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Trajetória das idéias econômicas no Brasil

2005

Nestes últimos 50 anos o pensamento econômico tem conquistado um enorme espaço nas ciências humanas e os economistas brasileiros tornaram-se atores políticos de primeira grandeza, tendo participado das decisões mais importantes do Estado brasileiro. Porém, nem sempre eles registraram suas idéias ou revelaram em artigos e livros seu pensamento mais íntimo e os mecanismos do poder econômico. Recentemente foram realizadas entrevistas, que têm iluminado ângulos obscuros dessa ação teórica e prática e vem trazendo a baila as polêmicas e as dúvidas dos economistas brasileiros. O objetivo deste trabalho é analisar os depoimentos dos principais economistas brasileiros contidas das duas séries de entrevistas de Rego, aprofundar suas idéias e demarcar suas diferenças sobre as questões mais importantes da história do pensamento econômico brasileiro.

EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 1/67 RESUMO Nestes últimos 50 anos o pensamento econômico tem conquistado um enorme espaço nas ciências humanas e os economistas brasileiros tornaram-se atores políticos de primeira grandeza, tendo participado das decisões mais importantes do Estado brasileiro. Porém, nem sempre eles registraram suas idéias ou revelaram em artigos e livros seu pensamento mais íntimo e os mecanismos do poder econômico. Recentemente foram realizadas entrevistas, que têm iluminado ângulos obscuros dessa ação teórica e prática e vem trazendo a baila as polêmicas e as dúvidas dos economistas brasileiros. O objetivo deste trabalho é analisar os depoimentos dos principais economistas brasileiros contidas das duas séries de entrevistas de Rego, aprofundar suas idéias e demarcar suas diferenças sobre as questões mais importantes da história do pensamento econômico brasileiro. PALAVRAS-CHAVE Pensamento econômico; Importância dos economistas; Economistas brasileiros; Evolução das idéias; Problemas econômicos. ABSTRACT In the last 50 years, economic thought had conquering huge space in human science and Brazilian economists became big political actors, were responsible for important decisions of Brazilian state. But, part of hers ideas and actions weren’t registered in theirs articles, specially important mechanism of economic power. Recently same Brazilian researchers have done interviews that focus some obscure difficulty aspects and revels de controversies and doubts of Brazilian economists. The aim of this paper is to analyze ideas placed by the two series of rego interviews and to go deeper in their significance and showing hers differences about the more important things of Brazilian economic thought. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 2/67 KEY WORDS Economic thought; Economists importance; Brazilian economist; Ideas evolution; Economic problems. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 3/67 SUMÁRIO I. Introdução ........................................................................................................ 4 II. O estatuto teórico da economia ......................................................................... 6 III. Os métodos de abordagem econômica .............................................................. 9 IV. O papel da matemática e da econometria na economia.................................... 19 V. A dinâmica do capitalismo retardatário e a questão da demanda ..................... 35 VI. Tendências recentes do pensamento econômico brasileiro .............................. 47 VII. Bibliografia .................................................................................................... 60 RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 4/67 TRAJETÓRIA DAS IDÉIAS ECONÔMICAS NO BRASIL Guido Mantega I. INTRODUÇÃO Nestes últimos 50 anos, o pensamento econômico tem conquistado um enorme espaço nas ciências humanas e na vida política dos países. Nesse sentido o economista saiu dos guetos acadêmicos para tornar-se um importante formador de opinião pública e um ator político de primeira grandeza, no manejo da política econômica e ocupando os centros de decisão do Estado. No Brasil existem algumas centenas de economistas que transitam da Universidade para o Estado, desenvolvendo idéias, adaptando modelos econômicos e improvisando soluções para os intrincados problemas e desafios que se apresentam nas diversas esferas de atuação do aparato estatal. As idéias disponíveis no circuito ideológico, são apropriadas, criticadas, adaptadas e renovadas por esse conjunto de intelectuais, que animam uma discussão permanente e um confronto de posições teóricas. Na realidade, não são muitas as correntes teóricas que se ocultam por traz dos vários posicionamentos dos economistas. A rigor todos eles podem ser enquadrados nas grandes correntes que formam o pensamento econômico contemporâneo. Neste trabalho selecionamos um universo de 26 economistas brasileiros dentre os mais destacados pelo seu trabalho teórico e atuação prática no debate econômico e na condução da política econômica, que certamente expressam o conjunto de posições e proposições inscritas no debate econômico brasileiro. Esses pensadores RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 5/67 representam também as principais gerações e as grandes escolas de ensino e pesquisa que formaram os economistas brasileiros no último meio século. São eles, Celso Furtado, Roberto Campos, Antônio Delfim Netto, Paul Singer, Mário Henrique Simonsen, Maria da Conceição Tavares, Francisco de Oliveira, Luiz Carlos Bresser Pereira, José Serra, Affonso Celso Pastore, Edmar Lisboa Bacha, João Manuel Cardoso de Mello, Antônio Barros de Castro, João Sayad, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Yoshiaki Nakano, Pedro Malan, Francisco Lopes, José Alexandre Scheinkman, Fernando Holanda Barbosa, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pérsio Arida, Paulo Nogueira Batista Jr., Aloizio Mercadante, e Eduardo Giannetti da Fonseca, indo da geração mais antiga para a mais jovem da fina flor da economia brasileira. Esses autores foram entrevistados em duas pesquisas diferentes e instigados a se pronunciar sobre as questões mais relevantes do pensamento econômico brasileiro dos últimos 50 anos. Dos assuntos abordados pêlos autores, serão enfocadas neste trabalho as discussões das seguintes questões: 1- o estatuto teórico da economia; 2- o método de análise econômica; 3- o papel da matemática e da econometria em economia; 4- a dinâmica do capitalismo retardatário e a questão da demanda; 5- tendências recentes do pensamento econômico brasileiro. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 6/67 II. O ESTATUTO TEÓRICO DA ECONOMIA Desde que adquiriu a massa crítica de uma disciplina importante pelas mãos dos pensadores da escola clássica, ainda no século XVIII , a economia foi ganhando respeitabilidade e se impondo como uma esfera importante do conhecimento. Mas, trata-se de uma “ciência econômica”, vale dizer, de um conjunto articulado de hipótese ou axiomas demonstráveis e comprováveis, ou estamos diante de uma produção artística e ideológica, que requer uma boa dose de imaginação e ainda defende determinados valores e interesses? Celso Furtado, que tem sido apontado como um dos maiores economistas brasileiros, combina as duas coisas. Para ele a economia tem muito de ciência, uma vez que podemos aplicar um método científico para fazer um diagnóstico econômico, a semelhança do que se faz nas Ciências Naturais. Porém quando pretende enunciar um projeto para a sociedade a economia lida com sistema de valores e também com interesses específicos de grupos ou classes, que expressam relações de poder. É o caso do fenômeno da inflação, exemplifica Furtado, que representa um conflito distributivo. Mas nem todos os economistas levam em conta os fatores políticos imiscuídos com a economia. A ciência econômica tradicional simplesmente identifica mecanismos ou leis econômicas que ignoram o sistema de dominação e as forças políticas que impulsionam os fenômenos econômicos. Furtado sugere também que os marxistas teriam uma visão reducionista da economia, deixando de lado a existência do 1 poder. Infelizmente ele não deixa claro a que marxistas ele se refere, mas em se tratando de Karl Marx, nada é mais evidente do que os interesses de classe e a luta política que permeiam as relações econômicas do modo de produção capitalista. 1 As idéias de Furtado e dos demais autores citados ao longo deste trabalho estão nas entrevistas originais que serviram de base para o livro Conversas com Economistas Brasileiros, 1996, ou nas entrevistas subsequentes feitas por José Márcio Rego e Guido Mantega, que ainda não foram publicadas. Daí a dificuldade para citar a fonte com o número da página. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 7/67 Numa linha muito próxima, Paul Singer considera que a economia não é nem exatamente uma ciência e nem uma arte. Trata-se, isto sim, de uma ciência humana, e como tal extremamente polêmica. Cada um de nos que a pratica tende a ver a “não ciência” no outro. Claramente, a economia é como sociologia, história, psicologia social e antropologia. É profundamente influenciada por biologia. Não pode deixar de ser constitutivo dela o fato de que os praticantes dessa ciência são também, ao mesmo tempo, os objetos dela. Na medida em que haja contaminação entre quem pensa e quem é pensado, a biologia tem um papel essencial.2 Para Pedro Malan também acha que a economia fica no meio do caminho entre a ciência e a arte. A economia lida com o comportamento humano individual e coletivo, lida com instituições e seu funcionamento. Portanto “ela não é uma ciência como são as ciências exatas ou as ciências da natureza, onde é possível ter uma definição muito clara da qualidade de trabalho científico. É possível distinguir com muita clareza através do julgamento dos seus próprios pares o que é um real avanço e progresso científico, e o que é charlatanismo. E portanto, eu acho que há uma diferença clara entre a ciências exatas, a ciências da natureza e a ciências sociais, no qual eu incluo a economia. Como tudo que lida com comportamento humano individual, coletivo, com instituições que são criações humanas, lida com o mundo em constante mutação. Os problemas são constantemente colocados. E há hipóteses para tentar responder e lidar com aqueles problemas.”3 Segundo Malan a economia tem elementos de ciência, a medida em que articula algumas proposições básicas que vem resistindo há muito tempo a vários tipos de testes e indagações. Mas, seguramente, tem também ingredientes artísticos que decorrem da presença do julgamento humano que não está presente nas ciências ditas exatas ou ciências da natureza. Mário Henrique Simonsen acha que “toda a ciência tem um pouco de arte e toda a arte tem um pouco de ciência. Existe uma coisa chamada de inspiração, e precisa-se 2 3 Paul Singer, depoimento ao autor, em janeiro de 1998. Pedro Malan, depoimento ao autor em dezembro de 1997. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 8/67 dela para a Matemática, para a Física, para ciências exatas que podem existir e 4 também para a Economia.” Francisco de Oliveira afirma categoricamente que a economia é uma ciência, desde que se leve em conta que é uma ciência social e não uma ciência exata como gostaria alguns. Portanto, é uma ciência sujeita a erros de previsão e análise, justamente porque versa sobre o comportamento dos homens. “É uma ciência que depende do passado e com uma escassa possibilidade de previsão. Ou uma previsão em aberto e não uma possibilidade de previsão mais fechada, como a que se da nas ciências exatas. Acho que a citação de Delfim Netto aqui é boa. Ele costuma dizer, com certa ironia, que o problema da economia é que os átomos berram, gritam, protestam, fazem revoluções, fazem passeatas, pensam, etc. Enquanto os átomos da física, até onde a gente sabe, não fazem isso. Mas eu acho que é uma ciência, desde que se olhe como uma ciência fundada na experimentação social. Naquilo que Max Weber transformou em tipos ideais. E isso dá a possibilidade de previsão. A dificuldade de modelos de previsão em economia é que eles devem ser 5 capazes de incorporar o próprio movimento dos sujeitos na previsão.” Mas, será que a capacidade de previsão é um atributo indispensável da ciência, como, num primeiro momento, parece supor Francisco de Oliveira? Em se tratando de uma ciência social certamente que não. Se esse fosse de fato um predicado indispensável à disciplina econômica, esta jamais teria o estatuto teórico de ciência. Melhor dizendo, a economia tem como um dos seus objetivos importantes a previsão econômica. Porém o fato de equivocar-se em muitas das suas previsões não a desqualifica como ciência. São abundantes os equívocos de previsão em economia. Para ficarmos nos mais conhecidos, podemos mencionar a Crise de 29, que não era antevista pela maioria dos analistas, entusiasmados pela euforia da pré crise. Mais recentemente, a crise da Ásia também passou desapercebida pela 4 5 Mário Henrique Simonsen, Conversas, 1996, pág. 210. Francisco de Oliveira, depoimento ao autor, abril 1998. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 9/67 comunidade acadêmica, que até a véspera exaltava as virtudes dos tigres asiáticos, a partir de 1997 transformados em gatinhos. E mesmo Paul Krugman, que teria sido uma das poucas vozes isoladas a prenunciar essa crise, o fez por motivos errados. De fato, Krugman previu uma crise de produtividade nas economias asiáticas e não uma crise de desregulamentação financeira, permissividade nos investimentos feitos com dinheiro fácil e crise no setor bancário, como de fato aconteceu na Coréia do Sul, no Japão e outros países dessa região. Portanto Krugman atirou na andorinha mas acertou no rouxinol. Este é o exemplo onde uma previsão aparentemente acertada também não garante a cientificidade da economia. Aliás, dizem os detratores e os que tem um certo ressentimento dos economistas, talvez com algum fundamento, que a economia é melhor nas previsões do passado do que nas previsões do futuro. III. OS MÉTODOS DE ABORDAGEM ECONÔMICA De modo geral, os economistas dão pouca importância a discussão metodológica, como se ela inexistisse ou não estivesse implicada nas análises econômicas. Entretanto, quer se queira ou não, sempre existe uma determinada abordagem metodológica por traz do pensamento econômico, cuja identificação ajuda a melhor compreendê-lo. Optei aqui por não entediar o leitor com uma longa discussão epistemológica, de autores muito versados em metodologia, mas que pouco sabem de sua aplicação prática. Por isso, a maioria dos pensadores aqui arrolados para falar dessa questão não são especialistas de teoria pura, mas economistas que contribuíram com uma análise relevante da economia brasileira e, portanto, praticaram algum tipo de abordagem que passou pelo crivo da realidade, com resultados reconhecidos por uma parte da intelectualidade dessa esfera de conhecimento. Poder-se-ia argumentar que certos pensadores usaram instintivamente ou sem plena consciência algum método que foi muito bem sucedido quanto aos resultados conseguidos. Entretanto RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 10/67 os autores brasileiros foram propositadamente instigados nas duas pesquisas, a refletir sobre esse assunto. Nesse sentido, estamos mensurando também o nível de percepção que esses personagens acabaram tendo de seus próprios trabalhos e os de seus pares. Grosso modo, podemos identificar dois grandes métodos de análise econômica nos quais podemos enquadrar, em maior ou menor medida, os principais pensadores brasileiros. O método histórico/institucional e o método analítico clássico. Fica difícil identificar precisamente quando o método analítico clássico surgiu. Mas certamente ele recebeu forte impulso dos grandes autores neoclássicos, como Jevons, Walras e Menger, que acreditavam que a partir de algumas noções simples e pretensamente intuitivas sobre a natureza humana, se poderia montar um edifício de leis de comportamento econômico coerente. Todo esse edifício esta montado em cima do pressuposto de que o homo economicus move-se segundo o objetivo da maximização da utilidade. É um objetivo suficiente para dar coerência ao comportamento individual. Nesse sentido a sociedade humana ou o coletivo não passa de uma somatória de indivíduos. Já o método histórico/institucional leva em conta que as leis econômicas mudam de acordo com o modo de produção. É importante também acompanhar a história das instituições que interferem nos interesses econômicos. Essa tradição teórica se encontra nos clássicos e foi desenvolvida particularmente pelo marxismo. Trata-se de desvendar a historicidade do objeto econômico, em constante transformação. Além disso, Marx procura mostrar as contradições que ocorrem entre o comportamento racional e os resultados alcançados. Isso porque o sujeito da ação não é o indivíduo isolado, mas a classe social ou um grupo de interesses, numa radical oposição ao individualismo racionalizante. Paul Singer afina-se com o historicismo e salienta que “os agrupamentos humanos são diferentes da soma de seus componentes, e que nós, enquanto pessoas, somos, RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 11/67 em grande parte, fruto da nossa inserção em diferentes agrupamentos sociais, econômicos e políticos, culturais e religiosos . Portanto, a ordem de formação é mais da sociedade para as pessoas, do que das pessoas para a sociedade. É isso que me torna muito aberto a postura institucional.”6 Belluzzo assinala que “de uns anos para cá houve uma incrível corrida em direção ao individualismo metodológico, que permitiu até a construção de alguns modelos 7 interessantes, como os de política econômica baseados em teoria dos jogos.” Entretanto, mais uma vez, há por traz desses modelos uma idéia de racionalidade, em busca da otimização, que é muito restritiva. Mais próximo de uma abordagem historicista, Belluzzo salienta que “o objeto da Economia tem historicidade. Foi isso que os clássicos procuraram mostrar. Marx procurou mostrar a historicidade desse objeto, no sentido de que ele é capaz de se reproduzir e reafirmar a sua identidade, mas ao mesmo tempo se transformar....Quando Keynes fez a crítica da econometria , o que ele estava dizendo? Que o objeto não é homogêneo ao longo do tempo, os dados que esse objeto produz não são homogêneos. Não só os dados mudam, como a relação entre eles muda.”8 Com isso Belluzzo não descarta o método analítico. Este, juntamente com o instrumental matemático tem grande importância quando se quer expor um conjunto de inter-relações complexas e se pretende expor quais são as relações fundamentais. Desde que se tenha em conta as limitações dessa abordagem. Celso Furtado diz que “todas as disciplinas científicas utilizam dois métodos que cabe combinar adequadamente. O primeiro é o método analítico clássico, criado pelas ciências naturais. O segundo é o método holístico, que pretende captar uma visão global da realidade social, recorrendo apenas à análise. Mas sem essa análise não se consegue aprofundar o conhecimento da realidade social. Nas ciências 6 Paul Singer, depoimento ao autor, abril 98. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, em Conversas com Economistas Brasileiros, 1996, pág. 259. 8 Idem, ibidem, pág. 259. 7 RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 12/67 sociais os dois métodos se completam. O estudo das instituições abre a porta à percepção da importância das relações estruturais, o que sempre me pareceu 9 essencial.” Francisco de Oliveira sugere acoplar o enfoque histórico institucional com o enfoque analítico clássico, porque assim se completa um método mais redondo. Oliveira reconhece a importância da história das instituições, tal qual desenvolvida por Michael Alieta e seus colegas da escola regulacionista francesa. Mas na minha avaliação, diz ele, depois de alguns anos, é que isso não é suficiente para transformar qualitativamente o método de abordagem. Em outras palavras, o peso é menor, Nas mãos dos regulacionistas, as vezes, a utilização do método institucional 10 beira quase o funcionalismo e, as vezes, é empobrecedor.” A rigor, são poucos os economistas brasileiros que defendem uma auto-suficiência da abordagem analítico formal, em detrimento da abordagem histórico/institucional. Mesmo Roberto Campos, que hoje pode ser enquadrado como próximo de uma racionalidade individualista, também valoriza esta última. “A importância do enfoque histórico tem variado no tempo. Os institucionalistas alemães enfatizaram instituições e sua história. Já a tradição clássica inglesa é mais analítica, lida com magnitudes – muito mais do que com instituições. Recentemente esta havendo uma ressurreição do interesse histórico-metodológico. Uma indicação disso foi o prêmio Nobel dado ao professor Douglass North, que coloca ênfase sobre a evolução das instituições. A escola austríaca difere bastante da escola institucionalista, porque não acentua a história de economias individuais, mas se debruça muito sobre o estudo de instituições “expontâneas”, como o mercado. A tradição institucionalista alemã e a tradição austríaca se contrapõe aos economistas clássicos, anglosaxões, que deram relativamente pouca importância à análise institucional, com exceção de Adam Smith, que se preocupou com instituições e com valores éticos. 9 Celso Furtado, Conversas, 1996, pág 64. Francisco de Oliveira, depoimento ao autor. 10 RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 13/67 A questão metodológica esta no cerne do debate de Max Weber com os economistas da época. Max Weber centrava seu interesse nos fenômenos sociológicos, mas acabou perdendo terreno para os economistas, que enfatizavam a predominância das leis econômicas. Mas isso é um fenômeno cíclico. Agora estou cada vez mais convencido de que Douglass North tem razão: já existe, por assim dizer, uma tecnologia de desenvolvimento, mas sua eficácia depende fundamentalmente do 11 clima institucional”. Também na linha de privilegiar o entrosamento entre a abordagem histórico institucional e o enfoque analítico formal, Antônio Barros de Castro ilustra bem como se daria essa simbiose. “Há objetos que são bastante tratáveis a partir de instrumentos analíticos universais. Digamos, algumas questões de balanço de pagamentos, efeitos de uma desvalorização cambial que envolvem elasticidade e que envolvem equação de transações correntes, que definem transações correntes como a diferença de produto e absorção. Enfim essa temática me permite toda uma reflexão analítica que é importante. Mas, mesmo nesse tipo de problema, eu não tenho dúvidas que as instituições e o contexto histórico contam. Eu acho que, em diferentes momentos da história do Brasil, se eu pegar, por exemplo, as desvalorizações do Delfim, a de dezembro de 79 e a de 83, sendo que em dezembro de 79 foi uma desvalorização estéril, sem nenhum efeito, ela só acelerou a inflação e a de 83 teve um enorme impacto, ela realmente mudou o preço relativo, teve grande influência a seguir. Se eu pegar essas duas coisas, vamos fazer uso do instrumento de análise convencional, mas vou também contextualizar porque, mesmo esse tema, que é relativamente convencional no tempo, mesmo esse tema não pode ser tratado profundamente sem uma emolduração institucional. No caso, o contexto 79 e o contexto 83 são indispensáveis para entender porque uma foi estéril e a outra efetivamente mudou o preço relativo e teve um enorme impacto. 11 Roberto Campos, Conversas, 1996, pág. 41. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 14/67 Bom, mas há outros temas em que a precedência do político institucional é óbvia. Por exemplo, se você me perguntar sobre a mudança de distribuição de renda que houve na década do 60, que deu margem a todo aquele debate conhecido de nossa história, eu vou de imediato, de partida, antes de tentar qualquer análise, eu vou fazer o enquadramento. O golpe 64 alterou radicalmente as condições em que se situavam os sindicatos, em que se relacionavam e se confrontavam as empresas e os sindicatos e logo a seguir, houve uma legislação forte tentando demarcar a evolução do salário. Então, eu vou ter que carregar nas tintas de todo o quadro de mudanças institucionais e políticas, sem os quais você absolutamente não vai poder entender o que aconteceu nessa década de 60. Seria realmente grotesco que alguém pudesse tentar explicar as mudanças de distribuição, por mudanças de produtividade marginais dos fatores ou por mudanças digamos no quadro educacional da mão-deobra. Então, isso é para dizer que diante deste tema, eu, sem dúvida alguma, daria grande ênfase ao enquadramento político institucional. Agora, mesmo nesse tema eu prosseguiria de alguma maneira usando ferramentas analíticas acerca das alterações efetivas da distribuição de renda.”12 Entre outras coisas Barros de Castro deixa claro, por um lado, a importância de se acoplar o instrumental analítico formal a uma abordagem histórico institucional, particularmente valorizada por ele, e, por outro lado, a pobreza de uma análise que se restringe aos aspectos que estamos chamando de analíticos formais. Delfim Netto defende uma posição eclética que permite várias combinações entre o histórico e o analítico. “Fazer hoje a distinção que se fazia antigamente sobre os métodos, acho que não tem mais sentido, realmente. Isso desde Neville Keynes, pai 12 Antônio Barros de Castro, depoimento ao autor, maio 98. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 15/67 de Keynes, que tem um livro absolutamente interessante, extraordinário. No mundo inteiro a aproximação é, na verdade, eclética. O que se pode dizer é que uns têm mais inclinação para a Matemática, outros para a Estatística, outros para a História, ou ainda para um certo approach sociológico institucional. A minha convicção é de que tudo isso se aproxima muito. A minha tese de doutorado é uma aproximação histórica e estatística, que é o método que acho que para o economista, é o que funciona. O economista precisa de hipóteses simplificadoras e depois manipuláveis para compreender a realidade. A habilidade dele é reduzir o número de hipóteses ao mínimo para explicar o máximo. Isso é uma 13 arte”. Portanto, para Delfim Netto a economia é uma mistura de ciência e de arte. “Eu acho que tem muita arte. Certamente pretende-se que a aproximação do problema seja científica. O que se chama de aproximação científica? Uma aproximação em que eu tenho uma intuição da realidade e extraio alguns elementos que considero fundamentais. Como a realidade em sí é muito complexa, construo um modelinho fora dessa realidade e, para minha surpresa, o tal modelinho reproduz alguns resultados que a realidade tem.”14 E aqui Delfim Netto esta se referindo a um aspecto metodológico muito importante, que consiste em abstrair de uma realidade econômica complexa, algumas hipóteses redutoras. Trata-se de fazer abstração de uma série de elementos da realidade e salientar as hipóteses explicativas, aquelas que realmente determinam os processos econômicos. Essa construção teórica, que extrai do real complexo o conjunto de determinações essenciais, nasceu em economia com Ricardo e foi utilizado pêlos grandes economistas, como Schumpeter e Keynes, assim como pêlos pensadores marxistas, a partir do próprio Marx. Mesmo Mário Henrique Simonsen, que é considerado mais ligado a correntes monetaristas conservadoras, valoriza o método histórico. Diz ele que “a história é muito importante, no sentido em que ela conta experiências que foram feitas nos 13 14 Antônio Delfim Netto, Conversas, 1996, pág. 97/98. Idem, ibidem, pág. 100. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 16/67 vários campos. Não se pode fazer nenhuma pesquisa em economia sem que ela 15 tenha algum componente histórico.” Nota-se que se estabeleceu uma espécie de tradição, no pensamento econômico brasileiro, de valorizar os aspectos históricos institucionais, que contaminaram os vários autores de forma indiscriminada, sejam eles mais ou menos conservadores em termos de teoria econômica. Daí a valorização do Formação Econômica do Brasil de Furtado, eleita como a obra mais importante do pensamento econômico brasileiro, pela maioria esmagadora dos pensadores brasileiros abarcados em nossa amostragem. E qual é o mérito básico desse livro de Furtado? Justamente o de fazer um feliz casamento entre a história e a economia. De acordo com João Manuel Cardoso de Mello, Furtado é o único economista brasileiro que tem uma obra acadêmica de significado universal. Menos pelos seus resultados, mas por um problema de démarche metodológica. Segundo Cardoso de Mello “o Formação Econômica do Brasil é um livro importante, não pelos resultados concretos analíticos. Ele fez com uma base de dados muito diminuta. Tem coisas que não estão corretas, tudo bem. Mas o que interessa no Furtado é a combinação, que é absolutamente original no mundo, entre análise econômica e histórica. Essa idéia de que você faz uma dinâmica da história, não existe nenhum paralelo. Eu estou fazendo um livro sobre o Brasil, com uns ensaios sobre o Furtado e trato disso. Não existe nenhum paralelo na história. Isso nenhum historiador fez.”16 Furtado, juntamente com Raul Prebish e outros autores latino-americanos, desenvolveu o que Maria da Conceição Tavares chama de o método histórico estrutural. Trata-se de um método que utiliza elementos teóricos de várias escolas. Certamente é muito comum para os economistas latino-americanos a integração de conceitos neoclássicos, com conceitos keynesianos e mesmo conceitos marxistas, de 15 16 Mário Henrique Simonsen, Conversas, 1996, pág. 193. João Manuel Cardoso de Mello, depoimento ao autor, abril 1998. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 17/67 uma maneira que eles não se choquem (apesar das contradições que há entre eles). Celso Furtado é o exemplo mais eloquente desse ecletismo. Em seus trabalhos estão presentes, desde as categorias neoclássicas mais comuns, até as categorias marxistas (como luta de classes, exploração, etc.), passando por boa dose de categorias keynesianas, todas elas integradas numa perspectiva histórica. Outro autor que também pratica essa mistura conceitos marxistas e keynesianos com bastante sucesso é o economista Ignácio Rangel. Quais são as razões desse ecletismo do pensamento econômico brasileiro? Certamente porque nenhum dos métodos isoladamente é capaz de aprender a realidade econômica brasileira. Cada um deles consegue iluminar algum ângulo da realidade, porém todos tem suas deficiências que podem ser compensadas pelas virtudes do outro. Bresser Pereira acha que há passagens em Marx em que ele descreve o mercado maravilhosamente bem, “mas é evidente que umas curvinhas marshallianas ali dentro facilitariam 17 tudo” . Nesse sentido Bresser Pereira se considera um pragmático, que usa os instrumentos teóricos sem discriminação que são úteis para compreender uma realidade complexa e sempre em mudança. 18 João Manuel Cardoso de Mello desenvolve o que ele chama de uma história da transformação das estruturas. É uma linha de trabalho inspirada em Marx que procura saber qual é a dinâmica do capitalismo, ou como o capitalismo se transforma. Essa abordagem contrasta com a economia convencional - o que Marx chamava de economia vulgar – que procura esconder a realidade. Cardoso de Mello identifica um revival da economia vulgar na atualidade. “Se você pegar o que tem sido produzido, nesse últimos anos, facilmente se chega ao Nassau Senior. A espera, o sacrifício, o Bastiat e as harmonias econômicas. Vê tudo que está no capitalismo como coisa formidável. Formidável tanto no plano nacional quanto no internacional. Uma beleza. Agora, não quero dizer que inexistam resultados localizados que possam ser usados, desde que se depure. Pode ser usado, mas com cuidado. Porque 17 18 Luiz Carlos Bresser Pereira, Conversas, 1996, pág. 165. Luiz Carlos Bresser Pereira, Conversas, 1996, pág. 165. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 18/67 cada coisa tem o contrabando ideológico. Desgraçadamente a economia como 19 disciplina profissional está muito marcada por eles.” Para José Serra, a economia “tem um pouco de ciência e sem dúvida bastante de arte. Uma peça como Os Princípios de Ricardo, que é uma obra de economia abstrata, tem muita arte, intuição, criatividade no estabelecimento de premissas e na forma de você desenvolvê-las. Como têm também A Riqueza das Nações e a Teoria Geral. Não, por acaso grandes economistas foram homens de muita cultura e talento, até literário.”20 Para Aloizio Mercadante “Nós temos que manter sempre uma perspectiva de análise histórica, quer dizer, de acompanhar a evolução da história, as mudanças, os controles de qualidade, eu diria menos com aquela influência mecanicista que a física no passado teve sobre a economia. A idéia das leis de equilíbrio. Tudo isso vem de uma influência da física newtoniana. Nós estamos chegando ao final do século agora com a física quântica. Estamos discutindo as fronteiras do universo, os quasares, a teoria do caos. Quer dizer, rompendo totalmente a idéia de harmonia e equilíbrio nas leis de movimento. Acho que tanto na física como na matemática, como nas ciências complementares como a economia, você têm novas possibilidades de abordagem. Por isso, acho que temos que avançar metodologicamente, incorporar tanto esse aspecto analítico histórico, mas sobretudo acho que vamos ter rupturas também na 21 forma de pensar e produzir o conhecimento, portanto, tem que estar aberto a elas.” 19 João Manuel Cardoso de Mello, depoimento ao autor, fevereiro 1998. José Serra, depoimento ao autor, dezembro de 1997. 21 Aloizio Mercadante, depoimento ao autor, abril de 1998. 20 RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 19/67 IV. O PAPEL DA MATEMÁTICA E DA ECONOMETRIA NA ECONOMIA A utilização da matemática e da econometria na pesquisa econômica é também um tema controverso, que divide os economistas brasileiros. De um lado estão aqueles que julgam a utilização de métodos quantitativos como parte fundamental e indispensável da pesquisa econômica. Outros acham que certos economistas usam e abusam da matemática e da econometria, tentando aproximar a economia de uma ciência exata e passível de quantificação e mensuração. Mas, será que existe algum tipo de correlação entre a preferência pelas equações matemáticas e os métodos de análise econômica? A primeira vista, deveria haver uma utilização menor do arsenal matemático por parte dos partidários do método histórico institucional e que consideram a economia como uma ciência social, e uma preferência maior por parte dos discípulos do método analítico formal. Vamos ver como se posicionaram em relação a isso os economistas brasileiros. Celso Furtado reconhece a importância do instrumental matemático econométrico, sem maiores entusiasmos. Segundo ele, “para fazer um plano de desenvolvimento econômico, ou um plano de estabilização, o instrumento matemático vai ser fundamental para lhe dar coerência e rigor. Mas os objetivos que se perseguem com o plano não saem da Econometria, e sim dos valores que dominam a sociedade.”22 Roberto Campos apresenta uma visão crítica do uso desses instrumentos. Segundo ele o papel da matemática e econometria é bastante limitado. “Apenas dá maior precisão de raciocínio mas a custa de uma extraordinária simplificação das hipóteses.... Vejo com inquietação o furor matematizante dos economistas. Isso leva invariavelmente a terríveis simplificações. Simpatizo muito mais com a visão austríaca, menos matematizada, que dá muito mais importância às motivações da 23 ação humana que a fórmulas abstratas.” E aqui Campos esta afinado com Hayek e 22 23 Celso Furtado, Conversas, 1996, pág. 70. Roberto Campos, Conversas, 1996, pág. 41. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 20/67 outros expoentes da escola austríaca que, apesar de liberais e cultuadores do mercado, não acreditam na teoria walsariana do equilíbrio geral. Hayek acreditava que os processos econômicos não são formalizáveis e portanto, rebeldes a enquadramento matemático. E aqui coloca-se um aparente paradoxo, entre duas correntes cultuadoras do liberalismo econômico e da a-historicidade do capitalismo (o grupo da escola autríaca e o grupo do Samuelson), mais próximas da abordagem analítico formal, mas que se encaminham em direções diametralmente opostas em termos do uso da matemática e da econometria. Antônio Delfim Netto foi iniciado nos estudos quantitativos sob forte influência do Fundations do Samuelson, que teve forte penetração na Faculdade de Economia e Administração da USP, desde os anos 50. Entretanto Delfim Netto não descartou a importância da abordagem historicista e tentou estabelecer uma comunhão entre o histórico e o quantitativo, com relativo êxito, conforme demonstra sua tese de doutorado sobre a atividade cafeeira no Brasil. Apesar de ser um pioneiro em estudos econométricos e de ter usado abundantemente matemática e estatística nos seus primeiros trabalhos, hoje Delfim Netto alerta para o abuso da matemática. “O que acho é que hoje se exagera (no uso da matemática). Transformaram a economia em um ramo bastardo da matemática. O sujeito nem é matemático e nem é 24 economista, porque perdeu toda a intuição.” Segundo ele a matemática funciona como um instrumento de intimidação. “Matemática é um instrumento de retórica para o economista, um instrumento de terror. Quanto mais imbecil for o interlocutor, mais terror exerce sobre ele, pondo os símbolos a sua frente. Quanto 25 menos ele entende, mais gosta.” Maria da Conceição Tavares, que antes de ser economista, graduou-se em matemática, tem uma opinião pouco favorável ao emprego desse instrumental. Segundo ela a matemática “serve para fazer avançar a teoria walsariana em direção às nuvens, ..., e o que eles estão fazendo agora não é nenhuma contribuição 24 25 Antônio Delfim Netto, Conversas, 1996, pág. 98. Idem, ibidem, pág. 106. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 21/67 maravilhosa, porque já teve uma escola matemática importante: a francesa, que deu lugar àqueles que estão em Harvard e no MIT, não aos que estão em Chicago. Gerard Debreu foi representante da grande escola matemática, que foi a francesa. Depois é que ele passou para os americanos. Os “novos clássicos” de Chicago são uns apologetas. O que se vê atualmente é a formalização crescente, de forma abstrata, da ‘teoria da escolha pura’, não tem nem economia aplicada, nem interpretação. Se os modelos não têm como incorporar nada que tenha a ver com a realidade, não são nem indutivos nem dedutivos. Então, tanto os modelos de “escolha pura”, como os da “teoria dos jogos”, não servem para nada! Servem só para o jogo das contas de vidro, como diria o velho escritor Hermann Hesse. O papel da matemática é mistificar, levar você para o jogo das contas de vidro. Porque a matemática, para ser rigorosa, só é passível de desdobramento ou em modelos de equilíbrio geral, ou em modelos dinâmicos mas abstratos. A pseudomatemática dos modelos que permitem derivações de política econômica, não é matemática. Para fazer uma IS-LM não precisa de matemática nenhuma. Dado que você não deriva nem deduz política econômica de modelos, a não ser heurísticos ou por simulação por experimentação numérica. Os modelos matemáticos em economia em geral só têm hipóteses uma vez fixados objetivos e 26 cenários alternativos. A maioria não passa de uma axiologia da escolha pura.” Ela sugere que quem esta trabalhando nessa direção é o José Alexandre Scheinkman, em Chicago. E o que acha Scheinkman da matemática? “Para mim é muito importante. Eu uso a matemática para me disciplinar. Eu começo desenvolvendo uma questão, então tento criar um modelo matemático porque eu acho que o modelo matemático me disciplina a maneira de pensar. O papel do modelo matemático é uma maneira de você disciplinar a maneira que você vai pensar sobre o problema. 26 Maria da Conceição Tavares, Conversas, 1996, pág. 134. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 22/67 Econometria já é outra história. Econometria é uma maneira que o economista encontra para trabalhar com os dados que estão dispostos. Um dos problemas dos dados econômicos é que eles não vem, pelo menos, não freqüentemente, de grandes experimentos. Então, você precisa de toda uma estatística que permita você interpretar os dados. Eu acho que isso é uma coisa que tem ser importante porque se 27 não a gente cai em muitos erros de interpretação dos dados.” Enquanto um adepto explícito da matemática em economia, Mário Henrique Simonsen diz que o papel da matemática é o de servir de linguagem. “A matemática pura e simplesmente serve tanto quanto o português e o inglês. A grande vantagem da matemática é que ela oferece uma linguagem que sincretiza raciocínios estereotipados. Quantas vezes teríamos de fazer raciocínios complicados para dizer que uma derivada é igual a zero? Então o uso da matemática evita exatamente que se seja obrigado a se prolongar literariamente em uma porção de coisas. A matemática evidentemente está a serviço de hipóteses, e é uma parte da estatística, que dá pura e simplesmente técnicas de aferição estatísticas, técnicas de verificação de hipóteses que são essenciais para qualquer análise empírica que se faça.”28 Outro economista que defende explicitamente o uso do instrumental econométrico é Fernando Holanda Barbosa, que também é da FGV do Rio. Ele acha que “existe um viés entre os economistas brasileiros contra o uso da matemática e da econometria. Matemática e econometria são dois instrumentos que, hoje em dia, qualquer economista deve aprender. A tendência no pós guerra foi de um aumento crescente no uso da matemática. A matemática tem sido cada vez mais usada. Muitas pessoas criticam, às vezes, o uso da matemática porque certamente você vai encontrar na literatura muitos trabalhos que usam matemática pela matemática, que não existe nenhuma preocupação realmente com economia. Mas seria difícil você treinar um economista hoje em dia que não começasse com um treinamento nessa linguagem. Acho que o Samuelson diz isso nos Foundations, que a matemática é uma 27 28 José Alexandre Scheinkman, depoimento aos autor, dezembro de 1997. Mário Henrique Simonsen, Conversas, 1996, pág. 194. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 23/67 linguagem e que hoje em dia você tem que aprender essa linguagem porque ela o força a ser mais preciso em sua colocação, em seu argumento, na sua construção do modelo. Já com relação à econometria, é preciso distinguir duas coisas: uma, a econometria propriamente dita; a outra, são os cursos de econometria. Os cursos de econometria são, na verdade, cursos de métodos estatísticos aplicados à economia. Ora, o economista lida com uma coisa básica, que é a informação. Como você pode tirar conclusões de uma massa enorme de dados? Quer dizer, a estatística é, justamente, a metodologia científica para você retirar as informações dos dados. Então, se o economista quiser tirar informação de dados, ele tem que usar um procedimento científico, que é a metodologia estatística que foi desenvolvida nesse século. Isto é, a estatística não foi desenvolvida para a economia. A estatística foi desenvolvida justamente para se tirar informações de dados, e ela nos permite concluir alguma coisa sobre o mundo em que vivemos. Assim, acho que, sem esses dois instrumentos, é impossível você ter uma formação sólida para ser, hoje em dia, um bom economista. Agora, existem excessos. Existem excessos em qualquer área. Você, às vezes, fica estudando a matemática pela simples matemática. É possível que você tenha pessoas, com uma boa formação matemática, sem nenhum conhecimento de economia, à procura, pelos corredores 29 dos departamentos, de algum teorema para que eles demonstrem.” Certamente a estatística é uma metodologia para tirar informações de dados, e para certos ramos da economia a análise de dados é imprescindível. Porém, em muitos casos, o abuso desse instrumental estatístico implica em “torturar os dados até que eles confessem”. Edmar Bacha também realça a importância da matemática e da econometria. “Acho que sem a matemática e sem econometria não dá nem para começar a conversar, 29 Fernando Holanda Barbosa, depoimento ao autor, dezembro 1997. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 24/67 acho que a profissão começa ai.... Com o desenvolvimento de métodos mais sofisticados e com a capacidade maior de entendimento a partir do fortalecimento do instrumental, podemos atacar problemas mais concretos. Uma vez perguntei para Paul Samuelson sobre a idéia do ‘as if’ que Friedman assumia de uma maneira muito clara, mas Samuelson também. Por que, em um mundo cheio de monopólios, a gente continuava usando modelos de concorrência perfeita? A resposta é: porque é a primeira aproximação possível de ser feita com os métodos matemáticos que a gente então dispunha. A teoria dos jogos estava só na sua infância. Hoje, com o desenvolvimento da teoria dos jogos, da capacidade de entendimento analítico de comportamentos estratégicos, que foi desenvolvida ao longo desses anos crescentemente, o que entendemos tanto por micro como por macroeconomia pode incorporar formações econômicas mais “realistas” do que as que éramos capazes de fazer quando tudo o que existia era análise marginalista e o equilíbrio geral. Fundations, de Samuelson, foi um grande marco que estabeleceu as bases para o desenvolvimento da profissão no contexto da análise marginalista e do equilíbrio geral, sobre o pressuposto da concorrência perfeita. Foi preciso todo um desenvolvimento analítico nesses últimos 20 anos para que pudéssemos hoje, analisar questões de monopólio, oligopólio, questões de público/privado, agenteprincipal. Há toda uma nova economia nesse sentido. Hoje os grandes temas da economia podem ser tratados de uma forma muito mais precisa do que no passado, por causa do desenvolvimento dos métodos matemáticos e da econometria.”30 Os pensadores mais ligados a tradição histórico estrutural, como Francisco de Oliveira, Paul Singer e Antônio Barros de Castro apresentam certas ressalvas ao uso dos métodos quantitativos, sem no entanto excluí-los da análise econômica. Francisco de Oliveira diz que não sabe econometria, mas não é avesso a ela. “Embora a minha formação, com a contaminação tardia pelo marxismo, seja avessa a modelização, eu acho que há momentos em que você pode modelar, conforme os 30 Edmar Bacha, Conversas, 1996, pág. 236. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 25/67 regulacionistas tentaram fazer. Isto é, em períodos largos você pode eliminar as flutuações de curto prazo, sem perda de riqueza. Ocorre que o uso da modelagem em economia é feita sempre para curtos períodos. E ai tende a dar com os burros n’água, não porque a matemática seja incapaz, mas porque essa modelagem de curto prazo, tende a transformar-se num modelo. Isso leva a – como se dizia antigamente – ‘a tomar a nuvem por Juno’. Ou seja, os fenômenos conjunturais são modelados e transformados num modelo de longo prazo. Deveria ser ao contrário. No longo prazo você tem a possibilidade de utilizar a econometria e a matemática conforme falava Fernand Braudel, com sucesso e sem 31 reificação ou reducionismo.” Paul Singer, apresenta uma posição um pouco mais aberta à matemática do que Francisco de Oliveira. Singer diz que “a matemática é uma linguagem que, em certas circunstâncias, ajuda. É uma taquigrafia, quer dizer, você pode exprimir com alguns símbolos, coisas que se você fosse falar, levaria muito tempo ou levaria muito espaço. Então, quando você usa notações matemáticas, você coloca sob a forma de equações, em última análise. É aquilo que levaria páginas e páginas para ser descrito. Então, nesse sentido, é sem dúvida nenhuma útil. Agora, ela só é útil quando tudo aquilo que a equação resume é bem entendido pelo autor e pelo leitor. Estou convencido de que não é isso que acontece. Então, a notação matemática passa a ser uma espécie de supressor de pressupostos. Eu usei a matemática em certo número de trabalhos e não a uso hoje, porque é incompreensível para o não economista, com quem eu quero me comunicar. Essa é uma das minhas características. Eu tenho sido um economista para os não economistas também. 31 Francisco de Oliveira, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 26/67 Keynes poderia ter usado a matemática e não a usou e isso nos ajudou. O livro dele A Teoria Geral é um livro difícil. Eu não entendo praticamente nada. Tem umas três, quatro equações, muito pouco de matemática. E se ele tivesse matematizado o livro, teria sido muito mais complicado ainda para entender. A econometria é diferente. É um método estatístico de, em última análise, testar hipóteses que tenham como pressuposto uma boa fundamentação teórica. Nesse sentido ela é muito importante. Acho que a econometria é indispensável e faz parte de todo esse mundo que a estatística desvendou. Houve um avanço intelectual importantíssimo no começo do século XX da teoria das probabilidades e todo o desenvolvimento da estatística, a partir de amostragens que se deu desde então. O índice de custo de vida é um exemplo de aplicação econométrica. Então, a econometria é o uso profundo dos instrumentos estatísticos para verificar em que medida as generalizações teóricas tem aplicação na realidade humana. É uma coisa absolutamente essencial. Eu diria que a econometria em si nunca é demais. Acho importante que todas as hipóteses que possam ser empiricamente testadas, o sejam. Porque com o desenvolvimento do raciocínio neoclássico criaram-se essas caixas vazias! Isto é um fato importante. Criaram-se proposições teóricas que você não sabe se se aplicam alguma vez a alguma realidade histórica. Então, o fato de você ter econometria permite efetivamente que você faça isso. Quer dizer, você passa a ter uma idéia da relevância das teorias. Há muitas teorias logicamente perfeitas e de nenhuma relevância para o que pretendem explicar. Aí a econometria tira a dúvida. De modo que eu não acho que haja nenhum exagero econométrico em si. A crítica que eu faria, sim, ao mau uso da econometria é que ela tomou o lugar do trabalho teórico. Você pega um pedaço de uma teoria e em vez de examiná-la em seus pressupostos históricos, você arranja uma série numérica, por exemplo, alguma série de tempo, faz uma análise estatística - e isso programas de computadores fazem em alguns segundos praticamente sem trabalho nenhum - e depois você RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 27/67 descreve os resultados e diz que isso é uma contribuição para o avanço do conhecimento. Quer dizer, existe um foguetório econométrico desnecessário. Mas os trabalhos econométricos importantes foram fundamentais. Deixo dar o exemplo do autor que usou a econometria o tempo todo e a meu ver com muito acerto: Kalecki. Parece que ele era basicamente um econometrista. Ele foi muito sagaz. Teve uma visão do que estava acontecendo com a economia capitalista do período em que ele viveu. Muito profunda. Não é igual a do Keynes, embora tenha muitos pontos de contato. E todo trabalho dele está montado sob a forma econométrica. Ele procura estimar parâmetros numéricos para mostrar a relevância daquilo que estava formulando e de uma forma boa, a meu ver, muito acertada. Essa é a econometria que eu acho que é útil e importante.”32 José Serra tem uma posição parecida com a de Singer. Segundo ele a matemática e a econometria “são instrumentos úteis para subsidiar, não para substituir, o domínio da teoria nem muito menos a intuição. Às vezes, o uso e abuso da matemática termina mitigando a reflexão teórica e dificultando a análise econômica aplicada, quando não esconde idéias triviais. Nem todos têm a lucidez manifestada pelo Paul Krugman, quando lembra que os modelos formais são úteis como metáfora da realidade. Mas embora eu tivesse uma formação razoável em matemática, melhor que a dos economistas em geral, acabei não recorrendo muito a ela, não por falta de gosto, mas em função dos meios acadêmicos onde convivi, que não estimulavam muito esse caminho. Na verdade, gostaria de ter usado mais matemática e 33 econometria no meu trabalho como economista. Creio que acabou fazendo falta.” Sem negar a importância dos métodos quantitativos, Barros de Castro ilustra casos onde esse instrumental não funciona. Ele raramente recorre a instrumentos ou modelos de testes quantitativos em seus trabalhos. Entretanto admite que a 32 33 Paul Singer, depoimento ao autor, op. cit. José Serra, depoimento ao autor, dezembro de 1997. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 28/67 matemática é absolutamente indispensável para que se possa entender o que significa um mundo walrasiano. “Então, eu vejo a econometria extremamente útil para efeito de pesquisa e a matemática como algo fundamental para me dar acesso a diversas proposições teóricas. Isto posto, devo acrescentar que como um estudioso, em regra, me mantenho bastante distante da matemática e econometria, e o tipo de problema que mais me mobiliza desde sempre é extremamente rebelde a formalização. Que tipo de tema me interessa? Interessa especialmente 2 tipos de questões que desafiam a formalização. Que são a comparação ao longo do tempo de experiências internacionais, seja de experiências de inflação, seja de experiências de industrialização. Então para essas comparações, realmente, a matemática não será usada e a econometria entra muito secundariamente. Mais do que isso, eu tenho interesse central em transformação. Quer dizer, na mudança. E a transformação é algo que, em regra, não é tratável matematicamente. Tomemos um caso aqui. Vamos a uma ilustração: da alta inflação para a estabilidade muda radicalmente o quadro financeiro. Essa mudança qualitativa, complexa é algo individual. É algo que você não vai conseguir representar formalmente ou então será inútil, será um desperdício de trabalho mobilizar grandes recursos formais para o tratamento dessa transformação. A economia do Rio Grande do Sul acaba de receber duas grandes montadoras, a GM e a Ford. Estou extremamente interessado, por exemplo, em entender o impacto desta brutal mudança, que é a chegada de duas montadoras numa economia que tinha uma base de indústria mecânica, mas absolutamente não tinha nada parecido como uma montadora. Mais uma vez trata-se de um problema de transformação, não 34 formalizável.” 34 Antônio Barros de Castro, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 29/67 Para João Manuel Cardoso o uso da matemática é importante porque se trata de uma forma de linguagem útil, que facilita a comunicação. “Eu acho que estatística e a capacidade de interpretar os dados, senso crítico diante dos dados, de procedimento de tratamento dos dados, tudo isso é muito importante. Tanto que, agora, na reforma que vamos ter em Campinas, eu introduzi lá mais matemática e estatística do que na USP. Isso faz parte, vamos dizer, da profissão do economista. Não há dúvida nenhuma é muito importante. Agora, principalmente com econometria, tem que ser cuidadoso. Não comer gato por lebre. Na verdade, para isso o corretor mais eficaz é a história. Quem sabe história, sabe que a realidade social é de uma complexidade extraordinária. E que portanto, 35 simplificações, por ser fácil, estão sempre sujeitas à qualificações muito severas.” Para Aloízio Mercadante a matemática e a econometria são apenas técnicas auxiliares ma pesquisa econômica. “Há setores do pensamento econômico, sobretudo no passado, que colocavam essa visão quantitativista como absolutamente hegemônica na forma de pensar. Quer dizer, os métodos quantitativos se impunham a abordagem histórica, analítica, de forma absolutamente inaceitável, na minha visão. Eu acho que são instrumentos complementares que devem ser utilizados. Ajudam na forma de você analisar os agregados. Mas, jamais como uma substituição da análise 36 histórica que é totalmente imprescindível na economia.” Paulo Nogueira Batista Jr. também acha que houve um certo exagero na utilização da matemática na economia. “Há várias décadas atrás, a Joan Robinson lamentou que a economia estava se tornando um ramo da matemática aplicada. Eu acrescentaria um ramo da matemática e da estatística aplicada, um ramo não muito nobre. O que tem de positivo no uso do instrumental matemático? Várias coisas. 35 36 João Manuel Cardoso de Mello, depoimento ao autor, op. cit. Aloizio Mercadante, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 30/67 Entre elas, eu me lembro de um texto do Galbraith, muito interessante sobre isso, The Language of Economics, onde discute, entre outros aspectos, o uso e o abuso da linguagem matemática no main stream econômico. E a uma certa altura ele diz: ‘-Eu acho que a matemática tem uma função, não é tão nobre quanto pode parecer a primeira vista, mas é que ela funciona - diz ele - como screaming device’. Como uma triagem para a demonstração de um mínimo da habilidade no uso de um instrumental matemático e estatístico, uma espécie de mecanismo acadêmico para eliminar os incompetentes completos. Eu acho que essa função ela tem. Tem essa função e a de treinar o pensamento, pelo menos de facilitar e exercitar a capacidade de pensar e de analisar. Acho que isso também é positivo. Agora, como diz o próprio Galbraith nesse mesmo texto, o abuso do instrumental matemático leva a uma espécie de atrofia da capacidade de julgamento e da capacidade de avaliar os processos sociais. Algumas vezes claramente leva também a uma espécie de propensão a simplesmente desconsiderar os fatores que são difíceis de tratar matematicamente, ou impossíveis de tratar matematicamente.”37 André Lara Resende tem uma posição curiosa acerca do papel da matemática e da econometria em pesquisa econômica. “Eu tenho uma enorme desconfiança da econometria, até por causa da minha desconfiança pelo método empiricista. Eu gosto muito de econometria, e fiz econometria bastante a sério, bem profundamente. Gosto da matemática da econometria, da estatística, mas tenho uma grande desconfiança do método econométrico em Economia. Usado por quem desconfia dele, é muito interessante. Usado por quem acredita piamente, é perto da cretinice. A matemática não, a matemática é extremamente útil na economia. Porque a matemática, no fundo, é uma linguagem, uma linguagem concisa e de cheques de consistências lógicas, é extremamente eficaz.....Para quem tem a fluência na 37 Paulo Nogueira Batista Jr. Conversas, 1996, pág. 348. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 31/67 matemática, ela é um instrumento extraordinariamente eficiente. Não só é conciso, como reduz ambiguidades que o texto muitas vezes cria. A matemática tem um enorme espaço na formulação econômica, mas o coeficiente de impostura com que a matemática muitas vezes é usada é enorme. Porque está dito matematicamente, tem um ar de lei, de verdade suprema, que ameaça aqueles que não têm este conhecimento. Isso que é o erro do uso da matemática. A econometria mais ainda, um poder de impostura ameaçadora para os ignorantes, quer dizer, “olha essas equações, teste não sei quanto, equação simultânea, está provado! Você não fale bobagem!”. Mas eu acho que a economia avançou muito, se destacou entre as ciências sociais porque ela se permite, mais do que as outras, o uso da 38 matemática.” Pérsio Arida vê com simpatia a utilização da matemática em economia, porém realça a mudanças nas formas matemáticas que foram utilizadas pela economia ao longo do tempo. Segundo ele “se você olhar o que aconteceu com a economia matemática desde 1933, quando o Schumpeter fez o artigo inicial da revista Econometrica, é extraordinário. Em sessenta e poucos anos houve um desenvolvimento absolutamente notável. Mas aí cabem várias observações. Primeiro uma observação de estilo, que mudou inúmeras vezes. A matemática que se usava na década de setenta não é a matemática que se usa (hoje), são outros instrumentos, um outro estilo de teorização. Mais fascinante que o uso crescente da matemática é a mudança de estilo de formalização. A introdução do cálculo estocástico, por exemplo, foi uma revolução extraordinária. Isso na minha época estava apenas esboçado. Quando eu estava no MIT, era a grande novidade. Hoje você não faz nada que não seja com cálculo estocástico. Você está constantemente renovando o estilo da formalização. Não se trata de usar cada vez mais intensamente a matemática, mas eu acho que existe essa percepção o tempo todo na cabeça das pessoas: “se esse instrumental não estiver bom a gente 38 André Lara Resende, Conversas, 1996, pág. 292. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 32/67 tem que mudar”. E a constante mudança de estilos é um exemplo dessa tentativa de adequar um instrumental formal à realidade. A própria realidade muda. As exigências do que seria um instrumental formal mudam também. Cadeias markovianas, para dar um exemplo, se achava com um potencial de explicação do mundo absolutamente extraordinário. Abandonou-se o instrumental completamente. Modelos setoriais dinâmicos, complexos, para n setores da economia. Em alguns momentos pareceu que aquilo teria uma capacidade de detalhamento da realidade extraordinariamente impressionante, o que verificou-se um atoleiro. É muito difícil dar uma resposta do que é mais justo, adequado, à teoria econômica. Há uma mudança de estilo, uma utilização mais intensa, simplesmente porque a formação matemática das pessoas, em média, é melhor. Mas se algum dia eu escrevesse um ensaio mais filosófico sobre economia, seria sobre as diferenças de estilo na formalização. O estilo das várias matemáticas utilizadas é um assunto 39 absolutamente fascinante.” Eduardo Giannetti da Fonseca concebe a matemática apenas como uma linguagem e alerta para a possibilidade dela virar um fetiche em economia. “Eu me recuso a criticar o uso da matemática porque não tenho competência para fazê-lo e vejo que a maior parte dos críticos também não tem. Muitas vezes, essa crítica é mais um ressentimento por estar excluído, do que uma tentativa de contribuir para o avanço da economia como disciplina científica. Se tem uma coisa que eu não faço, é ficar jogando pedra em uma coisa que não alcanço e que não consigo entender. O que eu não gostaria, é de estar num mundo em que só há espaço para uso de instrumental matemático altamente sofisticado. Eu sou um defensor de pluralismo, tem que haver espaço para diferentes maneiras de se investigar e de se produzir conhecimento. Algumas das maiores descobertas científicas da humanidade não dependeram de instrumental matemático ou de formalizações sofisticadas: a revolução darwiniana e a descoberta do DNA não dependeram em nada da 39 Pérsio Arida, Conversas, 1996, pág. 329. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 33/67 matemática. Há uma diversidade muito grande de caminhos que podem gerar conhecimento relevante, conhecimento objetivo. A matemática não tem e não pode ter monopólio no campo da economia enquanto linguagem. A matemática é uma linguagem, ela não explica nada. Uma fórmula ou uma equação não significa que a coisa foi explicada, apenas que ela foi descrita. A explicação nunca é matemática. Usamos a matemática para derivar, de proposições que não são matemáticas, outras proposições que também não o são. É uma linguagem, uma maneira de raciocinar. Quando é possível introduzi-la, trás um ganho de rigor e de precisão que de outra maneira não poderia ser alcançado. Mas ela também não pode 40 virar um fetiche, um fim em si mesma.” Como discípulo de Allen e Simonsen, Francisco Lopes considera importante o uso da matemática em economia. “Eu aprendi muita economia através dos livros do Allen, depois com Simonsen, que era tratamento totalmente matemático. Menos econometria. Simonsen não achava muita graça em econometria. Econometria para ele é quase que um problema matemático: a projeção ortogonal, o espaço indeterminado. Mas, enfim, eu, pessoalmente, nunca estudei muito teoria econométrica, mas sempre pratiquei muito econometria. Sempre achei importante olhar dados, isso é uma coissa que eu me lembro ter lido e há uma boa descrição em Keynes. O Keynes era muito cético sobre a econometria. Mas, ele sempre foi um grande olhador de dados: de pegar séries estatísticas e olhar. Eu também sempre olhei muito dados; estimei minhas equações; não publiquei muito; tenho algumas coisas econométricas que a gente fez. E depois na macrométrica eu sempre fiz muito econometria, mas econometria não acadêmica. Nós construímos um modelo sem 41 publicar. Mas o modelo está lá. Um belo modelo macrométrico.” Na linha de seus colegas da PUC do Rio, Gustavo Franco acha a matemática e a econometria absolutamente fundamentais. “No livro O Breve Século XX do Eric 40 41 Eduardo Giannetti da Fonseca, Conversas, 1996, pág. 381. Francisco Lopes, depoimento ao autor, junho de 1998. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 34/67 Hobsbawm tem uma passagem extraordinária, num capítulo sobre ciência, onde ele diz que ‘O nosso século XX progrediu mais do que toda experiência humana anterior por causa da ciência’. E o que há de peculiar na ciência no século XX é o divórcio entre a produção do conhecimento e o senso comum. Isso só foi possível graças ao pensamento abstrato. Graças a matemática. Ele diz: ‘este é o século dos matemáticos’. Quando a matemática apareceu aqui no Brasil como elemento essencial no estudo da economia, o que eu via era puro preconceito. Absolutamente essencial. Eu acho que aí não tem muito que discutir.”42 A rigor, nenhum dos autores consultados negou a importância da matemática e da econometria para a pesquisa econômica. Todos reconhecem na matemática uma linguagem útil para as representações econômicas. Porém muitos autores assinalaram o abuso da linguagem matemática por parte de certas vertentes econômicas. São aqueles que transformaram a economia num ramo da matemática. É o rabo balançando o cachorro, numa reificação extremada das relações humanas, que assim são ocultas pelas relações técnicas, quantitativas. Exageros a parte, há diferenças de ênfase no uso das representações matemáticas, que estão associadas à escolha metodológica dos pensadores. As correntes mais inclinadas para uma abordagem historicista da economia e que não tem dúvidas que se trata de uma ciência social, sujeita as intempéries e imponderabilidades do gênero humano, tem uma maior distância das representações matemáticas e econométricas. Mesmos estes autores não podem negar a importância da estatística e da econometria para a decifração e organização dos dados, que são os ingredientes inseparáveis e muitas vezes decisivos da economia contemporânea. Do outro lado estão os simpatizantes da abordagem analítico clássica, que tem uma propensão maior para o uso da matemática, feita há ressalva que nem todos os adeptos dessa vertente desenvolvam o culto da matemática e congêneres. É o caso do membros da 42 Gustavo Franco, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 35/67 escola austríaca, já mencionados aqui, que preferem uma distância discreta das fórmulas matemáticas, porque elas abastardam o raciocínio econômico. V. A DINÂMICA DO CAPITALISMO RETARDATÁRIO E A QUESTÃO DA DEMANDA Os principais pensadores brasileiros procuraram caracterizar a dinâmica do capitalismo retardatário brasileiro a partir dos enfoques histórico estrutural e do analítico clássico, que acabamos de abordar nos tópicos precedentes. Certamente os trabalhos de extração historicista foram mais numerosos e abrangentes que as abordagens de cunho analítico formal. São inúmeros trabalhos que ilustraram os diversos aspectos e as distintas fases do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil. Não haveria espaço aqui para fazer uma análise minuciosa dessas numerosas contribuições. Em dois trabalhos recentes tive a oportunidade de examinar as obras chaves do pensamento econômico brasileiro e sua concepção sobre a dinâmica de 43 acumulação de capital no país. Interessa aqui examinar a questão do processo de acumulação brasileiro, porém sob o ângulo da demanda efetiva. Na verdade, trata-se de um aspecto importante da dinâmica de acumulação, que vem recebendo pouca atenção dos analistas. Infelizmente foram poucos os economistas entrevistados nas pesquisas estudadas, que se manifestar sobre essa questão. Mesmo assim, é o suficiente para identificar as posições possíveis sobre esse tema. É um assunto da maior importância uma vez que diz respeito à forma como se concebe a própria dinâmica de acumulação do capitalismo retardatário brasileiro. Além do mais, trata-se de uma questão que diz respeito ao método de análise e vai além da divisão entre o método histórico institucional e o analítico clássico. 43 Vide a respeito Guido Mantega, “O Pensamento Econômico Brasileiro de 60 a 80: os Anos Rebeldes”, em 50 Anos de Ciência Econômica no Brasil, org. Maria Rita Loureiro, 1997, ed. Vozes, Petrópolis, e Guido Mantega, “O Pensamento dos Economistas Brasileiros na Atualidade”, NPP- FGV (SP), abril de 1998. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 36/67 Para um segmento importante dos economistas brasileiros, a acumulação de capital no país esbarrou, em diversos momentos, na falta de demanda efetiva. Por uma série de razões que serão examinadas mais adiante, haveria uma certa tendência ao subconsumo no Brasil, que impediria ou, pelo menos, dificultaria o avanço do capitalismo no país. Essa tese tem como ponto de partida teórico algumas idéias de Keynes e Kalecki, dois pensadores que influenciaram muitos economistas brasileiros e viam na demanda um dos limites importantes do capitalismo. Provavelmente Celso Furtado é um dos pioneiros na defesa de teses subconsumistas para o Brasil. Principal interprete das teses cepalinas no país, Furtado defendeu em vários dos seus livros a hipótese de que a forma como o capitalismo penetrou no Brasil, resultaria em concentração de renda e falta de demanda agregada. A idéia chave é que a adoção de uma matriz tecnológica capital intensivo nos países de capitalismo retardatário como o Brasil, adequada à oferta de fatores de produção existente nos países avançados, causa distorções na estrutura produtiva brasileira. Em se tratando de um país com ampla oferta de mão de obra e escassez de capital, a introdução de plantas capital intensivo absorvem pouco mão de obra, mantém baixos os salários e criam um problema de falta de demanda para dar prosseguimento ao processo de acumulação. Daí a tendência ao subconsumismo e concentração de renda na economia brasileira, que explicaria crises como a dos anos 60 e 70. Boa parte dos pensadores brasileiros foram contaminados por essa linha de interpretação. Curiosamente não foram os economistas mais conservadores que namoravam idéias subconsumistas, mas sim uma parte expressiva daqueles alinhados com a corrente histórico estrutural. Os economistas mais próximos do pensamento clássico, como Campos, Simonsen, Delfim Netto pouco se preocuparam com uma suposta escassez de consumo. Pelo contrário, estavam preocupados em contê-lo, para potenciar os investimentos, este sim a mola propulsora da acumulação. Nesse esquema não havia nenhum problema em represar os salários e perpetuar uma renda muito concentrada. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 37/67 Pelo contrário, a concentração de renda possibilitaria uma maior propensão a poupar e uma taxa maior de investimentos, como indicaria o modelo clássico. As teses subconsumistas estão na raiz da interpretação estagnacionista que apareceu no Brasil nos anos 60 e se estendeu a outros períodos. Sua influência pode ser encontrada em vários autores, mesmo que não de forma tão explícita como em Furtado. O texto que melhor exemplifica a tese estagnacionista é o Subdesenvolvimento e Estagnação da América Latina (1966) de Furtado e sua crítica se encontra no célebre artigo “Para Além da Estagnação” (1972) de Maria da Conceição Tavares e José Serra. Não entanto, não estou querendo fazer aqui um retrospecto dessa discussão, que começou no meio dos anos 60 e avançou na década sucessivas, mas sim perscrutar quais eram as concepções teóricas subjacentes a ela que podem ser extraídas dos depoimentos dos 26 economistas brasileiros compreendidos nas entrevistas. Em outras palavras, qual era a arquitetura conceitual que levava alguns autores brasileiros a desembocar na tese subconsumista e qual era a análise alternativa que rejeitava os problemas de demanda. Roberto Campos não chegou a se manifestar de forma explícita sobre a questão da demanda efetiva, mas dá claras indicações de que a insuficiência da demanda não era uma preocupação dele e de seus aliados, no início do regime militar. Ele critica aqueles que o acusavam de promover o arrocho salarial e praticar a injustiça distributiva durante o PAEG, o que certamente faria enfraquecer o consumo dos trabalhadores. Segundo ele “nós passamos a acreditar que a distribuição direta por 44 via salarial era um pouco suicida, porque gerava pressões inflacionárias” , ou seja, para um bom entendedor, uma demanda maior do que a oferta. Portanto não eram os problemas de subconsumo que preocupavam o então ministro do Planejamento do governo Castelo Branco. Pode-se afirmar que Mário Henrique Simonsen enquadrava-se na mesma linha de raciocínio, pois, enquanto assessor do ministro da Fazenda Octávio Bulhões, foi o 44 Roberto Campos, Conversas, 1996, pág. 46. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 38/67 autor da famosa fórmula matemática de cálculo de reajustes do período militar, cuja principal preocupação era conter os salários, vale dizer, o consumo dos trabalhadores. O mesmo vale para Delfim Netto, que também adotou a fórmula salarial de Simonsen e certamente não estava preocupado em ampliar o consumo dos trabalhadores. Muito pelo contrário, foi arrochando os salários que ele maximizou os lucros e alavancou os investimentos, que produziriam as fantásticas 45 taxas de crescimento do chamado “milagre brasileiro”. Para Delfim Netto nenhum tipo de distribuição de renda, mesmo a mais concentrada, é obstáculo para o crescimento. “Dada uma distribuição de renda, sempre existe um sistema que produz o máximo de eficiência. E, por sua vez, se você quiser o máximo de 46 eficiência, isso acontece com qualquer distribuição de renda”. Naturalmente o então ministro do Planejamento do governo Costa e Silva achava mais eficaz uma renda mais concentrada, para promover a acumulação de capital. Portanto não há aqui nenhum vestígio das teses subconsumistas nem mesmo na sua versão keynesiana. As gerações mais jovens de economistas, mais próximos de uma visão conservadora, tampouco adotaram as teses subconsumistas. Formados num ambiente de inflação crônica, como foram as últimas duas décadas, estiveram mais voltados para problemas de excesso de demanda do que para sua escassez. A rigor, o longo período de inflação elevada fez submergir a problemática do subconsumo. O déficit público crescente, o aumento dos gastos estatais deslocou o eixo da discussão para outra área, sem que a discussão sobre a questão do consumo estivesse esgotada. Entretanto, essa questão permaneceu acessa no âmbito dos economistas filiados a tradição marxista/keynesiana. Antônio Barros de Castro, por exemplo, coloca essa questão da demanda com bastante clareza. Ele procura identificar os principais 45 As bases teóricas desse modelo, que funciona comprimindo o consumo dos trabalhadores, esta em Guido Mantega, “O Pensamento Econômico Brasileiro de 60 a 80”, op. cit, particularmente o tópico “o Desenvolvimentismo Autoritário”, pág. 112 em diante. 46 Antônio Delfim Netto, Conversas, 1996, pág. 113. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 39/67 focos da visão subconsumista que impregnaram boa parte da esquerda brasileira nos anos 60 e 70. Criticando as teses estagnacionistas Castro acha que elas são “uma ilusão, uma verdadeira obsessão da esquerda que não me convencem. A esquerda sempre, mesmo nas suas obras mais originais, mesmo nas suas contribuições mais nutridas, sempre concluía pelo esgotamento. As últimas páginas de qualquer ensaio ou pesquisa era para mostrar que daí para frente estava esgotado. Que aquilo já se esgotou. E, eu, pelo contrário, não via nenhum esgotamento. Quer dizer, na realidade, o que está por trás dos Sete Ensaios é a convicção de que a economia brasileira estava (no final dos anos 60) prestes a retomar o seu crescimento. Estava numa rampa de lançamento. Ela tinha passado pela turbulência, que nós sabemos dos anos 60. Turbulência tanto no plano econômico como no plano político e a partir de um certo ponto os sinais de revitalização estavam brotando por toda parte. Isso era última coisa que a esquerda queria ouvir. Porque a esquerda estava convencida de que o país estava numa crise que cada vez mais se aprofundaria sem as reformas. Então, a idéia de que o Brasil voltaria a crescer, que o capitalismo no Brasil voltaria a funcionar em plena ditadura, era alguma coisa de insuportável para 47 a esquerda.” A novidade era que a concentração de renda em curso no Brasil dos militares não era obstáculo para o crescimento, como pensava uma parcela expressiva dos economistas que criticavam o modelo brasileiro dos militares. Pelo contrário, a concentração da renda estava tendo um impacto dinamizador na acumulação, uma vez que ampliava o mercado de bens de consumo duráveis. Até o século passado, argumenta Barros de Castro, a concentração de renda era de fato um impedimento para a expansão econômica, uma vez que os gastos das classes abastadas eram essencialmente feitos com serviços e artesanato de luxo. Mas, com a revolução industrial, os bens duráveis adquiriram um peso crescente. “ A contribuição norte47 Antônio Barros de Castro, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 40/67 americana na revolução industrial qual foi? Foi a introdução de uma série de duráveis. Entre eles, destacadamente, o automóvel. E os duráveis de consumo criam um tipo de produto industrial que é vendido para indivíduos de classe média e alta. Então, após a revolução industrial norte-americana, no mundo em que os duráveis tinham um peso crescente, ter concentrado a renda nas mãos das classes médias e altas, ao invés de significar uma redução no mercado de manufaturas, significava um adensamento desse mercado exatamente naquilo que constituía a ponta da oferta brasileira. E o que é que havia de mais avançado na oferta brasileira? Eram dos eletrodomésticos para cima, até automóveis. Pois bem, ao ter colocado dinheiro nas classe médias, médias altas e altas, o Brasil havia ampliado estes mercados, que agora eram mercados de manufaturas, insisto, que dinamizavam a ponta da estrutura de oferta. Portanto, no modelo brasileiro nós vamos ter agora um processo de crescimento puxado por duráveis e o fato da renda ter-se reconcentrado não gera problema algum, pelo contrário. O fato de que duráveis são particularmente passíveis de serem alavancados por crédito ao consumo, vai inclusive permitir que isso se dê em grande velocidade. Então, a argumentação é essa. A reconcentração da renda 48 ocorreu, sim. Só que em vez de bloquear, ela vai dinamizar o desenvolvimento.” Barros de Castro estava refutando a visão equivocada que Furtado, Rangel e outros economistas brasileiros de esquerda tinham da lógica de acumulação de capital. Esses pensadores atribuíam um peso importante ao consumo dos trabalhadores e não deram a devida atenção à demanda intermediária. Castro aborda essa questão no seu livro O Capitalismo Ainda é Aquele, onde ele faz uma crítica a Kalecki e seus inúmeros discípulos no Brasil. Para Castro, os duráveis de consumo possuem por traz de si toda uma cadeia industrial que gera uma demanda intermediária com alto efeito multiplicador. “Dentro da tradição da esquerda, diz ele, o autor que tratou de certa demanda 48 Idem, ibidem. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 41/67 intermediária como algo central na dinâmica capitalista foi Tugan Baranovski. E, eu, naquele ensaio sobre Kalecki, tenho uma posição próxima do Tugan Baranovski. De fato, na dinâmica capitalista a interdependência setorial que você pode ver a la Tugan ou mesmo, num outro plano, a la Hirschman, essa interdependência é um elemento central da acumulação. Mas havia um erro importante no meu raciocínio, compartilhado por todos na época, de não perceber que os duráveis de consumo já estavam penetrando as classes C e D. Muito particularmente o operariado já estava entrando forte no consumo do que nós chamávamos bens de luxo.”49 Quem primeiro desvendou a importância do consumo de duráveis por parte das 50 classes C e D foi John Wells. Num artigo de 1979 Wells critica o livro O Mito do Desenvolvimento Econômico de Furtado, porque esse livro circunscreve o consumo de duráveis a uma minoria. Isso está no cerne da teoria da estagnação e todo o pensamento de Furtado gira em torno disso. “Hoje, diz Castro, os dados do IBGE são absolutamente contundentes a esse respeito. Simplesmente hoje estou convencido que a curva de difusão de duráveis no Brasil é uma curva normal, ou seja, difundiram-se em ritmo semelhante a difusão em países desenvolvidos. Talvez o timming da difusão seja um pouco prejudicado, certamente é no caso do automóvel, por causa da má distribuição da renda. Mas a verdade é que o capitalismo tornou no Brasil e vai tornando em toda parte os duráveis acessíveis a todos. O Schumpeter dizia que a característica maior do capitalismo era a inovação incessante e a seguir a onda de difusão. E na onda de difusão, aquilo que foi inovação acaba virando commodities e acaba chegando a todo mundo. 49 50 Idem, ibidem. Trata-se do “O Mito do Desenvolvimento Econômico de Celso Furtado”, 1979. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 42/67 Mas para grande parte de pensamento de esquerda no Brasil, os limites do crescimento estavam num mercado inerentemente restrito A restrição, o bloqueio do mercado é constitutivo porque é da estrutura social. A medida que você se livra dessa tese, você entra numa outra perspectiva e o desenvolvimento pode ter problemas x, y e z mas, ele não tem esse bloqueio constitutivo, que é típico do 51 pensamento dualista que vai dos anos 40 até muito recentemente.” O que ajuda a explicar essa banalização do consumo de duráveis no Brasil é a dinâmica da acumulação apontada por Schumpeter. A revolução de consumo de massa que ocorreu no Brasil espelha as ondas sucessivas e a depreciação progressiva dos bens ao longo das curvas schumpeterianas de difusão. Outros economistas brasileiros que também refutaram as teses subconsumistas, foram Paul Singer e Francisco de Oliveira. Desde pelo menos 1973 Singer assinalava que não havia um problema de falta de consumo no Brasil. Ao analisar a crise do “milagre”, que se delineava já desde 1973, esse pensador indicava que a economia brasileira esbarrava no seu limite físico, devido às altas taxas de crescimento, que se verificavam desde 1968. “Eu acho, diz ele, que em 1973 o Brasil estava num processo de crescimento acelerado de 11%, 12% ao ano. A produção industrial deveria estar crescendo a 20% ao ano e o país estourou nas costuras, ou seja, o sistema de transportes, o sistema de energia, todos os sistemas infra-estruturais estavam mais do que saturados. E é isso que eu estava apontando. Eu estava dizendo: é preciso reduzir o consumo e aumentar a poupança. Neste momento isto é estratégico para o país continuar crescendo o mais aceleradamente possível. Mas é preciso aumentar muito os investimentos em infra-estrutura, na indústria pesada, o que foi mais ou menos o II PND. E aqui Singer explicita suas divergências com Maria da Conceição Tavares e outros economistas da UNICAMP, mais propensos a identificar problemas de subconsumo. Esses pensadores interpretaram as diversas crises brasileiras dos anos 60 em diante 51 Antônio Barros de Castro, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 43/67 como crises de subconsumo. “Essa é minha divergência naqueles anos todos com a Conceição. A Conceição via o fim do ‘milagre’ como um processo de superprodução. A demanda não aguentaria toda aquela capacidade produtiva em razão do salário. A minha visão foi literalmente oposta. Eu dizia que demanda existe e é muito forte no Brasil, embora de uma parte da população, devido à concentração na renda. Mas havia muita demanda no Brasil. Depois há outros livros meus em que eu descubro que há uma enorme incorporação da classe trabalhadora ao ‘milagre’ econômico. Embora os salários não qualificados ficassem muito baixos, o número de pessoas empregadas aumentou muito. Então, há duas visões bem distintas a 52 respeito desse período. Mais do que isso, há uma divergência teórica básica.” Na verdade, por traz dessa questão da demanda encontra-se uma questão metodológica da maior importância para a decifração da dinâmica capitalista e nos remete a uma velha polêmica no âmbito do pensamento econômico. De um lado estão os neoclássicos não keynesianos e os monetaristas, que estão o tempo todo batendo na tecla de que é preciso restringir o consumo e aumentar a poupança, na suposição que aumentando a poupança automaticamente se aumenta o investimento. “Essa é toda postura pré keynesiana, diz Singer, que, se você aumentar a poupança, cai automaticamente a taxa de juros porque a taxa de juros é o resultado da oferta e demanda por poupança. A taxa de juros menor automaticamente cria mais investimentos e a economia atinge o ótimo.”53 Do outro lado estão os keynesianos e os kaleckianos que têm uma posição oposta. Para estes a poupança é uma função do crescimento que, por sua vez, é uma função do consumo. Portanto se o consumo cresce, faz a economia toda crescer e finalmente a poupança acaba atingindo o tamanho necessário, que será maior também. Neste caso é desnecessário estimular a poupança em si. É preciso estimular o consumo. 52 53 Paulo Singer, depoimento ao autor, op. cit. Idem, ibidem. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 44/67 Qual das duas teses esta certa? Havendo capacidade ociosa ou um equilíbrio econômico com desemprego de fatores, segundo a hipótese keynesiana, não há dúvida de que, se houver alguma redistribuição de renda ou a incorporação de novos segmentos ao consumo, vai aumentar o investimento e a poupança em cima de uma renda total bem maior. Porém, em certas circunstâncias o raciocínio neoclássico, aliás esposado por Campos, Simonsen, Delfim Netto e outros economistas brasileiros, se aplica. É o caso da crise de 73, onde certamente não havia capacidade ociosa. Muito pelo contrário, a economia brasileira funcionava a plena capacidade, apresentando vários gargalos por excesso de produção e consumo. Nessas circunstâncias é razoável refrear o consumo e estimular a poupança. Agora, convém esclarecer que há várias maneiras de reduzir o consumo, que não passa necessariamente pelo arrocho salarial ou restrição do consumo das classes C e D, como sempre receitaram os economistas brasileiros mais conservadores. Entretanto, vários pensadores brasileiros abraçaram essa tese da crise de superprodução ou de baixo consumo. Mesmo Conceição Tavares, que havia escrito o famoso “Além da Estagnação” com José Serra, criticando a tese estagnacionista de Furtado, não esta isenta dessa visão subconsumista. Tanto ela, quanto João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo, compartilhavam a idéia de que a crise 54 dos anos 70 refletia uma “crise de realização dinâmica”. Singer acha que hoje é preciso recolocar a questão da poupança. Segundo ele “a poupança não é uma decorrência meramente mecânica do próprio crescimento. Em certos momentos é preciso reforçar a poupança para poder aumentar substancialmente o investimento - eu diria que no Brasil, isto cabe . É uma boa hipótese hoje, que é preciso investir muito mais em infra-estrutura e acho que isso é óbvio. Porque esse grande investimento em infra-estrutura pode ser financiado 54 O diagnóstico de Mello e Belluzzo sobre a crise de 1973 esta em “Reflexões sobre a Crise Atual”, em Escrita Ensaio, 1977, n. 2. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 45/67 importando poupança externa, que é a política do governo, via privatização. Trazendo o máximo de capital externo para o Brasil. Ou pode ser feito eventualmente forçando mais a poupança dos ricos, até por instrumentos fiscais, que foi o que Getúlio fez. Em última análise, O BNDES foi criado em cima de adicionais de imposto de renda. Ele tirou uma parte da renda dos ricos para financiar grandes investimentos de infra-estruturas dos anos 50 e 60. Em princípio, tudo é aberto. Não é preciso comprar as conclusões políticas da direita para admitir que eles estão tratando de um problema verdadeiro.”55 Francisco de Oliveira aborda a questão do subconsumo em A Economia Brasileira: Crítica a Razão Dualista, onde ele critica a teoria do subdesenvolvimento de Furtado e os cepalinos em geral. Para Oliveira esses modelos fundam-se na lógica do consumo e não da acumulação. “Na verdade, diz ele, a minha crítica dizia respeito a explicar o processo de acumulação pelo consumo e não ao contrário. Eu acho que esse equívoco está no Celso, quando ele diz que o consumo conspícuo da classe média alta impediu a estagnação e reorientou a oferta. A Maria da Conceição e José Serra, no ‘Além da Estagnação’, no meu modo de ver, incorrem no equívoco de pensar que a distribuição de renda orientou o consumo. Sem pensar que a distribuição de renda é produzida pelo processo de acumulação de capital.... No meu enfoque não dá para pensar a demanda como uma coisa pré constituída. Eu pensei mais num processo de acumulação que constitui a demanda. Esse ponto também é divergente da análise da Conceição e do Serra. Eles pressupõem uma distribuição de renda que favorece o consumo das classes médias. O meu ponto de vista é de que o processo da produção do capital está criando essa forma de 56 distribuição de renda. Portanto, a demanda, em última análise, está ligada a isso.” Na sua tese de doutorado, Francisco Lopes analisou a relação entre concentração de renda e acumulação. Lopes interessou-se pela questão da distribuição de renda a 55 56 Paulo Singer, op. cit. Francisco de Oliveira, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 46/67 partir de um livro de Celso Furtado, o Um Projeto para o Brasil, que supunha que o país iria parar de crescer em função de uma crise de consumo. Então, no doutorado ele montou um modelo de insumo-produto para simular o que acontece numa economia quando se distribui mais renda para as classes C e D. E o resultado foi surpreendente, pois, apesar de reduzir o nível de poupança, esse aumento do consumo dos assalariados modifica o mix de produtos consumidos e reduz a relação capital-produto, sem comprometer o nível de crescimento que se mantém elevado. Em outras palavras, é possível conciliar maior distribuição de renda com crescimento, ao contrário do que pensam os economistas conservadores brasileiros. Em suas palavras: “A minha tese era um modelo de insumo-produto basicamente para simular o que acontece com a economia quando você muda a distribuição de renda. E eu tinha o argumento de que você tem dois efeitos: uma redução da taxa de poupança, mas também uma mudança na composição do mix de produto e com isso a relação capital-produto cai. Então, você poderia ter uma 57 redistribuição que aumentava o crescimento ao invés de diminuir o crescimento.” Hoje em dia Lopes considera esses modelos de insumo-produto assentados em bases irrealistas, pois não eram exatamente modelos econométricos mais precisos. Atualmente, a discussão sobre a questão do consumo foi esquecida pela literatura econômica, o que não quer dizer que tenha sido necessariamente superada. Possivelmente é uma discussão que foi deslocada pelos problemas econômicos que emergiram no Brasil dos anos 80 em diante, relacionados com a inflação, dívida externa, etc. Alguns autores, como os da escola de Campinas, parecem ter superado essa questão. Mas existem indícios de que outros economistas persistem em suas idéias. Celso Furtado, por exemplo, verifica que há hoje um progresso técnico cada vez mais exógeno porque se realiza no âmbito mundial. Isso certamente faz com que os países emergentes absorvam uma tecnologia cada vez mais divorciada de sua disponibilidade de fatores de produção, ou seja com uma crescente relação capital 57 Francisco Lopes, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 47/67 produto, de modo a perpetuar o velho problema de pouca absorção de mão de obra e de enfraquecimento do consumo dos assalariado. Segundo ele “A tendência a (o progresso técnico) ser exógeno vai se generalizando no mundo inteiro, porque a tecnologia é cada vez mais universal. O Japão em muito depende da tecnologia vinda dos Estados Unidos, que por sua vez depende cada vez mais da tecnologia de outros países. Todos hoje em dia buscam tecnologia de ponta, um fenômeno que tem aspectos negativos. A busca da tecnologia de ponta força a criação do desemprego. Como explicar que a tecnologia moderna, por toda a parte, esta criando desemprego? Senão porque se favorece sempre a tecnologia de 58 ponta.” Furtado não faz menção explícita ao que acontece nos países retardatários, mas não é difícil deduzir, a partir de suas idéias, que nestes o desemprego tende a ser mais grave com reflexos sobre a estrutura da demanda. VI. TENDÊNCIAS RECENTES DO PENSAMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO Quais são hoje as questões que agrupam e dividem os economistas brasileiros? Do ponto de vista metodológico continua existindo aquelas diferenças apontadas no início do trabalho quanto à concepção da economia, ao método de análise e a utilização maior ou menor da matemática e da econometria. Porém são diferenças que não vem a baila com tanta facilidade. No dia a dia os antagonismos se manifestam nas questões concretas e imediatas dos problemas econômicos. 58 Celso Furtado, Conversas, 1996, pág. 77. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 48/67 Nesse sentido, a discussão econômica hoje gira em torno dos rumos da economia brasileira após a crise do desenvolvimentismo. Nos anos 80 encerrou-se um ciclo econômico importante que deixou em aberto uma série de questões a serem respondidas pelos economistas brasileiros. As mais prementes eram como superar o problema da dívida externa brasileira, equacionar o problema da inflação e decifrar a crise do Estado. No início dos anos 90, antes ainda de equacionar o grave problema inflacionário, foram introduzidas mudanças importantes no cenário econômico brasileiro. O governo Collor de Mello iniciou, na prática, um processo de reformulação dos fundamentos do modelo econômico que prevalecia no Brasil. Fortemente influenciados por idéias de liberalização econômica que fermentavam no cenário internacional e da ação de vários países, questionou-se praticamente todos os fundamentos do desenvolvimentismo, a começar pelo peso e papel do Estado enquanto formulador e executor de política econômica, assim como as políticas de comércio exterior e as relações com o capital externo. Nesse sentido iniciou-se um processo de desmonte do Estado desenvolvimentista, que implicava em privatizar boa parte das empresas estatais, reduzir a área de ingerência da ação do Estado, abrir a economia para os fluxos comerciais e financeiros externos, e facilitar a entrada de capital estrangeiro para estimular o crescimento. Entre outras coisas, o Estado deixaria de praticar a política industrial e agrícola, mediante os tradicionais mecanismos de subsídios e protecionismo. A modernização e aumentos de produtividade de um parque produtivo tido como acomodado, seria estimulada pela concorrência de mercadorias e empresas estrangeiras. Em 1994 essa política econômica de liberalização foi reforçada e conectada a um plano de combate da inflação. O Plano Real procurou consolidar esse novo modelo de liberalização econômico financeira e montou em cima disso um programa de combate a inflação. Nesse panorama que vai se definindo a partir do início dos anos 90, a discussão gira em torno do novo modelo econômico que vem sendo implantado no Brasil. De um lado estão os economistas alinhados com o modelo liberalizante, muitos dos quais RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 49/67 estiveram diretamente envolvidos na montagem e operacionalização do Plano Real, como Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Francisco Lopes. Do outro lado estão os críticos a esse modelo, como Paul Singer, Francisco de Oliveira, Aloízio Mercadante, João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, Paulo Nogueira Batista Jr. Numa terceira categoria, estão os economistas que aceitam o programa de liberalização com ressalvas. São eles Antônio Delfim Netto, João Sayad, José Serra, Yoshiaki Nakano, Fernando Holanda Barbosa, Afonso Celso Pastore. Não cabe aqui fazer uma análise exaustiva do novo modelo econômico que foi implantado no Brasil nos anos 90 e sua crítica, por que, dada a sua extensão e 59 complexidade, mereceria um novo trabalho . Entretanto vamos abordar alguns aspectos relevantes da nova estratégia econômica e analisar as principais críticas. De modo geral não há nenhum crítico do modelo de liberalização, dentre os economistas mencionados, que pregue uma volta ao modelo desenvolvimentista do passado. Pode-se afirmar que reúne consenso entre os economistas a necessidade de uma reforma do Estado no Brasil, com o desmonte do Estado paternalista e patrimonialista do tempo dos militares. As divergências começam quando se define que tipo de reforma essas correntes defendem. Os partidários do modelo liberalizante, que assumiram a gestão econômica do país a partir de 1990, promoveram a redução dos mecanismos de intervenção estatal em toda a sua extensão. Desregulamentaram a economia eliminando a política industrial e agrícola; reduziram a interferência do governo na determinação de preços e salários; privatizaram boa parte do setor produtivo estatal e, enfim, procuraram transferir para o mercado os principais mecanismos de organização econômica. Para completar, foram eliminadas as barreiras protecionistas e a economia brasileira foi franqueada ao fluxo de mercadorias e capitais estrangeiros, que passaram a ter livre 59 Além disso, as entrevistas realizadas na primeira pesquisa com 13 economistas não versou sobre o novo modelo econômico e o Plano Real, que ainda estava em seus começo. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 50/67 acesso, inclusive ao mercado financeiro. O capital externo tornou-se um elemento imprescindível no quadro do novo modelo, seja para viabilizar as privatizações e alavancar os investimentos, seja para equilibrar a balança de pagamentos, que passou a sofrer a pressão de um grande déficit de transações correntes. Nesse contexto, a abertura externa jogou um papel importante na estratégia de combate a inflação, a medida em que expunha o empresário brasileiro ao intenso bombardeio de mercadorias importadas, cujos preços foram rebaixados pela sobrevalorização cambial. Submetida a ampla competição, a indústria nacional seria obrigada a decifrar o enigma da produtividade e da eficiência, para não ser devorado pelos fortes competidores externos. Nesse contexto, podemos entender melhor onde se encaixa a sobrevalorização cambial, que longe de ser um mero acidente de percurso ou um desvario de um certo diretor do Banco Central, fez parte da estratégia de manter uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos produtores brasileiros. Gustavo Franco assumiu a mal afamada sobrevalorização cambial como uma decisão de governo, tomada pelo núcleo duro da equipe econômica. Na verdade é bastante improvável que um simples diretor do Banco Central tivesse a autoridade de adotar uma medida com tamanha repercussão sobre a economia brasileira, a revelia do ministro da Fazenda, do presidente do Banco Central e do presidente da República. Na incerta missão de derrubar uma inflação crônica e resistente como a brasileira, valia tudo, inclusive uma medida que viria ameaçar futuramente as bases da própria estabilidade. As desvantagens do câmbio sobrevalorizado, que castigavam os produtos made in Brasil, seriam compensadas pelos saltos de competitividade e redução dos custos que se verificariam nos próximos anos, conforme defendeu incansavelmente o então secretário de política econômica do ministério da Fazenda José Roberto Mendonça de Barros. Esse suposto aumento de eficiência da produção brasileira seria suficiente para baratear as exportações e reverter o déficit comercial, que apareceu logo no primeiro ano do Plano Real. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 51/67 Perguntado se era responsável pela política cambial do Real e da sobrevalorização, Gustavo Franco respondeu que “várias coisas ficaram por minha conta e todas elas de responsabilidade coletiva. Nada foi feito individualmente. A mim cabia a responsabilidade formal pela política cambial e coube executa-la. Eu tive o papel mais relevante em conceber, mas todos (da equipe econômica) participaram, entenderam e concordaram. Eu acabo assumindo pessoalmente a responsabilidade, talvez por temperamento ou por estar na linha de frente do Plano. E quanto a história da sobrevalorização, você sabe que a taxa de câmbio tem que cair, porque você vai transitar de um equilíbrio macroeconômico para outro, aonde você vai ter inflação menor, déficit em conta corrente maior. Portanto vai haver defasagem cambial sim. Ou seja você vai cair de uma taxa cambial que você estava para uma mais baixa. Quanto vai cair? Deixamos o mercado estabelecer. Tivemos uma experiência de taxa flutuante no começo do Plano e ela resultou em fazer um acerto que alguns acham que foi excessivo. Então, o problema é o seguinte: como seria se tivesse sido diferente? Como seria se, ao invés de o dólar ter caído para R$ 0,83, tivesse ficado parado. Acho que a cesta básica ia cair 4% em julho, ia cair 4% em agosto e a inflação ia ser 3% ou talvez ela fosse 12%. Como é que seria se a inflação fosse 12% no primeiro mês? Será que poderíamos defender no Congresso a desindexação da economia e passar o reajuste salarial, que era diário, para anual, com a inflação no primeiro mês de 12%? Então, essa história da política cambial, me lembra um pouco o camarada que diz assim: ‘olha aqui, legal, você matou o leão com um tiro certeiro. Mas você cometeu um erro: você usou a arma de fogo. Não pode! Tem que ser sem arma.’ Sempre será RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 52/67 uma questão controversa se se fez mais, ou de menos. Se foi na medida certa, se não 60 foi. Agora, é o seguinte: quem acha que foi errado, me diz então como é que faz!” Gustavo Franco alega que o real se valorizou porque o governo permitiu a flutuação da taxa cambial a partir da grande oferta de dólares que se deu no início do real. Entretanto, porque não permitiu que o real se desvaloriza-se quando se deu a saída de dólares? Para Franco, aqueles dois primeiros meses do Real foram atípicos. “Não foram meses onde propriamente a taxa de juros atraiu capitais, como normalmente atrai em condições de economia estável. Ou seja, havia uma taxa de juros nominal interna alta, mas também uma taxa de juros externa na forma do retorno dos títulos da dívida externa também alta e dúvidas sobre o que iria acontecer com o câmbio. Então, o diferencial de taxa de juros não era propriamente estratosférica. Entrou muito capital especulativo como a taxa de câmbio inclusive caindo. Mas podia ser o contrário. Você podia entrar e se lascar. Então, o assunto é mais complexo do que normalmente é colocado. E, depois, o tal refluxo não aconteceu. Só aconteceu mais na frente com o México. Foram refluxos que tiveram re-refluxos em seguida. Então, no fundo, a questão não é essa. A questão é: estamos no nível correto ou não? Temos uma política que corrige de forma não instabilizadora se não está no nível correto? Acho menos importante estar no nível correto ou não. Estar a 5%, 10% do nível correto é absolutamente irrelevante, se você sabe mais ou menos a direção que você tem que andar e está andando. Então, é mais ou menos o que a gente está fazendo hoje. Antes da crise da Ásia esse assunto estava quase morrendo.”61 60 61 Gustavo Franco, depoimento ao autor, op. cit. Idem, ibidem. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 53/67 Fica claro, portanto, que a sobrevalorização cambial cumpria um papel importante na estratégia antiinflacionária. A rigor era difícil saber qual seria a reação dos preços às medidas de estabilização. Nesse sentido a equipe econômica resolveu usar artilharia pesada contra a elevação de preços, e barateou as importações sobrevalorizando o real. Em outras palavras, resolveu arriscar menos com a inflação e mais com a balança de transações correntes. Fica claro também o papel de Gustavo Franco nesse processo, se bem tenha contado com o apoio do núcleo duro da equipe econômica. Fica difícil, entretanto entender o argumento de que, pelo menos em parte, foi o mercado que empurrou o câmbio para um patamar apreciado. A grande oferta de dólares que empurrou o real para cima se deveu menos a estabilização e mais as taxas de juros elevadíssimas que as autoridades monetárias arbitraram desde julho de 1994. Francisco Lopes, outro importante arquiteto do novo modelo econômico, explica a sobrevalorização cambial e defende-se de Rudinger Dornbush e outros críticos. “A apreciação da taxa de câmbio real acontece em todos os processo de estabilização. Não há nenhum caso de processo de estabilização com uma inflação crônica que não tenha havido uma apreciação da taxa de câmbio real. É claro que o processo de estabilização ideal é quando você tem uma hiperinflação. Por exemplo, a Alemanha em 23. Porque aí a taxa de câmbio real fica muito depreciada e a estabilização aprecia e você volta para o equilíbrio. Então, certamente, o melhor momento para se fazer um plano de estabilização de uma inflação crônica é depois dela ter gerado uma hiperinflação aberta. Que não foi o caso do Brasil. Então, a taxa de câmbio realmente se apreciou em termos reais. Agora, eu acho que a percepção que a sobrevalorização é o calcanhar de Aquiles do Real é equivocada. Porque eu acredito que a taxa de câmbio real é um fenômeno de mercado e não algo que possa ser controlado pelo Governo. E depois, nenhum governo e nenhum economista, nem mesmo o sr. Dornbush, tem capacidade de saber qual é a taxa de câmbio correta para qualquer país. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 54/67 Taxa de câmbio de equilíbrio é algo que o mercado estabelece. Então, acho que qualquer exercício do tipo: ‘ah, comparando hoje com junho de 94, aconteceu tal coisa’, acho esse exercício muito pouco útil e cada diferentes índices geram diferentes resultados e você quase que pode gerar qualquer resultado, desde um atraso de 40% a nenhum atraso. Estou dizendo que, dependendo do tipo de índice que você faça, você pode ter resultados muito diferentes. Você pega a taxa de câmbio real usando como deflator o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), você gera um resultado. Você pega a taxa de câmbio real usando como deflator o IPA e 62 gera outro resultado.” Entretanto, como explicar que ambos os índices que ele indicou apresentavam sobrevalorização? Ele argumenta que depende em relação a que período. “ Em relação a que ponto? Em relação a junho de 94? Não, necessariamente. Se você pegar, por exemplo, o IPC. Pega o câmbio e multiplica pelo IPC americano, divide pelo IPC brasileiro e faz um ajuste de produtividade. Multiplica por produto/hora no 63 Brasil e produto/hora nos Estados Unidos e não haveria sobrevalorização.” Supondo que esse raciocínio intrincado fosse válido para o dólar, o que dizer em relação a uma cesta de moedas, um parâmetro muito mais preciso para medir o nível cambial brasileiro, uma vez que reflete o conjunto de países com os quais o Brasil estabelece relações comerciais? Lopes responde que “o ponto que eu estou defendendo é o seguinte: eu acho que não é uma questão de engenharia. Acho que ninguém tem capacidade de dizer se a taxa de câmbio de equilíbrio hoje no Brasil é 10%, 40% ou 0% acima do que é hoje. E acho que o Governo não deve ter como objetivo de política uma meta para a taxa de câmbio real. Porque ele não sabe qual é a taxa de câmbio que deve ser buscada. Então, o que você tem no Brasil hoje é um processo em que a taxa de câmbio nominal tem um deslizamento ao longo do tempo e o que você vê ocorrendo é que a 62 63 Francisco Lopes, depoimento ao autor, op. cit. Idem, ibidem. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 55/67 inflação, por exemplo do IPC, começa a correr abaixo da taxa de desvalorização cambial. Na verdade, se você pegar a taxa de câmbio real em relação ao dolar usando os IPCs: americano e brasileiro, nos últimos 12 meses, você depreciou a taxa de câmbio real em 5%. Eu diria que a concepção do Plano Real hoje é a seguinte: o ajuste da taxa de câmbio real é algo que está sendo produzido expontaneamente pelo sistema de preços, pelo próprio mecanismo de mercado. E a evidência disso é que você tem no Brasil hoje (refere-se a 1997) um IPC de 4%, uma desvalorização cambial nos últimos 12 meses de sete e pouco e uma inflação americana de 2%. A soma de desvalorização cambial mais a inflação americana esta próxima de 10%. Você tem um IPC de 4,5%. Então, você está ganhando 5% ao ano. Então, esse é um processo de correção automática . É o sistema econômico que está fora do equilíbrio de câmbio real voltando ao equilíbrio de câmbio real. Esse é um processo endógeno, ele não depende do que faz com o câmbio nominal. Então, a estratégia de política cambial é essa: nós acreditamos que mantendo o regime como está e dado um tempo suficiente, o próprio sistema econômico faz a convergência para o equilíbrio. Nós não temos idéia de onde esta esse equilíbrio. Ninguém é capaz de dizer se em relação a posição de hoje o câmbio de equilíbrio é 10% mais desvalorizado ou 20%.”64 Certamente não há unamidade quanto ao câmbio de equilíbrio no Brasil. Porém, os débitos comerciais são um forte indício de que ele esta desalinhado. Segundo Francisco Lopes “os débitos comerciais acusam o seguinte: como houve uma apreciação do câmbio real e adicionalmente uma abertura da economia, aliás, um processo que começou em 92 e não em 94, com os problemas das importações, é evidente que esse processo antecede o Real. Eu diria: a abertura mais o Plano Real certamente mudaram a taxa de câmbio de equilíbrio. 64 Idem, ibidem. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 56/67 O fato que nós estamos fazendo uma desvalorização de 7% e com uma inflação de 4% (em 1997) e mais um deficit comercial, sugere que o câmbio está fora de equilíbrio. Agora, onde é esse equilíbrio ninguém sabe! Mais 5% ou mais 10%. Ninguém sabe! Eu não acho que isso seja o calcanhar de Aquiles. Acho que essa é uma fase de um processo de ajustamento que ocorre ao longo do tempo. É uma opção de política. É um pouco aquilo que ocorre quando se pratica um congelamento. A saída ideal do congelamento é não precisar sair dele. E nesse sentido, eu diria que a saída ideal da valorização é endógena: é o próprio mercado tem que fazer a correção na taxa de câmbio e me parece que está ocorrendo. Claro! é um processo longo. É um processo que leva alguns anos. Você tem que se sustentar. Você tem que viabilizar o processo. Para isso, você precisa de reservas elevadas e uma série de condicionantes para isso.”65 Os críticos da liberalização econômico financeira aqui entrevistados apresentaram várias objeções a esse modelo. A crítica maior porém recaiu sobre a abertura indiscriminada e a sobrevalorização cambial, com suas consequências sobre a balança de transações correntes e a política de juros altos, que abalaram os fundamentos econômicos brasileiros. Convém ressaltar que a maioria dos economistas brasileiros não apresentou maiores objeções a realização de uma certa abertura da economia brasileira. Porém, sem os exageros cometidos e com os devidos anteparos de algumas barreiras tarifárias e não tarifárias, que mesmo o mais livre cambista dos países costuma preservar. João Manuel Cardoso de Mello não vê nenhum engenho em derrubar a inflação inundando a economia com importações baratas e bancando o déficit de transações correntes com capital externo abundante. Difícil é sustentar esse esquema quando o credito fácil se evapora e chega a hora de pagar a conta. Ai a desvalorização cambial torna-se uma questão de tempo, profetiza o autor de O Capitalismo Tardio. 65 Idem, ibidem. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 57/67 Singer atribui “a sobrevalorização do real ao afã e a incerteza de se o plano de estabilização iria funcionar. Então, eles permitiram que o real se sobrevalorizasse para garantir o influxo de mercadorias realmente baratas, para, através de um choque estabilizador, quebrar a inércia inflacionária e foi brilhantemente conseguido. Mas deixou esse legado (um enorme déficit de transações correntes) que já foi muito ruim nesses 3 anos e meio. Acho que a desvalorização suave do real, que o governo esta fazendo hoje, deveria ter começado em 95 e sido feita com mais vigor para não acumular essa imensa dívida externa que nós estamos acumulando. Ela já é perigosamente alta. No ano de 1997 vamos aumentá-la entre 66 33 e 35 bilhões de dólares.” De acordo com Barros de Castro “Não foi o Plano Real que fez a liberalização. Isso foi feito basicamente pelo Marcílio (Marques Moreira) em 91 e 92. A liberalização vem do final de 89, e se intensifica muito com o Collor. E o Plano Real - não é que ele tenha aumentado propriamente a liberalização – sintonizou o Brasil com a onda, com a maré enchente da liquidez internacional, que até então estava inibida pela balbúrdia inflacionária do Brasil. Então, o Plano Real abriu as portas ao capital externo. Praticamente foram as mesmas instituições, as mesmas leis, mas com a estabilidade. Agora, ao fazer isto, inegavelmente, concretíssimamente, submeteu o Brasil a uma instabilidade pela qual já começamos a pagar um preço elevadíssimo. Nós já estamos pagando. Se há coisa que se sabia desde sempre é que a abertura financeira do balanço de capitais é instabilizante. O Eugênio Gudin, pai do liberalismo econômico brasileiro, nas suas aulas nos velhos tempos da faculdade de economia, advertia severamente quanto aos perigos da abertura do balanço de capitais, sobretudo aos capitais de curto prazo. Mas por aí afora na América Latina sabia-se perfeitamente disso. Tem um artigo clássico da velha guarda que fala desses capitais como paraguas loco, guarda-chuva louco. Por que louco? Porque fecha quando chove e abre quando faz sol. Então isso já fazia parte do anedotário. É claro que há idéias e pretensas teorias dizendo que 66 Paul Singer, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 58/67 tudo teria mudado contemporaneamente. No novo capitalismo não haveria nada disso. Bobagem! Eu me sinto muito a vontade para dizer isso porque, antes do lançamento do Plano Real, em maio 94, no Fórum do João Paulo dos Reis Velloso, eu reivindico como uma das mudanças fundamentais o controle dos capitais de curto prazo. Porque eu previa que ia haver um estouro da boiada para dentro do Brasil. Você tinha que peneirar isso. Segurar isso. Então me sinto inteiramente à vontade. Seguramente isso inspirou mais uma daquelas notinhas de que o “Professor” teve uma recaída intervencionista. Mas, a verdade que isso não é surpresa. A surpresa para mim é que tenha gente que se surpreenda. A instabilidade é inerente a esse modelo. O Keynes, falando de algo semelhante, dizia o seguinte: a especulação não é problema quando ainda ela é uma bolha numa corrente de negócios. Mas há situações em que os negócios se tornam uma bolha na corrente da especulação. Aí é dramático. Você não pode entrar. Enfim, tudo isso é bastante conhecido. Eu diria que o Brasil aprendeu. Quer dizer, o Brasil teve algum aprendizado. Nós deixamos de utilizar a tecnologia chilena, que é avançadíssima e sofisticadíssima de controle de capitais, sob o pretexto que ela não funciona. Mas, na verdade, há fortes indícios que, em boa medida, ela funciona. Então, tudo isso contribuiu para que o Plano Real nunca mais se recupere dessa tara inicial que é o seu pecado capital, que é aquela ridícula valorização cambial do primeiro mês do Real. Não foi prevista. Não foi desejada. Não foi nada. Não faz parte da arquitetura conceitual do Plano. Depois improvisaram várias racionalizações. O Gustavo Franco foi particularmente fecundo na criação de supostas teorias, justificativas ou racionalizações, digamos assim, mas tudo isso virou pó, digamos aí por 97”. 67 Não é surpresa que Paul Singer, Francisco de Oliveira, Antônio Barros de Castro, João Manuel Cardoso de Mello, Aloízio Mercadante e mesmo João Sayad critiquem a armadilha do câmbio sobrevalorizado e do juros alto, que criou uma dependência de capitais voláteis para fechar o balanço de pagamentos brasileiro. A surpresa fica 67 Antônio Barros de Castro, depoimento ao autor, op. cit. RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 59/67 por conta de José Serra que, enquanto ministro do Planejamento do primeiro governo FHC, compartilhou, pelo menos em parte, as responsabilidades da gestão econômica, porém não se furtou de explicitar aqui suas profundas divergências com seus ex-colegas da Esplanada dos Ministérios, que eram abafadas quando ele estava naquele cargo. Com a autoridade de quem já propôs a abertura comercial desde 1984, no programa de governo de Tancredo Neves que ele coordenou, Serra critica a abertura excessiva, feita por Collor de Mello, ao estilo da carga da cavalaria antiga, muito rápida e mal feita, e que em grande medida foi continuada por Itamar e pelo governo FHC. O acordo de Ouro Preto, firmado no final de 1994, fez inexplicáveis concessões aos parceiros do Mercosul e representou a renúncia do Brasil a uma política comercial autônoma. Porém, sua maior recriminação vai para a sobrevalorização cambial, o equivoco número um e foco de vários problemas que a economia brasileira esta enfrentando na atualidade. A semelhança de outros economistas mencionados Serra considera a sobrevalorização cambial como a causa principal do déficit público brasileiro, pois foram os desequilíbrios que ela ocasionou nas transações correntes que obrigou o governo a manter os juros elevados para atrair capital e cobrir o buraco das contas externas. Além do custo de carregamento de um montante muito elevado de reservas, que se tornou necessário diante da vulnerabilidade do modelo. De acordo com as palavras eloquentes de Serra, “o erro do câmbio teve três características: foi cometido gratuitamente, pois era fácil prever o que aconteceria; segundo, suas conseqüências foram bastante adversas; terceiro, é muito difícil de corrigir. O câmbio sobrevalorizado se introjetou na estrutura econômica, criou novas regras de jogo, os compromissos fiscais dolarizados do governo cresceram muito, etc. A esta altura, no final de 1997, não se pode fazer uma mudança brusca no câmbio. A correção futura do problema, se for feita não pelo mercado mas mediante uma política administrada, vai exigir condições econômicas domésticas e RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 24/1999 EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 60/67 externas, além de condições políticas, que não estão hoje presentes. E, tenhamos em 68 mente, sempre trará perturbações a curto prazo.” Para além dos problemas específicos que hoje perseguem o Plano Real, cabe se perguntar, como derradeira reflexão, se a sobrevalorização cambial, a abertura comercial excessiva, a demasiada confiança depositada no mercado, a ausência de política industria e agrícola, assim como a liberalidade dada aos capitais especulativos de curto prazo e outros problemas afins, são pecados mortais, que condenam o Plano Real ao fogo do inferno, ou se podem ser corrigidos a tempo de evitar mais uma penosa crise da economia brasileira. Uma coisa é certa. Na esteira da crise mundial, que se iniciou com a crise asiática de 97 e se amplificou com o tombo da Rússia de 98, o novo modelo econômico brasileiro e a forma de inserção do Brasil na globalização que ele determinou exigem importantes correções de rota. Em que medida o pensamento econômico brasileiro esta equipado para responder a esse novo desafio? VII. 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