FALCÃO, Garibaldi = Historia illustrada da grande guerra (8)

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GUIMARÃES 5>C

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\ VR- DO MU/SOO
Ê

HISTORIA ILLUSTRADA

GRANDE GUERRA

COMPOSTO E 1MPRESBO NA IMPRENSA


•V» DE MANUEt. LUCAS TORRBS 0Q0
RUA DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 87 A g 3
HISTORIA ILUSTRADA

DA

GRANDE GUERRA

COMPILAÇAO DE

GARIBALDI FALCÃO

VOL. VIII

1916
GUIMARÃES & C.a—Editores
68, Rua òo Munòo, 70
LISBOA
HISTORIA ILLUSTRADA

DA

GRANDE GUERRA

CAPITULO LIX
r • 'V

Segonda batalha de Ypres


(CONTIKCAÇÂO)

O general Foch e sir Sohn French haviam reunido forças


sufficientes na saliência ou atraz d'ella para os contra-ata-
ques. A uns tres kilometros atraz da direita da divisão de
Putz, n'um pequeno bosque a> oeste de St. Julien, estava a
segunda bateria de artilharia pezada de Londes com peças
de 4-7 pollegadas. Quatro batalhões do quinto corpo estavam
em roda de Ypres. A 13.® brigada de infantaria que, como
dissémos, tinha tido grandes perdas na cota 60, ficáraacinco
kilometros a oeste de Ypres, em Vlamertinghe.
A primeira brigada canadiana estava de reserva geral, mas
com um batalhão proximo das trincheiras. A não ser que a
linha desde Broodseinde até St. Eloi fôsse simultaneamente
ameaçada em todos os pontos, as reservas das tropas ingle-
zas que a defendiam podiam ser empregadas com segurança
em bater os allemâes que descessem para Ypres, do norte.
O corpo de cavallaria, como sempre, prompto para subs-
t'tuir a infantaria, estava em reserva geral e se fôsse neces-
sário a divisão de Lahore do corpo indiano e uma parte do
terceiro corpo podiam ser mandadas reforçar o segundo exer-
cito inglez, sobre o qual e a divisfto de Putz a tormenta es-
Wva prestes a estalar. O general Foch tinha, como dissómos,
6 HISTORIA lLLUSTRADA

amplas reservas. Com os meios de transporte que tinham ao


seu dispôr podia facilmente concentrar homens frescos e ca-
nhões em redor de Ypres.
No dia 22, o vento soprava do norte. O dia estava quente
e de sol. Durante a manha e parte da tardo coisa alguma de
desusado fôra transmittido ao quartel general dos alliados.
Eram proximo das 5 horas da tarde. De súbito, um aviador
contou que um fumo amarellado se via na posição allemâ
entre Bixschoot e Langermack. Das suas trincheiras, os tur-
cos francezes avistaram um fumo branco elevando-3e a uns
tres pés do terreno. Na frente apparecia uma nuvem d'um
cinzento amarellado. mais alta que um homem, quevinhaem
direcção ás trincheiras. A uns cincoenta pés ou pouco mais
da fronte allemã havia uma bateria de 20 cadinhos e os alle-
mães haviam finalmente arremeçado o chloro.
Era um novo meio de lucta contra o qual os inglezes es-
tavam «simplesmente» desarmados, como um allemão escre-
veu no dia 26.
Se n3o tinham duvida em suffocar os inglezes, menos ti-
nham ainda em assassinar os turcos francezes. Não podendo
empregar tropas de côr, porque os seus vassallos do Sul da
Africa nunca teriam combatido pelos seus cruéis senhores,
protestavam hypocritamente contra a presença de africanos
e asiaticos nos campos de batalha da Europa.
Dentro em poucos segundos, os turcos começaram a sen-
tir uma intolerável e angustiosa irritação na garganta, nariz
e olhos. Começaram a tossir e vomitar sangue, sentiram ter-
ríveis soffrimentos no peito, estavam suffocados.
A custo distinguiram destacamentos do inimigo avançando
atraz da nuvem de gaz. Alguns dos allemâes traziam a ca-
beça envolvida em mascaras, outros respiradores com orifí-
cios para verem, presos por faixas elasticas passando por
baixo do pescoço.
A surpreza foi completa. Centenas de turcos ficaram em
estado comatoso ou moribundos, outros foram mortos ou pas-
sados á bayoneta pelos allemâes. Os sobreviventes retiraram
da area invadida pelos gazes, deixando 50 canhões nas mãos
dos allemâes. Os que n5o estavam mortos, estavam moribun-
dos e jazendo no meio do fumo cinzento. Os seus lívidos o
contorcionados rostos demonstravam a natureza do horrível
tormento por que tinham passado e dos que recuaram, per-
seguidos pelos allemSles, parte entrincheirou-se n'uma linha

DA GRANDE GUERRA

parallela á estrada para Poelcappelle. Além das perdas soffri-


das pelos turcos nas trincheiras, grande parte das tropas
francezas que estavam atraz da linha da fronte foram toma-
das por surpreza.
Ypres .parecia estar na area da aberta feita assim pelo ini-
migo. Uma tempestade de granadas, shrapnels e bombas
cheias de gazes asphyxiantes foi arremessada sobre todos os
pontos tácticos do norte da cidade, que era a mais bombar-
deada. Depois vieram os allemâes, trazendo a nuvem de gaz,
que estava agora começando a formar charcos atraz d'elles.
A' distancia que lhes pareceu conveniente, arremessaram con-
tra a cidade uma grande nuvem. A bateria de canhões do
4-7 pollegadas installada no bosque a oeste de St. Julien foi
tomada e a esquerda da massa allema avançou sobre muitas
baterias de campanha mais á retaguarda e em direcção mais
a leste. Ames dos canhões poderem entrar em acção os alle-
mâes estavam já a algumas centenas de metros d'elles. Uma
bateria poude formar em circulo e fazer fogo sobre o ini»
migo á queima-roupa, detendo o avanço. Os canhões d'outra
foram atacados por tres lados, mas nenhum foi tomado.
Apenas uns tres kilometros de terreno aberto ficavam eu
tre Ypres e os allemâes. A ala direita dos dois corpos que
deviam dar o ataque estava marchando para o canal de
Yperlee a fim de se apoderar da passagem em Steenstraate
e da de Het Sast a pouco mais de um kilometro ao sul d'a-
quella. Entre Steenstraate e Dixmude os allemâes estavam
renovando os seus ataques contra os belgas em Driegrachten
e, ao norte de Dixmude, no castello de Vicogne — um pe-
queno edifício campezino, centro d'um grupo de pequenas
edificações.
O que era ainda mais grave é que a divisão canadiana
havia sido torneada e uma linha de trincheiras formada pelo
inimigo em angulo recto com o seu flanco esquerdo.
Avançando d'ahi, o inimigo podia cortar as communica-
ções dos canadianos com Ypres.

Nunca a situação na Flandres fora mais critica. A divisão


colonial franceza quasi não podia ser considerada como uni-
dade de combate e, além dos canadianos, apenas de quatro
batalhões do quinto corpo em redor de Ypres e do resto An
enfraquecida brigada que luctara na cota 60 se podia dispôr
para salvar a situação.


8 HISTORIA 1LLUSTRADA

«As coloaias do império britannico com governo proprio


— escrevera Bernhardi em 1911 — teem ao seu dispôr uma
milicia, que é algumas vezes única nos processos de forma-
ção, que n5o pódem servir para a guerra na Europa». A mi-
licia canadiana ia provar na Europa que possuia uma cora-
gem e uma tenacidade eguaes ás das tropas regulares.
Os soldados que estavam de reserva em Ypres e proximo
d'essa cidade, ao vêrem os turcos em retirada e ouvindo o
bombardeamento, haviam-se reunido em grupos. Aqui e ali,
um turco que sabia falar inglez gesticulava e tentava expli
car o que havia acontecido, emquanto os inglezes que fala-
vam francez faziam perguntas sobre perguntas.
Para fóra das habitações precipitavam-se os milhares de
civis — homens, mulheres e creanças — que ainda havia na
cidade. O medo levava-os a fugir para os campos. De súbito,
um official appareceu a galope, bradando: «A's armas !» Os
soldados, muitos dos quaes se tinham estado a banhar, diri-
giram-se socegadamente por entre os aterrados civis para os
seus postos. Os officiaes, sem esperarem ordens, avançaram
com elles e as hostes allemâs, atacadas á bayoneta, tiveram
de parar no terreno de que se haviam apoderado por modo
tao traiçoeiro.
A sorte da batalha favoreceu a terceira brigada de cana
dianos, commandada pelo brigadeiro general Turner. Contra
os canadianos os allemSes haviam também descarregado uma
nuvem de chloro, por detraz da qual quatro divisões esta-
vam concentradas p«ra um ataque. Afortunadamente, po-
rém, a direcção do vento salvou os canadianos dos seus per-
niciosos efeitos e, embora muitos soldados fôssem postos fóra
d'acç5o, dois assaltos do» allemães foram repellidos. Como
esses combates tiveram êxito, o general Turner parou o
golpe dirigido á sua esquerda e â sua retaguarda. A divisão
colonial franceza quasi que desappareceu. O bosque a oeste de
St. Julien com os canhões de 4 7 pollegadas que n'elle esta-
vam havia sido tomado pelo inimigo; a artilharia franceza
de campanha por detraz da força do general Putz tinha sido
perdida ; os canhões de campanha inglezes estiveram em
risco imminente de serem tomados. Foi um d'esses momen-
tos em que se revelam as qualidades de quem commanda.
O general Turner e o seu estado maior revelaram-se n'essa
occasiâo. A esquerda da brigada foi rapidamente transportada
da fronte de Poelcappelle para oeste da estrada de Poelca
DA GRANDE GUERRA

pelle-Ypres. Devia, custasse o que custasse, apoiar a nova


linha onde os turcos estavam sendo concentrados e reforços
foram trazidos de Ypres para preencher as abertas entre os
arredores d'aquella cidade e St. Julien, e todas as reservas
disponíveis dos canadianos e das outras divisões a leste e ao
sul foram mandadas avançar.
Esta dificílima operação, ordenada e executada n'uma at-
mosphera carregada de vapores envenenados, sob granadas
explosivas, descargas das metralhadoras e uma saraivada d©
balas da infantaria allema entrincheirada entre o bosque a
oeste de St. Julien e Poelcappelle, foi coroada de êxito.
Cahia a noite. Ao clarão, das herdades e «villas» em cham-
mas, illuminado o seu tra-
balho de quando em quando
pelo luar, os canadianos ex-
cavaram trincheiras.
Mas uma defeza passiva
não era sufficiente. Os alie-
mães estavam atravessando
o canal em Streenstraate e
em Het Sast e estavam por
ambas as margens descendo
sobre Ypres. Entre St. Ju-
lien e o canal havia apenas
os quatro batalhões do quinto
corpo sob o commando do
coronel Geddes, um outro tenente b .a. beal
batalhão, alguns turcos ainda
meio aterrados e uma mancheia de soldados que haviam sido
trazidos para o combate por iniciativa própria deofficiaes
subalternos.
Ypres, o entroncamento de quasi todas as estradas por
onde se fazia o abastecimento das forças inglezas da região
de Poelcappelle, estava em risco imminente de ser tomada.

A fim de fazer affrouxar um pouco a pressão sobre os


francezes, que haviam retirado para oeste do canal, e sobre
a força do coronel Geddes, o 16.° batalhão da 2.a brigada
canadiana, sob o commando do tenente coronel Leckie, e o
10.° batalhão da 2.1 brigada prepararam se paja um contra-
ataque. Dois batalhões da 1." brigada, que estavam, como
já dissemos, de reserva, haviam chegado á linha de com-
10 HISTORIA ILLUSTRADA

bate e estavam á mão como apoios. Eram o 2.° batalhão,


sob o commando do coronel Watson, e o 3.° (regimento de
Toronto), sob o do tenente coronel llennie, consistindo este
ultimo batalhão, conhecido pelo nome de «The Queen's Own»,
de uma companhia da guarda do governador geral do Ca-
nadá, duas companhias do The Queen's Own Rifles e d'uma
do 10.° de granadeiros.
O seu objectivo era recuperar o bos.que a oeste de St. Ju-
lien e os canhões pezados que ahi haviam sido perdidos. A
carga dada pelos canadianos ficará memorável na historia.
Os canhões, segundo uma versão, foram encravados pelo ini-
migo, segundo outra foram retomados e depois destruídos
pelos canadianos. O bosque foi retomado, mas não poude
ser occupado, porque sobro elle estava concentrado o fogo
de innumeraveis canhões allemaes.
Entretanto, a 2.4 brigada canadiana, sob o commando do
brigadeiro general Curry, cuja direita ficava na linha ferrea
de Ypres a Roulers na região de Zonnebeke, na ponta
da saliência, tinha sido vigorosamente atacada e bombar-
deada.
Cêrca da 1 hora e meia da manhã os allemães duas vezes
carregaram sobre as trincheiras em roda de Broodseinde,
mas foram repellidos com grandes perdas. As tropas ahi pe-
lejaram com a maior bravura.
Noticias da derrota dos coloniaes francezes, da retirada
da 3.4 brigada canadiana e da partida de muitas das suas
próprias reservas locaes para defender a nova linha do ge-
neral Turner haviam chegado ao seu conhecimento. Parte de
Ypres, atravez da qual, se um desastre occorresse, elles te
riam de retirar, estava em chammas. Embora sir John French
estivesse dirigindo o corpo de cavallaria e a divisão Nor-
thumbrian a oeste de Ypres o dando ordens a outras tropas
de reserva do terceiro corpo e do primeiro exercito para se
prepararem para auxiliar o segundo exercito, a situação era
muito precaria.

Pelas 4 horas da manhã de 23, os allemães arrojaram nu-


vens de gaz sobre a segunda brigada canadiana, que ainda
se conservava nas suas anteriores posições, uns 2.300 metros
ou pouco mais, na elevação do Grafenstafel. Os homens con-
tinuaram luctando e os batalhões do general Curry não re-
cuaram. Ao sul, onde as suas trincheiras estavam em contacto
DA GRANDE GUERRA

com as da terceira brigada, os seus camaradas estavam tam-


bém soffrendo os effeitos do gaz venenoso.
O 13 ° batalhão (Royai Highlauders de Montreal) eo 15.°
batalhão (48.° Highlauders) tinham sido especialmente attia-
gidos peía descarga do chloro O 48.° Highlanders Cana-
diano perdeu na segunda batalha de Ypres 691 officiaes e
soldados, dos 896 que tinha.
Suffocado pelo chloro, o batalhão abandonou por um mo-
mento as suas trincheiras. «O effeito do gaz — disse um ca-
nadiano que fôra attiugido — é o de não podermos respirar.
A sensação é horrível. Nas trincheiras vi homens cahindo
redondamente em roda de mim».
Emquanto as nuvens de gaz se não dissiparam, os alie-
mães tentaram romper a linha aliiada ao sul do bosque que
ficava a oeste de St. Julien. A's 6 horas da manhã o 1.
Ontário e o 4.° batalhão da primeira brigada canadiana, que
estavam sob o commando do brigadeiro general Mercer, re-
ceberam ordem de carregar. A força do coronel Geddes,
que havia por diversas vezes contra-atacado á bavoneta, pro-
longou a carga â esquerda. Os canhões allemães bombardea-
ram os bravos canadianos e os homens de Geddes. As me-
tralhadoras e a fuzilaria rarearam lhes as fileiras. O 4.° ba-
talhão canadiano vacillou. O seu commandanto, o tenente-
coronel Burchall, com uma pequena bengala na mão, reuniu
com o maior sangue frio os seus homens. Cahiu ea sua morte
fez com que os soldados, ébrios de raiva, se arrojassem con-
tra o inimigo, varrendo-o á bayoneta.

Pelas 11 horas da manhã, a linha aliiada corria de í^t. Ju


lien quasi a kilometro e meio para oeste, infiectia para
sudoeste e, voltando para o norte, alcançava o canal de
Yperlee proximo de Boesinghe. Atravez do canai, os allemães
estavam atacando, de Steenstraate, a aldeia do Lizeme^no
entroncamento das estradas Lizerne Ypres e Lizerne-\la-
mentinghe, e lançando pontes sobre o canal em vaios pontos.
Na retaguarda do campo de batalha, o general F och e
sir John French estavam conferenciando. Tinham se encon-
trado de manhã cedo e o general Foch repetia ao generalís-
simo inglez o que sabia ácerca do que se passára e que lhe
fôra relatado num relatorio do general Putz. Era sua in-
tenção repellir o inimigo das trincheiras que havia conseguido
tomar mercê do processo empregado. Grandes reforços do
HISTORIA ILLUSTRADA

Dorto o oesto estavam «m marcha para virem auxiliar Putz


e, como precaução addicional, sir John Freach ordenou que
o corpo de cavallaria auxiliasse os francezes a oeste do ca-
nal \ perlee, emquanto, para reforçar o seu segundo exer-
cito, mandou avançar duas brigadas do terceiro corpo e a
divisão Lahore da força expedicionária india.
A perda^ dos canhões de campanha francezes e dos ingle-
zes de 4 7 pollegadas, que haviam sido trazidos da costa
prós imo de Ostende, havia dado grande superioridade aos
allemâes em artilharia.
1 ara os civis a situação parecia mais desesperada do que
em 31 do outubro. A pres estava sendo abandonada pelos
habitantes que ainda ahi permaneciam. Milhares de fugitivos
tomaram pela estrada de Poperinghe. Durante todo o dia, na
noite e no dia seguintes o êxodo continuou. A batalha pro-
seguiu com violência. A' tarde, ao sul de Pilkem, as tropas
do coronel Geddes progrediram um pouco e os francezes ga-
nharam terreno ao longo do canal Yperlee. Os reforços de
och nâo chegaram, porém, a tempo de salvarem Lizerne,
que foi tomada n'essa noite pelos allemâes, sondo a terceira
brigada canadiana forçada a recuar.

Os canadianos quasi nâo tinham comido, as suas trinchei-


ras haviam sido arrazadas pelas granadas allemas, mas con-
tinuavam a resistir heroicamente. Gradualmente, o general
lurner fez recuar as suas tropas do noroeste para St. Ju-
lien. Durante a retirada muitos homens e officiaes feridos
foram deixados para traz. Entre elles o capitão McCuig
quiz antes ser abandonado do que estorvar a retirada. Pediu
que deixassem dois revolvers carregados a seu lado e espe-
rou n uma trincheira abandonada disposto a vender caro a
vida contra os malvados que haviam arrojado gazes envene-
nados contra o seu batalhão.
Cêrca das tres horas da manha o canhoneio allemão, que
enfraquecera um pouco, assumiu de novo grande violência,
ii pouco depois as nuvens de gaz appareciam, mas d'esta
vez a leste de St. Julien.
Os canadianos resistiram o mais que puderam, mas a bri-
gada do general Turner foi obrigada <le novo a recuar.
I alvez porque os proprios allemâes sontissem os effeitos do
gaz nâo deram ataque algum, o que foi um acaso feliz por-
que a retirada deixára a descoberto o flanco esquerdo da se-
DA GRANDE GUERRA 3

gunda brigada canadiana na elevação de Grafenstafel e o


general Curry estava fazendo avançar os seus batalhões de
modo a que a sua esquerda se puzesse enr contacto com a
direita do Turner, a leste dê St. Julien. A manobra era arris-
cada, mas foi executada com êxito.
Cêrca do meio dia, grandes massas inimigas foram vistas
marchando da direcção de Poelcappelle sobre St. Julien. O
objectivo do inimigo era romper o centro da linha alliadu.
Sob a pressão do numero, as tropas á direita e â esquerda
da aldeia foram obrigadas a recuar o St. Julien foi atacada.
Os alliados que a cccupavam defenderam-na valentemente.
O major general Snow e o brigadeiro general Hull tentaram
baldadamente salvai a. O contra-ataque organisado á tarde,
sob as ordens do logar tenente general Alderson, comman-
dante do contingente canadiano, com partes de batalhões de
seis divisões differentes, embora impedisse que o inimigo pu-
desse avançar mais, não poude retomar a aldeia. Horas de-
pois os allemães estavam, porém, além da sua linha sul o o
som da fuzilaria mostrava que no interior de St. Julien a
heróica guarnição estava morrendo no seu posto.

O resultado da acção em redor de St. Julien foi que ao


caliir da noite o resto do cortingente canadiano estava de-
fendendo a estrada de Passchendaele Ypres entre Fortuin e
Grafenstafel. A reforçar o 8.° batalhão canadiano do coronel
Lipsett n'essa elevação, foram mandados o 8.° batalhão de
infantaria ligeira de Durham e o 1.° de Hampshires, queoc-
cuparam a aberta entre Grafenstafel e Broodseinde.
A linha alliada foi reforçada, de Fortuin a Boesinghe, por
duas brigadas, uma d'ellas composta de territoriaes que quatro
dias antes estavam ainda cm Inglaterra; .uma terceira brigada
estava em marcha para ir substituir os canadianos em redor
de Fortuin e a divisão de Lahore e alguns batalhões de outra
divisão estavam-se approximando. No canal Yperlee os alle-
mites haviam guarnecido fortemento as passagens em Het
Sast o Steenstraate, e a aldeia de Lizerue havia por elles sido
tomada.
Mas á tarde os francezes contra-atacaram de Boesinghe,
quasi retomaram Pilkem, a artilharia belga destruiu a ponte
em Steenstraate e o general Foch concentrou tropas írescas
entre Woesten e Crombek a fim de repellir o inimigo para
oeste do cannl.
>4 HISTORIA ILLUSTRADA

-No dia 21 a lucta continuou para a posse de Ypres. Cêrca


das 4 horas e meia da manha, o general Hull mandou avan-
çar a sua brigada e dois batalhões territoriaes para St. Ju-
lien e para o bosque a oeste da aldeia. As tropas chegaram
ás casas no fim da aldeia, a poucas centenas de metros do
bosque, mas as metralhadoras allemãs detiveram o avanço.
Durante o resto do dia a lucta foi sangrenta, mas nem d'um
nem d'outro lado se fizeram progressos.
Em Grafenstafel, a infantaria ligeira de Durham, bom-
bardeada por granadas asphyxiantes, foi atacada pelos alie-
mães por dois lados. Ao cahir da noite teve de retirar e cêrca
da meia noite a sua linha estava a alguma distancia da mar-
gem sul da pequena torrente de Haanabeck. Desde o rom-
per do dia que o saliente'em Broodseinde estava sendo bom-
bardeado com bombas asphyxiantes e atacado por diversas
vezes.

Os inglezes mantiveram ahi as suas posições e infligiram


ao inimigo grandes perdas, tomando lhe muitos prisioneiros.
A' esquerda, para além do canal Yperlee, os francezes, sahin-
do dos bosques entre Crombeke e Woesten, impediram que
os allemSes avançassem. Ainda mais á esquerda, os belgas
ao sul de Dixmudo repelliram tres ataques acompanhados de
gazes asphyxiantes.
No dia 26, a brigada canadiana foi rendida e passou para
a retaguarda, como reserva. Salvára Ypres, mas deixára no
campo tres commandantes de batalhão, grande numero de
officiaes e milhares de homens que haviam morrido pela causa
dos alliados.
No mesmo dia, a divisão de Lahore foi para o norte de
Ypres e uma divisão de cavallaria ia apoiar o quinto corpo.
A batalha continuou com a maior violência, chegando durante
algum tempo a linha a ser rôta proximo do saliente de Bro-
odseinde. A divisão de Lahore recebeu ordem para retomar
St. Julien e os bosques que lhe ficavam a oeste. O ataque
foi dado á tarde. Foi brilhante e n'um impulso soberbo quasi
chegou ás trincheiras allemãs, mas nuvens de gaz contra
ella foram lançadas, fazendo a recuar.
No dia seguinte, a divisão, com os francezes á sua es-
querda, de novo atacou. Devido ao gaz despejado pelos alle-
mâes, poucos progressos foram feitos. Os allemâes tinham
soffrido enormes perdas e estavam exhaustos., No dia 28 as
DA GRANDE GUERRA i5

forças inimigas a leste do canal Yperlee descançaram e dois


aeroplanos allemães foram destruídos. A oeste do canal os
francezes retomaram Lizerne.
A 29 houve duello de artilharia ao norte de Ypres.Nodia
30 o general Putz atacou vigorosamente os allemães, que fo-
ram repellidos na região de Pilkem. Duzentos prisioneiros e
muitas metralhadoras foram tomadas e os regimentos alle-
mães 214.°, 215.° e 216." perderam mais de 1 000 homens.
Nos primeiros dias de maio a lucta continuou com alter-
nativas. A 9 viu se que os ataques dos allemães ao sul do Lys
não tinham sido coroados de êxito, ao passo que os france-
zes haviam alcançado uma grande victoria ao sul de La Bassée.
No dia 11, os allemães fizeram uma nova tentativa, que
resultou infructifera. No dia 12 bombardearam violentamente
as trincheiras inglezas. No dia 13, ás 4 horas e meia da
manhã, iniciaram um novo bombardeamento, que foi o mais
terrível até então havido. Os regimentos inglezes não só não
recuaram, mas avançaram e carregaram o inimigo á bayoneta.
Uma lucta corpo a corpo se travou, acabando os allemães
por recuarem em desordem.
Ao cahir da noite, o inimigo estava, pôde dizer-se, com-
pletamente derrotado e a planície e os bosques onde se déra
o combate viam se juncados de allemães aortos uns, outros
moribundos.
Dois dias depois, a 15 de maio, o general Putz atacou Ste-
enstraate e Het Sast. Os argelinos e os zuavos tomaram uma
trincheira em frente de Steenstraat, entraram na aldeia e ao
fim do dia chegaram ao canal. Mais de 000 cadaveres de al-
lemães ficaram no campo. Ao mesmo tempo os zuavos occu
pavam Het Sast.
Durante a noite os allemães contra-atacaram, bombar-
deando Het Sat com granadas asphyxiantes. Os zuavos pu-
zeram as suas mascaras — os alliaios haviam já descoberto
o meio de evitarem os effeitos deleterios dochloro —e avan-
çaram sobre elles, fazendo uma terrível carnificina tanto
n'es8e ponto como em Streenstraate.
A 17 de maio nem um só allemão, a não serem os mortos,
feridos ou prisioneiros, estava na margem esquerda do canal
Yperlee. Tres aldeias, quatro linhas fortificadas e tresredu-
ctos haviam sido tomados e pelo menos tres regimentos ha-
viam sido destruidos pelos francezes.
Tal foi o inglorio fim do primeiro esforço dos allemães
HISTORIA ILLUSTRADA
% .

para vencerem uma batalha pelo emprego dos gazes asphv-


xiantes. Nilo tinham tomado Ypres, haviam perdido muitos
milhares de homens ; tinham causado fuoda indignação em
todos os paizes neutraes pelos processos de que lançavam
ciSo.
Permittindo o emprego de gazes asphyxiantes, o kaiser
confessava tacitamente que
não lhe restava já esperança
de vencer os alliados a não
ser por meios que os mais
ferozes selvagens teriam es-
crupulo de empregar. Que a
idéa da superioridade dos
seus inimigos se começara a
enraizar uo espirito dos sol-
dados allemães demonstram-
no os dois incidentes seguin
tes:
No dia 15 de maio, segundo
um relatorio francez, os Fu-
LAUBEUFF zileiros de Marinha Allemã
que defendiam o canal Yper-
lee mostraram desejos de se render. Os seus compatriotas,
que estavam por detraz d'clles, fuzilaram-nos á queima roupa.
Quarenta o oito horas depois, ao sul de Neuve Chapelle, um
batalhão de saxOes levantou as mãos ao ar e hasteou a ban-
deira branca. Antes de terem chegado ás linhas inglezas, fo-
ram massacrados pela artilharia e fuzilaria prussiauas.

CAPITULO LX

As campanhas nas pro?incias do Báltico


A 30 d abril de 1915, os communicados officiaes davam a
noticia d'um «raid» allemão em direcção do Libau e Shavle. No
dia 2 demaio a offeasiva allemã na região de Gorlice ua Gali-
cia occidontal tomava uma amplitude quasi sem precedentes.
hra evidente desde o principio quo o avanço contra luibau
o Shavle não tinha importancia estrategica independente.
Mesmo depois do terem penetrado mais de cento e cincoenta
kilometros em territorio russo, as forças allemãs estavam
ainda irais longe de qualquer ponto de immediata importan
DA GRANDK GUERRA

cia estrategica do que em outra qualquer parte de toda a


íronte oriental. Como era natural, e devido a isso, muitas hy-
potheses se aventaram ácerca do objectivo d'essa nova ope
raçio.
A explicação que pareceu mais natural foi a que a prin-
cipio se deu d um novo emprebendimento de Hindenburg.
Dizia se que elle havi^ escolhido a linha de menor resistên-
cia e encontrára além d'isso occupaçSo para a sua cavallaria,

de Memel, no fim de r. stows


março. A lição dada pelo
seu «raid» constituiu provavelmente um dos motivos para o
avanço allemão contra Shavle.
Levando a lucta da fronteira além do seu proprio territó-
rio, os allemâes tomavam precauções. contra uma invasão
inimiga e quando os attrictos economicos teem parte proe-
miuente na guerra a politica seguida pelos allemâes de li-
garem a maior importancia â segurança do seu territorio
justifica-se amplamente.

Ha, porém, dois limites aos traids» ou avanços que não


teem uma importancia estrategica immediata. O primeiro é
V©L. VIU FOi. 2
i8

que se deve ter o maior cuidado em que a força que efie-


ctua o a raid» nao se exponha a perigos desproporcionados
com os resultados que podem ser obtidos. A osso respeito,
os allem&es nao tomavam as devidas precauções. Dovido á
sua força naval no Báltico podiam sempre retirar para a
beira mar, desde que um avanço russo de Kovno ameaçasse
seriamente o seu flanco direito. O segundo limite é que mio
podiam retirar se forças que eram necessarias no theatro de-
cisivo da guerra. TT. j .
£' difficil avaliar os effeitos que o avanço de Hindenburg
sobre Shavle teve na situação geral e especialmente na offen
siva na Gralicia occidental. A cavallaria, durante o mez
d'abril, pouco empregada fôra emi outras partes da fronte e
a maior parte da força que procedia a «raids», como se de-
monstrou pela rapidez do avanço, era por ella constituída.
Na primeira semana de maio, os russos estavam em plena
retida da Galicia occidental. Nao se sabe se os exercitos al-
lemaes dispunham ahi de cavallaria suíficiente e queriam pou-
par as divisões que o «raid» nas provindas do Báltico tinham
levado para a fronte da Lithuania e da Curlandia, ou se a
rapidez do avanço que se seguiu á retirada da linha russa
sobre o Dunajec e o Biala foi uma surpreza para os proprios
commandantes allemães. Por outro lado, aventou-se a hypo-
these de que o avanço ao longo da margem do Báltico tinha
por objectivo desviar a attenção dos russos da fronte do
Dunajec Biala.
Outro objectivo que se attribuiu a esse «raid» foi o de
talar os campos. Riga e Libau foram durante séculos dois
dos grandes celleiros da Europa oriental e uma magnifica
colheita de batatas, preservada dos rigores do outomno,
assim como grande abundancia de gado se encontravam na
Lithuania e na Curlandia. O «raid» allemao, diz o commu
nicado official russo de 1 de maio, «pôde ser considerado
como uma tentativa para incluir, com fins de assolação, na
esphera do operações, uma secção do territorio fronteiriço
que ainda nao fôra talada pela guerra».

No tempo da grande Revolução Franceza, Danton, a in-


carnação de muito do que havia de melhor e do alguma coisa
do que havia de peor na Revolução, disse que «Vencer o ini-
migo e viver á sua custa é vencel-o duas vezes». Na actual
guerra os allemães teem posto em pratica com o maior cui-
DA GRANDE GUERRA
16

dado essa maxima. Em Libau fizeram requisições de gran-


des quantidades de trigo e roubaram á população dos ^m-
pos em muitos pontos da Curlandia e da Lithuania semeies,
batatas, gado^ aves domesticas, emfim, tudo de que pod'am
lançar mao. Em seguida exigiam todos os metaes que podiam
encontrar nas regiões invadidas.
Não daremos extracto algum das cartas dirigidas porcam-
ponezes polacos e litbuanios a parentes seus que se encon-
tram na America, que foram publicadas nos jornaes e em
que se narra a historia das depradações commettidas pelos
invaspres suabiosj. Limitar-noshemos a um exemplo pro-
vindo de origem allemã e respeitante á Polonia, que soffreu
ainda mais com a guerra do que a própria Bélgica. A falta
i e viveres na Polonia era confessada por um communicado
ofhcial austríaco de 8 dabril, que começava pela seguinte
P se : «Considerando que a questão da alimentação é actual
mente a mais importante e o mais urgente problema para V
populaçSto das partes da Polonia russa por nós occupadas...
areee, porém, que isto nao se entendia com os allemães
«D«"tsche Tageszeitung» de 27 de março dá aos seus lei-
tores a grata noticia de que as auctoridades militares alle-
mas requisitaram na Polonia 60 milhões de kilos de batatas
e que a Camara Silesiana de Agricultura havia «conseguido»
comprar na Polonia « 000 kilos de farellos. Nao se poude
saber nunca como é que as auctoridades militares nllemas
haviam conseguido obter taes generos.
Se semelhantes methodos eram adoptados nas devastadas
regiões da Polonia. pouca compaixão podia a população ru-
ral da Lithuania e ainda menos do que todas a da Curlan-
dia esperar dos invasores allemães. Porque um odio, que
nem todas as aguas do Mar Báltico podem jámais extinguir,
arde no coração de cada camponez da Curlandia contra os
a leroães, odio a que estes teem correspondido com egual
violência e com perseguiç5es e uma oppressao como nunca
nação alguma da Europa soffreu. '

Na ultima semana de abril os allemães concentraram gran-
des forças entre Tilsit e Jurburg. Essas forças foram a prin-
cipio avaliadas em tres brigadas de cavallaria e uma de in-
antaria e dizia-se terem sido commandadas pelo general von
Lauenstein, quem março estava á frente do 39.° corpo de re-
serva allemao. Depois, avaliaram ne as forças allem3s nas
HISTORIA LLUSTRADA

Províncias Balticas em corpo e meio de exercito de infantaria


e quasi o mesmo numero de cavallaria.
E' provável que o primeiro numero que citamos represente
as forças que tomaram parte no avanço e que o segundo in-
clua os reforços que foram mandados durante a semana se-
guinte para auxiliar os corpos que avançaram. Apenas pe-
queno numero de forças de infantaria podem ter tomado parte
no primeiro traid». Ao que parece, quasi cento e cincoenta
kilometros foram percorridos em dois dias. Os escriptores
militares allemâes descrevem esse facto a que chamam a ma-
ravilhosa resistencia da infantaria allemã. A verdade, porém,
é que, segundo todas as probabilidades, a infantaria para
esse avanço se serviu de automoveis, pelo menos em parte
do caminho.
Uma magnifica estrada conduz por Taurogen e Sbavle a
Mitau o Riga; tendo cêrca de 50 pés de largura, tem o es-
paço sufficiente para dar passagem a tres carros a par. Ser-
viram-se d'ella a infantaria, a artilharia e o serviço de trans-
portes, ao passo que as pequenas estradas parallelas eram
provavelmente seguidas pelos principaes corpos de cavallaria.
As forças invasoras parece terem-se concentrado a 27
d'abril, avançando em tres columnas. O corpo principal avan-
çou pela estrada Taurogen-Shavle. A' sua esquerda, um
corpo considerável de cavallaria avançou por Telshe para
Muravievo, onde o caminho de ferro Riga-Mitau-Libau se
cruza com o que vem da direcção de Shavle. Assim, Libau
ficava com todas as communicações cortadas com R'ga e
com Kovno.

Um terceiro corpo, consistindo principalmente em cavalla-


ria, transpoz o Niemen por uma ponte construida pela en-
genharia allemã proximo de Jurburg. Essas forças tinham
de executar uma dupla tarefa. Tinham de defender as linhas
de communicaçfâo da columna central de qualquer possível
ataque de flanco dos russos, do sudoeste, na direcção de
Kovno, a« mesmo tempo que avançando por Rossinie para
Radzivilishki tinham por objectivo o entroncamento dos ca-
minhos de ferro de Vilna e de Ponieviez.
Apoderando-se do entroncamento em Radzivilishki e es-
tabelecendo-se na linha Shadoff Beissagola, impediam uma
rapida concentração de tropas russas no flanco do principal
grupo que avançava por Shavle contra Mitau e Riga.
DA GRANDE GUERRA 21

O primeiro recontro serio entre as tropas allemâs e russas


deu se proximo de Shavle a 29 d'abril.
Como os russos eram inferiores em numero aos allemães,
recuaram om direcção a Mitau. No dia 30 os allemSes che-
garam ás estações de Muravievo e Radzivilishki. No dia 1
de maio patrulhas suas appareoeram proximo de Libau; no
mesmo dia alguns torpedeiros allemSes foram vistos no gol-
pho de Riga, Calculavam elles que, embora os russos con-
centrassem forças consideráveis nas Províncias do Báltico,
se occupassem Libau e Riga ficariam sob a protecção dos
seus navios e ganhariam assim uma base no Báltico para fu-
turas operações.

No dia 'à de maio houve recontros nos flancos, em roda


de Muravievo e Rossienie. No dia 5 os allemães tentaram
um avanço contra Mitau, mas foram repellidos com grandes
perdas. A 7 foram obrigados a recuar ainda mais. tendo de
evacuar as suas posições fortificadas proximo de Janishki, a
cerca de quarenta e oito kilometros ao sul de Mitau. Retira
ram, deixando atraz de si uma grande preza
No entretanto, outras operações se estavam desenvolvendo
em ambos os flancos. Uma columna allamã, que ainda não
havia tomado parte no avanço, avançou do Memel, á beira
mar, para Libau. Era acompanhada por uma flotilha com-
posta de dois cruzadores, quatro torpedeiros e muitos des
troyers A 8 de maio os allemSes entraram em Libau, que os
russos haviam evacuado quasi que por completo Um des-
troyer allemão, tendo batido n'uma mina russa, afundou-se
á vista de Libau
Na mesma occasião um movimento muito mais sério era
feito pelos allemães da direcção de Rossienie. Emquanto um
corpo de tropas estava detendo os russos na fronte Beissa-
gola Shadoff, a leste do Radzivilishki, uma divisão de caval-
laria bavara, apoiada por um regimento da Guarda Prussia-
na, avançava ao longo da margem norte do Vilia. A 8 de
maio os bavaros chegaram á estação de Zejny, na linha de
caminho de ferro Vilna Shavle. Ameaçavam assim envolver
as tropas russas que estavam operando entre Beissagola e
Keidany, e, o que era ainda mais importante, ameaçavam
atacar do norte o caminho de ferro entre a importante for-
taleza de Kovno e a principal linha ferrea Retrogrado Vilna-
Varsovia. *
HISTORIA ILLUSTRADA

Os russos conheciam bem a impor tancia do avanço alie-


mão contra Zejny. N'esse mesmo dia, 8 de maio, os bava-
ros foram atacados nas cercanias da estação de Zejny pela
cavallaria russa e completamente derrotados. A perseguição
prolongou-se pela noite dentro e na manhã seguinte houve
nova batalha, a cêrca de quarenta e oito kilometros ao norte
de Zejny, proximo do rio que atravessa de Krakinov. O seu
resultado foi egualmente desastroso para os allemães, como
já o fôra o primeiro recontro.
No dia seguinte a retirada allemâ estendeu se a toda a
linha. A 14 de maio o serviço de caminhos de ferro russos
foi restabelecido entre Riga, Mitau e Muravievo. Todo o ter-
ritório a leste dos rios Vindava e Dubissa estava livre de
inimigos. Um communicado official do principal quartel go-
neral russo de 18 de maio diz : «A despeito da concentra-
ção, no districto de Shavle, de grandes forças inimigas de
todas as armas, apoz serem repellidos completamente os ata-
ques dados por duas divisões suas a 14 de maio, os alle-
mães passaram á tactica puramente defensiva».

Assim, pelo meado de maio, o primeiro estagio da invasão


allemã das Províncias do Báltico pôde ser considerado como
terminado. O seu avanço contra Mitau e Riga e a sua ten-
tativa contra Kovno tinham falhado, mas Libau e a maior
parte do territorio a oeste de Vindava e do Dubissa conti-
nuavam em seu poder. Esse avanço foi quebrado proximo da
linha Vilna-Petrogrado ; d'ahi, ameaçaram dois mezes mais
tarde com um gigantesco movimento envolvente toda a linha
Niemen-Vistula.

CAPITULO LXI

A Victoria austrc-allemã do Danajec


A offensiva allemã contra a linha de Dunajec pôde ser
classificada como uma operação excedendo em magnitude to-
das as que até ahi tinha havido durante a guerra.
Os allemães mais uma vez mostraram o seu incomparável
poder de organisação. Em tudo o que pôde ser previsto,
calculado e preparado, pôde egualar se mas não exceder-se
os allemães. A machina humana que crearam é tão poderosa
na sua força como audaciosa no seu espirito. Marca o mais
23

alto triumpho da mente raciocinadora e a mais completa con-


centração das modernas massas individuaes.
Contra o furacão allemão de aça e fogo oppunha-se a na-
tureza, como nenhuma outra soffredora, do camponez russo.
A artilharia, que devia tornar eguaes as condições da bata-
lha, embora esplendidamente manejada, não podia rivalisar
em numero, calibre e munições com a dos allemães O cam-
pone/.-soldado russo ia encontrar a tormenta no seu proprio
paiz. Ficou no seu posto e morreu.
E' a resistencia offerecida pela infantaria russa que dá a
nota heróica,-embora tragica da lucta na linha do Dunajec.
Alguns escriptores militares allemães não podem deixar de
exprimir a sua admiração por esse silencioso e despretencio-
80 heroismo.
Relembram as palavras de Frederico II, apoz a batalha
de Zorndorf em 1758, de que se um soldado russo é ferido
por tres balas uma tem ainda de o empurrar para elle cahir.
Outros escriptores allemães falam com um certo despeito, li-
mitando-se a dizer que nunca o pânico se apodera dos rus-
sos. Coisa alguma, a não ser a estupidez e a ausência com-
pleta de nervos, pôde explicar tal resistencia ; paraphra-
seando Schiller, suggerem que «contra a estupidez, os deu-
zes e os trovões trovejam em vão».
No principio de maio a linha Dunajec-Biala Ropa tinha
ainda, pôde dizer-se, uma importância secundaria, embora os
exercitos russo e austro húngaro ahi se fizessem frente desde
o meiado de dezembro. A denominação da frente pelos no-
mes dos tres rios indica claramente que eram os seus cursos
que constituíam a linha divisória entre os dois exercitos.
N'uma guerra de posições — e a lucta na Galicia occidental
assumira esse caracter — rios mesmo maiores que o Dunajec
mal constituem uma barreira entre exercitos inimigos.
Por diversas vezes antes do mez de maio movimentos of-
fensivos haviam sido executados quer d'um lado, quer dou-
tro. Cada movimento deixára vestígios na configuração da
linha. N'algumas occasiões os que defendiam não podiam
recuperar todo o terreno de que haviam sido obrigados a re-
cuar perante a impetuosidade do ataque; d'outras vezes e
em diversos logares as tentativas não eram coroadas de
êxito e os aggressores não podiam mesmo deixar de recuar
ao longo de toda a linha. Por isso, cada movimento offeu-
sivo deixou, como dizemos, vestígios evidentes.
24 HISTORIA ILLUSTRADA

Seria ocioso tentar fazer uma descripção pormenorisada da


historia e da evolução gradual da fronte na Galicia Occiden-
tal. Limitar-nos-hemos a breves considerações sobre as prin-
cipaes características geographicas do theatro da guerra em
que a offensiva allemã se deu nos primeiros dias de maio e
das posições que os dois exercitos estavam então occupando
em cada região.
Na soa parte superior, o Dunajec corre entre altos, fun-
dos precipícios. Ao longo de parte considerável do seu curso,
desde proximo de Novy Saez a Zackliczvn, uma estrada
margina as vizinhanças do rio. Alguns kilometros acima da
confluência do Dunajec com o Biala os seus valles dilatam se
consideravelmente e numerosas ilhas facilitam a passagem ou
o lançamento de pontes sobre os rios.
Desde a aldeia de Biala, que fica proximo da confluência
do Dunajec com o Biala, até á confluência do primeiro com o
Vistula, n'um comprimento de quasi trinta e dois kilometros,
o DuDajec apenas pôde sor transposto em alguns sítios. O
seu valle tem cêrca de oito kilometros de largura. De ambos
os lados outeiros se erguem a uma altura entre 200 a 300
pés acima do nivel do rio. Essas elevações dominam o valle
circumjacente.

Durante o mez d'abril de 1915 as posições austríacas se-


guiram principalmente a orla occidontal das elevações; as li-
nhas dos russos corriam ao longo dos outeiros orientaes. De
'ambos os lados os bosques que cobriam as encostas e os cu-
mes d'esses outeiros protegiam os combatentes. No lado Oc-
cidental esses bosques formam uma cintura de tres a quasi
cinco kilometros de profundidade. Pouca importancia estra-
tégica se liga ao valle do rio em si mesmo. Os diques que
d'ambos os lados regularisam o seu curso formam a sua ca-
racterística principal.
Em muitos pontos, os russos occupavam todo o valle, em
outros o rio formava a linha divisória entro os exercitos. De
todas as saliências na margem occidental do Dunajec por
elles occupadas, a mais notável era a que fica proximo de
Radlow. Toda a aldeia no principio de maio estava em seu
poder.
Entre as aldeias1 de Biala e Gromnik, n'uma distancia de
côrca de vinte e dois kilometros e meio, os dois exercitos fa-
ziam-se frente na margem occidental do rio Biala; o sector
DA GRANDE GUERRA

da fronte ficava quasi por completo dentro do triangulo de


que o Dunajec e o Biala s3o os lados, sendo a sua confluên-
cia o vertice e a base a estrada Zakliczyn-Gromnik. A cêrca
de tres kilometros e meio da confluência dos rios, entre Bo-
gumilovice e Tarnow, o caminho de ferro de via dupla Cra-
cóvia- Lwow atravessa o Dunajec e o Biala. A alta ponte da
linha ferrea que atravessava o Dunajec havia sido destruída
pelos austríacos durante a sua segunda retirada em novem-
bro do 1914; os russos
substituíram na por uma de
madeira, mas destruíram na
duraQte a sua retirada de
deante de Cracóvia em meia-
dos de dezembro.

Desde entflo o Dunajec


tornou-se n'esse ponto a
linha marginal onde n3o po-
diam lançar pontes os exer-
citas, que vagarosamente
faziam a guerra de trinchei-
ras. Mas como os ataques
de surpreza eram na maior
parte das vezes impossíveis
por causa do rio que estava
de permeio, a caça ao ho-
mem tornou-se a principal
occupaçâo das tropas, n'esse J VMES MC. KECHN1E
sector. Por detraz do alto
pilar oriental da arruinada ponte era o posto d'um dos ca-
çadores russos que pelas suas façanhas adquiriu grande fama
entre o inimigo que o cognominou de «Ivan o terrível» e que
acabou por ser victima d'um caçador inimigo.
Havia apenas um período de acalmia n'esse sector, respei-
tado por ambos os lados: a hora determinada um dos lados
ia buscar agua ao rio, sem ser molestado pelo inimigo. As
trincheiras russas proximo da ponte haviam sido excavadas
n'um campo coberto de lindo centeio.
«Os «moujiksD russos — diz o correspondente d'um jornal
viennense que visitou o local apoz a retirada das tropas rus-
sas — na sua supersticiosa reverencia pelas colheitas, cara-
cteristica dos camponezes, respeitaram cuidadosamente o cam-
HISTORIA ILLUSTRADA

po cultivado e seguiam, ao atravessal-o, por estreitos car-


reiros». O civilisado correspondente allemão parece não
sentir o mesmo respeito por essa reverencia e amor que, se-
gundo a soa própria confissão, .os denominados barbaros
mostravam pelo trabalho d'nm pobre camponez e pelo pão
de seus filhos.
Mesmo ahi, onde a largura do rio formava um serio ob-
stáculo á communicação entre os dois lados, não constituía
ella uma barreira absolutamente prohibitiva. N'um sitio, ao
norte da ponte do caminho de ferro, proximo da aldeia de
Ostrow, os russos haviam posto pé na margem occidental do
Dunaiec, e os austríacos, apezar dos mais desesperados es-
forços, não conseguiram desalojal-os d'ali. Durante a noite
um pequeno barco era empregado para levar viveres e mu
nições para ss postos avançados na outra margem do rio.

A lucta principal n'essa região consistiu, sobretudo, n'um


duello de artilharia que as baterias austríacas, a oeste de
Bogumilovíce, travaram com as russas postadas acima de
larnow. A primeira howitzer austríaca de 42 cm. fôra posta
em posição a 15 de janeiro e d'uma distancia de quasi treze
kilometros fazia fogo sobre Tarnow. Os russos por seu turno
estavam bombardeando com mais eíficacia as posições aus-
tríacas proximo da margem esquerda do Dunajec com peças
de 28 cm.
Ao sul da linha ferrea, duas estradas importantes atraves-
sam o Dujanec, uma proximo de Vojnicz, outra proximo de
Zakliczyn. A cerca de kilometro e meio da ponte pela qual
a estrada de Vojnicz atravessa o rio, fica a aldeia de Zglo-
bice; aponte e a aldeia são ambas dominadas pela cota 269,
que se ergue ao sul da estrada.
A outra estrada, depois de atravessar o rio proximo de
Zakliczyn, corre em direcção norte para além da orla occi-
dental do Monte Val, que é o ponto mais alto do triangulo
526 metros —. Na cota 402 a estrada de Zakliczyn en-
tronca com uma outra de importancia secundaria que desce
d aquella montanha. As duas estradas conduzem a Tarnow,
proximo da margem occidental do Biala.
A noroeste do Monte Val fica a segunda elevação mais
alta da região, a cota 419 ; a cota 402 forma entre ellas uma
ponte. Juntas, essas tres elevações enquadram um valle atra-
vessado por uma pequena torrente, que não tem nome proprio
DA GRANDE GUERRA 27

Estas elevações sâo cobertas por deusas florestas de ul-


meiros e faias e sao um terreno estrategico magnifico, offe
recendo approximada mente egual força á artilharia, por ge-
rem posições quasi inexpugnáveis. Na occasiao em que a
«rande offensiva allemft começou na Galicia occidental, as
cotas -269, 419 e 402 eram occupadas pelos russos, o Monte
Val pelos austríacos.
N'uma fronte de cerca de dezeseis kilometros, entre Grom-
nik e Bobova, as posições dos dois exerci tos estendiam-se
junto das margens do Biala. Mais ao sul a linha austríaca
atravessava para o lado oriental do rio. O sector entre Cciz-
kowice, Gorlice e Malastow era a região decisiva de toda a
fronte da Galicia occidental.

Ha apenas duas linhas possíveis para um avanço atravez


a Galicia, indicadas pelas duas linhas ferreas correndo para
leste e para oeste ; na linha Dunajec Biala-Ropaa porta para
o «Valle Transversal» fica entre Ciezkovice e Gorlice. A
uâo ser por motivos tácticos, que seria longo discutir, os
allemães deviam dirigir o seu principal ataque ao longo das
encostas norte dos Carpathos ; exactamente atraz da prin-
cipal cumiada, do lado húngaro, estavam as tropas russas.
Um rompimento da fronte Gorlice levaria os allemães ás
linhas basicas de communicaçâo d'esse exercito. Os russos
tinham mais facilidades para uma rapida concontraçao de
forças ao longo da linha norte do que ao longo da linha su .
A primeira é um caminho de ferro de via dupla, a ultima é
uma pequena linha de via reduzida. Os russos, porém, ha-
viam aproveitado o inverno e a primavera para a conrstruc-
ção de novas linhas, coordenando do norte para o sul o seu
svstema de caminhos de ferro com o da Gfilicia.
No principio da guerra nem uma única linha ferrea russa
era do mesmo systema desde Granica, no extremo occidental
da Galicia, até Brody, no recanto mais nordeste do paiz. Em
maio, os russps haviam construído duas rêdes ferro-viarias
entreo Vistula e o Bug, ligando a linha Cholm Lublin V arso
via com a de Lwow-Rzeszow Tarnow Cracóvia. Uma linha
ôra construída de Cholm por Zamosc e Tomaszow para Bel-
zec, onde entroncava com a de Lwow-Rawna Ruska-Belzei.
Á outra, que era de muito maior importancia para a tronte
Duna\ec, corre de Dublin a Rozvadow, a sudeste de San-
domierz. O caminho de ferro circular austríaco Dembica-
28 HISTORIA ILLUSTRADA
i

Rozvadow-Przeworsk havia sido adaptado até Dembica á bi-


tola russa de modo a os comboios russos poderem ir dire-
ctamente de Lublin á linha principal de Cracovia-Lwow.
Nenhuma d'essas novas linhas podia ser utilisada para
uma rapida concentração de tropas no lado do sul em redor
de Gorlice.

Na mais importante região em roda de Gorlice os russos


não haviam conseguido assegurar uma posição decisivamente
superior. Embora não seja certo, podemos talvez dizer que
é improvável que mesmo uma vantagem accentuada de po-
sições pudesse ter contrabalançado a superioridade da ar-
tilharia dos exercitos allemães. O que apenas se pôde dizer
é que os russos não possuiam vantagem alguma sobre o ini-
migo.
O Maslana Gora (de 747 metros do altura e sito entre o
caminho de ferro Grybow Biecz e a estrada Grybow-Ropa-
Gorlice Biecz) juntamente com o Magora do Malastow for-
mam o fecho entre a linha do Biala e os montes Carpathos.
O Maslana Gora era occupado, no fim d abril, pelas forças
allemãs, emquanto os russos, como já dissemos, não haviam
conseguido assegurar-se por completo do Magora. A fronte
entre Bolova e Gorlice tinha a fórma de um S, tirado
de oeste-noroeste para este-sudeste. Proximo de Bolova e
de Vola Luzanska ficavam ob seus extremos mais ao norte ;
Luzana ficava entre os extremos. Além de Vola Luzanska
as posições de novo se estendiam para o norte e sul, atraves-
sando a estrada Grybow Gorlice entro Szymbark e Gorlice.
Ao sul, proximo de Senkova, as posições allemãs approxi-
mavam se da estrada Gorlice-Malastow Konieczna Zboro
Bartfeld.
Os austríacos haviam ganho terreno n'aquelle ponto du-
rante uma tentativa que tinham feito para esmagar as linhas
russas nos Carpathos por um ataque de flanco de oeste. Ha-
viam feito essa tentativa como um meio dese&perado de soc-
correrem Przemysl. A 8 de março chegaram ás eminências
a leste da estrada Gorlice-Malastow, em frente do Senko-
va. Embora a tentativa de romper a linha russa Occiden-
tal falhasse, haviam ficado senhores d'aquella posição.

A estrada Gorlice Konieczna-Zboro era de considerável


importancia para as tropas russas que avançavam para a
DA GRANDE GUERRA 29

Hungria. Os russos haviam chegado, a 2 d'abril, á aldeia


húngara de Cigielka, que fica a uns dez kilometros a oeste
da estrada. Para assegurarei por completo a posse d'essa
estrada, os russos precisavam de occupar fortemente toda
a linha do Ropa até ao sul da aldeia que tinha o mesmo nome.
Essa aldeia estava, porém, completamente a dentro das li-
nhas austríacas
Qual a posição exacta dos dois exercitos no fim d'abril na
região ao sul da estrada Gribow Szymbark-Gorlice não se
pode dizer com certeza. Parece, porém, pelos acontecimen-
tos subsequentes, que a importante estrada secundaria de
Uscie Ruskie a Gladyszow, que, seguindo um affluente do
Ropa, liga o valle d'esse nome com a estrada Gorlice Zboro,
não era occupada em força nem mesmo guardada como o de-
via ser pelos russos.
Assim, no sector da fronte Dunajec-Biala-Ropa, ao sul de
Ciezkovice, onde a porta abria para o «Valle Transversal»
e ao longo do flanco dos exercitos russos que estavam fa-
zendo frente á Hungria, a posição dos russos não tinha su-
perioridade estrategica. Pode ser que o insuccesso da ofifen
siva tomada n'esse ponto pelos austriacós no principio de
março os elucidasse ácerca do perigo a que podiam estar ex-
postos por um ataque de fronte vindo de oeste. Por isso, o
numero de tropas concentradas n'esse districto era grande,
a fim de contrabalança- as desvantagens da sua posição.

Já n'um outro capitulo d'esta obra nos referimos á grande


extensão e complexidade da fronte oriental. U.m dos effeitos
militares era o desenvolvimento dos «commandos de grupo»
em muito maior numero do que na fronte occidental.
Um único commandante não pôde dirigii sósinho as ope-
rações em toda a fronte oriental, nem mesmo n'uma exten-
são egual á em que é possível fazei o no occidente. Por isso,
um systema a que se pôde chamar o systema de grupos de
exércitos se estabeleceu. Accentuou se no caso dos austro-
allemães que foram para a Galicia, embora a apparente dÍB-
tincção entre exercitos austro húngaros e exercitos allemães
pudesse não deixar vêr ao observador superficial o motivo
real dos grupos separados dos exercitos do norte e do sul
na fronte russa.
Nominalmente, o commandante em chefe do exercito aus-
tro-hungaro, o archiduque Frederico, estava á frente das for-
3o

ças que operavam na fronte da Galicia. O commandante real


era, sem duvida possível, o general prussiano von Macken-
sen, que havia sido o auxiliar de Hindenburg durante a se-
gunda invasfio da Polonia em novembro de 1914.
A offensiva e as operações para ella necessarias foram de-
lineadas pelos estados maiores dos dois exercitos alliados.
Mackensen, que havia sido mandado para a Galicia como
commandante do undécimo exercito allemao, dirigia a execu-
ção do plano.
Desde meiados de dezembro, a regiilo do Pilica era a
zona em que se encontraram os exercitos austríaco e alle-
mâo. Nos quatro mezts e meio que se seguiram, reforços al-
lemães foram continuamente levados para as linhas austría-
cas. No fim d'abril, a custo se encontraria um exercito aus-
tro húngaro composto exclusivamente de tropas austro-hun-
garas. Cada um d'elles tinha pelo menos algumas forças al-
mãs auxiliares. Em dois exercitos que estavam em solo aus-
tro húngaro predominavam os allemães.

Na fronte de Varsóvia, desde a confluência do Bzura e do


Vistula até meio do curso do Pilica estava o nono exercito
allemao, a ala extrema esquerda dos exercitos de Hinden-
burg. Um grupo de regimentos da Transylvania sob o com-
inando do general von Kõvess formava o elo de ligação en-
tre essas tropas e o exercito do general Woyrsch, que estava
em frente do districio de Ivangorod. O exercito d'este ultimo
general era composto principalmente de tropas silesianas ; as
tropas húngaras no seu flanco esquerdo estavam também sob
o seu commando.
Durante a primavera, ao que parece, esse exercito foi en-
fraquecido pelos constantes reforços que teve de fornecer
para outros pontos da fronte e mal se pôde suppôr que a sua
força fô8se superior a dois corpos. Ao sul d'elle, ao longo
do Nida até ao Vistula, estava o primeiro exercito austríaco
sob o commando do general Dankl, exercito também, ao que
parece, pouco forte na occasião em que a offensiva. allemã
começou na Galicia. Pôde calcular se, sem receio de engano,
a sua força apenas em dois corpos de exercito.
A margem sul do Vistula foi o primeiro theatro da oflen-
siva allenifl em maio de 1915. A região entre o Vistula e os
Carpathos era, no fim d'abril, aquella onde se deu a maior
concentração de forças. Essa concentração eflectuou se. po-
DA GRANDE GUERRA 3i

rém, sem retirar forças algumas dos Carpathos. Por outras


palavras, a concentração effectuada no norte da Hungria du-
rante os quatro mezes precedentes fizera se sem precipita-
ções, tendo sido chamadas forças do interior e d'outras fron-
tes para aquelle districto.
De confluência do Dunajec e do \ istula até abaixo da es-
trada Zakliczyn-Gromnik estava o quarto exercito austro-
hungaro sob o coinmando do archiduque José Fernando.
A sua força era avaliada em cêrca de cinco corpos, in-
cluindo também uma divisão de cavallaria allemã comman-
dada pelo general von Besser.

Na sua ala direita, ao sul de Tarnow, estava o nono corpo


d'exercito, que consistia principalmente de húngaros e do
quarto corpo d'exercito austríaco. A região montanhosa do
Val era occupada por regimentos tyrolezes. Grande parte do
exercito do archiduque só fôra para a fronte do Dunajec du-
rante a grande concentração em fins d abril. Toda a região
desde o Vistula até aos Carpathos havia sido primeiro occu-
pada pelo quarto exercito, que se compunha então apenas de
tres corpos d'exercito austríacos — os dos generaes Arz,
Eoth e Kralicek — e da divisão prussiana do general Bes-
ser.
A' sua direita, em roda de Grybow, estava então o sexto
corpo d'exercito austríaco sob o commando do general Arz
von Straussenbur.
Esse corpo incluía a 12." divisão da Galicia e a 39.a hún-
gara, juntamente com tropas da Mocavia e da Silesia.
Durante a grande concentração na seguuda quinzena d a-
bril o corpo austrohungaro cTesse general foi incluído no
undécimo exercito allemão, que ficou sob as ordens directas
de Mackensen. A' esquerda do sexto corpo d exercito aus-
tríaco estava agora a «élite» do exercito prussiano, a Guar-
da ; á sua direita, tropas bavaras sob o commando do gene-
ral von Emmich, o qual, em agosto de 1914, iniciára a cam-
panha no occidente com os seus ataques contra Liége.
No recanto a sudoeste do Magora de Malastow, o undé-
cimo exercito allemão foi reforçado pelo terceiro austro hún-
garo sob o commando do general Borojevic von Bojna. Na
sua ala extrema esquerda proximo de Magora permanecia o
10.® corpo do exercito commandado pelo general Martin} .
Esse corpo é a denominada «força da casa» de Przemysl, por-
3i

que recebe os recrutas dos districtos de Przemysl e de Ja-


roslav.
^0 importante districto de Laborcza era occupado pelo 7.®
corpo d'exercito commandado pelo archiduque José e con-
sistindo quasi que por completo dehungaros o sob as ordens
d'um membro do que se considera ser o ramo húngaro dos
Habsburgos. Na ala extrema direita do terceiro exercito aus-
tríaco estava o corpo allemâo commandado pelo general von
der Marwitz, vulgarmente conhecido na Allemanha pelo no-
me de «das deutsche Beskii
deucorps» — «O corpo alle-
mão das montanhas Beskid».

Esse exercito viera para


os Carpathos nos últimos
dias de março quando os
russos no districto em roda
do desfiladeiro do Lupkow
ameaçavam romper as de-
fezas austro húngaras ao
norte da planície húngara.
Entre o 7." corpo d'exercito
húngaro no valle do La-
GENERAL ITALIANO LEQUIO borcza e o I0t° corpo, ao
norte de Bartfeld, estavam
algumas forças auxiliares, formando pelo menos um corpo
de exercito.
A região entre o Lupkow e o Uzsck era occupada pelo se-
gundo exercito austro húngaro sob o cominando do general
von Boehm-Ermolli. Havia tomado essa posição no fim de fe-
vereiro ; d ahi, a ultima tentativa desesperada para soccorrer
a fortaleza de Przemysl fôra fçita nas primeiras semanas de
março. O exercito do general von Boehm-Ermolli permane-
cera n'essa região desde esse tempo.
Compunha-se quasi por completo de tropas austro-hunga-
ras e incluia, entre outros, a «élite» dos regimentos viennen-
ses. Na sua ala extrema direita estava o õ.° corpo d'exer-
cito austro-hungaro sob o commando do fel-marechal logar
tenente von Goglia. O proprio desfiladeiro do Uzsok era oc-
cupado pelo grupo commandado pelo official da mesma pa-
tente von Szurmay, sendo quasi todas as tropas húngaras.
Esse corpo formava, em fins d'abril, a ala extrema esquerda
DA GRANDE GUERRA ' 33

do denominadoallemfto «Sadarmee» (exercito do Sul). O seu


commandante principal era o general von Linsingen.
Em todo o theatro da guerra occupado pelos exercito»
mixtos de tropas austro húngaras e allemãs, era esse com
certeza o que tinha mais de todas ellas. A leste das tropas
de von Szurmay estava um corpo prussiano composto d'uma
divisão da Guarda Prussiana o de rogimentos da Pomerania
e da Prússia oriental, sob
o cominando d'um gene-
ral bavaro, o conde Bo-
thmer. Esse co'rpo com- fflajlS
prehendia a 38.a divisão M
da «honvéd» húngara
commandada pelo feld- fHte,,. . aBB
marechal Bartheldy.

Fôra o corpo do conde H jgl


Bothmer que tinha dado
desesperados e infructife tÈÈÈÈ
ros ataques contra as al-
turas de Koziova desde
que o exercito do gene-
ral von Linsingen havia mST JPj#
chegado íl fronte dos ('ar HB - **-
pathos nos últimos dias ^
de janeiro. Proxiino d'el- W j
le, na região das monta- W gs
nhãs Ostry, Makowka 0 \ F
Tatarowka, estava o cor-
po do general Hofmann, general porro
composto principalmente
de tropas austro-hungaras. A esse corpo pertencia a divisão
•commandada pelo general Fieischmann.
Nao havia talvez uma raça das que habitam a Áustria
que nao estivesse representada n'aquelle corpo ; tinha uma
historia muito accidentada e fôra formado durante a lucta
que houvera na Bukovina no outomno de 1914. Incluia to-
das as especies de formações irregulares. A sua historia faz
recordar até certo ponto a historia ethnica de paizes como o
Cauaaso e a própria Bukovina. Nos valles entre os mais
altos massiços dos Carpathos differentes regimentos haviam
•encontrado abrigo.
VOL. Vlll .
34

N'essa occasião, haviam formado uma divisão e, entrin-


cheirados nos valles montanhosos, ofíereciam resistencia a
qualquer avanço russo. A' direita do corpo do general Hof-
mann, em roda do desfiladeiro de Wyszkow, para baixo de
Bystrzycas, o terreno era de novo occupado pelas tropas
allemâs.
Ao longo da orla norte do valle do Pruth estava o grupo
de exercitos do general von Pflanzer-Baltin. Não se sabe
qual era a sua força exacta, mas, a avaliar por algumas in-
dicações colhidas em relatorios allemâes. parece que era
constituído por dois a tres corpos d'exercito, um dos quaes
era húngaro, commandado por Czibulka e tendo grande nu-
mero de croatas e de húngaros. Esse official havia tomado
parte na desastrosa expedição austríaca contra a Servia.
Diz-se que foi mais feliz que o maior parte dos seus cama-
radas em salvar a sua divisão — commandava apenas uma
divisão — da catastrophe soffrida pelo exercito de que fazia
parte, e foi transferido em janeiro com algumas das suas
tropas para a fronte de Bukovina.

Resumindo, diremos que no fim d'abril mais de quatro


corpos de exercito allemâes ..estavam guarnecendo a região
entre o Pilica médio e a confluência do Nida e do Vistula,
que é o sector que ficava entre o nono exercito allemão na
fronte de Varsóvia e a fronteira da Galicia.
Na fronte da Galicia Occidental, no recanto sudoesto do
Magora de Malastrow, havia pelo menos dez corpos d'exer-
cito, compostos de egual numero de tropas allemâs e austro-
húngaras. A fronte dos Carpathos era guarnecida por tres
exercitos differentes, cada um dos quaes composto de quatro
corpos ; d'elles só quatro eram allemâes. Finalmente, a re-
gião entro os Carpathos, o Dniester e a fronteira russa era
guarnecida por dois outros corpos de exercito austro-hunga-
ros.
Assim, no fim de abril, só na fronte da Galicia estavam
concentrados pelo menos vinte e quatro corpos d'exercito,
não falando nos -reforços que continuavam a ir para ahi,
emquanto esses exercitos estavam avançando e soffrendo ter-
rivelmente durante o seu avanço.
Quaes eram as forças que os russos podiam oppôr a essa
extraordinaria e até então jámais vista concentração ?
As forças russas na Galicia, desde o Vistula até á extre-
da grande guerra

iiudado oriental entre o Dniester o a fronteira austro russa,


formavam o grupo de exercitos commandados pelo general
Ivanoff. A fronte da Galicia occidental, desde o Vistula até
á região do Dukla, era guarnecida pelo terceiro exercito
russo sob o cominando do general Radko Dmitrieff.
A fronte dos Garpathos era occupada por dois exercitos,
um, o oitavo exercito russo commandado pelo general Bru-
siloff, o outro, o nono exercito, constituído por grandes mas-
sas de tropas que haviam estado anteriormente no cêrco de
Przemysl. Na ala extrem). esquerda do vaíle do Pruth esta-
vam concentrados cerca de dois corpos de cavallaria. Entro
ellos estavam muitas das iamosas «divisões nativas», assim
como a 12." divisão russa, que incluia alguns dos melhores
regimentos de cossacos, sob o cominando do general Mish-
tshenko, cujo nome ó bom conhecido pelos que teem lido as
descripções da guerra russo japoneza.

No fim de abril, para fazerem frente a, pelo menos, vinte


e quatro corpos de exercito germânicos, os russos não tinham
mais de quatorze. A disparidade do forças era peor a oeste,
onde o general Radko Dmitrieff — segundo dizem os relato-
nos allemâes com o 9.°, 10.°, 12.» e 24.° corpos de exer-
cito russos e o 3." caucasiano — tinha de fas er frente a doze
corpos germânicos dos exercitos do archiduque José Fer-
nando, do general von Mackensen e, na ala extrema esquer-
da, parte do exercito do general Borojevic von Bojna, for-
ças bem munidas de artilharia e providas amplamente de
munições.
Ainda mais notável que a concentração austro-allemã do
homens foi, na batalha de Gorlice, a da artilharia, especial-
mente a de canhões pezados. O seu numero exacto ainda
não ó conhecido, mas pôde avaliar se em cerca de 4.000,
metade dos quaes se diz serem de calibre egual ou superior
aos de 9 pollegadas. Contra os dois corpos russos na região
de Gorlice havia uma concentração de 1.500 canhões, 500
. dos quaes, ao que parece, eram de artilharia pezada.
Ne espaço de quatro horas, na manhã de 2 de maio, dis-
Paf<lram cerca de 700.000 tiros contra as trincheiras russas.
Nos mezes anteriores, os aviadores austríacos haviam ti-
rado photographias das posições russas, conhecendo-as assim
com a maior exactidão. A sua artilharia sabia bem, por isso,
a
distancia a que devia atacal-as Accrescia a circumstancia
36 HISTORIA II.LUSTRADA

de que a natureza do terreno se prestava a poder, sem ser


apercebida, concentrar-se artilharia pezada n'uma area rela-
tivamente pequena. Como os canhOes pezados, que forma-
vam a principal força da artilharia germanica, admittem va-
riações consideráveis no angulo de fogo, a possibilidade
para a sua concentração sobre um determinado ponto era
muito grande.

O movimento de tropas na fronte, ao que parece, só come-


çou em grande escala na segunda quinzena d'abril. E esse
movimento colossal effectuou se n'um espaço de tempo rela-
tivamente curto.
Para as communicações na própria linha Dunajec-Biala-
Ropa é grande a differença entre os lados oriental e occi
dental. A area de excepcionaes condições favoraveis para
uma rapida concentração na Galicia occidental fica a sessenta
e quatro kilometros a oeste do Dunajec, na linha Cracovia-
Chabowka. Nada menos de cinco importantes linhas ferreas
veem ter a essa linha do noroeste, oeste e sudoeste, numa
fronte de cerca de cincoenta e seis kilometros.
A noroeste, a area Cracovia-Chabowka está em ligação
com o systema de caminhos de ferro da Polonia russa ; os
caminhos de ferro Thorn-Kulno-Skiernievice-Piotikow-Czes
tochova e o sector occidental da linha Kielce Miechow esta-
vam em poder dos exercitos germânicos desde o começo de
dezembro. Por esse caminho de ferro podiam transportar re-
forços da fronte do Vistula para a Galicia occidental.
Do oeste, a importante linha ferrea da Silesia e da Áus-
tria occidental chega á fronte Cracóvia Chabowka por tres
ramaes principaes. Do sudoeste, um caminho de ferro hun
garo conduz por Novy Targ para Chabowka. Ao lado des-
sas lichas, uma outra húngara, importante, corre de Kaschau
por Eperies para Novy Saez e penetra no «Valle Transver-
sal» a cêrca de trinta e dois kilometros a oeste da fronte do
batalha de Gorlice, ao passo que outros dois caminhos de
ferro húngaros se approximam dos Carpathos, vindos do sul,
embora não atravessem a montanha.
Da area Cracovia-Cabowka Novy Targ dois caminhos de
ferro e quatro estradas magnificas conduzem á fronte Duna-
jec-Biala-Ropa, parallelamente a duas estradas húngaras que
correm do sudoeste para Novy Saez.
Em fins d'abril e ainda em principios de maio o calor na
37

Galicia occidentài fazia se já sentir, de modo que até as es-


tradas menos importantes podiam servir para o transporte
de tropas Mas a concentração feita pelos exercitos germâ-
nicos na segunda quinzena d'al>ril nem por isso deixa de ser
um dos mais extraordinários feitos d'organisaçilo militar da
actual guerra.
O communicado official russo de 2 de maio contem o se-
guinte : «Durante a noite de 30 d'abril para 1 de maio gran-
des forças austríacas iniciaram a offensiva na região de
Ciezkovice. O nosso fogo forçou o inimigo a entrincheirar se
a 600 passos na frente das nossas trincheiras»).
Comtudo, durante os últimos dias de abril e a 1 de maio,
o fogo da artilharia, algumas vezes seguidos de ataques de
infantaria, foi aberto pelas forças germanicas em differentes
pontos no Rava, Pilica, Nida e Dunajec. Eram movimentos
versando na jealidade a uma diversão, necossarios para
mascarar as intenções dos exercitos germânicos e para en-
ganar os russos quanto ao sector que havia sido escolhido
para o ataque principal.
Durante as noites que precederam a de 1 para 2 de maio
as forças germanicas no districto entre Ciezkovice e Sedkova
tinham-se posto em movimento para proximo da linha de ba-
talha. Nas encostas oppostas dos outeiros, a leste, os russos
estavam guarnecendo cuidadosamente as linhas construídas.
A linha da fronte russa estendia-se de Ciezkovice em direc-
ç&o ao norte; entre Staszkovka e Zagorzany as a.lturas de
Viatrovka e Pustki (1.475 pés) e o Kamieniec (1.384 pés) for-
mavam os principaes pontos d'apoio russo.

Proximo da cidade de Gorlice o seu ponto estrategico


mais importante era a montanha que se erguia a leste entre
o rio Ropa e a estrada Gorlice Sokol-Zmigrod, a cerca de
1.200 pés d'altura. No seu extremo occidental fica o cemite-
rio de Gorlice; mais a leste estendia-se um bello bosque de
carvalhos, com quasi mil annos. O espaço entre as estradas
que ligavam Gorlice, Malastow, Bartne e Bednarka é occu-
pado por um grupó de montanhas que consta de cerca de
doze outeiros, variando em altura de 1.500 a 2.200 pés.
O mais importante d'elles, sob o ponto de vista estrate-
gico, era a eminencia Zamczvsko, nome pelo qual muitas ve-
zes é denominado todo o grupo. A importancia estrategica do
grupo pôde ser com facilidade vista n'um mappa. Um avanço
38

para Bednarka levaria as tropas germanicas ao flanco da li-


nha Jaslo, a torcbira linha russa de defeza, o leval-as-hia
também perigosamente proximo da estrada Jaslo-Zmigrod
Krempna, que, depois da perda da estrada Gorlice Malastow-
Zbow, era a única linha de retirada para as tropas russas
que estavam guarnecendo o districto de Zboro. A sudoeste
de Zamczysko e a sul de Malastow, as duas montanhas, a
de Magora f2.718 pés daltura), a leste da estrada Malastow-
Gladyszow Zboro, e a de Ostra Gora (2.400 pés), a oeste
d'essa estrada, formavam os principaes pontos d'apoio russos.
Na tarde de 1 de maio as baterias germanicas abriram
fogo contra as posições russas, fogo que continuou durante
a noite com intervallos durante os quaos a engenharia tentou
destruir a primeira linha das defezas russas. Os austríacos
dizem que n'essa noite transportaram muitas baterias de ar-
tilharia pezada pela estrada de Gladyszow a Malastow sem
os russos darem por isso. Para a primeira d'essas localida-
des, evidentemente devem ter sido levadas pela estrada desde
Uscie Ruskie Não ó fácil asseverar que isso se fizesse sem
os russos darem por tal.
O relatorio austríaco que contém tal affirmativa diz que
essa artilharia, depois de ter passado entre o Magora e Os-
tra Gora durante a noite, começou de manha a bombiirdear
as posições russas n'essas alturas, da direcção de Malastow.

A 2 de maio, entro as 6 e as 7 horas da manhã, contra


toda a linha russa foi aberto um fogo d'artilharia com uma
violência até então nunca vista. Km quatro horas, como já
dissemos, foram disparadas 700 000 granadas. As primeiraa
linhas das trincheiras russas foram litteralmente arrazadas.
Cpmo o professor Pares, que assistiu á batalha, diz ácerca
d'uma parte, da linha, «toda a area foi coberta de granadas
até trincheiras e homens deixaram de existir». A artilharia
allemã e austríaca continuou a despejar um furacão durante
cerca de quatro horas. Em seguida passou a bon bardear
uma area que ficava além da linha de fronte, isolando assim
a area que havia sido previamente bombardeada.
Os homens nas trincheiras de fronte que haviam sobrevi-
vido não podiam receber reforços da retaguarda e a infanta-
ria inimiga avançou contra elles. Essa phase do combate
deu se na maior parte da linha Ciezkovice-Malastow a 2 de
maio, pelas 10 horas da manhã.
DA GRANDE GUERRA 3
9

Na extremidade norte do sector que havia sido escolhido


para o principal avanço, em redor de Ciezkovice e Stasz-
kovka, a Guarda Prussiana e outras tropas prussianas, sob
o commando do general von François, atacaram as posições
russas. Os atacados viram-se obrigados a retirar, ao fim do
dia, para as posições que ficavam a meio caminho entre as
primitivas posições e a linha Olpiny Biocz.
No conjuncto, Mackensen parece ter escolhido para os seus
prussianos a tarefa menos dificultosa; amais ardua foi com
mettida ás tropas austro húngaras e ás bavaras. As posições
russas no monte Viatrovka foram atacadas pela 39.* divisão
húngara, as do monte Pustki pela 12.® da Galicia, ambas
pertencentes ao 6 o corpo d'exercito austro-hungaro, que era
commandado por von Straussenberg.
O terreno havia sido preparado pela artilharia pezada,
composta de canhões Krupp de 21 cm. e dos aterradores
canhões austríacos de 30,5 cm. feitos nas officinas Skoda,
em Pilsen. Estes canhões, excedendo em mobilidade muita
da artilharia allemã de calibre egual, foram adoptados no
exercito austro-hungaro em 1912. Na pratica demonstraram
ser mais terríveis que os gigantescos morteiros de 42 cm.

Mais ao sul, a cidade de Gorlice foi alvo d'um terrível


bombardeamento. O que havia ficado da infeliz cidade foi
n'essa occasião destruído; uns 300 habitantes dos 1.300 que
ainda aui havia morreram emquanto as baterias austríacas e
allemãs estavam arremessando «do sul e do oeste o fogo e
a morte para a cidade», como diz uma descripçâo allemã.
O horror da situação augmentava com o incêndio das fa-
bricas de refinação de petroleo, pois, como se sabe, Gorlice
é o centro d'uma importante região petrolífera Nada da ci-
dade, que havia sido edificada uns sessenta annos antes, es-
capou do bombardeamento allemão. O fogo propagou-se tam-
bém á fabrica de acido sulfurico e ás refinações de petroleo
que se estendiam entre Gorlice e Gliník. Os russos, porém,
continuavam na cidade, que se transformára n'um inferno
vivo. N'uma lucta corpo a corpo, passo a passo, as divisões
silesianas tinham de conquistar a cidade.
De tarde a lucta continuou no cemiterio da montanha e no
bosque de carvalhos de Sokol. As granadas em breve tras-
formaram as lindas arvores seculares n um monte de destro-
ços. A posição tornou se insustentável. No fim do dia os rus-
4» HISTORIA LLUSTRADA

sos tiveram de recuar para a fronte Biecz-Lipinki-Bednarka,


a sua segunda linha n'aquelle districto. As alturas do Koby-
lanka, Tatarowka, Lysa Gora o Rekaw eram os pontos mais
importantes d'apoio d'essa linha.
Ao sul de Senkova, no districto de Zamczysko, regimen-
tos bavaros sob o commando do general von Emmich tinham
substituído as tropas austríacas do general von Arz a 26 de
abril. A esse tempo os russos estavam ainda de posse do valle
intermedio em que corre o pequeno rio Senkova. Essas po-
sições, a que n'essa occasifio se ligava pouca importancia, fo-
ram conquistadas pelos bavaros nos últimos dias dabril, a
fim de assegurarem um ponto mais firme para a grande of-
fensiva.

Durante a noite de 1 para 2 de maio, tudo estava prepa-


rado para o ataque. A's 7 horas da manha a artilharia, que
comprehendia canhões allemãos pezados de 21 cm., canhões
austríacos pezados de 14 cm., baterias austríacas de monta-
nha e artilharia de campanha, iniciou a sua obra de destrui-
çfto. A's dez horas parecia que tudo quanto abrangera a area
do bombardeamento tinha morrido o tratou se do impedir o
avanço de reforços.
Alguns regimentos de infantaria bavara abriram o ataque,
mas foram recebidos por uma metralhadora russa e fuzilaria.
E' uma prova de incomparável resistencia da parte dos rus-
sos o facto de, apoz trez horas d'um tal bombardeamento,
poderem ainda offerecer um» resistencia effectiva. O primeiro
ataque dos bavaros foi rechaçado e as suas primeiras linhas
morreram, mal tendo conseguido em alguns pontos quebrar
as defezas d'arame farpado.
A custo, vagarosa o cautamente, puderam os que seguiram
approximar-se das posições russas. N'um certo ponto, uma
pequena orla' do declive acima da estrada Senkova-Malastow
offerecia um abrigo, porque era coberta d'arvoredo. Por esse
ponto, os bavaros conseguiram chegar ás arrazadas trinchei-
ras russas, que, como acima dizemos, nflo podiam receber
reforços devido ao fogo da artilharia inimiga.
Tendo conseguido com o maior'custo as primeiras alturas,
a infantaria bavara avançou para a floresta que o fogo da
artilharia havia tornado insustentável Os canhões pezados
austríacos de 15 cm. e as soas baterias de montanha avan-
çaram em seu auxilio. O chefe do estado maior general aus-
DA GRANDE GUERRA 41

trohungaro, o general Conrad von Hótzeudorf, havia du-


rante muito tempo tomado grande interesse em augmentar a
mobilidade da artilharia pezada. Poucos annos antes do re
bentar a guerra os canhões pezados austríacos de 15 cm. e
até mesmo os de 24 tinham sido munidos de tracção a va-
por.
Emquanto os bavaros estavam avançando na parte norte
do sector, os russos contra atacavam pelo sul e disputavam
ao inimigo o terreno palmo a palmo. Só o combinado ataque
dos bavaros e das tropas
austríacas, que estavam
combatendo mais ao sul, no
districto de Mencina, con-
seguiu desalojar os russos
das posições que ficavam na
base da cota 469, no lado
oriental, entre essa cota e
as de números 461, 501 e
598.

D'ahi facilmente se po-


diam alcançar as elevações
próximas. Finalmente, ao
cahir da noite, o fogo das
baterias pezadas austríacas CAESER I.AWRENTI
foi dirigido contra a altura
de Zamczysko, que foi abandonada pelos russos cerca das 8
horas da noite, e os bavaros occuparam todo o sector que
se estendia a leste até além da cota 649. Estavam a pouca
distancia da aldeia de Bednarka.
Ao sul do grupo de Zamczysko, o 1.° corpo d'exercitOiaus
triar.o (de Przemysl e Jaroslav, sob o commaudo de vQn Mar-
tiny) conquistára o Magora de Malastow e a maior parte do
grupo Ostra Gora.
O resultado das operações do dia 2 de maio em redor de
Gorlice foi o rompimento das defezas russas n'uma fronte de
cerca de dezeseis kilometros e n'uma largura de cerca de tres
kilometros e meio. Essa largura não era, porém, uniforme.
Era maior no centro, em roda de Gorlice e Senkova.
Para qualquer outro exercito que não fôsse o russo, um
desastre como o que succedeu ás suas linhas em roda de Gor-
lice a 2 de maio seria uma catastrophe para todo o exercito
42

O oitavo exercito tinha, indubitavelmente, soffrido grandes


perdas. Apezar d'Í8so, a coragem nfto o abandonou. Muitas
das suas unidades, embora dizimadas, fizeram na retirada um
«record» de que um exercito victorioso se podia orgulhar.
A conquista do triangulo entre os rios e a estrada Zakli-
czvn-Gromnik, por outras palavras a tomada das cotas 402,
419 e 269 era o primeiro problema que tinha de defrontar,
na região ao sul de Tarnow, o quarto exercito austríaco, sob
o commando do archiduque José Fernando. Emquanto isso
se nao fizesse, um avanço directo contra Tarnow não podia
dar-se.
' Durante os mezes de fevereiro e março, as tropas austría-
cas haviam dado muitos e desesperados ataques contra as po-
sições russas n'aquellas cotas e todos tinham sido repellidos.
oltaram a renovai os no dia 2 de maio, apoiadas por uma
concentração de artilharia semelhante á empregada no dis-
tricto de Gorlice.

Na manha de 2 de maio, pelas 6 horas, a artilharia aus-


tríaca abriu fogo do monte Val e da margem occidontal do
Dunajec contra a cota 419. O bombardeamento durou mais
de tres horas. N'esse meio tempo, alguns regimentos da «Kai-
seriáger» Tyrolesa (Fuzileiros Imperiaes), pertencentes ao
14.° corpo d'exercito austríaco atravessaram as florestas que
cobriam os declives norte do monteValeo valle que ficava en-
tre elle e a cota 419 e tomaram posições na floresta na base
sul d'esta ultima, promptos a atacarem no momento em que
o togo da artilharia parasse. Um aberto e profundo declive
d'uns trezentos e sessenta metros havia entre as posições
agora occupadas pelos fuzileiros austríacos e as trincheiras
russas. Mas a poucas centenas de metros a leste, na floresta
que descia da cota 412, havia uma outra posição russa, de
que, ao que parecia, os austríacos nao tinham conhecimento.
Cerca das 9 horas e meia da manha, o fogo da artilharia aus-
tríaca cessou è os fuzileiros deram o ataque.
Foram recebidos pelo fogo da metralhadora e pela fuzila-
ria que contra elles partia da cota 419 e nao tinham ainda
avançado muito quando sobre elles cahiu um fogo de enfiada
do flanco direito. Um pequeno cemiterio marca actualmente
o logar onde morreu a mrior parte do 4.° regimento dos Fu-
zileiros Imperiaes Austríacos. O ataque foi repellido por
completo.Os que sobreviveram fugiram ao abrigo da floresta.
DA GRANDE GUERRA

No dia 3, as baterias austríacas de novo abriram fogo con-


tra as posições russas na cota 419. Allemítes e austríacos
que mais tarde estiveram n'essas trincheiras exprimiram a
sua illimitada admiração pelos homens que puderam aguen-
tar tal bombardeamento sem perder o animo.
Desde a primeira trincheira até 100 passos â' retaguarda
nem uma pollegada de terreno houve onde nao cahisse pelo
menos uma granada. Toda a cota parecia coberta de era-
cteràs vulcanicas, todas as obras de defeza nas trincheiras
tinham sido reduzidas a um montão de ruinas o a mistura
de terra, madeira, despojos humanos, pedaços de fato o
fragmentos de granadas testemunhavam os terríveis effeitos
das armas modernas.
Mas, mesmo depois d'esse segundo bombardeamento, os
austríacos nâo puderam repetir a tentativa do dia anterior,
d'um ataque directo á cota 419. Prepararam o caminho con-
quistando passo 'a passo as trincheiras russas na cota 412,
cuja queda tornaria insustentáveis as posições isoladas da
cota 419.
De novo, porém, os russos resistiram. Recuaram para a
cota 269, proximo da estrada Vojnicz Tarnow e mantiveram-
se n'essa elevação até terem de a evacuar em concordância
com a retirada geral n'outras partes da fronte. A defeza
dessa região forma um dos episodios mais gloriosos da reti-
rada russa na Galicia occidental.
Na noite de 1 para 2 de maio, que marca o começo da
oííensiva germanica na Galicia, as tropas austríacas atra-
vessaram o Dunajec proximo de Otfinow. A coberto das flo-
restas que se estendem ao longo da orla das elevações occi-
dentaes do rio, os austríacos tinham concentrado forças con
sideráveis de homens e de artilharia. N'essa noite, a sua en-
genharia, protegida pelo poderoso fogo da artilharia, conse-
guiu lançar um pontão sobre o rio.
Os pequenos grupos de russos que occupavam em poucos
pontos a margem do Dunajec combateram com extraordi-
naria obstinação. Os proprios allemRes contam verdadeiros
actos de bravura praticados por alguns soldados russos. O
commandante d'uma bateria russa, depois de ter disparado
a sua ultima granada, vendo que nada mais tinha a fazer
que render-se, suicidou-se.

Na tarde do dia 2, as tropas austríacas tomaram posição


44 HISTORIA ILLUSTRADA

numa extensa fronte na margem oriental do Dunajec. A im-


portância estrategica d'esse movimento consistia em que d'aki
podiam ser transportadas forças austríacas para o caminho
de forro Tarnow Szczucin; assim, a ligação estava quebrada
entre o exercito do general Radko Dmitrieff e o exercito
russo nas proximidades do Nida, isto é, a ala esquerda do
grupo de exercitos do general Alexeieff.
O avanço effectuado pelo exercito do archiduque José Fer-
nando, ao norte e ao sul de Tarnow, nâo teria consequên-
cias importantes se nâo fôsse o desenvolvimento que se seguiu
ao longo da linha Gorlice Jaslo.
O schema germânico era simples, diz um communicado
semi official de Petrogrado do dia )3 ,* era todo «baseado na
fulminante rapidez de movimentos». No dia 2 as forças ger-
mânicas tinham rompido a primeira linha das defezas russas
uo districto de Gorlice ; os dias seguintes iam decidir do va-
lor d'esse successo inicial. No Dunajec, afl sul de Tarnow,
os russos estavam occupando terreDo seu e mesmo a perda
das cotas 402 e 419 no dia 3 nâo destruirá a sua defeza.
Em dezembro de 1914, depois da batalha de Lima-
nova, os exercitos austríacos tinham penetrado na região
de Gorlice e, atravessando os Carpathos occidentaes do lado
da Hungria, haviam avançado na depressão a que chamamos
o «Valle transversal» até Sanok. Mas esse successo não ti-
vera consequências ; os exercitos russos ficaram firmes em
roda de Tarnow e reforços trazidos da Polonia russa habili-
taram-nos, na segunda quinzena de dezembro, a repellir os
iiustriacos para além de Gorlice e dos Carpathos.

A experiencia ensinara aos exercitos germânicos a contar,


na sua nova offensiva, em maio, com a força das posições
russas em roda de Tarnow. A enorme concentração de for-
ças no districto de Gorlice levou-os a adoptar n'essa occasiâo
um plano especial de avanço. Apezar do exercito de Macken-
sen ter penetrado nas primeiras linhas russas proximo de
Gorlice por um ataque de fronte de oeste para leste, as suas
principaes forças nâo puderam continuar a sua offensiva na
mesma direcção, mas avançavam para nordeste n'um angulo
de côrca de 45° cora a linha primitiva.
Só a ala extrema direita do exercito de Mackensen con-
tinuou a avançar para leste com extraordinaria rapidez ; o
seu objectivo era chegar ao desfiladeiro do Dukla antes das
DA GRANDE GUERRA 45

tropas russas do noroeste da Hungria poderem effectuar a


sua retirada atravez das montanhas.
0 movimento, que podemos denominar «iaclinação para a
esquerda», apresentava evidentes vantagens para os exer
eitos germânicos Tendia a alargar a brecha que havia sido
feita nas linhas russas em roda de Gorlice, o que daria em
resultado o abandono da fronte de Tarnow pelos russos e
tornaria impossível impedir o avanço de exercitos que haviam
estado primitivamente em ângulos rectos um com o outro,
ao longo da fronte Dunajec Biala e ao da base sul dos Car-
pathos.
Mackensen conhecia muito bem os perigos d'um avanço
atravez de uma estreita abertura na linha inimiga ; fizera
isso na batalha do Lodz e se nào fôra a chegada tardia de
dois generaes russos, Rennenkampf e Scheidemann, teria
sido aprisionado juntamente com cerca de dois ou tres cor-
pos completos do exercito prussiano. O avanço da ala es-
querda e do centro do seu exercito da fronte Gromnik Gor-
lice em direcção nordeste levou os automaticamente para a
retaguarda e para as linhas de communicação das forças rus-
sas em roda de Tarnow; ao mesmo tempo fez affrouxar a
pressão que os russos estavam começando a exercer sobre
o quarto exercito austríaco.
O exercito do archiduque José Fernando, embora inlerior
numericamente ao umdecimo exercito allemão commandado
por Mackensen, estava occupando uma fronte de quasi qua-
renta e oito kilometros, ao passo que a occupada pelod'esse
general não excedia a trinta e dois. Os reforços russos po-
diam, porém, chegar rapidamente a Dembica e apenas Ma-
ckensen fez avançar o seu exercito da fronte Gromnik-Gor-
lice contra Dembica e Rzeszow já os russos se tinham com
êxito opposto a esse avanço por uma contra offensiva par-
tida do sector vizinho, que se estendia entre o VistulaeTar-
now. A marcha para norte implicava uma nova distribuição
de forças.
Como acima dizemos, a ala direita do exercito de Macken-
sen avançára rapidamente para leste, para o Dukla. Afóra
essa excepção, o triangulo entre Gorlice, o Uzsok eRadymno
(meio caminho entre Przemys) e Jaroslav)era occupadopelo
terceiro exercito austro-hungaro sob o commando do general
Borojevic von Bojna e pelo segundo sob o do general von
Boehm-Ermolli. Só uma magnificaorganisação d'exercitos e
46

uma cuidadosa preparação, descendo aos mínimos pormeno


res, podiam executar um plano de tal magnitude com a ra
pidez com que foi effectuado pelos exerpitos austríacos e
allemães durante o mez de maio.
No dia 2, os russos haviam sido desalojados da sua pri-
meira linha de defeza na fronte Ciezkovice-Luzna Gorlice-
Malastow.
O ataque contra a cota 419, a sudoeste de Tarnow, ta-
lhára. Mesmo depois da perda d'essa posição, no dia 3, a
fronte Tarnow-Tuchow permaneceu firme. O principal ataque
fôra dado na direcção de Gorlice e Biecz ; em breve, porém,
toda a linha tivera de recuar.
O rio Visloka entre Dembica,' Pilzno, Brzostek, Jaslo e
Zmigrod tem posições parallelas á fronte primitiva do Dunajec-
Biala-Ropa. O Visloka era a terceira linha russa de defeza
e havia a esperança de que os russos poderiam ahi deter o
avanço austro-allem&o.
E! difíicil dar uma descripção exacta da segunda linha
russa. Nao seguia o curso de qualquer rio, mas estendia se
por outeiros que estão entre o Biala a oeste e o Visloka e
leste. Na realidade, três linhas podem ser traçadas n'esse
districto, mas, como a retirada n8o podia seguir systemati-
camente d'uma para outra, nao necessitamos de entrar nas
minúcias dessas posições. Diveisos agrupamentos se podiam
formar e a fronte mudava de hora para hora segundo o
avanço da offensiva austro-allema ou dos contra-ataques
russos.
Entre Tuchow e Olpiny, a montanha Dobrotyn formava,
apoz o rompimento da primeira linha russa, uma das princi-
paes posições defensivas. Tem cerca de 1.800 pés de altura
e, como a maior parte das montanhas n'aquella região, é co-
berta de densos bosques. Ao sul da Dobrotyn, a montanha
Lipie, de cêrca de 1.400 pés d'altura, formava um impor-
tante ponto d'apoio. A montanha Wilczak (1.225 pés), a su-
doeste de Biecz e perto da estrada e caminho de ferro que
liga aquella cidade com Gorlice, fórma a chave para o valle
do baixo Ropa.
Entre Biecz e Bednarka a segunda linha russa seguia as
alturas do Kobylanca, da Tatarowka, de Lysa Gora e do
Rekw; a leste, como ultima defeza da estrada Jaslo-Zmi-
grod, estendiam-se as entrincheiradas posições em Ostra
Gora. Ao sul da linha Gorlice Zmigroçl o grupo montanhoso
DA GRANDE GUERRA 47

do Valkova (quasi 2 000 pés d'aitura) constituía a ultima


defeza da linha de retirada das forças russas de Zboro.
Durante os dias 3 e 4 de maio uma batalha desesperada
se deu para a posse das eminencias cheias de bosques entre
o Biala e o Visloka. No dia 3, a Guarda Prussiana avançou
para a base do outeiro Lipio e á tarde tomou o. No dia se-
guinte tomou, depois d'uma terrível lucta corpo a corpo, em
que os germânicos excediam em muito o numero das forças
russas. Olpiny, Szczerzyny e os outeiros que rodeavam es-
sas cidades pelo leste.
Mais ao sul, a 39.a divisão húngara (o corpo de Arz) ata-
cou no dia 3 as posições russas, na montanha Vilczak, pro-
ximo de Zagorzany, junto do entroncamento da linha de ca
minho de ferro de Grybow-Biecz csm o ramal da linha de
Gorlice.

Apezar de apoiados effectivamente por uma tremenda con


centraçflo de artilharia, os húngaros a principio pareciam in-
capazes de tomarem as posições russas. Só depois de terem
dado seis ataques sem resultado, por um sétimo ataque con-
seguiram desalojar os russos das suas trincheiras em Wil-
czak. A tomada d'essa montanha decidiu a sorte do Biecz e
abriu aos austríacos a estrada ao longo do baixo Ropa para
Jaslo. Aquella cidade pode ser considerada a chave da linha
Visloka, como o districto de Gorlice era a do Biala e do
alto Ropa. E' o mais importante entroncamento de caminhos
de ferro no districto entre Tarnow e Przemysl e fica na ca-
beça das principaes estradas que penetram na Hungria, en-
tre Bartfeld e Lupkow.
Jaslo havia sido nos anteriores quatro mezes o quartel ge-
neral do general Radko DmitriefF, commandante em chefe
do oitavo exercito russo. Na noite de 4 de maio era evidente
que a queda de Jaslo se tornára inevitável. Ao sul d'ella os
bavaros, sob o commando do general von Emmich, e o 10.°
corpo d'oxercito austro-hungaro, commandado pelo general
Martiny, estavam abrindo caminho, á força de granadas e de
homens, ao longo da estrada Bednarka-Zmigrod e da de me-
nor importancia que conduzia de Malastow, pelo monte Val-
kova, para Krempna.
Na noite de 4 de maio tinham-se approximado de Zmigrod
e de Krempna ; a ultima linha directa de retirada das tropas
russas que tinha avançado na região em roda de Zboio es-
48 HISTORIA ILLUSTRADA

tava ameaçada. A evacuação d'este districto começára no


mesmo dia. E no mesmo dia começára também uma offen-
siva austríaca mais vigorosa em roda do Tuchow e a sorte
de Tarnow estava decidida, embora os russos defendessem
ainda a cidade com grande firmeza.

A historia das tres semanas seguintes é assignaiada prin-


cipalmente por acções na retaguarda, intercaladas uma ou
outra vez por grandes batalhas, que se davam em defeza es-
pecialmente de importantes entroncamentos de estradas ou
caminhos de ferro e ainda com o fim de conseguir o tempo
necessário para a evacuação de algum importante centro
militar.
Uma retirada súbita d'um grande exercito não ó possível
effectuar-se sem haver grandes perdas em prisioneiros. Os
feridos teem frequentemente de ser deixados para traz ; cor-
pos destacados não podem por vezes juntar-se ás forças prin-
cipaes. Finalmente, quando acções de retaguarda são dadas
em trincheiras, os que as occupam, quando não podem rece-
ber viveres e reforços, teem de render-so quando as muni-
ções se lhes acabam ou quando o inimigo em numero muito
superior lhes toma as posições.
Os communicados allemâes dizem que o numero de prisio-
neiros russos feitos de 2 a 4 de maio foi d'uns 30.000 Não
deve . ser exagerado esse numero, especialmente incluindo,
como é natural que succeda, os feridos russos. Além d'isso
tendo sido a derrota causada principalmente pela falta de ca-
nhões e de munições, os russos eram forçados a concentrar-
se em volta da artilharia que possuíam.
- Quando um exercito que retira está bem provido de arti-
lharia e de munições, os seus canhões cobrem a retirada ;
conservam o inimigo longe até ao fim e são sacrificados pela
salvação dos homens. Os russos durante a sua retirada da
Galicia occidental foram forçados muitas vezes a sacrificar
homens para salvarem a artilharia e a fim de a preservarem
para entrar n'uma batalha maior n'algum ponto estrategico
mais importante.

As perdas soffridas pelos exercitos austro allemâs nos seus


ataques á linha Dunajec Biala-Bopa nunca foram tornadas
publicas ; as suas listas de perdas só apparecem muito tempo
depois e é difficil formar sobre essa base qualquer idéa,
DA GRANDE GUERRA

uiesmo approximada ácôrca das perdas por elies soffridas


<jm qualquer batalha. Por outro lado, um exercito que retira
tem menos facilidade do que de costume para formar juizo
seguro sobre as perdas do inimigo.
Pôde ainda vêr se da lista de perda de officiaes austro-
hungaros que foi enorme o seu numero nos primeiros três
dias da offensiva na Galicia occidental. Occasionalmente, a
data da morte nas listas
austríacas ó posta a se- .. ....... ... .
guir ao nome do oÔicial áÉÈfef?

dias a i de maio con !Êjâ


tinuam a tigurar n'ellas ; ,
<• devemgs lembrar-nos
de que durante esses pri- J'- cfSS|^^|C
meiros dias de maio a JHBÊÊÊKMEf aHUp '
parte que as forças aus wÊÊÊr
tro- :ni;,_':ira- tiveram i.a • ' %
lucta era muito menor ..
comparativamente com as aP»-
dos allemães do que no ^ÈÈtÈ&fâp
meiado do mez, quando
i>s exércitos dos Carpa
thos foram levados para
a principal linha de bata- j/gSk
lha. mÈ
A 'J de maio pequena HH
lucta nos montes
a do
Lupkow. Durante a se-
mana precedente
r os rus-
sos parecia • terem
.. „ retira-
.• GliNKRAL FRUGONI
do d'aquella parte algu-
mas tropas para apoio da linha occidental, que se sabia es-
tar ameaçada. Toda a ulterior offensiva nos Carpathos occi-
dentaes terminára portanto. Como é natural, os austríacos
abstiveram-se de qualquer contra offensiva.
As suas forças não eram em numero assaz grande para
esse fim na fronte húngara e convinha-lhe mais deixar os rus-
sos nas suas posições avançadas do sul; a offensiva de Mac-
kensen, do oeste, se fôsse bem succedida, cortando-lhe as li-
nhas de retirada, limitava se a crear uma posição extrema-
vol. viu foi . 4
5o

moute difficil ás tropas russas em roda de Zboroe ao sul do


Dukla.
Só no extremo leste, onde os russos estavam fazendo frente
ao exercito mixto austro allemão do general von Linsingen,
houve sérios combates nos primeiros dias de maio.
No dia 2, diz o communicado oficial russo de retrogrado
do dia seguinte, «na direcção de Stryj e a sudoeste do Holo-
viecko, tomámos o monte Makovka e fizemos 300 prisionei-
ros, entre os quaes dez officiaes». Na noite seguinte os aus-
tríacos retomaram parte d'essas posiç8es, mas de novo foram
d'ahi desalojados pelos russos na manha do 3.
N'esse dia, foram aprisionados 1.200 homens e 30 officiaes
e tomadas tres metralhadoras. No mesmo dia também houve
.luota na região em roda da aldeia de Osmoloda, proximo das
nascentes do Swica e no alto Lomnica.
Na região a leste de Verchovina e Bystra, o 79." regimento
austríaco pertencente á 7.a divisão rendeu se voluntariamente,
devido á má alimentação e ao mau tratamento. Os prisionei-
ros austríacos queixavam-se da crueldade do tratamento dos
, officiaes allemães, que pela mais ligeira falta lhes infligiam
castigos corporaes.

CAPITULO i.xn

A conquista de Przemysl e de Lemberg


A conquista da Galicia central fórma a primeira parte da
historia da grande offensiva austro allemã que começou na
fronte oriental no mez do maio. Como no capitulo anterior
dissémos, essa offensiva iniciou-se com a batalha de Gorlice,
no dia 2 d'esse mez. A sua primeira phase abrangeu até ao
dia 14, em que as forças atacantes chegaram ao San, a fron-
teira da Galicia oriental, e o prolongamento natural para o
oul da linha estrategica do Vistula médio.
No dia 1 de maio a fronte russa na Galieia occidental o
no norte da Hungria estendia-se desde a confluência do Du-
najec e do Vistula até Zboro ; ao longo dos rios Dunajec^
Biala e Ropa, para além das cidades de Tarnow, Ciezkovice
e Gorlice; de Zboro corria para solo húngaro, spguindo prin-
cipalmente em direcção do oriente, para além de Sztropko,
Krasnibrod, Virava, Nagy Polena para o desfiladeiro do Uz-
sok. A extensão d'essa parte da fronte oriental, entro o alto
DA GRANDE GUERRA 5i

Vistula e o Uzsok, attingia cerca de cento e noventa e dois


kilometros.
Ao longo d essa linha, pelo menos dezonove corpos d'exer-
cito austro allemâo, apoiados por uma enorme concentração
de artilharia pezada, estavam fazendo frente a oito corpos
d'exercito russos, mal providos de canhões e de munições. O
districto entre Gromnik e Malastow era occupado pelo que
mais tarde veiu a dominar-se a «phalange». Nada menos do
seis corpos d'exercito (o 11.° exercito allemao sob o com-
inando de Mackensen, incluindo o 6.° corpo austro húngaro
sob o de Arz von Straussenberg e o 10.° pertencente ao exer-
cito de Borojevic) estavam ahi concentrados n'uma fronte de
cerca de trinta e dois kilometros.
No dia 2, a artilharia do Mackensen rompeu, a linha russa
ua fronte do Gorlice. Na noite de 4 as tropas austro allemas
chegaram a uma linha que se estendia da montanha Dobro-
tyn (a sudeste de Tuchow) atravez das alturas ná margem
oriental do Visloka na fronte de Jaslo, ató Zmigrod na es-
trada Jaslo-Zboro.

A ala da direita da «phalange» estava avançando rapida-


mente ; o seu objectivo era cortar as forças russas que ha-
viam penetrado na Hungria pelos montes Carpathos a oeste
do Lupkow.
No dia 5, as forças austro-allemâs, que estavam ao sul
dos Carpathos entre Bartfeld e o Uzsok, começaram a exer-
cer pressão sobre a linha russa no norte da Hungria. Na
esquerda do exercito de Mackensen as tropas austríacas sob
o commando do archiduque José Fernando haviam na noite,
anterior occupado na fronte entre Tarnow e Tuchow muito
terreno entre o Dunajec e o Biala e haviam se estabelecido
na margem direita do Dunajec, ao norte de Tarnow, cortando
assim a ligação entre o terceiro exercito russo e as forças
que estavam no Nida.
Nâo entraremos agora nos pormenores da lucta que se
desenvolveu durante os dias seguintes, limitando-nos a dar
as principaes linhas estratégicas do avanço austro-allemao
na Galicia central.
Como dissémos também no capitulo anterior, Mackensen
rompeu a fronte russa em roda de Gorlice por um ataque
de fronte de oeste para leste, mas o avanço ulterior das suas
forças não seguiu essa direcção. Executaram ellas entre o
52 HISTORIA ILLUSTRADA

Biala e o Visloka o que podemos chamar movimento de


«inclinação para a esquerda», fazendo frente a noroeste e
avançando por escalões, que eram, porém, regulados de modo
a estarem constantemente em contacto uns com outros.
O avanço do exercito de Mackensen para nordeste amea-
çava o flanco exterior das forças russas do sul que estavam
offerecendo na fronte de Tarnow desesperada resistência ao
avanço do quarto exercito austro-hungaro commandado pelo
archiduque José Fernando. Ao mesmo tempo abria caminho
ao terceiro e segundo exercitos austro-hungaros atra vez dos
Carpathos. Podemos descrever o seu avanço do seguinte
modo : a extremidade direita da linha — isto é, a ala extrema
direita do exercito de Boehm Ermolli permanecia fixa a
oeste do UzsqU, no districto de Volosate; a extremidade es-
querda — isto é, a ala extrema esquerda do exercito do ge-
neral Borojovic (o 10.» corpo d'exercito austro-hungaro sob
o cominando do general Martiny) avançava, em contacto
com os bavaros commandados pelo general von Emmich, que
formavam a ala direita do exercito de Mackensen.
Na realidade, aquelle corpo austro húngaro pôde ser in-
cluído na sua primeira «phalange», como acima indicámos.
O avanço de Mackensen para o nordeste fazia avançar gra-
dualmente os dois exercitos austro-hungaros dos Carpathos.

Disse-se que a «phalange» de Mackensen tinha uma for-


mação determinada. Não era assim. Era uma concentração
de tropas ao longo das linhas em que se esperava maior re-
sistência ou ao longo d'aquellas om que se effectuava o mais
rápido avanço. Mas não havia grupo algum especial de for-
ças concentradas para tal fim. Foi a parte mais admiravel
de todo o plano austro-allemão de avanço o de concentrar
grupos dentro da linha. O avanço era feito de modo a que
as concentrações se faziam, como fizeram, automaticamente
nos pontos onde eram mais necessarias.
Havia quatro centros de extraordinaria importancia estra
tegica na Galicia central. Todas as estradas principaes e ca-
minhos de ferro da região entre a linha Dunajec Biala-Ropa
uo oeste e o San a leste teem o seu centro nos districtos de
Jaslo, Dembica, Rzeszow e Sanok. A occupaçâo d'esses qua-
tro centros marca a conquista da Galicia media.
As forças austro aliemâs conquistaram o districto de Jaslo
pelo impulso do primeiro avanço apoz o rompimento da fronte
DA GRANDE GUERRA 53

de Gorlice. O movimento envolvente do pui obrigou os rus-


sos a evacuarem o districto de Tarnow, abandonando assim
as principaes defezas na fronte de Dembica. O rápido impulso
dos exercitos austro allemScs no sul e a queda de Jaslo tor-
naram impossível qualquer tentativa para deter o seu impulso
no Visloka, isto é, n'uma linha paraliela â primeira fronte
da Galicia occidental.
O angulo sudoeste havia sido rôto pelo primeiro impulso
em roda de Gorlice e os dias seguintes marcaram um avanço
continuo no occupar da linha entre o Vistula e o desfiladeiro
do Uzsok. Quando no dia 8 as foFças russas se concentraram
para offerecerem uma nova resistencia, combinada com tenta
tivas de uma contra ofifensiva, os dois grupos de exercito mais
directamente envolvidos na batalha da Galicia media faziam-
se frente ao longo de uma linha recta, que se estendia desde
o Vistula, proximo de Szczucin, até ao grupo de montanhas
a oeste do desfiladeiro do Uzsok.
No recanto eutre o Nida e o Vistula e no desfiladeiro do
Uzsok. os russos estavam ainda, no dia 8 de maio, occu-
pando approximadamente as mesmas posições que por elles
haviam sido occupadas anteriormente, n'um período que ia
de quatro a seis mezes, mas a fronte, que no dia 1 tinha a
extensão de cerca de 256 kilometros, media agora cerca de
192. Esse encurtamento da linha eia causado pela mudança
quo occorrera na fronte entre o Vistula e o caminho de ferro
Sanok-Homonna.
A 1 de maio as forças austro-allemâs estavam n'um sector
ao longo d'uma linha que formava uma curva concava com
o centro em roda do Magora de Malastow e os ramos es-
tendendo-se para norte e lesto por cerca de 96 kilometros
cada um. No dia 8 o centro da fronte austro-allemâ tinha
avançado para Frysztak no Vislok, a nordeste de Jaslo.
D'ahi, estendeu-se por uns sessenta e quatro kilometros para
noroeste, até ao Vistula, ao longo d'uma linha quasi recta,
correndo a sudoeste, de Dembica e Radomysl, para Szczu-
cin. A sudeste de Frysztak a fronte seguia a extensão da
primitiva linha por Krosno para Besko; d'ahi, inflectia em
redor da montanha Bukovica para Komancza ; a linha Frysz-
tak Komancza media outros noventa e seis kilometros. Entre
o Lupkow e o Uzsok alinha de batalha recuára ligeiramente
durante a primeira semana de maio, mas não variára nem
de extensão nem de direcção.
HISTORIA ILLUSTRADA

A linha ao loDgo da qual os russos estavam tentando de-


ter o avanço austro-allemáo entre os dias 8 e 10 nem era
forte por natureza, nem as suas posições haviam sido antes
preparadas com cuidado. De facto, era uma linha que não
havia sido prevista e que nenhum estrategico haveria esco-
lhido de livre vontade para ser uma linha de defeza. Esten-
dia-se diagonalmente atravez da Galicia central, cortando os
seus rios principaes.

Atravez das linhas de caminhos de ferro e na fronte dos


tres principaes centros, os russos estavam occupando peque-
nas frontes ribeirinhas ; a oeste de Dembica estavam no Vis-
loka ; proximo de Strzyzow, a sudoeste de Rzeszow, na li-
nha Brzezanka-Stabnica ; e a oeste de Sanok, no alto Vis-
lok. Nâo havia, porém, ligação entre essas posições princi-
paes e, assim, a fronte occupada no dia 8 de maio, conside-
rada no seu conjuncto, nâo podia ser transformada numa
linha fixa defensiva como a que primitivamente existira no
Dunajec e no Biala.
Cada posição, separada, podia ser, e era-o de facto, amea-
çada pelo flanco sul. Para um exercito egualando em força o
do lado atacante, essa linha podia servir como base para
uma contra oflensiva que tivesse como principal objectivo a
reconquista da linha do Visloka. Já em dezembro de 1914
os austríacos haviam avançado atravez do «Valle transver-
sal» para Sanok, sem que pudessem abrir caminho para o
norte, sondo repellidos para oeste, para além do Gorlice,
pelas forças russas que haviam sido trazidas da Polonia. Um
exercito inferior em numero ao do lado atacante podia ser-
vir-se d'aquellas posições apenas para retardar o avanço do
inimigo e ganhar tempo para organisar a retirada.
No dia 10 de maio, os russos haviam recuado da linha
Szczucin-Dembica-Strzyzow-Sanok. A Galicia média estava
perdida e o San era agora a próxima linha possível de re-
sistência. A retirada da Galicia central, deixando a desço
berto os flancos das forças adjuntas, tornava necessaria tam-
bém uma retirada da fronte russa do Nida para o norte e
dos desfiladeiros dos Carpathos para leste. Parecia, porém,
n'essa occasiao que, se os russos conseguissem deter o passo
aos austroallemâes na linha do San e do Dniester, como já
o haviam feito em outubro do 1914, fariam parar por com-
pleto o avanço do inimigo.
DA GRANDE GUERRA 55

Ao chegarem á orla norte das elevações da Galicia média


na linha Dembica-Rzeszow, as forças austro-allemíis deram
uma enorme volta-face, que levou os seus exercitos para o
San. fazendo frente a leste. Essa volta relacionava-se com
uma nova concentração de forças. De novo a ala esquerda
da linha de batalha austro-allemã tomava, no conjuncto, a
feição d'uma força para conter o inimigo. A sua fronte era
mesmo mais extensa do que o havia sido no principio de
maio, quando lhe estava commettida a tarefa de uma offensiva
contra Tarnow.
' Os cinco corpos do quarto exercito austríaco desenvol-
viam-se agora n'uma fronte de cfirca de 80 kilometros, es-
tendendo-se desde Tarnorbrzeg no Vistula até á confluência
do Vislok e do San, ao norte de Sieniava.
No fim do maio, proximo de Piskorovice, no San, estavam
os mesmos regimentos da Transylvania pertencentes ao 9.°
corpo d'exercito austro-hungaro que nos primeiros dias do
mez tinham estado no Biala, na ala direita extrema do exer-
cito do archiduque José Fernando. O facto de forças compa-
rativamente pequenas terem sido sufficientes para a defeza
do flanco esquerdo dos principaes exercitos austro allemães
prova que, a esse tempo, os russos dispunham de muito pou-
cas reservas na linha do batalha da Polonia russa, o que era
conhecido pelo inimigo.
Com effeito, devemos lembrar nos de que não longe da con-
fluência do Vistula e do San em Rozvadow, a nova linha de
caminho de ferro russa de Lublin ligava com o systema de
caminhos de ferro da Galicia e, por isso, se houvesse reser-
vas utilisaveis ua Polonia russa, facilmente podiam ter sido
concentradas no recanto entre o Vistula e o San contra o
flanco esquerdo dos exercitos inimigos da Galicia.

O districto entre Sieniava e Sambor foi no meiado de maio


a região da maior concentração de forças. Os tres exercitos
que no principio do mez haviam guarnecido toda a fronte
desde Gromnik ao Uzsok no dia 14 de maio occupavam ape-
nas esse districto. O undécimo exercito allem&o, do general
Mackensen, occupava uma fronte approximadamente da
mesma extensão da que occupára no dia 1 do mez. A sua
ala esquerda e o centro, cousistindo principalmente de tro-
pas prussianas, haviam avançado por Strzyzow, Rzeszow,
Lancut e Przevorsk contra Sieniava e Jaroslau.
»6 HISTORIA LLUSTRADA

O 6.° corpo austrohungaro avançára de Luzna por Biecz,


Szebnie, Lutcza e Dynow contra Radymno. Os bavaros do
general von Emraich, tendo primeiro avançado de leste, do
valle de Senkova por Zmigrod, Dulcia e Rymanow contra
Besko, obliquaram d'ahi para nordeste e estavam proximos
do sector norte da cadeia de fortes que cercam Przemysl. O
10.° corpo d'exercito austro-hungaro, cuja séde é n'aquella
praça forte, censervoa se durante a travessia da Galicia cen-
tral na direita dos bavaros e chegou no dia 14 â fronte Oc-
cidental da fortaleza.
O 7.® corpo, sob o commaudo do archiduque José, avan-
çou de Mezo-Laborcz por Sanok e Bircza; o resto do exer-
cito do general Borojevic von Bojna, incluindo o corpo alle-
mão dos «Beskids» sob o commando do general von der
Marwitz, cercou o districto de Przemysl pelo sudeste. Jun-
tou-se-lhe na linha Novemiasto-Dobromil o segundo exercito
austro húngaro commandado pelo general von Boehm-Er-
molli, cujas posições se estendiam para leste, para além de
Sambor.
Assim, os 13 corpos d'exercito que a 1 de maio occupa-
vam uma fronte do cêrca de 208 kilometros estavam agora
concentrados e'm 88 kilometros. O grau de concentração era
assim, approximadamente, o mesmo que o da primeira «pha-
lange» de Mackensen em roda de Gorlice. E realmente a ta-
refa que tinham de executar era da mesma natureza. Tinham
de novo de tomar a chave da fronte russa. A' fronte do Du-
najec-Biala de 1 de maio, correspondia uma quinzena depois
a linha do San ; ás posições no flanco dos Carpathos corres-
pondiam as dos exercitos russos retirando para o Dniester
e a chave d'essas novas posições era a famosa fortaleza de
Przemysl.

Examinemos rapidamente os principaes incidentes do avan-


ço austro allemao na Galicia central, que começou a 5 de maio.
Na noite de 4, os russos occupavam ainda a margem di-
reita do Dunajec e do Biala entre Otfinovv eTuchoxv, embora
o avanço do inimigo pela montanha Dobrotyn estivesse tor-
nando cada vez mais precaria a posição das tropas russas
em roda de Tarnow, ao passo que a passagem do Dunajec
perto de Otfinow pelos austríacos na noite de 1 para 2 havia
cortado a ligaç&o entre as forças russas do Dunajec e as do
Nida!
57

Na noite do 4 para 5, dois regimentos da Transylvania


pertencentes ao 9.° corpo ÍTexercito austro-hungaro (exercito
do archiduque José Fernando) atravessaram o Biala proximo
de Tuchow : eram o 62.° de infantaria de Marosvasarhely e
o 82." composto principalmente de szeklers, uma tribu ma-
gyar que vive no centro do districto roumaico da Transyl-
vania.
Esses dois regimentos formavam a vanguarda da I0.a di-
visão austro húngara com-
mandada pelo general von
Mecenseffy. O seu principal
objectivo era a estrada de
Ryglice a Zalasova. Um
grupo de outeiros erguendo-
se a uma altura de cerca de
1.500 pés se estende ao
norte da montanha Dobro-
tyn, entre o rio Biala, a es
tradaTarnow-Pitzno eo rio
Visloka. Um fundo valle ha
entre a montanha e esses
outeiros ; n'esse valle, fica a
cidade de Rylice e por elle
p
corre a estrada Tuchow- - hollani»
Brzesko, a mais importante
que liga os valles do Biala e do Visloka entre as linhas
Tarnow e Gorlice.
Ao norte de Ryglice, n'um outeiro de uns 1.150 pés*d'al-
tura fica a aldeia de Zalasova ; d'esse outeiro corre para o
norte uma torrente chamada Szymvald para uma aldeia da
mesma denominação; para Ryglice, ao sul, corre uma outra
torrente chamada Zalasova. Uma estrada, ligando a de Tu-
chow a Brzostek com outra de menos importancia que vae
de Tarnow a Pilzno, segue o curso d'essas duas torrentes.

A occupaçào d'essa estrada pelo inimigo ameaçava Tar-


now, assim como Pilzno. Os outeiros ao longo da linha Ry-
glice Szymvald nSo podiam ser sustentados por muito tempo
depois do inimigo se ter apoderado das posições na monta-
nha Dobrotyn, porque, de facto, esses outeiros sSo a conti-
nuação norte da fronte Dobrotyn-Valkova, que os austro-
allemaes haviam tomado em 3 e 4 de maio.
58

O terreno entre o Biala e o Visloka foi occupado pelas re-


taguardas russas durante dois dias apoz o abandono de Do-
brotyn, dando assim tempo ás principaes forças em roda de
Tarnow para recuarem para o Visloka. Apenas a posição nos
outeiros a oeste de Pilzuo foi occupada durante mais um dia
pelos russos.
Pilzno 6 o entroncamento de quatro estradas das mais im-
portantes e d'outras quatro de importancia secundaria e ti-
nha de ser occupada até á evacuação de todo o districto ser
completa. As posições no outeiro Zdol (uns 1.000 pés d'al-
tura) que dominam a cidade e o districto só foram abando-
nadas pelos russos no dia 7 de maio.
Na manha de 6, as tropas russas haviam retirado na me-
lhor ordem de Tarnow, tendo primeiramente feito trauspor-
tar as grandes quantidades de provisões que haviam sido ac-
cumuladas na cidade. Tarnow fôra a base das tropas que
operavam no Dunajec. Apenas um pequeno destacamento de
cavallaria foi deixado para traz, mas mesmo d'essa reta-
guarda grande parte conseguiu abrir caminho por entre as
linhas do inimigo e juntar-se ás forças principaes.
A's 10 horas da manha os austríacos entraram na cidade
que a saa artilharia pezada estivera bombardeando nos ante-
riores quatro mezes. O bombardeamento da estação do cami-
nho de ferro e é possível também que o do parque do Príncipe
Sanguszko fôsse feito com qualquer fim militar; é, comtudo,
difficil achar desculpa á destruição parcial do velho mercado
da cidade e da linda cathedral, que contem os tumulos de
mármore das famílias dos condes Tarnowski e dos príncipes
Ostrogski. Parece antes dar idéa de que os austríacos nao
esperavam tornar a entrar na cidsde.

Tarnow foi o primeiro centro importante da Galicia que


os exercítos germânicos reconquistaram depois de ter perma-
necido durante muito tempo nas maos dos russos. Logo que
ahi entraram puniram todos os que foram accusados de ter
prestado qualquer serviço aos russos. Pouco depois de Tar-
now ter sido occupado pelos exercítos austro-allemaes sete
dos seus habitantes foram condemnados á morte por talta
traição». Mesmo da narrativa semi official do seu processo
pôde vêr-se que pelo menos algumas das accusaçOes nao se
prov aram ou assentavam n'uma base de muito duvidosa evi-
dencia.
DA GRANDE GUERRA

Na noite de 0 para 7 de maio os dois regimentos <Ja Tran-


sylvania, números 62 e 82, atravessaram o rio Viloska ao
norte e ao sul da cidade de Brzostek. A artilharia, postada
n'um outeiro proximo de Przeczyca, apoiava e cobria as ope-
rações n'essa região ; esse outeiro, na margem esquerda do
rio. em frente directamente da baixa margem em que fica a
cidade de Brzostek, ergue se a uns 400 pés acima do nivel
do rio e domina toda a região.
Na manhã do dia 7, as tropas húngaras occupavam a cota
384 (1.260 pés d'altura), ao norte d'aquella cidade, o os ou-
teiros acima de Kamienica Dolna. N'esse meio tempo, a sua
engenharia lançou uma ponte sobre o Visloka. A cidade de
Brzostek foi defendida pelas retaguardas russas com extrema
tenacidade. Ataques á bayoneta se deram nas suas ruas e
continuaram com a maior violência no cemiterio. Os russos
só evacuaram a cidade depois de serem ameaçados por um
movimento envolvente do sul. O seu numero era muito infe-
rior ao das tropas húngaras, que estavam n'essa occasião
atravessando em massa o Visloka.
Tendo retirado de Brzostek. os russos tomaram novas po-
sições ao longo da orla occidental e sul das florestas que cor-
rem entre a cota 320 e Januszkovice. Na noite de 7 para 8
de maio continuaram a sua retirada para fortes posições nas
montanhas Cheira (de cOrca de 1.750 pés d'altura) entre Brze-
ziny e Frysztak.
Voltemos ao sul, onde na noite de 4 de maio as tropas do
Mackensen se estavam approximando do Visloka no districto
de Jaslo. As principaes forças estavam avançando pelo valle
do Ropa, ao longo da estrada que leva de Biecz para Jaslo.
Na margem esquerda do Visloka corre uma cadeia de outei-
ros : o Ropa, proximo da sua juneção com o Visloka, abre
caminho por um estreito desfiladeiro entre essas eminencias.
A leste d'essa porta — chamemos-lhe assim — o Ropa entra
n'um largo valle, volta para o norte e junta se ao Visloka. a
oeste de Jaslo.
A estrada segue na direcção de leste e atravessa os rios
antes d'elles se juntarem. N'essas eminencias, a oeste de
Visloka, as retaguardas russas occuparam posições fortifica-
das e mantiveram-se ahi durante o dia 5. Retiraram á noite
para os outeiros que ficam acima de Szebnie e em roda do
Tarnoviec.
Jaslo é a juneção do caminho de ferro transversal e d'uma
6o HISTORIA ILLUSTRADA

linha lateral vinda de Rzeszow, que o liga coin a linha norte


Cracovia-Lwow. Entre Jaslo e Szebnie os dois caminhos de
ferro seguem o valle do rio Jasliska, que corre nas suas mar-
gens oppostas As posições russas proximo de Szebnie domi-
navam essa importante região estrategica, dificílima de ser
tomada.
Mackensen encarregou d'essa ardua tarefa as tropas hún-
garas da 39." divisfto da «honvéd» (corpo do general Arzj.
E' uma nota interessante o accentuar como deixava o traba-
lho mais árduo ás tropas austro húngaras ou bavaras, pou-
pando cuidadosamente os seus prussianos, especialmente a
Guarda. Ataque apoz ataque foi repellido pelo fogo das po-
sições russas acima de Szebnie e se nâo fôra a sua artilharia
pezada os húngaros nunca teriam desalojado os russos das
suas trincheiras. Mas as howitzers eutraram em acçJlo e na
noite de 6 de maio os russos tiveram de retirar para posi-
ções a leste de Vislok.
Foram seguidos pelos corpos austro-hungaros do exercito
de Mackensen, emquanto a Guarda avançava contra Trvsz-
tak. D'ahi os prussianos avançaram para se apoderarem do
valle de Vislok e das suas estradas e caminhos de ferro,
deixando aos seus camaradas austro húngaros e bavaros a
menos confortável travessia entre as eminencias.

Na noite do 7, as tropas de Mackensen tinham transposto


a linha Frysztak Krosno o estavam investindo as posi-
ções russas a leste de Vislok ; especialmente proximo de
Odrzykon e de Korczyna travou se uma lucta violentíssima.
Na ala extrema direita do exercito de Mackensen os ba-
varos e os restantes corpos do terceiro exercito austro hún-
garo, depois de terem rompido as posições russas nas mon-
tanhas de Zamczysko e no Magora de Malastow, haviam avan-
çado para leste com toda a rapidez. Chegaram á estrada de
Zmigrod Krempna a 4de maio e na noite de5 entraram nas
cidades de Dukla e Tylava, chegando no dia 6 a Rvmanow.
A noticia da derrota no Dunajec no dia 2 era tão súbita
e surprehendente que chegou a parecer incrível. Oscomman-
dantes do 12.° corpo d'exercito russo que estava ao sul da
principal cadeia dos Carpathos no norte da Hungria, na ala
extrema direita do terceiro exercito russo, parecia nâo terem
avaliado bem, de momento, a gravidade da situação.
Emquanto se estavam preparando para retirar, as forças
DA GRANDE GUERRA 61

austroallemãs no lado norte dos montes Carpathos estavam


occupando uma apoz outra as sahidas dos desfiladeii os. Quando
finalmente comprehenderam a extensão do desastre, para
alguns d'elles pelo menos o caminho estava fechado.
Algumas brigadas, especialmente as que estavam mais a
leste, ainda podiam atravessar o Dukla antes da chegada do
inimigo. A outras apenas restava a alternativa de se rende-
rem ou de abrirem caminho por entre as linhas austro-alle-
mãs que lhes obstruíam a passagem ao norte, emquanto ou-
tras tropas inimigas do exercito do general von Borojevic
as estavam perseguindo do lado do sul.

O segundo exercito austro-hungaro, com excepção do 10.°


corpo, não tomara parte na batalha de 2 de maio ; não tinha,
pois, empenho em fazer apressar a retirada das tropas rus-
sas da Hungria. No dia 4, porém, estava avançando com
toda a força ao longo de toda a linha, para impedir que os
russos que estavam no valle do Ondava effectúassem uma
juncção a leste com as tropas do oitavo exercito russo no
valle do Laborcza.
No dia 7, a 48.® divisão russa, commandada pelo general
Korniloff, viu-se cercada no desfiladeiro do Dukla por for
ças inimigas immensamente «superiores. O seu commandante
não deu a partida por perdida e conseguiu romper por entre
os inimigos e juntar-se ás forças principaes que estavam
recuando pelo «Valle transversal» para a linha Brzozow
Besko-Ordzechova.
Mas nem todas as tropas em retirada pelos Carpathos a
oeste do Lupkow foram egualmente emprehendedoras o tive-
ram egual êxito.
No dia 6 do maio as tropas russas em toda a região do
Lupkow estavam em retirada. No dia 7, os russos tinham
de evacuar a linha Virava-Telepovce Zuella-Nagy Polena
occupada em abril apoz violentos combates. A retirada era
coberta apenas pela 49.® divisão, que esteve occupando as
principaes posições até toda a força atravessar a cadeia de
montanhas, recuando em seguida, depois de ter feito ir pelos
ares o tunnel do Lupkow.
A oeste de Lupkow o 7.° corpo de exercito austro húngaro
sob o commando do archiduque José e os allemães sob o do
general von der Marwitz estavam travando combates violen-
tíssimos com as forças russas que retiravam. Na montanha
6í HISTORIA ILLUSTRADA

Varentyzow a lacta foi tremenda, mas os russos aproveita-


ram bem o tempo. A retirada do exercito do general Brus-
siloff foi uma verdadeira façanha militar e contribuiu em muito
para que as heróicas forças do terceiro exercito russo se
pudessem desembaraçar na Galicia central.
No dia 8 as forças d'esses dois exercitos puzeram se em
contacto na região deSanok. A leste do desfiladeiro do Uzsok
nâo tinham occorrido mudanças dignas de menção.

Ficam assim indicadas as priucipaes linhas da fronte de


batalha no dia 8 de maio sob o ponto de vista estrategico
Jo avanço austro allemão pela Galicia central. Indicámos
tauiDem os pontos estratégicos mais fracos das posições rus-
sas, que eram os mais importantes sectores, a linha Mielec-
Dembica o a fronte Strzyzow-Lutcza. Até a posiçSo Brzozow-
Besko Bukovisho podia ser envolvida pelo sul.
Um outro obstáculo serio para uma defeza effectiva parece
ter sido a desegual distribuição das tropas russas. O avanço
allemSo fôra planeado semanas antes e os minimos porme-
nores da sua direcção e da concentração de tropas devem
ter sido assentes com antecedencia. A falta de linhas prepa-
radas cuidadosamente para a defeza além das posições pri-
mitivas no oeste prova que a tomada da fronte Dunajec Biala
e a subsequente retirada para o San foram uma surpreza
para o commando russo.
Em taes circumstancias, a retirada russa nflo foi menor
feito d'armas do que o avanço austro allemao. Os russos não
foram nunca derrotados na verdadeira accepção do termo e
as suas tropas nunca se deixaram invadir pelo pânico. O facto
do avanço provado do inimigo nunca ter excedido de nove
a dez kilometros por dia demonstra a ordem em que a reti-
r da se executava.
Comtudo uma distribuição apropriada de forças, assegu-
rando os pontos da linha mais importantes, dificilmente se
podia esperar onde os planos nfto haviam sido anteriormente
feitos. O continuo encurtamento da linha, que levou a uma
concentração do forças do inimigo, deu causa mais a uma
conglomeraçíío do que a uma concentração do exercito em
retirada.
Na ala extrema esquerda, no baixo Vislok, as tropas rus-
sas haviam cedido menos terreno ao inimigo e estavam resis-
tindo ainda com mais efficacia ao seu avanço. Ao sul de
6?

Strzyzow, as suas posições seguiam de 8 para l) de maio o


curso da torrente Brzezanka até Lutczaed'ahi a doStobnica
até quasi Brzozow. As elevações que corriam ao longo des-
ses valles erguiam-se a cerca de 300 pés acima do seu nivel
e eram cobertas de densos bosques. Otfereciam assim favo-
ráveis posições para a defeza.
Infelizmente, um numero insufficiente de forças parecia
ter sido mandado para essa linha. As principaes forças re-
tiravam ao longo da estrada mais directa, isto é, atravez do
«\allo t-ansversal» para Sanok. Na fronte d'essa impor-
tante cidade, que durante muitos mezes servira aos russos
de base para as suas operações nos Carpathos, fortes posi-
ções defensivas haviam sido preparadas, estendendo-se appro-
ximadamente em semi-circulo.
De Brzozow corriam para o sul n'uma extensão do quasi
* ki Io metros passando a oeste da aldeia de Jacmierz. quo
tica na descida dos outeiros para o valle do Vislok. A cinco
kilometros a sudoeste d'essa aldeia, na outra orla do valle,
onde a estrada de Rymanow para Sanok atravessa o rio
Vislok, fica a aldeia deBesko, um ponto ostrategico da linha
que os russos defendiam entre os dias 8 a 10 de maio.
A pouco mais de oito kilometros a sudoeste de Besko fica
um grupo de montanhas chamado Homondova Gora; ergue-
se a cerca de 650 pés acima do valle do Vislok e é coberto
He grandes e densas florestas. No seu declive sul fica a aldeia
de Odrzechova e a.oeste do Homondova Gora a aldeia de
Novotaniec. Atravez d'essas duas aldeias o da Bukovica em
direcção á linha de caminho de ferro Sanok-Homonna esten-
diam se no d>a 8 de maio as principaes posições russas a
sudoeste de Sanok-
Nessa região haviam os russos amontoado forças consi
deraveis e n3o só offereceram uma grande resistencia ao ini-
migo, mas tentaram até uma contra offensiva a oeste
Lntre os dias 8 e 10 ao longo de toda a linha, desde Szc-
zucin até Lzsok, travon-se o que podemos chamar a batalha
da Galicia média. Tendo occupado Pilzno no dia 7, as tro-
pas austríacas no dia seguinte romperam a fronte russa pro-
ximo de Dembica e os russos tiveram de retirar para a linha
líopczyce-Vielopole. A juncçâo da linha Lublin Rozvadow-
Mielec com o caminho de ferro de Rzeszow foi perdida e a
Hnha Szczucin-Mielec e até a do baixo Visloka tornaram-se
insustentáveis.
64

•^Entretanto a principal offensiva germanica estava-se des-


«uvolvendo uo sector central a sudoeste de Strzyzow, no
qual as forças russas eram comparativamente mais traças e
á qual n^o podiam chegar reforços a tempo de deter o avanço
•do inimigo.
iNa tarde do dia 9 — diz o communicado official russo do
dia 11 —uma situação para nós destavoravel foi creada no
principal sector da lucta, especialmente na região do Strzy-
zow».
A situaçilo foi salva a tempo por uma brilhante contra
offensiva russa da fronte
Besko-Jacmierz econseguiu-
se ganhar o tempo sufficiente
para as forças principaes re-
tirarem em ordem. N8o se
podia, porém, deter o avanço
austro-allemâo por mais tem-
po do que o necessário para
chegar á linha San-Dniester.
• No dia 10 de maio a de-
feza russa no valle do Vis-
loka foi rôta e o centro ger-
mânico approximou-se rapi-
damente da linha ferrea de
Dembica lizeszow-Jaroslau.
TENENTE COM. do < creagh» As tropas concentradas no
Sanok foram atacadas por
todos os lados. O districto de Itymanow tinha sido alcançado
pelos bavaros no dia 6; nos dois dias seguintes trouxeram
artilharia pezada, incluindo algumas howitzers de 21 cm.,
com as quaes bombardearam as posições russas a oeste de
Sanok.
A sudoeste o 10.° corpo d'exercito austro-hungaro estava
atacando as posições russas na fronte de Odrzechova, o 7.°
austro húngaro e os allemães sob o commando de von der
Marwitz estavam avançando do sul. A leste da linha ferroa
Sanok-Homonna todo o segundo exercito austro-hungaro, sob
o commando do general von Boehm-Ermolli, estava luctando
contra a fronto Baligrod Lutoviska, chegando no dia 9 á
mesma linha onde estivera dois mezes antes, quando tentava
desesperadamente ir em soccorro de Przeoaysl.
DA GRANDE GUERR 65

Na noite de 10 de maio, a batalha da Galicia central tinha


terminado. Por todas as estradas, as tropas austro allemãs
estavam avançando como uma onda gigantesca contra a li-
nha do San, os russos estavam retirando sobre Przemysl.
No dia 11 o inimigo occupava os districtos de Sendziszow,
Rzeszow, Dynow, Sanok e Lysco, no dia 12 os de Lancut
e Dubiecko. No dia 13, os russos evacuaram Przevorsk ; en-
tre as ultimas tropas a
retirar estava o capitão
Ratlow com o 7.° bata-
russo de caminhos
de ferro, cuja missão era fl
destruir as pontes de ca-
minho de fer^o, as esta-
ções, etc.
Xos dias seguintes, a H *** WBÊ
cadeia exterior de fortes I Bfe. 'Hjfc
de Przemysl foi alcan- : êÊÈ
çada pelo inimigo do lado
de oeste. Houve então
uma acalmia na lucta,
emquanto o sector oeste K3mh|\ }
de Przemysl era cercado. E&MjH
's russos, ao retirarem, ■■
haviam destruído com o HHKSj^fl
maior cuidado todas as -i- BWIt
pontes tunneis, assim Hn BaHH
como haviam obstruído
as estradas e caminhos Él?'
de ferro. Tempo, por-
tanto, era necessário pa- capitão henry b. pjjly
ra reparar as linhas de
communicações de modo a permittir o transporte da artilha-
ria pezada de sitio, pois que sem ella um ataque a Przemysl
não obteria successo.
Embora a engenharia austro allemã trabalhasse de dia e
de noite, não podia reconstruir mais de seis kilometros e
meio de caminho dé ferro por dia o só a 25 de maio os com-
boios do oeste puderam avançar além de Lancut na linha do
norte. Forças novas tinham sido trazidas para preencher as
■abertas que havia nas linhas austro allemãs causadas pelas
batalhas pelejadas entre os dias 2 e 12; os feridos, por
VOL VIII FOI. 5
66 HISTORIA ILLUSTRADA

outro lado, haviam sido mandados para os hospitaes-bases.


N&o se sabe com exactidão o numero de perdas que aos
austro-allemfles custou a sua victoria, mas. pode calcular-se
em numero superior a 120.000 homens. Durante o mesmo
período (2 a 12 de maio) os tres exércitos do archiduque
José Fernando, Mackensen e Borojevic dizem ter tomado
103.500 homens, 69 canhões e 255 metralhadoras. Esse nu-
mero nao parece verdadeiro, embora n'elle estejam incluidos
os feridos.

O rompimento da fronte proximo de Dembica foi seguido


por uma retirada das tropas russas do baixo Visloka. A 11
de maio os austríacos atravessavam o rio proximo de Mielec,
no dia 12 chegavam a Kolbuszova. Nos dias seguintes con-
tinuaram a retirar para o norte, para a confluência do \ is^
tuia e do San; retiraram, combatendo sempre, em acçSes
das retaguardas, para a linha Tarnobrzeg Rozvadow, man-
tendo-se nas importantes pontes-cabeças de Sandomierz e
Rozvadow. A retirada russa da linba Szczucin Dembica tra-
zia a occupaçSo de novas posições no sector da margem es-
querda do Vistula.
As fortificadas posições do Nida, que os russos haviam
occupado em dezembro de 1914, tiveram de ser abandona-
das e toda a linha ao sul do Pilica teve de recuar em con-
nexão com a retirada na Galicia. A retirada girou sobre
Inovlodz, permanecendo firme a linha Bzura Rawka Inovlodz,
na fronte de Varsóvia.
As posições no Nida foram evacuadas durante a noite de
10 para ll de maio, retirando os russos vagarosamente para
as suas novas posições além do rio Kamienna. Essas po-
sições, na opinião do correspondente especial do Times,
Stanley Washburn, que as visitou, eram mais fortes do que
as da linha Blonie deante de Varsóvia. No dia 12, as tropas
allemas do exercito de Woyrsch occuparam Kielce.
Mas nâo foi sem ferir um grande golpe nas forças inimi-
gas que o perseguiam, que o exercito russo recuou para as
novas linhas, ao sul de Ilza e de Radom. a.\ endo o movi-
mento em conjuncto — escreveu Washburn — basta dizer
que nas duas semanas que se seguiram á mudança de linha
esse exercito infligiu ao inimigo uma perda de quasi 30.000
homens em mortos, feridos e prisioneiros. As perdas russas
foram comparativamente pequenas».
DA GRANDE GUERRA 67

As forças austro-allernSs seguiram os russos que retira-


vamnSo esperando que qualquer combate serio se desse an-
tes da linha além do kamienna ser attingida. Em voz, porém
de assim succeder, no dia 15 o commandante russo mandou
lazer alto ao principal corpo das suas tropas na fronte das
suas posições fortificadas n'uma linha que se estendia de
Brody por Opatow para Klimontow.
Entre 15 e 17 de maio uma batalha se desenvolveu n'essa
ronte, que é interessante, por ter sido uma das poucas sem
trincheiras que tem havido na actual guerra. «N outra qual-
quer guerra - diz ainda o correspondente do Times — te-
ria sido uma batalha importante, pois que n'ella tomaram
parte mais de 100.000 homens e talvez de 350 a 400 ca
nhões.
O inimigo apresentou-se em quatro grandes massas. O 3 0
regimento allemao de landwerh avançou do sudoeste por
íerzbmk contra Ilza e rapidamente para o norte de Lubie-
nia. Próximo d «hi, vinda da direcção de Kielce, estava a
divisão allemS do general Bredow, apoiada pelo 84.° regi-
mento austríaco. Esse corpo avançava contra Ostroviec ter-
minus d um caminho de ferro que corre do districto de Lodz
para o sudeste por Tomaszow e Opoczno e atravessa a linha
lwangorod Olkusz a meio caminho entre Kielce e Radom
Mais ao sul três divisões austro-hungaras estavam avan
3
tr»° Á í'V1Sa
tríaca lide ilandwehr, ° • C?ntra
apoiada
La 0W
> ehonvéd,
S a de
pela 41.
a
4.a divisão
contra aus-
Iva-
mska Avançavam ao longo das estradas que convergiam
para Opatow. A 25.a divisão austríaca, commandada pelo ar-
hiduque Pedro 1'ernando, era composta de regimentos di-
V0FSO8.

»E' provável — escreve o correspondente especial do Ti-


mes - que o inimigo fòsse superior aos russos em pelo me-
nos 40 por cento. Certamente nunca elle esperou que os sup-
postos desmoralisados russos lhe offerecessem batalha visto
estarem retirando a toda a pressa. O general... escolheu os
austnacos para a sua primeira surpreza, mas começou por
hngir um ataque contra os corpos allemSes, avançando sobre
as suas vanguardas vigorosamente e fazendo com que toda
a força parasse e começasse a desenvolver se em ordem de
batalha. Isto deu-se no dia 15 de maio.
«No mesmo dia, com toda a sua força utilisavel, arremes
68 HISTORIA ILLUSTRADA

sou-se furiosamente, tendo Opatow como centro, do norte


para sul, esmagando a 25." divisão na estrada entre Lagow
e Opatow com uma carga de bayoneta dada pelas suas tro-
pas descidas das montanhas, por onde haviam marchado toda
a noite.
«Simultaneamente uma outra parte das suas tropas se
arrojou sobre a 4.» divisfto que ia de Ivaniska para Opatow.
N'esse meio tempo uma grande força de cossacos volteava
em roda dos austríacos e cortava a sua linha de communi-
cações ao mesmo tempo com tal impetuosidade e furor que
lançou a desordem nas fileiras austríacas.
«A 4.1 divisão estava soffrendo a mesma sorte mais ao
sul e as duas eram desbaratadas, perdendo entre 3 a 4 mil
homens e quasi 3.000 prisioneiros, além de grande numero
de metralhadoras e do grosso da bagagem. Os restantes,
apoiados pela 41." divisfto da honvéd, que havia avançado
a toda a pressa, conseguiram salvar-se do desastre recuando
sobre Wszachow, retirando se tudo para Lagow, além da
qual os russos nfto podiam perseguil-os, a nfto ser que qui-
sessem quebrar a symetria da sua própria linha».

Os proprios austríacos confessam que tiveram grandes


perdas n'essa batalha. Informações austríacas dizem que no
dia 16 de maio apenas vinte e seis homens ficaram da 4."
companhia do 1° batalhfto da 10/brigada austríaca de infan-
taria. E nem um único official escapou. No dia 17 os aus-
tríacos haviam recuado mais de dezenove kilometros para
sudoeste e sul de Opatow.
Um contraforte de Lysa Gora, a mais alta montanha do
grupo da Polonia russa, separava a estrada de Lagow-Opa-
tow, pela qual estava avançando a 25." divisão austríaca,
da linha de avanço das tropas de Bredow. Na noite seguinte
á derrota dos austríacos, os russos, vicioriosos, atravessa-
ram as montanhas a marchas forçadas e cahiram sobre o
fianco direito da formaçfto allemft, emquanto outras tropas
iniciavam um ataque geral de fronte. O general Bredow foi
forçado a recuar apressadamente em direcção de Bodzentyn
e a chamar em seu auxilio a 4/ divisfto da landwehr allemft.
A sua súbita retirada para o sul enfraqueceu considera-
velmente a linha allemft a sudoeste de Radom, proximo da pas-
sagem dos caminhos de ferro de Radom-Kielce e de Konsk-
Ostroviec. Os russos nfto deixaram de aproveitar a fraqueza
6g

<la linha inimiga n'esse sector. «Proximo de Gielniow, Ruski


Brod e Suchedniov — diz o communicado official russo do
dia 17 — os nossos súbitos contra-ataques infligiram gran-
des perdas ás vanguardas do .inimigo».
Tendo assim dado um cheque no avanço austro-allemâo,
os russos pararam, esperando o desenvolvimento das posi-
ções no San.
tNa margem esquerda do alto Vistula, na região de Opa-
tovr — diz o communicado official de Petrogrado do dia 15 —
a lucta .continúa, tendo o inimigo recebido ao que parece
certo numero de reforços. As suas tentativas para tomar a
offensiva foram repellidas com êxito pelos nossos contra-ata-
ques, no decurso dos quaes o inimigo soffreu grandes perdas».

Na Galicia oriental e na Bukovina, entre os Carpathos e'


o Dniester, os exercitos russo e austro húngaro faziam se
ainda frente a 1 de maio approximadamente ao longo das
mesmas linhas que haviam occupado desdo meiados de março.
Da montanha Szlis e do valle do alto Lomnica, a fronte de
batalha estendeu se para o norte deNadvornae de Kolomea,
por Ottynia, para Nazviska no Dniester ; alestedeNiczviska
seguiu approximadamente o curso do rio até á fronteira da
Bessarabia.
As aguas, que durante a primavera haviam impedido as
operações nos amplos valles do Bystrzycas, tinham baixado
no começo de maio e a lucta recomeçára. Os russos tenta-
vam a reconquista do valle do Pruth ; para os austríacos,
principalmente por causa do êxito do avanço atravez da Ga-
licia central, era da maior importancia pôr pé na margem
norte do Dniester.
A região ao sul de Stanislau não era um ponto estraté-
gico importante e não teria valor para os russos se nãofôsse
a linha de caminho de ferro Odessa-Stanislau, que corre pelo
valle do rio Pruth, depois de passar Czernowitz e Kolomea.
Cerca de noventa e seis kilonietros d'essa linha, entre Bo-
jan e Ottynia, estavam no dia 1 de maio nas mãos dos aus-
tríacos, ao passo que as tropas russas estavam a uma dis-
tancia de perto de trinta e dois kilometros ao norte do cami-
uho de ferro. Se tivessem podido apoderar-se d'elle por um
rápido avanço teriam alcançado uma linha importante para
o transporte de reforços e provisões da Rússia do sul para
a ameaçada fronte da Galicia media. Como se sabe, Kiew e
/O HISTORIA ILLUSTRADA

Sebastopol sâo centros militares de importancia egual a Brest


Litovski, Vilna ou Petrogrado.
Só pela occupação do caminho de ferro Czernowitz-Kolo-
mea uma contra offensiva russa na Galicia oriental podia ter
influído no decurso das principaes operações na Galicia mé-
dia e no San. Por outro lado, embora bem succedida, nao
podia ter exercido influencia immediata no seu desenvolvi-
mento. O flanco oriental dos exercitos austro-allemâes estava
em segurança.
A cadeia montanhosa dos Carpathos da Transylvania, com
os seus picos approximadamente da altura de 7.000 pés e
as suas gargantas da de 3.000 pés, formava um obstáculo
insuperável a operações rapidas e nem mesmo a conquista
pelos russos de toda a região entre o Dniester e os Carpa-
thos teria feito deter o avanço austro-allem&o sobre Lwow.

Para o inimigo, o romper a linha do Dniester era de su-


prema importancia estrategica ; se os seus exercitos tivessem
atravessado o Dniester na fronteira da Bakovina e se esta
belecessem firmemente na margem esquerda, a retirada de
pelo menos grande parte do nono exercito russo teria sido
cortada e até os outros exercitos do grupo do general Iva-
noff, que pelo meiado de maio estavam occupando a linha do
San e dos pantanos no alto Dniester, podiam ser arrastados
no desastre.
Teriam perdido o apoio quo durante os seguintes dois me-
zes tiraram do facto do rio lhes cobrir o flanco sul e que
lhes proporcionava a opportunidade de retirarem atra vez
da Galicia oriental sem soffrerem uma derrota esmaga-
dora.
Como movimento antecipando-se á offensiva do inimigo n'a-
quella região, o avanço russo executado no meiado de maio
contra o valle do Pruth deu resultado completo; foi também
um successo como operação militar. Os russos não consegui-
ram, porém, apoderar-se de Kolomea, que era indispensável
para emprego da linha do caminho de ferro do sul; apoz a
segunda queda de Przemysl o principal objectivo estrategico
do avanço estava perdido e em conformidade com o movi-
mento de retirada dos outros exercitos, no meiado de junho,
os dois corpos de cavallaria, que formavam o principal corpo
do exercito russo no valle do Pruth, recuaram para além do
Dniester.
DA GRANDE GUERRA 71

A lucta na fronte do Dniester começou a 6 de maio. No


dia 8, os russos atacaram Ottynia e no mesmo dia os austría-
cos conseguiram apoderar-se por um ataque de surpreza da
importante ponte-cabeça de Zaleszczyki. No dia seguinte fo-
ram d'ahi repellidos pelos russos, perdendo 500 homens que
foram aprisionados, tres canhões pezados, um de campanha
e muitas metralhadoras. No dia 10 os russos iniciaram a of-
fensiva em toda a linha do Dniester desde o oeste de Nicz-
viska a Uscie Biskupie, n'uma fronte de cêrca de sessenta e
quatro kilometros ; atravessaram ao mesmo tempo a fronteira
da Bukovina desde Novosielica no Pruth e avançaram para
Mahala, uma aldeia a oito kilometros a leste de Czernowitz.
A sudoeste de Uscie Biskupie uma pequena torrente cha-
mada Onut lança-se no Dniester na margem direita, proximo
da aldeia que tem o mesmo nome. E' o único affluente que
o Dniester recebe da Bukovina.
Proximo da sua foz a garganta do Dniester abre n'um es-
treito valle e o proprio rio espraia-se; um outeiro que soer-
gue proximo da aldeia de Onut tem o nome de «Kolo Bolo-
ta», que em lingua ruthenia significa «proximo do lôdo».
Esse pequeno valle foi no dia 10 de maio theatro d'um no-
tável e pôde dizer-se feito quasi único nos fastos militares.
Os cossacos do Don, tendo aberto passagem nas vedações de
arame farpado na fronte das posições fortificadas occupadas
pela infantaria do inimigo, repelliram os austríacos n'uma lu-
cta corpo a corpo d'* tres linhas de trincheiras. Pela abertura
assim formada, a cavallaria russa entrou no valle de Onut e
precipitou-se sobre a retaguarda do inimigo.
Os austríacos viram-se forçados a evacuar toda a região do
Onut. Carregando sobre as massas do inimigo em retirada, os
cossacos mataram muito» e fizeram muitos milhares de pri-
sioneiros, tomando uma bateria de metralhadoras e muitos
projectores e caixões do munições.
Na noite de 10 de maio os russos occuparam toda a mar-
gem direita do Dniester. No dia 11 os austríacos deram al-
guns contra-ataques, que foram repellidos. «N'essa operação
— diz o communicado oflicial russo de 13 de maio — as uni-
dades austríacas que dirigiam a offensiva foram repellidas
proximo de Chocimierz com grandes perdas. A nossa artilha-
ria anniquilou dois batalhões e um terceiro rendeu-se. Pro-
ximo de Horodenka o inimigo recuou pelas 7 horas da tarde
do mesmo dia e começou uma retirada desordenada. De novo
HISTORIA 1LLUSTRADA

fizemos milhares de prisioneiros, tomámos canhões e uns 50


caixões de munições.»

Horodenka é o entroncamento de seis importantes estra-


das e uma estação do caminho de ferro de Zaleszczyki-Kolo-
mea e é de facto o ponto estrategico mais importante entre
o Dniester e a fronte Kolomea-Czernowitz. Na mesma noite
os austríacos evacuaram toda a sua linha de posições desde
o rio Bystrzyca até á fronteira da Romania, na extensão de
cento e quarenta bilometros, e no dia seguinte retiraram para
o sul do Pruth.
No dia 13, os cossacos sob o commando do general Misht-
chenko entraram na cidade de Sniatvn no Pruth, a meio ca-
minho entre Kolomea e Czernowitz, a treze kilometros a nor-
deste de Kolomea. Mais a oeste apoderaram-se, no dia 14,
depois dc violenta lucta, da cidade e districto de Nadvorna
e de parte do caminho de ferro de Delatyn a Kolomea, cor-
tando assim as communicações entre o grupo de corpos de
exercito sob o commando do general von Pflanzer-Baltin e o
exercito allemão do sul commandado pelo general von Lin-
singen.
Os russos estavam também approximando se de Kolomea.
No dia 13 um regimento de reserva sob as ordens do coro-
nel Asowsky apoderou se das posições austríacas fortifica-
das proximo das aldeias de Zukow e de Jakobowka, a treze
milhas ao norte de Kolomea.
Só na fronte da cidade os austríacos puderam manter as
suas posições com auxilio de reforços trazidos por comboio
e lançando na acção as suas ultimás reservas, compostas de
sapadores e ató de destacamentos que ainda estavam em for-
mação;
Nos seis dias que vSo de vi a 14 de maio, os russos fize-
ram recuar o inimigo n'uma fronte de mais de noventa e seis
kilometros n'uma distancia superior a trinta e dois kilome-
tros, tomando 20.000 prisioneiros o uma rica preza em ca-
nhões, metralhadoras e munições.

Depois do dia 1?» houve um repouso na lucta no Pruth. Só


em redor de Kolomea e de Czernowitz continuaram violen-
tos duellos de artilharia. A lucta definitiva ia dar-se a oeste
e para ella eram necessarias todas as forças disponíveis. Os
acontecimentas estavam desenrolando se d'um modo tal que
73

mesmo a posse de toda a linha ferrea do Odessa-Stanislau-


Lwow nfto poderia affectar seriamente o seu decurso.
Nos primeiros dias de junho, apoz a queda da cidade de
Stryj, os russos tiveram de abandonar as suas posições avan-
çadas no Pruth.
No dia 6, Pflanzer-Baltin restabeleceu as communicações
com von Linsingen. No dia seguinte os russos evacuaram
Kalusz e Nadvorna e no dia 9 recuaram de Obertyn, Horo-
denka, Sniatyn e Kooman.
A retirada estendeu-se também á extremidade nordeste da
Bukovina, entre Zaleszczyki,
Onut e Czernowitz. Os aus-
tríacos estavam avançando em
tres grupos, ao longo do
Dniester no norte, do Prutli
no sul e pelas montanhas no
meio contra a aldeia de Szu
braniec. Proximo d'essa al-
deia a artilharia russa infligiu
grandes perdas- ao inimigo,
mas vendo se em perigo de se-
rem envolvidos pela 42." divi-
são de infantaria da Croacia,
que estava avançando por en
tre as florestas para o Dnies-
ter, os russos recuaram a 12
de junho da Bukovina para
territorio russo.
GENERAL ITALIANO RUELLE
Entre o Uzsok e o alto
Lomnica, no districto onde o
grupo de von Szurmay e o exercito do general von Linsingen
estavam fazendo frente a parte dó nono exercito russo, a pri
meira quinzena de maio foi relativamente calma. Os princi-
paes movimentos n'essa região foram meramente complemen-
tares das mudanças de fronte que se estavam desenvolvendo
a oeste e a leste.
No dia 12 de maio o grupo de Szurmay iniciou o avanço
para o norte do desfiladeiro do Uzsok ; a queda de Sanob
obrigára os russos a evacuar as suas posições n'esse desfi-
ladeiro, assim como o avanço sobre Sambor ameaçava cor-
tar lhes a linha de retirada.
No dia 16, essas tropas atravessaram o alto Strvj proximo
74

de Turka e deixando a estrada e o caminho de ferro que se-


guem para Sambor avançaram por estradas menos importan-
tes para o celebre districto petrolífero de Schodnica, Borys-
law e Drohobycz. Occuparam os seus mais importantes cen-
tros nos dias 17 e 18.
As primeiras forças do general von Linsingen iniciaram o
avanço no mesmo dia das do general von Szurmav. As tro-
pas russas que haviam durante os quatro mezes anteriores
repellido em roda de Koziova os mais violentos ataques dos
regimentos allemâes, tiveram de retirar em ordem e conser-
varem o contacto com o resto da linba. Assim como o avan-
ço austríaco no Sambor trouxera a evacuação do Uzsok, o
avanço no Dnohobycz tornou inevitável a retirada dos rus-
sos dos dosfiladeiros do Vereczke e do Beskid. Combatendo
sempre, as forças russas, que incluíam n'aquelle districto al-
guns dos melhores regimentos finlandezes, recuaram em di-
recção da cidade de Stryj e de Bolechow.
O avanço allemâo foi rápido ao longo da estrada principal
e do caminho de ferro. No dia 18 as suas vanguardas che-
garam aos outeiros exteriores do amplo valle em cujo cen-
tro fica a cidade de Stryj. Abi, pararam por causa d'uma
linha de posiçOes fortificadas russas, que corriam em semi-
círculo concavo desde Uliczna e Holobutow a oeste até aos
outeiros em frente de Bolechow.a leste.
A posição do corpo d'exercito do conde Bothmer, que es-
tava ao sul de Stryj no valle do rio do mesmo nome, não
era das mais invejáveis. No dia 18 de maio estava occupando
no centro uma saliência de cerca de dez kilometros de com-
primento e de uns cinco kilometros de largura.
A' sua direita, o corpo d'exercito do general Hoffman es-
tava avançando vagarosamente contra a linha Bolecho\v-Do-
lina; nos estreitos valles e nos contrafortes do grupo mon-
tanhoso da Bukovina soffreu mais d'um serio revez, até
mesmo derrotas infligidas pelos russos em retirada.

Entretanto na extrema direita o exercito do general von


Linsingen e outras tropas allemãs estavam tentando balda-
damente, por um avanço pelos valles do Swica e do Lom-
nica, fazer affrouxar a pressão que os russos estavam exer-
cendo sobre o grupo de corpos d'exercito commandados pelo
general von Pflanzer-Baltin.
Só no começo de junho o exercito do general von Linsin-
DA GRANDE GUERRA 75

gen conseguiu atravessar o «Valle transversal» e pôr se, as-


sim, em contacto directo e em cooperação com os exercitos
que operavam a noroeste e sudeste.
A batalha da Galicia média terminou no dia 14 de maio
com a chegada dos exercitos austro-allemâes á linha do San.
A lucta durante as tres semanas seguintes — 14 de maio a
à de junho — pôde chamar-se a batalha de Przemysl. O ata-
que directo contra os seus fortes teve de ser adiado até á
chegada da artilharia austríaca de sitio e o tempo qtae decor-
reu foi empregado n'um movimento envolvente contra a for-
taleza por parte dos exercitos austro hungaíos.
No dia 14 d>i maio as tropas do exercito de Mackensen
occuparam Jaroslaw, um importante ponto estrategico na
margem esquerda do San, a cerca de vinte e seis kilometros
ao norte de Przemysl. No mesmo dia o quarto exercito aus-
tro húngaro chegou ao lado occidental do rio n'uma ampla
fronte entre Rudnik e Lezajsk.
Na noite de 16 de maio as forças austro allemâs occupa-
ram toda a margem esquerda do San desde Rudnik a Jaros-
law, n uma extensão de sessenta e quatro kilometros.

«Proximo de Jaroslaw —diz o communicado official russo


do dia 17 — os allemães, apesar das grandes perdas que lhe
estão sendo infligidas pela nossa artilharia, esforçam-se por
se estabelecerem na margem direita do San.»

Conseguiram n'esse dia atravessar em diversos pontos. No


dia 18 alargaram a sua occupação na margem direita do rio
entre Jaroslaw e Lezachow (na confluência do San com o
Vislok). Uma divisão allemã, composta de tropas oldenbur-
guezas e hanoverianas, chegou a Radava uo Lubaczowka ;
mais ao norte o inimigo tomou Sieniava.
_ "Ao sul de Jaroslaw — diz o communicado russo d'esse
dia — mantemo-nos em ambas as margens do rio».
Mackensen estava planeando um avanço em força da fronte
Sieniava-Jaroslaw para sudeste, contra a linha de caminho de
ferro Przemysl-Lwow. O sector entre Mosciska e Sadova
» isznia era o ponto mais vulnerável da linha russa de reti-
rada desde Przemysl; era mais facilmente accessivel pelo
lado do norte.
Entre 20 e 24 de maio a engenharia austro-allema lançou
quinze pontes sobre o San entre Jaroslaw e Sieniava, prepa-
76

rando assim o caminho para uma nova «phalange» contra as


linhas russas.
Ao sul de Przemysl o sector mais fraco da linha russa
estendia-se entre Nizankovice e os pantanos do Strwiaz e do
Dniester, a nordeste de Sambor.

«Ao sul de Przemysl — diz o communicado officíal russo


referindo-se á lucta dos dias 14 e 15 — o inimigo apenas es-
tabeleceu' contacto com a nossa cavallaria por meio de pa-
trulhas montadas».

Os dias seguintes marcam o começo d'uma das mais de-


sesperadas batalhas d'esta guerra. Cerca de quatro corpos
d'exercito austro-hungaros e um allemSo estavam concentra-
dos entre Dobromil e Sambor.
No dia 15 de maio o inimigo occupou o alto de Magiera,
da altura de cerca de 1.050 pés, e entrou na cidade de Sam-
bor.
Durante os dias seguintes as tropas austro-allemâs ten-
taram abrir caminho da fronte Novemiasto-Sambor contra
Hussakow o Krukienice. O seu objectivo era alcançarem pelo
sul o sector da linha de caminho de ferro Przemysl Lwow
contra a qual Mackensen estava avançando do norte.

«Entre Przemysl e os grandes pantanos do Dniester —


diz o communicado de Petrogrado do dia 18 — as massas
do inimigo que nos atacaram chegaram em muitos sitios ás
vedações de arame farpado das nossas defezas, mas foram
anniquiladas pelo nosso fogo. Comtudo, á custa de enormes
sacrifícios, o inimigo conseguiu tomar as trincheiras de dois
dos nossos batalhões.»

Essas trincheiras proximo de Hussakow foram retomadas


pelos russos no dia seguinte (17 de maio). A ofFensiva foi
porém, retomada pelos austríacos no dia 18 e no dia 19 atra-
vessaram a linha Lutkow-Jacwiengi-Rio-Strwiar e avança-
ram até quasi a dez kilometros de Mosciska.
A 21 de maio as tropas austríacas haviam tomado as prin-
cipaes defezas russas n'aquella regi&o e as forças russas em
Przemysl eram seriamente ameaçadas de terem a linha de
retirada para Grodek cortada pelo avanço concêntrico do
inimigo contra Mosciska de norte para sul
DA GRANDE GUERRA 77

Uma contra offensiva russa começou ao longo de toda a


linha no dia 21 de maio. O seu objectivo era, nâo salvar
Przemysl, mas tornar possivel a evacuação da fortaleza.
Przemysl não podia ser mantida; a maior parte dos seus
fortes haviam sido destruídos pelos austríacos antes de se te-
rem rendido. Os que tinham ficado eram de valor bem conhe-
cido do inimigo.
As novas fortificações construídas pelos russos não podiam
comparar-se em força com as que os austríacos haviam feito
durante muitos annos. A linha mais favorável para a defeza
de Przemysl contra o avanço austro-allemào teria sido a ca-
deia de fortes e-sterior, ao longo de parte da qual o primeiro
exercito russo sitiante tinha batido as tentativas dos austría-
cos para soccorrerem a fortaleza.

Essa cadeia de fortes não estava, porém, completa, e os


russos, ao que parece, nâo estavam também em força suffi-
ciente para a guarnecer. Por esse motivo, a fortaleza de
Przemysl não podia resistir á artilharia pezada austro-allemã.
O defendel-a era apenas para retardar o avanço do inimigo,
mas nào devia a isso sacrificar-se a sua guarnição. Preciso
era conservar intacta a linha de retirada.
A contra-offensiva russa de 21 a 25 de maio foi planeada
como um movimento envolvente contra os sitiantes de Prze-
mysl. Os russos tentaram, de norte e de nordeste, cortar as
linhas de communicação das forças austro allemãs que haviam
atravessado o San entre os rios Tanewe Szklo. No extremo
norte, na parte entre o San e o Vistula, os russos avança-
ram da linha Tarnobrzeg-Grebow-Rozvadow na direcção sul
e tomaram as cidades de Nisko o Ulanow e as aldeias de
Krawce, Przyszow e Novosielce.
Avançaram simultaneamente de leste contra o San entre
Rudnik e Sieniava e chegaram a kilometro e meio de Radava.
Em quasi toda a linha do San, ao norte da sua confluência
com o Lubaczowka, forçaram as forças austro-allemãs a re-
cuar para a margem esquerda do rio e tomaram muitos ca-
nhões e prisioneiros. O ponto culminante d'esse avanço ioi
attingido no dia 27 de maio, quando o 3.° corpo caucasiano,
sob o commando do general Irpianoff, tomou Sieniava, fa-
zendo cerca de 7.000 prisioneiros e apoderando se de seis
canhões pezados e d'outras tantas peças de campanha.
Esse corpo fazia parte do terceiro exercito russo do gene-

ral Radko DmitriefF, tomára parte em toda a retirada do Du-


najec e por diversas vezes antes d'esse dia tinha sido dado
como «anniquilado» nos commuuicados allemães.

Km face da artilharia superior do inimigo, os russos nao


puderam atravessar o San e o avanço austro-allemSo ao norte
de Przemysl continuou. A 24 de maio, Mackensen retomou
a onensiva. Contendo os russos entre Rudnik e Sieniava, ao
longo do San, e servindo se do Lubaczowka para cobrir o
seu flanco esquerdo, avançou vigorosamente para leste de
Jaroslaw.
No mesmo dia as suas tropas apoderaram-se de Drohoiow,
Jstrow, Vysocko, \ ietlin e Makovisko e approximaram-se
pelo nordeste da estação de caminho de ferro de Bobro-\vka.
Os austro-hungaros, sob o commando do general Arz von
Mraussenberg, occuparam a cidade de Radymno e obrigaram
os russos a recuar para além do San ; o movimento envol-
vente contra Przemysl foi assim completado pelo sul de Sz-
klo.
A 25 de maio as tropas austro húngaras atravessaram o
San em frente de Radymno e tomaram a ponte-cabeça de
Zagrod} na margem direita ; no dia seguinte apoderaram-se
da aldeia de Nienovice, a uns seis kilometros e meio mais a
leste, o do alto de Horodysko, que se ergue entre os valles
ao V isnia e do Szklo, a meio caminho de Radymno e Kra-
koviec; entretanto, ao norte d'ellas as tropas de Mackensen
alcançaram entre o Lubaczowka e o Szklo a linha Zapalow-
korzenica-Laszki-Lazy, a cerca de dezeseis kilometros a
leste de Jaroslaw, e tomaram a cota 241, o ponto estrategico
mais importante n'aquella baixa e pantanosa planície.
Jurante os dias seguintes uma violenta lucta continuou
com resultados vários na linha Tuchla-Kalnikow-Naklo-Ba-
i \cz. A aldeia de fsaklo fica entre o San e o Visznia apenas
a oito kilometros ao norte de Medyka, uma estação da prin-
cipal linha de caminho de ferro, a' meio caminho entre Prze-
mysl e Mosciska.
Ao sul de Naklo ergue se um outeiro que tem d'altura650
pés. Contra esse outeiro o inimigo estava agora dirigindo os
seus ataques. A sua tomada exporia ao fogo da sua artilha-
ria a única linha russa de retirada de Przemysl.

Ao sul d essa fortaleza a contra-offensivs russa tentou en-


79

volver as tropas austríacas que, proximo de Hussakow, se


haviam approximado não só de Przemysl, mas da estação do
caminho de ferro Przemysl Grodek-Lwow.
A chegada de grandes reforços fez com que os russos pu-
dessem infligir um cheque no avanço austríaco em quasi toda
essa região, excepto nas proximidades de Hussakow.
O communicado official russo do dia 24 diz a tal respeito;
«A offensiva que iniciámos no dia 22 continua ao longo da
margem esquerda do Dniester e desenvolveu-se hontem com
grande êxito, apesar dos contra-ataques do inimigo. Tomá-
mos, depois d'um combate, a nova e a velha aldeias de Bur-
czyce, assim como as de Iszochnikow e Holobova e parte
da de Ostrova.»
%
N'esse dia, os russos tomaram 2.200 prisioneiros, muitas
metralhadoras e grande quantidade de munições. No dia se-
guinte, rápidos progressos foram feitos na direcção de Bur-
czyce ; a 24 le maio o avanço teve de parar.
Na linha Krukienice-Mosciska os russos continuavam offe-
recendo grande resistencia ao avanço do inimigo nas alturas
do pequeno rio Blozewka, mas os ataques austríacos contra
as posições russas em redor de Hussakow augmentavam de
violência dià a dia.
A aldeia de Hussakow fica no valle do pequeno rio Bucbta,
a uns cinco ou seis kilometros a leste do forte Siedliska, que
defende pelo lado sul a linha do caminho de ferro Przemysl-
Mosciska-Lwow. Esse forte é um dos da cadeia exterior de
Przemysl.
A evacuação da fortaleza não podia sor retardada por mais
tempo principalmente desde que ataques directos contra os
seus fortes eram dados do oeste nos últimos dias de maio
pelos canhSes pezados austríacos e allemâes.
A offensiva russa com successo contra o San, ao norte do
Lubaczowka e na margem esquerda do Dniester, não tivera
influencia alguma directa nas posições em redor do Przemysl.
No fim de maio apenas uma zona da extensão d'uns dezeseis
kilometros, correndo a lesto de Przemysl e Mosciska para
Grodek, separava o sexto corpo do exercito austro-hungaro
e a Guarda Prussiana que estavam entre o San e o Viszaia
das tropas do general von der Marwitz e do terceiro exer-
cito austro-hungaro em redor de Hussakow.
Excepto por aquella aberta a leste, a fortaleza estava cer-
HISTORIA LLUSTRADA

cada por todos os lados pelo inimigo e no dia 30 de maio até


a linha forrea Przemysl-Grodek. perto de Medyka, ficou ex-
posta ao fogo das baterias austríacas.
A 17 de maio, Przemysl havia sido investida por tres la-
dos. -
Os bavaros, sob o commando do general Kneussl, que oc-
cupavam a fronte norte, haviam conseguido trazer algumas
«howitzers» Krupp de 21 cm e estavam bombardeando as
posições russas em redor
de Mackovice,e Kozienice,
abrindo caminho para os
fortes de Dunkoviczk, que
dominam a estrada e o ca-
minho de ferro de Prze
mysl a Radymuo.
O decimo corpo d'exer-
cito austro-hungaro, que
se approximara da forta-
leza investida pelo lado de
Krasiczyo, tentára a prin-
cipio um golpe dç mão con-
tra as suas fortificações
exteriores, mas, repellido
com grandes perdas, per-
maneceu na fronte dos for-
tes e das obras de defeza
de Pralkovice, Lipnik,He
licha o Grochovec e das si-
tas em redor da montanha
Tatarowka ; a sua linha
juntava se a nordeste de
Przemysl, proximo do for.
te de Lentvnia, ás posi- WILLIAMS c. R.
ções dos bavaros.
Ocommandante russo de Przemysl, o general Artamanoff,
havia reconstruído alguns dos velhos fortes austríacos e ar-
tilhára-os com «howitzers» de 21 cm.,sendo simultaneamen.
te feitas outras obras accessorias de defesa. Os austríacos ha*
viam apenas trazido «howitzers» de 15 cm. e tiveram de es-
perar pelas suas baterias de 30,5 cm. antes de poderem ini-
ciar o ataque a Przemysl, embora essa fortaleza fôsse agora
apenas uma sombra do que era antes de ser tomada pelos
DA GRANDE GUERRA 8t

russos a 22 de março. Os canhões de 30,5 cm. chegaram no


dia 25 de maio e o ataque começou no dia 30, servindo-se o
inimigo das obras feitas pelos russos, quando estes eram os
sitiantes e que não haviam tido tempo de destruir ao recolhe-
■á fortaleza.

No dia 30, os bavaros tomaram as posições russas proxi-


mo de Crzechove, que cobre o sector norte da fileira exte-
rior de fortes em rodor do
Przemyls. No mesmo dia
um violento bombardea-
mento começou e ataques
de infantaria foram dados
contra a fronte norte e
nordeste da fortaleza, que
se estendia do rio San,
acima de Przemvsl, a oes-
te, á estrada de Przemysl-
Iladymno. Para falar te-
chnicamcnto, os ataques
de 30 de maio foram diri-
gidos principalmente con-
tra a fronte delimitada pe-
la linha dos fortes 7 a 11.
O forte numero 7 fica
dentro da reintrancia que
o San forma a leste de
Przemysl. Ao sul d'ella,
na margem do rio fica a
aldeia de Ostrow, a leste
estende se a elevação da
cota 241, fechando a gar- general italiano g\rioni
ganta da reintrancia do rio.
Esse forte fórma na fieira oxterior de fortalezas a chave
do sector do valle do San occupado por Przemysl. Contra
elle uma tentativa foi feita pelas tropas austriacàs, que pa-
rece terem avançado atravez do San do oeste para sudoeste,
tendo-se primeiro concentrado atraz das densas florestas que
cobrem aquella região.
O communicado official russo de 1 de junho diz a tal res-
peito :
«Durante a noite de 30 para 31 de maio, o inimigo con-
VOL. VIII . FOI.. 6
8í HISTORIA ILLUSTRADA

seguiu approximar se a 200 passos e em alguns pontos pe-


netrar no recinto do forte numero 7, em redor do qual se
travou obstinada lucta até á tarde de 31, em que consegui-
mos repellil o depois de lhe infligir enormes perdas. O que
restava do inimigo que havia penetrado no forte, em nume-
ro de 23 officiaes e 600 homens, foi aprisionado,»

No dia 31 os bavaros concentraram de novo o fogo das


suas baterias pecadas contra os fortes em redor de Dunko-
viczki (números 10a, lia e 11). O bombardeamento conti-
nuou até ás 4 horas da tarde, hora a que o fogo cessou, e a
infantaria do inimigo, composta de um regimento prussiano,
um austríaco e alguns bavaros, tentou tomar de assalto os-
fortes, que estavam transformados em meras ruinas.
A sua guarnição, dizimada polo bombardeamento, não pou-
de resistir por muito tempo e recuou para além da estrada
que corre por detraz da fieira exterior dos fortes em roda
de Przemysl. No mesmo dia, o 10.° corpo d'exercito austro
húngaro iniciou o ataque contra os fortes, a sudoeste, de
Pralkovice o de Lipnik.
A 1 de junho as tropas allemâs de Mackensen tomaram
duas trincheiras a leste do iorte numero 11, embora regas-
sem com o seu sangue cada metro de terreno conquistado.
Entretanto as baterias pezadas dirigiam o fogo contra os for-
tes números 10 e 12. A brecha na fieira exterior dos fortes
havia alargado e esses dois ioram escolhidos para os ata-
ques do dia seguinte.

Ao meio dia de 2, o 22.° regimento de infantaria bavara


tomou o forte numero 10 o á noito os Granadeiros da Guar-
da Prussiana occuparam o numero 12. Na noite d esse «lia. o
inimigo entrou na aldeia de Zuravica, que fica a dentro da
fieira dos fortes. As tropas austríacas haviam no entretante
rompido para sudoeste o na tarde de 2 de junho occupaiam
a Zasanie — traduzindo á lettra «a par e além do San» —
na margem esquerda do rio.
Nos dias seguintes os russos foram evacuando a fortaleza
e a única parto que guarneceram com forças consideráveis ioi
a que cobria directamente a sua linha de retirada para Gro-
dek o Lwow. Durante a noite de 2 para 3 de junho os bar-
ros e os austríacos entraram na cidade de Przemysl. A nar-
rativa semiofficial, enviada pela agencia Wolff, exalça o fa-
da grande guerra

cto de ter sido o 3.° regimento de Guardas a pé o primeiro

■illomâes Da ° 0 ue as tro as
^ P austríacas «seguiram» os
No se comprehende bem que auxilio um pequeno corpo da
• uarda I russiana pudesse prestar a enormes massas de aus-
tríacos, húngaros e bavaros na tomada de Przemysl, como a
descripçao da entrada na conquistada fortaleza parece que-
rer pôr em relevo.
A queda de Przemysl nao se teria dado se nao fura a
enorme superioridade da artilharia austro allema e a grande
concentração .ias suas tropas, que romperam as defezas na
linha Dunajec Biala. E a queda de Przemysl arrastava n3o
so a de Lwow, mas a de Varsóvia e de Ivangorod.
Ima retirada atravez da Galicia oriental para a linha do
an
bavia entrado nos últimos annos em grande parte nos
p anos estratégicos russos para o caso d'uma guerra contra
as potencias centraes, assim como o abandono da Polonia oc-
cidental.
A linha \ istula San-Dniester de Thorn ao norte até Cho-
cim a sudeste é forte e ininterrupta, correndo atravez das
planícies polacas e galicianas, entre a linha do Oder e os
arpathos a oeste e a sul, e a linha do Niemen e do Bug a
nordeste d'esta

A declaração da guerra austro italiana a 23 de maio foi


seguida de uma nova concentração de exercitos austro-hun-
garos na Galicia e de certas mudanças nos commandos dos
exércitos. Os generaes Danki, e Borojevic von Bojna foram
transferidos para a fronteira italiana. Dankl tinha estado
commandando apenas um exercito de metade do effectivo
normal; as suas tropas estavam unidas com o exercito alle-
mao do general Woyrsch, em conjuncçao com as quaes ti-
nham estado combatendo no ultimo meio anno. Em maio, co
mo se sabe, estavam em força considerável. *
O general Kõvess von Kòvesshasa, que antes da guerra
commandára o 12.° corpo d'exercito austro húngaro e du-
jaute o mez de maio estivera á frente de certos regimentos
ínngaros incluídos no exercito do general Woyrsch, parece
ter sido collocado no commando de todas as forças austro-
húngaras incluídas n'esse exercito.
O general Borojevin von Bojna foi transferido para a fronte
italiana, devido provavelmente á grande experiencia da /uer-
84 HISTORIA ILLUSTRADA

ral em montanhas que havia adquirido durante o meio anno


de lucta nos Carpathos.
E' impossível dizer quantos homens do seu exercito ellc le-
vou com sigo para o sul. Uma coisa é certa: que nenhuma
nova concentração de forças foi feita até á queda de lr;e-
mysl. O communicado official austro-hungaro de 25 de maio
fala em um «Exercito Puhallo» ; é evidente, da sua posição,
que eia o exercito do general Borojevic sob um novo com-
inando. Depois da queda d'aquella fortaleza esse exercito pa-
rece, porém, ter soffrido mudanças. Parte foi provavelmente
transferida para a fronte italiana ; outras partes foram distri-
buídas pelos outros exercitos austro-húngaros e allemaes, re-
tirados para a fronte do sul ou para preencher as grandes
perdas soffridas durante a campanha da Galicia.

Assim o 10.° corpo d'exercito austro-hungaro, que na Ga-


licia havia sempre avançado na ala esquerda do terceiro exer-
cito sob o commando do Borojevic, proximo da ala direita do
undécimo exercito allemSo de Mackensen, apparece no come-
ço de julho proximo de Krasnik. isto é, em conjuncçao com
o quarto exercito austro húngaro sob o commando do archi
duque José Fernando. ■ .
Outras partes do terceiro exercito parece terem sido incluí-
das no do Mackensen e de Boehm-Ermolli ; por exemplo, o
corpo allem&o commandado pelo general von der Marwitz
formou durante a batalha de Lwow parte do segundo exercito
austro-hungaro. A composição do «Exercito Puhallo» nao é
bem conhecida.
Na mesma occasião, emquanto no norte os reconstruídos lor-
tes de Przemysl estavam sendo demolidos pelos canhões pe-
zados do inimigo, uma outra posição importante, mais ao sul,
estava sendo desmoronada pelo seu fogo.
Dasde 18 de maio que as tropas allemaes estavam tratando
de alargar a estreita saliência que occuparam no valle do Stryj
contra Uliczno a oeste e Bolechow a leste. Ao mesmo tempo
estavam collocando os seus morteiros pezados e «howitzers»
em posição em frente das trincheiras russas entre Holobutow
e
Strvj. .. ,
Na' manha de 31 de maio o fogo rompeu contra ellas e de-
pois d'algumas horas do bombardeamento pouco restava das
efezas que milhares de austríacos e allomães haviam, antes,
ntado baldadamente tomar d'assalto. A conquista final das
DA GRANDE GUERRA 85

posições russas proximo de Holobutow íoi effectuada pela 38.3


divisão de «honvéd» húngara sob o commando de Barthaldy,
a quem o commandante allemão, o conde Bothmer, deixou a
parte mais difficil. Foi «seguida» pelos allemães, invertendo
assim a combinação que fôra feita para a entrada triumphal
em Przemysl, pelo que a descripçSo da entrada nfio apparece
no relatorio da agencia Wolff.

A queda de Stryi tornou inevitável a retirada de toda a


linha russa para o Dniestjer. Passo a passo, os russos recua-
ram para o norte ; a sua retirada ficará memorável na his-
toria militar, porque, emquanto retiravam, iam aprisionando
milhares do inimigo «perseguidor».
Retiraram para além do Dniester, mas continuaram a man-
ter as pontes-cabeçHs e outros pontos estratégicos que podi-
am ser mantidos ao sul do rio, sem perturbar excessivamente
a symetria da sua linha.
Com a queda de Przemysl e Stryj encerrou se a segunda
phase da offensiva austro-allemã. A terceira pôde dizer-se
que foi a batalha de Lwow e estendeu-se desde 3 a 22 de
junho, dia da retomada da capital da Galicia pelos austríacos.
O plano estrategico respeitante a essa terceira phase da
offensiva austro-allemã pôde explanar-se em poucas linhas.
O melhor meio de esmagar os exercitos russos em retirada
teria sido um ataque de flanco pelo sul. Uma passagem co-
roada de êxito do Dniester pelo inimigo teria tido desastro-
sas consequências para os russos. Os seus exercitos teriam
sido envolvidos, algumas das suas linhas de retirada corta-
das e uma dissolução de grande parte das forças em retira-
da ter se-hia seguido Todas as tentativas austro allemâs para
rom per as linhas do Dniester deram n'um fracasso.
Os russos foram recuando gradualmente a sua linha para
o Dniester de oeste para leste, cobrindo a retirada dos exer-
citos que estavam fazendo frente a oeste. E o inimigo não
poude romper as defezas do flanco sul.
A oeste de Lwow corre uma linha que pôde quasi com-
parar-se em força com a do Dniester. E* a linha dos lagos e
dos pantanos que se estende ao longo do pequeno rio Veres-
zyca ; essas posições são mais conhecidas como linha de Gro-
dek, derivado do nome da cidade que defende a sua passa-
gem mais importante. O principal ponto fraco d'essa linha
é o alcançar apenas uma pequena distancia para o norte.
86

A noroeste de Lwow, entre as cidades de Vereszyca e


liava Ruska, ha uma aberta nas suas defezas occidentaes.
Essa aberta fica a oeste-nordeste de Jaroslav. Contra ella
estava avançando o exercito do general von Mackensen.
Depois da queda de Przemysl o quarto exercito austro-
huDgaro tentou obliquar para o sul, na linha do San. Ro-
dando sobre a sua ala extrema esquerda, tentou dar ao cen-
tro e á ala direita uma posição em que fizesse face ao norte,
cobrindo assim o flanco esquerdo das forças que estavam
avançando sobre Lwow.
Era apoiado pelo menos por um corpo d'exercito — o 10.°
austro-hungaro — do antigo exercito de Borojevic. Esse corpo
avançou de Przemysl para o norte contra a linha do rioTa-
new, a fim de cobrir Mackensen, que estava avançando de
Jaroslav e Radymno contra Rava Ruska e Zolkiew, envol-
vendo assim pelo norte as defezas de Lwow.
O segundo exercito austro húngaro, sob o commando do
general von Boehm-Ermolli, avançava d'ambos os lados da
linha ferrea Przemysl-Lwow n'um ligeiro angulo recto para
o nordeste. Os exercitos dos genex-aes von Linsingen e von
Pflanzer Baltin-estavam ao sul do Dniester; o avanço do se-
gundo exercito arrastava os gradualmente para o norte, atra-
vez do rio, assim como o avanço de Mackensen de Gorlice
para Rzeszow arrastára os exercitos de Borojevic e de Boehm-
Ermolli. Provavelmente durante parte d'esse tempo estive-
ram sendo de novo agrupadas as forças e concentrado o ma-
terial com que recomeçou a campanha.

Ao norte, entre Krawce, Rozvfldow e Rudnik, os russos


estavam proseguindo vigorosamente na sua contra offensiva.
A 2 de junho romperam as linhas inimigas e apoderaram-se
d'uma importante posição fortificada na região de Rudnik,
fazendo cêrca de 4.000 prisioneiros e tomando muitos canhões
e metralhadoras.
O communicado official russo do dia 3 diz :
I
«A oeste de Rudnik anniquilámos por completo o 2.°, o
3.° e o 4.° regimentos tvrolezes».

A victoria assim alcançada continuou no dia seguinte em


direcção á aldeia de Novosielec e o inimigo foi repellido, re-
,tirando na maior desordem.
DA GRANDE GUERRA 87

O 14.° corpo d'exercito austro-hungaro recuou para as po-


sições fortificadas que se estendiam de Stany no rio Leng—
um pequeno affluente do Vistula, no qual se lança a leste de
Sandormiez — por Jata até Lentovina, estação da linha for-
rea de Rozvadow-Przevorsk ; d'ahi, as suas linhas esten-
diamse por Sarzyna para o San. Cerca de 1 000 prisionei-
ros foram feitos n'essa região no dia 4 de junho.
Os russos haviam consoguido apoderar-se d'uma terça
parte da distancia de Rozvadow ao caminho de ferro Tar-
uow Jaroslav, a linha mais importante de communicação do
exercito de Mackensen. Por causa d'esse avanço, reforços
allemães foram mandados apoiar os austríacos que retiravam.
Na noite de 3 para 4 de junho deram, da margem esquerda
do Leng, tres furiosos ataques contra o flanco, russo entre
Krawce e Burdzyn, mas foram repellidos com grandes per
das. O avanço dos russos para o sul foi, porém, detido.

Nenhum movimento importante se deu no San entre Le-


zajsk o o Lubaczowka durante a semana que se seguiu á
queda de Przemysl. Entre o Lubaczowka e o Szklo houve
lucta na linha Zapalow Korzenica. Entre o San e o Viszina
nas proximidades de Przemysl as tropas allemâs estavam
avançando da linha Pozdziacz-Medyka para a de Starzava-
Czerniava.
Ao sul do caminho de ferro Przemysl Lwow os allemSes
sob o commando do general von der Marwitz estavam seap-
proximando pelo sudoeste de Mosciska. Quão vagaroso foi o
avanço e quão obstinada a resistencia offerecida pelos russos
pôde deprehender-se do facto da cidade de Mosciska, que fica
apenas a uns dezoito kilometros a leste de Przemysl, só ter
sido alcançada pelos alleniães no dia 14 de maio.
A principal lucta durante esses dias centralisou se em re-
dor das pontes-cabeças do Dniester.
N'uma fronte de cêrca de trinta e dois kilometros, entre o
caminho de ferro Sambor Rudki e a estrada Litynia-Kolo-
druby, os pantanos do alto Dniester formam uma barreira
absolutamente intransponível a operações militares. Teem do
largura de treze a dezeseis kilometros e nem uma única es-
trada ou caminho de ferro corro atravez d'ellés.
Entre Koludrubj e Zuravno, n'uma fronte de uns quarenta
e oito kilometros de extensão, os pantanos cobrem ainda uma
certa porção de terreno d'ambos os lados do rio, que attinge
88 HISTORIA ILLUSTRADA

n'esse sector uma largura de 100 a 150 pés e uma profun-


didade de 3 a 4 pés. Em Mikolajow e Zydaczow importantes,
estradas e caminhos de ferro atravessam o rio.
Mikolajow, na margem norte do Dniester, ao sul de Lwow
— uns trinta e dois kilomotros — estava fortemente fortifi-
cada •, o terreno presta-se naturalmente á defeza.

Outeiros cobertos de densos bosques se erguem entre Mi-


kolajow o o rio a uma altura de cêrca de 1.250 pés ; domi-
nam o valle do Dniester e formam uma posição defensiva de-
veras formidável.
A ponte cabeça de Zydaczow também não offerece muito
mais possibilidades para um ataque pelo sul. As posições
russas n'aqjuella região ficam no meio de um montão de pe-
quenos rios e pantanos. Cobertas do sul pelo baixo Stryj,
pelo Dniester e pelos pantanos, as posições russas nos ou-
teiros a nordeste de Zydaczow, entre o Dniester e os lagos
de Cbodorow, eram de egual força ás defezas no Dniester.
A dezeseis kilometros a sudeste de Zydacow fica Zuravno ;
entre essa localidade e Nizniow, n'uma fronte de cêrca do
sessenta e quatro kilometros, o Dniester apresenta compara-
tivamente obstáculos naturaes menos sérios a um exercito
que tente forçar essa linha.
Difficilmente se encontra um pantano, embora as margens
sejam baixas ; só a leste de Nizniow é que começa a região
dos fundos desfiladeiros. A meio caminho entre Zuravno o
Nizniow ficaHalicz, um dos centros mais importantes da Ga-
licia e a mais importante passagem do Dniester.
A ponte de caminho de ferro, que os austríacos haviam
feito ir pelos ares antes da sua retirada em setembro de 1914,
fôra substituída por cinco pontes de madeira sobre o rio. Ha-
licz havia sido a principio fortificada pelos austríacos ; os
russos haviam accrescentado novas linhas ás suas defezas,
que corriam em semi circulo em volta d'ella, n'um raio de
mais de oito kilometros.

Zuravno offerecia aos allemSes, relativamente, mais pos


sibilidade de poderem romper as defezas russas no Dniester
e contra ella dirigiram as suas principaes forças
A 31 de maio, depois da queda de Stryj, osallemães avan-
çaram vigorosamente em direcção a Mikolajow e Zyda
czow ; o seu objectivo principal era, provavelmente, estabe-
s9

lecerem-se na margem esquerda do Dniester entre Koldruby


e Zydaczow, cobrindo assim o flanco esquerdo das tropas
que iam atacar Zuravno contra a possibilidade de um ataque
n'aquella direcção.
Parece que tinham esperança de se apoderar d'uma ou
d'outra dessas duas pon-
tes-cabeças. O communica-
do russo de 2 de junho diz :

«Entre o Tysmienica e o
Stryj, o inimigo, que ha
via ahi concentrado grande
porção de artilharia pezada
e trouxera para ahi refor-
ços, conseguiu, por meio de
violentos ataques dados
com grandes forças, alcan-
çar alguns resultados du-
rante a noite de 31 para 1».
Nos dois dias seguintes,
os russos recuaram para
as pontes cabeças do Dnies-
ter. Os ataques allemaes
contra ellas na noite de 2
para 3 de junho foram re-
pellidos com grandes per-
das e foram seguidos de
contra-ataques russos co-
roados do êxito.
O communicado do dia JOSÉ GARIBALDI
5 diz:

«No dia 3, o inimigo continuou os seus ataques contra as


nossas pontes-cabeças no Dniester entre lysmienica e o ca-
minho de ferro Stryj-Mikolajow. Durante o dia repellimo»
quatro violentos assaltos ás nossas posiçOes proximo de
Ugartsberg (a tres kilometros ao sul do Dniester), servindo-
nos da bayoneta e das granadas de mão.
No dia seguinte, pelo meio dia. em toda a fronte o inimigo
foi repellido e começou a tomar posiçSo ao longo d'uma nova
fronte fóra do alcance dos nossos canhões.
As nossas tropas, tomando a offensiva por seu turno, ata-
9o

caram o inimigo proximo de Krynica, a oito kilometros ao


sul do Dniester.»

Nos tres dias seguintes não foram dados mais ataques pelo
inimigo contra o Dniester entre a emboccadura do Tysmie-
nica e a do Stryj ; só os contra-ataques russos continuaram
na direcção de Lytinia. Os allemães proseguiram as suas
operações em redor de Mikolajow e Zydaczow a 7 dejunho,
mas dahi em deante esse sector passou a ter importancia
secundaria.
A 5 de junbo começaram os ataques allemães contra a
ponte cabeça de Zuravno ; n'esse dia occuparam a cidade na
margem direita do rio o ao sul a importante cota 247, que
domina o valle. No diu 6 as tropas austro-allemãs consegui-
ram forçar a passagem do rio e no dia 7 alargaram consi-
deravelmente as suas posições na margem norte tomando os
outeiros proximo de Novoszyn e attingindo o importante ponto
estrategico de Bukaczowce.
O relatório russo diz a tal respeito :

«Na esquerda do Dniester, proximo de Zuravno, as forças


do inimigo tinham augmentado, invadindo a floresta até ao
caminho de ferro.»

Tinham evidentemente a intenção de envolver pelo norte


as defezas da ponte Martynow-Siwka, na estrada de Iioha-
tyn a Kalusz. Se o tivessem conseguido, ter se hiam estabe-
lecido no.flanco e nas cercanias de Malicz.
A 6 de junho, as tropas que operavam na sua ala direita
haviam se posto em contacto com as de Pflanzer-Baltin e
occupado Kalusz. Tendo grandes perdas em mortos e feri-
dos, chegaram no dia 7, ao sul de Siwka, á linha Mislow-
Wojmlow-Kolodziejow.
Proximo de Siwka só n'uma emboscada morreram cêrca
de 2.000 inimigos, tendo sido os primeiros dizimados pelo
fogo das metralhadoras e os restantes a cargas de bayoneta.
O objectivo dos commandantes austro-allemães era chegar
pelo leste a Halicz e Stanislau, emquanto as forças que ha-
viam atravessado o Dniester em Zuravno deviam envolver
as posições russas ao longo do rio.
O dia 8 de junho foi de acalmia na batalha. No dia
seguinte, o avanço germânico para o norte do Dniester pa-
9l

rou momentaneamente. Depois d'uma violenta lucta, o ini-


migo foi repellido para além da linha ferrea Chodorow-Bu-
kaczowce ; muitas aldeias, entre ellas Raszewko, foram re-
tomadas pelos russos e feitos perto de 800 prisioneiros.

No dia 10 a batalha attingiu o ponto culminante. As for-


ças austro-allemãs foram repellidas para além do Dniester.
N'ess6 dia os russos tomaram 17 canhões, 49 metralhadoras,
188 officiaes e cêrca do 6.500 homens. Entre os prisioneiros
contava-se uma companhia inteira da Guarda Prussiana, o
regimento de fuzileiros. Nos tres dias, de 8 a 10 de junho,
os austro-allemães perderam 17 canhões, 78 metralhadoras,
384 officiaes e 15.431 homens.
No dia 11, os allemães repetiram o ataque contra Zura-
vno, retomaram a cidade e no dia seguinte avançaram até
uma distancia de cêrca de oito kilometros ao norte. No dia
13 chegaram a'Roguzna, aldeia a uns dezeseis kilometros ao
norte de Zuravno. Nos dias seguintes os russos conseguiram,
porém, repellil-os de novo para o Dniester.
Entretanto, mais a leste, os exercitos austro-allemães ti-
nham alcançado o rio em quasi toda a linha entre Jezupol e
Valeszczyki, forçando muitas passagens abaixo de Nizniow.
Mas isso de nada lhes serviu, porque, devido á natureza do
terreno, não conseguiram sahir d'essa zona.

No dia 16 ora evidente que a linha do Dniester podia ser


forçada em considerável extensão e n'uma fronte sufficiente
para permittir a grandes massas de tropas que iniciassem
um ataque contra o flanco russo. O ataque contra Lwow, a
dar-se, tinha do vir do oesto.
Durante a acalmia na lucta no San médio, Mackensen ef-
fectuou em roda de Jaroslav uma nova concentração de ar-
tilharia semelhante á que fizera em roda de Gorlice. Ao que
parece, havia recebido reforços em homens. Uma novaipha-
lange» estava concentrada a oeste do San, principalmente no
districto entre Piskorovice e Radymno.
A 12 de junho um violento bombardeamento foi iniciado
contra as posições russas. N'esse mesmo dia as tropas aus-
tro-allemãs atravessaram o San e occuparam Piskorovice e
Sieniava.
No dia 13, o avanço estendeu-se a toda a linha, desde o
rio Zlota até á estrada Radvmno-Javorow. Continuou no dia
HISTORIA LLUSTRADA

14. As baterias austríacas d'artilharia pezada acompanhavam


as tropas e quebravam a resistencia dos russos.
Na noite de 14 de junho o nono corpo de exercito austro-
hungaro (quarto exercito austrohungaro) estava deante de
Cieplice e todo o exercito do archiduque José Fernaudo
avançava vagarosamente do San para o rio Tanew. N'essa
mesma noite as tropas de Mackensen chegaram a uma linha
que se estendia de Obeszyce por Nova Grobla e Vielkie-
Oczy, para Krakoviec. O general von der Marwitz chegava
no em tanto a Mosciska.
A 15 de junho, Cieplice e Dachnow foram tomadas e as
forças do inimigo approximaram-se de Lubaczow, Niemirow,
Javorow e Sadova Visznia. O relatorio enviado pela agencia
Wolf no dia 16 de junho diz :

«O exercito do coronei-general von Mackensen aprisionou


desde o dia 12 de junho mais de 40.000 homens e 69 metra-
lhadoras».

E' evidente que a communicaçâo se refere a todo o grupo


de exercitos que operavam na Galicia e não apenas ao undé-
cimo exercito allemao. Assim, a 12 de junho, na linguagem
official e semi official allemã, Mackensen havia substituído
como commandante dos exercitos da Galicia o generalíssimo
austro hungaro, o archiduque Frederico.

No dia 16, as tropas austríacas do quarto exercito avan-


çaram por Maydan e Cewkow e atravessaram a fronteira
russa, na direcção norte. O exercito do Mackensen, avan-
çando entretanto com a' sua característica impetuosidade,
passára Lubaczow, Niemirow e Javorow o dirigia-se para a
linha de Rava Ruska, Magierow e Janow.
O exercito do general von Boehm-Ermolli estava avan-
çando ao longo da estrada para Grodek. Na tarde do dia 16
entrou em contacto com as retaguardas russas proximo de
Wolczuchy, a uns cinco kilometros a oeste de Grodek, e á
noite chegou ao rio Vereszyca, occupando a sua margem Oc-
cidental. Cêrca da meia noite tomou de assalto a parte Occi-
dental da cidade de Grodek.
No dia 17, o avanço do quarto exercito austro-hungaro
para o norte continuou entre o Vistula e a estrada Jaroslav-
Oleszyce Belze. No recanto acima da confluência do Vistula
DA GRANDE GUERRA 93

com o San, os russos, em harmonia com a retirada da mar-


gem direita do San, recuaram para as suas antigas posições
entre Tarnobrzeg e Nisko.
A oeste do San os austríacos occuparam n'esse dia Krzes-
zovv, Tarnogrod e Narol, estabelecendo-se em toda a linha
ao longo da fronte Taoew. Durante a lucta na semana se-
guinte o valle do Tanew serviu para cobrir o flanco norte
<los exercitos austro-allemSes que estavam avançando contra
Lwow.

O valle do baixo e médio Tanew é um grande pantano


que mede uns cincoenta e seis kilometros para leste da sua
juncçao com o San ; tem a largura de dezeseis kilometros e
é coberto de florestas.
Mesmo quando acaba o pantano, o terreno não se presta a
operações militares ; é molle e homens e cavallos enterram-
se n'elle, nâo podendo servir para transportes pezados. Ao
chegarem a essa regi&o, os austríacos occuparam-na com
pequenas forças.
Da confluência do San e do Tanew até Narol, n uma dis-
tancia de 72 kilometros, as forças austro allemâs estavam
fazendo face ao norte ; entre Narol, Raya Ruska e Magie-
row, n'uma linha de uns vinte e quatro kilometros, a fronte
estava voltada para nordeste; ao sul de Magierow, «os
outros exercitos do general von Mackensen» — no dizer do
communicado da agencia Wolff — estavam occupando a linha
■do Vereszyca ató á sua juncçâo com o Dniester.
A distancia de Magierow a Lelechow no alto Vereszyca 6
<le 16 kilometros, a da linha do Vereszyca a Kolodruby no
Dniester de quarenta e oito kilometros.
A nova linha offerecia aos russos boas posições defensi-
vas. Moitas cadeias de outeiros, elevando se alguns a 12.000
pés de altura, se estendiam entre Narol e Magierow.
A linha do Vereszyca é coberta contra um avanço de oeste
pelo rio o por pantanos e reforçada por uma cadeia de ou-
teiros cobertos de bosques que s&o, alguns d elles, mais al-
tos do que os que se estendem a oeste.
De Rava Ruska a Komarno, n'uma fronte de sessenta o
■quatro kilometros, uma furiosa batalha se deu nos dias 18 e
19 de junho e durante toda a noite. Os austríacos consegui-
ram apoderar-se d'algumas posições dos russos na fronte de
Orodek o Komarno. Com o auxilio da sua artilharia pezaii*
94

os alleimtes tinham quebrado a resistência russa ao norte e


a 20 de junho o exercito de Mackensen occupou as cidades
de Rava Ruska e de Zolkiev.
A linha do Vereszyca fôra torneada e os russos tiveram
de recuar para a fronte de Lwow.
A 21 de junho os russos concentraram-se para resistir ao
avanço do inimigo na fronte de Lwow, a capital da Galicia,
que havia estado em seu poder desde o dia 3 de setembro
de 1914. A treze kilometros ao norte da cidade occuparam
contra as tropas de Mackensen uma linha que se estendia de
Zoltance, passando por Kulikow, para os outeiros ao norte
de Brzuchovice.
A oeste e sudoeste de Lwow estavam defendendo a linha
Szczerec contra o exercito do Boehm-Ermolli ; as suas altas
margens orientaes e os seus massiços rochosos offereciam
boas posições para a defeza. A batalha em roda de Kulicow
e no Szczerec foi dada no dia 21 de junho. Durante a noite
seguinte os russos recuaram para as suas ultimas posições
em roda de Lwow, cuja evacuação havia já sido por elles
foita por completo.

A lucta mais violenta deu-se ao longo da estrada Janow-


Lwow. Ahi, n'uma estreita fronte entre a aldeia de Rzesria
e a cota 320, atravez da estrada, os russos estavam offere-
cendo a ultima resistencia ao avanço dos austríacos.
Os flancos eram cobertos por tprrentes o pantanos, tendo
sido ahi as posições construídas e fortificadas com o maior
cuidado. Ataques dados prematuramente pelo inimigo resul-
taram n'um desastre para as columnas atacantes.
Seguiu so então o habitual bombardeamento pelas baterias
de howitzara pezadas. As defezas russas foram reduzidas a
um montão de ruinas o por entre ellas a infantaria austríaca
estava avançando para leste, para Lwow. Ao mesmo tempo
o inimigo transpunha ao norte os outeiros no Mlynowka e
tomava as ultimas trincheiras russas no Lysa Gora.
Lwow — ou Lemberg çomo mais vulgarmente ó conhe-
cida — foi occupada pelo inimigo no dia 22 de junho âs 4
horas da tarde, depois da cidade ter estado durante 293 dias
em poder dos russos.
DA GRANDE GUERRA q5

CAPITULO LX1II

0 contingente canadieno em França

A narrativa da parte que a divisão conadiana tomou na


violenta lacta em St. Julien produziu uma sensação de orgu-
lho no império britannico. Os canadianos provaram ser di-
gnos do tomar logar ao lado do exercito regular da Ingla-
terra. Os laços que uniam a colonia á metropole foram es-
treitados pelo sacrifício feito pelo Dominio. «E' a suprema con
sagração do Canadá ao Império», escreveu lord Rosebery.
As exequias celebradas na catbedral de S. Paulo em Lon-
dres tiveram uma concorrência extraordinaria. ficando fora
da egreja milhares de pessoas, que haviam ali accorrido
para demonstrarem a sua sympathia e admiração pelos valo-
rosos canadianos.
No Canadá, as listas de perdas c.t usaram pezar, mas não
desanimo. Nas cidades como Toronto e Montreal, Winnieg e
Vancouver, quasi não houve familia do certa posição que
não contasse um dos seus membros mortos. Em Toronto,
por exemplo, regimentos como o 48 0 de Highlanders e os
Fuzileiros da Raiuha haviam sido recrutados nos aunos de
paz entro as grandes familias da finança, do commercio o
do funccionalismo da cidade. A Universidade, os clubs, as
casas commerciaes e os bancos estavam largamente repre-
sentados nas listas de perdas.
Houve um apaixonado orgulho de uma a outra extremi-
dad e do Dominio. A leste e a oeste, os franceses de Quebec,
os escocezes da Nova Escócia, os inglezes de Toronto e os
americanos de Alberta do Sul estavam unidos no pezar com-
mum e na gloria commum. A emoção univers. 1 encontrou
expressão não só nos discursos feitos no parlamento e em
artigos commoventes publicados pelos principaes jornaes ca-
nadianos, mas na rapida resposta da nição.
Se houve orgulho houve também cólera, cólera que o povo
canadiano sentiu ao ter conhecimento dos methodos conde-
mnaveis de guerra empregados pelo inimigo. A narrativa do
emprego de gazes venenosos pelos allemães augmentou o-
resentimento. O Canadá sentiu que havia apenas uma re»
posta a taes methodos de fazer guerra.
$6 HISTORIA ILLUSTRADA

O ministro da milicia, o general Sam Hughes, mais tarde


elevado a sir, pôz-se á frente do movimento para augmentar
as forças. O Canadá mandára no principio da guerra 30.000
homens ; agora figurava com 150 000 e ainda depois com
todos os que pudessem ser necessários.
Tinha havido 6.000 perdas canadianas na lucta. Por cada
canadiano que cahiu dez se apresentaram para o substituir.
De todas as partes do Dominio os officiaes recrutadores di-
ziam que estavam assoberbados com offertas de alistamen-
tos. A questão para o governo do Dominio era não o numero
de homens que podia levantar, mas quantos podia equipa»,
armar e manter.
No outomno de 1914 o primeiro contingente canadiano che-
gava a Salisbury Plain acompanhado pela Infantaria Ligeira
da Princeza Patrícia — um corpo especial organisado a ex-
pensas do Hamilton Gault, um rico cidadão de Montreal, c
assim denominado em honra da filha do duque de Connaugh
o governador geral.

O contingente, sob o commando do logar-tenente general


E. A. H. Alderson, passou um inverno excessivamente ri-
goroso nas cercanias de Wiltshire. A estação foi uma das
peores de que ha memoiia. Os homeus na maior parte do
tempo estavam abrigados. As estradas em roda do acampa-
mento tornaram se quasi intransitáveis. As tropas estavam
a muitos kilometros d'uma cidade e a grandes distancias
mesmo das pequenas aldeias de Wiltshire.
O regimento da Princeza Patrícia, composto na maior parte
de velhos soldados que já haviam entrado na guerra, foi o
primeiro a ir para a fronte. Chegou a França em dezembro
o foi enviado para o norte, occupando parte das trincheiras
preparadas nas linhas da retaguarda. D'ahi, no principio
do Anuo Novo, foram enviados para as trincheiras da frente.
Dois dias duma marcha fatigante, vinte e cinco kilome-
tres cada dia gastou a chegar á fronte. Apoz uma breve
pausa n uma arruinada aldeia, dirigiram-se ao longò de arrui-
nados caminhos para as trincheiras de communicação ed'ahi
para as da frente, onde renderam as tropas francezas. A
noite estava escuríssima ; chovia torrencialmente e o terreno
em todos os sitios era apenas um lençol de lodo.

Luz alguma podia ser accesa. O mais ligeiro signal de


L»A grande guerra

vida trazia immediatamente uma bala do lado dos allemães.


Granadas-estrellas partiam das linhas allemãs a intervallos,
illuminaudo todas as obras de defeza. Os homens ouviam os
allemães, na sua frente, separados d'elles por uma pequena
distancia, deitando a agua fóra das suas trincheiras.
Apenas um homem deitava uma das mãos fóra das trin-
cheiras, immediatamente sobre elle faziam fogo. Parecia que
08^^ co^he^^

dada ordem aos cana- contra-almirante enrico mala


dianos para os repellir.
Dois officiaes, os tenentes Crabbe e Colquhoun, foram fa-
zer um reconhecimento á meia noite e nâo voltaram. O avan-
ço era coberto por um partido de atiradores especiaes e se-
guido por um grupo de soldados lança bombas commauda-
dos pelo tenente Papineau. Ao chegarem a uns vinte metros
das trincheiras inimigas, dirigiram se em linha recta para as
linhas allemãs. O tenente Papineau procedeu de tal modo
que mereceu uma distincçao especial. Esse official era des-
cendente do chefe dos rebeldes de 1837.

O trabalho do regimento da princeza Patrícia nas semanas


VOL VIII FOL 7
98 HISTORIA ILLUSTRADA

seguintes foi prosaico, monotono e difficil. Muitos officiaes


foram alvejados pelos atiradores especiaes, feridos por gra-
nadas de mão ou mortos em ataques ás trincheiras inimigas.
O capitão Newton, que fizera parte do estado maior do du-
que de Connaught, foi um dos primeiros a ser morto.
Seguiu-se-lhe o capitão Fitzgerald, official que em poucas
semanas havia conquistado o enthusiastico amor e admiração
dos seus homens. Foi morto ao tentar trazer para as trin-
cheiras um dos seus homens feridos, que havia cahido em
frente d'ellas, embora conhecesse que a tentativa lhe podia
custar a vida «Era um heroe e teve o fim d'um heroe*, dis-
seram os seus soldados.
O coronel Farquhar, commandante do regimento, foi tam-
bém morto. O major Hamilton Grault, o organisador do re-
gimento, foi ferido, seguiu para a Inglaterra, restabeleceu se
e voltou para a fronte, onde muis uma vez foi ferido grave-
mente, decorridas poucas semanas.
A esse tempo de lucta ininterrupta nas trincheiras, a força
do regimento, que era de 1.500 homens, estava reduzida a
menos de metade.
A 18 d'abril os canadianos estavam acampados em Ypres
quando os allemàes começaram bombardeando a cidade com
os seus canhões pezados. Rapidamente abandonaram o acam-
pamento para irem para os campos. O bombardeamento con-
tinuou diariamente, mas attingiu o auge no dia 22, quando a
cidade foi em grande parte destruída pelas granadas. O re-
gimento dirigiu-se para um bosque a alguma distancia ao sul
e ao oeste das trincheiras então occupadas pela restante di-
visão canadiana.
Os allemàes fizeram todos os esforços por os cortar nesse
ponto da fronte canadiana. O commandante que succedera ao
coronel Farquhar, o tenente coronel Buller, foi ferido a ò de
maio, e o major Gault, que chegára n'esse dia, depois de
restabelecido do primeiro ferimento, assumiu o commando.
Nos dias 6 e 7 de maio o bombardeamento allemâo das li-
nhas tornou-se muito mais intenso.

Na noite de 7, a chamada mostrou que a força do regi-


mento estava reduzido a 635 homens. Pelas quatro horas e
meia da manha os allemàes fizeram cahir algumas granadas
nas linhas, seguindo se logo depois um bombardeamento in-
tenso.
DA GRANDE GUERRA
99

Lntre setenta a oitenta canhões alleinâes pezados concen-


traram um fogo de granadas explosivas e de gazes asphy-
xiantes sobre o sector occupado pelo regimento da Princeza
I atricia. Pelas seis horas da manhã todas as ligações tele.
phonicas com o quartel general da brigada e com as trin-
cheiras estavam cortadas e grandes massas de tropas alie
mãs se viam avançando tranquillamente, esperando a oppor-
tunidade de se arrojarem contra a fronte dos alliados.
Um avanço n'esse ponto daria azo a que os allemães exe-
cutassem um movimento para a fronte, perigoso para a linha
que os inglezes guarneciam.
A artilharia allemã fazia fogo sobre o regimento de diver-
sos sitios. As trincheiras eram inúteis como protecção. A ar-
tilharia britaunica não podia replicar. Nada mais tinha o re-
gimento da Princeza Patrícia a fazer ali do queconservar-se
nas suas linhas, esperar e soffrer. Todos os homens validos
toram chamados ás trincheiras. Os allemães, suppondo que
o seu bombardeamento tinha dado resultado, deram um as-
salto. ;
Os canadianos que haviam ficado vivos avançaram contra
elles e repelliram nos, o que não impediu que os allemãps
ainda se pudessem apoderar d'algumas metralhadoras.
Do quartel general foi ordenada uma retirada, em virtude
da^ posição ser desesperada. O major Gault, quando estava
animando os seus homens e dando-lhes o exemplo da cora-
gem e do sangue frio, foi attingido pelos estilhaços d'uma
granada e gravemente ferido no braço esquerdo e no tronco.
Havia muitos feridos e mortos na trincheira. O commanio
íoi assumido pelo tenente Niven.
O fogo allemão redobrou de intensidade. A artilharia pe-
zada apoiara a de campanha. Parecia que toda a linha ia ser
anniquilada. A's nove horas o fogo diminuiu de violoncia
e a infantaria ailemã de novo tentou tomar a posição de as
salto.
Os homens que restavam do regimento da Princeza Patrí-
cia bateram se valentemente e com fuzilaria e metralhadoras
conseguiram repellir os assaltantes mais uma vez, pelo que
o bombardeamento recomeçou, estando dentro em pouco as
metralhadoras enterradas no meio dos escombros causados
pelas granadas. Com uma tenacidade digna do admiração, os
homens que estavam illesos tornavam a montar as que não
haviam sido destruídas e a servir se d'ellas. Uma foi três ve
100 HISTORIA ILLUSTRADA

zes desenterrada e posta em acção, até que anta granada a>


destruiu.

O combate durou desde o romper do dia até á> tarde. Lo-


iro ao começo, apenas restavam quatro officiaea illesos, to-
dos elles tenentes. Pelo meio dia, as munições estavam quasi
exgotadas. Meia hora depois, quando a lucta era ainda des-
esperada, um destacamento da Brigada de Fuzileiros foi re-
forçar os combatentes. Trazia esse destacamento uma se
cção de metralhadoras o os dois regimentos formaram nWa
só fronte. . .
Mais tarde um destacamento da Shropshire Infantaria Li-
geira do Rei chegou, trazendo vinte caixões de munições para
a infantaria. A provisão veiu na devida ahura, porque as
munições estavam exgotadas.
Mal haviam as desmanteladas linhas sido refeitas quando
os allemSes deram um terceiro ataque. Foi o mais violento
de todos, chegando alguns dos assaltantes a penetrar em pon-
tos onde homens do regimento da Princeza Patrícia haviam

Eram, porém, poucos e foram facilmente repellidos, tendo


egual sorte os seus camaradas, devido ao fogo das linhas
inglezas.
A's 10 horas da noite, os dois otticiaes que restavam,
tenentes Niven e Papineau, fizeram a chamada. Apenas cento
e eincoenta homens e alguns maqueiros responderam á cha-
mada N'essa mesma noite o batalhão foi rendido pelos Reaes
Fuzileiros do Rei. Antes de retirar, o regimento da Princeza
Patrícia, auxiliado por homens dos outros regimentos, junta-
ram, tanto quanto foi possível, os corpos dos seus mortos.
A testemunha ocular canadiana, sir Max Aitken, n uma elo-
quente communicaçâo, diz a tal respeito :

«Além das arruinadas trincheiras, á luz dos projectores


allemSes e entre o incessante crepitar da fuzilaria, os que
vinham rendei os e os rendidos combináram prestar a ultima
homenagem que um soldado pôde prestar a outro.
«Por detraz das brechas escancaradas das trincheiras, de
cabeça descoberta, tudo o que restava do regimento se^ con-
servou firme emquanto o tenente Niven, hasteando firme-
mente a bandeira do regimento da Princeza Patrícia, batida,
ensanguentada, mas ainda intacta, dizia em voz alta tudo o
101

que lhe lembrava do officio que a egreja ingleza reza pelos


mortos.
cMuito tempo ainda depois d'ossa solemne cerimonia ter
terminado o batalhão ficou mergulhado em fundo silencio,
não podendo, ao que parecia, abandonar os seus camaradas
até que o coronel do 3.° Reaes Fuzileiros do Rei lhes orde-
nou que retirassem. Então, sob o commando do tenente Pa-
pineau retiraram, na força de cêrca de 150 homens, para as
trincheiras de reserva».

O primeiro contingente canadiano esteve na Inglaterra até


fevereiro de 1915. As maiores precauções foram tomadas
para a viagem para França ser feita com toda a segurança.
Sabia-se que os allemães se estavam preparando, empre-
gando todos os esforços, para torpedear os transportes. O
contingente soube que ia ser mandado para o acampamento
além de Rouen e d'ahi, apoz o competente treino, para a
fronte.
Os regimentos sahiram de Salisbury Plain uma noite, co-
mo se fôssem para uma marcha militar. Mas, em vez de vol-
tarem, dirigiram-so para um ponto da costa occidental. Os
transportes fizeram um grande rodeio e emquanto os subma-
rinos allemães, rodando em volta do Havre, aguardavam a
sua preza, os navios que levavam as tropas, navegando em
pleno Atlântico, davam uma volta e fizeram o desembarque
na bahia de Biscaya. Alguns dos transportes levaram qua-
tro ou cinco dias n'uma travessia que em linha recta podia
ser feita em poucas horas. Todo o contingente chegou a são
e salvo.
Ao desembarcarem em França, os canadianos tiveram
uma agradavel surpreza. Não tiveram de esperar em acam-
pamentos-bases. Enormes pilhas do agasalhos haviam sido
accumuladas proximo do caes. Cada companhia parava junto
de uma d'ellas e os homens eram providos dos agasalhos
necessários. Foram depois conduzidos directamente para
comboios que os levaram atravez da França para a Flan-
dres.

Na Inglaterra haviam sido muito discutidas as qualidades


combativas dos canadianos. Tinha havido muitas queixas
ácfirca da sua falta de disciplina. Quantos resistiriam á vida
das trincheiras da fronte ? Os tácticos, os que conheciam
i02 ' HISTORIA ILLUSTRADA

bem as suas qualidades, não tinham duvida alguma ácêrca


do que seria a resposta, e a sua confiança foi immediata-
mente justificada.
A apparencia physica, o equipamento e a disciplina dos
canadianos quando chegaram ás linhas britannicas na Flan-
dres causaram geral admiração. Toda a sua organisaçâo mi-
litar, tanto de administração como de transportes, estava
magnificamente montada.
Uma única parte do seu equipamento levantava criticai :
a espingarda. O contingente estava armado como a espin-
garda Ross, arma feita no Canadá.
Annos antes houvera grande questão entre as auctorida-
des inglezas e as canadianas, julgando se no Canadá que a
Inglaterra tentava rejeitar essa arma por ella ser fabricada
fóra do Reino Unido. Velhos soldados que examinaram os
canadianos expressaram receios de que a espingarda Ross,
uma das melhores armas de repetição em tempo de paz, fôs-
se demasiado fina para o tumulto da guerra.
Em breve se verificou que assim era e as auctoridades
britannicas substituíram o armamento canadiano pela espin-
garda ingleza.
Muita gente em França suppunha que o contingente se
compunha em grande proporção de indios vermelhos, caça-
dores das florestas e guardadores do rebanhos ou «cowboys»
como em Inglaterra e na America se lhes chama Conhece-
ram a verdade depois dos artigos que afamados escriptores
francezes escreveram apoz a sua visita ás linhas canadianas.
Mauricio Barrès, por exemplo, fez uma descripção encan-
tadora com os dados que lhe havia fornecido um soldado ín-
dio vermelho que acabava de morrer, como o ultimo dos Mo-
hicanos, pela honra do seu povo, e as choupanas construídas
pelos índios na Flandres trouxeram-lhe á mente as aldeias
dos indios americanos dos velhos tempos.
A maior parte dos membros do primeiro contigente cana-
diano eram mancebos inglezes que haviam vivido durante al-
gum tempo no Canadá ; apenas muito poucos descendiam de
indios americanos e eram homens que viviam em condiçOes
europeias. Muitos dos soldados vinham das cidades : empre-
gados bancarios, ferro viários, empregados públicos e de
commercio. Quasi todos os officiaes, antes de rebentar a guer-
ra, eram empregados no commercio, na finança ou de profis-
sões liberaes.
DA GRANDE GUERRA

Havia, é certo, uma certa proporção de caçadores e de


mineiros nas fileiras Em breve os caçadores mostraram a
mesma habilidade que tinham ao apanhar animaes, caçando
agora os allemães. Os mancebos do Canadá, descendentes
de inglezes ou de canadianos, os' descendentes dos francezes
de Quebec ou os dos fazendeiros do Oeste, mostraram ter um
vigor e uma fertilidade de recursos pouco vulgar.
A população do Canadá tem uma vida ao ar livro. Lm
muitos logares ha caça de variada especie ao alcance até dos
mancebos dos mais modestos meios de fortuna. As florestas
do Canadá Oriental e de Rockies fornecem opportunidade pa-
ra uma vida que para muitos homens da Europa seria ím-
!
O ar estimulante das charnecas do norte dá uma grande
vitalidade. . t ,
Os canadianos são uma raça sóbria e que se alimenta bem;
ingerem menos álcool do que qualquer outra parte do povo
britannico, com excepção talvez dos neo zelandezes ; a po-
breza como ha nos grandes centros da Europa é ali muito
rara e os filhos dos camponezos teem abundancia de alimen-
tação sã. -t J
A vida do povo é extremamente simples. Nas grandes ci-
dades, especialmente em Toronto, grande parte das classes
dirigentes pregam contra o que é baixo, miserável e indigno,
levando atraz do si uma grande corrente de opinião publica.

Quando o contingente canadiano chegou ás linhas inglezas


em breve se manifestaram as qualidades que acabamos de
citar. O physico dos soldados era assumpto de commentanos
«■eraes Egíialmente notáveis se tornaram os recursos de que
eram dotados. Foi lhes dado um certo tempo para prepara
ção, sondo mandados para as trincheiras com as companhias
inglezas, a fim de aprenderem o modo especial do ahi se lu-
Ctar.
Uma camaradagem intima se estabeleceu em breve entre
elles e os regimentos inglezes, camaradagem que se estrei-
tou cada vez mais. O soldado inglez do exercito regular ou-
vira dizer, com certo despeito, que os soldados canadianos
recebiam quasi cinco shillings por dia, ao passo que elle re-
cebia um ou dois pence. O soldado canadiano esperava en-
contrar no soldado inglez apenas um automato. Em breve
descobriram um e outro o que realmente valiam.
HISTORIA ILLUSTRADA

«Pensei cem vezes mais no Toinmy — nome por que é co-


gnominado o soldado inglez — do que o tinha feito até então
— escreveu um canadiano.— Os poucos dias que passei nas
trincheiras com um regimento britannico foram uma revela-
ção para mim».
Um outro mancebo escrevia a seus paes, residentes em
Toronto :
tO Tommy inglez é esplendido E' cheio dastucia para o
inimigo, conhece toda a especie de emboscada, não ha meio
de o illudir e é um combatente de primeira ordem. Foi uma
revelação para mim vêr o que elle é realmente.»
Vô se d'aqui que ambos os soldados se julgavam mal o
que o contacto que entre elles se estabeleceu os levoú a co-
nhecerem se melhor.
Sir John French escreveu no dia 3 de março ao duque de
Connaught:

«As tropas canadianas chegaram á fronte e desejo commu-


nicar a vossa alteza que causaram a maior impressão em to-
dos nós. Passei-lhes cuidadosa revista apoz uma semana d'a-
qui estarem e fiquei muito bem impressionado pela magnifica
apparencia dos homens.
Depois de duas ou tres semanas de treino preliminar nas
trincheiras, occuparam agora a sua linha própria e tenho a
maior confiança na sua capacidade para fazerem bom ser-
viço.»

Essa impressão favoravel causada pelos homens encontrou


echo em todos os peritos militares. Os soldados canadianos
distinguiram se desde principio pelo seu elevado espirito, pe-
la sua enthusiastica energia e pela sua resolução.
As relações entre os oíficiaes e os homens canadianos pa-
reciam extraordinariamente livres e difficeis de manter em
exercitos europeus. Uns e outros muitas vezes, nas trinchei-
ras, tinham uma certas liberdades que pareciam estranhas
aos habituados a uma severa disciplina. Mas ha a attender
que, na vida particular, o simples soldado occupa muitas ve-
zes tão boa posição como o seu capitão. Mas essa liberdade
não impedia que se mantivessem a boa disciplina e a maior
obediencia. Ao contrario.
Uma única difterença havia entre oíficiaes e soldados no
campo de batalha, difierença que dificilmente se encontra
DA GRANDE GUERRA lo5

nos exercitos continentaes : a emulação de qual d'elles ha-


via de occupar o logar mais perigoso. «Os nossos officiaes
tomam-nos sempre a deanteira», dizem os soldados canadia-
nos. li» contam como um coronel avançou á fronte dos seus
homens, levando apenas uma bengala na mfto, n'uma das
mais desesperadas cargas da guerra.
Conta-se ainda, que um outro official, quando estava sendo
curado peto seu impedido e que o fogo sobre elles concentra-
do parecia ir reduzil-os a migalhas, acendeu socegadamente
o seu cigarro e passou o
ao soldado que estava ao ^ :> ,
seu lado, para este tirar /
uma fumaça. E como es-
tas muitas outras historias
se narram.
Em Festubert, um ca-
pitão ia á frente dos seus
homens, os quaes só po-
diam seguir em fila india-
na. Ao chegarem ao pon
to mais perigoso,o official
encarregado de dirigir os
soldados lança-bombas
adeantou se apressada
mente, dizendo:
— Peço-lhe desculpa,
capitão, mas os soldados
lança bombas são sempre marco RA
os primeiros.
E antes que o official o mandasse recuar, correu para a
frente.
Tpl é o typo do soldado canadiano.
r,— >
Quando carregavam o inimigo soltavam toda a especie de
gritos, até lhes ser ordenado silencio. «Quando carregava-
mos contra a eminencia no bosque occupado pelos allemães
além de St Julien — conta um soldado —alguns berravam,
outros guinchavam,fazendo um barulho tal que podia ser ou-
vido á distancia de oito a nove kilometros. Durante um'mo-
mento chegou a não ouvir-se o troar da artilharia.»
L ma outra qualidade dos canadianos que attrahiu muito as
attenções foi os recursos de que eram dotados. Muitos solda-
,o6 HISTORIA ILLUSTRADA

dos haviam sido caçadores no oeste, outros mineiros. Alguns


estavam fr.miliarisados com todas as emboscadas dos bos-
ques. Eram ferteis em disfarces, desenvolviam recursos de que
ao vêl os se não suspeitariam capazes e attrahiam o inimigo,
por meio de ardis, á sua fronte.
Os lança bombas canadianos e os atiradores ou caçadores
especiaes em breve alcançaram uma grande reputação, e bem
merecida, entre as forças alliadas.
Antes do primeiro contingente sahir de Inglaterra houve
alguns receios dequeelle, sendo espalhado pelas ditferentes di-
visOes britannicas, perdesse as caracteriscas que o distinguiam.
As auctoridades britannicas, porém, não procederam assim.
A divisão ficou unida e o geaoral Alderson continuou no
commando na Flandres, como commandára em Salisbury
Plain. O objectivo do governo canadiano era ter o mais cedo
possível um éorpo d'exercito seu na fronte, com reservas
adequadas em Inglaterra.
O general Alderson logo nos primeiros dias em que che-
gou a Salisbury Plain conquistou o respeito e a estima dos
canadianos. Na Flandres, ainda conseguiu mais do que isso.
«Alderson é um ser humano e não um automato militar» —
escreveu um joven canadiano aos seus amigos que haviam fi-
cado na sua patria.
Alderson não tentou acabar com a liberdade que havia en-
tre officiaes e soldados. Mostrou que, sabendo-a utilisar, se
podia transformar n'uma força. Falava aos soldados como
de homem para homem.

Antes d'elles irem pela primeira vez para as trincheiras,


disse-lhes como o seu antigo regimento—o Royai West Kent,
que estava em França desde o começo da guerra não per-
dera ainda uma trincheira.
«O exercito diz: «O West Kent nunca recua». Tenho or-
gulho n'essa proeza do meu antigo regimento. E agradeço-
lhe esse valor. Agora, pertenço-lhes e os senhores pertencem-
me ; por isso, desejo que o exercito diga: «Os canadianos
nunca recuam». Os allemães, assim o espero, nunca os farão
recuar.»
Um general que sabia assim ferir esta nota, dirigindo se
a homens como os canadianos, tinha a certeza de que seria
apoiado enthusiasticamente.
A 1 de março a divisão canadiana tomou mais de 6 a 7 mil
DA GRANDE GUERRA

metros de trincheiras. O trabalho da divisão durante as sema-


nas que se seguiram foi principalmente de provações. Os al-
lemães não atacaram, mas o fogo foi ininterrupto dos dois
lados.
A primeira divisão canadiana tomou parte em quatro com-
bates principaes durante a primavara e o verão de 191Ó. O
primeiro foi o avanço sobre Neuve Chapelle. Seguiu-se a se-
gunda batalha de Ypres, quando a divisão salvou a linha de
retirada dos argelinos e dos turcos depois de terem sido ata
cados com as nuvens de gazes asphvxiantes e resistirem aos
desesperados e quasi ininterruptos ataques das tropas alie*
mfls quasi duraite tres semanas.

Os canadianos tiveram parte importante no combate de Fes


tubert, em maio, fazendo um brilhante avanço nos dias 20 e
21 e apoderando se de muitas trincheiras do inimigo. Tiveram
também larga parte na acção de 15 de junho em Givenchy.
Desde o meado de junho até ao principio do outomno, occu-
param uma secção de trincheiras.
Quasi se não pôde fazer distincção entre as tropas, pois
todas se portaram esplendidamente. 0 1." batalhão dos Fu-
zileiros de Winnipeg mereceu especial distincção na segunda
, batalha de Ypres por se ter sustentado firmemente nas suas
trincheiras apezar de contra elle serem arremessadas gran-
des nuvens de gaz
A esse tempo ainda os soldados não estavam providos de
apparelhos proprios para evitar os efleitos deleterios dos ga-
zes. Instinctivamente, as tropas do Winnipeg transformaram
os cachenez de que estavam providas em respiradores e fi-
caram firmes nas suas trincheiras.
A 2.® brigada de infantaria, os Canadianos Occidentaes,
sob o commando do brigadeiro general Currie, portaram se
esplendidamente em Ypres. Estava collocada n'um sitio ex-
tremamente perigoso. Manteve-se nas trincheirss até estas se-
rem arrazadas pelo fogo allemão, retirando os que ficaram
vivos em boa ordem.
Os regimentos Highland mantiveram a antiga reputação dos
escocezes. Entre os seus maiores feitos deve mencionar-se a
carga dos Escocezes Canadianos sob o commando do tenen-
te coronel Leckie e do 10.° batalhão sob o do tenente coro-
nel Boyle em Ypres, quando romperam as linhas allomâs,
retomando os canhões que haviam perdido.
HISTORIA ILLllSTRADA

A violoncia da lucta em que os canadianos entraram pô-


de avaliar se pelas perdas soffridas. Um caso typico se pôde
citar —o do Regimento Britannico da Columbia. Iodos os
officiaes d'esse regimento que vieram com as primeiras tropas
do Canadá foram mortos ou feridos antes do outomno de
.1915 e apenas dois dos feridos puderam voltar para o regi-
ineuto. n i-
A cavallaria canadiana (os lteaes Dragões Canadianos,
Cavalleiros de Lord Strathcona e o 2.° de Cavalleiros do Kei
Eduardo) formou uma brigada antes da primeira divisão sa-
hir de Inglaterra e foi collocada sob o cominando do general
Seely, que fôra secretario do ministério da guerra inglez.
Quasi logo depois do primeiro contingente canadiano ter
sahido de Salisbury Plain para a fronte, começou a chegar o
segundo. O commando d'essa divisão emquanto esteve em
Inglaterra foi dado a um distincto soldado canadiano — o ge-
neral Sam Steele — soldado cujo activo militar remonta aos
dias da expedição ao iíio Vermelho e que era uma figura
muito conhecida na vida canadiana.

N'esse contingente as universidades canadianas estavam


largamente representadas. A Brigada de metralhadoras Ea-
ton, sssim denominada em homenagem a sir John Eaton, de
Toronto,que contribuiu com cem contos de réis, era uma uni-
dade valiosa quanto á organisaçâo e equipamento.
Houvera verdadeira emulação entre as differentes provín-
cias e as grandes cidades do Canadá para qual d ellas se fa-
ria melhor representar o o resultado era em tudo digno d es-
sa colonia ingleza.
CAPITULO LXlV

As batalhas de áQbert e de Festnbert

De manha cedo, no dia 9 de maio, as tropas inglezas que


defendiam Ypres das investidas dos allemáes ouviram um
terrível canhoneio ao sul do Lys. Esse canhoneio indicava o
começo da lucta para a posse da elevação de Aubers, esten-
dendo-se parte da grande offensiva franco-britannica desde o
sul de Armentières até ao norte de Arras.
No dia 14 d'esse mez appareceu a narrativa do correspon-
dente militar do Times, que havia estado no quartel general,
DA GRANDE GUERRA 109

na qual se dizia que a falta de provisão de granadas em pro-


fusão fôra fatal para impedir o pleno successo da tentativa
inglezaem se apoderar das eminencias que dominavam Lille,
as quaes, se tivessem sido occupadas pelos alliados, torna-
riam insustentável a posição dos allemâes em La Bassée.
Cinco dias depois, mr. Asquith annunciava a creação do
ministério das munições e no dia 25 de maio era publicada a
lista dos membros do novo gabinete inglez. A 16 de junho
Lloyd George era nomeado ministro das muniçOes.
A batalha de Aubers marca uma phase importante na
historia da guerra e merece, tanto por isso, como pela sua
própria importancia, ser descripta pormenorisadamente. Em-
bora as forças britannicas não alcançassem completo êxito,
nem por isso as perdas soffridas na elevação de Aubers dei-
xaram de ser grandes. Os ataques dirigidos por sir Douglas
Haig obrigaram oprincipe real da Baviera a concentrar gran-
de parte das suas forças utilisaveis e de artilharia ao norte
da saliência de La Bassée, d'onde proveiu os allemâes não
terem a força sufticiente para resistir ao avanço de Joffre da
região de Arras para Lens.

La Bassée, a ponta da saliência, era cercada por diversas


obras de fortificação cuidadosamente preparadas pelos alle-
mâes. Um ataque directo não podia ser nem por um mo-
mento sequer encarado como viável por qualquer dos com-
mandantes, que não consideravam a sua infantaria como mera
carne para canhão. Mas um avanço desde o Lys para a ele-
vação, que ficando perto do forte Englos, a uns seis kilome-
tros e meio a oeste de Lille, corro em direcção sudoeste para
Aubers, a tres kilometros pouco mais ou menos a leste de
Neuve Chapelle, e termina abruptamente na elevação deno-
minada Haut Pommereau, um avanço atravez d'essa eleva-
ção e d'ahi por uma estreita faixa de terreno para outra ele-
vação que segue a estrada de Lille por Fournes para La
Bassée, se fôsse coroado de êxito, tornearia a posição dos
allemâes e obrigal-os-hia a evacuar La Bassée e os seus ar-
redores.
Um avanço semelhante havia sido feito, com pleno êxito,
pelos inglezes nas primeiras tres semanas de outubro de
1914. Haviam tomado Neuve Chapelle, atravessado a pri-
meira elevação e o baixo terreno e occupado Le Pilly, a ki-
lometro e meio de Fournes, na orla da segunda elevação.
I 10 HlbTORIA 1LLUSTRALM

Mas o coutra-ataque allemâo, apoiado por grandes massas


de homens e numerosa artilharia, havia os feito recuar de
Le Pilly, desalojára-os da elevação Aubers FromellesRadin-
ghem e repellira os de Neuve Chapelle.
A batalha de Neuve Chapelle em março de 1915 tinha dado
occasiâo a sir John French poder tomar a sua segunda offen-
siva a fim de assegurar a posse d'essas elevações.
Desde outubro que os alleinâes estavam entrincheirando
as suas linhas desde Lille até La Bassée. Estavam-nas agora
reforçando com magnificas vedações de arame farpado e com
metralhadoras d'um grande poder de resistencia. As lições
tiradas do bombardeamento a que o inimigo fôra sujeito em
Neuve Chapelle tinham por elle sido aproveitadas.
Fundas trincheiras, reforçadas com cimento, e galerias
subterrâneas haviam sido construídas para abrigar as guar-
nições que as defendiam. Canhões pezados, collocados nos
outeiros a sudeste, proximo de Pont à-Vendin, podiam cobrir
os inglezes de granadas, se elles tentassem tomar as eminên-
cias. ,

Ypres era protegida pelo segundo exercito inglez, sob o


• commando de sir Herbert Plumer, guarnecendo o terceiro
corpo Armentières.
Sir Douglas Haig tinha a seu cargo com o primeiro exer-
cito tomar os entrincheiramentos e reductos da ala direita do
príncipe real Ruprecht.

O quarto corpo, segundo o plano de sir John French, de-


via atacar as trincheiras allemãs e os reductos nas cercanias
de Rouges Banes a noroeste de Fronielles, o corpo indiano
e o primeiro corpo deviam tomar as da planície do sopé da
elevação de Aubers entre Neuve Chapelle e Givenchy e em
seguida as alturas.
A' meia noite de 8 para 9 de maio as ruas de Bóthune,
para além da extrema direita do primeiro exercito, estavam
cheias de tropas. De Béthune até em redor de Armentières
as estradas e os caminhos que conduziam ás trincheiras in-
glezas iam apinhados de homens em marcha e de material
- de guerra.
Os soldados sabiam que iam travar um d'esses combates
que no tempo de Napoleão seriam considerados uma grande
batalha, mas que na actual guerra eram apenas meros inci-
DA GRANDE GUERRA

dentes. Estava determinado que, como em Neuve Chapelle, a


acção começasse por um bombardeamento das linhas inimi-
gas
\
A's 3 horas e meia da manhã havia luz sufficiente para os
artilheiros poderem avistar o alvo. Os canhões pezados e de
campanha entraram em acção.
Os artilheiros apontavam para os parapeitos das trinchei-
ras allemãs. Cêrca das 4 horas e meia o fogo cessou por com-
pleto. A não ser a passagem dos aeroplanos, cujos motores
faziam ruido, nada havia que perturbasse a attenção dos sol-
dados que esperavam. Os aeroplanos estavam encarregados
de informar os artilheiros e, como na batalha de Neuve Cha-
pelle, de bombardear durante o dia as estações e as pontes
— por exemplo, a ponte canal proximo 'de Don pela qual
reforços allemães estavam cm movimento ou prestes a atra-
vessada.
A manhã estava clara. A' direita ficavam Cuinchy, com
as suas obras de tijolo e as ruinas do que outr'ora fôra (3i-
venchy. Arvores e palliçadas occultavam as trincheiras no ter-
reno baixo, mas no ar elevavam se a eminencia de Aubers e
as silhuetas das aldeias que a coroavam. O fogo em redor de
Ypres cessára momentaneamente. Aqui e ali um official tirana
o relogio e via as horas com impaciência.

De súbito, ás 5 horas da manhã, os canhões abriram fogo


um a um primeiro, mas deutro em pouco o troar era ininter-
rupto. O ar era fendido pelas granadas explosivas que o atra-
vessavam silvando, a terra resaltava quando ellas attingiam
o alvo, o horisonte em breve foi obscurecido por uma -nuvem
de fumo e de pó. Era como se uma longa rua de casas a dis-
tancia tivesse sido bombardeada e incendiada.
Pouco antes das seis horas, ordem foi dada ás tropas iu-
glezas para avançarem. Ao norte de Fromelles, batalhões do
quarto corpo puzeram-se em movimento para as trincheiras
avançadas allemãs. Fazendo fogo de fuzilaria, approximaram-
se da primeira linha, arremessando então as suas granadas
de mão para as posições do inimigo, repellindo os defensores
á bayoneta e varrendo tudo na sua frente.
A's 6,17', do sul, além da elevação, um troar longínquo fez
saber que os francezes haviam iniciado o seu avanço ao sul
de La Bassée.
Enthusiasmados pelo seu succosso, os homens do quarto
HISTORIA ILLUSTRADA

corpo continuaram avançando. Viam Lillo na sua fronte. O


premio que não haviam podido obter em Neuve Chapelle pa-
recia agora estar proximo a cahir-lhes nas mãos. Chegaram
proximo de Haubordin, nm suburbio da cidade.
Mas n'esse momento grandes massas de allemães desem-
bocaram de Lille e contra-atacaram e, como o centro aliem ao
estava ainda intacto, foi dada ordem de retirada. Finalmente
as tropas recuaram, voltando de quando em quando a fazer
fogo ou a carregar, para
-.-rTrTC..-.-f-nir7-rT deter o inimigo que as
^' perseguia.

Entretanto os indios e
o primeiro corpo, avan-
çando da linha Neuve
Chapelle-Festubert, ti-
nham alcançado pleno
successo. Os Pathans e os
Gurkhas haviam occupa-
do o bosque na fronte da
Fromelles : as aldeias de
Fromelles e Aubers e a
primeira linha de trin-
cheiras allemães na ele-
vação Aubers tinham si-
do tomadas.
Mas a segunda linha
de trincheiras não havia
sido bombardeada suffi-
bakÃo von macchio cientemente pela artilha-
ria e quando as tropas vi-
ctoriosas de novo avançavam contra ellas, os allemães sahi-
ram dos seus esconderijos e com fuzilaria o baterias de me-
tralhadoras fizeram recuar as forças atacantes. As metralha-
doras eram, como de costume, o mais formidável obstáculo
ao avanço dos inglezes. O fogo varreu o terreno, inflligindo
grande numero de perdas aos atacantes. Tanto os indios co-
mo os inglezes esforçavam-se cada vez mais por se approxi-
marem do inimigo.
Se a coragem e a iniciativa individuaes fôssem o sufliciento
para alcançar a victoria, Lille teria n'essa tarde ficado var-
rida de inimigos. Em ambos os extremos do campo de bata-
DA GRANDE GUERRA 113

lha os soldados inglezes estavam praticando verdadeiras proe-


zas. Proximo de Kouges Banes o tenente O. K. Parker, do
2.° batalhão do regimento de Northampton, que durante a
lucta. demonstrou extraordinaria coragem e resolução, antes
<lo ataque ser dado fez um ousado reconhecimento ao longo
da fronte allemâ.
Sob um fogo terrível o segupdo tenente H. M. Stanford,
da Real Artilharia de Campanha, imperturbavelmente proce-
deu a reparações das linhas telephonicas. O sargento F. W.
Sheperd da l.1 do 13."

tragos causados pela ba


teria que estava dirigin- almirante viale
do.
No terreno da lncta, o cabo Charles Sharpe commandava
um grupo de soldados lança-bombas e varreu cincoenta me-
tros de trincheiras. Os seus companheiros foram mortos ou
feridos, mas com quatro homens atacou e tomou uma outra
trincheira, da extensão de duzentos e quarenta metros.
Um outro cabo, James Upton, do 1.° batalhão de Sher-
wood Foresters, mostrou a maior coragem soccorrendo os fe-
ridos.

N um ponto a linha deixou de avançar. O segundo tenente


VOL. vm ' FOI,, 8
114 HISTORIA ILLUSTRADA

Nevile West, do 2.° Real Regimento Berks — o uncio official


sobrevivente — pôz-se á sua frente e o ataque continuou.
Foi ferido e cahiu por terra. Levantando-se, avançou, para
d'ahi a pouco tornar a cahir segunda vez ferido.
Ao sul de Neuve Chapelle egualmente acções heróicas ti-
nham sido ou estavam sendo praticadas. Na noite do dia 8,
na rua do Bosque, o segundo tenente John Millar, do 1."
Black Watch, fizera um reconhecimento a uma trincheira
allema e cortára as vedações na frente.
No dia seguinte, sob um fogo intenso, estabelecera com-
municação pof meio de bandeiras com os signaleiros inglezes
que haviam chegado ao parapeito allemão Um official do mes-
mo batalhão, John Ripley, foi o primeiro a subir ao para-
peito inimigo. Permanecendo ahi, indicava aos que o seguiam
os pontos nas vedações das trincheiras allemães que haviam
sido cortados
Depois, levando a sua secção para a segunda linha de trin-
cheiras do inimigo, com sete ou oito homens entrincheirou-
se d'ambos os lados e começou a fazer um fogo terrível até
ser ferido gravemente e todos os seus camaradas terem
cahido. #
Como estes, muitos outros exemplos de heroísmo se podem
citar. Daremos um ultimo. Os homens de uma metralhado-
ra tomaram duas metralhadoras allemãs o voltaram-nas con-
tra o inimigo. Durante algum tempo estiveram sósinhos n'uma
trincheira, defendendo até ao fim as metralhadoras, que ha-
viam tomado. Foram vencidos pelo numero e mortos.

Era impossível avançar.


Atraz das linhas inglezas estavam as reservas esperando
para entrar em acção. Mas sir Douglas Haig, informado da
força da segunda linha allemã, resolveu desistir da lucta.
A noticia da victoria frnaceza em Carency, onde as defe-
zas allemãs haviam sido demolidas e as suas posições toma-
das. tinha-lhe sido dada. Obrigando o inimigo a conservar
tão grandes massav ao norte de La Bassée, havia contribuí-
do materialmente para a victoria franceza e, com a segunda
batalha de Ypres ainda indecisa, teria sido loucura correr
riscos desnecessários.
Ordens foram, por isso, dadas para as tropas deixarem dfr
avançar. Toda a noite os feridos foram retirados da eleva-
ção de Aubers. Os mortos insepultos ficaram ali aos milhares-
DA GRANDE GUERRA u5

Na manha do dia 10, o quarto e o primeiro corpos inglezes


e o indiano voltaram ás soas antigas posições e sir Douglas
Haig resolveu que o melhor era approximar-se da elevação do
Aubers só pela fronte de Nouve Chapelle-Givenchy. Sir John
French approvou esse plano, deliberando, porém, que o novo
assalto não seria dado sem uma poderosa e resoluta prepara-
ção da artilharia.
A 7," divisão, parte do quarto corpo, devia pôr-se em mo-
vimento circular para apoiar a oflensiva na noite de 12 de
maio. O tempo, porém, só permittiu que esse movimento co-
çasse no dia 15.
Durante os dias que decorreram nâo cessou o duello de
artilharia. Para assegurar o successo de sir Douglas Haig,
no dia escolhido para o ataque sir John French pôz a divi-
são canadiana sob as suas ordens. Os canadianos estavam
repostos dos effeitos dos gazes asphyxiantes e das suas per-
das na segunda batalha de Ypres, que terminára. Estavam
cheios de furor contra o desleal inimigo e anciosos por po-
derem castigai o. Nâo puderam acompanhar o primeiro
avanço, mas estavam destinados a prestar mais tarde o mais
valioso auxilio aos seus camaradas britannicos.

No dia 15 de maio, quando amanheceu tudo estava n'uma


espectativa anciosa, porque se sabia que um ataque ia ser
dado depois do nascer do sol. O correspondente militar do
Timeg dá-nos as seguintes impressões d'esse dia:
«No sabbado de manhã visitei o districto de Ypres e achei
tudo socegado apoz os furiosos bombardeamentos dos dias
anteriores. As cossas tropas haviam soflrido muito por nâo
poderem reduzir ao silencio os canhões allemâes de calibre
superior a 12 pollegadas. Mas ás nossas tropas nâo faltava
animo; a infantaria allemâ nâo as podia deter e apezar das
nossas perdas parecia nâo haver perigo immediato serio does-
se lado.
«Uma vista ao longo do resto da linha até á região de
Laventie deu-me a impressão de que acção alguma hostil es-
tava imminente e passei — confiando em que não seriamos
perturbados n'aquella noite por uma offensiva allemâ — para
a aldeia de La Couture, de onde se podia vêr bem a parte
da fronte allemâ que havia sido escolhida para o ataque da
noite.
«Essa aldeia havia soffrido muito. A maior parte dos ha.
, ,6 HISTORIA ILLUSTRADA

bitantes havia fugido. A egreja, o campanário e a aldeia ti-


nham signaes de devastação. Mas os estragos causados pelas
nossas granadas nas linhas allemas eram ainda maiores. Dos
nossos canhões e «howitzers» um fogo bem dirigido e inten-
so havia durado toda a tarde o mesmo durante a noite. Esse
fogo arrasára algus postos fortificados e algumas trinchei-
ras allemas. Quebrára as vedações n'alguns yontos, o que
mostrava a sua efficacia.
«Como se disse, a bateria pezada que estava na direita á
retaguarda do meu posto de observação, estava fazendo
fogo com grande precisão e, em geral, o effeito do fogo pa-
recia bom, embora se nâo pudesse dizer que ora dominador.
«De tarde, sir John French veiu visitar as tropas e foi
recebido com enthusiasticas acclamaçòes. Dirigiu-lhes, a to
dos, algumas palavras cheias de calor e animadoras. Nin-
guém melhor do que elle sabe ferir a nota n'um appello aos
soldados e teve o prazer de vêr quanto os homens deseja-
vam combater, quanta confiança tinham nos seus comman-
dantes e com quanta ancia esperavam que soasse a hora do
ataque.
«Os planos do estado maior estavam bem feitos. Iodos
os movimentos tiveram logar depois de escurecer e foi em
absoluto silencio que as varias unidades sahiram dos seus
acampamentos e tomaram gradualmente o seu posto nos lo-
gares marcados.
«A noite estava escura, não muito, embora nâo houvesse
lua. O vento era fraco e o tempo quente.»

Tudo estava prompto. A engenharia com grande risco ti-


nha estado cortando as vedações na própria fronte ingleza e
preparado o caminho para os seus proprios camaradas. Os
oficiaes tinham mappas feitos pelas photographias tiradas dos
aeroplanos. As negativas, obtidas em circumstancias arrisca-
das pelos operadores aereos, revelavam aos militares as po-
sições allemas. Essas photographias assemelhavam-se um
tanto ou quanto ás tiradas, pelos telescopios, da superfície
da lua. . > •
As alturas dos obstáculos, a profundidade das trincheiras
e dos diques só podiam calcular se. Os homens estavam pre-
parando as suas espingardas e as suas bayonetas.

«Atraz das linhas — escreve uma testemunha ocular —


DA GRANDE GUERRA 117

vi um capellão preparando os homens de combate para o


graude assalto. Estava a uma pequena meza coberta d'uma
toalha de linho alvíssima e com castiçaes de prata. Officiaes
e soldados paravam e ajoelhavam deante da meza e rece-
biam a communhão antes de entrarem na lucta»

A trincheiras estavam a trasbordar. Os indios estavam


á esquerda, a 2.a divisão do primeiro corpo no centro e, á
direita, a 7.* divisão do quarto corpo. O ataque devia ser
dado da secção da fronte ingleza que de Richeboug St. Vaast
segue a estrada conhecida pelo nome de Rua do Bosque e
corre dahi ao sul d'essa estrada até chegar ao casal de La
Quinque Rue. D'aqui, a linha continuava para o sul, passan-
do em frente das ruínas de Festubert, que deu o nome á
batalha.
Os indios e a 2.* divisão deviam atacar as trincheiras al-
lemãs, favorecidas pela escuridão, a 7.* divisão devia atacar
ao romper d'alva.
Isa extrema direita, ao sul do outeiro, em cujo cume ha-
via a egreja e as casas de La Bassée, corria uma planície
cuja monotonia era quebrada pelas chaminés das fabricas e
pelas boccas dos poços d'uma região mineira.
As trincheiras que punham em communicação o exercito
francez que havia tomado Carency com o primeiro exercito
inglez podiam vêr-se a distancia. A' esquerda de La Bassée
um pequeno montão de minas indicava Festubert.
D ahi até Neuve Chapelle o terreno era coberto de diques
cheios de lodo e de agua, dois dos quaes haviam sido atra-
vessados pelos inglezes.
Alguns massiços de olmos e salgueiros offereciam um pe-
queno abrigo natural ao inimigo. Entre élles e em grupos
de herdades, tcottages» e casas isoladas estavam escondidas
muitas das suas metralhadoras.
A principal força de lefeza estava, porém, em tres linhas
de trincheiras preparadas pelos allemães atravez dos campos
e dos prados que, n'alguns sitios, estavam cobertos de agua,
augmentando assim as difficuldades para os assaltantes.
Baixos reductos e obras defensivas correndo da fronte até
á retaguarda dividiam as linhas allemãs em sectores, cada um
dos quaes podia ser defendido independentemente, e todos
os esforços haviam sido empregados para fazer d'essas obras
uma barreira inexpugnável. Formidável, realmente, era o
1,8 HISTORIA ILLUSTRADA

obstáculo que havia entre os inglezes e o seu objectivo, a


elevação de Aubers.

O sol desapparecera finalmente no horisonte e os homens


esperavam traquillamente o signal. Fazendo frente aos in-
glezes e indios estava o 7.° corpo prussiano, recrutado nas
regiões industriaes e mineiras da Westphalia. Os 57.°, 56.°
o 54.° regimentos de infantaria e o 24.° de sapadores esta-
vam nas trincheiras. D'esses regimentos o 57.° perdeu só em
dois dias 2.400 homens dos 3.000 que tinha.
Os allemites estavam alerta. Brados de «Venham, estamos
preparados», haviam sido ouvidos durante a tarde.
A's 11 horas e meia da noite, a ordem para atacar foi da-
da. Quando os inglezes sahiam das trincheiras, o céu foi il-
luminado pela luz de grandes projectores sahida das trinchei-
ras inimigas. Tentavam assim os allem&es vêr bem a onda
das tropas inglezas.
O crepitar da fuzilaria e das metralhadoras foi intenso. Os
homens cabiam sobre os parapeitos, cabiam nas fileiras, mas
avançavam com a maior bravura. Os indios continuavam a
avançar para Richebourg l'Avoué.
Ao sul dos indios avançava a 2.a divisão. A sua esquerda
apoderou-se da primeira linha de trincheiras e deteve se a
fim de se pôr em contacto com os indios. O centro o a di-
reita penetraram na segunda linha de trincheiras allemâs,
apoderando se de cêrca de 800 metros de fronte e de cêrca
de 600 de profundidade.
Um official que estava n'esse sector do campo de batalha
relata do seguinte modo alguns incidentos da lucta:

«Na nossa vizinhança immediata o ataque dava se n'uma


fronte de cerca de oitocentos metros, emquanto á direita e á
esquerda outras divisões estavam egualmente atacando. Aqui
os regimentos atacantes eram o Worcesters, o Fuzileiros
Reaes Inniskilling, o 60.° do Reaes Fuzileiros do Rei e o Re-
gimento do Rei de Liverpool. Pouco depois das dez horas ao
longo d'essa fronte havia quatro linhas de homens que esta-
vam em fronte aberta, tendo atraz de si muitos outros para
os apoiarom.
«A's 11 e meia, na escuridão, preparavam-se todos simul-
taneamente para o ataque. No maior silencio, avançaram co-
mo para um passeio. Apenas se tinham posto em movimento
DA GRANDE GUERRA "9
f

um projector das trincheiras allemás lançou um jacto de luz.


Ao que parece, descobriu-nos, porque outros projectores lan-
haram novos feixes de luz ; então uma saraivada de balas
cahiu sobre as tropas que avançavam e que se lançaram á
carga. O crepitar da fuzilaria e das metralhadoras era inin-
terrupto.
«Por qualquer motivo, maior opposiçâo foi encontrada na
«squerda da nossa linha pelos Worcesters elnniskillings. Os
Fuzileiros Reaes e os do Rei á direita em breve tomaram a
sua trincheira e avançaram contra a segunda linha. A' es
querda, embora dizimados pela saraivada que sobre elles ca-
hia, os Worcesters e Inniskilling avançaram valorosamente.
Grande numero de homens cahiu, e os Worcesters nâo pu-
deram executar a tarefa que lhes fôra commettida, mas os
Irlandezes avançaram de linha em linha e após terriveis per-
das em homens e officiaes conseguiram apoderar-se de uma
secção de trincheiras e avançaram para a segunda linha, de
que se apoderaram egualmento apezar de sobre elles conti-
nuarem a chover as balas.
«Ao romper do dia os regimentos que haviam sido bem
succedidos juntaram-se e uns quinhentos a seiscentos metros
das primeiras duas Jinhas das trincheiras allemSs estavam
«ccupados pelos nossos bravos homens.
«Muitos heroes durante o dia, levando munições ou bom-
bas, tentaram atravessar da fronte das nossas trincheiras
para as allemas que haviam sido tomadas. Alguns atraves-
saram, mas muitos cahiram. Eram bravos que faziam o seu
dever. Conheciam os riscos que iam correr, mas aventura-
vam-se de boa vontade, não se importando morrer pela honra
do seu paiz e do seu regimento.
«Durante o dia as nossas trincheiras, as auxiliares e as
de communicaçfio foram alvo d'um terrível bombardeamento.
Os feridos soffreram muito com isso, porque, embora os ma-
queiros se aventurassem a todos os riscos, era absolutamente
impossível remover muitos d'elles. Nao era ainda noite de
todo quando uma tentativa foi feita para remover os feridos
que durante todo o dia tinham estado nas trincheiras.
«Na seguuda-feira, o Oxford e Bucks e a Infantaria Li-
geira Highland avançaram das trincheiras tomadas e con-
quistaram mais terreno»).

capitão C. L. Armitage, do n.# batalhão do regimento


120 HISTORIA 1LLUSTRADA

Worcestershire, fôra um dos que dirigira o ataque. Como


os seus homens não conseguiram o objectivo que se propu-
nha recuou com a maior habilidade e reorganisou-os. Depois
do nascer do sol foi em soccorro de muitos feridos.
O Regimento do Rei de Liverpool a que acima se faz re-
ferencia atacou duas herdades. Uma das companhias chegou
ás edificações exteriores de uma d'ellas, mas teve de recuar.
Os tenentes Hutchinson e Fulton, com alguns soldados, avan-
çaram contra uma trincheira, aprisionaram muitos allemães
e puzeram em fuga os outros, que foram rapidamente espin-
gardeados pelos seus proprios camaradas. Para ir buscar
munições, Hutchinson no dia seguinte levou alguns dos seu»
homens por entre o fogo das metralhadoras, tendo parte do
caminho de ser feito de joelhos e de rastos. Mais tarde, no
dia 18, esse official acompanhado de alguns soldados grana-
deiros obrigou 200 allemães a renderem-se e muitos outros
a retirarem.
O regimento Inniskilling avançou dos dois lados d'uma
estrada. A sua esquerda, devido á demora de avanço d'um
regimento que o devia apoiar, viu se exposta a um fogo con-
centrado do metralhadoras e teve de fazer alto. As duas
companhias da direita chegaram ás tríncheiras do inimigo.
O segundo tenente J. L. Morgan, que havia muitas vezes ido
buscar reforços, foi ferido mortalmente.
Uma surpreza estava preparada para o inimigo, que não
podia suspeitar da presença da 7." divisão em roda de Fes-
tubert A's 3 horas da manha do dia 16, a divisão foi leva-
da para ali por entrincheiramentos muito complicados.
Vamos seguir os progressos d'alguns dos regimentos em-
penhados no ataque.
Os Fuzileiros Welsh haviam chegado na tarde de lõ. Du-
rante as poucas horas da noite a engenharia havia estado
cortando as vedações na própria fronte ingleza, para abrir
passagens, e lançando uma ponte sobre um grande dique
que separava as linhas inglezas das do inimigo. Ao alvore-
cer, pelas 3 horas, a artilharia começou a arrojar granadas
contra os parapeitos dos entrincheiramentos allemães. Havia
chegado o momento do ataque.
O homens subiram as escadas preparadas para escalar os
parapeitos; passaram para o outro lado e sob um fogo ter-
rível precipitaram se para as aberturas feitas nas vedações.
O tenente corenel Gabbet, sou commandante, cahiu, crivado
DA GRANDE GUERRA 121

de balas. O maior Dixon, ferido n'uma perna, ficou no cen-


tro da trincheira. Os Fuzileiros avançaram pela ponte lan-
çada sobre o dique quasi uns cem metros. Os brados dos
celtas misturavam-se com os gritos guturaes dos westphalianns.
Havia a artilharia abrido brecha nos parapeitos allemães?
Um grande brado de alegria disse aos homens do regimento

dos westphalianos.
Emquanto o sargento estadista italiano giolitti
Butler, embora ferido
gravemente,estava fazendo fogo com a única metralhadora que
nSo havia sido destruída, o capitão Stockwell levou os seus
homens para a trincheira de communicaçâo. Tinham-se-lhe
juntado vinte e cinco homens dos Guardas Escocezes, regi-
mento que estava em frente dos homens do Welsh. A uma
centena de metros, nilo puderam avançar, devido ás granadas
inglezas. A noticia de que os Fuzileiros Welsh haviam alçan-
do o seu objectivo fizera com que os artilneiros inglezes con-
centrassem a attenç,to nas trincheiras e reductos que ficavam
para além d'esse ponto.
O bombardeamento cessou e o capitão Stockwell ia levar
122 HISTORIA ILLUSTRADA

os seus homens para o pomar quando um official allemao


acompanhado de dois homens appareceu na trincheira de
communicaçao com uma metralhadora. Fuzileiros e Gus rdas
Escocezes deram uma descarga contra elles e precipitaram-
se, passando sobre os tres cadaveres, para o pomar.

Ahi — a cerca d'uns 1.100 metros das linhas britannicas


— foram obrigados a fazer alto. devido ao fogo das metra-
lhadoras, que partia d'entre as ruinas do seis ccottages».
Conseguiram apoderar se do primeiro d'esses «cottages» e
durante todo o dia o capitão Stockwell com os seus homens
manteve-se ahi. Só um dos sete plantões enviados a pedir
reforços conseguiu chegar. A' noite recebeu ordem para re-
tirar para a segunda linha de trincheiras allemãs, que havia
sido no emtanto occupada pelos in ,'lezes e fortificada.
A tomada d'essas trincheiras havia sido devida principal-
mente ao granadeiros, cada um dos quaes levava meia dúzia
de granadas demâo. Entre elles, o sargento mór Barter com
sete homens tinha bombardeado 480 metros de trincheiras,
cortando as vedações em onze pontos e aprisionado tres ofi-
•ciaes e 102 homens.
Um official allemao pertencente ao 57.° regimento con-
tava mais tarde:

tTinha acabado de chegaT á fronte. Estive tres dias em


Lille e fui mandado para as trincheiras. No primeiro dia fui
bombardeado; no dia seguinte, um soldado inglez arreme-
dou ama bomba contra mim. Pareceu-me ser de mais o por
isso rendi me».

Alguns dos prisioneiros eram mineiros polacos, que fica-


ram muito satisfeitos por escaparem á tyrania allemã.
Scenas semelhantes occorreram na area vizinha atacada
pelos Guardas Escocezes e pelos Escocezes da Fronteira.
Estes soffreram um contratempo. O coronel Wood foi feri-
do e cahiu n'uma torrente, onde se afogaria se o sargento'
Burman e o cabo Coleman se nao tivessem lançado á agua
■e o tivessem salvo. Apanhados por uma torrente de fogo das
metralhadoras, os Escocezes da Fronteira tiveram de pa-
rar.
Os Guardas Escocezes, tendo á frente sir Frederick Fi-
zwygram, avançaram sósinhos. O sargento Heyes poude
DA GRANDE GUERRA u3

chegar juiito de alguns granadeiros dos Escocezes daFron


teira e, corno tinham morrido os officiaes, tomou o comman-
do. Conseguiu apoderar-se de mais de 200 metros de trin-
cheiras aliemãs.
Sir Frederick Fitzwygram e uma companhia, levados pelo
seu ardor, distanciaram se do resto do regimento. Proximo
da Rua do Bosque foram cercados e mortos. Poucos dias
depois os seus corpos foram encontrados no meio d'um mon
tão de cadaveres allemães.
No outro flanco dos Fuzileiros Welsh, o West Surreys (da
Rainha), regimento em que entravam em grande proporção
os londrinos, alcançou egualmente grande renome. As duas
companhias que iam na frente foram quasi varridas nos pri-
meiros minutos do ataque; o major Battomley foi mortal-
mente ferido. As outras companhias, porém, tomaram a pri-
meira linha de trincheiras do inimigo e occuparam-nas du-
rante todo o dia. Por motivos tácticos foram mandados re-
tirar. Um dos homens, Hardy, havia se juntado ao sargento-
mór Barter, a que acima nos referimos. Ferido no braço direi-
to, Hardy cahiu desmaiado. Curado, voltou a si. D'ahi a pou-
co era ferido n'uma perna. Dessa vez não cahiu e correu a
juntar-se a Barter. Com a mão que tinha livre continuou a
arremessar bombas até que um tiro o prostrou.
A heróica morte de Hardy foi o termo d'um dos mais cu-
riosos incidentes da guerra. Algum tempo depois do rompi-
mento das hostilidades, um certo capitão Smarts, do 13.° de
Sikhs, que tinha estado em Inglaterra, ausentou-se sem li-
cença e juntou-se á força expedicionária como voluntário. O
«Hardy» cuja heróica acção acabamos de descrever era o
capitão Smarts. Contára a Barter o que havia feito, dizendo-
Ihe que desertára a fim de entrar em combate o mais depres-
sa possível. A esse valente official, depois da sua morte,
foram prestadas as honras devidas ao seu posto.

A resposta d'um outro homem do regimento da Rainha, o


voluntário Williamson, deve ser recordada. Tinha sido tra-
zido entre os feridos por entre torrentes de balas. O medico
ajudante do Staffords do Sul, ao vêl o exhausto, disse-lhe
que devia ir para a ambulancia, ao que elle respondeu :
— Não, senhor, o meu logar ó na linha de fogo com o re-
gimento e devo para lá voltar.
O padecimento do Staffordshires do Sul foi também digno
124 HISTORIA ILLUSTRADA

de elogio. Os homens de Walsall e Wolverhampton haviam


sido atacados na noite anterior pelos allemães. Mas o inimi-
go era mais valente com as suas boccas de fogo do que cor-
po a corpo. Carregado pelo Stafforshides fugiu pela trinchei-
ra de communicação e muitas centenas de metros da linha
allema foram tomados O segundo tenente Hassall e os ca-
pitães Singleton Bonner e A. A. Beauman distinguiram se na
acção. O ultimo conduziu a sua companhia com o maior ardor
e tendo alcançado a linha que devia ser tomada pelo batalhão
entrincheirou-se ahi e durante esse dia e os dois seguintes
défendeu-a, embora o fogo da artilharia fõsse violento.

Pelas 7 horas da manha de 16 de maio a 7.* divisão havia-


se entrincheirado n'uma linha que corria quasi a sul, a meio
caminho entre as suas primitivas posições e La Quinque Rue.
Separando-a da 2.* divisão havia, porém, dois entrincheira-
mentos correndo da fronte da primeira linha de trincheiras
do inimigo e construídos de modo a poder-se fazer fogo la-
teralmente em ambas as direcções, assim como uma série
de reductos.
Os entrincheiramentos estavam providos de metralhadoras
por detraz de escudos de aço e para os tornar insustentáveis
eram necessarias granadas d'um alto poder explosivo
A's 10 horas e meia da manhã uma tentativa foi feita de
La Quioque Rue contra as communicações do inimigo, mas
não deu resultado. Na extrema esquerda o ataque dos indios
havia sido suspenso e o resto do dia foi gasto em esforço»
para unir os flancos interiores da 2." e da 7.' divisões. Ao
cahir da noite os allemSes deram um contra ataque e o ponto
mais avançado occupado pela 7.' divisão — o «cottage» to-
mado pelo capitflo Stockwell — teve de ser abandonado.

Na manhã do dia 17, os inglezes haviam se apoderado de


dois pontos salientes nas linhas allemSs, um ao norte de
Festubert, outro ao sul. Cerca das 9 horas e meia, a ope-
ração de os ligar recomeçou. A chuva estava cahindo.
Atacado por tres lados, sujeito a um fogo cruzado de di-
versas direcções e a um continuo bombardeamento, o inimi-
go foi enfraquecendo na sua resistencia gradualmente e mui-
tos prisioneiros foram feitos. Em frente da herdade Cour de
l'Avoué, entre La Qainque Rue e Richebourg l'Avoué, uma
scena horrível se deu. Os restos de um batalhão de saxonios
DA GRANDE GUERRA 125

trazido á pressa para reforçar os westphalianos quizeram ren-


der se. Os homens avançaram para as linhas inglezas, sendo
a principio recebidos por uma saraivada de balas.
Deitaram fóra immediatamente as armas e um d'elles ar-
vorou uma bandeira branca. Os westphalianos, que estavam
ao norte d'elles, deram descarga apoz descarga contra os
aeus camaradas saxonios, ao passo que a artilharia allemã
abjia também fogo contra elles. Em poucos sogundos tudo o
que restava eram alguns feridos jazendo por terra.
Entretanto a 7.1 divisão na frente de Festubeft carregava
ao longo das trincheiras allemâs para sul, arremessando bom-
bas e varrendo tudo á bayoneta. A sua missão era avançar
em direcção a Rue d'Ouvert, Chapelle St. Roch e Canteleux,
emquanto a 2." divisão, á esquerda, se dirigia para a Rue do
Marais e Violaines.
O corpo indio recebera ordem para estar em contacto com
a 2." divisão e a 51.a (Highland) divisão dirigia-se para Es-
taires, a fim de apoiar o primeiro exercito. Ao anoitecer,
toda a primeira linha de trincheiras allemãs desde o sul de
Festubert até Richebourg l'Avoué estava em poder dos in-
glezes. N'alguns sitios, a segunda e a terceiza linhas haviam
sido tomadas e para além d'ellas muitos pontos tacticamente
importantes estavam também occupados.
Os homens, alguns d'elles encharcados e cobertos de lama
da cabeça aos pés, estavam anciosos por continuar a lucta.
A noticia do emprego de gazes asphyxiantes em Ypres e
do torpedeamento do Luaitania havia os enfurecido.

Uns sessenta allemâes vestidos de khaki avançaram para


uma trincheira ingleza. Um d'elles exclamou em excellente
inglez : «Não façam fogo, somos Guardas Granadeiros». Um
official inglez sahiu da trincheira e adeantou se. Immediata-
mente fizeram fogo sobre elle, não o ferindo, felizmente. Os
seus homens, indignados, saltaram da trincheira e mataram
todos os allemâes.
N'essa noite, um batalhão do territoriais — o 4.° Came-
ron Highlanders — soffreu um desastre que os sobreviven-
tes não esquecerão tão cedo. Pelas 7 horas e meia da tarde
recebeu ordem para atacar alguns «cottages». Na escuridão,
os homens cahiram n'um fundo e largo dique.
Alguns homens trataram de nadar, outros acharam pran-
chas deixadas ahi pelos allemâes e atravessaram por sobre
ii6 HISTORIA ILLUSTRADA

ellas. E no entretanto estavam sendo bombardeados e ata-


cados com iuzilaria de algumas casas á sua esquerda. Uma
companhia nilo poude abrir caminho ; outra foi ceifada quasi
por completo. Uma terceira companhia chegou á extremida-
de trazeira d'uma trincheira allemâ de commonicacfio.
Pelas 9 horas da noite estava em situação desesperada.
NSo tinha já granadas de mflo e poucos cartuchos lhe resta-
vam. Côrca da meia noite dois plantões conseguiram alcan-
çal-a, mas não traziam metralhadoras. Teria sido loucura fi-
car por mais tempo em posição tão exposta. Os sobreviven-
tes retiraram na melhor ordem possivel. O seu commandante,
o tenente coronel Fraser, e doze outros officiaes foram mor-
tos e metade do batalhão morto, ferido ou descaminhado.
Na retirada, o sargento mór Ross, um veterano, procedeu
com notável sangue frio e coragem.

O dia IS de maio ora o do anniversario do principe Rup-


precht da Baviera, o auctor da ordem de nâo fazer prisio-
neiros. N'um jornal publicado de proposito para excitar o-
ardor dos crédulos soldados allemães, intitulado Noticias da
guerra df Lille, appareceu a seguinte exhortaçâo:

«Camaradas, se o inimigo invadir a nossa terra, pensam


que elle deixará pedra sobre pedradas casas de nossos paes,.
das egrejas e de todas as obras de mil annos de amor e de
trabalho ?... E se os nossos fortes exercitos nâo consegui-
rem repellir os inglezes (Deus os amaldiçôe ! e os francezes
(Deus os anniquile ! pensam que elles pouparão as suas ca-
sas e os seus amores? O que farão esses piratas das ilhas
se puzerem pé em solo allemao ?»

Apezar d'esse caloroso appello os «fortes exercitos» dos


allemães nâo podiam impedir que os inglezes avançassem,.
apezar do tempo estar de chuva e frio, com a devida prepa-
ração da artilharia.
As tropas inglezas avançaram da estrada de Festubert-La
Quinque Rue para um ponto a cêrca de mil metros ao norte
e apoderaram-se de um posto a duzentos e setenta metros a
sudoeste da aldeia. O inimigo tinha ainda em seu poder duas
grandes herdades ao sul de Richebourg 1'Avouó e a oeste
da estrada Festubert La Quinque Rue — a herdade de Cour
de 1'Avoué, deante da qual os infelizes saxonios haviam sido-
DA GRANDE GUERRA

massacrados, e a herdade do Bosque. Estavam magnifica-


mente defendidas, regorgitavam de metralhadoras.
Mas os inglezes não desistiram e no dia 18 á noite o êxi-
to coroava os seus esforços. O numero total de prisioneiros
subia a 608 e muitas metralhadoras haviam sido tomadas.
N'esse dia o tenente J. G. Smyth, do lõ.° Dudhiana Sikhs,
proximo de Richebourg 1'Avoué, depois de duas tentativas
terem falhado, com um grupo de dez homens levou 96
granadas de^ mão para um pontoa poucos metros do inimigo.
Pura fazer isso tinha de atravessar uma torrente e durante
todo o percurso esteve exposto ao fogo das «howitzers», da
metralhadoras e das espingardas. Foi condecorado.

O tenente A. V. L. Corry, do 2." dos Granadeiro da


Guarda distinguiu se também. Na Rua do Bosque, quando o
•seu commandante foi morto e todos os outros officiaes feri-
dos, reorganisou a companhia e pôz se á sua frente com o
maior sangue frio.
No dia seguinte, sir Douglas Haig mandou retirar a 7." e
a 2.a divisões. A primeira foi rendida pelos canadianos, a
segunda pela 51.a (Highland). Ambas estavam, com a arti-
lharia da 2." et.* divisões, collocadas sob o commando do
logar tenente general Alderson. A 7.a divisão ficou de reser-
va. O tempo continuava frio.
Pouco ha ahi a recordar, embora durante a noite de lí>
para 20 um pequeno posto na fronte de La Quinque Rue
tosse tomado o o cabo T. G Earl, do 2.° Fuzileiros de
elsh, se distinguisse em Richebourg l'Avoué indo buscar
feridos por cinco vezes differentes.
No dia 20 a chuva parou, mas continuava o nevoeiro. En-
tre as 7 e as 8 horas da tarde, os canadianos apoderaram-
se brilhantemente de certos pontos a nordeste da estrada
I*estubert-La Quinque Rue, entre os quaes um pomar. Al-
guns prisioneiros e metralhadoras foram tomados. A 21, a
não ser um duello de artilharia, nada houve digno de men-
ção, apezar d'alguns ligeiros progressos serem feitos proxi-
mo de Festubert.
No dia seguinte, a 51.* divisão foi addida ao corpo indio
e os canadianos repelliram três violentos contra ataques vin-
dos da direcção de Chapelle St. Roch, softrendo o inimigo
grandes perdas.
Mas os allemães podiam ainda fazer mais esforços. O 7.
HISTORIA JLLUSTRADA

«orpo prussiano, tendo recebido grandes reforços, fez no dia


23 outro [esforço, para romper a linha canadiana proximo
<le Festubert. Avançou em massa e, como de costume, foi
varrido} pelas granadas, pelas metralhadoras e pela fuzila-
ria. Muitas das suas baterias foram reduzidas ao silencio du-
rante o dia.
Nos dias 24 e 25 a 47.3 divisão (2.a Territorial de Lon-
dres) tomou algumas
trincheiras do inimigo e
no centro no dia 24,
/ JÊÊtÊtÊKUi& flJmproximo de Bois Gre-
/ % \ nier, entre Armentières
I m e Neuve Chapelle, um li-
]Ht geiro successo foi alcan-
-áÊKK^k HH çado. Durante a noite
fj|!Í|| muitos ataques dados
Swjv-í , pelos allemães proximo
* 0, v de Festubert foram re-
% WÊÊ, pellidos.
4 jt «Tinha agora motivos
- para suppOr — diz sir
i John French —que a
batalha
pelo
9 de maio e recomeçára
f\ * ■■ no dia 16, tendo attin
JÉÉ| do de momento o obje
ctivo que eu tinha em
não
com actividade.
« Na batalha de Fes-
major g. vv. benett tubert o inimigo foi des-
alojado d'uma posição
que tinha entrincheirado e fortificad0 com o maior cuidado e
foi ganho terreno n'uma fronte de seis kilometros e meio por
uma profundidade de 576 metros.»
O que fOra ganho era, talvez, pequeno em espaço, mas
do maior valor moral. Logo apoz os allemães não terem
conseguido abrir caminho para Ypres, as tropas inglezas.Çlu-
ctando sempre corpo a corpo e sem o auxilio d'uma artilha-
ria superior em poder, haviam tomado uma posição allemã
DA GRANDE GUERRA 129

fortificada com o maior cuidado. Nos ataques á bayoneta, no


arremesso de granadas de mão e em tudo o que exige cora-
gem pessoal tinham de novo mostrado áccentuada superiori-
dade sobre o inimigo.
Demos jâ alguns exemplos da ousadia e da nobre cora-
gem mostrada por certos regimentos durante a violenta lu-
cta de 15 a 18 de maio. Esses exemplos não constituem ex-
cepção. Muitos e muitos se podem citar que mostram a bra-
vura das tropas ingle-
zas. Encher-se-hiam pa-
ginas com a narrativa
d'esses exemplos de he-
roísmo, dados tanto por
officiaes como por sim-
ples soldados.

CAPITULO LXV

A Allemanha na guerra
Quando a tensão da
breve crise diplomatica
<jue se seguiu á apresen-
tação do ultimatum aus-
tríaco á Servia terminou
pelas declarações de
guem» á Rússia e á
França, pela invasão da
Bélgica e pela interven-
ção da Inglaterra, a an-
ciedade do povo alleinâo GENERAL ITALIANO LEQUIO
transformou se n'uma
explosão de alegre pa riotismo e de guerreiro enthusiasmo.
A primeira explosão de alegria não durou muito. As mul-
tidões em Berlim e n'outras capitaes podiam alegrar-se e os
politicos e os jornaes regosijar-se, mas a nação ia saber que
a lucta imminente era d'uma natureza como nunca o mundo
vira e que a Allemanha mettera bombros a uma empreza
com a qual tres guerras de Bismarck não tinham compara-
ção.
Apezar d'isso, era opinião geral que a guerra duraria
pouco. Era grande a anciedade acôrca dos golpes que a ar-
VOL. VIU POL. 9
13o

mada ingleza poderia vibrar e o povo manifestou o maior


desprezo e sarcasmo pela diplomacia allemã que não soubera
dividir os inimigos da Allemanba e impedir a simultanei-
dade da guerra naval com a grando lucta que ia dar-se em
terra.
Mas, excepto esse perigo, esporava-se que um golpe es-
magador seria vibrado á França n'um breve espaço de tem-
po e que a Allemanha poderia entSo sentir se.segura contra
uma invasão e continuar as operaçOes offensivas esperando
os acontecimentos com o maior socego.
A nação rapidamente metteu hombros á preparação eco-
nomica que as contingências faziam prever e se a poderosa
resistencia da Bélgica foi uni amargo desapontamento o tris-
tèmente perturbou o sonho da rapida queda de Paris, os al-
lemães encontraram derivativo n'uma apaixonada explosão
de resentimentos contra a Inglaterra.
No entretanto, o pequeno brado de consciência d'aquelles
que protestaram contra o que se fizera na Bélgica era aba-
fado por um grande côro de calumnias e vitupérios.

Levou alguns mezes ao governo allemão o ãrchitectar a


historia de que a Bélgica tinha muito antes da guerra que-
brado a sua neutralidade e feito um accordo com a França
e a Inglaterra, servindo-se para tal fim principalmente de
documentos trilncados encontrados no ministério dos estran-
geiros em Bruxellas.
O publico allemão deixava-se illudir, se se não divertia
com semelhantes methodos tão grosseiros. Emqoanto o exer-
cito allemão abria caminho, assassinando e saqueando, pelo
pequeno Estado cuja neutralidade a Allemanha garantira, o
povo allemão acreditava em historias de crueldade belga e
de traição e pensava que os belgas soffriam apenas o casti-
go de «arremessarem azeite a ferver sobre os soldados alle-
cuâes» ou de arrancarem os olhos aos inimigos
Em breve esqueceram as fataes palavras quo echoaram e
tornaram a echoar em todo o mundo civilisado, do chancel-
ler imperial, no seu discurso no Reichstag, no dia 4 de
agosto de 1914 :

«O mal — falo claramente — que estamos fazendo esfor-


çar-nos-hemos por o transformar em bom logo que o nosso
objectivo militar fôr alcançado. Quom é ameaçado como nós
DA GRANDE
* GUERRA i3I

o somos o está luctando pela soa existencia apenas pode ter


um pensamento : abrir caminho como puder».

O chancelier tentou mais tarde, especialmente n'um outro


discurso no Reichstag (2 de dezembro de 1914), explicar as
palavras que transcrevemos. Todos os intellectuaes da Al-
lemanha trabalharam para o mesmo fim. Apoz um auno des-
forços, o professor Schoenborn, de Heidelberg, resumiu os
resultados na seguinte «deliciosa» formula :

«Estas sentenças só podem ser comprehendidas e aprecia


das considerando toda a situação áe que falámos. Foram
proferidas n'uma hora de provação do império allemão, para
uma concentração politica e como parte d'uma declaração
governamental d'alta politica. Não podem, por isso, ser con-
sideradas como constituindo, e não constituem, um juizo theo-
rico imparcial, sob o ponto de vista legal, do modo de pro-
ceder allemão. Pelo contrario, são apenas o reflexo d'uma
acção politica».

Se tal formula bastava aos piofessores, não é de surpre


hender que para o publico a neutralidade belga se tornasse
em breve a «escroquerie ingleza».
Entretanto a nação respondia como um só homem ao ap-
pelo do imperador e do governo e todo o paiz foi inspirado
pelo espirito de unidade e resolução. Como todos os que
avaliavam bem as condições allemãs haviam predito, o gran-
de partido socialista, embora fôsse constituído por um terço
da população — e segundo todas as probabilidades por me-
tade dos homens que primeiro enlraram em campanha —
não fez opposição séria.
Apoz breve deliberação e uma pouca importante differen-
ça de opiniões, os -socialistas votaram os créditos para a
guerra que foram pedidos immediatamente pelo governo.
Como a guerra alastrava, mostraram certas hesitações, mas
não de fórma a causarem ao governo a mais ligeira preoc-
cupação.
Estavam muito contentes, ao que parecia, com uma phrase
ôca de sentido, que o kaiser proferira no discurso do throno
a 4 d'agosto. iNâo conheço partidos. Apenas conheço alle-
mães». Verdade seja que quando o kaiser a seguir a essas
alavras propôz um aperto de mão aos «leaders» dos parti-
132 HISTORIA ILLUSTRADA

dos, os dos socialistas não acceitaram o convite, mas em breve


se curvaram perante a opinião publica e nada fizeram para
diminuir o augmento de admirativa lealdade que o imperador
soubera habilmente attrahir.
Os inimigos da Allemanha — diziam — tinham abusado,
especialmente a Inglaterra. Não estava ella fazendo «uma
guerra defensiva da sua existencia» contra «uui mundo de
inimigos ?» Não havia a pérfida Inglaterra, apoz annos de
ciosos esforços para «attrahir a Allemanha» cahido sobre
ella na hora da provação ? Nâo estavam os inimigos da Al-
lemanha fazendo esforços por invadir os seus territorios e
destruir a sua industria e o seu commercio, porque não po-
diam competir nos mercados mundiaes com o seu intelligente
e industrioso povo ? Era um magnifico thema para os heroes
nacionaes e para a creação de lendas.

Talvez não seja sem razão que o primeiro heroe que a


n«çâo allemã exalçou foi, não um homem, mas um canhão
— o famoso «howitzer» que a fabrica Krupp fabricára em
segredo e que desmantelára os fortes de Liége. Mas n'uma
rapida successâo outros vieram — «o avô Hindenburg», o
«salvador da Prússia oriental das hordas dos cossacos», o ca-
pitão von Muller, do «Emden», que por tanto tempo foz «ra-
ids» marítimos e desafiou o poder naval britannico, e Weddi-
gen, o peoneiro da guerra submarina.
Antes, porém, de expôrmos os methodos pelos quaes a opi-
nião foi preparada e como as lendas de guerra da grande
Allemanha foram feitas, vamos em breves palavras exami-
nar a situação interna.
Muitas vezes, annos antes da guerra, os estadistas alie
mães protestavam, invocando Deus, que a melhor prova das
suas intençOes era o terem conservado a paz durante 40 an-
nos. Em publico e em particular o kaiser gostava de pro
clamar esso facto como devido a elle, e muitos havia que
acreditavam que a sua mais elevada ambição era ficar na
historia com o cognome de «Friedenskaiser», o grande diri-
gente que tinha disposto de enormes exercitos mas nunca
d'elles se servira, que tinha augmentado o poder e o presti-
gio da Allemanha sem disparar sequer um tiro.
O que essa estranha e desusada theoria da virtude de se
conservar em socego mostrava realmente era que a Allema-
nha considerava a guerra como uma coisa normal e na na-
DA GRANDE GUERRA |33

turcza das coisas. A paz era antes a excessivamente virtuosa


interrupção da guerra do que a guerra a rude interrupção
da paz.
Quando finalmente rebentou a Grande Guerra, foi acceite
com certo allivio. A Allemanha Prússia havia sido libertada
dos perigos do pacifismo e do internacionalismo e ia mais
uma vez poder convencer a Europa de qual era o seu di-
reito. Apoz um anno de guerra o chanceller imperial, sus
peito de fraqueza e prejuízos internacionaes, podia reunir em
volta de si toda a opinião, soltando o brado: «Demos sem-
pre ouvidos ao nosso sentimentalismo». No fim de tudo, o
Estado fundava-se na sua força e a força prevaleceria.

E' difiicil descrever em termos que sejam facilmente intel-


ligiveis a facilidade com que a Allemanha pôz de lado todos
os aprestos civis e voltou ao puro typo do Estado militar.
Os governos departamentaes, as administrações provinciaes
e as municipaes, tudo perdeu a sombra do independencia
que tinha e passou para as mãos dos dirigentes militares do
paiz.
Em Berlim, por exemplo, todos os poderes se concentra-
ram nas mãos do governador militar. Em todo o império na
fiseílisaçâo da administração foram investidos os generaes
commandantes dos corpos de exercito districtaes, quer dizer
os generaes deixados atraz como adjunctos dos generaes que
iam para o theatro da guerra. Eram elles que guiavam e
ameaçavam o publico com constantes proclamações. Eram
elles e os seus subordinados quem na realidade geria tudo e
mostrava que em todas as espheras as necessidades do exer-
cito e a prosecuçâo da guerra eram consideradas superiores
a qualquer outra consideração.
Eram as auctoridades militares que supprimiam osjornaes,
exerciam a censura nas noticias o nas correspondências par-
ticulares, não permittiam as reuniões publicas qne não fôs-
sem em conformidade com o seu modo de vêr ácerca dos
interesses do paiz e geralmente dirigiam toda a vida civil.
Tinham amplos poderes para requisitar generos e, como
mais tarde se viu, para ficalisar o trabalho. Todo o machi-
nismo do Estado estava ao seu dispôr e sujeito á sua vonta
de e bel prazer.
Não se supponha que esse regimen milttar se tornou fas
tidioso ou foi acceite com reluctancia. Era antes considerado
134 HISTORIA ILLUSTRADA

como perfeitamente natural. A Allemauha na guerra não ti-


nha preoccupações de qualquer especie a nâo ser a prosecu-
çâo coroada de êxito da guerra e o povo em geral não tinha
mais ardente desejo do que o de fazer parte como membro
voluntário da grande macbina.

O povo desejava fazer sacrifícios, porqup se sentia parte


integrante de todo o complexo schema que continha todas as
forças e recursos do império. Logo que a guerra foi decla-
rada, o paiz dou um magnifico exemplo com a perfeita pre-
cisão da mobilisaçâo. O systema de camiuhos de ferro do
Estado, que passou logo para as auctoridades militares,
transportou os grandes exercitos sem qualquer confusão ou
demora.
As forças combatentes foram chamadas em harmonia com
as disposições de que cada pormenor estava fixado antecipa-
damente. Conhecendo com a maior exactidão que parte cada
homem tioha de tomar á medida que a guerra progredisse
e que reforços fôssem necessários, o povo, inspirado e ani-
mado pelo sentimento d'uma mesma egualdade no sacrifício,
adaptava se e ajustava toda a sua a vida a esse esforço. Nâo
havia braços ociosos. Os homens que eram deixados na sua
obra industrial ou commercial sabiam que isso se dava por-
que, depois de examinar as circunstsncias de cada individuo,
a sua obra era considerada necessaria.
E sabiam também que em qualquer momento podiam ser
chamados ás fileiras.
Examinando o estado de espirito da Allemanha, nâo se po-
dia esquecer a força da tradição. Apenas 50 annos antes da
Grande Guerra o império allemâo fôra unido pela espada.
Muitos dos homens mais eminentes da Allemanha haviam to-
mado parte na guerra contra a França.
Cada familia tinha os seus laços pessoaes com o grande
tempo de Bismarck. Acima de tudo, todo o paiz sabia quan-
to as victorias allemâs haviam trazido do riqueza inesperada,
de prosperidade e de prestigio. Era fácil persuadir um tal
povo de que estava combatendo para conservar e defender o
que seus paes haviam conquistado e para completar a sua
obra, e que a derrota a faria voltar ás antigas condiçSes e
dividiria o império n'um grande numero de pequenos e im-
potentes Estados.
Comtudo, o povo para o qual taes argumentos eram em-
DA GRANDE GUERRA ii5

pregados era essencialmente bellicoso e ao seu coração era


bem acceite uma politica de aggressão o de conquista pela
espada.

O effeito immediato mais notável da absorpção da Alie-


manha pela machina militar foi o desapparecimento do ele-
mento pessoal tanto no governo como na administração. Não
foram só os mais pequenos estadistas, desde herr von Be-
thmann-Hollweg, o chanceller imperial, a quem uma estra
nha sorte havia collocado em tal logar n'aquella occasião,
que facilmente cahiram por terra.
Nenhum grande soldado appareceu a tomar o seu logar.
O chefe do grande estado maior general em breve provou
ser um Moltke apenas no nome e ao cabo de poucos mezes
de guerra fbi substituído. Toda a machina se moveu por si
mesma.
Foram poucas as mudanças ministeriaes o administrativas.
Dentro em pouco era nomeado um novo ministro imperial
das finanças. Todos os outros ministros ficaram nas suas
pastas. Delbriick, como ministro imperial do interior, era
responsável pela fiscalisação do abastecimento de viveres e
em geral da reorganisação industrial. Havenstein continuou
a exercer as suas importantes funcções como director do Ban-
co Imperial.
De quando em quando questões de alta politica traziam
conflictos pessoaes —em especial, como resultado da disputa
com os Estados Unidos ácerca da «pirataria» submarina, a
roviviscencia do velho feudo entre o grande almirante von
Tirpitz, secretario de Estado da armada imperial, e o chan-
celler imperial
Mas sobretudo havia menos attrictos do que em tempo de
paz e entro os funccionarios medíocres havia por vezes ac-
centuadas tendencias de ambição pessoal ou de pruridos de
predomínio.
A mais frizante e importante prova d'este estado de coi-
sas era a mudança na situação do imperador. A verdade
completa acerca da responsabilidade directa e pessoal em
precipitar a guerra é ainda desconhecida, mas é indiscutível
que elle dirigiu a acção allemâ nos últimos dias da crise.
Quando rebentou a guerra, representou o seu papel com
grande precaução e habilidade.
A 17 d'agosto sahiu de Berlim para a fronte occidental c
36 HISTORIA JLLUSTRADA

foi para o Luxemburgo, onde o acompanharam muitos mem-


bros do ministério e um enorme séquito. De quando em quan-
do dirigia mensagens ás tropas ou ao seu povo Esperou pe-
ia phase mais importante da primeira batalha de Ypres em
outubro e fez uma espectaculosa apparição no campo de ba-
talha. Mas o n3o ter conseguido entrar em Paris, nem mes-
mo era Varsóvia, como tanto se havia annunciado, tornou as
relações do imperador com a seu povo menos cheias de ja-
ctancia
Em dezembro voltou para Berlim, de noite, a fim de evi-
tar qualquer manifestação publica. A' medida que a guerra se
prolongava, o imperador conseguiu arranjar uma uova lenda.
Teve o cuidado de evitar cada vez mais todas as apparen-
cias de intervir na estrategia ou na politica e tornou-se
gradualmente, uma especie de pae venerável do seu povo,
conformando se com os seus sacrifícios e lamentando as suas
perdas mais do que levando o a fazera sua imperial vontade.
A impressão de venerabilidade, que tomou taes raizes que
chegou quasi a constituir uma lucta com o monopolio de
que por tanto tempo gosou em toda a Europa o imperador
Francisco José, foi ainda augmentada por mudanças no phy-
sicodo imperador. Envelheceu a olhos vistos e os photogra-
phos da côrte não fizeram segredo dos seus cabellos grisa-
lhos e da diminuição da sua vivacidade.
A não ser o facto do imperador na sua nova feição ter al-
cançado ainda mais o affecto do seu povo, a familia real não
consoguiu distinguir-se na guerra. Ao contrario. Apenas du-
rante pouco tempo os jornaes allemães receberam instrucções
para insistirem na presença de todos os filhos do imperador
no campo de batalha.
O nome do irmão do imperador, o grande almirante prín-
cipe Henrique da Prússia, em breve desappareceu também.
O peincipe real, o kronprinz, não só falhou como comman-
dante, mas os seus hábitos pessoaes adquiriram-lhe uma re-
putação egual á do commandaute turco na Syria. Causou
escandalo não só no exercito, mas entre o proprio povo.
De todos os príncipes allemã6s o único que alcançou um
solido prestigio no primeiro anno de guerra foi o príncipe
real da Baviera, Ruprecht, que foi encarregado de se oppôr
aos inglezes na fronte occidental.

Em guerra alguma anterior houve coisa que se comparas-


DA GRANDE GUERRA l3
7

se com a prodigiosa propaganda que se deu em todo o inun-


do ao começarem as hostilidades. Em paiz algum foi a cam-
panha dirigida tão resolutamente e sem escrupulos — com»
na Allemanha. Em breve se demonstrou que não não havia
serviço demasiado baixo nem prostituição intellectual de que
não lançassem mão os allemães.
Sob o ponto de vista allemão era dever de todo o cidadão
pugnar pela causa do seu paiz em tempo de guerra fôsse
por que meio fôsse que se lhe deparasse. Para a população
civil, çomo para a força
militar — no dizer do
chanceller imperial —«a
necessidade não tem lei »
Todas as forças intel-
lectuaes da nação e todos
os grandes orgâos da
imprensa foram immo-
diatamente mobilisados e
o mundo ia dentro em
pouco ouvir as mais es-
tranhas palavras que já-
mais a historia registou.
As idéas dos dirigentes
eram semelhante ás dos
generaes. Era precisa a
maior rapidez. Havia
abundancia de artilharia.
O principal inimigo
devia ser atacado com a
maior violência. Não se O ESTAI ISI A WINSTON CHURCHILL
podia dissipar forças.
Como já dissemos, a Allemanha esperava que a guerra du-
rasse pouco. A campanha litteraria foi planeada d'accordo
com isso. E' inconcebível que* se tivesse havido outra con-
cepção da duração provável da guerra, os allemães tivessem
feito a propaganda como o fizeram. Parece terem acreditado
que podiam occultar a. verdade no furacão de altos explosi-
vos e illudir assim o mundo com os seus protestos e falsi-
dades.
Ao mesmo tempo era evidente que havia grande ancieda
de quanto ao que diria a opinião publica. Ora a opinião pu-
blica na Allemanha mostrou se inteiramente dócil e perfeita-
138 HISTORIA ILLUSTRADA

meute adaptada a deixar-se enganar. Acceitou de olhos fe-


chados a versão official das causas da guerra e respondeu
immediatamente a todos os appellos que lhe foram feitos.
Não é occasião opportuna de discutir aqui as bases ethni-
cas d'esta especie de patriotismo ou de examinar detalhada-
mente as razões que levaram os allemães a adoptar geral-
mente um caso mau com plena unanimidade.
Mas não ha duvida de que o rápido augmento da prospe-
ridade material tinha durante annos antes da guerra ido mi-
nando a honestidade intellectual e preparando as «classes
illustradas» para representarem o papel que representa-
ram.
O facto era evidente e basta a demonstrai o a imprensa,
que havia rapidamente augmentado em influencia o prospe-
ridade especialmente nos últimos dez annos, sem adquirir
qualquer apparencia de decencia ou sem erguer alto o es-
tandarte e a má reputação do jornalismo allemão. Comtudo
os resultados eram assombrosos mesmo para aquelles que
estavam em boas relações com a Allemanha e exalçavam a
civilisação allemã.
Não ha melhor prova do csracter da propaganda allemã
do que o manifesto que em outubro de 1914, quando os cri-
mes commettidos na Bélgica causaram em todo o mundo o
maior horror, foi publicado e que se tornou conhecido pelo
nome de omanifesto dos intellectuaes» allemães.
Esse manifesto, em que se negava tudo o que os allemães
haviam feito e em que se exaltava a celebre ekulturan ger-
manica, era assignado por 93 personalidades que tinham um
nome conhecido e entre as quaes figuravam historiadores,
philosophos e enconomistas políticos como Brentano, Brandi,
Encken, rlàckel, Harnack, Laband, Lamprecht, Lenz, Sch-
moller, Wilamowitz e Wundt, escriptorei? com Hauptmann e
Sudermann, homens de sciencia como Ehrlich e Wassermann
e representantes de todas as artes.
Tal era a lenda allemã — a não desejada e importuna «lu-
cta pela existencia», o não provocado assalto por uma coali-
são de traiçoeiros vizinhos, as más intenções da França e da
Inglaterra contra a Bélgica que tinham de ser «anticipadas»,
a mansidão da soldadesca allemã, a necessidade de repre
salias, a traição commettida pelos inimigos da Allemanha
contra a raça branca, a defeza da «kultura» e a santidade
da lucta inspirada pelas mais puras tradições allemãs.
DA GRANDE GUERRA

Por tudo isso esses distinctos allemães «juravam pelos


seus nomes e pela sua honra».
Os professores haviam falado. Mas os estudantes da his-
toria allemã encontrarão nas suas acções nos tres ou quatro
primeiros mezes de guerra a prova mais condemDavel das
ambições da Allemanha e da culpabilidade allemã. Os seus
excessos tinham acarretado uma boa porção de odio para o
seu paiz e antes do fim de 1914 o governo começou a re
commendar-lhes mais cautela.
Em dezembro, dizia o «Berliner Tageblatt» :

«Os intellectuaes allemães teem uma certa preferencia por


recalcitrar com os neutros e ó evidente que esse habito não
remove as enormes difficuldades que a Allemanha tem actual-
mente^ de remover. Quem quer que conheça um pouco de
historia contemporânea não cantará os louvores dos diploma-
tas. Mas os chamados intellectuaes teem algumas vezes me-
nos previdencia politica do que os jovens addidos».
O manifesto, como já dissémos, exalçava perante o mun-
do a «kultura» germauica. Por isso, d'ahi em deante essa
palavra teve mais uso na guerra do que outra qualquer do
vocabulario allemão. Os allemães distinguem entre «kultura»
e civilisação
Os allemães eram o povo escolhido. Tal idéa transparece
em toda a litteratura guerreira allemã. Foi o professor Adolf
Lasson, da universidade de Berlim, que melhor o expressou.
As suas theorias fizeram cahir os propagandistas no ridículo
e provocaram o resentimento de todo o mundo pelas pre-
tenções allemãs.
O professor Wilhelm Ostwald tinha já dito: «A Allema-
nha alcançou um mais alto estagio de civilisação do que os
outros povos o o resultado da guerra será a orga íisação da
Europa sob a direcção da Allemanha».
O professor Haeckel pediu a conquista de Londres, a di-
visão da Bélgica entre a Allemanha e a Hollanda e a anne
xação do Estado do Congo, de grande parte das colonias
britannicas, do nordeste da França, da Polonia e das provín-
cias russas do Báltico.
«Somos—escreveu elle — moral e intellectualmente su-
periores a todos os bomens. Não temos eguaes. Assim são
as nossas organisações e as nossas instituições». A Alle-
manha era «amais prefeita creação politica conhecida na his-
i4o HISTORIA ILLUSTRADA

toria», o kaiser era «deliciai hurnani generis» e o chanceller


imperial, herr von Bethmann Hollweg, era «o mais eminen-
te dos homens vivos». A linguagem era ridícula, mas ora
uma expressão da idéa dominante allemã — que os laços da
humanidade commum haviam sido destruidos e que a Alle-
manha ficava meramente não só a primeira, mas «sem egual».

A Allemanha levou a cabo a mobilisação e a manipulação


da opinião com extraordinário zelo e energia. Havia, como-
já vimos, uma severa físcalisação militar da imprensa, que
impedia toda a critica sobre qualquer facto que se não que-
ria que fôsse discutido, ao passo que os jornaes eram obri-
gados a publicar o que as auctoridades desejavam.
Todo o machinismo da físcalisação da imprensa, que era
considerável em tempo de paz, foi reorganisado e aperfei-
çoado. A secretaria da imprensa do ministério dos estran-
geiros, que viera do tempo de Bismarck e habitualmente tra-
balhava na sombra, foi montada em novas bases e tornou se-
uma verdadeira repartição d'esse ministério, dando se a mais-
completa autonomia ao seu chefe, o dr. Hammann.
As auctoridades militares organisaram conferencias da im-
prensa diarias sob os auspicios do grande estado maior ge-
neral. Um certo numero de escriptores foram empregados
pelo governo para preparar artigos e narrativas descripti-
vas. Creouse até uma «secretaria de corrupção». As maio-
res attenções foram concedidas á imprensa de todos os pai-
zes neutraes. Onde foi possível fazei o, o governo allemâo
subsidiou jornaes «neutraes» e trabalhou afincadamente por
conseguir o auxilio, como correspondentes na Allemanha ou
como organisadores de «agencias noticiosas neutraes» de es-
criptores pró Allemanha cujos nomes fôssem conhecidos.
O explorador sueco Sven Hedin foi mais do que um hos-
pede bemvindo, quando descreveu com muita habilidade &
extraordinaria benevolencia a vida allemã em campanhae as
virtudes o o heroísmo do exercito allemão. Houve uma hoste
de satellites de outros paizes neutraes e o governo sempre
se promptificou a pagar bem os serviços dos renegados in-
glezes ou francezes que se lhe offereceram.
Um dos orgãos mais grosseiros do governo allemão foi um
jornal de Berlim, publicado em inglez e intitulado o Conti-
nental Times que antes da guerra tinha uma existencia pre-
caria,' vivendo de* dadivas dos turistas americanos e inglezes.
DA GRANDE GUERRA «4i

Logo apoz o começo da guerra agencias subsidiadas foram


estabelecidas — a mais importante era fiscalisada pelo depu-
tado do partido do centro no Reichstag herr Erzberger —
para inundar os jornaes neutraes de noticias allemâs. Não
olhando a despezas ,essas agencias transmittiam telegraphi-
camente milhares de palavras por dia a cada jornal impor-
tante neutral e ficavam satisfeitas logo que alguns centos
<l'ellas eram publicadas.

Não se supponha que as noticias allemâs eram sómente


noticias falsas. Ao contrario. As auctoridades allemâs ti-
nham o maior cuidado em quererem fazer se considerar co-
o verdadeiras. Eram pouco escrupulosas em caso de neces-
sidade, mas, em regra geral, os relatorios allemâes não eram
descurados. Os successos das suas armas eram, na realida
do, sufficientes para justificarem, muitas vezes, a luxuria das
verdades.
A armada allemã era menos feliz e a secretaria naval da
imprensa publicava quasi invariavelmente falsas narrativas
dos acontecimentos no mar. A confiança não augmentava por
isso. Em setembro de 1914 um appello para uma intensa
campanha de verdade, promovida apoarentemente por herr
Bellin e pela secção de publicidade da Hamburg-Amerika
Line, proclamava que o mundo devia saber «que a causa da
Allemanha era justa, que a Allemanha está unida para a
victoria ou para a morte e que os inimigos da Allemanha es-
tão fazendo a guerra com um impudor que brada aos céus».
Um methodo curioso de propaganda era a circulação em
vasta escala de «cartas particulares» dirigidas não só para
paizes neutraes, mas ainda mesmo para os belligerantes.
Uma secretaria se estabeleceu em Berlim onde se dictavam
e copiavam exposições n'uma linguagem moderada, e famí-
lias inglezas respeitáveis recebiam de súbito uma bem elabo
rada explanação do «caso allemão» em fórma de carta, de
algum antigo viajante allemão com quem se havia travado
conhecimento ou d'um antigo servo. Havia n'ellas rajadas de
eloquência como a seguinte:

«Luctamos pela existencia do nosso paiz, que os nossos


inimigos teem tontado esmagar, pela civilisaçâo occidental e
pela humanidade contra o barbarismo do Oriente e o domí-
nio do knout».
14»

Entretanto a opinião allomã ora habitualmente e com êxito


guiada para o que parecia ser o caminho mais proveitoso.
Uma provisão de argumentos havia para quando necessário
íôsse armar á popularidade, dando-se então uma diversão.
A principio foi uma torrente, de que se abusou, dos «traidp-
res, indignos e assassinos belgas» que haviam «merecido bem
a sua sorte». Depois veiu uma cruzada apaixonada contra a
Inglaterra.
Em parte devido a ter falhado o plano primitivo de cam-
panha e se não ter podido chegar a Paris, em parte por
causa da persistente esperança de que a França enfraquece-
ria na sua resolução e accederia a fazer a paz em separado,
em breve se tomou na Allemanha o habito do olhar para a
França com ar do piedade e uma tolerancia magnanima
Houve grande discussão sobre qual das duas nações, a
Rússia ou a Inglaterra, era o «principal inimigosendo a
Rússia considerada como o principal durante a invasão da
Prússia oriental e a ameaça a Posen e á Silesia.
Mas a opinião publica era muito forte e durante o pri-
meiro anno de guerra nove decimas partes do esforço alle-
rnâo foram dirigidas contra o império britannico. Em outu-
bro de 1914, o «Jugend», illustraçâo de Munich, publicava
uns versos de herr Ernst Lissauer, em que dizia que a Al-
lemanha só tinha um inimigo, um só a Inglaterra. A Rús-
sia e a França apenas respondiam aos golpes que lhes eram
vibrados com outros golpes. Nada mais.
Esses versos tornaram se populares, o que demonstra cla-
ramente que representavam os sentimentos dos allemães. Só
um anno depois é que se reconheceu que não era bem assim
e herr Lissauer ioi induzido a explicar que os seus versos
eram producto d'uma paixão de momento e não eram «poli
ticos». A expressão «Gott strafe England !» — Deus casti-
gue a Inglaterra ! — tornou-se uma formula querida aos pa-
triotas allemães e foi livremente empregada como timbre no
papel de cartas e facturas mesmo para os paizes estran-
geiros.
Uma extraordinaria feição da campanha era também o
odio votado a sir Edward Grey. O ministro-inglez dos ne-
gocios estrangeiros era o principal auctor da guerra, mau,
cruel, traidor, o peor homem que havia no mundo.
Tal modo de pensar era propagado pelo proprio ministé-
rio dos estrangeiros allemâo e a qualquer sigual que appa-
DA GRANDE GUERRA i43

recia duma acalmia de paixão surgia logo um ataque tíam-


mejante ua Gazeta de Colonia ou em outro qualquer orgão
noticioso do governo.
Havia um assumpto que tinha connexão com a guerra que
os allemães não queriam considerar,.principalmente nas suas
relações com a Inglaterra. Estavam bem providos d'uma sé-
rie de tropos excitantes, o apparecimento da força expedicio-
nária britannica no campo do batalha foi o signal para abu-
sarem d'uma torrente de «mercenários# que se suppunha se-
rem recrutados nos antros das cidades, ao passo qne o ver-
dadeiro povo ficava em casa. Seis semanas de'guerra não ha-
viam ainda decorrido quando o Hamburger Nachrichten es-
creveu :

«Os filhos das mães allomãs são feitos á imagem de Deus,


que manejou uma espada no mundo. Mas os filhos das mães
francezas. inglezas, russas e belgas demonstraram ser umas
bestas que disparam balas explosivas contra os guerreiros
allemães, mutilam os feridos allemães e comemttem assassí-
nios».

Narrativas do emprego de balas dum dum e ácêrca de hor-


ríveis mutilações de feridos allemães faram durante muito
tempo propositadamente postas em circulação pelas auctori-
dades militares e eram immensamente populares. Quando,
no outomno de 1914, se tornou necessário arcar sériamente
e systematicamente com o problema do abastecimento de vi-
veres, o governo descreveu o bloqueio inglez como o inglez
«Aushungerangsplan», ou o plano de esfomear a Allemanha.
A phrase tornou se tão usual como a chamada «Einkreis-
ungspolitik», ou a politica britannica de tentar «isolar» a
Allemanha. Não havia dados para avaliar os precedentes al-
lemães ou as affirmações dos estadistas allemães. O bloqueio,
diziam, era considerado como «guerra ás mulheres eáscrean-
ças».
Em março de 1915, depois da maledicência ter seguido o
seu curso, o jornal socialisla Vorwaerts teve a sufficiente co-
ragem para dizer: «A verdadeé que oesfomeamentoé o pro-
cesso mais antiquado de guerra e um methodo permittido pe-
las leis intornacionaes nos dias presentes. Não é verdade que
seres humanos possam morrer do fome. O fim é apenas, exer-
cendo pressão sobre o estomago, levar o povo a fazer a paz».
•44 HISTORIA ILLUSTRADA

A furiosa campanha contra a venda de munições de guerra


pelos Estados Unidos aos alliados foi levada a cabo com
■egual indifferença da parte dos dirigentes allemSes. Outro
assumpto popular foram as «represalias». Foram pedidas
contra tudo e contra todos e os jornaes descobriam conti-
nuamente prejuízos ou indignidades feitas contra os allemães,
que clamavam por vin-

tenente coronel HART mellarg deixados sabir dos cam-


pos de internamento que
■então havia na Inglanterra e aos quaes fôra permittido vol-
tarem á sua patria. O governo allemão pediu que todos os
allemães fôssem postos em liberdade o como não conseguin
obter isso mandou internar todos os inglezes que estavam na
Allemanha, sem distincçâo. Com grandes difficuldades, fez-
se mais tarde um accordo para a troca de certas classes de
•civis.

O caracter geral da nação manifestou-se, como era natu


DA GRANDE GUERRA i45

ral, durante o decurso dos acontecimentos militares, mas en-


controu a sua melhor expressão no primeiro anuo de guerra
nas proezas praticadas pelos submarinos e nos «raids» dos
zeppelins sobre a Inglaterra. Chegou a crêr-se a serio que,
quando o tbloqueio submarino« começov no dia 18 de feve-
reiro, a Inglaterra ia ficar isolada. E poucas duvidas havia
de que os zeppelins ra-

tado ^
do ácerca da imminen general italiano vitto.ua zupeli
cia da falta de alimentos
na Allemauha. Mais tardey quando essa naçSo resolveu esse
pro ema principal, tornou-se uso dizer que toda a discussão
a propoBito da escassez de generos fôra um «bluff». A bis
tona do «blufb foi quasi tilo ridícula como a de «fome». A
<u 0
à que, logo que a armada ingleza a isolou dos ma-
res mundiaes, a Allemanha se viu em fronte do difficil e de-
ica o problema de ter de adaptar as suas condições de vida"
<i uma. diminuição de generos alimentícios, que podia ser
avaliada em 15 a 20 por conto do consumo total.
VOL. VIII
KOL. 10
146 HISTORIA ILLUSTRADA

O problema podia ser resolvido em dadas condições, as


principaes das quaes eram evitar qualquer recanto»de terra
allema d'uma invasão, efficencia administrativa e uma von-
tade geral entre a população para economisar e fazer sacri-
fícios razoaveis.
Não podia haver duvidas de que a Allemanha n esse ponto
nao se preparára tSo bem como no resto. A principal razão
fora porque os omnipotentes prussianos nâo admittiam in
terferencias.

Dezoito mezes antes da guerra, o kaiser, n'um dos seus


discursos por vezes t3o inconsiderados, dissera: «Nao pôde
haver duvidas de que dentro em pouco tempo nao só a Alle-
manha pôde abastecer-se a si própria, mas que estará apta
de futuro a fornecer de carne e de p3o toda a sua popula-
ção». Embora essa affirmativa fôsse calorosamente discuti-
da, é a única base que ha para se avaliar o verdadeiro con-
sumo e certo é que no principio da guerra o descontenta-
mento foi geral.
Só seis mezes depois do começo da guerra é que o go-
verno poude estabelecer um systema rigoroso de fiscalisaçao.
O primeiro acto do governo foi fazer um recenseamento dos
generos que havia no paiz. Os resultados nao foram publi-
cados, mas no mez de novembro de 1914, quando a tabella
dos preços máximos foi decretada, uma nota offícial dizia :

«Temos centeio e trigo suficientes para alimentar o exer-


cito e a população até ás próximas colheitas. Devemos pou-
par os nossos abastecimentos de modo a chegarmos a essas
colheitas com as necessarias reservas. Desejamos estar aptos
a encarar a guerra em todas as circunstancias até termos
conseguido a certeza d'uma paz permanente. O governo sabe
que o seu desejo é compartilhado por toda a população e está
convencido de que ella está prompta a acatar e acceitar toda
as medidas que fôrem necessarias para tal se conseguir».

Ao mesmo tempo o governo dizia que tinha centeio suffí-


ciente para todas as requisições até ao principio de setembro
de 1915 e carne bastante até ao começo de agosto. Esses
cálculos haviam já contado com os estrago feitos nas colhei-
tas na Prússia Oriental pelos russos e na Alsacia-Lorena
pelos francezes. Tinham também contado com o facto dos-
DA GRANDE GUERRA
'47

agricultores allemães terem gasto grandes quantidades de tri-


go como forragens quando a importação d'esse genero dei-
xára de se fazer da Rússia.
O «deficit» total de trigo em comparação com os annos
normaes era de cerca de 16 por cento. As colheitas allemãs
em 1914 haviam ficado, apezar de todas as estatísticas offi-
ciaes em contrario, abaixo do que se calculára. Quando, no
hm ao anno, o governo allemão desejou, por motivos obvios,
apresentar as coisas sob um outro aspecto, publicou uma es-
tatística da qual se via que os generos que nella figuravam
tinham tido grande diminuição em 1914, em comparação com
19.3.
Antes do outomno de 1914 a situação, como se esperava,
tornou-se intolerável. Os agricultores não queriam desfazer-
se das suas reservas, o que fazia augmentar òs preços. Es-
tes não só subiram, mas variaram enormemente em differen-
tes partes do paiz. Quando o governo afinal interveiu, timi-
damente, tinha de arcar com uma situação infinitamente peor
do que no começo da guerra.
O que fez foi estabelecer o preço máximo nos mercados e
iegulamentar para as padarias. Isso foi a origem do famoso
«pão de guerra» que teve uma parte quasi tão importante
na propaganda germanica como no sustento do povo alle-
mão. A base era o preço máximo de 11 libras por tonelada
de centeio em Berlim. Os preços variaram conforme as lo-
calidades, sendo maÍ3 baixos no oeste e sul, isto é, nos pon-
tos mais distantes das principaes fontes do abatecimento.
O preço máximo do centeio, por exemplo, que em Berlim
era 11 libras, era de 10 libras e 9 shillings em Konigsberg,
de 11 libras e 17 shillings em Munich e em Aix la Chapelle.

O preço do trigo foi fixado uniformemente em 12 libras a


tonelada. O preço da farinjha não foi fixado o o governo não
ponde resolver o problema vital das batatas. Com certas
excepções, comtudo, o emprego do centeio e do trigo como
forragens foi prohibido e as moagens foram obrigadas a pro-
duzir as minimas percentagens de farinha do grão.
A instituição do «pão de guerra» consistiu em obrigar os
padeiros a fazer misturas das suas farinhas. Foram obriga-
(os a deitar pelo menos 10 por cento de centeio no pão de
tngo e pelo menos 5 por cento do batata no de centeio. Per-
mittia-se-lhes que deitassem 20 por cento ou mesmo mais de
.48

batata nas suas misturas, sem que por isso deixassem de


chamar lhe ipão».
Era preciso tornar popular essa nova especie de alimento.
Como em tudo, a familia real prussiana deu o exemplo e
em breve os jornaes vinham cheios de descripções do consu-
mo do «pilo de guerra» no palacio do Potsdam e pelo impe-
rador e pelo konprinz no campo de batalha. O «sacriticio»
parece não ter sido muito grande. Algumas cidades distin
guiram-se pela extrema immundicie do seu «pão do guerra».
A nova tabella entrou em vigor a 4 de novembro de 1914.
Tudo ia muito bom, porque os agricultores não eram obri-
gados a fornecer os mercados. A escacez de trigo foi ainda
maior do que até ahi, e em breve a difierença de preços se
notou em pontos diversos do paiz, que não estavam em re-
lação com o custo do transporte, de modo a vendei o mais ca-
ro n'um logar e n'outro proximo mais barato.
O governo appellou largamente para o publico fazer eco-
nomias, mas antes do fim do anno foi obrigado a rever a
tabella. Annunciou-se que novas medidas eram necessarias
para assegurar á Allemanha o sobreviver a um «período»
critico, que começaria em meiado de maio e só terminaria
com o fim das colheitas de 1915. Como nem o ministro do
interior nem outra qualquer repartição podia superintender
em tudo, foi resolvido formar uma companhia tendo poderes
de expropriação e com a obrigação de adquirir, conservar e
por ultimo distribuir o abastecimento de trigo.
A companhia, a que foi dado o nome de Companhia de
Trigo de Guerra — Kriegsgetreid«gesellschat —era compos-
ta de grandes industriaes e das cidades com mais de 100.000
habitantes. Os directores eram representantes do Estado e
magnates industriaes. O juro era limitado a 5 por cento do.
capital. Ao mesmo tempo a regulamentação das padarias
tornava-se mais rigorosa e a prspprção em qne a batata po-
dia entrar na composição do pão de centeio era augmentada.
Tudo isto eram preliminares do golpe final. No fim de ja-
neiro annunciou se que o governo resolvera apoderar-se de
todo o trigo como monopolio do império e estabelecer um
novo systema de distribuição e limite de consumo. Os que
tinham «stocks» foram obrigados a declarar as quantidades
do que eram possuidores até uma data determinada e esses
«stocks» passaram para o poder ou da Companhia de Trigo
da Guerra ou para as organisações municipaes locaes.
DA GRANDE GUERRA

Essas corporações abasteciam as moagens e uma adminis-


tração imperial distribuía o genero ás auctoridades locaes,
que por seu turno o distribuíam ao publico. O fundo de tu-
do isso era o estabelecimento de uma ração uniforme de pão.
A principio deixou so ás auctoridades locaes a distribuição
do «quantum» do pão e da farinha que lhes competia, mas,
apoz um período de incerteza, em todo o paiz foi estabele-
cido o systema de «rações do pão».
A base desse systema era uma ração de pouco mais de
sete onças de farinha por cabeça e por dia. A ração foi mais
tarde augmentada, sendo abertas excepções para as classes
que se empregavam em trabalhos pezados manuaes.
Quando a «ração de pão» foi decretada, o governo prus-
siano publicou uma nota explicativa, appellando para o pa-
triotismo da populaçSo e dizendo que era a única maneira de
lazer chegar o trigo ató ás próximas colheitas.
A principio, houve grande anciedade e chegaram a dar se
distúrbios em algumas localidades, mas logo que se viu que
essa medida extraordinaria não occultava na realidade o pe-
íigo da «iomen a população adaptou se ás circumstancias e
a «ração de pão» tornou-se uma coisa natural na vida dia-
ria da Allemanha.
A guerra influía sobre todo o povo allemão e com o seu
decorrer o quo mais serio se tornou foi o augmento de pre-
ços, especialmente da carne, ao passo que o bloqueio bri-
tannico fazia desapparecer por completo muitos generos de
alimentação. A situação, em todo o caso, não era má, devi-
(o á extraordinaria e muito bem organisada economia e á
geral vontade, mesmo entre as classes mais pobres, de fa-
zer «sacrifícios pela mãe patria*.■
Km todo o paiz diverso artigos foram substituídos por suc-
cedaneos, como café, ovos, manteiga e azeite.
Quando o primeiro anno de guerra estava prestes a ter-
••wwvÍA ° S°,verno Podi? annunciar que havia um excesso de
one at a s
'
que a do* anno
^ ' futuro
r trigo e de centeio
se afigurava da colheita
favoravel. de 1914
Enormes esfor-e
ços foram feitos para augmentar as areas de colheita e cui-
J ou se também em que se não repetisse a escacez de batatas.
trigo crescera onde costumava dar se e a imaginação era
estimulada pelo cultivo de espaços abertos dentro das cida-
des e nos seus arredores. Em fins de julho de 1915, porme-
nores foram publicados ácerca de uma nova organisação
15o HISTORIA ILLUSTRADA

Os principaes topicos não soffriam alteração e com relação


ao preço a base era, como anteriormente, de 11 libras por to-
nelada de centeio em Berlim, mas a organisação era simpli-
ficada e tornada mais effectiva sob a fiscalisação do governo.
Não devemos esquecer que a condição mais importante de
sucesso era a segurança do territorio allemão contra uma in-
vasão. No fim do primeiro anno de guerra os exercitos alle-
mães, tanto a leste como a oeste, estavam occupando gran-
des areas de territorio inimigo e em vez de estar exposta á
ameaça d'uma invasão a Prússia estava empenhada na «res-
tauração» das suas províncias orientaes.
Se a Allemanha fizera poucos preparativos antes da guer-
ra para a solução do problema de abastecimento de generos,
fizera também, relativamente, poucos preparativos especiaes
para a adaptação da sua industria e do seu commercio ás
condições de guerra.

Quanto a industria, comtudo, o seu systema de organisa-


çâo para a invasão dos mercados mundiaes fôra tal que era
relativamente fácil para ella concentrar todo o sou esforço
para os fins da guerra. 'A intervenção da Gran Bretanha tor-
nou obvio que mais cedo ou mais tarde desappareceria dos
mares e perderia, pelo menos temporariamente, a principal
parte do seu commercio com o estrangeiro, que um anno
antes da guerra, segundo as estatísticas allemãs, subia a
mais 1.000.000 000 de libras.
A Allemanha importava por anno materiaes novos no va-
lor de cerca de 250.000.000 libras e generos alimentícios no
de cerca de 150.000.000 e exportava manufacturas no de
375.000.000. Logo que o commercio por mar fôsse na maior
parte votado á destruição trataria de commerci&r com os pe-
quenos Estados neutraes seus visinhos, mas estes, devido ao
bloqueio, tinham de attender também á necessidade de man-
terem o seu proprio commercio. Ora um dos principaes ob-
jectivos da propaganda allemã nos paizes neutraes era con-
citar a hostilidade contra todas as medidas britannicas que
aífectassem o commercio neutral.
Não é, pois, para surprehender que este estado de coisas
tivesse repercussão em especial em Hamburgo e Bremen e
que n'estas cidades se desenvolvesse principalmente um odio
inveterado contra a Inglaterra. Lubeck, que era um porto
do Báltico, teve uma revivescência artificial, mas Hamburgo
DA GRANDE GUERRA i5i

tornou se quasi tão morta como Bruges. Herr Bailia, o ge-


rente da grande companhia Hamburg-Amerika Line, não ti-
nha que fazer e viu-se forçado a dedicar-se a novos traba-
lhos de organisação 11a Allemanha.
Elie e outros magnates das companhias de navegação fize-
ram todos os esforços durante algum tempo para persuadir
o publico de que nada estava perdido e dois mezes depois
de rebentar a guerra o director geral do Lloyd Allem&o do
Norte, herr Heineken, asseverava que os que tinham inte-
resses nas companhias de navegação nada tinham a receiar
excepto «uma reducção temporaria de dividendos». Mas taes
pretenções em breve tiveram de ser postas de parte.

O mesmo se deu com o commercio de exportação. No fim


d'agosto de 1914, proclamava-se triumphantemente que du
rante esse mez a diminuição das exportações allemás fôra
apenas de 44,8 por conto, ao passo que a da Inglaterra
fôra de 41,5, por cento. Comtudo em breve se resolveu não
publicar dados alguns e no fim do anno as Camaras de
Commercio e instituições semelhantes foram prohibidas ter-
minantemente de dar publicidade a relatorios.
Entretanto a Allemanha tratou de adaptar todo o seu sys-
tema industrial e commercial principalmente ás necessidades
dos seus mercados internos e ao que era preciso na guerra.
A historia do primeiro anno de guerra na Allemanha é a his-
toria d'um intenso e concentrado esforço dirigido apenas pa-
ra os fins da guerra e considerando a possibilidade do com-
meréio de exportação ficar em logar secundário.
As importações tiveram de ser abandonadas e foi prohi-
bida a exportação de tudo quanto era precioso na Allema-
nha. O primeiro e mais importante assumpto a tratar era o
problema das matérias primas. Foi tratado, como de resto
tudo, sob o ponto de vista de que as necessidades das for-
ças militares deviam ser superiores a qualquer outra consi-
deração. /
O ministro prussiano da guerra abriu uma repartição de
matérias primas sob a direcção de herr Walter Rathenau,
da «Allgemeine Elektrizitáts Gesellscbaftí. Essa repartição
procedeu a um recenseamento de todas as matérias primas
do paize exerceu sobro ellas rigorosa fiscalisação. Dispuram-
8e as coisas de fórma a que aquillo de que as forças neces-
sitavam não pudesse ser transaccionado e a repartição em-
ibi

pregou todos os esforços junto das varias organisações ia-


dustriaes para produzir essas matérias primas e arranjar ou-
tras que as subtituissem.

Ao mesmo tempo, com a cooperação das associações in-


dustriaes rivaes um «comité» industrial se formou para todo
o império. Sob os seus auspícios, «comités» foram consti-
tuídos para as industrias especiaes. Nâo puderam funccionar
sem grandes dificuldades e attrictos, mas conseguiram o
seu principal fim. A escacez não se fez notar em tudo si-
multaneamente.
Umas vezes havia falta de roble, outras de petroleo, ou-
tras ainda de cobre. O algodão era de todos os problemas
e menos importante e os allemaes conseguiram occultar essa
grande dificuldade até quasi ao fim do primeiro anno de
guerra. Parecia ser tanta a abundancia de algodão que o
governo inglez declarou esse genero contrabando de guerra.
Mas os allemaes haviam reorganisado o commercio d'esse
producto e fizeram parar todas as fabricas de algodão para*
os civis que não eram absolutamente necessários.
O ponto em que os allemaes insistiam com o maior orgu-
lho era a rapida e hábil adaptação das suas fabricas o ma-
nufacturas ás novas condições. Grandes fabricas de electri-
cidade transformaram-se em breve em fabricas de munições;
algumas que faziam machinismos antes da guerra faziam
agora granadas; as que produziam caldeiras fabricavam
agora cozinhas de campauha e assim succedia com todas as
outras industrias.
Estes processos de adaptação estimularam a imaginação
do paiz e os jornaes nunca se cançaram de dizer que isso
era uma poderosa exhibiçao do génio allemao. Esse senti-
mento era tao forte que o povo raras vezes perguntava por
que motivo a armada allemã nao exercia uma das suas fun-
cções — especialmente a protecção ao commercio — para que
se suppunha ter sido construída. O isolamento tornou-se uma
virtude e toda a litteratura versou esse thema, revivendo as
doutrinas de Fichte o glorificando o tEstado commcrcial que
se mantém por si» como um ideal.
O publico era também encorajado por appellos para col-
leccionar systematicamente todos os materiaes não empre-
gados que podiam suprir a deficiencia das importações. As-
sim, estabeleceu se uma «semana imperial» para os metaes e
153

uma outra para o estanho, em que aquelles que possuíam


objectos desses os iam levar e os offereciam no altar do sa-
crifício allemão. O oflerecimento dos objectos de cobre tor-
nou-se extremamente popular e as mulheres e as creanças
offereceram bacias e tachos para se fazerem munições para
destruição dos inimigos da Allemanha.

Pelas razões já explanadas, é impossivel avaliar a diminui-


ção real que se deu na in-
dustria e no commercio. ....
Os escriptores allemfles
quasi que só prestavam
attenção ás industrias do
ferro eda hulha. Não ha t »
razão para duvidar da as- jíÊÊ

anno de 1915 a produc ™


ção da hulha se elevou a ^iJSÊÊk
côrca do 70 por cento e a
do ferro e do aço a côrca
de 60 por cento a mais
do que em tempo de paz.
A Allemanha apoderou-
se de todas as matérias ■
que primas poude cncon
trar na Bélgica e na
e de grandes

questão ^ÊÊr
ria de todas era talvez a
de fornecer trabalho.
Quanto a isso, o prin- antonio salandra
cipal ponto a notar é que
a Allemanha estava habilitada a economisar e a lançar mão
simultaneamente de todo o trabalho de que era susceptível.
Lado a lado com a fiscalisação da industria e com a adapta-
ção que descrevemos instituiu-se um desenvolvido svstema
de verificação e distribuição de trabalho.
A distribuição não podia ser absolutamente uniforme e os
ramos de commercio que não puderam adaptar-se á guerra
sotlreram immediatamente, além de outras perturbações, da
falta de homens. Como na Inglaterra, grandes modificações
154 HISTORIA ILLUSTRADA

se effectuaram em relação ao trabalho das mulheres, e havia


tantas no mercado que o seu desemprego continuôu a ser um
problema sério.
Um correspondente neutral do Times, descrevendo a situa-
ção em junho de 1915, diz que 40 por cento dos traba-
lhadores empregados na manufactura dos altos explosivos
e das granadas assim como na confecção de cartuchos eram
mulheres. Em todas as outras industrias as mulheres entra-
vam em grande proporção, sendo só ellas as empregadas
nas fabricas de conservas e de carne que trabalhavam para
o exercito. Nas fabricas de tecidos para o vestuário dos sol
dados também havia exclusivamente mulheres e 70 por cento
dos empregados nas fabricas de tabacos eram egualmente
mulheres.

Era isso em parie devido á obra das Bolsas de Trabalho,


mas acima de tudo ao caracter do systema militar allemao.
Todo o homem em edade militar era um soldado, podendo
ser chamado ás fileiras em qualquer occasiao Comtudo, o
paiz estava e continuava a permanecr sob a lei marcial e as»
auctoridades militares locaes consideravam os problemas da
industria e do trabalho como um assumpto puramente militar.
Furtar se ao trabalho era impossível. Onde quer que sur-
giam difficuldades de qualquer especie ou estavam prestes a
surgir, a intervenção militar era certa.
Um outro e nâo menos importante factor era o systema-
tico emprego que os allemftes fizeram do trabalho dos prisio
neiros de guerra. Era em especial valioso para os agricul-
tores, mas grande numero de prisioneiros foi também em-
pregado nas minas e em vários fórmas de trabalhos de dex
treza.
A consequência immediata do rompimento da guerra foi
um augmento considerável de desempregados. Antes do fim
d'agosto de 1^14, os desempregados no commercio eram em
numero superior a 22 por cento. Mas esse numero diminuiu
rapidamente e na primavera de 1915 estava no mesmo nivel
ou abaixo do do tempo de paz.
Considerando a situaçap industrial e commercial em con
juncto, pôde dizer se que ella foi menos intolerável do que
podia esperar-se. As chamadas industrias de luxo, que nâo
exigiam um abastecimento nem de matérias primas, nem de
trabalho, enSlo podiam ser convertidas em industrias da guer-
»55

ra, desapparecoram. Houve grande difficuldade em distribuir


os que n'ellas estavam empregados, embora grande parte dos
soub operários estivessem nos campos de batalha.
Por outro lado todas as industrias de guerra tinham não
só muito que fazer, mas estavam immensamente prosperas.
Os grandes syndicatos tiraram enormes benefícios, tão gran-
des que em breve o escandalo se tornou publico, vendo-se
o governo obrigado a prometter uma tributação especial —
para depois da guerra.

O problema que se levantava e que despertava grande


anciedade era o do que seria em tempo de paz das industrias
e do commercio que tão facilmente e com tanto êxito se ha-
viam adaptado ás condições da guerra. Como poderia recu-
perar os mercados estrangeiros um povo cujos methodos de
guerrear haviam não só horrorisado todo o mundo, mas feito
conhecer a cada nação as consequências que seguiam de
perto as pégadas da «penetração pacifica» dos allemães?
N'uma outra parte d'esta obra descrevemos já os princi
paes aspectos da situação financeira da Allemauha no prin-
cipio da guerra.
A 4 d'agosto de 1914 o Reichstag votára créditos para a
guerra n'um total de 250.000.000 libras. Um anno depois,
o total dos créditos votados subia a mais de 1.500.O00 000
libras. Em dezembro haviam sido votados mais 250 000.000;
em março de 1915 foram pela terceira vez votados cré-
ditos de 500.000.000 e em agosto, pela quarta vez, outras
500.000.000 libras.

Uma das medidas especiaes tomadas ao rebentar a guerra


foi auctorisar o império a descontar bilhetes do Banco Ioq
perial a tres mozes em vez de bilhetes do thezouro. O resul-
tado foi que o «stock» de bilhetes no Banco Imperial, que
uma semana antes da guerra era apenas de 37.500.000 li-
bras subiu em fins de agosto a 237.500.000 libras. No fim
de março do anno de 1915 o total de bilhetes era de nada
menos de 343.000.000 libras. Semelhantemente, o total de
notas em circulação elevou-se de cêrca de 95.000 000 libras,
que era em fim de julho de 1914, a quasi 212.000.000 em
tim d'agosto, a mais de 280.000.000 em fim de março e a
mais de 290.000.000 em fim de julho do 1915.
Por outras palavras, a mobilisação dos exercitos alie-
156 HISTORIA 1LLUSTRADA

mães foi custeada pela creação de papel e o Banco Imperial


que já estava sobrecarregado, ainda mais o foi logo apoz
o emissão dos «Loans» de Guerra.

Logo em setembro de 1914 o governo emittiu o primeiro


«Loan» de Guerra. Fez-se a emissão de 50.000.000 libras a
5 por cento. Os «bonds» do thezouro, com cinco annos de
prazo, obtinham 5 por cento. O «loan» só era reembolsável
em 1924. O preço dos bilhetes de thezouro e do «loan» era de
97,5. Durante os dez dias em que a subscripção esteve aberta,
uma grande propaganda foi feita na imprensa. Os bancos eco'
nomicos entraram na operação e toda a especie de appello
ao publico foi feita. O seguinte appello d'um jornal officioso
é verdadeiramente typico:
«As victorias que o nosso glorioso exercito alcançou já no
occidente e no oriente justificam a esperança de que agora,
como em 1870, as despezas e encargos da guerra recahirão
por fim sobre os que perturbaram a paz do ImperioAlle-
mão. Mas primeiro devemos auxiliar nos a nós proprios.
Grandes interesses estão em jogo. O inimigo espera aindaa
salvação da nossa supposta fraqueza financeira. O êxito da
subscripção do «loan» fará baquear essa esperança.
Capitalistas allemâes, mostrem que são inspirados pelo
mesmo espirito dos nos30s heroes, os quaes derramam o san-
gue dos seus corações na lucta. Allemâes que teem poupado
dinheiro, mostrem que economisaram não só para si, mas
também para a patria Corporações allemãs, companhias,
bancos economicos, e todas as instituições que teem flores-
cido e crescido sob a poderosa protecção do Império, res-
pondam ao Império com a sua gratidão n'esta hora de pro-
vação. Bancos allemâes e banqueiros, mostrem o que a sua
brilhante organisação e a sua influencia sobre a sua clientela
são capazes de conseguir.»

Os resultados foram satisfactorios. O total das subscri-


pções elevou-se a 223.000.000 libras, figurando n'esse numero
principalmente os pequenos subscriptores. Houve, por exem-
plo, 231.000 subscriptores de 5 a 10 libras, 241.000 de 15
a 25, 453.000 de 30 a 100 e 157.000 entre 100e250libras.
Segundo todas as probabilidades, 40.000.000 libras foram
subscriptas pelos bancos economicos. Uma quantia conside-
rável proveiu das transacções de seguros com os Bancos
'5/

de Guerra, que foram creados especialmente para esse fim,


mas que, ao que parece, não deram o resultado que se espe-
rava. As instituições de emprestimos de guerra, estabelecidas
em ligação com o Banco Imperial, foram auctorisadas a emit-
tir acções n'um total de 150 000.000 libras, mas, segundo
as estatísticas publicadas, o total do papel omittido nunca foi
além de 79.000.000 libras. Esse total foi attingido em abril
de I91õ, a quando da subscripçao para o segundo «loan» de
guerra.
Lm breve se reconheceu que a fiscalisação do thezouro em
tempo de guerra era demasiada para o comtnissariosuperior
herr Kíihn, que desempenhava esse cargo desde 1912. Herr
Kíihn succumbiu d'um ataque de gotta e um joven e hábil
director do Deutsche Bank, o dr. Helfforich, foi nomeado
para lhe succeder. Era homem de largas idóas, que tratava
dos negocios do Estado sob um ponto de vista puramente
commercial. Nao olhava a meios para cohseguir os seus fins
e depois do êxito do primeiro «loan» de guerra publicou um
pamphieto bombástico destinado aos paizes neutraes, no qual
dizia que o «loan» allemao «excedera em importancia as
maiores operações financeiras conhecidas na historia» o que
a Allemanha levára a cabo «um facto único na historia das
finanças».
Foi também indicado para o logar de ministro pela pu-
blicação d'uma analyse das causas da guerra extremamente
enganosa.
Em março de 1915 fez-se a emissão do segundo «loan» de
guerra - a esse tempo um total illimitado tanto de «boads»
do the/ouro como do «loan» imperial, com o juro, como an-
teriormente, de 5 por cento, mas com o preço elevado de
97,6 a 98,5. O segundo «loan», como o primeiro, era amor-
tisavel ató 1924. A emissão foi proclamada como um grande
successo e produziu nada menos de 450.000.000 libras, sen-
do o numero de subscriptores de c6rca de 1.700.000.
Mais informação alguma veiu a publico relativa ás origens
d'essas subscripções e uma estatística official mostrou que os
bancos economicos concorreram só com côrca de 98.000.000
libras. O resultado foi umtriumpho da organisação e da pro
paganda publica o o governo n3o teve duvida em supprimir
grande parte dos «bancos economicos da guerra» que não
haviam correspondido á missão para que haviamsido crea
dos.
HISTORIA 1LLUSTRADA

Na occasião da emissão do segando «loan» de guerra,


o dr. Helfferich fez a sua primeira apparição no Reichs-
tag e proclamou a doutrina de que a Allemanba tinha ape-
nas de «alcançar» a victoria e depois resarcir-se á custa do
inimigo. Descreveu o methodo britannico de augmentar as
contribuições em tempo do guerra como «inútil adhesao á
tradição». Avaliou o custo total da guerra para todos os
belligerantes, n'aquella occasião, em 75.000.000 libras por
semana.
O successo do segundo «loan» de guerra foi considerado
como uma immensa victoria. N'uma mensagem de congratu
lação o kaiser declarou que era «uma manifestação da von-
tade de conquistar e do confiança na victoria do povo alle-
mão, auxiliado por Deus».

Apezar do dinheiro da emissão do segundo «loan» de


guerra estar gasto e o governo estar de novo sustentando a
guerra com bilhetes do thezouro, o torceiro «loan» só foi
emittido em setembro de 1915. Foi de novo emittido a 5 por
cento, mas sem «bonds» do thezouro. O preço de emissão
foi elevado a 99, principalmente com o fim de ostentação.
Admittia-se que o enthusiasmo diminuirá, mas o successo
foi esperado com confiança, especialmente acreditando-se,
como se acreditava, que a situação dos bancos era de novo
forte e que os depositos nos bancos economicos subiam a
mais de l.000.000.000 libras. O dr. Helfferich avaliou n'es-
sa occasião as despezas de guerra da Allemanha em cerca
de 100.000.000 libras por mez. De novo tentou inspirar con-
fiança insistindo na esperança d'uma grande indemnisação
de guerra.
Em relação á insistência quanto á indemnisação, os alle-
mães a esse tempo cada vez mais se apaixonavam pela dou-
trina de que sustentavam a guerra pela exploração dos seus
proprios recursos internos, ao passo que com os outros po-
vos tal não succedia, fazendo verdadeiros jogos malabares
nas finanças.
Imaginavam que tal processo podia prolongar se indefini-
damente. E essa doutrina confortável era também emprega-
da para attenuar a anciedade derivada do facto dos saques
do estrangeiro não serem satisfeitos, tendo o valor do mar-
co cahido 12, 14 e até mesmo 15 por cento em todos os pai-
zes neutraes, desde a Suécia ao Brazil.
DA GRANDE GUERRA 1T9

Os allemâes lançavam um discreto véu sobre os negocios


dos seus alliados. Na Austria-Hungria não se publicava ba-
lancete algum dos bancos nem se fazia allusâo alguma ao
deplorável estado das finanças e do commercio. A Turquia
estava vivendo do papel moeda, com saques imaginarios de
ouro por «conta da Turquia» sobre os bancos de Berlim.
Mesmo na Allemanha a situação era cuidadosamente occul-
ta, prohibindo-se a publicação do preço das cambiaes.
Era grande a especulação no que respeitava aos productos
indastriaes que aproveitavam com a guerra, mas as transa-
ções eram secretas e o governo exercia grande pressão para
impedir as especulações que se suppunha fazerem correr
risco aos «loans».

Apoz alguns mezes de guerra, os Estados germânicos e


as municipalidades supprimiram todas as informações ácêr-
ca das suas finanças, dizendo se apenas que estavam de
pleno accordo com o governo imperial. A «Frankfurter Zei-
tung» admittia, em fevereiro de 1915, que os orçamentos dos
diversos Estados estavam todos mais ou menos confusos. Pa-
rece, na realidade, que se contentavam com emissâes perió-
dicas de bilhetes do thezouro á medida que surgia uma ne-
cessidade.
Durante o primeiro anno de guerra o orgulho e a alegria
do Banco Imperial e a de todo o povo consistiu na accumu-
laçâo de ouro. Antes da conflagração a Allemanha havia
chamado a si todo o ouro que podia e bastantes difficulda-
des foram causadas pela elevação, no Banco do Londres,
quatro dias antes da guerra, da taxa de desconto a 10 por
cento. O «stock» do ouro no Banco Imperial, em 30 de ju-
lho de 1914, em d'uns 62.000.000 libras.
Pouco a pouco e por um intenso esforço fôra elevado a
120.000 000 libras e o total poaco descera no fim do pri-
meiro anno de guerra.
O total elevára se em dezembro a 100.000.000 libras prin-
cipalmente pela suspensão total de pagamentos em dinheiro,
"seguindo-se então a febre de amealhar. Ao publico dizia-se
quo era um dever imperativo entregar todas as economias.
Organisou-se uma especie de drenagem e até os alumnos
das escolas eram recompensados quando traziam ouro 'para
ser trocado por papel.
A's mulheres foi aconselhado quo offerecessem os seus
i6o HISTORIA ILLUS1 RADA

aneis e adornos para a «Terra mãe». A quantia obtida foi


grande, mas não tanto como se esperára.
Recorrendo a diversos meio, a Allemanha conseguiu crear
e manter uma situação financeira tolerável. Ácima de tudo e
devido aos successos obtidos em campanha, o publico esta-
va satisfeito. Não se notavam disposições de investigar ácêr-
ca da situação verda-
deira e a continuação
dos depositos que se fa-
%. ziam nos bancos econo-
micos era uma prova
da confiança publica.

HÉSÉI HÉÉk. SSÊ Dissemos que a pri-


'w^à meira explosão de jubi-
* * lo causada pela guerra
na
1' ° ^ur^ra mu't0 e l)a"
WÊtKSmu^ a rece obvio que as coo
| dições economicas que
/ | descrevemos não eram
lL A ^e molde a piovocar
enthusiasmo, especial-
B mente quando se de-
monstrou de modo irre-
■Bh^ iutavel que os alliados
Hm . não podiam ser separa-
h mm dos por intrigas <lij»lo-
Wfjji HP maticas e quando se viu
que os successos alle-
'W' mães não aterrorisavam
a Italia,nem produziam
tênente coronel f. d. farquhar entre os Estados neu-
traes em geral os eflei-
tos que segundo pensavam os theoricos allemães deviam ter-
se produzido.
A' medida que a lucta progredia ia augmentando a tris-
teza na população. Isso provou se pelo socego com que até
as noticias das maiores victorias na fronte oriental foram
recebidas e pelas constantes lamentações ácerca de difficul
dades e privações.
Cartas que foram encontradas a prisioneiros allemães elu-
cidaram amplamente este ultimo ponto e entendeu se ser ne-
DA GRANDE GUERRA i6t

cessario fazer repetidos appellos ás mulheres allemãs para


não desanimarem os homens que estavam na fronte com des-
cripções tristes, mas sim escreverem em tom alegre e soffre-
rem as privações com paciência.
Tanto os discursos públicos como os artigos dos jornaes
duraute a maior parte do primeiro anno de guerra insistiam
menos na perspectiva d'u
ma victoria positiva do
x
que na habilidade «de se
manterem».«YVir werden á MÊÊ/jk
durchalten»era o estribi
lho constante, e accres- /
contava-so habitualmen- ' f mSÊ
#
te: «Venceremos porque L

As enormos perdas dos


exercitos allemilos tive / a >§ 'Mp
ram um effeitò grande &
meute desanimador na
primeira pbase da guerra 1»^
e entendeu-se por conve Ep
niente promover um mo
vimento contra a onda de
tristeza que invadia o pu- fflÊÉt
blico. Depois de terem ,váÉl
apparecido as primeiras dfl
listas de perdas os jor-
naes foram p-ohibidosde ■
publicar quaesquer ou-
tras que não fossem as lm
que se referissem às loca-
lidades onde elles sahiam,
juntamente co'm os nomos tenente coronel h. c. becker
dos ofliciaes mortos, e o
publico tinha ou do alcançar essas listas quando eram publi-
cadas pelas auctoridades militares ou de ir aos edifícios mi-
litares ou secretarias municipaes onde ollas eram afíixadas.

As «celebrações» das victorias eram, como succedia de


resto com tudo, organisadas pelo governo. Quando se deli-
berava fazer uma celebração, ordens eram dadas para os si-
nos tocarem e bandeiras serem hasteadas nos edifícios pu-
VOL. VIII FOL. 11
16z

blicos como signal para a população as hastear em todas as


casas Ao mesmo tempo as escolas eram íechadas por um
dia, depois dos professores terem pronunciado discursos
patrioticos apropriados.
A melhor organisação algumas vezes foi intempestiva, co-
mo succedeu no começo de maio de 1915 por occasiâo da
grande retirada austro-allemâ da Galicia. Era o periodo mais
das negociações com a Italia e na pressa de crear a deseja-
critico da impressão o kaiser deu ordens para Berlim para a
celebração de um triumpho, sem esperar por qualquer infor-
mação ácêrca do que havia acontecido. Alguns disseram que
«uma grande batalha no mar do Norte» se dera finalmente,
outros que «20 000 francezes haviam sido feitos prisioneiros»
e ainda outros que os russos haviam perdido 180.000 homens.
Em Munich a multidão enchia as ruas durante todo o dia,
disputando se a victoria tinha sido ganha por Hindenburg
ou por um austríaco. O «Táglichc Rundschau» queixava se
de que as auctoridade não «poupavam os nervos do povo»
e dizia:

«Porque estamos impacientes? Não ha um único signal de


hysteria publica que prevaleça em França Vivemos na mais
tranquilla confiança e herr Hindenburg gosa entre nós de
um credito illimitado que vimos sentindo na semanas e me-
zes. E agora esse obscuro sentimento é officialmente trazido
a publico. .
Quando as bandeiras são hasteadas por meio dia em to-
dos os edifícios officiaes desejamos saber a razSo. Pôde al-
guém imaginar que no estrangeiro se diga que toda a capital
do império allemão está coberta de bandeiras sem um único
ser humano ter a menor idéa do motivo que deu origem a
esse embandeiramento ?»

O effeito do engano oflicial foi que d'ahi em deante o pu-


blico nfto acreditava que houvesse victorias importantes, che-
gando a duvidar da estratégia allema. Durante os primei-
ros mezes de guerra tinham lhe promettido primeiro Paris,
depois Varsóvia e por ultimo Dunkerke e Calais
Outro engano infeliz da parte das auctoridades ioi a dis-
tribuição demasiadamente liberal de recompensas militares.
Desde começo que houve uma pródiga distribuição de Cru-
zes de Ferro. Antes da guerra a posse d'essa cruz era uma
DA GRANDE GUERRA «63

distincçâo rara e uma memoria grata da guerra de 1870. As


Cruzes de Ferro em breve perderam o valor. Segundo as es-
tatísticas officiaes, até ao fim de março de 1915 haviam sido
distribuídas cinco grau cruzes, 6.488C ruzesde Ferro de pri-
meira classe e 338.261 de segunda classe.
Durante toda a guerra de 1870 apenas 1 304 Cruzes de
Ferro do primeira classe e 45.791 de segunda foram distri-
buídas. No fim do primeiro anno o kaiser começou uma pro-
fusa distribuição até mesmo da famosa ordem prussiana iPelo
Mérito». Foi conferida a todos os commandantes que esta-
vam na fronte oriental, assim como ao kronprinz e a outros
commandantes da fronte occidental.
Ao mesmo tempo a Cruz de Ferro, com uma fita branca
em vez de preta, foi conferida a todas as classes de civis pe-
los seus serviços de administração e organisaçao. Condeco-
rações foram obtidas por favoritismo.
Uma Allemanha se ergueu dos seus recursos proprios in-
ternos e chegou ao mesmo tempo a pensar que os zeppelins
e os grandes canhões eram as expressões assignaladas do
génio allemão e que os submarinos eram quasi que na reali-
dade um monopolio, o que deu origem a extranhos exces-
sos de sentimento nacional.

O pan-germanismo tomou novas formas o nova orientação.


Grandes esforços foram feitos para expurgar o vocabulario
allem&o de todas as palavras estranhas. A policia apprehen-
dia sjstematicamente todas as taboletas que continham ter-
mos estrangeiros de qualquer especie. A's mulheres allemãs
pedia se que» fizessem o patriotico sacrifício de se submette-
rem ás modas germaoicas e sociedades se formaram para a
adopção do germanismo nos vestuários.
Sustentou se também muito seriamente que as universida-
des allemâs — n&o contentes com a renuncia feita pelos seus
professores dos graus estrangeiros e das distincções acadé-
micas —feehariam por completo as suas portas tanto aos es-
tudantes estrangeiros como ás influencias estranhas. O prin-
cipal argumento era o de que a sciencia allemâ ora tâo infi-
nitamente superior que os seus fructos deviam ser conser-
vados para uso allemSo e para dominio do mundo. N'uma
palavrá, o germanismo deu azo a excessos em todas as clas-
ses da sociedade.
As circumstancias em que a Allemanha provocára a guer
164 historia illustrada

ra e toda a natureza d'esta e dos seus problemas inter


nos tornou necessário aos dirigentes allemães o concentra-
rem a attençao na manutenção da unidade domestica e na
preservação por tanto tempo quanto possivel da ficção de
que a Allemanha tinha sido atacada e tinha do defender a
sua existencia.
D'ahi, ao passo que as sessões do Reichstag e das varias
Dietas dos Estados eram restringidas o mais possivel e as
reuniões publicas eram raras, todas as publicações officiaes
durante a maior parte do primeiro anno de guerra que nào
diziam respeito a detalhes technicos ou problemas economi-
cos versavam invariavelmente a doutrina allemâ das origens
da guerra e tentavam confirmar o seu caracter defensiro.
Uma prova frisante foram as palavras proferidas em de-
zembro de 1914 e janeiro de 1915. Quanto á unidade politi-
ca, basta dizer que os socialistas nao causaram perturbação
alguma De quando em quando discutiam em segredo a sua
questão académica favorita. A sua imprensa em graado parte
permanecia sóbria e moderada na linguagem, embora alguns
dos org&os provincianos socialistas, especialmente em Ham-
burgo e em algumas partes da Saxonia, se tornassem vio-
lentamente chauvinistas e especialmente anglophobos e ata-
cassem a attitude do orgao official socialista, o «Worwats».
Em junho de 191õ,o partido socialista lançou um manifesto
em que se dizia, entre outras coisas:

oSe a guerra, que diariamente exige novos sacrifícios, nào


tem de prolongar-se indefinidamente até as nações chegarem
a estar exhaustas, uma das potenciasjoelligerantes deve pro
pôr a paz. A Allemanha que, atacada por forças immensa
mente superiores, tem até agora victoriosamente repellido os
seus inimigos, resolvido o problema da reducçao á fome e
provado ser invencível, deve dar o primeiro passo para a
obtenção da paz.
Em nome da humanidade e da «kultura», e iortalecida pela
situação militar favoravel creada pelo valor dos nossos cama
radas que estão em armas, appellamos para O governo, a fim
de que se declare prompto a entrar em negociações de paz,
para pôr termo á saugrenta lucta».

O manifesto foi um appello em vao e o único resultado que


DA GRANDE GUERRA 16 5

deu foi o da suspensão temporaria dos iornaes que o publi-


caram.
A nâo ser os socialistas, ninguém mais fazia opposição.
Não é necessário tomar em linha de conta as tendencias dos
vários partidos, pouco divergindo entre si O único ponto
digno de nota é que a guerra puzera termo por algum tem-
po ao velho antagonismo entre os interesses economicos -
entre os agricultores e os industriaes.
Quando -a Allemanha teve de viver dos seus recursos pro
prios, alliaram-se naturalmente. Os agricultores em especial
podiam proclamar que haviam não só mantido a fortaleza
das forças militares, mas que cada allemão lhes devia o pão
diário. Quanto ao partido do centro, o catholico romano —
na realidade a força effectiva mais forte de todas — desne-
cessário é dizer que depois da intervenção da Italia se con-
cebia que tinha um duplo fim a preencher junto das poten-
cias centraes.
Era prohibida qualquer discussão a respeito dos objectivos
da Allemanha, embora nâo houvesso duvida possível acôrca
dos appetites allemães.
Em março foi dirigida ao chanceller imperial uma petição
em favor da discussão livre, por todas as organisações im-
portantes industriaes e agrícolas do Império. Declarava se
que todo o povo allemão era inspirado pela poderosa von-
tade de que a Allemanha sahiria da guerra «maior e mais
forte, com fronteiras asseguradas a oeste e a lesto e com os
territorios europeus e coloniaes necessários para segurança
do poder marítimo da Allemanha, assim como do seu poder
militar e economico».
O chanceller imperial respondeu com novas admoestações,
dizendo que «essas polemicas contra uma deliberação das
mais altas auctoridades militares e civis» eram inopportunas
e que «nâo accelerariam a victoria no campo de batalha».
Em junho — por occasião do manifesto socialista a que
fizemos referencia — o rei da Baviera demonstrou ter-se re-
gosijado com a intervenção da Gran Bretanha na guerra,
porque previa uma dilatação de fronteiras allemãs ao sul e
ao oeste e a realisação dos seus sonhos de mais intima liga-
ção da Allemanha do sul com o mar.

Assim se chegou ao verão. A attitude do chanceller impe-


rial expôl-o aos ataques e houve mais ou menos uma certa
i66

tentativa para se desembaraçarem d'elle quando surgiu o


conflicto com os Estados Unidos por causa do torpedeamento
do «Lusitania» e o grande almirante von Tirpitz, que acon
selhára o «bloqueio submarino» da Inglaterra, resistira á
idéa do fazer concessões á, America.
Em agosto, antes da reunião do lleichstag, os liberaes na-
cionaes, depois do seu íleader», herr Bassermann, ter tido
pessoalmente uma discussão com o chanceller imperial, vota-
vam e tornavam publica uma deliberação pedindo «a dilatação
das fronteiras allemãs a leste, a oeste e sobre os mares».
N'essa occasião, porém, ainda uma pequena tentativa se
fez para occultar um tanto ou quanto o caracter geral das
ambições da Allemanha. Na occasião do anniversario do rom-
pimento da guerra, o kaiser publicou um largo e congratu-
latorio manifesto, com a seguinte verdadeiramente significa-
tiva conclusão :

«Na heróica lucta soffreremos e trabalharemos sem des-


conço até chegar á paz, uma paz que nos offereça as neces-
sárias garantias militares politicas e economicas para o fu-
turo e que tenha as necessarias condições para o pleno des-
envolvimento da nossa energia productora, tanto interna-
mente coma nos mares livres».

Na giria politica de occasião as expressões «as necessa-


rias garantias militares, politicas e economicas» e «os mares
livres» satisfaziam tudo o que os «annexionistas» podiam
pedir. Por isso, elles estavam maito satisfeitos.
D'ahi a pouco tempo, o Temps, de Paris, publicava o tex-
to d'uma segunda petição que havia sido dirigida ao gover-
no, em maio, pelas organisações representantes da industria
e da economia — a Liga Agraria, as duas Ligas de Ruraes,
a União Central dos Industriaes Allemães, a Liga de Indus-
triaes e a União das Classes Medias.
Esse importantíssimo documento revelava bem claramente
as ambições allemãs, que se tentava occultar aos paizes neu-
traes.
Depois de se asseverar que a guerra traria «uma dilata-
ção do poder allemão», os signatarios diziam :

«Juntamente com um império colonial que satisfaça plena-


mente os numerosos interesses economicos da Allemanha,
i6;

juntamente com garantias para o futuro do nosso commer-


cio e do nosso systema fiscal, e juntamente com uma inde
mnisação não só suficiente mas de natureza apropriada,
consideramos o principal objectivo da lucta em que estamos
empenhados como consistindo n'uma garantia e n'um melho-
ramento da base europeia do Império Allemãot.

As principaes reclamações directas contra a Inglaterra es-


tavam contidas nas palavras que acabamos de transcrever.
A'cerca do continente europeu a petição era mais precisa.
Tratava primeiro da Bélgica :

«Forque é necessário asssgurar o nosso credito no mar e


a nossa situação militar economica para o futuro «vis-à vis»
da Inglaterra, e porque o territoria da Bélgica, que ó de tão
grande importancia economica, está intir amente ligado com
o nosso principal territorio industrial, a Bélgica tem do ficar
sujeita á legislação do Império Allemao nas questões mone-
taria, financeira e postal. Os caminhos de ferro e canaes bel-
gas devem ser estreitamente ligados com as nossas vias de
communicaçâo. ,
Constituindo uma area walona e uma area preponderante
'flamenga e collocando em mãos allemas as emprezas econó-
micas e propriedades tão importantes para o doininio do paiz
organisaremos o governo e a administração de modo a que
os habitantes não possam adquirir qualquer influencia sobre
os destinos políticos do Império Allemâo».

Depois, com relação á França:

• Quanto á França e considerando sempre a nossa situação


«vis-à-vis» da Inglaterra, 6 de vital interesse para nós,
quanto ao nosso futuro no mar, que dominemos a região da
costa desde a Bélgica até ao Somme. Isso dar nos-ha a su-
premacia no Oceano Atlântico. O «hinterland» que será ad-
quirido ao mesmo tempo deve ser de tal extensão que, tanto
economica como estrategicamente, os portos em que os canaes
terminam possam ter a sua completa importancia. E neces-
sário annexar a bacia mineira de Briey, mas nenhuma ou-
tra conquista territorial deve ser feita em I rança excepto
em consequência de considerações de estrategia militar.
Quanto a este assumpto, é muito natural, depois da ex-
HISTORIA ILLUSTRADA

periencia da guerra, que não exponhamos as nossas frontei-


ras a novas invasões, deixando ao nosso inimigo as fortale-
zas que nos ameaçam, especialmente Verdun e Belfort, e os
contrafortes occidentaes dos Vosges situados entre essas
duas fortalezas.
Pela conquista da linha do Mosa e da costa franceza, com
a foz dos canaes, adquiriremos, alóm dos districtos mineiros
de Briey já indicados, os da hulha nos departamentos do
norte e de Pas de Calais. Esses augmentos territoriaes —
apoz a experiencia que temos tido na Alsacia Lorena—serão
feitos de modo a que a população dos territorios anne-
xados não possa obter influencia politica nos destinos do Im-
pério Allemâo e que todas as fontes de poder economico nes-
ses territorios, incluindo grandes e pequenas propriedades,
passem para mãos allemãs. A França indemnisaria os pro-
prietários e absorvei os hia».

Tendo assim disposto do oeste, os peticionários diziam


que os ganhos industriaes deviam ser compensados por um
augmento de territorio agrícola á custa da Rússia. Diziam :
«
«E' necessário fortalecer a base agrícola do nosso systema
economico. Devemos tornar possível uma colonisação agra
ria allemâ em larga encala e a repatriação para territorio al-
lemâo de camponezes allemâes vivendo nas cercanias e es-
pecialmente na Rússia. Devemos também augmentíir larga-
mente o numero dos nossos nacionaes capaz de trabalho.
Tudo isto exige uma dilatação considerável das fronteiras
orientaes do nosso Império e da Prússia pela annexação a
leste de certas partes das províncias do Báltico e de territo-
rios ao sul d'ellas, sem perder de vista a necessidade de tor-
nar possível a defeza militar da fronteira oriental. A fim de
reconstituir a Prússia Oriental, é absolutamente necessário
proteger as fronteiras, incluindo certas faixas de territorio.
A Prússia Oriental, Posen e a Silesia não podem continuar
por mais tempo a permanecer expostas como até aqui».

O memorandum accrescentava que o que se dissera ácêrca


da população das areas annexadas no oeste devia ser posto
em pratica também no leste e observava que a indemnisação
de guerra a pedir á Rússia devia consistir em grande parte
em cessões de territorio.
DA GRANDE GUERRA I€9

Finalmente inseria uma longa explanação das razões eco-


nómicas por que a Allemanha se devia apoderar das regiões
hulheiras francezas. Argumentava se especialmente que, se
os inimigos da Allemanha conservassem as principaes fon-
tes mundiaeB de oleo mineral, a Allemanha devia apoderar-
se das principaes regiões hulheiras.
A evidencia era já esmagadora, mas o fecho deu lh'o o
chanceller imperial a 19 d'agosto de 1915 proferindo no liei
chstag um discurso confessando claramente todas as ambi-
ções do império allem&o.
Mais uma vez. mas com
ins'olita violência de lin-
guagem eoccultando pro
positadamenta a verdade,
herr von Bethmann-Holl-
weg protestou a innocen-
cia da Allemanha e o seu
amor pela paz,proclamou
a«culpabilidade» dos seus
inimigos e attribuiu á In-
glaterra em especial a
responsabilidade do te-
rem falhado os esforços
diplomáticos para se con-
seguir um accordo entro
a Inglaterra e a Allema-
nha nos annos que prece-
deram a guerra e para
evitar esta quando se deu I.ORD KISHER
a grande crise.
Mas a significação real do discurso, que foi acolhido com
enorme satisfação em todo o império e trouxe ao chanceller
imperial louvores públicos e inesperada popularidade, era a
de marcar o abandono da ficção da «guerra defensiva da Al-
lemanha».
A queda de Varsóvia, Ivangorod e Kovno e ajconquista
da Galicia e da Polonia foram o signal para a diplomacia al-
lemã tomar também a offensiva. As passagens principaes d'es-
se .discurso foram as seguintes :

«O mundo que sahirá d'esta guerra nunca assumirá o as-


pecto que os nossos inimigos sonham. Luçtam pela restaura-
1-0 HISTORIA JLLUSTRADA

çao da velha Europa, com ama Allomanha impotente no meio


d'ella como campo para intrigas e para cobiçai e, sendo pos-
sível, como campo de batalha da Europa uma Allemanha
em que os pequenos Estados impotentes estarão sujeitos â
vontade de estranhos, uma Allemanha com as suas industrias
anniquiladas e podendo apenas concorrer ao pequeno com-
mercio dos seus mercados internos, sem uma armada, uma
Allemanha vassalla do gigantesco império russo.
Não, esta tremenda guerra mundial não restaurará as ve-
lhas condições. Um novo systema surgirá. Se a Europa quer
sempre a paz, só a pódo conseguir polo estabelecimento d u-
ma Allomanha inviolável o forte. A politica ingleza do equi-
líbrio de poderes deve desapparecer ..
A Allemanha deve construir, fortificar e fortalecer a sua
posição de modo a que as outras potencias nunca mais pos-
sam pensar em a anuiquilar. Para protecção de nós proprios
e de todos os povos, queremos a liberdade dos mares mun-
diaes — não como a Inglaterra deseja, só para ella, mas de
modo que sejam pertença de todos os povos em partes
eguaes. ...
Esta guerra mostrou de que grandeza somos capazes,
quando confiamos na nossa própria força moral. Não odia
mos os povos que teem sido arrastados á guerra eontra nós
pelos seus governos, mas seremos superiores ao seu senti-
mentalismo. Luctaremos até que esses povos peçam a paz,
até que se penitenciem da sua culpabilidade, até que o ca-
minho fique livre para uma nova Europa, liberta das intri-
gas francezas, da paixão moscovita de conquista e da tutela
ingleza».

A este insolente cartel de desafio á Europa replicou im-


mediatamente sir Edward Grey. O que era o programmaal-
lemão ? A Allemanha queria sor o arbitro do destino de to-
das as outras nações — a Allemanha queria ser suprema e
a única a ser livre —«livre para quebrar os tratados Lnter-
nacionaes ; livre para esmagar quem lhe approuvesse; livre
para recusar toda a mediação; livre para fazer a guerra quan-
do lho conviesse; livro, quando fizesse a guerra, para que-
brar de novo todas as normas de civilisação e humanidade
£m te-ra e no mar ; e, emquanto assim podia proceder, todo
o seu commercio marítimo ficaria livre em tempo de guerra
como todo o commercio o é em tempo de paz... Em seme-
DA GRANDE GUERRA

lhantes termos não podia a paz ser concluída ou a vida das


outras nações não seria livre ou sequer tolerável».
Ao mesmo tempo o discurso de herr von Bethmann-IIoll-
weg revelou os esforços da Allemanha para assegurar a
uentralidade da Gran-Bretanha antes de atacar a Rússia e
a França.
Em virtude das afiirmativas grosseiramente mentirosas do
chanceller allemão tçndentes a mostrar que a Inglaterra im-
pedira as benevolas offertas feitas no interesse da paz, o
governo iDglez viu se forçado a publicar a narrativa com-
pleta das infelizes negociações que lord Haldane, então mem-
bro do gabinete, fôra tratar em Berlim, em 1912.
A Allemanha havia, sob o pretexto de falta de vontade de
pôr de parte algumas das medidas que estavam sendo toma-
das para augmento da armada allemâ, pedido um tratado de
neutralidade que teria impedido a Gran Bretanha de prestar
auxilio n'uma guerra contra a Rússia ou contra a França,
ao passo que a Allemanha ficava com plena liberdade de to
a ar parte n'uma guerra contra essas potencias em confor-
midade com os termos da Tríplice Alliança.
Tal revelação confirmou a opinião que se generalisára em
Inglaterra com respeito á perigosa influencia exercida por
lord Haldane nos annos que antecederam a guerra. E,o que
é mais importante, é que acabou d'uma ve» por todas com
as desculpas e prevaricações da Allemanha e pôz a claro o
seu persistente e ininterrupto esforço para dominar a Eu-
ropa.

N'um anno de guerra, a Allemanha dera uma demonstra-


ção nota%Tel do seu poder militar, do patriotismo do seu povo,
da grande força e recursos do paiz e da sua inexcedivel effi-
ciencia de organisação e administração.
Mostrára poucos signaes quer de fadiga guerreira, quer
de exhaustão politica, moral ou economica. Mas estava sósi-
nha. Tem as redeas em Vienna e Budapest e os seus mane
quins governam a Turquia. A sua força e a sua violência
causaram certa impressão. Mas, assim como foi abandona-
da, apesar de todas as tentações materiaes, pela sua alliada
a Italia, não alcançou nem amigos, nem sympathias, nem
«pprovação.
Apenas alentou com todos os seus golpes a coragem e a
resolução de todas as nações que arrastou á guerra e, em
172 HISTORIA ILLUSTRADA

toda a parte do mundo onde os homens creem nos ídeaes


humanos e amam a independencia nacional e a liberdade,
fez com que a paz só seja acceitavel quando ella puzer ter-
mo ás arrogantes ambições da Allemanha e á sua paixão de
conquista.
CAPI1ULO LXVI

A gaelrra naval no segnndo trimestre

De novembro de 1914 até ao fira de janeiro de 1915, acon-


cimentos de grande importancia se deram no Mar do Norte,
mas a característica d'esse periodo foi a execução da tarefa
de destruir as forças navaes da Allemanha nos mares longín-
quos. A tomada de Tsing-Tau tinha de ser completada pela
destruiçfio da força naval que tinha a sua base n'aquella for-
taleza do Oriente.
A sua sorte estava prevista, mas a sua existencia consti-
tuía uma ameaça para o commercio e trazia riscos de respon-
sabilidades que directa e indirectamente aflectavam toda a
obra da armada ingleza. Tsing Tau fôra, desde o começo da
occupação allemã, administrada pelo almirantado allemão e
não pelo ministério da colonias. Era, de facto e acima de tu-
do, uma base naval e a séde da esquadra allemã do «Orien-
te Asiático®.
Essa força compunha-se dos cruzadores couraçados Schar-
nhorst e Gneisenau, dos cruzadores ligeiros Emden, Nãrn-
berg e Leipzig, de canhoneiras e de dois destroyers. Como
dissemos, quando tratámos da tomada de Tsing-Tau, os cru-
zadores não foram ahi destruhidos ou aprisionados, visto que
na occasião se não encontravam n'essa bahia.
Vamos descrever resumidamente a obra da armada japo-
neza, que ajudou a varrer as aguas na vizinhança das suas
costas e depois cooperou no transporte de tropas dos Do-
mínios para a Inglaterra e em fazer desapparecer a bandei-
ra allemã das ilhas do Pacifico.

Foi a 23 d'agosto de 1914 que o Japão quebrou as rela-


ções diplomáticas com a Allemanha e lhe declarou guerra,
mas logo que isso se deu agiu com rapidez e a efficiencia
que era de esperar d'aquelle povo. A primeira esquadra,
sobo commando do almirante barão Dewa, estendeu-so
n'uma linha desde o promontorio de Shantung, no Mar
'73

Amarello, até ao archipelago de Chusan no Mar Oriental,


emquanto a segunda esquadra, sob o commando do almirante
Kato, estava no dia 27 espalhada em frente da bahia de Kiao-
Chau — na qual fica Tsing-Tau — e estabelera um aperta-
do côrco d'esse porto nas modernas condições de guerra.
O objectivo dos japonezes era, naturalmente, a esquadra
allemã do Extremo Oriente, mas von Spee, o almirante com
mante d'essa força, conseguiu occultar se e aos seus cruza-
dores em qualquer porto do sul do Mar da China.
As armadas japonezas ficaram nos seus postos até ao fim
d'agosto, quando começou o transporte do exercito destinado
a tomar Tsing-Tau. A primeira armada tomou então posição
nas aguas meridionaes da Koréa, ao passo que uma divisão
de segunda esquadra, cruzando no Mar Amarello, prestava
auxilio comboiando os transportes.
A divisão do contra-almirante Kaminura, cooperando com
o destacamento da estação naval de Port Arthur, auxiliou o
desembarque de tropas em Lunkiang. E emquanto estes mo-
vipientos se affectuavam — só terminando a 13 de setembro
— um destacamento sob o commando directo do almirante
Kato, commandante em chefe da segunda esquadra, com o
Tochinai o o Okada e um outro contingente especialmente des-
tinado para esse serviço, concentrou se na bahia de Kiao Chau
© nas suas proximidades.
Apezar do tempo péssimo, os draga-minas trabalharam
quasi que ininterruptamente em varrer o mar no ponto em
frente do qual o segundo destacamento do exercito devis des
embarcar. Os aviadores trabalhavam também por seu lado
« o inimigo teve todas as communicações cortadas pelo mar.

Quando, em setembro, começou o transporte da segunda


parte do exercito, a primeira armada de novo foi empregada
em comboiar os transportes ; o Kaminura e o Port Arthur
auxiliaram o desembarque das tropas na bahia de Laoskan,
emquanto a principal força da segunda armada, que podia
agora operar livremente devido ao trabalho dos draga-minas,
cooperava com as forças de terra bombardeando os fortes
da ala direita da linha do inimigo.
As baterias de marinha que estavam auxiliando o exercito
sitiante abriram fogo a 14 d'outubro sobro os navios inimi-
gos que estavam na bahia e, tendo os inutilisado, voltaram a
Bua attençao para o bombardeamento do forte de Tsiug-Tau.
'74

A 31 d'outubro começou um bombardeamento geral e a 7


de novembro os fortes renderam-se. O navio inglez Triurnph
e o destroyer Usk cooperaram com a segunda armada e to-
maram parte no bloqueio, assim como no bombardeamento.
Durante essas operações perderam-se o velho cruzador 7a-
kachico de 3.700 toneladas, construído em 1.88Õ, o destroyer
Shiratai, o torpedeiro numero 33 e tres paquetes armados
em guerra. Do lado do inimigo houve, mettidos a pique ou
destruidos, o cruzador austríaco Kaiserin Elizabeth, cinco
canhoneiras, Cormoran, 1Itis, Jaguar, Tiger e Luclis e dois
destroyers.

Esta acção foi apenas uma parte da actividade desenvol-


vida pelos japonezes. No começo das hostilidades, a terceira
armada japoneza foi mandada proteger a carreira commer
ciai para os mares do sul, nas aguas chinezas.
Embora no começo de novembro todos os navios inimigos
tivessem sido varridos das aguas do Extremo Oriente, pelo
menos tanto quanto se sabia a vigilancia não atfrouxava.
Uma divisão d'essa armada que seguira para operações nos
mares do sul chegou a Singapura a 26 d'agosto e combinou
o que devia fazer com a divisão ingleza nos mares orientaes.
A principio nada se sabia dos movimentos do inimigo n es-
sas regiOes e tinha de ser rigorosa a vigilancia dos portos im-
portantes.
Quando o Emden começou a dar signal de si na parte
oriental do Oceano Indico, a divisão começou a dar lhe caça
e a 25 d'outubro um reforço sob o commando do vice-almi-
rante Tochinai foi para ali mandado, sendo o Emden destruí-
do no dia 9 de novembro nas ilhas dos Cocos, pelo cruzador
australiano Sydney
Quando as hostilidades começaram, alguns navios inimi-
gos andavam ao largo no Pacifico nas vizinhanças de Hawai
mas não se sabia onde estavam nem qual a situação da di-
visão que fugira das aguas do Extremo Oriente. Uma divi-
visão da primeira armada japoneza estava dando caça — di-
zia se - na estrada marítima entre o Japão e a America do
Norte. Vestígios alguns de navios allemães foram encontra-
dos de modo que a divisão se occupou em tomar posse, para não
estar inactiva, dos clogares ao solt de que a Allemanha se
apoderára no Pafico, com o fim de formar uma grande Alle-
manha além dos mares.

I
DA GRANDE GUERRA

Um dos navios da divisão alleinã que escapára ás inves-


tigações dos japonezes n'aquellas aguas era ocruzador ligeiro
Emden. Já alludimos a esse navio, mas não contámos a his-
ria da sua destruição. A fertilidade de recursos de que o ca
pitão d esse navio era dotado foi muitas vezes exalçada,
mas é provável que nunca se demonstrasse tanto como quan
do sahiu de Kiao-Chau.
Havia todas as probabilidades de ser encontrado por um
navio jap jnez com o qual, se viesse ás mãos, não tinha es-
perança de se sahir bem. O que se esperava succedeu, e
pouco depois de levantar ferro encontrou se com um cruza-
dor-couraçado japonez. Mas não foi o Emden de três cha-
minés com a insígnia allemã preta, branca e vormelha que
passou pelo navio inimigo, mas um navio com quatro chami-
nés, arvorando a insígnia branca ingleza, cuja tripulação, ao
passar pelo navio japonez, subiu ás vergas e soltou os tres
uhrruhs do estylo em honra dos seus alliados.

Na bahia de Bengala o Emden aprezou e metteu, a pi-


que, de 10 a 14 de setembro, os seguintes navios : lndus,
3.413 toneladas; Lovat, 6.102; Killin, 3 544 ; Diplomat,
7.615 ; Trabboch, 4 028. No dia 12, o Kabinga, de4.657 to
neladas, foi aprezado e em seguida abandonado. No dia 14,
o Ctan Matheson, do 4.775 toneladas, foi mettido a pique.
No dia 30, foram aprezados e mettidos a pique: King Lud,
de 3.650 toneladas ; Fo?jle, de 4 147 ; Ribera, de 3.500, e
Tymeric, de 3 314. No mesmo dia o Bure»k, de 4.350, foi
aprezado, e o Ghryíevcile, de 4.137, foi aprezado e depois aban
donado. O Pontoporos, aprezado pelo Emden, foi libertado
pelo Yarmouth a 16 d'outubro.

FIM DO 8.° VOLUME


ÍNDICE
P'g-
Capitulo L1X — Segunda batalha de Ypres (continuação).... 5
LX — Ae campanhas nas províncias do Báltico. .. IH
» LXI — A victoria austro-allemà do Dunajec 22
» LXI1 — A conquista de Przemyal e de Lemberg 50
» LXI1I — O contingente cauadiano em França í>5
» LXIV — As batalb is de Aubert e de Festubert 108
» LXV — A Allenianba na guerra I2y
» LXVI — A guerra naval no segundo trimestre 164

GRAVURAS
P»g.
•Tenente li. A. Beal !•
Laubeufl' 16
li Stows 1?
James Mu. Kecbnie 2o
General italiano Lequio 32
General Porro 33
Caeser Lawrenti 41
General Frugoni 49
J. P. Hoiland 57
Tenente cotn. de «Creagh»... 64
Capitão Henry B. Pely b5
General itxlinno Ruelle .* 73
Williams C. H >0
General italiano Garioni 81
José Garibaldi 89
Contra Almirante Enrico Mala 97
M&rcora 105
Barão von Macchio 112
Almirante Viale. 113
Estadis'.a italiano Giolitti 121
Major G. VV. Benett 128
General Lequio 129
O estadista Winston Churchill.... 13rf
Tenente coronel Hart Mellarg 144
General italiano Vittoria Zupeli * 145
Antonio Salaudra 153
Tenente coronel P. D. Farqúhar 162
Tenente coronel A. C. Becker 163
Lord Fishcr 171
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Fossas Slouras, artigo de propaganda de Carlos Bandeira
de Mello, S10 (100 réis)
Don\ta-Lavinia-Annita Garil>aicii, tragedias, de
Osorio Duque-Estrada, í5o (5oo réis)

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