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RPH Editorial

https://doi.org/10.14195/0870-4147_54_0

Abstract

Após um longo tempo de maturação chega, com o cair da folha, o volume 54 da Revista Portuguesa de História. Os artigos nela publicados versam temas vários de História de Portugal e do Império Português e reportam-se a um tempo longo que se inicia no século XIII e termina em 1974. Se fizermos um exercício de integração dos textos em várias áreas temáticas predomina a história social que se cruza com a história económica e a história militar.

Editorial Após um longo tempo de maturação chega, com o cair da folha, o volume 54 da Revista Portuguesa de História. Os artigos nela publicados versam temas vários de História de Portugal e do Império Português e reportam-se a um tempo longo que se inicia no século XIII e termina em 1974. Se fizermos um exercício de integração dos textos em várias áreas temáticas predomina a história social que se cruza com a história económica e a história militar. A ciência histórica está sempre em mudança. Mudança que decorre da identificação e cruzamento de novas fontes, mas também de novas questões que conduzem a investigação histórica a identificar variáveis que complexificam e ampliam o conhecimento adquirido. É o caso do artigo escrito por José Pedro Paiva intitulado “Clero secular e cor da pele no império português (séculos XVI-XVIII): uma via controversa”, no qual o autor perscruta em tempo longo, e na diversidade dos espaços do império, o acolhimento, ou a rejeição, de um clero não europeu que contribuiria para a evangelização de diferentes povos numa conexão entre religião e cultura que haveria de perdurar no tempo, apesar dos opositores da sua existência. Numa escala mais reduzida, mas trazendo igualmente inovação historiográfica situa-se o texto de Maria Antónia Lopes sobre “Mulheres contratadoras de rendas, bens e serviços na Idade Moderna: Câmara Municipal e Universidade de Coimbra”. Como é sabido, a história das mulheres entrou tardiamente na investigação histórica. O campo tem-se, no entanto, revelado muito profícuo tanto no que concerne ao conhecimento da metade da humanidade durante muito tempo ausente do conhecimento histórico, mas também sobre a história da sociedade globalmente considerada. Um dos temas desta história consiste no estudo do papel das mulheres no mundo do trabalho, nomeadamente nas tarefas domésticas, nas atividades comerciais e artesanais e em algumas agrícolas. Maria Antónia Lopes através de uma pesquisa aturada encontrou mulheres a desempenhar funções consideradas, até agora, exclusivas dos homens como era a cobrança de rendas pertencentes a instituições ou a prestação de serviços a vários níveis, nomeadamente no setor do abastecimento do mundo urbano, a elas confiados por essas instituições. Nem sempre as mulheres surgem nas fontes históricas num registo positivo. As fontes judiciais, civis e eclesiásticas, revelam-nos as vítimas de maus tratos ou as imorais que pautavam a sua vida por valores que eram Revista Portuguesa de História – t. LIV (2023) – p. 5-8 – ISSN: 0870.4147 DOI: https://doi.org/10.14195/0870-4147_54_0 6 Editorial motivo de censura pelas autoridades que zelavam pelos bons costumes, como nos é demonstrado no artigo de autoria de Dina Alves “A relação entre e a Intendência Geral da Polícia e as magistraturas régias periféricas: o caso de Óbidos (1780 - 1806)”. A Intendência Geral da Polícia foi um organismo que zelou pela erradicação dos maus costumes no sentido de corrigir ou de afastar das comunidades os “pecadores públicos” bem como os que peregrinavam pelo país vivendo de esmolas ou de roubos, ação que o Intendente concertava com as autoridades judiciais locais, em particular com os Juízes de Fora. O estudo da problemática em análise na comunidade de Óbidos permitiu à autora apreender a interação entre as autoridades judiciais e as de polícia tornando mais eficaz o disciplinamento social numa localidade não muito distante da sede dos poderes centrais. No terceiro quartel do séc. XVIII, a Intendência teve algumas preocupações com a saúde dos mais débeis, mas o país, globalmente considerado, não detinha instituições suficientes que prestassem cuidados de saúde e zelasse pela higiene pública. O problema agravava-se em tempos de epidemias, destacando-se as pandemias que assolaram a Europa no século XIX. Laurinda Abreu, no artigo que intitulou “Cólera em Portugal na segunda metade do século XIX: os lazaretos terrestres”, retoma uma problemática já tratada num texto anterior (“A luta contra as invasões epidémicas em Portugal: políticas e agentes, séculos XVI-XIX”), focando agora o seu objeto de análise na organização e no funcionamento dos lazaretos terrestres durante o surto de cólera 1884-1886 e cruzando o tema com a precária situação sanitária e com o debate que sobre esta matéria foi suscitado em Portugal nos meios científicos e políticos. As precárias situações em que se vivia no mundo rural e também no urbano agravavam-se em algumas situações como era o caso das provocadas por fenómenos climáticos excessivos como o ciclone que atingiu Portugal em fevereiro de 1941. Baoxin Chen, Xi Wang e Kan Chen no artigo “Macau Chinese Raising Funds for the 1941 Portugal Windstorm Reconstruction during WWII: Perspective of Public Choice” revelam o impacto das notícias referentes ao ciclone que chegaram a Macau, detalhando, com minúcia, a onda de solidariedade que moveu a população macaense e a elite chinesa a realizar várias atividades no sentido obter fundos que foram enviados para Portugal. Como decorre do atrás exposto este volume da RPH publica alguns artigos sobre a presença portuguesa no mundo. Aos já referidos há que acrescentar o estudo de Joana Dias Pereira, “Colonialidade e Comunalidade: produção de (des)conhecimento sobre normas de reciprocidade na África portuguesa (1890-1974)”, no qual a autora apresenta Editorial 7 o debate gerado em torno da propriedade indígena, mais ligada à gestão dos recursos em comum e aos modelos de gestão comunitária e de reciprocidade, dificilmente entendíveis no ordenamento jurídico europeu. No âmbito dos estudos referentes ao Império, a RPH publica ainda um artigo do historiador da República Checa, Karel Staněk, intitulado “Reflections on the debate about the future of portuguese expansion: Morocco and India in clash (1495-1578)”. Este historiador retoma a reflexão sobre um tema clássico da historiografia portuguesa que se iniciou nos meios políticos do século XVI e que equacionava as vantagens e desvantagens da manutenção da presença portuguesa em Marrocos ou a preferência pela navegação e comércio com a Índia. Venceu o “partido” da carreira da Índia das especiarias em detrimento de uma nobreza mais “guerreira”. Da ampla paleta historiográfica que os autores do volume 54 da RPH nos oferece, cabe-nos agora referir dois artigos de pendor mais económico e social. Carla Sequeira, no estudo “Das companhias comerciais e associações científicas aos sindicatos agrícolas. O associativismo na Região Duriense, entre 1865 e 1926” apresenta-nos as diversas formas de associativismo regional desenvolvidas entre meados da década de 1860 e inícios da década de 1930, procurando estudar o grau de implantação, organização e influência das novas agremiações no sentido de fazer face a uma crise comercial de superprodução de vinho. Por sua vez, Carlos Faísca e Rui Jerónimo no artigo “A contribuição algarvia para a génese e desenvolvimento do setor corticeiro português, séculos XIX e XX” dão voz aos corticeiros portugueses do Algarve, inserindo a sua atividade num contexto regional e nacional e apresentando a relevância económica do setor a nível nacional. A RPH acolhe ainda dois artigos sobre a época medieval. Num registo político e simbólico, Saul António Gomes disserta sobre “O “foro de Espanha”: formulários diplomáticos de homenagens por castelos no Portugal medievo”. Por sua vez, Saul Gomes e Leontina Ventura divulgam mais um valioso contributo para a história da cidade de Coimbra no artigo “A alcaidaria de Coimbra ao tempo da conquista de Elvas (1226-1230)”. Finalmente, divulgam-se três recensões críticas que anunciam novos rumos historiográficos nos campos da História das Emoções, da História do Sagrado e do sobrenatural. Do atrás exposto ousamos afirmar que o volume 54 da RPH integra um conjunto de artigos que contribui para o aprofundamento do conhecimento historiográfico de aspetos muito relevantes da História de Portugal e do Império português. 8 Editorial Finalmente, cumpre-me, em primeiro lugar, agradecer aos autores dos artigos e das recensões o facto de nos terem proposto a divulgação dos resultados da sua investigação. Em segundo lugar, exprimimos a nossa gratidão aos historiadores que generosamente efetuaram a revisão científica dos artigos publicados, bem como de muitos outros que foram propostos para publicação, conferindo à RPH o nível de qualidade exigido pelos padrões internacionais. Manifestamos ainda o nosso reconhecimento a todos aqueles que tornaram possível a edição deste volume. A coordenação técnica da revista foi feita pela Dr.ª Carla Rosa a quem agradecemos o empenhamento, profissionalismo e competência evidenciados no atento trabalho de acompanhamento dos textos submetidos para publicação desde a sua inserção na plataforma até à sua revisão final. Apresentamos ainda os nossos agradecimentos ao Sr. Diretor da FLUC e ao Sr. Diretor DHEEAA pelo suporte institucional dado à RPH. À Sra. Diretora da Imprensa da Universidade de Coimbra agradecemos a continuação do acolhimento da publicação da Revista Portuguesa da História, agradecimento extensivo a todos os colaboradores da Imprensa da Universidade de Coimbra que dão sempre o seu melhor no sentido de que a publicação ocorra com a pontualidade anual e qualidade exigida aos periódicos científicos. Margarida Sobral Neto