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Design de transições para a sustentabilidade: expansão

e decolonização no design contemporâneo


Design for sustainability transitions: expansion and decolonization on
contemporary design

PEREZ, Iana Uliana; Doutoranda; UNESP – Universidade Estadual Paulista


Iana.uli@gmail.com
MOURA, Mônica; Doutora; UNESP – Universidade Estadual Paulista
Monica.moura@unesp.br
MARTINS, Suzana Barreto; Doutora; UEL – Universidade Estadual de Londrina
suzanabarretomartins@gmail.com

O design de transições para a sustentabilidade insere-se no paradigma do


design contemporâneo, refletindo seu processo de expansão do foco de
atuação do design e seu caráter transdisciplinar. Como o design de transições
ainda não está consolidado e é pouco conhecido no Brasil, este artigo visa, por
meio de revisão bibliográfica, elucidar suas bases teóricas e metodológicas,
fornecendo subsídios para a formação de uma práxis decolonial de design de
transições para a sustentabilidade. A revisão sugere a importância de papeis
dialógicos e estratégicos no design de transições, que propõe novas formas de
pensar o design. Ademais, diversas disciplinas, segmentos e abordagens de
design podem contribuir no desenvolvimento de cenários futuros ou de
intervenções para concretizá-los, que requerem inovação tecnológica e social.
Por fim, dada a necessidade de uma abordagem decolonial, a revisão sugere a
cosmovisão do Bem Viver como referência para o desenvolvimento de
cenários.
Palavras-chave: Bem Viver; Cenários Futuros; Inovação.

The design for sustainability transitions is part of the contemporary design


paradigm, reflecting its process of expanding the focus of design and
transdisciplinary character. As transition design is not yet consolidated and is
little known in Brazil, this article aims, through a bibliographic review, to
elucidate its theoretical and methodological bases of its theory and
metodology, providing subsidies for the formation of a decolonial praxis of
design for sustainability transitions. The review suggests the importance of
dialogic and strategic roles in the transition design, which proposes new ways
of thinking design. Furthermore, different design disciplines, segments, and
approaches can contribute to developing future scenarios or interventions to
achieve them, which require technological and social innovation. Finally, given
the need for a decolonial approach, the review suggests the cosmovision of
Buen Vivir as reference for the development of scenarios.
Keywords: Buen Vivir; Future Scenarios; Innovation.
1 Introdução
O design contemporâneo propõe o rompimento com o paradigma do design moderno. Nesse
sentido, valoriza o papel político do design e sua responsabilidade socioambiental, expandindo
o entendimento de design para além do desenvolvimento de produtos e serviços. Em tal
contexto, o design para a sustentabilidade espelha as propostas e caraterísticas do design
contemporâneo. Para lidar com a complexidade crescente das problemáticas socioambientais
contemporâneas, o design para a sustentabilidade tem passado por um processo de expansão
de seu escopo de atuação para abarcar questões cada vez mais sistêmicas. Nesse processo, a
disciplina do design para a sustentabilidade tem incorporado diversos segmentos, como o
design de sistemas produto-serviços e o design para a inovação social.
Recentemente, um segmento de design tem despontado a partir desse processo expansivo,
transpassando fronteiras disciplinares: o design de transições para a sustentabilidade. Esse
segmento atua no planejamento e promoção de mudanças radicais e sistêmicas, baseadas no
contexto local, por meio do desenvolvimento colaborativo de cenários desejados e de planos
de ação que contemplem estratégias e ações de médio e curto prazo. Em sua atuação, o
design de transições conta com a contribuição de diversas disciplinas, segmentos e abordagens
de design para projetar cenários e elaborar estratégias para sua concretização, as quais
englobam tanto inovações tecnológicas quanto sociais em diferentes níveis, sejam eles
privados ou públicos.
Por ser um campo recente de prática e pesquisa, as bases teóricas do design de transições
ainda não estão consolidadas, mas em formação. Ademais, a teoria e a prática do design de
transições têm se desenvolvido no contexto do Norte Global, particularmente na Europa (e.g.,
GAZIULUSOY, 2015) e nos Estados Unidos (e.g., IRWIN, 2015, 2020). Assim, é necessário incluir
em sua base teórica a literatura sobre decolonização1, além de adaptar sua prática por meio de
colaboração e trocas com agentes locais envolvidos em projetos e movimentos com horizontes
de transformação sistêmica. Essas considerações são essenciais para que o design de
transições seja, de fato, baseado no local, considerando cada contexto ambiental, social,
econômico, cultural e político. Afinal, realidades diferentes apresentam necessidades diversas
em termos de transições e de abordagens de design.
Por ser um fenômeno recente e um campo em construção, o design de transições para a
sustentabilidade ainda é pouco conhecido na área de design. Por isso, este artigo visa
apresentar suas bases teóricas e metodológicas, fornecendo subsídios para a formação de uma
práxis decolonial de design de transições para a sustentabilidade. Os objetivos específicos são:
identificar os papeis dos designers nesse novo campo de atuação; verificar como o design de
transições se relaciona com outras disciplinas, segmentos e abordagens de design; examinar
possibilidades para o design de transições adotar abordagem decolonial, condizente com os
contextos locais diversos do Brasil.
Elaborado a partir de revisão bibliográfica, em especial de publicações dos principais
pesquisadores do campo - Ìdil Gaziulusoy, Terry Irwin e Arturo Escobar -, o artigo está estruturado
da seguinte forma: a seção 2 contextualiza o cenário de emergência do design de transições,

1
Neste artigo, adotamos o termo “decolonizar”, em detrimento de “descolonizar”, tendo em vista a
diferenciação semântica e conceitual presente em línguas de origem latina, como o francês (e.g.,
VERGÈS, 2020). Enquanto descolonizar refere-se à oficialização da independência em relação a um país
colonizador, decolonizar é o ato de continuamente se libertar de pensamentos e práticas herdadas do
período colonial e ainda vigentes no contexto contemporâneo. Este termo, portanto, é mais condizente
com a realidade brasileira.
caracterizando o paradigma de design temporâneo; a seção 3 explica o processo de expansão das
fronteiras de atuação do design para a sustentabilidade, a partir do qual emerge o segmento do
design de transições; este é apresentado na seção 4, que discorre sobre os fundamentos de sua
teoria e prática, destacando os papéis exercidos por designers em projetos de transições e as
contribuições de outras disciplinas, segmentos e abordagens de design; por fim, a seção 5
descreve as bases para uma abordagem decolonial do design de transições para a
sustentabilidade.

2 Caracterização do design contemporâneo


Para contextualizar a discussão sobre como o design de transições insere-se no paradigma do
design contemporâneo, é importante, antes de tudo, descrever o que pode ser entendido por
“design contemporâneo”. Sua principal característica é o rompimento com o paradigma do
design moderno, caracterizado pelo funcionalismo, racionalismo, objetividade e imposição do
chamado “bom gosto” ou “bom design” (MOURA, 2014, 2021). Com tal ideário, o design
moderno defendia a neutralidade do objeto, o que dificultava o reconhecimento da dimensão
política do design e se refletia na postura imparcial de muitos designers (PORTINARI;
NOGUEIRA ,2016; MCCOY, 2018). Essa neutralidade, contudo, é uma quimera, pois todo design
apresenta um viés e, portanto, seria mais honesto expô-lo abertamente (MCCOY, 2018)). Isso
posto, podemos considerar que nem toda produção do design atual converge,
necessariamente, com o paradigma do design contemporâneo, podendo evocar resquícios do
ideário moderno.
Um desdobramento do reconhecimento do papel político do design é o apelo à sua
responsabilidade socioambiental e a expansão do escopo de atuação do design. Desde Victor
Papanek (1971), muitos designers contemporâneos (e.g., MCCOY, 2018; MONTEIRO, 2019) têm
reconhecido a responsabilidade e o papel social, político e cidadão do design. Desse modo,
várias possibilidades de atuação têm surgido nos últimos anos para designers que queiram
trabalhar com a questão socioambiental. Essas novas possibilidades acompanham o processo
de expansão do campo de atuação e de conhecimento do design contemporâneo. Desse modo,
tem ocorrido gradativamente o rompimento das fronteiras entre diferentes áreas, disciplinas e
segmentos de design, que é acompanhado por novos enfoques projetuais: objetos,
informação, comunicação, serviços, ações, intervenções e sistemas. (MOURA, 2021). Em suma,
no design contemporâneo tem-se a valorização das ações de designers como projeto,
independentemente do formato que assumirão seus resultados.
Nessa expansão, o design torna-se cada vez mais multi, inter e transdisciplinar. Por um lado,
borram-se as fronteiras entre as diferentes disciplinas de design quando este é considerado,
puramente, em sua dimensão projetual. Por outro, conforme os projetos tornam-se mais
complexos e abrangentes, maior a necessidade de uma teoria de design como proposta por
Bomfim (1997), para quem essa deveria ser transdisciplinar, combinando conhecimentos de
diferentes áreas científicas. Como resultado, o design contemporâneo forma novos territórios,
marcados por propostas transversais, sendo discutidas neste artigo as apresentadas pelo
design de transições para a sustentabilidade, que emergiu no território em expansão do design
para a sustentabilidade.

3 Expansão do design para a sustentabilidade


O processo de expansão do design contemporâneo reflete-se no processo de
amadurecimento do design para a sustentabilidade, aqui entendido como a práxis de design
comprometida com a redução de impactos sociais, ambientais e econômicos negativos
decorrentes da ação humana e da prática projetual. Desde os anos 1970, quando a
responsabilidade socioambiental começou a adentrar o rol de preocupações de um número
cada vez maior de designers, diversas possibilidades de atuação têm sido exploradas pelo
design para a sustentabilidade. Mas foi a partir dos anos 1990 que ocorreu o redirecionamento
de foco do nível dos produtos ao contexto mais amplo das mudanças sistêmicas, com
crescente aumento do horizonte temporal e do nível de engajamento envolvido nos projetos
(IRWIN, 2015; GAZIULUSOY; ÖZTEKIN, 2019; IRWIN; TONKINWISE; KOSSOFF, 2020). Esse
processo de expansão tem sido debatido por diversos pesquisadoras do campo do design para
a sustentabilidade, os quais têm elaborado esquemas para representá-lo, sendo alguns destes
sintetizados no Quadro 1.

Figura 1 – Níveis de expansão do design para a sustentabilidade


NÍVEIS
Referências
1 2 3 4 5
Manzini e
Vezzoli N/A
Projeto de
(2008) Redesign Proposta de novos cenários
novos
Melhoria ambiental – modos de vida mais
Santos produtos
ambiental do produto Projeto de sustentáveis, pautados pela
(2009) e mais
dos fluxos (existente) sistemas suficiência
Sampaio et sustentáveis
de produção produto-
al. (2018)
e consumo serviço mais
Cechin e sustentáveis Inovação
Gaziulusoy Inovação em produtos sistêmica /
Inovação
(2016, 2020) N/A transições para
social
a
Irwin (2015) M/A N/A
sustentabilidade
Fonte: A autoras (2022)

Ao autores listados no Quadro 1 destacam, cada um, quatro ou cinco níveis de expansão do
design para a sustentabilidade, os quais também representam, segundo Santos (2009), o
processo de amadurecimento desse campo de pesquisa e atuação, além de serem fruto do
reconhecimento da necessidade de ampliar o escopo do design para lidar com a complexidade
das questões sociais, ambientais e econômicas. Embora haja variações na quantidade de níveis
e nos nomes dados a cada um deles, existem convergências quanto ao escopo de atuação do
design para a sustentabilidade em cada nível, representado na Figura 1.

Figura 1 - Representação dos níveis de expansão do design para a sustentabilidade


Fonte: Adaptado de Santos (2009, p. 14), e Ceschin e Gaziulusoy (2016, p. 144)

O foco deste artigo é o design de transições para a sustentabilidade, localizado, de acordo com
Irwin (2015) e Ceschin e Gaziuluwoy (2016,2020), no final desse processo de expansão do
design para a sustentabilidade – o qual não é estanque, pois segue em constante movimento.
Antes de tratarmos do design de transições, é importante compreender esse processo de
expansão. Primeiramente, cabe destacar que nenhum nível é mais importante que os outros:
todos são necessários e se complementam. Em segundo lugar, têm surgido uma miríade de
nomenclaturas para definir segmentos de atuação do design em cada nível, segmentos que se
diferenciam por seus enfoques: promover mudança de comportamento, reproduzir os padrões
e ciclos da natureza, atender a “base da pirâmide”, dentre outros (e.g., CESCHIN;
GAZIULUWOY, 2016, 2020). Em meio a essa diversidade, destacamos no Quadro 2 os
segmentos mais generalistas do que representam os três últimos níveis do design para a
sustentabilidade.

Quadro 2 – Segmentos de design para a sustentabilidade

Nível Segmento Caracterização Referências


Projeto do ciclo de vida do produto, com objetivo de Ceschin e Gaziulusoy
minimizar o impacto ambiental ao longo de suas (2016, 2020); Manzini e
3 Ecodesign
diferentes etapas: pré-produção, produção, Vezzoli (2008); Sampaio
distribuição, consumo e descarte. et al. (2018)
Projeto de um sistema de oferta de um conjunto
Design de integrado de produtos e serviços que atende uma
Ceschin e Gaziulusoy
sistemas demanda específica de modo mais sustentável, a partir
(2016, 2020);
4 produto- de interações inovadoras entre os atores do sistema
Santos (2009);
serviço mais que permitam desmaterializar todo ou parte do
Vezzoli et al. (2018)
sustentáveis consumo, prescindindo da aquisição de um novo
produto.
Inciativas de design que favorecem a inovação social,
Ceschin e
possibilitando-a ou aumentando seu impacto por meio
Gaziulusoy (2016,
da expansão das capacidades das pessoas e criação de
Design para 2020); Manzini
condições favoráveis. Inovação social é uma maneira
5 a inovação (2015); Mulgan
nova de atender necessidades ou objetivos sociais,
social (2006); Sampaio et al.
levando a mudanças de pensamento, comportamento
(2018), Santos et al.
e/ou configuração social; pode ser incremental ou radical
(2019)
de baixo para cima, de cima para baixo ou híbrida.
Fonte: As autoras (2022)

Além de se complementarem, os segmentos de design aqui destacados podem adotar


diferentes abordagens para que sua aplicação seja mais efetiva na promoção de mudanças
sistêmicas, tanto no sentido de elaborar um planejamento mais robusto (e.g., design
estratégico), quanto no de engajar as pessoas atingidas pelos processos de transição (e.g.,
ativismo em design e processo participativo). O Quadro 3 apresenta três abordagens de design
identificadas na literatura, as quais se complementam e podem guiar a aplicação dos segmentos
destacadas anteriormente. O ativismo em design por exemplo, é associado por Manzini (2015) à
inovação social, que também adota a abordagem participativa. A abordagem de design
estratégico diz respeito especialmente ao design de transições para a sustentabilidade (MOK;
GAZIULUSOY, 2018).

Quadro 3 - Abordagens de design


Abordagem Caracterização Referências
Projeto de inovações sociais ou de intervenções capazes de promover Fuad-Luke (2009);
Ativismo em conscientização e mudanças sociais de natureza radical e revolucionária. Jordan (2001);
design Atuação de designers como agentes de transformação e como Manzini (2015);
contestadores do sistema vigente e de seus impactos socioambientais. Papanek (1971).
Participação no processo de design das pessoas afetadas pelo
projeto. Nessa abordagem, designers, considerados especialistas em
Processo Manzini (2015);
design [design experts] atuam como facilitadores, dando suporte a
participativo Santos et al. (2019)
processos de codesign, nos quais trabalham em conjunto com não
especialistas, considerados “designers difusos” [diffuse designers].

Gerenciamento pelo design, dando sentido às decisões à partir da


Best (2012);
definição de onde se deseja estar no futuro e do estabelecimento de
Ceschin (2014);
Design um plano de ação que descreva os recursos necessários para atingir
Martins e Merino
estratégico essa visão. Há três modos de atuação, que se complementam no
(2011); Mok e
alcance de objetivos e na resolução de problemas de curto, médio e
Gaziulusoy (2018)
longo prazo: posicionamento, visualização e inovação.

Fonte: As autoras (2022)

Como mencionado anteriormente, o design de transições para a sustentabilidade é um dos


mais recentes segmentos do design para a sustentabilidade, posicionado no final do processo
de expansão do alcance e da complexidade da pesquisa e da prática dessa disciplina. Por isso,
os segmentos e abordagens aqui apresentados lhes são importantes, complementando sua
atuação e potencializando seu impacto na promoção de mudanças sistêmicas. Na próxima
seção, evidenciamos com mais detalhes o design de transições para a sustentabilidade,
apresentando as contribuições de outras disciplinas, segmentos e abordagens de design.

4 Design de transições para a sustentabilidade


O design de transições para a sustentabilidade [design for sustainability transitions] – DFST
emergiu na intersecção entre os campos do design para a sustentabilidade e das transições
para a sustentabilidade. Como o desenvolvimento de cenários futuros, atividade essencial no
campo das transições, exige criatividade, esta pode ser considerada um desafio de design,
ainda que poucos projetos de transições para a sustentabilidade ao redor do mundo envolvam
a participação de especialistas em design (GAZIULUSOY; ÖZTEKIN, 2019; GAZIULUSOY; RYAN,
2017b). Contudo, o termo design de transições [transition design] foi cunhado somente em
2015, pela pesquisadora Terry Irwin (2015), motivo pelo qual este segmento encontra-se ainda
em desenvolvimento no que diz respeito à teoria e à prática (GAZIULUSOY; ÖZTEKIN, 2019).
Como o nome sugere, o design de transições lida com mudanças sistêmicas, projetando cenários
futuros e estratégias de curto e médio prazo para alcançá-los, em um processo de desenvolvimento
e implementação que exige o envolvimento e colaboração de atores locais e de especialistas em
diversas áreas e disciplinas. Por isso, design de transições é inerentemente transdisciplinar (IRWIN;
2015). Como as transições para a sustentabilidade requerem mudanças profundas em diferentes
níveis - institucional, social, cultural, tecnológico -, o design de transições baseia-se em teorias e
práticas de diversas áreas: ciência da sustentabilidade; estudos sobre transição, incluindo transições
para a sustentabilidade e gestão de transição; teoria da prática social; psicologia; antropologia;
estudos de futuro; teorias sobre inovações e transições de sistemas; economias alternativas; teorias
de mudança (GAZIULUSOY; ÖZTEKIN, 2019; IRWIN; TONKINWISE; KOSSOFF, 2020).
Dependendo do projeto em questão – ou seja do sistema que passará pelo processo de transição
-, contribuições de outras áreas de conhecimento, além das anteriormente listadas, também
podem necessárias. A literatura sobre design de transições para a sustentabilidade fornece
alguns exemplos da diversidade de sistemas sobre os quais é possível atuar: sistemas de
transporte (CESCHIN, 2014); sistema agrícola local (DURU; THEROND; FARES, 2015); sistema urbano
de baixo carbono (GAZIULUSOY; RYAN, 2017a,b); sistema de aquicultura (MOK; GAZIULUSOY, 2018);
sistema de abastecimento de água (IRWIN, 2020). A prática do design de transições, portanto, precisa
refletir a transdisciplinaridade necessária a cada projeto específico, por meio de equipes
diversificadas e processos participativos, com a atuação de especialistas nas diferentes áreas,
formais ou informais, que permeiam o sistema a ser transformado.
Para explicar como se dá a aplicação do design de transições, utilizamos como referência Terry
Irwin (2020), que propõe uma estrutura metodológica ou “guia” para o design de transições
dividido em quatro fases, que podem ser resumidas da seguinte forma: 1) compreensão da
configuração atual do sistema a ser transformado; 2) desenvolvimento de cenários futuros e
do plano de ação; 3) desenvolvimento de intervenções; 4) execução do plano e observação.
Irwin (2020) destaca o caráter flexível dessa estrutura, a qual requer uma variedade de
ferramentas e métodos, sejam do design ou de outras áreas, cuja escolha e aplicação podem
variar de acordo com as circunstâncias.
A primeira fase do design de transições consiste na compreensão do sistema local a ser
transformado, com mapeamento de questões e atores locais, regionais, nacionais e continentais
que exercem influência sobre esse sistema (IRWIN, 2020). Cabe destacar a natureza colaborativa e
participativa desse mapeamento, assim como de todas as demais atividades desenvolvidas no
âmbito de projetos de transições, pois equipes de projeto devem ser transdisciplinares que
incluam tores sociais envolvidos no sistema ser transformado, de diferentes áreas e perspectivas
culturais, cujas preocupações e interesses são centrais (GAZIULUSOY; RYAN, 2017a; IRWIN, 2020).
A fase seguinte tem início com a co-criação de cenários. Essa é a dimensão criativa do design de
transições, segundo Gaziulusoy e Ryan (2017b) - imaginar sistemas totalmente novos, o que
Irwin (2015) chama de visões de futuros sustentáveis e convincentes, capazes de informar e
inspirar projetos no presente. Para que as mudanças sejam radicais e sistêmicas, os cenários
projetados precisam refletir novos modos de pensar e de viver, assim como paradigmas sociais,
econômicos e políticos mais sustentáveis (GAZIULUSOY; ÖZTEKIN, 2019). Para isso, Irwin (2020)
sugere utilizar a ferramenta forecasting no desenvolvimento de prognósticos que superem os
paradigmas atuais, criando visões mais sustentáveis e convincente do sistema daqui a 30 ou 40
anos. Como estímulo para a realização colaborativa dessa atividade, podem ser utilizadas
perguntas e representações conceituais de possíveis narrativas, que podem estar em diferentes
formatos: textos, imagens, diagramas ou mapas visuais (DURU; THEROND; FARES, 2015; IRWIN,
2020).
A visão compartilhada de longo prazo, desenvolvida por meio do forecasting, informa o
desenvolvimento de estratégias de curto e médio prazo (IRWIN, 2015, 2020; IRWIN;
TONKINWISE; KOSSOFF, 2020). Essas estratégias compõem o plano de ação, usualmente
desenvolvido por meio de backcasting, ferramenta utilizada para determinar as ações
necessárias em curto e médio prazo para concretizar os cenários desejados. Começa-se a partir
destes para, então, retroceder ao presente e definir detalhadamente as etapas do processo de
transição, as estratégias a elas associadas e os critérios ou indicadores de monitoramento do
processo de transição. Em decorrência da complexidade e do caráter de longo prazo das
transições, o planejamento deve ser flexível, considerando o caráter cíclico e iterativo do
processo de transição. Ademais, o plano de ação precisa ser realista, identificar os atores
responsáveis por cada medida e conter indicadores de gestão adaptativa (DURU; THEROND;
FARES, 2015; IRWIN, 2015, 2020).
Nas duas primeiras fases de aplicação do design de transições, descritas nos parágrafos
anteriores, é possível observar os principais papeis (Quadro 4) assumidos pelos designers em
projetos de transições para a sustentabilidade. Os papeis mais apontados nas referências
consultados são, respectivamente, os de facilitador e comunicador. Esses, e outros papéis
identificados (e.g., networker, agente de integração, negociador, mediador), são
essencialmente dialógicos, como apontam Ceschin (2014) e Gaziulusoy e Ryan (2017a.b), pois
os especialistas em design facilitam, de diferentes maneiras, a colaboração entre os diferentes
agentes envolvidos em projetos de transições na co-criação de cenários e de estratégias para
concretizá-los. Essas atividades - pesquisa e desenvolvimento de cenários e de estratégias -
são, na experiência de Gaziulusoy e Ryan (2017a,b) as principais atividades de design nesses
projetos. Por isso, outros dois papeis relevantes dos designers são, respectivamente, os de
estrategista e de gestor. Os profissionais de design, portanto, podem exercer variados e
importantes papéis no contexto das transições para a sustentabilidade (GAZIULUSOY; RYAN,
2017a; IRWIN; TONKINWISE; KOSSOFF, 2020).

Quadro 4 - Papeis que designes podem exercer nas transições para a sustentabilidade
Referências Papéis
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Ceschin, (2014) X X X X
Irwin (2015) X
Gaziulusoy (2015) X
Gaziulusoy e Ryan (2017a) X X X X
Gaziulusoy e Ryan (2017b) X X X X X
Mok e Gaziulusoy (2018) X X
Irwin, Tonkinwise e Kossoff, (2020) X X
Irwin (2020) X X
(1) Agende de mudança; (2) estrategista; (3) gestor; (4) facilitador; (5) comunicador; (6) networker; (7)
agente de integração; (8) negociador; (9) mediador
Fonte: As autoras (2022)

Os papeis assumidos pelos designers indicam as principais disciplinas ou abordagens


associadas ao design de transições para a sustentabilidade em uma perspectiva
transdisciplinar. Embora o design de transições permeie todas as etapas do processo de um
projeto de transições para a sustentabilidade, os conhecimentos e práticas de outras
disciplinas e abordagens de design contribuem, de diferentes formas, como descrito no
Quadro 5. A abordagem de design estratégico, por exemplo, é essencial para a formulação da visão
de longo prazo – os cenários – e para o desenvolvimento do plano de ação (MOK; GAZIULUSOY, 2018;
GAZIULUSOY; ÖZTEKIN, 2019). Já os processos participativos são essenciais devido ao fato de a
colaboração dos agentes envolvidos no sistema a ser transformado assegura maior potencial
de efetividade do projeto. Segundo Gaziulusoy e Ryan (2017a,b), esses processos participativos
requerem papeis mais dialógicos por parte de especialistas em design, pois implicam em
deliberação e articulação entre as diversas partes evolvidas para chegar a um alinhamento
entre diferentes perspectivas, valores, necessidades e propostas. Para isso, os principais
resultados de design tangíveis têm a função de comunicar visualmente os cenários
desenvolvidos e compartilhar, por meio de sínteses visuais, as informações obtidas e o
conhecimento gerado ao longo das primeiras fases do projeto (Ibidem).

Quadro 5 – Contribuições das principais disciplinas e abordagens associadas ao design de transições


Disciplina ou
Contribuições Referências
abordagem
Construção de uma visão comum em projetos de
Design gráfico / transições por meio da comunicação visual. Auxílio na Ceschin (2014), Gaziulusoy
design de análise, síntese e sistematização de informações, sejam e Ryan (2017) e Mok e
informação elas parte próprio processo ou referentes aos resultados Gaziulusoy (2018)
do projeto, como as visualizações de cenários futuros.
Deliberação e negociação, com as diversas partes Gaziulusoy e Öztekin
Processos interessadas, das características dos sistemas futuros e
(2019); Gaziulusoy e Ryan
participativos das estratégias utilizadas para alcançá-los, atendendo à
(2017a.b); Irwin (2020)
natureza política e coletiva dos projetos de transições.
Definição da estratégia (visão de longo prazo) e das
intervenções de design (metas operacionais) em curto e
Design médio prazo; elaboração de planejamento estratégico Mok e Gaziulusoy (2018);
estratégico antecipatório, que considere possíveis contingências Gaziulusoy e Öztekin (2019)
para preveni-las; monitoramento da implementação e
constante revisão do posicionamento do projeto.
Fonte: As autoras (2022)

A terceira fase de projetos de transições para a sustentabilidade consiste no desenvolvimento de


intervenções de design, as quais possibilita, a execução do plano de ação anteriormente delimitado.
Irwin (2020) ressalta que, para promover mudanças sistêmicas, são necessárias múltiplas
intervenções em variadas escalas e horizontes temporais. Por isso, é importante conectar novas e
existentes iniciativas, amplificando-as. Ademais, é essencial promover inovação nos âmbitos
tecnológico, social, organizacional e institucional (CESCHIN; GAZIULUSOY, 2020). Nesta fase,
portanto, diferentes disciplinas, segmentos e abordagens de design podem contribuir no
desenvolvimento dessas inovações e intervenções, como explicita o Quadro 6. Embora essas
contribuições possam ser feitas de maneira transdisciplinar, pode ser necessária uma abordagem
inter ou multidisciplinar, com envolvimento de designers especialistas nas disciplinas e segmentos
de design essenciais às intervenções inicialmente concebidas colaborativamente por especialistas
em design de transições e demais atores participantes do projeto.

Quadro 6 - Contribuições para o DFST de outras disciplinas, segmentos e abordagens de design


Disciplina,
segmento, Contribuições Referências
abordagem
Design de Desenvolvimento de produtos que atendam aos
produto / objetivos de curto e médio prazo de projetos de Gaziulusoy e Öztekin (2019)
ecodesign transição.
Ceschin (2014); Gaziulusoy e
Desenvolvimento de sistemas produto-serviço
Design de Öztekin (2019); Irwin (2015,
alinhados ao processo de transições, tanto nas áreas de
S.PSS 2020;) Irwin, Tonkinwise e
negócios quanto governamental.
Kossoff, (2020)
Design para Promoção de mudança sistêmica por meio de Gaziulusoy e Öztekin (2019);
a inovação intervenções que levem à criação e transmissão de Irwin (2015, 2020;) Irwin,
social novos modos de pensar e de viver. Tonkinwise e Kossoff, (2020)
Incentivo à reflexão, a uma visão de mundo sistêmica e a
Ativismo em Escobar (2015), Irwin
atitudes de abertura, colaboração e responsabilidade que
design (2015,2020)
levem a novos modos de interagir com os demais.
Fonte: Aa autoras (2022)

O ativismo em design, em específico, atende a uma necessidade apontada por Irwin (2020):
promoção de novas atitudes e modos de pensar por parte da população. Contudo, mais do que
suscitar modos de pensar e de viver, é essencial formar agentes políticos2, capazes de assumir
a linha de frente do processo de transições para a sustentabilidade e de angariar apoio social
para essa empreitada (WRIGHT, 2019). Uma forma de potencializar a agência política é a
conscientização, que ocorre por meio de educação popular emancipatória, que leva à
compreensão e à ação para desafiar o status quo (FERNANDES, 2020). Ademais, para alcançar
inovação social e promover novos paradigmas, faz-se necessária, além da conscientização, a
aprendizagem social (i.e., forma coletiva de aprendizagem), que ultrapassa a transferência de
conhecimento, pois influencia mudanças no modo de pensar, de se comportar, de se organizar
socialmente, de se relacionar com tecnologias e ecossistemas (BROTO; DEWBERRY, 2015;
LOORBACH; FRANTZESKAKI; AVELINO, 2017; ACOSTA. BRAND, 2018).
Alguns segmentos e abordagens de design, relacionados no Quadro 7, podem contribuir
especificamente no desenvolvimento de intervenções destinadas à conscientização e à
aprendizagem social. Importante ressaltar que o design de transições não atua isoladamente,
mas de maneira inter, multi e transdisciplinar. Como destaca Irwin (2015), ele conecta
resultados de diferentes formatos e naturezas para aumentar o impacto e o alcance dos
projetos de transição. Dessa forma, quando diferentes disciplinas, segmentos e abordagens de
design são empregados em conjunto, de maneira complementar, é possível superar suas
limitações (CESCHIN; GAZIULUSOY; 2016, 2020; MANZINI, 2015; VEZZOLI et al., 2018). Como
mencionado anteriormente, esse emprego pode se dar de maneira transdisciplinar, sem
definições nítidas das fronteiras entre disciplinas e segmentos, ou por meio do envolvimento
de designers especializados em uma ou mais das disciplinas, segmentos e abordagens de
design identificados como essenciais no desenvolvimento de intervenções.

2 Atores sociais capazes de agir politicamente.


Quadro 7 - Segmentos e abordagens de design para a conscientização e aprendizagem social
Segmento ou
Descrição Referências
abordagem
Ceschin e Gaziulusoy
Design para a Com base em teorias comportamentais e métodos centrados
(2016, 2020); Mota e
mudança de no usuário, projeta artefatos que promovam mudanças de
Costa, (2016);
comportament comportamento com foco em quatro áreas: sustentabilidade,
Niedderer et al.
o saúde, sociedade e segurança.
(2014)
Uso das competências de design (e.g., criatividade, Gaziulusoy e Öztekin
comunicação e visão estratégica) na formulação e (2019), Irwin (2015,
Design para a implementação de políticas e serviços públicos. Inovações no 2020); Irwin Irwin,
política setor público que respondam ao desafio político das transições Tonkinwise e Kossoff
para a sustentabilidade, tornando-as possíveis em diferentes (2020); Santos et al.
áreas e escalas. (2019)
Desenvolve atividades pedagógicas relacionadas à prática do design,
Educação
que é incorporado no processo de ensino e aprendizagem. Pode ser
através do Gomes (2009)
empregado para educação ambiental e aprendizado social com foco
design
em sustentabilidade.
Fonte: As autoras (2022)

Uma vez definidas as estratégias e intervenções, assim como as articulações entre os diversos
atores sociais envolvidos no projeto, passa-se à última fase do design de transições, de
execução e observação. Como o processo de transições sistêmicas é lento e não linear, Irwin
(2020) alerta que haverá tanto momentos de ação, quanto de espera e observação, pois os
resultados das intervenções não costumam ser imediatos, e nem sempre correspondem ao
que fora previsto. Assim, para compreender as respostas do sistema e ajustar o plano de ação,
caso necessário, é importante observar os desdobramentos de uma intervenção antes de
intervir novamente (Ibidem). Para guiar essa fase, Duru, Therond e Fares (2015) recomendam
desenvolver estruturas, estratégias ou critérios que permitam o monitoramento das
intervenções e uma gestão adaptável do processo de transição. Aqui, portanto, o designer
deve novamente assumir os papeis de estrategista e gestor.
Todo o processo de design de transições, mas principalmente a análise de cenários futuros,
deve considerar o contexto local do sistema a ser transformado. Esse é um dos pilares do design
de transições: o foco no contexto local (IRWIN, 2015; IRWIN; TONKINWISE; KOSSOFF, 2020). Como
não é possível importar teorias e práticas para realidades diferentes, pois cada local apresenta
necessidades diversas, uma abordagem de design relevante para sua adoção no Brasil é a do
design decolonial, não apresentado anteriormente por merecer discussão mais ampla,
presente na seção a seguir.

5 Abordagem decolonial do design de transições para a sustentabilidade


Para compreender a necessidade de abordagens decoloniais, é necessário, primeiro,
contextualizar os impactos ambientais, sociais e econômicos ainda existentes do modelo
colonial. Mesmo após o processo de descolonização – ou seja, de ser oficialmente colônia de
outrem -, muitos países latino-americanos herdaram um modelo econômico primário-
exportador, marcado pela exploração e exportação da natureza, acarretando impactos
socioambientais em longo prazo (ACOSTA, 2016; ACOSTA; BRAND, 2018). Esse modelo
econômico, apoiado por diversos governos latino-americanos ao longos dos últimos anos, tem
contribuído para a desigualdade social e para a degradação da natureza (ACOSTA; BRAND,
2018). Por isso, autores latino-americanos (e.g., ACOSTA, 2016; ACOSTA; BRAND, 2018;
GUDYNAS, 2011) enfatizam a relação entre a face contemporânea do colonialismo e os
problemas socioambientais enfrentados por diferentes países da América Latina. Trata-se de
uma relação complexa, estrutural e estruturante, a qual exige visão sistêmica e contextual para
entender as necessidades locais de transições para a sustentabilidade.
O colonialismo tem se perpetuado também por meio de modos de pensar e de viver que
valorizam tudo o que vem de países considerados “desenvolvidos”, separam o ser humano da
natureza e pautam a qualidade de vida por meio da acumulação de recursos financeiros e
materiais (ACOSTA; BRAND, 2018). Ademais, o paradigma hoje dominante não valoriza a
diversidade, algo que se refletiu no design moderno. Escobar (2017) e Vazquez (2017), por
exemplo, apontam o design moderno como reflexo de um paradigma colonizador, impositivo,
que não entende nem respeita a diferença. Esses desvalorização do que é diferente, reforçada
nas últimas décadas pela globalização, tem levado a uma crescente homogeneização cultural.
Nesse cenário, segundo Tlostanova (2017), o design é tanto produto de um ambiente e de um
paradigma, quanto uma ferramenta para sua formação. Tem em vista a transformação de
paradigmas, o design decolonial propõe a adaptação ou desenvolvimento de teorias e práticas
de design baseadas na realidade local e em uma mudança na relação com os mundos natural e
artificial, que preze pelo cuidado e respeito à diversidade. Isso implica no desenvolvimento de
estruturas de cuidado e de condições para a transformação nos modos de pensar e de viver em
favor de uma ética de interexistência (i.e., modos de ser ao mesmo tempo autônomos e
relacionais), alinhada à luta de comunidades subjugadas e movimentos sociais em defesa de seus
territórios, sua cultura e seus projetos de vida (ESCOBAR, 2017, 2018; FRY, 2017; TLOSTANOVA
2017; VAZQUEZ, 2017).
Uma abordagem decolonial do design de transições, portanto, consistiria na adaptação de suas
práticas e teorias para contextos diversos. Afinal, o design decolonial não relega tudo o que
venha de fora, mas adota crítica e seletivamente teorias, métodos, processos e ferramentas
estrangeiras (FRY, 2017). A proposta da abordagem decolonial é, também, visibilizar e
fortalecer pensamentos, teorias e práticas de origem local, refletindo suas diversas realidades.
No caso do design de transições, um dos principais aspectos é considerar perspectivas
decoloniais ao conceber os cenários e estratégias de curto e médio prazo. No contexto
brasileiro, é importante que os cenários projetados rompam com as lógicas e estruturas
colonialistas ainda vigentes, que acarretam impactos socioambientais diversos, sobretudo no
que diz respeito a povos tradicionais, como indígenas e quilombolas. Ademais, todo o
processo, seja de concepção de cenários ou estratégias, deve permitir a plena participação dos
atores sociais envolvidos ou impactos no projeto, o que pode exigir a adaptação de
ferramentas usualmente utilizadas no design de transições ou mesmo o desenvolvimento de
novas ferramentas, mais adequadas ao contexto sociocultural em questão.
Para guiar a concepção de cenários, Escobar (2015) indica o conceito de pluriverso, uma
derivação acadêmica do ditado zapatista “um mundo onde caibam muitos mundos”. Trata-se,
portanto, de um conceito que valoriza a diversidade de modos de pensar e de viver, o qual
pode ser entendido com uma contranarrativa, nome dado por Fuad-Luke (2009) a narrativas diferentes
das hegemônicas e que exprimem outras possibilidades. No contexto latino-americano, uma das
principais contranarrativas a ser considerada pelo design de transições é a do Bem Viver, citada
por Escobar (2015, 2017, 2018) e Gaziulusoy e Houtbeckers (2018). De origem indígena e andina,
o Bem Viver apresenta-se como alternativa civilizatória em construção. Pode ser entendido
como conceito, cosmovisão ou ontologia3 que reflete um modo de ver a vida e de interagir com

3
Forma de entender e interpretar o mundo.
o mundo, o que inclui a natureza e todos os seres vivos (GUDYNAS, 2011; ACOSTA, 2016;
ACOSTA; BRAND, 2018). O Bem Viver insere-se no pluriverso por sua natureza intercultural e
plural, destacada por Gudynas (2011) e reforçada por outros intelectuais latino-americanos (e.g.,
KOTHARI; DEMARIA; ACOSTA, 2014; ACOSTA, 2016; SÓLON, 2019).
Cada povo ou comunidade apresenta diferentes entendimentos e manifestações do que seria
uma “vida boa”, em consonância com seu território e cultura. Por isso, Acosta (2016) ressalta a
existência de “bons conviveres”. Gudynas (2011), por sua vez, alerta que o entendimento de
Bem Viver não pode se restringir à manifestação de uma única cultura, pois a concepção de Bem
Viver é única em cada contexto cultural, histórico, social, político e ecológico. Desse modo, não é
possível transpor a concepção de Bem Viver de um povo e contexto para outro, mas está na
própria essência do Bem Viver a possibilidade de ajustar-se a cada situação (Ibidem). Por
exemplo, para enfrentar o desafio, apontado por Acosta (2016), de pensar o Bem Viver a partir
do meio urbano, não é possível importar a concepção oriunda de povos indígenas, sendo
necessário identificar e valorizar as manifestações que surgem nas próprias comunidades
urbanas, sobretudo periféricas. Desse modo, considerar o Bem Viver como contranarrativas no
desenvolvimento de cenários implica co-criar coletivamente concepções próprias e decoloniais
do que é uma “boa vida”, as quais rompam com os ideais de “qualidade de vida” atualmente
vigentes.
Embora não exista uma definição única de Bem Viver suas diversas manifestações apresentam
características em comum, as quais fornecem subsídios para novas concepções de Bem Viver. A
principal característica é a ruptura com o paradigma de desenvolvimento, ao qual o Bem Viver se
apresenta como alternativa, rompendo com sua lógica central, motivo pelo qual não se trata de
um “desenvolvimento alternativo” (GUDYNAS, 2011; ACOSTA, 2016). O Bem Viver diverge do
paradigma do desenvolvimento quanto aos seguintes aspectos: divisão entre sociedade e
Natureza, entre ‘desenvolvido” e “subdesenvolvido”; visão antropocêntrica; objetificação dos
“recursos” naturais; confiança no progresso, entendido como evolução histórica linear e
acumulação permanente de riquezas e bens materiais; homogeneização de culturas e da
concepção de qualidade de vida. Em contraposição, o Bem Viver enfatiza a questão da qualidade
de vida, propondo outras perspectivas do que é uma vida boa, focadas em uma harmonia
dinâmica e em aspectos relacionais que abarcam não apenas seres humanos, uma vez que
considera a comunidade integrada à natureza e seus diversos seres vivos. Ademais, o Bem Viver
propõe uma visão sistêmica da vida, plural e sociobiocêntrica, que preza por interculturalidade
e apresenta compreensão cíclica do tempo e da história (GUDYNAS, 2011; KOTHARI; DEMARIA;
ACOSTA, 2014; ACOSTA, 2016; SÓLON, 2019).
Como o Bem Viver representaria uma ruptura drástica com o paradigma dominante, a co-
criação de concepções locais múltiplas de Bem Viver no meio urbano, assim como sua
disseminação e adoção, enfrentariam diversos obstáculos, os quais, em projetos de transição,
devem ser considerados na elaboração do plano de ação e no desenvolvimento de
intervenções. Ademais, cabe ressaltar que o Bem Viver, embora se baseie na ancestralidade,
propõe sua combinação com saberes e práticas contemporâneos para a construção de uma
perspectiva utópica, de perseguir aquilo que ainda não existe, que não tem lugar no presente,
mas que pode vir a ter (GUDYNAS, 2011; ACOSTA, 2016). Para potencializar o impacto e
alcance de projetos de transição, assim como co-criar concepções de Bem Viver que não
estejam presas ao passado, é importante considerar manifestações atuais existentes no
contexto local. O design de transições pode contribuir nesse sentido, pois para ele é
fundamental identificar e vincular as propostas, projetos e movimentos sociais ou de base já
existentes, entendidas como as sementes de novos cenários (IRWIN; TONKINWIS; KOSSOFF,
2020). Desse modo, é possível tomar como base as manifestações já presentes no contexto
local, de modo a garantir que a co-criação de uma concepção própria de Bem Viver não seja
impositiva, mas orgânica.

6 Considerações finais
Inserido no paradigma do design contemporâneo, o design de transições para a sustentabilidade
apresenta muitas de suas características marcantes: reconhecimento do papel político do design;
responsabilidade socioambiental; multi, inter e transdisciplinaridade; expansão da atuação do
design para além do desenvolvimento de produtos e serviços, considerando questões sistêmicas
e valorizando o processo projetual em detrimento dos artefatos resultantes, que podem
apresentar formatos variados, nem sempre tangíveis. As bases teóricas e metodológicas do
design de transições ainda estão em formação, mas a revisão bibliográfica permitiu identificar
algumas delas. Um fator que se sobressai é a necessidade de adaptação dessas bases a cada
projeto, de acordo com o sistema a ser transformado e o contexto local.
O design de transições implica papéis para os designers que são diferentes dos usuais ou
tradicionais. Os principais papeis são dialógicos, envolvidos na abordagem participativa do
design de transições. Outros papéis relevantes dizem respeito à sua natureza estratégica, visto
o caráter de longo prazo de projetos de transição, que abarcam o desenvolvimento de
cenários futuros e de estratégias para sua concretização. Dentre essas estratégias, existem
muitas formas pelas quais diferentes disciplinas, segmentos e abordagens de design podem
contribuir, especialmente no desenvolvimento de intervenções. Design gráfico e design de
informação, design de produto e ecodesign, design de serviços e de sistemas produto-serviço
sustentáveis, design para a mudança de comportamento, educação através do design, design
para a política, design para a inovação social. A indicação dessas disciplinas, de segmentos ou
abordagens de design tem propósito meramente instrutivo, de sistematização das
informações. Na prática, nem sempre existe uma divisão clara entre disciplinas e segmentos,
uma vez que as intervenções de design podem apresentar caráter transdisciplinar. Em outros
casos, designers especializados podem ser necessários, em uma abordagem inter ou
multidisciplinar.
Considerando a necessidade que o design de transições tem como foco o contexto local, a
abordagem decolonial foi discutida com mais profundidade neste artigo, ainda que de maneira
introdutória. O Brasil e outros países da América Latina enfrentam questões socioambientais
fortemente atreladas às heranças ainda vigentes do período colonial, motivo pelo qual cenários
mais sustentáveis precisam ser decoloniais. No caso do design de transições, isso implica a
necessidade de adotar uma perspectiva decolonial no desenvolvimento de cenários, além de
adaptar suas ferramentas metodológicas para garantir a plena e efetiva participação de todos os
atores sociais envolvidos e afetados pelo projeto. Para o desenvolvimento de cenários, o Bem
Viver é apresentado como uma contranarrativa capaz de informá-los. Co-criar concepções
próprias e urbanas de Bem Viver, as quais estabeleçam novas relocações com o outro e a
natureza, será um grande desafio. Mas o envolvimento de movimentos sociais e projetos locais
já existentes pode indicar caminhos e apresentar possibilidades para estabelecer processos
participativos no design de transições. Não existe, contudo, uma fórmula. A cada projeto, é
necessário avaliar as teorias e ferramentas metodológicas mais adequadas. Ainda assim, este
artigo, a partir da revisão bibliográfica realizada, fornece algumas bases para o desenvolvimento
do design de transições no contexto brasileiro. Há muito ainda a ser explorado por designers e
pesquisadores, seja em termos de teorias próprias e decoloniais, seja em termos de aplicações
práticas.

7 Agradecimentos
O estudo aqui relatado foi apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior.

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