão com os de Estado-Maior e com os de execução.
Esses aspectos constituíam, em virtude da previsão de algum
atraso no processo de constituição das FAA (devido ao calendário eleitoral
pré-estabelecido), as principais linhas de ação estratégico-militares para a
constituição das FAA e guiariam a atividade da CCFA até ao final da sua
ação em Angola.
A constatação de que as duas partes consideraram fundamental
a incorporação na Estrutura Superior das FAA (MDN e EMGFAA) dos
seus Oficiais que constituíam figuras de referência, obrigou a algumas
adaptações e improvisação ao que estava previsto nas orgânicas nos
sistemas e órgãos de decisão, o que se procurou minimizar pela aceitação
mútua de normas limitativas e correctivas a serem implementadas num
período de cinco anos, partindo de um planeamento inicial faseado, com
vista a adequar e a projectar o desenvolvimento a médio prazo das FAA.
Entre a chegada da Delegação Portuguesa a Luanda, em 8 de Junho
de 1991 e a data das eleições (29 e 30 de Setembro de 1992) manteve-se na
missão a preocupação permanente em aquilatar das possibilidades de se
formarem as FAA nos termos previstos nos Acordos de Paz de Bicesse,
atuando como salvaguarda das condições fundamentais ali contidas para
que o processo eleitoral pudesse decorrer sem contestação por qualquer
das Partes. Por tal razão, sempre que se constatou a existência de paragens
ou atrasos que pudessem pôr em causa o completo cumprimento de tal
tarefa, a delegação portuguesa tomou a iniciativa de motivar as lideranças
das delegações assessoras para a elaboração de uma recomendação
“formal” para que activassem o processo de formação das Forças Armadas
ou se consciencializassem de que mais tarde não poderiam remeter para
terceiros responsabilidades que cabalmente lhes eram inerentes. Foi
assim que em 6 de Dezembro de 1991, como vimos, a CCFA entregou a
primeira recomendação oficial, chamando a atenção para o facto das
obras planeadas para os aquartelamentos previstos para os “Centros
de Instrução” decorrerem com alguma morosidade ou não terem ainda

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104 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

começado, o que inviabilizaria a formação adequada da totalidade dos


efetivos determinados para os três Ramos das FAA, condição essencial
para a formação das FAA, antes do início do processo eleitoral.
Contudo, em 18 de Março de 1992, e perante a evidência de que
apenas alguns dos aquartelamentos necessários seriam utilizados e de
que a nomeação do pessoal para a frequência dos Cursos de Formação se
revestia de uma injustificada morosidade, elaborou um “Ponto de Situação
sobre o levantamento das FAA” para que o Chefe da Missão Portuguesa
e Representante de Portugal na CCPM pudesse, nessa instância, alertar
as duas Partes para a situação. Com base no estudo foi elaborada a
segunda recomendação em 25 de Março de 1992 e nesse documento não
só se preconizavam procedimentos alternativos capazes de viabilizarem
o levantamento dos três Ramos das FAA em tempo útil, como se referiam
quais os quantitativos estimados (como possíveis) de serem incorporados
antes de Setembro de 1992, caso tais medidas não fossem adotadas e
implementadas em tempo.
Ainda assim, cerca de dois meses antes da data reafirmada pelas
partes para a realização do ato eleitoral e numa altura em que o sucesso do
recenseamento eleitoral era já evidente, recomendou-se às Partes o conjunto
de medidas necessárias para que, pelo menos, os três Ramos das Forças
Armadas ficassem dotados dos níveis de Comando e de apoio logístico
capazes de suportarem a estrutura das FAA final prevista, de organizarem
os efetivos a incorporar e de administrarem os meios materiais a libertar
pelas FAPLA e FALA. Nesse cenário, as insuficiências que se verificaram
nas FAA (na data em que a sua formação devia estar completa) decorrem
de uma atitude consciente e ponderada de ambas as Partes que os países
assessores procuraram obviar, em tempo, pelos únicos argumentos que à
luz dos Acordos de Paz lhes era lícito utilizar…a força da palavra…
Nesse contexto, no dia 27 de Setembro de 1992 (data em que
formalmente foram extintas as FAPLA e as FALA) viriam a tomar posse a
Chefia do Estado-Maior-General das FAA, em que foram investidos treze
Generais de 3 estrelas, e entravam em exercício de funções os Chefes do
Estado-Maior dos 3 Ramos das FAA, estando já formadas (ou em fase final
de formação) as seguintes estruturas: No Exército estavam implementados
os Quartéis-generais das RM/ZM e seus Estados-Maiores; Regimentos de
Execução Logística a 39%; Regimentos da Organização Territorial a 25%;
Estrutura Administrativo-Logística a 28,5% e a Estrutura Operacional
a 66% e na Força Aérea e Marinha Angolana, estavam completamente

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Luis Manuel Brás Bernardino 105

redimensionadas as suas infraestruturas, meios e órgãos. A partir das


propostas que as duas Partes entregaram com os “Princípios Básicos
para a Organização das FAA” e tendo como pressupostos fundamentais
as disposições constantes nos Acordos de Paz, a assessoria portuguesa
apresentou uma proposta de organização para a estrutura superior
das FAA, que mereceu a concordância genérica das Partes e da CCFA
(documento que tinha sido previamente elaborado em Lisboa). A partir da
aceitação da proposta referida, foi elaborada ao nível do Grupo de Trabalho
Nº1, a Directiva Nº1/CCFA, a qual viria a ser aprovada pela CCFA no dia
24 de Setembro de 1991 e pela CCPM em 9 de Outubro do mesmo ano.
Tendo em conta os mesmos parâmetros de referência que
serviram de base à organização superior das FAA, as partes e a assessoria
portuguesa definiram uma proposta de organização do Exército, a qual já
incluía os primeiros estudos sobre os Quadros Orgânicos de Pessoal que
globalmente se teriam que aproximar dos 40.000 efetivos (4.000 Oficiais,
6.000 Sargentos e 30.000 Praças) previstos nos Acordos de Paz de Bicesse.
Em simultâneo, foram visitados todos os aquartelamentos que
se admitiu poderem vir a ser utilizados para a formação das FAA e face
a situação observada, a delegação portuguesa apresentou uma proposta
sobre aqueles que em primeira prioridade deveriam ser recuperados e
face às capacidades de cada um, elaborou-se em primeiro lugar o esboço
das várias fases que deveriam ser cumpridas para que o levantamento
da estrutura superior das FAA e do Exército fosse possível até ao final
do 1º semestre de 1992. Dentro do quadro descrito, foi ainda elaborado o
planeamento sobre os quadros orgânicos dos “Centros de Instrução”, sobre
os programas para os vários cursos de formação e sobre as necessidades
de assessoria técnicas (quer quantitativa, quer qualitativamente). A
materialização de todo o trabalho descrito consumou-se com a apresentação
da Directiva Nº3/CCFA (Exército Angolano) aprovada pela CCPM na sua
reunião plenária de 17 de Dezembro de 1991.
Quanto ao enquadramento legal e doutrinário das FAA, refira-se
que para que o levantamento, quer da organização superior das Forças
Armadas quer dos seus três Ramos se tornasse exequível, foi necessária a
elaboração dos documentos que enquadrariam legal e doutrinariamente
toda a estrutura militar. Assim, o Grupo de Trabalho Nº2, que durante
algum tempo contou, como vimos, com a colaboração do assessor jurídico
Castel-branco Ferreira (EMGFA), elaborou o conjunto normativo legal
que foi aprovado pela CCPM na sua reunião de 17 de Dezembro de 1991,

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106 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

constituindo a Directiva Nº5/CCFA: Normas Reguladoras da Disciplina


Militar; Normas do Serviço das Unidades; Normas de Continências e
Honras Militares a as Normas de Preparação Física, que ainda subsistem
genericamente nas FAA.
Para além disso, foi possível definir e propor para aprovação a
designação dos postos do Exército, da Força Aérea e da Marinha, bem
como a simbologia das respectivas hierarquias. Complementarmente
foram elaborados os projetos dos documentos legais que embora envolvam
matéria suceptível de ser ajustada à Lei Geral do Estado Angolano,
nomeadamente à Constituição de Angola, foram apreciadas e aprovadas
pelas instâncias adequadas, tais como: “Normas de Justiça Criminal
Militar” e as “Normas de Prestação do Serviço Militar”, que são ainda base
dos normativos utilizados atualmente nas Forças Armadas Angolanas.
Não tendo sido contudo possível delinear um documento
regulador, foi acordado um plano de uniformes provisório que, numa
1ª Fase, apenas comportava uniforme de instrução, numa 2ª Fase incluiu
o fardamento de serviço interno para Oficiais Generais e numa 3ª Fase
(não implementada), seria completado com os uniformes de passeio e de
cerimónia. Também sem regulamentação específica, foram aprovados os
modelos de material de aquartelamento fundamental para equipamento
das unidades activados.
O fornecimento dos fardamentos e materiais referidos foi feito pelas
Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento (OGFE), de Portugal, que
para concretização das encomendas e elaboração dos necessários contractos,
manteve com regularidade um ou dois Oficiais em Luanda. O conceito
estudado pela assessoria portuguesa para o levantamento do Exército assentou
numa progressão sequencial, que se interligou com a formação da Força Aérea
e da Marinha de Guerra Angolana, criando as condições para o levantamento
das Forças Armadas de Angola, que só viria a acontecer depois da morte de
Jonas Savimbi em 22 de Fevereiro de 2002 na região do Moxico, e da assinatura
dos Acordos de Paz de Luena em 4 de Abril desse mesmo ano.
Em suma, o processo de formação das FAA na sequência dos Acordos
de Bicesse, quer no aspecto operacional associado ao processo de formação,
quer na definição e levantamento dos aspectos organizativo-legais, evidenciou
uma forte liderança político-militar Angolana que beneficiou do planeamento
estratégico dos assessores portugueses, e que ainda atualmente constitui parte
da matriz identitária das Forças Armadas Angolanas ao serviço da República
de Angola.

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Luis Manuel Brás Bernardino 107

CONCLUSÕES

Portugal e as suas Forças Armadas, por meio da CCFA, liderada


pelo General Tomé Pinto constituíram, na sequência dos Acordos de
Bicesse em 1991 o cerne da formação das Forças Armadas Angolanas.
O contributo para a criação das FAA, assente nos pilares da Formação
e da Disciplina e Justiça Militar, são ainda atualmente recordados com
apreço pelas Autoridades Militares Angolanas que reconhecem o esforço,
a dedicação e todos os importantes contributos dados para a primeira
tentativa de criação das FAA, com reflexos positivos no que são as Forças
Armadas Angolanas atuais.
Contudo, o processo desenvolvido entre meados de 1991 e finais
de 1992 caracterizou-se por uma divergência político-estratégica latente
entre o processo decisório político e o processo operacional militar, em
que principalmente a falta de tempo útil para consolidar e amadurecer
a criação das FAA ditaria, após o fracasso do processo eleitoral de 1992,
um constrangimento ao processo de formação das Forças Armadas de
Angola e do alcançar da paz no país. Ainda assim, a visão estratégica para
a criação das FAA assente na formação conjunta dos militares das FAPLA
e das FALA permitiu a absorção das divergências ideológico-militares
entre as lideranças das Partes que convergiram no normativo para a área
da Justiça e Disciplina, na linha do que definia o documento trabalhado
em Lisboa pela CCFA “Um Conceito para as Forças Armadas de Angola”
e que apontava as principais linhas de ação para o desenvolvimento das
FAA, permitindo conjugar estrategicamente os interesses apresentados
pelo Governo e pela UNITA na sequencia das negociações pós Bicesse para
a formação das FAA.
Em resumo, considera-se que relativamente à atividade da
CCFA na edificação das FAA ressaltam as seguintes ideias principais: O
Processo de criação das FAA, apesar de sempre assessorado por Portugal,
foi genuinamente Angolano e aceite pelas Partes implicando a absorção
de novas doutrinas, técnicas, tácticas e procedimentos, congregando as
FAPLA e as FALA e assente num enorme esforço financeiro do Governo
de Angola; Deu-se prioridade à criação dos órgãos de Comando e ao
início da Formação militar (pela acção do Brigadeiro Aranha e do General
João de Matos) com pleno empenho de Portugal por meio dos assessores
nomeados, dos apoios recebidos do EMGFA e em especial dos quadros do
IAEM e do treino antecipado na Escola Prática de Infantaria.

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108 A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NA EDIFICAÇÂO DAS FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

Em paralelo, definiram-se as regras e normas jurídicas, legais e


organizativas que enformariam as FAA, procurando-se que todos os ex-
combatentes das FAPLA ou FALA fossem reintegrados (em ligação com
a desmobilização conduzida pelo Brigadeiro Álvaro Bonito) ou apoiados
pelas FAA.
Simultaneamente procurou-se criar um Sistema Logístico-
Administrativo que alimentasse e apoiasse o Sistema de Formação, que
estava assente num recrutamento Nacional, o que permitiu congregar
as FAPLA e as FALA nas FAA e criar um sentido de coesão nacional e
pensasse que foi importante o desenvolvimento do Sistema Operacional
implantando numa malha territorial (Sistema de Forças Nacional) que
permitisse um maior entrosamento com as populações, fortalecendo o
sentido de Nação e de colaboração em tarefas sociais e de desenvolvimento
económico-social.
Este artigo de opinião procurou assim abordar, num contexto
histórico-geográfico conjuntural específico, as incidências e os principais
aspectos da participação das Forças Armadas Portuguesas e mais
concretamente pela ação da Comissão Conjunta para a Formação das
Forças Armadas, no projecto de edificação das Forças Armadas Angolanas
na sequência da assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse, onde as Forças
Armadas Portuguesas estiveram na primeira linha da cooperação militar
que ainda hoje une Portugal e Angola.

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ENTREVISTAS

Foram desenvolvidas para a realização deste trabalho, entrevistas ao


Tenente-General Alípio Tomé Pinto (2010/2011), ao Brigadeiro Correia de
Barros, do Centro de Estudos Estratégicos de Angola – CEEA, em Luanda
(2011) e ao Professor Justino Pinto de Andrade da

Recebido em: 28/07/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 83 – 110, jan./jun. 2015


José Augusto Abreu de Moura 111

TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

José Augusto Abreu de Moura 1

RESUMO
A Segunda Grande Guerra surpreendeu o Brasil e a
Marinha com o enfrentamento de um conflito mundial
quando antes só se cogitava dos contextos regional e
interno, forçando a dependência de forças estrangeiras
para a realização da defesa e para sua preparação no pós
Guerra. O esforço de atualização da Força que se seguiu,
nos anos 1960, procurou modernizá-la, mas atendo-se à
tradicional centralidade da proteção do tráfego marítimo
e ao condicionamento da bipolaridade vigente. O esforço
de atualização seguinte é o atual, com a legitimidade da
Estratégia Nacional de Defesa, sendo que a centralidade
da defesa contra ações de projeção de poder objetivando
plataformas e outros ativos litorâneos e a ausência de
condicionamentos externos constituem diferenças básicas
em relação ao anterior. Além disso, a necessidade de criar
novos meios e estruturas como o submarino nuclear e sua
base lhe confere muito maior complexidade.
Palavras-chave: Despreparo, antissubmarino, projeção,
globalização, plataformas

1
Escola de Guerra Naval/Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos, jaamoura@
globo.com, Doutor em Ciência Política.

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112 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

THREE CICLES OF BRAZILIAN NAVY


ABSTRACT
The Second World War surprised Brazil and the
Navy with the confrontation of a world conflict when
previous concerns only embraced internal and regional
ones, forcing the de-pendence of foreign forces for the
accomplishment of the defense and its preparation in
the post-war period. The following effort to bring the
Force up to date, in the sixties, aimed to modernize it, but
respecting to the centrality of shipping protection and
the in force bi-polarity conditioning. The following up to
date effort is the present one, with the legitimacy given
by the National De-fense Strategy, in which the centrality
of defense against power projection actions aiming plat-
forms and others offshore goods and the lack of external
conditionings constitute basic differ-ences to the previous
one. In addition, the need to create new means and
structures, like the nu-clear submarine and its base give
much more complexity.
Keywords: Despreparo, antissubmarino, projeção,
globalização, plataformas

INTRODUÇÃO

A Defesa Nacional é assunto de baixa prioridade no Brasil, fato


evidenciado mais uma vez nas eleições presidenciais de 2014, pela falta de
qualquer menção relevante a respeito nas campanhas. É bem verdade que
já faz 145 anos desde o último conflito em que houve grande mo-bilização
popular – a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) – e, depois dele, temos
vivido esse invejável período em harmonia com os vizinhos.
Esses aspectos provocaram crenças que até hoje (agosto/2015)
permeiam o imaginário nacional, como: - não há demandas críticas
de Defesa que superem as graves demandas socioeconômicas do País
– opinião expressa até mesmo por uma autoridade militar há alguns anos
(FLORES, 2002, 79); e - guerra só seria possível com os vizinhos – é comum
a frase: “Porque alguém de fora viria aqui nos incomodar?”. Por essa
crença, se vivemos em harmonia e se temos superioridade regional, ainda

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José Augusto Abreu de Moura 113

que pequena, não temos porque nos preocupar; além do mais, resolvemos
todos os pro-blemas de fronteiras até o início do século XX. Sobre essa
última afirmação poucos evocam, hoje, que o momento histórico imediata-
mente anterior à Segunda Guerra Mundial talvez tenha constituído o ápice
da descrença em ame-aças extrarregionais entre as elites nacionais, o que,
aliado a fatores econômicos e de Política Interna, conduziu ao grande
despreparo do País quando “alguém de fora veio aqui nos incomodar”,
sob a forma de submarinos alemães e italianos afundando mercantes
brasileiros em nosso litoral.
Com a guerra, aguçava-se o problema de manter o abastecimento
das grandes cidades – então realizado primordialmente pelo transporte
marítimo, pois o País era constituído por “arquipélagos populacionais” ao
longo da costa, carentes de ligações terrestres entre eles; havia que proteger
os navios mercantes nacionais contra as unidades da força submarina da
Alemanha, provavelmente a melhor do mundo na época; e dar resposta à
agressão sofrida, como o clamor popular – que então apareceu – passou a
exigir (PEREIRA, 2015; p. 141-181; p. 135-136).
Tais necessidades custaram ao Brasil a dependência total em relação
aos EUA, dada a precariedade das capacidades nacionais, numa condição
benevolamente tratada como aliança, o que, por si só já é uma situação
desgastante. O contexto, porém, envolveu outras questões sensíveis para
líderes e marinheiros brasileiros. Esses fatos devem ser lembrados com
o propósito de evitar situações semelhantes no futuro – em especial em
tempos de crise econômica como a atual (agosto de 2015), recordando o
que muito justamente o Ministério da Defesa fez constar do Livro Branco
da Defesa Nacional (LBDN): “...defesa não é delegável e (que) devemos
estar preparados para combater qualquer a-gressão.” (BRASIL, 2013, p. 8).

O DESPREPARO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Os anos 1930 foram pródigos em dificuldades econômicas típicas


de uma economia a-groexportadora, mas dramaticamente aumentados
pela quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, o que nos levou duas vezes à
moratória da dívida externa, em 1932 e 1937. Esses problemas es-tenderam
aos maiores centros urbanos o ciclo de convulsões da década anterior,
com a Revolução de 1930, cuja vitória trouxe alterações fundamentais
nas instituições nacionais; a Revolução Constitucionalista de São Paulo
(1932), praticamente uma guerra civil; a Intentona Comunista de 1935

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114 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

e o “pustch” Integralista de 1938, estas duas últimas devidas também à


influência das ideologias comunista, fascista e nazista, que mobilizavam
boa parte da elite pensante do País (PEREIRA, 2015, p. 18-19).
Nessas condições, não é difícil supor porque a MB, no início dos
anos 1940, estava longe de ser a força poderosa do início do século XX,
construída com os recursos do auge da exportação de borracha e sob os
auspícios do Barão do Rio Branco, que convencera o Poder Político das
vantagens de uma boa esquadra para a Política Externa (PEREIRA, 2015,
p. 128).
Alguns desses navios ainda estavam em atividade, mas não eram
apropriados para as ope-rações antissubmarino, como então se necessitava,
por não terem sido para isso especificados. Além disso, estavam em
péssimo estado por não terem recebido a necessária manutenção devido
à constante falta de recursos entre os dois momentos, o que também era
a causa das reduzidíssi-mas e inadequadas dotações de munições então
disponíveis. (PEREIRA, 2015, p. 128-134)
A Marinha do Brasil até tentara se reequipar – entre algumas outras
tentativas, houvera um “plano naval” elaborado em 1932 e implementado
apenas em diminuta parte nos dez anos seguintes também pela notória
falta de recursos, mas com foco exclusivamente regional – visava reduzir a
inferioridade frente aos poderes navais do Chile e da Argentina (VIDIGAL,
1982, p. 93-97).
Alguns fatos indicavam que as hostilidades se aproximavam do
País: Em dezembro de 1939 ocorrera a batalha naval do Rio da Prata, na
costa do Uruguai, envolvendo navios ingleses e o encouraçado de bolso
alemão Graff Spee. Em consequência, realizou-se a Conferência de julho
de 1940 em Havana, em que os chanceleres e representantes americanos
declararam a neutralidade das Américas, e foi estabelecida uma zona de
segurança marítima em torno do continente para a proteção da navegação
costeira contra as possíveis extensões da guerra que se travava na Europa.
(PEREIRA, 2015, p. 62).
No início de 1941, começaram a ser realizadas, nessa zona de
segurança, as “patrulhas da neutralidade” por uma força-tarefa da marinha
norte-americana que, a partir de maio, passou a frequentar o porto de
Recife, o qual se tornou sua base naval a partir de outubro (ESTADOS
UNIDOS, 2015 “Chronology, p. iii). O real envolvimento brasileiro ocorreu
com o rápido crescimento das tensões a partir de janeiro de 1942, quando
foram rompidas as relações diplomáticas com os países do Eixo, seguindo-

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José Augusto Abreu de Moura 115

se o torpedeamento de mercantes nacionais por submarinos alemães e


italianos, culminando, em agosto, com os cinco afundamentos próximos
à costa da Bahia e de Sergipe, fato que provocou violentas manifestações
populares contra alemães, italianos e japoneses e a declaração de guerra
contra Alemanha e a Itália2 (United States, 2015, “Narrative Outline”, 11).
Nessas condições, o despreparo nacional custou ao País medidas amargas,
mas inevitáveis:
- Em 22 de abril de 1942, após o afundamento de mais um navio
pelos alemães, o Presidente Vargas determinou a cessação de todas as
viagens de mercantes brasileiros (que se dirigiam principalmente aos EUA
levando materiais estratégicos). Após isso, articulou um encontro seu com
o comandante da força naval que fazia as patrulhas da neutralidade (Vice
-Almirante Jonas Howard Ingram) e propôs-lhe assumir a responsabilidade
pela navegação brasileira se ela fosse reiniciada, recebendo resposta
afirmativa, com a ressalva de que não poderia garantir o êxito total.
(PEREIRA, 2015, p. 64; ESTADOS UNIDOS, 2015, p. 48-50);
- Em 12 de setembro de 1942, a MB foi colocada sob o comando
do Almirante Ingram por ordem do Presidente, via Ministro da Marinha.
(ESTADOS UNIDOS, 2015, “Narrative Outline”, 13; PEREIRA, 2015, p.
231).
- Em 28 de setembro de 1942, o presidente do Brasil ofereceu ao
Almirante Ingram – e ele aceitou – completo controle operacional sobre
todas as forças de defesa do Brasil – acordo que chocou o Secretário da
Marinha norte-americana Frank Knox, presente ao encontro, no Rio.
A formalização desse entendimento, contudo, reduziu tal
amplitude às forças efetivamente envolvidas em operações de guerra,
como a Força Naval do Nordeste (FNN), não autorizando o comando
da força norte-americana a “controlar a administração e a disciplina das
forças brasileiras”.
Com isso, o almirante norte-americano tornou-se o comandante
de todas as forças que operavam contra o Eixo no Atlântico Sul (ESTADOS
UNIDOS, 2015, 13; PEREIRA, 2015, p. 229-232). Os fatos acima demonstram
que o Poder Político, simplesmente, não podia contar com o Poder Naval
nacional na dura conjuntura com que se defrontava, fato que só tem paralelo
durante a consolidação da Independência (1822 -1824), quando Cochrane e
seus oficiais foram contratados para formar a marinha brasileira, prestes a
se defrontar com a armada da Metrópole.

2
A guerra contra o Japão só seria declarada em 6 de junho de 1945.

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116 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

O Brasil permitiu aos norte-americanos a implantação de bases


navais, aéreas e outras estruturas se defrontar com a armada da Metrópole.
O Brasil permitiu aos norte-americanos a implantação de bases navais,
aéreas e outras estruturas em vários pontos do Nordeste, destacando-se
que a base aérea de Natal foi decisiva para a vitória aliada e que, após o
conflito, todas as instalações foram devolvidas às forças brasileiras.
Durante a guerra a MB recebeu 24 navios de escolta dos EUA; o
Almirante Ingram revelou-se um ótimo interlocutor entre as autoridades
brasileiras e as norte-americanas, assessorou informalmente o presidente
do Brasil, organizou a defesa do País dividindo as forças disponíveis em
forças-tarefa, e chegou a fornecer material e munição de suas forças para a
FNN (bombas de Profundidade e calhas para seu lançamento) (PEREIRA,
2015, p. 65, 131, 234, 243, 246, 291).
A MB partiu do zero e, com essas operações, atingiu
considerável eficiência (ESTADOS UNIDOS, 2015, p. 72,73), tornando-se
assim a principal marinha sulamericana pela disponibilidade de material
atualizado e experiência prática recente na guerra naval (ALVES, 2005, p.
11), ainda que apenas em Guerra Antissubmarino e no nível tático.
Cumpria-se assim, mais um dos “ciclos dos 40 anos” de expansão
moderada e encolhimento, que perseguem a MB desde o século XIX
(PESCE, 2013, p. 438), sendo que a nova expansão então iniciada resultou
da pressão dos acontecimentos, sem que a escolha dos meios houvesse
obedecido a prioridades ou considerações prévias das autoridades
brasileiras, voltadas, antes do conflito, exclusivamente para os contextos
regional e interno.

O BRASIL NA GUERRA FRIA

Credite-se também ao despreparo exposto a situação de


dependência logística e doutrinária em relação aos EUA, que perdurou
por algumas décadas, eufemisticamente reduzida para militares e políticos
pela crença de que o País era um “aliado especial” (ALVES, 2005, p. 2 e 15).
Nesse período, a MB recebia navios norte-americanos antiquados,
principalmente contra-torpedeiros (destroyers, na terminologia em Inglês)
veteranos da Segunda Guerra Mundial e es-pecializados em Guerra
Antissubmarino (VIDIGAL, 1982, p. 118 - 124) – o papel que cabia às mari-
nhas periféricas numa possível guerra contra o bloco soviético quando,
esperava-se, sua imensa força de submarinos procuraria interromper

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José Augusto Abreu de Moura 117

o comércio ocidental. Esse papel coincidia com a expertise da MB,


resultante das ações naquele conflito, e servia para exorcizar o trauma dele
resultante, numa época em que a manutenção ininterrupta da navegação
marítima continuava sendo uma necessidade vital do País, por incluir o
abastecimento de petróleo.
Em meados dos anos 1960, porém, as duas superpotências rivais
atingiram o equilíbrio estratégico e passaram a praticar uma política de
congelamento da partilha do poder mundial para preservar a distribuição
da segurança e da riqueza, situação que se traduzia em restrições a seus
subordinados para a obtenção de tecnologias sensíveis (principalmente a
nuclear), que tivessem potencial para arranhar a bipolaridade – a lógica
que produziu o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em 1968
(CERVO, 2008. p. 132).
Na época, o Presidente Costa e Silva (1967-1969) considerava
tais tecnologias necessárias ao progresso e rechaçou o conceito de
segurança coletiva que orientava a política de segu-rança do País, também
criticando a bipolaridade como parâmetro obsoleto de política exterior
(CERVO, 2008, p. 131 - 133). Assim, o governo deu a máxima prioridade
ao desenvolvimento, para tanto orientando a Política Externa a buscar o
interesse nacional, a despeito do conflito Leste-Oeste ou qualquer outro
condicionamento (GONÇALVES; MIYAMOTO, 1993, p. 221).
Como esse desenvolvimento, bem como a Política Externa então
praticada, iriam inco-modar outros atores do sistema internacional, havia
a necessidade de possuir uma maior parcela do poder mundial. Assim,
foi iniciada, também nesse governo, uma política de nacionalização
da segurança, posteriormente incluída no Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento emitido du-rante o governo Geisel (1974-1979), que,
procurando aumentar as capacidades nacionais, previa a eliminação da
dependência estrutural (energia, infraestrutura, indústrias de base) e
o domínio das tecnologias de ponta que eram negadas pelas potências,
como as ligadas à energia nuclear e à fabricação de armamentos (CERVO,
2008, p. 132, 133, 134, 136). O País vivia uma época de bonança econômica – o
“milagre brasileiro” (MAGALHÃES, 1976, p. 11 - 12; p. 128)3 – e nesse contexto
foi aprovado, em 1967, o “Plano de Renovação de Meios Flutuantes”, pelo qual

3
Período de alto crescimento econômico: 9,3% em 1968; 9,0% em 1969; 9,5% em 1970; 11,3%
em 1971; 10,4% em 1972 e 11,4% em 1973.

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118 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

pelo qual a Marinha, a partir do fim dessa década passou a negociar com
firmas da Europa a construção de modernos navios, submarinos e aeronaves,
recebidos até início dos anos 1980, fugindo dos padrões da assistência militar
norte-americana de enormes dificuldades para o militar norte-americana de
enormes dificuldades para o fornecimento de equipamentos sofisticados
(VIDIGAL, 1982, p. 123). Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
o Brasil era importador, não de petróleo, mas de seus derivados, pois a
primeira refinaria só começaria a operar em setembro de 1950 (Refinaria
Landulpho Alves, em Mataripe, BA), três anos antes da criação da Petrobrás
(Brasil, 2010). Na época da implementação do “Plano de Renovação”
(anos 1970), o País importava – em longas viagens por mar – mais de 80%
do petróleo que consumia, o que o tornava fortemente dependente do
contexto econômico internacional, e acarretava importância primordial à
defesa da navegação mercante nas considerações estratégicas (CORRÊA,
2010, p. 33), além dos aspectos ligados ao conflito Leste-Oeste.
Em coerência, o plano deu maior atenção à proteção do tráfego
marítimo, considerando como ameaças os ataques de submarinos e a
obstrução de portos e terminais por ações de minagem. Assim, os principais
navios construídos – as fragatas classe Niterói – tiveram priorizada sua
capacidade antissubmarino, em detrimento das capacidades antissuperfície
e antiaérea; e fo-ram também adquiridos navios varredores (de minas).
Além disso, reconhecida a incapacidade financeira de criar uma
força naval que satisfizesse todas as necessidades, considerou-se que
sua preparação previa a participação na proteção do tráfego marítimo
interamericano, em conjunto com meios navais das marinhas amigas, que
nela também estariam presentes por força dos tratados existentes.
Dessa forma, o Plano de Renovação, mesmo com os principais
meios construídos na Europa, continuava rigorosamente na linha de
pensamento estratégico norte-americano, preparando-se para a defesa
coletiva do Hemisfério contra os soviéticos (VIDIGAL, 1982, p. 120-123).
E essa foi a última vez que se investiu com peso na aquisição
de meios navais para o a-tendimento a necessidades estratégicas de um
contexto bem definido. É bem verdade que, em fins dos anos 1970 e nos
anos 1980, tentou-se dar-lhe continuidade com um “miniprograma”,
empregando os parcos recursos então disponíveis, pelo qual foram
construídas no País cinco corvetas aqui projetadas e cinco submarinos
de projeto alemão, mas com tal lentidão de desem-bolsos que o último

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José Augusto Abreu de Moura 119

submarino (S Tiuna) só foi lançado ao mar em 2004 e a última corveta (CV


Barroso), em 2008.
Durante esse período, em fins dos anos 1980 e nos anos 1990,
premidos pela falta de meios flutuantes, fizemos algumas aquisições de
oportunidade, como os quatro contratorpedeiros norte-americanos antigos
da classe Garcia, que duraram pouco, e quatro fragatas britânicas da classe
Broadsword, das quais três continuam em atividade atualmente (agosto de
2015) (VIDIGAL, 2002, 56; MARINHA DO BRASIL, 2015).

AS ALTERAÇÕES GLOBAIS

Muita água passou sob a ponte depois daquele último grande


investimento.
No plano econômico, a Globalização iniciada nos anos 1980 se
acentuou, questionando o modelo industrial de substituição de importações
adotado por vários países, inclusive o Brasil, e multiplicando o comércio
internacional, com efeitos expressivos sobre o transporte marítimo que
saltou de 3.704 milhões de toneladas em 1980 para 9.548 milhões em 2013
(DEVELOPMENTS, 2014, tab. 1.3, p. 5), um aumento de 158%; e sobre o
tráfego marítimo, quadruplicando o número de navios entre 1992 e 2012
(WORLDWIDE, 2014).
Segundo a United Nations Conference on Trade and Development
(UNCTAD), o transporte marítimo é, atualmente, o principal motor da
Globalização, respondendo pelo comércio global em cerca de 80% do
volume e 70% do valor, sendo esses quantitativos ainda maiores no caso
dos países em desenvolvimento (PANITCHPAKDI, 2012, “Highlight”).
Geoffrey Till afirma que ele tende a continuar crescendo com o aumento
da população mundial, sendo que os mares constituem a única via capaz
de suportar tal crescimento para que sejam mantidos os atuais padrões de
vida (TILL, 2006, p. 8).
Cabe notar que esse crescimento também se reflete no porte dos
navios e na frequência das viagens, o que vem impactando dramaticamente
as infraestruturas portuária e de transferência de cargas de/para o interior.
Recentemente houve congestionamento em portos da Costa Oeste norte-
americana, da Ásia Oriental e do Norte da Europa, regiões em que
tais infraestruturas são excelentes, evidenciando que esse problema é
global, exigindo novos arranjos dos governos e firmas transportadoras
(principalmente na área de contentores), com investimentos que

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120 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

ultrapassam a capacidade da maioria dos países, mas cuja falta trará graves
entraves ao desenvolvi-mento econômico (STRATFOR, 2015).
Pelo exposto, Geoffrey Till considera que existe atualmente um
“sistema globalizado de comércio marítimo”, pelo qual “o que acontece em
qualquer parte do mundo pode produzir consequências graves e imediatas
na segurança e na economia de qualquer outro país”, exigindo dos Estados
“provedores de segurança”, a capacidade de projeção de poder sobre terra
(ações militares sobre terra a partir de meios navais) a fim de restaurar ou
manter a estabilidade internacional, questão fundamental para o sistema
(TILL, 2006, p. 9-13).
Till fornece, assim, a fundamentação das estratégias navais dos
países desenvolvidos, de suas alianças e também de vários países em
desenvolvimento, como Portugal (que pertence a uma dessas alianças, a
Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN), (RODRIGUES, 2014,
p. 2-4). Seus argumentos, a par de procedentes, servem à manipulação
política da Ética, pela veiculação de ações para benefício de Estados mais
poderosos como realizadas em proveito do bem comum, aspecto previsto
na lógica da harmonização de interesses identificada por Carr (CARR,
1981, p. 52).
A Guerra Fria terminou formalmente com a “Paz de Paris”
quando, em novembro de 1990, os membros da Conferência de Segurança e
Cooperação da Europa (CSCE), entre eles os que haviam iniciado a Segunda
Guerra Mundial – Alemanha (já reunificada), URSS, França, Reino Unido
e EUA – firmaram um acordo estabelecendo instituições parlamentares
em todos os Estados, consagrando a vitória da superpotência ocidental.
O evento não foi muito noticiado em virtude da grande relevância dos
acontecimentos que se seguiram, concernentes ao colapso da URSS, que
veio a se dissolver em 25/12/1991 (BOBBITT, 2003, p. 56).
Neste mesmo ano, logo após a Guerra do Golfo (agosto/1990
-abril/1991), os EUA emitiram uma estratégia de segurança nacional
que transmitia o propósito de estabelecer uma “Nova Ordem Mundial”,
assumindo como indispensável a liderança norte-americana e incluindo
várias instruções prevendo a presença avançada e a projeção de poder por
suas forças onde fosse necessário (ESTADOS UNIDOS, 1991, p. 27-28).
O documento implicou profundas alterações para a Marinha e o
Corpo de Fuzileiros Navais norte-americanos, cujas estratégias, em vez
de uma ameaça global, passaram a focar os desafios e oportunidades
regionais, a fim de moldar o futuro de forma favorável aos interesses

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José Augusto Abreu de Moura 121

do país, reforçando as alianças, impedindo a formação de ameaças e


ajudando-o a preservar a posição estratégica conquistada com o fim da
Guerra Fria (ESTADOS UNIDOS, 1992, p. 2).
Em decorrência, a Marinha norte-americana alterou, por meio de
dois documentos – From the Sea (1992) e Forward From the Sea (1994) – o
foco estratégico e as prioridades de aplicação de recursos, das operações
no mar (“on the sea”) para as operações a partir do mar (“from the sea”) –
ações de projeção de poder com o propósito de influenciar os eventos nas
regiões litorâneas do mundo – considerando que, como nação marítima, a
estratégia de segurança dos EUA era necessariamente transoceânica e seus
interesses vitais estavam nas extremidades finais das “estradas do mar”
(“highways of the sea”), que começavam em seu território e chegavam a
todos os quadrantes do mundo.
Tal medida seria implementada principalmente por forças navais
desdobradas em todas as regiões de maior importância estratégica do
planeta (Atlântico, Mediterrâneo, Pacífico, Índico, Mar Vermelho, Golfo
Pérsico e Caribe), para demonstrar a intenção e a capacidade de juntar
aliados e potências amigas na defesa de interesses comuns, e também para
permitir reação a crises, se essa dissuasão falhasse, intervindo em litorais
alheios (ESTADOS UNIDOS, 1994), numa concepção que, neste estudo, é
tratada pelo nome da doutrina operacional que daí se originou – Guerra de
Litoral. Esses conceitos foram reafirmados na “Estratégia Cooperativa para
o Século XXI”, lançada em 2007 e revisada em 2015 (ESTADOS UNIDOS,
2015).
O fim da Guerra Fria trouxe, porém, a redução das verbas
e, consequentemente dos meios navais; e os atentados terroristas de
11/09/2001 em Nova Iorque e Washington acarretaram a “Guerra Global ao
Terror”, na qual os EUA, além de se lançarem em duas grandes campanhas
militares, no Afeganistão e no Iraque, buscaram envolver a comunidade
internacional numa série de medidas, desde a instituição de novos
procedimentos portuários internacionais, como o “Código Internacional
de Segurança de Navios e Facilidades Portuárias” (International Ship and
Port Facility Security Code – ISPS code) – um abrangente conjunto de
medidas de segurança de navios e facilidades portuárias (International,
2015) – até incentivos a outros países para cooperarem com suas forças
navais numa espécie de governança marítima global.
Entre essas últimas estão a “Proliferation Security Initiative”
(PSI), baixada em 2003, pela qual os EUA e países que a ela aderissem,

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122 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

assumiriam o direito de “realizar interdições no mar, no ar e em terra”


com o propósito de coibir carregamentos de armas biológicas, químicas e
nucleares, assim como materiais que poderiam ser usados para fornecer ou
produzir tais armas, para terroristas e países suspeitos de tentar adquirir
armas de destruição em massa.” (Arms Control Association, 2013). A
iniciativa recebeu críticas por usar as fórmulas “armas de destruição em
massa” e “combate ao terrorismo” para

simplesmente estender a presença naval e a


capacidade combatente dos EUA e de seus
aliados às linhas de comunicações marítimas,
hidrovias, regiões costeiras, rotas de trânsito
militar e de energia vitais e cobiçadas e para
dentro de quaisquer mares a qualquer tempo
se considerar que é necessário para atingir
exigências políticas e estratégicas” (ROZOFF,
2009).

Outra iniciativa foi a “Marinha de mil navios” (“Thousand


ship Navy” – TSN), lançada em 2006, que congregaria forças navais,
operadores portuários, armadores, agências internacionais, de governos
e não governamentais, num esforço contra problemas comuns (“adress
mutual concerns”), patrulhando os mares do mundo (ROZOFF, 2009).
Ambas as iniciativas obtiveram êxito. A PSI começou com 11
países e, em junho de 2013, contava com 102, a TSN, formalmente chamada
“Global Maritime Partnership”, é atualmente voltada contra a pirataria
e sua principal expressão é a Força-Tarefa 151, uma das que operam na
região da Somália (ARMS CONTROL ASSOCIATION, 2013; DUNNIGAN,
2014). Vê-se dessa forma que tanto a segurança do “sistema globalizado
de Transporte Marítimo” como a “Guerra de Litoral” levam ao mesmo
fim – a permanente mobilização de forças navais de vários Estados para
propósitos comuns, assim julgados por critérios estabelecidos pelos EUA,
tendo por principais acólitos os países da OTAN.
As chamadas “novas ameaças” – pirataria, tráficos ilícitos (drogas,
armas e pessoas) e o crime organizado – apesar de realmente constituírem
um problema atual, têm sido exageradas para justificar a pertinência dessa
mobilização (NOTO, 2011, p. 86, p. 87, p. 91).

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José Augusto Abreu de Moura 123

As ações na região da Somália, por exemplo, envolvem cinco forças


tarefas (FT), sendo uma da União Europeia (UE), uma da OTAN e três
sob o comando da Marinha dos EUA. A FT da União Europeia (European
Union Naval Force – EU NAVFOR) conduz uma operação permanente
contra a pirataria (“Operação Atalanta”) (EU Navfor, 2014); e a da OTAN
realiza a operação “Ocean Shield”, de controle de áreas marítimas para
coibir a ação de piratas, incluindo a identificação de navios e a escolta de
mercantes (North, 2014).
As três comandadas pela marinha norte-americana – FT150, FT151
e FT152 – constituem a “Combined Maritime Forces”, incluem navios e
oficiais de estado-maior de cerca de trinta e um países e se destinam a
prover segurança marítima realizando ações contra o terrorismo (FT150),
contra a pirataria (FT151), e para promover a segurança e a cooperação no
Golfo da Arábia (FT152) (COMBINED, 2014).
As tecnologias também viveram revoluções no período em
questão. A Revolução da Tecnologia da Informação (TI) foi iniciada nos
anos 1970 provocando grande impacto sobre a atividade humana com a
generalização do uso de computadores; depois, a partir dos anos 1980 com
o uso dos microcomputadores; a partir dos anos 1990 com a Internet e,
a partir dos anos 2000, com os sistemas miniaturizados – smart phones,
i-pads e tablets, que não param de ser renovados em várias gerações,
tudo se assemelhando a uma sucessão de revoluções ou a uma revolução
perma-nente.
Uma outra revolução, a Revolução nos Assuntos Militares (RAM)
foi detectada nos anos 1980, embora tenha conquistado notoriedade a
partir do início dos anos 1990 (WATTS, 2011,p. 1-3). Em vários aspectos ela
consistiu na aplicação da revolução da TI aos sistemas militares, e se fez
sentir inicialmente em três importantíssimos pontos, que tinham potencial
para alterar fortemente – como efetivamente alteraram – os paradigmas de
emprego e mesmo de constituição das Forças Armadas: o progresso das
munições de grande precisão (como os mísseis), os sistemas de sensores
capazes de cobrir grandes áreas e os sistemas de comando e controle (C2)
computadorizados. (WATTS, 2011).
Desde então, a RAM já abrangeu tantos aspectos que também há
divergências sobre se continua como uma revolução permanente, com
uma sucessão de paradigmas em decorrência do progresso científico
-tecnológico, ou se passou à fase de evolução acelerada, a partir da
consolidação dos novos paradigmas – nos vários campos da atividade

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124 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

militar, tendo produzido, em conjunto com as concepções estratégicas


antes citadas, relevantes alterações no campo naval, tais como:
- Enorme expansão das possibilidades da vigilância sobre
terra e mar por meio de um sem número de sistemas que empregam
principalmente satélites e, mais recentemente aeronaves remotamente
pilotadas (ARP), proporcionando aos decisores possibilidades de ação
pró-ativa antes não imaginadas e criando, na guerra naval, conceitos como
“Consciência Situacional Marítima” e “Consciência do Domínio Marítimo”
(Maritime Domain awareness), que consistem, com pe-quenas variações,
na efetiva compreensão de tudo que está associado com o meio marinho
que pode causar impacto na defesa, na segurança, na economia e no meio
ambiente do entorno estratégico.
Trata-se da formação da percepção advinda do processamento
de dados disponíveis que podem afetar as Linhas de Comunicações
Marítimas (LCM), a exploração e o aproveitamento dos recursos no
mar; o meio ambiente; a soberania nas áreas de jurisdição nacionais; e a
salvaguarda da vida humana no mar na região de responsabilidade de
Busca e Salvamento, resultando em informações acuradas, oportunas e
relevantes (BRASIL, 2014a, p. 1-4);
- Integração em rede de plataformas geograficamente muito
dispersas – com o emprego de comunicações por satélite – otimizando o
emprego de seus sensores e sistemas de armas. Essa possibilidade (que
inclui os submarinos) em conjunto com a citada, pode permitir o controle
de grandes áreas marítimas ou sua negação a vetores hostis;
- Emprego de mísseis balísticos e de cruzeiro não nucleares de
longo alcance, lançados da costa contra alvos no mar. É o caso dos mísseis
DF21, balístico antinavio (WATTS, 2011, p. 9-10) e DF10, de cruzeiro
antinavio (OHINA’S, 2015), ambos chineses.
- Emprego de submarinos e de navios de superfície de porte
médio em ações de projeção de poder sobre terra, empregando mísseis
não nucleares de muito longo alcance e grande precisão, orientados por
navegação satelital (GPS). Os submarinos podem lançá-los em imersão a
partir de pontos inusitados, por vezes próximos à costa inimiga, o que
possibilita inúmeras aplicações operacionais, como fogos precursores sobre
aeródromos e centros de comando, em operações de intervenção. É o caso
dos SNA norte-americanos e britânicos, e contratorpedeiros (Destroyer
Guided Missiles – DDG) norte-americanos que lançam os “Tomahawk
Land Attack Missiles” (TLAM), de 1400 milhas (2600 km) de alcance.

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José Augusto Abreu de Moura 125

Cabe notar que tais armas se ampliaram enormemente as


possibilidades de emprego estratégico dos submarinos, também deram
aos navios de superfície de porte médio um papel estratégico individual
nas ações de projeção de poder; considerando que tais unidades eram
anteriormente empregadas basicamente como escoltas de unidades
maiores, como navios-aeródromos, os quais, estes sim, com a aviação
embarcada, detinham a primazia nessas ações.
Esse último aspecto permitiu à marinha norte-americana otimizar
a capacidade estratégica de suas forças, nas atuais condições de redução
do número de meios.

AS ALTERAÇÕES NO BRASIL

O Brasil também viveu muitas experiências desde os anos 1960.


No plano econômico, após o “milagre”, que terminou ainda nos anos 1970,
seguiu-se, na década seguinte, uma grave crise econômica, notando-se o
esgotamento do modelo de substituição de importações, que implicava
sensível protecionismo industrial, que teve fim com a abertura comercial
iniciada no final da década, como efeito das pressões da Globalização
econômica (UNAMA, 2007).
Seguiram-se, a partir de meados dos anos 1990, o fim da
hiperinflação, outra crise econômica no fim dessa década e uma notável
ascensão entre 2003 e 2010, quando o Produto Interno Bruto (PIB)
quadruplicou (em dólares), tendo o país ascendido à sétima economia na
hierarquia mundial, posição que ainda ocupava até 2014 (agosto de 2015)
(Brasil, 2015; BIOMASSA, ENERGIA, 2015).
Atualmente o País passa novamente por dificuldades na Economia
(prevê-se uma recessão no corrente ano), atribuídas por alguns à conjuntura
internacional, agravada, no caso do Brasil, por uma condução questionável
da política econômica e, ineditamente, pela crise hídrica provocada pela
falta de chuvas nos últimos dois anos, que reduziu drasticamente o nível dos
reservatórios do Sudeste, com graves consequências para o abastecimento
de água e de energia elétrica (CALDAS, 2015). No campo político, o País
alcançou a estabilidade democrática e, por esse motivo e mais os êxitos
econômicos da década de 2000 a 2010, aumentou sensivelmente seu nível de
interlocução no concerto das nações, fazendo parte do relevante subgrupo
dos Emergentes conhecido como BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul), que procura coordenar políticas e tem-se distinguido por

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126 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

iniciativas inovadoras, como o “Banco dos BRICS”, de apoio ao desenvolvi-


mento (CORRÊA, 2014).
No tocante às iniciativas para a redução da dependência do petróleo
importado, além da exploração de petróleo em terra firme, os investimentos na
prospecção marítima obtiveram seu primeiro êxito em 1968 (Guaricema – SE)
(CORRÊA, 2010, 34), seguindo-se vários outros, como a bacia de Campos,
que, tendo seu primeiro campo descoberto em 1974, passou a ser continua-
mente explorada, com várias outras descobertas nas décadas seguintes e
hoje é a principal província petrolífera do País (DADOS, 2015).
O paradigma da defesa coletiva hemisférica, com prioridade à
defesa do tráfego marítimo, perdurou durante a Guerra Fria, mas a partir de
inícios dos anos 1970, também ganhou força a possibilidade de um conflito
no Cone Sul, em virtude da controvérsia com a Argentina sobre a construção
da usina de Itaipu. Nos anos 1980, porém, essa possibilidade foi substituída
pela ameaça de países desenvolvidos (o eterno conflito “Norte-Sul”), em
face das pressões originadas na globalização econômica e do exemplo da
Guerra das Malvinas (abril-junho de 1982), percebida como mais uma de
suas manifestações (VIDIGAL, 2002, p. 27-29; REUVENY; THOMPSON,
2002)4, perspectiva essa que ultrapassou o período restante da bipolaridade
e vige até os dias atuais.
Nesse novo contexto, a Marinha passou a se preparar, com o material
disponível, para a defesa de pontos da costa – portos e regiões petrolíferas
litorâneas, em especial a maior delas, a bacia de Campos – principalmente
contra a aproximação de outros submarinos, mas raciocinando também
com a ameaça de forças navais agressoras de países desenvolvidos contra
setores limitados da fronteira marítima, como ocorrera nas Malvinas. Essa
concepção, preconizada pelo Almirante Flores
Essa concepção, preconizada pelo Almirante Flores (FLORES,
2002, p. 80), dera força, no início dos anos 1980, à ideia pré-existente de
construir submarinos nucleares de ataque (SNA)5 , arma que se mostrara
decisiva no citado conflito e que proporcionaria grande vantagem a seus
detentores em confrontações semelhantes (CORRÊA, 2010, p. 88).

4
O conflito Norte-Sul é o que ocorre entre países pobres e ricos e aparece sob algumas formas,
inclusive a de colô-nia versus metrópole e varia de intensidade segundo alguns fatores, como ciclos
de crescimento econômico mundial, conflitos entre grandes potências e conflitos entre países ricos.
5
Trata-se de um submarino a ser empregado primariamente contra navios e forças navais,
cujo armamento básico consta de torpedos, minas e mísseis táticos não nucleares. Trata-se do
tipo em desenvolvimento pela MB.

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José Augusto Abreu de Moura 127

Apesar dessa concepção, a proteção ao tráfego marítimo


continuava sendo priorizada, tanto para a obtenção de divisas, acentuada
pelo aumento do comércio exterior provocado pela Globalização, como
para a obtenção de petróleo, pois a crescente produção doméstica não
atingi-ra a autossuficiência, o que só viria a ocorrer em 2006 (DIAS, 2008).
No tocante à Tecnologia, o início da Revolução da TI foi
acompanhado pela MB, pois coincidiu com a construção dos navios do
“Plano de Renovação” – as fragatas classe Niterói foram os primeiros navios
da Marinha dotados de sistemas digitais de controle de dados táticos e
de armas. Posteriormente, contudo, apesar de serem mantidos quadros
de pessoal a par das tecnologias de ponta, a limitação na construção de
meios e o fato de as estruturas necessárias (satélites, p. ex.) ultrapassarem
o âmbito da Marinha restringiram pesadamente esse acompanhamento
em termos de implementação prática.
A RAM não foi acompanhada pela MB. O “Plano de Renovação”
foi anterior a ela e as fragatas classe “Niterói”, apesar de terem sido dotadas
de mísseis, tinham concepção de emprego semelhante à de quando essa
arma começou a ser instalada em meios navais, na década de 1950 – como
arma tática cujo alcance e eficácia superavam os canhões.
A então nova possibilidade das fragatas classe Niterói – um enlace
que permitia passar automaticamente para o sistema de dados táticos das
outras fragatas um alvo detectado e acompanhado por apenas uma delas
– apesar de ter dado origem a alguns procedimentos operativos, já era um
sistema em uso em várias marinhas.
Assim, o “Plano de Renovação” representou uma importante
atualização da MB, mas para um estágio anterior à RAM. As capacidades
eram fundamentalmente as da Segunda Guerra Mundial: priorizadas
para o engajamento de alvos submarinos; razoavelmente aumentadas
contra alvos de superfície (principalmente pela adoção de mísseis e dos
helicópteros de ataque “Linx”); mas ainda bastante limitadas contra alvos
aéreos.
A Força Naval, além disso, se ressentia de apoio aéreo, bastante
restrito devido aos parcos meios da FAB, e mais ainda, após 1996, quando
essa força desativou suas aeronaves antissubmarino P-16, as únicas
adequadas a tal tarefa, e que operavam de terra e embarcadas (PALMA;
CARNEIRO, 2012).

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128 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

A SITUAÇÃO ATUAL

A década de 2000 trouxe para o Brasil importantes alterações


em termos de necessidades estratégicas. Em 2004 foram descobertas as
reservas de petróleo do Pré-sal, cuja extensão, posteriormente determinada,
abrange as bacias de Santos, Campos e Espírito Santo; e, em 2006, atingiu
-se a autossuficiência no produto, a qual foi perdida entre 2012 e 2013 em
face do aumento de consumo e da paralisação das licitações de campos
petrolíferos desde 2008, situação que é vista como marginal e temporária,
prevendo-se sua reversão em 2015 (DIAS, 2008, slide 9; TEIXEIRA, 2013;
VIEIRA, 2014).
Hoje, as jazidas marítimas são decisivamente importantes,
respondendo por 91,35% do petróleo e 73,33% do gás produzidos no País
(percentagens de 2013) (Brasil, 2014), em plataformas cujo afastamento da
costa chega a 302 km (163 milhas) (BRASIL, 2013a) e que se espalham por
diversas partes do litoral.
Assim, a quase totalidade da produção de petróleo e gás – insumos
vitais à vida do País – depende de instalações estáticas e isoladas no mar,
vulneráveis tanto a ameaças assimétricas como estatais. As assimétricas,
ainda que teoricamente limitadas, são objeto das patrulhas navais e
medidas correntes de monitoramento e controle do tráfego marítimo,
incluindo o de pesqueiros.
No que toca às estatais, cabe lembrar que as plataformas, por sua
importância e vulnerabilidade, constituem objetivos convidativos a ações
de coerção – típicas de quadros de crises político-estratégicas – ou de
destruição, no caso de um conflito aberto.
Elas podem ser ameaçadas por forças navais que naveguem
ostensivamente ou submarinos, sendo que todos esses vetores podem
se aproximar ou não, se dispuserem de armas de longo alcance, as quais
também podem ser lançadas contra instalações em terra, como tem
ocorrido em praticamente todas as interven-ções do Pós-Guerra Fria, em
que o TLAM foi o carro-chefe.
O maciço tráfego marítimo da atualidade, por sua vez, é objeto
de acompanhamento por vários sistemas e organizações regulados
pela Organização Marítima Internacional (“International Maritime
Organization” – IMO – órgão da ONU), que, em âmbito nacional,
multilateral e privado (pelas companhias de navegação), monitoram
continuamente os navios no mar.

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José Augusto Abreu de Moura 129

No Brasil, esse serviço fica a cargo da Marinha e é realizado pelo


Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo (COMCONTRAM),
diretamente subordinado ao Comando de Operações Navais, a quem
compete prover os meios de defesa eventualmente necessários.
O COMCONTRAM acompanha diuturnamente o tráfego marítimo
de interesse nacional no mundo e o tráfego marítimo nacional e estrangeiro
nas águas de jurisdição brasileira empregando vários sistemas, tais como
o Automatic Identification System (AIS), o Long-Range Identification and
Tracking (LRIT), o Programa de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras
por Satélite (PREPS) e o Sistema de Informações sobre o Tráfego Marítimo
(SISTRAM), cujos dados são fornecidos às companhias de navegação.
Existem vários outros sistemas pelo mundo afora e, além disso, o
tráfego marítimo pode contar com as medidas de proteção ou defesa por
forças navais de vários países em locais especialmente perigosos, como as
forças tarefas que operam na área da Somália, já comentadas.
Tais recursos provêm, assim, razoável segurança contra as “novas
ameaças” – em tempo de paz e mesmo contra as ameaças estatais em tempo
de crise ou conflito, se o país estiver do lado favorável na governança
internacional, pois se não for assim, a situação será oposta – evoque-se
aqui o bloqueio do Iraque, decretado pelo Conselho de Segurança da ONU
em 25/08/1990, por ocasião da Guerra do Golfo (NAÇÕES UNIDAS, 1990)
e exercido pela marinha norte-americana e várias outras, que anulou a
única linha de comunicações marítimas daquele país.
Vê-se, assim, que, como as plataformas petrolíferas, a navegação
mercante também está sujeita a ameaças e necessita proteção, por vezes,
militar. Ocorre, porém que, no segundo caso, essa proteção pode ser provida
em muitos casos, pelos sistemas existentes, dos quais, eventualmente
fazem parte vários países, enquanto que a proteção dos ativos litorâneos
corre por conta apenas do dono do litoral, pois acordos que envolvessem
outro Estado provavelmente acarretari-am perda de soberania.
O provimento de energia a um país envolve a “segurança
energética” – a disponibilidade de fontes de energia suficientes e a
“segurança da energia” – a capacidade de fazer com que os insumos
energéticos dessas fontes cheguem efetivamente aos utilizadores, apesar
de eventuais ameaças de qualquer natureza, o que muitas vezes envolve
esforço militar, especialmente em casos de conflito (INDIA, 2007, p. 46).
O Brasil, sendo praticamente autossuficiente em petróleo, teria
assegurada sua segurança energética e, dispondo da maior parte de suas

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130 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

fontes no mar, em posições por vezes muito afastadas da costa, teria


condições de prover sua segurança da energia inferiores às dos países cujas
fontes se situam no próprio território, mas superiores às dos que importam
grande percentagem do que consomem de fontes distantes que, além de
necessitarem proteger as linhas de comunicações marítimas, têm as fontes,
sob o controle de outros Estados, o que pode comprometer também sua
segurança energética, situação que já foi a nossa no passado recente.

AS PRIORIDADES

Pelo exposto, vê-se que as prioridades para a preparação do Poder


Naval, ou sua determinação, têm variado nos três últimos ciclos da MB:
a Segunda Guerra Mundial, o “Plano de Renovação” dos anos 1960-70
e o atual “Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil”
(PAEMB), elaborado para permitir o cumprimento da Estratégia Nacional
de Defesa (END).
No primeiro, não houve escolha de prioridades, a precedência da
ameaça sobre a preparação das forças impôs providências reativas que
demandaram muito mais a ação política do Presidente da República para
viabilizá-la do que qualquer ação da MB para seleção dos meios navais, o
que não houve, pois correu por conta do que a marinha norte-americana
julgou disponível para fornecimento.
No segundo, a determinação das prioridades foi realizada pela MB,
mas com predominância dos aspectos logísticos ligados à modernização
dos meios, porque os estratégicos estavam fortemente condicionados pela
conjuntura internacional da bipolaridade.
No terceiro, a determinação das prioridades está sendo realizada
pela MB, com base em novas orientações políticas e estratégicas definidas
domesticamente – pela END, emitida em Dezembro de 20086 – num
contexto internacional em que não existe filiação rígida a qualquer dita-me
externo.
Nessas orientações, ainda que a navegação mercante tenha sua
grande importância reconhecida, a END definiu a prioridade à defesa
contra ações de projeção de poder contra as plataformas petrolíferas e
outros ativos litorâneos. Nos “Objetivos Estratégicos para a MB” (BRASIL,
2013, p. 10), estabeleceu a “defesa proativa” das plataformas petrolíferas e

6
A revisão da END emitida em 2013 não alterou qualquer dos aspectos aqui citados.

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de outros ativos litorâneos enquanto determinou apenas uma postura


reativa em relação às linhas de comunicações marítimas:
A negação do uso do mar, o controle de áreas marítimas e a
projeção de poder devem ter por foco, sem hierarquização de objetivos e
de acordo com as circunstâncias:

(a) Defesa proativa das plataformas petrolíferas;


∆ ∆

(b) Defesa proativa das instalações navais e portuárias,


dos arquipélagos e das ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais
brasileiras;

(c) Prontidão para responder a qualquer ameaça, por


Estado ou por forças não convencionais ou criminosas às vias


marítimas de comércio; e

Antes mesmo, nas Diretrizes, o documento determina às três forças


armadas, a dissuasão de forças hostis nos limites dos espaços jurisdicionais
do País (marítimo, aéreo e terrestre) e, em coerência, também prioriza a
preparação para a negação do uso do mar sobre a preparação para o controle
de áreas marítimas e para a projeção de poder (BRASIL, 2013, 10).
Tal prioridade implica importantes alterações doutrinárias e
culturais para uma Marinha que, desde sua participação na Grande Guerra,
sempre esteve voltada para o controle de áreas marítimas a fim de proteger
o tráfego mercante.
A priorização atual tem a ver com a perspectiva do conflito
Norte-Sul vislumbrada a partir dos anos 1980, que pressupõe adversários
extrarregionais mais poderosos – a pior ameaça – já que a postura de negação
do uso do mar assume a inferioridade ante o oponente e, sendo realizada nas
águas jurisdicionais e suas proximidades, é fortemente condicionada pela
necessidade de garantir a segurança da energia, defendendo as vulneráveis
plataformas petrolíferas.
Configura-se assim, uma diferença básica entre a elaboração do
“Plano de Renovação” dos anos 1960 e a do atual PAEMB, mas existem
outras, e importantes:
- O Plano de Renovação foi elaborado num contexto em que
os principais fatores que condicionavam a aplicação do poder militar
brasileiro provinham de acordos internacionais interpretados diretamente
pelas forças armadas que, a partir daí, realizavam independentemente seu
“projeto de força” – a previsão dos meios considerados necessários, sem

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132 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

maior envolvimento do Poder Político. O PAEMB foi elaborado para permitir


à Marinha o cumprimento da END – um documento emitido pelo Poder
Político para orientar a preparação do Poder Militar, ou seja, das três forças
coordenadamente, levando em conta o atendimento da Política Nacional de
Defesa (PND) (Brasil, 2013), documento também emitido pelo Poder Político,
aspectos que conferem legitimidade aos esforços.
- O Plano de Renovação envolveu, basicamente, meios, com reduzido
acréscimo de capacidades novas – a operação de modernos helicópteros
foi uma delas – e um aspecto condicionante primordial: a modernização
de sistemas. Tanto o número de meios visualizados como os aspectos
estratégicos e operacionais não variavam muito – os navios deveriam ser
principalmente antissubmarinos.
O PAEMB tem que considerar, além da modernização, os aspectos
tecnológicos (considerando que houve uma RAM) e estratégicos nela
envolvidos, o que envolve, além de meios – mais numerosos e muito mais
modernos, como o submarino de propulsão nuclear, novas estruturas,
como o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), a nova
base/estaleiro de submarinos, a Segunda Esquadra e a Segunda Divisão de
Fuzileiros Navais.
- O Plano de Renovação, ao se verificar que não havia recursos para
a obtenção do grande número de meios, assumiu a estratégia da defesa
coletiva, prevendo que sua tarefa principal – proteger o tráfego marítimo
hemisférico – seria dividida com as demais marinhas da região.
Hoje, ainda que a proteção do tráfego marítimo continue sendo
preparada, e envolvendo parceiros regionais, ela não é mais a tarefa principal
da MB e, sim, defender proativamente as plataformas e ativos costeiros e
dissuadir forças inimigas de adentrarem nos espaços jurisdicionais do País,
o que implica, em princípio, ação isolada e, consequentemente, despesas
exclusivamente nacionais.
Quanto a esse aspecto, note-se que a legitimidade dos esforços
não está sendo correspon-dida pela destinação de recursos por parte do
Governo, que se mantém em cerca de 1,4% do PIB, quando o necessário seria
cerca de 2%, como observado pelo Ministro da Defesa (AMORIM, 2013).
Cabe observar que a prioridade à negação do uso do mar, que
distingue a concepção atual da antiga, implica tão somente a forma de
iniciar a implementação da END, obtendo sua capaci-dade atualmente mais
importante – defesa contra oponentes mais poderosos; pois tanto a capaci-
dade de controlar áreas marítimas como a de projetar poder continuam

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José Augusto Abreu de Moura 133

presentes na END e no PAEMB, ainda que em proveito da defesa dos ativos


e interesses nacionais, sem quaisquer pro-pósitos intervencionistas como
disposto na PND item 5.12 e na Constituição Federal. Assim, estão em
andamento a construção de submarinos – SNA e convencionais, e o SisGAAz
está em fase de especificação – sistemas destinados primariamente à tarefa de
negação, enquanto outros mais específicos para as outras tarefas (construção
de escoltas e de navios -aeródromos, p. ex.) aguardam disponibilidade
financeira. Cabe, contudo, lembrar que, apesar dessa destinação primária, o
SNA e o SisGAAz também têm emprego nas outras tarefas:
O SisGAAz previsto é um sistema de monitoramento de alto
nível, que deverá permitir aos comandos conhecer as posições e prováveis
intenções dos vetores amigos e hostis navegando em boa parte do Atlântico
Sul, podendo, assim, aumentar a eficiência dos meios operativos (SNA,
submarinos não nucleares, navios e aeronaves) fornecendo-lhes apoio de
comunicações e vigilância para que obtenham posições vantajosas em
relação aos oponentes. Os SNA podem exercer dissuasão contra forças
navais e submarinos em grandes áreas, como o Atlântico Sul, operando
isoladamente com o apoio pelo SisGAAz, mas também podem operar em
apoio direto de forças navais, participando de ações de controle de áreas
marítimas e, eventualmente, de projeção de poder.

CONCLUSÃO

Verifica-se que a evolução das prioridades navais corresponde ao


progresso institucional do País e à evolução da conjuntura internacional.
A Segunda Guerra Mundial surpreendeu o País com a necessidade de uma
marinha atualizada, e a MB reagiu, ainda que sem qualquer priorização de
meios, tornando-se uma força ade-quada para a época.
No Plano de Renovação dos anos 1960-70, houve criteriosa priorização
dos meios e conseguiu-se modernizar a Força, sob o condicionamento
estratégico interno da maior necessidade de proteger o tráfego marítimo e
externo da bipolaridade. Estes últimos aspectos constituíram a diferença
básica para a elaboração do atual PAEMB, voltado prioritariamente à defesa
dos ativos litorâneos vitais em um contexto internacional ainda unipolar,
mas sem cons-trições externas.
A percepção da necessidade de preparação para a defesa dos
ativos litorâneos e costeiros começou nos anos 1980, intensificou-se com
o crescimento da exploração marítima de petróleo e teve seu ápice com

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134 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

a descoberta das grandes reservas do Pré-Sal, fato presente à gênese


da vontade política de investir na Defesa Naval e à citada alteração de
prioridade, cabendo destacar que, pela primeira vez, faz-se uma priorização
de meios e infraestrutura de Defesa – um Projeto de força – com base em
necessidades e orientações determinadas pelo Poder Político, o que lhe
confere a necessária legitimidade.
Existem também, como acima exposto, sensíveis diferenças entre
as condições para elaboração e implementação dos dois planos, todas
apontando para a complexidade e custos muito maiores na situação atual,
o que, apesar da legitimidade, não encontra correspondência na destinação
de recursos por parte do Governo. Cabe, porém, enfatizar que, em caso de
uma necessidade real, a cobrança de um mau desempenho recairá sobre a
Marinha.
Nunca é demais evocar o testemunho de um velho marinheiro
sobre os idos de 1942:
O povo chegava na Praça Mauá e tinha um velho
encouraçado lá, que não tinha mais serventia e o
povo falava: - Vai pro mar, o que tá fazendo isso
aí? Vai pro mar!” (PEREIRA, 2015, citação p. 134)

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Recebido em: 15/05/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 143 – 180, jan./jun. 2015
Vitelio Marcos Brustolin 141

BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A


COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL
DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

Vitelio Marcos Brustolin 1

RESUMO
Neste artigo é formatado um conceito de “equipamentos
de uso individual, com base nos documentos
norteadores das Forças Armadas do Brasil. Em seguida
são apresentadas as maiores empresas do mundo desse
segmento, buscando oportunidades de mercado. Na
sequência é realizado um mapeamento das empresas
brasileiras que atuam na área, incluindo a sua estrutura
produtiva, porte, localização e capacidade de inovação.
A metodologia empregada é de: 1) análise de dados
governamentais; 2) questionário para empresários; 3)
entrevista presencial em uma amostra de empresas; 4)
pesquisa bibliográfica.
1
Professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade Federal
Fluminense (UFF), Fellow e Visiting Researcher da Harvard Law School e do Harvard
Department of the History of Science, Lemann Fellow. Doutor em Políticas Públicas,
Estratégias e Desenvolvimento. E-mail: info@viteliobrustolin.com, website: < http://scholar.
harvard.edu/brustolin>. Endereço para correspondência: UFF/INEST - Alameda Prof. Barros
Terra s/n, Centro, Niterói-RJ, 24020-150.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
142 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

Nas conclusões são elencadas possibilidades de políticas


públicas para contemplar a Base Industrial de Defesa do
Brasil, com foco nas empresas desse segmento.
Palavras-chave: Base Industrial de Defesa do Brasil.
Equipamentos de Uso Individual. Políticas Públicas para
a Defesa Nacional.

DEFENSE INDUSTRIAL BASE: THE


INTERNATIONAL COMPETITIVENESS
OF BRAZILIAN COMPANIES OF
INDIVIDUAL EQUIPMENT
ABSTRACT
In this article the author formats a concept to define
individual equipment, based on the guiding documents
of the Armed Forces of Brazil.
Then the author analyses the largest enterprises of
individual equipment of the World, seeking some market
opportunities for Brazilian firms. Next he makes a
mapping of Brazilian companies that are working in that
field, including its production structure, size, location
and innovation capacity.
The methodology used is: 1 - analysis of governmental
data, 2 - websurvey with entrepreneurs, 3 - personal
interview in selected companies, 4 - literature review.
In the conclusions are presented possibilities of public
policy to contemplate the Defense Industrial Base of
Brazil, focusing on companies of individual equipment.
Keywords: Brazilian Defense Industrial Base. Individual
Equipment. Public Policy for National Defense.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
Vitelio Marcos Brustolin 143

INTRODUÇÃO2

Equipamentos de uso individual estão entre os mais empregados


pelas forças armadas de todo o mundo. Isso porque são idealizados para
utilização pessoal – por cada agente.
Tratam-se de dispositivos que permeiam a esfera tradicional,
tendo, alguns deles, sido usados nas primeiras batalhas registradas
(COOPER, 1983), mas que também recebem inovações tecnológicas e
adições constantes. Do mesmo modo, a sua aplicação frequentemente
ultrapassa a esfera militar, tendo expressiva difusão civil. Equipamentos
tão amplamente utilizados – e, por isso mesmo, essenciais – requerem um
estudo específico acerca de sua fabricação e perspectivas de inovação, pois
o seu mercado constitui uma questão de interesse nacional. Ao longo desta
pesquisa, é produzido um mapeamento desse segmento no Brasil. Além
disso, é traçada uma perspectiva do cenário internacional para a área e
possíveis oportunidades para as empresas nacionais que nela atuam.
Trata-se de um trabalho realizado ao longo de um ano – de março de 2014
a março de 2015 – através de suporte do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) e recursos da Agência Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI).

METODOLOGIA

Os dados apresentados são divididos em quatro tipos, que variam de acordo


com a metodologia empregada para sua obtenção, conforme descrito a
seguir:
1. Fontes governamentais: dados repassados pelo Ipea, na forma de
tabelas. Neste caso, deve-se observar que o nome das empresas nacionais
foi omitido, a fim de preservá-las, seguindo a metodologia do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3;

2
Registre-se o agradecimento pelo financiamento recebido da Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI), bem como, pelos valorosos pareceres, comentários
e colaborações provenientes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do
Ministério da Defesa (MD), sem os quais esta pesquisa não teria sido realizada.
3
Deve ser considerada a ressalva de que os itens exportados e importados pelas empresas
podem ter sido decorrentes de outras unidades de negócio das firmas, e não diretamente
do segmento defesa. O mesmo raciocínio vale para os demais dados secundários.Note-se,
ainda, que a unidade de análise de todo o estudo é a firma, o que é compatível com o objetivo
central da pesquisa e com a disponibilidade de dados das fontes oficiais do país. A unidade
de análise para as discussões, portanto, não é a unidade de negócios de defesa da firma, com
exceção para os dados do websurvey, especialmente nas questões adstritas apenas à defesa.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
144 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

2. Websurvey (questionário): foi remetido às empresas do segmento,


buscando-se o máximo de aderência. O convite foi feito em 18 de agosto
de 2014. A finalização e entrega das respostas se deu em 29 de setembro
de 2014. No caso do segmento de equipamentos de uso individual, das 44
empresas mapeadas no Brasil, nove retornaram os questionários completos,
totalizando uma amostra de 20% de todas as firmas da área existentes no
país;
3. Entrevista presencial com uma amostra de empresas: foram
selecionadas cinco empresas do para perfazer uma visita técnica e uma
entrevista. As entrevistas foram realizadas, via de regra, em conjunto com um
representante da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
Também neste caso, conforme descrito acima, a identidade das firmas foi
preservada, tratando-as por números – de “Empresa 1” a “Empresa 5”.
No caso do segmento de equipamentos de uso individual, os
critérios empregados para a escolha das entrevistadas tiveram como base
a diversidade, a fim de se conhecerem diferentes paradigmas, aspectos,
abordagens e pontos de vista do mercado.
Desse modo, a Empresa 1 é uma representante de companhias
internacionais que comercializam ou pretendem se estabelecer no Brasil;
a Empresa 2 é internacional, se estabeleceu no Brasil há dois anos e vem
gerando empregos e investimentos no país, com expectativa de retornos
financeiros que ainda não se concretizaram; a Empresa 3 é nacional,
focada exclusivamente em equipamentos de uso individual e competitiva
no mercado internacional; a Empresa 4 é nacional e está passando por um
processo de fusão com outra empresa, também nacional; e a Empresa 5 é
estatal – uma das poucas ainda pertencentes ao governo na área de defesa;
4. Pesquisa bibliográfica: a revisão da literatura perfez todo o escopo
deste estudo.

OBJETIVOS

São quatro os objetivos deste estudo: i) mapear o segmento de


equipamentos de uso individual na Base Industrial de Defesa existente
no Brasil; ii) observar como o segmento se desenvolve no cenário
internacional, identificando-se os principais fabricantes de outros países
e quais são as possíveis oportunidades para as empresas brasileiras no
exterior; iii) coletar dados de fontes diversas e interpretá-los, empregando

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
Vitelio Marcos Brustolin 145

metodologias complementares, a fim de que possam ser úteis para o


governo – em especial para os militares –, empresários, investidores,
acadêmicos e para a sociedade em geral, acerca do segmento em questão;
e iv) perfazer análises e constatações que possam ser empregadas por
tomadores de decisão para a geração e melhoria das políticas públicas.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO SEGMENTO

Era comum importar a maioria dos equipamentos de uso individual


utilizados no Brasil no começo do século XX. Costumava-se comprar no
exterior os dispositivos necessários e criar, nos arsenais nacionais, oficinas
para montagem e manutenção. Com o término da Primeira Guerra
Mundial, as compras da época foram cessadas e congeladas (AMARANTE,
2004, p. 24-25).
Um novo olhar para o segmento ocorreu com o primeiro ciclo
industrial militar, que teve início na década de 1930, a partir das reformas
promovidas por Getúlio Vargas. O Exército passou, nessa época, a montar
uma estrutura fabril para se tornar mais independente das importações
(AMARANTE; 2004. p. 25). Essa também foi uma estratégia para lidar com
a crise mundial que preponderou sobre o mundo naquela década.
A Segunda Guerra Mundial, marcada por diversos avanços
científicos, trouxe um ciclo de pesquisa e desenvolvimento para a área
(BRUSTOLIN, 2014, p. 14). Contudo, ao término desta, equipamentos
de baixo custo, vendidos pelos Estados Unidos por meio de um acordo
de cooperação, amorteceram o desenvolvimento tecnológico nacional
(Amarante, 2004. p. 26). Isso prejudicou não só o segmento de equipamentos
de uso individual, mas a indústria de defesa em geral.
A partir de 1964, teve início um período de domínio das Forças
Armadas no Brasil, que perdurou até 19854. O país desenvolveu tecnologias
bélicas nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Ao final desta última, a indústria
de defesa atingiu o seu ápice e o Brasil se tornou o oitavo maior exportador
mundial (AMARANTE, 2004, p. 26).
No entanto, as transformações políticas e sociais das décadas de
1990 e 2000 geraram uma considerável redução das atividades nos centros
de pesquisa e desenvolvimento nacionais e nas empresas da área de defesa
(AMARANTE, 2004, p. 27).

4
O regime militar durou quase 21 anos: de 1o de abril de 1964 até 15 de março de 1985.

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146 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

CENÁRIO ATUAL

Ao longo desta pesquisa, constatou-se que há empresas brasileiras


do segmento de equipamentos de uso individual que se posicionam em
situação de competitividade internacional. Inovam em termos de produtos
e processos, registram patentes, produzem pesquisa aplicada, investem em
pesquisa básica, abastecem o mercado interno e exportam regularmente.
São empresas de ponta. Do mesmo modo, há empresas estabelecidas no
segmento que produzem pouca inovação (geralmente apenas destacando-
se em termos de processos de produção), mas que continuam a se manter
no mercado, tendo em vista a demanda – nem sempre governamental –
e o aspecto tradicional de alguns desses equipamentos. Não deixam de
ser empresas de considerável relevância para a defesa nacional, porém,
possuem menos competitividade internacional e produzem menos
inovações de uso dual (militar e civil) do que as primeiras.
Antes, porém, de analisarem-se os dados de mapeamento da
Base Industrial de Defesa (BID) desse segmento, é importante que se
demonstrem os conceitos e paradigmas empregados neste estudo. Esse é o
tema da seção a seguir.

DELIMITAÇÃO DO SEGMENTO

Não há consenso, no meio acadêmico, sobre a definição de


“equipamentos de uso individual”. Na doutrina militar, em contraponto,
há definições práticas de termos muito próximos, a começar pelo
de “equipagem”:5 “um conjunto de suprimentos (itens de material,
equipamento ou unidade e respectivos acessórios), organizado para fins
de abastecimento, normalmente portátil, que deve existir em determinado
setor da OM [organização militar] para atender a um serviço específico”
(BRASIL, 2009). Sequencialmente, a doutrina militar define “equipagens
individuais”: “a) conduzidas individualmente pelo militar, destinam-se
à sua proteção, condução de outros itens de material, sobrevivência em
campanha, uso de armamento e execução de tarefas comuns ou específicas”
(BRASIL, 2012, p. 2).

5
Essa observação é devedora da contribuição dos pareceristas da Divisão de Logística de
Material da Marinha do Brasil, através do Of. Ext. 40-1419/2014 do EMA ao Ministério da
Defesa (anexo 12). Também foi relevante a contribuição da Diretoria de Abastecimento do
Exército Brasileiro, por meio do DIEx 8388 – SGLFE/D. Abst. (EB: 64488.018581/2014-05).

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
Vitelio Marcos Brustolin 147

Há, ainda, situações tratadas em pormenores, das quais derivam


subdivisões de equipagens individuais:
b) Quando houver alguns itens comuns a todos os participantes da
atividade e outros necessários apenas a alguns integrantes, a Equipagem
Individual pode ser dividida em Básica e Suplementar, desde que haja
quantidade de itens que justifiquem a separação. É o caso das Equipagens
Individual Básica de Combate (EIBC) e Individual Suplementar de
Combate (EISC).
c) Quando, ao contrário, a atividade for específica de poucos
militares e a quantidade de itens não justificar a separação, atribui-
se a denominação sem as palavras “Básica ou “Suplementar”. É o caso
das seguintes Equipagens: Individual de Desfiles e Guardas Especiais
(EIDGE), Individual de Orientação em Campanha (Eiorient) e Individual
de Motocicleta Militar (Eimotoc) (BRASIL, 2012b, p. 2).
Além disso, existem normas específicas para o uso e a manutenção
(Brasil, 1989a) de “equipamentos individuais” (BRASIL, 1989b), bem
como uma definição para outro termo próximo, o de “equipamento de
proteção individual” (BRASIL, 2014b, p. 10-31): “é todo equipamento de
uso individual composto por um ou mais dispositivos capaz de proteger
contra um ou mais riscos que possam ocorrer simultaneamente e que
sejam suscetíveis de ameaçar a integridade física e a saúde dos servidores”
(BRASIL, 2005).
Dada a proximidade e a convergência de todos esses termos, é
possível, para os fins desta pesquisa, equipararem-se as concepções de
“equipamentos de uso individual” e de “equipagens individuais” que são,
conforme exposto: “conduzidas individualmente pelo militar, destinam-
se à sua proteção, condução de outros itens de material, sobrevivência
em campanha, uso de armamento e execução de tarefas comuns ou
específicas”.
Feita tal equiparação, fica evidente a grande abrangência desse
segmento. Aliás, mais do que isso, dada a sua amplitude e variedade, os
equipamentos de uso individual constituem uma categoria, que pode
englobar subcategorias e dispositivos eventualmente mapeados por outras
áreas. O emprego dessa conceituação ampla tem estreita relação com o
primeiro escopo desta pesquisa: mapear a Base Industrial de Defesa do
Brasil e lançar um olhar para a indústria internacional.
Nesse sentido, intersecções de equipamentos incluídos em mais
de um segmento são possíveis e até desejáveis, já que não faz sentido

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148 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

excluir arbitrariamente equipamentos de uma ou outra área se possuem


caraterísticas enquadráveis em mais de um conceito. Pela perspectiva da
indústria, é saudável que os seus produtos estejam inseridos em mais de
uma classificação, afinal, esses podem ser estimulados por diferentes ações
governamentais.
Pela perspectiva acadêmica, instituir classificações rígidas
e arbitrárias apenas empobrece a conceituação e descaracteriza os
segmentos eventualmente estudados, transformando-os em pontos de
vista absolutamente não consensuais. Por fim, pela ótica governamental,
reconhecer que há equipamentos que fazem parte de mais de um segmento
proporciona um olhar mais realista sobre como a indústria opera do que
tentar delimitar, caso a caso, a classificação a ser adotada.
Quanto à Base Industrial de Defesa, a definição aqui empregada
é a seguinte:
Denomina-se Base Industrial de Defesa (BID) o conjunto das
empresas estatais ou privadas que participam de uma ou mais etapas
de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção
de produtos estratégicos de defesa – bens e serviços que, por suas
peculiaridades, possam contribuir para a consecução de objetivos
relacionados à segurança ou à defesa do país (BRASIL, 2014c).
Trata-se do conceito utilizado pelo Ministério da Defesa (MD)
do Brasil e, dada a sua abrangência e pacificidade no meio acadêmico,
adotado integralmente neste estudo. Ressalte-se, ainda, que ele carrega,
implicitamente, a concepção de “produtos estratégicos de defesa”.
Por sua vez, a definição de “inovação” aqui utilizada é a de
Schumpeter, que a delimita como qualquer dos cinco fenômenos a seguir:
“1) introdução de um novo bem; 2) introdução de um novo método de
produção; 3) abertura de um novo mercado; 4) conquista de uma nova
fonte de abastecimento de matérias-primas ou bens semimanufaturados e
5) a implementação de uma nova forma de organização” (SCHUMPETER,
1934, p. 66)6. Numerosas análises têm sido feitas no meio acadêmico
sobre a definição de “tecnologia” e muito tem sido escrito para delimitar
o termo7. A definição de Autio e Laamanen, adotada nesta pesquisa, é
bastante clara:

6
No original: “1) introduction of a new good; 2) introduction of a new method of production;
3) opening of a new market; 4) conquest of a new source of supply of raw materials or half
-manufactured goods; and 5) implementation of a new form of organization”.
7
Ver, por exemplo, Willoughby (1990, p. 15-43).

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Vitelio Marcos Brustolin 149

Tecnologia compreende a capacidade de reconhecer


problemas técnicos, a capacidade de desenvolver novos
conceitos e soluções tangíveis para os problemas técnicos,
os conceitos e soluções tangíveis desenvolvidas para
resolver os problemas técnicos, e a capacidade de explorar
os conceitos e soluções tangíveis de uma forma eficaz
(AUTIO; LAAMANEN, 1995, p. 647).

Complementarmente, o conceito de “tecnologia de uso dual” tem


pouca variação na literatura acadêmica e o que existe é muito próximo
do empregado por Molas-Gallart: “eu defino uma tecnologia como de
uso dual quando tem aplicações militares e civis, atuais ou potenciais”
(MOLAS-GALLART, 1998, p. 3)8.
Neste estudo também é assimilada a observação de Molas-Gallart
de que a definição “dual” é apenas para fins analíticos, já que, em geral,
é muito difícil discernir se uma tecnologia terá emprego apenas civil ou
militar, podendo, portanto, ser considerada de “usos múltiplos” (MOLAS-
GALLART, 1998, p. 4).

ENUMERAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS INCLUÍDOS NA


PESQUISA

As tecnologias elencadas abaixo (tabela 1) são parte das


classificações de produtos produzidas pelo governo do Brasil. Seguindo
o conceito mencionado na seção anterior, foram incluídos nesta pesquisa:

8
No original: “I define a technology as dual use when it has current or potential military
and civilian applications”.

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150 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL ENUMERADOS NA PESQUISA

Embora a relação acima não seja exaustiva, foi organizada de


modo a abranger o máximo possível dos equipamentos classificados
pelo governo. Desse modo, diferentes dispositivos são enquadrados
em categorias amplas, como “armamentos diversos” ou “equipamentos
eletrônicos para uso individual”, por exemplo. Ao longo do estudo,
serão enumerados equipamentos específicos, mas o fato de não serem
nominalmente mencionados dentre os itens acima não significa que não
estejam inseridos nas referidas categorias.

CONTEXTO MUNDIAL

O foco desta seção são as empresas com maiores vendas de


tecnologias de defesa no mundo que produzem – dentre outros –
equipamentos de uso individual. Essas empresas estão entre os cinquenta
maiores vendedores de equipamentos de defesa de acordo com dados
do Stockholm International Peace Research Institute – Sipri (FREEMAN;
WEZEMAN, 2014, p. 3-4).

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Vitelio Marcos Brustolin 151

DIMENSÃO DO MERCADO MUNDIAL PARA O SEGMENTO

No contexto internacional, oito empresas que produzem


equipamentos de uso individual se destacam entre as cinquenta
maiores companhias do mundo em vendas de tecnologias de defesa
(tabela 2). Nenhuma das oito, no entanto, produz apenas equipamentos
de uso individual, sendo esta uma de suas áreas de produção – que,
invariavelmente, envolve sistemas maiores e de uso coletivo.
Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura
Elaboração própria, com apoio da Diretoria de Estudos e

MAIORES EMPRESAS DO MUNDO DE EQUIPAMENTOS DE USO


Fonte: Sipri (2012).
(Diset) do Ipea.

INDIVIDUAL (2011 - 2012)

9
Os números de vendas de armas dessa empresa são estimativas e estão sujeitos a um grau
de incerteza, de acordo com o Sipri.

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152 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

As empresas constam nessa relação em virtude de um ranking de


valores comercializados. Não há, em tal contexto, companhias brasileiras
que vendam equipamentos de uso individual num montante suficiente
para que sejam elencadas entre as cinquenta maiores.
A única empresa brasileira com menção entre as cem maiores
– mas que não produz equipamentos de uso individual – é a Embraer,
na 66a posição. Também não constam na relação empresas com sede na
China, porém, por razões diferentes: o sigilo que estas mantêm quanto as
suas movimentações (SIPRI, 2012).
O gráfico 1 é uma representação visual da tabela 2. Nele pode-se
observar o quanto as tecnologias armamentistas representam no total das
vendas:

Fonte: Sipri (2012). *Em US$ bilhões Elaboração própria, com apoio da Diset/Ipea.

Note-se que nem todos os equipamentos de uso individual são


considerados “armas”, de modo que diversos deles têm maior facilidade
do que estas para serem comercializados em mercados civis.
Uma explanação pormenorizada de cada uma dessas firmas e o
seu desenvolvimento econômico, retratado na tabela e gráfico 1, será feita
a seguir.

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Vitelio Marcos Brustolin 153

GRANDES PLAYERS MUNDIAIS DO SEGMENTO

Dentre as empresas com grande comercialização que produzem –


dentre outros – equipamentos de uso individual, destacam-se as seguintes.

GENERAL DYNAMICS

Trata-se de um conglomerado de empresas formado por fusões e


aquisições. Tem como foco principal veículos, naves e sistemas de armas,
mas também produz armas e munições (GENERAL DYNAMICS, [s.d.]
c), sistemas de tecnologia de informação e comunicação (GENERAL
DYNAMICS, [s.d.]a). Tem matriz nos Estados Unidos.
Em 2011 foi a quarta maior vendedora de equipamentos de defesa
do mundo, com um total de US$ 23,33 bilhões em vendas. Em 2012 ficou em
quinto lugar, com US$ 20,94 bilhões, apresentando uma retração de -US$
332 milhões nos lucros.
Armas e demais equipamentos de defesa representaram, em 2012,
66% da receita da companhia, contudo, não há dados publicados da fatia
dos equipamentos de uso individual nesse total. O número de empregos
gerados pela companhia em 2012 é estimado em 92,2 mil pessoas.
A General Dynamics foi fundada em 1952, por meio da fusão
da Electric Boat Company e da Consolidated Vultee, dentre outras
companhias de menor porte. Tendo recebido forte incentivo de contratos
governamentais dos Estados Unidos ao longo da Guerra Fria, a empresa
mudou acentuadamente com o término desta (GENERAL DYNAMICS,
[s.d.]b). Assim, embora tenha crescido organicamente e através de
aquisições até o início dos anos 1990, nesse período chegou a vender quase
todas as suas divisões, exceto a de barco elétrico e sistemas terrestres.
A partir de meados da década de 1990, a General Dynamics iniciou
uma expansão através da aquisição de empresas relacionadas a veículos
de combate, estaleiros navais, produtos de tecnologia da informação,
empresas de serviços e a Gulfstream Aerospace Corporation (GENERAL
DYNAMICS, 2012). Desde então, a empresa adquiriu e formou fusões
com mais de 65 empresas para fortalecer e complementar o seu portfólio
de negócios. Atualmente é composta por quatro grupos empresariais que
abastecem clientes comerciais e governamentais em todo o mundo. Embora
equipamentos de uso individual não sejam o seu foco principal de atuação,
dentre os dispositivos produzidos pela empresa destacam-se: armas,
munições, sistemas de tecnologia da informação e comunicação.

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154 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

RHEINMETALL

Produz principalmente veículos e munições pesadas. No


segmento de equipamentos de uso individual, fabrica munições de médio
calibre, além de sistemas ótico-elétricos, metralhadoras e armas com
laser (RHEINMETALL, [s.d.]c). Sediada na Alemanha, faturou US$ 2,98
bilhões comercializando dispositivos de defesa em 2011, ficando como a
28a empresa com maiores vendas na área. Em 2012 vendeu US$ 3 bilhões
e ficou em trigésimo lugar. Armamentos representaram, em 2012, 50% do
faturamento da companhia, cujo lucro foi de US$ 244 milhões.
O total de empregos gerados no ano foi de 21.767. Não há
dados disponíveis quanto à representatividade dos equipamentos de
uso individual na receita da companhia. A empresa foi fundada em
1889, quando o conglomerado de mineração Hoerder Bergwerks-und
Hüttenverein estabeleceu, juntamente com um consórcio de bancos, a
Rheinische Metallwaren-und Maschinenfabrik Actiengesellschaft para a
produção de munições. Quase um ano depois, já empregava cerca de 1,4
mil pessoas e produzia 800 mil projéteis por dia. Ao final de 1891, um total
de 120 milhões de cartuchos já tinham sido feitos, tendo como principal
comprador o governo (RHEINMETALL, [s.d.]b).
A Rheinmetall tem se destacado como uma grande produtora de
componentes automotivos – tanto civis quanto militares. A sua área militar,
no entanto, é preponderante, de modo que a empresa é uma das maiores
fornecedoras de equipamentos para as Forças Armadas da Alemanha,
bem como para as de países aliados (principalmente europeus), além de
empresas de segurança em geral (RHEINMETALL, [s.d.]a).

ELBIT SYSTEMS

Especializada na fabricação de aviões e helicópteros, também


produz capacetes, além de sistemas eletrônicos e eletro-ópticos (ELBIT
SYSTEMS, [s.d.]b). A empresa também se concentra na concepção,
desenvolvimento, fabricação e integração de comando, controle,
comunicações, computadores, inteligência, vigilância e reconhecimento
de rede – C4ISR (Elbit Systems, [s.d.]c). Sediada em Israel, em 2011
comercializou US$ 2,68 bilhões em equipamentos de defesa, sendo a 37a
maior vendedora da área no mundo. Em 2012 comercializou US$ 2,74
bilhões, ficando na 34a posição mundial. Nesse ano o lucro da empresa foi
de US$ 168 milhões e os armamentos representaram 95% do total.

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Vitelio Marcos Brustolin 155

Os empregos gerados em 2012 foram 12.134. Não há dados de


quanto os equipamentos de uso individual representam no total das
vendas. A Elbit Systems foi fundada em 1966 a partir da Elron Electronic
Industries, que prestava serviço para o Ministério da Defesa de Israel
na área de design de computadores. Inicialmente foi denominada Elbit
Computers (Elbit Systems, [s.d.]a). Embora trabalhe com equipamentos
que podem ter utilização dual – como os mencionados sistemas eletrônicos,
eletro-ópticos, de comunicação e computadores – e drones, dentre outros,
a empresa atua principalmente nas áreas de defesa e segurança. O seu
foco atualmente é na produção de equipamentos para conflitos de baixa
intensidade e atividades terroristas em geral (Elbit Systems, [s.d.]c).

ROCKWELL COLLINS

Tem como foco o setor aeroespacial e de defesa, produzindo


sistemas de comunicação e equipamentos eletrônicos de aviação.
No segmento de equipamentos de uso individual, fabrica armas e
equipamentos de focalização de precisão (ROCKWELL COLLINS, [s.d.]a).
Com sede nos Estados Unidos, em 2011 comercializou US$ 2,81 bilhões em
equipamentos de defesa, sendo a 32a maior vendedora mundial na área.
Em 2012 vendeu US$ 2,59 bilhões, ficando na 35a posição mundial.
Nesse ano o lucro da empresa foi de US$ 609 milhões e as armas
representaram 55% desse total, porém não há dados publicados sobre a
representatividade dos equipamentos de uso individual nesse montante.
Os empregos gerados chegaram a 19 mil em 2012. A Rockwell Collins
foi fundada em 1933, como Collins Radio, inicialmente concebida para
produzir rádios de ondas curtas.
A empresa foi crescendo e, nas três décadas seguintes, expandiu
a sua atuação em comunicação para outras áreas, inclusive a de defesa.
Novas tecnologias, como instrumentos de controle de voo, dispositivos
gerais via rádio e transmissões de voz via satélite foram alguns de seus
nichos de mercado. Tem especial participação no programa espacial dos
Estados Unidos, incluindo os equipamentos de comunicação utilizados
pelos astronautas.
Ao longo da sua história, adquiriu diversas empresas – incluindo
Hughes-Avicom’s, Intertrade, Flight Dynamics, K Systems, Communication
Solutions, Airshow, NLX, Evans & Sutherland, SEOS, Athena Technologies,
DataPath e Air Routing International –, se fortalecendo no mercado de

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156 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

comunicação e também expandindo as suas áreas de atuação. Em 2001 a


Rockwell Collins foi desmembrada da Rockwell International e começou
a negociar ações na Bolsa de Nova Iorque. Atualmente projeta, produz,
comercializa produtos e oferece suporte tanto na área militar quanto na
civil (ROCKWELL COLLINS, [s.d.]b).

ALLIANT TECHSYSTEMS

É uma empresa líder em fabricação de munição de precisão,


armas de ataque, mísseis e propulsores de foguetes. Também é uma das
maiores fabricantes mundiais de munições de baixo e médio calibre –
especialmente 5.56 mm, 7.62 mm e .50 mm (Alliant Techsystems, [s.d.]
b). Com sede nos Estados Unidos, em 2011 foi a quadragésima maior
vendedora de equipamentos de defesa do mundo, alcançando US$ 2,55
bilhões.
Já em 2012, ficou na 41a posição, com US$ 2,33 bilhões em vendas.
Armamentos representam 53% do total comercializado pela companhia,
que lucrou US$ 272 milhões em 2012, gerando cerca de 14 mil empregos.
Não há dados sobre o montante de vendas de equipamentos de uso
individual diante do total.
A Alliant Techsystems foi lançada como uma empresa
independente em 1990, quando a Honeywell desmembrou os seus
negócios de defesa. A Honeywell havia fornecido produtos e sistemas
de defesa para os Estados Unidos e seus aliados durante cinquenta anos.
A empresa expandiu para o mercado aeroespacial com as aquisições da
Hercules Aerospace Company, em 1995, e da Thiokol Propulsion, em
2001, tornando-se a maior fornecedora mundial de motores de foguete de
combustível sólido e líder no fornecimento de estruturas compostas de
alto desempenho.
Uma série de outras aquisições e contratos – especialmente
governamentais – continuaram a aumentar a presença da empresa nos
mercados aeroespacial, de defesa e comercial (ALLIANT TECHSYSTEMS,
[s.d.]a). Em 2000 foi selecionada para operar a Lake City Army Ammunition
Plant, do Exército dos Estados Unidos, sendo responsável, nesse local,
pela fabricação de munição de baixo calibre para aquele governo. Em
2001 adquiriu a empresa de munição Blount International, tornando-se,
assim a maior fabricante estadunidense de munição. Em 2009 adquiriu
a Eagle Industries, expandindo no mercado de acessórios para defesa e
segurança. Em 2010 comprou a Blackhawk Products Group, especializada

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Vitelio Marcos Brustolin 157

em equipamento tático para defesa e aplicação da lei. Em 2013 adquiriu a


Caliber Company, uma das maiores fabricantes mundiais de rifles de caça
e espingardas.
Em 2013 comprou o Bushnell Group Holdings, líder em
equipamentos óticos, acessórios exteriores e óculos de alto desempenho
(ALLIANT TECHSYSTEMS, [s.d.]a). Com essa trajetória de aquisições
e contratos, a Alliant Techsystems se consolidou como uma das maiores
empresas do mundo no segmento de equipamentos de uso individual.

ORDNANCE FACTORIES

Empresa do governo da Índia com mais de duzentos anos, produz


uma gama de equipamentos que vai de grandes veículos a pistolas,
revólveres, munições, paraquedas, equipamentos óticos, coturnos, cintos,
bolsas, casacos, kits militares, acessórios em geral e uniformes (ORDNANCE
FACTORIES [s.d.]c). Em 2011 foi a 49a empresa mundial em número de
vendas de equipamentos de defesa, atingindo US$ 2,12 bilhões. Em 2012
ficou em 47o lugar, embora as vendas estimadas tenham sido menores, de
US$ 1,94 bilhão. Armas representam 80% do total comercializado.
Note-se que os valores, no caso desta empresa, são estimados, já
que não houve divulgação oficial no período, tampouco se sabe o quanto
a empresa lucrou em 2012 ou o número total de empregos que gera. A
história da Ordnance Factories tem estreita relação com o reinado britânico
na Índia. Devido ao interesse econômico da Inglaterra sobre esse país e
para aumentar a influência política, considerou-se o equipamento militar
como elemento vital.
Em 1775 as autoridades britânicas criaram o Board of Ordnance,
em Fort William, Kolkata. Em 1787 uma fábrica de pólvora foi estabelecida
em Ishapore, tendo iniciado a produção em 1791. Esse foi o primeiro
estabelecimento da Ordnance Factories. Em 1947, quando a Índia se tornou
independente, já havia dezoito fábricas de munições e equipamentos
militares.
Outras 21 foram estabelecidas após a independência – a
maioria, devido aos conflitos travados pelas Forças Armadas indianas
(ORDNANCE FACTORIES [s.d.]a). Atualmente, a Ordnance Factories
conta com 41 fábricas (Ordnance Factories [s.d.]b). Por se tratar de uma
empresa governamental, trata-se de um caso único dentre as líderes
mundiais selecionadas nesta seção.

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158 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

HARRIS CORPORATION

Uma das líderes mundiais na produção de equipamentos e


sistemas de aviação, indo dos componentes eletrônicos a softwares,
integração de sistemas e suporte aos fabricantes de aviões militares (caças,
helicópteros e veículos aéreos não tripulados).
No segmento de equipamentos de uso individual, fabrica rádios
táticos e sistemas de comunicação (HARRIS CORPORATION, [s.d.]b).
Com sede nos Estados Unidos, em 2011 ficou em 43o lugar dentre as
maiores comerciantes de equipamentos de defesa no mundo, com US$
1,95 bilhão em vendas. Em 2012 ficou em 48o lugar, com US$ 1,89 bilhão.
Armamentos representaram 37% do faturamento da companhia
em 2012, quando lucrou US$ 461 milhões e gerou 22 mil empregos. Não
há dados específicos sobre quanto os equipamentos de uso individual
representam desse montante. A Harris Corporation foi fundada em 1890
como uma produtora de novos equipamentos de impressão. Em meados
do século XX, se consolidou como uma das maiores fabricantes mundiais
de tecnologias de impressão, com o nome de Harris-Seybold.
Em 1957 esta passou por uma fusão com a Intertype Corporation,
líder mundial em dispositivos de tipografia. Nessa época a empresa
passou a trabalhar para o governo estadunidense no desenvolvimento de
comunicações eletrônicas (especialmente de radiodifusão e micro-ondas)
para a Era Espacial. Em 1967 adquiriu a 1967 Radiation Inc, fabricante de
tecnologia espacial e militar. Em 1974 o nome da empresa foi alterado para
Harris Corporation.
Nos vinte anos que se seguiram, vendeu o seu negócio de
impressão e ampliou significativamente a oferta de produtos eletrônicos,
obtendo maior alcance de mercado. Na época de seu centenário, em
1995, a Harris Corporation tinha emergido como uma empresa global.
Atualmente atende a uma ampla gama de mercados de comunicações e de
tecnologia da informação, tanto na área militar quanto na civil (HARRIS
CORPORATION, [s.d.]a).

ST ENGINEERING (SINGAPORE TECHNOLOGIES ENGINEERING)

Trata-se de um grupo de engenharia com sede na República de


Cingapura, especializado em soluções e serviços tecnológicos nos mercados
aeroespacial, eletrônico, de sistemas terrestres e marítimo. Produz também
uma gama de equipamentos de uso individual, como armas e munições

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Vitelio Marcos Brustolin 159

de baixo calibre e armamento não letal (ST Engineering, [s.d.]b). Em 2011


foi a 52a empresa dentre as maiores comerciantes de armas do mundo,
atingindo US$ 1,95 bilhão. Em 2012 foi no quinquagésimo lugar, com
US$ 1,89 bilhão em vendas de armas, o que representou 37% do seu total.
No mesmo ano, os lucros chegaram a US$ 461 milhões e o número de
empregados, a 22 mil.
Assim como nos casos anteriores, não há dados publicados sobre
a parcela que os equipamentos de uso individual representam no total
das vendas. A ST Engineering foi criada em 1997 e desponta como um
dos maiores grupos de defesa e de engenharia da Ásia. Também destaca-
se entre as maiores empresas listadas na Bolsa de Cingapura. Tem como
clientes organizações comerciais e de defesa em mais de cem países, que são
atendidos através de uma rede global de cerca de cem subsidiárias e firmas
associadas em 46 cidades de 24 países – dentre os quais os localizados na
América do Norte, Europa, Ásia e Oceania (ST Engineering, [s.d.])a.
Originalmente criada como uma fornecedora de armas para as
Forças Armadas de Cingapura, a ST Engineering ganhou notoriedade por
despontar entre as últimas empresas no mundo a fabricar minas terrestres
antipessoal, tendo sido, por isso, excluída de alguns fundos de investimento
devido à “produção de armas que, através da sua utilização normal,
podem violar os princípios humanitários fundamentais” (LANDMINE
AND CLUSTER MUNITION MONITOR, 2009).

CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS: OPORTUNIDADES PARA O BRASIL

Alguns tipos de equipamento de uso individual têm sido


amplamente empregados desde as épocas mais remotas. Ruínas
encontradas em parques arqueológicos da antiga Suméria (na região
onde hoje ficam o Iraque e o Irã) demonstram que grupos oponentes se
enfrentaram com foices, adagas e pequenas espadas com lâminas de ouro
e cobre, há quase 5 mil anos, em 2700 a.C. (COOPER, 1983).
De instrumentos cortantes em geral, passando por acessórios para
segurança e salvamento, dispositivos diversos com projéteis, alimentos
para sobrevivência, lasers, carregadores, exoesqueletos, sensores
optrônicos, baterias, palms, roupas especiais para o combate, proteções
biológicas, químicas e nucleares, os equipamentos de uso individual têm
feito parte da história humana.
Tais equipamentos, contudo, também estão presentes nas nossas
atuais estruturas de segurança pública, tais quais sprays de pimenta,

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160 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

bombas de efeito moral (gases comprimidos e liquefeitos), teasers de


choque, coletes à prova de balas, capacetes, escudos, dispositivos não
letais em geral e armas leves, dentre outros. Para completar, alguns
tipos de equipamento – a exemplo dos eletrônicos, instrumentos de
comunicação, utensílios e acessórios em geral são legalmente e amplamente
comercializados também no mercado civil.
Uma tendência, contudo, tem se firmado no contexto internacional,
sobretudo com o advento da era digital: a demanda por armas não letais.
Há uma progressiva cobrança das sociedades de todo o mundo por forças
de segurança pública menos truculentas, que visualizem os cidadãos não
como oponentes, mas sim como entes a serem protegidos (LIMA, 2014). Tal
cobrança tem se potencializado pelas imagens captadas cotidianamente
em câmeras de aparelhos eletrônicos em geral, pela mídia internacional e
pelo compartilhamento crescente de dados em redes sociais via internet.
A comercialização de armas não letais no Brasil é condicionada à
autorização expressa do Exército. O país possui empresas de ponta nessa
área, que exportam e competem internacionalmente, costumeiramente, em
condições de igualdade com competidores externos. Trata-se de um campo
em plena ascensão e com uma conjuntura mundial de crescimento. Ao
mesmo tempo, a pressão interna do Brasil pela reestruturação das forças
de segurança pública, reformulação do treinamento e desmilitarização
das polícias corrobora com essa conjuntura. Evidencia-se que o caminho
necessariamente passa pela utilização de equipamentos capazes de
resolver situações de conflito sem causar mortes.
Da mesma forma, para utilizar armas menos agressivas, os
agentes de segurança precisam estar mais bem protegidos. Nesse sentido,
os equipamentos de segurança para uso individual são outra tendência
de eminente crescimento e ampla necessidade. Cabe, por fim, destacar o
aspecto comparativamente pacífico e a política externa não intervencionista
do Brasil, que tem empregado as Forças Armadas para operações de
garantia da lei e da ordem (BRASIL, 1988, Artigo 142) e para missões de
paz. Em ambas as situações, faz-se necessário, sobretudo, o emprego de
equipamentos protetivos, e não letais.
Outra tendência crescente é a utilização de equipamentos
eletrônicos de uso individual, de tablets a dispositivos de comunicação.
Trata-se de um mercado dominado por fábricas orientais, sobretudo
chinesas – justamente as que não divulgam dados, conforme frisado
anteriormente.

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Vitelio Marcos Brustolin 161

O design desses produtos, no entanto, é costumeiramente


proveniente de companhias sediadas nos Estados Unidos, embora
a Coreia do Sul tenha crescido muito na área, firmando empresas
internacionais que geralmente possuem um braço militar. Trata-se de um
mercado eminentemente dual e de aplicações múltiplas – muitas vezes até
imprevisíveis no momento da criação da tecnologia.
Essa é uma área em que o Brasil tem demonstrado interesse, mas
que não dispõe de empresas de ponta com sede nacional, diferentemente
do que ocorre no caso das armas não letais. Trata-se, além disso, de
uma empreitada que necessitará de apoio governamental para que a
indústria local se torne competitiva o bastante para se habilitar à inserção
internacional.

PERFIL DAS FIRMAS DE EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL


NO BRASIL

Esta pesquisa foi desenvolvida sobre quatro objetivos principais,


apresentados no item 3. O intuito de observar como o segmento se
desenvolve no cenário internacional – identificando os principais
fabricantes de outros países e quais são as possíveis oportunidades para
as empresas brasileiras no exterior – foi trabalhado nos itens 8 e 9. Na
sequência, dois objetivos deste estudo perfazem-se complementares entre
si: o mapeamento do segmento na Base Industrial de Defesa do Brasil e
a coleta e interpretação de dados de fontes primárias e secundárias. Os
resultados dessa intersecção são apresentados a seguir.

EMPRESAS BRASILEIRAS E SUA ESTRUTURA PRODUTIVA

Quanto à estrutura produtiva, verifica-se que 44 empresas


compunham o segmento de equipamentos de uso individual no Brasil no
ano de 2014. Dessas, 37 declararam informações para a Rais até 2011 – ano
dos últimos dados disponíveis.
A partir da Rais, constata-se que o número de funcionários
aumentou constantemente entre 2003 e 2011, quando se chegou a uma
média de 197 por empresa. O aumento na média de funcionários é uma
evidência clara do crescimento do segmento, isso porque as contratações
aumentam conforme a necessidade das empresas de produzir. Esta, por
sua vez, é diretamente conectada à demanda.

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162 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

Deriva-se, assim, a probabilidade de as empresas terem crescido


em termos de contratação devido à necessidade de aumento da produção
para atender ao mercado. Essa hipótese será confirmada nas análises
seguintes, sobretudo nas entrevistas realizadas com empresários.

QUALIFICAÇÃO DE PESSOAL

Com relação à qualificação dos recursos humanos, fica claro que


a proporção de funcionários com nível superior também aumentou no
período, indo de uma média de dezenove por empresa, em 2003, a 22,
em 2011, totalizando 15,79% de crescimento. O fato demonstra que o
segmento vem trabalhando com tecnologias que requerem uma mão de
obra mais bem qualificada para serem operadas, ainda que tal qualificação
represente um pagamento maior de salários por parte das empresas. Do
ponto de vista dos funcionários, os números denotam que investir em
continuidade dos estudos é uma alternativa que vem tendo contrapartida
em termos de contratação nas firmas do segmento.
O crescimento da qualificação também mostra-se condizente
com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
de 2012,10 os quais evidenciaram que a oferta de mão de obra qualificada
vem aumentando continuamente, em especial na última década, enquanto
seu custo relativo vem caindo. Além disso, as empresas do segmento
apresentam situação melhor do que a indústria em geral no concernente a
empregados qualificados desde 2008. Isso porque, conforme a análise da
Pnad, enquanto a indústria perdeu espaço no total de ocupações a partir
desse ano, as firmas do segmento tiveram o período de maior aumento de
contratação de funcionários com nível superior.
Da mesma forma, verifica-se o aumento no número de
profissionais técnicos/científicos, partindo de uma média de 0,4 por
empresa em 2003 a 1 em 2011, representando um crescimento de 150%.
Apesar dessa quantidade parecer pequena, observa-se que o profissional
técnico/científico é geralmente o encarregado pela supervisão da produção
da indústria. Desse modo, o fato de em 2003 haver o número quebrado de
0,4 desses profissionais por empresa e de tal número chegar a 1 em 2011
demonstra a possibilidade de cada empresa possuir o seu encarregado
técnico ou algumas possuírem mais de 1.

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Aumento da escolaridade


10

amplia renda do trabalho. Ipea, Brasília, 7 out. 2013. Disponível em: <http://goo.gl/4kFR4K>.
Acesso em: 10 jul. 2015.

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Vitelio Marcos Brustolin 163

Trata-se, portanto, de uma variável significativa, que deve


ser analisada como um avanço na qualidade dos produtos e na saúde
financeira das empresas, sobretudo porque o salário do profissional
técnico/científico costuma ser consideravelmente mais elevado do que
o dos demais, justamente devido à sua escolaridade e responsabilidade
atribuída.
Complementarmente, observa-se que a proporção foi positiva
também em relação aos engenheiros, que aumentaram de 1,3 por empresa
em 2003 a 1,6 em 2011 – um adimplemento de 23%. O aumento de
contratação desses profissionais demonstra avanços de qualidade e saúde
das empresas, da mesma forma que o aumento de profissionais técnico/
científicos, tratado acima. Esse cenário é condizente com a análise dos
dados da Pnad, que deixa claro que a oferta de mão de obra qualificada
vem aumentando progressivamente, sobretudo na última década, e
contrariando a tese da escassez de trabalhadores com qualificação no
Brasil – dentre os quais os engenheiros, que são costumeiramente citados.

SALÁRIOS E ESCOLARIDADE

A massa salarial total das empresas do segmento chegou a mais


de R$ 244 milhões em 2011, com 37 empresas registradas. Também houve
um aumento contínuo do salário médio dos funcionários, que partiu de R$
2.018,47 em 2003 para R$ 2.898,28 em 2011 – um crescimento de 43,61%.
Tal aumento foi real, já que os dados são deflacionados pelo IPCA de 2013.
Conclusivamente, o aumento dos salários médios nas empresas do
segmento, somado ao aumento da média de empregados e aos referidos
aumentos de pessoal de nível superior, técnicos/científicos e engenheiros,
fecha um ciclo de análise do crescimento e do aumento da saúde das
firmas no período de 2003 a 2011. Ressalvadas as retrações, que geralmente
culminam no ano de 2007, o período foi de relativa prosperidade para as
empresas do segmento.
A esses dados soma-se a escolaridade média dos funcionários
em geral, que evoluiu ininterruptamente no período, indo de uma média
de nove anos de estudo em 2003 para 10,8 anos em 2011. Tal crescimento
demonstra que o aumento da média salarial não ocorre apenas pela
contratação de funcionários técnicos/científicos e engenheiros, mas
também pelo aumento geral na média de qualificação dos funcionários.

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164 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

Cabe frisar que a relação entre aumento da escolaridade e melhoria


dos salários tem sido comprovada no Brasil, gerando uma melhoria média
de 15% para cada ano estudado, conforme demonstra pesquisa da FGV,
com base nos dados da Pnad (FGV, 2008).

DISPONIBILIDADE DE MÃO DE OBRA

No concernente à distribuição e dificuldade de manutenção de


mão de obra especializada, o aumento do número de empregos se dá,
sobretudo, nas empresas com maior número de funcionários – mais de
499, que tiveram adimplementos substanciais entre 2005 e 2008, quando
esse número cresceu na ordem de 53,13% – saindo de 2.824 funcionários
para 4.324,5. Entre 2008 e 2011, o crescimento também foi significativo,
de 19,16% – indo de 4.324,5 a 5.153,3 funcionários. Diante dos números,
cabe frisar que o segmento possuía, até 2011, quatro empresas com mais
de 499 funcionários no Brasil e que as maiores empresas do segmento
ultrapassaram, no mesmo ano, a somatória de 5 mil funcionários.
Ao serem questionados sobre como avaliam a busca por mão de
obra especializada e suficiente para as atividades realizadas na área de
defesa, a maioria dos empresários a classificou como “difícil” (44,4% dos
que responderam) ou “muito difícil” (22,2%). Cabe ressaltar que nenhuma
empresa a considerou “fácil” ou “muito fácil”.

PODER DE COMPRAS E OSCILAÇÕES NAS AQUISIÇÕES DO


GOVERNO DO BRASIL

Já a respeito do poder de compras das empresas e oscilações


das aquisições da defesa, o número de empresas com vendas registradas
no Comprasnet aumentou entre 2003 (quando eram quinze) e 2010 –
chegando a 23 empresas. Uma constância menor ocorreu nas vendas para
o Ministério da Defesa, sendo que, das dez empresas com tal registro em
2003, há elevações e decréscimos de vendedoras até 2010, quando chegaram
a dezoito. O valor total das vendas também sofreu variações no período,
partindo de R$ 36 milhões em 2003 e chegando ao ápice de R$ 270 milhões
em 2012. Os dados deixam claro que o Ministério da Defesa é fundamental
para o segmento, sendo responsável por até 91,48% das compras em 2009 e
88,16% em 2010. O ano de menos compras foi o de 2004, quando o MD foi
o comprador de 27,30% do total do segmento.

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Vitelio Marcos Brustolin 165

Dos empresários que participaram do websurvey, 77,8%


concordam em absoluto que tanto situações de irregularidade quanto
de baixo volume da demanda por bens e produtos de defesa afetam
negativamente os fornecedores diretos, ao passo que 22,2% concordam
parcialmente com tal assertiva.
Ainda sobre o impacto das oscilações de gastos governamentais
em defesa, 44,44% dos empresários destacam que o valor destinado por
empresa à pesquisa e ao desenvolvimento foi prejudicado por essas
oscilações entre 2004 e 2013. Ou seja, para quase metade dos respondentes,
a inconstância das despesas públicas do país em defesa prejudicou a
aplicação de recursos das empresas em P&D. Por outro lado, 55% dos
respondentes garantem que as firmas mantiveram os investimentos nessas
áreas – a despeito das oscilações do período –, demonstrando confiabilidade
no retorno dos recursos investidos no avanço científico e tecnológico, bem
como saúde financeira suficiente e uma busca por independência em
relação às compras do governo.

LOCALIZAÇÃO REGIONAL

Quanto à localização geográfica das empresas do segmento


catalogadas na Rais, evidencia-se a prevalência da região Sudeste sobre
as demais. Esta contém 29 das 37 empresas constantes na base de dados.
Restam apenas seis empresas na região Sul e duas na Centro-Oeste. As
regiões em que não despontam empresas do segmento são a Norte e a
Nordeste. Esse dado é digno de nota, já que nenhuma empresa do segmento
se beneficia das isenções fiscais da Zona Franca de Manaus. Também nota-
se que, apesar da crescente movimentação militar em áreas estratégicas da
Amazônia, as empresas continuam concentradas em outras regiões, sendo
que as que mais se aproximam da área são aquelas sediadas no Centro-
Oeste.

INOVAÇÃO

No concernente à inovação, foram encontrados 82 pedidos de


patentes ao INPI pelas firmas do segmento de 2000 a 2011. Não obstante,
a totalidade das empresas que responderam ao websurvey afirmam
desenvolver pesquisa de projetos. Além disso, todas elas declaram ter
realizado atividades contínuas de P&D entre 2010 e 2013.

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166 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

Ao mesmo tempo, chegam a 44,4% as que desenvolveram


produtos ou tecnologias destinadas ao mercado civil e que posteriormente
foram comercializados em mercados militares. Por outro lado, totalizam
66,7% as que desenvolveram produtos ou tecnologias, inicialmente
destinados a mercados militares, que foram comercializados no mercado
civil. O percentual de empresas com expectativas “elevadas” para que
as inovações na linha de produtos civis sejam aproveitadas para a área
de defesa, nos próximos cinco anos (spin in) chega a 88,8% do total das
que responderam ao websurvey. Apenas 11,1% têm expectativas “nada
promissoras” nesse aspecto. Os percentuais são os mesmos para as
empresas que esperam que as inovações na linha de produtos de defesa
sejam aproveitadas na área civil (spin off) nos próximos cinco anos. Ou
seja, 88,8% delas têm expectativas que vão de “razoavelmente” a “muito
promissoras” e somente 11,1%, “pouco promissoras”.

EXPORTAÇÕES VERSUS IMPORTAÇÕES

Tratando-se de inserção internacional, duas empresas do


segmento ultrapassaram a marca de US$ 100 milhões em exportações em
2013. Destaca-se o fato de serem indústrias brasileiras com alto índice de
vendas no exterior e que colaboraram para o resultado positivo da balança
comercial do país naquele ano.
Em 2013 as exportações totais do Brasil chegaram a US$ 242,2
bilhões – o terceiro melhor da história, inferior apenas a 2012 (US$ 242,6
bilhões) e 2011 (US$ 256 bilhões). As importações em 2013 ficaram em US$
239,6 bilhões, com saldo comercial de US$ 2,5 bilhões. Para completar,
uma empresa do segmento ficou na faixa de exportação entre US$ 10 e
US$ 50 milhões, duas na faixa de US$ 1 milhão a US$ 10 milhões e sete até
a faixa de US$ 1 milhão. A balança comercial no período 2003-2007 aponta
para um superavit do segmento (exportações menos importações) total de
US$ 492,9 milhões e um superavit médio de US$ 24,9 milhões por empresa.
Com respeito aos principais destinos e produtos das exportações,
os dados demonstram a importância estratégica dos Estados Unidos para
as empresas do segmento. Esse país se mantém invariavelmente como o
maior importador dos produtos e bem à frente dos segundos colocados,
que mudam de ano a ano. Os “cartuchos para espingardas e carabinas
de cano liso” foram o principal produto de alta e média-alta intensidade
tecnológica de exportação entre 2008 e 2013, correspondendo a US$ 753

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milhões em vendas. Os produtos seguintes são “espingarda e carabinas


para caça ou tiro ao alvo”, alcançando US$ 719 milhões. Cabe ressaltar que
são equipamentos manufaturados e que a maior parte das importações é
relativa a matérias-primas. Ainda assim, fica claro que produtos eletrônicos,
em geral, não são o forte da indústria nacional neste segmento. Verifica-se
que as empresas têm importado microprocessadores a fim de produzirem
equipamentos categorizados como de “alta tecnologia”.
Embora tal dinâmica possa ser identificada na teoria das
vantagens competitivas, seria benéfico para o Brasil aumentar a expertise
e a capacidade produtiva de suas empresas para a manufatura de itens
de alta intensidade tecnológica, como microprocessadores, por exemplo.
Afinal, estes estão presentes nas mais diversas áreas e equipamentos,
sendo saudável para o país não ficar eternamente refém do conhecimento
e das firmas estrangeiras.
A China se mantém como a principal origem das importações
do segmento. Enquanto isso, os Estados Unidos ficam entre o segundo
e o terceiro lugar, contrastando com a posição de primeiro destino
das exportações mencionada acima. As empresas vêm importando
principalmente “chapas e plásticos” (US$ 30.657.550) e “catodos de cobre
refinado” (US$ 22.235.341). Alguns tipos de “microprocessadores”, no
entanto, também despontam dentre os principais itens de importação,
conforme mencionado acima, delineando a preponderância de empresas
orientais, sobretudo chinesas, na fabricação dessas tecnologias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O quarto dos objetivos propostos para o estudo foi perfazer


análises e constatações que pudessem ser empregadas por tomadores de
decisão para a geração e melhoria das políticas públicas. Tendo em vista
tal propositura e a fim de democratizar a pesquisa, os empresários foram
diretamente questionados, durante as entrevistas das visitas técnicas, sobre
“o que precisa ser feito para fortalecer e desenvolver a Base Industrial de
Defesa do Brasil?” As respostas foram variadas e compõem um mosaico de
sugestões. As principais foram reproduzidas abaixo.

• Redução dos custos com pessoal nas Forças Armadas,


aumentando os recursos para novos investimentos e manutenção dos
sistemas existentes (Empresa 1).

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168 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

• Programas continuados, não focando somente em aspectos


estruturantes e estratégicos, além de permitir a continuidade do orçamento
para incentivar as Forças. Adicionalmente, alterações na lei, de forma que
as empresas se sintam confortáveis e que o governo possa contribuir com
as Forças na continuidade da renovação (Empresa 2).
• É necessário que o governo tenha uma demanda bem
estabelecida e que tenha planejamento em, pelo menos, um médio prazo,
além de manter ativas as encomendas de desenvolvimento tecnológico
(Empresa 3).
• Na parte de mercado civil no Brasil, é necessário cumprir o que
está na lei, já que o plebiscito do desarmamento teve como resultado a
manutenção da possibilidade de as pessoas terem armas para se defender
(Empresa 4).
• Só se desenvolve qualquer tipo de indústria quando se tem
demanda, e esta, no caso da defesa, tem que se começar pelo governo
federal. É crucial que o governo cumpra o seu papel, dando o aporte inicial
para que as empresas se desenvolvam no mercado em geral (Empresa 5).
Note-se que todas as sugestões dos empresários são endereçadas ao
governo do Brasil, ainda que a pergunta tenha sido feita de forma aberta.
Cabe, por isso, mencionar que uma iniciativa governamental que teve
participação ativa da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de
Defesa e Segurança (Abimde) foi a Lei no 12.598/2012. A Abimde vinha
publicando cartilhas nas quais delineava “medidas viabilizadoras” para
suas associadas. Algumas delas foram atendidas pela referida lei. De uma
forma resumida:
A Lei no 12.598/2012 instituiu o [Regime Especial
Tributário para a Indústria de Defesa] Retid, criou
a designação de [Empresa Estratégica de Defesa]
EED com acesso diferenciado a financiamentos
de programas, projetos e ações para o setor e
suspendeu a exigência de pagamento do [Programa
de Integração Social/Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público] PIS/Pasep, do
[Contribuição para Financiamento da Seguridade
Social] Cofins e do Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI (MOTA, 2012, p. 7).

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Os empresários também foram questionados acerca dessa


legislação. A opinião geral “é que está sendo levado mais em consideração a
empresa ser brasileira do que ela agregar tecnologias”. Em outras palavras:
“seria necessário conciliar o mercado estrangeiro com o brasileiro e assim
fortalecer o mercado nacional”.
Esse último ponto de vista é compartilhado tanto pelos
representantes das empresas quanto por outros estudiosos que se
debruçaram sobre a nova legislação (MOTA, 2012, p. 9). Desse modo, no
equilíbrio dos benefícios do governo às indústrias nacionais, há de se ter o
cuidado de não as tornar pouco competitivas para o mercado internacional.
Além disso, como os próprios empresários observam, a prioridade deve
ser o país – e nem sempre as tecnologias que mais bem o atendem são as
produzidas em território nacional, ainda que se dê prioridade a estas.
Também é importante que se protejam as firmas nacionais de
serem compradas pelas firmas de fora, evitando o que se constatou, na
pesquisa, como uma das principais estratégias das empresas internacionais,
que também é verificada por outros pesquisadores: “Convém ressaltar a
possibilidade legal de aquisição de empresas nacionais atuantes em defesa
por empresas e consórcios estrangeiros, com possíveis prejuízos para as
tecnologias sob domínio nacional e para os esforços de investimentos
públicos efetuados por meio de agências de fomento” (LONGO;
MOREIRA, 2013, p. 277-304).
Complementarmente, 77,8% dos empresários que responderam
ao websurvey atribuíram importância “alta ou muito alta” para o fato de
se considerar que governos de outros países auxiliam as suas empresas
mais do que o governo brasileiro faz com as dele, conforme destacado
anteriormente. Ou seja, as firmas querem o apoio do governo, mas de
forma que possam crescer em competitividade internacional.
Nesse ponto, é fundamental ressaltar os benefícios das parcerias
entre: governo/militares; universidades/institutos de pesquisa; e empresas;
cumprindo, assim, a Estratégia Nacional de Defesa:

Resguardados os interesses de segurança


do Estado quanto ao acesso a informações,
serão estimuladas iniciativas conjuntas entre
organizações de pesquisa das Forças Armadas,
instituições acadêmicas nacionais e empresas
privadas brasileiras. O objetivo será fomentar

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170 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE
EQUIPAMENTOS DE USO INDIVIDUAL

o desenvolvimento de um complexo militar


universitário-empresarial capaz de atuar na
fronteira de tecnologias que terão quase sempre
utilidade dual, militar e civil (BRASIL, 2012).

Conforme demonstrado, das empresas que responderam ao


websurvey, 14% consideram que parcerias com centros de pesquisa
militares tiveram uma importância “alta” para desenvolver inovações
entre 2010 e 2013. Outras 14% consideram que tal importância foi “média”
e 71% a consideram “baixa ou não relevante”. Quanto a centros de pesquisa
civis, 14% das empresas consideram as parcerias de “alta” importância,
enquanto 29% de “média” e 57% de “baixa” ou “não relevante”. Por
fim, com relação às universidades, nenhuma empresa considerou que as
parcerias foram de “alta” relevância de 2010 a 2013, enquanto que 43%
afirmam que foram “medianas” e 57%, de baixa ou “nenhuma relevância”
para o desenvolvimento de inovações.
Nota-se, assim, o quão distante o país está de estabelecer o que,
nas palavras da Estratégia Nacional de Defesa, seria um “complexo militar
universitário-empresarial capaz de atuar na fronteira de tecnologias que
terão quase sempre utilidade dual”.
Segundo dados da Capes, o Brasil possui 5.689 cursos de pós-
graduação (CAPES, 2014). Possuindo tal estrutura acadêmica, o país tem
se mantido entre os quinze com maior produção científica, de acordo com
a Base Scopus11. Nesse contexto, há comprovadamente potencial para
modelos de inovação tecnológica que contemplem também a defesa.
Por exemplo: em 2005, 2008 e com republicação em 2013, foi
realizada uma iniciativa de considerável receptividade com a comunidade
acadêmica nessa área: o Programa Pró-Defesa (BRUSTOLIN, 2014, p. 67).
Um alinhamento semelhante ocorreu com o Edital Pró-Estratégia, em
2011. Tratam-se de medidas pontuais e bem-sucedidas, que necessitam
ser ampliadas e replicadas – afinal, toda essa estrutura universitária e de
centros de pesquisa precisa ter maior integração com a base industrial, a
fim de ampliar a pesquisa básica e aplicada em ambas.
As parcerias entre governo, universidades e indústrias
impulsionaram o complexo de defesa dos Estados Unidos e continuam

11
Conforme dados de The SCImago Journal. Disponível em: <http://goo.gl/43Dycm>. Acesso
em: 10 jul. 2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
Vitelio Marcos Brustolin 171

sendo replicadas, com as devidas adaptações institucionais, por países


como Coreia do Sul e Israel (BRUSTOLIN, 2014, p. 9).Ao cumprir a END,
sobretudo nesse preceito norteador, o Brasil estará ampliando fortemente
o desenvolvimento da indústria, da pesquisa científica e, em última
análise, da sua própria Defesa Nacional. Para esse viés há duas propostas,
resumidas a seguir.
1) Uma mudança na dinâmica pela qual a Capes e o CNPq, dentre
outras instituições públicas, fomentam a pesquisa na área de defesa,
passando pela visita constante de uma equipe técnica a universidades
e indústrias, com a intenção de preencher necessidades tecnológicas
do governo na área, de forma semelhante ao que a Defense Advanced
Research Projects Agency (DARPA) faz nos Estados Unidos (BRUSTOLIN,
2014, p. 100).
2) A criação de uma agência de fomento dentro do Ministério
da Defesa, desde que esta tenha recursos próprios estáveis, não sujeitos
a contingenciamentos, e que também atue de forma prática, conforme
descrito acima.
Por fim, não há desenvolvimento industrial de defesa que resista
à incerteza de contratos, falta de transparência das intenções do governo
para aquisições, descontinuidade dos investimentos e custeios – tampouco
a contingenciamentos corriqueiros no orçamento. Os depoimentos dos
empresários apresentados nesta seção deixam isso muito claro. Em todo
o mundo, pesquisa e desenvolvimento são feitos com continuidade
e manutenção de investimentos, mediante resultados. Portanto, se
se pretende desenvolver a Base Industrial de Defesa do Brasil, são
fundamentais o planejamento de longo prazo e o progressivo aumento e
manutenção dos investimentos governamentais no setor.
Neste sentido, o detalhamento e a vinculação orçamentária do
Plano de Articulação e de Equipamento da Defesa (PAED) é um bom
começo. Isso só funcionará, contudo, se o país tiver uma clara e objetiva
Política Tecnológica de Defesa Nacional, devidamente inserida nos Planos
Plurianuais. Complementarmente, é necessária a criação de mecanismos
legais que impeçam os contingenciamentos do orçamento, a exemplo
da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 85/2003, que almeja
vedar a limitação de empenho e movimentação financeira das dotações
consignadas ao orçamento das Forças Armadas, inicialmente, por um
prazo de dez anos a partir de sua aprovação.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
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Recebido em: 15/07/15


Aceito em: 09/09/15

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 141 – 178, jan./jun. 2015
Sandra Maria Becker Tavares 179

RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E
A MEDICINA MILITAR

Sandra Maria Becker Tavares 1

RESUMO
As Ações Cívico-Sociais (ACISO) desenvolvidas
pelas Forças Armadas brasileiras têm conceitos de
Responsabilidade Civil e de Responsabilidade Social, mas
que isoladamente não as definem em sua completude.
A questão foi explorada e consolidada neste constructo
teórico sendo proposto o termo Responsabilidade
Cívico-Social, pois acredita-se que ser social é ser civil e
cabe ao Estado provocar a sociabilidade onde existe tal
fragilidade. Ao mesmo tempo que deve também fomentar
o amadurecimento social e os mecanismos sociais de
controle para evitar a dependência ou o ufanismo
nacionalista.
Palavras-chave: Responsabilidade; Civil; Medicina
militar.

1
Doutora em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva pela Fundação Oswaldo Cruz (2014).
É professora efetiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área
de Saúde Coletiva e Defesa Nacional atuando principalmente nas seguintes áreas: bioética,
logística e mobilização nacional e informação em saúde.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 179 – 196, jan./jun. 2015
T180 RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR

CIVIL SOCIAL RESPONSIBILITY AND


THE MILITARY MEDICINE
ABSTRACT
Civic and Social Actions (ACISO) developed by the
Brazilian Armed Forces regard concepts of Civil Liability
and Corporate Social Responsibility, which do not define
its throughly. The subject was explored and consolidated
in this theoretical construct proposing the concept “Civil
Social Responsibility”, because it is believed that being
social correspond to being civil, and it is the duty of State
to generate the sociability where fragility is present.
At the same time, it should stimulate social maturity and
social mechanisms of control, to avoid the dependence of
State or ufanism.
Keywords: responsibility; civic; military medicine.

INTRODUÇÃO

Em razão das transformações sociais, tecnológicas e ambientais


ocorridas nos séculos XX e XXI, os comportamentos humanos eram
avaliados considerando apenas o que era certo ou errado ou justo/injusto
(ARANHA, 2005; p. 198-9). Não que a atual linguagem moral tenha
descartado esses juízos morais.
Ao contrário, permanecem utilizados, sendo o primeiro referente
à conduta do indivíduo e o segundo quanto à distribuição de algo. Mas
a emergência das discussões sobre fato e valor, risco e pluralismo moral
mostram que alguns conflitos necessitarão serem reexaminados sob seus
diversos aspectos para se discutir a vida moral, em nível individual e
coletivo.
O mundo do trabalho na sua abrangência ético-moral seja nas
relações estabelecidas entre o profissional e ele mesmo como indivíduo,
seja entre ele e seus pares e entre ele e a sociedade, por esses motivos
explicitados, captou o interesse acadêmico sobre a temática.
A ética profissional, por sua vez, diz respeito ao ethos resultante
das relações estabelecidas entre o meio interno e externo de uma

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 179 – 196, jan./jun. 2015
Sandra Maria Becker Tavares 181

corporação. Segundo Durand (2007, p. 85), ela trata da reflexão acerca


dos direitos e obrigações do profissional com aquele a quem presta seus
serviços, incluindo sua corporação.
Este autor a denomina ética coletiva, em razão do grande
interesse corporativista que minimiza as questões de justiça social. Pode-
se exemplificar isso, quando em casos específicos, a preocupação dos
profissionais se direciona somente para a sua exclusiva clientela e seus
pares minimizando os problemas ou danos causados a outros indivíduos
ou grupos sociais, mesmo que as dificuldades enfrentadas pelos “outros”
sejam atinentes ao ofício praticado por aquela corporação.
E em um mundo competitivo, tal fato tornou-se um grande
problema que tem afetado a todos, pois no bojo da evolução das profissões,
as corporações foram adquirindo direitos e responsabilidades próprias
e viraram identidade coletiva diversa dos indivíduos que as integram
(CARVALHO, 2013). Assim como as pessoas, hoje as corporações podem
nascer, morrer, exercer e violar os direitos humanos e até serem julgadas e
condenadas por crimes.
Na construção da cidadania moderna, a ética profissional vem
requerendo do indivíduo e da corporação à qual se vincula, a preocupação
pelo bem comum da sociedade. A orientação para o serviço e as relações
profissionais como visto, determinam o reconhecimento de uma profissão
pela sociedade. Cada profissional carrega em si a tarefa de sedimentar e
divulgar sua profissão.
Como fazer isso? Através de dois termos, muito pesquisados
nos últimos anos: a responsabilidade civil e a responsabilidade social.
De acordo com Cavalieri Filho (2010, p.2-3) o termo responsabilidade é
distinto do termo obrigação. A responsabilidade civil é um dever jurídico
sucessivo, ou seja, consequente à violação da obrigação. No caso de
alguém não cumprir sua obrigação (dever jurídico originário) terá o dever
de compor o prejuízo decorrente.
Figueiredo et al (2006) explicam que o termo responsabilidade
alberga em si, concomitante, os sentidos moral e jurídico. Para eles, isso
justifica o ordenamento ético-legal imposto às profissões como forma de
preservar seus membros e a comunidade em geral, de danos colaterais. Em
suas palavras (2006, p.45):

Quando a ação do agente fere a lei penal, diz-se


responsabilidade criminal, quando transgride a lei civil,
diz-se responsabilidade civil, quando há infração

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 179 – 196, jan./jun. 2015
T182 RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR

às normas definidas nos Códigos de ética, diz-


se responsabilidade ética, e quando implicam em
desobediências aos demais atos normativos dos
Órgãos disciplinadores do exercício das profissões,
diz-se responsabilidade disciplinar, que poderá ser de
natureza técnico-administrativa. Todavia, essas esferas
da responsabilidade se encontram, pois, na violação da
norma de Direito e também está presente a falta de ética.

Ou seja, o decisor deve considerar igualmente os aspectos éticos e


legais envolvidos em qualquer uma de suas opções disponíveis.
Para Manduca (2014, p. 2), nas esferas da vida social a
Responsabilidade Civil (instituto jurídico) e a Responsabilidade Social
(expressão da ética social) “são dois instrumentos efetivos de construção,
socialização e defesa de um padrão ético que leva à sociabilidade e à
cidadania”. Explica que, nos anos 70, as empresas passaram a disponibilizar
recursos para ações voltadas para a assistência social e meio ambiente
(MANDUCA, 2014), ação denominada “Responsabilidade Social”. Desde
então, especialmente com relação às empresas, a Responsabilidade Social
tem sido adotada e estimulada.
Na atualidade, a Norma Internacional ISO 26000/2010 (GRETHER,
2014) vigente, na Seção 4 prevê sete princípios: prestação de contas e
responsabilidade; transparência; comportamento ético; respeito pelos
interesses dos stakeholders2 ; respeito pelo Estado de direito; respeito pelas
normas institucionais de comportamento; respeito pelos direitos humanos.
Mas, esse movimento extrapolou o âmbito corporativo e tornou-
se interessante forma de movimento social, incluindo a criação de
Organizações Não-Governamentais. Animador da “Ação da cidadania
contra a fome, a miséria e a favor da vida”, Herbert de Souza (IBASE, 2014),
o Betinho, afirmava que a Responsabilidade Social deve ser encarada como
solidariedade, uma forma de justiça distributiva que de forma resumida
significa realizar uma distribuição equitativa, justa e apropriada de bens
em uma sociedade. De acordo com Beauchamp e Childress (2002, p. 352),
os problemas relacionados a isso geralmente passam a ocorrer em períodos
de escassez e de competição.

2
Stakeholders: qualquer indivíduo ou organização, instituição ou corporação que tenha
interesse em um mesmo Projeto.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 179 – 196, jan./jun. 2015
Sandra Maria Becker Tavares 183

No entanto, mundo afora, foram identificados usos inapropriados,


abusos da parte de corporações e governos na negociação de vantagens
e na busca de mudança da imagem corporativa junto à determinada
população para o desvio da atenção de graves problemas e relativização
das más condições de trabalho.
Como exemplo, pode-se citar o uso da medicina no pós-guerra
e em missões humanitárias e de paz. Para Chamberlin (2013, p. 15),
referindo-se à complexidade moral dessas ações, o âmago do problema
moral reside na priorização da estratégia em si, e não no uso da medicina
como ferramenta estratégica com justa intenção humanitária. Huntington
(1966, p. 27), em sua perspectiva, ponderou que o profissional ao se recusar
a aceitar a responsabilidade social deixa de ser profissional quando utiliza
sua expertise para fins antissociais, uma vez que é um técnico em exercício
de um serviço essencial para o funcionamento daquela sociedade além de
estar inserido naquele contexto social.
Por outro lado, com relação à Responsabilidade Civil, a expressão
diz respeito ao dever de reparar danos infringidos a outrem e têm como
principais elementos a conduta humana, o nexo de causalidade e o dano
ou prejuízo.

MÉTODO E DISCUSSÃO

Este texto objetiva discutir a expressão “Responsabilidade


Cívico-Social” como conceito atinente às Ações Cívico-Sociais (ACISO)
desenvolvidas pelas Forças Armadas brasileiras partindo de excerto de um
estudo qualitativo, descritivo, com levantamento realizado com um grupo
de 12 médicos militares, em uma instituição militar de saúde brasileira
(TAVARES, 2014, p. 21).
Foi desenvolvida a partir da ideia de que a relação entre
“Responsabilidade Civil” e “Responsabilidade Social” requer que o
cidadão (seja ele civil ou militar) se perceba como agente moral, ciente
da relação causal entre suas ações individuais, profissionais e as possíveis
consequências delas ao coletivo, quando se depara com situações de
incerteza na área da saúde.
A sociedade brasileira reconhece em suas Forças Armadas a
responsabilidade de defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais
e por qualquer destes, a lei e a ordem. Isso está posto em nossa Constituição
vigente, como disposto em seu Artigo 142 (BRASIL, 1988).

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T184 RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR

Assim como as Ações Cívico-Sociais (ACISO), realizadas por


elas, também são reconhecidas pela sociedade brasileira pelo caráter
humanitário e de desenvolvimento nacional ou as ações de Medicina
Operativa em geral, são de caráter temporário.
Forças Armadas de todo o mundo as realizam, com outras
denominações, em diversos pontos do globo terrestre. Entretanto,
algumas recebem críticas pela exploração de populações vulneráveis,
da oferta de serviços desconectados das necessidades efetivas quanto ao
tipo e ainda, com relação ao tempo da oferta do serviço àquela população
(CHAMBERLIN, 2013).
Esse não é o caso de nossas Forças Armadas, pois aqui concretizam
a presença do Estado Brasileiro, representado pelo corpo de saúde
militar, seja em áreas longínquas, de difícil acesso ou sub-habitadas; ou
atuando em desastres antropogênicos/naturais; ou, ainda no exterior, em
missões humanitárias/de Paz. Historicamente, o corpo de saúde militar
vem contribuindo internamente com a instituição das campanhas de
vacinação em massa, com o controle e combate a endemias e epidemias,
ações educativas em saúde e com a instituição do Projeto Rondon e o do
Programa Calha Norte.
Desde os anos 60, as Forças Armadas vem desenvolvendo ações
sociais complementares à sua missão precípua (BRASIL, 1988). Hoje são
três Programas principais - Projeto Rondon; Projeto Soldado Cidadão;
e, Programa Calha Norte. O Programa mais antigo é o Projeto Rondon,
implementado de 1967 a 1989 quando foi interrompido, mas retomado em
2005 até os dias atuais.
Além destes Programas, ocorre uma quarta frente, representada
pelas “Ações Subsidiárias” inerentes a cada Força, ações que são prioritárias,
específicas (BRASIL [ 2015 ] ). Dentre essas, a Força Aérea Brasileira inclui
a operação do Correio Aéreo Nacional, o controle do espaço aéreo e outras.
O Exército fiscaliza e controla a produção e o comércio de produtos
bélicos; executa obras de engenharia contribuindo para a infraestrutura em
nosso país e participa nas ações de Defesa Civil em situações de desastres.
A Marinha do Brasil, por sua vez, realiza patrulha fluvial em áreas de
fronteira e disponibiliza pessoal do seu corpo de saúde para operações
junto às populações ribeirinhas na região amazônica. Já o Corpo de Saúde
de cada Força Singular, tem importante demanda na assistência à saúde
do militar e de sua família. Face às novas realidades internas e externas
de profissionalismo militar na busca de excelência no desempenho de

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Sandra Maria Becker Tavares 185

cada atividade-fim, cada Força criou nichos específicos de emprego para


o seu corpo de Saúde como o da Medicina Aeroespacial que contempla a
saúde do aeronavegante e a segurança de vôo; o da Medicina Operativa da
Marinha, responsável por operações anfíbias e ribeirinhas, em ambientes
glaciais e na defesa, em casos de acidentes/ataques nuclear, químico e
biológico e o do Exército em Missões de Paz e Humanitárias.
O esforço empreendido ganhou reconhecimento dos pares tanto
no meio militar quanto no meio civil, principalmente após as dramáticas
situações internas decorrentes da catástrofe natural em Teresópolis (RJ) e
o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS). A interoperacionalidade
entre diversos órgãos e instituições, dos três níveis de Governo, civis
e militares, resultou em rápida intervenção e diferenciada resposta às
vítimas e familiares.
O profissionalismo da atividade-fim aliado a essas ações de
interface com a sociedade como um todo, em situações onde existam
demandas excepcionais, fizeram nascer nas Forças Armadas o desejo
de criar um Centro Conjunto de Medicina Operativa. As discussões
prosseguiram e existe a meta para que no ano de 2021, seja inaugurado o
referido Centro de forma a otimizar a atuação conjunta em operações de
Missões de Paz, calamidades ou situações de conflitos (BRASIL, 2014).
Em nível nacional, ações como a ida dos Navios de Assistência
Hospitalar – NasH ou Navios da Esperança (BRASIL-Programas, 2015), da
Marinha do Brasil, recebem elogios e colaboram para efetivar a presença
do Estado brasileiro em locais onde as populações enfrentam dificuldades
para ter acesso aos serviços de saúde.
No exterior ou no interior do país, em missões humanitárias
ou de paz têm papel crucial para a testagem da Logística, Mobilização e
do aprimoramento profissional militar, em especial para o seu Corpo de
Saúde incluindo a eventual assistência de saúde em regiões inóspitas e de
difícil acesso em território nacional.
Como é do conhecimento geral, a saúde é um dos bens do Estado
brasileiro, tutelado pela Constituição de 1988, em seu artigo 196 (BRASIL,
1988). Infelizmente, apesar das políticas planejadas e implantadas na área
de saúde, habitantes de locais distantes dos grandes centros urbanos,
inúmeras vezes esbarram em diferentes dificuldades, especialmente
aquelas de ordem logística, para terem garantidos seus direitos à saúde
de forma universal, integral e equitativa como preconizado pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).

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T186 RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR

Em diversas ocasiões, o Corpo de Saúde militar tem contribuído


com as políticas públicas de saúde, desenvolvendo ações como controle de
epidemias, por exemplo, com vacinação em massa, educação em saúde e
controle de vetores, nos mais distantes locais de nosso país. Nessas missões,
o médico militar encontra-se regulado pelo Estatuto Militar - Lei no 6.880/80
ou se foi sua opção, também pela Resolução CFM3 n° 1.931, de 24/09/2009
(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009). A responsabilidade
civil do médico, individualmente, encontra-se prescrita no conjunto do
Código de Ética Médica e do Código Civil Brasileiro.
A responsabilidade civil do médico, individualmente,
encontra-se prescrita no conjunto do Código de Ética Médica e do Código
Civil Brasileiro. Mas a figura do médico militar em uma ACISO corporifica
uma ação do Estado brasileiro, mas não exclui a sua responsabilidade
civil. Sabendo-se que a responsabilidade civil do Estado é um princípio
constitucional (MEIRELLES, 2012 p. 724), caso uma ou mais ações
realizadas em uma ACISO resultem em dano, poderão ser compreendidas
como responsabilidade objetiva – do Estado e subjetiva – do médico militar.
Pois, é importante aqui lembrar a existência do instituto da
responsabilidade civil no âmbito das relações privadas e estabelecidas
pelo Código Civil e há a responsabilidade do Estado, estabelecida
constitucionalmente que responde pela lógica do direito administrativo
e não do direito civil. No entanto, caso o médico tenha se declarado
estritamente militar, responderá, prioritariamente, ao Código Penal Militar.
Vale ainda ressaltar que existem causas excludentes da responsabilidade
civil, que se ajustam ao caso da medicina exercida pelas Forças Armadas,
com (DIAS, 2011): estado de necessidade e legítima defesa, estrito
cumprimento do dever legal e exercício regular de direito, caso fortuito e
força maior, fato de terceiro e culpa exclusiva da vítima.
Isto posto, os conceitos específicos de Responsabilidade Social4,
existentes na literatura acadêmica (MANDUCA, 2014; GRETHER, 2014;
ALMEIDA, 2002; PAIVA, 2011), não se ajustaram de forma completa às
ACISO. Ocorreu o mesmo quanto ao termo Responsabilidade Civil5
profissional ou do Estado, que isoladas atenderam à perspectiva da justiça
comutativa ou da justiça como virtude, pela prescrição de resposta aos
danos causados, apesar da primeira ter caráter mais restritivo e a outra ser

3
CFM: Conselho Federal de Medicina.
4
Responsabilidade Social: sem consenso definitivo na conceituação. Em geral, são ações de
cidadania preocupadas com a transparência e o meio ambiente.
5
Responsabilidade Civil: dever de responder à ação.

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Sandra Maria Becker Tavares 187

mais ampla. Isso foi constatado na tentativa de tomar estes conceitos por
empréstimo de outros saberes.
Igualmente a ideia de simplesmente mesclá-los pareceu
inapropriada à primeira vista, apesar de Manduca (2014, p. 2) afirmar a
existência de nexos entre eles. Para este autor, apesar de serem dois temas
distantes possuem nexos de ordem histórica decorrentes da complexidade
da sociedade moderna e também no campo político e ideológico,
condicionados por padrões éticos. Essa foi uma das razões para propor
o termo Responsabilidade Cívico-Social com a ideia de Responsabilidade
Social.
Nesta nova perspectiva, a Responsabilidade Cívico-Social
abrangeria tanto os conceitos de ações realizadas para o bem-comum da
coletividade, como abarcaria os fundamentos da Política e da Estratégia
Nacional de Defesa.
Tal concepção originou-se do fato de partilhar-se da ideia kantiana
de que a perpétua paz advirá da eliminação das fronteiras. Fronteiras essas
não apenas territoriais, mas decorrentes da diversidade cultural humana.
E, para isso, é preciso colocar-se no lugar do outro, aprender que cada um,
apesar de ser único, faz parte de um todo. Esse é um processo aprendido,
não inato, que se denomina civilidade, sendo construído no dia-a-dia do
convívio.
Para a paz sem fronteiras, a ideia da individualidade, de
pertencimento territorial, deve estar intrinsicamente aliada à ideia da
pluraridade do outro, nos mais diversos espaços culturais do coletivo.
Viver o cotidiano das atividades em grupos humanos é ser social. Viver
em sociedade requer civilidade. Logo, ser social é ser civil.
Quando a atrofia social existe, acredita-se, como Manduca, que
há necessidade do Estado provocar a sociabilidade (MANDUCA, 2014 p.
7-8) e ser preciso que seus agentes considerem os conflitos de interesse e
os riscos assumidos pelo próprio Estado de forma a não se perpetuarem
situações de dependência nem ser fomentado nacionalismo extremo.
Em outras palavras, para este autor, em espaços onde o tecido
social é frouxo, cabe ao Estado oferecer ferramentas para fomentar,
reforçar, a organização social, mesmo que os primeiros passos se deem
através de ações consideradas de caráter assistencialista, de forma que,
com o tempo encontrem autonomia, o respeito ao outro e a manutenção
da paz. Uma vez amadurecida, a sociedade desenvolverá mecanismos
de controle para evitar os dois extremos, com relação ao Estado: a

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T188 RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR

dependência ou o ufanismo nacionalista. Por essas razões, defende-se a


adoção do termo responsabilidade cívico-social para todas as ações do
Estado ou da sociedade em geral, em que se fomente a civilidade, enquanto
pertencimento territorial, cultural e respeito ao outro, como ferramenta
para construção de uma justa sociedade.
Diante do exposto, identifica-se, na atividade do médico militar nas
ACISO, um exemplo do que se considera responsabilidade cívico-social.
Os Navios da Esperança (Marinha do Brasil), já citados anteriormente,
concretizam a responsabilidade cívico-social, materializada pela
assistência à saúde ou de qualquer outra natureza prestada à determinada
coletividade como membro do Estado.
Outro exemplo vem da empiria da pesquisadora. Em uma
palestra em ambiente formal de ensino, o responsável por uma ACISO em
determinada cidade na Amazônia relatou ter sido procurado pelo prefeito
para solicitar-lhe a construção de uma imensa coberta, semelhante a uma
grande oca, na praça central da cidade. O responsável ficou inicialmente
perplexo, pois não cogitou semelhante pedido. Afirmou até que tal
solicitação não estava prevista no orçamento.
O prefeito então o levou ao local e explicou que a vinda do Navio-
Esperança acarretava o deslocamento de grande massa de pessoas para a
cidade em busca de atendimento e por não ter acomodações minimamente
dignas, ao chegarem ficavam várias horas, dias ao relento e por isso teve a
ideia de solicitar a referida construção.
A compreensão da necessidade mobilizou os esforços das Forças
Armadas e dos moradores do local e a construção foi concluída. Antes
da chegada do navio, muitas pessoas já haviam se instalado com redes
e cadeiras sendo ainda possível, sistematizar a distribuição de água e
alimentos naquele espaço.
Assim a população assistida pode vivenciar também o sentimento
de pertencimento à nação, como membro de um país que integra e valoriza
cada um de seus habitantes, em suas necessidades gerais e específicas,
mesmo nos locais mais inóspitos. Tal fato vai ao encontro da afirmativa de
Paiva (2011, p. 193-214) quando afirma que é necessário chegar a acordo
societário através de amplo consenso aliado à confiança dos cidadãos
de que irão usufruir desse acordo aliado ao desejo ou disposição para
propostas alternativas.
Ela chegou a esta conclusão ao analisar as conceituações sobre
civismo e cultura cívica de Tocqueville, Putnam, Almond e Verba

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Sandra Maria Becker Tavares 189

dentre outros, em texto que indagava como o civismo contribuía na


interpretação das formas de participação para consolidar a democracia.
Ao se considerar a saúde da população de um país, por exemplo, como
um objeto imprescindível à Defesa Nacional, as ações nacionais voltadas
para preservar e manter a saúde em níveis adequados são consideradas
estratégicas, inclusivas, motivadoras e de acesso aos direitos sociais.
Outras tantas iniciativas pontuais por parte de instituições
militares, quer seja junto a comunidades com foco em atividades esportivas
ou de recreação quer seja através de obras de médio e grande porte de
infraestrutura que promovem a integração nacional, (exemplo: construção
de aeroportos e rodovias), contribuem para que o cidadão civil identifique
no militar outro cidadão, integrante do mesmo espaço de convívio social.
Essas ações, além de integradoras, servem para que, tanto o meio
civil quanto o meio militar, identifiquem vocações, procedimentos comuns
e a necessidade de ajustar métodos de trabalho. Dois textos contidos em
sítios eletrônicos ilustram parte do que foi aqui exposto. Ambos dizem
respeito às ACISO. O primeiro foi retirado do site do ministério da Defesa
relativo ao Programa Soldado Cidadão e o outro do 5º Distrito Naval
explicando o que são Ações Cívico-Sociais. Seguem descritos:

Com uma formação voltada para a cidadania


e responsabilidade social. “(BRASIL-Defesa e
Segurança, 2015)”
“auxiliar as comunidades a solucionar os seus
problemas prementes desenvolvendo o espírito
cívico e comunitário do cidadão, além de
disseminar as formas de ingresso na Marinha
do Brasil”. (BRASIL, 2015)

Há de se considerar que o tempo de paz é paradoxal para a


atividade militar, pois as tropas militares existem para garantir/manter a
paz. Porém, o custo à sociedade com a manutenção e aparelhamento das
Forças, suscita questionamentos e debates relativos à justiça distributiva.
Durante épocas sem excepcionalidades, o emprego das tropas
no desenvolvimento de ações estratégicas complementares, em áreas
como infraestrutura e saúde, possibilita à sociedade civil lançar um olhar
diferenciado sobre a alocação de recursos, expertise e confiabilidade em
suas Forças Armadas.

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T190 RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR

Efetiva interface ocorre entre algumas ACISO e as


atividades extensionistas universitárias, especialmente com relação
ao Projeto Rondon. Vale lembrar que para toda ação planejada ou
implantada, na área de saúde ou de qualquer outra com caráter de
extensão, estará presente o risco de se privilegiar uma das partes
envolvidas em detrimento da mão dupla que deveria ser alcançada.
Em análise crítica realizada a cerca de três anos atrás, Andrade (2012,
p.2-12) apontou este fenômeno. Seu estudo partiu da premissa de que o
referido Projeto pode ser considerado como extensão universitária e que
um dos principais objetivos é: “...consolidar no universitário brasileiro
o sentido de responsabilidade social, coletiva, em prol da cidadania, do
desenvolvimento e da defesa dos interesses nacionais”.
Naquele momento do recorte metodológico e temporal (ano de
2012) de seu estudo, encontrou um dos sentidos sendo privilegiado. O autor
ressaltou a importância do Projeto Rondon para os alunos extensionistas e
para as comunidades no sentido de despertar a cidadania, mas fez um alerta
para a visão ainda paternalista da parte das universidades participantes na
elaboração e execução das ações nos municípios e sugere mudanças nas
concepções de planejamento e realização (2012, p.19).
Na perspectiva da Responsabilidade Cívico-Social aqui defendida,
a mão deve ser dupla, pois cabe ao Estado, além de estimular e contribuir
para o desenvolvimento também deve fortalecer a autonomia das
instituições de forma a evitar a dependência ou o ufanismo nacionalista.
A civilidade deve ser fomentada em todos os níveis, considerando a
estreita relação entre as pessoas ou grupos envolvidos e a busca de pontos
convergentes entre as propostas postas à mesa de negociação. Em especial
nas ações de saúde, sejam elas de natureza educativa ou intervencionista,
é necessário que estejam coadunadas às ações cívicas anteriormente
planejadas, para que não redundem em prejuízo econômico, físico ou
ético-moral para algum dos envolvidos.
Este ponto da discussão traz também à baila, a capacitação
didático-pedagógica do médico militar para o enfrentamento de questões
éticas decorrentes da diversidade de fatores geopolíticos e culturais. As
ACISO o expõem às realidades nacional/internacional e a apropriação
intelectual de normas instituídas, como as Leis no 6.681/1979; no 6.880/1980
e as resoluções CFM no 1931/2010 e CNS6 no 466/2012, podem contribuir

6
CNS: Conselho Nacional de Saúde

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Sandra Maria Becker Tavares 191

para minimizar dúvidas ou enganos quando é requerido algum


posicionamento ético do profissional durante suas atividades do trabalho, em
especial, naquelas situações consideradas como excepcionalidade.
Através do levantamento realizado por Tavares (2014), percebeu-se
que no grupo estudado, havia um claro contraste entre o conhecimento da
norma específica militar, da norma médica específica e aquelas correlatas às
atividades do médico militar. Todos os doze entrevistados afirmaram conhecer
o Estatuto Militar ( Lei no 6.880/1980 ) no curso de adaptação, logo após
ingresso na carreira militar assim como afirmaram conhecer o Código de Ética
Médica desde sua graduação, pois permaneceram vinculados aos Conselhos
Regional e Federal de Medicina. Quanto à Lei n° 6.681/1979, as respostas do
grupo indicaram que oito dos entrevistados a conheciam parcialmente em
contraponto a dois que disseram conhecê-la e outros dois que a desconheciam.
Por sua vez, a Resolução CNS no 466/201219 era pouco conhecida
pelo grupo e, dos que a conheciam parcialmente, três referiram participar/ter
participado de pesquisa acadêmica ou ter conhecimento dela em processos
de mudanças administrativas institucionais. Apenas um dos entrevistados
reconheceu a norma que a precedeu, Resolução CNS no 196/1996. Também foi
constatada no mesmo estudo, através das falas dos entrevistados, a preocupação
com o envio de médicos não ambientados para cenários diversos de suas
atividades diárias, em razão do exíguo tempo para adaptação (TAVARES, 2014
p. 117).
Tal preocupação reveste-se de importância à medida que, em um
contexto de novos conflitos armados, o corpo de saúde militar se encontrará
diante da diversidade cultural e pluralismo moral de grupos humanos que
requisitarão novos contratos, alianças, regras de conduta e opções éticas
quando se deseja ser justo ou adequado. De forma expoente, outros aspectos
como a interoperabilidade, a transnacionalidade e a sustentabilidade deverão
ser considerados no planejamento, implantação e avaliação de uma ACISO.
Cabe ainda assinalar as discussões acadêmicas acerca do Jus Post Bellum –
JPB (COADY, 2012), referente à guerra justa, especificamente com respeito
à finalização de um conflito armado envolvendo os aspectos logísticos,
humanitários e estratégicos.
Todos estes aspectos ligados de forma direta ao que se define como
profissionalismo militar, incluindo as peculiaridades das responsabilidades
social, civil e da derivada cívico-social agora apresentada. Neste ponto, é
importante lembrar que uma profissão é composta por pessoas que formam
um corpo vivo, interativo com o meio, apto a crescer e evoluir. Como tal, a

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T192 RESPONSABILIDADE CÍVICO-SOCIAL E A MEDICINA MILITAR

profissão-corpo tem que ser justa com o todo (como parte de um corpo maior,
que é a sociedade) e que, de forma similar é passível de adoecer e provocar
adoecimento. E aí, para sua própria sobrevivência e sobrevivência do todo,
devem entrar as medidas protetivas ético-morais conforme pactos realizados
entre as profissões.
A precedência de uma sobre a outra, como no caso do médico
militar, acarreta que medidas protetivas sejam tomadas visando apontar
responsabilidades e em caso de dano ou efeito adverso, sejam avaliadas e
julgadas adequadamente. Caso contrário, a constante flexibilidade entre uma
e outra, determinará um limbo ético, gerando desconfiança por parte de quem
recebe o serviço e insatisfação para o profissional íntegro.
Logo, concorda-se com Gracia (2010) ao ponderar que o maior desafio
da ética profissional é universalizar a excelência fugindo do sentido paternalista.
Ou seja, é preciso harmonizar a busca da excelência à renúncia aos monopólios
e privilégios profissionais. Ao distinguir entre Ética do profissional, Ética nas
profissões e Ética na Ciência, Ribeiro (2001, p. 62) escreve que, na modernidade,
as questões éticas de um determinado âmbito das práticas sociais, surgem com
maior rapidez e implicam em outras esferas da vida coletiva.
Para ela, as reflexões éticas da vida profissional são momentos
incomuns da consciência pessoal e constituem-se em excepcionalidade da vida
diária. Surgem naquelas ocasiões em que ocorre o confronto entre os valores
e imperativos profissionais com a contestação do senso comum. Afirma ainda
(2001, p. 67-8) que, as profissões codificadas dos ambientes institucionais,
podem determinar afastamentos institucionais da Ética viva, em decorrência
da passagem do tempo.
Algumas tendências como os riscos de envelhecimento institucional;
as emergências de práticas profissionais distanciadas de reflexões éticas
compartilhadas e dependentes, e, a transformação das instituições em
instrumentos de defesa das corporações, quando afastadas dos anseios da
sociedade em geral podem vir a resultar no afastamento lento e até mesmo o
pleno esquecimento da Ética profissional.
Por isso, é necessário que existam outros mecanismos sociais de
controle, externos à própria corporação. Com o objetivo de exemplificar, cita o
caso do cientista e conclui que: “A Ética capaz de controlar e restringir a ação
profissional [...] não pode ser uma tarefa exclusiva dos próprios profissionais”.
Enfim, acredita-se também que a responsabilidade cívico-social deva ser
compreendida, por civis e militares, sob essa mesma perspectiva.

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Sandra Maria Becker Tavares 193

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto ao conceito aqui proposto de “Responsabilidade Cívico-


Social” cunhado a partir de “Responsabilidade Civil” e “Responsabilidade
Social” para as atividades médicas militares no âmbito das ACISO, entende-se
que o mesmo pode ser extrapolado para outras áreas.
Considera-se que as ações nacionais voltadas para fomentar a adoção
de estratégias ou construção de estruturas que permitam que a sociedade crie
e permita amplo acesso aos direitos sociais em locais onde tais fatos não sejam
possíveis, por razões de infraestrutura ou socioeconômicas, em tempos de paz
ou exceção, serão bem vindas desde que submetidas ao controle social.
A tomada de decisão ética está implícita e deve ser constantemente
treinada pelo profissional, pois processos decisórios em saúde, seja no meio
civil ou militar, estão imbricados de valores (liberdade, vida, dentre outros).
O ideal seria que o indivíduo ou grupo recebesse de forma sistematizada
conteúdos de Ética Aplicada e Bioética mediante técnicas didático-pedagógicas
como estudos de caso e simulações de tomada de decisão em situações de
conflitos éticos.
Assim, em ambiente de ensino, seria colocado diante de seus receios,
preconceitos individuais e coletivos, exposto a paradoxos ou dilemas éticos de
forma a reconhecer ou identificar em fatos reais ou hipotéticos apresentados,
posicionamentos éticos, aéticos ou antiéticos mediante processos de ensino-
aprendizagem.
Não distante no tempo, o Brasil passou por período de exceção e hoje
está amadurecido para acompanhar e avaliar a responsabilidade cívico-social,
através de mecanismos sociais formais, como a instituição de normas ético-
legais ou com a realização de outros estudos acadêmicos como este e tantos
outros, em que se discute uma dentre tantas interfaces do âmbito militar com
a sociedade civil.

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Acesso em: 22 jul 2015.

Recebido em: 10/05/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 179 – 196, jan./jun. 2015
Mariana Kalil 197

TEORIA NÃO OCIDENTAL & POLÍTICA


EXTERNA BRASILEIRA: PROVOCAÇÕES
DE UMA ANÁLISE COMPARADA DAS
MOTIVAÇÕES PARA A POSIÇÃO
COINCIDENTE BRASILEIRO-
ARGENTINA EM TORNO DA CRIAÇÃO
DO CONSELHO SUL-AMERICANO DE
DEFESA.

Mariana Kalil 1

RESUMO
No presente artigo, a Política Comparada é método que
pretende provocar debates epistemológicos mais amplos
a respeito das Relações Internacionais e dos Estudos
Estratégicos no Brasil.

1
Mariana Kalil é Doutoranda em História das Relações Internacionais do Brasil pelo Instituto
de Relações Internacionais (IRel) da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Mestra
em Política Internacional e Comparada pelo mesmo Instituto, Representante da América
Latina no Comitê Executivo da International Studies Association (ISA), Nova Iorque, EUA,
e Professora Colaboradora do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade
Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ.

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198 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

Ao analisar comparativamente a posição coincidente


brasileiro-argentina em torno da criação do Conselho Sul-
Americano de Defesa, controlou-se (a) a distribuição de
poder no cenário internacional; (b) a ideologia do partido/
regime/líder ou as preferências políticas dos negociadores;
(c) as pressões e a influência dos Estados Unidos; (d)
as estratégias de negociação; (e) os grupos de pressão
domésticos. Concluiu-se que as pressões e a influência
dos Estados Unidos tiveram potencial explicativo mais
protuberante diante das outras variáveis selecionadas.
Verificou-se, assim, se a compreensão acerca da política
externa brasileira poderia, no caso, ensejar inovações
epistemológicas para os Estudos Internacionais, a
partir das reflexões a respeito da Teoria Não Ocidental,
buscando com a leitura de autores nacionais que tratam do
Complexo Regional de Segurança gerar debate nacional
que reúna, principalmente, questões relacionadas à paz e
à segurança do Brasil, como inerentemente debatedoras
daquilo que Buzan e Little (2010) destacam como amarras
para o pensamento internacional.
Palavras-chave: Política Externa Brasileira; Teoria Não
Ocidental; Política Comparada

NON-WESTERN THEORY & BRAZILIAN


FOREIGN POLICY: INCITEMENTS
OF A COMPARATIVE ANALYSIS OVER
THE MOTIVATIONS BEHIND THE
BRAZILIAN-ARGENTINIAN COINCIDING
POSITIONS OVER THE CONSTITUTION
OF THE SOUTH AMERICAN DEFENSE
COUNCIL

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 197 – 222, jan./jun. 2015
Mariana Kalil 199

ABSTRACT
In this contribution, Comparative Politics is the method
that sparks broader epistemological debates regarding
the study of International Relations and Strategic
Studies in Brazil. While analyzing comparatively the
coinciding position among Brazil and Argentina over
the constitution of the South-American Defense Council,
the following were controlled: (a) the distribution of
power in the international system; (b) the party’s/the
regime’s/the leader’s ideology or the political preferences
of the delegates; (c) the US pressure and influence; (d)
the strategies of negotiation; (e) the domestic groups
of pressure. It came to a conclusion where the US
pressure and influence showed a higher potential
to explain such a coincidence. It was thusly verified
whether the understanding of the Brazilian Foreign
Policy may engender epistemological innovations for
the International Studies, based on reflections upon the
Non-Western Theory, in an effort that reached out to
Brazilian literature willing to yield national debates that
namely tackle matters of peace and security in Brazil, as
these intrinsically approach what Buzan & Little (2010)
highlight as hindrances for a truly internatiocal thought.
Keywords: Brazilian Foreign Policy; Non-Western
Theory; Comparative Politics

INTRODUÇÃO

As Relações Internacionais e os Estudos Estratégicos têm alguns


pontos de tangência. Dentre eles, encontram-se questões epistemológicas,
tais como o tratamento do Estado como ator protagonista da epistemologia
tradicional de ambas as disciplinas e caminhos metodológicos utilizados
para explicar, entender ou mesmo prever a ação desses entes.
Nesse sentido, a Política Comparada surge como forma
potencialmente eficaz de abordar ambas as disciplinas, medindo o
impacto de determinados elementos na tomada de decisão dos Estados,

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200 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

como maneira de, por exemplo, determinar qual seria o fator que mais
teria peso para o resultado de certas posições. Diante disso, este artigo
propõe-se a fornecer análise comparada acerca das motivações para a
posição coincidente de Brasil e Argentina em torno da criação do Conselho
Sul-Americano de Defesa. A metodologia da Política Comparada aparece
como forma de transcender alguns debates que, tanto na literatura,
quanto no noticiário ou nos documentos fornecidos por ambos os Estados,
acabam por entoar semelhanças excessivas entre as estruturas estatais e
burocráticas, o que acaba por gerar determinadas denúncias, por exemplo,
de aproximação ideológica.
Ainda, este artigo pretende engajar-se no debate epistemológico
da Teoria das Relações Internacionais, por meio de abordagens que, no
século XXI, incorporam os avanços da Global History e transcendem as
constatações tanto da Teoria Crítica quanto do pós-colonialismo.
A emergência da noção de Teoria Não Ocidental é acompanhada
pelo interesse acerca do que se produz regional e localmente a respeito das
realidades regionais e locais. Nesse sentido, a perspectiva a seguir sintetiza
aquilo que autores como Tickner e Weaver (2009) percebem na literatura
local e regional acerca da política externa e das relações exteriores dos
países da América Latina:

Latin American foreign policy researchers have


failed to build on each other’s work in a way that
would move them towards a general theory.
Similarly, foreign policy researchers seeking to
explain broad themes of Latin American foreign
policy, frequently measured with the region’s
voting behavior in the United Nations, too often
fail to examine the internal dynamics of the
process and thereby miss an important part of
the picture. (...) Researchers in this area rarely
spend time pondering methodological issues.
Overwhelmingly, the case study approach
dominates the literature. Most examinations
are qualitative studies (…) The research heavily
focuses on the nation-state and often takes the
form of story-telling, albeit in an analytical way

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Mariana Kalil 201

which sometimes includes some loosely tested


hypotheses. A ‘kitchen sink’ approach is also
popular, in which researchers model and examine
all the potential explanatory inputs into a particular
country’s (or countries’) foreign policy. (HEY, 1997)

O objetivo geral desta contribuição é caminhar adiante nas análises


a respeito das relações internacionais na América Latina, identificando
possíveis tendências teóricas ou correlações causais que possam oferecer
plataforma metodologicamente complexa para reflexões posteriores a
respeito da teoria das Relações Internacionais. Acharya (2014) compreende
como criação de normas subsidiárias ou de normas localizadas as
tendências do mundo não ocidental na aplicação das abordagens teóricas
e metodológicas usualmente provenientes do norte, especialmente da
literatura anglossaxã sobre Relações Internacionais.
Para o autor, as elites de uma região ou de um país tenderiam
a localizar normas, quando fazem apenas adaptações contextuais a
suas premissas e propostas, enquanto o processo de criação de normas
subsidiárias partiria da existência de propostas e premissas teóricas e
metodológicas construídas a partir de amostragem diversa à realidade que
se visa a analisar, com o intuito de construir ideias subsidiárias, no sentido
de possibilitar que se possa utilizar-se do establishment da ciência para
exercer análises acerca de fenômenos distintos.
Assim, as normas subsidiárias difeririam das normas localizadas,
na medida em que aquelas se preocupariam em observar as construções
teóricas e metodológicas do Norte, sem rechaçá-las a priori por motivos
ideológicos, sentimentais, ou quaisquer outros, mas observando-as com
cautela, para medir sua aplicabilidade e sua validade diante de ontologias
que podem divergir daquelas ao ponto de tornar tais propostas inaplicáveis
à realidade local ou regional.
Ademais das tendências de formação de um Híbrido Latino-
Americano, como afirma Tickner e Weaver (2009), ou de aceitação da
influência da teoria da dependência ou do realismo político pelos tomadores
de decisão e pelos analistas de relações exteriores da América Latina, como
destaca Hey (1997), Braveboy-Wagner (2003) aponta para uma tendência
que Acharya (2014) não prevê em sua percepção a respeito do tratamento

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202 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

das ideias pelo mundo não Ocidental. A autora (2003) ressalta, a respeito
da literatura Latino-Americana sobre políticas exteriores da região,
tendências a rechaçar a priori, por motivos de ressentimento político e
moral, propostas teóricas e metodológica especialmente derivadas do
que reconhecem como projeto de poder imperialista estadunidense para
conquistar corações e mentes no quintal latino-americano, impondo
interesses egoístas e necessariamente excludente de qualquer êxito ou
progresso econômico, político e social na América Latina.
No entanto, como demonstram Tickner e Weaver (2009) e Hey
(1997), tais autores apenas optariam por aplicar outras ideias, como a teoria
da dependência e a do sistema-mundo, em detrimento de debates centrais
da Teoria das Relações Internacionais. O objetivo específico deste artigo é,
por sua vez, observar, de acordo com a assunção de Hey (1997) de que o
realismo influencia a política e as análises a respeito da política na América
Latina, por meio da verificação da hipótese de que suas ontologias e seus
axiomas não são negados, tampouco inválidos no comportamento de
Brasil e Argentina em torno do Conselho Sul-Americano de Defesa (CDS).
Com base na noção de Hey (1997) de que, na literatura sobre as
políticas externas latino-americanas, “the research heavily focuses on the
nation-state and often takes the form of story-telling, albeit in an analytical
way which sometimes includes some loosely tested hypotheses”, serão
avaliadas as motivações das políticas exteriores brasileira e argentina
para engajarem-se na arquitetura do Conselho de Defesa Sul-Americano,
verificando a existência de tendências que Buzan e Little (2010) encontram
na maneira como a historiografia global tende a contar a própria história,
relacionando-a com o possível desenvolvimento de uma teoria das relações
internacionais não ocidental.
This underdevelopment is primarily the product
of theorists operating within a methodological
straitjacket (...) These shortcomings were
identified as presentism, or the tendency to view
the past in terms of the present; ahistoricism, or the
insistence that there are transhistorical concepts
that allow us to identify universal regularities;
Eurocentrism, or the privileging of European
experience in our understanding of international

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Mariana Kalil 203

relations; anarchophilia, or the propensity to


equate international relations with the existence
of an anarchic system; and state-centrism, or
the preoccupation with the state at the expense
of other international actors (BUZAN; LITTLE,
1996; 2000).

A camisa de força do presentismo, do ahistoricismo, do


eurocentrismo, da anarcofilia e do estado-centrismo seria aquilo que levaria
ao subdesenvolvimento de teorias das relações internacionais, inclusive
no Norte. Assim, buscar-se-á compreender se a política externa de Brasil
e Argentina para o CDS encontra-se eivada dessas tendências. Caso haja
variação no grau de aplicação delas, poder-se-á avaliar se a literatura
regional e local caracteriza-se por ser maior localizadora de normas ou por
ser maior criadora de normas subsidiárias (ACHARYA, 2014).
É mister considerar que Hey (1997) identifica que, dentre as
variáveis que possuem maior potencial explicativo para a compreensão
das variações das políticas externas latino-americanas, a distribuição de
poder no cenário internacional, a ideologia do partido/regime/líder e as
pressões e influência dos Estados Unidos figuram como mais relevantes.
Talvez em decorrência da perene busca pela afirmação da autonomia, a
distribuição de poder no cenário internacional, afirma a autora, não se
destaca perante as outras duas.
O potencial explicativo da influência e das pressões estadunidenses,
por sua vez, depende do grau de dependência da economia de dado Estado,
estrutural e conjunturalmente, em função dos Estados Unidos, o que
aponta para uma leitura filiada à teoria da dependência. Enquanto isso, a
variável ideológica, qual seja, a orientação ideológica do partido, o regime
ou do líder, para a autora, parece possuir maior potencial explicativo, por
ser relevante na determinação do peso e da direção das relações causais
entre política externa e as outras variáveis. Exemplifica Hey (1997):

For example, a policy maker’s ideological


orientation may govern the state’s willingness
to defy core actors, its definition of the national
interest, the development model to be pursued to

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204 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

meet public demands, whether it seeks prestige


through status-quo or revisionist policies,
and whether it will take a bandwagoning or
balancing strategy over domestic conflict.

Adianta-se, portanto, que a literatura acerca das políticas externas


latino-americanas costuma apontar para o protagonismo da ideologia do
partido, do regime e do líder como variável explicativa de maior potencial
para analisar as mudanças. Dessa forma, o nível de análise a ser observado
na análise das políticas exteriores de Brasil e Argentina em torno do CDS
difere daquele enfatizado por Waltz (1959).
O estruturalismo que entende a anarquia como causa permissiva
da guerra não exclui a importância de causas eficientes, ou seja, contextuais,
ou de causas imediatas ou subjacentes; apenas ressalta que estas não
seriam reiteradamente responsáveis pelo fenômeno que visa a identificar,
ou seja, a eclosão da guerra.
O debate de Singer (1961) a respeito de níveis de análise, por sua
vez, emprestaria maior clareza à análise das políticas exteriores latino-
americanas. De acordo com Onuf (1995), a contribuição de Singer (1961)
delineou dois possíveis níveis de análise, o comportamental e o sistêmico,
delineados por ele simplesmente como o sistema internacional e como
o Estado Nação. Singer (1961) destaca que ambos os níveis de análise
possuem efeitos para aqueles que o adotam, assim.

In terms of description, we find that the systemic


level produces a more comprehensive and total
picture of international relations than does the
national or sub-systemic level. On the other hand,
the atomized and less coherent image produced
by the lower level of analysis is somewhat
balanced by its richer detail, greater depth, and
more intensive portrayal. As to explanation,
there seems little doubt that the sub-systemic
or actor orientation is considerably more
fruitful, permitting as it does a more thorough
investigation of the processes by which foreign

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Mariana Kalil 205

policies are made. Here we are enabled to go


beyond the limitations imposed by the systemic
level and to replace mere correlation with the
more significant causation. And in terms of
prediction, both orientations seem to offer a
similar degree of promise. Here the issue is the
function of what we seek to predict (SINGER,
1961)

Singer (1961) não advoga pela aplicação preferencial de nenhum


dos dois níveis de análise, ao sublinhar que é relevante que se adote um
ou outro nível ao longo da análise e que há diversas motivações para se
escolher entre os dois.
Ao reconhecer a predominância do potencial explicativo da
ideologia do líder, do partido ou do regime na literatura sobre a análise de
política externa da América Latina, Hey (1997) aponta para a necessidade
de cautela do analista, quando aborda as interações que Putnam (1988)
identifica como um jogo de dois níveis entre a diplomacia e a política
doméstica.
Sendo assim, para avaliar o comportamento de Brasil e Argentina
perante a criação do CDS, seria essencial que a literatura apontasse
variáveis relevantes ao tratamento do tema e pertencentes às interações
entre os níveis (internacional e doméstico), selecionando-as de maneira
a aproximar-se da verossimilhança individual, de cada um dos níveis e
dos casos, assegurando, ainda, a possibilidade de se comparar sem que se
ofereçam, apenas, dois estudos de caso diferentes sobre um mesmo tema.
No entanto, assumir a abordagem de Putnam (1988) implica em
aceitar suas premissas, quais sejam, as de que:

At the national level, domestic groups pursue


their interests by pressuring the government to
adopt favorable policies, and politicians seek
power by constructing coalitions among those
groups. At the international level, national
governments seek to maximize their own
ability to satisfy domestic pressures, while
minimizing the adverse consequences of foreign
developments. (PUTNAM, 1988)

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206 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

Nessa contribuição, Putnam (1988) destaca que seria necessário


que se abstraíssem as preferências políticas do indivíduo negociado,
ao avaliar o processo negociador em duas fases: a barganha entre os
negociadores visando a um acordo; debates em separado entre cada um
dos grupos de pressão a respeito da ratificação do acordo.
Dessa forma, do win-set, ou do elenco de possibilidades de sucesso
na ratificação do produto de determinada negociação, depreender-se-ia
que, tudo mais constante, quanto mais amplo o win-set, mais provável que
o acordo seja atingido entre os negociadores internacionais; a abrangência
relativa de cada um dos win-sets de uma negociação em face de seus grupos
de pressão afetarão a distribuição dos ganhos da negociação internacional,
ou seja, de acordo com Schelling (1960 apud PUTNAM, 1988), o poder do
negociador encontra-se na inabilidade de fazer concessões e de atender a
demandas do outro negociador.
Assim, quanto menor o win-set, ou seja, quanto maiores as restrições
impostas pelos grupos de pressão domésticos ao negociador, mais este
poderia obter êxito na negociação, em face da possibilidade, por exemplo,
de uma desistência involuntária que descartaria todo esforço negociado.
Em termos de segurança e defesa, os objetos de estudo subjacentes nas
análises das políticas exteriores de Brasil e Argentina perante o a criação
do CDS, a análise de Schelling (1960 apud PUTNAM, 1960) seria ainda
mais pertinente, já que, a princípio, na esfera da alta política, os custos são
mais altos – em última análise, a sobrevivência do Estado – e, portanto, são
maiores também os incentivos para se manipular win-sets.
Em uma análise sobre a política exterior de Brasil e Argentina
para o CDS, dessa maneira, é importante que se considere a possibilidade
tanto de blefe, quanto de manipulação da situação dos grupos de pressão
no escopo doméstico para se obter determinado resultado. Putnam (1988)
identifica como determinantes do win-set as preferências, as coalizões
e as instituições domésticas, além das estratégias dos negociadores no
escopo internacional, considerando-se que os negociadores, no âmbito
internacional, estão frequentemente mal ou pouco informados a respeito
do que ocorre em nível doméstico, tanto em seu próprio Estado, quanto, e
especialmente, no do outro. A incerteza e as táticas de barganha, portanto,
convivem.
Oferecendo maior agência ao negociador ou ao líder da nação,
ademais, o autor compreende as divergências de interesses entre o líder
e aqueles no nome dos quais ele negocia, e em particular, as implicações

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Mariana Kalil 207

internacionais de sua posição doméstica. Reconhece, também, a possível


reverberação de pressões domésticas internacionais sobre a arena política
doméstica, a possibilidade de acordos institucionais domésticos poderem
enfraquecer um líder em negociação ou o contrário, o contraste entre
situações em que os interesses domésticos são homogêneos, bastando que
se lide com dois diferentes polos dentre os grupos de pressão, enquanto
haveria temas nos quais os interesses domésticos seriam mais heterogêneos
e a cooperação internacional fosse mais provável, a importância de ter
em mente ameaças, ofertas e compensações no âmbito internacional
relacionando-as às suas incidências domésticas, a possibilidade de
cruzamento temático em que estratégias em um tabuleiro impactam em
coalizões inesperadas em outro tabuleiro, dentre outros.
A política externa de Brasil e Argentina acerca da criação do CDS,
portanto, quando analisada com base na perspectiva de Putnam (1988),
uma vez que análises sistêmicas não seriam comuns ou eficazes a respeito
das políticas externas latino-americanas (HEY, 1997), devem abordar
cada uma dessas questões, especialmente se o que é buscado é contar
uma história (story-telling) de maneira a oferecer bases suficientemente
comparáveis entre os dois fenômenos, possibilitando que se encontrem
correlações causais ou tendências uniformes naquelas relações ou diante
daquelas temáticas.
Essa contribuição, assim, como produto do esforço intelectual
de uma analista local de política externa latino-americana, não busca
revolucionar a literatura, apenas oferecendo maiores preocupações
metodológicas, com base em uma literatura clássica sobre Análise de
Política Externa e Política Comparada.
Em termos desta, então, entende-se que, para evitar que se
conforme como uma pensadora inconsciente (SARTORI, 1970), será
compreendido o objetivo da comparação como o controle de variáveis.
Pretende-se controlar, portanto, as variáveis que embasam a política
exterior de Brasil e Argentina em torno da fundação do CDS, comparando-
as para buscar possíveis relações de causalidade que demonstrem o que
levou cada um desses Estados a engajarem-se nesse projeto.
Como afirma Lijphart (1971), o método comparativo, aqui,
pretende descobrir relações empíricas entre variáveis, não medi-las. Não
se adotará, ainda, método para elaboração de estudos de caso, ainda que
estes pudessem separadamente gerar, por exemplo, hipóteses então a
serem contrastadas. Considera-se que, em algum grau, a literatura sobre

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208 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

política externa latino-americana, e sobre os casos das relações exteriores


de Brasil e Argentina em torno da constituição do CDS, especificamente,
já tenham elaborado, ainda que de maneira inconsciente (Sartori, 1970),
algumas hipóteses que poderiam vir a serem testadas.
Autores como Tickner e Weaver (2009) e Hey (1997) identificaram
algumas linhas gerais dessas hipóteses, e essa contribuição pretende
avaliar as linhas gerais do que já foi produzido a respeito do referido
objeto de estudo.
Na língua inglesa, a expressão apples and oranges ganhou
notoriedade, ao significar, no senso comum, a comparação entre duas
situações superficialmente similares, mas distintas o suficiente para não
serem comparáveis. Sartori (1994), ao responder à pergunta sobre o que
é comparável, utiliza-se da analogia entre maçãs e pêras para afirmar
que elas são comparáveis em termos de algumas de suas propriedades,
especificamente no que concerne aquelas propriedades que lhes são
semelhantes, enquanto não são comparáveis, se forem avaliadas
propriedades que não lhes são semelhantes, thus, pears and apples are
comparable as fruits, as things that can be eaten, as entities that grow
on treets; but incomparable, for example, in their respective shapes
(SARTORI, 1994). Para se comparar, é necessário, nesse sentido, entender
em que sentido se busca comparar dois fenômenos, o que, ainda de acordo
com o autor, poderia ser feito com ênfase para as semelhantes ou para as
diferenças.
Quando se busca enfatizar as semelhanças, o que se faz é controlar
aquelas variáveis semelhantes, descartando-as como explicativas para
cada um dos comportamentos. Quando se busca alinhar as diferenças,
pretende-se controlar as diferenças como variáveis de pouco potencial
explicativo para comportamentos que são semelhantes.
Após essa breve explanação de cunho teórico-metodológico, a
primeira parte desta contribuição engajar-se-á em apresentar debate sobre
a distribuição de poder no cenário internacional, a ideologia do partido/
regime/líder e as pressões e influência dos Estados Unidos figuram como
variáveis que forjaram o engajamento brasileiro-argentino na arquitetura
do CDS, de acordo com a literatura especializada, selecionando o jogo
de dois níveis de (PUTNAM, 1988) como atiçador de reflexões sobre
as variáveis domésticas e internacionais inseridas na composição das
políticas exteriores de Brasil e Argentina em torno da criação do CDS, dessa
forma, compreendendo tanto o nível sistêmico, quanto o doméstico como

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Mariana Kalil 209

constrangimentos e restrições para o comportamento do Estado, em que


pesem variações de relevância, incorporando, em decorrência da análise
de Hey (1997), as preferências políticas dos líderes e dos negociadores à
composição dos win-sets e às estratégias de negociação, além das coalizões
e das instituições domésticas, doravante denominadas grupos de pressão.
A partir do reconhecimento dessas variáveis, o comportamento
cooperativo de Brasil e Argentina perante a criação do Conselho de Defesa
Sul Americano será analisado como variável dependente. As variáveis
independentes seriam (a) a distribuição de poder no cenário internacional;
(b) a ideologia do partido/regime/líder ou as preferências políticas dos
negociadores; (c) as pressões e a influência dos Estados Unidos; (d) as
estratégias de negociação; (e) os grupos de pressão domésticos. De acordo
com o método de política comparada apresentado por Sartori (1970), será
utilizada a noção do mais diferente. Assim, diferenciadas as variáveis
independentes em relação às políticas exteriores de Brasil e Argentina
em 2008, serão estas controladas como questões que não foram capazes
de influenciar na posição cooperativa de Brasil e Argentina rumo à
constituição do CDS.
Na seguinte parte deste artigo, concluir-se-á, verificando a
filiação da análise de política externa de Brasil e Argentina acerca do
comportamento dos dois países perante a cooperação em segurança e
defesa regional às cinco características identificadas por Buzan e Little
(2010) como camisas de força que impedem que as teorizações a respeito
das Relações Internacionais rumem ao que Acharya (2014) sublinha como
a criação de normas subsidiárias.

HERMANOS, PERO NO MUCHO

Brasil e Argentina, desde a década de 1980, passaram a relação


marcada por cooperação que, ao contrário do que supõe a tradicional
teoria dos regimes e a lógica de spill-over, tem início com interações em
temas de segurança e defesa, mais especificamente em questões militares,
para então transbordar para áreas de economia e comércio (CANDEAS,
2005; RUGGIE, 1992). A análise histórica das relações militares entre
Brasil e Argentina demonstra a predominância bi-secular de competição
e desconfiança, tanto por parte dos Exércitos, mas enfaticamente por
parte das Marinhas. Se, durante a redemocratização, essas premissas

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210 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

foram redesenhadas, ao ponto de, em 1997, ser assinada Declaração de


Aliança Estratégica com concertação em Mecanismo 2+2 dos Estados-
Maiores de ambos os países, o interesse de Buenos Aires e de Brasília
em expandir a estabilização das relações militares para além do Conesul,
engajando a América do Sul setentrional não é necessariamente resultado
do transbordamento da pacificação das relações bilaterais brasileiro-
argentinas.
A coincidência dos interesses de ambos, por sua vez, chama
a atenção, sobretudo em face das nuances que marcam algumas
características que podem ser sublinhadas como variáveis independentes
para a explicação do ímpeto cooperativo de Brasil e Argentina para a
criação do CDS.
Assim, desde 2001, quando o governo argentino revisou seu Livro
Branco de Defesa, a necessidade de integração dos sistemas defensivo-
militares do MERCOSUL foi apresentada em resposta às deficiências
das forças armadas argentinas em face às novas ameaças internacionais
e à necessidade de eficiência do gasto militar (ABDUL-HAK, 2013). Na
Estratégia Nacional de Defesa do Brasil, encontra-se a seguinte explicação
para os motivos de estimular a integração da América do Sul:

Essa integração não somente contribuirá para


a defesa do Brasil, como possibilitará fomentar
a cooperação militar regional e a integração
das bases industriais de defesa. Afastará a
sombra de conflitos dentro da região. Com
todos os países avança-se rumo à construção da
unidade sul-americana. O Conselho de Defesa
Sul-Americano, em debate na região, criará
mecanismo consultivo que permitirá prevenir
conflitos e fomentar a cooperação militar
regional e a integração das bases industriais
de defesa, sem que dele participe país alheio à
região (Estratégia Nacional de Defesa, 2008).

Já citando o CDS, no Livro Branco de Defesa do Brasil, vai-se


adiante, ao afirmar que:

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Mariana Kalil 211

A integração sul-americana permanece como


objetivo estratégico da política externa brasileira,
pois o País reconhece no adensamento das
relações políticas, sociais e econômicas entre os
países sul-americanos um elemento fundamental
para o desenvolvimento socioeconômico e para
a preservação da paz na região. (...) A região
sul-americana é a que tem apresentado menor
incidência de conflitos entre Estados. Um
ambiente regional pacífico vem contribuindo,
mormente na última década, para o crescimento
econômico da América do Sul. (...) A estabilidade
e a prosperidade do entorno brasileiro reforçam
a segurança do País e têm efeitos positivos sobre
todos os países da América do Sul. (...) Ganha
relevância, nessa perspectiva, a consolidação da
União de Nações Sul- -Americanas (UNASUL),
que se tem revelado um instrumento para a
solução pacífica de controvérsias regionais,
para a proteção da democracia na América do
Sul, para o fortalecimento do diálogo entre os
Estados-membros e para a progressiva formação
de uma base industrial de defesa sul-americana
(BRASIL, 2012).

Dessa forma, oficialmente, Brasil e Argentina afirmam suas


vontades de cooperar em torno de mecanismos regionais sul-americanos
na temática de segurança e defesa, embora, àquela altura, a Argentina
ressaltasse apenas o Conesul.
A retórica do Livro Branco do Brasil aponta algumas possibilidades
de motivação para a posição brasileira, hipóteses que poderão ser testadas
a partir, por exemplo, do contraste com aquelas que resultarão dos
esforços dessa contribuição no sentido de analisar as referidas variáveis
independentes.

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212 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

A DISTRIBUIÇÃO DE PODER NO CENÁRIO INTERNACIONAL

No esforço de entender a posição coincidente de Brasil e


Argentina a partir de uma comparação que controla as variáveis mais
diferentes, destaca-se a distribuição de poder no cenário internacional
como a primeira diferença entre os dois Estados. Em termos de segurança
e defesa, objeto referencial da posição de Brasil e Argentina em torno do
CDS, compreendem-se assimetrias favoráveis ao Brasil, como se enxerga
na atribuição a Brasília de relevância no escopo de fóruns como os BRICS,
o IBAS, o G4 para a Reforma das Nações Unidas, dentre outros.
Abdul-Hak (2013) apresenta que, em 2005, os gastos militares
argentinos, em termos absolutos, levaram o país a ficar atrás, na região
sul-americana, de Brasil, Chile, Colômbia e Venezuela. O Brasil lidera a
classificação. Ademais, 80% desses gastos teriam sido voltados à cobertura
de obrigações com pessoal. A mesma autora ressalta que os gastos com
pessoal também mobilizam grande parte do recurso do Ministério da
Defesa do Brasil (por volta de 75%), embora seu orçamento gire entorno de
US$ 35 bilhões, enquanto o orçamento argentino está por volta de US$1.5
bilhão. Essa diferença é extremamente relevante, pois, após o pagamento
de pessoal, pouco resta aos argentinos, em termos absolutos, por exemplo,
para manutenção de equipamento ou para reequipamento das Forças
Armadas.
Em comparação à Argentina, o que resta para o Brasil, após o
pagamento de pessoal, incluindo pensões, é bastante significativo, levando
à modernização das Forças Armadas, com a aposentadoria por exemplo
de caças Mirage em 2013, para a compra de caças Gripen, mais modernos
e adequados às guerras não convencionais ou mesmo mais potentes em
relação aos concorrentes de outros Estados, enquanto, também em 2013,
a Argentina anunciava a compra de caças Mirage (ARGENTINA..., 2013;
FORÇA AÉREA BRASILEIRA, 2013).

A IDEOLOGIA DO PARTIDO/REGIME/LÍDER OU AS PREFERÊNCIAS


POLÍTICAS DOS NEGOCIADORES

Em 2008, tanto Brasil quanto Argentina passavam pela consolidação


político-partidária dos partidos que, em 2003, haviam assumido o
governo. A administração de Lula encontrava ápice de popularidade com
alto crescimento do PIB, distribuição de renda e diminuição da fome e da

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Mariana Kalil 213

pobreza extrema, tendo garantido a reeleição para o segundo mandato e


posteriormente elegendo a sucessora Dilma Rousseff.
Na Argentina, a situação era semelhante, ou seja, as preferências
políticas dos negociadores, bem como a ideologia dos partidos e dos
líderes não eram tão diferentes quanto as assimetrias dos fatores militares.
No entanto, na Argentina, ainda que o crescimento do PIB fosse alto
e houvesse importante distribuição de renda, o nível geral de preços (a
inflação) e as querelas entre os Kirchner e os setores conservadores tanto
da economia quanto da política argentina diferiam do agrado que, em
2008, Lula representava para o conservadorismo da economia brasileira,
como as construtoras, os exportadores da linha branca, dentre outros
(SIMONOFF, 2009). Esses elementos institucionais domésticos serão
apontados de maneira mais relevante, no próximo tópico, quando se falará
dos grupos de pressão nacionais em torno da posição cooperativa de Brasil
e Argentina para a constituição do CDS. No entanto, naquele tópico, serão
ressaltados os grupos de pressão mais voltados para a questão militar,
enquanto aqui estes grupos fornecem indicadores eficientes para se avaliar
o comprometimento do líder ou do partido com uma ideologia associada
ao neo-desenvolvimentismo (KRÖGER, 2012).
Se, por um lado, portanto, Brasil e Argentina coincidiam na ênfase à
justiça social no cerne de suas políticas econômicas, como demonstram pela
assinatura do Consenso de Buenos Aires, em contraponto ao Consenso de
Washington, em 2004; por outro, a Argentina estabeleceu hierarquia entre
direitos sociais e macroeconomia, gerando desequilíbrio perene, enquanto
o Brasil entendia-os como complementares. Esse contexto deflagra o
grau de comprometimento dos Kirchner com questões ideológicas, em
comparação ao governo Lula (SIMONOFF, 2009). Assim, a ideologia
do partido/regime/líder ou as preferências políticas dos negociadores,
dentre as variáveis independentes, é aquela que menos distancia Brasil e
Argentina, ainda que haja diferenças importantes.

AS PRESSÕES E A INFLUÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS

Em termos de pressões dos Estados Unidos, reconhece-se uma


convivência salutar e cooperativa entre os governos de Lula e de Bush, o
que viria a culminar, em 2007, com reunião bilateral entre os Presidentes
e a assinatura de diversos compromissos que versavam desde questões
raciais a energéticas e militares.

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214 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

Já a política externa argentina encontrava maiores dificuldades


decorrentes, ainda, do comprometimento do governo argentino com crítica
aberta a Washington, em face, como anuncia Hey (1997) da dependência
sobretudo em termos financeiros da Argentina em relação aos Estados
Unidos, o que recrudescia o revisionismo de Buenos Aires. O Brasil, mais
confortável em termos comerciais e financeiros, também se posicionava
de maneira mais branda quanto às posições de Washington. Ainda
assim, as pressões e as influências de Washington pesavam sobre Brasil e
Argentina sobretudo militarmente, na medida em que os Estados Unidos
aumentavam sua presença militar na Colômbia e reativavam a IV Frota.
Se, para o Brasil, ambos os sinais levavam o país a seguir e
aprofundar sua estratégia de reequipamento das Forças Armadas e
de ocupação do Atlântico Sul, além de aumentar a complexidade das
operações de patrulha e inspeção, e ainda da ocupação militar das faixas
de fronteira; para a Argentina, a complacência de Washington com a
Guerra das Malvinas, o retorno do pleito sobre as Malvinas à agenda da
política externa do país, ao lado da presença territorial do Grã-Bretanha,
aliado global dos Estados Unidos, por exemplo, na guerra contra o terror,
em ilhas do Atlântico, junto com a decisão de explorar hidrocarbonetos na
região em litígio, ao lado do aumento da presença de DC na região sul-
americana, representavam ameaça ainda mais protuberante.

AS ESTRATÉGIAS DE NEGOCIAÇÃO

Como consta nos documento oficiais da Defesa de Brasil e


Argentina (ABDUL-HAK, 2013), o objetivo dos dois países não era deveras
distinto quando da negociação do CDS. Embora a iniciativa tenha partido
do Ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, àquela altura, a preocupação
imediata restava-se tanto para o Brasil, quanto para a Argentina sobre as
relações entre Colômbia e Venezuela e a crescente presença militar dos
Estados Unidos na região Sul-Americana, a partir do Plano Colômbia, no
mesmo ano em que reativavam a IV Frota.
Dessa forma, Brasil e Argentina coincidiam, em grande medida,
em suas estratégias de negociação, assinalando para a presença militar
de atores extrarregionais como gatilho para o consenso entre os sul-
americanos. Percebe-se, assim, que as estratégias de negociação coincidem
em decorrência da existência de pressão e de influência dos Estados
Unidos em assuntos militares na região, sendo, portanto, esta variável

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Mariana Kalil 215

(pressão e influência) de maior relevância para a explicação da posição de


Brasil e Argentina do que as estratégias de negociação, entendidas como
resultados.

OS GRUPOS DE PRESSÃO DOMÉSTICOS

Resta, nesse sentido, avaliar os grupos de pressão domésticos


como variáveis que ajudam a explicar a posição coincidente de Brasil e
Argentina a respeito da criação do CDS. Aqui, o cenário é mais uma vez
deveras distinto.
O setor militar na Argentina foi, no processo de redemocratização,
em grande medida, afastado da política e das questões domésticas, ao
ponto de, em 1988, os argentinos já terem aprovados nova Lei de Defesa
Nacional, enquanto o Brasil, ainda em 2015, recepciona e mantém em vigor
a Lei de Segurança Nacional redigida e aprovada no período de regime
militar. Ainda, a Argentina aprovou, em 1992, Lei de Segurança Interior
com base na ideia que se tinha sobre a

Reconfiguração do arcabouço legal e


institucional das Forças Armadas, baseado na
convergência da classe política local em torno
de alguns pressupostos essenciais: o conceito de
defesa como um esforço nacional direcionado
contra agressões militares de origem externa,
a distinção legal e institucional entre defesa e
segurança interior, a identificação das Forças
Armadas como instrumentos de defesa
nacional, a redução do escopo das atividades
de inteligência militar, a excepcionalidade de
qualquer intervenção militar na manutenção da
ordem interna e a necessidade de planejamento
militar conjunto e de reestruturação para reduzir
a autonomia das Forças Singulares (ABDUL-
HAK, 2013).

Enquanto isso, no Brasil, a polícia militar e o corpo de bombeiros,


por exemplo, atuam na lógica estratégica e, sobretudo os policiais
militares, tática das Forças Armadas. Ademais, a participação dos

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216 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

militares na imposição do monopólio legítimo do uso da força sobre o


território nacional perante os próprios cidadãos não é, no Brasil, o tabu
que representa à sociedade argentina.
Pelo contrário, em 1999, lei complementar passou a prever a
subsidiariedade das Forças Armadas no apoio às forças de segurança
pública na faixa de fronteira e no combate a crimes transfronteiriços e
ambientais, além de também leis complementares, agora de 2004 e 2010,
terem aprovado a participação do que foi, a partir de 2004, previsto como
Força Nacional de Segurança Pública, ou seja, o emprego de forças armadas
para garantirem a paz e a ordem, por exemplo, perante a presença do crime
organizado em comunidades carentes do Rio de Janeiro (RODRIGUES,
2012).
Nota-se, portanto, que os grupos de pressão de maior interesse
para a temática da integração militar na América do Sul, as Forças
Armadas, encontravam-se em posição distinta em Brasil e Argentina,
assim como se encontram as indústrias de defesa de ambos os países,
que, no Brasil, além de possuírem tradicional produção de, por exemplo,
artefatos como bombas de gás lacrimogêneo, mas também armas de calibre
pequeno ou médio, inclusive para a exportação, contando, a partir da
criação do Ministério da Defesa, em 1999, com significativo orçamento que
a estimulou; na Argentina, o orçamento do Estado é deveras mais restrito
e civis e militares têm maiores dificuldades de cooperarem.
Dessa forma, os grupos de pressão domésticos não compreendem
variável de potencial explicativo relevante para a coincidência de posições
entre Brasil e Argentina no intuito de criar o CDS.

CONCLUSÃO

Perante a análise comparada do potencial explicativo das variáveis


independentes que se relacionariam com as posições coincidentes de
Brasil e Argentina acerca da criação do CDS, com base no método do mais
diferente, compreendeu-se que as pressões e a influência dos Estados
Unidos tiveram maior impacto sobre a posição comum brasileiro-argentina
do que a outra variável que tende a diferenciar-se menos em ambas as
políticas externas, a ideologia dos líderes e dos partidos.
Dessa forma, não se confirma o que Hey (1997) identifica em
grande parte da literatura regional e local sobre a política externa dos
países latino-americanos. No caso do Conselho de Defesa Sul-Americano,
a coincidência ideológica entre os Kirchner e Lula, bem como entre seus

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Mariana Kalil 217

partidos que participam ambos do Foro de São Paulo, talvez inclusive


por não ser inequívoca, não foi essencial para o alinhamento entre
Brasília e Buenos Aires, sendo, no entanto, causa eficiente, ou seja, causa
contextualmente presente, embora não necessariamente essencial como
gatilho para o comportamento cooperativo de ambos (SIMONOFF, 2009).
Já a pressão dos Estados Unidos elevava os custos de posição
diversa da que Brasil e Argentina adotaram, tornando-a talvez a única
razoável se admitirmos, como assume Putnam (1988) que, no nível
internacional, governos nacionais buscam maximizar a própria capacidade
de satisfazer pressões domésticas, enquanto minimizam as consequências
adversas dos eventos externos.
Reconhece-se, ainda, aquilo que Buzan e Little (2010) apontam
como estado-centrismo e anarcofilia como motivações para a tomada de
decisões dos atores. As novas ameaças foram menos importantes para a
aproximação militar sul-americana e brasileiro-argentina do que a presença
militar do Exército e da Marinha dos Estados Unidos, em mecanismo que
se aproxima à assunção da anarquia e da auto-ajuda como parâmetros a
serem amenizados em seus efeitos sobre Estados menos fortes sobretudo
militarmente.
O Eurocentrismo de Buzan e Little (2010) também permanece, na
medida em que, embora o referencial para a ação defensiva sul-americana
tenha sido os Estados Unidos, a lógica aplicada ao Conselho Sul-Americano
deriva da racionalidade das teorias das Relações Internacionais derivadas
do pensamento eurocêntrico que, por sua vez, ao privilegiar o positivismo,
tende ao presentismo e ao ahistoricismo.
Assim, a prática de política externa de Brasil e Argentina para
a formação do Conselho de Defesa Sul-Americano corroboraria a noção
de localização de normas apresentada por Acharya (2014), deixando de
apresentar novas categorias de análise para as Relações Internacionais.
Por fim, com vistas ainda a verificar o caráter de localização ou de
subsidiariedade dos ímpetos da literatura brasileira em avançar no debate
epistemológico das Relações Internacionais com base em construtos
empíricos regionais, nacionais e locais, apreendem-se pistas para abordar
reavaliações da noção de Buzan e Weaver (2003) a respeito da existência de
um Complexo Regional de Segurança (CRS). Escolheu-se artigo publicado
nos últimos dois anos por dois pesquisadores brasileiros em revista
de Qualis A, para que se engatilhem debates em termos diretamente
epistemológicos inspirados em experiências e perspectivas brasileiras.

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218 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

Politicamente, é possível que, mesmo de maneira hesitante, o Brasil


possua papel relevante na configuração do Complexo Regional de Segurança
Sul-Americano. No entanto, a hesitação em reconhecer-se líder derivaria
da leitura brasileira de que sua estabilidade regional, essencial inclusive
para sua projeção global, por exemplo, a partir do Atlântico Sul, resultaria
daquilo que Visconde de Rio Branco interpretou como Cordialidade Oficial
– e que, hoje, é criticamente tida como paciência estratégica.
O Brasil reconheceria resistências e fragilidades regionais com as
quais também se identifique como janela de oportunidade para atuar de
forma a rechaçar influências extrarregionais que ameacem a assimetria de
poder que o favorece, como a presença militar dos Estados Unidos, mesmo
que as capacidades de poder brasileiras, tanto materiais, quando ideacionais,
extrapolem significativamente, como visto anteriormente, aquelas dos
demais sul-americanos – como, no caso apresentado, da Argentina.
Dessa forma, é consequência da premissa de Fuccile & Rezende
(2013) sua estranheza expressa sobre a hesitação do Brasil em proclamar-
se como líder regional. Ao defenderem a posição fulcral do Brasil como
possuidora de potencial explicativo maior do que aquele auferido por
Buzan e Weaver (2003), os autores “Enxergam[os] uma balança de poder em
que um cenário de unipolaridade, nos termos de Wohlforth (1999), por parte
do Brasil predomina na América do Sul – premissa trabalhada, entre outros,
por Rodríguez “(FUCCILE; REZENDE, 2013)”.
Com base nos espaços deixados ao Brasil pela retração da política
externa de DC em relação ao cotidiano Américo-meridional, espécie de
autonomia consentida ou de negligência salutar, os autores apontam o
protagonismo do Brasil, em detrimento daquele dos EUA, ilustrando-o a
partir da criação do CDS, da Unasul e da entrada da Venezuela no Mercosul.
Afirmam os autores, assim, que :

O protagonismo exercido pelo país na criação


da Unasul e do seu Conselho de Defesa o
qualificaria como ator central para o CRS
[Complexo Regional de Segurança], exercendo
sua hegemonia regional via institucionalização
e agregação para um processo de integração
regional. Em conjunto, esses dois fatores
contribuem para que seja possível traçar uma
mudança no CRS da América do Sul, mas não

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Mariana Kalil 219

em direção a uma divisão na região em dois


subcomplexos distintos, como afirmavam Buzan
e Waever (2003), mas em direção a um CRS
centrado, com o Brasil no papel unipolar. Isso
qualificaria o CRS da América do Sul na única
categoria que esses autores apresentam, mas não
identificam em nenhum caso: um CRS centrado
no qual o polo não é uma grande potência global
(FUCCILE; REZENDE, 2013).

Leituras como essas tendem a exacerbar as coincidências entre as


posições dos países sul-americanos, minimizando resistências regionais às
assimetrias entre o Brasil e os vizinhos. A mera verbalização da Cordialidade
Oficial ou do aggiornamento de seu termo na expressão paciência estratégica,
por sua vez, aponta para o reconhecimento pelo Estado brasileiro de
que, mesmo diante de gradativas institucionalizações contextualmente
favoráveis a Brasília, as capacidades e as limitações do Estado brasileiro
são diferentes daquelas dos demais países da região, o que gera situação
em que não se possui poder suficiente para dissuadir toda e qualquer
resistência, aproveitando-se de episódios como ameaças extrerregionais
para estabelecer instituições que racionalizem sua dominância.
Ao concluírem, portanto, que as organizações regionais, no período
contemporâneo, diferem quantitativa e qualitativamente daquelas quando
os Estados Unidos possuíam influência inequívoca na região, especialmente
durante a Guerra Fria, Fuccile e Rezende (2013) não oferecem evidências
conclusivas de que isso decorra de uma troca de hegemonias, mesmo diante
do aumento nas assimetrias de poder entre o Brasil e os vizinhos e do
suposto novo e declinante espaço da América do Sul na Grande Estratégia
do Tio Sam.
Dessa forma, ao estabelecerem como causa essencial para a
ampliação da relevância brasileira na América do Sul um traço conjuntural,
e não estrutural, da política externa dos Estados Unidos, diante, ainda, do
caráter reativo das políticas exteriores de Brasil e Argentina à presença
militar de Tim Sam na região, é arriscado concluir que, estruturalmente, o
Brasil ocuparia espaço que transformaria a estrutura do CRS Sul-Americano
em algo jamais identificado por Buzan & Waever (2013), porquanto previsto.
Em alguns momentos, em determinadas negociações, é possível que
tal configuração se imponha, mas a América do Sul parece permanecer

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220 Teoria Não Ocidental & Política Externa Brasileira

como “conjunto de unidades cujos principais processos de securitização,


dessecuritização, ou ambos, são tão interligados que seus problemas de
segurança não podem ser razoavelmente analisados ou resolvidos separados
uns dos outros (Buzan e Weaver, 2003 apud Fuccile e Rezende, 2013)”, sendo
que os Estados Unidos são diretamente partes desse processo, ainda que o
grau de participação voluntária da superpotência tenha arrefecido ou venha
a arrefecer.
Portanto, mesmo que a análise de Fuccile & Rezende (2013) seja mais
verossimilhante do que aqui apresentado, permanece dentro das linhas
epistemológicas propostas por escolas de pensamento distantes daquelas
que buscam pensar, diretamente, a realidade regional, nacional e local da
América do Sul.
Revela-se oportuno, assim, compreender se aquilo que os autores
identificaram como diferente na liderança regional do Brasil não difere do
que foi proposto por Buzan & Waever (2003), gerando, por sua vez, novas
categorias de análise para a Teoria das Relações Internacionais.O presente
artigo pretende, com essa e as demais provocações, gerar debate nacional
que reúna, principalmente, questões relacionadas à paz e à segurança do
Brasil, como inerentemente debatedoras daquilo que Buzan e Little (2010)
destacam como amarras para o pensamento internacional.

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Recebido em: 27/07/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 197 – 222, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 223

A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE


MAHAN: UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ
DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.
Alexandre Rocha Violante *

RESUMO
Alfred Thayer Mahan (1840-1914) e Julian Stafford Corbett
(1854-1922) são os mais conhecidos teóricos da estratégia
marítima e naval. Mahan era entusiasta de Antoine Henri
Jomini (1779-1869); já Corbett apoiava-se em Carl von
Clausewitz (1780-1831) ambos teóricos da guerra terrestre
e que não chegaram a pensar sobre as particularidades da
guerra no mar. Ao lançar, em 1890, “The Influence of Sea
Power upon History” (1660-1783), Mahan procurou discutir
a história naval britânica e entender os instrumentos
de ação empregados pelo estado que possibilitaram o
predomínio dos mares por mais de trezentos anos. Corbett,
contemporâneo de Mahan, também desenvolveu ideias
sobre a concepção do poder marítimo ao final do século
XIX. Sua obra fundamental “Some Principles of Maritime
Strategy” (1911) tinha como propósito formalizar uma
teoria que agregasse as teorias e preceitos já existentes da
guerra naval, entretanto, sob uma ótica clausewitziana, que
o livrava das simplificações e dos reducionismos da época.
*
Bacharel em Ciências do Mar pela Escola Naval (1993); Especialista em Direito Internacional
pela Universidade Cândido Mendes-RJ (2011); Especialista em Relações Internacionais pela
PUC-RJ (2012); Mestre em Ciências Navais pela Escola de Guerra Naval (2013) e, atualmente,
Capitão-de-Fragata professor vinculado à EGN. E-mail- rochaviolante@hotmail.com

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224 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

Sua obra fundamental “Some Principles of Maritime


Strategy” (1911) tinha como propósito formalizar uma
teoria que agregasse as teorias e preceitos já existentes da
guerra naval, entretanto, sob uma ótica clausewitziana,
que o livrava das simplificações e dos reducionismos da
época. Isso posto, este artigo tem como objetivo principal
analisar os principais pontos (fortes e fracos) da teoria
do poder marítimo de Mahan (seus aspectos político-
econômicos, militares e geopolíticos) à luz das críticas
efetuadas principalmente por Corbett e outros autores
contemporâneos, também abordando, de forma sucinta,
como esses autores/analistas de estratégia influenciaram
o poder marítimo mundial ao longo dos anos, inclusive o
poder marítimo brasileiro, principalmente no pensamento
do historiador e oficial de Marinha Armando Amorim
Ferreira Vidigal (1929-2009).
Palavras-chave: Defesa. Estratégia. Poder Marítimo.
Poder Naval. Segurança.

MAHAN’S THEORY OF SEA POWER -


A CRITICAL ANALYZYS ACCORDING
CONTEMPORARY AUTHORS
ABSTRACT
Alfred Thayer Mahan (1840-1914) and Julian Stafford
Corbett (1854-1922) are the most known maritime
and naval strategy theorists. Mahan was enthusiast of
Antoine Henri Jomini (1779-1869); in turn Corbett leaned
on Carl von Clausewitz (1780-1831) - both the theorists
of land warfare that did not think about the peculiarities
of the war at sea. By launching in 1890, “The Influence
of Sea Power upon History” (1660-1783), Mahan aimed
at discussing the British naval history and understand
the instruments of action employed by this State that
allowed him the dominance of the seas for more than
three hundred years. Corbett, contemporary of Mahan
also developed ideas about conception of sea power in

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 225

the late nineteenth century. His fundamental work “Some


Principles of Maritime Strategy” (1911) was intended to
formalize a theory that would comprise the existing
theories and precepts of naval warfare, however, under
a Clausewitzian perspective, that would rid him of
simplification and reductionism the time.
So, this article has as main objective to analyze the main
points (strong and weak) of Mahan sea power theory (its
political and economic, military and geopolitical) in the
light of the criticisms made mainly by Corbett and other
contemporary authors, also addressing , succinctly, as
these authors and strategy analysts influenced the global
maritime power over the years, including the Brazilian
maritime power, especially in the thought of historian
and Brazilian navy officer Armando Amorim Ferreira
Vidigal (1929-2009).
Keywords: Defense. Strategy. Maritime power. Naval
power. Security.

INTRODUÇÃO

Alfred Thayer Mahan (1840-1914), nascido em West Point em1840,


era considerado o evangelista do mar alcunha dada por Sprout (1973, apud
MONTEIRO, 2011) que afirmara: “nenhuma pessoa influenciou tão direta
e profundamente a teoria do poder marítimo como Mahan”.
Ele se diferenciava dos seus antecessores por se valer da análise
histórica para sustentar sua argumentação. A história deveria ensinar
lições que auxiliariam na formulação de novas politicas estratégicas. Pela
primeira vez, a importância do mar para o desenvolvimento das nações
utilizava a história como ferramenta para a estratégia marítima.
Ao longo de sua vida acadêmica Mahan foi influenciado por
seu pai, Dennis Mahan (1802-71), teórico militar e professor da academia
militar de West Point-EUA, pelo historiador alemão Theodor Mommsen
(1817-1903) e pelo teórico militar do poder terrestre - Antoine-Henri Jomini
(1779-1869). Ainda na ativa, Mahan passou a se destacar na marinha de
guerra como instrutor na Escola Naval (1862) e na Escola de Guerra Naval
estadunidense (1886-89, 1892-93), e ainda como escritor. Ele escreveu ao
todo vinte livros, sendo duas biografias, duas autobiografias e mais de

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
226 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

cem ensaios (CROWL, 2008). Em 1890, lançou o seu clássico The Influence
of Sea Power upon History (1660-1783) em que discutiu a história naval
britânica, procurando compreender como a Grã-Bretanha (GB) dominara
os mares por trezentos anos e entender quais os instrumentos de ação por
ela utilizados para manter esse predomínio (ALMEIDA, 2009b).
Ao elaborar sua estratégia, ele buscava auxiliar na transformação
dos Estados Unidos da América (EUA) em uma grande potência marítima
e mundial (MELLO, 1997).
O inglês Julian Stafford Corbett (1854-1922) também desenvolveu
ideias sobre a concepção do poder marítimo ao final do século XIX. Ele
foi influenciado pelo historiador John Knox Laughton que o orientou nos
estudos históricos. Nesse período, seus escritos tiveram grande influência
na Marinha da Grã-Bretanha (GB) (ALMEIDA, 2009d).
A obra fundamental de Corbett é “Some Principles of Maritime
Strategy”, escrita em 1911, e que tinha como propósito formalizar uma
teoria que congregasse teorias e princípios de guerra naval, derivada da
formulação teórica de Clausewitz de guerra terrestre. Isso não significou
que Jomini fosse por ele desprezado, no entanto, considerava Clausewitz
como um teórico mais consistente e dele utilizou muitas ideias, que foram
aplicadas à guerra naval (ALMEIDA, 2009a).
Portanto, este trabalho tem como objeto analisar os principais
pontos (fortes e fracos) da teoria do poder marítimo de Mahan (seus
aspectos político-econômicos, militares e geopolíticos) à luz das críticas
efetuadas por Corbett e outros autores contemporâneos, abordando,
de forma sucinta, como esses autores influenciaram o poder marítimo
brasileiro sob o pensamento do almirante Vidigal. Ao final, apresentar-
se-á uma breve conclusão que constatará a importância de Mahan que com
suas ideias continua sendo fundamental para o debate estratégico, não
mais por suas respostas, mas com certeza, pelas perguntas que formulou.

MAHAN - A TEORIA DO PODER MARÍTIMO

Mahan foi um oficial de marinha avesso ao mar. Por tal motivo,


pode-se dizer que foi um oficial de marinha medíocre, no sentido regular
da palavra, ou seja, médio. A bordo do USS Seminole, em 1898 teria
proferido as seguintes palavras: “Nunca tinha visto um grupo de homens
inteligentes reduzidos à total imbecilidade como meus amigos de navio”
(SEAGER II apud ALMEIDA, 2009a).

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Alexandre Rocha Violante 227

Ele tinha como objetivos centrais de sua teoria: I- demonstrar


a importância que o mar tinha para o desenvolvimento das nações; II-
compreender os princípios que governavam a guerra do mar desde a
antiguidade; e III- despertar na classe política dos EUA a centralidade
das políticas navais para o seu desenvolvimento. Para isso utilizou como
métodos: a) o estudo da História como ferramenta; b) a introspecção como
início da sistematização teórica; c) analogias entre a guerra terrestre e
naval; e d) o exemplo da GB.
Antes de abordar alguns conceitos de sua teoria, faz-se mister
conceituar poder marítimo e poder naval. Segundo Mello (1997) o poder
naval é “mais restrito e se manifesta como poder especificamente militar,
ao passo que o poder marítimo é mais abrangente e se concretiza na
capacidade política, econômica e militar de uma potência em usar o mar.”
Dessa forma, o termo “naval” está relacionado aos aspectos
militares da estratégia, enquanto o termo “marítimo”, por ser mais
abrangente, envolve, além do militar, os aspectos politico- econômicos,
geopolíticos e psicossociais.
A partir daí, pode-se afirmar que o poder marítimo de Mahan
estava baseado em uma trindade de aspectos político-econômicos
essenciais: 1- em uma forte economia produtiva. Ele acreditava na
capacidade de produzir bens para troca para o desenvolvimento do
país; 2- no shipping - por meio do recurso que os navios mercantes
proporcionariam ao realizarem o transporte de bens; e 3- na existência de
colônias - que eram necessárias como pontos de troca de produtos e apoio e
bases para os navios. (MAHAN, 1890; ALMEIDA, 2010a). Importante notar
a semelhança com a trindade paradoxal de Clausewitz (forças armadas,
povo e governo). Embora Clausewitz se referisse ao fenômeno da guerra
e Mahan aos aspectos políticos e econômicos para o desenvolvimento do
poder marítimo, essas condições apontadas por ambos os autores eram
necessárias para que atingissem os propósitos a que se destinavam.
Apesar de ter sido muito mais influenciado por Jomini, Crowl
(2008) aponta que Mahan leu a obra de Clausewitz, inclusive concordando
que os assuntos políticos deveriam ser tratados por políticos e não
militares, porém, acreditava que a guerra era assunto de seus comandantes.
Concordava também com a máxima clausewitziana de que a defesa era
mais forte que a ofensiva, entretanto, deu mais relevância à ofensiva na
guerra no mar. No que tange aos aspectos militares e aos seus princípios
da estratégia naval, para Mahan era fundamental a supremacia naval.

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228 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

A existência de um poder naval forte composto principalmente


por navios de linha era fundamental. Assim, a proteção das linhas de
comunicação marítimas (LCM) função primordial das marinhas de guerra
– seria realizada por operações ofensivas. As LCM seriam defendidas
por meio de uma batalha decisiva que eliminaria a esquadra inimiga
em uma batalha única. Nessa batalha, a esquadra de combate deveria
ser empregada de forma concentrada (numa única força) e enviada para
“buscar e destruir a esquadra inimiga” (MAHAN, 1890). Essa concepção
jominiana tinha tradução mahaniana na ideia de que o domínio do mar
seria produzido pela vitória contra a esquadra inimiga, o que fazia desse
enfrentamento a batalha decisiva da guerra naval, sendo obtido, desse
modo, o comando do mar1 .
Para isso era necessária uma esquadra poderosa para contrapor-
se à esquadra inimiga. Só assim se asseguraria a vitória e esse tipo de
controle marítimo. Porém, no caso de uma esquadra inferior à do inimigo,
Mahan propunha que se estabelecesse em portos e bases bem defendidos,
impondo sobre o mais forte a tarefa de vigiá-la para impedir qualquer ação
ofensiva da mesma. Essa esquadra, mesmo impossibilitada de se fazer ao
mar, impediria a esquadra inimiga de possuir o completo domínio do mar.
Esse conceito ficou conhecido como “esquadra em potência”,
sendo muito difundido à época, apesar de relativizado pelo próprio
Mahan, de acordo com os escritos de Almeida (2009b). Um dos princípios
considerados mais importantes em sua teoria era a concentração. Para
Mahan, a concentração da Esquadra deveria ocorrer em uma posição
central que possibilitasse atacar a esquadra inimiga a partir de linhas
interiores. Portanto, aquele Estado que obtivesse uma posição central em
relação ao adversário teria grande vantagem estratégica. Para isso seria
fundamental a existência de grandes navios a fim de que se obtivesse a
superioridade no combate.
Outro princípio estabelecido por Mahan era que a esquadra não
poderia ser dividida. Ele afirmava que se fosse necessário, eventualmente,
dividi-la, o grosso da mesma deveria ser posicionada na costa onde a
ameaça osse mais iminente em uma postura ofensiva e o restante da força
naval em uma postura mais defensiva (MAHAN, 1890; ALMEIDA, 2009c)
(SUMIDA, 1993). Dessa forma, os encouraçados (considerados os navios
de linha) seriam os navios ideais para a batalha decisiva contra os objetivos
primários da guerra: as forças navais adversárias.

1
Segundo o historiador Almeida (2009b), Mahan preferia chamá-lo de “controle do mar”.

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Alexandre Rocha Violante 229

Como exemplo da correta aplicação do princípio da concentração,


pode-se citar Nelson na batalha de Trafalgar, na qual ele concentrou a
maior parte de sua força naval na parte central e a ré da coluna franco-
espanhola, pois sabia que a parte de vante não poderia manobrar para
socorrer o restante da esquadra, em uma manobra conhecida como “corte
da linha do T2” , representada na figura abaixo.

Batalha de Trafalgar- Corte da linha do “T” efetuado pela


esquadra de Nelson.

Nessa linha de argumentação, Mahan afirmava que o canal do


Panamá seria de suma importância para a manutenção dos interesses
estadunidenses nos oceanos pacífico, atlântico e Caribe, pois permitiria a
passagem da esquadra de um oceano a outro sem necessitar dividi-la.
Sem se esquecer da relevância de se possuir o controle de ilhas
estratégicas como Cuba e Jamaica, que permitiriam, consequentemente,
o controle das LCM no Caribe. Todavia, não adiantaria a vantagem da
posição central se o inimigo fosse mais forte nos dois lados da posição
central (MAHAN, 1890; MELLO, 1997).

2
A estratégia do corte da linha do “T” significava atacar em uma ou mais colunas a linha
de frente da esquadra inimiga. Essa estratégia tinha um ponto fraco que era a exposição
dos navios ao fogo melhor posicionado dos navios em linha de frente. Entretanto, após a
aproximação e o corte da linha inimiga, poder-se-ia atingir seus navios com canhões na popa
e na proa, para, posteriormente, ficar emparelhados com eles.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
230 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

Ainda dentro do contexto do controle do Caribe, é interessante


perceber que Mahan não era um entusiasta do bloqueio marítimo, estratégia
que poderia ser utilizada na região. Ele o considerava como desperdício de
navios de linha, se fosse feito por navios de linha e desperdício de recursos,
se fossem construídos outros navios, que não os de linha, para realizá-lo.
Nesse sentido, pode-se citar outro exemplo, o de Gibraltar – uma posição
central que impediria a concentração da esquadra francesa de Brest no
Atlântico e Toulon no Mediterrâneo. Uma das questões mais discutidas
dos preceitos militares de sua teoria diz respeito ao “comando do mar”.
Para Mahan (1890) a função das marinhas era exercer o controle
do mar a partir de seu completo domínio. A interpretação mostrada pelo
historiador Ciprian Bridge e ratificada por Almeida (2009c) adota que
Mahan entendia esse domínio completo como algo mais a ser alcançado
do que uma realidade comprovada historicamente. Entretanto, muitos
historiadores e analistas de estratégia compreendem a ideia de Mahan
como indivisibilidade do mar, sem qualquer relativização. Ao analisar
os princípios e preceitos da teoria de Mahan, principalmente aqueles
atinentes à guerra naval, cabe ressaltar que estão correlacionados com
aqueles do poder terrestre de Jomini.
A seguir serão analisados os aspectos geopolíticos de sua teoria,
representados por seis principais condições que afetariam o poder
marítimo, e que são considerados por autores contemporâneos do estudo
da estratégia marítima como o seu ponto forte teórico.

a) Posição Geográfica

A posição de um país no mundo modificaria o estímulo natural ao


seu desenvolvimento marítimo. Mahan citou a importância dos Estados
insulares, daqueles que possuíssem duas costas e os que fossem bem
posicionados com relação às rotas comerciais e Estados rivais.
Assim, ele reafirmava a importância da GB, por ser um Estado
insular, ter posição privilegiada com relação ao Canal da Mancha e possuir,
à época, o controle de pontos estratégicos como: Gibraltar, Malta e Suez
no Mediterrâneo. Nessa compreensão afirmava que seria de importância
fundamental para os EUA o controle do Caribe, em especial o Panamá,
Santa Lucia, Boca do Mississipi, que seriam pontos fundamentais que
formavam triangulo geopolítico, chamado de “triangulo do Caribe”, mais
bem visualizado na figura 2 abaixo (MAHAN, 1890).

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Alexandre Rocha Violante 231

Dentro de sua lógica, Cuba, Jamaica e o Panamá eram considerados


pontos estratégicos. Cuba estaria na posição central no triângulo. Jamaica
teria boa posição geopolítica no Caribe.

Triângulo do Caribe

Quem dominasse Cuba, dominaria o Golfo do México. Cuba


anularia a Jamaica. Ao fim, quem controlasse o Caribe, controlaria as
linhas de comunicação entre os oceanos Pacífico e Atlântico (ALMEIDA,
2010b). Nessa visada, pode-se comparar sua teoria com a geopolítica
clássica de Mackinder, por exemplo, e a sua teoria da geopolítica terrestre
de que “quem controla a Heartland, domina a ilha pivô, e quem domina a
ilha pivô controla a ilha mundial, e quem controla a ilha mundial domina
o mundo”.
Nesse caso, a ilha mundial seria a Europa e grande parte da Ásia
e África; a área pivô seria uma área central dentro da ilha mundial e seria
formada por parte da Europa e da Ásia; e a heartland seria o coração da
área pivô, onde seria atualmente a Europa oriental.
Daí pode-se perceber a importância geopolítica que os EUA deram
a Cuba, principalmente após a revolução castrista de 1959, quando a ilha
ficou sob influência da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS). É oportuno perceber que durante a guerra fria, Cuba foi alvo de
um contencioso entre os EUA e a ex-URSS que ficou conhecido como na
crise dos mísseis de Cuba3 , durante o governo Kennedy, em 1962.

3
Negociações entre os EUA e a URSS sobre o que fazer com relação à descoberta de mísseis
balísticos, com ogivas nucleares, em Cuba.

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232 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

A experiência histórica mostra como ciclos econômicos


semelhantes tiveram um papel importante na ocorrência de diversos
conflitos. Hoje, analistas internacionais apontam para o surgimento de
um novo triângulo do “ouro negro”, cujos vértices estão localizados no
golfo do México, Golfo da Guiné e na Amazônia Azul nos campos do
pré-sal brasileiro4 (REIS, 2013). Seria este um novo triangulo estratégico de
concepções mahanianas?

b) Conformação Física.

As condições internas da geografia de um país influenciariam o


seu desempenho naval. Os três fatores basicamente apontados por Mahan
foram: a) as reentrâncias da costa (criação de baías e portos naturais de
águas profundas) que possibilitariam a construção de bons ancoradouros,
portos abrigados e bases navais; b) a geografia “agradável” versus geografia
“desafiadora”, fazendo um “paralelo” entre a França e a GB. A GB teria acesso
fácil ao mar a partir do interior, já que detinha o controle do canal, enquanto
a França, apesar de possuir bons portos no Atlântico e Mediterrâneo, como
Toulon e Brest, possuía no caminho Gibraltar, sob o controle da GB, o que a
limitaria no preceito de “nunca dividir a esquadra”; e c) para ele também era
importante a unidade territorial. Estados com várias “porções” de territórios
– colônias, arquipélagos, territórios ultramarinos seriam mais estimulados
ao desenvolvimento naval para proteger seus interesses. Como exemplo,
podem-se citar a França, a GB e o Japão (MAHAN, 1890). Porém, de nada
adiantariam grandes possessões sem investimentos em uma marinha de
guerra e mercante fortes. A existência de um poder marítimo fraco poderia
redundar no colapso do controle sobre as colônias, acarretando em um
poder inverso no desenvolvimento nacional.

c) Extensão do Território

Mahan afirmava que uma grande extensão da costa poderia


dificultar o desenvolvimento do poder marítimo. A extensão do território
deveria ser equiparada ao tamanho da população, caso contrário, uma
população pequena, mesmo que preparada para defendê-la, minaria a
capacidade de seu poder naval (MAHAN, 1890).

4
Disponível em: http://estudiosdelaener.blogspot.com.br/2010/07/perforacion-en-aguas-
profundas-el.html). Acesso em: 20jan.2015.

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Alexandre Rocha Violante 233

Como exemplo, ele relembra a guerra de secessão, em que os


Estados confederados do sul possuíam uma boa marinha de guerra, e
navios modernos, como o USS Monitor, um navio couraçado com perfil
baixo o que dificultava o ataque inimigo- e uma potente artilharia,
entretanto não possuíam marinheiros suficientes para operar os navios
(VIDIGAL; ALMEIDA, 2009).
Outro fator de relevância seria a capacidade de dispor de matérias
-primas para a guerra no mar. Todavia, de nada adiantaria a existência
de matérias primas indispensáveis como combustíveis, materiais para
a construção de navios, de bases e de ancoradouros se a população não
possuísse as expertises necessárias para bem utilizá-las (MAHAN, 1890).
Pode-se traçar um paralelo entre a importância da extensão do território e
do USS Monitor, por exemplo, em um bom exemplo do que é a tecnologia
sem a qualificação adequada de sua população.

d) Tamanho da População

A leitura de Mahan (1890) do tamanho da população seria


essencialmente similar à atual de Mearsheimer (2007). Uma população
maior terá uma população marítima maior (no sentido econômico e
militar) e, além disso, uma reserva maior para suprir baixas causadas
em uma guerra. Adicionalmente, uma população maior possibilita uma
produção maior de artigos navais como navios e peças. Um Estado com
uma população grande não precisaria ter, necessariamente, uma marinha
grande em todos os momentos, mas uma marinha grande o suficiente para
resistir a agressões até que mais marinheiros possam ser treinados e novos
navios construídos.
Fruto dessa análise, o professor Longo (2007) reitera que a
capacidade científica associada à capacidade de inovar na geração de
bens e de serviços intensivos em conhecimentos científicos passa a ser
fator determinante do poder relativo entre as nações nas suas expressões
política, econômica e militar. Com isso, Estados dotados das vantagens
comparativas relativas ao seu território e população e, simultaneamente,
de capacidade científica e tecnológica, seriam pouco vulneráveis e
tenderiam a constituírem-se em polos mundiais de poder político,
econômico e militar. Esse pensamento retrata outra concepção mahaniana
de que se fazia necessário uma indústria naval forte e autônoma, em prol
dos interesses nacionais.

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234 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

Ainda nessa linha, segundo Longo (2007) o Brasil estaria


enquadrado em uma situação singular, pois possui extenso território
e população, abundância de matérias primas e de energia, mas ainda é
considerado como periférico em termos de desenvolvimento científico e
tecnológico.

CARÁTER DA POPULAÇÃO

Como seus pressupostos, Mahan afirmava que quanto mais uma


população estiver ligada ao comércio, mais buscará ganhos materiais
além do território nacional, impulsionando, por conseguinte, seu poder
marítimo e naval. Quanto mais rica for a população, mais esta desenvolverá
a construção naval. Entretanto, Mahan notou a diferença nos estilos de
enriquecer das nações. Para ele, investir na produção é o que garantiria
a base material permanente para a produção naval, como fez a GB,
diferentemente dos Estados ibéricos e da França (em um grau menor) que
procuraram a liquidez acima da produção (metalismo). Esse acúmulo de
capital acabou por se tornar exíguo, afetando, sensivelmente, essas nações
(MAHAN, 1890; ALMEIDA, 2009d).
Interessante perceber que os países que se dedicaram ao comércio
mundial foram aqueles que realizaram sua revolução industrial mais
rapidamente, o que possibilitou desenvolver suas indústrias, por meio
de incentivos e proteção estatais, apesar de serem considerados Estados
politicamente liberais. A indústria bélica pode ser enquadrada nesse
exemplo. Porém, Mahan denota etnocentrismo semelhante em suas
análises, ao que na atualidade os estadunidenses possuem com relação aos
povos não ocidentais. Por ser religioso (protestante), Mahan acreditava
no fardo do homem branco (WASP- White, Anglo Saxon, and Protestant),
em seu papel civilizatório do mundo por meio da colonização. Uma
justificativa etnocêntrica para que os Estados europeus adquirissem
colônias, dominando politica, cultural e economicamente, outras nações
(MELLO, 1997).
Essas ideias de missão civilizatória, destino manifesto, remete-nos
à análise contemporânea de Feres Jr. (2005) em seu estudo sobre a sociedade
estadunidense na obra “A história do conceito de “Latin America” nos
Estados Unidos, que identifica, dentre outras coisas, um par de preceitos
de conotação positiva e negativa, respectivamente a eles (estadunidenses)
e aos outros. Os conceitos negativos tendem à generalização e ganham
centralidade, a fim de denotar uma inferioridade, baseada no preconceito

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Alexandre Rocha Violante 235

das sociedades mais desenvolvidas. Por exemplo: os EUA são ricos e


protestantes, tal qual Mahan e os outros são pobres e católicos, com o
catolicismo levando ao atraso. Mais uma vez observam-se os fundamentos
justificatórios de uma superioridade para o domínio e a “civilização” de
“nações mais atrasadas”.

f) Caráter do Governo

Pode ser considerado como a “chave” dos seis elementos. O


Estado deveria ter a capacidade de formar homens públicos em prol
de seus interesses nacionais (estadistas). A canalização da política
para a fomentação do poder naval deveria ser a principal preocupação
do governo. Em tempos de paz, isso significava o desenvolvimento
econômico (principalmente da indústria naval), a aquisição de “portos-
seguros”, como bases, entrepostos comerciais, e a construção de uma
marinha capaz para fazer frente a qualquer inimigo. Em tempos de guerra,
a rápida implantação de mais navios/marinheiros seria suficiente, já que a
marinha estaria logisticamente pronta. Assim, caberia ao governo confiar
na capacidade de seus comandantes (MAHAN, 1890).
Por espelhar-se na GB, Mahan acreditava que governos não
despóticos tenderiam a evitar grandes gastos com poderes navais,
quando comparados aos despóticos (MAHAN, 1890). Essa ideia é um
contraponto à teoria da paz perpétua5 de Kant de 1795 que exigiria uma
constituição republicana (separação de poderes e representação popular)
no interior dos Estados, uma federação das nações no plano internacional
e o reconhecimento dos direitos da pessoa em todo o mundo, com isso, a
guerra seria evitada e a paz alcançada. Percebe-se, novamente, o seu lado
conservador, que ao defender governos despóticos não considerava os
anseios da população na definição das politicas públicas de seu Estado.
Ainda dentro da discussão do elemento “caráter do governo”,
Mahan defendia a ideia de Clausewitz de que “a guerra é a continuação
da política por outros meios”, entretanto, em tempos de guerra, tudo
ficaria a cargo dos comandantes. Essa posição entraria, em princípio, em
contradição com um dos princípios basilares de Clausewitz, que apregoava
a separação entre os poderes político, militar e o povo, com a subordinação
dos últimos dois ao poder político.
5
É um projeto filosófico de Kant que tem como cerne, a fé na força da razão frente ao poder e
na existência de uma OI e de uma constituição universal que garantiriam uma paz duradoura
entre os Estados.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
236 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

Entretanto, em seus diversos escritos, Mahan defendia, de fato, este


princípio contido na trindade paradoxal clausewitziana. Uma análise mais
apurada faz perceber que o que é apregoado por ele é a não intromissão de
civis em assuntos de estratégia e táticas militares. Nesse aspecto, mais uma
vez, ele relembra Jomini (1947), que tentou restabelecer o isolamento entre
os mundos civil e militar que as Revoluções Americana e Francesa haviam
extinguido, por meio da profissionalização definitiva do oficialato militar.
Interessante verificar que mais tarde, no meio do século XX, Huntington
(1996) estabeleceu uma teoria sobre relação civil-militar6 , na qual defendia
o controle civil objetivo do poder político sobre os militares.
Com isso, o controle civil sobre questões militares em termos de
treinamento e doutrina é limitado, entretanto, em relação à determinação
de onde e como empregar a força, o controle civil é total. Essa relação é
observada até hoje nos EUA.
Todavia, no que concerne à estratégia, Baylis e Wirtz (2002)
sustentam que o mesmo não deve ser visto apenas em função da relação
entre força militar e objetivos de guerra. No exercício de conceituação
da expressão os autores reafirmam a perspectiva exposta por Gray, que
sustenta que a estratégia deve ser entendida como a aplicação do poder
militar para o alcance de objetivos políticos. Assim, não seria possível
separar estratégia e política, já que a primeira funciona como uma
ponte entre os meios militares e os objetivos políticos, o que requer dos
especialistas dos estudos estratégicos conhecimentos tanto das questões
políticas quanto das operações militares.
Ao iniciar a conclusão desta seção, pode-se inferir que Mahan
estabeleceu a base para todo pensamento em assuntos navais e foi
percebido à época que o poder marítimo era o princípio que determinaria
a queda ou o crescimento de potências hegemônicas. Como consequências
de suas obras, pode-se afirmar que contribuíram: a) para a validação das
políticas naval e colonial das potências europeias, do império russo e
do Japão; b) para a corrida armamentista naval crescente na Europa até
a 1ª guerra mundial, especialmente entre a Alemanha e a GB; c) para a
construção de grandes esquadras de navios capitais, no final dos anos
1800, inclusive no Brasil; e d) principalmente para que outros teóricos
do poder marítimo surgissem, sendo, portanto, um fator positivo de sua
teoria à época (ALMEIDA, 2009d, 2010b).
6
As Forças Armadas estadunidenses consideram a teoria de Huntington como uma “teoria
normal”, uma vez que está adequada aos interesses militares de autonomia, que faz com que
sua profissionalização, não volte sua força contra o próprio Estado que lhe deu origem.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 237

Ao contrário da Marinha britânica, no final do século XIX a


Marinha dos EUA encontrava-se reduzida a uma marinha litorânea, de
“águas marrons”, tecnicamente obsoleta e despreparada para a guerra
moderna. Mahan era apenas um dentre outros muitos estadunidenses que
viam em uma marinha de “águas azuis”, moderna e de grandes dimensões
a oportunidade de materializar as ambições dos EUA.
Ficava clara, então, sua fixação nos navios de batalha, mais
precisamente pelos encouraçados, que predominaram até a 2ª guerra
mundial. Mas nem Mahan nem Jomini consideraram as novas formas
de enfrentamento bélico, oriundas da tecnologia, que constituíram uma
revolução na própria natureza da guerra ou, como hoje se denominam
Revolução nos Assuntos Militares (RAM).
Anos antes, Friedrich Engels (1820-95), conhecido como “o general
de Manchester” pelos seus conhecimentos militares percebera em seu livro
Anti-Dühring – Teoria da Violência (1877) que essa revolução tecnológica,
motivada pelos acontecimentos de seu tempo, tais como a revolução da
pólvora, a padronização de calibres, o surgimento da couraça e as inovações
não tecnológicas da revolução francesa, propiciou a transformação das
forças armadas e dos métodos de se fazer a guerra, além das revoluções na
estratégia terrestre e naval.
Como Mahan articulava de forma sistemática, a fim de legitimar
de forma pretensamente científica (nos moldes jominianos) a sua leitura
da História em defesa dos preceitos de uma marinha de guerra poderosa,
de uma marinha mercante de grande porte e de uma indústria naval
plenamente desenvolvida e moderna, ele não atentou para esses novos
conceitos, o que pode ser considerado como um ponto fraco de sua teoria.
Na realidade, seu objeto de estudo era exemplificar um sistema
teórico formado por princípios de validade universal, independente do
tempo ou de quando estes fossem aplicados, sem se preocupar com os
avanços tecnológicos, tal qual Jomini o fez na guerra terrestre.
Resumindo, Mahan se aproxima de Jomini em seus aspectos
militares, ao valorizar mais a tática e as ações operacionais do que a
estratégia, até porque a estratégia estaria definida pelos princípios
de guerra que seriam imutáveis. Um governo que tivesse um caráter
expansionista, conservador e de visão hegemônica, se seguisse o conceito
de sua “trindade marítima” alcançaria a supremacia, e, por conseguinte,
tornar-se-ia uma grande potência.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
238 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

A análise da obra de Mahan é fundamental para quem busca


compreender o pensamento geopolítico e suas influencias sobre as politicas
interna e externas dos Estados. Isso foi o que procurou ser feito nesta seção
do trabalho, apresentando, de forma geral, porém crítica, os principais
pontos de sua teoria. Na seção a seguir serão apresentadas críticas mais
detalhadas realizadas por Corbett e por outros autores contemporâneos
da estratégia marítima, elencando, mais especificamente, os pontos fortes
e fracos de sua teoria.

UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE CORBETT

Apesar de também ter lido Clausewitz, como já fora dito na seção


anterior deste artigo, tendo Mahan inclusive o citado duas vezes na obra
Naval Strategy (1911), é Corbett quem procura integrar a teoria da guerra
de Clausewitz ao estudo da guerra no mar (SUMIDA, 1993). De fato,
Corbett apresenta-se como o contraponto clausewitziano às considerações
de inspiração jominiana tecidas por Mahan.
Vale salientar que Corbett não estabeleceu, de fato, uma teoria
ou uma doutrina. O que Corbett queria era mostrar que o poder naval
possuía algumas características que o diferenciava do poder terrestre,
e que sua contribuição para a estratégia seria apontar suas limitações e
possibilidades.
A Historia naval seria importante nesse processo para demonstrar
o que ocorrera e de que forma os comandantes poderiam se utilizar das
experiências adquiridas em situações correlatas. Portanto, Corbett teve
como principal tarefa expurgar o pensamento naval mahaniano das
simplificações e reducionismos - um dos pontos fracos da teoria de Mahan
- que tinham sido incorporados nas mentes da oficialidade das marinhas
daquela época (ALMEIDA, 2009d). A partir das diversas leituras dos
trabalhos de Mahan, Como será observado a seguir, Corbett apresentou
diversas contestações à sua teoria, e que ficaram como legado à estratégia
marítima:
1 - A primeira crítica a Mahan refere-se ao preceito fundamental
da estratégia. Ele estabeleceu que a estratégia marítima era composta por
princípios que governam a guerra e nos quais o poder naval desempenhava
papel substancial. Entretanto, tal poder sozinho não é suficiente. Homens
vivem em terra e é lá que a guerra terá a sua a decisão final (CORBETT,
1911). Nessa crítica Corbett se posiciona contra a literatura estratégica

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 239

da época que pretendia que a guerra naval existisse em si própria, sem


dar importância à interdependência entre os exércitos e as marinhas em
tempos de guerra. Fato hoje fundamental para o sucesso estratégico a
operação conjunta entre Marinha, Exército e Aeronáutica dos Estados.
2 - Outra contestação refere-se à destruição da esquadra inimiga.
Para Corbett o que importava era o uso que se fazia do mar, dessa forma, o
comando ou controle do mar obtido pela destruição da esquadra inimiga
passa a ser irrelevante (CORBETT, 1911). Nessa compreensão, o controle do
mar passa a ter gradações, como: geral ou local, temporário ou permanente
(PROENÇA; DINIZ; RAZA, 1999).
Atualmente, os objetivos da guerra são determinados pelo poder
político e não por militares, portanto a esquadra inimiga não pode mais
ser mais considerada o objetivo primário da guerra, pois, dessa forma
a estratégia, livre do controle político, tenderia à guerra absoluta7 de
Clausewitz. Vale salientar que, apesar dos EUA possuírem atualmente um
poder naval incomparável, não conseguem obter por completo o domínio
do mar, sendo este relativizado até para a maior potência militar do
planeta.
3 - Os preceitos da guerra terrestre não deveriam ser prescritivos
para a guerra naval. O emprego do poder naval deveria ser combinado
com o emprego do poder terrestre, bem como condicionada à estratégia
nacional. Nessa visada, as guerras navais deveriam ser travadas para
alcançar objetivos limitados, e não visar à destruição total do inimigo
(CORBETT, 1911).
Ele subordina a ação da esquadra ao propósito da guerra, que
seria compelir o inimigo à mesa de negociações. Assim, o forçamento de
uma batalha decisiva sobre um adversário, que não desejava o confronto,
era considerado impraticável. (MONTEIRO, 2011). Com isso, ele rejeita
os princípios de indivisibilidade da esquadra e o princípio jominiano-
mahaniano de que só a ofensiva deveria ter lugar nas guerras, fortalecendo
a máxima de Clausewitz de que a defesa prevalece sobre a ofensiva. Na
realidade, os princípios de guerra são norteadores de estratégias específicas,
não de verdades imutáveis e absolutas, devendo ser utilizados de acordo
com os objetivos estratégicos, operacionais e táticos, na consecução dos
objetivos políticos.

7
É uma guerra que atinge o seu extremo natural, quando está livre dos efeitos moderadores
que lhe são impostos pela política ou pela sociedade. Como as guerras não se podem
conduzir a si mesmas e carecem da política e das sociedades para existir, Clausewitz teorizou
a impossibilidade da “Guerra Absoluta” por não poder se evitar estas influências.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
240 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

Importante destacar que a batalha utilizada como exemplo por


Mahan como um exemplo de genialidade de Nelson, na realidade, e até
mesmo ele achava isso, não foi uma batalha decisiva (ALMEIDA, 2009b)
que possibilitou o controle do mar relativizado à GB, pois o restante da
esquadra francesa ainda desempenhou algumas outras funções durante o
conflito, e inclusive permitiu que Napoleão continuasse como o ditador do
continente europeu (CROWL, 2008).
4 - Sobre o princípio da concentração, Corbett possui um
entendimento diferente de Mahan. Para ele a concentração residiria na
alocação de navios para tarefas específicas, podendo dispersar ou juntar
quando fosse necessário. O que para Mahan era um erro, a divisão em
cinco forças navais durante as guerras napoleônicas, para Corbett fora
uma vantagem, pois cada uma das forças estava em comunicação com
as demais, de tal maneira que, antes que qualquer força inimiga pudesse
explorar a fraqueza de uma dessas forças, uma grande parte ou mesmo a
totalidade da esquadra podia ser reunida (CORBETT, 1911).
Hoje, na doutrina das marinhas de guerra, o entendimento
corbettiano é a prática: existe a concentração tática (quando as forças são
reunidas e seguem juntas para aplicação em um determinado ponto)
e a concentração estratégica (quando elas convergem para se obter um
determinado objetivo estratégico) (PROENÇA; DINIZ; RAZA, 1999).
5 - Para Corbett, o preceito de “esquadra em potência” estava
equivocado, pois uma esquadra voluntariamente exilada em suas bases
navais concedia, de fato, o completo comando do mar ao inimigo e não o
contrário (CORBETT, 1999). Nesse ponto, Mahan também não acreditava
muito nesse conceito que era considerado geral à época (ALMEIDA, 2009c).
A esquadra em potência no sentido corbettiano era uma estratégia
que poderia ser analisada sob o ponto de vista da guerra limitada de
Clausewitz8, ou seja, pelo emprego de engajamentos para o propósito da
guerra, em que a força inferior se preparava, manobrava e combatia de
forma a evitar a batalha decisiva, impedindo que o inimigo usasse o mar
livremente (ALMEIDA, 2009d). Um exemplo de “esquadra em potência”
da contemporaneidade pode ser considerado o recolhimento aos portos da
esquadra argentina, após o afundamento do cruzador General Belgrano.
A suposta presença de submarinos nucleares da GB no teatro de
operações, juntamente com a preocupação com uma invasão por parte

8
A guerra limitada de Clausewitz (1984) se pautava na limitação de interesse pelo objeto da
disputa, estabelecendo limites ao empenho com que se travará a guerra.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 241

do Chile fez com que a força aérea argentina, e não a marinha de guerra,
tivesse uma participação mais relevante e efetiva na guerra.
6 - Ele criticava também a ideia de que apenas os encouraçados
eram os navios mais importantes para a formação de uma esquadra. Para
Corbett, o exercício do controle do mar não dependia somente dos navios
de linha, mas sim das atividades de supervisão, controle, comunicação,
patrulhamento, regulação e proteção das LCM.
Para isso eram necessários outros navios que não os chamados
navios de linha, como os cruzadores, por exemplo (CORBETT, 1911)
(PROENÇA; DINIZ; RAZA, 1999). O Cruzador era um navio mais flexível,
sendo considerado um meio ideal para a patrulha e escolta de navios de
maior valor estratégico (ALMEIDA, 2009d). Hoje as fragatas, corvetas,
navios-patrulha, navios de apoio e anfíbios, porta-aviões e submarinos
compõem a panóplia de uma força naval equilibrada e moderna.
7 - A questão do bloqueio e do comboio. Para Mahan, o bloqueio
era desperdício de navios de linha. Para Corbett o bloqueio era o centro
da guerra no mar (CORBETT, 1911). Corbett considerava que a batalha
decisiva era relevante, no entanto, considerava difícil que ocorresse, pois,
a esquadra mais fraca evitaria o combate, realizando tarefas pertinentes a
sua dimensão e características, sem fornecer o controle do mar ao inimigo.
Assim o bloqueio era a única opção para a força mais forte.
O bloqueio seria de dois tipos: o aproximado para manter o inimigo no
porto e o afastado para atrair o inimigo para fora (PROENÇA; DINIZ;
RAZA, 1999). O bloqueio persiste até hoje como importante estratégia,
ainda dentro do conceito de guerra limitada de Clausewitz.
Ao finalizar algumas das críticas de Corbett à teoria de Mahan,
pode-se sublinhar que ele desejava alinhar as teorias e reflexões navais com
as sólidas estruturas clausewitzianas de seu tempo. Corbett concordava
com muitos de seus preceitos e escritos de Mahan, por isso não o renegou,
mas procurou enfatizar que o ideal seria que houvesse uma educação
aos oficiais de marinha que evitasse as simplificações excessivas e os
reducionismos de sua teoria.
As palavras de Corbett, em sua crítica após o lançamento de “The
Influence of Sea Power Upon History, 1660-178”de Mahan evidenciam
bem isso: “Pela primeira vez a história naval adquiria uma base filosófica,
que a partir de grande número de fatos históricos, grandes generalizações
foram possíveis, havendo poucos livros que tenham produzido efeito na
ação como no pensamento”.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
242 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

Corbett também é bem-sucedido em descobrir em Clausewitz os


elementos que explicavam como e porque a GB foi capaz de obter sucesso
contra oponentes muito mais poderosos, fazendo jus ao arquétipo da
guerra tecido por Clausewitz: centralidade do combate; distinção entre
guerra limitada e ilimitada; primado da Política em qualquer situação;
superioridade da defesa sobre o ataque; fricção e acaso; concentração e
centro de gravidade; culminâncias do ataque e da vitória; e os custos das
guerras. O legado de Corbett, apresentado em algumas de suas críticas
acima, permanece atual, obviamente com a atualização de seus conceitos.

OUTRAS CRÍTICAS DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS

Como pontos fracos da teoria de Mahan, Monteiro (2011) afirma


que Mahan desvalorizou importantes fatores de poder, principalmente
ao assumir que o potencial estratégico dos Estados era constituído, quase
exclusivamente, pelas suas forças navais. De fato, Mahan elaborou sua
teoria dando ênfase à componente marítima e naval. Assim, ele defendia
que o papel central das marinhas não deveria ser visto como subordinado
a nenhum outro poder militar, bem como ser voltado para as marinhas de
“águas azuis”, não valorizando o uso da marinha para a defesa do litoral.
Cabe ressaltar que para possuir um poder naval equilibrado,
Vidigal nos ensina que a força deve conter vários navios de diversas
características para cumprir as mais variadas missões, sejam mais
litorâneas, ou oceânicas, como será mais bem observado na próxima seção
deste artigo ao tratar do pensamento marítimo deste grande historiador
naval brasileiro.
Talvez um dos maiores erros de Mahan e também de Corbett
tenha sido a desconsideração da importância da guerra de corso na
estratégia naval. Ambos os autores consideravam que o objetivo primário
das marinhas era a obtenção do controle do mar total (ideia mahaniana)
ou relativizado (ideia corbettiana), desvalorizando a guerra contra a
navegação comercial inimiga, chamada de guerra de corso, ao qual
atribuíam caráter secundário.
As duas grandes guerras mundiais, de acordo com Proença, Diniz
e Raza (1999) e Crowl (2008) viriam a mostrar o proveito da guerra de
corso, sobretudo a desencadeada por submarinos alemães que, apesar
do domínio do mar exercido pelas nações aliadas na 2ª guerra mundial,
conseguiram afetar muito seriamente suas LCM.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 243

Herbert William Richmond (1871-1946), historiador inglês


contemporâneo de Corbett apresentou sua teoria do poder marítimo
baseada nos fundamentos básicos da teoria mahaniana, entretanto, com
alguns pontos discordantes, como nos mostra Almeida (2009d):

1 - Richmond não concordava com o princípio da centralidade do


mar nas guerras. Ele considerava que o uso da marinha de guerra dependia
do tipo de guerra a que se estava submetido;

2 - Richmond pouco discutiu questões de geopolítica, preferindo


analisar o aspecto estratégico-militar dos conflitos navais;

3 - Com relação ao controle ou comando do mar, Richmond tinha


como propósito utilizá-lo em seu próprio benefício e não para destruir o
inimigo em combate; para isso não utilizaria a batalha decisiva, preferindo
a conquista de bases adversárias e o impedimento da concentração da
força naval por parte do inimigo;

4 - O projeto de força naval idealizado Richmond indicava a


constituição de uma força centrada em cruzadores menores, que por serem
mais velozes e mais “manobráveis” que os navios de linha, protegeriam
com maior flexibilidade as LCM;

5 - Os elementos do poder marítimo de Richmond eram


sintetizados em apenas três, o que demonstra um afastamento entre as
duas percepções (ALMEIDA, 2009d).

Pode-se constatar que suas críticas se assemelham às de Corbett.


Richmond também apresentou muitos pontos concordantes e indiferentes
à teoria de Mahan. Esses podem ser melhor observados na tabela seguinte
– “ A Guerra, o Poder Marítimo e Considerações Estratégicas segundo
Mahan e Richmond”.

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244 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

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Alexandre Rocha Violante 245

Nesse ponto, Sprout (1943 apud MONTEIRO, 2011) considerou


que os elementos do poder marítimo de Mahan precisavam ser atualizados
em função da evolução de pensamento marítimo e naval que ocorria em
plena 2ª guerra mundial. Esses deveriam ser emendados, com mudanças
de ênfase e reavaliação. Historiadores como Geoffrey Till e Eric Grove
reformularam e atualizaram essa lista, conforme se pode ver a seguir.

Alterações nos elementos do poder Marítimo de Mahan.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
246 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

Till e Grove passaram a incluir a economia e a tecnologia nos


elementos do poder marítimo de Mahan. Reduziram em importância os
elementos geográficos tais como: conformação física, extensão territorial
e caráter da população. De fato, a economia e o domínio de tecnologia
de ponta podem suprir alguns desses fatores geográficos. A ausência
de matérias primas, por exemplo, pode ser compensada por políticas
públicas que sustentem o desenvolvimento do Estado em áreas de alta
tecnologia, possibilitando altos ganhos de capital com materiais de
maior valor agregado, realizando parcerias estratégicas e comerciais com
Estados fornecedores de insumos básicos. Nesse sentido, uma população
pequena, mas bem-educada e qualificada profissionalmente, pode suprir
as capacidades econômicas com mão de obra altamente especializada.
Till (1987 apud ALMEIDA;2009d) ainda acrescenta que Estados
com importantes conexões comerciais por meio marítimo têm contemplado,
além dos aspectos geográficos, os psicológicos, financeiros e operacionais
na formulação no conceito de poder marítimo. Nesse diapasão, as forças
navais já se encontram subjacentes a esses elementos e sem os quais não
teriam qualquer sentido. Esses novos aspectos retratam o intercambio
cada vez maior entre os Estados, fruto de uma nova fase de globalização
mais rápida que se vivencia hoje.
Coutau-Bégarie (2010) advoga a tese de que a concepção de poder
marítimo inclui dois tipos de determinantes, os estáveis ou de longa
duração e os instáveis de curta duração ou transitórios. Nos estáveis
incluem-se os aspectos geográficos, tal qual Mahan apresentara. Por outro
lado, os determinantes instáveis englobam duas bases, a econômica e a
política, variáveis de acordo com os diferentes períodos históricos.
A base econômica possui quatro variáveis: a capacidade de
mobilização de recursos com as matérias-primas e a capacidade industrial
instalada; a infraestrutura de apoio; as atividades comerciais; e o nível
de desenvolvimento tecnológico e científico do Estado. A base política
possui duas vertentes: a política interna voltada para o estabelecimento
de políticas e estratégias marítimas e a política externa com as alianças
firmadas e as ameaças explícitas esperadas.
Já para Brodie (1944) o poder marítimo preenche quatro funções
principais: A primeira refere-se à proteção da transferência no mar de forças
do exército e da força aérea e seus abastecimentos para locais onde poderão

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 247

ser utilizados contra forças hostis; a segunda à proteção do transporte


de bens comerciais; a terceira à negação do uso do mar pelo inimigo, e
a última à pressão sobre o inimigo, a fim de que ele fique impedido de
receber recursos fundamentais à sua sobrevivência e transportar seus bens
para os aliados.
Daí surgiria a função principal do poder marítimo, que gravitaria
em torno da proteção do comércio e transporte de bens pelo mar.
Apesar de ser um dos pontos fortes de sua teoria, os aspectos geopolíticos
da teoria mahaniana mereceram outra conotação, como pôde ser visto
nos parágrafos anteriores, com a presença de novos elementos como:
economia, tecnologia, aspectos psicossociais, financeiros e logísticos que
Mahan não conseguira visualizar em sua amplitude, à época.
A teoria de Mahan, apesar de bastante criticada, teve importância
fundamental para enfatizar a necessidade do controle do mar para o
desenvolvimento das Nações e a centralidade do mar no destino desses
Estados, o que atendeu à demanda política no final do século XIX e início
do XX. A análise de suas obras é extremamente importante para buscar
compreender o pensamento geopolítico e suas influências sobre as políticas
externas e internas dos Estados. Seus elementos do poder marítimo são
importantes até hoje, obviamente repaginados e com outras emendas e
interpretações como foi mostrado no decorrer desta seção.
Como outros pontos fortes de sua teoria, podem-se citar: a
cunhagem e evangelização da expressão sea power (poder marítimo);
a apologia da importância do mar; a defesa do poder do mar como
fomentador econômico; o profundo impacto na ação política; a necessidade
de reflexão e estudo permanente; o recurso à história como ferramenta
essencial para a formulação estratégica (MONTEIRO, 2011).
Consistentemente, Mahan levou seus leitores a pensarem em
matérias como: o conceito de interesse nacional, a dimensão moral da
força militar, as responsabilidades e oportunidades do poder mundial; a
natureza da dependência das LCM, a composição das frotas, os requisitos
logísticos das guerras e, principalmente, o emprego das marinhas como
instrumento da política nacional (CROWL, 2008).
Não se deve esquecer do conceito da “trindade mahaniana”,
talvez o maior legado observado por esse autor, certamente adaptada à
modernidade, principalmente no que tange ao item da necessidade de
colônias para o estabelecimento de bases e entrepostos comerciais, o que

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
248 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

pode ser compreendido na contemporaneidade como a existência de


parceiros comerciais e estratégicos, fomentados por alianças e organizações
internacionais de cunho político, econômico, militar e estratégico.
No entanto, com relação à história como ferramenta, vale destacar
que muitos acontecimentos históricos foram deixados de lado na tentativa
de comprovar suas ideias. Analisando fatos históricos posteriores a seus
escritos, pôde-se perceber que muitos que ele entendia como verdades
absolutas não ocorreram em sua totalidade.
Na 1ª Guerra Mundial, a batalha decisiva tão esperada não ocorreu
(a marinha de guerra alemã a evitou a todo custo, mantendo a esquadra
britânica em estado de permanente prontidão); o avanço tecnológico
naval com a introdução da aviação naval e do submarino não foi por ele
percebido; o uso dos comboios foi fundamental para a manutenção das
LCM; e a guerra de corso se mostrou eficaz contra os aliados.
Já na 2ª guerra mundial, apesar de alguns historiadores, anos após
o seu término, persistirem em afirmar que a vitória estadunidense sobre
o Japão foi a validação das ideias de Mahan, tal fato não correspondeu à
realidade. O encouraçado deixou de ser o navio capital; os desembarques
anfíbios, aspecto pouco abordado por ele, foram decisivos para a vitória
no Pacífico; a guerra de corso conduzida por submarinos, o predomínio da
aviação baseada em porta-aviões e a inexistência da batalha decisiva, não
comprovaram alguns de seus preceitos (ALMEIDA, 2010b).
A frase de Vidigal (1998, p. 116) talvez aponte a real contribuição
de Mahan para a história e a estratégia marítima na primeira metade do
século XX:

É impossível negar que as duas guerras mundiais


comprovaram as ideias básicas de Mahan
relativamente à importância do poder marítimo
para determinar a vitória na guerra, mas, ao
mesmo tempo, mostraram as limitações de sua
concepção relativamente à guerra de atrição ou
de desgaste, à relatividade do domínio do mar,
à projeção do poder naval sobre terra.

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Alexandre Rocha Violante 249

O PENSAMENTO MARÍTIMO CONTEMPORÂNEO DE VIDIGAL

Analisar em tão poucas linhas a história do pensamento estratégico


marítimo de Vidigal é um trabalho assaz difícil, se não quase impossível.
Sem sombra de dúvidas, suas obras merecem uma análise mais profunda
em outro artigo, o que será feito a posteriori, pelo autor do presente artigo
Ao escrever a última seção deste artigo, ater-me-ei a comparação
de seu pensamento com a “trindade mahaniana”, que a meu ver
permanece fundamental até hoje na implementação de um poder marítimo
balanceado, essencial às nações que buscam uma maior assertividade no
sistema internacional.
Vidigal, durante sua trajetória intelectual, procurou analisar
as conjunturas externa e interna da política, identificando os elementos
fundamentais e seus possíveis reflexos para a evolução do pensamento
estratégico marítimo brasileiro.
Interessante perceber que seu pensamento é tão atual que se
encaixa em ideias das teorias realistas neoclássicas, construtivistas e liberais
das relações internacionais que consideram novos campos importantes à
segurança apresentadas durante os anos 90, 2000 e até hoje.
De fato, o chamado realismo neoclássico admite novas variáveis
no sistema internacional, como a política doméstica, o valor do indivíduo
e as diversas nuances de estruturação do Estado, que fazem com que
essas unidades respondam de formas diferentes às pressões do sistema
internacional. Como representantes dessa vertente pode-se citar Shweller
e Fareed Zacaria (2008).
Nessa mesma época, a teoria construtivista, que tem como
um de seus representantes mais importantes os teóricos da Escola de
Copenhague, pode-se perceber que o conceito de segurança é abrangente,
possuindo cinco campos do conhecimento: político, econômico, ambiental,
societal e militar (BUZAN; HANSEN, 2012). Ou seja, a segurança estatal
divide espaços com a segurança humana, em que o indivíduo é um ator
importante para a própria securitização do Estado em seus diversos
arranjos internacionais e domésticos.
Em uma leitura mais recente e mais ligada, obviamente, ao
liberalismo, porém procurando conjugá-lo com o construtivismo e o
realismo em algumas de suas ideias, Nye em sua obra “O futuro do Poder”
(2012) cunha a expressão smart power que nada mais é que a conjugação do

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
250 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

soft power e do hard power em uma estratégia que deve ser aplicada após
uma correta avaliação das diversas variáveis do sistema que ele chama
de novas áreas de importância a saber: alianças, parcerias e instituições,
desenvolvimento global, diplomacia pública, integração econômica.
Disso se pode perceber que os “novos campos da segurança” da
Escola de Copenhague, ou seja: militares, políticos, econômicos, societais
e ambientais se assemelham aos campos de segurança da estratégia smart
de Nye. Isso posto, esta seção, analisará criticamente o pensamento de
Vidigal no que tange aos preceitos de Mahan e sua trindade (shipping,
forte economia produtiva e colônias - que poderiam ser consideradas hoje
como parceiros comerciais privilegiados), de Corbett e dos demais teóricos
e estudiosos contemporâneos da estratégia marítima.

A TRINDADE MAHANIANA

Analisando o poder marítimo brasileiro nas últimas décadas,


percebe-se que o setor marítimo passa por oscilações de investimentos e
de prioridades por parte do poder político, muito que flutuando de acordo
com a conjuntura econômica interna e mundial.
Vidigal já apresentava em 2001 as seguintes vulnerabilidades
estratégicas brasileiras no Atlântico Sul: a) a dependência de fontes
externas de energia, devido à grande importação por via marítima; b)
as LCM estão vulneráveis a ataques por ar e mar (navios de superfície e
submarinos); c) as principais áreas produtoras de petróleo se encontram
próximas à plataforma continental, em locais afastados da costa, estando
sujeitas às mesmas ameaças das LCM, além de ameaças por agentes
terroristas; e d) a Amazônia verde pode se transformar em médio e longo
prazo, em uma área mais suscetível a ações externas por possuir grandes
recursos naturais, como a abundante água doce. Pode-se constatar que
essas vulnerabilidades permanecem até hoje.
Em sua leitura, pode-se identificar, dentro dos elementos do
poder marítimo mahaniano, que o caráter do governo e caráter da
população, juntamente com os elementos político (interno e externo) e
o econômico, oriundos da análise apresentada na seção anterior de Till,
Brodie e Coutau-Bégarie vêm se constituindo como os maiores entraves
para o desenvolvimento das potencialidades marítimas nacionais. O que
fazer, portanto, para superar tais dificuldades?

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 251

Vidigal entendia que as concepções estratégicas de um Estado


deveriam, primeiramente, identificar as aspirações nacionais e as suas
vulnerabilidades para, em segundo lugar, definir as capacidades necessárias
para atendê-las, sendo o orçamento uma consequência (VIDIGAL, 2010).
Nessa compreensão, a participação da sociedade brasileira na elaboração
das Estratégia Nacional de Defesa de 2008 e 2012 já demonstra um avanço
em relação aos dois documentos de defesa anteriores, as Política de Defesa
Nacional de 1996 e 2005. Entretanto, essa participação pode ser bem maior
(LIMA, 2011). Vale ressaltar ainda que as necessidades de um poder
marítimo passam também pelo fortalecimento do seu poder naval, o que
“esbarra” muitas vezes no orçamento.
A partir daí, inicia-se o debate sobre a opção por uma “marinha
de águas marrons”, menos custosa, ou por uma “marinha de águas azuis”,
mais completa. Vidigal em suas obras analisa a necessidade para o Brasil
de uma “marinha de águas marrons” ou de “águas azuis”. Sua análise
diz respeito a comprovar se uma “marinha de águas marrons” causaria o
mesmo efeito dissuasório que uma “marinha de águas azuis, haja vista os
documentos de mais alto nível da Defesa, ou seja, a END e a PND.
A MB usa o termo “águas marrons” para uma Marinha formada
por navios de pequeno porte, com sistemas de armas mais simples e
alcance limitado, quando comparada àqueles que operam em alto-mar.
Essa marinha operaria em águas litorâneas, perto da costa e voltada para
ações em tempo de paz, como operações de Garantia da Lei e da Ordem
(GLO), e para se opor às “novas ameaças”, como terrorismo, narcotráfico,
contrabando, descaminho, pirataria, pesca ilegal e poluição marítima. O
termo “marinha de águas azuis” significa:

Uma Marinha com capacidade própria para


se proteger contra ameaças submarinas, de
superfície e aéreas e que, sustentada por um
apoio logístico móvel, pode se manter operando
por considerável período de tempo a grandes
distâncias de suas bases, ou também aquela que
opera em alto-mar, geralmente com apoio de
navios-aeródromos, com capacidade de projetar
o poder naval sobre terra (VIDIGAL, 2010, p. 8).

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
252 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

A END determina a dissuasão como uma de suas principais


diretrizes, oriundo do que estabelece uma das orientações da PND: “A
atuação do Estado brasileiro com relação à defesa tem como fundamento
a obrigação de garantir nível adequado de segurança do País, tanto em
tempo de paz, quanto em situação de conflito. À ação diplomática na
solução de conflitos soma-se a estratégia militar da dissuasão” (BRASIL,
2012, p. 33). Assim, com base na PND e na END e na estratégia militar dela
decorrente, as Forças Armadas deverão ser empregadas considerando os
seguintes aspectos:

O monitoramento e controle do espaço aéreo, das


fronteiras terrestres, do território e das AJB em
circunstâncias de paz; a ameaça de penetração
nas fronteiras terrestres ou abordagem nas
águas jurisdicionais brasileiras; a ameaça de
forças militares muito superiores na região
amazônica; as providências internas ligadas à
defesa nacional decorrentes de guerra em outra
região do mundo, que ultrapassem os limites de
uma guerra regional controlada, com emprego
efetivo ou potencial de armamento nuclear,
biológico, químico e radiológico; a participação
do Brasil em operações internacionais em
apoio à política exterior do País; a participação
em operações internas de GLO, nos termos da
Constituição Federal, e os atendimentos às
requisições da Justiça Eleitoral; e a ameaça de
guerra no Atlântico Sul. (BRASIL, 2008, p. 48).

Cabe, portanto, de acordo com as características do poder naval (a


mobilidade, a flexibilidade, a versatilidade e, em especial, a permanência),
estabelecer os limites marítimos entre as “águas marrons” e as “águas
azuis” e os meios a serem nelas empregados.
Os limites da Zona Econômica Exclusiva (200 milhas da linha
de base ou, até mesmo, nos casos de extensão até 350 milhas, quando a
plataforma continental se estende além desta) representam distâncias não
compatíveis com “águas marrons” (VIDIGAL, 2010). Nessa visada, no que
tange ao alcance geográfico, a extensão das águas jurisdicionais brasileiras

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 253

(AJB) correspondem a aproximadamente 4.500.000 Km², sendo compatível


com uma “marinha de águas azuis”. Esse alcance é ainda maior quando
considerada a área de Busca e Salvamento (SAR) de responsabilidade da
MB, estabelecida internacionalmente.
E para cumprir seus objetivos estratégicos explicitados nas tarefas
do poder naval, ou seja, a negação do uso do mar (principalmente), o
controle de áreas marítimas e a projeção de poder, ela deve ter por foco, de
acordo com a END:

(a)defesa proativa das plataformas petrolíferas;


(b) defesa proativa das instalações navais
e portuárias, dos arquipélagos e das ilhas
oceânicas nas águas jurisdicionais brasileiras; (c)
prontidão para responder a qualquer ameaça,
por Estado ou por forças não convencionais
ou criminosas, às vias marítimas de comércio;
e (d) capacidade de participar de operações
internacionais de paz, fora do território e das
águas jurisdicionais brasileiras, sob a égide das
Nações Unidas ou de organismos multilaterais
da região (BRASIL, 2012, p. 69).

Para assegurar a tarefa de negação do uso do


mar, o Brasil contará com força naval submarina
de envergadura, composta de submarinos
convencionais e de submarinos de propulsão
nuclear. A Marinha contará, também, com
embarcações de combate, de transporte e
de patrulha, oceânicas, litorâneas e fluviais.
A Marinha adensará sua presença nas vias
navegáveis das duas grandes bacias fluviais, a do
Amazonas e a do Paraguai-Paraná, empregando
tanto navios-patrulha como navios-transporte
(BRASIL, 2012, p. 70-71).

Logo, conforme pôde ser visto nas citações anteriores, há uma


priorização maior do nível político para aquisição de meios atinentes
às tarefas de uma “marinha de águas azuis”, entretanto, há tarefas

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
254 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

determinadas para navios com característica de águas marrons. Assim,


pode-se afirmar que seus elaboradores das políticas públicas nacionais nas
últimas décadas foram influenciados mais pelo preceito de “Marinha de
águas azuis” de Mahan, sem, contudo abandonar a aquisição de navios
patrulha e de apoio, o que de fato aconteceu de forma mais incisiva no que
se refere às últimas aquisições de meios da MB.
Vidigal era adepto a uma marinha balanceada entre uma “marinha
de aguas azuis” e uma “marinha de águas marrons” com credibilidade
para dissuadir, cumprindo as tarefas atinentes ao poder naval, bem como
as atividades subsidiárias e de operações de paz. Essas últimas mais
visíveis à sociedade brasileira. Ele defendia uma força naval nucleada em
NAe, com a presença de submarinos convencionais e de propulsão nuclear
e apoio logístico móvel para garantir a longa permanência no mar.
Vidigal apresenta-se, portanto, mais influenciado pelo exercício
do comando do mar corbettiano, em que diversos tipos de navios são
importantes para o efetivo controle do mar, sob o preceito “águas azuis”,
e também ligado ao preceito da “jeune école”9 , sob uma nova roupagem,
comparando-o com “águas marrons”, a qual seria mais adequada a
orçamentos reduzidos.
No que se refere à marinha mercante, ele criticava a falta de uma
política consistente, duradoura e estável do ponto de vista econômico
(VIDIGAL, 2010). Em 1984, os navios de bandeira brasileira transportavam
43,1% do frete total gerado pelo comércio exterior. Ao observar o Anuário
Estatístico de 2013 da Agência Nacional de Transporte Aquaviário
(ANTAQ), nota-se uma melhoria nos dados referentes ao afretamento,
porém, o número de navios com bandeira brasileira no comércio exterior
é de aproximadamente 7%, contra 93% de navios estrangeiros, fato que
demonstra a fragilidade ainda existente nesse setor e que denota um
risco de permanência do tráfego marítimo dominado por oligopólios
estrangeiros (CAVALCANTI, 2013).
Tal qual Mahan e seus estrategistas/analistas contemporâneos,
Vidigal afirmava que era fundamental que o Brasil possuísse uma marinha
mercante forte, com estrutura suficiente para assegurar a soberania do

9
Concepção do Almirante francês Theophele Aube no final do século XIX que com orçamentos
reduzidos estimulou a aquisição de novos meios para sua marinha que possuía condição de
inferioridade em relação à Marinha britânica.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 255

Estado em situações de crise ou conflito, sob a ameaça de ser submetido a


um bloqueio eficaz. Com a atual frota de navios com bandeira brasileira, é
praticamente inexequível adaptá-los e utilizá-los como navios de guerra, o
que reduz a capacidade de mobilização da MB, dificultando o emprego do
poder marítimo, nessas situações.
A história fornece exemplos que servem de lições. A guerra das
Malvinas mostrou o poder de mobilização de navios mercantes da GB.
Os britânicos adaptaram seus navios que foram fundamentais para as
operações normais para cumprirem uma variedade de tarefas e estes
foram fundamentais para as operações navais.
Conclui-se que uma marinha mercante forte, uma marinha de
guerra balanceada, uma indústria de defesa nacional pujante e vontade
política possibilitam, por assim dizer, que a “trindade mahaniana
modificada” (shipping, economia produtiva e parceiros privilegiados),
possa incrementar o poder marítimo nacional.
Esses conceitos são apenas alguns dos pensamentos de Vidigal
que permanecem atuais não apenas no meio militar, mas também naqueles
que pensam a estratégia na segurança e na defesa em nossa sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A História ensina que os Estados que valorizaram o uso do mar


alcançaram grande desenvolvimento econômico. Nesse contexto, podem-
se citar: Portugal e Espanha na época das grandes Navegações, a GB, a
partir do século XVII, o Japão e os EUA, a partir do final do século XIX,
entre tantos outros. Esses Estados compreenderam a importância do Mar,
e para tal, buscaram estabelecer políticas públicas para alcançar seus
objetivos nacionais. Por outro lado, Estados como a França e a Alemanha
também lograram êxito em suas demandas nacionais com um forte poder
terrestre. Portanto, a história do pensamento geopolítico e estratégico
mostra como as visões precisam estar integradas e deixem de ser uma
sistemática oposição entre “continentalidade” e “maritimidade”.
De fato, como demonstrou Coutau-Bégarie (2010), são poucos
os estrategistas navais. Encontram-se muitos analistas de estratégia. Os
próprios Mahan e Corbett, talvez os mais conhecidos teóricos da estratégia
marítima e naval tiveram por seu turno influências não ligadas diretamente
ao poder marítimo e ao poder naval (REIS, 2013). Mahan apreciava Jomini,

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
256 A TEORIA DO PODER MARÍTIMO DE MAHAN- UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS.

um teórico da guerra terrestre. Corbett apoiava-se em Clausewitz, que


nem sequer pensou sobre a guerra no mar. Esses autores clássicos foram
muito importantes para diferenciar os aspectos atinentes a um ou outro
poder militar, nunca para entendê-los como dissociáveis.
Atualmente, os choques entre forças nos campos político,
psicossocial e militar se intensificam. As “novas ameaças” ou ameaças neo-
tradicionais estão de volta. Os conflitos que ocorrem atualmente indicam
a continuada emergência de crises, sejam elas oriundas de atores estatais
ou não estatais. Nessa compreensão, a proteção dos interesses no mar e na
terra continuará a demandar a presença do poder naval, aéreo e terrestre
operando conjuntamente com as forças armadas do seu país, e de forma
combinada em coalizões internacionais.
Nessa visada, a contribuição de Vidigal foi importante. Ao
incentivar o contínuo debate entre civis e militares, e a academia, ele
apresentou suas ideias para a estratégia marítima brasileira, por meio de
uma análise apurada dos eventos contemporâneos do Brasil e do mundo,
propondo a resolução de problemas e vulnerabilidades nacionais.
Ao conjugar os conceitos dos mais variados estrategistas e
analistas de estratégia, ele visou à construção de um poder marítimo crível,
corretamente balanceado e moderno, pronto a ser expandido, e cujo poder
dissuasório de sua vertente naval esteja à altura dos desafios requeridos
pela sociedade brasileira e pelas conjunturas mundiais.
No entanto, o desenvolvimento de uma visão estratégica desse
porte passa pela capacidade de mobilização de recursos e legitimidade
da sociedade. Nessa compreensão, não está claro o quanto a sociedade
brasileira está disposta a aderir a esse projeto complexo e em sua totalidade.
Até porque sua participação em assuntos de defesa, apesar de ter sido
incrementada na última década, ainda é incipiente.
Sem uma legitimidade maior, será que o Estado brasileiro estaria
disposto a abrir mão de alguns projetos de maior visibilidade e mais
populares em prol do fomento do poder marítimo nacional?
Ao concluir, verificou-se que as ideias de Mahan foram
fundamentais para que, por meio de seus princípios generalistas,
surgissem outras opiniões que enriqueceram o campo da estratégia. O que
pode sintetizar a relevância de Mahan foi a importância que ele deu ao
poder naval para a vitória na guerra.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Alexandre Rocha Violante 257

Mahan foi o principal teórico norte-americano sobre poder


marítimo, tornando-se um paradigma até o fim da 2ª guerra mundial.
Outros teóricos surgiram, no entanto todos leram Mahan. Suas
ideias são discutidas até hoje. Talvez suas respostas já não sejam tão
relevantes, mas com certeza, as questões que ele levantou ainda são. Por
isso ele é um clássico e deve continuar a ser lido pela comunidade de
estudiosos, teóricos e analistas dos assuntos estratégicos.
Dessa forma, atingiu-se o propósito deste trabalho que foi analisar
os principais pontos de sua teoria seus pontos fortes e fracos, bem como as
críticas de outros autores contemporâneos que acabaram por desenvolver
o pensamento estratégico brasileiro, e que ficam aqui bem resumidas em
suas palavras por ocasião da formatura da turma de 1892 do Naval War
College: “Todo o mundo sabe, senhores que estamos construindo uma
nova marinha (...). Bem, quando tivermos nossa marinha, o que iremos
fazer com ela? ” (MAHAN, p. 229 apud CROWL, 2008, p. 631).

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Recebido em: 11/05/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 223 – 260, jan./jun. 2015
Márcio Saldanha Walker 261

A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À


SOCIEDADE

Márcio Saldanha Walker 1

RESUMO
Logística de Defesa se refere a fornecer os meios para as
Forças Armadas, bem como sustentar as suas operações.
Na doutrina de Defesa Nacional brasileira, o nível político
é o responsável por estruturar os órgãos e planejar as
ações da logística militar dos demais níveis.
O mundo complexo atual, por sua natureza imprevisível,
exige a prontidão de todo o ciclo logístico, mantendo
a estrutura de defesa capaz de enfrentar as eventuais
ameaças às instituições nacionais e ao povo brasileiro.
A eficiência dessa estrutura logística de defesa depende
da recíproca e ampla interação entre civis e militares nos
assuntos da Política Nacional de Defesa.
Palavras-chave: Logística, Logística de Defesa, Integração
civil-militar.

1
Major de Cavalaria, Doutorando em Ciências Militares (IMM/ECEME), Mestre em Operações
Militares (EsAO), Aluno do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
Contato: <walker22ms@yahoo.com.br>

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
262 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

DEFENSE LOGISTICS INTEGRATED TO


SOCIETY
ABSTRACT
Defense Logistics refers to provide the means for the
armed forces and support their operations. In the
Brazilian doctrine of National Defence, the political level
is responsible for structuring the organs and planning the
actions of the military logistics of the other levels.
The current complex world, with its unpredictable nature,
requires the readiness of the entire logistics cycle, keeping
the defense structure able to face any threats to national
institutions and to the Brazilian people.
The efficiency of this defense logistics structure depends
on mutual and extensive interaction between civilian and
military in matters of national defense policy.
Keywords: Logistics, Defense Logistics, civil-military
integration.

DEFENSA DE LA SOCIEDAD INTEGRADA


LOGÍSTICA
RESUMEN
Logística de Defensa se refiere a proporcionar los medios
para las fuerzas armadas y apoyar sus operaciones. En la
doctrina brasileña de Defensa Nacional, el nivel político
es el responsable de la estructuración de los órganos y la
planificación de las acciones de la logística militar de los
otros niveles.
El complejo mundo actual, por su naturaleza impredecible,
requiere la disposición de todo el ciclo logístico,
manteniendo la estructura de defensa capaz de enfrentar
cualquier amenaza a las instituciones nacionales y para el
pueblo brasileño.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
Márcio Saldanha Walker 263

La eficacia de esta estructura logística de defensa depende


de la interacción mutua y amplia entre civiles y militares
en materia de política de defensa nacional.
Palabras clave: Logística, Logística de Defensa, de
integración civil-militar.

INTRODUÇÃO

A Logística de Defesa1 é um dos principais desafios para a Defesa


Nacional2. O mundo atual é caracterizado por envolver diferentes atores
dentro de um cenário cada vez mais dinâmico e complexo. A organização
do Estado do Brasil está amparada em legislações democráticas que
regulamentam e amparam a estrutura dos poderes nacionais3 dentro
dos níveis de planejamento da Defesa. Esse aparelhamento burocrático
ultrapassa a esfera de decisão dos poderes constitucionais, envolvendo o
componente decisório da sociedade em cada vez mais ampla relação entre
civis e militares, em assuntos de segurança e defesa.
O presente artigo visa explicar a estrutura enquadrante da
Logística de Defesa, a fim de entender como se processa sua viabilização
no nível estratégico. Em seguida, explora a importância para a sociedade
brasileira em pensar sobre Defesa Nacional e a necessidade da logística
para a pronta resposta requerida pelo sistema de Mobilização Nacional,
contra ameaças externas, podendo atuar fora e dentro do país. Ao final, o
texto busca ampliar a percepção heurística para a integração do sistema
e a necessidade de envolver cada vez mais a participação dos civis em
assuntos militares.

A ESTRUTURA ENQUADRANTE DA LOGÍSTICA DE DEFESA

No estado democrático constitucional brasileiro as Forças


Armadas (FA) brasileiras estão subordinadas ao nível político, sendo que
o Comandante Supremo (CS) é o Presidente da República (PR)4. No regime
político da federação brasileira, o Estado tem os poderes da União divididos

1
Ver < http://www.defesa.uff.br/index.php/logistica-de-defesa >
2
O Livro Branco de Defesa Nacional (2012) pode ser acessado em < http://www.defesa.gov.
br/arquivos/2012/ mes07/lbdn.pdf >
3
Ver o Título IV da Organização dos Poderes da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988.
4
Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999.

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264 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

entre o executivo com alta capacidade de extração fiscal e capacidade de


entrega de políticas de bem-estar e segurança; o legislativo bicameral,
Senado e Câmara dos Deputados; e o poder judiciário (CEPIK, 2011).
Dentre os organismos, o presidente tem total poder decisório quanto aos
aspectos que envolvem a segurança e defesa do Brasil. Ainda na esfera do
poder executivo, o Ministério da Defesa (MD) é a estrutura política criada
em 1999, com a aprovação da Lei Complementar n. 97 de 9 jun. 1999, para
ser o órgão de assessoramento direto do Presidente da República para a
área militar, a fim de definir a Política Nacional de Defesa (PND).

A Política Nacional de Defesa é o documento


condicionante de mais alto nível do
planejamento de ações destinadas à defesa
nacional coordenadas pelo Ministério da Defesa.
Voltada essencialmente para ameaças externas,
estabelece objetivos e orientações para o preparo
e o emprego dos setores militar e civil em todas
as esferas do Poder Nacional, em prol da Defesa
Nacional. (BRASIL, 2014, p. 12)

Recentemente foram realizadas alterações organizacionais e nas


competências do MD, definidas pelo Decreto nº 7.974, de 1º de abril de
2013. As estruturas intermediárias passaram a ser assim definidas:
1. Assistência direta e imediata ao Ministro de Estado da Defesa
(Gabinete, Assessoria Especial de Planejamento, Consultoria Jurídica,
Secretaria de Controle Interno, Instituto Pandiá Calógeras).
2. Órgãos de assessoramento (Conselho Militar de Defesa e
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas - EMCFA).
3. Um órgão central de direção (Secretaria-Geral).
4. Órgãos específicos singulares (Secretaria de Organização
Institucional, Secretaria de Produtos de Defesa, Secretaria de Pessoal,
Ensino, Saúde e Desporto, Centro Gestor e Operacional do Sistema de
Proteção da Amazônia - CENSIPAM).
5. Órgãos de estudo, assistência e apoio (Escola Superior de Guerra,
Representação do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, Hospital das
Forças Armadas).
6) Forças Armadas (Comando da Marinha, Comando do Exército,
Comando da Aeronáutica).

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Márcio Saldanha Walker 265

Segundo Cepik (2014), as alterações foram benéficas para maior


clareza jurisdicional e interfaces com as demais políticas públicas da área
de Segurança Nacional. A nova estrutura do Ministério da Defesa reforçou
o papel do Ministro e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas
(EMCFA) na cadeia hierárquica, com intenção de agir nas iniciativas que
deem realidade prática à tese da unificação doutrinária, estratégica e
operacional previstas pela Estratégia Nacional de Defesa (END)5.
Além da Presidência da República, o alto cargo político de ministro
da defesa também pode ser ocupado por um civil que tem ascendência
hierárquica aos três comandantes das forças militares: Marinha do Brasil
(MB), Exército Brasileiro (EB) e Força Aérea (FA). Essa situação, como já
definia Aron (1976, p. 160), é o primeiro complicador para a administração
da defesa, pois o chefe militar é um especialista e mesmo que o homem
de Estado abarque o conjunto de circunstâncias, tanto políticas quanto
militares, algumas normalmente escapam àqueles que tem a tarefa da
conduta dos exércitos no campo de batalha.
Contudo, a criação do MD representou um importante e inequívoco
avanço para a institucionalidade democrática, abrindo as portas para o
aprimoramento das relações civis-militares no Brasil (FUCCILLE, 2006,
p. 92). Numa análise mais substantiva, nessa mesma linha, Samuel Fitch
(1998) sugere a adoção de um sistema de avaliação das relações civis-
militares (democráticas) no qual, em primeiro lugar, os militares devem
ser politicamente subordinados ao regime democrático; em segundo, a
consolidação requer controle político das Forças Armadas por autoridades
civis constitucionalmente designadas às quais são profissionalmente e
institucionalmente subordinadas.
Dentro dessa estrutura, é no nível político que são definidos os
objetivos nacionais permanentes, fundamentais para a existência do
Estado e para a convivência da população que compõe a nação. Segundo
Weber (1980, p. 815), sob a égide de um Estado racional pautado em um
direito racional e em uma burocracia profissional é que irá se assentar o
desenvolvimento.
Recentemente foram elaborados os três principais documentos da
doutrina de defesa do Brasil: a PND, a END e o Livro Branco de Defesa
Nacional (LBDN). Cabe aqui destacar a END que se sustenta em três
pilares: o desenvolvimento da indústria de defesa, o estabelecimento de
uma doutrina comum às três Forças, com a criação de um Estado-Maior

5
Conforme também verificado na redação dada pela Lei Complementar 136/2010.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
266 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

conjunto, instituído em 2010, e a composição de recursos humanos civis


e militares. Com a formação de especialistas civis em assuntos de defesa
e capacitação do contingente das Forças Armadas, o Brasil pode tornar-se
mais apto a assumir prioridades crescentes sob auspícios de Organizações
Internacionais6.
Como a PND é definida no nível político, possibilita que a END
estabeleça metas para o planejamento das forças singulares, classificando-
as em metas de curto prazo (até 2014), de médio prazo (entre 2015 e 2022)
e de longo prazo (entre 2024 e 2030).
Porém, a repartição positivista7 inicial dessas metas, na prática,
conserva uma tendência difícil de romper na política de defesa brasileira,
qual seja, a pouca articulação entre as três forças armadas nos níveis
estratégico, operacional e tático (CEPIK, 2014).
Procurando coordenar os três níveis e entendendo como
fundamental para a manutenção da Defesa, o MD estabelece as diretrizes
para a Logística Militar, relacionadas: à mobilização, ao desenvolvimento
de infraestruturas, à aquisição de Produtos de Defesa (PRODE) e à
formalização de acordos multinacionais para apoio logístico em operações
fora do território nacional. O manual de Doutrina Militar, MD42-M-02,
do MD define Logística Militar como o conjunto de atividades relativas à
previsão e à provisão dos recursos e dos serviços necessários à execução
das missões das Forças Armadas.
A Lei n. 12.598, de 22 de março de 2012, define o conceito
de Produto de Defesa (PRODE) como todo bem, serviço, obra ou
informação, inclusive armamentos, munições, meios de transporte e
de comunicações, fardamentos e materiais de uso individual e coletivo
utilizados nas atividades finalísticas de defesa, com exceção daqueles de
uso administrativo. Essa lei diferencia uma classe especial como Produto
Estratégico de Defesa (PED) sendo este todo PRODE que, pelo conteúdo
tecnológico, pela dificuldade de obtenção ou pela imprescindibilidade,
seja de interesse estratégico para a defesa nacional.
Após esses conceitos estruturais, verifica-se que a estrutura da
logística de defesa envolve conciliar o processo de planejar, alinhar e
sincronizar os planos políticos e operacionais na área de Defesa.

6
A UFRJ formou em 2015 a primeira turma de graduação em Defesa e Gestão Estratégica
Internacional. Disponível em: < http://www.ufrj.br/mostranoticia.php?noticia=14837_UFRJ-
forma-primeira-turma-de-graduacao-em-Defesa-e-Gestao-Estrategica-Internacional.html >
7
Ver sobre o Positivismo em TRINDADE, Hélgio (org.). O Positivismo: teoria e prática. 3ª ed.
Porto Alegre: UFRGS, 2007.

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Márcio Saldanha Walker 267

Assim, deve atuar prevendo as aquisições, agendando gastos,


controlando estoques, definindo a distribuição, rede logística, abastecimento
por terra e mar, estocagem e estabelecimento da coordenação da relação
entre atores envolvidos no sistema de suprimento.
Além das já existentes dificuldades estruturais, as atuais condições
para o desenvolvimento da logística de defesa tem constantemente
mudado pelo aumento da complexidade e custos. Os novos sistemas de
armas devem abranger a ampliação do espectro das operações militares,
o aumento das operações conjuntas, o aumento do papel com operações
de assistência humanitária e a resposta a desastres, bem como o constante
ajuste das novas demandas baseada na era da informação.
Segundo Drucker (1962)8 “o planejamento não diz respeito às
decisões futuras, mas às implicações futuras de decisões presentes”.
Como coloca o EB20-MC-10.204 (ESTADO-MAIOR DO EXERCITO;
BRASIL, 2014), na elaboração do Plano de Desenvolvimento Estratégico
da Logística Militar (PDELM) exige verificar-se a situação atual, ou seja, a
Capacidade Logística Militar Atual (CLMA), a fim de determinar a situação
intermediária designada como Capacidade Logística Mínima de Defesa
Imediata (CLMDI) e a Capacidade Logística Mobilizável (CLM).
Além dos meios de emprego militar, o PDELM envolve
necessariamente outros aspectos, como a capacidade da indústria de
defesa nacional, de desenvolvimento científico-tecnológico e as disposições
pertinentes ao Plano de Mobilização Nacional.
A indústria de defesa ampara o sistema de Mobilização para
a resposta a uma eventual agressão e engloba a logística. No manual
MD41-M-02 (BRASIL, 2015), a Mobilização Nacional é definida como um
instrumento legal decretado pelo Presidente da República, em caso de
agressão estrangeira, para obter, reunir e distribuir os recursos e meios
disponíveis no Poder e Potencial Nacionais, ou no exterior, complementando
a Logística Nacional, visando a preservação ou restabelecimento da Defesa
e da Segurança da Nação.
A agressão estrangeira é definida no manual de Mobilização pelas
ameaças ou atos lesivos à soberania nacional, à integridade territorial, ao
povo brasileiro ou às instituições nacionais, ainda que não signifiquem
invasão ao território nacional.

8
Peter Drucker, foi a primeira pessoa a chamar o momento que estamos vivendo de era da
informação. (DRUCKER, 1962)

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
268 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

Nesse contexto e para fins de Mobilização Nacional, entende-se


como Logística Nacional o conjunto de atividades relativas à previsão e à
provisão dos recursos e meios necessários à realização das ações decorrentes
da END (BRASIL, 2015). Convém agora falar da importância das fases do
planejamento da Defesa. As atividades da Mobilização Nacional ocorrem
em duas fases: a fase do preparo e a fase da execução. É na fase do preparo
que deve estar o principal foco, pois é na situação de normalidade da
Nação que as atividades de mobilização e de desmobilização nacionais
são planejadas, orientadas e executadas de modo contínuo, metódico e
permanente para que, na iminência ou quando for decretada a Mobilização,
esta atenda às necessidades em complemento à Logística Nacional.
Já na fase da execução, a implementação do Plano Nacional de
Mobilização será de forma acelerada e compulsória, com o objetivo de
empregar todos recursos existentes, tanto na estrutura pública, quanto na
privada, necessários ao esforço de Defesa Nacional (BRASIL, 2015).
Na operacionalização dos planejamentos apresentados, ressalta-
se a importância de que o desenvolvimento estratégico da Logística Militar
considere, entre outros aspectos, a necessária ampliação da nacionalização
dos produtos de defesa, o que garantirá a redução da dependência
na obtenção dos recursos necessários ao cumprimento das missões
constitucionais das Forças Armadas, de forma conjunta e centralizada
no MD. No entanto, conforme Cepik (2014), apesar dos esforços do MD,
a política de aquisições tem sido marcada pela excessiva autonomia
dos planos das forças singulares, como verificado na portaria do MD
(Nº 1065) que estabelece a diretriz para a coordenação de programas e
projetos comuns às Forças Armada no âmbito do Plano de Articulação e
Equipamento da Defesa (PAED).
Segundo consta no manual EB20-MC-10.204 (ESTADO-MAIOR
DO EXERCITO, BRASIL, 2014), o alinhamento com as diretrizes
emanadas do Ministério da Defesa procura atualizar permanentemente
a concepção da organização, da estrutura e do planejamento de
apoio logístico, coerente com as capacidades básicas de apoiar a
geração, o desdobramento, a sustentação e a reversão de uma força
até a conquista do Estado Final Desejado (EFD)9 . Nesse contexto,
devem ser atingidos objetivos militares conjuntos favoráveis a nossos
interesses, bem como envolver a análise quanto as considerações civis.

O EFD refere-se ao resultado final após a ação militar planejada ser executada (EB20-
9

MF-10.103, 2014).

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Márcio Saldanha Walker 269

Dentro desta nova linha de percepção, o manual EB20-


MF-10.103 (ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO; BRASIL, 2014), coloca que
a dimensão física e tangível do Campo de Batalha, antes limitada pela
Área de Responsabilidade, Zona de Ação, Área de Influência e Área de
Interesse, necessita interagir com as outras duas dimensões do combate, a
informacional e a humana10, condicionando e conformando uma nova área
para o Comandante desenvolver as operações militares. O planejamento
logístico, portanto, envolve a intenção do comandante que ilustra o objetivo
central do Comandante Supremo, mas essa intenção depende de conciliar
os interesses que são coletivos e em constante evolução, pois como diz
Vennesson e Wiesner (2013, p. 92), as organizações militares enfrentam
desafios e dilemas quanto a inovação.
Existe a tendência a constante reação para a reorganização de
sistemas, criação de novos projetos de armamentos e os novos conceitos
de operações. Peter Drucker (2001) na sua obra The Essential Drucker,
defende que existem pelo menos três condições que têm que ser cumpridas
para que uma inovação tenha sucesso. As três são aparentemente óbvias,
mas frequentemente negligenciadas: que a inovação é trabalho, que para
ter sucesso, os inovadores têm que se basear nos seus pontos fortes e que a
inovação é um efeito da economia e da sociedade. Cabe então salientar que
a sociedade está ligada aos interesses da logística militar.
Nesse novo cenário complexo, os Fatores da Decisão11 encontram-
se intimamente relacionados com as capacidades, qualidades e percepção
dos Comandantes, sendo que os aspectos humanos, informacionais e
físicos da Defesa são considerados dimensões dificilmente tangíveis. Sendo
assim, a relação civil-militar é fundamental para o sucesso da Logística de
Defesa.

O CENÁRIO ATUAL E A IMPORTÂNCIA EM PENSAR EM DEFESA

É esperado que países neutros sejam totalmente autossuficientes


em assuntos de defesa e devam cuidar de si mesmos em caso de ameaças
militares sejam materializadas. No entanto, para um país sem poder político
coercivo e grande expressão internacional, a neutralidade pode ser uma
postura estratégica eficaz apenas quando as ameaças militares são altamente
improváveis, ou a geografia do país forneça elementos de proteção natural.

10
Ibid.
11
Ibid., item 3.4.

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270 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

Segundo Bowett (1958, p. 156), o desenvolvimento da neutralidade


como uma instituição de demanda internacional pela imparcialidade
diante dos beligerantes é inevitavelmente relacionada com a rejeição do
bellum justum, com a estrita imparcialidade por não encontrar nenhum
sistema que diferenciasse entre a guerra justa e injusta, ou ainda não
aceitar a hipótese de guerra.
Sendo assim, a tendência atual é que os países com poucos
recursos ou adotem a neutralidade na área de defesa ou entrem em alianças
internacionais para poder compartilhar os investimentos necessários, na
expectativa de que estes aliados prestem assistência mutuamente em caso
de contingências militares. No entanto, a credibilidade de tais promessas
precisa ser analisada com cuidado (MARKOWNSKI et al., 2010, p. 6).
Tais países com poucos recursos na área de defesa, classificados
como pequenos compradores, têm individualmente menor poder de
barganha e assim, relativamente menor poder de influência no preço e
volume de produtos a serem adquiridos (KIRKWOOD, 2012, p. 1487).
Ainda nessa linha de pensamento, a tendência é que países com
economias em desenvolvimento tenham o acesso restrito a sistemas de
armamentos mais complexos e com alto grau de tecnologia. A possibilidade
de aquisição desses países é geralmente concentrada em compras de
pequena quantidade e, na ausência de oportunidades de exportação, sua
produção nacional é da mesma forma pequena e, como Kirkwood (2012)
coloca, estes países têm dificuldade em atrair indústrias de defesa pelo
excesso de barreiras fiscais, ausência de especialização e precariedade de
futuros negócios.
Já nos países industrializados, assuntos de segurança são vistos
principalmente dentro da perspectiva dos potenciais conflitos externos
(BALL, p. 32) e do papel das forças armadas para a proteção das
instituições e dos cidadãos contra ameaças externas. Mesmo assim, dentro
de qualquer sistema político, mesmo nos mais autoritários, a unanimidade
de propósitos é rara e a alocação de recursos para fins de segurança requer
grande barganha e negociação. Os diferentes grupos dentro de cada
sociedade irão ter diferente interpretação do que constitui segurança, bem
como qual a importância deste fator para suas vidas.
Já em países da América Latina, incluindo o Brasil, a segurança
nacional tem como finalidade não somente a defesa do país contra uma
ameaça externa, mas também para apoiar o crescimento da economia e
unificar a sociedade. Em reciprocidade de raciocínio, entende-se que o

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
Márcio Saldanha Walker 271

desenvolvimento da economia e da sociedade depende do fortalecimento


da segurança (BALL, p. 41). Conforme explica Hansen (2006, p. xvi):

As políticas externas são legitimadas como


necessária, em termos de interessas nacionais, ou
da defesa de direitos humanos, por referências
a identidades. Contudo, as identidades são
simultaneamente constituídas e reproduzidas
por formulações de política externa.

Essa identidade é colocada por Walker (1993) como fundamental.


Apenas no Estado somos sujeitos e cidadãos, e somente como cidadão,
dotados de direitos e deveres, é que nos viabilizamos como seres humanos.
Nessa representação do mundo, nosso pertencimento a um Estado e
nossa localização dentro do território nacional demarcado definem nossa
existência e nossa identidade.
Daí a importância para o Estado de sua prerrogativa em produzir
fronteiras e as defender com Forças Armadas: em delimitar quem está
dentro, ou fora delas. O discurso do espaço do Estado exclui e inclui
práticas e corpos, delimitando o próprio sujeito moderno.
Nesse contexto, é importante entender, tal como em Milner
(1997), que a política externa deve ser identificada como conectada à
política interna, pois se define um continuum do processo de decisão, sob
uma estrutura poliárquica englobando o todo como política pública em
um campo mais amplo e não diverso.
Durante os anos 2000 ocorreram crises de segurança que
evidenciaram a fragilidade dos processos hemisféricos vigentes de
cooperação em defesa. Como coloca saint-pierre (2014), essas situações
permitiram aos governos constatar uma preocupante morosidade dos foros
e instrumentos de segurança interamericana para lidar com situações de
crise. O tema da Defesa recuperou-se nas Relações Internacionais com foco
na América do Sul na última década, culminando na criação do Conselho
Sul-americano de Defesa (CDS).
A percepção dessa fragilidade talvez explique a busca de uma
nova via de cooperação multilateral e um foro regional de antecipação,
prevenção e resolução de conflitos e crises na América do Sul.
De acordo com Graham (2011, p. 6) é importante salientar que
ressurge uma explícita estratégia colonial empregada entre Estados,

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
272 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

tais como os Estados Unidos, Reino Unido e Israel, em um período pós-


colonial contemporâneo, com o desdobramento militar com técnicas da
nova ocupação urbana militar em zonas de guerra, a fim de garantir a
segurança da vida urbana ocidental.
Em tempos de globalização, fluidez e aceleração da relação espaço-
tempo, além de porosidades de fronteiras, o espaço territorial privilegiado
inventado pela modernidade na figura do Estado se encontra sob tensão,
argumenta Walker (1993, p. 4).
Nesse mundo complexo, precisa-se pensar claramente em um
futuro contínuo em guerra. A guerra está na natureza humana e os conflitos
humanos são a luta de desejos instigados pela competição cultural, pela
opinião política e pela fricção existente devido à redistribuição de poder
e competição pelos recursos. Os novos desafios surgem da mudança do
ambiente operacional (externo ou interno), das diretrizes de segurança
nacional ou pela necessidade de solucionar a falta de capacidades.
Hoje, as forças armadas precisam desenvolver um novo conceito
para enfrentar o desconhecido e os desafios das novas ameaças para vencer
em um mundo complexo. Vencer envolve os níveis tático, operacional
e estratégico da guerra e os tomadores de decisão devem atuar em um
ambiente conjunto, de interagência, intergovernamental e multinacional
(PERKINS, 2014, p. 66).
Isso requer o entendimento transversal do problema e de suas
múltiplas facetas, incluindo o aspecto cultural, econômico, militar e
político, com a visão de todas as partes e suas relações, compreendendo as
variáveis que podem redirecionar esse entendimento. Tudo isso acontece
em um mundo complexo em que colisões, tecnologia e posições de
vantagem podem mudar rapidamente sem aviso prévio.
As emergentes tendências englobam novas e mais robustos
desafios para a logística, pois incluem maior interação humana, aumento
da capacidade militar inimiga, proliferação de armas de destruição em
massa, aumento de importância do ciberespaço e domínio espacial. As
operações voltaram-se para os ambientes densamente povoados, com
facilidade de transferência de tecnologia entre atores estatais e não estatais
e transparência das operações pela transmissão rápida das mídias.
Assim, possuir Forças Armadas capazes de atuar em operações de
combate convencional e de não-guerra, apoio à paz e de pronta resposta
a desastres, apresenta muito maiores incertezas para a logística de defesa,
em todas as variáveis de interesse, quando comparado com operações

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
Márcio Saldanha Walker 273

logísticas no setor comercial. Em um mundo marcado pela globalização


e aumento da urbanização, a doutrina militar dos Estados ocidentais
está centrada agora na tarefa de identificar insurgentes, terroristas e uma
extensa gama de ameaças provocados pelo caos da vida urbana. Nas raízes
da nova visão de guerra e segurança pós-Guerra Fria, está o crescimento
do poder tecnológico em substituição à supremacia militar, econômica e
política.
As cidades o espaço, o sistema de infraestrutura é constantemente
ameaçado por ataques terroristas. O cruzamento de avançada tecnologia
na vida civil urbana e no uso militar, tem caracterizado o cenário dos
combates em ambiente urbano (GRAHAM, 2011).
Naturalmente esse novo estilo de combate difere-se do combate
convencional e realça a necessidade de constante investimento em logística
de defesa capaz de apoiar novas armas e usurpar as ameaças, a fim de
proteger as instituições civis e a garantia dos direitos fundamentais.
Como um dos principais desafios na Logística de Defesa, destaca-
se a capacidade de criar conceitos operacionais e tecnologias para manter
a capacidade de armar-se enquanto existe a tendência de redução de
recursos.
O setor de defesa dos países, incluindo o Brasil, tem envidado
esforços para desenvolver novos sistemas que serão empregados dentro
do território nacional, a fim de permitir vigiar o movimento em aeroportos
e portos, controlar a extensa faixa de fronteira terrestre12 de cerca de 16.145
Km13 , que faz divisa com dez países Sul-americanos, monitorar o comércio
de exportação marítimo, bem como proteger a integridade territorial, o
sistema financeiro e o sistema de infraestrutura estratégica. A fim de
enfrentar esses impasses, a análise deste artigo toma em consideração dois
pressupostos: (i) as políticas interna, externa e internacional compõem um
continuum de processo decisório e (ii) a política externa não se diferencia
das demais políticas públicas.
Esses pressupostos apoiam um ao outro de forma a permitir
uma nova concepção do processo decisório da política externa sob os
referenciais da política pública e seu envolvimento com os desafios da
logística (SANCHEZ, et. al., 2006).

12
Ver sobre Faixa de Fronteira no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/fronteira.shtm >
13
Ver o sitie da Central Intelligence Agency (CIA) do Estados Unidos da América. Disponível
em: < https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/br.html >

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
274 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

Do exposto, verifica-se que sem investimentos em Logística de


Defesa, a sociedade brasileira pode correr riscos quanto a intervenções
externas nos diversos interesses da política pública interna, definidas
pela autodeterminação e soberania nacional. A segurança dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma
sociedade livre, justa e solidária, e garantir o desenvolvimento nacional
serão garantidos com a promoção da Logística de Defesa.

INTEGRANDO A LOGÍSTICA DE DEFESA COM A SOCIEDADE

If politics is the art of the possible, logistics is the


corresponding science. (KANE, 2001)

A logística militar estratégica é uma decisão política, pois de acordo


com Tathan (2008), o investimento na área precisa adequar a logística aos
interesses na área. Isso porque as Forças Armadas são obrigadas a operar
em modo de eficiência de custos em tempos de paz, mas precisam estar
prontas para mudar em curto espaço de tempo sua postura.
Diante dessa situação, Yoho (2013) coloca que a Indústria de Defesa,
englobando também toda a logística, não pode depender da estrutura
da iniciativa privada, pois o setor privado planeja e aloca recursos para
operações, a fim de alcançar “resultados financeiros”, ao passo que o setor
militar de defesa planeja seu orçamento para “resultados operacionais”.
Sendo assim, o ambiente em que a logística de defesa é conduzida difere
em aspectos fundamentais de logística comercial.
Contudo, a economia capitalista moderna é um sistema econômico
misto, no qual os setores público e privado interagem amplamente, não
existindo uma realidade em que um ou outro desses setores se apresente
de forma isolada.
Como aponta Fernandes (2007, p. 24) questões quanto ao
orçamento e prazos, estão ligadas diretamente aos aspectos administrativos
operacionais que irão definir a aceitabilidade, a executabilidade e
adequabilidade de determinado objetivo.
Da mesma forma, no levantamento das opções estratégicas
militares (OEM), com os respectivos meios e ações estratégicas definidos,
realiza-se a análise de cada OEM, confrontando-a com os objetivos
políticos e estratégicos estabelecidos, com as possibilidades do inimigo,
com as características da área do conflito, com os meios adjudicados e

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
Márcio Saldanha Walker 275

com os prazos impostos, a fim de concluir quanto à sua adequabilidade,


praticabilidade e aceitabilidade (Prova de APA)14.
No regime democrático do Brasil, a regulamentação constitucional
dos mecanismos de controle do poder público é de especial relevo,
porque estabelece os meios de supervisão da aplicação dos princípios
característicos aos sistemas democráticos, como as garantias de direitos
(arts. 4º, II, e 5º da CF-1988), a publicidade dos negócios públicos (arts. 5º,
XXXIII, e 37, § 3º, II, da CF-1988) e os limites dos três poderes (SANCHEZ,
et. al., 2006).
Sendo assim, as regras do orçamento militar devem ser iguais aos
dos outros setores da economia, com transparência e responsabilidade,
respeitando o sigilo em áreas de segurança nacional, possibilitando o
controle civil, dentro dos objetivos nacionais.
Em Omitoogun (2006) são apresentados dez princípios da
gerência de gastos: abrangência, disciplina, legitimidade, flexibilidade,
previsibilidade, contestabilidade, honestidade, informação, transparência
e responsabilidade.
O autor ainda apresenta dez princípios da governança
democrática no setor de segurança: comprometimento com a autoridade
civil e população, aderência as leis internacionais e constituição nacional,
ter transparência, respeitar os princípios dos gastos públicos, respeitar
o comando da autoridade civil, controle civil constitucional das forças
armadas, monitorar as políticas militares, ambiente político, sociedade
democrática, política de paz e segurança regional.
Como princípio fundamental das normas para a Administração
Pública, o Art. 1º da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, estabelece normas
gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras,
serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e,
em seu parágrafo único, a lei subordina os órgãos da administração direta,
os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas
públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A modernização das forças armadas brasileiras demandou uma
mudança no perfil do orçamento de defesa, com fortes investimentos para a
aquisição de sistemas de armas e desenvolvimento de uma base industrial de
defesa, mas também desdobramentos das políticas e doutrinas em projetos

14
Ver item 2.7.1, MD30-M-01 - Doutrina de Operações Conjuntas 1º Volume (2011).

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
276 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

de força (conceitos de emprego conjunto e demandas de


interoperabilidade e graus de prontidão) que exigem gastos de custeio,
algo que Raza (2002) chamou de “elo ausente em reformas de defesa”.
Implicitamente ou explicitamente, o campo dos estudos militares
deve ater-se aos diversos fenômenos do novo mundo complexo, por
exemplo: a adaptação dos exércitos para mudar diante das circunstâncias
do curso dos conflitos (NAGL, 2005), a adoções de novos conceitos militares
por organizações militares (FARRELL, 2002), a produção de conhecimento
inovador dentro das organizações militares (EDEN, 2004), bem como a
decisão de aquisição de sistemas de armas (TESSMER, 1988).
Na análise da administração pública de Omitoogun (2006), tanto
civil como a militar, existem cinco práticas de gerenciamento de gastos:
plano estratégico, revisão da performance do ano anterior, determinação
da acessibilidade, alocação dos recursos entre os setores, eficiência e
efetividade no uso dos recursos. Isso porque a aquisição de armas é uma
decisão politicamente controversa, tecnologicamente desafiante e cara e
em países pouco industrializados a aquisição de material de defesa recebe
menos atenção por envolver diferentes questões sociais. (MARKOWNSKI,
et al., 2010)
Segundo Huntinton (1996, p. 102), as mencionadas relações civis-
militares foram instituídas como limitações ao envolvimento militar na
política, em adição à criação de novos instrumentos para a subordinação
militar como os Ministérios da Defesa e a redução dos gastos militares e
maior controle orçamentário por parte das lideranças civis.
Muitas dessas limitações quais devem-se ao surgimento do
que Huntington definiu como controle civil objetivo, modalidade essa
centrada na maximização do profissionalismo militar, que por sua vez o
diferenciava substancialmente do controle civil subjetivo, o qual colocava
os militares sobre as regras civis do Estado.
Em que pese os avanços das relações civis-militares, vivemos
hoje num mundo com desafios muito mais complexos, como ameaças que
requerem estreito envolvimento em todas esferas da Segurança Nacional,
o que foi definido pelo Gen. Perkins (2014) como “Win in a Complex
World”. Nesse cenário, mesmo que eventuais ameaças externas para a
segurança regional se tornem evidentes para a percepção dos governos
de América do Sul, evidencia-se a morosidade e a impotência dos foros
hemisféricos para enfrentar seus problemas relacionados a orçamento
de segurança. Como resultado, as soluções nacionais para as questões de

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
Márcio Saldanha Walker 277

Defesa assumiram prioridade nos processos de integração, surpreendendo


analistas, contestando explicações e estremecendo teorias (SAINT-PIERRE
et al., 2014, p. 22).Contudo, em tempos de paz o setor civil se mostra menos
interessado nos negócios militares, principalmente relacionado à Logística
de Defesa, ocasionando, em virtude do vácuo deixado, uma elevação da
participação militar nos assuntos de segurança e defesa (FUCCILLE, 2006,
p. 34).
Normalmente, em países ainda em desenvolvimento, como o
Brasil, a questão de segurança é relegada a segundo plano, em virtude
de a sociedade brasileira apresentar muitos problemas sociais. Sendo
assim surge o problema que tem dificultado o investimento na área: Qual
o sentido da existência de um Aparelho Militar em um país premido por
necessidades na esfera social e sem uma ameaça clara?
Clausewitz (1979, p.87) ajuda a lançar uma luz sobre a questão,
pois as relações entre os Estados, envolvendo os civis e militares, são
relações de poder. Mais ainda, tornou-se lugar comum na ciência política
a definição clausewitziana da guerra como um instrumento político, ou a
continuação das relações políticas por outros meios, o que torna, nos marcos
dessa compreensão, a existência de Forças Armadas como imprescindível
à consecução dos objetivos políticos estabelecidos pelos Estados tanto na
guerra como na paz.
Conclui-se que, além da concepção sobre as políticas interna,
externa e internacional, análises recentes da Ciência Política propõem-se
a relacionar política externa com política pública. Dentre os principais
fundamentos para estabelecer essa relação, segundo Sanchez (2006), estão:
de um lado, a política externa que, devido às mudanças no caráter da
regulamentação internacional, cada vez mais, conecta-se ou confunde-se
com políticas de caráter distributivo, redistributivo e regulatório; de outro,
a estrutura decisória necessária em Estados democráticos.
Dessa forma, pensando em desenvolvimento, precisa-se
compreender a importância da integração da sociedade com firme
propósito de estruturar uma Logística de Defesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estrutura democrática brasileira do poder é complexa e exige o


envolvimento de diversos atores civis e militares para viabilizar a Logística
de Defesa.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
278 A LOGÍSTICA DE DEFESA INTEGRADA À SOCIEDADE

A estrutura ainda está em fase de desenvolvimento de doutrina e


pode sofrer alterações para adequar-se à constante evolução de cenários. Em
linhas gerais, as imponderáveis ameaças atuais desafiam o planejamento
da Defesa Nacional, dentro do âmbito nacional e internacional.
Os atores beligerantes, sejam estatais ou não estatais, ampliaram
o espetro de atuação das Forças Armadas. O mundo informacional exige a
estruturação de capacidades militares em todos aspectos, capazes de agir
prontamente, e permanecer em estado de prontidão.
O emprego das Forças Armadas ocorrerá preponderantemente
em ambiente conjunto e interagências e, por vezes, multinacional. Nesse
cenário, sobressai a importância da estrutura da Logística de Defesa, desde
o tempo de paz, com a possibilidade de que venha a fornecer apoio.
A capacidade da base industrial de defesa impacta decisivamente
nos planejamentos logísticos. O desenvolvimento dos PRODE, como
visto neste artigo, deve ser avaliado na relação custo/benefício, de modo a
garantir a sustentabilidade logística ao longo do ciclo de vida dos materiais
e não trazendo restrições à execução do apoio logístico.
Por fim, a configuração dos objetivos de segurança delimitará
a necessidade de integração entre civis e militares, a fim de permitir
configurar uma estrutura de Logística de Defesa adequada às pretensões
do País e de sua população.

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Recebido em: 20/07/2015


Aceito em: 09/09/2015

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 261 – 282, jan./jun. 2015
Wilson Barbosa Guerra 283

COMUNICAÇÃO

A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS


TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL
BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

Wilson Barbosa Guerra*

Aula inaugural dos cursos de altos


estudos militares da Escola de Guerra
Naval no ano de 2015

Proferir esta aula inaugural para os Cursos de Altos Estudos


Militares constitui-se uma honra para o Chefe do Estado-Maior da
Armada e retornar a esta Escola é motivo de imensa satisfação pessoal.
Nos bancos desta Escola, tive a oportunidade de obter conhecimentos que
me acompanham até hoje. Aos oficiais-alunos, relembro que a Marinha
do Brasil está investindo na formação dos senhores, para que possam se
aprimorar e retornar, ao final do ano, com os seus conhecimentos reciclados
e ampliados.
Na era do conhecimento, buscar continuamente o aperfeiçoamento
individual, independentemente da realização de cursos formais, é uma

*
Almirante-de-Esquadra Wilson Barbosa Guerra, Chefe do Estado-Maior da Armada

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
284 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

atitude da qual os homens que compõem uma Marinha, que se pretende


pronta para os desafios do presente século, não podem abrir mão.
Para a nossa Marinha, também é motivo de satisfação a presença
de Oficiais das Marinhas de Angola, Argentina, Bolívia, Chile, Coréia do
Sul, Líbano, Paraguai, México, Moçambique, Namíbia e Venezuela, de
Oficiais do Exército Brasileiro, da Força Aérea Brasileira e da Marinha
Mercante, e de Servidores Civis de Nível Superior da Marinha do Brasil.
O período em que as Senhoras e os Senhores estarão trabalhando
lado a lado com os nossos Oficiais, além de ser honroso para a Marinha
do Brasil, permitirá que conhecimentos relacionados ao nosso Poder
Naval possam ser enriquecidos. Também será uma oportunidade para o
fortalecimento dos laços de amizade já existentes entre nossos países e
nossas instituições.
Desenvolvimento tecnológico e poder militar têm, historicamente
andados juntos. Um influenciando ou impulsionando o outro. O
desenvolvimento do conceito de Revolução dos Assuntos Militares é
uma decorrência natural dessa interação. Nos dias atuais não é diferente.
A evolução tecnológica vem, com frequentes saltos, impactando
continuamente os limites das capacidades do Poder Naval. Dessa forma,
pela sua permanente importância, decidi escolher para esta Aula Inaugural
o tema “A Influência dos Avanços Tecnológicos no Poder Naval Brasileiro
no Século XXI”.

INTRODUÇÃO

Desde os mais longínquos tempos, as demandas militares foram


impulsoras dos avanços tecnológicos. Gregos e romanos criaram armas
que lhes valeram, em seu tempo, a supremacia militar. Na idade média,
os chineses foram os grandes inventores e inovadores, tendo desenvolvido
elaboradas armas de guerra (basicamente, ainda estamos vivendo na
era da pólvora). A Revolução Industrial, de forma notável, possibilitou
uma corrida tecnológica em busca de novos armamentos, acelerando as
invenções e inovações (p. 278)1.

1
LONGO, W. P.; MOREIRA, W. S. Tecnologia e Inovação no Setor de Defesa: uma
Perspectiva Sistêmica. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 227-304,
jul./dez. 2013, p. 278

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
Wilson Barbosa Guerra 285

Na segunda metade do século XX, a humanidade observou o


surgimento de valiosas tecnologias e inovações de uso civil, derivadas das
pesquisas conduzidas para fins militares. Foi o caso dos computadores,
aeronaves a reação, radares, novos materiais, energia nuclear, entre outras.
Observa-se, nesse período, que a ação direta de órgãos governamentais,
com financiamento para a pesquisa e o desenvolvimento (P&D) e buscando
o envolvimento das indústrias, institutos e universidades, criou condições
para a geração de inovações e aperfeiçoamento de materiais e serviços que
aceleraram a aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos.
A tecnologia, empregada nos produtos de defesa, permite,
no campo operacional-tático, auferir vantagens sobre o oponente.
Naturalmente, terão melhores condições as nações (normalmente as mais
desenvolvidas) possuidoras de capacidade autóctone no desenvolvimento
de tecnologias de ponta.
Restou a países emergentes, como o Brasil, na tentativa de redução
do gap tecnológico e melhoria de sua inserção internacional, implantar
seus sistemas nacionais de desenvolvimento científico e tecnológico, na
expectativa de se obter a produção de bens e serviços competitivos pelo
setor produtivo nacional. Tal resultado seria decorrência natural do
desenvolvimento tecnológico alcançado pela formação de pessoal em
universidades, montagem de laboratórios modernamente equipados em
institutos de pesquisa e em empresas, criação de agências de fomento e
de órgãos públicos de apoio, realização competente de pesquisas básicas
e aplicadas, assim como de desenvolvimento experimental e engenharia
(p. 284)2.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

O Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia


e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, afirma que ciência,
tecnologia e inovação não acontecem da mesma forma em diferentes
países. Uma breve análise do mundo globalizado nos permite observar
e concluir que a linha divisória entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento pode ser determinada pelo estágio da CT&I de cada um.

2
Ibidem, p. 284.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
286 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

Um país com um parque tecnológico dinâmico e uma Academia


estimulada geram os recursos necessários ao bem-estar de sua sociedade,
mantendo seu sistema econômico e político sustentado por um
desenvolvimento científico e tecnológico.
Sob a perspectiva histórica, nos séculos XVI e XVII surgem a
Revolução Científica e, com ela, novas relações entre o homem e a natureza,
pois o saber passa a ser associado a poder, e o ser humano, valorizado no
indivíduo e sua subjetividade, é elevado ao centro das reflexões e à condição
de principal beneficiário da ciência. Nasce a ideia do progresso a partir da
razão. (p. 75)3.
No início da I Guerra Mundial, os beligerantes ainda não
vislumbravam com clareza a contribuição da ciência para o avanço de
tecnologias de emprego bélico. Após o seu término, as incipientes ligações entre
capacidade científico-tecnológica e necessidades governamentais na área da
defesa parecem ter sido negligenciadas, com exceção da Alemanha e Rússia,
onde ideologias nacionalistas, na verdade, as reforçaram, especialmente com
relação aos interesses bélicos (p. 278)4 .
Assim, ao início da II Guerra Mundial, a comunidade científica e
tecnológica alemã já se engajava em inovações de emprego primordialmente
militar e “mobilizada”. Tal potencial também foi mobilizado nos países
Aliados, principalmente Reino Unido e Estados Unidos da América (EUA).
Engenheiros e cientistas trabalharam em produtos de defesa e análise de
suas aplicações na tática, logística, estratégia e em ferramentas de tomada
de decisão para os estados-maiores. Tais esforços para o atendimento de
necessidades militares acabaram tornando-se úteis à produção de bens e
serviços de aplicação civil (p. 278 e 279)5.
Os EUA, entre 1945 e 1950, incrementaram a visão sobre a importância
estratégica da Ciência & Tecnologia e sobre o papel central das empresas
privadas e do próprio governo nesse processo. Alteraram, assim, a postura de
“política para a ciência”, de 1945, com maior independência para os cientistas,
para “ciência para a política”, com maior presença estatal nos rumos a serem
tomados.
3
MOREIRA, W. S. Ciência e Tecnologia Militar: “Política por outros Meios”? Revista da
Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 75, jul./dez. 2012.
4
LONGO, W. P.; MOREIRA, W. S. Tecnologia e Inovação no Setor de Defesa: uma
Perspectiva Sistêmica. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 227-304,
jul./dez. 2013; p. 278.
5
Ibidem.

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
Wilson Barbosa Guerra 287

Vitoriosos nas guerras do século XX, eles tornaram-se o paradigma


de todo esse processo, servindo de inspiração a outros países (p. 279-281)6 .
O exemplo do século XX foi paradigmático. As aplicações
tecnológicas à ciência alavancaram o potencial econômico e militar dos países
líderes em produção científica e inovação. O poder gerado e acumulado por
eles reconfigurou, à conveniência deles, a ordem internacional vigente
(p. 74)7.
No mundo pós-Guerra Fria, a reformulação das agendas de
governança global e, especialmente, a intensificação dos processos de
globalização fazem o tema “inovação” ganhar nova relevância (p. 282)8.
No passado, o Brasil adotava restrições às relações científicas
e tecnológicas com outros países, o que foi alterado a partir da década
de 90, reduzindo a proteção das empresas aqui instaladas, induzindo-
as a competirem e, ao mesmo tempo, atraírem investimentos externos.
O paradigma atual da sociedade baseia-se na velocidade das informações
e no domínio do conhecimento. Tal processo em nosso país ainda não está
consolidado, principalmente no que se refere à indústria de defesa e seu
respectivo parque tecnológico, salvo, é claro, algumas raras exceções.
No campo militar, a capacidade tecnológica autóctone tornou-se
imprescindível, em razão das inúmeras restrições impostas ao acesso a
tecnologias sensíveis e de duplo emprego, geradas tanto pela proteção ao
conhecimento empregado nos sistemas de armas, como pelas disputas
comerciais.
Os documentos de alto nível da defesa, que serão apresentados
a seguir, tratam, entre outras coisas, da pesquisa científica e do
desenvolvimento tecnológico autóctone.

DOCUMENTOS CONDICIONANTES

A Estratégia Nacional de Defesa (END) apresentou novos e


consideráveis desafios para a sociedade brasileira e, particularmente, para
as Forças Armadas, no que tange ao preparo para a Defesa. No caso da

7
MOREIRA, W. S. Ciência e Tecnologia Militar: “Política por outros Meios”? Revista da
Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 71-90, jul./dez. 2012, p. 74
8
LONGO, W. P.; MOREIRA, W. S. Tecnologia e Inovação no Setor de Defesa: uma
Perspectiva Sistêmica. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 227-304,
jul./dez. 2013, p. 282.

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288 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

Marinha, as avançadas tecnologias que serão incorporadas em decorrência,


por exemplo, da construção do submarino de propulsão nuclear, requerem
reflexão continuada sobre o perfil do pessoal da área técnica, que estará
projetando, construindo e mantendo o poder naval nas próximas décadas,
sem contar sobre o perfil da área operacional e estratégica.
A END representa uma nova etapa na abordagem da Defesa no
País. O documento impõe a reorganização da indústria nacional de defesa
e define os setores espacial, cibernético e nuclear como estratégicos para
o desenvolvimento nacional. As tecnologias devem estar sob domínio
nacional, preferencialmente as de emprego dual (militar e civil).
O Plano de Desenvolvimento Científico-Tecnológico e de
Inovação da Marinha (PDCTM), aprovado em 2014, estabelece a estrutura,
o funcionamento, os objetivos, as ações e as diretrizes estratégicas, as áreas
e tecnologias de interesse de CT&I para o Sistema de Ciência, Tecnologia e
Inovação da MB (SCTMB), com horizonte temporal de 10 anos.
No tocante à obtenção de produtos e serviços, as principais
necessidades das atividades de CT&I da MB são originadas no Plano
Estratégico da Marinha (PEM); no Programa de Articulação e Equipamento
da Marinha (PAEMB); e no Programa Nuclear da Marinha (PNM).
Os objetivos estratégicos do PDCTM nortearam a criação da
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha (SecCTM). O
PDCTM elenca seis objetivos estratégicos: nacionalização; domínio do
conhecimento; gerência do SCTMB; inovação e competitividade industrial;
disseminação das atividades de CT&I; e proteção da propriedade
intelectual.
É importante enfatizar a continuidade na perseguição dos
objetivos estratégicos e no fortalecimento do “tripé” da CT&I: capacitação
de pessoal; aporte de recursos financeiros; e manutenção e ampliação da
infraestrutura de CT&I.

TECNOLOGIA DE PONTA

Como os documentos condicionantes indicam, o Brasil deve trilhar


seus próprios caminhos na busca pela autonomia científico-tecnológica.
É interessante, nesse caso, se observar e analisar, de forma crítica, os
caminhos percorridos por nações que apresentam sucesso, como é o

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Wilson Barbosa Guerra 289

caso, dos países centrais, por exemplo, dos EUA e seu modelo estrutural
de universalização da pesquisa e desenvolvimento (P&D) aplicada aos
sistemas militares.
Desde a criação da Marinha e do Corpo de Fuzileiros Navais
norte-americanos, o Governo dos EUA busca empregar a tecnologia
de vanguarda na defesa dos interesses do País. Em 1946, por meio da
Public Law no 588, motivado pelas dificuldades enfrentadas na II Guerra
Mundial, o Congresso norte-americano estabeleceu o Office of Naval
Research (ONR) para “planejar, promover e encorajar a pesquisa científica,
em reconhecimento à sua importância para o futuro Poder Naval e a
Segurança Nacional”. A mesma Lei criou, também, o Comitê Consultivo
de Pesquisa Naval, para o assessoramento ao Secretário da Marinha, como
um órgão civil independente, dedicado a fornecer análises objetivas nas
áreas de ciência, pesquisa e desenvolvimento.
Posteriormente, em 1958, foi criada a Agência de Projetos de
Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA, da sigla em inglês), com o
propósito de antecipar-se a surpresas estratégicas que possam impactar
de forma negativa a segurança nacional e de criar surpresas estratégicas
contra os adversários dos EUA, por meio da manutenção de superioridade
tecnológica de suas Forças Armadas.
Essa agência utiliza abordagens multidisciplinares, tanto em
pesquisa básica quanto em pesquisa aplicada, direcionando-as para criação
de inovações que atendam a problemas práticos. Seus investimentos
são aplicados desde pesquisas de laboratório até a criação de produtos
conceituais, que podem evoluir para projetos militares. Atualmente a
DARPA seria a principal ferramenta de inovação do Departamento de
Defesa dos EUA.
Documentos estratégicos de alto nível, tais como a Cooperative
Strategy for the 21st Century Seapower (CS-21), que fornece os fundamentos
para o papel que as Forças Navais terão face aos desafios da atualidade e
do cenário prospectivo, combinados com outras publicações do Secretário
da Marinha, do Comandante de Operações Navais e do Comandante dos
Fuzileiros Navais estabelecem as orientações de alto nível que norteiam o
Plano Estratégico de C&T Naval.
O Secretário da Marinha ressalta a prioridade dos “investimentos
em pesquisa e desenvolvimento para garantir que as tecnologias mais

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290 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

promissoras, com emprego militar e viáveis economicamente, sejam


identificadas e disponibilizadas para o atendimento aos requisitos futuros
da Marinha e dos Fuzileiros Navais”.
O Plano Estratégico de C&T, revisado periodicamente, desenvolve-
se num modelo top-down, em que a ação inicial parte do Alto Escalão e está
representada pelos documentos estratégicos de alto nível anteriormente
mencionados. Por meio da análise desses documentos de alto nível dos
EUA, são obtidas as capacidades centrais necessárias à Esquadra e aos
Fuzileiros Navais.
Uma vez definidas as capacidades necessárias, são identificados
os vazios tecnológicos existentes que, por sua vez, se tornam os desafios
a serem perseguidos. A tais desafios são adicionadas necessidades
oriundas da comunidade naval e informações dos parceiros em C&T, da
comunidade científica global, da indústria e Academia. Desta forma são
definidas as Áreas Foco de C&T Navais. Os desafios identificados levam à
definição dos investimentos necessários em áreas específicas. O resultado
dos investimentos são produtos de C&T que retornam à comunidade
naval; e novas oportunidades de C&T que poderão vir a ser exploradas em
outras áreas de interesse.
Atualmente são nove as Áreas Foco de C&T Navais norte-
americanas: garantia do acesso ao teatro de operações marítimo;
autonomia e sistemas não tripulados; guerra assimétrica e expedicionária;
dominância da informação; projeto de plataformas navais e capacidade de
sobrevivência; potência e energia; projeção de poder e defesa integrada;
custo total de posse; e desempenho do combatente.
Se aceitarmos que a ciência e a tecnologia são construções sociais,
temos de reconhecer o papel fundamental da política na consecução dos
intentos científicos e tecnológicos. Sob essa ótica, as decisões sobre políticas
de CT&I, particularmente as de emprego militar ou dual, não deixam de
ser uma forma de linguagem política, ou mesmo o próprio exercício da
política e do poder.
Peguei emprestado esse slide de um órgão de pesquisa ligado
a estaleiros norte-americanos para mostrar o grau de complexidade de
obtenção de produtos de defesa com tecnologia de ponta e ter pessoal
capacitado para construí-los. O submarino nuclear brasileiro terá cerca
de 6.400 toneladas e representa o maior desafio tecnológico de nossa

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
Wilson Barbosa Guerra 291

Instituição. Ocorre que essa tecnologia não está à venda. Dependemos,


portanto, do esforço brasileiro para o sucesso desse projeto de Estado.
“O fato é que a modernização do equipamento das Forças Armadas
brasileiras é um desafio. As grandes obtenções de defesa normalmente
decorrem de um complexo planejamento estratégico e implicam escolhas
entre opções tecnológicas, fornecedores e países. Nesse processo, a política
molda a estratégia e esta cria demandas por plataformas e sistemas de
combate, ou seja, os esforços de CT&I de uso militar são voltados para a
obtenção das armas cujo significado foi ditado pela estratégia criada para
alcançar fins politicamente estabelecidos” (p. 88)9.
Deixamos de analisar, propositalmente, a influência da “demanda”
como indutora da indústria de defesa por ser este aspecto econômico
fortemente limitador. Entretanto, Tal cenário é comum à maioria das
nações e não impediu o desenvolvimento tecnológico militar.
Se observarmos o que aconteceu na Europa, veremos a formação
de verdadeiras “teias de aranha” entre empresas e grupos empresariais,
juntando expertises, formando “clusters” e sociedades em algumas áreas
e competindo entre si em outras. Ou seja, o mercado impôs uma solução
heterodoxa para sobrevivência da indústria bélica.

POTENCIAIS PARCERIAS EM CT&I

O estabelecimento de parcerias estratégicas pela Marinha do Brasil


com diversas Instituições de Ensino de excelência, no país e no exterior, e
com as empresas da Base Industrial de Defesa, constitui um modelo
atualmente adotado para alçar o patamar de desenvolvimento tecnológico
almejado pela Marinha e pela Estratégia Nacional de Defesa.
Atualmente, a MB fomenta a busca de soluções tecnológicas por
meio de convênios, tais como com:
• a Universidade do Estado de São Paulo (USP), com um convênio
de mais de 56 anos, parceria que motivou a criação do curso de Engenheira
Naval no Brasil e ajudou o desenvolvimento da indústria naval brasileira,
com a formação de mais de 1.400 engenheiros navais.

9
MOREIRA, W. S. Ciência e Tecnologia Militar: “Política por outros Meios”? Revista da
Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 71-90, jul./dez. 2012.

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292 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

• a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade


Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), desde agosto de 2004, com um
convênio de cooperação científica, cujo objetivo principal é promover a
cooperação técnico-científica em pesquisas, ensino, desenvolvimento e
prestações de serviços cooperativos integrados, entre as três Instituições.
Ressalta-se o Termo de Cooperação entre a Secretaria da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM) e a UFRN, com o
objetivo de apoio à pesquisa científica e à manutenção operacional da
Estação Científica do Arquipélago de São Pedro e São Paulo.
Em 2011, a SecCTM inaugurou os Núcleos dos Escritórios de CT&I
da MB na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Passados pouco mais de três anos, os
acordos já demonstraram seu valor, com a obtenção de quatorze novas
tecnologias, por meio da conclusão de cinco projetos em parceria, e ainda
contando atualmente com quatro projetos em execução, além de outros
ainda em processo de negociação, de captação de recursos financeiros.
Recentemente foram assinados Acordos de Cooperação Acadêmica,
Técnica e Científica com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações (CPqD) em São Paulo, a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) / Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos
Tecnológicos (COPPETEC), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio), a Universidade Católica de Santos (UNISANTOS) e a
Universidade de Santa Cecília (UNISANTA).
A aproximação com a comunidade científica nacional cria a
perspectiva promissora do apoio aos projetos de interesse da Marinha, em
especial aos do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB).
Fruto dessas parcerias, encontra-se em andamento a nacionalização de
componentes, equipamentos e/ou sistemas de interesse para a MB, o
que permite desenvolver produtos de defesa que atendam às demandas
correspondentes do País e que contribuam para a diminuição da
dependência externa de produtos de complexidade tecnológica elevada,
necessários à defesa nacional.
Adicionalmente, também as parcerias com outros países são
incentivadas, principalmente em setores estratégicos e que contribuam
para a conquista de autonomia em tecnologias indispensáveis. Nesse
sentido, surge o acordo estratégico Brasil-França. Ressalta-se a importância

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Wilson Barbosa Guerra 293

do arrasto tecnológico para as empresas domésticas parceiras de grandes


projetos, o que contribui para a consolidação da Base Industrial de Defesa
nacional.
No caso concreto específico que vivenciamos, os governos do
Brasil e da França firmaram, em 2008, um acordo de parceria estratégica,
que possibilitou o desenvolvimento do PROSUB, com a assinatura do
contrato, entre a MB e o estaleiro Direction des Constructions Navales
Services (DCNS), para, entre outras atividades, a construção e transferência
de tecnologia dos submarinos da classe Scorpène. Com a parceria, a França
ganha escala e dinamismo, e o Brasil acelera sua capacitação tecnológica.
Fruto do trabalho do Ministério da Defesa (MD), já existe a intenção
de aproveitar as capacidades existentes e incrementar a cooperação
industrial com o Chile nas áreas naval e de manutenção de blindados,
construir com a Colômbia um navio fluvial e Veículo Aéreo Não-Tripulado
(VANT) e, com a Argentina, um lançador de satélites sul-americano.
Com a intensificação da cooperação com a África do Sul, a Marinha
do Brasil avalia a possibilidade de desenvolvimento de tecnologias que
possam ser empregadas em mísseis superfície-ar de médio alcance,
semelhantes às utilizadas no míssil sul-africano UMKHONTO-IR.
Em suma, os acordos internacionais, que visam à aquisição
de equipamentos militares, são oportunidades para a transferência de
tecnologia, desde que o fluxo de conhecimento necessário para atingir o
objetivo principal seja garantido pela absorção e aplicação do conhecimento
pela Base Industrial de Defesa. No caso da Marinha do Brasil, o emprego
da tecnologia que é transferida resultará no projeto e construção do
submarino de propulsão nuclear no nosso País.
É evidente a necessidade de se buscarem parcerias e absorverem
novas tecnologias, de maneira a se reduzir o “abismo tecnológico”
observado. Na realidade isso significa que não queremos “reinventar a
roda”.
A MB deverá incentivar e aumentar o relacionamento com
instituições privadas e públicas de ensino superior e técnico para o
desenvolvimento de novas tecnologias a partir da tecnologia adquirida.
Neste ponto, surge a necessidade da construção de uma Base Industrial de
Defesa, forte e sólida, amparada, na medida necessária, pelo governo, como
no exemplo norte-americano, e pelo apoio de entidades representativas do

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
294 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

setor industrial brasileiro. O programa “Inova” do Governo Federal, em


particular o “Inova Aerodefesa” é um incentivo à nossa indústria.

IMPACTOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO

Tecnologias de uso dual são conhecimentos, habilidades e know-


how empregados tanto no campo civil como também no campo militar.
Sabemos que quanto maior a escala de determinado produto, maior é o
interesse das indústrias em produzi-lo. Dessa forma, produtos de uso dual
despertam maior atração dos fabricantes e observa-se, como consequência,
uma redução nos custos de produção.
A prioridade dada e a ser incrementada no setor de CT&I no
médio e longo prazos nos indicarão, paulatinamente, os resultados que
almejamos em um crescente grau de independência tecnológica. Dentre as
principais realizações e ações já implementadas, destacamos as seguintes:
- assinatura de um Acordo de Cooperação com a Petrobras,
com o propósito de elaborar e executar projetos e obras necessárias para
estabelecimento de laboratórios de referência no Centro Tecnológico Da
Marinha Em São Paulo (CTMSP) e no Instituto De Pesquisa Da Marinha
(IPqM), para o desenvolvimento de Sistemas Inerciais, tendo, como
interveniente, a Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON);
- grandes avanços na tecnologia de Fusão de Dados no âmbito
do GTC Brasil-França, na Subcomissão Naval (SCN), onde os especialistas
franceses repassaram algoritmos que ampliaram o domínio do IPqM
neste tema. Uma parceria com a Fundação Cooperação de Projetos,
Pesquisas e Estudos Tecnológicos ( COPPETEC) da UFRJ neste projeto tem
produzido ganhos significativos, advindos da integração da participação
de pesquisadores civis, estudando temas de interesse da MB. O principal
produto desta tecnologia é o Centro de Integração de Sensores e Navegação
Eletrônica (CISNE), desenvolvido pelo IPqM. O CISNE é um sistema de
apoio à navegação para navios militares que integra sensores de navegação
e de comunicação;
- inauguração, em julho de 2013, do Laboratório de Tecnologia
Sonar (LABSONAR) no Centro Tecnológico da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (COPPE/UFRJ). Empreendimento que visa capacitar alunos de
graduação e pós-graduação que apresentem interesse na área de tecnologia

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
Wilson Barbosa Guerra 295

sonar, a fim de contribuir para o desenvolvimento de ferramentas aplicáveis


aos sistemas sonar de utilização nos meios da Marinha do Brasil;
- desenvolvimento de um Sistema de Controle e Monitoração
(SCM) pelo IPqM com o propósito de controlar e monitorar a planta
propulsora e sistemas auxiliares dos navios da MB, por meio da integração
de controladores locais dos equipamentos envolvidos, utilizando sistema
distribuído. Além disso, monitora a ocorrência de avarias diversas
auxiliando a tripulação no gerenciamento dessas situações;
- desenvolvimento pelo IPqM do primeiro simulador de máquinas
do tipo full mission para o Centro de Instrução Almirante Graça Aranha
(CIAGA). Trata-se de um simulador para navios mercantes, com motores
de baixa rotação, que será instalado no Centro de Instrução Almirante
Graça Aranha para ser utilizado como ferramenta no apoio ao ensino na
Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante;
- instalação de um Simulador de Passadiço Classe “C”,
desenvolvido pelo Centro de Análise de Sistemas Navais (CASNAV),
que compreende o primeiro passo para o desenvolvimento do simulador
de passadiço tipo full mission para o CIAGA. Além disso, foi iniciada a
terceira e última fase do projeto, que prevê a entrega deste simulador em
Dezembro de 2015. Um protótipo deste simulador está sendo empregado
na instrução de navegação e manobra das nossas tripulações na Esquadra;
- aquisição de um novo navio hidroceanográfico de pesquisa
por meio de um Acordo de Cooperação entre o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), o Comando da Marinha/Ministério da
Defesa, a PETROBRAS e a Vale. Um dos dez mais modernos do mundo,
com laboratórios e equipamentos científicos de última geração. Possui
capacidade para acomodar cerca de 50 pesquisadores e operar com
aeronaves de asa rotativa.
O navio atuará como uma plataforma científica e tecnológica
importante para realização de levantamentos geológicos do fundo do mar,
para efeito de exploração de seus recursos naturais, bem como aquisição
de dados do ambiente operacional marinho, para melhor emprego do
Poder Naval na vigilância da Amazônia Azul.
As pesquisas relacionadas aos veículos autônomos (meios não
tripulados), para emprego aéreo, terrestre ou marítimo (na superfície ou
submerso), estão no caminho principal dos investimentos para os próximos

R. Esc Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 283 – 298, jan./jun. 2015
296 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

anos. A filosofia é a redução de custos e riscos para os combatentes,


permitindo-se também uma maior autonomia de emprego de meios nas
cenas de ação.
Assiste-se, já hoje, à robotização da guerra. A primeira fase desse
processo deu-se com o emprego de VANT, como vetores de atuação para
realizar incursões perigosas ao território dominado pelo adversário.
As guerras do futuro, de difícil previsão, tenderão a ser
influenciadas por uma enorme variedade de novas tecnologias. Estão
em desenvolvimento, e a poucos passos do uso operacional, tecnologias
surpreendentes como as de aumento do desempenho humano em combate,
de construção de redes e sistemas resistentes às invasões cibernéticas, de
controle do espectro eletromagnético e uso generalizado de agilidade
de frequência, de navegação precisa em ambientes onde a utilização de
sistemas tipo Global Positioning System (GPS) seja impossível, de sensores
inteligentes, de mísseis de cruzeiro de altíssima velocidade, de armas de
alta energia, de satélites e aeronaves fracionadas e configuráveis, e de
veículos aéreos, terrestres, navais, submarinos e anfíbios remotamente
controlados e de alto desempenho.
A comprovação dessas afirmativas no campo militar nos leva a
afirmar que, definitivamente, estamos saindo da “era da pólvora”, iniciada
no século XVI pelos chineses, para a “era da energia”.

CONCLUSÃO

Ao nos aproximarmos do fim de nossa Aula Inaugural, é notório


como é mutável o ambiente no aspecto da Ciência, Tecnologia e Inovação.
A dinâmica atual é ditada pela continuidade das inovações tecnológicas,
baseadas em conhecimentos científicos, onde a obsolescência dos produtos
é cada vez mais rápida.
O avanço científico-tecnológico resultou no aprofundamento do
conhecimento de poucos. Cada avanço significativo muda a visão que o
homem tem de si mesmo, aumenta as indagações e, a cada resposta, criam-
se perguntas mais difíceis de serem respondidas.
Nos últimos três séculos, a riqueza das nações foi geralmente
acumulada por aquelas dotadas de recursos naturais abundantes e/ou
que acumularam grandes somas de capital provenientes dos resultados

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Wilson Barbosa Guerra 297

da industrialização e, em especial, da prestação de serviços. Quanto maior o


valor agregado aos produtos pelo domínio tecnológico, maior a renda auferida
na sua produção. Hoje, as afirmativas acima são relativas, pois a verdadeira
vantagem está no “domínio do conhecimento”.
A ciência e a tecnologia impulsionaram o potencial econômico e
militar das potências que souberam investir nesse binômio e compreender
suas inter-relações com a política.
O poder gerado e acumulado refletiu-se amplamente na ordem
internacional vigente. O exemplo emblemático da interação entre ciência,
tecnologia, poder e política é a arma atômica, de 1945, produto do esforço
combinado de pesquisa cientifica e mobilização política. É notável que
essa empreitada tenha se iniciado nas décadas anteriores em ambiente de
cooperação acadêmico-científica, algo que mudou quando os cientistas
perceberam o potencial da energia que estavam descobrindo (p. 74)10.
É de grande importância que o Governo, as Forças Armadas e a Base
Industrial de Novembro (BID) ajam de forma conjunta buscando:
- investir em tecnologias que tragam valor às Forças Armadas,
autonomia tecnológica ao país e competitividade à indústria;
- desenvolver tecnologias (inclusive as de uso dual) que tragam
perenidade ao ciclo evolutivo tecnológico;
- aumentar o apoio governamental em C,T&I para a Defesa; e
- incentivar a inovação tecnológica.
O cumprimento de tais ações consolidará a indústria nacional de
defesa e, como consequência, além da independência tecnológica, trará
desenvolvimento, ganhos ao país e ganhos sociais à nação.
Considerando a complexidade e a variedade dos campos de
conhecimento envolvidos nas atividades inerentes à área de CT&I, evidencia-
se, para a Marinha do Brasil, a necessidade de capacitação e atualização
continuadas de todos os seus profissionais envolvidos no gerenciamento e no
desenvolvimento das ações na área em questão.Ao mesmo tempo em que a
obsolescência dos produtos é cada vez mais rápida, não se pode abrir mão
de algumas “velhas” tecnologias, uma vez que os conflitos não apresentam,
via de regra, uma perfeita simetria. Ainda mais em uma era onde os conflitos
regulares vão dando lugar a conflitos difusos e irregulares.

10
MOREIRA, W. S. Ciência e Tecnologia Militar: “Política por outros Meios”? Revista da
Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 71-90, jul./dez. 2012.

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298 A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO PODER NAVAL BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

Portanto, a busca da tecnologia de ponta, em que pese deva


mobilizar os esforços da nação, não deve abrir mão da compreensão do
contexto onde ela possa ser aplicada.
O fortalecimento do Setor de CT&I na Marinha, por meio do
fomento pelo conhecimento, da pesquisa e do desenvolvimento de novas
tecnologias, tem sido a prova de que a Marinha do futuro será, de fato,
muito melhor que a do presente, contribuindo para o desenvolvimento
expressivo de nossa nação.

IMPERIUM PER SCIENTIA - SOBERANIA PELA CIÊNCIA.

Ao encerrar esta Aula Inaugural dos Cursos de Altos Estudos


Militares, deixo uma frase para reflexão, dita por um dos maiores expoentes
de ciência e tecnologia que este País já teve:

“Se apenas com idealismo nada se consegue de


prático, sem essa força propulsora é impossível
realizar algo de grande”. (Almirante Álvaro Alberto)11

Ao concluir minhas palavras, desejo aos componentes das


turmas CPEM, CEMOS e C-SUP 2015 os meus melhores votos de um
excelente curso e saúdo esta centenária Escola de Guerra Naval por mais
um aniversário de criação, e pela sua contribuição, desde 1914, para o
desenvolvimento do pensamento estratégico-naval brasileiro e para a
formação de nossos Chefes Navais.

Muito obrigado

11
Formado na Escola Naval e na então Escola Politécnica, o Almirante Álvaro Alberto
presidiu a Academia Brasileira de Ciências. Trocou cartas e recebeu a visita de Albert
Einstein, Enrico Fermi, Otto Hahn e Alberto Santos Dumont. Fundou e presidiu o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criou os Instituto Brasileiro
de Matemática Pura e Aplicada e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Foi
representante do Brasil na Comissão de Energia Nuclear da ONU e assessorou vários
Presidentes da República, de Eurico Gaspar Dutra a Juscelino Kubitschek.

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299

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Científicas da FAPESP de 2014, no que diz respeito aos conflitos de
interesses:
“3.4.1. Há conflito potencial de interesses nas situações em que a
coexistência entre o interesse que deve ter o pesquisador de fazer avançar
a ciência e interesses de outra natureza, ainda que legítimos, possa ser
razoavelmente percebida, por ele próprio ou por outrem, como conflituosa
e prejudicial à objetividade e imparcialidade de suas decisões científicas,
mesmo independentemente de seu conhecimento e vontade.
3.4.2. Nessas situações, o pesquisador deve ponderar, em função
da natureza e gravidade do conflito, sua aptidão para tomar essas decisões
e, eventualmente, deve abster-se de tomá-las.
3.4.3. Nos casos em que o pesquisador esteja convencido de
que um conflito potencial de interesses não prejudicará a objetividade e
imparcialidade de suas decisões científicas, a existência do conflito deve
ser clara e expressamente declarada a todas as partes interessadas nessas
decisões, logo quando tomadas.”
Fonte:<http://www.fapesp.br/boaspraticas/FAPESP-Codigo_de_
Boas_Praticas_Cientificas_2014.pdf>

PROCESSO DE AVALIAÇÃO POR PARES


Os originais submetidos à Revista, que atenderem à política,
serão encaminhados ao Conselho Editorial, que fará uma pré-análise
considerando o mérito científico e o escopo da revista. Aprovados nesta
fase serão encaminhados, para pelo menos dois pareceristas ad hoc de
reconhecida competência na temática abordada.
Os pareceristas, após receberem o artigo, emitem um parecer,
com os respectivos comentários e avaliação final. Este parecer retorna
aos editores que encaminha o resultado ao candidato, indicando, quando
necessário, as alterações sugeridas e o prazo de reenvio do artigo.
A decisão final sobre a publicação ou não do original é sempre do
Conselho Editorial, ao qual é reservado o direito de efetuar os ajustes que
julgarem necessários.
302

FORMATO DE APRESENTAÇÃO
A revista da Escola de Guerra Naval adota as regras da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), http://www.abnt.org.br/:
Artigo: NBR 6022 – Artigo em publicação periódica científica e
impressa.
Título e Resumo: em Português e Inglês (máximo de 200 palavras).
Incluir, no mínimo, três palavras-chave por idioma.
Identificação do autor: Nome completo dos autores na ordem
em que deverá aparecer no texto, titulação, instituição, endereço postal e
eletrônico.
Referências: NBR 6023/2002 – Referências – Elaboração.
Numeração de seções: não deverá haver numeração de seções.
Referências: as referências podem vir ao longo do texto no formato
completas por meio de notas de rodapé ou abreviadas pelo sistema autor-
data. Ao fim do texto devem constar todas as referências utilizadas pelo
autor em ordem alfabética e não numeradas.
Tipologia: Times New Roman 12, espaço 1,5 e margens de 2,5 cm.
Figuras e gráficos: o uso de tabelas e figuras deverá se restringir ao
mínimo necessário, podendo vir ao longo do texto. Solicita-se que as tabelas e
figuras sejam enviadas em separado para efeitos de diagramação, as mesmas
deverão estar digitalizadas em 300dpi e no formato JPG.

Toda a correspondência referente à Revista deve ser encaminhada à:


Escola de Guerra Naval – Centro de Estudos Político-Estratégicos.
Avenida Pasteur, 480 – Praia Vermelha – Urca.
Rio de Janeiro – RJ
CEP: 22.290-240
e-mail: revista@egn.mar.mil.br
Aos cuidados do Editor-Executivo da Revista da Escola de Guerra Naval
A Revista da Escola de Guerra Naval é um periódico semestral, editado pelo
Centro de Estudos Político-Estratégicos (CEPE) e vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM), que tem o propósito
de disseminar e promover intercâmbio, em níveis nacional e internacional,
de conhecimentos relativos à Defesa, com ênfase na área de Ciência Política
e Relações Internacionais. Publica, prioritariamente, trabalhos originais e
inéditos, que contribuem para o estudo do aperfeiçoamento e a evolução
do pensamento político-estratégico naval brasileiro, proporcionando maior
integração entre a Marinha do Brasil e a comunidade acadêmica nacional
e internacional.

Protegendo nossas riquezas,


cuidando da nossa gente.

PODE SER ABERTO PELA ECT

ESCOLA DE GUERRA NAVAL (EGN)


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Av. Pasteur, 480 - Praia Vermelha - Urca - 22290-240 - Rio de Janeiro - RJ

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