REGINA CELIA BATISTA MORETTI
INTEGRAÇÃO CURRICULAR NO ENSINO MÉDIO:
HISTÓRIAS NARRADAS POR PROFESSORES A PARTIR DO
PROJETO PIBID CIÊNCIAS DA NATUREZA
CAMPINAS
2014
i
ii
iii
iv
v
vi
RESUMO
Este trabalho de pesquisa aponta para possibilidades de integração curricular do
Ensino Médio, em uma perspectiva interdisciplinar, a partir de experiências vividas e
narradas por professores das disciplinas, Biologia, Química e Física, no contexto de um
projeto, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), Ciências
da Natureza: Integração Curricular no Ensino Médio. A questão central da investigação
é apresentada da seguinte forma: Como uma experiência de um projeto de integração
curricular interdisciplinar, no Ensino Médio, mobiliza identidades docentes ligadas às
comunidades disciplinares? Foram fontes para este estudo, além das narrativas
docentes, alguns textos de documentos oficiais e outros textos acadêmicos, analisados
no intuito de perceber como professores podem ser interpelados sobre
interdisciplinaridade e entendendo que tais textos, embora sejam significativamente
marcados por intenções vindas de macro contextos, permeiam e são permeados por
vozes vindas do micro contexto do cotidiano escolar. O andamento para produção
desse trabalho, entre histórias e textos, foi realizado, metaforicamente, com olhar de um
flâneur, um solitário que anda pela cidade em meio à multidão, sem se preocupar com
as intencionalidades modernas do cenário urbano, consome o caminho a sua maneira,
no seu tempo, vivendo experiências. As narrativas dos professores foram utilizadas
como princípio, em uma perspectiva que privilegia a memória, inspirada em Walter
Benjamim. Essas histórias contadas são adensadas em mônadas, compreendidas
como uma forma de comunicação que ressignifica no presente, o papel das narrativas
do passado, de comunicar experiências vividas. Nelas estão presentes marcas de
conflitos nas identidades docentes e desafios, indicando as disciplinas como lugares de
pertencimento e a interdisciplinaridade como objeto de choque. Esses professores
especializados e que trabalham em um espaço-tempo distribuído em grades de
horários, de acordo com cada uma das disciplinas, tiveram de mobilizar-se no sentido
de inventarem outro espaço-tempo que possibilitasse um currículo integrado, para
produção do projeto interdisciplinar. Em outras palavras, professores, como membros
pertencentes às comunidades disciplinares, ao se chocarem com a interdisciplinaridade,
experienciaram um momento de paralisação do que vinha acontecendo, rotineiramente,
e tiveram oportunidade de mudar suas percepções sobre esse momento e sobre
acontecimentos seguintes.
Palavras-Chave: Interdisciplinaridade. Currículo. Narrativas.
vii
viii
ABSTRACT
This research points to opportunities for curricular integration of high school in an
interdisciplinary perspective from experiences narrated by teachers of disciplines,
Biology, Chemistry and Physics in the context of a project, the Scholarship Program
Initiation to Teaching (PIBID), Natural Sciences: Curriculum Integration in High School.
The question formulated for this research was: As an experiment of a project of
interdisciplinary curriculum integration, in high school, mobilizes teacher identities linked
to disciplinary communities? It constituted a framework around which the work is set. We
sought to also examine how teachers are challenged on interdisciplinarity in some texts
of official documents and academic, understanding that such texts although significantly
marked by welcoming intentions macro contexts, permeate and are permeated by
voices from the micro context of everyday school life. The walk to produce this work,
between stories and texts, was performed, metaphorically, with the look of a flâneur, a
loner who walks the city in crowds without worrying about the intentions of the modern
urban setting consumes the way your way, in his time, living experiences. The narratives
of the teachers were used as a principle, in a perspective that prioritizes memory,
inspired by Walter Benjamin. These stories are densified in monads, understood as a
form of communication that rescues at present, the role of narratives of the past, to
communicate experiences. In these markings are present conflict in the identities of
teachers and challenges, indicating the disciplines as their places of belonging and
interdisciplinarity as an object of shock. These specialized teachers and working in a
space-time distributed scheduling in grids, according to each discipline, who had
mobilize in order to invent another space-time that would enable an integrated
curriculum for production design interdisciplinary. In other words, teachers as members
belonging to the disciplinary communities, to collide with interdisciplinary, experienced a
moment of stoppage of what was happening routinely and had the opportunity to change
their perceptions about this moment and on the following events.
Keywords: Interdisciplinarity. Curriculum. Narratives.
ix
x
SUMÁRIO
BUSCANDO UMA ENTRADA PARA O LABIRINTO DA PESQUISA ......................... 1
PERDENDO-ME NOS LABIRINTOS DA PESQUISA .................................................. 13
O QUE CONTAM OS QUE VÊM DE LONGE SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE ...
............................................................................................................................................ 25
Interdisciplinaridade: choque para o flâneur .............................................................. 25
Comunidades disciplinares em práticas interdisciplinares ........................................ 30
Ouvir quem vem de longe ............................................................................................. 34
O que nos contam os PCNEM ..................................................................................... 38
O que nos contam textos acadêmicos ........................................................................ 46
LABIRINTOS PARA FLÂNERIE .............................................................................. 51
Flânerie .................................................................................................................. 51
Identidades docentes à Flâneur ............................................................................. 54
Adensar centelhas: textos como mônadas ............................................................ 58
O QUE CONTAM OS MESTRES SEDENTÁRIOS ....................................................... 61
Ouvir histórias ................................................................................................................ 61
As mônadas ................................................................................................................... 67
Mônada 1 – Gérmen ................................................................................................ 75
Mônada 2 – Calouro ................................................................................................ 75
Mônada 3 - Com Física e Química não há problema........................................... 75
Mônada 4 - Especializações ................................................................................... 76
Mônada 5 - Relacionar as áreas ............................................................................ 76
Mônada 6 - Interdisciplinaridade mexe com tudo ................................................. 77
xi
Mônada 7 – Encaixotada......................................................................................... 77
Mônada 8 - Trabalho conjunto ................................................................................ 77
Mônada 9 - A Química a Física e a Biologia ......................................................... 78
Mônada 10 - O lado da Biologia ............................................................................. 78
Mônada 11 - Nossos planos ................................................................................... 78
Mônada 12- Ainda bem que não tem Biologia! .................................................... 79
Mônada 13 - Não via como integrar ....................................................................... 79
Mônada 14 - Separados .......................................................................................... 79
Mônada 15 - Sequência de passos ........................................................................ 80
Mônada 16 - Focados em Química e Física ......................................................... 81
Mônada 17 - Viajantes e turistas ............................................................................ 81
Mônada 18 - Viajantes ............................................................................................. 82
Mônada 19 - Eu vou ser professora de Biologia? ................................................ 82
Mônada 20 - Redescoberta..................................................................................... 82
Mônada 21 - Disputar .............................................................................................. 83
Mônada 22 - O PIBID me fez bem ......................................................................... 83
Mônada 23 - Gostei do projeto! .............................................................................. 83
Mônada 24 - Professor não é monge budista ....................................................... 84
Mônada 25 - Em compensação... .......................................................................... 84
Mônada 26 - Quando eu for professora ................................................................. 85
Mônada 27 - Aplicar prova ...................................................................................... 86
Mônada 28 - Outra visão ......................................................................................... 86
Mônada 29 - Bate bola ............................................................................................ 86
Mônada 30 - Currículo loteamento ......................................................................... 87
Mônada 31 - Jornada enorme................................................................................. 87
Mônada 32- Tempo e espaço engessado ............................................................. 87
Mônada 33 - Grade de horários.............................................................................. 88
Mônada 34 - Vivência na integração...................................................................... 88
xii
Mônada 35 - Perder um pouquinho do conteúdo ................................................. 88
Mônada 36 - Fazer uma boa faculdade ................................................................. 89
Mônada 37 - Concepção das pessoas .................................................................. 90
Mônada 38 - É muito difícil! .................................................................................... 90
Mônada 39 - Uma escola diferente ........................................................................ 91
Mônada 40 - Se deu certo ou se deu errado......................................................... 91
Mônada 41 - Mesmo tempo e espaço ................................................................... 91
Mônada 42 - Essa estrutura do ensino .................................................................. 92
Mônada 43 - Experimentar mais ............................................................................ 93
Mônada 44 - Continuidade ...................................................................................... 93
CONSELHOS .................................................................................................................... 95
O ouvinte incorpora as coisas narradas ...................................................................... 95
Evitando explicações................................................................................................... 100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 105
ANEXO I .......................................................................................................................... 113
Fontes das ilustrações que compõe a Mônada Bricolagem Flâneur e Flânerie (página
09) ................................................................................................................................ 113
xiii
xiv
Com o que mais poderei homenagear, aos meus filhos e netos,
depois do amor que experienciamos uns com os outros?
Amor aos maiores amores de minha vida: Letícia, Gustavo,
Angélica, Kátia Priscila, Mateus, Mônica, Júlia, Kaylaine,
Kayc, Sabrina, João Pedro, Gustavo...
xv
xvi
Agradecimentos
Ao Deus Criador de tudo, que concedeu vida a todos nós, a mim, aos que amo e
aos que conheci em toda caminhada até aqui...
À minha mãe, Lourdes, minha fortaleza primeira e ao meu pai, Hamilton, em
memória, sem os quais nada seria...
Às minhas irmãs tão queridas, primeiras e eternas amigas, Renata e Cristiane...
Ao meu querido parceiro na vida, Paulo Roberto...
Aos meus filhos e netos amados: Letícia, Gustavo, Angélica, Priscila, Mateus e
Mônica, Júlia, Kaylaine, Kaic, Sabrina, João Pedro e Gustavo...
Às minhas professoras e aos meus professores...
À minha admirável orientadora, Profa Dra Maria Inês
Petrucci Rosa,
corresponsável por esse trabalho...
Aos membros das bancas de qualificação e da dissertação do mestrado, Profª
Drª Dirce Djanira Pacheco e Zan, Profª Drª Tacita Ansanello Ramos, Profª Drª Glaucia
Lopes, Profª Drª Eliana Ayoub, e Profª Drª Anna Regina Lanner, as quais contribuíram
especialmente para essa dissertação...
Aos professores, aqui representados pelos pseudônimos de Gloria, Talita, Ieda,
Beto, Bela, Gisele, Newton, André, Irene e Ana, narradores e conselheiros, que ao
contarem suas experiências de vida, com o Projeto PIBID Ciências da Natureza,
tornaram possível esse trabalho de pesquisa...
A todos do nosso querido grupo de estudos, o G.I., dos quais, as contribuições
foram muito significativas para a elaboração desse trabalho: Tacita, Tânia, Ana
Carolina, João, Thaís, Gabriela, Elisabete, Claudia, Miriam, Jacqueline, Beatriz,
Henrique, Antonio e Karla...
A todos do Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagem e Práticas Culturais
(PHALA) e em especial aos Prof Dr Antonio Miguel e Profª Drª Anna Regina Lanner de
xvii
Moura, cujas participações nas disciplinas e reuniões do grupo trouxeram importantes
contribuições para essa pesquisa...
A todos os colegas e funcionários da Faculdade de Educação que colaboraram
durante todo o período de curso...
A todos do Colégio Técnico de Campinas (COTUCA), que contribuíram direta ou
indiretamente para esse trabalho...
A todos que de alguma forma estiveram comigo em minhas flâneries pelos
caminhos da vida e para essa pesquisa, tenho certeza que, de alguma forma, me
deixaram alguns conselhos, verdadeiros tesouros na forma de palavras, gestos ou
sentimentos...
Muito Obrigada!
xviii
Sobre a escrita desse texto
Meditar não precisa ter resultados: a meditação pode ter como fim ela mesma.
Eu medito sem palavras e sobre nada.
O que atrapalha a vida é escrever.
E – e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista, mas sabe-se dela.
Sei de muita coisa que não vi. E vós também.
Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar.
Acreditar chorando.
Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública.
Trata-se de um texto1 inacabado porque lhe falta a resposta.
Resposta esta que alguém no mundo me dê. Vós?
É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso.
Amém para nós todos.
Clarice Lispector
Em A Hora da Estrela
1
No texto original de Clarice Lispector, [...] trata-se de um livro.
xix
xx
Sobre o caminhar para esta pesquisa: flânerie
Havia o transeunte, que se enfia na multidão, mas havia também o Flâneur, que
precisa de espaço livre e não quer perder sua privacidade.
Ocioso, caminha como uma personalidade, protestando assim contra a divisão
de trabalho que transforma as pessoas em especialistas.
Walter Benjamim
Em Paris do Segundo Império
xxi
xxii
O Flâneur de Baudelaire
A multidão é o seu universo, como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos
peixes. Sua paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito Flâneur, para o
observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante,
no movimento, no fugidio e no infinito.
Estar fora de casa, e, contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o
mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos
pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a
linguagem não pode definir senão toscamente.
Charles Baudelaire
Em O pintor da vida Moderna
Foto ruas de Paris e o
suposto Flâneur de
Baudelaire
http://sshad.files.wordpre
ss.com/2012/10/flaneur395x3061.jpg/
Gravura de Paul
Gavarni - Le Flâneur,
1842
http://upload.wikime
dia.org/wikipedia/co
mmons/4/42/RoslerLeFlaneur.jpg
xxiii
Vista da arcada de Paris
Ambiente do personagem
Flâneur de Baudelaire http://www.davebutcher.c
o.uk/gallery/cities/franceparis-arcade-130722
xxiv
BUSCANDO UMA ENTRADA PARA O LABIRINTO DA PESQUISA
Até que um dia, por astúcia ou acaso, depois
de quase todos os enganos, ela descobriu a
porta do labirinto. Nada de ir tateando os
muros como um cego. Nada de muros. Seus
passos tinham – enfim! – a liberdade de
traçar seus próprios labirintos.
Mário Quintana
Maze - de James Jean (2008)
Disponível em:
http://todayinart.com/wpcontent/uploa
ds/2008/06/maze-james-jean.jpg acesso em /07/2011
Educação as supera
Minha graduação foi no curso de Licenciatura Integrada em Química e Física, em suas
duas modalidades, Licenciatura em Química e Licenciatura em Física. Essas
graduações parecem ter feito do “meu lugar”, um híbrido, uma intersecção entre
disciplinas. Dizer desse lugar, intersecção, “educação-física-química”, traz marcas
profundas das áreas duras da Física e Química, mas, mesmo que a princípio tenha sido
apenas como um potencial significativo, hoje, a Educação as supera na minha
formação.
Minhas primeiras intenções
Quando iniciei a graduação, trabalhava em um laboratório de análise de solo, no
Instituto Agronômico de Campinas, e nessa instituição de pesquisa, realizei trabalhos
de iniciação científica. Planejava com os estudos em Química e Física da graduação,
1
continuar trabalhando em laboratório, progredindo na carreira como pesquisadora e
professora na área. Porém, durante a graduação, contaminada por ideias e reflexões
vividas nas aulas na Faculdade de Educação, comecei a questionar essas minhas
primeiras intenções.
Transitar entre ser uma especialista e uma generalista
Nas disciplinas da Faculdade de Educação, durante a graduação, fizemos diversas
leituras sobre ensino e educação em Ciências, desde o primeiro semestre, e alguns
desses textos eram sobre documentos oficiais, como os Parâmetros Nacionais do
Ensino Médio. Muitos textos das teorias mais críticas de currículo traziam a ideia de
que, nesses documentos, a interdisciplinaridade aparece como prática que possibilita
competências de caráter geral, que devem prevalecer sobre os conteúdos específicos
para formação de um profissional mais generalista, garantindo a reprodução do mundo
do trabalho capitalista na escola. Essas leituras, feitas na época, me levaram a
questionar sobre minha própria formação, sempre ligada ao mundo do trabalho, pois: fiz
o curso técnico em Química; tive um longo período de trabalho em laboratórios
administrados e organizados com base em modelos fordista, taylorista ou toyotista 2,
muitos treinamentos em normas técnicas de trabalho; e fiz a graduação em um curso
com currículo integrado interdisciplinar. Tudo isso teria me feito transitar entre uma
“especialista” e uma “generalista”? O que todas essas experiências trouxeram para a
minha constituição como sujeito da minha própria vida e na interação com os outros?
Como essa formação para o mundo do trabalho pode influenciar identidades?
2
Fordismo, taylorismo e o toyotismo são modelos de produção do mundo do trabalho, principalmente do
ramo industrial. O fordismo se caracteriza por ser um processo de produção em série, onde o tempo é
bastante controlado, o taylorismo trazia a preocupação de sistematização do sistema produtivo, com
objetivo de aumentar a racionalização do movimento e evitar a ociosidade; e o toyotismo um processo
industrial, regulado por tarefas diárias, controlada pela demanda e terceirização operária. O Fordismo e o
Taylorismo foram muito aplicados desde o início do século XX até aproximadamente a década de 1970,
mas continua influenciando a administração até os dias de hoje. A partir dos anos de 1980, o Toyotismo,
começa a ganhar maior espaço nos modelos de produção (TAMDJIAN e MENDES, 2005).
2
Labirinto da pesquisa
Com intenção de cursar a pós-graduação em Educação, comecei a participar do grupo
de pesquisadores, coordenado pela professora que é hoje minha orientadora de
mestrado, Professora Maria Inês Petrucci Rosa. Sentia muita dificuldade em entender o
que era estudado, estava acostumada com uma linguagem bastante objetiva, com
pesquisa no formato das Ciências Física e Química. Os resultados dos dados coletados
e analisados revelavam tudo, o pesquisador sendo o mais imparcial possível, era isso
que conhecia como pesquisa. Mas, embora não entendendo muito bem as ideias dos
pensadores estudados em Educação, percebia a existência de outras formas de se
sentir, olhar para o mundo e se fazer pesquisa, bastante diferentes daquelas das
ciências mais duras. Havia uma possibilidade de ampliar os limites de se questionar
sobre o mundo, a vida e sobre os homens. Isso provocou em mim sentimentos
múltiplos, disparadores de uma vontade de me perder mais e mais nesse labirinto.
Utilizando diferentes lentes
Para o processo seletivo do mestrado, teria que escrever um projeto de pesquisa, mas,
não sabia o que seria, nem a questão a ser feita. Quando cursava a graduação, tinha
certo interesse em pesquisar sobre interdisciplinaridade, talvez devido minha formação
em um curso com currículo integrado em Educação, Química e Física. Escolhi esse
curso de graduação, Licenciatura Integrada em Química e Física, principalmente por ter
esse tipo de currículo, mas, para minha surpresa, muitos alunos colegas meus,
acreditavam que essa integração era um empecilho que dificultava os estudos. Aqueles
que se interessavam pela Química, não suportavam ter que estudar tanta Física, e
quem queria Física tinha dificuldade nas disciplinas da Química. A parte da Educação
era sempre questionada, alunos que trabalhavam e queriam fazer Química ou Física no
noturno, ingressaram na Licenciatura por falta de opção. A minha admiração pelo curso
era
principalmente
pela
possibilidade
de
compreensão,
da
construção
de
conhecimento, utilizando diferentes “lentes”, das Ciências da Natureza, Física e
Química, com as das Humanas, na Educação.
3
Aproximar a pesquisadora da professora
Com o ingresso no curso de pós-graduação em Educação, fiquei mais interessada em
atuar como docente, porém tive que continuar trabalhando como analista de laboratório,
por mais algum tempo. Nesse laboratório havia orientado muitos estagiários, durante os
dezoito anos de trabalho, mas, por considerar treinamento para o trabalho diferente de
ensino em sala de aula, considero também que minha experiência com a docência,
nesse momento do ingresso, era de iniciante. Resumia-se no fato de ter frequentado
uma escola, duas vezes por semana, durante um ano, para os estágios das
Licenciaturas de Química e de Física, um trabalho de conclusão de curso de Física
Experimental aplicada ao Ensino Médio, que realizei em uma escola pública e também
algumas poucas aulas de Matemática e Física, no período noturno, em outra instituição.
Somente depois de um ano do ingresso para o mestrado, foi que assumi o cargo de
professora efetiva, atuando nas disciplinas de Química e de Física, em uma escola
estadual, localizada no bairro onde moro há mais de dez anos. Essa foi uma grande
mudança em minha rotina, a qual trouxe oportunidades de experiências de vida
bastante ricas de sentidos e que contribuíram significativamente para meu trabalho de
pesquisa, por aproximar a pesquisadora da professora e também dos professores
entrevistados, cujas histórias narradas foram fontes para a pesquisa de mestrado.
Pesquisador nunca é neutro
Naquele momento, avaliei que esse poderia ser um caminho para chegar a algumas
respostas sobre minhas questões sobre interdisciplinaridade, investir em um trabalho de
pesquisa voltado para currículos integrados. Procurando por trabalhos já publicados
sobre o assunto, os encontrei em quantidade razoável e pensei que talvez minha ideia
de projeto não representasse nenhuma contribuição à Educação. Com mais tempo de
estudos no grupo de pesquisa em Educação e pensando sobre o assunto que me
interessava em pesquisar, entendi que o fato de uma questão ter sido estudada, não
esgota o conhecimento que se tem sobre ela. A pesquisa não deve ser feita por ser
novidade, pois não há o essencial, universal e verdadeiro, nos dados que se coleta em
4
campo. Além disso, o pesquisador nunca é neutro, porque faz opções, uma questão de
pesquisa é marcada pela experiência de vida do pesquisador. O modo como o
pesquisador compreende determinada questão, dificilmente, é o mesmo modo como
outros a compreendem, compreenderam ou compreenderão. As teorizações, os modos
de fazer de cada grupo de pesquisa, a vida e atuação do pesquisador, muitos fatores
irão convergir para singularidades.
Ouvir histórias narradas por professores
Resolvi então escrever um projeto de pesquisa que envolvesse o estudo de
possibilidades de se praticar um currículo integrado interdisciplinar. Para isso, do ponto
de vista metodológico, operei com as teorizações sobre narrativa inspiradas em Walter
Benjamin, que é referência teórica do grupo de pesquisa do qual passei a fazer parte.
Minha proposta, para tal estudo, seria a de ouvir histórias narradas por professores que
experienciaram no cotidiano escolar esse tipo de currículo, a partir de ações articuladas
com o Programa Ensino Médio Inovador, lançado pelo Ministério da Educação (MEC),
em 2009. Depois de aprovada no processo seletivo, o projeto sofreu algumas
modificações, o foco do olhar da pesquisadora continuou no sentido de entender melhor
a interdisciplinaridade, mas, no Estado de São Paulo, o Programa do MEC não teve
repercussão e a articulação para o estudo passou a ser a partir de experiências vividas
por professores, no cotidiano escolar, em um projeto onde atuaram com integração das
disciplinas das Ciências da Natureza: Química, Física e Biologia.
Ouvir conselhos
Esse trabalho de pesquisa não surge de indagações, de uma professora experiente, e
sim, de uma professora em formação. As histórias de vidas que pretendemos contar
não são minhas, são de professoras experientes, as quais eu conheci no período que
realizei meus estágios e de outros professores em formação, iniciantes à docência,
sendo a maioria deles estudantes do curso de Licenciatura Integrada em Química e
5
Física, o mesmo que concluí na graduação e ainda de alguns da Licenciatura em
Biologia. Esses professores viveram durante dois anos, 2010 e 2011, uma experiência
com um projeto PIBID, “Ciências da Natureza: Integração Curricular no Ensino Médio”,
no Colégio Técnico de Campinas. Essa investigação, portanto, foi a reconstrução de
algumas histórias vividas em um tempo passado, mesmo que recente e ainda em
processo de fechamento. Por não ter participado nos trabalhos realizados, para a
elaboração do projeto, o que conto não são minhas memórias configuradas em tensão
com o objeto Projeto PIBID, mas, são minhas experiências vividas na elaboração, no
ouvir conselhos narrados por esses professores que participaram na produção desse
Projeto.
Perdida e anônima como um Flâneur
De início, fui traída por minha própria identidade moderna, como um detetive, procurei
encontrar o que se escondia nas situações, queria entender como praticar um currículo
integrado por áreas em escolas públicas, por professores formados em disciplinas e
que vivem em uma cultura escolar onde os ambientes são construídos para cursos
disciplinares. Penso que buscava por mais uma receita de como ser professor em um
currículo integrado interdisciplinar. Porém percebi que não era possível tal resposta,
não estava seguindo os pensamentos de autores que fui tendo contato durante o curso
de mestrado e os quais mais me inspiraram: Walter Benjamin, Michel De Certau e
Michel de Foucault. Não deveria buscar uma resposta objetiva de como praticar o
currículo na escola, mas, perceber as possibilidades de entendimento de como um
currículo integrado interdisciplinar foi experienciado, por um grupo de pessoas daquela
escola, e como nos aconselha Benjamin (2012), tentar tirar conselhos dessas
experiências. Apesar de ser um estudo de caso, entender como as políticas de macro
contexto atravessam e são atravessadas por esse micro contexto. Assim, buscando
amparo principalmente no pensador Walter Benjamin, foi que segui dentro do labirinto
com meu trabalho. Labirinto à moda de Dédalo, pois não há uma única entrada, nem
6
um único percurso, nem uma única saída. Fui fazendo escolhas, perdida e anônima
como um Flâneur.
7
8
3
Mônada Bricolagem Flâneur e Flânerie, elaborada pela autora
3
Fontes das diversas ilustrações que compõe a Mônada Bricolagem Flâneur e Flânerie, no Anexo I.
9
10
Caminhante Boêmio
Desocupado
Indolente
Herói Anti-herói
Mônada Flâneur, elaborada pela autora
11
12
PERDENDO-ME NOS LABIRINTOS DA PESQUISA
Saber orientar-se numa cidade não significa muito.
No entanto, perder-se numa cidade, como alguém
se perde em uma floresta, requer instrução. Nesse
caso, o nome das ruas deve soar para aquele que
se perde como o estalar do graveto seco ao ser
pisado, e as vielas do centro da cidade devem
refletir as horas do dia tão nitidamente quanto um
desfiladeiro. Essa arte aprendi tardiamente, ela
tornou real o sonho, cujos labirintos nos mataborrões de meus cadernos foram os primeiros
vestígios.
Mapa com sistema de sinais inventados por
Benjamin, representando elementos de seu
projeto Arcadas de Paris nos “Estudos de
Baudelaire”- (1928-1940)
Disponível em:
http://www.veroniquechemla.info/2012/01/wal
ter-benjamin-archives.html - acesso em 08/
2012
Walter Benjamin
Esta pesquisa traz algumas possibilidades para produção de um currículo
integrado, no Ensino Médio, em uma perspectiva interdisciplinar. Para isso
apresentamos algumas experiências vividas no micro contexto e apontamos no sentido
de que esse cotidiano permeia políticas de macro contexto, assim como pode ser
atravessado por elas.
É possível perceber mobilizações, em torno do termo interdisciplinaridade,
demandadas por interpelações a identidades docentes, quando nos voltamos para
alguns textos de documentos, os quais são significativamente marcados por vozes
vindas do macro contexto.
13
Os diversos documentos curriculares produzidos nos últimos anos e que
compõem o conjunto de políticas federais para o Ensino Médio (BRASIL, 1998, 2000,
2006, 2009, 2012, 2013), trazem a intenção de apresentarem uma reestruturação dessa
etapa de ensino, que seja uma adaptação às exigências da economia globalizada,
visando uma formação profissional não especializada, e preparo para as mudanças
sociais e culturais que essa economia exige. Para isso, menciona-se a necessidade da
integração das disciplinas que compõe o currículo, em grandes áreas. A escola, neste
contexto, pode ser vista como uma instituição que consolida tais projetos políticos e
sociais, e o currículo é o seu campo estratégico (LOPES, 2002).
Em 2012, foi publicada a Resolução que define novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), pelo Ministério da Educação e Cultura
(MEC), trazendo orientações para a proposta de organização curricular, das treze
disciplinas4, que compõe esse currículo do Ensino Médio, integradas em quatro áreas:
Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagem e Matemática.
Essa organização não se diferencia muito da contida nos documentos publicados
anteriormente, como as DCNEM, de 1998, e dos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (PCNEM), de 2000.
A reforma curricular do Ensino Médio estabelece a divisão do conhecimento
escolar em áreas, uma vez que entende os conhecimentos cada vez mais
imbricados aos conhecedores, seja no campo técnico-científico, seja no âmbito
do cotidiano da vida social. A organização em três áreas – Linguagens, Códigos
e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e
Ciências Humanas e suas Tecnologias – tem como base a reunião daqueles
conhecimentos que compartilham objetos de estudo e, portanto, mais
facilmente se comunicam, criando condições para que a prática escolar se
desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade (BRASIL, 2000, p.18-19).
Segundo Moehlecke (2012), as DCNEM de 1998 e as de 2012, diferem-se mais
por seus contextos históricos, políticos e sociais, do que por suas proposições. Essas
diretrizes, tanto a de 1998 como a de 2012, parecem trazer uma mesma visão de
interdisciplinaridade, como prática pedagógica que possibilita relacionar as disciplinas
4
As treze disciplinas são: Língua Portuguesa, Educação Física, Matemática, Inglês, Espanhol, Física,
Química, Biologia, Artes, Filosofia, Sociologia, Geografia e História (BRASIL, 2012).
14
em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação e um currículo mais flexível,
diversificado e mais interessante para o educando. Porém, podemos perceber no texto
de 1998, uma maior explicitação da ação interdisciplinar na escola, voltada para a
competência e inserção do aluno no mundo do trabalho, do que nas diretrizes de 2012,
onde o texto é apresentado mais aberto em relação ao fazer interdisciplinar,
possivelmente, com intenção de reforçar uma ideia de maior autonomia nas escolas.
Art. 8º Na observância da Interdisciplinaridade as escolas terão presente que:
I - a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de
que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros
conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de
complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos;
II - o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a
capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos que são mais
facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas de conhecimento,
puderem contribuir cada uma com sua especificidade, para o estudo comum de
problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de investigação
e/ou de ação;
III - as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que
representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e não esgotam
isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo buscar entre si
interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade;
IV - a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento dos alunos, e por esta
razão as disciplinas devem ser didaticamente solidárias para atingir esse
objetivo, de modo que disciplinas diferentes estimulem competências comuns, e
cada disciplina contribua para a constituição de diferentes capacidades, sendo
indispensável buscar a complementaridade entre as disciplinas a fim de facilitar
aos alunos um desenvolvimento intelectual, social e afetivo mais completo e
integrado;
V - a característica do ensino escolar, tal como indicada no inciso anterior,
amplia significativamente a responsabilidade da escola para a constituição de
identidades que integram conhecimentos, competências e valores que
permitam o exercício pleno da cidadania e a inserção flexível no mundo do
trabalho (BRASIL, 1998, p. 3).
Art. 8º O currículo é organizado em áreas de conhecimento, a saber:
I – Linguagens;
II – Matemática;
III – Ciências da Natureza;
IV – Ciências Humanas.
15
§ 1º O currículo deve contemplar as quatro áreas do conhecimento, com
tratamento metodológico que evidencie a contextualização e a
interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes
campos, de saberes específicos.
§ 2º A organização por áreas de conhecimento não dilui nem exclui
componentes curriculares com especificidades e saberes próprios construídos e
sistematizados, mas implica no fortalecimento das relações entre eles e a sua
contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo
planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores.
(BRASIL, 2012, p.2-3).
Entendemos que apesar dos diversos textos e discursos sobre a necessidade do
formato interdisciplinar, o currículo do Ensino Médio vem sendo historicamente
organizado de forma disciplinar, e a questão do currículo integrado em áreas tem
provocado debates e questionamentos. Relações de poder foram estabelecidas,
durante muito tempo, através da organização do currículo em disciplinas. Assim foram
demarcados territórios, obtidos recursos e ocorridos os embates por estabilidade
curricular (ABREU, 2002). Entender o currículo integrado em áreas, para o Ensino
Médio, depende do entendimento de como acontece o controle e organização dessa
diferente forma curricular, como essa proposta nos documentos.
Os apontamentos para necessidade de se ampliar e aprofundar discussões em
torno do termo interdisciplinaridade, vindas de diversos contextos e das propostas e
orientações curriculares para o Ensino Médio; nossas preocupações como docentes, no
sentido de entendermos como tais propostas interferem no cotidiano escolar; além de
nossa formação em um curso de licenciatura de currículo integrado nas disciplinas de
Química, Física e Educação, no qual a integração nos foi percebida como conflituosa;
são alguns dos elementos, de um conjunto de fatores, que podem ter nos conduzido na
elaboração da seguinte questão de investigação: Como uma experiência de um projeto
de integração curricular interdisciplinar, no Ensino Médio, mobiliza identidades docentes
ligadas às comunidades disciplinares?
Para compreender nossa questão de pesquisa, partimos de um campo empírico
constituído de um conjunto de fontes, a saber: as experiências vividas e narradas por
professores que trabalharam no subprojeto, do Programa Institucional de Bolsas de
16
Iniciação à Docência (PIBID): Ciências da Natureza: Integração Curricular no Ensino5,
que ocorreu nos anos de 2010 e 2011, no Colégio Técnico de Campinas (COTUCA); e
uma análise de textos acadêmicos e de documentos oficiais, principalmente os
PCNEM6, Parte III, para a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias, de 2000, embasado na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), (BRASIL, 1996), e
as DCNEM, de 1998, que foram apontadas como o documento base para o
planejamento pedagógico do COTUCA.
O PIBID, com o qual o subprojeto, Ciências da Natureza: Integração Curricular
no Ensino Médio, contou com um aporte, consiste em uma ação do MEC, via
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), criada como
estimulo à formação de professores e consequentemente a inserção dos alunos dos
cursos de licenciatura no ambiente escolar.
Em 20077, após o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), o MEC promoveu um sistema nacional voltado à formação de professores para
a educação básica, devido ao déficit de professores em todo país e a evasão de alunos
das licenciaturas, principalmente nas áreas de Ciências da Natureza e Matemática.
Para esse sistema nacional, de formação de professores, foram tomadas três principais
medidas, visando aumentar o número de professores no Brasil e melhorar a qualidade
5
Faremos a opção no restante do texto de chamar esse subprojeto com a simples denominação “Projeto
PIBID”, forma como a maioria dos participantes referem-se a ele.
6
Além da coordenação do COTUCA ter apontado os PCNEM como documento orientador para seu
planejamento pedagógico, muitos dos textos de pesquisa sobre interdisciplinaridade no Ensino Médio,
por nós consultados, para essa dissertação (HARTMANN e ZIMMERMANN, 2007; FEISTEL e
MAESTRELLI, 2011; BONATTO e col., 2012; RICARDO e ZYLBERSZTAJN, 2002; 2007), também o
apontaram como principal documento orientador e referência para as pesquisas. Com a publicação das
DNEM, de 2012, as orientações e propostas curriculares parecem tomar direções diversas das contidas
nos PCNEM, com uma tendência ao apagamento de discursos nele contidos, principalmente no que se
refere às competências e habilidades, consideradas eixos principais nos parâmetros. As diferenças nos
contextos históricos, sociais e políticos em que foram elaborados tais documentos e as constantes
disputas nas elaborações de políticas curriculares, sempre em relações de poder, parecem marcar os
textos desses documentos.
7
Dados do Relatório de Gestão 2009-2011 da Diretoria de Formação de Professores da Educação,
publicado na WEB em de 31/07/2012, disponível em: http://www.capes.gov.br/educacaobasica/capespibid/relatorios-e-dados - acesso em 20/10/2013.
17
de capacitação, sendo o lançamento do PIBID, uma dessas três medidas. As outras
duas medidas foram: a inauguração da Universidade Aberta do Brasil (UAB),
oferecendo vagas em cursos à distância de universidade federais e prioritariamente
destinados à formação de professores da educação básica; e o Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), triplicando
o número de vagas nas licenciaturas presenciais.
No documento de regulamentação do PIBID8, argumenta-se que a profissão
docente tem sido considerada pouco atrativa aos jovens e o programa busca incentivar
estudantes, de licenciatura, irem às escolas públicas, onde participam ativamente em
trabalhos no cotidiano escolar. As propostas de projetos de iniciação à docência podem
ser apresentadas por Instituições de Educação Superior (IES), que oferecem cursos de
licenciatura, conforme os editais de seleção publicados. As atividades dos professores
iniciantes são coordenadas por um docente da universidade e supervisionadas por um
professor experiente da escola. As bolsas são distribuídas a todos os docentes:
iniciantes, supervisores e coordenadores; com valores variáveis de acordo com a
função de cada integrante (BRASIL, 2007).
Projetos temáticos interdisciplinares requerem investimentos, precisam de
reestruturação de espaço e redistribuição do tempo para serem elaborados no
ambiente escolar. Nesse sentido, marcas de ambivalências podem ser evidenciadas na
construção de um currículo integrado, pois a prática do cotidiano muitas vezes está
comprometida com as tradicionais grades de horários, conteúdos e propostas de
trabalho no formato exclusivamente disciplinar. A grade de horários e a formação de
professores como especializados são elementos apresentados como facilitadores na
concretização de um currículo disciplinar (QUINTINO, 2005; PETRUCCI-ROSA e col.,
2003; PETRUCCI-ROSA, 2007).
8
Portaria Normativa nº 38, de 12/12/2007, publicada no DOU de 13/12/2007: institui o Pibid. Chamada
Pública MEC/CAPES/FNDE nº 01/2007, publicada no DOU, em 13/12/2007: primeiro edital do Pibid.
Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/Edital_PIBID.pdf - acesso em
09/2011.
18
Em relação à abordagem metodológica no que se refere ao trabalho com as
experiências docentes, a nossa inspiração para utilização das narrativas de vida dos
professores, como fonte empírica, baseia-se em princípio vindo dos conceitos de
Benjamin (2012). Em seu ensaio O Narrador, de 1936, ele afirma que a arte de narrar
está em vias de extinção, pois a humanidade já não tem mais experiências de vida
como antes, apenas vivências de sucessivos choques9 que golpeiam, emudecem e
condenam ao esquecimento. Alertando para importância de rememoração do passado,
como forma de mobilização e resistência em relação ao tempo vazio e homogêneo da
modernidade, ele propõe trazer a arte de narrar para o presente, não de forma a revivêla exatamente como era no passado, mas, ressignificando-a no presente, encontrando
outras formas de comunicação, que possibilitem a transmissão de experiências vividas.
Porém é em outro ensaio, Sobre o conceito de história, escrito em 1940, que
Benjamin (2012) nos deixará pistas de uma forma diferente de comunicação de
experiências vividas, possíveis no ambiente da modernidade. Nesse texto, ele faz uma
crítica ao historicismo moderno, afirmando que tem seu auge legitimado na história
universal, a história dos vencedores e constituída por procedimento aditivo de fatos
históricos, progressivos e evolutivos.
Uma possibilidade de romper com esse tempo continuum da história universal e
de resistir à modernidade seria a de privilegiar a memória, pois, quando o pensamento
se imobiliza “bruscamente, numa constelação saturada de tensões, ele lhe comunica
um choque, através do qual ela se cristaliza numa mônada” (BENJAMIN, 2012, p. 215).
Nessa configuração, a memória como mônada, tem uma forma de expressão no
presente que ressignifica a arte de narrar no passado. Seria como outra forma de viver
a estática provocada pelo choque, ao invés da estática do sujeito, seria a paralisação
do tempo continuum moderno, permitindo que o sujeito se movimente em um espaçotempo inventado por ele.
9
A perspectiva de choque aqui empregada converge para a que Walter Benjamin constrói, tendo por
base as teorias psicoanalíticas freudianas, considerando choque como sendo um acontecimento que
interrompe abruptamente o que vinha acontecendo, traumatizando e silenciando o sujeito. Como os
acontecimentos vivenciados na guerra que silenciam os soldados (ARAUJO, 2006).
19
Entendemos que na contemporaneidade, uma maneira, dos sujeitos resistirem,
se mobilizando e experienciando suas vidas no cotidiano, pode ser aproximada a do
personagem Flâneur10, de Baudelaire (2006), em O pintor da vida moderna. Baudelaire
recebeu atenção de diversos pensadores da modernidade, como Foucault (2005) e,
especialmente, Benjamin (1989).
Para Michel Foucault, o flâneur representa o sujeito moderno que escolhe o que
coincide com seus desejos, daquilo que lhe é imposto pela modernidade como “tarefa
de elaborar a si mesmo”. Ele é um sujeito que busca inventar-se a si mesmo, sem se
preocupar em desvendar segredos ou sua verdadeira essência, “trata-se para ele de
destacar da moda o que ela pode conter de poético no histórico” (BAUDELAIRE apud
FOUCAULT, 2005, p. 343). Ao se deduzir a contingência que faz os sujeitos serem
elaborados, da maneira como são, vem a possibilidade de não ser, agir ou pensar, sem
antes escolher, e o flâneur é esse sujeito que escolhe e faz da modernidade poesia.
Benjamin (1989) faz um estudo sobre literatura como forma de olhar para o novo
cenário urbano da modernidade. O ensaio Paris do segundo Império, apresenta um
capítulo que ele escreveu, intitulado O Flâneur, onde descreve esse tipo baudelairiano,
como um sedentário sempre em movimento em um grande centro urbano, procurando
sentidos outros em pré-determinados caminhos, construídos com determinadas
intenções de consumo.
Sentidos outros encontrados nas entrevistas e textos analisados, diferentes
daqueles aparentemente certos e previamente dados, que estariam ocultos e
guardados naturalmente como essenciais. Assim, metaforicamente, foi à maneira
flâneur, que traçamos nossos percursos na elaboração desse trabalho de pesquisa.
Mesma forma, que aos nossos sentidos, foi a utilizada pelos professores envolvidos
durante a elaboração do Projeto PIBID.
10
O Flâneur, personagem da obra literária de Charles Baudelaire é um solitário que anda pela cidade em
meio à multidão, sem se preocupar com as intencionalidades capitalistas do cenário urbano, consome o
caminho a sua maneira, no seu tempo, vivendo experiências. Benjamin (1989) escreve sobre obra de
Baudelaire e sobre esse personagem como representante de um sujeito que resiste a modernidade.
20
Ainda no ensaio de O Narrador, Benjamin (2012) afirma que a narrativa de vida
traz a experiência do lugar de onde vem o narrador, e para se compreender a “extensão
real do reino narrativo, em todo seu alcance histórico”, é necessário interpretar os dois
tipos de sujeitos que são exemplificados por ele, pelas figuras do camponês sedentário
e o do marinheiro comerciante.
[...] “Quem viaja tem muito que contar”, diz o povo, e com isso imagina o
narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos com prazer
alguém que ganhou honestamente sua vida sem sair do seu país e que
conhece suas histórias e tradições. [...] A extensão real do reino narrativo, em
todo seu alcance histórico, só pode ser compreendida se levarmos em conta a
íntima interpenetração desses dois tipos arcaicos. [...]. O mestre sedentário e os
artífices viajantes trabalham juntos na mesma oficina; e cada mestre tinha sido
um artífice viajante antes de se fixar em sua pátria ou no estrangeiro. Se os
camponeses e os marujos foram os decanos na arte de narrar, foram os
artífices a sua escola mais avançada. No sistema corporativo associa-se o
saber das terras distantes, trazidos para casa pelos migrantes, com o saber do
passado, recolhido pelo trabalhador sedentário. (BENJAMIN, 2012, p.214-215)
Como forma de concretizar essa pesquisa e entender melhor como ocorreram
experiências vividas pelos professores, com o currículo interdisciplinar no Projeto,
representamos esses narradores benjaminianos, nas figuras dos sujeitos envolvidos na
elaboração de documentos e textos de pesquisa, como migrantes que trazem para casa
seus saberes de terras distantes, e do professor na escola, como sendo o trabalhador
sedentário que recolhe esse saber e com seus saberes de quem ficou no seu país e
que conhece suas histórias e tradições, tem muito para narrar, contar suas histórias em
benefício de todos que se colocam a escutá-lo. A escola seria a oficina onde se
interpenetram esses dois tipos de narradores.
No
capítulo
intitulado
O
que
contam os
que
vêm de
longe
sobre
interdisciplinaridade, apresentamos nossas buscas em entender o que os autores nos
contam a respeito de experiências em mobilizações das identidades docentes
interpeladas sobre interdisciplinaridade. Discutimos os textos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), Parte III, para a área de
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (2000) e apresentamos
21
configurações percebidas, diante alguns trabalhos de pesquisa que abordam a questão
interdisciplinar, no Ensino Médio.
Apresentamos nossas escolhas para os caminhos seguidos nesse trabalho,
como opções metodológicas em Labirintos para flânerie. Nesta parte da dissertação,
discutimos as flâneries dos docentes, suas identidades cambiantes e o adensamento
de suas narrativas em mônadas, como imagens que retratam instantes de choque
desses professores, ao experienciarem um currículo interdisciplinar.
Em O que contam os mestres sedentários, apresentamos as mônadas como
textos, adensadas das histórias narradas pelos professores que trabalharam no Projeto
PIBID.
Contamos a nossa história vivida com as lições retiradas das fontes utilizadas
para pesquisa, configuradas a partir de Conselhos, título da última parte deste texto. Na
concepção de Benjamin (2012), conselhos seriam heranças comunicadas de geração
em geração, vindas do senso prático dos mestres narradores e que evitam maiores
explicações.
[...] o narrador é um homem que sabe dar conselhos ao ouvinte. [...] Aconselhar
é menos responder a uma pergunta do que fazer uma sugestão sobre a
continuação de uma história que está sendo desenrolada. Para obter essa
sugestão seria necessário primeiro saber narrar uma história (sem contar que
um homem só é receptivo a um conselho na medida em que verbaliza a sua
situação). O conselho tecido na substância da vida vivida tem um nome:
sabedoria (BENJAMIN, 2012, p. 216-217).
Assim, neste trabalho, conselhos escritos em forma de mônadas, são
apresentados como comunicação que confere uma nova beleza à narrativa que está
desaparecendo. Dessa comunicação, nos veio à possibilidade de conhecimento sobre,
experiências vividas de sujeitos envolvidos com o cotidiano escolar e o espaço-tempo
da escola, apresentado metaforicamente, como sendo o “reino narrativo” desses
sujeitos. Essas mônadas foram as “centelhas” (BENJAMIN, 2012) de otimismo que aos
nossos sentidos, emprestados de um flâneur, puderam ser percebidas e que
favoreceram o entendimento diante a questão: Como uma experiência de um projeto de
22
integração curricular interdisciplinar, no Ensino Médio, mobiliza identidades docentes
ligadas às comunidades disciplinares?
23
24
O QUE CONTAM OS QUE VÊM DE LONGE SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE
Ilustração do livro de Marco Polo, o
narrador viajante - “Le Livre des
Merveilles” "Il Milione" (1298) - edição
(Copy n°176). Suisse, Editions Facsimilé
Lucerne,1996. Disponível em:
http://img3.visualizeus.com/thumbs/10/07
/02/art,illustration,painting,traveling539832ec2abefefb1bf97f6d985edb24_h.j
pg – acesso em 07/2014.
A experiência que passa de boca em boca é a fonte
a que recorrem todos os narradores. E entre as
narrativas escritas, as melhores são as que menos
se distinguem das histórias orais contadas pelos
inúmeros narradores anônimos. Entre estes últimos
existem dois grupos que se interpenetram de
múltiplas maneiras. [...] Se quisermos concretizar
esse dois grupos através de seus representantes
arcaicos, podemos dizer que um é pelo camponês
sedentário e o outro pelo marinheiro comerciante.
Walter Benjamin
Interdisciplinaridade: choque para o flâneur
Antes de atentarmos os nossos sentidos ao que contam alguns textos de
documentos oficiais e outros de publicações acadêmicas, considerados aqui, como uma
forma de expressão de quem vem de longe, apontaremos para significações possíveis
e atribuídas ao termo interdisciplinaridade. Para nós, esse termo poderia ser entendido
como um objeto de choque, tendo por base concepções benjaminianas.
Benjamin
se
baseia
na
ideia
de
choque,
influenciado
pelas
teorias
psicoanalíticas, como acontecimento inesperado e instantâneo, que interrompe
abruptamente o que vinha acontecendo e podendo paralisar, silenciar o sujeito pelo
trauma. Mas, Benjamin (2012) acrescenta ainda a essa ideia o caráter ambíguo das
experiências vividas, pois ao se chocar o sujeito pode também mudar o sentido do que
vinha acontecendo e do que viria a seguir. Sucessivos choques podem deixar os
sujeitos em estado constante de alerta e impossibilitar que tenham experiências de
25
vida, porém, um choque potencialmente pode também, ao interromper o tempo
continuum da modernidade, oferecer oportunidades do sujeito optar por outros sentidos
ao experienciar um espaço-tempo multifacetado (ARAUJO, 2006; GAGNEBIN, 2012;
JOSGRILBERG, 2006; OTTE, 1994).
O materialismo histórico aproxima-se de um objeto histórico somente quando
ele o confronta enquanto mônada. Nessa estrutura ele reconhece o sinal de
uma imobilização messiânica dos acontecimentos, ou dito de outro modo, de
uma oportunidade revolucionária na luta pelo passado oprimido. Ele aproveita
essa oportunidade para explodir uma época determinada para fora do curso
homogênio da história. (BENJAMIN, 2012, p. 251)
Para Benjamin, os sentidos não são fixos, sempre há possibilidade de
movimento,
de
mudança.
Coloca
ideias
opostas
como:
morte/vida,
esquecimento/lembrança, choque/oportunidade, paralisação/movimento; não como
pares opostos que se excluem mutuamente, mas como lados coexistentes simultâneos,
potencialmente mobilizadores (GAGNEBIN, 2006; 2012; JOSGRILBERG, 2006; OTTE,
2011; PAULA, 1994).
A modernidade, segundo Benjamin, deve ser lida como um tempo que engloba
o passado, presente e futuro, simultaneamente, como o tempo do inferno e da
salvação. Esta concepção se constrói sem relação de causa e efeito entre
tempos e fatos, sem continuidades lineares entre fenômenos, e prioriza, ao
contrário, a concomitância dos acontecimentos na história, em uma palavra, a
sua ambiguidade. Este conceito de modernidade encerra um caráter simultâneo
de utopia e de mito, de promessa e infernalidade. (PAULA, 1994, p. 107)
Pensar interdisciplinaridade como um objeto de choque, poderia ser uma forma
de tomar esse tema como referencial, diante do qual o sujeito cria relações de
proximidade
ou
afastamento,
possibilitando
incluir
ou
não
este
objeto,
interdisciplinaridade, como parte de seu universo e mais que isso, escolher como ele
pode ser incluído. Não seria relativizar de forma extrema, pois a questão da alteridade é
percebida, quando o sujeito configura na tensão do choque com um objeto histórico e
externo a esse universo próprio. Ele constrói sempre na relação com outros, os quais
também se relacionam com esse objeto.
26
Dessa forma, podemos entender também como um momento de choque, aquele
que nos deparamos com aquilo que conhecemos como sendo uma verdade natural e
que, por uma análise histórica, passa a ser entendido como uma invenção contingencial
de um tempo passado. A vertente dos estudos históricos, como uma crítica que pode
ser exercida a um modo de olhar a história em sentidos diversos do universal e linear,
não como uma busca pela origem, nem como construção progressiva, mas para
apontar para a diversidade de possibilidades que houve no passado, às vezes
ambíguas, na constituição de um conhecimento ou discurso.
Foucault (2005) utiliza essa critica como instrumento para seus estudos,
propondo buscar marcas, sinais de influências nas disputas de poder, para dado regime
de verdade, naturalizado como uma verdade original. Em outras palavras, como aquilo
que é reconhecido como naturalmente sendo como é no presente, poderia ser
diferente, se a resultante das forças dos sujeitos em luta nas relações de poder, para o
estabelecimento
desse
objeto,
pendesse
para
outras
direções
e
sentidos.
Parafraseando Benjamin, essa busca poderia ser uma “oportunidade para explodir uma
época determinada para fora do curso homogêneo da história” (BENJAMIN, 2012, p.
251).
Foi por um estudo histórico da interdisciplinaridade, no Brasil, que Veiga-Neto
(2010), afirma que esse termo, aparece no país, a partir dos anos de 1970,
principalmente após a publicação do livro Interdisciplinaridade e patologia do saber, de
Hilton Japiassu, o qual sofreu influências de seu professor Georges Gusdorf, um
epistemólogo francês. Tanto para Gusdorf quanto para Japiassu, a disposição moderna
dos saberes em disciplinas seria uma “doença” e a forma de combatê-la seria com a
fusão das disciplinas em uma “verdadeira interdisciplinaridade”, concebendo-a de forma
em substituição à fragmentação disciplinar da “racionalidade científica” que “desnatura
a natureza e desumaniza o homem” (GUSDORF, 1976 apud VEIGA-NETO, 2010, p.6).
Divergindo de nossa perspectiva, para Japiassu (2011), o especialista vive
abrigado em um “manto protetor”, em um “porto seguro” de conhecimento científico
como expressão da verdade acabada e absoluta enquanto a atitude interdisciplinar
27
contribui para a libertação do mito do porto seguro. O transitar por diferentes áreas
disciplinares implicaria em assumir um compromisso com os “quadros mesquinhos e
estreitos de nossa especialização” (JAPIASSU, 2011, p.32), a atitude interdisciplinar
faria oposição à atitude de especialistas e sujeitos envolvidos em interdisciplinaridade
seriam mais abertos a mudanças e as incertezas científicas.
Ora, sabemos que nosso conhecimento nasce da dúvida e se alimenta da
incerteza. Precisamos aprender a viver no repouso do movimento e na
segurança da incerteza. Se nos abrigarmos cega e acriticamente sob o manto
protetor do chamado conhecimento objetivo, do conhecimento verdadeiro, do
conhecimento “científico”, como se fossem a expressão de uma verdade
acabada e absoluta, cairíamos facilmente na tentação de viver uma vida
intelectual parasitária. [...] Por isso, na vida intelectual, é indispensável que
façamos compromissos com nossa ignorância, com nossos limites de
conhecimento e com os quadros mesquinhos e estreitos de nossa
especialização. A atitude interdisciplinar nos ajuda a viver o drama da incerteza
e da insegurança. Possibilita‑nos dar um passo no processo de libertação do
mito do porto seguro. Sabemos quanto é doloroso descobrirmos os limites de
nosso pensamento (JAPIASSU, 2011, p. 31-32).
Do ponto de vista do chamado Movimento Pedagógico pela Interdisciplinaridade,
a organização disciplinar do Ensino Médio seria uma forma desprezível na educação
contemporânea. Esse movimento pedagógico teve início no mesmo período do
movimento da Nova Sociologia da Educação (NSE), de pesquisadores ingleses, que
valorizava o estudo histórico das disciplinas, sem estudarem especificamente a questão
da interdisciplinaridade.
Porém, no Brasil, o primeiro movimento, aqui citado, teve
maior poder de influência e o termo interdisciplinaridade, marcou discursos e textos
curriculares brasileiros (VEIGA-NETO, 2010).
Nesse sentido, o estudo da história das disciplinas revela possibilidades de
compreensão da interdisciplinaridade. A palavra disciplina e outras derivadas11 dela
11
Japiassu identifica quatro sistemas de organização disciplinar, onde a aproximação entre as disciplinas
sucedem em grau crescente: o multidisciplinar, o pluridisciplinar, o interdisciplinar e o transdisciplinar: a)
multidisciplinar - há uma “simples justaposição, num trabalho determinado, dos recursos de várias
disciplinas sem qualquer relação entre os conteúdos de cada disciplina”; b) pluridisciplinar- as
disciplinas se justapõem também num só nível hierárquico, dando margem a certa cooperação, embora
excluindo toda coordenação, apenas “conversam” entre si; c) interdisciplinar - caracterizado “pela
intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de
um projeto específico de pesquisa” nesse sistema, a “colaboração entre as diversas disciplinas ou entre
os setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações propriamente ditas, isto é, a uma
28
como: disciplinaridade, interdisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade;
são utilizadas como referência a determinadas porções de conhecimentos, ordenados,
hierarquizados durante os últimos cinco séculos. Foucault (apud VEIGA-NETO, 2010)
aponta o início do século XVII, como o momento em que houve a substituição da
disciplinaridade da Antiguidade Clássica e da Idade Média por outra, como é conhecida
na contemporaneidade (VEIGA-NETO, 2010).
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo,
que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação
de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas” Muitos
processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos,
nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer do século XVII
e XVIII fórmulas gerais de dominação [...] O momento histórico das disciplinas é
o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente
o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a
formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais
obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das
coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de
seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. (FOUCAULT,
2009b, p.133)
Para Foucault (2009b), a instituição escolar, como também o manicômio e a
prisão, pode influenciar na constituição do sujeito moderno, como um aparelho de
transmissão de conhecimentos que disciplina para determinadas maneiras de ver,
pensar e entender o mundo e a si mesmo. A disciplina entendida como uma técnica
complexa que ajusta o sujeito e cria forças para o trabalho, mas, não somente com
aspectos de repressão, levando-se em consideração que pode haver também efeitos
positivos neste mecanismo, pois ele é também produtivo, principalmente de
conhecimento.
Tendo como base a ideia de multiplicidade de sentidos para o termo disciplina,
Veiga-Neto (2010) coloca que seria perceptível à existência de mais de um significado
certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina
saia enriquecida”. As disciplinas originais se situariam num nível comum, porém inferior ao conjunto de
saberes que se formaria acima dela, numa “interdisciplina”; d) transdisciplinar - não há fronteiras entre
as disciplinas em uma totalidade epistemológica. Esse “sistema total” coordenaria todas as disciplinas e
interdisciplinas, tomando por base uma “axiomática geral capaz de instaurar uma coordenação a ser feita
tendo em vista uma finalidade comum dos sistemas” (JAPIASSU, 1976, p.72- 75 apud VEIGA-NETO,
2010).
29
para essa palavra, podendo ser, por exemplo: como disciplina do corpo, em relação aos
modos de se posicionar, movimentar um corpo no espaço, como manifestações de
atitude dos sujeitos, dentro de determinados padrões sociais e culturais; ou como
disciplina conhecimento, ou seja, como uma disposição dos conhecimentos, como base
para implantação de práticas disciplinares do corpo. Um corpo disciplinado pode ser um
corpo mais receptivo à disciplina conhecimento. Esses dois significados embora
diferentes, se articulam nas práticas pedagógicas, na escola.
Os deslizamentos dos termos, disciplina e interdisciplinaridade, elaborados a
partir de estudos históricos (VEIGA-NETO, 2010; FOUCAULT, 2009b), apontam para a
não fixidez dos termos e, portanto, para os equívocos dos estudos exclusivamente
epistemológicos e desvinculados de contexto sócio-histórico, realizados no movimento
pedagógico pela interdisciplinaridade.
O momento em que se nega a essencialidade do termo interdisciplinaridade,
como um momento de ruptura do contínuo, pode ser o momento de choque com o
objeto interdisciplinaridade, quando existe a possibilidade de diversidade nas formas de
suas concepções, portanto, a diversidade também nos modos dos sujeitos se
relacionarem historicamente com essa questão. A relação se torna imprevisível,
permeada de sentidos outros, daqueles regidos pela racionalidade da modernidade,
onde sujeito e objeto são a priori.
Comunidades disciplinares em práticas interdisciplinares
Pensando interdisciplinaridade como um objeto de choque, discutiremos nosso
posicionamento em relação às articulações entre identidades ligadas às comunidades
disciplinares e a práticas de currículos integrados interdisciplinares, como construções
sócio-históricas, sendo marcadas pela imprevisibilidade e constituídas em relações de
poder.
30
Petrucci-Rosa (2007) menciona sentidos marcados por conflitos de identidades,
nas narrativas de professores que tiveram formação em determinada disciplina, e se
vêm envolvidos em práticas interdisciplinares.
Ser professor (a) de química, de física ou de biologia é carregar fragmentos de
identidades produzidas em outros lugares – nos seus cursos de graduação,
dentro das universidades onde experienciaram currículos acadêmicos
especializados. Ao investir na possibilidade produtiva do trabalho
interdisciplinar, cada professor (a) se desdobra no outro também, na sua
diferença, passando a ser um (a) professor (a) de química-física-biologia. A
prática interdisciplinar, ao aproximar campos diferentes, produz diferentes
interpelações que vão cruzando a todo o momento com a identidade original de
cada um. (PETRUCCI-ROSA, 2007, p. 59)
Goodson (1995) propõe um estudo histórico do currículo e das disciplinas
escolares buscando entender como as definições de conhecimento escolar são
selecionadas, e como as disciplinas, currículos e métodos escolares, constituem
dispositivos para discriminar sujeitos. Para ele, uma análise das complexas relações
entre sociedade e escola, pode evidenciar que nesta instituição, as definições sobre
conhecimento validadas pela sociedade, são refratadas e refletidas e não simplesmente
reproduzidas.
Uma história curricular possibilita explicar, por exemplo, o papel que a profissão
docente desempenha na construção social do conhecimento, sendo a ideia de
profissão, empregada por Goodson, no sentido dado por Bucher e Strauss, como
“amálgamas imprecisas de segmentos que buscam formas diferentes e reunidos mais
ou menos delineadamente sob um nome comum, em um período particular da história”
(1961, p. 325-334, apud GOODSON, 1995, p. 118).
Goodson (1995) justifica a importância dessa perspectiva historiográfica, no
estudo das profissões, trazendo trabalhos feitos sobre a psiquiatria do hospício no
século XIX. Inúmeros autores discutiram e fizeram suas contribuições, mostrando que,
embora em cada nação a cronologia seja diferente, há indícios de mudanças a partir da
metade do século XIX, quando médicos amadores são substituídos por médicos
treinados. Ele cita diversos autores desses estudos históricos, atribuindo a Michel
Foucault o pioneirismo em relação às produções sobre o nascimento do hospício na
31
França. Aponta também para alguns resultados de pesquisas sócio-históricas sobre
docência, realizadas na Grã-Bretanha, os quais mostraram que professores
reconheceram como válidas e se submeteram às definições sobre conhecimento,
formuladas por pesquisadores das universidades. Na busca por “status, recursos,
territorialidade e credenciais”, profissionais “foram estimulados a definir seu
conhecimento curricular em termos abstratos, formais e eruditos” (GOODSON, 1995,
p.122), como comunidades disciplinares.
As disciplinas respondem a demandas específicas, em diferentes contextos:
acadêmico, escolar ou científico. Em cada um desses contextos, as demandas, as
relações de poder, as lutas por recursos e privilégios, são específicas, portanto,
configurando formas diferentes para as disciplinas. Mesmo havendo essa busca de
aproximação das disciplinas escolares às acadêmicas e científicas, no contexto da
escola, os discursos científicos, acadêmicos e escolares são hibridizados12, não
havendo apenas reprodução de outros contextos (LOPES e MACEDO, 2011a).
Os sujeitos atores, em torno de uma determinada disciplina, formam
comunidades disciplinares e os movimentos sociais de docentes e pesquisadores estão
ligados de certa forma às disciplinas acadêmicas, científicas e escolares. Esses atores
se reúnem para lutarem por interesses em comum, como: recursos, formação ou
recrutamento. Mas, como afirma Goodson (1995), entre os participantes dessa
comunidade também há conflitos, configurando assim, ações de indivíduos e grupos
rivais em torno de outros interesses, na disputa por influências.
Trazendo também essa ideia de conflito interno das comunidades, Bauman
(2003) discute que o homem está sempre em luta, consigo mesmo, sobre ser livre ou
viver em segurança e que a busca pela comunidade como um porto seguro, seria como
12
A perspectiva de Lopes e Macedo (2011a) sobre hibridismo, qual nos referimos neste trabalho, se
baseia nos estudos de García Canclini e Homi Bhabha sobre culturas híbridas. Discursos híbridos
poderiam ser aqueles constituídos por discursos vindos de diferentes atores, de um mesmo contexto ou
de diversos outros, sempre em disputa. Não ocorrendo um apagamento de um desses discursos, para
que outro seja imposto, mas, uma coexistência destes em permanente tensão. Essa coexistência carrega
ambiguidades, propiciando sentidos múltiplos aos discursos, portanto oportunidade de movimentos e
resistência, mesmo que um prevaleça sobre o outro.
32
um sonho. A comunidade disciplinar, mais que um “circulo aconchegante”, ou um porto
seguro como afirma Japiassu (2011), se parece mais com uma “fortaleza sitiada”,
sempre sendo atacada por inimigos e ao mesmo tempo em constante discórdia interna.
Mas, pela vulnerabilidade das identidades individuais, seus construtores procuram por
“cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades
individualmente experimentados” (BAUMAN, 2003, p.22).
“A comunidade realmente existente” será diferente da de seus sonhos — mais
semelhante a seu contrário: aumentará seus temores e insegurança em vez de
diluí-los ou deixá-los de lado. Exigirá vigilância vinte e quatro horas por dia e a
afiação diária das espadas, para a luta, dia sim, dia não, para manter os
estranhos fora dos muros e para caçar os vira-casacas em seu próprio meio. E,
num toque final de ironia, é só por essa belicosidade, gritaria e brandir de
espadas, que o sentimento de estar em uma comunidade, de ser uma
comunidade, pode ser mantido e impedido de desaparecer. O aconchego do lar
deve ser buscado, cotidianamente, na linha de frente. É como se a espada
colocada a Leste do Éden ainda estivesse lá, movendo-se de maneira sinistra.
Você ganhará o pão de cada dia com o suor de seu rosto — mas não há suor
que faça reabrir o portão fechado que levaria à inocência comunitária, à
multiplicação fundadora do mesmo e à tranquilidade. (BAUMAN, 2003, p.22)
Seguindo a mesma perspectiva de disciplinas como construções sócio-históricas,
Lopes (2008b) argumenta que o estabelecimento de como irão se posicionar membros
de uma comunidade disciplinar, depende da luta política em que se encontram e não de
suas tradições próprias. Tradição aqui podendo ser entendida como “coleções de livros,
teorias, fragmentos do cotidiano, e o que mais seja” (LOPES, 2008b, p. 208) que
possuam esses grupos de pessoas. Os membros de comunidades disciplinares se
articulam a membros de outras comunidades, se mobilizando no sentido de atender
demandas. Nestas articulações suas identidades e demandas são hibridizadas, sem
perda de suas tradições, pois elas continuam aparecendo em seus discursos e fazendo
parte em suas negociações, porém, com reconfigurações de sentidos.
Diante de tantas descoleções e do foco no desempenho, muitos apostam no fim
das disciplinas. Mas com o conhecimento rizomático, as redes de
conhecimento, a transdisciplinaridade, porque ainda somos tão disciplinares?
Por que ainda investigamos as disciplinas? Por que nos organizamos
disciplinarmente, inclusive na formação deste periódico e de seus artigos?
Defendo que isso acontece porque não está em foco o sentido epistemológico
de disciplina, como mencionei anteriormente: conjuntos de saberes, bem como
métodos e dispositivos de pensamento comuns capazes de produzir e
reproduzir esses saberes. Mas as disciplinas como construções sociais que
33
atendem a determinadas finalidades. Reúnem sujeitos em determinados
territórios, sustentam e são sustentadas por relações de poder que produzem
saberes (LOPES, 2008b, p. 206-207).
Fazer parte de uma comunidade pode não ser tranquilo, nem seguro, mas,
ambivalentemente, possibilita planejamento e práticas de articulações culturais,
políticas e sociais. Os sentidos vindos da memória, frequentemente, remetem às
comunidades como lugares de pertencimento, onde se colecionam tradições e saberes
são produzidos.
Ouvir quem vem de longe
A metáfora do narrador viajante e do narrador sedentário de Walter Benjamin nos
traz inspirações para pensar uma forma de traçar uma conexão entre: o contexto do
cotidiano escolar, micro contexto, como sendo o lugar do narrador sedentário; e o
contexto mais universal, das Instituições mais ligadas à produção dos textos, macro
contexto, como sendo as terras distantes de onde voltaram os narradores viajantes.
Entendemos que, para Benjamin (2012), a importância da interpenetração dos dois
tipos de narradores, esteja relacionada a uma visão de aproximação do local com o
universal.
Diversas pesquisas foram realizadas no intuito de entender como currículos
propostos em documentos, vindos do macro contexto, seriam concretizados no
cotidiano escolar, principalmente a partir da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), de 1996, e de documentos como, as DCNEM, de 1998, e os
PCNEM, de 2000.
De acordo com Macedo (2006), foi a partir dos anos de 1960, que surgiram
posicionamentos mais críticos às tradicionais teorizações do campo de estudos de
currículo, nas quais se destacavam os estudos de documentos oficiais e políticas
institucionais. Nessas posições críticas, contrapondo à visão tradicional, salientava-se a
necessidade de se colocar em pauta o cotidiano escolar, ou seja, a etapa de
34
implementação do currículo. Dessas discussões entre tais posicionamentos, surgem
alguns termos para essa dualidade entre o currículo oficial e o currículo em ação.
O diálogo com a tradição, no entanto, moldou essa ampliação que assumiu a
forma de acréscimos àquilo que era entendido por currículo — o formal — de
outras dimensões, entre elas a vivida. São muitos os termos que definem esse
somatório de dimensões: pré-ativo e interativo (JACKSON, 1968); como fato e
como prática (YOUNG e WHITTY, 1977); oficial, percebido, operacional e
experiencial (GOODLAD, 1979); prescrito, apresentado, moldado, em ação e
realizado (GIMENO SACRISTÁN, 1988); pré-ativo e ativo (GOODSON, 1995).
(MACEDO, 2006, p. 101)
Nesta perspectiva, estudar tais documentos publicados pelo Ministério da
Educação, parece poder favorecer o entendimento das concepções e de seus
pretextos, possibilitando interpretações, que podem proporcionar ampliação de espaços
de resistência ou de aceitação no contexto escolar. O currículo oficial documentado
demonstra publicamente intenções, critérios e normas que legitimam a autonomia
escolar para mediação do currículo oficial e o currículo na escola, em ação.
(GOODSON, 1995 apud ABREU, 2002).
Para Macedo (2006), conceitos como esses apontaram para a importância de se
considerar a experiência na escola como constituinte do currículo e de se atentar para
as desigualdades de forças entre os sujeitos envolvidos. Porém, Macedo propõe pensar
relações entre cultura e currículo, extrapolando para além das dualidades, entre
currículo como fato e currículo como prática, e dialoga com autores que apresentam
conceitos alternativos de currículo, percebido “como um espaço-tempo de fronteira
entre saberes” (MACEDO, 2006, p.105).
Acreditamos que no campo dos estudos de currículo, o modelo do ciclo de
políticas de Ball e colaboradores (BOWE; BALL; GOLD, 1992 apud MAINARDES,
2006), possibilita desconstruir a dicotomia entre macro contexto, mais marcado pela
influência e produção de texto, e micro contexto, onde temos a interpretação e a prática
do texto. Proposto como uma forma de deslizar sentidos entre estilos de textos e
discursos, esse modelo foi elaborado como uma forma de maior aproximação entre as
35
diversas vozes presentes na construção e participação de políticas educacionais e,
portanto, também as vozes presentes na elaboração dos currículos.
O ciclo de políticas seria constituído por três contextos principais interrelacionados, sem dimensão sequencial ou temporal e que apresentam lugares, arenas,
com grupos de interesses que embatem e disputam dentro de cada um e entre esses
contextos: o contexto de influência, onde os discursos em que se embasam as políticas
são construídos; o contexto da produção de texto, onde os textos políticos são
produzidos e articulados de diferentes maneiras, com uma linguagem que procura
amenizar conflitos e voltada para interesses públicos gerais, como são os documentos
oficiais; e o contexto da prática, arena de conflitos nas interpretações de textos ao
serem concretizados no cotidiano vivido (LOPES e MACEDO, 2011b).
Mainardes (2006) afirma que foi com base nas teorizações foucaultianas sobre
discurso, que o pesquisador inglês Stephen Ball e colaboradores (apud MAINARDES,
2006) formularam esse modelo de ciclo, apresentando as políticas como regimes de
verdades e seus atores como sujeitos envolvidos em uma variedade desses discursos,
com alguns prevalecendo sobre outros. Nessa disputa, as políticas aparecem como
discursos e como textos. Sendo que “a política como discurso enfatiza os limites
impostos pelo próprio discurso, a política como texto enfatiza o controle que está nas
mãos dos leitores” (MAINARDES, 2006, p.49).
Para Foucault (1987), a ideia de discurso não é uma ligação direta entre as
palavras e as coisas, são práticas que constituem o objeto de que falam, apesar de
serem feitos de signos, os discursos apresentam um “mais” do que signos para
designar as coisas no ato de fala. Existe nesse ato de fala, uma vontade de poder.
[...] gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato,
ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um
léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos,
que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços
aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um
conjunto de regras, próprias da prática discursiva. [...] não mais tratar os
discursos como conjunto de signos (elementos significantes que remetem a
conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos
de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar
36
coisas. É esse mais que os tornam irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse
"mais" que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever. (FOUCAULT,
1987, p.56)
Certas significações podem ser elevadas a posições mais privilegiadas dentro do
jogo de significantes, orientadas por interesses de grupos sociais, ou podem ser
transformadas em centros, em torno dos quais outras significações circulam. Para
Foucault (1984), seriam os regimes de verdades constituídos nas e pelas relações de
poder.
O importante, eu creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder
[...] A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções
e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu
regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de discurso
que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que
são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o
encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1984, p. 10)
Professores sendo leitores ativos de documentos oficiais podem atuar como
construtores de discursos, que considerem coerentes. Como sujeitos atuantes na
escola não são totalmente excluídos dos processos de elaboração ou implementação
de políticas e utilizam diferentes estilos de textos. Por esses textos serem produzidos
nos processos de formulação de políticas, ocorridos nas relações entre variados
contextos, eles trazem as marcas dos contextos particulares onde foram elaborados e
também de onde foram interpretados e utilizados.
Mesmo entendendo que as disputas sejam travadas com forças desiguais, nos e
entre esses contextos, pode-se, com o modelo de ciclo de políticas (BALL& BOWE,
1992 apud LOPES e MACEDO, 2011b), romper com a ideia de dicotomia entre
currículo formal e o currículo em ação, em uma perspectiva de que o currículo é
constituído no embate entre diversos interesses. Superar a dicotomia entre macro e
micro, permite repensar a centralidade do papel do Estado ou de instituições do macro
contexto como produtor de políticas curriculares que seriam impostas no contexto da
prática.
37
Aproximar macro e micro, em acordo com a metáfora benjaminiana, seria
aproximar vozes do narrador sedentário que ficou em sua terra à do marinheiro viajante
que volta de terras distantes, aproximar o longe e o perto, o universal e o local. Essa
aproximação traz conflitos, embates, mas, possibilita a produção de outras narrativas,
carregadas de tradições e heranças que podem ser comunicadas aos ouvintes atentos.
Foi, nessa perspectiva, que fizemos nossas flâneries, por entre os textos dos PCNEM,
Parte III, da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (BRASIL,
2000) e alguns outros de pesquisas acadêmicas, especialmente interessantes para a
compreensão
da
questão
motivadora
desse
trabalho
em
torno
do
termo
interdisciplinaridade.
O que nos contam os PCNEM
Seguindo agora a flâneur por textos mais relacionados aos meios oficiais, do
macro contexto, principalmente pelos PCNEM (BRASIL, 2000), vamos com nossos
sentidos atentos para entender o que possam conter de utilidades, e tirar deles
conselhos, um senso prático, que Benjamin (2012) reconhece em algumas obras
literárias, e que para ele, as aproxima à “natureza da verdadeira narrativa” ao trazerem
“sempre consigo, de forma aberta ou latente, uma utilidade” (BENJAMIN, 2012, p.216).
Mello (1999), do Conselho Nacional de Educação, que participou na elaboração
dos PCNEM, afirma que historicamente, em quase todos os países, o Ensino Médio é
vulnerável à desigualdade social, por ser o período da vida do estudante quando se dão
os embates entre um ensino mais profissionalizante ou mais acadêmico, com objetivos
mais econômicos ou mais humanistas. No Brasil, esse embate resulta em exclusões ou
privilégios, com o fator social sendo determinante para o acesso a educação.
Para Mello (1999), a universalização seria um passo importante para superação
dessas desigualdades, mas, as reformas devem ainda garantir a qualidade desse
ensino e a permanência do aluno na escola, e não apenas o acesso a essa educação.
O chamado “novo Ensino Médio” dos PCNEM, tem como identidade a tentativa de
38
superação do dualismo entre propedêutico e profissionalizante, adaptado à realidade
nacional, assumindo diferentes formas contextualizadas.
Buscando
essa
superação,
contextualização
e
interdisciplinaridade
são
apresentadas nos PCNEM como eixos didático-metodológicos para o currículo
proposto. Configuram-se como elementos estratégicos, porque pretendem possibilitar
formas de praticar um ensino mais motivador para o aluno, contribuindo para melhoria
da qualidade da educação e a ampliação das chances dos jovens concluírem o Ensino
Médio na escola. Talvez, por isso, diversas produções de pesquisa se configuraram
diante desses termos, como objetos de estudo, visando entendimento das relações de
sujeitos envolvidos com suas práticas na escola, com discursos e textos das propostas
oficiais.
[...] referenciais já direcionam e organizam o aprendizado, no Ensino Médio, das
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, no sentido de se
produzir um conhecimento efetivo, de significado próprio, não somente
propedêutico. De certa forma, também organizam o aprendizado de suas
disciplinas, ao manifestarem a busca de interdisciplinaridade e contextualização
e ao detalharem, entre os objetivos educacionais amplos desse nível de ensino,
uma série de competências humanas relacionadas a conhecimentos
matemáticos e científico-tecnológicos. (BRASIL, 2000, p.4)
Escudeiro (2005) discute em seu trabalho que a interdisciplinaridade e
contextualização, expressas na LDB e nos PCNEM, trazem uma perspectiva de
conhecimento que permite integrar dimensões do currículo, buscando evitar o
surgimento da dualidade entre o ensinar e o aprender ou ainda evitam reforçar outras
dualidades como: as de um currículo universal, da Base Nacional Comum, e um
currículo voltado às singularidades locais, da parte Diversificada; e um currículo de
formação geral ou de preparação para o trabalho.
Percebemos ambivalências de sentidos, carregadas de intenções explicitas de
apagamento de conflito, causado por binarismos, como a do ensino propedêutico e
ensino
profissionalizante,
quando
é
proposto
um
ensino
que
“sem
ser
profissionalizante”, “efetivamente propicie um aprendizado útil à vida e ao trabalho”
(BRASIL, 2000, p.4), e reforçando a tentativa de neutralizar divergências, propõe-se um
39
ensino
disciplinar
combinado
ao
interdisciplinar.
Nos
documentos,
o
termo
interdisciplinaridade não aponta para o apagamento das disciplinas. Não sendo
empregado em oposição ao disciplinar, seria apenas uma forma de intersecção entre
disciplinas.
Lopes (2002) argumenta que as ambiguidades expressas nos PCNEM, são
exemplos de hibridismo de discursos acadêmicos e formas de legitimá-los diante
diferentes grupos sociais e analisa, como exemplo dessas ambiguidades, os discursos
em torno da questão da contextualização, concluindo que trazem intenções de priorizar
a inserção social dos estudantes do Ensino Médio, no mundo do trabalho, embora
expressem a importância do equilíbrio entre esse tipo de ensino, com um mais voltado
para preparação de ingresso à academia.
Entendemos o sentido de ambivalência nos textos, como enunciados ou termos
que carregam sentidos opostos simultaneamente, mas intentam trazer conforto ao
leitor, por lhes retirar a necessidade de escolha entre um ou outro dos pares opostos.
Porém, o leitor, ao interpretar esse texto, pode priorizar um dos sentidos em relação ao
outro ou ainda poderá entrar em conflito, ao ter que se posicionar escolhendo um dos
lados. Quanto à ambiguidade, se aproxima a ideia de um texto constituído por
fragmentos vindos de diversos contextos, podendo ter inúmeros sentidos, e quando
estes sentidos forem opostos, podem se constituírem em ambivalências.
Considerando a ambiguidade, Benjamin valoriza as possibilidades de ação ou de
movimento fora da direção ou sentido esperado, a imprevisibilidade de um choque,
marca uma ação inesperada, instantânea que pode levar o sujeito a olhar para outros
lados, não somente para o unidimensional caminho proposto pela história universal.
Essas possibilidades, não surgem como dois lados opostos que se excluem
mutuamente, o sujeito não precisa escolher entre um ou outro. Elas surgem como
dimensões multifacetadas, imagens onde contradições são simultâneas, um espaçotempo de resistência pela fuga do fluxo contínuo e progressivo da história (GAGNEBIN,
2012; OTTE, 1994; 2011). Sair do fluxo contínuo da história e olhar para outras saídas,
sem se prender aos binarismos, que obrigam os sujeitos a escolherem entre dois lados
40
opostos e excludentes, se aproxima também às ideias de Foucault (1984). O autor, com
seus estudos históricos, analisa o momento do nascimento daquilo que existe como é
conhecido no presente, sempre como proposições contingentes, nunca como
verdadeiras ou falsas.
Concordamos com Lopes (2002) quando afirma que entende os PCNEM como
um texto constituído por discursos híbridos, por ter sido produzido em negociações
entre grupos de pesquisadores de estudos curriculares e das áreas de ensino das
disciplinas específicas, e ainda com grupos de técnicos do governo. Tem, portanto, a
incorporação de apontamentos vindos de grupos de pesquisadores e professores do
meio acadêmico, e não somente de representantes da esfera governamental ou do
macro contexto.
Em relação especificamente à interdisciplinaridade, a referência apresentada nos
PCNEM, para os sentidos do termo, é a LDB de 1996 (ESCUDEIRO, 2005), e se
menciona explicitamente que “a interdisciplinaridade tem uma variedade de sentidos e
de dimensões que podem se confundir”, mas que esses sentidos, “são todos
importantes” (BRASIL, 2000, p.8).
Nas duas primeiras partes do texto dos PCNEM, Parte III, da área de Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias (BRASIL, 2000), Apresentação e na parte
com título, O sentido do aprendizado na área, os termos, “interdisciplinar” e/ou
“interdisciplinaridade”, aparecem muitas vezes, destacando-se sua importância, ao
mesmo tempo em que se defende a manutenção do ensino disciplinar.
No nível médio, esses objetivos envolvem, de um lado, o aprofundamento dos
saberes disciplinares em Biologia, Física, Química e Matemática, com
procedimentos científicos pertinentes aos seus objetos de estudo, com metas
formativas particulares, até mesmo com tratamentos didáticos específicos. De
outro lado, envolvem a articulação interdisciplinar desses saberes, propiciada
por várias circunstâncias, dentre as quais se destacam os conteúdos
tecnológicos e práticos, já presentes junto a cada disciplina, mas
particularmente apropriados para serem tratados desde uma perspectiva
integradora. Note-se que a interdisciplinaridade do aprendizado científico e
matemático não dissolve nem cancela a indiscutível disciplinaridade do
conhecimento. [...] o conhecimento científico disciplinar é parte tão essencial da
cultura contemporânea que sua presença na Educação Básica e,
consequentemente, no Ensino Médio, é indiscutível. [...] a crescente valorização
do conhecimento e da capacidade de inovar demanda cidadãos capazes de
41
aprender continuamente, para o que é essencial, uma formação geral e não
apenas um treinamento específico. (BRASIL, 2000, p. 6).
Por isso tudo, o aprendizado deve ser planejado desde uma perspectiva a um
só tempo multidisciplinar e interdisciplinar, ou seja, os assuntos devem ser
propostos e tratados desde uma compreensão global, articulando as
competências que serão desenvolvidas em cada disciplina e no conjunto de
disciplinas, em cada área e no conjunto das áreas. Mesmo dentro de cada
disciplina, uma perspectiva mais abrangente pode transbordar os limites
disciplinares. (BRASIL, 2000, p.9)
O que chama atenção, nessa sequência de elementos disciplinares e
interdisciplinares, mais do que a relação entre as disciplinas da área, são as
pontes com as disciplinas das outras áreas. A problemática socioambiental e as
questões econômicas produtivas são científico-tecnológicas e são históricogeográficas. [...] Essas decorrências da interdisciplinaridade são objeto de
atenção explícita do CNE/98. Os objetivos da educação no Ensino Médio
apresentados nesta Resolução deverão ser cumpridos pelas disciplinas de cada
uma das três áreas de conhecimento, ou seja, a de Linguagens e Códigos, a de
Ciências da Natureza e Matemática e a de Ciências Humanas, cada uma delas
acompanhada de suas Tecnologias. (BRASIL, 2000, p. 10)
Na terceira parte do texto dos PCNEM, relativa à área das Ciências da Natureza,
na seção Competências e Habilidades, dividida por conhecimentos específicos nas
quatro disciplinas envolvidas nas áreas, Biologia, Física, Química e Matemática, o
termo “interdisciplinaridade” quase não aparece. Essa estruturação aponta novamente
para o caráter ambivalente do documento, com uma introdução trazendo a importância
da interdisciplinaridade, e integração do currículo por área, mas, discutindo os
conhecimentos separados por disciplinas e sem integrá-los.
Para nós, apesar da tentativa nos textos oficiais em eliminar ou atenuar conflitos
em relação ao disciplinar e interdisciplinar, os trabalhos ao serem realizados na escola,
são concretizados por sujeitos que tiveram sua formação disciplinar e que trabalham em
um ambiente organizado em torno de disciplinas. Dentro desse contexto, onde os textos
são interpretados e transformados, a interdisciplinaridade pode ser conflituosa, um
objeto histórico de choque.
Para Petrucci-Rosa (2007), experiências vividas com elaboração de projetos
interdisciplinares para o Ensino Médio indicam que a integração curricular é um
42
exercício que desafia a prática docente, pois identidades docentes, marcadas pela
formação disciplinar, estabelecem relações de pertencimento com as disciplinas, como
lugares de origem (HALL, 2003). Isto pode dificultar movimentos em direção a outros
lugares híbridos produzidos pela interdisciplinaridade, tornando pouco provável um
movimento que rompa com um currículo-loteamento e vá em direção de um currículodiáspora (PETRUCCI-ROSA e col., 2003; PETRUCCI-ROSA, 2007).
O currículo-loteamento seria o espaço-tempo da escola, dividido em lotes
pertencentes a cada uma das disciplinas e estabelecidos em relações de poder e em
uma configuração que dificulta o diálogo entre os docentes. O currículo-diáspora traria a
possibilidade dos sujeitos partirem de seus lugares individuais, levando seus
conhecimentos, indo para espaços comuns a vários professores de diversas disciplinas.
Nesses lugares comuns, embates e relações de poder são reestabelecidas,
constituindo diferentes configurações, no sentido de como se dará o compartilhamento
de conhecimentos entre os participantes do grupo. Essa metáfora traduz que a
mudança não é natural nem é realizada harmoniosamente, mas é um processo de luta
(PETRUCCI-ROSA, 2007).
Praticantes do currículo disciplinar, graduados em licenciaturas de áreas
acadêmicas específicas, trazem consigo uma bagagem transbordante de
memórias, de experiências e de discursos que inventam jeitos de ser professor
(a) na escola, formas identitárias atravessadas por práticas simbólicas que
trazem também elementos de sua cultura científica/acadêmica de origem. Ser
professor (a) de uma determinada disciplina escolar é uma condição que vai
além da dimensão epistemológica ou cognitiva – é carregar também consigo as
práticas advindas do campo simbólico configurado nas relações de poder
presentes na sua comunidade acadêmica de referência. (PETRUCCI-ROSA,
2007, p. 58)
Nos PCNEM, algumas exemplificações são colocadas como possibilidades de
trabalhos conjuntos envolvendo professores de várias disciplinas, com objetivo de
problematizar temáticas contemporâneas ou na resolução de problemas. Porém, a
interdisciplinaridade aparece como naturalizada, quando em um ensino contextualizado.
Não se discute a prática para produção de tais projetos na escola.
Uma compreensão atualizada do conceito de energia, dos modelos de átomo e
de moléculas, por exemplo, não é algo “da Física”, pois é igualmente “da
43
Química”, sendo também essencial à Biologia molecular, num exemplo de
conceitos e modelos que transitam entre as disciplinas. A poluição ambiental,
por sua vez, seja ela urbana ou rural, do solo, das águas ou do ar, não é algo
só “biológico”, só “físico” ou só “químico”, pois o ambiente, poluído ou não, não
cabe nas fronteiras de qualquer disciplina, exigindo, aliás, não somente as
Ciências da Natureza, mas também as Ciências Humanas, se pretender que a
problemática efetivamente socioambiental possa ser mais adequadamente
equacionada, num exemplo da interdisciplinaridade imposta pela temática real.
(BRASIL, 2000, p. 8)
Partindo dessas orientações contidas nos PCNEM, Ricardo e Zylbersztajn (2002;
2007), estudaram como ocorreu a implementação do currículo proposto em uma escola
do Estado de Santa Catarina.
No âmbito estadual, o currículo proposto sofreu
adaptações, no chamado núcleo comum, onde houve diminuição da carga horária das
disciplinas e inclusão da Sociologia, e na parte diversificada, passou a se oferecer
disciplinas eletivas.
Essa mudança na composição do currículo surge da interpretação da LDB (1996)
expressa nos textos das DCNEM, instituídas em 1998, com orientações para um
currículo constituído por uma Base Nacional Comum e uma Parte Diversificada: a
primeira para o trabalho de caráter mais universal, envolvendo as tradicionais
disciplinas e a Parte Diversificada para o trabalho com projetos, de caráter mais local,
envolvendo disciplinas eletivas, constituídas pela interação entre as disciplinas
tradicionais. A regulamentação de um currículo nessa forma romperia com a ideia de
trabalho extracurricular na forma de projetos.
Artigo 11 Na base nacional comum e na parte diversificada será observado que:
I - as definições doutrinárias sobre os fundamentos axiológicos e os princípios
pedagógicos que integram as DCNEM aplicar-se-ão a ambas;
II - a parte diversificada deverá ser organicamente integrada com a base
nacional comum, por contextualização e por complementação, diversificação,
enriquecimento, desdobramento, entre outras formas de integração;
III - a base nacional comum deverá compreender, pelo menos, 75% (setenta e
cinco por cento) do tempo mínimo de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas,
estabelecido pela lei como carga horária para o ensino médio;
IV - além da carga mínima de 2.400 horas, as escolas terão, em suas propostas
pedagógicas, liberdade de organização curricular, independentemente de
distinção entre base nacional comum e parte diversificada;
44
V - a língua estrangeira moderna, tanto a obrigatória quanto as optativas, serão
incluídas no cômputo da carga horária da parte diversificada. (BRASIL, 1998, p.
6)
Ricardo e Zylbersztajn (2007) acreditam que após anos da publicação das DCN
e dos PCNEM, tais documentos ainda são desconhecidos pelos professores nas
escolas e mesmo regulamentando um novo formato curricular, com projetos incluídos
como parte do currículo oficial, não ocorreram alterações nas práticas pedagógicas na
sala de aula. Os autores sugerem a ampliação das discussões sobre a reforma do
Ensino Médio e uma maior atenção à formação continuada de professor, por
entenderem os docentes como sujeitos ativos e elementos fundamentais no processo e
não apenas como sujeitos que executam o currículo imposto pelas orientações
curriculares.
Um ponto que nos converge às indicações de Ricardo e Zylbersztajn (2007),
seria a visão de professores como sujeitos ativos e importantes nesse processo de
reformas, porém, nos divergimos, por entendermos que não há uma estagnação da
reforma pela falta de esclarecimento sobre os textos de documentos. As mudanças são
contínuas e sempre constituídas em relações de poder. Muito mais que a necessidade
de formação continuada de professores, uma mudança resulta de complexos, múltiplos
e singulares discursos e posicionamentos, dificilmente havendo como fixar uma
proposta ao qual se chega a um consenso, mesmo com professores mais bem
formados.
O currículo escolar é campo de disputas e embates, sendo construído nas salas
de aula, nos corredores e nas secretarias, comportando diversidades de atores
presentes nesses lugares. Buscando compreensões de questões relacionadas com
currículo, podemos perceber processos educativos marcados por contextos sociais,
econômicos e políticos de determinada época (GOODSON, 1995).
Entendemos que os documentos trazem marcas de macro contextos, tratando
dualidades como harmoniosas, em uma linguagem que pode favorecer a interesses
públicos gerais, articulada de maneira ambivalente. Se, por um lado, isso pode
45
favorecer intenções de apagamento de conflitos, por outro, acreditamos que também
traga a possibilidade de deixar estes textos mais abertos a interpretações diversas e de
participação do leitor no micro contexto da escola. Um leitor ativo pode ter um papel de
coautor do texto, portanto, um leitor ativo do currículo proposto nos documentos, seria
também um elaborador desse currículo.
Nesse sentido, buscamos entender como se mobilizam professores das
disciplinas: Química, Física e Biologia, no Ensino Médio, interpelados por documentos
como os PCNEM e que vivenciaram a proposta de uma experiência de integração
curricular no Projeto do PIBID, Ciências da Natureza: Integração Curricular no Ensino
Médio.
O que nos contam textos acadêmicos
Continuamos nossa flanêrie por alguns textos de relatos de pesquisas que se
aproximam do nosso, por apresentarem questões relacionadas à interdisciplinaridade,
experienciadas em escolas, por professores do Ensino Médio, principalmente na área
de Ciências da Natureza. Os posicionamentos dos autores diante suas questões de
trabalho, apesar de singulares, apresentam pontos de convergências ou de
divergências entre eles e em relação aos nossos. Em alguns destes pontos, buscamos
certa fixidez para nos colocarmos.
O texto de Feistel e Maestrelli (2011) traz como principal obstáculo à
interdisciplinaridade no Ensino Médio, a formação inicial de professores e não somente
a atitude desses profissionais. Feistel e Maestrelli (2011) tiveram como fonte, relatos de
professores formados, os quais foram unânimes em afirmar a importância da
interdisciplinaridade, mesmo admitindo terem dificuldades em praticá-la, por não terem
vivido esse tipo de experiência em seus cursos de graduação.
Augusto e Caldeira (2007) analisaram as respostas de professores, da área de
Ciências da Natureza e participantes de um curso de formação, para questões sobre
dificuldades de se implantar práticas interdisciplinares. Constataram como principais
46
dificuldades, aquelas relacionadas à organização do espaço-tempo na escola, como: o
tempo para professores estudarem e se reunirem; a coordenação pedagógica ausente;
o desinteresse por parte dos alunos; o relacionamento com a parte administrativa, pelas
cobranças feitas aos professores pelo bom desempenho dos alunos, vinculado ao
pagamento de bônus; e a insegurança por parte dos professores, pela falta de
conhecimento de diferentes disciplinas.
Apesar de Augusto e Caldeira (2007) reconhecerem inúmeras dificuldades para
a realização de projetos interdisciplinares e divergindo de nossas concepções, para
elas, professores, muitas vezes, se tornam passivos à espera de fórmulas prontas em
cursos de formação, para serem aplicadas em sala de aula, sendo que deveriam se
mobilizar no sentido de transposição de obstáculos. Nós nos posicionamos
contrariamente, por entendermos os professores como sujeitos ativos, sempre em
movimento nos embates entre contextos e no cotidiano escolar.
Também se afastam das nossas, as opiniões contidas na maioria de outros
trabalhos de pesquisa analisados (AUGUSTO e col., 2004; HARTMANN e
ZIMMERMANN, 2007; SILVA e RODRIGUES, 2009; FEISTEL e MAESTRELLI, 2011;
BONATTO e col., 2012) onde a atitude dos professores foi interpretada como o maior
obstáculo para o trabalho interdisciplinar na escola. Professores são vistos como atores
que interferem negativamente na realização de ações conjuntas, por se manterem
fechados em suas disciplinas, o que vem impedindo que ocorra de fato uma reforma do
Ensino Médio, em acordo com as propostas curriculares. Nesses artigos, apesar de
serem discutidos os vários sentidos para o termo interdisciplinaridade, parece haver um
consenso de que “são todos importantes”, parafraseando o que está expresso nos
PCNEM (BRASIL, 2000, p.8). Essas opiniões parecem conferir uma essencialidade ao
termo e/ou na forma dos professores se relacionarem com essa questão.
Todos os professores entrevistados afirmaram que é possível construir um
trabalho interdisciplinar utilizando o tema Efeito Estufa. Porém, as metodologias
citadas por eles para a implantação dessas práticas revelam que eles ainda
confundem interdisciplinaridade com multidisciplinaridade e continuam muito
apegados à disciplina que lecionam, a qual eles consideram aglutinadora ou
centralizadora na implantação de temas interdisciplinares: Não consentem em
abandonar-se rumo a um objetivo maior. Num trabalho interdisciplinar não
47
deveria haver disciplinas hegemônicas e coadjuvantes, todas têm a mesma
relevância (AUGUSTO e col., 2004, p. 288).
É necessário admitir que a realização de um trabalho interdisciplinar é uma
tarefa bastante complexa. A maior dificuldade está em promover a interação
entre profissionais habituados ao trabalho individual. Atitudes como o
desinteresse, o medo de mudança e a acomodação são, em parte, sinais
externos de uma falta de preparo profissional para interagir com colegas em
atividades coletivas. A maior dificuldade neste estudo de caso parecia ser dos
professores da área de ciências naturais (HARTMANN e ZIMMERMANN, 2007,
p.11).
Foi evidenciado neste trabalho que alguns professores ainda mantêm um
ensino fragmentado e compartimentalizado, revelando uma prática tradicional
de ensino pautada na transmissão dos conhecimentos científicos. Outros
realizam um ensino contextualizado, de forma a romper com a fragmentação e
linearidade dos conhecimentos químicos. Dessa forma, apresentam uma atitude
interdisciplinar, ao trazerem para o contexto do ensino as implicações sociais
dos conhecimentos químicos. Acreditamos que o ensino de Química terá a
relevância que merece quando alcançarmos, como professores de Química, a
compreensão e consciência de que a realização de práticas de ensino
interdisciplinar e contextualizada carrega em si um enorme potencial para que
possamos oferecer uma educação que possibilite a formação de seres
humanos críticos, participativos, capazes de transformar seu entorno e a
realidade na qual estão inseridos. Para isso, é necessária a reflexão sobre
nossas atitudes e práticas pedagógicas no ensino-aprendizagem de Química
nas escolas (SILVA e RODRIGUES, 2009, p.11).
Desta maneira, a motivação dos educandos, da disciplina de Ciências Naturais,
depende da metodologia ministrada em sala de aula. O educador deve primar
pela utilização de práticas metodológicas e estratégias que possam dinamizar o
trabalho pedagógico. Portanto, cabe ao professor o papel de “encantar” os
alunos pela sua forma de selecionar, organizar, contextualizar os conteúdos,
promovendo assim seu desenvolvimento intelectual, e auxiliando-os na
construção como sujeitos, isto é, como ser social. (BONATTO e col., 2012,
p.10)
A perspectiva de que a atitude do professor seja o principal fator para construção
de um trabalho interdisciplinar, apesar da indicação de vários outros fatores que podem
interferir na elaboração de trabalhos interdisciplinares, se aproximam às concepções da
pesquisadora Ivani Fazenda (2011), que admite a própria interdisciplinaridade como
atitude.
[...] o que se pretendeu aqui foi apenas o levantamento de alguns dos principais
obstáculos que impedem a efetivação de um trabalho interdisciplinar e de
48
possibilidades em superá-los. Os obstáculos foram sendo identificados em
função de uma ideia primeira: da interdisciplinaridade como atitude. Também foi
aventada a possibilidade de efetivação desta “mudança de atitude”, através da
uma nova metodologia e linguagem, enfim de uma nova Pedagogia, a da
Comunicação, sem que se entrasse no detalhamento destes itens, já que a
preocupação inicial de toda esta proposição teórica foi permanecer num âmbito
geral. (FAZENDA, 2011, p. 47)
Parece haver uma tendência na pesquisa brasileira em enfatizar aspectos mais
psicológicos e comportamentais de professores em práticas interdisciplinares, que pode
ser atribuído a uma influência do movimento pedagógico pela interdisciplinaridade, o
qual ganhou forças após a publicação do livro de Fazenda (2011), Integração e
interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? Essa obra surge em
um momento quando muitos discursos anunciavam a importância da integração, com
articulação das disciplinas (VEIGA-NETO, 2010).
[...] Dos mais de cem artigos científicos, livros e relatórios de pesquisa que
consultei e que foram publicados entre 1980 e 1995 — e em cujos títulos há
alusão à interdisciplinaridade ou à integração das disciplinas, matérias e
conteúdos curriculares — quase todos fazem referência ao livro de Fazenda ou,
pelo menos, a algum outro livro ou artigo da pedagoga. Resumindo: pode-se
creditar a ela a emergência e o fortalecimento do movimento pedagógico pela
interdisciplinaridade no País. É interessante notar que, já no seu primeiro livro,
Fazenda
promove
um
deslocamento
nas
discussões
sobre
a
interdisciplinaridade: da ênfase na epistemologia — como haviam feito Gusdorf
e Japiassu—, ela passa à ênfase nos aspectos comportamentais e psicológicos
daqueles que buscam organizar e executar práticas pedagógicas
interdisciplinares. (VEIGA-NETO, 2010, p.8)
Propondo analisar e contrapondo-se ao raciocínio desse movimento, Veiga-Neto
(2010) enumera mais de dez motivos para acreditar que tenha sido um grande
equívoco. Alguns desses equívocos seriam: a ideia de que o mau uso da ciência é
exclusivo da própria ciência, sem considerar outros processos articulados como os
econômicos, culturais e políticos; entender que uma organização interdisciplinar possa
tornar a atividade científica mais ética e equilibrar a natureza das coisas, como se
houvesse uma natureza a priori; considerar tranquilas a unidade da razão, como se
houvesse uma epistemologia única que compreenda todo o conhecimento humano; e
desconhecer a História das Disciplinas e do Currículo, que apontam para a organização
49
disciplinar do conhecimento científico diferente da organização dos currículos
escolares.
Buscando inspirações em Foucault (1984), quando faz considerações sobre o
sujeito intelectual e sobre verdade e poder, acreditamos que os sentidos do termo
interdisciplinaridade foram constituídos nas relações de poder.
Parece−me que o que se deve levar em consideração no intelectual não é,
portanto, "o portador de valores universais"; ele é alguém que ocupa uma
posição específica, mas cuja especificidade está ligada às funções gerais do
dispositivo de verdade em nossas sociedades [...] Ele funciona ou luta ao nível
geral deste regime de verdade, que é tão essencial para as estruturas e para o
funcionamento de nossa sociedade. (FOUCAULT, 1984, p.11)
Para Foucault (1984), os limites são impostos diante um sistema de verdade,
limites que vão traçar o que é normal e o que não é, num jogo de verdadeiro e falso,
provocando práticas divisórias, como no binarismo normal e anormal. Depois de
estabelecidos os limites, o sentido dado nesse jogo a essas normas é naturalizado,
legitimando-o como verdadeiro. A resistência é possível, por sempre haver liberdade de
escolha, o sujeito deverá decidir o preço que está disposto a pagar por sua liberdade de
transgressão ou ainda escolher manter-se seguro dentro desses limites. Esse conjunto
de normas de referências para distinção do verdadeiro e do falso e para se atribuir ao
verdadeiro, efeitos específicos de poder, é estabelecida no embate em torno do que
representa essa verdade no contexto histórico, político e econômico.
A atitude do professor não deve ser tomada como único ou principal obstáculo
para se experienciar um currículo integrado interdisciplinar. Pois não havendo
essencialidade no termo interdisciplinaridade, nem uma forma verdadeira dos
professores se relacionarem com ele, a relação será sempre imprevisível, configurada
no contexto sócio-histórico, contrariando a ideia de objeto e sujeitos a priori.
50
LABIRINTOS PARA FLÂNERIE
A multidão não é apenas o mais novo refúgio do
proscrito; é também o mais novo entorpecente do
abandonado. O Flâneur é um abandonado na
multidão. Com isso, partilha a situação da
mercadoria. Não esta consciente dessa situação
particular, mas nem por isso ela age menos sobre
ele. Penetra-o como um narcótico que o indeniza
por muitas humilhações. A ebriedade a que se
entrega o Flâneur é a da mercadoria em torno da
qual brame a corrente de fregueses. Se a
mercadoria tivesse uma alma [...] esta seria a mais
plena de empatia já encontrada no reino das almas,
pois deveria procurar em cada comprador a cuja
mão e cuja morada se ajustar. Ora essa empatia e a
própria essência da ebriedade a qual o flâneur se
abandona na multidão.
Walter Benjamin
Temas para "Charles Baudelaire".
Página Manuscrito. Arquivo de Walter
Benjamin
Disponível em: http://media-cache-
ec0.pinimg.com/736x/a5/eb/75/a5eb7
5523b894b89f31f4a05f2b1c8f6.jpg acesso em 07/2014
O poeta goza o inigualável privilégio de poder ser,
conforme queira, ele mesmo ou qualquer outro.
Como almas errantes que buscam um corpo,
penetra, quando lhe apraz, a personagem de
qualquer um. Para o poeta, tudo está aberto e
disponível; se alguns espaços lhe parecem
fechados, e porque aos seus olhos não valem a
pena serem inspecionados.
Charles Baudelaire
Flânerie
O Flâneur de Baudelaire, um poeta celebrado por Benjamin, representa um
sujeito em meio ao espaço e tempo característico da modernidade, representado pela
cidade grande e participa de uma história múltipla. É um sujeito que também se
posiciona em relação a um lugar proposto para o consumismo, para a massificação e
para o universal, que, no entanto, são transformados em espaços inventados dentro de
relações conflituosas.
51
Em um lugar exterior hostil, como o de uma grande cidade, se produz um espaço
individual, relativo, porém, sempre construído na relação com o exterior e com os
outros. A resistência do sujeito consiste em inventar seu cotidiano, nunca se isolando,
sempre correndo riscos em meio a multidões, pois seu micro universo é atravessado e
atravessa o macro universo.
No texto, O Flâneur, Benjamin (1989) escreve sobre a modernidade e a
identidade do sujeito nesse contexto, argumentando em relação a obras literárias, onde
a linguagem é ora utilizada como instrumento de crítica, ora de enaltecimento à
modernidade. Se posicionando como crítico à modernidade, afirma que algumas
literaturas da época surgem como respostas à necessidade de se conhecer
previamente os espaços e os indivíduos. Os fascículos de folhetins de bolso destinados
a descrever os tipos humanos da cidade, denominados de “fisiologias”, contaram com
um excessivo número de publicações. Depois da tentativa de classificação de tipos de
indivíduos, os autores do gênero tentaram descrever a cidade de Paris e esgotada essa
fisiologia da cidade, passaram para a fisiologia dos povos e até mesmo dos animais.
O leitor das fisiologias poderia prever os indivíduos e os lugares, sem ser
surpreendido, pois, nesse gênero literário, os personagens eram produzidos em uma
perspectiva preconcebida da sociedade. Traziam a possibilidade de uma vida menos
hostil e mais familiar aos moradores da cidade grande.
Benjamin, nessa mesma obra, irá mencionar diferentes formas de flânerie, como
a de personagens detetives dos romances policiais, outro gênero literário que sucede
as fisiologias nesse período. O sucesso dos romances policiais pode ser justificado, por
trazer ao leitor a possibilidade de organização de um espaço aparentemente
incoerente, típico do urbano. Sendo qualificado, o sujeito pode desvendar qualquer
mistério ou anonimato, como faz o personagem detetive Dupin, de Edgar Allan Poe,
considerado o precursor dos detetives da literatura, inclusive do personagem Sherlock
Homes, de Arthur Conan Doyle.
Para esses detetives, também designados como Flâneurs, tudo é “elementar”,
parafraseando o personagem Sherlock Homes, pois sempre haverá pistas levando o
52
aparente e caótico mundo a um universo naturalmente ordenado das coisas e das
pessoas. Isso traz ao leitor grande tranquilidade, pois esse tipo de herói pode, até
mesmo no interior de quatro paredes, solucionar o mundo lá fora. O heroísmo do
detetive é tentar ordenar o mundo, mesmo estando isolado, ele tem a função de seguir
pistas e desvendar os mistérios, diferente do Flâneur concebido por Baudelaire, um
ocioso que se entrega a desordem e não oferece pistas para ser identificado na
multidão.
Benjamin atenta para a diferença entre o Flâneur detetive de Poe e o Flâneur de
Baudelaire, citando elementos na obra As Flores do Mal utilizados por Baudelaire e que
são fundamentais em romances policiais, porém, enfatiza que o primeiro escreveu
obras para serem consumidas pelas massas modernas e o segundo escreve como um
crítico dessas massas.
“As Flores do Mal” conhece, como fragmentos dispersos, três dos seus
elementos decisivos: a vítima e o local do crime (Mártir), o assassino (O Vinho
do Assassino), a massa (O Crepúsculo Vespertino). Falta o quarto elemento,
aquele que permite ao entendimento penetrar essa atmosfera prenhe de
emoção. Baudelaire não escreveu nenhum romance policial, porque, em função
da impulsividade de seu caráter a identificação com o detetive lhe foi
impossível. O cálculo, o elemento construtivo nele ficava do lado do antissocial
e foi totalmente capturado pela crueldade. Baudelaire leu Sade bem demais
para poder concorrer com Poe. (BENJAMIN, 1989, p. 40-41).
É possível perceber algumas aproximações entre os pensamentos de Benjamin
e os de Foucault, em relação à modernidade e ao sujeito moderno. Foucault (2005), no
ensaio O que são luzes? escrito em 1984, também utilizará o flâneur de Baudelaire
para discutir o sujeito moderno, que assume uma “voluntária, difícil” atitude que
“consiste em recuperar alguma coisa de eterno que não está além do instante presente,
nem por trás dele, mas nele”. (p. 343)
Não se trata absolutamente, da atitude de modernidade de sacralizar o
momento que passa para tentar mantê-lo ou perpetuá-lo. Não se trata,
sobretudo de recolhê-lo como uma curiosidade fugidia e interessante: isso seria
o que Baudelaire chama de uma atitude de “flanar”. Aquele que flana se
contenta em abrir os olhos, prestar atenção e colecionar na lembrança. Ao
homem que flana, Baudelaire opõe o homem de modernidade: “Ele vai, corre,
procura. Seguramente, esse homem solitário dotado de uma imaginação ativa,
sempre viajando através do grande deserto de homens, tem um objetivo mais
53
elevado do que aquele que flana, um objetivo mais geral, diferente do prazer
fugidio das circunstâncias. Ele busca alguma coisa que nos permitirão chamar
de modernidade. Trata-se para ele de destacar a moda o que ela pode conter
de poético no histórico.” (FOUCAULT, 2005, p. 343).
Os caminhos nos labirintos desse trabalho de pesquisa, entre narrativas e
textos dos documentos e de trabalhos acadêmicos, foram seguidos à maneira do
Flâneur, de Baudelaire, por não haver pistas que levassem a respostas certas, assim
como não houve para os professores que trabalharam no Projeto PIBID.
A cada ação na escola e a cada história contada pelos participantes, novas
tentativas de configurações de espaço-tempo eram constituídas, a cada choque, novas
mônadas, oportunamente, possibilitando alguns conselhos sobre como as identidades
docentes podem ser mobilizadas na produção de um projeto de integração curricular
interdisciplinar, no Ensino Médio.
Identidades docentes à Flâneur
Como mencionamos anteriormente, consideramos a forma de mobilização dos
docentes envolvidos com a produção do Projeto PIBID, assim como a nossa, na
produção desse trabalho, convergindo para a ideia de um sujeito que resiste às
tentativas de imposições de consumo na contemporaneidade, tal qual o flâneur de
Baudelaire (2006).
As aproximações entre os professores entrevistados, a professora entrevistadora
e professoras pesquisadoras, talvez tenham sido facilitadas por serem todos docentes e
terem em comum suas formações na área de Ciências da Natureza, Química, Física e
Biologia, atuando no Ensino Médio.
Por ser graduada em um curso que envolve três áreas, Física e Química e
Educação, carrego a contradição de pertencimento a três lugares distintos, que
parecem se hibridizar ao se encontrarem na pesquisadora constituída e hoje professora
atuante. Trazendo assim uma percepção desse híbrido lugar, como possibilidade de
fixação momentânea para este presente estudo.
54
Oliveira (2008) fala sobre identidade como resultado de intersecção de diferentes
componentes de discursos e vivências, em seu estudo sobre as contradições nas
identidades
produzidas
durante
a
formação
do
profissional
químicobachareltecnológoprofessor (OLIVEIRA, 2008), no Instituto de Química, da
Universidade Estadual de Campinas. Leitura que podemos ressignificar para a
formação do professorquímicofísico que, como eu, cursou a Licenciatura Integrada em
Química e Física, na Faculdade de Educação e Institutos de Física e de Química.
Ramos (2012) estudou em sua tese, a formação desse curso de Licenciatura
Integrada em Química/Física, conhecido como curso 5613, também da Universidade
Estadual de Campinas, na condição de ex-aluna. Ela discute as relações de poder e os
conflitos como contexto para constituição desse curso na Universidade, apresentando
algumas interpelações sofridas pelas identidades dos alunos. Para Ramos (2012), as
identidades dos alunos do curso 56, constituídas no compartilhamento de diferentes
comunidades acadêmicas, talvez sejam fragmentadas.
Petrucci-Rosa (2007) também discute a intersecção de diferentes componentes
na identidade docente, em seu artigo sobre experiências de professores em trabalhos
interdisciplinares na Área de Ciências da Natureza. Para ela há um desdobramento de
um professor de determinada disciplina, da Química, Física ou Biologia, para o
professor de química-física-biologia (PETRUCCI-ROSA, 2007), não ocorrendo o
apagamento das marcas da disciplina na qual o professor teve sua formação na
graduação, mas, ocorre um hibridismo, constituindo uma outra identidade, marcada
agora também por outras disciplinas envolvidas no trabalho interdisciplinar.
Significações singulares podem ser produzidas em diferentes experiências de um
mesmo sujeito ou por diferentes sujeitos em uma mesma experiência. Podemos
representar-nos de formas diferentes, em diferentes contextos, sendo um sujeito
composto de múltiplas identidades oscilantes, contraditórias ou não. Para Stuart Hall
(2003, 2004; 2011), as identidades estão suscetíveis a transformações e mudanças por
13
Número do curso, Licenciatura Integrada em Química/Física, no Catálogo de Graduação da UNICAMP.
Usualmente alunos e professores se referem ao curso pelo seu número, chamando-o de curso 56.
55
serem produzidas em específicas formações, práticas e estratégias, dentro de
determinadas instituições, lugares históricos.
[...] para significar o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as
práticas que nos tentam “interpelar”, nos falar ou nos convocar para que
assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares
e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que nos
constroem como sujeitos aos quais se pode “falar”. As identidades são, pois,
pontos de apego temporário às posições de sujeito que as práticas discursivas
constroem para nós. (HALL, 2004, p.111-112)
Lopes (2008a) afirma que as características disciplinares são mais significativas
na formação cultural do professor do que as características institucionais, pois é a partir
das disciplinas que se forma a organização escolar onde o professor vai atuar.
Horários, conteúdos, materiais didáticos são sempre relacionados às disciplinas e é a
partir dessa organização que o professor irá negociar seu espaço-tempo, o que
fortalece as fronteiras disciplinares. O professor do Ensino Médio irá se identificar ainda
mais com a disciplina, a qual permeia sua identidade profissional, constituindo culturas
geradoras de contextos conceituais onde os professores reinterpretam definições
curriculares.
O pertencimento ou o não pertencimento (HALL, 2011) a um lugar, a Biologia,
Física ou Química, parece mobilizar a configurações de sujeitos com identidades
múltiplas nem sempre de forma harmônica, tranquila. Ao contrário, isso muitas vezes,
se dá de forma bastante conflituosa e contraditória, pois, a necessidade de fixação na
prática de determinadas ações, convive com a necessidade de mobilidade e
instabilidade para prosseguir em outras ações.
Esse hibridismo identitário não é uma nova forma estável e segura. Hall (2011),
no contexto da pós-modernidade, alerta para descentração do sujeito, que de certa
forma deflagra a atual crise de identidade. O conceito de identidade na modernidade foi
se transformando e Hall (2011) distingue três diferentes concepções de identidades: do
sujeito do Iluminismo, centrado em seu interior, essencialmente o mesmo sempre,
único; do sujeito sociológico, mais interativo, consciente de sua não autonomia e da
56
importância das outras pessoas para ele; e do sujeito pós-moderno, que é descentrado,
fragmentado, sem identidade fixa, não essencial.
Hall (2011) afirma ainda que na primeira metade do século XX, momento em que
as Ciências Sociais tomam a atual forma disciplinar e emerge o sujeito sociológico
interativo, surge também o sujeito com identidade Flâneur. Em meio a movimentos
intelectuais e estéticos a figura de um sujeito mais “perturbado e perturbador”,
representado principalmente pelo personagem do poeta Baudelaire. O Flâneur é um
vagabundo que anda pelas arcadas das lojas de Paris, solitário em meio à multidão,
nas ruas da grande metrópole e anônimo, resistindo às imposições do modernismo. De
certa forma, esse personagem é como uma das imagens “proféticas do que iria
acontecer ao sujeito cartesiano e ao sujeito sociológico na modernidade tardia” (HALL,
2011, p. 33): fragmentado, descentrado e contraditório.
Benjamin em alguns de seus ensaios relativiza o sujeito a um objeto localizado
em um espaço-tempo moderno, aparentemente universal. A partir desse objeto, o qual
o sujeito toma como referencial, o espaço-tempo é reinventado, como um lugar próprio,
subjetivo. É a partir desse referencial nesse lugar inventado, que o sujeito cria uma
relação de familiaridade ou de estranhamento com o novo, com o que deseja que faça
parte ou não desse seu mundo. Dessa forma há um rompimento com a linearidade e
homogeneidade do tempo, para uma forma multifacetada, onde os elementos se
combinam espacialmente como imagens complexas. (OTTE, 1997)
Nessa perspectiva, podemos considerar a possibilidade de identidade docente,
como cambiante, tal qual a do Flâneur de Baudelaire, um sujeito que vive sua
experiência na escola, decidindo suas ações, inventando seu espaço na coletividade. O
currículo como um texto, tal qual uma rua na cidade grande, pode ser lido à sua
maneira, mas, sempre na relação com o outro e configurando sua experiência vivida em
uma multidimensional complexidade de espaço-tempo. Assim pode não haver somente
um lugar fixo de pertencimento, como a Física, Química ou Biologia, mas espaços
inventados
configurando
múltiplas
histórias
professorfísicoquímicobiólogo.
57
de
vida
como
mônadas
do
Adensar centelhas: textos como mônadas
Foi considerando a concepção de narrativa de Benjamin (2012), que ouvimos
histórias contadas pelos professores sobre suas experiências com o Projeto PIBID e
passamos agora nessa seção, a apresentar algumas considerações feitas por Benjamin
sobre narrativa.
Nos ensaios O Narrador e Experiência e Pobreza, Benjamin (2012) expressa
suas preocupações com a arte de narrar que parece estar se extinguindo, pois a
humanidade está pobre em experiências de vida, colecionando apenas vivencias de
choques, como traumas, que emudecem levam ao esquecimento. Ele afirma que a
vivência sofrida nas trincheiras, fez com que os soldados voltassem mudos da guerra,
se tornassem mais pobres, e não mais ricos em experiência (BENJAMIN, 2012, p.214).
Na guerra, os indivíduos se sentem isolados e mesmo em grupos, lutam sozinhos e o
espaço do lugar comum, para a memória coletiva, se minimiza, assim como as
lembranças parecem fragmentadas. Eles preferem esquecer, a lembrar, e ao
esquecerem, emudecem, não possuem mais experiências de vida que possam ser
narradas.
Com a guerra mundial começou a tornar-se manifesto um processo que desde
então segue ininterrupto. Não se notou, ao final da guerra, que os combatentes
voltavam mudos do campo de batalha; não mais ricos, e sim mais pobres em
experiência comunicável? E o que se derramou dez anos depois, na enxurrada
de livros sobre guerra, nada tinha em comum com a experiência transmitida de
boca em boca. [...] Porque nunca houve experiências mais radicalmente
desmentidas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a
experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela batalha
material e a experiência moral pelos governantes. (BENJAMIN, 2012, p.214)
A narrativa era a forma de se deixar uma herança, como algo que deve ser
comunicado pelos mortais, de geração a geração. O homem, por ser fadado à morte,
precisa deixar suas memórias para não ser esquecido, como uma forma de resistência
à mortalidade, não em um sentido apenas individual, mas, coletivo. A mortalidade é
comum a todos os homens e a resistência à morte traz um vínculo entre os mortais.
Assim, se não houver esperança de vida, não houver escolhas, não há resistência.
58
Em nossos livros de leitura havia a parábola de um velho que, no leito de morte,
revela a seus filhos a existência de um tesouro oculto em seus vinhedos.
Bastava desenterrá-lo. Os filhos cavam, mas não descobrem qualquer vestígio
do tesouro. Com a chegada do outono, porém, as vinhas produzem mais que
qualquer outra na região. Só então compreenderam que o pai lhes havia
transmitido uma certa experiência: a felicidade não está no ouro, mas no
trabalho duro. [...] De forma concisa, com autoridade da velhice, em provérbios;
de forma prolixa, com sua loquacidade, em histórias; às vezes como narrativas
de países longínquos, diante da lareira, contadas a filhos e netos. - Que foi feito
de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam narrar algo direito?
Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas
como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado hoje por um provérbio
oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua
experiência? (BENJAMIN, 2012, p.123)
Há um pessimismo em Benjamin (2012), porém, não fatalista e sim prenhe em
ambivalências de sentidos como possibilidades abertas para resistir, refletir para além
das evidências, do que pode ser certo, seguro e linear. Benjamin discute que a arte de
narrar está em vias de extinção, mas, como forma de alertar, aconselhar, uma
provocação para mobilizações e resistência, pois se a narrativa está se extinguindo,
não é o mesmo que dizer que está extinta. Também não há intenção de reconstituir o
passado, mas um intuito de ressignificá-lo no presente, encontrando outras formas de
comunicação, de transmitir heranças.
Esse mesmo pessimismo parece presente quando Benjamin (2012) discute que
no contexto histórico, social e político do presente, devem-se buscar formas de resistir e
fazer das catástrofes, dos choques, enfrentados no cotidiano, formas de experiências
de vida. O choque que golpeia constantemente o sujeito moderno, impossibilitando-o de
experienciar, pode, ao mesmo tempo, trazer a possibilidade de parar o tempo
homogêneo e vazio, trazer uma configuração de espaço-tempo que evidencie as
heterogeneidades da história.
Uma das maneiras de subverter a lógica da modernidade seria a de se contrapor
ao gênero dos breves textos de anúncios, apelantes ao consumidor, que intentam não
deixar brechas ao leitor, dando-lhes certeza sobre a melhor escolha e ainda, permitindo
que não haja perda de tempo para a sua leitura. Para isso, Benjamin (2012) escreve
textos, também pequenos, porém, produzindo-os ricos em sentidos e experiências
59
vividas, privilegiando a memória. Dessa forma esse texto, mais aberto ao leitor, permite
que ele mergulhe entre as palavras, se misture a elas, produzindo configurações
tensionadas entre texto e memória, que ressignificam do passado, múltiplos sentidos.
No ensaio Sobre o conceito de história, de 1940, Benjamin (2012) explicitou essa
forma diferente de comunicação de experiências vividas, como possibilidade de romper
com a história universal, argumentando que quando o pensamento se imobiliza em uma
configuração tensionada, a memória na forma de mônada, teria a forma de
comunicação próxima à arte de narrar experienciada no passado.
A história universal não tem qualquer armação teórica. Seu procedimento é
aditivo: ela utiliza a massa dos fatos, para com eles preencher o tempo
homogêneo e vazio. A historiografia materialista por outro lado, tem em sua
base um princípio construtivo. Pensar não inclui apenas o movimento dos
pensamentos, mas também sua imobilização. Quando o pensamento para,
bruscamente, em uma constelação saturada de tensões, ele lhe comunica um
choque, através do qual ela se cristaliza em uma mônada. (BENJAMIN, 2012,
p.251)
Traçando nossos caminhos, com o olhar crítico do flâneur e tendo por base
alguns pensamentos de Walter Benjamin, nos foi possível o adensamento de centelhas
de vida, como mônadas em textos, a partir das histórias narradas por nossos mestres
sedentários, os professores que trabalharam no Projeto PIBID Ciências da Natureza.
60
O QUE CONTAM OS MESTRES SEDENTÁRIOS
A narrativa que durante tanto tempo floresceu num
meio artesão – no campo, no mar e na cidade -, é
ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal
de comunicação. Ela não está interessada em
transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma
informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na
vida do narrador para em seguida retirá-la dele.
Assim se imprime na narrativa a marca do narrador,
como a mão do oleiro na argila do vaso.
Escultura de povo indígena representando
“o contador de histórias” como “uma
criatura toda brotada de pessoas"
Disponível em:
http://api.ning.com/files/1xyGabEbYUww8c
ibadpQrx9ygGly9uoAxr3LlUiGM8uFhvxBlT
z1Wirn*AyLbibMOUjLUAXrlFSiBZQ8XppJ
D*ClmqrMGlt4/tininha634.jpg - acesso em
06/2010
O tédio é o pássaro de sonho que choca os ovos da
experiência. O menor sussurro nas folhagens o
assusta. Seus ninhos - as atividades intimamente
associadas ao tédio – já se extinguiram na cidade e
estão em vias de extinção no campo. Com isso
desaparece o dom de ouvir, e desaparece a
comunidade de ouvintes. Contar histórias sempre foi
a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando
as histórias não são mais conservadas. Ela se perde
porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a
história.
Walter Benjamim
Ouvir histórias
Supondo que “a extensão real do reino narrativo, em todo seu alcance histórico,
só pode ser compreendida se levarmos em conta a íntima interpenetração”
(BENJAMIN, 2012, p. 215) dos dois tipos de narradores, viajantes e sedentários,
nossos olhares se voltaram para as práticas ocorridas no COTUCA, a oficina onde essa
interpenetração foi experienciada durante as produções com o Projeto PIBID, Ciências
da Natureza: Integração Curricular no Ensino Médio. Os sinais dessa interpenetração
estão nas histórias contadas pelos professores, nossos mestres sedentários.
61
Para esse trabalho, foram realizadas dez entrevistas com professores que
participaram do Projeto PIBID. O grupo desses entrevistados é composto por três
professoras supervisoras, uma de cada disciplina, Química, Física e Biologia, cinco
professores iniciantes à docência, alunos das Licenciaturas também nessas três
disciplinas, uma professora coordenadora da escola e uma professora coordenadora do
projeto.
Para cada entrevistado/a foram escolhidos pseudônimos, aleatoriamente, que
o/a identifica nas mônadas apresentadas: Ana, coordenadora pedagógica da escola;
André e Newton, iniciantes a docência na disciplina Química; Bela e Beto, iniciantes a
docência na disciplina Física; Gisele, iniciante a docência na disciplina Biologia; Glória,
Ieda e Talita, supervisoras das disciplinas, Física, Biologia e Química, respectivamente;
e Irene, coordenadora do projeto.
As professoras supervisoras e a coordenadora pedagógica da escola são todas
bastante experientes, com mais de dez anos de trabalho com alunos do Ensino Médio e
lecionem juntas há vários anos, no COTUCA.
O prédio, onde o colégio se encontrava instalado, o mesmo desde sua fundação,
foi construído no centro da cidade de Campinas, com doação de Bento Quirino dos
Santos, um rico e ilustre republicano, o qual deixou parte de sua fortuna em testamento,
com a condição que fosse destinada a construção de escola profissionalizante. O
imponente prédio, projetado pelo renomado arquiteto, Ramos de Azevedo, foi ocupado
de1917 a 1965, pelo Instituto Profissional Bento Quirino e depois de ficar desocupado
por dois anos para reformas, a partir de 1967, passa a abrigar o Colégio Técnico da
Unicamp, instalação oficializada em 1970 (CRUZ, 2008).
Cruz (2008) em seu estudo histórico dessas duas instituições de ensino
profissionalizante da cidade de Campinas, Instituto Profissional Bento Quirino e
COTUCA, traz um olhar atento ao espaço ocupado por essas escolas, como uma
estrutura que não pode ser considerada neutra, pois a sua construção foi uma
manifestação política, um desejo de um cidadão considerado devotado à cidade e
pertencente a um grupo de pessoas também influentes nas políticas estaduais e
62
nacionais. A construção desse prédio e a concepção das escolas nele instaladas foram
manifestações políticas de uma sociedade em determinados tempos históricos, um
espaço de construção cultural, concretizando diversos discursos em sua materialidade.
Como um espaço de construção cultural, o prédio do COTUCA, transpassou os
sentidos dos professores atores no projeto PIBID. As atividades com o Projeto PIBID
começaram pelo estudo da cultura material da escola e é possível perceber a presença
desse edifício nas narrativas docentes, aproximando-se a uma viva personagem. Tanto
os professores iniciantes quanto as professoras mais experientes, tiveram a
oportunidade de reconstruir o tempo-espaço da escola na interação entre sujeitos e
essa cultura material.
Quando cursei as disciplinas de Estágio Supervisionado I e II, nas duas
Licenciaturas, de Química e de Física, frequentei o COTUCA duas vezes por semana
durante um ano, em 2006. Um dia da semana para o estágio de Química e outro dia
para o de Física. Nessa ocasião, tive a oportunidade de conhecer um pouco o colégio e
essas professoras que supervisionaram o Projeto na escola, aqui identificadas como
Glória, Ieda e Talita.
A maioria dos alunos iniciantes a docência, entrevistados, cursavam o mesmo
curso no qual me graduei, Licenciatura Integrada em Química/Física, apenas Gisele era
licencianda em Biologia. Com alguns deles já havia tido algum tipo de contato na
universidade, mas, a maioria não conhecia antes de marcarmos as entrevistas. Durante
as entrevistas uma aproximação parece ter sido facilitada, pelo fato de termos feito o
mesmo curso, o curso 56 e ainda por todos termos feito nossos estágios no COTUCA.
Nosso primeiro contato com os professores narradores ocorreu em uma das
últimas reuniões do grupo de professores do Projeto PIBID, agosto de 2011. Essas
reuniões aconteciam sempre nas manhãs de quarta-feira, na Faculdade de Educação,
sendo que o projeto já estava em sua etapa final. Neste dia foi possível agendar
algumas entrevistas. O nosso projeto de pesquisa foi apresentado a todos e fizemos a
proposta de ouvi-los contarem suas histórias, experienciadas com o Projeto PIBID.
63
Outras entrevistas foram agendadas posteriormente por meio de correio
eletrônico e acesso ao ambiente virtual, no Ensino Aberto da UNICAMP, pelo sistema
de educação à distância, TELEDUC. Isso facilitou a comunicação entre nós e os
participantes do PIBID e também nos possibilitou a consulta de registros, como os
arquivos contendo os diários de campo dos professores. Essas consultas permitiram
conhecer um pouco mais dos percursos realizados desde o início dos trabalhos, a partir
de 2010.
Os dez entrevistados, aqui apresentados, foram os que aceitaram ou que tiveram
disponibilidade para conceder entrevistas, contando suas histórias, e o local para as
entrevistas foi escolhido por eles. As professoras supervisoras preferiram que as
entrevistas fossem feitas na escola. Gloria foi entrevistada na sala dos professores,
Talita e Ieda no Laboratório de Biologia e Química. Os cinco professores iniciantes
foram entrevistados na Faculdade de Educação, da Universidade. Todas foram
realizadas entre outubro e novembro de 2011. A professora coordenadora do projeto foi
entrevistada na Universidade, na Faculdade de Educação, em agosto de 2012.
As entrevistas, gravadas em áudio, foram transcritas e textualizadas. Os textos
transcritos foram enviados aos entrevistados, para autorização da utilização do material
no trabalho de dissertação e outros.
Depois de iniciado o estudo dessas narrativas, surgiram algumas dúvidas em
relação ao planejamento e projeto pedagógico da escola, principalmente sobre quais
eram os documentos oficiais tomados por referência para elaboração desse
planejamento. Para esclarecimentos, agendamos uma entrevista com a professora
coordenadora pedagógica da escola, aqui identificada pelo pseudônimo Ana. Essa
última entrevista ocorreu no Colégio, na sala da coordenação, em setembro de 2013.
Os professores foram convidados a contar suas histórias, suas experiências
como participantes do projeto. Solicitamos que nos dissessem o que mais os havia
marcado, quais os empecilhos e dificuldades, tudo que quisessem relatar a respeito da
experiência vivida.
64
Após leituras das transcrições, foram construídas as mônadas. Mônadas são
fragmentos das narrativas, que aos sentidos das pesquisadoras, se configuraram como
histórias singulares em torno de algum acontecimento, um choque.
No choque, o sujeito envolvido toma para si uma identidade relativa, participa e
age, inventando o seu espaço-tempo, independentemente das condições propostas ou
impostas do lugar em um tempo linear e contínuo, em uma suposta história universal.
Como discutimos em capítulo anterior, nas palavras de Benjamin, operamos com
momentos “quando o pensamento pára, bruscamente, em uma constelação saturada
de tensões, ele lhe comunica um choque, através do qual ela se cristaliza em uma
mônada” (BENJAMIN, 2012, p.251).
Os fragmentos configurados como mônadas são textos cuidadosamente
mantidos como foram ditos pelos narradores, porem sempre textualizados. Algumas
expressões orais podem ser mantidas, quando em nossas percepções, expressam os
sentidos do narrador na relação com a experiência vivida.
A apresentação do texto da mônada é feita sem o padrão normatizado para
espaçamentos e parágrafos. Isso seria uma maneira de comunicar o seu adensamento.
O título escolhido para a mônada é constituído de palavras presentes em seu texto e
que nos foi percebido como expressão do referencial com o qual o narrador criou uma
relação na experiência vivida. O título poderia ser comparado a um objeto histórico de
choque.
Esse referencial escolhido estaria relacionado com a questão de investigação, o
que aproxima a mônada a uma citação do narrador, tradução produzida, ou ainda, uma
história ressignificada pelo (a) pesquisador (a).
Benjamin opera com o conceito de mônadas criado por Leibniz, que as define
como diferentes expressões de uma mesma realidade que representa um total, o
mundo. A mônada é a unidade mínima do mundo metafísico, é a substância, e cada
uma delas é diferente das outras, ou seja, cada uma exprime o mundo, ou parte dele de
65
forma diferente. A mônada contém o mundo inteiro, mas, o mundo é exterior à mônada.
(PETRUCCI-ROSA e col., 2011).
Para Petrucci-Rosa e col. (2011), a mônada mantém um equilíbrio entre um
individualismo
extremo
e uma
consciência
social ilusória que
despreza
as
especificidades dos sujeitos. Ela pode revelar a singularidade das experiências vividas
no cotidiano educacional, mesmo considerando as suas articulações com o universo
cultural em que está imersa.
[...] a narração, em seu aspecto sensível, não é de modo algum o produto
exclusivo da voz. Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente com
seus gestos aprendidos nas experiências do trabalho, que sustentam de cem
maneiras o fluxo do que é dito. (BENJAMIN, 2012, p. 239)
Apresentamos, a seguir, mônadas, e convidamos aos leitores desse trabalho, a
senti-las, como ouvintes atentos, pois, carregam potencialmente alguns conselhos, que
poderão se configurar na experiência de vida do ouvinte. E como ouvintes poderão
contribuir com o fluxo do que foi dito.
66
As mônadas
Foto vista do COTUCA
Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/sites/default/files/styles/large/public/sites/
unicamp.br/files/imagens/cotuca8207_0.jpg?itok=9L-hO3Md – acesso em 12/2013.
Foto frente do COTUCA
Disponível em: http://www.siarq.unicamp.br/siarq/images/siarq/pesquisa/produto_de_
pesquisa/unidades/cotuca/foto04.jpg – acesso em 12/2013
67
68
Sala de aula no COTUCA, 1970
Disponível em: http://www.siarq.unicamp.br/siarq/images/siarq/pesquisa/produto_de_pesquisa/un
idades/cotuca/foto01.jpg – acesso em 12/2012
Sala de aula no COTUCA, 1984
Disponível em: http://www.siarq.unicamp.br/siarq/images/siarq/pesquisa/produto_ de_pesquisa/uni
dades/cotuca/foto03m.jpg – acesso em 12/2012
69
70
Slide de apresentação do grupo de professores da disciplina de Física, realizada em 2010. Arquivo de
registros do Projeto PIBID. Disponível na sala virtual UNICAMP, do TELEDUC. Acesso restrito.
Banner elaborado por professores para apresentação do Projeto PIBID na Universidade (2011). Este
banner não foi o escolhido para apresentação e sim um contendo apenas quadros com textos, sem
figuras. Disponível em arquivo de registros do Projeto PIBID, na sala virtual da UNICAMP, do TELEDUC.
Acesso restrito.
71
72
Slides da apresentação do programa PIBID feita pelo Ministério da Educação (MEC)
Disponível em: http://image.slidesharecdn.com/pibid-final-130114163824-phpapp02/95/slide-1638.jpg?cb=1358203248 – acesso em 03/2012
73
74
Mônada 1
Gérmen
Participei de todo o processo de reformulação curricular das Licenciaturas aqui da
Universidade. Acredito que em minha memória, tenha o quadro de tensões, onde as
coisas ficam difíceis, onde paralisam ou onde elas têm oportunidades de acontecer. Fui
adensando a ideia de escrever um subprojeto que articulasse diferentes disciplinas
escolares no contexto da escola. Já havia vivido uma pequena experiência, modesta,
sem financiamento, que foi aquele processo que vivi em 1999/2000 em uma Escola
Estadual, quando participaram comigo, a Tina, a Magali e o Ziraldo. Acredito que este
pequeno projeto foi todo o “gérmen” deste outro projeto do PIBID, no sentido de pensar
a integração entre as disciplinas escolares. Fiz uma leitura de Ivani Fazenda, que é um
“best seller”, na questão interdisciplinaridade, e essa leitura me incomodou muito,
porque essa autora é bastante conhecida, mas, não discute em seu trabalho a cultura
da escola. Parece mais preocupada com as questões psicopedagógicas, ela se articula
com base na tese do Japiassu, da obra “Patologia dos Saberes”, a qual debate a fusão
de todos os saberes, mas sem olhar para condicionantes da cultura da escola
(Professora Irene – coordenadora do projeto).
Mônada 2
Calouro
Mas, quando começou o ano, comemoramos muito e queríamos estar logo com o
quadro de bolsistas completo. Como janeiro era período de férias, atrapalhou um pouco
a divulgação e tivemos muita dificuldade para arrumar bolsistas. Não aparecia ninguém
e havia vinte e quatro bolsas! Foi difícil, mesmo no curso 56, havia vagas para 16
bolsas, alunos se apresentavam, mas não atingia esse número. Começamos a abrir
vagas para calouros. Fiquei com receio, pois, eram meninos que tinham acabado de
entrar como calouro e já estávamos oferecendo bolsa PIBID, mas, muitos deles foram
os que mais se envolveram e contribuíram significativamente. Até quebrou este
conceito para mim, de que calouro não deveria participar do PIBID. (Professora Irene –
coordenadora do projeto)
Mônada 3
Com Física e Química não há problema
Minha ideia, quando entrei para o PIBID, era fugir um pouco do modo acadêmico de
cursar matérias, disciplinas e tentar vivenciar mais a prática. Achei interessante o
75
projeto, pois, teríamos que trabalhar e aprender nas três áreas: a Física e a Química, as
quais fazem parte do nosso curso e, mais a Biologia, com objetivo de integração. Para
nós, com Física e Química, não há problema, mas, com Biologia, é completamente
diferente. (Professor Beto – iniciante de Física)
Mônada 4
Especialização
Penso em trabalhar com a Física e a Química ou trabalhar com a Física e a Biologia:
duas disciplinas integradas! Porque dificulta trabalhar três de uma vez! Quando você
trabalha duas, está diminuindo o trabalho que tivemos, integrando três. Um físico
integrar com a Biologia não é uma coisa fácil e também acho que para o biólogo
integrar com o físico, não deve ser uma coisa fácil de assimilar. Aceitar as ideias não é
fácil, aceitar a ideia da Biologia. A Química talvez seja um pouco melhor, ao menos na
minha área, porque estudamos Química I, Química II, na graduação. Então nós lidamos
mais com a Química do que a Biologia. A Biologia foi abandonada por mim no Ensino
Médio. Quando entrei na universidade: acabou Biologia! Ficamos um pouco inseguros
agora, pensando em como trabalhar isso. Suponha que eu queira trabalhar com
História, mas, a minha História também parou no Ensino Médio. Fiz uma iniciação
científica em Historia da Ciência, mas, não é a História que o professor trabalha. Como
é que eu vou integrar a Física com a História? Como é que vou integrar a Física com a
Biologia, do Ensino Médio? Tenho que estudar um pouco mais de Biologia, mais da
Física que entra em Biologia. Existem cursos de especialização onde isso acontece: a
integração entre Física e a Biologia. Mas fiz minha pós-graduação na Educação, fugiu
totalmente desta área. (Professora Glória – supervisora de Física)
Mônada 5
Relacionar as áreas
Acho importante esse trabalho. Se pararmos para pensar, a maior parte dos alunos no
Colégio está no terceiro ano e irão tentar um vestibular no final do ano. Sei que
incomoda falar sobre isso, mas, os vestibulares, hoje, trazem essa visão. Pela
contextualização, tentam relacionar as áreas de Química, Física e Biologia, História e
Geografia ou ainda História e Física... Na minha concepção é uma visão moderna, mas
os alunos dependem também de se adaptarem, assim como nós. Acredito que eles, no
período em que trabalhamos com o Projeto, tiveram uma experiência rica. Deu para
perceber como todas as áreas não são independentes. No ano passado, o professor de
76
Física só trabalhava o assunto X, hoje a gente está trabalhando deste jeito, com ciência
aplicada e as áreas relacionadas, além de fugir um pouco da aula de “quadro negro”.
Tivemos aulas mais interessantes. (Professor Beto – iniciante de Física)
Mônada 6
Interdisciplinaridade mexe com tudo
Como é que vou trabalhar de maneira integrada, sem abrir mão dos meus conteúdos?
De certa forma, sempre achamos que o nosso é mais importante. Como é que vou abrir
mão do que é meu e vou olhar para o outro? Como vou lidar com esta mudança de
estrutura e funcionamento escolar? Porque interdisciplinaridade exige isto, porque
mexe com tudo. De repente, tenho que estar na sala de aula, em uma aula que não é a
minha, junto com outra professora, depois me junto com mais duas professoras. E
como fica minha sala de aula, onde eu deveria estar enquanto estou nessa outra? Nem
todo o problema é a estrutura escolar, a grade escolar, a forma como as coisas são
montadas. Existe outro desafio no trabalho com interdisciplinaridade. A gente não sabe
como lidar com tudo isso, é uma coisa complicada. Vamos para casa e perguntamos
onde é que eu, professora de Física, me encaixo nisso. Ou então: se eu me encaixo
demais, como é que as outras professoras da Química e da Biologia vão entrar neste
assunto? Não sei como é que elas entram neste assunto. Isso gera ansiedade,
nervosismo e insegurança. (Professora Glória – supervisora de Física)
Mônada 7
Encaixotada
É muito evidente a relação da Química, com a Biologia e da Química com a Física: a
Química estaria entre as duas! Mas, entre a Biologia e a Física tem uma distância e
essa dificuldade para interdisciplinaridade. O professor também tem uma formação
“encaixotada”, compartimentada, como o pessoal costuma dizer. Para eles, obviamente,
é muito difícil trabalhar de outra forma. A escola é compartimentada! (Professora Ieda –
supervisora de Biologia)
Mônada 8
Trabalho conjunto
Esse projeto foi a primeira oportunidade que tive, de fato, de conviver com a Talita e
com a Ieda, professoras de Química e de Biologia, trabalhando juntas. Assim, juntas,
77
no sentido de trabalharmos na mesma sala de aula! Porque na mesma escola, a gente
já trabalha há algum tempo. Trabalhar ao mesmo tempo, discutindo as mesmas coisas,
na área de Ciências, essa foi a primeira oportunidade que tive aqui na escola. E tive
dificuldades, muitas!!! A primeira dificuldade que vem é da própria formação: por ser
formada em Física, acho que desconheço Biologia e Química, suficientemente para
trabalhar com estas disciplinas. (Professora Glória – supervisora de Física)
Mônada 9
A Química, a Física e a Biologia
O que me impressionou e me deu mais força para querer muito entrar para o PIBID, foi
porque estavam trabalhando com o tema Ciência Forense, eu adoro isso! Depois
comecei a ver que não era muito fácil. Tentar criar um vínculo entre essas três áreas,
na escola, que francamente, parecem não se articularem, apesar de vermos na
faculdade que estão interligadas, a Química, a Física e a Biologia. Isso no Ensino
Médio parece uma coisa bem distante. (Professor Newton – iniciante de Química)
Mônada 10
O lado da Biologia
Então está bem, vamos trabalhar a integração. Perguntei-me, como podemos fazer?
Surgiu a proposta de escolher um tema e nós da Biologia, logicamente, “puxamos a
sardinha para o nosso lado”, o lado da Biologia. Assim, nossa proposta foi trabalhar
com o tema Seres-Vivos, um tema que sempre poderíamos abordar com tranquilidade.
Para Química também daria certo, mas, e a Física no meio disso? Iria ser difícil!
(Professora Gisele – iniciante de Biologia)
Mônada 11
Nossos planos
Nós tentávamos de um jeito, tentávamos de outro e pensava que não ia dar certo. Mas,
conseguimos fazer nossos planos e teríamos ainda os planos da Física e da Química.
No dia da apresentação desses planos, o pessoal da Química trouxe a ideia do tema
ser Técnicas Forenses. Pensei: por que a gente não tinha pensado nisso antes?
Envolve muito mais que Biologia, Química e Física, com esse tema daria para conciliar
muitas matérias. Fiquei torcendo para que a coordenadora concordasse, pois essa ideia
78
foi super legal! Daria para planejar as atividades no laboratório, as aulas e tudo mais.
(Professora Gisele – iniciante de Biologia)
Mônada 12
Ainda bem que não tem Biologia!
Por nosso curso ser uma Licenciatura Integrada em Química e Física, acho que o
pessoal da Química e da Física se entendia melhor, mas, com o pessoal da Biologia
tivemos alguns problemas. Falo por mim, até porque tenho alguma dificuldade com os
conceitos da Biologia. Não me sinto nada à vontade de falar com os alunos sobre
Biologia, é uma sensação complicada. Articular essas três áreas está sendo bem difícil.
A primeira reunião era uma apresentação da turma da Física. No dia que entrei para o
PIBID, quando eles começaram a falar, pensei que tinha um pouco a ver comigo.
Depois quando começou a falar o pessoal da Biologia, nossa! Achei que nunca ia
trabalhar com isso! Particularmente fui fazer Química porque não queria Biologia.
Quando ingressei na Licenciatura Integrada, eu pensei, ufa! Ainda bem que não tem
Biologia! (Professor Newton – iniciante de Química)
Mônada 13
Não via como integrar
Quando falou que a proposta era de integração curricular, pensei que seria como no
colégio, quando fiz o Ensino Médio. Tinha um tema para ser trabalhado nas diversas
disciplinas e ao mesmo tempo, por exemplo, História, Artes e Português, disciplinas
fáceis de serem integradas, até mesmo com um pouco de improviso. Assim, se falava,
vamos supor, da Segunda Guerra Mundial. Participei de vários trabalhos temáticos: da
Segunda Guerra, da Revolução da Vacina, mais por causa de História, mas, tinha um
pouquinho de Arte e um pouquinho de Português. Então pensei que o projeto seria
mais ou menos assim. Porém, quando começamos, Física, Química e Biologia, eu não
via como integrar e trabalhar dessa forma. Comecei achar que seria difícil! (Professora
Gisele – iniciante de Biologia)
Mônada 14
Separados
Achei difícil esta integração, todo esse processo foi muito complicado. Não aconteceu
do jeito que eu gostaria que tivesse acontecido. Eu esperava mais. O grupo não estava
79
integrado, tinha o pessoal da Licenciatura Integrada em Química e Física, tinha o
pessoal da Licenciatura em Biologia e esses grupos sempre ficavam separados. Se em
uma mesa ficava o pessoal da Física e da Química, em outro canto ficava o da Biologia.
Era perceptível, mesmo entre o grupo da Física e da Química, ficavam um pouco
divididos. Demorou muito tempo para a gente se integrar, nós professores iniciantes, os
Pibidinhos, como éramos chamados. Talvez, se a proposta de trabalho inicial já tivesse
sido mais em grupo, pois, a proposta de reconhecimento do colégio foi um trabalho
muito individual, não tinha como nos unirmos. Deveríamos, logo de início, ter ficado
mais juntos, talvez algum tipo de jogo, seria muito melhor, eu imagino. Tem pessoas
que tem mais dificuldade em se juntar às outras. Eu não! Se estiver em um ponto de
ônibus, logo já estou conversando com qualquer pessoa do meu lado, mesmo que não
conheça. Não sou nem um pouco tímida, mas, tem pessoas do grupo que são mais
fechadas! Então, para você começar conversar, interagir, leva um pouco mais de
tempo. (Professora Gisele – iniciante de Biologia)
Mônada 15
Sequência de passos
Nós já estávamos desde o semestre anterior, do ano de 2010, buscando temáticas
comuns às disciplinas Física, Biologia e Química. Levantamos diversas ideias, diversos
temas, e fomos pesquisando. Pensamos em: energia, bioetanol, combustível
alternativo; nos cinco sentidos. Chegamos até ler uma tese muito bacana, sobre um
projeto interdisciplinar, só que não lembro mais de quem. Nosso grupo propôs “ciência
forense”, pensando na química forense. Os grupos das três disciplinas trouxeram
propostas e tentamos uma convergência. Foi escolhido o tema, Ciências Forenses, e
nós passamos a buscar por textos de pesquisas, histórias de crimes famosos, artigos
da Revista Química Nova e em procedimentos das técnicas forenses mesmo. Nós nos
baseamos bastante naquelas séries de televisão, CSI14. Lembramos muito daquelas
oficinas que vocês, alunos da Irene, fizeram em 2006, com química dos sentidos, do
olfato, quando trabalhamos com aquele filme, Perfume de Mulher. Lembrei-me das
oficinas porque também trabalhamos a ciência forense em uma delas. Fomos colhendo
material, lendo e desenvolvendo. Porém, achei, particularmente, que nós elaboramos
muito esta parte de levantamento bibliográfico, de leitura, mas, que ficou faltando nós
trabalharmos, mais concretamente, o que seria a sequência de passos, de enlaçamento
14
CSI - Crime Scene Investigation é uma série americana, exibida pela televisão, centrada em
investigações criminais por um grupo de cientistas forenses. Esse grupo trabalha em um departamento
de polícia de Las Vegas. No Brasil há muitos fãs da série.
80
das ideias, de trabalho entre os grupos das disciplinas. (Professora Talita – supervisora
de Química)
Mônada 16
Focados em Química e Física
Antes de entrar na faculdade, sempre questionei por que antigamente não se falava
muito de físicos, químicos, só em filósofos. Mesmo não tendo estudado por que o
conhecimento se dividiu em disciplinas, nunca gostei muito disso, sempre achei que
deveria ser integrado. O Projeto do PIBID foi um “prato cheio”, um “banquete” para mim.
Achei bacana integrar, mas, não é fácil, é muito difícil integrar. Sei por que trabalho em
plantão em alguns cursinhos e muitos exercícios de vestibulares, por exemplo, estão
sendo feitos com uma proposta interdisciplinar. Às vezes, esbarro na Matemática, ou na
Física, vejo que não tem como levar o exercício à diante. Acredito ser o objetivo
principal do nosso curso, embora a Biologia não entre. Se alguém te perguntar alguma
coisa sobre Física, mesmo tendo feito a Licenciatura em Química, eu sei Física. Foi
difícil integrar com a Biologia para mim, por eu ter mais dificuldade nessa disciplina.
Não só para mim: penso que para todos do curso 56. Pode ter algumas exceções, mas,
conheço a maioria do pessoal e sei que são mais focados em Química e Física.
(Professora Bela – iniciante de Física)
Mônada 17
Viajantes e turistas
No começo no PIBID, confesso que fiquei muito perdida, durante o primeiro semestre
todo, porque não estava acostumada com este processo, de ir atrás de professores e
ficar observando. Não sabia o que observar! O que me marcou, bastante, foi uma fala
da professora Irene em um evento. Ela falou sobre a diferença entre viajantes e turistas.
De você ser um mochileiro, quando sai com um mochilão nas costas e tem que ir atrás
de albergues e lugares por conta própria e quando você é turista e tem um guia
turístico, indicando onde deve ir. Ela queria tirar um pouco isso de nós, de sermos
turistas. Queria que fôssemos mochileiros. Isso foi muito marcante para mim, e levo
isso em todas as outras coisas da minha vida. Já me considerava uma pessoa que
levava ao pé da letra aquele ditado de que “quem tem boca vai a Roma”! Acabo falando
tudo, perguntando tudo para todo mundo. Isso foi muito bom para minha vida. Se você
sai da rotina, consegue ir um pouquinho mais fundo, as pessoas acabam se abrindo.
(Professora Bela – iniciante de Física)
81
Mônada18
Viajantes
Além de trabalhar a interdisciplinaridade, tivemos também a formação de professores,
por que são alunos que estão fazendo licenciatura, que ainda são estudantes, que
ainda não tem o contato com a turma de aula, que ainda não viveram as mesmas
experiências que nós. Estão de certa forma, atuando como expectadores dos
acontecimentos, porque eles estão com um pé em cada barco, um pé na universidade e
outro na sala de aula, e nós temos que saber lidar com eles. Estou afastada da
formação de professor, não tem “a ver com a minha praia”, e de repente, estou com oito
viajantes. Nós chamávamos de viajantes os alunos da Licenciatura, quer dizer eu
chamava de viajante. Tinha oito companheiros que não conheço, fazendo um trabalho
que eu nem sabia como começar, como encaminhar e muito menos como iria terminar.
Por isso, que digo que ainda não terminou, não sei nem como vai terminar, nem se
termina mesmo. Fica a experiência na sala de aula! Acho que essa parte terminou,
mesmo porque o ano letivo já está acabando, mas, talvez, não sabemos qualificar,
analisar os resultados, o que este projeto trouxe, tanto para os nossos alunos do
colégio, quanto para os meninos do PIBID e quanto para nós. (Professora Glória –
supervisora de Física)
Mônada 19
Eu vou ser professora de Biologia?
Primeiro, foi aquela historia de viajante de turista, de ir ao colégio com intenção de
conhecer tudo, ver o espaço antes de qualquer outra coisa. Eu me perguntava por que
estava fazendo aquilo. Para que eu estou conhecendo esse espaço? Para que? Eu
queria ver a aula de Biologia? Eu vou ser professora de Biologia? Ao final, achei essa
parte bem interessante. Quando tudo terminou, entendi que foi muito importante, por
que comecei a ver os alunos e a escola de outro jeito. Aliás, tudo de outro jeito, que eu
não iria ver se não tivesse participado deste Projeto. (Professora Gisele – iniciante de
Biologia)
Mônada 20
Redescoberta
Penso que o ano passado foi o que mais me marcou na minha vivência. A gente
trabalhava com a professora de Física e só auxiliávamos os alunos das classes de
Enfermagem. A gente vivenciou muito com essa classe! Trabalhar com eles, sentir que
82
cada um, cada pessoa tem uma visão diferente e termos que nos adaptarmos como
professores. Eu vejo assim, professor é uma pessoa que tem que se redescobrir a cada
dia e senti isso em cada dia que entrava em uma sala diferente. (Professor Beto –
iniciante de Física)
Mônada 21
Disputar
Sobre minha escolha de trabalhar no grupo de Física, foi por saber que todos os meus
amigos, do curso 56, queriam Química, ao menos no começo do ano passado. Muitos
deles entraram no curso 56, por causa da Química, pois alguns tinham feito o Técnico
de Química. E eu, particularmente, não gosto dessas coisas de ficar na fila, disputar.
Prefiro trocar de opinião a ficar na espera. Gosto de Química, a minha escolha na
graduação é Química, mas como não havia ninguém para Física, eu fui. (Professora
Bela – iniciante de Física)
Mônada 22
O PIBID me fez bem
A Gloria nos auxiliou bastante, todas coordenadoras contribuíram muito. Parecia que
nós, licenciandos, estávamos dentro de uma “bolha” e quando saímos, não sabíamos
como começar a trabalhar. Acredito que o PIBID nos deu esta oportunidade, de
conhecer um ambiente de escola e seus alunos, pela pesquisa de sua cultura material.
Nesta etapa final do projeto, estamos aplicando tudo que pesquisamos em um período
de um ano e meio, trabalhando e conhecendo os alunos. Quando saímos dessa
chamada “bolha”, pudemos viver uma experiência muito rica, comparando com outras
pessoas que não vivenciaram o PIBID. Acredito em uma coisa: que o PIBID me fez
bem. (Professor Beto – iniciante de Física)
Mônada 23
Gostei do projeto
Nas férias de janeiro de 2010, a Vânia trouxe o projeto escrito e foi ai que realmente
fiquei sabendo o que era esse tal de projeto PIBID. Achei muito interessante! E resolvi
aceitar, mais pelo fato de poder trabalhar com formação de professores, pois penso que
nós, professores experientes, podemos contribuir no sentido de facilitar o ingresso
destes jovens estudantes da licenciatura. Lembro que quando fui fazer a licenciatura e
83
depois atuar como professora, nunca, nunca tinha dado uma aula na minha vida!
Quando dei a primeira aula, já estava contratada, então achei que estava muito difícil.
Por isso, gostei do Projeto e comecei a trabalhar nele. (Professora Talita – supervisora
de Química)
Mônada 24
Professor não é monge budista
Acho que se a integração curricular e a interdisciplinaridade estão em estudo é porque
são possíveis. Se nós estamos conseguindo levar um projeto grande, penso que isso
também é possível em outras escolas. Mas o jogo político muda tudo. Para integrar, vai
precisar ter um investimento na educação e eu não sei até que ponto o governo está
disposto a isso. Infelizmente, hoje em dia, eu como professora, lecionando em escola
particular, vejo a diferença. Não tenho vontade de ir para a escola pública, por incentivo
financeiro mesmo. Gosto do que faço, mas preciso comer, preciso me vestir, preciso me
locomover. Admiro muito o trabalho voluntário, mas também não vou viver igual àqueles
monges budistas. Preciso viver! Então esse é o problema: é o investimento. Nós somos
provas disso, que está dando certo! Está acontecendo! Tem as dificuldades? Tem, mas,
em dois anos a gente conseguiu muita coisa. (Professora Bela – iniciante de Física)
Mônada 25
Em compensação...
Quando as três semanas finais de execução do trabalho foram chegando, aconteceu o
que eu acho que foi o pior do nosso projeto: a falta de articulação dos Pibidinhos15.
Alguns deles não podiam vir e o ideal é que viessem todos nessas três semanas. Por
exemplo, a experiência acontecia com a classe do terceiro ano de informática, que era
a classe escolhida para aplicação do projeto, isso na segunda – feira... Quando a
classe ia se encontrar de novo, na quarta – feira, vinha uma turma diferente de
licenciandos, que não sabia exatamente o que estava acontecendo, mesmo que eles
tentassem se comunicar via e-mail. Mas, principalmente a partir da segunda semana,
tudo parecia estar parando de funcionar, foi ficando muito ruim, a ponto de que, em
uma terça-feira, eu e a professora de Física tivemos que acabar rapidamente com a
apresentação dos licenciandos aos alunos do colégio, pois estavam muito confusos.
Dispensamos a classe, tudo assim com muita calma! Nós deixamos os licenciandos
15
"Pibidinhos" foi a forma carinhosa instituída por Talita, de chamar os bolsistas de iniciação à docência.
Logo, esse apelido foi adotado por todo o grupo.
84
aqui e falamos com eles, que sem articulação não dava. Sem vir aqui em um horário
extra, para testar as coisas, não estava funcionando. Realmente essa aplicação, esse
começo da execução do projeto PIBID com a classe do terceiro ano, a articulação da
interdisciplinaridade, foi muito difícil! Primeiro nós não testamos as ideias, os
planejamentos e as experiências e depois também a falta de articulação. Então ficou
muito mal resolvido. Alguns grupos, a gente percebia que realmente estava todo mundo
ali perdido, não sabia muito bem o que fazer. Mas, em compensação... Outros grupos,
talvez porque estavam mais entusiasmados ou porque estavam mais comprometidos,
tantos os alunos do colégio, como os Pibidinhos estavam mais entrosados, mais
decididos, com mangas arregaçadas, tiveram resultados excelentes. Tenho certeza que
esses jogos do Jack Estripador16 ficaram realmente como um marco de execução. Foi
muito interessante! Eles aprenderam muito em três semanas diferentes aqui, “nas
nossas disciplinas fragmentadas tradicionais!” E realmente eles perceberam o “para
que” serve essa ciência básica. Eles conseguiram uma visão além do "porquê". Por
exemplo, uma experiência que eles fizeram de cromatografia de papel, foi feita também
em uma das oficinas para verificar falsificação de assinatura ou mesmo para simular
uma detecção de drogas, como o craque e a morfina. Aquele deslocamento das
manchas feitas com tintas de canetas a gente relacionava, comparava com moléculas,
porque elas tinham as velocidades diferentes, por causa de interações de estrutura
molecular, solvente, velocidade de deslocamento, forças elétricas, polaridade e tudo
isso! Assim como a eletroforese para verificar a cadeia do DNA, a identificação de DNA,
tudo isso foi interessante! Eles aprenderam! (Professora Talita – supervisora de
Química)
Mônada 26
Quando eu for professora
Acabei me identificando muito com a professora Glória, ela é uma pessoa maravilhosa,
sempre foi como uma mãe para nós. Ela deu alguns livros de Física, sempre
incentivando, sempre mostrando outros horizontes, aprendi bastante com ela. Porém
eu, Bela, acredito que vou ser muito igual à Talita, quando eu for professora, de querer
as coisas assim certinhas, ela é uma graça, muito lindinha! Com Ieda eu não tive muito
contato, só nas reuniões mesmo, mas, também a admiro bastante. Eu gostaria de ser
16
No contexto do projeto interdisciplinar, o tema escolhido foi Ciência Forense e dentro dele, foram
selecionados quatro episódios de crime para serem trabalhados como unidades de ensino com os
alunos. Foram eles: Jack, o Estripador; o caso de PC Farias; 11 de Setembro e, o caso de Isabela
Nardoni.
85
igual à Glória, mas é isso, me pareço com a Talita. (Professora Bela – iniciante de
Física)
Mônada 27
Aplicar prova
A gente começou o trabalho observando a escola, vendo o perfil dos alunos, o dia-a-dia
da escola. Começamos fazendo os diários de campo, sobre como era a escola, sobre a
arquitetura da escola e a minha supervisora era a professora Talita. Ela é muito
exigente. Acho que a maior parte da minha evolução, mais de 90%, foi graças a ela,
porque ela é exigente. Contribuiu bastante para minha formação. Penso que foi em
agosto, que começamos assistir as aulas dos professores, víamos como era trabalhar o
conteúdo e observávamos os alunos na sala. Depois de assistir algumas aulas, a Talita
passou algumas atividades para fazermos, e foi a primeira e das mais significativas
para a minha formação, na minha futura profissão de professor: ter que aplicar prova
para os alunos! Eu nunca tinha ficado à frente dos alunos, foi uma experiência muito
boa. (Professor André – iniciante de Química)
Mônada 28
Outra visão
Foi neste tempo que a gente começou a trabalhar com a Glória, dentro da sala de aula
e vivenciar, trocar experiências com outras pessoas, com o pessoal da Química, com o
pessoal da Biologia. Começamos a ver que estávamos crescendo mais! Tenho outra
visão hoje! (Professor Beto – iniciante de Física)
Mônada 29
Bate bola
E teve em uma das oficinas, quando os grupos de licenciandos, de cada disciplina
fizeram exposições aos alunos da escola, cada grupo apresentou um experimento. Por
exemplo, o pessoal da área de Química falava, depois expunham os membros do grupo
da Biologia, depois os da Física e voltava Química... Ficou um “bate bola”, vamos dizer
assim, para mim muito proveitoso, eu gostei bastante. (Professor André – iniciante de
Química)
86
Mônada 30
Currículo loteamento
A escola não parece estruturada para receber um trabalho interdisciplinar. Ocorre ainda
aquilo que chamo do “currículo loteamento”, a escola dos horários, das aulas de 50
minutos, a maneira como a avaliação é feita, a forma de todos os elementos simbólicos
da cultura da escola, a maneira como o livro didático é escrito é proposto. A escola está
toda loteada nas disciplinas, as fronteiras estão bem estabelecidas e a Universidade
também é dessa forma. Nesses lotes os alunos das licenciaturas, são: de Matemática,
de Física, de Química, de Biologia. Quando o PIBID veio, eu estava disposta a mexer
com tudo isso, e comecei a pensar em como montaria o projeto, como é que seria.
(Professora Irene – coordenadora do projeto)
Mônada 31
Jornada enorme
Como fica o tempo para estudar? Se for preparar uma aula, onde vou fazer uma
integração com a Biologia, eu preciso sentar e estudar e que horas que vou fazer isso,
se estou com uma jornada enorme. Então quer dizer preciso de um tempo, preciso de
disposição física e mental para fazer, por que se você não tem uma disposição mental,
você lê e não absorve nada, precisa estar aberto para aquilo, e sou uma pessoa que
demora um pouco para digerir. Não engulo, fico digerindo, digerindo, digerindo... Até
começar a aceitar. (Professora Glória – supervisora de Física)
Mônada 32
Tempo e espaço engessados
No segundo semestre, começamos a fazer uma proposta de trabalho para o terceiro
semestre, planejando uma atividade interdisciplinar. Acho que neste momento tivemos
um grande problema, que foi colocar esta proposta de interdisciplinaridade, em um
espaço e em um tempo totalmente engessados. Digo espaço engessado por que se a
gente quisesse colocar todos os professores e todos os alunos juntos, não teríamos
lugar na sala de aula. A gente mal tem lugar para uma turma nas nossas salas, pois
elas são apertadíssimas. Colocar uma atividade interdisciplinar, dentro do
enquadramento, do esquema da escola, que é totalmente contrário a isso, é muito
difícil. (Professora Ieda – supervisora de Biologia)
87
Mônada 33
Grade de horários
Tinha alunos de Física, Química e Biologia, sendo monitores de grupos de alunos e
eles produziram trabalhos interessantes. Alguns grupos tiveram bons resultados, mas,
penso que para a gente trabalhar desta forma, tudo teria que mudar: começando pelo
tempo, a grade de horários, a sala de aula, o tempo em que os professores se reúnem.
Se você não se reunir diariamente, não tem como conversar com o professor de outra
disciplina. Então como é que você vai fazer uma proposta de trabalho interdisciplinar?
Se você nem tem um horário para sentar junto com o professor de Física, por exemplo.
Esse professor de Física precisa se reunir com o de Biologia e com outros, pois se você
nem sabe qual é o assunto que o outro professor está trabalhando, como vai trabalhar
interdisciplinaridade? (Professora Ieda – supervisora de Biologia)
Mônada 34
Vivência na integração
Por que sinto que pratiquei a integração, mas se eu perdia uma aula de Biologia, por
exemplo, o que foi visto nesta aula de Biologia, alguém podia me contar, mas o contar
dele não é o mesmo que eu estar lá, vivenciando. Quando outro conta, já é um outro
contexto, já é uma outra historia. Quando você está, ali você ouve e interpreta de outra
forma. A vivência na integração é muito importante e se você falhar, em uma destas
vivências, pode perder o rumo da história. E de repente, a gente estava trabalhando
com um grupo de alunos e o grupo da Química não estava. Às vezes a gente estava
com um grupo e o da Biologia não estava. Isto quer dizer que, para nós, foi muito difícil
conseguir juntar todos. Por isso, acredito que perdemos um pouco! No começo, na
primeira aula estávamos todas, as três supervisoras, mas, no meio do caminho, no
percurso todo das três semanas, nem sempre estivemos nem sempre estiveram todos
os Pibidinhos. Que integração realmente foi essa? (Professora Glória – supervisora de
Física)
Mônada 35
Perder um pouquinho do conteúdo
Comecei a pensar sobre o que e como iríamos fazer. Pensei muito por causa das salas
que iríamos trabalhar, com alunos do terceiro ano, e este tema Técnica Forense, estaria
mais relacionado à Biologia Molecular. Ao menos era a minha impressão, era uma
matéria mais voltada para o currículo dos primeiros anos. O terceiro colegial,
88
tecnicamente, iria perder um pouquinho do conteúdo. Senti isso, uma coisa ou outra
daria para trabalhar, mas iriam perder, ao menos de Biologia. Por exemplo, evolução é
um assunto do terceiro ano, tratado no COTUCA e em livros didáticos e não daria para
conciliar com técnicas forenses. Pensei que isso poderia prejudicar, mas, quando
acabou, deu tudo certo. Deu certo, mas, não totalmente, pois, falamos um pouco de
DNA, de Genética, isso da Biologia, e não como deveria ter sido enfatizado. Talvez pelo
pouco tempo que tivemos para preparar e elaborar um plano. Se tivéssemos tido muito
mais tempo pensando, acredito que daria para tratar vários assuntos, envolver mais
esta parte da matéria que faz parte do currículo do terceiro ano. Física e Química, eu
não sei, mas, tenho a impressão que também faltou um pouquinho. Se não me engano,
seriam eletricidade e campo magnético na Física, e Orgânica na Química. Mas, digo
que deu certo, pois apesar do que ficou faltando, foi feita uma revisão de outros
conteúdos e isso também é muito importante para alunos que irão prestar o vestibular.
(Professora Gisele – iniciante de Biologia)
Mônada 36
Fazer uma boa faculdade
Foi feito um trabalho interdisciplinar, temos que admitir, mas, não se pode dizer que o
projeto PIBID fez uma grande diferença na vida dos alunos. Para a nossa vivência foi
interessante, para pensarmos em outra forma de trabalhar. Mais do que isso: vimos o
quanto é difícil, mais do que o quanto é possível. Ficaram mais evidentes as
dificuldades neste tipo de trabalho do que as possibilidades. Dizer que no ano que vem,
iremos mudar a nossa forma de trabalhar, não acredito! A professora de uma das
disciplinas, por exemplo, não conseguiu trabalhar o conteúdo dela, por que cedeu suas
aulas para este trabalho. Isso é complicado! Lá na frente, será cobrado o conteúdo do
aluno, no próprio vestibular da UNICAMP! Mesmo que nesta escola não se tenha
preocupação com o vestibular, pois, não é mesmo o perfil do colégio, é importante
preparar o aluno para o vestibular. Se eu tivesse meu filho estudando aqui, eu gostaria
que ele pudesse decidir fazer uma boa faculdade. Eu gostaria que ele pudesse escolher
isso. Não gostaria que ninguém definisse para ele, ter que pagar os estudos por
qualquer faculdade que você acha por ai, por não ter condições de passar neste
vestibular. E isso tudo, por que a escola não estava preocupada com isto. Ninguém tem
direito de decidir pelo aluno, qual vai ser o futuro dele. Ele tem que escolher e nós
temos que dar condições para ele fazer esta escolha. (Professora Ieda – supervisora de
Biologia)
89
Mônada 37
Concepção das pessoas
Principalmente na escola técnica, como o COTUCA, o foco é formar um profissional,
para o mercado de trabalho em três anos, formar um cidadão e tudo mais... Então
justamente para o mercado de trabalho que a gente teria que formar uma pessoa que
tenha uma visão interdisciplinar, porque o tempo do "apertador de parafuso" já acabou
faz anos. Mas, para isso, teria que ter uma grande mudança na grade toda e na
concepção das pessoas também. Temos professores aqui que estão se aposentando,
trabalharam a vida inteira daquele jeito, então é bastante difícil mudar. Mas, achei muito
válida a experiência, foi como se tivesse dentro de um aquário coberto com um filme
preto, de repente alguém abre uma janelinha e se espia lá fora, vê como pode ser
diferente. Então, achei legal. (Professora Ieda – supervisora de Biologia)
Mônada 38
É muito difícil!
Vou lhe dizer uma coisa: é muito difícil no Ensino Médio você conseguir fazer um
trabalho interdisciplinar! Quando se está no Ensino Fundamental, nas séries iniciais,
você consegue, mas, para fazer um Ensino Médio interdisciplinar, precisa de reuniões
semanais entre os professores, dos departamentos, e isso não ocorreu aqui! Precisa ter
uma proposta conjunta de trabalho, as avaliações serem trabalhadas em conjunto e
isso também não aconteceu na prática. Esse trabalho ainda é muito difícil! O Ensino
Médio é um momento da Educação um pouco diferente, as pessoas ainda não
conseguem parar para trabalhar um projeto, para discutir as ações etc. Depois vem a
pressão: "Espera ai, mas, eu não estou estudando o conteúdo que vai cair no
vestibular? Eu preciso daquele conteúdo!" Então, de que forma você alimenta essas
coisas? Acho que ainda não se encontrou um caminho adequado para isso. É
extremamente difícil! Muito difícil! E tem mais um problema que aqui tem muita
resistência: o que acontece e que a gente percebe é, que o aluno vindo do Ensino
Fundamental, chega sem o hábito de estudar. Não pega um livro para estudar, sempre
se acomoda. Se o professor fala para o aluno: "Você vai ter um trabalho, um projeto...”
Percebo também que a imagem do projeto, de um trabalho interdisciplinar, para alguns
professores e alunos, ainda está muito ligado a isso, “não vai ter um trabalhinho? Solta
a nota!”, e não no sentido mesmo de aprendizagem. Para eles, seria bom mesmo,
penso que a escola tem que parar um ano só repensando a estratégia dela,
continuamente, para poder ser uma escola nova. Entrar com essa proposta
extremamente organizada. É muito difícil! Extremamente difícil! (Professora Ana coordenadora pedagógica)
90
Mônada 39
Uma escola diferente
Acho que esse projeto PIBID foi interessante! De todos os projetos PIBID’s que
apareceram, esse foi um dos mais interessantes! Ele conseguiu unir, ao menos um
pouco, os projetos dentro da área de Ciências, no departamento de Ciências, onde
temos professores que são eficientes para esse tipo de trabalho. Mas, por exemplo, os
professores de Matemática, eles não foram envolvidos neste processo, pois só entrou
Química, Biologia e Física. Mas, penso que foi válido para sentir. Você vê que alguns
professores, consideraram que alguns aspectos do projeto foram bem educativos, bem
interessantes! Mas, demanda outra escola, demanda uma carga horária diferente, uma
escola diferente! É isso que eu percebo, uma organização diferente em todos os
sentidos. Não sei se estou errada, mas é o que eu penso. (Professora Ana coordenadora pedagógica)
Mônada 40
Se deu certo ou se deu errado
Tivemos caso de aluno do PIBID que entrou no meio das atividades. Para quem não
estava participando desde o princípio, ficou complicado, entrar em um projeto
interdisciplinar já em andamento. Para você se integrar é mais difícil. Se uma de nós,
supervisoras tivéssemos saído, por exemplo, o projeto teria tomado um rumo,
provavelmente, muito diferente do que ele tomou. Desde a escolha da temática, até o
modo como foi na sala de aula, ele aconteceu deste jeito porque nós fizemos com que
ele acontecesse deste jeito. O grupo discutiu muito para que ficasse como ficou, se deu
certo ou se deu errado, precisamos sentar, parar, e refletir sobre o que fizemos.
(Professora Glória – supervisora de Física)
Mônada 41
Mesmo tempo e espaço
É muito difícil trabalhar de forma interdisciplinar! Realmente acho louvável, interessante
para fazer de quando em quando, por exemplo, um projeto por ano, para cada uma das
séries. Mas, conseguir que todo mundo trabalhe cotidianamente assim, acho muito
difícil. Primeiro porque demanda muito tempo para você conseguir realmente avançar
todos os conteúdos programáticos. Vamos assim dizer: se não tiver os conteúdos da
ciência básica, não se pode dar os passos seguintes. Porque vontade de trabalhar
91
alguns temas de forma integrada, com interdisciplinaridade, nós temos, eu, a Ieda e a
Glória. Um exemplo do que poderíamos fazer, fica desta experiência com o PIBID.
Tenho uma ideia, que eu e a Ieda há muito tempo, temos conversado e que nunca
conseguimos fazer e é uma coisa muito simples. Quando ela está iniciando o primeiro
ano, faz uma pesquisa com os alunos, fazem com sucata as moléculas da água, do
CO2, da sacarose, da glicose e da frutose. Os aluninhos fazem isso, bolinha com
palitinhos, massinha, e eu também trabalho com o primeiro ano, com esses mesmos
alunos. Nós trabalhamos com as mesmas classes, depois de algumas semanas, eu
estou falando sobre geometria molecular, para falar sobre polaridade, interações
intermoleculares, solubilidade, pontos de fusão, tudo isso. Nós duas já tentamos fazer
este trabalho, juntas, o problema é que eu, mais ou menos, sou escrava do meu
planejamento e ela do dela e nós estamos defasadas ali cerca de quatro semanas. A
Ieda e eu, nós temos que ver isso, temos que sentar, nós duas, e temos que deixar
essas duas coisas no mesmo tempo e espaço. (Professora Talita – supervisora de
Química)
Mônada 42
Essa estrutura do ensino
Acredito que a universidade, no curso de licenciatura, tem que ser “a lanterna” na
ponta, por que nós já estamos quase no fim de carreira. É isso que temos: essa
compartimentação, essa estrutura do ensino, mas, não significa que precisa ser sempre
assim. Embora eu acredite e ainda ninguém tirou da minha crença, de que a maneira
que nós ensinamos os alunos, muito o básico, muito conteúdo, seja importante. Não
tenho medo de falar que é necessário aprender a ciência básica, que os conteúdos são
importantes, mesmo tendo que contextualizar. Os cursos de licenciatura não têm seus
alunos fortes nestes conceitos, nesta ciência básica. Fico muito preocupada, pois tenho
visto muitos alunos que ficam perdidinhos. Sei que eles não fizeram o curso inteiro,
mas, o fato de estar no começo ou no fim do curso da licenciatura, não é desculpa para
não saber bem esse básico. Alguns alunos do PIBID e que estão no início do curso, se
mostram bem fundamentados, estão muito firmes, enquanto, outros mais no final do
curso, estão mais inseguros no conteúdo básico. Falo dos alunos da licenciatura em
Física, e em Química, por isso fico muito preocupada, mas, também fico muito
esperançosa, pois ao mesmo tempo, vejo bons professores vindo por ai! (Professora
Talita – supervisora de Química)
92
Mônada 43
Experimentar mais
O que me marcou, o que trouxe para mim, como física, foi que algumas vezes eu acho
que eu tenho muito pouco conhecimento de Química, ou outra disciplina, no sentido de
que não teria como eu saber mais, porque para eu saber mais, eu preciso experimentar
mais. Se alguém não vier e mostrar algo novo para mim fica difícil saber o que tenho
que ir atrás. A gente se mobiliza porque escutamos uma coisa aqui, vemos outra coisa
ali, mas, se você não escuta, não vê coisas diferentes, não se move. (Professora Glória
– supervisora de Física)
Mônada 44
Continuidade
O nosso trabalho contribui também para a universidade, foi uma maneira de aproximar
a universidade da escola, através de estudantes das Licenciaturas.
Como isso
aconteceu, como que esta proximidade aconteceu e como que esta interdisciplinaridade
aconteceu, de fato, aqui na escola? Porque a coordenação (do projeto) não
acompanhou o desenvolvimento aqui dentro. Se isso tivesse ocorrido, talvez
tivéssemos outros resultados. Não sei se intencionalmente, ou não, mas, isso interferiu
na resposta que tivemos. Quero dizer, se a coordenação tivesse interferido mais,
teríamos realmente os grupos do jeito que eles foram? As escolhas dos temas de outra
maneira? Tudo influenciou no nosso trabalho, até a pessoa que estava ali dando uma
opinião e sugestão, foi resultado do que aconteceu aqui na escola. Então, não foi um
resultado meu, um resultado da Talita, da Irene, da Ieda, nem de um dos Pibidinhos, foi
o resultado de um grupo. O ano que vem, este grupo acaba, porque não temos mais os
Pibidinhos e não temos mais a coordenação. Volta a ser eu, a Talita e a Ieda. E esse
nosso “voltar”, cada uma para sua sala de aula, cada uma fazendo a sua aula, como
era antes, acho um pouco complicado depois de uma experiência como esta. Porque
você vivenciou algo novo, que trouxe pontos positivos isso vai modificar algumas
características do seu trabalho, sem dúvida, e vamos continuar juntas trabalhando.
Acho que a gente tem que sentar e pensar no projeto escolar, para ver o que vamos
fazer depois dessa história com o PIBID. Como podemos dar continuidade nisso?
(Professora Glória – supervisora de Física)
93
94
CONSELHOS
Gravura - Griot, sábio contador de
história africano.
Disponível em:
http://coresdafricabrasil.arteblog.com.br/
image/1275363279-jpg/ - acesso em
06/2010
[...] o narrador figura entre os mestres e os sábios.
Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos,
como o provérbio, mas para muitos casos, como o
sábio. Pois pode recorrer ao acervo de toda uma
vida (uma vida que não inclui apenas a própria
experiência, mas em grande parte a experiência
alheia. O narrador infunde a sua substância mais
íntima também naquilo que sabe por ouvir dizer).
Seu dom é poder contar sua vida, sua dignidade é
contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia
deixar a luz tênue de sua narração consumir
completamente a mecha de sua vida. [...] O narrador
é a figura no qual o justo se encontra consigo
mesmo.
Walter Benjamin
O ouvinte incorpora as coisas narradas
Não é o narrador quem aconselha, é o ouvinte que faz da narrativa um conselho.
A narrativa não termina na história contada, mas, na história ouvida pelo outro, pois “o
narrador retira o que ele conta da experiência: de sua própria ou da relatada por outros”
e incorpora “as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 2012,
p.217). Quando atentamos para o conceito de rememoração de Benjamin, as
lembranças não descrevem os fatos do passado, elas são reelaboradas, atualizadas
pelo sujeito do presente.
Quase que unanimemente, tanto professores experientes como os iniciantes,
contaram sobre seus receios em trabalharem com disciplinas que não são as de suas
formações iniciais. Mesmo os alunos da Licenciatura Integrada em Química/Física, que
experienciaram um currículo nesse formato na graduação, relatam a dificuldade ao ter
que abordar questões na perspectiva da Biologia. Dificuldade também mencionada por
professores da Biologia ao terem que trabalhar com professores da Química e da
95
Física. Até mesmo em momentos de reuniões, os professores ficavam divididos em
grupos, de acordo com as suas disciplinas (Mônada 14).
É possível perceber o sentimento de pertencimento desses professores às suas
comunidades disciplinares de formação e suas mobilizações imprevisíveis ao se
chocarem com a interdisciplinaridade. Mas, esse choque não impediu a produção do
Projeto PIBID, parece ter mobilizado para configurações que possibilitaram o trabalho
interdisciplinar, talvez não da forma como alguns esperavam, harmonioso e tranquilo,
mas sempre na tensão, no embate (Mônadas 3 a 16).
Nas mônadas de diversas narrativas, principalmente de iniciantes à docência,
aparece como marcante, o início dos trabalhos para perceber a cultura material da
escola. Os Pibidinhos, que andavam pela escola, eram atentos a tudo e ao mesmo
tempo, não sabiam no que deveriam se atentar, sem saber se buscavam por alguma
coisa. Seguiam inspirados pelas ideias expostas pela coordenadora do projeto, de
serem como viajantes e não como turistas (Mônadas 16, 17 e 19). Esta metáfora
utilizada em uma das exposições, da coordenadora do projeto, parece ter orientado a
todos os professores.
O receio de seguir um currículo novo, sem modelos prévios, sem se apoiarem
em uma organização rotineira da escola, deixou-os como que suspensos, sem base.
Mas, aos poucos foram percebendo que esse choque, poderia lhes deixar livres para
percepções multifacetadas, cheias de sentidos, diversos daqueles quando entregues a
rotina.
A escritora Cecília Meireles, tinha um fascínio por viagens e escreve várias
crônicas e poesias sobre o tema, publicadas em diversos jornais do país. A ideia do
viajante e do turista, trazida nas mônadas, parece convergir a dessa escritora. Em um
de seus textos, tendo a cidade de Roma como cenário, ela fala sobre a diferença entre
o turista e o viajante. Apresentamos esse texto, como forma de celebrar nossos
percursos e dos professores nesta viagem pelo Projeto PIBID – Ciências da Natureza:
Integração Curricular no Ensino Médio.
96
Grande é a diferença entre o turista e o viajante.
O primeiro é uma criatura feliz, que parte por este mundo com a sua máquina
fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes:
seu destino é caminhar pela superfície das coisas, como do mundo, com a
curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que lhe
apontam, comprando o que lhe agrada, expedindo muitos postais, tudo com
uma agradável fluidez, sem apego nem compromisso, uma vez que já sabe, por
experiência, que há sempre uma paisagem por detrás da outra, e o dia seguinte
lhe dará tantas surpresas quanto à véspera.
O viajante é criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo
enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo,
amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às
mais sublimadas almas do passado, do presente e até do futuro – um futuro
que ele nem conhecerá. O turista murmura como pode o idioma do lugar que
atravessa, e considera-se inteligente e venturoso, se consegue ser entendido
numa loja, numa rua, num hotel.
O viajante dá para descobrir semelhanças e diferenças de linguagem, perfura
dicionários, procura raízes, descobre um mundo histórico, filosófico, religioso e
poético em palavras aparentemente banais; entra em livrarias, em bibliotecas,
compra alfarrábios; deslumbra-se a mirar aqueles foscos papéis e leva, para
tomar um apontamento, mais tempo que o turista em percorrer uma cidade
inteira. Quando lhe dizem que há sol, que o dia é belo, que é preciso sair do
hotel, caminha como empurrado, cheio de saudade daqueles alfabetos,
daqueles misteriosos jogos de consoantes, daquelas fantasmagorias das
declinações. Porta-se diante de um monumento, e começa outra vez a
descobrir coisas: é um pedaço de coluna, é uma porta que esteve noutro lugar,
é uma estátua cuja família anda dispersa pelo mundo, é o desenho de uma
janela, é a cabeça de um anjo que lhe conta sua existência, são as figuras que
saem dos quadros e vêm conversar sobre as relações entre a vida e a pintura,
é uma pedra que o arrebata para o seu abismo interior e o cativa entre suas
coloridas paredes transparentes.
O turista já andou léguas, já gastou a sola dos sapatos e todos os rolos da
máquina – e o viajante continua ali, aprisionado, inerte, sem máquina, sem
prospectos, sem lápis, só com os seus olhos, a sua memória, o seu amor.
(MEIRELES, 2003)
Percebemos nesse viajante, a figura do flâneur de Baudelaire, o qual nos
inspirou para os caminhos com essa pesquisa. Em meio uma multidão de alunos,
professores, e materiais da escola, os Pibidinhos seguiam solitários. Não seguiam com
alguma intenção certa, ou prévia, nem procuravam descobrir essencialidades, apenas
se misturavam, mergulhavam no ambiente da escola, paravam ao se chocarem com
alguma coisa que lhes era percebida, como um “espirro do aluno”, os detalhes da
“arquitetura do prédio do colégio”, a “sala de aula” ou “aplicar uma prova”, formando
configurações carregadas de sentidos e tensões, como mônadas.
97
Nas narrativas, há vários indícios de percepções mudadas pelas ações
desenvolvidas, usaram seus sentidos para perceberem a escola, a educação de muitas
formas (Mônadas 20 a 23).
Após o estudo da cultura material da escola, foram colocadas várias propostas
para escolha do tema que seria trabalhado, como eixo articulador. Esse tema deveria
trazer problemáticas que envolvesse as três disciplinas: Química, Física e Biologia,
como caminhos para possíveis soluções. Depois de algumas leituras, estudos,
planejamentos e da escolha do tema Ciência Forense, os alunos iniciantes à docência
deveriam participar com aulas expositivas e práticas, trabalhando conhecimento de
cada disciplina e ao mesmo tempo de forma interdisciplinar. Nessa fase as professoras
supervisoras e coordenadoras se reuniram para organização dos textos que seriam
lidos, escolha de filmes que pudessem ajudar (Mônada 11 e 15).
As professoras supervisoras buscavam sempre se adiantarem nas pesquisas,
para orientarem os professores iniciantes nos passos seguintes, mas, um modelo
diferente de currículo trouxe imprevistos na escola. Por mais que procurassem por uma
organização e contassem com sua experiência docente anterior, sempre se viam
envolvidas nas imprevisibilidades (Mônadas 5, 18, 25 e 34). Nas ambiguidades das
experiências vividas, essa imprevisibilidade aparece como demanda para mobilizações
em torno do fazer interdisciplinar na escola. No nosso entender, esses imprevistos
seriam momentos de choque.
Todas as quartas-feiras, pela manhã, todo o grupo de professores, iniciantes,
supervisores e coordenadores, se reuniam para discutirem as próximas ações. Na fase
final, as últimas três semanas quando todos assumiram mais compromissos de trabalho
em grupos, houve vários conflitos, angústias, receios, pois, todos tinham caminhado
solitários ou em pequenos grupos divididos por disciplina, a maior parte do tempo de
duração do Projeto, por quase um ano e meio. Quando chegou o momento da
integração, cada um trazia seus compromissos particulares, que precisavam, agora,
serem negociados (Mônadas 13, 18 e 25).
98
Os horários, a disponibilidade de tempo e espaços, os estudos na graduação, as
aulas fora do projeto, a vida de cada um e de todos. Percebemos tensões em quase
todas as mônadas, o medo de fracassarem, de terem que abandonar o Projeto e ao
mesmo tempo uma vontade de seguir em frente. Houve algumas trocas de bolsistas
iniciantes à docência, mas, a maioria ficou até o final. Na escola, os tempos e espaços
destinados a cada disciplina, tiveram que ser negociados e rearranjados para viabilizar
o projeto como um programa da escola, incluído dentro de um cronograma
anteriormente estabelecido (Mônadas 30 a 34).
O projeto não ocorreu somente com ações “extras aulas”, nem com atuação de
professores como voluntários na escola. O fato de existir uma parceria com a
Universidade e a CAPES, através do PIBID, conferiu legitimidade ao trabalho e
consistiu em um incentivo à prática docente. Alguns professores iniciantes mencionam
a importância do recebimento da bolsa para continuarem seus estudos, tendo melhores
recursos para investirem em suas formações como profissionais da Educação (Mônada
24, 26 a 29). A formação desses professores foi também central nas ações do projeto,
nas histórias contadas pelas professoras supervisoras e coordenadora, é perceptível
uma constante preocupação com os licenciandos.
O cotidiano da escola parece permeado por discursos que apontamos como
presentes em documentos oficiais e textos acadêmicos, os quais enfatizam os aspectos
mais epistemológicos e psicológicos, em relação às disciplinas e identidade docente,
colocando a existência de uma “verdadeira interdisciplinaridade” (JAPIASSU, 1976
apud VEIGA-NETO, 2010; FAZENDA, 2011). Discursos esses que apontam para
hibridismos, com marcas de tradições de diversos grupos imersos em diferentes
contextos.
Nas histórias em mônadas, os professores falam de: um espaço-tempo
engessado; lugares e tempos determinados para cada aula e disciplina; conteúdos para
vestibular; cobranças por parte de pais e alunos sobre determinados conteúdos;
trabalhos interdisciplinares considerados como formas de se ganhar nota, não sendo
99
considerados como conteúdos formais; preocupações dos professores com suas
formações disciplinares; e várias vezes a palavra difícil (Mônadas 35 a 39).
Mas todos narram as possibilidades de mudança após se chocarem com a
interdisciplinaridade e sobre expectativas diversas em relação às marcas, ensinamentos
e conselhos deixados pala experiência que viveram. Experiência essa acrescentada as
tradições de cada grupo disciplinar e interdisciplinar, hibridizada a tantas outras do
passado e que irão se hibridizar a tantas outras do futuro (Mônadas 19 a 23, 26 a 29 e,
39 a 44).
Evitando explicações
Seguindo ainda os conselhos de Benjamin, quando afirma que: “metade da arte
narrativa está em, ao comunicar uma história, evitar explicações” pauso aqui esse
trabalho, sem dar muitas explicações, comunicando conselhos a quem possa ouvi-los,
deixando-os “livres para interpretar a história como quiser” (BENJAMIN, 2012, p. 219),
sem deixar, porém, de contar minhas experiências vividas.
Recuperando nossa questão de pesquisa: Como uma experiência de um projeto
de integração curricular interdisciplinar, no Ensino Médio, mobiliza identidades docentes
ligadas às comunidades disciplinares?
Percebo a integração interdisciplinar na escola como uma experiência que
ocorreu sem a perda da identidade docente disciplinar e sem o apagamento da
disciplina na escola, considerando que o professor é constituído pelo discurso
disciplinar e é também constituinte da disciplina. Os professores tiveram suas
formações no formato disciplinar e demonstram receio de trabalhar de forma integrada.
Mesmo para aqueles que cursavam a Licenciatura Integrada em Química/Física, a
maioria dos professores licenciandos participantes do projeto, fica evidente em suas
falas um receio em relação à disciplina Biologia, por exemplo.
Ambiguamente, esse receio do professor em sair do “lugar de sua disciplina”
parece te motivado, como um desafio, pois eles agiram e produziram conhecimento. Ao
100
se chocarem com o objeto interdisciplinaridade, puderam mudar seus sentidos em
relação ao espaço-tempo da escola, houve uma interrupção do tempo rotineiro e
contínuo, reinventaram suas ações na dimensão individual e coletiva. O Projeto PIBID
perturbou o espaço-tempo e os sentidos das pessoas no cotidiano escolar e mobilizou
esses docentes a experienciarem a interdisciplinaridade.
Consideramos que os sujeitos, pertencentes a uma comunidade, não se
mobilizam pela ação em si, mas pelos muitos significados que utilizam para estabelecer
o que significam as coisas e para organizar, codificar suas condutas na relação com os
outros. Os sistemas de codificação dão sentido e permitem que sejam feitas
interpretações, constituindo um
conjunto de sistemas que Hall (2006) chama de
culturas. Portanto, sujeitos pertencentes a comunidades disciplinares não irão se
configurar diante a interdisciplinaridade, motivados por seus pertencimentos, mas,
mobilizados pelo sentido de estabelecer o que pode significar tal termo, codificando-o
para múltiplas interpretações em suas culturas.
Pertencer a uma comunidade pode nos trazer algum alívio momentâneo, mas,
novos conflitos se revelam e nos sentimos novamente incomodados. Somos todos
sedentários e viajantes, aproximando em nós mesmos, o longe e o perto, ou ainda o
tempo passado, presente e futuro. Estamos em tempos e lugares nunca certos, nunca
lineares e contínuos e são essas constantes ambiguidades que nos mobilizam.
Por essa sensibilidade, seria possível afirmar que a divisão do currículo em
disciplinas e a identidade do professor ligada a essas disciplinas como lugares de
pertencimento trazem a tranquilidade típica das classificações modernas e também a
possibilidade de previsões sobre a “fisiologia” do professor e de seu conhecimento.
Benjamin (1989) denuncia a impossibilidade dessa previsibilidade, quando nos
voltamos para a história “a contrapelo”
17
, a história dos acontecimentos do cotidiano,
17
Utilizando a ideia da prática cotidiana de escovar pelo de animais, Benjamin fala de “escovar a história”.
Ao escovar os pelos dos animais, no sentido de crescimento, o animal parece bem cuidado, mais bonito
esteticamente. Porém, se a intenção for retirar resíduos presos ao couro, é preciso escovar a contrapelo,
para que esses resíduos fiquem à vista. Para ele, portanto, escovar a história a contrapelo seria expor as
descontinuidades da história universal, para que as histórias do cotidiano venham à superfície e não
fiquem escondidas em uma aparente homogeneidade. (SANTOS, 2013).
101
rompendo com uma história universal com sujeitos centrados e identidades a priori. Por
isso a admiração pelo Flâneur de Baudelaire, um sujeito descentrado que vive a
imprevisibilidade, com uma história que se configura por choques diante os
acontecimentos do cotidiano.
Assumia sempre novas personagens porque não tinha uma convicção própria.
Flâneur, apache, dandy, trapeiro, eram para ele apenas diferentes papéis.
Porque o herói moderno não é herói — é o representante do herói. A
modernidade heroica revela-se como tragédia em que o papel do herói está
disponível. (BENJAMIN, 2000, p. 29)
Por outro lado, a integração curricular por área de conhecimento, pode conter
intenções de apagamento das disciplinas como uma forma de universalizar o
conhecimento e uniformizar os indivíduos. A ambivalência mobiliza para, diante de cada
situação cotidiana, tomadas como referencial, o posicionamento de forma singular,
mesmo que atravessados e atravessando o macro contexto, a decisão passa pelo micro
contexto.
Podemos ainda, pensar o currículo disciplinar como uma tecnologia de
estruturação do espaço-tempo da escola, com atores que se articulam politicamente por
diversos interesses individuais e coletivos, com identidades que se configuram no
embate, em luta. Trabalhar interdisciplinaridade seria como um choque que pode
paralisar e ao mesmo tempo mobilizar os professores na escola, no sentido de novos
arranjos, onde novas relações de poder se estreitam, como se as fronteiras estivessem
sendo determinadas em novos formatos, por isso dificilmente é harmoniosa. Nas
histórias contadas pelos professores e mesmo nos textos estudados, como fontes para
essa pesquisa, percebemos conflitos presentes, de uma forma ou de outra, em todo
lugar e momento, às vezes silenciado, às vezes explicito.
Longe de termos alguma certeza sobre um currículo integrado interdisciplinar,
como o proposto oficialmente, podemos perceber uma arena de debates, disputas e
negociações.
102
Esperamos que esses conselhos possam trazer algumas contribuições para
discussões sobre a construção de currículos integrados interdisciplinares, por atores
que tiveram suas formações em comunidades disciplinares e que carregam um
sentimento de pertencimento a esses lugares, mas, que flanam por lugares diferentes,
buscando outros arranjos possíveis, transgredindo limites para a interdisciplinaridade.
Esses arranjos vão muito além de um simples querer individual ou uma atitude de cada
um. Ao contrário, são redes complexas que envolvem lutas, constituídas em relações
de poder, quase sempre desiguais.
Acreditamos que percepções das narrativas nos textos apresentados, e de
outras ainda prontas para serem ouvidas, percebidas, podem ser enriquecidas com a
participação de outros. Poderão trazer ricas contribuições na forma de outros
conselhos, adensados em diferentes sentidos na interação com essa pesquisa, ou
ainda, apontar outros caminhos ainda não explorados em nossas flâneries.
103
104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Rozana G. A Integração Curricular na Área de Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio. Dissertação (Mestrado em Educação): Rio de Janeiro: Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 2002.
ARAÚJO, Rodrigo O. O choque do moderno: experiência e narração em Walter
Benjamin. Dissertação (Mestrado em Educação): Salvador: Universidade Federal da
Bahia, 2006.
AUGUSTO, Thaís. G. S.; CALDEIRA, Ana. M. A.. Dificuldades para a implantação de
práticas interdisciplinares em escolas estaduais, apontadas por professores da área de
Ciências da Natureza. Investigações em Ensino de Ciências, vol.12(1), 2007, p.139154.
AUGUSTO, Thaís. G. S.; CALDEIRA, Ana M. A.; CALUZI, João. J.; NARDI, Roberto.
Interdisciplinaridade: Concepções de Professores da Área ciências da Natureza em
Formação em Serviço. Revista Ciência & Educação, v. 10, n. 2, 2004, p. 277-289.
BAUDELAIRE, Charles. O artista, Homem do Mundo, Homem das Multidões e Criança.
In: O Pintor da Vida Moderna. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p.
854-859.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
BENJAMIN, Walter. A Modernidade e os Modernos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasil leira, 2000.
______. O Flâneur. In: Paris do Segundo Império. 2a ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1989, p. 33-63.
______. Obras escolhidas I – Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura
e história da cultura. 8 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2012.
105
BONATTO, Andreia; BARROS, Caroline R.; GEMELI, Rafael. A.; LOPES, Tatiana. B.;
FRISON, Marli. D. Interdisciplinaridade no Ambiente Escolar. In: IX Seminário ANPED
SUL. Caxias do Sul. Anais ISSN 2238-9229, 2012.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394 de 20 de
dezembro, de 1996.
______. Ministério da Educação, Câmara da Educação Básica, Conselho Nacional de
Educação. Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio. Brasília. 1998.
______. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília. 2006.
______. Ministério da Educação, Câmara da Educação Básica, Conselho Nacional de
Educação. Resolução para Definição das Diretrizes Curriculares para o Ensino
Médio. Brasília. 2012.
______. Ministério da Educação, Câmara da Educação Básica, Conselho Nacional de
Educação. Diretrizes Curriculares Gerais da Educação Básica. Brasília. 2013.
______. Ministério da Educação, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Seleção pública de
propostas de projetos de iniciação à docência, voltados ao Programa Institucional
de Iniciação à Docência – PIBID. Brasília. 2007
_______. Ministério da Educação, Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares
para a Educação Básica, Coordenação Geral do Ensino Médio. Programa Ensino
Médio Inovador. Brasília: Ministério da Educação. 2009.
______. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação.
2000.
______. Ministério da Educação, Diretoria de Educação Básica Presencial,
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Relatório Final de
Gestão 2009-2011. Brasília, 2012 b.
106
CRUZ, Lúcia P. Bento Quirino e Cotuca: os passos do ensino profissional em
Campinas. Dissertação (Mestrado em Educação): Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação, 2008.
ESCUDEIRO, Marly U. A Interdisciplinaridade nos Projetos do ensino Médio do
CEFET/SP: Discurso ou Prática? Dissertação (Mestrado em Educação): Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, 2005.
FAZENDA, Ivani C. A. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro:
efetividade ou ideologia. 6 ed.. São Paulo: Edições Loyola, 2011, p. 173.
FEISTEL, Roseli. A .B.; MAESTRELLI, Sylvia. R. P. Interdisciplinaridade na Educação
em Ciências: um olhar de professores formados. In: VIII Encontro Nacional de
Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC). Campinas. Anais [1571-1], 2011.
Disponível em: http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/ viiienpec/trabalhos.htm - acesso
em10/08/2013.
______; ______. Interdisciplinaridade na Formação Inicial de Professores: um olhar
sobre as pesquisas em Educação em Ciências. ALEXANDRIA - Revista de Educação
em Ciência e Tecnologia, v.5, n.1, p.155-176, maio, 2012.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 4 ed. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1984.
______. A Arqueologia do Saber. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
______. O Que São as Luzes? (1984) In: Ditos e Escritos II: Arqueologia das Ciências
e História dos Sistemas de Pensamento. 2 ed. Rio de Janeiro. Editora Forense
Universitária, 2005, p. 335-351.
______. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 36 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes,
2009b, p. 291.
GAGNEBIN, Jeanne. M. Lembrar escrever esquecer. 1ª ed. São Paulo: Editora 34,
2006, 224.
107
______. Walter Benjamin ou a história aberta (prefácio) In: Obras Escolhidas I – Magia
e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. 8 ed. São
Paulo: Editora Brasiliense, 2012, p. 7 - 19.
GOODSON, Ivor. F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.
HALL, Stuart.. A. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções do nosso tempo.
Revista Educação e Realidade, v. 22, n. 2, p. 15-46, 1997.
______. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2003.
______. Quem precisa de identidade? In: SILVA, T. T. (org.). Identidade e Diferença a perspectiva dos Estudos Culturais. 3a ed. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 2004, p.
103-133.
______. Identidade Cultural na pós-modernidade. 11 ed., 1 remp., Rio de Janeiro:
Editora DP&A, 2011.
HARTMANN, Angela. M.; ZIMMERMANN, Erika. O trabalho interdisciplinar no Ensino
Médio: a reaproximação das “Duas Culturas”. Revista Brasileira de Pesquisa em
Educação em Ciências, vol. 7, n. 2, 2007.
JAPIASSU, Hilton. Prefácio. In: FAZENDA, C. A.. Integração e Interdisciplinaridade
no Ensino Brasileiro: efetividade ou ideologia. 6ª ed., São Paulo, Edições Loyola, p.
31- 41, 2011.
JOGRILBERG, Fabio. Benjamin entre o céu e o inferno. In: Existo.com. Filocom USP. Disponível em: http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/ensaio2.html - dez./2006.
Acesso em: 01/2012
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. – 1ª ed.- Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LOPES, Alice. C. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e a
Submissão ao Mundo produtivo: o caso do conceito de contextualização. Revista
Educação & Sociedade [online]. Vol. 23, n. 80, p. 386-400. ISSN 0101-7330, 2002.
108
______. Políticas de Integração Curricular. Rio de Janeiro: Eduerj, 2008a.
______. Por que somos tão disciplinares. Educação Temática Digital, Campinas, v.9,
n. esp., p.201-212, out. ISSN: 1676-2592. 2008b.
LOPES, Alice. C; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. (Apoio FAPERJ). São
Paulo, Cortez, 2011a.
______; ______. Contribuições de Stephen Ball para o Estudo de Política de Currículo.
In: BALL, S. J.; MAINARDES, J. (Org.). Políticas Educacionais: questões e dilemas.
Cortez editora, 2011b.
MACEDO, Elizabeth. Currículo: Política, Cultura e Poder. Currículo sem Fronteiras,
v.6, n.2, p.98-113, Jul/Dez, 2006.
MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma Contribuição para a
análise das Políticas Educacionais. Revista Educação e Sociedade. Campinas, vol.
27, n. 94, p. 47-69, jan./abr. 2006 - Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br –
03/2011.
MEIRELES, Cecília. Roma, turistas e viajantes. In: Crônicas de Viagem. Vol. 3. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Disponível em: http://www.vousairparave
roceu.com/2009/11/diferenca-entre-o-turista-e-o-viajante.html - acesso 06/2012
MELLO, Guiomar. N. A escola do futuro: uma ponte de significa dos sobre a estrada da
informação. In: CONDINNI, Paulo (org.). A Formação de Leitores. Rio de Janeiro: Leia
Brasil, 1999.
MOEHLECKE, Sabrina. O ensino médio e as novas diretrizes curriculares nacionais:
entre recorrências e novas inquietações. Revista Brasileira de Educação, v. 17, n. 49,
p. 39-58, jan/abr, 2012.
OLIVEIRA, Ana. C. G. Formação Profissional, Narrativas e Identidades no
Cotidiano de um Instituto de Pesquisa. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2008.
109
OTTE, Georg. Baudelaire desabrigado - a questão do espaço em Paris do Segundo
Império de Walter Benjamin. Revista Caligrama (UFMG), Belo Horizonte, v. 2, p. 5162, 1997.
______. Linha, Choque e Mônada: Tempo e espaço na obra tardia de Walter
Benjamin. Tese (Doutorado em Letras: Literatura Comparada): Belo Horizonte:
Universidade Federal de Minas Gerais, 1994.
______. Escovando a história a contrapelo: a desaceleração da modernidade em
Walter Benjamin. Cadernos Benjaminianos. Belo Horizonte, n. 3, jan/jun, 2011, p. 6370.
PAULA, Maria F. C. Tensão e ambiguidades em Walter Benjamin: a modernidade em
questão. Revista Plural, Sociologia – USP, São Paulo, n. 1, 1994, p. 106-130.
PETRUCCI-ROSA, Maria I. Experiências interdisciplinares e formação de professore
(a)s de disciplinas escolares: imagens de um currículo-diáspora. Revista ProPosições, v. 18, n. 2 (53), maio/ago, 2007, p. 51-65.
______; QUINTINO, Tânia C. A.; PARMA, Marivaldo; SENE, Isilda. P. Formação de
professores da área de Ciências sob a perspectiva da investigação-ação. Revista
Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1, p. 58-69, 2003.
______; RAMOS, Tacita A.; CORREA, Bianca. R.; ALMEIDA JUNIOR, Admir. S.
Narrativas e Mônadas: potencialidades para uma outra compreensão de currículo.
Currículo sem Fronteiras, v.11, n.1, p.198-217, Jan/Jun 2011.
QUINTINO, Tânia C. A. Alice no País das Maravilhas: Interdisciplinaridade,
Currículo Integrado e um Grupo de Professores que Mergulhou na Toca do
Coelho, Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, 2005.
RAMOS, Tacita A. Um Estudo Genealógico da Constituição Curricular do Curso de
Licenciatura Integrada em Química/Física da UNICAMP (1995 a 2011). Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Campinas: Universidade
Estadual de Campinas. 2012
110
RICARDO, Elio C.; ZYLBERSZTAJN, Arden. O Ensino das ciências no nível médio: um
estudo sobre as dificuldades na implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v.19, n.3, dez. 2002, p.351370.
______; ______. Os Parâmetros Curriculares Nacionais na Formação Inicial dos
Professores das Ciências da Natureza e Matemática do Ensino Médio. Investigações
em Ensino de Ciências, v. 12, n. 3, p. 339-355,2007.
SANTOS, Leandro M. Contribuições sociológicas de Walter Benjamin para pensar a
contemporaneidade: uma breve leitura das Teses sobre o Conceito de História. Revista
Café com Sociologia, vol.2, n. 1, p. 50- 57. ISSN 23170352, 2013.
SILVA, Orisvaldo S.; RODRIGUES, Maria A. A Interdisciplinaridade na Visão de
Professores de Química do Ensino Médio: Concepções e Práticas. In: VII Encontro
Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), Florianópolis. Anais.
ISSN 21766940, 2009.
TAMDJIAN, James. O.; MENDES, Ivan. L. Geografia Geral e do Brasil. São Paulo,
FTD, 2005.
VEIGA-NETO, Alfredo. Tensões Disciplinares e Ensino Médio In: I Seminário
Nacional: Currículo em Movimento - Perspectivas Atuais, Belo Horizonte. Nov, 2010,
p.
1-17.
Disponível
em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com
_content&view=article &id=16110&Itemid=936 – acesso em 05/2014.
111
112
ANEXO I
Fontes das ilustrações que compõe a mônada Bricolagem Flâneur e Flânerie
(página 9)
Diagrama Figura Bricolagem Flâneur e Flânerie
1.
Galeria
de
Paris
(Galerie
Vero
Dodat)
Disponível
em
http://3.bp.blogspot.com/toLyt5iq3Fc/T2tAgNe4yFI/AAAAAAAADJs/jKEsRlu4Z24/s1600/
PSP+00.jpg – acesso em 07/2012
2.
Foto
Túnel
Centro
de
Campinas
SPDisponível
em:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1a/Esta%C3%A7%C3%A3o_ferrovi%
C3%A1ria_-_centro_cultural_de_Campinas_001.jpg – acesso em 07/2012
3. Pintura Uma mulher em uma rua de Paris a noite, de Lionello Balestrieri –
http://pintoresvidaobra.blogspot.com.br/2011/04/lionello-balestrieriDisponível
em:
obras.html - acesso em 07/2012
4. Foto de um Flâneur
sob arcada de Paris – Disponível em:
http://lauramoeller.blogspot.com.br/2011/02/week-2-navigators-flaneurs.html - acesso
em 07/2012
5. Charlie Chaplin - http://tribarte.blogspot.com.br/2011/03/chaplin.html - acesso em
08/2012
6.
Mapa
Centro
de
Campinas,
SP
–
Disponível
em:
https://maps.google.com.br/maps/ms?msa=0&msid=104430042137018938836.00046d
472608f534fde90&dg=feature – acesso em 07/2012
113
7. Foto do Prédio do Instituto Profissionalizante Bento Quirino, depois ocupado
pelo COTUCA. Do livro de Leopoldo Amaral, Campinas Recordações publicado em
1927
–
Disponível
em:
http://4.bp.blo
gspot.com/_Bl7q_K6Trj4/RrAGAhCXpmI/AAAAAAAAA-k/yxafp45WhM/s1600/LA++CR+1927+-+IP+Bento+Quirino+pg000.JPG - acesso em 07/2012
8. Foto corredor COTUCA: Grupo de Professores da disciplina Física do Projeto PIBID
(2010) – Professora Glória (supervisora). Utilizada em slide de apresentação do grupo.
Arquivos de registros do Projeto PIBID
9.
Foto
Rua
Alvares
Machado,
camelódromo
Disponível
http://static.panoramio.com/photos/ large/31489543.jpg - acesso em 07/2012.
em:
10. Bricolagem Flânerie, elaborada pela autora. Composta por diversas ilustrações
do livro Physiologie Du Flâneur de Louis Huart, edição de 1841 – Ilustrações
disponíveis em: http://scaffaleperturbantebuchladen.word press.com/2012/10/02/louishuart-physiologie-du-flaneur-1841/
e
http://www
.williamreese
company.com/shop/reeseco/WRCLIT65502.html – acesso em 06/2012, e mais a
Gravura de Paul Gavarni - Le Flâneur, 1842, ao centro - Disponível em:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/42/Rosler-LeFlaneur.jpg - acesso em
06/2012.
11. Foto grupo de professores que trabalharam no Projeto PIBID, no COTUCA
(2010). Foto apresentada em slide do Grupo de Física. Arquivo de registros do Projeto
PIBID.
12. Foto do Terminal Central, centro de Campinas-SP - Da Dissertação de Mestrado
(UNICAMP), O Centro de Campinas (SP): usos e transformações, de Francis Pedroso,
2007.
114