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MATEMÁTICA CONCRETA

Em recente artigo, Stephen Hugh-Jones tratou da "escrita na pedra" e da "escrita no papel", e de ambas como "diferentes modalidades indígenas de discurso e música". O traço fecundante dessa reflexão consiste em reunir em um mesmo campo "formas obviamente gráficas, como petróglifos, pinturas de casas, padrões de cestaria" e "características da paisagem, compreendidas em termos gráficos como marcas ou traços dos corpos de seres ancestrais e como signos de suas atividades, conforme foram se movendo pelo mundo", as modalidades da linguagem como a fala e o canto (Hugh-Jones, 2012: 139). 1 Começando com o nexo entre desenho e paisagem, Hugh-Jones afirma, aparentemente contra Bateson (2000: 180-185), que o território é o mapa. 2 Hugh-Jones acrescenta que seu foco será posto "mais na forma do que nos conteúdos", afirmação que deve ser entendida, à luz de sua aplicação ao material etnográfico, como o reconhecimento de que forma e conteúdo, ou melhor, forma e fundo, se alternam de maneira complementar (Hugh-Jones, 2012; ver Lagrou, 2007, 2012; Severi & Lagrou, 2013), mas também que por "forma" devemos entender esquematismos capazes de gerar muitas formas que correspondem a outros tantos conteúdos. Finalmente, argumenta Hugh-Jones, há uma continuidade entre essas formas de "escrita em pedra", escritas têxteis (como quipus) e escritas de cestos-e a abundante escrita em papel resultante da colaboração de brancos e índios nos anos recentes. Essa linha de pensamento conecta, de um lado, as escritas concretas na pedra e na paisagem, na

http://dx.doi.org /10.1590 /2238-38752015v534 I Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil mwba@uol.com.br Mauro W. B. Almeida I MATEMÁTICA CONCRETA sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 Em recente artigo, Stephen Hugh-Jones tratou da “escrita na pedra” e da “escrita no papel”, e de ambas como “diferentes modalidades indígenas de discurso e música”. O traço fecundante dessa reflexão consiste em reunir em um mesmo campo “formas obviamente gráficas, como petróglifos, pinturas de casas, padrões de cestaria” e “características da paisagem, compreendidas em termos gráficos como marcas ou traços dos corpos de seres ancestrais e como signos de suas atividades, conforme foram se movendo pelo mundo”, as modalidades da linguagem como a fala e o canto (Hugh-Jones, 2012: 139). 1 Começando com o nexo entre desenho e paisagem, Hugh-Jones afirma, aparentemente contra Bateson (2000: 180-185), que o território é o mapa. 2 Hugh-Jones acrescenta que seu foco será posto “mais na forma do que nos conteúdos”, afirmação que deve ser entendida, à luz de sua aplicação ao material etnográfico, como o reconhecimento de que forma e conteúdo, ou melhor, forma e fundo, se alternam de maneira complementar (Hugh-Jones, 2012; ver Lagrou, 2007, 2012; Severi & Lagrou, 2013), mas também que por “forma” devemos entender esquematismos capazes de gerar muitas formas que correspondem a outros tantos conteúdos. Finalmente, argumenta Hugh-Jones, há uma continuidade entre essas formas de “escrita em pedra”, escritas têxteis (como quipus) e escritas de cestos – e a abundante escrita em papel resultante da colaboração de brancos e índios nos anos recentes. Essa linha de pensamento conecta, de um lado, as escritas concretas na pedra e na paisagem, na matemática concreta 726 tecelagem e na cestaria, a linguagem de cantos e falas – e de outro lado, a escrita alfabética dos livros bilíngues. 3 Os temas aí envolvidos são múltiplos e complexos. Meu ponto de vista será o seguinte: toda escrita (uma modalidade de linguagem) pode ser vista como parte de ontologias (o que alguns chamariam dimensão semântica), de sociologias (ou “pragmática” segundo o mesmo registro), e ainda como evidência da capacidade formal (“sintática”) do pensamento e da prática. Sob esse ponto de vista, a afirmação de Hugh-Jones de que privilegia o ângulo “formal” justifica minha tese neste comentário: a saber, a de que a escrita “concreta” (na pedra, em tecidos e em cestos) compartilha com a escrita “no papel”, isto é, com símbolos arbitrários organizados sintaticamente, a expressão de uma capacidade matemática que se manifesta, assim como a capacidade de linguagem, em todos os povos e culturas, sob modos diferentes, mas que preservam algo que não varia – relações e não conteúdo. QUIPUS E RIOS Stephen Hugh-Jones relaciona, de um lado, os “desenhos da cestaria yecuana, os livros sagrados kuna, os mastros totêmicos da costa noroeste da América do Norte e o quipu andino”; e de outro, “os cantos rituais cuja estrutura consiste na listagem repetitiva de nomes e várias outras formas de paralelismo” (Hugh-Jones 2012:143; ver Severi, 2004, 2009). Quipus são fios de algodão ou de lã nos quais são feitos nós a partir dos quais surgem outros fios nos quais são sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 feitos nós (ver Guss, 1989: 78; van Velthem, 2003, 2010, 2014; Grupioni, 2009; Desrosiers, 1988, 2010). A tese de Hugh-Jones implica que quipus são mapas com informação associada a lugares, ou seja, mapas “georreferenciados” ou, ainda, SIGs (Sistemas de Informação Geográfica). 4 A conexão entre a escrita dos cantos-mitos, a escrita das pedras-rios, a escrita dos quipus e a escrita conceitual da lógica é exibida nas figuras 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Na figura 1, a representação dos cantos tribais é análoga à de uma partitura orquestral, em que a melodia (“perseguindo notas”) é exibida no eixo horizontal e a harmonia (“amontoando notas”) é exibida no eixo vertical, uma analogia bem explorada por Lévi-Strauss (Hugh-Jones, 2012: 146). A figura 2 é uma variante do mapa-quipu das Casas de Transformação, com os lugares de parada da Cobra–Canoa (Pãrõkumu & Kehíri, 1995: 80; Hugh-Jones, 2012: 153). Na figura 3, usei a sequência de barracões no sistema de aviamento para ilustrar a escrita em rios: aqui, cada foz do rio principal dá origem a uma nova sequência de barracões menores (Almeida, 1992). A figura 4 mostra a conhecida imagem de um “contador e tesoureiro” publicada por Poman Ayala em 1615 (Urton, 1977: 206). A figura 5 é uma representação esquemática de um quipu em que cordões são encaixados de maneira recursiva e contêm “pilhas de nomes” em nós (não desenhados) e em cores representadas por letra com diferentes números (Ascher & Ascher, 1981: 112). Finalmente, a Figura 6 foi retirada da artigo | mauro w. b. almeida 727 1 1 Os dois eixos dos cantos rituais. O eixo X representa lugares em sequência. O eixo Y representa nomes ou eventos (Hugh-Jones, 2012:146). 2 Variantes dos mapasquipu das Casas de Transformação 2 matemática concreta 728 S S S S S S S sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 3 3 Rio Tejo, alto Juruá: barracões ao longo do rio. No Rio Tejo, as letras “s” representam barracões na foz de cada afluente. Ao longo dos afluentes, seringais secundários com seus próprios depósitos de mercadorias. Note-se o barracão principal “S” na origem do rio Tejo. 4 Quipu exibido por um “contador maior e tesoureiro”. Publicado por Poma de Ayala c. 1615. Fonte: Urton (1977: 206). artigo | mauro w. b. almeida 729 4 matemática concreta 730 obra que inaugura a lógica moderna com uma notação bidimensional que pode perfeitamente ser formulada com quipus (Frege, 1967: 31). A intenção dessa sucessão de imagens é fornecer uma evidência visual da tese de Hugh-Jones, a saber, que cantos-narrativas, rios (com marcas-pedras e afluentes), quipus e a escrita conceitual fregeana são outras tantas variantes de escrita, em um sentido generalizado que inclui mapa, arquivo, classificações e juízos lógicos. Em outras palavras, cantos-narrativas são sequências narrativo-musicais que contêm episódios secundários que, por sua vez, podem dar origem a episódios terciários, assim como rios-narrativas são sequências de “pedras” e outras marcas onde se “amontoam nomes”. Marcia e Robert Ascher oferecem a analogia com um guia rodoviário que contém informações turísticas sobre cada um de seus pontos (Ascher & Ascher, 1981, 1991). O que há de comum entre cantos-narrativas, rios, quipus e formas lógicas é que, em todos esses casos, trata-se de ícones que mostram relações, ou de índices que resultam de eventos.5 Pode parecer estranho à primeira vista que relações e números sejam mostrados por meio de ícones. Mas o ponto essencial é que, enquanto letras como “a”, “b” e “c” na “escrita conceitual” de Frege são símbolos arbitrários sem conexão com o que representam (são “depósitos de nomes”), a árvore que conecta essas marcas imita as relações que conectam esses símbolos. Esse ponto foi destacado por Peirce, que afirmou que a linguagem da álgebra e da lógica é de natureza icônica, ideia formulada em um artigo de 1885 e que sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 corresponde perfeitamente ao caráter-quipu da notação ideográfica de Gottlob Frege. Assim, no exemplo da Figura 5, não sabemos o que são “a” e “b”, mas a sucessão de cordões que podemos representar como “a → b” mostra “a” e “b” conectados por uma relação “ → ”. Se “a” e “b” são paradas ao longo do rio, essa notação representa um trecho de um mapa. 6 Em suma, cantos, rios, quipus e sentenças na forma algébrica são lógicas concretas, escritas em algodão, em pedra e em diagramas no papel. Há mais que isso, porque, em suas palavras, “[...] as ideias indígenas sobre forma geométrica, número e ordem devem ser incluídas como uma parte integrante das tradições orais, da iconografia e das técnicas de memória que estamos considerando...” (Hugh-Jones, 2012: 157). A meu ver, Hugh-Jones está de fato formulando a noção de que tradições orais, iconografia têxtil e trançagem, como quipus, e caminhos fluviais ou terrestres, além de serem parte de ontologias e de terem usos práticos, são atividades matemáticas: são matemática concreta ou matemáticas selvagens.7 Essa tese postula primeiramente que o “pensamento selvagem” que opera com signos concretos (ícones e índices) é adequado para expressar conceitos complexamente articulados e com conteúdo numérico e geométrico. Uma outra consequência é que a ausência de numerais em línguas indígenas, ou mesmo de mecanismos gramaticais de natureza recursiva (ou seja, orações subordinadas), não implica artigo | mauro w. b. almeida 731 C1 C2 C1 C2 C1 C3 C1 C2 C1 C1 C1 C3 C1 C1 C2 C3 C1 C1 C2 C1 C2 C1 C1 C3 C1 C2 C1 C1 C3 C1 C1 C2 C2 C1 C1 5 a c b c 5 a Um quipu esquematizado. O cordão principal assinala lugares em sucessão espacial; cordões secundários b contêm informação sobre colheitas, impostos e outros assuntos registrada c em nós (não desenhados) e em cores representadas por letra com diferentes números (Ascher & Ascher, 1981: 112). 6 Escrita conceitual (Begriffschrift) 14 6 C1 matemática concreta 732 de modo algum ausência de pensamento matemático, contrariamente a teses que atribuem a certos povos cuja língua é pobre em numerais a incapacidade numérica e matemática. Conforme Everett, com base na escassez de numerais entre os Pirahã: “Não há número gramatical em Pirahã”; “ninguém aprendera a contar até dez, e ninguém aprendera a somar 3+1, ou mesmo 1+1 e responder regularmente “2”, pois este último evidencia o aprendizado […]” (Everett, 2005: 623-624, 626, grifos meus). Ora, nessas passagens evidencia-se a confusão conceitual do autor para distinguir numerais (“número gramatical”) de conceito de número, e para diferenciar o contar com números do contar com palavras. O mesmo ponto é também evidenciado quando somos informados de que “não há números ordinais em Pirahã”, mas que os Pirahã ordenam “gerações de ego, abaixo de ego e acima de ego” (Everett, 2005: 633). A tese de Everett apoiou-se também supostamente em experimentos de Gordon, que atestariam a incapacidade dos Pirahã para comparar quantidades “grandes”, mas também viciados pela mesma confusão conceitual (Gordon, 2004: 496). Contudo, em artigo publicado no mesmo número de Science, outra equipe fazia “uma distinção entre um sistema não verbal de aproximação aos números e um sistema de contagem baseado na linguagem para o número exato e a aritmética” que consiste em uma “rotina” para fazer emparelhar um-a-um objetos com “numerais” (Pica et al., 2004: 499, 503). Em artigo publicado em 2008, Everett e os demais autores reconhecem que, contrariamente a Gordon, “falantes do Pirahã eram perfeitamente capazes de realizar sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 combinações exatas com muitos objetos, mas, como relatado anteriormente, eram imprecisos para combinar tarefas que envolviam a memória” (Frank et al., 2008: 819). A conclusão passou a ser a de que palavras para números (nomes de número), “number words”, são uma “tecnologia cognitiva para apreender a cardinalidade de grandes conjuntos no tempo, no espaço e em mudanças modais”. Contudo, os autores insistem em que essa capacidade agora reconhecida não atesta conceitos numéricos, mas apenas a capacidade de estabelecer correspondências um-a-um. Repete-se, assim, a conclusão de Pica et al., com a suposição de que essa “tecnologia cognitiva” teria que ser verbal. De fato, mesmo sem invocar o uso de quipus entre ameríndios – registrado apropriadamente por Hugh-Jones entre várias outras tecnologias de memória não-verbal – vale trazer um exemplo do noroeste amazônico também particularmente adequado. São os convites lyen-ti que consistem em “um dispositivo para a contagem de dias dos antigos Palikur” composto de um conjunto de varinhas artisticamente enfeitadas, cujo uso foi descrito em 1926 por Nimuendaju: “depois de recebê-lo, (o convidado) quebra diariamente as pontas de duas varinhas. Se sobrar uma varinha, a festa começará no meio-dia do mesmo dia; se porém não sobrar nenhuma, a festa começará de noite” (ver Vidal, 2007: 23). Eis a argumentação dos autores para concluir que os Pirahã, embora possam contar grandes quantidades, não têm “representações mentais das artigo | mauro w. b. almeida 733 cardinalidades de conjuntos grandes”, ou seja, não possuem “conceitos” de número além do conceito de um. Teriam os Pirahã representações mentais das cardinalidades de conjuntos grandes? [...] O êxito nas tarefas de correspondência um-a-um e de correspondência desigual requer que os participantes entendam que a adição ou subtração de exatamente um objeto torna incorreta uma correspondência, mesmo para grandes quantidades. Assim, os Pirahã entendem o conceito de um (embora não tenham palavra para o conceito). Além disso, parecem entender que somar ou subtrair um elemento de um conjunto mudará a quantidade daquele conjunto (Frank et al., 2008: 823). Mas em seguida, os autores respondem à pergunta: a capacidade de contagem exata revelada pelos Pirahã não atesta a “representação mental de grandes quantidades”, porque ela pode ser completada “com um algoritmo simples”: Contudo, a tarefa de correspondência um-a-um pode ser completada através de um algoritmo simples: “ponha uma bola junto de um cilindro”. Em nenhum momento durante a tarefa os participantes têm que representar a cardinalidade do conjunto inteiro. Eles só precisam entender que, na aplicação desse algoritmo, é exatamente uma bola que tem que ser aplicada a exatamente um cilindro. Assim, nosso experimento sustenta a hipótese de que o conceito de quantidade exata não é criado pela linguagem, mas sugere, por outro lado, que a capacidade de lembrar de cardinalidades de grandes conjuntos depende do aprendizado de palavras numéricas, isto é, dos nomes dos números (Frank et al., 2008: 823, grifos do autor). Mas essa conclusão mostra apenas que, embora reconhecendo implicitamente a confusão anterior entre contagem e contagem com numerais, e a incompetência dos experimentos anteriores de Gordon com “pilhas de gravador”, os autores ignoram a definição axiomática moderna de número natural formulada por Dedekind e Peano. O que os axiomas de Peano afirmam é que 1 é um número, e que adicionar 1 a um número resulta em um novo número, sempre diferente de todos os anteriores. Mas é justamente isso que os Pirahã sabem segundo a citação anterior! Mais precisamente, os axiomas de Peano caracterizam os números naturais como um objeto | e como tudo que resulta de juntar | a um número já construído previamente. O resultado desse algoritmo de construção de números naturais é uma sequência assim: |, ||, |||, ..., ||||||, ... É irrelevante aqui dar nomes para cada objeto da série, e uma série de palhinhas como nos convite palikur é uma técnica de armazenamento perfeitamente adequada. Quanto ao processo de contagem, quando conjuntos são realmente muito grandes, isto é, infinitos, o único método para compará-los, como mostrou Cantor, consiste em fornecer um algoritmo para exibir essa correspondência um-a-um: se não sobrar objeto algum, os conjuntos têm a mesma cardinalidade; caso contrário, o conjunto em que houver sobra tem cardinalidade maior. Ora, os Pirahã possuem os axiomas de Peano, e contam como Cantor. Quanto à exigência de numerais como técnicas de memória para “grandes números”, o fato é que ser matemática concreta 734 capaz de dizer “mil” não traz à minha memória uma “representação mental” dessa quantidade, nem consigo distingui-la de “mil e um”: para isso, é preciso um algoritmo. Mais uma vez é preciso recorrer à matemática contemporânea para discernir esse ponto. Um algoritmo para gerar o número simbolizado pela palavra “mil” é, por exemplo, uma sequência |||... ||| em notação unitária.8 Em vez de traços no papel, poderíamos usar pedaços de palha como fazem os Palikur (Vidal, 2007) e os Tuyuka (Tenório Poani & Ramos Poani, 2004). E para transportar números através do tempo e do espaço, isto é, para depositar números em uma memória? Contrariamente aos autores que supõem ser necessária a “tecnologia de numerais” como memória numérica, há uma grande variedade de meios que foram ilustrados por Hugh-Jones. Eis um exemplo no caso do número “mil”: formemos um cordão de dez nós (contados pelos dedos das duas mãos como fazem os Tuyuka), sendo que de cada nós saem outros dez cordões (contados da mesma maneira), com dez nós em cada um desses dez cordões (sempre usando dedos de duas mãos). O contador pode então transportar consigo esse quipu e usá-lo para contar mil objetos (ver novamente as figuras 1 a 6). Mais uma vez: Gordon e Frank et al. podem ser culpados de ignorância sobre o conceito de número, mas não os ameríndios. Matemáticos construtivistas declaram-se incapazes de “representar mentalmente” a cardinalidade de números infinitos como “um conjunto inteiro” (e chegam a recusar a existência de conjuntos infinitos completados): eles contentam-se com algoritmos para sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 produzir conjuntos de inteiros sempre maiores, e que operam acrescentando uma unidade de cada vez. A “memória da cardinalidade de conjuntos grandes” não é dada por palavras, mas por algoritmos de contagem dos quais os quipus são exemplos especiais. Hugh-Jones já havia demonstrado em obras anteriores profunda familiaridade com os conhecimentos astronômicos de povos ameríndios, e no artigo que comentamos mostra inteira clareza sobre a competência numérica dos “povos carentes de escrita”: “Até então, os antropólogos que estudam sociedades amazônicas prestaram pouca atenção à questão da numeração – por extensão, povos ‘carentes de escrita’ seriam também carentes ou deficientes em números e em modos de contar” (Hugh-Jones, 2012: 158). A pergunta é: por que razão os quipus da época da invasão foram destruídos sistematicamente, e porque somente no século XX os quipus sobreviventes começaram a ser lidos como registros quantitativos e qualitativos? Marcia e Robert Ascher, autores de inventários exaustivos dos quipus sobreviventes e de análises detalhadas de cada um deles, invocaram como explicação a incapacidade dos colonizadores para reconhecer nos quipus uma escrita sofisticada, dada a ausência de equivalentes europeus: “[...] não havia equivalências a quipus na cultura espanhola do século XVI e não há equivalente algum em nossa própria experiência” (Ascher & Ascher, 1981: 3). artigo | mauro w. b. almeida 735 Mas essa explicação não é correta, porque havia uma contrapartida óbvia de quipus na experiência cultural dos colonizadores, que são os rosários, ou terços em sua forma reduzida, ao mesmo tempo técnicas de contagem, arquivos numéricos, narrativas religiosas e mapas da salvação. 9 A dificuldade estaria não na ausência de contrapartidas de quipus no Ocidente, e sim na inquietante similitude entre uma técnica de contagem ocidental associada à cosmologia cristã e à organização da autoridade católica, de um lado, e as técnicas de contagem associadas ao império Inca e a sua cosmologia religiosa, de outro. A destruição dos quipus foi parte da guerra dos colonizadores contra a metafísica matemática americana, assim como a abolição da contagem nos dedos nas escolas primárias e a ausência de sorobans (um tipo de ábaco japonês) no ensino básico reflete a continuação dessa guerra inglória contra a matemática selvagem em nossa própria civilização. 10 Finalmente, faz parte dessa repressão ao nosso inconsciente matemático selvagem a separação entre contar e contar. E aqui cabe uma única ressalva a meu mestre Steve. Ele chama a atenção para o fato de que em português e espanhol o verbo “contar” aplica-se igualmente à enumeração de objetos e à narração de histórias. Mas a verdade é que a observação de Hugh-Jones também vale para o inglês e o alemão, bastando lembrar que a palavra teller (o contador em caixas de banco) vem de “to tell” (narrar), ao passo que zählen e erzählen evocam a origem igualmente comum de enumerar e narrar: a separação entre os dois significados é em todas essas línguas fenômeno moderno e de origem erudita. 11 O grande matemático Hermann Weyl viu nos padrões decorativos que se encontram em construções egípcias e árabes, mas também em artefatos em pano e outros materiais em culturas sem escrita, as primeiras evidências da “matemática avançada” na história humana (Weyl, 1952). Essa conexão foi posta em destaque por Speiser no caso de padrões decorativos em 1937, e por Tietze no caso de nós em 1938, data de uma palestra publicada em 1942 (Speiser, 1937; Tietze, 1942), em ambos os casos a partir da descoberta de novos campos da matemática “avançada”, a saber, a teoria dos grupos e a teoria dos nós. Não é preciso lembrar que André Weil, outro importante matemático moderno, percebeu na década de 1940 que a compreensão de regras de parentesco de povos australianos levavam à teoria dos grupos finitos, o que conduziu ao estranho efeito da multiplicação de exemplos etnográficos em cursos de álgebra abstrata. 12 Pode-se falar de uma metafísica matemática embutida em sistemas de parentesco e nos kene das tecelãs kaxinawá assim como nos kolam nas mulheres tamil, povos que também compartilham a elegante matemática das terminologias dravidianas. 13 Recebido em 10/09/2015 | Aprovado em 03/11/2015 matemática concreta sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 736 Mauro W. B. Almeida é PhD em Antropologia Social pela Universidade de Cambridge e Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Foi Tinker Professor na Universidade de Chicago em 2006, e fez pós-doutorado na Universidade de Stanford. É professor-colaborador (aposentado) no Departamento de Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e membro do Centro de Estudos Rurais (CERES). Participou da criação da reserva extrativista do Alto Juruá, e do planejamento da Universidade da Floresta (Universidade Federal do Acre – Campus Floresta). Entre suas publicações está o livro, em co-autoria com Manuela Carneiro da Cunha, A enciclopédia da floresta. O Alto Juruá: prática e conhecimentos das populações (2002). artigo | mauro w. b. almeida 737 NOTAS 1 Todas as citações de obras estrangeiras foram traduzidas por mim. 2 Com a asserção “o mapa não é o território”, Bateson expressava a distinção entre linguagem e metalinguagem introduzida por lógicos (Bertrand Russell e Alfred Tarski) no início do século XX. Contudo, Bateson sabia que nas línguas naturais linguagem e metalinguagem alternam-se em equilíbrio instável como forma e fundo na percepção visual (Bateson, 2000: 184; Carneiro da Cunha, 2002: 358). 3 Ver Coleção narradores indígenas do Rio Negro, com oito volumes publicados pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e pelo Instituto Socioambiental até a data do artigo de Hugh-Jones (2012). Ver também “escritas em cestos” (Ricardo & Martinelli, 2001; van Velthem & Linke, 2010, 2014) e mapas escritos tanto “na pedra” (IPHAN, 2007) como “em papel” (Cabalzar & Ricardo, 2011), e a interação dessas escritas (Cabalzar, 2012). 4 Hans Tietze incluiu em brochura publicada em 1942 sobre a teoria matemática dos nós uma extensa nota sobre quipus. Nela se afirma que quipus serviam como mapas e como registros de tributos: “nos Quipus não apenas características externas como cor e tamanho dos fios, mas também os diferentes tipos de nós eram relevantes para o significado de um cordão-de-nós” (Tietze, 1942: 36, nota de rodapé). Tietze afirmou também que a “escrita de nós” (“Knotenschrift”) existia também nas Ilhas Marquesas onde seria utilizada para registro de tributos e também para registros genealógicos que abrangeriam mais de cem gerações, dando como fonte Karl von den Steinen (Marquesanische Knotenschnüre, Correspondenzblatt der Deutschen Gesellschaft für Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte, 34, 1903: 108 ss, conforme Tietze, 1942: 36). 5 “Eu chamo de ícone um símbolo que está no lugar de algo apenas por se assemelhar a esse algo. Assim são os diagramas da geometria. Na verdade, um diagrama que tenha um significado geral não é um puro ícone, mas no meio de nosso raciocínio, esquecemos em boa medida essa qualidade abstrata, e o diagrama passa a ser para nós a própria coisa [...] a dedução consiste em: construir um ícone ou diagrama cujas relações entre suas partes apre- matemática concreta 738 sentam completa analogia com as relações entre as partes do objeto do raciocínio; em experimentar ou testar essa imagem em nossa imaginação; e em observar o resultado a fim de descobrir relações ocultas ou ainda não percebidas entre as partes (Peirce, 1933: 182 ss). 6 Como se sabe, essa é a posição de Ludwig Wittgenstein no Tractatus logico-philosophicus: forma lógica não simboliza, mas mostra relações entre coisas de modo figurativo (Wittgenstein, 1984). 7 Trata-se do que D’Ambrosio e outros chamam de “etnomatemática” (D’Ambrosio, 1998, 2010; Ascher, 1991, 2002). Preferimos evitar essa expressão. Uma primeira razão é que sua aplicação sistemática nos levaria a falar de uma “etnológica” para o estudo de lógicas em “diferentes contextos culturais”, enquanto a expressão é também entendida como as próprias modalidades de matemática postas em práticas em diferentes culturas. Mas a razão principal já foi exposta: não há diferença essencial entre as matemáticas concretas ou selvagens de quipus e ábacos, de mapas polinésios e de silogismos mitológicos e a matemática erudita. 8 Ver Carnielli e Epstein, onde já na página 44 os autores explicam que em “notação unitária” números são representasociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 dos por , , , como |, ||, ||| e assim por diante, de tal modo que “para qualquer representação de um número na sequência, o próximo número é representado colocando-se mais um traço à direita do anterior” (Carnielli & Epstein, 2005: 44). Uma excelente introdução à teoria de Cantor é Naive set theory, o livro de Paul Halmos cuja tradução brasileira é intitulada Teoria ingênua dos conjuntos (Naive set theory). Foi o que me abriu os olhos para o assunto quando trabalhava de dia como revisor e tradutor na Editora Polígono-Perspectiva sob a direção de Jacó Guinsburg, e estudava Ciências Sociais à noite. Devo ao matemático Antonio Galvez, hoje na Universidade Estadual de Campinas, a orientação para redigir o verbete “Infinito” para a Enciclopédia Abril na década de 1970 (Enciclopédia Abril, 15 vols., São Paulo: Editora Victor Civita, 1976), em que a técnica de contagem sem numerais é explicada para introduzir o conceito de infinito de Cantor. 9 “Para se rezar o Santo Rosário, criou-se um [...] instrumento denominado “terço” exatamente por conter as bolinhas (ou contas) necessárias para contar as orações recitadas, corres- artigo | mauro w. b. almeida 739 pondentes a uma terça parte do Rosário completo original, que continha 15 mistérios [...]. O terço é um caminho que nos mostra a porta de entrada da salvação” (ver <http:// www.pnslourdes.com.br/rosario.htm>, 2015, grifos meus). 10 Sobre matemáticas concretas ou selvagens nas ruas, ver Nunes, Schliemann & Carraher (1993); sobre aritméticas indígenas, ver Ferreira (2001, 2002, 2015); sobre matemática de donas-de-casa, ver Lave (1998), Lave & Wenger (1991), além de uma crescente bibliografia. 11 Ver Wolfgang Pfeifer, Etymologisches Wörterbuch des Deutschen (Munique: Deutschen Taschenbuch Verlag, 1995); Emmanuèle Baumghartner & Philippe Ménard, Dictionnaire étymologique et historique de la langue française (Paris: Le Livre de Poche, 1996), além do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Rio de Janeiro: Objetiva, 2001). 12 Exemplos pioneiros são, depois do apêndice de A. Weil às Estruturas elementares do parentesco, Pierre Samuel (1967) [1959] e uma inovadora introdução à matemática no nível de colleges norte-americanos, que introduz ao lado de tópicos sobre programaçao linear e processos estocásticos em genética duas seções sobre “regras de casamento em sociedades primitivas” (Kemeny, Snell & Thompson, 1956: 424-433). 13 Sobre sistemas terminológicos dravidianos como cálculo matemático, ver textos da antropológa tamil Ruth Manimekalay Vaz (2010, 2011, 2014), e comentários em Almeida (2014). Sobre os kolam de mulheres tamil e sua reescrita como algoritmos computacionais pelos seus filhos e maridos, ver Ascher (1991, 2010, 2012). 14 É perfeitamente natural escrever proposições da lógica matemática em quipus, embora a proposta de Frege exemplificada acima não tenha sido adotada por ninguém. A sucessão de linhas verticais indica implicação lógica. As letras representam sentenças elementares. A primeira linha vertical diz que a afirmação c implica que a afirmação b implica a (ler de baixo para cima, seguindo a ordem dos cordões). A segunda linha vertical diz que c implica b. E a terceira linha vertical diz que c implica a. Mas cada um dos cordões principais implica os que vêm depois, de modo que a proposição inteira afirma que, aceitando a primeira linha, resulta que a segunda linha implica a terceira (Frege, 1967[1879]: 31). Na notação que veio a ser usada, o quipu de Frege é escrito assim: (c → (b → a)) → ((c → b) → (c → a)). matemática concreta 740 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida, Mauro W. B. (2014). Comments on Vaz relatives, molecules and particles. Mathematical Anthropology and Cultural Theory. An International Journal, 7/3. Disponível em <http://mathematicalanthropology.org/Pdf/BarbosadeAlmeida%20MACT%200614.pdf>. Acesso em 29 nov. 2015. Almeida, Mauro W. B. (1992). Rubber tappers of the upper Jurua river. The making of a forest peasantry. Tese de doutorado. 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Argumen- Linguagem. ta-se que toda forma de escrita evidencia a capacidade formal do pensamento e da prática humanos. As formas concretas da escrita analisadas expressariam então uma capacidade matemática que se manifesta, assim como a capacidade de linguagem, em todos os povos e culturas, sob modos diferentes, mas que preservam algo que não varia – relações e não conteúdo. CONCRETE MATHEMATICS Abstract Stephen Hugh-Jones; nuity between different forms of writing – materialized in Khipus; stone, woven in cloth or basketry or inscribed in bilingual Concrete mathematics; paperbacks – and the language of Indigenous songs and Forms of writing; speeches. All form of writing is evidence of the formal ca- Language. pacity of human thought and practice. The concrete forms sociologia&antropologia | rio de janeiro, v.05.03: 725 – 744, dezembro, 2015 Keywords The article uses ethnographic works to analyze the conti- of writing analysed here would hence express a mathematical capacity which, like the capacity for language, manifests itself among all peoples and cultures in different ways, but always preserves something as invariable: relations rather than content.