Regional is Mo
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Professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
REVISTA LETRAS, CURITIBA, N. 74, P. 119-132, JAN./ABR. 2008. EDITORA UFPR. 119
ARAÚJO, H. H. de. A TRADIÇÃO DO REGIONALISMO NA LITERATURA BRASILEIRA...
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Na sua observação, o crítico demonstra a capacidade de apreender a força vital do
sistema literário. Uma vez consolidada, a tradição renderia soluções de continuidade como a do
“princípio da causalidade interna” identificado na moderna literatura brasileira (Cf. CANDIDO,
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1987). Mas a possibilidade de coincidências determinadas pela apreensão da realidade do país está
implicada ao longo de todo o processo formativo, como sugere uma referência a Macunaíma, ao final
do trecho citado, iluminando a leitura com a função de demonstrar o quanto o Frei Caneca foi capaz
de promover uma irreverência “que bordeja a incredulidade” no “trecho movimentado onde o
Brasil se transfigura” (CANDIDO, 1975, p. 259).
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A esse respeito, Evaldo Cabral de Mello (2001) aponta para a mística unitária do
Império como um fator homogeneizador da nação, mística que se concretizou em atos administrativos
contra os quais reagiram os surtos regionalistas.
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Parecem também contraditórias as reivindicações de Gilberto Freyre quanto à primazia
de uma cultura regional em torno de Pernambuco, no momento em que se dava um amplo debate
em torno da identidade nacional promovida pelo Modernismo e com eixo na brasilidade. A problemática
referida tem sido analisada em estudos que, a exemplo de Azevêdo (1984), D’Andrea (1992) e
Pallares-Burque (2005), analisam a participação do autor pernambucano no movimento cultural
brasileiro.
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Como esclarece ao comparar Guimarães Rosa com predecessores que praticaram uma
ficção regionalista “[...] feita quase sempre ‘de fora para dentro’ e revelando escritor simpático,
compreensivo, mas separado da realidade essencial do mundo que descreve; e que enxerta num
contexto erudito elementos mais ou menos bem apreendidos da personalidade, costumes, linguagem
do homem rústico, obtendo montagens, não a integração necessária ao pleno efeito da obra de
arte” (CANDIDO, 2002, p. 191, grifo do autor).
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Em “Literatura e Cultura de 1900 a 1945”, ao analisar o período pós-romântico da
literatura brasileira, caracterizado como “literatura de permanência”, o autor situa o “conto
sertanejo”: “Gênero artificial e pretensioso, criando um sentimento subalterno e fácil de
condescendência em relação ao próprio país, a pretexto de amor da terra, ilustra bem a posição
dessa fase que procurava, na sua vocação cosmopolita, um meio de encarar com olhos europeus as
nossas realidades mais típicas. Forneceu-lho o ‘conto sertanejo’, que tratou o homem rural do
ângulo pitoresco, sentimental e jocoso, favorecendo a seu respeito idéias-feitas perigosas tanto do
ponto de vista social quanto, sobretudo, estético” (CANDIDO, 1980, p. 113-114).
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“[...] a legitimidade nacional das pesquisas essenciais do romance, liberto do pitoresco
em benefício do humano social e psicológico; do humano contemporâneo, que nos toca de perto e
envolve a sensibilidade com os seus problemas” (CANDIDO, 1975, p. 368).
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2 A “MORTE” DO REGIONALISMO
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Ao ler Macunaíma como expressão de uma “entidade nacional brasileira”, Leyla
Perrone-Moisés observa que tal processo já estava implicado na obra de Mário de Andrade: “Vale
lembrar que até 1930 a economia brasileira se baseava em plantações agrícolas voltadas para o
mercado internacional, sem que houvesse comunicação entre elas. As diferentes regiões brasileiras
tinham estruturas políticas autônomas, e o Estado era muito fraco para integrá-las. A diversidade
social e cultural das regiões era também um entrave para a formação de uma ‘consciência nacional’.
M.A. aspirava a essa união nacional por meio de uma ‘desregionalização’, que em seu momento só
podia ser concebida como ficção” (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 194).
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Para uma discussão específica sobre o conjunto da produção de romances do período,
cf. o estudo Uma história do romance de 30 (BUENO, 2006).
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Cf. também o estudo O romance da urbanização (GIL, 1999).
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Em “A literatura e a formação do homem”, Antonio Candido reitera: “[...] é forçoso
convir que, justamente porque a literatura desempenha funções na vida da sociedade, não depende
apenas da opinião crítica que o Regionalismo exista ou deixe de existir. Ele existiu, existe e existirá
enquanto houver condições como as do subdesenvolvimento, que forçam o escritor a focalizar como
tema as culturas rústicas mais ou menos à margem da cultura urbana. O que acontece é que ele vai
modificando e adaptando, superando as formas mais grosseiras até dar a impressão de que se
dissolveu na generalidade dos temas universais, como é normal em toda obra bem-feita. E pode
mesmo chegar à etapa onde os temas rurais são tratados com um requinte que em geral só é
dispensado aos temas urbanos, como é o caso de Guimarães Rosa [...]” (CANDIDO, 2002, p. 86-87).
No mesmo estudo, destaca-se interessante exame da tensão entre tema e linguagem no
regionalismo.
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“[...] pensando em surrealismo, ou super-realismo” (CANDIDO, 1987, p. 161).
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Antonio Candido chega a levantar a hipótese de que o regionalismo poderia
corresponder, em alguns casos, a literaturas nacionais atrofiadas (embora signifique, “no plano
geral unificador, uma procura dos elementos específicos da nacionalidade”). (Cf. CANDIDO, 1987,
p. 202).
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Em “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, a obra do escritor pernambucano é vista
no contexto do Modernismo, especialmente pelo fato de “estudar com livre fantasia o papel do
negro, do índio e do colonizador na formação de uma sociedade ajustada às condições do meio
tropical e da economia latifundiária”. Mesmo considerando a perspectiva regionalista contrária ao
programa do Modernismo, Antonio Candido avalia: “Um autor como Gilberto Freyre, que parece
hoje um sociólogo conservador, significou então uma força poderosa de crítica social, com a
desabusada liberdade das suas interpretações” (CANDIDO, 1980, p. 124 e 135).
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“A nova narrativa”, comunicação apresentada ao “Encontro sobre ficção latino-
americana contemporânea” no Woodrow Wilson Center for Sholars, Washington, e publicada em
vários periódicos e livros, a exemplo de A educação pela noite (1987), que apresenta nota sobre o
texto à p. 217.
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RESUMO
ABSTRACT
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REFERÊNCIAS
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