Dinâmica Dos Oceanos

Fazer download em pdf
Fazer download em pdf
Você está na página 1de 77

UNIVERSIDADE DO ALGARVE

FACULDADE DE CI

ENCIAS E TECNOLOGIA
Dinamica dos Oceanos
Ana Cristina Martins Ribeiro Silva Paiva
Mestrado em Matematica
Especializa cao em Matematica para o Ensino
2008
Disserta cao orientada por:
Professor Doutor Hermenegildo Borges de Oliveira
Resumo
O objectivo principal deste trabalho e estudar os escoamentos em larga es-
cala nos oceanos, afastados de qualquer tipo de fronteira, seguindo os estu-
dos mais recentes em Dinamica dos Fluidos Geofsicos. Este e o ramo da
Mecanica dos Fluidos que estuda o escoamento dos uidos, assunto tratado
no Captulo 2. Neste captulo e caracterizado o movimento e analisadas
as mudan cas que este provoca, devidas principalmente `a velocidade, e con-
sequentes deforma coes, e `a transferencia de determinadas propriedades ao
longo do percurso em estudo. Os efeitos provocados por estas for cas sao ca-
racterizados no Captulo 3. A partir dos Princpios Classicos da Mecanica, de
conserva cao da massa e do momento, sao deduzidas as equa coes de Navier-
Stokes para uidos Newtonianos. Para descrever o movimento particular
das massas oceanicas, e necessaria uma analise `as for cas que provocam este
movimento. Por isso, no Captulo 3, e analisada a ac cao destas for cas, que
produzem efeitos complexos como o da for ca de Coriolis. Estes efeitos vao
provocar altera coes signicativas nas equa coes de Navier-Stokes, conduzindo
a um formalismo matematico descritivo da situa cao em estudo. Com base em
experiencias e aproxima coes, sao deduzidas equa coes para o caso particular
dos escoamentos geostrocos, uma classe essencial dos movimentos oceanicos.
Estas aproxima coes baseiam-se em simplica coes por restri coes a domnios
no interior do oceano, afastados do fundo do mar, das placas continentais e
da superfcie. De facto, a grande maioria dos movimentos de varia cao lenta
no oceano estao em equilbrio geostroco.
i
ii
Abstract
The main goal of this work is the study of large scale ows in the oceans, away
from any kind of boundary, following up with the latest studies in Geophysical
Fluid Dynamics. This is the branch of Fluid Mechanics that deals with uid
ow, explained in Chapter 2. In this chapter the ow is described and a study
about the changes due to velocity and to the transfer of properties of the uid
is made. The efects of the forces acting on the uid is explained in Chapter
3. The Navier-Stokes equations for Newtonian uids are dedudect from the
Classical Principles of Mechanics, of conservation of mass and moment. To
describe the particular movement of the ocean uids, its necessary to study
the forces that cause this movement. Therefore, in Chapter 3, this forces
are analised, as they produce complex eects like de Coriolis force. This
eects cause signicative changes on the Navier-Stokes equations, leading to
a mathematical formalism wich describes the situation. This changes are
based upon simplifying assumptions by restricting the ow to dominions in
the oceans interior, away from the bottom, from the continental plates and
from the surface. In practice, most of the slow motion ows in the ocean are
in geostrophic equilibrium.
iii
iv
Palavras-chave
Fluidos
Equa coes de Navier-Stokes
For ca de Coriolis
Oceanos
Rota cao
Estratica cao
Escoamentos geostrocos
Escoamentos quase-geostrocos
v
vi
Keywords
Fluids
Navier-Stokes equations
Coriolis force
Oceans
Rotation
Stratication
Geostrophic ows
Quasi-geostrophic ows
vii
viii
Prefacio
Este trabalho pretende reunir conceitos fsicos e matematicos necessarios `a
caracteriza cao dos escoamentos em larga escala nos oceanos e afastados das
fronteiras xas como o fundo do mar ou as placas continentais e, ainda,
afastado da interface entre a litosfera e a atmosfera. O estudo dos oceanos
e um assunto que ainda tem muitas lacunas, derivadas da especicidade
do proprio meio. Nao e possvel prever muitos fenomenos que acontecem e
muitos fsicos e matematicos dedicam a sua vida `a investiga cao e tentativa de
explicar e prever esses fenomenos. Por ser um assunto tao delicado, em muitos
livros que consultei encontrei resultados diferentes e algumas incongruencias.
Em livros de Mecanica dos Fluidos, nem sempre as dedu coes matematicas
sao as mais correctas e em livros de teorias matematicas sobre este assunto,
nem sempre os conceitos fsicos sao explictos o suciente para se perceber
como a teoria se pode aplicar em casos reais. Estas discrepancias derivam do
facto de que matematicos e fsicos olham para o mesmo fenomeno de formas
diferentes e tambem por ainda haver neste campo muitas d uvidas e falta de
ferramentas adequadas para modelar muitas situa coes.
Espero conseguir com este trabalho juntar mais uma referencia ao pa-
norama portugues, apesar de sentir que muito cou por fazer e por dizer,
pois apenas num ano e impossvel reunir o trabalho de decadas desenvolvido
por muitos fsicos e matematicos. Ainda assim, considero que os conceitos
e ferramentas que sao aqui descritos nao estavam antes reunidos num so
trabalho, pois infelizmente a Fsica e a Matematica parecem seguir caminhos
diferentes, quando cada vez mais e necessario um trabalho conjunto para
desvendar misterios do nosso mundo.

E meu desejo que este trabalho possa
de alguma forma ajudar quem se inicia neste estudo, permitindo um acesso
mais rapido `a informa cao necessaria acerca das ferramentas utilizadas nos
ultimos anos no estudo dos oceanos.
A decisao em fazer este trabalho nao passou pela carreira prossional, nao
passou por qualquer gratica cao, mas sim e apenas pela satisfa cao pessoal,
pois e um assunto pelo qual sinto uma forte inclina cao, talvez por ser uma
materia em que ainda muito ha para fazer ou talvez por ter crescido perto
ix
do mar e seus fascnios.
Para terminar, gostaria de agradecer ao meu companheiro Rafael e ao meu
lho Rafael, pelas longas horas que nao estive com eles, pelas longas horas
que me ajudaram no que podiam e aos meus pais, pelo orgulho que tem em
mim e pela for ca que sempre me deram para continuar. Foi neles que pensei
quando o desespero batia `a porta, principalmente na alegria e orgulho do meu
lho em me ver a estudar ao lado dele, fazendo com que tambem ele ganhasse
animo para estudar. Agrade co tambem ao meu irmao J ulio que fez comigo
a parte curricular e que tanto me ajudou para que hoje pudesse estar onde
estou. Tambem `a minha irma Sonia e `a minha cunhada Marina, por terem
cado com os mi udos quando eu e o meu irmao estavamos cheios de trabalho e
pelo apoio moral e incondicional. Os meus agradecimentos tambem vao para
todas as pessoas que trabalham na Universidade do Algarve que de alguma
forma contriburam para facilitar o meu trabalho, nomeadamente para a
Celia, pela simpatia e disponibilidade com que sempre me atendeu, pronta
a ajudar sempre com um sorriso. Por ultimo, mas nao em ultimo, ao meu
professor e orientador Hermenegildo Oliveira, por tudo, pela disponibilidade
constante, pela simpatia, pela compreensao, pela paciencia, por explicar tao
bem, por fazer o difcil parecer tao facil e, acima de tudo, por ser um excelente
Professor, com letra mai uscula, muito obrigado.
x
Conte udo
1 Introducao 1
1.1 Enquadramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 Conceitos Fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3.1 Nota coes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3.2 Vectores e Tensores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3.3 Operadores Diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3.4 Resultados Auxiliares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2 Mecanica dos Fluidos 11
2.1 Descri coes do Movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2 Gradiente de Deforma cao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.3 Teorema de Reynolds . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.4 Equa cao da Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.5 Equa cao do Movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.6 Lei Constitutiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.7 Condi coes Iniciais e de Fronteira . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3 Dinamica dos Oceanos 29
3.1 Introdu cao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.2 Escalas de Movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.3 Acelera cao de Coriolis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.4 Movimento num Referencial em Rota cao . . . . . . . . . . . . 39
3.5 Aproxima cao Geostroca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.6 Escoamentos Quase-Geostrocos . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4 Conclusao 55
xi
xii
Captulo 1
Introducao
Neste captulo e feito um enquadramento do estudo realizado, explicada a
sua importancia e sao referidos quais os objectivos a alcancar. Sao tambem
introduzidos conceitos fundamentais de Mecanica dos Fluidos, assim como
resultados auxiliares que serao necessarios no decurso deste trabalho.
1.1 Enquadramento
A Terra, nossa casa, e constituda em grande parte por uma massa azul,
cheia de dinamica e de vida, mesmo nas suas mais reconditas profundezas.
Falar de oceanos e falar de movimento, de padroes e regularidades, enm, e
falar de vida. A Matematica intervem no estudo dos oceanos e sem ela varios
fenomenos cariam por explicar. Os oceanos sao constitudos por um uido
especco com varios elementos qumicos e a que vulgarmente se chama de
agua. Assim, os conceitos de Mecanica dos Fluidos sao fundamentais para o
estudo que se pretende fazer.
Numa primeira abordagem, no Captulo 2 apresentam-se os princpios da
Mecanica dos Fluidos que conduzem `as equa coes que governam o escoamento
do uido. De forma a poder caracterizar o comportamento de um uido, tera
de se ter em aten cao as suas propriedades e exprimi-las nessas equa coes. Este
procedimento conduzira a um sistema de equa coes `as derivadas parciais para
quantidades como a velocidade, densidade, pressao e outras, relativas ao
movimento arbitrario de um uido. Neste trabalho serao consideradas estas
equa coes e as varias formas que assumem quando se fazem considera coes ac-
erca da constitui cao do uido ou do seu movimento. Este processo conduz
`a dedu cao das equa coes de Navier-Stokes, assim denominadas em tributo ao
trabalho de Claude-Louis Navier (1785-1836) e George Gabriel Stokes (1819-
1903) nesta area. Em termos praticos, apenas e possvel encontrar solu coes
1
2 CAP

ITULO 1. INTRODUC

AO
exactas para os casos mais simples. Estes casos envolvem frequentemente
escoamentos nao turbulentos em estado estacionario no qual se podem de-
sprezar uma serie de factores que permitem a simplica cao das equa coes.
Para situa coes mais complexas envolvendo turbulencia, nao e possvel encon-
trar solu coes para esta classe de problemas. O Instituto de Matematica Clay
incluiu este problema nos

problemas do milenio

, oferecendo um premio de
um milhao de dolares para quem zer progressos substanciais na direc cao de
uma teoria matematica que possa ajudar a entender este fen omeno. Note-
se que as equa coes de Navier-Stokes podem descrever o movimento de um
uido apenas aproximadamente, a uma escala extremamente pequena ou
sob condi coes extremas. Fluidos reais sao constitudos de uma mistura de
moleculas discretas e outros materiais, tais como partculas em suspensao
e gases dissolvidos. Este facto faz com que os resultados sejam diferentes
dos obtidos no estudo de um uido contnuo e homogeneo modelado pelas
equa coes de Navier-Stokes. Contudo, as equa coes de Navier-Stokes sao uteis
para um grande n umero de problemas praticos. Estas equa coes sao obtidas
a partir de princpios basicos de conserva cao da massa e do momento. Adi-
cionalmente, e necessario assumir uma rela cao constitutiva ou equa cao de
estado para o uido. No Captulo 3 sao feitas considera c oes acerca da partic-
ularidade dos uidos geofsicos, especicamente para o caso dos oceanos. O
estudo baseia-se nas indica coes da Dinamica dos Fluidos Geofsicos, o ramo
da Fsica que estuda os escoamentos em grande escala a nvel planetario. As-
sim, para descrever este tipo de escoamentos, e feita uma particulariza cao das
equa coes de Navier-Stokes para os uidos oceanicos. Para isso, e necessario
ter em conta diversos factores que condicionam o movimento destes uidos,
que nao afectam outro tipo de uidos ou de situa coes especcas. Para os
oceanos deverao ser tidas em considera cao a rota cao da Terra e a estrati-
ca cao dos oceanos.
1.2 Fluidos
Em Fsica, um uido e denido como sendo uma substancia que toma facil-
mente a forma do recipiente que o contem, devido `a mobilidade das suas
moleculas. As substancias que existem na Natureza podem ser classicadas
na globalidade em duas formas, os solidos e os uidos. Um solido tem uma
forma denida, para a qual regressara no seu estado de repouso, desde que
a for ca aplicada nao seja demasiado forte para o deformar. Quando se trata
de um uido, nao se pode dizer o mesmo, pois deforma-se continuamente ate
que a for ca a que esta sujeito pare, por muito pequena que seja a magnitude
dessa for ca.
1.2. FLUIDOS 3
Uma das primeiras hipoteses que e formulada no estudo dos uidos (e
tambem dos solidos), e a chamada hipotese de continuidade. Qualquer subs-
tancia e composta por um grande n umero de moleculas em constante movi-
mento. Por isso, a materia e descontnua ou discreta, do ponto de vista
microscopico. Porem, na grande maioria dos casos, interessa estudar o com-
portamento do uido como um todo ou a media do movimento das moleculas
e considerar o uido como um meio contnuo.

E por isso possvel ignorar a
estrutura molecular discreta da materia e substituir por uma distribui cao
contnua. Para esta hipotese ser valida, o tamanho do sistema de escoa-
mento tem de ser maior do que o percurso livre medio das moleculas
1
, o
que se verica na grande maioria das situa coes. Para estudar propriedades
de determinado uido, considera-se uma por cao de uido microscopicamente
pequena, mas sucientemente grande para conter varias moleculas, a qual
se denomina elemento de um uido e que sera representativa do restante
uido nas mesmas condi coes. Alguns autores utilizam simplesmente o termo
partcula.
O estudo matematico dos meios contnuos assenta em tres princpios
gerais que governam o seu comportamento mecanico (Truesdell e Noll [19,
p.36]). O princpio da indiferen ca material estabelece que, independente-
mente da posi cao do observador, a resposta de um corpo, uido ou solido, e
a mesma. O princpio do determinismo estabelece que a tensao num corpo e
determinada pela historia do movimento desse corpo. Por ultimo, o princpio
da accao local estabelece que, ao determinar a tensao numa dada partcula,
pode ser desprezado o movimento fora de uma vizinhan ca arbitraria dessa
partcula.
Para estudar o comportamento dos uidos, e necessario ter em conta
varias propriedades dos uidos.

E importante denir algumas dessas pro-
priedades, tais como a massa, a viscosidade e a tensao supercial. Rela-
tivamente `a primeira, convem frisar que quando se fala em massa de um
uido, fala-se efectivamente em massa vol umica. A massa de um uido e a
propriedade da materia correspondente `a massa por volume, ou seja, a pro-
por cao existente entre a massa de um corpo e o seu volume. Desta forma,
diz-se que a massa vol umica mede o grau de concentra cao de massa em
determinado volume.

E importante distinguir os conceitos de massa e de
densidade. Entende-se por densidade a rela cao entre a massa vol umica da
materia em causa e a massa vol umica de materia de referencia, sendo a agua
geralmente tomada como referencia. Por exemplo, quando se diz que um
corpo tem uma densidade de 5, quer dizer que tem uma massa vol umica
cinco vezes superior `a da agua (Kundu [10, pp.3-4]).
1
Distancia media percorrida pelas partculas entre impactos.
4 CAP

ITULO 1. INTRODUC

AO
A viscosidade e a medida da resistencia de um uido `a deforma cao cau-
sada por uma ou varias for cas. A viscosidade descreve a resistencia interna
e deve ser pensada como a medida de atrito do uido. Por exemplo, a agua
tem baixa viscosidade, enquanto o oleo vegetal tem uma alta viscosidade.
As velocidades de dois uidos com densidades diferentes, que escoam sob
as mesmas condi coes, sao inversamente proporcionais `as viscosidades dos
uidos. Ou seja, quanto maior a viscosidade, menor a velocidade de escoa-
mento. Ha que fazer a distin cao entre viscosidade dinamica ou molecular
e viscosidade cinematica ou turbulenta. A primeira e resultado das for cas
intermoleculares, e a segunda e o quociente entre a viscosidade dinamica e a
densidade do uido, nao dependendo da unidade da massa. Esta distin cao
tornar-se-a mais clara ao longo do desenvolvimento deste trabalho.
A tensao
2
e a intensidade total das for cas internas que actuam num corpo,
como reac cao `as for cas externas. A tensao supercial e um efeito que ocorre
na camada supercial de um uido e leva a sua superfcie a comportar-se
como uma membrana elastica. Este efeito permite que insectos caminhem
sobre a agua ou que pequenos objectos de metal como agulhas ou moedas
utuem na superfcie da agua. A tensao supercial esta relacionada com a
diferen ca de pressao entre os dois lados de uma interface entre dois uidos,
como por exemplo, a agua do mar e a atmosfera.
1.3 Conceitos Fundamentais
1.3.1 Notacoes
As quantidades escalares, quer sejam fun coes ou nao, sao representadas por
smbolos em italico. Por exemplo, denota a fun cao densidade e t denota o
tempo. As quantidades vectoriais sao representadas por smbolos em negrito,
tal como a ou u. Os tensores sao escritos em letra mai uscula, para distinguir
dos vectores, tal como T ou D.
Para os conjuntos de n umeros usa-se a nota cao usual, N, Z, Q e R para os
conjuntos dos n umeros naturais, inteiros, racionais e reais, respectivamente.
R
N
e o espa co euclideano de dimensao N, N N e, para N = 1, R
1
= R. Os
pontos de R
N
sao denotados por x = (x
1
, ..., x
N
), nota cao que pode tambem
indicar os vectores correspondentes. Usam-se as nota coes x = (x
1
, x
2
, x
3
)
para N = 3, x = (x
1
, x
2
) para N = 2, e x para N = 1. V e um domnio de
R
N
, isto e, um conjunto aberto, limitado e simplesmente conexo contido em
R
N
. V designa a fronteira de V, conjunto dos pontos fronteiros do conjunto
2
Do ingles stress.
1.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS 5
V. A base canonica de R
N
e denotada por
e
1
= (1, 0, ..., 0), e
2
= (0, 1, 0, ..., 0), ..., e
N
= (0, ..., 0, 1).
O smbolo
i
j
designa-se por delta de Kronecker e e denido por

ij
=
_
1 se i = j
0 se i = j
A constante de permutacao e
ijk
e denida por
e
ijk
= det
_
_

i1

i2

i3

j1

j2

j3

k1

k2

k3
_
_
.
O vector dual e denido por t
i
= e
ijk
T
jk
, onde T
jk
e um tensor.
1.3.2 Vectores e Tensores
Um vector e denido como um elemento de um espa co vectorial. Esta e
uma deni cao abstracta, mas com muitas concretiza coes possveis (n umeros,
fun coes, geometria e outros). Para este estudo, interessa considerar um obje-
cto geometrico, ou seja, um segmento de recta orientado e com uma deter-
minada direc cao e comprimento, num espa co tridimensional euclideano. Ha
quantidades fsicas que sao representadas por vectores, como por exemplo, a
velocidade, a acelera cao, o momento ou uma for ca.
O produto escalar, ou produto euclideano, entre dois vectores
u = (u
1
, ..., u
N
)
e
v = (v
1
, ..., v
N
)
dene-se por
u v =
N

i=1
u
i
v
i
.
A norma euclideana dene-se por |u| =

u u. Para N = 3, dene-
se formalmente o produto vectorial ou produto externo entre dois vectores
u = (u
1
, u
2
, u
3
) e v = (v
1
, v
2
, v
3
) por
u v = det
_
_
e
1
e
2
e
3
u
1
u
2
u
3
v
1
v
2
v
3
_
_
,
6 CAP

ITULO 1. INTRODUC

AO
onde e
1
, e
2
e e
3
formam a base canonica de R
3
. O vector resultante e igual ao
vector com comprimento |u||v| sen (sendo o angulo formado pelos vectores
u e v) e direc cao perpendicular ao plano formado pelos vectores u e v. Pode-
se estender esta no cao formal ao produto externo entre dois tensores A e B
ambos de dimensao 3 3,
AB = det
_
_
e
1
e
2
e
3
A
1
A
2
A
3
B
1
B
2
B
3
_
_
, (1.1)
onde A
i
e B
i
, i = 1, 2, 3, indicam as linhas das matrizes A e B, respecti-
vamente, e os produtos A
i
B
i
da resultantes sao equivalentes ao calculo do
produto interno entre dois vectores.
Um tensor de segunda ordem T, frequentemente intitulado apenas de
tensor, e denido como uma aplica cao linear que transforma vectores em
vectores,
y = Tx.
Os tensores sao denidos por nove componentes.

E o caso da tensao (for ca
por unidade de area) num ponto, que precisa de nove componentes, porque
ha tres direc coes envolvidas na sua descri cao. Uma direc cao especica a
orienta cao da superfcie na qual a tensao esta a ser aplicada, e as outras
duas especicam a direc cao da for ca na superfcie, conforme mostra a Figura
1.1. Um tensor pode ser escrito na forma matricial, representado pelas suas
componentes T
ij
,
T =
_
_
T
11
T
12
T
13
T
21
T
22
T
23
T
31
T
32
T
33
_
_
.
Em geral, os tensores podem ser de qualquer ordem. De facto, um escalar
pode ser considerado como um tensor de ordem zero e um vector como um
tensor de ordem um. Em mecanica dos uidos os tensores mais usados sao o
tensor das tensoes, T e o tensor da taxa de deforma cao, D.
1.3.3 Operadores Diferenciais
Nesta sec cao, os resultados sao restringidos `as dimensoes N = 2 e N = 3,
por serem as mais utilizadas ao longo do trabalho.
A derivada parcial de uma fun cao escalar f e denida por
f
x
i
= lim
h0
f(x + he
i
) f(x)
h
,
1.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS 7
Figura 1.1: Campo de tensoes num ponto, aqui representado por um cubo
innitesimal.
desde que o limite exista.
O operador diferencial e denido simbolicamente por

_

x
1
,

x
2
,

x
3
_
,
para N = 3 e

_

x
1
,

x
2
_
,
para N = 2. O operador , quando aplicado num campo escalar u, gera os
vectores
u =
_
u
x
1
,
u
x
2
,
u
x
3
_
,
para N = 3, ou
u =
_
u
x
1
,
u
x
2
_
,
para N = 2. O vector u e habitualmente designado por gradiente de u. A
divergencia de um campo vectorial u = (u
1
, ..., u
N
) e denida por
divu = u
N

i=1
u
i
x
i
.

E evidente que a opera cao divergencia diminui a ordem de um tensor em uma


unidade, enquanto que a opera cao gradiente aumenta a ordem do tensor em
uma unidade. O operador diferencial Laplaciano de um campo escalar u e
denido por
8 CAP

ITULO 1. INTRODUC

AO
u = div(u)
N

i=1

2
u
x
2
i
.
O rotacional de um campo vectorial u e ainda um vector e, no caso N = 3,
dene-se formalmente por
rot u u = det
_
_
e
1
e
2
e
3

x
1

x
2

x
3
u
1
u
2
u
3
_
_
.
Se N = 2, u = (u
1
, u
2
) e a partir do formalismo anterior,
rot u =
u
1
x
2

u
2
x
1
.
Se u = 0, diz-se que u e um campo vectorial irrotacional.
A matriz Jacobiana de um vector u = (u
1
, u
2
, u
3
) e denida por
M
J
=
_
_
_
_
_
_
_
u
1
x
1
u
1
x
2
u
1
x
3
u
2
x
1
u
2
x
2
u
2
x
3
u
3
x
1
u
3
x
2
u
3
x
3
_
_
_
_
_
_
_
.
O determinante de M
J
designa-se por Jacobiano. A divergencia de uma
matriz M dene-se por
divM =
_
_
divM
1
divM
2
divM
3
_
_
,
onde M
i
= (M
i1
, M
i2
, M
i3
), i = 1, 2, 3.
1.3.4 Resultados Auxiliares
Nesta sec cao apresentam-se alguns resultados importantes usados no desen-
volvimento deste estudo.
Proposicao 1.3.1 Seja A, B, C R
3
. Entao,
A(BC) = (A C)B(A B)C,
onde representa o produto externo entre vectores.
1.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS 9
Demonstracao: Kundu [10, p.97].
O Teorema de Gauss, tambem conhecido por Teorema da Divergencia,
que a seguir se enuncia, e util no estudo do comportamento de uidos, pois
permite trabalhar quer com um volume de uido, quer com a sua superfcie.
Teorema 1.3.1 (de Gauss) Sejam V um subconjunto aberto e limitado de
R
N
, e V a sua fronteira compacta, que se supoe sucientemente regular de
modo a existir a normal n em quase todos os pontos de V . Suponha-se que
F e uma fun cao vectorial, contnua e diferenciavel em V. Entao,
_
V
divFdv =
_
V
F nds.
Demonstracao: Boyce e Diprima [4, pp.1036-1038].
No caso da fun cao F ser uma fun cao escalar f, a igualdade do Teorema
de Gauss reduz-se a
_
V
f dv =
_
V
f nds.
Proposicao 1.3.2 Sejam f e g duas funcoes diferenciaveis em V . Entao,
nas condicoes do Teorema 1.3.1,
_
V
f g dv =
_
V
f divg dv +
_
V
fg nds. (1.2)
Demonstracao: Aplica cao do Teorema 1.3.1 a fg.
No caso particular de uma fun cao escalar g, (1.2) reduz-se ao resultado con-
hecido por integra cao por partes:
_
V
f
g
x
i
dv =
_
V
g
f
x
i
dv +
_
V
fg v,
com i a variar de 1 ate n.
O seguinte resultado e frequentemente designado por Teorema da Mu-
dan ca de Variavel.
Teorema 1.3.2 Sejam V e dois subconjuntos abertos de R
N
, limitados
por fun coes diferenciaveis, : V uma fun cao bijectiva com derivadas
parciais contnuas e f uma fun cao contnua em V . Entao,
_
V
f dv =
_

1
(V )
f J dw,
10 CAP

ITULO 1. INTRODUC

AO
onde dv = J dw e J = det
_

i
x
j
_
, com i, j 1, 2, 3.
Demonstracao: Lax [11, pp.497-501].
Captulo 2
Mecanica dos Fluidos
A Mecanica dos Fluidos lida com o escoamento dos uidos e, tal como outras
ciencias, necessita de observacoes experimentais e de analise matematica.
Muitas vezes, sao necessarias grandes aproximacoes devido `a complexidade
dos fenomenos. Tal como noutros campos, a matematica que se conhece nao
e suciente para resolver os problemas complexos de escoamentos de alguns
uidos. Nestes casos, quer se esteja interessado em compreender a fsica do
problema ou as suas aplicacoes, tera de se conar em observacoes experi-
mentais para testar a analise feita e para poder formular conjecturas sobre
a natureza do fenomeno. Neste captulo, apresentam-se as descricoes La-
grangeana e Euleriana do movimento e sua importancia para a formulacao
das equa coes do movimento. Caracterizam-se as deformacoes do uido provo-
cadas pelas forcas a que esta sujeito.

E demonstrado o Teorema de Reynolds,
importante para a obtencao das equacoes que governam o escoamento de
uidos. A equacao da continuidade e obtida a partir do Princpio de Con-
servacao da Massa. A equacao do movimento, tambem conhecida por equacao
do momento, e obtida a partir do Princpio de Conservacao do Momento
Linear. Apos ser estabelecida a Lei Constitutiva para uidos Newtonianos,
obtem-se as equacoes de Navier-Stokes. Por m, sao apresentadas as prin-
cipais condicoes de fronteira que caracterizam o uido nas fronteiras dos
domnios considerados. Neste captulo, as referencias mais importantes foram
Feistauer [7], Kundu [10] e Serrin [17].
2.1 Descricoes do Movimento
Em Mecanica, o ramo que trata de quantidades que envolvem o espa co e o
tempo e a Cinematica. No caso dos uidos, estuda variaveis como o deslo-
camento, a velocidade, a acelera cao, rota coes e deforma coes de elementos do
11
12 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


uido. Pode-se dizer que procura descrever os movimentos e deforma coes de
corpos contnuos. As for cas que originam estes movimentos sao analisadas
por outro ramo, a Dinamica.
Para caracterizar o movimento, usualmente a Cinematica utiliza duas
descri coes, a descri cao Lagrangeana e a descri cao Euleriana. Para tal, e
necessario considerar um intervalo de tempo (0, t) R
+
0
, durante o qual
se segue o movimento do uido. Considera-se tambem um domnio V =
V (t) R
3
que representa o volume ocupado pelo uido no instante de tempo
t (0, t). Sobre este volume serao aplicados alguns princpios classicos da
Mecanica. Este volume permanece xo no espa co ou pode mover-se com o
uido, o que leva a descri coes diferentes do movimento.
Na descri cao Lagrangeana, segue-se a historia de partculas individuais
do uido. Neste caso, consideram-se duas variaveis independentes a estudar:
o tempo t, e a posi cao de cada partcula movendo-se com o uido, que no
instante t = 0 ocupava a posi cao X = (X
1
, X
2
, X
3
). Considerando que no
instante de tempo t, a partcula em estudo moveu-se para a posi cao x =
(x
1
, x
2
, x
3
), o escoamento representa-se pela transforma cao
x = (X, t). (2.1)
Observe-se que x e apenas fun cao do tempo t, estando a posi cao inicial X
xa. Assim, (2.1) representa o caminho da partcula P inicialmente em X,
conforme mostra a Figura 2.1. Por esta razao esta descri c ao e tambem desi-
gnada por descri cao material. A velocidade de cada partcula, ou elemento
do uido, representa-se pelo vector u = (u
1
, u
2
, u
3
) e e dada pela derivada
do vector posi cao em ordem ao tempo,
u =
x
t
=

t
.
A acelera cao e representada pelo vector a = (a
1
, a
2
, a
3
) e obtem-se derivando
o vector velocidade em ordem ao tempo,
a =
u
t
=

2
x
t
2
=

2

t
2
.
Na descri cao Euleriana, estuda-se o comportamento das partculas do
uido num ponto arbitrario do espa co, x. Esta descri cao e mais utilizada,
porque no estudo de um uido raramente interessa o movimento de cada
partcula do uido, individualmente, mas sim o estado do uido como um
todo e as suas mudan cas ao longo do tempo. Nesta descri cao, o tempo t
esta xo e X varia, pelo que a equa cao (2.1) determina a transforma c ao de
uma regiao inicialmente ocupada pelo uido para a sua posi cao no instante
2.1. DESCRIC

OES DO MOVIMENTO 13
Figura 2.1: Descri cao Lagrangeana do movimento.
t. Esta e a razao porque esta descri cao tambem e designada por descri cao
espacial. Assim,
u =
dx
dt
=
d(X, t)
dt
. (2.2)
Ao calcular a acelera cao,
a
i
=
d u
i
d t
=
u
i
t
+
u
i
x
j
d x
j
d t
=
u
i
t
+ u
j
u
i
x
j
, i = 1, 2, 3,
onde se usou a conven cao de Einstein para ndices repetidos. Em nota cao
vectorial,
a =
du
dt
=
u
t
+ (u )u. (2.3)
Para compreender melhor este resultado, considere-se uma quantidade fsica
qualquer transportada pelo uido em movimento. Na descri cao Lagrangeana
esta quantidade e vista como uma fun cao H(X, t), que determina o valor
da quantidade considerada, associada `a partcula na posi cao X, no instante
de tempo t. No caso da descri cao Euleriana, a quantidade e representada
por uma fun cao F(x, t) que determina o valor da quantidade no ponto x no
instante de tempo t. Tendo em conta a equa cao (2.1), pode-se escrever que
H(X, t) = F((X, t), t).
Se F tiver derivadas parciais de primeira ordem contnuas dentro do volume
de controlo, facilmente se verica que
14 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


dF
dt
=
F
t
+
F
x
j
x
j
t
=
F
t
+ u
j
F
x
j
=
F
t
+u F. (2.4)
Esta expressao e usualmente designada por derivada material, para real car
o facto de que a derivada e calculada seguindo um elemento do uido. Pode
ser considerada como um caso geral da equa cao (2.3). A primeira parcela,
F
t
, e a taxa de varia cao local de F num dado ponto, e e igual a zero para
escoamentos estacionarios. A segunda parcela, u F, chama-se derivada
advectiva ou termo advectivo, por representar as mudan cas em F devido `a
advec cao da partcula
1
de um lugar para outro, onde o valor de F e diferente.
Para passar da descri cao Lagrangeana para a Euleriana, escreve-se a ve-
locidade u(X, t) em coordenadas Eulerianas. De acordo com (2.1), a fun cao
(, t) e, para t xo, uma fun cao injectiva e por isso possui inversa. Seja
(, t) a sua fun cao inversa. Entao
x = (X, t) X = (x, t),
e, para a velocidade,
u(X, t) = u((x, t), t).
A passagem da descri cao Euleriana para a Lagrangeana e efectuada resol-
vendo o sistema de equa coes diferenciais ordinarias
dx
dt
= u(x, t),
com a condi cao inicial x(0) = X. A solu cao corresponde `a trajectoria do
elemento do uido que passa na posi cao X no instante de tempo inicial
t = 0.
2.2 Gradiente de Deformacao
Para alem da caracteriza cao do movimento de um uido, tambem e impor-
tante caracterizar a deforma cao provocada pelas for cas a que o uido esta
sujeito. O gradiente de deformacao denota-se por K e e um tensor denido
por
K = x(X, t), (2.5)
1
Processo de transporte da partcula.
2.2. GRADIENTE DE DEFORMAC

AO 15
ou, em termos das suas componentes,
K
ik
=
x
i
(X, t)
X
k
, i, k 1, 2, 3. (2.6)
De acordo com esta deni cao, o gradiente de deforma cao K pode ser inter-
pretado como a matriz da fun cao denida por (2.1). Esta fun cao transforma
elementos (de linha, area e volume) da congura cao inicial em elementos da
congura cao actual, conforme se pode observar na Figura 2.2. Por exemplo,
um elemento na congura cao actual, diga-se dx, esta relacionado com um
elemento da congura cao inicial, diga-se dX, por
dx = KdX. (2.7)
De facto, para todo i = 1, 2, 3, tem-se
dx
i
=
dx
i
dX
k
dX
k
= K
ik
dX
k
. (2.8)
Figura 2.2: Gradiente de deforma cao.
O determinante do gradiente da deforma cao e designado por Jacobiano,
J = det K. (2.9)
O Jacobiano determina as mudan cas do volume local devido ao movimento,
dv = J dV, (2.10)
onde dV e o elemento de volume no referencial inicial e dv e o elemento
de volume no referencial actual. Derivando o gradiente da deforma cao em
ordem ao tempo,
dK
ik
dt
=
d
dt
_
dx
i
dX
k
_
=

2
x
i
t X
k
=
u
i
X
k
=
u
i
x
j
x
j
X
k
, i, j, k 1, 2, 3,
16 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


ou seja,
dK
dt
= uK. (2.11)
Euler demonstrou (Serrin [17, p.9]) que a divergencia do vector velocidade
determina mudan cas no volume, atraves do resultado que se segue.
Lema 2.2.1 : Nas condicoes denidas em (2.2) e (2.9),
dJ
dt
= J divu.
Demonstracao: Seja A
jk
a matriz dos coecientes de
x
i
X
k
na expansao do
determinante do Jacobiano, de forma a que
A
jk
x
i
X
k
= J
ij
,
onde
ij
e o Delta de Kronecker. Entao,
dJ
dt
=
d
dt
_
x
i
X
k
_
A
ik
=
u
i
x
j
x
j
X
k
A
ik
=
u
i
x
i
J
ij
= J divu.
O tensor u, tal como qualquer tensor arbitrario, pode ser decomposto como
1
2
_
u +u
T
_
+
1
2
_
u u
T
_
. (2.12)
Desta forma, o gradiente da velocidade esta decomposto em duas partes, uma
simetrica,
D =
1
2
_
u +u
T
_
,
e outra anti-simetrica,
W =
1
2
_
u u
T
_
.
e assim
u = D+W
Para permitir interpretar os elementos do tensor D, utilizando (2.7), (2.11)
e o facto de que
dX
dt
= 0, pode-se escrever a derivada em ordem ao tempo dos
elementos de arco dx como
dx
dt
=
dK
dt
dX = uKdX = udx. (2.13)
2.3. TEOREMA DE REYNOLDS 17
Tendo em conta (2.12),
dx
dt
= Ddx +Wdx. (2.14)
Uma vez que o tensor W e anti-simetrico, a sua matriz tem apenas tres
elementos independentes. Sem perda de generalidade, pode-se escrever como
_
_
0 w
3
w
2
w
3
0 w
1
w
2
w
1
0
_
_
.
Os componentes w
i
podem ser considerados como componentes do vector
dual
w = dual W =
_
_
w
1
w
2
w
3
_
_
.
Entao, Wdx pode escrever-se como
Wdx = wdx.
Assim, a equa cao (2.14) ca
dx
dt
= Ddx +wdx. (2.15)
A primeira parcela do segundo membro da equa cao descreve a deforma cao do
movimento, por isso D e chamado de tensor das velocidades de deformacao
do movimento e representa as deforma coes a que o uido esta sujeito. Se
D = 0, diz-se que o movimento e localmente e instantaneamente rgido. A
segunda parcela representa a rota cao do uido com velocidade angular w.
Por isso, W chama-se tensor das velocidades de rotacao do movimento.
2.3 Teorema de Reynolds
O Volume V, conforme denido na Sec cao 2.1, pode ser considerado como
um volume xo no espa co ou um volume material, consistindo das mesmas
partculas, mas cujas superfcies limitrofes se movimentam com o uido. As
expressoes que traduzem os princpios de conserva cao dependem do volu-
me considerado. Para as derivar, e necessaria a aplica c ao do Teorema de
Reynolds, tambem conhecido por Teorema do Transporte, que se demonstra
nesta sec cao.
18 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


Teorema 2.3.1 (de Reynolds) Sejam V = V(t) um volume arbitrario que
se move com o uido, com velocidade u e F = F(x, t) uma fun cao escalar.
O integral de volume
_
V
Fdv e fun cao do tempo e a sua derivada em ordem
ao tempo e dada pela seguinte formula:
d
dt
_
V
Fdv =
_
V
_
dF
dt
+ F divu
_
dv. (2.16)
Demonstracao: Para demonstrar este resultado, introduzem-se novas variaveis
de integra cao, (X
1
, X
2
, X
3
) que sao as variaveis relativas ao instante t em
que ocupam a posi cao descrita pelas variaveis (x
1
, x
2
, x
3
), atraves de (2.1).
Entao, a regiao V em movimento nas variaveis x
i
e substituda pela regiao
xa V
0
= V (0) nas variaveis X
i
. Note-se que V e composto pelas mesmas
partculas, qualquer que seja o instante de tempo. Entao, por aplica cao do
Teorema 1.3.2,
_
V
F dv =
_
V
0
F J dv
0
,
sendo dv = J dv
0
e J o Jacobiano da transforma cao. Uma vez que V
0
nao
depende do tempo (t = 0),
d
dt
_
V
0
F J dv
0
=
_
V
0
d
dt
(F J) dv
0
=
_
V
0
_
J
dF
dt
+ F
dJ
dt
_
dv
0
.
Aplicando o Lema 2.2.1,
d
dt
_
V
Fdv =
_
V
0
_
dF
dt
+ F divu
_
J dv
0
.
Aplicando novamente o Teorema 1.3.2,
d
dt
_
V
Fdv =
_
V
_
dF
dt
+ F divu
_
dv.
Este teorema permite derivar em ordem ao tempo integrais de tensores de
qualquer ordem, quer em volumes que se movam com o uido, quer em
volumes xos. Sera util na deriva cao dos princpios de conserva cao que se
enunciam a seguir.
2.4 Equacao da Continuidade
Um uido obedece a princpios fsicos de conserva cao da massa e do mo-
mento. Estes princpios podem ser formulados na forma diferencial, quando
2.4. EQUAC

AO DA CONTINUIDADE 19
aplicados num determinado ponto. Para o estudo em causa, interessa uma
formula cao na forma integral, por serem aplicados a uma determinada regiao.
Considere-se o volume V xo no espa co. Supondo que a densidade do uido
e caracterizada pela fun cao = (x, t), > 0, a massa do uido que ocupa a
regiao V e determinada pelo integral
_
V
dv.
Princpio 1 (da conservacao da massa) A massa de um uido no volu-
me material V nao muda quando o volume V se move com o uido.
Pode-se armar entao que a taxa de varia cao da massa e nula, ou seja,
d
dt
_
V
dv = 0. (2.17)
Aplicando o Teorema 2.3.1,
_
V
_
d
dt
+ divu
_
= 0.
Tendo em conta que o volume V e arbitrario,
d
dt
+ divu = 0. (2.18)
Esta e a forma Euleriana da equa cao da continuidade.

E a deriva cao feita por
Euler, pensa-se que por volta de 1751.

E uma condi cao necessaria e suciente
para que o movimento conserve a massa do volume. Tendo em conta que
u F + F divu = div(Fu), (2.19)
e utilizando (2.4), a equa cao (2.18) pode ser escrita noutra forma,

t
+ div(u) = 0. (2.20)
No caso particular do estudo de uidos incompressveis, isto e, uidos
cuja densidade nao muda sob o efeito da pressao, sabe-se, pelo Lema 2.2.1,
que divu = 0. A equa cao (2.18), neste caso, e equivalente a
d
dt
= 0,
o que implica que seja constante ao longo das trajectorias das partculas.
Se, alem do mais, o uido for homogeneo, e constante. Juntando estas
condi coes, (2.18) ou (2.20) reduzem-se a
20 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


divu = 0. (2.21)
Aplicando o Teorema 2.3.1 e a equa cao (2.18), obtem-se a formula seguinte,
que permite derivar facilmente integrais de volume em ordem ao tempo,
d
dt
_
V
Fdv =
_
V

dF
dt
dv. (2.22)
2.5 Equacao do Movimento
As equa coes dinamicas basicas que descrevem o movimento de um uido
sao derivadas a partir do Princpio da Conserva cao do Momento Linear. O
momento linear, ou quantidade de movimento, caracteriza o efeito dinamico
de um corpo animado com velocidade u e e denido por
_
V
udv.
Sob as condi coes referidas na Sec cao 2.4, verica-se o princpio que a seguir
se enuncia.
Princpio 2 (da conservacao do momento linear) A taxa de varia cao
total do momento linear de um uido ocupando o volume V e igual `a resul-
tante das forcas que actuam sobre esse volume.
Este princpio pode ser traduzido atraves da equa cao
d
dt
_
V
udv =
_
V
f dv +
_
V
t v, (2.23)
onde f e a for ca de volume, fun cao conhecida da posi cao e do tempo e t
e a tensao. O primeiro membro da equa cao representa a taxa de varia cao
total do momento linear. Quanto ao segundo membro da equa c ao, resulta da
extensao dos princpios da dinamica classica aos meios contnuos deformaveis.
A primeira parcela representa as forcas de volume (ou forcas externas) e
a segunda parcela as forcas de superfcie (ou forcas internas). As for cas
de volume actuam em elementos do volume V, sem contacto e resultam do
facto do uido estar num determinado campo de for cas, como por exemplo
campos gravitacionais ou electromagneticos. As for cas de superfcie nao sao
determinadas por ac coes exteriores, mas pelas reac coes internas dos meios
face `as deforma coes e aos movimentos. Representam as ac coes locais de
contacto, ou seja, as ac coes do uido exterior no volume considerado, atraves
da sua fronteira V . Estas for cas sao de difcil caracteriza cao, uma vez que
2.5. EQUAC

AO DO MOVIMENTO 21
variam em fun cao das superfcies em que actuam. O Postulado de Cauchy
permite, atraves de uma hipotese matematica, modelar este tipo de for cas
(Truesdell e Noll [19, p.32]).
Postulado 2.5.1 (de Cauchy) As forcas de superfcie sao representadas
por uma distribuicao de vectores de tensao t, que, num dado instante t,
dependem da posicao e orientacao do elemento de superfcie dv. Sendo n o
vector unitario normal a V , entao t = t(x, t; n).
Usando (2.22), e possvel escrever (2.23) de outra forma,
_
V

du
dt
dv =
_
V
f dv +
_
V
t v. (2.24)
Formulado desta maneira, o princpio esta expresso em termos de dois tipos
diferentes de integral.

E necessario transformar o integral de superfcie em
integral de volume, aplicando o Teorema 1.3.1 e o resultado que a seguir se
enuncia, habitualmente designado por Princpio das Tens oes de Cauchy.
Lema 2.5.1 Sendo t contnuo em cada x V , existe um unico tensor T =
T(x, t) tal que, para todos os vectores unitarios n,
t(x, t; n) = T(x, t) n (2.25)
Demonstracao: Seja l
3
o volume de V. Dividindo ambos os membros de (2.24)
por l
2
,
l
2
_
V

du
dt
dv = l
2
_
V
f dv + l
2
_
V
t v.
Passando ao limite,
lim
V 0
l
2
_
V
t v = 0, (2.26)
Observe-se que os integrais de volume vao tender para zero, pois sao limita-
dos. A expressao (2.26) expressa o facto das for cas de superfcie estarem em
equilbrio local. Considere-se agora o tetraedro da Figura 2.3, com vertice
num ponto arbitrario x e com tres faces paralelas aos planos coordenados.
Seja n o vector normal `a face oblqua do tetraedro e i, j e k as normais `as
outras faces, respectivamente correspondentes a x
1
, x
2
e x
3
. Representando
as suas areas por n
1
, n
2
e n
3
, pode-se armar que l
2
e
t(n) + n
1
t(i) + n
2
t(j) + n
3
t(k) = 0. (2.27)
22 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


Figura 2.3: Tetraedro das tensoes.
Esta igualdade e valida para componentes positivas de n. Para alargar a sua
validade a componentes negativas, note-se que, por continuidade, e valida se
n
i
0, para i = 1, 2, 3. Entao, em particular,
t(i) = t(i), t(j) = t(j), t(k) = t(k). (2.28)
Aplicando o mesmo argumento aos restantes quadrantes e usando (2.28),
t(n) = n
1
t(i) + n
2
t(j) + n
3
t(k), (2.29)
donde se conclui que t pode ser escrito como combina cao linear das compo-
nentes de n.
As componentes encontradas na demonstra cao do Lema anterior podem ser
agrupadas num tensor que se denota por T.

E designado por tensor das
tensoes de Cauchy e e o que verdadeiramente caracteriza a especicidade de
cada uido. Substituindo t por Tn em (2.24) e aplicando o Teorema 1.3.1,
_
V

du
dt
dv =
_
V
f dv +
_
V
Tnv
=
_
V
( f + divT) dv.
Como o volume V e arbitrario, pode-se armar que

du
dt
= f + divT. (2.30)
A esta equa cao da-se o nome de equacao do movimento. Provou-se que o
vector tensao pode ser escrito como combina cao linear das componentes do
2.5. EQUAC

AO DO MOVIMENTO 23
vector normal (2.25). Para alem desta propriedade, tambem se pode armar
que e um tensor simetrico, desde que exista conserva cao do momento angular.
Em Fsica, o momento angular e denido por
_
V
(x u) dv.
Ou seja, e o produto vectorial entre o vector posi cao e o momento linear,
por isso muitas vezes se fala do momento angular como sendo o momento do
momento. Quando esta em causa um sistema isolado (sistema em que nao
existem for cas de superfcie) ou pseudo-isolado (sistema em que a soma das
for cas de superfcie e nula, isto e, quando o tensor das tensoes e simetrico),
existe conserva cao do momento angular.
Princpio 3 (da conservacao do momento angular) A taxa de variacao
do momento angular de um uido ocupando o volume V e igual `a soma dos
momentos lineares das forcas de volume e das forcas de superfcie que actuam
nesse volume.
Este princpio pode ser traduzido pela expressao
d
dt
_
V
(x u)dv =
_
V
(x f)dv +
_
V
x t v (2.31)
Teorema 2.5.1 Se o princpio de conserva cao do momento angular (2.31) e
valido, o tensor das tensoes T e simetrico.
Demonstracao: Por (2.22),
d
dt
_
V
(x u)dv =
_
V

d
dt
(x u)dv =
_
V

_
x
du
dt
_
dv.
Por (2.30),
d
dt
_
V
(x u)dv =
_
V
[x (f + divT)]dv.
Assim,
d
dt
_
V
(x u)dv =
_
V
(x f)dv +
_
V
x divTdv
Entao, (2.31) e equivalente a
_
V
(x f) dv +
_
V
x divTdv =
_
V
(x f) dv +
_
V
x t v.
24 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


Ou seja,
_
V
x divTdv
_
V
x (Tn) v = 0.
Aplicando a Proposi cao 1.3.2,
_
V
x Tdv = 0. (2.32)
Como x = I,
_
V
I Tdv = 0.
Desenvolvendo este produto,
_
V
(T
32
T
23
, T
31
+ T
13
, T
21
T
12
) dv = 0,
o que e equivalente a armar que
T
32
= T
23
T
31
= T
13
T
21
= T
12
.
Ou seja, T e tensor simetrico.
Observacao 2.5.1 Pode-se mostrar que a recproca do Teorema 2.5.1 tambem
e valida, isto e, se T e tensor simetrico, entao (2.31) e valido.
2.6 Lei Constitutiva
Nesta sec cao deduzem-se as equa coes de Navier-Stokes para uidos New-
tonianos, conduzindo a uma adapta cao do problema ao estudo em causa.
O vector das tensoes que descreve a ac cao de for cas atraves da superfcie
do volume V tem a decomposi cao t = Tn, como foi visto em (2.25), onde
T = T(x, t) e o tensor das tensoes e n e o vector unitario normal `a superfcie.
Ao relacionar T com outras variaveis, denimos o tipo de uido em estudo.
No caso geral, o objectivo e encontrar equa coes aplicaveis a uidos com
tensoes tangenciais consideraveis. Para tal, estabelece-se um conjunto de
condi coes que explicam como o uido reage sob deforma cao. Estas equa coes
irao incluir termos que representam as for cas de artrito, nomeadamente a
viscosidade, de forma a poderem representar certo tipo de situa coes reais.
Dene-se uido newtoniano como sendo um uido que satisfaz os seguintes
2.6. LEI CONSTITUTIVA 25
postulados, estabelecidos por Stokes:
(1) T e uma fun cao contnua do tensor da taxa de deforma cao D e e inde-
pendente de outras quantidades cinematicas;
(2) T nao depende explicitamente da posi cao x (Homogeneidade espacial );
(3) Nao ha nenhuma direc cao denida no espa co (isotropia);
(4) Quando D = 0, T = pI.
A expressao que traduz (1) e (2) e
T = f(D), (2.33)
sendo f fun cao tensorial contnua. Pode-se traduzir a condi c ao de isotropia
atraves da seguinte expressao:
STS
1
= f(SDS
1
), (2.34)
para todas as matrizes de transforma cao ortogonais S. Esta igualdade arma
que, independentemente da orienta cao do uido, uma dada deforma cao pro-
duz a mesma resposta intrnseca. Os postulados (1) a (4) conduzem `a ex-
pressao geral para o tensor das tensoes (Serrin [17, pp.231-233]),
T = I + D+ D
2
, (2.35)
onde , e sao fun coes escalares dos invariantes principais de D, isto e,
= (I, II, II), etc. Os invariantes principais podem ser denidos como
coecientes de na expansao do determinante D() = det(I D) =
3

I
2
+ II III. Em particular, I = Tr(D) = divu. Os valores principais
d
1
, d
2
e d
3
de D sao as razes da equa cao D() = 0.
Teorema 2.6.1 Se aos postulados de (1) a (4) acrescentarmos a condi cao
de que as componentes de T sejam lineares nas componentes de D, entao a
equa cao (2.35) reduz-se `a forma
T = (p + divu)I + 2D,
onde e sao constantes ou fun coes escalares.
Demonstracao: Feistauer [7, pp.45-48]
e sao, respectivamente, o primeiro e segundo coecientes de viscosidade,
tambem designados por coecientes de viscosidade de Lame. Note-se que se
o uido for incompressvel, o primeiro coeciente, , desaparece, uma vez
que divu = 0.
26 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


A magnitude do tensor da taxa de deforma cao De relativamente pequena
comparando, por exemplo, com algumas velocidades ou comprimentos de
referencia. Assim, e razoavel admitir uma rela cao linear entre T e D. Nao
deixa de ser uma hipotese, valida se os resultados obtidos concordarem com as
experiencias. Esta hipotese conduz, aplicando (2.6.1), `a equa cao constituinte
classica para uidos incompressveis, frequentemente designada por Lei de
Stokes,
T = pI + 2D. (2.36)
Utilizando esta lei e a equa cao (2.30), obtemos as equa c oes de Navier-Stokes
para uidos incompressveis,

du
dt
= f p + u, (2.37)
divu = 0. (2.38)
Aplicando (2.4),

_
u
t
+ (u )u
_
= f p + u, (2.39)
Sabe-se que para uidos incompressveis, a equa cao da continuidade (2.21)
implica que

t
= 0.
Isto traduz o facto de que a densidade e constante ao longo da trajectoria
do uido. Assim, se o uido for homogeneo, a densidade = (x, 0) e
independente de x e pode-se considerar = const. > 0. Pode-se entao
dividir os termos da equa cao (2.39) por para obter
u
t
+ (u )u = f
1

p + u, (2.40)
onde o coeciente = / e designado por viscosidade cinematica.
Caso particular dos uidos perfeitos: Um uido perfeito e, por deni cao,
um uido em que o efeito das tensoes tangenciais e tao pequeno que se pode
desprezar em termos praticos. Isto signica que o uido apenas sofre os
efeitos da componente normal do vector das tensoes.
t = pn, (2.41)
2.7. CONDIC

OES INICIAIS E DE FRONTEIRA 27
onde p = p(x, t) e a pressao e e independente de n, por compara cao de (2.27)
e de (2.41). Assim, divT = p e a equa cao (2.30) para uidos perfeitos
ca denida por

du
dt
= f p. (2.42)
2.7 Condicoes Iniciais e de Fronteira
Na Sec cao anterior obtiveram-se um conjunto de equa coes `as derivadas par-
ciais. Para obter solu coes para estas equa coes, e necessario estabelecer con-
di coes iniciais e condi coes de fronteira. As condi coes iniciais traduzem a
posi cao do sistema no instante t = 0. Nas condi coes de fronteira podem
estar caracterizadas fronteiras laterais, de fundo, entre lquidos de diferentes
densidades e viscosidades, ou de interface entre a superfcie e a atmosfera.
No estudo do escoamento dos uidos averigua-se o que acontece no limite do
volume de uido em estudo. Quando a fronteira e solida e impermeavel, a
condi cao classica de aderencia na fronteira
2
e
u = 0, (2.43)
condi cao proposta por Stokes em 1845. No entanto, por volta de 1879, ex-
periencias levadas a cabo por Maxwell (Serrin [17, pp.240-241]) provaram que
esta condi cao nao explica todo o fenomeno fsico envolvente . A expressao
(2.43) traduz a aderencia do uido `a fronteira do domnio do escoamento e
funciona apenas para uidos com pressoes moderadas e baixas tensoes de
superfcie. As experiencias comprovaram que apenas uidos perfeitos, sem
viscosidade, ou uidos em velocidades muito elevadas, nao aderem a paredes
e corpos (Feistauer [7, pp.63]). Uma superfcie livre, sem fronteiras ou em
interface com outro uido, e modelada como sendo livre de tensao, isto e,
t = 0 em V,
onde t = Tn e o vector das tensoes e e o vector tangente `a fronteira V .
A condi cao de nao-aderencia na fronteira proposta por Navier (Serrin [17,
p.240] e respectivas referencias) e
u = k t ,
sendo k uma fun cao de valores negativos, mostrando que o deslizamento do
uido na fronteira tem direc cao oposta `a da for ca que a fronteira exerce no
2
Do ingles no-slip condition.
28 CAP

ITULO 2. MEC

ANICA DOS FLUIDOS


uido. Segundo Antontsev e Oliveira [2, p.3], uma das condi coes de fronteira
mais importantes propostas nos ultimos tempos e
u n = 0, (2.44)
e
u =
1
t , (2.45)
onde n e o vector unitario normal a V . A impermeabilidade da fronteira e
traduzida por (2.44) e o escoamento com resistencia e traduzido por (2.45).
Se
1
< 0, signica que existe fric cao e nao aderencia. Se
1
> 0, signi-
ca que as fronteiras aceleram o movimento do uido. Assim, se 0,
a expressao (2.45) representa condi coes de nao-aderencia na fronteira, e se
, representa condi coes de aderencia na fronteira. Esta condi cao de
fronteira e hoje muito utilizada para o estudo do deslocamento de tornados.
Captulo 3
Dinamica dos Oceanos
Neste captulo, e feita uma breve introducao onde sao explicados os princi-
pais domnios de estudo e investigacao da dinamica dos oceanos, bem como
alguns conceitos importantes para o seu estudo. Sao denidas escalas de
movimento para as principais variaveis de interesse, de modo a poder esti-
mar valores reais.

E efectuado um estudo acerca da aceleracao de Coriolis
e do modo como afecta os escoamentos no planeta, para ser possvel for-
mular as equacoes do movimento num referencial em rotac ao. As equacoes
de Navier-Stokes nao tem solucoes analticas, pelo que se torna necessario
efectuar aproximacoes a casos mais simples, que sao feitas caracterizando
escoamentos em situacoes onde os termos nao lineares possam ser despreza-
dos, encontrando solucoes aproximadas. As referencias mais importantes
utilizadas neste captulo foram Cushman-Roisin [6], Pedlosky [15] e Pond e
Pickard [16].
3.1 Introducao
A dinamica dos uidos geofsicos estuda escoamentos que ocorrem na atmos-
fera e nos oceanos, mas apenas escoamentos em larga escala. A Hidrologia
estuda os escoamentos que ocorrem em rios, a Oceanograa estuda, por exem-
plo, micro-turbulencias nas camadas superciais do oceano e a Metereologia
estuda, por exemplo, convexoes em nuvens. A rota cao da Terra e a estrati-
ca cao dos oceanos e da atmosfera sao as duas caractersticas essenciais que
distinguem a dinamica dos uidos geofsicos de outras areas da dinamica dos
uidos. A rota cao da Terra modica os padroes de movimento do escoamento
denidos pela mecanica dos uidos. A estratica cao vertical do oceano ou
da atmosfera vai modicar a formula cao das equa coes do movimento. Neste
captulo, serao estudados escoamentos que ocorrem apenas em oceanos. No
29
30 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


oceano, uma coluna de agua pode ser aproximadamente dividida em quatro
camadas (ver Figura 3.5). No topo, a primeira camada designa-se por ca-
mada supercial ou camada mista
1
, ronda os dez metros de profundidade
e a estratica cao e quase inexistente. Por baixo desta, existe uma camada
designada por termoclina sazonal, rondando os cem metros de profundidade.
Nesta camada, a estratica cao muda todos os anos devido ao arrefecimento
no Inverno. Por baixo do limite maximo da convec cao
2
de Inverno encontra-
se a camada designada por termoclina permanente, que e permanentemente
estraticada e esta a uma profundidade entre os 500 e os 1000 metros. O
resto da coluna de agua, que inclui a maioria da agua dos oceanos, e uma
camada designada por zona abissal. A media da temperatura nesta camada
e muito baixa e os movimentos das partculas sao muito lentos. Estas duas
Figura 3.1: Estrutura vertical de uma coluna de agua no oceano do ponto de
vista da circula cao em grande escala.
ultimas camadas, quando consideradas juntas, formam o que se designa por
interior do oceano. Existem movimentos em pequena escala nestas camadas
provocados pelas utua coes de pressao das camadas superiores. Contudo, e
numa primeira aproxima cao, estes movimentos podem ser desprezados.
3.2 Escalas de Movimento
No estudo das variaveis que afectam o movimento dos oceanos, a dinamica
dos uidos geofsicos dene, para estas variaveis, escalas de movimento, que
1
Do ingles mixed layer.
2
Fenomeno fsico observado num meio uido onde ha propaga cao de calor provocado
pelas diferen cas de densidade nesse uido.
3.2. ESCALAS DE MOVIMENTO 31
na maioria dos casos, sao escalas para a velocidade, o tempo e o compri-
mento. Estas escalas sao valores estimativos que representam os valores das
variaveis consideradas. Os movimentos dos oceanos estendem-se por escalas
muito diferentes, desde a microturbulencia ate aos movimentos em grande
escala. Sao necessarias informa coes sobre os processos fsicos para poder es-
colher a escala adequada. Por exemplo, se se escolher determinada escala
para o tempo, esta-se a condicionar os factores fsicos intervenientes se o
problema depender de condi coes atmosfericas. Assim, a tendencia e para
escolher variaveis relevantes para o estudo em causa. No caso particular
dos oceanos, torna-se importante denir a que escalas a rota cao da Terra e
um factor importante para o movimento do uido. Dene-se a velocidade
angular como sendo a taxa de rota cao da Terra,
=
2 radianos
tempo de uma rota cao
. (3.1)
Se o movimento do uido acontecer numa escala de tempo igual ou superior
ao tempo de uma rota cao, pode-se antecipar que esta rota cao provocara
altera coes no movimento. Seja a razao entre o tempo de uma rota cao e a
escala de movimento para o tempo, T,
=
2/
T
=
2
T
.
Se 1, os efeitos da rota cao devem ser considerados. Existe um segundo
criterio, mais usado e mais avel, que resulta da considera cao, nao so dos
efeitos da escala do tempo, como tambem dos efeitos da velocidade e da
escala para o comprimento. Se uma partcula do uido que viaja `a velocidade
U percorre a distancia L num intervalo de tempo igual ou superior a um
perodo de rota cao, espera-se que a trajectoria seja inuenciada pela rota cao
ambiente. Dene-se como sendo a razao entre o tempo de uma rota cao
e o tempo que uma partcula do uido demora a percorrer a distancia L `a
velocidade U,
=
2/
L/U
=
2U
L
.
Se 1, devem ser considerados os efeitos da rota cao. Numa analise de es-
cala, o parametro 2 pode ser omitido porque a sua importancia e secundaria.
Obtem-se assim outro n umero de medida da importancia da rota cao, muito
utilizado em dinamica dos uidos, o n umero de Rossby,
R
o
=
U
2L
. (3.2)
32 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


Para alem das escalas mencionadas, para quantidades que podem ser afecta-
das pelos efeitos da rota cao ambiente, e necessario denir tambem escalas de
movimento para as quantidades que poderao ser alteradas pelos efeitos da
estratica cao do oceano. Conforme ja foi referido, os problemas de dinamica
dos uidos geofsicos envolvem movimentos de uidos com um ou dois atri-
butos, nomeadamente, a rota cao e a estratica cao. A rota cao imprime no
uido uma certa rigidez vertical e um uido estraticado, de densidade het-
erogenea, encontra-se disposto em camadas de densidades diferentes, devido
`a for ca gravtica, estando as densidades maiores por baixo das menores. Os
parametros mais importantes sao , densidade media das camadas em que se
encontra dividido o uido, , taxa de varia cao da densidade destas camadas
e H, altura na qual estas varia coes de densidade ocorrem. Uma perturba cao
tpica no oceano e descrita como a eleva cao de um elemento do uido, de
densidade + , acima da altura H e, como ha conserva cao de volume,
este movimento provoca a descida de outra partcula do uido mais leve, de
densidade . A mudan ca correspondente da energia potencial por unidade
de volume e
( + )gHgH = gH.
Num uido com velocidade U, a energia cinetica disponvel por unidade de
volume e
1
2
U
2
.
Constroi-se a razao
=
1
2
U
2
gH
.
Se 1, e importante considerar os efeitos da estratica cao, pois um au-
mento de energia potencial necessario `a perturba cao da estratica cao con-
some uma por cao signicativa da energia cinetica disponvel, modicando
o escoamento substancialmente. Estes efeitos tambem sao importantes se
<< 1, pois signica que nao ha energia cinetica suciente para perturbar
a estratica cao.
Quando tanto a estratica cao como a rota cao sao importantes e nenhuma e
dominante, isto e, quando 1 e R
o
1, vericam-se as rela coes seguintes
ao longo das varias escalas,
L
U

, (3.3)
3.2. ESCALAS DE MOVIMENTO 33
U

gH,
e
T
1

.
Substituindo a velocidade U em (3.3), obtem-se uma escala de comprimento
fundamental,
L
1

gH. (3.4)
Num determinado uido, de densidade media e varia cao de densidade ,
ocupando uma altura H num planeta com velocidade de rota cao e com
for ca de gravidade g, a escala para o comprimento L, dada por (3.4), e a mais
adequada a considerar, na qual os movimentos irao ocorrer. Na Terra,
7, 2910
5
s
1
, g 9, 81 m/s
2
. De acordo com Cushman [6, p.10], os valores
aproximados da densidade medidos no oceano sao 1028 Kg/m
3
, 2
kg/m
3
. Relativamente `a velocidade, tambem de acordo com Cushman, no
interior do oceano, longe de correntes e fronteiras, a velocidade tpica e U =
0, 1ms
1
. Por outro lado, tendo em conta que a profundidade media dos
oceanos e 4000 m, e razoavel considerar como escala para a altura de uma
camada
H = 1000 m.
(Ver tambem Pond e Pickard [16, p.54]). Assim, de acordo com (3.4), obtem-
se a escala natural de comprimento
L 6 10
4
m.
Para o tempo, tendo em conta (3.3),
T
1

10
6
s 10 dias,
o que corresponde a uma escala de tempo razoavel para estudar a grande
maioria dos fenomenos que ocorrem no interior do oceano. Consideram-se
assim os valores para as escalas que constam da Tabela 3.1, que apesar de
serem valores de referencia, facilmente se reconhecem valores tpicos para
escoamentos no interior do oceano. No entanto, se surgirem d uvidas numa
situa cao especca, pode-se sempre refazer a analise destas escalas.
34 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


Escala Valor
Distancia horizontal(L) 1000 Km = 10
6
m
Velocidade(U) 0, 1 ms
1
Distancia vertical(H) 1000 m
Tempo(T) 10 dias 10
6
s
Tabela 3.1: Valores de referencia para o oceano.
3.3 Aceleracao de Coriolis
Do ponto de vista teorico, todas as equa coes que descrevem processos envol-
vendo uidos geofsicos podem ser expressas em termos de sistemas referen-
ciais inerciais, isto e, sistemas xos em rela cao a estrelas distantes. Contudo,
um observador na Terra ve os movimentos dos uidos em rela cao ao sistema
que roda com o nosso planeta. Para se perceber a inuencia da rota cao no
Figura 3.2: Referenciais xo e rotativo.
movimento dos uidos, considera-se em primeiro lugar o caso bidimensional.
Sejam x
1
e x
2
os eixos do referencial em rota cao, cujos vectores unitarios
sao i e j, rodando com velocidade angular uniforme (taxa de rota c ao da
Terra). X
1
e X
2
sao os eixos do referencial xo , cujos vectores unitarios sao
I e J (ver Figura 3.2). Em qualquer instante t, o sistema de eixos (x
1
, x
2
) em
rota cao faz um angulo de amplitude t com o sistema de eixos xo (X
1
, X
2
).
Assim,
i = I cos t +Jsent, (3.5)
j = Isent +Jcos t. (3.6)
As componentes do vector posi cao X = (X
1
, X
2
) ou x = (x
1
, x
2
) em qualquer
ponto do plano estao relacionadas por
3.3. ACELERAC

AO DE CORIOLIS 35
x
1
= cos tX
1
+ sentX
2
, (3.7)
x
2
= sentX
1
+ cos tX
2
. (3.8)
ou
X
1
= cos tx
1
sentx
2
, (3.9)
X
2
= sentx
1
+ cos tx
2
. (3.10)
Derivando (3.7) e (3.8) em ordem ao tempo, obtem-se
dx
1
dt
=
dX
1
dt
cos t +
dX
2
dt
sent X
1
sent + X
2
cos t, (3.11)
dx
2
dt
=
dX
1
dt
sent +
dX
2
dt
cos t X
1
cos t + X
2
sent. (3.12)
As quantidades expressas por (3.11) e (3.12) dao as taxas de varia cao das
coordenadas relativamente ao referencial em movimento `a medida que o
tempo evolui. Assim, as componentes da velocidade relativa sao
u =
dx
1
dt
i +
dx
2
dt
j = u
1
i + u
2
j. (3.13)
Da mesma forma,
dX
1
dt
e
dX
2
dt
dao as taxas de varia cao das coordenadas abso-
lutas e sao as componentes da velocidade absoluta
U =
dX
1
dt
I +
dX
2
dt
J = U
1
i + U
2
j. (3.14)
Na proposi cao seguinte, mostra-se que a velocidade absoluta e igual `a veloci-
dade relativa mais a velocidade devida `a rota cao do sistema referencial.
Proposicao 3.3.1 Sejam (U
1
, U
2
) as componentes da velocidade absoluta, U
e (u
1
, u
2
) as componentes da velocidade relativa, u, no sistema referencial em
rotacao (x
1
, x
2
) e a velocidade angular do sistema referencial (x
1
, x
2
) em
relacao a (X
1
, X
2
). Nestas condicoes, vericam-se as igualdades seguintes:
U
1
= u
1
x
2
, (3.15)
U
2
= u
2
+ x
1
. (3.16)
Demonstracao: Tendo em conta (3.5)-(3.6) e substituindo em (3.14), obtem-
se as componentes da velocidade absoluta
36 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


U
1
=
dX
1
dt
cos t +
dX
2
dt
sent, (3.17)
U
2
=
dX
1
dt
sent +
dX
2
dt
cos t. (3.18)
Substituindo (3.17)-(3.18) em (3.11),
U
1
=
dx
1
dt
+ (X
1
sent X
2
cos t), (3.19)
U
2
=
dx
2
dt
(X
1
cos t + X
2
sent). (3.20)
Aplicando (3.7) e (3.13) a (3.19), obtem-se (3.15). Aplicando (3.8) e (3.13)
a (3.20), obtem-se (3.16).
Procede-se de forma analoga para obter a expressao para a acelera cao rela-
tiva,
a =
d
2
x
1
dt
2
i +
d
2
x
2
dt
2
j =
du
1
dt
i +
du
2
dt
j = a
1
i + a
2
j, (3.21)
e para a acelera cao absoluta,
A =
d
2
X
1
dt
2
I +
d
2
X
2
dt
2
J = A
1
i + A
2
j. (3.22)
Na proposi cao seguinte, estabelece-se a rela cao entre a acelera cao absoluta e
a acelera cao relativa.
Proposicao 3.3.2 Sejam (A
1
, A
2
) as componentes da aceleracao absoluta,
A e (a
1
, a
2
) as componentes da aceleracao relativa, a, no sistema referen-
cial em rotacao (x
1
, x
2
) e a velocidade angular do sistema de coordenadas
(x
1
, x
2
) em relacao a (X
1
, X
2
). Nestas condicoes, vericam-se as igualdades
seguintes:
A
1
= a
1
2u
2

2
x
1
, (3.23)
A
2
= a
2
+ 2u
1

2
x
2
. (3.24)
Demonstracao: A expressao (3.22) no referencial em rota cao e, por (3.5)-
(3.6),
A =
d
2
X
1
dt
2
(cos ti sentj) +
d
2
X
2
dt
2
( senti + cos tj),
3.3. ACELERAC

AO DE CORIOLIS 37
ou seja, as componentes da acelera cao absoluta, no referencial em rota cao,
sao
A
1
=
d
2
X
1
dt
2
cos t +
d
2
X
2
dt
2
sent, (3.25)
A
2
=
d
2
X
1
dt
2
sent +
d
2
X
2
dt
2
cos t. (3.26)
Derivando (3.11) em ordem ao tempo, obtem-se a componente em x
1
para a
acelera cao relativa:
a
1
=
d
2
X
1
dt
2
cos t +
d
2
X
2
dt
2
sent
+2
_

dX
1
dt
sent +
dX
2
dt
cos t
_

2
(X
1
cos t + X
2
sent).
Por aplica cao de (3.7), (3.17) e (3.25),
a
1
= A
1
+ 2U
2

2
x
1
.
Por (3.16),
a
1
= A
1
+ 2(u
2
+ x
1
)
2
x
1
.
Resolvendo em ordem a A
1
, obtem-se (3.23). Procedendo de modo analogo
para a outra coordenada, deriva-se (3.12) em ordem ao tempo,
a
2
=
d
2
X
1
dt
2
sent +
d
2
X
2
dt
2
cos t
2
_
dX
1
dt
cos t +
dX
2
dt
sent
_

2
(X
1
sent + X
2
cos t).
Por aplica cao de (3.8), (3.18) e (3.26),
a
2
= A
2
2U
1

2
x
2
.
Por (3.15),
a
2
= A
2
2(u
1
x
2
)
2
x
2
.
38 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


Resolvendo em ordem a A
2
, obtem-se (3.24).
Considere-se agora um referencial tridimensional, onde o eixo x
3
coincide com
o eixo X
3
, tem a direc cao perpendicular ao plano formado pelos eixos (x
1
, x
2
)
ou (X
1
, X
2
) e sentido de baixo para cima. No caso da Terra, e para numa
primeira fase simplicar os calculos, considera-se a origem deste referencial
num dos polos de modo que o eixo de rota cao alinhe com o eixo de rota cao da
Terra. Tendo em conta que nos situamos no Hemisferio Norte, considera-se
a origem do referencial no Polo Norte. Neste caso, a rota cao da Terra e no
sentido contrario ao dos ponteiros do relogio. Para o Polo Sul procede-se de
forma analoga, sendo o sentido a considerar o dos ponteiros do relogio. Neste
referencial cada vector posi cao e denido por
x = x
1
i + x
2
j + x
3
k,
e
X = X
1
I + X
2
J + X
3
K.
Assim, e possvel denir o vector rota cao da Terra como
= (0, 0, ) x
3
X
3
. (3.27)
Este vector tem a direc cao do eixo de rota cao, sentido de Sul para Norte e
o mesmo valor da velocidade angular. Observando que x
3
= X
3
implica que
u
3
= U
3
, as expressoes (3.15)-(3.16) e (3.23)-(3.24) podem ser escritas na
forma vectorial, ou seja,
U = (u
1
x
2
, u
2
+ x
1
, U
3
) = u +x, (3.28)
e
A = (a
1
2u
2

2
x
1
, a
2
+ 2u
1

2
x
2
, A
3
)
= a + 2u +(x). (3.29)
Atraves desta igualdade percebe-se que a diferen ca entre acelera cao absoluta
e relativa consiste em duas quantidades: a primeira, proporcional a e `a
velocidade, designa-se por aceleracao de Coriolis; a segunda, proporcional
a e `as coordenadas, designa-se por aceleracao centrfuga. A expressao
para a acelera cao centrfuga pode ser escrita de um modo mais simples, por
aplica cao da proposi cao que se segue.
Proposicao 3.3.3 Sejam o vector rotacao, x o vector posicao e R o
vector perpendicular a e com a extremidade coincidente com a de x (ver
Figura 3.3). Nestas condicoes,
(x) =
2
R.
3.4. MOVIMENTO NUM REFERENCIAL EM ROTAC

AO 39
Figura 3.3: Acelera cao centrfuga.
Demonstracao: Na Figura 3.3, podem ver-se os vectores , vector rota cao,
x, vector posi cao, e o vector
2
R, que representa a for ca centrfuga. R e
o vector perpendicular ao eixo de rota cao que representa a distancia do eixo
de rota cao ao ponto onde se encontra o elemento do uido. Observe-se que
R = 0 e que x = R. Usando a Proposi cao 1.3.1, com A = B =
e C = R,
(R) = ( R)( )R =
2
R.
Atendendo a (3.29) e `a Proposi cao 3.3.3, a acelera cao absoluta pode entao
ser escrita como
A = a + 2u
2
R. (3.30)
3.4 Movimento num Referencial em Rotacao
Os efeitos causados no movimento dos uidos devido `a rota cao da Terra irao
afectar a formula cao da equa cao do movimento, estabelecida em (2.40). Ao
considerar um referencial em rota cao, o termo relativo `a acelera cao sofre
as altera coes descritas na sec cao anterior, traduzidas pela expressao (3.30).
Assim, a equa cao (2.40) pode ser escrita como
u
t
+ (u )u + 2u
2
R = f
1

p + u. (3.31)
40 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


Ao contrario da acelera cao de Coriolis, que e proporcional `a velocidade,
a acelera cao centrfuga depende exclusivamente da taxa de rota cao e da
distancia da partcula do uido ao eixo de rota cao. Mesmo em repouso,
no que diz respeito ao planeta em rota cao, as partculas sao afectadas por
uma for ca que puxa para fora. No entanto, nenhum corpo do planeta voa
em direc cao ao espa co por estar sujeito `a for ca gravtica, que, na ausencia de
rota cao, mantem a materia junta para formar um corpo esferico (as materias
mais densas no centro e as mais leves na periferia). A for ca imprimida
pela acelera cao centrfuga distorce esta forma esferica e o planeta assume
uma forma ligeiramente achatada. O grau de achatamento e precisamente o
necessario para manter o planeta em equilbrio com a sua taxa de rota cao.
Estes termos da acelera cao quando colocados no segundo membro da equa cao
(3.31), podem ser considerados como for cas. A for ca centrfuga actua como
uma for ca exterior e a for ca de Coriolis depende da direc cao e do valor da
velocidade relativa. Por natureza, a for ca centrfuga aponta para fora da
superfcie terrestre, perpendicularmente ao eixo de rota cao, enquanto que a
for ca gravtica aponta em direc cao ao centro da Terra. A for ca resultante as-
sume uma direc cao intermedia, que e exactamente a direc cao da vertical local.
De facto, nestas condi coes, nenhuma partcula voara para fora da Terra, ou
seja, qualquer partcula permanece em repouso ate ser sujeita a alguma for ca
adicional. O achatamento da Terra e importante para neutralizar a for ca
centrfuga. Apesar de ser uma distor cao pequena, a gravidade e muito maior
do que a for ca centrfuga. Por isso, e possvel considerar a for ca gravtica
aproximadamente igual `a resultante das duas for cas, a for ca centrfuga e a
verdadeira for ca de gravidade. Assim, considera-se na equa cao (3.31) apenas
o termo relativo `a acelera cao de Coriolis,
u
t
+ (u )u + 2u = f
1

p + u. (3.32)
O referencial tridimensional considerado na Sec cao 3.3 tinha o eixo de rota cao
alinhado com o eixo de rota cao da Terra e origem no Polo Norte. Mas, no
caso geral, considera-se um referencial com origem numa latitude arbitraria
no Hemisferio Norte. No caso do Hemisferio Sul, procede-se de forma analoga.
Os problemas que envolvem escoamentos geofsicos em escala planetaria de-
vem ser resolvidos usando coordenadas esfericas. No entanto, se as escalas de
comprimento horizontais forem mais pequenas do que o raio da Terra (6371
km), entao a curvatura da Terra pode ser desprezada. Neste caso, o movi-
mento pode ser estudado adoptando um sistema referencial cartesiano local
num plano tangente, onde se toma por referencial (x
1
, x
2
, x
3
), com o eixo x
1
a apontar para Este, o eixo x
2
para Norte e o eixo x
3
perpendicular ao plano
tangente. Na Figura 3.4 esta esquematizada a projec cao sobre o plano x
2
x
3
3.4. MOVIMENTO NUM REFERENCIAL EM ROTAC

AO 41
Figura 3.4: Sistema referencial na Terra.
desta situa cao, sendo x
1
perpendicular ao plano da folha. Neste referencial,
o vector rota cao e denido por
= (0, cos , sen),
e consequentemente a acelera cao de Coriolis e dada por
2u = (2cos u
3
2sen u
2
, 2sen u
1
, 2cos u
1
). (3.33)
Observe-se que no caso da origem do referencial estar situada no Polo Norte,
= /2 implica que = (0, 0, ), o que torna a expressao (3.33) valida
tambem para o caso anterior. Para simplicar a escrita, considerem-se
f = 2sen e f

= 2cos .
O coeciente f e designado por vorticidade planetaria ou, mais frequente-
mente, por parametro de Coriolis. f

e habitualmente designado por parametro


de Coriolis recproco. Escrevendo as projec coes da equa cao (3.32) nos tres
eixos, com a acelera cao de Coriolis dada por (3.33), obtem-se assim as equa coes
do movimento num referencial em rota cao,
u
1
t
+u u
1
+ f

u
3
fu
2
=
1

p
x
1
+ u
1
, (3.34)
42 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


u
2
t
+u u
2
+ fu
1
=
1

p
x
2
+ u
2
, (3.35)
u
3
t
+u u
3
f

u
1
= g
1

p
x
3
+ u
3
. (3.36)
As equa coes (3.34)-(3.36) vao ter expressoes diferentes em fun cao da latitude
em que seja efectuado o estudo. Nos polos,
=

2
f = 2 f

= 0.
No equador,
f = 0 f

= 2.
No Hemisferio Norte,
f > 0,
e no Hemisferio Sul,
f < 0.
Por outro lado,
f

> 0
em ambos os hemisferios.
3.5 Aproximacao Geostroca
As equa coes (3.34)-(3.36) sao extremamente difceis de resolver e para os
casos mais complexos, torna-se muito complicado de provar a existencia de
solu cao. Para ser possvel trabalhar nalgumas situa c oes, e necessario anal-
isar os termos destas equa coes, estimando a sua grandeza e consequente
importancia para o estudo em questao.

E possvel inicialmente desprezar
alguns termos e ainda restarem equa coes que retratam uma realidade fsica
no oceano e descrever aproximadamente movimentos reais. Para poder com-
parar a importancia de cada um dos termos, determinam-se escalas para
cada um deles, conforme foi visto na Sec cao 3.2. Obviamente, os valores
das escalas variam para cada aplica cao. No entanto, as conclusoes tiradas
a partir destes valores sao, na grande maioria dos casos, conclusoes validas.
Se existirem d uvidas numa situa cao especca, a analise das escalas pode ser
reformulada. Uma vez que as dimensoes x
1
e x
2
nao diferem muito, pode ser
usada a mesma escala de comprimento, L, e para ambas as componentes da
velocidade horizontal, pelo mesmo motivo, usa-se a mesma escala, U. Quanto
3.5. APROXIMAC

AO GEOSTR

OFICA 43
`a direc cao vertical, x
3
, esta vai diferir das outras duas direc coes. Como ja foi
observado na Sec cao 3.1, devido `a estratica cao, os escoamentos de uidos
geofsicos ocorrem normalmente em domnios onde o comprimento e largura
sao muito maiores do que a profundidade. No mar, as correntes estendem-se
por centenas de metros e a coluna de agua tera, em media, dezenas de metros
de profundidade. Entao, para movimentos em grande escala,
H L,
sendo H a escala considerada para a profundidade da camada de agua. Esta
aproxima cao e habitualmente designada na literatura especca por aprox-
ima cao shallow-water, ou, mais raramente, por aproxima cao de Saint-Venant.
Este facto pode ser conrmado recorrendo a valores concretos. Considere-se
o interior do oceano, descrito na Sec cao 3.1, afastado das principais correntes
martimas, da superfcie, onde a tensao devida ao vento e importante, e da
costa ou do fundo, que formam fronteiras onde o uido se comporta de forma
diferente. Tendo em conta os valores denidos na Sec cao 3.2, e possvel usar
a equa cao da continuidade (2.21) para estimar um valor para a escala da
velocidade vertical, U
3
,
u
3
x
3
=
_
u
1
x
1
+
u
2
x
2
_
.
Em termos de escalas,
U
3
H

U
L
U
3

UH
L

10
1
10
3
10
6
10
4
ms
1
.
Estas escalas sugerem que U
3
/U e directamente proporcional a H/L, ou seja,
que
U
3
U. (3.37)
Esta arma cao tem todo o sentido, tendo em conta que a profundidade media
das camadas de uido consideradas e relativamente pequena em compara cao
com a area pela qual se estende o movimento. Para alem disso, as velocidades
verticais sao muito mais pequenas do que as horizontais. Por outras palavras,
os escoamentos geofsicos em larga escala acontecem em camadas de agua
(H L) de profundidade reduzida e sao quase bi-dimensionais (U
3
U).
Em termos de escalas,
44 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


u
1
t
u
1
u
1
x
1
u
2
u
1
x
2
u
3
u
1
x
3
f

u
3
fu
2

1

p
x
1
u
1
U
T
U
2
L
U
2
L
U
3
U
H
U
3
U
P
L
2 U
L
2
+
U
H
2
Por (3.37), e obvio que o quinto termo (U
3
) e de ordem muito menor do que
o sexto termo (U), e pode ser desprezado. Convem salientar que perto do
equador, onde f

atinje o seu maximo e f tende para zero, uma reavalia cao


das escalas pode ser necessaria. Em rela cao `a equa cao (3.35), para ja nao ha
aproxima coes relevantes a realizar. No entanto, algumas aproxima coes sao
possveis ao fazer o escalonamento da projec cao no eixo x
3
da equa cao (3.36),
u
3
t
u
1
u
3
x
1
u
2
u
3
x
2
u
3
u
3
x
3
f

u
1
g
1

p
x
3
u
3
U
3
T
UU
3
T
UU
3
T
U
2
3
H
U g
P
H
2 U
3
L
2
+
U
3
H
2
O primeiro termo (U
3
/T) nao pode exceder U
3
, que por sua vez e muito
menor do que U, por (3.37). Os tres termos seguintes tambem sao muito
menores do que U. Assim, os primeiros quatro termos podem ser todos
desprezados em compara cao com o quinto termo. Mas este termo tambem e
muito pequeno quando comparado com os dois primeiros termos do segundo
membro da equa cao e, por isso, tambem desprezavel. Esta aproxima cao e
designada frequentemente na literatura por aproxima cao hidrostatica. Como
ja foi visto, as velocidades verticais sao muito pequenas quando comparadas
com as horizontais e por isso tambem se pode considerar
u
3
0.
Posto isto, e possvel considerar outra formula cao para as equa coes (3.34)-
(3.36),
u
1
t
+ u
1
u
1
x
1
+ u
2
u
1
x
2
+ u
3
u
1
x
3
fu
2
=
1

p
x
1
+ u
1
, (3.38)
u
2
t
+ u
1
u
2
x
1
+ u
2
u
2
x
2
+ u
3
u
2
x
3
+ fu
1
=
1

p
x
2
+ u
2
, (3.39)
3.5. APROXIMAC

AO GEOSTR

OFICA 45
0 =
1

p
x
3
g. (3.40)
Usando as mesmas escalas de valores referidas na Sec cao 3.2, e considerando
uma latitude de = 45
o
, o parametro de Coriolis toma o valor de f =
2sen45
o
2 7, 3 10
5
0, 71 10
4
s
1
. O valor de e tabelado
por 10
3
Kg m
1
s
1
, o valor de por 1028 10
3
Kg m
3
(Gill [8, p.75]) e
consequentemente, 10
6
ms
2
. Assim, os termos das equa coes (3.38)-
(3.40) podem ser aproximados por valores concretos,
u
1
t
u
1
u
1
x
1
u
2
u
1
x
2
u
3
u
1
x
3
fu
2

1

p
x
1

2
u
1
x
2
1

2
u
1
x
2
2

2
u
1
x
2
3
,
10
7
10
8
10
8
10
8
10
5
? 10
19
10
19
10
10
,
u
2
t
u
1
u
2
x
1
u
2
u
2
x
2
u
3
u
2
x
3
fu
1

1

p
x
2

2
u
2
x
2
1

2
u
2
x
2
2

2
u
2
x
2
3
,
10
7
10
8
10
8
10
8
10
5
? 10
19
10
19
10
10
,
1

p
x
3
g,
? 10.
Os termos relativos `a pressao sao representados por pontos de interroga cao
por nao haver medi coes directas. Contudo, estes deverao ser da mesma or-
dem de grandeza do termo relativo ao parametro de Coriolis, nas equa coes
planares (3.38) e (3.39), e da mesma ordem de grandeza da for ca gravtica
na equa cao vertical (3.40), para permitir equilbrio nos membros da equa cao.
Estas equa coes podem ser alvo de simplica coes maiores se forem considera-
dos escoamentos geostrocos e homogeneos. Nestes uidos, a acelera cao de
Coriolis e dominante em rela cao aos outros termos de acelera cao, fazendo com
que o n umero de Rossby seja pequeno. Os escoamentos em grande escala na
camada permanente e na zona abissal sao lentos e quase estaveis. As escalas
46 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


de tempo sao longas, o que permite desprezar todas as derivadas em ordem
ao tempo. Os movimentos sao predominantemente horizontais, pelo que a
velocidade vertical, u
3
, e nula. Dos restantes termos das equa coes (3.38) e
(3.39), os termos relativos `a acelera cao, u
1
/t e u
2
/t sao os de maior
ordem de grandeza, mas e apenas aproximadamente 1% do valor do termo
de Coriolis (fu
1
ou fu
2
), para escalas de tempo de dez dias, e e ainda menor
para escalas de tempo maiores. Assim, as equa coes (3.38)-(3.40) podem ser
simplicadas, com um grau de exactidao de 1%,
fu
2
=
1

p
x
1
, (3.41)
fu
1
=
1

p
x
2
, (3.42)
g =
1

p
x
3
. (3.43)
As equa coes (3.41) e (3.42) sao designadas por aproximacoes geostrocas e a
equa cao (3.43) e designada por aproximacao hidrostatica (Crepon [5,p.12]) e
juntas retratam o equilbrio geostroco. Estas equa coes descrevem as rela coes
entre a distribui cao da pressao horizontal e as componentes da velocidade no
oceano, e entre a distribui cao da pressao como fun cao da profundidade e
a distribui cao da densidade. Deste modo estas equa coes, em conjunto com
a equa cao de conserva cao da massa (2.21), sao uma boa aproxima cao para
descrever escoamentos no interior do oceano.
3.6 Escoamentos Quase-Geostrocos
Os escoamentos geostrocos consideram apenas o efeito da rota cao nos ui-
dos, partindo do pressuposto que se esta a lidar com uidos de densidade
constante. Mas os uidos presentes nos oceanos tem densidade variavel (ver
Figura 3.5), por isso e necessaria uma abordagem diferente. Nesta sec cao,
consideram-se movimentos quase-geostrocos, no caso de uidos continua-
mente estraticados, e voltam a considerar-se os efeitos da viscosidade. Os
efeitos da rota cao tornam-se importantes quando o n umero de Rossby e infe-
rior ou igual `a unidade. Quanto mais pequeno, maiores os efeitos da rota cao e
maior e a for ca de Coriolis em compara cao com as restantes for cas. De facto,
a maioria dos movimentos da atmosfera e do oceano sao caracterizados por
n umeros de Rossby sucientemente abaixo da unidade
0, 01 R
o
0, 2.
3.6. ESCOAMENTOS QUASE-GEOSTR

OFICOS 47
Por isso, numa primeira aproxima cao, considera-se a for ca de Coriolis dom-
inante. Esta aproxima cao conduz ao equilbrio geostroco (ver Sec cao 3.5),
onde existe equilbrio entre a for ca de Coriolis e o gradiente da pressao -
equa coes (3.41) e (??). Neste caso, a analise foi restringida a uidos ho-
mogeneos. O facto do n umero de Rossby ser pequeno pode ser justicado
por uma das seguintes formas: ou as velocidades sao relativamente peque-
nas (U pequeno), ou o padrao do escoamento e horizontalmente extenso (L
grande), de acordo com (3.2). Considerando U pequeno, e possvel deduzir
equa coes que retratam a maioria dos escoamentos no interior do oceano.
Na maioria dos uidos geofsicos a densidade varia muito pouco em torno
de um valor medio, pelo que e possvel simplicar as equa coes do movi-
mento, assumindo que as varia coes da densidade sao pequenas. Esta aprox-
ima cao e habitualmente designada por aproxima cao de Boussinesq. De referir
que a aproxima cao de Boussinesq esta muito associada a problemas de con-
vec cao termica, onde as varia coes de densidade sao causadas unicamente por
varia coes da temperatura. Para esses problemas, os efeitos de compressibil-
idade sao muito pequenos e, por isso, e possvel assumir que a densidade e
constante, excepto na for ca de volume (neste caso, a gravidade). A vantagem
desta aproxima cao deve-se ao facto de considerar para densidade do uido a
media entre duas densidades diferentes. Assim, em cada camada o valor da
densidade do uido, , nao se afasta muito do valor da densidade media, .
Em termos de sistema de coordenadas (x
1
, x
2
, x
3
), escreve-se
= (x
3
) +

(x
1
, x
2
, x
3
, t), (3.44)
com |

| ||. Da mes ma forma, para a pressao,


p = p(x
3
) + p

(x
1
, x
2
, x
3
, t), (3.45)
com|p

| |p|. Este formalismo nao considera nem a origem nem a manuten cao
desta estratica cao, mas apenas o comportamento dos movimentos que o per-
turbam, ainda que em pequena escala. Recorde-se que o equilbrio geostroco
implica a ausencia de velocidade vertical. No caso de um uido estraticado,
este facto leva a que nao existam deslocamentos verticais das superfcies de
densidade, o que por sua vez implica que nao ocorram dist urbios de pressao.
Assim sendo, no caso dos escoamentos quase-geostrocos, a dinamica e alte-
rada e os termos que foram desprezados em (3.41)-(3.43) trazem correc coes
`as equa coes que, embora pequenas, sao essenciais. Para alguns fenomenos
e necessario considerar altera coes relativamente pequenas na latitude mas
que provocam grandes altera coes no parametro de Coriolis, o suciente para
serem signicativas em termos da dinamica do escoamento. Se a coordenada
x
2
estiver orientada para Norte (conforme Figura 3.4) e for medida a partir
48 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


Figura 3.5: Exemplo de um uido estraticado sob movimentos suaves, des-
critos como dinamica quase-geostroca.
de um referencial numa latitude media
0
, entao, para amplitudes proximas
de
0
, e valida a aproxima cao
=
0
+
x
2
a
, (3.46)
onde a e o raio da Terra, a 6371 Km. Neste sentido, admitindo que x
2
/a
e um pequeno deslocamento, o parametro de Coriolis, f() = 2sen, pode
ser desenvolvido em serie de Taylor em torno de
0
. Tendo em conta (3.46),
f = 2sen
0
+ 2cos
0
x
2
a
sen
0
_
x
2
a
_
2
+ . . . . (3.47)
Considerando apenas os dois primeiros termos, pode-se escrever
f = f
0
+
0
x
2
, (3.48)
sendo
f
0
= 2sen
0
, (3.49)
o parametro de Coriolis e

0
=
2
a
cos
0
, (3.50)
e designado por parametro beta. Quando o fenomeno em estudo acontece ao
longo de escalas de tempo na ordem de semanas, ou com escalas de compri-
mento de milhares de quilometros, as varia coes no parametro sao impor-
tantes, e o modelo utilizado para estes casos designa-se por plano-. Quando
3.6. ESCOAMENTOS QUASE-GEOSTR

OFICOS 49
estas altera coes nao sao signicativas, o parametro de Coriolis, f, e assumido
como constante, e o modelo utilizado designa-se por plano-f. A representa cao
no plano- e valida a latitudes medias apenas se o termo
0
x
2
for pequeno
comparado com o termo f
0
. Substituindo a coordenada x
2
pela sua escala
representativa, L, pode-se armar que a representa cao no plano- e valida
se
=

0
L
f
0
1. (3.51)
Tendo em conta (3.49)-(3.51), pode-se escrever
= cotg
0
L
a
.
A latitudes medias cotg
0
1, pelo que, nesse caso, expressa a razao entre
a extensao horizontal do escoamento e o raio da Terra. Por este motivo, e
habitual designar por n umero planetario. Na aproxima cao ao plano ,
as equa coes (3.38)-(3.40), tendo em conta (3.45) e (3.48), podem ser escritas
como
u
1
t
+u
1
u
1
x
1
+u
2
u
1
x
2
+u
3
u
1
x
3
(f
0
+
0
x
2
)u
2
=
1

x
1
+

2
u
1
x
3
, (3.52)
u
2
t
+u
1
u
2
x
1
+u
2
u
2
x
2
+u
3
u
2
x
3
+(f
0
+
0
x
2
)u
1
=
1

x
2
+

2
u
2
x
3
, (3.53)
g =
1

x
3
, (3.54)
com
0
constante.
3
Nas duas primeiras equa coes foram desprezados os
termos relativos `a fric cao horizontal, por serem de ordem U/L
2
e, por isso,
muito menores do que o termo relativo `a fric cao vertical, que e da ordem de
U/H
2
, conforme foi visto na Sec cao 3.5. Aplicando (3.44) na equa cao da
continuidade (2.20), obtem-se

t
+ u
1

x
1
+ u
2

x
2
+ u
3

x
3
+ u
3

x
3
= 0. (3.55)
Tendo em conta que |

| e muito menor do que ||, o termo u


3

/ x
3
e
desprezavel. Observe-se tambem que

x
3
=
d
d x
3
,
3
Por uma questao de simplica cao de escrita, e para nao introduzir outra nota cao,
considera-se que representa a densidade constante
0
.
50 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


pelo que a equa cao (3.55) pode ser escrita na forma

t
+ u
1

x
1
+ u
2

x
2
+ u
3
d
dx
3
= 0. (3.56)
Resolvendo as equa coes (3.41) e (3.42) em ordem `as componentes da veloci-
dade e substituindo os valores obtidos em (3.52) e (3.53), obtem-se

1
f
0

2
p

x
2
t

1

2
f
2
0
_
p

x
1

2
p

x
2
2

x
2

2
p

x
2
x
1
_

1
f
0
u
3

2
p

x
2
x
3
f
0
u
2


0
f
0
x
2
p

x
1
=
1

x
1


f
0

3
p

x
2
x
2
3
,
(3.57)
1
f
0

2
p

x
1
t

1

2
f
2
0
_
p

x
1

2
p

x
1
x
2

x
2

2
p

x
2
1
_

1
f
0
u
3

2
p

x
1
x
3
f
0
u
1


0
f
0
x
2
p

x
2
=
1

x
2


f
0

3
p

x
1
x
2
3
.
(3.58)
Para permitir simplicar a escrita, os termos entre parentesis serao doravante
substitudos pela nota cao
J(a, b) =
a
x
1
b
x
2

a
x
2
b
x
1
. (3.59)

1
f
0

2
p

x
2
t

1

2
f
2
0
J
_
p

,
p

x
2
_

1
f
0
u
3

2
p

x
2
x
3
f
0
u
2


0
f
0
x
2
p

x
1
=
1

x
1


f
0

3
p

x
2
x
2
3
,
(3.60)
1
f
0

2
p

x
1
t

1

2
f
2
0
J
_
p

,
p

x
1
_

1
f
0
u
3

2
p

x
1
x
3
f
0
u
1


0
f
0
x
2
p

x
2
=
1

x
2


f
0

3
p

x
1
x
2
3
.
(3.61)
O smbolo J(, ) e habitualmente designado por operador Jacobiano. Partindo
de (3.57) e (3.58), podem-se encontrar expressoes mais completas para as
componentes horizontais da velocidade do que as obtidas em (3.41) e (3.42).
O escoamento e compressvel, mas com varia coes muito pequenas de volume,
3.6. ESCOAMENTOS QUASE-GEOSTR

OFICOS 51
pelo que divu e um valor muito pequeno. Tendo em conta este facto e
as equa coes (3.41) e (3.42), o termo u
3
/ x
3
e muito pequeno e pode-se
dizer que a velocidade vertical nao e nula, mas sim muito pequena e o termo
responsavel pela advec cao, (u )u, que contem a velocidade vertical, corrige
as equa coes. Deste modo, desprezando os termos em u
3
nas equa coes (3.57)
e (3.58), usando a nota cao denida em (3.59), e resolvendo-as em ordem `as
componentes horizontais da velocidade, obtem-se
u
1
=
1
f
0
p

x
2

1
f
2
0

2
p

x
1
t

1

2
f
3
0
J
_
p

,
p

x
1
_
+

0
f
2
0
x
2
p

x
2
+

f
2
0

3
p

x
1
x
2
3
,
(3.62)
u
2
=
1
f
0
p

x
1

1
f
2
0

2
p

x
2
t

1

2
f
3
0
J
_
p

,
p

x
2
_


0
f
2
0
x
2
p

x
1
+

f
2
0

3
p

x
2
x
2
3
.
(3.63)
u
1
=
1
f
0
p

x
2

1
f
2
0

2
p

x
1
t

2
f
3
0
J
_
p

,
p

x
1
_
+

0
f
2
0
x
2
p

x
2
+

f
2
0

3
p

x
1
x
2
3
(3.64)
u
2
=
1
f
0
p

x
1

1
f
2
0

2
p

x
2
t

1

2
f
3
0
J
_
p

,
p

x
2
_


0
f
2
0
x
2
p

x
1
+

f
2
0

3
p

x
2
x
2
3
(3.65)
Estas equa coes, ao contrario das equa coes que expressam o equilbrio geos-
troco, contem uma serie de primeiras correc coes que resultam da quase-
geostroa. Substituindo estas expressoes na condi cao de incompressibilidade
(2.21), determinando as derivadas e simplicando as expressoes resultantes,
obtem-se
u
3
x
3
=
1
f
2
0
_

t
_

2
p

x
2
1
+

2
p

x
2
2
__
+
1

2
f
3
0
_
p

x
1

x
2
_

2
p

x
2
1
_

x
2

x
1
_

2
p

x
2
1
_
+
p

x
1

x
2
_

2
p

x
2
2
_

x
2

x
1
_

2
p

x
2
2
__
+

0
f
2
0
p

x
1


f
2
0

2
x
2
3
_

2
p

x
2
1
+

2
p

x
2
2
_
.
52 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


Usando a nota cao (3.59),
u
3
x
3
=
1
f
2
0
_

t
p

+
1
f
0
J(p

, p

) +
0
p

x
1

2
p

x
2
3
_
, (3.66)
onde denota o Laplaciano apenas nas variaveis x
1
e x
2
. Na equa cao (3.56),
o primeiro termo e muito pequeno, nao so porque

e pequeno, mas tambem


porque a escala do tempo e usualmente grande (ver Tabela 3.1). Da mesma
forma, o ultimo termo de (3.56) e muito pequeno porque, como ja foi referido
anteriormente, a componente vertical da velocidade, atraves das correc coes,
resultantes da quase-geostroa, junta-se `a velocidade horizontal, sendo esta
ultima por si so de baixo valor. Os termos intermedios de (3.56) envolvem as
perturba coes na densidade, que sao pequenas, e as componentes horizontais
da velocidade, que tambem sao pequenas. Assim sendo, nesta equa cao nao
ha necessidade das correc coes feitas em (3.62) e (3.63), e as equa coes (3.41)-
(3.43) sao sucientes, transformando a equa cao (3.56) em

t

1
f
0
p

x
2

x
1
+
1
f
0
p

x
1

x
2
+ u
3
d
d x
3
= 0. (3.67)
Usando a nota cao (3.59) e denotando
N
2
=
g

d
dx
3
,
pode-se escrever (3.67) na forma

t
+
1
f
0
J(p

)
N
2
g
u
3
= 0. (3.68)
Habitualmente, N
2
e designado por frequencia de estraticacao ou de Brunt-
Vaisala. Dividindo (3.68) por N
2
/g,

t
_
1
N
2
g

_
+
1
f
0
1
N
2
_
p

x
1
(

g)
x
2

x
2
(

g)
x
1
_
u
3
= 0.
Usando a aproxima cao hidrostatica (3.54) para eliminar


t
_
1
N
2
p

x
3
_
+
1
f
0
_
p

x
2

x
1
_
1
N
2
p

x
3
_

x
1

x
2
_
1
N
2
p

x
3
__
u
3
= 0.
3.6. ESCOAMENTOS QUASE-GEOSTR

OFICOS 53
Derivando em ordem a x
3
,

t
_

x
3
_
1
N
2
p

x
3
__
+
1
f
0
J
_
p

,

x
3
_
1
N
2
p

x
3
__
+
u
3
x
3
= 0. (3.69)
As equa coes (3.66) e (3.69) formam um sistema de duas equa coes a duas
incognitas: p

, a perturba cao da pressao, e u


3
/ x
3
, o alongamento vertical.
Resolvendo (3.69) em ordem a u
3
/ x
3
,
u
3
x
3
=
1

t
_

x
3
_
1
N
2
p

x
3
__

2
f
0
J
_
p

,

x
3
_
1
N
2
p

x
3
__
. (3.70)
Pondo em equa cao (3.66) e (3.70), pode-se eliminar u
3
/ x
3
, obtendo assim
a equa cao nal para p

t
_
p

+

x
3
_
f
2
0
N
2
p

x
3
__
+
1
f
0
J
_
p

, p

+

x
3
_
f
2
0
N
2
p

x
3
__
+
0
p

x
1
=

2
x
2
3
p

,
(3.71)
onde o operador J(, ) e denido por (3.59). Esta ultima equa cao e a equa cao
para movimentos nao lineares num uido continuamente estraticado com
aproxima cao ao plano-. No entanto, levanta-se o problema da possibilidade
de medir a pressao, que nem sempre e viavel. Seria entao desejavel obter
uma equa cao com informa coes sobre a velocidade, visto ser uma quantidade
mais facil de medir. Assim, a ideia e encontrar uma rela c ao entre a pressao
e a velocidade. Para tal, resolvem-se as equa coes (3.41) e (3.42) em ordem `a
pressao p

e, a seguir, introduz-se uma fun cao (x


1
, x
2
, x
3
), tal que
u
1
=

x
2
(3.72)
u
2
=

x
1
. (3.73)
Assim, obtem-se a rela cao
p

= f
0
, (3.74)
A fun cao (x
1
, x
2
, x
3
) e designada por funcao de corrente. Esta fun cao e
assim designada pelo facto de representar as trajectorias das partculas no
54 CAP

ITULO 3. DIN

AMICA DOS OCEANOS


escoamento e permite obter as componentes horizontais da velocidade, u
1
e
u
2
. Substituindo (3.74) em (3.71), obtem-se

t
_
+

x
3
_
f
2
0
N
2

x
3
_
+
0
x
2
_
+ J [,
+

x
3
_
f
2
0
N
2

x
3
_
+
0
x
2
_
=

x
2
3
.
Denotando por
q = +

x
3
_
f
2
0
N
2

x
3
_
+
0
x
2
,
a equa cao (3.71) e entao equivalente a
q
t
+ J(, q) =

x
2
3
. (3.75)
A quantidade q e habitualmente designada por vorticidade potencial e, por
isso, a equa cao (3.75) e habitualmente designada por equa cao da vorticidade
potencial. Uma vez obtida a solu cao de (3.75), as equa coes (3.72) e (3.73)
permitem determinar u
1
e u
2
. Para obter o valor de u
3
, substitui-se (3.74)
em (3.70), obtendo
u
3
x
3
=

x
3

t
_
f
N
2

x
3
_
f
_

x
1

x
3

x
2
_
1
N
2

x
3
_


x
2

x
3

x
1
_
1
N
2

x
3
__
.
Integrando em ordem a x
3
,
u
3
=
f
0
N
2
_

2

tx
3
+ J
_
,

x
3
__
. (3.76)
Para determinar o valor de p

, pode-se usar a equa cao (3.74). Finalmente,


para

, deriva-se a equa cao (3.74) em ordem a x


3
e usa-se a aproxima cao
hidrostatica (3.54), obtendo

=
f
0
g

x
3
. (3.77)
A equa cao (3.75) descreve os escoamentos quase-geostrocos em termos da
fun cao de corrente. A obten cao de solu cao para esta equa cao e um pro-
cesso complicado, por envolver calculos matematicos complexos. Muitos
matematicos e fsicos continuam a trabalhar no sentido de provar a existencia
e unicidade de solu cao, para ser possvel descrever com exactidao matematica
este tipo de escoamentos.
Captulo 4
Conclusao
O estudo do movimento dos uidos nos oceanos e tao vasto quanto os oceanos
em si. Os fenomenos mais simples tornam-se verdadeiros quebra-cabe cas,
por envolverem conceitos e procedimentos fsicos e matem aticos complexos.
Os movimentos dos uidos sao afectados por quantidades fsicas difceis, ou
mesmo impossveis, de prever, de modelar, de analisar, de medir. O com-
portamento de escoamentos de uidos sob determinados tipos de condi coes
sao tao difceis de prever como o comportamento das for cas que provocam
as mudan cas no escoamento.
Neste trabalho reuniram-se as ferramentas, provenientes de diversos ramos
da Fsica e da Matematica, indispensaveis ao estudo e an alise de alguns movi-
mentos de uidos. O estudo restringiu-se aos udos Newtonianos com es-
pecial relevo para a agua do mar, com o objectivo de modelar certo tipo de
escoamentos no oceano. Foi necessario partir da deni cao de uido e das suas
propriedades fsicas antes de analisar o seu comportamento. Foram aplicadas
no coes basicas da Cinematica, ramo da Mecanica, para descrever o movi-
mento de um uido. Na Sec cao 2.1, apresentaram-se duas descri coes possveis
para o movimento, a Lagrangeana e a Euleriana. Foi a partir desta ultima
descri cao que se obteve o conceito de derivada material, util na dedu cao das
equa coes do movimento. O movimento pode provocar deforma coes nos corpos
em movimento e, no caso dos uidos, esta deforma cao e mais evidente. Na
Sec cao 2.2, estudaram-se estas deforma coes, que tambem foram necessarias
na dedu cao das equa coes de Navier-Stokes. As equa coes do movimento foram
deduzidas partindo dos princpios classicos da Mecanica, adaptados ao caso
dos uidos. Esta dedu cao tambem poderia ser feita partindo da segunda
Lei de Newton, situa cao que e mais comum entre a comunidade geofsica.
Do ponto de vista matematico, a melhor forma e partir dos princpios de
conserva cao, da massa e do momento, pois permite uma justica cao rigorosa
das dedu coes necessarias. Esta dedu cao envolveu quantidades como os ten-
55
56 CAP

ITULO 4. CONCLUS

AO
sores, representados por matrizes, que permitem trabalhar com propriedades
matematicas importantes. Este desenvolvimento matematico possibilitou um
estudo rigoroso das quantidades envolvidas. Foi assim obtido um sistema
de equa coes para uidos Newtonianos, as equa coes de Navier-Stokes. Ao
obter este sistema de equa coes, torna-se necessaria a procura de uma solu cao.
Para tal, e necessario denir condi coes iniciais, que sao faceis de denir, e
condi coes de fronteira, que nem sempre sao faceis de determinar. Na Sec cao
2.7, foram abordadas algumas condi coes de fronteira possveis. Mesmo as-
sim, por envolverem termos nao lineares, nao e possvel obter solu coes para
estas equa coes. Os estudos mais recentes sao feitos com base em modelos
aproximados para certo tipo de uidos, escoando sob determinado tipo de
condi coes. Na pratica, consideram-se modelos reais mais simples, perimitindo
solu coes aproximadas, atraves da aplica cao das equa coes simplicadas.
O ambito deste trabalho levou ao estudo de Dinamica dos Fluidos Geo-
fsicos, um ramo da Dinamica dos Fluidos que estuda os escoamentos que
ocorrem na atmosfera e no oceano. No Captulo 3 fez-se uma inicia cao ao
estudo dos escoamentos geofsicos no oceano. Os escoamentos geofsicos sao
escoamentos em larga escala que diferem de outro tipo de escoamentos por
considerarem a rota cao da Terra e a estratica cao como factores que alteram
o comportamento do escoamento. Apesar dos escoamentos na atmosfera
tambem serem afectados pela rota cao da Terra e pela estratica cao em ca-
madas de diferentes densidades, este trabalho centrou-se no estudo de escoa-
mentos que ocorrem no oceano. A rota cao da Terra provoca altera coes no
escoamento destes uidos, e por isso foi alterado nas equa coes o termo relativo
`a acelera cao, passando a incluir a acelera cao de Coriolis. Ao considerar ape-
nas um uido especico, a agua do mar, as equa coes podem ser simplicadas,
mas o meio em que ocorrem estes escoamentos, o oceano, e condicionado por
m ultiplas quantidades de modelagem complexa. Por isso, qualquer estudo e
restringido a areas especcas, como e o caso dos escoamentos geostrocos,
atraves de aproxima coes oceanicas. Na Sec cao 3.5 retratou-se uma situa cao
em que o sistema de escoamento esta em equilbrio geostroco, sendo a a-
celera cao de Coriolis dominante, a densidade constante, e a gravidade pro-
porcional ao gradiente da pressao. A aproxima cao geostroca e um modelo
importante a considerar no estudo dos escoamentos no interior do oceano,
onde, tendo em conta as escalas utilizadas, o uido se encontra em equilbrio.
Este modelo permite escalonar as equa coes do movimento e desprezar os ter-
mos com valores de menor signicancia. Ao considerar pequenas altera coes
na densidade e no parametro de Coriolis, a situa cao passa a ser de quase-
geostroa. Os escoamentos quase-geostrocos retratam pequenas mudan cas
no equlibrio geostroco, e e possvel encontrar solu coes para as equa coes que
descrevem estes movimentos.
57
Existem outros aspectos dos escoamentos nos oceanos que nao foram
referidos neste trabalho e, nesse sentido, sugerem-se alguns topicos para am-
plia cao deste assunto.
O escoamento de um uido tambem e condicionado pela sua temperatura,
tal como acontece com algumas correntes oceanicas. A Termodinamica e o
ramo da Mecanica que trata de fenomenos que envolvem a temperatura. Um
sistema termodinamico e denido como sendo um volume separado do meio
`a sua volta por fronteiras exveis atraves das quais existem trocas de calor
e de trabalho, mas nao de massa. Esta deni cao nao e valida para o caso
de escoamento de uidos, mas experiencias mostram que os resultados da
termodinamica classica podem-se aplicar na maioria dos escoamentos. Este
facto e possvel porque as mudan cas durante o movimento de um uido sao
lentas, comparadas com o tempo de relaxa cao. Este tempo e denido como
o tempo que um determinado tipo de material demora a ajustar-se a um
novo estado. Na maioria dos uidos, este tempo e muito pequeno, pois
depende das colisoes das moleculas. No caso de escoamentos com varia coes
de temperatura, a equa cao da conserva cao da energia termica permite a cara-
cteriza cao de algumas situa coes. Esta equa cao e obtida a partir dos princpios
classicos da Termodinamica. No caso especco de escoamentos no oceano, a
densidade do uido nao e so afectada pela sua temperatura, mas tambem pela
sua salinidade. Outra equa cao que pode ajudar a descrever deteminado tipo
de situa coes, e a equa cao para a salinidade, quando esta causa altera coes
na densidade. Seria interessante incluir estas duas equa coes nas restantes
equa coes deduzidas neste trabalho.
O interior do oceano, apesar de representar a parte maior dos oceanos, em
termos de volume de agua, nao representa as condi coes de muitos escoamen-
tos. Alguns escoamentos sao condicionados por fronteiras, tais como o fundo
do oceano, ou as placas continentais, ou ainda a fronteira com a atmosfera.
Estas fronteiras causam altera coes signicativas no escoamento. Na interface
oceano/atmosfera, as principais for cas responsaveis pelos escoamentos sao a
for ca da gravidade exercida pela Lua e pelo Sol, a pressao atmosferica, a
convec cao resultante do arrefecimento da atmosfera e da evapora cao e, -
nalmente, a tensao do vento ao longo da superfcie martima. A Lua e o
Sol apenas geram as mares e a pressao amosferica nao e signicativa. Por
outro lado, a convec cao gera correntes e e responsavel por um movimento
muito lento na zona abissal. O vento e a for ca principal que afecta o escoa-
mento na superfcie dos oceanos. A agua dos oceanos responde `a tensao do
vento por causa da sua baixa viscosidade, mesmo que esta aumente devido
`a turbulencia, e tambem por causa da consistencia com que os ventos so-
pram ao longo da superfcie do oceano. Um bom exemplo sao os ventos dos
tropicos, que sao tao estaveis que, ate `a idade do vapor, os navios acertavam
58 CAP

ITULO 4. CONCLUS

AO
os seus rumos de acordo com estes ventos. Junto `as placas continentais, ou
na fronteira com o fundo do oceano, o escoamento e afectado pelas for cas de
artrito entre o uido e estas fronteiras solidas. Ou seja, se o uido tiver baixa
viscosidade, esta pode ser ignorada em todo o domnio, excepto na camada
fronteira com as placas continentais, onde a condi cao de aderencia referida
na Sec cao 2.7 devera ser satisfeita. A camada fronteira do domnio do ui-
do e uma regiao de espessura muito pequena onde a velocidade do uido
se mistura, com maior ou menor suavidade, com a velocidade na fronteira,
e as for cas desprezadas no interior do oceano voltam a ser importantes. O
conceito da existencia de uma camada fronteira e um dos marcos na historia
da Mecanica dos Fluidos. Este assunto por si so seria suciente para um
trabalho extenso e muito interessante.
A Dinamica Computacional dos Fluidos e o ramo recente da Dinamica dos
Fluidos que, atraves de algoritmos, metodos numericos e software adequado,
permite encontrar solu coes das equa coes para situa c oes mais complexas do
que as descritas neste trabalho. Alem de prever o comportamento do uido
em escoamento, a Dinamica Computacional dos Fluidos permite estimar a
transferencia de calor, massa, mudan ca de estado e reac coes qumicas dos
uidos. Sao varios os campos de aplica cao, desde as ind ustrias aeroespa-
cial e automobilstica, a metereologia, as engenharias mecanica e qumica, a
biomedicina, ate ao estudo dos oceanos e atmosfera. O processo utilizado
no estudo de escoamentos de uidos passa por varias fases. De uma forma
muito resumida, a fase inicial baseia-se na constru cao de um modelo com-
putacional que represente o sistema a ser investigado. Depois, ha que aplicar
os princpios fsicos, que descrevem o transporte de propriedades, ao modelo
virtual. Por ultimo, visualiza-se a previsao resultante para o comportamento
do escoamento e obtem-se as quantidades de interesse. Estes metodos per-
mitem modelar algumas situa coes de turbulencia nos oceanos e atmosfera.
A turbulencia e um fenomeno do dia-a-dia, mas e extremamente dcil de
denir com exactidao. Existem teorias muito diferentes, mas todas concor-
dam no aspecto da complexidade e inexistencia de solu coes. Os escoamentos
turbulentos sao imprevisveis e nao lineares e a Dinamica Computacional dos
Fluidos veio possibilitar alguns avan cos no estudo destes tipo de escoamen-
tos. Seria interessante reunir os trabalhos mais recentes nas aplica coes desta
area ao estudo dos escoamentos nos oceanos.
Na Sec cao 3.6, obteve-se a equa cao (3.75) que caracteriza os escoamen-
tos quase-geostrocos em termos da fun cao de corrente, . Para resolver o
problema formado por esta equa cao, e necessario prescrever condi coes, ini-
cial, =
0
e de fronteira, =

, onde
0
e

sao fun coes conhecidas.


Para alem disso, e necessario conhecer o domnio em causa. Neste estudo,
trabalhou-se num domnio espa co-temporal, onde o domnio temporal e su-
59
cientemente grande para 10 dias e o domnio espacial corresponde `a coluna
de agua analisada. Em termos puramente matematicos, interessa saber se o
problema esta bem posto, isto e, se satiszer as tres condi coes: tem solu cao,
a solu cao e unica, e se a solu cao depende continuamente dos dados do pro-
blema. Para provar a existencia de solu cao, o mais simples e determinar, por
algum metodo, uma solu cao. Ora a equa cao (3.75) e `as derivadas parciais
nas variaveis t, x
1
, x
2
, x
3
. Trata-se de uma equa cao de quarta ordem devi-
do ao termo do segundo membro.

E nao linear devido ao termo abreviado
pelo jacobiano. Por isso, a determina cao de uma solu cao analtica e uma
tarefa bastante difcil. Uma solu cao desta equa cao tera de ser quatro vezes
diferenciavel (duas em x
1
e x
2
mais duas em x
3
) e uma vez diferenciavel em
t. Uma solu cao que satisfa ca esta regularidade designa-se por solucao forte.
Portanto, o espa co das solu coes fortes admissveis teria de ser um espa co de
fun coes com esta regularidade. Nas situa coes em que nao e possvel encontrar
uma expressao para a solu cao, interessa, pelo menos, saber se o problema tem
ou nao solu cao. Para provar a existencia de solu cao, habitualmente come ca-
se por introduzir um conceito de solu cao mais fraca (designada na literatura
por solucao fraca). A existencia de solu cao fraca e demonstrada recorrendo a
resultados da Analise Funcional. Provada a existencia de uma solu cao fraca,
posteriormente pode-se mostrar que essa solu cao e sucientemente regular e,
por isso, passa a ser uma solu cao forte. Das equa coes para os escoamentos
geostrocos e quase-geostrocos deduzidas no Captulo 3, so a equa cao (3.75)
e que, `a partida, nao e resol uvel.
Muitos outros assuntos importantes se poderiam tratar mas o que -
cou por referir nao e de forma alguma menos importante ou interessante
no estudo dos oceanos, apenas o tempo e o espa co foi limitado. O oceano,
ambiente de incidencia deste estudo, e tao diverso que n ao permite um trata-
mento generico.

E uma area de estudo ainda em desenvolvimento, pois sao
ainda tantos os fenomenos por explicar, processos que envolvem calculos
matematicos e conceitos fsicos avan cados. Como tal, e comum existirem
diferentes abordagens fsicas e matematicas em estudos mais recentes, so-
bre os mesmos fenomenos. Seria necessario um estudo aprofundado e o es-
tabelecimento de uma teoria que unicasse esta materia. Neste trabalho
apresentou-se uma abordagem da forma mais simples e exacta, reunindo tra-
balhos recentes de diversos autores, tentando estabelecer uma rela cao entre a
realidade fsica dos factos e o respectivo envolvimento matematico. Espera-se
assim contribuir para um posterior aprofundamento dos assuntos aqui apre-
sentados.
60 CAP

ITULO 4. CONCLUS

AO
Apendice
Lista de smbolos utilizados
x vector posi cao
T tensor das tensoes
u vector velocidade
a vector acelera cao
D tensor das deforma coes
W tensor das rota coes
I tensor unitario
n vector unitario normal a uma superfcie
t vector das tensoes
I matriz unitaria
K tensor gradiente de deforma cao
vector rota cao
V volume arbitrario
F fun cao arbitraria
J Jacobiano
N
2
frequencia de estratica cao
T escala para o tempo
L escala para o comprimento
U escala para a velocidade
U
3
escala para a velocidade vertical
H escala para a altura
p pressao
t tempo
densidade
g gravidade
q vorticidade potencial
taxa de rota cao da Terra
fun cao corrente
61
62 CAP

ITULO 4. CONCLUS

AO
Bibliograa
[1] M. Abbott and D. Basco. Computational Fluid Dynamics. Longman
Scientic and Technical, Londres, 1989.
[2] S. Antontsev and H. Oliveira. Navier-stokes equations with absorption
under slip boundary conditions: existence, uniqueness and extinction in
time. Rims Koky uroku Bessatsu, Kyoto University, B1:2142, 2007.
[3] G. Batchelor. An Introduction to Fluid Dynamics. Cambridge University
Press, Londres, 1967.
[4] W. Boyce and R. Diprima. Calculus. John Wiley and Sons, Singapura,
1988.
[5] M. Crepon. Initiation `a la Dynamique de lOcean. Institut
Oceanographique, Paris, 1999.
[6] B. CushmanRoisin. Introduction to Geophisical Fluid Dynamics. Pren-
tice Hall, Dartmouth, 1994.
[7] M. Feistauer. Mathematical Methods in Fluid Dynamics. Longman Sci-
entic and Technical, Londres, 1992.
[8] A. Gill. Atmosphere-Ocean Dynamics. Academic Press, Orlando, 1982.
[9] R. Greve. Dynamics of Ice Sheets and Glaciers. Institute of Low Tem-
perature Science - Hokkaido University, Sapporo, 2004/2005.
[10] P. Kundu. Fluid Mechanics. Academic Press, Londres, 1990.
[11] P. Lax. Change of variables in multiple integrals. American Mathemat-
ical Monthly, 106, 1999.
[12] L. MilneThomson. Theoretical HydroDynamics. Dover Publications,
Nova York, 1968.
63
64 BIBLIOGRAFIA
[13] P. Nielsen. Coastal Bottom Boundary Layers and Sediment Transport,
volume 4 of Advanced Series on Ocean Engineering. World Scientic,
Singapura, 1992.
[14] A. Paterson. A First Course in Fluid Dynamics. Cambridge University
Press, London, 1983.
[15] J. Pedlosky. Geophysical Fluid Dynamics. Springer-Verlag, Nova York,
1987.
[16] S. Pond and G. Pickard. Introductory Dynamical Oceanography. Elsevier
Butterworth-Heinemann, Londres, 1983.
[17] J. Serrin. Mathematical principles of classical uid mechanics. In
C. Truesdell, editor, Encyclopedia of Physics, volume VIII/1 - Fluid
Dynamics I, pages 125263. Springer-Verlag, Berlim, 1959.
[18] E. Simonnet, M. Ghil, K. Ide, R. Temam, and S. Wang. Low-frequency
variability in shallow-water models of the wind-driven ocean circulation.
Journal of Physical Oceanography, 33, 2003.
[19] C. Truesdell and W. Noll. The non-linear eld theories of mechanics.
In S. Flugge, editor, Encyclopedia of Physics, volume III/3 - Fluid Dy-
namics I. Springer-Verlag, Berlim, 1965.

Você também pode gostar