História de Sinop

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPG/Letras) da Universidade do Estado de Mato Grosso


(UNEMAT) Campus Universitário de Sinop- MT. Graduada em Licenciatura Plena em Letras – Português/Inglês
pela mesma Universidade. E-mail: andressafariasabf@gmail.com
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Introdução

Considerando o processo acelerado de ocupação das terras norte mato-grossenses que


trouxeram mudanças drásticas tanto em relação à alteração na paisagem, provocando impactos
ambientais, quanto no cenário socioeconômico, alguns dos objetivos deste trabalho, pautam-se
em compreender como deu-se o processo de formação histórico-territorial e socioeconômico
no norte do Estado do Mato Grosso, mais especificamente de Sinop. Assim, a pesquisa percorre
sobre o processo de reocupação e colonização da região, o crescimento e o desenvolvimento
socioeconômico acelerado da região; as transformações desencadeadas pela expansão da
fronteira agrícola enfocando a expansão da produção da soja em áreas de fronteira agrícola; e
os impactos ambientais e socioeconômicos que a atividade agrícola tem causado no espaço.
Assim, este trabalho centra suas análises sobre a história de Sinop, objetivando a
compreensão do processo e a trajetória da colonização e a realidade social do espaço desde a
década de 70 como essa realidade se encontra atualmente no seu cenário social, ambiental e
econômico da fronteira agrícola.
Para alcançarmos os objetivos propostos pela pesquisa, a mesma foi permeada por
leituras teóricas, em especial as relacionadas ao contexto social, histórico e econômico da
região, bem como por coletas de dados, descrições de entrevistas realizadas com sujeitos sociais
que fazem parte da trajetória de formação histórico-territorial e socioeconômico da cidade de
Sinop-MT.
Os sujeitos entrevistados desta pesquisa são um agricultor e um morador da região
centro-urbano, moradores há mais de 40 anos da cidade de Sinop. Os entrevistados são
migrantes da região Sul do país, mais especificamente do Estado do Paraná, onde vieram para
o norte de Mato Grosso na década de setenta, momento em que a região começa a receber um
intenso fluxo migratório, a partir de uma política de incentivo do governo federal para ocupar
o “vazio demográfico” da Amazônia sob a bandeira de “Integrar para não Entregar”.
Foram coletados ainda para o desenvolvimento desta pesquisa, informações contidas em
banco de dados da agricultura e desenvolvimento socioeconômico como o Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (PRODES-INPE), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a Aprosoja/MT e o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária(IMEA).
Desta forma, o artigo trata em sua primeira parte sobre o processo de colonização da
cidade de Sinop norte de Mato Grosso, contextuando o trabalho da região que tinha o setor
madeireiro como a principal fonte de renda no início da ocupação da região nas décadas de 70
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a 80, diante do fracasso da produção da agrícola, pela falta de recursos, financiamentos e


conhecimentos topográficos e climáticos da região, completamente diferente do Sul, retomando
com avanço a partir da década de 90 com a produção de milho, arroz e a soja, após o declínio
do setor madeireiro ao decorrer nos anos 80. Posteriormente, apresentamos o atual contexto
socioeconômico e educacional de Sinop.
Em sequência passamos a discorrer sobre o processo da expansão agrícola no norte Mato
Grosso, expondo os principais motivos que impulsionaram a abertura da nova fronteira agrícola,
as ações e programas de incentivos voltados para a produção da cultura e a modernização do
setor agrícola na região. E os custos sociais e ambientais provocados pelo processo de um
intenso fluxo migratório e do processo da expansão e modernização agrícola.

Migrações para o norte mato-grossense: a colonização de Sinop

Localizada na região Centro-Oeste do Brasil, no norte de Mato Grosso, Sinop foi


constituída por uma política de ocupação da Amazônia Legal, desenvolvida pelo Governo
Federal na década de 1970.
Foi colonizada nessa década por famílias em sua maioria vindas da região sul do país.
Sinop fundou-se em 14 de setembro de 1974, e o nome da cidade deriva das letras iniciais da
empreendedora colonizadora da cidade, Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná -
Colonizadora Sinop S/A.
A ocupação da área onde hoje está localizada a cidade de Sinop teve início no ano de
1972, quando a então Colonizadora Sinop S/A adquiriu aproximadamente quinhentos mil
hectares de terra, a 500 km ao norte da BR 163 (Cuiabá-Santarém). A migração na região norte
deu-se inicialmente pelos sulistas, oriundos dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul.
O processo de “ocupação” da região norte mato-grossense ocorrido a partir de 1970,
como consequência do programa Marcha para o Oeste1, representou, na verdade, um terceiro
movimento de povoamento humano. Pois inicialmente o norte de Mato Grosso era marcado
pela ocupação de etnias indígenas, e posteriormente, de grupos sociais menores, de extrativistas,
posseiros e alguns seringueiros, que foram silenciados pelo terceiro movimento de ocupação da

1
Programa criado pelo Governo Federal na década de 1940, que incentivava o progresso e a ocupação da região
Centro-Oeste do Brasil, para que se pudesse ocupar o “espaço demográfico vazio”, pois havia muitas terras
“desocupadas”.
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região pela política de colonização do governo sob o regime militar. (LORD, 2011). Ou seja, a
região passou a ser ocupada por migrantes principalmente vindos do Sul do País. No entanto, o
governo teve como prática o silenciosamente e a expulsão de grupos sociais já residentes na
região.

O que se convencionou chamar de “colonização” da região norte do Estado


do Mato Grosso foi, de fato, um terceiro processo de ocupação humana do
local. Seu principal diferencial foi constituir-se em processo eficiente em
termos de formação de uma sociedade nova, em completa desvinculação com
a história anterior do local e capaz de construir uma narrativa legitimada
oficialmente pelo Estado que silenciou outras falas em contrário. (LORD,
2011, p. 77).

O projeto de ocupação da região norte de Mato Grosso, em especial Sinop, sucedeu-se


com o empreendimento privado de uma imobiliária do estado do Paraná em parceria com o
governo militar. A Colonizadora Sinop S/A tinha a idealização da cidade que projetava, como
nos mostra Souza, quando a mesma, ao chegar no norte do estado, executou todo um processo
de organização e colonização:

A Colonizadora Sinop, ocupou uma área de 645 mil hectares, divididos em


lotes de diferentes tamanhos. Foram instalados quatro núcleos urbanos e de
apoio dentro da área de colonização: Vera, Santa Carmem, Cláudia e Sinop,
que hoje é sede do município do mesmo nome e a principal cidade do projeto,
após se desmembrar de Chapada dos Guimarães em 1979. [...] As empresas
de colonização que atuam em Mato Grosso, são empresas que adquiriram
experiência em colonização nos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande
do Sul. (SOUZA, 2012, p. 11).

Dessa forma, os primeiros migrantes foram motivados por interesses político-


econômicos na colonização da Amazônia Legal, mediante a valorização da exploração e
ocupação da “última fronteira agrícola do país, induzidos por propagandas de terras ‘férteis’,
incentivos fiscais, financeiros e promessas de lucros fáceis e ascensão social” (PHILIPPSEN,
2013, p. 59). Inicia-se, então, sucessivamente o processo de migração na região norte mato-
grossense, de pessoas oriundas em sua maioria dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e
Santa Catarina.
Diversos fatores contribuíram para a ocupação da Amazônia, dentre os quais se destaca
a ocupação do “vazio demográfico” propagandeada por terras como meio de produção e
melhores condições de vida. Conforme Souza (2012, p. 11), “nesse processo de ocupação da
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região norte de Mato Grosso, percebe-se uma política de valorização do empreendimento, em


um ciclo rápido. Exige-se, além das benesses fiscais, a superexploração do trabalho”. Como
visto, em parceria com o empreendimento Imobiliário particular, o governo federal concedeu
terras para a colonização às Imobiliárias, que conseguiam muita terra e a dividiam em lotes, os
quais eram revendidos aos colonos que migravam do sul. Porém, ainda segundo Souza (2012,
p. 140), “muitos migrantes não conseguiram a “terra prometida” pela qual sonharam e foram
para Mato Grosso”.

O setor agrícola e madeireiro nas décadas de 70 e 80

Com o incentivo e a promessa de terras férteis e o progresso na região, “os migrantes


foram impulsionados pelo Governo Militar a virem ao norte mato-grossense para preencherem
“o espaço vazio”” (PHILIPPSEN, 2013, p. 50). Assim, desde o início da colonização, o
propósito da colonizadora era implantar a produção do café, principal produto de exportação
do estado do Paraná, mas que se encontrava naquele momento em fase de declínio na região
sul decorrente às geadas que assolavam com uma vasta produção. Diante a essas circunstâncias,
impulsionou-se a migração dos de pequenos produtores à região norte mato-grossense. Desse
modo, inicialmente esses migrantes eram incentivados à produção agrícola de café e mandioca,
posteriormente se principia uma decadência do incentivo à produção e comercialização dessas
culturas e aos poucos passam a ser abandonadas pelos pequenos agricultores (PHILIPPSEN,
2013).
Como expõe a mesma autora (2013), os experimentos, relacionados aos plantios do café
e da mandioca, tiveram um fracasso, que pode ser justificado pelo desconhecimento e a
inexperiência dos pioneiros sobre o espaço geográfico, relacionados ao solo e ao clima da
região, já que anteriormente esses migrantes atuavam em outras atividades ou com outras
variedades de produção no sul do país.
Ainda segundo Philippsen (2013, p. 75), “na chegada dos migrantes, que vinham
principalmente na expectativa de satisfazer o desejo de possuírem terras e melhorarem suas
condições de vida, no entanto, desenhou-se um cenário distinto, de reais dificuldades que foram
encontradas pelos “desbravadores” da floresta.” A inadequação ao plantio do café na região
conduziu a grandes prejuízos aos ‘colonos’, condição totalmente inversa aos dos anúncios e das
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fotos que eram propagandeadas pela colonizadora, que exaltavam os fatores climáticos, como
a ausência de geadas e de chuvas constantes.
Podemos constatar essas assertivas, também, no seguinte excerto de entrevista realizada
com um pioneiro de 57 anos, morador da região central da cidade de Sinop, que chegou ao
município em 1977:

Olha, o meu pai, o sonho dele era o café, a plantação de café. Como mostravam
fotos falsa na época, pra trazê o pessoal pra cá, fazendas de cafezais aqui na
cidade que nunca existiu, meu pai foi um dos que se iludiu com o café que
nunca teve no Mato Grosso, aqui na nossa região também não. Mostrado pela
própria Colonizadora Sinop. Foi uma decepção total. Luz só tinha na escola,
que era da Colonizadora e ligava na escola. Tudo era decepcionante, não tinha
nada, foi decepcionante quando chegamos aqui. (Entrevistado A2)3.

Além da frustração com as ‘falsas’ propagandas divulgadas pela colonizadora por meio
de folders e fotografias que enalteciam a Gleba Celeste como terra ‘fértil’, sobre cafezais que
não ‘existiam’ e com o insucesso na produção do café e outras culturas por causa do solo e à
falta de financiamento aos colonos, os primeiros migrantes enfrentaram também dificuldades
em relação à moradia, à malária e à febre amarela, bem como dificuldades no período de chuva4.
Conforme é enfatizado na entrevista com o pioneiro entrevistado A, “as condições de moradia
eram difíceis, as casas eram levantadas com lonas, sem piso e divisórias, eram tudo provisórias
[...] a febre amarela era epidemia na região”.
Com o declínio da produção da agricultura, a falta de recursos e financiamentos do
governo federal, inicia-se então, uma expansão na extração e instalação de madeireiras,
desenhando-se o cenário do setor madeireiro na região. Conforme Philippsen (2013, p. 67), “a
madeireira tornou-se, consequentemente, o principal produto de industrialização e de
comercialização da região”.
Segundo Teixeira (2006), a madeira foi a principal fonte de renda no início da ocupação
da região, já que a madeira era encontrada em abundância e precisava ser retirada para o
processo de ocupação, o que garantiria de certa forma a posse da terra.

2
Apesar do sujeito entrevistado conceder a entrevista e sua divulgação, não foi autorizado a revelação de sua
identidade.
3
Procurou-se preservar a variação fônica ou da pronúncia características de todos os entrevistados.
4
O período de chuvas compreende-se entre os meses de novembro a abril. Entre os meses de maio a outubro é o
período relativo à seca.
90

Dessa forma, o trabalho na extração de madeira nas décadas de 1970 e 1980 passa ser a
principal atividade econômica na região mediante as instalações do setor madeireiro no norte
mato-grossense, que ganham forças com a expansão de empresas das regiões sul e sudeste do
país, visto que muitos dos trabalhadores das madeireiras foram funcionários deslocados para a
região e junto trouxeram a família que passa a depender exclusivamente das condições de
moradia e educação que eram ofertadas pelas empresas. Assim, este trabalho foi o pilar na
formação da sociedade local (LORD, 2011).
Entretanto, conforme Philippsen (2007), a atividade no setor madeireiro, que teve
apogeu na década de 80, passa a entrar em declínio já no início da década de 90. Como podemos
verificar no fragmento abaixo:

a atividade madeireira, tão explorada e difundida nos anos 80, não conseguiu
se estabilizar e nem garantir ganhos substanciais aos empresários madeireiros.
Sem infra-estrutura, sem investimentos e recursos para se capitalizar e sem
incentivos políticos governamentais para o fortalecimento do setor, o
madeireiro, em geral com um perfil de pouca instrução (escolaridade) e de
gerenciamento muito abaixo dos padrões exigidos para uma inserção
competitiva nos mercados nacionais e internacionais, não encontra apoio para
prosseguir na atividade (PHILIPPSEN, 2007, p. 24).

A partir da década de 1990 inicia-se, então, um avanço no setor agrícola com a produção
de milho, arroz e a soja como carro chefe. De acordo com Lacerda (2013, p. 25), passam a se
instalar na região as grandes companhias internacionais voltadas ao desenvolvimento do setor
agrícola. Dentre as companhias o autor destaca a Bunge5, Cargill6 e a ADM7. Assim, o objetivo
da ocupação dessas áreas passa da colonização e fundação de cidades para um novo processo,
a “expansão cada vez maior da produção de grãos, destinada à exportação”.

Sinop: “a capital do nortão”

5
“BUNGE: Bunge Corporation, baseada em Saint Louis. Tem unidades industriais, silos e armazéns nas
Américas do Norte e do Sul, Europa, Ásia, Austrália e Índia, além de escritórios da BGA (Bunge Global
Agribusiness) atuando em vários países europeus, americanos, asiáticos e do Oriente Médio. No Brasil, controla a
Bunge Alimentos, a Bunge Fertilizantes e a Fertimport.
6
CARGILL: é uma multinacional norte-americana fundada em 1865 por W.W. Cargill em Iowa. Atualmente
comercializa, processa e distribui produtos agrícolas, alimentícios, financeiros e industriais em 59 países. Sua sede
está em Minneapolis (Minnesota – EUA).
7
ADM: Archer Daniels Midland, com sede em Decatur, Illinois (USA), processa ingredientes especiais para
rações e produtos alimentícios” (LACERDA, 2013, p. 25).
91

Atualmente, Sinop conta com uma população de132.934 habitantes (estimativa IBGE8,
2016), é considerada como um dos mais importantes municípios de Mato Grosso devido ao seu
importante papel no setor do agronegócio e prestação serviços. Além de estar situada em uma
área de expansão da atividade agrícola moderna e de produção agroindustrial, influenciam, “na
atual sustentação econômica, a múltipla prestação de serviços e um comércio varejista e
atacadista estruturado”, além da caracterização do alto uso tecnológico na utilização de insumos
agrícolas e maquinários (empresas especializadas nessa área) e centralização de prestação de
serviços públicos e privados (MOURA, 2014, p. 06). Em relação a prestação de serviço,
concentram-se na parte central, com serviços diversificados, com um grande número de
estabelecimentos comerciais, tais como vestuários, mobiliários, saúde, educação,
eletrodomésticos, serviços bancários, produtos agropecuários e implementos agrícolas.
A cidade destaca-se também na área educacional, sendo considerada ‘cidade
universitária’. De acordo com Philippsen (2013, p. 80), “são nove faculdades que oferecem
mais de 60 cursos de nível superior, com destaque para a Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT) e à Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)”.
Composta atualmente por migrantes de todas as regiões do país, fato que se deve ao
processo histórico de colonização, contudo a existência de traços que remetem à identidade
cultural sulista é notavelmente presente na cidade de Sinop, fato que se justifica pelas políticas
de colonização incentivadas pelo governo militar em parceria com empresas privadas
provenientes da região sul do país, conforme já supracitado, e enaltecido no seguinte excerto
de Moura:

Sabe-se que os fluxos migratórios, impulsionados pela política de colonização


privada em Mato Grosso, culminaram no enriquecimento cultural mato-
grossense, criando novas identidades culturais, mesmo que advindas de outras
regiões, contribuindo para ampliar a diversidade já existente. (MOURA, 2014,
p. 6).

O município é a quarta economia do estado de Mato Grosso e é renomada como a


“Capital do Nortão”.

8
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados retirados em:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=510790&search=mato-grosso%7Csinop>.
Acesso em 15 de jan. de 2017.
92

A expansão da fronteira agrícola em Mato Grosso

Dentre os principais fatores que impulsionaram a expansão da soja em Mato Grosso


destacam-se interesses políticos, principalmente a partir da década de 70, impulsionadas através
dos programas de ocupações de terras da Amazônia mato-grossense, de ações e programas de
incentivos voltados para a produção da cultura e a modernização do setor agrícola. Em
consonância com Lacerda (2013), com a abertura da nova fronteira agrícola, grupos econômicos
nacionais e internacionais vieram para região, subsidiados pelo Governo Federal.
Nesse contexto, segundo Azedo (1996), estas transformações iniciadas na década de 70,
além de surgirem de uma política de colonização e ‘ocupação do espaço’, deu-se também, a
partir de um conjunto de políticas, baseadas no crédito subsidiado para a agricultura, e numa
política de ciência e da tecnologia fundada na modernização agrícola.
Conforme Souza (2012), o Governo Federal passa a implantar projetos de
desenvolvimento para a Amazônia brasileira visando atrair empresas privadas para a região na
chamada “Operação Amazônica”. Promovendo, desse modo, verdadeiro fascínio sobre os
empresários capitalistas para à região mato-grossense.

O governo oferecia a infraestrutura, estradas, aeroportos, telecomunicações e,


principalmente, incentivos fiscais e linhas de créditos especiais. A legislação
proporcionava ao investidor a possibilidade de obter o título definitivo em
razão de uma benfeitoria na área a qual podia ser um desmatamento para venda
de madeira ou roça. O tamanho das áreas era relativamente grande, por
exemplo, somente a fazenda Suiá-missu no norte de Mato Grosso chegou a ter
560. 000 hectares
(Guarani Neto, 1999, p. 9, apud, SOUZA, 2012, p. 79).

Assim, a partir dos subsídios governamentais e de grandes investimentos do setor


privado, dá-se o início ao processo da expansão e da modernização agrícola com grande
utilização de máquinas no plantio e colheita das lavouras na região.
Além das políticas de incentivos de integração da região, e apesar das falsas
propagandas divulgadas pela colonizadora por meio de fotografias de lavouras que não existiam
na época, enaltecendo a região, a topografia plana da terra e o clima, também, acabaram
despertando o interesse pela produção agrícola na região, por pequenos agricultores que vinham
do Sul do país. Como podemos verificar no excerto de entrevista com um agricultor vindo do
estado do Paraná que chegou à cidade de Sinop em 1976, em busca de melhores oportunidades
de renda com a terras do norte mato-grossense, obtendo êxito na agricultura:
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A gente mudou para melhorar de vida, para melhores oportunidades, melhorar


a vida, a renda. A planície aqui é bom. Por que a terra no Paraná era quebrada.
Então, a terra de Mato Grosso era melhor para trabalhar. E a topografia de
Mato Grosso é melhor para trabalhar na agricultura e o clima também é
melhor, aqui não tem geada. No Paraná nós mexia com café e pecuária.
Quando viemos para Mato Grosso tínhamos objetivo de mexer com a
pecuária, ficamo um tempo na pecuária, não deu certo, começou a agricultura,
ela foi chegando, dando certo e se destacando e melhor oportunidades. Daí
passamos a trabalhar com a agricultura e tamo até hoje. (Entrevistado B).

Conforme a fala do entrevistado acima, a família do entrevistado veio para a região norte
mato-grossense com o intuito de trabalhar com a pecuária, atividade já exercida no Paraná,
iniciando assim, logo que chegaram com a atividade pecuária, no entanto, não obtendo bom
resultado com a atividade, e com a advento do setor agrícola na região, aliado as características
peculiares, tal como a planície, o clima e o solo, fizeram com que despertasse o interesse
econômico na área de produção agrícola, passando a exercer a atividade a partir da década de
90 com a produção de milho e soja.
Desta forma, a partir dos anos 90 em torno da rodovia BR-163 se desenvolve a
agricultura modernizada e fortemente voltada para a produção de grãos com vistas ao mercado
externo.
De acordo com estudos de Pereira (2007, p. 33), “a agricultura mato-grossense é
responsável pela maior parte do dinamismo vivenciado pela economia do Estado nos últimos
anos. [...] o crescimento recente do PIB de MT tem sido liderado pelo incremento da sua
produção agropecuária”.
Conforme Junior (2014, p. 109), a soja é o principal produto cultivado e move a
economia local. Segundo dados deste autor, o cultivo da soja foi se expandindo na região e se
tornou a principal atividade econômica, “obtendo mais de 8 milhões de hectares plantados na
safra 2013/14 e respondendo por 60% do valor das exportações”.
Segundo as estimativas do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária
(IMEA), a produção é de 9.396.349 milhões de hectares plantados e 30.469.579 milhões de
toneladas de soja em Mato Grosso para a safra de 2016/17, com um aumento de 0,91% a safra
anterior 2015/20169. Somente para a região médio norte que abarcam as cidades de Cláudia,

9
Dados retirados do site da Aprosoja/MT. Disponível em:
<http://www.imea.com.br/upload/publicacoes/arquivos/05122016165335.pdf>. Acesso em 18 de jan. de 2017.
94

Feliz Natal, Ipiranga do Norte, Itanhangá, Lucas do Rio Verde, Nova Maringá, Nova Mutum,
Nova Ubiratã, Santa Carmem, Santa Rita do Trivelato, São José do Rio Claro, Sorriso, Tapurah
e União do Sul e Sinop a estimativa na safra de 2016/2017 foi de 3.166.217 milhões de hectares
plantados na macrorregião.
A seguir, no mapa da figura 1, podemos observar a quantidade produzida da soja em
2006 nos municípios brasileiros, e em menos de uma década, mais especificamente 7 anos
depois, percebe-se um aumento considerável da produção de soja na Amazônia Legal em 2013,
no mapa 2.

Mapa 1 – Geografia da produção de soja nos estados brasileiros em 2006

Fonte: IBGE, 2006


95

Mapa 2 – Geografia da produção de soja na Amazônia em 2013

Fonte: IBGE, 2014

Mato Grosso lidera a produção de soja no Brasil, e é conhecido como o celeiro do país.
Conforme pudemos constatar nos dados estatísticos e nos gráficos acima, a produção da soja
exerce uma nítida supremacia na agricultura mato-grossenses e na economia do estado.

Custo social e ambiental da expansão da fronteira agrícola

A implantação da rodovia BR-163 (Cuiabá/MT-Santarém/PA) é um dos fatores que


desencadeou grandes transformações, quanto sociais e ambientais. No que se concerne a este
último, conforme Pichinin (2012), se inicia aí, uma enorme destruição do cerrado e áreas de
floresta de transição, principalmente no estado do Mato Grosso, ao passo que a produção de
grãos em especial a soja, vai conquistando grande importância no cenário econômico.
Todo esse processo provocou grandes impactos tanto ambientais e socioeconômicos.
Um sério problema que o estado de Mato Grosso ainda enfrenta em nome do “progresso”
esmagador, é a alta taxa do desmatamento para as atividades agropecuárias. Segundo
96

estimativas do Projeto PRODES10, o estado de Mato Grosso apresentou uma taxa de


desmatamento de 1.508 km², de floresta Amazônica somente no ano de 2016. E uma perca que
se estima em cerca de 7.989 km² da cobertura vegetal, que integra a Amazônia Legal, no ano
de 201611.
A modernização dos mecanismos de produção e a busca de maior produtividade e
competitividade deixaram e ainda deixam marcas profundas do progresso no que concerne na
conjuntura socioambiental, tais como o desmatamento, queimadas, degradação do solo por uso
de produtos agrotóxicos, fertilizantes e o uso de insumos químicos que geram também a
poluição atmosférica. Além de que a expansão dessa ‘nova fronteira agrícola’ tornou-se um
meio excludente da mão de obra menos qualificada e braçal, devido à alta tecnologia da
mecanização de máquinas e outros implementos agrícolas.
Desta forma, a expulsão da mão de obra nas áreas do campo, provocados pela
mecanização agrícola, apontam-se como consequências no que tange aos impactos sociais o
desemprego, a miséria e o inchaço da pobreza dos novos centros urbanos na fronteira agrícola.
(PICHININ, 2012).
O processo de “ocupação” da Amazônia norte mato-grossense da modernização do
campo, culminaram a grandes impactos na ocupação e na economia. Em consonância com
Teixeira (2006), em pouco tempo um novo espaço se cria às custas do desmatamento e a
paisagem fica então completamente diferente do que era no início. (TEIXEIRA, 2006).
No gráfico abaixo, podemos as taxas do desmatamento da Amazônia Legal de 1994 a
2016:

10
PRODES é um projeto do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que realiza o monitoramento por
satélite do desmatamento na Amazônia Legal e produz as taxas anuais de desmatamento na região, usadas pelo
governo brasileiro para o estabelecimento de políticas públicas.
11
Taxas anuais de desmatamento em: <http://www.obt.inpe.br/prodes/prodes_1988_2016n.htm>. Acesso em 20
de jan. de 2017.
97

Gráfico 1: taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal

Fonte: ISA, 2016.

Como nos mostra os dados do gráfico, do Projeto de Monitoramento do Desmatamento


na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), a estimativa da taxa de desmatamento na Amazônia indica um aumento de 29% em
relação a 2015, ano em que foram medidos 6.207 km². No entanto, a taxa referente ao ano de
2016, representa uma redução de 71% em relação à registrada em 2004.
De acordo com os dados do PRODES, divulgados pelo Instituto Socioambiental (ISA,
2016), Somente em Mato Grosso, no ano de 2016 houve uma taxa de 1508 km² de
desmatamento no estado. Como podemos verificar no quadro abaixo, que nos apresenta um
panorama da distribuição do desmatamento no ano de 2016 nos Estados que compõem a
Amazônia Legal:

Quadro 1 - distribuição do desmatamento no ano de 2016 na Amazônia Legal


PRODES 2016
ESTADO (km²)
Acre 389 km²
Amazonas 1099 km²
98

Amapá 24 km²
Maranhão 261 km²
Mato Grosso 1508 km²
Pará 3025 km²
Rondônia 1394 km²
Roraima 209 km²
Tocantins 80 km²
Total 7989 km²
Fonte: ISA, 2016 – modificado pela autora

Assim, conforme supracitado, concomitante ao processo da expansão da agricultura,


houve o processo de industrialização com um crescimento acelerado de urbanização e
consequentemente o aumento das desigualdades, acarretando a um processo de segregação
social, econômica e cultural (LACERDA, 2013). O autor, nomeia esse processo da expansão
agrícola e crescimento acelerado de “vulnerabilidade social e segregação social”, que conduz a
concentração dos novos migrantes às periferias urbanas da cidade. Ainda segundo este autor,
esses fatores são os facilitadores da segregação socioespacial levando à exclusão social.

Considerações finais

Em síntese, a partir da exposição dos principais elementos norteadores do processo de


reocupação e colonização da área de expansão da fronteira agrícola no norte de mato-grossense,
constata-se que desde os primeiros anos a região foi palco de um tipo de ocupação agrícola que
provocou intenso desmatamento na região e um processo de urbanização acelerado.
Dentre os principais fatores que impulsionaram a expansão da soja na cidade de Sinop
e em todo o estado de Mato Grosso, destacam-se o interesse político e a ‘ocupação dos espaços
vazios’, principalmente por meio de programas de incentivo e desenvolvimento agropecuário a
partir dos 70. Além, das propagandas distribuídas, destinadas a agricultores de várias regiões
do país, que exaltavam as terras como produtivas e férteis, com uso de usavam slogans e frases.
Assim a partir da década de 90 no Mato Grosso inicia um processo de crescimento
intensificado de lavouras de grãos tendo a soja como o ‘carro chefe’, favorecidas por políticas
governamentais e por empresas do setor agrícola com alta tecnologia, levando a informatização,
a mecanização e o planejamento para uma produção significativa e com alta lucratividade.
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Nesse cenário da expansão da fronteira agrícola e desse processo de modernização do


campo, levou-se a transformações relevantes nas questões sociais e ambientais da cidade e do
estado, como desigualdade da distribuição de renda e pobreza, onde pequenos agricultores
tiveram que migrar para as cidades, ocasionado no êxodo rural, na qual, conforme Santos
(2004), estas pessoas acabam se inserindo em subempregos e no mercado informal, o que
fortalece o circuito inferior da economia.
Conclui-se, portanto, que a produção da soja é de grande importância para a economia
da cidade, do estado e do país, no entanto é necessário que se adote mecanismos mais
sustentáveis. Pois, o crescimento acelerado e expansão da atividade agrícola na cidade de Sinop
e no norte mato-grossense, acarretaram a problemas não só ambientais, relacionados aos
desmatamentos e queimadas, como também de crescimento das desigualdades sociais e a
pobreza.

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