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Ética e Responsabilidade Social dos Media

2007

A ética é um tema inesgotável cuja importância parece ser diretamente proporcional ao desenvolvimento da sociedade – as exigências dos cidadãos para a adoção de práticas de responsabilidade social aumentam à medida que as sociedades evoluem em termos económicos, sociais e culturais. No campo dos media, o comportamento ético deve dar primazia à produção e difusão de conteúdos que respeitem a realidade das coisas e que não desvirtuem aspetos fundamentais da natureza humana. Neste contexto, a obrigação dos meios de comunicação consiste em servir as audiências, apresentando conteúdos de qualidade e procurando o equilíbrio entre a rentabilização do negócio e a satisfação do interesse público. A exigência de informação de qualidade passa necessariamente pelo cumprimento de todos os componentes dos códigos éticos e dos princípios deontológicos. Esta obra conta com a colaboração de reputados investigadores nacionais e internacionais e pretende ser mais um contributo para a reflexão e execução de práticas de trabalho – aplicadas aos media – socialmente responsáveis. A diversidade de perspetivas aqui apresentada incorpora níveis de análise completamente distintos sobre os mesmos temas. Apesar dos ângulos de abordagem variarem entre uma perspetiva cética e moderada sobre o desempenho dos media na sociedade, isso não significa, obviamente, que esteja em causa o contributo dos media para o desenvolvimento e consolidação das democracias. Antes pelo contrário: só pelo facto de se poder questionar o papel dos media, isso representa, em si mesmo, uma oportunidade para ajudar a promover as melhores práticas na atividade jornalística.

livro 06/11/10 11:12 Page 1 ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS MEDIA Paulo Faustino (Organização) livro 06/11/10 11:12 Page 2 Ficha Técnica: Título: Ética e Responsabilidade Social dos Media Autores: Paulo Faustino (org.); Alan Albarran; Afonso Sanchéz-Tabernero; Francisco Pérez-Latre; Francisco Rui Cádima; Jorge Pedro de Sousa; Ana Sofia Morais; Helena Rodrigo Costa; Joana Duarte; Sara Pina. Design e Paginação: Formalpress/ Alexandre Fernandes e Tânia Borges Editora: Media XXI/Formalpress Colecção: Media XXI Directores da Colecção: Jorge Pedro de Sousa e Rogério Santos Impressão: Gráfica Almondina Reservados todos os direitos de autor. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização da Editora e do Autor. Formalpress – Publicações e Marketing, Lda Rua Professor Vitor Fontes, nº 17 1º Esq.;Telheiras, 1600-670 Lisboa Telefone: 217 573 459; Fax: 217 576 316 Praça Marquês de Pombal, nº 70; 4000-390 Porto Telefone: 225 029 137; Fax: 225 026 098 1ª edição - 2007 Tiragem: 1.000 Exemplares ISBN: 989-95191-3-8 ISBN (13 dígitos): 978-989-95191-3-8 Depósito Legal: livro 06/11/10 11:12 Page 3 ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS MEDIA Paulo Faustino (Organização) livro 06/11/10 11:12 Page 5 Índice Introdução 11 Capítulo 1: Perspectivas Nacionais e Internacionais da Ética nos Media 25 1.1 Responsabilidade Ética e Social das Empresas de Comunicação 1.1.1 Ética dos media e tipos de empresas de comunicação 1.1.2 Questões éticas e o papel dos seus actores individuais 1.1.3 Normas e éticas sociais 1.1.4 Educação contemporânea na responsabilidade ética 25 26 27 30 32 1.2 Sobre a Responsabilidade Social dos Media 1.2.1 Condicionantes e implicações 1.2.2 Regulação e organismos 1.2.3 Reflexão final 34 35 36 42 1.3 Jornalismo, Liberdade e Responsabilidade 1.3.1 Introdução 1.3.2 Responsabilidade social 1.3.3 Deontologia e credibilidade 1.3.4 Interesse público e democracia 1.3.5 Respeito para com o cidadão 44 44 46 49 51 53 livro 06/11/10 11:12 Page 6 1.4 Liderança, Moral, Criatividade e os Objectivos Financeiros da Empresa 1.4.1 Introdução 1.4.2 Compreender o lado criativo dos media 1.4.3 Responsabilidade e preocupação social: a liderança moral os objectivos financeiros 1.4.4 Conclusão: quatro desafios para um negócio com impacto cultural 1.5 Gestão de Empresas de Informação e Responsabilidade Pública 1.5.1 O Jornalismo numa lógica económica 1.5.2 Participar na revolução empresarial informativa 1.5.3 A gestão de pessoas 1.5.4 Cultura empresarial e difusão de mensagens 1.5.5 Crescimento e diversidade empresarial 1.5.6 Em jeito de conclusão 1.6 A Ética Jornalística e Fotojornalística Como Sinónimo de Jornalismo de Qualidade 1.6.1 Introdução 1.6.2.a) Um ponto de partida: questões do quotidiano jornalístico 1.6.2.b) Um segundo ponto de partida: o direito humano à informação 1.6.2.c) Um terceiro ponto de partida: um sistema de defesa ética do jornalista 1.6.3 Um ponto de chegada: os valores de sempre... 55 55 55 56 58 61 61 63 67 71 75 76 77 77 78 81 83 84 livro 06/11/10 11:12 Page 7 1.6.4 A ética do fotojornalismo 1.6.5 A moral e a estética da imagem 1.6.6 As principais questões de debate ético e deontológico no campo das imagens de imprensa 1.6.7 A manipulação digital de fotografias 1.6.8 Em suma Capítulo 2: Ética e Responsabilidade Social dos Media 2.1 Os Meios de Comunicação como Empresas 2.2 Comunicação e Responsabilidade Social 2.3 Regulação da Actividade Jornalística 2.4 Os Compromissos Éticos dos Meios de Comunicação Capítulo 3: Responsabilidade Social e Gestão da Qualidade 88 91 91 95 97 101 101 111 120 129 143 3.1 Introdução 3.2 O Conceito de Responsabilidade Social Empresarial 3.3 O Conceito de Jornalismo 3.4 Os Media e a Responsabilidade Social 3.5 Os Media Portugueses e a Responsabilidade Social 3.6 Responsabilidade Social e Gestão da Qualidade 3.7 Conclusões e Recomendações 143 144 147 150 157 158 162 Capítulo 4: Boas e Más Práticas Jornalísticas - o Caso do Porto 167 4.1 Caracterização do Mercado Mediático no Porto 4.1.1 Informação geral sobre os media na região do Porto 167 167 livro 06/11/10 11:12 Page 8 4.1.2 Entre o negócio e as práticas jornalísticas 174 4.2 Relações Entre a Imprensa e a Política 4.2.1 O caso da CMP: entrevistas a Rui Rio 4.2.2 Reservas da autarquia face ao comportamento da imprensa 4.2.3 A objectividade e a imparcialidade nos media 4.2.4 Relação dos media com as organizações políticas 178 178 4.3 A Actividade Jornalística: Entre a Informação e a Política 4.3.1 A instrumentalização da imprensa 190 190 4.4 Análise da Estrutura e Conteúdo da Notícia 4.4.1 Âmbito e objectivos 4.4.2 Algures entre a linguagem objectiva e subjectiva 199 199 204 181 183 185 Anexos 259 Bibliografia 283 livro 06/11/10 11:12 Page 9 livro 06/11/10 11:12 Page 10 livro 06/11/10 11:12 Page 11 11 Introdução À semelhança de outros livros que a Media XXI tem vindo a publicar sobre temas de grande actualidade na área dos media, comunicação e sociedade da informação, também esta obra intitulado Ética e Responsabilidade dos Media, resulta de um conjunto diversificado de contributos de reputados especialistas nacionais e internacionais. A Media XXI tem vindo a desafiar investigadores para partilhar conhecimento sobre temas-chave relacionados com a Indústria da Comunicação. Nos últimos anos a produção científica sobre temas relacionados com a ética, responsabilidade social, qualidade e gestão corporativa das empresas de media – e dos produtos gerados por esta –, tem crescido substancialmente a nível internacional, especialmente nos países onde esta indústria apresenta maior dinâmica, como são os casos dos Estados Unidos e Inglaterra. Em Portugal esta é uma área pouco estudada, razão pela qual se espera que esta obra seja um contributo para uma maior discussão sobre as práticas de ética e responsabilidade social dos media. Alguns autores diferenciam o conceito de responsabilidade social do conceito de ética considerando que o primeiro se refere fundamentalmente à relação da empresa com o ambiente envolvente, enquanto o segundo é considerado um termo mais lato que agrega as relações externas e as relações internas. Efectivamente, a ética, enquanto componente de estudo teórica, aborda os códigos de valores que orientam o comportamento e influenciam a tomada de decisões num determinado contexto. Como sugere Coelho (2004)1, no âmbito empresarial, as questões éticas podem ser abordadas sob quatro domínios: sociedade em geral, grupos de interesse da empresa, políticas internas desenvolvidas, cada pessoa individualmente. O debate sobre a ética empresarial tem vindo a ganhar importância na estrutura curricular dos cursos e pós-graduações relacionadas com a gestão e a economia empresarial. Alguns “gurus” e pedagogos das boas práticas de gestão (ex., Peter Druker) têm vindo a reflectir sobre este aspecto e uma das principais conclusões é que, mesmo do ponto de vista estritamente empresarial, esse ensino (muito técnico e economicista) pode estar a comprometer o desenvolvimento das empresas na medida em que estarão a fomentar uma aprendizagem muito táctica e pouco estratégica. 1 In “Introdução à Gestão de Organizações”, Vida Económica. livro 06/11/10 11:12 Page 12 12 Por vezes, e no caso do sector dos media, constata-se que algumas empresas tentam “alavancar” o seu negócio numa perspectiva táctica e de curto prazo através do excessivo recurso a reportagens sensacionalistas. Estas reportagens podem aumentar no imediato a difusão de uma publicação ou a audiência de uma rádio e ou televisão, mas, no entanto, uma possível vulgarização deste tipo de informação pode fazer com que o público perca interesse – ou seja: o público pode concluir que esses conteúdos não ajudam a entender a realidade presente. Por um lado, uma estratégia sensacionalista pode ser vulnerável (porque não exige uma grande qualificação dos jornalistas) e, por conseguinte, pode ser imitada sem dificuldades pelos concorrentes; por outro, não parece ser fácil evitar o surgimento de conflitos e motivar uma equipa humana cujo trabalho consiste em produzir conteúdos de baixo nível intelectual e de valores éticos duvidosos. Os meios de Comunicação Social que não respeitem a dignidade das pessoas e a realidade das coisas tendem a médio prazo a perder credibilidade e a serem eles próprios palco de polémicas. Numa estratégia de crescimento de um grupo de comunicação deve fazer-se um esforço no sentido de procurar um equilíbrio entre três objectivos inerentes a qualquer organização: rentabilizar a actividade; motivar os empregados; satisfazer o interesse público. Estes objectivos não têm que observar-se em simultâneo – as oportunidades e decisões pontuais poderão exigir que, em cada momento, um objectivo tenha primazia sobre os outros –, mas nenhum dos três deve estar ausente da análise e das orientações integradas no âmbito de uma estratégia empresarial. Em alguns casos, nas estratégias de crescimento também se observa alguma “megalomania” sem sustentação económica e ética (algumas vezes motivadas por razões de obtenção de poder ou de marketing pessoal dos principais responsáveis) que pode levar a tomar decisões erradas na medida em que podem ser pouco rentáveis para os accionistas, prejudicar os trabalhadores e não beneficiar os cidadãos. No campo dos media, o comportamento ético deve dar primazia à produção e difusão de conteúdos que respeitem a realidade das coisas e que não desvirtuem aspectos fundamentais da natureza humana. Neste contexto, a obrigação dos meios de comunicação e entretenimento consiste em servir o público, em vez de orientar a actividade para fins exclusivamente económicos, políticos ou ideológicos.A ética é um tema inesgotável e cuja importância parece ser directamente proporcional ao desenvolvimento da sociedade – ou seja: à medida que as sociedades se desenvolvem livro 06/11/10 11:12 Page 13 13 em termos económicos, sociais e culturais, maiores são os dos cidadãos para a adopção de práticas de responsabilidade social. A competitividade dos mercados, neste caso da comunicação, nem sempre se processa dentro de padrões morais e éticos geralmente aceites pela sociedade. Por vezes existem vários factores, nomeadamente pressões competitivas associadas ao cumprimento de objectivos de rendibilidade, que, em determinadas situações, não favorecem a criação de um contexto empresarial mais responsável socialmente. No entanto, nos países com democracias mais consolidadas, existe uma pressão social para as instituições integrarem os compromissos éticos como uma prioridade estratégica ao nível da gestão das organizações. As modernas filosofias de gestão consideram que as empresas devem ter domínios de responsabilidades que podem não estar directamente relacionadas com os resultados das empresas. É nesse contexto que surge o conceito de sustentabilidade cujo significado geral reside na necessidade das empresas conciliarem o crescimento económico com o crescimento de práticas de responsabilidade social junto da comunidade envolvente, quer seja ao nível da qualidade dos produtos e das práticas de gestão quer seja ao nível de normas ambientais e laborais, por exemplo. Hoje em dia a sustentabilidade, ética e qualidade são conceitos distintos, mas associados a uma ideia mais geral: responsabilidade social. No caso dos media, a responsabilidade social é também um tema-chave na medida em que estamos perante empresas que criam produtos como um forte impacto nos cidadãos. A nível internacional, esta preocupação tem vindo a ser notória no âmbito da gestão corporativa. Estudos sobre as empresas de media sugerem que estas adoptam práticas de gestão distintas e perseguem objectivos diferentes quando colocam as suas acções no mercado. As exigências dos accionistas, fundos de investimentos ou público em geral, bem como das entidades reguladoras dos mercados bolsistas, em relação à necessidade de uma maior transparência na governação das empresas, têm feito com que algumas empresas deste sector – embora outras tantas ainda o ignorem – adoptem regulamentos e políticas relativas à sua governação corporativa. As implicações da governação corporativa na estratégia e gestão da indústria dos media é significativa. Existem vários modelos de governação corporativa no mundo que diferem de acordo com as políticas e os modelos económicos dos diferentes países. Por exemplo, o modelo mais liberal, comum nos países de influência livro 06/11/10 11:12 Page 14 14 anglo-americana, tende a dar maior ênfase aos interesses dos accionistas, enquanto que o modelo coordenado da Europa Ocidental e do Japão dá também particular destaque aos direitos dos trabalhadores, gestores, clientes, fornecedores e sociedade em geral. A maioria dos accionistas das empresas de media não são apenas motivados pelos ganhos pecuniários, mas sim também por ganhos não pecuniários como, por exemplo, a posse de acções de outras empresas de media, na medida em que isso lhes pode proporcionar um maior potencial de influência junto da opinião pública. Neste contexto, a governação corporativa destas empresas não só deve proteger os aspectos pecuniários, mas também os ganhos de influência e poder – o que faz com que as estas organizações tendam a ter níveis de concentração maiores do que outras indústrias (Gerum e Stieglitz, 2005). A maior sensibilidade relativamente aos aspectos éticos desta indústria advém da sua capacidade real e potencial para moldar a opinião pública, não só através das informações noticiosas e opiniões que divulgam e que ajudam a formar juízos, mas também - e devido às suas ligações com a publicidade - sobre os produtos e serviços que são adquiridos ou desejados pela generalidade da sociedade. Por isso, este é também um sector bastante regulamentado no sentido de evitar o domínio do mercado por meia dúzia de corporações, sendo que, em resposta, os proprietários das empresas do sector procuram estruturas descentralizadas e com relativa separação de poderes (Aris e Bughin, 2005). De entre alguns aspectos que envolvem os princípios da governação corporativa, destacam-se os seguintes: i) lacunas ou erros na preparação e divulgação dos relatórios financeiros das empresas; ii) Controles internos e a independência dos auditores externos; iii) Políticas de compensação dos administradores e executivos de topo; iv) Política de nomeações para o conselho de administração; v) Recursos disponibilizados aos gestores no exercício das suas funções; vi) Política de dividendos; e vi) Gestão do risco. As empresas de media tendem a seguir as práticas das restantes empresas em termos de governação corporativa, isto apesar das particularidades desta indústria. A estratégia corporativa explica o tipo de estrutura de supervisão dos conselhos de administração e, em último caso, define a sua composição e competências.A estratégia corporativa nas empresas de media deve estar intimamente ligada não só aos aspectos da gestão da qualidade dos procedimentos inerentes à produção da informação e entretenimento como também ao impacto dos seus outputs (conteúdos) na sociedade. livro 06/11/10 11:12 Page 15 15 É claro que o conceito de qualidade aplicado aos media é mais complexo de definir, em virtude da variedade de elementos que aí podem intervir. A quantificação desta noção é igualmente problemática – como é que se podem medir critérios com a veracidade ou a contextualização? Como sugere Bogart (2004), o jornalismo sendo um produto intelectual, não pode ser avaliado do mesmo modo que um produto material através de critérios exteriores e imutáveis. Contudo, Tabernero (2005)2 considera que pode medir-se o grau de satisfação do público, a forma como é percepcionada uma determinada marca e em que medida se adequa a alguns padrões profissionais. Para este investigador, a qualidade nos media deverá estar associada a três factores: satisfazer as exigências do público, fortalecer a própria identidade da empresa e respeitar os padrões profissionais, que no âmbito da informação implicam fazer um esforço para dizer a verdade - aspecto incompatível com a manipulação e sensacionalismo. Será utopia pensar que a qualidade da comunicação e informação é um processo isolado de toda a actividade envolvente. Importa, por isso, debater a questão da qualidade numa perspectiva mais transversal não só porque nos permitirá identificar melhor os factores geradores de qualidade (e não qualidade) como também perceber melhor em que medida esses factores se relacionam.A informação é um bem intangível que se vende em dois mercados (anunciantes e consumidores - leitores, ouvintes ou telespectadores): refere-se, entre outros aspectos, a dados, processos, conhecimentos, resultados, bens económicos. Pela carga subjectiva que representa a apreciação de um produto de comunicação ou jornalístico, sobretudo do ponto de vista da análise e percepção do conteúdo, é, por vezes, uma tarefa complexa afirmar que determinado produto jornalístico tem mais qualidade do que outro. Em certo sentido, podemos dizer que o conceito de qualidade da comunicação e informação está intimamente ligado à responsabilidade profissional e social dos seus actores. De facto, a exigência de informação de qualidade passa por cumprir todos os componentes dos códigos éticos e dos princípios profissionais. A qualidade poderá alcançar-se com características e exigências associadas à informação: autenticidade, veracidade, rapidez, comunicabilidade e relevância para o consumidor ou do interesse geral e público, adequação às necessidades, assim como por tratamentos qualificados segundo as exigências e características de cada meio utilizado na difusão. Como já foi referido, a definição de padrões de qualidade na indústria da comunicação não é tão facilmente mensurável como noutras indústrias. No entanto, na indústria da comunicação podem identificar-se alguns padrões de qualidade 2 In revista Media XXI, nº 80, Março/ Abril 2005 livro 06/11/10 11:12 Page 16 16 genericamente aceites pelos consumidores. Por exemplo, será facilmente compreensível associar alguns dos seguintes factores: a) imparcialidade; b) investigação fundamentada; c) grafismo apelativo; d) adequado ao público-alvo, etc. Mas ainda assim, estes podem ser insuficientes para dizer que determinado produto de comunicação ou jornalístico é de qualidade. Será que podemos assegurar que o conteúdo de uma revista, um programa de rádio ou telenovela tenham zero defeitos? Cumpram a função para a qual foram concebidos? Que os conteúdos sejam duradouros e apropriados às necessidades dos consumidores de informação e entretenimento? Será mais importante que sejam os leitores de um jornal a decidir se a principal notícia de primeira página deve ser ocupada por um caso de corrupção política, uma vitória da selecção portuguesa ou as últimas estatísticas sobre a pobreza em Portugal? O director de um produto jornalístico deve dar mais importância às procuras implícitas do público ou à relevância das notícias? O conceito de qualidade (mais conhecido através das normas ISO) tem evoluído e a revisão de 2000 aporta algumas ideias interessantes no seu código de conduta, que assenta em oito pilares básicos para o alcance da qualidade, nomeadamente: 1) enfoque no cliente; 2) liderança; 3) participação do pessoal; 4) enfoque orientado para os processos; 5) enfoque no sistema de gestão; 6) melhoria contínua; 7) possibilidade de medida; 8) potenciação de relações com os fornecedores e clientes. Não será difícil aplicar e identificar alguns destes princípios num produto jornalístico, mas parece óbvio que o sétimo princípio é mais complexo na medida que é mais difícil quantificar a qualidade da informação, embora isso se possa fazer através de outros factores a ela associados, como é, por exemplo, o caso da audiência. Contudo, apesar da audiência poder ser um indicador de qualidade, não se pode aferir qualidade apenas pela audiência alcançada, mas sim pela combinação de outros factores e princípios referidos. A obtenção de qualidade exige a aplicação de recursos, e uma má gestão dificilmente gera os recursos necessários à obtenção de qualidade. Um gestor só pode ser bom se a empresa tiver os recursos mínimos necessários ou quando as redacções têm os devidos recursos. Podemos, assim, dizer que a qualidade da indústria da comunicação, em particular dos media, apenas pode ser desenvolvida se existirem condições estruturais que o permitam, como de resto acontece noutras actividades. No fundo, a filosofia subjacente à qualidade, pode resumir-se às seguintes ideias: a) a qualidade deve ser praticada por todos os departamentos; b) deve existir livro 06/11/10 11:12 Page 17 17 uma adequação entre o preço do produto e o seu nível de qualidade; c) deve estar focada nas necessidades dos consumidores; d) ser fácil identificar uma falha ou erro; e) ter formas de medir e/ou avaliar a qualidade. Os sistemas de gestão de qualidade orientados para o consumidor obrigam a desenhar modelos sintonizados entre clientes e fornecedores. Por isso, as empresas de publicidade e jornalísticas deverão fazer um maior esforço de adaptação às novas formas de organização e de gestão do trabalho orientadas para a qualidade. Hoje em dia é relativamente fácil identificar empresas certificadas nos mais variados sectores da actividade económica, mas na área da comunicação é uma autêntica raridade. No campo da publicidade, a única empresa que se encontra certificada é a Nortimagem. Na área dos media não existe nenhuma: o único tipo de certificação que se conhece é ao nível do respeito de normas ambientais por parte do jornal Público e da revista XIS. Neste sentido, a qualidade nas empresas e instituições assume-se como um dos desafios para a competitividade. Há muito a fazer nesta indústria, particularmente em Portugal. A exigência de qualidade constitui a condição de todo o produto ou serviço orientado para satisfazer as necessidades dos clientes. A qualidade deve incorporar-se na gestão global da empresa como uma componente estratégica. A qualidade total pressupõe algo mais do que a mera engenharia de processos. Não se fica pela melhoria do serviço mas pelo desenvolvimento da empresa a todos os níveis. É uma forma de gestão participativa que implica a colaboração de todas as funções da empresa para melhorar não só a qualidade dos serviços prestados, a eficiência dos seus processos, mas também conseguir a satisfação do público interno e externo. Quer na área da gestão, quer na área mais criativa, a qualidade está cada vez mais relacionada com a capacidade destes dois grandes níveis de desempenhos profissionais em perceber que o sucesso e a ética podem - e devem - coexistir e, por conseguinte, assumirem-se como factores de qualidade e competitividade. É possível competir e prosperar com a adopção de boas práticas de responsabilidade social. Existem exemplos desta realidade em vários países com economias mais desenvolvidas, quer sejam assentes em modelos mais liberais, caso dos Estados Unidos e Inglaterra, quer sejam assente em modelos mistos como são os casos dos países escandinavos. A obra que aqui se apresenta, que conta com a colaboração de reputados investigadores nacionais e internacionais, pretende ser mais um contributo para a reflexão e execução de práticas de trabalho – aplicadas aos media – socialmente livro 06/11/10 11:12 Page 18 18 responsáveis. Este trabalho tem como objectivo central indagar sobre a responsabilidade social e a ética nas empresas de media. Apesar das interferências do presente enquadramento geopolítico na economia global, na qual as empresas de comunicação estão incluídas pela crescente concentração, já há muito que estas deixaram de ser vistas só como organizações locais ou nacionais. Actualmente, e com a evolução tecnológica, os media geram epifenómenos à escala mundial. A abordagem teórico-prática destas questões é feita em quatro capítulos. O primeiro remete para perspectivas de estudiosos destas matérias (Alan Albarran; Rui Cádima; Sara Pina; Perez-Latre; Alfonso Tabernero; Jorge Pedro Sousa) nacionais e estrangeiros, através dos quais é introduzida esta problemática de domínio transnacional. À luz dos enquadramentos propostos são explicitadas circunstâncias políticas, jurídicas e sociais que embora remetam para Estados em concreto, quando confrontadas com o caso português, registamos vários pontos de encontro. Falamos, nomeadamente, da crescente ausência de práticas correspondentes a um bom exercício do jornalismo enquanto actividade produtora de conteúdos noticiosos. Alan Albarran proporciona-nos uma visão global das empresas de comunicação enquanto organizações que congregam um conjunto de profissionais com valores e uma missão. Desta forma indica exemplos de violação destes valores e tomadas de decisão em conformidade. O autor alerta ainda para a importância da educação ética dos profissionais de comunicação numa sociedade em constante mudança. Rui Cádima faz uma incursão sobre o enquadramento legal e de diplomas existentes a nível nacional e comunitário para a regulação dos media. Pela análise da literatura existente o autor conclui que ainda há muito a fazer neste domínio, pleno de contradições legais, presentes nas regras de concentração dos media, nas normas que estabelecem limites aos processos de integração e na defesa do livre exercício do jornalismo. Sara Pina demarca a origem da ética e aborda as questões éticas e deontológicas como fórmulas para garantir credibilidade aos produtos jornalísticos. A autora sustenta a análise no justo equilíbrio do interesse público e a salvaguarda dos direitos dos cidadãos. Por seu lado, numa remissão às tensões existentes entre a gestão de empresas de comunicação e as questões éticas associadas, Perez-Latre aponta para algumas hipóteses de compreensão, senão mesmo possíveis resoluções, dos desafios colocados diariamente aos profissionais destas empresas. A conjugação de fins lucrativos e responsabilidade ética é aprofundada por Alfonso Tabernero, nomeadamente com remissões à realidade das empresas de media em livro 06/11/10 11:13 Page 19 19 Espanha. A conciliação destas prerrogativas são vistas numa lógica económica e consubstanciam-se na participação empresarial e na gestão e formação dos profissionais do sector. Jorge Pedro Sousa aborda as questões éticas numa dimensão individual e profissional como resultado de uma evolução histórica. Mormente, o investigador indaga acerca destas questões ao nível imagístico, baseando-se na profusão destas questões no fotojornalismo, pois, como diz o velho ditado: «Uma imagem vale mais que mil palavras». O segundo capítulo atenta ao principio dos meios de comunicação como empresas. O difícil equilíbrio entre as normas reconhecidas pelos profissionais do sector dos media, (jornalistas, editores, gestores, administradores, etc.) e a sua aplicabilidade estará a propiciar um sistema, vigente por todo o mundo democrático, em que as queixas contra as práticas abusivas perpetuadas pela Imprensa são uma constante. Apontam-se exemplos recentes de grande mediatismo, dos quais se destacam: a Casa Pia, o caso «Joana» e as críticas de Manuel Maria Carrilho à cobertura noticiosa às eleições autárquicas de 2005. Embora os cidadãos, nomeadamente figuras públicas, tenham os direitos de defesa individual salvaguardados pela lei geral e possuam mecanismos de defesa consubstanciados pelo Direito de Resposta, Provedor dos Leitores, entre outros, são cada vez mais os exemplos de violação dos códigos de conduta moral e social em virtude de, por vezes, alguns meios de comunicação se distanciarem das suas obrigações em termos de responsabilidade social e ética. No terceiro capítulo faz-se uma retrospectiva das particularidades das empresas de media ao nível da sua responsabilidade social e do tratamento destas tendo por base a gestão da qualidade. Mas, acima de tudo, fundamenta-se a necessidade de um comprometimento empresarial com questões políticas, económicas e sociais; sublevado por práticas coerentes com uma gestão responsável. Por último, no quarto capítulo, Joana Duarte apresenta um conjunto de reflexões sobre o tema da ética e responsabilidade social dos media, baseadas numa análise empírica de um caso de domínio público que resulta das difíceis relações entre o autarca da Câmara Municipal do Porto e a Imprensa. Esta investigadora, apoiada num estudo da sua autoria, pretende contribuir para trazer à liça a face dos media cada vez mais colocada em questão pelos seus pares. Isto porque ao falarmos de liberdade estaremos incondicionalmente a falar em responsabilidade. O estudo de caso aqui apresentado – sobre a CMP – também pode suscitar algumas reflexões sobre a representatividade social dos jornalistas. Segundo Timoteo livro 06/11/10 11:13 Page 20 20 (2006: 258) “É tradicional e bem afiançada a ideia de que os jornalistas fazem parte de um mundo cujas ideias políticas não são representativas dos votantes nem dos consumidores e de que é bastante frequente que o mercado vote ou compre contra a opinião maioritariamente sentida e expressada pela “tribo” de empresas de media. Esta realidade baseia-se em sucessivas comprovações eleitorais americanas, onde, quase de modo sistemático, as preferências dos votantes contradiziam as preferências dos jornalistas e dos diários”3. Para este investigador os jornalistas têm que mudar urgentemente de posicionamento: devem deixar de se preocupar em escrever para os amigos e a orientarem-se mais para as necessidades de informação dos leitores, sob pena da sua representatividade social ser cada vez menor. Com efeito, pode dizer-se que a inovação e riqueza deste livro está na diversidade de reflexões sobre o tema da ética e responsabilidade social. A diversidade de perspectivas aqui apresentada incorpora níveis de análise completamente distintos sobre os mesmos temas. Apesar dos ângulos de abordagem variarem entre uma perspectiva céptica e moderada sobre o desempenho dos media na sociedade, isso não significa, obviamente, que esteja em causa o contributo dos media para o desenvolvimento e consolidação das democracias. Antes pelo contrário: só pelo facto de se poder questionar o papel do media, isso representa, em si mesmo, uma oportunidade para ajudar a promover as melhores práticas na actividade jornalística. Alguns investigadores consideram que os media tradicionais estão numa “crise de identidade” e que isso tem influenciado, por vezes negativamente, a sua actividade cujo modelo de negócio está em total transformação. Neste contexto, a imprensa está a absorver a ideia que o seu negócio no futuro passa mais por vender informação em vários suportes e não por “vender papel”. Estamos a assistir a um reposicionamento dos produtos de media como tem ocorrido em tantos outros momentos da história do ser humano, que é, por natureza, composta por “crises” sucessivas e que acabam por introduzir novas dinâmicas na sociedade. As decepções podem dar lugar à descoberta de novas possibilidades. Uma situação clássica que pode exemplificar a transformação de situações de “crise” em momentos de revitalização empresarial observou-se na indústria automóvel. Por exemplo, a Ford, nas suas origens, descobriu que a forma mais rentável – através da produção em massa que permitia economias de escala – seria criar um só modelo com uma só cor para todas as pessoas. Com evoluir dos tempos a Ford teve que se adaptar e diversificar os seus modelos para satisfazer necessidades diferentes – ou 3 Em Portugal aconteceu uma situação muito semelhante. Rui Rio tinha grande parte da imprensa contra e acabou por ganhar as últimas eleições para a CMP com maioria absoluta. livro 06/11/10 11:13 Page 21 21 seja: teve que diversificar e segmentar a produção dos automóveis de forma a criar economias de gama. É isso que está a acontecer com os media, observando-se, em simultâneo com a comunicação de massas, uma comunicação para segmentos uma vez que consumidores não querem perder tempo em consumir informação que não lhes interessa. À semelhança de outros sectores da actividade económica, os meios de comunicação seguem tendências comuns: têm melhorado a sua gestão e estão a optimizar produtos e serviços (captação de recursos, acumulação de riqueza, organização da informação) e são expectáveis ofertas alternativas a médio e longo prazo: a internet, por exemplo, não será a panaceia para resolver as fragilidades o modelo de negócio tradicional mas acabará por se afirmar como um meio de comunicação importante em termos jornalístico e empresarial. Em alguns casos, os jornais gratuitos também se poderão assumir como um produto substituto. Por outro lado, alguns meios de comunicação têm tido como objectivo dominante, nos últimos anos, privilegiar a satisfação dos accionistas, o que é legítimo e importante. Contudo, ir-se-á assistir a uma renovada fase caracterizada pela necessidade de privilegiar a satisfação dos consumidores: os leitores, no caso da imprensa. A credibilidade será, uma vez mais, a alma do negócio. A empresa jornalística é constituída por uma estrutura e organização complexa e diferenciada da maior parte dos sectores. De acordo com Tramezzi et Berzosa (1996), a empresa jornalística possui as seguintes características: i) uma empresa económica, mas também social e educativa, ii) uma empresa privada tendo em conta a origem dos capitais; iii) uma empresa comercial que vende espaços publicitários; iv) uma empresa de produtos jornalísticos mas também de serviços; vi) uma empresa nacional ou regional dependendo da cobertura; uma empresa técnica, mas com impactos sociais e políticos; e vii) uma empresa utilitária mas também educativa e moral. A experiência demonstra claramente a importância das necessidades financeiras das empresas de media. Cada vez mais - tanto pela evolução tecnológica, como pelas próprias exigências do meio -, são necessários entradas de dinheiro, quer seja para a melhoria das instalações ou do produto, ou para fazer face a outras necessidades de tesouraria que ocorrem permanentemente. Contudo, e como sugere Picard (2002), apesar de haver diferenças entre empresas de media geridas pelo Estado e por empresários privados, isso não significa que, na função principal, os media livro 06/11/10 11:13 Page 22 22 privados tenham necessariamente que produzir conteúdos de pior qualidade. Tais diferenças implicam que os decisores dos media comerciais decidam os respectivos conteúdos olhando à necessidade de produzir audiências desejáveis para anunciantes específicos ou categorias de anunciantes, de modo a maximizar os lucros da empresa. O sucesso económico da actividade jornalística continuará a estar dependente da presença de profissionais dos quais é expectável a capacidade de elaborar conteúdos jornalísticos que captem a atenção das audiências em função da sua qualidade, credibilidade, antecipação em relação à concorrência, pertinência, imagem, agenda ou acesso a fontes privilegiadas. O factor credibilidade da informação é absolutamente crucial para as empresas de media. A forma como as empresas e produtos de media são percepcionados – credibilidade - no mercado constitui uma dos seus factores críticos de sucesso. Possuir credibilidade implica ter a confiança e a fidelidade das audiências – pode mesmo constituir, em caso de dúvidas ou em situações mais complexas, uma protecção para a empresa na medida em que pode ajudar o consumidor a acreditar que aquela empresa não falhará em fornecer-lhe a informação correcta e actualizada. Esta credibilidade advém dos jornalistas que trabalham para a empresa. Neste sentido, gerir e reter os melhores elementos com intervenção na gestão empresarial e na produção de conteúdos representa uma competência fundamental no presente e futuro do media. À guisa de conclusão final, esta obra deve ser contextualizada num momento de profundas transformações da actividade jornalística. No entanto, uma certeza existe: o futuro dos media passa, como de resto sempre aconteceu, pela conquista permanente de credibilidade e confiança junto dos seus públicos. As “crises” do presente constituem sempre boas oportunidades para o desenvolvimento futuro. Porém, a viabilidade económico-financeira no presente e no futuro está associada políticas orientadas para fomentar a transferência da gestão e dos conteúdos. A experiência tem demonstrado que as empresas que obtêm melhores resultados a longo prazo são simultaneamente aquelas que se preocupam com a vertente da ética e com as suas obrigações face aos accionistas. Outra certeza é que a comunicação e os media são uma componente essencial numa sociedade avançada. Neste sentido é fundamental que existam, em torno da comunicação e dos media, normas básicas não discutíveis, como não se discute a responsabilidade sobre a segurança ou as pensões, assim como direitos individuais irrenunciáveis, conquistados num longo processo histórico (Timoteo, 2006). Isto livro 06/11/10 11:13 Page 23 23 implica uma autocrítica permanente por parte dos media – ou seja: estes profissionais centram – e bem – grande parte da sua actividade a analisar e noticiar o que se passa no dia-a-dia e, por vezes, fazem-no de uma forma crítica, abrangendo personalidades e instituições. Da mesma forma que os media devem questionar a más práticas e enaltecer as boas práticas adoptadas pelas pessoas e instituições, também devem questionar a sua própria actividade e trabalho4. Tal como o conhecimento científico, também o jornalismo pode evoluir muito com o reconhecimento e correcção dos erros. O erro é o leitmotiv, quando identificado, da inovação e progresso. Os media também podem e devem inovar e progredir se assumirem e identificarem os erros...Neste sentido, para além de outro indicadores, a qualidade dos media reflecte-se na preocupação em implementar mecanismos de responsabilidade social. O pressuposto-base da responsabilidade social nos media reside nas iniciativas que uma determinada empresa jornalística leva a cabo no sentido de prestar contas das suas actividades aos membros da audiência. Paulo Faustino, Director do Master em Gestão e Conteúdos dos Media & Entretenimento, Investigador da Jonkonping International Business School (JIBS), Suécia. Los Angeles, Califórnia, 10 de Agosto de 2006. 4 A este propósito Belmiro de Azevedo, presidente do Grupo Sonae, onde se integra o jornal Público, afirma (in Faustino, 2004:253): “... por vezes quando se fala da necessidade de reformas ou da definição de grandes linhas estratégias para o desenvolvimento do País, a comunicação social parece considerar sobranceiramente que não é também um destinatário dessas mudanças. Ora a ideia de que as mudanças abrangem o poder político, o poder económico, a atitude dos cidadãos, mas que não se dirigem aos meios de comunicação e aos jornalistas, parecem revelar uma grande insuficiência”. livro 06/11/10 11:13 Page 24 livro 06/11/10 11:13 Page 25 25 Capítulo 1: Perspectivas Nacionais e Internacionais da Ética nos Media 1.1. RESPONSABILIDADE ÉTICA E SOCIAL DAS EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO Alan B.Albarran, Ph. D.* As empresas de comunicação representam um dos quatros sectores críticos de qualquer sociedade. Os outros três são o Estado/sector legal da sociedade, o económico/empresarial e o cultural/religioso. Qualquer um destes quatro é importante para que a sociedade funcione; quando um sector não está em equilíbrio com o outro, pode gerar impacto na coesão social. Poder-se-ia discutir quais os méritos e fraquezas de qualquer um dos quatro segmentos. Contudo, vamos focar-nos no da comunicação devido ao importante papel deste como produtor de notícias e informação e a sua capacidade de entrar em todos os níveis e sectores de sociedade. Em particular pretende-se focar os aspectos éticos, nomeadamente no que diz respeito à sua responsabilidade social. Em grande parte do mundo os meios de comunicação social operam como empresas lucrativas mas com expectativas sociais e políticas. Por exemplo, nos Estados Unidos, media como a rádio ou a televisão são detidos por particulares, no entanto têm que respeitar regras e regulamentações estabelecidas pela Comissão Federal de Comunicação (Federal Communications Commission – FCC).A FCC e as instituições sociais e culturais da sociedade norte-americana esperam que os media operem de forma responsável e com vista a “servir o interesse público.” Os directores das empresas de comunicação devem saber equilibrar estes papéis de forma cuidadosa, no que muitas vezes é descrito como servir as audiências e os anunciantes ao mesmo tempo. Este balanceamento entre os papéis social e económico é em simultâneo uma dificuldade e desafio, e muitas vezes as empresas de comunicação são criticadas por estar mais orientadas para o mercado e menos para as suas audiências. É neste ambiente que a compreensão da ética dos media pode ser útil para lidar com situações difíceis. * Professor e Editor do The International Journal of Media Management, Departamento de Rádio,Televisão e Filmes; Universidade do Texas; albarran@unt.edu livro 06/11/10 11:13 Page 26 26 1.1.1 Ética dos media e tipos de empresas de comunicação O que torna problemática a questão da ética nos media é a inexistência de um código profissional e universal de práticas éticas, como já são comuns em campos como a medicina ou a advocacia. Além disso, grande parte dos gestores têm falta de formação adequada em ética ou capacidade de tomada de decisão ética; muitos funcionam com base nas suas próprias experiências na resolução de desafios. A ética da comunicação tem sido, na maioria das vezes, relegada estritamente à formação académica, enquanto parte integrante dos cursos superiores ou requisitos na preparação para a carreira enquanto jornalistas. É igualmente difícil discutir o papel específico da ética na comunicação social devido à diversidade de empresas de comunicação existentes na sociedade. Diferentes tipos de firmas exigem diferentes tipos de abordagens em termos éticos. Tipicamente podem existir quatro tipos de empresas de comunicação, como podemos verificar de seguida: • Empresas de Comunicação de Capital Público. São por norma detidas ou controladas pelo Estado. Geralmente operam em consonância com a agenda política, reflectindo os pontos de vista do Governo. Podem estar, ou não, ligadas à venda de publicidade. • Empresas de Comunicação de Serviço Público. Detidas pelo Estado ou reguladas pelo Governo. Servem a educação, cultura e objectivos artísticos e por norma não estão associadas à venda de publicidade. • Empresas de Comunicação Privadas. Operam com o objectivo do lucro. Fazem normalmente parte de grandes grupos económicos. Tanto operam a nível regional, nacional ou global. A sua missão principal é aumentar o volume de capital, assim como a valorização da empresa ao longo do tempo. • Pequenas Empresas de Comunicação.Também conhecidas como Pequenas ou Médias Empresas (PME), são normalmente familiares e operam em termos locais ou nacionais. Existem por vários motivos: lucros, influência ou para servir a comunidade. Muitos jornais no mundo começaram como PME.Á medida que estas crescem e se desenvolvem passam a constituir alvos de interesse para as grandes empresas de comunicação privada. livro 06/11/10 11:13 Page 27 27 Nem todos estes tipos de empresas de comunicação reconhecem que possuem uma responsabilidade ética perante a sociedade. Pode ser inferida ou implícita, mas não necessariamente directa. Claro que todas estas empresas querem que a sociedade e o governo pensem que elas operam eticamente, mas na realidade, cabe a cada firma determinar como deve operar. As empresas que têm conhecimento do seu papel enquanto entidades com responsabilidade social podem aplicá-lo das mais variadas formas. Uma forma comum, especialmente para empresas de comunicação privadas, é estabelecer um tipo de missão ou valores que as descrevam. A missão pode muitas vezes ser encontrada nos programas de acolhimento dos empregados assim como noutras publicações, tal como o sítio da companhia. Os maiores grupos de comunicação – Disney, News Corporation, Viacom e Time Warner - referem que “fornecer entretenimento e informação” faz parte da sua missão. Manuais de empregados e da política da empresa e programas de orientação de novos empregados são outros meios para a empresa comunicar a sua missão e valores. Contudo, estas acções representam esforços internos da companhia e podem ou não reflectir directamente o papel da ética. Além disso, estas questões podem ser discutidas num conjunto de outros assuntos pondo em questão a sua prioridade. 1.1.2 Questões éticas e o papel dos seus actores individuais Dado que as empresas encaram as questões éticas de forma diferenciada, é ao nível individual que as decisões éticas são tomadas. Na realidade as empresas de comunicação enquanto entidade não tomam nenhuma decisão, são os seus administradores que as tomam, e actuam sobre os pontos críticos com que se debatem diariamente. Além disso, é ao nível individual dos comunicadores que grande maioria dos dilemas e questões éticas se colocam. Questões éticas podem ocorrer em qualquer dia e a qualquer hora, podem envolver actividades internas da empresa, ou a maioria das vezes estão implícitas nos conteúdos que são difundidos para as audiências. Normalmente, quando uma empresa de comunicação difunde um conteúdo ou toma uma decisão que as audiências, os livro 06/11/10 11:13 Page 28 28 anunciantes ou reguladores consideram controversa, as práticas éticas desta entidade podem ser colocadas em questão. Nos EUA há três áreas onde a prática ética, ou a sua ausência, está muito presente. Uma destas áreas é a dos programas de entretenimento, enquanto portadores de conteúdos de natureza sexual ou violenta, ou linguagem que pode ser considerada indecente. O famoso intervalo do “2004 Super Bowl” mostrou a cantora pop Janet Jackson e o seu não menos famoso “corpete estragado”, o que resultou na exposição de um dos seus seios a uma audiência prevista em milhões de pessoas. A cadeia encarregue da emissão, CBS, foi condenada a multas pelo incidente, que totalizaram 550 milhões de dólares, e fortemente criticada por permitir a ocorrência. A CBS interpôs recurso na questão das multas e, até meados de 2006, ainda não tinha havido pagamento. Os programas de informação representam outra área de controvérsia ética. Devido ao imediatismo da tecnologia televisiva, muitas vezes os repórteres podem ou não estar na posse de todos os factos necessários para transmitir uma “estória”. No entanto, o tempo e a pressão competitiva para ser o primeiro a transmitir uma notícia pode levar a uma má decisão. Uma multiplicidade de situações que conduzem a desafios éticos: transmitir material que pode não ser verdadeiro ou comprovado; divulgar fontes confidenciais; possibilidade de conflito de interesses ou mostrar conteúdos com imagem questionáveis, como por exemplo o massacre de um ataque terrorista. Finalmente, a controvérsia com as vendas e o marketing pode entrar em choque com os objectivos das empresas privadas de comunicação de obter lucro. Os anunciantes são na sua maioria conservadores e tendem a colocar a publicidade em programas que a audiência não considere questionável. “Estórias” que conotem negativamente os anunciantes resultam, em algumas companhias, na retirada dos anúncios do ar. Nestas situações regista-se um conflito directo entre a missão jornalística da empresa e a sua missão comercial de obter lucro. Como é que um indivíduo perante uma destas situações éticas toma a decisão correcta e justa? Na realidade o tempo pressiona a emissão e o trabalho editado pode ir contra o tempo necessário para uma tomada de decisão racional. Os comunicadores, sejam eles jornalistas, editores, fotojornalistas, redactores ou directores, todos têm responsabilidades. livro 06/11/10 11:13 Page 29 29 Christians, Rotzoll e Fackler (1997) identificam cinco deveres éticos dos comunicadores de media de acordo com o tipo de instituições: • Dever pessoal. Os profissionais de comunicação necessitam de integridade individual e força para seguir a sua consciência. • Equilibrar os objectivos de carreira com outras tarefas pode ser um desafio. • Dever para com a audiência. Quando se toma uma determinada decisão, a audiência, os assinantes e outros patrocinadores têm de ser considerados. Como irá a decisão afectar a audiência? • Dever para com o empregador ou organização. Empregados responsáveis têm um sentido de obrigação para com o empregador. Em alguns casos o dever para com a empresa sobrepõe-se ao dever pessoal. Qual é o impacto de uma decisão individual na organização? • Dever para com os colegas. Na tomada de decisões éticas temos muitas vezes em linha de conta obrigações e lealdade para com os colegas da mesma área. Em que medida é que este dever para com os colegas afecta estas decisões? • Dever para com a sociedade. Nos meios de comunicação de massa, com difusão ampla, os direitos individuais à privacidade e confidencialidade vêm à superfície. Os conteúdos mediáticos que contêm cenas de sexo e violência também preocupam directamente a sociedade. Em que extensão o dever para com a sociedade afecta outros deveres ou lealdades profissionais? A tomada de decisão é um processo desafiante por muitas razões. Hosmer (1991) enumera cinco factores que dificultam este tipo de decisões pelos gestores: • As decisões éticas têm consequências profundas. Muitas vão para além de consequências imediatas ou de primeiro nível. As decisões afectam os outros perpassando a organização e a sociedade. livro 06/11/10 11:13 Page 30 30 • As decisões éticas têm muitas alternativas. São em número reduzido as que envolvem um simples sim ou não. Os comunicadores têm de considerar todas as opções na tomada de uma decisão ética.A pressão do tempo e os deadlines podem limitar a análise cuidada de qualquer alternativa possível. • As decisões éticas têm muitas vezes diversos resultados. Estas decisões várias vezes produzem em simultâneo custos e benefícios que os gestores podem ou não prever. As decisões éticas mais fáceis e menos comuns são as que envolvem um só resultado, independentemente da tomada de decisão. • A maior parte das decisões éticas têm consequências incertas. São raras as decisões livres de risco ou dúvida, com alternativas claras. Na maioria dos casos, ninguém consegue antever as suas absolutas consequências. • As decisões éticas têm implicações pessoais. Estas estão intimamente ligadas com valores, crenças e outras características individuais. Na maior parte dos casos, os comunicadores debatem-se com proveitos ou custos pessoais nas escolhas éticas . 1.1.3 Normas e éticas sociais As normas éticas são a base da maioria das convicções do indivíduo e da sociedade. Pode-se definir normas éticas como um conjunto de teorias derivadas do estudo da ética e dos princípios éticos. Estas são úteis porque fornecem bases filosóficas para a análise de situações éticas e julgamentos intelectualmente defensáveis (Day, 2000). São sete as normas éticas normalmente estudadas (Christians, Rotzoll, e Fackler, 1997; Day, 2000; Jaska e Pritchard, 1994). Estas normas são a regra de Ouro, a ética Judaico-Cristã, a categoria imperativa, o utilitarismo, o equilíbrio, a relatividade e a teoria de responsabilidade social. livro 06/11/10 11:13 Page 31 31 A Regra de Ouro. O filósofo grego Aristóteles sugere o significado de ouro, que valoriza a moderação em oposição aos extremos ou excessos. Aristóteles acreditava que os indivíduos conseguiriam atingir um forte carácter moral. Contudo, eles teriam necessariamente que enfrentar escolhas difíceis. Ao adoptar a posição intermédia, pode evitar-se excessos ou deficiências. (Day, 2000). Os princípios da regra de ouro estão hoje evidenciados, especialmente nas práticas jornalísticas. Por exemplo, princípios de equilíbrio e de justeza da reportagem são construídos com base na regra de ouro. Manter a objectividade na cobertura e reportagem noticiosa é outro meio de praticar a regra de ouro. A Ética Judaico-Cristã. Aparece em frases das escrituras Judaicas e Cristãs, como por exemplo “Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti” e “Ama ao próximo como a ti mesmo”. A ética judaico-cristã ilustra o respeito e dignidade humana, baseada num amor universal por Deus. Na tomada de decisões éticas baseadas nesta norma, deve-se ter em consideração o impacto destas decisões nos outros. O Imperativo Categórico Kantiano. O filósofo germânico Immanuel Kant estabeleceu esta categoria durante o século XVIII. Kant acreditava que as decisões éticas derivam do dever do senso moral, chamado o Imperativo Categórico, que se baseia nos princípios inerentes às acções individuais. Ao tomar decisões morais temos de procurar aceitar todos ou membros da sociedade, ou seja, aqueles princípios que podemos aplicar confortavelmente em todas as situações irão conduzir-nos à decisão correcta. O Imperativo Categórico está mais preocupada com os processos da tomada de decisão ética, do que com os resultados. O Utilitarismo. John Stuart Mill estabeleceu a filosofia do utilitarismo durante o século XIX. Mill defende que quando se enfrentam decisões morais cada um deve considerar qual a acção que resultará na felicidade para um maior número de pessoas. Esta máxima é muitas vezes referida como “o grande bem”. O utilitarismo está mais preocupado com as consequências de uma decisão ética do que com o processo de tomada de decisão. As sociedades democráticas identificam-se com as ideias de Mill, na medida em que o conceito da regra maior dá ênfase à noção de o maior bem para o maior número de pessoas. livro 06/11/10 11:13 Page 32 32 O Equilíbrio. Estabelecida por John Rawls, o igualitarismo defende que toda a gente deve ser tratada com igualdade e justeza, aquando da formulação de julgamentos éticos. Rawlls introduziu o conceito conhecido como véu da ignorância para ilustrar estas ideias. O véu da ignorância é uma construção hipotética. “Usando um véu” aquando da tomada de uma decisão, um indivíduo pode eliminar possíveis constrangimentos ou discriminações e portanto, tratar todas as pessoas de igual forma. Sem o véu da ignorância pontos de vista minoritários e pontos de vista com pouca representação poderiam ser ignorados. O véu permite que as decisões sejam imparciais, sem constrangimentos culturais (Day, 2000). O Relativismo. Os filósofos John Dewey e Bertrand Russell são os que melhor exemplificaram a questão do relativismo. O relativismo acredita que aquilo que é bom para uns não é necessariamente bom para outros, mesmo em situações similares. Cada indivíduo decide o que é melhor no seu ponto de vista, não julgando as decisões dos outros. A posição relativista deu origem ao estudo da marca ética, conhecida como ética situacional. A Teoria da Responsabilidade Social. Durante os anos 40, a Comissão Hutchings sobre a Liberdade de Imprensa examinou os mass media americanos (Day, 2000). A Comissão descobriu que jornalistas e outros comunicadores tomam decisões responsáveis no intuito de servir a sociedade (Tucher, 1988). Os resultados da comissão deram origem à Teoria da Responsabilidade Social. A Comissão reconheceu que indivíduos conscienciosos no processo comunicacional não podem determinar correctamente o impacto das suas decisões, e tomam-nas por norma com boas intenções. 1.1.4 Educação contemporânea na responsabilidade ética Embora as normas e bases éticas continuem a ser importantes e fornecedoras de um contexto histórico, é necessário um maior esforço na educação dos proprietários, gestores e jornalistas das empresas de comunicação, na sua responsabilidade perante as audiências e sociedade em geral. Neste sentido, existem várias possibilidades de aumentar o conhecimento entre as empresas de comunicação e as audiências. livro 06/11/10 11:13 Page 33 33 Primeiro, as empresas precisam de considerar a formação e desenvolvimento da ética e da tomada de decisão ética como uma responsabilidade contínua. A missão e valores éticos num livro de notas de um empregado não são suficientes. A formação regular e contínua, que deveria ser a prioridade de qualquer empresa de comunicação no século XXI. Os comunicadores continuarão a enfrentar desafios éticos trazidos por pressões competitivas, tecnológicas e conteúdos que forçam os limites. Apenas com uma análise regular e atenta destas questões os media podem encontrar os seus objectivos para funcionar de uma forma socialmente responsável. Segundo, os estudantes que procuram carreiras como profissionais de comunicação precisam de formação que inclua e ensine princípios éticos e a forma ética da tomada de decisão. Por exemplo, muitos jornalistas e programas de comunicação nos EUA oferecem cursos sobre Ética da Comunicação, que podem ou não ser obrigatórios. Mas a ética, particularmente a ética da comunicação, deveria também ser ensinada na Universidade, com parte integrante da literacia para os media. Estes passos são uma forma de desenvolvimento do nível educacional na construção de uma carreira e para aqueles que optem por carreiras não jornalísticas dar-lhes-á um entendimento de como operam e funcionam os media. Por último, somado à formação educacional, igrejas e outras organizações civis e comunitárias podem patrocinar sessões sobre ética nos media e literacia dos media de forma a aumentar o nível de compreensão entre a audiência. Este tipo de programas ajudará a alcançar aqueles que estão fora do sistema tradicional de ensino, fornecendo meios de aprendizagem contínua, úteis para adultos, especialmente para os que cumpram o seu papel enquanto pais e avós. Resumo O tópico da ética e responsabilidades sociais das empresas de comunicação é complicado e está em constante mutação. É uma indústria que enfrenta rápidas mudanças e transformações, sendo muitas vezes as questões éticas relegadas para segundo plano. Apesar disso podemos ter a certeza de que os desafios éticos continuarão para os media e o processo de decisão que envolve questões éticas continuará a ser discutido. livro 06/11/10 11:13 Page 34 34 Enquanto as empresas de comunicação têm de aceitar responsabilidades pela suas acções ou falta delas no que concerne às práticas éticas, assim também os profissionais de comunicação o têm de fazer. Esta análise tem como objectivo possibilitar o acesso a uma maior formação e educação no processo de tomada de decisão ética como um caminho para auxiliar as empresas de comunicação, com a certeza de que estas estão a cumprir com as suas obrigações sociais como uma das quatro instituições fundamentais na sociedade. Mas o público e o indivíduo têm também de assumir responsabilidades e um papel activo. Isto implica ter uma compreensão básica do que é a literacia mediática para que cada um consiga discernir e questionar a informação e exigir rigor e fiabilidade. 1.2 SOBRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS MEDIA* Francisco Rui Cádima** As sociedades modernas atravessam crises complexas de identidade, de participação cívica, de representação política, de defesa dos quadros culturais, de princípios e valores associados à sua história e à sua cultura, tendo os media, pouco contribuído no passado – e continuando a não contribuir - para minorar claramente esta tendência. Na nossa perspectiva, consideramos que este sector não pode ser regulado como mais uma actividade económica, tout court. Pensamos que a comunicação social é muito mais que isso. É um sector vital para o desenvolvimento das sociedades modernas, sustentado num princípio básico inalienável – a Cidadania, princípio que por sua vez se suporta no Conhecimento, no Saber e na Informação. Parâmetros que são, do nosso ponto de vista, intransferíveis para quadros jurídic-eco-nómicos específicos das actividades produtivas. Não se pode mistificar a enorme responsabilidade social e cívica do sector da comunicação social e do campo dos media. Consideramos, portanto, o quadro normativo em que nos movimentamos desajustado à própria virtude civil e aos desígnios da Sociedade do Conhecimento. Ora, a especificidade do sector de media e a elevada responsabilidade social que os cidadãos devem exigir à Comunicação Social do * Reflexão produzida no contexto de um estudo mais desenvolvido subordinado ao tema “Reflexões e Parecer sobre a Alienação da Lusomundo Serviços pela PT Multimédia”, realizado para a Alta Autoridade da Comunicação Social em 2005. ** Professor do Departamento de Ciências da Comunicação (FCSH-UNL). livro 06/11/10 11:14 Page 35 35 seu País, (sob pena de, a não o fazerem, se colocar em causa a Liberdade, a Identidade, os Valores e as Instituições) não se compadecem, pois, com articulados vagos e imprecisos relativamente a questões e a sectores que não são de modo nenhum uma ‘actividade produtiva’ ou ‘económica’. Não se pode, pois, neste século XXI, continuar a olhar para os media e para os órgãos de Comunicação Social como se fez no século passado, pondo em causa a nossa natureza e historicidade a o futuro de uma Nação. 1.2.1 Condicionantes e implicações Importará, ab initio, constatar, portanto, que: • A elevada complexidade do sistema dos media, em termos de concentração de empresas e meios, não se pode resolver num quadro legal constituído por matéria de concorrência genérica, havendo aqui claramente um défice e uma ‘deslocalização’ da regulação. • Os dispositivos regulamentares nestas áreas temáticas e no domínio dos media estão em regra delimitados por práticas de regulação habitualmente sujeitas a fortes campos de pressão e interesse económico e a dinâmicas sociais e empresariais que, em muitas situações, mercê do agenciamento das estratégias em presença, tornam mais difícil uma leitura clara, autonomizada, e enquadrada por objectivos centrados no interesse da própria Cidadania. • E ainda que os dispositivos regulamentares do sector dos media estão fragilizados por uma teia normativa incoerente, resultando, desta forma, colisões entre regulação, co-regulação e auto-regulação sectorial e direito da concorrência, e ainda entre estes enquadramentos e as diferentes políticas nacionais e europeias aplicadas a estas actividades. Ora, se os sistemas de regulação nestas áreas temáticas estão, muitas das vezes, fortemente dependentes de lógicas de lobbying, empresariais e corporativas, nacionais ou transnacionais, ou mesmo burocrático-comunitárias, o certo é que, para além dessa gestão exterior, musculada, de controlo do(s) reguladore(s), uma outra livro 06/11/10 11:14 Page 36 36 enorme complexidade resulta, como observámos, do justo equilíbrio ou complementaridade entre regulação sectorial específica, nesta área sensível, e direito da concorrência, não somente pelas diferentes e por vezes pouco compatíveis políticas nacionais e europeias aplicadas a estas actividades, mas também pelo facto de a emergência do digital vir perturbar a natureza fechada e tradicionalmente ‘ex-ante’ dos códigos regulamentares tradicionais. É um facto, por outro lado, que as tendências impostas por imperativos de natureza económica, não poderão colidir com princípios básicos que regem o exercício da actividade dos média, nomeadamente a independência editorial.Uma análise regular das categorias de conteúdo que abundam nos órgãos de comunicação social, rapidamente concluiria pela existência de um sistema muito fechado e restrito de tópicos e pelo mimetismo, circularidade e redundância da selecção editorial e das agendas dos media. Este modelo mediático inscreve-se claramente numa lógica que contém perigos para a ordem democrática. Não sendo muitas das vezes evidentes, estes perigos traduzem-se em bloqueios ao pluralismo e à liberdade de expressão e editorial e, portanto, em opacidades do discurso dos media, da transparência do real e da enunciação da experiência social e do ‘mundo da vida’. O mesmo é dizer, em zonas de sombra das narrativas e das práticas dos média e, por conseguinte, da ordem democrática. 1.2.2 Regulação e organismos Ora, considerando que a União Europeia: • Abdicou de regular de modo específico o sector dos media, designadamente no plano da concentração, remetendo essa regulação essencialmente para o direito da concorrência. • Através do Livro Verde da Convergência1, sugeriu impedir o surgimento de «posições proteccionistas» ou «estrangulamentos anti-concorrenciais», e reconheceu também que «a convergência pode conduzir a uma menor regulamentação nos sectores das telecomunicações e dos meios de comunicação social» 1 Livro Verde Relativo à Convergência dos Sectores das Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às suas Implicações na Regulamentação, Comissão Europeia, COM (97) 623, Bruxelas 3 de Dezembro de 1997. livro 06/11/10 11:14 Page 37 37 Considerando, no entanto, que a União Europeia tenciona, por exemplo em termos da Revisão da Directiva TSF: • Dar seguimento às observações relativas à protecção dos menores2 no âmbito dos media, proposta que poderia abranger questões relacionadas com a educação para os meios de comunicação, o direito de resposta e medidas de luta contra a discriminação ou a incitação ao ódio em razão da raça, do sexo ou da nacionalidade em todos os meios de comunicação em linha. Considerando, por outro lado, que para o Conselho da Europa3: • Os Estados-Membros deveriam tornar a contribuição para a liberdade de expressão e de informação, bem como o pluralismo de opinião, objectivos obrigatórios aquando da concessão das autorizações a emitir. • Os Estados-Membros deveriam reforçar a sua acção para garantir o pluralismo e independência editorial dos media através de leis ou outros meios. (...) deveriam zelar pela separação nítida entre o poder político e os meios de comunicação social e pela transparência de todas as decisões tomadas pelas autoridades públicas em relação aos meios de comunicação social. Considerando, também, que o Conselho Económico e Social4: • Privilegia «a educação e a informação objectiva do público mais vulnerável para que este tenha a capacidade de avaliar e de identificar os conteúdos da indústria dos meios de comunicação». 2 Cf. «Protection des mineurs et de la dignité humaine dans les services audiovisuels et d’information: proposition de recommandation» (2004). http://europa.eu/scadplus/leg/fr/lvb/l24030a.htm 3 «Concentrations transnationales des médias en Europe - Rapport préparé par le AP-MD» (Painel consultivo do CDMM sobre concentração, pluralismo e diversidade), Conselho da Europa, Direction Générale des Droits de l’Homme, Strasbourg, Novembre 2004. 4 «Pluralismo e Concentração nos Meios de Comunicação», Parecer do Comité Económico e Social (Bruxelas, CES 364/2000, de 29 de Março). livro 06/11/10 11:14 Page 38 38 • Sublinha a necessidade de garantir «os direitos fundamentais do indivíduo, tais como a liberdade de informação e de opinião, a protecção dos menores, a dignidade humana e, mais particularmente, a dignidade da mulher». • Defende que «os critérios culturais e sociais devem ser também tidos em conta para proteger os interesses do público europeu e a riqueza do panorama mediático». • Defende «um código de conduta comunitário para os meios de comunicação», ao qual incumbiria analisar a protecção dos menores contra as cenas de violência e os programas pornográficos, a sua limitação em nome da dignidade humana e mais particularmente da dignidade da mulher, «a interdição da glorificação da guerra e da criminalidade», referência que é, também, uma chamada de atenção para o infotainment, a informação-espectáculo e a actualidade trágica. • Propõe a «introdução, por intermédio de auto-regulação do sector, de um ‘rótulo europeu’ de qualidade da informação e de ética profissional» (embora especificamente para o online). E no que diz respeito à responsabilidade editorial dos meios de comunicação o Conselho Económico e Social5: • Sobre o tema da independência editorial e jornalística dos meios de comunicação através de «estatutos editoriais» com o objectivo de atalhar a possível influência sobre o conteúdo da informação dos proprietários ou dos accionistas, reconhece que «para garantir a qualidade da informação, é aconselhável que os profissionais dos meios de comunicação (por exemplo, empresas de meios de comunicação, proprietários, editores e jornalistas) adoptem regras deontológicas (por exemplo, carta deontológica, códigos éticos, etc.)». • E que, na sua perspectiva, «também é importante que todos os trabalhadores do sector recebam formação, para poderem assumir essa responsabilidade». 5 Op. cit. livro 06/11/10 11:14 Page 39 39 Considerando ainda que o Parlamento Europeu, no seu parecer de Abril de 2004, sobre o pluralismo nos media: • Aborda questões pouco usuais neste âmbito, como, por exemplo, matéria de acesso e de conteúdos, do direito a ser informado, da não discricionariedade dos actores sociais, culturais e políticos, dos perigos do negócio da publicidade poder vir a controlar parcialmente o campo dos media, começando por provocar distorções de concorrência, sendo assim necessária a sua monitorização de forma transparente, e recomenda que, no plano da formação de jornalistas, haja uma atenção particular a esta matéria, reforçando-se assim também a defesa do pluralismo. • Sugere que sejam lançados Conselhos de Imprensa nos Estados Membros com o objectivo de monitorizar práticas e conteúdos no domínio do jornalismo. • Incentiva os média a criarem modelos de auto-regulação que apostem na qualidade e que desenvolvam padrões éticos editoriais que também eles sejam um forte suporte do pluralismo. • Propõe a monitorização do modo como a concentração da propriedade se repercute na diversidade cultural. Dado que relativamente a opções assumidas em operações anteriores, em Portugal, permanecem dúvidas: • Quanto à caracterização de mercados relevantes e consequente interpretação de existência ou não de posição dominante nesses mesmos mercados. • Que não há sequer uma definição precisa e inequívoca relativamente ao conceito ‘posição dominante’ (repare-se que se este aspecto já de si é crítico em termos da análise da concorrência no âmbito do sistema produtivo, perverte de forma dramática a análise da concorrência em termos de sistema de media, dada a sua livro 06/11/10 11:14 Page 40 40 especificidade essencialmente cultural e comunicacional (que, enfim, não é reconhecida minimamente pela Lei 18/2003). Considerando finalmente que: • É legítima a defesa intransigente do pluralismo e da liberdade editorial nos média, em geral, bem como a monitorização rigorosa de estratégias corporativas, de orientação de conteúdos e de coerção da liberdade editorial dos profissionais de comunicação social, com conhecidos efeitos censórios e auto-censórios. • É legítimo o desígnio imperativo nas democracias, aberto a uma opinião pública cada vez mais forte tendo em vista a emergência de uma sociedade civil cada vez mais interventora, participativa e dinâmica, tendo como princípios elementares a concorrência e o pluralismo, mas também a diversidade cultural. • É um grave risco a constituição de um paradigma da publicidade a enquadrar a estrutura profunda da comunicação social, como ainda a sua explicitação - e as diferentes contaminações -, no plano discursivo e dos conteúdos. O que originaria uma perversão, dada pela filiação das práticas jornalísticas aos ‘desígnios’ do paradigma publicitário. • As operações de concentração só são legítimas se, ao contrário de reduzir, antes ampliem a diversidade de opiniões e a liberdade de expressão e editorial. • A independência dos media e o pluralismo necessitam de tanto maior monitorização, quanto maior for o índice de concentração. • É necessário reconsiderar não somente a actual estratégia reguladora do analógico, como, na presente migração, toda a filosofia que presidirá à futura regulação do sistema de media, designadamente em Portugal, procurando evitar a ‘re-mercantilização’ do sistema. • Em Portugal (seguindo a lógica de Bruxelas), e apesar das teses que confluem, a prazo, no regulador único intersectorial, abrangendo a livro 06/11/10 11:14 Page 41 41 regulação dos média e das comunicações – teses, aliás, aparentemente consensuais e legitimadas a partir do lançamento da Iniciativa «Convergência e Regulação»6 –, foi dada, paradoxalmente, renovada relevância ao direito da concorrência, o que coincidiu inevitavelmente com uma menorização das políticas de regulação dos conteúdos no sector dos media e com a dificuldade em superar a insuficiência técnica e executiva do regulador sectorial, e ainda com o deficiente cumprimento e pilotagem de práticas de auto-regulação e co-regulação. • Nessa reconfiguração dos modelos de regulação, se, aparentemente, se pretendia reforçar o campo dos media, o pluralismo e reposicionar e reclassificar os sistemas de conteúdos face, nomeadamente, às redes e serviços, acabou por se verificar, ao invés, um privilégio do direito da concorrência e da lógica economicista face à dimensão do conhecimento, da cultura e da informação, que o sistema de media encerra de forma iniludível. • Dir-se-á então que se mantém a dualidade entre media e audiovisual, por um lado, e as telecomunicações e o paradigma da publicidade, por outro, não se dissipando a dúvida relativamente ao facto de os detentores das infra-estruturas e das estratégias da indústria da publicidade, manterem capacidade de ‘extra-regulação’ sectorial, no campo das dinâmicas de «continente» versus «conteúdo», ficando este, de certa maneira, mais sujeito a estratégias economicistas e de mercados de convergência, do que a opções editoriais mais autonomizadas no sentido do reforço, por exemplo, da referência histórica de títulos de imprensa. • Emerge assim uma fragilidade de regulação do sistema de media em si mesmo, que veio, aparentemente, ser superada por um reforço do modelo de controlo centrado na concorrência e nas comunicações, com ascendente também do paradigma publicitário e das suas estratégias económicas sobre os conteúdos dos media, submetendo àquele o desígnio de civilidade do jornalismo e também dos conteúdos audiovisuais, o que origina obviamente a contaminação de uma cultura de qualidade e exigência nos media por uma cultura 6 Iniciativa «Convergência e Regulação - Recomendações de actuação estratégica». Ver o documento em: http://www.anacom.pt/template15.jsp?categoryId=36586 livro 06/11/10 11:14 Page 42 42 «tablóide» onde a notícia e o acontecimento não são mais do que mercadoria-valor. Conclui-se que estamos perante um modelo de todo inaceitável, na medida em que, de certa forma, desregula o sistema de conteúdos, e, portanto, o sistema de informação e do conhecimento, vital para uma cultura sustentada de desenvolvimento também social, educativa e cultural do país. Esta, uma das mais graves questões críticas do sistema social, a corrigir com urgência, sob pena de se manter sempre verdadeira a asserção de Jean-François Lyotard, que reconhecia que a ‘transparência’ dos media era o «novo cárcere». 1.2.3 Reflexão final Em síntese, parece-nos importante centrar esta reflexão em torno de alguns aspectos finais: • Por um lado, sobre a oportunidade de criar um novo enquadramento europeu, e respectiva revisão e harmonização das regras nacionais relativas à propriedade dos média e à concentração. • Sobre a importância de criar uma estrutura europeia de monitorização do pluralismo e da liberdade editorial dos média, designadamente nos grupos onde o grau de concentração é mais evidente. • Sobre a particular importância da análise e necessária limitação dos processos de integração entre o campo dos média e a publicidade. • Finalmente sobre a defesa inequívoca do pluralismo e da liberdade de expressão através de regras claras, ajustadas também à responsabilidade social dos media. E ainda, no âmbito do caso português e face à actual ponderação sobre as políticas sectoriais, Portugal precisa de garantir um sistema Audiovisual que cumpra efectivamente a Lei e para tanto necessita de um órgão de regulação específico, livro 06/11/10 11:14 Page 43 43 competente face a uma área de grande complexidade, forte do ponto de vista técnicocientífico, que não se distraia com outros sectores que têm outras prioridades. Deve ter competências acrescidas em matéria de conteúdos, com particular atenção para os públicos mais sensíveis. Daí a urgência, deste ponto de vista, de uma Autoridade ou de um Conselho específico, no nosso entendimento, para o Audiovisual. Naturalmente, como vimos, a concentração dos media necessita de regulação específica em Portugal. Que deve ser aplicada - e pilotada - de modo a permitir a consolidação do sector, sem que isso impeça absoluta e inequívoca liberdade editorial dos profissionais de comunicação social. De certa maneira, à revelia do pensamento da Comissão Europeia, mas na perspectiva de criar precedente vital para a Cidadania Europeia, julgamos assim fundamental uma lei anti-trust para os media e os novos média, subordinada ao desígnio da ética e da responsabilidade social no sector. Conclua-se, finalmente, pela incapacidade da União Europeia e da burocracia de Bruxelas em ‘olhar os média nos olhos’, ao demitirem-se de intervir no sentido de contribuir para a introdução de um paradigma cívico inequívoco no sistema dos media, algo que foi muito evidente com o ‘esquecimento’ da Directiva de 1992. A crer, no entanto, no enviesamento que sobre estas matérias a própria União Europeia tem sustentado, dando primazia, no quadro do audiovisual e dos media, ao ‘económico’ face à cultura e ao conhecimento, mas também à cidadania, à experiência social, à virtude civil, podemos mesmo acreditar que «já é tarde de mais»… Certamente em prejuízo da própria Europa e da sua pouco segura e periclitante União. Quem semeia ventos, colhe tempestades… livro 06/11/10 11:14 Page 44 44 1.3 JORNALISMO, LIBERDADE E RESPONSABILIDADE Sara Pina* Liberty means responsibility.That is why most men dread it George Bernard Shaw 1.3.1 Introdução Liberdade e responsabilidade são conceitos inseparáveis. Todo o exercício de um direito ou de uma liberdade impõe responsabilidade e respeito pelos deveres implicados no exercício daqueles. As liberdades de imprensa e de expressão não são excepções. Exercer livremente jornalismo e exprimir-se sem censura implica deveres e responsabilidades a serem cumpridos. Em Portugal, a razão última de todo o direito de informação e deontologia jornalística é a realização do direito do público a ser informado, ou mais sugestivamente e usando os termos repetidos em vários códigos deontológicos, – a realização do direito do público a conhecer a verdade. Assim a Constituição Portuguesa (art. 37º) associa como partes coerentes da mesma realidade, a liberdade de expressão e o direito a informar e de ser informado «sem impedimentos, nem discriminações» e (art. 38º) assegura aos jornalistas os direitos considerados essenciais para a assumpção por eles dos seus deveres para que se realize o direito dos cidadãos a serem livremente informados. Para além da Constituição, todo o sistema jurídico português determina como escopo central da actividade jornalística o direito dos cidadãos a uma informação livre e plural, sendo esta actividade um instrumento para a efectivação do direito de todos. Por isso, os direitos dos jornalistas têm a natureza de poderes-deveres, isto é, de poderes que devem ser exercidos. Na terminologia técnico-jurídica, são “funções”, direitos irrenunciáveis que, justamente em virtude da sua natureza funcional, são atribuídos acompanhados da imposição (jurídica) de os exercer. É assim no direito da informação mas também, ainda mais marcadamente, na deontologia jornalística. Em termos comparados o conceito de que o jornalista se deve assumir ao serviço do “bem comum” e do “interesse público” é um dos princípios gerais que se repetem na maioria dos códigos deontológicos, sendo que grande parte do restante * Professora da Universidade Lusófona livro 06/11/10 11:14 Page 45 45 articulado deontológico não passa, frequentemente, de derivações e aplicações deste (Asenjo 1984: 21). No Código Deontológico Português em vigor não há nenhuma referência expressa à funcionalidade dos deveres deontológicos dos jornalistas em relação ao direito do público a ser informado, no entanto, todo o espírito que o enforma aponta nesse sentido. Não só porque os deveres que enumera claramente se revelam como instrumentais da realização de tal direito, mas também pelo modo como remete para a consideração do “interesse público” como critério das excepções àqueles deveres, donde resulta que, fundamentalmente, é o “interesse público” o objectivo que o seu normativo visa realizar. Apesar da vocação mais ou menos abrangente que tenha, nenhum normativo, e especialmente um normativo essencialmente prático e dirigido à fixação de regras de conduta concretas, como é um código deontológico, pode prever e resolver expressamente todas as situações passíveis de cair no seu âmbito. Cabe então ao intérprete a integração das eventuais lacunas, para o que deve, em caso de impossibilidade de determinação de analogias que lhe permitam uma interpretação consentânea com a solução dada a uma situação concreta prevista, socorrer-se dos princípios e valores do texto, nele identificáveis, de modo a encontrar, assim, a solução que o texto previsivelmente adoptaria se tivesse regulado o caso em apreço. Sendo a realização do direito do público a ser informado, como vimos, o valor central que o direito e a deontologia jornalística portugueses apontam para o exercício da profissão, o intérprete deverá então servir-se dele como critério fundamental para apurar se um dado comportamento, não previsto no Código, é ou não deontologicamente correcto. A ética e deontologia jornalística são, portanto, contingências da liberdade de imprensa e expressão. A melhor forma da imprensa defender a liberdade é sendo responsável. John C. Merrill, que nas suas primeiras teses defendia que qualquer que fosse o esforço que visasse tornar a imprensa responsável e imputável seria sempre um perigo para a liberdade, mudou as suas posições iniciais defendendo, actualmente, a necessidade de conciliar o conceito de liberdade e o conceito de responsabilidade. Para este autor, (1989: 234), «assim como a vida é inútil para uma pessoa sem cérebro, também a liberdade é inútil para o jornalismo sem ética». Segundo Merrill, a defesa de que os jornalistas têm que reconhecer que devem ser livres e éticos assenta no livro 06/11/10 11:14 Page 46 46 princípio filosófico de que só o livre exercício da vontade – sem subjugação a ninguém – pode ser moralmente bom. Liberdade será ter o domínio e responsabilidade sobre nós próprios como pré-condição para uma acção com moralidade. O facto de, em Portugal, o primeiro Código Deontológico dos Jornalistas datar de 1976 relaciona-se exactamente com a questão que temos vindo a analisar. Durante vários anos discutiu-se entre a classe a necessidade de elaborar um código deontológico. Em 1973 chegou a constituir-se uma comissão para proceder a esse desiderato, mas as conclusões preambulares do documento elaborado foram «o direito à informação materializa-se através de jornalistas que assumam as consequências dos seus actos e omissões segundo normas de idoneidade profissional que apliquem a cada caso de acordo com o que a sua consciência lhes ditar. Decorre daqui que a deontologia profissional pressupõe a responsabilidade do jornalista, a qual só existe quando e onde existir liberdade». Assim, só depois do 25 de Abril de 1974 se elaboraria o primeiro Código Deontológico dos Jornalistas, que esteve em vigor quase 20 anos. 1.3.2 Responsabilidade social As práticas e atitudes profissionais implicadas num quadro de responsabilidade social são numerosas e diversas, muito mais vastas que as teorias e definições que ao longo dos anos se têm elaborado a seu respeito e que são «infelizmente mais difusas e palavrosas» (Bernier 1995: 48). Lloyd define vagamente a responsabilidade social, segundo Bernier, em conexão com necessidade de os jornalistas contribuírem para o progresso social e com o objectivo de aumentar a liberdade dos indivíduos. Os indivíduos deverão aceitar as obrigações reconhecidas na sociedade em que vivem em troca dos benefícios que daí retiram. Diferentemente, o conceito de Louis W. Hodges passa pela distinção entre responsabilidade e imputabilidade da imprensa. A questão da responsabilidade reside na determinação das necessidades sociais que os jornalistas devem satisfazer, enquanto a imputabilidade diz respeito aos meios a utilizar para que os jornalistas prestem contas e justifiquem o seu trabalho face às responsabilidades que lhe foram atribuídas. A responsabilidade relaciona-se com a conduta, a imputabilidade com os resultados. livro 06/11/10 11:14 Page 47 47 Hodges faz esta distinção para explicar a responsabilidade como «os nossos deveres e obrigações morais, a substância daquilo que devemos fazer» (Elliot 1986:1314). Falar de imputabilidade visa que nos questionemos de quem é o poder de verificar ou exigir dos jornalistas a prestação de contas. Para Hodges, a questão de responsabilidade precede a da imputabilidade e relaciona-se com o enunciado «quanto mais poder temos ou ocasião de influenciar os outros mais temos deveres morais» (Elliot 1986: 16). Para Johannesen (1983:6), para ser considerada responsável, a imprensa tem que prestar contas e aceitar ser avaliada em função de critérios pré-estabelecidos. Este autor não esclarece a quem, segundo o seu ponto de vista, a imprensa deve prestar contas e quem determinará os critérios da sua avaliação. Já para Pritchard (1991: 74), anterior ao problema da imputabilidade da imprensa é o da assumpção de que jornalistas e empresas adoptarão os comportamentos que a sociedade qualifique de responsáveis, se souberem que têm de prestar contas a certas instâncias. O problema do controlo da imprensa tinha já sido abordado em 1947 na sequência das do trabalho elaborado pela Comissão Hutchins. A responsabilidade como corolário da liberdade de imprensa foi estudada e formalizada. A Comissão concluiu que a liberdade de imprensa estava em perigo apresentando três razões para esta afirmação: a) embora houvesse uma multiplicação de órgãos de comunicação social, o acesso dos cidadãos a estes era cada vez mais difícil, bem como a expressão de ideias e opiniões destes; b) os que tinham acesso aos mass media eram cada vez menos representativos da população e das suas necessidades; c) os media recorreriam a práticas que as sociedades condenam e esta situação perduraria, resultando inevitavelmente em pressões para que a liberdade de imprensa fosse controlada. Inicialmente, as teorias da responsabilidade social de Merrill enfatizam o problema do controlo dos órgãos de comunicação social. Seriam pelo menos três, conforme a responsabilidade fosse definida pelo poder político, pelos próprios mass media ou, de maneira individualista e pluralista, pelos jornalistas – a teoria libertária. O auto-controlo da classe jornalística na teoria libertária é, diferentemente, para Stephen H. Daniel (Gauthier 1990: 140), oposto à responsabilidade social e, por isso, esta não deve ser apresentada como tal. O autor sustenta que «a teoria da responsabilidade social da imprensa é de natureza teleológica porque assenta na finalidade de atribuir ao jornalismo contribuição para o bem comum e a teoria livro 06/11/10 11:14 Page 48 48 libertária da imprensa é mais de natureza deontológica do fazer, que é centrada no dever último de divulgação dos factos», resume Gauthier (1990: 52). Portanto, as teorias da responsabilidade social da imprensa são as que se interessam pelas consequências do trabalho dos jornalistas e os efeitos dos media, enquanto a libertária presume que os indivíduos sabem instintivamente ou racionalmente o que é bom para a sociedade e agem em consonância. Esta teoria tem por adquirido que os indivíduos que agem para o bem comum são superiores em número e em influência aos que podem proceder contra o interesse geral, não havendo necessidade de intervir junto dos jornalistas para os sensibilizar para as suas responsabilidades. Mas John C. Merril preconiza que a teoria libertária prevaleça relativamente à responsabilidade social do jornalista, já que devem ser os jornalistas, a título individual, a determinar as suas obrigações e responsabilidades. Estas não devem ser atribuições governamentais ou de organizações profissionais. Nas primeiras teses deste autor, qualquer que fosse o esforço que visasse tornar a imprensa responsável e imputável seria um perigo para a liberdade, pois a responsabilidade social da imprensa é uma forma de condução a um sistema autoritário (Bernier 1995: 53). Numa sociedade livre cada um deve definir a sua responsabilidade.Tal tese viria a ser refutada pelo próprio autor anos mais tarde. As actuais teorias de Merrill são agora de uma necessidade de conciliação entre liberdade e responsabilidade (Bernier 1995: 53). Também Lloyd criticou severamente as teorias da responsabilidade social, fazendo uma analogia para a definir como despotismo. Usando o romance de Dostoievski «Os irmãos Karamazov», em que a população perde as suas liberdades políticas e intelectuais em troca de medidas de segurança social, Lloyd explica que sacrificar a liberdade de se exprimir e pensar por um sistema de protecção social administrado por métodos autoritários, ignorando a capacidade dos indivíduos de per si assumirem as suas responsabilidades, coloca a teoria da responsabilidade social da imprensa a um passo do autoritarismo (Bernier 1995: 53). Isto embora outros autores reconheçam que as consequências negativas do trabalho dos jornalistas raramente conduzem a sanções, mesmo que o benefício para o público não esteja à altura do mal causado a alguns. De qualquer modo, «todo o radicalismo é perigoso», alerta Marc-François Bernier (1995: 55), exemplificando com um texto publicado nos anos 70, no Wall Street Journal: «Um jornal é uma empresa privada que nada deve ao público (…). Não livro 06/11/10 11:14 Page 49 49 tem qualquer preocupação pelo interesse público. Está simplesmente ao serviço do seu proprietário, que vende um produto manufacturado por sua conta e risco». É preciso ter em mente que a noção de responsabilidade social, ao invés de relacionada com restrições à liberdade de imprensa, pode bem ser considerada uma forma de regulação da liberdade de expressão. Esta liberdade protege, em democracia, a livre expressão de opiniões e ideias. Ora, relativamente à imprensa, a responsabilidade será dar uma ideia representativa da sociedade, divulgarem-se vários pontos de vista, etc.. No caso das restrições, estas não dizem respeito à liberdade de expressão ou opinião, mas estão relacionadas com, por exemplo, a identificação de vítimas de crimes ou invasão da vida privada. Não está de todo demonstrado que a responsabilidade social ponha em perigo a livre expressão de opinião e ideias, antes pelo contrário, chama à atenção para que todas as ideias tenham livre circulação. Assim, uma imprensa livre e responsável será antes uma ameaça para quem detém os órgãos de comunicação social. «Representa uma ameaça real e substancial para o proprietários por que ela ameaça prolongar a liberdade de imprensa para além dos privilégios dos proprietários» (Bernier 1995: 56). Por causa da liberdade e responsabilidade da imprensa, os detentores dos órgãos de comunicação social perdem autonomia, já que tem que respeitar o acesso de diferentes grupos sociais aos seus mass media. Esta ameaça tem resultado por todo o mundo, e principalmente nos EUA, numa oposição dos proprietários dos à criação de métodos e grupos de controlo da acção dos media em matéria de responsabilidade social. 1.3.3 Deontologia e credibilidade A teoria da responsabilidade social da imprensa não pretende somente a defesa e promoção do interesse público, mas também aumentar os níveis de credibilidade dos jornalistas que, nas democracias ocidentais, tem vindo a decair cada vez mais. Para repor a credibilidade são necessários mecanismos de análise das práticas profissionais jornalísticas, podendo a deontologia ser um meio de grande utilidade nesta análise para atingir níveis de credibilidade mais elevados. Os jornalistas preocupados com a liberdade preocupam-se com a deontologia. Sendo que o dever ético dos jornalistas é livremente assumido e livro 06/11/10 11:14 Page 50 50 reconhecido por estes. De facto, a ética no jornalismo assenta na assumpção de que o jornalista pode escolher entre diferentes modos de agir. A possibilidade de escolha implica liberdade. Se o jornalista for forçado a, por exemplo, escrever de uma certa maneira, estará a ser amoral. A liberdade está validamente alicerçada quando assenta na ética e na responsabilidade social. Quando o uso da liberdade é feito de forma abusiva pode implicar uma reacção de coacção dessa liberdade. Por isso, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, o debate deontológico alargou-se e aprofundou-se por todo o mundo. Os códigos deontológicos dos jornalistas nascidos da auto-regulação seriam um meio de evitar a ingerência politica. Em Portugal, a mais recente evolução do jornalismo, em larga medida condicionada pelo quadro social e económico em que se move, tem acentuado a conflitualidade entre os interesses de natureza pública envolvidos no exercício do poder-dever de informar e alguns dos direitos individuais de personalidade fundadores do próprio sistema democrático. Trata-se de uma situação que tem contribuído para uma grave descredibilização do jornalismo, que não é substancialmente distinta da generalidade dos países onde a regra é a da liberdade de informação. A verdade é que não se pode escamotear a responsabilidade, maior ou menor, dos próprios jornalistas em tal situação. Com efeito, e reportando-nos ao caso português (que, como disse, não é muito diferente do que se passa noutros países), faz-se entre nós com excessiva frequência – e talvez com excessiva impunidade – um tipo de jornalismo atentatório de alguns direitos fundamentais de cidadania: o direito ao bom-nome, o direito à reserva de vida privada, o direito à presunção de inocência, até o direito (absolutamente básico) ao respeito pela dignidade pessoal. É certo que para tal tem também contribuído, para além das razões gerais já referidas (em que avulta a de uma Comunicação Social cada vez mais concorrencial), o desenvolvimento de formas cada vez mais complexas de jornalismo de investigação e as responsabilidades que, nesta matéria, os jornalistas vêm crescentemente assumindo, até em resultado de alguma inoperância das instâncias, quer policiais quer políticas, a quem a sociedade tradicionalmente confia a fiscalização da legalidade. O quadro jurídico da informação em Portugal nem sempre tem chegado para acudir a esse estado de coisas. Aliás, o Direito tem, naturalmente, motivações sociais próprias que, em última análise, e na prática, são indiferentes à defesa do prestígio e livro 06/11/10 11:15 Page 51 51 credibilidade da função de informar. Esta é uma tarefa que, fundamentalmente, cabe aos próprios jornalistas assegurar. E o Código Deontológico afigura-se dever ser, apesar de tudo, o instrumento privilegiado de tal tarefa, mesmo tendo em conta as limitações decorrentes da natureza do seu tipo de imperatividade (a imperatividade moral é, por oposição à jurídica, uma “imperatividade fraca”). 1.3.4 Interesse público e democracia Por tudo o exposto se afigura que, num futuro Código Deontológico dos Jornalistas, não poderá deixar de dar-se uma particular atenção às soluções éticas que hão-de presidir, na prática jornalística, às opções quotidianas a fazer perante os conflitos entre interesse público e direitos individuais. E, para isso, parece fundamental uma profunda reflexão dos jornalistas sobre o próprio conceito de “interesse público”. Quando é que uma notícia é de “interesse público”? Em condições é que tal «interesse público» pode justificar o desprezo por um direito individual, sendo certo que a violação de alguns direitos individuais fundamentais pode frequentemente implicar um prejuízo absolutamente irremediável? Até que ponto os jornalistas são, ou não, eticamente responsáveis (mesmo quando o não sejam juridicamente) pelos julgamentos que, nesta matéria, e em consciência, são chamados a diariamente fazer na prática profissional? As principais balizas de uma reflexão como esta hão-de ser de natureza jurídica e de natureza ética. Ora nem do ponto de vista jurídico nem do ponto de vista deontológico a questão do que seja o «interesse público» e de quais sejam os seus limites é pacífica. O direito-dever de informar e as faculdades que o integram têm, no nosso sistema jurídico de direito da informação, uma natureza claramente instrumental, visando realizar aquilo que a Lei de Imprensa, logo no artº 1º, designa pelo «direito de se informar e de ser informado sem constrangimentos, nem discriminações». Subjacente ao direito a informar está a realização de um «interesse público» (expressão recorrente em todo o Direito da Informação) de relevância constitucionalmente reconhecida. Neste sentido dispõem também, aliás, quer a Declaração Universal dos Direitos do Homem – para onde, por força do nº 2 do art.º livro 06/11/10 11:15 Page 52 52 16º da Constituição devolve o nosso Direito Constitucional em matéria de interpretação e integração de direitos fundamentais – quer a Carta das Nações Unidas. Para além destas dificuldades práticas de fundamentação racional do conceito de «interesse público» e da sua fixação para efeitos de legitimação, ou apenas de despenalização, da violação de direitos individuais fundamentais no exercício do direito de informar, a conflitualidade entre este e os direitos individuais fundamentais põe outros graves problemas que raramente têm sido objecto de discussão entre nós, apesar da súbita popularidade que ganhou a discussão das questões da Justiça e da Comunicação Social. Mais grave ainda: a participação dos jornalistas nessa discussão tem surgido frequentemente ferida de alguma carga corporativa e reivindicativa que parece ignorar os fundamentos últimos da missão de informar numa sociedade democrática e, maxime, os próprios fundamentos da Democracia. A Democracia não é, de facto, como escreve G. Burdeau, apenas «um modo de ser institucional, ela é, mais ainda talvez, uma exigência moral: [...] é um valor». E é em virtude da incessante dinâmica dialéctica existente entre Democracia e Comunicação Social que esta última, espécie de rosto da Democracia, naturalmente suscita tanto interesse junto dos políticos e dos cidadãos. A Democracia constitui um modo particular de harmonização das exigências contraditórias da liberdade e dos interesses individuais com as imposições resultantes do interesse geral, e a forma típica da sociabilidade democrática é a comunitária, isto é, e de acordo com as tipologias definidas por Gurvitch, o tipo de sociabilidade assente nas pessoas enquanto sujeitos de liberdade reconhecida pelos outros e de responsabilidade perante os outros. Como escreveu Joseph Folliet em 1928, em L’Aube Nouvelle, «a base moral da Democracia é a dignidade da pessoa humana». É este o sentido profundo do «princípio fundamental» consagrado logo no artº 1º da Constituição da República Portuguesa: «Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana (...)», isto é, a dignidade da pessoa constitui um valor fundador da própria Democracia, e provavelmente, e ressalve-se a excessiva simplificação, um valor anterior, por força da Constituição, à própria hierarquia constitucional. E, por isso, anterior ao direito de informar, que há-de ser então um instrumento democrático fundamental não só da liberdade, mas também da dignidade da pessoa humana, e apenas deste modo realizando efectivamente o «interesse público» que lhe é, em Democracia, confiado. livro 06/11/10 11:15 Page 53 53 A relevância do «interesse público» prosseguido pelo direito de informar enquanto excepção à protecção jurídica dos direitos da personalidade passa, infelizmente, vezes de mais ao lado da fundamentação personalista da própria Democracia. A doutrina e a jurisprudência portuguesas no domínio do direito da informação – ao contrário, diga-se de passagem, do que faz a deontologia jornalística – têm revelado, em geral, alguma insensibilidade nesta matéria. Mais grave, porém, é que tal insensibilidade seja frequentemente patrocinada por uma Comunicação Social cada vez mais condicionada por critérios comerciais e de audiências. Não se vislumbra, de facto, como algum «interesse público» possa justificar, por exemplo, a humilhação de pessoas ou a exposição pública da sua dor, como se vê diariamente em muitos serviços noticiosos televisivos (e não só), ou ainda a recolha de declarações e/ou imagens em precárias condições de serenidade, de liberdade ou de responsabilidade. Pois que, estando em causa, como vimos, um princípio fundador do próprio Estado Democrático, isto é, e utilizando a terminologia de Vieira de Andrade, «um pressuposto da validade material de toda a ordem jurídica», o desrespeito da dignidade da pessoa humana, por definição, colide sempre com o «interesse público». 1.3.5 Respeito para com o cidadão Só que talvez se possa ir ainda mais longe e questionar mesmo se direitos como o direito à reserva da vida privada, o direito à reputação e ao bom nome, ou outros direitos individuais, serão ou não, em termos abstractos, prioritários em relação ao direito de informar, independentemente da natureza constitucional deste. É o que é feito hoje por uma forte corrente da filosofia política norte-americana, filiada na «teoria da justiça como equidade», de Rawls. Porque se, como dizia Tocqueville, a Comunicação Social evita muitos males, é também certo que igualmente faz muitos males, e as mais das vezes irremediáveis. A questão é evidenciada num estimulante trabalho de Gilles Gauthier, professor do Departamento de Informação e Comunicação da Universidade Laval, no Canadá, publicado pelo Institut National de l’Audiovisuel a propósito da discussão sobre se os media devem ou não identificar as pessoas implicadas em dramas humanos e outros fait divers. A situação é geralmente debatida quanto a menores, a vítimas de acidentes e seus familiares, à vida privada de figuras públicas, a adultos envolvidos em casos de livro 06/11/10 11:15 Page 54 54 costumes, a profissionais objecto de processos disciplinares, etc.... Mas Gauthier, à semelhança de outros trabalhos no mesmo sentido anteriormente divulgados nos EUA, no Canadá e na Austrália, vai mais longe e levanta o problema – do ponto de vista de uma fundamentação ética racional – no que toca a uma situação extrema, e praticamente pacífica: a identificação de vítimas, testemunhas e acusados intervenientes em processos criminais. A partir da teoria da Justiça de Rawls, Gauthier questiona o direito dos media a qualquer tipo de intromissão na vida privada dos cidadãos (mesmo tratando-se de figuras públicas), ou a atingir o seu direito individual ao bom-nome e reputação (mesmo quando em nome do «interesse público», ou quando com suporte legal).A invocação do «interesse público» para justificar a violação de direitos individuais afigura-se a Rawls tipicamente utilitarista. O utilitarismo é, como se sabe, uma espécie de ética aritmética, segundo a qual uma conduta deverá ser avaliada de acordo com a quantidade de satisfação que pode dar aos indivíduos por ela afectados. Quando se invoca o «interesse público» contra direitos individuais entende-se, em termos utilitaristas, que as vantagens colhidas pela colectividade valem bem os prejuízos que a violação de um direito desse tipo causa ao indivíduo seu titular, do mesmo modo que um controverso provérbio judeu justifica a morte de um homem com a sobrevivência de mais do que um... A teoria racionalista da justiça enquanto equidade de Rawls é profundamente anti-utilitarista. Para Rawls «pode ser oportuno que alguns possuam menos para que outros prosperem; pode ser oportuno, mas não é justo». Isto é, para Rawls, o «interesse público» não pode ser uma abstracção totalizante, independente dos interesses individuais de cada um dos membros de uma sociedade. Se tais considerações, de foro essencialmente filosófico, e envolvendo o sempre difícil equilíbrio entre os valores do indivíduo e da sociedade, da pessoa humana e do todo social, dificilmente são compatíveis com a prática jornalística, elas terão talvez, pelo menos, a virtude de poderem contrariar alguma tendência para o conformismo face tanto ao direito como aos hábitos profissionais hoje vigentes no jornalismo. livro 06/11/10 11:15 Page 55 55 1.4 LIDERANÇA MORAL, CRIATIVIDADE E OS OBJECTIVOS FINANCEIROS DAS EMPRESAS DOS MEDIA Francisco J. Pérez-Latre* 1.4.1 Introdução As empresas dos media são caracterizadas pela sua conjunção única entre criatividade, objectivos financeiros e responsabilidade social. Este artigo sugere algumas hipóteses para a compreensão das tensões e confusões que muitas vezes desafiam as empresas dos media e as questões éticas que elas encontram a partir de um ponto de vista de gestão. 1.4.2 Compreender o lado criativo dos media A criatividade é difícil de definir e encontrar. Mas depois de décadas de investigação sabemos que «quando a criatividade é morta, uma organização perde uma arma de competição potente: novas ideias.Também pode perder energia e a fidelidade da sua audiência» (Amabile, 1998: 87). Algumas ideias sobre a criatividade precisam de ser compreendidas pelo lado financeiro dos media. Não significa que os directores de media sejam contra a criatividade: eles acreditam no valor de novas ideias de negócios. Mas matam-nas para maximizar a coordenação, produtividade e controlo. De acordo com Amabile (1998), fazem-no antes de tudo ao não destinarem as pessoas indicadas para os trabalhos para poder melhor jogar com a sua expertise e conectar a sua motivação intrínseca.Também o fazem ao não conseguirem compreender a liberdade. Muitas vezes eles controlam os meios. Os directores de media deviam preocupar-se com o final, não com os meios (o processo). As organizações também matam a criatividade nos media ao darem prazos demasiado curtos ou falsos. As sessões de grupos de trabalho (cruciais para os media) também são incompreendidas. De forma a se atingirem ideias criativas, os grupos com uma diversidade de perspectivas e histórias devem ser apoiados. Isso apela a uma * Professor de Empresa Informativa na Universidade de Navarra e do Institito de Media & Entretenimento, Nova Iorque. livro 06/11/10 11:15 Page 56 56 profunda compreensão das pessoas. Grupos homogéneos podem matar a criatividade. O acordo é mais rápido e há menos fricção mas a expertise e a criatividade não são aumentadas. Por último, os gestores estão muitas vezes ocupados e esquecem-se do essencial: encorajamento dos supervisores. «De forma a manter tanta paixão, a maioria das pessoas precisa de sentir que o seu trabalho é importante para a empresa» (Amabile, 1998: 83). Os directores matam a criatividade ao não reconhecerem os esforços inovadores ou ao receberem-nos com cepticismo. A criatividade é o que mais importa nos media e no entretenimento: «adicionar conteúdos de entretenimento eficientes não é algo que se consiga apenas porque o CEO o quer. Não é um aditivo industrial. Por outro lado, é uma qualidade quimérica e difícil de encontrar e aqueles que podem contribuir para a sua criação devem ser apreciados, mimados e recompensados. A economia do entretenimento irá fazer enormes pedidos de um recurso humano finito: a criatividade» (Wolf, 1999: 293). O elemento criativo é caracterizado por um certo grau de incerteza. Mas as recompensas por achá-lo são altas: «apesar do elemento criativo ser imprevisível, isso não é razão para se fugir dele. Num mercado saturado, ignorá-lo é o mesmo que condenar um produto à extinção. Acredito que as empresas de sucesso serão aquelas que criem ambientes que apõem o talento. Elas precisam de visionários criativos no topo ou perto do topo» (Wolf, 1999: 295). 1.4.3 Responsabilidade e preocupação social: a liderança moral e os objectivos financeiros O conteúdo que anima é bom e isso é benéfico para o negócio. As pessoas viradas para o negócio percebem a sua audiência. O negócio é a compreensão das necessidades das pessoas e tratar delas. Os media não são diferentes, não querem impressionar alguns e ofender muitos. As crianças e os adolescentes estão expostos, e são vulneráveis. A audiência precisa de ser bem compreendida. Ter ética que produza conteúdo animador é o conhecimento que nos permite compreender de que são feitos os seres humanos. Os media influenciam e manipulam a cultura. Alguns investigadores dos media discutem sobre este ponto mas é muito difícil argumentar contra os efeitos dos livro 06/11/10 11:15 Page 57 57 conteúdos dos media no indivíduo. Os media são um espelho, uma reflexão e também - inseparavelmente – um agente de mudança. Os media são um instrumento no tornar “inseridas na sociedade” as tendências sociais, implementar eventos, atitudes e comportamentos socialmente aceitáveis e relevantes. Uma pessoa virada para os negócios percebe que os media são armas poderosas.Tal como a bomba atómica, estes podem ser usados para matar ou curar… Os produtos dos media e do entretenimento, consumidos sobretudo numa base de tempo livre, preenchem uma parte cada vez maior do tempo das pessoas. Depois do trabalho e do sono, o consumo dos media ocupa a maior parte do nosso tempo. Isso aumenta a necessidade dos media de preocupação social: os produtos dos meios de comunicação são convidados nas nossas casas e conhecem as nossas famílias. Os media sentam-se nas nossas salas. Ao chocar-nos não constrói o valor da marca.Tal como já vimos, os sucessos têm de ser repetidos. Isso é, em grande escala o que caracteriza os media e o entretenimento: produzir sucessos. No entanto um sucesso isolado, mesmo com os maiores níveis de audiência e de circulação e do tamanho de controvérsia que consiga gerar não constrói uma empresa. Lixo gera mais lixo e a espiral negativa tende a piorar.Ao chocar pessoas não se pode construir uma marca. Ninguém está em posição de aumentar o choque… Qualquer pessoa pode imitá-lo. E os anunciantes querem criar manchetes pelas razões certas. Eles gostam de ambientes livres de controvérsia: têm uma reputação a manter. As empresas de media de qualidade tornam-se favoritas: são únicas e por isso são copiadas. A sua reputação não tem manchas. O bom negócio precisa de empresas com boa reputação. As marcas mais poderosas dos media são respeitadas e não podem aceitar qualquer tipo de conteúdo de media. A ética não é uma ameaça: é uma oportunidade. A TV por cabo e o novo rádio satélite vendem-se como se não fossem alvo de censura, mas eles podem não estar a compreender as necessidades das suas audiências. Vender programação “agressiva” só chega até um ponto. A ética não significa apenas barreiras mas é também acerca da construção de negócios sólidos. Por outras palavras, há barreiras que os negócios conseguem reconhecer como existindo para o bem comum. livro 06/11/10 11:15 Page 58 58 1.4.4 Conclusão: quatro desafios para um negócio com impacto cultural Quando olhamos para os media de um ponto de vista da gestão, economia e finanças, podemos tentar pensar que os media são empresas com produtos que são basicamente semelhantes a outros produtos e que estão sujeitos a regras e regulamentos semelhantes. A incerteza é um padrão significativo no panorama da gestão dos media, e é sempre influenciada pelas mudanças tecnológicas e culturais. Os media também são diferentes porque lidam com o talento e a criatividade e por isso têm um valor largamente intangível. Os media são um negócio guiado pela personalidade, o que faz com que a responsabilidade e preocupação pessoal sejam muito importantes. Por exemplo, na história recente das emissões norte-americanas é impressionante a importância de alguns indivíduos: jogadores corporativos como Ted Turner, Roger Murdoch, Walter Isaacsson, Bob Wright, Roger Ailes ou Tom Johnson; talento no ar como Lou Dobbs, Dan Rather, Peter Jennings,Tom Brokaw, Sean Hannity, Larry King, Paula Zahn, Phil Donahue, Connie Chung, Bill O’Reilly ou Greta Van Susteren (Collins, 2004). Poderíamos acrescentar Greg Dyke no Reino Unido. Cinco ou seis pessoas nos primeiros anos da indústria do cinema – Cohn, Mayer, Warner, Fox, Thalberg – empresas estabelecidas que ainda controlam o mercado (Gabler, 1988). Este é um negócio guiado pela personalidade, que faz com que a responsabilidade e preocupação pessoal sejam ainda mais importantes. Os media também estão legalmente protegidos. A indústria dos media tem um nível de liberdade e protecção que não é comum e que a distingue das outras indústrias. A liberdade de expressão e o direito dos cidadãos a serem bem informados são valores protegidos. Desde Alexis de Tocqueville que foi incentivada a força dos jornais americanos e a sua habilidade para criar o debate político, pelo que os media são considerados como a força que cria e mantém os sistemas políticos democráticos fortes. Os media influenciam e reflectem a cultura. Eles próprios são produtos culturais. Os anúncios são um bom exemplo. Twitchell considera os 20 anúncios no seu livro como «análogos aqueles trabalhos marcantes da alta cultura a que F.R. Leavis chamou a Grande Tradição. Estes anúncios são aquilo que nos tempos medievais era chamado de sententiae, aquelas passagens de matéria teológica que podiam ser expandidas ou contraídas, mas não podiam ser postas de lado. Estes são os clichés do livro 06/11/10 11:15 Page 59 59 comercialismo, as passagens centrais de palavras e imagens que não saem da cabeça, apesar de apenas passarem à frente dos nossos olhos por breves segundos. Eles são muitas vezes, de uma forma, inspirados. Conhecemo-los mesmo que não os tenhamos visto, porque a nossa cultura foi construída à volta deles» (Twitchell, 2002: 5). Alguns falam dos media como exemplos clássicos das indústrias culturais, contratos entre a electrónica, o comércio e as artes, como Caves (2000) escreveu. Florida (2002) também mencionou a influência da classe criativa no seu mais recente livro. A cultura tem hoje novas expressões. Alguns diriam que os media são novas formas de arte e completam as missões que a pintura e a escultura já cumpriram no passado. Muitos deles, como livros, música e filmes estão intrinsecamente ligados aos conglomerados dos media que são capazes de usar os produtos culturais em diferentes janelas e trazê-las para a audiência usando diferentes tecnologias, desde a televisão ao computador; do telemóvel ao rádio satélite. Os media contemporâneos trazem consigo um engenho e negócio acumulado impressionantes. Mas os media também precisam de vender e fazer negócio de sentido. Por isso existe um número de equilíbrios a ser atingido, o que faz com que este negócio seja particularmente único e cheio de desafios e por isso um óptimo local com recompensas sociais e intelectuais de grande relevo. Por isso temos quatro desafios reais. Primeiro, as pessoas do negócio dos media têm de reconhecer as artes, a beleza, a criatividade, o bom conteúdo. Eles precisam da paixão nos media; têm de estar apaixonados pelas empresas que criam a cultura popular. Eles também precisam de perceber que o processo criativo é por vezes bastante complexo. Na indústria do cinema, por exemplo, o processo tem três fases que podemos resumir como préprodução, produção e pós-produção. Eles agregam grupos completamente diferentes de pessoas que trabalham por projecto. Apenas o realizador, actores e escritores estão sempre presentes. De forma a perceber a criatividade, é bom que os empresários percebam o contar de histórias (McKee, 2003). Regularmente, os empresários trabalham de uma forma extremamente analítica com factos, estatísticas e autoridades. O problema é que essas pessoas não agem apenas com a razão. É mais poderoso nos meios dos media o unir uma ideia com emoção. Contar uma história emotiva é geralmente a melhor forma de o fazer. Num mundo dos media em constante mudança, uma história criativa exprime as mudanças na vida. Começa com um cenário em que tudo está livro 06/11/10 11:15 Page 60 60 praticamente no seu sítio. Mas depois os acontecimentos mudam o equilíbrio. É o que os escritores apelidam de acidente incentivado. Os ambientes dos media estão cheios de inconsistências e incertezas. É de tal forma um cenário conflituoso que as expectativas subjectivas chocam com a realidade que não coopera: «os bons contadores de histórias descrevem como é lidar com as forças opostas, pedindo ao protagonista que procure mais fundo, que trabalhe com poucos recursos, que tome decisões difíceis, que aja apesar dos riscos e que por último descubra a verdade» (McKee, 2003: 52). Os gestores de media orientados para o negócio têm de perceber os desafios únicos que se apresentam na indústria dos media e do entretenimento e precisam de reconhecer um boa história, a essência da criatividade, para poderem aplicá-las no seu trabalho de todos os dias. Segundo, as pessoas criativas precisam de entender o lado do negócio: fazer produtos vendáveis tem de ser uma parte do processo criativo. É mais fácil dizer isto do que fazê-lo. Como diz o ditado da indústria do cinema: «Em Hollywood ninguém sabe nada» (Goldman, 1983). É surpreendente o tamanho de trabalho criativo que é feito com pouco conhecimento empresarial e falta de conhecimento da audiência, apenas por “instinto”. Terceiro, ambos os grupos devem falar competentemente um com o outro, respeitando a sua autonomia mas deitando abaixo todas os velhos muros, que as redacções chama de “Igreja e Estado”, dois mundos separados que desconfiam profundamente um do outro ou se ignoram. Finalmente, os dois grupos de indivíduos precisam de saber que trabalham com produtos de alto impacto cultural e que a sua responsabilidade não pode ser transferida. Muitas das principais personagens da indústria dos media e do entretenimento compreenderam este como sendo o caso: “o meio é muito poderoso e uma influência demasiado importante na forma como vivemos, como nos vemos, para ser deixada nas mãos da tirania das bilheteiras ou reduzida ao mais baixo denominador comum do gosto público” (Putnam, 1986). Por isso os gestores dos media têm de perceber que nos produtos culturais como o mercado dos media é necessário mas não o suficiente. Podem existir lições para serem aprendidas na gestão das artes. Ao gerir as artes, um único trabalho é publicitado e os gestores tentam que as pessoas gostem de alguma coisa que eles não saibam. Os gestores são “condutores de mercado”. Eles vêem uma necessidade e levam livro 06/11/10 11:15 Page 61 61 as pessoas a reconhecer uma obra de arte, por exemplo. Por vezes os gestores dos media têm de fazer o mesmo.Têm de conduzir o mercado e não apenas ser conduzido por ele, encontrando uma procura e tentado satisfazê-la, com tudo o que seja preciso. 1.5 GESTÃO DE EMPRESAS DE INFORMAÇÃO E RESPONSABILIDADE PÚBLICA Alfonso Sánchez Tabernero* 1.5.1 O Jornalismo numa lógica económica Desde há um século e meio que o jornalismo se converteu a uma lógica de mercado, que coloca excelentes possibilidades de transformar o capital investido. Com efeito, a partir de 1850 verifica-se a coincidência de diversas inovações técnicas e comerciais que permitem o desenvolvimento de uma verdadeira indústria de informação: o aparecimento das primeiras agências noticiosas, a aplicação de uma máquina de vapor à imprensa, a descoberta de novos procedimentos de fabrico de papel para a imprensa, o desenvolvimento do telégrafo e do comboio e a aplicação da publicidade como fonte essencial de receitas em jornais e revistas. Até esta data, o jornalismo estava ligado a âmbitos distintos, sobretudo, políticos, literários e culturais – mantendo-se quase completamente alheio ao lucro. Nos primeiros duzentos anos de actividade jornalística (desde o aparecimento de “La Gazette” até à 2ª metade do século XIX), as questões éticas referiam-se a aspectos como o respeito das pessoas e as ideias alheias e o emprego de recursos legítimos para defesa dos interesses próprios. Não obstante, a introdução plena dos meios de comunicação na engrenagem económica dos países ocidentais modificou notavelmente o campo da deontologia jornalística. Depois da II Guerra Mundial e de forma mais eloquente a partir de 1980, os directores e empresários substituíram os redactores na hora de tomar decisões mais importantes nas empresas jornalísticas. * Vice-Reitor e Ex-Decano da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade de Navarra. livro 06/11/10 11:15 Page 62 62 Como afirma Ducker (1990), a muitos destes directores ocorreu o mesmo que ao senhor Jourdain, a célebre personagem de “O cavalheiro burguês” de Moliére, que não sabia falar em prosa, «consequentemente, encontravam-se mal preparados para as mudanças que agora enfrentam». Na sociedade contemporânea requer-se uma grande quantidade de informação para participar na vida política, para aperfeiçoar cada actividade profissional e para aplicar em momentos de ócio e tempo livre. Talvez, por tudo isto, a informação se tenha transformado na matéria-prima de um negócio particularmente próspero (Colom, 2004). O desenvolvimento da indústria informativa influiu, assim mesmo, no crescimento da manipulação publicitária. Em quase todos os sectores económicos cada vez são menores as diferenças entre os produtos e os serviços oferecidos pelas empresas. Por este motivo os recursos publicitários funcionam como chave necessária para convencer o consumidor.Além disso a cultura de consumo, própria das opulentas sociedades ocidentais, fomenta a aquisição de bens desnecessários. A análise das mensagens publicitárias mostra que as agências conhecem esta realidade pelo que os carros não se vendem para se deslocar mas para se sentirem “caçadores de liberdade”, as roupas para se vestir mas porque “é primavera” e porque “ a festa da moda chama à nossa porta”. Deste modo, entende-se a razão pela qual as manipulações publicitárias cresceram durante as últimas décadas. Independentemente da estrutura de indústria, o trabalho de cada jornalista implica um exercício contínuo para decidir sobre o conteúdo ético, visto que existe um pacto tácito assumido por ele, em que o público confia na honestidade e profissionalismo do informador (Sancho, 2004). De qualquer forma, o que actualmente se coloca em questão no âmbito informativo não é a carreira política do promotor, ou as velhas disputas de carácter local, mas os dividendos de milhares dos accionistas. É neste contexto que os directores e gestores dos media exercem o poder de decisão nos aspectos cruciais das empresas. A gestão da informação requer uma maior atenção por parte da deontologia jornalística. Estas páginas pretendem, pelo menos, apresentar as linhas directivas ou orientadoras com maior interesse ético, pois destas depende uma boa parte da qualidade e verdade da informação. Em cada um destes aspectos existe uma multiplicidade de detalhes acerca do “dever do gestor” que não serão esgotadas neste artigo.Também se recorre a alguns exemplos, com o objectivo de ilustrar as opiniões livro 06/11/10 11:15 Page 63 63 expostas. Contudo, em nenhum dos casos se pretende analisar - nem sequer de forma sumária - as estratégias de informação citadas. 1.5.2 Participar na revolução empresarial informativa A sociedade actual caracteriza-se por um alto nível competitivo em todas as indústrias e sectores comerciais. As empresas requerem um estado de inovação permanente - procura de novas ideias, procedimentos comerciais mais eficazes, troca na relação com os clientes, promoções agressivas, etc. – para não sucumbir perante a concorrência de outras companhias a operar no mesmo mercado. A multiplicação dos canais de informação gera a rápida imitação de fórmulas comerciais de êxito, pelo que as variações no domínio de cada sector industrial são muito frequentes. A “febre” das fusões, absorções, troca de propriedade e desaparecimento de empresas, que pouco tempo antes pareciam possuir excelente saúde, revelam a dificuldade para conservar cotas de mercado e capacidade de liderança em cada mudança de ciclo económico. Nos anos oitenta a ideia de atingir a “excelência empresarial” converteu-se num dos pilares da cultura Ocidental. Um dos difusores desta ideia sugere que o fim da “excelência” vai necessitar uma redefinição completa, se pretende afirmar no futuro. Segundo Peters (1990,p.4) «As empresas excelentes não acreditam na excelência, mas apenas na realização constante de mudanças e melhorias» Para as empresas de informação, a excelência, definida como a determinação de inovar permanentemente e adequar-se a um mercado de grande versatilidade, implica um duplo efeito: em primeira instância, os negócios da comunicação estão abertos a um maior número de pessoas e portanto, é mais exequível participar na direcção e gestão dos meios de informação mas, por outro lado, o nível extremo de concorrência parece exigir o esquecimento dos “malogrados reparos éticos”. Se a supervisão empresarial é difícil, não parece existir espaço para qualquer ideia que possa desviar uma companhia do mais puro ânimo de lucro. Além disso, a inovação permanente requer estruturas flexíveis e estas são se conseguem com culturas e normas corporativas simples. Com considerações deste teor constrói-se a ideia de que se pode ser um bom gestor de empresas informativas (e alcançar a livro 06/11/10 11:15 Page 64 64 máxima rentabilidade do capital investido) ou uma boa pessoa (e seguir os ditames da própria consciência), mas não ambas as coisas ao memo tempo. O problema acentua-se quando na sociedade se generalizam formas distintas de imoralidade. Nestas circunstâncias, o comportamento ético pode ser entendido como “não exigível”, perante a desvantagem que pode constituir seguir “solitariamente” as normas morais. Surge então, frequentemente, o recurso a casos limite, com os quais se intenta mostrar a dificuldade de navegar com coerência no panorama tormentoso da gestão de empresas informativas. A obrigação de pagar impostos constitui um dos exemplos mais característicos deste tipo de argumentos: só em casos de mercados muito competitivos, nos quais se desencadeiam “guerras de preços”. Quando numa situação hipotética existem duas empresas com características idênticas, aquela que deseja declarar parte das suas vendas pode situar o preço das suas ofertas em níveis inferiores aos da companhia que cumpre as suas obrigações fiscais. Apresenta-se mais difícil encontrar resposta a outra consideração que manifesta a dificuldade em seguir uma conduta ética no âmbito informativo: os valores que a pessoa assume - antes que se estabeleçam em termos abstractos com solidariedade e respeito pela dignidade humana – tendem a esbater-se e, em certas ocasiões, a desaparecer quando está em jogo a trajectória económica das empresas informativas (Pomomi, 1980 e Piquet, 1984). Nenhum jornalista considera “moralmente admissível” que o objectivo exclusivo de um meio de comunicação seja conseguir a rentabilidade máxima do capital. Inclusive muitos directores destas empresas coincidem nesta crítica de capitalismo informativo. Não obstante, quando se examina o comportamento do sector jornalístico antes da abertura do grande mercado, o que sucedeu nos anos noventa, na Europa de Leste, ou na década seguinte em alguns países asiáticos, torna-se difícil encontrar iniciativas em que os objectivos económicos não adquiram um certo protagonismo. Perante este panorama as pessoas que pretendem ser coerentes com as suas normas de conduta podem julgar que a direcção das empresas de informação não constitui o campo mais apropriado para desenvolver a sua actividade profissional. Contudo, três ideias contradizem esta possibilidade de decisão: as repercussões da actividade informativa, com um efeito multiplicador evidente; a coerência ética levada às últimas consequências, que deve incluir a determinação de seguir princípios difíceis; e a possibilidade real de livro 06/11/10 11:15 Page 65 65 participar na gestão dos meios de informação sem pôr em causa os seus próprios valores, como pretendemos demonstrar. Até agora, os estudos sobre deontologia jornalística não incidiram de forma prioritária no comportamento ético dos directores (Soria, 1989) mas sim na capacidade de decisão dos aspectos mais importantes – incluindo, na maioria dos casos, os de maiores repercussões éticas – passaram do âmbito informativo para o directivo. Certamente que o eco do jornalismo possa perder a sua condição de arte liberal e se assemelhe cada vez mais aos trabalhos “por conta de outrém” não justifica que o informador venda, além do seu esforço e perícia técnica, as suas ideias e valores. Pelo contrário, se na empresa em que trabalha não pode desenvolver a suas tarefas de acordo com as suas convicções, deve procurar outro lugar em que estas sejam respeitadas. Inclusivamente pode ver-se obrigado a promover uma organização da informação própria se não encontra este âmbito de trabalho, adequado à dignidade humana e ao seu próprio critério. Contudo a existência de empresários ligados à informação que promovam os valores morais básicos constitui o caminho mais adequado para impedir que o exercício profissional ético fique reservado aos jornalistas com uma coragem extraordinária. Os comunicadores comprometidos com o “dever ser” da sua profissão podem constituir uma minoria dentro de uma conjuntura dominada pela determinação de triunfar a qualquer preço (Toussaint-Desmoulins, 1989). Perante este desejo, constata-se que um importante número de empresas informativas não faz um juízo erróneo acerca dos deveres deontológicos, mas um problema prévio: a carência de preocupações deste teor. Quando muito, “as declarações de serviço à sociedade” são parte da necessária “boa imagem corporativa”, que resultam em meros ornamentos de que se prescinde, quando o seu cumprimento possa comprometer os resultados da empresa. Não obstante, todas as empresas informativas - incluindo as que têm atenção a questões éticas mais generalizadas - têm normas de conduta que implicam pelo menos um nível mínimo de compromissos éticos: um certo “bom comportamento” que resulta necessariamente da actividade económica baseada na confiança. Sem esta, não resultam possíveis intercâmbios entre as empresas e os seus clientes. Pelo contrário, a credibilidade máxima permite resolver situações limite que gerariam a quebra de outras empresas. livro 06/11/10 11:15 Page 66 66 A análise de alguns autores sobre a situação financeira das empresas de Rupert Murdoch coincide com estas apreciações. Por exemplo Ress-Mogg investigou porque é que os bancos financiaram as dívidas de News Corp, por tradição muito elevadas. Ninguém discute a origem deste endividamento: cada empreendedor actua com uma margem de risco e o de Murdoch é muito elevado pois tende a adquirir mais empresas das que a liquidez do seu grupo aconselha. Há alguns anos Murdoch perguntava-se que empresário australiano havia conseguido gerir a sua empresa “de forma equivalente a um piloto de corridas que anda no limite das suas possibilidades. (...) Mais importante, durante quarenta anos sempre se comportou assim e nunca foi mais além dos limites. Como sobreviveu? Penso que a primeira razão é porque sou honesto” (Res-Mogg, 1990). Os bancos conhecem a estratégia da News International: alta tolerância de capital alheio, bons activos, boa gestão e um presidente que durante mais de quatro décadas respondeu aos seus compromissos financeiros e também optou por uma política de menor risco até ter atingido este equilíbrio. Portanto, existe um mínimo denominador comum de compromissos éticos necessários que as empresas de informação devem auto impor-se para gerar confiança nos ciclos económicos e poder perdurar. Este “mínimo” é superior ao das outras empresas, pois os cidadãos são especialmente sensíveis à falta de credibilidade de quem “vende” informação, cultura e entretenimento. Contudo, os “mínimos éticos” não garantem em absoluto a construção de um quadro informativo em que se respeite a dignidade humana. Os mínimos para sobreviver estão separados por um abismo dos requerimentos éticos do “dever ser” na direcção das empresas informativas, ou seja, a credibilidade resulta da compatibilidade com um alto grau de carências deontológicas. A questão de fundo permanece: como conciliar a coerência ética e a eficácia empresarial. Numa primeira análise pode dizer-se que o respeito pela dignidade humana gera evidentes desvantagens económicas a curto prazo, por exemplo, quando um meio de informação não aceita a publicação ou retransmissão de um anúncio que incita à violência e a comportamentos desumanos. Mas, ao mesmo tempo, a cultura empresarial fortemente enraizada na deontologia jornalística proporciona vantagens a longo prazo, fruto da confiança dos clientes e da grande motivação dos empregados, como se explana na epígrafe seguinte. livro 06/11/10 11:16 Page 67 67 O empreendedor actua como “corredor de fundo”, o seu estilo não consiste em aproveitar vantagens ocasionais, amizades com o poder ou pequenas benesses: estas “oportunidades“ permitem enriquecimentos súbitos mas não sustentam um projecto empresarial de longo alcance. Os verdadeiros empreendedores procuram a criação de riqueza e a dignificação dos cidadãos, especialmente dos que fazem parte da sua própria empresa (Gilder, 1986)7.Actuam deste modo pelas suas convicções éticas, mas ao mesmo tempo sabem que só desta forma o seu triunfo pode ser duradouro. O resultado lastimoso é que quem poderia chegar a converter-se em empreendedor se deixe deslumbrar pelos êxitos momentâneos dos oportunistas e decidam imitá-los, ou que, no melhor dos casos, abandone o âmbito da gestão de empresas de informação. Com qualquer uma destas decisões perde-se uma excelente ocasião de fomentar ciclos de trabalho humanizados, com um efeito positivo multiplicador. É necessário que os directores que estão dispostos a actuar com coerência entendam que o comportamento ético não implica de uma forma necessária e exclusiva desvantagens em relação à concorrência.Assim resultará, de uma forma mais habitual, a presença desta classe de directores em negócios de comunicação e, consequentemente, o equilíbrio do panorama que, no presente momento, aparece dominado por objectivos exclusivamente comerciais. 1.5.3 A gestão de pessoas As relações dos directores com os seus empregados constituem o primeiro campo de aplicação das convicções éticas. Em simultâneo, neste ciclo intra empresarial detecta-se de forma mais clara do que em qualquer outro âmbito a eficácia económica do comportamento ético. Contudo nem a direcção de recursos humanos fica isenta do carácter paradoxal que se extrai das relações entre a ética e as relações económicas.Ao nível das decisões gerais constata-se novamente que as aparentes contradições entre o comportamento ético e a gestão eficiente só se resolvem trespassando o umbral dos resultados a curto prazo. Tomemos como exemplo o problema dos salários. As empresas pretendem construir uma estrutura de custos flexível, quer dizer, com predomínio das rubricas 7 Esta é a tese central do livro de G.Gilder, O Espírito da Empresa: frente aos equilíbrios do poder dos oportunistas, “o trabalho dos empreendedores consiste em derrubar a ordem estabelecida” (p.19). livro 06/11/10 11:16 Page 68 68 “variáveis” contra as “fixas”. Desta forma, antes da recessão económica, as empresas podem responder através de uma rápida diminuição dos gastos que equilibrem a descida das vendas. Os custos fixos são a maneira pela qual os directores controlam o seu crescimento de forma rigorosa. Quando as empresas assumem esta ideia de forma maximalista geram-se consequências negativas para os empregados: tendem a retardar as decisões acerca do crescimento dos quadros e mesmo que a actividade informativa tenha aumentado consideravelmente o aumento dos salários não ultrapassa o índice de inflação, logo mesmo que empresa obtenha rendimentos altos os empregados não melhoram o seu nível de vida. Em sequência das decisões anteriores, empregados pouco qualificados ou em fase de aprendizagem realizam tarefas que ultrapassam as suas funções, pois constituem um “gasto prescindível” se as empresas se vêm obrigadas a reduzir a sua actividade. Como assinala Picard (1989), a controvérsia acerca dos salários afecta de forma particular as empresas de informação. Três motivos específicos induzem à procura da flexibilidade máxima dos gastos com o pessoal nos negócios de comunicação. Em primeiro lugar, as possibilidades de emprego crescem neste sector a um ritmo notavelmente inferior à oferta (fenómeno provocado pela massificação de boa parte das faculdades de Comunicação), o que origina mão-de-obra barata, disposta a submeter-se. Em segundo lugar, os empregados representam uma grande percentagem dos gastos totais nas empresas de informação, com frequência superam 30% dos gastos totais, pelo que uma redução significativa desta contrapartida permite obter maiores benefícios. A terceira razão refere-se ao extraordinário impacto que causam as recessões da economia nas empresas de informação, tanto no volume de vendas como nas receitas de publicidade. A difusão das publicações e o número de clientes de canais de televisão pagos tendem a descer sensivelmente quando diminuiu o poder de compra dos cidadãos, visto que as recessões afectam mais o consumo de bens “prescindíveis” do que os bens de primeira necessidade. A incidência das crises económicas na manipulação publicitária é mais dificilmente comprovada. Nas empresas com uma grande percentagem de gastos fixos, uma redução do volume de produção – exigida pela descida da oferta – não supõe uma diminuição significativa dos gastos. Portanto, nestas empresas manter o livro 06/11/10 11:16 Page 69 69 volume de vendas constitui um objectivo prioritário, pelo que tendem a não alterar o seu volume de manipulação publicitária em períodos de crise. Contudo, a maior parte das empresas possui uma importante proporção de gastos variáveis, pelo que o seu volume de manipulação publicitária está directamente ligado às expectativas do mercado (Albarran, 2002). As recessões afectam de forma directa o nível de consumo e os benefícios das empresas. Por conseguinte, as crises de consumo provocam a descida da manipulação publicitária e convertem a maioria das empresas de informação em negócios particularmente vulneráveis, sobretudo, se não podem reagir com rapidez face à diminuição da facturação. O comportamento particular dos custos e proveitos das empresas de informação dificulta a satisfação das aspirações básicas de todo o trabalhador: receber um salário justo, adquirir uma estabilidade razoável no seu emprego e ver reconhecida a qualidade dos seus trabalhos. Neste contexto o objectivo da direcção consiste em conciliar as legítimas aspirações laborais com a flexibilidade da estrutura de gastos das empresas. Numa análise economicista o cerne deste problema sugere uma estratégia a curto prazo, mas com efeitos muito negativos no futuro: o estabelecimento de quadros incapazes de realizar um bom trabalho. Com efeitos imediatos, os melhores empregados procuram outros âmbitos de trabalho onde valorizem o seu talento e nas redacções surge a desmotivação porque a qualidade informativa não alcança níveis aceitáveis. Neste sentido Ducker (1990: 333) afirma de forma contundente que as organizações “devem comprometer-se com objectivos comuns e valores partilhados. Sem este compromisso não existe empresa. Só existisse um conjunto de pessoas”. As empresas que sobrepõem, de forma quase total, os interesses dos accionistas às necessidades dos empregados actuam contra as normas éticas mais elementares; além disso introduzem um elemento grave de falta de competitividade – redacções insuficientes, pouco profissionais e desmotivados – que comprometem os resultados da empresa a longo prazo. A falta de ética gera, de novo, consequências paradoxais: a decisão de beneficiar os investidores ou proprietários em detrimento dos empregados leva a uma debilidade da empresa no mercado, que pode gerar efeitos irreparáveis para os efeitos dos accionistas. A política de salários constitui um elemento básico à aplicação dos princípios éticos à gestão de recursos humanos. Contudo, também outros aspectos deontológicos requerem uma análise atenta. Com livro 06/11/10 11:16 Page 70 70 efeito, as condições laborais exigidas e o respeito pela dignidade humana não se limitam à justa retribuição dos empregados. Choza (1987:746) distingue três níveis progressivos na satisfação da dimensão criativa do trabalho: o homem persiste como “ser vivo” quando o seu trabalho lhe proporciona exclusivamente os meios necessários para sobreviver, é “homem” quando por meio da sua profissão aprende e expressa-se, e converte-se em “senhor” quando o seu trabalho se transforma e se humaniza. De acordo com esta análise, as empresas de informação devem estabelecer condições laborais próprias de “homens” e se possível (nos trabalhos intelectuais será assim) em “senhores”. Este objectivo requer que se dote cada tarefa profissional de certos níveis de racionalidade, autonomia e gestão. Para isto, os empregados devem ser considerados pessoas singulares – com circunstâncias, aspirações e problemas particulares – e não como elementos do processo produtivo, indignos de condições individualizadas. Estas ideias só podem ser entendidas e assumidas através de uma “antropogia positiva”: necessariamente baseada na convicção de que, em geral, as pessoas desejam realizar bem o seu trabalho e que, em certos aspectos, estão dispostas a realizar tarefas que ultrapassam o estipulado nos seus contratos, sempre que se estabeleçam condições laborais idóneas. Entre estes requisitos, além dos referidos – salários justos, possibilidade de expressão e atenção individual aos empregados – podem assinalar-se outros: condições materiais de trabalho adequadas, flexibilidade de horários (na medida em que a actividade produtiva e comercial da empresa o permita), fluida comunicação interna (que desenvolve a unidade de fins nas empresas de comunicação), apoio às iniciativas e ao espírito inovador, participação nos benefícios, que constitui uma das formas mais coerentes e práticas de demonstrar que a empresa é tanto dos que lá trabalham como dos investidores. Durante os últimos anos aumentou o número e variedade de estudos sobre sistemas de motivação dos empregados. Na empresa de informação, a inovação requer uma cultura de partilha entre a gerência e a redacção, ou seja, os jornalistas assumem os objectivos da empresa. O “Príncipe” de Maquiavel explica que o inovador necessita muito apoio: “Deveria reconhecer-se que não existe nada mais árduo de empreender, mais perigoso de gerir ou mais difícil de levar a cabo com êxito do que tomar a dianteira na introdução de uma nova ordem de coisas. Isto porque o inovador tem por inimigos livro 06/11/10 11:16 Page 71 71 todos aqueles que cresceram pouco face a condições anteriores” (Peters, 1990). Com frequência, em sintonia com o materialismo maquiavélico, a redescoberta da “face humana da empresa” coloca-se em termos de eficácia económica: muitos destes ensaios e investigações pretendem mostrar o caminho mais eficiente para melhorar a produtividade do “factor trabalho”. Deste modo, proliferam as listas de normas e sugestões acerca do desenvolvimento de maiores níveis de motivação, sobretudo em indústrias culturais de carácter criativo. Adair (1990:93-103) assinala regras práticas para motivar os demais: «a automotivação; seleccionar pessoas altamente motivadas; tratar cada pessoa de forma individual; ser realista; e criar objectivos “lógicos”. De assinalar que a sensação de estar a progredir motiva, criar um ambiente motivador, proporcionar recompensas adequadas e reconhecer publicamente o trabalho bem feito». Algumas destas regras implicam decisões humanizadas ao nível empresarial. Ainda assim, a coerência dos princípios éticos sobrepõe-se às exigências da estratégia motivadora. A ética é apreciada por si só, e neste caso como um dever com os empregados e a sociedade; desde que a motivação se situe num plano materialista. Portanto, quando o comportamento ético proporciona vantagens económicas evidentes, exige seguir um sentido de dever que quebra com a ideia dominante do pensamento liberal-capitalista: a rentabilidade económica não deve constituir o motor exclusivo da actividade empresarial. 1.5.4 Cultura empresarial e difusão de mensagens Ao analisar o primeiro plano da aplicação dos princípios éticos – o âmbito intra empresarial – devemos dirigir a nossa atenção para outras exigências deontológicas das empresas de informação: as que fazem referência à emissão da mensagem. Neste campo o comportamento ético condensa-se na difusão de conteúdos que não desvirtuem os aspectos básicos da natureza humana. Por conseguinte, a obrigação dos meios de comunicação consiste em servir o público, e não utilizá-lo para fins económicos, políticos ou ideológicos. Com o objectivo de impulsionar esta ideia de serviço, muitos governos e organismos internacionais livro 06/11/10 11:16 Page 72 72 promulgaram uma legislação abundante que nem sempre alcançou os objectivos desejados (Harcourt, 2005). Quase todos os editores de jornais e revistas estão de acordo no planeamento geral. Basta analisar os primeiros números de publicações distintas para comprovar que muitas coincidem nas “declarações de boa fé”: nesse primeiro editorial só se afirma a intenção de ser um eco do mercado, de servir o público, defender os valores humanos e contribuir para o enriquecimento cultural da sociedade. Cada publicação – em analogia com o que acontece com os meios audiovisuais - que começa a escrever a sua própria história transporta esta primeira ligação com os leitores. Contudo, depois dos princípios editoriais expressos quase com as mesmas palavras, os diários e revistas empreendem diferentes linhas de actuação, nas quais dificilmente se podem descobrir ideias ou ambições comuns. Esta divergência de rumos, a partir do ponto inicial idêntico, explica-se em boa parte pelas supostas intenções filantrópicas ou solidárias que não comprometem a nada, pelo contrário, em alguns casos limitam-se a configurar a aparência ética, esta actua como maquilhagem conveniente para o objectivo de lucro desmedido, que é entendido pelos cidadãos como inadequado para qualquer empresa de informação. Com o decurso do tempo, esta estratégia pseudo-ética revela-se ineficaz, perante a incoerência das declarações e conduta quotidiana, os cidadãos descobrem o planeamento materialista: a este tipo de empresas só interessa a ética na medida em que a aparência de deveres deontológicos proporciona uma boa imagem de mercado. A cultura empresarial, na sua face externa de difusão de mensagens de informação, implica um compromisso verdadeiro com a ideia de serviço público. A delimitação deste objectivo depende da visão do homem e do mundo que os promotores e gestores tenham da empresa de informação. Sem pretensão de esgotar no âmbito próprio da antropologia, podem denunciar-se como exemplos de debilidade o sentido ético da difusão de mensagens que manipulam a realidade, que incitam ao consumo desmedido, a actuações violentas e à satisfação imediata dos desejos individuais. O compromisso deontológico na difusão de mensagens fundamenta-se na ideia de verdade. Como salienta Nieto (1989:65), qualquer outra atitude – materialista ou acéptica – despersonaliza as relações entre a empresa de informação, o público e os anunciantes: «Ser verdadeiro é a condição própria das pessoas, só por livro 06/11/10 11:16 Page 73 73 analogia se pode atribuir às coisas. Difundir é iniciar um diálogo entre pessoas, pois as relações comerciais entrecruzadas pela difusão informativa são relações de pessoas». A coerência com a cultura empresarial – com os valores expressos publicamente e partilhados pelos membros da organização – configura a pedra de toque do sentido ético. O conflito entre a racionalidade económica e os critérios éticos surge quando falta a sintonia entre os princípios editoriais da empresa e a cultura dominante do seu mercado. Neste aspecto podem distinguir-se, mesmo assim, as posturas maximalistas: num extremo em que se situam as empresas de informação que não seguem princípios próprios: a sua filosofia editorial identifica-se com o que o público pede a cada momento. A estratégia oposta consiste em ignorar o dinamismo da sociedade e manter invariavelmente a orientação editorial própria. Em Espanha, a indústria das “notícias” é o exemplo do primeiro tipo de empresas, que relegam a sua cultura às exigências imediatas do mercado. A partir de 1974 o Cambio 16 aproveitou a debilidade do regime de Franco para introduzir o modelo iniciado pelo Time em 1923, que mais tarde seguiriam o Newsweek, Der Spigel, Le Point, L’Express e tantas outras revistas. Estas publicações, com formato misto, oferecem uma análise semanal dos principais acontecimentos políticos, económicos e culturais dos seus países. O aparecimento de outras publicações no mercado espanhol – Tiempo, Época e Tribuna da Actualidad – introduziu uma forte concorrência para atingir a liderança na difusão informativa. Como consequência deste postulado, os quatro jornais reorientaram paulatinamente os seus conteúdos. Uma rápida análise dos títulos entre 1982 (ano de lançamento do Tiempo) e 1990 permite entender a evolução editorial: os semanários transformaram a análise política no comentário superficial e escandaloso acerca da vida dos políticos, artistas e outras figuras famosas. No mesmo período surgiu um fenómeno oposto: em muitos periódicos não houve a variação dos princípios editoriais, distanciando-se cada vez mais da cultura dominante. Estes diários atravessam bastantes crises e em alguns casos chegaram a desaparecer8. Tais imobilismos podem classificar-se de riscos de tempos passados. Na actualidade, o estudo e a adequação às preferências do mercado constitui o fundamento para o êxito de qualquer empresa. Não obstante, desvirtuar o conteúdo do meio de comunicação por imperativos do mercado pode implicar uma carência ética: a decisão de criar um “produto” de acordo com as solicitações da maioria, sem 8 Estes problemas analisam-se em Top Fifty Media Owners, Zenith Media Worldwide, Londres, 1991 e no Le marche mondial de l’audiovisuel, IDATE, Montpellier, 1990. livro 06/11/10 11:16 Page 74 74 nenhum tipo de contraponto, esbate o perfil editorial e impede que o meio de comunicação adquira personalidade própria. Nestes casos, os empresários de informação preferem esquecer que as indústrias culturais influem na conduta das pessoas.Além disso, constata-se novamente que, a longo prazo, o erro ético prejudica gravemente a empresa: as reportagens sensacionalistas aumentam de forma imediata a difusão de uma publicação ou a audiência das emissoras de rádio e das cadeias de televisão. Contudo, acarreta a vulgarização do não usual, o público perde o interesse pelos sucessos extraordinários que ajudam a entender a realidade presente. A estratégia sensacionalista torna-se particularmente vulnerável, não requer uma perícia especial e, por isso, pode ser imitada com facilidade pelos concorrentes. Os meios de comunicação que não apostam na qualidade – pois o prestígio só incorpora os leitores ou espectadores lentamente – perdem credibilidade, de tal forma que a sua difusão limita-se ao público que se contenta com a leitura e contemplação de acontecimentos pouco habituais, mas que ao mesmo tempo são irrelevantes. Esta controvérsia acerca da adequação desejável às solicitações do mercado, à harmonia entre o comportamento ético e a eficácia económica requer um equilíbrio difícil. Os gestores podem prescindir de aspectos básicos da cultura empresarial, pois os estudos de mercado proporcionam uma informação valiosa para corrigir os desvios entre o meio e a sua audiência, nos múltiplos campos que desvirtuam os critérios éticos e culturais da empresa. Aceitar o repto da informação de qualidade pressupõe “saber esperar”, além disso, como afirma Iglesias (1990:396) requer um grande nível de preparação profissional, para «tornar interessante o importante». Muitas empresas de informação identificam-se com este planeamento e adquiriram prestígio, que constitui o maior obstáculo à entrada de novos concorrentes ao seu negócio. O último patamar do comportamento ético na difusão de mensagens situa-se no domínio publicitário. Apesar das conotações negativas acerca da actividade persuasiva da publicidade, esta gera um triplo efeito benéfico na sociedade: ao possibilitar a existência de meios de comunicação gratuitos e com um preço razoável, ao permitir o acesso à informação pelos cidadãos e ao favorecer o consumo. Isto origina a existência de economias de escala e, consequentemente, a diminuição do preço dos produtos. livro 06/11/10 11:16 Page 75 75 As empresas de informação não só dão resposta ao conteúdo redactorial, como às mensagens publicitárias que, além disso, tendem a ocupar a maior parte do espaço e tempo de emissão. Mesmo que a redacção não materialize as ideias persuasivas, a organização informativa multiplica os efeitos dos anúncios. Portanto, as decisões referentes às imagens e textos publicitários devem basear-se em critérios de verdade e honestidade, análogos aos que nestas páginas se sugeriram para a actividade editorial. Tal atitude provocará alguns prejuízos económicos, pois alguns anunciantes procuraram suportes mais permissivos para a difusão das suas mensagens. Contudo, a eliminação dos valores éticos na actividade publicitária revela um desejo de lucro dominante, facilmente percebido pelo público. A empresa prescinde dos seus critérios quando recebe uma contraproposta económica pelos conteúdos que difunde. Deste modo, os leitores e espectadores distanciam-se da ideia empresarial que preside à actividade informativa e, com frequência, procuram outras ofertas com maior coerência editorial. 1.5.5 Crescimento e diversidade empresarial O crescimento da rentabilidade do sector impulsionou um campo de aplicação dos valores éticos. Muitas empresas de informação ocidentais conseguiram benefícios importantes durante as últimas décadas. Estes resultados positivos possibilitaram o reinvestimento dos lucros noutros negócios de comunicação. Como consequência desta tendência generalizou-se o desenvolvimento de grupos de comunicação de âmbito regional, nacional e internacional (Doyle, 2003). O crescimento das empresas obedece a várias realidades coincidentes: a necessidade de adquirir ou promover novos meios para diversificar o risco empresarial, a grande rentabilidade da indústria de informação, a conveniência de destinar parte dos benefícios para o sector da comunicação no qual as empresas têm experiência de gestão, a desregulação dos meios audiovisuais, que permite a entrada de capital privado nas empresas de rádio e televisão e as estratégias defensivas para dificultar a entrada de concorrentes no mercado e a possibilidade de converter em “novos meios” (Tabernero, 2002). Tanto a lógica económica (procura de economias de escala, sinergias entre os diferentes meios e a diversificação do risco) como as exigências éticas (a conveniência de livro 06/11/10 11:16 Page 76 76 não se retirar de uma actividade de grande influência na sociedade), obrigam os empresários da informação a integrar este processo de crescimento. Amiúde, as estratégias de diversificação e crescimento constituíram-se à luz de um critério exclusivamente económico: o princípio da máxima rentabilidade. Contudo, acrescendo às expectativas de rentabilidade económica, devem considerar-se os factores complementares. Em primeiro lugar que modelo de crescimento beneficia mais os empregados, por exemplo, pois proporciona possibilidades de promoção profissional; em segundo lugar que decisão se adequa melhor à ideia de serviço público. Em alguns casos, o equilíbrio entre eficácia económica, atenção aos empregados e o bem comum quebra-se pela atracção exercida pela “estética do crescimento”. A megalomania e o desejo de poder suscitam decisões pouco rentáveis, que prejudicam os trabalhadores e não trazem nenhum benefício para os cidadãos. Esta atitude opõe-se à deontologia jornalística, e, como assinala Soria (1989:99), «a qualidade da informação, tal como a técnica informativa fazem parte das normas éticas: as normas de qualidade e as normas técnicas formam as normas éticas». Nos últimos anos, quase todas as grandes empresas do sector sofreram os efeitos negativos das suas estratégias de crescimento pouco razoáveis: Time-Warner, Disney, Bertelsmann ou Vivendi tiveram de rectificar os erros causados pelo excessivo endividamento ou por reconverter em suportes online projectos que não possuíam um plano de negócios realista. Os processos de concentração mediática configuram também uma nova dimensão na relação entre os media e o poder político. Vários partidos e governos – sobretudo os do sul da Europa, onde existe uma maior tradição de controlo político – orientaram de forma arbitrária a desregulação dos meios audiovisuais. As concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão, as amizades e coincidências ideológicas favoreceram a expansão de alguns grupos de comunicação. A análise destas realidades provocou comentários críticos. Veljanovski (1990:19), por exemplo, conclui que o mercado livre é preferível a qualquer tipo de regulação ou intervencionismo: «os governos colocam sempre em primeiro lugar os seus interesses em relação aos do bem comum». A liberalização dos negócios de informação na Europa está a diminuir a capacidade de intervenção dos governos, em qualquer caso, o principal requerimento ético das empresas na sua relação com o poder consiste em evitar privilégios e favores que impliquem uma concorrência desleal. livro 06/11/10 11:16 Page 77 77 1.5.6 Em jeito de conclusão Nestas páginas evitaram-se casuísticas e valorações detalhadas acerca de problemas deontológicos concretos. O objectivo limitou-se a tentar reflectir sobre três aspectos: • que os empresários devem assumir planeamentos éticos, o que implica reconhecer que a rentabilidade económica não é o motor exclusivo da empresa; • que, perante a dificuldade de perseguir este objectivo, os gestores comprometidos com critérios extra económicos não devem demitir-se do âmbito dos negócios de comunicação, pois a sua presença neste sector beneficia os cidadãos; • que a coerência ética e a eficácia empresarial não só são compatíveis, como se exigem mutuamente. Muitos dos conflitos entre a ética e a rentabilidade encontram solução a longo prazo: quando a falta de ética produz insucesso e os valores de reconhecimento. Ou seja, os empresários de informação com sentido ético não seriam deste mundo. E, pelo contrário, não existe nada mais humano do que servir os outros. 1.6 ÉTICA JORNALÍSTICA COMO SINÓNIMO DE JORNALISMO DE QUALIDADE Jorge Pedro Sousa* 1.6.1 Introdução A ética tem uma dimensão pessoal, expressa nos valores que cada pessoa interioriza, cria e articula; e uma dimensão social, que corresponde à criação, * Professor associado e investigador na Universidade Fernando Pessoa. livro 06/11/10 11:16 Page 78 78 integração e articulação de determinados valores pela sociedade. É a dimensão social da ética que, em última instância, possibilita a vida em sociedade. Assim, a ética jornalística tem também uma dimensão pessoal, resultante da interiorização e articulação de valores por cada jornalista; e uma dimensão social, expressa, em grande medida, nos valores profissionais, que por vezes se consubstanciam em códigos normativos. Esses valores resultaram de uma evolução histórica que foi continuamente aprimorando os modelos ideais de interacção entre os jornalistas e entre o jornalismo e a sociedade. A ética jornalística e a sua expressão profissional, a que podemos chamar deontologia, não são palavras ocas nem devem ser perspectivadas como uma aborrecida e eterna discussão teórica em torno de princípios e ideais não concretizáveis. Pelo contrário, a ética jornalística tem aplicações práticas e está ligada às qualidades e princípios que fazem do jornalismo um produto quotidiano com qualidade. Ética jornalística e qualidade jornalística são sinónimos. Por isso, mais do que conhecer as ideias dos pensadores, pesquisadores e teóricos da ética, o jornalista deve preocupar-se por construir e aplicar um sistema ético que lhe permita, pragmaticamente, fazer um jornalismo de qualidade e ser reconhecido como um bom jornalista, mesmo que esteja sujeito a condicionantes empresariais, de mercado ou outras. Conhecer as teorias éticas pode ser importante para a consolidação desse sistema, mas não é vital para se exercer eticamente o jornalismo. Além do mais, é tarefa difícil, talvez mesmo impossível, estabelecer uma fronteira entre pensadores éticos “de leitura obrigatória” e de “leitura facultativa”. Haveria sempre mais um autor a adicionar à lista dos pensadores de “leitura obrigatória” até ao ponto de não se saber onde parar. Em consequência, a ética jornalística deve assumir uma dimensão eminentemente prática e ancorar-se nos princípios que quotidianamente permitem atribuir ao jornalismo a marca da qualidade. Esses princípios, como veremos, não constituem qualquer novidade. Pelo contrário, são constantemente evocados. E são evocados por duas razões: (1) a sua validade, testada através dos tempos; e (2) a sua contribuição para uma prática jornalística de qualidade. livro 06/11/10 11:16 Page 79 79 1.6.2 a) Um ponto de partida: questões do quotidiano jornalístico Alguns jovens candidatos a jornalista e mesmo alguns jornalistas vêem a ética como uma coisa distante, abstracta. No entanto, vários dilemas éticos podem ser colocados ao jornalista quotidianamente. Esses dilemas têm sido acentuados pela crescente projecção do jornalismo como negócio e pelo entendimento de que a notícia é principalmente um produto para venda. Alguns dos dilemas éticos com que quotidianamente o jornalista se pode confrontar podem ser colocados sob a forma de perguntas (ver, por exemplo: Keeble, 1998: 27-28), o que ilustra a dimensão pragmática que deve ter o compromisso ético do jornalista: - Podem usar-se palavras como “terrorista”, “guerrilheiro”, “bom”, “mau”, “heróico”, etc. para classificar pessoas, acontecimentos ou organizações? Em que contexto? - Pode o jornalista mentir ou enganar alguém quando faz uma investigação jornalística? - Uma citação pode ser editada? - É legítimo gravar uma conversa sem avisar o interlocutor? - O jornalista pode aceitar “brindes”? Deve aceitar apenas em certas condições? Há diferenças éticas entre a oferta de um livro para se fazer uma recensão e a oferta de uma viagem a um paraíso turístico para se fazer uma reportagem? - Podem-se entrevistar crianças? Quais os cuidados a ter quando se entrevistam crianças? - Devem contactar-se os parentes de suicidas e de vítimas de mortes violentas? - Devem os jornais trazer colunas dominicais de líderes cristãos (nos países de valores cristãos) e não dar o mesmo espaço regular a líderes de outras religiões? Ou trazer colunas dominicais de líderes católicos (nos países maioritariamente católicos) sem dar o mesmo espaço a líderes de congregações protestantes? - Até que ponto se deve providenciar o direito de resposta? Por exemplo, se o erro veio na manchete, a correcção do erro também deve ser dada em manchete? - Podem-se entrevistar pessoas portadoras de deficiência mental? Que cuidados se devem ter quando se entrevistam essas pessoas? livro 06/11/10 11:16 Page 80 80 - Quão importante é para um jornalista a protecção das suas fontes e até que ponto essa protecção deve ser estendida? - É justificável pagar a uma fonte para que ela forneça informação de interesse? - É justificável invadir a esfera da privacidade das pessoas em determinadas circunstâncias? Devem aplicar-se os mesmos standards às pessoas comuns e às figuras públicas? - Até que ponto o envolvimento com a campanha eleitoral de um partido e com os dirigentes desse partido afecta a cobertura? - Em tempo de guerra, devem os órgãos de comunicação social de um determinado país em conflito dar espaço à propaganda governamental e à informação manipulada difundida pelo governo do seu país, para enganar o inimigo e insuflar o ânimo nas próprias tropas e civis? - Em tempo de guerra, até que ponto os jornalistas podem aceitar ser censurados? - É legítimo violar um embargo? - Como podem os jornalistas agir contra os estereótipos e contra o sexismo? - É lícita a utilização de linguagem agressiva, como, por exemplo, em «Ronaldo mata com dois golos as aspirações da Alemanha»? - Até que ponto os proprietários, as entidades publicitárias e os patrocinadores podem interferir nos conteúdos de um jornal? - Como separar o interesse público do interesse do público? - Até que ponto aquilo que uma pessoa fez no passado pode ser contrastado com a sua vida presente? - Até que ponto se podem relatar histórias sobre a vida de pessoas que faleceram? - É possível ter linhas de orientação para matérias cuja aceitação ou rejeição têm a ver com a personalidade, a sensibilidade e os gostos das pessoas, como fotografias chocantes ou linguagem obscena (mesmo que seja sob a forma de citações)? - Até que ponto se podem usar fotografias obtidas de forma clandestina? - Até que ponto se podem usar fotografias de pessoas em que estas apareçam com uma imagem desfavorecida? livro 06/11/10 11:16 Page 81 81 A resposta a essas e outras perguntas depende, obviamente, do sistema ético e deontológico do jornalista e do jornalismo e das variáveis que possam condicionar o exercício profissional, incluindo os constrangimentos de natureza legal. Mas, mais do que isso, a resposta dada a essas e outras questões tanto permite fazer um jornalismo de alta qualidade como um jornalismo de baixa qualidade. As directrizes éticas têm, assim, de ser clarificadas e estruturadas sistematicamente, consubstanciando-se numa espécie de thesaurus que promova, através da ética e da deontologia, um jornalismo de qualidade. 1.6.2 b) Um segundo ponto de partida: o direito humano à informação A ética jornalística tem de partir dos direitos humanos, os direitos de todos os homens independentemente de quem são ou de onde estão. Os direitos humanos são considerados universais e, até certo ponto, naturais, porque permitem a convivência pacífica e tolerante entre os humanos e entre as sociedades que eles constituem; porque geram desenvolvimento pessoal, social e cultural, em vez de sofrimento, subdesenvolvimento e pobreza; e porque contribuem, afinal, para que as sociedades perdurem, para que a humanidade perdure. O direito do homem a que a ética jornalística mais directamente se vincula é o direito à informação. O direito humano à informação consiste na liberdade que cada indivíduo tem de «investigar e receber informações e opiniões e de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão», segundo se estipula no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, a 10 de Dezembro de 1948. Dito por outras palavras, e de uma forma mais extensiva, o direito humano à informação assenta na liberdade de informar, informar-se e ser informado sem limitações fronteiriças e sem ameaças de repressão. As liberdades de expressão e de opinião, que sustentam a liberdade de imprensa, fundam-se no direito humano à informação. No mundo Ocidental, pressupõe-se que uma pessoa é livre, dentro dos condicionalismos impostos pela vida em sociedade, e que tem de assumir a responsabilidade por aquilo que faz dentro dessa esfera de liberdade. Por isso, a forma como o jornalista usa a liberdade de imprensa livro 06/11/10 11:17 Page 82 82 tem de fundamentar-se no binómio liberdade-responsabilidade e precisa de ter em conta os conflitos de direitos que podem emergir do exercício dessa liberdade. O jornalismo, com todas as suas virtudes e defeitos, configura-se como uma das formas que as pessoas engendraram para exercerem social e quotidianamente o direito à informação, ou seja, para informarem, informarem-se e serem informadas, à escala da sociedade e mesmo do mundo, aproveitando os meios de comunicação que foram surgindo ao longo da história e a dinâmica estrutural das sociedades, que gerou o aparecimento das organizações jornalísticas. De facto, para exercer o direito à informação, é preciso que alguém informe e alguém queira ou necessite de informarse e de ser informado. O jornalismo é uma das respostas socialmente organizadas a esse direito e necessidade. Nos estados democráticos, o direito à informação, concretizado pelo jornalismo e no jornalismo, permite aos cidadãos reivindicar direitos e tomar consciência da necessidade de cumprirem os seus deveres. Faculta aos cidadãos informações necessárias para a sua vida e para a interacção social. Proporciona alguma da informação de que as pessoas necessitam para se desenvolverem como cidadãos e como seres humanos e para viverem na sociedade contemporânea. Permite também a vigilância do governo e de outros agentes cujos abusos de poder poderiam causar graves danos à democracia ou prejudicar o crescimento económico e o desenvolvimento das sociedades. Possibilita identificar os culpados pela má governação, os corruptos, os criminosos, mas também as pessoas que têm uma atitude exemplar como cidadãos, como profissionais ou no exercício do poder político, do poder empresarial ou outro. Faculta o conhecimento das informações necessárias para que os cidadãos participem no processo decisório e votem em consciência, etc.. Obviamente, o jornalismo também tem incapacidades e problemas. Por exemplo, tende a dar voz apenas a alguns cidadãos, àqueles que pela natureza das funções sociais que exercem ou que pela performatividade da sua acção comunicativa encontram espaço nos meios jornalísticos. Além disso, o jornalismo não consegue dar resposta a todas as necessidades sociais de informação.Acresce, ainda, que a orientação empresarial da generalidade das organizações noticiosas, crescentemente concentradas em oligopólios comunicacionais, pode ser problemática. Mas, independentemente de poder funcionar melhor ou pior, o jornalismo é uma das livro 06/11/10 11:17 Page 83 83 respostas possíveis e, até prova do contrário, a melhor resposta que as sociedades democráticas encontraram para exercer colectivamente o direito à informação. O direito humano à informação não é, porém, um valor absoluto. Há outros valores que podem entrar em conflito com o direito à informação. Por exemplo, uma informação pode colocar em risco a vida de uma pessoa, o que põe em cheque o direito à vida. Pode também denegrir a vida íntima da pessoa, colocando em causa o direito à intimidade e à vida privada. Pode igualmente afectar a reputação da pessoa, colocando em causa o direito à honorabilidade, ao bom-nome e à boa fama. Pode ainda colocar em perigo o Estado, o país, a sociedade, por exemplo em situações de conflito e guerra (o segredo de Estado é aceitável quando a veiculação da informação coloca em perigo a sociedade ou o Estado, mas nestes casos compete ao poder justificar o recurso ao segredo). Deste modo, fica claro que antes de divulgar uma informação o jornalista tem de medir até que ponto o direito a dá-la não colide com outros direitos humanos e mesmo com direitos sociais relevantes. Se existir colisão, o jornalista tem de aferir até que ponto o interesse público justifica e autoriza a veiculação dessa informação, pois quando dois direitos entram em colisão um tem de ceder em relação ao outro. O interesse público, neste enquadramento, deve ser tomado pelo interesse da colectividade, por contraposição ao interesse privado e pessoal; e pelo que afecta todos e é acessível a todos, por contraposição ao que afecta poucos ou apenas um e é acessível a poucos ou apenas um. 1.6.2. c) Um terceiro ponto de partida: um sistema de defesa ética do jornalista Um sistema de defesa ética do jornalista pode ser articulado em torno de cinco princípios, que devem ser balanceados e, em certas ocasiões, contrapostos pelos jornalistas para avaliarem o que é e não é eticamente correcto (Lester, 1991:34-42). a) Imperativo categórico kantiano Por vezes, o que está certo está incondicionalmente certo, ou seja, o que está certo para um está certo para todos. O princípio jornalístico que se enquadra no imperativo categórico é o seguinte: providenciar informação livro 06/11/10 11:17 Page 84 84 aos cidadãos é uma necessidade universal e colectiva (a informação pode ajudar a viver, a decidir, a dar sentido ao mundo, a clarificar os assuntos públicos, a educar, a enriquecer material e culturalmente, etc.). b) Utilitarismo A informação jornalística, numa lógica de interesse público, deve providenciar o maior bem possível para o maior número possível de pessoas. c) Equilíbrio O equilíbrio impõe que o jornalista seja uma pessoa equilibrada na sua conduta, recusando opções extremas, permitindo às diferentes partes com interesses atendíveis nos assuntos que são notícia pronunciarem-se sobre os mesmos, etc. d) Transferência O jornalista deve imaginar-se no lugar das pessoas visadas nas notícias para aferir o que deve e não deve noticiar e como deve fazê-lo. e) Mandamento principal Importado directamente do cristianismo, o mandamento principal ensina a amar o outro como a nós mesmos. Seguindo esse mandamento, o jornalista deve procurar minimizar ao máximo as consequências potencialmente negativas da sua acção em geral e das notícias em particular (controlo dos danos). 1.6.3 Um ponto de chegada: os valores de sempre... A ética jornalística parte do princípio de que o jornalismo tem repercussões físicas, cognitivas, afectivas e comportamentais sobre as pessoas e repercussões sociais, ideológicas e culturais a uma escala mais vasta (ver, por exemplo: Sousa, 2000). Dito livro 06/11/10 11:17 Page 85 85 de outro modo, o jornalismo tem poder. Tem o poder de cultivar as formas como as coisas são ditas; tem o poder de fornecer assuntos à agenda pública; tem a capacidade de funcionar como espaço público, ou arena pública, nas sociedades democráticas, excluindo uns e incluindo outros; tem o poder de sugerir interpretações (enquadramentos) para os acontecimentos e problemáticas, etc.. Se o jornalismo tem poder, a sua função na sociedade democrática, num estado democrático de direito, tem que ser legítima e, normalmente, legal. Legitimar socialmente o jornalismo significa, igualmente, legitimar socialmente os jornalistas, pois são eles que exercem o jornalismo. Os valores que, articulados, constituem o cerne da ética jornalística não são, assim, mais do que aqueles valores que justificaram, legitimaram e continuam a justificar e a legitimar o papel dos jornalistas e do jornalismo na sociedade e que contribuem para que o jornalismo seja qualitativamente bom. Esses valores interpenetram-se e, por vezes, confrontam-se, o que dificulta a sua denominação e sistematização. Ainda assim, poderemos dizer que o jornalismo ético é aquele que procura a qualidade respeitando os seguintes valores centrais: a) Intenção de verdade: o jornalismo deve sujeitar-se ao princípio da veracidade. A sujeição ao princípio da veracidade exige rigor e exactidão no enunciado. Cada palavra deve ser escolhida de acordo com o seu valor semântico. As fontes devem ser claramente identificadas, excepto se justificadamente necessitarem de anonimato, e escolhidas pela sua pertinência e capacidade informativa. As ideias, os acontecimentos e as relações que estes estabelecem entre si devem ser descritos com pormenor e precisão, com profundidade e de forma completa e contextualizada. As referências a números devem ser exactas.As interpretações dos factos e as correlações entre acontecimentos devem ser feitas partindo dos factos conhecidos para os desconhecidos, das partículas elementares para as complexas, sendo obrigatório mencionar as etapas intermédias do raciocínio. A selecção de fontes deve também ser sujeita ao princípio da veracidade, no sentido de que as fontes devem ser seleccionadas e citadas em função do grau de confiança que inspiram. b) Intenção de objectividade: impõe que o jornalismo se oriente o mais preciso e perfeitamente possível para a tradução de um objecto de conhecimento em discurso denotativo. Assim, o jornalista deve esforçar-se por traduzir discursivamente livro 06/11/10 11:17 Page 86 86 os objectos de que fala da forma mais clara, completa, profunda e contextual possível, apesar dos limites de tempo e de espaço e de outros constrangimentos que possam advir do exercício profissional do jornalismo. A intenção de objectividade impõe também ao jornalista uma tentativa de distanciamento em relação ao objecto que enuncia e ao que as fontes dizem e um esforço de separação entre factos e opiniões, entre notícias e comentários. Quando necessário, o jornalista deve ainda ouvir e citar tantas fontes quanto as necessárias para comprovar factos e conseguir construir um relato mais apurado dos acontecimentos. Nas ocasiões em que precisa de explicar, interpretar e correlacionar acontecimentos e fornecer ao público uma chave para a sua leitura, o jornalista deve construir o enquadramento desses acontecimentos com base em factos, numa teia de facticidade (Tuchman, 1978), e não com base na sua sensibilidade, orientação ou intuição. A objectividade impõe ainda que a selecção de informação se faça em função de critérios de noticiabilidade claros e profissionais que tenham em conta o interesse público. Esses critérios não são novidade e referem-se a questões como a actualidade dos acontecimentos noticiados, a amplitude (aferida pelo número de pessoas envolvidas ou afectadas por um acontecimento, pelo grau de consequências de um acontecimento, etc.), a referência a pessoas ou instituições cujas acções são relevantes para a vida colectiva, etc. É também a intenção de objectividade que, como se disse, determina que nos discursos noticiosos se evitem conotações desnecessárias. Por isso, devem evitar-se os títulos mais sensacionalistas do que noticiosos, as fotografias mais injuriosas do que informativas, etc. Devem evitar-se também as recriações encenadas dos acontecimentos que, por vezes, se fazem em televisão e na imprensa escrita (com ilustrações), as foto-montagens, etc. Quando se fazem recriações encenadas dos acontecimentos o público deve ser claramente informado de que está perante uma recriação. De maneira similar, a edição de imagens e sons tem de ser feita tendo a denotação em vista. c) Intenção de justiça: o jornalista deve procurar ser justo. O sentido de justiça, no jornalismo, assume diferentes dimensões. Em primeiro lugar, o jornalista deve perseguir a dignificação da pessoa humana na enunciação noticiosa e na forma como actua. Para isso, deve evitar a difamação e a acusação sem provas, salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos em processos judiciários e as normas legais que regulam o funcionamento da justiça, acautelar os direitos dos menores, preservar o livro 06/11/10 11:17 Page 87 87 anonimato das vítimas de crimes, etc. O jornalista também deve preservar os direitos à privacidade, à imagem, ao bom-nome, à intimidade e à reserva da vida privada e familiar, excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta das pessoas visadas nas notícias contradiga os valores e princípios que publicamente defendem. Em segundo lugar, o jornalista deve perseguir o equilíbrio no enunciado, procurando ser imparcial e isento. O jornalista deve, assim, contrastar abrangentemente as fontes com interesses atendíveis nos casos que relata, tendo em conta que as fontes não têm todas a mesma competência comunicativa, não têm igual capacidade para influenciar os meios de comunicação nem exercem a sua acção comunicativa da mesma maneira. O jornalista deve ainda possibilitar o direito de resposta a quem se sente atingido por notícias ofensivas ou erradas e dar espaço a cidadãos de diferentes áreas do espectro político. Em terceiro lugar, o jornalista deve perseguir objectivos cívicos, como o de dar atenção a grupos sociais desfavorecidos, tentar incluir o maior número possível de cidadãos nos enunciados e possibilitar que os defensores de causas sociais sejam ouvidos pelos meios de comunicação.Além disso, deve perseguir uma lógica de interesse informativo público que não discrimine as pessoas por motivos de cor, nacionalidade ou sexo. Em princípio, o jornalista também não deve discriminar as pessoas por motivos de crenças e convicções, excepto quando elas pregarem a intolerância, o fundamentalismo, a socialização do sagrado e outros valores que afrontem as sociedades e culturas ocidentais, por definição espaços de liberdade, de tolerância, de laicismo, de privatização do sagrado, de libertação das mulheres, de democracia, de respeito pelos direitos humanos em geral e pela participação das mulheres na vida cívica, social e profissional em particular. Em quarto lugar, o jornalista deve respeitar as leis legítimas que regulam a vida social nos estados democráticos de direito. d) Responsabilidade em liberdade: o jornalista tem de exercer responsavelmente a sua profissão, pois beneficia das liberdades cívicas que lhe são consignadas pelo estado de direito. O jornalista é, portanto, responsável por todos os seus trabalhos e actos profissionais. Por isso, deve reconhecer e divulgar os erros que possa cometer ao dar informação e corrigir as informações inexactas ou falsas. Deve usar de meios legais e legítimos para obter informações, procedendo com lealdade para com as fontes, proibindo-se de abusar da boa-fé das pessoas, de as humilhar ou ainda de importuná-las quando atravessam fases dolorosas. Deve identificar-se sempre como jornalista e mostrar livro 06/11/10 11:17 Page 88 88 que está a recolher informação (por escrito, gravando, etc.), excepto quando estão em causa razões de incontestável interesse público (nestes casos pode ser legítimo usar uma câmara oculta ou um gravador disfarçado, por exemplo). Os seus relatos devem ser honestos, no sentido de que o jornalista deve esforçar-se honestamente por ser verídico, objectivo e justo, devendo ter especial cuidado quando esses relatos envolvem interpretações e correlações de factos, acontecimentos ou ideias. Não pode plagiar e quando precisa de citar ou parafrasear torna-se obrigatório mencionar as fontes. O jornalista também deve obrigatoriamente mencionar a fonte quando cita opiniões ou refere juízos de valor expressos por outrem, pois só os factos informativos de genuíno interesse público podem permitir a citação das fontes sob anonimato. O jornalista deve ainda lutar contra as restrições ilegítimas ou mesmo ilegais de acesso às fontes de informação e contra os procedimentos ilegítimos ou ilegais de limitação do direito à informação, divulgando os atropelos à acção jornalística e seus autores. Como toda a pessoa de bem, o jornalista deve respeitar a palavra dada e os compromissos que assuma, em especial para com as fontes. Em matéria de vivência da sua liberdade profissional com responsabilidade, o jornalista deve evitar colocar-se em situações susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade, nomeadamente recusando benefícios ilegítimos para a sua actividade profissional e não se valendo da sua condição nem para obter vantagens ilegítimas sobre os seus concidadãos nem para noticiar assuntos em que tenha interesses. 1.6.4 A ética do fotojornalismo É pelo menos de colocar por hipótese que, em certas ocasiões, as imagens têm maior impacto do que as palavras. Esta circunstância leva a que se deva enfatizar a importância do debate ético e deontológico no campo do jornalismo imagístico. Entre as questões que, nesse domínio, mais têm sido discutidas, encontram-se aquelas que se relacionam com a realização e difusão de imagens que colocam em causa o direito à privacidade, que afectam determinados valores (fotos de nus, etc.) ou que representam situações violentas, traumáticas ou chocantes. Porém, desde meados dos anos oitenta que a velha questão da truncagem e manipulação de fotografias adquiriu uma dimensão proeminente, devido à emergência dos meios digitais de processamento de imagens. Falar de ética implica falar de uma perspectiva. Isso acontece quer para a livro 06/11/10 11:17 Page 89 89 generalidade das situações, quer para o caso concreto do jornalismo visual. Por exemplo, um leitor de um jornal poderá ou não sentir-se chocado ou mesmo ofendido com uma fotografia de uma família que chora o filho afogado. E esse leitor poderá ter perspectivas diferentes da do fotojornalista que realizou a foto, do editor que a seleccionou, do chefe de redacção que a autorizou... Inclusivamente, é possível que certas fotografias mais violentas suscitem respostas mais virulentas devido ao facto de serem mais raras do que as fotografias de notícias em geral, de features, de desporto, etc. (Mather, cit. por Lester, 1991: 42) De qualquer modo, e destacando a ideia de que falar de ética implica falar de uma perspectiva, o fotojornalista consciente, enquanto ser inquieto, deve sempre interrogar-se quando explora temas violentos: «Será o acontecimento fotografado de tal dimensão sócio-histórica e cultural que o choque do observador é justificável? A violência será necessária para a compreensão do acontecimento ou para a sua corroboração?». O corpo nu de um criminoso abatido pela polícia, à espera de ser autopsiado, talvez não seja um motivo fotográfico eticamente aceitável, tal como não o será um rosto desfigurado após um acidente de trânsito. Mas mostrar como se mata facilmente, como na célebre fotografia de Eddie Adams, no Vietname (1968), em que se vê o chefe da polícia de Saigão a fuzilar à queima-roupa um suspeito de pertencer à guerrilha vietcong, já parece ter justificação editorial. Seja como for, esta discussão aberta sobre o que é e não é ético no domínio do fotojornalismo mostra bem que não há respostas feitas e muito menos respostas únicas e universais para os dilemas que o fotojornalista e os editores de fotojornalismo têm de enfrentar. Colson (1995: 216-217) salienta, a propósito, que certas imagens fotográficas injuriam certas pessoas, mas as mesmas imagens não injuriam outras pessoas. Segundo o autor, para esse fenómeno concorrem vários factores, a saber: a) a dificuldade de interpretar a conotação fotográfica; b) o facto de o contexto em que a foto é apresentada direccionar a interpretação da mesma; c) a tendência de o observador ver as suas próprias projecções nas fotografias; e d) a separação entre fotógrafos e observadores.Assim sendo, e sem negar que os fotojornalistas têm responsabilidades profissionais e sociais, convém salientar que o sentido último de uma imagem depende sempre do consumidor da mesma. Mas também é bom não esquecer, como diria Cassirer, que as representações imagísticas que os seres humanos fazem deles mesmos definem antropologicamente a humanidade9. Os argumentos que se esgrimem no domínio da ética das imagens nem sempre são claros, evidentes ou satisfatórios quando vistos de ângulos diferentes. De 9 Ernst Cassirer escreveu, em 1925, o livro Philosophy of Symbolic Forms, onde recusa uma visão puramente racionalista da humanidade, defendendo que não se pode reduzir tudo ao intelecto. Terá sido, deste modo, um precursor das modernas teorias da complexidade. livro 06/11/10 11:17 Page 90 90 qualquer modo, tal como diz Tester (1995: 471), a difusão de representações imagísticas de outros seres humanos tem implicações morais e pode ser uma das bases de reconhecimento de obrigações morais entre as pessoas. Aliás, segundo Ignatieff (1985:58), os meios de comunicação, de uma forma geral, mudaram a compreensão que temos das nossas obrigações perante os outros. Contudo, é preciso salientar que enquanto autores como Richard Rorty (1989: XVI) assumem que as representações imagísticas de outros podem conter imperativos morais que levem a um reconhecimento do outro, reconhecimento esse que está na origem de obrigações morais, outros teóricos da ética e da moral, como Ignatieff (1985: 59) e Tester (1995: 474-475), reclamam que para essa implicação existir é necessário que a mensagem atinja uma audiência previamente empática. Para estes últimos autores, não é possível a aparição da solidariedade moral em terreno não receptivo. As possibilidades técnicas importaram problemas para o domínio ético do fotojornalismo. Por exemplo, o processamento digital de fotografias jornalísticas está no centro de um intenso debate ético, embora não seja menos verdade que grande parte dos processos de tratamento de fotografias que hoje em dia se desenvolvem usando computadores foi amplamente usada nos velhinhos laboratórios a preto-e-branco: reenquadramentos, acentuação ou diminuição do contraste, variações na exposição, reversão da imagem, dissimulação de objectos e pessoas, etc.. Em qualquer caso, deve ser o conteúdo a determinar o tratamento que uma fotografia pode sofrer. Quando se fala de ética no fotojornalismo há uma situação que também merece um reparo. Enquanto um redactor frequentemente pode abordar um assunto no conforto do seu anonimato, um foto-repórter geralmente necessita de actuar em campo aberto, no local dos acontecimentos, com as máquinas à vista de todos. Esta circunstância torna-o alvo fácil das críticas... e, por vezes, das injúrias e da violência. Além disso, o recurso a determinados dispositivos técnicos que permitem evitar a presença mais ou menos ostensiva do fotojornalista no local dos acontecimentos, como as teleobjectivas ou as câmaras escondidas, reflecte-se nos resultados: por exemplo, torna-se mais difícil compor uma fotografia. Mas, mais importante do que isto, a necessária selecção que o fotojornalista faz da realidade visível, de forma a representar um segmento dessa realidade numa imagem fotográfica, é, em si mesma, frequentemente problemática. O caso classicamente mais apresentado é o das manifestações. Que imagem seleccionar, quando o editor apenas pede uma foto? Aquela livro 06/11/10 11:17 Page 91 91 que mostra um breve instante de conflito físico durante uma manifestação pacífica de várias horas? Aquela que se baseia num plano geral, conseguido através da utilização de uma objectiva grande-angular, onde os manifestantes parecem compor um grupo disperso, ou aquela em que se usou a teleobjectiva para se “ir buscar” um grupo pequeno, mas particularmente activo, de manifestantes, que enche o enquadramento? Ou aquela, aquela ou ainda aquela? A escolha é muito difícil e tem sempre efeitos ao nível da construção social da realidade. Aliás, no seio de um sistema de interdependências, o fotojornalista fica dividido entre a lealdade que deve aos leitores, à sua organização noticiosa, à sociedade em geral, à profissão e a si mesmo (Lester, 1991: 33). 1.6.5 A moral e a estética da imagem Rorty (1989:XVI) pretende que existe uma conexão entre a estética e a moral. Ele assume que a representação imagística do outro funciona como a superfície de uma mais compulsiva profundidade moral, isto é, como a superfície de significados de natureza moral mais profundos. Existiria, assim, uma identidade entre o significante do outro (a sua imagem representada) e o significado da acção moral (o reconhecimento de que o outro é como o ser em todos os aspectos significativos). Consequentemente, a superfície do significante, que é a imagem em representação, deveria ser lida e interpretada pelos significados que sustenta (representa). Lynda Sexson (1995:228) afirma mesmo que «(...) por trás da ética estão imagens; a consciência metafórica precede a nossa consciência ética; antes das leis estão as histórias». Não é propósito deste texto debater os fundamentos da ciência moral aplicados às representações imagísticas de pessoas, de outros seres vivos e de coisas. Todavia, há pelo menos duas considerações que podem extrair-se das asserções anteriores: 1) a estética do fotojornalismo, ao afectar as representações que se constroem dos outros e de outros seres, tem implicações morais e éticas que devem ganhar expressão deontológica; e 2) em todo o caso, um determinado conteúdo estético pode criar ou reforçar empatias, quanto mais não seja nos públicos previamente sensibilizados para as questões imagisticamente tratadas, pelo que a questão do inter-relacionamento entre a estética e a moral se mantém. Aliás, embora a questão possa ser problemática, o sofrimento imagisticamente representado tende a produzir solidariedades, pelo que as considerações de Rorty (1989) parecem ser mais pertinentes. livro 06/11/10 11:17 Page 92 92 1.6.6 As principais questões de debate ético e deontológico no campo das imagens de imprensa No campo do jornalismo imagístico, há vários pontos que têm merecido, especialmente na actualidade, uma certa atenção por parte daqueles que se preocupam com a ética e deontologia do jornalismo. Embora nos dias de hoje o debate se tenda a centrar sobre a televisão, o mais poderoso dos media e aquele a quem mais acusam de sensacionalismo e de espectacularização da informação, a imprensa não pode ser ignorada. Realce-se, aliás, que os códigos jornalísticos deontológicos e de ética não regulam muitas das questões que se têm levantado sobre a captação, geração e utilização de imagens pelos meios jornalísticos, embora, em alguns casos, instituam princípios gerais a serem respeitados. Por exemplo, no Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses há, principalmente, cinco disposições que se podem aplicar directamente ao fotojornalismo: - «O jornalista deve combater (...) o sensacionalismo». (art.º 2); - «O jornalista deve usar meios leais para obter (...) imagens (...). A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestado interesse público». (art.º 4); - «O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor» (art.º 7); - «O jornalista deve recusar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo». (art.º 8); - «O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos (...). O jornalista obriga-se, antes de recolher (...) imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas» (art.º 9). Mesmo repetindo algumas das questões já reguladas, pode-se sistematizar por itens as questões centrais do debate sobre a imagem fotográfica na imprensa. Assim, e deixando para uma abordagem específica a questão que mais tem vindo a agitar o debate, a manipulação digital de fotografias, pode-se dizer que o debate ético no campo do fotojornalismo se tem resumido às seguintes questões: livro 06/11/10 11:17 Page 93 93 a) Cedência ou não à estética do horror em fotojornalismo, havendo fotojornalistas, como Don McCullin, que enveredaram por essa estética, e outros que a recusaram, como Robert Capa, que nem em situações limite buscava o horror; b) Uso de fotos de acontecimentos traumáticos (por exemplo, uso das fotos do suicídio do secretário doTesouro da Pensilvânia frente às câmaras); c) Modificação e truncagem de fotografias (podem referir-se como exemplos as truncagens de fotografias no antigo bloco soviético – as pessoas eram tiradas das fotos quando caíam em desgraça – ou uma fotografia truncada em que um senador norte-americano aparecia a falar com o líder do Partido Comunista dos Estados Unidos, coisa que não tinha feito, e que lhe terá custado o lugar nas eleições seguintes); d) Cedência à espectacularização e ao sensacionalismo, nomeadamente à espectacularização e ao sensacionalismo gratuitos; e) Captação de imagens sem que o fotojornalista se identifique como tal; f) Captação de imagens sem se respeitarem as pessoas (por exemplo, invadir a privacidade, não respeitar a dor, não proteger a identidade das vítimas de crimes, maiores ou menores de idade, bem como dos delinquentes menores de idade, não proteger a identidade de prostitutas e prostitutos, etc.); g) Tratamento discriminatório e estereotipização ou reforço da estereotipização das pessoas em função da idade, do sexo, da cor ou da raça, da nacionalidade, das crenças, do aspecto físico e (por vezes) da deficiência, das profissões, etc.; h) Uso das fotografias de arquivo como se fossem actuais, sem preocupação pela contextualização temporal; esta questão surge, nomeadamente, quando a situação representada já não funciona como um índice da realidade (por exemplo, quando alguém que já morreu surge numa fotografia que pretende ser “actual” ou quando a fotografia já não dá conta da situação actual, como a fotografia de uma família que parece unida quando na realidade está desavinda); livro 06/11/10 11:17 Page 94 94 i) Uso descontextualizado de imagens (por exemplo, publicada isoladamente, sem mais explicações, a fotografia de um cumprimento entre duas pessoas desavindas pode dar a ideia de que se reconciliaram mesmo que isso não tenha acontecido); j) Uso da persuasão visual como forma de manipulação, desinformação, contra-informação e propaganda, como aconteceu durante a Guerra do Golfo, conflito durante o qual as imagens disponibilizadas no Ocidente mais pareciam um catálogo do armamento americano; essas imagens terão ainda promovido a ideia de que se tratava de um conflito cirúrgico, envolvendo apenas meios de alta tecnologia, quando a maior parte das bombas que caíram sobre o Iraque eram gravitacionais (tal e qual como as da Segunda Guerra Mundial); neste campo, a verosimilhança das imagens fotográficas tornam-nas num dos veículos privilegiados para a manipulação, a desinformação, a contra-informação e a propaganda através da imprensa; k) Aproveitamento directo e não contextualizado das fotografias e outros documentos gráficos enviados por profissionais de relações públicas, assessores de imprensa, etc.; l) Cedência a mecanismos como as photo opportunities (que retiram aos fotojornalistas a possibilidade de representar o poder nos instantes em que ele despe a sua máscara), a acreditação dos fotojornalistas (uma forma de controle acrescido sobre pessoas que já são titulares de uma carteira profissional que lhes deveria, só por si, garantir o acesso aos locais onde se desenvolvem acontecimentos de interesse para a comunidade), a obrigação de não usar determinado equipamento para fotografar certos políticos (por exemplo, impedimento da utilização de objectivas grandes-angulares, que tendem a distorcer as proporções dos motivos representados), etc.; m) Uso de imagens potencialmente injuriosas (por exemplo, o político que é fotografado com um dedo no nariz); n) Abuso das ilustrações fotográficas e recurso a elementos visuais sem ancoragem na realidade para a realização desse tipo de fotografias; livro 06/11/10 11:17 Page 95 95 uso de técnicas das fotografias ilustrativas na produção e no processamento de outros géneros fotojornalísticos; o) Uso de máquinas fotográficas dissimuladas/escondidas; p) Recurso a encenações para a fotografia e a fotografias de recriações fictícias de situações; q) Abuso de efeitos especiais, usando, por exemplo, filtros para objectivas ou filtros digitais (processamento electrónico das imagens). 1.6.7 A manipulação digital de fotografias Entre as questões de ética e deontologia das imagens publicadas na imprensa, a manipulação digital de fotografias talvez seja aquela que é actualmente mais debatida. Em Novembro de 1997, a Newsweek publicou na capa uma fotografia da senhora de Iowa que teve sete gémeos. Os dentes da senhora estavam estragados, mas na imagem reluziam de brancura. No mês seguinte, na Suíça, um jornal decidiu avermelhar a água que descia do templo de Hatschepust, em Luxor, no Egipto, dizendo que se tratava do sangue dos turistas assassinados pelos fundamentalistas islâmicos. Estes são dois dos mais antigos e conhecidos exemplos de truncagem electrónica de fotografias jornalísticas possibilitada pelas novas tecnologias digitais. Mas, entre muitos mais, poderiam relatar-se vários casos semelhantes que vêm sendo listados desde 1988, como o enegrecimento da cara de O. J. Simpson numa capa da Time, o deslocamento das pirâmides egípcias na página um da National Geographic, o apagamento de referências publicitárias nas camisolas de desportistas, o desaparecimento de objectos das fotografias, como latas de Coca-Cola, carros e similares, a substituição de bandeiras bascas por bandeiras de Navarra na capa de um diário espanhol, a ocultação da queda da esposa de Felipe González numa foto do antigo presidente do Governo de Espanha, etc. O retoque, a alteração, a supressão e a inclusão de elementos nas imagens fotojornalísticas foram procedimentos relativamente comuns ao longo da história. Novo é o facto de a manipulação digital de fotografias ser fácil e de difícil ou virtualmente impossível detecção por um observador que não tenha visto o acontecimento fotograficamente representado ou que não tenha sido advertido da manipulação da imagem. Por outro lado, embora a fotografia seja sempre uma forma livro 06/11/10 11:17 Page 96 96 de manipulação visual da realidade – recordemos a focagem ou o controle da profundidade de campo, da velocidade e da exposição – as tecnologias digitais potenciaram esse fenómeno, pois transformam as imagens em impulsos electrónicos processáveis em computador. Tornou-se fácil, por exemplo, alterar, numa foto, as cores do cabelo, da roupa, dos olhos e da pele, alterar penteados, colocar frente a frente pessoas que nunca se viram, inserir pessoas e objectos em ambientes diferentes, criar imagens virtuais e combiná-las com imagens indiciadoras da realidade, etc.. Enquanto as alterações introduzidas nas imagens fotográficas ao longo dos tempos usualmente acabavam por ser detectadas por especialistas e, por vezes, mesmo por pessoas comuns, quando, por exemplo, se tratava de uma truncagem mal feita ou quando se conhecia o original ou até o contexto da realização da foto, com os computadores abrem-se as portas à possibilidade de mentir, fotograficamente falando, de maneiras inimagináveis no passado. Assim sendo, e apesar de as novas tecnologias trazerem vantagens incontestáveis no que respeita à qualidade da imagem, à expressividade e à capacidade de se vencer o tempo e o espaço com maior rapidez e comodidade, as questões ligadas à geração e manipulação digital de imagens são, talvez, das mais relevantes para o fotojornalismo actual, especialmente no que diz respeito à ética profissional. Inclusivamente, a tecnologia digital da imagem está a ter cada vez maior utilização e no campo profissional do fotojornalismo já suplantou a fotografia tradicional, coisa que, possivelmente, afectará a nossa percepção do mundo, os processos de geração de sentidos e, portanto, o processo de construção social da realidade. Tal como a fotografia tradicional difere da pintura, a imagem digital difere da fotografia tradicional quanto à realidade física. Enquanto a fotografia tradicional vive de processos analógicos e contínuos (a fotografia é “análoga” à luz que lhe deu origem), a imagem digital é uma realidade discreta, codificada num código de zeros e uns, subdividida uniformemente numa grelha finita de células – os pixels – cuja gradação tonal de cor pode mudar em função do código. Na fotografia tradicional, o suporte é o negativo. Na imagem digital, a resolução tonal e espacial é limitada e contém uma quantidade fixa de informação. Uma vez ampliada, revela a sua micro-estrutura. O contínuo espacial e tonal das fotografias analógicas tradicionais não é reproduzível com exactidão. Transmitidas ou copiadas são sujeitas a alguma degradação. Porém, a imagem digital pode ser repetida até ao infinito sem perda de qualidade, mas livro 06/11/10 11:18 Page 97 97 também é fácil e rapidamente manipulável através da substituição de dígitos no código binário – de zeros e uns– que a sustenta. É por esta razão que uma imagem digital pode ser totalmente sintetizada por computador, ser resultante da digitalização de outra imagem, ver a sua perspectiva alterada através das mudanças da zona de sombras, ser pintada electronicamente ou ser até sujeita a uma mistura de todos esses processos, possuindo, ainda assim, coerência interna. Trata-se, de facto, de uma espécie de electrobricollage, como lhe chama Mitchell (1992), que demonstra que o multimédia é o medium pós-moderno por excelência: vive da fragmentação e da interactividade, sendo fomentador da polissemia, mas, também por isso, da indeterminação e da heterogeneidade. O ser humano não está desprovido de defesas contra a manipulação imagística. A educação, a cultura e a experiência levam as pessoas a não aceitar hoje tão facilmente como no passado as fotografias como representações sempre válidas da realidade. Nesta matéria, há filmes que mostram como se fazem manipulações e existem fotografias que se sabe terem sido manipuladas. De qualquer modo, não é por isso que o fenómeno da imagem digital deixa de levantar questões preocupantes. Por exemplo, Kelly e Nace (1993) descobriram que a credibilidade de uma foto semelhante às que se vêem todos os dias na imprensa não se alterava significativamente quando as pessoas viam antecipadamente um vídeo sobre manipulação digital de imagens. Esta ocorrência pode demonstrar que, por muito grande que seja a fotoliteracia das pessoas, as fotografias sujeitas a manipulação, quando esta é desconhecida para o receptor, tendem a ser tão credíveis como as outras. Será que no fotojornalismo se chegou a um ponto em que tanto importa a realidade que se cria como a realidade que se representa de forma directa nas fotografias? Talvez não. Por alguma razão, a Associação de Jornalistas da Noruega pediu que fosse introduzido em todas as imagens digitalmente alteradas um símbolo que as identificasse. Por alguma razão, determinados códigos deontológicos (Noruega, por exemplo) e livros de estilo (o do El Pais, por exemplo) proíbem a manipulação sem que o leitor seja advertido. Provavelmente, a questão prende-se com a velha teorização do uso e do abuso. Poderão fazer-se alterações fotográficas desde que o observador saiba que foram feitas e em que moldes o foi e desde que sirva para tornar a comunicação fotojornalística em comunicação mais útil. Não se deverão fazer caso esses pressupostos não existam. livro 06/11/10 11:18 Page 98 98 1.6.8 Em suma O jornalismo deve ser utopicamente orientado para a perfeição e pragmaticamente direccionado para a realidade e para a realização de algum bem para o maior número possível de pessoas. Isso pressupõe escolhas voluntárias e racionais por parte do jornalista.Assumindo que um jornalismo comprometido com a realidade e intencionalmente verídico é necessário a uma sociedade livre e plural, as escolhas voluntárias e racionais do jornalista devem recair sobre o que é bom e justo, virtuoso e meritório. É impossível que um código ou um thesaurus deontológico preveja todas as situações de dilema ético e fixe todas as regras de conduta que o jornalista deve seguir quando se trata de ponderar sobre os sujeitos, circunstâncias, finalidades, formas e conteúdos de um discurso. Por isso, o jornalista deve partir da articulação de direitos fundamentais e de princípios éticos gerais, baseados no que é bom e justo, virtuoso e meritório, para chegar à resolução dos seus dilemas éticos. O valor central do jornalista deve ser o direito humano à informação, de onde decorre, através do jornalismo, a realização do direito do público a ser informado. Cabe ao jornalista tomar atitudes e comportamentos que visem a concretização desse direito, embora ponderando princípios éticos e conflitos com outros direitos. Nesse percurso, o jornalista deve respeitar as regras e os limites próprios dos estados de direito. Sabe-se que há constrangimentos à acção jornalística. Uns são intencionais, outros resultam da forma como está organizado o processo de produção de informação, outros resultam ainda de circunstâncias ideológicas, culturais e outras. O jornalista não vive num mundo ideal, mas num mundo real. Aliás, seguramente que o mundo ideal é diferente para cada pessoa. Mas o jornalista, sendo refém da realidade, também o deve ser da sua consciência. Por isso, os constrangimentos ao processo jornalístico não podem tornar-se sistematicamente numa desculpa para actos eticamente reprováveis. O jornalista deve procurar ser, com autenticidade, um falante da verdade, embora sem a arrogância de se julgar dono dela. A isso acresce que o jornalista, embora sendo um cidadão que se pode envolver emocionalmente no que fala, deve visar profissionalmente um esforço de distanciamento em relação aos acontecimentos que noticia, comprometendo-se com a realidade, orientando-se pelo princípio da veracidade e procurando separar os factos dos juízos de valor e das livro 06/11/10 11:18 Page 99 99 opiniões, a notícia do comentário, até porque esta é uma forma de actuação que legitimou, justificou e autorizou socialmente o jornalismo e que o continua a legitimar, justificar e autorizar. A boa prática de um jornalista é condição para o seu reconhecimento profissional e social e, provavelmente, para o seu sucesso ou insucesso. A boa prática jornalística é, por definição, uma prática de qualidade. E uma prática jornalística de qualidade é uma prática ética, porque a ética do jornalismo foi-se configurando no sentido de oferecer ao público um produto jornalístico de qualidade. Resumindo e concluindo: um jornalista que quer ser ético é um jornalista que quer ser bom e que quer ser publicamente reconhecido como bom jornalista, porque um jornalismo ético é um jornalismo de qualidade. livro 06/11/10 100 11:18 Page 100 livro 06/11/10 11:18 Page 101 101 Capítulo 2: Responsabilidade e Ética das Empresas Jornalísticas Ana Sofia Morais* 2.1. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO EMPRESAS Embora o jornalismo se regule por um conjunto de valores morais previstos num código deontológico, é impossível ignorar-se o facto de este ser uma actividade que se concretiza através de meios de comunicação, que também são empresas, e cuja necessidade de obtenção de lucro e de sobrevivência no mercado não pode ser ignorada. A estrutura empresarial dos meios de comunicação social impõe exigências e procedimentos que afectam os profissionais que neles trabalham, bem como os conteúdos difundidos. Os conflitos entre exigência éticas e empresariais são bastante mais frequentes do que seria desejável, mas isso não significa que se trate de uma situação insuperável. Actualmente, é difícil encontrar alguma actividade social que, de uma forma ou outra, não seja afectada pelas exigências do mercado. Mas conseguir informar e obter benefícios económicos através dessa mesma actividade não tem necessariamente que comportar uma violação da deontologia. Pelo contrário, a estrutura empresarial dos meios de comunicação pode ser fonte de algumas vantagens. Uma delas é a garantia de independência face ao poder político, mas também ao poder económico. Outra dessas vantagens prende-se com a necessidade de os meios de comunicação terem que competir no mercado, o que resulta numa melhoria dos produtos disponíveis e numa crescente diversificação. A necessidade de cada meio se posicionar e conquistar quota de mercado obriga-o a distinguir os seus produtos da oferta da concorrência, tornando o mercado e os conteúdos informativos mais pluralistas. Na obra Comunicação Responsável – A auto-regulação dos media, Hugo Aznar (2005) procura demonstrar que, apesar de todas essas potencialidades, os supostos benefícios da concorrência entre empresas não são aplicáveis aos meios de comunicação social, existindo inúmeros casos em que a concorrência motiva o não * Licenciada em Comunicação Social pela UNL, Investigadora e Aluna do Master em Gestão Empresarial e Editorial dos Media & Entretenimento, UAL livro 06/11/10 11:18 Page 102 102 cumprimento das normas éticas da comunicação, sobrepondo-lhes critérios de marketing. Esta preponderância de uma visão comercial está na origem de inúmeros conflitos éticos relacionados com as obrigações dos profissionais, que se vêem confrontados com a dificuldade de conciliar os seus deveres jornalísticos com o marketing aplicado às notícias, através do qual os leitores e espectadores são reduzidos ao papel de meros consumidores. Aznar considera que a concorrência é também responsável por uma aceleração na produção de conteúdos informativos, o que dificulta o cumprimento da exigência ética que consiste em evitar erros e imprecisões, bem como em comprovar as informações transmitidas, recorrendo a diversas fontes e à opinião de especialistas. Outra das consequências da concorrência é a tentativa por parte dos meios de comunicação de aumentar, a todo o custo, a procura dos seus produtos, através de uma acentuação exagerada do dramatismo dos acontecimentos. O sensacionalismo é um dos recursos mais utilizados para captar a curiosidade do público. Ao contrário do que seria de esperar, em muitos casos, a concorrência entre empresas de comunicação também não favorece a pluralidade e a diversidade de conteúdos. Pelo contrário, as «guerras de audiências» obrigam os meios a tentarem satisfazer o maior número possível de consumidores, o que acaba não só por dar origem a uma homogeneização de conteúdos, como também a uma adequação dos mesmos ao nível mínimo exigido pela audiência, o que geralmente se reflecte numa diminuição da qualidade da oferta. Além disso, a tendência para a regulação do comportamento de cada órgão de comunicação pela orientação dos seus concorrentes conduz a uma inevitável repetição de temas, de estilos e de protagonistas. Como empresas, os meios de comunicação social possuem uma característica que os torna únicos no mercado: a maior parte das suas receitas não provém do público consumidor, mas sim dos anunciantes. No caso da rádio e da televisão, a influência dos anunciantes é ainda maior, pois deles depende a quase totalidade das suas receitas. Nos canais por cabo, outra fonte de investimento e que tende a ser a maioritária é a assinatura dos serviços. Herman e Chomsky (2002) afirmavam mesmo que os meios de comunicação privados são grandes empresas que vendem um produto (leitores e audiências) a outros negociantes: os anunciantes. A teoria de Herman e Chomsky estabelece uma relação directa entre o resultado do processo noticioso e a estrutura da empresa livro 06/11/10 11:18 Page 103 103 jornalística. Segundo estes autores, existe uma estreita ligação entre as elites dirigentes e os produtores mediáticos, o que se reflecte numa total concordância entre os interesses das elites e o produto jornalístico. Os jornalistas estariam, de acordo com esta teoria, reduzidos à função de meros executantes do poder capitalista. Contudo, não deveremos reduzir a nossa análise a esta visão. Alguns estudiosos alertam para a necessidade de estabelecer uma destrinça entre as empresas mediáticas e os jornalistas. Fernando Correia (2006) adianta que a verdade é que uns e outros não buscam, em última instância, fins idênticos, antes pelo contrário: frequentemente os critérios comerciais revelam-se contraditórios com os critérios jornalísticos, o que gera uma conflitualidade latente e cria sérios constrangimentos à autonomia jornalística e ao direito do público a informar-se e a ser informado. Para além da influência dos anunciantes nas empresas de comunicação, a própria natureza empresarial dos media faz que estes estejam submetidos a pressões que condicionam a sua autonomia. A mais directa é a propriedade dos meios. Se, por um lado, a definição dos objectivos e da identidade do meio, bem como, por exemplo, a nomeação do seu director são decisões que implicam a intervenção dos respectivos proprietários, o funcionamento da equipa de redacção, com a sua deontologia própria, requer autonomia e independência. Os conflitos ocorrem quando os proprietários decidem intervir na elaboração dos conteúdos informativos, alargando o seu direito de propriedade à esfera editorial. Diversos trabalhos de pesquisa têm vindo a demonstrar claramente o peso dos constrangimentos organizacionais sobre o trabalho jornalístico. O clássico estudo de Warren Breed é um deles. Segundo este autor, os jornalistas acabam por ser socializados dentro das organizações jornalísticas, conformando-se com as normas editoriais das redacções. Estes profissionais apreendem a política editorial através de um processo de «osmose», mediante o qual se socializam, descobrindo e interiorizando os direitos e obrigações do seu estatuto, bem como as suas normas e valores. Breed identifica alguns factores que promovem o conformismo dos jornalistas relativamente às políticas editoriais: a autoridade institucional (sanções e recompensas); os sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores; as aspirações de mobilidade (relativamente a posições de relevo); a ausência de grupos de lealdade em conflito; o prazer da actividade; as notícias como valor (Breed, 1955). livro 06/11/10 11:18 Page 104 104 O próprio processo de produção das notícias é também relevante para esta análise. As redacções dos meios de comunicação social estão expostas a constantes pressões sociais, económicas e políticas, para além de estarem também inseridas num ambiente em que o inesperado está sempre prestes a acontecer. De forma a melhor enfrentarem estes condicionalismos, os jornalistas estabelecem uma série de procedimentos. Gaye Tuchman defende que a própria objectividade jornalística é um «ritual estratégico», tendo como única função proteger os jornalistas dos riscos da sua profissão. De acordo com esta teoria, os jornalistas necessitam de uma noção operativa de objectividade para minimizar os riscos impostos pelos apertados prazos de entrega, pelas potenciais críticas, pelos processos difamatórios e pelas reprimendas dos seus superiores (Tuchman, 1978). A objectividade jornalística é entendida como um valor-limite e uma meta, desde logo com a exactidão dos factos relatados e a fidelidade das opiniões recolhidas. Os casos que se prestem a campanhas, manipulação e desinformação requerem maior prudência do jornalista para garantir a objectividade, recorrendo à pluralidade das fontes e à investigação, sem se deixar arrastar por ideias preconcebidas (Livro de Estilo do Público, 1998). Na mesma linha de Tuchman se colocam as interpretações que reconduzem a «objectividade jornalística» à adopção de certas configurações retóricas tradicionais do jornalismo. A (estrutura) do lead e da pirâmide invertida, figuras típicas do jornalismo de agência, seriam sinónimos de objectividade, na medida em que garantem o destaque do principal acontecimento numa linguagem seca e «objectivadora», de onde seriam rasuradas as marcas de subjectividade do jornalista. Mas a natureza empresarial dos meios de comunicação está ainda associada a um outro efeito, que tem vindo a progredir desde os anos oitenta: a concentração. Este fenómeno, que não é exclusivo das empresas de comunicação e que representa uma tendência geral acentuada pela globalização dos mercados, faz com que as pequenas empresas locais e regionais só sobrevivam mediante a sua integração em grandes empresas, que operam em mercados mais amplos, o que levanta alguns problemas a nível da livre concorrência. Em 1980, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) denunciava já, através do conhecido Relatório MacBride (1980) a ameaça para a existência de uma imprensa livre e pluralista potenciada pela livro 06/11/10 11:18 Page 105 105 concentração dos media. Actualmente, face ao fenómeno da globalização e das fusões ocorridas no sistema mediático, com a consequente emergência de «gigantes» mediáticos, esta questão ganha contornos cada vez mais preocupantes. Pode mesmo afirmar-se que a lógica empresarial representa hoje uma forte ameaça para a liberdade de expressão, para a pluralidade de informação e para a autonomia dos profissionais do sector. A concentração das empresas de media e as ameaças que surgem à escala global e local são questões analisadas por estudiosos portugueses destas matérias, que reflectem a necessidade de dar o passo em frente face a inevitabilidade das mutações políticas, económicas e sociais10. Do ponto de vista da cadeia de valor, as empresas de comunicação podem dividir-se em dois grupos: as empresas de intermediação (como é o caso das agências de notícias), cujos clientes são outras empresas de notícias, e as empresas que têm uma relação directa com o público. Ambas sobrevivem no mercado se alcançarem uma vantagem competitiva sustentável, ou seja, têm que ser capazes de produzir algo com valor para o público e que, simultaneamente, a concorrência não consiga imitar facilmente. Porém, como já referimos, fenómeno do mercado global tem vindo a favorecer precisamente a imitação e a introdução de novas marcas no mercado, o que constitui uma ameaça às posições hegemónicas das empresas de comunicação. Com o objectivo de assegurar o futuro destas empresas, os seus dirigentes vêem-se confrontados com a necessidade de tomar decisões no sentido de neutralizar o risco de as mesmas virem a ser aniquiladas pela concorrência e, nesse sentido, acreditam que, expandindo-se, poderão melhorar a sua posição no mercado. Há, no entanto, que considerar a hipótese de esse crescimento poder apresentar inconvenientes como o aumento do risco de redução do nível de especialização das empresas, que poderá repercutir-se em desempenhos menos eficientes por parte destas; a deterioração da cultura corporativa, na sequência das dificuldades de comunicação interna, com a consequente diminuição da motivação dos empregados, colaboradores e jornalistas; e uma perda de objectivos de inovação. Torna-se, portanto, evidente a poderosa influência que a estrutura empresarial das empresas de comunicação e as pressões do mercado exercem sobre a actividade dos media. Os profissionais são o alvo mais frequente deste tipo de tensões. Se, por um lado, foram preparados para prestar um serviço à sociedade orientado por determinados valores éticos, presentes no seu código deontológico, por outro, não 10 Vide COSTA SILVA, Elsa; Os Donos das Notícias-Concentração da Propriedade dos Media em Portugal, Porto Editora, 2004 e FAUSTINO, PAULO; A Imprensa em Portugal-Transformações e Tendências, MediaXXI, 2004. livro 06/11/10 11:18 Page 106 106 podem ignorar a sua condição de empregados dentro de uma organização que se rege por critérios comerciais. O equilíbrio entre estas duas vertentes não é fácil de gerir e, por isso, é bastante comum que as exigências do mercado se sobreponham aos deveres sociais das empresas de comunicação. Não é, pois, de estranhar que um tal cenário suscite verdadeiras preocupações relativamente à concentração dos media e àquilo que esta representa em termos do reforço de certos interesses económicos e políticos, tanto mais quando, à margem das exigências dos profissionais da comunicação, bem como das próprias necessidades e interesses específicos dos destinatários das mensagens mediáticas, continuam a existir empresários que não hesitam em converter os media em meros suportes de interesses comerciais e ideológicos. Sob a lógica destas empresas, o cidadão dá lugar ao consumidor e a informação passa a confundir-se com a publicidade e o entretenimento. O sociólogo americano Michael Schudson foi um dos estudiosos que alertou para o desenvolvimento desta lógica comercial subjacente à informação, no âmbito da qual a pressão comercial se instalou (Schudson, 2003). Juan José Garcia-Noblejas caracteriza a «era da informação» como uma espécie de máscara que impede de observar até que ponto estamos também a entrar numa «era da manipulação»(1997:47). Segundo o autor, o interesse prioritário e quase exclusivo pelos níveis de audiência e pela preponderância daquilo a que se tornou comum apelidar de «informação-espectáculo» não é inocente. Garcia-Noblejas faz uma alusão a Jeff Cohen, antigo colunista do Los Angeles Times, para subscrever a sua tese de que os meios de comunicação nos vendem publicidade encoberta como informação, pelo que deveriam ser apelidados não de meios de comunicação, mas sim de meios de persuasão ou mesmo de manipulação, visto que o interesse público é efectivamente uma das suas últimas preocupações. Já a conhecida teoria crítica que vem da Escola de Frankfurt tinha subjacente a ideia de uma imensa engenharia psicológica da qual os meios de comunicação são instrumento fundamental, pelo facto de exercerem um efeito poderoso do ponto de vista ideológico. Para os investigadores de Frankfurt, os mass media não eram um utensílio do totalitarismo, mas sim a razão central da sua existência. Esta corrente de pensamento, que responsabilizou os mass media pelo aumento dos hábitos e comportamentos que tornaram os indivíduos vulneráveis aos argumentos fascistas, apontava a perda da individualidade como uma das principais causas de dependência relativamente às grandes organizações de massa. livro 06/11/10 11:18 Page 107 107 Esta reacção à cultura de massas foi, no entanto, entendida essencialmente como parte de um movimento de resposta mais abrangente relativamente ao estilo de vida nos EUA. A teoria do poder dos media e o modelo do sociedade industrial da Escola de Frankfurt foram refutados pela investigação empírica norte-americana, no âmbito da qual foram desenvolvidas várias pesquisas com o objectivo de comprovar a influência limitada dos media na Opinião Pública. Não é, no entanto, possível deixar de notar que o desenvolvimento dos mass media originou o surgimento de uma série de organizações e profissões dedicadas à «manipulação» dos media. Os meios de comunicação social têm que garantir o preenchimento do seu espaço e tempo informativos, factor que influencia o facto de muitos dos conteúdos designados como «notícias» por vezes não serem mais do que publicidade gratuita. Há também que considerar o facto de ser bastante mais simples para um jornalista comparecer a uma conferência de imprensa, preparada antecipadamente por profissionais da área da publicidade ou das relações públicas, e publicar a informação que dessa forma lhe foi transmitida do que dedicar-se a investigar sobre o assunto em questão. Daí que muitos dos acontecimentos noticiados não sejam sequer verdadeiros acontecimentos independentes dos media, mas sim aquilo que se designa de «pseudo-acontecimentos». O conceito de «pseudo-acontecimento», introduzido em 1961 por Daniel Boorstin, refere-se a todos os eventos concebidos com o propósito de serem noticiados, alcançando, dessa forma, significado enquanto acontecimentos mediáticos. Estes são criados por profissionais da comunicação com a finalidade de garantir o seu reconhecimento como acontecimentos genuínos. O objectivo é fazer falar de assuntos específicos, por detrás dos quais se ocultam normalmente interesses pessoais (Boorstin, 1961). Em Portugal, um dos exemplos mais evidentes de um «pseudo-acontecimento» foram as presidências abertas do então Presidente da República Mário Soares. Como afirma Estrela Serrano, «a Presidência Aberta não é um acontecimento espontâneo. Surge porque foi planeada. Foi criada para ser coberta pelos media, como Soares repetidamente afirmou. (…) Constitui uma tentativa de criar um acontecimento para dar visibilidade ao Presidente que queria ser notícia» (Serrano, 2002:130-131). livro 06/11/10 11:18 Page 108 108 O aumento significativo do número de «pseudo-acontecimentos» a que vimos a assistir tem, como consequência directa, um crescimento exponencial da ambiguidade entre o natural e o artificial, entre a realidade da ficção e a ficção da realidade. A vida de cada um e os acontecimentos que ocorrem no mundo já não são o seu referente directo e exclusivo. Os universos discursivos construídos pelos meios de comunicação social foram convertidos em modelos estereotipados e em critérios de referência para a nossa vivência no mundo de hoje. De acordo com Garcia-Noblejas, os novos modos comunicativos, sendo modos argumentativos, mas não explicitamente considerados como tal, estão a fazer emergir um novo sistema social. O autor alerta, no entanto, para o facto de ainda poucos saberem o suficiente acerca dos mecanismos revolucionários de acção política ou dos interesses ideológicos e comerciais destes jogos argumentativos, que se apresentam de forma inocente como espelho da realidade (Garcia-Noblejas, 1997). Também Molotch e Lester defendem que grande parte das notícias é resultante de acções intencionais. De acordo com a sua teoria, existem estratégias comunicacionais por detrás dos agentes sociais, que dessa forma pretendem fazer passar determinados interesses. De acordo com estes autores, nos acontecimentos intervêm três categorias de agentes: os promotores, que identificam uma dada ocorrência como especial; os informadores (jornalistas e editores), que, trabalhando a partir de materiais fornecidos pelos promotores, transformam os acontecimentos a partir da sua publicação ou radiodifusão; os consumidores, que assistem a essa publicação ou radiodifusão. Molotch e Lester estabelecem uma tipologia de acontecimentos públicos baseando-se nas circunstâncias do trabalho de promoção que possibilitam a colocação dos mesmos à disposição do público. Uma das categorias de acontecimentos desta tipologia, na qual se engloba a maioria das notícias, diz respeito aos acontecimentos de rotina, cujo protótipo são as conferências de imprensa. Outra das categorias de acontecimentos públicos da tipologia de Molotch e Lester são os acidentes. Estes definem-se pelo facto de a sua ocorrência não ser intencional e de aqueles que os promovem não coincidirem com aqueles cuja actividade originou esses acontecimentos. Os escândalos são mais uma das categorias consideradas pelos autores, que os caracterizam como ocorrências que se transformam em acontecimentos mediante a actividade intencional de alguém, sendo que a promoção livro 06/11/10 11:18 Page 109 109 dos mesmos não é feita por aqueles que inicialmente os tenham despoletado. Molotch e Lester destacam ainda o acaso ou serendipty como uma categoria de acontecimentos que são promovidos, sem, no entanto, terem sido planeados. Os dois teóricos distinguem ainda vários tipos de acessibilidade dos promotores aos media: o acesso habitual, característico dos grupos muito ricos e das fontes institucionais do poder; o acesso disruptivo, praticado pelos menos poderosos, que se vêem obrigados a perturbar a ordem social, de forma a conseguirem influir nas formas habituais de produção dos acontecimentos; o acesso directo, mediante o qual os promotores são precisamente jornalistas ou editores (Molotch, Harvey L., Lester, 1974). Numa breve referência ao caso português, poderemos enquadrar naquilo que Molotch e Lester designam de «acesso habitual» aos media o facto de os políticos em actividade no nosso país protagonizarem frequentemente espaços de comentário nos meios de comunicação social nacionais. Embora seja legítimo que estes utilizem o espaço público para manifestar as suas opiniões, há também que considerar o facto de uma tal conduta poder levantar sérias dúvidas no que diz respeito aos seus verdadeiros objectivos e ao possível grau da sua independência. A teoria de Stuart Hall difere da de Molotch e Lester na consideração de que, para este autor, os media reproduzem as definições dos poderosos, sem estarem, porém, ao seu serviço. Stuart Hall defende que os media não criam autonomamente as notícias, encontrando-se dependentes de assuntos noticiosos específicos fornecidos por fontes regulares e credíveis, o que se deve quer às pressões internas inerentes ao processo de produção jornalística, quer ao facto de as notícias estarem orientadas por noções de imparcialidade e objectividade, o que pressupõe o recurso constante a fontes de informação capazes de pré-agendar a actividade jornalística, bem como a representantes de instituições sociais de relevo. Esta preferência traz, como consequência, o facto de estes porta-vozes se transformarem em “definidores primários” dos assuntos a noticiar.A relação estrutural dos media com o poder faz com que estes passem a assumir um papel secundário, limitando-se a reproduzir as definições daqueles que têm acesso privilegiado aos meios de comunicação social. Os media tornam-se, assim, legitimadores do processo de controlo da sociedade, funcionando como verdadeiros aparelhos ideológicos (Hall, 1973). livro 06/11/10 11:19 Page 110 110 Philip Schlesinger é um dos principais críticos de Hall no conceito de “definidor primário”, ao considerá-lo simplista, pois não reconhece que possam existir fontes acreditadas mais influentes do que outras. Além disso, ignora as mudanças a longo prazo na estrutura de acesso às forças sociais, exagerando a passividade dos meios noticiosos.As fontes oficiais recorrem frequentemente ao uso do off-the-record quando descrevem o que aconteceu numa reunião, logo surgem as designações de “fonte geralmente bem informada” ou “fonte oficial” que encobrem a identidade do “definidor primário”. Segundo Schlesinger a perspectiva de Hall torna invisível a actividade de gerar contra-definições e exclui a análise de definição prévia à determinação da primeira definição (Schlesinger, 1990). A tese de Stuart Hall confirma-se, de alguma forma, através de uma referência ao caso português, na obra Nos Bastidores do Jogo Político – O Poder dos Assessores que, ao analisar o papel dos assessores de imprensa nos governos do partido socialista entre 1995 e 2002, concluiu que os mesmos assumiram uma função eminentemente política, não se limitando a fornecer um contributo técnico no que diz respeito às estratégias de comunicação a seguir. Uma das principais conclusões deste estudo prende-se com o facto de a influência dos assessores de imprensa dos governos presididos por António Guterres ter sido determinante na «escolha do momento e na forma como as decisões do governo foram comunicadas» e de, aparentemente, também se ter verificado «no processo de construção das decisões políticas» (Gonçalves, 2005:182). Este trabalho de investigação caracteriza a presença dos assessores de imprensa em todos os ministérios dos governos presididos por Guterres como um sinal de que a comunicação foi, na altura, encarada como parte integrante da acção política, tendo-se verificado uma verdadeira preocupação de comunicar com os eleitores. O estudo revela também que os assessores de imprensa eram, na maioria, jornalistas que habitualmente acompanhavam a actualidade política: «de quarto poder, os jornalistas passaram a assessores do poder» (Gonçalves, 2005:184). De acordo com esta perspectiva, o grande trunfo do governo socialista terá sido a capacidade de, na altura, ter reconhecido o poder estratégico da informação no jogo político.Os editoriais dos jornais ou os espaços de comentário na rádio e na televisão constituem verdadeiras intervenções políticas. Se considerarmos que o confronto político tem lugar nos media e que estes são hoje a primeira fonte de livro 06/11/10 11:19 Page 111 111 informação para a maioria dos cidadãos, é fácil percebermos a importância da comunicação e da informação na vida política. É também por esta razão que Dominique Wolton designa o espaço público contemporâneo de «espaço público mediatizado», uma vez que este se caracteriza pelo facto de ser «funcional e normativamente indissociável do papel dos media» (1995:167). O jornalista Vítor Gonçalves considera mesmo que os jornalistas são verdadeiros «agentes políticos», pois «apesar de estarem sujeitos a um conjunto de regras como, por exemplo, as que emergem da Lei de Imprensa e do Código Deontológico dos Jornalistas, são eles que decidem os temas que vão abordar e os protagonistas a quem vão dar voz, o espaço e o tempo a atribuir a um determinado assunto ou indivíduo. Este facto, tem uma enorme influência no sistema mediático, e pode levantar questões como o pluralismo e o acesso de forças políticas minoritárias ao espaço comunicacional» (2005:63). Perante tais circunstâncias, importa, cada vez mais, reflectir sobre a questão da responsabilidade social dos media e as possibilidades de regulação do sector, no sentido de garantir aos cidadãos uma informação válida e o mais transparente possível, pautada, acima de tudo, por princípios éticos e não por interesses de carácter económico ou político. 2.2 COMUNICAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL O Livro Verde para a Responsabilidade Social, lançado pela Comissão Europeia em 2001, define a responsabilidade social como «um comportamento que as empresas adoptam voluntariamente e para além das prescrições legais, porque consideram ser esse o seu interesse a longo prazo». Uma empresa socialmente responsável deve, de acordo com esta perspectiva, preencher alguns requisitos base, como: promover um envolvimento forte baseado em valores; manifestar uma vontade de progresso contínuo e uma atitude de humildade; compreender e aceitar a sua interdependência relativamente aos meios envolventes; possuir uma visão de longo prazo apoiada na responsabilidade face às gerações futuras; preconizar o princípio da precaução como regra de decisão; fomentar uma prática livro 06/11/10 11:19 Page 112 112 regular de diálogo e de consulta de todas as partes envolvidas; defender os princípios da informação e da transparência; ter capacidade de responder pelos seus actos e de prestar contas sobre as consequências directas e indirectas da sua actividade. A responsabilidade social nas empresas não é, contudo, apenas uma preocupação da actualidade.As políticas socialmente responsáveis vêm de longe. Já em 1920 Henry Ford defendia a ideia de que as empresas deveriam participar no bemestar colectivo. Mas, para além das iniciativas por parte das empresas e de outras instituições, a pressão dos próprios consumidores também muito contribuiu para a evolução do conceito de responsabilidade social. Nos finais dos anos 60, em plena guerra do Vietname, os movimentos dos consumidores pela exigência de uma nova postura por parte das empresas tornaram-se mais sistemáticos e generalizados. Nasce então o conceito de responsabilidade social tal como a entendemos hoje. No que diz respeito especificamente às empresas de comunicação, a responsabilidade social é uma questão de relevância singular, sobre a qual importa reflectir. A Declaração da UNESCO sobre os Media (1983) evocava já a noção de uma responsabilidade social inerente a este sector ao preconizar que, no jornalismo, «a informação é entendida como um bem social e não como um simples produto. Isso significa que o jornalista partilha a responsabilidade da informação transmitida, sendo, portanto, responsável, não só perante os que controlam os media, mas, em última análise, perante o grande público, tomando em conta a diversidade dos interesses sociais. A responsabilidade social do jornalista exige que ele actue em todas as circunstâncias em conformidade com a sua própria consciência ética». No campo do jornalismo, o princípio da responsabilidade social está associado ao conceito de imprensa como «quarto poder» e à caracterização dos jornalistas como watchdogs (ou «cães de guarda»). Ambas as expressões são exemplo de uma concepção romântica do jornalismo, de acordo com a qual o jornalista estaria comprometido com a sociedade, que lhe delegaria o poder de fiscalizar as instituições em seu nome. O mito do jornalismo objectivo é essencial para a compreensão do conceito de responsabilidade social do jornalista, pois foi com base no mesmo que se tornou possível a transição do chamado «jornalismo panfletário» ao jornalismo profissional. As origens do jornalismo moderno remontam a meados do século XIX (em Inglaterra), com a profissionalização da classe e a introdução de um novo paradigma: o jornalismo como informação, em oposição ao paradigma anterior do jornalismo como livro 06/11/10 11:19 Page 113 113 arma de militância política. A grande diferença residiu no facto de os proprietários dos jornais terem deixado de utilizá-los como objectos de mera propaganda e terem passado a vê-los como instrumentos de poder contra os partidos políticos. Este esbatimento da anterior tendência para o controlo político da imprensa está estreitamente ligado ao aumento do investimento em anúncios publicitários. À medida que a publicidade se foi assumindo como principal meio de financiamento dos jornais, estes foram conseguindo libertar-se da sua dependência relativamente aos partidos políticos. Ganha, então, importância um novo conceito: o de Opinião Pública como instrumento de controlo do poder. De acordo com esta concepção, caberia à imprensa a missão de assegurar o esclarecimento da Opinião Pública, exercendo um papel de mediação entre esta e os governantes. Os jornalistas assumem, neste contexto, o papel de «agitadores», sendo vistos como o principal meio para obrigar o governo a executar reformas sociais. A realidade é que as mudanças entretanto ocorridas nas empresas jornalísticas, associadas a factores político-culturais, levaram à emergência de um «jornalismo de mercado». Este tipo de jornalismo resulta, em parte, de mudanças na estrutura das empresas de comunicação, que levaram a uma submissão da produção jornalística à lógica de exploração do sistema capitalista. A partir da década de 70, a maioria dos grandes jornais norte-americanos lançaram as suas acções na bolsa de valores, o que provocou um aumento das pressões no sentido de uma busca de lucros a curto prazo. A submissão da imprensa à lógica empresarial fez com que, por exemplo, as notícias sobre economia e política viessem a ceder espaço à cobertura de assuntos mais vendáveis e com alto conteúdo emocional. Esta lógica comercial teve também implicações a nível da redução nos custos de produção das notícias, o que despoletou um processo de precariedade do mercado de trabalho. É a própria sociedade que acaba por definir um «ethos jornalístico», baseado na ideia de que o jornalista deve informar os cidadãos, ser a sua voz e actuar de forma independente e vigilante contra os abusos de poder. Estava, assim, criado o mito político da imprensa como «quarto poder» (ou, originariamente, «fourth estate»). O jornalismo de responsabilidade social na sua versão mais recente, inspirada no mito do «quarto poder», teve o seu auge no século passado, entre o final da década de 40 e meados da década de 70. Os media actuavam, então, como um verdadeiro livro 06/11/10 11:19 Page 114 114 contra-poder (recorde-se o «Caso Watergate») e, durante algum tempo, ainda se acreditou que esse modelo seria estável e permanente, uma vez que representaria uma evolução histórica natural da profissão. No entanto, a sua influência efectiva nas práticas profissionais não durou o tempo desejado. Daí que alguns autores, como Mário Mesquita, cheguem mesmo a apelidar os media de «o quarto equívoco» (Mesquita, 2003). Face a estes condicionalismos, tem-se vindo a instalar um sentimento de resignação crescente dos profissionais do jornalismo às condições impostas pelas empresas e, consequentemente, uma maior atracção pelo desrespeito das regras morais e deontológicas da profissão. O jornalismo adquire, assim, um carácter marcadamente instrumental e o jornalista aproxima-se cada vez mais do simples operário de uma cadeia de produção. O jornalismo cívico, um movimento jornalístico norte-americano também conhecido como «jornalismo público» ou «jornalismo comunitário» surge precisamente como reacção a esta situação, tentando advertir os jornalistas relativamente ao facto de os seus leitores, ouvintes ou telespectadores serem, em primeiro lugar, cidadãos e só depois consumidores. Além de derivar das mudanças na estrutura das empresas de comunicação, o «jornalismo de mercado» está também ligado ao declínio do ideal da objectividade e ao aparecimento de novos agentes dedicados à mediação jornalística ou assessores de imprensa, que deixam de se constituir como fontes de informação jornalística para se tornarem em verdadeiros produtores de notícias. Do ponto de vista comunicacional, todas estas mudanças suscitaram profundas alterações a nível dos materiais publicados. O acondicionamento comercial dos conteúdos trouxe agregada uma «facilitação psicológica» (na terminologia de Habermas), o que implicou uma banalização dos conteúdos de forma a permitir que os mesmos pudessem ser objecto de compreensão por parte de um número cada vez mais alargado de indivíduos. Os conteúdos privilegiados deixaram de ter como objectivo o estímulo à reflexão e passaram a reger-se pelas regras da atenção, nomeadamente através do recurso a elementos visuais. Uma reflexão sobre a responsabilidade social dos media não pode descurar a problemática dos efeitos dos meios de comunicação social. Os efeitos cognitivos dos media, por exemplo, foram objecto de diversos estudos, dos quais é exemplo a tese do «agenda-setting». Bernard Cohen (1963) afirmava na sua obra que, na maioria das livro 06/11/10 11:19 Page 115 115 vezes, a imprensa não tem êxito dizendo às pessoas o que hão-de pensar, mas sim dizendo-lhes aquilo sobre que hão-de pensar. Nas suas palavras, estava já implícita a hipótese central em torno da qual McCombs e Shaw vieram posteriormente a definir a função de «agenda-setting» dos media. Segundo estes autores, o «agenda-setting» pode definir-se como o resultado da relação que se estabelece entre o ênfase atribuído ao tratamento de um tema pelos media e as prioridades temáticas manifestadas pelos membros de uma audiência após serem objecto do impacto desses mesmos media. Isto significa que, através da sua capacidade para estabelecerem uma agenda pública, os meios de comunicação não determinam o que as pessoas pensam, mas aquilo sobre que pensam. O «agenda-setting» afirma a existência de uma relação directa e causal entre o conteúdo da agenda dos media e a subsequente percepção pública de quais os temas importantes do dia. Este conceito entende-se por uma coincidência entre a agenda dos media e a política e pública, procurando haver um equilíbrio ou tensão entre estas (McCombs e Shaw, 1972). A teoria do «agenda-setting» aproxima-se da teoria da tematização quanto ao objecto de estudo, mas diverge dela quanto à fundamentação teórica. O conceito de tematização foi utilizado pela primeira vez por Niklas Luhmann. Segundo este autor, a Opinião Pública deve ser concebida como uma estrutura temática da comunicação pública fundada na suposição de que, apesar do número ilimitado de temas que podem ser veiculados pela comunicação pública, a atenção do público só se pode manifestar de forma limitada (Luhmann, 1972). Para Luhmann, a Opinião Pública resulta de uma actividade selectiva exercida pelos media relativamente aos vários temas da comunicação pública. A tematização define-se como o processo de selecção e de valoração de determinados temas de interesse introduzidos de forma contingente na Opinião Pública. Luhmann introduz, assim, uma nova concepção de Opinião Pública, considerando que esta deixa de ter qualquer vinculação à sociedade civil, passando a estar vinculada ao sistema político através da função de tematização. O objectivo do sistema político seria, assim, maximizar a função de tematização através do conhecimento e da administração do ciclo de vida dos temas, de modo a fazer coincidir o seu clímax com os momentos de tomada de decisões11. 11 A questão da Opinião Pública e Espaço Democrático é amplamente reflectida nas obras de FIGUEIRAS, Rita, Os Comentadores e os Media. Os Autores das Colunas de Opinião, Livros Horizonte/CIMJ, Lisboa, 2005; ESTEVES, João Pissara, Espaço Público e Democracia, Edições Colibri, Lisboa; 2003 e CORREIA, João Carlos, Comunicação e Cidadania: os meios de comunicação das identidades nas sociedades pluralistas, UBI, Covilhã, 2001. livro 06/11/10 11:19 Page 116 116 De acordo com o testemunho do editor de política nacional da RTP, Vítor Gonçalves, «os partidos políticos que concorrem às eleições, conscientes dos escassos efeitos que a propaganda produz na vontade dos eleitores, vigiam cuidadosamente a acção informativa dos meios de comunicação durante o período eleitoral e tentam aproveitá-lo ao máximo, em seu benefício, por exemplo, advertindo os líderes de que naquele exacto momento estão em directo num espaço informativo de televisão. É nestes períodos que se multiplicam os conflitos entre os principais responsáveis políticos pelas campanhas e os jornalistas e responsáveis editoriais que efectuam a cobertura jornalística desses acontecimentos» (2005:106). Considerando os potenciais efeitos dos media, ganha contornos de extrema relevância a responsabilização de todos os agentes que participam no processo de produção da informação. No jornalismo intervêm empresários, jornalistas e cidadãos e é sobre todos eles que deve recair a responsabilidade de o tornar melhor. Numa conferência subordinada ao tema «Os media e a liberdade de expressão» que teve lugar em Abril de 2006 no Instituto Franco-Português, em Lisboa, Ignacio Ramonet, director do jornal Le Monde Diplomatique, defendeu que «os media já não têm o papel que tinham. Eles, que eram um instrumento essencial da democracia, são hoje um problema dessa mesma democracia. E porquê? Porque já não desempenham o seu papel de quarto poder.Aí é que se centra a questão da liberdade de expressão». Para Ramonet, a grande preocupação das empresas de media hoje em dia é a rentabilidade, pelo que «deixou de ser prioritária a intervenção na sociedade com idealismo cívico, de modo a fazer uma sociedade mais humana, calorosa e democrática». O jornalista francês apontou como particularmente alarmante a emergência do poder mediático como o «segundo poder», logo atrás do económico e «bem à frente do político». Ramonet afirmou ainda que, com a perda de credibilidade dos media e o fim do reinado dos media como contra-poder, se assistirá ao surgimento de um «quinto poder», constituído por cidadãos organizados com o intuito de se assumirem como consciência global e de exigirem dos media o desempenho do seu papel de garante da democracia. A subordinação dos media aos interesses comerciais patronais reflecte uma nova hierarquia de poderes na sociedade, mediante a qual o poder político passa a estar submetido ao poder económico, cabendo aos media não mais do que um poder delegado, concedido e gerido pelo poder económico dominante. A concentração dos media em poderosos grupos económicos não só contribui para o estreitamento do livro 06/11/10 11:19 Page 117 117 pluralismo de opiniões, como restringe o debate no espaço público aos interesses ideológicos, económicos e políticos do poder dos grandes grupos, cada vez mais dependentes do grande capital financeiro. Esta supremacia dos valores comerciais sobre os valores jornalísticos, associada à luta pelas audiências e pelas tiragens, dá inevitavelmente origem a graves distorções no tratamento da actualidade e na utilização dos critérios noticiosos, passando a informação a ser concebida como uma mera mercadoria. São hoje cada vez mais os jornalistas (e mesmo alguns responsáveis editoriais) que, ao interiorizarem como valores jornalísticos os valores comerciais, passaram a considerar como bom jornalismo o jornalismo que «vende bem», desconsiderando totalmente a inegável responsabilidade social da profissão. Pierre Bourdieu define dois pólos em torno dos quais se estrutura o «campo jornalístico»: o «pólo intelectual» e o «pólo comercial». No primeiro pólo situam-se os profissionais que privilegiam, como fonte de legitimação, o reconhecimento dos seus pares com base no respeito da deontologia profissional. O segundo pólo abrange os jornalistas que determinam o seu comportamento pela «sanção, directa, da clientela, ou, indirecta, da audiência» (1994:4-5). Mas, para além da influência dos factores económicos nas empresas de media, também não podem ser ignorados os interesses políticos por detrás das mesmas. O «clientelismo político» constitui uma das maiores ameaças à autonomia do jornalismo. Um estudo realizado pelos investigadores Daniel C. Hallin e Stylianos Papathanassopoulos analisa a relação entre o «clientelismo político» e o desenvolvimento do sistema dos media no sul da Europa e na América Latina, apresentando sete países como objecto de investigação: Espanha, Grécia, Itália, Portugal, Brasil, Colômbia e México (Hallin e Papathanassopoulos, 2002). Os autores concluíram que estes países apresentam algumas características comuns, tais como: a baixa circulação de jornais, a tendência para a instrumentalização política dos media, o desenvolvimento limitado do jornalismo como profissão autónoma, e instâncias reguladoras que são, simultaneamente, politizadas partidariamente e relativamente fracas. O «clientelismo», que aqui é definido como um padrão de organização social, mediante o qual o acesso aos recursos sociais é controlado pela entidade patronal e distribuído a clientes em troca de deferência e vários tipos de apoio, constitui um livro 06/11/10 11:19 Page 118 118 conceito de grande utilidade para a análise dos media, nomeadamente pelo facto de esclarecer as questões normativas do desempenho dos media no sistema democrático. Segundo o estudo de Hallin e Papathanassopoulos, a instrumentalização dos media pelos grupos industriais, pelos partidos ou pelo Estado implica que a autonomia jornalística seja limitada, estando os jornalistas sujeitos a pressões das administrações e podendo o seu trabalho nas redacções ser modificado em consonância com motivações políticas. Os autores defendem que os meios foram criados mais com o propósito de fazerem políticas do que fazerem dinheiro, sendo a influência política considerada pelos capitalistas como crucial para o sucesso dos negócios. Face a este cenário, é preciso reforçar a importância do respeito por alguns princípios fundamentais, como é o caso dos direitos pessoais e profissionais dos jornalistas. Deve ser respeitada a consciência de cada jornalista e a independência no seu trabalho quotidiano, bem como os direitos que lhe permitem cumprir os seus deveres pessoais e profissionais. Não menos importante é o respeito pelos direitos e expectativas das pessoas a quem a informação se dirige. Para que tal se verifique, é necessário que os princípios editoriais sejam claramente formulados e conhecidos pelos jornalistas e pelo público. A limitação editorial e publicitária são barreiras naturais das empresas jornalísticas, que devem ser respeitados e não ignorados. Se aqueles que desempenham actividades de carácter empresarial nos meios de comunicação social estiverem preparados com uma verdadeira profissionalização e especialização, mais facilmente se conseguirá tornar rentável para as empresas a comercialização adequada de conteúdos jornalísticos de qualidade, com rigor, ideias inovadoras e com base em informação fidedigna. A longo prazo, a rentabilidade poderá advir do prestígio da qualidade duradoura e da coerência ética que respeita os cidadãos. A Declaração da UNESCO sobre os Media (1983) menciona, a este respeito, que «a tarefa primordial do jornalista é servir o direito do povo a uma informação verídica e autêntica, respeitando com honestidade a realidade objectiva, colocando conscientemente os factos no seu contexto adequado, salientando os seus elos essenciais, sem provocar distorções, desenvolvendo toda a capacidade criativa do jornalista, para que o público receba um material apropriado que lhe permita formar uma imagem precisa e coerente do mundo, na qual a origem, a natureza e a essência dos acontecimentos, processos e situações sejam compreendidas de uma forma tão objectiva quanto possível». livro 06/11/10 11:19 Page 119 119 Além do respeito pela natureza da empresa jornalística, devem, portanto, ser respeitados os direitos dos cidadãos que recebem a informação e que, em algumas ocasiões, se organizam inclusivamente em grupos de participação e diálogo, que, com a disseminação das novas tecnologias, poderão vir a ter uma representatividade e uma repercussão cada vez mais significativas. De acordo com Luka Brajnovic, a causa eficiente da informação é a compreensão da mensagem informativa por parte dos seus destinatários.Assim sendo, enquanto estes não apreenderem a verdade contida nos textos e a integrarem na sua configuração do mundo e no seu agir livre em sociedade, não se poderá falar de informação jornalística, pois a sua finalidade não se terá cumprido (Brajnovic, 1979). Para que tal seja possível de alcançar, é preciso que o jornalismo seja feito de acordo com a sua verdadeira natureza e finalidade, o que exige um investimento significativo na formação dos jornalistas e uma mudança muito profunda a nível das atitudes dos empresários e dos gestores. No entanto, todas essas modificações poderiam não ter qualquer repercussão caso não existisse uma cidadania formada que permitisse a interacção entre os discursos jornalísticos e a sociedade civil. Além disso, mesmo que existam meios de comunicação social com preocupações genuinamente jornalísticas, haverá sempre lugar para outro tipo de meios, sustentados na desinformação e na manipulação. Daí a necessidade de educar os cidadãos. Só a educação poderá ajudar a desenvolver o seu sentido crítico perante aquilo que é difundido pelos meios de comunicação. Pode dizer-se que existe hoje um consenso sobre o princípio básico da educação para os media, formulado por Len Masterman: os media são sistemas simbólicos que necessitam de uma leitura activa e não puros reflexos da realidade externa (Masterman, 1985). Educar os cidadãos é a única forma de conseguir que estes aprendam a procurar activamente a informação de que necessitam, bem como a distinguir o verdadeiro do falso, o importante do acessório, o que é positivo e o que pode ser prejudicial para a sociedade. Como sujeitos activos no processo jornalístico, os cidadãos devem ser formados, para que possam fazer um uso verdadeiramente livre e responsável da sua função participativa no universo informativo. livro 06/11/10 11:19 Page 120 120 2.3 REGULAÇÃO DA ACTIVIDADE JORNALÍSTICA Enquanto os media tradicionais (os mass media) se caracterizam pela unilateralidade de comunicação, os novos media podem ser considerados como instrumentos capazes de potenciar uma verdadeira cidadania comunicativa a participativa, permitindo que todos comuniquem com todos e tornando a comunicação efectivamente global. Esta transformação operada pelos novos media é acompanhada por uma diversificação da oferta e por uma multiplicação das hipóteses de escolha, colocando-se, mais do que nunca, a questão da regulação dos media. As transformações tecnológicas operadas com a convergência entre telecomunicações, órgãos de comunicação social e novas tecnologias da informação instalaram uma nova paisagem comunicacional. No entanto, sendo esta convergência não apenas tecnológica, mas também de negócios (considerando o fenómeno da concentração de empresas), corremos o risco de enfrentar uma verdadeira ameaça à liberdade de expressão e ainda de estar perante um universo em que a imputação de crimes ou responsabilidades surge cada vez mais dificultada. Esta questão surge pela dificuldade em legislar acerca de matérias de foro tecnológico. Tudo o que é inovação tecnológica constitui um campo estéril ao nível da legislação, que só à posteriori é colmatado. O dinamismo associado ao aparecimento de novas plataformas e de novos canais levanta questões complexas em torno das ameaças e oportunidades que daí poderão advir para a sociedade. O alargamento do espaço público contemporâneo, funcionalmente e normativamente dependente dos media, a limites praticamente universais coloca a necessidade inadiável de uma regulação. Podemos entender a regulação como uma estratégia jurídico-política do Estado com o objectivo de evitar «falhas de mercado» e de assegurar uma protecção especial a certos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que sejam consideradas essenciais à democracia. Em Portugal, o enquadramento regulatório sofreu recentemente algumas alterações, com a extinção da Alta Autoridade Para a Comunicação Social, a reformulação do Instituto de Comunicação Social e a transferência de competências de outras entidades para a nova autoridade reguladora. A extinção da Alta Autoridade Para a Comunicação Social, através da Lei nº 53 de 2005, deu origem à criação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a 8 de Novembro de 2005, a livro 06/11/10 11:20 Page 121 121 qual se apresenta como reguladora independente no exercício das suas funções, definindo livremente a orientação das suas actividades e não se sujeitando a quaisquer directrizes ou orientações por parte do poder político. A lei prevê um modelo de financiamento misto para o novo regulador. Cerca de 20 a 25% do orçamento da ERC será assegurado pelas entidades reguladas. Os media contribuem com um milhão de euros, valor que, este ano, por ser o primeiro de existência da ERC é reduzido para metade. O restante orçamento da Entidade Reguladora é assegurado pelo Orçamento de Estado: 2,2 milhões do orçamento da extinta Alta Autoridade para a Comunicação Social e 700 mil euros das receitas líquidas da ICP-ANACOM. As televisões são responsáveis por metade da verba cobrada pela ERC a título de regulação dos media. As taxas mais altas são pagas pelas estações de televisão que têm canais generalistas de âmbito nacional (RTP, SIC e TVI), enquanto os canais temáticos ou com âmbito limitado (como os canais das Regiões Autónomas ou os internacionais) pagam taxas médias. Na imprensa, as publicações periódicas de informação geral diárias e semanais de âmbito nacional são sujeitas à taxa mais elevada, enquanto os títulos de informação geral, diários ou semanais, de âmbito regional e as publicações de informação especializada pagam uma taxa média de regulação. As restantes empresas editoriais, as que têm publicações periódicas de informação geral cuja periodicidade não seja nem diária nem semanal, de informação especializada, as doutrinárias e as que somente se encontrem disponíveis em suporte electrónico pagam a taxa mais baixa. Quanto às emissoras de rádio, a taxa alta será aplicada às que tenham serviços radiofónicos de âmbito nacional ou regional, enquanto a taxa baixa será cobrada às rádios locais. Está ainda prevista a cobrança de taxas de regulação e supervisão a operadores de cabo e de telemóveis. As empresas de cabo que cubram mais de metade do território nacional pagam a taxa mais elevada, sendo a taxa média cobrada às que apenas cubram dois ou mais distritos. Quanto aos três operadores de telemóveis, estão todos sujeitos a uma taxa alta de regulação. Para além da regulação das empresas de comunicação, a lei nº 53/2005 introduz também, como atribuição inerente à ERC, a regulação das «pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente», o que levanta algumas questões no que diz respeito à livro 06/11/10 11:20 Page 122 122 possibilidade efectiva de regulação dos blogues. Estes são o resultado da livre expressão de cidadãos, o que constitui, por natureza, uma actividade não regulamentada, pois cada autor escreve o que quer e quando quer, com total liberdade e independência. No entanto, mesmo sendo um exemplo de isenção e de respeito pelas normas jornalísticas, um blog não atinge o nível de credibilidade jornalística de um órgão de comunicação social. Além disso, os blogues geralmente não contém conteúdos submetidos a um tratamento editorial, nem são organizados como um todo coerente. Se as pessoas, singulares ou colectivas, que pretendam usar um blog para editar regularmente conteúdos com tratamento editorial e organizados como um todo coerente, quiserem candidatar-se a uma licença que lhes dê algum tipo de protecção, poderão ter, nesse caso, uma garantia de sujeição à supervisão da entidade reguladora de sector. Competências da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) São atribuições da ERC no domínio da comunicação social: a) Assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa; b) Velar pela não concentração da titularidade das entidades que prosseguem actividades de comunicação social com vista à salvaguarda do pluralismo e da diversidade, sem prejuízo das competências expressamente atribuídas por lei à Autoridade da Concorrência; c) Zelar pela independência das entidades que prosseguem actividades de comunicação social perante os poderes político e económico; d) Garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias; e) Garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social; f) Assegurar o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política; g) Assegurar, em articulação com a Autoridade da Concorrência, o regular e eficaz funcionamento dos mercados de imprensa escrita e de audiovisual em condições de transparência e equidade; livro 06/11/10 11:20 Page 123 123 h) Colaborar na definição das políticas e estratégias sectoriais que fundamentam a planificação do espectro radioeléctrico, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei ao ICP-ANACOM; i) Fiscalizar a conformidade das campanhas de publicidade do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais com os princípios constitucionais da imparcialidade e isenção da Administração Pública; j) Assegurar o cumprimento das normas reguladoras das actividades de comunicação social. Sujeitam-se à supervisão e intervenção do conselho regulador todas as entidades que, sob jurisdição do Estado Português, prossigam actividades de comunicação social, designadamente: a) As agências noticiosas; b) As pessoas singulares ou colectivas que editem publicações periódicas, independentemente do suporte de distribuição que utilizem; c) Os operadores de rádio e de televisão, relativamente aos serviços de programas que difundam ou aos conteúdos complementares que forneçam, sob sua responsabilidade editorial, por qualquer meio, incluindo por via electrónica; d) As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem ao público, através de redes de comunicações electrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação; e) As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente. A ERC deve promover a co-regulação e incentivar a adopção de mecanismos de autoregulação pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social e pelos sindicatos, associações e outras entidades do sector. A entrada em funcionamento da nova Entidade Reguladora para a Comunicação Social é apenas uma das medidas de um conjunto de mudanças já definidas ou em processo de definição no jornalismo nacional (com a criação de um novo Estatuto do Jornalista, que comporta uma maior responsabilização dos livro 06/11/10 11:20 Page 124 124 profissionais), no audiovisual (com a redefinição do serviço público) e no mercado dos media (com a clarificação das condições e limites à concentração de empresas de comunicação), tendo como cenário de fundo um quadro europeu de mudanças de cunho liberalizante. Relativamente ao novo Estatuto do Jornalista, já aprovado em Conselho de Ministros e a submeter à aprovação da Assembleia da República, há que salientar o facto de este prever a presença obrigatória de um juiz em qualquer busca judicial efectuada a um órgão de comunicação social. Quanto ao sigilo profissional dos jornalistas, o documento prevê que este só poderá ser levantado por razões extremas, se estiver em causa a investigação de crimes graves ou atentados contra a segurança do Estado. A proposta do Governo contempla também a restrição da emissão da carteira profissional aos profissionais com capacidade editorial e que exerçam as suas actividades de acordo com as finalidades exclusivamente informativas. A proposta de lei aponta, como situações de incompatibilidade e impedimento relativamente ao exercício da profissão, a prática de actividades ligadas à publicidade, ao marketing, assessorias de comunicação, trabalho em cargos de natureza política ou em apoio ao exercício de cargos políticos. O reforço do sigilo profissional dos jornalistas previsto para o novo Estatuto do Jornalista surge numa altura em que esse mesmo direito tem vindo a ser, de alguma forma, posto em causa. Um exemplo flagrante é o caso «Envelope 9», revelado a 13 de Janeiro pelo jornal 24 Horas. O jornal denunciava então a existência, entre os documentos do processo Casa Pia, uma listagem de chamadas telefónicas que continha, para além da informação pedida à Portugal Telecom (PT) sobre a facturação detalhada de Paulo Pedroso, outros 208 números de telefone privados de pessoas que alegadamente nada teriam a ver com a investigação, tais como Jorge Sampaio, Mário Soares,Almeida Santos, Mota Amaral,António Guterres, Nascimento Rodrigues, bem como ex-presidentes do Tribunal Constitucional e dos supremos tribunais de Justiça, Administrativo e Militar. A facturação em causa estaria em cinco disquetes junto aos autos, guardadas num envelope com o número 9. O director do jornal 24 Horas, Pedro Tadeu, e os jornalistas Joaquim Eduardo Oliveira e Jorge Van Krieken, autores das notícias sobre os registos de chamadas telefónicas, foram então constituídos arguidos, sendo acusados de «acesso indevido a dados pessoais». A decisão judicial surgiu depois de a Polícia Judiciária ter efectuado livro 06/11/10 11:20 Page 125 125 buscas nas instalações do jornal 24 Horas, apreendendo o computador de um dos jornalistas. O Procurador-Geral da República ilibou entretanto os procuradores envolvidos na investigação, remetendo para a PT a responsabilidade pelo envio da facturação detalhada, apesar de ter sido pedida apenas a de Paulo Pedroso (então arguido no processo), e atribuiu aos jornalistas a responsabilidade pela divulgação de dados pessoais. A Procuradoria-Geral da República alegou que a empresa não terá respeitado as obrigações legais ao fornecer a facturação de vários clientes. No entanto, admitiu também que esse crime já prescreveu, uma vez que os factos remontam a Junho de 2003. O caso «Envelope 9» coloca inúmeras questões no que diz respeito não só ao sigilo profissional dos jornalistas, mas também à própria liberdade de imprensa. Só o facto de um juiz considerar como legítimo o acesso aos computadores de jornalistas, pondo em risco eventuais segredos profissionais, é uma situação que levanta inúmeras questões. Uma tal decisão poderá significar que, em vez de estar a averiguar o que tornou possível as listagens de chamadas telefónicas de altas figuras do Estado estarem entre os documentos do processo Casa Pia, o Ministério Público se encontra antes a investigar os mecanismos da liberdade de imprensa, mecanismos esses que, por sinal, permitiram denunciar uma falha grave do próprio Ministério Público. A gravidade desta situação pode considerar-se ainda maior se tivermos presente que qualquer ameaça aos direitos dos jornalistas constitui não só um atentado à liberdade de expressão e informação, como também aos direitos dos próprios cidadãos. A regulação da comunicação social em Portugal é uma realidade antiga, que remonta ao Conselho de Imprensa, criado pela lei de imprensa de 1975, passando pelos Conselhos de Informação (1976) e pelo Conselho de Comunicação Social (1982), até à recentemente extinta Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), criada pela própria Constituição da República Portuguesa no texto aprovado por ocasião da revisão de 1989. A regulação pode ser exercida por dois tipos de entidades públicas: institutos públicos (como o Instituto da Comunicação Social) e entidades administrativas independentes (como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a Autoridade da Concorrência ou o ICP-ANACOM). livro 06/11/10 11:20 Page 126 126 Além disso, é possível distinguir várias formas de regulação: a heteroregulação, a auto-regulação e a co-regulação. A hetero-regulação é a regulação feita pelo Estado no uso dos seus poderes. A auto-regulação prende-se com o respeito dos jornalistas pelas normas deontológicas emanadas do organismo que representa a classe, que, em Portugal, corresponde ao Sindicato dos Jornalistas (e ao seu Conselho Deontológico). Por último, a co-regulação é uma regulação feita através de órgãos mistos, onde estão representados os poderes públicos e os próprios consumidores. A co-regulação situa-se num espaço intermédio entre a hetero-regulação e a autoregulação e institui-se através de mecanismos de natureza pública, embora independentes e despolitizados, cuja actividade reguladora está nas mãos dos agentes da sociedade civil. Em Portugal, predominam a hetero-regulação e a auto-regulação. De uma forma geral, a co-regulação tem ainda pouca expressão, mas, no caso do jornalismo, é concretizada entre empresas, jornalistas e destinatários da informação, numa tentativa de promover o entendimento entre os agentes do sector. Convém sublinhar que, autonomamente, a regulação estatal (ou heteroregulação) se revela insuficiente para garantir o respeito pelos valores éticos da comunicação. As leis estabelecem um denominador comum que todos os profissionais dos media devem cumprir, mas não deixa de existir um fosso significativo entre aquilo que Direito pode garantir ou regular e os ideais éticos exigidos em cada esfera social. É aqui que intervém a auto-regulação, que, assentando na responsabilização de cada indivíduo, tenta preencher esse mesmo espaço. A crescente importância da informação tem vindo a exigir, cada vez mais, um sistema que permita estudar o comportamento ético dos jornalistas e introduzir a ética como imperativo na actividade informativa. Este sistema é geralmente designado de «auto-regulação» ou, segundo outros autores, de «auto-controlo». O actual contexto de intensificação da concorrência entre meios, decorrente da consolidação dos movimentos de integração das empresas de comunicação em grandes grupos económicos, cuja actividade principal é, muitas vezes, alheia à comunicação tem conduzido a uma progressiva consciência de que sem um sistema integrado de auto-regulação a eficácia desses meios poderá estar comprometida. A actividade informativa pressupõe uma exigência de responsabilidade informativa. No entanto, apesar das inúmeras normas jurídicas existentes neste livro 06/11/10 11:20 Page 127 127 campo, cada vez se torna mais visível o quão importante é a esfera ética. O desenvolvimento das novas tecnologias e, mais especificamente, da Internet são exemplo disso. Face a esta realidade, é extremamente importante estabelecer os mecanismos necessários para uma formação ética adequada de todos aqueles que, no âmbito da sua actividade profissional, possuam competências de carácter informativo. No entanto, a aprendizagem ética não pode limitar-se a uma série de itens convertidos em códigos deontológicos com fraca aplicabilidade prática.A ética é muito mais do que isso: consiste numa tarefa diária, que pressupõe a auto-regulação da actividade informativa. A auto-regulação pode definir-se como uma forma de manifestação da responsabilidade ética dos jornalistas. É imperativo que, a todo o momento, estes tenham presente a sua responsabilidade ética, independentemente da existência ou não de um qualquer organismo que vigie ou decida sobre o seu comportamento. O objectivo dos sistemas de auto-regulação é impedir actos que, no âmbito do processo informativo, possam atentar contra os princípios deontológicos que regem a actividade informativa. Os códigos deontológicos ou os livros de estilo podem servir de referência para a análise da actividade ética dos jornalistas, mas não podem ser confundidos com o conceito de auto-regulação. Este diz antes respeito a uma decisão pessoal e livre do jornalista que, seguindo a sua consciência e baseando-se nos princípios deontológicos do jornalismo, o obriga a actuar eticamente, sujeitando-se de igual modo às decisões do foro ético que a sua actuação possa suscitar por parte das instituições de índole deontológico existentes no âmbito da sua profissão. A auto-regulação não deve, no entanto, ser confundida com a auto-censura. Esta tem lugar quando os profissionais dos meios de comunicação social permitem que o seu trabalho seja, de alguma forma, condicionado por receios relativos a possíveis repercussões negativas a nível da perda de fontes de informação, de amizades e de certos privilégios ou mesmo da possibilidade de ascensão profissional a nível interno. A auto-regulação implica um exercício de responsabilidade e, portanto, de liberdade, que não pode nascer do medo das consequências de uma acção, mas que pressupõe antes um compromisso com os fins e valores próprios da comunicação. A auto-regulação também em nada se identifica com a imposição de conteúdos morais considerados correctos. Ela assenta, pelo contrário, nos pressupostos de uma ética pública, nos princípios constitucionais de uma sociedade democrática e nas exigências característicos de uma informação livre e pluralista. livro 06/11/10 11:20 Page 128 128 Para que a auto-regulação seja uma realidade possível, deve verificar-se a coexistência do livre arbítrio das fontes, dos editores e do público. Segundo Ignacio Bel Mallen e Loreto Corredoira y Alfonso, a criação de órgãos de auto-controlo apenas faz sentido no contexto dos organismos profissionais destes três grupos, sendo que a intromissão de qualquer outra entidade externa poderá conduzir ao fracasso deste sistema de «auto-controlo» (Mallen e Alfonso, 2003). A auto-regulação da comunicação realiza-se através de um conjunto de mecanismos que têm como objectivo comum promover o ajustamento da actividade dos meios de comunicação aos seus valores e normas internas. Mas a sua concretização só é possível mediante a livre iniciativa e o compromisso voluntário de todos os intervenientes no processo de comunicação: proprietários e gestores das empresas, jornalistas e público em geral. Apenas com fundamento neste compromisso é possível efectivar-se a responsabilidade dos media sem restringir a sua liberdade. Segundo Hugo Aznar, os mecanismos de auto-regulação têm como função não só melhorar a comunicação e definir publicamente os valores e normas que deverão regular a actividade dos meios de comunicação social, mas também contribuir para que se criem condições para o seu cumprimento. De acordo com este autor, uma vez criadas tais condições, resta trazer a público os casos de incumprimento dessas normas, promovendo o reconhecimento de erros, de forma a evitar a sua repetição. Os juízos que se possam fazer relativamente a essas situações de conflito permitem, por outro lado, criar casos estáveis de aprendizagem ética no domínio da comunicação (Aznar, 2005). Para Aznar, o que garante a continuidade da auto-regulação é a suainstitucionalização através dos seus diferentes mecanismos. Dado que a auto-regulação depende em larga medida da sociedade civil, a sua eficácia é directamente proporcional ao grau de familiaridade que com ela tem a sociedade e, em particular, os profissionais da comunicação. Em Portugal, a iniciativa «Plataforma Comum dos Conteúdos Informativos nos Meios de Comunicação», aprovada a 17 de Março de 2005 pela Associação Portuguesa de Imprensa, pela SIC, pela TVI, pela Rádio Comercial e pela Associação Portuguesa de Radiodifusão, teve precisamente como objectivo promover a auto-regulação no sector. As bases programáticas estabelecidas neste documento, fundamentadas na Lei de Imprensa, no Estatuto do Jornalista e no Código Deontológico dizem respeito aos conteúdos informativos e pretendem constituir-se livro 06/11/10 11:20 Page 129 129 como código de conduta a ser seguido por todas as redacções como suporte à autoregulação. As bases programáticas da «Plataforma Comum dos Conteúdos Informativos nos Meios de Comunicação» apresentam, como princípios gerais, o direito à informação e todos aqueles que assegurem a objectividade, o rigor e a transparência, bem como o respeito pela diversidade de opiniões, ideias e credos, de forma a garantir a liberdade de expressão e o pluralismo.Contudo, parece-nos que os objectivos desta plataforma constituiram principalmente um foco de publicidade para as empresas que a assinaram, não tendo sido a transposição para realidade vinculativa. Convém sublinhar que, apesar do contributo extremamente positivo de iniciativas como esta, a auto-regulação não pode ser entendida como um instrumento capaz de, isoladamente, resolver definitivamente todos os problemas da comunicação social, tal como o Direito, por si só, também não poderia fazê-lo. Contudo, se accionarem os mecanismos associados à auto-regulação, os meios de comunicação social poderão dar passos significativos quanto à qualidade do seu desempenho e ao grau de responsabilização que passarão a poder assumir perante a sociedade. 2.4 OS COMPROMISSOS ÉTICOS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO O impacto da Segunda Guerra Mundial teve repercussões significativas na atenção dada ao fenómeno da comunicação social.Além de se ter assistido a uma tomada de consciência relativamente ao papel fundamental que os media viriam a assumir na sociedade contemporânea, tornou-se possível o reconhecimento da informação como um dos direitos humanos fundamentais, através do artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.Tudo isto contribuiu para um novo impulso e um novo fundamento normativo aos códigos éticos do jornalismo, que desde meados da década de 40 e ao longo dos anos seguintes começaram a generalizar-se. Além de terem como objectivo a constituição de um limite às possíveis interferências e restrições à liberdade de informar, os códigos deontológicos visam também a protecção da sociedade civil relativamente aos efeitos menos positivos que possam advir da liberdade de imprensa. Os códigos deontológicos procuram também livro 06/11/10 11:21 Page 130 130 assegurar a própria função social da informação, alertando os jornalistas para as suas responsabilidades sobre o público em geral. Embora não possuam a força coerciva da lei, os códigos deontológicos constituem uma forma de auto-regulação exercida pelas empresas jornalísticas, associações sindicais e, de forma geral, pelo meio jornalístico. Entidades como os Conselhos de Imprensa ou os «provedores de leitores» (incorporados no interior das próprias empresas jornalísticas) podem também contribuir para a definição dos princípios deontológicos. O «núcleo central» da deontologia jornalística é constituído por quatro grandes grupos: princípios gerais da ética profissional; princípios relacionados com os direitos dos cidadãos; princípios relativos à integridade e dignidade na profissão e princípios que implicam as próprias empresas jornalísticas. As concepções filosóficas de Immanuel Kant poderão contribuir para a compreensão do conceito de «deontologia». Segundo o filósofo, as acções baseiam-se em princípios e obrigações, sendo que todas as pessoas têm o dever de agir com correcção moral, mesmo que a sua acção possa ser contrária à sua vontade. O importante neste processo é a intenção subjacente a essa acção e não as consequências que dela possam advir. Ao fundamentar-se nos princípios, a deontologia (que etimologicamente deriva do vocábulo grego «deon», que significa «dever») surge como o oposto da teleologia (derivada da palavra grega «teleos», cujo significado é «resultado» ou «consequência»), que julga o valor moral de uma acção pelo tipo de consequências que esta origina. De acordo com a deontologia, os fins não podem nunca servir para justificar os meios, pois estes devem basear-se em princípios éticos. Quando aplicado ao jornalismo, o conceito de «dever» sustentado pela deontologia reflecte-se, por exemplo, no imperativo que constitui a disponibilização de informação fidedigna. (Kant, 1785) A ética dos media não é, no entanto, um assunto de abordagem simples. Uma das razões é que esta raramente permite uma mera escolha entre o certo e o errado, pois está normalmente relacionada com uma grande variedade de opções e de acções, bem como com as suas implicações a curto ou longo prazo. Um outro motivo prende-se com o facto de, no processo de tomada decisão, os princípios éticos poderem entrar em conflito. Outra das razões diz respeito à natureza contextual das decisões éticas e à sua subjectividade. livro 06/11/10 11:21 Page 131 131 A ética dos media também não é um exercício apenas para alguns.As decisões éticas não cabem só aos editores dos meios de comunicação. Pelo contrário, tudo o que um jornalista faz, de uma forma ou de outra, tem subjacente uma dimensão ética. Isto porque aquilo que um jornalista diz ou escreve, ou se recusa a dizer ou escrever, tem sempre algum tipo de influência na Opinião Pública. Devido ao seu poder de influência, os media não podem agir de forma irresponsável, pois, para além de poderem prejudicar os cidadãos, correm também o risco de perder a sua credibilidade, fragilizar o seu estatuto de «watchdogs» e constituir uma ameaça à própria democracia. Boris Libois propõe quatro aproximações ao termo «ética»: uma ética descritiva, uma ética prescritiva, uma meta-ética e uma ética como estratégia. A ética descritiva é relativa aos princípios que presidem às escolhas do jornalista singular. A ética prescritiva (normativa) é a própria deontologia jornalística, que prescreve uma prática ideal. A meta-ética diz respeito à fundamentação epistemológica de questões jornalísticas. A ética como estratégia é definida pelo autor como uma ética utilizada como biombo através do qual, invocando a deontologia, se tenta esconder toda uma conduta não consentânea com a prática jornalística (Libois, 1994). No que concerne à responsabilidade humana, existem duas concepções distintas. Uma delas coloca ênfase nos efeitos da responsabilidade, entendendo-a como consequência imediata e directa das acções livres do ser humano. Esta perspectiva da responsabilidade como algo que acarreta consequências sociais externas ou sanções determináveis a partir do exterior corre, no entanto, o risco de subvalorizar a responsabilidade ética. Além disso, ao basear-se nos efeitos da responsabilidade, esta concepção pode levar a que a mesma seja percebida como forma de limitar a liberdade. A outra concepção encara a responsabilidade como uma característica intrínseca da liberdade, ou seja, como algo inseparável dos actos livres do ser humano e que lhes confere sentido. A célebre distinção de Max Weber entre a «ética da convicção» e a «ética da responsabilidade» é ilustrativa destas duas concepções da responsabilidade humana. A «ética da responsabilidade» implica, na óptica do actor político, uma necessidade de responder pelas consequências previsíveis dos seus actos. Há, aqui, que considerar o facto de que, enquanto os políticos têm a possibilidade de agir sobre os acontecimentos, os jornalistas, regra geral, apenas transmitem informação sobre livro 06/11/10 11:21 Page 132 132 acontecimentos cuja responsabilidade originária não lhes pode ser imputada. (Weber, 1959) Assim sendo, a aplicação da «ética da responsabilidade» ao jornalismo não pode ser feita de forma linear. No entanto, mesmo que os jornalistas não possam ser responsabilizados pelas consequências de tudo aquilo que divulgam, não deixam de ter a obrigação de ponderar os efeitos sociais que possam advir da sua postura enquanto profissionais, tanto a nível das mensagens que transmitem e da linguagem que utilizam, como a nível dos procedimentos que adoptam para conseguirem determinado tipo de informações. A responsabilidade ética em matéria de informação tem sempre subjacente a consciência pessoal do informador. Actuar eticamente em consciência implica para o jornalista os seguintes pressupostos: a obrigação de se formar eticamente; obedecer e seguir sempre a consciência pessoal bem formada; não coagir consciências alheias, mas sim respeitá-las; saber que o juízo da consciência não é infalível, existindo a possibilidade de esta se equivocar. Considerando a teoria do «gatekeeper» de David M. White, é facilmente perceptível esta necessidade de uma ética jornalística, uma vez que o jornalismo é aqui reduzido à natureza subjectiva das decisões tomadas pelos jornalistas. De acordo com o autor, o jornalismo implica uma selecção de notícias, a qual envolve momentos importantes - os «gates» -, sendo as decisões tomadas na «gate» determinadas por critérios individuais e subjectivos dos jornalistas. Existe nos media um permanente processo de selecção realizado pelos «gatekeepers», que determinam que acontecimentos são jornalisticamente interessantes, atribuindo-lhes diferentes graus de relevância. Face a tais condicionalismos, só o respeito por uma ética jornalística poderá garantir uma informação verdadeiramente responsável (White, 1950). Segundo Mário Mesquita, assistimos, no entanto, a uma «crise da deontologia», que se reflecte no desrespeito quase sistemático de algumas normas éticas por parte de determinados órgãos de comunicação social. É, por exemplo, o caso do princípio ético que estabelece que os jornalistas se devem esforçar por evitar qualquer tipo de obrigações para com as fontes noticiosas. De acordo com o professor universitário, o que se verifica, em termos práticos, é, pelo contrário, que os jornalistas desenvolvem um autêntico processo de negociação com as fontes. «O desafio à autonomia jornalística, no domínio do relacionamento com os poderes políticos e económicos, não se traduz apenas em termos de “resistência” à corrupção livro 06/11/10 11:21 Page 133 133 através de cargos, dinheiro e outras benesses. É a própria produção jornalística que está em jogo, por via da matéria-prima informativa. Os favores dos jornalistas negoceiam-se a troco de notícias. Sem uma atitude “compreensiva”, as fontes “secam” e, com elas, lá se vão as hipóteses de sucesso profissional» (2003:204). Rogério Santos não corrobora totalmente desta opinião ao afirmar «a relação entre jornalistas e fonte de informação, para além de usar regras definidoras - rigor na informação, rapidez na prestação da informação, enquadramentos adequados dos acontecimentos, colaboração ou desconfiança mútua - emprega as regras da estratégia do jogo-as necessidades concorrentes de publicitar o acontecimento... Mas, não existe uma determinação prévia onde está o poder, ou quem controla o conhecimento num dado momento» (2006:33). Mário Mesquita aponta também o facto de essa «negociação» conduzir ao desrespeito do princípio de identificação das fontes. Apesar de a deontologia postular que os jornais se devem comprometer a revelar as fontes da informação que publicam, apenas se justificando a sua omissão em circunstâncias excepcionais (no caso de, por exemplo, se considerar que a nomeação da fonte possa pôr em risco a sua própria segurança), o que acontece actualmente é precisamente o oposto, ou seja, a não identificação das fontes tornou-se um comportamento habitual, o que põe em causa a credibilidade dessa mesma informação. Segundo o autor, esta «crise da deontologia» manifesta-se não só através do desrespeito pelas normas estabelecidas nos códigos profissionais, mas também pela ausência de resposta aos desafios colocados pelas novas tecnologias. «Somos um País com vocação de arquivista: ressalvadas honrosas excepções, a deontologia, como tantas outras coisas, está arrumada na gaveta. Pertence ao universo arqueológico dos dinossauros. Está fora de moda. E fora de moda continuará enquanto o sucesso no mercado da informação estiver tão radicalmente dissociado, como sucede actualmente entre nós, da noção de credibilidade – credibilidade da informação, credibilidade dos profissionais e credibilidade dos media» (Mesquita, 2003:236). Se analisarmos o jornalismo praticado em Portugal ao longo dos últimos anos, não é difícil identificarmos diversos casos de um evidente desrespeito pelas normas éticas e os valores deontológicos associados à profissão, o que inevitavelmente se reflecte num decréscimo do nível de credibilidade da informação. A cobertura jornalística feita em torno da queda da ponte Hintz-Ribeiro em Entre-os-Rios, em livro 06/11/10 11:21 Page 134 134 Março de 2001, é um dos exemplos flagrantes. Todos os episódios da tragédia foram acompanhados em directo pelas objectivas de televisão, desde a procura de sobreviventes às entrevistas em directo aos familiares das vítimas, a quem os jornalistas não pouparam com a repetição crua e impertinente da questão «O que é que sentiu?». Tudo foi feito para que nada escapasse à possibilidade de vir a ser notícia nos telejornais ou manchete dos principais jornais nacionais. Se, por um lado, é verdade que houve aqui um claro desrespeito pelos princípios mais básicos da deontologia jornalística, para não dizer mesmo uma notória indiferença a nível humano pelo próximo, também é preciso ter em conta as circunstâncias que poderão ter suscitado este tipo de atitude por parte dos jornalistas. De acordo com o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas de 2001, em comunicado divulgado na altura, «a primeira das causas – do tipo de cobertura efectuado – reside na decisão editorial de manter tão prolongadamente os directos em situações sem velocidade de acontecimentos que justificasse tanto tempo de câmara ou de microfones abertos», sendo «na redacção e não no repórter que tem de incidir a maior dose de responsabilidade na prevenção de erros causados pela tensão, pelo stress e pela falta de tema para sustentar o directo». Também o escândalo de pedofilia na Casa Pia, tornado público em Novembro de 2002, foi exemplo de violação da ética jornalística. Inúmeras foram as peças de informação jornalística então publicadas que representaram um claro atentado à dignidade humana, tanto no que se refere aos suspeitos alegadamente envolvidos, como também, e sobretudo, às próprias vítimas. Foram, neste caso, violados princípios fundamentais do código deontológico dos jornalistas, entre os quais se destacam aqueles que estipulam que «o jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais», «deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado» e «considerar a acusação sem provas uma grave falta profissional». A seriedade da investigação deu muitas vezes lugar ao sensacionalismo, ao voyeurismo e à devassa da vida privada, tendo sido remetido para segundo plano o dever prioritário de informar os cidadãos. Em Setembro de 2004, o «Caso Joana», que ocupou várias aberturas de telejornais com o relato dos episódios relativos ao desaparecimento de uma menina de 8 anos na aldeia de Figueira, é também representativo desta desconsideração pela deontologia jornalística. Os media acompanharam em directo as buscas efectuadas livro 06/11/10 11:21 Page 135 135 pela Polícia Judiciária ao corpo da vítima e entrevistaram os seus vizinhos e familiares, promovendo uma cobertura noticiosa que mais parecia querer igualar-se, ou mesmo substituir-se, à própria investigação criminal. Este caso é um exemplo cabal da vulnerabilidade da «Plataforma Comum dos Conteúdos Informativos nos Meios de Comunicação», ao ter sido feita uma cobertura jornalística de violação sistemática das normas por esta emanadas. Em Maio de 2006, a publicação do livro Sob o Signo da Verdade, no qual, ao longo de 207 páginas, Manuel Maria Carrilho faz um balanço crítico da cobertura noticiosa da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, veio reacender a polémica sobre a qualidade e independência do jornalismo em Portugal. O antigo ministro da Cultura, que se declarou vítima da comunicação social e da «mais brutal campanha negativa feita no Portugal democrático», atribuiu a culpa pela sua derrota na corrida eleitoral à Câmara de Lisboa a personalidades como Miguel Sousa Tavares, Marcelo Rebelo de Sousa, Ricardo Costa e à própria SIC. Na apresentação do seu livro, Manuel Maria Carrilho acusou a SIC Notícias de ter lhe preparado durante a campanha autárquica uma manobra idêntica às das polícias políticas dos países de Leste. As críticas do ex-ministro da Cultura incidiram também sobre as agências de comunicação, nomeadamente, sobre Cunha Vaz, responsável pela agência de comunicação Cunha Vaz & Associados, que Carrilho acusou de lhe propor recolher fundos ilícitos e «comprar opinião» nos jornais. No livro, o deputado do PS cita vários exemplos de mau jornalismo que, em seu entender, configuram uma campanha negativa que, de forma directa ou indirecta, poderá ter condicionado os resultados eleitorais. É o caso do tratamento noticioso do vídeo de campanha, centrado quase exclusivamente na aparição do seu filho Dinis Maria. A crítica torna-se mais feroz quando o político-filósofo escreve sobre os acontecimentos de Setembro, acusando a SIC de alegadamente ter explorado o final do seu debate com Carmona Rodrigues, tendo gravado ilegitimamente a sua curta e ríspida conversa pessoal com Carmona Rodrigues no fim do debate, bem como a saída de estúdio. Carrilho destaca também o facto de o candidato do PSD ter abandonado o estúdio antes do final do debate, sendo que, no dia seguinte, ao contrário do que previra, o assunto foi quase totalmente silenciado, com excepção do jornal Correio da Manhã. Já o episódio do «não aperto de mão», terá, segundo o então candidato à livro 06/11/10 11:21 Page 136 136 Câmara de Lisboa, desencadeado uma «tempestade mediática» que alterou por completo o conteúdo e significado do debate. Segundo dados publicados pelo jornal Expresso a 20 de Maio de 2006, a Aximage realizou entre 24 e 27 de Setembro uma sondagem que viria a ser publicada pelo jornal Correio da Manhã e pela revista Sábado, em que Carmona Rodrigues surge muito destacado (com 39,9%) relativamente a Carrilho (25,7%). Este resultado parece dar crédito às teses apresentadas em Sob o Signo da Verdade, tanto mais se tivermos em consideração que a anterior consulta de opinião citada na imprensa, a da Universidade Católica, referente ao mês de Julho, colocava Carrilho com uma vantagem de 5% sobre o seu opositor social-democrata (41% contra 36%). No entanto, os resultados brutos da mesma sondagem indicavam também que o candidato socialista estava dois pontos atrás de Carmona na intenção directa de voto e tinha menos popularidade.Assim sendo, com base nestes estudos de opinião, é praticamente impossível extrair conclusões acerca do impacto dos incidentes apontados por Carrilho na intenção de voto dos lisboetas. Na sequência de toda a polémica gerada em torno de Sob o Signo da Verdade e aproveitando o actual contexto de definição do novo Estatuto do Jornalista, o Sindicato dos Jornalistas desafiou o deputado do PS, num comunicado de 27 de Maio de 2006, «a intervir de forma activa contra os mecanismos que prejudicam a liberdade de informação e as condições de produção que põem em causa o exercício responsável do jornalismo». Manuel Maria Carrilho prometeu responder ao desafio e já anunciou que irá submeter a debate público uma proposta para que os jornalistas sejam obrigados, como os titulares de cargos públicos, a apresentar um registo de interesses, que consiste na inscrição de todas as actividades susceptíveis de gerarem incompatibilidades ou impedimentos e quaisquer actos que possam proporcionar proveitos financeiros ou conflitos de interesses. O deputado do PS propôs também a regulamentação das agências de comunicação, através da definição de um código de conduta e de outros procedimentos, que culminou na elaboração de um trabalhado, em curso, que está a ser desenvolvido pela ERC. Embora as acusações do ex-ministro Carrilho possam ter levantado contra si muitos profissionais do meio jornalístico, as duas propostas que este apresenta não deixam de ser muitíssimo pertinentes no actual panorama da comunicação social em livro 06/11/10 11:21 Page 137 137 Portugal. É um facto que o trabalho dos profissionais da informação se desenvolve em organizações onde existe o dever de obedecer hierarquicamente. Ainda assim, estes não deixam de estar eticamente obrigados a obedecer de igual modo à sua consciência pessoal, devendo reger-se não só por princípios éticos gerais, como também por uma ética da informação. Os conflitos éticos entre a consciência profissional dos jornalistas e a organização onde os mesmos se encontram inseridos resultam da falta de harmonia entre a ética da organização e a ética destes profissionais. A ética informativa só pode ser concebida como uma ética aberta às experiências das organizações informativas e dos seus profissionais. Para que as obrigações morais dos profissionais da comunicação possam ser cumpridas, é necessário que os próprios meios de comunicação assumam exigências éticas específicas, associadas à natureza singular do bem com que operam: a informação e a comunicação. Entre os mecanismos disponíveis para assegurar essa auto-regulação, podem destacar-se os princípios editoriais, os códigos internos e os livros de estilo. Os princípios editoriais são formulados pelas empresas com o intuito de definir a filosofia, o planeamento e os objectivos gerais de cada meio de comunicação social, assim como de orientar as suas normas de funcionamento quotidiano. Ao proclamarem estes princípios, as empresas dotam os meios de uma dada identidade, que deve ser respeitada, suscitando consequentemente determinadas expectativas acerca do seu conteúdo. As empresas de comunicação assumem, desta forma, um compromisso ético interno - para com os profissionais que as integram - e externo para com o público em geral. Os princípios editoriais pressupõem um reconhecimento da dimensão comunicativa, intelectual e ideológica dos meios e formalizam o compromisso empresarial de manter e respeitar essa dimensão, o que só traz benefícios aos media em termos de credibilidade. Os princípios editoriais poderão também contribuir, por outro lado, para travar as absorções de empresas por parte dos grandes grupos económicos através do reforço de mecanismos como a cláusula de consciência. Embora estes princípios não possam impedir a concretização desse tipo de operações, podem pelo menos aumentar bastante o seu custo económico. Outro dos benefícios dos princípios editoriais faz-se reflectir a nível dos próprios profissionais dos meios de comunicação. Só o facto de lhes ser disponibilizada livro 06/11/10 11:21 Page 138 138 uma formulação explícita dos princípios que deverão reger o seu trabalho na redacção pode facilitar muitíssimo a sua capacidade de diferenciação entre a obrigação de adequação aos princípios editoriais do meio para o qual trabalham e a auto-censura motivada pelo receio de não acatar a vontade dos editores ou proprietários desse meio. O público beneficia igualmente com os princípios editoriais, pois estes colocam à sua disposição critérios de referência que lhes permitem melhor conhecer e avaliar a oferta mediática, além de pressupor uma garantia de continuidade na linha editorial de cada meio. No que diz respeito aos códigos internos, estes constituem um dos mecanismos de auto-regulação com maior efectividade, uma vez que, neste caso, é a própria empresa que assume uma série de princípios éticos destinados a regular a sua actividade enquanto meio de comunicação. Existem dois tipos de códigos internos: os códigos de ética empresarial inerentes à própria empresa e os códigos de deontologia jornalística inerentes aos meios de comunicação que pertencem a essa empresa. Os códigos de ética, resultantes da aplicação da teoria da responsabilidade social ao mundo empresarial e também das exigências de uma sociedade de consumo, são bastante comuns nas empresas mais desenvolvidas. No entanto, no que diz respeito às empresas de comunicação, estes são praticamente inexistentes. Um código deste tipo implica que as empresas (e não apenas os meios) assuma compromissos éticos relacionados com a natureza específica do bem com que opera: a informação e a comunicação. Desta forma, não só os jornalistas, como também os membros da empresa, incluindo gestores e directores, estariam obrigados a respeitar esses compromissos. Quanto aos códigos internos de ética jornalística, estes devem conter unicamente obrigações deontológicas inerentes ao jornalismo, comprometendo, neste caso, os membros da redacção ou os meios para o quais a empresa os aprova. Prevê-se que os códigos internos sejam o mecanismo que mais venha a crescer nos próximos anos, de forma a poder corresponder às crescentes exigências sociais no sentido de uma maior auto-regulação. O próprio Conselho da Europa já reforçou a necessidade de serem os meios de comunicação a estabelecer compromissos deontológicos, através da criação de códigos internos e de «livros de estilo de segunda geração». livro 06/11/10 11:22 Page 139 139 Apesar de serem relativamente recentes na história da comunicação, os livros de estilo constituem actualmente um dos mecanismos de auto-regulação com maior vitalidade e projecção. Trata-se de um conjunto de parâmetros internos de cada publicação que estabelece as normas de escrita (a nível ortográfico, gramatical, tipográfico, etc) para esse mesmo meio de comunicação. A origem dos livros de estilo está relacionada com a sua função nas agências de comunicação, uma vez que nestas a dispersão geográfica dos colaboradores dificultava a configuração de uma cultura global de redacção e a correcção final dos textos. Foi a necessidade de tornar acessíveis para os profissionais dispersos esses critérios e normas comuns que impulsionou o surgimento dos primeiros livros de estilo. Estes referiam-se quase exclusivamente a aspectos linguísticos, o que continua a verificar-se ainda hoje com a maioria. No entanto, houve uma evolução no sentido de estes passarem a incorporar novos aspectos e funções que muito contribuíram para o seu enriquecimento, como é o caso da dimensão deontológica ou moral. Algumas regras associadas ao correcto uso da linguagem têm subjacente uma dimensão moral. A utilização de palavras equívocas ou que tenham implícito algum tipo de carga discriminatória ou ainda que possam, de algum modo, ser ofensivas para os seus destinatários é apenas um dos exemplos que podem ser apontados. Ter a precaução de evitar este tipo de expressões é uma exigência profissional para os jornalistas, que vai bem mais além de uma simples questão de estilo. A dimensão deontológica do jornalismo tem vindo a estar cada vez mais presente nos livros de estilo. Progressivamente, estes foram incorporando normas de tratamento da informação e de conduta, bem como considerações gerais sobre o modo de conceber o jornalismo e de o levar à prática, questões éticas e legais relacionadas com a sua actividade informativa ou mesmo declarações genéricas sobre a sua identidade ideológica. Esta evolução dos livros de estilo caracteriza-se, portanto, pelo facto de os mesmos actualmente poderem abranger critérios linguísticos, deontológicos e ideológicos de um determinado meio de comunicação social. Quando conjugadas estas três vertentes, estamos perante os chamados «livros de estilo de segunda geração». Mas, para além dos princípios editoriais, dos códigos internos e dos livros de estilo, existem outros instrumentos que poderão constituir um recurso eficaz para livro 06/11/10 11:22 Page 140 140 controlar a qualidade dos media. O professor universitário Claude-Jean Bertrand, que designou o conjunto desses instrumentos de «M.A.S.» (Media Accountability System), aponta como exemplos os conselhos de imprensa e as cartas dos leitores. Bertrand elaborou uma listagem com mais de sessenta sistemas de responsabilização dos media, totalmente independentes do governo, que considera serem úteis para melhorar o desempenho dos meios de comunicação social perante os cidadãos (Bertrand,1999). Outro mecanismo de defesa usado pelos meios de comunicação é o Provedor dos Leitores, no caso da Imprensa e Provedor dos Telespectadores instituído recentemente, meados de 2006, pela RTP. Esta figura, independente ideologicamente do orgão comunicação social que representa, contribui para o esclarecimento público e para aponta falhas e violações cometidas pelo orgão de comunicação em que está inserido. No percurso pelo alcance de uma comunicação responsável, o ideal seria que os jornalistas tivessem uma consciência mais crítica sobre os seus instrumentos profissionais, mas também que o próprio público fosse mais participativo e interventivo no que diz respeito a todas estas questões. A educação para os media assume um papel fundamental neste percurso, assim como a criação de observatórios de imprensa e de organizações que se proponham reflectir sobre as consequências do poder dos media a nível da liberdade dos cidadãos. livro 06/11/10 11:22 Page 141 141 livro 06/11/10 142 11:22 Page 142 livro 06/11/10 11:22 Page 143 143 Capítulo 3: Responsabilidade Social e Gestão da Qualidade: uma Abordagem às Empresas de Media Helena Rodrigo Costa* A importância dos Media e a sua influência junto da sociedade e suas instituições é uma realidade incontornável. Mesmo quem os “despreza” não os pode ignorar ou deixar de a eles recorrer para fazer passar a sua mensagem. No entanto, este “quarto poder”, ao qual a sociedade delegou a fiscalização das instituições democráticas, embora sempre atento às actividades dos outros sectores de actividade, negligencia, não poucas vezes, a sua própria Responsabilidade Social. Assim, este trabalho, depois de apresentar os principais conceitos relativos à Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e às práticas de boa governação corporativa, bem como uma breve revisão ao conceito de jornalismo, analisa as particularidades das empresas de Media e das suas práticas de RSE, a relação entre qualidade e responsabilidade social, avançando também com algumas recomendações para um sector que, muitas vezes, se esquece de olhar para dentro, colmatar as suas falhas e assumir os seus compromissos. 3.1 INTRODUÇÃO Os Media, e mais especificamente o jornalismo (pese embora a importância do entretenimento), são um sector de grande peso na sociedade – aliás, uma sociedade que cada vez mais depende da informação: muitas vezes caracterizada como a sociedade da informação. Fiscalizadores das instituições e das regras democráticas detêm um poder que mais nenhum sector possui: influenciar a forma como a sociedade percepciona a realidade e pressiona as instituições e poderes. Como consequência, nenhum outro sector é tão poderoso na sua capacidade de influenciar a opinião pública e os políticos sobre as práticas de Responsabilidade Social Empresarial (RSE). De facto, os Media têm uma capacidade privilegiada para * Professora Universitária - Análise refernte a Maio de 2006. livro 06/11/10 11:22 Page 144 144 definir a agenda da RSE, controlar e divulgar as práticas de boa governação, transparência, sustentabilidade e bom desempenho social das restantes indústrias. Mas quem controla os Media? Quem responde pelas suas práticas de RSE? Quem garante a sua isenção e independência? Quem assegura que as suas operações são sustentáveis? Quem responde perante a responsabilidade de um sector que molda e/ou influência valores e consciências? Estas e outras perguntas merecem urgente resposta e são fundamentais para se compreender a natureza do compromisso dos Media com a RSE. Este capítulo procura fazer um levantamento sobre como responder a estas questões, bem como sobre a forma como os Media têm vindo a percepcionar a necessidade de incorporarem as práticas de RSE na sua gestão corrente. Este sector não se pode ficar pela análise e crítica externa: há um longo trabalho interno a desenvolver. Entre outros aspectos: há que medir e incorporar na gestão das empresas de Media os impactos directos e indirectos da sua actividade; há que assumir compromissos éticos, sociais, culturais e ambientais; há que colmatar os efeitos nefastos da concentração no sector; há que estabelecer um maior compromisso com a identificação e resolução dos problemas da sociedade; há que criar instrumentos de avaliação sobre a implementação das suas práticas de RSE; há que fomentar a transparência das relações com o poder político; há que avançar muito mais! 3.2 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL Em 1953, com a publicação da obra de Howard Bowen (1959), o tema da Responsabilidade Social das Empresas (RSE) assumiu importância nos meios académico e empresarial norte-americano, tendo esta obra passado a constituir um marco no entendimento e sistematização da responsabilidade das empresas perante uma plateia mais vasta do que apenas a constituída pelos seus accionistas. Acresce que, nos anos 60, os Estados Unidos da América, e também a Europa, viram crescer movimentos que, em resposta à guerra do Vietname e às empresas a ela ligadas, reportavam para temas relativos à ética e à responsabilidade social das empresas ao, por exemplo, boicotarem o consumo de bens e serviços produzidos por livro 06/11/10 11:22 Page 145 145 organizações com ligações à guerra. Consequentemente, algumas empresas passaram a divulgar informação sobre as suas práticas em termos sociais e ambientais. Em paralelo, cresciam também movimentos em prole da igualdade de direitos, do fim da discriminação racial, da integração das mulheres no mercado de trabalho, de mais e melhores condições de trabalho e bem estar social, bem como uma crescente consciência social – aliás muito influenciada pelo trabalho dos media. Este novo contexto acabou por provocar mudanças nas empresas relativamente às suas práticas no relacionamento com funcionários, consumidores, fornecedores e meio ambiente. Foi, no entanto, durante o final da década de 60 e início da década de 70, que o tema ganhou destaque quando as empresas passaram a elaborar e a publicar relatórios sobre as actividades de carácter social, dando forma a um modelo e a uma prática que hoje vemos aplicados nos Balanços Sociais. Contudo, a RSE vai para além dos Balanços Sociais e implica um maior compromisso, interno e externo, com as questões sociais. Em 2001, a Comissão Europeia definiu a Responsabilidade Social das Empresas como sendo «a integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na sua interacção com outras partes interessadas». O conceito de Responsabilidade Social na sua definição actual é plural, no sentido em que os gestores não devem prestar contas apenas aos accionistas, mas, antes, a todos os que se relacionam com as empresas, ou para cujo negócio contribuem. Esta pluralidade encerra igualmente o conceito de distribuição, na medida em que abrange toda a cadeia produtiva, devendo as empresas incorporarem práticas socialmente responsáveis, processo de incorporação esse que deve ocorrer, não só no produto final, como em toda a cadeia produtiva (Monteiro, 2005). A Responsabilidade Social das Empresas apresenta assim duas dimensões: a interna e a externa. Na sua dimensão interna, as práticas socialmente responsáveis relacionam-se com a gestão dos recursos humanos, a saúde e segurança no trabalho, a adaptação à mudança e a gestão do impacto ambiental e dos recursos naturais. Na sua dimensão externa, a RSE envolve a rede de relações com as comunidades locais, com os clientes e fornecedores, com os accionistas e investidores, na observância dos direitos humanos consagrados universalmente, bem como na gestão global do meio ambiente. livro 06/11/10 11:22 Page 146 146 Os esforços no sentido da aplicação de práticas socialmente responsáveis deve, no primeiro momento, dirigir-se aos principais agentes internos da empresa - os trabalhadores. Assim, as políticas de gestão de recursos humanos socialmente responsáveis devem contemplar: a) a existência de práticas de recrutamento responsáveis, não discriminatórias e atentas à igualdade de oportunidades e à diversidade; b) a inclusão de efectivos planos de formação e aprendizagem contínua ao longo da vida; c) a criação de condições que permitam um melhor equilíbrio entre a vida profissional e a dimensão extra profissional de cada colaborador; d) a preocupação quanto à estabilidade/segurança dos postos de trabalho. Ainda no contexto da dimensão interna, as políticas relativas ao impacto ambiental e aos recursos naturais são também fundamentais pelos efeitos que produzem na sociedade. Aliás, em muitos casos são as mais rapidamente adoptadas já que muitas empresas concluíram que uma exploração menos intensiva dos recursos naturais é susceptível de aumentar os resultados, particularmente quando inserida num plano de acção valorizadora de processos de comunicação eficientes e de construção de uma imagem externa fortemente associada aos valores que se pretende ver defendidos (Monteiro, 2005). Na sua dimensão externa, a Responsabilidade Social das Empresas traduz-se, num primeiro momento, na adequada integração na comunidade onde estão inseridas e com a qual estabelecem um conjunto de relações, fornecendo oportunidades de emprego, e beneficiando da existência de uma comunidade próspera e estável. Esta dimensão externa deve, no entanto, passar por uma estratégia empresarial de longo prazo capaz de fomentar criação de valor para a empresa e para a comunidade, sendo o envolvimento das empresas com a comunidade em que se inserem um activo que estas devem capitalizar, beneficiando, nomeadamente, em termos do reforço da sua imagem. O mercado em geral, e as políticas empresariais dirigidas a clientes, fornecedores, parceiros comerciais, investidores ou accionistas, merecem, ainda, uma particular relevância. Os aspectos mais relevantes relativos aos clientes prendem-se com a adopção de políticas que se centrem na sua conservação através da construção de relações livro 06/11/10 11:22 Page 147 147 duradouras baseadas na compreensão das suas expectativas e necessidades e na sua satisfação, disponibilizando bens e serviços que correspondam aos mais elevados padrões de qualidade, segurança e fiabilidade. No âmbito das relações com os fornecedores e parceiros comercias, a RSE pressupõe a utilização de critérios de selecção que vão para além da análise económica de propostas concorrenciais, sendo, por exemplo, as condições de trabalho, bem como as questões relativas ao respeito pelos direitos humanos, aspectos a considerar. Os investidores e accionistas, apesar de estarem essencialmente vocacionados para colocarem a tónica na maximização dos lucros, são, contudo, parte interessada na RSE, não só porque a implementação de políticas socialmente responsáveis é susceptível de aumentar o valor de mercado das empresas, mas também porque muitos investidores vêem a Responsabilidade Social das Empresas como um instrumento de selecção para os seus investimentos. A confirmar esta realidade estão hoje os vários índices de sustentabilidade, onde se destacam o Dow Jones Sustainability Indexes, o Ethibel Sustainability Index, FTSE4GOOD Indexes, o ASPI Eurozone ou o Australian SAM Sustainability Index. 3.3 O CONCEITO DE JORNALISMO O jornalismo é uma profissão de difícil definição. Com efeito, sob este nome manifestam-se uma multiplicidade de funções, meios e formas discursivas distintas. Convergem nesta actividade um vasto leque de realidades e conhecimentos, o que leva a que, de acordo com Denis Ruellan (1997), fundamentalmente o jornalismo não seja uma profissão fechada e de fronteiras estabelecidas. Esta profissão move-se dentro de um espaço de limites fluídos e de práticas híbridas, alimentando-se também de áreas de conhecimento que lhe transferem algumas práticas, conhecimentos e concepções. “Cães de guarda da sociedade”, “princípio de responsabilidade social”, imprensa como o “quarto poder”.Todas estas expressões estão ligadas à ideia de jornalismo, e conferem uma espécie de mística na qual o jornalista aparece com tendo um estatuto diferenciado das restantes profissões. Ele estaria, por princípio, comprometido com a sociedade que, em contrapartida desse estatuto especial, lhe delega o poder de fiscalizar as instituições em seu nome e em nome da democracia. Esta concepção dos Media enquanto poder de fiscalização das instituições surge livro 06/11/10 11:22 Page 148 148 essencialmente na França pós I Guerra Mundial como resposta da sociedade à falta de credibilidade da propaganda junto da população.Assim, outorga-se à imprensa o direito e a responsabilidade de fiscalizar as instituições políticas (Néveu, 2001). Mesmo nos Estados Unidos da América, onde a vertente comercial da imprensa foi preponderante, o jornalismo assumiu este papel de guardião dos direitos dos cidadãos face às instituições políticas (Pereira, 2004). Mas foi a partir de finais dos anos 40, em resultados dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão para a Liberdade de Imprensa, que surgiu neste país a Teoria da Responsabilidade Social do Jornalismo (Cryle, 2004). Esta teoria é, no essencial, uma resposta à crescente concentração empresarial dos meios de comunicação social norte-americanos e instituiu directrizes que visavam orientar a actividade jornalística de forma a melhorar a qualidade de produção noticiosa e separá-la da lógica dominante da maximização do lucro. Daqui emerge a ideia do jornalista isento e objectivo, capaz de preservar as suas práticas profissionais das pressões políticas e económicas. Um jornalista que se assume como uma espécie de autoridade independente, com capacidade para fiscalizar os actos dos governos e das empresas perante a sociedade. E é sob esta concepção que o jornalista projecta uma imagem de compromisso e engajamento apenas com o interesse público e a transparência democrática – uma espécie de guardião dos direitos dos que não têm a oportunidade/capacidade de aceder à informação e se fazer ouvir. Os processos de concentração e incorporação – a montante e a jusante, pelas grandes empresas de Media transformaram o jornalismo num negócio muitas vezes secundário dentro das holdings. O sector dos Media é apenas uma parte de um conjunto bastante mais vasto de actividades económicas sob a égide de uma mesma corporação (holding). Esta rede de actividades empresariais contempla desde a publicidade até às tecnologias de informação e comunicação, passando pelo marketing, entretenimento ou produção de software. Ou seja, actividades que, não raras vezes chocam entre si em termos de interesses de desempenho económico-financeiro, práticas/modelos de gestão ou códigos de conduta. Mas todas estão hoje sob a alçada dos mesmos grupos de accionistas. De acordo com Robert Davies (2002), os Media são dominados por 10 companhias globais e cerca de 50 regionais. Aqui está uma realidade que confirma a abordagem de mercado que deve condicionar a análise sobre a Responsabilidade Social e Corporativa das Empresas de Media. A submissão da actividade jornalística à lógica empresarial alterou a agenda jornalística. As “hard news” dão lugar à cobertura de assuntos mais vendáveis e com alto conteúdo emocional: “soft livro 06/11/10 11:22 Page 149 149 news”. As “hard news” (notícias fortes, de grande actualidade) devem ser redigidas em pirâmide invertida (do mais para o menos importante).As “soft news” (notícias leves, “fait-divers”), as notícias intemporais e os textos de outros géneros jornalísticos (reportagem, “feature”, etc.) não obedecem à rigidez da pirâmide invertida, ainda que esta seja aconselhada para que o leitor “entre” rapidamente no assunto. De acordo com Ignacio Ramonet (1999), a informação transformou-se em mercadoria, não possuindo um valor específico ligado, por exemplo, à responsabilidade cívica e/ou social. Enquanto mercadoria, a informação está essencialmente sujeita às leis do mercado (oferta e procura), desvinculando-se das regras éticas e sociais com que antes se comprometia. A influência da lógica económico-financeira conduziu à redução de custos no processo de produção das notícias e um processo de gradual precarização do mercado de trabalho (Université Catholique de Louvain, 2005). Esta deterioração do mercado de trabalho traduz-se num sentimento de resignação e/ou oportunismo dos profissionais às condições impostas pelas empresas. Para manter o emprego ou conseguir um melhor cargo, o jornalista vê-se, cada vez mais tentado a quebrar algumas das regras deontológicas da profissão – como, por exemplo, a confirmação sistemática de fontes. Nos últimos anos, e em resultado de alguns “escândalos” jornalísticos, os quais serão discutidos mais à frente, mas onde se enquadram o caso do New York Times que, em 2003, teve que admitir ter publicado reportagens fabricadas pelo jornalista Jayson Blair, o suicídio do Dr. David Kelly – e o relatório Hutton (www.the-huttoninquiry.org.uk/content/report/index.htm) que aponta o dedo a falhas de gestão da BBC, ou ainda, mais recentemente, a utilização pelo britânico Mirror de fotografias falsas sobre alegados crimes de guerra das tropas do Reino Unido, começaram a surgir pressões para que as empresas de Media assumam as suas responsabilidades sociais e adoptem os pressupostos e instrumentos compatíveis com uma conduta socialmente responsável. Assumindo-se que a RSE tem quatro dimensões fundamentais, sendo que uma exposição mais completa sobre este conceito já foi feita no ponto 2.2 deste documento, pretende-se que as empresas de media adoptem: • práticas de negócio abertas e transparentes; • códigos de conduta e respeito por valores éticos, particularmente no relativo ao jornalismo; livro 06/11/10 11:22 Page 150 150 • respeito e compromisso para com todos os agentes (clientes, fornecedores, empregados, comunidade envolvente, organizações da sociedade civil, governos, organizações não-governamentais, outras empresas do sector, ou seja, todas as entidades que interagem com a organização); • forte desempenho tanto nas questões económicas, como nas sociais e ambientais. De sublinhar ainda que, no caso das empresas de media, o principal impacto não é o ambiental (pese embora esta seja uma importante variável a considerar). Mas estas empresas têm, essencialmente, um impacto psicológico e intelectual. Os Media moldam a opinião pública, não só através das informações/reportagens que divulgam e que ajudam a formar juízos – ou formam mesmo, mas também, e devido às suas ligações com a publicidade, sobre os produtos e serviços que são adquiridos e/ou cobiçados pela generalidade da sociedade. Neste contexto, é quase que perdida a ideia romântica do jornalista, este jornalismo de mercado e as corporações que o alimentam, os quais, no entanto, não devem passar à margem da Responsabilidade Social Empresarial. 3.4 OS MEDIA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL «(...) McDonald’s and Coca-Cola are in the business of putting stuff inside people’s bellies, so everyone (especially the media) expects them to take responsibility for their nutritional impact. Equally, Shell and BP are in the business of taking stuff out of the ground, so everyone (especially the media) expects them to take responsibility for their environmental impact.The media are in the business of putting stuff inside people’s heads. But does anyone think they take responsibility for their cultural impact? (…)» Steve Hilton, 30 de Dezembro de 2002, Responsibility in the mainstream media, Ethical Corporation livro 06/11/10 11:22 Page 151 151 Esta é uma pergunta de urgente estudo e resposta – até porque a pressão para a mudança supõe-se mais eficaz vinda do meio externo. De facto, embora os Media apresentem um interesse crescente na cobertura de matérias relativas ao cumprimento das práticas de RSE por parte das restantes indústrias, a verdade é que, dentro do sector, essa preocupação/conduta é ainda recente, relativamente superficial e, conforme se constata da literatura sobre o tema (ver bibliografia), na maioria dos casos, inexistente. Assim, como ponto de partida deste trabalho assume-se que, embora os Media joguem um papel fundamental e de grande importância como garantes de que as restantes partes da sociedade, nomeadamente os governos e as empresas, prestam as suas contas e assumem as suas responsabilidades sociais, existe uma lacuna que, ilusoriamente, os desvincula de, eles próprios, cumprirem as regras de responsabilidade social que exigem aos restantes. A convivência dos Media, e em consequência, das empresas de media, com a realidade da RSE não é, conforme já aqui foi referido, uma novidade.A questão é que, até há poucos anos, e na maioria dos casos ainda actualmente, esta relação têm-se caracterizado por uma abordagem de análise da RSE onde os Media se põem do lado de fora. Isto é, o foco tem sido centrado nas características da cobertura dada pelos Media à RSE das restantes instituições e organizações, em vez de abarcar também uma análise do que é que a RSE implica para o mundo e actividade dos próprios Media. Em 2004, a SustainAbility publicou um relatório inicial sobre as práticas de RSE dos Media no mundo: “Good News & Bad” . No entanto, e embora algumas organizações tenham mostrado interesse em desenvolver mais esta área, a verdade é o debate não produziu resultados muito significativos. Boas e Más Práticas Nos anos mais recentes, alguns casos suficientemente graves, e que não conseguiram escapar ao tradicional comportamento de encobrimento mútuo dos órgãos de comunicação social, mancharam a imagem dos Media e a sua credibilidade enquanto garantes de isenção e objectividade na sua função fiscalizadora das instituições em nome da sociedade e da democracia. Para além dos casos referidos no ponto 2.3., a MediaWise Trust (Jempson, 2006), refere que nas investigações que levou a cabo foram identificadas várias outras situações em que os Media puseram em livro 06/11/10 11:22 Page 152 152 xeque as boas práticas éticas e sociais do jornalismo, nomeadamente, os artigos publicados pelos jornais Sun («Swan Bake», 4/07/2003), Daily Star («Asylum seekers eat our donkeys», 31/08/2003), ou Sunday Mirror («For sale aged», 25/01/2004). Estas e outras situações semelhantes, têm conduzido a uma crescente desconfiança do público perante o jornalismo (Mass-Observation, 2001), o que também pode ser associado ao continuado declínio na compra e leitura de jornais (Jempson, 2006) o que, obviamente, produz um impacto financeiro negativo nos Media. Acresce a este cenário, um sentimento de insegurança e de precariedade vivido por muitos jornalistas.Também de acordo com a MediaWise Trust, a formação profissional, os rendimentos e as perspectivas de progressão na carreira profissional são, na grande maioria dos casos, escassas, sendo que, como consequência da concentração no sector, os trabalhos dos jornalistas são reutilizados pelo grupo em vários órgãos de comunicação sem que isso signifique, na generalidade dos casos, um acréscimo no salário. Esta realidade leva a que muitos jornalistas exerçam a profissão descurando o respeito pela ética e responsabilidade social desta actividade, e, por vezes, procurando a notícia vendável a todo o preço. Por outro lado, as administrações esperam ainda que os seus jornalistas sejam especialistas no imediato, mesmo quando estes não possuem formação para tal, o que, consequentemente, provoca uma pressão constante no jornalista, nomeadamente numa era em que o jornalismo é quase que imediato. Como resultado, muitas notícias são dadas na base do “senso comum”, com algumas palavras de um especialista, sendo que, depois de publicadas, passam a assumir, para a maioria dos interlocutores, o estatuto de verdade. Este cenário é ainda reforçado pela crescente importância dos Media junto do poder político. Assiste-se com uma regularidade crescente à preferência dada pelos políticos às televisões, rádios e jornais em detrimento do Parlamento. Ou seja, os Media transformaram-se no principal veículo de comunicação dos governos com a sociedade e, este factor, também lhes fornece um poder muito significativo para marcar a agenda política, revelando ainda relações de uma proximidade significativa com o poder executivo, o qual, recorde-se, estão incumbidos de fiscalizar. Esta situação é reforçada pela credibilidade que alguns meios de comunicação transmitem aos seus pares, sejam eles políticos os não (Gráfico 1: Meios de Comunicação Social mais Credíveis - 2003). livro 06/11/10 11:22 Page 153 153 Malgrado o anteriormente exposto, hoje já é uma realidade encontrar relatórios de Responsabilidade Social Corporativa* em Empresas de Media como a BBC, a BSkyB, o Daily Mail & General Trust, a ITV plc, a News Corporation, a Pearson, a Reuters, o Scott Trust and Trinity Mirror plc, o Bertelsmann Group, o Axel Springer Verlag, o EMI Group, a Vivendi Universal, a Thomson Corporations e a Clear Channel Communications, entre algumas mais (Oekom Research, 2004). Gráfico 1: Meios de Comunicação Social Mais Credíveis - 2003 Fonte: Adaptado de Edelman Fifth Anual Trust Barometer, in SustainAbility e WWWUK, 2004, Through the Looking Glass:Corporate Responsibility in the Media and Entertainment Sector, London Estes relatórios são boas notícias e representam um passo na direcção desejada, especialmente num sector onde o objectivo principal é examinar, avaliar e comentar os comportamentos das restantes indústrias/sectores. No entanto, alguns deles (Oekom Research, 2004) não vão muito para além das boas intenções. Assim, e de acordo com as taxas de Responsabilidade Social Corporativa para a indústria dos Media – 200 indicadores sociais e ambientais, sendo cerca de 50% para * A OCDE apresenta uma definição funcional de Governação Corporativa, segunda a qual esta é o sistema através do qual as organizações são dirigidas e controladas, sendo que nela se especifica a distribuição de direitos e responsabilidades entre os diferentes participantes na organização, tais como administração, gestão de topo e intermédia, trabalhadores, accionistas e os restantes agentes. livro 06/11/10 11:22 Page 154 154 cada uma das áreas, os resultados do Oekom Research (2004), para as 25 maiores empresas globais, revelam que estas têm ainda que melhorar o seu desempenho. O melhor resultado é um A+, indicando empresas que são particularmente activas em medidas de carácter social/cultural e ambiental. O pior resultado é um D-, indicando empresas em que dificilmente se identificam acções de natureza social/cultural e/ou ambiental. Em termos de uma avaliação global, a nota máxima dada neste estudo foi a de B+ para a germânica Axel Springer Verlag. Os grupos britânicos EMI e Pearson pontuaram B-. No outro extremo, nove empresas receberam um D+ ou menos, com a Clear Channel Communications a atingir a pior avaliação: D-. Em termos globais, o sector alcançou a classificação de C-, com as empresas britânicas a destacarem-se pela positiva. No relativo apenas ao compromisso das empresas em divulgar informação objectiva e verdadeira, garantir a independência dos jornalistas e separar os conteúdos informativos dos publicitários, a nota máxima coube à britânica Reuters, com um A-, seguida do Bertelsmann Group com um B+. A News Corporations recebeu, neste ponto, nota negativa. Quanto aos indicadores que avaliam os aspectos sociais e culturais da gestão, relações com os empregados e relações externas, o Bertelsmann Group recebeu um B e cinco empresas um B-: Reuters, EMI, McGraw-Hill Companies, Carlton Communications e Vivendi Universal. Entre as boas práticas de, destacar os valores editoriais e códigos de conduta da BBC e da Reuters, onde se incluem, entre outros, princípios como a imparcialidade, independência, respeito pelas pessoas e respectivas culturas, direito à privacidade, conduta baseada no bom gosto e na decência, bem como na salvaguarda das particularidades inerentes à programação dirigida às crianças. Também no relativo ao ambiente, e para além da cobertura dada às matérias ambientais, começa a surgir um compromisso das próprias empresas de Media para com as questões ambientais. A Axel Springer Verlag aparece no topo da lista ao utilizar tinteiros não tóxicos e uma percentagem elevada de papel reciclado.Também a Reuters proporciona os seus jornalistas acções de formação na área do ambiente. Esta tomada de consciência em relação à necessidade de adoptarem uma postura interna activa perante a RSE levou também muitas das empresas de comunicação britânicas a juntarem-se no livro 06/11/10 11:22 Page 155 155 Media CSR Forum cujo trabalho principal passa por identificar os problemas do sector e propor soluções e novas abordagens. Entre estas empresas encontram-se a BBC, o EMI Group, a BSKyB, o Guardian Media Group, a Pearson ou a ITV. Da literatura sobre este tema, resulta, no entanto, que existe ainda um longo caminho a percorrer e que a maioria destes relatórios são geralmente fracos na medição/avaliação do desempenho das empresas relativamente à sua estrutura governativa, nomeadamente no que diz respeito a códigos de conduta, compromissos éticos, políticas de transparência remuneratória, nomeadamente da administração e gestores de topo, canais de comunicação internos ou regras de relacionamento entre a administração e a redacção. Por norma estes documentos padecem também do facto de serem bastantes descritivos e qualitativos, faltando-lhes informação quantificável relativa ao desempenho das empresas face aos vários indicadores sociais/culturais e ambientais. Seria, neste ponto, importante que os Media avaliassem, por exemplo, a influência que possuem na sua audiência ou de que forma contribuem, ou poderiam contribuir, para um melhor/maior nível de formação na opinião pública. Os processos de concentração nas empresas de Media, originando grandes grupos económicos que controlam vários órgãos de comunicação social, é hoje uma realidade que conduz a uma situação em que um pequeno números de companhias globais domina, directa ou indirectamente, o mundo das notícias e do entreternimento. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, cinco companhias – Viacom (CBS), Disney (ABC), News Corporation (Fox), General Electric (NBC) e a Time Warner (CNN), controlam cerca de 75% do prime time televisivo (SustainAbility e WWW-UK, 2004). No Reino Unido, a BBC, a ITV e o Channel 4 detêm cerca de 70% das audiências (Ward, 2005). O poder de informar e entreter, concentrado em menos de meia dúzia de grandes empresas globais, levanta questões como conflitos éticos, de independência, separação entre publicidade e informação, isenção, entre outros. Estes factos, apesar do trabalho já iniciado, aliados ao relativo reduzido número de empresas do sector que elaboram relatórios de governação corporativa e responsabilidade social, confirmam que, ao contrário de outros sectores de actividade, os Media ainda não estão verdadeiramente preparados para funcionar em plena conformidade com todas as dimensões inerentes às características da RSE e que, uma vez que a pressão interna para esta realidade é relativamente fraca, a envolvente externa deverá desenvolver um papel mais activo. livro 06/11/10 11:23 Page 156 156 Entre os agentes externos que podem desempenhar o papel de pressionar os Media para avançar mais séria e rapidamente no sentido da adopção de práticas de RSE, e para além do público, que como já foi referido está cada vez mais insatisfeito com o desempenho dos jornalistas (ver também Pew Research Center for People and the Press Poll, July 2003), destacam-se algumas organizações não governamentais que são particularmente activas na vigilância ao sector: FAIR; MediaWise Trust; Adbusters; Media Lens; openDemocracy.net; IndyMedia;YourMedia. Os investidores, particularmente os fundos de investimentos, estão cada vez mais atentos às questões relativas ao desempenho socialmente responsável das empresas. Com efeito, estes fundos fazem depender a inclusão ou exclusão na sua carteira de activos de empresas de Media com base em critérios de sustentabilidade do produto, incluindo a utilização dos canais de media para a promoção da consciência social e ambiental, níveis de exposição ao jogo ou pornografia, qualidade de gestão, nomeadamente concentração do poder, controlo dos conteúdos e distribuição, conduta ética do negócio, promoção da diversidade cultural, entre outros. Também as várias organizações de jornalistas, tanto nacionais como regionais e internacionais, jogam aqui um papel importante. Estas estruturas constituem meios privilegiados de acção e pressão junto das administrações e, consequentemente, dos accionistas. Com efeito, os seus elementos são intervenientes no processo de produção dos Media e, para além de conhecerem, por dentro, a realidade das empresas, têm acesso a informação interna. Quanto aos governos, e embora pudessem desempenhar um papel mais activo, estes têm sido bastante relutantes em intervir no sentido de pressionar os Media a assumirem as suas responsabilidades sociais. Esta situação resulta, em grande medida, das crescentes relações de proximidade e interdependência, entre o poder político e os Media - o fenómeno do Berlusconismo, em Itália, foi o maior exemplo, com o ex primeiro-ministro do país a deter os três principais canais televisivos do país e a maior editora de publicações. Mas também Rupert Murdoch, presidente da News Corporation e as suas ligações com o governo conservador são um exemplo claro desta espécie de casamento (SustainAbility e WWW-UK, 2004). livro 06/11/10 11:23 Page 157 157 3.5 OS MEDIA PORTUGUESES E A RESPONSABILIDADE SOCIAL Em Portugal, as práticas relativas à RSE são um fenómeno mais recente do que no resto do mundo e abarcam um universo bastante mais reduzido de empresas. Com efeito, o país aparece em 21º lugar no “National Corporate Responsibility Index 2003”, publicado pela AccountAbility, vindo atrás de todos os membros da União Europeia da altura, com excepção da Grécia. Ainda neste contexto, só em 2002 é que surge a primeira empresa portuguesa certificada com a norma SA 8000 (relativa às práticas de RSE): a Delta Cafés, e apenas em 2003 é que o Conselho Económico e Social de Portugal publicado um parecer sobre o tema*. Também em 2003, e muito devido ao facto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ter actualizado as regras sobre o governo das sociedades, um número crescente de empresas têm vindo a desenvolver práticas de RSE. Estas empresas, principalmente as cotadas em Bolsa, têm vindo a adoptar, no entanto, práticas de governação corporativa, o que implica, em termos teóricos, também uma observância dos princípios da Responsabilidade Social Empresarial. De facto, os pressupostos de uma governação corporativa cobrem o papel e os direitos de todos os agentes – ou seja, de todos aqueles que interna ou externamente interagem com a organização, o tratamento equitativo dos accionistas, a divulgação de informação, transparência nos actos de gestão e de comunicação e a responsabilidade do conselho de administração. Assim, também no universo dos Media, e provavelmente muito como resultado de três dos quatro maiores grupos de comunicação social portugueses (Impresa, Cofina, Media Capital) estarem cotados em Bolsa (ver Anexo I para maiores grupos de Media portugueses), as práticas de governação corporativa não passam em branco. Contudo, não existem Relatórios de Responsabilidade Social, Códigos de Ética ou outros Regulamentos relativos à RSE. O que estas empresas produzem são Relatórios sobre o Governo das Sociedades – a Impresa e a Cofina desde 2002, e a Media Capital desde 2004, os quais são essencialmente dirigidos aos accionistas, dado que o essencial destes relatórios se concentra na política de distribuição de dividendos, estrutura funcional da empresa, estrutura de apoio aos investidores, mandatos dos administradores e auditores independentes, entre outros aspectos relacionados. * CES, 2003, Parecer de Iniciativa sobre a Responsabilidade Social das Empresas. livro 06/11/10 11:23 Page 158 158 Aliás, este facto confirma que a governação corporativa tem tido a tendência para se concentrar na gestão corrente da empresa em relação ao que constitui o conselho de administração e suas responsabilidades, ao papel dos directores executivos e não executivos, e, mais recentemente, aos pagamentos dos administradores e directores executivos. Quanto à Responsabilidade Social Empresarial propriamente dita, considera-se que os Media portugueses, padecendo dos mesmos problemas que os referidos neste trabalho, embora, talvez em menor numa escala, não desenvolvem acções e compromissos explícitos. Ou seja, não se encontram compromissos claros com os accionistas, nomeadamente com o público, com as questões ambientais, sociais e culturais. De ressalvar, no entanto, neste ponto, que a Imprensa, através do projecto SIC Esperança têm apoiado algumas iniciativas de carácter social. Ainda neste contexto, e sendo a RTP um grupo estatal e cuja missão assenta essencialmente na noção de serviço público, destaca-se a ausência de Relatórios de Responsabilidade Social neste órgão de comunicação, bem como de práticas e políticas de RSE em linha com o que, por exemplo, é feito na britânica BBC (Küng-Shankleman, 2000). Apesar da programação de alguns órgãos deste grupo, no essencial a RTP 2, ter um cariz mais socialmente responsável, desconhece-se a existência de uma política activa de promoção interna e externa das realidades inerentes à Responsabilidade Social dos Media. 3.6 RESPONSABILIDADE SOCIAL E GESTÃO DA QUALIDADE A Gestão pela Qualidade Total (TQM), sendo, em simultâneo, uma filosofia de gestão e um conjunto de métodos e instrumentos essencialmente orientados para a criação de valor para o cliente, pressupõe que os recursos da organização, principalmente os recursos humanos, estejam orientados para o cliente e com capacidade para compreender as suas expectativas específicas e actuar no sentido da criação de processos que gerem esse valor-cliente. Daqui resulta uma maior satisfação dos clientes em relação aos produtos e serviços da empresa e, deste modo, um maior livro 06/11/10 11:23 Page 159 159 grau de fidelização e uma melhor relação de confiança cliente/empresa o que, como resultado, trará maior retorno aos accionistas. Neste contexto, também às Empresas de Media os sistemas de gestão orientados para a Qualidade Total são particularmente relevantes para assegurar um crescimento sustentado junto do mercado. E ainda que a implementação de uma filosofia de Gestão pela Qualidade Total, para além de implicar custos, requerer recursos financeiros e envolver mudanças bastante significativas (por vezes até radicais) para empresa, nomeadamente ao nível das estratégias, estrutura e cultura, e estas alterações não se fazerem, nem poderem ser feitas, de um dia para o outro, sendo antes um crescendo, a verdade é que a caminho da TQM permite às empresas gerir mais eficaz e eficientemente os seus processos internos e, deste modo, aumentarem os seus resultados. Existem três grandes modelos de Gestão pela Qualidade Total, que foram construídos através da atribuição dos prémios de qualidade: o Prémio Deming; o Malcolm Baldrige National Quality Award e o prémio europeu da qualidade atribuído pela EFQM (European Foundation for Quality Management. No essencial, os aspectos fundamentais da TQM apontam para (adaptado de Brilman, 2000): • Pesquisa da satisfação do cliente; • Respeito dos compromissos, escuta-cliente, tratamento das insatisfações, melhorias, fidelização; • Progressos permanentes em Qualidade de Curto Prazo; • Implicação, satisfação e desenvolvimento dos colaboradores; • Criatividade e benchmarking; • Responsabilização, trabalho em equipa, autonomia, reconhecimento, informação, resolução dos problemas; • Liderança dos dirigentes e do enquadramento; • Garantia de qualidade, estabilização, ISO 9001; • Gestão de processos de concepção, produção e entrega; •Partilha da visão estratégica, fixação de prioridades, discussão dos objectivos e dos meios de cima para baixo, de baixo para cima e transversalmente; livro 06/11/10 11:23 Page 160 160 • Ensino de métodos e instrumentos de qualidade; • Reactividade e flexibilidade; • Avaliação e selecção de recursos humanos; • Equipas auto-geridas, pluridisciplinares, cooperação; • Auto-avaliação; • Parcerias com fornecedores; • Prémios de qualidade (regionais, nacionais, internacionais) • Orientação para a excelência: auditorias internas e externas. Conforme se constata do anteriormente exposto, muitos destes pressupostos incorporam também conceitos inerentes a uma gestão socialmente responsável e, embora os Media apresentem particularidades que os distinguem das outras indústrias e sectores de actividade, a verdade é que é fundamental garantir que as práticas de gestão destas empresas assegurem um produto de qualidade e a satisfação do cliente. Sendo a qualidade da informação um aspecto relativamente difícil de medir, já que implica alguns critérios subjectivos como, por exemplo, gostos, educação ou origem social dos destinatários da mesma, existem contudo alguns critérios e/ou características que funcionam como garante de qualidade. Com efeito, a qualidade poderá alcançar-se com características e exigências associadas à informação: autenticidade, veracidade, rapidez, comunicabilidade e relevância para o consumidor ou do interesse geral e público (Faustino, 2005), bem como com aspectos relativos à quantidade e qualidade dos investimento na formação dos recursos humanos, à liberdade de expressão e diversidade de fontes, ao rigor e isenção, à observância de princípios e códigos de ética ou à disponibilização dos materiais adequados e necessários a uma boa produção de conteúdos. Assumindo-se que a qualidade dos Media, em consonância com o desenvolvido ao longo deste trabalho, pressupõe também a criação de instrumentos de RSE, considera-se que, a par com os sistemas de TQM – que gerem a qualidade dos processos, as empresas do sector deverão implementar práticas de RSE (incorporadas dentro de uma política de Governação Corporativa socialmente responsável) como um sistema de desempenho capaz gerir os impactos relativos ao seu processo produtivo, nomeadamente minimizando os impactos negativos. livro 06/11/10 11:23 Page 161 161 Por forma a que a Qualidade avance em sintonia com as práticas de RSE considera-se que dois sistemas inter-conectados serão necessários. Internamente as empresas têm que desenvolver, numa lógica semelhante à Gestão pela Qualidade Total, sistemas de gestão da responsabilidade que estabeleçam códigos e regulamentos de conduta e ética empresarial e que garantam a sua implementação. Externamente, as organizações têm que se comprometer com sistemas credíveis de certificação, monitorização e verificação das suas práticas de RSE. Os pressupostos de qualidade da ISO, os critérios do Prémio Deming, do Malcolm Baldrige National Quality Award e do prémio europeu da qualidade da EFQM forneceram às empresas importantes quadros conceptuais para a avaliação da gestão e organização das suas empresas associadas à implementação de sistemas de qualidade. Na área da responsabilidade corporativa, pressupostos e processos semelhantes estão também a ser desenvolvidos. No domínio da transparência informativa encontra-se o Global Reporting Initiative (GRI)*, o qual se tornou numa referência amplamente aceite como um quadro de princípios sobre a forma como as empresas devem reportar as suas práticas económicas, sociais e ambientais. No relativo à certificação, monitorização e verificação das práticas de Responsabilidade Social Empresarial, também vários sistemas têm vindo a ser desenvolvidos. Entre os mais importantes encontram-se os pressupostos da SA 8000 – os quais estão relacionados com direitos humanos e trabalho infantil, condições contratuais e de trabalho, práticas ambientais e liberdade de participação, e da AA 1000 – os quais se centram no compromisso dos stakeholders com os aspectos económicos, sociais e ambientais derivados da sua actividade. Ainda sobre este ponto, também a International Organization for Standardization (ISO) está a desenvolver, através do seu Grupo de Trabalho Sobre Responsabilidade Social (o qual teve a sua última reunião em Maio do presente ano, em Lisboa), o primeiro International Standard on Social Responsibility que pretende enquadrar o significado do conceito e como ele deverá ser integrado nas operações diárias de todas as organizações. * www.globalreporting.org livro 06/11/10 11:23 Page 162 162 3.7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES A cultura da Responsabilidade Social dentro do Media é recente e, apesar de alguns avanços, alguns significativos, apresenta ainda muitas lacunas. Sendo este um sector de actividade com particulares responsabilidades junto da sociedade, é absolutamente desejável que passos maiores e mais concretos sejam dados no sentido de garantir que quem fiscaliza as instituições também se fiscaliza e compromete. Conforme aqui foi referido, esta necessidade de comprometer os Media com a RSE resulta, no essencial de: • A maioria das empresas de Media são, também elas, organizações com objectivos e metas económicas e financeiras a cumprir, e não podem alhear-se das inerentes pressões e expectativas no sentido do lucros e resultados; • Os Media, embora divulgando as más práticas de negócio e os impactos ambientais negativos de outras empresas, devem garantir que as suas próprias práticas são as correctas; • Para combaterem o declínio das audiências, os Media devem assegurar a sua credibilidade perante a sociedade; • O poder específico dos Media coloca-lhes uma maior responsabilidade em operarem segundo princípios éticos, legais e de decência; • A grande concentração do sector põe em causa o necessário pluralismo caso não existam políticas efectivas que defendam, entre outros, o pluralismo, a independência /isenção ou os direitos dos trabalhadores; • As relações de proximidade com o poder político e, em alguns casos, de interdependência, são um aspecto claramente prejudicial para a natureza do sector. livro 06/11/10 11:23 Page 163 163 Do exposto resulta que, em termos gerais, são necessárias muitas alterações no actual status quo para que as práticas de RSE nos Media sejam uma realidade corrente nos Media. Obviamente que cada caso é um caso, mas para que sejam dados passos no sentido correcto, algumas recomendações podem ser feitas: • Medir e incorporar na gestão os impactos directos e indirectos da actividade; • Estabelecer compromissos éticos, sociais/culturais e ambientais para com a sociedade em geral e os accionistas em particular, sendo que os mesmo devem surgir do topo e ser amplamente difundidos e percepcionados por todas as estruturas da empresa; • Criar instrumentos de avaliação sobre a implementação das práticas de RSE e indicadores susceptíveis de serem medidos; • Fomentar um maior relacionamento com os agentes, através, por exemplo, da criação de um Conselho dos accionistas ou de uma carta relativa ao papel e direitos destes; • Fomentar a transparência das relações com o poder político; • Aumentar a quantidade e qualidade da formação proporcionada aos seus trabalhadores, bem como as suas condições de trabalho, desenvolvimento profissional e remuneração; • Maior compromisso com a identificação e resolução dos problemas sociais, culturais e ambientais da sociedade; • Envolver, de forma regular, a cúpula da gestão e os membros do conselho de administração no processo da definição e acção das práticas de RSE; • Identificação da questões mais prementes do sector e hierarquização de soluções; • Desenvolvimento de uma cultura empresarial assente, também, em pressupostos socialmente responsáveis partilhada por todas as estruturas do grupo, engajada com o compromisso de produção de resultados, e integrada na existentes culturas corporativas. livro 06/11/10 11:23 Page 164 164 Estas são apenas algumas orientações, sendo que, cada organização deverá definir o que é que a RSE significa para si e para as suas operações. No entanto, há algo que não poderá acontecer – os Media não podem ignorar as suas responsabilidades e, para o futuro, o caminho terá que ser necessariamente o de um maior compromisso com a sua própria Responsabilidade Social. livro 06/11/10 11:23 Page 165 165 livro 06/11/10 166 11:23 Page 166 livro 06/11/10 11:23 Page 167 167 Capítulo 4: Boas e Más Práticas Jornalísticas – o Caso do Porto 4.1 CARACTERIZAÇÃO DO MERCADO MEDIÁTICO NO PORTO Joana Duarte* 4.1.1 Informação geral sobre os media na região do Porto O distrito do Porto é dos mais ricos ao nível de títulos de imprensa regional, o que contrasta com a falta de capacidade financeira destas empresas. Já ao nível da imprensa nacional (com cadernos locais), este segmento está nas mãos de três grupos económicos que controlam os fluxos de informação nacional, sendo as temáticas locais colocadas em segundo plano. Temos presente neste conceito o critério de proximidade. Muito raramente, à excepção do Jornal de Notícias, integrado num grupo económico nacional (Controlinveste Media) com sede no Porto, as temáticas relacionadas com o distrito fazem manchetes de primeira página. Mormente, quando tal sucede, estas relacionam-se com temáticas tendencialmente desfavoráveis ao Porto (cidade e organismos), nomeadamente à figura do presidente e executivo da Câmara Municipal do Porto. O Primeiro de Janeiro é o último reduto da imprensa regional sediado na cidade do Porto. Com a extinção do Comércio do Porto no ano transacto (2005), cabe agora a este diário o lugar de jornal secular da imprensa da invicta, «Sob o lema de informar de forma isenta e pluralista do Porto para o país» (Pais, Joana; Portugal Media in “Media XXI”, Setembro – Outubro 2003, nº 72), o jornal regional pode ser encontrado a nível nacional. Contudo, as dificuldades em adquiri-lo são tanto maiores quanto mais nos deslocamos para sul. Não obstante, a primazia dada à informação com origem no Porto e concelhos do norte do país, o jornal não descura as temáticas nacionais e internacionais. Já ao nível da Rádio, o Porto também lidera ao nível de oferta de rádios locais. Projectos, a maioria com início nos anos 90, que apostam numa informação própria, mais ou menos intensiva, mas que contribui para a “Voz do Norte” no éter. * Licenciada em Jornalismo pela Escola Superior de Jornalismo do Porto, Investigadora e Pós-Graduada em Direito da Comunicação pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. livro 06/11/10 11:23 Page 168 168 No audiovisual, e nos quatro canais de sinal aberto, é a RTP a estação com maiores infra-estruturas e maior número de trabalhadores a produzir a partir da delegação do Porto. O estúdio do Monte da Virgem é também ponto de emissão do “Jornal da Tarde”, informação e programas de entretenimento matinal e vespertino. Foi em 2001 que arrancaram os projectos por cabo que trouxeram uma nova voz e imagem ao norte. Inicialmente a NTV, absorvida em 2003 pela PT Multimédia, foi relançada em 2003 pela RTPN (canal do universo RTP), produzindo e emitindo a partir do Norte. Já em 2006 a Invicta TV emitida através da TVTel vem relançar a imagem do norte num canal por cabo e a TV cabo retoma o conceito da NTV, desta feita com a Porto Canal. Estes últimos têm por base a ideia de conferir ao canal uma identidade regional.Tal como afiançou o administrador da Invicta TV,Vítor Fernandes (Jornal de Notícias, 19 Abril 2006), o canal informativo dedicado ao Grande Porto manterá três blocos informativos do “Jornal do Grande Porto” actualizados. Posição reiterada pelo director do Porto Canal, Bruno Carvalho, ao Primeiro de Janeiro de 29 de Maio de 2006: «Com o objectivo de manter uma identidade regional, capaz de dar visibilidade a pessoas que normalmente não a têm nos restantes meios de comunicação». A oferta tende a crescer, contudo, ainda muito distante da vizinha Espanha onde os canais regionais estão disseminados há largos anos pelas províncias, com índices de audiência que comprovam o sucesso e sustentabilidade dos projectos. Os quadros subsequentes remetem para a análise do ano transacto das publicações, jornais diários e semanários, regionais e nacionais com circulação no distrito do Porto. Além dos jornais foram tidas em conta publicações, revistas, com carácter de informação generalista, tais como a Visão, a Focus e a Sábado. Não foram consideradas as publicações especializadas. O Primeiro de Janeiro não é alvo desta análise por não ser auditado pela Associação Portuguesa de Controlo de Tiragem. Quanto aos periódicos em análise neste estudo, verificamos que o Jornal de Notícias encontra a circulação maioritária no distrito do Porto, com 61,31% do total de cobertura nacional e estrangeira. Já o Público atinge 22,04% de circulação no distrito em análise. (Quadro 4.1) livro 06/11/10 11:23 Page 169 169 Quadro 4.1: Oferta de Imprensa no Distrito do Porto (2005) Publicação Editor Periodicidade Tiragem (Média Mensal) Circulação Total (Média Mensal) Circulação Total no Dist. Porto (%) 24 Horas Global Notícias- Publicações SA Diário 82221,667 51181 12,85 A Voz de Trás-os-Montes Edições de Jornais, SA Semanal 6842,25 6340 4,11 Barcelos Popular Milho Rei Semanal 7235,25 8267 0,49 Correio da Manhã Presslivre Imprensa Livre, SA Diário 148566,08 118254 1,21 Diário 9525,8333 7087 0,12 Diário As Beiras Beirastexto, Sociedade Editora, SA Diário de Coimbra A Tipográfica das Beiras; Lda Diário 11365,333 8314 0,2 Diário de Notícias Global Notícias- Publicações SA Diário 58192,917 37992 4,27 Diário Económico S.T. & S.F. - Sociedade de Publicações, Ldª. Diário 21235,917 13557 11,29 Expresso Sojornal-Sociedade Jornalística e Editorial, S.A. Semanal 152641,67 128168 12,5 Focus Impala-Editores, S.A. Semanal 33662,667 22500 9,64 Jornal de Negócios Canal de Negócios - Edição de Publicações, Ldª Diário 17489,417 8890 14,96 Jornal de Notícias Global Notícias- Publicações SA Diário 130921,5 98637 61,31 Jornal Destak Metro News Publicações, Ldª Diário 118802,92 118603 19,82 Semanal 9050 8584 1,06 Jornal Soberania Soberania do Povo Editora, S.A. do Povo Metro Portugal Transjornal - Edição de Publicações, S.A. Diário 121134,17 121134 12,73 O Crime Edições V. L. , Ldª Semanal 33194,833 15369 13,83 Semanal 24729,167 19267 10,55 O Independente Independente Global - Edição de Publicações Periódicas, S.A. O Jogo Jornalinveste - Comunicação, S.A. Diário 79464,333 44878 48,18 Público Público - Comunicação Social, S.A. Diário 68281,833 50701 22,04 Record Edisport - Sociedade de Publicações Desportivas, S.A. Diário 132863,75 86964 8,19 Sábado Presselivre - Imprensa Livre, S.A. Semanal 75977,083 50918 11,86 Semanário Económico S.T. & S.F. - Sociedade de Publicações, Ldª Semanal 19527,75 12170 16,03 Tal e Qual Global Notícias - Publicações, S.A. Semanal 35522,083 17394 11,02 Visão Edimpresa - Editora, Ldª. Semanal 124673,33 99638 12,24 Fonte: APCT livro 06/11/10 11:23 Page 170 170 Se a leitura de jornais e revistas tem assistido a um fenómeno de quebra de índices de leitura, à excepção dos diários gratuitos, fenómeno inverso é o que acontece ao nível das audiências televisivas. Segundo estudos da MarktestMediamonitor (gráficos 4.3 e 4.4), a região do Grande Porto conquistou os maiores consumidores de televisão no primeiro trimestre de 2006, com 5,4% do universo analisado correspondendo a 3 horas 47 minutos e 49 segundos. A média de cada português é de 3 horas, 36 minutos e 7 segundos. Quadro 4.2: Audiências Televisivas no Grande Porto Tipologia Consumos/Período de Tempo Classe Social Baixa 24,4 % Mulheres 4 horas Mais de 65 anos 5 horas Classe Social Alta e Média Alta (25 aos 34 anos) 7,8% e 7,4% respectivamente Fonte: Jornal de Notícias, 20 de Abril 2006 Verificamos pela análise dos dados constantes no quadro 4.2. a importância que assume a classe etária acima dos 65 nas audiências televisivas no Grande Porto. Com um valor médio de 5 horas por dia, esta faixa ultrapassa largamente a média nacional de visionamento televisivo que se situa nas 3horas, 36 minutos e 7 segundos. Quadro 4.3: Perfil das Estações Televisivas – 1º Trimestre 2006 livro 06/11/10 11:24 Page 171 171 II– Região Grande Porto Fonte: Marktest Audiometria12 No 1º trimestre de 2006, a audiência no Grande Porto repartiu-se quase equatitivamente pelos quatro canais de sinal aberto. A preferência recai na RTP1, com 12,7%.Também a nível nacional se manifestou a tendência superior de visionamento da RTP1 na faixa etária dos 65/74. Quadro 4.4: Análise de Audiência Média de Rádio 4º Trimestre de 2005 - Gr. Lisboa e Gr. Porto Fonte: Marktest Audiometria 12 Share de Audiência por Região No Share por regiões, a TVI liderou em todas as regiões e apresenta o seu maior valor no Litoral Centro, com 39,0%.A SIC apresenta o seu valor mais alto 33.0% no Litoral Norte.A RTP1 registou o seu melhor share no Grande Porto 33.3%.A 2: registou o seu melhor share no Litoral Norte com 6.4%. livro 06/11/10 11:24 Page 172 172 No tocante às rádios regista-se uma subida generalizada da Media Capital contraposta a uma descida das estações do grupo Renascença. A Rádio Comercial subiu de 6,3% para 7,8% entre o último trimestre de 2005 e o primeiro de 2006. A Rádio Cidade foi a única do grupo Media Capital a sofrer uma queda de 5,5 para 4,7 %. Já a TSF tem vindo a protagonizar quedas subsequentes, com índices de 4,7% neste primeiro trimestre baixou 1,2% quando nos remetemos a período homólogo em 2005 (5,9%). Quadro 4.5: Perfil de Cobertura por Meio Fonte: Marktest Audiometria Para a análise do Perfil e Cobertura por Meio foram utilizados dois universos: um para Televisão constituído por 9.459.180 indivíduos com mais de 4 anos; e o outro para os restantes meios constituído por 8.311.000 indivíduos com mais de 15 anos. A recolha e produção dos dados realiza-se de forma distinta consoante o meio, pelo que procuramos homogeneizar o período de análise da seguinte forma: — Televisão – 4º trimestre de 2005 (1 de Outubro a 31 de Dezembro) livro 06/11/10 11:24 Page 173 173 — Rádio – 4º trimestre de 2005 (1 de Outubro a 31 de Dezembro e 1 de Janeiro 06 a 15 de Janeiro 06) — Imprensa - 3º Vaga de 2005 (15 de Setembro 05 a 15 de Janeiro 06) — Internet – 2004 — Cinema – Consumidor 2005 — Multibanco - 3º Vaga de 2005 (15 de Setembro 05 a 15 de Janeiro 06) Relativamente à inserção de publicidade e com base em estudo da Marktest, os quatro canais generalistas portugueses (em sinal aberto) transmitiram 1320 horas de publicidade comercial nos três primeiros meses do ano, o que equivale a 172 529 peças publicitárias. Isto equivale a uma inserção diária média de 1 972 anúncios. Quadro 4.6: Investimento Publicitário Fonte: Mediamonitor / Marktest Audiometria 13 13 Análise de Share O Índice permite-nos observar a relação existente entre o Share de Audiência e o Share de Investimento. Quanto mais próximo de 100, maior o equilibrio entre shares. A TVI e a SIC têm um índice de 76, logo conseguem captar mais investimento por cada ponto percentual de audiência. livro 06/11/10 11:24 Page 174 174 4.1.2 Entre o negócio e as práticas jornalísticas Na conjuntura mediática actual e tendo por base uma análise de conteúdo sobre as representações da Câmara Municipal do Porto e do seu líder nos meios de comunicação (descrita mais detalhadamente no ponto 4.4), especialmente nos jornais com impacto significativo na Cidade do Porto, como são os casos do Público, Jornal de Notícias e Primeiro de Janeiro, tem-se destacado o primado de peças desfavoráveis a essa instituição municipal e a Rui Rio. Contudo, esta tendência é manifestamente evidenciada no Jornal de Notícias e Público, enquanto o Primeiro de Janeiro faz uma cobertura mais equitativa das temáticas, de teor positivo, negativo ou neutral. As medidas de Rui Rio – apoiadas por uns e consideradas impopulares por outros - tem gerado na imprensa nacional um jogo de interesses entre o poder político e o poder mediático. A imprensa nacional representada nesta análise (Jornal de Notícias e Público), inserida em grupos económicos com grande poder de mercado, tem a obrigação de contribuir para a informação e formação dos seus leitores, como iremos demonstrar mais à frente. Contudo, por vezes, e de forma hábil, conduzem-nos pelas palavras dos produtores de conteúdos (jornalistas). Estes ordenam, categorizam e teatralizam, por palavras e omissões, acções dos protagonistas da vida política trazendo-as ao público já condicionadas por juízos de valores impressos na arte da escrita e imagem que estes são conhecedores. Cabe ao leitor a tarefa de descodificar códigos, nem sempre partilhados por estes e que os condicionam na interpretação dos factos. À sombra dos contributos da imprensa livre é pertinente colocar a questão: A quem pertence a informação? Soria (1989: 165), remetendo-nos para a realidade espanhola, sustenta «a procura de uma resposta a esta pergunta é a história da informação - mas também é o presente e o futuro.A informação foi primeiro do poder real; depois da empresa informativa; mais tarde dos jornalistas e agora do público». A imprensa, que tanto difunde as notícias através de um jornal ou de uma revista, só faz sentido quando trabalha em função do serviço que deve ao leitor. Se o poder de informar se situar num único núcleo - estatal, sindical, económico, ideológico - não comporta garantias para uma informação aberta. livro 06/11/10 11:24 Page 175 175 Desantes (1973: 166) afirma que «o direito à notícia opõe-se à falta de verdade intencionada, ao silêncio e ao segredo, com excepção do segredo oficial e profissional. O poder de informar, finalidade comum a todas as empresas de informação, que se legitima em regime de mercado livre, concorre com outros poderes informativos, igualmente legítimos, deve tendencialmente perder o sentido perjorativo, para converter-se na função pública de informar aos leitores que são os proprietários e destinatários últimos da informação». O postulado da independência empresarial, no âmbito das notícias e opiniões, relaciona-se com a atitude do profissional da informação, considerado como mediador. Desta forma a objectividade da mensagem informativa é um elemento imprescindível. Os determinismos das audiências são actualmente uma poderosa ferramenta na análise dos media, sejam estas ao nível dos audiovisuais, onde a expressão é mais significativa, mas também ao nível da Imprensa, onde a representatividade ao nível das tiragens e número de vendas geográfica é decisivo. A informação vive de audiências, isto é, deixa de fazer sentido e é ociosa sem audiências. Sem audiência, a informação morre. Mas também deixa de ter sentido e é ociosa a informação para as audiências. E regressa o paradoxo: por causa das audiências, morre a informação (Mascarenhas, 2000). O grande público surge assim como o mote que justifica as opções em termos de actividade televisiva, justificando a imagem que os diferentes canais assumem. Mas o que se entende por grande público? Para Michel Souchon (1990) existe um público televisivo global, uma vez que todos os telespectadores vêm um pouco de tudo, mesmo aquilo que à partida não pareça adequado às suas características sociográficas. Porém, mesmo que diminutas, as diferenças existem, e observa-se que determinadas camadas da população televisiva têm tendência a aderir mais ou menos a diferentes tipos de emissões, e que a diferentes períodos horários corresponde um público distinto, influenciando a escolha dos programas por parte das emissoras. Para Dominique Wolton (1995), conhecer esse público complexo e misterioso surge como uma preocupante inquietação. Nunca se sabe verdadeiramente quem está do outro lado do ecrã e porquê. Se existem estudos que permitem “medir” a quantidade de espectadores que assistiram a um certo programa, dificilmente se saberá quem são eles e mais difícil ainda é saber porque o fizeram, uma vez que não livro 06/11/10 11:24 Page 176 176 existem instrumentos que permitam antecipar conjuntamente, o volume, qualidade, composição e comportamento desse público. Wolton (1995) adianta que com a multiplicação de canais (públicos e privados), o primado da sondagem quantitativa impõe-se, pois, importa saber quem está à frente dos televisores, quando e quanto tempo. Torna-se uma obsessão compreender a recepção dos media, avaliar o comportamento da imensa massa invisível, que não se manifesta através da compra de bilhetes, como no cinema, nem no volume de tiragens, como na imprensa. Os Cultural Studies, um conjunto de estudos heterogéneos, iniciados na Grã-Bretanha nos anos 50-60, vão propor novas leituras sobre o impacto dos Media na sociedade e centralizar, principalmente a partir da década de 80, as suas investigações nas audiências, indo de encontro às teorias ora defendidas pelo funcionalismo americano dominante na Communication Research e mais próximo dos efeitos limitados - e a Teoria Crítica, herdeira em muitos aspectos da Escola de Frankfurt, sempre próxima da concepção dos efeitos todo poderosos. Refere-se como marco destas investigações (Cultural Studies) o modelo de Stuart Hall, proposto no artigo Encoding and Decoding Television Discourse, em 1973, que procura explicar o processo de codificação e descodificação das mensagens e negar a participação passiva das audiências na recepção. Se o objectivo deste modelo era, sobretudo, demonstrar o poder ideológico das mensagens (a hegemonia dos discursos dominantes), principalmente na televisão, a sua principal contribuição para a análise da recepção foi decisiva ao enunciar três atitudes fundamentais dos receptores frente à recepção das mensagens: uma atitude de aceitação e conformidade, demonstrando a adesão à mensagem dominante, uma atitude oposicional correspondente a uma rejeição, uma atitude negociada, manifestação de um tratamento particular e individual dos sentidos codificados nas mensagens. Victória Camps (2004) não partilha dessa opinião, aliás, faz uma analogia entre o produto jornalístico como um alvo facilmente vendável em função da.audiência não ser rebelde, mas submissa e dócil, limitando-se a escutar, a ver ou a ler o que se lhe põe à frente. No entanto, também é livre para se servir do fenómeno zapping para mudar de canal ou de emissora. Neste sentido, a autora considera que a audiência pode ser passiva, mas também é poderosa, dado que a sua resposta e reacções não passam despercebidas. Desta forma audiência prescreve o que deve ser feito pelos media, perdendo valor tudo aquilo que não for capaz de manter e fixar a livro 06/11/10 11:24 Page 177 177 audiência, uma vez que esta é considerada uma importante medida de valor. As maiores limitações de qualquer emissora estão, deste modo, associadas a um sistema económico cujas regras não conhecem outro valor nem outra finalidade senão o lucro, no qual os meios de comunicação são mercadorias que se têm de fazer consumir Assistimos, por isso, a esta viscosa interpenetração do jornalismo com a publicidade e a promoção, quando as edições on-line de jornais já não servem só para dar notícias mas essencialmente para dar meias-notícias e mandar o público comprar a edição em papel; ou quando as transmissões de espectáculos desportivos, nas televisões - feitas ao abrigo do direito à informação - deixam de apresentar o oráculo com o tempo e resultado, para - imaginem! - fidelizar os telespectadores, impedindo-os de mudar de canal, à espera de saberem quantos há! Fidelizar - ouçam bem! - é a palavra usada por jornalistas para justificar uma infidelidade ao seu dever de informar! Escravizar - é o que é. Agrilhoar, manietar, prender. Tudo menos fidelizar. A informação fideliza pela sua qualidade e transparência, não por truques de prestidigitador de feira (Mascarenhas, 2000). Os estudos relativos às audiências têm sofrido, nos últimos tempos, em Portugal, um crescimento e importância acentuada, quer devido ao desenvolvimento do sector, quer pela situação concorrencial que se gerou, quer ainda porque a distribuição da publicidade pelos media é também, e sobretudo, em função da audiência, logo, tornou-se num dos principais factores de distribuição de riqueza pelos órgãos de comunicação social portuguesa. A liberalização do espaço mediático e a comercialização da televisão contribuíram para debilitar as tradicionais concepções sobre os media e sobre as suas funções, traduzindo-se em transformações significativas no âmbito da publicidade, no financiamento do sector e na imposição na lógica de uma maior audiência. Segundo Nelson Traquina (2002) «a dependência da publicidade geralmente significa uma procura frenética de fórmulas de maximização de audiências». Em síntese, podemos afirmar que a “construção” do espaço mediático tem que ter sempre em conta os gostos da audiência, na medida em que, em ultima análise, é esta que promove o sucesso ou o fracasso de uma estação televisiva. Seduzir o público é a palavra - chave, daí o valor da persuasão quer ao nível da informação, quer ao nível do entretenimento. Só mediante a conquista de um leque cada vez mais vasto de livro 06/11/10 11:24 Page 178 178 audiência se consegue obter contratos publicitários, que são no fundo a sua principal fonte de receitas. É pertinente colocar algumas questões sobre a ética e responsabilidade social dos media que servem de base a este trabalho. A procura de respostas a algumas questões relacionadas com a ética e a responsabilidade social dos media é um dos desafios que nos propomos desenvolver nas partes seguintes deste capítulo, tendo por base uma análise sobre as representações da CMP na imprensa, nomeadamente no Jornal de Notícias, Público e Primeiro de Janeiro. 4.2 RELAÇÕES ENTRE A IMPRENSA E A POLÍTICA 4.2.1 O caso da CMP: entrevistas a Rui Rio A conjuntura mediático-política dominante no Porto espelha uma realidade indubitavelmente marcada por constrangimentos, assente numa postura de “costas voltadas” entre a autarquia e os principais diários com maior peso na cidade do Porto, conforme se pode concluir nas afirmações feitas por este autarca às revistas a seguir referidas: Revista Visão «Disse ao Primeiro de Janeiro que a sua maior ruptura foi com a Comunicação Social e não com o futebol. Quem ganhou? Não se trata de ganhar ou perder. A forma como a Comunicação Social exerce a sua função é um dos maiores problemas do regime. Se nada fizesse contra isso ficava de mal comigo. Não me armo em herói solitário no campo de batalha. Quero apenas fazer um caminho, mostrando ao País, por actos e palavras, que não cedo a determinadas coisas. Como é que essa sua batalha começou? Começa quando, como deputado, me apercebo da forma deturpada como a realidade do Parlamento é vista do lado de fora. E os efeitos que isso tem na democracia e na sociedade. De uma forma geral, o deputado é visto, hoje, como alguém abaixo de zero, desqualificado e que só pensa nas suas regalias.A Comunicação Social ajudou a criar essa imagem. Mas isso é mentira. Ou era, pelo menos. E olhe que eu até tinha boa Imprensa, como se diz. livro 06/11/10 11:24 Page 179 179 E no Porto, tem má Imprensa? Tenho, tenho. É notório». (Carvalho, Miguel, Excerto de Entrevista de Rui Rio dada àVisão 18 de Agosto de 2005) Jornal Correio Da Manhã «E porque é tão crítico da Comunicação Social (CS)? O principal problema do País é político.A democracia não convive com falta de autoridade.O principal problema do regime nem é a crise económica. Para mim isso é claro.Tudo começa com o inequívoco enfraquecimento do poder político. A CS tem aqui uma responsabilidade gigantesca, porque na lógica do seu funcionamento e no quadro de impunidade em que actua, enfraquece o regime e tenta formatar a opinião pública à luz dos seus interesses. E o primeiro deles é o lucro. Mas não pode ser à custa da violação dos legítimos direitos das pessoas e de descredibilizar a democracia.Veja o que acontece com a promiscuidade entre sectores da Justiça e a CS. Em termos democráticos é, no mínimo, miserável. Em alguns casos nem no Estado Novo se assistiu a isto. Como se resolve isso? Tem de ser o poder político a resolver. Pelo menos, PS, PSD e PP deviam entender-se nas questões de regime. Se não o fizerem rapidamente a tendência será para a ingovernabilidade. O verdadeiro problema é que o poder político tem-se vindo a enfraquecer gradualmente. Democracia não pode significar falta de autoridade. Há alguma hipersensibilidade pessoal nisto, reconhece... Se há, não é de agora... Iniciei a actividade política muito antes do 25 de Abril e o que me moveu foram os valores fundamentais, a democracia, a liberdade; nem foi a economia. Por isso, sempre estive desperto para os direitos das pessoas. E também não embarco no contrário; fraquejar e ter medo que a liberdade acabe se se mexer em alguns tabus do tempo do PREC.É exactamente o contrário.A democracia não convive com falta de autoridade, repito. A CM Porto é caso único de política de informação: painéis electrónicos, boletim, o ‘site’ da internet que é o braço-armado... A Câmara tem a obrigação de informar os munícipes. Se sinto que os media estão a dar informação distorcida, tenho o dever de esclarecer. Mas o ‘site’ da Câmara citar “fonte próxima do director do JN”... Teve isso e sob a minha responsabilidade. E o que pretendemos foi mostrar o ridículo, que é justamente o que o ‘JN’ faz comigo. Pelos vistos funcionou. Parece que se está a perceber esse ridículo. Isso veio a público a propósito do caso do ‘Apito’ que envolveu o seu chefe de gabinete. Sempre está arquivado? Ele tem uma notificação a dizer que foi arquivado.E parece que afinal foi o Ministério Público que se enganou nas medições. E tenho de prestar homenagem à oposição, que não utilizou isso para baixa política». (Excerto da Entrevista a Rui Rio, O mal do País é o poder político fraco, Manuel Queiroz, in Correio da Manhã de 4 de Junho 2006) livro 06/11/10 11:24 Page 180 180 Com efeito, através da análise destas entrevistas referentes ao posicionamento do autarca do Porto é visível um forte descontentamento deste face à forma como os meios de comunicação social têm abordado os assuntos relacionados com instituição que lidera dando exemplo concreto de práticas jornalísticas que considera não ter outro fim senão o de tentar denegrir a sua imagem política e pessoal. As três prioridades que contemplou no seu programa eleitoral quando se candidata pela primeira vez à Câmara do Porto (2001) são reiterados neste último mandato, por serem consideradas questões estruturais, prendem-se com: a coesão social, o urbanismo e reabilitação social e a mobilidade. E tem sido, precisamente, nestes pontos que a comunicação social vem incidindo, nas avaliações da acção do executivo que lidera e sobre as quais o autarca se insurge continuamente. A solução apresentada para o terminus ou o minimizar desta situação passaria por uma responsabilização maior dos orgãos de comunicação social, garantida através do funcionamento consentâneo do poder judicial, em virtude de uma normalização democrática e da sustentabilidade dos projectos da imprensa livre. Princípios advogados pelo autarca, de forma mais acérrima, ao longo do último mandato iniciado em Outubro 2005. Estes princípios têm estado no centro do debate mediático actual, fruto do crescente número de queixas das personalidades políticas, entre as quais destacamos o recente episódio protagonizado por Manuel Maria Carrilho. Após o lançamento do livro Sob o Signo da Verdade, o candidato à Câmara de Lisboa pelo partido socialista às últimas autárquicas (Outubro 2005) responsabiliza os media e as agências de comunicação pela sua derrota. Carrilho (2005: 44) destaca «num país em que a justiça não funciona, o de uma quase total irresponsabilidade. Infelizmente, e com raras excepções, este tem sido um dos traços que mais se têm acentuado nos últimos anos e que hoje mais degrada a democracia portuguesa. A proletarização da classe e a sua mercantlização são, por um lado, factores que hoje dificultam seriamente qualquer esforço no sentido de uma efectiva qualificação do jornalismo». O paralelismo obtido pelas reacções à Comunicação Social entre Rui Rio e Manuel Maria Carrilho cinge-se à solução evidenciada por um jornalismo induzido como contra-poder.Tendo por base a análise subsequente, poderemos entender que a exposição de ambos os políticos é dispar e o resultado das autárquicas de 2005 livro 06/11/10 11:24 Page 181 181 desmente o que ora é visto pelo candidato a Lisboa como a condição sine qua non para a sua derrota. Tal como foi evidenciado por Ricardo Costa (director de informação da SIC) no debate Prós-Contras da RTP a 22 Maio acerca do Jornalismo e Democracia, que teve por base o recente livro de Carrilho, a pretensa manipulação de que terá sido alvo por parte dos media não justifica a sua derrota. O jornalista destaca o autarca do Porto como um exemplo de um vencedor das autárquicas, com maioria absoluta, que tem travado com os media um confronto de conhecimento público. Este comentário de Ricardo Costa (neste programa televisivo) vem evidenciar, por si só, também a percepção já existente em muitos jornalistas e líderes de opinião a ideia de que a imprensa no Porto tem vindo a ter uma atitude permanentemente crítica com o Presidente da CMP. As preocupações de Rui Rio face aos media têm sido tornadas públicas através do site oficial da Câmara (www.cm-porto.pt), onde contrapõe argumentos e apresenta dados, nomeadamente com o Jornal de Notícias, e enuncia aquilo que considera ser mau jornalismo. Em todas as temáticas abordadas pelo autarca têm sido apresentados exemplos do que considera abuso de poder e manipulação da informação. Se o direito de resposta, provedor dos leitores, entre outros mecanismos de defesa do consumidor enquanto parte lesada pela matéria noticiosa, é considerado pelos directores dos media como uma forma de defesa, Rui Rio tem manifestado a sua preocupação quanto à ineficácia dos mesmos. Isto acontece porque o Direito de Resposta que deveria ter o mesmo destaque (localização e mancha gráfica) dado às notícias que lhe deram origem, são na maioria das vezes relegados para um segundo ou terceiro plano, não obtendo a evidência necessária à assumpção da absolvição da imprensa. 4.2.2 Reservas da autarquia face ao comportamento da imprensa Se já no primeiro mandato Rui Rio havia estabelecido algum distanciamento relativamente aos OCS, é no início do segundo mandato que o autarca define regras mais formalizadas no relacionamento com os media. Esta atitude, adoptada por vários líderes de organizações estrangeiras, inclusivamente por presidentes de câmaras livro 06/11/10 11:24 Page 182 182 municipais de outros países, despoletou da parte dos media, nomeadamente da Imprensa, alvo primeiro desta contenda, reacções de reprovação. A “guerra de poder” instalou-se definitivamente no Porto, quando após uma entrevista concedida pelo autarca ao Jornal de Notícias, publicada a 30 de Outubro de 2005, Rui Rio emite um comunicado, no qual são postuladas as Linhas de Orientação nas Relações da Câmara do Porto com a Imprensa (Anexo 2). Em face deste Comunicado foram estipuladas pelo Executivo as seguintes regras: a) Restringir o seu relacionamento com os media exclusivamente às matérias de inegável interesse público, e evitar todas as que visem objectivos de interesse privado, corporativo ou editorial, designadamente as que procurem a especulação. b) Fazer depender qualquer declaração para a comunicação social sobre matérias do Executivo, de prévio contacto do jornalista com o Gabinete de Comunicação da Câmara, a quem compete coordenar e executar todas as acções de comunicação com o exterior, seja do Presidente ou dos Vereadores. c) Acordar com a imprensa apenas entrevistas por escrito, mediante critérios de oportunidade, com regras previamente definidas, evitando ou minimizando assim interpretações especulativas, ou a pura manipulação das respostas. É bom recordar que os entrevistadores são os donos das perguntas, os entrevistados os donos das respostas. d) O Gabinete de Comunicação da Câmara recorrerá preferencialmente, à mensagem escrita,através da publicação no site oficial da Câmara e de difusão pelos media. A ofensiva do Jornal de Notícias e a contra-ofensiva de Rui Rio são os dois marcos de um processo sem fim à vista nas relações da Câmara com a Imprensa, onde se esgrimem argumentos e se degladiam protagonistas, numa luta sem tréguas. Nas sociedades contemporâneas, o conhecimento constitui por si só um factor de hierarquização social, pelo que o poder de informar representa um grande poder. Os jornalistas e as suas fontes contribuem de forma contundente para articular e definir os contornos desta sociedade da informação e do conhecimento. livro 06/11/10 11:24 Page 183 183 Resta, portanto, saber até que ponto essa transferência de conhecimento contribui para a informação ou desinformação do público. Os processos de selecção e a intervenção mais ou menos activa na produção jornalística condiciona a opinião pública. A mediatização política constitui um pilar desta sociedade criada à luz da agenda dos media, o que proporciona a existência de um “jogo mediático” entre quem ganha e quem perde, que gera muitas vezes o chamado efeito “bola de neve”. «Os sistemas políticos estão mergulhados numa crise estrutural de legitimidade, periodicamente arrasados por escândalos, com dependência total de cobertura dos media e de liderança personalizada e cada vez mais isolados dos cidadãos» (Castells, 1999). Neste enquadramento situamos a análise subsequente na qual as práticas jornalísticas adquirem contornos positivos/negativos/neutrais. 4.2.3 A objectividade e a imparcialidade nos media Com o surgimento da imprensa, a disseminação de ideias sempre esteve ligada à delegação de poder na sociedade. À medida que a técnica dos meios de comunicação vai evoluindo, aumenta o interesse dos executivos e de numerosos partidos políticos e movimentos sociais em recorrer a esses novos meios de difusão como canais para disseminar as suas próprias ideias. Os meios de comunicação tornaram-se, ao longo do século XX, sobretudo, elementos indispensáveis da estruturação social e política dos povos, funcionando até mesmo como extensão dos homens (ao estilo McLuhan14) ou suporte para a inteligência colectiva. No final do século XX esta ideia é cada vez mais esbatida pela sobreposição das questões económicas à evolução tecnológica. «Os direitos não nascem todos de uma vez (...), nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são 14 Marshall MacLuhan desenvolveu o conceito de que os meios de comunicação são extensões do corpo humano na sua obra Urderstanding Media, Mc Graw-Hill, 1ª edição, 1965. Para o autor, os novos meios não são extensões do olho ou dos ouvidos, mas do sistema nervoso central. Ao prolongar o sistema nervoso central num abraço global, o globo tranformava-se numa aldeia. livro 06/11/10 11:24 Page 184 184 providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protector» (Bobbio, 1992). A sociedade está a pôr em causa aquele órgão que é seu parceiro e cúmplice no processo de transformação da sociedade: a imprensa. As lutas pela democratização, pelas almejadas garantias do cidadão e da sociedade passam pelo fluxo de informações. É o homem de imprensa o responsável por esse papel. Nenhum governante, nenhum homem público, que se preste a administrar os caminhos de uma nação, de um povo, jamais o fará, dentro daquilo que se entende pela ética na sociedade, sem o auxílio do fluxo de informações.A imprensa, enquanto instituição, tende a executar isso de forma objectiva. Todavia, a informação é uma “arma”, usada pelas instituições, quaisquer que sejam seus objectivos. Uma notícia mata, de verdade. Colocada no lugar que se deseja leva a uma alteração e “aniquila”, senão o cidadão, pelo menos a instituição-objectivo. Os exemplos são variados, contudo, nem sempre o leitor é respeitado nos seus direitos de cidadania. Fernando Correia (2000) salienta que «os media e o jornalismo produzem mensagens (no terreno da informação, mas também do entretenimento, da publicidade, etc.) detentoras de um determinado sentido, qualquer que ele seja. Mesmo que aparentemente não tenha nenhum». Não sejamos ingénuos ao ponto de remeter os media para o domínio da imparcialidade total; alegar-se esta imparcialidade é utópico e irreal, uma vez que todos temos opinião, mesmo aqueles que não se expressam. Por tudo isso, iremos, inevitavelmente, cair no campo académico, cuidando da formação desse profissional, jornalista, e conduzi-lo ao uso da informação como instrumento de transformação da sociedade enquanto colectivo composto por figuras públicas e anónimas, e nunca de destruição. Fernando Correia (2000) adianta que os media enquanto agentes de mudança constituem uma poderosa máquina no condicionamento global das opiniões dos comportamentos e dos valores. A mediatização é um dado irreversível na esfera política dominante na sociedade de informação e do conhecimento. Fruto de um conflito de interesses, nem sempre pacífico e sujeito a avanços e recuos, a política serve-se dos media para projectar a sua acção, contudo, estes são também os seus primeiros detractores. Esta mediatização valorizou em larga medida o papel individual da liderança, em detrimento de orgãos colectivos. O nome de Rui Rio aparece frequentemente em nome das instituições que lidera (Câmara do Porto, Junta Metropolitana do Porto). livro 06/11/10 11:24 Page 185 185 Mas é em nome destas instituições que Rio sofre mutações de aproximação e recuo em relação aos media. O jogo do gato e do rato celebrizado em “Tom and Jerry”, domina a actualidade do líder da autarquia e dos media. Se, por um lado, a Câmara publicou em Outubro de 2005 um Regulamento de Relacionamento com os orgãos de comunicação social, foi durante esta semana que Rio desmistificou esta questão ao servir-se destes meios para fazer-se ouvir. Desde uma grande entrevista dada à SIC, o autarca foi fotografado por toda a Imprensa e prestou declarações à Rádio. Como assinalam Roberto Andrés e Teresa Garraza (1999) o poder dos meios de comunicação enquanto formadores da opinião pública é tal que qualquer político que não seja visceralmente democrata se sentirá tentado a domina-los, directa ou indirectamente. Coincidência ou não, a necessidade mediática impôs que Rio recorresse àqueles a quem impôs algum distanciamento para fazer chegar a sua mensagem a entidades tuteladas pelo Governo. Os orgãos de imprensa devem apenas noticiar os factos e não pender para um lado ou para o outro. Objectividade pode não existir, o que não significa que se possa abusar do leitor e esquecer de se preocupar com o que é publicado. Mesmo sendo imparcialidade algo impossível, deve-se sempre manter a ética. Em democracia o reconhecimento da liberdade individual e o pluralismo são realidades que antecedem a articulação politíca da sociedade e constituem os seus pilares fundamentais. Imaginemos, porém, que as coincidências são meros acasos; acreditemos que nós não somos manipulados assim tão facilmente por políticos e imprensa; exijamos, contudo, que se tenha maior cuidado e atenção no que trazem os jornais nas suas páginas. Porque, tratando-se de meios de comunicação de massa, acasos e coincidências atingem muita gente, prejudicam muitas pessoas, apesar de favorecer outras tantas. 4.2.4 Relação dos media com as organizações políticas Para Blumler e Gurevitch (1995), o processo de comunicação política deve ser visto como um sistema relacional entre instituições políticas e organizações mediáticas. O sistema funciona com base na interdependência mútua e no facto de ambas as partes se legitimarem na sociedade, uma através do voto, outra através da audiência. livro 06/11/10 11:25 Page 186 186 Os media dependem das organizações políticas na medida em que estas são o motor das instituições económicas, sociais e culturais, sendo ainda produtores de acontecimentos e opiniões.As instituições políticas, por seu lado, dependem dos media porque são eles quem detém o sistema que lhes permite chegar a grandes audiências, ao público que pode legitimar a renovação do seu poder. Assim, distinguimos claramente dois elementos preponderantes no processo de comunicação política: os actores e os dispositivos de comunicação. Os actores são os intervenientes activos no processo de comunicação, aqueles que pretendem renovar o seu poder através da legitimação da opinião pública: – Missika e Wolton (1983: 313-316) identificam quatro tipos de actores de comunicação política: • Homens políticos - legitimados pelas eleições; • Jornalistas - legitimados pelos leitores e no cumprimento de uma necessidade social de liberdade de expressão; • Actores sociais e profissionais - legitimados pela eleição entre os seus pares; • Intelectuais - legitimados pelos media que os convidam dada a sua ligação ao ensino e à cultura. – Os dispositivos, aqui considerados num sentido amplo, são os elementos passivos do sistema, aqueles permitem ao actor chegar ao elemento legitimador do poder, as audiências.Assinalamos, assim, os seguintes dispositivos: • Meios de comunicação social; • Palcos das intervenções públicas - comícios, colóquios, sessões de esclarecimento; • Organizações sociais - associações profissionais, instituições de ensino, etc.; • Suportes culturais - livros, cd’s, etc. livro 06/11/10 11:25 Page 187 187 – É visível que existem diferenças fundamentais entre os vários dispositivos referidos, o que condiciona de forma definitiva a projecção do actor que a ele recorre. Estas diferenças revelam-se a três níveis: • Condições de acesso - Quem e como pode aceder a determinado dispositivo; • Dimensão da audiência - Quantidade de pessoas que, potencialmente, pode contactar, ainda que virtualmente, com o actor; • Distribuição - Forma como a audiência acede. Cruzando estes dados percebe-se facilmente, e sem surpresa, que o dispositivo mais poderoso é aquele que apresenta maiores audiências o que, no caso da televisão, por exemplo, é uma consequência de uma distribuição óptima, na medida em que entra em casa das pessoas sem que elas tenham que fazer qualquer esforço. Para além da televisão, o meio mais poderoso, os restantes media têm também um papel preponderante na projecção de novos actores, sendo, naturalmente, os dispositivos mais poderosos. Assim, o acesso aos media surge como uma questão fundamental, quando espaço público e espaço mediático parecem confundir-se. Porém, o acesso aos media não depende apenas do interesse de uma das partes, mas da negociação entre ambas. À partida, as normas de ética jornalística implicam a independência dos media, mas na prática existe uma política editorial que privilegia a cobertura de determinados acontecimentos ou pessoas em detrimento de outras. Warren Breed (1955) havia destacado que esta política editorial é determinada pelos quadros superiores da organização sendo, geralmente, seguida pelos jornalistas. Para conseguirem uma integração plena e o reconhecimento dos seus colegas e superiores, os novos jornalistas tendem a redefinir os seus valores até ao nível mais pragmático da redacção. Por isso, a política editorial acaba por ser determinada pela organização, sendo ela a detentora da chave que dá acesso aos media. As questões enunciadas demarcam algumas possibilidades de actuação da imprensa, representadas nas relações entre a imprensa e a Câmara do Porto. A propósito das questões levantadas por profissionais do sector e estudiosos desta livro 06/11/10 11:25 Page 188 188 matéria acerca da actuação de Rui Rio nas medidas tomadas de relacionamento com a Imprensa, Manuel Teixeira, chefe de Gabinete do autarca advoga: «De facto, o que o Presidente da Câmara do Porto decidiu fica a anos luz do que se faz em circunstâncias semelhantes nas mais avançadas democracias. Recomenda-se vivamente aos jornalistas que investiguem como funcionam os gabinetes de comunicação da Casa Branca, da Moncloa, do Eliseu, ou das câmaras de Paris, Marselha, Madrid, Barcelona ou Nova Iorque... Recomenda-se que analisem os métodos e organização das entrevistas para a Imprensa, Rádio ou Televisão naqueles serviços... Recomenda-se que investiguem quem tem acesso e como são creditados os jornalistas naquelas instituições» (Novembro de 2005, a propósito das Linhas de orientação das relações da Câmara do Porto com a Imprensa). Ao seleccionar o real que vai narrar, e ao escolher o modelo narrativo em que o vai exprimir, um jornal – ou mais precisamente, quem nele detém a responsabilidade editorial – reduz a infinitude de realidades e de significações a um pequeno conjunto que as representa. Este trabalho produz um sem número de exclusões, e comporta uma censura permanente, fruto de recursos escassos (tempo e espaço). Ele é vivido como “natural” e “inevitável”: naturalidade e a inevitabilidade desculpabilizam e legitimam. O jornal pode calar sem pecado. Uma das suas lutas constantes consiste, aliás, na conquista – sempre inacabada – do direito à autoabsolvição sem arrependimento. Os media, que muitos já designaram como o “quarto poder” (numa alusão metafórica à estrutura tripartida de separação de poderes das democracias liberais), assumem efectivamente um papel fundamental na modelação da opinião púbica, o que lhes confere o estatuto de veículo de informação privilegiada no contexto da democracia pluralista e competitiva. E o que temos assistido, não só em Portugal como por todo o mundo civilizado, é ao esvaziamento de critérios éticos deste sector, que, muitas vezes, alinhando-se como verdadeiramente intocável, lança escândalos, inicia polémicas, deturpa a verdade dos factos, dá o relevo que entende a situações absolutamente insignificantes e faz desaparecer da agenda os temas centrais. Tudo isso sem qualquer controlo (ou com mecanismos de regulação muito débeis, padecendo dos tradicionais problemas das entidades reguladoras), ao sabor do chamado “interesse jornalístico” – critério, por vezes, mais comercial do que editorial, tido quase como indiscutível – ou ao serviço de outros interesses que se figurem mais relevante. livro 06/11/10 11:25 Page 189 189 A preocupação crescente na regulação da Comunicação Social surge derivado à crescente interpenetração entre os poderes sociais económicos e políticos.Apontada por alguns protagonistas da área jornalística como uma forma de policiamento, esta fórmula é abordada da seguinte forma por Azeredo Lopes, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social: «A ideia dos poderes policiais é absurda porque imputa à ERC uma lógica tenebrosa.As funções de autoridade não foram inventadas por nós. Herdámo-las, por exemplo, do Instituto da Comunicação Social.” e acrescenta ao ser questionado sobre as formas de fiscalização “Não temos fiscais para jornalistas, posso garantir. O que se trata é da compatibilidade, por exemplo, com a lei da rádio, de informações que nos venham a ser prestadas por órgãos da comunicação social.O que se pretende é instalar uma cultura de regulação, que compreendo que tenha uma dimensão assustadora, lá onde não existia, se passa a existir, implica uma ideia restritiva. Não, vamos, obviamente, restringir esferas de liberdades protegidas. Mas não vejo que a liberdade de imprensa seja uma liberdade libertária». ( Excerto da Entrevista de Azeredo Lopes ao Diário de Notícias, de 27 Maio) Só será possível usufruirmos da liberdade de imprensa na sua plenitude quando se conseguirem conjugar alguns factores, nomeadamente: o estabelecimento de limites às concentrações de órgãos de informação e às “sinergias” com materiais informativos entre empresas ou publicações e o reforço da autonomia e da independência dos jornalistas face ao poder económico, incluindo da própria empresa, com o estabelecimento de sanções para as ingerências por parte das administrações ou de outros sectores na orientação e nos conteúdos editoriais. Os contributos para a imprensa livre deverão surgir através da regulação e não da negação e manipulação dos factos. Os Direitos Fundamentais de qualquer cidadão deverão ser postos na linha da frente quando nos confrontamos com abusos incessantes e atropelos sobre estes. Pelo previsto no Artigo 3º da Lei de Imprensa, «a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da lei, de forma a salvaguardar o rigor e objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse livro 06/11/10 11:25 Page 190 190 público e a ordem democrática». A salvaguarda do bom nome é, por isso, um postulado garantido pela acção legislativa que assiste a qualquer cidadão, embora, em virtude dos determinismos político-económicos, nem sempre cumprida pela influência mediática. 4.3 A ACTIVIDADE JORNALÍSTICA: ENTRE A INFORMAÇÃO E A POLÍTICA 4.3.1 A instrumentalização da imprensa Qual a responsabilidade social, ética e empresarial dos grupos que detêm os Mass Media? Que standard e métodos de avaliação utilizam? Têm um código de conduta? Estas e outras questões deveriam dominar a actualidade, mais premente quando o que está em causa são direitos e deveres adquiridos pelos cidadãos, enquanto sujeito jurídico. O sensacionalismo que impera, em muitos casos, nos media actuais, e concretamente na imprensa, faz com que o discurso político seja cada vez mais revelador de artimanhas, ataques e contra-ataques. O verdadeiro debate, a discussão retórica das ideias situa-se, por vezes, à margem da informação séria e responsável. Algumas peças analisadas no Público e Jornal de Notícias, de Julho de 2005, marcam um período bastante fértil ao nível de práticas condicionadas por uma pré-campanha autárquica, que antecede as férias de Verão. A antecipação da silly-season em Julho de 2005 foi marcada pela apresentação das candidaturas às autárquicas e dos cabeças de lista e a inflamação das polémicas em torno da actual legislatura. Desta forma anunciavase uma pré-campanha conturbada pelo Túnel de Ceuta e o litígio entre Câmara e o Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar); as obras nos Aliados e respectiva contestação pública e, por último, e como tema central de gestão da agenda política, as obras no Mercado de Bolhão e o lançamento dos cordões humanos que dominam a actualidade. As questões dominantes passam mais pelo fait-divers do que pela discussão real dos factos. Denunciadoras de práticas jornalísticas destinadas a promover a imagem política de uns e a queda de outros, a imprensa reflectiu sobre estas e outras temáticas de um ângulo tendencialmente desfavorável à actuação do edil e respectivos livro 06/11/10 11:25 Page 191 191 apoiantes. Destrinçar entre factos e opinião é um dos papéis a que o jornalista se deve comprometer enquanto relator dos mesmos. No entanto, quando a opinião ultrapassa os limites do bom senso para atingir com ofensas pessoais alvos públicos com deveres que lhe foram conferidos por sufrágio universal atingem todos os cidadãos. Neste contexto, em que as eleições se ganham pela capacidade mediática que os protagonistas conseguem ter, os media são cada vez mais um alvo apetecível. Contudo, Rui Rio é um exemplo que contrariou estas máximas, como, aliás, referiu Ricardo Costa, directo da Sic Notícias, no programa Prós e Contras, emitido pela RTP em 22 de Maio de 2006. A democracia das decisões difíceis e impopulares, «deu lugar uma demagogia, onde tudo corre bem e onde não existem dificuldades» (Pereira, Pacheco, www.abrupto.pt, 2004). «Os media devem funcionar como mecanismo de controlo dos político, mas a má utilização destes levou a que sejam mais do que isso» (Saperas, Enric, in www.abrupto.pt, Dez 2004). Se olharmos para os media (imprensa) como uma instância de competição na luta pela definição e construção do real-social, a problemática dos media merece uma reflexão atenta. Se sem estes se torna utópico falar de uma decisão democrática, muitas vezes são eles próprios os obstáculos reais às possibilidades dessa mesma deliberação. Em certas circunstâncias, a sociedade civil pode adquirir influências na esfera pública e produzir impacto sobre a decisão política. Movimentos sociais, iniciativas organizadas e fóruns de cidadãos, as diferentes formas de associativismo são sensíveis aos problemas. Todavia, em grande parte devido aos media, os sinais e impulsos enviados são demasiado fracos para redireccionarem os processos de decisão no sistema político (Habbermas, 1996). Por seu turno, o envolvimento emocional condiciona cada vez mais a linguagem jornalística, tornando-a mais subjectiva e sujeita à subjectividade e preterindo a mensagem política. As mensagens políticas passam por um processo de subordinação a um papel secundário às características (formais, mas também substanciais) dos produtos light gerados no infortainment - mesclagem entre a informação e o entretenimento (Pissarra, 2003). A imprensa e outros media, enquanto formadores da opinião pública, deveriam rever o conceito à luz de critérios de rigor analítico e não tendo por base jogos de sombras menos explícitos que conduzem à manipulação. A época de campanha é um exemplo retundante deste aspecto que gera muitas vezes a produção livro 06/11/10 11:25 Page 192 192 de peças sobrecarregadas de informações valorativas e assentes em pressupostos de agendamento político intencional. É a coincidência entre a agenda política e a agenda dos media que transforma este período na produção de peças em catadupa, em que se emitem juízos e reproduzem intenções, em que o contacto directo é muitas vezes sobrevalorizado pela opinião mediática. O primado dos media sobre o cidadão é a afirmação mais contundente da campanha. Este, cidadão, contribui de forma passiva para a valorização de um candidato em detrimento de outro. Um uso instrumental tendente à repercussão mediática e ao seu efeito disseminador. No Estado de direito em que vivemos seria importante dar lugar ao jornalismo participativo por excelência, objectivo perseguido pelos blogues políticos, ou seja, «o acto de um cidadão ou grupo de cidadãos desempenhar um papel activo no processo de recolha, análise, produção e distribuição de notícias e informações. O objectivo desta participação é oferecer informação independente, fidedigna, variada, precisa e relevante para o funcionamento da democracia» (We Media em http://www. hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf). Encontramos no jornalismo tradicional, nomeadamente nas campanhas políticas, uma forma vertical de emissão da mensagem. O melhor argumento sempre vence ou muitas vezes é dominado pelo poder político e económico, pelas denominadas “hierarquias sociais” (o debate sobre se existe ou não uma “paridade entre os sujeitos” (Habermas, 1984). Factores como o marketing e a mediatização da sociedade e da política acabam por influenciar a formação da opinião pública (se é que podemos falar em opinião pública, como refere Bourdieu).A acessibilidade não é uma barreira, visto que grupos de pessoas estão excluídos de debates. Este é o verdadeiro jogo de sombras que se estabelece. Se ao longo de vários anos se preconizou a necessidade dos meios de comunicação serem um espelho da realidade, ou seja, um retrato fiel dessa realidade, hoje é penoso assumir que os media são transmissores assépticos do que ocorre. Com muita frequência observamos que os jornalistas desempenham um papel activo na sociedade. Já não são simples transmissores de dados, simples espelhos, simples testemunhos. Agora, assistimos a uma valorização e análise de um ponto de vista e muitas vezes à persuasão das audiências (Andrés et al, 1999). livro 06/11/10 11:25 Page 193 193 Tal como não existe objectividade em estado puro, não existem nos textos jornalísticos fronteiras absolutas entre informação, interpretação e opinião. De qualquer modo, há três níveis essenciais na construção das peças: a apresentação dos factos, que podem ser a divulgação da opinião de terceiros — a informação; o relacionamento desses factos entre si — a interpretação; e o juízo de valor sobre esses factos — a opinião (in Livro de Estilo do Público,1999). As barreiras entre informação e opinião são cada vez mais difusas e quando nos remetemos a situações de conflito e tomadas de posição conflituosas, nomeadamente políticas, esta barreira é ainda mais ténue. Contudo, importa referir que o maior perigo passa pela camuflagem dos factos pela opinião. A isto chamamos manipulação. O entendimento que temos de manipulação é de alguém que procura, através de processos comunicacionais ou informativas, conduzir outrém por determinado caminho ou determinado fim. O condicionamento do comportamento tanto pode ser feito por reforço positivo como negativo (Dias, 2005). Os media enquanto mediadores entre os acontecimentos e a opinião pública podem ser decisivos em contribuir para a resolução ou agudizar um conflito. No caso da CMP, estes pontos - ambivalentes – interceptam-se nos cânones da Imprensa e na gestão do conflito permanente entre a autarquia do Porto e os orgãos de comunicação social. Em alguns casos, os orgãos de comunicação social deveriam respeitar mais a sua natureza, formal ou informal, de serviço público, contribuindo para a procura de soluções, diálogo e negociação sem fomentar interesses partidaristas, desempenhando a sua função de forma livre e sem espectros de censura e controlo propagandístico. De acordo com Ignatio Ramonet «estamos a passar de um poder vertical, hierarquizado e autoritário, para um poder horizontal, em rede e consensual (um consenso que é conseguido precisamente pelo expediente de manipulações mediáticas)» (1999:145). Isto traduz que antes a manipulação era “objectiva” - ou seja: nós sabíamos quem e como a exercia, ao invés do que acontece actualmente em que as fontes de poder e fórmulas de persuasão são múltiplas e difusas. Desde há trinta anos a esta parte, com mutações económico-politicas, conjunturais e múltiplas, marcadas por uma mudança de regime e fruto da inserção dos media numa economia à escala global, que a configuração dos media tradicionais se alterou e concomitantemente os fluxos comunicacionais. livro 06/11/10 11:25 Page 194 194 Timoteo Álvarez (2006) salienta que nos últimos vinte anos os jornais primeiro, e depois das privatizações também as televisões e a rádio viveram o melhor momento económico da sua história. Nunca tinham visto tanto dinheiro junto. Afirmaram-se assim como empresas saneadas, iniciam um imparável caminho em direcção à constituição em grupos multimédia, em direcção a alianças locais, regionais ou globais, em direcção a uma capacidade crescente de influências em direcção à autoafirmação, à auto-estima e à procura dos seus próprios interesses. A manipulação dos media radica em fenómenos políticos e ideológicos. A sua capacidade de actuação social alcança hoje, no entanto, tais quotas que está a transformar o que durante os últimos duzentos anos foi a fundamentação jurídica do próprio poder político, justificado até ao momento na representação.As relações entre poder político e as massas movimentam-se hoje em dia no âmbito da pós-democracia, ou democracia mediática, ou democracia pós-parlamentar, na percepção de que os meios de comunicação são actualmente, como a guerra em Clausewitz, a continuação da política por outros canais e sistemas (Santos, 2001; Sani, 2001). O principal efeito da manipulação é que os órgãos de imprensa não reflectem a realidade. A maior parte do material que a Imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indirecta. É uma referência indirecta à realidade, mas que distorce a realidade. A relação que existe entre a Imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objecto que ele aparentemente reflecte: a imagem do espelho tem algo a ver com o objecto, mas não só não é o objecto como também não é a sua imagem.A manipulação das informações transforma -se, assim, em manipulação da realidade. A este propósito, uma das questões centrais que se coloca, é: quais são os contornos políticos desta manipulação? Não é necessário estender-se na demonstração de que, na sua imensa maioria, os principais órgãos de comunicação de hoje são propriedade da empresa privada. Por conseguinte, a discussão que deve ser feita é no sentido de compreender quais os factores que podem contribuir para que os responsáveis da gestão editorial e empresarial dos media nem sempre façam uma ponderação de critérios éticos na suas tomadas de decisão. A teoria economicista é uma das explicações apresentadas por alguns autores, dos quais se destaca Perseu: «Há duas vertentes para a explicação economicista do fenómeno. A primeira desloca para a figura do anunciante a responsabilidade última e maior pelo produto livro 06/11/10 11:25 Page 195 195 final da comunicação: segundo essa vertente, é por imposição — directa ou indirecta — desse anunciante (privado ou estatal) que o empresário se vê obrigado a manipular e distorcer. A segunda vertente centra a explicação na ambição de lucro do próprio empresário de comunicação: ele distorce e manipula para agradar seus consumidores, e, assim, vender mais material de comunicação e assim aumentar seus lucros. A responsabilidade é do próprio empresário de comunicação, mas a motivação é económica»(1988:49). É bastante provável que ambos elementos entrem, em maior ou menor grau, no comportamento de grande parte das empresas de comunicação. Mas não parecem explicar todo o fenómeno. O peso de cada anunciante individual sobre o órgão de comunicação, ou mesmo de seu conjunto, é muito ponderável na pequena imprensa, naquela em que a manipulação surte menos efeito. A ambição de lucro, por outro lado, não explica, por si só, a manipulação e a distorção. Em primeiro lugar, porque muito provavelmente o empresário teria mais possibilidades de obter lucros mais substanciais e mais rápidos aplicando seu capital em outros ramos da Indústria, do Comércio ou das Finanças, e não precisaria investi-los na comunicação. Em segundo lugar, porque nada garante que outro tipo de jornalismo, não manipulador, não tivesse uma audiência infinitamente maior do que a que consome os produtos de comunicação manipulados. É evidente que os órgãos de comunicação, e a Indústria Cultural de que fazem parte, estão submetidos à lógica económica do capitalismo. Mas o capitalismo opera também com outra lógica — a lógica Política, a lógica do Poder — e é aí que, por vezes, se poderão encontrar algumas explicações para determinadas formas de manipulação jornalística. Perseu (1988:67) destaca alguns motivos que levam as empresas de comunicação a tornarem-se cada vez mais similares aos partidos políticos: 1. Da mesma forma que os partidos têm seus manifestos de fundação, seus programas, suas teses, os órgãos de comunicação têm seus projectos editoriais, suas linhas editoriais, seus artigos de fundo. 2. Os partidos têm estatutos, regimentos internos e regulamentos; os órgãos de comunicação têm seus Manuais de Redacção, suas Normas de Trabalho. livro 06/11/10 11:25 Page 196 196 3. Os partidos têm seu aparato material: sedes, móveis e equipamentos, verbas, veículos, etc. Os órgãos de comunicação também têm seu aparato material, frequentemente mais diversificado e mais moderno que o da média dos partidos. 4. Os partidos têm seus filiados, seus militantes, seus quadros dirigentes centrais e intermediários. Os órgãos têm o equivalente: empregados, chefes, directores, editores, de quem exigem adesão e fidelidade frequentemente maior que a que os partidos. 5. Os partidos têm normas disciplinares com as quais aplicam sanções aos filiados que se afastam da linha partidária. Os órgãos também têm normas disciplinares, com as quais aplicam prémios de reforço aos mais fiéis, e rebaixamentos, suspensões e expulsões aos que se desviam da linha editorial. 6. Os partidos têm sede central, directórios regionais e locais, células, núcleos, áreas de influência e intercâmbio com entidades do movimento social. Os órgãos têm sede central ou matriz, sucursais correspondentes e enviados especiais, contratos e convénios com outros órgãos e com agências internacionais. 7. Os partidos são um ponto de referência para segmentos sociais, têm seus simpatizantes e seu eleitorado. Os órgãos também são um ponto de referência para milhares ou milhões de leitores/espectadores, têm seus simpatizantes e seguidores. 8. Os partidos procuram ter os seus boletins, o seu jornal, a sua revista, seus volantes e panfletos, seus carros de som e seus palanques com alto-falantes, enfim, seus meios de comunicação. Os órgãos de comunicação são os meios de comunicação de si mesmos enquanto partidos. livro 06/11/10 11:25 Page 197 197 9. Os partidos procuram conduzir partes da sociedade ou o conjunto da sociedade para alvos institucionais, para a conservação de algumas instituições e para a transformação de outras; têm enfim um projecto histórico relacionado com o Poder. Os órgãos de comunicação também procuram conduzir a sociedade, em parte ou no todo, no sentido da conservação ou da mudança das instituições sociais; têm, portanto, um projecto histórico relacionado com o Poder. 10. Os partidos têm representatividade, em maior ou menor grau, na medida em que exprimem interesses e valores de segmentos sociais; por isso destacam, entre os seus membros, os que disputam e exercem mandatos de representação, legislativa ou executiva. Os órgãos de comunicação agem como se também recebessem mandatos de representação popular, e alguns se proclamam explicitamente como detentores de mandatos. Oscilam entre se auto suporem demiurgos da vontade divina ou mandatados do povo, e confundem o consumo dos seus produtos ou o índice de tiragem ou audiência com o voto popular depositado em urna. Se alguns meios de comunicação não são partidos políticos na acepção rigorosa do termo, são, pelo menos, agentes partidários, entidades para-partidárias, únicas, sui generis. Por vezes algumas empresas de imprensa comportam-se e agem como partidos políticos.Tendem a afastar-se do conceito de instituições da sociedade civil para se aproximarem mais das instituições da sociedade política. Procuram, por vezes, representar — mesmo sem mandato real ou delegação explícita e consciente — valores e interesses de segmentos da sociedade. E tentam fazer a intermediação entre a sociedade civil e o Estado, o Poder. Tal como salienta Timoteo Alvarez (2006:196) a legitimidade originária, aquela conferida pelo voto, tem uma vida curta, justamente aquela que permite a designação dos representantes. Imediatamente se vê substituída por outra legitimidade, a legitimidade flutuante, que domina todo o longo período entre eleições e que é gerida pelos media. Os media assumiram há tempo a crítica do poder político como uma das suas funções sociais e criam a imagem dos partidos e dos governos. Mas essa imagem e legitimidade, variável em torno dos temas, configura-se livro 06/11/10 11:25 Page 198 198 numa envolvente de poder diluído em que se joga não só a relação dos políticos, mas também de todos os agentes sociais intervenientes no espaço público (votantes, media, formadores de opinião). O mesmo será dizer que as democracias não se sustentam mais exclusivamente no poder dos partidos políticos.Certas decisões são determinadas pelo poder dos meios de comunicação. É por essa razão que os principais órgãos de comunicação podem proclamar sua autonomia e a sua independência, não só perante os anunciantes como diante do Governo e do Estado. Na realidade, esses grandes órgãos de informação são, efectivamente, autónomos e independentes, em grande parte, em relação a outras formas de poder. Mas não — como por vezes nos querem fazer crer — porque estejam acima dos conflitos de classe, da disputa do poder ou das divergências partidárias. Ao recriarem a realidade à sua maneira e, por vezes, de acordo com seus interesses político-partidários, os órgãos de comunicação aprisionam os seus leitores nesse círculo de ferro da realidade irreal, e sobre ele exercem toda a sua força. Esta subserviência, evidente em alguns casos, ao poder institucionalizado pela Imprensa condiciona a informação, delimitando o círculo numa linha facciosa. No ponto seguinte vamos, recorrendo à análise de artigos publicados em três diários, observar de uma forma mais objectiva exemplos concretos de como os jornais podem, em determinadas situações, manipular a informação, colocando em causa alguns princípios básicos da ética e deontologia jornalística. Neste contexto, identificamos boas e más práticas jornalísticas15 relacionadas com a abordagem das actividades da Câmara Municipal do Porto e do seu líder. 15 Consideramos boas práticas jornalísticas aquelas que se identificam com o Código de Ética Jornalística e que conferem um relato neutral dos factos, quer na forma quer no conteúdo do processo noticioso até à consumação do produto final (notícias publicadas), sem distorção ou manipulação. Quanto maior for o grau de distanciamento desta realidade mais as peças se aproximam do conceito de más práticas. Estas questões são propiciadas pelo acto de titulação; tipo de discurso (escolha de palavras), construções gramaticais, pontuação, tipo de imagens publicadas, estrutura da peça, destaque entre outras variáveis. De notar que estas variáveis remetem para um quadro de valores individuais e sociais. livro 06/11/10 11:25 Page 199 199 4.4 ANÁLISE DA ESTRUTURA E CONTEÚDO DA NOTÍCIA 4.4.1 Âmbito e Objectivos Nos últimos anos têm sido frequentes as queixas das figuras públicas (nomeadamente por parte de alguns políticos) sobre abusos dos jornalistas relativamente à interpretação de entrevistas, declarações ou outras peças jornalísticas em que os protagonistas são pessoas que, por natureza das suas actividades profissionais, estão mais expostas à opinião pública. Um dos exemplos mais recentes – e virtualmente mais mediático – de demonstração de descontentamento face à forma como, por vezes, os jornalistas abordam os assuntos, foi evidenciado pelo ex-ministro e candidato a presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Manuel Maria Carrilho, que culminou com a publicação de um livro intitulado “Sob o Signo da Verdade”. Neste livro Manuel Maria Carrilho acusa ter havido uma estratégia deliberada de alguns orgãos de comunicação social contra a sua candidatura. Segundo Carrilho “o delírio em torno de si continuou... o cronista A. M. Seabra retomou, com uma série de ataques ao “carrilhismo”, uma linha já conhecida desde que o Ministério da Cultura, no meu tempo, resisitiu ao modo como ele pretendia parasitar o erário público” (2006:76-77). Com o decorrer da campanha autárquica, Carrilho compara a actuação da comunicação social à de um polvo, cada vez mais tentacular. ”O que me surpreendia era que os bons jornalistas, sérios que são creio, a grande maioria dos profissionais deste sector, se deixassem levar numa onda que, entre Setembro e Outubro, mostraria bem não hesitar perante nada, como se a campanha de distorção lançada em Junho com o arrastão videológico os tivesse condicionado, manietado, silenciado, se prolongasse numa operação de intimidação, enquanto ao mesmo tempo se dava rédea solta a algumas das mais cínicas manipulações que se terão feito em Portugal, numa campanha eleitoral” (2006:138). Provavelmente menos mediático - e menos exposto pela imprensa dita corde-rosa, mas ainda assim mais intenso e frequente - é o caso de Rui Rio16, Presidente 16 Embora se faça uma breve alusão ao caso Carrilho, consideramos que este, em muitos aspectos, não tem paralelo com o de Rui Rio. Embora ambos tenham exposto publicamente o seu descontentamento com a Comunicação Social e se tenham candidatado às autárquicas de 2005, convém salientar que o Manuel Maria Carrilho sai derrotado desta campanha, culpando a Comunicação Social pelo sucedido, enquanto Rui Rio (em coligação com o CDS/PP) renova o mandato autárquico, com maioria absoluta. livro 06/11/10 11:25 Page 200 200 da Câmara Municipal do Porto. De acordo com este autarca, no comunicado emitido acerca das Linhas de Orientação nas Relações da Câmara do Porto com a Imprensa (Anexo 2): “São diversas as lições que os resultados eleitorais de 9 de Outubro no Porto nos proporcionam. Uma das mais importantes, que tive oportunidade de referir ao longo de todo o mandato e, em particular, na noite das eleições, inscreve-se nas lógicas de contra-poder que alguns órgãos de comunicação “social” adoptaram relativamente à Câmara do Porto (....). Sempre que os campos de intervenção de cada um destes distintos agentes são invadidos, fomenta-se a perversidade, e adulteram-se as regras da convivência democrática. (...) Foi o que aconteceu, frequentemente, durante os quatro anos do anterior mandato e durante a própria campanha eleitoral: alguns jornalistas e comentadores assumiram-se não como agentes de informação e comunicação, mas sim como evidentes actores políticos. A democracia só é possível com uma informação livre e independente. Não vivemos em democracia se houver censura ou se a informação não respeitar o rigor e a verdade,porque,quando assim acontece,estamos a enganar as pessoas,ou seja, estamos a desinformá-las. Compete aos detentores do poder, legitimados pelo voto livre e democrático, procurar evitar estas distorções e lutar contra a perversidade, principalmente quando ela atinge uma dimensão que põe em causa a saúde do regime e a própria governabilidade do País”. Na sequência do referido descontentamento face ao modo como os jornalistas têm abordado os assuntos inerentes ao trabalho desenvolvido pelo Executivo portuense, o seu presidente (Rui Rio) decidiu definir algumas regras de actuação a colocar em prática neste segundo mandato, no que se refere ao relacionamento com a comunicação social. Parte integrante – principal e legítima - da actividade jornalistica é desenvolver e difundir uma análise crítica da sociedade e das respectivas instituições. É habitual serem os jornalistas a denunciar as boas ou más práticas das pessoas e instituições. Contudo, como em todas actividades, no jornalismo também haverá boas e más práticas e, por isso, não deverá estar isento de uma análise mais crítica. Por livro 06/11/10 11:26 Page 201 201 vezes, quer as boas quer as más práticas jornalísticas não são suficientemente realçadas nem discutidas e analisadas publicamente. Por conseguinte, este trabalho pretende, através da análise de peças jornalísticas relativas ao relacionamento entre a autarquia portuense (e o seu líder) e os jornais diários (em particular o Jornal de Notícias, Público e o Primeiro de Janeiro), analisar e identificar boas e más práticas dos jornalistas face à edilidade. Uma análise exploratória de estrutura e conteúdos17 de algumas peças jornalísticas veiculadas pelos três jornais enunciados de 1 de Janeiro a 30 Junho. No que se refere às principais questões de partida apresentadas neste trabalho, destacamos as seguintes: • Em que medida os conteúdos jornalísticos publicados no Jornal de Notícias e Público sobre a actividade da Câmara Municipal do Porto são favoráveis ou desfavoráveis à formação de uma boa imagem da CMP e do seu Presidente? • Em que medida os temas tratados nos referidos jornais diários correspondem (ou não) a boas práticas jornalísticas e a princípios éticos e deontológicos da comunicação social? • Quais os géneros jornalísticos (incluindo o fotojornalismo e ilustrações gráficas) utilizados mais frequentemente e de que forma estes contribuem para um bom esclarecimento dos munícipes da cidade do Porto? De entre os principais objectivos que se pretendem alcançar com o presente trabalho, destacamos os seguintes: • Descodificar a linguagem e os géneros jornalísticos utilizados. • Educar os cidadãos para uma leitura mais crítca dos jornais. 17 Laurence Bardin explicita o conceito como “…um conjunto de instrumentos metodológicos em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a «discursos» (conteúdos e continentes) diversificados. O factor comum destas técnicas múltiplas é uma hermenêutica controlada, baseada em dedução: inferência.” (Bardin, Laurence Análise de Conteúdo, Edições 70, Lisboa, 2004). No estudo em questão as variáveis de inferência são a forma e o conteúdo. Além disso salienta-se como fundamental esta análise decorrer num período de tempo considerado razoável, pelo que consideramos os dados ora recolhidos e apresentados como marcos exemplificativos de um estudo que se poderá prolongar no tempo.A comparação com a abordagem jornalística face a outras autarquias também pode ser relevante para confirmar ou infirmar as especificidades do caso aqui abordado. livro 06/11/10 11:26 Page 202 202 • Identificar boas e más práticas jornalísticas na cidade do Porto. No que se refere à metodologia são utilizadas abordagens quantitativas e qualitativas, através do recurso à análise de artigos publicados em três jornais diários: Jornal de Notícias, Público e Primeiro de Janeiro. Esta análise foi elaborada diariamente durante 6 meses. Também análisámos os meses que precederam as últimas eleições para a autarquia do Porto. Para a realização desta análise foi utilizada uma grelha–síntese relacionada com os seguintes aspectos: • géneros jornalísticos; • ilustrações gráficas; • títulos e estilo de escrita; • oportunidade e coerência da notícia. A credibilidade do trabalho jornalístico tem sido cada vez mais posto à consideração da opinião pública. Motivado pela classe mais visada, pertencente à esfera política, a indução da falta de transparência e (des)onestidade na relação entre os jornalistas e as fontes, motiva uma discussão pública, da qual ressalta a publicação, como já foi referido, recente de um livro de Manuel Maria Carrilho, intitulado “Sob o Signo da Verdade”18. Embora as temáticas abordadas por este possam ter pontos de encontro com o este trabalho e a sua relação com a legitimidade jornalística enquanto poder sem regras vinculativas, envolto em práticas pouco consentâneas com a responsabilidade e interesse público, seria importante promover alguns esclarecimentos. A experiência continuamente vivida por qualquer profissional da informação que, observado um acontecimento complexo e ouvidas fontes de informação subsidiárias, selecciona as suas notas e se prepara para produzir um texto disciplinado e coerente do ponto de vista dos objectivos da comunicação, significa para ele a adesão voluntária a uma determinada ordem discursiva institucionalmente imposta. É por isso que se torna legitimo falar, a respeito deste movimento, de um «desejo de censura»: o produtor de informação constrói um texto violentamente 18 Este caso veio também abrir a polémica em torno das agências de comunicação e o seu modo de relaciomento com os media. Isto porque a agências de comunicação estão cada vez mais aliadas a processos de assessoria de impressa a políticos, nomeadamente em campanha. Isto vei trazer a discussão pública o conflito de interesses que se gera em torno do jormalismo e do marketing (promoção política). livro 06/11/10 11:26 Page 203 203 condicionado por uma estrutura suposta eficaz na «recondução do efeito de realidade». Sabe que não deverá escapar – e não deseja escapar – ao modelo universalmente venerado do lead e da pirâmide invertida. Suprimirá todos os dados susceptíveis de desviar o futuro leitor do conjunto de elementos narrativos «essenciais». Mas, melhor e mais importante, só redigirá frases curtas, preferirá os sinónimos com menor número de caracteres, reduzirá o seu vocabulário às significações de base da sua língua materna (pôde assim falar-se, a propósito das normas de redacção de um conhecido jornal de Paris, do «francês das mil palavras»), abolirá do seu texto toda a polissemia, preferirá o ponto final e a vírgula a formas mais complexas de pontuação, produzirá – mesmo artificialmente – parágrafos destinados a decompor em curtos «tempos» a sucessão de movimentos de leitura. Com o tempo, e com a sedimentação de algumas turbulências iniciais, ele saberá usar ou evitar a palavra que «enche» ou que «esvazia» o real narrado, de acordo com uma segunda adesão, mais explicitamente ideologizada, às vantagens do império do senso-comum (Mendes, 1995). A objectividade é, portanto, uma meta possível de atingir e de acesso inelutável para as ciências da natureza até ao segundo quartel do século XX, em que foi decisivamente posta em causa a possibilidade da observação objectiva de um fenómeno e da expressão objectiva dessa observação, reconhecendo-se a relevância do observador e dos próprios instrumentos de observação no processo do conhecimento científico. E isto não apenas no campo das ciências sociais, mas também no das ciências físicas, tradicionalmente tão ciosas do seu rigor, e cujo objecto é naturalmente muito menos instável e flutuante do que o daquelas (Pina, 2004). De acordo com Herman Hesse, pela boca do seu personagem Siddhartha «uma verdade apenas se deixa exprimir por palavras quando é parcial». (1995, p. 45) De facto, a linguagem (maximé a linguagem científica) constitui uma espécie de cortina interpondo-se inelutavelmente entre o observador e o observado e moldando a observação. Como escreveu Wittgenstein (1995), os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem. Isto é, e a título de exemplo, a cisão do átomo só se tornou possível a partir do momento em que o conceito de cisão do átomo pôde ser formulado em termos linguísticos. Actualmente muitos defendem, na discussão sobre a objectividade, que ela é um mito e daí algumas das reservas crescentes dos cidadãos perante a comunicação social. «A actual crise dos media, no espaço europeu e português, caracteriza-se pela livro 06/11/10 11:26 Page 204 204 abdicação da “atitude de objectividade” e pela “contaminação” do jornalismo por outras formas comunicacionais, onde a emoção e a afectividade prevalecem sobre a informação. A ficcionalização, o sensacionalismo e a hiperpersonalização destroem o sentido de “aproximação à realidade objectiva”». Por conseguinte, quando ao longo desta análise falamos em conceitos de objectividade ou subjectividade remetemo-nos para o estilo de escrita utilizada pelos jornalistas e que, por vezes, podem condicionar o resultado final do produto jornalístico: tais como recursos estilísticos exagerados, palavras ou expressões polissémicas, sinais de pontuação duvidosos. Falamos de uma análise com um grau de objectivação não standard mas correlacionado com a quantidade e nível de afastamento da neutralidade ao nível da escrita. O grau zero da escrita19 é algo díficil de atingir, na medida em que estamos a abordar conceitos sujeitos a influências mútuas. Só ao nível da escrita automática20 poderemos falar em objectivação directamente quantificável, o que não é o caso na medida em que nos remetemos a um produto integrado, seja ele uma peça de informação ou de opinião. 4.4.2 Algures entre a linguagem objectiva e subjectiva Saramago (Conferência de Imprensa, Espanha, 31/07/04) afirmou que é impossível a informação total e a objectividade, tanto no jornalismo como em qualquer actividade humana. “Acreditar que ‘um facto é um facto’ e que com isto se fecha a porta, que a subjectividade está excluída, é um erro, porque se a linguagem é um exemplo de subjectividade e só com a linguagem se pode explicar um facto, já está aí a subjectividade”. A informação, afirmou o antigo jornalista e director do Diário de Notícias, é subjectiva na sua origem, na transmissão e na recepção. “A mesma mensagem terá tantos significados quantos sejam os seus receptores”. 19Considerarmos a escrita como resultante de um acto físico que implica um traçar de signos quer manualmente quer mecanicamente (computador). Por outro lado, a escrita pode ser significativa de um conjunto de valores que influenciam não só o conteúdo mas também a forma estética daquilo que foi escrito, o que a aproxiam da noção de estilo. Segundo Roland Barthes, este estilo é fruto de um impulso, “[…] É como uma dimensão vertical e solitária do pensamento” (O Grau Zero da Escrita,Edições 70,1964, p.18). 20 Tipo de escrita que resulta da inspiração do momento, sem preparação prévia nem esquema de trabalho previsto, e que se assume ser imediata, espontânea e incontrolada.Tanto pode aplicar-se a expressão ao tipo de discurso produzido por indivíduos em estado de alucinação ou sob hipnose como para um certo tipo de escrita desconcertada que dadaístas e surrealistas praticaram. O teórico do surrealismo André Breton ajudou a divulgar este tipo de escrita a que chamou “pensamento falado”, entendendo-se este registo como a tentativa de pôr por escrito pensamentos não controlados pela lógica ou pela razão (André Breton: Manifestos do Surrealismo, Lisboa, 1976). livro 06/11/10 11:26 Page 205 205 O estilo de escrita é um dos factores que determinará o tom geral da peça. À partida, uma peça subjectiva ao nível da escrita terá um tom geral favorável ou desfavorável, isto porque a selecção das palavras e sintaxe das frases determina estados que não se compadecem com a neutralidade. Já uma peça objectiva ao (nível do estilo de escrita), poderá assumir um tom geral, favorável, desfavorável ou neutral consoante a temática em abordagem saliente os pontos negativos ou positivos, ainda que recorrendo a uma linguagem isenta. A análise subsequente remete-nos para as peças publicadas por três diários (Jornal de Notícias, Público e Primeiro de Janeiro) correlacionadas com a Câmara do Porto e o seu edil, Rui Rio.Através de uma análise pautada por critérios rigorosos e auferido o tratamento metodológico às diferentes peças, informativas e opinativas, são vários os indicadores a reter, nomeadamente ao nível da quantidade de peças veiculadas. Ao longo deste período de observação o Jornal de Notícias veiculou 666 artigos, o Público 494 artigos e o Primeiro de Janeiro 475 artigos. Destas a maioria são peças de informação, nomeadamente notícias. Contudo, verificamos já alguma presença das peças de opinião nos jornais, à excepção do Primeiro de Janeiro (Ver Tabela 4.4.1). O que distingue uma peça informativa de outra opinativa é o tom verbal com que os temas são abordados, podendo estes ser neutrais, positivos ou negativos. Quanto maior o grau de neutralidade mais a peça será informativa. Outro factor que denuncia a presença de valores na informação, comprometendo a neutralidade, é o ângulo ou ponto de vista pela qual a informação é tratada. Ora, o jornalista pode tratar a informação sustentando-se na opinião de uma fonte, em detrimento de outra. Ao nível gramatical os factores que podem condicionar a existência de valores no texto são a ortografia, a gramática, vocabulário variado e a pontuação. Tendo em consideração que as fronteiras entre a informação e a opinião são cada vez mais ténues, definimos os seguintes géneros jornalísticos21: • Notícia: enunciado que reporta ao discurso do relato (factual e objectivo) de um acontecimento recente. É o género básico do jornalismo. • Reportagem: considerada o género mais nobre do jornalismo, integra elementos dos restantes géneros jornalísticos: notícia, entrevista, crónica, artigo de opinião, etc., procurando-se que o leitor “viva o acontecimento”. 21 Esta tipologia e descritivo tem por base a classificação feita por Sousa, Jorge Pedro, As Notícias, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 1994. livro 06/11/10 11:26 Page 206 206 • Entrevista: enquanto género autónomo, pois as restantes peças podem resultar desta técnica, resulta da obtenção de informações por meio de perguntas a outrem. • Editorial: género jornalístico interpretativo, elaborado em conformidade com a linha do órgão de comunicação social. É redigido pela direcção do órgão de comunicação ou por alguém da sua confiança. • Crónica: género jornalístico mais livre e o que mais se pode aproximar da literatura. Resulta da interpretação subjectiva de um tema. A terminologia crónica resulta do grego cronos, que significa tempo. Em conformidade com a etimologia da palavra, o cronista escreve periodicamente para um jornal. • Artigo de Opinião: visa mais contribuir para o debate de ideias e para a formação do público do que fornecer informação. O acontecimento, ainda que focado do ponto de vista informativo, é visto com o pendor na perspectiva pessoal. • Breves: incluimos neste item, tudo aquilo que não cabe nas designações anteriores, desde faits-divers, foto-legendas, cartas de leitor, etc. Tabela 4.4.1 – Representatividade dos Géneros Jornalísticos de Jan/Jun de 2006 i) As temáticas que tiveram maior cobertura ao longo do mês de Agosto de 2005 estiveram relacionadas com a cobertura da pré-campanha, nomeadamente das figuras de oposição ao executivo em funções. ii) Apresentamos alguns exemplos de más práticas jornalísticas ao nível da titulação, valor imagístico, conteúdo e forma de textos (redacção e selecção) correlacionadas com a Câmara do Porto e o seu edil, Rui Rio. livro 06/11/10 11:26 Page 207 207 No mês de Agosto de 2005 as emoções e a radicalização de posições esteve ao rubro, existiu um claro aproveitamento político da oposição, que serviu para agudizar o conflito entre comerciantes e autarquia. A imprensa investiu na cobertura ampla desta temática, atribuindo-lhe valor de 1ª página e reportagens de destaque a vigílias, manifestações e opiniões contrárias. Como se pode observar no quadro 4.7, o Jornal de Notícias e o Público intitulam de forma clara e frequentemente negativa algumas peças veiculadas ao longo do meses – em análise – acerca da actividade da autarquia. Os títulos não sublinhados correspondem a títulos neutrais correspondente a boas práticas jornalísticas, já os sublinhados com tracejado (- - - -) a títulos negativos e um traço único muito negativos (___) o que se traduz em más práticas. Quadro 4.7:Títulos publicados no Jornal de Notícias e Público sobre a CMP Jornal Notícias Público 02/08 Vígilia contra o fecho do Bolhão 02/08 Amanhã à vigília para salvar o Bolhão 03/08 Bolhão vive hoje dia de ansiedade 03/08 Concerto para o Bolhão marcado para Setembro 05/08 Obras no Bolhão questionadas pelo Ippar 03/08 Obras só vão durar duas semanas 06/08 Rui Rio estupefacto com o Ippar 04/08 Ippar exige esclarecimento sobre obras 12/08 Petição contra fecho do Bolhão 05/08 “O mercado do Bolhão é que não pode parar” 13/08 Bolhão quer organizar espectáculo e debate 09/08 Câmara acusada de querer acabar com os mercados tradicionais 19/08 Bolhão no centro do debate eleitoral 14/08 Comerciantes do Bolhão querem ser parceiros da Câmara 23/08 Regresso adiado para os comerciantes do Bolhão 21/08 Regresso dos lojistas ao Bolhão pendente do parecer do LNEC 24/08 Câmara só dá hoje resposta aos comerciantes 23/08 Comerciantes deseperados por ordem de do Bolhão regresso ao Bolhão 25/08 Bolhão reabre com alertas do mau estado do 24/08 Assis diz que Rui Rio tem medo de ir ao edíficio Bolhão 26/08 Os coitadinhos do Bolhão 25/08 A Câmara do Porto está a matar o Bolhão “aos poucos” 26/08 Recuperar o tempo perdido com barreiras pela frente 27/08 A angústia dos comerciantes antes da reabertura do Bolhão livro 06/11/10 11:26 Page 208 208 As práticas jornalísticas em abordagem podem ser subdivididas em dois grandes grupos já enunciados: • As boas práticas são aquelas que se encontram em consonância com os valores e normas éticas individuais e jornalisticamente aceites pelos Códigos de Conduta, Livros de Estilo e Lei de Imprensa, mas acima de tudo pela Constituição Portuguesa, onde estão definidos os Direitos Fundamentais do indivíduo. O exercício de um bom jornalismo prende-se não só com os conteúdos divulgados, mas também com a forma; • A violação das normas socio-jurídicas e afastamento dos princípios fundadores do jornalismo são as bases identificadoras de más práticas jornalísticas. De uma forma geral as peças veiculadas pelos diários acerca destas temáticas caracterizam-se por um tom geral desfavorável, fruto do assunto ser sensível à esfera autárquica e constituir uma medida impopular, nomeadamente em vésperas das eleições autáquicas no Porto, em Outubro de 2005. A maioria destes artigos está associado práticas jornalísticas de conduta questionável na medida em que recorrem a um estilo de escrita frequentemente subjectivo e à exploração dos sentimentos dos intervenientes nesta contenda. O mediatismo em torno desta questão atingiu proporções assinaláveis tornando-se, por vezes, mais importante a cobertura aos supostos defensores do Bolhão do que à questão que a gerou, ou seja, o perigo de ruína eminente. A questão do Túnel de Ceuta foi outra das polémicas em torno da qual se estabeleceram jogos de informação e manipulação. As propostas do actual executivo constituíram o foco condutor da oposição do Governo e restantes partidos da oposição. Arma de arremesso indevidamente utilizada pela imprensa para mais um ponto desfavorável à futura resolução da contenda. Contudo, e no centro da polémica mais acesa, esteve a ruptura de Paulo Morais com o actual executivo de que era, no mandato anterior de Rui Rio, membro no pelouro do urbanismo. O afastamento do autarca, ex - número dois na Câmara, da lista última eleições à autarquia do Porto gerou efeitos colaterais no actual executivo, livro 06/11/10 11:26 Page 209 209 fruto das declarações do autarca em funções e a serviram como factores de pressão da oposição sobre Rui Rio. Matéria noticiável que constituiu mais um ponto desfavorável em período de pré-campanha, mostra o lado delator da imprensa. A análise do conteúdo está associada à problemática da parcialidade na medida em que é muitas vezes concebida em termos quantitativos, nomeadamente: a extensão da coluna ou a duração do tempo de antena concedidas a cada uma das partes em confronto, as proporções de afirmações «favoráveis» e «desfavoráveis» feitas acerca de um candidato específico (Sumner, 1979). Nesta temática verificamos o potencial poder da imprensa para fazer um líder “cair” através da publicação contínua e reiterada de peças de teor desfavorável. De uma forma genérica e em período de pré-campanha, a imprensa focou os pontos mais desfavoráveis ao actual executivo, dando protagonismo excessivo aos seus opositores. A maioria das peças tem um valor desfavorável à autarquia em exercício e a Rui Rio. De forma conjunta as peças com conotações valorativas (favorável ou desfavorável) reúnem a maioria da produção jornalística, com 52,8% no Jornal de Notícias e 56,8% no Público22. Qual o lugar ocupado pela ética jornalística e obrigação de informar com imparcialidade e rigor? O perigo da informação, em especial neste período de formação da opinião pública para posterior decisão política, pode ser decisivo. Daí ser um período a que os media deverão estar mais cautelosos em relação às manobras políticas. Em Setembro de 2005, as temáticas que dominaram a rentrée política oscilaram entre a problemática dos bairros sociais, o PDM e declarações de Paulo Morais, nº 2 de Rio, de pretensa corrupção imobiliária e os debate a quatro. Dois episódios que marcaram de forma clara o debate político foram as recepções a Rio em Campanhã e Aldoar, envoltas em polémica. Estes foram alvo de cobertura pelos diários, por vezes, de forma provocatória, resultando na formação de uma opinião pública frequentemente desfavorável à candidatura de Rio e propensa à percepção de manobras políticas, por um lado, e falácia executiva, por outro. Assistiu-se, várias vezes, a siuações de más práticas jornalísticas coadjuvadas por imagens com uma carga negativa, proporcionada pelos acontecimentos. São os efeitos da tal coincidência entre agenda política e dos media. Intencional ou não, a sobrecarga inerente a estes factos não deveria ficar alheia ao público em geral, sem uma formação adequada a ler nas entrelinhas da imprensa. A opinião dilui-se cada vez 22 Dados Relativos a Setembro de 2005 – Jornal de Notícias: 4,9% favoráveis, 47,9% desfavoráveis e 47,2% neutrais; Público: 56,8% desfavoráveis, 43,2% neutrais; livro 06/11/10 11:26 Page 210 210 mais na informação e torna-se uma coadjuvante na produção noticiosa diária, a que os diários em análise não ficam alheios. São sim os protagonistas desta tendência manifestada pela falta de mais rigor no relato, nas escolhas redactoriais intencionais e nas personagens evidenciadas. Ao fazermos uma análise do mês de Setembro, que antecedeu as eleições autárquicas, verificámos que a esmagadora maioria de relatos feitos acerca de Rui Rio é desfavorável, atribuindo-se bastante protagonismo às figuras da oposição, liderada por Francisco Assis e Rui Sá. O início do segundo mandato, após a vitória com maioria absoluta nas autárquicas de 9 de Outubro, marca de um forma decisiva a existência de um confronto aberto entre Rui Rio e a Imprensa, nomeadamente com o Jornal de Notícias. Após a apresentação das linhas de orientação (Anexo 2) com a imprensa, vários têm sido as peças a merecer a nossa atenção que pouco contribuem para a exortação da Imprensa livre e responsável, dado recorrerem a uma roupagem coincidente com más práticas jornalísticas, como, por exemplo, a notícia publicada pelos 3 Jornais, a 18/01/06, relativamente à manifestação dos cantoneiros no Porto do dia anterior. _ Jornal de Notícias: Centenas nas ruas a exigir o pagamento do subsídio _ Público: Cantoneiros da Câmara do Porto contra “prepotência” de Rio _ Primeiro Janeiro: Cordão Humano em defesa do prémio nocturno parou a baixa Logo pela análise dos títulos verificamos que o Público recorre a uma técnica de titulação provocatória. Coadjuvando este título é publicada uma fotografia em que aparece um cantoneiro com um capacete com a seguinte frase “Sr. Presidente Rui Rio é favor pagar os Direitos”. No corpo da notícia são promovidos por diversas vezes ataques à Câmara do Porto, canalizados na figura do seu Edil, dos quais destacamos: “...O Presidente da Câmara foi o principal alvo das críticas...”; “Do Governo ou da coligação PSD/PP ninguém deu a cara”; “...um roubo monumental...”;”Ele aos grandes não rouba o salário” e ainda “o balanço foi traçado em tons cor-de-rosa..”. livro 06/11/10 11:26 Page 211 211 O título de imprensa ocupa uma posição fixa e desempenha uma função temática específica ao exprimir, geralmente, o tópico textual de maior proeminência no texto noticioso. Deste modo, ao analisar a estrutura da notícia de imprensa, Van Dijk (1985, p.69) relaciona o título, como uma categoria da superstrutura textual, com a macro estrutura como representação formal do conteúdo global do texto). Os títulos referidos vão contra aquilo que Van Dijk definiu com um título de imprensa; o que encontramos é uma criteriosa escolha de frases e palavras com o intuito de responsabilizar Rui Rio. Todo este cenário constitui aquilo que Boorstin (1961) classificou de pseudo-evento, ou seja, um evento arquitectado com objectivo de obter a cobertura jornalística. Recorte do jornal Público, de 18 de Janeiro 2006 livro 06/11/10 11:27 Page 212 212 Também o Jornal de Notícias recorreu a frases e palavras de ordem semelhantes às do Público, contudo, sempre sustentadas na palavra de quem as proferiu. Disto são exemplo frases como: “...Foi um acto autoritário e prepotente que tem de ser corrigido”, defendeu João Proença, secretário geral da UGT. Esta escolha, não aleatória, nem inocente conduz a classificação destas notícias como práticas jornalísticas questionáveis, dado à subserviência intencional a uma das partes. Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 18 de Janeiro 2006 Já o Primeiro de Janeiro publica o mesmo acontecimento, colocando a tónica na resolução breve do conflito e recorrendo a um discurso neutral: “O projecto de regulamentação do subsídio de salubridade e risco apresentado pelo PCP será discutido na Comissão Parlamentar do Trabalho e Solidariedade. A decisão tomada pela conferência de líderes agradou aos sindicatos que agora esperam vontade política!”. Este lead revela uma escolha de palavras e intenções neutral com o objectivo de apaziguar ânimos e não de os exaltar. Recolha de informação e transferência de conhecimento numa notícia em que não faltaram as críticas ouvidas durante a manifestação, mas em que estas não constituíram por si só a matéria noticiável. Em 25 de Janeiro é o site da Câmara que dá o mote para as peças intituladas: _ Jornal de Notícias: Rio acusado de usar site para propaganda. _ Público: PS e CDU acusam Câmara do Porto de usar site na Internet para propaganda partidária. livro 06/11/10 11:27 Page 213 213 _ Primeiro Janeiro: Site ponto.da discórdia Através da titulação dos artigos no Jornal de Notícias e Público denotamos formatos claramente acusatórios e avaliativos de atitudes, o mesmo não acontece no Primeiro de Janeiro que embora recorrendo a um título não difamatório à partida consegue provocar maior interesse para a restante notícia. O corpo da mesma segue a linha introdutória através de uma boa prática jornalística e bem referenciada, não omitindo os factos no Primeiro Janeiro, a um estilo mais condenatório no Público, com a utilização de verbos como acusou, omitiu intencionalmente e um escrita objectiva, mas um tom geral desfavorável no Jornal de Notícias. Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 25 de Janeiro 2006 livro 06/11/10 11:27 Page 214 214 Recorte do jornal Primeiro de Janeiro, de 25 de Janeiro 2006 Recorte do jornal Público, de 25 de Janeiro 2006 livro 06/11/10 11:27 Page 215 215 Acusado de usar o site como meio de propaganda partidária, Rui Rio defendeu-se e redireccionou o teor de algumas das acusações que lhe foram dirigidas. Mais uma vez é o leitor o alvo preferencial destas lutas; e talvez a ampla cobertura a este facto só venha propiciar o aumento das visitas ao site da autarquia. A publicidade foi efectuada pelos opositores. No meio desta questão outra foi relegada para segundo plano: o facto de nesta assembleia municipal não se ter ouvido a voz dos munícipes em virtude dos partidos com assento na assembleia estarem mais centrados nos conteúdos do site. Não serão os munícipes os mais prejudicados por estas práticas que em nada contribuem para a sua informação e formação? Outra questão amplamente publicitada pelos diários prende-se com a continuidade da senda do Prémio Nocturno23, discutida em Assembleia da República a 26 de Janeiro. A temática mereceu destaque nos jornais ao longo de 3 dias, com a antecipação, o dia da discussão e as consequências. O tratamento efectuado pelos diários ao longo destes dias, trouxe a público mais uma cena no conflito entre Rui Rio e o Jornal de Notícias. No dia após a decisão da Assembleia da República em aprovar a proposta do PS para a Câmara retomar o pagamento do Prémio Nocturno o Jornal de Notícias produz uma peça claramente desfavorável à autarquia do Porto, mostrando o empenhamento e as posições afirmativas do PS na resolução da situação, tentando mostrar através do artigo que a Edilidade e o PSD não se têm empenhado na resolução da mesma. Esta atitude revela uma tomada de posição, pouco coerente com os princípios que norteiam a actividade jornalística. O Público, por sua vez, traz a notícia a 1ª página, embora recorrendo a uma titulação isenta, o corpo da notícia revela atitudes também desfavoráveis à Edilidade, pelo recurso a transcrições da oposição que se levantam para acusar Rui Rio e a instituição que representa No fundo, esta questão tem sido transformada numa luta partidária em que os jornais servem de intermediários pouco isentos e com práticas jornalísticas que, por vezes, não dignificam a actividade jornalística. O Primeiro de Janeiro, apesar da sua dimensão e exposição ser diminuta relativamente aos outros diários em análise tem revelado práticas mais isentas, com cobertura de todas as temáticas favoráveis e desfavoráveis, ou seja, não se demite do papel de informar com mais rigor e imparcialidade. Esta prerrogativa essencial da boa conduta jornalística é explicitada pela reportagem que o diário publica (a 29 de 23 Suplemento salarial de 50% sobre o trabalho nocturno. Em 1987, o Governo reduz esses 50% para 25%. Algumas câmaras municipais decidem, então, ao arrepio da lei, atribuir um suplemento ao suplemento de 25%, mantendo, dessa forma, o mesmo vencimento aos funcionários directamente afectados. livro 06/11/10 11:27 Page 216 216 Janeiro) relativamente a este assunto; observa-se uma reflexão sobre a problemática através do relato do acompanhamento dos cantoneiros a Lisboa, proposta aprovada e as respectivas implicações futuras. Uma abordagem reflectida e coerente com a adopção de boas práticas jornalísticas. De salientar que o diário tinha publicado a notícia referente à decisão no dia seguinte à mesma, mas só após este período construiu uma peça mais elaborada que dignifica o trabalho jornalístico. O título “Assimetrias entre a parte oriental e ocidental do Porto”, foi objecto de uma grande reportagem, publicada pelo Público a 29 de Janeiro, que apesar de na sua maioria recorrer a um estilo de escrita objectiva, o tom geral é claramente desfavorável, ao reflectir sobre uma realidade com contornos históricos, com pontos de difícil combate. Mormente esta problemática ter sido tratada com a distância necessária, acaba por se incorrer em falta de rigor, em virtude das imagens preconcebidas em relação aos bairros desfavorecidos que só contribui para reforçar o lado mau daquilo que já é mau e o bom do bom. Um dos critérios de valor-notícia é aquilo que não é a norma, ou seja “o homem que mordeu o cão”. Talvez fosse importante mostrar o desvio à norma. Recorte do jornal Público, de 29 de Janeiro 2006 livro 06/11/10 11:27 Page 217 217 Esta temática é também abordada na questão do Bairro do Leal, que merece cobertura nos três jornais, e onde encontramos um tom geral desfavorável, fruto da temática recorrer a histórias de vida, que por si só atribuem uma configuração humanizada às peças, com os valores que a ela estão agregados. A questão que assume uma maior preponderância nas peças analisadas está subjacente à titulação com carga negativa, presente em todos os diários, ainda que o corpo da notícia não corresponda a esta prática desfasada e com objectivo de atrair o leitor. Muitas vezes, este cinge a sua leitura aos destaques de primeira página ou mesmo títulos das páginas interiores, podendo ficar com uma ideia errónea, ao retirar ilações directas de um título indiciador de algo que não corresponde à matéria de facto. Gráficos 4.1: Síntese da Análise de Conteúdo de Janeiro de 2006 I – Tom Geral livro 06/11/10 11:27 Page 218 218 II – Títulos A 3 de Fevereiro 2006 são publicadas peças respectivas à visita da deputada socialista ao Bairro do Leal. A pretexto da visita, os diários revelam mais um exemplo de práticas jornalísticas questionáveis, recorrendo a uma titulação negativa à CMP, já efectuada pelo Jornal de Notícias numa reportagem do dia anterior. A abordagem é feita a vários níveis: situacional, interpretativo, valorativo, gerando o clima de suspeição generalizado sobre as reais intenções da Edilidade: _ Jornal de Notícias: Bairro do Leal à Beira do Fim (2/2) Demolições no Leal coloca pessoas em risco(3/2) _ Público: PS vai exigir da Câmara explicações sobre o bairro do Leal _ Primeiro Janeiro: “Ninguém sabe o futuro” Pela análise da titulação escolhida denotamos que nenhuma é totalmente imparcial, contudo, encontramos na escolhida pelo Público aquela que mais se aproxima, muito embora crie a ideia de uma posição incorrecta por parte da Edilidade. Já o Jornal de Notícias apresenta uma notícia catastrófica, enquanto o Primeiro de Janeiro utiliza o título mais perverso, reveladora de más práticas ao nível da titulação, na medida em que parafraseia palavras de outrém de forma a salvaguardar os livro 06/11/10 11:27 Page 219 219 interesses de uma das partes, lançando o clima de suspeição também sugerido pelo título do Jornal de Notícias do mesmo dia. No corpo das peças a tendência na escolha das palavras e posições referidas mantém-se, pelo recurso a uma linguagem subjectiva patente na recolha de emoções dos moradores na reportagem publicada pelo Jornal de Notícias a 2 de Fevereiro e na voz da oposição reiterada pelo Público e Primeiro de Janeiro de 3 de Fevereiro. Já o Jornal de Notícias publicado nesta data utiliza uma linguagem mais objectiva no tocante à visita da deputada do PS ao bairro. De uma forma geral quer seja na notícia, reportagem ou artigo de opinião publicados pelos diários, a tendência tem sido a adopção de práticas jornalísticas - que se afastam de alguns princípios éticos e deontológicos - tendentes a agudizar o mal-estar vivido pelos moradores, onde a unilateralidade promove a denúncia não confirmada. Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 3 de Fevereiro 2006 livro 06/11/10 11:27 Page 220 220 Recorte do jornal Primeiro de Janeiro, de 3 de Fevereiro 2006 Recorte do jornal Público, de 3 de Fevereiro 2006 livro 06/11/10 11:28 Page 221 221 O Bairro do Leal marca mais uma vez a agenda dos políticos e consequentemente dos media. A temática, que tem vindo a merecer destaque nos diários, evidencia mais um facto na questíuncula política e pública. A 11 de Fevereiro os diários publicam noticias com os títulos: _ Jornal de Notícias: Perigo no Bairro do Leal _ Público: Assis acusa Câmara do Porto de negligência por demolições no Leal _ Primeiro de Janeiro: Bairro do Leal em risco Títulos que denunciam o risco eminente de ruína de habitações contíguas a outras que foram demolidas.A situação mostra uma informação prévia dada às forças da oposição, que segundo fonte da Câmara não tinha o conhecimento técnico agora fornecido à luz das críticas da oposição e veiculada pelos jornais.As práticas jornalísticas demonstradas por estas notícias são reflectidas à luz das quezílias políticas, quando a questão social deveria ser a mais importante.A protecção da vida humana é relegada para segundo plano. Importa referir que a respeito desta temática o Jornal de Notícia publica a 22 de Maio uma peça intitulada Famílias do Bairro do Leal há dois anos em suspenso, que foi alvo da emissão de um direito de resposta por parte da Câmara, só publicado cerca de três meses depois por determinação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Anexo III: Deliberação 19-R/2006, de 10 de Agosto). A questão dos cartazes políticos está na base de outra polémica entre as forças políticas com assento na autarquia. A propósito da ordem emanada pela Câmara para a CDU proceder à retirada dos cartazes políticos das Presidenciais, os diários publicam notícias com os seguintes títulos: _ Jornal de Notícia: PCP quer cercar Câmara do Porto _ Público: CDU promove cordão humano contra “prepotência” de Rio _ Primeiro Janeiro: Cordão humano contra limites de propaganda livro 06/11/10 11:28 Page 222 222 Embora a temática dê corpo a notícias com tom geral desfavorável à edilidade, é de salientar que o Jornal de Notícias e o Primeiro de Janeiro recorrem a uma linguagem objectiva no tratamento da informação, conducentes a boas práticas jornalísticas, já o Público faz um remake de outras situações, ao intitular a peça com palavras já usadas para retratar uma situação anterior, o diário plagia o seu próprio título de 18 de Janeiro Cantoneiros do Porto contra “prepotência” de Rio, assunto que associa nesta temática tal como a questão do site da Câmara, denunciado de propagandístico. Estes temas podem suscitar um efeito de bola de neve com carga tendencialmente negativa, ou seja através destas práticas reiteradas o leitor acaba por fazer uma associação de temáticas, tendentes a fomentar uma imagem negativa da Câmara Municipal do Porto e do seu autarca. Anunciado que estava o cordão humano, as acusações sobem de tom transformando-se em ofensas pessoais que dão o mote às notícias publicadas pelos diários a 21/02 e dão conta do facto supra-citado: _ Jornal de Notícias : PCP acusa autarca de ser prepotente _ Público : Cordão Humano contra aprendizes de totalitários juntou centenas de comunistas na câmara _ O Primeiro de Janeiro : Cordão humano pela liberdade de expressão O corpo da notícia é tratado com objectividade na medida em que está sustentado nas opiniões dos seus promotores. No entanto, o tom geral é bastante desfavorável à edilidade dado à temática ter sido abordada pelos intervenientes com um teor que roça a ofensa pessoal, quando o que está em causa são questões políticas. A título de exemplo, o Público transcreve “Aprendizes de Totalitários jamais nos impedirão de nos expressarmos livremente”, enquanto o Jornal de Notícias “retrógrada, prepotente e autoritária”. Mais uma vez, os media servem para dar projecção a um evento feito para ser noticiado. A 22 de Fevereiro de 2006 a notícia que dominou as páginas dos jornais remetida para o facto de Rui Rio ter sido constituído arguido no caso do Túnel de Ceuta. A este propósito os diários titulam: _ Jornal de Notícias: Rio incorre em crime de desobediência qualificada livro 06/11/10 11:28 Page 223 223 _ Jornal de Notícias Câmara avisa oposição e imprensa _ Público: Rui Rio constituído arguido por desrespeito ao embargo do Túnel de Ceuta _ Primeiro Janeiro: Rui Rio arguido devido ao embargo doTúnel de Ceuta As titulações escolhidas pelos diários, apesar do conteúdo negativo que reflectem, são marcadamente mais negativos no Jornal de Notícias e no Público do que no Primeiro de Janeiro. Contudo, um dos títulos publicados no Jornal de Notícias e que remete para a ausência de Rui Rio na reunião da Câmara, na qual o vice-presidente assumiu o seu lugar, revela uma tendência marcadamente manipuladora e conducente a uma prática jornalística comum, em atribuir títulos que lançem a polémica. Este episódio veio constituir mais um ponto negativo na quezília de Rio e o Jornal de Notícias, denunciado no site oficial da Câmara. O autarca reagiu argumentando: “Álvaro Castello-Branco limitou-se a informar o Executivo da CMP da razão pela qual a reunião teria de ser presidida por ele e não pelo Presidente da Câmara, informação que, em face das circunstâncias, não podia deixar de ser dada”. Gráficos 4.2: Síntese da Análise de Conteúdo de Fevereiro de 2006 I – Tom Geral livro 06/11/10 11:28 Page 224 224 II – Títulos A temática mais polémica no fim de Março de 2006 prende-se com a Culturporto, entidade municipal que gere a cultura e cuja aprovação do investimento teve lugar a 21/03 na sessão camarária. A este propósito os jornais titulam a 22/03: _ Jornal de Notícias: Rivoli reduz produção própria _ Público: PS acusa Câmara do Porto de “asfixiar”Teatro Rivoli _ Primeiro de Janeiro: “Desnorte” na Culturporto Apesar das titulações do Público e Primeiro de Janeiro serem engenhosas, o estilo de escrita é dominantemente objectivo no desenvolvimento das peças. Já o tom geral é manifestamente desfavorável em todas, ao serem motivadas pelas críticas da oposição à política cultural ou ausência desta. O desinvestimento feito ao nível cultural e consequente redução da produção motivou amplas discussões que atentam contra a iniciativa autárquica em promover a cidade do ponto de vista cultural. Mais uma vez a transferência dos factos é relançada para a discussão política. A situação divulgada pelos diários culmina com a publicação a 27/03 no Jornal de Notícias, Dia Mundial do livro 06/11/10 11:28 Page 225 225 Teatro, de um anúncio de fundo laranja na página 6 dos classificados que remete para a venda de Teatro com o número de telefone da Câmara Municipal. Esta situação, indutora de práticas editoriais incorrectas – neste caso sob a égide do departamento comercial -, levou a uma tomada de posição oficial da Câmara a repudiar os factos, que considera difamatórios e induzem o leitor a interpretações que não correspondem à verdade. Este facto motivou uma discussão trazida a público pelos jornais e rádios. Contudo, e sem grandes desenvolvimentos em torno da problemática, o Jornal de Notícias traz em última página a 28/03 uma brevíssima nota de fim de página a lamentar o sucedido, que argumenta não ter passado de uma equívoco. De salientar, que esta nota é intitulada Nota da Direcção Comercial, o que induz uma desresponsabilização do seu director relativamente ao sucedido. Quanto ao comportamento, ainda que motivado por um lapso, suscita algumas reservas tendo em conta o contexto em que decorre. Ainda nesta sequência, o Jornal de Notícias publica uma notícia intitulada “Câmara do Porto ameaça processar jornal por causa de anúncio”, que apesar de objectiva ao nível do estilo de escrita, emite conteúdos desfavoráveis, ao remeter o facto para os comentários da oposição. O repúdio do executivo PSD/PP, nomeadamente do presidente Rui Rio em relação ao Jornal de Notícias é público e tem sido, em diversas situações, fundamentado por episódios associados a práticas jornalísticas incorrectas. Mais uma vez, e em sequência a declarações prestadas ao jornal Expresso, Rui Rio sublinha através do site oficial da Câmara: “Em tom crispado, Leite Pereira acusa o Presidente da CMP de ter tentado que fossem feitas alterações na direcção do Jornal de Notícias através da golden share que o Estado tem na PT. Pereira reporta-se aos anos de 2002 e 2003, altura em que o JN também atravessou um longo período de maior oposição à autarquia portuense. O principal matutino do Porto, tido como de pendor editorial socialista, reiniciou, recentemente, o seu confronto com a Câmara do Porto logo a seguir às últimas eleições autárquicas, na sequência das orientações mais rigorosas que Rui Rio estabeleceu para o relacionamento do novo Executivo com a comunicação social.” No final de Março, acerca da temática que despoletou a contenda entre Rui Rio e o Jornal de Notícias e a limitação das relações com os OCS, os diários publicam a 25/03: _ Jornal de Notícias: Rui Rio contra construções _ Público: Rui Rio quer parque da cidade sem grandes construções livro 06/11/10 11:28 Page 226 226 Estas notícias surgem a propósito da publicação do livro de Sidónio Pardal, arquitecto do parque, e do Congresso sobre Parques Urbanos que decorreu no Porto, em que o Parque foi citado como exemplo a nível internacional. A cobertura desta temática teve uma presença discreta nos jornais, correspondendo a relatos isentos e objectivos das declarações de Rui Rio a este propósito, em oposição às práticas que ocorreram há meses atrás acerca da temática em causa. Com o anúncio de venda do Rivoli24, os diários continuam a fazer eco dos pretensos excessos de Rui Rio e da sua atitude mesquinha no tocante aos OCS. Ao longo da evolução da temática, o único diário que não se intrometeu nas lutas política/media tem sido o Primeiro de Janeiro. Orgão em que se manifesta uma tendência global de maior isenção jornalística, não se abstendo de publicar factos de pendor desfavorável a Rui Rio e acção do executivo quando isso é justificado por factos. _ Jornal de Notícias (29/03): Os jornais e a cidade _ Público (30//03): A Judicialização da crítica As titulações supracitadas, aparentemente inofensivas a nível de titulação, dão corpo a crónicas portadoras de linguagem, de certo modo, corrosiva. E apesar de constituírem peças de opinião, acabam por ser pouco dignificantes, uma vez que ridicularizam uma personalidade pública, com expressões como “birras mesquinhas”; “estilo ayatholiano”.A temática, que em nada dignifica um jornalismo mais qualificado, teve um efeito multiplicador de más práticas camufladas pela opinião livre, sem sujeição a interesses. A sequela da temática Quinta da China, com início em Abril de 2006, é outro exemplo de tratamento parcial, visto que todos os diários analisaram a problemática à luz da mudança de estratégia da maioria PSD/CDS, nomeadamente de Rui Rio ao envolver todos os partidos com representação, dando o mote para a questão de Rui Rio se ter demitido de responsabilidades. A este propósito o site da Câmara publica as 24 A questão do Rivoli, assim como outros espaços públicos, está integrada num plano da CMP em dinamizar a cultura no Porto, através do recurso à gestão privada de alguns espaços culturais. Esta política tem sido justifiicado pelo líder da autarquia do Porto como uma solução para gerir melhor os recursos fisícos e financeiros, assim como criar uma oferta cultural mais abrangente dos diversos públicos. Foi neste contexto que surgiu um acordo com a empresa Música do Coração para explorar” o Pavilhão Rosa Mota. A primeiria iniciativa realizada por esta empresa foi o concerto dos Simply Red (realizado em Agosto), que viria a esgotar a lotação deste espaço.Também a exploração do Rivoli foi submetida a concurso público, encontrando – se ainda por decidir qual a empresa vencedora. Esta solução encontrada por Rui Rio tem merecido simultaneamene aplausos críticas. livro 06/11/10 11:28 Page 227 227 seguintes imagens, que reflectem uma tendência clara, por parte do Jornal de Notícias, de manipular factos no sentido de desprestigiar a acção executiva. Numa primeira fase, o relato é feito tendendo ao facto da decisão do executivo vir a lesar gravemente a Câmara e respectivos munícipes, enquanto numa segunda fase arquitectam-se conjunturas em função a decisão da Quinta da China avançar, na qual o principal partido da oposição se demite de responsabilidades, remetendo-se à abstenção. Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 31 de Março 2006 Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 5 de Abril 2006 livro 06/11/10 11:28 Page 228 228 Recorte do jornal Público, de 5 de Abril 2006 Contudo, e à excepção do Primeiro de Janeiro que faz um relato de factos imparcial, cobrindo todas as posições envolvidas e decisões tomadas, também o Público quer ao nível da notícia, quer ao nível da opinião veicula valores ao chegar admitir num artigo de opinião que existe um perfil de Rio antes e depois da Quinta da China. livro 06/11/10 11:28 Page 229 229 Gráfico 4.3: Síntese da Análise de Conteúdo de Março de 2006 I – Tom Geral II – Títulos livro 06/11/10 11:28 Page 230 230 A temática em torno da Fundação de Ciência e Desenvolvimento, veiculada pela imprensa em meados de Abril de 2006, mereceu um destaque bastante desfavorável e associado em diversas situações a más práticas jornalísticas. Por exempo: Rui Rio acusado de asfixiar Fundação de Ciência e Desenvolvimento, (Público, 18/04). Este título que dá corpo a uma notícia com grande destaque em que se realça um estilo de escrita subjectiva, da qual fazem parte expressões como “...incapacidade na captação...”, “...albergue espanhol...” configura um tom geral tendencialmente desfavorável que pretende denunciar uma atitude da autarquia, personalizada em Rui Rio marcadamente negativa contra a Cultura e o Desporto na cidade em sequência do que já tinha sido manifestado através do jornal ao nível das políticas sociais de habitação. Esta frequência de notícias desfavoráveis recorrendo, por vezes, a uma deturpação internacional dos factos, pode sugerir que existe uma tentativa de ataque para criar uma imagem negativa do executivo. Também a este propósito o Jornal de Notícias publica: Receitas do Teatro Campo Alegre suportam apenas 5,9% das despesas, (16/04), que dá corpo a uma notícia correspondente com uma prática jornalística mais adequada ao universo de isenção, apresentando sempre dados directos e simples acerca da abordagem, não obstante o conteúdo ser desfavorável ao executivo camarário, propiciado pelos cortes orçamentais. A estes episódios juntamos a política de recursos humanos como alvo de críticas da Comissão de Trabalhadores, Sindicatos e Oposição, em sequência de um conjunto de notícias publicadas que remetem para a emissão de notificações a funcionários por faltas injustificadas e a pouca fiabilidade do sistema de controlo de faltas. A nota veiculada pelo site da Câmara a 21/04 em nada serve para esclarecer as matérias contraditórias publicadas pelos diários em análise. Falam-se em números diferentes, não concretizados pela nota. As notícias remetem para uma segunda intenção nesta “caça às bruxas” no sentido de proceder a uma reestruturação de serviços e consequente libertação de alguns funcionários, desta feita não esclarecida pela nota supracitada. livro 06/11/10 11:28 Page 231 231 Recorte do jornal Público, de 18 de Abril 2006 livro 06/11/10 11:28 Page 232 232 _ Jornal de Notícias (20/04) : Corte nas férias e nos salários _ Jornal de Notícias (21/04) : Trabalhadores vão a Tribunal contra a Câmara _ Público (20/04): Câmara notifica 2000 trabalhadores por alegadas faltas ao serviço _ Primeiro de Janeiro (19/04):Acções disciplinares podem chegar a mil _ Primeiro de Janeiro (21/04): Menos de 500 funcionários notificados As titulações acima referidas dão corpo a peças de teor contraditório, com números divergentes e críticas múltiplas por parte da Comissão de Trabalhadores e Sindicatos. Na base estão as notificações feitas aos funcionários tendo por base faltas injustificadas. Estas geraram informações contraditórias da parte das fontes envolvidas e a composição de peças de tom geral desfavorável ao executivo. Ao nível do estilo de escrita, o Primeiro de Janeiro (19/04) dá eco a expressões como “...operação de cosmética...intenção de diminuir...falta de coordenação de serviços” que são valorativas e atribuem culpas ao executivo nesta matéria. Já a peça publicada a 20/04 é mais objectiva ao nível do estilo de escrita embora com um tom geral que reflecte uma dissonância de opiniões, não consubstanciadas pelo Executivo. Já a peça do Público lança a suspeição sobre as notificações indevidas feitas a funcionários, dando cobertura à Comissão de Trabalhadores e Sindicatos, sem ter contactado a direcção de recursos humanos no sentido de ouvir a sua versão dos factos. O diário atribui à Edilidade o papel de carrasco nesta problemática. Não obstante, não recorre a um estilo de escrita subjectivo. Tendência seguida pelas peças veiculadas pelo Jornal de Notícias. livro 06/11/10 11:28 Page 233 233 Recorte do jornal Público, de 20 de Abril 2006 A temática em torno do Regulamento da Propaganda assistiu a um novo episódio, motivado pela suposta retirada de cartazes do 25 de Abril pela Câmara do Porto, evento que esta patrocinou. _ Jornal de Notícias (23/04): Protesto contra a afixação de propaganda _ Público (25/04) : Câmara ameaça a tirar apoio às celebrações do 25 de Abril _ Primeiro de Janeiro (21/04) : Câmara retira cartazes do 25 de Abril _ Primeiro de Janeiro (22/04) : Propaganda condicionada no Porto O título do Primeiro de Janeiro de 21/04 é particularmente lesivo na medida em que dá como adquirido um facto não provado, contudo, é a peça veiculada pelo Público a que aproxima mais de más práticas jornalísticas enunciadas por fontes não identificáveis que transmitem opiniões desfavoráveis e condenam uma actuação não sustentada. Onde reside o rigor jornalístico a emitir opiniões não identificáveis, que livro 06/11/10 11:28 Page 234 234 em nada contribuem para o apuramento da verdade? A propósito desta problemática os diários publicaram os seguintes títulos: • Jornal de Notícias: _ (26/04) Críticas de Sindicatos irritam Câmara do Porto _ (27/04) Câmara distingue personalidades _ (29/04) Câmara não paga comemorações do 25 de Abril • Público: _ (27/04) BE critica homenagem da autarquia a Pires Veloso _ (29/04) É falta de educação morder a mão de quem nos alimenta _ (29-04) Câmara do Porto retira apoio às Comemorações do 25 de Abril • Primeiro de Janeiro: _ (27/04) Porto distingue figuras da cidade _ (29/04) Retirado apoio de 11 mil euros às Comemorações do 25 de Abril As peças com maior rigor e exactidão são as publicadas pelo Primeiro de Janeiro: a 1ª faz eco das distinções feitas pela Câmara do Porto a propósito do 25 de Abril, de uma forma puramente numerativa, já a segundo reflecte os contornos da contenda e apesar do assunto ser sensível à autarquia é retratado de forma neutral, pelo confronto de posições sustentadas de ambos os lados. Quanto ao Jornal de Notícias, alvo das críticas da autarquia, publica matérias a este propósito que reflectem Recorte do jornal Jornal de Notícias, de 29 de Abril 2006 livro 06/11/10 11:28 Page 235 235 de forma inequívoca más práticas editoriais. A primeira peça relata a posição da USP a propósito da retirada de apoio às Comemorações, sem fazer menção à carta da autarquia.Visão unilateral e tendenciosa, que vicia a informação difundida. A 27/04 o jornal (Público)) faz uma breve menção às distinções feitas pela autarquia como mote para as críticas do BE à condecoração a Pires Veloso. De forma camuflada o jornal aproveita para dar nota das Comemorações feitas pela Câmara para a sujeitar à posição do Bloco de Esquerda. Este facto sugere um intuito manipulador e não coincidente com o bom exemplo jornalístico. Contudo, o Público dá maior cobertura à temática, de uma forma mais evidente, com vista a provocar, embora não tivesse merecido qualquer pronunciamento por parte da Câmara. Ainda este diário (Público), veicula a 29/04 uma crónica assinada por jornalista da redacção claramente difamatória que inclui criticas direccionadas a Rui Rio, tais como “utilização perversa do poder...segundo humores e simpatias”. Apesar das peças de opinião serem edificantes num jornalismo livre, não será incoerente que uma jornalista que escreve por norma acerca da autarquia e de Rui Rio, venha desta feita manifestar opiniões e valores acerca dos mesmos? Não poderá isto significar promiscuidade entre a informação e a opinião que poucos contributos traz às boas práticas jornalísticas? Gráficos 4.4: Síntese da Análise de Conteúdo de Abril de 2006 I – Tom Geral livro 06/11/10 11:29 Page 236 236 II – Títulos As comemorações do 1º de Maio também foram o mote para a encenação de uma peça por parte do PS com representação na autarquia e teve como protagonista principal Francisco Assis. A criação de um pseudo-evento para atrair os OCS é algo comum em política que desta feita serviu para canalizar e reiterar atitudes comuns da oposição, nomeadamente: _ Jornal de Notícias (02/05): PS acusa Maioria PSD/PP de gerir cidade com arrogância absoluta _ Público(02/05): Francisco Assis acusa Rio de incompetência e arrogância Titulações tendenciosas com vista atrair o leitor, dão corpo a peças formatadas ao interesse da oposição, sustentadas por afirmações difamatórias que ultrapassam o foro político para atingir o pessoal com a transcrição de afirmações como: “arrogância começa a raiar foros do patológico”. As práticas jornalísticas assentes em ambos os diários são reveladoras de uma tendência reiterada em dar cobertura, excessiva, aos ataques lesivos e socialmente abruptos da oposição, atribuindo protagonismo excessivo aos actores da discórdia e às suas provocações. livro 06/11/10 11:29 Page 237 237 Isto pode significar a existência de más práticas jornalísticas na medida em que se cobrem acontecimentos que têm intenções camufladas, que os jornalistas e editores exploram ao máximo com o intuito de “inflamar” a opinião pública. Onde fica o papel da comunicação no processo de informar, subjacente às práticas reflectidas? Um dos episódios mais recentes a marcar o confronto entre o Jornal de Notícias e a Câmara do Porto prende-se com as alegadas irregularidades do Estádio do Bessa e pretenso abuso de poder do chefe de gabinete de Rui Rio, Manuel Teixeira. A notícia que dá o mote para o desenvolvimento da polémica é veiculada pelo Jornal de Notícias a 04/05/06, com o título, Chefe de Gabinete de Rui Rio investigado no Apito do Dourado. A titulação dá corpo a uma peça que levanta vários tipos de suspeição em relação ao Chefe de gabinete, que mereceu de imediato uma resposta da parte da autarquia, da qual se destaca: “Ao esconder a parte fundamental da “história”, o jornal, dirigido por Leite Pereira, tenta manchar a honra de Manuel Teixeira, que não é arguido em qualquer processo, e afectar politicamente o Presidente da Câmara. O jornal tenta ainda associar o Metro do Porto de uma forma imperceptível, apesar do processo já ter sido arquivado”. A reboque desta, o Público veicula uma peça a 05/05/06 em que são enunciadas estas questões e em que se faz menção à resposta da autarquia, reiterada por declarações que Rui Rio havia dado à SIC na noite anterior, nas quais denuncia a existência de uma campanha orquestrada pelo Jornal de Notícias com o intuito de denegrir a gestão camarária. livro 06/11/10 11:29 Page 238 238 Fig 4: Jornal de Notícias – 05/05/06 Secção- Polícia e Tribunais Pag -12 Também a 05/05/06, em linha com o que havia sido lançado no dia anterior, o Jornal de Notícias publica: Câmara do Porto deixou passar ilegalidades na construção do Bessa, título de manchete de 1ª página, em que se realça a notícia lançada no dia anterior, sustentada por dados processuais e por uma nota da direcção da qual consta: “1-O JN reafirma a teoria da notícia ontem publicada 2 – O JN não tem, nem nunca teve, nenhuma guerra em curso contra a câmara. O jornal não faz política, faz notícias” livro 06/11/10 11:29 Page 239 239 Não obstante, e na senda desta trama, a 06/05/06 o diário veicula Lote 8 do Bessa é ilegal. Uma peça em que se dá conta das torres Boapor edificadas na envolvente do estádio, e que estão na origem das alegadas irregularidades. Independentemente do teor da informação veiculada, é importante referir que a nível jornalístico, as titulações e corpos das peças dão como consumadas matérias sensíveis, que geram o efeito de desinformação. Com base neste conteúdo será importante enunciar que o novo PDM do Porto esteve, nos termos da Lei, em discussão pública. A Assembleia Municipal que é a entidade quem detém o poder de aprovação do PDM e cuja composição era, à época, maioritariamente afecta ao PS, PCP e BE, alterou legislativamente a proposta do Executivo, aceitando uma das reclamações do Clube e chumbando outra. O Boavista, tal como centenas de outras pessoas e instituições, reclamou, pedindo as referidas capacidades construtivas. O Executivo entendeu não dar provimento aos dois pedidos. Portanto, a suspeita lançada na opinião pública sobre o chefe de Gabinete foi infundada, até porque o Chefe de Gabinete não tem poder sobre uma matéria que é decida em Assembleia Municipal. O teor destas matérias, dado a especificidade jurídica, não contribui para o esclarecimento do público gerando exactamente o efeito contrário. De realçar que estas matérias foram integradas na secção de Polícia e Tribunais, ao contrário do que é prática habitual deste jornal em temáticas relacionadas com a Câmara e os seus Edis. Por norma, o jornal publica nesta secção processos - crime em curso ou já julgados. Isto gera um efeito perverso sobre esta matéria, da qual não se extraem até ao momento conclusões esclarecedoras e que marcam mais um episódio nesta luta de interesses e no jogo de sombras citado anteriormente entre a informação e a política25. No tocante à decisão judicial, protelada há alguns meses, acerca do caso do “energúmero”, difamação dirigida por um cronista do Público a Rui Rio a propósito da Casa da Música, foi ditada a condenação do réu. Os jornais abordaram a temática de forma diversa, contudo, o orgão visado nesta polémica é o que veicula a notícia aparentemente de forma inocente, no entanto, enviesada por alguns factores que 25 Este assunto gerou uma queixa por parte de Rui Rio à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), a propósito da violação do Direito de Resposta por parte do Diário de Notícias, no sentido de esclarecer e refutar a veracidade de algumas notícias. No despacho da ERC (Proc.nº MAIODR15-I), poder ler-se a seguinte conclusão: “ ....delibera-se dar-lhe provimento e determinar ao Diário de Notícias a republicação do texto de respostas do Presidente da Câmara Municipal do Porto, no cumprimento rigoroso dos princípios da equivalência, igualdade e eficácia....” livro 06/11/10 11:29 Page 240 240 ficaram alheios à leitura do cidadão comum, nomeadamente: i) Sob a seguinte titulação o cronista do PÚBLICO condenado26 por difamação (20/05), o diário destaca o nome do jornal da restante titulação, co-responsabilizando-se pela sentença. ii) Por seu turno, a notícia é remetida para as últimas páginas, secção dos media, o que é incoerente com a política do jornal uma vez que o assunto tem sido veiculado no caderno Local. A indignação é legitíma ao remeter-se a decisão, desfavorável ao réu para as últimas páginas, numa secção que por norma se destina a sondagens, programas, tendências e estudos sobre os media. iii) Em relação à foto publicada, com destaque, esta é de Rui Rio ao invés do visado pela decisão. Não obstante, esta é uma foto de arquivo embora não contenha essa indicação, mostrando o autarca com uma postura de satisfação roçando laivos de ironia, o que transporta um valor imagístico para a notícia algo negativo. iv) Por último, a jornalista Andréia Azevedo Soares deixa um recado no fim da peça, remetendo às palavras do advogado de defesa de Augusto M.Seabra, proferidas em sede de julgamento “Rui Rio não exerceu o direito de resposta” e acrescenta a jornalista “a que teria direito nas páginas do PÚBLICO”. A transformação dos Serviços Municipalizados das Águas em empresa municipal continua a merecer destaque por parte dos diários em análise. Desta feita, os jornais publicam: • Jornal de Notícias: _ 25/05/06: Rui Rio acusa SMAS de “falta de transparência” _ 31/05/06:Transformação dos SMAS com Luz Verde 26 O cronista do Público Augusto M. Seabra foi condenado, a 19 de Maio, pelo Tribunal Criminal do Porto, a indemnizar o presidente da Câmara local, Rui Rio, em 4000 euros, devido a um artigo de Junho de 2003. Para além da indeminização pessoal, o juiz Carlos Coutinho considerou ter ficado provada a culpa do arguido, acusado do crime de difamação agravada pela publicidade, e deliberou o pagamento de 2140 euros de multa. livro 06/11/10 11:29 Page 241 241 • Público: _ 25/05/06: Rui Rio admite que as Águas do Porto venha a acolher todos os trabalhadores dos SMAS _ 26/06/06: Trabalhadores dos SMAS exigem regulamentação das condições laborais _ 27/05/06: Sindicatos descontentes com protocolo entre os SMAS e a nova empresa municipal _ 31/05/06 : PSD/PP e PS aprovam passagem de SMAS a empresa municipal • Primeiro de Janeiro: _ 25/05/06: Nova Empresa será referência _ 25/05/06: Sindicatos à espera de protocolo não descartam manifestação _ 26/06/06: Sindicatos esperam abertura _ 27/06/06: Sindicatos pedem alteração de protocolo _ 31/06/06: Empresa da Água aprovada A evolução desta problemática é abordada pelos diários de forma neutral, mormente pouco esclarecedora para os leitores. Nenhum dos diários promove um artigo de fundo a esclarecer os leitores acerca das implicações das mudanças estruturais e respectivas consequências ao nível do serviço e estrutura.O Jornal de Notícias apesar de apresentar um título tendente a provocar algum mal-estar, Rui Rio acusa SMAS de “falta de transparência”, este tíulo dá corpo a uma peça neutral, o que mais uma vez vem traduzir a necessidade dos jornais optarem por titulações que captem a atenção do leitor. Por seu turno, as peça do Público no tocante à posição dos sindicatos reforçam o lado negativo da proposta apresentada pela Câmara, classificando-a de “manca e omissa”. livro 06/11/10 11:29 Page 242 242 Gráficos 4.5: Síntese da Análise de Conteúdo de Maio de 2006 I – Tom Geral II – Títulos Em matéria de Urbanismo, os jornais voltam em Junho à malograda Quinta da China, que mais uma vez serve de mote à publicação de notícias, entrevistas e artigos de opinião. livro 06/11/10 11:29 Page 243 243 Desta feita e no cerne da polémica esteve um conjunto de peças veiculadas pelo Público a 05/06/06. A notícia de lançamento na primeira página do caderno local é intitulada, Direitos adquiridos no caso da Quinta da China podem não ter sido atribuídos por Nuno Cardoso. O artigo lança a suspeição sobre Rui Rio na questão da Quinta da China, quando este havia dito que esta herança lhe tinha sido transferida por Nuno Cardoso, três dias antes da tomada de posse do actual autarca. A questão é sustentada na opinião de diversos juristas, que emitem opiniões sem recurso a matéria de facto. O conjunto de peças subsequentes, das quais fazem parte uma entrevista com o Vereador do Urbanismo, não contribuem para um esclarecimento público, servindo antes para incriminar Rui Rio por a decisão de avançar com a construção da Quinta da China. Este artigo foi à data alvo de de um direito de resposta por parte da Câmara do Porto, que só viria a ser publicado a 22 de Agosto de 2006 por decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Anexo IV: Deliberação 20-R/2006, de 10 de Agosto). No início de Junho de 2006 continua a tendência de acentuar o confronto entre o Jornal de Notícias e a Edilidade do Porto. Uma das “estórias” que marcou o início do mês, foi a inauguração simbólica a 7 de Junho da Avenida dos Aliados. A obra de reconversão que esteve a cargo dos arquitectos Siza Vieira e Souto Moura esteve envolta em grande polémica desde a sua génese, nomeadamente sendo alvo de contestação da oposição na autarquia e associações ambientais. Em alusão à inauguração da nova Avenida dos Aliados, alvo de várias polémicas veiculadas pelos jornais, os diários em análise intitulam a 8 de Junho as suas peças da seguinte forma: _ Público (1º Página do Caderno Local) :Avenida dos Aliados de volta com pouca cor e entusiasmo _ Jornal de Notícias (Manchete de Primeira Página): Nova imagem dos Aliados (1ªPágina do Caderno Porto) Fez-se luz nos Aliados com direito a banhos livro 06/11/10 11:29 Page 244 244 _ Primeiro de Janeiro (08/06/06): Avenida dos Aliados devolvida à cidade Recorrendo a uma titulação aparentemente inofensiva, o Jornal de Notícias, veicula uma foto com três jovens a mergulhar num espelho de água criado por Siza Vieira. O relato deste episódio converteu-se no grande destaque deste diário, como se se tratasse do facto mais importante a salientar, após vários meses de obras que reconverteram a imagem da sala de visitas da cidade Invicta. A notícia mereceu de imediato uma reacção por parte da autarquia, que a classifica de um exemplo de Mau jornalismo ou a história de frustrações mal escondidas”. “A falta de nível e de respeito pela cidade, permitem ao Jornal de Notícias dar uma má imagem da renovada sala de visitas do Porto, evidenciando um aspecto que nada tem a ver com a obra em si, mas apenas - quando muito - com uma questão de civismo. Um pormenor que serviu os objectivos políticos do Jornal de Notícias, mas que rebaixa a um patamar inferior o jornalismo portuense” (www.cm-porto.pt)27. A reacção em epígrafe denuncia por parte da autarquia descontentamento por estar a ser alvo de uma perseguição política, movida por um OCS. Saliente-se que estamos a falar de um OCS com grande peso de mercado na zona norte, nomeadamente na cidade do Porto. No dia 09/06/06 o Jornal de Notícias dá corpo a uma peça intitulada Nova Avenida dos Aliados ainda não convenceu comerciantes o que entra em contradição com a notícia veiculada pelo Público que dá conta de: Comerciantes aderem em força ao projecto de instalação de esplanadas nos Aliados. Aos olhos do leitor, ainda que esclarecido, a dúvida permanece acerca da disparidade de relatos entre os dois dários. O Jornal de Notícias só recolhe opiniões desfavoráveis por parte dos comerciantes à intenção de colocar esplanadas na Avenida, no Público as opiniões incidem numa clara tendência em dar resposta às solicitações da autarquia em converter a Avenida em espaço público de lazer. Verificamos através do relato dos comerciantes, um tipo de abordagem que parece transmitir uma intenção do Jornal de Notícias em desprestigiar a iniciativa da autarquia. Tal como é visado pelo artigo da Câmara no mesmo dia em que a Avenida dos Aliados é manchete de primeira página no Jornal de Notícias (08/08), o caderno do Porto é integralmente constituído por temáticas desfavoráveis à autarquia. Falamos nomeadamente de um conjunto de manifestações, já habituais durante este mandato e 27 Excerto de artigo incluido no site oficial da Câmara do Porto (www.cm-porto.pt) a 09/06/06, em que se desenvolve a tese, já enunciada em alguns exemplos citados ao longo do presente estudo, de um intutito claro do Jornal de Notícias em denegrir a imagem da Edilidade e seu Executivo. livro 06/11/10 11:29 Page 245 245 empoladas pelos diários. Ao longo da semana as manifestações prendem-se com a transformação dos SMAS em empresa de Águas do Porto, empresa municipal que tem sido alvo de contestação por parte dos trabalhadores. Os sindicalistas acusam o autarca de esconder as suas reais intenções sobre o futuro dos trabalhadores, chegando a promover acusações como : “...o Porto está a ser gerido como uma quinta tradicional ao jeito do feitor”( no Jornal de Notícias e Primeiro de Janeiro 08/06),“gerido o Porto como uma coutada dele” (Público 08/06 ). Estas e outras acusações promovidas pelas entidades sindicais têm merecido ampla cobertura por parte dos diários em análise, nomeadamente pelo Jornal de Notícias e o Público. Já a Ribeira continua a ser palco das mais diversas polémicas contra a Câmara do Porto e a merecer cobertura por parte dos três diários. Desta feita, os comerciantes acusam a Câmara de se afastar do centro da cidade ao não contemplar esta zona na Animação de Verão.Agrava-se a questão por não ter colocado nenhum ecrã gigante para visionar os jogos do Mundial naquele local.Até ao momento a autarquia ainda não se pronunciou acerca deste assunto que constitui mais relato desfavorável em relação a esta. Assinalamos as comemorações do 10 de Junho na cidade Invicta, alvo de destaque pelos três jornais. Contudo, e apesar de todos terem citado o facto de Rui Rio ter sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, o Jornal de Notícias coloca em evidência a 10 de Junho o título “Rui Rio manda recado ao governo”, isto na sessão de boas-vindas a Cavaco Silva.“...a difícil situação em que Portugal se encontra é, fundamentalmente fruto de demasiadas cedências à lógica da simpatia fácil e popular e gestão de tempo político em cómoda subordinação às imposições mediáticas.” Esta é uma das frases proferidas por Rui Rio a 9 de Junho, alvo da cobertura jornalística, em que este reitera a sua posição face aos media. A temática que motivou a discussão mais acesa no mês de Junho entre a maioria de direita na Câmara e a esquerda foi motivada pela saída dos deputados da Oposição no momento de votação da empresa Águas do Porto, ficando a mesma sem quórum para o fazer. _ Jornal de Notícias (14/06) PS sai da sala e boicota criação das Águas do Porto _ Público (14/06) Debandada da oposição da Assembleia Municipal adia criação das Águas do Porto _ Primeiro de Janeiro (14/06) Assembleia fica sem quórum livro 06/11/10 11:29 Page 246 246 Ao nível da titulação, o Primeiro de Janeiro é o que se resveste de maior neutralidade na chamada de 1ª página deste assunto, já os restantes diários optam por uma titulação mais cáustica, nomeadamente no Público em que se revê a problemática como uma vitória da oposição, da qual se destaca expressões como “o autismo da Câmara”, com assento comum nos diários em questão. Já no tocante às imagens os jornais estão dominados por manifestações dos trabalhadores no exterior da assembleia e por fotografias com a imagem irritada de Rui Rio, que classificou este acontecimento como anti-democrático. O episódio que motivou mais uma linha de fractura entre o autarca e o Jornal de Notícias foi a questão dos Sapadores, que continuam em luta pela revisão de um protocolo celebrado com a CMP no sentido de diminuir o número de turnos e consequentemente reduzir o pagamento de horas extraordinárias. Os jornais deram conta dos desenvolvimentos desta problemática com os seguintes títulos: _ Jornal de Notícias (20/06): Posto de Sapadores esteve fechado por falta de pessoal _ Público (20/06): Sapadores em Tribunal contra a Câmara Enquanto o Público faz um relato com pouco destaque da temática, o Jornal de Notícias atribui uma ampla cobertura a um acontecimento, que por sinal não chegou a registar-se, o que se traduz numa opção editorial clara de salientar o lado negativo das questões, revestindo-se numa prática jornalística classificada por analogia aos sistemas de qualidade como não conforme. Os jornais de 21 de Junho veiculam a notícia do segundo abandono das forças da oposição na Assembleia Municipal aquando da votação da transformação dos SMAS em empresa municipal. A reboque desta situação os Sindicalistas e Trabalhadores dos SMAS manifestam-se à porta da Assembleia contra Rui Rio. Os títulos que dão conta da temática motivam além de notícias algumas crónicas e artigos de opinião desfavoráveis ao edil. Esta questão transformou-se em mais uma questão com grandes repercussões na imprensa, tendentes a levantar um clima de suspeição sobre o executivo e as suas reais intenções, que culminaram com o livro 06/11/10 11:29 Page 247 247 anúncio citado da directora de recursos humanos e contencioso, expoente máximo de uma política de difamação; moralmente condenável. _ Jornal de Notícias (21/06): Insistência Inútil Oposição volta a impedir votação sobre os SMAS _ Público (21/06): Oposição volta a impedir Rui Rio de avançar com a criação das Águas do Porto _ Primeiro de Janeiro (21/06): Oposição volta a abandonar a assembleia Nova concentração agendada para segunda-feira As peças enunciadas pelos títulos em epígrafe são semelhantes na estrutura e composição do discurso, mesmo porque a maioria PSD-PP absteve-se de comentários ao invés do que ocorreu na semana anterior. Contudo, todas elas revelam um conteúdo noticioso desfavorável à autarquia e às reais intenções de Rui Rio com a criação das Águas do Porto, criando na opinião pública um clima de suspeição.A 27 de Junho só o Público dá conta da aprovação em Assembleia Municipal da empresa, embora, com uma cobertura menor à das tentativas de votação anteriores: Apesar dos protestos aprovada a transformação dos SMAS em empresa municipal. Se até ao momento a discussão deste trabalho se tem fundado em pressupostos de informação geral, importa agora olhar pela 2ª vez para os classificados. O Jornal de Notícias publica a 25 de Junho um anúncio no caderno de Classificados, especificamente na secção de Relax28, com o intuito provocatório de intimidar um membro do executivo dos SMAS. Não atribuindo à partida responsabilidades ao diário pelo sucedido, este foi o veículo de transmissão de uma mensagem de teor comercial, altamente difamatório para a sua interveniente, apanhada de surpresa nesta escala de informação desfavorável que tem envolvido o Jornal de Notícias e a Câmara do Porto. No centro de toda a polémica encontra-se a Directora de Recursos Humanos e Contencioso dos SMAS Porto, um elo considerado por Rui Rio como vital em todo o processo de transformação dos SMAS em empresa municipal. Este já mereceu a emissão de um comunicado de Rui Rio a condenar a atitude dos intervenientes na colocação do anúncio e o desencadear de medidas legais pela vítima. 28 Secção do Jornal de Notícias inserida no caderno Classificados destinada a publicitar a prestação de serviços privados de índole íntima e/ou sexual. livro 06/11/10 11:29 Page 248 248 A “guerra de palavras” entre o Jornal de Notícias e a Câmara do Porto tem sido a nota dominante do primeiro semestre de 2006. Não obstante, os factos já amplamente destacados, seria importante reflectir sobre alguns dos formatos e géneros jornalísticos usados para apontar o dedo ao autarca e executivo da Invicta, seja enquanto factos instigadores de polémicas, seja enquanto resposta ou contra-resposta a enunciados com proveniência da autarquia. As peças de informação, das quais destacamos a notícia (por ser um género mais isento), são as mais usadas para instigar à polémica. Contudo, as peças de opinião têm sido também portadoras deste facto e mais recentemente dois episódios marcados pela publicação de anúncios no Caderno de Classificados do Jornal de Notícias, evidenciam esta realidade. A juntar a estes géneros, facilmente identificáveis, o Jornal de Notícia, iniciou um novo género a que designa de P.S..Tal como nas cartas em que se utiliza esta sigla para acrescentar algo que nos esquecemos no corpo da carta ou quando se pretende salientar a mesma, o director do Jornal de Notícias utilizou ao longo destas semanas a sigla no final das suas crónicas com conteúdos diversos dos inscritos no P.S.. Esta tendência lançada pelo director do jornal, já foi seguida por outros cronistas do diário. A 28/06 numa crónica sobre o título Duas velocidades, o director do Jornal de Notícias, Leite Pereira, acrescenta o seguinte P.S. “Continua a faltar classe a Rui Rio. Comparar este jornal com um partido político para concluir que o JN faz política contra a Câmara é um erro. Outra educação democrática permitiria que apreciasse, tolerasse e soubesse conviver até com uma crítica injusta.”. Já a 14/06 o director do Jornal de Notícias o havia feito numa crónica intitulada, Perder Tempo com o P.S. “O site da Câmara do Porto elegeu-me desde há uns tempos como inimigo público número um. Não mereço tal. Mas mereço que quem o faz dê a cara e não se acobarde por trás da responsabilidade do dr. Rui Rio.” A reboque desta situação o jornalista Jorge Vilas na crónica publicada a 03/07, intitulada Agora é que são elas, aproveita para inscrever o seguinte P.S. “A excessiva preocupação com o site da Câmara do Porto “vigia” o que se publica ou não publica no JN cheira-me a gato escondido com rabo de fora...Não estou a ver o presidente sentado no seu gabinete a escrever as prosas que têm vindo a lume nos últimos tempos mas, em contrapartida, é feio vê-lo a dar cobertura a tanto despautério” A classificação destes P.S. foi feita na grelha de análise com a transposição para o género breves, pois embora esteja incluida em crónicas estes conteúdos nada têm a livro 06/11/10 11:29 Page 249 249 ver com a crónica que lhes deu origem, daí distinguirmos estes enunciados como independentes da restante peça. Ora, importa ainda destacar outra das polémicas com mais repercussão nos jornais no final de Junho e com evidentes desenvolvimentos em Julho de 2006. Esta prende-se com o regulamento dos subsídios, mais concretamente, com a introdução de uma cláusula nos protocolos assinados com as instituições, onde se exige que quem assina um contrato de colaboração com a autarquia se deve abster de a criticar sobre a matéria objecto desse mesmo contrato. A questão foi lançada pelo Público a 28/06 sobre o seguinte título “Rui Rio condiciona subsídios à ausência de críticas por uma questão de bom senso”, a propósito de um protocolo assinado com a Fundação Eugénio de Andrade, através do qual a CMP lhe atribuía um subsídio de 15 mil euros. O Jornal omitiu, no entanto, a parte final da cláusula, ou seja, a passagem do texto onde se afirma que a exigência se refere apenas “à matéria objecto desse contrato”, criando assim na opinião pública a ideia errada de que a Câmara não dá subsídios a quem a critica. Como se pode verificar nas várias análises e comentários feitos, entretanto, sobre a matéria. Segundo o líder da autarquia do Porto, os jornais ocultaram deliberadamente esta parte da cláusula, bem como todos os esclarecimentos que justificam a sua inclusão nos protocolos de apoio assinados pela autarquia. Para Rui Rio os jornais deram uma falsa imagem do Presidente da Câmara do Porto, “tentando impor à opinião pública a ideia de que não aceita as críticas e pretende calar as instituições com subsídios”. Num artigo publicado no Diário de Notícias de 9 de Julho, o autarca portuense esclarece a questão e acusa claramente a comunicação social, nomeadamente alguns articulistas, de terem manipulado as notícias: (...) Que a restrição se confina a não criticar a Câmara apenas no âmbito do que, por ela, é apoiado. Que se aceita a critica em tudo menos naquilo que é objecto de acordo; por ambas as partes assinado. E que as entidades públicas também se têm de dar ao respeito, sob pena de perderem autoridade e credibilidade. Só que, tal como noutras lamentáveis ocasiões, a explicação do acusado não podia ser divulgada de forma clara.Tinha de ser embrulhada com mais prosa e com títulos livro 06/11/10 11:29 Page 250 250 sugestivos, porque se fosse publicada linearmente e sem hipocrisia, o consumidor da (des)informação deixaria de pensar que “o homem, eleito pela direita, não é democrata e quer a censura”. Por isso, - seguramente em nome da tal liberdade de imprensa - não deixou de haver quem tivesse tido o indispensável cuidado para não estragar a ideia que já se tinha conseguido instalar nos leitores mais ingénuos... Não obstante, as questões amplamente discutidas em torno da legalidade ou ilegalidade desta questão, que alguns jornalistas e cronistas enunciam como uma forma de limitar a liberdade de expressão, chegando a comparar Rui Rio aos tiranetes sul-americanos, e quealguns constitucionalistas consideram ilegal, é importante referir o Editorial publicado pelo Primeiro de Janeiro a 01/07 sob a assinatura da directora Nassalete Miranda. Em relação a esta temática, a directora inicia o editorial nestes termos “ O que é um contrato senão a aceitação das partes do que ali é exposto?.....só se assina um documento quando se concorda com o que lá está escrito....” A julgar por esta introdução seria importante reflectir sobre a assinatura deste protocolo entre a Câmara e a Fundação Eugénio de Andrade, detentora de todos os elementos necessários antes da sua celebração. Esta questão não foi enunciada por mais nenhum jornalista ou sequer cronista dos diários em análise, que por sua vez não têm poupado críticas ao autarca. A designada “Lei da Rolha” pelos jornalistas foi usada por estes e outros cronistas para caracterizarem a política de comunicação da Câmara, interna e externa, e emitirem opiniões, levadas, por vezes, ao extremo.O Público é o diário que mais explora a questão. A 05/07 o articulista Joaquim Fidalgo, usa a imagem de um interlocutor já falecido, amigo de Rui Rio para levantar as questões citadas em torno da liberdade de expressão. A crónica intitulada “Boa Memória”, dada às circunstâncias em que é redigida poderá constituir uma ofensa a Rui Rio, pelo aproveitamento da memória de um amigo deste, e mereceu de imediato reacção da parte do autarca. Já a 06/07 a temática dá corpo a uma crónica intitulada “Rolhas e Euros” do cronista Rui Moreira, que incide mais uma vez sobre a temática considerando que aqueles orgãos ou organismos que no Porto fazem opções pela independência têm o futuro condicionado. Para o efeito apresenta o exemplo do Comércio do Porto que ao seguir esta via, teve uma opção suicidária. livro 06/11/10 11:30 Page 251 251 A 06/07 sob o título “Queridos Autarcas”, o cronista Augusto M. Seabra, com contencioso com Rui Rio por tê-lo intitulado de “energúmero” no mandato anterior, não se coíbe de tecer comentários de afronta ao autarca, a propósito de alguns momentos que designa de anti-democráticos e caracteriza “obstinação de Rio ...cega e intolerante... concepção canhestra...regras da mordaça...meios ínvios”. A 08/07 é a vez do jornalista Jorge Marmelo produzir em jeito de elogio forjado um artigo intitulado “Querido Líder”, ao longo do qual se situa em diversos momentos do 1º mandato e nomeadamente do actual para produzir um texto de opinião repleto de recursos estilísticos e como forma de através da antítese do que considera a Verdade emitir opiniões claramente contra o autarca. Parece-nos abusivo que os jornalistas que redigem diariamente notícias sobre o Porto e a sua Edilidade, supostamente imparciais na análise, protagonizem a redacção de textos de opinião deste teor. A 10/07 é a vez de Eduardo Prado Coelho, na crónica “As meias verdades de Rio”, dirigir as suas palavras ao autarca do Porto. Palavras que assumem uma tónica particularmente ofensiva, tais como, “odeia pensar...o pobre ignorante...”. Logo no título pode subentender-se que o cronista intitula o autarca de mentiroso e ao longo do texto tece vários comentários que vão de encontro a este propósito. Gráfico 4.6: Síntese da Análise de Conteúdo de Junho de 2006 I – Tom Geral Desfavorável Favorável Neutrais livro 06/11/10 11:30 Page 252 252 II – Títulos É uma redundância afirmar que os meios de comunicação são fundamentais para o desenvolvimento da democracia. É uma verdade irrefutável. Da mesma forma que a missão da imprensa é informar e formar os cidadãos sobre os aspectos da vida social, cultural, política e económica, e, por vezes, através de uma atitude crítica fundamentada em factos, contribuir para questionar a moral e ética das práticas das organizações e dos seus dirigentes, também os media devem ser sujeitos a críticas quando são identificadas más práticas jornalísticas. Nesse sentido, este trabalho, é, antes de mais, um exercício de cidadania na medida em que, de uma forma construtiva e fundamentada, identifica práticas jornalísticas que são questionáveis do ponto de vista de cumprirem princípios fundamentais da responsabilidade social, ética e deontologia jornalística. Aliás, convém sublinhar que têm sido frequentes as queixas do presidente da CMP a instituições judiciais e reguladoras. Alguns dos pareceres emanados por estas instituições, nomeadamente no que se refere à violação do direito de resposta, têm dado razão a algumas das queixas apresentadas por este autarca, como se podem ver em anexo. Existem várias deliberações e decisões judiciais que vêm confirmar a adopção de más práticas jornalísticas na forma como são abordados alguns temas relacionados com o líder da autarquia do Porto. livro 06/11/10 11:30 Page 253 253 Do ponto de vista académico, este é um caso interessante de análise que merece uma investigação mais aprofundada sobre os contornos e conteúdos desta relação entre a imprensa e a Câmara Municipal do Porto, assim como a reacção que se está a observar por parte algumas entidades regulatórias e judicais sobre este caso. A frequência e quantidade das peças desfavoráveis à actuação do edil resultantes de uma análise diária de peças jornalísticas, realizada predominantemente entre Janeiro e Junho de 2006, como se pode observar nos gráficos síntese a seguir apresentados, parece sugerir a ideia de que existe, por vezes, uma “estratégia” editorial no sentido de criar uma imagem negativa da actividade da Câmara Municipal do Porto e do seu líder. Gráficos 4.7 Análise de Conteúdo de Jan-Jun 2006 Legenda Gráfico I - Público livro 06/11/10 11:30 Page 254 254 Gráfico II – Jornal de Notícias Gráfico III – Primeiro de Janeiro O debate em torno das relações entre o poder político e os jornalistas intensifica-se, motivado pelo crescente número de peças correspondentes a práticas jornalísticas incorrectas. Através da análise dos gráficos 4.7 (I/II/III), sobre o tom geral das peças publicadas acerca de Rui Rio e Câmara do Porto, torna-se evidente um acréscimo de peças desfavoráveis, nomeadamente no Jornal de Notícias. No compto geral, o primeiro semestre de 2006 (Janeiro – Julho) ficou marcado nos diários, à excepção do Primeiro de Janeiro, por uma maioria de peças desfavoráveis à Câmara do Porto e a Rui Rio. O Jornal Notícias é dos periódicos em livro 06/11/10 11:30 Page 255 255 análise o que reúne o maior percentual de peças com conteúdos desfavoráveis (56,2%), o Público (51%) e O Primeiro de Janeiro (38%). Só este diário totaliza um percentual de peças neutrais superior às peças com conteúdos valorativos, numa proporção de 55% (neutrais) para 45% (favoráveis e desfavoráveis), já no Público este rácio situa-se nos 49% (neutrais) face a 51%(favoráveis e desfavoráveis) e, no Jornal de Notícias em 39% (neutrais) para 61% (favoráveis e desfavoráveis. Embora não tenha sido possível concluir que se observe a existência de uma “estratégia” deliberada (por parte de alguns jornalistas do Jornal de Notícias e Público) com intuito de construir uma imagem sistematicamente negativa da CMP e de Rui Rio – motivo pela qual se sugere uma análise mais aprofundada (ao nível da análise de conteúdos e do discurso) no sentido de a confirmar ou infirmar esta hipótese -, observou-se nestes diários a existência algumas práticas jornalísticas questionáveis do ponto de vista ético e deontológico. Em algumas situações concretas e identificadas caso-a-caso, pode-se admitir que jornais estão a desviar-se da sua função de origem (informar e formar) e a aproximaram-se, como sugere Perseu (1988), das funções de um partido político, ao privilegiarem, em muitas situações, a perspectiva da oposição. Neste contexto, a função tradicional dos jornais como motores da democracia e pluralismo da informação poderá ser colocada em causa. Apesar de não ter sido possível responder com um maior nível de profundidade a todas as perguntas de partida colocadas inicialmente, apresentamos ao longo deste trabalho algumas pistas que podem constituir uma base importante de respostas e hipóteses para futuras investigações mais aprofundadas. Não obstante o período de análise aqui considerado – seis meses – ser relativamente curto, não permitindo por isso confirmar tendências sistemáticas e mais contínuas no tempo, a verdade é que as peças publicadas durante o 1º Semestre de 2006 parecem indicar a existência de más práticas jornalísticas na abordagem de assuntos relacionados com a Câmara Municipal do Porto e do seu líder. Embora a análise aqui realizada transmita, em certa medida, uma perspectiva pessimista sobre a actividade dos jornais na forma de abordagem – por vezes pouco clara e subjectiva – de alguns assuntos (como é o caso da actividade da Câmara Municipal do Porto, e que poderá corresponder a uma situação específica), a autora reconheçe que os jornais referidos têm desempenhado um papel muito importante na livro 06/11/10 11:30 Page 256 256 sociedade portuguesa. Contudo, esta consciência não deve inibir uma análise crítica de determinadas situações aqui são referidas. Também não se pretende colocar o Primeiro de Janeiro no mesmo patamar de audiências que o Público ou o Jornal de Notícias. No entanto, neste trabalho em concreto, pareceu-nos justificada essa comparação por se tratarem dos jornais com maior fluxo de notícias sobre a actividade da CMP. Acresce que as boas práticas jornalísticas tanto são válidas para os jornais nacionais como para os jornais regionais. Em conclusão, este trabalho não constitui, de todo, um manifesto contra os media – e muito menos contra o bom nome dos jornais e dos respectivos profissionais, mas sim uma reflexão sobre a existência de algumas práticas jornalísticas que podem prejudicar o prestígio e credibilidade dos jornais e das instituições onde se inserem, privando em última análise os cidadãos de serem informados correctamente. Nesse sentido, é importante a realização de estudos que sejam críticos da actividade jornalística e que alertem os profissionais e académicos da comunicação, assim como outros actores envolvidos nesta actividade, para a necessidade de melhorar a qualidade do jornalismo. Não é por acaso que a qualidade, ética e responsabiliade social dos media é um dos temas que tem motivado mais investigação a nível internacional, não sendo uma preocupação e realidade exclusiva no nosso País. É óbvio que em Portugal existem, em muitos casos, boas práticas jornalísticas. Contudo, também existem más práticas que devem ser identificadas e criticadas. Este trabalho e assunto - por natureza polémico mas que deve ser aprofundado não só no tempo como no discurso - pode suscitar uma reflexão, sempre oportuna, sobre a Ética e Responsabilidade Social dos Media. É isso que a autora espera! Em jeito de recomendação final, e tendo em conta a dificuldade crescente de regular a actividade jornalísticas e as pressões sociais e económicas a que esta actividade está sujeita, as temáticas relacionadas com a literacia dos media são fundamentais e podem constituir-se como a uma das vias para minimizar os efeitos negativos de situações em que se observam más práticas jornalísticas. Quanto mais os cidadãos estiverem identificados com a linguagem e lógicas de funcionamento da actividade jornalística, mais capacitados estarão para analisar e descodificar de uma forma crítica os produtos de media e entretenimento que lhes são sugeridos29. 29 A este propósito importa reflectir sobre a crescente quebra de vendas dos jornais diários de referência. Dados da APCT referentes ao primeiro semestre de 2006 mostram que os portugueses compraram menos 33 mil diários. O retrato de quebra generalizada nas vendas denuncia uma progressiva perda de leitores, nomeadamente para as publicações gratuitas. livro 06/11/10 11:30 Page 257 257 Também seria importante, como já advogam alguns estudiosos desta matéria, como é o caso de Ignacio Ramonet (2006), o surgimento do 5º Poder, composto por cidadãos responsáveis e elucidados sobre o mundo e as questões que os rodeiam. Para isso, considera indispensável, “desenvolver uma reflexão sobre a maneira como os cidadãos podem exigir aos media mais ética, verdade e respeito por uma deontologia que permita aos jornalistas agir em função da sua consciência e não em função dos interesses dos grupos financeiros, das empresas e dos patrões que os empregam” (Xis, 3 Junho 2006)30. A preocupação com a ética e com a literacia dos media não é propriamente recente. Há uma década a esta parte, estudiosos afloravam estas questões, ao colocar a tónica de mudança na consciencialização social, sendo cada cidadão um agente individual da mudança. “Não carrego ilusões de uma modificação do jornalismo através de um processo reflexivo da própria imprensa. Estamos em tempos de monopólios, não de empresas democráticas... O jornalismo, se pode mudar e assumir uma outra feição, mais democrática, capaz de expressar de modo mais expressivo os diferentes e complexos interesses e ideias da sociedade, só poderá fazê-lo graças a avanços políticos, culturais e sociais das classes hoje dominadas”. (José, 1996) No fundo, a base desta reflexão passaria por um processo de mudança de mentalidades em que quer jornalistas quer cidadãos anónimos constituiriam uma plataforma de coesão, tendente à dignificação da democracia e liberdade de imprensa a esta associada. Seria essencial neste processo promover a Educação para os Media, para que leitores, ouvintes e telespectadores possam constituir uma massa crítica capaz de promover a verdadeira democratização da comunicação. 30 Artigo publicado pela revista XIS intitulado Media: Poder ou Contrapoder ? (Ana Vieira de Castro) onde se reflecte sobre o impacto, excessos, fronteiras, a ética e a certeza de que nos cabe a nós cidadãos, o papel de sermos contrapoder. livro 06/11/10 258 11:30 Page 258 livro 06/11/10 11:30 Page 259 259 ANEXOS Anexo I PRINCIPAIS GRUPOS DE MEDIA EM PORTUGAL • Controlinveste Órgãos de Comunicação Social: Jornal de Notícias, Diário de Notícias, 24 Horas, Tal & Qual,, Jornal do Fundão, Açoriano Oriental, DN Funchal, Grande Reportagem (suspensa), Play Station 2, Maganize Notícias Sábado, Rádio Jornal do Fundão, Rádio Press,Volta ao Mundo, Evasões,Viagens, Adolescentes, , Participação na Lusa (23%), TSF Editorial Notícias, O Jogo, participação na Sport TV (50%). Participação na VASP. Notícias Direct ( distribuição de publicações por assinatura – Lisboa e Porto). Detém ainda os sites Sporting Clube de Portugal, Sport Lisboa e Benfica, Futebol Clube do Porto. • Impresa Órgãos de Comunicação Social: Expresso,Visão, Jornal de Letras, Blitz, Surf, Exame, Executive Digest, Exame Informática, Courrier Internacional, Doze, Telenovelas, Caras, TV Mais, Casa Cláudia, Activa, Cosmopolitan, Super Interessante, Rotas do Mundo, FHM, Turbo, Autoguia, Autosport. Participação na Agência Lusa, SIC, SIC Notícias, Comedia, Radical, Mulher, Internacional, Internet (informação e outros serviços). Participação na distribuidora de publicações VASP. • Media Capital Órgãos de Comunicação Social: Lux, Lux Deco, Lux Woman, Super Maxim, PC World, Computer World, Briefing, Casas de Portugal, Revista de Vinhos, TVI, grupo NBP (principal produtor de telenovelas), Castello Lopes Multimedia, Rádio Comercial, Rádio Clube Português, Cidade, Best Rock FM, Cotonete, Internet (portal IOL, Portugal Diário, Mais Futebol, agênciafinanceira.com). Produção discográfica e de concertos FAROL, Empresas de outdoor – publicidade externa. livro 06/11/10 11:30 Page 260 260 • Cofina Órgãos de Comunicação Social: Record, Correio da Manhã, Jornal de Negócios, Máxima, Máxima Interiores, TV Guia, GQ, Vogue, AutoSport, Automotor, PC Guia, Rotas & Destinos, Semana Informática, Semana Médica. Participação de 19% na Lusomundo Media Participação na distribuidora VASP Internet. • Impala Órgãos de Comunicação Social: Maria, Ana, Nova Gente, TV 7 Dias, Mulher Moderna, Mulher Moderna Cozinha, Mulher Moderna Moda,VIP, Focus, Boa Forma, Crescer, 100% Jovem. Negócios no Brasil e Espanha (internet e edição de livros infanto-juvenis) Internet. • Grupo Renascença Órgão de Comunicação Social: Rádio Renascença, RFM, Mega FM e InterVoz. • Público Comunicação Social, S.A. Órgão de Comunicação Social : Público • O Sol é Essencial, S.A. Órgão de Comunicação Social : Sol • Estado Órgãos de Comunicação Social: RTP 1 e 2, RDP 1 e 2 (ambas também como produção Internacional, África e canais regionais), Antenas 1, 2 e 3 (Internacional, África) Agência Lusa. livro 06/11/10 11:30 Page 261 261 Anexo II Linhas de Orientação nas Relações da Câmara do Porto com a Imprensa de 31 de Outubro 2005 2. São diversas as lições que os resultados eleitorais de 9 de Outubro no Porto nos proporcionam. Uma das mais importantes, que tive oportunidade de referir ao longo de todo o mandato e, em particular, na noite das eleições, inscreve-se nas lógicas de contra-poder que alguns orgãos de comunicação “social” adoptaram relativamente à Câmara do Porto. Há muito é reconhecido em todo o mundo civilizado que não há democracia sem um Imprensa livre e plural. Mas ainda, é comummente aceite que a governabilidade das comunidades só será possível se houver uma corresponsabilização efectiva entre agentes políticos e media. Sempre que os campos de intervenção de cada um dos distintos agentes são invadidos, fomenta-se a perversidade, e adulteram-se as regras da convivência democrática. Foi o que aconteceu, frequentemente, durante os quatro anos do anterior mandato e durante a própria campanha eleitoral: alguns jornalistas e comentadores assumiram-se não como agentes de informação e comunicação, mas sim como evidentes actores políticos. 3. A democracia só é possível com uma informação livre e independente. Não vivemos em democracia se houver censura ou se a informação não respeitar o rigor e a verdade, porque se assim acontece estamos a enganar as pessoas, ou seja, estamos a desinformá-las. Compete aos detentores do poder, legitimados pelo voto livre e democrático, procurar evitar estas distorções e lutar contra a perversidade, principalmente livro 06/11/10 11:30 Page 262 262 quando ela atinge uma dimensão que põe em causa a saúde do regime e a própria governabilidade do País. Por isso, o novo Executivo portuense decidiu definir regras de actuação a pôr em prática neste segundo mandato, no que se refere ao relacionamento com a comunicação social. 4. Se dúvidas ainda houvesse sobre a necessidade de definir linhas de orientação mais rigorosas sobre estas matérias, a manchete do Jornal de Notícias de ontem, só por si, justificava esta nossa decisão. Se posso considerar correcto o trabalho desenvolvido pelos jornalistas que assinam a peça no interior do jornal, o mesmo não poderei dizer da manchete especulativa, construída pelos responsáveis da primeira página. “Rio admite construções no Parque da Cidade” – lia-se na edição vendida no Porto, já as demais edições do JN privilegiaram outra manchete. Trata-se de uma subtil manipulação das minhas declarações sobre o tema, como facilmente se constata lendo respostas que dei à questão e vêm publicadas no interior do jornal. Trata-se de um abuso ilegítimo de interpretação, com a intenção clara de enganar os leitores , criando-lhes no subconsciente a ideia de que alterei o meu pensamento sobre o futuro do parque da cidade. E de tal ordem a referida manchete surtiu efeito perverso que hoje mesmo, e como é sua prática sistemática, o jornal “Público” repesca a primeira página do “JN” para se aliar ao líder da oposição socialista no executivo e confundir os cidadãos numa matéria sobre a qual não tenho qualquer dúvida, nem nunca me desviei um milímetro dos compromissos que achei que devia assumir antes de ser eleito. livro 06/11/10 11:30 Page 263 263 Como sempre referi, não haverá construções no Parque da Cidade, para lá dos equipamentos que o possam valorizar. E mesmo que os pressupostos desta decisão se alterassem radicalmente, só depois do maior debate público feito no Porto, é que coisa diferente poderia eventualmente acontecer. Porque se os pressupostos se alterassem radicalmente não seria sério fazer o que quer que fosse sem auscultar a cidade, inclusive para manter a mesma posição. 5. Em face de tudo isto, o Executivo acordou as seguintes regras de relacionamento com a comunicação social: a) Restringir a seu relacionamento com os média exclusivamente às matérias de inegável interesse público, e evitar todas as que visem objectivos de interesse privado, corporativo ou editorial, designadamente as que procurem a especulação. b) Fazer depender qualquer declaração para a comunicação social sobre matérias do Executivo, de prévio contacto do jornalista com o Gabinete de Comunicação da Câmara, a quem compete coordenar e executar todas as acções de comunicação com o exterior, seja do Presidente ou dos Vereadores. c) Acordar com a imprensa apenas entrevistas por escrito, mediante critérios de oportunidade, com regras previamente definidas, evitando ou minimizando assim intrepetações especulativas, ou a pura manipulação das respostas. É bom recordar que os entrevistadores são os donos das perguntas, os entrevistados os donos das respostas. d) O Gabinete de Comunicação da Câmara recorrerá preferencialmente, à mensagem escrita, através da publicação no site oficial da Câmara e de difusão pelos média. livro 06/11/10 11:30 Page 264 264 6. Em política, como na vida, a credibilidade é uma tarefa individual e arduamente conquistada. Saberemos, também por isso, fazer a distinção entre quem desenvolve e pratica uma informação responsável,isenta e plural e os que fazem do jornalismo uma arma de combate político, ao serviço de interesses pessoais, grupos ou coorporações. A crise do regime só será ultrapassada se for garantida aos cidadãos toda a informação que lhes diz respeito e que influi na vida de todos nós, com verdade, isenção e lisura de processos. Os eleitores só poderam fazer escolhas livres se estiverem devidamente esclarecidos, e dispuserem de informação verdadeira. É isto que pretendemos assegurar e assim evitar o que aconteceu durante todo o primeiro mandato e que já ontem, tal como hoje, se voltou a repetir. livro 06/11/10 11:30 Page 265 265 Anexo III livro 06/11/10 266 11:30 Page 266 livro 06/11/10 11:31 Page 267 267 livro 06/11/10 268 11:31 Page 268 livro 06/11/10 11:31 Page 269 269 livro 06/11/10 270 11:31 Page 270 livro 06/11/10 11:31 Page 271 271 livro 06/11/10 272 11:31 Page 272 livro 06/11/10 11:31 Page 273 273 livro 06/11/10 274 11:31 Page 274 livro 06/11/10 11:31 Page 275 275 Anexo IV livro 06/11/10 276 11:31 Page 276 livro 06/11/10 11:31 Page 277 277 livro 06/11/10 278 11:32 Page 278 livro 06/11/10 11:32 Page 279 279 livro 06/11/10 280 11:32 Page 280 livro 06/11/10 11:32 Page 281 281 livro 06/11/10 282 11:32 Page 282 livro 06/11/10 11:32 Page 283 283 BIBLIOGRAFIA ADAIR, J.(1990): Understanding Motivation,Talbot, Adair Press; Guilford (Surrey) ALBARRAN, A. 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