A Sociologia e Os Conceitos de Moderno e Modernidade

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A Sociologia o/a

Moderno/Modernidade

FERES JR., JOÃO. INTRODUÇÃO A UMA


CRÍTICA DA MODERNIDADE COMO CONCEITO
SOCIOLÓGICO. REVISTA MEDIAÇÕES,
LONDRINA, V.15, N.12, JUL/DEZ, P.28-41,
2010 [ARTIGO]
O que compreendemos por
“Moderno”?
Qual o seu real poder explicativo?

Será que nos ajuda ou atrapalha a explicar os


fenômenos sociais que nos interessam?
Moderno e Modernidade

“ensaio de história conceitual sobre o conceito de


modernidade, de autoria de Hans Ulrich Gumbrecht”

Dois significados se articulam com o conceito analítico:


(1) o de moderno como oposto ao tradicional
em um esquema temporal evolutivo linear;
(2) o de modernidade no sentido de período
transitório que se opõe ao eterno inamovível;

(FERES Jr, 2010, p. 28)


A longa história da “modernidade”

Karl Löwith (1949) e Hans Blumenberg (1974);


Reinhart Koselleck (1985), teoria sobre a mudança das
linguagens políticas na Alemanha do século XVIII e XIX;

Sobre a história dos conceitos de Moderno/Modernidade


Hans Robert Jauss (1965, 1971), cobrindo aspectos ligados
à estética e à arte;
Schneider (1971) lidando basicamente com literatura;
Fritz Martini (1965) para o Reallexikon der deutschen
Literaturgeschichte focado nos aspectos filosóficos do
conceito;
o verbete de Hans Ulrich Gumbrecht (1978) para a
Geschichtliche Grundbegriffe (Conceitos básicos históricos);

Gumbrecht (1978) – identifica três significados para o


conceito de moderno;

(A) o primeiro significado é simplesmente “presente”, em


oposição a “anterior” ou “prévio”, e foi usado dentro de
tradições institucionalizadas onde tendências se sucedem
temporalmente;

(FERES JR. 2010, p. 31)


(B) o segundo significado é de “novo” e oposição a
“velho”: nesse caso já se tem o embrião de uma
consciência epocal onde moderno define um
espaço de experiência presente que se quer
distinto do passado. Esse uso geralmente está ligado
a um esquema temporal mais ou menos explícito de
hierarquização das eras, ou seja, é fortemente
valorativo.
(C) Por fim temos o significado de “período
transitório”, em oposição ao eterno. Nessa versão,
moderno designa um presente que é experimentado
como fluxo temporal contínuo e veloz que, como tal,
só pode ser oposto ao eterno, qual inamovível.
Exemplos históricos

“O primeiro uso do termo latino “modernus”


de que se tem notícia encontra-se na Epistolae
pontificum de Gelasius, do ano 494 da era cristã.
Nela, esse papa de origem africana qualifica os
decretos do Concílio de Calcedônia como
admonitiones modernae (avisos modernos), em
oposição às regulis antiquis ainda em vigor.”
(FERES, 2010, p. 31)
“Em 507, Cassiodorus emprega a palavra em uma
carta já com o sentido de oposição entre épocas. O
autor denominava-se antiquorum diligentissimus
imitator e defendia o modelo de grandeza romana
como objeto de emulação por parte do império
gótico, passando assim a receber também a alcunha
de modernorum nobilissimus institutor.” (p. 31-32)
Alta Idade Média

“o “império universal” de Carlos Magno foi batizado


de saeculum modernum e, já naquele período,
Boethius passou a ser conhecido como o fundador
da literatura moderna. Como nota Gumbrecht,
nesses exemplos do primeiro milênio o termo não
está inscrito em uma teoria valorativa da história.”
(FERES, 2010, p. 32)
Isso se altera já no século XI.

“Durante a Querela das Investiduras, modernitas


(modernidade) passa a designar o período que se
estende até o presente e que se distanciou dos
preceitos dos padres fundadores da Igreja, ou seja,
adquire um sentido negativo, de oposição a uma
época passada identificável.” (FERES, 2010, p. 32)
“Durante o renascimento, a valoração negativa do
presente é invertida: o passado continua a ser objeto
de admiração, mas sua excelência agora pode ser
superada no presente. Nada mais significativo dessa
nova consciência epocal do que a imagem cunhada
por Bernando de Chartres dos moderni como anões
em cima dos ombros dos gigantes da antiguidade e,
portanto, capazes de ver ainda mais longe que os
próprios gigantes.”
A referência desta ilustração em
um manuscrito medieval é
derivada da mitologia grega:
o gigante Órion carregando seu
servo Cedálion nos ombros para
agir como seus olhos.
“Walter Map, em seu De nugis curialium, escreve
por volta do final do século XII: “saeculis sua
discplicunt modernitas” (todas as eras do passado
entendiam a si próprias como modernidades).”
(FERES, 2010, p. 32)

O relativismo de Map antecipa o sentido dominante


que o termo adquiriu no século XIII, quando foi
usado frequentemente na oposição antiqui versus
moderni;
Renascimento

Durante o renascimento a consciência histórica


começou a se moldar segundo a narrativa
paradigmática de seqüência epocal: esplendor da
antiguidade clássica, decadência da era cristã e
renascimento. Mas essa concepção ainda era cíclica e
eminentemente voltada para o passado, como
modelo básico de compreensão da história. (FERES,
2010, p. 32-33)
Iluminismo francês

“especificamente durante a Querelle dês anciens et


dês modernes (1680), o sentimento definitivo de
superioridade do presente frente ao passado
clássico foi claramente enunciado dentro de uma
concepção temporal evolutiva e linear, orientada
pelo conceito da perfectibilidade humana.”
(FERES, 2010, p. 33)
Antiguidade Clássica (Infância)
“[...] a despeito dessa inovação do iluminismo, seu
principal documento, a Encyclopaedie, ainda não
contém uma definição epocal coesa de
modernidade” (FERES, 2010, p. 33)

“verbete desse termo atribui o nascimento da


literatura moderna a Boethius, da moderna
astronomia a Copérnico e o da física moderna a
Newton, ou seja, não há uma narrativa coesa das
características essenciais dessa época específica.”
(FERES, 2010, p. 33)
“O iluminismo francês foi fortemente neo-clássico,
ou seja, a antiguidade clássica foi sua referência par
excelence. Sua concepção temporal, ainda que se
abrisse para o futuro através da idéia de
perfectibilidade, ainda olhava para o passado como
modelo normativo.” (p. 33)

“Segundo Gumbrecht, foi só com o romantismo


alemão que o futuro passa a ser o ponto de referência
da consciência histórica.”
“Como declara Wilhelm von Humboldt (apud
GUMBRECHT, 1978, p. 90): “os antigos eram
meramente o que eram. Nós já sabemos o que somos
e olhamos para além. Através da reflexão, nos
transformamos em uma pessoa dupla”. Concepção
muito similar encontra-se, por exemplo, em Hegel
(1944) e em Hegel, Miller e Findlay (1977).”
É só a partir da década de 1830 que o termo modernidade passa a ser usado no
sentido de tempo presente transitório, que está destinado a ser superado por um
futuro. Baudelaire declara que “La modernité, c’est le transitoire, le fugitif, le
contingent”.

“É nesse sentido que esse conceito é articulado por Marx. Na Crítica à Filosofia do
Direito de Hegel (MARX; O’MALLEY, 1970), o autor defende que o surgimento do
regime representativo constitucional marca o advento do Estado moderno, em
contraposição ao Estado medieval, onde o dualismo Estado/sociedade era implícito.”

“Em seus textos subseqüentes Marx iria explicitar a transitoriedade dessa


modernidade burguesa e prever sua superação revolucionária (MARX; ENGELS;
BEER, 1987; MARX; et al., 1970).”

 (FERES, 2010, p. 33)


Os processos histórico-semânticos que caracterizariam a
Modernidade

(A) Temporalização;
(B) Ideologização;
(C) Politização;
(D) Democratização;

“a temporalização acontece quando o conceito passa a integrar grandes teorias


da história, ou ele mesmo introjeta grandes narrativas em seu arco semântico;”

“A ideologização diz respeito à crescente generalização sofrida por alguns


conceitos, que passam a representar não objetos particulares [...] mas entidades
totais e universais (história, direito, liberdade etc.)

(C) e (D) estão ligados a processos socio-históricos de utilização do vocabulário


Em seu estudo do conceito de civilização, Pim den Bôer (2001)
identificou um outro processo batizado por ele de
nacionalização;

Segundo o autor, ele corresponderia à incorporação de conceitos


outrora generalistas e abstratos a ideologias nacionalistas.

Em Wagner, por exemplo, notamos esse processo operando,


ainda que de forma invertida, pois a modernidade é
identificada como vulgaridade democrática, sentimento de
ruptura com o passado radical, influência judaica e, portanto,
ameaça à nação alemã. (FERES, 2010, p. 34)
A despeito de uma tendência na Alemanha de se
rejeitar a modernidade por seu caráter anti-nacional,
algo que também se deu na Espanha, a palavra
tornou-se parte do vocabulário corrente de todas
línguas européias com o significado, segundo
Gumbrecht, de presente como passado de um futuro,
ou seja, o terceiro significado, aquele de período
transitório.
Modernidade e os clássicos da sociologia

“Vejamos agora, de maneira mais direta, como opera a


redução, padronização e achatamento histórico no ato da
conceituação sociológica do moderno.”

“Usaremos como exemplo os dois paradigmas mais influentes


das ciências sociais no século XX, o marxismo e o
weberianismo;” (FERES, 2010, p. 35)

“em Marx está presente um conceito de modernidade


representada pelo Estado burguês e pelo modo de produção
capitalista, como período de transição para uma época futura,
“pós-moderna”: a sociedade comunista.”
Karl Marx - periodização da história em quatro estágios
“Esse esquema funciona também como padrão de
avaliação de outras sociedades. Isso lhe permite, por
exemplo, justificar o colonialismo inglês na
Índia e China, pois esse, segundo sua maneira de ver
as coisas, iria transformar essas sociedades
despóticas marcadas pelo modo de produção asiático
em sociedades capitalistas e, portanto,
potencialmente revolucionarias (MARX; AVINERI,
1968).”
Max Weber

“Em sua tipologia da ação, Weber opôs as formas racionais de


ação (Zweckrational e Wertrational), identificadas por ele
com a modernidade, à ação denominada tradicional.”

“Na tipologia das formas de dominação (Herrschaft), o caráter


temporal é ainda mais explícito, pois a dominação racional-
legal corresponde exatamente ao regime constitucional
identificado com a modernidade européia, enquanto que a
dominação tradicional descreve todas as outras práticas, de
forma explicitamente contraconceitual (WEBER, 1968).”

(FERES, 2010, p. 36)


“A sociologia de Weber, principalmente na leitura feita
a partir da academia norte-americana, promove um
enxugamento radical do campo semântico do conceito
de modernidade (uma lipoaspiração), um expurgo da
história, propriamente dita. Modernidade ou moderno
pode então ser definido como um modo de proceder,
uma modalidade de dominação, uma forma de
governo.” (p. 36-37)

É na Ética Protestante que a teoria da modernidade de


Weber se apresenta de maneira mais completa
“O texto explica o domínio da racionalidade instrumental na
sociedade moderna como um produto da secularização da
ética protestante puritana de controle do corpo e domínio do
mundo exterior. Aqui temos uma teoria da gênese histórica
da modernidade, de ética de uma minoria religiosa a espírito
de uma época” (p. 37)

“Mas é também na Ética Protestante que Weber mostra uma


forte influência de Nietzsche, ao pintar o quadro cinzento do
homem moderno dominado pela racionalidade instrumental
e, portanto, incapaz de eleger valores substantivos que
possam dar sentido à sua vida” (p. 37)
“A ambivalência e mesmo o pessimismo de Weber em
relação à modernidade é descartado, ou melhor,
substituído por uma visão otimista do progresso
material e moral do ocidente moderno.”

“Uma imagem de ocidente idealizada é tomada, muitas


vezes de maneira não-reflexiva e mesmo implícita,
como modelo contra o qual sociedades reais devem ser
medidas. O conceito de modernidade funciona como a
régua e as hifenizações como gradações da medida.”
1) o conceito de modernidade carrega associações
com práticas culturais, valores políticos e estéticos
específicos (TAYLOR, 1989), que através do expurgo
semântico são universalizados e naturalizados.
Assim, particularismos europeus ou norte-
americanos são tomados como modelo de
racionalidade e de modernidade.
2) a sociologização do conceito impõe um ideal de moderno
como medida para sociedades históricas particulares.
Assim, promove-se a glorificação implícita das sociedades
de fato que representam o modelo (Ocidente, EUA, Europa)
e condena-se à incapacidade histórica as hifenizadas.

3) por fim, apaga-se o fato de que os processos de


modernização no mundo todo sacramentam padrões
estéticos e raciais altamente excludentes e danosos para
aquelas sociedades que por razões físicas não podem
parecer-se com os modelos de modernidade.
A indústria de cosméticos para o embranquecimento da
pele na Índia ou mesmo o surto de apresentadoras de
programas infantis louras no Brasil da década de 1980
atestam, de maneira um pouco jocosa, essa triste realidade.

A análise da história do conceito moderno/modernidade


nos mostra que esse foi usado de muitas maneiras, com
muitos significados distintos e para muitos propósitos.
Além de constatar a dificuldade, senão ilusão, de reduzir
seu campo semântico a golpes de marreta, precisamos nos
perguntar para que nos serve esse conceito.

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