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CAP Historia_do_Brasil_Colonia_Aula_5

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Aula

POLÍTICA E LEGISLAÇÃO
5
INDIGENISTA, O TRÁFICO
NEGREIRO E O SERTANISMO

META
Apresentar a política indigenista e a atividade sertanista como alternativas ao tráfico negreiro.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
compreender a política e a legislação indigenista nos dois primeiros séculos da colonização;
identificar a contradição existente entre o projeto colonizador e o projeto missionário;
refletir sobre o papel que os europeus desempenharam no imaginário indígena, associando-o ao
processo de dominação e aculturação dos índios;
compreender a relação existente entre o sertanismo e o tráfico negreiro.

A Coroa portuguesa esperava contar com colaboração e participação dos nativos no processo
de ocupação. Já que na colônia havia cerca de 3 milhões de índios.
(Fontes: http://www.ipahb.com.br)
História do Brasil Colônia

INTRODUÇÃO
A historiografia brasileira se, por um lado, reconhece que a questão indígena
ocupa um lugar central na colônia, não reconhece, porém, a legislação indigenista
como um tema relevante. Estabeleceu-se a noção de que as leis são apenas uma
formalidade que não revela a realidade subjacente. O que predomina neste tipo
de historiografia é a simplificação do tema, em que a legislação é apresentada
sempre como contraditória e hipócrita, havendo generalizações como se as leis
se referissem a todos os índios sem distinção. Estudos recentes, porém, têm
mostrado que o tema é muito mais complexo do que se supõe.
Uma nova abordagem vem ganhando terreno na historiografia
brasileira. Essa nova visão sobre o tema considera que o sistema jurídico
é um dos fundamentos das ações dos homens. As ideias nele contidas são
muito mais do que mera retórica, pois refletem valores, princípios, projetos
e políticas “públicas” de uma determinada sociedade. Portanto, vale a pena
resgatar a legislação indigenista, porque ela representa a existência de uma
Política Indigenista e de um Projeto de Colonização forjados no conflito e
nas práticas cotidianas daquele período. Além disso, a legislação indigenista
permite a compreensão das ações do Estado e dos colonos, relacionando-as
com o sertanismo e o tráfico de escravos africanos.
Vamos por partes para não haver confusão. Inicialmente é importante
destacar os atores sociais dessa história. São eles: o Estado metropolitano
e seus agentes na colônia (a Coroa e as autoridades coloniais); os colonos,
nesse contexto também chamados de “moradores” ou fazendeiros (pro-
prietários de terras); os missionários, membros do clero regular de diversas
ordens, com destaque para os jesuítas; e os índios, é claro.

As atividades sertanistas tinham como principal objetivo a captura, legal ou ilegal dos índios. No Planalto
do Piratininga, na Vila de São Paulo, o sertanismo moldou um certo modo de vida, que caracterizava pelos
moradores fazendeiros, pobres criadores de gado, utilizarem da mão de obra indígena (legal ou ilegal).
(Fontes: http://www.domaracional.com.br)

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
Aula

A legislação indigenista caracteriza-se pela diversidade, motivada por


dois fatores de diferenciação: a diferença entre índios aldeados ou mansos
e índios bravos; e a existência de duas colônias portuguesas na América que
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eram o Estado do Brasil e o Estado do Grão Pará e Maranhão (criado em
1621). Para cada uma dessas situações existiam leis específicas.
A legislação colonial segue uma tipologia bastante variada, e em nada
se parece com a legislação moderna. O Regimento dos Governadores, por
exemplo, era uma série de instruções e orientações que cada Governador
Geral trazia ao assumir o cargo. Esse documento tinha força de lei, sendo
a sua aplicação severamente fiscalizada.
Existia também o Regimento das Missões e toda uma gama de Alvarás,
Provisões, Cartas Régias, Consultas e Diretórios. Em suma, qualquer docu-
mento produzido pela Coroa ou pelas autoridades coloniais tinha força de
lei. Os principais documentos que abordavam questão indígena eram: o
Regimento de Tomé de Souza de 1547, a Lei de 1570 e a de 1587, o Alvará
de 1596, a Lei de 1609 e a de 1611, a Provisão Régia de 1680, o Regimento
das Missões de 1686 e o Diretório de 1757. Oportunamente mostraremos
a importância e o significado de alguns desses documentos. Por hora, vale
lembrar que cada uma deles representou um momento de inflexão na política
indigenista e, não raro, foram causadores de graves conflitos.
Os conflitos eram provocados por dois projetos quase inconciliáveis,
destinados à integração dos índios na sociedade colonial. Estes projetos
eram: o projeto missionário, levado a cabo pelas Ordens religiosas que se
instalaram no Brasil; e o projeto colonizador, patrocinado pelos colonos
proprietários de terras. Cada um tinha uma maneira de lidar com os nativos.
O projeto missionário está fundamentado nos aldeamentos ou missões,
os quais se constituíam em núcleos de povoamento indígenas, dirigidos pelas
ordens religiosas. As chamadas aldeias ficavam próximas aos estabelecimen-
tos agrícolas como vilas e fazendas, e tinham a finalidade de direcionar os
índios para o trabalho produtivo. É obvio que isso significava a completa
destribalização e aculturação dos silvícolas. Os aldeamentos promoviam a
conversão ao catolicismo e a ocupação e defesa do território encampada
pelos próprios aldeados. Aos índios eram oferecidas garantias que, do
ponto de vista das autoridades, pareciam extremamente vantajosas. Eram
elas: trabalho livre remunerado, a posse comunitária das terras das aldeias
e proteção da lei com proibição da escravização.
Este arranjo institucional forjado pela Coroa portuguesa em conluio
com as Ordens missionárias permitia que as tribos e a cultura indígena
fossem desmontadas, e direcionadas para uma finalidade fundamental: a
defesa do território e a criação de uma estrutura produtiva na colônia. Esse
era o plano do governo português desde o início. No Regimento de Tomé
de Souza, de 1549, já constava a proibição da escravidão indígena, como
forma de cooptá-los e torná-los aliados do projeto colonizador.

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História do Brasil Colônia

Pense bem, caro aluno. Imagine o tamanho do território colonial, total-


mente aberto a ocupação. Neste território cabiam mais de 50 “portugais”.
Era muita terra e pouca gente para povoar. A população da metrópole não
passava de 1 milhão de habitantes e se todos eles fossem trazidos para o
Brasil, ainda assim, seria pouco. Em todo extensão da colônia havia cerca
de 3 milhões de índios. Um número considerado pequeno para toda aquela
vastidão. Portanto, a América portuguesa era subpovoada e, por isso, a
Coroa esperava contar com a colaboração e participação dos nativos neste
processo de ocupação. Aos nativos foi dada uma única opção: tornarem-se
aliados e trabalharem para os colonos.
O processo de aldeamento impunha duas condições principais, a saber.
A primeira condição era que nas aldeias deveriam viver apenas índios e mis-
sionários. A segunda estabelecia que para constituir o aldeamento fazia-se
necessário efetuar o “descimento”, termo utilizado naquela época para o
deslocamento de povos inteiros a fim de se constituir as aldeias missionárias
ou missões. O descimento estava regulamentado em lei, o que demonstra
a importância dessa operação e o zelo da Coroa portuguesa, ciosa de seu
controle sob os excessos dos colonos.
Refletindo os conflitos em torno da questão, a legislação oscila entre
as “tropas de descimento” (compostas por colonos) e a ação missionária
como executores da operação de descimento. Os métodos utilizados para
convencer povos inteiros a deixarem suas tribos e se instalarem próximos
dos estabelecimentos coloniais eram a persuasão e a oferta de vantagens
e garantias. Os colonos frequentemente apelavam para a violência, o que
fez com que a Coroa os proibisse definitivamente de realizar esta operação.
Carentes de mão de obra para suas fazendas, os colonos não tinham tempo
nem paciência para permanecer anos a fio estabelecendo uma relação amis-
tosa e ganhando a confiança dos nativos. Seus objetivos imediatos faziam
com que atacassem as aldeias provocando mortes, destruição e trazendo os
prisioneiros como cativos. Era fácil enganar as autoridades afirmando que
eles vieram de livre e espontânea vontade. Foram estes abusos que levaram
o governo português a estabelecer a exclusividade dos missionários para o
descimento dos índios.
Um ponto precisa ser esclarecido. Como era possível que milhares de
índios fossem convencidos permitindo que os missionários entrassem nas
suas terras e subvertessem a organização tribal? Como era possível que até
mesmo algumas tribos fossem convertidas em aldeamentos ou missões?
Será que os índios não percebiam as conseqüências dessa operação?
Para responder a estas questões temos que penetrar na cultura, na
mentalidade, na organização política e religiosa das tribos brasileiras e
compreender a complexa relação que se estabeleceu entre os índios e os
portugueses. Trataremos desse assunto mais adiante. Por hora, vamos
continuar analisando a política indigenista expressa na legislação da época.

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
Aula

Compostos os aldeamentos, era necessário administrá-los. Aqui a


legislação também oscila entre a exclusividade dos missionários e a partici-
pação de particulares, conhecidos como “capitães de aldeia”. Até mesmo
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chefes indígenas chegaram a assumir esta função. Era um cargo muito
disputado por que cabia ao administrador cuidar da repartição dos índios.
Isso equivale a administrar o trabalho dos índios. Nos aldeamentos, os
índios eram obrigados ao trabalho rotineiro e sistemático, muito diferente
do seu modo de vida em comunidade. Portanto, novos valores estavam
sendo introduzidos, de acordo com os interesses do projeto colonizador.
O tempo de serviço ou repartição do trabalho estava dividido da seguinte
maneira: 1/3 do tempo o índio serve à aldeia e nela permanece; 1/3 serve
à Coroa em guerras e descimentos e 1/3 restante serve aos colonos nas
fazendas. O tempo de serviço nas fazendas variava de 2 a 6 meses. Passado
esse período o índio devia ser devolvido à aldeia. A repartição do trabalho
estava regulamentada em lei, todavia era impossível uma fiscalização eficaz.
Isso significa que nem sempre os índios encaminhados para as fazendas
retornavam no prazo correto. E frequentemente, não retornavam nunca.
Se você, aluno, concluiu que deveria haver inúmeros conflitos em torno
dessa questão, sua conclusão esta absolutamente correta.
É importante destacar que, de acordo com a mentalidade da época, os
colonos e a Coroa portuguesa acreditavam que ofereciam aos índios algo
que era indispensável a todos os homens, ou seja, a ideia de civilização e a
salvação de suas almas mediante conversão ao catolicismo. O modo de vida
e os costumes tribais eram demonizados e considerados repugnantes. Por
isso, a conversão e o trabalho, mesmo que forçados, eram como as únicas
alternativas possíveis para a salvação daquela gente. E os índios? O que pen-
savam de tudo isso? Aguarde um pouco mais, caro estudante. Chegaremos lá.
Nem todos os índios eram descidos e levados aos aldeamentos. Algumas
tribos poderiam constituir-se em aliados mediante acordos e pactos. Aos
aliados cabia a defesa das vilas fazendas contra os ataques de outros índios
e de estrangeiros europeus. Aos aliados eram oferecidas recompensas e
garantias de liberdade. A Coroa portuguesa reconhecia que as habilidades
bélicas dos silvícolas eram úteis para a defesa do território. Por isso, era
melhor tê-los como aliados do que como inimigos. A guerra contra fran-
ceses e holandeses no território colonial, não teria sido possível sem as
tropas de índios aliados.
Por outro lado, não obstante a legislação proibir a escravização dos
índios, havia casos em que o cativeiro era considerado lícito. Assim sendo,
a Coroa só permitia a escravização mediante 2 condições: guerra justa e
resgate. A guerra justa era regulamentada em lei, principalmente os motivos
e as condições para a sua aceitação. Só era possível aceitar declaração de
guerra justa por três motivos: a) impedimentos à propagação do catoli-
cismo; b) hostilidades contra vilas e fazendas; c) rompimentos de pactos

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História do Brasil Colônia

celebrados. Em geral, quem declara a guerra justa é sempre uma autoridade


colonial. Aos particulares cabia solicitar a declaração mediante uma justifi-
cativa cabal, testemunhas e documentos que comprovassem a hostilidade
dos índios. Imagine você, aluno, a quantidade de pedidos de declaração de
guerra justa que chegavam às autoridades metropolitanas. A fim de conse-
guir mão de obra para suas fazendas, sem a intervenção dos missionários,
só havia uma maneira: escravizar os índios utilizando a guerra justa como
álibi. Em muitos casos, os motivos eram forjados e nem sempre os colonos
esperavam pela autorização. Partiam para a guerra muito antes de ela ser
declarada pelas autoridades. E diante do fato consumado, era muito difícil
voltar atrás e devolver os prisioneiros feitos escravos. Mas nem todas as
guerras eram provocadas de maneira ilícita. A mais importante de todas as
guerras justas do período colonial ficou conhecida pelo nome de “Guerra
dos Bárbaros” e ocorreu entre 1683 e 1688. Os combates aconteceram nos
sertões da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Inúmeros proprietários
de terras, alguns vindos da região de São Paulo de Piratininga, lá da parte
meridional da colônia, se envolveram neste conflito.
O resgate, por sua vez, era uma ação destinada a capturar índios, prisio-
neiros de outros índios. Desse modo, o “resgatado” era obrigado a prestar
serviço a quem o resgatou e o salvou da morte, pois o destino desses pri-
sioneiros seria o sacrifício ritual caso não fossem resgatados. Tratava-se de
uma maneira muito engenhosa para justificar o trabalho forçado como uma
espécie de escravidão por divida. Porém, como tudo naquele mundo, havia
sérios abusos cometidos pelos colonos tais como guerras, descimentos e
resgates ilegais, ataques aos índios aliados e às aldeias missionárias. Vamos
contar aqui uma história que ilustra muito bem esses abusos. Vamos lá então.
Em meados do século XVI, instalou-se no litoral da Bahia, a poucos
quilômetros de Salvador, uma família de fazendeiros pecuaristas descendentes
de Garcia D’Ávila, que ficou conhecida como a dinastia da Casa da Torre.
Ao longo de muitos anos, os integrantes da Casa da Torre constituíram o
maior latifúndio de todos os tempos. Suas terras emergiam do litoral ad-
entrando pelos sertões da Bahia, chegando até o Piauí, passando também
por Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. No século XVII,
a Casa da Torre entrou em conflito com o projeto missionário estabelecido
naquela região.
Nos sertões da Bahia, foram organizados vários aldeamentos a partir
de formações sociais indígenas preexistentes, ocupando terras devolutas
ainda não distribuídas a sesmeiros. Estes aldeamentos ou missões visavam
à formação de um território autônomo e clerical com idioma próprio (a
língua geral ou tupi guarani) e organização própria, com terras e produção
comunitárias. Esta rede de missões ou aldeias costumava denominar-se
“república” cujo objetivo era subtrair os povos indígenas da jurisdição ou
influência dos proprietários de terras. Alguns historiadores consideram o
projeto missionário uma ação isolacionista e segregacionista, com governo

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
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próprio em que não exercia poder nenhuma autoridade secular. Uma al-
ternativa igualmente ilegal, pois a legislação portuguesa previa a integração
dos índios à sociedade colonial. Desse modo, os padres se envolveram em
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conflitos incontornáveis pela disputa das terras e do governo dos índios.

Índio Tupi - Século XVII (Pintura de Albert Eckhout)

Entre 1667 e 1669 foram criadas as aldeias de São Francisco Xavier da


Jacobina, Santa Tereza de Canabrava, Santo Inácio e Santa Cruz, todas ao
longo do rio São Francisco. Estas aldeias estavam supostamente situadas
em sesmarias pertencentes à Casa da Torre, cuja região era conhecida como
“sertões da jacobina”, onde se supunha existirem minas de prata. Os padres
solicitaram a demarcação das terras nos sertões da jacobina, mas a Casa da
Torre se opôs ferozmente atacando as missões, causando grande destruição.
Os padres recorreram às autoridades coloniais, todavia nada foi resolvido
diante do poderio político militar da Casa da Torre. O conflito se arrastou
por décadas, até a completa destruição das aldeias. Segundo o historiador
Luiz Alberto Moniz Bandeira:

“O Capitão Garcia D’Ávila alcançara o objetivo de impedir que


os jesuítas organizassem as missões naquelas terras. Com toda
força que dispunha, a Companhia de Jesus não pôde contrapor-se
frontalmente aos interesses da Torre de Garcia D’Ávila a qual, não
obstante constituir uma propriedade privada, dispunha de imenso
poder não apenas político mas também militar (...) fornecendo
tropas necessárias para reprimir não apenas os índios rebelados
como também os mocambos que os escravos fugitivos começaram
a formar nos sertões(...)”.

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História do Brasil Colônia

Em outra ocasião, em 1674, antes da Guerra dos Bárbaros, Francisco


Dias D’Ávila II comandou uma grande expedição punitiva contra os índios
acusados de atacar vilas e currais em suas terras. Recrutou contingentes
indígenas em 4 aldeias comandadas pelos padres capuchinhos e, auxiliado
por sertanistas de São Paulo, percorreu o sertão do rio São Francisco com-
batendo durante 1 ano. Francisco Dias D’Ávila mostrou-se terrivelmente
cruel e implacável, até mesmo para os padrões da época, quando ordenou a
degola de 500 guerreiros e escravizou suas mulheres e filhos. Está claro para
você, caro estudante, que se tratava de um conflito pela posse das terras e
que os índios, supostamente hostis, apenas se defendiam contra a conversão
e a vassalagem forçadas. Mas isso não era considerado pelas autoridades
portuguesas. Por isso, como recompensa pelos serviços prestados, Francisco
Dias D’Ávila II recebeu a patente de Coronel de Ordenanças e mais terras,
além das que já possuía. Tribos inteiras foram dizimadas e escravizadas, e
suas terras doadas em sesmarias à Casa da Torre. Depois da expedição de
1674, os índios continuaram a atacar currais matando foreiros, vaqueiros
e escravos. Na verdade a guerra contra os índios rebeldes nunca cessara.
Como bem diz Moniz Bandeira:

“De qualquer modo, a atividade dos missionários que procediam


ao esforço de evangelização de índios contrapôs-se muitas vezes
aos interesses dos senhores de terras e essa contradição só podia
acarretar conflitos entre a Igreja e a Casa da Torre na medida em que
Francisco Dias D’Ávila II expandiu até os confins do São Francisco
seu domínio territorial”.

Na verdade, podemos concluir que grande parte da história da Casa da


Torre se distinguiu por conflitos sangrentos com os indígenas, provocados
pela expansão das fazendas de gado. A Casa da Torre usava qualquer inci-
dente para atacar as missões. Chagava até a levar rebanhos de gado para as
roças dos índios, e como estes matavam o gado criava-se o pretexto que os
fazendeiros queriam para atacá-los e taxá-los como hostis ou selvagens. O
motivo da guerra justa estava criado. O que a Coroa podia fazer?
Com o acirramento das disputas e o crescimento da violência contra
os índios e contra o projeto missionário, a Coroa tentou evitar a desmor-
alização da política indigenista, lançando as leis que estabeleciam liberdade
incondicional aos índios, até mesmo aos considerados hostis e “bárbaros”,
e proibindo o cativeiro mesmo em caso de guerra justa e resgate. Estas leis
foram lançadas em 1609 e 1680 com o objetivo de desencorajar a guerra e
controlar os abusos. Stuart Schwartz considera que a implantação do tri-
bunal de justiça em Salvador, conhecido como Tribunal da Relação, estava
intimamente ligada à política indigenista da Coroa a qual precisava controlar
e fiscalizar mais de perto a questão. Os juízes da Relação tinham autoridade
para reforçar a ação do Estado e coibir abusos contra os índios. A Relação

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
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foi instalada em junho, pra cumprir a Lei de 1609 publicada em julho. Mas
nem tudo ocorreu como esperado porque houve uma violenta reação por
parte dos colonos, quando tomaram conhecimento dessa nova lei. Nas
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palavras de Stuart Schwartz:

“A reação mais violenta veio da Bahia. A Relação revelou a lei à


Câmara o que precipitou uma tempestuosos reunião na tarde de 28 de
junho de 1610 (...) Os jesuítas foram considerados os promotores da
lei e assim sendo recaiu sobre eles a raiva do populacho(...) Enquanto
a Câmara apresentava um protesto oficial ao Governador e a Gaspar
da Costa, Chanceler da Relação, o povo gritava suas objeções em
frente aos edifícios do governo”.

Os protestos e a enxurrada de papéis enviada à metrópole levaram à


revogação da Lei de 1609 e sua substituição pela Lei de 10 de setembro de
1611 a qual garantia a liberdade dos índios, mas permitia sua escravização
em determinados casos. De acordo com a Lei estes casos deveriam ser
analisados pela Relação e uma junta de notáveis composta por membros
da Igreja e pelo Governador Geral do Estado do Brasil. Na prática, nada
mudou. A Lei de 1611 não evitou os conflitos ocorridos nos sertões da
jacobina, assim como a Lei de 1680, que não evitou a “guerra dos bárbaros”.
Agora, podemos retomar aquela questão que eu havia colocado lá no
inicío desta aula. Está lembrado? Deixe-me contar uma história que se passou
lá no Brasil meridional, na antiga capitania de São Vicente. Em 1530, antes
mesmo da chagada de Martim Afonso de Sousa, um importante guerreiro e
chefe de uma tribo tupiniquim, conhecido pelo nome de Tibiriçá permitiu
que os padres jesuítas entrassem na sua aldeia, convertessem o seu povo
sendo ele próprio o primeiro a se batizar com o nome de Martim Afonso
Tibiriçá, e instalassem naquela aldeia uma missão que deu origem à Vila de
São Paulo de Piratininga. Trinta anos depois Martim Afonso Tibiriçá estava
morto, vítima de uma das doenças infecto-contagiosas que durante muitos
anos vinha dizimando sua gente. Sua aldeia original não mais existia. O que
havia era uma missão governada pelos padres. Então cabe a pergunta: por
que Martim Afonso Tibiriçá permitiu que isso acontecesse com a sua aldeia?
Será que ele não fora capaz de prever o desastre que isso representaria para
sua gente e para sua cultura?
Para responder a essa questão temos que compreender qual o lugar dos
europeus no mundo e na cosmologia indígena. Em outras palavras, como
funcionava a dinâmica interna da sociedade tupi, a qual ajuda a explicar as
complexas relações entre os índios e os europeus. Esta questão é importante
para a compreensão do processo de conquista e absorção dos índios pela
via da catequese ou do sertanismo.
Quem eram os índios que aqui viviam? O Brasil era povoado por ín-
dios pertencentes ao grupo linguístico tupi-guarani, divididos em diversos

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História do Brasil Colônia

subgrupos dentre os quais podemos destacar: os tupiniquim, carijó, tamoio,


tupinambá, caeté e potiguar. Antes que o leitor comece a achar estranho é
importante esclarecer que, atualmente, não usamos o plural para escrever
ou falar palavras de indígena visto que na língua tupi não existia o plural.
Portanto, ao nos referirmos a estes grupos indígenas, o faremos sempre
no singular.
Continuando, os tupi fixaram-se no litoral após um longo processa mi-
gratório. Enquanto os tapuia eram todos os outros grupos que não falavam
a língua tupi-guarani, tais como os tremembé, aimoré, goitacá e charrua.
As sociedades indígenas estavam divididas em comunidades sem centro,
sem hierarquias, cujos limites territoriais eram imprecisos e dispersos. As
aldeias tupi, não eram povoados fixos e permanentes, podendo mudar-se
de um lugar para outro, após determinados intervalos de tempo, motiva-
dos pelo esgotamento dos recursos naturais ou pela força de atração de
algum líder carismático, chefe ou pajé. Percebe-se, portanto, que foi esse
elemento pertencente ao modo de vida tupi que abriu amplas possibili-
dades de sucesso para os descimentos. Qualquer pessoa talentosa poderia
atuar como um líder carismático capaz de mobilizar todo um grupo em
torno de uma profecia ou de uma promessa de vida melhor, e levá-lo a se
deslocar. Foi justamente a tradição desses deslocamentos que favoreceu os
descimentos. Neste contexto, os missionários eram muito bem sucedidos,
pois possuíam o dom da oratória, aprenderam a falar a língua tupi e eram
vistos como figuras místicas e proféticas.
Entretanto, um elemento da dinâmica interna das sociedades tupi se
destacava dentre todos os outros: trata-se da existência de um complexo guer-
reiro, consequência da fragmentação política e eterna rivalidade entre grupos
locais. Era esta fragmentação que levava às rivalidades e à guerra. Os índios
não guerreavam por recursos naturais ou por qualquer outra coisa material,
pois os recursos eram abundantes e podiam ser encontrados em toda parte
desse vasto território subpovoado. A guerra era motivada por um elemento
bem mais prosaico e quase incompreensível para nós. Este elemento era a
vingança. Fontes da época, produzidas por observadores que viveram entre
os indígenas tais como Hans Staden, Jean de Lery e os próprios jesuítas
concordavam que o motivo principal dos incessantes conflitos era a sede de
vingança. O historiador John Manuel Monteiro reproduz um interessante
discurso indígena transcrito por Jean de Lery, aventureiro francês que viveu
entre os tupinambá no começo do século XVI. Observem:

“Nossos predecessores, dizem falando sem interrupção, uns após


outros, não só combateram valentemente mas ainda subjugaram,
mataram e comeram muitos inimigos, deixando-nos assim honrosos
exemplos; como pois podemos permanecer em nossas casas como
fracos e covardes?Será preciso para vergonha e confusão nossa
que os nossos inimigos venham buscar-nos em nosso lar quando

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
Aula

outrora a nossa nação era tão temida e respeitada das outras que a
ela ninguém resistia?Deixará a nossa covardia que os margaiá e os
pero-angaiapá que nada valem invistam contra nós?Não, não gente de
5
minha nação, poderosos e rijos mancebos não é assim que devemos
proceder; devemos ir procurar o inimigo ainda que morramos todos
e sejamos devorados, mas vinguemos nossos pais”.

Carga de Cavalaria Guaicuru

A vingança se prolongava como uma trama sem fim, visto que os ataca-
dos de hoje serão os vingadores de amanhã, e assim por diante. Segundo
Monteiro, “a vingança se consumava de duas maneiras tradicionais: através
da morte do inimigo durante a batalha ou através da captura do mesmo
e execução posterior no terreiro”. A execução a que se refere Monteiro
consiste na morte do prisioneiro com um só golpe de tacape, e a prática
do canibalismo ritual em que se acreditava poder assimilar as virtudes do
guerreiro morto tais como coragem e bravura.
Foram as incessantes guerras entre os grupos indígenas que pos-
sibilitaram a formação de alianças com os europeus cujo objetivo era o
fortalecimento da tribo em guerra. A princípio, os índios encaravam os
europeus como aliados que os ajudariam a combater seus inimigos. Qual
deles poderia prever as consequências nefastas dessa aliança? Isso não era
perceptível, pois os europeus estavam em menor número e pareciam não
oferecer qualquer ameaça a longo prazo. Martim Afonso Tibiriçá, quando
permitiu que os padres entrassem na sua aldeia, estava firmando uma aliança
com os portugueses para combater os vizinhos tamoio que, por sua vez,
aliaram-se aos franceses. A guerra entre os tupinambá e os tamoio durou
vinte e sete longos anos (1540 a 1567) com a derrota desses últimos e de

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História do Brasil Colônia

seus aliados franceses. Está perfeitamente claro que para os portugueses


esta aliança com Martim Afonso Tibiriçá era estratégica e fundamental, pois
serviu para combater os “invasores” franceses que insistiam em explorar
as riquezas de uma colônia que não lhes pertencia. Foi por causa da guerra
dos tamoio que o Regimento de Tomé de Sousa (1548) e a Lei de 1570
proibiram a escravização dos índios, exceto em caso de guerra justa. Com
isso, os portugueses estavam cumprindo a sua parte na aliança firmada. Aos
inimigos caberia a escravidão, mas não aos aliados tupi.
Outra maneira de firmar alianças era através do casamento entre índias
e europeus, conferindo aos colonos certo prestígio dentro das estruturas
indígenas. Assim, em São Vicente, João Ramalho casou-se com a filha de
Martim Afonsa Tibiriçá e na Bahia, Diogo Álvares Correa casou-se com a
índia Paraguaçu. O casamento consolidava a aliança, “aportuguesava” os
índios e “indianizava” os colonos.
No mundo e na cosmologia tupi, os europeus serviam à lógica dos
conflitos interetnicos na medida em que eram “recrutados” como aliados
nas guerras indígenas. Por outro lado, os europeus se aproveitavam dessa
situação para se imiscuírem na sociedade tupi, transformando-a ao sabor
dos interesses do projeto colonizador. Na visão dos gentios, os europeus
estavam associados aos grandes xamãs que andavam pela terra curando
e profetizando. Os padres missionários em particular foram os grandes
beneficiados por essa associação, por serem andarilhos, por falarem em
imortalidade da alma e do sobrenatural, por conversarem com um “grande
espírito” e por profetizarem a existência de uma terra sem mal.
Todos estes elementos da cultura tup-guarani convergiram para o esta-
belecimento das relações luso indígenas, na qual ambos os lados tentavam
tirar vantagens e satisfazer seus interesses. Os índios queriam derrotar seus
inimigos seculares, os europeus queriam catequizá-los e inseri-los nas ativi-
dades produtivas coloniais. Esse processo ajuda a explicar as bases históricas
dos padrões de resistência e adaptação, bem como os meios pelos quais
a dominação portuguesa foi possível. Finalmente podemos falar agora da
relação entre o sertanismo e o tráfico negreiro.
Nos séculos XVI e XVII os colonos de São Paulo de Piratininga e de
outras vilas circunvizinhas assaltaram centenas de aldeias e missões em
várias regiões, conhecidas genericamente como “sertões”. Esta atividade
passou a ser denominada de sertanismo, e seus praticantes, de sertanistas.
Eram atividades voltadas para a exploração de áreas distantes do litoral e
da zona dos engenhos. O sertanismo originou-se com a procura de ouro,
prata, pedras e outros metais importantes. Em 1591, o Governador Geral
do Brasil, Francisco de Sousa, autorizou e incentivou o envio de diversas
expedições aos sertões, com o objetivo de encontrar as tão sonhadas minas.
Para isso, arrancou da Coroa a criação de uma zona denominada Repartição
Sul da Colônia onde esperava implantar um projeto de exploração mineral.
O plano malogrou, porque não foi encontrada nenhuma jazida. Todavia,

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
Aula

permitiu que expedições oficiais ligadas a mineração voltassem sem qualquer


traço de ouro e prata, mas carregadas com muitos índios cativos descidos
ou deslocados ilegalmente. Assim nascia o sertanismo.
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A atividade sertanista logo terá como principal objetivo a captura, legal
ou ilegal, de índios. Segundo John Manuel Monteiro, foi no Planalto de
Piratininga, na vila de São Paulo, mais do que em qualquer outra região da
colônia, onde o sertanismo moldou um determinado modo de vida, uma
maneira de ser e ver o mundo, uma sociedade específica e uma cultura es-
pecífica. Esse gênero de vida pode ser caracterizado da seguinte maneira.
Os moradores do planalto de Piratininga eram fazendeiros e criadores de
gado que utilizavam mão de obra indígena (legal ou ilegal). Sua pobreza
não lhes permitia adquirir escravos africanos, pois somente os senhores de
engenho do litoral tinham recursos suficientes para este fim. Os fazendeiros
do planalto levavam uma vida rústica e de múltiplas carências materiais. Os
únicos bens preciosos que possuíam eram os escravos índios, o gado e as
roças de alimento. Viviam em casas de taipa ou palha cercadas de pomares
e animais domésticos. Os proprietários passavam a maior parte do tempo
em expedições sertanistas em busca de “remédio para sua pobreza”. O
“remédio” tão procurado era o cativo indígena.
As expedições de caça ao índio passaram a ser denominadas de “ban-
deiras” e seus integrantes chamados de “bandeirantes”. As bandeiras eram
empreendimentos paramilitares, na maioria das vezes, pois os fazendeiros
não tinham autorização para promover descimentos. Na distante capitania
de São Vicente, os colonos faziam suas próprias leis visto que as autoridades
metropolitanas tinham enorme dificuldade de fazer valer a vontade da
Coroa. Os bandeirantes desenvolveram cuidadosamente alguns pretextos
para burlar a legislação e a ingerência das ordens religiosas protetoras dos
índios, notadamente, os jesuítas. Além da costumeira desculpa ligada à
prospecção mineral, alegavam também que estavam a procura de hereges
ou que pretendiam recapturar índios fugitivos. O cotidiano sertanista era de
extrema violência na medida em que se praticava atividades de apresamento
pela força das armas.
A bandeira, na verdade, era a forma como se designavam as Com-
panhias de Ordenanças (ou Bandeiras de Ordenanças), ou seja, corpos de
tropas auxiliares do exército de Sua Majestade. Estes milicianos não eram
pagos como nas tropas regulares, nem lutavam montados a cavalo. Eram
tropas de infantaria também conhecidas como milícias de ordenanças. No
planalto de Piratininga essas milícias se voltaram para a atividade sertanista
totalmente fora do controle do Estado português. Até mesmo as patentes
militares eram distribuídas pelos próprios moradores que se autodenomi-
navam capitães do mato.
Como já foi dito anteriormente, o produto da atividade sertanista era a
captura de índios do sertão para uso nas lavouras do planalto. Entre 1627
e 1640, auge da atividade sertanista, foram capturados mais ou menos cem

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História do Brasil Colônia

mil índios, sendo a maioria provenientes de regiões muito distantes e muito


além das fronteiras da América portuguesa, tais como os atuais Paraná, Mato
Grosso e Rio Grande do Sul. A maior de todas as bandeiras foi a de Antonio
Raposo Tavares em 1628. Essa expedição era composta por 4 companhias
de milicianos, cada uma sob o comando de um capitão perfazendo um total
de 900 paulistas e 2.000 índios. Não se espante, caro aluno com a presença
de índios em expedições de apresamento de outros índios. Os nativos eram
muito valorizados por suas habilidades bélicas, e frequentemente utilizados
como tropas auxiliares. Antonio Raposo Travares literalmente assaltou as
missões do Guairá (no atual território do Paraná) que pertenciam aos jesuítas
espanhóis. Os bandeirantes não respeitavam fronteiras e pouco importava se
o território assaltado pertencia à Coroa espanhola.
Muitas questões podem ser levantadas sobre a atividade de apresamento
de índios. Quando informamos que no Brasil meridional perto de cem mil
índios foram ilegalmente capturados na primeira metade do século XVII, esse
numero representa mais que o dobro de africanos trazidos para o Brasil no
mesmo período. Então há que se perguntar: Por que o sertanismo de caça
ao índio atingiu tamanha proporção? E para onde foram todos esses cativos?
A atividade bandeirante tomou tamanha proporção por três motivos
principais: a) o primeiro está ligado ao fracasso do projeto missionário; b)
o segundo está ligado à ruptura ou crise do tráfico negreiro neste período;
c) finalmente o terceiro está ligado ao desenvolvimento da triticultura na
região do planalto de Piratininga. Para melhor compreensão do leitor, va-
mos explicar cada um desses motivos separadamente, mas não podemos
perder de vista que eles se articulam e se relacionam mutuamente. Também
queremos reiterar que nossa análise se restringe à primeira metade do século
XVII e somente para este período ela é valida.
O projeto missionário destinado a fornecer mão de obra indígena para
as fazendas por determinado tempo, fracassou porque não atendia aos
interesses dos fazendeiros. O trabalho dos índios era administrado pelos
missionários, e isso acarretou graves conflitos, pois os fazendeiros não po-
diam dispor dos trabalhadores no momento que quisessem ou precisassem.
Estavam sempre a mercê dos missionários e da legislação restritiva. Por isso
os colonos do planalto de Piratininga resolveram fazer suas próprias leis e
utilizar o serviço dos índios sem intermediários.
No que se refere ao tráfico negreiro, podemos afirmar que na primeira
metade do século XVII houve uma crise de abastecimento de escravos
africanos causada por constantes ataques promovidos pelos holandeses
aos navios portugueses. Era a chamada guerra de corso do Atlântico Sul,
como bem explica Luiz Felipe de Alencastro:

“No alto mar corsários saqueavam os tumbeiros. Boa parte dos


3 mil escravos vendidos no Novo Mundo pelos holandeses entre
1623 e 1627, incluindo os primeiros africanos desembarcados na

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
Aula

América do Norte, eram presas que os holandeses arrancavam não


das praias africanas, mas dos barcos portugueses capturados no alto
mar. Corsários e piratas continuaram a roubar à balda os navios da
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áfrica nas décadas de 1640 e 1650”.

À pressão holandesa nos mares, somem-se ainda os levantes de negros


ocorridos em território africano, fazendo com que o tráfico se desbaratasse
neste período. São justamente os embaraços do tráfico negreiro que fazem
dobrar o preço dos africanos e recrudescer a atividade de caça ao índio.
Mas para onde ia toda essa multidão de cativos indígenas? Para as fazendas
do planalto e para os engenhos do litoral meridional e até do nordeste. No
planalto de Piratininga desenvolvia-se a agricultura de alimentos, destinada
a abastecer o mercado interno, cuja mão de obra preferencial e disponível
naquele período era o índio. No contexto da agricultura de alimentos destaca-
se o cultivo de trigo ou triticultura, voltada para consumo em todo colônia.
A Coroa não via com bons olhos a caça ao índio, pois esse tipo de ativi-
dade além de se contrapor aos planos de cooptação e integração da população
indígena na sociedade colonial, também não gerava qualquer lucro aos cofres
do Reino, visto que era uma atividade ilegal, sem taxação, na qual somente
seus praticantes lucravam. Nada ficava para a Coroa e para a burguesia met-
ropolitana. Diferente do tráfico negreiro, cujos dividendos eram distribuídos
entre os comerciantes e entre o Estado na forma de taxação.

CONCLUSÃO
Durante o período colonial produziu-se um enorme corpus legislativo
sobre a questão da liberdade dos índios, considerada a mais embaraçosa
questão que a Coroa portuguesa teria que enfrentar, visto que, ao mesmo
tempo em que pretendia inserir os nativos nas atividades produtivas como
trabalhadores livres, não poderia deixar de considerar as pressões econômi-
cas que levavam os colonos a burlar a legislação existente. O governo met-
ropolitano acreditava que o tráfico de africanos resolveria o problema da
mão de obra para as fazendas. Todavia, o tráfico negreiro era uma atividade
extremamente instável e irregular fazendo com que o preço do escravo
negro fosse inacessível para a maioria dos fazendeiros da colônia, os quais
procuravam na atividade sertanista de caça ao índio o chamado “remédio
para sua pobreza”, ou seja, a escravização dos indígenas.

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História do Brasil Colônia

RESUMO
Desde os primórdios da ocupação do Brasil, a Coroa portuguesa tinha
bem claras e delineadas as estratégias de inserção dos nativos na econo-
mia colonial traduzidas naquilo que denominamos política indigenista. O
objetivo era transformar os nativos em trabalhadores livres, porém, tute-
lados ora pelos fazendeiros, ora pelos missionários. Essas estratégias se
mostraram insuficientes para lidar com a questão da liberdade dos índios
gerando incessantes conflitos entre os colonos e as ordens missionárias.
Havia uma brecha na legislação que distinguia índios aldeados e aliados dos
índios bravios ou hostis. Aos primeiros destinava-se a liberdade tutelada,
enquanto aos segundos, o cativeiro. Impossibilitados de adquirir mão de
obra africana para suas fazendas, muitos colonos se dedicaram à atividade
de caça ao índio e consequente cativeiro, criando as oportunidades para
escravizá-lo, de acordo com os interesses locais. Os moradores do planalto
de Piratininga se destacaram nesta atividade estabelecendo um gênero de
vida e uma sociedade completamente diferentes da zona açucareira. Uma
sociedade que se dedicava à pecuária e à produção de alimentos para o con-
sumo interno caracterizada pela rudeza de seu cotidiano e pelo isolamento.
Prezado estudante, você compreendeu as razões que permitiram com
que a organização tribal dos nativos habitantes da colônia fosse subvertida
e descaracterizada pelos colonizadores? Você é capaz de analisar a política
indigenista e sua relação com o tráfico negreiro? As atividades abaixo podem
ajudá-lo a entender e articular estes elementos extremamente importantes
para a compreensão do processo histórico do período colonial.

PRÓXIMA AULA
Vamos estudar aspectos culturais da América portuguesa, destacando
a religiosidade de sua população.

ATIVIDADES
1. Qual é o principal escopo da questão indígena?
2. De que maneira os aspectos da cosmologia e do imaginário Tupi ajudam
a explicar as bases históricas e os meios pelos quais a dominação portuguesa
foi possível?
3. O tráfico negreiro deveria contribuir para a consolidação da legislação
indigenista. Por que isso não aconteceu?

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Política e Legislação Indigenista, o Trafico Negreiro e o Sertanismo
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CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES


TELLES, Augusto Carlos da Silva – Atlas dos Monumentos Históricos e
5
Artísticos do Brasil. Rio de Janeiro: MEC 1985.
HEERKENOFF, Paulo – O Brasil e os Holandeses 1630 -1654. Rio de
Janeiro: GMT Editores 1999.
BANDEIRA, Julho & LAGO, Pedro Corrêa do – Debret e o Brasil Obra
Completa 1816-1831. Rio de Janeiro: Capivara, 2007.

REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz – O Feudo. A Casa da Torre de Garcia
D’Ávila da Conquista dos Sertões à Independência do Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
MONTEIRO, John Manuel – Negros da Terra. Índios e Bandeirantes nas
Origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
SCHUWARTZ, Stuart B.- Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial. A Su-
prema Corte da Bahia e seus Juízes 1609-1751. São Paulo: Perspectiva, 1979.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de – O Trato dos Viventes. Formação do
Brasil no Atlântico Sul. Séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
PERRONE-MOISÉS, Beatriz – Índios Livres e Índios Escravos. Os
Princípios da Legislação Indigenista do Período Colonial, Séculos XVI a
XVIII In CUNHA, Manuela Carneiro da - História dos Índios no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, Fapesp, 1992.
FAUSTO, Carlos – Fragmentos da História e Cultura Tupinambá. Da
Etnologia como Instrumento Crítico de Conhecimento Etno-histórico In
CUNHA, Manuela Carneiro da - História dos Índios no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, Fapesp, 1992.

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