Lugares Matemáticos em Contos de Malba Tahan
Luara Zwiernik
Mestranda em Ensino de Matemática
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
luarazw@gmail.com
Andreia Dalcin
Doutora em Educação
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
andreia.dalcin@ufrgs.br
Resumo
Malba Tahan é um personagem-autor que ficou famoso por seus contos ambientados em cenários
árabes, muitos deles apresentam elementos matemáticos, o que o torna um dos primeiros
escritores brasileiros a aproximar Literatura e Matemática. Neste artigo analisamos quatro contos:
O conto dos camelos; O conto das irmãs e da venda das maçãs; O conto da verdade e da mentira;
e O conto da divisão do reino, localizados nos livros O livro de Aladim, 1ª edição, e O homem que
calculava, 8ª edição, ambos publicado em 1943 pela editora Getúlio Costa. A questão que norteou
o processo de análise dos contos é como e quais elementos matemáticos emergem e são abordados
em contos de Malba Tahan? No processo de análise procurou-se identificar e compreender que
elementos matemáticos aparecem nos textos de forma explícita ou implícita, ou seja, que lugares
matemáticos emergem na construção das narrativas, com o intuito de melhor compreender a
articulação entre literatura e matemática que caracterizam tais textos.
Palavras chaves: Matemática, Literatura, Malba Tahan, Lugares matemáticos, Conto.
Mathematical Places in Malba Tahan’s Tales
Abstract
Malba Tahan is a character-author who was famous for his tales set in Arab settings, many of
which have mathematical elements, making him one of the first Brazilian writers to bring
literature and mathematics together. In this article, four tales are analyzed by us: The tale of the
camels; The tale of the sisters and the sale of apples; The tale of truth and lies; and The tale of the
division of the kingdom, which can be found in the books The book of Aladdin, 1st edition, and
The man who calculated, 8th edition, both published in 1943 by the publisher Getúlio Costa. The
guiding question of the tales analysis process is how and which mathematic elements arise and
are approached on Malba Tahan’s tales? In the analysis process we sought to identify and
understand which mathematical elements appear in the texts in an explicit or implicit way, in other
words, which mathematical places emerge in the construction of narratives, in order to better
understand the articulation between literature and mathematics that characterize such texts.
Keywords: Mathematic, Literature, Malba Tahan, Mathematical places, Tales.
Revista de investigação e divulgação em Educação Matemática, Juiz de Fora, v. 4, n. 1,
p. 1-20, jan./dez. 2020.
Introdução
O professor de Matemática Júlio César de Mello (1895-1974), conhecido pelo
pseudônimo Malba Tahan, é autor de vários livros que aproximam matemática e literatura.
Diversas produções deste autor apresentam possibilidades de análise e potencial pedagógico.
Neste artigo analisaremos 4 contos do personagem-autor1 Malba Tahan, com o intuito de
investigar os elementos matemáticos presentes e o modo como emergem na construção das
narrativas. Este estudo integra uma pesquisa de mestrado em andamento que investiga
articulações entre matemática e literatura nas obras de Malba Tahan.
Para aporte teórico sobre o potencial da relação entre matemática e literatura para o
ensino de matemática, consideramos algumas pesquisas produzidas nesta temática, como
Arnold (2016), Cury e Silva (2016), Montoito (2007) e Fux (2016). No diálogo entre o que é da
matemática e o que é da literatura, busca-se tensionar estas fronteiras, construir o que Fux
(2016) chama de “entrelugares”, discussão ampliada e categorizada posteriormente por
Montoito (2019) e por nós considerada.
A questão que norteou o processo de investigação dos contos é como e quais elementos
matemáticos emergem e são abordados em contos de Malba Tahan? Esta questão desdobra-se
em outras: evidencia-se a intencionalidade do autor em “ensinar matemática”? Quais conexões
entre literatura e matemática identificamos nos contos? Os 4 contos analisados de Tahan são
localizados nas obras O homem que calculava e O livro de Aladim. Esses foram selecionados a
partir de uma análise inicial de 10 livros2 de Malba Tahan, buscando-se por contos que
possuíssem algum elemento matemático em sua narrativa.
Os contos, como textos literários, constituem-se em documentos datados, produzidos
num certo momento histórico, que veiculam discursos e ideias capazes de contribuir para a
compreensão de um determinado contexto histórico e modo de pensar sobre matemática e
literatura. Neste sentido, visamos desenvolver um estudo bibliográfico documental, sendo que
estudos como este “apresentam-se estáveis no tempo e ricos como fonte de informações”
(FIORENTINI; LORENZATO, 2006). Assim, buscamos pelas edições mais antigas, de modo
que dentre os elementos de análise pudéssemos considerar a materialidade das obras, as
1
Denominação atribuída por Siqueira Filho (2008).
Além dos dois livros citados anteriormente, foram analisadas as seguintes obras: Antologia da Matemática, As
aventuras do rei Baribé, Céu de Allah, Lendas do deserto, Maktub, Matemática divertida e delirante, O gato do
cheique e outras lendas e Salim, o mágico.
2
Revista de investigação e divulgação em Educação Matemática, Juiz de Fora, v. 4, n. 1,
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ilustrações e o contexto de produção e circulação dos livros na época.
Para o desenvolvimento do estudo foram produzidas fichas de leitura individuais para
cada conto, sendo considerados os seguintes aspectos: enredo, a presença de palavras ou
símbolos relacionados à matemática, ilustrações e sua função no texto e elementos matemáticos
presentes na narrativa. Paralelamente, foram realizadas leituras com o intuito de compreender
possíveis conexões entre matemática e literatura. Desta forma, como nos coloca Dalcin e
Montoito (2020, p. 9),
A literatura, para além das obras didáticas e paradidáticas, valoriza a estética,
a criação e a subjetividade, de modo que diferentes significações podem ser
atribuídas ao que é lido; isso a diferencia dos textos didáticos e paradidáticos,
os quais almejam a construção de uma interpretação comum entre todos os
leitores.
Através das leituras e das análises realizadas temos a espectativa de poder contribuir
para com o debate sobre conexões possíveis entre Matemática e Literatura, que vem ganhando
o interesse da comunidade de Educadores Matemáticos, a exemplo do recente dossiê Literatura
e Matemática: inter-relações possíveis3, publicado pela Revista Internacional de Pesquisa em
Educação Matemática.
A matemática em obras literárias
Montoito (2019) apresenta três maneiras pelas quais observou a relação literatura e
matemática em obras literárias. A primeira, intitulada “Literatura com viés matemático”, referese às obras que possuem resquícios de matemática em seu texto, mesmo que os elementos
apareçam de forma implícita. Assim, quem possui conhecimento matemático percebe os
conceitos presentes. Como exemplo, o autor cita a passagem do livro “O pequeno príncipe”, em
que um dos personagens ilustra uma jiboia antes e após ingerir um elefante. Através de
conceitos básicos da Topologia, o desenho feito pelo personagem pode ser caracterizado como
uma superfície isotópica, envolvendo conceitos relacionados à topologia da superfície. Apesar
da presença implícita de elementos matemáticos, não é possível perceber a intenção do autor
em apresentá-los na narrativa.
3
Disponível em: <http://sbem.iuri0094.hospedagemdesites.ws/revista/index.php/ripem/issue/view/158>
Revista de investigação e divulgação em Educação Matemática, Juiz de Fora, v. 4, n. 1,
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A segunda maneira indicada por Montoito refere à “Literatura com termos
matemáticos”, em que os elementos matemáticos a exemplo de conceitos, definições ou
aplicações emergem no texto de forma explícita. Mesmo apresentando-os explicitamente, não
há garantia de que o leitor conseguirá perceber todas as informações matemáticas contidas no
texto, no entanto, tais textos podem introduzir o leitor nos “lugares matemáticos” presentes e
construir relações interpretativas com a história” (MONTOITO, 2019). O livro “O planeta dos
macacos” é utilizado por esse autor para ilustrar a forma explícita da matemática emergir na
narrativa. Nesta obra, um astronauta pousa em um planeta, onde os macacos são seres racionais
e dominam o planeta, enquanto os humanos são seres irracionais, sendo caçados para servirem
de cobaias em experimentos realizados. Na tentativa de mostrar aos macacos que era um ser
racional, esse astronauta utiliza a matemática, considerando-a como uma “linguagem
universal”.
A terceira maneira empregada por Montoito (2019) para observar a relação entre
literatura e matemática é a “Literatura com estrutura matemática”, sendo as narrativas pensadas
a partir de algum elemento matemático, ou seja, “a história se organiza e se desenvolve segundo
as propriedades matemáticas do corpo teórico que o autor escolheu como modelador do seu
universo literário” (Ibid, p. 909). Como exemplo analisa a obra de George Perec (2009), “A
vida modo de usar” que apresenta como cenário um prédio que se assemelha a um quadrado
mágico de ordem 10, onde cada quadradinho representa um apartamento. Em cada capítulo é
narrada uma história ocorrida em um desses apartamentos, apresentando 42 restrições. Desta
forma, são resultadas 420 restrições, organizadas em 42 tabelas de 10 possibilidades. Na
narrativa de cada capítulo, é utilizada uma das 10 possibilidades de cada uma das 42 tabelas,
totalizando 1042 possibilidades de inserir elementos na história, inviabilizando que o leitor
preveja o que ocorrerá em cada apartamento, ou seja, em cada capítulo da obra. Além disso,
Perec (2009) não transcorre sua história seguindo a ordem numérica dos apartamentos, mas sim
por meio da poligrafia do cavalo, que Montoito (2019, p. 909, notas de rodapé) define da
seguinte forma:
Trata-se de um princípio derivado de um clássico problema conhecido pelos
jogadores de xadrez: fazer com que um cavalo percorra as 64 casas de um
tabuleiro sem jamais parar mais de uma vez na mesma casa. No caso do livro,
a ação segue o caminho que o cavalo faria, passando pelos 100 apartamentos,
o que dá a ordem narrativa dos capítulos da história.
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Montoito (2019) não buscou saber se os autores das obras estudadas possuíam o intuito
de ensinar matemática por meio de suas histórias. No entanto, nós consideramos a possibilidade
de Malba Tahan ter a intencionalidade de ensinar matemática por meio de seus contos, sendo
este possível desejo um elemento a ser considerado nas análises dos contos e no diálogo com a
literatura já produzida sobre Malba Tahan.
Malba Tahan e seus contos
Júlio César de Mello e Souza, criador do personagem-autor Malba Tahan, nasceu em 6
de maio de 1895, no Rio de Janeiro, e cresceu em Queluz, em São Paulo. Ainda adolescente,
mostrou desenvoltura na escrita e criou seu próprio jornal, “Erre”. Mais tarde, ao enviar um de
seus contos para publicação, percebeu que o interesse pelos materiais era maior quando o nome
do escritor soava estrangeiro, ele reenviou esse conto, inicialmente recusado, com um nome
fictício, tendo recebido a aprovação do conto e a confirmação de sua hipótese (SIQUEIRA
FILHO, 2008).
Encantado pelo mundo árabe, passou a estudar esta cultura e a desenvolver o
personagem-autor Malba Tahan, nome que ele empregaria para assinar livros de história,
enquanto utilizaria seu nome original para assinar livros didáticos e sobre didática da
matemática. Como Júlio César de Mello e Souza foi professor de Matemática, é possível
verificar a presença de elementos matemáticos nas narrativas de Malba Tahan, ora explícitos
ora implícitos. Seja como Júlio César de Mello e Souza, Mello e Souza ou Malba Tahan, foram
publicados cerca de 118 livros entre 1925 e 1974. Dentre as produções, observamos a marcante
presença de livros de contos, sendo cada capítulo um conto isolado dos demais, apresentando
personagens e situações diferentes. Dentre esses, destacamos O livro de Aladim (TAHAN,
1943b), do qual analisaremos mais adiante alguns de seus contos, Lendas do povo de Deus
(TAHAN, n.d.), Lendas do céu e da terra (TAHAN, 1938) e O gato do cheique e outras lendas
(TAHAN, 1997).
Malba Tahan também produziu livros de romances, em que a história é desenvolvida
com os mesmos personagens ao longo da obra, trazendo mais detalhes sobre cada personagem
e as situações vivenciadas por eles. Dentre estes livros destacamos Salim, o mágico (TAHAN,
1970) e As aventuras do rei Baribê (TAHAN, n.d.).
Julio César de Mello e Souza criou uma biografia para seu personagem-autor, Malba
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Tahan, publicada no jornal A União, de João Pessoa-PB, em 13 de setembro de 1933, em um
texto de divulgação do lançamento do livro Lendas do Oásis, pela Editora Civilização Brasileira
e que localizamos em Siqueira Filho (2008, p. 41):
Conheceis a história de Malba Tahan. É das mais interessantes. Ali Yazzed
Izz-Eddin Ibn Salin Hank Malba Tahan, famoso escritor árabe, descendente
de uma tradicional família mulçumana, nasceu no dia 06 de maio de 1885 na
aldeia de Mazalit, nas proximidades da antiga cidade de Meca. Fez os seus
primeiros estudos no Cairo e, mais tarde, transportou-se para Constantinopla,
onde concluiu oficialmente o seu curso de ciências sociais. Datam dessa época
os seus primeiros trabalhos literários que foram publicados em turco, em
diversos jornais e revistas. A convite de seu amigo o Emir Abd el Azziz ben
Ibrahim, exerceu Malba Tahan, durante vários anos, o cargo de quaimaquam
(prefeito) na cidade Árabe de El-Medina, tendo desempenhado as suas funções
administrativas com rara inteligência e habilidade. Conseguiu, mais de uma
vez, evitar graves incidentes entre os peregrinos e as autoridades locais; e
procurou sempre dispensar valiosa e desinteressada proteção aos estrangeiros
ilustres que visitavam os lugares sagrados do Islam. Pela morte de seu pai, em
1912, recebeu Malba Tahan uma grande herança; abandonou, então o cargo
que exercia em El Medina e iniciou uma longa viagem através de várias partes
do mundo. Atravessou a China, o Japão, a Rússia, grande parte da Índia e
Europa, observando os costumes e estudando as tradições dos diversos povos.
Entre as suas obras mais notáveis, citam se as seguintes: “Roba-el-Khali”, “Alsamir”, “Sama-Ullah”, “Maktub”, “Lendas do Deserto”, “Mártires da
Armênia” e muitas outras. Foi ferido em combate (julho de 1921), nas
proximidades de El Riad, quando lutava pela liberdade de uma pequenina tribo
da Arábia Central [...].
Malba Tahan torna-se famoso por seus contos e romances, também pelo mistério que
envolvia a origem do próprio personagem-autor, “afinal, ao longo de oito anos, os leitores criam
ser ele um escritor árabe, morto aos 36 anos lutando pela libertação de uma pequena tribo de
beduínos, localizada no deserto da Arábia Central” (SIQUEIRA FILHO, 2008. p. 45), esse
mistério constitui-se numa bem sucedida estratégia de marketing editorial para a época.
Os contos de Malba Tahan eram publicados inicialmente em jornais paulistas,
começando sua trajetória no jornal A Noite, e migrando em 1925 para a Folha da Noite. O
sucesso de seus contos fez com que fossem publicados também em outros jornais e revistas a
exemplo do Correio do Amanhã, Almanaque Tico-tico, Globo Juvenil, dentre tantos outros.
Quais “lugares matemáticos” encontramos nos contos de Malba Tahan?
Para esse artigo foram selecionados quatro contos: O conto dos Camelos, O conto das
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irmãs e da venda das maçãs; O conto da verdade e da mentira e O conto da divisão do reino.
Localizados nos livros O livro de Aladim, 1ª edição, e O homem que calculava, 8ª edição, ambos
publicados em 1943 pela editora Getúlio Costa. Chamamos atenção para o fato de terem sido
publicadas pela mesma editora, que funcionou entre 1938 e 1950 e pertenceu a Getúlio Costa,
considerado um pioneiro na edição de livros, principalmente na cidade de São Paulo, tendo
publicado obras relevantes para a Educação Matemática, dentre elas o bestseller O homem que
calculava (SANTOS, 2007).
Os livros iniciam com uma ilustração comum (Figura 1) que remete ao ambiente árabe,
circunscrita por um pentágono, onde encontramos uma cena composta por um camelo e um
beduíno e este parece estar em posição de oração à sombra de uma árvore. Acreditamos que um
oásis em um deserto está representado na ilustração e o beduíno, com os braços esticados em
direção ao sol, faz uma referência a práticas religiosa muçulmana de orar em direção a Meca.
Esta cena direciona o leitor para um contexto específico e ao mesmo tempo complexo, o mundo
árabe e as narrativas orientais. Nas figuras 2 e 3, trazemos os dados bibliográficos presentes nas
obras analisadas.
Figura 1 – Ilustração que abre O livro de Aladim e O homem eu calculava
Fonte: Arquivo das autoras.
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Figura 2 – Dados bibliográficos da obra O homem que calculava.
Fonte: Arquivo das autoras.
Figura 3 – Dados bibliográficos da obra O livro de Aladim.
Fonte: Arquivo das autoras.
O livro O homem que calculava, como já dito, é a obra mais conhecida de Malba Tahan,
sendo impresso em mais de 60 edições e traduzido para 13 línguas. A narrativa é um romance
organizado em capítulos com uma média de 8 a 10 páginas. No início da primeira página de
cada capítulo, é apresentada em forma de breves frases o que será contado naquele capítulo.
A história, narrada pelo personagem Hanque Tade-Maiá, tem como enredo as situações
vividas por Hanque e Beremís até chegarem em Bagdá. No percurso, Beremís conquista sua
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fama de calculista por solucionar problemas trazidos pelas pessoas que cruzavam seu caminho.
Por conta disso, ele é convidado a ensinar matemática para Telassim, filha do cheique Iezid.
Durante sua estadia em Bagdá, a habilidade de Beremís com os números é testada
constantemente por líderes e figuras importantes da cidade, como cheiques e poetas. Mesmo
diante de desafios que pareciam impossíveis de serem solucionados no primeiro momento,
Beremís encontrava uma solução para estes, surpreendendo quem estivesse acompanhando as
explicações do calculista. Como um último desafio, é proposto riquezas a ele caso consiga
encontrar uma solução para o problema, mas este diz que, como recompensa, quer a permissão
para casar com Telassim. Com o sucesso de Beremís em solucionar o desafio, ele e Telassim
casam-se e mudam-se, acompanhados por Hanque, para Constantinopla. O narrador afirma que
a felicidade do casal é algo de invejar e que “de todos os problemas, o que Beremís melhor
resolveu foi o da Vida e do Amor” (TAHAN, 1943a, p. 272).
Já a obra O livro de Aladim reúne contos árabes que teria como tradutor fictício Breno
Alencar Bianco (HELD, 2012). Cada capítulo deste livro apresenta um conto, sendo em sua
narrativa apresentado seus personagens e as situações vivenciadas por eles. Interessante
verificar que a segunda edição desta obra acontece somente sessenta anos depois, em 2003, pela
Editora Record, o que nos faz pensar sobre a possibilidade de um movimento de (re)descoberta
dos textos mais antigos de Malba Tahan. Na obra analisada não há a presença de ilustrações, no
entanto, os detalhes contidos na história proporcionam que o leitor possa imaginar os
personagens, os locais e as situações presentes no livro.
Em O homem que calculava é possível perceber que a matemática surge, em muitos
momentos, de forma explícita na narrativa, enquanto em O livro de Aladim a matemática está
presente de maneira mais implícita, podendo passar despercebida pelo leitor que não possuir
conhecimentos prévios sobre os conceitos matemáticos ali apresentados. A seguir, os contos
são apresentados brevemente e são feitas relações com os “lugares matemáticos” Montoito
(2019).
O conto dos Camelos
Um dos contos mais conhecidos da obra O homem que calculava (TAHAN, 1943a)
aborda a divisão entre três irmãos de uma cáfila de camelos deixados de herança pelo pai. A
herança consiste em 35 camelos que devem ser divididos entre os irmãos, seguindo a proporção
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de metade dos camelos para o irmão mais velho, um terço dos camelos para o segundo irmão e
um nono para o irmão mais novo. Porém estas divisões não resultam em números inteiros, o
que as torna impossíveis. Para auxiliar os irmãos a realizar a divisão da herança, o calculista
Beremís acrescenta o camelo de Hanque aos 35 camelos, e, desta forma, a divisão resulta em
quocientes inteiros e maiores do que quando feita com a quantidade inicial, além de sobrarem
dois camelos.
Enquanto o primeiro irmão deveria receber a metade de 35 camelos, sendo 17 e meio,
passou a receber metade de 36, ou seja, 18 camelos. Beremís afirma: “Nada tens a reclamar,
pois é claro que saíste lucrando com esta divisão” (TAHAN, 1943a, p. 20). O segundo irmão
passou a receber 12 camelos, ao invés de “11 e pouco”, já que receberia um terço dos camelos.
E o irmão mais novo, que deveria receber um nono dos camelos, recebeu 4 de 36 camelos, ao
contrário de “3 e tanto” que receberia se considerasse os 35 camelos iniciais. Beremís ressalta
a vantajosa divisão feita da herança aos irmãos, mas que a soma dos camelos distribuídos
resultou em 34 camelos, sobrando dois camelos nesta divisão. Destes, um é devolvido para
Hanque e outro é dado a Beremís pelos irmãos como agradecimento.
O conto dos camelos apresenta conceitos e termos matemáticos em sua narrativa de
forma explícita, podendo ser considerado como “literatura com termos matemáticos”. As
frações que representam as quantidades de camelos destinadas a cada herdeiro são expressas na
forma de oratória, trazendo números fracionários escritos por extenso. Os cálculos feitos por
Beremís são através de operações com frações, entretanto estes não são descritos na narrativa,
sendo indicado em nota de rodapé que os procedimentos realizados pelo calculista estão
especificados como anexo do livro (Figura 4) deixando ao interesse do leitor conferir o
desenvolvimento da divisão dos camelos.
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Figura 4 – Anexo sobre o conto dos camelos.
Fonte: TAHAN, 1943a, p. 235.
A explicação do autor sobre as operações realizadas por Beremís são escritas de modo
que se intercala a linguagem “falada”, ou seja, a “explicação” do narrador com o uso de
símbolos matemáticos, de modo que seja possível apresentar ao leitor o percurso do pensamento
utilizado para a resolução do problema. Apesar disso, nos parece, que a explicação não é
apresentada com linguagem retórica clara e de fácil compreensão, acessível a qualquer leitor,
independente de possuir conhecimentos matemáticos prévios ou não. O autor enfatiza, por
exemplo, que a soma das partes que os irmãos devem receber não resulta em uma unidade, uma
vez que
!
"
!
!
!%
+ # + $ = !& é menor que uma unidade e aí estaria o “mistério”. Com isso, ao
dividirmos a quantidade total de camelos em 18 partes, precisamos de um número que resulte
em partes inteiras. Logo a divisão por 36 camelos atende este requisito, possibilitando que sejam
!
distribuídas as partes das heranças dos irmãos. Essa estratégia faz com que, ao final sobre !& da
soma dos irmãos, esta quantidade também resulta em um número inteiro, no caso o camelo que
caberia ao calculista Beramís, por resolver o problema.
O conto dos camelos surpreende o leitor pois a narrativa dá a impressão que os irmãos
irão receber 35 camelos na primeira divisão e 34 camelos na segunda, questionando como é
possível que eles recebam quantidades maiores, sendo que a quantidade total de camelos
distribuída entre eles é menor. Este jogo de enunciados é o que faz a mágica das narrativas de
Malba Tahan, e que chamamos de “violentar a lógica”, que ocorre quando o leitor questiona-se
sobre a possibilidade e a veracidade do que está sendo lido.
Durante a leitura, é possível observar que o intuito do autor não é explorar o conceito de
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frações, unidades ou qualquer outro conceito ou conteúdo matemático, mas eles estão implícitos
na narrativa através das divisões realizadas pelo calculista. Contudo, a narrativa pode gerar no
leitor a curiosidade por saber o porquê da diferença dos resultados dos quocientes, e, no
ambiente escolar ou de forma autodidata, pode levar ao estudo desses conceitos.
Com esse conto, Malba Tahan mantém uma tradição que acompanha escritos
matemáticos desde a antiguidade, que é fazer uso de cálculos para resolver problemas
recreativos envolvendo heranças. Estes problemas são interessantes, pois expressam a
preocupação com a divisão de bens e trazem subjacente discussões sobre justiça e moral em
diferentes culturas e momentos históricos. Neste sentido, conceitos como partição e
proporcionalidade são mobilizados a partir de situações fictícias, que reproduzem ou expressam
situações da vida, no caso, no contexto da cultura árabe.
O conto das irmãs e da venda das maçãs
Ao longo da narrativa do livro “O homem que calculava”, a fama de Beremís por sua
habilidade com os números aumenta, sendo ele consultado sobre diversas situações e como elas
poderiam ser solucionadas. Em uma delas, três irmãs precisam vender as maçãs que cada uma
possui pelo mesmo valor e conseguir o mesmo valor total no final do dia, mas é importante
ressaltar que elas possuíam diferentes quantidades de maçãs, sendo que a primeira possui 50
maçãs, a segunda 30 maçãs e a terceira 10 maçãs. A exigência posta é: se a irmã mais velha
vender as maças sendo 7 unidades por um dinar, as demais também deverão fazer o mesmo; se
esta irmã fizer a venda das maçãs a três dinares cada uma, as demais deverão respeitar este valor
(TAHAN, 1943a, p. 144). Entretanto, as irmãs não ficam convencidas que conseguirão, mas
seguiram o que foi imposto a elas, finalizando o dia com a mesma quantia resultante das vendas.
Para saber quais eram as habilidades de Beremís com os números, ele foi questionado sobre a
explicação deste desafio da venda das maçãs.
Então, Beremís explica que as irmãs iniciaram as vendas com a condição de 7 maçãs
por 1 dinar, enquanto foi possível e, após, venderam cada maçã que restou por 3 dinares. A
primeira irmã conseguiu vender 49 maçãs sob a primeira condição de Beremís e 1 maçã sob a
segunda, obtendo 10 dinares. A segunda irmã vendeu 28 maçãs, seguindo a primeira condição,
e 2 maçãs, de acordo com a segunda, totalizando 10 dinares no final do dia. E, por último, a
terceira irmã conseguiu vender 7 maçãs sob a primeira condição e 3 maçãs sob a segunda,
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recebendo 10 dinares. Desta forma, as irmãs respeitaram as exigências dadas inicialmente e
conseguiram finalizar o dia possuindo o mesmo valor total com as vendas.
Figura 5 – Explicação dada por Beremís sobre a venda das maçãs.
Fonte: TAHAN, 1943a, p. 146.
Associando à perspectiva de Montoito (2019), este conto apresenta uma “literatura com
viés matemático”, considerando que os elementos matemáticos presentes na narrativa estão
articulados de forma implícita.
Assim como o anterior, este conto traz um desafio a ser solucionado pelo autor e que
pode ser visto como um problema, considerando problema como “tudo aquilo que não se sabe
fazer, mas que se está interessado em fazer” (ONUCHIC; ALLEVATO, 2011, p. 81). Neste
sentido, a narrativa de Malba Tahan, por meio dos desafios ou exigências propostas aos
personagens estabelece algo que não se sabe fazer ou como solucionar, mas provoca o desejo
de realizar, instiga a curiosidade e a busca por estratégias de resolução. Neste movimento do
diálogo entre a narrativa que apresenta o problema, o leitor que pensa possibilidades de
resolução e as respostas apresentadas, emergem elementos matemáticos, ora pelo próprio
processo de pensamento e cálculos envolvidos, ora pela linguagem matemática que vai sendo
inserida, articulada a escrita do texto. Neste conto, identificamos na narrativa, de forma
implícita, elementos relacionados a álgebra, envolvendo o conceito de proporcionalidade.
Além disso, considerando o ambiente escolar, o conto pode provocar desdobramentos
através de questionamentos, como: é possível propor problemas semelhantes a esse? Com que
valores? Como o conceito de proporcionalidade se manifesta nesta situação?
O conto da verdade e da mentira
O primeiro conto de “O livro de Aladim” (TAHAN, 1943b) traz o desafio que o sultão
de um pequeno reino propõe a um mágico estrangeiro que estava tornando-se famoso entre os
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habitantes, com o intuito de desafiar as habilidades do mágico. Neste reino havia dois palácios,
construídos seguindo as ordens deste sultão, sendo um feito de mármore branco e chamava-se
Palácio da Verdade. O outro palácio era feito de granito escuro, denominado Palácio da Mentira.
O sultão propôs ao mágico o seguinte desafio:
Terá que citar um caso que tenha ocorrido ou que possa ocorrer com você e
que não possa ser verdade, nem possa ser mentira. Se esse caso exprimir uma
verdade você ficará preso, durante cinco anos, no Palácio da Verdade. Se for
mentira ficará preso durante sete anos no Palácio da Mentira! (TAHAN,
1943b, p. 9).
Então o mágico afirmou: “Rei! Vou ficar preso, durante sete anos, no Palácio da
Mentira!” (Ibid, p. 9). A afirmação do mágico surpreendeu o sultão, fazendo-o refletir sobre a
resposta por um momento. Por não conseguir decidir qual a sentença que deveria ser dada ao
mágico, o sultão consultou o mais sábio dos seus conselheiros. Este respondeu que deveria ser
verificado se a afirmação do mágico expressava uma verdade ou uma mentira. Na perspectiva
do sábio, ela não poderia ser considerada como verdade, nem como mentira, justificando da
seguinte maneira:
Digamos que seja uma verdade. Nesse caso o mágico estrangeiro deveria,
segundo a vossa ordem, ser levado, como prisioneiro, para o Palácio da
Verdade. Mas se ele for detido no Palácio da Verdade a sua afirmação deixa
de ser verdadeira, pois ele declarou: “Vou ficar preso no Palácio da Mentira”.
E como ele disse uma verdade não pode ser levado para o Palácio da Mentira.
Admitamos, porém, que a sua resposta exprima, afinal, uma mentira. Nesse
caso ele não pode ser levado para o Palácio da Mentira, pois se for detido nesse
palácio a sua afirmação passa a exprimir uma verdade! (TAHAN, 1943b, p.
10).
A afirmação feita pelo mágico não pode ser considerada verdade, nem mentira. Assim,
a afirmação atendeu à solicitação feita pelo sultão, mostrando as habilidades do mágico de
solucionar o desafio que lhe foi proposto.
Neste conto, os elementos matemáticos emergem na narrativa de maneira implícita,
sendo articulada com a situação vivenciada pelos personagens. Seguindo as relações
apresentadas por Montoito (2019), associamos esta narrativa a uma “literatura com viés
matemático”, considerando que os elementos matemáticos podem passar despercebidos por
aqueles que não possuem conhecimento prévio dos conceitos implícitos.
Por meio dos enunciados disponíveis, Malba Tahan promove um desafio lógico,
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provocando o leitor a perceber de imediato a contradição posta. Os elementos matemáticos
existentes na fala do sultão, ao propor o desafio ao mágico, remetem à lógica proposicional,
mais precisamente ao Paradoxo do Mentiroso. Segundo a tradição, este teria surgido na Grécia
antiga com Eubúlides de Mileto (384-322) que teria afirmado: “Tudo que os cretenses dizem é
falso; e eu sou um cretense”. Tal afirmativa geraria um paradoxo, ou seja, uma declaração
aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica. O Paradoxo do Mentiroso foi
amplamente estudado ao longo da História da Matemática. Segundo MORAES et al (2009, p.
37).
Em cada tentativa de solução, os lógicos utilizaram a linguagem corrente de
sua época e também criaram novas linguagens, mas não conseguiram resolver
esta questão. É neste sentido, que os lógicos (Teofrasto, Epimênides, Quine,
Russell, Tarski, Kripke, Popper, Barwise, Etchmendy entre outros), no
decorrer da história trataram desse paradoxo.
Malba Tahan apresenta uma versão adaptada do Paradoxo do Mentiroso no contexto de
uma narrativa que faz alusão a cultura árabe, porém não sabemos quais são as fontes consultadas
por ele, mas percebemos que Júlio César de Mello e Souza entra em cena, como professor de
Matemática e estudioso da História da Matemática, haja vista que faz uso de diversos episódios
históricos em várias obras. A narrativa traz problemáticas matemáticas complexas e as situa de
forma relativamente simples, de modo que o leitor não familiarizado com a matemática,
filosofia ou história, possa se interessar por ela, se divertir e aprender.
O conto da divisão do reino
Nota-se que muitas das situações presentes nos contos de Malba Tahan partem de uma
demanda feita aos personagens. Assim, em “O livro de Aladim” (TAHAN, 1943b),
encontramos o conto em que um rei está em seu leito de morte e, sabendo que seus onze
herdeiros ambicionavam o poder do reino, faz a seguinte exigência: “A partilha do território –
que atualmente constitui um só reino – deve ser feita de tal modo que quatro cores não sejam
suficientes para colorir o novo mapa de nosso país!” (Ibid, p. 64). Ou seja, seria necessário cinco
ou mais cores para pintar este mapa. Após o rei falecer, os filhos procuram vários sábios do
reino para conseguirem realizar o seu desejo. Porém, todos os sábios consultados afirmam ser
impossível dividir o reino respeitando a exigência feita pelo rei. Desta forma os filhos não
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realizam a divisão, mantendo o reino unificado, da forma com que o rei o havia deixado. Para
o pai, a divisão poderia ocasionar um conflito entre os irmãos, sobre o qual ele já os havia
prevenido.
Esta narrativa, apresentada de forma breve em “O livro de Aladim” (TAHAN, 1943b),
novamente traz à tona, agora como pano de fundo, a divisão de uma herança. Para a solução do
problema proposto não é necessário explicitamente a presença de cálculos, como o era no caso
dos camelos, ou mesmo de simbologias matemáticas na escrita da narrativa.
Neste conto vemos emergir elementos topológicos representados pelos conceitos de
região e fronteira. Malba Tahan, novamente faz uso de problemas históricos e traz, para o
contexto de uma narrativa, ambientada na cultura árabe, o problema do Teorema das Quatro
Cores. O problema das Quatro Cores foi colocado em 1852 quando o matemático Francis
Guthrie (1831-1899) constatou que seria possível cobrir um mapa com os condados da
Inglaterra usando apenas 4 cores garantindo que 2 condados vizinhos não seriam pintados da
mesma cor. Ele pintou outros mapas utilizando o máximo de quatro cores e tentou provar que
esta propriedade será válida para qualquer mapa plano. (Gaspar, 2009)
Assim como Montoito (2019) relata a presença de conceitos de topologia na obra “O
pequeno príncipe”, mas que percebe que o autor não possui a intenção de apresentar estes
conceitos para o leitor, observamos que neste conto Tahan também não possui a intenção de
apresentar o teorema de quatro cores e os conceitos relacionados a ele para o leitor. O autor faz
uso deste conhecimento para embasar seu conto, no entanto faz uso da ideia principal que
norteou a origem do teorema para criar uma situação similar, logo seu objetivo não é expor estes
elementos matemáticos ao leitor. Por isso, relacionamos este conto como “literatura com viés
matemático”, fazendo uso dos termos expostos anteriormente com base em Montoito (2019).
Considerações sobre os “lugares matemáticos” nos contos de Malba Tahan
Dentre as características dos contos de Malba Tahan, o cenário árabe é uma das mais
marcante presente. Uma análise mais apurada sobre a cultura árabe nos textos de Malba Tahan
foi realizada por Held (2012) e nos chama atenção para o modo como ele se apropria de tal
cultura, o cuidado que tem de indicar suas fontes em notas de rodapé e, principalmente, a
preocupação de “mostrar ao leitor as diferenças e as aproximações entre as duas culturas, em
um constante questionamento de como criar formas e instrumentos de comunicação entre as
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diferentes experiências culturais dos nacionais e dos orientais” (Ibid, p. 84), sem que haja uma
hierarquia entre elas.
As narrativas postas nos livros são organizadas ao estilo Sherazade em As Mil e Uma
Noites e constituem-se em uma sequência de fatos interligados, contos desenrolados como fios
de um novelo, que vão sendo trançados formando uma sequência de narrativas circunscritas a
um desafio, problema ou enigma proposto aos personagens principal que fazem uso da astúcia,
raciocínio lógico e estratégias de cálculos para resolver a situação posta. Em todos os contos
analisados a matemática está presente, seja de forma explícita, por meio de cálculos, ou
implícita, por meio de conceitos, enunciados ou modos de pensar orientados pela lógica
aristotélica.
Evidenciamos nos contos, indícios do pensamento lógico, topológico e algébrico. A
lógica ganha destaque no conto da Verdade e da Mentira, enquanto o conceito de
proporcionalidade está presente em O conto dos camelos e O conto das irmãs e da venda das
maçãs, já em O conto da divisão do reino, os conceitos topológicos de região e fronteira são
mobilizados e necessários para a resolução do problema. A variedade de conceitos matemáticos
presentes denota um conhecimento matemático não trivial, que se mostra de forma literária e
poética, daí a originalidade das narrativas de Malba Tahan, que mesmo quando aborda
problemas já há muito tempo estudados, a exemplo do Paradoxo do Mentiroso, o faz com uma
nova roupagem, o coloca em um cenário novo e instigante, que envolve o leitor que quer
conhecer o desenrolar da história.
O arranjo linguístico que Malba Tahan faz com as palavras e as informações dispostas
nas narrativas provoca a imaginação e o pensamento do leitor, promovendo questionamentos
sobre a real possibilidade de solucionar os desafios propostos aos personagens. Esse arranjo,
parece em um primeiro momento “violentar a lógica” quando o calculista, por exemplo, realiza
a divisão dos camelos e os irmãos passam a receber mais camelos do que o previsto e ainda
“sobram” dois camelos após a divisão, daí, se passa para o segundo momento, explora o desejo
do leitor por reestabelecer a lógica e, para isso, é preciso resolver o problema. No conto das
irmãs e a venda das maçãs, o leitor se pergunta: é possível realizar estas vendas, sendo que as
irmãs possuem diferentes quantidades de maçãs? No conto da verdade e da mentira, Tahan faz
uso da definição de verdade e mentira para gerar a incerteza no leitor sobre qual chance tem o
mágico de escapar da prisão, independente do que ele irá responder. Já no conto da divisão do
reino, os personagens se rendem a impossibilidade de realizar o solicitado, o problema não tem
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solução e aí está sua beleza, pois a intenção do pai é manter o reino unido.
Apesar de considerarmos o potencial dos contos de Malba Tahan para o ensino de
Matemática, destacamos que o autor não deixa clara sua intenção de ensinar matemática por
meio dos contos analisados, mesmo quando os conceitos matemáticos estão presentes de forma
explícita. Quando os conceitos matemáticos estão implícitos na narrativa, surgem possibilidades
de refletir sobre quais conceitos estão intrínsecos nas situações apresentadas, podendo surgir
inúmeras possibilidades de abordagem. Portanto, ainda que não tenha o objetivo de ensinar
matemática, os contos analisados podem ser utilizados para este fim no ambiente escolar,
levando em consideração que os conceitos apresentados podem ser explorados em diferentes
anos escolares e níveis de aprofundamento.
Por fim, ressaltamos o potencial dos contos de Malba Tahan como um objeto de lazer,
diversão e entretenimento, o importante é ler e se divertir com uma boa história.
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