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ÉTICA E
RESPONSABILIDADE
SOCIAL DOS MEDIA
Paulo Faustino (Organização)
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Ficha Técnica:
Título: Ética e Responsabilidade Social dos Media
Autores: Paulo Faustino (org.); Alan Albarran; Afonso Sanchéz-Tabernero; Francisco Pérez-Latre;
Francisco Rui Cádima; Jorge Pedro de Sousa; Ana Sofia Morais; Helena Rodrigo Costa; Joana Duarte;
Sara Pina.
Design e Paginação: Formalpress/ Alexandre Fernandes e Tânia Borges
Editora: Media XXI/Formalpress
Colecção: Media XXI
Directores da Colecção: Jorge Pedro de Sousa e Rogério Santos
Impressão: Gráfica Almondina
Reservados todos os direitos de autor. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no
todo ou em parte, por qualquer processo electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem
prévia autorização da Editora e do Autor.
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Telefone: 225 029 137; Fax: 225 026 098
1ª edição - 2007
Tiragem: 1.000 Exemplares
ISBN: 989-95191-3-8
ISBN (13 dígitos): 978-989-95191-3-8
Depósito Legal:
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Índice
Introdução
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Capítulo 1: Perspectivas Nacionais e Internacionais da Ética nos
Media
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1.1 Responsabilidade Ética e Social das Empresas de
Comunicação
1.1.1 Ética dos media e tipos de empresas de comunicação
1.1.2 Questões éticas e o papel dos seus actores individuais
1.1.3 Normas e éticas sociais
1.1.4 Educação contemporânea na responsabilidade ética
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27
30
32
1.2 Sobre a Responsabilidade Social dos Media
1.2.1 Condicionantes e implicações
1.2.2 Regulação e organismos
1.2.3 Reflexão final
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35
36
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1.3 Jornalismo, Liberdade e Responsabilidade
1.3.1 Introdução
1.3.2 Responsabilidade social
1.3.3 Deontologia e credibilidade
1.3.4 Interesse público e democracia
1.3.5 Respeito para com o cidadão
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1.4 Liderança, Moral, Criatividade e os Objectivos Financeiros
da Empresa
1.4.1 Introdução
1.4.2 Compreender o lado criativo dos media
1.4.3 Responsabilidade e preocupação social: a liderança moral
os objectivos financeiros
1.4.4 Conclusão: quatro desafios para um negócio com impacto
cultural
1.5 Gestão de Empresas de Informação e Responsabilidade
Pública
1.5.1 O Jornalismo numa lógica económica
1.5.2 Participar na revolução empresarial informativa
1.5.3 A gestão de pessoas
1.5.4 Cultura empresarial e difusão de mensagens
1.5.5 Crescimento e diversidade empresarial
1.5.6 Em jeito de conclusão
1.6 A Ética Jornalística e Fotojornalística Como Sinónimo de
Jornalismo de Qualidade
1.6.1 Introdução
1.6.2.a) Um ponto de partida: questões do quotidiano
jornalístico
1.6.2.b) Um segundo ponto de partida: o direito humano à
informação
1.6.2.c) Um terceiro ponto de partida: um sistema de defesa
ética do jornalista
1.6.3 Um ponto de chegada: os valores de sempre...
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1.6.4 A ética do fotojornalismo
1.6.5 A moral e a estética da imagem
1.6.6 As principais questões de debate ético e deontológico no
campo das imagens de imprensa
1.6.7 A manipulação digital de fotografias
1.6.8 Em suma
Capítulo 2: Ética e Responsabilidade Social dos Media
2.1 Os Meios de Comunicação como Empresas
2.2 Comunicação e Responsabilidade Social
2.3 Regulação da Actividade Jornalística
2.4 Os Compromissos Éticos dos Meios de Comunicação
Capítulo 3: Responsabilidade Social e Gestão da Qualidade
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91
91
95
97
101
101
111
120
129
143
3.1 Introdução
3.2 O Conceito de Responsabilidade Social Empresarial
3.3 O Conceito de Jornalismo
3.4 Os Media e a Responsabilidade Social
3.5 Os Media Portugueses e a Responsabilidade Social
3.6 Responsabilidade Social e Gestão da Qualidade
3.7 Conclusões e Recomendações
143
144
147
150
157
158
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Capítulo 4: Boas e Más Práticas Jornalísticas - o Caso do Porto
167
4.1 Caracterização do Mercado Mediático no Porto
4.1.1 Informação geral sobre os media na região do Porto
167
167
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4.1.2 Entre o negócio e as práticas jornalísticas
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4.2 Relações Entre a Imprensa e a Política
4.2.1 O caso da CMP: entrevistas a Rui Rio
4.2.2 Reservas da autarquia face ao comportamento da
imprensa
4.2.3 A objectividade e a imparcialidade nos media
4.2.4 Relação dos media com as organizações políticas
178
178
4.3 A Actividade Jornalística: Entre a Informação e a Política
4.3.1 A instrumentalização da imprensa
190
190
4.4 Análise da Estrutura e Conteúdo da Notícia
4.4.1 Âmbito e objectivos
4.4.2 Algures entre a linguagem objectiva e subjectiva
199
199
204
181
183
185
Anexos
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Bibliografia
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Introdução
À semelhança de outros livros que a Media XXI tem vindo a publicar sobre
temas de grande actualidade na área dos media, comunicação e sociedade da
informação, também esta obra intitulado Ética e Responsabilidade dos Media,
resulta de um conjunto diversificado de contributos de reputados especialistas
nacionais e internacionais. A Media XXI tem vindo a desafiar investigadores para
partilhar conhecimento sobre temas-chave relacionados com a Indústria da
Comunicação. Nos últimos anos a produção científica sobre temas relacionados com a
ética, responsabilidade social, qualidade e gestão corporativa das empresas de media –
e dos produtos gerados por esta –, tem crescido substancialmente a nível
internacional, especialmente nos países onde esta indústria apresenta maior dinâmica,
como são os casos dos Estados Unidos e Inglaterra. Em Portugal esta é uma área pouco
estudada, razão pela qual se espera que esta obra seja um contributo para uma maior
discussão sobre as práticas de ética e responsabilidade social dos media.
Alguns autores diferenciam o conceito de responsabilidade social do conceito
de ética considerando que o primeiro se refere fundamentalmente à relação da
empresa com o ambiente envolvente, enquanto o segundo é considerado um termo
mais lato que agrega as relações externas e as relações internas. Efectivamente, a ética,
enquanto componente de estudo teórica, aborda os códigos de valores que orientam
o comportamento e influenciam a tomada de decisões num determinado contexto.
Como sugere Coelho (2004)1, no âmbito empresarial, as questões éticas podem ser
abordadas sob quatro domínios: sociedade em geral, grupos de interesse da empresa,
políticas internas desenvolvidas, cada pessoa individualmente.
O debate sobre a ética empresarial tem vindo a ganhar importância na
estrutura curricular dos cursos e pós-graduações relacionadas com a gestão e a
economia empresarial. Alguns “gurus” e pedagogos das boas práticas de gestão (ex.,
Peter Druker) têm vindo a reflectir sobre este aspecto e uma das principais conclusões
é que, mesmo do ponto de vista estritamente empresarial, esse ensino (muito técnico
e economicista) pode estar a comprometer o desenvolvimento das empresas na
medida em que estarão a fomentar uma aprendizagem muito táctica e pouco
estratégica.
1 In “Introdução à Gestão de Organizações”, Vida Económica.
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Por vezes, e no caso do sector dos media, constata-se que algumas empresas
tentam “alavancar” o seu negócio numa perspectiva táctica e de curto prazo através do
excessivo recurso a reportagens sensacionalistas. Estas reportagens podem aumentar
no imediato a difusão de uma publicação ou a audiência de uma rádio e ou televisão,
mas, no entanto, uma possível vulgarização deste tipo de informação pode fazer com
que o público perca interesse – ou seja: o público pode concluir que esses conteúdos
não ajudam a entender a realidade presente.
Por um lado, uma estratégia sensacionalista pode ser vulnerável (porque não
exige uma grande qualificação dos jornalistas) e, por conseguinte, pode ser imitada
sem dificuldades pelos concorrentes; por outro, não parece ser fácil evitar o
surgimento de conflitos e motivar uma equipa humana cujo trabalho consiste em
produzir conteúdos de baixo nível intelectual e de valores éticos duvidosos. Os meios
de Comunicação Social que não respeitem a dignidade das pessoas e a realidade das
coisas tendem a médio prazo a perder credibilidade e a serem eles próprios palco de
polémicas.
Numa estratégia de crescimento de um grupo de comunicação deve fazer-se
um esforço no sentido de procurar um equilíbrio entre três objectivos inerentes a
qualquer organização: rentabilizar a actividade; motivar os empregados; satisfazer o
interesse público. Estes objectivos não têm que observar-se em simultâneo – as
oportunidades e decisões pontuais poderão exigir que, em cada momento, um
objectivo tenha primazia sobre os outros –, mas nenhum dos três deve estar ausente
da análise e das orientações integradas no âmbito de uma estratégia empresarial.
Em alguns casos, nas estratégias de crescimento também se observa alguma
“megalomania” sem sustentação económica e ética (algumas vezes motivadas por
razões de obtenção de poder ou de marketing pessoal dos principais responsáveis) que
pode levar a tomar decisões erradas na medida em que podem ser pouco rentáveis para
os accionistas, prejudicar os trabalhadores e não beneficiar os cidadãos.
No campo dos media, o comportamento ético deve dar primazia à produção
e difusão de conteúdos que respeitem a realidade das coisas e que não desvirtuem
aspectos fundamentais da natureza humana. Neste contexto, a obrigação dos meios de
comunicação e entretenimento consiste em servir o público, em vez de orientar a
actividade para fins exclusivamente económicos, políticos ou ideológicos.A ética é um
tema inesgotável e cuja importância parece ser directamente proporcional ao
desenvolvimento da sociedade – ou seja: à medida que as sociedades se desenvolvem
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em termos económicos, sociais e culturais, maiores são os dos cidadãos para a adopção
de práticas de responsabilidade social.
A competitividade dos mercados, neste caso da comunicação, nem sempre se
processa dentro de padrões morais e éticos geralmente aceites pela sociedade. Por
vezes existem vários factores, nomeadamente pressões competitivas associadas ao
cumprimento de objectivos de rendibilidade, que, em determinadas situações, não
favorecem a criação de um contexto empresarial mais responsável socialmente. No
entanto, nos países com democracias mais consolidadas, existe uma pressão social para
as instituições integrarem os compromissos éticos como uma prioridade estratégica ao
nível da gestão das organizações.
As modernas filosofias de gestão consideram que as empresas devem ter
domínios de responsabilidades que podem não estar directamente relacionadas com os
resultados das empresas. É nesse contexto que surge o conceito de sustentabilidade
cujo significado geral reside na necessidade das empresas conciliarem o crescimento
económico com o crescimento de práticas de responsabilidade social junto da
comunidade envolvente, quer seja ao nível da qualidade dos produtos e das práticas de
gestão quer seja ao nível de normas ambientais e laborais, por exemplo. Hoje em dia
a sustentabilidade, ética e qualidade são conceitos distintos, mas associados a uma ideia
mais geral: responsabilidade social.
No caso dos media, a responsabilidade social é também um tema-chave na
medida em que estamos perante empresas que criam produtos como um forte
impacto nos cidadãos. A nível internacional, esta preocupação tem vindo a ser notória
no âmbito da gestão corporativa. Estudos sobre as empresas de media sugerem que
estas adoptam práticas de gestão distintas e perseguem objectivos diferentes quando
colocam as suas acções no mercado. As exigências dos accionistas, fundos de
investimentos ou público em geral, bem como das entidades reguladoras dos
mercados bolsistas, em relação à necessidade de uma maior transparência na
governação das empresas, têm feito com que algumas empresas deste sector – embora
outras tantas ainda o ignorem – adoptem regulamentos e políticas relativas à sua
governação corporativa.
As implicações da governação corporativa na estratégia e gestão da indústria
dos media é significativa. Existem vários modelos de governação corporativa no
mundo que diferem de acordo com as políticas e os modelos económicos dos
diferentes países. Por exemplo, o modelo mais liberal, comum nos países de influência
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anglo-americana, tende a dar maior ênfase aos interesses dos accionistas, enquanto que
o modelo coordenado da Europa Ocidental e do Japão dá também particular destaque
aos direitos dos trabalhadores, gestores, clientes, fornecedores e sociedade em geral.
A maioria dos accionistas das empresas de media não são apenas motivados
pelos ganhos pecuniários, mas sim também por ganhos não pecuniários como, por
exemplo, a posse de acções de outras empresas de media, na medida em que isso lhes
pode proporcionar um maior potencial de influência junto da opinião pública. Neste
contexto, a governação corporativa destas empresas não só deve proteger os aspectos
pecuniários, mas também os ganhos de influência e poder – o que faz com que as estas
organizações tendam a ter níveis de concentração maiores do que outras indústrias
(Gerum e Stieglitz, 2005).
A maior sensibilidade relativamente aos aspectos éticos desta indústria advém
da sua capacidade real e potencial para moldar a opinião pública, não só através das
informações noticiosas e opiniões que divulgam e que ajudam a formar juízos, mas
também - e devido às suas ligações com a publicidade - sobre os produtos e serviços
que são adquiridos ou desejados pela generalidade da sociedade. Por isso, este é
também um sector bastante regulamentado no sentido de evitar o domínio do
mercado por meia dúzia de corporações, sendo que, em resposta, os proprietários das
empresas do sector procuram estruturas descentralizadas e com relativa separação de
poderes (Aris e Bughin, 2005).
De entre alguns aspectos que envolvem os princípios da governação corporativa,
destacam-se os seguintes: i) lacunas ou erros na preparação e divulgação dos relatórios
financeiros das empresas; ii) Controles internos e a independência dos auditores
externos; iii) Políticas de compensação dos administradores e executivos de topo; iv)
Política de nomeações para o conselho de administração; v) Recursos disponibilizados aos
gestores no exercício das suas funções; vi) Política de dividendos; e vi) Gestão do risco.
As empresas de media tendem a seguir as práticas das restantes empresas em
termos de governação corporativa, isto apesar das particularidades desta indústria. A
estratégia corporativa explica o tipo de estrutura de supervisão dos conselhos de
administração e, em último caso, define a sua composição e competências.A estratégia
corporativa nas empresas de media deve estar intimamente ligada não só aos aspectos
da gestão da qualidade dos procedimentos inerentes à produção da informação e
entretenimento como também ao impacto dos seus outputs (conteúdos) na sociedade.
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É claro que o conceito de qualidade aplicado aos media é mais complexo de
definir, em virtude da variedade de elementos que aí podem intervir. A quantificação
desta noção é igualmente problemática – como é que se podem medir critérios com a
veracidade ou a contextualização? Como sugere Bogart (2004), o jornalismo sendo um
produto intelectual, não pode ser avaliado do mesmo modo que um produto material
através de critérios exteriores e imutáveis. Contudo, Tabernero (2005)2 considera que
pode medir-se o grau de satisfação do público, a forma como é percepcionada uma
determinada marca e em que medida se adequa a alguns padrões profissionais. Para este
investigador, a qualidade nos media deverá estar associada a três factores: satisfazer as
exigências do público, fortalecer a própria identidade da empresa e respeitar os padrões
profissionais, que no âmbito da informação implicam fazer um esforço para dizer a
verdade - aspecto incompatível com a manipulação e sensacionalismo.
Será utopia pensar que a qualidade da comunicação e informação é um
processo isolado de toda a actividade envolvente. Importa, por isso, debater a questão
da qualidade numa perspectiva mais transversal não só porque nos permitirá
identificar melhor os factores geradores de qualidade (e não qualidade) como também
perceber melhor em que medida esses factores se relacionam.A informação é um bem
intangível que se vende em dois mercados (anunciantes e consumidores - leitores,
ouvintes ou telespectadores): refere-se, entre outros aspectos, a dados, processos,
conhecimentos, resultados, bens económicos. Pela carga subjectiva que representa a
apreciação de um produto de comunicação ou jornalístico, sobretudo do ponto de
vista da análise e percepção do conteúdo, é, por vezes, uma tarefa complexa afirmar
que determinado produto jornalístico tem mais qualidade do que outro.
Em certo sentido, podemos dizer que o conceito de qualidade da comunicação
e informação está intimamente ligado à responsabilidade profissional e social dos seus
actores. De facto, a exigência de informação de qualidade passa por cumprir todos os
componentes dos códigos éticos e dos princípios profissionais. A qualidade poderá
alcançar-se com características e exigências associadas à informação: autenticidade,
veracidade, rapidez, comunicabilidade e relevância para o consumidor ou do interesse
geral e público, adequação às necessidades, assim como por tratamentos qualificados
segundo as exigências e características de cada meio utilizado na difusão.
Como já foi referido, a definição de padrões de qualidade na indústria da
comunicação não é tão facilmente mensurável como noutras indústrias. No entanto,
na indústria da comunicação podem identificar-se alguns padrões de qualidade
2 In revista Media XXI, nº 80, Março/ Abril 2005
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genericamente aceites pelos consumidores. Por exemplo, será facilmente
compreensível associar alguns dos seguintes factores: a) imparcialidade; b)
investigação fundamentada; c) grafismo apelativo; d) adequado ao público-alvo, etc.
Mas ainda assim, estes podem ser insuficientes para dizer que determinado produto de
comunicação ou jornalístico é de qualidade.
Será que podemos assegurar que o conteúdo de uma revista, um programa de
rádio ou telenovela tenham zero defeitos? Cumpram a função para a qual foram
concebidos? Que os conteúdos sejam duradouros e apropriados às necessidades dos
consumidores de informação e entretenimento? Será mais importante que sejam os
leitores de um jornal a decidir se a principal notícia de primeira página deve ser ocupada
por um caso de corrupção política, uma vitória da selecção portuguesa ou as últimas
estatísticas sobre a pobreza em Portugal? O director de um produto jornalístico deve dar
mais importância às procuras implícitas do público ou à relevância das notícias?
O conceito de qualidade (mais conhecido através das normas ISO) tem
evoluído e a revisão de 2000 aporta algumas ideias interessantes no seu código de
conduta, que assenta em oito pilares básicos para o alcance da qualidade,
nomeadamente: 1) enfoque no cliente; 2) liderança; 3) participação do pessoal; 4)
enfoque orientado para os processos; 5) enfoque no sistema de gestão; 6) melhoria
contínua; 7) possibilidade de medida; 8) potenciação de relações com os fornecedores
e clientes. Não será difícil aplicar e identificar alguns destes princípios num produto
jornalístico, mas parece óbvio que o sétimo princípio é mais complexo na medida que
é mais difícil quantificar a qualidade da informação, embora isso se possa fazer através
de outros factores a ela associados, como é, por exemplo, o caso da audiência.
Contudo, apesar da audiência poder ser um indicador de qualidade, não se
pode aferir qualidade apenas pela audiência alcançada, mas sim pela combinação de
outros factores e princípios referidos. A obtenção de qualidade exige a aplicação de
recursos, e uma má gestão dificilmente gera os recursos necessários à obtenção de
qualidade. Um gestor só pode ser bom se a empresa tiver os recursos mínimos
necessários ou quando as redacções têm os devidos recursos. Podemos, assim, dizer
que a qualidade da indústria da comunicação, em particular dos media, apenas pode
ser desenvolvida se existirem condições estruturais que o permitam, como de resto
acontece noutras actividades.
No fundo, a filosofia subjacente à qualidade, pode resumir-se às seguintes
ideias: a) a qualidade deve ser praticada por todos os departamentos; b) deve existir
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uma adequação entre o preço do produto e o seu nível de qualidade; c) deve estar
focada nas necessidades dos consumidores; d) ser fácil identificar uma falha ou erro;
e) ter formas de medir e/ou avaliar a qualidade. Os sistemas de gestão de qualidade
orientados para o consumidor obrigam a desenhar modelos sintonizados entre clientes
e fornecedores. Por isso, as empresas de publicidade e jornalísticas deverão fazer um
maior esforço de adaptação às novas formas de organização e de gestão do trabalho
orientadas para a qualidade.
Hoje em dia é relativamente fácil identificar empresas certificadas nos mais
variados sectores da actividade económica, mas na área da comunicação é uma
autêntica raridade. No campo da publicidade, a única empresa que se encontra
certificada é a Nortimagem. Na área dos media não existe nenhuma: o único tipo de
certificação que se conhece é ao nível do respeito de normas ambientais por parte do
jornal Público e da revista XIS. Neste sentido, a qualidade nas empresas e instituições
assume-se como um dos desafios para a competitividade. Há muito a fazer nesta
indústria, particularmente em Portugal.
A exigência de qualidade constitui a condição de todo o produto ou serviço
orientado para satisfazer as necessidades dos clientes. A qualidade deve incorporar-se
na gestão global da empresa como uma componente estratégica. A qualidade total
pressupõe algo mais do que a mera engenharia de processos. Não se fica pela melhoria
do serviço mas pelo desenvolvimento da empresa a todos os níveis. É uma forma de
gestão participativa que implica a colaboração de todas as funções da empresa para
melhorar não só a qualidade dos serviços prestados, a eficiência dos seus processos,
mas também conseguir a satisfação do público interno e externo.
Quer na área da gestão, quer na área mais criativa, a qualidade está cada vez mais
relacionada com a capacidade destes dois grandes níveis de desempenhos profissionais
em perceber que o sucesso e a ética podem - e devem - coexistir e, por conseguinte,
assumirem-se como factores de qualidade e competitividade. É possível competir e
prosperar com a adopção de boas práticas de responsabilidade social. Existem exemplos
desta realidade em vários países com economias mais desenvolvidas, quer sejam assentes
em modelos mais liberais, caso dos Estados Unidos e Inglaterra, quer sejam assente em
modelos mistos como são os casos dos países escandinavos.
A obra que aqui se apresenta, que conta com a colaboração de reputados
investigadores nacionais e internacionais, pretende ser mais um contributo para a
reflexão e execução de práticas de trabalho – aplicadas aos media – socialmente
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responsáveis. Este trabalho tem como objectivo central indagar sobre a
responsabilidade social e a ética nas empresas de media. Apesar das interferências do
presente enquadramento geopolítico na economia global, na qual as empresas de
comunicação estão incluídas pela crescente concentração, já há muito que estas
deixaram de ser vistas só como organizações locais ou nacionais. Actualmente, e com
a evolução tecnológica, os media geram epifenómenos à escala mundial.
A abordagem teórico-prática destas questões é feita em quatro capítulos. O
primeiro remete para perspectivas de estudiosos destas matérias (Alan Albarran; Rui
Cádima; Sara Pina; Perez-Latre; Alfonso Tabernero; Jorge Pedro Sousa) nacionais e
estrangeiros, através dos quais é introduzida esta problemática de domínio
transnacional. À luz dos enquadramentos propostos são explicitadas circunstâncias
políticas, jurídicas e sociais que embora remetam para Estados em concreto, quando
confrontadas com o caso português, registamos vários pontos de encontro. Falamos,
nomeadamente, da crescente ausência de práticas correspondentes a um bom
exercício do jornalismo enquanto actividade produtora de conteúdos noticiosos.
Alan Albarran proporciona-nos uma visão global das empresas de comunicação
enquanto organizações que congregam um conjunto de profissionais com valores e uma
missão. Desta forma indica exemplos de violação destes valores e tomadas de decisão em
conformidade. O autor alerta ainda para a importância da educação ética dos
profissionais de comunicação numa sociedade em constante mudança. Rui Cádima faz
uma incursão sobre o enquadramento legal e de diplomas existentes a nível nacional e
comunitário para a regulação dos media. Pela análise da literatura existente o autor
conclui que ainda há muito a fazer neste domínio, pleno de contradições legais, presentes
nas regras de concentração dos media, nas normas que estabelecem limites aos processos
de integração e na defesa do livre exercício do jornalismo.
Sara Pina demarca a origem da ética e aborda as questões éticas e
deontológicas como fórmulas para garantir credibilidade aos produtos jornalísticos. A
autora sustenta a análise no justo equilíbrio do interesse público e a salvaguarda dos
direitos dos cidadãos. Por seu lado, numa remissão às tensões existentes entre a gestão
de empresas de comunicação e as questões éticas associadas, Perez-Latre aponta para
algumas hipóteses de compreensão, senão mesmo possíveis resoluções, dos desafios
colocados diariamente aos profissionais destas empresas.
A conjugação de fins lucrativos e responsabilidade ética é aprofundada por
Alfonso Tabernero, nomeadamente com remissões à realidade das empresas de media em
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Espanha. A conciliação destas prerrogativas são vistas numa lógica económica e
consubstanciam-se na participação empresarial e na gestão e formação dos profissionais
do sector. Jorge Pedro Sousa aborda as questões éticas numa dimensão individual e
profissional como resultado de uma evolução histórica. Mormente, o investigador indaga
acerca destas questões ao nível imagístico, baseando-se na profusão destas questões no
fotojornalismo, pois, como diz o velho ditado: «Uma imagem vale mais que mil palavras».
O segundo capítulo atenta ao principio dos meios de comunicação como
empresas. O difícil equilíbrio entre as normas reconhecidas pelos profissionais do
sector dos media, (jornalistas, editores, gestores, administradores, etc.) e a sua
aplicabilidade estará a propiciar um sistema, vigente por todo o mundo democrático,
em que as queixas contra as práticas abusivas perpetuadas pela Imprensa são uma
constante. Apontam-se exemplos recentes de grande mediatismo, dos quais se
destacam: a Casa Pia, o caso «Joana» e as críticas de Manuel Maria Carrilho à
cobertura noticiosa às eleições autárquicas de 2005.
Embora os cidadãos, nomeadamente figuras públicas, tenham os direitos de
defesa individual salvaguardados pela lei geral e possuam mecanismos de defesa
consubstanciados pelo Direito de Resposta, Provedor dos Leitores, entre outros, são
cada vez mais os exemplos de violação dos códigos de conduta moral e social em
virtude de, por vezes, alguns meios de comunicação se distanciarem das suas
obrigações em termos de responsabilidade social e ética.
No terceiro capítulo faz-se uma retrospectiva das particularidades das
empresas de media ao nível da sua responsabilidade social e do tratamento destas
tendo por base a gestão da qualidade. Mas, acima de tudo, fundamenta-se a
necessidade de um comprometimento empresarial com questões políticas,
económicas e sociais; sublevado por práticas coerentes com uma gestão responsável.
Por último, no quarto capítulo, Joana Duarte apresenta um conjunto de
reflexões sobre o tema da ética e responsabilidade social dos media, baseadas numa
análise empírica de um caso de domínio público que resulta das difíceis relações entre
o autarca da Câmara Municipal do Porto e a Imprensa. Esta investigadora, apoiada
num estudo da sua autoria, pretende contribuir para trazer à liça a face dos media cada
vez mais colocada em questão pelos seus pares. Isto porque ao falarmos de liberdade
estaremos incondicionalmente a falar em responsabilidade.
O estudo de caso aqui apresentado – sobre a CMP – também pode suscitar
algumas reflexões sobre a representatividade social dos jornalistas. Segundo Timoteo
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(2006: 258) “É tradicional e bem afiançada a ideia de que os jornalistas fazem parte de
um mundo cujas ideias políticas não são representativas dos votantes nem dos
consumidores e de que é bastante frequente que o mercado vote ou compre contra a
opinião maioritariamente sentida e expressada pela “tribo” de empresas de media. Esta
realidade baseia-se em sucessivas comprovações eleitorais americanas, onde, quase de
modo sistemático, as preferências dos votantes contradiziam as preferências dos
jornalistas e dos diários”3. Para este investigador os jornalistas têm que mudar
urgentemente de posicionamento: devem deixar de se preocupar em escrever para os
amigos e a orientarem-se mais para as necessidades de informação dos leitores, sob
pena da sua representatividade social ser cada vez menor.
Com efeito, pode dizer-se que a inovação e riqueza deste livro está na
diversidade de reflexões sobre o tema da ética e responsabilidade social. A diversidade
de perspectivas aqui apresentada incorpora níveis de análise completamente distintos
sobre os mesmos temas. Apesar dos ângulos de abordagem variarem entre uma
perspectiva céptica e moderada sobre o desempenho dos media na sociedade, isso não
significa, obviamente, que esteja em causa o contributo dos media para o
desenvolvimento e consolidação das democracias. Antes pelo contrário: só pelo facto
de se poder questionar o papel do media, isso representa, em si mesmo, uma
oportunidade para ajudar a promover as melhores práticas na actividade jornalística.
Alguns investigadores consideram que os media tradicionais estão numa “crise
de identidade” e que isso tem influenciado, por vezes negativamente, a sua actividade
cujo modelo de negócio está em total transformação. Neste contexto, a imprensa está
a absorver a ideia que o seu negócio no futuro passa mais por vender informação em
vários suportes e não por “vender papel”. Estamos a assistir a um reposicionamento
dos produtos de media como tem ocorrido em tantos outros momentos da história do
ser humano, que é, por natureza, composta por “crises” sucessivas e que acabam por
introduzir novas dinâmicas na sociedade. As decepções podem dar lugar à descoberta
de novas possibilidades.
Uma situação clássica que pode exemplificar a transformação de situações de
“crise” em momentos de revitalização empresarial observou-se na indústria
automóvel. Por exemplo, a Ford, nas suas origens, descobriu que a forma mais rentável
– através da produção em massa que permitia economias de escala – seria criar um só
modelo com uma só cor para todas as pessoas. Com evoluir dos tempos a Ford teve que
se adaptar e diversificar os seus modelos para satisfazer necessidades diferentes – ou
3 Em Portugal aconteceu uma situação muito semelhante. Rui Rio tinha grande parte da imprensa contra e acabou
por ganhar as últimas eleições para a CMP com maioria absoluta.
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seja: teve que diversificar e segmentar a produção dos automóveis de forma a criar
economias de gama. É isso que está a acontecer com os media, observando-se, em
simultâneo com a comunicação de massas, uma comunicação para segmentos uma vez
que consumidores não querem perder tempo em consumir informação que não lhes
interessa.
À semelhança de outros sectores da actividade económica, os meios de
comunicação seguem tendências comuns: têm melhorado a sua gestão e estão a
optimizar produtos e serviços (captação de recursos, acumulação de riqueza,
organização da informação) e são expectáveis ofertas alternativas a médio e longo
prazo: a internet, por exemplo, não será a panaceia para resolver as fragilidades o
modelo de negócio tradicional mas acabará por se afirmar como um meio de
comunicação importante em termos jornalístico e empresarial. Em alguns casos, os
jornais gratuitos também se poderão assumir como um produto substituto. Por outro
lado, alguns meios de comunicação têm tido como objectivo dominante, nos últimos
anos, privilegiar a satisfação dos accionistas, o que é legítimo e importante. Contudo,
ir-se-á assistir a uma renovada fase caracterizada pela necessidade de privilegiar a
satisfação dos consumidores: os leitores, no caso da imprensa. A credibilidade será,
uma vez mais, a alma do negócio.
A empresa jornalística é constituída por uma estrutura e organização
complexa e diferenciada da maior parte dos sectores. De acordo com Tramezzi et
Berzosa (1996), a empresa jornalística possui as seguintes características: i) uma
empresa económica, mas também social e educativa, ii) uma empresa privada tendo
em conta a origem dos capitais; iii) uma empresa comercial que vende espaços
publicitários; iv) uma empresa de produtos jornalísticos mas também de serviços; vi)
uma empresa nacional ou regional dependendo da cobertura; uma empresa técnica,
mas com impactos sociais e políticos; e vii) uma empresa utilitária mas também
educativa e moral.
A experiência demonstra claramente a importância das necessidades
financeiras das empresas de media. Cada vez mais - tanto pela evolução tecnológica,
como pelas próprias exigências do meio -, são necessários entradas de dinheiro, quer
seja para a melhoria das instalações ou do produto, ou para fazer face a outras
necessidades de tesouraria que ocorrem permanentemente. Contudo, e como sugere
Picard (2002), apesar de haver diferenças entre empresas de media geridas pelo Estado
e por empresários privados, isso não significa que, na função principal, os media
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privados tenham necessariamente que produzir conteúdos de pior qualidade. Tais
diferenças implicam que os decisores dos media comerciais decidam os respectivos
conteúdos olhando à necessidade de produzir audiências desejáveis para anunciantes
específicos ou categorias de anunciantes, de modo a maximizar os lucros da empresa.
O sucesso económico da actividade jornalística continuará a estar dependente
da presença de profissionais dos quais é expectável a capacidade de elaborar conteúdos
jornalísticos que captem a atenção das audiências em função da sua qualidade,
credibilidade, antecipação em relação à concorrência, pertinência, imagem, agenda ou
acesso a fontes privilegiadas. O factor credibilidade da informação é absolutamente
crucial para as empresas de media. A forma como as empresas e produtos de media
são percepcionados – credibilidade - no mercado constitui uma dos seus factores
críticos de sucesso.
Possuir credibilidade implica ter a confiança e a fidelidade das audiências – pode
mesmo constituir, em caso de dúvidas ou em situações mais complexas, uma protecção
para a empresa na medida em que pode ajudar o consumidor a acreditar que aquela
empresa não falhará em fornecer-lhe a informação correcta e actualizada. Esta
credibilidade advém dos jornalistas que trabalham para a empresa. Neste sentido, gerir
e reter os melhores elementos com intervenção na gestão empresarial e na produção de
conteúdos representa uma competência fundamental no presente e futuro do media.
À guisa de conclusão final, esta obra deve ser contextualizada num momento
de profundas transformações da actividade jornalística. No entanto, uma certeza
existe: o futuro dos media passa, como de resto sempre aconteceu, pela conquista
permanente de credibilidade e confiança junto dos seus públicos. As “crises” do
presente constituem sempre boas oportunidades para o desenvolvimento futuro.
Porém, a viabilidade económico-financeira no presente e no futuro está associada
políticas orientadas para fomentar a transferência da gestão e dos conteúdos. A
experiência tem demonstrado que as empresas que obtêm melhores resultados a longo
prazo são simultaneamente aquelas que se preocupam com a vertente da ética e com
as suas obrigações face aos accionistas.
Outra certeza é que a comunicação e os media são uma componente essencial
numa sociedade avançada. Neste sentido é fundamental que existam, em torno da
comunicação e dos media, normas básicas não discutíveis, como não se discute a
responsabilidade sobre a segurança ou as pensões, assim como direitos individuais
irrenunciáveis, conquistados num longo processo histórico (Timoteo, 2006). Isto
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implica uma autocrítica permanente por parte dos media – ou seja: estes profissionais
centram – e bem – grande parte da sua actividade a analisar e noticiar o que se passa
no dia-a-dia e, por vezes, fazem-no de uma forma crítica, abrangendo personalidades
e instituições.
Da mesma forma que os media devem questionar a más práticas e enaltecer
as boas práticas adoptadas pelas pessoas e instituições, também devem questionar a sua
própria actividade e trabalho4. Tal como o conhecimento científico, também o
jornalismo pode evoluir muito com o reconhecimento e correcção dos erros. O erro
é o leitmotiv, quando identificado, da inovação e progresso. Os media também podem
e devem inovar e progredir se assumirem e identificarem os erros...Neste sentido,
para além de outro indicadores, a qualidade dos media reflecte-se na preocupação em
implementar mecanismos de responsabilidade social. O pressuposto-base da
responsabilidade social nos media reside nas iniciativas que uma determinada
empresa jornalística leva a cabo no sentido de prestar contas das suas actividades aos
membros da audiência.
Paulo Faustino,
Director do Master em Gestão e Conteúdos dos Media & Entretenimento, Investigador da
Jonkonping International Business School (JIBS), Suécia.
Los Angeles, Califórnia, 10 de Agosto de 2006.
4 A este propósito Belmiro de Azevedo, presidente do Grupo Sonae, onde se integra o jornal Público, afirma (in
Faustino, 2004:253): “... por vezes quando se fala da necessidade de reformas ou da definição de grandes linhas
estratégias para o desenvolvimento do País, a comunicação social parece considerar sobranceiramente que não é
também um destinatário dessas mudanças. Ora a ideia de que as mudanças abrangem o poder político, o poder
económico, a atitude dos cidadãos, mas que não se dirigem aos meios de comunicação e aos jornalistas, parecem
revelar uma grande insuficiência”.
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Capítulo 1: Perspectivas Nacionais e Internacionais da
Ética nos Media
1.1. RESPONSABILIDADE ÉTICA E SOCIAL DAS EMPRESAS DE
COMUNICAÇÃO
Alan B.Albarran, Ph. D.*
As empresas de comunicação representam um dos quatros sectores críticos de
qualquer sociedade. Os outros três são o Estado/sector legal da sociedade, o
económico/empresarial e o cultural/religioso. Qualquer um destes quatro é
importante para que a sociedade funcione; quando um sector não está em equilíbrio
com o outro, pode gerar impacto na coesão social.
Poder-se-ia discutir quais os méritos e fraquezas de qualquer um dos quatro
segmentos. Contudo, vamos focar-nos no da comunicação devido ao importante papel
deste como produtor de notícias e informação e a sua capacidade de entrar em todos
os níveis e sectores de sociedade. Em particular pretende-se focar os aspectos éticos,
nomeadamente no que diz respeito à sua responsabilidade social.
Em grande parte do mundo os meios de comunicação social operam como
empresas lucrativas mas com expectativas sociais e políticas. Por exemplo, nos Estados
Unidos, media como a rádio ou a televisão são detidos por particulares, no entanto
têm que respeitar regras e regulamentações estabelecidas pela Comissão Federal de
Comunicação (Federal Communications Commission – FCC).A FCC e as instituições
sociais e culturais da sociedade norte-americana esperam que os media operem de
forma responsável e com vista a “servir o interesse público.” Os directores das
empresas de comunicação devem saber equilibrar estes papéis de forma cuidadosa, no
que muitas vezes é descrito como servir as audiências e os anunciantes ao mesmo
tempo. Este balanceamento entre os papéis social e económico é em simultâneo uma
dificuldade e desafio, e muitas vezes as empresas de comunicação são criticadas por
estar mais orientadas para o mercado e menos para as suas audiências. É neste
ambiente que a compreensão da ética dos media pode ser útil para lidar com situações
difíceis.
* Professor e Editor do The International Journal of Media Management, Departamento de Rádio,Televisão e Filmes;
Universidade do Texas; albarran@unt.edu
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1.1.1 Ética dos media e tipos de empresas de comunicação
O que torna problemática a questão da ética nos media é a inexistência de um
código profissional e universal de práticas éticas, como já são comuns em campos
como a medicina ou a advocacia. Além disso, grande parte dos gestores têm falta de
formação adequada em ética ou capacidade de tomada de decisão ética; muitos
funcionam com base nas suas próprias experiências na resolução de desafios. A ética
da comunicação tem sido, na maioria das vezes, relegada estritamente à formação
académica, enquanto parte integrante dos cursos superiores ou requisitos na
preparação para a carreira enquanto jornalistas.
É igualmente difícil discutir o papel específico da ética na comunicação social
devido à diversidade de empresas de comunicação existentes na sociedade. Diferentes tipos
de firmas exigem diferentes tipos de abordagens em termos éticos. Tipicamente podem
existir quatro tipos de empresas de comunicação, como podemos verificar de seguida:
• Empresas de Comunicação de Capital Público. São por norma detidas ou controladas pelo
Estado. Geralmente operam em consonância com a agenda política, reflectindo os
pontos de vista do Governo. Podem estar, ou não, ligadas à venda de publicidade.
• Empresas de Comunicação de Serviço Público. Detidas pelo Estado ou reguladas
pelo Governo. Servem a educação, cultura e objectivos artísticos e por norma
não estão associadas à venda de publicidade.
• Empresas de Comunicação Privadas. Operam com o objectivo do lucro. Fazem
normalmente parte de grandes grupos económicos. Tanto operam a nível
regional, nacional ou global. A sua missão principal é aumentar o volume de
capital, assim como a valorização da empresa ao longo do tempo.
• Pequenas Empresas de Comunicação.Também conhecidas como Pequenas ou Médias
Empresas (PME), são normalmente familiares e operam em termos locais ou
nacionais. Existem por vários motivos: lucros, influência ou para servir a
comunidade. Muitos jornais no mundo começaram como PME.Á medida que
estas crescem e se desenvolvem passam a constituir alvos de interesse para as
grandes empresas de comunicação privada.
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Nem todos estes tipos de empresas de comunicação reconhecem que
possuem uma responsabilidade ética perante a sociedade. Pode ser inferida ou
implícita, mas não necessariamente directa. Claro que todas estas empresas querem
que a sociedade e o governo pensem que elas operam eticamente, mas na realidade,
cabe a cada firma determinar como deve operar.
As empresas que têm conhecimento do seu papel enquanto entidades com
responsabilidade social podem aplicá-lo das mais variadas formas. Uma forma comum,
especialmente para empresas de comunicação privadas, é estabelecer um tipo de
missão ou valores que as descrevam. A missão pode muitas vezes ser encontrada nos
programas de acolhimento dos empregados assim como noutras publicações, tal como
o sítio da companhia.
Os maiores grupos de comunicação – Disney, News Corporation, Viacom e
Time Warner - referem que “fornecer entretenimento e informação” faz parte da sua
missão. Manuais de empregados e da política da empresa e programas de orientação
de novos empregados são outros meios para a empresa comunicar a sua missão e
valores. Contudo, estas acções representam esforços internos da companhia e podem
ou não reflectir directamente o papel da ética. Além disso, estas questões podem ser
discutidas num conjunto de outros assuntos pondo em questão a sua prioridade.
1.1.2 Questões éticas e o papel dos seus actores individuais
Dado que as empresas encaram as questões éticas de forma diferenciada, é ao
nível individual que as decisões éticas são tomadas. Na realidade as empresas de
comunicação enquanto entidade não tomam nenhuma decisão, são os seus
administradores que as tomam, e actuam sobre os pontos críticos com que se debatem
diariamente. Além disso, é ao nível individual dos comunicadores que grande maioria
dos dilemas e questões éticas se colocam.
Questões éticas podem ocorrer em qualquer dia e a qualquer hora, podem
envolver actividades internas da empresa, ou a maioria das vezes estão implícitas nos
conteúdos que são difundidos para as audiências. Normalmente, quando uma empresa
de comunicação difunde um conteúdo ou toma uma decisão que as audiências, os
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anunciantes ou reguladores consideram controversa, as práticas éticas desta entidade
podem ser colocadas em questão.
Nos EUA há três áreas onde a prática ética, ou a sua ausência, está muito
presente. Uma destas áreas é a dos programas de entretenimento, enquanto portadores
de conteúdos de natureza sexual ou violenta, ou linguagem que pode ser considerada
indecente. O famoso intervalo do “2004 Super Bowl” mostrou a cantora pop Janet
Jackson e o seu não menos famoso “corpete estragado”, o que resultou na exposição de
um dos seus seios a uma audiência prevista em milhões de pessoas. A cadeia encarregue
da emissão, CBS, foi condenada a multas pelo incidente, que totalizaram 550 milhões de
dólares, e fortemente criticada por permitir a ocorrência. A CBS interpôs recurso na
questão das multas e, até meados de 2006, ainda não tinha havido pagamento.
Os programas de informação representam outra área de controvérsia ética.
Devido ao imediatismo da tecnologia televisiva, muitas vezes os repórteres podem ou
não estar na posse de todos os factos necessários para transmitir uma “estória”. No
entanto, o tempo e a pressão competitiva para ser o primeiro a transmitir uma notícia
pode levar a uma má decisão. Uma multiplicidade de situações que conduzem a desafios
éticos: transmitir material que pode não ser verdadeiro ou comprovado; divulgar fontes
confidenciais; possibilidade de conflito de interesses ou mostrar conteúdos com imagem
questionáveis, como por exemplo o massacre de um ataque terrorista.
Finalmente, a controvérsia com as vendas e o marketing pode entrar em
choque com os objectivos das empresas privadas de comunicação de obter lucro. Os
anunciantes são na sua maioria conservadores e tendem a colocar a publicidade em
programas que a audiência não considere questionável. “Estórias” que conotem
negativamente os anunciantes resultam, em algumas companhias, na retirada dos
anúncios do ar. Nestas situações regista-se um conflito directo entre a missão
jornalística da empresa e a sua missão comercial de obter lucro.
Como é que um indivíduo perante uma destas situações éticas toma a decisão
correcta e justa? Na realidade o tempo pressiona a emissão e o trabalho editado pode
ir contra o tempo necessário para uma tomada de decisão racional. Os comunicadores,
sejam eles jornalistas, editores, fotojornalistas, redactores ou directores, todos têm
responsabilidades.
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Christians, Rotzoll e Fackler (1997) identificam cinco deveres éticos dos
comunicadores de media de acordo com o tipo de instituições:
• Dever pessoal. Os profissionais de comunicação necessitam de integridade individual e força para seguir a sua consciência.
• Equilibrar os objectivos de carreira com outras tarefas pode ser um
desafio.
• Dever para com a audiência. Quando se toma uma determinada
decisão, a audiência, os assinantes e outros patrocinadores têm de ser
considerados. Como irá a decisão afectar a audiência?
• Dever para com o empregador ou organização. Empregados responsáveis têm um sentido de obrigação para com o empregador. Em
alguns casos o dever para com a empresa sobrepõe-se ao dever
pessoal. Qual é o impacto de uma decisão individual na organização?
• Dever para com os colegas. Na tomada de decisões éticas temos
muitas vezes em linha de conta obrigações e lealdade para com os
colegas da mesma área. Em que medida é que este dever para com os
colegas afecta estas decisões?
• Dever para com a sociedade. Nos meios de comunicação de massa,
com difusão ampla, os direitos individuais à privacidade e
confidencialidade vêm à superfície. Os conteúdos mediáticos que
contêm cenas de sexo e violência também preocupam directamente
a sociedade. Em que extensão o dever para com a sociedade afecta
outros deveres ou lealdades profissionais?
A tomada de decisão é um processo desafiante por muitas razões. Hosmer
(1991) enumera cinco factores que dificultam este tipo de decisões pelos gestores:
• As decisões éticas têm consequências profundas. Muitas vão para além
de consequências imediatas ou de primeiro nível. As decisões afectam
os outros perpassando a organização e a sociedade.
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• As decisões éticas têm muitas alternativas. São em número reduzido
as que envolvem um simples sim ou não. Os comunicadores têm de
considerar todas as opções na tomada de uma decisão ética.A pressão
do tempo e os deadlines podem limitar a análise cuidada de qualquer
alternativa possível.
• As decisões éticas têm muitas vezes diversos resultados. Estas decisões várias vezes produzem em simultâneo custos e benefícios que
os gestores podem ou não prever. As decisões éticas mais fáceis e
menos comuns são as que envolvem um só resultado,
independentemente da tomada de decisão.
• A maior parte das decisões éticas têm consequências incertas. São
raras as decisões livres de risco ou dúvida, com alternativas claras. Na
maioria dos casos, ninguém consegue antever as suas absolutas
consequências.
• As decisões éticas têm implicações pessoais. Estas estão intimamente
ligadas com valores, crenças e outras características individuais. Na
maior parte dos casos, os comunicadores debatem-se com proveitos
ou custos pessoais nas escolhas éticas .
1.1.3 Normas e éticas sociais
As normas éticas são a base da maioria das convicções do indivíduo e da
sociedade. Pode-se definir normas éticas como um conjunto de teorias derivadas do
estudo da ética e dos princípios éticos. Estas são úteis porque fornecem bases
filosóficas para a análise de situações éticas e julgamentos intelectualmente defensáveis
(Day, 2000).
São sete as normas éticas normalmente estudadas (Christians, Rotzoll, e
Fackler, 1997; Day, 2000; Jaska e Pritchard, 1994). Estas normas são a regra de Ouro,
a ética Judaico-Cristã, a categoria imperativa, o utilitarismo, o equilíbrio, a
relatividade e a teoria de responsabilidade social.
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A Regra de Ouro. O filósofo grego Aristóteles sugere o significado de
ouro, que valoriza a moderação em oposição aos extremos ou excessos. Aristóteles
acreditava que os indivíduos conseguiriam atingir um forte carácter moral. Contudo,
eles teriam necessariamente que enfrentar escolhas difíceis. Ao adoptar a posição
intermédia, pode evitar-se excessos ou deficiências. (Day, 2000). Os princípios da
regra de ouro estão hoje evidenciados, especialmente nas práticas jornalísticas. Por
exemplo, princípios de equilíbrio e de justeza da reportagem são construídos com
base na regra de ouro. Manter a objectividade na cobertura e reportagem noticiosa é
outro meio de praticar a regra de ouro.
A Ética Judaico-Cristã. Aparece em frases das escrituras Judaicas e Cristãs,
como por exemplo “Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti” e “Ama ao
próximo como a ti mesmo”. A ética judaico-cristã ilustra o respeito e dignidade humana,
baseada num amor universal por Deus. Na tomada de decisões éticas baseadas nesta norma,
deve-se ter em consideração o impacto destas decisões nos outros.
O Imperativo Categórico Kantiano. O filósofo germânico Immanuel
Kant estabeleceu esta categoria durante o século XVIII. Kant acreditava que as
decisões éticas derivam do dever do senso moral, chamado o Imperativo Categórico,
que se baseia nos princípios inerentes às acções individuais. Ao tomar decisões morais
temos de procurar aceitar todos ou membros da sociedade, ou seja, aqueles princípios
que podemos aplicar confortavelmente em todas as situações irão conduzir-nos à
decisão correcta. O Imperativo Categórico está mais preocupada com os processos da
tomada de decisão ética, do que com os resultados.
O Utilitarismo. John Stuart Mill estabeleceu a filosofia do utilitarismo
durante o século XIX. Mill defende que quando se enfrentam decisões morais cada um
deve considerar qual a acção que resultará na felicidade para um maior número de
pessoas. Esta máxima é muitas vezes referida como “o grande bem”. O utilitarismo
está mais preocupado com as consequências de uma decisão ética do que com o
processo de tomada de decisão. As sociedades democráticas identificam-se com as
ideias de Mill, na medida em que o conceito da regra maior dá ênfase à noção de o
maior bem para o maior número de pessoas.
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O Equilíbrio. Estabelecida por John Rawls, o igualitarismo defende que
toda a gente deve ser tratada com igualdade e justeza, aquando da formulação de
julgamentos éticos. Rawlls introduziu o conceito conhecido como véu da ignorância
para ilustrar estas ideias. O véu da ignorância é uma construção hipotética. “Usando
um véu” aquando da tomada de uma decisão, um indivíduo pode eliminar possíveis
constrangimentos ou discriminações e portanto, tratar todas as pessoas de igual
forma. Sem o véu da ignorância pontos de vista minoritários e pontos de vista com
pouca representação poderiam ser ignorados. O véu permite que as decisões sejam
imparciais, sem constrangimentos culturais (Day, 2000).
O Relativismo. Os filósofos John Dewey e Bertrand Russell são os que
melhor exemplificaram a questão do relativismo. O relativismo acredita que aquilo
que é bom para uns não é necessariamente bom para outros, mesmo em situações
similares. Cada indivíduo decide o que é melhor no seu ponto de vista, não julgando
as decisões dos outros. A posição relativista deu origem ao estudo da marca ética,
conhecida como ética situacional.
A Teoria da Responsabilidade Social. Durante os anos 40, a Comissão
Hutchings sobre a Liberdade de Imprensa examinou os mass media americanos (Day,
2000). A Comissão descobriu que jornalistas e outros comunicadores tomam decisões
responsáveis no intuito de servir a sociedade (Tucher, 1988). Os resultados da comissão
deram origem à Teoria da Responsabilidade Social. A Comissão reconheceu que
indivíduos conscienciosos no processo comunicacional não podem determinar
correctamente o impacto das suas decisões, e tomam-nas por norma com boas intenções.
1.1.4 Educação contemporânea na responsabilidade ética
Embora as normas e bases éticas continuem a ser importantes e fornecedoras
de um contexto histórico, é necessário um maior esforço na educação dos proprietários,
gestores e jornalistas das empresas de comunicação, na sua responsabilidade perante as
audiências e sociedade em geral. Neste sentido, existem várias possibilidades de
aumentar o conhecimento entre as empresas de comunicação e as audiências.
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Primeiro, as empresas precisam de considerar a formação e desenvolvimento
da ética e da tomada de decisão ética como uma responsabilidade contínua. A missão
e valores éticos num livro de notas de um empregado não são suficientes. A formação
regular e contínua, que deveria ser a prioridade de qualquer empresa de comunicação
no século XXI. Os comunicadores continuarão a enfrentar desafios éticos trazidos por
pressões competitivas, tecnológicas e conteúdos que forçam os limites. Apenas com
uma análise regular e atenta destas questões os media podem encontrar os seus
objectivos para funcionar de uma forma socialmente responsável.
Segundo, os estudantes que procuram carreiras como profissionais de
comunicação precisam de formação que inclua e ensine princípios éticos e a forma
ética da tomada de decisão. Por exemplo, muitos jornalistas e programas de
comunicação nos EUA oferecem cursos sobre Ética da Comunicação, que podem ou
não ser obrigatórios. Mas a ética, particularmente a ética da comunicação, deveria
também ser ensinada na Universidade, com parte integrante da literacia para os
media. Estes passos são uma forma de desenvolvimento do nível educacional na
construção de uma carreira e para aqueles que optem por carreiras não jornalísticas
dar-lhes-á um entendimento de como operam e funcionam os media.
Por último, somado à formação educacional, igrejas e outras organizações
civis e comunitárias podem patrocinar sessões sobre ética nos media e literacia dos
media de forma a aumentar o nível de compreensão entre a audiência. Este tipo de
programas ajudará a alcançar aqueles que estão fora do sistema tradicional de ensino,
fornecendo meios de aprendizagem contínua, úteis para adultos, especialmente para
os que cumpram o seu papel enquanto pais e avós.
Resumo
O tópico da ética e responsabilidades sociais das empresas de comunicação é
complicado e está em constante mutação. É uma indústria que enfrenta rápidas
mudanças e transformações, sendo muitas vezes as questões éticas relegadas para
segundo plano. Apesar disso podemos ter a certeza de que os desafios éticos
continuarão para os media e o processo de decisão que envolve questões éticas
continuará a ser discutido.
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Enquanto as empresas de comunicação têm de aceitar responsabilidades pela
suas acções ou falta delas no que concerne às práticas éticas, assim também os
profissionais de comunicação o têm de fazer. Esta análise tem como objectivo
possibilitar o acesso a uma maior formação e educação no processo de tomada de
decisão ética como um caminho para auxiliar as empresas de comunicação, com a
certeza de que estas estão a cumprir com as suas obrigações sociais como uma das
quatro instituições fundamentais na sociedade.
Mas o público e o indivíduo têm também de assumir responsabilidades e um
papel activo. Isto implica ter uma compreensão básica do que é a literacia mediática para
que cada um consiga discernir e questionar a informação e exigir rigor e fiabilidade.
1.2 SOBRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS MEDIA*
Francisco Rui Cádima**
As sociedades modernas atravessam crises complexas de identidade, de
participação cívica, de representação política, de defesa dos quadros culturais, de
princípios e valores associados à sua história e à sua cultura, tendo os media, pouco
contribuído no passado – e continuando a não contribuir - para minorar claramente esta
tendência. Na nossa perspectiva, consideramos que este sector não pode ser regulado
como mais uma actividade económica, tout court. Pensamos que a comunicação social
é muito mais que isso. É um sector vital para o desenvolvimento das sociedades
modernas, sustentado num princípio básico inalienável – a Cidadania, princípio que por
sua vez se suporta no Conhecimento, no Saber e na Informação. Parâmetros que são, do
nosso ponto de vista, intransferíveis para quadros jurídic-eco-nómicos específicos das
actividades produtivas. Não se pode mistificar a enorme responsabilidade social e cívica
do sector da comunicação social e do campo dos media. Consideramos, portanto, o
quadro normativo em que nos movimentamos desajustado à própria virtude civil e aos
desígnios da Sociedade do Conhecimento. Ora, a especificidade do sector de media e a
elevada responsabilidade social que os cidadãos devem exigir à Comunicação Social do
* Reflexão produzida no contexto de um estudo mais desenvolvido subordinado ao tema “Reflexões e Parecer
sobre a Alienação da Lusomundo Serviços pela PT Multimédia”, realizado para a Alta Autoridade da Comunicação
Social em 2005.
** Professor do Departamento de Ciências da Comunicação (FCSH-UNL).
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seu País, (sob pena de, a não o fazerem, se colocar em causa a Liberdade, a Identidade,
os Valores e as Instituições) não se compadecem, pois, com articulados vagos e
imprecisos relativamente a questões e a sectores que não são de modo nenhum uma
‘actividade produtiva’ ou ‘económica’. Não se pode, pois, neste século XXI, continuar a
olhar para os media e para os órgãos de Comunicação Social como se fez no século
passado, pondo em causa a nossa natureza e historicidade a o futuro de uma Nação.
1.2.1 Condicionantes e implicações
Importará, ab initio, constatar, portanto, que:
• A elevada complexidade do sistema dos media, em termos de concentração de empresas e meios, não se pode resolver num quadro
legal constituído por matéria de concorrência genérica, havendo aqui
claramente um défice e uma ‘deslocalização’ da regulação.
• Os dispositivos regulamentares nestas áreas temáticas e no domínio
dos media estão em regra delimitados por práticas de regulação
habitualmente sujeitas a fortes campos de pressão e interesse
económico e a dinâmicas sociais e empresariais que, em muitas
situações, mercê do agenciamento das estratégias em presença,
tornam mais difícil uma leitura clara, autonomizada, e enquadrada
por objectivos centrados no interesse da própria Cidadania.
• E ainda que os dispositivos regulamentares do sector dos media estão
fragilizados por uma teia normativa incoerente, resultando, desta forma,
colisões entre regulação, co-regulação e auto-regulação sectorial e direito
da concorrência, e ainda entre estes enquadramentos e as diferentes
políticas nacionais e europeias aplicadas a estas actividades.
Ora, se os sistemas de regulação nestas áreas temáticas estão, muitas das
vezes, fortemente dependentes de lógicas de lobbying, empresariais e corporativas,
nacionais ou transnacionais, ou mesmo burocrático-comunitárias, o certo é que, para
além dessa gestão exterior, musculada, de controlo do(s) reguladore(s), uma outra
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enorme complexidade resulta, como observámos, do justo equilíbrio ou
complementaridade entre regulação sectorial específica, nesta área sensível, e direito
da concorrência, não somente pelas diferentes e por vezes pouco compatíveis políticas
nacionais e europeias aplicadas a estas actividades, mas também pelo facto de a
emergência do digital vir perturbar a natureza fechada e tradicionalmente ‘ex-ante’
dos códigos regulamentares tradicionais.
É um facto, por outro lado, que as tendências impostas por imperativos de
natureza económica, não poderão colidir com princípios básicos que regem o exercício
da actividade dos média, nomeadamente a independência editorial.Uma análise regular
das categorias de conteúdo que abundam nos órgãos de comunicação social, rapidamente
concluiria pela existência de um sistema muito fechado e restrito de tópicos e pelo
mimetismo, circularidade e redundância da selecção editorial e das agendas dos media.
Este modelo mediático inscreve-se claramente numa lógica que contém perigos para a
ordem democrática. Não sendo muitas das vezes evidentes, estes perigos traduzem-se em
bloqueios ao pluralismo e à liberdade de expressão e editorial e, portanto, em opacidades
do discurso dos media, da transparência do real e da enunciação da experiência social e
do ‘mundo da vida’. O mesmo é dizer, em zonas de sombra das narrativas e das práticas
dos média e, por conseguinte, da ordem democrática.
1.2.2 Regulação e organismos
Ora, considerando que a União Europeia:
• Abdicou de regular de modo específico o sector dos media, designadamente no plano da concentração, remetendo essa regulação
essencialmente para o direito da concorrência.
• Através do Livro Verde da Convergência1, sugeriu impedir o surgimento de «posições proteccionistas» ou «estrangulamentos anti-concorrenciais», e reconheceu também que «a convergência pode
conduzir a uma menor regulamentação nos sectores das
telecomunicações e dos meios de comunicação social»
1 Livro Verde Relativo à Convergência dos Sectores das Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das
Tecnologias da Informação e às suas Implicações na Regulamentação, Comissão Europeia, COM (97) 623, Bruxelas
3 de Dezembro de 1997.
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Considerando, no entanto, que a União Europeia tenciona, por exemplo em
termos da Revisão da Directiva TSF:
• Dar seguimento às observações relativas à protecção dos menores2 no
âmbito dos media, proposta que poderia abranger questões
relacionadas com a educação para os meios de comunicação, o direito
de resposta e medidas de luta contra a discriminação ou a incitação ao
ódio em razão da raça, do sexo ou da nacionalidade em todos os meios
de comunicação em linha.
Considerando, por outro lado, que para o Conselho da Europa3:
• Os Estados-Membros deveriam tornar a contribuição para a
liberdade de expressão e de informação, bem como o pluralismo de
opinião, objectivos obrigatórios aquando da concessão das
autorizações a emitir.
• Os Estados-Membros deveriam reforçar a sua acção para garantir o
pluralismo e independência editorial dos media através de leis ou
outros meios. (...) deveriam zelar pela separação nítida entre o poder
político e os meios de comunicação social e pela transparência de
todas as decisões tomadas pelas autoridades públicas em relação aos
meios de comunicação social.
Considerando, também, que o Conselho Económico e Social4:
• Privilegia «a educação e a informação objectiva do público mais vulnerável para que este tenha a capacidade de avaliar e de identificar os
conteúdos da indústria dos meios de comunicação».
2 Cf. «Protection des mineurs et de la dignité humaine dans les services audiovisuels et d’information: proposition
de recommandation» (2004). http://europa.eu/scadplus/leg/fr/lvb/l24030a.htm
3 «Concentrations transnationales des médias en Europe - Rapport préparé par le AP-MD» (Painel consultivo do
CDMM sobre concentração, pluralismo e diversidade), Conselho da Europa, Direction Générale des Droits de
l’Homme, Strasbourg, Novembre 2004.
4 «Pluralismo e Concentração nos Meios de Comunicação», Parecer do Comité Económico e Social (Bruxelas, CES
364/2000, de 29 de Março).
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• Sublinha a necessidade de garantir «os direitos fundamentais do indivíduo, tais como a liberdade de informação e de opinião, a
protecção dos menores, a dignidade humana e, mais particularmente, a dignidade da mulher».
• Defende que «os critérios culturais e sociais devem ser também tidos
em conta para proteger os interesses do público europeu e a riqueza
do panorama mediático».
• Defende «um código de conduta comunitário para os meios de comunicação», ao qual incumbiria analisar a protecção dos menores
contra as cenas de violência e os programas pornográficos, a sua
limitação em nome da dignidade humana e mais particularmente da
dignidade da mulher, «a interdição da glorificação da guerra e da
criminalidade», referência que é, também, uma chamada de atenção
para o infotainment, a informação-espectáculo e a actualidade trágica.
• Propõe a «introdução, por intermédio de auto-regulação do sector,
de um ‘rótulo europeu’ de qualidade da informação e de ética
profissional» (embora especificamente para o online).
E no que diz respeito à responsabilidade editorial dos meios de comunicação
o Conselho Económico e Social5:
• Sobre o tema da independência editorial e jornalística dos meios de
comunicação através de «estatutos editoriais» com o objectivo de
atalhar a possível influência sobre o conteúdo da informação dos
proprietários ou dos accionistas, reconhece que «para garantir a
qualidade da informação, é aconselhável que os profissionais dos meios
de comunicação (por exemplo, empresas de meios de comunicação,
proprietários, editores e jornalistas) adoptem regras deontológicas
(por exemplo, carta deontológica, códigos éticos, etc.)».
• E que, na sua perspectiva, «também é importante que todos os
trabalhadores do sector recebam formação, para poderem assumir
essa responsabilidade».
5 Op. cit.
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Considerando ainda que o Parlamento Europeu, no seu parecer de Abril de
2004, sobre o pluralismo nos media:
• Aborda questões pouco usuais neste âmbito, como, por exemplo,
matéria de acesso e de conteúdos, do direito a ser informado, da não
discricionariedade dos actores sociais, culturais e políticos, dos
perigos do negócio da publicidade poder vir a controlar parcialmente
o campo dos media, começando por provocar distorções de
concorrência, sendo assim necessária a sua monitorização de forma
transparente, e recomenda que, no plano da formação de jornalistas,
haja uma atenção particular a esta matéria, reforçando-se assim
também a defesa do pluralismo.
• Sugere que sejam lançados Conselhos de Imprensa nos Estados Membros
com o objectivo de monitorizar práticas e conteúdos no domínio do
jornalismo.
• Incentiva os média a criarem modelos de auto-regulação que apostem
na qualidade e que desenvolvam padrões éticos editoriais que também eles sejam um forte suporte do pluralismo.
• Propõe a monitorização do modo como a concentração da propriedade se repercute na diversidade cultural.
Dado que relativamente a opções assumidas em operações anteriores, em
Portugal, permanecem dúvidas:
• Quanto à caracterização de mercados relevantes e consequente interpretação de existência ou não de posição dominante nesses mesmos
mercados.
• Que não há sequer uma definição precisa e inequívoca relativamente
ao conceito ‘posição dominante’ (repare-se que se este aspecto já de
si é crítico em termos da análise da concorrência no âmbito do
sistema produtivo, perverte de forma dramática a análise da
concorrência em termos de sistema de media, dada a sua
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especificidade essencialmente cultural e comunicacional (que, enfim,
não é reconhecida minimamente pela Lei 18/2003).
Considerando finalmente que:
• É legítima a defesa intransigente do pluralismo e da liberdade
editorial nos média, em geral, bem como a monitorização rigorosa
de estratégias corporativas, de orientação de conteúdos e de coerção
da liberdade editorial dos profissionais de comunicação social, com
conhecidos efeitos censórios e auto-censórios.
• É legítimo o desígnio imperativo nas democracias, aberto a uma
opinião pública cada vez mais forte tendo em vista a emergência de
uma sociedade civil cada vez mais interventora, participativa e
dinâmica, tendo como princípios elementares a concorrência e o
pluralismo, mas também a diversidade cultural.
• É um grave risco a constituição de um paradigma da publicidade a
enquadrar a estrutura profunda da comunicação social, como ainda a
sua explicitação - e as diferentes contaminações -, no plano
discursivo e dos conteúdos. O que originaria uma perversão, dada
pela filiação das práticas jornalísticas aos ‘desígnios’ do paradigma
publicitário.
• As operações de concentração só são legítimas se, ao contrário de
reduzir, antes ampliem a diversidade de opiniões e a liberdade de
expressão e editorial.
• A independência dos media e o pluralismo necessitam de tanto maior
monitorização, quanto maior for o índice de concentração.
• É necessário reconsiderar não somente a actual estratégia reguladora
do analógico, como, na presente migração, toda a filosofia que
presidirá à futura regulação do sistema de media, designadamente em
Portugal, procurando evitar a ‘re-mercantilização’ do sistema.
• Em Portugal (seguindo a lógica de Bruxelas), e apesar das teses que
confluem, a prazo, no regulador único intersectorial, abrangendo a
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regulação dos média e das comunicações – teses, aliás, aparentemente
consensuais e legitimadas a partir do lançamento da Iniciativa
«Convergência e Regulação»6 –, foi dada, paradoxalmente, renovada
relevância ao direito da concorrência, o que coincidiu inevitavelmente
com uma menorização das políticas de regulação dos conteúdos no
sector dos media e com a dificuldade em superar a insuficiência técnica
e executiva do regulador sectorial, e ainda com o deficiente
cumprimento e pilotagem de práticas de auto-regulação e co-regulação.
• Nessa reconfiguração dos modelos de regulação, se, aparentemente,
se pretendia reforçar o campo dos media, o pluralismo e reposicionar
e reclassificar os sistemas de conteúdos face, nomeadamente, às redes
e serviços, acabou por se verificar, ao invés, um privilégio do direito
da concorrência e da lógica economicista face à dimensão do
conhecimento, da cultura e da informação, que o sistema de media
encerra de forma iniludível.
• Dir-se-á então que se mantém a dualidade entre media e audiovisual,
por um lado, e as telecomunicações e o paradigma da publicidade,
por outro, não se dissipando a dúvida relativamente ao facto de os
detentores das infra-estruturas e das estratégias da indústria da
publicidade, manterem capacidade de ‘extra-regulação’ sectorial, no
campo das dinâmicas de «continente» versus «conteúdo», ficando
este, de certa maneira, mais sujeito a estratégias economicistas e de
mercados de convergência, do que a opções editoriais mais
autonomizadas no sentido do reforço, por exemplo, da referência
histórica de títulos de imprensa.
• Emerge assim uma fragilidade de regulação do sistema de media em
si mesmo, que veio, aparentemente, ser superada por um reforço do
modelo de controlo centrado na concorrência e nas comunicações,
com ascendente também do paradigma publicitário e das suas
estratégias económicas sobre os conteúdos dos media, submetendo
àquele o desígnio de civilidade do jornalismo e também dos
conteúdos audiovisuais, o que origina obviamente a contaminação de
uma cultura de qualidade e exigência nos media por uma cultura
6 Iniciativa «Convergência e Regulação - Recomendações de actuação estratégica». Ver o documento em:
http://www.anacom.pt/template15.jsp?categoryId=36586
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«tablóide» onde a notícia e o acontecimento não são mais do que
mercadoria-valor.
Conclui-se que estamos perante um modelo de todo inaceitável, na medida em
que, de certa forma, desregula o sistema de conteúdos, e, portanto, o sistema de informação
e do conhecimento, vital para uma cultura sustentada de desenvolvimento também social,
educativa e cultural do país. Esta, uma das mais graves questões críticas do sistema social, a
corrigir com urgência, sob pena de se manter sempre verdadeira a asserção de Jean-François
Lyotard, que reconhecia que a ‘transparência’ dos media era o «novo cárcere».
1.2.3 Reflexão final
Em síntese, parece-nos importante centrar esta reflexão em torno de alguns
aspectos finais:
• Por um lado, sobre a oportunidade de criar um novo
enquadramento europeu, e respectiva revisão e harmonização das
regras nacionais relativas à propriedade dos média e à concentração.
• Sobre a importância de criar uma estrutura europeia de
monitorização do pluralismo e da liberdade editorial dos média,
designadamente nos grupos onde o grau de concentração é mais
evidente.
• Sobre a particular importância da análise e necessária limitação dos
processos de integração entre o campo dos média e a publicidade.
• Finalmente sobre a defesa inequívoca do pluralismo e da liberdade de
expressão através de regras claras, ajustadas também à
responsabilidade social dos media.
E ainda, no âmbito do caso português e face à actual ponderação sobre as
políticas sectoriais, Portugal precisa de garantir um sistema Audiovisual que cumpra
efectivamente a Lei e para tanto necessita de um órgão de regulação específico,
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competente face a uma área de grande complexidade, forte do ponto de vista técnicocientífico, que não se distraia com outros sectores que têm outras prioridades. Deve
ter competências acrescidas em matéria de conteúdos, com particular atenção para os
públicos mais sensíveis. Daí a urgência, deste ponto de vista, de uma Autoridade ou
de um Conselho específico, no nosso entendimento, para o Audiovisual.
Naturalmente, como vimos, a concentração dos media necessita de regulação
específica em Portugal. Que deve ser aplicada - e pilotada - de modo a permitir a
consolidação do sector, sem que isso impeça absoluta e inequívoca liberdade editorial
dos profissionais de comunicação social. De certa maneira, à revelia do pensamento
da Comissão Europeia, mas na perspectiva de criar precedente vital para a Cidadania
Europeia, julgamos assim fundamental uma lei anti-trust para os media e os novos
média, subordinada ao desígnio da ética e da responsabilidade social no sector.
Conclua-se, finalmente, pela incapacidade da União Europeia e da burocracia
de Bruxelas em ‘olhar os média nos olhos’, ao demitirem-se de intervir no sentido de
contribuir para a introdução de um paradigma cívico inequívoco no sistema dos
media, algo que foi muito evidente com o ‘esquecimento’ da Directiva de 1992. A
crer, no entanto, no enviesamento que sobre estas matérias a própria União Europeia
tem sustentado, dando primazia, no quadro do audiovisual e dos
media, ao
‘económico’ face à cultura e ao conhecimento, mas também à cidadania, à experiência
social, à virtude civil, podemos mesmo acreditar que «já é tarde de mais»…
Certamente em prejuízo da própria Europa e da sua pouco segura e periclitante
União. Quem semeia ventos, colhe tempestades…
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1.3 JORNALISMO, LIBERDADE E RESPONSABILIDADE
Sara Pina*
Liberty means responsibility.That is why most men dread it
George Bernard Shaw
1.3.1 Introdução
Liberdade e responsabilidade são conceitos inseparáveis. Todo o exercício de
um direito ou de uma liberdade impõe responsabilidade e respeito pelos deveres
implicados no exercício daqueles.
As liberdades de imprensa e de expressão não são excepções. Exercer
livremente jornalismo e exprimir-se sem censura implica deveres e responsabilidades
a serem cumpridos. Em Portugal, a razão última de todo o direito de informação e
deontologia jornalística é a realização do direito do público a ser informado, ou mais
sugestivamente e usando os termos repetidos em vários códigos deontológicos, – a
realização do direito do público a conhecer a verdade. Assim a Constituição
Portuguesa (art. 37º) associa como partes coerentes da mesma realidade, a liberdade
de expressão e o direito a informar e de ser informado «sem impedimentos, nem
discriminações» e (art. 38º) assegura aos jornalistas os direitos considerados essenciais
para a assumpção por eles dos seus deveres para que se realize o direito dos cidadãos
a serem livremente informados.
Para além da Constituição, todo o sistema jurídico português determina
como escopo central da actividade jornalística o direito dos cidadãos a uma
informação livre e plural, sendo esta actividade um instrumento para a efectivação do
direito de todos. Por isso, os direitos dos jornalistas têm a natureza de poderes-deveres, isto é, de poderes que devem ser exercidos. Na terminologia técnico-jurídica, são
“funções”, direitos irrenunciáveis que, justamente em virtude da sua natureza
funcional, são atribuídos acompanhados da imposição (jurídica) de os exercer. É assim
no direito da informação mas também, ainda mais marcadamente, na deontologia
jornalística. Em termos comparados o conceito de que o jornalista se deve assumir ao
serviço do “bem comum” e do “interesse público” é um dos princípios gerais que se
repetem na maioria dos códigos deontológicos, sendo que grande parte do restante
* Professora da Universidade Lusófona
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articulado deontológico não passa, frequentemente, de derivações e aplicações deste
(Asenjo 1984: 21).
No Código Deontológico Português em vigor não há nenhuma referência
expressa à funcionalidade dos deveres deontológicos dos jornalistas em relação ao
direito do público a ser informado, no entanto, todo o espírito que o enforma aponta
nesse sentido. Não só porque os deveres que enumera claramente se revelam como
instrumentais da realização de tal direito, mas também pelo modo como remete para
a consideração do “interesse público” como critério das excepções àqueles deveres,
donde resulta que, fundamentalmente, é o “interesse público” o objectivo que o seu
normativo visa realizar.
Apesar da vocação mais ou menos abrangente que tenha, nenhum normativo,
e especialmente um normativo essencialmente prático e dirigido à fixação de regras
de conduta concretas, como é um código deontológico, pode prever e resolver
expressamente todas as situações passíveis de cair no seu âmbito. Cabe então ao
intérprete a integração das eventuais lacunas, para o que deve, em caso de
impossibilidade de determinação de analogias que lhe permitam uma interpretação
consentânea com a solução dada a uma situação concreta prevista, socorrer-se dos
princípios e valores do texto, nele identificáveis, de modo a encontrar, assim, a solução
que o texto previsivelmente adoptaria se tivesse regulado o caso em apreço.
Sendo a realização do direito do público a ser informado, como vimos, o valor
central que o direito e a deontologia jornalística portugueses apontam para o exercício
da profissão, o intérprete deverá então servir-se dele como critério fundamental para
apurar se um dado comportamento, não previsto no Código, é ou não
deontologicamente correcto.
A ética e deontologia jornalística são, portanto, contingências da liberdade de
imprensa e expressão. A melhor forma da imprensa defender a liberdade é sendo
responsável. John C. Merrill, que nas suas primeiras teses defendia que qualquer que
fosse o esforço que visasse tornar a imprensa responsável e imputável seria sempre um
perigo para a liberdade, mudou as suas posições iniciais defendendo, actualmente, a
necessidade de conciliar o conceito de liberdade e o conceito de responsabilidade. Para
este autor, (1989: 234), «assim como a vida é inútil para uma pessoa sem cérebro,
também a liberdade é inútil para o jornalismo sem ética». Segundo Merrill, a defesa
de que os jornalistas têm que reconhecer que devem ser livres e éticos assenta no
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princípio filosófico de que só o livre exercício da vontade – sem subjugação a ninguém
– pode ser moralmente bom. Liberdade será ter o domínio e responsabilidade sobre
nós próprios como pré-condição para uma acção com moralidade.
O facto de, em Portugal, o primeiro Código Deontológico dos Jornalistas
datar de 1976 relaciona-se exactamente com a questão que temos vindo a analisar.
Durante vários anos discutiu-se entre a classe a necessidade de elaborar um código
deontológico. Em 1973 chegou a constituir-se uma comissão para proceder a esse
desiderato, mas as conclusões preambulares do documento elaborado foram «o direito
à informação materializa-se através de jornalistas que assumam as consequências dos
seus actos e omissões segundo normas de idoneidade profissional que apliquem a cada
caso de acordo com o que a sua consciência lhes ditar. Decorre daqui que a
deontologia profissional pressupõe a responsabilidade do jornalista, a qual só existe
quando e onde existir liberdade». Assim, só depois do 25 de Abril de 1974 se
elaboraria o primeiro Código Deontológico dos Jornalistas, que esteve em vigor quase
20 anos.
1.3.2 Responsabilidade social
As práticas e atitudes profissionais implicadas num quadro de
responsabilidade social são numerosas e diversas, muito mais vastas que as teorias e
definições que ao longo dos anos se têm elaborado a seu respeito e que são
«infelizmente mais difusas e palavrosas» (Bernier 1995: 48).
Lloyd define vagamente a responsabilidade social, segundo Bernier, em
conexão com necessidade de os jornalistas contribuírem para o progresso social e com
o objectivo de aumentar a liberdade dos indivíduos. Os indivíduos deverão aceitar as
obrigações reconhecidas na sociedade em que vivem em troca dos benefícios que daí
retiram.
Diferentemente, o conceito de Louis W. Hodges passa pela distinção entre
responsabilidade e imputabilidade da imprensa. A questão da responsabilidade reside
na determinação das necessidades sociais que os jornalistas devem satisfazer, enquanto
a imputabilidade diz respeito aos meios a utilizar para que os jornalistas prestem
contas e justifiquem o seu trabalho face às responsabilidades que lhe foram atribuídas.
A responsabilidade relaciona-se com a conduta, a imputabilidade com os resultados.
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Hodges faz esta distinção para explicar a responsabilidade como «os nossos
deveres e obrigações morais, a substância daquilo que devemos fazer» (Elliot 1986:1314). Falar de imputabilidade visa que nos questionemos de quem é o poder de verificar
ou exigir dos jornalistas a prestação de contas. Para Hodges, a questão de
responsabilidade precede a da imputabilidade e relaciona-se com o enunciado «quanto
mais poder temos ou ocasião de influenciar os outros mais temos deveres morais»
(Elliot 1986: 16).
Para Johannesen (1983:6), para ser considerada responsável, a imprensa tem
que prestar contas e aceitar ser avaliada em função de critérios pré-estabelecidos. Este
autor não esclarece a quem, segundo o seu ponto de vista, a imprensa deve prestar
contas e quem determinará os critérios da sua avaliação. Já para Pritchard (1991: 74),
anterior ao problema da imputabilidade da imprensa é o da assumpção de que
jornalistas e empresas adoptarão os comportamentos que a sociedade qualifique de
responsáveis, se souberem que têm de prestar contas a certas instâncias.
O problema do controlo da imprensa tinha já sido abordado em 1947 na
sequência das do trabalho elaborado pela Comissão Hutchins. A responsabilidade
como corolário da liberdade de imprensa foi estudada e formalizada. A Comissão
concluiu que a liberdade de imprensa estava em perigo apresentando três razões para
esta afirmação: a) embora houvesse uma multiplicação de órgãos de comunicação
social, o acesso dos cidadãos a estes era cada vez mais difícil, bem como a expressão
de ideias e opiniões destes; b) os que tinham acesso aos mass media eram cada vez
menos representativos da população e das suas necessidades; c) os media recorreriam
a práticas que as sociedades condenam e esta situação perduraria, resultando
inevitavelmente em pressões para que a liberdade de imprensa fosse controlada.
Inicialmente, as teorias da responsabilidade social de Merrill enfatizam o
problema do controlo dos órgãos de comunicação social. Seriam pelo menos três,
conforme a responsabilidade fosse definida pelo poder político, pelos próprios mass
media ou, de maneira individualista e pluralista, pelos jornalistas – a teoria libertária.
O auto-controlo da classe jornalística na teoria libertária é, diferentemente,
para Stephen H. Daniel (Gauthier 1990: 140), oposto à responsabilidade social e, por
isso, esta não deve ser apresentada como tal. O autor sustenta que «a teoria da
responsabilidade social da imprensa é de natureza teleológica porque assenta na
finalidade de atribuir ao jornalismo contribuição para o bem comum e a teoria
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libertária da imprensa é mais de natureza deontológica do fazer, que é centrada no
dever último de divulgação dos factos», resume Gauthier (1990: 52). Portanto, as
teorias da responsabilidade social da imprensa são as que se interessam pelas
consequências do trabalho dos jornalistas e os efeitos dos media, enquanto a libertária
presume que os indivíduos sabem instintivamente ou racionalmente o que é bom para
a sociedade e agem em consonância. Esta teoria tem por adquirido que os indivíduos
que agem para o bem comum são superiores em número e em influência aos que
podem proceder contra o interesse geral, não havendo necessidade de intervir junto
dos jornalistas para os sensibilizar para as suas responsabilidades.
Mas John C. Merril preconiza que a teoria libertária prevaleça relativamente
à responsabilidade social do jornalista, já que devem ser os jornalistas, a título
individual, a determinar as suas obrigações e responsabilidades. Estas não devem ser
atribuições governamentais ou de organizações profissionais. Nas primeiras teses deste
autor, qualquer que fosse o esforço que visasse tornar a imprensa responsável e
imputável seria um perigo para a liberdade, pois a responsabilidade social da imprensa
é uma forma de condução a um sistema autoritário (Bernier 1995: 53). Numa
sociedade livre cada um deve definir a sua responsabilidade.Tal tese viria a ser refutada
pelo próprio autor anos mais tarde. As actuais teorias de Merrill são agora de uma
necessidade de conciliação entre liberdade e responsabilidade (Bernier 1995: 53).
Também Lloyd criticou severamente as teorias da responsabilidade social,
fazendo uma analogia para a definir como despotismo. Usando o romance de
Dostoievski «Os irmãos Karamazov», em que a população perde as suas liberdades
políticas e intelectuais em troca de medidas de segurança social, Lloyd explica que
sacrificar a liberdade de se exprimir e pensar por um sistema de protecção social
administrado por métodos autoritários, ignorando a capacidade dos indivíduos de per
si assumirem as suas responsabilidades, coloca a teoria da responsabilidade social da
imprensa a um passo do autoritarismo (Bernier 1995: 53).
Isto embora outros autores reconheçam que as consequências negativas do
trabalho dos jornalistas raramente conduzem a sanções, mesmo que o benefício para
o público não esteja à altura do mal causado a alguns.
De qualquer modo, «todo o radicalismo é perigoso», alerta Marc-François
Bernier (1995: 55), exemplificando com um texto publicado nos anos 70, no Wall
Street Journal: «Um jornal é uma empresa privada que nada deve ao público (…). Não
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tem qualquer preocupação pelo interesse público. Está simplesmente ao serviço do
seu proprietário, que vende um produto manufacturado por sua conta e risco».
É preciso ter em mente que a noção de responsabilidade social, ao invés de
relacionada com restrições à liberdade de imprensa, pode bem ser considerada uma
forma de regulação da liberdade de expressão. Esta liberdade protege, em democracia,
a livre expressão de opiniões e ideias. Ora, relativamente à imprensa, a
responsabilidade será dar uma ideia representativa da sociedade, divulgarem-se vários
pontos de vista, etc.. No caso das restrições, estas não dizem respeito à liberdade de
expressão ou opinião, mas estão relacionadas com, por exemplo, a identificação de
vítimas de crimes ou invasão da vida privada. Não está de todo demonstrado que a
responsabilidade social ponha em perigo a livre expressão de opinião e ideias, antes
pelo contrário, chama à atenção para que todas as ideias tenham livre circulação.
Assim, uma imprensa livre e responsável será antes uma ameaça para quem
detém os órgãos de comunicação social. «Representa uma ameaça real e substancial
para o proprietários por que ela ameaça prolongar a liberdade de imprensa para além
dos privilégios dos proprietários» (Bernier 1995: 56).
Por causa da liberdade e responsabilidade da imprensa, os detentores dos órgãos
de comunicação social perdem autonomia, já que tem que respeitar o acesso de diferentes
grupos sociais aos seus mass media. Esta ameaça tem resultado por todo o mundo, e
principalmente nos EUA, numa oposição dos proprietários dos à criação de métodos e
grupos de controlo da acção dos media em matéria de responsabilidade social.
1.3.3 Deontologia e credibilidade
A teoria da responsabilidade social da imprensa não pretende somente a
defesa e promoção do interesse público, mas também aumentar os níveis de
credibilidade dos jornalistas que, nas democracias ocidentais, tem vindo a decair cada
vez mais. Para repor a credibilidade são necessários mecanismos de análise das práticas
profissionais jornalísticas, podendo a deontologia ser um meio de grande utilidade
nesta análise para atingir níveis de credibilidade mais elevados.
Os jornalistas preocupados com a liberdade preocupam-se com a
deontologia. Sendo que o dever ético dos jornalistas é livremente assumido e
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reconhecido por estes. De facto, a ética no jornalismo assenta na assumpção de que o
jornalista pode escolher entre diferentes modos de agir. A possibilidade de escolha
implica liberdade. Se o jornalista for forçado a, por exemplo, escrever de uma certa
maneira, estará a ser amoral. A liberdade está validamente alicerçada quando assenta
na ética e na responsabilidade social.
Quando o uso da liberdade é feito de forma abusiva pode implicar uma
reacção de coacção dessa liberdade. Por isso, sobretudo a partir da Segunda Guerra
Mundial, o debate deontológico alargou-se e aprofundou-se por todo o mundo. Os
códigos deontológicos dos jornalistas nascidos da auto-regulação seriam um meio de
evitar a ingerência politica.
Em Portugal, a mais recente evolução do jornalismo, em larga medida
condicionada pelo quadro social e económico em que se move, tem acentuado a
conflitualidade entre os interesses de natureza pública envolvidos no exercício do
poder-dever de informar e alguns dos direitos individuais de personalidade fundadores
do próprio sistema democrático. Trata-se de uma situação que tem contribuído para
uma grave descredibilização do jornalismo, que não é substancialmente distinta da
generalidade dos países onde a regra é a da liberdade de informação.
A verdade é que não se pode escamotear a responsabilidade, maior ou menor,
dos próprios jornalistas em tal situação. Com efeito, e reportando-nos ao caso
português (que, como disse, não é muito diferente do que se passa noutros países), faz-se entre nós com excessiva frequência – e talvez com excessiva impunidade – um tipo
de jornalismo atentatório de alguns direitos fundamentais de cidadania: o direito ao
bom-nome, o direito à reserva de vida privada, o direito à presunção de inocência, até
o direito (absolutamente básico) ao respeito pela dignidade pessoal. É certo que para
tal tem também contribuído, para além das razões gerais já referidas (em que avulta a
de uma Comunicação Social cada vez mais concorrencial), o desenvolvimento de
formas cada vez mais complexas de jornalismo de investigação e as responsabilidades
que, nesta matéria, os jornalistas vêm crescentemente assumindo, até em resultado de
alguma inoperância das instâncias, quer policiais quer políticas, a quem a sociedade
tradicionalmente confia a fiscalização da legalidade.
O quadro jurídico da informação em Portugal nem sempre tem chegado para
acudir a esse estado de coisas. Aliás, o Direito tem, naturalmente, motivações sociais
próprias que, em última análise, e na prática, são indiferentes à defesa do prestígio e
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credibilidade da função de informar. Esta é uma tarefa que, fundamentalmente, cabe
aos próprios jornalistas assegurar. E o Código Deontológico afigura-se dever ser,
apesar de tudo, o instrumento privilegiado de tal tarefa, mesmo tendo em conta as
limitações decorrentes da natureza do seu tipo de imperatividade (a imperatividade
moral é, por oposição à jurídica, uma “imperatividade fraca”).
1.3.4 Interesse público e democracia
Por tudo o exposto se afigura que, num futuro Código Deontológico dos
Jornalistas, não poderá deixar de dar-se uma particular atenção às soluções éticas que
hão-de presidir, na prática jornalística, às opções quotidianas a fazer perante os
conflitos entre interesse público e direitos individuais. E, para isso, parece
fundamental uma profunda reflexão dos jornalistas sobre o próprio conceito de
“interesse público”. Quando é que uma notícia é de “interesse público”? Em condições
é que tal «interesse público» pode justificar o desprezo por um direito individual,
sendo certo que a violação de alguns direitos individuais fundamentais pode
frequentemente implicar um prejuízo absolutamente irremediável? Até que ponto os
jornalistas são, ou não, eticamente responsáveis (mesmo quando o não sejam
juridicamente) pelos julgamentos que, nesta matéria, e em consciência, são chamados
a diariamente fazer na prática profissional?
As principais balizas de uma reflexão como esta hão-de ser de natureza
jurídica e de natureza ética. Ora nem do ponto de vista jurídico nem do ponto de vista
deontológico a questão do que seja o «interesse público» e de quais sejam os seus
limites é pacífica.
O direito-dever de informar e as faculdades que o integram têm, no nosso
sistema jurídico de direito da informação, uma natureza claramente instrumental,
visando realizar aquilo que a Lei de Imprensa, logo no artº 1º, designa pelo «direito de
se informar e de ser informado sem constrangimentos, nem discriminações».
Subjacente ao direito a informar está a realização de um «interesse público»
(expressão recorrente em todo o Direito da Informação) de relevância
constitucionalmente reconhecida. Neste sentido dispõem também, aliás, quer a
Declaração Universal dos Direitos do Homem – para onde, por força do nº 2 do art.º
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16º da Constituição devolve o nosso Direito Constitucional em matéria de
interpretação e integração de direitos fundamentais – quer a Carta das Nações Unidas.
Para além destas dificuldades práticas de fundamentação racional do conceito
de «interesse público» e da sua fixação para efeitos de legitimação, ou apenas de
despenalização, da violação de direitos individuais fundamentais no exercício do
direito de informar, a conflitualidade entre este e os direitos individuais fundamentais
põe outros graves problemas que raramente têm sido objecto de discussão entre nós,
apesar da súbita popularidade que ganhou a discussão das questões da Justiça e da
Comunicação Social. Mais grave ainda: a participação dos jornalistas nessa discussão
tem surgido frequentemente ferida de alguma carga corporativa e reivindicativa que
parece ignorar os fundamentos últimos da missão de informar numa sociedade
democrática e, maxime, os próprios fundamentos da Democracia.
A Democracia não é, de facto, como escreve G. Burdeau, apenas «um modo
de ser institucional, ela é, mais ainda talvez, uma exigência moral: [...] é um valor». E
é em virtude da incessante dinâmica dialéctica existente entre Democracia e
Comunicação Social que esta última, espécie de rosto da Democracia, naturalmente
suscita tanto interesse junto dos políticos e dos cidadãos.
A Democracia constitui um modo particular de harmonização das exigências
contraditórias da liberdade e dos interesses individuais com as imposições resultantes
do interesse geral, e a forma típica da sociabilidade democrática é a comunitária, isto
é, e de acordo com as tipologias definidas por Gurvitch, o tipo de sociabilidade assente
nas pessoas enquanto sujeitos de liberdade reconhecida pelos outros e de
responsabilidade perante os outros.
Como escreveu Joseph Folliet em 1928, em L’Aube Nouvelle, «a base moral da
Democracia é a dignidade da pessoa humana». É este o sentido profundo do «princípio
fundamental» consagrado logo no artº 1º da Constituição da República Portuguesa:
«Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana (...)»,
isto é, a dignidade da pessoa constitui um valor fundador da própria Democracia, e
provavelmente, e ressalve-se a excessiva simplificação, um valor anterior, por força da
Constituição, à própria hierarquia constitucional. E, por isso, anterior ao direito de
informar, que há-de ser então um instrumento democrático fundamental não só da
liberdade, mas também da dignidade da pessoa humana, e apenas deste modo
realizando efectivamente o «interesse público» que lhe é, em Democracia, confiado.
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A relevância do «interesse público» prosseguido pelo direito de informar
enquanto excepção à protecção jurídica dos direitos da personalidade passa,
infelizmente, vezes de mais ao lado da fundamentação personalista da própria
Democracia. A doutrina e a jurisprudência portuguesas no domínio do direito da
informação – ao contrário, diga-se de passagem, do que faz a deontologia jornalística
– têm revelado, em geral, alguma insensibilidade nesta matéria. Mais grave, porém, é
que tal insensibilidade seja frequentemente patrocinada por uma Comunicação Social
cada vez mais condicionada por critérios comerciais e de audiências. Não se vislumbra,
de facto, como algum «interesse público» possa justificar, por exemplo, a humilhação
de pessoas ou a exposição pública da sua dor, como se vê diariamente em muitos
serviços noticiosos televisivos (e não só), ou ainda a recolha de declarações e/ou
imagens em precárias condições de serenidade, de liberdade ou de responsabilidade.
Pois que, estando em causa, como vimos, um princípio fundador do próprio Estado
Democrático, isto é, e utilizando a terminologia de Vieira de Andrade, «um
pressuposto da validade material de toda a ordem jurídica», o desrespeito da dignidade
da pessoa humana, por definição, colide sempre com o «interesse público».
1.3.5 Respeito para com o cidadão
Só que talvez se possa ir ainda mais longe e questionar mesmo se direitos
como o direito à reserva da vida privada, o direito à reputação e ao bom nome, ou
outros direitos individuais, serão ou não, em termos abstractos, prioritários em
relação ao direito de informar, independentemente da natureza constitucional deste.
É o que é feito hoje por uma forte corrente da filosofia política norte-americana,
filiada na «teoria da justiça como equidade», de Rawls.
Porque se, como dizia Tocqueville, a Comunicação Social evita muitos males,
é também certo que igualmente faz muitos males, e as mais das vezes irremediáveis.
A questão é evidenciada num estimulante trabalho de Gilles Gauthier, professor do
Departamento de Informação e Comunicação da Universidade Laval, no Canadá,
publicado pelo Institut National de l’Audiovisuel a propósito da discussão sobre se os media
devem ou não identificar as pessoas implicadas em dramas humanos e outros fait divers.
A situação é geralmente debatida quanto a menores, a vítimas de acidentes e
seus familiares, à vida privada de figuras públicas, a adultos envolvidos em casos de
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costumes, a profissionais objecto de processos disciplinares, etc.... Mas Gauthier, à
semelhança de outros trabalhos no mesmo sentido anteriormente divulgados nos
EUA, no Canadá e na Austrália, vai mais longe e levanta o problema – do ponto de
vista de uma fundamentação ética racional – no que toca a uma situação extrema, e
praticamente pacífica: a identificação de vítimas, testemunhas e acusados
intervenientes em processos criminais.
A partir da teoria da Justiça de Rawls, Gauthier questiona o direito dos media
a qualquer tipo de intromissão na vida privada dos cidadãos (mesmo tratando-se de
figuras públicas), ou a atingir o seu direito individual ao bom-nome e reputação (mesmo
quando em nome do «interesse público», ou quando com suporte legal).A invocação do
«interesse público» para justificar a violação de direitos individuais afigura-se a Rawls
tipicamente utilitarista. O utilitarismo é, como se sabe, uma espécie de ética aritmética,
segundo a qual uma conduta deverá ser avaliada de acordo com a quantidade de
satisfação que pode dar aos indivíduos por ela afectados. Quando se invoca o «interesse
público» contra direitos individuais entende-se, em termos utilitaristas, que as vantagens
colhidas pela colectividade valem bem os prejuízos que a violação de um direito desse
tipo causa ao indivíduo seu titular, do mesmo modo que um controverso provérbio
judeu justifica a morte de um homem com a sobrevivência de mais do que um...
A teoria racionalista da justiça enquanto equidade de Rawls é profundamente
anti-utilitarista. Para Rawls «pode ser oportuno que alguns possuam menos para que
outros prosperem; pode ser oportuno, mas não é justo». Isto é, para Rawls, o
«interesse público» não pode ser uma abstracção totalizante, independente dos
interesses individuais de cada um dos membros de uma sociedade. Se tais
considerações, de foro essencialmente filosófico, e envolvendo o sempre difícil
equilíbrio entre os valores do indivíduo e da sociedade, da pessoa humana e do todo
social, dificilmente são compatíveis com a prática jornalística, elas terão talvez, pelo
menos, a virtude de poderem contrariar alguma tendência para o conformismo face
tanto ao direito como aos hábitos profissionais hoje vigentes no jornalismo.
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1.4 LIDERANÇA MORAL, CRIATIVIDADE E OS OBJECTIVOS
FINANCEIROS DAS EMPRESAS DOS MEDIA
Francisco J. Pérez-Latre*
1.4.1 Introdução
As empresas dos media são caracterizadas pela sua conjunção única entre
criatividade, objectivos financeiros e responsabilidade social. Este artigo sugere
algumas hipóteses para a compreensão das tensões e confusões que muitas vezes
desafiam as empresas dos media e as questões éticas que elas encontram a partir de um
ponto de vista de gestão.
1.4.2 Compreender o lado criativo dos media
A criatividade é difícil de definir e encontrar. Mas depois de décadas de
investigação sabemos que «quando a criatividade é morta, uma organização perde uma
arma de competição potente: novas ideias.Também pode perder energia e a fidelidade
da sua audiência» (Amabile, 1998: 87).
Algumas ideias sobre a criatividade precisam de ser compreendidas pelo lado
financeiro dos media. Não significa que os directores de media sejam contra a criatividade:
eles acreditam no valor de novas ideias de negócios. Mas matam-nas para maximizar a
coordenação, produtividade e controlo. De acordo com Amabile (1998), fazem-no antes de
tudo ao não destinarem as pessoas indicadas para os trabalhos para poder melhor jogar com
a sua expertise e conectar a sua motivação intrínseca.Também o fazem ao não conseguirem
compreender a liberdade. Muitas vezes eles controlam os meios. Os directores de media
deviam preocupar-se com o final, não com os meios (o processo).
As organizações também matam a criatividade nos media ao darem prazos
demasiado curtos ou falsos. As sessões de grupos de trabalho (cruciais para os media)
também são incompreendidas. De forma a se atingirem ideias criativas, os grupos com
uma diversidade de perspectivas e histórias devem ser apoiados. Isso apela a uma
* Professor de Empresa Informativa na Universidade de Navarra e do Institito de Media & Entretenimento, Nova
Iorque.
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profunda compreensão das pessoas. Grupos homogéneos podem matar a criatividade.
O acordo é mais rápido e há menos fricção mas a expertise e a criatividade não são
aumentadas. Por último, os gestores estão muitas vezes ocupados e esquecem-se do
essencial: encorajamento dos supervisores. «De forma a manter tanta paixão, a
maioria das pessoas precisa de sentir que o seu trabalho é importante para a empresa»
(Amabile, 1998: 83). Os directores matam a criatividade ao não reconhecerem os
esforços inovadores ou ao receberem-nos com cepticismo.
A criatividade é o que mais importa nos media e no entretenimento: «adicionar
conteúdos de entretenimento eficientes não é algo que se consiga apenas porque o CEO
o quer. Não é um aditivo industrial. Por outro lado, é uma qualidade quimérica e difícil
de encontrar e aqueles que podem contribuir para a sua criação devem ser apreciados,
mimados e recompensados. A economia do entretenimento irá fazer enormes pedidos
de um recurso humano finito: a criatividade» (Wolf, 1999: 293).
O elemento criativo é caracterizado por um certo grau de incerteza. Mas as
recompensas por achá-lo são altas: «apesar do elemento criativo ser imprevisível, isso
não é razão para se fugir dele. Num mercado saturado, ignorá-lo é o mesmo que
condenar um produto à extinção. Acredito que as empresas de sucesso serão aquelas
que criem ambientes que apõem o talento. Elas precisam de visionários criativos no
topo ou perto do topo» (Wolf, 1999: 295).
1.4.3 Responsabilidade e preocupação social: a liderança moral e os
objectivos financeiros
O conteúdo que anima é bom e isso é benéfico para o negócio. As pessoas
viradas para o negócio percebem a sua audiência. O negócio é a compreensão das
necessidades das pessoas e tratar delas. Os media não são diferentes, não querem
impressionar alguns e ofender muitos. As crianças e os adolescentes estão expostos, e
são vulneráveis. A audiência precisa de ser bem compreendida. Ter ética que produza
conteúdo animador é o conhecimento que nos permite compreender de que são feitos
os seres humanos.
Os media influenciam e manipulam a cultura. Alguns investigadores dos
media discutem sobre este ponto mas é muito difícil argumentar contra os efeitos dos
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conteúdos dos media no indivíduo. Os media são um espelho, uma reflexão e também
- inseparavelmente – um agente de mudança. Os media são um instrumento no tornar
“inseridas na sociedade” as tendências sociais, implementar eventos, atitudes e
comportamentos socialmente aceitáveis e relevantes. Uma pessoa virada para os
negócios percebe que os media são armas poderosas.Tal como a bomba atómica, estes
podem ser usados para matar ou curar…
Os produtos dos media e do entretenimento, consumidos sobretudo numa
base de tempo livre, preenchem uma parte cada vez maior do tempo das pessoas.
Depois do trabalho e do sono, o consumo dos media ocupa a maior parte do nosso
tempo. Isso aumenta a necessidade dos media de preocupação social: os produtos dos
meios de comunicação são convidados nas nossas casas e conhecem as nossas famílias.
Os media sentam-se nas nossas salas.
Ao chocar-nos não constrói o valor da marca.Tal como já vimos, os sucessos
têm de ser repetidos. Isso é, em grande escala o que caracteriza os media e o
entretenimento: produzir sucessos. No entanto um sucesso isolado, mesmo com os
maiores níveis de audiência e de circulação e do tamanho de controvérsia que consiga
gerar não constrói uma empresa. Lixo gera mais lixo e a espiral negativa tende a
piorar.Ao chocar pessoas não se pode construir uma marca. Ninguém está em posição
de aumentar o choque… Qualquer pessoa pode imitá-lo. E os anunciantes querem
criar manchetes pelas razões certas. Eles gostam de ambientes livres de controvérsia:
têm uma reputação a manter.
As empresas de media de qualidade tornam-se favoritas: são únicas e por isso
são copiadas. A sua reputação não tem manchas. O bom negócio precisa de empresas
com boa reputação. As marcas mais poderosas dos media são respeitadas e não podem
aceitar qualquer tipo de conteúdo de media. A ética não é uma ameaça: é uma
oportunidade. A TV por cabo e o novo rádio satélite vendem-se como se não fossem
alvo de censura, mas eles podem não estar a compreender as necessidades das suas
audiências. Vender programação “agressiva” só chega até um ponto. A ética não
significa apenas barreiras mas é também acerca da construção de negócios sólidos. Por
outras palavras, há barreiras que os negócios conseguem reconhecer como existindo
para o bem comum.
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1.4.4 Conclusão: quatro desafios para um negócio com impacto cultural
Quando olhamos para os media de um ponto de vista da gestão, economia e
finanças, podemos tentar pensar que os media são empresas com produtos que são
basicamente semelhantes a outros produtos e que estão sujeitos a regras e
regulamentos semelhantes. A incerteza é um padrão significativo no panorama da
gestão dos media, e é sempre influenciada pelas mudanças tecnológicas e culturais. Os
media também são diferentes porque lidam com o talento e a criatividade e por isso
têm um valor largamente intangível.
Os media são um negócio guiado pela personalidade, o que faz com que a
responsabilidade e preocupação pessoal sejam muito importantes. Por exemplo, na
história recente das emissões norte-americanas é impressionante a importância de
alguns indivíduos: jogadores corporativos como Ted Turner, Roger Murdoch, Walter
Isaacsson, Bob Wright, Roger Ailes ou Tom Johnson; talento no ar como Lou Dobbs,
Dan Rather, Peter Jennings,Tom Brokaw, Sean Hannity, Larry King, Paula Zahn, Phil
Donahue, Connie Chung, Bill O’Reilly ou Greta Van Susteren (Collins, 2004).
Poderíamos acrescentar Greg Dyke no Reino Unido. Cinco ou seis pessoas nos
primeiros anos da indústria do cinema – Cohn, Mayer, Warner, Fox, Thalberg –
empresas estabelecidas que ainda controlam o mercado (Gabler, 1988). Este é um
negócio guiado pela personalidade, que faz com que a responsabilidade e preocupação
pessoal sejam ainda mais importantes.
Os media também estão legalmente protegidos. A indústria dos media tem um
nível de liberdade e protecção que não é comum e que a distingue das outras indústrias.
A liberdade de expressão e o direito dos cidadãos a serem bem informados são valores
protegidos. Desde Alexis de Tocqueville que foi incentivada a força dos jornais
americanos e a sua habilidade para criar o debate político, pelo que os media são
considerados como a força que cria e mantém os sistemas políticos democráticos fortes.
Os media influenciam e reflectem a cultura. Eles próprios são produtos
culturais. Os anúncios são um bom exemplo. Twitchell considera os 20 anúncios no
seu livro como «análogos aqueles trabalhos marcantes da alta cultura a que F.R. Leavis
chamou a Grande Tradição. Estes anúncios são aquilo que nos tempos medievais era
chamado de sententiae, aquelas passagens de matéria teológica que podiam ser
expandidas ou contraídas, mas não podiam ser postas de lado. Estes são os clichés do
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comercialismo, as passagens centrais de palavras e imagens que não saem da cabeça,
apesar de apenas passarem à frente dos nossos olhos por breves segundos. Eles são
muitas vezes, de uma forma, inspirados. Conhecemo-los mesmo que não os tenhamos
visto, porque a nossa cultura foi construída à volta deles» (Twitchell, 2002: 5).
Alguns falam dos media como exemplos clássicos das indústrias culturais,
contratos entre a electrónica, o comércio e as artes, como Caves (2000) escreveu. Florida
(2002) também mencionou a influência da classe criativa no seu mais recente livro.
A cultura tem hoje novas expressões. Alguns diriam que os media são novas
formas de arte e completam as missões que a pintura e a escultura já cumpriram no
passado. Muitos deles, como livros, música e filmes estão intrinsecamente ligados aos
conglomerados dos media que são capazes de usar os produtos culturais em diferentes
janelas e trazê-las para a audiência usando diferentes tecnologias, desde a televisão ao
computador; do telemóvel ao rádio satélite. Os media contemporâneos trazem
consigo um engenho e negócio acumulado impressionantes.
Mas os media também precisam de vender e fazer negócio de sentido. Por isso
existe um número de equilíbrios a ser atingido, o que faz com que este negócio seja
particularmente único e cheio de desafios e por isso um óptimo local com recompensas
sociais e intelectuais de grande relevo. Por isso temos quatro desafios reais.
Primeiro, as pessoas do negócio dos media têm de reconhecer as artes, a
beleza, a criatividade, o bom conteúdo. Eles precisam da paixão nos media; têm de
estar apaixonados pelas empresas que criam a cultura popular. Eles também precisam
de perceber que o processo criativo é por vezes bastante complexo. Na indústria do
cinema, por exemplo, o processo tem três fases que podemos resumir como préprodução, produção e pós-produção. Eles agregam grupos completamente diferentes
de pessoas que trabalham por projecto. Apenas o realizador, actores e escritores estão
sempre presentes.
De forma a perceber a criatividade, é bom que os empresários percebam o
contar de histórias (McKee, 2003). Regularmente, os empresários trabalham de uma
forma extremamente analítica com factos, estatísticas e autoridades. O problema é
que essas pessoas não agem apenas com a razão. É mais poderoso nos meios dos media
o unir uma ideia com emoção. Contar uma história emotiva é geralmente a melhor
forma de o fazer. Num mundo dos media em constante mudança, uma história criativa
exprime as mudanças na vida. Começa com um cenário em que tudo está
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praticamente no seu sítio. Mas depois os acontecimentos mudam o equilíbrio. É o que
os escritores apelidam de acidente incentivado.
Os ambientes dos media estão cheios de inconsistências e incertezas. É de tal
forma um cenário conflituoso que as expectativas subjectivas chocam com a realidade
que não coopera: «os bons contadores de histórias descrevem como é lidar com as
forças opostas, pedindo ao protagonista que procure mais fundo, que trabalhe com
poucos recursos, que tome decisões difíceis, que aja apesar dos riscos e que por último
descubra a verdade» (McKee, 2003: 52). Os gestores de media orientados para o
negócio têm de perceber os desafios únicos que se apresentam na indústria dos media
e do entretenimento e precisam de reconhecer um boa história, a essência da
criatividade, para poderem aplicá-las no seu trabalho de todos os dias.
Segundo, as pessoas criativas precisam de entender o lado do negócio: fazer
produtos vendáveis tem de ser uma parte do processo criativo. É mais fácil dizer isto
do que fazê-lo. Como diz o ditado da indústria do cinema: «Em Hollywood ninguém
sabe nada» (Goldman, 1983). É surpreendente o tamanho de trabalho criativo que é
feito com pouco conhecimento empresarial e falta de conhecimento da audiência,
apenas por “instinto”.
Terceiro, ambos os grupos devem falar competentemente um com o outro,
respeitando a sua autonomia mas deitando abaixo todas os velhos muros, que as
redacções chama de “Igreja e Estado”, dois mundos separados que desconfiam
profundamente um do outro ou se ignoram.
Finalmente, os dois grupos de indivíduos precisam de saber que trabalham
com produtos de alto impacto cultural e que a sua responsabilidade não pode ser
transferida. Muitas das principais personagens da indústria dos media e do
entretenimento compreenderam este como sendo o caso: “o meio é muito poderoso
e uma influência demasiado importante na forma como vivemos, como nos vemos,
para ser deixada nas mãos da tirania das bilheteiras ou reduzida ao mais baixo
denominador comum do gosto público” (Putnam, 1986).
Por isso os gestores dos media têm de perceber que nos produtos culturais
como o mercado dos media é necessário mas não o suficiente. Podem existir lições
para serem aprendidas na gestão das artes. Ao gerir as artes, um único trabalho é
publicitado e os gestores tentam que as pessoas gostem de alguma coisa que eles não
saibam. Os gestores são “condutores de mercado”. Eles vêem uma necessidade e levam
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as pessoas a reconhecer uma obra de arte, por exemplo. Por vezes os gestores dos
media têm de fazer o mesmo.Têm de conduzir o mercado e não apenas ser conduzido
por ele, encontrando uma procura e tentado satisfazê-la, com tudo o que seja preciso.
1.5 GESTÃO DE EMPRESAS DE INFORMAÇÃO E RESPONSABILIDADE
PÚBLICA
Alfonso Sánchez Tabernero*
1.5.1 O Jornalismo numa lógica económica
Desde há um século e meio que o jornalismo se converteu a uma lógica de
mercado, que coloca excelentes possibilidades de transformar o capital investido.
Com efeito, a partir de 1850 verifica-se a coincidência de diversas inovações técnicas
e comerciais que permitem o desenvolvimento de uma verdadeira indústria de
informação: o aparecimento das primeiras agências noticiosas, a aplicação de uma
máquina de vapor à imprensa, a descoberta de novos procedimentos de fabrico de
papel para a imprensa, o desenvolvimento do telégrafo e do comboio e a aplicação da
publicidade como fonte essencial de receitas em jornais e revistas.
Até esta data, o jornalismo estava ligado a âmbitos distintos, sobretudo,
políticos, literários e culturais – mantendo-se quase completamente alheio ao lucro.
Nos primeiros duzentos anos de actividade jornalística (desde o aparecimento de “La
Gazette” até à 2ª metade do século XIX), as questões éticas referiam-se a aspectos
como o respeito das pessoas e as ideias alheias e o emprego de recursos legítimos para
defesa dos interesses próprios. Não obstante, a introdução plena dos meios de
comunicação na engrenagem económica dos países ocidentais modificou notavelmente
o campo da deontologia jornalística. Depois da II Guerra Mundial e de forma mais
eloquente a partir de 1980, os directores e empresários substituíram os redactores na
hora de tomar decisões mais importantes nas empresas jornalísticas.
* Vice-Reitor e Ex-Decano da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade de Navarra.
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Como afirma Ducker (1990), a muitos destes directores ocorreu o mesmo
que ao senhor Jourdain, a célebre personagem de “O cavalheiro burguês” de Moliére,
que não sabia falar em prosa, «consequentemente, encontravam-se mal preparados
para as mudanças que agora enfrentam».
Na sociedade contemporânea requer-se uma grande quantidade de informação
para participar na vida política, para aperfeiçoar cada actividade profissional e para aplicar
em momentos de ócio e tempo livre. Talvez, por tudo isto, a informação se tenha
transformado na matéria-prima de um negócio particularmente próspero (Colom, 2004).
O desenvolvimento da indústria informativa influiu, assim mesmo, no
crescimento da manipulação publicitária. Em quase todos os sectores económicos cada
vez são menores as diferenças entre os produtos e os serviços oferecidos pelas
empresas. Por este motivo os recursos publicitários funcionam como chave necessária
para convencer o consumidor.Além disso a cultura de consumo, própria das opulentas
sociedades ocidentais, fomenta a aquisição de bens desnecessários.
A análise das mensagens publicitárias mostra que as agências conhecem esta
realidade pelo que os carros não se vendem para se deslocar mas para se sentirem
“caçadores de liberdade”, as roupas para se vestir mas porque “é primavera” e porque
“ a festa da moda chama à nossa porta”. Deste modo, entende-se a razão pela qual as
manipulações publicitárias cresceram durante as últimas décadas.
Independentemente da estrutura de indústria, o trabalho de cada jornalista
implica um exercício contínuo para decidir sobre o conteúdo ético, visto que existe
um pacto tácito assumido por ele, em que o público confia na honestidade e
profissionalismo do informador (Sancho, 2004). De qualquer forma, o que
actualmente se coloca em questão no âmbito informativo não é a carreira política do
promotor, ou as velhas disputas de carácter local, mas os dividendos de milhares dos
accionistas. É neste contexto que os directores e gestores dos media exercem o poder
de decisão nos aspectos cruciais das empresas. A gestão da informação requer uma
maior atenção por parte da deontologia jornalística.
Estas páginas pretendem, pelo menos, apresentar as linhas directivas ou
orientadoras com maior interesse ético, pois destas depende uma boa parte da
qualidade e verdade da informação. Em cada um destes aspectos existe uma
multiplicidade de detalhes acerca do “dever do gestor” que não serão esgotadas neste
artigo.Também se recorre a alguns exemplos, com o objectivo de ilustrar as opiniões
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expostas. Contudo, em nenhum dos casos se pretende analisar - nem sequer de forma
sumária - as estratégias de informação citadas.
1.5.2 Participar na revolução empresarial informativa
A sociedade actual caracteriza-se por um alto nível competitivo em todas as
indústrias e sectores comerciais. As empresas requerem um estado de inovação
permanente - procura de novas ideias, procedimentos comerciais mais eficazes, troca
na relação com os clientes, promoções agressivas, etc. – para não sucumbir perante a
concorrência de outras companhias a operar no mesmo mercado. A multiplicação dos
canais de informação gera a rápida imitação de fórmulas comerciais de êxito, pelo que
as variações no domínio de cada sector industrial são muito frequentes. A “febre” das
fusões, absorções, troca de propriedade e desaparecimento de empresas, que pouco
tempo antes pareciam possuir excelente saúde, revelam a dificuldade para conservar
cotas de mercado e capacidade de liderança em cada mudança de ciclo económico.
Nos anos oitenta a ideia de atingir a “excelência empresarial” converteu-se
num dos pilares da cultura Ocidental. Um dos difusores desta ideia sugere que o fim
da “excelência” vai necessitar uma redefinição completa, se pretende afirmar no
futuro. Segundo Peters (1990,p.4) «As empresas excelentes não acreditam na
excelência, mas apenas na realização constante de mudanças e melhorias»
Para as empresas de informação, a excelência, definida como a determinação
de inovar permanentemente e adequar-se a um mercado de grande versatilidade,
implica um duplo efeito: em primeira instância, os negócios da comunicação estão
abertos a um maior número de pessoas e portanto, é mais exequível participar na
direcção e gestão dos meios de informação mas, por outro lado, o nível extremo de
concorrência parece exigir o esquecimento dos “malogrados reparos éticos”.
Se a supervisão empresarial é difícil, não parece existir espaço para qualquer
ideia que possa desviar uma companhia do mais puro ânimo de lucro. Além disso, a
inovação permanente requer estruturas flexíveis e estas são se conseguem com
culturas e normas corporativas simples. Com considerações deste teor constrói-se a
ideia de que se pode ser um bom gestor de empresas informativas (e alcançar a
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máxima rentabilidade do capital investido) ou uma boa pessoa (e seguir os ditames da
própria consciência), mas não ambas as coisas ao memo tempo.
O problema acentua-se quando na sociedade se generalizam formas distintas
de imoralidade. Nestas circunstâncias, o comportamento ético pode ser entendido
como “não exigível”, perante a desvantagem que pode constituir seguir
“solitariamente” as normas morais. Surge então, frequentemente, o recurso a casos
limite, com os quais se intenta mostrar a dificuldade de navegar com coerência no
panorama tormentoso da gestão de empresas informativas.
A obrigação de pagar impostos constitui um dos exemplos mais
característicos deste tipo de argumentos: só em casos de mercados muito
competitivos, nos quais se desencadeiam “guerras de preços”. Quando numa situação
hipotética existem duas empresas com características idênticas, aquela que deseja
declarar parte das suas vendas pode situar o preço das suas ofertas em níveis inferiores
aos da companhia que cumpre as suas obrigações fiscais.
Apresenta-se mais difícil encontrar resposta a outra consideração que
manifesta a dificuldade em seguir uma conduta ética no âmbito informativo: os valores
que a pessoa assume - antes que se estabeleçam em termos abstractos com
solidariedade e respeito pela dignidade humana – tendem a esbater-se e, em certas
ocasiões, a desaparecer quando está em jogo a trajectória económica das empresas
informativas (Pomomi, 1980 e Piquet, 1984).
Nenhum jornalista considera “moralmente admissível” que o objectivo
exclusivo de um meio de comunicação seja conseguir a rentabilidade máxima do capital.
Inclusive muitos directores destas empresas coincidem nesta crítica de capitalismo
informativo. Não obstante, quando se examina o comportamento do sector jornalístico
antes da abertura do grande mercado, o que sucedeu nos anos noventa, na Europa de
Leste, ou na década seguinte em alguns países asiáticos, torna-se difícil encontrar
iniciativas em que os objectivos económicos não adquiram um certo protagonismo.
Perante este panorama as pessoas que pretendem ser coerentes com as suas normas de
conduta podem julgar que a direcção das empresas de informação não constitui o campo
mais apropriado para desenvolver a sua actividade profissional. Contudo, três ideias
contradizem esta possibilidade de decisão: as repercussões da actividade informativa,
com um efeito multiplicador evidente; a coerência ética levada às últimas consequências,
que deve incluir a determinação de seguir princípios difíceis; e a possibilidade real de
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participar na gestão dos meios de informação sem pôr em causa os seus próprios valores,
como pretendemos demonstrar.
Até agora, os estudos sobre deontologia jornalística não incidiram de forma
prioritária no comportamento ético dos directores (Soria, 1989) mas sim na
capacidade de decisão dos aspectos mais importantes – incluindo, na maioria dos
casos, os de maiores repercussões éticas – passaram do âmbito informativo para o
directivo. Certamente que o eco do jornalismo possa perder a sua condição de arte
liberal e se assemelhe cada vez mais aos trabalhos “por conta de outrém” não justifica
que o informador venda, além do seu esforço e perícia técnica, as suas ideias e valores.
Pelo contrário, se na empresa em que trabalha não pode desenvolver a suas tarefas de
acordo com as suas convicções, deve procurar outro lugar em que estas sejam
respeitadas. Inclusivamente pode ver-se obrigado a promover uma organização da
informação própria se não encontra este âmbito de trabalho, adequado à dignidade
humana e ao seu próprio critério.
Contudo a existência de empresários ligados à informação que promovam os
valores morais básicos constitui o caminho mais adequado para impedir que o
exercício profissional ético fique reservado aos jornalistas com uma coragem
extraordinária. Os comunicadores comprometidos com o “dever ser” da sua profissão
podem constituir uma minoria dentro de uma conjuntura dominada pela
determinação de triunfar a qualquer preço (Toussaint-Desmoulins, 1989).
Perante este desejo, constata-se que um importante número de empresas
informativas não faz um juízo erróneo acerca dos deveres deontológicos, mas um
problema prévio: a carência de preocupações deste teor. Quando muito, “as
declarações de serviço à sociedade” são parte da necessária “boa imagem corporativa”,
que resultam em meros ornamentos de que se prescinde, quando o seu cumprimento
possa comprometer os resultados da empresa.
Não obstante, todas as empresas informativas - incluindo as que têm atenção a
questões éticas mais generalizadas - têm normas de conduta que implicam pelo menos um
nível mínimo de compromissos éticos: um certo “bom comportamento” que resulta
necessariamente da actividade económica baseada na confiança. Sem esta, não resultam
possíveis intercâmbios entre as empresas e os seus clientes. Pelo contrário, a credibilidade
máxima permite resolver situações limite que gerariam a quebra de outras empresas.
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A análise de alguns autores sobre a situação financeira das empresas de Rupert
Murdoch coincide com estas apreciações. Por exemplo Ress-Mogg investigou porque
é que os bancos financiaram as dívidas de News Corp, por tradição muito elevadas.
Ninguém discute a origem deste endividamento: cada empreendedor actua com uma
margem de risco e o de Murdoch é muito elevado pois tende a adquirir mais empresas
das que a liquidez do seu grupo aconselha.
Há alguns anos Murdoch perguntava-se que empresário australiano havia
conseguido gerir a sua empresa “de forma equivalente a um piloto de corridas que
anda no limite das suas possibilidades. (...) Mais importante, durante quarenta anos
sempre se comportou assim e nunca foi mais além dos limites. Como sobreviveu?
Penso que a primeira razão é porque sou honesto” (Res-Mogg, 1990).
Os bancos conhecem a estratégia da News International: alta tolerância de
capital alheio, bons activos, boa gestão e um presidente que durante mais de quatro
décadas respondeu aos seus compromissos financeiros e também optou por uma
política de menor risco até ter atingido este equilíbrio. Portanto, existe um mínimo
denominador comum de compromissos éticos necessários que as empresas de
informação devem auto impor-se para gerar confiança nos ciclos económicos e poder
perdurar. Este “mínimo” é superior ao das outras empresas, pois os cidadãos são
especialmente sensíveis à falta de credibilidade de quem “vende” informação, cultura
e entretenimento. Contudo, os “mínimos éticos” não garantem em absoluto a
construção de um quadro informativo em que se respeite a dignidade humana. Os
mínimos para sobreviver estão separados por um abismo dos requerimentos éticos do
“dever ser” na direcção das empresas informativas, ou seja, a credibilidade resulta da
compatibilidade com um alto grau de carências deontológicas.
A questão de fundo permanece: como conciliar a coerência ética e a eficácia
empresarial. Numa primeira análise pode dizer-se que o respeito pela dignidade
humana gera evidentes desvantagens económicas a curto prazo, por exemplo, quando
um meio de informação não aceita a publicação ou retransmissão de um anúncio que
incita à violência e a comportamentos desumanos. Mas, ao mesmo tempo, a cultura
empresarial fortemente enraizada na deontologia jornalística proporciona vantagens a
longo prazo, fruto da confiança dos clientes e da grande motivação dos empregados,
como se explana na epígrafe seguinte.
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O empreendedor actua como “corredor de fundo”, o seu estilo não consiste
em aproveitar vantagens ocasionais, amizades com o poder ou pequenas benesses:
estas “oportunidades“ permitem enriquecimentos súbitos mas não sustentam um
projecto empresarial de longo alcance. Os verdadeiros empreendedores procuram a
criação de riqueza e a dignificação dos cidadãos, especialmente dos que fazem parte da
sua própria empresa (Gilder, 1986)7.Actuam deste modo pelas suas convicções éticas,
mas ao mesmo tempo sabem que só desta forma o seu triunfo pode ser duradouro.
O resultado lastimoso é que quem poderia chegar a converter-se em
empreendedor se deixe deslumbrar pelos êxitos momentâneos dos oportunistas e
decidam imitá-los, ou que, no melhor dos casos, abandone o âmbito da gestão de
empresas de informação. Com qualquer uma destas decisões perde-se uma excelente
ocasião de fomentar ciclos de trabalho humanizados, com um efeito positivo
multiplicador.
É necessário que os directores que estão dispostos a actuar com coerência
entendam que o comportamento ético não implica de uma forma necessária e
exclusiva desvantagens em relação à concorrência.Assim resultará, de uma forma mais
habitual, a presença desta classe de directores em negócios de comunicação e,
consequentemente, o equilíbrio do panorama que, no presente momento, aparece
dominado por objectivos exclusivamente comerciais.
1.5.3 A gestão de pessoas
As relações dos directores com os seus empregados constituem o primeiro
campo de aplicação das convicções éticas. Em simultâneo, neste ciclo intra empresarial
detecta-se de forma mais clara do que em qualquer outro âmbito a eficácia económica
do comportamento ético. Contudo nem a direcção de recursos humanos fica isenta do
carácter paradoxal que se extrai das relações entre a ética e as relações económicas.Ao
nível das decisões gerais constata-se novamente que as aparentes contradições entre o
comportamento ético e a gestão eficiente só se resolvem trespassando o umbral dos
resultados a curto prazo.
Tomemos como exemplo o problema dos salários. As empresas pretendem
construir uma estrutura de custos flexível, quer dizer, com predomínio das rubricas
7 Esta é a tese central do livro de G.Gilder, O Espírito da Empresa: frente aos equilíbrios do poder dos oportunistas, “o
trabalho dos empreendedores consiste em derrubar a ordem estabelecida” (p.19).
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“variáveis” contra as “fixas”. Desta forma, antes da recessão económica, as empresas
podem responder através de uma rápida diminuição dos gastos que equilibrem a
descida das vendas. Os custos fixos são a maneira pela qual os directores controlam o
seu crescimento de forma rigorosa. Quando as empresas assumem esta ideia de forma
maximalista geram-se consequências negativas para os empregados: tendem a retardar
as decisões acerca do crescimento dos quadros e mesmo que a actividade informativa
tenha aumentado consideravelmente o aumento dos salários não ultrapassa o índice de
inflação, logo mesmo que empresa obtenha rendimentos altos os empregados não
melhoram o seu nível de vida. Em sequência das decisões anteriores, empregados
pouco qualificados ou em fase de aprendizagem realizam tarefas que ultrapassam as
suas funções, pois constituem um “gasto prescindível” se as empresas se vêm obrigadas
a reduzir a sua actividade.
Como assinala Picard (1989), a controvérsia acerca dos salários afecta de forma
particular as empresas de informação. Três motivos específicos induzem à procura da
flexibilidade máxima dos gastos com o pessoal nos negócios de comunicação.
Em primeiro lugar, as possibilidades de emprego crescem neste sector a um ritmo
notavelmente inferior à oferta (fenómeno provocado pela massificação de boa parte das
faculdades de Comunicação), o que origina mão-de-obra barata, disposta a submeter-se.
Em segundo lugar, os empregados representam uma grande percentagem dos
gastos totais nas empresas de informação, com frequência superam 30% dos gastos
totais, pelo que uma redução significativa desta contrapartida permite obter maiores
benefícios.
A terceira razão refere-se ao extraordinário impacto que causam as recessões
da economia nas empresas de informação, tanto no volume de vendas como nas
receitas de publicidade. A difusão das publicações e o número de clientes de canais de
televisão pagos tendem a descer sensivelmente quando diminuiu o poder de compra
dos cidadãos, visto que as recessões afectam mais o consumo de bens “prescindíveis”
do que os bens de primeira necessidade.
A incidência das crises económicas na manipulação publicitária é mais
dificilmente comprovada. Nas empresas com uma grande percentagem de gastos
fixos, uma redução do volume de produção – exigida pela descida da oferta – não
supõe uma diminuição significativa dos gastos. Portanto, nestas empresas manter o
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volume de vendas constitui um objectivo prioritário, pelo que tendem a não alterar o
seu volume de manipulação publicitária em períodos de crise.
Contudo, a maior parte das empresas possui uma importante proporção de
gastos variáveis, pelo que o seu volume de manipulação publicitária está directamente
ligado às expectativas do mercado (Albarran, 2002). As recessões afectam de forma
directa o nível de consumo e os benefícios das empresas. Por conseguinte, as crises de
consumo provocam a descida da manipulação publicitária e convertem a maioria das
empresas de informação em negócios particularmente vulneráveis, sobretudo, se não
podem reagir com rapidez face à diminuição da facturação.
O comportamento particular dos custos e proveitos das empresas de
informação dificulta a satisfação das aspirações básicas de todo o trabalhador: receber
um salário justo, adquirir uma estabilidade razoável no seu emprego e ver reconhecida
a qualidade dos seus trabalhos. Neste contexto o objectivo da direcção consiste em
conciliar as legítimas aspirações laborais com a flexibilidade da estrutura de gastos das
empresas.
Numa análise economicista o cerne deste problema sugere uma estratégia a
curto prazo, mas com efeitos muito negativos no futuro: o estabelecimento de quadros
incapazes de realizar um bom trabalho. Com efeitos imediatos, os melhores
empregados procuram outros âmbitos de trabalho onde valorizem o seu talento e nas
redacções surge a desmotivação porque a qualidade informativa não alcança níveis
aceitáveis. Neste sentido Ducker (1990: 333) afirma de forma contundente que as
organizações “devem comprometer-se com objectivos comuns e valores partilhados.
Sem este compromisso não existe empresa. Só existisse um conjunto de pessoas”.
As empresas que sobrepõem, de forma quase total, os interesses dos
accionistas às necessidades dos empregados actuam contra as normas éticas mais
elementares; além disso introduzem um elemento grave de falta de competitividade –
redacções insuficientes, pouco profissionais e desmotivados – que comprometem os
resultados da empresa a longo prazo. A falta de ética gera, de novo, consequências
paradoxais: a decisão de beneficiar os investidores ou proprietários em detrimento dos
empregados leva a uma debilidade da empresa no mercado, que pode gerar efeitos
irreparáveis para os efeitos dos accionistas. A política de salários constitui um
elemento básico à aplicação dos princípios éticos à gestão de recursos humanos.
Contudo, também outros aspectos deontológicos requerem uma análise atenta. Com
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efeito, as condições laborais exigidas e o respeito pela dignidade humana não se
limitam à justa retribuição dos empregados.
Choza (1987:746) distingue três níveis progressivos na satisfação da dimensão
criativa do trabalho: o homem persiste como “ser vivo” quando o seu trabalho lhe
proporciona exclusivamente os meios necessários para sobreviver, é “homem” quando
por meio da sua profissão aprende e expressa-se, e converte-se em “senhor” quando o
seu trabalho se transforma e se humaniza.
De acordo com esta análise, as empresas de informação devem estabelecer
condições laborais próprias de “homens” e se possível (nos trabalhos intelectuais será
assim) em “senhores”. Este objectivo requer que se dote cada tarefa profissional de
certos níveis de racionalidade, autonomia e gestão. Para isto, os empregados devem ser
considerados pessoas singulares – com circunstâncias, aspirações e problemas
particulares – e não como elementos do processo produtivo, indignos de condições
individualizadas. Estas ideias só podem ser entendidas e assumidas através de uma
“antropogia positiva”: necessariamente baseada na convicção de que, em geral, as
pessoas desejam realizar bem o seu trabalho e que, em certos aspectos, estão dispostas
a realizar tarefas que ultrapassam o estipulado nos seus contratos, sempre que se
estabeleçam condições laborais idóneas.
Entre estes requisitos, além dos referidos – salários justos, possibilidade de
expressão e atenção individual aos empregados – podem assinalar-se outros: condições
materiais de trabalho adequadas, flexibilidade de horários (na medida em que a
actividade produtiva e comercial da empresa o permita), fluida comunicação interna
(que desenvolve a unidade de fins nas empresas de comunicação), apoio às iniciativas
e ao espírito inovador, participação nos benefícios, que constitui uma das formas mais
coerentes e práticas de demonstrar que a empresa é tanto dos que lá trabalham como
dos investidores.
Durante os últimos anos aumentou o número e variedade de estudos sobre
sistemas de motivação dos empregados. Na empresa de informação, a inovação requer
uma cultura de partilha entre a gerência e a redacção, ou seja, os jornalistas assumem os
objectivos da empresa. O “Príncipe” de Maquiavel explica que o inovador necessita
muito apoio: “Deveria reconhecer-se que não existe nada mais árduo de empreender,
mais perigoso de gerir ou mais difícil de levar a cabo com êxito do que tomar a dianteira
na introdução de uma nova ordem de coisas. Isto porque o inovador tem por inimigos
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todos aqueles que cresceram pouco face a condições anteriores” (Peters, 1990).
Com frequência, em sintonia com o materialismo maquiavélico, a
redescoberta da “face humana da empresa” coloca-se em termos de eficácia
económica: muitos destes ensaios e investigações pretendem mostrar o caminho mais
eficiente para melhorar a produtividade do “factor trabalho”. Deste modo, proliferam
as listas de normas e sugestões acerca do desenvolvimento de maiores níveis de
motivação, sobretudo em indústrias culturais de carácter criativo.
Adair (1990:93-103) assinala regras práticas para motivar os demais: «a automotivação; seleccionar pessoas altamente motivadas; tratar cada pessoa de forma
individual; ser realista; e criar objectivos “lógicos”. De assinalar que a sensação de estar
a progredir motiva, criar um ambiente motivador, proporcionar recompensas
adequadas e reconhecer publicamente o trabalho bem feito».
Algumas destas regras implicam decisões humanizadas ao nível empresarial.
Ainda assim, a coerência dos princípios éticos sobrepõe-se às exigências da estratégia
motivadora. A ética é apreciada por si só, e neste caso como um dever com os
empregados e a sociedade; desde que a motivação se situe num plano materialista.
Portanto, quando o comportamento ético proporciona vantagens económicas
evidentes, exige seguir um sentido de dever que quebra com a ideia dominante do
pensamento liberal-capitalista: a rentabilidade económica não deve constituir o motor
exclusivo da actividade empresarial.
1.5.4 Cultura empresarial e difusão de mensagens
Ao analisar o primeiro plano da aplicação dos princípios éticos – o âmbito
intra empresarial – devemos dirigir a nossa atenção para outras exigências
deontológicas das empresas de informação: as que fazem referência à emissão da
mensagem. Neste campo o comportamento ético condensa-se na difusão de
conteúdos que não desvirtuem os aspectos básicos da natureza humana. Por
conseguinte, a obrigação dos meios de comunicação consiste em servir o público, e
não utilizá-lo para fins económicos, políticos ou ideológicos. Com o objectivo de
impulsionar esta ideia de serviço, muitos governos e organismos internacionais
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promulgaram uma legislação abundante que nem sempre alcançou os objectivos
desejados (Harcourt, 2005).
Quase todos os editores de jornais e revistas estão de acordo no planeamento
geral. Basta analisar os primeiros números de publicações distintas para comprovar
que muitas coincidem nas “declarações de boa fé”: nesse primeiro editorial só se
afirma a intenção de ser um eco do mercado, de servir o público, defender os valores
humanos e contribuir para o enriquecimento cultural da sociedade.
Cada publicação – em analogia com o que acontece com os meios audiovisuais
- que começa a escrever a sua própria história transporta esta primeira ligação com os
leitores. Contudo, depois dos princípios editoriais expressos quase com as mesmas
palavras, os diários e revistas empreendem diferentes linhas de actuação, nas quais
dificilmente se podem descobrir ideias ou ambições comuns. Esta divergência de
rumos, a partir do ponto inicial idêntico, explica-se em boa parte pelas supostas
intenções filantrópicas ou solidárias que não comprometem a nada, pelo contrário, em
alguns casos limitam-se a configurar a aparência ética, esta actua como maquilhagem
conveniente para o objectivo de lucro desmedido, que é entendido pelos cidadãos
como inadequado para qualquer empresa de informação. Com o decurso do tempo,
esta estratégia pseudo-ética revela-se ineficaz, perante a incoerência das declarações e
conduta quotidiana, os cidadãos descobrem o planeamento materialista: a este tipo de
empresas só interessa a ética na medida em que a aparência de deveres deontológicos
proporciona uma boa imagem de mercado.
A cultura empresarial, na sua face externa de difusão de mensagens de
informação, implica um compromisso verdadeiro com a ideia de serviço público. A
delimitação deste objectivo depende da visão do homem e do mundo que os
promotores e gestores tenham da empresa de informação. Sem pretensão de esgotar
no âmbito próprio da antropologia, podem denunciar-se como exemplos de
debilidade o sentido ético da difusão de mensagens que manipulam a realidade, que
incitam ao consumo desmedido, a actuações violentas e à satisfação imediata dos
desejos individuais.
O compromisso deontológico na difusão de mensagens fundamenta-se na
ideia de verdade. Como salienta Nieto (1989:65), qualquer outra atitude –
materialista ou acéptica – despersonaliza as relações entre a empresa de informação,
o público e os anunciantes: «Ser verdadeiro é a condição própria das pessoas, só por
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analogia se pode atribuir às coisas. Difundir é iniciar um diálogo entre pessoas, pois as
relações comerciais entrecruzadas pela difusão informativa são relações de pessoas».
A coerência com a cultura empresarial – com os valores expressos
publicamente e partilhados pelos membros da organização – configura a pedra de
toque do sentido ético. O conflito entre a racionalidade económica e os critérios
éticos surge quando falta a sintonia entre os princípios editoriais da empresa e a
cultura dominante do seu mercado. Neste aspecto podem distinguir-se, mesmo assim,
as posturas maximalistas: num extremo em que se situam as empresas de informação
que não seguem princípios próprios: a sua filosofia editorial identifica-se com o que o
público pede a cada momento. A estratégia oposta consiste em ignorar o dinamismo
da sociedade e manter invariavelmente a orientação editorial própria.
Em Espanha, a indústria das “notícias” é o exemplo do primeiro tipo de
empresas, que relegam a sua cultura às exigências imediatas do mercado. A partir de
1974 o Cambio 16 aproveitou a debilidade do regime de Franco para introduzir o
modelo iniciado pelo Time em 1923, que mais tarde seguiriam o Newsweek, Der Spigel,
Le Point, L’Express e tantas outras revistas. Estas publicações, com formato misto,
oferecem uma análise semanal dos principais acontecimentos políticos, económicos e
culturais dos seus países.
O aparecimento de outras publicações no mercado espanhol – Tiempo, Época
e Tribuna da Actualidad – introduziu uma forte concorrência para atingir a liderança na
difusão informativa. Como consequência deste postulado, os quatro jornais
reorientaram paulatinamente os seus conteúdos. Uma rápida análise dos títulos entre
1982 (ano de lançamento do Tiempo) e 1990 permite entender a evolução editorial: os
semanários transformaram a análise política no comentário superficial e escandaloso
acerca da vida dos políticos, artistas e outras figuras famosas. No mesmo período
surgiu um fenómeno oposto: em muitos periódicos não houve a variação dos
princípios editoriais, distanciando-se cada vez mais da cultura dominante. Estes diários
atravessam bastantes crises e em alguns casos chegaram a desaparecer8.
Tais imobilismos podem classificar-se de riscos de tempos passados. Na
actualidade, o estudo e a adequação às preferências do mercado constitui o
fundamento para o êxito de qualquer empresa. Não obstante, desvirtuar o conteúdo
do meio de comunicação por imperativos do mercado pode implicar uma carência
ética: a decisão de criar um “produto” de acordo com as solicitações da maioria, sem
8 Estes problemas analisam-se em Top Fifty Media Owners, Zenith Media Worldwide, Londres, 1991 e no Le marche
mondial de l’audiovisuel, IDATE, Montpellier, 1990.
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nenhum tipo de contraponto, esbate o perfil editorial e impede que o meio de
comunicação adquira personalidade própria.
Nestes casos, os empresários de informação preferem esquecer que as
indústrias culturais influem na conduta das pessoas.Além disso, constata-se novamente
que, a longo prazo, o erro ético prejudica gravemente a empresa: as reportagens
sensacionalistas aumentam de forma imediata a difusão de uma publicação ou a
audiência das emissoras de rádio e das cadeias de televisão. Contudo, acarreta a
vulgarização do não usual, o público perde o interesse pelos sucessos extraordinários
que ajudam a entender a realidade presente.
A estratégia sensacionalista torna-se particularmente vulnerável, não requer
uma perícia especial e, por isso, pode ser imitada com facilidade pelos concorrentes. Os
meios de comunicação que não apostam na qualidade – pois o prestígio só incorpora os
leitores ou espectadores lentamente – perdem credibilidade, de tal forma que a sua
difusão limita-se ao público que se contenta com a leitura e contemplação de
acontecimentos pouco habituais, mas que ao mesmo tempo são irrelevantes.
Esta controvérsia acerca da adequação desejável às solicitações do mercado, à
harmonia entre o comportamento ético e a eficácia económica requer um equilíbrio
difícil. Os gestores podem prescindir de aspectos básicos da cultura empresarial, pois
os estudos de mercado proporcionam uma informação valiosa para corrigir os desvios
entre o meio e a sua audiência, nos múltiplos campos que desvirtuam os critérios
éticos e culturais da empresa.
Aceitar o repto da informação de qualidade pressupõe “saber esperar”, além
disso, como afirma Iglesias (1990:396) requer um grande nível de preparação
profissional, para «tornar interessante o importante». Muitas empresas de informação
identificam-se com este planeamento e adquiriram prestígio, que constitui o maior
obstáculo à entrada de novos concorrentes ao seu negócio.
O último patamar do comportamento ético na difusão de mensagens situa-se no
domínio publicitário. Apesar das conotações negativas acerca da actividade persuasiva da
publicidade, esta gera um triplo efeito benéfico na sociedade: ao possibilitar a existência
de meios de comunicação gratuitos e com um preço razoável, ao permitir o acesso à
informação pelos cidadãos e ao favorecer o consumo. Isto origina a existência de
economias de escala e, consequentemente, a diminuição do preço dos produtos.
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As empresas de informação não só dão resposta ao conteúdo redactorial, como
às mensagens publicitárias que, além disso, tendem a ocupar a maior parte do espaço e
tempo de emissão. Mesmo que a redacção não materialize as ideias persuasivas, a
organização informativa multiplica os efeitos dos anúncios. Portanto, as decisões
referentes às imagens e textos publicitários devem basear-se em critérios de verdade e
honestidade, análogos aos que nestas páginas se sugeriram para a actividade editorial.
Tal atitude provocará alguns prejuízos económicos, pois alguns anunciantes
procuraram suportes mais permissivos para a difusão das suas mensagens. Contudo, a
eliminação dos valores éticos na actividade publicitária revela um desejo de lucro
dominante, facilmente percebido pelo público. A empresa prescinde dos seus critérios
quando recebe uma contraproposta económica pelos conteúdos que difunde. Deste modo,
os leitores e espectadores distanciam-se da ideia empresarial que preside à actividade
informativa e, com frequência, procuram outras ofertas com maior coerência editorial.
1.5.5 Crescimento e diversidade empresarial
O crescimento da rentabilidade do sector impulsionou um campo de
aplicação dos valores éticos. Muitas empresas de informação ocidentais conseguiram
benefícios importantes durante as últimas décadas. Estes resultados positivos
possibilitaram o reinvestimento dos lucros noutros negócios de comunicação. Como
consequência desta tendência generalizou-se o desenvolvimento de grupos de
comunicação de âmbito regional, nacional e internacional (Doyle, 2003).
O crescimento das empresas obedece a várias realidades coincidentes: a
necessidade de adquirir ou promover novos meios para diversificar o risco
empresarial, a grande rentabilidade da indústria de informação, a conveniência de
destinar parte dos benefícios para o sector da comunicação no qual as empresas têm
experiência de gestão, a desregulação dos meios audiovisuais, que permite a entrada
de capital privado nas empresas de rádio e televisão e as estratégias defensivas para
dificultar a entrada de concorrentes no mercado e a possibilidade de converter em
“novos meios” (Tabernero, 2002).
Tanto a lógica económica (procura de economias de escala, sinergias entre os
diferentes meios e a diversificação do risco) como as exigências éticas (a conveniência de
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não se retirar de uma actividade de grande influência na sociedade), obrigam os
empresários da informação a integrar este processo de crescimento. Amiúde, as
estratégias de diversificação e crescimento constituíram-se à luz de um critério
exclusivamente económico: o princípio da máxima rentabilidade. Contudo, acrescendo
às expectativas de rentabilidade económica, devem considerar-se os factores
complementares. Em primeiro lugar que modelo de crescimento beneficia mais os
empregados, por exemplo, pois proporciona possibilidades de promoção profissional;
em segundo lugar que decisão se adequa melhor à ideia de serviço público.
Em alguns casos, o equilíbrio entre eficácia económica, atenção aos
empregados e o bem comum quebra-se pela atracção exercida pela “estética do
crescimento”. A megalomania e o desejo de poder suscitam decisões pouco rentáveis,
que prejudicam os trabalhadores e não trazem nenhum benefício para os cidadãos. Esta
atitude opõe-se à deontologia jornalística, e, como assinala Soria (1989:99), «a
qualidade da informação, tal como a técnica informativa fazem parte das normas
éticas: as normas de qualidade e as normas técnicas formam as normas éticas».
Nos últimos anos, quase todas as grandes empresas do sector sofreram os
efeitos negativos das suas estratégias de crescimento pouco razoáveis: Time-Warner,
Disney, Bertelsmann ou Vivendi tiveram de rectificar os erros causados pelo excessivo
endividamento ou por reconverter em suportes online projectos que não possuíam um
plano de negócios realista. Os processos de concentração mediática configuram
também uma nova dimensão na relação entre os media e o poder político. Vários
partidos e governos – sobretudo os do sul da Europa, onde existe uma maior tradição
de controlo político – orientaram de forma arbitrária a desregulação dos meios
audiovisuais. As concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão, as amizades
e coincidências ideológicas favoreceram a expansão de alguns grupos de comunicação.
A análise destas realidades provocou comentários críticos. Veljanovski
(1990:19), por exemplo, conclui que o mercado livre é preferível a qualquer tipo de
regulação ou intervencionismo: «os governos colocam sempre em primeiro lugar os seus
interesses em relação aos do bem comum». A liberalização dos negócios de informação
na Europa está a diminuir a capacidade de intervenção dos governos, em qualquer caso,
o principal requerimento ético das empresas na sua relação com o poder consiste em
evitar privilégios e favores que impliquem uma concorrência desleal.
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1.5.6 Em jeito de conclusão
Nestas páginas evitaram-se casuísticas e valorações detalhadas acerca de problemas
deontológicos concretos. O objectivo limitou-se a tentar reflectir sobre três aspectos:
• que os empresários devem assumir planeamentos éticos, o que
implica reconhecer que a rentabilidade económica não é o motor
exclusivo da empresa;
• que, perante a dificuldade de perseguir este objectivo, os gestores
comprometidos com critérios extra económicos não devem demitir-se do âmbito dos negócios de comunicação, pois a sua presença
neste sector beneficia os cidadãos;
• que a coerência ética e a eficácia empresarial não só são compatíveis,
como se exigem mutuamente.
Muitos dos conflitos entre a ética e a rentabilidade encontram solução a longo
prazo: quando a falta de ética produz insucesso e os valores de reconhecimento. Ou
seja, os empresários de informação com sentido ético não seriam deste mundo. E, pelo
contrário, não existe nada mais humano do que servir os outros.
1.6 ÉTICA JORNALÍSTICA COMO SINÓNIMO DE JORNALISMO
DE QUALIDADE
Jorge Pedro Sousa*
1.6.1 Introdução
A ética tem uma dimensão pessoal, expressa nos valores que cada pessoa
interioriza, cria e articula; e uma dimensão social, que corresponde à criação,
* Professor associado e investigador na Universidade Fernando Pessoa.
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integração e articulação de determinados valores pela sociedade. É a dimensão social
da ética que, em última instância, possibilita a vida em sociedade.
Assim, a ética jornalística tem também uma dimensão pessoal, resultante da
interiorização e articulação de valores por cada jornalista; e uma dimensão social,
expressa, em grande medida, nos valores profissionais, que por vezes se
consubstanciam em códigos normativos. Esses valores resultaram de uma evolução
histórica que foi continuamente aprimorando os modelos ideais de interacção entre os
jornalistas e entre o jornalismo e a sociedade.
A ética jornalística e a sua expressão profissional, a que podemos chamar
deontologia, não são palavras ocas nem devem ser perspectivadas como uma
aborrecida e eterna discussão teórica em torno de princípios e ideais não
concretizáveis. Pelo contrário, a ética jornalística tem aplicações práticas e está ligada
às qualidades e princípios que fazem do jornalismo um produto quotidiano com
qualidade. Ética jornalística e qualidade jornalística são sinónimos. Por isso, mais do
que conhecer as ideias dos pensadores, pesquisadores e teóricos da ética, o jornalista
deve preocupar-se por construir e aplicar um sistema ético que lhe permita,
pragmaticamente, fazer um jornalismo de qualidade e ser reconhecido como um bom
jornalista, mesmo que esteja sujeito a condicionantes empresariais, de mercado ou
outras. Conhecer as teorias éticas pode ser importante para a consolidação desse
sistema, mas não é vital para se exercer eticamente o jornalismo. Além do mais, é
tarefa difícil, talvez mesmo impossível, estabelecer uma fronteira entre pensadores
éticos “de leitura obrigatória” e de “leitura facultativa”. Haveria sempre mais um autor
a adicionar à lista dos pensadores de “leitura obrigatória” até ao ponto de não se saber
onde parar. Em consequência, a ética jornalística deve assumir uma dimensão
eminentemente prática e ancorar-se nos princípios que quotidianamente permitem
atribuir ao jornalismo a marca da qualidade. Esses princípios, como veremos, não
constituem qualquer novidade. Pelo contrário, são constantemente evocados. E são
evocados por duas razões: (1) a sua validade, testada através dos tempos; e (2) a sua
contribuição para uma prática jornalística de qualidade.
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1.6.2 a) Um ponto de partida: questões do quotidiano jornalístico
Alguns jovens candidatos a jornalista e mesmo alguns jornalistas vêem a ética
como uma coisa distante, abstracta. No entanto, vários dilemas éticos podem ser
colocados ao jornalista quotidianamente. Esses dilemas têm sido acentuados pela
crescente projecção do jornalismo como negócio e pelo entendimento de que a notícia
é principalmente um produto para venda. Alguns dos dilemas éticos com que
quotidianamente o jornalista se pode confrontar podem ser colocados sob a forma de
perguntas (ver, por exemplo: Keeble, 1998: 27-28), o que ilustra a dimensão
pragmática que deve ter o compromisso ético do jornalista:
- Podem usar-se palavras como “terrorista”, “guerrilheiro”, “bom”, “mau”, “heróico”,
etc. para classificar pessoas, acontecimentos ou organizações? Em que contexto?
- Pode o jornalista mentir ou enganar alguém quando faz uma investigação jornalística?
- Uma citação pode ser editada?
- É legítimo gravar uma conversa sem avisar o interlocutor?
- O jornalista pode aceitar “brindes”? Deve aceitar apenas em certas condições? Há
diferenças éticas entre a oferta de um livro para se fazer uma recensão e a oferta de
uma viagem a um paraíso turístico para se fazer uma reportagem?
- Podem-se entrevistar crianças? Quais os cuidados a ter quando se entrevistam
crianças?
- Devem contactar-se os parentes de suicidas e de vítimas de mortes violentas?
- Devem os jornais trazer colunas dominicais de líderes cristãos (nos países de valores
cristãos) e não dar o mesmo espaço regular a líderes de outras religiões? Ou trazer
colunas dominicais de líderes católicos (nos países maioritariamente católicos) sem
dar o mesmo espaço a líderes de congregações protestantes?
- Até que ponto se deve providenciar o direito de resposta? Por exemplo, se o erro
veio na manchete, a correcção do erro também deve ser dada em manchete?
- Podem-se entrevistar pessoas portadoras de deficiência mental? Que cuidados se
devem ter quando se entrevistam essas pessoas?
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- Quão importante é para um jornalista a protecção das suas fontes e até que ponto
essa protecção deve ser estendida?
- É justificável pagar a uma fonte para que ela forneça informação de interesse?
- É justificável invadir a esfera da privacidade das pessoas em determinadas
circunstâncias? Devem aplicar-se os mesmos standards às pessoas comuns e às figuras
públicas?
- Até que ponto o envolvimento com a campanha eleitoral de um partido e com os
dirigentes desse partido afecta a cobertura?
- Em tempo de guerra, devem os órgãos de comunicação social de um determinado
país em conflito dar espaço à propaganda governamental e à informação manipulada
difundida pelo governo do seu país, para enganar o inimigo e insuflar o ânimo nas
próprias tropas e civis?
- Em tempo de guerra, até que ponto os jornalistas podem aceitar ser censurados?
- É legítimo violar um embargo?
- Como podem os jornalistas agir contra os estereótipos e contra o sexismo?
- É lícita a utilização de linguagem agressiva, como, por exemplo, em «Ronaldo mata
com dois golos as aspirações da Alemanha»?
- Até que ponto os proprietários, as entidades publicitárias e os patrocinadores podem
interferir nos conteúdos de um jornal?
- Como separar o interesse público do interesse do público?
- Até que ponto aquilo que uma pessoa fez no passado pode ser contrastado com a sua
vida presente?
- Até que ponto se podem relatar histórias sobre a vida de pessoas que faleceram?
- É possível ter linhas de orientação para matérias cuja aceitação ou rejeição têm a ver
com a personalidade, a sensibilidade e os gostos das pessoas, como fotografias
chocantes ou linguagem obscena (mesmo que seja sob a forma de citações)?
- Até que ponto se podem usar fotografias obtidas de forma clandestina?
- Até que ponto se podem usar fotografias de pessoas em que estas apareçam com uma
imagem desfavorecida?
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A resposta a essas e outras perguntas depende, obviamente, do sistema ético
e deontológico do jornalista e do jornalismo e das variáveis que possam condicionar o
exercício profissional, incluindo os constrangimentos de natureza legal. Mas, mais do
que isso, a resposta dada a essas e outras questões tanto permite fazer um jornalismo
de alta qualidade como um jornalismo de baixa qualidade. As directrizes éticas têm,
assim, de ser clarificadas e estruturadas sistematicamente, consubstanciando-se numa
espécie de thesaurus que promova, através da ética e da deontologia, um jornalismo de
qualidade.
1.6.2 b) Um segundo ponto de partida: o direito humano à informação
A ética jornalística tem de partir dos direitos humanos, os direitos de todos
os homens independentemente de quem são ou de onde estão. Os direitos humanos
são considerados universais e, até certo ponto, naturais, porque permitem a
convivência pacífica e tolerante entre os humanos e entre as sociedades que eles
constituem; porque geram desenvolvimento pessoal, social e cultural, em vez de
sofrimento, subdesenvolvimento e pobreza; e porque contribuem, afinal, para que as
sociedades perdurem, para que a humanidade perdure.
O direito do homem a que a ética jornalística mais directamente se vincula é
o direito à informação. O direito humano à informação consiste na liberdade que cada
indivíduo tem de «investigar e receber informações e opiniões e de difundi-las, sem
limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão», segundo se estipula no
Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, a 10 de Dezembro de 1948. Dito por
outras palavras, e de uma forma mais extensiva, o direito humano à informação assenta
na liberdade de informar, informar-se e ser informado sem limitações fronteiriças e
sem ameaças de repressão.
As liberdades de expressão e de opinião, que sustentam a liberdade de
imprensa, fundam-se no direito humano à informação. No mundo Ocidental,
pressupõe-se que uma pessoa é livre, dentro dos condicionalismos impostos pela vida
em sociedade, e que tem de assumir a responsabilidade por aquilo que faz dentro dessa
esfera de liberdade. Por isso, a forma como o jornalista usa a liberdade de imprensa
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tem de fundamentar-se no binómio liberdade-responsabilidade e precisa de ter em
conta os conflitos de direitos que podem emergir do exercício dessa liberdade.
O jornalismo, com todas as suas virtudes e defeitos, configura-se como uma
das formas que as pessoas engendraram para exercerem social e quotidianamente o
direito à informação, ou seja, para informarem, informarem-se e serem informadas, à
escala da sociedade e mesmo do mundo, aproveitando os meios de comunicação que
foram surgindo ao longo da história e a dinâmica estrutural das sociedades, que gerou
o aparecimento das organizações jornalísticas. De facto, para exercer o direito à
informação, é preciso que alguém informe e alguém queira ou necessite de informarse e de ser informado. O jornalismo é uma das respostas socialmente organizadas a
esse direito e necessidade.
Nos estados democráticos, o direito à informação, concretizado pelo
jornalismo e no jornalismo, permite aos cidadãos reivindicar direitos e tomar
consciência da necessidade de cumprirem os seus deveres. Faculta aos cidadãos
informações necessárias para a sua vida e para a interacção social. Proporciona alguma
da informação de que as pessoas necessitam para se desenvolverem como cidadãos e
como seres humanos e para viverem na sociedade contemporânea. Permite também a
vigilância do governo e de outros agentes cujos abusos de poder poderiam causar
graves danos à democracia ou prejudicar o crescimento económico e o
desenvolvimento das sociedades. Possibilita identificar os culpados pela má
governação, os corruptos, os criminosos, mas também as pessoas que têm uma atitude
exemplar como cidadãos, como profissionais ou no exercício do poder político, do
poder empresarial ou outro. Faculta o conhecimento das informações necessárias para
que os cidadãos participem no processo decisório e votem em consciência, etc..
Obviamente, o jornalismo também tem incapacidades e problemas. Por
exemplo, tende a dar voz apenas a alguns cidadãos, àqueles que pela natureza das
funções sociais que exercem ou que pela performatividade da sua acção comunicativa
encontram espaço nos meios jornalísticos. Além disso, o jornalismo não consegue dar
resposta a todas as necessidades sociais de informação.Acresce, ainda, que a orientação
empresarial da generalidade das organizações noticiosas, crescentemente
concentradas em oligopólios comunicacionais, pode ser problemática. Mas,
independentemente de poder funcionar melhor ou pior, o jornalismo é uma das
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respostas possíveis e, até prova do contrário, a melhor resposta que as sociedades
democráticas encontraram para exercer colectivamente o direito à informação.
O direito humano à informação não é, porém, um valor absoluto. Há outros
valores que podem entrar em conflito com o direito à informação. Por exemplo, uma
informação pode colocar em risco a vida de uma pessoa, o que põe em cheque o
direito à vida. Pode também denegrir a vida íntima da pessoa, colocando em causa o
direito à intimidade e à vida privada. Pode igualmente afectar a reputação da pessoa,
colocando em causa o direito à honorabilidade, ao bom-nome e à boa fama. Pode ainda
colocar em perigo o Estado, o país, a sociedade, por exemplo em situações de conflito
e guerra (o segredo de Estado é aceitável quando a veiculação da informação coloca
em perigo a sociedade ou o Estado, mas nestes casos compete ao poder justificar o
recurso ao segredo). Deste modo, fica claro que antes de divulgar uma informação o
jornalista tem de medir até que ponto o direito a dá-la não colide com outros direitos
humanos e mesmo com direitos sociais relevantes. Se existir colisão, o jornalista tem
de aferir até que ponto o interesse público justifica e autoriza a veiculação dessa
informação, pois quando dois direitos entram em colisão um tem de ceder em relação
ao outro. O interesse público, neste enquadramento, deve ser tomado pelo interesse
da colectividade, por contraposição ao interesse privado e pessoal; e pelo que afecta
todos e é acessível a todos, por contraposição ao que afecta poucos ou apenas um e é
acessível a poucos ou apenas um.
1.6.2. c) Um terceiro ponto de partida: um sistema de defesa ética do
jornalista
Um sistema de defesa ética do jornalista pode ser articulado em torno de
cinco princípios, que devem ser balanceados e, em certas ocasiões, contrapostos pelos
jornalistas para avaliarem o que é e não é eticamente correcto (Lester, 1991:34-42).
a) Imperativo categórico kantiano
Por vezes, o que está certo está incondicionalmente certo, ou seja, o que
está certo para um está certo para todos. O princípio jornalístico que se
enquadra no imperativo categórico é o seguinte: providenciar informação
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aos cidadãos é uma necessidade universal e colectiva (a informação pode
ajudar a viver, a decidir, a dar sentido ao mundo, a clarificar os assuntos
públicos, a educar, a enriquecer material e culturalmente, etc.).
b) Utilitarismo
A informação jornalística, numa lógica de interesse público, deve
providenciar o maior bem possível para o maior número possível de
pessoas.
c) Equilíbrio
O equilíbrio impõe que o jornalista seja uma pessoa equilibrada na
sua conduta, recusando opções extremas, permitindo às diferentes
partes com interesses atendíveis nos assuntos que são notícia
pronunciarem-se sobre os mesmos, etc.
d) Transferência
O jornalista deve imaginar-se no lugar das pessoas visadas nas notícias
para aferir o que deve e não deve noticiar e como deve fazê-lo.
e) Mandamento principal
Importado directamente do cristianismo, o mandamento principal
ensina a amar o outro como a nós mesmos. Seguindo esse
mandamento, o jornalista deve procurar minimizar ao máximo as
consequências potencialmente negativas da sua acção em geral e das
notícias em particular (controlo dos danos).
1.6.3 Um ponto de chegada: os valores de sempre...
A ética jornalística parte do princípio de que o jornalismo tem repercussões
físicas, cognitivas, afectivas e comportamentais sobre as pessoas e repercussões sociais,
ideológicas e culturais a uma escala mais vasta (ver, por exemplo: Sousa, 2000). Dito
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de outro modo, o jornalismo tem poder. Tem o poder de cultivar as formas como as
coisas são ditas; tem o poder de fornecer assuntos à agenda pública; tem a capacidade
de funcionar como espaço público, ou arena pública, nas sociedades democráticas,
excluindo uns e incluindo outros; tem o poder de sugerir interpretações
(enquadramentos) para os acontecimentos e problemáticas, etc.. Se o jornalismo tem
poder, a sua função na sociedade democrática, num estado democrático de direito,
tem que ser legítima e, normalmente, legal. Legitimar socialmente o jornalismo
significa, igualmente, legitimar socialmente os jornalistas, pois são eles que exercem
o jornalismo. Os valores que, articulados, constituem o cerne da ética jornalística não
são, assim, mais do que aqueles valores que justificaram, legitimaram e continuam a
justificar e a legitimar o papel dos jornalistas e do jornalismo na sociedade e que
contribuem para que o jornalismo seja qualitativamente bom. Esses valores
interpenetram-se e, por vezes, confrontam-se, o que dificulta a sua denominação e
sistematização. Ainda assim, poderemos dizer que o jornalismo ético é aquele que
procura a qualidade respeitando os seguintes valores centrais:
a) Intenção de verdade: o jornalismo deve sujeitar-se ao princípio da
veracidade. A sujeição ao princípio da veracidade exige rigor e exactidão no
enunciado. Cada palavra deve ser escolhida de acordo com o seu valor semântico. As
fontes devem ser claramente identificadas, excepto se justificadamente necessitarem
de anonimato, e escolhidas pela sua pertinência e capacidade informativa. As ideias, os
acontecimentos e as relações que estes estabelecem entre si devem ser descritos com
pormenor e precisão, com profundidade e de forma completa e contextualizada. As
referências a números devem ser exactas.As interpretações dos factos e as correlações
entre acontecimentos devem ser feitas partindo dos factos conhecidos para os
desconhecidos, das partículas elementares para as complexas, sendo obrigatório
mencionar as etapas intermédias do raciocínio. A selecção de fontes deve também ser
sujeita ao princípio da veracidade, no sentido de que as fontes devem ser seleccionadas
e citadas em função do grau de confiança que inspiram.
b) Intenção de objectividade: impõe que o jornalismo se oriente o mais
preciso e perfeitamente possível para a tradução de um objecto de conhecimento em
discurso denotativo. Assim, o jornalista deve esforçar-se por traduzir discursivamente
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os objectos de que fala da forma mais clara, completa, profunda e contextual possível,
apesar dos limites de tempo e de espaço e de outros constrangimentos que possam
advir do exercício profissional do jornalismo. A intenção de objectividade impõe
também ao jornalista uma tentativa de distanciamento em relação ao objecto que
enuncia e ao que as fontes dizem e um esforço de separação entre factos e opiniões,
entre notícias e comentários. Quando necessário, o jornalista deve ainda ouvir e citar
tantas fontes quanto as necessárias para comprovar factos e conseguir construir um
relato mais apurado dos acontecimentos. Nas ocasiões em que precisa de explicar,
interpretar e correlacionar acontecimentos e fornecer ao público uma chave para a sua
leitura, o jornalista deve construir o enquadramento desses acontecimentos com base
em factos, numa teia de facticidade (Tuchman, 1978), e não com base na sua
sensibilidade, orientação ou intuição. A objectividade impõe ainda que a selecção de
informação se faça em função de critérios de noticiabilidade claros e profissionais que
tenham em conta o interesse público. Esses critérios não são novidade e referem-se a
questões como a actualidade dos acontecimentos noticiados, a amplitude (aferida pelo
número de pessoas envolvidas ou afectadas por um acontecimento, pelo grau de
consequências de um acontecimento, etc.), a referência a pessoas ou instituições cujas
acções são relevantes para a vida colectiva, etc. É também a intenção de objectividade
que, como se disse, determina que nos discursos noticiosos se evitem conotações
desnecessárias. Por isso, devem evitar-se os títulos mais sensacionalistas do que
noticiosos, as fotografias mais injuriosas do que informativas, etc. Devem evitar-se
também as recriações encenadas dos acontecimentos que, por vezes, se fazem em
televisão e na imprensa escrita (com ilustrações), as foto-montagens, etc. Quando se
fazem recriações encenadas dos acontecimentos o público deve ser claramente
informado de que está perante uma recriação. De maneira similar, a edição de imagens
e sons tem de ser feita tendo a denotação em vista.
c) Intenção de justiça: o jornalista deve procurar ser justo. O sentido de justiça,
no jornalismo, assume diferentes dimensões. Em primeiro lugar, o jornalista deve
perseguir a dignificação da pessoa humana na enunciação noticiosa e na forma como
actua. Para isso, deve evitar a difamação e a acusação sem provas, salvaguardar a
presunção de inocência dos arguidos em processos judiciários e as normas legais que
regulam o funcionamento da justiça, acautelar os direitos dos menores, preservar o
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anonimato das vítimas de crimes, etc. O jornalista também deve preservar os direitos à
privacidade, à imagem, ao bom-nome, à intimidade e à reserva da vida privada e familiar,
excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta das pessoas visadas nas
notícias contradiga os valores e princípios que publicamente defendem. Em segundo
lugar, o jornalista deve perseguir o equilíbrio no enunciado, procurando ser imparcial e
isento. O jornalista deve, assim, contrastar abrangentemente as fontes com interesses
atendíveis nos casos que relata, tendo em conta que as fontes não têm todas a mesma
competência comunicativa, não têm igual capacidade para influenciar os meios de
comunicação nem exercem a sua acção comunicativa da mesma maneira. O jornalista
deve ainda possibilitar o direito de resposta a quem se sente atingido por notícias
ofensivas ou erradas e dar espaço a cidadãos de diferentes áreas do espectro político. Em
terceiro lugar, o jornalista deve perseguir objectivos cívicos, como o de dar atenção a
grupos sociais desfavorecidos, tentar incluir o maior número possível de cidadãos nos
enunciados e possibilitar que os defensores de causas sociais sejam ouvidos pelos meios
de comunicação.Além disso, deve perseguir uma lógica de interesse informativo público
que não discrimine as pessoas por motivos de cor, nacionalidade ou sexo. Em princípio,
o jornalista também não deve discriminar as pessoas por motivos de crenças e
convicções, excepto quando elas pregarem a intolerância, o fundamentalismo, a
socialização do sagrado e outros valores que afrontem as sociedades e culturas
ocidentais, por definição espaços de liberdade, de tolerância, de laicismo, de privatização
do sagrado, de libertação das mulheres, de democracia, de respeito pelos direitos
humanos em geral e pela participação das mulheres na vida cívica, social e profissional
em particular. Em quarto lugar, o jornalista deve respeitar as leis legítimas que regulam
a vida social nos estados democráticos de direito.
d) Responsabilidade em liberdade: o jornalista tem de exercer responsavelmente a sua profissão, pois beneficia das liberdades cívicas que lhe são consignadas pelo
estado de direito. O jornalista é, portanto, responsável por todos os seus trabalhos e
actos profissionais. Por isso, deve reconhecer e divulgar os erros que possa cometer ao
dar informação e corrigir as informações inexactas ou falsas. Deve usar de meios legais
e legítimos para obter informações, procedendo com lealdade para com as fontes,
proibindo-se de abusar da boa-fé das pessoas, de as humilhar ou ainda de importuná-las
quando atravessam fases dolorosas. Deve identificar-se sempre como jornalista e mostrar
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que está a recolher informação (por escrito, gravando, etc.), excepto quando estão em
causa razões de incontestável interesse público (nestes casos pode ser legítimo usar uma
câmara oculta ou um gravador disfarçado, por exemplo). Os seus relatos devem ser
honestos, no sentido de que o jornalista deve esforçar-se honestamente por ser verídico,
objectivo e justo, devendo ter especial cuidado quando esses relatos envolvem
interpretações e correlações de factos, acontecimentos ou ideias. Não pode plagiar e
quando precisa de citar ou parafrasear torna-se obrigatório mencionar as fontes. O
jornalista também deve obrigatoriamente mencionar a fonte quando cita opiniões ou
refere juízos de valor expressos por outrem, pois só os factos informativos de genuíno
interesse público podem permitir a citação das fontes sob anonimato.
O jornalista deve ainda lutar contra as restrições ilegítimas ou mesmo ilegais
de acesso às fontes de informação e contra os procedimentos ilegítimos ou ilegais de
limitação do direito à informação, divulgando os atropelos à acção jornalística e seus
autores. Como toda a pessoa de bem, o jornalista deve respeitar a palavra dada e os
compromissos que assuma, em especial para com as fontes. Em matéria de vivência da
sua liberdade profissional com responsabilidade, o jornalista deve evitar colocar-se em
situações susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade,
nomeadamente recusando benefícios ilegítimos para a sua actividade profissional e não
se valendo da sua condição nem para obter vantagens ilegítimas sobre os seus
concidadãos nem para noticiar assuntos em que tenha interesses.
1.6.4 A ética do fotojornalismo
É pelo menos de colocar por hipótese que, em certas ocasiões, as imagens têm
maior impacto do que as palavras. Esta circunstância leva a que se deva enfatizar a
importância do debate ético e deontológico no campo do jornalismo imagístico. Entre as
questões que, nesse domínio, mais têm sido discutidas, encontram-se aquelas que se
relacionam com a realização e difusão de imagens que colocam em causa o direito à
privacidade, que afectam determinados valores (fotos de nus, etc.) ou que representam
situações violentas, traumáticas ou chocantes. Porém, desde meados dos anos oitenta que a
velha questão da truncagem e manipulação de fotografias adquiriu uma dimensão
proeminente, devido à emergência dos meios digitais de processamento de imagens.
Falar de ética implica falar de uma perspectiva. Isso acontece quer para a
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generalidade das situações, quer para o caso concreto do jornalismo visual. Por exemplo,
um leitor de um jornal poderá ou não sentir-se chocado ou mesmo ofendido com uma
fotografia de uma família que chora o filho afogado. E esse leitor poderá ter perspectivas
diferentes da do fotojornalista que realizou a foto, do editor que a seleccionou, do chefe de
redacção que a autorizou... Inclusivamente, é possível que certas fotografias mais violentas
suscitem respostas mais virulentas devido ao facto de serem mais raras do que as fotografias
de notícias em geral, de features, de desporto, etc. (Mather, cit. por Lester, 1991: 42) De
qualquer modo, e destacando a ideia de que falar de ética implica falar de uma perspectiva,
o fotojornalista consciente, enquanto ser inquieto, deve sempre interrogar-se quando
explora temas violentos: «Será o acontecimento fotografado de tal dimensão sócio-histórica
e cultural que o choque do observador é justificável? A violência será necessária para a
compreensão do acontecimento ou para a sua corroboração?».
O corpo nu de um criminoso abatido pela polícia, à espera de ser autopsiado,
talvez não seja um motivo fotográfico eticamente aceitável, tal como não o será um
rosto desfigurado após um acidente de trânsito. Mas mostrar como se mata facilmente,
como na célebre fotografia de Eddie Adams, no Vietname (1968), em que se vê o chefe
da polícia de Saigão a fuzilar à queima-roupa um suspeito de pertencer à guerrilha
vietcong, já parece ter justificação editorial. Seja como for, esta discussão aberta sobre o
que é e não é ético no domínio do fotojornalismo mostra bem que não há respostas
feitas e muito menos respostas únicas e universais para os dilemas que o fotojornalista
e os editores de fotojornalismo têm de enfrentar.
Colson (1995: 216-217) salienta, a propósito, que certas imagens fotográficas
injuriam certas pessoas, mas as mesmas imagens não injuriam outras pessoas. Segundo o
autor, para esse fenómeno concorrem vários factores, a saber: a) a dificuldade de interpretar
a conotação fotográfica; b) o facto de o contexto em que a foto é apresentada direccionar a
interpretação da mesma; c) a tendência de o observador ver as suas próprias projecções nas
fotografias; e d) a separação entre fotógrafos e observadores.Assim sendo, e sem negar que
os fotojornalistas têm responsabilidades profissionais e sociais, convém salientar que o
sentido último de uma imagem depende sempre do consumidor da mesma. Mas também é
bom não esquecer, como diria Cassirer, que as representações imagísticas que os seres
humanos fazem deles mesmos definem antropologicamente a humanidade9.
Os argumentos que se esgrimem no domínio da ética das imagens nem
sempre são claros, evidentes ou satisfatórios quando vistos de ângulos diferentes. De
9 Ernst Cassirer escreveu, em 1925, o livro Philosophy of Symbolic Forms, onde recusa uma visão puramente racionalista da humanidade, defendendo que não se pode reduzir tudo ao intelecto. Terá sido, deste modo, um precursor
das modernas teorias da complexidade.
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qualquer modo, tal como diz Tester (1995: 471), a difusão de representações
imagísticas de outros seres humanos tem implicações morais e pode ser uma das bases
de reconhecimento de obrigações morais entre as pessoas. Aliás, segundo Ignatieff
(1985:58), os meios de comunicação, de uma forma geral, mudaram a compreensão
que temos das nossas obrigações perante os outros. Contudo, é preciso salientar que
enquanto autores como Richard Rorty (1989: XVI) assumem que as representações
imagísticas de outros podem conter imperativos morais que levem a um
reconhecimento do outro, reconhecimento esse que está na origem de obrigações
morais, outros teóricos da ética e da moral, como Ignatieff (1985: 59) e Tester (1995:
474-475), reclamam que para essa implicação existir é necessário que a mensagem
atinja uma audiência previamente empática. Para estes últimos autores, não é possível
a aparição da solidariedade moral em terreno não receptivo.
As possibilidades técnicas importaram problemas para o domínio ético do
fotojornalismo. Por exemplo, o processamento digital de fotografias jornalísticas está
no centro de um intenso debate ético, embora não seja menos verdade que grande
parte dos processos de tratamento de fotografias que hoje em dia se desenvolvem
usando computadores foi amplamente usada nos velhinhos laboratórios a preto-e-branco: reenquadramentos, acentuação ou diminuição do contraste, variações na
exposição, reversão da imagem, dissimulação de objectos e pessoas, etc.. Em qualquer
caso, deve ser o conteúdo a determinar o tratamento que uma fotografia pode sofrer.
Quando se fala de ética no fotojornalismo há uma situação que também merece
um reparo. Enquanto um redactor frequentemente pode abordar um assunto no
conforto do seu anonimato, um foto-repórter geralmente necessita de actuar em campo
aberto, no local dos acontecimentos, com as máquinas à vista de todos. Esta
circunstância torna-o alvo fácil das críticas... e, por vezes, das injúrias e da violência.
Além disso, o recurso a determinados dispositivos técnicos que permitem evitar a
presença mais ou menos ostensiva do fotojornalista no local dos acontecimentos, como
as teleobjectivas ou as câmaras escondidas, reflecte-se nos resultados: por exemplo,
torna-se mais difícil compor uma fotografia. Mas, mais importante do que isto, a
necessária selecção que o fotojornalista faz da realidade visível, de forma a representar
um segmento dessa realidade numa imagem fotográfica, é, em si mesma,
frequentemente problemática. O caso classicamente mais apresentado é o das
manifestações. Que imagem seleccionar, quando o editor apenas pede uma foto? Aquela
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que mostra um breve instante de conflito físico durante uma manifestação pacífica de
várias horas? Aquela que se baseia num plano geral, conseguido através da utilização de
uma objectiva grande-angular, onde os manifestantes parecem compor um grupo
disperso, ou aquela em que se usou a teleobjectiva para se “ir buscar” um grupo pequeno,
mas particularmente activo, de manifestantes, que enche o enquadramento? Ou aquela,
aquela ou ainda aquela? A escolha é muito difícil e tem sempre efeitos ao nível da
construção social da realidade. Aliás, no seio de um sistema de interdependências, o
fotojornalista fica dividido entre a lealdade que deve aos leitores, à sua organização
noticiosa, à sociedade em geral, à profissão e a si mesmo (Lester, 1991: 33).
1.6.5 A moral e a estética da imagem
Rorty (1989:XVI) pretende que existe uma conexão entre a estética e a moral.
Ele assume que a representação imagística do outro funciona como a superfície de uma
mais compulsiva profundidade moral, isto é, como a superfície de significados de
natureza moral mais profundos. Existiria, assim, uma identidade entre o significante do
outro (a sua imagem representada) e o significado da acção moral (o reconhecimento de
que o outro é como o ser em todos os aspectos significativos). Consequentemente, a
superfície do significante, que é a imagem em representação, deveria ser lida e
interpretada pelos significados que sustenta (representa). Lynda Sexson (1995:228)
afirma mesmo que «(...) por trás da ética estão imagens; a consciência metafórica
precede a nossa consciência ética; antes das leis estão as histórias».
Não é propósito deste texto debater os fundamentos da ciência moral aplicados
às representações imagísticas de pessoas, de outros seres vivos e de coisas. Todavia, há
pelo menos duas considerações que podem extrair-se das asserções anteriores: 1) a
estética do fotojornalismo, ao afectar as representações que se constroem dos outros e
de outros seres, tem implicações morais e éticas que devem ganhar expressão
deontológica; e 2) em todo o caso, um determinado conteúdo estético pode criar ou
reforçar empatias, quanto mais não seja nos públicos previamente sensibilizados para as
questões imagisticamente tratadas, pelo que a questão do inter-relacionamento entre a
estética e a moral se mantém. Aliás, embora a questão possa ser problemática, o
sofrimento imagisticamente representado tende a produzir solidariedades, pelo que as
considerações de Rorty (1989) parecem ser mais pertinentes.
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1.6.6 As principais questões de debate ético e deontológico no campo das
imagens de imprensa
No campo do jornalismo imagístico, há vários pontos que têm merecido,
especialmente na actualidade, uma certa atenção por parte daqueles que se preocupam com
a ética e deontologia do jornalismo. Embora nos dias de hoje o debate se tenda a centrar
sobre a televisão, o mais poderoso dos media e aquele a quem mais acusam de
sensacionalismo e de espectacularização da informação, a imprensa não pode ser ignorada.
Realce-se, aliás, que os códigos jornalísticos deontológicos e de ética não regulam muitas das
questões que se têm levantado sobre a captação, geração e utilização de imagens pelos meios
jornalísticos, embora, em alguns casos, instituam princípios gerais a serem respeitados. Por
exemplo, no Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses há, principalmente, cinco
disposições que se podem aplicar directamente ao fotojornalismo:
- «O jornalista deve combater (...) o sensacionalismo». (art.º 2);
- «O jornalista deve usar meios leais para obter (...) imagens (...). A
identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem
justificar-se por razões de incontestado interesse público». (art.º 4);
- «O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de
crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve
proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor» (art.º 7);
- «O jornalista deve recusar o tratamento discriminatório das pessoas
em função da cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo». (art.º 8);
- «O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos (...). O jornalista
obriga-se, antes de recolher (...) imagens, a atender às condições de
serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas» (art.º 9).
Mesmo repetindo algumas das questões já reguladas, pode-se sistematizar por
itens as questões centrais do debate sobre a imagem fotográfica na imprensa. Assim, e
deixando para uma abordagem específica a questão que mais tem vindo a agitar o
debate, a manipulação digital de fotografias, pode-se dizer que o debate ético no
campo do fotojornalismo se tem resumido às seguintes questões:
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a) Cedência ou não à estética do horror em fotojornalismo, havendo
fotojornalistas, como Don McCullin, que enveredaram por essa
estética, e outros que a recusaram, como Robert Capa, que nem em
situações limite buscava o horror;
b) Uso de fotos de acontecimentos traumáticos (por exemplo, uso das fotos do suicídio do secretário doTesouro da Pensilvânia frente às câmaras);
c) Modificação e truncagem de fotografias (podem referir-se como
exemplos as truncagens de fotografias no antigo bloco soviético – as
pessoas eram tiradas das fotos quando caíam em desgraça – ou uma
fotografia truncada em que um senador norte-americano aparecia a
falar com o líder do Partido Comunista dos Estados Unidos, coisa que
não tinha feito, e que lhe terá custado o lugar nas eleições seguintes);
d) Cedência à espectacularização e ao sensacionalismo, nomeadamente à espectacularização e ao sensacionalismo gratuitos;
e) Captação de imagens sem que o fotojornalista se identifique como tal;
f) Captação de imagens sem se respeitarem as pessoas (por exemplo,
invadir a privacidade, não respeitar a dor, não proteger a identidade
das vítimas de crimes, maiores ou menores de idade, bem como dos
delinquentes menores de idade, não proteger a identidade de
prostitutas e prostitutos, etc.);
g) Tratamento discriminatório e estereotipização ou reforço da estereotipização das pessoas em função da idade, do sexo, da cor ou da
raça, da nacionalidade, das crenças, do aspecto físico e (por vezes) da
deficiência, das profissões, etc.;
h) Uso das fotografias de arquivo como se fossem actuais, sem preocupação pela contextualização temporal; esta questão surge, nomeadamente, quando a situação representada já não funciona como um
índice da realidade (por exemplo, quando alguém que já morreu
surge numa fotografia que pretende ser “actual” ou quando a
fotografia já não dá conta da situação actual, como a fotografia de
uma família que parece unida quando na realidade está desavinda);
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i) Uso descontextualizado de imagens (por exemplo, publicada isoladamente, sem mais explicações, a fotografia de um cumprimento
entre duas pessoas desavindas pode dar a ideia de que se
reconciliaram mesmo que isso não tenha acontecido);
j) Uso da persuasão visual como forma de manipulação, desinformação,
contra-informação e propaganda, como aconteceu durante a Guerra
do Golfo, conflito durante o qual as imagens disponibilizadas no
Ocidente mais pareciam um catálogo do armamento americano; essas
imagens terão ainda promovido a ideia de que se tratava de um conflito
cirúrgico, envolvendo apenas meios de alta tecnologia, quando a maior
parte das bombas que caíram sobre o Iraque eram gravitacionais (tal e
qual como as da Segunda Guerra Mundial); neste campo, a
verosimilhança das imagens fotográficas tornam-nas num dos veículos
privilegiados para a manipulação, a desinformação, a contra-informação e a propaganda através da imprensa;
k) Aproveitamento directo e não contextualizado das fotografias e
outros documentos gráficos enviados por profissionais de relações
públicas, assessores de imprensa, etc.;
l) Cedência a mecanismos como as photo opportunities (que retiram aos
fotojornalistas a possibilidade de representar o poder nos instantes em
que ele despe a sua máscara), a acreditação dos fotojornalistas (uma
forma de controle acrescido sobre pessoas que já são titulares de uma
carteira profissional que lhes deveria, só por si, garantir o acesso aos
locais onde se desenvolvem acontecimentos de interesse para a
comunidade), a obrigação de não usar determinado equipamento para
fotografar certos políticos (por exemplo, impedimento da utilização
de objectivas grandes-angulares, que tendem a distorcer as
proporções dos motivos representados), etc.;
m) Uso de imagens potencialmente injuriosas (por exemplo, o político
que é fotografado com um dedo no nariz);
n) Abuso das ilustrações fotográficas e recurso a elementos visuais sem
ancoragem na realidade para a realização desse tipo de fotografias;
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uso de técnicas das fotografias ilustrativas na produção e no
processamento de outros géneros fotojornalísticos;
o) Uso de máquinas fotográficas dissimuladas/escondidas;
p) Recurso a encenações para a fotografia e a fotografias de recriações
fictícias de situações;
q) Abuso de efeitos especiais, usando, por exemplo, filtros para objectivas ou filtros digitais (processamento electrónico das imagens).
1.6.7 A manipulação digital de fotografias
Entre as questões de ética e deontologia das imagens publicadas na imprensa, a
manipulação digital de fotografias talvez seja aquela que é actualmente mais debatida.
Em Novembro de 1997, a Newsweek publicou na capa uma fotografia da senhora
de Iowa que teve sete gémeos. Os dentes da senhora estavam estragados, mas na imagem
reluziam de brancura. No mês seguinte, na Suíça, um jornal decidiu avermelhar a água
que descia do templo de Hatschepust, em Luxor, no Egipto, dizendo que se tratava do
sangue dos turistas assassinados pelos fundamentalistas islâmicos. Estes são dois dos mais
antigos e conhecidos exemplos de truncagem electrónica de fotografias jornalísticas
possibilitada pelas novas tecnologias digitais. Mas, entre muitos mais, poderiam relatar-se vários casos semelhantes que vêm sendo listados desde 1988, como o enegrecimento
da cara de O. J. Simpson numa capa da Time, o deslocamento das pirâmides egípcias na
página um da National Geographic, o apagamento de referências publicitárias nas
camisolas de desportistas, o desaparecimento de objectos das fotografias, como latas de
Coca-Cola, carros e similares, a substituição de bandeiras bascas por bandeiras de
Navarra na capa de um diário espanhol, a ocultação da queda da esposa de Felipe
González numa foto do antigo presidente do Governo de Espanha, etc.
O retoque, a alteração, a supressão e a inclusão de elementos nas imagens
fotojornalísticas foram procedimentos relativamente comuns ao longo da história.
Novo é o facto de a manipulação digital de fotografias ser fácil e de difícil ou
virtualmente impossível detecção por um observador que não tenha visto o
acontecimento fotograficamente representado ou que não tenha sido advertido da
manipulação da imagem. Por outro lado, embora a fotografia seja sempre uma forma
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de manipulação visual da realidade – recordemos a focagem ou o controle da
profundidade de campo, da velocidade e da exposição – as tecnologias digitais
potenciaram esse fenómeno, pois transformam as imagens em impulsos electrónicos
processáveis em computador. Tornou-se fácil, por exemplo, alterar, numa foto, as
cores do cabelo, da roupa, dos olhos e da pele, alterar penteados, colocar frente a
frente pessoas que nunca se viram, inserir pessoas e objectos em ambientes diferentes,
criar imagens virtuais e combiná-las com imagens indiciadoras da realidade, etc..
Enquanto as alterações introduzidas nas imagens fotográficas ao longo dos tempos
usualmente acabavam por ser detectadas por especialistas e, por vezes, mesmo por
pessoas comuns, quando, por exemplo, se tratava de uma truncagem mal feita ou
quando se conhecia o original ou até o contexto da realização da foto, com os
computadores abrem-se as portas à possibilidade de mentir, fotograficamente falando,
de maneiras inimagináveis no passado.
Assim sendo, e apesar de as novas tecnologias trazerem vantagens
incontestáveis no que respeita à qualidade da imagem, à expressividade e à capacidade
de se vencer o tempo e o espaço com maior rapidez e comodidade, as questões ligadas
à geração e manipulação digital de imagens são, talvez, das mais relevantes para o
fotojornalismo actual, especialmente no que diz respeito à ética profissional.
Inclusivamente, a tecnologia digital da imagem está a ter cada vez maior utilização e
no campo profissional do fotojornalismo já suplantou a fotografia tradicional, coisa
que, possivelmente, afectará a nossa percepção do mundo, os processos de geração de
sentidos e, portanto, o processo de construção social da realidade.
Tal como a fotografia tradicional difere da pintura, a imagem digital difere da
fotografia tradicional quanto à realidade física. Enquanto a fotografia tradicional vive
de processos analógicos e contínuos (a fotografia é “análoga” à luz que lhe deu origem),
a imagem digital é uma realidade discreta, codificada num código de zeros e uns,
subdividida uniformemente numa grelha finita de células – os pixels – cuja gradação
tonal de cor pode mudar em função do código. Na fotografia tradicional, o suporte é
o negativo. Na imagem digital, a resolução tonal e espacial é limitada e contém uma
quantidade fixa de informação. Uma vez ampliada, revela a sua micro-estrutura.
O contínuo espacial e tonal das fotografias analógicas tradicionais não é
reproduzível com exactidão. Transmitidas ou copiadas são sujeitas a alguma degradação.
Porém, a imagem digital pode ser repetida até ao infinito sem perda de qualidade, mas
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também é fácil e rapidamente manipulável através da substituição de dígitos no código
binário – de zeros e uns– que a sustenta. É por esta razão que uma imagem digital pode ser
totalmente sintetizada por computador, ser resultante da digitalização de outra imagem, ver
a sua perspectiva alterada através das mudanças da zona de sombras, ser pintada
electronicamente ou ser até sujeita a uma mistura de todos esses processos, possuindo, ainda
assim, coerência interna. Trata-se, de facto, de uma espécie de electrobricollage, como lhe
chama Mitchell (1992), que demonstra que o multimédia é o medium pós-moderno por
excelência: vive da fragmentação e da interactividade, sendo fomentador da polissemia,
mas, também por isso, da indeterminação e da heterogeneidade.
O ser humano não está desprovido de defesas contra a manipulação
imagística. A educação, a cultura e a experiência levam as pessoas a não aceitar hoje
tão facilmente como no passado as fotografias como representações sempre válidas da
realidade. Nesta matéria, há filmes que mostram como se fazem manipulações e
existem fotografias que se sabe terem sido manipuladas. De qualquer modo, não é por
isso que o fenómeno da imagem digital deixa de levantar questões preocupantes. Por
exemplo, Kelly e Nace (1993) descobriram que a credibilidade de uma foto
semelhante às que se vêem todos os dias na imprensa não se alterava significativamente
quando as pessoas viam antecipadamente um vídeo sobre manipulação digital de
imagens. Esta ocorrência pode demonstrar que, por muito grande que seja a
fotoliteracia das pessoas, as fotografias sujeitas a manipulação, quando esta é
desconhecida para o receptor, tendem a ser tão credíveis como as outras.
Será que no fotojornalismo se chegou a um ponto em que tanto importa a
realidade que se cria como a realidade que se representa de forma directa nas
fotografias? Talvez não. Por alguma razão, a Associação de Jornalistas da Noruega pediu
que fosse introduzido em todas as imagens digitalmente alteradas um símbolo que as
identificasse. Por alguma razão, determinados códigos deontológicos (Noruega, por
exemplo) e livros de estilo (o do El Pais, por exemplo) proíbem a manipulação sem
que o leitor seja advertido. Provavelmente, a questão prende-se com a velha teorização
do uso e do abuso. Poderão fazer-se alterações fotográficas desde que o observador
saiba que foram feitas e em que moldes o foi e desde que sirva para tornar a
comunicação fotojornalística em comunicação mais útil. Não se deverão fazer caso
esses pressupostos não existam.
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1.6.8 Em suma
O jornalismo deve ser utopicamente orientado para a perfeição e
pragmaticamente direccionado para a realidade e para a realização de algum bem para
o maior número possível de pessoas. Isso pressupõe escolhas voluntárias e racionais
por parte do jornalista.Assumindo que um jornalismo comprometido com a realidade
e intencionalmente verídico é necessário a uma sociedade livre e plural, as escolhas
voluntárias e racionais do jornalista devem recair sobre o que é bom e justo, virtuoso
e meritório.
É impossível que um código ou um thesaurus deontológico preveja todas as
situações de dilema ético e fixe todas as regras de conduta que o jornalista deve seguir
quando se trata de ponderar sobre os sujeitos, circunstâncias, finalidades, formas e
conteúdos de um discurso. Por isso, o jornalista deve partir da articulação de direitos
fundamentais e de princípios éticos gerais, baseados no que é bom e justo, virtuoso e
meritório, para chegar à resolução dos seus dilemas éticos. O valor central do
jornalista deve ser o direito humano à informação, de onde decorre, através do
jornalismo, a realização do direito do público a ser informado. Cabe ao jornalista
tomar atitudes e comportamentos que visem a concretização desse direito, embora
ponderando princípios éticos e conflitos com outros direitos. Nesse percurso, o
jornalista deve respeitar as regras e os limites próprios dos estados de direito.
Sabe-se que há constrangimentos à acção jornalística. Uns são intencionais,
outros resultam da forma como está organizado o processo de produção de
informação, outros resultam ainda de circunstâncias ideológicas, culturais e outras. O
jornalista não vive num mundo ideal, mas num mundo real. Aliás, seguramente que o
mundo ideal é diferente para cada pessoa. Mas o jornalista, sendo refém da realidade,
também o deve ser da sua consciência. Por isso, os constrangimentos ao processo
jornalístico não podem tornar-se sistematicamente numa desculpa para actos
eticamente reprováveis. O jornalista deve procurar ser, com autenticidade, um falante
da verdade, embora sem a arrogância de se julgar dono dela. A isso acresce que o
jornalista, embora sendo um cidadão que se pode envolver emocionalmente no que
fala, deve visar profissionalmente um esforço de distanciamento em relação aos
acontecimentos que noticia, comprometendo-se com a realidade, orientando-se pelo
princípio da veracidade e procurando separar os factos dos juízos de valor e das
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opiniões, a notícia do comentário, até porque esta é uma forma de actuação que
legitimou, justificou e autorizou socialmente o jornalismo e que o continua a
legitimar, justificar e autorizar.
A boa prática de um jornalista é condição para o seu reconhecimento
profissional e social e, provavelmente, para o seu sucesso ou insucesso. A boa prática
jornalística é, por definição, uma prática de qualidade. E uma prática jornalística de
qualidade é uma prática ética, porque a ética do jornalismo foi-se configurando no
sentido de oferecer ao público um produto jornalístico de qualidade. Resumindo e
concluindo: um jornalista que quer ser ético é um jornalista que quer ser bom e que
quer ser publicamente reconhecido como bom jornalista, porque um jornalismo ético
é um jornalismo de qualidade.
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Capítulo 2: Responsabilidade e Ética das Empresas
Jornalísticas
Ana Sofia Morais*
2.1. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO EMPRESAS
Embora o jornalismo se regule por um conjunto de valores morais previstos
num código deontológico, é impossível ignorar-se o facto de este ser uma actividade
que se concretiza através de meios de comunicação, que também são empresas, e cuja
necessidade de obtenção de lucro e de sobrevivência no mercado não pode ser
ignorada. A estrutura empresarial dos meios de comunicação social impõe exigências
e procedimentos que afectam os profissionais que neles trabalham, bem como os
conteúdos difundidos.
Os conflitos entre exigência éticas e empresariais são bastante mais
frequentes do que seria desejável, mas isso não significa que se trate de uma situação
insuperável. Actualmente, é difícil encontrar alguma actividade social que, de uma
forma ou outra, não seja afectada pelas exigências do mercado. Mas conseguir
informar e obter benefícios económicos através dessa mesma actividade não tem
necessariamente que comportar uma violação da deontologia.
Pelo contrário, a estrutura empresarial dos meios de comunicação pode ser
fonte de algumas vantagens. Uma delas é a garantia de independência face ao poder
político, mas também ao poder económico. Outra dessas vantagens prende-se com a
necessidade de os meios de comunicação terem que competir no mercado, o que
resulta numa melhoria dos produtos disponíveis e numa crescente diversificação. A
necessidade de cada meio se posicionar e conquistar quota de mercado obriga-o a
distinguir os seus produtos da oferta da concorrência, tornando o mercado e os
conteúdos informativos mais pluralistas.
Na obra Comunicação Responsável – A auto-regulação dos media, Hugo
Aznar (2005) procura demonstrar que, apesar de todas essas potencialidades, os
supostos benefícios da concorrência entre empresas não são aplicáveis aos meios de
comunicação social, existindo inúmeros casos em que a concorrência motiva o não
* Licenciada em Comunicação Social pela UNL, Investigadora e Aluna do Master em Gestão Empresarial e
Editorial dos Media & Entretenimento, UAL
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cumprimento das normas éticas da comunicação, sobrepondo-lhes critérios de
marketing. Esta preponderância de uma visão comercial está na origem de inúmeros
conflitos éticos relacionados com as obrigações dos profissionais, que se vêem
confrontados com a dificuldade de conciliar os seus deveres jornalísticos com o
marketing aplicado às notícias, através do qual os leitores e espectadores são reduzidos
ao papel de meros consumidores. Aznar considera que a concorrência é também
responsável por uma aceleração na produção de conteúdos informativos, o que
dificulta o cumprimento da exigência ética que consiste em evitar erros e imprecisões,
bem como em comprovar as informações transmitidas, recorrendo a diversas fontes e
à opinião de especialistas.
Outra das consequências da concorrência é a tentativa por parte dos meios de
comunicação de aumentar, a todo o custo, a procura dos seus produtos, através de uma
acentuação exagerada do dramatismo dos acontecimentos. O sensacionalismo é um
dos recursos mais utilizados para captar a curiosidade do público.
Ao contrário do que seria de esperar, em muitos casos, a concorrência entre
empresas de comunicação também não favorece a pluralidade e a diversidade de
conteúdos. Pelo contrário, as «guerras de audiências» obrigam os meios a tentarem
satisfazer o maior número possível de consumidores, o que acaba não só por dar
origem a uma homogeneização de conteúdos, como também a uma adequação dos
mesmos ao nível mínimo exigido pela audiência, o que geralmente se reflecte numa
diminuição da qualidade da oferta. Além disso, a tendência para a regulação do
comportamento de cada órgão de comunicação pela orientação dos seus concorrentes
conduz a uma inevitável repetição de temas, de estilos e de protagonistas.
Como empresas, os meios de comunicação social possuem uma característica
que os torna únicos no mercado: a maior parte das suas receitas não provém do
público consumidor, mas sim dos anunciantes. No caso da rádio e da televisão, a
influência dos anunciantes é ainda maior, pois deles depende a quase totalidade das
suas receitas. Nos canais por cabo, outra fonte de investimento e que tende a ser a
maioritária é a assinatura dos serviços.
Herman e Chomsky (2002) afirmavam mesmo que os meios de comunicação
privados são grandes empresas que vendem um produto (leitores e audiências) a
outros negociantes: os anunciantes. A teoria de Herman e Chomsky estabelece uma
relação directa entre o resultado do processo noticioso e a estrutura da empresa
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jornalística. Segundo estes autores, existe uma estreita ligação entre as elites
dirigentes e os produtores mediáticos, o que se reflecte numa total concordância entre
os interesses das elites e o produto jornalístico. Os jornalistas estariam, de acordo com
esta teoria, reduzidos à função de meros executantes do poder capitalista.
Contudo, não deveremos reduzir a nossa análise a esta visão. Alguns
estudiosos alertam para a necessidade de estabelecer uma destrinça entre as empresas
mediáticas e os jornalistas. Fernando Correia (2006) adianta que a verdade é que uns
e outros não buscam, em última instância, fins idênticos, antes pelo contrário:
frequentemente os critérios comerciais revelam-se contraditórios com os critérios
jornalísticos, o que gera uma conflitualidade latente e cria sérios constrangimentos à
autonomia jornalística e ao direito do público a informar-se e a ser informado.
Para além da influência dos anunciantes nas empresas de comunicação, a
própria natureza empresarial dos media faz que estes estejam submetidos a pressões
que condicionam a sua autonomia. A mais directa é a propriedade dos meios. Se, por
um lado, a definição dos objectivos e da identidade do meio, bem como, por exemplo,
a nomeação do seu director são decisões que implicam a intervenção dos respectivos
proprietários, o funcionamento da equipa de redacção, com a sua deontologia própria,
requer autonomia e independência. Os conflitos ocorrem quando os proprietários
decidem intervir na elaboração dos conteúdos informativos, alargando o seu direito de
propriedade à esfera editorial.
Diversos trabalhos de pesquisa têm vindo a demonstrar claramente o peso dos
constrangimentos organizacionais sobre o trabalho jornalístico. O clássico estudo de
Warren Breed é um deles. Segundo este autor, os jornalistas acabam por ser socializados
dentro das organizações jornalísticas, conformando-se com as normas editoriais das
redacções. Estes profissionais apreendem a política editorial através de um processo de
«osmose», mediante o qual se socializam, descobrindo e interiorizando os direitos e
obrigações do seu estatuto, bem como as suas normas e valores.
Breed identifica alguns factores que promovem o conformismo dos jornalistas
relativamente às políticas editoriais: a autoridade institucional (sanções e
recompensas); os sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores; as
aspirações de mobilidade (relativamente a posições de relevo); a ausência de grupos
de lealdade em conflito; o prazer da actividade; as notícias como valor (Breed, 1955).
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O próprio processo de produção das notícias é também relevante para esta
análise. As redacções dos meios de comunicação social estão expostas a constantes
pressões sociais, económicas e políticas, para além de estarem também inseridas num
ambiente em que o inesperado está sempre prestes a acontecer. De forma a melhor
enfrentarem estes condicionalismos, os jornalistas estabelecem uma série de
procedimentos. Gaye Tuchman defende que a própria objectividade jornalística é um
«ritual estratégico», tendo como única função proteger os jornalistas dos riscos da sua
profissão. De acordo com esta teoria, os jornalistas necessitam de uma noção operativa
de objectividade para minimizar os riscos impostos pelos apertados prazos de entrega,
pelas potenciais críticas, pelos processos difamatórios e pelas reprimendas dos seus
superiores (Tuchman, 1978).
A objectividade jornalística é entendida como um valor-limite e uma meta,
desde logo com a exactidão dos factos relatados e a fidelidade das opiniões recolhidas.
Os casos que se prestem a campanhas, manipulação e desinformação requerem maior
prudência do jornalista para garantir a objectividade, recorrendo à pluralidade das
fontes e à investigação, sem se deixar arrastar por ideias preconcebidas (Livro de Estilo
do Público, 1998).
Na mesma linha de Tuchman se colocam as interpretações que reconduzem a
«objectividade jornalística» à adopção de certas configurações retóricas tradicionais do
jornalismo. A (estrutura) do lead e da pirâmide invertida, figuras típicas do jornalismo
de agência, seriam sinónimos de objectividade, na medida em que garantem o
destaque do principal acontecimento numa linguagem seca e «objectivadora», de onde
seriam rasuradas as marcas de subjectividade do jornalista.
Mas a natureza empresarial dos meios de comunicação está ainda associada a
um outro efeito, que tem vindo a progredir desde os anos oitenta: a concentração. Este
fenómeno, que não é exclusivo das empresas de comunicação e que representa uma
tendência geral acentuada pela globalização dos mercados, faz com que as pequenas
empresas locais e regionais só sobrevivam mediante a sua integração em grandes
empresas, que operam em mercados mais amplos, o que levanta alguns problemas a
nível da livre concorrência.
Em 1980, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) denunciava já, através do conhecido Relatório MacBride (1980) a
ameaça para a existência de uma imprensa livre e pluralista potenciada pela
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concentração dos media. Actualmente, face ao fenómeno da globalização e das fusões
ocorridas no sistema mediático, com a consequente emergência de «gigantes»
mediáticos, esta questão ganha contornos cada vez mais preocupantes. Pode mesmo
afirmar-se que a lógica empresarial representa hoje uma forte ameaça para a liberdade
de expressão, para a pluralidade de informação e para a autonomia dos profissionais
do sector. A concentração das empresas de media e as ameaças que surgem à escala
global e local são questões analisadas por estudiosos portugueses destas matérias, que
reflectem a necessidade de dar o passo em frente face a inevitabilidade das mutações
políticas, económicas e sociais10.
Do ponto de vista da cadeia de valor, as empresas de comunicação podem
dividir-se em dois grupos: as empresas de intermediação (como é o caso das agências
de notícias), cujos clientes são outras empresas de notícias, e as empresas que têm uma
relação directa com o público. Ambas sobrevivem no mercado se alcançarem uma
vantagem competitiva sustentável, ou seja, têm que ser capazes de produzir algo com
valor para o público e que, simultaneamente, a concorrência não consiga imitar
facilmente. Porém, como já referimos, fenómeno do mercado global tem vindo a
favorecer precisamente a imitação e a introdução de novas marcas no mercado, o que
constitui uma ameaça às posições hegemónicas das empresas de comunicação.
Com o objectivo de assegurar o futuro destas empresas, os seus dirigentes
vêem-se confrontados com a necessidade de tomar decisões no sentido de neutralizar
o risco de as mesmas virem a ser aniquiladas pela concorrência e, nesse sentido,
acreditam que, expandindo-se, poderão melhorar a sua posição no mercado. Há, no
entanto, que considerar a hipótese de esse crescimento poder apresentar
inconvenientes como o aumento do risco de redução do nível de especialização das
empresas, que poderá repercutir-se em desempenhos menos eficientes por parte
destas; a deterioração da cultura corporativa, na sequência das dificuldades de
comunicação interna, com a consequente diminuição da motivação dos empregados,
colaboradores e jornalistas; e uma perda de objectivos de inovação.
Torna-se, portanto, evidente a poderosa influência que a estrutura
empresarial das empresas de comunicação e as pressões do mercado exercem sobre a
actividade dos media. Os profissionais são o alvo mais frequente deste tipo de tensões.
Se, por um lado, foram preparados para prestar um serviço à sociedade orientado por
determinados valores éticos, presentes no seu código deontológico, por outro, não
10 Vide COSTA SILVA, Elsa; Os Donos das Notícias-Concentração da Propriedade dos Media em Portugal, Porto
Editora, 2004 e FAUSTINO, PAULO; A Imprensa em Portugal-Transformações e Tendências, MediaXXI, 2004.
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podem ignorar a sua condição de empregados dentro de uma organização que se rege
por critérios comerciais. O equilíbrio entre estas duas vertentes não é fácil de gerir e,
por isso, é bastante comum que as exigências do mercado se sobreponham aos deveres
sociais das empresas de comunicação.
Não é, pois, de estranhar que um tal cenário suscite verdadeiras preocupações
relativamente à concentração dos media e àquilo que esta representa em termos do
reforço de certos interesses económicos e políticos, tanto mais quando, à margem das
exigências dos profissionais da comunicação, bem como das próprias necessidades e
interesses específicos dos destinatários das mensagens mediáticas, continuam a existir
empresários que não hesitam em converter os media em meros suportes de interesses
comerciais e ideológicos. Sob a lógica destas empresas, o cidadão dá lugar ao
consumidor e a informação passa a confundir-se com a publicidade e o
entretenimento. O sociólogo americano Michael Schudson foi um dos estudiosos que
alertou para o desenvolvimento desta lógica comercial subjacente à informação, no
âmbito da qual a pressão comercial se instalou (Schudson, 2003).
Juan José Garcia-Noblejas caracteriza a «era da informação» como uma
espécie de máscara que impede de observar até que ponto estamos também a entrar
numa «era da manipulação»(1997:47). Segundo o autor, o interesse prioritário e
quase exclusivo pelos níveis de audiência e pela preponderância daquilo a que se
tornou comum apelidar de «informação-espectáculo» não é inocente. Garcia-Noblejas
faz uma alusão a Jeff Cohen, antigo colunista do Los Angeles Times, para subscrever a
sua tese de que os meios de comunicação nos vendem publicidade encoberta como
informação, pelo que deveriam ser apelidados não de meios de comunicação, mas sim
de meios de persuasão ou mesmo de manipulação, visto que o interesse público é
efectivamente uma das suas últimas preocupações.
Já a conhecida teoria crítica que vem da Escola de Frankfurt tinha subjacente a ideia
de uma imensa engenharia psicológica da qual os meios de comunicação são instrumento
fundamental, pelo facto de exercerem um efeito poderoso do ponto de vista ideológico.
Para os investigadores de Frankfurt, os mass media não eram um utensílio do totalitarismo,
mas sim a razão central da sua existência. Esta corrente de pensamento, que responsabilizou
os mass media pelo aumento dos hábitos e comportamentos que tornaram os indivíduos
vulneráveis aos argumentos fascistas, apontava a perda da individualidade como uma das
principais causas de dependência relativamente às grandes organizações de massa.
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Esta reacção à cultura de massas foi, no entanto, entendida essencialmente
como parte de um movimento de resposta mais abrangente relativamente ao estilo de
vida nos EUA. A teoria do poder dos media e o modelo do sociedade industrial da
Escola de Frankfurt foram refutados pela investigação empírica norte-americana, no
âmbito da qual foram desenvolvidas várias pesquisas com o objectivo de comprovar a
influência limitada dos media na Opinião Pública.
Não é, no entanto, possível deixar de notar que o desenvolvimento dos mass
media originou o surgimento de uma série de organizações e profissões dedicadas à
«manipulação» dos media. Os meios de comunicação social têm que garantir o
preenchimento do seu espaço e tempo informativos, factor que influencia o facto de
muitos dos conteúdos designados como «notícias» por vezes não serem mais do que
publicidade gratuita.
Há também que considerar o facto de ser bastante mais simples para um
jornalista comparecer a uma conferência de imprensa, preparada antecipadamente por
profissionais da área da publicidade ou das relações públicas, e publicar a informação
que dessa forma lhe foi transmitida do que dedicar-se a investigar sobre o assunto em
questão. Daí que muitos dos acontecimentos noticiados não sejam sequer verdadeiros
acontecimentos independentes dos media, mas sim aquilo que se designa de «pseudo-acontecimentos».
O conceito de «pseudo-acontecimento», introduzido em 1961 por Daniel
Boorstin, refere-se a todos os eventos concebidos com o propósito de serem
noticiados, alcançando, dessa forma, significado enquanto acontecimentos mediáticos.
Estes são criados por profissionais da comunicação com a finalidade de garantir o seu
reconhecimento como acontecimentos genuínos. O objectivo é fazer falar de assuntos
específicos, por detrás dos quais se ocultam normalmente interesses pessoais
(Boorstin, 1961).
Em Portugal, um dos exemplos mais evidentes de um «pseudo-acontecimento» foram as presidências abertas do então Presidente da República Mário
Soares. Como afirma Estrela Serrano, «a Presidência Aberta não é um acontecimento
espontâneo. Surge porque foi planeada. Foi criada para ser coberta pelos media, como
Soares repetidamente afirmou. (…) Constitui uma tentativa de criar um
acontecimento para dar visibilidade ao Presidente que queria ser notícia» (Serrano,
2002:130-131).
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O aumento significativo do número de «pseudo-acontecimentos» a que vimos
a assistir tem, como consequência directa, um crescimento exponencial da
ambiguidade entre o natural e o artificial, entre a realidade da ficção e a ficção da
realidade. A vida de cada um e os acontecimentos que ocorrem no mundo já não são
o seu referente directo e exclusivo. Os universos discursivos construídos pelos meios
de comunicação social foram convertidos em modelos estereotipados e em critérios
de referência para a nossa vivência no mundo de hoje.
De acordo com Garcia-Noblejas, os novos modos comunicativos, sendo
modos argumentativos, mas não explicitamente considerados como tal, estão a fazer
emergir um novo sistema social. O autor alerta, no entanto, para o facto de ainda
poucos saberem o suficiente acerca dos mecanismos revolucionários de acção política
ou dos interesses ideológicos e comerciais destes jogos argumentativos, que se
apresentam de forma inocente como espelho da realidade (Garcia-Noblejas, 1997).
Também Molotch e Lester defendem que grande parte das notícias é
resultante de acções intencionais. De acordo com a sua teoria, existem estratégias
comunicacionais por detrás dos agentes sociais, que dessa forma pretendem fazer
passar determinados interesses. De acordo com estes autores, nos acontecimentos
intervêm três categorias de agentes: os promotores, que identificam uma dada
ocorrência como especial; os informadores (jornalistas e editores), que, trabalhando a
partir de materiais fornecidos pelos promotores, transformam os acontecimentos a
partir da sua publicação ou radiodifusão; os consumidores, que assistem a essa
publicação ou radiodifusão.
Molotch e Lester estabelecem uma tipologia de acontecimentos públicos
baseando-se nas circunstâncias do trabalho de promoção que possibilitam a colocação
dos mesmos à disposição do público. Uma das categorias de acontecimentos desta
tipologia, na qual se engloba a maioria das notícias, diz respeito aos acontecimentos de
rotina, cujo protótipo são as conferências de imprensa. Outra das categorias de
acontecimentos públicos da tipologia de Molotch e Lester são os acidentes. Estes
definem-se pelo facto de a sua ocorrência não ser intencional e de aqueles que os
promovem não coincidirem com aqueles cuja actividade originou esses
acontecimentos. Os escândalos são mais uma das categorias consideradas pelos
autores, que os caracterizam como ocorrências que se transformam em
acontecimentos mediante a actividade intencional de alguém, sendo que a promoção
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dos mesmos não é feita por aqueles que inicialmente os tenham despoletado. Molotch
e Lester destacam ainda o acaso ou serendipty como uma categoria de acontecimentos
que são promovidos, sem, no entanto, terem sido planeados.
Os dois teóricos distinguem ainda vários tipos de acessibilidade dos promotores
aos media: o acesso habitual, característico dos grupos muito ricos e das fontes
institucionais do poder; o acesso disruptivo, praticado pelos menos poderosos, que se
vêem obrigados a perturbar a ordem social, de forma a conseguirem influir nas formas
habituais de produção dos acontecimentos; o acesso directo, mediante o qual os
promotores são precisamente jornalistas ou editores (Molotch, Harvey L., Lester, 1974).
Numa breve referência ao caso português, poderemos enquadrar naquilo que
Molotch e Lester designam de «acesso habitual» aos media o facto de os políticos em
actividade no nosso país protagonizarem frequentemente espaços de comentário nos
meios de comunicação social nacionais. Embora seja legítimo que estes utilizem o
espaço público para manifestar as suas opiniões, há também que considerar o facto de
uma tal conduta poder levantar sérias dúvidas no que diz respeito aos seus verdadeiros
objectivos e ao possível grau da sua independência.
A teoria de Stuart Hall difere da de Molotch e Lester na consideração de que,
para este autor, os media reproduzem as definições dos poderosos, sem estarem,
porém, ao seu serviço. Stuart Hall defende que os media não criam autonomamente
as notícias, encontrando-se dependentes de assuntos noticiosos específicos fornecidos
por fontes regulares e credíveis, o que se deve quer às pressões internas inerentes ao
processo de produção jornalística, quer ao facto de as notícias estarem orientadas por
noções de imparcialidade e objectividade, o que pressupõe o recurso constante a
fontes de informação capazes de pré-agendar a actividade jornalística, bem como a
representantes de instituições sociais de relevo. Esta preferência traz, como
consequência, o facto de estes porta-vozes se transformarem em “definidores
primários” dos assuntos a noticiar.A relação estrutural dos media com o poder faz com
que estes passem a assumir um papel secundário, limitando-se a reproduzir as
definições daqueles que têm acesso privilegiado aos meios de comunicação social. Os
media tornam-se, assim, legitimadores do processo de controlo da sociedade,
funcionando como verdadeiros aparelhos ideológicos (Hall, 1973).
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Philip Schlesinger é um dos principais críticos de Hall no conceito de
“definidor primário”, ao considerá-lo simplista, pois não reconhece que possam existir
fontes acreditadas mais influentes do que outras. Além disso, ignora as mudanças a
longo prazo na estrutura de acesso às forças sociais, exagerando a passividade dos
meios noticiosos.As fontes oficiais recorrem frequentemente ao uso do off-the-record
quando descrevem o que aconteceu numa reunião, logo surgem as designações de
“fonte geralmente bem informada” ou “fonte oficial” que encobrem a identidade do
“definidor primário”. Segundo Schlesinger a perspectiva de Hall torna invisível a
actividade de gerar contra-definições e exclui a análise de definição prévia à
determinação da primeira definição (Schlesinger, 1990).
A tese de Stuart Hall confirma-se, de alguma forma, através de uma
referência ao caso português, na obra Nos Bastidores do Jogo Político – O Poder dos
Assessores que, ao analisar o papel dos assessores de imprensa nos governos do partido
socialista entre 1995 e 2002, concluiu que os mesmos assumiram uma função
eminentemente política, não se limitando a fornecer um contributo técnico no que diz
respeito às estratégias de comunicação a seguir. Uma das principais conclusões deste
estudo prende-se com o facto de a influência dos assessores de imprensa dos governos
presididos por António Guterres ter sido determinante na «escolha do momento e na
forma como as decisões do governo foram comunicadas» e de, aparentemente,
também se ter verificado «no processo de construção das decisões políticas»
(Gonçalves, 2005:182).
Este trabalho de investigação caracteriza a presença dos assessores de
imprensa em todos os ministérios dos governos presididos por Guterres como um
sinal de que a comunicação foi, na altura, encarada como parte integrante da acção
política, tendo-se verificado uma verdadeira preocupação de comunicar com os
eleitores. O estudo revela também que os assessores de imprensa eram, na maioria,
jornalistas que habitualmente acompanhavam a actualidade política: «de quarto poder,
os jornalistas passaram a assessores do poder» (Gonçalves, 2005:184).
De acordo com esta perspectiva, o grande trunfo do governo socialista terá
sido a capacidade de, na altura, ter reconhecido o poder estratégico da informação no
jogo político.Os editoriais dos jornais ou os espaços de comentário na rádio e na
televisão constituem verdadeiras intervenções políticas. Se considerarmos que o
confronto político tem lugar nos media e que estes são hoje a primeira fonte de
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informação para a maioria dos cidadãos, é fácil percebermos a importância da
comunicação e da informação na vida política. É também por esta razão que
Dominique Wolton designa o espaço público contemporâneo de «espaço público
mediatizado», uma vez que este se caracteriza pelo facto de ser «funcional e
normativamente indissociável do papel dos media» (1995:167).
O jornalista Vítor Gonçalves considera mesmo que os jornalistas são
verdadeiros «agentes políticos», pois «apesar de estarem sujeitos a um conjunto de
regras como, por exemplo, as que emergem da Lei de Imprensa e do Código
Deontológico dos Jornalistas, são eles que decidem os temas que vão abordar e os
protagonistas a quem vão dar voz, o espaço e o tempo a atribuir a um determinado
assunto ou indivíduo. Este facto, tem uma enorme influência no sistema mediático, e
pode levantar questões como o pluralismo e o acesso de forças políticas minoritárias
ao espaço comunicacional» (2005:63).
Perante tais circunstâncias, importa, cada vez mais, reflectir sobre a questão
da responsabilidade social dos media e as possibilidades de regulação do sector, no
sentido de garantir aos cidadãos uma informação válida e o mais transparente possível,
pautada, acima de tudo, por princípios éticos e não por interesses de carácter
económico ou político.
2.2 COMUNICAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL
O Livro Verde para a Responsabilidade Social, lançado pela Comissão
Europeia em 2001, define a responsabilidade social como «um comportamento que as
empresas adoptam voluntariamente e para além das prescrições legais, porque
consideram ser esse o seu interesse a longo prazo».
Uma empresa socialmente responsável deve, de acordo com esta perspectiva,
preencher alguns requisitos base, como: promover um envolvimento forte baseado em
valores; manifestar uma vontade de progresso contínuo e uma atitude de humildade;
compreender e aceitar a sua interdependência relativamente aos meios envolventes;
possuir uma visão de longo prazo apoiada na responsabilidade face às gerações futuras;
preconizar o princípio da precaução como regra de decisão; fomentar uma prática
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regular de diálogo e de consulta de todas as partes envolvidas; defender os princípios
da informação e da transparência; ter capacidade de responder pelos seus actos e de
prestar contas sobre as consequências directas e indirectas da sua actividade.
A responsabilidade social nas empresas não é, contudo, apenas uma
preocupação da actualidade.As políticas socialmente responsáveis vêm de longe. Já em
1920 Henry Ford defendia a ideia de que as empresas deveriam participar no bemestar colectivo. Mas, para além das iniciativas por parte das empresas e de outras
instituições, a pressão dos próprios consumidores também muito contribuiu para a
evolução do conceito de responsabilidade social. Nos finais dos anos 60, em plena
guerra do Vietname, os movimentos dos consumidores pela exigência de uma nova
postura por parte das empresas tornaram-se mais sistemáticos e generalizados. Nasce
então o conceito de responsabilidade social tal como a entendemos hoje.
No que diz respeito especificamente às empresas de comunicação, a
responsabilidade social é uma questão de relevância singular, sobre a qual importa
reflectir. A Declaração da UNESCO sobre os Media (1983) evocava já a noção de uma
responsabilidade social inerente a este sector ao preconizar que, no jornalismo, «a
informação é entendida como um bem social e não como um simples produto. Isso
significa que o jornalista partilha a responsabilidade da informação transmitida, sendo,
portanto, responsável, não só perante os que controlam os media, mas, em última
análise, perante o grande público, tomando em conta a diversidade dos interesses
sociais. A responsabilidade social do jornalista exige que ele actue em todas as
circunstâncias em conformidade com a sua própria consciência ética».
No campo do jornalismo, o princípio da responsabilidade social está associado
ao conceito de imprensa como «quarto poder» e à caracterização dos jornalistas como
watchdogs (ou «cães de guarda»). Ambas as expressões são exemplo de uma concepção
romântica do jornalismo, de acordo com a qual o jornalista estaria comprometido com
a sociedade, que lhe delegaria o poder de fiscalizar as instituições em seu nome.
O mito do jornalismo objectivo é essencial para a compreensão do conceito
de responsabilidade social do jornalista, pois foi com base no mesmo que se tornou
possível a transição do chamado «jornalismo panfletário» ao jornalismo profissional.
As origens do jornalismo moderno remontam a meados do século XIX (em
Inglaterra), com a profissionalização da classe e a introdução de um novo paradigma: o
jornalismo como informação, em oposição ao paradigma anterior do jornalismo como
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arma de militância política. A grande diferença residiu no facto de os proprietários dos
jornais terem deixado de utilizá-los como objectos de mera propaganda e terem passado
a vê-los como instrumentos de poder contra os partidos políticos.
Este esbatimento da anterior tendência para o controlo político da imprensa
está estreitamente ligado ao aumento do investimento em anúncios publicitários. À
medida que a publicidade se foi assumindo como principal meio de financiamento dos
jornais, estes foram conseguindo libertar-se da sua dependência relativamente aos
partidos políticos.
Ganha, então, importância um novo conceito: o de Opinião Pública como
instrumento de controlo do poder. De acordo com esta concepção, caberia à imprensa
a missão de assegurar o esclarecimento da Opinião Pública, exercendo um papel de
mediação entre esta e os governantes. Os jornalistas assumem, neste contexto, o papel
de «agitadores», sendo vistos como o principal meio para obrigar o governo a executar
reformas sociais.
A realidade é que as mudanças entretanto ocorridas nas empresas
jornalísticas, associadas a factores político-culturais, levaram à emergência de um
«jornalismo de mercado». Este tipo de jornalismo resulta, em parte, de mudanças na
estrutura das empresas de comunicação, que levaram a uma submissão da produção
jornalística à lógica de exploração do sistema capitalista.
A partir da década de 70, a maioria dos grandes jornais norte-americanos
lançaram as suas acções na bolsa de valores, o que provocou um aumento das pressões no
sentido de uma busca de lucros a curto prazo. A submissão da imprensa à lógica
empresarial fez com que, por exemplo, as notícias sobre economia e política viessem a
ceder espaço à cobertura de assuntos mais vendáveis e com alto conteúdo emocional. Esta
lógica comercial teve também implicações a nível da redução nos custos de produção das
notícias, o que despoletou um processo de precariedade do mercado de trabalho.
É a própria sociedade que acaba por definir um «ethos jornalístico», baseado
na ideia de que o jornalista deve informar os cidadãos, ser a sua voz e actuar de forma
independente e vigilante contra os abusos de poder. Estava, assim, criado o mito
político da imprensa como «quarto poder» (ou, originariamente, «fourth estate»).
O jornalismo de responsabilidade social na sua versão mais recente, inspirada
no mito do «quarto poder», teve o seu auge no século passado, entre o final da década
de 40 e meados da década de 70. Os media actuavam, então, como um verdadeiro
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contra-poder (recorde-se o «Caso Watergate») e, durante algum tempo, ainda se acreditou
que esse modelo seria estável e permanente, uma vez que representaria uma evolução
histórica natural da profissão. No entanto, a sua influência efectiva nas práticas profissionais
não durou o tempo desejado. Daí que alguns autores, como Mário Mesquita, cheguem
mesmo a apelidar os media de «o quarto equívoco» (Mesquita, 2003).
Face a estes condicionalismos, tem-se vindo a instalar um sentimento de
resignação crescente dos profissionais do jornalismo às condições impostas pelas
empresas e, consequentemente, uma maior atracção pelo desrespeito das regras
morais e deontológicas da profissão. O jornalismo adquire, assim, um carácter
marcadamente instrumental e o jornalista aproxima-se cada vez mais do simples
operário de uma cadeia de produção.
O jornalismo cívico, um movimento jornalístico norte-americano também
conhecido como «jornalismo público» ou «jornalismo comunitário» surge
precisamente como reacção a esta situação, tentando advertir os jornalistas
relativamente ao facto de os seus leitores, ouvintes ou telespectadores serem, em
primeiro lugar, cidadãos e só depois consumidores.
Além de derivar das mudanças na estrutura das empresas de comunicação, o
«jornalismo de mercado» está também ligado ao declínio do ideal da objectividade e
ao aparecimento de novos agentes dedicados à mediação jornalística ou assessores de
imprensa, que deixam de se constituir como fontes de informação jornalística para se
tornarem em verdadeiros produtores de notícias.
Do ponto de vista comunicacional, todas estas mudanças suscitaram
profundas alterações a nível dos materiais publicados. O acondicionamento comercial
dos conteúdos trouxe agregada uma «facilitação psicológica» (na terminologia de
Habermas), o que implicou uma banalização dos conteúdos de forma a permitir que
os mesmos pudessem ser objecto de compreensão por parte de um número cada vez
mais alargado de indivíduos. Os conteúdos privilegiados deixaram de ter como
objectivo o estímulo à reflexão e passaram a reger-se pelas regras da atenção,
nomeadamente através do recurso a elementos visuais.
Uma reflexão sobre a responsabilidade social dos media não pode descurar a
problemática dos efeitos dos meios de comunicação social. Os efeitos cognitivos dos
media, por exemplo, foram objecto de diversos estudos, dos quais é exemplo a tese
do «agenda-setting». Bernard Cohen (1963) afirmava na sua obra que, na maioria das
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vezes, a imprensa não tem êxito dizendo às pessoas o que hão-de pensar, mas sim
dizendo-lhes aquilo sobre que hão-de pensar. Nas suas palavras, estava já implícita a
hipótese central em torno da qual McCombs e Shaw vieram posteriormente a definir
a função de «agenda-setting» dos media.
Segundo estes autores, o «agenda-setting» pode definir-se como o resultado da
relação que se estabelece entre o ênfase atribuído ao tratamento de um tema pelos media
e as prioridades temáticas manifestadas pelos membros de uma audiência após serem
objecto do impacto desses mesmos media. Isto significa que, através da sua capacidade
para estabelecerem uma agenda pública, os meios de comunicação não determinam o
que as pessoas pensam, mas aquilo sobre que pensam. O «agenda-setting» afirma a
existência de uma relação directa e causal entre o conteúdo da agenda dos media e a
subsequente percepção pública de quais os temas importantes do dia. Este conceito
entende-se por uma coincidência entre a agenda dos media e a política e pública,
procurando haver um equilíbrio ou tensão entre estas (McCombs e Shaw, 1972).
A teoria do «agenda-setting» aproxima-se da teoria da tematização quanto ao
objecto de estudo, mas diverge dela quanto à fundamentação teórica. O conceito de
tematização foi utilizado pela primeira vez por Niklas Luhmann. Segundo este autor,
a Opinião Pública deve ser concebida como uma estrutura temática da comunicação
pública fundada na suposição de que, apesar do número ilimitado de temas que podem
ser veiculados pela comunicação pública, a atenção do público só se pode manifestar
de forma limitada (Luhmann, 1972).
Para Luhmann, a Opinião Pública resulta de uma actividade selectiva exercida
pelos media relativamente aos vários temas da comunicação pública. A tematização
define-se como o processo de selecção e de valoração de determinados temas de
interesse introduzidos de forma contingente na Opinião Pública. Luhmann introduz,
assim, uma nova concepção de Opinião Pública, considerando que esta deixa de ter
qualquer vinculação à sociedade civil, passando a estar vinculada ao sistema político
através da função de tematização. O objectivo do sistema político seria, assim,
maximizar a função de tematização através do conhecimento e da administração do
ciclo de vida dos temas, de modo a fazer coincidir o seu clímax com os momentos de
tomada de decisões11.
11 A questão da Opinião Pública e Espaço Democrático é amplamente reflectida nas obras de FIGUEIRAS, Rita,
Os Comentadores e os Media. Os Autores das Colunas de Opinião, Livros Horizonte/CIMJ, Lisboa, 2005;
ESTEVES, João Pissara, Espaço Público e Democracia, Edições Colibri, Lisboa; 2003 e CORREIA, João Carlos,
Comunicação e Cidadania: os meios de comunicação das identidades nas sociedades pluralistas, UBI, Covilhã,
2001.
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De acordo com o testemunho do editor de política nacional da RTP, Vítor
Gonçalves, «os partidos políticos que concorrem às eleições, conscientes dos escassos
efeitos que a propaganda produz na vontade dos eleitores, vigiam cuidadosamente a
acção informativa dos meios de comunicação durante o período eleitoral e tentam
aproveitá-lo ao máximo, em seu benefício, por exemplo, advertindo os líderes de que
naquele exacto momento estão em directo num espaço informativo de televisão. É
nestes períodos que se multiplicam os conflitos entre os principais responsáveis
políticos pelas campanhas e os jornalistas e responsáveis editoriais que efectuam a
cobertura jornalística desses acontecimentos» (2005:106).
Considerando os potenciais efeitos dos media, ganha contornos de extrema
relevância a responsabilização de todos os agentes que participam no processo de
produção da informação. No jornalismo intervêm empresários, jornalistas e cidadãos
e é sobre todos eles que deve recair a responsabilidade de o tornar melhor.
Numa conferência subordinada ao tema «Os media e a liberdade de expressão» que
teve lugar em Abril de 2006 no Instituto Franco-Português, em Lisboa, Ignacio Ramonet,
director do jornal Le Monde Diplomatique, defendeu que «os media já não têm o papel
que tinham. Eles, que eram um instrumento essencial da democracia, são hoje um
problema dessa mesma democracia. E porquê? Porque já não desempenham o seu papel
de quarto poder.Aí é que se centra a questão da liberdade de expressão». Para Ramonet,
a grande preocupação das empresas de media hoje em dia é a rentabilidade, pelo que
«deixou de ser prioritária a intervenção na sociedade com idealismo cívico, de modo a
fazer uma sociedade mais humana, calorosa e democrática».
O jornalista francês apontou como particularmente alarmante a emergência do
poder mediático como o «segundo poder», logo atrás do económico e «bem à frente do político».
Ramonet afirmou ainda que, com a perda de credibilidade dos media e o fim do reinado
dos media como contra-poder, se assistirá ao surgimento de um «quinto poder»,
constituído por cidadãos organizados com o intuito de se assumirem como consciência
global e de exigirem dos media o desempenho do seu papel de garante da democracia.
A subordinação dos media aos interesses comerciais patronais reflecte uma
nova hierarquia de poderes na sociedade, mediante a qual o poder político passa a estar
submetido ao poder económico, cabendo aos media não mais do que um poder
delegado, concedido e gerido pelo poder económico dominante. A concentração dos
media em poderosos grupos económicos não só contribui para o estreitamento do
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pluralismo de opiniões, como restringe o debate no espaço público aos interesses
ideológicos, económicos e políticos do poder dos grandes grupos, cada vez mais
dependentes do grande capital financeiro.
Esta supremacia dos valores comerciais sobre os valores jornalísticos,
associada à luta pelas audiências e pelas tiragens, dá inevitavelmente origem a graves
distorções no tratamento da actualidade e na utilização dos critérios noticiosos,
passando a informação a ser concebida como uma mera mercadoria. São hoje cada vez
mais os jornalistas (e mesmo alguns responsáveis editoriais) que, ao interiorizarem
como valores jornalísticos os valores comerciais, passaram a considerar como bom
jornalismo o jornalismo que «vende bem», desconsiderando totalmente a inegável
responsabilidade social da profissão.
Pierre Bourdieu define dois pólos em torno dos quais se estrutura o «campo
jornalístico»: o «pólo intelectual» e o «pólo comercial». No primeiro pólo situam-se
os profissionais que privilegiam, como fonte de legitimação, o reconhecimento dos
seus pares com base no respeito da deontologia profissional. O segundo pólo abrange
os jornalistas que determinam o seu comportamento pela «sanção, directa, da
clientela, ou, indirecta, da audiência» (1994:4-5).
Mas, para além da influência dos factores económicos nas empresas de media,
também não podem ser ignorados os interesses políticos por detrás das mesmas. O
«clientelismo político» constitui uma das maiores ameaças à autonomia do jornalismo.
Um estudo realizado pelos investigadores Daniel C. Hallin e Stylianos
Papathanassopoulos analisa a relação entre o «clientelismo político» e o
desenvolvimento do sistema dos media no sul da Europa e na América Latina,
apresentando sete países como objecto de investigação: Espanha, Grécia, Itália,
Portugal, Brasil, Colômbia e México (Hallin e Papathanassopoulos, 2002).
Os autores concluíram que estes países apresentam algumas características
comuns, tais como: a baixa circulação de jornais, a tendência para a instrumentalização
política dos media, o desenvolvimento limitado do jornalismo como profissão
autónoma, e instâncias reguladoras que são, simultaneamente, politizadas partidariamente e relativamente fracas.
O «clientelismo», que aqui é definido como um padrão de organização social,
mediante o qual o acesso aos recursos sociais é controlado pela entidade patronal e
distribuído a clientes em troca de deferência e vários tipos de apoio, constitui um
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conceito de grande utilidade para a análise dos media, nomeadamente pelo facto de
esclarecer as questões normativas do desempenho dos media no sistema democrático.
Segundo o estudo de Hallin e Papathanassopoulos, a instrumentalização dos
media pelos grupos industriais, pelos partidos ou pelo Estado implica que a autonomia
jornalística seja limitada, estando os jornalistas sujeitos a pressões das administrações
e podendo o seu trabalho nas redacções ser modificado em consonância com
motivações políticas. Os autores defendem que os meios foram criados mais com o
propósito de fazerem políticas do que fazerem dinheiro, sendo a influência política
considerada pelos capitalistas como crucial para o sucesso dos negócios.
Face a este cenário, é preciso reforçar a importância do respeito por alguns
princípios fundamentais, como é o caso dos direitos pessoais e profissionais dos
jornalistas. Deve ser respeitada a consciência de cada jornalista e a independência no
seu trabalho quotidiano, bem como os direitos que lhe permitem cumprir os seus
deveres pessoais e profissionais.
Não menos importante é o respeito pelos direitos e expectativas das pessoas
a quem a informação se dirige. Para que tal se verifique, é necessário que os princípios
editoriais sejam claramente formulados e conhecidos pelos jornalistas e pelo público.
A limitação editorial e publicitária são barreiras naturais das empresas jornalísticas,
que devem ser respeitados e não ignorados.
Se aqueles que desempenham actividades de carácter empresarial nos meios de
comunicação social estiverem preparados com uma verdadeira profissionalização e
especialização, mais facilmente se conseguirá tornar rentável para as empresas a
comercialização adequada de conteúdos jornalísticos de qualidade, com rigor, ideias
inovadoras e com base em informação fidedigna. A longo prazo, a rentabilidade poderá
advir do prestígio da qualidade duradoura e da coerência ética que respeita os cidadãos.
A Declaração da UNESCO sobre os Media (1983) menciona, a este respeito,
que «a tarefa primordial do jornalista é servir o direito do povo a uma informação verídica
e autêntica, respeitando com honestidade a realidade objectiva, colocando
conscientemente os factos no seu contexto adequado, salientando os seus elos essenciais,
sem provocar distorções, desenvolvendo toda a capacidade criativa do jornalista, para que
o público receba um material apropriado que lhe permita formar uma imagem precisa e
coerente do mundo, na qual a origem, a natureza e a essência dos acontecimentos,
processos e situações sejam compreendidas de uma forma tão objectiva quanto possível».
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Além do respeito pela natureza da empresa jornalística, devem, portanto, ser
respeitados os direitos dos cidadãos que recebem a informação e que, em algumas
ocasiões, se organizam inclusivamente em grupos de participação e diálogo, que, com
a disseminação das novas tecnologias, poderão vir a ter uma representatividade e uma
repercussão cada vez mais significativas.
De acordo com Luka Brajnovic, a causa eficiente da informação é a
compreensão da mensagem informativa por parte dos seus destinatários.Assim sendo,
enquanto estes não apreenderem a verdade contida nos textos e a integrarem na sua
configuração do mundo e no seu agir livre em sociedade, não se poderá falar de
informação jornalística, pois a sua finalidade não se terá cumprido (Brajnovic, 1979).
Para que tal seja possível de alcançar, é preciso que o jornalismo seja feito de
acordo com a sua verdadeira natureza e finalidade, o que exige um investimento
significativo na formação dos jornalistas e uma mudança muito profunda a nível das
atitudes dos empresários e dos gestores. No entanto, todas essas modificações
poderiam não ter qualquer repercussão caso não existisse uma cidadania formada que
permitisse a interacção entre os discursos jornalísticos e a sociedade civil.
Além disso, mesmo que existam meios de comunicação social com
preocupações genuinamente jornalísticas, haverá sempre lugar para outro tipo de
meios, sustentados na desinformação e na manipulação. Daí a necessidade de educar
os cidadãos. Só a educação poderá ajudar a desenvolver o seu sentido crítico perante
aquilo que é difundido pelos meios de comunicação. Pode dizer-se que existe hoje um
consenso sobre o princípio básico da educação para os media, formulado por Len
Masterman: os media são sistemas simbólicos que necessitam de uma leitura activa e
não puros reflexos da realidade externa (Masterman, 1985). Educar os cidadãos é a
única forma de conseguir que estes aprendam a procurar activamente a informação de
que necessitam, bem como a distinguir o verdadeiro do falso, o importante do
acessório, o que é positivo e o que pode ser prejudicial para a sociedade. Como
sujeitos activos no processo jornalístico, os cidadãos devem ser formados, para que
possam fazer um uso verdadeiramente livre e responsável da sua função participativa
no universo informativo.
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2.3 REGULAÇÃO DA ACTIVIDADE JORNALÍSTICA
Enquanto os media tradicionais (os mass media) se caracterizam pela
unilateralidade de comunicação, os novos media podem ser considerados como
instrumentos capazes de potenciar uma verdadeira cidadania comunicativa a
participativa, permitindo que todos comuniquem com todos e tornando a
comunicação efectivamente global. Esta transformação operada pelos novos media é
acompanhada por uma diversificação da oferta e por uma multiplicação das hipóteses
de escolha, colocando-se, mais do que nunca, a questão da regulação dos media.
As transformações tecnológicas operadas com a convergência entre
telecomunicações, órgãos de comunicação social e novas tecnologias da informação
instalaram uma nova paisagem comunicacional. No entanto, sendo esta convergência não
apenas tecnológica, mas também de negócios (considerando o fenómeno da concentração
de empresas), corremos o risco de enfrentar uma verdadeira ameaça à liberdade de
expressão e ainda de estar perante um universo em que a imputação de crimes ou
responsabilidades surge cada vez mais dificultada. Esta questão surge pela dificuldade em
legislar acerca de matérias de foro tecnológico. Tudo o que é inovação tecnológica
constitui um campo estéril ao nível da legislação, que só à posteriori é colmatado.
O dinamismo associado ao aparecimento de novas plataformas e de novos
canais levanta questões complexas em torno das ameaças e oportunidades que daí
poderão advir para a sociedade. O alargamento do espaço público contemporâneo,
funcionalmente e normativamente dependente dos media, a limites praticamente
universais coloca a necessidade inadiável de uma regulação.
Podemos entender a regulação como uma estratégia jurídico-política do
Estado com o objectivo de evitar «falhas de mercado» e de assegurar uma protecção
especial a certos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que sejam consideradas
essenciais à democracia.
Em Portugal, o enquadramento regulatório sofreu recentemente algumas
alterações, com a extinção da Alta Autoridade Para a Comunicação Social, a
reformulação do Instituto de Comunicação Social e a transferência de competências
de outras entidades para a nova autoridade reguladora. A extinção da Alta Autoridade
Para a Comunicação Social, através da Lei nº 53 de 2005, deu origem à criação da
Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a 8 de Novembro de 2005, a
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qual se apresenta como reguladora independente no exercício das suas funções,
definindo livremente a orientação das suas actividades e não se sujeitando a quaisquer
directrizes ou orientações por parte do poder político.
A lei prevê um modelo de financiamento misto para o novo regulador. Cerca
de 20 a 25% do orçamento da ERC será assegurado pelas entidades reguladas. Os
media contribuem com um milhão de euros, valor que, este ano, por ser o primeiro
de existência da ERC é reduzido para metade. O restante orçamento da Entidade
Reguladora é assegurado pelo Orçamento de Estado: 2,2 milhões do orçamento da
extinta Alta Autoridade para a Comunicação Social e 700 mil euros das receitas
líquidas da ICP-ANACOM.
As televisões são responsáveis por metade da verba cobrada pela ERC a título
de regulação dos media. As taxas mais altas são pagas pelas estações de televisão que
têm canais generalistas de âmbito nacional (RTP, SIC e TVI), enquanto os canais
temáticos ou com âmbito limitado (como os canais das Regiões Autónomas ou os
internacionais) pagam taxas médias. Na imprensa, as publicações periódicas de
informação geral diárias e semanais de âmbito nacional são sujeitas à taxa mais elevada,
enquanto os títulos de informação geral, diários ou semanais, de âmbito regional e as
publicações de informação especializada pagam uma taxa média de regulação. As
restantes empresas editoriais, as que têm publicações periódicas de informação geral
cuja periodicidade não seja nem diária nem semanal, de informação especializada, as
doutrinárias e as que somente se encontrem disponíveis em suporte electrónico
pagam a taxa mais baixa. Quanto às emissoras de rádio, a taxa alta será aplicada às que
tenham serviços radiofónicos de âmbito nacional ou regional, enquanto a taxa baixa
será cobrada às rádios locais. Está ainda prevista a cobrança de taxas de regulação e
supervisão a operadores de cabo e de telemóveis. As empresas de cabo que cubram
mais de metade do território nacional pagam a taxa mais elevada, sendo a taxa média
cobrada às que apenas cubram dois ou mais distritos. Quanto aos três operadores de
telemóveis, estão todos sujeitos a uma taxa alta de regulação.
Para além da regulação das empresas de comunicação, a lei nº 53/2005 introduz
também, como atribuição inerente à ERC, a regulação das «pessoas singulares ou
colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de
comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados
como um todo coerente», o que levanta algumas questões no que diz respeito à
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possibilidade efectiva de regulação dos blogues. Estes são o resultado da livre expressão
de cidadãos, o que constitui, por natureza, uma actividade não regulamentada, pois cada
autor escreve o que quer e quando quer, com total liberdade e independência. No
entanto, mesmo sendo um exemplo de isenção e de respeito pelas normas jornalísticas,
um blog não atinge o nível de credibilidade jornalística de um órgão de comunicação
social. Além disso, os blogues geralmente não contém conteúdos submetidos a um
tratamento editorial, nem são organizados como um todo coerente. Se as pessoas,
singulares ou colectivas, que pretendam usar um blog para editar regularmente
conteúdos com tratamento editorial e organizados como um todo coerente, quiserem
candidatar-se a uma licença que lhes dê algum tipo de protecção, poderão ter, nesse caso,
uma garantia de sujeição à supervisão da entidade reguladora de sector.
Competências da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)
São atribuições da ERC no domínio da comunicação social:
a) Assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa;
b) Velar pela não concentração da titularidade das entidades que prosseguem actividades de comunicação social com vista à salvaguarda do pluralismo e da diversidade,
sem prejuízo das competências expressamente atribuídas por lei à Autoridade da
Concorrência;
c) Zelar pela independência das entidades que prosseguem actividades de comunicação
social perante os poderes político e económico;
d) Garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias;
e) Garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em
respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de
comunicação social;
f) Assegurar o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política;
g) Assegurar, em articulação com a Autoridade da Concorrência, o regular e eficaz
funcionamento dos mercados de imprensa escrita e de audiovisual em condições de
transparência e equidade;
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h) Colaborar na definição das políticas e estratégias sectoriais que fundamentam a planificação do espectro radioeléctrico, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei ao
ICP-ANACOM;
i) Fiscalizar a conformidade das campanhas de publicidade do Estado, das Regiões
Autónomas e das autarquias locais com os princípios constitucionais da
imparcialidade e isenção da Administração Pública;
j) Assegurar o cumprimento das normas reguladoras das actividades de comunicação social.
Sujeitam-se à supervisão e intervenção do conselho regulador todas as entidades que, sob
jurisdição do Estado Português, prossigam actividades de comunicação social, designadamente:
a) As agências noticiosas;
b) As pessoas singulares ou colectivas que editem publicações periódicas, independentemente do suporte de distribuição que utilizem;
c) Os operadores de rádio e de televisão, relativamente aos serviços de programas que
difundam ou aos conteúdos complementares que forneçam, sob sua responsabilidade
editorial, por qualquer meio, incluindo por via electrónica;
d) As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem ao público, através de redes de
comunicações electrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida
em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação;
e) As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento
editorial e organizados como um todo coerente.
A ERC deve promover a co-regulação e incentivar a adopção de mecanismos de autoregulação pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social e pelos
sindicatos, associações e outras entidades do sector.
A entrada em funcionamento da nova Entidade Reguladora para a
Comunicação Social é apenas uma das medidas de um conjunto de mudanças já
definidas ou em processo de definição no jornalismo nacional (com a criação de um
novo Estatuto do Jornalista, que comporta uma maior responsabilização dos
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profissionais), no audiovisual (com a redefinição do serviço público) e no mercado dos
media (com a clarificação das condições e limites à concentração de empresas de
comunicação), tendo como cenário de fundo um quadro europeu de mudanças de
cunho liberalizante.
Relativamente ao novo Estatuto do Jornalista, já aprovado em Conselho de
Ministros e a submeter à aprovação da Assembleia da República, há que salientar o
facto de este prever a presença obrigatória de um juiz em qualquer busca judicial
efectuada a um órgão de comunicação social. Quanto ao sigilo profissional dos
jornalistas, o documento prevê que este só poderá ser levantado por razões extremas,
se estiver em causa a investigação de crimes graves ou atentados contra a segurança do
Estado. A proposta do Governo contempla também a restrição da emissão da carteira
profissional aos profissionais com capacidade editorial e que exerçam as suas
actividades de acordo com as finalidades exclusivamente informativas. A proposta de
lei aponta, como situações de incompatibilidade e impedimento relativamente ao
exercício da profissão, a prática de actividades ligadas à publicidade, ao marketing,
assessorias de comunicação, trabalho em cargos de natureza política ou em apoio ao
exercício de cargos políticos.
O reforço do sigilo profissional dos jornalistas previsto para o novo Estatuto
do Jornalista surge numa altura em que esse mesmo direito tem vindo a ser, de alguma
forma, posto em causa. Um exemplo flagrante é o caso «Envelope 9», revelado a 13
de Janeiro pelo jornal 24 Horas. O jornal denunciava então a existência, entre os
documentos do processo Casa Pia, uma listagem de chamadas telefónicas que
continha, para além da informação pedida à Portugal Telecom (PT) sobre a facturação
detalhada de Paulo Pedroso, outros 208 números de telefone privados de pessoas que
alegadamente nada teriam a ver com a investigação, tais como Jorge Sampaio, Mário
Soares,Almeida Santos, Mota Amaral,António Guterres, Nascimento Rodrigues, bem
como ex-presidentes do Tribunal Constitucional e dos supremos tribunais de Justiça,
Administrativo e Militar. A facturação em causa estaria em cinco disquetes junto aos
autos, guardadas num envelope com o número 9.
O director do jornal 24 Horas, Pedro Tadeu, e os jornalistas Joaquim Eduardo
Oliveira e Jorge Van Krieken, autores das notícias sobre os registos de chamadas
telefónicas, foram então constituídos arguidos, sendo acusados de «acesso indevido a
dados pessoais». A decisão judicial surgiu depois de a Polícia Judiciária ter efectuado
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buscas nas instalações do jornal 24 Horas, apreendendo o computador de um dos
jornalistas.
O Procurador-Geral da República ilibou entretanto os procuradores
envolvidos na investigação, remetendo para a PT a responsabilidade pelo envio da
facturação detalhada, apesar de ter sido pedida apenas a de Paulo Pedroso (então
arguido no processo), e atribuiu aos jornalistas a responsabilidade pela divulgação de
dados pessoais. A Procuradoria-Geral da República alegou que a empresa não terá
respeitado as obrigações legais ao fornecer a facturação de vários clientes. No entanto,
admitiu também que esse crime já prescreveu, uma vez que os factos remontam a
Junho de 2003.
O caso «Envelope 9» coloca inúmeras questões no que diz respeito não só ao
sigilo profissional dos jornalistas, mas também à própria liberdade de imprensa. Só o
facto de um juiz considerar como legítimo o acesso aos computadores de jornalistas,
pondo em risco eventuais segredos profissionais, é uma situação que levanta inúmeras
questões. Uma tal decisão poderá significar que, em vez de estar a averiguar o que
tornou possível as listagens de chamadas telefónicas de altas figuras do Estado estarem
entre os documentos do processo Casa Pia, o Ministério Público se encontra antes a
investigar os mecanismos da liberdade de imprensa, mecanismos esses que, por sinal,
permitiram denunciar uma falha grave do próprio Ministério Público. A gravidade
desta situação pode considerar-se ainda maior se tivermos presente que qualquer
ameaça aos direitos dos jornalistas constitui não só um atentado à liberdade de
expressão e informação, como também aos direitos dos próprios cidadãos.
A regulação da comunicação social em Portugal é uma realidade antiga, que
remonta ao Conselho de Imprensa, criado pela lei de imprensa de 1975, passando
pelos Conselhos de Informação (1976) e pelo Conselho de Comunicação Social
(1982), até à recentemente extinta Alta Autoridade para a Comunicação Social
(AACS), criada pela própria Constituição da República Portuguesa no texto aprovado
por ocasião da revisão de 1989.
A regulação pode ser exercida por dois tipos de entidades públicas: institutos
públicos (como o Instituto da Comunicação Social) e entidades administrativas
independentes (como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a Autoridade
da Concorrência ou o ICP-ANACOM).
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Além disso, é possível distinguir várias formas de regulação: a
heteroregulação, a auto-regulação e a co-regulação. A hetero-regulação é a regulação
feita pelo Estado no uso dos seus poderes. A auto-regulação prende-se com o respeito
dos jornalistas pelas normas deontológicas emanadas do organismo que representa a
classe, que, em Portugal, corresponde ao Sindicato dos Jornalistas (e ao seu Conselho
Deontológico). Por último, a co-regulação é uma regulação feita através de órgãos
mistos, onde estão representados os poderes públicos e os próprios consumidores. A
co-regulação situa-se num espaço intermédio entre a hetero-regulação e a autoregulação e institui-se através de mecanismos de natureza pública, embora
independentes e despolitizados, cuja actividade reguladora está nas mãos dos agentes
da sociedade civil.
Em Portugal, predominam a hetero-regulação e a auto-regulação. De uma
forma geral, a co-regulação tem ainda pouca expressão, mas, no caso do jornalismo, é
concretizada entre empresas, jornalistas e destinatários da informação, numa tentativa
de promover o entendimento entre os agentes do sector.
Convém sublinhar que, autonomamente, a regulação estatal (ou heteroregulação) se revela insuficiente para garantir o respeito pelos valores éticos da
comunicação. As leis estabelecem um denominador comum que todos os profissionais
dos media devem cumprir, mas não deixa de existir um fosso significativo entre aquilo
que Direito pode garantir ou regular e os ideais éticos exigidos em cada esfera social.
É aqui que intervém a auto-regulação, que, assentando na responsabilização de cada
indivíduo, tenta preencher esse mesmo espaço.
A crescente importância da informação tem vindo a exigir, cada vez mais, um
sistema que permita estudar o comportamento ético dos jornalistas e introduzir a
ética como imperativo na actividade informativa. Este sistema é geralmente designado
de «auto-regulação» ou, segundo outros autores, de «auto-controlo».
O actual contexto de intensificação da concorrência entre meios, decorrente
da consolidação dos movimentos de integração das empresas de comunicação em
grandes grupos económicos, cuja actividade principal é, muitas vezes, alheia à
comunicação tem conduzido a uma progressiva consciência de que sem um sistema
integrado de auto-regulação a eficácia desses meios poderá estar comprometida.
A actividade informativa pressupõe uma exigência de responsabilidade
informativa. No entanto, apesar das inúmeras normas jurídicas existentes neste
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campo, cada vez se torna mais visível o quão importante é a esfera ética. O
desenvolvimento das novas tecnologias e, mais especificamente, da Internet são
exemplo disso. Face a esta realidade, é extremamente importante estabelecer os
mecanismos necessários para uma formação ética adequada de todos aqueles que, no
âmbito da sua actividade profissional, possuam competências de carácter informativo.
No entanto, a aprendizagem ética não pode limitar-se a uma série de itens
convertidos em códigos deontológicos com fraca aplicabilidade prática.A ética é muito mais
do que isso: consiste numa tarefa diária, que pressupõe a auto-regulação da actividade
informativa. A auto-regulação pode definir-se como uma forma de manifestação da
responsabilidade ética dos jornalistas. É imperativo que, a todo o momento, estes tenham
presente a sua responsabilidade ética, independentemente da existência ou não de um
qualquer organismo que vigie ou decida sobre o seu comportamento.
O objectivo dos sistemas de auto-regulação é impedir actos que, no âmbito do
processo informativo, possam atentar contra os princípios deontológicos que regem a
actividade informativa. Os códigos deontológicos ou os livros de estilo podem servir de
referência para a análise da actividade ética dos jornalistas, mas não podem ser
confundidos com o conceito de auto-regulação. Este diz antes respeito a uma decisão
pessoal e livre do jornalista que, seguindo a sua consciência e baseando-se nos princípios
deontológicos do jornalismo, o obriga a actuar eticamente, sujeitando-se de igual modo
às decisões do foro ético que a sua actuação possa suscitar por parte das instituições de
índole deontológico existentes no âmbito da sua profissão.
A auto-regulação não deve, no entanto, ser confundida com a auto-censura.
Esta tem lugar quando os profissionais dos meios de comunicação social permitem que
o seu trabalho seja, de alguma forma, condicionado por receios relativos a possíveis
repercussões negativas a nível da perda de fontes de informação, de amizades e de
certos privilégios ou mesmo da possibilidade de ascensão profissional a nível interno.
A auto-regulação implica um exercício de responsabilidade e, portanto, de liberdade,
que não pode nascer do medo das consequências de uma acção, mas que pressupõe
antes um compromisso com os fins e valores próprios da comunicação.
A auto-regulação também em nada se identifica com a imposição de
conteúdos morais considerados correctos. Ela assenta, pelo contrário, nos
pressupostos de uma ética pública, nos princípios constitucionais de uma sociedade
democrática e nas exigências característicos de uma informação livre e pluralista.
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Para que a auto-regulação seja uma realidade possível, deve verificar-se a
coexistência do livre arbítrio das fontes, dos editores e do público. Segundo Ignacio
Bel Mallen e Loreto Corredoira y Alfonso, a criação de órgãos de auto-controlo apenas
faz sentido no contexto dos organismos profissionais destes três grupos, sendo que a
intromissão de qualquer outra entidade externa poderá conduzir ao fracasso deste
sistema de «auto-controlo» (Mallen e Alfonso, 2003).
A auto-regulação da comunicação realiza-se através de um conjunto de
mecanismos que têm como objectivo comum promover o ajustamento da actividade
dos meios de comunicação aos seus valores e normas internas. Mas a sua concretização
só é possível mediante a livre iniciativa e o compromisso voluntário de todos os
intervenientes no processo de comunicação: proprietários e gestores das empresas,
jornalistas e público em geral. Apenas com fundamento neste compromisso é possível
efectivar-se a responsabilidade dos media sem restringir a sua liberdade.
Segundo Hugo Aznar, os mecanismos de auto-regulação têm como função não
só melhorar a comunicação e definir publicamente os valores e normas que deverão
regular a actividade dos meios de comunicação social, mas também contribuir para que
se criem condições para o seu cumprimento. De acordo com este autor, uma vez criadas
tais condições, resta trazer a público os casos de incumprimento dessas normas,
promovendo o reconhecimento de erros, de forma a evitar a sua repetição. Os juízos que
se possam fazer relativamente a essas situações de conflito permitem, por outro lado,
criar casos estáveis de aprendizagem ética no domínio da comunicação (Aznar, 2005).
Para Aznar, o que garante a continuidade da auto-regulação é a
suainstitucionalização através dos seus diferentes mecanismos. Dado que a auto-regulação depende em larga medida da sociedade civil, a sua eficácia é directamente
proporcional ao grau de familiaridade que com ela tem a sociedade e, em particular,
os profissionais da comunicação.
Em Portugal, a iniciativa «Plataforma Comum dos Conteúdos Informativos
nos Meios de Comunicação», aprovada a 17 de Março de 2005 pela Associação
Portuguesa de Imprensa, pela SIC, pela TVI, pela Rádio Comercial e pela Associação
Portuguesa de Radiodifusão, teve precisamente como objectivo promover a auto-regulação no sector. As bases programáticas estabelecidas neste documento,
fundamentadas na Lei de Imprensa, no Estatuto do Jornalista e no Código
Deontológico dizem respeito aos conteúdos informativos e pretendem constituir-se
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como código de conduta a ser seguido por todas as redacções como suporte à autoregulação. As bases programáticas da «Plataforma Comum dos Conteúdos
Informativos nos Meios de Comunicação» apresentam, como princípios gerais, o
direito à informação e todos aqueles que assegurem a objectividade, o rigor e a
transparência, bem como o respeito pela diversidade de opiniões, ideias e credos, de
forma a garantir a liberdade de expressão e o pluralismo.Contudo, parece-nos que os
objectivos desta plataforma constituiram principalmente um foco de publicidade para
as empresas que a assinaram, não tendo sido a transposição para realidade vinculativa.
Convém sublinhar que, apesar do contributo extremamente positivo de
iniciativas como esta, a auto-regulação não pode ser entendida como um instrumento
capaz de, isoladamente, resolver definitivamente todos os problemas da comunicação
social, tal como o Direito, por si só, também não poderia fazê-lo. Contudo, se
accionarem os mecanismos associados à auto-regulação, os meios de comunicação
social poderão dar passos significativos quanto à qualidade do seu desempenho e ao
grau de responsabilização que passarão a poder assumir perante a sociedade.
2.4 OS COMPROMISSOS ÉTICOS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
O impacto da Segunda Guerra Mundial teve repercussões significativas na
atenção dada ao fenómeno da comunicação social.Além de se ter assistido a uma tomada
de consciência relativamente ao papel fundamental que os media viriam a assumir na
sociedade contemporânea, tornou-se possível o reconhecimento da informação como
um dos direitos humanos fundamentais, através do artigo 19º da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948.Tudo isto contribuiu para um novo impulso e um novo
fundamento normativo aos códigos éticos do jornalismo, que desde meados da década
de 40 e ao longo dos anos seguintes começaram a generalizar-se.
Além de terem como objectivo a constituição de um limite às possíveis
interferências e restrições à liberdade de informar, os códigos deontológicos visam
também a protecção da sociedade civil relativamente aos efeitos menos positivos que
possam advir da liberdade de imprensa. Os códigos deontológicos procuram também
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assegurar a própria função social da informação, alertando os jornalistas para as suas
responsabilidades sobre o público em geral.
Embora não possuam a força coerciva da lei, os códigos deontológicos
constituem uma forma de auto-regulação exercida pelas empresas jornalísticas,
associações sindicais e, de forma geral, pelo meio jornalístico. Entidades como os
Conselhos de Imprensa ou os «provedores de leitores» (incorporados no interior das
próprias empresas jornalísticas) podem também contribuir para a definição dos
princípios deontológicos.
O «núcleo central» da deontologia jornalística é constituído por quatro
grandes grupos: princípios gerais da ética profissional; princípios relacionados com os
direitos dos cidadãos; princípios relativos à integridade e dignidade na profissão e
princípios que implicam as próprias empresas jornalísticas.
As concepções filosóficas de Immanuel Kant poderão contribuir para a
compreensão do conceito de «deontologia». Segundo o filósofo, as acções baseiam-se
em princípios e obrigações, sendo que todas as pessoas têm o dever de agir com
correcção moral, mesmo que a sua acção possa ser contrária à sua vontade. O
importante neste processo é a intenção subjacente a essa acção e não as consequências
que dela possam advir. Ao fundamentar-se nos princípios, a deontologia (que
etimologicamente deriva do vocábulo grego «deon», que significa «dever») surge como
o oposto da teleologia (derivada da palavra grega «teleos», cujo significado é «resultado»
ou «consequência»), que julga o valor moral de uma acção pelo tipo de consequências
que esta origina. De acordo com a deontologia, os fins não podem nunca servir para
justificar os meios, pois estes devem basear-se em princípios éticos. Quando aplicado ao
jornalismo, o conceito de «dever» sustentado pela deontologia reflecte-se, por exemplo,
no imperativo que constitui a disponibilização de informação fidedigna. (Kant, 1785)
A ética dos media não é, no entanto, um assunto de abordagem simples. Uma
das razões é que esta raramente permite uma mera escolha entre o certo e o errado,
pois está normalmente relacionada com uma grande variedade de opções e de acções,
bem como com as suas implicações a curto ou longo prazo. Um outro motivo prende-se com o facto de, no processo de tomada decisão, os princípios éticos poderem
entrar em conflito. Outra das razões diz respeito à natureza contextual das decisões
éticas e à sua subjectividade.
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A ética dos media também não é um exercício apenas para alguns.As decisões
éticas não cabem só aos editores dos meios de comunicação. Pelo contrário, tudo o
que um jornalista faz, de uma forma ou de outra, tem subjacente uma dimensão ética.
Isto porque aquilo que um jornalista diz ou escreve, ou se recusa a dizer ou escrever,
tem sempre algum tipo de influência na Opinião Pública. Devido ao seu poder de
influência, os media não podem agir de forma irresponsável, pois, para além de
poderem prejudicar os cidadãos, correm também o risco de perder a sua
credibilidade, fragilizar o seu estatuto de «watchdogs» e constituir uma ameaça à
própria democracia.
Boris Libois propõe quatro aproximações ao termo «ética»: uma ética
descritiva, uma ética prescritiva, uma meta-ética e uma ética como estratégia. A ética
descritiva é relativa aos princípios que presidem às escolhas do jornalista singular. A
ética prescritiva (normativa) é a própria deontologia jornalística, que prescreve uma
prática ideal. A meta-ética diz respeito à fundamentação epistemológica de questões
jornalísticas. A ética como estratégia é definida pelo autor como uma ética utilizada
como biombo através do qual, invocando a deontologia, se tenta esconder toda uma
conduta não consentânea com a prática jornalística (Libois, 1994).
No que concerne à responsabilidade humana, existem duas concepções
distintas. Uma delas coloca ênfase nos efeitos da responsabilidade, entendendo-a como
consequência imediata e directa das acções livres do ser humano. Esta perspectiva da
responsabilidade como algo que acarreta consequências sociais externas ou sanções
determináveis a partir do exterior corre, no entanto, o risco de subvalorizar a
responsabilidade ética. Além disso, ao basear-se nos efeitos da responsabilidade, esta
concepção pode levar a que a mesma seja percebida como forma de limitar a
liberdade. A outra concepção encara a responsabilidade como uma característica
intrínseca da liberdade, ou seja, como algo inseparável dos actos livres do ser humano
e que lhes confere sentido.
A célebre distinção de Max Weber entre a «ética da convicção» e a «ética da
responsabilidade» é ilustrativa destas duas concepções da responsabilidade humana. A
«ética da responsabilidade» implica, na óptica do actor político, uma necessidade de
responder pelas consequências previsíveis dos seus actos. Há, aqui, que considerar o
facto de que, enquanto os políticos têm a possibilidade de agir sobre os
acontecimentos, os jornalistas, regra geral, apenas transmitem informação sobre
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acontecimentos cuja responsabilidade originária não lhes pode ser imputada. (Weber,
1959) Assim sendo, a aplicação da «ética da responsabilidade» ao jornalismo não pode
ser feita de forma linear. No entanto, mesmo que os jornalistas não possam ser
responsabilizados pelas consequências de tudo aquilo que divulgam, não deixam de ter
a obrigação de ponderar os efeitos sociais que possam advir da sua postura enquanto
profissionais, tanto a nível das mensagens que transmitem e da linguagem que
utilizam, como a nível dos procedimentos que adoptam para conseguirem
determinado tipo de informações.
A responsabilidade ética em matéria de informação tem sempre subjacente a
consciência pessoal do informador. Actuar eticamente em consciência implica para o
jornalista os seguintes pressupostos: a obrigação de se formar eticamente; obedecer e
seguir sempre a consciência pessoal bem formada; não coagir consciências alheias, mas
sim respeitá-las; saber que o juízo da consciência não é infalível, existindo a
possibilidade de esta se equivocar.
Considerando a teoria do «gatekeeper» de David M. White, é facilmente
perceptível esta necessidade de uma ética jornalística, uma vez que o jornalismo é aqui
reduzido à natureza subjectiva das decisões tomadas pelos jornalistas. De acordo com
o autor, o jornalismo implica uma selecção de notícias, a qual envolve momentos
importantes - os «gates» -, sendo as decisões tomadas na «gate» determinadas por
critérios individuais e subjectivos dos jornalistas. Existe nos media um permanente
processo de selecção realizado pelos «gatekeepers», que determinam que
acontecimentos são jornalisticamente interessantes, atribuindo-lhes diferentes graus
de relevância. Face a tais condicionalismos, só o respeito por uma ética jornalística
poderá garantir uma informação verdadeiramente responsável (White, 1950).
Segundo Mário Mesquita, assistimos, no entanto, a uma «crise da
deontologia», que se reflecte no desrespeito quase sistemático de algumas normas
éticas por parte de determinados órgãos de comunicação social. É, por exemplo, o
caso do princípio ético que estabelece que os jornalistas se devem esforçar por evitar
qualquer tipo de obrigações para com as fontes noticiosas. De acordo com o professor
universitário, o que se verifica, em termos práticos, é, pelo contrário, que os
jornalistas desenvolvem um autêntico processo de negociação com as fontes. «O
desafio à autonomia jornalística, no domínio do relacionamento com os poderes
políticos e económicos, não se traduz apenas em termos de “resistência” à corrupção
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através de cargos, dinheiro e outras benesses. É a própria produção jornalística que
está em jogo, por via da matéria-prima informativa. Os favores dos jornalistas
negoceiam-se a troco de notícias. Sem uma atitude “compreensiva”, as fontes “secam”
e, com elas, lá se vão as hipóteses de sucesso profissional» (2003:204).
Rogério Santos não corrobora totalmente desta opinião ao afirmar «a relação
entre jornalistas e fonte de informação, para além de usar regras definidoras - rigor na
informação, rapidez na prestação da informação, enquadramentos adequados dos
acontecimentos, colaboração ou desconfiança mútua - emprega as regras da estratégia
do jogo-as necessidades concorrentes de publicitar o acontecimento... Mas, não existe
uma determinação prévia onde está o poder, ou quem controla o conhecimento num
dado momento» (2006:33).
Mário Mesquita aponta também o facto de essa «negociação» conduzir ao
desrespeito do princípio de identificação das fontes. Apesar de a deontologia postular
que os jornais se devem comprometer a revelar as fontes da informação que publicam,
apenas se justificando a sua omissão em circunstâncias excepcionais (no caso de, por
exemplo, se considerar que a nomeação da fonte possa pôr em risco a sua própria
segurança), o que acontece actualmente é precisamente o oposto, ou seja, a não
identificação das fontes tornou-se um comportamento habitual, o que põe em causa a
credibilidade dessa mesma informação.
Segundo o autor, esta «crise da deontologia» manifesta-se não só através do
desrespeito pelas normas estabelecidas nos códigos profissionais, mas também pela
ausência de resposta aos desafios colocados pelas novas tecnologias. «Somos um País
com vocação de arquivista: ressalvadas honrosas excepções, a deontologia, como
tantas outras coisas, está arrumada na gaveta. Pertence ao universo arqueológico dos
dinossauros. Está fora de moda. E fora de moda continuará enquanto o sucesso no
mercado da informação estiver tão radicalmente dissociado, como sucede actualmente
entre nós, da noção de credibilidade – credibilidade da informação, credibilidade dos
profissionais e credibilidade dos media» (Mesquita, 2003:236).
Se analisarmos o jornalismo praticado em Portugal ao longo dos últimos anos,
não é difícil identificarmos diversos casos de um evidente desrespeito pelas normas
éticas e os valores deontológicos associados à profissão, o que inevitavelmente se
reflecte num decréscimo do nível de credibilidade da informação. A cobertura
jornalística feita em torno da queda da ponte Hintz-Ribeiro em Entre-os-Rios, em
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Março de 2001, é um dos exemplos flagrantes. Todos os episódios da tragédia foram
acompanhados em directo pelas objectivas de televisão, desde a procura de
sobreviventes às entrevistas em directo aos familiares das vítimas, a quem os jornalistas
não pouparam com a repetição crua e impertinente da questão «O que é que sentiu?».
Tudo foi feito para que nada escapasse à possibilidade de vir a ser notícia nos
telejornais ou manchete dos principais jornais nacionais. Se, por um lado, é verdade
que houve aqui um claro desrespeito pelos princípios mais básicos da deontologia
jornalística, para não dizer mesmo uma notória indiferença a nível humano pelo
próximo, também é preciso ter em conta as circunstâncias que poderão ter suscitado
este tipo de atitude por parte dos jornalistas.
De acordo com o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas de
2001, em comunicado divulgado na altura, «a primeira das causas – do tipo de
cobertura efectuado – reside na decisão editorial de manter tão prolongadamente os
directos em situações sem velocidade de acontecimentos que justificasse tanto tempo
de câmara ou de microfones abertos», sendo «na redacção e não no repórter que tem
de incidir a maior dose de responsabilidade na prevenção de erros causados pela
tensão, pelo stress e pela falta de tema para sustentar o directo».
Também o escândalo de pedofilia na Casa Pia, tornado público em Novembro
de 2002, foi exemplo de violação da ética jornalística. Inúmeras foram as peças de
informação jornalística então publicadas que representaram um claro atentado à
dignidade humana, tanto no que se refere aos suspeitos alegadamente envolvidos,
como também, e sobretudo, às próprias vítimas. Foram, neste caso, violados
princípios fundamentais do código deontológico dos jornalistas, entre os quais se
destacam aqueles que estipulam que «o jornalista não deve identificar, directa ou
indirectamente, as vítimas de crimes sexuais», «deve salvaguardar a presunção de
inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado» e «considerar a acusação
sem provas uma grave falta profissional». A seriedade da investigação deu muitas vezes
lugar ao sensacionalismo, ao voyeurismo e à devassa da vida privada, tendo sido
remetido para segundo plano o dever prioritário de informar os cidadãos.
Em Setembro de 2004, o «Caso Joana», que ocupou várias aberturas de
telejornais com o relato dos episódios relativos ao desaparecimento de uma menina de
8 anos na aldeia de Figueira, é também representativo desta desconsideração pela
deontologia jornalística. Os media acompanharam em directo as buscas efectuadas
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pela Polícia Judiciária ao corpo da vítima e entrevistaram os seus vizinhos e familiares,
promovendo uma cobertura noticiosa que mais parecia querer igualar-se, ou mesmo
substituir-se, à própria investigação criminal. Este caso é um exemplo cabal da
vulnerabilidade da «Plataforma Comum dos Conteúdos Informativos nos Meios de
Comunicação», ao ter sido feita uma cobertura jornalística de violação sistemática das
normas por esta emanadas.
Em Maio de 2006, a publicação do livro Sob o Signo da Verdade, no qual, ao
longo de 207 páginas, Manuel Maria Carrilho faz um balanço crítico da cobertura
noticiosa da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, veio reacender a polémica
sobre a qualidade e independência do jornalismo em Portugal. O antigo ministro da
Cultura, que se declarou vítima da comunicação social e da «mais brutal campanha
negativa feita no Portugal democrático», atribuiu a culpa pela sua derrota na corrida
eleitoral à Câmara de Lisboa a personalidades como Miguel Sousa Tavares, Marcelo
Rebelo de Sousa, Ricardo Costa e à própria SIC. Na apresentação do seu livro, Manuel
Maria Carrilho acusou a SIC Notícias de ter lhe preparado durante a campanha
autárquica uma manobra idêntica às das polícias políticas dos países de Leste. As
críticas do ex-ministro da Cultura incidiram também sobre as agências de
comunicação, nomeadamente, sobre Cunha Vaz, responsável pela agência de
comunicação Cunha Vaz & Associados, que Carrilho acusou de lhe propor recolher
fundos ilícitos e «comprar opinião» nos jornais.
No livro, o deputado do PS cita vários exemplos de mau jornalismo que, em
seu entender, configuram uma campanha negativa que, de forma directa ou indirecta,
poderá ter condicionado os resultados eleitorais. É o caso do tratamento noticioso do
vídeo de campanha, centrado quase exclusivamente na aparição do seu filho Dinis Maria.
A crítica torna-se mais feroz quando o político-filósofo escreve sobre os
acontecimentos de Setembro, acusando a SIC de alegadamente ter explorado o final
do seu debate com Carmona Rodrigues, tendo gravado ilegitimamente a sua curta e
ríspida conversa pessoal com Carmona Rodrigues no fim do debate, bem como a saída
de estúdio. Carrilho destaca também o facto de o candidato do PSD ter abandonado o
estúdio antes do final do debate, sendo que, no dia seguinte, ao contrário do que
previra, o assunto foi quase totalmente silenciado, com excepção do jornal Correio da
Manhã. Já o episódio do «não aperto de mão», terá, segundo o então candidato à
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Câmara de Lisboa, desencadeado uma «tempestade mediática» que alterou por
completo o conteúdo e significado do debate.
Segundo dados publicados pelo jornal Expresso a 20 de Maio de 2006, a
Aximage realizou entre 24 e 27 de Setembro uma sondagem que viria a ser publicada
pelo jornal Correio da Manhã e pela revista Sábado, em que Carmona Rodrigues surge
muito destacado (com 39,9%) relativamente a Carrilho (25,7%). Este resultado
parece dar crédito às teses apresentadas em Sob o Signo da Verdade, tanto mais se
tivermos em consideração que a anterior consulta de opinião citada na imprensa, a da
Universidade Católica, referente ao mês de Julho, colocava Carrilho com uma
vantagem de 5% sobre o seu opositor social-democrata (41% contra 36%). No
entanto, os resultados brutos da mesma sondagem indicavam também que o candidato
socialista estava dois pontos atrás de Carmona na intenção directa de voto e tinha
menos popularidade.Assim sendo, com base nestes estudos de opinião, é praticamente
impossível extrair conclusões acerca do impacto dos incidentes apontados por
Carrilho na intenção de voto dos lisboetas.
Na sequência de toda a polémica gerada em torno de Sob o Signo da Verdade e
aproveitando o actual contexto de definição do novo Estatuto do Jornalista, o
Sindicato dos Jornalistas desafiou o deputado do PS, num comunicado de 27 de Maio
de 2006, «a intervir de forma activa contra os mecanismos que prejudicam a liberdade
de informação e as condições de produção que põem em causa o exercício responsável
do jornalismo».
Manuel Maria Carrilho prometeu responder ao desafio e já anunciou que irá
submeter a debate público uma proposta para que os jornalistas sejam obrigados,
como os titulares de cargos públicos, a apresentar um registo de interesses, que
consiste na inscrição de todas as actividades susceptíveis de gerarem
incompatibilidades ou impedimentos e quaisquer actos que possam proporcionar
proveitos financeiros ou conflitos de interesses. O deputado do PS propôs também a
regulamentação das agências de comunicação, através da definição de um código de
conduta e de outros procedimentos, que culminou na elaboração de um trabalhado,
em curso, que está a ser desenvolvido pela ERC.
Embora as acusações do ex-ministro Carrilho possam ter levantado contra si
muitos profissionais do meio jornalístico, as duas propostas que este apresenta não
deixam de ser muitíssimo pertinentes no actual panorama da comunicação social em
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Portugal. É um facto que o trabalho dos profissionais da informação se desenvolve em
organizações onde existe o dever de obedecer hierarquicamente. Ainda assim, estes
não deixam de estar eticamente obrigados a obedecer de igual modo à sua consciência
pessoal, devendo reger-se não só por princípios éticos gerais, como também por uma
ética da informação. Os conflitos éticos entre a consciência profissional dos jornalistas
e a organização onde os mesmos se encontram inseridos resultam da falta de harmonia
entre a ética da organização e a ética destes profissionais. A ética informativa só pode
ser concebida como uma ética aberta às experiências das organizações informativas e
dos seus profissionais.
Para que as obrigações morais dos profissionais da comunicação possam ser
cumpridas, é necessário que os próprios meios de comunicação assumam exigências
éticas específicas, associadas à natureza singular do bem com que operam: a
informação e a comunicação. Entre os mecanismos disponíveis para assegurar essa
auto-regulação, podem destacar-se os princípios editoriais, os códigos internos e os
livros de estilo.
Os princípios editoriais são formulados pelas empresas com o intuito de
definir a filosofia, o planeamento e os objectivos gerais de cada meio de comunicação
social, assim como de orientar as suas normas de funcionamento quotidiano. Ao
proclamarem estes princípios, as empresas dotam os meios de uma dada identidade,
que deve ser respeitada, suscitando consequentemente determinadas expectativas
acerca do seu conteúdo. As empresas de comunicação assumem, desta forma, um
compromisso ético interno - para com os profissionais que as integram - e externo para com o público em geral. Os princípios editoriais pressupõem um
reconhecimento da dimensão comunicativa, intelectual e ideológica dos meios e
formalizam o compromisso empresarial de manter e respeitar essa dimensão, o que só
traz benefícios aos media em termos de credibilidade.
Os princípios editoriais poderão também contribuir, por outro lado, para
travar as absorções de empresas por parte dos grandes grupos económicos através do
reforço de mecanismos como a cláusula de consciência. Embora estes princípios não
possam impedir a concretização desse tipo de operações, podem pelo menos aumentar
bastante o seu custo económico.
Outro dos benefícios dos princípios editoriais faz-se reflectir a nível dos
próprios profissionais dos meios de comunicação. Só o facto de lhes ser disponibilizada
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uma formulação explícita dos princípios que deverão reger o seu trabalho na redacção
pode facilitar muitíssimo a sua capacidade de diferenciação entre a obrigação de
adequação aos princípios editoriais do meio para o qual trabalham e a auto-censura
motivada pelo receio de não acatar a vontade dos editores ou proprietários desse meio.
O público beneficia igualmente com os princípios editoriais, pois estes
colocam à sua disposição critérios de referência que lhes permitem melhor conhecer
e avaliar a oferta mediática, além de pressupor uma garantia de continuidade na linha
editorial de cada meio.
No que diz respeito aos códigos internos, estes constituem um dos
mecanismos de auto-regulação com maior efectividade, uma vez que, neste caso, é a
própria empresa que assume uma série de princípios éticos destinados a regular a sua
actividade enquanto meio de comunicação. Existem dois tipos de códigos internos: os
códigos de ética empresarial inerentes à própria empresa e os códigos de deontologia
jornalística inerentes aos meios de comunicação que pertencem a essa empresa.
Os códigos de ética, resultantes da aplicação da teoria da responsabilidade
social ao mundo empresarial e também das exigências de uma sociedade de consumo,
são bastante comuns nas empresas mais desenvolvidas. No entanto, no que diz respeito
às empresas de comunicação, estes são praticamente inexistentes. Um código deste
tipo implica que as empresas (e não apenas os meios) assuma compromissos éticos
relacionados com a natureza específica do bem com que opera: a informação e a
comunicação. Desta forma, não só os jornalistas, como também os membros da
empresa, incluindo gestores e directores, estariam obrigados a respeitar esses
compromissos.
Quanto aos códigos internos de ética jornalística, estes devem conter
unicamente obrigações deontológicas inerentes ao jornalismo, comprometendo, neste
caso, os membros da redacção ou os meios para o quais a empresa os aprova.
Prevê-se que os códigos internos sejam o mecanismo que mais venha a crescer
nos próximos anos, de forma a poder corresponder às crescentes exigências sociais no
sentido de uma maior auto-regulação. O próprio Conselho da Europa já reforçou a
necessidade de serem os meios de comunicação a estabelecer compromissos
deontológicos, através da criação de códigos internos e de «livros de estilo de segunda
geração».
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Apesar de serem relativamente recentes na história da comunicação, os livros
de estilo constituem actualmente um dos mecanismos de auto-regulação com maior
vitalidade e projecção. Trata-se de um conjunto de parâmetros internos de cada
publicação que estabelece as normas de escrita (a nível ortográfico, gramatical,
tipográfico, etc) para esse mesmo meio de comunicação.
A origem dos livros de estilo está relacionada com a sua função nas agências
de comunicação, uma vez que nestas a dispersão geográfica dos colaboradores
dificultava a configuração de uma cultura global de redacção e a correcção final dos
textos. Foi a necessidade de tornar acessíveis para os profissionais dispersos esses
critérios e normas comuns que impulsionou o surgimento dos primeiros livros de
estilo. Estes referiam-se quase exclusivamente a aspectos linguísticos, o que continua
a verificar-se ainda hoje com a maioria.
No entanto, houve uma evolução no sentido de estes passarem a incorporar
novos aspectos e funções que muito contribuíram para o seu enriquecimento, como é
o caso da dimensão deontológica ou moral. Algumas regras associadas ao correcto uso
da linguagem têm subjacente uma dimensão moral. A utilização de palavras equívocas
ou que tenham implícito algum tipo de carga discriminatória ou ainda que possam, de
algum modo, ser ofensivas para os seus destinatários é apenas um dos exemplos que
podem ser apontados. Ter a precaução de evitar este tipo de expressões é uma
exigência profissional para os jornalistas, que vai bem mais além de uma simples
questão de estilo.
A dimensão deontológica do jornalismo tem vindo a estar cada vez mais
presente nos livros de estilo. Progressivamente, estes foram incorporando normas de
tratamento da informação e de conduta, bem como considerações gerais sobre o
modo de conceber o jornalismo e de o levar à prática, questões éticas e legais
relacionadas com a sua actividade informativa ou mesmo declarações genéricas sobre
a sua identidade ideológica.
Esta evolução dos livros de estilo caracteriza-se, portanto, pelo facto de os
mesmos actualmente poderem abranger critérios linguísticos, deontológicos e
ideológicos de um determinado meio de comunicação social. Quando conjugadas estas
três vertentes, estamos perante os chamados «livros de estilo de segunda geração».
Mas, para além dos princípios editoriais, dos códigos internos e dos livros de
estilo, existem outros instrumentos que poderão constituir um recurso eficaz para
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controlar a qualidade dos media. O professor universitário Claude-Jean Bertrand, que
designou o conjunto desses instrumentos de «M.A.S.» (Media Accountability
System), aponta como exemplos os conselhos de imprensa e as cartas dos leitores.
Bertrand elaborou uma listagem com mais de sessenta sistemas de responsabilização
dos media, totalmente independentes do governo, que considera serem úteis para
melhorar o desempenho dos meios de comunicação social perante os cidadãos
(Bertrand,1999).
Outro mecanismo de defesa usado pelos meios de comunicação é o Provedor
dos Leitores, no caso da Imprensa e Provedor dos Telespectadores instituído
recentemente, meados de 2006, pela RTP. Esta figura, independente ideologicamente
do orgão comunicação social que representa, contribui para o esclarecimento público
e para aponta falhas e violações cometidas pelo orgão de comunicação em que está
inserido.
No percurso pelo alcance de uma comunicação responsável, o ideal seria que
os jornalistas tivessem uma consciência mais crítica sobre os seus instrumentos
profissionais, mas também que o próprio público fosse mais participativo e
interventivo no que diz respeito a todas estas questões. A educação para os media
assume um papel fundamental neste percurso, assim como a criação de observatórios
de imprensa e de organizações que se proponham reflectir sobre as consequências do
poder dos media a nível da liberdade dos cidadãos.
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Capítulo 3: Responsabilidade Social e Gestão da
Qualidade: uma Abordagem às Empresas de
Media
Helena Rodrigo Costa*
A importância dos Media e a sua influência junto da sociedade e suas
instituições é uma realidade incontornável. Mesmo quem os “despreza” não os pode
ignorar ou deixar de a eles recorrer para fazer passar a sua mensagem. No entanto,
este “quarto poder”, ao qual a sociedade delegou a fiscalização das instituições
democráticas, embora sempre atento às actividades dos outros sectores de actividade,
negligencia, não poucas vezes, a sua própria Responsabilidade Social. Assim, este
trabalho, depois de apresentar os principais conceitos relativos à Responsabilidade
Social Empresarial (RSE) e às práticas de boa governação corporativa, bem como uma
breve revisão ao conceito de jornalismo, analisa as particularidades das empresas de
Media e das suas práticas de RSE, a relação entre qualidade e responsabilidade social,
avançando também com algumas recomendações para um sector que, muitas vezes, se
esquece de olhar para dentro, colmatar as suas falhas e assumir os seus compromissos.
3.1 INTRODUÇÃO
Os Media, e mais especificamente o jornalismo (pese embora a importância
do entretenimento), são um sector de grande peso na sociedade – aliás, uma sociedade
que cada vez mais depende da informação: muitas vezes caracterizada como a
sociedade da informação. Fiscalizadores das instituições e das regras democráticas
detêm um poder que mais nenhum sector possui: influenciar a forma como a
sociedade percepciona a realidade e pressiona as instituições e poderes.
Como consequência, nenhum outro sector é tão poderoso na sua capacidade
de influenciar a opinião pública e os políticos sobre as práticas de Responsabilidade
Social Empresarial (RSE). De facto, os Media têm uma capacidade privilegiada para
* Professora Universitária - Análise refernte a Maio de 2006.
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definir a agenda da RSE, controlar e divulgar as práticas de boa governação,
transparência, sustentabilidade e bom desempenho social das restantes indústrias.
Mas quem controla os Media? Quem responde pelas suas práticas de RSE?
Quem garante a sua isenção e independência? Quem assegura que as suas operações
são sustentáveis? Quem responde perante a responsabilidade de um sector que molda
e/ou influência valores e consciências? Estas e outras perguntas merecem urgente
resposta e são fundamentais para se compreender a natureza do compromisso dos
Media com a RSE.
Este capítulo procura fazer um levantamento sobre como responder a estas
questões, bem como sobre a forma como os Media têm vindo a percepcionar a
necessidade de incorporarem as práticas de RSE na sua gestão corrente. Este sector
não se pode ficar pela análise e crítica externa: há um longo trabalho interno a
desenvolver. Entre outros aspectos: há que medir e incorporar na gestão das empresas
de Media os impactos directos e indirectos da sua actividade; há que assumir
compromissos éticos, sociais, culturais e ambientais; há que colmatar os efeitos
nefastos da concentração no sector; há que estabelecer um maior compromisso com a
identificação e resolução dos problemas da sociedade; há que criar instrumentos de
avaliação sobre a implementação das suas práticas de RSE; há que fomentar a
transparência das relações com o poder político; há que avançar muito mais!
3.2 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
Em 1953, com a publicação da obra de Howard Bowen (1959), o tema da
Responsabilidade Social das Empresas (RSE) assumiu importância nos meios
académico e empresarial norte-americano, tendo esta obra passado a constituir um
marco no entendimento e sistematização da responsabilidade das empresas perante
uma plateia mais vasta do que apenas a constituída pelos seus accionistas.
Acresce que, nos anos 60, os Estados Unidos da América, e também a Europa,
viram crescer movimentos que, em resposta à guerra do Vietname e às empresas a ela
ligadas, reportavam para temas relativos à ética e à responsabilidade social das
empresas ao, por exemplo, boicotarem o consumo de bens e serviços produzidos por
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organizações com ligações à guerra. Consequentemente, algumas empresas passaram
a divulgar informação sobre as suas práticas em termos sociais e ambientais.
Em paralelo, cresciam também movimentos em prole da igualdade de
direitos, do fim da discriminação racial, da integração das mulheres no mercado de
trabalho, de mais e melhores condições de trabalho e bem estar social, bem como uma
crescente consciência social – aliás muito influenciada pelo trabalho dos media. Este
novo contexto acabou por provocar mudanças nas empresas relativamente às suas
práticas no relacionamento com funcionários, consumidores, fornecedores e meio
ambiente.
Foi, no entanto, durante o final da década de 60 e início da década de 70, que
o tema ganhou destaque quando as empresas passaram a elaborar e a publicar
relatórios sobre as actividades de carácter social, dando forma a um modelo e a uma
prática que hoje vemos aplicados nos Balanços Sociais.
Contudo, a RSE vai para além dos Balanços Sociais e implica um maior
compromisso, interno e externo, com as questões sociais. Em 2001, a Comissão
Europeia definiu a Responsabilidade Social das Empresas como sendo «a integração
voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas
operações e na sua interacção com outras partes interessadas».
O conceito de Responsabilidade Social na sua definição actual é plural, no
sentido em que os gestores não devem prestar contas apenas aos accionistas, mas,
antes, a todos os que se relacionam com as empresas, ou para cujo negócio
contribuem. Esta pluralidade encerra igualmente o conceito de distribuição, na
medida em que abrange toda a cadeia produtiva, devendo as empresas incorporarem
práticas socialmente responsáveis, processo de incorporação esse que deve ocorrer,
não só no produto final, como em toda a cadeia produtiva (Monteiro, 2005). A
Responsabilidade Social das Empresas apresenta assim duas dimensões: a interna e a
externa. Na sua dimensão interna, as práticas socialmente responsáveis relacionam-se
com a gestão dos recursos humanos, a saúde e segurança no trabalho, a adaptação à
mudança e a gestão do impacto ambiental e dos recursos naturais. Na sua dimensão
externa, a RSE envolve a rede de relações com as comunidades locais, com os clientes
e fornecedores, com os accionistas e investidores, na observância dos direitos
humanos consagrados universalmente, bem como na gestão global do meio ambiente.
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Os esforços no sentido da aplicação de práticas socialmente responsáveis
deve, no primeiro momento, dirigir-se aos principais agentes internos da empresa - os
trabalhadores. Assim, as políticas de gestão de recursos humanos socialmente
responsáveis devem contemplar:
a) a existência de práticas de recrutamento responsáveis, não discriminatórias e atentas à igualdade de oportunidades e à diversidade;
b) a inclusão de efectivos planos de formação e aprendizagem contínua
ao longo da vida;
c) a criação de condições que permitam um melhor equilíbrio entre a
vida profissional e a dimensão extra profissional de cada colaborador;
d) a preocupação quanto à estabilidade/segurança dos postos de trabalho.
Ainda no contexto da dimensão interna, as políticas relativas ao impacto
ambiental e aos recursos naturais são também fundamentais pelos efeitos que
produzem na sociedade. Aliás, em muitos casos são as mais rapidamente adoptadas já
que muitas empresas concluíram que uma exploração menos intensiva dos recursos
naturais é susceptível de aumentar os resultados, particularmente quando inserida
num plano de acção valorizadora de processos de comunicação eficientes e de
construção de uma imagem externa fortemente associada aos valores que se pretende
ver defendidos (Monteiro, 2005).
Na sua dimensão externa, a Responsabilidade Social das Empresas traduz-se, num
primeiro momento, na adequada integração na comunidade onde estão inseridas e com a
qual estabelecem um conjunto de relações, fornecendo oportunidades de emprego, e
beneficiando da existência de uma comunidade próspera e estável. Esta dimensão externa
deve, no entanto, passar por uma estratégia empresarial de longo prazo capaz de fomentar
criação de valor para a empresa e para a comunidade, sendo o envolvimento das empresas
com a comunidade em que se inserem um activo que estas devem capitalizar, beneficiando,
nomeadamente, em termos do reforço da sua imagem. O mercado em geral, e as políticas
empresariais dirigidas a clientes, fornecedores, parceiros comerciais, investidores ou
accionistas, merecem, ainda, uma particular relevância.
Os aspectos mais relevantes relativos aos clientes prendem-se com a adopção
de políticas que se centrem na sua conservação através da construção de relações
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duradouras baseadas na compreensão das suas expectativas e necessidades e na sua
satisfação, disponibilizando bens e serviços que correspondam aos mais elevados
padrões de qualidade, segurança e fiabilidade. No âmbito das relações com os
fornecedores e parceiros comercias, a RSE pressupõe a utilização de critérios de
selecção que vão para além da análise económica de propostas concorrenciais, sendo,
por exemplo, as condições de trabalho, bem como as questões relativas ao respeito
pelos direitos humanos, aspectos a considerar.
Os investidores e accionistas, apesar de estarem essencialmente vocacionados
para colocarem a tónica na maximização dos lucros, são, contudo, parte interessada na
RSE, não só porque a implementação de políticas socialmente responsáveis é
susceptível de aumentar o valor de mercado das empresas, mas também porque
muitos investidores vêem a Responsabilidade Social das Empresas como um
instrumento de selecção para os seus investimentos. A confirmar esta realidade estão
hoje os vários índices de sustentabilidade, onde se destacam o Dow Jones
Sustainability Indexes, o Ethibel Sustainability Index, FTSE4GOOD Indexes, o ASPI
Eurozone ou o Australian SAM Sustainability Index.
3.3 O CONCEITO DE JORNALISMO
O jornalismo é uma profissão de difícil definição. Com efeito, sob este nome
manifestam-se uma multiplicidade de funções, meios e formas discursivas distintas.
Convergem nesta actividade um vasto leque de realidades e conhecimentos, o que leva a
que, de acordo com Denis Ruellan (1997), fundamentalmente o jornalismo não seja uma
profissão fechada e de fronteiras estabelecidas. Esta profissão move-se dentro de um espaço
de limites fluídos e de práticas híbridas, alimentando-se também de áreas de conhecimento
que lhe transferem algumas práticas, conhecimentos e concepções. “Cães de guarda da
sociedade”, “princípio de responsabilidade social”, imprensa como o “quarto poder”.Todas
estas expressões estão ligadas à ideia de jornalismo, e conferem uma espécie de mística na
qual o jornalista aparece com tendo um estatuto diferenciado das restantes profissões. Ele
estaria, por princípio, comprometido com a sociedade que, em contrapartida desse estatuto
especial, lhe delega o poder de fiscalizar as instituições em seu nome e em nome da
democracia. Esta concepção dos Media enquanto poder de fiscalização das instituições surge
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essencialmente na França pós I Guerra Mundial como resposta da sociedade à falta de
credibilidade da propaganda junto da população.Assim, outorga-se à imprensa o direito e a
responsabilidade de fiscalizar as instituições políticas (Néveu, 2001).
Mesmo nos Estados Unidos da América, onde a vertente comercial da
imprensa foi preponderante, o jornalismo assumiu este papel de guardião dos direitos
dos cidadãos face às instituições políticas (Pereira, 2004). Mas foi a partir de finais dos
anos 40, em resultados dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão para a Liberdade de
Imprensa, que surgiu neste país a Teoria da Responsabilidade Social do Jornalismo
(Cryle, 2004). Esta teoria é, no essencial, uma resposta à crescente concentração
empresarial dos meios de comunicação social norte-americanos e instituiu directrizes
que visavam orientar a actividade jornalística de forma a melhorar a qualidade de
produção noticiosa e separá-la da lógica dominante da maximização do lucro. Daqui
emerge a ideia do jornalista isento e objectivo, capaz de preservar as suas práticas
profissionais das pressões políticas e económicas. Um jornalista que se assume como
uma espécie de autoridade independente, com capacidade para fiscalizar os actos dos
governos e das empresas perante a sociedade. E é sob esta concepção que o jornalista
projecta uma imagem de compromisso e engajamento apenas com o interesse público
e a transparência democrática – uma espécie de guardião dos direitos dos que não têm
a oportunidade/capacidade de aceder à informação e se fazer ouvir.
Os processos de concentração e incorporação – a montante e a jusante, pelas
grandes empresas de Media transformaram o jornalismo num negócio muitas vezes
secundário dentro das holdings. O sector dos Media é apenas uma parte de um
conjunto bastante mais vasto de actividades económicas sob a égide de uma mesma
corporação (holding). Esta rede de actividades empresariais contempla desde a
publicidade até às tecnologias de informação e comunicação, passando pelo marketing,
entretenimento ou produção de software. Ou seja, actividades que, não raras vezes
chocam entre si em termos de interesses de desempenho económico-financeiro,
práticas/modelos de gestão ou códigos de conduta. Mas todas estão hoje sob a alçada
dos mesmos grupos de accionistas. De acordo com Robert Davies (2002), os Media
são dominados por 10 companhias globais e cerca de 50 regionais. Aqui está uma
realidade que confirma a abordagem de mercado que deve condicionar a análise sobre
a Responsabilidade Social e Corporativa das Empresas de Media. A submissão da
actividade jornalística à lógica empresarial alterou a agenda jornalística. As “hard news”
dão lugar à cobertura de assuntos mais vendáveis e com alto conteúdo emocional: “soft
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news”. As “hard news” (notícias fortes, de grande actualidade) devem ser redigidas em
pirâmide invertida (do mais para o menos importante).As “soft news” (notícias leves, “fait-divers”), as notícias intemporais e os textos de outros géneros jornalísticos (reportagem,
“feature”, etc.) não obedecem à rigidez da pirâmide invertida, ainda que esta seja
aconselhada para que o leitor “entre” rapidamente no assunto.
De acordo com Ignacio Ramonet (1999), a informação transformou-se em
mercadoria, não possuindo um valor específico ligado, por exemplo, à
responsabilidade cívica e/ou social. Enquanto mercadoria, a informação está
essencialmente sujeita às leis do mercado (oferta e procura), desvinculando-se das
regras éticas e sociais com que antes se comprometia.
A influência da lógica económico-financeira conduziu à redução de custos no
processo de produção das notícias e um processo de gradual precarização do mercado de
trabalho (Université Catholique de Louvain, 2005). Esta deterioração do mercado de
trabalho traduz-se num sentimento de resignação e/ou oportunismo dos profissionais às
condições impostas pelas empresas. Para manter o emprego ou conseguir um melhor
cargo, o jornalista vê-se, cada vez mais tentado a quebrar algumas das regras
deontológicas da profissão – como, por exemplo, a confirmação sistemática de fontes.
Nos últimos anos, e em resultado de alguns “escândalos” jornalísticos, os quais serão
discutidos mais à frente, mas onde se enquadram o caso do New York Times que, em
2003, teve que admitir ter publicado reportagens fabricadas pelo jornalista Jayson Blair,
o suicídio do Dr. David Kelly – e o relatório Hutton (www.the-huttoninquiry.org.uk/content/report/index.htm) que aponta o dedo a falhas de gestão da BBC,
ou ainda, mais recentemente, a utilização pelo britânico Mirror de fotografias falsas sobre
alegados crimes de guerra das tropas do Reino Unido, começaram a surgir pressões para
que as empresas de Media assumam as suas responsabilidades sociais e adoptem os
pressupostos e instrumentos compatíveis com uma conduta socialmente responsável.
Assumindo-se que a RSE tem quatro dimensões fundamentais, sendo que
uma exposição mais completa sobre este conceito já foi feita no ponto 2.2 deste
documento, pretende-se que as empresas de media adoptem:
• práticas de negócio abertas e transparentes;
• códigos de conduta e respeito por valores éticos, particularmente no
relativo ao jornalismo;
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• respeito e compromisso para com todos os agentes (clientes, fornecedores, empregados, comunidade envolvente, organizações da
sociedade civil, governos, organizações não-governamentais, outras
empresas do sector, ou seja, todas as entidades que interagem com a
organização);
• forte desempenho tanto nas questões económicas, como nas sociais e
ambientais.
De sublinhar ainda que, no caso das empresas de media, o principal impacto
não é o ambiental (pese embora esta seja uma importante variável a considerar). Mas
estas empresas têm, essencialmente, um impacto psicológico e intelectual. Os Media
moldam a opinião pública, não só através das informações/reportagens que divulgam
e que ajudam a formar juízos – ou formam mesmo, mas também, e devido às suas
ligações com a publicidade, sobre os produtos e serviços que são adquiridos e/ou
cobiçados pela generalidade da sociedade. Neste contexto, é quase que perdida a ideia
romântica do jornalista, este jornalismo de mercado e as corporações que o
alimentam, os quais, no entanto, não devem passar à margem da Responsabilidade
Social Empresarial.
3.4 OS MEDIA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
«(...) McDonald’s and Coca-Cola are in the business of putting stuff inside
people’s bellies, so everyone (especially the media) expects them to take
responsibility for their nutritional impact. Equally, Shell and BP are in the
business of taking stuff out of the ground, so everyone (especially the media)
expects them to take responsibility for their environmental impact.The media
are in the business of putting stuff inside people’s heads. But does anyone
think they take responsibility for their cultural impact? (…)» Steve Hilton,
30 de Dezembro de 2002, Responsibility in the mainstream media,
Ethical Corporation
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Esta é uma pergunta de urgente estudo e resposta – até porque a pressão para
a mudança supõe-se mais eficaz vinda do meio externo. De facto, embora os Media
apresentem um interesse crescente na cobertura de matérias relativas ao
cumprimento das práticas de RSE por parte das restantes indústrias, a verdade é que,
dentro do sector, essa preocupação/conduta é ainda recente, relativamente superficial
e, conforme se constata da literatura sobre o tema (ver bibliografia), na maioria dos
casos, inexistente.
Assim, como ponto de partida deste trabalho assume-se que, embora os
Media joguem um papel fundamental e de grande importância como garantes de que
as restantes partes da sociedade, nomeadamente os governos e as empresas, prestam
as suas contas e assumem as suas responsabilidades sociais, existe uma lacuna que,
ilusoriamente, os desvincula de, eles próprios, cumprirem as regras de
responsabilidade social que exigem aos restantes. A convivência dos Media, e em
consequência, das empresas de media, com a realidade da RSE não é, conforme já aqui
foi referido, uma novidade.A questão é que, até há poucos anos, e na maioria dos casos
ainda actualmente, esta relação têm-se caracterizado por uma abordagem de análise da
RSE onde os Media se põem do lado de fora. Isto é, o foco tem sido centrado nas
características da cobertura dada pelos Media à RSE das restantes instituições e
organizações, em vez de abarcar também uma análise do que é que a RSE implica para
o mundo e actividade dos próprios Media.
Em 2004, a SustainAbility publicou um relatório inicial sobre as práticas de
RSE dos Media no mundo: “Good News & Bad” . No entanto, e embora algumas
organizações tenham mostrado interesse em desenvolver mais esta área, a verdade é o
debate não produziu resultados muito significativos.
Boas e Más Práticas
Nos anos mais recentes, alguns casos suficientemente graves, e que não
conseguiram escapar ao tradicional comportamento de encobrimento mútuo dos
órgãos de comunicação social, mancharam a imagem dos Media e a sua credibilidade
enquanto garantes de isenção e objectividade na sua função fiscalizadora das
instituições em nome da sociedade e da democracia. Para além dos casos referidos no
ponto 2.3., a MediaWise Trust (Jempson, 2006), refere que nas investigações que
levou a cabo foram identificadas várias outras situações em que os Media puseram em
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xeque as boas práticas éticas e sociais do jornalismo, nomeadamente, os artigos
publicados pelos jornais Sun («Swan Bake», 4/07/2003), Daily Star («Asylum seekers
eat our donkeys», 31/08/2003), ou Sunday Mirror («For sale aged», 25/01/2004).
Estas e outras situações semelhantes, têm conduzido a uma crescente
desconfiança do público perante o jornalismo (Mass-Observation, 2001), o que também
pode ser associado ao continuado declínio na compra e leitura de jornais (Jempson,
2006) o que, obviamente, produz um impacto financeiro negativo nos Media.
Acresce a este cenário, um sentimento de insegurança e de precariedade
vivido por muitos jornalistas.Também de acordo com a MediaWise Trust, a formação
profissional, os rendimentos e as perspectivas de progressão na carreira profissional
são, na grande maioria dos casos, escassas, sendo que, como consequência da
concentração no sector, os trabalhos dos jornalistas são reutilizados pelo grupo em
vários órgãos de comunicação sem que isso signifique, na generalidade dos casos, um
acréscimo no salário. Esta realidade leva a que muitos jornalistas exerçam a profissão
descurando o respeito pela ética e responsabilidade social desta actividade, e, por
vezes, procurando a notícia vendável a todo o preço.
Por outro lado, as administrações esperam ainda que os seus jornalistas sejam
especialistas no imediato, mesmo quando estes não possuem formação para tal, o que,
consequentemente, provoca uma pressão constante no jornalista, nomeadamente
numa era em que o jornalismo é quase que imediato. Como resultado, muitas notícias
são dadas na base do “senso comum”, com algumas palavras de um especialista, sendo
que, depois de publicadas, passam a assumir, para a maioria dos interlocutores, o
estatuto de verdade.
Este cenário é ainda reforçado pela crescente importância dos Media junto do
poder político. Assiste-se com uma regularidade crescente à preferência dada pelos
políticos às televisões, rádios e jornais em detrimento do Parlamento. Ou seja, os
Media transformaram-se no principal veículo de comunicação dos governos com a
sociedade e, este factor, também lhes fornece um poder muito significativo para
marcar a agenda política, revelando ainda relações de uma proximidade significativa
com o poder executivo, o qual, recorde-se, estão incumbidos de fiscalizar. Esta
situação é reforçada pela credibilidade que alguns meios de comunicação transmitem
aos seus pares, sejam eles políticos os não (Gráfico 1: Meios de Comunicação Social
mais Credíveis - 2003).
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Malgrado o anteriormente exposto, hoje já é uma realidade encontrar
relatórios de Responsabilidade Social Corporativa* em Empresas de Media como a
BBC, a BSkyB, o Daily Mail & General Trust, a ITV plc, a News Corporation, a Pearson, a
Reuters, o Scott Trust and Trinity Mirror plc, o Bertelsmann Group, o Axel Springer Verlag, o
EMI Group, a Vivendi Universal, a Thomson Corporations e a Clear Channel Communications,
entre algumas mais (Oekom Research, 2004).
Gráfico 1: Meios de Comunicação Social Mais Credíveis - 2003
Fonte: Adaptado de Edelman Fifth Anual Trust Barometer, in SustainAbility e WWWUK, 2004, Through the Looking Glass:Corporate Responsibility in the Media and Entertainment
Sector, London
Estes relatórios são boas notícias e representam um passo na direcção
desejada, especialmente num sector onde o objectivo principal é examinar, avaliar e
comentar os comportamentos das restantes indústrias/sectores. No entanto, alguns
deles (Oekom Research, 2004) não vão muito para além das boas intenções.
Assim, e de acordo com as taxas de Responsabilidade Social Corporativa para
a indústria dos Media – 200 indicadores sociais e ambientais, sendo cerca de 50% para
* A OCDE apresenta uma definição funcional de Governação Corporativa, segunda a qual esta é o sistema
através do qual as organizações são dirigidas e controladas, sendo que nela se especifica a distribuição de direitos
e responsabilidades entre os diferentes participantes na organização, tais como administração, gestão de topo e
intermédia, trabalhadores, accionistas e os restantes agentes.
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cada uma das áreas, os resultados do Oekom Research (2004), para as 25 maiores
empresas globais, revelam que estas têm ainda que melhorar o seu desempenho.
O melhor resultado é um A+, indicando empresas que são particularmente
activas em medidas de carácter social/cultural e ambiental. O pior resultado é um D-,
indicando empresas em que dificilmente se identificam acções de natureza
social/cultural e/ou ambiental.
Em termos de uma avaliação global, a nota máxima dada neste estudo foi a de
B+ para a germânica Axel Springer Verlag. Os grupos britânicos EMI e Pearson
pontuaram B-. No outro extremo, nove empresas receberam um D+ ou menos, com
a Clear Channel Communications a atingir a pior avaliação: D-. Em termos globais, o
sector alcançou a classificação de C-, com as empresas britânicas a destacarem-se pela
positiva.
No relativo apenas ao compromisso das empresas em divulgar informação
objectiva e verdadeira, garantir a independência dos jornalistas e separar os conteúdos
informativos dos publicitários, a nota máxima coube à britânica Reuters, com um A-,
seguida do Bertelsmann Group com um B+. A News Corporations recebeu, neste ponto,
nota negativa.
Quanto aos indicadores que avaliam os aspectos sociais e culturais da gestão,
relações com os empregados e relações externas, o Bertelsmann Group recebeu um B
e cinco empresas um B-: Reuters, EMI, McGraw-Hill Companies, Carlton Communications e
Vivendi Universal.
Entre as boas práticas de, destacar os valores editoriais e códigos de conduta
da BBC e da Reuters, onde se incluem, entre outros, princípios como a
imparcialidade, independência, respeito pelas pessoas e respectivas culturas, direito à
privacidade, conduta baseada no bom gosto e na decência, bem como na salvaguarda
das particularidades inerentes à programação dirigida às crianças.
Também no relativo ao ambiente, e para além da cobertura dada às matérias
ambientais, começa a surgir um compromisso das próprias empresas de Media para com
as questões ambientais. A Axel Springer Verlag aparece no topo da lista ao utilizar
tinteiros não tóxicos e uma percentagem elevada de papel reciclado.Também a Reuters
proporciona os seus jornalistas acções de formação na área do ambiente. Esta tomada de
consciência em relação à necessidade de adoptarem uma postura interna activa perante
a RSE levou também muitas das empresas de comunicação britânicas a juntarem-se no
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Media CSR Forum cujo trabalho principal passa por identificar os problemas do sector
e propor soluções e novas abordagens. Entre estas empresas encontram-se a BBC, o EMI
Group, a BSKyB, o Guardian Media Group, a Pearson ou a ITV.
Da literatura sobre este tema, resulta, no entanto, que existe ainda um longo
caminho a percorrer e que a maioria destes relatórios são geralmente fracos na
medição/avaliação do desempenho das empresas relativamente à sua estrutura
governativa, nomeadamente no que diz respeito a códigos de conduta, compromissos
éticos, políticas de transparência remuneratória, nomeadamente da administração e
gestores de topo, canais de comunicação internos ou regras de relacionamento entre
a administração e a redacção. Por norma estes documentos padecem também do facto
de serem bastantes descritivos e qualitativos, faltando-lhes informação quantificável
relativa ao desempenho das empresas face aos vários indicadores sociais/culturais e
ambientais. Seria, neste ponto, importante que os Media avaliassem, por exemplo, a
influência que possuem na sua audiência ou de que forma contribuem, ou poderiam
contribuir, para um melhor/maior nível de formação na opinião pública.
Os processos de concentração nas empresas de Media, originando grandes
grupos económicos que controlam vários órgãos de comunicação social, é hoje uma
realidade que conduz a uma situação em que um pequeno números de companhias
globais domina, directa ou indirectamente, o mundo das notícias e do
entreternimento. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, cinco companhias –
Viacom (CBS), Disney (ABC), News Corporation (Fox), General Electric (NBC) e a Time
Warner (CNN), controlam cerca de 75% do prime time televisivo (SustainAbility e
WWW-UK, 2004). No Reino Unido, a BBC, a ITV e o Channel 4 detêm cerca de
70% das audiências (Ward, 2005). O poder de informar e entreter, concentrado em
menos de meia dúzia de grandes empresas globais, levanta questões como conflitos
éticos, de independência, separação entre publicidade e informação, isenção, entre
outros. Estes factos, apesar do trabalho já iniciado, aliados ao relativo reduzido número
de empresas do sector que elaboram relatórios de governação corporativa e
responsabilidade social, confirmam que, ao contrário de outros sectores de actividade,
os Media ainda não estão verdadeiramente preparados para funcionar em plena
conformidade com todas as dimensões inerentes às características da RSE e que, uma
vez que a pressão interna para esta realidade é relativamente fraca, a envolvente
externa deverá desenvolver um papel mais activo.
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Entre os agentes externos que podem desempenhar o papel de pressionar os
Media para avançar mais séria e rapidamente no sentido da adopção de práticas de
RSE, e para além do público, que como já foi referido está cada vez mais insatisfeito
com o desempenho dos jornalistas (ver também Pew Research Center for People and
the Press Poll, July 2003), destacam-se algumas organizações não governamentais que
são particularmente activas na vigilância ao sector: FAIR; MediaWise Trust;
Adbusters; Media Lens; openDemocracy.net; IndyMedia;YourMedia.
Os investidores, particularmente os fundos de investimentos, estão cada vez
mais atentos às questões relativas ao desempenho socialmente responsável das
empresas. Com efeito, estes fundos fazem depender a inclusão ou exclusão na sua
carteira de activos de empresas de Media com base em critérios de sustentabilidade
do produto, incluindo a utilização dos canais de media para a promoção da consciência
social e ambiental, níveis de exposição ao jogo ou pornografia, qualidade de gestão,
nomeadamente concentração do poder, controlo dos conteúdos e distribuição,
conduta ética do negócio, promoção da diversidade cultural, entre outros.
Também as várias organizações de jornalistas, tanto nacionais como regionais
e internacionais, jogam aqui um papel importante. Estas estruturas constituem meios
privilegiados de acção e pressão junto das administrações e, consequentemente, dos
accionistas. Com efeito, os seus elementos são intervenientes no processo de produção
dos Media e, para além de conhecerem, por dentro, a realidade das empresas, têm
acesso a informação interna.
Quanto aos governos, e embora pudessem desempenhar um papel mais
activo, estes têm sido bastante relutantes em intervir no sentido de pressionar os
Media a assumirem as suas responsabilidades sociais. Esta situação resulta, em grande
medida, das crescentes relações de proximidade e interdependência, entre o poder
político e os Media - o fenómeno do Berlusconismo, em Itália, foi o maior exemplo,
com o ex primeiro-ministro do país a deter os três principais canais televisivos do país
e a maior editora de publicações. Mas também Rupert Murdoch, presidente da News
Corporation e as suas ligações com o governo conservador são um exemplo claro
desta espécie de casamento (SustainAbility e WWW-UK, 2004).
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3.5 OS MEDIA PORTUGUESES E A RESPONSABILIDADE SOCIAL
Em Portugal, as práticas relativas à RSE são um fenómeno mais recente do
que no resto do mundo e abarcam um universo bastante mais reduzido de empresas.
Com efeito, o país aparece em 21º lugar no “National Corporate Responsibility Index
2003”, publicado pela AccountAbility, vindo atrás de todos os membros da União
Europeia da altura, com excepção da Grécia. Ainda neste contexto, só em 2002 é que
surge a primeira empresa portuguesa certificada com a norma SA 8000 (relativa às
práticas de RSE): a Delta Cafés, e apenas em 2003 é que o Conselho Económico e
Social de Portugal publicado um parecer sobre o tema*. Também em 2003, e muito
devido ao facto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ter
actualizado as regras sobre o governo das sociedades, um número crescente de
empresas têm vindo a desenvolver práticas de RSE.
Estas empresas, principalmente as cotadas em Bolsa, têm vindo a adoptar, no entanto,
práticas de governação corporativa, o que implica, em termos teóricos, também uma
observância dos princípios da Responsabilidade Social Empresarial. De facto, os
pressupostos de uma governação corporativa cobrem o papel e os direitos de todos os
agentes – ou seja, de todos aqueles que interna ou externamente interagem com a
organização, o tratamento equitativo dos accionistas, a divulgação de informação,
transparência nos actos de gestão e de comunicação e a responsabilidade do conselho
de administração.
Assim, também no universo dos Media, e provavelmente muito como
resultado de três dos quatro maiores grupos de comunicação social portugueses
(Impresa, Cofina, Media Capital) estarem cotados em Bolsa (ver Anexo I para maiores
grupos de Media portugueses), as práticas de governação corporativa não passam em
branco. Contudo, não existem Relatórios de Responsabilidade Social, Códigos de
Ética ou outros Regulamentos relativos à RSE. O que estas empresas produzem são
Relatórios sobre o Governo das Sociedades – a Impresa e a Cofina desde 2002, e a
Media Capital desde 2004, os quais são essencialmente dirigidos aos accionistas, dado
que o essencial destes relatórios se concentra na política de distribuição de dividendos,
estrutura funcional da empresa, estrutura de apoio aos investidores, mandatos dos
administradores e auditores independentes, entre outros aspectos relacionados.
* CES, 2003, Parecer de Iniciativa sobre a Responsabilidade Social das Empresas.
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Aliás, este facto confirma que a governação corporativa tem tido a tendência
para se concentrar na gestão corrente da empresa em relação ao que constitui o
conselho de administração e suas responsabilidades, ao papel dos directores executivos
e não executivos, e, mais recentemente, aos pagamentos dos administradores e
directores executivos.
Quanto à Responsabilidade Social Empresarial propriamente dita, considera-se que os Media portugueses, padecendo dos mesmos problemas que os referidos
neste trabalho, embora, talvez em menor numa escala, não desenvolvem acções e
compromissos explícitos. Ou seja, não se encontram compromissos claros com os
accionistas, nomeadamente com o público, com as questões ambientais, sociais e
culturais. De ressalvar, no entanto, neste ponto, que a Imprensa, através do projecto
SIC Esperança têm apoiado algumas iniciativas de carácter social.
Ainda neste contexto, e sendo a RTP um grupo estatal e cuja missão assenta
essencialmente na noção de serviço público, destaca-se a ausência de Relatórios de
Responsabilidade Social neste órgão de comunicação, bem como de práticas e políticas
de RSE em linha com o que, por exemplo, é feito na britânica BBC (Küng-Shankleman, 2000). Apesar da programação de alguns órgãos deste grupo, no essencial a
RTP 2, ter um cariz mais socialmente responsável, desconhece-se a existência de uma
política activa de promoção interna e externa das realidades inerentes à
Responsabilidade Social dos Media.
3.6 RESPONSABILIDADE SOCIAL E GESTÃO DA QUALIDADE
A Gestão pela Qualidade Total (TQM), sendo, em simultâneo, uma filosofia
de gestão e um conjunto de métodos e instrumentos essencialmente orientados para
a criação de valor para o cliente, pressupõe que os recursos da organização,
principalmente os recursos humanos, estejam orientados para o cliente e com
capacidade para compreender as suas expectativas específicas e actuar no sentido da
criação de processos que gerem esse valor-cliente. Daqui resulta uma maior satisfação
dos clientes em relação aos produtos e serviços da empresa e, deste modo, um maior
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grau de fidelização e uma melhor relação de confiança cliente/empresa o que, como
resultado, trará maior retorno aos accionistas.
Neste contexto, também às Empresas de Media os sistemas de gestão orientados
para a Qualidade Total são particularmente relevantes para assegurar um crescimento
sustentado junto do mercado. E ainda que a implementação de uma filosofia de Gestão
pela Qualidade Total, para além de implicar custos, requerer recursos financeiros e
envolver mudanças bastante significativas (por vezes até radicais) para empresa,
nomeadamente ao nível das estratégias, estrutura e cultura, e estas alterações não se
fazerem, nem poderem ser feitas, de um dia para o outro, sendo antes um crescendo, a
verdade é que a caminho da TQM permite às empresas gerir mais eficaz e eficientemente
os seus processos internos e, deste modo, aumentarem os seus resultados.
Existem três grandes modelos de Gestão pela Qualidade Total, que foram
construídos através da atribuição dos prémios de qualidade: o Prémio Deming; o
Malcolm Baldrige National Quality Award e o prémio europeu da qualidade atribuído
pela EFQM (European Foundation for Quality Management. No essencial, os aspectos
fundamentais da TQM apontam para (adaptado de Brilman, 2000):
• Pesquisa da satisfação do cliente;
• Respeito dos compromissos, escuta-cliente, tratamento das insatisfações, melhorias, fidelização;
• Progressos permanentes em Qualidade de Curto Prazo;
• Implicação, satisfação e desenvolvimento dos colaboradores;
• Criatividade e benchmarking;
• Responsabilização, trabalho em equipa, autonomia, reconhecimento, informação, resolução dos problemas;
• Liderança dos dirigentes e do enquadramento;
• Garantia de qualidade, estabilização, ISO 9001;
• Gestão de processos de concepção, produção e entrega;
•Partilha da visão estratégica, fixação de prioridades, discussão dos
objectivos e dos meios de cima para baixo, de baixo para cima e
transversalmente;
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• Ensino de métodos e instrumentos de qualidade;
• Reactividade e flexibilidade;
• Avaliação e selecção de recursos humanos;
• Equipas auto-geridas, pluridisciplinares, cooperação;
• Auto-avaliação;
• Parcerias com fornecedores;
• Prémios de qualidade (regionais, nacionais, internacionais)
• Orientação para a excelência: auditorias internas e externas.
Conforme se constata do anteriormente exposto, muitos destes pressupostos
incorporam também conceitos inerentes a uma gestão socialmente responsável e,
embora os Media apresentem particularidades que os distinguem das outras indústrias
e sectores de actividade, a verdade é que é fundamental garantir que as práticas de
gestão destas empresas assegurem um produto de qualidade e a satisfação do cliente.
Sendo a qualidade da informação um aspecto relativamente difícil de medir,
já que implica alguns critérios subjectivos como, por exemplo, gostos, educação ou
origem social dos destinatários da mesma, existem contudo alguns critérios e/ou
características que funcionam como garante de qualidade. Com efeito, a qualidade
poderá alcançar-se com características e exigências associadas à informação:
autenticidade, veracidade, rapidez, comunicabilidade e relevância para o consumidor
ou do interesse geral e público (Faustino, 2005), bem como com aspectos relativos à
quantidade e qualidade dos investimento na formação dos recursos humanos, à
liberdade de expressão e diversidade de fontes, ao rigor e isenção, à observância de
princípios e códigos de ética ou à disponibilização dos materiais adequados e
necessários a uma boa produção de conteúdos.
Assumindo-se que a qualidade dos Media, em consonância com o
desenvolvido ao longo deste trabalho, pressupõe também a criação de instrumentos de
RSE, considera-se que, a par com os sistemas de TQM – que gerem a qualidade dos
processos, as empresas do sector deverão implementar práticas de RSE (incorporadas
dentro de uma política de Governação Corporativa socialmente responsável) como
um sistema de desempenho capaz gerir os impactos relativos ao seu processo
produtivo, nomeadamente minimizando os impactos negativos.
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Por forma a que a Qualidade avance em sintonia com as práticas de RSE
considera-se que dois sistemas inter-conectados serão necessários. Internamente as
empresas têm que desenvolver, numa lógica semelhante à Gestão pela Qualidade Total,
sistemas de gestão da responsabilidade que estabeleçam códigos e regulamentos de
conduta e ética empresarial e que garantam a sua implementação. Externamente, as
organizações têm que se comprometer com sistemas credíveis de certificação,
monitorização e verificação das suas práticas de RSE. Os pressupostos de qualidade da
ISO, os critérios do Prémio Deming, do Malcolm Baldrige National Quality Award e
do prémio europeu da qualidade da EFQM forneceram às empresas importantes
quadros conceptuais para a avaliação da gestão e organização das suas empresas
associadas à implementação de sistemas de qualidade.
Na área da responsabilidade corporativa, pressupostos e processos
semelhantes estão também a ser desenvolvidos. No domínio da transparência
informativa encontra-se o Global Reporting Initiative (GRI)*, o qual se tornou numa
referência amplamente aceite como um quadro de princípios sobre a forma como as
empresas devem reportar as suas práticas económicas, sociais e ambientais.
No relativo à certificação, monitorização e verificação das práticas de
Responsabilidade Social Empresarial, também vários sistemas têm vindo a ser
desenvolvidos. Entre os mais importantes encontram-se os pressupostos da SA 8000
– os quais estão relacionados com direitos humanos e trabalho infantil, condições
contratuais e de trabalho, práticas ambientais e liberdade de participação, e da AA
1000 – os quais se centram no compromisso dos stakeholders com os aspectos
económicos, sociais e ambientais derivados da sua actividade.
Ainda sobre este ponto, também a International Organization for
Standardization (ISO) está a desenvolver, através do seu Grupo de Trabalho Sobre
Responsabilidade Social (o qual teve a sua última reunião em Maio do presente ano,
em Lisboa), o primeiro International Standard on Social Responsibility que pretende
enquadrar o significado do conceito e como ele deverá ser integrado nas operações
diárias de todas as organizações.
* www.globalreporting.org
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3.7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A cultura da Responsabilidade Social dentro do Media é recente e, apesar de
alguns avanços, alguns significativos, apresenta ainda muitas lacunas. Sendo este um
sector de actividade com particulares responsabilidades junto da sociedade, é
absolutamente desejável que passos maiores e mais concretos sejam dados no sentido
de garantir que quem fiscaliza as instituições também se fiscaliza e compromete.
Conforme aqui foi referido, esta necessidade de comprometer os Media com
a RSE resulta, no essencial de:
• A maioria das empresas de Media são, também elas, organizações com
objectivos e metas económicas e financeiras a cumprir, e não podem
alhear-se das inerentes pressões e expectativas no sentido do lucros e
resultados;
• Os Media, embora divulgando as más práticas de negócio e os impactos ambientais negativos de outras empresas, devem garantir que
as suas próprias práticas são as correctas;
• Para combaterem o declínio das audiências, os Media devem
assegurar a sua credibilidade perante a sociedade;
• O poder específico dos Media coloca-lhes uma maior responsabilidade em operarem segundo princípios éticos, legais e de
decência;
• A grande concentração do sector põe em causa o necessário
pluralismo caso não existam políticas efectivas que defendam, entre
outros, o pluralismo, a independência /isenção ou os direitos dos
trabalhadores;
• As relações de proximidade com o poder político e, em alguns casos,
de interdependência, são um aspecto claramente prejudicial para a
natureza do sector.
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Do exposto resulta que, em termos gerais, são necessárias muitas alterações
no actual status quo para que as práticas de RSE nos Media sejam uma realidade
corrente nos Media. Obviamente que cada caso é um caso, mas para que sejam dados
passos no sentido correcto, algumas recomendações podem ser feitas:
• Medir e incorporar na gestão os impactos directos e indirectos da
actividade;
• Estabelecer compromissos éticos, sociais/culturais e ambientais para
com a sociedade em geral e os accionistas em particular, sendo que
os mesmo devem surgir do topo e ser amplamente difundidos e
percepcionados por todas as estruturas da empresa;
• Criar instrumentos de avaliação sobre a implementação das práticas
de RSE e indicadores susceptíveis de serem medidos;
• Fomentar um maior relacionamento com os agentes, através, por
exemplo, da criação de um Conselho dos accionistas ou de uma carta
relativa ao papel e direitos destes;
• Fomentar a transparência das relações com o poder político;
• Aumentar a quantidade e qualidade da formação proporcionada aos
seus trabalhadores, bem como as suas condições de trabalho,
desenvolvimento profissional e remuneração;
• Maior compromisso com a identificação e resolução dos problemas
sociais, culturais e ambientais da sociedade;
• Envolver, de forma regular, a cúpula da gestão e os membros do
conselho de administração no processo da definição e acção das
práticas de RSE;
• Identificação da questões mais prementes do sector e hierarquização
de soluções;
• Desenvolvimento de uma cultura empresarial assente, também, em
pressupostos socialmente responsáveis partilhada por todas as
estruturas do grupo, engajada com o compromisso de produção de
resultados, e integrada na existentes culturas corporativas.
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Estas são apenas algumas orientações, sendo que, cada organização deverá
definir o que é que a RSE significa para si e para as suas operações. No entanto, há algo
que não poderá acontecer – os Media não podem ignorar as suas responsabilidades e,
para o futuro, o caminho terá que ser necessariamente o de um maior compromisso
com a sua própria Responsabilidade Social.
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Capítulo 4: Boas e Más Práticas Jornalísticas
– o Caso do Porto
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO MERCADO MEDIÁTICO NO PORTO
Joana Duarte*
4.1.1 Informação geral sobre os media na região do Porto
O distrito do Porto é dos mais ricos ao nível de títulos de imprensa regional,
o que contrasta com a falta de capacidade financeira destas empresas. Já ao nível da
imprensa nacional (com cadernos locais), este segmento está nas mãos de três grupos
económicos que controlam os fluxos de informação nacional, sendo as temáticas locais
colocadas em segundo plano. Temos presente neste conceito o critério de
proximidade. Muito raramente, à excepção do Jornal de Notícias, integrado num grupo
económico nacional (Controlinveste Media) com sede no Porto, as temáticas
relacionadas com o distrito fazem manchetes de primeira página. Mormente, quando
tal sucede, estas relacionam-se com temáticas tendencialmente desfavoráveis ao Porto
(cidade e organismos), nomeadamente à figura do presidente e executivo da Câmara
Municipal do Porto. O Primeiro de Janeiro é o último reduto da imprensa regional
sediado na cidade do Porto. Com a extinção do Comércio do Porto no ano transacto
(2005), cabe agora a este diário o lugar de jornal secular da imprensa da invicta, «Sob
o lema de informar de forma isenta e pluralista do Porto para o país» (Pais, Joana;
Portugal Media in “Media XXI”, Setembro – Outubro 2003, nº 72), o jornal regional
pode ser encontrado a nível nacional. Contudo, as dificuldades em adquiri-lo são tanto
maiores quanto mais nos deslocamos para sul. Não obstante, a primazia dada à
informação com origem no Porto e concelhos do norte do país, o jornal não descura
as temáticas nacionais e internacionais.
Já ao nível da Rádio, o Porto também lidera ao nível de oferta de rádios locais.
Projectos, a maioria com início nos anos 90, que apostam numa informação própria,
mais ou menos intensiva, mas que contribui para a “Voz do Norte” no éter.
* Licenciada em Jornalismo pela Escola Superior de Jornalismo do Porto, Investigadora e Pós-Graduada em
Direito da Comunicação pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
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No audiovisual, e nos quatro canais de sinal aberto, é a RTP a estação com
maiores infra-estruturas e maior número de trabalhadores a produzir a partir da
delegação do Porto. O estúdio do Monte da Virgem é também ponto de emissão do
“Jornal da Tarde”, informação e programas de entretenimento matinal e vespertino.
Foi em 2001 que arrancaram os projectos por cabo que trouxeram uma nova voz e
imagem ao norte. Inicialmente a NTV, absorvida em 2003 pela PT Multimédia, foi
relançada em 2003 pela RTPN (canal do universo RTP), produzindo e emitindo a
partir do Norte. Já em 2006 a Invicta TV emitida através da TVTel vem relançar a
imagem do norte num canal por cabo e a TV cabo retoma o conceito da NTV, desta
feita com a Porto Canal. Estes últimos têm por base a ideia de conferir ao canal uma
identidade regional.Tal como afiançou o administrador da Invicta TV,Vítor Fernandes
(Jornal de Notícias, 19 Abril 2006), o canal informativo dedicado ao Grande Porto
manterá três blocos informativos do “Jornal do Grande Porto” actualizados. Posição
reiterada pelo director do Porto Canal, Bruno Carvalho, ao Primeiro de Janeiro de 29
de Maio de 2006: «Com o objectivo de manter uma identidade regional, capaz de dar
visibilidade a pessoas que normalmente não a têm nos restantes meios de
comunicação». A oferta tende a crescer, contudo, ainda muito distante da vizinha
Espanha onde os canais regionais estão disseminados há largos anos pelas províncias,
com índices de audiência que comprovam o sucesso e sustentabilidade dos projectos.
Os quadros subsequentes remetem para a análise do ano transacto das
publicações, jornais diários e semanários, regionais e nacionais com circulação no
distrito do Porto. Além dos jornais foram tidas em conta publicações, revistas, com
carácter de informação generalista, tais como a Visão, a Focus e a Sábado. Não foram
consideradas as publicações especializadas. O Primeiro de Janeiro não é alvo desta análise
por não ser auditado pela Associação Portuguesa de Controlo de Tiragem. Quanto aos
periódicos em análise neste estudo, verificamos que o Jornal de Notícias encontra a
circulação maioritária no distrito do Porto, com 61,31% do total de cobertura
nacional e estrangeira. Já o Público atinge 22,04% de circulação no distrito em análise.
(Quadro 4.1)
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Quadro 4.1: Oferta de Imprensa no Distrito do Porto (2005)
Publicação
Editor
Periodicidade
Tiragem
(Média
Mensal)
Circulação
Total (Média
Mensal)
Circulação
Total no Dist.
Porto (%)
24 Horas
Global Notícias- Publicações SA
Diário
82221,667
51181
12,85
A Voz de Trás-os-Montes
Edições de Jornais, SA
Semanal
6842,25
6340
4,11
Barcelos Popular
Milho Rei
Semanal
7235,25
8267
0,49
Correio da
Manhã
Presslivre Imprensa Livre, SA
Diário
148566,08
118254
1,21
Diário
9525,8333
7087
0,12
Diário As Beiras Beirastexto, Sociedade Editora, SA
Diário de
Coimbra
A Tipográfica das Beiras; Lda
Diário
11365,333
8314
0,2
Diário de
Notícias
Global Notícias- Publicações SA
Diário
58192,917
37992
4,27
Diário
Económico
S.T. & S.F. - Sociedade de
Publicações, Ldª.
Diário
21235,917
13557
11,29
Expresso
Sojornal-Sociedade Jornalística e
Editorial, S.A.
Semanal
152641,67
128168
12,5
Focus
Impala-Editores, S.A.
Semanal
33662,667
22500
9,64
Jornal de
Negócios
Canal de Negócios - Edição de
Publicações, Ldª
Diário
17489,417
8890
14,96
Jornal de
Notícias
Global Notícias- Publicações SA
Diário
130921,5
98637
61,31
Jornal Destak
Metro News Publicações, Ldª
Diário
118802,92
118603
19,82
Semanal
9050
8584
1,06
Jornal Soberania Soberania do Povo Editora, S.A.
do Povo
Metro Portugal
Transjornal - Edição de
Publicações, S.A.
Diário
121134,17
121134
12,73
O Crime
Edições V. L. , Ldª
Semanal
33194,833
15369
13,83
Semanal
24729,167
19267
10,55
O Independente Independente Global - Edição de
Publicações Periódicas, S.A.
O Jogo
Jornalinveste - Comunicação,
S.A.
Diário
79464,333
44878
48,18
Público
Público - Comunicação Social,
S.A.
Diário
68281,833
50701
22,04
Record
Edisport - Sociedade de
Publicações Desportivas, S.A.
Diário
132863,75
86964
8,19
Sábado
Presselivre - Imprensa Livre, S.A.
Semanal
75977,083
50918
11,86
Semanário
Económico
S.T. & S.F. - Sociedade de
Publicações, Ldª
Semanal
19527,75
12170
16,03
Tal e Qual
Global Notícias - Publicações, S.A.
Semanal
35522,083
17394
11,02
Visão
Edimpresa - Editora, Ldª.
Semanal
124673,33
99638
12,24
Fonte: APCT
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Se a leitura de jornais e revistas tem assistido a um fenómeno de quebra de
índices de leitura, à excepção dos diários gratuitos, fenómeno inverso é o que
acontece ao nível das audiências televisivas. Segundo estudos da MarktestMediamonitor (gráficos 4.3 e 4.4), a região do Grande Porto conquistou os maiores
consumidores de televisão no primeiro trimestre de 2006, com 5,4% do universo
analisado correspondendo a 3 horas 47 minutos e 49 segundos. A média de cada
português é de 3 horas, 36 minutos e 7 segundos.
Quadro 4.2: Audiências Televisivas no Grande Porto
Tipologia
Consumos/Período de Tempo
Classe Social Baixa
24,4 %
Mulheres
4 horas
Mais de 65 anos
5 horas
Classe Social Alta e Média Alta (25 aos 34 anos)
7,8% e 7,4% respectivamente
Fonte: Jornal de Notícias, 20 de Abril 2006
Verificamos pela análise dos dados constantes no quadro 4.2. a importância
que assume a classe etária acima dos 65 nas audiências televisivas no Grande Porto.
Com um valor médio de 5 horas por dia, esta faixa ultrapassa largamente a média
nacional de visionamento televisivo que se situa nas 3horas, 36 minutos e 7 segundos.
Quadro 4.3: Perfil das Estações Televisivas – 1º Trimestre 2006
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II– Região Grande Porto
Fonte: Marktest Audiometria12
No 1º trimestre de 2006, a audiência no Grande Porto repartiu-se quase
equatitivamente pelos quatro canais de sinal aberto. A preferência recai na RTP1, com
12,7%.Também a nível nacional se manifestou a tendência superior de visionamento
da RTP1 na faixa etária dos 65/74.
Quadro 4.4: Análise de Audiência Média de Rádio
4º Trimestre de 2005 - Gr. Lisboa e Gr. Porto
Fonte: Marktest Audiometria
12 Share de Audiência por Região
No Share por regiões, a TVI liderou em todas as regiões e apresenta o seu maior valor no Litoral Centro,
com 39,0%.A SIC apresenta o seu valor mais alto 33.0% no Litoral Norte.A RTP1 registou o seu melhor
share no Grande Porto 33.3%.A 2: registou o seu melhor share no Litoral Norte com 6.4%.
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No tocante às rádios regista-se uma subida generalizada da Media Capital
contraposta a uma descida das estações do grupo Renascença. A Rádio Comercial subiu
de 6,3% para 7,8% entre o último trimestre de 2005 e o primeiro de 2006. A Rádio
Cidade foi a única do grupo Media Capital a sofrer uma queda de 5,5 para 4,7 %. Já a
TSF tem vindo a protagonizar quedas subsequentes, com índices de 4,7% neste
primeiro trimestre baixou 1,2% quando nos remetemos a período homólogo em
2005 (5,9%).
Quadro 4.5: Perfil de Cobertura por Meio
Fonte: Marktest Audiometria
Para a análise do Perfil e Cobertura por Meio foram utilizados dois universos:
um para Televisão constituído por 9.459.180 indivíduos com mais de 4 anos; e o outro
para os restantes meios constituído por 8.311.000 indivíduos com mais de 15 anos. A
recolha e produção dos dados realiza-se de forma distinta consoante o meio, pelo que
procuramos homogeneizar o período de análise da seguinte forma:
— Televisão – 4º trimestre de 2005 (1 de Outubro a 31 de
Dezembro)
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— Rádio – 4º trimestre de 2005 (1 de Outubro a 31 de Dezembro
e 1 de Janeiro 06 a 15 de Janeiro 06)
— Imprensa - 3º Vaga de 2005 (15 de Setembro 05 a 15 de Janeiro 06)
— Internet – 2004
— Cinema – Consumidor 2005
— Multibanco - 3º Vaga de 2005 (15 de Setembro 05 a 15 de Janeiro 06)
Relativamente à inserção de publicidade e com base em estudo da Marktest,
os quatro canais generalistas portugueses (em sinal aberto) transmitiram 1320 horas
de publicidade comercial nos três primeiros meses do ano, o que equivale a 172 529
peças publicitárias. Isto equivale a uma inserção diária média de 1 972 anúncios.
Quadro 4.6: Investimento Publicitário
Fonte: Mediamonitor / Marktest Audiometria 13
13 Análise de Share
O Índice permite-nos observar a relação existente entre o Share de Audiência e o Share de Investimento. Quanto
mais próximo de 100, maior o equilibrio entre shares. A TVI e a SIC têm um índice de 76, logo conseguem captar mais investimento por cada ponto percentual de audiência.
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4.1.2 Entre o negócio e as práticas jornalísticas
Na conjuntura mediática actual e tendo por base uma análise de conteúdo
sobre as representações da Câmara Municipal do Porto e do seu líder nos meios de
comunicação (descrita mais detalhadamente no ponto 4.4), especialmente nos jornais
com impacto significativo na Cidade do Porto, como são os casos do Público, Jornal de
Notícias e Primeiro de Janeiro, tem-se destacado o primado de peças desfavoráveis a essa
instituição municipal e a Rui Rio. Contudo, esta tendência é manifestamente
evidenciada no Jornal de Notícias e Público, enquanto o Primeiro de Janeiro faz uma
cobertura mais equitativa das temáticas, de teor positivo, negativo ou neutral.
As medidas de Rui Rio – apoiadas por uns e consideradas impopulares por
outros - tem gerado na imprensa nacional um jogo de interesses entre o poder político
e o poder mediático.
A imprensa nacional representada nesta análise (Jornal de Notícias e Público),
inserida em grupos económicos com grande poder de mercado, tem a obrigação de
contribuir para a informação e formação dos seus leitores, como iremos demonstrar
mais à frente. Contudo, por vezes, e de forma hábil, conduzem-nos pelas palavras dos
produtores de conteúdos (jornalistas). Estes ordenam, categorizam e teatralizam, por
palavras e omissões, acções dos protagonistas da vida política trazendo-as ao público já
condicionadas por juízos de valores impressos na arte da escrita e imagem que estes
são conhecedores. Cabe ao leitor a tarefa de descodificar códigos, nem sempre
partilhados por estes e que os condicionam na interpretação dos factos.
À sombra dos contributos da imprensa livre é pertinente colocar a questão: A
quem pertence a informação? Soria (1989: 165), remetendo-nos para a realidade
espanhola, sustenta «a procura de uma resposta a esta pergunta é a história da
informação - mas também é o presente e o futuro.A informação foi primeiro do poder
real; depois da empresa informativa; mais tarde dos jornalistas e agora do público».
A imprensa, que tanto difunde as notícias através de um jornal ou de uma
revista, só faz sentido quando trabalha em função do serviço que deve ao leitor. Se o
poder de informar se situar num único núcleo - estatal, sindical, económico,
ideológico - não comporta garantias para uma informação aberta.
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Desantes (1973: 166) afirma que «o direito à notícia opõe-se à falta de
verdade intencionada, ao silêncio e ao segredo, com excepção do segredo oficial e
profissional. O poder de informar, finalidade comum a todas as empresas de
informação, que se legitima em regime de mercado livre, concorre com outros
poderes informativos, igualmente legítimos, deve tendencialmente perder o sentido
perjorativo, para converter-se na função pública de informar aos leitores que são os
proprietários e destinatários últimos da informação».
O postulado da independência empresarial, no âmbito das notícias e opiniões,
relaciona-se com a atitude do profissional da informação, considerado como
mediador. Desta forma a objectividade da mensagem informativa é um elemento
imprescindível. Os determinismos das audiências são actualmente uma poderosa
ferramenta na análise dos media, sejam estas ao nível dos audiovisuais, onde a
expressão é mais significativa, mas também ao nível da Imprensa, onde a
representatividade ao nível das tiragens e número de vendas geográfica é decisivo.
A informação vive de audiências, isto é, deixa de fazer sentido e é ociosa sem
audiências. Sem audiência, a informação morre. Mas também deixa de ter sentido e é
ociosa a informação para as audiências. E regressa o paradoxo: por causa das
audiências, morre a informação (Mascarenhas, 2000).
O grande público surge assim como o mote que justifica as opções em termos
de actividade televisiva, justificando a imagem que os diferentes canais assumem. Mas
o que se entende por grande público? Para Michel Souchon (1990) existe um público
televisivo global, uma vez que todos os telespectadores vêm um pouco de tudo,
mesmo aquilo que à partida não pareça adequado às suas características sociográficas.
Porém, mesmo que diminutas, as diferenças existem, e observa-se que determinadas
camadas da população televisiva têm tendência a aderir mais ou menos a diferentes
tipos de emissões, e que a diferentes períodos horários corresponde um público
distinto, influenciando a escolha dos programas por parte das emissoras.
Para Dominique Wolton (1995), conhecer esse público complexo e
misterioso surge como uma preocupante inquietação. Nunca se sabe verdadeiramente
quem está do outro lado do ecrã e porquê. Se existem estudos que permitem “medir”
a quantidade de espectadores que assistiram a um certo programa, dificilmente se
saberá quem são eles e mais difícil ainda é saber porque o fizeram, uma vez que não
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existem instrumentos que permitam antecipar conjuntamente, o volume, qualidade,
composição e comportamento desse público.
Wolton (1995) adianta que com a multiplicação de canais (públicos e
privados), o primado da sondagem quantitativa impõe-se, pois, importa saber quem
está à frente dos televisores, quando e quanto tempo. Torna-se uma obsessão
compreender a recepção dos media, avaliar o comportamento da imensa massa
invisível, que não se manifesta através da compra de bilhetes, como no cinema, nem
no volume de tiragens, como na imprensa.
Os Cultural Studies, um conjunto de estudos heterogéneos, iniciados na Grã-Bretanha nos anos 50-60, vão propor novas leituras sobre o impacto dos Media na
sociedade e centralizar, principalmente a partir da década de 80, as suas investigações nas
audiências, indo de encontro às teorias ora defendidas pelo funcionalismo americano dominante na Communication Research e mais próximo dos efeitos limitados - e a
Teoria Crítica, herdeira em muitos aspectos da Escola de Frankfurt, sempre próxima da
concepção dos efeitos todo poderosos. Refere-se como marco destas investigações
(Cultural Studies) o modelo de Stuart Hall, proposto no artigo Encoding and Decoding
Television Discourse, em 1973, que procura explicar o processo de codificação e
descodificação das mensagens e negar a participação passiva das audiências na recepção.
Se o objectivo deste modelo era, sobretudo, demonstrar o poder ideológico das
mensagens (a hegemonia dos discursos dominantes), principalmente na televisão, a sua
principal contribuição para a análise da recepção foi decisiva ao enunciar três atitudes
fundamentais dos receptores frente à recepção das mensagens: uma atitude de aceitação
e conformidade, demonstrando a adesão à mensagem dominante, uma atitude
oposicional correspondente a uma rejeição, uma atitude negociada, manifestação de um
tratamento particular e individual dos sentidos codificados nas mensagens.
Victória Camps (2004) não partilha dessa opinião, aliás, faz uma analogia
entre o produto jornalístico como um alvo facilmente vendável em função
da.audiência não ser rebelde, mas submissa e dócil, limitando-se a escutar, a ver ou a
ler o que se lhe põe à frente. No entanto, também é livre para se servir do fenómeno
zapping para mudar de canal ou de emissora. Neste sentido, a autora considera que a
audiência pode ser passiva, mas também é poderosa, dado que a sua resposta e
reacções não passam despercebidas. Desta forma audiência prescreve o que deve ser
feito pelos media, perdendo valor tudo aquilo que não for capaz de manter e fixar a
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audiência, uma vez que esta é considerada uma importante medida de valor. As
maiores limitações de qualquer emissora estão, deste modo, associadas a um sistema
económico cujas regras não conhecem outro valor nem outra finalidade senão o lucro,
no qual os meios de comunicação são mercadorias que se têm de fazer consumir
Assistimos, por isso, a esta viscosa interpenetração do jornalismo com a
publicidade e a promoção, quando as edições on-line de jornais já não servem só para
dar notícias mas essencialmente para dar meias-notícias e mandar o público comprar
a edição em papel; ou quando as transmissões de espectáculos desportivos, nas
televisões - feitas ao abrigo do direito à informação - deixam de apresentar o oráculo
com o tempo e resultado, para - imaginem! - fidelizar os telespectadores, impedindo-os de mudar de canal, à espera de saberem quantos há! Fidelizar - ouçam bem! - é a
palavra usada por jornalistas para justificar uma infidelidade ao seu dever de informar!
Escravizar - é o que é. Agrilhoar, manietar, prender. Tudo menos fidelizar. A
informação fideliza pela sua qualidade e transparência, não por truques de
prestidigitador de feira (Mascarenhas, 2000).
Os estudos relativos às audiências têm sofrido, nos últimos tempos, em
Portugal, um crescimento e importância acentuada, quer devido ao desenvolvimento
do sector, quer pela situação concorrencial que se gerou, quer ainda porque a
distribuição da publicidade pelos media é também, e sobretudo, em função da
audiência, logo, tornou-se num dos principais factores de distribuição de riqueza pelos
órgãos de comunicação social portuguesa.
A liberalização do espaço mediático e a comercialização da televisão
contribuíram para debilitar as tradicionais concepções sobre os media e sobre as suas
funções, traduzindo-se em transformações significativas no âmbito da publicidade, no
financiamento do sector e na imposição na lógica de uma maior audiência. Segundo
Nelson Traquina (2002) «a dependência da publicidade geralmente significa uma
procura frenética de fórmulas de maximização de audiências».
Em síntese, podemos afirmar que a “construção” do espaço mediático tem que
ter sempre em conta os gostos da audiência, na medida em que, em ultima análise, é
esta que promove o sucesso ou o fracasso de uma estação televisiva. Seduzir o público
é a palavra - chave, daí o valor da persuasão quer ao nível da informação, quer ao nível
do entretenimento. Só mediante a conquista de um leque cada vez mais vasto de
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audiência se consegue obter contratos publicitários, que são no fundo a sua principal
fonte de receitas.
É pertinente colocar algumas questões sobre a ética e responsabilidade social
dos media que servem de base a este trabalho. A procura de respostas a algumas
questões relacionadas com a ética e a responsabilidade social dos media é um dos
desafios que nos propomos desenvolver nas partes seguintes deste capítulo, tendo por
base uma análise sobre as representações da CMP na imprensa, nomeadamente no
Jornal de Notícias, Público e Primeiro de Janeiro.
4.2 RELAÇÕES ENTRE A IMPRENSA E A POLÍTICA
4.2.1 O caso da CMP: entrevistas a Rui Rio
A conjuntura mediático-política dominante no Porto espelha uma realidade
indubitavelmente marcada por constrangimentos, assente numa postura de “costas voltadas”
entre a autarquia e os principais diários com maior peso na cidade do Porto, conforme se
pode concluir nas afirmações feitas por este autarca às revistas a seguir referidas:
Revista Visão
«Disse ao Primeiro de Janeiro que a sua maior ruptura foi com a Comunicação Social e
não com o futebol. Quem ganhou?
Não se trata de ganhar ou perder. A forma como a Comunicação Social exerce a sua função é um dos
maiores problemas do regime. Se nada fizesse contra isso ficava de mal comigo. Não me armo em herói
solitário no campo de batalha. Quero apenas fazer um caminho, mostrando ao País, por actos e palavras,
que não cedo a determinadas coisas.
Como é que essa sua batalha começou?
Começa quando, como deputado, me apercebo da forma deturpada como a realidade do Parlamento é vista
do lado de fora. E os efeitos que isso tem na democracia e na sociedade. De uma forma geral, o deputado
é visto, hoje, como alguém abaixo de zero, desqualificado e que só pensa nas suas regalias.A Comunicação
Social ajudou a criar essa imagem. Mas isso é mentira. Ou era, pelo menos. E olhe que eu até tinha boa
Imprensa, como se diz.
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E no Porto, tem má Imprensa?
Tenho, tenho. É notório».
(Carvalho, Miguel, Excerto de Entrevista de Rui Rio dada àVisão 18 de Agosto de 2005)
Jornal Correio Da Manhã
«E porque é tão crítico da Comunicação Social (CS)?
O principal problema do País é político.A democracia não convive com falta de autoridade.O principal problema
do regime nem é a crise económica. Para mim isso é claro.Tudo começa com o inequívoco enfraquecimento do
poder político. A CS tem aqui uma responsabilidade gigantesca, porque na lógica do seu funcionamento e no
quadro de impunidade em que actua, enfraquece o regime e tenta formatar a opinião pública à luz dos seus
interesses. E o primeiro deles é o lucro. Mas não pode ser à custa da violação dos legítimos direitos das pessoas e
de descredibilizar a democracia.Veja o que acontece com a promiscuidade entre sectores da Justiça e a CS. Em
termos democráticos é, no mínimo, miserável. Em alguns casos nem no Estado Novo se assistiu a isto.
Como se resolve isso?
Tem de ser o poder político a resolver. Pelo menos, PS, PSD e PP deviam entender-se nas questões de regime. Se
não o fizerem rapidamente a tendência será para a ingovernabilidade. O verdadeiro problema é que o poder
político tem-se vindo a enfraquecer gradualmente. Democracia não pode significar falta de autoridade.
Há alguma hipersensibilidade pessoal nisto, reconhece...
Se há, não é de agora... Iniciei a actividade política muito antes do 25 de Abril e o que me moveu foram
os valores fundamentais, a democracia, a liberdade; nem foi a economia. Por isso, sempre estive desperto
para os direitos das pessoas. E também não embarco no contrário; fraquejar e ter medo que a liberdade
acabe se se mexer em alguns tabus do tempo do PREC.É exactamente o contrário.A democracia não convive
com falta de autoridade, repito.
A CM Porto é caso único de política de informação: painéis electrónicos, boletim, o ‘site’
da internet que é o braço-armado...
A Câmara tem a obrigação de informar os munícipes. Se sinto que os media estão a dar informação
distorcida, tenho o dever de esclarecer.
Mas o ‘site’ da Câmara citar “fonte próxima do director do JN”...
Teve isso e sob a minha responsabilidade. E o que pretendemos foi mostrar o ridículo, que é justamente o
que o ‘JN’ faz comigo. Pelos vistos funcionou. Parece que se está a perceber esse ridículo.
Isso veio a público a propósito do caso do ‘Apito’ que envolveu o seu chefe de gabinete.
Sempre está arquivado?
Ele tem uma notificação a dizer que foi arquivado.E parece que afinal foi o Ministério Público que se enganou
nas medições. E tenho de prestar homenagem à oposição, que não utilizou isso para baixa política».
(Excerto da Entrevista a Rui Rio, O mal do País é o poder político fraco, Manuel
Queiroz, in Correio da Manhã de 4 de Junho 2006)
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Com efeito, através da análise destas entrevistas referentes ao posicionamento
do autarca do Porto é visível um forte descontentamento deste face à forma como os
meios de comunicação social têm abordado os assuntos relacionados com instituição
que lidera dando exemplo concreto de práticas jornalísticas que considera não ter
outro fim senão o de tentar denegrir a sua imagem política e pessoal.
As três prioridades que contemplou no seu programa eleitoral quando se
candidata pela primeira vez à Câmara do Porto (2001) são reiterados neste último
mandato, por serem consideradas questões estruturais, prendem-se com: a coesão
social, o urbanismo e reabilitação social e a mobilidade. E tem sido, precisamente,
nestes pontos que a comunicação social vem incidindo, nas avaliações da acção do
executivo que lidera e sobre as quais o autarca se insurge continuamente.
A solução apresentada para o terminus ou o minimizar desta situação passaria
por uma responsabilização maior dos orgãos de comunicação social, garantida através
do funcionamento consentâneo do poder judicial, em virtude de uma normalização
democrática e da sustentabilidade dos projectos da imprensa livre. Princípios
advogados pelo autarca, de forma mais acérrima, ao longo do último mandato iniciado
em Outubro 2005.
Estes princípios têm estado no centro do debate mediático actual, fruto do
crescente número de queixas das personalidades políticas, entre as quais destacamos o
recente episódio protagonizado por Manuel Maria Carrilho. Após o lançamento do
livro Sob o Signo da Verdade, o candidato à Câmara de Lisboa pelo partido socialista às
últimas autárquicas (Outubro 2005) responsabiliza os media e as agências de
comunicação pela sua derrota.
Carrilho (2005: 44) destaca «num país em que a justiça não funciona, o de
uma quase total irresponsabilidade. Infelizmente, e com raras excepções, este tem sido
um dos traços que mais se têm acentuado nos últimos anos e que hoje mais degrada a
democracia portuguesa. A proletarização da classe e a sua mercantlização são, por um
lado, factores que hoje dificultam seriamente qualquer esforço no sentido de uma
efectiva qualificação do jornalismo».
O paralelismo obtido pelas reacções à Comunicação Social entre Rui Rio e
Manuel Maria Carrilho cinge-se à solução evidenciada por um jornalismo induzido
como contra-poder.Tendo por base a análise subsequente, poderemos entender que a
exposição de ambos os políticos é dispar e o resultado das autárquicas de 2005
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desmente o que ora é visto pelo candidato a Lisboa como a condição sine qua non para
a sua derrota.
Tal como foi evidenciado por Ricardo Costa (director de informação da SIC)
no debate Prós-Contras da RTP a 22 Maio acerca do Jornalismo e Democracia, que
teve por base o recente livro de Carrilho, a pretensa manipulação de que terá sido alvo
por parte dos media não justifica a sua derrota. O jornalista destaca o autarca do Porto
como um exemplo de um vencedor das autárquicas, com maioria absoluta, que tem
travado com os media um confronto de conhecimento público. Este comentário de
Ricardo Costa (neste programa televisivo) vem evidenciar, por si só, também a
percepção já existente em muitos jornalistas e líderes de opinião a ideia de que a
imprensa no Porto tem vindo a ter uma atitude permanentemente crítica com o
Presidente da CMP.
As preocupações de Rui Rio face aos media têm sido tornadas públicas através
do site oficial da Câmara (www.cm-porto.pt), onde contrapõe argumentos e apresenta
dados, nomeadamente com o Jornal de Notícias, e enuncia aquilo que considera ser mau
jornalismo. Em todas as temáticas abordadas pelo autarca têm sido apresentados
exemplos do que considera abuso de poder e manipulação da informação.
Se o direito de resposta, provedor dos leitores, entre outros mecanismos de
defesa do consumidor enquanto parte lesada pela matéria noticiosa, é considerado
pelos directores dos media como uma forma de defesa, Rui Rio tem manifestado a sua
preocupação quanto à ineficácia dos mesmos.
Isto acontece porque o Direito de Resposta que deveria ter o mesmo
destaque (localização e mancha gráfica) dado às notícias que lhe deram origem, são na
maioria das vezes relegados para um segundo ou terceiro plano, não obtendo a
evidência necessária à assumpção da absolvição da imprensa.
4.2.2 Reservas da autarquia face ao comportamento da imprensa
Se já no primeiro mandato Rui Rio havia estabelecido algum distanciamento
relativamente aos OCS, é no início do segundo mandato que o autarca define regras
mais formalizadas no relacionamento com os media. Esta atitude, adoptada por vários
líderes de organizações estrangeiras, inclusivamente por presidentes de câmaras
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municipais de outros países, despoletou da parte dos media, nomeadamente da
Imprensa, alvo primeiro desta contenda, reacções de reprovação.
A “guerra de poder” instalou-se definitivamente no Porto, quando após uma
entrevista concedida pelo autarca ao Jornal de Notícias, publicada a 30 de Outubro de
2005, Rui Rio emite um comunicado, no qual são postuladas as Linhas de Orientação nas
Relações da Câmara do Porto com a Imprensa (Anexo 2). Em face deste Comunicado foram
estipuladas pelo Executivo as seguintes regras:
a) Restringir o seu relacionamento com os media exclusivamente às matérias de
inegável interesse público, e evitar todas as que visem objectivos de interesse
privado, corporativo ou editorial, designadamente as que procurem a
especulação.
b) Fazer depender qualquer declaração para a comunicação social sobre matérias
do Executivo, de prévio contacto do jornalista com o Gabinete de
Comunicação da Câmara, a quem compete coordenar e executar todas as
acções de comunicação com o exterior, seja do Presidente ou dos Vereadores.
c) Acordar com a imprensa apenas entrevistas por escrito, mediante critérios de
oportunidade, com regras previamente definidas, evitando ou minimizando
assim interpretações especulativas, ou a pura manipulação das respostas. É
bom recordar que os entrevistadores são os donos das perguntas, os
entrevistados os donos das respostas.
d) O Gabinete de Comunicação da Câmara recorrerá preferencialmente, à
mensagem escrita,através da publicação no site oficial da Câmara e de difusão
pelos media.
A ofensiva do Jornal de Notícias e a contra-ofensiva de Rui Rio são os dois
marcos de um processo sem fim à vista nas relações da Câmara com a Imprensa, onde
se esgrimem argumentos e se degladiam protagonistas, numa luta sem tréguas.
Nas sociedades contemporâneas, o conhecimento constitui por si só um factor
de hierarquização social, pelo que o poder de informar representa um grande poder.
Os jornalistas e as suas fontes contribuem de forma contundente para articular e
definir os contornos desta sociedade da informação e do conhecimento.
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Resta, portanto, saber até que ponto essa transferência de conhecimento
contribui para a informação ou desinformação do público. Os processos de selecção e a
intervenção mais ou menos activa na produção jornalística condiciona a opinião pública.
A mediatização política constitui um pilar desta sociedade criada à luz da agenda
dos media, o que proporciona a existência de um “jogo mediático” entre quem ganha e
quem perde, que gera muitas vezes o chamado efeito “bola de neve”. «Os sistemas
políticos estão mergulhados numa crise estrutural de legitimidade, periodicamente
arrasados por escândalos, com dependência total de cobertura dos media e de liderança
personalizada e cada vez mais isolados dos cidadãos» (Castells, 1999).
Neste enquadramento situamos a análise subsequente na qual as práticas
jornalísticas adquirem contornos positivos/negativos/neutrais.
4.2.3 A objectividade e a imparcialidade nos media
Com o surgimento da imprensa, a disseminação de ideias sempre esteve
ligada à delegação de poder na sociedade. À medida que a técnica dos meios de
comunicação vai evoluindo, aumenta o interesse dos executivos e de numerosos
partidos políticos e movimentos sociais em recorrer a esses novos meios de difusão
como canais para disseminar as suas próprias ideias.
Os meios de comunicação tornaram-se, ao longo do século XX, sobretudo,
elementos indispensáveis da estruturação social e política dos povos, funcionando até
mesmo como extensão dos homens (ao estilo McLuhan14) ou suporte para a
inteligência colectiva.
No final do século XX esta ideia é cada vez mais esbatida pela sobreposição
das questões económicas à evolução tecnológica. «Os direitos não nascem todos de
uma vez (...), nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que
acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do
homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade
do indivíduo, ou permite novos remédios para suas indigências: ameaças que são
enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são
14 Marshall MacLuhan desenvolveu o conceito de que os meios de comunicação são extensões do corpo humano
na sua obra Urderstanding Media, Mc Graw-Hill, 1ª edição, 1965. Para o autor, os novos meios não são extensões do olho ou dos ouvidos, mas do sistema nervoso central. Ao prolongar o sistema nervoso central num
abraço global, o globo tranformava-se numa aldeia.
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providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo
protector» (Bobbio, 1992).
A sociedade está a pôr em causa aquele órgão que é seu parceiro e cúmplice no
processo de transformação da sociedade: a imprensa. As lutas pela democratização, pelas
almejadas garantias do cidadão e da sociedade passam pelo fluxo de informações. É o
homem de imprensa o responsável por esse papel. Nenhum governante, nenhum homem
público, que se preste a administrar os caminhos de uma nação, de um povo, jamais o fará,
dentro daquilo que se entende pela ética na sociedade, sem o auxílio do fluxo de
informações.A imprensa, enquanto instituição, tende a executar isso de forma objectiva.
Todavia, a informação é uma “arma”, usada pelas instituições, quaisquer que sejam
seus objectivos. Uma notícia mata, de verdade. Colocada no lugar que se deseja leva a uma
alteração e “aniquila”, senão o cidadão, pelo menos a instituição-objectivo. Os exemplos
são variados, contudo, nem sempre o leitor é respeitado nos seus direitos de cidadania.
Fernando Correia (2000) salienta que «os media e o jornalismo produzem
mensagens (no terreno da informação, mas também do entretenimento, da
publicidade, etc.) detentoras de um determinado sentido, qualquer que ele seja.
Mesmo que aparentemente não tenha nenhum». Não sejamos ingénuos ao ponto de
remeter os media para o domínio da imparcialidade total; alegar-se esta imparcialidade
é utópico e irreal, uma vez que todos temos opinião, mesmo aqueles que não se
expressam. Por tudo isso, iremos, inevitavelmente, cair no campo académico,
cuidando da formação desse profissional, jornalista, e conduzi-lo ao uso da informação
como instrumento de transformação da sociedade enquanto colectivo composto por
figuras públicas e anónimas, e nunca de destruição.
Fernando Correia (2000) adianta que os media enquanto agentes de mudança
constituem uma poderosa máquina no condicionamento global das opiniões dos
comportamentos e dos valores. A mediatização é um dado irreversível na esfera
política dominante na sociedade de informação e do conhecimento. Fruto de um
conflito de interesses, nem sempre pacífico e sujeito a avanços e recuos, a política
serve-se dos media para projectar a sua acção, contudo, estes são também os seus
primeiros detractores.
Esta mediatização valorizou em larga medida o papel individual da liderança,
em detrimento de orgãos colectivos. O nome de Rui Rio aparece frequentemente em
nome das instituições que lidera (Câmara do Porto, Junta Metropolitana do Porto).
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Mas é em nome destas instituições que Rio sofre mutações de aproximação e recuo
em relação aos media. O jogo do gato e do rato celebrizado em “Tom and Jerry”,
domina a actualidade do líder da autarquia e dos media.
Se, por um lado, a Câmara publicou em Outubro de 2005 um Regulamento
de Relacionamento com os orgãos de comunicação social, foi durante esta semana que
Rio desmistificou esta questão ao servir-se destes meios para fazer-se ouvir. Desde
uma grande entrevista dada à SIC, o autarca foi fotografado por toda a Imprensa e
prestou declarações à Rádio. Como assinalam Roberto Andrés e Teresa Garraza (1999)
o poder dos meios de comunicação enquanto formadores da opinião pública é tal que
qualquer político que não seja visceralmente democrata se sentirá tentado a domina-los, directa ou indirectamente.
Coincidência ou não, a necessidade mediática impôs que Rio recorresse àqueles
a quem impôs algum distanciamento para fazer chegar a sua mensagem a entidades
tuteladas pelo Governo. Os orgãos de imprensa devem apenas noticiar os factos e não
pender para um lado ou para o outro. Objectividade pode não existir, o que não significa
que se possa abusar do leitor e esquecer de se preocupar com o que é publicado. Mesmo
sendo imparcialidade algo impossível, deve-se sempre manter a ética. Em democracia o
reconhecimento da liberdade individual e o pluralismo são realidades que antecedem a
articulação politíca da sociedade e constituem os seus pilares fundamentais.
Imaginemos, porém, que as coincidências são meros acasos; acreditemos que
nós não somos manipulados assim tão facilmente por políticos e imprensa; exijamos,
contudo, que se tenha maior cuidado e atenção no que trazem os jornais nas suas páginas.
Porque, tratando-se de meios de comunicação de massa, acasos e coincidências atingem
muita gente, prejudicam muitas pessoas, apesar de favorecer outras tantas.
4.2.4 Relação dos media com as organizações políticas
Para Blumler e Gurevitch (1995), o processo de comunicação política deve
ser visto como um sistema relacional entre instituições políticas e organizações
mediáticas. O sistema funciona com base na interdependência mútua e no facto de
ambas as partes se legitimarem na sociedade, uma através do voto, outra através da
audiência.
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Os media dependem das organizações políticas na medida em que estas são o
motor das instituições económicas, sociais e culturais, sendo ainda produtores de
acontecimentos e opiniões.As instituições políticas, por seu lado, dependem dos media
porque são eles quem detém o sistema que lhes permite chegar a grandes audiências,
ao público que pode legitimar a renovação do seu poder. Assim, distinguimos
claramente dois elementos preponderantes no processo de comunicação política: os
actores e os dispositivos de comunicação. Os actores são os intervenientes activos no
processo de comunicação, aqueles que pretendem renovar o seu poder através da
legitimação da opinião pública:
– Missika e Wolton (1983: 313-316) identificam quatro tipos de actores de
comunicação política:
• Homens políticos - legitimados pelas eleições;
• Jornalistas - legitimados pelos leitores e no cumprimento de uma
necessidade social de liberdade de expressão;
• Actores sociais e profissionais - legitimados pela eleição entre os seus
pares;
• Intelectuais - legitimados pelos media que os convidam dada a sua
ligação ao ensino e à cultura.
– Os dispositivos, aqui considerados num sentido amplo, são os elementos passivos
do sistema, aqueles permitem ao actor chegar ao elemento legitimador do poder,
as audiências.Assinalamos, assim, os seguintes dispositivos:
• Meios de comunicação social;
• Palcos das intervenções públicas - comícios, colóquios, sessões de
esclarecimento;
• Organizações sociais - associações profissionais, instituições de
ensino, etc.;
• Suportes culturais - livros, cd’s, etc.
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– É visível que existem diferenças fundamentais entre os vários dispositivos
referidos, o que condiciona de forma definitiva a projecção do actor que a ele
recorre. Estas diferenças revelam-se a três níveis:
• Condições de acesso - Quem e como pode aceder a determinado
dispositivo;
• Dimensão da audiência - Quantidade de pessoas que, potencialmente,
pode contactar, ainda que virtualmente, com o actor;
• Distribuição - Forma como a audiência acede.
Cruzando estes dados percebe-se facilmente, e sem surpresa, que o
dispositivo mais poderoso é aquele que apresenta maiores audiências o que, no caso da
televisão, por exemplo, é uma consequência de uma distribuição óptima, na medida
em que entra em casa das pessoas sem que elas tenham que fazer qualquer esforço.
Para além da televisão, o meio mais poderoso, os restantes media têm também um
papel preponderante na projecção de novos actores, sendo, naturalmente, os
dispositivos mais poderosos.
Assim, o acesso aos media surge como uma questão fundamental, quando
espaço público e espaço mediático parecem confundir-se. Porém, o acesso aos media
não depende apenas do interesse de uma das partes, mas da negociação entre ambas.
À partida, as normas de ética jornalística implicam a independência dos media, mas na
prática existe uma política editorial que privilegia a cobertura de determinados
acontecimentos ou pessoas em detrimento de outras.
Warren Breed (1955) havia destacado que esta política editorial é
determinada pelos quadros superiores da organização sendo, geralmente, seguida
pelos jornalistas. Para conseguirem uma integração plena e o reconhecimento dos seus
colegas e superiores, os novos jornalistas tendem a redefinir os seus valores até ao
nível mais pragmático da redacção. Por isso, a política editorial acaba por ser
determinada pela organização, sendo ela a detentora da chave que dá acesso aos media.
As questões enunciadas demarcam algumas possibilidades de actuação da
imprensa, representadas nas relações entre a imprensa e a Câmara do Porto. A
propósito das questões levantadas por profissionais do sector e estudiosos desta
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matéria acerca da actuação de Rui Rio nas medidas tomadas de relacionamento com a
Imprensa, Manuel Teixeira, chefe de Gabinete do autarca advoga: «De facto, o que o
Presidente da Câmara do Porto decidiu fica a anos luz do que se faz em circunstâncias
semelhantes nas mais avançadas democracias. Recomenda-se vivamente aos jornalistas que
investiguem como funcionam os gabinetes de comunicação da Casa Branca, da Moncloa, do
Eliseu, ou das câmaras de Paris, Marselha, Madrid, Barcelona ou Nova Iorque... Recomenda-se
que analisem os métodos e organização das entrevistas para a Imprensa, Rádio ou Televisão
naqueles serviços... Recomenda-se que investiguem quem tem acesso e como são creditados os
jornalistas naquelas instituições» (Novembro de 2005, a propósito das Linhas de
orientação das relações da Câmara do Porto com a Imprensa).
Ao seleccionar o real que vai narrar, e ao escolher o modelo narrativo em que
o vai exprimir, um jornal – ou mais precisamente, quem nele detém a
responsabilidade editorial – reduz a infinitude de realidades e de significações a um
pequeno conjunto que as representa. Este trabalho produz um sem número de
exclusões, e comporta uma censura permanente, fruto de recursos escassos (tempo e
espaço). Ele é vivido como “natural” e “inevitável”: naturalidade e a inevitabilidade
desculpabilizam e legitimam. O jornal pode calar sem pecado. Uma das suas lutas
constantes consiste, aliás, na conquista – sempre inacabada – do direito à autoabsolvição sem arrependimento.
Os media, que muitos já designaram como o “quarto poder” (numa alusão
metafórica à estrutura tripartida de separação de poderes das democracias liberais),
assumem efectivamente um papel fundamental na modelação da opinião púbica, o que
lhes confere o estatuto de veículo de informação privilegiada no contexto da
democracia pluralista e competitiva. E o que temos assistido, não só em Portugal
como por todo o mundo civilizado, é ao esvaziamento de critérios éticos deste sector,
que, muitas vezes, alinhando-se como verdadeiramente intocável, lança escândalos,
inicia polémicas, deturpa a verdade dos factos, dá o relevo que entende a situações
absolutamente insignificantes e faz desaparecer da agenda os temas centrais.
Tudo isso sem qualquer controlo (ou com mecanismos de regulação muito
débeis, padecendo dos tradicionais problemas das entidades reguladoras), ao sabor do
chamado “interesse jornalístico” – critério, por vezes, mais comercial do que editorial,
tido quase como indiscutível – ou ao serviço de outros interesses que se figurem mais
relevante.
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A preocupação crescente na regulação da Comunicação Social surge derivado
à crescente interpenetração entre os poderes sociais económicos e políticos.Apontada
por alguns protagonistas da área jornalística como uma forma de policiamento, esta
fórmula é abordada da seguinte forma por Azeredo Lopes, presidente da Entidade
Reguladora para a Comunicação Social:
«A ideia dos poderes policiais é absurda porque imputa à ERC uma lógica
tenebrosa.As funções de autoridade não foram inventadas por nós. Herdámo-las, por exemplo, do Instituto da Comunicação Social.” e acrescenta ao ser
questionado sobre as formas de fiscalização “Não temos fiscais para
jornalistas, posso garantir. O que se trata é da compatibilidade, por exemplo,
com a lei da rádio, de informações que nos venham a ser prestadas por órgãos
da comunicação social.O que se pretende é instalar uma cultura de regulação,
que compreendo que tenha uma dimensão assustadora, lá onde não existia, se
passa a existir, implica uma ideia restritiva. Não, vamos, obviamente,
restringir esferas de liberdades protegidas. Mas não vejo que a liberdade de
imprensa seja uma liberdade libertária».
( Excerto da Entrevista de Azeredo Lopes ao Diário de Notícias, de 27 Maio)
Só será possível usufruirmos da liberdade de imprensa na sua plenitude
quando se conseguirem conjugar alguns factores, nomeadamente: o estabelecimento
de limites às concentrações de órgãos de informação e às “sinergias” com materiais
informativos entre empresas ou publicações e o reforço da autonomia e da
independência dos jornalistas face ao poder económico, incluindo da própria empresa,
com o estabelecimento de sanções para as ingerências por parte das administrações ou
de outros sectores na orientação e nos conteúdos editoriais.
Os contributos para a imprensa livre deverão surgir através da regulação e não
da negação e manipulação dos factos. Os Direitos Fundamentais de qualquer cidadão
deverão ser postos na linha da frente quando nos confrontamos com abusos incessantes
e atropelos sobre estes. Pelo previsto no Artigo 3º da Lei de Imprensa, «a liberdade de
imprensa tem como únicos limites os que decorrem da lei, de forma a salvaguardar o
rigor e objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da
intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse
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público e a ordem democrática». A salvaguarda do bom nome é, por isso, um
postulado garantido pela acção legislativa que assiste a qualquer cidadão, embora, em
virtude dos determinismos político-económicos, nem sempre cumprida pela
influência mediática.
4.3 A ACTIVIDADE JORNALÍSTICA: ENTRE A INFORMAÇÃO E A
POLÍTICA
4.3.1 A instrumentalização da imprensa
Qual a responsabilidade social, ética e empresarial dos grupos que detêm os
Mass Media? Que standard e métodos de avaliação utilizam? Têm um código de conduta?
Estas e outras questões deveriam dominar a actualidade, mais premente quando o que
está em causa são direitos e deveres adquiridos pelos cidadãos, enquanto sujeito
jurídico. O sensacionalismo que impera, em muitos casos, nos media actuais, e
concretamente na imprensa, faz com que o discurso político seja cada vez mais
revelador de artimanhas, ataques e contra-ataques. O verdadeiro debate, a discussão
retórica das ideias situa-se, por vezes, à margem da informação séria e responsável.
Algumas peças analisadas no Público e Jornal de Notícias, de Julho de 2005,
marcam um período bastante fértil ao nível de práticas condicionadas por uma pré-campanha autárquica, que antecede as férias de Verão. A antecipação da silly-season em Julho
de 2005 foi marcada pela apresentação das candidaturas às autárquicas e dos cabeças de
lista e a inflamação das polémicas em torno da actual legislatura. Desta forma anunciavase uma pré-campanha conturbada pelo Túnel de Ceuta e o litígio entre Câmara e o
Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar); as obras nos Aliados e
respectiva contestação pública e, por último, e como tema central de gestão da agenda
política, as obras no Mercado de Bolhão e o lançamento dos cordões humanos que
dominam a actualidade. As questões dominantes passam mais pelo fait-divers do que pela
discussão real dos factos. Denunciadoras de práticas jornalísticas destinadas a promover a
imagem política de uns e a queda de outros, a imprensa reflectiu sobre estas e outras
temáticas de um ângulo tendencialmente desfavorável à actuação do edil e respectivos
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apoiantes. Destrinçar entre factos e opinião é um dos papéis a que o jornalista se deve
comprometer enquanto relator dos mesmos. No entanto, quando a opinião ultrapassa os
limites do bom senso para atingir com ofensas pessoais alvos públicos com deveres que
lhe foram conferidos por sufrágio universal atingem todos os cidadãos.
Neste contexto, em que as eleições se ganham pela capacidade mediática que
os protagonistas conseguem ter, os media são cada vez mais um alvo apetecível.
Contudo, Rui Rio é um exemplo que contrariou estas máximas, como, aliás, referiu
Ricardo Costa, directo da Sic Notícias, no programa Prós e Contras, emitido pela RTP
em 22 de Maio de 2006. A democracia das decisões difíceis e impopulares, «deu lugar
uma demagogia, onde tudo corre bem e onde não existem dificuldades» (Pereira,
Pacheco, www.abrupto.pt, 2004). «Os media devem funcionar como mecanismo de
controlo dos político, mas a má utilização destes levou a que sejam mais do que isso»
(Saperas, Enric, in www.abrupto.pt, Dez 2004).
Se olharmos para os media (imprensa) como uma instância de competição na
luta pela definição e construção do real-social, a problemática dos media merece uma
reflexão atenta. Se sem estes se torna utópico falar de uma decisão democrática,
muitas vezes são eles próprios os obstáculos reais às possibilidades dessa mesma
deliberação. Em certas circunstâncias, a sociedade civil pode adquirir influências na
esfera pública e produzir impacto sobre a decisão política. Movimentos sociais,
iniciativas organizadas e fóruns de cidadãos, as diferentes formas de associativismo são
sensíveis aos problemas. Todavia, em grande parte devido aos media, os sinais e
impulsos enviados são demasiado fracos para redireccionarem os processos de decisão
no sistema político (Habbermas, 1996).
Por seu turno, o envolvimento emocional condiciona cada vez mais a
linguagem jornalística, tornando-a mais subjectiva e sujeita à subjectividade e
preterindo a mensagem política. As mensagens políticas passam por um processo de
subordinação a um papel secundário às características (formais, mas também
substanciais) dos produtos light gerados no infortainment - mesclagem entre a
informação e o entretenimento (Pissarra, 2003).
A imprensa e outros media, enquanto formadores da opinião pública,
deveriam rever o conceito à luz de critérios de rigor analítico e não tendo por base
jogos de sombras menos explícitos que conduzem à manipulação. A época de
campanha é um exemplo retundante deste aspecto que gera muitas vezes a produção
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de peças sobrecarregadas de informações valorativas e assentes em pressupostos de
agendamento político intencional.
É a coincidência entre a agenda política e a agenda dos media que transforma
este período na produção de peças em catadupa, em que se emitem juízos e
reproduzem intenções, em que o contacto directo é muitas vezes sobrevalorizado pela
opinião mediática. O primado dos media sobre o cidadão é a afirmação mais
contundente da campanha. Este, cidadão, contribui de forma passiva para a valorização
de um candidato em detrimento de outro. Um uso instrumental tendente à
repercussão mediática e ao seu efeito disseminador.
No Estado de direito em que vivemos seria importante dar lugar ao
jornalismo participativo por excelência, objectivo perseguido pelos blogues políticos,
ou seja, «o acto de um cidadão ou grupo de cidadãos desempenhar um papel activo no
processo de recolha, análise, produção e distribuição de notícias e informações. O
objectivo desta participação é oferecer informação independente, fidedigna, variada,
precisa e relevante para o funcionamento da democracia» (We Media em http://www.
hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf).
Encontramos no jornalismo tradicional, nomeadamente nas campanhas
políticas, uma forma vertical de emissão da mensagem. O melhor argumento sempre
vence ou muitas vezes é dominado pelo poder político e económico, pelas
denominadas “hierarquias sociais” (o debate sobre se existe ou não uma “paridade entre
os sujeitos” (Habermas, 1984).
Factores como o marketing e a mediatização da sociedade e da política acabam
por influenciar a formação da opinião pública (se é que podemos falar em opinião pública,
como refere Bourdieu).A acessibilidade não é uma barreira, visto que grupos de pessoas
estão excluídos de debates. Este é o verdadeiro jogo de sombras que se estabelece.
Se ao longo de vários anos se preconizou a necessidade dos meios de
comunicação serem um espelho da realidade, ou seja, um retrato fiel dessa realidade,
hoje é penoso assumir que os media são transmissores assépticos do que ocorre. Com
muita frequência observamos que os jornalistas desempenham um papel activo na
sociedade. Já não são simples transmissores de dados, simples espelhos, simples
testemunhos. Agora, assistimos a uma valorização e análise de um ponto de vista e
muitas vezes à persuasão das audiências (Andrés et al, 1999).
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Tal como não existe objectividade em estado puro, não existem nos textos
jornalísticos fronteiras absolutas entre informação, interpretação e opinião. De
qualquer modo, há três níveis essenciais na construção das peças: a apresentação dos
factos, que podem ser a divulgação da opinião de terceiros — a informação; o
relacionamento desses factos entre si — a interpretação; e o juízo de valor sobre esses
factos — a opinião (in Livro de Estilo do Público,1999).
As barreiras entre informação e opinião são cada vez mais difusas e quando
nos remetemos a situações de conflito e tomadas de posição conflituosas,
nomeadamente políticas, esta barreira é ainda mais ténue. Contudo, importa referir
que o maior perigo passa pela camuflagem dos factos pela opinião. A isto chamamos
manipulação. O entendimento que temos de manipulação é de alguém que procura,
através de processos comunicacionais ou informativas, conduzir outrém por
determinado caminho ou determinado fim.
O condicionamento do comportamento tanto pode ser feito por reforço
positivo como negativo (Dias, 2005). Os media enquanto mediadores entre os
acontecimentos e a opinião pública podem ser decisivos em contribuir para a
resolução ou agudizar um conflito. No caso da CMP, estes pontos - ambivalentes –
interceptam-se nos cânones da Imprensa e na gestão do conflito permanente entre a
autarquia do Porto e os orgãos de comunicação social.
Em alguns casos, os orgãos de comunicação social deveriam respeitar mais a
sua natureza, formal ou informal, de serviço público, contribuindo para a procura de
soluções, diálogo e negociação sem fomentar interesses partidaristas, desempenhando
a sua função de forma livre e sem espectros de censura e controlo propagandístico.
De acordo com Ignatio Ramonet «estamos a passar de um poder vertical,
hierarquizado e autoritário, para um poder horizontal, em rede e consensual (um
consenso que é conseguido precisamente pelo expediente de manipulações
mediáticas)» (1999:145). Isto traduz que antes a manipulação era “objectiva” - ou seja:
nós sabíamos quem e como a exercia, ao invés do que acontece actualmente em que
as fontes de poder e fórmulas de persuasão são múltiplas e difusas.
Desde há trinta anos a esta parte, com mutações económico-politicas,
conjunturais e múltiplas, marcadas por uma mudança de regime e fruto da inserção
dos media numa economia à escala global, que a configuração dos media tradicionais se
alterou e concomitantemente os fluxos comunicacionais.
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Timoteo Álvarez (2006) salienta que nos últimos vinte anos os jornais
primeiro, e depois das privatizações também as televisões e a rádio viveram o melhor
momento económico da sua história. Nunca tinham visto tanto dinheiro junto.
Afirmaram-se assim como empresas saneadas, iniciam um imparável caminho em
direcção à constituição em grupos multimédia, em direcção a alianças locais, regionais
ou globais, em direcção a uma capacidade crescente de influências em direcção à autoafirmação, à auto-estima e à procura dos seus próprios interesses.
A manipulação dos media radica em fenómenos políticos e ideológicos. A sua
capacidade de actuação social alcança hoje, no entanto, tais quotas que está a
transformar o que durante os últimos duzentos anos foi a fundamentação jurídica do
próprio poder político, justificado até ao momento na representação.As relações entre
poder político e as massas movimentam-se hoje em dia no âmbito da pós-democracia,
ou democracia mediática, ou democracia pós-parlamentar, na percepção de que os
meios de comunicação são actualmente, como a guerra em Clausewitz, a continuação
da política por outros canais e sistemas (Santos, 2001; Sani, 2001).
O principal efeito da manipulação é que os órgãos de imprensa não reflectem
a realidade. A maior parte do material que a Imprensa oferece ao público tem algum
tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indirecta. É uma referência
indirecta à realidade, mas que distorce a realidade. A relação que existe entre a
Imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um
objecto que ele aparentemente reflecte: a imagem do espelho tem algo a ver com o
objecto, mas não só não é o objecto como também não é a sua imagem.A manipulação
das informações transforma -se, assim, em manipulação da realidade.
A este propósito, uma das questões centrais que se coloca, é: quais são os
contornos políticos desta manipulação? Não é necessário estender-se na demonstração de
que, na sua imensa maioria, os principais órgãos de comunicação de hoje são
propriedade da empresa privada. Por conseguinte, a discussão que deve ser feita é no
sentido de compreender quais os factores que podem contribuir para que os
responsáveis da gestão editorial e empresarial dos media nem sempre façam uma
ponderação de critérios éticos na suas tomadas de decisão.
A teoria economicista é uma das explicações apresentadas por alguns autores,
dos quais se destaca Perseu: «Há duas vertentes para a explicação economicista do fenómeno.
A primeira desloca para a figura do anunciante a responsabilidade última e maior pelo produto
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final da comunicação: segundo essa vertente, é por imposição — directa ou indirecta — desse
anunciante (privado ou estatal) que o empresário se vê obrigado a manipular e distorcer. A
segunda vertente centra a explicação na ambição de lucro do próprio empresário de comunicação:
ele distorce e manipula para agradar seus consumidores, e, assim, vender mais material de
comunicação e assim aumentar seus lucros. A responsabilidade é do próprio empresário de
comunicação, mas a motivação é económica»(1988:49).
É bastante provável que ambos elementos entrem, em maior ou menor grau,
no comportamento de grande parte das empresas de comunicação. Mas não parecem
explicar todo o fenómeno. O peso de cada anunciante individual sobre o órgão de
comunicação, ou mesmo de seu conjunto, é muito ponderável na pequena imprensa,
naquela em que a manipulação surte menos efeito.
A ambição de lucro, por outro lado, não explica, por si só, a manipulação e a
distorção. Em primeiro lugar, porque muito provavelmente o empresário teria mais
possibilidades de obter lucros mais substanciais e mais rápidos aplicando seu capital em
outros ramos da Indústria, do Comércio ou das Finanças, e não precisaria investi-los
na comunicação. Em segundo lugar, porque nada garante que outro tipo de
jornalismo, não manipulador, não tivesse uma audiência infinitamente maior do que a
que consome os produtos de comunicação manipulados. É evidente que os órgãos de
comunicação, e a Indústria Cultural de que fazem parte, estão submetidos à lógica
económica do capitalismo. Mas o capitalismo opera também com outra lógica — a
lógica Política, a lógica do Poder — e é aí que, por vezes, se poderão encontrar
algumas explicações para determinadas formas de manipulação jornalística.
Perseu (1988:67) destaca alguns motivos que levam as empresas de
comunicação a tornarem-se cada vez mais similares aos partidos políticos:
1. Da mesma forma que os partidos têm seus manifestos de fundação, seus programas, suas teses, os órgãos de comunicação têm seus projectos editoriais, suas
linhas editoriais, seus artigos de fundo.
2. Os partidos têm estatutos, regimentos internos e regulamentos; os órgãos de
comunicação têm seus Manuais de Redacção, suas Normas de Trabalho.
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3. Os partidos têm seu aparato material: sedes, móveis e equipamentos, verbas,
veículos, etc. Os órgãos de comunicação também têm seu aparato material,
frequentemente mais diversificado e mais moderno que o da média dos
partidos.
4. Os partidos têm seus filiados, seus militantes, seus quadros dirigentes centrais
e intermediários. Os órgãos têm o equivalente: empregados, chefes, directores,
editores, de quem exigem adesão e fidelidade frequentemente maior que a que
os partidos.
5. Os partidos têm normas disciplinares com as quais aplicam sanções aos
filiados que se afastam da linha partidária. Os órgãos também têm normas
disciplinares, com as quais aplicam prémios de reforço aos mais fiéis, e
rebaixamentos, suspensões e expulsões aos que se desviam da linha editorial.
6. Os partidos têm sede central, directórios regionais e locais, células, núcleos,
áreas de influência e intercâmbio com entidades do movimento social. Os
órgãos têm sede central ou matriz, sucursais correspondentes e enviados
especiais, contratos e convénios com outros órgãos e com agências
internacionais.
7. Os partidos são um ponto de referência para segmentos sociais, têm seus
simpatizantes e seu eleitorado. Os órgãos também são um ponto de referência
para milhares ou milhões de leitores/espectadores, têm seus simpatizantes e
seguidores.
8. Os partidos procuram ter os seus boletins, o seu jornal, a sua revista, seus
volantes e panfletos, seus carros de som e seus palanques com alto-falantes,
enfim, seus meios de comunicação. Os órgãos de comunicação são os meios de
comunicação de si mesmos enquanto partidos.
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9. Os partidos procuram conduzir partes da sociedade ou o conjunto da
sociedade para alvos institucionais, para a conservação de algumas
instituições e para a transformação de outras; têm enfim um projecto histórico
relacionado com o Poder. Os órgãos de comunicação também procuram
conduzir a sociedade, em parte ou no todo, no sentido da conservação ou da
mudança das instituições sociais; têm, portanto, um projecto histórico
relacionado com o Poder.
10. Os partidos têm representatividade, em maior ou menor grau, na medida em
que exprimem interesses e valores de segmentos sociais; por isso destacam, entre
os seus membros, os que disputam e exercem mandatos de representação,
legislativa ou executiva. Os órgãos de comunicação agem como se também
recebessem mandatos de representação popular, e alguns se proclamam
explicitamente como detentores de mandatos. Oscilam entre se auto suporem
demiurgos da vontade divina ou mandatados do povo, e confundem o consumo
dos seus produtos ou o índice de tiragem ou audiência com o voto popular
depositado em urna.
Se alguns meios de comunicação não são partidos políticos na acepção
rigorosa do termo, são, pelo menos, agentes partidários, entidades para-partidárias,
únicas, sui generis. Por vezes algumas empresas de imprensa comportam-se e agem
como partidos políticos.Tendem a afastar-se do conceito de instituições da sociedade
civil para se aproximarem mais das instituições da sociedade política. Procuram, por
vezes, representar — mesmo sem mandato real ou delegação explícita e consciente
— valores e interesses de segmentos da sociedade. E tentam fazer a intermediação
entre a sociedade civil e o Estado, o Poder.
Tal como salienta Timoteo Alvarez (2006:196) a legitimidade originária,
aquela conferida pelo voto, tem uma vida curta, justamente aquela que permite a
designação dos representantes. Imediatamente se vê substituída por outra
legitimidade, a legitimidade flutuante, que domina todo o longo período entre
eleições e que é gerida pelos media. Os media assumiram há tempo a crítica do poder
político como uma das suas funções sociais e criam a imagem dos partidos e dos
governos. Mas essa imagem e legitimidade, variável em torno dos temas, configura-se
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numa envolvente de poder diluído em que se joga não só a relação dos políticos, mas
também de todos os agentes sociais intervenientes no espaço público (votantes,
media, formadores de opinião). O mesmo será dizer que as democracias não se
sustentam mais exclusivamente no poder dos partidos políticos.Certas decisões são
determinadas pelo poder dos meios de comunicação.
É por essa razão que os principais órgãos de comunicação podem proclamar
sua autonomia e a sua independência, não só perante os anunciantes como diante do
Governo e do Estado. Na realidade, esses grandes órgãos de informação são,
efectivamente, autónomos e independentes, em grande parte, em relação a outras
formas de poder. Mas não — como por vezes nos querem fazer crer — porque
estejam acima dos conflitos de classe, da disputa do poder ou das divergências
partidárias. Ao recriarem a realidade à sua maneira e, por vezes, de acordo com seus
interesses político-partidários, os órgãos de comunicação aprisionam os seus leitores
nesse círculo de ferro da realidade irreal, e sobre ele exercem toda a sua força.
Esta subserviência, evidente em alguns casos, ao poder institucionalizado pela
Imprensa condiciona a informação, delimitando o círculo numa linha facciosa. No
ponto seguinte vamos, recorrendo à análise de artigos publicados em três diários,
observar de uma forma mais objectiva exemplos concretos de como os jornais podem,
em determinadas situações, manipular a informação, colocando em causa alguns
princípios básicos da ética e deontologia jornalística. Neste contexto, identificamos
boas e más práticas jornalísticas15 relacionadas com a abordagem das actividades da
Câmara Municipal do Porto e do seu líder.
15 Consideramos boas práticas jornalísticas aquelas que se identificam com o Código de Ética Jornalística e que
conferem um relato neutral dos factos, quer na forma quer no conteúdo do processo noticioso até à consumação
do produto final (notícias publicadas), sem distorção ou manipulação. Quanto maior for o grau de distanciamento
desta realidade mais as peças se aproximam do conceito de más práticas. Estas questões são propiciadas pelo acto
de titulação; tipo de discurso (escolha de palavras), construções gramaticais, pontuação, tipo de imagens publicadas, estrutura da peça, destaque entre outras variáveis. De notar que estas variáveis remetem para um quadro de
valores individuais e sociais.
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4.4 ANÁLISE DA ESTRUTURA E CONTEÚDO DA NOTÍCIA
4.4.1 Âmbito e Objectivos
Nos últimos anos têm sido frequentes as queixas das figuras públicas
(nomeadamente por parte de alguns políticos) sobre abusos dos jornalistas
relativamente à interpretação de entrevistas, declarações ou outras peças jornalísticas
em que os protagonistas são pessoas que, por natureza das suas actividades
profissionais, estão mais expostas à opinião pública.
Um dos exemplos mais recentes – e virtualmente mais mediático – de
demonstração de descontentamento face à forma como, por vezes, os jornalistas
abordam os assuntos, foi evidenciado pelo ex-ministro e candidato a presidente da
Câmara Municipal de Lisboa, Manuel Maria Carrilho, que culminou com a publicação
de um livro intitulado “Sob o Signo da Verdade”. Neste livro Manuel Maria Carrilho
acusa ter havido uma estratégia deliberada de alguns orgãos de comunicação social
contra a sua candidatura. Segundo Carrilho “o delírio em torno de si continuou... o
cronista A. M. Seabra retomou, com uma série de ataques ao “carrilhismo”, uma linha
já conhecida desde que o Ministério da Cultura, no meu tempo, resisitiu ao modo
como ele pretendia parasitar o erário público” (2006:76-77).
Com o decorrer da campanha autárquica, Carrilho compara a actuação da
comunicação social à de um polvo, cada vez mais tentacular. ”O que me surpreendia
era que os bons jornalistas, sérios que são creio, a grande maioria dos profissionais
deste sector, se deixassem levar numa onda que, entre Setembro e Outubro, mostraria
bem não hesitar perante nada, como se a campanha de distorção lançada em Junho
com o arrastão videológico os tivesse condicionado, manietado, silenciado, se
prolongasse numa operação de intimidação, enquanto ao mesmo tempo se dava rédea
solta a algumas das mais cínicas manipulações que se terão feito em Portugal, numa
campanha eleitoral” (2006:138).
Provavelmente menos mediático - e menos exposto pela imprensa dita corde-rosa, mas ainda assim mais intenso e frequente - é o caso de Rui Rio16, Presidente
16 Embora se faça uma breve alusão ao caso Carrilho, consideramos que este, em muitos aspectos, não tem paralelo com o de Rui Rio. Embora ambos tenham exposto publicamente o seu descontentamento com a Comunicação
Social e se tenham candidatado às autárquicas de 2005, convém salientar que o Manuel Maria Carrilho sai derrotado desta campanha, culpando a Comunicação Social pelo sucedido, enquanto Rui Rio (em coligação com o
CDS/PP) renova o mandato autárquico, com maioria absoluta.
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da Câmara Municipal do Porto. De acordo com este autarca, no comunicado emitido
acerca das Linhas de Orientação nas Relações da Câmara do Porto com a Imprensa (Anexo 2):
“São diversas as lições que os resultados eleitorais de 9 de Outubro no Porto
nos proporcionam. Uma das mais importantes, que tive oportunidade de
referir ao longo de todo o mandato e, em particular, na noite das eleições,
inscreve-se nas lógicas de contra-poder que alguns órgãos de comunicação
“social” adoptaram relativamente à Câmara do Porto (....). Sempre que os
campos de intervenção de cada um destes distintos agentes são invadidos,
fomenta-se a perversidade, e adulteram-se as regras da convivência
democrática. (...) Foi o que aconteceu, frequentemente, durante os quatro anos
do anterior mandato e durante a própria campanha eleitoral: alguns
jornalistas e comentadores assumiram-se não como agentes de informação e
comunicação, mas sim como evidentes actores políticos. A democracia só é
possível com uma informação livre e independente. Não vivemos em
democracia se houver censura ou se a informação não respeitar o rigor e a
verdade,porque,quando assim acontece,estamos a enganar as pessoas,ou seja,
estamos a desinformá-las. Compete aos detentores do poder, legitimados pelo
voto livre e democrático, procurar evitar estas distorções e lutar contra a
perversidade, principalmente quando ela atinge uma dimensão que põe em
causa a saúde do regime e a própria governabilidade do País”.
Na sequência do referido descontentamento face ao modo como os jornalistas
têm abordado os assuntos inerentes ao trabalho desenvolvido pelo Executivo
portuense, o seu presidente (Rui Rio) decidiu definir algumas regras de actuação a
colocar em prática neste segundo mandato, no que se refere ao relacionamento com a
comunicação social.
Parte integrante – principal e legítima - da actividade jornalistica é
desenvolver e difundir uma análise crítica da sociedade e das respectivas instituições.
É habitual serem os jornalistas a denunciar as boas ou más práticas das pessoas e
instituições. Contudo, como em todas actividades, no jornalismo também haverá boas
e más práticas e, por isso, não deverá estar isento de uma análise mais crítica. Por
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vezes, quer as boas quer as más práticas jornalísticas não são suficientemente realçadas
nem discutidas e analisadas publicamente.
Por conseguinte, este trabalho pretende, através da análise de peças
jornalísticas relativas ao relacionamento entre a autarquia portuense (e o seu líder) e
os jornais diários (em particular o Jornal de Notícias, Público e o Primeiro de Janeiro),
analisar e identificar boas e más práticas dos jornalistas face à edilidade. Uma análise
exploratória de estrutura e conteúdos17 de algumas peças jornalísticas veiculadas pelos
três jornais enunciados de 1 de Janeiro a 30 Junho.
No que se refere às principais questões de partida apresentadas neste
trabalho, destacamos as seguintes:
• Em que medida os conteúdos jornalísticos publicados no Jornal de
Notícias e Público sobre a actividade da Câmara Municipal do Porto
são favoráveis ou desfavoráveis à formação de uma boa imagem da
CMP e do seu Presidente?
• Em que medida os temas tratados nos referidos jornais diários correspondem (ou não) a boas práticas jornalísticas e a princípios éticos
e deontológicos da comunicação social?
• Quais os géneros jornalísticos (incluindo o fotojornalismo e ilustrações gráficas) utilizados mais frequentemente e de que forma estes
contribuem para um bom esclarecimento dos munícipes da cidade do
Porto?
De entre os principais objectivos que se pretendem alcançar com o presente
trabalho, destacamos os seguintes:
• Descodificar a linguagem e os géneros jornalísticos utilizados.
• Educar os cidadãos para uma leitura mais crítca dos jornais.
17 Laurence Bardin explicita o conceito como “…um conjunto de instrumentos metodológicos em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a «discursos» (conteúdos e continentes) diversificados. O factor comum destas técnicas múltiplas é uma hermenêutica controlada, baseada em dedução: inferência.” (Bardin, Laurence Análise de
Conteúdo, Edições 70, Lisboa, 2004). No estudo em questão as variáveis de inferência são a forma e o conteúdo.
Além disso salienta-se como fundamental esta análise decorrer num período de tempo considerado razoável, pelo
que consideramos os dados ora recolhidos e apresentados como marcos exemplificativos de um estudo que se
poderá prolongar no tempo.A comparação com a abordagem jornalística face a outras autarquias também pode ser
relevante para confirmar ou infirmar as especificidades do caso aqui abordado.
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• Identificar boas e más práticas jornalísticas na cidade do Porto.
No que se refere à metodologia são utilizadas abordagens quantitativas e
qualitativas, através do recurso à análise de artigos publicados em três jornais diários:
Jornal de Notícias, Público e Primeiro de Janeiro. Esta análise foi elaborada diariamente
durante 6 meses. Também análisámos os meses que precederam as últimas eleições
para a autarquia do Porto. Para a realização desta análise foi utilizada uma
grelha–síntese relacionada com os seguintes aspectos:
• géneros jornalísticos;
• ilustrações gráficas;
• títulos e estilo de escrita;
• oportunidade e coerência da notícia.
A credibilidade do trabalho jornalístico tem sido cada vez mais posto à
consideração da opinião pública. Motivado pela classe mais visada, pertencente à esfera
política, a indução da falta de transparência e (des)onestidade na relação entre os jornalistas
e as fontes, motiva uma discussão pública, da qual ressalta a publicação, como já foi referido,
recente de um livro de Manuel Maria Carrilho, intitulado “Sob o Signo da Verdade”18.
Embora as temáticas abordadas por este possam ter pontos de encontro com
o este trabalho e a sua relação com a legitimidade jornalística enquanto poder sem
regras vinculativas, envolto em práticas pouco consentâneas com a responsabilidade e
interesse público, seria importante promover alguns esclarecimentos.
A experiência continuamente vivida por qualquer profissional da informação
que, observado um acontecimento complexo e ouvidas fontes de informação
subsidiárias, selecciona as suas notas e se prepara para produzir um texto disciplinado
e coerente do ponto de vista dos objectivos da comunicação, significa para ele a adesão
voluntária a uma determinada ordem discursiva institucionalmente imposta.
É por isso que se torna legitimo falar, a respeito deste movimento, de um
«desejo de censura»: o produtor de informação constrói um texto violentamente
18 Este caso veio também abrir a polémica em torno das agências de comunicação e o seu modo de relaciomento com os media. Isto porque a agências de comunicação estão cada vez mais aliadas a processos de assessoria de
impressa a políticos, nomeadamente em campanha. Isto vei trazer a discussão pública o conflito de interesses que
se gera em torno do jormalismo e do marketing (promoção política).
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condicionado por uma estrutura suposta eficaz na «recondução do efeito de realidade».
Sabe que não deverá escapar – e não deseja escapar – ao modelo universalmente
venerado do lead e da pirâmide invertida. Suprimirá todos os dados susceptíveis de
desviar o futuro leitor do conjunto de elementos narrativos «essenciais». Mas, melhor e
mais importante, só redigirá frases curtas, preferirá os sinónimos com menor número
de caracteres, reduzirá o seu vocabulário às significações de base da sua língua materna
(pôde assim falar-se, a propósito das normas de redacção de um conhecido jornal de
Paris, do «francês das mil palavras»), abolirá do seu texto toda a polissemia, preferirá o
ponto final e a vírgula a formas mais complexas de pontuação, produzirá – mesmo
artificialmente – parágrafos destinados a decompor em curtos «tempos» a sucessão de
movimentos de leitura. Com o tempo, e com a sedimentação de algumas turbulências
iniciais, ele saberá usar ou evitar a palavra que «enche» ou que «esvazia» o real narrado,
de acordo com uma segunda adesão, mais explicitamente ideologizada, às vantagens do
império do senso-comum (Mendes, 1995).
A objectividade é, portanto, uma meta possível de atingir e de acesso
inelutável para as ciências da natureza até ao segundo quartel do século XX, em que
foi decisivamente posta em causa a possibilidade da observação objectiva de um
fenómeno e da expressão objectiva dessa observação, reconhecendo-se a relevância do
observador e dos próprios instrumentos de observação no processo do conhecimento
científico. E isto não apenas no campo das ciências sociais, mas também no das ciências
físicas, tradicionalmente tão ciosas do seu rigor, e cujo objecto é naturalmente muito
menos instável e flutuante do que o daquelas (Pina, 2004).
De acordo com Herman Hesse, pela boca do seu personagem Siddhartha
«uma verdade apenas se deixa exprimir por palavras quando é parcial». (1995, p. 45)
De facto, a linguagem (maximé a linguagem científica) constitui uma espécie de
cortina interpondo-se inelutavelmente entre o observador e o observado e moldando
a observação. Como escreveu Wittgenstein (1995), os limites do meu mundo são os
limites da minha linguagem. Isto é, e a título de exemplo, a cisão do átomo só se
tornou possível a partir do momento em que o conceito de cisão do átomo pôde ser
formulado em termos linguísticos.
Actualmente muitos defendem, na discussão sobre a objectividade, que ela é
um mito e daí algumas das reservas crescentes dos cidadãos perante a comunicação
social. «A actual crise dos media, no espaço europeu e português, caracteriza-se pela
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abdicação da “atitude de objectividade” e pela “contaminação” do jornalismo por outras
formas comunicacionais, onde a emoção e a afectividade prevalecem sobre a
informação. A ficcionalização, o sensacionalismo e a hiperpersonalização destroem o
sentido de “aproximação à realidade objectiva”».
Por conseguinte, quando ao longo desta análise falamos em conceitos de
objectividade ou subjectividade remetemo-nos para o estilo de escrita utilizada pelos
jornalistas e que, por vezes, podem condicionar o resultado final do produto
jornalístico: tais como recursos estilísticos exagerados, palavras ou expressões
polissémicas, sinais de pontuação duvidosos. Falamos de uma análise com um grau de
objectivação não standard mas correlacionado com a quantidade e nível de afastamento
da neutralidade ao nível da escrita. O grau zero da escrita19 é algo díficil de atingir, na
medida em que estamos a abordar conceitos sujeitos a influências mútuas. Só ao nível
da escrita automática20 poderemos falar em objectivação directamente quantificável,
o que não é o caso na medida em que nos remetemos a um produto integrado, seja ele
uma peça de informação ou de opinião.
4.4.2 Algures entre a linguagem objectiva e subjectiva
Saramago (Conferência de Imprensa, Espanha, 31/07/04) afirmou que é
impossível a informação total e a objectividade, tanto no jornalismo como em
qualquer actividade humana. “Acreditar que ‘um facto é um facto’ e que com isto se
fecha a porta, que a subjectividade está excluída, é um erro, porque se a linguagem é
um exemplo de subjectividade e só com a linguagem se pode explicar um facto, já está
aí a subjectividade”. A informação, afirmou o antigo jornalista e director do Diário de
Notícias, é subjectiva na sua origem, na transmissão e na recepção. “A mesma
mensagem terá tantos significados quantos sejam os seus receptores”.
19Considerarmos a escrita como resultante de um acto físico que implica um traçar de signos quer manualmente
quer mecanicamente (computador). Por outro lado, a escrita pode ser significativa de um conjunto de valores que
influenciam não só o conteúdo mas também a forma estética daquilo que foi escrito, o que a aproxiam da noção de
estilo. Segundo Roland Barthes, este estilo é fruto de um impulso, “[…] É como uma dimensão vertical e solitária do
pensamento” (O Grau Zero da Escrita,Edições 70,1964, p.18).
20 Tipo de escrita que resulta da inspiração do momento, sem preparação prévia nem esquema de trabalho previsto, e que se assume ser imediata, espontânea e incontrolada.Tanto pode aplicar-se a expressão ao tipo de discurso
produzido por indivíduos em estado de alucinação ou sob hipnose como para um certo tipo de escrita desconcertada que dadaístas e surrealistas praticaram. O teórico do surrealismo André Breton ajudou a divulgar este tipo de
escrita a que chamou “pensamento falado”, entendendo-se este registo como a tentativa de pôr por escrito pensamentos não controlados pela lógica ou pela razão (André Breton: Manifestos do Surrealismo, Lisboa, 1976).
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O estilo de escrita é um dos factores que determinará o tom geral da peça. À
partida, uma peça subjectiva ao nível da escrita terá um tom geral favorável ou
desfavorável, isto porque a selecção das palavras e sintaxe das frases determina estados
que não se compadecem com a neutralidade. Já uma peça objectiva ao (nível do estilo
de escrita), poderá assumir um tom geral, favorável, desfavorável ou neutral consoante
a temática em abordagem saliente os pontos negativos ou positivos, ainda que
recorrendo a uma linguagem isenta.
A análise subsequente remete-nos para as peças publicadas por três diários
(Jornal de Notícias, Público e Primeiro de Janeiro) correlacionadas com a Câmara do Porto
e o seu edil, Rui Rio.Através de uma análise pautada por critérios rigorosos e auferido
o tratamento metodológico às diferentes peças, informativas e opinativas, são vários
os indicadores a reter, nomeadamente ao nível da quantidade de peças veiculadas. Ao
longo deste período de observação o Jornal de Notícias veiculou 666 artigos, o Público
494 artigos e o Primeiro de Janeiro 475 artigos. Destas a maioria são peças de
informação, nomeadamente notícias. Contudo, verificamos já alguma presença das
peças de opinião nos jornais, à excepção do Primeiro de Janeiro (Ver Tabela 4.4.1).
O que distingue uma peça informativa de outra opinativa é o tom verbal com
que os temas são abordados, podendo estes ser neutrais, positivos ou negativos.
Quanto maior o grau de neutralidade mais a peça será informativa. Outro factor que
denuncia a presença de valores na informação, comprometendo a neutralidade, é o
ângulo ou ponto de vista pela qual a informação é tratada. Ora, o jornalista pode tratar
a informação sustentando-se na opinião de uma fonte, em detrimento de outra. Ao
nível gramatical os factores que podem condicionar a existência de valores no texto
são a ortografia, a gramática, vocabulário variado e a pontuação.
Tendo em consideração que as fronteiras entre a informação e a opinião são
cada vez mais ténues, definimos os seguintes géneros jornalísticos21:
• Notícia: enunciado que reporta ao discurso do relato (factual e objectivo)
de um acontecimento recente. É o género básico do jornalismo.
• Reportagem: considerada o género mais nobre do jornalismo, integra
elementos dos restantes géneros jornalísticos: notícia, entrevista,
crónica, artigo de opinião, etc., procurando-se que o leitor “viva o
acontecimento”.
21 Esta tipologia e descritivo tem por base a classificação feita por Sousa, Jorge Pedro, As Notícias, Universidade
Fernando Pessoa, Porto, 1994.
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• Entrevista: enquanto género autónomo, pois as restantes peças podem
resultar desta técnica, resulta da obtenção de informações por meio
de perguntas a outrem.
• Editorial: género jornalístico interpretativo, elaborado em conformidade
com a linha do órgão de comunicação social. É redigido pela direcção
do órgão de comunicação ou por alguém da sua confiança.
• Crónica: género jornalístico mais livre e o que mais se pode aproximar
da literatura. Resulta da interpretação subjectiva de um tema. A
terminologia crónica resulta do grego cronos, que significa tempo. Em
conformidade com a etimologia da palavra, o cronista escreve
periodicamente para um jornal.
• Artigo de Opinião: visa mais contribuir para o debate de ideias e para a
formação do público do que fornecer informação. O acontecimento,
ainda que focado do ponto de vista informativo, é visto com o pendor
na perspectiva pessoal.
• Breves: incluimos neste item, tudo aquilo que não cabe nas designações
anteriores, desde faits-divers, foto-legendas, cartas de leitor, etc.
Tabela 4.4.1 – Representatividade dos Géneros Jornalísticos de Jan/Jun de 2006
i) As temáticas que tiveram maior cobertura ao longo do mês de Agosto
de 2005 estiveram relacionadas com a cobertura da pré-campanha,
nomeadamente das figuras de oposição ao executivo em funções.
ii) Apresentamos alguns exemplos de más práticas jornalísticas ao nível da
titulação, valor imagístico, conteúdo e forma de textos (redacção e
selecção) correlacionadas com a Câmara do Porto e o seu edil, Rui Rio.
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No mês de Agosto de 2005 as emoções e a radicalização de posições esteve
ao rubro, existiu um claro aproveitamento político da oposição, que serviu para
agudizar o conflito entre comerciantes e autarquia.
A imprensa investiu na cobertura ampla desta temática, atribuindo-lhe valor
de 1ª página e reportagens de destaque a vigílias, manifestações e opiniões contrárias.
Como se pode observar no quadro 4.7, o Jornal de Notícias e o Público intitulam de
forma clara e frequentemente negativa algumas peças veiculadas ao longo do meses –
em análise – acerca da actividade da autarquia.
Os títulos não sublinhados correspondem a títulos neutrais correspondente a
boas práticas jornalísticas, já os sublinhados com tracejado (- - - -) a títulos negativos
e um traço único muito negativos (___) o que se traduz em más práticas.
Quadro 4.7:Títulos publicados no Jornal de Notícias e Público sobre a CMP
Jornal Notícias
Público
02/08
Vígilia contra o fecho do Bolhão
02/08 Amanhã à vigília para salvar o Bolhão
03/08
Bolhão vive hoje dia de ansiedade
03/08 Concerto para o Bolhão marcado para
Setembro
05/08
Obras no Bolhão questionadas pelo Ippar
03/08 Obras só vão durar duas semanas
06/08
Rui Rio estupefacto com o Ippar
04/08 Ippar exige esclarecimento sobre obras
12/08
Petição contra fecho do Bolhão
05/08 “O mercado do Bolhão é que não pode parar”
13/08
Bolhão quer organizar espectáculo e debate
09/08 Câmara acusada de querer acabar com os
mercados tradicionais
19/08
Bolhão no centro do debate eleitoral
14/08 Comerciantes do Bolhão querem ser
parceiros da Câmara
23/08
Regresso adiado para os comerciantes do
Bolhão
21/08 Regresso dos lojistas ao Bolhão pendente do
parecer do LNEC
24/08
Câmara só dá hoje resposta aos comerciantes 23/08 Comerciantes deseperados por ordem de
do Bolhão
regresso ao Bolhão
25/08
Bolhão reabre com alertas do mau estado do 24/08 Assis diz que Rui Rio tem medo de ir ao
edíficio
Bolhão
26/08
Os coitadinhos do Bolhão
25/08 A Câmara do Porto está a matar o Bolhão
“aos poucos”
26/08
Recuperar o tempo perdido com barreiras
pela frente
27/08 A angústia dos comerciantes antes da
reabertura do Bolhão
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As práticas jornalísticas em abordagem podem ser subdivididas em dois
grandes grupos já enunciados:
• As boas práticas são aquelas que se encontram em consonância com
os valores e normas éticas individuais e jornalisticamente aceites
pelos Códigos de Conduta, Livros de Estilo e Lei de Imprensa, mas
acima de tudo pela Constituição Portuguesa, onde estão definidos os
Direitos Fundamentais do indivíduo. O exercício de um bom
jornalismo prende-se não só com os conteúdos divulgados, mas
também com a forma;
• A violação das normas socio-jurídicas e afastamento dos princípios
fundadores do jornalismo são as bases identificadoras de más práticas
jornalísticas.
De uma forma geral as peças veiculadas pelos diários acerca destas temáticas
caracterizam-se por um tom geral desfavorável, fruto do assunto ser sensível à esfera
autárquica e constituir uma medida impopular, nomeadamente em vésperas das eleições
autáquicas no Porto, em Outubro de 2005. A maioria destes artigos está associado
práticas jornalísticas de conduta questionável na medida em que recorrem a um estilo de
escrita frequentemente subjectivo e à exploração dos sentimentos dos intervenientes
nesta contenda. O mediatismo em torno desta questão atingiu proporções assinaláveis
tornando-se, por vezes, mais importante a cobertura aos supostos defensores do Bolhão
do que à questão que a gerou, ou seja, o perigo de ruína eminente.
A questão do Túnel de Ceuta foi outra das polémicas em torno da qual se
estabeleceram jogos de informação e manipulação. As propostas do actual executivo
constituíram o foco condutor da oposição do Governo e restantes partidos da
oposição. Arma de arremesso indevidamente utilizada pela imprensa para mais um
ponto desfavorável à futura resolução da contenda.
Contudo, e no centro da polémica mais acesa, esteve a ruptura de Paulo
Morais com o actual executivo de que era, no mandato anterior de Rui Rio, membro
no pelouro do urbanismo. O afastamento do autarca, ex - número dois na Câmara, da
lista última eleições à autarquia do Porto gerou efeitos colaterais no actual executivo,
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fruto das declarações do autarca em funções e a serviram como factores de pressão da
oposição sobre Rui Rio. Matéria noticiável que constituiu mais um ponto desfavorável
em período de pré-campanha, mostra o lado delator da imprensa.
A análise do conteúdo está associada à problemática da parcialidade na medida
em que é muitas vezes concebida em termos quantitativos, nomeadamente: a extensão
da coluna ou a duração do tempo de antena concedidas a cada uma das partes em
confronto, as proporções de afirmações «favoráveis» e «desfavoráveis» feitas acerca de
um candidato específico (Sumner, 1979).
Nesta temática verificamos o potencial poder da imprensa para fazer um líder
“cair” através da publicação contínua e reiterada de peças de teor desfavorável. De uma
forma genérica e em período de pré-campanha, a imprensa focou os pontos mais
desfavoráveis ao actual executivo, dando protagonismo excessivo aos seus opositores.
A maioria das peças tem um valor desfavorável à autarquia em exercício e a Rui Rio.
De forma conjunta as peças com conotações valorativas (favorável ou desfavorável)
reúnem a maioria da produção jornalística, com 52,8% no Jornal de Notícias e 56,8%
no Público22.
Qual o lugar ocupado pela ética jornalística e obrigação de informar com
imparcialidade e rigor? O perigo da informação, em especial neste período de
formação da opinião pública para posterior decisão política, pode ser decisivo. Daí ser
um período a que os media deverão estar mais cautelosos em relação às manobras
políticas. Em Setembro de 2005, as temáticas que dominaram a rentrée política
oscilaram entre a problemática dos bairros sociais, o PDM e declarações de Paulo
Morais, nº 2 de Rio, de pretensa corrupção imobiliária e os debate a quatro. Dois
episódios que marcaram de forma clara o debate político foram as recepções a Rio em
Campanhã e Aldoar, envoltas em polémica. Estes foram alvo de cobertura pelos
diários, por vezes, de forma provocatória, resultando na formação de uma opinião
pública frequentemente desfavorável à candidatura de Rio e propensa à percepção de
manobras políticas, por um lado, e falácia executiva, por outro.
Assistiu-se, várias vezes, a siuações de más práticas jornalísticas coadjuvadas
por imagens com uma carga negativa, proporcionada pelos acontecimentos. São os
efeitos da tal coincidência entre agenda política e dos media. Intencional ou não, a
sobrecarga inerente a estes factos não deveria ficar alheia ao público em geral, sem
uma formação adequada a ler nas entrelinhas da imprensa. A opinião dilui-se cada vez
22 Dados Relativos a Setembro de 2005 – Jornal de Notícias: 4,9% favoráveis, 47,9% desfavoráveis e 47,2% neutrais; Público: 56,8% desfavoráveis, 43,2% neutrais;
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mais na informação e torna-se uma coadjuvante na produção noticiosa diária, a que os
diários em análise não ficam alheios. São sim os protagonistas desta tendência
manifestada pela falta de mais rigor no relato, nas escolhas redactoriais intencionais e
nas personagens evidenciadas.
Ao fazermos uma análise do mês de Setembro, que antecedeu as eleições
autárquicas, verificámos que a esmagadora maioria de relatos feitos acerca de Rui Rio
é desfavorável, atribuindo-se bastante protagonismo às figuras da oposição, liderada
por Francisco Assis e Rui Sá.
O início do segundo mandato, após a vitória com maioria absoluta nas
autárquicas de 9 de Outubro, marca de um forma decisiva a existência de um
confronto aberto entre Rui Rio e a Imprensa, nomeadamente com o Jornal de Notícias.
Após a apresentação das linhas de orientação (Anexo 2) com a imprensa, vários têm sido
as peças a merecer a nossa atenção que pouco contribuem para a exortação da
Imprensa livre e responsável, dado recorrerem a uma roupagem coincidente com más
práticas jornalísticas, como, por exemplo, a notícia publicada pelos 3 Jornais, a
18/01/06, relativamente à manifestação dos cantoneiros no Porto do dia anterior.
_ Jornal de Notícias: Centenas nas ruas a exigir o pagamento do
subsídio
_ Público: Cantoneiros da Câmara do Porto contra “prepotência” de
Rio
_ Primeiro Janeiro: Cordão Humano em defesa do prémio nocturno
parou a baixa
Logo pela análise dos títulos verificamos que o Público recorre a uma técnica
de titulação provocatória. Coadjuvando este título é publicada uma fotografia em que
aparece um cantoneiro com um capacete com a seguinte frase “Sr. Presidente Rui Rio
é favor pagar os Direitos”. No corpo da notícia são promovidos por diversas vezes
ataques à Câmara do Porto, canalizados na figura do seu Edil, dos quais destacamos:
“...O Presidente da Câmara foi o principal alvo das críticas...”; “Do Governo ou da
coligação PSD/PP ninguém deu a cara”; “...um roubo monumental...”;”Ele aos
grandes não rouba o salário” e ainda “o balanço foi traçado em tons cor-de-rosa..”.
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O título de imprensa ocupa uma posição fixa e desempenha uma função
temática específica ao exprimir, geralmente, o tópico textual de maior proeminência
no texto noticioso. Deste modo, ao analisar a estrutura da notícia de imprensa, Van
Dijk (1985, p.69) relaciona o título, como uma categoria da superstrutura textual,
com a macro estrutura como representação formal do conteúdo global do texto).
Os títulos referidos vão contra aquilo que Van Dijk definiu com um título de
imprensa; o que encontramos é uma criteriosa escolha de frases e palavras com o
intuito de responsabilizar Rui Rio. Todo este cenário constitui aquilo que Boorstin
(1961) classificou de pseudo-evento, ou seja, um evento arquitectado com objectivo
de obter a cobertura jornalística.
Recorte do jornal Público, de 18 de Janeiro 2006
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Também o Jornal de Notícias recorreu a frases e palavras de ordem semelhantes
às do Público, contudo, sempre sustentadas na palavra de quem as proferiu. Disto são
exemplo frases como: “...Foi um acto autoritário e prepotente que tem de ser
corrigido”, defendeu João Proença, secretário geral da UGT. Esta escolha, não
aleatória, nem inocente conduz a classificação destas notícias como práticas
jornalísticas questionáveis, dado à subserviência intencional a uma das partes.
Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 18 de Janeiro 2006
Já o Primeiro de Janeiro publica o mesmo acontecimento, colocando a tónica na
resolução breve do conflito e recorrendo a um discurso neutral: “O projecto de
regulamentação do subsídio de salubridade e risco apresentado pelo PCP será
discutido na Comissão Parlamentar do Trabalho e Solidariedade. A decisão tomada
pela conferência de líderes agradou aos sindicatos que agora esperam vontade
política!”. Este lead revela uma escolha de palavras e intenções neutral com o objectivo
de apaziguar ânimos e não de os exaltar. Recolha de informação e transferência de
conhecimento numa notícia em que não faltaram as críticas ouvidas durante a
manifestação, mas em que estas não constituíram por si só a matéria noticiável.
Em 25 de Janeiro é o site da Câmara que dá o mote para as peças intituladas:
_ Jornal de Notícias: Rio acusado de usar site para propaganda.
_ Público: PS e CDU acusam Câmara do Porto de usar site na Internet
para propaganda partidária.
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_ Primeiro Janeiro: Site ponto.da discórdia
Através da titulação dos artigos no Jornal de Notícias e Público denotamos
formatos claramente acusatórios e avaliativos de atitudes, o mesmo não acontece no
Primeiro de Janeiro que embora recorrendo a um título não difamatório à partida
consegue provocar maior interesse para a restante notícia. O corpo da mesma segue a
linha introdutória através de uma boa prática jornalística e bem referenciada, não
omitindo os factos no Primeiro Janeiro, a um estilo mais condenatório no Público,
com a utilização de verbos como acusou, omitiu intencionalmente e um escrita
objectiva, mas um tom geral desfavorável no Jornal de Notícias.
Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 25 de Janeiro 2006
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Recorte do jornal Primeiro de Janeiro, de 25 de Janeiro 2006
Recorte do jornal Público, de 25 de Janeiro 2006
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Acusado de usar o site como meio de propaganda partidária, Rui Rio
defendeu-se e redireccionou o teor de algumas das acusações que lhe foram dirigidas.
Mais uma vez é o leitor o alvo preferencial destas lutas; e talvez a ampla cobertura a
este facto só venha propiciar o aumento das visitas ao site da autarquia. A publicidade
foi efectuada pelos opositores. No meio desta questão outra foi relegada para segundo
plano: o facto de nesta assembleia municipal não se ter ouvido a voz dos munícipes em
virtude dos partidos com assento na assembleia estarem mais centrados nos conteúdos
do site. Não serão os munícipes os mais prejudicados por estas práticas que em nada
contribuem para a sua informação e formação?
Outra questão amplamente publicitada pelos diários prende-se com a
continuidade da senda do Prémio Nocturno23, discutida em Assembleia da República
a 26 de Janeiro. A temática mereceu destaque nos jornais ao longo de 3 dias, com a
antecipação, o dia da discussão e as consequências. O tratamento efectuado pelos
diários ao longo destes dias, trouxe a público mais uma cena no conflito entre Rui Rio
e o Jornal de Notícias. No dia após a decisão da Assembleia da República em aprovar a
proposta do PS para a Câmara retomar o pagamento do Prémio Nocturno o Jornal de
Notícias produz uma peça claramente desfavorável à autarquia do Porto, mostrando o
empenhamento e as posições afirmativas do PS na resolução da situação, tentando
mostrar através do artigo que a Edilidade e o PSD não se têm empenhado na resolução
da mesma.
Esta atitude revela uma tomada de posição, pouco coerente com os princípios
que norteiam a actividade jornalística. O Público, por sua vez, traz a notícia a 1ª página,
embora recorrendo a uma titulação isenta, o corpo da notícia revela atitudes também
desfavoráveis à Edilidade, pelo recurso a transcrições da oposição que se levantam para
acusar Rui Rio e a instituição que representa No fundo, esta questão tem sido
transformada numa luta partidária em que os jornais servem de intermediários pouco
isentos e com práticas jornalísticas que, por vezes, não dignificam a actividade
jornalística.
O Primeiro de Janeiro, apesar da sua dimensão e exposição ser diminuta
relativamente aos outros diários em análise tem revelado práticas mais isentas, com
cobertura de todas as temáticas favoráveis e desfavoráveis, ou seja, não se demite do
papel de informar com mais rigor e imparcialidade. Esta prerrogativa essencial da boa
conduta jornalística é explicitada pela reportagem que o diário publica (a 29 de
23 Suplemento salarial de 50% sobre o trabalho nocturno. Em 1987, o Governo reduz esses 50% para 25%.
Algumas câmaras municipais decidem, então, ao arrepio da lei, atribuir um suplemento ao suplemento de 25%,
mantendo, dessa forma, o mesmo vencimento aos funcionários directamente afectados.
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Janeiro) relativamente a este assunto; observa-se uma reflexão sobre a problemática
através do relato do acompanhamento dos cantoneiros a Lisboa, proposta aprovada e
as respectivas implicações futuras. Uma abordagem reflectida e coerente com a
adopção de boas práticas jornalísticas. De salientar que o diário tinha publicado a
notícia referente à decisão no dia seguinte à mesma, mas só após este período
construiu uma peça mais elaborada que dignifica o trabalho jornalístico.
O título “Assimetrias entre a parte oriental e ocidental do Porto”, foi objecto de uma
grande reportagem, publicada pelo Público a 29 de Janeiro, que apesar de na sua
maioria recorrer a um estilo de escrita objectiva, o tom geral é claramente desfavorável,
ao reflectir sobre uma realidade com contornos históricos, com pontos de difícil
combate. Mormente esta problemática ter sido tratada com a distância necessária,
acaba por se incorrer em falta de rigor, em virtude das imagens preconcebidas em
relação aos bairros desfavorecidos que só contribui para reforçar o lado mau daquilo
que já é mau e o bom do bom. Um dos critérios de valor-notícia é aquilo que não é a
norma, ou seja “o homem que mordeu o cão”. Talvez fosse importante mostrar o
desvio à norma.
Recorte do jornal Público, de 29 de Janeiro 2006
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Esta temática é também abordada na questão do Bairro do Leal, que merece
cobertura nos três jornais, e onde encontramos um tom geral desfavorável, fruto da
temática recorrer a histórias de vida, que por si só atribuem uma configuração
humanizada às peças, com os valores que a ela estão agregados. A questão que assume
uma maior preponderância nas peças analisadas está subjacente à titulação com carga
negativa, presente em todos os diários, ainda que o corpo da notícia não corresponda
a esta prática desfasada e com objectivo de atrair o leitor. Muitas vezes, este cinge a
sua leitura aos destaques de primeira página ou mesmo títulos das páginas interiores,
podendo ficar com uma ideia errónea, ao retirar ilações directas de um título
indiciador de algo que não corresponde à matéria de facto.
Gráficos 4.1: Síntese da Análise de Conteúdo de Janeiro de 2006
I – Tom Geral
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II – Títulos
A 3 de Fevereiro 2006 são publicadas peças respectivas à visita da deputada
socialista ao Bairro do Leal. A pretexto da visita, os diários revelam mais um exemplo
de práticas jornalísticas questionáveis, recorrendo a uma titulação negativa à CMP, já
efectuada pelo Jornal de Notícias numa reportagem do dia anterior. A abordagem é feita
a vários níveis: situacional, interpretativo, valorativo, gerando o clima de suspeição
generalizado sobre as reais intenções da Edilidade:
_ Jornal de Notícias: Bairro do Leal à Beira do Fim (2/2)
Demolições no Leal coloca pessoas em risco(3/2)
_ Público: PS vai exigir da Câmara explicações sobre o bairro do Leal
_ Primeiro Janeiro: “Ninguém sabe o futuro”
Pela análise da titulação escolhida denotamos que nenhuma é totalmente
imparcial, contudo, encontramos na escolhida pelo Público aquela que mais se
aproxima, muito embora crie a ideia de uma posição incorrecta por parte da
Edilidade. Já o Jornal de Notícias apresenta uma notícia catastrófica, enquanto o Primeiro
de Janeiro utiliza o título mais perverso, reveladora de más práticas ao nível da
titulação, na medida em que parafraseia palavras de outrém de forma a salvaguardar os
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interesses de uma das partes, lançando o clima de suspeição também sugerido pelo
título do Jornal de Notícias do mesmo dia.
No corpo das peças a tendência na escolha das palavras e posições referidas
mantém-se, pelo recurso a uma linguagem subjectiva patente na recolha de emoções
dos moradores na reportagem publicada pelo Jornal de Notícias a 2 de Fevereiro e na
voz da oposição reiterada pelo Público e Primeiro de Janeiro de 3 de Fevereiro. Já o Jornal
de Notícias publicado nesta data utiliza uma linguagem mais objectiva no tocante à visita
da deputada do PS ao bairro. De uma forma geral quer seja na notícia, reportagem ou
artigo de opinião publicados pelos diários, a tendência tem sido a adopção de práticas
jornalísticas - que se afastam de alguns princípios éticos e deontológicos - tendentes a
agudizar o mal-estar vivido pelos moradores, onde a unilateralidade promove a
denúncia não confirmada.
Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 3 de Fevereiro
2006
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Recorte do jornal Primeiro de Janeiro, de 3 de Fevereiro 2006
Recorte do jornal Público, de 3 de Fevereiro 2006
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O Bairro do Leal marca mais uma vez a agenda dos políticos e
consequentemente dos media. A temática, que tem vindo a merecer destaque nos
diários, evidencia mais um facto na questíuncula política e pública. A 11 de Fevereiro
os diários publicam noticias com os títulos:
_ Jornal de Notícias: Perigo no Bairro do Leal
_ Público: Assis acusa Câmara do Porto de negligência por demolições no Leal
_ Primeiro de Janeiro: Bairro do Leal em risco
Títulos que denunciam o risco eminente de ruína de habitações contíguas a
outras que foram demolidas.A situação mostra uma informação prévia dada às forças da
oposição, que segundo fonte da Câmara não tinha o conhecimento técnico agora
fornecido à luz das críticas da oposição e veiculada pelos jornais.As práticas jornalísticas
demonstradas por estas notícias são reflectidas à luz das quezílias políticas, quando a
questão social deveria ser a mais importante.A protecção da vida humana é relegada para
segundo plano. Importa referir que a respeito desta temática o Jornal de Notícia publica a
22 de Maio uma peça intitulada Famílias do Bairro do Leal há dois anos em suspenso,
que foi alvo da emissão de um direito de resposta por parte da Câmara, só publicado
cerca de três meses depois por determinação da Entidade Reguladora para a
Comunicação Social (Anexo III: Deliberação 19-R/2006, de 10 de Agosto).
A questão dos cartazes políticos está na base de outra polémica entre as forças
políticas com assento na autarquia. A propósito da ordem emanada pela Câmara para
a CDU proceder à retirada dos cartazes políticos das Presidenciais, os diários publicam
notícias com os seguintes títulos:
_ Jornal de Notícia: PCP quer cercar Câmara do Porto
_ Público: CDU promove cordão humano contra “prepotência” de Rio
_ Primeiro Janeiro: Cordão humano contra limites de propaganda
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Embora a temática dê corpo a notícias com tom geral desfavorável à edilidade, é
de salientar que o Jornal de Notícias e o Primeiro de Janeiro recorrem a uma linguagem
objectiva no tratamento da informação, conducentes a boas práticas jornalísticas, já o
Público faz um remake de outras situações, ao intitular a peça com palavras já usadas para
retratar uma situação anterior, o diário plagia o seu próprio título de 18 de Janeiro
Cantoneiros do Porto contra “prepotência” de Rio, assunto que associa nesta temática tal
como a questão do site da Câmara, denunciado de propagandístico. Estes temas podem
suscitar um efeito de bola de neve com carga tendencialmente negativa, ou seja através
destas práticas reiteradas o leitor acaba por fazer uma associação de temáticas, tendentes
a fomentar uma imagem negativa da Câmara Municipal do Porto e do seu autarca.
Anunciado que estava o cordão humano, as acusações sobem de tom
transformando-se em ofensas pessoais que dão o mote às notícias publicadas pelos
diários a 21/02 e dão conta do facto supra-citado:
_ Jornal de Notícias : PCP acusa autarca de ser prepotente
_ Público : Cordão Humano contra aprendizes de totalitários juntou
centenas de comunistas na câmara
_ O Primeiro de Janeiro : Cordão humano pela liberdade de expressão
O corpo da notícia é tratado com objectividade na medida em que está sustentado
nas opiniões dos seus promotores. No entanto, o tom geral é bastante desfavorável à
edilidade dado à temática ter sido abordada pelos intervenientes com um teor que roça a
ofensa pessoal, quando o que está em causa são questões políticas. A título de exemplo, o
Público transcreve “Aprendizes de Totalitários jamais nos impedirão de nos expressarmos
livremente”, enquanto o Jornal de Notícias “retrógrada, prepotente e autoritária”. Mais uma
vez, os media servem para dar projecção a um evento feito para ser noticiado.
A 22 de Fevereiro de 2006 a notícia que dominou as páginas dos jornais
remetida para o facto de Rui Rio ter sido constituído arguido no caso do Túnel de
Ceuta. A este propósito os diários titulam:
_ Jornal de Notícias: Rio incorre em crime de desobediência
qualificada
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_ Jornal de Notícias Câmara avisa oposição e imprensa
_ Público: Rui Rio constituído arguido por desrespeito ao embargo do
Túnel de Ceuta
_ Primeiro Janeiro: Rui Rio arguido devido ao embargo doTúnel de Ceuta
As titulações escolhidas pelos diários, apesar do conteúdo negativo que
reflectem, são marcadamente mais negativos no Jornal de Notícias e no Público do que
no Primeiro de Janeiro. Contudo, um dos títulos publicados no Jornal de Notícias e que
remete para a ausência de Rui Rio na reunião da Câmara, na qual o vice-presidente
assumiu o seu lugar, revela uma tendência marcadamente manipuladora e conducente
a uma prática jornalística comum, em atribuir títulos que lançem a polémica. Este
episódio veio constituir mais um ponto negativo na quezília de Rio e o Jornal de
Notícias, denunciado no site oficial da Câmara. O autarca reagiu argumentando:
“Álvaro Castello-Branco limitou-se a informar o Executivo da CMP da razão pela qual
a reunião teria de ser presidida por ele e não pelo Presidente da Câmara, informação
que, em face das circunstâncias, não podia deixar de ser dada”.
Gráficos 4.2: Síntese da Análise de Conteúdo de Fevereiro de 2006
I – Tom Geral
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II – Títulos
A temática mais polémica no fim de Março de 2006 prende-se com a
Culturporto, entidade municipal que gere a cultura e cuja aprovação do investimento
teve lugar a 21/03 na sessão camarária. A este propósito os jornais titulam a 22/03:
_ Jornal de Notícias: Rivoli reduz produção própria
_ Público: PS acusa Câmara do Porto de “asfixiar”Teatro Rivoli
_ Primeiro de Janeiro: “Desnorte” na Culturporto
Apesar das titulações do Público e Primeiro de Janeiro serem engenhosas, o estilo
de escrita é dominantemente objectivo no desenvolvimento das peças. Já o tom geral
é manifestamente desfavorável em todas, ao serem motivadas pelas críticas da oposição
à política cultural ou ausência desta. O desinvestimento feito ao nível cultural e
consequente redução da produção motivou amplas discussões que atentam contra a
iniciativa autárquica em promover a cidade do ponto de vista cultural. Mais uma vez a
transferência dos factos é relançada para a discussão política. A situação divulgada
pelos diários culmina com a publicação a 27/03 no Jornal de Notícias, Dia Mundial do
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Teatro, de um anúncio de fundo laranja na página 6 dos classificados que remete para
a venda de Teatro com o número de telefone da Câmara Municipal.
Esta situação, indutora de práticas editoriais incorrectas – neste caso sob a égide do
departamento comercial -, levou a uma tomada de posição oficial da Câmara a repudiar os
factos, que considera difamatórios e induzem o leitor a interpretações que não
correspondem à verdade. Este facto motivou uma discussão trazida a público pelos jornais
e rádios. Contudo, e sem grandes desenvolvimentos em torno da problemática, o Jornal de
Notícias traz em última página a 28/03 uma brevíssima nota de fim de página a lamentar o
sucedido, que argumenta não ter passado de uma equívoco. De salientar, que esta nota é
intitulada Nota da Direcção Comercial, o que induz uma desresponsabilização do seu director
relativamente ao sucedido. Quanto ao comportamento, ainda que motivado por um lapso,
suscita algumas reservas tendo em conta o contexto em que decorre.
Ainda nesta sequência, o Jornal de Notícias publica uma notícia intitulada
“Câmara do Porto ameaça processar jornal por causa de anúncio”, que apesar de
objectiva ao nível do estilo de escrita, emite conteúdos desfavoráveis, ao remeter o
facto para os comentários da oposição.
O repúdio do executivo PSD/PP, nomeadamente do presidente Rui Rio em
relação ao Jornal de Notícias é público e tem sido, em diversas situações, fundamentado
por episódios associados a práticas jornalísticas incorrectas. Mais uma vez, e em
sequência a declarações prestadas ao jornal Expresso, Rui Rio sublinha através do site
oficial da Câmara: “Em tom crispado, Leite Pereira acusa o Presidente da CMP de ter tentado que
fossem feitas alterações na direcção do Jornal de Notícias através da golden share que o Estado tem
na PT. Pereira reporta-se aos anos de 2002 e 2003, altura em que o JN também atravessou um
longo período de maior oposição à autarquia portuense. O principal matutino do Porto, tido como
de pendor editorial socialista, reiniciou, recentemente, o seu confronto com a Câmara do Porto logo
a seguir às últimas eleições autárquicas, na sequência das orientações mais rigorosas que Rui Rio
estabeleceu para o relacionamento do novo Executivo com a comunicação social.”
No final de Março, acerca da temática que despoletou a contenda entre Rui Rio e
o Jornal de Notícias e a limitação das relações com os OCS, os diários publicam a 25/03:
_ Jornal de Notícias: Rui Rio contra construções
_ Público: Rui Rio quer parque da cidade sem grandes construções
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Estas notícias surgem a propósito da publicação do livro de Sidónio Pardal,
arquitecto do parque, e do Congresso sobre Parques Urbanos que decorreu no Porto,
em que o Parque foi citado como exemplo a nível internacional. A cobertura desta
temática teve uma presença discreta nos jornais, correspondendo a relatos isentos e
objectivos das declarações de Rui Rio a este propósito, em oposição às práticas que
ocorreram há meses atrás acerca da temática em causa.
Com o anúncio de venda do Rivoli24, os diários continuam a fazer eco dos
pretensos excessos de Rui Rio e da sua atitude mesquinha no tocante aos OCS. Ao
longo da evolução da temática, o único diário que não se intrometeu nas lutas
política/media tem sido o Primeiro de Janeiro. Orgão em que se manifesta uma tendência
global de maior isenção jornalística, não se abstendo de publicar factos de pendor
desfavorável a Rui Rio e acção do executivo quando isso é justificado por factos.
_ Jornal de Notícias (29/03): Os jornais e a cidade
_ Público (30//03): A Judicialização da crítica
As titulações supracitadas, aparentemente inofensivas a nível de titulação, dão
corpo a crónicas portadoras de linguagem, de certo modo, corrosiva. E apesar de
constituírem peças de opinião, acabam por ser pouco dignificantes, uma vez que
ridicularizam uma personalidade pública, com expressões como “birras mesquinhas”;
“estilo ayatholiano”.A temática, que em nada dignifica um jornalismo mais qualificado,
teve um efeito multiplicador de más práticas camufladas pela opinião livre, sem
sujeição a interesses.
A sequela da temática Quinta da China, com início em Abril de 2006, é outro
exemplo de tratamento parcial, visto que todos os diários analisaram a problemática à
luz da mudança de estratégia da maioria PSD/CDS, nomeadamente de Rui Rio ao
envolver todos os partidos com representação, dando o mote para a questão de Rui
Rio se ter demitido de responsabilidades. A este propósito o site da Câmara publica as
24 A questão do Rivoli, assim como outros espaços públicos, está integrada num plano da CMP em dinamizar a
cultura no Porto, através do recurso à gestão privada de alguns espaços culturais. Esta política tem sido justifiicado pelo líder da autarquia do Porto como uma solução para gerir melhor os recursos fisícos e financeiros, assim
como criar uma oferta cultural mais abrangente dos diversos públicos. Foi neste contexto que surgiu um acordo
com a empresa Música do Coração para explorar” o Pavilhão Rosa Mota. A primeiria iniciativa realizada por esta
empresa foi o concerto dos Simply Red (realizado em Agosto), que viria a esgotar a lotação deste espaço.Também
a exploração do Rivoli foi submetida a concurso público, encontrando – se ainda por decidir qual a empresa vencedora. Esta solução encontrada por Rui Rio tem merecido simultaneamene aplausos críticas.
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seguintes imagens, que reflectem uma tendência clara, por parte do Jornal de Notícias,
de manipular factos no sentido de desprestigiar a acção executiva. Numa primeira
fase, o relato é feito tendendo ao facto da decisão do executivo vir a lesar gravemente
a Câmara e respectivos munícipes, enquanto numa segunda fase arquitectam-se
conjunturas em função a decisão da Quinta da China avançar, na qual o principal
partido da oposição se demite de responsabilidades, remetendo-se à abstenção.
Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 31 de Março 2006
Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 5 de Abril 2006
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Recorte do jornal Público, de 5 de Abril 2006
Contudo, e à excepção do Primeiro de Janeiro que faz um relato de factos
imparcial, cobrindo todas as posições envolvidas e decisões tomadas, também o
Público quer ao nível da notícia, quer ao nível da opinião veicula valores ao chegar
admitir num artigo de opinião que existe um perfil de Rio antes e depois da Quinta
da China.
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Gráfico 4.3: Síntese da Análise de Conteúdo de Março de 2006
I – Tom Geral
II – Títulos
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A temática em torno da Fundação de Ciência e Desenvolvimento, veiculada
pela imprensa em meados de Abril de 2006, mereceu um destaque bastante
desfavorável e associado em diversas situações a más práticas jornalísticas. Por
exempo: Rui Rio acusado de asfixiar Fundação de Ciência e Desenvolvimento, (Público,
18/04). Este título que dá corpo a uma notícia com grande destaque em que se realça
um estilo de escrita subjectiva, da qual fazem parte expressões como “...incapacidade
na captação...”, “...albergue espanhol...” configura um tom geral tendencialmente
desfavorável que pretende denunciar uma atitude da autarquia, personalizada em Rui
Rio marcadamente negativa contra a Cultura e o Desporto na cidade em sequência do
que já tinha sido manifestado através do jornal ao nível das políticas sociais de
habitação. Esta frequência de notícias desfavoráveis recorrendo, por vezes, a uma
deturpação internacional dos factos, pode sugerir que existe uma tentativa de ataque
para criar uma imagem negativa do executivo.
Também a este propósito o Jornal de Notícias publica: Receitas do Teatro
Campo Alegre suportam apenas 5,9% das despesas, (16/04), que dá corpo a uma
notícia correspondente com uma prática jornalística mais adequada ao universo de
isenção, apresentando sempre dados directos e simples acerca da abordagem, não
obstante o conteúdo ser desfavorável ao executivo camarário, propiciado pelos cortes
orçamentais.
A estes episódios juntamos a política de recursos humanos como alvo de
críticas da Comissão de Trabalhadores, Sindicatos e Oposição, em sequência de um
conjunto de notícias publicadas que remetem para a emissão de notificações a
funcionários por faltas injustificadas e a pouca fiabilidade do sistema de controlo de
faltas. A nota veiculada pelo site da Câmara a 21/04 em nada serve para esclarecer as
matérias contraditórias publicadas pelos diários em análise. Falam-se em números
diferentes, não concretizados pela nota. As notícias remetem para uma segunda
intenção nesta “caça às bruxas” no sentido de proceder a uma reestruturação de serviços
e consequente libertação de alguns funcionários, desta feita não esclarecida pela nota
supracitada.
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Recorte do jornal Público, de 18 de Abril 2006
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_ Jornal de Notícias (20/04) : Corte nas férias e nos salários
_ Jornal de Notícias (21/04) : Trabalhadores vão a Tribunal contra a
Câmara
_ Público (20/04): Câmara notifica 2000 trabalhadores por alegadas
faltas ao serviço
_ Primeiro de Janeiro (19/04):Acções disciplinares podem chegar a mil
_ Primeiro de Janeiro (21/04): Menos de 500 funcionários notificados
As titulações acima referidas dão corpo a peças de teor contraditório, com
números divergentes e críticas múltiplas por parte da Comissão de Trabalhadores e
Sindicatos. Na base estão as notificações feitas aos funcionários tendo por base faltas
injustificadas. Estas geraram informações contraditórias da parte das fontes envolvidas
e a composição de peças de tom geral desfavorável ao executivo. Ao nível do estilo de
escrita, o Primeiro de Janeiro (19/04) dá eco a expressões como “...operação de
cosmética...intenção de diminuir...falta de coordenação de serviços” que são
valorativas e atribuem culpas ao executivo nesta matéria. Já a peça publicada a 20/04
é mais objectiva ao nível do estilo de escrita embora com um tom geral que reflecte
uma dissonância de opiniões, não consubstanciadas pelo Executivo.
Já a peça do Público lança a suspeição sobre as notificações indevidas feitas a
funcionários, dando cobertura à Comissão de Trabalhadores e Sindicatos, sem ter
contactado a direcção de recursos humanos no sentido de ouvir a sua versão dos
factos. O diário atribui à Edilidade o papel de carrasco nesta problemática. Não
obstante, não recorre a um estilo de escrita subjectivo. Tendência seguida pelas peças
veiculadas pelo Jornal de Notícias.
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Recorte do jornal Público, de 20 de Abril 2006
A temática em torno do Regulamento da Propaganda assistiu a um novo
episódio, motivado pela suposta retirada de cartazes do 25 de Abril pela Câmara do
Porto, evento que esta patrocinou.
_ Jornal de Notícias (23/04): Protesto contra a afixação de propaganda
_ Público (25/04) : Câmara ameaça a tirar apoio às celebrações do 25
de Abril
_ Primeiro de Janeiro (21/04) : Câmara retira cartazes do 25 de Abril
_ Primeiro de Janeiro (22/04) : Propaganda condicionada no Porto
O título do Primeiro de Janeiro de 21/04 é particularmente lesivo na medida
em que dá como adquirido um facto não provado, contudo, é a peça veiculada pelo
Público a que aproxima mais de más práticas jornalísticas enunciadas por fontes não
identificáveis que transmitem opiniões desfavoráveis e condenam uma actuação não
sustentada. Onde reside o rigor jornalístico a emitir opiniões não identificáveis, que
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em nada contribuem para o apuramento da verdade? A propósito desta problemática
os diários publicaram os seguintes títulos:
• Jornal de Notícias:
_ (26/04) Críticas de Sindicatos irritam Câmara do Porto
_ (27/04) Câmara distingue personalidades
_ (29/04) Câmara não paga comemorações do 25 de Abril
• Público:
_ (27/04) BE critica homenagem da autarquia a Pires Veloso
_ (29/04) É falta de educação morder a mão de quem nos alimenta
_ (29-04) Câmara do Porto retira apoio às Comemorações do 25 de Abril
• Primeiro de Janeiro:
_ (27/04) Porto distingue figuras da cidade
_ (29/04) Retirado apoio de 11 mil euros às Comemorações do 25 de Abril
As peças com maior rigor e exactidão são as publicadas pelo Primeiro de
Janeiro: a 1ª faz eco das distinções feitas pela Câmara do Porto a propósito do 25 de
Abril, de uma forma puramente numerativa, já a segundo reflecte os contornos da
contenda e apesar do assunto ser sensível à autarquia é retratado de forma neutral,
pelo confronto de posições sustentadas de ambos os lados. Quanto ao Jornal de
Notícias, alvo das críticas da autarquia, publica matérias a este propósito que reflectem
Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 29 de Abril 2006
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de forma inequívoca más práticas editoriais. A primeira peça relata a posição da USP
a propósito da retirada de apoio às Comemorações, sem fazer menção à carta da
autarquia.Visão unilateral e tendenciosa, que vicia a informação difundida.
A 27/04 o jornal (Público)) faz uma breve menção às distinções feitas pela
autarquia como mote para as críticas do BE à condecoração a Pires Veloso. De forma
camuflada o jornal aproveita para dar nota das Comemorações feitas pela Câmara para
a sujeitar à posição do Bloco de Esquerda. Este facto sugere um intuito manipulador e
não coincidente com o bom exemplo jornalístico. Contudo, o Público dá maior
cobertura à temática, de uma forma mais evidente, com vista a provocar, embora não
tivesse merecido qualquer pronunciamento por parte da Câmara.
Ainda este diário (Público), veicula a 29/04 uma crónica assinada por
jornalista da redacção claramente difamatória que inclui criticas direccionadas a Rui
Rio, tais como “utilização perversa do poder...segundo humores e simpatias”. Apesar
das peças de opinião serem edificantes num jornalismo livre, não será incoerente que
uma jornalista que escreve por norma acerca da autarquia e de Rui Rio, venha desta
feita manifestar opiniões e valores acerca dos mesmos? Não poderá isto significar
promiscuidade entre a informação e a opinião que poucos contributos traz às boas
práticas jornalísticas?
Gráficos 4.4: Síntese da Análise de Conteúdo de Abril de 2006
I – Tom Geral
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II – Títulos
As comemorações do 1º de Maio também foram o mote para a encenação de
uma peça por parte do PS com representação na autarquia e teve como protagonista
principal Francisco Assis. A criação de um pseudo-evento para atrair os OCS é algo
comum em política que desta feita serviu para canalizar e reiterar atitudes comuns da
oposição, nomeadamente:
_ Jornal de Notícias (02/05): PS acusa Maioria PSD/PP de gerir
cidade com arrogância absoluta
_ Público(02/05): Francisco Assis acusa Rio de incompetência e arrogância
Titulações tendenciosas com vista atrair o leitor, dão corpo a peças
formatadas ao interesse da oposição, sustentadas por afirmações difamatórias que
ultrapassam o foro político para atingir o pessoal com a transcrição de afirmações
como: “arrogância começa a raiar foros do patológico”. As práticas jornalísticas
assentes em ambos os diários são reveladoras de uma tendência reiterada em dar
cobertura, excessiva, aos ataques lesivos e socialmente abruptos da oposição,
atribuindo protagonismo excessivo aos actores da discórdia e às suas provocações.
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Isto pode significar a existência de más práticas jornalísticas na medida em
que se cobrem acontecimentos que têm intenções camufladas, que os jornalistas e
editores exploram ao máximo com o intuito de “inflamar” a opinião pública. Onde fica
o papel da comunicação no processo de informar, subjacente às práticas reflectidas?
Um dos episódios mais recentes a marcar o confronto entre o Jornal de
Notícias e a Câmara do Porto prende-se com as alegadas irregularidades do Estádio do
Bessa e pretenso abuso de poder do chefe de gabinete de Rui Rio, Manuel Teixeira. A
notícia que dá o mote para o desenvolvimento da polémica é veiculada pelo Jornal de
Notícias a 04/05/06, com o título, Chefe de Gabinete de Rui Rio investigado no Apito do
Dourado. A titulação dá corpo a uma peça que levanta vários tipos de suspeição em
relação ao Chefe de gabinete, que mereceu de imediato uma resposta da parte da
autarquia, da qual se destaca: “Ao esconder a parte fundamental da “história”, o jornal,
dirigido por Leite Pereira, tenta manchar a honra de Manuel Teixeira, que não é
arguido em qualquer processo, e afectar politicamente o Presidente da Câmara. O
jornal tenta ainda associar o Metro do Porto de uma forma imperceptível, apesar do
processo já ter sido arquivado”.
A reboque desta, o Público veicula uma peça a 05/05/06 em que são
enunciadas estas questões e em que se faz menção à resposta da autarquia, reiterada
por declarações que Rui Rio havia dado à SIC na noite anterior, nas quais denuncia a
existência de uma campanha orquestrada pelo Jornal de Notícias com o intuito de
denegrir a gestão camarária.
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Fig 4: Jornal de Notícias – 05/05/06 Secção- Polícia e Tribunais Pag -12
Também a 05/05/06, em linha com o que havia sido lançado no dia anterior,
o Jornal de Notícias publica: Câmara do Porto deixou passar ilegalidades na construção do
Bessa, título de manchete de 1ª página, em que se realça a notícia lançada no dia
anterior, sustentada por dados processuais e por uma nota da direcção da qual consta:
“1-O JN reafirma a teoria da notícia ontem publicada
2 – O JN não tem, nem nunca teve, nenhuma guerra em curso contra a
câmara. O jornal não faz política, faz notícias”
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Não obstante, e na senda desta trama, a 06/05/06 o diário veicula Lote 8 do
Bessa é ilegal. Uma peça em que se dá conta das torres Boapor edificadas na envolvente
do estádio, e que estão na origem das alegadas irregularidades. Independentemente do
teor da informação veiculada, é importante referir que a nível jornalístico, as
titulações e corpos das peças dão como consumadas matérias sensíveis, que geram o
efeito de desinformação.
Com base neste conteúdo será importante enunciar que o novo PDM do
Porto esteve, nos termos da Lei, em discussão pública. A Assembleia Municipal que é
a entidade quem detém o poder de aprovação do PDM e cuja composição era, à época,
maioritariamente afecta ao PS, PCP e BE, alterou legislativamente a proposta do
Executivo, aceitando uma das reclamações do Clube e chumbando outra. O Boavista,
tal como centenas de outras pessoas e instituições, reclamou, pedindo as referidas
capacidades construtivas. O Executivo entendeu não dar provimento aos dois pedidos.
Portanto, a suspeita lançada na opinião pública sobre o chefe de Gabinete foi
infundada, até porque o Chefe de Gabinete não tem poder sobre uma matéria que é
decida em Assembleia Municipal.
O teor destas matérias, dado a especificidade jurídica, não contribui para o
esclarecimento do público gerando exactamente o efeito contrário. De realçar que
estas matérias foram integradas na secção de Polícia e Tribunais, ao contrário do que é
prática habitual deste jornal em temáticas relacionadas com a Câmara e os seus Edis.
Por norma, o jornal publica nesta secção processos - crime em curso ou já julgados.
Isto gera um efeito perverso sobre esta matéria, da qual não se extraem até ao
momento conclusões esclarecedoras e que marcam mais um episódio nesta luta de
interesses e no jogo de sombras citado anteriormente entre a informação e a
política25.
No tocante à decisão judicial, protelada há alguns meses, acerca do caso do
“energúmero”, difamação dirigida por um cronista do Público a Rui Rio a propósito
da Casa da Música, foi ditada a condenação do réu. Os jornais abordaram a temática
de forma diversa, contudo, o orgão visado nesta polémica é o que veicula a notícia
aparentemente de forma inocente, no entanto, enviesada por alguns factores que
25 Este assunto gerou uma queixa por parte de Rui Rio à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), a
propósito da violação do Direito de Resposta por parte do Diário de Notícias, no sentido de esclarecer e refutar a
veracidade de algumas notícias. No despacho da ERC (Proc.nº MAIODR15-I), poder ler-se a seguinte conclusão:
“ ....delibera-se dar-lhe provimento e determinar ao Diário de Notícias a republicação do texto de respostas do
Presidente da Câmara Municipal do Porto, no cumprimento rigoroso dos princípios da equivalência, igualdade e
eficácia....”
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ficaram alheios à leitura do cidadão comum, nomeadamente:
i) Sob a seguinte titulação o cronista do PÚBLICO condenado26 por
difamação (20/05), o diário destaca o nome do jornal da restante titulação, co-responsabilizando-se pela sentença.
ii) Por seu turno, a notícia é remetida para as últimas páginas, secção
dos media, o que é incoerente com a política do jornal uma vez que
o assunto tem sido veiculado no caderno Local. A indignação é
legitíma ao remeter-se a decisão, desfavorável ao réu para as últimas
páginas, numa secção que por norma se destina a sondagens,
programas, tendências e estudos sobre os media.
iii) Em relação à foto publicada, com destaque, esta é de Rui Rio ao
invés do visado pela decisão. Não obstante, esta é uma foto de
arquivo embora não contenha essa indicação, mostrando o autarca
com uma postura de satisfação roçando laivos de ironia, o que
transporta um valor imagístico para a notícia algo negativo.
iv) Por último, a jornalista Andréia Azevedo Soares deixa um recado no fim
da peça, remetendo às palavras do advogado de defesa de Augusto
M.Seabra, proferidas em sede de julgamento “Rui Rio não exerceu o
direito de resposta” e acrescenta a jornalista “a que teria direito nas
páginas do PÚBLICO”.
A transformação dos Serviços Municipalizados das Águas em empresa
municipal continua a merecer destaque por parte dos diários em análise. Desta feita,
os jornais publicam:
• Jornal de Notícias:
_ 25/05/06: Rui Rio acusa SMAS de “falta de transparência”
_ 31/05/06:Transformação dos SMAS com Luz Verde
26 O cronista do Público Augusto M. Seabra foi condenado, a 19 de Maio, pelo Tribunal Criminal do Porto, a indemnizar o presidente da Câmara local, Rui Rio, em 4000 euros, devido a um artigo de Junho de 2003. Para além da
indeminização pessoal, o juiz Carlos Coutinho considerou ter ficado provada a culpa do arguido, acusado do crime
de difamação agravada pela publicidade, e deliberou o pagamento de 2140 euros de multa.
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• Público:
_ 25/05/06: Rui Rio admite que as Águas do Porto venha a acolher
todos os trabalhadores dos SMAS
_ 26/06/06: Trabalhadores dos SMAS exigem regulamentação das
condições laborais
_ 27/05/06: Sindicatos descontentes com protocolo entre os SMAS e
a nova empresa municipal
_ 31/05/06 : PSD/PP e PS aprovam passagem de SMAS a empresa
municipal
• Primeiro de Janeiro:
_ 25/05/06: Nova Empresa será referência
_ 25/05/06: Sindicatos à espera de protocolo não descartam
manifestação
_ 26/06/06: Sindicatos esperam abertura
_ 27/06/06: Sindicatos pedem alteração de protocolo
_ 31/06/06: Empresa da Água aprovada
A evolução desta problemática é abordada pelos diários de forma neutral,
mormente pouco esclarecedora para os leitores. Nenhum dos diários promove um
artigo de fundo a esclarecer os leitores acerca das implicações das mudanças
estruturais e respectivas consequências ao nível do serviço e estrutura.O Jornal de
Notícias apesar de apresentar um título tendente a provocar algum mal-estar, Rui Rio
acusa SMAS de “falta de transparência”, este tíulo dá corpo a uma peça neutral, o que
mais uma vez vem traduzir a necessidade dos jornais optarem por titulações que
captem a atenção do leitor. Por seu turno, as peça do Público no tocante à posição dos
sindicatos reforçam o lado negativo da proposta apresentada pela Câmara,
classificando-a de “manca e omissa”.
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Gráficos 4.5: Síntese da Análise de Conteúdo de Maio de 2006
I – Tom Geral
II – Títulos
Em matéria de Urbanismo, os jornais voltam em Junho à malograda Quinta
da China, que mais uma vez serve de mote à publicação de notícias, entrevistas e
artigos de opinião.
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Desta feita e no cerne da polémica esteve um conjunto de peças veiculadas
pelo Público a 05/06/06. A notícia de lançamento na primeira página do caderno
local é intitulada, Direitos adquiridos no caso da Quinta da China podem não ter sido
atribuídos por Nuno Cardoso.
O artigo lança a suspeição sobre Rui Rio na questão da Quinta da China,
quando este havia dito que esta herança lhe tinha sido transferida por Nuno Cardoso,
três dias antes da tomada de posse do actual autarca.
A questão é sustentada na opinião de diversos juristas, que emitem opiniões
sem recurso a matéria de facto. O conjunto de peças subsequentes, das quais fazem
parte uma entrevista com o Vereador do Urbanismo, não contribuem para um
esclarecimento público, servindo antes para incriminar Rui Rio por a decisão de
avançar com a construção da Quinta da China. Este artigo foi à data alvo de de um
direito de resposta por parte da Câmara do Porto, que só viria a ser publicado a 22 de
Agosto de 2006 por decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social
(Anexo IV: Deliberação 20-R/2006, de 10 de Agosto).
No início de Junho de 2006 continua a tendência de acentuar o confronto
entre o Jornal de Notícias e a Edilidade do Porto. Uma das “estórias” que marcou o início
do mês, foi a inauguração simbólica a 7 de Junho da Avenida dos Aliados. A obra de
reconversão que esteve a cargo dos arquitectos Siza Vieira e Souto Moura esteve
envolta em grande polémica desde a sua génese, nomeadamente sendo alvo de
contestação da oposição na autarquia e associações ambientais.
Em alusão à inauguração da nova Avenida dos Aliados, alvo de várias
polémicas veiculadas pelos jornais, os diários em análise intitulam a 8 de Junho as suas
peças da seguinte forma:
_ Público (1º Página do Caderno Local) :Avenida dos Aliados de volta
com pouca cor e entusiasmo
_ Jornal de Notícias (Manchete de Primeira Página): Nova imagem
dos Aliados
(1ªPágina do Caderno Porto) Fez-se luz nos Aliados com direito a
banhos
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_ Primeiro de Janeiro (08/06/06): Avenida dos Aliados devolvida à
cidade
Recorrendo a uma titulação aparentemente inofensiva, o Jornal de Notícias,
veicula uma foto com três jovens a mergulhar num espelho de água criado por Siza
Vieira. O relato deste episódio converteu-se no grande destaque deste diário, como se
se tratasse do facto mais importante a salientar, após vários meses de obras que
reconverteram a imagem da sala de visitas da cidade Invicta. A notícia mereceu de
imediato uma reacção por parte da autarquia, que a classifica de um exemplo de Mau
jornalismo ou a história de frustrações mal escondidas”.
“A falta de nível e de respeito pela cidade, permitem ao Jornal de Notícias dar
uma má imagem da renovada sala de visitas do Porto, evidenciando um aspecto que nada
tem a ver com a obra em si, mas apenas - quando muito - com uma questão de civismo.
Um pormenor que serviu os objectivos políticos do Jornal de Notícias, mas que rebaixa a
um patamar inferior o jornalismo portuense” (www.cm-porto.pt)27. A reacção em
epígrafe denuncia por parte da autarquia descontentamento por estar a ser alvo de uma
perseguição política, movida por um OCS. Saliente-se que estamos a falar de um OCS
com grande peso de mercado na zona norte, nomeadamente na cidade do Porto.
No dia 09/06/06 o Jornal de Notícias dá corpo a uma peça intitulada Nova
Avenida dos Aliados ainda não convenceu comerciantes o que entra em contradição com a
notícia veiculada pelo Público que dá conta de: Comerciantes aderem em força ao projecto de
instalação de esplanadas nos Aliados. Aos olhos do leitor, ainda que esclarecido, a dúvida
permanece acerca da disparidade de relatos entre os dois dários. O Jornal de Notícias só
recolhe opiniões desfavoráveis por parte dos comerciantes à intenção de colocar
esplanadas na Avenida, no Público as opiniões incidem numa clara tendência em dar
resposta às solicitações da autarquia em converter a Avenida em espaço público de lazer.
Verificamos através do relato dos comerciantes, um tipo de abordagem que parece
transmitir uma intenção do Jornal de Notícias em desprestigiar a iniciativa da autarquia.
Tal como é visado pelo artigo da Câmara no mesmo dia em que a Avenida dos
Aliados é manchete de primeira página no Jornal de Notícias (08/08), o caderno do Porto
é integralmente constituído por temáticas desfavoráveis à autarquia. Falamos
nomeadamente de um conjunto de manifestações, já habituais durante este mandato e
27 Excerto de artigo incluido no site oficial da Câmara do Porto (www.cm-porto.pt) a 09/06/06, em que se
desenvolve a tese, já enunciada em alguns exemplos citados ao longo do presente estudo, de um intutito claro do
Jornal de Notícias em denegrir a imagem da Edilidade e seu Executivo.
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empoladas pelos diários. Ao longo da semana as manifestações prendem-se com a
transformação dos SMAS em empresa de Águas do Porto, empresa municipal que tem sido
alvo de contestação por parte dos trabalhadores. Os sindicalistas acusam o autarca de
esconder as suas reais intenções sobre o futuro dos trabalhadores, chegando a promover
acusações como : “...o Porto está a ser gerido como uma quinta tradicional ao jeito do
feitor”( no Jornal de Notícias e Primeiro de Janeiro 08/06),“gerido o Porto como uma coutada
dele” (Público 08/06 ). Estas e outras acusações promovidas pelas entidades sindicais têm
merecido ampla cobertura por parte dos diários em análise, nomeadamente pelo Jornal de
Notícias e o Público. Já a Ribeira continua a ser palco das mais diversas polémicas contra a
Câmara do Porto e a merecer cobertura por parte dos três diários. Desta feita, os
comerciantes acusam a Câmara de se afastar do centro da cidade ao não contemplar esta
zona na Animação de Verão.Agrava-se a questão por não ter colocado nenhum ecrã gigante
para visionar os jogos do Mundial naquele local.Até ao momento a autarquia ainda não se
pronunciou acerca deste assunto que constitui mais relato desfavorável em relação a esta.
Assinalamos as comemorações do 10 de Junho na cidade Invicta, alvo de
destaque pelos três jornais. Contudo, e apesar de todos terem citado o facto de Rui
Rio ter sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, o Jornal
de Notícias coloca em evidência a 10 de Junho o título “Rui Rio manda recado ao
governo”, isto na sessão de boas-vindas a Cavaco Silva.“...a difícil situação em que
Portugal se encontra é, fundamentalmente fruto de demasiadas cedências à lógica da
simpatia fácil e popular e gestão de tempo político em cómoda subordinação às
imposições mediáticas.” Esta é uma das frases proferidas por Rui Rio a 9 de Junho, alvo
da cobertura jornalística, em que este reitera a sua posição face aos media.
A temática que motivou a discussão mais acesa no mês de Junho entre a
maioria de direita na Câmara e a esquerda foi motivada pela saída dos deputados da
Oposição no momento de votação da empresa Águas do Porto, ficando a mesma sem
quórum para o fazer.
_ Jornal de Notícias (14/06) PS sai da sala e boicota criação das
Águas do Porto
_ Público (14/06) Debandada da oposição da Assembleia Municipal
adia criação das Águas do Porto
_ Primeiro de Janeiro (14/06) Assembleia fica sem quórum
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Ao nível da titulação, o Primeiro de Janeiro é o que se resveste de maior
neutralidade na chamada de 1ª página deste assunto, já os restantes diários optam por
uma titulação mais cáustica, nomeadamente no Público em que se revê a problemática
como uma vitória da oposição, da qual se destaca expressões como “o autismo da
Câmara”, com assento comum nos diários em questão. Já no tocante às imagens os
jornais estão dominados por manifestações dos trabalhadores no exterior da
assembleia e por fotografias com a imagem irritada de Rui Rio, que classificou este
acontecimento como anti-democrático.
O episódio que motivou mais uma linha de fractura entre o autarca e o Jornal
de Notícias foi a questão dos Sapadores, que continuam em luta pela revisão de um
protocolo celebrado com a CMP no sentido de diminuir o número de turnos e
consequentemente reduzir o pagamento de horas extraordinárias.
Os jornais deram conta dos desenvolvimentos desta problemática com os
seguintes títulos:
_ Jornal de Notícias (20/06): Posto de Sapadores esteve fechado
por falta de pessoal
_ Público (20/06): Sapadores em Tribunal contra a Câmara
Enquanto o Público faz um relato com pouco destaque da temática, o Jornal de
Notícias atribui uma ampla cobertura a um acontecimento, que por sinal não chegou a
registar-se, o que se traduz numa opção editorial clara de salientar o lado negativo das
questões, revestindo-se numa prática jornalística classificada por analogia aos sistemas
de qualidade como não conforme.
Os jornais de 21 de Junho veiculam a notícia do segundo abandono das forças
da oposição na Assembleia Municipal aquando da votação da transformação dos SMAS
em empresa municipal. A reboque desta situação os Sindicalistas e Trabalhadores dos
SMAS manifestam-se à porta da Assembleia contra Rui Rio.
Os títulos que dão conta da temática motivam além de notícias algumas
crónicas e artigos de opinião desfavoráveis ao edil. Esta questão transformou-se em
mais uma questão com grandes repercussões na imprensa, tendentes a levantar um
clima de suspeição sobre o executivo e as suas reais intenções, que culminaram com o
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anúncio citado da directora de recursos humanos e contencioso, expoente máximo de
uma política de difamação; moralmente condenável.
_ Jornal de Notícias (21/06): Insistência Inútil
Oposição volta a impedir votação sobre os SMAS
_ Público (21/06): Oposição volta a impedir Rui Rio de avançar com
a criação das Águas do Porto
_ Primeiro de Janeiro (21/06): Oposição volta a abandonar a
assembleia
Nova concentração agendada para segunda-feira
As peças enunciadas pelos títulos em epígrafe são semelhantes na estrutura e
composição do discurso, mesmo porque a maioria PSD-PP absteve-se de comentários
ao invés do que ocorreu na semana anterior. Contudo, todas elas revelam um
conteúdo noticioso desfavorável à autarquia e às reais intenções de Rui Rio com a
criação das Águas do Porto, criando na opinião pública um clima de suspeição.A 27 de
Junho só o Público dá conta da aprovação em Assembleia Municipal da empresa,
embora, com uma cobertura menor à das tentativas de votação anteriores: Apesar dos
protestos aprovada a transformação dos SMAS em empresa municipal.
Se até ao momento a discussão deste trabalho se tem fundado em pressupostos
de informação geral, importa agora olhar pela 2ª vez para os classificados. O Jornal de
Notícias publica a 25 de Junho um anúncio no caderno de Classificados, especificamente
na secção de Relax28, com o intuito provocatório de intimidar um membro do executivo
dos SMAS. Não atribuindo à partida responsabilidades ao diário pelo sucedido, este foi
o veículo de transmissão de uma mensagem de teor comercial, altamente difamatório
para a sua interveniente, apanhada de surpresa nesta escala de informação desfavorável
que tem envolvido o Jornal de Notícias e a Câmara do Porto. No centro de toda a
polémica encontra-se a Directora de Recursos Humanos e Contencioso dos SMAS
Porto, um elo considerado por Rui Rio como vital em todo o processo de transformação
dos SMAS em empresa municipal. Este já mereceu a emissão de um comunicado de Rui
Rio a condenar a atitude dos intervenientes na colocação do anúncio e o desencadear de
medidas legais pela vítima.
28 Secção do Jornal de Notícias inserida no caderno Classificados destinada a publicitar a prestação de serviços privados de índole íntima e/ou sexual.
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A “guerra de palavras” entre o Jornal de Notícias e a Câmara do Porto tem sido
a nota dominante do primeiro semestre de 2006. Não obstante, os factos já
amplamente destacados, seria importante reflectir sobre alguns dos formatos e
géneros jornalísticos usados para apontar o dedo ao autarca e executivo da Invicta, seja
enquanto factos instigadores de polémicas, seja enquanto resposta ou contra-resposta
a enunciados com proveniência da autarquia. As peças de informação, das quais
destacamos a notícia (por ser um género mais isento), são as mais usadas para instigar
à polémica. Contudo, as peças de opinião têm sido também portadoras deste facto e
mais recentemente dois episódios marcados pela publicação de anúncios no Caderno
de Classificados do Jornal de Notícias, evidenciam esta realidade.
A juntar a estes géneros, facilmente identificáveis, o Jornal de Notícia, iniciou
um novo género a que designa de P.S..Tal como nas cartas em que se utiliza esta sigla
para acrescentar algo que nos esquecemos no corpo da carta ou quando se pretende
salientar a mesma, o director do Jornal de Notícias utilizou ao longo destas semanas a
sigla no final das suas crónicas com conteúdos diversos dos inscritos no P.S.. Esta
tendência lançada pelo director do jornal, já foi seguida por outros cronistas do diário.
A 28/06 numa crónica sobre o título Duas velocidades, o director do Jornal
de Notícias, Leite Pereira, acrescenta o seguinte P.S. “Continua a faltar classe a Rui Rio.
Comparar este jornal com um partido político para concluir que o JN faz política contra a
Câmara é um erro. Outra educação democrática permitiria que apreciasse, tolerasse e soubesse
conviver até com uma crítica injusta.”.
Já a 14/06 o director do Jornal de Notícias o havia feito numa crónica
intitulada, Perder Tempo com o P.S. “O site da Câmara do Porto elegeu-me desde há uns
tempos como inimigo público número um. Não mereço tal. Mas mereço que quem o faz dê a cara
e não se acobarde por trás da responsabilidade do dr. Rui Rio.”
A reboque desta situação o jornalista Jorge Vilas na crónica publicada a
03/07, intitulada Agora é que são elas, aproveita para inscrever o seguinte P.S. “A
excessiva preocupação com o site da Câmara do Porto “vigia” o que se publica ou não publica no
JN cheira-me a gato escondido com rabo de fora...Não estou a ver o presidente sentado no seu
gabinete a escrever as prosas que têm vindo a lume nos últimos tempos mas, em contrapartida, é
feio vê-lo a dar cobertura a tanto despautério”
A classificação destes P.S. foi feita na grelha de análise com a transposição para
o género breves, pois embora esteja incluida em crónicas estes conteúdos nada têm a
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ver com a crónica que lhes deu origem, daí distinguirmos estes enunciados como
independentes da restante peça.
Ora, importa ainda destacar outra das polémicas com mais repercussão nos
jornais no final de Junho e com evidentes desenvolvimentos em Julho de 2006. Esta
prende-se com o regulamento dos subsídios, mais concretamente, com a introdução
de uma cláusula nos protocolos assinados com as instituições, onde se exige que quem
assina um contrato de colaboração com a autarquia se deve abster de a criticar sobre
a matéria objecto desse mesmo contrato.
A questão foi lançada pelo Público a 28/06 sobre o seguinte título “Rui Rio
condiciona subsídios à ausência de críticas por uma questão de bom senso”, a
propósito de um protocolo assinado com a Fundação Eugénio de Andrade, através do
qual a CMP lhe atribuía um subsídio de 15 mil euros.
O Jornal omitiu, no entanto, a parte final da cláusula, ou seja, a passagem do
texto onde se afirma que a exigência se refere apenas “à matéria objecto desse
contrato”, criando assim na opinião pública a ideia errada de que a Câmara não dá
subsídios a quem a critica. Como se pode verificar nas várias análises e comentários
feitos, entretanto, sobre a matéria.
Segundo o líder da autarquia do Porto, os jornais ocultaram deliberadamente
esta parte da cláusula, bem como todos os esclarecimentos que justificam a sua
inclusão nos protocolos de apoio assinados pela autarquia. Para Rui Rio os jornais
deram uma falsa imagem do Presidente da Câmara do Porto, “tentando impor à
opinião pública a ideia de que não aceita as críticas e pretende calar as instituições com
subsídios”. Num artigo publicado no Diário de Notícias de 9 de Julho, o autarca
portuense esclarece a questão e acusa claramente a comunicação social,
nomeadamente alguns articulistas, de terem manipulado as notícias:
(...) Que a restrição se confina a não criticar a Câmara apenas no
âmbito do que, por ela, é apoiado. Que se aceita a critica em tudo
menos naquilo que é objecto de acordo; por ambas as partes assinado.
E que as entidades públicas também se têm de dar ao respeito, sob pena
de perderem autoridade e credibilidade. Só que, tal como noutras
lamentáveis ocasiões, a explicação do acusado não podia ser divulgada
de forma clara.Tinha de ser embrulhada com mais prosa e com títulos
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sugestivos, porque se fosse publicada linearmente e sem hipocrisia, o
consumidor da (des)informação deixaria de pensar que “o homem, eleito
pela direita, não é democrata e quer a censura”. Por isso, - seguramente em
nome da tal liberdade de imprensa - não deixou de haver quem tivesse
tido o indispensável cuidado para não estragar a ideia que já se tinha
conseguido instalar nos leitores mais ingénuos...
Não obstante, as questões amplamente discutidas em torno da legalidade ou
ilegalidade desta questão, que alguns jornalistas e cronistas enunciam como uma forma de
limitar a liberdade de expressão, chegando a comparar Rui Rio aos tiranetes sul-americanos, e quealguns constitucionalistas consideram ilegal, é importante referir o Editorial
publicado pelo Primeiro de Janeiro a 01/07 sob a assinatura da directora Nassalete Miranda.
Em relação a esta temática, a directora inicia o editorial nestes termos “ O que é um
contrato senão a aceitação das partes do que ali é exposto?.....só se assina um documento
quando se concorda com o que lá está escrito....” A julgar por esta introdução seria
importante reflectir sobre a assinatura deste protocolo entre a Câmara e a Fundação
Eugénio de Andrade, detentora de todos os elementos necessários antes da sua
celebração. Esta questão não foi enunciada por mais nenhum jornalista ou sequer cronista
dos diários em análise, que por sua vez não têm poupado críticas ao autarca.
A designada “Lei da Rolha” pelos jornalistas foi usada por estes e outros
cronistas para caracterizarem a política de comunicação da Câmara, interna e externa,
e emitirem opiniões, levadas, por vezes, ao extremo.O Público é o diário que mais
explora a questão. A 05/07 o articulista Joaquim Fidalgo, usa a imagem de um
interlocutor já falecido, amigo de Rui Rio para levantar as questões citadas em torno
da liberdade de expressão. A crónica intitulada “Boa Memória”, dada às circunstâncias
em que é redigida poderá constituir uma ofensa a Rui Rio, pelo aproveitamento da
memória de um amigo deste, e mereceu de imediato reacção da parte do autarca.
Já a 06/07 a temática dá corpo a uma crónica intitulada “Rolhas e Euros” do
cronista Rui Moreira, que incide mais uma vez sobre a temática considerando que
aqueles orgãos ou organismos que no Porto fazem opções pela independência têm o
futuro condicionado. Para o efeito apresenta o exemplo do Comércio do Porto que ao
seguir esta via, teve uma opção suicidária.
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A 06/07 sob o título “Queridos Autarcas”, o cronista Augusto M. Seabra, com
contencioso com Rui Rio por tê-lo intitulado de “energúmero” no mandato anterior,
não se coíbe de tecer comentários de afronta ao autarca, a propósito de alguns
momentos que designa de anti-democráticos e caracteriza “obstinação de Rio ...cega
e intolerante... concepção canhestra...regras da mordaça...meios ínvios”.
A 08/07 é a vez do jornalista Jorge Marmelo produzir em jeito de elogio forjado
um artigo intitulado “Querido Líder”, ao longo do qual se situa em diversos momentos
do 1º mandato e nomeadamente do actual para produzir um texto de opinião repleto de
recursos estilísticos e como forma de através da antítese do que considera a Verdade emitir
opiniões claramente contra o autarca. Parece-nos abusivo que os jornalistas que redigem
diariamente notícias sobre o Porto e a sua Edilidade, supostamente imparciais na análise,
protagonizem a redacção de textos de opinião deste teor.
A 10/07 é a vez de Eduardo Prado Coelho, na crónica “As meias verdades de
Rio”, dirigir as suas palavras ao autarca do Porto. Palavras que assumem uma tónica
particularmente ofensiva, tais como, “odeia pensar...o pobre ignorante...”. Logo no
título pode subentender-se que o cronista intitula o autarca de mentiroso e ao longo
do texto tece vários comentários que vão de encontro a este propósito.
Gráfico 4.6: Síntese da Análise de Conteúdo de Junho de 2006
I – Tom Geral
Desfavorável
Favorável
Neutrais
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II – Títulos
É uma redundância afirmar que os meios de comunicação são fundamentais
para o desenvolvimento da democracia. É uma verdade irrefutável. Da mesma forma
que a missão da imprensa é informar e formar os cidadãos sobre os aspectos da vida
social, cultural, política e económica, e, por vezes, através de uma atitude crítica
fundamentada em factos, contribuir para questionar a moral e ética das práticas das
organizações e dos seus dirigentes, também os media devem ser sujeitos a críticas
quando são identificadas más práticas jornalísticas.
Nesse sentido, este trabalho, é, antes de mais, um exercício de cidadania na
medida em que, de uma forma construtiva e fundamentada, identifica práticas
jornalísticas que são questionáveis do ponto de vista de cumprirem princípios
fundamentais da responsabilidade social, ética e deontologia jornalística. Aliás,
convém sublinhar que têm sido frequentes as queixas do presidente da CMP a
instituições judiciais e reguladoras. Alguns dos pareceres emanados por estas
instituições, nomeadamente no que se refere à violação do direito de resposta, têm
dado razão a algumas das queixas apresentadas por este autarca, como se podem ver
em anexo. Existem várias deliberações e decisões judiciais que vêm confirmar a
adopção de más práticas jornalísticas na forma como são abordados alguns temas
relacionados com o líder da autarquia do Porto.
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Do ponto de vista académico, este é um caso interessante de análise que
merece uma investigação mais aprofundada sobre os contornos e conteúdos desta
relação entre a imprensa e a Câmara Municipal do Porto, assim como a reacção que se
está a observar por parte algumas entidades regulatórias e judicais sobre este caso.
A frequência e quantidade das peças desfavoráveis à actuação do edil
resultantes de uma análise diária de peças jornalísticas, realizada predominantemente
entre Janeiro e Junho de 2006, como se pode observar nos gráficos síntese a seguir
apresentados, parece sugerir a ideia de que existe, por vezes, uma “estratégia” editorial
no sentido de criar uma imagem negativa da actividade da Câmara Municipal do Porto
e do seu líder.
Gráficos 4.7 Análise de Conteúdo de Jan-Jun 2006
Legenda
Gráfico I - Público
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Gráfico II – Jornal de Notícias
Gráfico III – Primeiro de Janeiro
O debate em torno das relações entre o poder político e os jornalistas
intensifica-se, motivado pelo crescente número de peças correspondentes a práticas
jornalísticas incorrectas. Através da análise dos gráficos 4.7 (I/II/III), sobre o tom
geral das peças publicadas acerca de Rui Rio e Câmara do Porto, torna-se evidente um
acréscimo de peças desfavoráveis, nomeadamente no Jornal de Notícias.
No compto geral, o primeiro semestre de 2006 (Janeiro – Julho) ficou
marcado nos diários, à excepção do Primeiro de Janeiro, por uma maioria de peças
desfavoráveis à Câmara do Porto e a Rui Rio. O Jornal Notícias é dos periódicos em
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análise o que reúne o maior percentual de peças com conteúdos desfavoráveis
(56,2%), o Público (51%) e O Primeiro de Janeiro (38%). Só este diário totaliza um
percentual de peças neutrais superior às peças com conteúdos valorativos, numa
proporção de 55% (neutrais) para 45% (favoráveis e desfavoráveis), já no Público este
rácio situa-se nos 49% (neutrais) face a 51%(favoráveis e desfavoráveis) e, no Jornal de
Notícias em 39% (neutrais) para 61% (favoráveis e desfavoráveis.
Embora não tenha sido possível concluir que se observe a existência de uma
“estratégia” deliberada (por parte de alguns jornalistas do Jornal de Notícias e Público)
com intuito de construir uma imagem sistematicamente negativa da CMP e de Rui Rio
– motivo pela qual se sugere uma análise mais aprofundada (ao nível da análise de
conteúdos e do discurso) no sentido de a confirmar ou infirmar esta hipótese -,
observou-se nestes diários a existência algumas práticas jornalísticas questionáveis do
ponto de vista ético e deontológico.
Em algumas situações concretas e identificadas caso-a-caso, pode-se admitir
que jornais estão a desviar-se da sua função de origem (informar e formar) e a
aproximaram-se, como sugere Perseu (1988), das funções de um partido político, ao
privilegiarem, em muitas situações, a perspectiva da oposição. Neste contexto, a
função tradicional dos jornais como motores da democracia e pluralismo da
informação poderá ser colocada em causa.
Apesar de não ter sido possível responder com um maior nível de
profundidade a todas as perguntas de partida colocadas inicialmente, apresentamos ao
longo deste trabalho algumas pistas que podem constituir uma base importante de
respostas e hipóteses para futuras investigações mais aprofundadas. Não obstante o
período de análise aqui considerado – seis meses – ser relativamente curto, não
permitindo por isso confirmar tendências sistemáticas e mais contínuas no tempo, a
verdade é que as peças publicadas durante o 1º Semestre de 2006 parecem indicar a
existência de más práticas jornalísticas na abordagem de assuntos relacionados com a
Câmara Municipal do Porto e do seu líder.
Embora a análise aqui realizada transmita, em certa medida, uma perspectiva
pessimista sobre a actividade dos jornais na forma de abordagem – por vezes pouco
clara e subjectiva – de alguns assuntos (como é o caso da actividade da Câmara
Municipal do Porto, e que poderá corresponder a uma situação específica), a autora
reconheçe que os jornais referidos têm desempenhado um papel muito importante na
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sociedade portuguesa. Contudo, esta consciência não deve inibir uma análise crítica de
determinadas situações aqui são referidas.
Também não se pretende colocar o Primeiro de Janeiro no mesmo patamar de
audiências que o Público ou o Jornal de Notícias. No entanto, neste trabalho em
concreto, pareceu-nos justificada essa comparação por se tratarem dos jornais com
maior fluxo de notícias sobre a actividade da CMP. Acresce que as boas práticas
jornalísticas tanto são válidas para os jornais nacionais como para os jornais regionais.
Em conclusão, este trabalho não constitui, de todo, um manifesto contra os
media – e muito menos contra o bom nome dos jornais e dos respectivos profissionais,
mas sim uma reflexão sobre a existência de algumas práticas jornalísticas que podem
prejudicar o prestígio e credibilidade dos jornais e das instituições onde se inserem,
privando em última análise os cidadãos de serem informados correctamente.
Nesse sentido, é importante a realização de estudos que sejam críticos da
actividade jornalística e que alertem os profissionais e académicos da comunicação,
assim como outros actores envolvidos nesta actividade, para a necessidade de melhorar
a qualidade do jornalismo. Não é por acaso que a qualidade, ética e responsabiliade
social dos media é um dos temas que tem motivado mais investigação a nível
internacional, não sendo uma preocupação e realidade exclusiva no nosso País. É óbvio
que em Portugal existem, em muitos casos, boas práticas jornalísticas. Contudo,
também existem más práticas que devem ser identificadas e criticadas. Este trabalho e
assunto - por natureza polémico mas que deve ser aprofundado não só no tempo como
no discurso - pode suscitar uma reflexão, sempre oportuna, sobre a Ética e
Responsabilidade Social dos Media. É isso que a autora espera!
Em jeito de recomendação final, e tendo em conta a dificuldade crescente de
regular a actividade jornalísticas e as pressões sociais e económicas a que esta
actividade está sujeita, as temáticas relacionadas com a literacia dos media são
fundamentais e podem constituir-se como a uma das vias para minimizar os efeitos
negativos de situações em que se observam más práticas jornalísticas. Quanto mais os
cidadãos estiverem identificados com a linguagem e lógicas de funcionamento da
actividade jornalística, mais capacitados estarão para analisar e descodificar de uma
forma crítica os produtos de media e entretenimento que lhes são sugeridos29.
29 A este propósito importa reflectir sobre a crescente quebra de vendas dos jornais diários de referência. Dados
da APCT referentes ao primeiro semestre de 2006 mostram que os portugueses compraram menos 33 mil diários.
O retrato de quebra generalizada nas vendas denuncia uma progressiva perda de leitores, nomeadamente para as
publicações gratuitas.
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Também seria importante, como já advogam alguns estudiosos desta matéria,
como é o caso de Ignacio Ramonet (2006), o surgimento do 5º Poder, composto por
cidadãos responsáveis e elucidados sobre o mundo e as questões que os rodeiam. Para
isso, considera indispensável, “desenvolver uma reflexão sobre a maneira como os
cidadãos podem exigir aos media mais ética, verdade e respeito por uma deontologia
que permita aos jornalistas agir em função da sua consciência e não em função dos
interesses dos grupos financeiros, das empresas e dos patrões que os empregam” (Xis,
3 Junho 2006)30.
A preocupação com a ética e com a literacia dos media não é propriamente
recente. Há uma década a esta parte, estudiosos afloravam estas questões, ao colocar
a tónica de mudança na consciencialização social, sendo cada cidadão um agente
individual da mudança. “Não carrego ilusões de uma modificação do jornalismo
através de um processo reflexivo da própria imprensa. Estamos em tempos de
monopólios, não de empresas democráticas... O jornalismo, se pode mudar e assumir
uma outra feição, mais democrática, capaz de expressar de modo mais expressivo os
diferentes e complexos interesses e ideias da sociedade, só poderá fazê-lo graças a
avanços políticos, culturais e sociais das classes hoje dominadas”. (José, 1996)
No fundo, a base desta reflexão passaria por um processo de mudança de
mentalidades em que quer jornalistas quer cidadãos anónimos constituiriam uma
plataforma de coesão, tendente à dignificação da democracia e liberdade de imprensa
a esta associada. Seria essencial neste processo promover a Educação para os Media,
para que leitores, ouvintes e telespectadores possam constituir uma massa crítica
capaz de promover a verdadeira democratização da comunicação.
30 Artigo publicado pela revista XIS intitulado Media: Poder ou Contrapoder ? (Ana Vieira de Castro) onde se
reflecte sobre o impacto, excessos, fronteiras, a ética e a certeza de que nos cabe a nós cidadãos, o papel de sermos contrapoder.
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ANEXOS
Anexo I
PRINCIPAIS GRUPOS DE MEDIA EM PORTUGAL
• Controlinveste
Órgãos de Comunicação Social: Jornal de Notícias, Diário de Notícias, 24 Horas, Tal
& Qual,, Jornal do Fundão, Açoriano Oriental, DN Funchal, Grande Reportagem
(suspensa), Play Station 2, Maganize Notícias Sábado, Rádio Jornal do Fundão, Rádio
Press,Volta ao Mundo, Evasões,Viagens, Adolescentes, , Participação na Lusa (23%),
TSF Editorial Notícias, O Jogo, participação na Sport TV (50%). Participação na VASP.
Notícias Direct ( distribuição de publicações por assinatura – Lisboa e Porto). Detém
ainda os sites Sporting Clube de Portugal, Sport Lisboa e Benfica, Futebol Clube do
Porto.
• Impresa
Órgãos de Comunicação Social: Expresso,Visão, Jornal de Letras, Blitz, Surf, Exame,
Executive Digest, Exame Informática, Courrier Internacional, Doze, Telenovelas,
Caras, TV Mais, Casa Cláudia, Activa, Cosmopolitan, Super Interessante, Rotas do
Mundo, FHM, Turbo, Autoguia, Autosport. Participação na Agência Lusa, SIC, SIC
Notícias, Comedia, Radical, Mulher, Internacional, Internet (informação e outros
serviços). Participação na distribuidora de publicações VASP.
• Media Capital
Órgãos de Comunicação Social: Lux, Lux Deco, Lux Woman, Super Maxim, PC
World, Computer World, Briefing, Casas de Portugal, Revista de Vinhos, TVI, grupo
NBP (principal produtor de telenovelas), Castello Lopes Multimedia, Rádio
Comercial, Rádio Clube Português, Cidade, Best Rock FM, Cotonete, Internet
(portal IOL, Portugal Diário, Mais Futebol, agênciafinanceira.com). Produção
discográfica e de concertos FAROL, Empresas de outdoor – publicidade externa.
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• Cofina
Órgãos de Comunicação Social: Record, Correio da Manhã, Jornal de Negócios,
Máxima, Máxima Interiores, TV Guia, GQ, Vogue, AutoSport, Automotor, PC Guia,
Rotas & Destinos, Semana Informática, Semana Médica. Participação de 19% na
Lusomundo Media Participação na distribuidora VASP Internet.
• Impala
Órgãos de Comunicação Social: Maria, Ana, Nova Gente, TV 7 Dias, Mulher
Moderna, Mulher Moderna Cozinha, Mulher Moderna Moda,VIP, Focus, Boa Forma,
Crescer, 100% Jovem. Negócios no Brasil e Espanha (internet e edição de livros
infanto-juvenis) Internet.
• Grupo Renascença
Órgão de Comunicação Social: Rádio Renascença, RFM, Mega FM e InterVoz.
• Público Comunicação Social, S.A.
Órgão de Comunicação Social : Público
• O Sol é Essencial, S.A.
Órgão de Comunicação Social : Sol
• Estado
Órgãos de Comunicação Social: RTP 1 e 2, RDP 1 e 2 (ambas também como
produção Internacional, África e canais regionais), Antenas 1, 2 e 3 (Internacional,
África) Agência Lusa.
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Anexo II
Linhas de Orientação nas Relações da Câmara do Porto
com a Imprensa de 31 de Outubro 2005
2. São diversas as lições que os resultados eleitorais de 9 de Outubro no Porto
nos proporcionam. Uma das mais importantes, que tive oportunidade de
referir ao longo de todo o mandato e, em particular, na noite das eleições,
inscreve-se nas lógicas de contra-poder que alguns orgãos de comunicação
“social” adoptaram relativamente à Câmara do Porto.
Há muito é reconhecido em todo o mundo civilizado que não há democracia
sem um Imprensa livre e plural. Mas ainda, é comummente aceite que a
governabilidade das comunidades só será possível se houver uma
corresponsabilização efectiva entre agentes políticos e media.
Sempre que os campos de intervenção de cada um dos distintos agentes são
invadidos, fomenta-se a perversidade, e adulteram-se as regras da convivência
democrática. Foi o que aconteceu, frequentemente, durante os quatro anos do
anterior mandato e durante a própria campanha eleitoral: alguns jornalistas
e comentadores assumiram-se não como agentes de informação e comunicação,
mas sim como evidentes actores políticos.
3. A democracia só é possível com uma informação livre e independente. Não
vivemos em democracia se houver censura ou se a informação não respeitar o
rigor e a verdade, porque se assim acontece estamos a enganar as pessoas, ou
seja, estamos a desinformá-las.
Compete aos detentores do poder, legitimados pelo voto livre e democrático,
procurar evitar estas distorções e lutar contra a perversidade, principalmente
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quando ela atinge uma dimensão que põe em causa a saúde do regime e a
própria governabilidade do País.
Por isso, o novo Executivo portuense decidiu definir regras de actuação a pôr
em prática neste segundo mandato, no que se refere ao relacionamento com a
comunicação social.
4. Se dúvidas ainda houvesse sobre a necessidade de definir linhas de
orientação mais rigorosas sobre estas matérias, a manchete do Jornal de
Notícias de ontem, só por si, justificava esta nossa decisão.
Se posso considerar correcto o trabalho desenvolvido pelos jornalistas que
assinam a peça no interior do jornal, o mesmo não poderei dizer da manchete
especulativa, construída pelos responsáveis da primeira página. “Rio
admite construções no Parque da Cidade” – lia-se na edição vendida
no Porto, já as demais edições do JN privilegiaram outra manchete.
Trata-se de uma subtil manipulação das minhas declarações sobre o tema,
como facilmente se constata lendo respostas que dei à questão e vêm
publicadas no interior do jornal. Trata-se de um abuso ilegítimo de
interpretação, com a intenção clara de enganar os leitores , criando-lhes no
subconsciente a ideia de que alterei o meu pensamento sobre o futuro do
parque da cidade.
E de tal ordem a referida manchete surtiu efeito perverso que hoje mesmo, e
como é sua prática sistemática, o jornal “Público” repesca a primeira página
do “JN” para se aliar ao líder da oposição socialista no executivo e confundir
os cidadãos numa matéria sobre a qual não tenho qualquer dúvida, nem
nunca me desviei um milímetro dos compromissos que achei que devia assumir
antes de ser eleito.
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Como sempre referi, não haverá construções no Parque da Cidade, para lá dos
equipamentos que o possam valorizar. E mesmo que os pressupostos desta
decisão se alterassem radicalmente, só depois do maior debate público feito no
Porto, é que coisa diferente poderia eventualmente acontecer. Porque se os
pressupostos se alterassem radicalmente não seria sério fazer o que quer que
fosse sem auscultar a cidade, inclusive para manter a mesma posição.
5. Em face de tudo isto, o Executivo acordou as seguintes regras de
relacionamento com a comunicação social:
a) Restringir a seu relacionamento com os média exclusivamente às
matérias de inegável interesse público, e evitar todas as que visem
objectivos de interesse privado, corporativo ou editorial,
designadamente as que procurem a especulação.
b) Fazer depender qualquer declaração para a comunicação social
sobre matérias do Executivo, de prévio contacto do jornalista com o
Gabinete de Comunicação da Câmara, a quem compete coordenar e
executar todas as acções de comunicação com o exterior, seja do
Presidente ou dos Vereadores.
c) Acordar com a imprensa apenas entrevistas por escrito, mediante
critérios de oportunidade, com regras previamente definidas,
evitando ou minimizando assim intrepetações especulativas, ou a
pura manipulação das respostas. É bom recordar que os
entrevistadores são os donos das perguntas, os entrevistados os donos
das respostas.
d) O Gabinete de Comunicação da Câmara recorrerá
preferencialmente, à mensagem escrita, através da publicação no site
oficial da Câmara e de difusão pelos média.
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6. Em política, como na vida, a credibilidade é uma tarefa individual e
arduamente conquistada. Saberemos, também por isso, fazer a distinção entre
quem desenvolve e pratica uma informação responsável,isenta e plural e os que
fazem do jornalismo uma arma de combate político, ao serviço de interesses
pessoais, grupos ou coorporações.
A crise do regime só será ultrapassada se for garantida aos cidadãos toda a
informação que lhes diz respeito e que influi na vida de todos nós, com
verdade, isenção e lisura de processos. Os eleitores só poderam fazer escolhas
livres se estiverem devidamente esclarecidos, e dispuserem de informação
verdadeira.
É isto que pretendemos assegurar e assim evitar o que aconteceu durante todo
o primeiro mandato e que já ontem, tal como hoje, se voltou a repetir.
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