2 • Conjuntura Internacional • Belo Horizonte,
ISSN 1809-6182, v.18 n.3, p.9 - 21, dez. 2021
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Artigo
Continuidades entre as políticas externas
de Biden e Trump para Palestina/Israel
Continuities between Biden and Trump’s foreign policies for Palestine/Israel
Continuidades entre las políticas exteriores de Biden y Trump para Palestina/Israel
Bruno Huberman1
Reginaldo Nasser2
RESUMO
Biden tem reduzido a importância de Palestina/Israel aos EUA. O governo manteve as
políticas favoráveis aos israelenses promovidas por Trump que alteraram a geopolítica do
Oriente Médio sob a pressão do lobby e do governo israelenses. As medidas aos palestinos
têm contribuído para pacificar as suas reivindicações de libertação nacional.
Palavras-chave: Governo Biden; Palestina/Israel; Oriente Médio.
ABSTRACT
Biden has reduced the importance of Palestine/Israel to the US. The administration
maintained the pro-Israeli policies promoted by Trump that altered the geopolitics of the
Middle East under pressure from the Israeli lobby and government. The measures to the
Palestinians have contributed to pacify their demands for national liberation.
Keywords: Biden administration; Palestine/Israel; Middle East.
RESUMEN
Biden ha reducido la importancia de Palestina/Israel para Estados Unidos. La
administración mantuvo las políticas pro-israelíes promovidas por Trump que alteraron la
geopolítica de Medio Oriente bajo la presión del lobby y el gobierno israelí. Las medidas a
los palestinos han contribuido a pacificar sus demandas de liberación nacional.
Palabras clave: Administración Biden; Palestina/Israel; Oriente Medio.
INTRODUÇÃO
Durante o governo Donald Trump (2016-2020), as relações entre Israel e EUA possivelmente passaram pela maior transformação desde que a “amizade especial” entre os países foi selada
pelo estadunidense Lyndon Johnson e o israelense Levi Eshkol após a vitória de Israel na Guerra
1 Prof do curso de Relações Internacionais da PUC (SP). Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-
-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP). Vice-Coordenador do GECI (Grupo de Estudos sobre
Conflitos Internacionais) e pesquisador do INEU (Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA).
bhuberman@pucsp.br
2 Prof Livre-docente na área de Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San Tiago
Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP). Coordenador do GECI (Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais) e
pesquisador do INEU (Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA). regnasser@pucsp.br
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dos Seis Dias, em 1967, contra Egito, Síria e
Jordânia. Contudo, até 2016, os EUA sempre
buscaram fazer um contrapeso em relação aos
palestinos e às suas reivindicações de libertação
nacional. Os EUA têm sido críticos da ocupação israelense dos territórios palestinos da Cisjordânia e Gaza, que viola a lei internacional, e
defensores ativos de uma solução de dois Estados. Trump foi o primeiro líder a acabar com
qualquer forma de mediação com os palestinos
e assumir uma posição radicalmente favorável
aos israelenses.
O que o presidente Joe Biden (2021- )
tem feito em seu governo é manter o status quo
estabelecido pelo seu antecessor sem qualquer
tipo de contrapeso relevante em relação aos
palestinos. As ações estadunidenses têm se caracterizado por simbolismos que são incapazes
de alterar a balança de poder na direção do respeito dos direitos humanos dos palestinos. Isto
é, na relação EUA-Palestina/Israel, entendemos
que há mais continuidades do que descontinuidades na mudança de governo, apesar de Biden
ter se apresentado como o anti-Trump durante
a campanha eleitoral. O fim do governo Benjamin Netanyahu (2009-2021) em Israel, substituído por uma coalizão liderada pelo direitista
Naftali Bennett (2021-2022), tampouco significou qualquer mudança relevante. O retorno
de Netanyahu em 2022, na liderança de uma
coalizão com partidos de extrema-direita, consolidou o projeto ultranacionalista de colonização dos territórios palestinos.
Entre as razões para a continuidade do status quo, destacamos: i – pela primeira vez, no
pós-Guerra Fria, ocorre a perda relativa de importância do Oriente Médio na política externa
dos EUA, em que se prioriza o Leste Asiático,
particularmente a China, e o Leste Europeu,
onde ocorre a Guerra Rússia-Ucrânia; ii – as al-
terações na geopolítica do Oriente Médio promovidas por Trump, que aproximaram Israel
de alguns países árabes, e isolaram ainda mais
os palestinos; e iii – a força do lobby israelense nos EUA, que contém o impacto de forças
progressistas favoráveis aos palestinos que ajudaram a eleger Biden.
Neste artigo iremos analisar cada uma
dessas razões com o objetivo de compreender
a transição promovida pelo governo Biden nas
relações dos EUA com Palestina/Israel. Entendemos que a gestão do democrata revela a
semelhança com os republicanos quando o assunto é a Questão Palestina e contribui para
derrubar o véu progressista que caracterizou
as gestões democratas de Bill Clinton (19932000) e Barack Obama (2009-2016), responsáveis por alimentar ilusões de que os EUA
poderiam ser verdadeiramente comprometidos
com a independência da Palestina.
Quando vice-presidente de Obama, Biden afirmou que “[s]e não houvesse um Israel,
teríamos que inventar um para garantir que
nossos interesses fossem preservados. [...] O
apoio da América para a segurança de Israel é
inabalável» (Daily News, 2013). Um declarado
apoiador de Israel, Biden visitou o país mais de
dez vezes em suas cinco décadas como político
(Sommer, 2022).
A POLÍTICA EXTERNA DE BIDEN
PARA PALESTINA/ISRAEL
A administração Biden tem se caracterizado pela grande atenção às questões de política doméstica, como o combate à pandemia
de Covid-19 e investimentos em infraestrutura
para aquecer a economia. No plano externo, a
agenda ambiental tem ganhado destaque, enquanto as preocupações de segurança se trans-
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feriram para China e Rússia — os embates com
os russos mudaram de teatro de operações:
da Síria para a Ucrânia. No Grande Oriente
Médio (Amineh, 2007), Biden tem mantido
a estratégia de Trump de diminuir a presença militar dos EUA. A ação mais notável foi
a apressada retirada das tropas do Afeganistão
em 30 de agosto de 2021, mas que na verdade
já estava estabelecida desde o governo anterior.
A desocupação estadunidense depois de vinte
anos ocorreu diante do avanço das forças do
Taleban, que tomou Cabul e instalou um novo
governo sob o apoio de Irã, China e Rússia. Biden mantém ainda unidades militares de treinamento no Iraque para combater o Isis (Estado Islâmico do Iraque e da Síria).3 Na Síria, um
número similar de tropas também atua contra
o Isis, apoia as forças aliadas curdas, defende
campos de petróleo e contribui para a defesa da
fronteira com Israel (Rudaw, 2022).4 Uma série de ataques aéreos por EUA e Israel também
são constantemente realizados na região.
O boicote econômico imposto pelos EUA
e aliados à Rússia têm provocado importantes
desdobramentos na economia política internacional. A queda na circulação de mercadorias
russas nos circuitos ocidentais, particularmente
do petróleo, é uma das razões pelas quais a inflação global cresceu em 2022, obrigando o Fed
(Banco Central dos EUA) a aumentar os juros
e esfriar a economia estadunidense (Reuters,
2022). A primeira medida de Biden foi suspender as sanções à Venezuela e permitir que
empresas europeias voltassem a comercializar
3 Os EUA já haviam desocupado o Iraque em 2011
depois da invasão de 2003 e retornaram em 2015.
4 Após aumentar o envolvimento estadunidense na Sí-
ria no início de seu mandato, Trump ordenou uma
retirada parcial das tropas no final de 2018, o que permitiu o avanço de forças russas, síria, iranianas e turcas
sobre áreas antes controladas pelos EUA e seus aliados.
petróleo com o país para compensar a ausência do óleo russo (Estanislau, 2022). Contudo,
para influenciar no preço do barril de petróleo,
os EUA precisam de uma ação mais robusta na
política energética, o que passa pelas suas relações com o Oriente Médio, especialmente a
Arábia Saudita.
Na campanha de 2020, Biden afirmou que
a Arábia Saudita deveria ser tratada como um
Estado “pária” e que seria duro com o país diante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi
na embaixada saudita na Turquia, em 2018
(Baker; Hubbard, 2022). No início do mandato, Biden se afastou dos sauditas e não recebeu
o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman.
O presidente estadunidense buscou reconstruir
a relação com os sauditas em sua primeira viagem ao Oriente Médio em julho de 2022, com
paradas na Arábia Saudita, Israel e os Territórios
Palestinos Ocupados (TPO). Contudo, Biden
não conseguiu um compromisso dos sauditas e
viu a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep) diminuir a produção global de
petróleo, jogando os preços dos combustíveis
para cima (Aljazeera, 2022b). Apesar dos EUA
terem desenvolvido novas fontes energéticas, os
preços de petróleo e gás continuam a pressionar
a inflação global e a estabilidade socioeconômica de suas alianças europeias na guerra contra
a Rússia. É nesse contexto em que se situa as
relações dos EUA com Palestina/Israel.
Biden prometeu restabelecer as relações
com Palestina/Israel dentro de uma suposta
normalidade anterior a Trump. Contudo, os
primeiros anos da sua administração se caracterizaram por ações meramente simbólicas em
relação aos palestinos. Os EUA retomaram a
contribuição, encerrada por Trump, à UNRWA
(Agência das Nações Unidas de Assistência aos
Refugiados da Palestina) no valor de US$ 150
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milhões — metade do que destinava até 2018
—, essencial ao auxílio dos refugiados palestinos no combate à pandemia de COVID-19
(Jansen, 2021). No entanto, silenciaram sobre
as restrições impostas pelos israelenses à vacinação nos TPO, o que prejudicou o combate
à pandemia (Agostinelli, 2021). Além disso,
os democratas restabeleceram as relações com
a OLP (Organização pela Libertação da Palestina) cortada pelo ex-presidente republicano,
reservaram US$ 75 milhões para projetos humanitários em 2021, e deram início, em 2022,
ao Middle East Partnership for Peace Act, projeto de 2020 que destina à USAID US$ 250
milhões durante cinco anos para iniciativas
de coexistência entre israelenses e palestinos
(USAID, 2022). Contudo, Biden não reabriu
a representação da OLP em Washington e tampouco o Consulado dos EUA em Jerusalém
para tratar com a AP (Autoridade Palestina),
ambos fechados por Trump, por causa da pressão exercida por Bennett.
Com exceção da permissão de reunião familiar entre palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e da expansão da rede de telefonia
móvel nos TPO, que somente em 2021 passou a contar com rede 4g após anos bloqueada
pelos israelenses, os demais pedidos palestinos
têm sido negados: medidas mais efetivas para
impedir a presença militar israelense em áreas A
da Cisjordânia, onde está presente a autoridade civil e militar da AP; a paralisação da construção de assentamentos israelenses; a soltura
de prisioneiros políticos palestinos; e acesso da
AP a Allenby Bridge, que conecta Cisjordânia
a Jordânia, única via de saída dos palestinos ao
exterior. O presidente da AP, Mahmoud Abbas,
teve que esperar quatro meses para conseguir
um telefonema com Biden após a sua posse
(Khoury, 2022).
Biden manteve o reconhecimento por
Trump da soberania israelense sobre a Jerusalém Oriental e as Colinas de Golã em contrariedade à lei internacional (Falk, 2021), e a
adoção dos EUA da definição de antissemitismo da International Holocaust Remembrance
Alliance na qual críticas a Israel são entendidas como formas de racismo anti-judeu (Arria,
2021). Sob críticas de setores progressistas do
Partido Democrata, principalmente de parlamentares do DSA (Democratic Socialists of
America), Biden culpou exclusivamente o Hamas pelos bombardeamentos israelenses a Faixa
de Gaza em maio de 2021 e defendeu o direito de Israel se defender de forma assimétrica
por meio de ataques aéreos (Weiss, 2021a); no
mesmo mês, anunciou a venda de US$ 735 milhões em armas para Israel (Zengerle, 2021);
doou US$ 1 bilhão para o Iron Dome, o sistema de defesa aéreo israelense, além dos US$
38 bi anuais já destinados a Israel em ajuda militar (Weiss, 2021c); não contestou a decisão
do governo israelense de enquadrar seis ONGs
palestinas de direitos humanos envolvidas na
luta anti-apartheid como organizações terroristas, o que tem dificultado o seu financiamento
internacional (Arria, 2022); e não pressionou
por uma investigação independente do assassinato da jornalista palestina-estadunidense Shireen Abu Akleh por um sniper israelense em
maio de 2022 (Harb, 2022), isto é, não buscou
punição pelo assassinato de uma cidadã dos
EUA. Além disso, o presidente dos EUA tem
encontrado resistência israelense para retomar
as negociações de um acordo nuclear com o Irã
abandonado por Trump. “Nós nos tornamos
amigos próximos”, disse Biden durante a visita
de Bennett aos EUA em 2021 (Weiss, 2021b).
Segundo oficiais da AP, os EUA pediram
aos palestinos que aguardassem um fortaleci-
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mento do governo Bennett — que nunca veio
— para retomar as negociações. O Conselho
Nacional Palestino inclusive autorizou Abbas
a pôr fim à cooperação de segurança com os
israelenses e ao reconhecimento de Israel para
pressionar por um avanço nas conversas, mas
nada foi feito (Khoury, 2022). Em junho de
2022, a coalizão de Bennett ruiu para não suspender a lei que estende a legislação civil israelense aos colonos judeus nos TPO sem que
nenhum passo fosse dado na direção da conciliação com os palestinos. Embora derrotado
eleitoralmente, o projeto de Trump e Netanyahu tem se mostrado vitorioso ao estabelecer
um novo parâmetro para um acordo político
fundado sobre o reconhecimento da expansão
das fronteiras coloniais israelenses ao custo de
vidas e terras palestinas, isolando ainda mais os
palestinos internacionalmente.
Nesse sentido, julgamos que os Acordos
de Abraão (2020), que normalizou as relações
de Israel com EAU (Emirados Árabes Unidos),
Bahrein, Sudão e Marrocos, são fundamentais
para entender essa nova conjuntura. A normalização das relações de Israel com países da
região, Egito, em 1979, e Jordânia, em 1994,
ocorreram com contrapartidas aos palestinos,
diferentemente dos acordos feitos por Trump
e Netanyahu em 2020. Embora as elites árabes
tenham reivindicado que a aproximação com
Israel significaria um passo para a paz e de reconhecimento de um Estado palestino, o que tem
se observado é o estreitamento das relações econômicas e militares com Israel em detrimento
dos palestinos. Por exemplo, as relações Israel e
Emirados Árabes Unidos (EAU) têm florescido
nos últimos dois anos: empresas high-tech israelenses passaram a investir no país e milhares
de turistas israelenses têm visitado Dubai (AFP,
2021); a realização de exercícios militares em
Israel contou com a participação de jatos emiradenses (Aljazeera, 2021); e em 2022, EAU
e Israel selaram um acordo de livre comércio
(Aljazeera, 2022a). Em março de 2022, diplomatas do Egito, Marrocos, Bahrain, UAE,
EUA e Israel se reuniram na Cúpula do Negev,
em Israel, para discutir a possibilidade de uma
aliança militar que poderia ainda contar com
Jordânia, Arábia Saudita e Iraque. Apelidada de
“Otan do Oriente Médio”, a aliança regional
serviria para confrontar o “Irã e as suas milícias associadas”, afirmou o então ministro das
Relações Exteriores, Yair Lapid (Smartencyclopedia, 2022). Apesar de ainda estar na agenda a
normalização das relações entre Israel e Arábia
Saudita, não há qualquer tipo de tensionamento entre eles.
Com uma aproximação dos aliados dos
EUA no Oriente Médio a partir da expansão de
projetos econômicos de inspiração neoliberal e
uma estratégia de confrontação ao Irã, tem se
avançado os objetivos políticos e econômicos
do início dos anos 1990, quando almejava-se
construir uma área de livre comércio em todo
o Grande Oriente Médio a partir dos Acordos
de Oslo (1993-95). O comércio entre Israel e
as nações árabes que firmaram os Acordos de
Abrãao excederam US$ 2,8 bilhões de dólares em 2022, particularmente no setor militar
e de cibersegurança (MEMO, 2023). E, nesse
momento, sem qualquer tipo de resolução da
Questão Palestina, como sempre desejaram os
israelenses. Enquanto isso, os palestinos ficam
presos aos mecanismos de statebuilding erguidos
em Oslo e mantidos por doações internacionais,
particularmente dos EUA (Haddad, 2016).
Contudo, a normalização das relações entre Irã e Arábia Saudita, em acordo mediado
pela China em fevereiro de 2023, mina as pretensões geopolíticas israelenses. Já as revoltas
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sociais entre os israelenses judeus por causa da
tentativa de Netanyahu reformar o Judiciário
para ampliar os seus poderes mancha a reputação de Israel como supostamente a “única
democracia do Oriente Médio”. Os ataques
violentos por colonos ultranacionalistas contra
palestinos, como no pogrom promovido no vilarejo de Huwara em fevereiro de 2023, aprofunda a crise de legitimidade do Estado e do
governo israelenses.
A QUESTÃO PALESTINA/
ISRAEL NA POLÍTICA INTERNA
DOS EUA
Biden foi eleito com um amplo apoio de
integrantes dos movimentos palestino, negro,
indígena e do DSA envolvidos na campanha por
BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções) a
Israel, e que almejavam uma transformação
nas relações dos EUA com o Oriente Médio.
Os principais fatores internos para a frustração
dos setores progressistas da base democrata são
o lobby israelense e o eleitorado judeu. Mearsheimer e Waltz (2008) reivindicam que a razão
fundamental para o apoio incondicional dos
EUA a Israel seria o lobby israelense formado
por grupos judeus, israelenses, evangélicos e
neoconservadores que exercem influência nos
corredores de Washington e na mídia estadunidense. Embora certamente este lobby tenha um
papel fundamental para a forma como a aliança
é construída, não é a única variável: as questões geopolíticas do Oriente Médio e a política
energética dos EUA também possuem grande
relevância, como notamos acima.
Muitos relacionam o lobby israelense com
grupos conservadores vinculados ao Partido
Republicano, em particular o Aipac (American
Israel Public Affairs Committee), que nos anos
Obama e Trump assumiu uma posição mais
ostensivamente favorável aos republicanos por
causa das políticas divergentes destes presidentes ao programa nuclear iraniano. Contudo, o
lobby é heterogêneo e historicamente tem uma
ação bipartidária. Os judeus são, ao lado dos
afro-estadunidenses, o grupo mais simpático aos
democratas do país. Aproximadamente 75%
da comunidade judaica se considera democrata.
A aliança entre EUA e Israel foi historicamente
defendida pelos democratas a partir da defesa
de valores liberais, democráticos e o respeito às
minorias. A aproximação dos republicanos com
Israel ocorreu a partir da ascensão dos neoconservadores nos anos 1980, e do fortalecimento
de grupos evangélicos (Beinin, 2021).
No governo Biden, o Aipac perdeu espaço
para o movimento sionista liberal JStreet como
o principal lobby israelense nos corredores da
Casa Branca (Plitnick, 2022). O JStreet sustenta a manutenção da “amizade especial” entre as
nações, mas que passe a ser condicional, como
almejam setores mais à esquerda do Partido
Democrata. A organização defende que ao menos uma parcela da ajuda militar seja destinada
para a construção da paz com os palestinos.
A força do lobby israelense decorre da representação desproporcional dos judeus sionistas no
financiamento de campanhas eleitorais. Um estudo de 2015 demonstrou que os judeus doaram
50% de todo o dinheiro do Partido Democrata e
25% do Partido Republicano. Sheldon Adelson,
o maior doador republicano em 2012 e 2016,
é proprietário do maior jornal de circulação de
Israel e apoiador de Netanyahu. A família Clinton tem entre os seus principais financiadores
um empresário judeu cujo objetivo é acabar com
a campanha BDS (Beinin, 2021). O Aipac tem
atuado no financiamento a candidatos democratas e republicanos que sejam concorrentes de
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políticos defensores dos direitos dos palestinos.
Consequentemente, se um candidato tem uma
posição favorável a Israel, seja liberal ou conservador, tem maiores chances de conseguir financiamento com uma das organizações do lobby.
Dessa forma, o lobby israelense distorce na
esfera representativa as opiniões observadas nas
bases democratas e na comunidade judaica. Enquanto nenhum dos 25 parlamentares judeus têm
uma posição crítica a Israel, 20% da comunidade
judaica defende uma solução que acabe com o caráter judaico de Israel e 9% são contra o direito de
Israel existir, um número que cresce para 25% entre aqueles abaixo dos 40 anos. A pesquisa mostra
uma crescente alienação dos judeus estadunidenses em relação a Israel, com 37% não se sentindo emocionalmente conectados ao país (Jewish
Electorate Institute, 2021). Já aproximadamente
64% dos democratas têm visões mais favoráveis
aos palestinos, enquanto 78% dos republicanos
são mais favoráveis aos israelenses. Cerca de 61%
dos jovens estadunidenses favorecem os palestinos sobre os israelenses (Pew, 2022). Contudo, a
administração Biden não representa as posições
do seu eleitorado democrata.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O governo Biden para Palestina/Israel não
é, propriamente, uma antítese ao de Trump. O
democrata mantém as alterações fundamentais
na correlação de forças entre Israel e os palestinos feitas pelo republicano, e retoma, com
um status inferior, uma moderação com os
palestinos. De acordo com os parâmetros de
análise de política externa elaborados por Hermann (1990), a política externa de Biden para
Palestina/Israel pode ser entendida como uma
mudança de programa na qual mantêm-se os
objetivos, mas são utilizados outros meios.
A retomada da ajuda humanitária fez o establishment palestino consentir às mudanças substanciais promovidas por Trump e que sofriam
maior resistência no governo do ex-presidente
republicano. O enfraquecimento da moderação
externa liderada pelos EUA promove insatisfação
e revolta entre os palestinos, empurrando-os na
direção do abandono do caminho institucional
defendido pelo consenso internacional. Setores
crescentes da sociedade palestina têm reivindicado que o repúdio aos mecanismos de Oslo e o
retorno a uma opção mais radical seria a única
possibilidade real para a libertação nacional.
Essa mudança na posição dos EUA decorre da orientação política de Biden e da síntese
entre as posições contraditórias dos grupos mais
favoráveis a Israel e daqueles que sustentam a
ilusão da neutralidade entre israelenses e palestinos na sociedade estadunidense. Em menor
medida, as mudanças geopolíticas recentes no
Oriente Médio também desempenham um papel relevante. A alteração dos meios promovida
por Biden é fundamental para restabelecer o
papel dos EUA na manutenção da estabilidade
da ocupação dos territórios palestinos que impede a sua autodeterminação através de doações
que confinam o Movimento Nacional Palestino
à estratégia de statebuilding neoliberal como caminho para a libertação (Haddad, 2016).
Isto é, a administração do democrata é fundamental para manter o poder do establishment
palestino que se beneficia política e economicamente com a manutenção do status quo. O real
objetivo da ajuda humanitária estadunidense não
é a produção da paz, mas contribuir para a pacificação da sociedade palestina diante do avanço
das ambições coloniais israelenses. Contudo, a
radicalização das ações coloniais pela nova coalização de extrema-direita israelense pode minar os
esforços dos EUA de pacificar o conflito.
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